Artigo Ives Gandra Filho1 PDF
Artigo Ives Gandra Filho1 PDF
Artigo Ives Gandra Filho1 PDF
DISPUTES BETWEEN THE TST AND THE STF – A PSYCHOLOGICAL ANALYSIS OF LAW
Nos anos de 2016 e 2017, quando presidi o Tribunal Superior do Trabalho, coordenei
também no Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP o Grupo de Pesquisa de Direito do
Trabalho, cujo fruto foram os 2 Cadernos de Pesquisas Trabalhistas editados pela Lex-
Magister, que teve como enfoque metodológico preponderante a análise econômica do
direito, buscando estudar especialmente o impacto das decisões judiciais no domínio
econômico e formular, a partir desses levantamentos, propostas de soluções e de textos
legislativos que melhor compusessem as relações de trabalho, pacificando os conflitos sociais.
Tais cadernos tiveram a virtude de subsidiar, com elementos concretos de jurisprudência,
doutrina e dados econômicos, a reforma trabalhista que se levou a cabo no Brasil em 2017,
consubstanciada nas Leis 13.429 e 13.467. A partir das reações à reforma, favoráveis ou
desfavoráveis, percebi que a análise pura do direito ou mesmo a análise econômica do direito
eram insuficientes para se compreender o fenômeno da reforma, seus antecedentes e seus
efeitos. Seria preciso ir mais a fundo, trilhando caminhos de cunho filosófico, naquilo que
passarei a chamar de análise psicológica do direito, buscando as motivações subjacentes, os
ideais norteadores e as razões não declinadas para que o direito, especialmente o do
trabalho, seja interpretado e aplicado da forma como se extrai da atual jurisprudência do TST
e do STF, especialmente, não raramente conflitantes. Esse será o enfoque e o objetivo do
presente estudo.
Art. 8º (...)
(...)
§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do
Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos
legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do
Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do
negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro
de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na
autonomia da vontade coletiva.
Por que o legislador ordinário teria estatuído regras tão exigentes concernentes à
interpretação da lei e pacificação da jurisprudência pelo Judiciário Trabalhista? Com a reforma
trabalhista, passou-se a exigir, para a edição ou alteração de súmula do TST, além de quórum
qualificado e elevado número de precedentes, a publicidade do “julgamento” e a
participação ampla de entidades na discussão, proibindo-se especialmente a criação de
direitos por meio de súmulas e orientações jurisprudenciais.
Ora, tais regras, tão limitadoras da atividade sumular, provocaram um impasse que
dura até hoje, paralisando a sumulação de sua jurisprudência pelo TST, especialmente pela
exigência da convocação ampla de entidades para sustentação oral de suas razões e
interesses em caso de proposta de edição e alteração de súmulas do TST.
A precursora das “Semanas do TST” foi aquela promovida pelo Min. Francisco Fausto
Paula de Medeiros durante sua presidência do TST, de 23 a 27 de junho de 2003. No entanto,
as realmente impactantes foram as organizadas mais recentemente, na presidência do Min.
João Oreste Dalazen, de 16 a 20 de maio de 2011 e de 10 a 14 de setembro de 2012.
Talvez o exemplo mais emblemático das alterações de súmulas nas Semanas do TST,
no sentido de criação de direito por jurisprudência, foi o da Súmula 277. No caso da revisão
desse enunciado sumular, houve nitidamente exercício de poder legiferante por parte do
Tribunal, uma vez que, sem mudança legislativa e sem precedentes, decidiu a Corte, por
exígua maioria (vencidos os Ministros Cristina Peduzzi, Barros Levenhagen, Ives Gandra,
Renato Paiva, Aloysio Veiga, Maria Calsing, Dora Costa, Pedro Manus, Fernando Ono, Caputo
Bastos e Márcio Eurico), mudar a sinalização do referido verbete sumulado.
