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CONFRONTO ENTRE TST E STF – UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA DO DIREITO

DISPUTES BETWEEN THE TST AND THE STF – A PSYCHOLOGICAL ANALYSIS OF LAW

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO


Ministro Decano do TST
Mestre e Doutor em Direito pela UnB e UFRGS
Professor de Direito da ENAMAT e do IDP

SUMÁRIO: I) Introdução; II) A Ponta do Iceberg;


III) As “Semanas do TST”; IV) A 3ª Lei de Newton;
V) A Resistência: 1) Responsabilidade Subsidiária
da Administração Pública; 2) Ilicitude na
Terceirização de Serviços; 3) Flexibilização da
Legislação Laboral por Negociação Coletiva; 4) “Et
Alia”; VI) Morfologia do Ativismo Judicial
Trabalhista; VII) Redução Paulatina da
Competência da Justiça do Trabalho: 1) Servidores
Públicos; 2) Prestadores de Serviços; 3)
Complementação de Aposentadoria; VIII)
Psicologia do Protecionismo Judicial Trabalhista;
IX) Conclusão.

RESUMO: O presente artigo busca compreender o


viés fortemente protecionista da Justiça do
Trabalho e seu confronto com a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal em matéria trabalhista
à luz de casos concretos, adentrando nas possíveis
motivações e nas consequentes reações à
jurisprudência oriunda do TST.

ABSTRACT: This study have the objective of


understanding the highly worker protectionism of
the Brazilian Labor Justice and its conflict against
the jurisprudence of the Supreme Court in labor
affairs by the analysis of special cases, searching
the motivations and the reactions to the
jurisprudence of Superior Labor Court.

PALAVRAS-CHAVE: Reforma Trabalhista – Súmulas


do TST – Protecionismo da Justiça do Trabalho –
Mente do Magistrado – Ativismo judicial –
Competência da Justiça do Trabalho.

KEY WORDS: Labor Reform – Jurisprudence of


Labor High Court – Protectionism of Labor Justice
– Mind of the Magistrate – Judicial Activism –
Competence of Labor Justice -
I) INTRODUÇÃO

Nos anos de 2016 e 2017, quando presidi o Tribunal Superior do Trabalho, coordenei
também no Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP o Grupo de Pesquisa de Direito do
Trabalho, cujo fruto foram os 2 Cadernos de Pesquisas Trabalhistas editados pela Lex-
Magister, que teve como enfoque metodológico preponderante a análise econômica do
direito, buscando estudar especialmente o impacto das decisões judiciais no domínio
econômico e formular, a partir desses levantamentos, propostas de soluções e de textos
legislativos que melhor compusessem as relações de trabalho, pacificando os conflitos sociais.
Tais cadernos tiveram a virtude de subsidiar, com elementos concretos de jurisprudência,
doutrina e dados econômicos, a reforma trabalhista que se levou a cabo no Brasil em 2017,
consubstanciada nas Leis 13.429 e 13.467. A partir das reações à reforma, favoráveis ou
desfavoráveis, percebi que a análise pura do direito ou mesmo a análise econômica do direito
eram insuficientes para se compreender o fenômeno da reforma, seus antecedentes e seus
efeitos. Seria preciso ir mais a fundo, trilhando caminhos de cunho filosófico, naquilo que
passarei a chamar de análise psicológica do direito, buscando as motivações subjacentes, os
ideais norteadores e as razões não declinadas para que o direito, especialmente o do
trabalho, seja interpretado e aplicado da forma como se extrai da atual jurisprudência do TST
e do STF, especialmente, não raramente conflitantes. Esse será o enfoque e o objetivo do
presente estudo.

Tal enfoque visa compreender melhor as forças que desencadearam a reforma


trabalhista e, principalmente, as forças de resistência à reforma, que se manifestam
atualmente. A partir da análise de casos se procurará extrair a motivação predominante na
formação da jurisprudência, de modo a detectar elementos comuns à tendência num ou
noutro sentido, de forma a se poder concluir quanto ao que se pode esperar do Direito do
Trabalho e da Justiça do Trabalho na composição prévia ou posterior dos conflitos entre o
capital e o trabalho, e o papel pacificador final do STF. Em suma, a análise não ficará na
superfície, quanto a serem as decisões mais favoráveis aos trabalhadores ou aos
empregadores, ou se a Justiça do Trabalho é mais protecionista ou mais liberal, progressista ou
conservadora, mas busca as causas dessas tendências, verificando se pode ser reconhecida a
existência de uma diretriz interpretativa e aplicativa do Direito Laboral pela Justiça do
Trabalho. Naturalmente que tal análise psicológica do Direito pode ser aplicada a todos os
ramos do Direito e do Judiciário, mas aqui nos deteremos no estudo de casos na esfera
trabalhistas, extraindo deles nossas conclusões.

II) A PONTA DO ICEBERG

Buscando por onde iniciar essa análise psicológica, pareceram-nos emblemáticas,


como uma ponta visível do iceberg do embate ideológico em torno da conformação do Direito
do Trabalho, as alterações promovidas pela reforma trabalhista de 2017 quanto à
metodologia de interpretação da lei e de pacificação da jurisprudência pelas Cortes Laborais,
assim estampadas nos seguintes dispositivos da CLT, incluídos ou alterados pela Lei 13.467/17:

Art. 8º (...)
(...)
§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do
Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos
legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do
Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do
negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro
de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na
autonomia da vontade coletiva.

Art. 702. Ao Tribunal Pleno compete:


I – em única instância:
(...)
f) estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo
voto de pelo menos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido
decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas
em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por
maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou
decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial;
(...)
§ 3º As sessões de julgamento sobre estabelecimento ou alteração de súmulas e
outros enunciados de jurisprudência deverão ser públicas, divulgadas com, no mínimo,
trinta dias de antecedência, e deverão possibilitar a sustentação oral pelo
Procurador-Geral do Trabalho, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, pelo Advogado-Geral da União e por confederações sindicais ou entidades de
classe de âmbito nacional.
§ 4º O estabelecimento ou a alteração de súmulas e outros enunciados de
jurisprudência pelos Tribunais Regionais do Trabalho deverão observar o disposto na
alínea f do inciso I e no § 3o deste artigo, com rol equivalente de legitimados para
sustentação oral, observada a abrangência de sua circunscrição judiciária (grifos
nossos).

Por que o legislador ordinário teria estatuído regras tão exigentes concernentes à
interpretação da lei e pacificação da jurisprudência pelo Judiciário Trabalhista? Com a reforma
trabalhista, passou-se a exigir, para a edição ou alteração de súmula do TST, além de quórum
qualificado e elevado número de precedentes, a publicidade do “julgamento” e a
participação ampla de entidades na discussão, proibindo-se especialmente a criação de
direitos por meio de súmulas e orientações jurisprudenciais.

Ora, tais regras, tão limitadoras da atividade sumular, provocaram um impasse que
dura até hoje, paralisando a sumulação de sua jurisprudência pelo TST, especialmente pela
exigência da convocação ampla de entidades para sustentação oral de suas razões e
interesses em caso de proposta de edição e alteração de súmulas do TST.

Com efeito, quando ainda presidíamos no TST e promovemos a 1ª sessão do Tribunal


Pleno, em 6 de fevereiro de 2018, para a discussão das súmulas que deveriam ser canceladas
ou alteradas, em face de seu conflito com a nova Lei 13.467/17, 63 entidades sindicais e
associativas se inscreveram para poder sustentar oralmente, o que tomaria mais de 10 horas
somente de sustentações orais. Sem contar as discussões num colegiado formado por 27
ministros, com votos longos e acesos debates.

Como a hipótese, na época, era mais de cancelamento de súmulas contrárias à


reforma trabalhista, não haveria necessidade de precedentes ou de se seguir o rito
estabelecido pela lei, pois esta não tratava dessa hipótese, comum quando havia alteração
legislativa que tornava o enunciado sumular incompatível com a nova ordem legal. No
entanto, para vários dos ministros do TST, cancelamento equivaleria a alteração de súmula,
pelo que as restrições da nova lei também se aplicariam a essa hipótese, travando a
adequação da jurisprudência à reforma trabalhista e permitindo a sobrevivência de súmulas
contrárias à lei.
Por outro lado, em 24 de maio de 2018, a SDI-1 do TST suscitava a
inconstitucionalidade do art. 702, I, “f”, e §§ 3º e 4º, da CLT, remetendo a matéria ao Pleno,
no processo ArgInc-696-25.2012.5.05.0463 (Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro), que se
encontra suspenso, até que o próprio Supremo Tribunal Federal também se manifeste sobre a
constitucionalidade dos referidos dispositivos, na ADC 62 (REl. Min. Ricardo Lewandowski),
ajuizada em 18 de março de 2019 pelas Confederações Nacionais do Sistema Financeiro, do
Turismo e do Transporte. A PGR também ingressou posteriormente com a ADI 6188, arguindo
a inconstitucionalidade das normas, por atentado à separação dos Poderes e à autonomia
orgânica dos Tribunais. Por sua vez, as entidades sindicais que ajuizaram a ação declaratória
de constitucionalidade argumentaram que, dos dispositivos em comento, “resulta um nível de
segurança muito maior para todos os que, de algum modo, se sujeitarão aos efeitos da
criação, revisão ou cancelamento de uma súmula ou enunciado de jurisprudência na Justiça do
Trabalho”. Ou seja, a segurança jurídica exigiria que a consolidação da jurisprudência se desse
de forma pública e participativa.

A matéria continua pendente de solução e as súmulas do TST contrárias à reforma


continuam assombrando empresas e gerando falsas expectativas aos trabalhadores, na
medida em que o TST suspendeu o exame da arguição de inconstitucionalidade até que o STF
se manifeste sobre a questão. O Relator na Suprema Corte não concedeu liminar na ADC 62,
pedindo apenas informações ao TST, Presidência da República e Congresso Nacional,
aguardando também pronunciamento da PGR e AGU.

Ora, voltamos a nos perguntar: Por que a radicalidade da mudança legislativa em


matéria de sumulação de jurisprudência pacificada, cobrada pelas entidades confederativas
patronais e albergada pelo legislador na reforma trabalhista de 2017?

III) AS “SEMANAS DO TST”

A reforma trabalhista de 2017 promoveu a alteração do art. 702 da CLT com o


explícito intuito de evitar a repetição de fenômenos como as denominadas “Semanas do TST”,
em que a Corte suspendeu suas sessões de julgamento e se fechou durante uma semana, nos
anos de 2011 e 2012, publicando em sessão do Pleno, ao final delas, os resultados das
reuniões a portas fechadas dos ministros, que promoveram a mudança de dezenas de
súmulas, sem base em precedentes e sem debate público quanto às mudanças. Buscou-se,
com a reforma, nesse aspecto jurisprudencial, dar maior transparência e segurança jurídica à
sumulação da jurisprudência dos tribunais.

A precursora das “Semanas do TST” foi aquela promovida pelo Min. Francisco Fausto
Paula de Medeiros durante sua presidência do TST, de 23 a 27 de junho de 2003. No entanto,
as realmente impactantes foram as organizadas mais recentemente, na presidência do Min.
João Oreste Dalazen, de 16 a 20 de maio de 2011 e de 10 a 14 de setembro de 2012.

Para se ter uma ideia do que representaram as “Semanas do TST” em termos de


mudança da jurisprudência sem precedentes, traçamos o seguinte quadro gráfico, com as
súmulas alteradas, a matéria tratada e a sinalização dada, se de ampliação ou restrição dos
direitos dos trabalhadores:

SEMANA DO TST – 2011


Súmula/OJ Temática CLT/Lei Sinalização
85, V Compensação de jornada - banco de horas só Art. 59, § 2º Ampliação
por negociação coletiva
291 Indenização por supressão ou redução de Art. 478 Ampliação
horas extras
326 Marco prescricional total em complementação Arts. 11 e Ampliação
de aposentadoria 468
327 (OJ 156) Prescrição parcial, bienal e quinquenal, Arts. 11 e Restrição
complementação de proventos 468
331, V Terceirização. Responabilidade Subsidiária da Art. 71 da Lei Restrição
Administração Pública 8.666/93 pelo STF
331, VI Terceirização. A responsabilidade subsidiária Art. 2º, caput Ampliação
alcança todas as parcelas.
349 Cancelamento da flexibilização de jornada de Art. 60 Ampliação
trabalho insalubre
364, II Cancelamento da flexibilização do adicional de Arts. 9º e Ampliação
periculosidade 193, § 1º
369, II Estabilidade provisória também para o Art. 543, § 3º Ampliação
suplente de dirigente sindical
428 (OJ 49) BIP, pager ou celular não caracterizam Art. 244 Restrição
sobreaviso por si mesmos
429 (OJ 36) Horas in itinere dentro da empresa Arts. 4º e 58, Ampliação
§ 2º
OJ 18 Base de cálculo da complementação de Regulamento Restrição
aposentadoria do BB do BB
OJ 191 O dono da obra não responde nas Art. 455 Ampliação
empreitadas de construção civil.
OJ 273 Cancela a inaplicabilidade da jornada de Arts. 8º e Ampliação
telefonista para o telemarketing 227
OJT 4 Cancela a flexibilização da insalubridade da Arts. 9º e Ampliação
empresa Morro Velho 192
219, II e III Honorários advocatícios na rescisória e art. 791/CLT Ampliação
substituição processual e 8º, III/CF
OJ 215 Ônus da prova do empregador nos pedidos de Art. 818 Ampliação
vale-transporte.
OJ Pleno 7 Juros aplicáveis nos precatórios trabalhistas. Art. 1º-F da Restrição
Lei 9.494
OJ 301 Ônus da prova do empregador nos pedidos de Art. 818 Ampliação
fundo de garantia.
74, III Produção de provas pelo juiz nos casos de Arts. 765 e Ampliação
confissão de uma das partes 844
387 O ato por fac-símile não pode ser praticado Lei 9.800/99 Restrição
entre particulares
426 Obrigatoriedade de efetivação do depósito Art. 899, §§ Restrição
recursal na conta do FGTS 4º e 5º
427 Intimação do advogado indicado em caso de Art. 272, § 1º Ampliação
vários procuradores
PN 120 Revogação da sentença normativa por ato Arts. 614 e Restrição
superveniente. 864

SEMANA DO TST – 2012


Súmula/OJ Temática CLT/Lei Sinalização
244, III Estabilidade da gestante também nos contratos Art. 10, II, 'b', Ampliação
a termo do ADCT
228 Suspensão do cálculo da insalubridade com base Art. 192/CLT Restrição
no salário contratual. e art. 7º, pelo STF
IV/CF
369, II Dispensa comunicar a candidatura para Art. 543, § 5º Ampliação
aquisição de estabilidade sindical
441 Irretroatividade do aviso prévio proporcional ao Art. 7º, Restrição
tempo de serviço XXI/CF e Lei
12.506/11
OJ 173 Insalubridade por calor em atividade a céu Art. 195 e NR Ampliação
aberto 15, Anexo 7
428 Pagamento de sobreaviso por instrumentos de Art. 6º, Ampliação
tecnologia. parágrafo
único
437 Proibição de flexibilização do intervalo Art. 71, § 3º Ampliação
intrajornada por norma coletiva
431 Divisor 200 para cálculo de horas extras em Art. 64 Ampliação
jornada de 40 horas semanais
124 Fator divisor 150 e 200 para o bancário se o Arts. 64 e Ampliação
sábado for dia de repouso 224, § 2º
OJ SDC 5 Negociação coletiva no setor público envolvendo Convenção Ampliação
cláusula social 151 da OIT
OJ 384 Cancelamento da prescrição bienal a cada Art. 7º, XXIX, Ampliação
serviço concluído pelo avulso. da CF
277 Ultratividade da norma coletiva Arts.614/CLT Ampliação
e114, §2º/CF
378, III Reconhecimento da estabilidade acidentária nos Art. 118 da Ampliação
contratos a termo. Lei 8.213/91
10 Pagamento das férias escolares e aviso prévio na Art. 322, § 3º Ampliação
dispensa do professor
6, VI Ônus da prova do empregador para afastar a Arts. 461 e Ampliação
equiparação em cadeia 818
438 Intervalo de recuperação térmica em ambiente Art. 253 Ampliação
artificialmente frio
439 Contagem dos juros na indenização por danos Art. 883 Restrição
morais
440 Manutenção do plano de saúde na suspensão do Art. 471 Ampliação
contrato de trabalho
444 Reconhecimento da jornada 12x36 com Art. 7º, XIII, Ampliação
pagamento dos feriados da CF
443 Presunção de dispensa discriminatória do Art. 4º da Lei Ampliação
portador de HIV 9.029/95
435 Possibilidade do relator decidir Art. 557 do Restrição
monocraticamente o recurso. CPC/73
436 Dispensa de instrumento de mandato do Art. 12, I, do Ampliação
procurador de ente público CPC/73
337, IV Comprovação de divergência por acórdão Art. 541, par. Ampliação
extraído da internet único do
CPC/73
221, II Cancelamento da vedação à revista contra Art. 896, c Ampliação
interpretação razoável
136 Cancelamento da inaplicabilidade da identidade Art. 132 do Restrição
física do juiz CPC/73
385, II e III Dever do tribunal certificar o feriado forense nos Art. 775 Ampliação
autos
442 Inadmissibilidade de revista no rito sumaríssimo art. 896, § 6º Restrição
por violação de OJ
OJ SDI-2 Flexibilização da competência territorial para a Art. 93 do Ampliação
130 ação civil pública CDC

Em resumo, na Semana do TST de 2011 foram:


a) alterados 24 enunciados jurisprudenciais (entre súmulas e orientações
jurisprudenciais);
b) 16 enunciados no sentido de ampliação dos direitos trabalhistas;
c) 8 enunciados no sentido da restrição dos direitos trabalhistas, por não previsão
legal (num dos casos, pelo próprio STF).

