Frei Sebastião Kremer OFM - A Identidade Da Ordem Dos Frades Menores
Frei Sebastião Kremer OFM - A Identidade Da Ordem Dos Frades Menores
Frei Sebastião Kremer OFM - A Identidade Da Ordem Dos Frades Menores
(laical e clerical)
Nem sempre se compreendeu todo o alcance doutrinal e jurídico do assunto, ou do problema, que
na Ordem é simplesmente chamado ou conhecido como a questão do artigo três.
A questão do artigo três pode ser sintetizada nos seguintes pontos:
a) a consciência e a vontade da Ordem de recuperar a própria identidade de Fraternidade constituída
tanto de irmãos leigos quanto de irmãos clérigos que, por força da profissão religiosa, têm iguais
direitos e deveres, salvo os que decorrem da ordem sagrada;
b) pelo fato de ser enumerada pela Igreja entre os institutos clericais, a Ordem, por direito, deve ser
governada, em todos os níveis, por clérigos;
c) a exclusão dos irmãos leigos de chegar aos cargos de governo implica, como conseqüência, numa
espécie de desqualificação dos irmãos;
d) originalmente, a ordem sagrada não é uma qualificação do carisma franciscano.
Além disso, a questão do artigo três, no seu conjunto, fere também a compreensão do estado da
vida consagrada na Igreja e, portanto, não se trata simplesmente de ser qualificado como instituto
clerical ou instituto laical.
Quanto ao estado da vida consagrada, o Concílio Vaticano II ensina que "do ponto de vista da
estrutura divina e hierárquica da Igreja, tal estado não constitui um estado intermediário entre o
clerical e o laical. Mas de ambos são chamados alguns fiéis por Deus a fim de desfrutar desse peculiar
dom na vida da Igreja, procurando cada qual a seu modo ser útil à sua missão salvífica"1.
Portanto, pelo fato de aceitar em suas fileiras tanto clérigos quanto leigos, a vida religiosa não
pode ser definida em razão da clericalidade ou da laicidade de seus membros: "Status vitae
consecratae, suapte natura, non est nec clericalis nel laicalis", define o Código de Direito Canônico2.
Considerando que a vida religiosa exprime de forma mais completa a consagração batismal3, como o
estado batismal ela é uma realidade que ultrapassa qualquer qualificação antitética (clericalidade e
laicidade). Assim como pela recepção do batismo nos tornamos simplesmente "cristãos" (vida cristã),
da mesma forma pela emissão da profissão religiosa nos tornamos simplesmente "religiosos" (vida re-
ligiosa).
Ainda que a vida religiosa como tal não se submeta à qualificação da clericalidade e da laicidade,
segundo a ordem canônica vigente os institutos religiosos são qualificados como "laicais" ou
"clericais". O critério usado para tal classificação não é meramente de "estrutura" organizativa
(numérico), como no antigo Código4, mas foi introduzido um critério "qualitativo" que, portanto, se
refere diretamente à própria estrutura do instituto5.
A Ordem dos Frades Menores não aceita ser contada entre os institutos "clericais", pelo simples
fato que para ser um verdadeiro frade menor não é necessária a ordem sagrada; e sempre reafirmou
esta vontade. De fato, sem ter que aprofundar o problema, pode-se afirmar que São Francisco jamais
teve a intenção de fundar uma Ordem de clérigos.
O presente estudo divide-se em três partos: Na primeira, apresentam-se, de forma sucinta, as
decisões capitulares; na segunda, examinase a evolução da questão nas relações com a Santa Sé; na
terceira, são feitas algumas propostas para, eventualmente, serem apresentadas ao próximo Capítulo
geral.
1
LG 43
2
CDC, can. 588 §1
3
Cf. LG 44; PC 5
4
No can. 488 do antigo Código, os institutos religiosos foram classificados em clericais ou laicais, tendo por
base um critério meramente estrutural-funcional. O critério numérico nada tinha a ver com a "natureza" da
vida religiosa (e do instituto religioso), mas com sua "estrutura" organizativa comunitária. De fato, conforme o
can. 488 do antigo Código, um mesmo instituto que ontem era "clerical-, amanhã poderia tornar-se "laical",
apenas porque o número dos irmãos leigos se tornara maior do que o dos clérigos.