Com efeito, o referido verbete sumulado, em sua redação anterior, assim dispunha:
A exceção do item II da redação anterior da súmula dizia respeito a norma legal que
previa a ultratividade da norma coletiva, nos seguintes termos:
“Art. 1° A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem
por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas
nesta lei.
§ 1° As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram
os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas
por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho” (grifos nossos).
Ora, tal dispositivo legal foi expressamente revogado pelo art. 18 da Lei 10.192/01.
Ou seja, a vontade positiva do legislador foi a de que não houvesse mais a integração das
normas coletivas aos contratos individuais de trabalho.
No entanto, o TST, por sua corrente majoritária, fez renascer o dispositivo revogado,
usando praticamente sua mesma dicção, ao dispor:
Quase que como reconhecimento de atividade legiferante pelo TST, já que a mudança
de orientação da Súmula 277 se deu com a carência absoluta de precedentes jurisprudenciais,
o site do TST, na época, publicou artigo doutrinário de três ministros da Corte expondo a
“ratio decidendi” da nova redação, com chamada rotativa e posterior publicação na Revista do
TST (Augusto César Leite de Carvalho, Kátia Magalhães Arruda e Maurício Godinho Delgado,
“A Súmula n. 277 e a Defesa da Constituição”, Revista do TST, ano 78, out/dez 2012). Foi uma
justificativa, em 2012, para dar as razões da virada jurisprudencial sem precedentes.
De qualquer forma, o STF suspendeu a Súmula 277 do TST por decisão liminar do Min.
Gilmar Mendes, na ADPF 323, que registrou que, “da análise do caso extrai-se
indubitavelmente que se tem como insustentável o entendimento jurisdicional conferido pelos
tribunais trabalhistas ao interpretar arbitrariamente a norma constitucional” (exarada em
14/10/16).
O que se verificou, no caso das Semanas do TST, foi que, em face da nova composição
do TST, decidiu-se promover uma revisão da jurisprudência. Ou seja, os novos ministros que
ingressaram na Corte buscaram não apenas influir na formação da jurisprudência a partir de
seu ingresso, mas também rediscutir jurisprudência já pacificada, para conformá-la à nova
maioria formada no Tribunal.
Ora, esse último viés, de mudar o passado pacificado, para conformá-lo à nova
corrente majoritária, a par de não ser usual, fez-se de forma contrária às normas regimentais
de sumulação (que exigiam parecer prévio da Comissão de Jurisprudência e discussão com
base em precedentes) e com via de mão quase única, fortemente ampliativa de direitos pela
via judicial.
Num quadro gráfico semelhante ao das semanas do TST, podemos elencar quais as
súmulas afetadas pela reforma trabalhista, que, portanto, por estarem superadas, deveriam
ser canceladas, bem como as que exigem alteração, para compatibilização com os termos da
Lei 13. 467/17:
V) A RESISTÊNCIA
Ora, o que se tem visto antes e após a reforma, notadamente no órgão de cúpula da
Justiça do Trabalho, é uma postura refratária não só à reforma, mas à jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal em matéria trabalhista, cujos exemplos mais recentes e notórios
são os casos relativos à responsabilidade subsidiária da administração pública, à terceirização
de serviços, e à negociação coletiva.
A história das idas e vindas, entre TST e STF, da questão relativa à responsabilidade
subsidiária da administração pública por obrigações trabalhistas descumpridas pelas empresas
terceirizadas que contrata, pode ser resumida nos seguintes capítulos.
O legislador ordinário, no art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, foi taxativo ao afastar a
responsabilidade subsidiária da administração pública pelo inadimplemento das obrigações
trabalhistas por parte das empresas terceirizadas que lhe prestem serviços, nos seguintes
termos:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais
e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais
e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu
pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o
uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis (grifos nossos).