E na Semana do TST de 2012 foram:


a) alterados 28 enunciados jurisprudenciais (entre súmulas e orientações
jurisprudenciais);
b) 22 enunciados no sentido de ampliação dos direitos trabalhistas;
c) 6 enunciados no sentido da restrição dos direitos trabalhistas, por não previsão
legal (num dos casos, pelo próprio STF).

Em suma, nessas duas semanas, foram alterados 52 enunciados, sendo 38 para


ampliação de direitos e 14 para restrição de direitos (desses, 2 para adequação com a
jurisprudência do STF e os demais, por não previsão do direito em lei).

Talvez o exemplo mais emblemático das alterações de súmulas nas Semanas do TST,
no sentido de criação de direito por jurisprudência, foi o da Súmula 277. No caso da revisão
desse enunciado sumular, houve nitidamente exercício de poder legiferante por parte do
Tribunal, uma vez que, sem mudança legislativa e sem precedentes, decidiu a Corte, por
exígua maioria (vencidos os Ministros Cristina Peduzzi, Barros Levenhagen, Ives Gandra,
Renato Paiva, Aloysio Veiga, Maria Calsing, Dora Costa, Pedro Manus, Fernando Ono, Caputo
Bastos e Márcio Eurico), mudar a sinalização do referido verbete sumulado.

Com efeito, o referido verbete sumulado, em sua redação anterior, assim dispunha:

“Súmula nº 277. SENTENÇA NORMATIVA. CONVENÇÃO OU ACORDO COLETIVOS.


VIGÊNCIA. REPERCUSSÃO NOS CONTRATOS DE TRABALHO
I - As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou
acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os
contratos individuais de trabalho.
II - Ressalva-se da regra enunciado no item I o período compreendido entre 23.12.1992
e 28.07.1995, em que vigorou a Lei nº 8.542, revogada pela Medida Provisória nº
1.709, convertida na Lei nº 10.192, de 14.02.2001” (grifos nossos).

A exceção do item II da redação anterior da súmula dizia respeito a norma legal que
previa a ultratividade da norma coletiva, nos seguintes termos:
“Art. 1° A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem
por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas
nesta lei.
§ 1° As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram
os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas
por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho” (grifos nossos).

Ora, tal dispositivo legal foi expressamente revogado pelo art. 18 da Lei 10.192/01.
Ou seja, a vontade positiva do legislador foi a de que não houvesse mais a integração das
normas coletivas aos contratos individuais de trabalho.

Nem se diga que se o legislador efetivamente quisesse a não ultratividade, teria


manifestado expressamente esse desiderato na nova norma. A ultratividade é exceção, não
regra. A norma legal que rege a matéria é o § 3º do art. 614 da CLT, que limita a dois anos a
vigência dos acordos e convenções coletivas. Pretender o contrário, apenas seria possível com
previsão legal, a qual foi revogada expressamente pelo legislador.

No entanto, o TST, por sua corrente majoritária, fez renascer o dispositivo revogado,
usando praticamente sua mesma dicção, ao dispor:

“Súmula nº 277. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE


TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE.
As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os
contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas
mediante negociação coletiva de trabalho” (grifos nossos).

Assim, em debate fechado – ao contrário do que aconteceria se a matéria fosse


debatida no Congresso Nacional ou seguido os trâmites regimentais para alteração de súmula,
com parecer da Comissão de Jurisprudência (RITST, art. 163, §§ 1º e 2º) – criou-se direito novo
aos empregados. Nesse sentido, a nova súmula teve feição típica de prejulgado, editados sem
precedentes e como orientadores dos TRTs.

Quase que como reconhecimento de atividade legiferante pelo TST, já que a mudança
de orientação da Súmula 277 se deu com a carência absoluta de precedentes jurisprudenciais,
o site do TST, na época, publicou artigo doutrinário de três ministros da Corte expondo a
“ratio decidendi” da nova redação, com chamada rotativa e posterior publicação na Revista do
TST (Augusto César Leite de Carvalho, Kátia Magalhães Arruda e Maurício Godinho Delgado,
“A Súmula n. 277 e a Defesa da Constituição”, Revista do TST, ano 78, out/dez 2012). Foi uma
justificativa, em 2012, para dar as razões da virada jurisprudencial sem precedentes.

De qualquer forma, o STF suspendeu a Súmula 277 do TST por decisão liminar do Min.
Gilmar Mendes, na ADPF 323, que registrou que, “da análise do caso extrai-se
indubitavelmente que se tem como insustentável o entendimento jurisdicional conferido pelos
tribunais trabalhistas ao interpretar arbitrariamente a norma constitucional” (exarada em
14/10/16).

O que se verificou, no caso das Semanas do TST, foi que, em face da nova composição
do TST, decidiu-se promover uma revisão da jurisprudência. Ou seja, os novos ministros que
ingressaram na Corte buscaram não apenas influir na formação da jurisprudência a partir de
seu ingresso, mas também rediscutir jurisprudência já pacificada, para conformá-la à nova
maioria formada no Tribunal.
Ora, esse último viés, de mudar o passado pacificado, para conformá-lo à nova
corrente majoritária, a par de não ser usual, fez-se de forma contrária às normas regimentais
de sumulação (que exigiam parecer prévio da Comissão de Jurisprudência e discussão com
base em precedentes) e com via de mão quase única, fortemente ampliativa de direitos pela
via judicial.

Obviamente, a criação de passivos trabalhistas da noite para o dia, com a alteração de


mais de 50 súmulas, elevando notavelmente o rol de encargos sociais para as empresas, sem
que fosse pela via legislativa, veio a gerar, no espaço de 5 anos, uma reação por parte do
empresariado, e também do Congresso Nacional, que teve usurpada sua função legislativa, a
qual desembocou na ampla e célere reforma trabalhista que se desenvolveu nos anos de 2016
e 2017, culminando na Lei 13.467/17, que alterou mais de 100 dispositivos da CLT e legislação
conexa.

IV) A 3ª LEI DE NEWTON

Na Física, a 3ª Lei de Newton é enunciada da seguinte forma: “A toda ação


corresponde uma reação de igual intensidade e em sentido contrário”. Talvez a melhor
explicação psicológica para a reforma trabalhista de 2017 seja tal lei física. À reformulação do
Direito do Trabalho pela via sumular, promovida pela nova maioria do TST, o Congresso
Nacional, com o apoio dos representantes empresariais no parlamento, reagiu de forma tão
radical quanto a ação do TST, merecendo também seus reparos, em que pese ter a reforma
oportunamente recolocado as sinalizações das súmulas de volta à pacificação original,
mediante disciplinamento específico das matérias.

Num quadro gráfico semelhante ao das semanas do TST, podemos elencar quais as
súmulas afetadas pela reforma trabalhista, que, portanto, por estarem superadas, deveriam
ser canceladas, bem como as que exigem alteração, para compatibilização com os termos da
Lei 13. 467/17:

REFORMA TRABALHISTA DE 2017


Temas CLT SÚMULA Mudança
Tempo à disposição do empregador art. 4º, § 2º 366 Superada
Contrato de prestação de serviços. art. 8º, § 2º 331 Superada
Legalidade
Anulação de cláusula de norma Art. 8º, § 3º 423, 437, 444, Superada
coletiva apenas por vício do ato 449, 451
jurídico.
Prescrição total no descumprimento art. 11, § 2º 294 Confirmada
do contrato de trabalho
Interrupção da prescrição apenas pelo art. 11, § 5º 268 e OJ 392 Confirmada
ajuizamento de ação.
Prescrição intercorrente art. 11-A 114 Superada
Horas in itinere art. 58, § 2º 90 e 429 Superada
Regime 12x36 horas por acordo art. 59-B 437 e 444 Superada
individual com indenização do
intervalo
Banco de horas por acordo individual art. 59, § 4º 85, V Superada
Acordo individual de compensação, art. 59, § 6º 85, I Superada
tácito ou escrito
Pagamento apenas do adicional de art. 59-B 85, III Confirmada
horas extras na compensação irregular
A prestação de horas extras habituais art. 59-B, p. 85, IV Superada
não descaracteriza a compensação único
A jornada 12x36 em atividade art. 60, p. único 85, VI Superada
insalubre não demanda autorização
do MTb
Pagamento de indenização apenas do art. 71, § 4º 437, I Superada
tempo de supressão do intervalo
Redução do intervalo intrajornada por arts. 71, § 4º e 437, II Superada
negociação coletiva 611-B, p. único
Responsabilidade exclusiva do art. 448-A OJ 261 e 411 Confirmada
sucessor, salvo se há fraude na
sucessão
Diária de viagem não integra o salário art. 457, § 1º 101 e 318 Superada
Natureza indenizatória do auxílio- art. 457, § 1º 241 e OJ 413 Superada
alimentação
Natureza indenizatória dos abonos. art. 457, § 1º OJ 346 Confirmada
Exclusão da equiparação salarial para art. 461, § 1º 6, II Superada
empregados com 4 anos na empresa
Dispensa a homologação do quadro art. 461, § 2º 6, II Superada
de carreira para impedir equiparação
No quadro de carreira, a empresa art. 461, § 3º 6, I e OJ 418 Superada
escolhe o critério de promoção
Exclusão da possibilidade de art. 461, § 5º 6. VI Superada
equiparação salarial em cadeia
Não manutenção da gratificação de art. 468, § 2º 372, I Superada
função, independente do tempo
Atribuição de natureza salarial apenas art. 457, § 1º 152, 203, 226 e Superada
as gratificações legais e comissões 253
Dispensa de homologação rescisória art. 477, § 1º 330 Superada
perante o sindicato (revogação)
Quitação plena do contrato por art. 477-B OJ 270 Superada
adesão a PDV previsto em norma
coletiva
Necessidade de autorização para arts. 579, 582 e OJ SDC 17 Superada
desconto da contribuição sindical 587
Prevalência da negociação coletiva art. 611-A, IX 354 Superada
sobre a lei em matéria de gorjeta
Prorrogação em atividade insalubre art. 611-A, XIII 85, VI Superada
por negociação coletiva
Estipulação de participação nos lucros art. 611-A, XV OJT 73 Confirmada
por negociação coletiva
O desconto assistencial só pode ser art. 611-B, XXVI OJ SDC 17 (PN Confirmada
cobrado do não filiado que autorizar 119)
Proibição da ultratividade da norma art. 614, § 3ª 277 Superada
coletiva
Pagamento dos honorários periciais art. 790-B, 457 Superada
pelo beneficiário da justiça gratuita caput e § 4º
Proibição de adiantamento dos art. 790-B, 3º OJ SDI-2 98 Confirmada
honorários periciais
Honorários advocatícios de art. 791-A 219 Superada
sucumbência
Apresentada a defesa, a desistência art. 841, § 3º 9 Confirmada
exige anuência do réu.
Não se exige que o preposto do art. 843, § 3º 377 Superada
empregador seja seu empregado
Validade da defesa do réu ausente, art. 844, § 5º 122 Superada
caso presente seu advogado
Limitação da execução previdenciária art. 876, p. 368 Confirmada
de ofício às parcelas da condenação único
Depósito recursal em conta vinculada art. 899, §§ 4º 426 Superada
ao juízo e 5º
Dispensa do depósito recursal para art. 899, § 10 86 Superada
empresa em recuperação judicial
Terceirização ilimitada art. 4º-A da lei 331, I e II Superada
6.019
Isonomia salarial do terceirizado art. 4º-A, § 2º, OJ 383 Superada
apenas se houver ajuste entre da lei 6.019
empresas

O resumo da ópera quanto à influência da reforma trabalhista no direito sumular


oriundo do TST é que:
a) 44 enunciados do TST foram afetados diretamente pela Lei 13.467/17;
b) 34 enunciados ficaram superados pela nova lei, devendo ser cancelados ou
alterados em suas redações;
c) 10 enunciados acabaram confirmados, pela positivação de seus conteúdos em
norma legal.

Comparativamente com as “Semanas do TST”, o que se verifica é que, se 38


enunciados foram criadores de direito “ex nihilo”, com base em ativismo judiciário do TST, a
reforma veio a rever 34 enunciados jurisprudenciais da Corte Superior Trabalhista,
recolocando os pratos da balança em equilíbrio. Sem contar aqueles direitos que foram
positivados, pelo aproveitamento do conteúdo de súmulas do TST.

V) A RESISTÊNCIA

Entrando em vigor a reforma trabalhista em 11 de novembro de 2017, começou


concomitante o que se autodenominou movimento de “Resistência”, promovido por grupo de
magistrados com perfil mais ideológico, com publicações e decisões judiciais criticando e
fazendo letra morta da nova lei.

No entanto, se, por um lado a independência do magistrado, calcada em sua


convicção da inconstitucionalidade da lei, transita em caminho balizado pelas regras
constitucionais (CF, arts. 95 e 97), por outro, a disciplina judiciária constitui contrapeso que
oferta unidade e segurança jurídica ao sistema, calcado em precedentes vinculantes (CF, arts.
102, § 2º, e 103-A; CPC, arts. 927 e 988, III, e § 5º, II).

Ora, o que se tem visto antes e após a reforma, notadamente no órgão de cúpula da
Justiça do Trabalho, é uma postura refratária não só à reforma, mas à jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal em matéria trabalhista, cujos exemplos mais recentes e notórios
são os casos relativos à responsabilidade subsidiária da administração pública, à terceirização
de serviços, e à negociação coletiva.

1) RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A história das idas e vindas, entre TST e STF, da questão relativa à responsabilidade
subsidiária da administração pública por obrigações trabalhistas descumpridas pelas empresas
terceirizadas que contrata, pode ser resumida nos seguintes capítulos.

O legislador ordinário, no art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, foi taxativo ao afastar a
responsabilidade subsidiária da administração pública pelo inadimplemento das obrigações
trabalhistas por parte das empresas terceirizadas que lhe prestem serviços, nos seguintes
termos:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais
e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais
e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu
pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o
uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis (grifos nossos).

Em que pese a clareza da norma, o TST, em 2000, deu nova redação ao inciso IV da
Súmula 331, para reconhecer a responsabilidade subsidiária também em relação à
administração pública, pelos seguintes fundamentos:

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - ENUNCIADO Nº 331, IV, DO


TST - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ARTIGO 71 DA
LEI Nº 8.666/93. Embora o artigo 71 da Lei nº 8.666/93 contemple a ausência de
responsabilidade da Administração Pública pelo pagamento dos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, é de se
consignar que a aplicação do referido dispositivo somente se verifica na hipótese em
que o contratado agiu dentro de regras e procedimentos normais de desenvolvimento
de suas atividades, assim como de que o próprio órgão da administração que o
contratou pautou-se nos estritos limites e padrões da normatividade pertinente. Com
efeito, evidenciado, posteriormente, o descumprimento de obrigações, por parte do
contratado, entre elas as relativas aos encargos trabalhistas, deve ser imposta à
contratante a responsabilidade subsidiária. Realmente, nessa hipótese, não se pode
deixar de lhe imputar, em decorrência desse seu comportamento omisso ou irregular,
ao não fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo
contratado, em típica culpa in vigilando, a responsabilidade subsidiária e,
conseqüentemente, seu dever de responder, igualmente, pelas conseqüências do
inadimplemento do contrato. Admitir-se o contrário, seria menosprezar todo um
arcabouço jurídico de proteção ao empregado e, mais do que isso, olvidar que a
Administração Pública deve pautar seus atos não apenas atenta aos princípios da
legalidade, da impessoalidade, mas sobretudo, pelo da moralidade pública, que não
aceita e não pode aceitar, num contexto de evidente ação omissiva ou comissiva,
geradora de prejuízos a terceiro, que possa estar ao largo de qualquer co-
responsabilidade do ato administrativo que pratica. Registre-se, por outro lado, que o
art. 37, § 6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade objetiva da
Administração, sob a modalidade de risco administrativo, estabelecendo, portanto,
sua obrigação de indenizar sempre que cause danos a terceiro. Pouco importa que esse
dano se origine diretamente da Administração, ou, indiretamente, de terceiro que com
ela contratou e executou a obra ou serviço, por força ou decorrência de ato
administrativo (IUJ-RR-297.751/96.2, Rel. Min. Milton Moura França, julgado em
11/09/00) (grifos nossos).