5
CDC, can. 588 §2: "Denomina-se instituto clerical aquele que, em razão do fim ou objetivo pretendido pelo
fundador ou em virtude de legítima tradição, está sob a direção de clérigos, assume o exercício de ordem
sagrada e é reconhecido corno tal pela autoridade da Igreja".
1
I. DECISÕES DOS ÚLTIMOS CAPÍTULOS GERAIS
1. Capítulo geral de 1979
A questão da identidade da Ordem, isto é, que a Ordem é constituída de irmãos clérigos o leigos
com iguais direitos e deveres, apareceu como decisão no Capítulo geral de 1979. De fato, ao tratar da
formação em geral, o Capítulo geral aprovou a seguinte proposição:
"De institutione"
"Ad tuendarn et in praxim deducendam identitatern Ordinis Fratrum Minorum, in quo omnes
fratres, clerici vel non, pari ratione paribusque iuribus et obligationibus incorporantur, necesse est et
mentalitatem plurimorum fratrum et quasdarn structuras mutare. Ad haec obstacula superanda turn
ministri turn educatores quarn maxime curam ponant" (Placet 93; Non placet 16 ; Placet iuxta modurn
2; Abstinet 1. Definitive approbatur)6.
17
Carta do Ministro geral ao Prefeito da CIVCSVA, de 15 de maio de 1991, Prot. 077414. Trata-se de
uma longa carta de 9 páginas, que termina com o seguinte pedido:
"Apesar disso, hoje me sinto em condições de apresentar um pedido, ou mais precisamente, uma graça:
peço que, de conformidade com as origens da Ordem e com a provada e sã legislação e tradição pluri-secular,
com as exigências concretas de uma autêntica Fraternidade, na qual irmãos leigos e clérigos se sintam
verdadeiramente iguais na partilha da vida, da missão e da responsabilidade, e apesar de nossa Ordem ser
enumerada pela Igreja entre os institutos clericais, os irmãos leigos possam chegar aos cargos de Ministro e de
Guardião, colaborando no exercício do poder de governo.
No espírito da Regra e da tradição da Ordem e em conformidade com as exigências do direito para o
exercício do poder da ordem, peço que na concessão seja especificado que quando um irmão leigo é eleito
para um cargo de superior, se prescreva a providência de que para os atos que exijam poder de ordem, seja
delegado um vigário clérigo ou um clérigo definidor."
Note-se que este texto inspira a redação do texto da terceira decisão do Capítulo geral de 1991.
A Carta de 15 de maio foi motivada por uma troca de correspondência anterior. De fato, a 24 de
novembro de 1990, o Ministro geral explica, numa carta (cf. Prot. 076971) ao Cardeal, o mal-estar de muitos
frades pelo fato de a Ordem ser enumerada entre os institutos clericais e pede para eliminar das CCGG o
parágrafo 2 do art. 3. O Cardeal responde e reafirma: "A fórmula, de caráter legal, foi inserida nas
Constituições porque necessária para definir a condição jurídica da Ordem dos Franciscanos Menores.
Portanto, Sua proposta de tirar o art. 3, 2, deixando para outro documento o esclarecimento e o
estabelecimento de normas para o problema assim como o compreende a Ordem, não parece possível à luz do
can. 587" (J. Card. Hamer, Carta de 23 de fevereiro de 1991, Prot.n.M. 64-1/84/OFM, Prot 076971).
A intransigência legal é a explicação para esta última tentativa de possibilitar aos irmãos o acesso aos cargos
de governo, mesmo que a Ordem deva ser enumerada entre os institutos clericais.
18
Carta do Ministro geral à CIVCSVA, 21 de maio de 1991, Prot. 077478.