Em que pese a clareza da norma, o TST, em 2000, deu nova redação ao inciso IV da
Súmula 331, para reconhecer a responsabilidade subsidiária também em relação à
administração pública, pelos seguintes fundamentos:
Na ADC 16-DF (Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 08/09/11), o STF veio a reconhecer a
constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93 (que o TST, sem declarar sua
inconstitucionalidade, havia afastado a aplicação na esfera laboral), mas admitindo
excepcionalmente a responsabilidade subsidiária da administração pública, nos casos de culpa
comprovada, in eligendo ou in vigilando.
Assim, o TST reviu sua Súmula 331, alterando a redação do inciso IV, e incluindo o
inciso V, que trata especificamente da responsabilidade subsidiária da administração pública,
nos seguintes termos:
Em que pese tais decisões do Pretório Excelso, a SBDI-1 do TST, em 12/12/19, em sua
composição plena, entendendo que a Suprema Corte não havia firmado tese quanto ao ônus
da prova da culpa in vigilando ou in eligendo da Administração Pública tomadora dos serviços,
atribuiu-o ao ente público, em face da teoria da aptidão da prova (TST-E-RR-925-
07.2016.5.05.0281, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão).
Ora, após tal posicionamento da SBDI-1 do TST, o STF, por suas 2 Turmas, em
reclamações, deixou claro que, de acordo com o figurino dos precedentes da ADC 16 e do RE
760.931, é do reclamante o ônus da prova da culpa in eligendo ou in vigilando da
administração pública quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas pelas empresas
terceirizadas.
Ou seja, de acordo com o entendimento do STF, apenas nas hipóteses em que fique
claro na decisão regional que foi comprovada pelo reclamante a culpa in eligendo ou in
vigilando da administração pública é que se poderia condená-la subsidiariamente. As
hipóteses de culpa presumida ou decorrente de inversão do ônus da prova, como a de
atribuição da responsabilidade por mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por
parte da prestadora de serviços, foram descartadas pelo Pretório Excelso nos precedentes
vinculantes supra referidos.
Note-se, em suma, que, pela literalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, a regra é a
não responsabilização da administração pública pelos créditos judiciais trabalhistas de
empregados terceirizados, e a contemporização do STF, abrindo exceção à regra, fica limitada
e balizada pelas decisões da própria Suprema Corte, que, portanto, não comportam
elastecimento por parte da Justiça do Trabalho.
Resistência interpretativa
Ao seguir a divergência, o ministro Luís Roberto Barroso observou que o Supremo, no
RE 760931, reiterou o entendimento firmado na ADC 16, especificando a
impossibilidade de transferência automática da responsabilidade. “O que se verificou
foi que o padrão de decisões nessas matérias continua a ser o mesmo”, afirmou.
Segundo ele, há uma resistência do TST em aplicar o entendimento do STF (grifos
nossos).
Pois a resistência foi reafirmada dois dias depois (10/09) pela SDI-1 do TST, quando do
julgamento do processo E-ED-RR 62-40.2017.5.20.0009 (Rel. Min. Márcio Eurico Vitral
Amaro), em que a subseção, em sua composição completa, reafirmou o precedente anterior,
por maioria de votos (vencidos os Ministros Alexandre Ramos, que abriu a divergência, Maria
Cristina Peduzzi, Aloysio Corrêa da Veiga e Breno Medeiros), em que pese os alertas sobre as
reclamações acolhidas pelo STF. O argumento dominante foi o de que, o STF, ao examinar o
Tema 246 de repercussão geral, “não emitiu tese jurídica de efeito vinculante em relação ao
ônus da prova” e que “não se pode exigir do trabalhador a prova de fato negativo ou que
apresente documentos aos quais não tenha acesso, em atenção ao princípio da aptidão para a
prova”. Na ocasião, foi criticada a posição da 4ª Turma do TST, única a não seguir a
jurisprudência da SDI-1. E por boa razão.