Na ADC 16-DF (Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 08/09/11), o STF veio a reconhecer a
constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93 (que o TST, sem declarar sua
inconstitucionalidade, havia afastado a aplicação na esfera laboral), mas admitindo
excepcionalmente a responsabilidade subsidiária da administração pública, nos casos de culpa
comprovada, in eligendo ou in vigilando.

Assim, o TST reviu sua Súmula 331, alterando a redação do inciso IV, e incluindo o
inciso V, que trata especificamente da responsabilidade subsidiária da administração pública,
nos seguintes termos:

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem


subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta
culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993,
especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da
prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de
mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa
regularmente contratada (grifos nossos).

O Supremo Tribunal Federal, ao revisitar o tema específico da responsabilidade


subsidiária, após verificar a forma como o TST vinha aplicando o precedente da ADC 16 e o
inciso V da Súmula 331, reafirmou o entendimento anterior, que veda a responsabilização
automática da administração pública, só cabendo sua condenação se houver prova
inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos (RE 760.931,
Red. Min. Luiz Fux, julgado em 30/03/17, leading case do Tema 246 de Repercussão Geral do
STF). Na ocasião, ficou vencida a Relatora originária, Min. Rosa Weber, que sustentava que
caberia à administração pública comprovar que fiscalizou devidamente o cumprimento do
contrato, pois não se poderia exigir dos terceirizados o ônus de provar o descumprimento
desse dever legal por parte da administração pública, beneficiada diretamente pela força de
trabalho. Ressalte-se que a decisão recorrida do TST, de relatoria do Min. Freire Pimenta,
cassada pela Suprema Corte, sustentava expressamente a tese do ônus da prova da
administração pública. Por ocasião do julgamento dos embargos declaratórios, que foram
rejeitados, o STF assentou estar indene de esclarecimentos a decisão embargada, que restou
finalmente pacificada pelo Pretório Excelso (RE 760.931-ED, Red. Min. Edson Fachin, DJe de
06/09/19).

Em que pese tais decisões do Pretório Excelso, a SBDI-1 do TST, em 12/12/19, em sua
composição plena, entendendo que a Suprema Corte não havia firmado tese quanto ao ônus
da prova da culpa in vigilando ou in eligendo da Administração Pública tomadora dos serviços,
atribuiu-o ao ente público, em face da teoria da aptidão da prova (TST-E-RR-925-
07.2016.5.05.0281, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão).

Ora, após tal posicionamento da SBDI-1 do TST, o STF, por suas 2 Turmas, em
reclamações, deixou claro que, de acordo com o figurino dos precedentes da ADC 16 e do RE
760.931, é do reclamante o ônus da prova da culpa in eligendo ou in vigilando da
administração pública quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas pelas empresas
terceirizadas.

A 1ª Turma, no AgRg-ED-Rcl 36.836-MA (Red. Min. Alexandre de Moraes), assentou


que “por ocasião do julgamento do RE 760.931, sob a sistemática da Repercussão Geral, o
Plenário desta SUPREMA CORTE afirmou que inexiste responsabilidade do Estado por débitos
trabalhistas de terceiros, alavancada pela premissa da inversão do ônus da prova em favor do
trabalhador”, vencidos os Min. Marco Aurélio e Rosa Weber (julgado em 14/02/20).

Já a decisão da 2ª Turma, por unanimidade, no AgRg-Rcl 37.035-MA (Rel. Min. Cármen


Lúcia), registrou que “não se pode admitir a transferência para a Administração Pública, por
presunção de culpa, da responsabilidade pelo pagamento dos encargos trabalhistas, fiscais e
previdenciários devidos ao empregado da empresa terceirizada”, em hipótese na qual a
decisão do TST foi mantida, por entender que o ônus da prova da culpa in vigilando é do
reclamante (julgado em 19/12/19).

Ou seja, de acordo com o entendimento do STF, apenas nas hipóteses em que fique
claro na decisão regional que foi comprovada pelo reclamante a culpa in eligendo ou in
vigilando da administração pública é que se poderia condená-la subsidiariamente. As
hipóteses de culpa presumida ou decorrente de inversão do ônus da prova, como a de
atribuição da responsabilidade por mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por
parte da prestadora de serviços, foram descartadas pelo Pretório Excelso nos precedentes
vinculantes supra referidos.

Note-se, em suma, que, pela literalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, a regra é a
não responsabilização da administração pública pelos créditos judiciais trabalhistas de
empregados terceirizados, e a contemporização do STF, abrindo exceção à regra, fica limitada
e balizada pelas decisões da própria Suprema Corte, que, portanto, não comportam
elastecimento por parte da Justiça do Trabalho.

Não obstante a sinalização da Suprema Corte, especialmente através do acolhimento


de dezenas de reclamações contra decisões do TST atributivas de responsabilidade subsidiária
à administração pública, a Corte Superior Trabalhista continua impondo a responsabilidade
em mais de 80% dos casos à administração pública, insistindo na tese do ônus da prova da
entidade pública. Ou seja, a exceção virou regra para o TST.

Os capítulos mais recentes da novela foram protagonizados em 8 (e 10) de setembro


de 2020, quando a 1ª Turma do STF, ao julgar as reclamações 36958, 40652 e 40759, para
cassar decisões em que o TST não seguiu o entendimento pacificado do STF sobre a matéria, o
site do STF publicou o seguinte resumo do debate, no trecho que nos interessa para nossa
análise psicológica do direito:

Resistência interpretativa
Ao seguir a divergência, o ministro Luís Roberto Barroso observou que o Supremo, no
RE 760931, reiterou o entendimento firmado na ADC 16, especificando a
impossibilidade de transferência automática da responsabilidade. “O que se verificou
foi que o padrão de decisões nessas matérias continua a ser o mesmo”, afirmou.
Segundo ele, há uma resistência do TST em aplicar o entendimento do STF (grifos
nossos).

Pois a resistência foi reafirmada dois dias depois (10/09) pela SDI-1 do TST, quando do
julgamento do processo E-ED-RR 62-40.2017.5.20.0009 (Rel. Min. Márcio Eurico Vitral
Amaro), em que a subseção, em sua composição completa, reafirmou o precedente anterior,
por maioria de votos (vencidos os Ministros Alexandre Ramos, que abriu a divergência, Maria
Cristina Peduzzi, Aloysio Corrêa da Veiga e Breno Medeiros), em que pese os alertas sobre as
reclamações acolhidas pelo STF. O argumento dominante foi o de que, o STF, ao examinar o
Tema 246 de repercussão geral, “não emitiu tese jurídica de efeito vinculante em relação ao
ônus da prova” e que “não se pode exigir do trabalhador a prova de fato negativo ou que
apresente documentos aos quais não tenha acesso, em atenção ao princípio da aptidão para a
prova”. Na ocasião, foi criticada a posição da 4ª Turma do TST, única a não seguir a
jurisprudência da SDI-1. E por boa razão.

Basta ler a ementa do julgamento da 1ª Turma do STF cassando decisão do TST no


processo AgRg-Rcl 40.137 (em que ficou novamente vencida a Min. Rosa Weber), na qual se
assentou da forma mais explícita possível a não inversão do ônus da prova a favor do
empregado, “verbis”:

AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. TRABALHISTA.


TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
DECISÃO RECLAMADA QUE A ADMITE A EXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE CULPA IN
VIGILANDO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO QUE DECIDIDO NO JULGAMENTO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 760.931 – TEMA 246 DA REPERCUSSÃO GERAL. OCORRÊNCIA.
IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO AUTOMÁTICA DA ADMINISTRAÇÃO PELO
INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS POR PARTE DA EMPRESA
CONTRATADA. NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE PROVA TAXATIVA. ÔNUS DE PROVA
QUE NÃO RECAI SOBRE A ADMINISTRAÇÃO. ARTIGO 71, PARÁGRAFO 1º, DA LEI
8.666/1993. PRECEDENTES. AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. No julgamento do Recurso Extraordinário 760.931, Tema 246 da Repercussão Geral,
que interpretou o julgamento desta Corte na ADC 16, o STF assentou tese segundo a
qual “o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não
transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu
pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei
nº 8.666/93".
2. Consequentemente, a responsabilização subsidiária da Administração Pública por
débitos de empresa contratada para com seus empregados, embora possível, é
excepcional e condicionada à existência de prova taxativa da existência de culpa in
vigilando.
3. A leitura do acórdão paradigma revela que os votos que compuseram a corrente
majoritária no julgamento do RE 760.931 (Tema 246 da sistemática da repercussão
geral) assentaram ser incompatível com reconhecimento da constitucionalidade do
art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993 o entendimento de que a culpa do ente
administrativo seria presumida e, consectariamente, afastaram a possibilidade de
inversão do ônus probatório na hipótese.
4. In casu, a decisão reclamada atribuiu à agravante a responsabilidade subsidiária
pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços por intermédio de
empresa terceirizada conquanto inexistente prova taxativa de culpa in vigilando,
fundando-se exclusivamente na inversão do ônus probatório. Verifica-se, destarte, o
descompasso entre a decisão reclamada e o paradigma invocado, haja vista ser
insuficiente para a responsabilização a mera afirmação genérica de culpa in vigilando
ou a presunção de culpa embasada exclusivamente na ausência de prova da
fiscalização do contrato de terceirização.
5. Agravo a que se dá provimento, a fim de julgar procedente a reclamação,
determinando a cassação da decisão reclamada na parte em que atribui
responsabilidade subsidiária ao ente administrativo (STF-AgRg-Rcl 40.137, 1ª Turma,
Red. Min. Luiz Fux, DJe de 12/08/20) (grifos nossos).

Em suma, em que pese a literalidade da norma legal e a sinalização claríssima do STF, o


TST continua, na quase totalidade dos casos, responsabilizando subsidiariamente os entes
públicos que terceirizam, como se a versão originária da Súmula 331 nunca tivesse sido
alterada ou reformada por decisão da Suprema Corte.

2) ILICITUDE NA TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS

Outro episódio digno de nota tem sido o da terceirização de serviços, especialmente


pela natureza dos argumentos esgrimidos para se afastar novamente dispositivos literais de
lei, de modo a impedir a adoção do sistema de cadeia produtiva, buscando conservar a
estrutura vertical de modelo empresarial. Aqui também, o centro da discussão dizia respeito à
tão polêmica Súmula 331 do TST.

A Súmula 331 do TST constituiu, por mais de 2 décadas, o marco regulatório por
excelência do fenômeno da terceirização na seara trabalhista, editada que foi em atenção a
pedido formulado pelo MPT, em 1993, de revisão da Súmula 256, que era superlativamente
restritiva da terceirização, limitando-a às hipóteses de vigilância (Lei 7.102/83) e trabalho
temporário (Lei 6.019/74). Assim rezava a Súmula 256 do TST, editada nos idos de 1986:

Súmula 256. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. Salvo os casos de


trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de
03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por
empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador
dos serviços.

Ao firmar com o Banco do Brasil termo de compromisso para ajuste de conduta ao


disposto no referido verbete sumulado, o Ministério Público do Trabalho, à época por nós
representado, formulou ao TST o pedido de revisão da Súmula 256, dadas as dificuldades
insuperáveis que o Banco estava passando para cumprir o referido termo, ao ter de promover
concurso público para atividades tipicamente de apoio, a par da jurisprudência do TST já dar
sinais de flexibilização do verbete sumulado, para as hipóteses de limpeza e conservação, copa
e cozinha, e assemelhados (cfr. Revista do Ministério Público do Trabalho, Ano IV, nº 7, março
de 1994, págs. 51-57 – termo de compromisso e pedido de revisão).

Atendendo celeremente ao pedido, no último dia do ano judiciário de 1993, o TST


editava a Súmula 331, ampliando as hipóteses de terceirização e introduzindo a diferenciação
conceitual de atividade-fim e atividade-meio para efeito de enquadramento do que seria
terceirização lícita pelo prisma trabalhista. Assim rezava a redação original do referido
verbete sumulado:

Súmula 331. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.


I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o
vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário
(Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera
vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou
Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de
vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de
serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a
pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica
na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações,
desde que hajam participado da relação processual e constem também do título
executivo judicial (grifos nossos).

Ao revisitar o precedente da ADC 16, para afastar a culpa presumida e a inversão do


ônus da prova como formas de responsabilização da administração, o STF já dava sinalização
clara quanto à inconstitucionalidade da distinção sumular do TST entre atividade-fim e
atividade-meio para efeito de reconhecimento da licitude da terceirização, verbis:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA COM


REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO.
TERCEIRIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SÚMULA 331, IV E V, DO
TST. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 71, § 1º, DA LEI Nº 8.666/93. TERCEIRIZAÇÃO
COMO MECANISMO ESSENCIAL PARA A PRESERVAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO E
ATENDIMENTO DAS DEMANDAS DOS CIDADÃOS. HISTÓRICO CIENTÍFICO.
LITERATURA: ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PRECARIZAÇÃO DO
TRABALHO HUMANO. RESPEITO ÀS ESCOLHAS LEGÍTIMAS DO LEGISLADOR.
PRECEDENTE: ADC 16. EFEITOS VINCULANTES. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO
E PROVIDO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO EM CASOS SEMELHANTES.
1. A dicotomia entre ‘atividade-fim’ e ‘atividade-meio’ é imprecisa, artificial e ignora
a dinâmica da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de
tarefas com vistas à maior eficiência possível, de modo que frequentemente o produto
ou serviço final comercializado por uma entidade comercial é fabricado ou prestado
por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social das
empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais valiosas
empresas do mundo. É que a doutrina no campo econômico é uníssona no sentido de
que as ‘Firmas mudaram o escopo de suas atividades, tipicamente reconcentrando em
seus negócios principais e terceirizando muitas das atividades que previamente
consideravam como centrais’ (ROBERTS, John. The Modern Firm: Organizational Design
for Performance and Growth. Oxford: Oxford University Press, 2007).
2. A cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas não revela qualquer intuito
fraudulento, consubstanciando estratégia, garantida pelos artigos 1º, IV, e 170 da
Constituição brasileira, de configuração das empresas, incorporada à Administração
Pública por imperativo de eficiência (art. 37, caput, CRFB), para fazer frente às
exigências dos consumidores e cidadãos em geral, justamente porque a perda de
eficiência representa ameaça à sobrevivência da empresa e ao emprego dos
trabalhadores.
3. Histórico científico: Ronald H. Coase, ‘The Nature of The Firm’, Economica (new
series), Vol. 4, Issue 16, p. 386-405, 1937. O objetivo de uma organização empresarial é
o de reproduzir a distribuição de fatores sob competição atomística dentro da firma,
apenas fazendo sentido a produção de um bem ou serviço internamente em sua
estrutura quando os custos disso não ultrapassarem os custos de obtenção perante
terceiros no mercado, estes denominados ‘custos de transação’, método segundo o
qual firma e sociedade desfrutam de maior produção e menor desperdício.
4. A Teoria da Administração qualifica a terceirização (outsourcing) como modelo
organizacional de desintegração vertical, destinado ao alcance de ganhos de
performance por meio da transferência para outros do fornecimento de bens e serviços
anteriormente providos pela própria firma, a fim de que esta se concentre somente
naquelas atividades em que pode gerar o maior valor, adotando a função de ‘arquiteto
vertical’ ou ‘organizador da cadeia de valor’.
5. A terceirização apresenta os seguintes benefícios: (i) aprimoramento de tarefas pelo
aprendizado especializado; (ii) economias de escala e de escopo; (iii) redução da
complexidade organizacional; (iv) redução de problemas de cálculo e atribuição,
facilitando a provisão de incentivos mais fortes a empregados; (v) precificação mais
precisa de custos e maior transparência; (vi) estímulo à competição de fornecedores
externos; (vii) maior facilidade de adaptação a necessidades de modificações
estruturais; (viii) eliminação de problemas de possíveis excessos de produção; (ix) maior
eficiência pelo fim de subsídios cruzados entre departamentos com desempenhos
diferentes; (x) redução dos custos iniciais de entrada no mercado, facilitando o
surgimento de novos concorrentes; (xi) superação de eventuais limitações de acesso a
tecnologias ou matérias-primas; (xii) menor alavancagem operacional, diminuindo a
exposição da companhia a riscos e oscilações de balanço, pela redução de seus custos
fixos; (xiii) maior flexibilidade para adaptação ao mercado; (xiii) não comprometimento
de recursos que poderiam ser utilizados em setores estratégicos; (xiv) diminuição da
possibilidade de falhas de um setor se comunicarem a outros; e (xv) melhor adaptação
a diferentes requerimentos de administração, know-how e estrutura, para setores e
atividades distintas.
6. A Administração Pública, pautada pelo dever de eficiência (art. 37, caput, da
Constituição), deve empregar as soluções de mercado adequadas à prestação de
serviços de excelência à população com os recursos disponíveis, mormente quando
demonstrado, pela teoria e pela prática internacional, que a terceirização não importa
precarização às condições dos trabalhadores.
7. O art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, ao definir que a inadimplência do contratado,
com referência aos encargos trabalhistas, não transfere à Administração Pública a
responsabilidade por seu pagamento, representa legítima escolha do legislador,
máxime porque a Lei nº 9.032/95 incluiu no dispositivo exceção à regra de não
responsabilização com referência a encargos trabalhistas.
8. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 já reconhecida por esta Corte
em caráter erga omnes e vinculante: ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal
Pleno, julgado em 24/11/2010.
9. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte admitida, julgado
procedente para fixar a seguinte tese para casos semelhantes: ‘O inadimplemento dos
encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente
ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter
solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 (STF-RE
760.931-DF, Red. Min. Luiz Fux, julgado em 30/03/17) (grifos nossos).

De nada serviu a sinalização. Mas o que condenou a Súmula 331 do TST, em seu
núcleo conceitual central do inciso III, sobre a licitude da terceirização apenas de atividades-
meio das empresas tomadoras de serviços, foram os exageros no enquadramento de
atividades das empresas, generalizando a ideia de atividade-fim, especialmente quanto aos
serviços de call center prestados para bancos (cfr. TST-RR-1785-39.2012.5.06.0016) e
concessionárias de serviços de telecomunicações (cfr. TST-E-ED-RR-2707-41.2010.5.12.0030) e
energia elétrica (cfr. TST-RR-574-78.2011.5.04.0332), além dos casos de cabistas (cfr. TST-E-
ED-RR-234600-14.2009.5.09.0021), leituristas (cfr. TST-E-ED-RR-1521-87.2010.5.05.0511) e
vendedores no ramo de transporte rodoviário (cfr. TST-E-RR-1419-44.2011.5.10.0009), apenas
para citar os mais comuns.

Assim, o TST, posicionando-se majoritariamente contrário ao fenômeno da


terceirização, especialmente nos casos de call center nos segmentos de telecomunicações e
de telemarketing bancário, confundindo a prestação do próprio serviço de telefonia ou
fornecimento de crédito com aquele próprio de call center, limitado a receber reclamações e
oferecer produtos de todos os ramos produtivos, em jurisprudência refratária à terceirização,
levou o Supremo Tribunal Federal a reconhecer a repercussão geral em dois temas referentes
à questão (Temas 725 e 739), apontando para possível violação inclusive do princípio da
legalidade, insculpido no art. 5º, II, da CF, notoriamente de difícil vulneração direta.

Com efeito, a legislação atinente às concessões de serviços públicos em geral (Lei


8.987/95) e de telecomunicações em especial (Lei 9.472/97) é clara ao dispor:

Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe


responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a
terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa
responsabilidade.
§ 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária
poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes,
acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de
projetos associados (Lei 8.987/95).

Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as


condições e limites estabelecidos pela Agência:
(...)
II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou
complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados (Lei
9.472/1997, grifos nossos).

Novamente o TST desconsiderou dispositivos expressos de lei, reputando-os


inaplicáveis na seara laboral, combatendo assim o fenômeno econômico da terceirização,
caracterizado pela cadeia produtiva horizontal, para forçar o retorno ao modelo de empresa
vertical, em que a quase totalidade das atividades é exercida pelos seus empregados
contratados diretamente, e não por empresas terceirizadas e seus empregados.

O que mais chamava a atenção nas decisões do TST contrárias à terceirização era o
fato de que qualquer argumento era válido para se afastar a literalidade das normas legais
autorizativas da terceirização, como se pode observar do seguinte precedente, colhido entre
tantos:

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. CALL CENTER.


ATIVIDADE-FIM DA RECLAMADA TOMADORA DE SERVIÇOS. INTERPRETAÇÃO DOS
ARTIGOS 25, § 1º, DA LEI Nº 8.987/95 E DO ARTIGO 94, INCISO II, DA LEI Nº 9.472/97
E APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 331, ITENS I E III, DO TST. VÍNCULO DE EMPREGO
ENTRE A TOMADORA DE SERVIÇOS E O TRABALHADOR TERCEIRIZADO
RECONHECIDO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 10 DO STF.
MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
1. O serviço de call center é atividade-fim – e não atividade-meio – das empresas
concessionárias de serviço de telecomunicações. Assim, em observância à Súmula nº
331, itens I e III, do TST, que consagrou o entendimento de que a terceirização só se
justifica quando implicar na contratação da prestação de serviços especializados por
terceiros em atividades-meio, que permitam a concentração dos esforços da empresa
tomadora em suas atividades precípuas e essenciais, tem-se que a terceirização desses
serviços de teleatendimento pelas empresas telefônicas configura intermediação ilícita
de mão de obra, devendo ser reconhecido o vínculo de emprego desses trabalhadores
terceirizados diretamente com os tomadores de seus serviços. (...)
3. Por outro lado, a Lei nº 8.987/95, que disciplina a atuação das empresas
concessionárias e permissionárias de serviço público em geral, e a Lei nº 9.472/97, que
regula as concessões e permissões no setor das telecomunicações, são normas de
Direito Administrativo e, como tais, não foram promulgadas para regular matéria
trabalhista e não podem ser interpretadas e aplicadas de forma literal e isolada,
como se operassem em um vácuo normativo. Por isso mesmo, a questão da licitude e
dos efeitos da terceirização deve ser decidida pela Justiça do Trabalho exclusivamente
com base nos princípios e nas regras que norteiam o Direito do Trabalho, de forma a
interpretá-las e, eventualmente, aplicá-las de modo a não esvaziar de sentido prático
ou a negar vigência e eficácia às normas trabalhistas que, em nosso País, disciplinam a
prestação do trabalho subordinado, com a aniquilação do próprio núcleo essencial do
Direito do Trabalho – o princípio da proteção do trabalhador, a parte hipossuficiente da
relação de emprego, e as próprias figuras do empregado e do empregador.
4. Assim, não se pode mesmo, ao se interpretar o § 1º do artigo 25 da Lei nº 8.987/95
e o artigo 94, inciso II, da Lei nº 9.472/97, que tratam da possibilidade de contratar
com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes ao serviço, expressão
polissêmica e marcantemente imprecisa que pode ser compreendida em várias
acepções, concluir pela existência de autorização legal para a terceirização de
quaisquer de suas atividades-fim. Isso, em última análise, acabaria por permitir, no
limite, que elas desenvolvessem sua atividade empresarial sem ter em seus quadros
nenhum empregado e sim, apenas, trabalhadores terceirizados. (...) (E-ED-RR - 3300-
15.2010.5.12.0016, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DJ de 01/02/2013) (grifos
nossos).

Ou seja, a par de se considerar call center atividade-fim de empresas de


telecomunicações, só por se utilizar o telefone, quando tal serviço é terceirizado por toda
espécie de atividades comerciais, as leis de concessões e de telecomunicações eram
afastadas, por se considerarem de natureza administrativa, quando tratavam especificamente
da contratação de serviços, e a expressão “atividades inerentes”, contraposta a “acessórias e
complementares”, era considerada polissêmica e imprecisa, quando semântica, etimológica e
ontologicamente, significam atividades essenciais ou fim da empresa, justamente em
contraposição a acessórias e complementares, que estarão ligadas a atividades meio da
empresa. Realmente, a vontade contrária à terceirização foi pródiga nos argumentos,
independentemente de sua congruência com a lei e o léxico pátrio.

Pois bem, o STF voltou a sinalizar quanto à legalidade da terceirização de atividades-


fim e quanto aos exageros protecionistas da Justiça do Trabalho nessa seara, ao tratar da
terceirização no setor de transporte rodoviário, verbis:

DIREITO DO TRABALHO. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DECLARATÓRIA DA


CONSTITUCIONALIDADE. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. TERCEIRIZAÇÃO DA
ATIVIDADE-FIM. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. 1. A Lei nº 11.442/2007 (i)
regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários
de carga e por empresas transportadoras de carga; (ii) autorizou a terceirização da
atividade-fim pelas empresas transportadoras; e (iii) afastou a configuração de vínculo
de emprego nessa hipótese. 2. É legítima a terceirização das atividades-fim de uma
empresa. A Constituição Federal não impõe uma única forma de estruturar a
produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos
agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do
marco vigente (CF/1988, art. 170). 3. A proteção constitucional ao trabalho não impõe
que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego
(CF/1988, art. 7º). 4. A persistência de decisões judiciais contraditórias, após tantos
anos de vigência da Lei 11.442/2007, reforça a presença de perigo de dano de difícil
reparação e gera grave insegurança jurídica, em prejuízo a todas as partes que
integram a relação contratual de transporte autônomo de carga. 5. Verossimilhança do
direito e perigo da demora demonstrados. Medida cautelar deferida (ADC 48 MC/DF,
Rel. Min. Roberto Barroso, liminar deferida em 19/12/17, grifos nossos).

Novamente, a sinalização foi desprezada. Como a questão da terceirização carecia de


marco regulatório legal específico, dependendo exclusivamente de verbete sumulado desta
Corte (Súmula 331) para orientar as relações laborais nessa modalidade contratual, veio a Lei
13.467/17 a deixar claro a licitude da terceirização inclusive de atividade-fim das empresas,
incluindo os seguintes dispositivos na Lei 6.019/74:

Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela


contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade
principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua
capacidade econômica compatível com a sua execução.
Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa
de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua
atividade principal.

Ou seja, em que pese todas as sinalizações, o TST manteve sua jurisprudência


refratária à terceirização, contrariando legislação específica e jurisprudência do STF, levando o
Pretório Excelso a, finalmente, apreciar e julgar o Tema 725 de Repercussão Geral no RE
958.252 (Rel. Min. Luiz Fux), conjuntamente com a ADPF 324 (Rel. Min. Roberto Barroso)
sobre o mesmo tema, fixando a seguinte tese jurídica, em 30/08/18, com efeito vinculante
para todo o Poder Judiciário:

É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas


jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas,
mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante (site do STF, grifos
nossos).

3) FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO LABORAL POR NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Para não sermos cansativos, um terceiro exemplo de posicionamento do TST refratário


à jurisprudência do STF e à própria Constituição Federal é aquele relativo à flexibilização da
legislação trabalhista por negociação coletiva.

A Constituição Federal de 1988, em dispositivos autoaplicáveis e não dependentes de


regulamentação específica, é clara ao admitir a flexibilização de salário e jornada mediante
negociação coletiva, inclusive com sua redução, sem colocar condições para que se dê,
determinando o respeito às regras que estabeleça:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
(...)
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
(...)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante
acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de
revezamento, salvo negociação coletiva;
(...)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.
O Supremo Tribunal Federal prestigiou tais dispositivos constitucionais e tem revisado a
jurisprudência do TST refratária à flexibilização de direitos mediante negociação coletiva, nos
seguintes termos:

DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA.


VALIDADE E EFEITOS.
(...)
3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de
assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a
autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a
autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a
autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas,
acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de
negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981
da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e
convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das
normas que regerão a sua própria vida.
(...)
27. O reverso também parece ser procedente. A concepção paternalista que recusa à
categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de
aprender com seus próprios erros, contribui para a permanente atrofia de suas
capacidades cívicas e, por consequência, para a exclusão de parcela considerável da
população do debate público. (...)
28. Nessa linha, nã o deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos
acordos coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da
vontade exclusivamente aplicável à s relações individuais de trabalho. Tal ingerência
viola os diversos dispositivos constitucionais que prestigiam as negociações coletivas
como instrumento de solução de conflitos coletivos, além de recusar aos empregados a
possibilidade de participarem da formulação de normas que regulam as suas próprias
vidas. Trata-se de postura que, de certa forma, compromete o direito de serem tratados
como cidadãos livres e iguais.
(...)
48. Não socorre a causa dos trabalhadores a afirmação, constante do acórdão do TST
que uniformizou o entendimento sobre a matéria, de que “o empregado merece
proteção, inclusive, contra a sua própria necessidade ou ganância”. Não se pode tratar
como absolutamente incapaz e inimputável para a vida civil toda uma categoria
profissional, em detrimento do explícito reconhecimento constitucional de sua
autonomia coletiva (art. 7º, XXVI, CF). As normas paternalistas, que podem ter seu valor
no âmbito do direito individual, são as mesmas que atrofiam a capacidade participativa
do trabalhador no âmbito coletivo e que amesquinham a sua contribuição para a
solução dos problemas que o afligem. É através do respeito aos acordos negociados
coletivamente que os trabalhadores poderão compreender e aperfeiçoar a sua
capacidade de mobilização e de conquista, inclusive de forma a defender a plena
liberdade sindical. Para isso é preciso, antes de tudo, respeitar a sua voz (RE 590.415-SC,
Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 30/04/15 à unanimidade) (grifos nossos).

No voto do saudoso Min. Teori Zavascki nesse leading case, adotou-se explicitamente a
teoria do conglobamento, segundo a qual o acordo e convenção coletivos são fruto de
concessões mútuas, cuja anulação não pode ser apenas parcial em desfavor de um dos
acordantes nem depender de explicitação de vantagens compensatórias à flexibilização de
direitros:
Considerando a natureza eminentemente sinalagmática do acordo coletivo, a anulação
de uma cláusula tão sensível como essa demandaria certamente a ineficácia do acordo
em sua integralidade, inclusive em relação às cláusulas que beneficiam o empregado.
Aparentemente, o que se pretende é anular uma cláusula, que poderia ser contrária ao
interesse do empregado, mas manter as demais. Não vejo como, num acordo que tem
natureza sinalagmática, fazer isso sem rescindir o acordo como um todo” (págs. 39-40
do inteiro teor do acórdão) (grifos nossos).

Em seu voto no referido precedente, o Min. Gilmar Mendes refere expressamente as


autorizações constitucionais para flexibilização de salário e jornada constantes dos incisos
VI, XIII e XIV do art. 7º, mencionando as críticas que os próprios sindicatos têm feito a esse
protecionismo exacerbado da Justiça do Trabalho, concluindo:

“Então, eu concluía, Presidente, dizendo que talvez o TST tenha de fazer uma reflexão
com base no próprio Evangelho: talvez querendo fazer o bem, está fazendo o mal (cfr.
págs. 46-48 do inteiro teor do acórdão) (grifos nossos).

No RE 895.759 (Rel. Min. Teori Zavaski, DJE 13/09/16), aplicando o precedente do Tema
152, do Min. Roberto Barroso, para o caso de supressão das horas in itinere, assim decidiu,
ressaltando, mas não condicionando, a avença às vantagens compensatórias, implícitas ou
explícitas, pois a vontade da categoria, manifestada em assembleia geral, deve ser respeitada:

O Tribunal de origem entendeu, todavia, pela invalidade do acordo coletivo de


trabalho, uma vez que o direito às horas in itinere seria indisponível em razão do que
dispõe o art. 58, § 2º, da CLT (...) O acórdão recorrido não se encontra em conformidade
com a ratio adotada no julgamento do RE 590.415, no qual esta Corte conferiu especial
relevância ao princípio da autonomia da vontade no âmbito do direito coletivo do
trabalho. Ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos
trabalhadores pela CLT, concedeu-lhe outras vantagens com vistas a compensar essa
supressão. Ademais, a validade da votação da Assembleia Geral que deliberou pela
celebração do acordo coletivo de trabalho não foi rechaçada nesta demanda, razão
pela qual se deve presumir legítima a manifestação de vontade proferida pela entidade
sindical. Registre-se que a própria Constituição Federal admite que as normas coletivas
de trabalho disponham sobre salário (art. 7º, VI) e jornada de trabalho (art. 7º, XIII e
XIV), inclusive reduzindo temporariamente remuneração e fixando jornada diversa da
constitucionalmente estabelecida.

No caso das horas in itinere, tendo o direito em construção jurisprudencial (Súmula 90


do TST), posteriormente transplantada para a CLT (art. 58, § 2º), olvidou-se alguns dados
fáticos de relevo, que justificavam a possibilidade de flexibilização das normas legais:
a) a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros utiliza transporte público para
ir ao trabalho, tendo de enfrentar filas e esperas prolongadas, ou vai em condução própria,
sujeita às vicissitudes do trânsito, pagando pelo transporte e gastando tempo enorme, que
não é computado na jornada de trabalho;
b) aqueles que, por circunstâncias relativas à localização da empresa, gozam do
benefício do transporte gratuito fornecido pela empresa, acabaram tendo, pela Súmula 90 do
TST e sua posterior inserção na parte final do então § 2º do art. 58 da CLT, um benefício
suplementar: a contagem do tempo de transporte como de serviço, inclusive para efeito de
percepção de horas extras;
c) durante o tempo de transporte em condução fornecida pela empresa, o trabalhador
não despende esforço laborativo ou produtivo, não se podendo dizer, a rigor, que se trata de
“tempo à disposição do empregador”, pois este diz respeito à permanência nas dependências
da empresa no aguardo de ordens ou do trabalho a realizar, ainda que sem real dispêndio de
esforço.

A Lei 13.467/17, da reforma e modernização da legislação trabalhista, aplicável aos


contratos vigentes a partir de 11 de novembro de 2017, veio a traçar parâmetros específicos
do que se pode, ou não, negociar e flexibilizar, em relação à legislação trabalhista (CLT, arts.
611-A e 611-B, com um rol de 15 direitos flexibilizáveis e 30 direitos indisponíveis), inclusive no
que respeita à horas in itinere, que não são mais computadas na jornada de trabalho (CLT, art.
58, § 2º).

Nesses termos, são constitucionalmente válidas cláusulas de convenções e acordos


coletivos de trabalho prevendo a redução ou supressão das horas in itinere, a alteração de
sua base de cálculo ou dando-lhes natureza indenizatória.

Em artigo publicado na Revista do TST, o relator do precedente do STF sobre


negociação coletiva, o Min. Luís Roberto Barroso, em parceria com a Drª Patrícia Perrone
Campos Mello, deu a interpretação autêntica do referido julgado, no sentido de que a
Suprema Corte brasileira albergou, naquele julgado, a teoria do conglobamento, o que
dispensa a especificação das vantagens compensatórias, uma vez que ínsitas ao negócio
jurídico. Assim se manifestaram os referidos autores:

É descabida, ademais, a pretensão de manter em favor dos empregados os diversos


benefícios assentados em um acordo coletivo, mas suprimir justamente a cláusula que
lhes impõe determinado ônus. Quando as partes chegam aos termos de um acordo,
levam em consideração o conjunto de direitos e obrigações que se atribuem
reciprocamente, de forma que ou acordo é válido na sua integralidade e, portanto,
gera todos os custos e benefícios dele decorrentes, ou é inválido e, nesse caso, não
gerará vantagens ou desvantagens para quaisquer das partes. (...) Não é possível
destacar de uma norma o que interessa e optar por descumprir o resto. Deve-se
observar, no ponto, a teoria do conglobamento. Como bem observado pelo Ministro
Teori Zavascki em seu voto: (transcrição do voto já acima referido)” (“O DIREITO
COLETIVO DO TRABALHO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: PLANOS DE DEMISSÃO
INCENTIVADA E AUTONOMIA DA VONTADE, UM ESTUDO DE CASO”, Volume 84/2,
abril-junho/2018, pgs. 36-37).

E na nota de rodapé ao trecho transcrito acima, completa explicitando a teoria do


conglobamento, nos seguintes termos:

A teoria do conglobamento prevê, justamente, que os benefícios obtidos por uma


categoria profissional devem ser considerados à luz do conjunto da norma que os
concedeu, não se podendo extrair dela apenas as previsões favoráveis e descartar
as desfavoráveis. Nesse sentido: DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do
Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTR, 2017. p. 214-216; CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do
Trabalho. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011; MELO, Carlos Cavalcante. A teoria do
conglobamento e a interpretação das cláusulas negociais coletivas frente aos
princípios do direito do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª
Região, v. 32, n. 32. P. 107-130, jan./dez. 2009” (grifos nossos).

Em que pese todas essas sinalizações da Suprema Corte, o TST continuou invalidando
normas coletivas que flexibilizavam direitos trabalhistas, especialmente no campo das horas
in itinere, entendendo que a negociação coletiva seria fundamentalmente para ampliar
direitos laborais, não para reduzi-los.

Novamente, a resistência do TST a aceitar a ratio decidendi do precedente do RE


590.415 (Tema 152) obrigou o Pretório Excelso a erigir nova temática de repercussão geral, o
Tema 1046, relativa à “validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito
trabalhista não assegurado constitucionalmente” (Leading Case ARE 1121633).

No despacho que determinou o sobrestamento de todos os processos que discutissem


a validade de normas coletivas, o Min. Gilmar Mendes, relator da matéria no STF, assentou
que:
Ademais, até o reconhecimento da presente repercussão geral, muitas dessas ações
tinham sua improcedência determinada pela aplicação dos fundamentos
determinantes do paradigma (RE-RG 590.415, Min. Roberto Barroso), que consignou
a possibilidade de redução de direitos por meio de negociação coletiva e a
inaplicabilidade do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas ao direito
coletivo do trabalho. Uma vez recortada nova temática constitucional (semelhante à
anterior) para julgamento, e não aplicado o precedente no Plenário Virtual desta
Suprema Corte, existe o justo receio de que as categorias sejam novamente inseridas
em uma conjuntura de insegurança jurídica, com o enfraquecimento do instituto das
negociações coletivas (grifos nossos).

Ou seja, o STF já vinha aplicando a outros casos de redução de direitos por negociação
coletiva os fundamentos do precedente do Tema 152, mas não seguido pelo TST, razão de
nova rediscussão da matéria.

4) “ET ALIA”

Se fossemos elencar e dissecar no presente estudo outras decisões do TST contrárias à


jurisprudência da Suprema Corte, norteadas pela técnica do distinguishing, seria necessário
escrever um livro e não um artigo. Bastarão ser lembradas, entre outras, as mais recentes, da:

a) Contribuição Sindical, que a reforma trabalhista tornou voluntária (CLT, art. 578),
sendo considerada constitucional pelo STF (ADI 5794, Red. Min. Luiz Fux, julgada em
29/06/18), mas restaurada por TRTs através da contribuição negocial obrigatória para toda a
categoria, cassadas pelo STF em reclamações;
b) Equiparação entre Terceirizados e Empregados Públicos, vedada pelo STF,
reformando jurisprudência remansosa do TST, com teses para o Tema 383 sugeridas pelo
Redator designado (“A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora
de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre
iniciativa, por se tratarem de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a
decisões empresariais que não são suas") (RE 635.546, Red. Roberto Barroso, julgado pelo
Plenário Virtual em 21/09/20) e pelo Min. Alexandre de Moraes (“A equiparação de direitos
trabalhistas entre terceirizados e empregados de empresa pública tomadora de serviços
não pode ser concedida judicialmente, com base no princípio da isonomia e na previsão
do artigo 7º, XXXII, da Constituição Federal de 1988”), ainda pendentes de definição final,
vencidos quanto ao mérito os Min. Marco Aurélio (relator), Ricardo Lewandowski, Edson
Fachin e Rosa Weber;
c) Correção Monetária dos débitos judiciais trabalhistas, em que o TST sinalizou no
sentido aplicação do IPCA-E (ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, Rel. Min. Cláudio Brandão,
julgado em 04/08/15), louvando-se em parte da fundamentação das ADIs 4357, 4372, 4400 e
4425, mas olvidando-se de que o Pretório Excelso havia contrabalançado a elevação do índice
de correção com a redução dos juros, o que tornava o débito trabalhista o mais bem
remunerado em relação a todos os demais débitos judicias (cíveis, administrativos,
previdenciários e fiscais), o que levou o STF a determinar a suspensão de todos os processos
com essa temática, até o final do julgamento da ADC 58 (Rel. Min. Gilmar Mendes).

Apenas a título de reforço de fundamentação, é interessante notar que ao decidir o


RE 1247402, o Min. Gilmar Mendes registrou que “diante da constatação de que a conclusão
do Tribunal de origem [TST] a respeito da utilização do IPCA-E ou da TR sobre débitos
trabalhistas se fundou em errônea aplicação da jurisprudência desta Corte, cujos julgados no
Tema 810 e ADIn 4.357 não abarcam o caso concreto para lhe garantir uma solução
definitiva, é de rigor oportunizar àquela Corte eventual juízo de retratação no caso. Ante o
exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, com base nos artigos 21, § 2º, do RISTF e
932, VIII, do NCPC e, assim, ao cassar o acórdão recorrido, determinar que outro seja
proferido” (grifos nossos).

Com efeito, o que impressionou no caso da correção monetária dos débitos


judiciais trabalhistas foi o aproveitamento parcial das decisões do STF quanto à matéria,
ficando com a parte que reconhecia o desrespeito ao direito de propriedade, pela utilização
de índice de correção monetária que não recompunha adequadamente o poder aquisitivo da
moeda, e fazendo vista grossa para a parte que também reconhecia o desrespeito ao princípio
da isonomia em matéria de juros de mora, impondo ao Poder Público que utilizasse para os
precatórios o mesmo índice aplicado aos créditos tributários da Fazenda Pública, para efeito
de compensação entre uns e outros. A decisão do Pretório Excelso estava assim ementada, na
parte que interessa:

5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas
hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em
precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de
poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de
preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação,
fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação
apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte
(remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se
destina (traduzir a inflação do período).
6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos
em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança
vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre
débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte
processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos
juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161,
§1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão
“independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído
pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza
tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e
qualquer crédito tributário (grifos nossos).

Talvez a não percepção da unidade de tratamento da correção monetária com os


juros de mora, ao transplantar para a seara trabalhista apenas o inciso 5 da referida ementa,
olvidando-se do 6, esteja na aparente similaridade entre o art. 39 da Lei 8.177/1991 e o art.
161, § 1º, do CTN, quando falam de juros de 1% ao mês. No entanto, a norma do Código
Tributário Nacional estabelece que “se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora
são calculados à taxa de um por cento ao mês” (grifos nossos). Ora, na esfera federal, a Lei nº
9065/95 que os juros seriam calculados de acordo com a taxa do Sistema Especial de
Liquidação e de Custódia – SELIC, a qual tem registrado variações anuais muito inferiores a
12%, ficando na casa dos 4% ao ano. Nas esferas estaduais e municipais, também as leis
respectivas, em sua imensa maioria, aderiu a esse sistema para fixação dos juros de mora.

Ou seja, no desejo de proteger cada vez mais o trabalhador, o TST pretendeu


majorar o índice de correção monetária, sem, no entanto, perceber que só a aplicação dos
juros de mora de 12% ao ano já tornavam o débito judicial trabalhista o mais bem remunerado
dentre os débitos judiciais. Não foi por menos que o voto do Min. Gilmar Mendes na ADC 58
aponta para uma equalização ampla dos débitos judiciais – trabalhistas, cíveis, tributários,
previdenciários, administrativos –, fixando o IPCA-E para a correção até o momento do
ajuizamento da ação e a taxa Selic (que abarca juros e correção monetária) para o tempo
transcorrido até o pagamento dos débitos judiciais.

Em suma, o excesso de protecionismo acabou alertando o próprio STF para o


extremo desequilíbrio da balança a favor do trabalhador, na conjugação da lei mais favorável
com a parte mais favorável de decisão da Suprema Corte.

VI) MORFOLOGIA DO ATIVISMO JUDICIAL TRABALHISTA

Para se compreender melhor como se desenvolve o ativismo judicial trabalhista na


criação de novos direitos para a classe trabalhadora, elegemos como caso emblemático
aquele da Súmula 372 do TST, tanto em relação à sua criação como no que diz respeito à sua
interpretação e aplicação, pois mostra bem a morfologia do ativismo judicial do TST na
sumulação e interpretação do Direito do Trabalho brasileiro.

A Súmula 372, I, do TST constitui hipótese típica de atividade legiferante pelo TST,
na medida em que, sem base em norma legal específica, mas apenas invocando o princípio
constitucional da irredutibilidade salarial, insculpido no inciso VI do art. 7º da CF, que, por
sua vez, é passível de flexibilização, criou vantagem trabalhista, nos seguintes termos:

GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES (conversão das


Orientações Jurisprudenciais 45 e 303 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e
25.04.2005
I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o
empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-
lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira (ex-OJ nº
45 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996).
II - Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o
empregador reduzir o valor da gratificação (ex-OJ nº 303 da SBDI-1 - DJ 11.08.2003)
(grifos nossos).

Numa análise histórica da questão, vemos que, antes da reforma trabalhista de


2017, o art. 468 da CLT (que alberga o princípio da inalterabilidade contratual, de modo a
impedir a alteração contratual unilateral, como também a bilateral prejudicial ao empregado)
já admitia a exceção da reversão ao cargo efetivo, naturalmente com a perda da gratificação
de função, nos seguintes termos:

Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das


respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não
resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade
da cláusula infringente desta garantia.
Parágrafo único. Não se considera alteração unilateral a determinação do
empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo,
anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança (grifos
nossos).

Tal dispositivo constava da redação original da CLT, desde 1943, sendo que apenas
em 1996, após a Constituição de 1988 elencar como direito trabalhista o da irredutibilidade
salarial, é que o TST veio a editar orientação jurisprudencial e limitar a norma contida no
parágrafo único do art. 468 da CLT, admitindo a reversão ao cargo efetivo, mas vedando a
perda da gratificação de função.

O leading case que encabeça os precedentes fundantes do inciso I da Súmula 372


do TST, da lavra do saudoso Min. Orlando Teixeira da Costa, elencava as seguintes razões para
assegurar a manutenção da gratificação, mesmo em face da reversão ao cargo efetivo:

Amparam essa compreensão, vários fundamentos importantes. Primeiro - O que se


ampara no princípio da habitualidade. Numerosos são os enunciados que adotam o
princípio da habitualidade como gerador de direitos, no que pertine a horas
extraordinárias (Verbetes de números 24, 45, 94, 115, 151, 172). Segundo - O
princípio da irredutibilidade salarial, outrora reconhecido apenas pela lei ordinária,
mas atualmente consagrado pela Carta Magna vigente (art. 7º, inciso VI). É que os
hábitos reiterados de consumo não podem ser suprimidos de um momento para o
outro. A destituição da função (sanção) poderia autorizar essa supressão. Quando,
entretanto, a gratificação é suprimida por motivos outros que não decorrem da
culpa do empregado, não pode ele ser apenado com a redução do seu ganho e,
consequentemente, ver reduzido injustificadamente o seu poder aquisitivo. Terceiro
- O princípio da analogia, cuja aplicação é autorizada pelo art. 8º da CLT. Os
servidores públicos, que são trabalhadores como os empregados das empresas
privadas, tiveram reconhecido pela legislação ordinária (Lei nº 6.732/79 e hoje
artigo 62, § 2º da Lei nº 8112/90) o direito de incorporação da gratificação pelo
exercício de função de Direção, Chefia ou Assessoramento. Nada demais, pois, que
se reconheça, também, esse direito, aos empregados das empresas privadas,
quando exerceram, por longo tempo, gozando da confiança do empregador e sem
nunca a terem perdido, função de confiança, mormente quando o legislador,
dispondo sobre a espécie (art. 468, parágrafo único da CLT), esqueceu-se de
explicitar se a reversão ao cargo efetivo, quando o trabalhador deixar o exercício
de função de confiança, importa na perda da gratificação respectiva, mesmo
tendo prestado relevantes serviços ao empregador, naquela situação, por longo
tempo. Quarto - O princípio da constância da jurisprudência, expresso nos
acórdãos que a seguir enumeraremos, representativos de mais de uma década de
decisões: Ac 1ª T.-2742/77, referente ao processo nº TST-RR-1237/77, Relator
Ministro Hildebrando Bisaglia; Ac. 1ª T.-1810/82, referente ao processo nº TST-RR-
922/81, Relator Ministro Coqueijo Costa; Ac. 1ª T. - 915/83, referente ao processo
TST-RR-2.616/82, Relator Ministro Ildélio Martins; Ac. 3ª T. - 2327/84, referente ao
processo TST-RR-2723/83, Relator Ministro Orlando Teixeira da Costa; Ac. TP -
1762/86, referente ao processo nº TST-E-RR-1928/81 Relator Ministro Orlando
Teixeira da Costa; Ac. TP - 611/87, referente ao processo nº TST-E-RR-2.648/84,
Relator Ministro Coqueijo Costa; Ac. TP - 02272/87, referente ao processo nº TST-E-
RR-0334/82, Relator Ministro Ranor Barbosa; Ac. TP-2289/87, referente ao processo
TST-E-RR-2525/84, Relator Ministro Hermínio Mendes Cavaleiro; Ac. TP - 02340/87,
referente ao processo nº TST-E-RR-7388/83, Relator Ministro Ranor Barbosa; Ac. 3ª
T. - 2365/87, referente ao processo nº TST-RR-6562/86, Relator Ministro Orlando
Teixeira da Costa; Ac. SDI-02459/89, referente ao processo nº TST-E-RR-1445/87.4,
Relator Ministro Orlando Teixeira da Costa e Ac. 5ª T. - 1533/92, referente ao
processo nº TST-RR-28.383/91.9, Relator Ministro Antônio Amaral (ERR-
01944/1989, Ac. 2155/1992 - Red. Min. Orlando Teixeira da Costa, DJ 12.02.1993 -
Decisão por maioria) (grifos nossos).

Como se percebe, a orientação jurisprudencial do TST foi calcada basicamente em


princípios e não em normas legais, tanto que o voto condutor do Min. Orlando Costa fala
expressamente em esquecimento do legislador e na necessidade de suprir a lacuna para os
casos de longos anos de serviço.

Ora, o ilustre relator desse “leading case” não cogitou de silêncio eloquente do
legislador, quando a não inclusão de exceção significa que a regra não as admite. Por outro
lado, a fixação de parâmetro concreto pela jurisprudência constitui nítida invasão da esfera
legislativa, como no caso do estabelecimento da incorporação da gratificação de função pelo
seu exercício por mais de 10 anos. Por quê não 5 anos, como constava antes no Estatuto dos
Servidores Públicos Civis da União? Tal concretização de parâmetro não previsto em lei é a
prova maior de se estar legislando através de decisão judicial e não apenas suprindo lacuna.

Cabe destacar também que o referido precedente louvou-se na analogia como


princípio hermenêutico, diante do que entendeu tratar-se de lacuna da lei, louvando-se no art.
62, § 2º da Lei 8.112/90, de modo a contemplar os trabalhadores celetistas com igual direito
previsto para os servidores públicos da União, quando se dispunha, “verbis”:

Art. 62. Ao servidor investido em função de direção, chefia ou assessoramento é


devida uma gratificação pelo seu exercício.
(...)
§ 2º A gratificação prevista neste artigo incorpora-se à remuneração do servidor e
integra o provento da aposentadoria, na proporção de 1/5 (um quinto) por ano de
exercício na função de direção, chefia ou assessoramento, até o limite de 5 (cinco)
quintos (grifos nossos).

Ora, o próprio legislador ordinário, diante da falta de razoabilidade do benefício


concedido aos servidores da União, fazendo com que desde o exercício de função
comissionada por apenas um ano já pudesse ter incorporado 20% dela aos vencimentos, veio
a cancelar a vantagem dos denominados “quintos” (substituição, nos termos da Lei 9.527/97,
dos 5 parágrafos do art. 62 pelo seu atual parágrafo único) e transformá-los em Vantagem
Pessoal Nominalmente Identificada – VPNI quando já incorporados por aqueles que tivessem
cumprido com os requisitos legais ao tempo da edição da nova lei (Medida Provisória 2.225-
45/01).

Ou seja, desde 1997 a então Orientação Jurisprudencial 45 da SBDI-1 do TST já se


encontrava sem respaldo sequer analógico, pois o direito não existia mais para os servidores
públicos. E, assim sendo, mais patente se mostrava a conclusão de que a concessão do direito
aos empregados celetistas decorria de nítido voluntarismo jurídico, ou seja, da vontade do
juiz de que o direito fosse assegurado, mesmo sem previsão legal.

E mais. Ao tempo da edição do multicitado precedente, ainda vigia o CPC de 1973,


que previa expressamente a analogia e os princípios gerais de direito como fontes de exegese
nos casos de lacuna no ordenamento jurídico, tal como explicitamente esgrimidos pelo
julgado, “verbis”:
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou
obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não
as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito
(grifos nossos).

No entanto, justamente em face dos excessos do ativismo judiciário, veio o CPC de


2015 a não mais mencionar as referidas fontes, mas apenas manter, como parágrafo único, o
antigo art. 127 do CPC de 1973, nos seguintes termos, “verbis”:

Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do
ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei (grifos
nossos).

Em nossas “Reflexões com Vistas à Modernização da Legislação Trabalhista por


Ocasião dos 75 Anos da Justiça do Trabalho no Brasil”, já alertávamos para o perigo do
crescente ativismo judiciário que vinha tomando conta da jurisprudência de nossas Cortes
Trabalhistas e especialmente do TST, na edição e revisão de súmulas, “verbis”:

Se nas origens do Direito do Trabalho está a ideia de proteção do trabalhador


frente à exploração desmedida do empresário, por outro essa proteção tem um
limite, naquilo que é a justa retribuição dos frutos da produção entre o capital e o
trabalho.
A concessão de direitos ao trabalhador, quer pela via legislativa, quer pela via
judiciária, tem um limite de elasticidade, qual seja, a capacidade de assimilação de
novos encargos trabalhistas pelas empresas, que não encareçam de tal modo o
custo da mão-de-obra a ponto de tornar o produto não mais comercializável e a
empresa não mais competitiva no mercado nacional ou internacional, fazendo com
que venha a fechar suas portas.
Uma das vertentes do presente estudo será apresentar um panorama do que se tem
ampliado o rol dos encargos trabalhistas apenas com base na interpretação das
leis laborais, elastecendo além do razoável o patrimônio jurídico do trabalhador.
As duas principais vertentes do estudo serão ligadas à flexibilização da legislação
trabalhista:
a) uma sob tutela sindical, que tem sido repetidamente desautorizada, pela
anulação sistemática de cláusulas de acordos e convenções coletivas de trabalho;
b) a outra, que tem sido amplamente utilizada pela Justiça do Trabalho, que
poderíamos chamar de tutela judicial, com o elastecimento de direitos trabalhistas
baseados unicamente na aplicação de princípios gerais para se criarem novas
vantagens de conteúdo econômico para o trabalhador, não previstas em lei.
Ou seja, só se admite a flexibilização da legislação para ampliação de direitos
trabalhistas, não para sua adequação à realidade econômica, social e tecnológica.
O que chama mais a atenção não é a concessão desta ou daquela vantagem
isoladamente, prática perfeitamente assimilável, mas a tendência geral e
constante na exegese que amplie sistematicamente o rol dos direitos trabalhistas,
optando-se por deferir quase tudo e quase sempre o que o trabalhador venha a
postular em juízo, a que título seja (Ives Gandra da Silva Martins Filho, in 1º
Caderno de Pesquisas Trabalhistas, IDP – Lex-Magister, 2017 – Porto Alegre, págs.
17-18, grifos do original).

Após a entrada em vigor da Lei 13.467/17, era editado o 2º Caderno de Pesquisas


Trabalhistas do IDP, que coordenamos com o Min. Gilmar Mendes, do STF, no qual
registramos, já na apresentação, algumas das constatações subjacentes aos resultados da
reforma, “verbis”:

Se o 1º Caderno teve a virtude de fornecer subsídios para a reforma trabalhista


que se promoveu no Brasil em 2017, este 2º Caderno vem para analisa-la, decifrá-la
e comentá-la, procurando extrair dela suas potencialidades.
(...)
Ao olhar para o processo da reforma trabalhista, como observador privilegiado,
surpreso com sua amplitude, vem-me à cabeça, imediatamente, a terceira lei de
Newton: a toda ação corresponde uma reação, de igual intensidade e de sentido
contrário. Comparando o número de súmulas do TST que tiveram sua sinalização
alterada nas duas semanas do tribunal, de 2011 e 2012, com aquelas mesmas e
algumas outras que foram recolocadas na posição original pela reforma da CLT de
2017, não deixo de ver no ativismo judiciário da Justiça do Trabalho uma das
principais causas da reforma laboral. Para mim, uma mera constatação. A reação
foi tão forte quanto as mudanças da jurisprudência. Se houve excessos de um lado,
também se verificam alguns do lado oposto (Ives Gandra da Silva Martins Filho,
IDP-Paixão Editores – 2017 – Porto Alegre, págs. 7-8, grifos nossos de agora).

Pois bem, um dos verbetes sumulados do TST que foi tratado especificamente pela
Lei 13.467/17 foi justamente a Súmula 372, com a inclusão do § 2º ao art. 462 da CLT, com a
seguinte redação, “verbis”:

Art. 468. (...)


§ 1º Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que
o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando
o exercício de função de confiança.
§ 2º A alteração de que trata o § 1º deste artigo, com ou sem justo motivo, não
assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação
correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de
exercício da respectiva função (grifos nossos).

O que se verifica no caso concreto é que o § 2º do art. 468 da CLT superou a


Súmula 372, I, do TST, deixando claro agora que a reversão ao cargo efetivo não assegura ao
empregado a manutenção da gratificação que recebia no cargo comissionado,
independentemente do número de anos que o tenha exercido.

Como já se referiu, o item I da Súmula 372 do TST não conta com respaldo legal,
mas apenas principiológico, da estabilidade financeira do empregado, sendo absolutamente
discricionário o verbete, inclusive nos seus parâmetros, de 10 anos e de não reversão por justa
causa, em nítida manifestação de ativismo judiciário, oportunamente reformado pela Lei
13.467/17.

Assim, após a edição da Lei 13.467/17, tal verbete sumulado pende de


cancelamento, uma vez que contrário ao disposto no novo § 2º do art. 468 da CLT, sem que se
possa esgrimir frente a ele direito adquirido. Também se tem discutido o direito daqueles que,
mesmo não suprimida a gratificação, teriam garantida sua incorporação desde já, por
implementarem o requisito sumular antes da entrada em vigor da nova lei, de modo a impedir
o descenso salarial.

Ora, a clássica definição de direito adquirido de Gabba, ilustre jurista italiano que
influenciou diretamente nosso Código Civil de 1916, e que é repetida unissonamente pela
doutrina pátria, se expressa nos seguintes termos:

É adquirido cada direito que: a) é consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em


virtude de a lei do tempo no qual o fato se consumou, embora a ocasião de fazê-lo
valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova em torno do
mesmo; e que b) nos termos da lei sob cujo império ocorre o fato do qual se
origina, passou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu
(Carlo Francesco Gabba, “Teoria della Retroattività delle Leggi”, Utet – 1891 -
Torino, 3ª ed., pág.191, grifos nossos).

Como se percebe, a questão do direito adquirido é uma questão de direito


intertemporal, no sentido do confronto entre lei antiga e lei nova, sob o prisma do
cumprimento dos elementos que, segundo a lei antiga, eram aptos a gerar o direito previsto
na lei antiga e que serão antepostos frente à lei nova, em nome da segurança jurídica.

No caso do pretenso direito à incorporação da gratificação de função, o que se


contrapõe é a lei nova frente a verbete sumulado do TST que, indevidamente, criou vantagem
trabalhista sem base legal. Portanto, não há que se falar em direito adquirido.

Se, por um lado, a jurisprudência é fonte de direito, quando interpreta


legitimamente o ordenamento jurídico, explicitando o que não estava claro, por outro, não
cabe ao Poder Judiciário se substituir ao Legislativo, em detrimento do princípio republicano
e democrático da separação dos Poderes do Estado.

Ora, o que mais impressiona no caso da Súmula 372 do TST é que seus termos têm
sido ampliados para contemplar hipóteses por ela não previstas, que são a variação da
gratificação recebida, a descontinuidade na percepção da gratificação e a não
implementação dos 10 anos de percepção da gratificação, conforme se extrai dos seguintes
julgados paradigmáticos:

EMBARGOS INTERPOSTOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N° 11.496/2007. (...)


GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO RECEBIDA POR NOVE ANOS E CINCO MESES.
SUPRESSÃO. INTUITO OBSTATIVO. INCORPORAÇÃO. SÚMULA N° 372, ITEM I, DO
TST MAL APLICADA PELA TURMA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 896 DA CLT
CONFIGURADA. Discute-se, no caso, o direito do reclamante à incorporação da
gratificação de função suprimida pela empregador, após ter sido percebida por
nove anos e cinco meses. A Súmula n° 372, item I, do TST enfrenta a questão
referente à observância do princípio da estabilidade financeira e a percepção da
gratificação por mais de dez anos, que tem a seguinte redação: Percebida a
gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem
justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação
tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. Verifica-se que esse verbete
trata especificamente dos requisitos para deferimento da incorporação da
gratificação de função, quais sejam sua percepção por dez ou mais anos pelo
empregado e a reversão ao cargo efetivo – sem justo motivo. No entanto, esse
entendimento consubstanciado não se adequa à hipótese dos autos. De acordo com
o quadro fático delineado no acórdão ora embargado, o reclamante foi revertido ao
seu cargo efetivo após nove anos e cinco meses de exercício ininterrupto de função
gratificada, com a consequente supressão da gratificação respectiva. A supressão
dessa parcela, quando o empregado está prestes a incorporá-la ao seu patrimônio
jurídico, evidencia o intuito da empregadora de obstar a implementação da
condição temporal - percepção por mais de dez anos - necessária à aquisição do
direito em debate, o que atrai a aplicação do artigo 129 do Código Civil, que
dispõe: Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo
implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer,
considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a
efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento. Além disso, não é demais
ressaltar que esta Corte superior, por muitos anos, ao tratar da questão referente à
antiga estabilidade decenal, prevista no revogado artigo 492 da CLT, adotou o
entendimento de que a despedida do empregado que alcançasse nove anos de
serviço na empresa era presumidamente obstativa ao direito àquela estabilidade,
conforme se extrai do teor da já cancelada Súmula n° 26 do TST: Presume-se
obstativa à estabilidade a despedida, sem justo motivo, do empregado que alcançar
nove anos de serviço na empresa. Apesar de esse verbete já ter sido cancelado, o
princípio nele insculpido é totalmente pertinente à hipótese em exame, em que a
reclamada claramente buscou impedir a aquisição do direito do reclamante à
incorporação da gratificação de função, revertendo o empregado ao cargo efetivo
após mais de nove anos ininterruptos no exercício de função gratificada,
impossibilitando-o de preencher o requisito temporal de dez anos para tanto, na
forma da Súmula n° 372, item I, do TST. Nesse contexto, tem-se que o recurso de
revista não merecia ser conhecido por contrariedade à Súmula n° 372, item I, do
TST, pois essa não enfrenta a situação dos autos, em que a empresa, ao reverter ao
cargo efetivo o empregado que recebeu gratificação de função por mais de nove
anos, na realidade, buscou obstar o implemento de condição necessária à
incorporação da gratificação de função ao salário do reclamante, qual seja seu
recebimento por mais de dez anos. Violação do artigo 896 da CLT configurada.
Embargos conhecidos e providos (TST-E-ED-RR- 87340-65.2004.5.04.0014, Rel. Min.
José Roberto Freire Pimenta, DEJT 28/03/2014 – grifos nossos).

RECURSO DE EMBARGOS. REGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. GRATIFICAÇÃO DE


FUNÇÃO. PERCEPÇÃO POR MAIS DE DEZ ANOS. INCORPORAÇÃO. Esta Subseção
firmou entendimento no sentido de que a percepção da gratificação de função dá
ensejo à incorporação da verba, ainda que o desempenho do cargo de confiança
tenha se dado em períodos descontínuos, quando preenchido o requisito temporal
aludido no item I da Súmula nº 372 do TST. Recurso de embargos conhecido e
provido (TST-E-ED-RR- 23801-44.2002.5.01.0026, Rel. Min. Walmir Oliveira da
Costa, DEJT 24/08/18).

RECURSO DE REVISTA. INCORPORAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. VÁRIAS


GRATIFICAÇÕES RECEBIDAS NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS. Extrai-se do acórdão
regional que o reclamante exerceu diversas funções comissionadas por prazo
superior a dez anos. A jurisprudência adotada por esta Corte se apresenta no
sentido de, tratando-se de incorporação de gratificação de funções diversas, com
percepção de valores diferentes, a incorporação da gratificação deve ser pela
média atualizada dos valores recebidos durante os últimos dez anos. Há
precedentes. Recurso de revista não conhecido (RR - 652-48.2013.5.03.0100, Rel.
Min. Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT de 06/10/17).

Ou seja, além da Súmula 372, I, do TST criar vantagem trabalhista sem base legal,
o Tribunal vem ampliando as condições para fazer jus ao direito, admitindo a incorporação
com menos de 10 anos de exercício de cargo e também pela soma de períodos descontínuos,
e mesmo em caso de que havia variação das gratificações percebidas pelo empregado, o que,
inclusive, enfraquece a tese da reversão ao cargo efetivo como sendo obstativa da aquisição
do “direito”, se as funções são ocupadas alternadamente, conforme a conveniência do
empregador em cada período.

Com efeito, a ampliação das hipóteses de incorporação da gratificação, tal como


prevista na Súmula 372 do TST, acabou por minar a sustentação do enunciado, pois se o
fundamento para o reconhecimento do direito foi o princípio da estabilidade econômica, a
instabilidade decorrente da solução de continuidade na percepção da gratificação ou a
variabilidade das gratificações recebidas, maiores e menores, conforme o período, retirariam,
nesses casos, o direito à incorporação, em face do não preenchimento dos requisitos
sumulares.

Em suma, a morfologia do ativismo judicial trabalhista pode ser descrita de acordo


com os seguintes passos, conforme visto no caso paradigmático da Súmula 372 do TST:
a) invocam-se princípios jurídicos gerais para a criação de direitos novos aos
trabalhadores, não previstos em lei;
b) editam-se súmulas ou orientações jurisprudenciais calcadas nos precedentes
que criaram tais direitos;
c) tais enunciados de jurisprudência passam a ser equiparados à lei, como fonte
normativa primária;
d) passa-se a interpretar ampliativamente tais súmulas e orientações
jurisprudenciais, criando-se novos direitos, novamente sem base legal.

Justamente essa prodigalidade na concessão e ampliação de direitos que tem


caracterizado a atuação protetiva da Justiça do Trabalho gera como efeito colateral perverso e
indesejado, mas previsível, a redução paulatina de sua competência.

VII) REDUÇÃO PAULATINA DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Fenômeno que se vem verificando desde a promulgação da Constituição Federal de


1988 é a paulatina redução da competência da Justiça do Trabalho, por decisões da Suprema
Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Os capítulos desta outra novela são:

1) SERVIDORES PÚBLICOS

A redação original do caput do art. 114 da CF/88 tinha a seguinte dicção:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e


coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito
Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes
da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de
suas próprias sentenças, inclusive coletivas” (grifos nossos).

Ora, como a CF de 67/69 estabelecia a competência da Justiça do Trabalho para


conciliar e julgar os conflitos entre “empregados e empregadores” (art. 142), e a dicção da
Carta Política de 1988 mudou para “trabalhadores e empregadores” (art. 114), a par do art.
39 original prever, na administração pública, a adoção de regime único, que seria logicamente
de natureza estatutária, a conclusão a que se chegaria é a de que a competência da Justiça do
Trabalho, de acordo com a literalidade do art. 114 da CF/88 abrangeria todas as espécies de
trabalhadores, públicos e privados, pois o próprio dispositivo constitucional mencionava
expressamente a abrangência da administração pública direta e indireta de todas as esferas
governamentais. Não por menos, a Lei 8.112/90, que instituiu, no âmbito federal, o regime
único dos servidores públicos da União, previu expressamente a competência da Justiça do
Trabalho para dirimir os conflitos entre servidores e a administração pública federal (art. 240).

Foi o que defendemos no XIV Congresso Nacional dos Advogados Trabalhistas, quando
jovem procurador do trabalho, em painel compartilhado com a então juíza do trabalho Rosa
Maria Weber Candiota da Rosa (cfr. Anais do XIV CONAT, 22 a 25 de outubro/91 – Foz do
Iguaçu, Editora Consulex – 1991 – Brasília, págs. 60-66).

No entanto, a orientação de nossa Suprema Corte foi outra, declarando a


inconstitucionalidade do art. 240 da Lei 8.112/90 e fazendo a distinção entre relação
contratual de trabalho e relação estatutária de servidor público (cfr. ADI 492, Rel. Min. Carlos
Velloso, julgado em 12/11/92, DJ de 12/03/93).

A tônica dos argumentos expendidos no acórdão desse leading case apontavam para a
inconveniência de uma girada competencial de 180°, passando-se de uma Justiça Comum
Federal ou Estadual que, em matéria administrativa, pauta-se pelo extremo legalismo, numa
relação em que o Estado impõe as normas a seus servidores, para uma Justiça do Trabalho
notadamente protecionista, do que considera a parte mais frágil da relação de trabalho, que é
o empregado. Seria uma guinada que traria consideráveis ônus para o erário.

Assim, a interpretação sistemática da Carta Política de 1988 foi contrastada com a


exegese meramente literal do art. 114 da CF/88, de modo a não se passar a competência dos
servidores públicos para a Justiça do Trabalho, quando todos são trabalhadores, uns públicos e
outros privados.

Na mesma linha seguiu o Pretório Excelso, quando da Reforma do Judiciário de 2004,


com a EC 45, reafirmando sua jurisprudência frente à nova tentativa de ampliação da
competência da Justiça do Trabalho pelo Constituinte Derivado, que assim havia disposto:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:


I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios (grifos nossos).

O STF, adotando o conceito estrito de relação de trabalho para efeito de fixação de


competência, afastou novamente a competência da Justiça do Trabalho para as ações de
servidores públicos celetistas (cfr. ADI 3395, Rel. Min. Cezar Peluso, com liminar concedida em
05/04/06).

Ademais no julgamento da Medida Cautelar na ADI 3.395-6/DF, dando interpretação


conforme ao inciso I do art. 114 da CF, na redação conferida pela EC 45/04, o Supremo
Tribunal Federal excluiu da competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas que
sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação
de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, consignando que não cabe a essa
Justiça Especializada o prévio exame acerca da existência, validade ou eficácia do regime
estatutário próprio, de contratação temporária, ou da ocorrência de possível vício apto a
descaracterizar a natureza administrativa da contratação.

Ou seja, em verdadeiro braço de ferro que prossegue até o momento, chegam ao TST
centenas de casos em que se reconhece a competência da Justiça do Trabalho em ações de
servidores públicos contra Estados e Municípios, calcadas no fato de que a contratação teria
sido nula, por ausência de concurso público, ou teria extrapolado o tempo permitido por lei,
sempre recaindo, segundo as decisões recorridas, no regime celetista a relação. Ora, o
posicionamento do STF foi claro no referido precedente cautelar, no sentido de que cabe à
Justiça Comum apreciar a natureza do vínculo. Se reconhecer ser celetista, então, sim,
declinará da competência para a Justiça do Trabalho.

2) PRESTADORES DE SERVIÇO

O mesmo art. 114, I, da Constituição Federal, tal como alterado pela EC 45/04, deu
azo à tese, pela literalidade de sua redação, à ampliação da competência da Justiça do
Trabalho para as demais relações de trabalho que não apenas a relação de emprego.

Com efeito, da mesma forma que a relação de emprego regida pela CLT derivou do
contrato de locação de serviços do antigo Código Civil de 1917, a Reforma do Judiciário de
2004 teria trazido para a Justiça do Trabalho a apreciação das controvérsias relativas a todos
os demais contratos de prestação de serviços elencadas no atual Código Civil de 2002,
inclusive pela similaridade de direitos constantes nas suas várias modalidades, comparadas ao
contrato de trabalho.

Assim, sustentamos em nosso “Manual de Direito e Processo do Trabalho”, em sua 18ª


edição (Saraiva – 2009 – São Paulo, págs. 80-88), que estariam abrangidas pela noção de
relação de trabalho todas as modalidades contratuais de trabalho humano, como a do
empregado (CLT), eventual (CC, art. 602), autônomo (CC, arts. 593-609), avulso (Lei 8.603/93),
mandatário (CC, arts. 653-691), comissário (CC, art. 693-709), agente/distribuidor (CC, arts.
710-721), corretor (CC, arts. 772-729), transportador (CC, arts. 730-756), gestor de negócios
(CC, arts. 861-875), empreiteiro (CC, arts. 610-626), aprendiz (CLT, arts. 428-433 e ECA),
temporário (Lei 6.019/74), doméstico (Lei 5.589/72), rural (Lei 5.889/73), cooperado (Lei
5.764/71), voluntário (Lei 9.608/98), estagiário (Lei 6.494/77), parceiro (Lei 4.504/64) e
inclusive o preso (Lei 7.210/84).

Inclusive, no TST, sustentamos a competência da Justiça do Trabalho para dirimir a


controvérsia em torno de honorários advocatícios contratuais, “verbis”:

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – AÇÃO DE COBRANÇA – EC 45/2004 - ART. 114, IX, DA


CF – RELAÇÃO TRABALHISTA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Ampliada
pela Emenda Constitucional 45/2004, que conferiu nova redação ao art. 114 da
Constituição Federal, a atual competência da Justiça do Trabalho abrange as
controvérsias relativas ao pagamento de honorários advocatícios decorrentes da
atuação do advogado em juízo, por se tratar de ação oriunda de relação de trabalho
estrita, que não se confunde com relação de consumo. Nesta última, o consumidor
pleiteia a prestação do serviço. Na ação trabalhista, o causídico é que postula o
recebimento dos honorários pelo trabalho desenvolvido. Recurso de revista provido
(TST-RR-1302/2007-661-04-00.7, 7ª Turma, Rel. Min. Ives Gandra, DJ de 26/09/08).

No entanto, aqui também se viu a competência da Justiça do Trabalho ser reduzida,


transferindo-se para a Justiça Comum a competência de relações típicas de trabalho, para se
dizer que seriam relações de consumo, com a agravante de que, aqui também, a guinada seria
de 180°, pois a Justiça Comum costuma ser protecionista do consumidor.

Com efeito, assim pacificaram a controvérsia tanto STJ como STF:

Súmula 363 do STJ – Compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança
ajuizada por profissional liberal contra cliente (DJ de 03/11/08).
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO.
JUSTIÇA TRABALHISTA: INCOMPETÊNCIA. I. - Somente a ofensa direta à Constituição
autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a
interpretar normas infraconstitucionais. II. - É incompetente a justiça trabalhista para
dirimir controvérsia que não decorra da relação de emprego. Precedente. III. - Decisão
contrária aos interesses da parte não configura negativa de prestação jurisdicional. IV.
- A verificação, no caso concreto, da ocorrência, ou não, de violação ao direito
adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada situa-se no campo
infraconstitucional. V. - Agravo não provido (RE 472.861, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos
Velloso, DJ de 07/05/04) (grifou-se) No caso se discutia a competência da Justiça do
Trabalho para a execução de contrato civil de honorários advocatícios.

Mais recentemente, o STF analisou caso mais concreto de relação de trabalho que
classificou como não pertinente à competência da Justiça do Trabalho, que a vinha julgando
há anos:

Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o


julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e
representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes
(Tese fixada para o Tema 550 de repercussão geral no RE 606003, Red. Min. Roberto
Barroso, julgado em 25/09/20).

Como se pode verificar, a mudança da Constituição de 1967/1969 para a de 1988,


quanto à competência da Justiça do Trabalho, de relação de emprego para relação de
trabalho acabou não sendo reconhecida jurisprudencialmente pelo STF, mormente pelo
caráter excessivamente protecionista da Justiça do Trabalho.

3) COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA

Outro capítulo foi o da competência para as ações em que se pleiteava


complementação de aposentadoria patrocinada pela ex-empregadora do trabalhador. Após
anos da Justiça do Trabalho apreciar tais causas, também pesou sobre a orientação da
Suprema Corte de retirar da Justiça Especializada essa competência as decisões notadamente
favoráveis aos ex-empregados na interpretação das regras atinentes aos benefícios
complementares, envolvendo tanto a ex-empregadora quanto a entidade de previdência
privada.

Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e Processual Civil – Repercussão geral


reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade
de previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria –
Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho
– Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer
maior efetividade e racionalidade ao sistema – Competência da Justiça comum para
o processamento do feito – Recurso não provido.
1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas
de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito
Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da
Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art.
114, inciso IX, da Magna Carta.
2. O intérprete diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para
se adotar mais de uma solução possível deve optar por aquela que efetivamente
trará maior efetividade e racionalidade ao sistema.
3. Recurso extraordinário não provido (RE 583.050, Red. Min. Dias Toffoli, DJe
11/06/13, grifos nossos).

O que chama a atenção no caso, repita-se, é que por anos a competência foi
reconhecida como sendo da Justiça do Trabalho, tendo o STF retirado essa competência a
partir de nova leitura do texto constitucional, admitindo que era uma das possíveis
interpretações, mas que a adotava agora em face da racionalidade e efetividade que se
esperaria da Justiça Comum.

Ficou a Justiça do Trabalho com a competência residual, por conta da modulação da


decisão da Suprema Corte, apreciando os processos que nela já se encontravam em fase
recursal antes da decisão do Pretório Excelso.

Ou seja, a Justiça do Trabalho tem batalhado por manter e ampliar sua competência
constitucional para dirimir todas as questões ligadas ao trabalho humano, postulando,
inclusive competência penal (PEC 327/09) no caso dos crimes contra a organização do
trabalho (CP, arts. 197 a 207) e de exploração do trabalho escravo (CP, art. 149: “Reduzir
alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto”), pois “ninguém abre mão de competência”, como diz o jargão jurídico. No entanto,
o que se tem visto é a redução paulatina da competência da Justiça Laboral, não obstante as
normas constitucionais que a tenham ampliado, uma vez que a jurisprudência do STF tem
apontado para os excessos protetivos desse ramo do Judiciário e os perigos de se lhe atribuir
competência para dirimir todas as espécies de relações de trabalho passíveis de serem
estabelecidas.

VIII) PSICOLOGIA DO PROTECIONISMO JUDICIAL TRABALHISTA

Tentando compreender a psicologia que norteia essa postura superlativamente


protecionista que se nota na jurisprudência que emana do órgão de cúpula da Justiça do
Trabalho (e a consequente orientação restritiva da Suprema Corte), a melhor imagem que me
vem à cabeça é a do clássico filme “A ponte do Rio Kwai”, cuja trilha sonora também se
notabilizou. O filme conta a história de um coronel inglês (representado pelo ator David Niven)
preso pelos japoneses na 2ª Guerra Mundial e que é obrigado a construir uma ponte, com seus
homens também capturados, para permitir o avanço nipônico no sudeste asiático. O coronel,
querendo fazer da ponte uma mostra da superioridade britânica e orgulhando-se da bela obra
de engenharia militar construída, recusa-se a destruí-la quando é contatado por oficiais
americanos infiltrados nas linhas japonesas, esquecendo-se da finalidade da obra e de que
estava servindo ao inimigo a sua manutenção.

O arcabouço legislativo trabalhista, encabeçado pela Consolidação das Leis do


Trabalho (CLT), editada em 1943, constitui, por si só, notável sistema de proteção ao
trabalhador, que vem sendo aperfeiçoado ao longo dos seus quase 80 anos de existência,
cabendo ao juiz do trabalho aplicar de forma imparcial uma legislação que, de per si, já é
protecionista.

Não se quer dizer, absolutamente, que a Justiça do Trabalho ou os magistrados que a


compõem sejam parciais na aplicação da legislação trabalhista, mas que, talvez, o fato de
serem juízes do trabalho os faça pensar que a sua missão fundamental seja a de proteger o
trabalhador, quando o enfoque deve ser outro, de compor o conflito social, na exata dicção
do art. 766 da CLT, que, “nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas
condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa
retribuição às empresas interessadas” (grifos nossos). Tal dispositivo seria o norte também
para os dissídios individuais, buscando-se a harmonização e pacificação das relações
trabalhistas.

O que se vem verificando ao longo do tempo é a construção de uma jurisprudência


ampliativa de direitos trabalhistas, e o apego a ela, ao estilo do coronel inglês da Ponte do Rio
Kwai, quando a Suprema Corte vem recolocar a balança no lugar, reformando muitas das
decisões do TST em matéria trabalhista. O edifício protecionista laboral parece tão bonito que
não se admite seja reconstruído de acordo com normas de engenharia social mais modernas,
que já não tenha o trabalhador como eterno hipossuficiente e que valorizem sua vontade
coletiva, através da negociação por meio de seus sindicatos de classe, para estabelecimento
das condições de trabalho mais adequadas e justas para cada segmento da atividade
produtiva.

Os mecanismos psicológicos que atualmente mais se notam na Poder Judiciário em


geral e na Justiça do Trabalho em particular, que propiciam, na seara laboral, o fenômeno do
protecionismo exacerbado, são o ativismo judiciário e o voluntarismo jurídico, calcados na
prevalência dos argumentos de natureza sentimental mais do que de natureza lógica e
racional.

Como, sob o prisma da psicologia racional, disciplina filosófica que estuda a natureza
humana e seu modo de agir, a vontade é a potência da alma humana que decide, sofrendo as
influências da inteligência que conhece racionalmente a realidade e o sentimento que a intui,
é o voluntarismo jurídico o centro em torno do qual giram os dois outros fenômenos da
psicologia das decisões judiciais.

Há muitos magistrados que reconhecem que primeiro sentem a decisão que deveriam
tomar e que depois a fundamentam. O mais natural seria que a decisão judicial fosse o fruto
de um processo lógico dedutivo (e não intuitivo), em que se comparando o ordenamento
jurídico com os fatos da causa, conclui-se se tais fatos se enquadram na hipótese legal,
reconhecendo-se, assim, o direito e a quem pertence.

No entanto, se a concepção do juiz do trabalho, por ser do trabalho e não do capital, é


a de que sua missão existencial é proteger sempre e cada vez melhor o trabalhador, vendo-o
sempre como explorado pelo empregador, então a vontade de proteger acaba gerando o
ativismo judiciário, ou seja, a criação de direito por decisão judicial, quando a lei não alberga
determinada pretensão, mas se quer atende-la, por considera-la justa.

O ativismo judiciário tem sido muito criticado por toda a sociedade, pela insegurança
jurídica que gera, provocando a invasão judicial na esfera legislativa e, como se diz
proverbialmente, “cada cabeça, uma sentença”, e, não havendo respeito aos precedentes
vinculantes ou persuasivos do STF e das instâncias superiores, quem fica desnorteado é o
jurisdicionado e, na seara laboral, não apenas o empresariado, mas a massa trabalhadora,
pelas falsas expectativas geradas por decisões que serão reformadas futuramente. Diga-se de
passagem que tal ativismo tem se consubstanciado igualmente em invasão na esfera
executiva, com decisões judiciais querendo traçar políticas públicas (como no caso de
programas de combate ao trabalho infantil) ou de judicialização da política, interferindo-se na
esfera própria do Poder Executivo.
Interessante notar que há também um ativismo legislativo, consubstanciado no
positivismo jurídico, quando o legislador constitucional ou ordinário disciplina determinadas
matérias vitais à margem ou contra o Direito Natural. Exemplo disso seriam os direitos à vida,
liberdade e propriedade, que, como direitos humanos fundamentais, não poderiam ser
tratados de forma a se relativizar o primeiro, cercear o segundo e coletivizar o terceiro. Mas
uma coisa é reconhecer constitucionalmente um desses direitos humanos fundamentais e
outra, diferente é o modo de serem esgrimidos. Não poderia, por exemplo, a liberdade se
tornar libertinagem ou ao direito de propriedade se negar sua função social.

Nesse sentido, no momento de se criar direito novo por decisão judicial, o que acaba
imperando são os argumentos de natureza sentimental, especialmente calcados no princípio
da dignidade da pessoa humana, princípio esse de baixa densidade normativa, vez que apenas
enunciado nominalmente na Carta Política (art. 1º, III), sem qualquer especificação maior. Daí
que, por exemplo, nos debates sobre aborto de feto anencefálico, foi utilizado por ambos os
lados na ADI apreciada pelo STF, quer para defender a vida em gestação, quer para defender o
direito da mulher a se desfazer de criança indesejada.

Com efeito, milhares de decisões prolatadas pelo TST (numa pesquisa em setembro
de 2020 no site do TST, foram quase 150.000 decisões elencadas, sabendo-se que o Tribunal
julga cerca de 300.000 processos por ano) têm como um de seus fundamentos o de que o
direito deve ser reconhecido ao trabalhador com base na dignidade da pessoa humana. Daí se
compreenda a perplexidade do empresariado nacional ao ver ampliado substancial e
paulatinamente o rol de encargos trabalhistas que devem assumir, pela concessão de
vantagens adicionais pela via jurisprudencial.

Outro aspecto relevante, e que diz respeito à perplexidade do operariado nacional, é


aquele ligado à ameaça à celeridade do órgão de cúpula da Justiça do Trabalho. Sabendo-se
que, de acordo com os dados da CEST do TST, mais de 2/3 dos apelos que chegam ao TST são
de empresas (em 2020, são 67% de recursos em que o recorrente é pessoa jurídica, sem
contar os dos empregadores individuais e os recursos de ambas as partes) e que 70% dos
apelos julgados pelo TST são agravos de instrumento (só 13% são recursos de revista, com o
restante de outras classes processuais), tem sido o instituto da transcendência para o recurso
de revista, introduzido em nosso ordenamento jurídico pela MP 2.226/01, reconhecido como
constitucional pela decisão do STF na ADIMC 2527-DF (Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 23/11/07) e
regulamentado pela Lei 13.467/17 (CLT, art. 896-A e seus §§§), que tem propiciado a maior
celeridade na solução final dos conflitos trabalhistas.

Ora, o critério de transcendência representa a racionalização judicial e a simplificação


recursal na esfera trabalhista, de modo a afastar deste ramo do Judiciário o alerta de que
“justiça tardia é injustiça”. O novo paradigma deixou mais nítida, com sua radicalidade, a
natureza extraordinária do acesso ao TST e a missão uniformizadora da jurisprudência da
Corte Superior Trabalhista, que se havia ordinarizado, com o acesso fácil e generalizado de
todas as causas a ela. A transcendência passou a ser um filtro seletor do que será julgado ou
não, passando o TST a analisar temas e não casos.

Nesse contexto, cabe ao ministro do TST, nas decisões que não reconhecem a
transcendência de determinado recurso, dizer suscintamente porque não julga a causa, e não
porque o recorrente não tem razão. E pode fazê-lo monocraticamente, desde que
fundamentada a decisão, que, em se tratando de agravo de instrumento, é irrecorrível, nos
termos do § 5º do art. 896-A da CLT. Essa a maior vantagem da transcendência em termos de
celeridade processual.
Em que pese o Órgão Especial do TST já haver se pronunciado no sentido da
constitucionalidade do referido dispositivo de lei (Ag-MS-1000354-22.2019.5.00.0000, Rel.
Min. Breno Medeiros, julgado em 02/12/19), a 7ª Turma da Corte insistiu em arguir sua
inconstitucionalidade para que fosse discutida no Pleno do TST (ArgInc-1000845-
52.2016.5.02.0461), naquilo que vislumbramos um andar para trás na prestação jurisdicional,
pois atualmente a quase totalidade dos processos que se encontram no TST para julgamento já
estão no regime da transcendência. Eventual acolhimento da tese da inconstitucionalidade,
por desrespeito ao acesso ao colegiado, importaria em dois resultados práticos: aumento
substancial de recursos internos ou demora substancial no julgamento dos agravos de
instrumento, por necessitarem de inclusão em pauta e aguardo de prazos maiores previstos
no Novo CPC, em notório desserviço à prestação jurisdicional célere, que sempre foi o
apanágio maior da Justiça do Trabalho, conjuntamente com sua vocação conciliadora.

O que impressiona, ao constatar a motivação subjacente à arguição de


inconstitucionalidade do § 5º do art. 896-A da CLT é a dupla vertente que assume,
configurada, por um lado, no incômodo da rápida redução de acervo por parte de alguns
ministros causado em outros, e, por outro lado, na busca de imposição hegemônica de uma
visão do direito do trabalho, pelo controle sobre a totalidade das decisões exaradas por
ministros da Corte.

Em relação à 1ª vertente, uma coisa que sempre chamou a atenção na prestação


jurisdicional em Cortes Superiores é a convivência pacífica de alguns com elevados acervos
processuais, fazendo com que o jurisdicionado aguarde por anos a solução de seus recursos à
instância extraordinária. Daí a introdução da transcendência, para evitar dois extremos:
recursos parados ou recursos julgados com simples manutenção da decisão recorrida pelos
seus próprios e jurídicos fundamentos.

A desculpa para acervos elevadíssimos de processos, no sentido de que se zela mais


pela qualidade da prestação jurisdicional, olvida a exigência constitucional da celeridade
processual (CF, art. 5º, LXXVIII), e de que o que cabe ao juiz é, fundamentalmente, dizer “sim”
ou “não” à pretensão recursal e “porque”. Com a transcendência, é possível debruçar-se a
fundo nos temas relevantes, com votos detalhados e abrangentes, desde que os casos não
relevantes sejam despachados com a sucinta fundamentação referente ao porque não são
transcendentes. A insistência no sistema artesanal de prestação jurisdicional em Corte
Superior é que compromete não só a celeridade, mas a própria qualidade, já que sessões com
quantidade sobre-humana de recursos compromete a boa solução dos temas efetivamente
relevantes.

Quanto à 2ª vertente mencionada, é o próprio Supremo Tribunal Federal que sinaliza


para a sua ocorrência. Com efeito, o Min. Roberto Barroso, na sessão já referida, em que
criticou a resistência interpretativa do TST quanto à questão da responsabilidade subsidiária da
administração pública, afirmou, que, “no fundo, o que se faz é impedir que a posição
pacificada no Supremo prevaleça nesses casos” (julgamento das Reclamações 36958, 40652 e
40759, em 08/09/20). A estratégia para se estabelecer a hegemonia jurisprudencial dentro do
TST pela corrente protecionista tem seguido dois caminhos: através de permutas sucessivas
de membros dessa corrente entre subseções, conseguiu-se estabelecer confortável maioria no
órgão uniformizador da jurisprudência interna corporis do TST, que é a SBDI-1; e pelo não
reconhecimento de transcendência das questões que estão pacificadas pela SDI-1 (mesmo
que estejam pelo STF em sentido contrário), impede-se o controle do STF quanto à
observância de sua jurisprudência em temas de repercussão geral.
Em suma, quer pelo exacerbado protecionismo nas decisões de mérito, quer pelo
sistema de controle hegemônico da jurisprudência da Corte, o fato é que a prestação
jurisdicional na seara trabalhista, pelo reiterado confronto com a jurisprudência da Suprema
Corte e pelas sucessivas reformas das suas principais teses, não tem ofertado segurança
jurídica e tem comprometido a celeridade processual, propiciando contínuas idas e vindas de
questões, muito tardiamente pacificadas, mais pelo STF do que pelo TST.

IX) CONCLUSÃO

Quando concluía este singelo artigo, concluía também a releitura da Trilogia da


“Fundação” de Isaac Asimov (Aleph – 2019 – São Paulo), na qual o tema central é a psico-
história e em cujo anexo ele dava uma entrevista comentando toda a sua obra, a começar do
“Eu, Robô”. O que me chamou a atenção foi a explicação que dava para o Universo da
Fundação não mais contar com robôs. É que estes haviam, na Terra, interpretado tão
generosamente as 3 leis da robótica, de proteção da humanidade, que já não permitiam
qualquer comportamento humano que entendessem contrário ao bem dos homens. Assim, a
exploração e colonização da galáxia teria se dado com os homens fugindo dos perigos da
energia nuclear mal utilizada e do domínio protetivo dos robôs, por aspirarem a uma
liberdade da qual não mais gozavam.

O alerta dos Ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes, no precedente do RE


590.415-SC, acima relatados, soa semelhante ao de Isaac Asimov sobre os males de um
excessivo protecionismo laboral: querendo-se fazer o bem e promover o desenvolvimento
social, acaba-se por retirar dos agentes econômicos (trabalhador e empresário) o seu natural
protagonismo, a autonomia negocial coletiva e o equilíbrio nas relações laborais.

Obviamente, a análise aqui realizada, sob a perspectiva psicológica do que explica o


viés exacerbadamente protecionista da jurisprudência trabalhista, é uma generalização que
nem afeta a todos e nem sempre, mas que se nota como tendência dominante, a ponto de ter
gerado, no passado, tentativas de se extinguir este ramo do Poder Judiciário, tão importante
para a harmonização das relações trabalhistas.

Por outro lado, o ativismo judiciário não é privilégio nem apanágio exclusivo da Justiça
do Trabalho, uma vez que estendido por todos os ramos do Poder Judiciário e especialmente
notado na própria Suprema Corte.

No fundo, liberais ou conservadores, protecionistas ou progressistas divergem apenas


quanto aos meios, mas buscam o mesmo fim, de garantir os direitos dos trabalhadores e
promover a atividade produtiva empresarial, compondo os conflitos sociais. O ponto de
divergência está na ênfase que cada grupo dá a dois princípios da doutrina social cristã
albergados na Carta Magna do Trabalhador, que é a Encíclica Rerum Novarum (1891) do Papa
Leão XIII. Enquanto os protecionistas destacam exclusivamente o princípio da proteção, os
liberais lembram o princípio da subsidiariedade, segundo o qual a intervenção do Estado no
domínio econômico, quer pelo Legislativo, quer pelo Judiciário, só se dá quando as sociedades
menores, como são as famílias, as empresas, as associações, os sindicatos, as igrejas, não têm
condições de promoverem seus bens particulares adequadamente. Em suma, não cabe ao
Estado se substituir a essas sociedades menores, mas apoia-las e ajuda-las, promovendo o
bem comum. Assim, a diferença está no nível de intervencionismo estatal, se, nas relações de
trabalho, resguardará a autonomia negocial coletiva, fazendo de empresas e sindicatos os
agentes por excelência do estabelecimento dos direitos laborais, ou ampliará a esfera de
indisponibilidade das normas legais trabalhistas, fazendo do Estado Legislador e do Estado
Juiz os promotores por antonomásia da ordem jurídica trabalhista.
Enfim, o estudo, feito mais como autocrítica do que reparos ao modo de julgar alheio,
pois o ativismo judiciário e o voluntarismo jurídico são tentações que acometem a todos os
juízes de todos os ramos do Judiciário, é na verdade um alerta para que possamos, aqueles
que integramos o Judiciário Trabalhista, e especialmente seu órgão de cúpula, corrigir o rumo
da prosa, naquilo que tem havido de excessos, e cumprir da melhor forma possível a
nobilíssima missão de pacificar os conflitos sociais, na esteira do dístico de nossa bandeira do
TST, calcada no profeta Isaías: “Opus Justitiae Pax” (a obra da justiça é a paz).

BIBLIOGRAFIA:

Asimov, Isaac – “Trilogia da Fundação” (Aleph – 2019 – São Paulo).


Batista, Nathália Pereira – “A Justiça do Trabalho no Divã”, in Suplemento Cultural da Revista
da Associação Paulista de Medicina (Abr./Jun. 2020, nº 316 (Coordenação Guido Arturo
Palomba).
Carvalho, Augusto César Leite de & outros – “A Súmula n. 277 e a Defesa da Constituição”
(Revista do TST, ano 78, out/dez 2012).
Gabba, Carlos Francesco – “Teoria della Retroattività delle Leggi” (Utet – 1891 - Torino, 3ª ed).
Martins Filho, Ives Gandra da Silva – “Regime Único do Servidor Público e Competência da
Justiça do Trabalho” in Anais do XIV CONAT, 22 a 25 de outubro/91, Foz do Iguaçu (Editora
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Martins Filho, Ives Gandra da Silva – “Reflexões com Vistas à Modernização da Legislação
Trabalhista por Ocasião dos 75 Anos da Justiça do Trabalho no Brasil”, in 1º Caderno de
Pesquisas Trabalhistas (IDP-Lex-Magister – 2017 – Porto Alegre).
Martins Filho, Ives Gandra da Silva – “Apresentação” do 2º Caderno de Pesquisas Trabalhistas
(IDP-Paixão Editores – 2017 – Porto Alegre).
Martins Filho, Ives Gandra da Silva – “Procedimentos Judiciais – Atuação da Procuradoria
Geral do Trabalho na Defesa de Interesses Difusos e Coletivos na Esfera Trabalhista” in Revista
do Ministério Público do Trabalho, Ano IV, nº 7, março de 1994, págs. 51-57 (LTr – 1994 – São
Paulo).

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