O Alto Comando Motor

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O alto comando motor

LENT, Robert. Cem Bilhões de Neurônios. Conceitos Fundamentais de Neurociência.


São Paulo: Atheneu, 2001, p. 377.

Todos os dias em que você toma um ônibus para se deslocar ao trabalho ou a


faculdade realiza grande parte do seu repertório de movimentos sem se dar conta
disso. Sentada em um banco, seus olhos acompanham distraidamente a paisagem que
se desloca para trás, mas retornam sempre a um ponto frontal em um ciclo que se
repete muitas vezes. Sua cabeça gira quando entra um passageiro, ou quando uma
buzina soa mais forte. Em um certo momento, você identifica a distância o ponto de
descida, e dá sinal ao motorista para parar. Decide então levantar-se com o ônibus em
movimento para se aproximar da porta de saída. É preciso manter o equilíbrio para
não cair, e ao mesmo tempo andar sobre o trepidante chão do ônibus. O ônibus freia
para parar e você é forçada a identificar rapidamente a posição dos pontos de apoio
para agarrá-los fortemente com as mãos. Com o ônibus parado, você inicia descida da
escada até a terra firme.
Pode parecer que não mas você ativou todo o seu sistema motor nessa rotineira
cena cotidiana. Realizou centenas de movimentos com dezenas de músculos
esqueléticos. Alguns desses movimentos foram atos reflexos, involuntários e
automáticos. Outros foram reações posturais mais complexas, destinadas a mantê-la
em pé mesmo com o ônibus em movimento. Ao mesmo tempo seus olhos buscaram
intencionalmente o ponto de descida e o caminho da porta do ônibus, e você iniciou
conscientemente a seqüência de movimentos voluntários das pernas e dos braços que a
levaram à rua. Tudo ao mesmo tempo. Ou pelo menos em seqüências complexas que
associaram movimentos voluntários com ações involuntárias, movimentos de equilíbrio
corporal com atos de locomoção, movimentos oculares de estabilização da imagem
com olhares de busca de alvos distantes.
O sistema motor trabalhou duro para levá-la sã e salva do banco do ônibus até
a rua! Teve que programar as seqüências corretas de movimentos, iniciá-los cada um
no momento certo, comandar os músculos apropriados, controlá-los para que a força,
a velocidade e a direção dos movimentos fossem exatamente as necessárias, e
interrompê-los um a um para que o seguinte se iniciasse.
O funcionamento completo do sistema motor não se restringe ao comando
direto dos músculos, realizado pela medula espinhal e pelos núcleos motores dos
nervos cranianos. Envolve também ações de planejamento e programação motora
realizada por áreas específicas do córtex cerebral, ações de comando cortical sobre a
medula e o tronco encefálico que modulam os reflexos e os movimentos mais
grosseiros, e um sofisticado sistema de controle realizado pelo cerebelo e pelos núcleos
da base, cujo objetivo é zelar para que os movimentos sejam iniciados e terminados no
tempo certo, e realizados harmonicamente como previsto pelas áreas de planejamento.
Estudaremos primeiro a modulação dos reflexos pelas vias descendentes, depois
as reações posturais coordenadas pelo tronco encefálico e as reações de orientação
sensório-motora que estão sob o controle do mesenséfalo. Depois disto é necessário
estudar o comando motor superior realizado pelas regiões primárias do córtex
cerebral, o controle da motricidade efetuado pelo cerebelo e pelos núcleos da base, e
finalmente, o planejamento e programação motora, isto é, os aspectos mais
complexos que tornam a motricidade a expressão do comportamento e o
mais nítido resultado da consciência humana.

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