A Súmula 331 do TST constituiu, por mais de 2 décadas, o marco regulatório por
excelência do fenômeno da terceirização na seara trabalhista, editada que foi em atenção a
pedido formulado pelo MPT, em 1993, de revisão da Súmula 256, que era superlativamente
restritiva da terceirização, limitando-a às hipóteses de vigilância (Lei 7.102/83) e trabalho
temporário (Lei 6.019/74). Assim rezava a Súmula 256 do TST, editada nos idos de 1986:
De nada serviu a sinalização. Mas o que condenou a Súmula 331 do TST, em seu
núcleo conceitual central do inciso III, sobre a licitude da terceirização apenas de atividades-
meio das empresas tomadoras de serviços, foram os exageros no enquadramento de
atividades das empresas, generalizando a ideia de atividade-fim, especialmente quanto aos
serviços de call center prestados para bancos (cfr. TST-RR-1785-39.2012.5.06.0016) e
concessionárias de serviços de telecomunicações (cfr. TST-E-ED-RR-2707-41.2010.5.12.0030) e
energia elétrica (cfr. TST-RR-574-78.2011.5.04.0332), além dos casos de cabistas (cfr. TST-E-
ED-RR-234600-14.2009.5.09.0021), leituristas (cfr. TST-E-ED-RR-1521-87.2010.5.05.0511) e
vendedores no ramo de transporte rodoviário (cfr. TST-E-RR-1419-44.2011.5.10.0009), apenas
para citar os mais comuns.
O que mais chamava a atenção nas decisões do TST contrárias à terceirização era o
fato de que qualquer argumento era válido para se afastar a literalidade das normas legais
autorizativas da terceirização, como se pode observar do seguinte precedente, colhido entre
tantos:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
(...)
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
(...)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante
acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de
revezamento, salvo negociação coletiva;
(...)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.
O Supremo Tribunal Federal prestigiou tais dispositivos constitucionais e tem revisado a
jurisprudência do TST refratária à flexibilização de direitos mediante negociação coletiva, nos
seguintes termos:
No voto do saudoso Min. Teori Zavascki nesse leading case, adotou-se explicitamente a
teoria do conglobamento, segundo a qual o acordo e convenção coletivos são fruto de
concessões mútuas, cuja anulação não pode ser apenas parcial em desfavor de um dos
acordantes nem depender de explicitação de vantagens compensatórias à flexibilização de
direitros:
Considerando a natureza eminentemente sinalagmática do acordo coletivo, a anulação
de uma cláusula tão sensível como essa demandaria certamente a ineficácia do acordo
em sua integralidade, inclusive em relação às cláusulas que beneficiam o empregado.
Aparentemente, o que se pretende é anular uma cláusula, que poderia ser contrária ao
interesse do empregado, mas manter as demais. Não vejo como, num acordo que tem
natureza sinalagmática, fazer isso sem rescindir o acordo como um todo” (págs. 39-40
do inteiro teor do acórdão) (grifos nossos).
“Então, eu concluía, Presidente, dizendo que talvez o TST tenha de fazer uma reflexão
com base no próprio Evangelho: talvez querendo fazer o bem, está fazendo o mal (cfr.
págs. 46-48 do inteiro teor do acórdão) (grifos nossos).
No RE 895.759 (Rel. Min. Teori Zavaski, DJE 13/09/16), aplicando o precedente do Tema
152, do Min. Roberto Barroso, para o caso de supressão das horas in itinere, assim decidiu,
ressaltando, mas não condicionando, a avença às vantagens compensatórias, implícitas ou
explícitas, pois a vontade da categoria, manifestada em assembleia geral, deve ser respeitada:
Em que pese todas essas sinalizações da Suprema Corte, o TST continuou invalidando
normas coletivas que flexibilizavam direitos trabalhistas, especialmente no campo das horas
in itinere, entendendo que a negociação coletiva seria fundamentalmente para ampliar
direitos laborais, não para reduzi-los.