19
E. Card Martinez Somalo, Carta ao Ministro geral, de 26 de novembro de 1992, Prot. 079703.
20
Note-se que nesse entretempo foram nomeados um novo Prefeito e um novo Secretário da Congregação,
respectivamente o Card. Eduardo Martinez Somalo e Dom Francisco Javier Errázuriz Ossa.
4
1) afirma que "será necessária uma consulta a toda a Ordem e se a maioria de oitenta por cento
expressar seu consenso, tal decisão deverá ser ratificada por uma decisão do Capítulo geral,
obtida pela maioria qualificada de dois terços dos participantes";
2) pede "que se comuniquem a este Dicastério... as normas que segundo o governo geral devem
regular o poder dos Superiores, tendo presente a índole da Ordem, se fosse reconhecida como
instituto misto".
A resposta da Ordem à CIVCSVA foi apresentada com a Carta de 15 de maio de 1993, após uma
troca de idéias do Ministro e do Vigário geral com a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos21.
Ao pedido de apresentar as normas que deveriam regular o poder dos Superiores foi proposto:
“- a possibilidade de todos chegarem a todos os cargos de governo da Ordem, como aconteceu
historicamente (entre os primeiros Ministros gerais, alguns eram leigos) para realizar o fato de
chamarem-se e serem de fato Irmãos";
“- a concessão, aos irmãos leigos que assumirem os vários cargos da Ordem, de todas as
faculdades que o Código concede aos Ordinários (can. 134 do CM, ad instar Ordinariorum,
excetuadas aquelas que exigem a ordenação sacra".
Quanto à consulta "referendária" à Ordem, foi respondido que tal prática não é conhecida na
Ordem e que não parece oportuna"22.
21
Carta do Ministro e Definitório geral à CIVCSVA, de 15 de maio de 1993, Prot. 079703.
22
Carta do Ministro e Definitório geral à CIVCSVA, de 15 de maio de 1993, Prot. 079703: "considerando que
a "natureza mista" da Ordem é clara e esteve constantemente na sua consciência, pensamos que não se deva
submeter tal reconhecimento à consulta. Por outro lado, tal consulta não é conhecida na Ordem, e não nos
parece oportuna.
Parece que não se deva propor o assunto do can. 119, n. 3, pois não se modifica a "natureza" da Ordem; ao
contrário, seria reconhecida sua plena autenticidade. É algo que já faz parte da Ordem, embora em algumas
épocas tenha ficado um pouco na obscuridade".
A Ordem dos Frades Menores Capuchinhos manifestou sua perplexidade de forma mais incisiva: "Quanto a
um referendum non inferior a 80% de "Sim", observamos: ou a "clericalidade-laicalidade" faz parte do
"carisma" e então deve ser respeitada independentemente da relação maioria-minoria; ou não entra no
"carisma" como elemento qualificante, e então nem a maioria maciça mudaria a realidade". Carta do Ministro
e Definitório geral OFMCap à CIVCSVA, de 2 de fevereiro de 1993, Prot. n. 01460/92.
23
A 25 de outubro de 1993, o Vigário geral envia uma carta ao Secretário da CIVCSVA (Prot. 081053),
agradecendo o colóquio mantido a 18 de outubro e acrescenta três anexos: Anexo 1: fotocópia das páginas 885
e 902 das Acta do Capítulo geral de 1979; Anexo 2: fotocópia das páginas 288 e 511 das Acta do Capítulo
geral de 1985; Anexo 3: fotocópia das páginas 214-215 e 322 das Acta do Capítulo geral de 1991. E inclui
também um exemplar da Ratio Formationis Frariciscanae.
Talvez por um lapso, não foram enviadas as duas decisões do Capítulo geral de 1991, isto é, as QV 121 e 123.
24
E. Card Martínez Somalo, Carta ao Ministro geral, de 15 de março de 1994, Prot. n. 749/88 (Prot. OFM
081660).
5
Para fazer progredir o estudo sobre a matéria, a CIVCSVA enviou um texto com as reflexões e
observações de um Consultor seu25, convidando a Ordem a:
1) dar uma resposta aos problemas teológicos, jurídicos e práticos importantes;
2) redigir as normas constitucionais que, na Ordem, deverão regular o poder em todos os níveis.
A mesma Carta, acompanhada do estudo do Consultor, foi enviada também à OFMCap. Por
isso, os Ministros das duas Ordens, depois de estudar a Carta no respectivo Definitório, instituíram
uma Comissão Comum para estudar e responder os pedidos da CIVCSVA26.
Pressionada pela iminência de dois acontecimentos, a saber, o Capítulo geral dos Frades Menores
Capuchinhos, no mês de junho, e o Sínodo dos Bispos sobre a Vida Consagrada, no mês de outubro, a
Comissão Comum se pôs a trabalhar intensamente. O Estudo, Risposta OFM-OFMCap alle
"Rifiessioni e Osservazioni" di un Consultore della CIVCSVA (25 de feverero de 1994), preparado
pela Comissão, foi entregue aos respectivos Ministros gerais a 2 de junho de 199427, com a seguinte
proposta conclusiva:
"Em virtude do carisma fundacional, a Ordem é um instituto religioso "misto" - nem clerical nem
laical - de direito pontifício, e como tal reconhecido pela autoridade da Igreja".
"Sendo a Ordem dos Frades Menores e a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos uma
Fraternidade, todos os frades realmente são e se chamam irmãos, com iguais deveres e direitos,
também quanto a um possível acesso, em todos os níveis, ao cargo de superior, ficando firme o
princípio que os irmãos leigos deverão exercer por meio de sacerdotes da Ordem os atos que
exigem ordem sagrada.
Os superiores maiores, quer sejam clérigos ou leigos, governam "ad instar ordinariorum" com o
poder que o Código de Direito Canônico concede aos ordinários religiosos28”
Baseados nas conclusões da Comissão Comum, os dois Definitórios gerais deveriam elaborar a
mudança das Constituições gerais, no caso de nossas Ordens serem reconhecidas como mistas.
A 16 de junho de 1994, a resposta da OFM, com o Estudo feito em conjunto com a Ordem dos
Frades Menores Capuchinhos, foi entregue à Congregação29. Na Carta, além de retomar a Conclusão
25
O Acesso ao cargo de Superior dos Irmãos leigos num Instituto Misto. É um estudo de 14 páginas, no
qual o Consultor traça o seguinte esquema:
A. O Código de Direito Canônico (can. 588) e sua interpretação
B. O pedido das Ordens franciscanas
C. O problema canônico
D. A dimensão teológica
E. Duas modalidades diferentes de governo e outras diferenças
F. O bem da Igreja
G. Algumas conclusões provisórias
No ponto B., onde o Consultor analisa o pedido das Ordens franciscarias, é interessante notar as
observações feitas:
"Se se compara o pedido das Ordens franciscanas com as condições do can. 588 §2, pode-se constatar que
elas querem ser institutos mistos não por razão da finalidade apostólica do Instituto, que certamente exige que
se assuma o exercício da ordem sagrada, mas por razão do tipo de fraternidade querida por São Francisco".
"Apesar das explicações que a Comissão deu até o momento (de Interpretação do Direito Canônico) não
coincidirem exatamente com as razões apresentadas pelas Ordens franciscanas, isso não deveria ser obstáculo
contra um possível reconhecimento destas Ordens como institutos mistos" (cf. p. 5).
Entre as conclusões provisórias (ponto G.) o Consultor afirma:
a) As Ordens Franciscanas e Capuchinhas [sic] mostram um alto sentido de responsabilidade pela herança
espiritual de São Francisco, ao insistir sobre a busca de uma solução que seja conforme o carisma fundacional.
( ... )
b) A consciência destas Ordens - de serem fraternidades mistas por vontade de São Francisco é claríssima e
merece ser confirmada (cf. p, 13).
26
H. Schalueck, ofm, F. Carraro, ofmcap, Carta, de 15 de abril de 1994. São membros desta Comissão
Comum, pela OFMCap: Fr. Francisco Iglesias, Fr. Giampiero Gambaro e F. Teodosio Mannucci; pela OFM:
Fr. Juan Folguera, Fr. Sebastião Kremer e Fr. Andrea Boni. A Comissão elegeu Fr. Sebastião como Presidente
e Fr. Giampiero como Secretário.
27
Este Estudo, de 36 páginas, é dividido em três partes:
I. Problemas teológico-jurídicos
II. Aprofundamento de algumas questões levantadas pelo Consultor quanto à Ordem de São Francisco
III. Proposições conclusivas.
28
Risposta OFM-OFMCap afle "Riflessioni e Osservazioni" di un Consultore defla CIVCSVA (25 febbraio
1994), p. 34.
29
Carta do Definitório geral OFM à CIVCSVA, de 16 de junho de 1994, Prot. n. 081894.
6
do Estudo da Comissão Comum, o Definitório geral propunha os Artigos das CCGG que deveriam ser
mudados, no caso de ser reconhecida como Instituto-misto.
"Art. 3 §1: Ordo Fratrum Minorum constat fratribus tam clericis quam laicis. Omnes fratres per
professionem iuribus et obligationibus religiosis omnino aequales sunt, salvis iis quae ex Ordine
sacro proveniunt.
Art. 3 §2 novus: Ordo Fratrum Minorum ab Ecclesia inter "mixta" Instituta iuris pontificii
recognoscitur.
Art. 174 §2 novus: Superiores Maiores in Ordine, síve clerici sive laici, gubernant ad instar
ordinariorum cum potestate quam Codex Iuris Canonici Ordinariis religiosis concedit.
Art. 174 §3 novus: Si Superior est laicus, pro actibus, qui Ordinem sacrum requirunt, sacerdotem
Ordinis designare debet.
Art. 183 §1: Pro conferendo officio Ministri generalis ad validitatem requiritur ut candidatus sit a
decem saltem annis sollemniter professus; pro aliis officiis generalibus regiminis et Superioribus
maioribus, ut quinque saltem annis sollemniter professi sint"30.
Ainda estamos aguardando uma resposta da Congregação31.
Durante o mês de outubro de 1994 celebrou-se a IX Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos
Bispos sobre 'A Vida consagrada e sua missão na Igreja e no mundo".
O Ministro geral, Fr. Hermann Schalück, membro do Sínodo, na sua intervenção, refere-se ao n.
32 do Instrumentum laboris, que trata da vocação e do papel dos irmãos leigos nos institutos clericais.
Ele distinguia entre os irmãos leigos, muitas vezes coadjutores ou cooperadores, nos institutos de
natureza clerical, e os irmãos leigos nos institutos onde o caráter presbiteral não faz parte do carisma
original. Ele afirmava:
"Para outros (institutos), e é o caso da minha Ordem, como também de vários outros institutos,
sobretudo monásticos, fundados muitas vezes por leigos, o carisma original não está vinculado a
nenhum ministério ou serviço particular. Consiste simplesmente em viver em comunidade a vida
evangélica radical, conforme o modo próprio de cada família espiritual. Esta vida é oferecida
igualmente a leigos e a clérigos, não tendo os últimos nenhum privilégio ou direito particular,
salvo no que se refere à ordem sacramental.
Assim, em sua Regra, aprovada por vossos predecessores Inocêncio III e Honório III, nos inícios
do século 13, Francisco de Assis, a cujo carisma nossa Ordem quer ficar fiel, coloca em pé de
igualdade "os irmãos que pregam, oram ou trabalham (praedicatores, oratores, laboratores), sejam
clérigos ou leigos" (RegNB 17,5). A todos indistintamente pode ser confiado "o cargo de ministro
dos irmãos" (ministerium. fratrum: RegNB 17,4; cf. RegB 7,2). (...)
Introduzindo uma terceira categoria de institutos masculinos, institutos mistos (n. 32), o
Instrumentum restabelece uma tradição antiga com renovada atualidade. Ele vai além do atual
Código do Direito Canônico e abre as portas a uma feliz evolução".
Sobre os Institutos mistos, o Sínodo aprova a Proposição final n. 10:
"Os institutos mistos.
Para fortificar a dignidade e a identidade própria da vida religiosa masculina, seja reconhecida
publicamente a existência de institutos mistos, isto é, aqueles nos quais, segundo a intenção do
fundador, são iguais tanto os religiosos clérigos quanto os não clérigos, "em igualdade, com idênticos
direitos e deveres, excetuando-se aqueles que derivam da sagrada ordenação" (PC 15; EV 1/752).
Além disso, propõe-se que, quando for pedido pelos capítulos gerais, as tarefas de governo
estejam abertas a todos, sem discriminação."
30
Carta do Definitório geral OFM à CIVCSVA, de 16 de junho de 1994, Prot. n. 081894, p. 2-3. E se
acrescentava: "Quanto ao mais, segundo o nosso parecer, não seria necessário introduzir outras mudanças nas
Constituições gerais. De fato, foram redigidas segundo o espírito e o carisma de S. Francisco e na convicção
que a Ordem é constituída de irmãos leigos e clérigos com iguais direitos e deveres".
31
A 24 de outubro de 1994, chegou ao Ministro geral uma carta assinada pelo Sub-Secretário, R Jesus Torres,
acusando o recebimento dos artigos das CCGG para regular os cargos de governo. J. Torres, Carta ao Ministro
geral, 24 de outubro de 1994, Prot. n SpR 749/88 (Prot. OFM 082450).
7
Por vontade dos Ministros gerais, a Comissão Comum continuou a se reunir periodicamente para
examinar o andamento da questão. Assim, no mês de julho de 1995, a Comissão propôs a elaboração
de duas cartas, uma ao Santo Padre e outra ao Secretário geral do Sínodo dos Bispos.
A 13 de julho de 1995, os Ministros gerais OFM e OFMCap enviaram ao Santo Padre uma Carta,
assinada conjuntamente, para pedir "a graça de poder viver o nosso carisma como nô-lo confiou São
Francisco e como nô-lo transmitiu a nossa sã tradição". E, fazendo referência à Proposição final n. 10
sobre os institutos mistos, escreviam: "... desejamos manifestar-lhe a nossa confiante esperança de
uma solícita e definitiva aprovação dos nossos reiterados pedidos sobre o assunto, apresentados em
nome de nossas Ordens e dos respectivos Capítulos gerais".
Na mesma data, os Ministros gerais OFM e OFMCap enviaram uma Carta conjunta também ao
Cardeal Jan Pieter Schotte, Secretário geral do Sínodos dos Bispos, para apresentar-lhe brevemente a
identidade de nossas Ordens e para reafirmar que a Proposição final n. 10 do Sínodo garante às nossas
Ordens a possibilidade de realizar plenamente a nossa identidade32.
Em Carta de 19 de junho de 1995, o Card. Martínez Somalo comunica ao Ministro geral que a
Congregação recebeu o encargo de aprofundar o assunto da proposição do recente Sínodo dos Bispos
sobre a categoria dos Institutos mistos. Pede que indique três religiosos preparados para fazer parte da
Comissão33.
A 20 de outubro de 1995, Frei Sebastião Kremer foi nomeado membro da Comissão, sendo
convocado para uma reunião na Congregação no dia 14 de novembro de 199534.
Na Carta, o Cardeal,
1) indica o assunto da reunião: "Os Padres Sinodais dirigiram sua atenção à possibilidade de
enquadrar numa nova categoria de Institutos (Institutos mistos) as famílias religiosas que julgam
não poder qualificar-se nem clericais nem laicais"... e cita a Proposição final n. 10;
2) pede para apresentar à reunião, numa breve nota escrita, a situação dos irmãos conforme se deduz
da mente e dos propósitos do Fundador, das Regras e Constituições e de propostas e eventuais
decisões dos últimos Capítulos gerais;
3) afirma que a finalidade deste primeiro encontro é de ter um quadro geral dos aspectos concretos
em relação ao conjunto dos institutos, dos problemas mais evidentes, das esperanças e
perspectivas de solução.
A reunião do dia 14 de novembro de 1995 foi presidida pelo Chefe de Gabinete, P. Diego Di
Odoardo. Cada membro foi convidado a apresentar a maneira como seu Instituto sentia o problema 35.
Além disso, a Comissão foi informada sobre a existência de uma Comissão de peritos encarregada de
estudar o problema do ponto de vista teológico-jurídico. Um membro desta Comissão de peritos
estava presente à reunião. O Presidente da reunião prometeu enviar a cada membro da Comissão a
contribuição dos outros membros. Até a presente data não enviou nem os vários textos nem outras
notícias.
32
H. Schalueck, ofm e J. Corriveau, ofmcap, Carta ao Card. Jan Pieter Schotte, de 13 de julho de 1995. Na
conclusão, afirma-se: “Julgamos que o texto da Proposição final do Sínodo n. 10 garanta às nossas Ordens a
possibilidade de realizar plenamente o que, sinteticamente, tomamos a liberdade de lhe expor".
33
E. Card Martínez Somalo, Carta ao Ministro geral, de 19 de junho de 1995, Prot. n. SpR 749/88 (Prot. OFM
083263). A mesma Carta é enviada a uns dez Institutos, entre os quais os Capuchinhos, os Conventuais, os
Salesianos, os Jesuítas, etc.
34
E. Card. Martínez Somalo, Carta a P Sebastiano Kremer, de 20 de outubro de 1995, Prot. n.SpR 749/88. Pela
Ordem dos Capuchinhos foi convocado Fr. Giampiero Garribaro, ofmcap e pelos Conventuais, Fr. Donald
Kos, ofmconv.
35
Para esta reunião, Fr. Sebastião Kremer apresentou um texto que sintetizava os Estudos anteriormente
entregues à CIVCSVA sobre a questão.
8
chamados "mistos" ponderem, na base de um aprofundamento do próprio carisma de fundação, se
seria oportuno e possível voltar à inspiração original.
Os Padres sinodais formularam o voto de que, em tais Institutos, seja reconhecida a todos os
religiosos igualdade de direitos e deveres, exceto os que derivam da Ordem sacra. Para examinar
e resolver os problemas conexos com esta matéria, foi instituída uma específica comissão, cujas
conclusões convém esperar para se fazerem depois as opções convenientes segundo aquilo que for
autenticamente estabelecido”36.
Deste texto pode-se concluir.-
1) o reconhecimento da existência de Institutos que se configuram como Fraternidades, nos quais
todos os membros são considerados iguais entre si;
2) estes Institutos, chamados mistos, devem examinar se é oportuno e possível voltar à inspiração
original;
3) a existência de uma Comissão para examinar e resolver os problemas conexos com esta matéria.
Conclusão
Tendo por base os estudos feitos pela Ordem dos Frades Menores e a evolução que a questão teve
nos últimos anos, pode-se afirmar que:
a) a Ordem franciscana, no seu projeto original, segundo o carisma do fundador São Francisco
de Assis, é uma Fraternidade constituída de irmãos leigos e irmãos clérigos, os quais,
36
João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata, 25 de março de 1996, n. 61.
37
Nesta ocasião o Santo Padre mandou ao Ministro Geral, Fr. John Corriveau, OFMcap, uma Carta, datada de
18.09.96. Citando as Fontes Franciscanas e as Constituições, assim escreve num parágrafo: "Esta Ordem
religiosa constitui, portanto, uma fraternidade, composta de clérigos e leigos que partilham a mesma vocação
religiosa segundo o carisma franciscano e capuchinho, descrito em seus traços essenciais pela própria
legislação aprovada pela Igreja". A Carta de João Paulo II ao Ministro Geral da OFMcap foi publicada em
L’Osservatore Romano de 18.09.96.
38
Carta de 26.11.96 da Comissão Comum aos dois Ministros Gerais (Prot. OFM n. 085347).
39
A Comissão preparou a Carta "pro-memoria" para o Card. Prefeito, que foi assinada pelos dois Ministros
Gerais no dia 9 de dezembro de 1996, dia do encontro (Prot. OFM, n. 0855347).
9
independentemente de serem clérigos ou leigos, são considerados iguais entre si na vida e na
missão;
b) a Ordem franciscana, no entanto, como grande parte da vida religiosa, sofreu, com o tempo,
um processo de clericalização;
c) a Ordem franciscana, seguindo o Concílio Vaticano 11, realizou um sério aprofundamento do
seu carisma fundacional e já chegou à firme convicção de ser uma Fraternitas, na qual todos
têm iguais direitos e iguais deveres, inclusive os de governo (cf. CCGG, art. 3);
d) a firme vontade da Ordem dos Frades Menores de não ser enumerada nem entre os Institutos
clericais nem entre os Institutos laicais aparece clara e explícita nas decisões dos últimos
Capítulos gerais;
e) o reconhecimento dos "Institutos mistos" por parte da Igreja, como é proposto pelo último
Sínodo dos Bispos, e confirmado pela Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata, 61,
torna possível a volta da Ordem à sua natureza original de Fraternidade.
III. PROPOSTAS
Poder-se-iam apresentar três Propostas ao Capítulo geral:
1) Declaração de princípios
Considerando que a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida
Apostólica admite a possibilidade de uma terceira categoria de Institutos, a saber, os "Institutos
mistos", e considerando que a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata, n. 61, convida os
Institutos chamados "mistos", a examinar, em base ao aprofundamento do próprio carisma
fundacional, se é oportuno e possível voltar à inspiração original, o Capítulo geral decide:
a) A Ordem dos Frades Menores, por força do carisma fundacional, declara ser um Instituto
religioso "misto" (ou, clerical e laical), constituído de irmãos clérigos e leigos.
b) Sendo a Ordem dos Frades Menores uma Fraternidade, todos os frades realmente são e se
chamam irmãos, com iguais deveres e direitos, inclusive quanto à possibilidade de chegar ao
cargo de Guardião e Ministro, mantendo firme o princípio que os irmãos leigos deverão exercer
por meio de sacerdotes da Ordem os atos que exijam a ordem sagrada (cf. RegB 7,2)40.
c) Os Ministros (Superiores maiores), quer sejam clérigos ou leigos, governam "ad instar
ordinariorum" com o poder que o Código de Direito Canônico concede aos Ordinários
religiosos.
40
Ipsi vero ministri, si presbyteri, cum misericordia iniungant illis poenitentiam; si vero presbyteri non sunt,
iniungi faciant per alios sacerdotes ordinis, sicut eis secundum Deum melius videbitur expedire".
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Considerando que a Ordem, como grande parte da vida religiosa, com o tempo sofreu um forte
processo de clericalização e considerando a urgência de promover a nossa identidade e a igualdade de
todos os frades, o Capítulo geral decide:
a) Para fomentar um maior aprofundamento da nossa identidade de frades menores e para
promover a mudança de mentalidade e de certas estruturas, os Ministros e os Guardiães usem
todos os meios de animação que nossa legislação lhes concede e cuidem que se elaborem
adequados programas de formação permanente.
b) Todos os frades e todos os Ministros cuidem com atenção de apresentar claramente, na Igreja e
na sociedade, a identidade da Ordem como Fraternidade e como Instituto misto, especialmente
na pastoral vocacional, na formação franciscana e no serviço de evangelização.
c) Em toda a formação inicial, seja prioritária a referência ao carisma franciscano e à natureza da
Ordem.
d) Durante o período de Profissão temporária, seja reservado, indistintamente a todos os frades, um
tempo adequado, de ao menos dois anos, dedicado exclusivamente à formação franciscana.
e) Todos os frades, no serviço de evangelização, mesmo aquele tipicamente clerical, como as
paróquias, procurem manifestar uma atitude de irmão que corresponda à identidade de frades
menores.
f) A Ordem se esforce por introduzir os irmãos leigos no serviço da evangelização.
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