Ou seja, o STF já vinha aplicando a outros casos de redução de direitos por negociação
coletiva os fundamentos do precedente do Tema 152, mas não seguido pelo TST, razão de
nova rediscussão da matéria.
4) “ET ALIA”
a) Contribuição Sindical, que a reforma trabalhista tornou voluntária (CLT, art. 578),
sendo considerada constitucional pelo STF (ADI 5794, Red. Min. Luiz Fux, julgada em
29/06/18), mas restaurada por TRTs através da contribuição negocial obrigatória para toda a
categoria, cassadas pelo STF em reclamações;
b) Equiparação entre Terceirizados e Empregados Públicos, vedada pelo STF,
reformando jurisprudência remansosa do TST, com teses para o Tema 383 sugeridas pelo
Redator designado (“A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora
de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre
iniciativa, por se tratarem de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a
decisões empresariais que não são suas") (RE 635.546, Red. Roberto Barroso, julgado pelo
Plenário Virtual em 21/09/20) e pelo Min. Alexandre de Moraes (“A equiparação de direitos
trabalhistas entre terceirizados e empregados de empresa pública tomadora de serviços
não pode ser concedida judicialmente, com base no princípio da isonomia e na previsão
do artigo 7º, XXXII, da Constituição Federal de 1988”), ainda pendentes de definição final,
vencidos quanto ao mérito os Min. Marco Aurélio (relator), Ricardo Lewandowski, Edson
Fachin e Rosa Weber;
c) Correção Monetária dos débitos judiciais trabalhistas, em que o TST sinalizou no
sentido aplicação do IPCA-E (ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, Rel. Min. Cláudio Brandão,
julgado em 04/08/15), louvando-se em parte da fundamentação das ADIs 4357, 4372, 4400 e
4425, mas olvidando-se de que o Pretório Excelso havia contrabalançado a elevação do índice
de correção com a redução dos juros, o que tornava o débito trabalhista o mais bem
remunerado em relação a todos os demais débitos judicias (cíveis, administrativos,
previdenciários e fiscais), o que levou o STF a determinar a suspensão de todos os processos
com essa temática, até o final do julgamento da ADC 58 (Rel. Min. Gilmar Mendes).
5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas
hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em
precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de
poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de
preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação,
fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação
apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte
(remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se
destina (traduzir a inflação do período).
6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos
em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança
vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre
débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte
processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos
juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161,
§1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão
“independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído
pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza
tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e
qualquer crédito tributário (grifos nossos).
A Súmula 372, I, do TST constitui hipótese típica de atividade legiferante pelo TST,
na medida em que, sem base em norma legal específica, mas apenas invocando o princípio
constitucional da irredutibilidade salarial, insculpido no inciso VI do art. 7º da CF, que, por
sua vez, é passível de flexibilização, criou vantagem trabalhista, nos seguintes termos:
Tal dispositivo constava da redação original da CLT, desde 1943, sendo que apenas
em 1996, após a Constituição de 1988 elencar como direito trabalhista o da irredutibilidade
salarial, é que o TST veio a editar orientação jurisprudencial e limitar a norma contida no
parágrafo único do art. 468 da CLT, admitindo a reversão ao cargo efetivo, mas vedando a
perda da gratificação de função.
Ora, o ilustre relator desse “leading case” não cogitou de silêncio eloquente do
legislador, quando a não inclusão de exceção significa que a regra não as admite. Por outro
lado, a fixação de parâmetro concreto pela jurisprudência constitui nítida invasão da esfera
legislativa, como no caso do estabelecimento da incorporação da gratificação de função pelo
seu exercício por mais de 10 anos. Por quê não 5 anos, como constava antes no Estatuto dos
Servidores Públicos Civis da União? Tal concretização de parâmetro não previsto em lei é a
prova maior de se estar legislando através de decisão judicial e não apenas suprindo lacuna.
Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do
ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei (grifos
nossos).
Pois bem, um dos verbetes sumulados do TST que foi tratado especificamente pela
Lei 13.467/17 foi justamente a Súmula 372, com a inclusão do § 2º ao art. 462 da CLT, com a
seguinte redação, “verbis”:
Como já se referiu, o item I da Súmula 372 do TST não conta com respaldo legal,
mas apenas principiológico, da estabilidade financeira do empregado, sendo absolutamente
discricionário o verbete, inclusive nos seus parâmetros, de 10 anos e de não reversão por justa
causa, em nítida manifestação de ativismo judiciário, oportunamente reformado pela Lei
13.467/17.
Ora, a clássica definição de direito adquirido de Gabba, ilustre jurista italiano que
influenciou diretamente nosso Código Civil de 1916, e que é repetida unissonamente pela
doutrina pátria, se expressa nos seguintes termos:
Ora, o que mais impressiona no caso da Súmula 372 do TST é que seus termos têm
sido ampliados para contemplar hipóteses por ela não previstas, que são a variação da
gratificação recebida, a descontinuidade na percepção da gratificação e a não
implementação dos 10 anos de percepção da gratificação, conforme se extrai dos seguintes
julgados paradigmáticos:
Ou seja, além da Súmula 372, I, do TST criar vantagem trabalhista sem base legal,
o Tribunal vem ampliando as condições para fazer jus ao direito, admitindo a incorporação
com menos de 10 anos de exercício de cargo e também pela soma de períodos descontínuos,
e mesmo em caso de que havia variação das gratificações percebidas pelo empregado, o que,
inclusive, enfraquece a tese da reversão ao cargo efetivo como sendo obstativa da aquisição
do “direito”, se as funções são ocupadas alternadamente, conforme a conveniência do
empregador em cada período.
1) SERVIDORES PÚBLICOS
Foi o que defendemos no XIV Congresso Nacional dos Advogados Trabalhistas, quando
jovem procurador do trabalho, em painel compartilhado com a então juíza do trabalho Rosa
Maria Weber Candiota da Rosa (cfr. Anais do XIV CONAT, 22 a 25 de outubro/91 – Foz do
Iguaçu, Editora Consulex – 1991 – Brasília, págs. 60-66).
A tônica dos argumentos expendidos no acórdão desse leading case apontavam para a
inconveniência de uma girada competencial de 180°, passando-se de uma Justiça Comum
Federal ou Estadual que, em matéria administrativa, pauta-se pelo extremo legalismo, numa
relação em que o Estado impõe as normas a seus servidores, para uma Justiça do Trabalho
notadamente protecionista, do que considera a parte mais frágil da relação de trabalho, que é
o empregado. Seria uma guinada que traria consideráveis ônus para o erário.
Ou seja, em verdadeiro braço de ferro que prossegue até o momento, chegam ao TST
centenas de casos em que se reconhece a competência da Justiça do Trabalho em ações de
servidores públicos contra Estados e Municípios, calcadas no fato de que a contratação teria
sido nula, por ausência de concurso público, ou teria extrapolado o tempo permitido por lei,
sempre recaindo, segundo as decisões recorridas, no regime celetista a relação. Ora, o
posicionamento do STF foi claro no referido precedente cautelar, no sentido de que cabe à
Justiça Comum apreciar a natureza do vínculo. Se reconhecer ser celetista, então, sim,
declinará da competência para a Justiça do Trabalho.
2) PRESTADORES DE SERVIÇO
O mesmo art. 114, I, da Constituição Federal, tal como alterado pela EC 45/04, deu
azo à tese, pela literalidade de sua redação, à ampliação da competência da Justiça do
Trabalho para as demais relações de trabalho que não apenas a relação de emprego.
Com efeito, da mesma forma que a relação de emprego regida pela CLT derivou do
contrato de locação de serviços do antigo Código Civil de 1917, a Reforma do Judiciário de
2004 teria trazido para a Justiça do Trabalho a apreciação das controvérsias relativas a todos
os demais contratos de prestação de serviços elencadas no atual Código Civil de 2002,
inclusive pela similaridade de direitos constantes nas suas várias modalidades, comparadas ao
contrato de trabalho.
Súmula 363 do STJ – Compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança
ajuizada por profissional liberal contra cliente (DJ de 03/11/08).
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO.
JUSTIÇA TRABALHISTA: INCOMPETÊNCIA. I. - Somente a ofensa direta à Constituição
autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a
interpretar normas infraconstitucionais. II. - É incompetente a justiça trabalhista para
dirimir controvérsia que não decorra da relação de emprego. Precedente. III. - Decisão
contrária aos interesses da parte não configura negativa de prestação jurisdicional. IV.
- A verificação, no caso concreto, da ocorrência, ou não, de violação ao direito
adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada situa-se no campo
infraconstitucional. V. - Agravo não provido (RE 472.861, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos
Velloso, DJ de 07/05/04) (grifou-se) No caso se discutia a competência da Justiça do
Trabalho para a execução de contrato civil de honorários advocatícios.
Mais recentemente, o STF analisou caso mais concreto de relação de trabalho que
classificou como não pertinente à competência da Justiça do Trabalho, que a vinha julgando
há anos:
3) COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA
O que chama a atenção no caso, repita-se, é que por anos a competência foi
reconhecida como sendo da Justiça do Trabalho, tendo o STF retirado essa competência a
partir de nova leitura do texto constitucional, admitindo que era uma das possíveis
interpretações, mas que a adotava agora em face da racionalidade e efetividade que se
esperaria da Justiça Comum.
Ou seja, a Justiça do Trabalho tem batalhado por manter e ampliar sua competência
constitucional para dirimir todas as questões ligadas ao trabalho humano, postulando,
inclusive competência penal (PEC 327/09) no caso dos crimes contra a organização do
trabalho (CP, arts. 197 a 207) e de exploração do trabalho escravo (CP, art. 149: “Reduzir
alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto”), pois “ninguém abre mão de competência”, como diz o jargão jurídico. No entanto,
o que se tem visto é a redução paulatina da competência da Justiça Laboral, não obstante as
normas constitucionais que a tenham ampliado, uma vez que a jurisprudência do STF tem
apontado para os excessos protetivos desse ramo do Judiciário e os perigos de se lhe atribuir
competência para dirimir todas as espécies de relações de trabalho passíveis de serem
estabelecidas.
Como, sob o prisma da psicologia racional, disciplina filosófica que estuda a natureza
humana e seu modo de agir, a vontade é a potência da alma humana que decide, sofrendo as
influências da inteligência que conhece racionalmente a realidade e o sentimento que a intui,
é o voluntarismo jurídico o centro em torno do qual giram os dois outros fenômenos da
psicologia das decisões judiciais.
Há muitos magistrados que reconhecem que primeiro sentem a decisão que deveriam
tomar e que depois a fundamentam. O mais natural seria que a decisão judicial fosse o fruto
de um processo lógico dedutivo (e não intuitivo), em que se comparando o ordenamento
jurídico com os fatos da causa, conclui-se se tais fatos se enquadram na hipótese legal,
reconhecendo-se, assim, o direito e a quem pertence.
O ativismo judiciário tem sido muito criticado por toda a sociedade, pela insegurança
jurídica que gera, provocando a invasão judicial na esfera legislativa e, como se diz
proverbialmente, “cada cabeça, uma sentença”, e, não havendo respeito aos precedentes
vinculantes ou persuasivos do STF e das instâncias superiores, quem fica desnorteado é o
jurisdicionado e, na seara laboral, não apenas o empresariado, mas a massa trabalhadora,
pelas falsas expectativas geradas por decisões que serão reformadas futuramente. Diga-se de
passagem que tal ativismo tem se consubstanciado igualmente em invasão na esfera
executiva, com decisões judiciais querendo traçar políticas públicas (como no caso de
programas de combate ao trabalho infantil) ou de judicialização da política, interferindo-se na
esfera própria do Poder Executivo.
Interessante notar que há também um ativismo legislativo, consubstanciado no
positivismo jurídico, quando o legislador constitucional ou ordinário disciplina determinadas
matérias vitais à margem ou contra o Direito Natural. Exemplo disso seriam os direitos à vida,
liberdade e propriedade, que, como direitos humanos fundamentais, não poderiam ser
tratados de forma a se relativizar o primeiro, cercear o segundo e coletivizar o terceiro. Mas
uma coisa é reconhecer constitucionalmente um desses direitos humanos fundamentais e
outra, diferente é o modo de serem esgrimidos. Não poderia, por exemplo, a liberdade se
tornar libertinagem ou ao direito de propriedade se negar sua função social.
Nesse sentido, no momento de se criar direito novo por decisão judicial, o que acaba
imperando são os argumentos de natureza sentimental, especialmente calcados no princípio
da dignidade da pessoa humana, princípio esse de baixa densidade normativa, vez que apenas
enunciado nominalmente na Carta Política (art. 1º, III), sem qualquer especificação maior. Daí
que, por exemplo, nos debates sobre aborto de feto anencefálico, foi utilizado por ambos os
lados na ADI apreciada pelo STF, quer para defender a vida em gestação, quer para defender o
direito da mulher a se desfazer de criança indesejada.
Com efeito, milhares de decisões prolatadas pelo TST (numa pesquisa em setembro
de 2020 no site do TST, foram quase 150.000 decisões elencadas, sabendo-se que o Tribunal
julga cerca de 300.000 processos por ano) têm como um de seus fundamentos o de que o
direito deve ser reconhecido ao trabalhador com base na dignidade da pessoa humana. Daí se
compreenda a perplexidade do empresariado nacional ao ver ampliado substancial e
paulatinamente o rol de encargos trabalhistas que devem assumir, pela concessão de
vantagens adicionais pela via jurisprudencial.
Nesse contexto, cabe ao ministro do TST, nas decisões que não reconhecem a
transcendência de determinado recurso, dizer suscintamente porque não julga a causa, e não
porque o recorrente não tem razão. E pode fazê-lo monocraticamente, desde que
fundamentada a decisão, que, em se tratando de agravo de instrumento, é irrecorrível, nos
termos do § 5º do art. 896-A da CLT. Essa a maior vantagem da transcendência em termos de
celeridade processual.
Em que pese o Órgão Especial do TST já haver se pronunciado no sentido da
constitucionalidade do referido dispositivo de lei (Ag-MS-1000354-22.2019.5.00.0000, Rel.
Min. Breno Medeiros, julgado em 02/12/19), a 7ª Turma da Corte insistiu em arguir sua
inconstitucionalidade para que fosse discutida no Pleno do TST (ArgInc-1000845-
52.2016.5.02.0461), naquilo que vislumbramos um andar para trás na prestação jurisdicional,
pois atualmente a quase totalidade dos processos que se encontram no TST para julgamento já
estão no regime da transcendência. Eventual acolhimento da tese da inconstitucionalidade,
por desrespeito ao acesso ao colegiado, importaria em dois resultados práticos: aumento
substancial de recursos internos ou demora substancial no julgamento dos agravos de
instrumento, por necessitarem de inclusão em pauta e aguardo de prazos maiores previstos
no Novo CPC, em notório desserviço à prestação jurisdicional célere, que sempre foi o
apanágio maior da Justiça do Trabalho, conjuntamente com sua vocação conciliadora.
IX) CONCLUSÃO
Por outro lado, o ativismo judiciário não é privilégio nem apanágio exclusivo da Justiça
do Trabalho, uma vez que estendido por todos os ramos do Poder Judiciário e especialmente
notado na própria Suprema Corte.
BIBLIOGRAFIA: