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Rio de Janeiro – Ano 25 – Nº 73

Janeiro/Abril – 2019
Suplemento: Anais da XI SINEFIL
R454
Revista Philologus / Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e
Linguísticos. – Ano 25, No 73, (jan./abr. 2019) – Rio de Janeiro: CiFEFiL.
606 p. il.

Suplemento: Anais da XI SINEFIL

Quadrimestral
ISSN 1413-6457

1. Filologia – Periódicos. 2. Linguística – Periódicos.


I. Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

2 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


EXPEDIENTE
A Revista Philologus é um periódico quadrimestral do Círculo Fluminense de Estudos
Filológicos e Linguísticos (CiFEFiL) que se destina a veicular a transmissão e a produção
de conhecimentos e reflexões científicas, desta entidade, nas áreas de filologia e de linguís-
tica por ela abrangidas.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Editora
Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos (CiFEFiL)
Boulevard Vinte e Oito de Setembro, 397/603 – 20.551-030 – Rio de Janeiro-RJ
[email protected] – (21) 2569-0276 e http://www.filologia.org.br/rph/
Diretor-Presidente: Prof. Dr. José Mario Botelho
Vice-Diretora-Presidente: Profª Drª Anne Caroline de Morais Santos
Primeira Secretária: Profª Me Eliana da Cunha Lopes
Segunda Secretária: Profª Me Aline Salucci Nunes
Diretor de Publicações Prof. Dr. José Pereira da Silva
Vice-Diretor de Publicações Profª Drª Maria Lúcia Mexias Simon
Equipe de Apoio Editorial
Constituída pelos Diretores e Secretários do Círculo Fluminense de Estudos Filológi-
cos e Linguísticos (CiFEFiL). Esta Equipe é a responsável pelo recebimento e avaliação
dos trabalhos encaminhados para publicação nesta Revista.
Redator-Chefe: José Pereira da Silva
Conselho Editorial
Aira Suzana Ribeiro Martins, Alícia Duhá Lose, Álvaro Alfredo Bragança Júnior,
Angela Correa Ferreira Baalbaki, Anne Caroline de Morais Santos, Bruno Rêgo Deusdará
Rodrigues, Claudio Cezar Henriques, Darcilia Marindir Pinto Simões, Gladis Massini-
Cagliari, João Antonio de Santana Neto, José Mario Botelho, José Pereira da Silva, Márcio
Luiz Corrêa Vilaça, Maria Lucia Leitão de Almeida, Maria Lúcia Mexias Simon, Mário
Eduardo Viaro, Nataniel dos Santos Gomes, Paulo Osório, Regina Céli Alves da Silva, Re-
nata da Silva de Barcelos, Ricardo Hiroyuki Shibata, Ricardo Joseh Lima, Rita de Cássia
Ribeiro de Queiroz, Rosa Borges dos Santos.
Diagramação, editoração e edição José Mario Botelho
Editoração eletrônica José Mario Botelho
Projeto de capa: Emmanoel Macedo Tavares
Distribuição
A Revista Philologus era enviada às instituições de ensino, centros, órgãos e institutos
de estudos e pesquisa e a quaisquer outras entidades ou pessoas interessadas em suporte
impresso, mas passará, a partir deste número, a circular apenas em suporte eletrônico e vir-
tual.
REVISTA PHILOLOGUS VIRTUAL
www.filologia.org.br/revista

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 3


SUMÁRIO

Editorial............................................................................................10
1. A análise do discurso em torno da figura do professor: as relações
de poder na escola..........................................................................13
Patricia Christina dos Reis
2. A atuação psicopedagógica no processo de ensino–aprendizagem......22
Roberta Santana Barroso, Clodoaldo Sanches Fofano, Edilaine da
Silva Freitas, Eliana Crispim França Luquetti e Sinthia Moreira Sil-
va Ribeiro
3. A contribuição de vídeos pedagógicos para a ampliação de voca-
bulário de um adolescente autista: estudo de caso........................ 36
Fabrizia Miranda de Alvarenga Dias, Danielle Rodrigues Miranda
Sales e Manuela Gomes Rangel de Paula
4. A dislexia no processo de ensino e aprendizagem da leitura e es-
crita: considerações sobre a prática educacional...........................44
Priscila de Andrade Barroso Peixoto, Dhienes Charla Ferreira Tino-
co, Adriana Abreu Silva Erthal e Eliana Crispim França Luquetti
5. A evolução da escrita e da linguagem no Monitor campista ....... 63
Liliane Alves Barreto
6. A face oculta do estresse sobre a síndrome de burnout: uma análi-
se sobre os discursos dos profissionais de educação infantil da re-
de privada ........................................................................................ 71
Cecilia Calabaide, Ana Carolina de Oliveira Lyrio e Ari Gonçalves
Neto
7. A importância da curricularização da extensão no processo de
formação discente ........................................................................... 76
João Batista da Silva Santos, Jaqueline Maria de Almeida, Liz Daia-
na Tito Azeredo, Aline Peixoto Vilaça Dias e Eliana Crispim França
Luquetti
8. A leitura literária “Na terra dos heréos”: uma proposta de inser-
ção da literatura campista nas escolas de Campos........................85
Williane de Sá Marques
9. A multimodalidade no contexto da nova BNCC: considerações
sobre ensino e tecnologia..................................................................96

4 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


Adriene Ferreira de Mello, Joane Marieli Pereira Caetano e Carlos
Henrique Medeiros de Souza
10. A política do armamento da sociedade e sua contradição à luz da
análise filológica nos textos bíblicos..........................................110
Renato Faria da Gama, Alessandra Rocha Melo, Alonso Castro Co-
lares Junior, Rosalee Santos Crespo Istoe e Sandro Reis Rocha Bar-
ros
11. A recorrência do rotacismo como elemento fonético africano na pro-
núncia do campista nativo: uma pesquisa de campo indicial.........117
Neilda da Cunha Alves Ferro e Thiago Soares de Oliveira
12. A sociolinguística aplicada a métodos de avaliação de projetos so-
ciais no setor de saúde .................................................................. 141
Sandro Reis Rocha Barros, Alessandra Rocha Melo, Renato Faria da
Gama e Eliana Crispim França Luquetti
13. A terminologia como base para um dicionário linguístico-grama-
tical ................................................................................................. 154
José Pereira da Silva
14. A variação linguística na sala de aula: contribuições da sociolin-
guística para o ensino de língua portuguesa.................................170
Juliete Maganha Silva, Aline Peixoto Vilaça Dias e Eliana Crispim
França Luquetti
15. Alguns conceitos e contribuições de pierre bourdieu, no campo
educacional......................................................................................179
Ana Carolina de Oliveira Lyrio, Ari Gonçalves Neto e Cecilia Cala-
baide
16. Aprendizagem de segunda língua e erros: uma breve visão dia-
crônica............................................................................................. 186
Gustavo Estef Lino da Silveira
17. Aquisição ou aprendizagem de uma segunda língua: reflexões te-
óricas sobre conceitos-chave para o ensino de línguas............... 197
Gustavo Estef Lino da Silveira
18. Armando cardoso e a obra de anchieta, à luz da historiografia
linguística........................................................................................ 215
Leonardo Ferreira Kaltner

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 5


19. Autoestima alimentada por “likes“: uma análise sobre a influên-
cia da indústria cultural na busca pela beleza e o protagonismo
da imagem nas redes sociais.......................................................... 226
Priscila Barbosa Brunelli, Shirlena Campos de Souza Amaral e Pau-
line Aparecida Ildefonso Ferreira da Silva
20. Bases para um dicionário linguístico-gramatical ....................... 237
José Pereira da Silva
21. Contribuição de Mattos e Silva (2001) para os estudos de história
da língua portuguesa...................................................................248
José Mario Botelho
22. Crenças disfuncionais de familiares de adictos a álcool em trata-
mento...............................................................................................262
Juliana da Conceição Sampaio Lóss, Larissa de Paula Ferreira, Hil-
deliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral, Raquel Veggi Moura e Rosa-
lee Santos Crespo Istoe
23. Desenvolvimento da linguagem oral na educação infantil........268
Jackeline Barcelos Corrêa, Aline Peixoto Vilaça Dias e Cristiana
Barcelos da Silva
24. Dessacralização do cosmos em “Dom Casmurro”, de Machado de
Assis.................................................................................................278
Clodoaldo Sanches Fofano, Eliana Crispim França Luquetti, Raquel
França Freitas, Sonia Maria da Fonseca Souza e Vyvian França
Souza Gomes
25. Diferenças e diversidade: a língua como forma de preconceito.....292
Juliete Maganha Silva, Eliana Crispim França Luquetti e Shirlena
Campos de Souza Amaral
26. Ensino de ciências e a transformação da linguagem científica em
linguagem de fácil entendimento para o educando....................305
Aline Peixoto Vilaça Dias, Juliete Maganha Silva e Eliana Crispim
França Luquetti
27. Estratégias discursivas de vendedores em ônibus: teoria semio-
linguística, ethos, posicionamento e interpelação......................317
Marcello Riella Benites, Sérgio Arruda de Moura e Adriana Corrêa
Porto

6 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


28. Estratégias para a aprendizagem de leitura em língua ingleas....327
Sonia Maria da Fonseca Souza, Clodoaldo Sanches Fofano, Eliana
Crispim França Luquetti, Lucas Capita Quarto, Raquel França Frei-
tas e Vyvian França Souza Gomes
29. Livro didático, gêneros textuais e habilidade comunicativa: uma
análise das concepções de professores de língua inglesa da rede
pública de ensino............................................................................346
Laís Teixeira Lima, Eliana Crispim França Luquetti, Carlos Henri-
que Medeiros de Souza e Mauricio Coli Bernardes
30. Livro didático de alfabetização e letramento: incompatibilidade
com a formação docente................................................................366
Luciana da Silva Almeida, Rysian Lohse Monteiro e Eliana Crispim
França Luquetti
31. Metodologias ativas e english for specific purposes: uma experiên-
cia sobre autonomia e aprendizagem...........................................381
Rafaela Sepulveda Aleixo Lima e Laís Teixeira Lima
32. Música popular brasileira como estratégia para divulgação de
conceitos científicos........................................................................396
Dayse Sampaio Lopes Borges
33. O clítico e seus padrões de uso: uma análise indicial a partir de
texto argumentativo utilizado em vestibular para ingresso na Li-
cenciatura em Letras do Instituto Federal Fluminense...........409
Rudmar Marques de Castro e Thiago Soares de Oliveira
34. O estágio supervisionado do Curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas no contexto de uma escola pública municipal: relatos
de experiências de uma formação em serviço.........................430
Aline Peixoto Vilaça Dias, Eliana Crispim França Luquetti e Iago
Pereira dos Santos
35. O lugar da mulher na pesca..........................................................442
Ari Gonçalves Neto, Ana Carolina de Oliveira Lyrio e Shirlena Cam-
pos de Souza Amaral
36. O saber docente e a prática pedagógica na escola e em língua por-
tuguesa: interação, criatividade e experiência............................449
Moacir dos Santos da Silva

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 7


37. O testameto vital como instrumento de proteção ao enfermo em
estado terminal................................................................................467
Larissa de Paula Ferreira, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Ca-
bral, Juliana da Conceição Sampaio Lóss, Raquel Veggi Moura e
Carlos Henrique Medeiros de Souza
38. O uso da tecnologia no processo de alfabetização de um autista:
estudo de caso.................................................................................476
Fabrizia Miranda de Alvarenga Dias, Danielle Rodrigues Miranda
Sales e Manuela Gomes Rangel de Paula
39. Os conectivos pronome relativo “que”, preposição e conjunção em
O idioma nacional na escola secundária (1935), de Antenor Nas-
centes...............................................................................................482
Janaina Fernanda de Oliveira Lopes
40. Os entraves ao acesso à justiça em decorrência da utilização do
juridiquês........................................................................................491
Carlos Henrique Medeiros de Souza, Cecilia Candido da Silva, Os-
waldo Moreira Ferreira e Shirlena Campos de Souza Amaral
41. Os fatores positivos e negativos que influenciam o ensino de bio-
logia..................................................................................................504
Aline Peixoto Vilaça Dias, Juliete Maganha Silva, João Batista da
Silva Santos e Eliana Crispim França Luquetti
42. Processo de aprendizagem: o fracasso escolar no processo de
ensino–aprendizagem sob o olhar psicopedagógico e interdiscipli-
nar....................................................................................................515
Fernanda Rodrigues Guedes Gomes
43. Reflexões sobre as possibilidades de atuação do psicopedagogo
institucional e o processo de inclusão escolar..............................536
Ana Luiza Barcelos Ribeiro e Bianka Pires André
44. Saussure no divã: as relações entre a linguística e a psicanálise de
Lacan...............................................................................................550
Robert Rizzo Miranda da Silva
45. Um olhar étnico-racial nas práticas de ensino de língua portugue-
sa: a construção identitária e discursiva......................................557
Katiuscia Lucas Severino

8 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


46. Um relato de caso sobre comunicação por meio de imagens e tecno-
logia: A voz que o transtorno do espectro autista não cala!......576
Fabrizia Miranda de Alvarenga Dias e Ana Paula S. A. Jorge
47. Uma breve demonstração de casos de violência contra a mulher e
análise da efetividade da Lei Maria da Penha frente à realidade
brasileira.........................................................................................582
Raquel Veggi Moreira, Carla Bittencourt Felício, Carlos Henrique
Medeiros de Souza, Ieda Tinoco Boechat e Leila Maria Tinoco Boe-
chat Ribeiro
48. Uma proposta metodológica para análise fílmica em newspaper
movies..............................................................................................597
Vitor Luiz Menezes Gomes

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 9


EDITORIAL

O Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos tem o


prazer de apresentar-lhe o Suplemento do número 73 da Revista Philolo-
gus, correspondente ao primeiro quadrimestre de 2019, em 606 páginas,
com 48 artigos; todos os artigos são de pesquisadores, que se apresenta-
ram no XI Simpósio Nacional de Estudos Filológicos e Linguísticos, rea-
lizado nos dias 4 e 5 de abril de 2019 na Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), em Campos dos Goytacazes-RJ, sob
a coordenação geral do Prof. Dr. José Mario Botelho e coordenação local
da Profª Drª Eliana Crispim França Luquetti.
Neste suplemento, foram publicados os artigos dos seguintes auto-
res, relacionados em ordem alfabética, com a indicação das páginas em
que estão incluídos os seus trabalhos: Adriana Abreu Silva Erthal (p. 44-
62); Adriana Corrêa Porto (p. 317-26 e 323-32); Adriene Ferreira de
Mello (p. 96-109); Alessandra Rocha Melo (p. 111-117 e 141-53); Aline
Peixoto Vilaça Dias (p. 76-84, 170-8, 268-77, 305-16, 430-41 e 505-14);
Alonso Castro Colares Junior (p. 110-116); Ana Carolina de Oliveira L-
yrio (p. 71-75, 179-85 e 442-8); Ana Luiza Barcelos Ribeiro (p. 536-49);
Ana Paula S. A. Jorge (p. 576-81); Ari Gonçalves Neto (p. 71-75, 87-98,
179-85 e 442-8); Bianka Pires André (p. 536-49); Carla Bittencourt
Felício (p. 582-96); Carlos Henrique Medeiros de Souza (p. 96-109, 346-
65, 467-75, 491-504 e 582-96); Cecilia Calabaide (p. 71-75 e 179-85);
Cecilia Candido da Silva (p. 491-504); Clodoaldo Sanches Fofano (p. 22-
35, 278-91 e 327-45); Cristiana Barcelos da Silva (p. 268-77); Danielle
Rodrigues Miranda Sales (p. 36-43, 55-65 e 476-81); Dayse Sampaio
Lopes Borges (p. 396-408); Dhienes Charla Ferreira Tinoco (p. 44-62);
Edilaine da Silva Freitas (p. 22-35); Eliana Crispim França Luquetti (p.
22-35, 44-62, 76-84, 141-53, 170-8, 278-91, 292-304, 305-16, 327-45,
346-65, 366-80, 430-41 e 505-14); Fabrizia Miranda de Alvarenga dias,
(p. 36-43, 45-56, 476-81 e 576-81); Fernanda Rodrigues Guedes Gomes;
(p. 515-35); Gustavo Estef Lino da Silveira (p. 186-96 e 197-214); Hilde-
liza Lacerda Tinoco Boechat Cabral (p. 262-67 e 467-75); Iago Pereira
dos Santos (p. 430-41); Ieda Tinoco Boechat (p. 582-96); Jackeline Bar-
celos Corrêa (p. 268-77); Janaina Fernanda de Oliveira Lopes (p. 482-
90); Jaqueline Maria de Almeida (p. 76-84); Joane Marieli Pereira Cae-
tano (p. 96-109); João Batista da Silva Santos (p. 76-84 e 505-14); José
Mario Botelho (p. 248-61), José Pereira da Silva (p. 154-69 e 237-47);
Juliana da Conceição Sampaio Lóss (p. 262-67); Juliete Maganha Silva

10 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


(p. 170-8, 292-304, 305-16 e 505-14); Katiuscia Lucas Severino (p. 557-
75); Laís Teixeira Lima (p. 346-65, 381-95); Larissa de Paula Ferreira (p.
262-67 e 467-75); Leila Maria Tinoco Boechat Ribeiro (p. 582-96); Leo-
nardo Ferreira Kaltner (p. 215-25); Liliane Alves Barreto (p. 63-70); Liz
Daiana Tito Azeredo (p. 76-84); Lucas Capita Quarto (p. 327-46); Luci-
ana da Silva Almeida (p. 366-80); Manuela Gomes Rangel de Paula (p.
36-43 e 476-81); Marcello Riella Benites (p. 317-26); Mauricio Coli
Bernardes (p. 346-65); Moacir dos Santos da Silva (p. 449-66); Neilda da
Cunha Alves Ferro (p. 117-140); Oswaldo Moreira Ferreira (p. 491-504);
Patricia Christina dos Reis (p. 13-21); Pauline Aparecida Ildefonso Fer-
reira da Silva (p. 226-36); Priscila Barbosa Brunelli (p. 226-36); Priscila
de Andrade Barroso Peixoto (p. 44-62); Rafaela Sepulveda Aleixo Lima
(p. 381-95); Raquel França Freitas (p. 278-91 e 333-51); Raquel Veggi
Moura (p. 262-67, 327-45, 467-75 e 582-96); Renato Faria da Gama (p.
110-116 e 141-53); Roberta Santana Barroso (p. 22-35 e 45-56); Robert
Rizzo Miranda da Silva (p. 550-6); Rosalee Santos Crespo Istoe (p. 110-
116 e 262-67); Rudmar Marques de Castro (p. 409-29); Rysian Lohse
Monteiro (p. 366-80); Sandro Reis Rocha Barros (p. 110-116 e 141-53);
Sérgio Arruda de Moura (p. 317-26 e 323-32); Shirlena Campos de Sou-
za Amaral (p. 226-36, 292-304, 442-8 e 491-504); Sinthia Moreira Silva
Ribeiro (p. 22-35 e 31-44); Sonia Maria da Fonseca Souza (p. 278-91,
327-45); Thiago Soares de Oliveira (p. 117-140 e 409-29); Vitor Luiz
Menezes Gomes (p. 597-605); Vyvian França Souza Gomes (p. 278-91 e
327-46); Williane de Sá Marques (p. 85-95).
Os números regulares da Revista Philologus têm umas 164 pági-
nas, enquanto os suplementos sempre atingem número muito superior.
Este suplemento está com 606 páginas, e sairá também como parte da
primeira edição do Almanaque CiFEFiL 2019, no mês de dezembro e se-
rá enviado aos autores em janeiro ou fevereiro de 2019.
Os números regulares têm três versões: uma impressa, que é dis-
tribuída aos associados do CiFEFiL em dia com suas anuidades e a insti-
tuições de pesquisa e ensino de linguística e letras; uma versão virtual
(disponibilizada em http://www.filologia.org.br/revista) e uma versão di-
gital (em CD-ROM), no Almanaque CiFEFiL). Por contenção de despe-
sas, os suplementos não têm a versão impressa, A partir de 2014, o Al-
manaque CiFEFiL passou a ser editado em DVD porque seu volume já
ultrapassa a capacidade de armazenamento de dados de um CD-ROM.
Esperamos que esta publicação seja útil aos seus autores e aos co-
legas que tiverem interesse nos temas aqui disponibilizados e que a pos-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 11


samos fazer cada vez melhor.
Por fim, o CiFEFiL agradece por qualquer crítica que nos puder
enviar sobre este suplemento do número 73 da Revista Philologus e A-
nais do X SINEFIL, visto ser o seu objetivo produzir um periódico cada
vez mais qualificado e importante para a maior interação entre os profis-
sionais de linguística e letras e, muito especialmente, para os que atuam
diretamente com a filologia em seu sentido mais restrito.

Rio de Janeiro, 1º de junho de 2019.

12 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


A ANÁLISE DO DISCURSO EM TORNO DA FIGURA DO
PROFESSOR: AS RELAÇÕES DE PODER NA ESCOLA
Patricia Christina dos Reis (UFMG e UEA)
[email protected]

RESUMO
Neste trabalho, analisamos três charges sobre discursos de poder em torno da fi-
gura do professor. Reunimos textos de teóricos da Análise do Discurso, como Orlandi
(2012) e Pêcheux (2006), além de outros nomes importantes para o entendimento das
charges: Foucault (2005), Coracini (2003), van Dijk (1989), entre outros. Buscamos
demonstrar como a teoria contribui para a forma como nós interpretamos as charges,
trazendo para a prática conceitos da Línguística Aplicada e da Análise do Discurso.
Palavras-chave:
Discurso. Linguagem. Poder.

1. Introdução
Partindo da premissa de Foucault (2005, p. 28) de que numa soci-
edade “múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam, constituem
o corpo social”, propomos neste artigo analisar as formas de poder, mate-
rializadas no discurso, exercidas dentro de três relações que o professor
mantém: na relação com o governo, na relação com seu aluno e na rela-
ção com os pais dos seus alunos. Aqui estas relações serão ilustradas com
três charges, cujos discursos analisaremos. Nosso intuito é trabalhar com
a materialidade linguística desses discursos (PÊCHEUX, 2006), refletin-
do como se estabelecem as relações do professor e como se constituem
os discursos ao seu redor. Concordamos com a afirmativa de Bohn
(2005, p. 108), de que “é na materialidade linguística que se podem pro-
curar os indícios de que se constitui a consciência interior”.
As análises das charges serão feitas a partir de reflexões sobre
seus possíveis efeitos de sentido. Entendemos que suas falas podem ser
interpretadas de acordo com as ideologias de quem as lê e podem signifi-
car diferentemente, uma vez que “uma mesma coisa pode ter diferentes
sentidos para os sujeitos. E é aí que se manifesta a relação contraditória
da materialidade da língua e da história” (ORLANDI, 2002, p. 21). No
entanto, na análise das formações discursivas que aqui propomos, não
nos ocuparemos com a tarefa de buscar os sentidos “outros”, mas busca-
remos “um” sentido que nos é revelado, certamente por causa de nossa
história de vida, de nossas ideologias e do nosso contato com textos da

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 13


Análise do Discurso, que aguçaram o nosso olhar.
Inicialmente, pensando nas perguntas que Foucault (2008, p. 57)
nos propõe ao analisar enunciações diversas, nos perguntamos: Quem fa-
la nas charges? De onde falam? Qual são as posições dos sujeitos nas di-
versas situações que eles conseguem ocupar? Segundo Foucault (2008, p.
58), o enunciador é um sujeito que “questiona, segundo uma certa grade
de interrogações explícitas ou não, e que ouve, segundo um certo pro-
grama de informação”. É a partir dessas questões que iniciamos a nossa
análise.
Começaremos com uma charge que ilustra a relação entre o pro-
fessor e os pais dos seus alunos, depois partiremos para um exemplo de
relação entre professor e aluno e, por último, analisaremos a relação do
professor com as autoridades que normatizam seu trabalho.

2. O professor e os pais dos seus alunos

Fonte da charge: http://escolamunicipaljoaogomes.blogspot.com/2010/10/

A charge sugere que, ao contrário do que acontecia no passado, os


pais, nos dias atuais, tendem a culpar o professor pelas notas baixas dos
seus filhos. Que fatores provocaram mudanças nas atitudes dos pais, que
antes questionavam o filho pelas notas e agora questionam o professor?
Essa nova forma de ver o professor é reflexo de um modo de pensar neo-
liberal, característico da sociedade de consumo. O capitalismo, que dá i-
nício a esse processo, carrega uma ideologia, que é explicada por Orlandi
(2012):
Faz parte da ideologia, no capitalismo, a existência de formas de oni-
potência no chamado domínio pessoal em que a posição é “se eu quiser,
eu posso tudo” e essa posição aparece como se sustentando na vontade e
na consciência. No sujeito como origem e dono de si. Ilusão da transpa-

14 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


rência do sujeito para si mesmo. E há formas de onipotência também no
domínio social: “juntos podemos tudo”, posição que se sustenta na quan-
qua
tidade e na pretendida consciência coletiva. Ilusão da transparência da so-
s
ciedade, negação da ideologia. (ORLANDI, 2012, p. 213)

Orlandi segue
gue dizendo que essas ilusões têm uma relação com a
autoridade do saber e o saber da autoridade e que nos processos discursi-
discurs
vos produzidos junto a elas há sempre furos, falhas, incompletudes e a-
pagamentos. Que falha pode ser observada no discurso dos pais, na char-
ge acima? Talvez uma falha tenha sido questionar o professor, sem pen-
pe
sar quem verdadeiramente é o culpado pelas notas baixas. Isso é preocu-
preoc
pante, pois pode ser um questionamento que com o tempo poderá tornar-
tornar
se normal, assim como o poder tende a normalizar
rmalizar eventos e práticas até
que eles tornem-se normais (NORTON, 2017).
Orlandi (2012) complementa dizendo que é do capitalismo tam- ta
bém que deriva a prática da humilhação, forma desrespeitosa de tratar o
outro, que faz parte da produção das relações sociais
ais e da constituição do
sujeito. O efeito de sentido do questionamento “Que notas são essas?”
feito ao professor é de humilhação. São os pais se posicionando num pla-
pl
no superior, exigindo que suas vontades sejam feitas.

3. O professor e seu aluno

Fonte da charge: http://www.copeve.ufal.br/sistema/anexos/Vestibular%20UNCISAL


%20-%202015/Prova%20segundo%20dia%20-%20 %20Tipo%202.pdf

Para compreender o discurso de Calvin, precisamos ter em mente


que ele é um sujeito atravessado por vozes, ele reproduz o discurso de
outrem. O seu questionamento não é uma simples curiosidade sua. Ele
questiona para pôr em prova a figura do professor e o interdiscurso age
em seu favor. A interdiscursividade é caracterizada pela “relação de um
dizer com vários discursos que o afetam e que possibilitam, ao sujeito,

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 15


compor o fio condutor do seu próprio discurso. Esse fio, longe de ser re-
tilíneo e contínuo, é emaranhado de vozes alheias ao sujeito, marcado pe-
la polifonia” (FERRAREZI; ROMÃO, 2007, p. 256).
Essa polifonia é percebida justamente através das várias vozes que
constituem a fala do aluno. A charge sugere que no momento em que ele
faz uma pausa para pensar, ele reúne todas as vozes das figuras autoritá-
rias que compõem o seu discurso: a voz da gestão escolar, a voz dos seus
pais, a voz das instituições governamentais que supervisionam o trabalho
dos professores. Todas elas constituem o seu corpo. Segundo Orlandi
(2012, p. 93), um corpo está investido de sentidos e se constitui por “pro-
cessos nos quais as instituições e suas práticas são fundamentais para a
forma que ele se individualiza”. A memória discursiva desse aluno é
constituída por tudo aquilo, que ao longo de sua existência no mundo,
chegou até ele, seja pelas conversas dos adultos, pela TV, pelos assuntos
discutidos na escola, na rua e na sua própria casa. Ele é produto das insti-
tuições e todas as experiências que tem constituem a sua memória discur-
siva. Eis o que nos ensina Coracini (2003):
Ora, se considerarmos o sujeito enquanto constitutivamente cindido,
heterogêneo, polifônico, atravessado pelo inconsciente e, portanto, pouco
afeito ao controle de si e do outro, já que é habitado por outros – sujeito
psicanalítico, em que o outro é visto como inerente à própria identidade
do sujeito (ou à própria subjetividade) – e se considerarmos que a mani-
festação do inconsciente se dá via simbólico, através da linguagem, mate-
rializado pela língua, então, compreenderemos que a primeira língua é
habitada pelo já-dito, pelas vozes que precedem todo e qualquer dizer, en-
fim, pela memória discursiva. (CORACINI, 2003, p. 150)

Dessa forma, a ação de Calvin não é neutra. Ela desestabiliza o


ambiente em que ele, a professora e os colegas estão. O espaço sofre a
ação do discurso não sendo mais o mesmo após a interferência do aluno.
Cremos que o estranhamento que Calvin causa nessa sala de aula, ilustra
o que afirma Reis (2018, p. 181) sobre o espaço. Segundo a autora, “o
espaço não é estático, nem neutro. Ele pode ser modificado pelas ações
dos participantes, seus discursos e suas relações” (REIS, 2018, p. 181)1.
Muitas vezes o professor não está preparado para mudanças que
ocorrem repentinamente em sua sala de aula, mas é preciso que esteja ci-
ente da possibilidade dessas intervenções. São questionamentos, ações e

1
Tradução nossa de “Space is therefore either staticnor neutral. It can be modified by its
participants’ actions, discourse and relationships”.

16 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


até mesmo olhares que fazem com que o professor tenha que pausar,
muitas vezes repensar e mudar o rumo que seguia.

4. O professor e o governo

Fonte da charge: http://papodelas.com.br/escola-sem-partido-da-passo-importante-


na-proibicao-de-genero/

A charge acima critica a proposta do programa Escola sem Parti-


do, que obriga o professor do ensino fundamental e médio a afixar em
suas salas um cartaz listando os seus deveres. Segundo o programa a
proposta foi feita para que não haja doutrinação em sala de aula. Tal pro-
posta surge como algo ditatorial, que lembra o professor dos seus deveres
e ignora o seu direito de livre expressão. Em outras palavras, tal proposta
surge como uma forma de manipulação do professor. Este, em contradi-
ção, dificilmente conseguirá manter-se neutro diante de uma situação.
A não neutralidade do discurso é bem representada por Aristóteles
no quadro na parede. O filósofo grego defendeu a ideia de que o homem,
por natureza, é um animal político. Os discursos são constituídos por su-
jeitos políticos que revelam em suas palavras as suas ideologias, os seus
posicionamentos, enfim seu pertencimento a um lugar que sua fala nos
permite conhecer.
Ao analisar a proposta do programa é importante não nos esque-
cermos de que a negação da liberdade na escola brasileira deve ser com-
batida com base numa concepção freiriana de que o educador sempre
toma um lado ao exercer o seu ofício. É parte do seu trabalho estimular o
aluno a ter uma posição indagadora, sem que este seja um exercício ma-
nipulador ou autoritário.
Não pretendemos entrar na questão da manipulação ou autorita-
rismo que pode ser observada na prática de certos professores. Não gene-
ralizamos a boa índole do professor ao ensinar, pois depoimentos ouvi-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 17


dos ao longo da nossa vida comprovam que há exceções. No entanto não
é nosso intuito aqui discutir as exceções, mas enfatizar que com a pro-
posta da escola sem partido, aqueles professores com boas intenções, que
usam o discurso para uma educação emancipadora serão silenciados. Es-
se silenciamento não é imposto por acaso, há um interesse que o move.
Ele beneficia um grupo que se vê ameaçado pelas verdades que são ditas
na escola.
O que causa repulsa nessa proposta é o apagamento da memória
dos dias de censura e opressão que o Brasil viveu décadas atrás. Salien-
tamos que memória aqui deve ser entendida não no sentido da memória
individual, mas “nos sentidos entrecruzados da memória mítica, da me-
mória social inscrita em práticas, e da memória construída do historia-
dor” (ACHARD, 1999, p. 50). Nesse sentido, falamos da memória dos
anos de censura em que pessoas foram duramente silenciadas no Brasil.
A proposta do Programa Escola sem Partido nos remete a fatos históricos
que parecem ter caído em esquecimento.
Se por um lado, esse parece ser um esquecimento generalizado,
por outro é preciso considerar que memória é também esquecimento.
Muitos dos discursos circulantes, individuais ou coletivos, são construí-
dos a partir do apagamento de outros discursos. Esse esquecimento pode
se dar de forma inconsciente, mas pode também ser proposital, quando o
interesse é atender a certos objetivos, como, por exemplo, objetivos polí-
ticos (CORACINI, 2011, p. 34).
A verticalização da relação entre o professor e o Estado vai além
da questão da Escola sem Partido. Ela se reflete no seu dia a dia. Os pro-
fessores sofrem diariamente um controle severo que vem de cima para
baixo. São governantes que ignoram seus direitos e suas lutas. As greves
que fazem já não alcançam resultados. Os professores são humilhados e
levados a desistir dos movimentos de resistência e aceitar o salário que o
governo oferece. Não são ouvidos, são oprimidos, dependem da vontade
pública superior (voz da autoridade constituída) e recebem ameaças de
descontos salariais caso continuem fazendo greve.
O discurso do fracasso constitui esses professores enquanto sujei-
tos. Eles, a todo tempo, têm que dar conta de inúmeras funções e não re-
cebem o apoio necessário. Encontram condições difíceis de trabalho em
suas escolas e precisam responder a um sistema burocrático que muito
deles exige. Todos esses fatores contribuem para o enfraquecimento do
professor dentro da sua instituição e na sociedade em geral. Os professo-

18 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


res vivem em um ambiente em que são vigiados, fiscalizados e até mes-
mo punidos quando agem fora das normas.

5. Considerações finais
Com base nesse cenário que apresentamos, concluímos que o pro-
fessor vive desafios constantes, sejam eles encontrados nas suas relações
com seus superiores, ou nas relações com seus alunos e seus pais. As
charges mostram como as relações de poder são mantidas e como os dis-
cursos são constituídos de cobranças (“Que notas são essas?”), ordens
(“Nos mostre o seu certificado de ensino, dona!”) e silenciamentos.
Os discursos dos personagens são veículos de ideologias que reve-
lam pensamentos historicamente construídos sobre o professor, seu papel
e sua formação. Não poderíamos deixar de citar aqui o trabalho de Fair-
clough (1989), que enfatiza a importância da ideologia na forma como
várias instituições sociais contribuem para o sustento da posição da clas-
se dominante.
Igualmente, destacamos o trabalho de van Dijk (1989, p. 27) que,
ao analisar a relação entre discurso e poder, associa o controle direto de
uma ação a discursos que têm grande força elocutória, como comandos,
ameaças, leis, regulamentos, instruções e, mais indiretamente, recomen-
dações e conselhos. Os enunciadores desses discursos geralmente têm
papéis institucionais e seus discursos são sustentados por poderes institu-
cionais. Nossa análise das charges vai ao encontro desse apontamento de
van Dijk. São através de diretivas, que as relações de poder vão se for-
mando em torno da figura do professor.
Para concluir, faremos uma observação sobre os desafios que en-
frenta o professor de uma disciplina específica, o professor de língua in-
glesa, que particularmente nos interessa. Além de todas as dificuldades
que o professor, em geral, encontra para se posicionar no seu lugar de
trabalho, o professor de inglês encontra outra, que se refere ao conheci-
mento do idioma. Segundo Reis (2018, no prelo) certos professores,
mesmo possuindo certificação, “lidam com a angústia de (ter de) ensinar
uma língua que ainda lhes parece escapar”. O que Reis, em seguida, pa-
rece recomendar é que o professor aprenda a lidar com esse sentimento e
que faça dele seu primeiro passo para uma atitude de responsabilização
pelo seu fazer.
Assim, concluímos nosso artigo, acolhendo sua sugestão e a es-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 19


tendendo a todos os professores, de maneira geral, que se sentem incapa-
citados, oprimidos ou desesperançados por causa das forças autoritárias
que agem sobre o seu fazer. Que busquem nessa condição motivos para
responsabilizarem-se pelo seu aperfeiçoamento e pela conquista de me-
lhores condições para sua profissão. Pode parecer utópico fazer essa pro-
posta após a apresentação de um cenário de opressão e autoritarismo,
mas o certo é que o pessimismo não nos levará a nenhuma conquista. É
preciso que a escolha de ser professor nos leve a ser responsáveis pelo
nosso fazer, mesmo que ameaçados pelos mais diversos discursos de po-
der.

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20 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


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VAN DIJK, T. A. Structures of discourse and structures of power. Com-
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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 21


A ATUAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM
Roberta Santana Barroso (UENF)
[email protected]
Clodoaldo Sanches Fofano (UENF)
[email protected]
edilaine da Silva Freitas (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]
Sinthia Moreira Silva Ribeiro (UENF)
[email protected]

RESUMO
O presente artigo tem por objetivo refletir sobre A atuação psicopedagógicano
processo de ensino-aprendizagem, a fim de compreender a Psicopedagogia como supor-
te para a solução das dificuldades no processo de ensino-aprendizagem. A escolha pa-
ra a fundamentação teórica implicou na relação de obras ligadas ao assunto, tomando
por base o pensamento de Bossa (2007); Fernández(1990/2010); Visca (1991), dentre
outros. É um trabalho metodologicamente estruturado por uma pesquisa bibliográfi-
ca, por meio de fontes teóricas que embasam a busca de respostas sobre o tema abor-
dado. O estudo feito sobre o tema nos leva a pensar em uma prática educativa respal-
dada na teoria, porém jamais podendo esquecer que no dia a dia a Psicopedagogia es-
tará na companhia de indivíduos que são capazes de construir seu próprio conheci-
mento, agindo assim, como mediadores entre o sujeito e a aprendizagem. Sendo assim,
verificou-se que o papel da Psicopedagogia não pode ser esquecido, deve-se investigar,
diagnosticar e intervir mediante as dificuldades de aprendizagem, juntamente com as
pessoas envolvidas com a prática educacional.
Palavras-chave:
Psicopedagogia. Processo ensino–aprendizagem. Dificuldades de aprendizagem.

1. Introdução
“Quem ensina transmite sinais do conhecimento
àquele que aprende; este os transforma e re-
constrói o conhecimento. Os movimentos ensi-
nante e aprendente podem ser simultâneos e
estão presentes em todo vínculo. Somente quem
se posiciona como ensinante pode aprender; e
apenas quem se posiciona como aprendente
pode ensinar.” (FERNÁNDEZ, 1990, p. 126)

22 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


O fazer pedagógico é algo bastante complexo. Os profissionais da
Educação encontram muitas dificuldades para lidar com os inúmeros
problemas sócio-cognitivos que surgem, em especial, os relacionados ao
ensino–aprendizagem. Para solucionar ou minimizar essas situações, os
educadores devem proceder de forma reflexiva, sempre repensando a sua
prática, conscientes de suas limitações e de seu poder transformador. A-
lém disso, faz-se necessária a participação ativa da família, da escola, do
aluno e de outros profissionais da Educação ou de áreas afins.
A Psicopedagogia faz parte desse contexto como auxiliadora no
avanço do processo de ensino–aprendizagem, age como facilitadora do
entendimento, fornecedora de mecanismos adequados para reverter a
problemática existente, operando como mediadora na relação dos sujeitos
envolvidos. Cabe também a esse profissional sistematizar ideias, levantar
questionamentos, propor caminhos e estabelecer possíveis relações com
diferentes campos do conhecimento. Assim, surge o desafio de refletir
criticamente sobre o espaço/tempo de formação, sobre o conhecimento
adquirido, sobre teorias e saberes que fazem parte do campo conceitu-
al. Além de propiciar um maior conhecimento do papel do psicopedagogo
e como sua atuação é de suma importância para o processo de ensino-
aprendizagem.
Sendo assim, levanta-se a seguinte questão problema: Haverá
uma maneira do psicopedagogo intervir de forma significativa em todo o
processo de aprendizagem, sendo facilitador e/ou desobstrutor na cons-
trução de um espaço adequado às condições de cada educando, sem
comprometimentos?
Para responder à questão-problema, foi necessário lançar mão dos
procedimentos de pesquisa, realizou-se um levantamento bibliográfico de
autores que dialogam com a ideia e corroboram com a concepção da efi-
cácia da participação dos psicopedagogos no processo de aquisição do
conhecimento.
Destarte, vislumbra-se a possibilidade da imprescindível colabo-
ração dos psicopedagogos para resolver e/ou reduzir as dificuldades re-
correntes. A partir dessa compreensão, delinea-se este artigo no qual o
objetivo geral é tornar significativo o papel desse profissional na melho-
ria das condições do processo de ensino–aprendizagem, bem como na
prevenção dos problemas, dando assistência aos professores e a outros
profissionais da instituição escolar. Traça-se a partir daí os seguintes ob-
jetivos específicos: 1) identificar quais problemas que as instituições es-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 23


colares encontram no processo de ensino–aprendizagem: 2) elucidar os
conceitos de autonomia e autoria, valorizando os vínculos construídos e
considerando a história de vida do educando; 3) entender a atuação do
psicopedagogo; 4) propor novos caminhos que fomentem o desejo de a-
prender e ensinar através da atuação psicopedagógica.

2. Dificuldades no processo de ensino–aprendizagem nas instituições


escolares
Com as mudanças aceleradas que acontecem no mundo em todos
os campos da vida humana, a escola sofre com a falta de recursos (finan-
ceiros, físicos, materiais e pessoais) para efetivar suas propostas, seus so-
nhos e sua função. Sendo assim, os problemas mais encontrados nas ins-
tituições escolares estão ligados à relação professor/aluno, passando pela
questão da disciplina e das dificuldades de aprendizagem, decorrentes ou
não desse fator relacional.
Educadores encontram-se inseguros no “como” realizar sua ação,
e os teóricos e técnicos que se propõem a ajudá-los repetem em seus dis-
cursos que não há “receita pronta”. Os professores não sabem como agir,
mesmo que deles se espera algo bastante original. Muitas vezes, eles não
podem construir uma ação inovadora por falta de referencial, ou seja, de
uma “receita” que não precisa estar pronta e acabada, mas que possa ge-
rar reflexões, questionamentos e adaptações necessárias após a conside-
ração dos ingredientes disponíveis.
Acredita-se que a psicopedagogia, como área de estudo e atuação,
voltada para a aprendizagem e para as dificuldades que podem surgir
neste processo, tem muito a colaborar para aperfeiçoar e ampliar as pos-
sibilidades da escola. Tal colaboração se concentra nas questões ligadas à
prevenção das dificuldades de aprendizagem tanto no que se refere à me-
lhoria da qualidade do processo ensino–aprendizagem quanto ao que diz
respeito à minimização e ou superação de problemas já existentes. Esse
conceito de prevenção em Psicopedagogia é apresentado por Visca
(1991):
[...] a prevenção primária refere-se, numa primeira versão, ao conjunto de
medidas que se preocupam em desenvolver e manter condições ideais de
aprendizagem, sendo sua segunda possibilidade a implantação de medidas
que auxiliem no controle de fatores já obstaculizadores deste mesmo pro-
cesso; e a prevenção secundária caracteriza-se por mobilizar recursos que
contribuam para o não agravamento das dificuldades já existentes ou, em

24 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


último caso, propiciem a reabilitação ou recuperação das mesmas. (VIS-
CA, 1991, p. 45)

Na realidade atual das instituições escolares, essa ação preventiva


precisa considerar os problemas já levados (a difícil adaptação de alunos
à vida escolar, as dificuldades para ensinar e aprender, o comportamento
inadequado para aprender e a violência reinante no interior das escolas)
como sintomas que denotam a existência de obstáculos difíceis de serem
transpostos.
Para Bossa (2007) o psicopedagogo tem muito o que fazer na es-
cola: Sua intervenção tem um caráter preventivo, sua atuação inclui:
 orientar os pais;
 auxiliar os professores e demais profissionais nas questões pe-
dagógicas;
 colaborar com a direção para que haja um bom entrosamento em
todos os integrantes da instituição e;
 principalmente socorrer o aluno que esteja sofrendo, qualquer
que seja a causa.
São inúmeras as intervenções que o psicopedagogo pode fazer pa-
ra ajudar os alunos quando precisam, auxiliando na identificação de mui-
tas situações que podem atrapalhar uma criança na escola, sem que o pro-
fessor perceba, isso é o que ocorre com a maioria das crianças com difi-
culdades de aprendizagem. Problemas familiares, com os professores,
com os colegas de turma, no conteúdo escolar, e muitos outros são ques-
tões que acabam por tornar a escola um lugar aversivo em vez de praze-
roso.

3. A importância da intervenção psicopedagógica nos problemas en-


contrados nas escolas
A atuação psicopedagógica relaciona-se, portanto, com o proble-
ma escolar e de aprendizagem, interferindo de forma individual ou gru-
pal, conforme se apresenta o problema. Tratar e prevenir esses problemas
de aprendizagem em classes de alfabetização pode amenizar um fato bas-
tante comum ao final do primeiro ano de escolaridade, quando algumas
crianças finalizam o ano letivo com um nível insuficiente de aprendiza-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 25


gem e, posteriormente, sempre repetem algum dos anos do Ensino Fun-
damental.
A psicopedagogia é uma área de estudo diretamente relacionada à
da aprendizagem escolar, tanto no que tange a seu decurso normal quanto
às dificuldades que possa apresentar. É preciso que todos os envolvidos
com o processo de aprendizagem analisem a situação, e não somente o
aluno, que é uma das parcelas de um todo do conhecimento em constru-
ção uma vez que, às vezes, poder se apresentar mais fácil ou mais difícil
para quem ensina ou aprende.
Refletir psicopedagogicamente sobre os problemas de aprendiza-
gem consiste em procurar compreender a forma como o aluno ou os alu-
nos estão utilizando os elementos do seu sistema cognitivo e emocional
para aprender. Significa refletir também com as relações que se estabele-
cem entre aluno e conhecimento, as quais são interpostas pelo professor e
pela escola. Na concepção de Barbosa (2007)
Quando dizemos que a Psicopedagogia se preocupa com o ser com-
pleto, que aprende, não podemos esquecer que faz parte da compleitude
deste ser a capacidade de aprender em interação com aquilo ou aquele que
ensina; e que a ação de ensinar não é sempre exercida pelo professor, as-
sim como a de aprender não é de responsabilidade somente do aluno.
(BARBOSA, 2007, p. 45)

A criança, quando tem a oportunidade de expor suas ideias, acaba


demonstrando em que etapa do processo de aprendizagem ela se encon-
tra. Ao falar, trocar ideias entre os colegas, quando explica, argumentan-
do sobre suas hipóteses está interagindo, reelaborando o conhecimento já
adquirido. O professor precisa incentivar o aluno a expor suas ideias, sem
se deixar levar por um reducionismo conceitual do tipo certo/errado, já
que o aluno pode levantar hipóteses sobre um fato conhecido (erro cons-
trutivo). O professor deve perceber, portanto, que o “erro” do aluno pode
ser útil para facilitar o desenvolvimento da aprendizagem. Aliás, a peda-
gogia do “erro” é um desastre para o processo ensino-aprendizagem já
que o erro, neste caso, desempenha um papel fundamental, uma vez que
se constitui numa importante etapa da aquisição do conhecimento.
Esses problemas de aprendizagem referem-se às situações difíceis
que a criança encontra, mas sempre com expectativas de que, a longo
prazo, terá sucesso. Eles interferem de forma significativa no rendimento
escolar individual. Um aluno que não consegue acompanhar o ritmo de
seus colegas apresenta dificuldades para ajustar-se aos padrões e normas
estabelecidos pela escola, ou sente-se desmotivado e perturbado emocio-

26 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


nalmente. Quando enfrenta uma metodologia inadequada, é agrupado aos
alunos que já estão rotulados como possuidores de problemas de apren-
dizagem.
É necessário compreender a sociedade com a qual se vive, através
de sua cultura, suas relações de classe, suas relações de produção para
envolver as especificidades do trabalho psicopedagógico que, por sua
vez, não se dá desconceitualizado. Deve-se reconhecer as mudanças que
têm ocorrido nas diversas fases de desenvolvimento da criança, a infân-
cia e a adolescência que já requerem novos olhares por parte dos psico-
pedagogos, psicólogos, dos pediatras e, lógico, dos educadores. Isso leva,
inevitavelmente, a uma reavaliação do papel da escola e dos professores
diante do ato de ensinar. Logo, a psicopedagogia não lida diretamente
com o problema, lida com as pessoas envolvidas. Trabalha com as crian-
ças, com os familiares e com os professores, levando em conta aspectos
sociais, culturais, econômicos e psicológicos. No ambiente familiar, de
acordo com Lima (1980), o processamento contínuo do procedimento do
sujeito e a forma como os pais reagem corrobora muito o trabalho de in-
serção da problemática, no replanejamento.
Cada aluno tem uma história diferente, uma necessidade diferente,
uma expectativa diferente quando se relaciona com o outro, inclusive
com o professor. Por sua vez, o professor em sala de aula não vê o aluno
com o mesmo olhar de outro professor. O professor não apenas transmite
os conhecimentos ou faz perguntas, mas também ouve o aluno, deve dar-
lhe atenção e cuidar para que ele aprenda a expressar-se, a expor suas o-
piniões. Para obter uma boa interação no aspecto cognoscitivo, é preciso
levar em conta o manejo no recurso da linguagem; variar o tom da voz,
falar pausadamente quando necessário e falar com simplicidade sobre os
temas complexos.
Nesse sentido, o que mais conta é a condição social do aluno e
não a sua idade cronológica, conhecer também o nível de conhecimento
dos alunos, ter um bom plano de aula. Entende-se como sendo um bom-
plano de aula aquele que tem objetivos claros e estratégias de ensino ca-
pazes de ser colocadas em prática de acordo com a capacidade dos alunos
e os recursos de sala de aula disponíveis na escola, explicar aos alunos o
que espera deles em relação à assimilação da matéria. Outros aspectos
indispensáveis são os socioemocionais. Esses aspectos referem-se aos
vínculos afetivos entre o professor e os alunos, como também às normas
e exigências objetivas que regem a conduta dos alunos na aula.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 27


4. Em busca do sujeito autor
Ao pensar em autoria, pensa-se em Psicopedagogia, uma área de
estudo interdisciplinar; que olha para o sujeito como um todo no contexto
no qual está inserido; que estuda os caminhos do sujeito que aprende e
apreende, adquire, elabora, saboreia e transforma em saber o conheci-
mento.
A Psicopedagogia é o campo no qual floresceu o conceito de su-
jeito autor. Para Bossa (2007),
A psicopedagogia estuda o processo de aprendizagem e suas dificul-
dades, e a uma ação profissional teve que englobar vários campos do co-
nhecimento, integrando-os e sintetizando-os. (BOSSA, 2007, p. 19)

O autor afirma que, na contemporaneidade, a Psicopedagogia en-


contra-se empenhada na concepção de aprendizagem segundo a qual atua
um sujeito biológico com sua afetividade e seu aparato intelectual, inter-
ferindo no modo como esse sujeito faz suas relações com o meio, uma
vez que suas interações sofrem influências e também são influenciadas
pelas condições desse sujeito situado no meio sociocultural. O professor,
portanto, estará influenciando a relação do seu aluno com o meio. Seus
valores e autoria de pensamento estarão presentes e refletidos na relação
professor/aluno.
As ideias de Vygotsky e seus estudos sobre o sujeito social, uni-
dos à Psicopedagogia, justificam que o sujeito social pode ser um sujeito
autor: aquele que pela mediação interage com o outro e constrói sua auto-
ria. Assim, um sujeito que constrói sua autoria através da mediação com
o social e que está inserido em um todo integrado.
Toma-se aqui a compreensão de sujeito autor como aquele que
constrói a autoria não por conteúdos acadêmicos e sim aquele que se au-
toriza a construir e conduzir sua própria vida. O sujeito com autoria que
se institui e se faz presente através de um “corpo” que sente, existe, ama
e proclama sua liberdade de ser, de estar e viver no eterno presente, no
eterno agora. Fernández (2010) define autoria como:
O processo e o ato produção de sentidos e de reconhecimento de si
mesmo como protagonista ou participante de tal produção. [...] Um sujeito
que não se reconheça autor pouco poderá manter sua autoria. (FERNÁN-
DEZ, 2010, p. 90)

Para a autora o sujeito que não é capaz de manter sua autoria não
poderá ser responsável por ela e tão pouco compartilhá-la. Ainda, a auto-
ria de pensamento é condição para a autonomia do sujeito e ambas (auto-

28 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


nomia e autoria) alimentam-se mutuamente numa relação de reciprocida-
de. Portanto, o ser humano que faz sua autoria se humaniza e não se ma-
quiniza. Decide viver através do seu próprio olhar, do seu próprio viver,
do seu próprio criar.
Autoria de pensamento é algo imprescindível para que o sujeito
seja conectado com a condição humana mais valiosa de liberdade. E, so-
mente um trabalho psicopedagógico com os mestres, professores e pro-
fissionais da educação poderia levar à construção de laços de solidarie-
dade que possibilitassem alguma autoria de pensamento e autonomia que
hoje não faz parte do cotidiano pedagógico. Consequentemente, os alu-
nos teriam na escola um espaço de reflexão e construção de sua própria
autoria e autonomia.

4.1. Valorização da autonomia e a história de vida do educando


O mundo de hoje muda com uma rapidez quase impossível de ser
acompanhada, em todos os aspectos, pelo ser humano. Assim, deve-se
refletir a respeito da atuação do educador em tempos velozes de informa-
ções, tecnologia e conhecimento. Isso, às vezes, causa uma sensação de
impotência no educador para atuar, porém ele não pode esmorecer. Cabe-
lhe ficar atento, reavaliar sempre que possível, buscando, dentro das pos-
sibilidades, novas aquisições a respeito da maneira de ensinar.
Uma busca que é árdua e infinita, mas também gratificante e pro-
dutiva para o educador e de grande valia para o educando. Freire (1996,
p. 43) diz: “A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve
o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer.”.
Sendo assim, é preciso que o educador reflita sobre sua prática, de forma
que deseje favorecer a autonomia do ser dos educandos; estabelecer uma
intimidade entre os saberes e a experiência social que eles têm como in-
divíduos colaborando para que o conhecimento encontre em si um novo
sentido.
A aprendizagem humana é um processo contínuo de transforma-
ção no qual o educador colabora para o desenvolvimento dos seres hu-
manos que vivem num mundo de mudanças intensas e rápidas. O educa-
dor é o parceiro mais experiente e deve aproveitar as oportunidades como
desafios para conduzir de forma eficiente o trabalho escolar.
A relação saudável entre educador e educando só contribuirá para
o crescimento de um e a realização do outro. A educação é um processo

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 29


que se dá através do relacionamento e do afeto para que possa ocorrer de
forma prazerosa o processo de ensino–aprendizagem. O educando, trata-
do dessa maneira e com respeito, tendo valorizada sua história de vida,
sente-se à vontade para ser crítico, autônomo, criativo em suas novas
descobertas. No entanto, não é possível que o educador pregue a auto-
nomia sem ser autônomo; que fale de liberdade sem experimentar a con-
quista da independência, que é o saber. Ainda, de acordo com Freire
(1996, p. 66), “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um
imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos
outros”.
O respeito à autonomia do ser do educando e à identidade do edu-
cando exige do educador uma prática coerente com esse saber. O funda-
mental é que educador e educando saibam que a postura deles é dialógi-
ca, aberta, curiosa, indagadora no processo de ensino–aprendizagem,
quando fala ou quando ouve, para que assim realizem a troca tão válida
para esse processo, pois “Mestre não é aquele que faz ideias de seus dis-
cípulos, é o que os auxilia na gênese e na gestação dessas ideias.”
(CHALITA, 2001, p. 139).
Para o psicopedagogo o conhecimento está sempre disposto a ser
desenvolvido, lapidado, assim como o pensamento que, por não ser autô-
nomo, necessita de ligações como o desejo (com o outro) e os limites do
real para poder situar-se como autor de seu pensar. Dessa maneira, esti-
mular a autoria do pensamento é fomentar um conhecimento cheio de li-
mites. Segundo Fernández (2010, p.91), a autoria do pensamento é con-
dição para a autonomia da pessoa e, por sua vez, a autonomia, favorece a
autoria do pensar. À medida que alguém se torna autor, poderá conseguir
o mínimo de autonomia.
Nesse relacionamento entre educador–educando, sempre deve ha-
ver espaço para dúvidas, curiosidades, desafios, mudanças e inquietações
a fim de produzirem e, juntos enfrentarem os obstáculos e conquistas que
há no ato de ensinar e aprender. Para esses não existem papéis definidos
que os cumpram, ambos (educador e educando) devem estar aptos a en-
sinar e a aprender a todo instante.

5. Promoção de uma aprendizagem significativa


A atuação do psicopedagogo é fundamental para a comprovação
da aprendizagem significativa no processo ensino-aprendizagem. Fonta-

30 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


na (1991), acrescenta que a aprendizagem é uma mudança relativamente
persistente no comportamento de um indivíduo, devido à experiência e às
bagagens que potencializam sua integração no contexto social no qual es-
tá inserido. Isso deixa claro que a aprendizagem é um caminho que pos-
sibilita a todos, crianças e adultos, constante perspectiva de crescimento.
Vista como caminho, a aprendizagem passa a ser concebida a partir da
experiência, e não da idade cronológica que o indivíduo se encontra.
Na aprendizagem significativa, o fundamental é que ocorra ao
menos duas situações iniciais. A primeira reside na figura do aprendente,
que deve ter incorporado ao seu mover-se no mundo o desejo de apren-
der, indo além da memorização pura e simples. Caso isso não ocorra,
percebemos a aprendizagem mecânica, não dotada nem de significado
nem de sentido.
Outra situação a ser observada está ligada ao fato de que o conte-
údo/tema a ser assimilado, construído e apreendido na relação de ensina-
gem entre ensinantes e aprendentes deve ser significativo, criar possibili-
dades de vínculos psicológicos e filosóficos e conter, em sua vinculação,
sentido lógico e que nesse processo, ocorra a mediação enquanto experi-
ência entre sujeitos que interagem, cada qual com sua própria bagagem
existencial e com seus próprios modos de ser e estar nesse movimento de
aprendizagem.
Ao considerar que cada pessoa é única, a criança, necessariamen-
te, não repetirá a história, bem ou malsucedida de seus pais. Ela é fruto
de uma época diferente, o contexto em que está sendo educada é outro,
por isso logicamente ela será uma outra pessoa. É importante que os pais
controlem o volume de expectativa sobre a paciente.
Os conhecimentos prévios dos educandos consistem de tudo
quanto já sabem, daquilo que trazem para a sala de aula como resultado
de suas experiências empírico-concretas liminarmente vividas. Esses co-
nhecimentos devem ser considerados pelo psicopedagogo e trabalhados
pelo docente na prática pedagógica que vise a promoção contínua da a-
prendizagem significativa.
O psicopedagogo e o educador devem focar seus esforços no de-
senvolvimento do educando: o primeiro, numa intervenção psicopedagó-
gica que procure promover constantemente a aprendizagem significativa
no contexto pedagógico da instituição; enquanto, o segundo, numa práti-
ca educacional que objetive um ensino significativo constante.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 31


Podem-se entender os aportes teóricos que revelam que o ser hu-
mano aprende ininterruptamente do nascimento até o final de seus dias
que para: A aprendizagem é uma variável dependente dos aspectos afeti-
vos, cognitivos e sociais que acontecem simultaneamente em virtude de
um processo de retroalimentação constante (VISCA, 1999, p. 36).
O cenário educativo requer a formação da cidadania e é exigência
de ensinar de forma que a aprendizagem seja significativa. De fato, para
que uma aprendizagem ocorra deforma significativa, é necessário a con-
tribuição do que é aprendido em diferentes situações. Com isso Ausubel
(1978) propõe que:
[...] as condições em que ocorre a aprendizagem com as propostas meto-
dológicas oferecidas relacionadas à estrutura cognitiva do aprendiz de
maneira não arbitrária e não literal. Para que aprendizado tenha significa-
do subjaz integração construtiva entre pensamento, sentimento e ação que
conduz ao engrandecimento humano. (AUSUBEL, 1978, p. 112)

Aprendizagem significativa caracteriza-se, pois, por uma intera-


ção (não por uma simples associação) entre os aspectos específicos e re-
levantes da estrutura cognitiva e as novas informações por meio da qual
essas adquirem significado e são integradas à estrutura cognitiva de ma-
neira não-arbitrária e não-literal, contribuindo para a diferenciação elabo-
ração e estabilidade dos supervisores pré-existente e, consequentemente,
da própria estrutura cognitiva. Ausubel (1978) ratifica:
Pode-se falar em aprendizagem significativa quando se assume que
aprender possui um caráter dinâmico de ações de ensino para os alunos
aprofundarem e ampliarem os significados elaborados mediante participa-
ções que construam sua forma de aprender. (AUSUBEL, 1978, p. 13)

Nessa concepção, o ensino é um conjunto de atividades sistemáti-


cas, cuidadosamente planejadas, em torno das quais conteúdos e formas
articulam-se inevitavelmente, nas quais o professor e o aluno comparti-
lham parcelas cada vez maiores de significados com relação aos conteú-
dos do currículo escolar, ou seja, o professor guia suas ações para que o
aluno participe de tarefas e atividades que o façam se aproximar cada vez
mais do seu aprendizado com significado.
Muitas vezes, a criança precisa de um pouco mais de tempo para
interpretar e assimilar de forma assertiva as questões que serão delinea-
doras da sua maneira de ver e sentir o mundo. É dessa forma pura e, mui-
tas vezes, ingênua que a criança formará sua personalidade. Contribuir
para o crescimento dos processos da aprendizagem e auxiliar no que diz
respeito a qualquer dificuldade em relação ao rendimento escolar, tam-

32 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


bém é do âmbito da psicopedagogia, bem como de educadores em geral.
Saber como o aluno constrói seu conhecimento, compreender as
dimensões das relações com a escola, com os professores, com o conteú-
do e relacioná-los aos aspectos afetivos e cognitivos, permite uma atua-
ção mais segura e eficiente. Considera-se que o desenvolvimento do edu-
cando se dá harmoniosamente e equilibradamente nas diferentes condi-
ções orgânica, emocional, cognitiva e social. Assim, as dificuldades de
aprendizagem podem surgir quando um ou mais aspectos citados encon-
tram-se alterados e tendem a agravar-se na medida em que não são diag-
nosticados precocemente.
É possível afirmar que o ser humano é singular e somente a ele
pertence sua situação, sua relação com o processo que lhe foi oferecido e
o desenrolar desse. O processo de construção do conhecimento se dá em
base sólida de acordo com a afetividade que se tem perante o objeto de
estudo e o desconhecido, pressupondo-se que todo desconhecido é novo
e tem que associar-se ao já aprendido, modificando-o e aumentando-o.
É importante que o professor tenha consciência de que a criança
traz consigo a bagagem natural cultural e também traz todas as referên-
cias afetivas. No aspecto social, destaca-se o ambiente, a quantidade e a
qualidade de estímulos recebidos e o valor dado à aprendizagem pela fa-
mília e/ou meio social comunitário.
A atuação da Psicopedagogia tem como base o analisar a forma
como a criança pensa e não propriamente o que aprende. Ter um olhar
psicopedagógico de um processo de aprendizagem é buscar compreender
como eles utilizam os elementos do seu sistema cognitivo e emocional
para aprender.

6. Considerações finais
O propósito desde estudo foi refletir sobre a atuação psicopedagó-
gica no processo de ensino-aprendizagem. Mas também identificar quais
problemas que as instituições escolares encontram no processo de ensi-
no-aprendizagem; elucidar os conceitos de autonomia e autoria, valori-
zando os vínculos construídos e considerando a história de vida do edu-
cando; entender a atuação do psicopedagogo; propor novos caminhos que
fomentem o desejo de aprender e ensinar através da atuação psicopeda-
gógica.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 33


O psicopedagogo não é apenas um “solucionador” de problemas,
e sim um conhecedor de que, dentro de seus limites e de suas especiali-
dades, pode auxiliar a escola a afastar e até mesmo remover obstáculos
que se inserem entre os sujeitos e o conhecimento. Além disso, formar
cidadãos por meio da elaboração de práticas educativas que aperfeiçoam
processos de humanização e da capacidade de pensamento crítico.
Este estudo baseia-se em práticas educativas respaldadas na teori-
a, porém jamais pode-se esquecer que, no dia a dia como profissional da
Psicopedagogia, o mesmo estará na companhia de indivíduos que são ca-
pazes de construir seu próprio conhecimento, agindo assim, como medi-
adores entre o sujeito e a aprendizagem, pois essa profissão remodela e
amplifica a apresentação completa e sucinta dos procedimentos básicos
da ação psicopedagógica.
Numa ação interdisciplinar, ele dedica-se em áreas pertinentes ao
planejamento educacional e assessoramento pedagógico, contribui com
planos educacionais e lúdicos no âmbito das organizações, agindo numa
modalidade cujo caráter é clínico institucional, ou seja, executando diag-
nóstico institucional e propostas operacionais pertinentes.
Dessa forma, o estudo psicopedagógico alcança seus objetivos
quando, aumentando a compreensão com relação às características e ne-
cessidades de aprendizagem de certo aluno, desata espaços para que a es-
cola proporcione recursos para atender às necessidades de aprendizagem.
Para isso, deve-se considerar o Projeto Político Pedagógico, sobretudo
quais as suas propostas de ensino e o que é reconhecido como aprendiza-
gem.
Por fim, vale destacar que o papel da Psicopedagogia não pode ser
esquecido, deve-se investigar, diagnosticar e intervir mediante as dificul-
dades de aprendizagem, juntamente com as pessoas envolvidas com a
prática educacional. Sendo o psicopedagogo um profissional que pode
trabalhar de maneira preventiva e intervir em prol da aprendizagem das
crianças, acreditando nas habilidades, potencialidades e dificuldades de
modo individual, constituindo-se em um campo que demanda aprofun-
damento permanente de pesquisas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUSUBEL, Davi P. Psicologia educativa: um ponto de vista cognitivo.
México: Trillas. 1978.

34 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


BARBOSA, L. M. S. A Psicopedagogia no âmbito da instituição esco-
lar. Curitiba: Expoente; 2007.
BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da
prática. Porto Alegre: Artes Médics Sul, 2007.
CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Gen-
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gica clínica da criança e sua família. Artes Médicas, Porto Alegre, 1990.
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pensamento. Porto Alegre: Artmed, 2010.
FONTANA, D. Psicologia para professores. Tambaré Baurueri: Manole,
1991.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática
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LIMA, L. O. Piaget para principiantes. São Paulo: Summus, 1980.
VISCA, Jorge. Psicopedagogia: novas contribuições. Organização e tra-
dução Andréa Morais, Maria Isabel Guimarães. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1991.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 35


A CONTRIBUIÇÃO DE VÍDEOS PEDAGÓGICOS PARA
A AMPLIAÇÃO DE VOCABULÁRIO DE UM ADOLESCENTE
AUTISTA: ESTUDO DE CASO
Fabrizia Miranda de Alvarenga Dias (UENF)
[email protected]
Danielle Rodrigues Miranda Sales (UENF)
[email protected]
Manuela Gomes Rangel de Paula (UENF)
[email protected]

RESUMO
O objetivo deste trabalho é verificar a ampliação do vocabulário de uma
adolescente por meio da utilização de vídeos pedagógicos como instrumentos de
intervenções. Para tanto, foram utilizados os instrumentos padronizados e qualitativos
de avaliação do vocabulário.Foram utilizados Artigos e Bibliografias recentes, tendo
como referencial teórico Caminha, Belizário Filho, Prensky. Os dados analisados
sugerem que a aplicação de intervenções com o uso da tecnologia foi favorável
ampliação do vocabulário do indivíduo em estudo, havendo melhoriasem suas
habilidades sociais. Recomenda-se que os profissionais que lidam diretamente com su-
jeitos que se encontram no espectro se aprofundem e procurem desenvolver métodos e
estratégias com uso de ferramentas tecnológicas, a fim de ampliar a sua utilização nas
intervenções com esses indivíduos.
Palavras-chave:
Autismo. Linguagem. Vocabulário. Vídeos pedagógicos.

1. Introdução
O TEA é um transtorno que acomete uma população mundial sig-
nificativa. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), um
em cada 160 indivíduos no mundo são acometidos com o transtorno. Os
enquadramentos para diagnósticos mais utilizados são CID-10 e DSM-V
(2014). O TEA é classificado como um transtorno invasivo do desenvol-
vimento (CID-10), que engloba médias e graves dificuldades ao longo da
vida nas habilidades sociais e comunicativas, além das que são atribuídas
ao atraso global do desenvolvimento. São considerados ainda os compor-
tamentos e interesses limitados, com movimentos repetitivos e estereoti-
pados (DSM-V, 2014). Cabe ressaltar que as identificações da sintomato-
logia nestas áreas acontecem antes da idade de 36 meses.
O TEA foi definido pela última edição do DSM-V (2014), como
uma série de fatores que podem variar quanto à intensidade dos sintomas

36 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


e prejuízos, gerados na rotina do indivíduo. É importante ressaltar que se
trata de um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por alte-
rações em três domínios principais: comunicação; interação social; pa-
drões restritos e repetitivos de comportamento. Atualmente, tem-se visto
a utilização de alguns modelos de recursos tecnológicos aplicados em in-
tervenções em indivíduos com TEA.
O sujeito com TEA costuma ter vocabulário restrito, apresentando
ecolalia, o que dificulta a sua comunicação. Nesse contexto, a problemá-
tica se desenvolve através da seguinte questão: de que forma o uso de ví-
deos pedagógicos pode auxiliar na ampliação do vocabulário de um ado-
lescente com TEA?
O objetivo deste trabalho é verificar a ampliação do vocabulário
de uma adolescente por meio da utilização de vídeos pedagógicos como
instrumentos de intervenções.

2. Estudo de caso
O estudo buscou analisar a ampliação do vocabulário de uma ado-
lescente com TEA, de quatorze anos de idade, que está matriculada no 3º
ano do Ensino Fundamental II numa Escola da Rede Municipal de Ensi-
no na cidade de Campos dos Goytacazes-RJ. A adolescente tem diagnós-
tico de TEA, grau moderado-nível 2. A.I.C utiliza a linguagem de forma
restrita com um timbre de voz grave, ou aponta em direção as coisas que
quer utilizar no momento, como por exemplo, mostrar o prato quando
deseja comer.Participa de todas as atividades, dentro do que é proposto,
porém a mudança de rotina na maioria das vezes desencadeia comporta-
mentos agressivos.
Nesse sentido, Belizário Filho (2010, p. 22), reitera que “é comum
que essas crianças apresentem manifestações de sua inflexibilidade de
maneira exacerbada”. Dessa forma, compreende-se com mais facilidade
que nos mais diversos ambientes, preconizados com os mais variados es-
tímulos, ao meio de quantidade expressiva de pessoas, que não lhe são
familiares, o indivíduo tenha reações exacerbadas ou disfuncionais.
O DSM-V (2014) traz as especificações para diagnóstico do TEA:
O transtorno do espectro autista caracteriza-se por déficits persisten-
tes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos,
incluindo déficits na reciprocidade social, em comportamentos não ver-
bais de comunicação usados para interação social e em habilidades para

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 37


desenvolver, manter e compreender relacionamentos. Além dos déficits
na comunicação social, o diagnóstico do transtorno do espectro autista re-
quer a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, inte-
resses ou atividades. (DSM-V, 2014, p. 32)

Dessa forma, o indivíduo objeto desse estudo se insere nas especi-


ficações supracitadas, apresentando ainda aspectos sensoriais incomuns
se comparados com indivíduos neurotípicos.

1.1. Processo Avaliativo


Após investigação do caso, para efeito do objetivo desse estudo,
consideramos o Teste Infantil de Nomeação (TIN), como recurso para
avaliar o vocabulário do sujeito, tendo em vista a análise comparativa na
ampliação do vocabulário.
Os encontros ocorreram ao longo de 20 sessões, sendo 3 de ob-
servação/avaliação, e as demais sessões foram para aplicação de testes,
atividades investigativas e intervenções.

1.1.1. Aplicação do TIN


No dia 20 de março de 2019 foi realizada a primeira aplicação do
teste, em que foi percebido um escore muito baixo, se comparado a indi-
víduos da mesma idade. Tendo nesse primeiro momento um resultado de
escore bruto 32 de acordo com a tabela 1, com pontuação-padrão de 1
ponto. Já no segundo momento da aplicação do teste,em 25 de março de
2019, a adolescente demonstrou-se mais familiarizada com o teste, ha-
vendo avanços nos resultados do escore bruto de 38 e pontuação-padrão
de 28. Pudemos observar uma melhor compreensão na execução do
mesmo, ainda que tenha permanecido no nível Muito Baixo, de acordo
com a tabela 2. Foi marcado um próximo encontro e aplicamos o teste
pela terceira vez, com resultados mais satisfatórios, em que A.I.C obteve
o escore bruto de 48, com pontuação-padrão de 72, melhorando o seu ní-
vel. De acordo com a tabela 2, a adolescente encontra-se no nível Baixo,
se comparada a indivíduos de mesma faixa etária.

38 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


Tabela 1 – Resultados obtidos pelo indivíduo antes e após as intervenções (TIN 1, 2, 3)
Datas Aplicação TIN Escore Bruto Pontuação Interpretação
20/03/2019 32 1 Muito Baixa
25/03/2019 38 28 Muito Baixa
01/04/2019 48 72 Baixa

Tabela 2 – Tabela de pontuação-padrão do TIN.

Fonte: Seabra&Dias, 2012 .


Teste Infantil de Nomeação (TIN).

No quadro apresentado pelo sujeito aliado ao curto período de a-


companhamento, foi possível precisar os progressos no desenvolvimento
da adolescente, após as intervenções com a tecnologia.
ia. Todavia, coadu-
coad
nando com Vigotski (2001) no sentido de que o desenvolvimento da lin-
li
guagem depende diretamente das experiências socioculturais e não ape-
ap
nas dos processos cognitivos, especialmente em se tratando de uma
“mente” com TEA, que traz limitações peculiares.

1.2. Intervenções
A tecnologia é uma área do conhecimento, de característica inter-
inte
disciplinar, que abrange produtos, recursos, metodologias,
metodologias estratégias,
práticas e serviços que podem proporcionar a funcionalidade,
funcionalidade relacionada
à atividade e participação, de sujeitos com deficiências,, visando sua au-
a
tonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (MELLO;
SGANZERLA, 2013).
Com o intuito de trabalhar novas palavras de forma contextualiza-
contextualiz
da, dando sentido ao objetivo proposto no corpo deste estudo, foram in-
i

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 39


seridos para ampliação do vocabulário do indivíduo em estudo, diversos
vídeos relacionados a novas palavras.
Nesse aspecto, a tecnologia quando aplicada no mundo do indiví-
indiv
duo com TEA, pesquisadores ressaltam que aqueles apresentam
apresent especial
interesse na interação com os dispositivos móveis,, como por exemplo ta-
blets e computadores, fator que deveria ser motivador para a realização
de novas pesquisas (CAMINHA et al., 2006).
Sendo assim, com o uso dos vídeos pedagógicos, percebeu-se
percebeu o
empenho da adolescente para compreender o amplo sentido
tido de cada pa-
p
lavra.

Fonte: www.alfafon.com.br Fonte: www.youtube.com “Como fazer


instalação
ação em abajur”

Em consonância com as palavras de Rivière (1995, p. 107) “à me-


m
dida que os objetos se inserem em suas relações com as pessoas, come-
com
çam a constituir-se
se temas de relação”. Sendo assim, o sujeito quando é
apresentado ao meio e aprende que os objetos
bjetos são nomeados, possuem
significado, função e aplicação ao meio, percebe-sese como agente
agen ativo e
participante de um contexto que pode se tornar compartilhado. Dessa
forma, a contextualização, através dos vídeos pedagógicos,
gicos, deu vida e
significado ao objetivo proposto neste estudo.

40 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


Gráfico 1 – análise comparativa do TIN – antes e pós-intervenções.

100
Escore
50 Bruto

0 Teste… Pontuação
Padrão
Teste…
Teste…
Nomeação
Incorreta

No Gráfico 1, pode-sese perceber uma quantidade de erros cada vez


menos significativa no decorrer da aplicação dos testes.
Portanto, a tecnologia deve ser utilizada com prudência, de forma
a encontrar o que é necessário para o seu uso consciente, pois trata-se
trata de
um meio importante de ajuda para a formação de sabedoria, para que as
decisões possam ser tomadas de maneira precisa, com avaliações mais
acertadas (PRENSKY, 2009).
O autor ressalta e incentiva a criação de ferramentas digitais que
possibilitem progresso e desenvolvimento em benefício da humanidade.

2. Considerações finais
O sujeito com TEA pode se beneficiar com o acesso às ferramen-
ferrame
tas tecnológicas.
cas. De acordo com os dados analisados percebe-se
percebe que a a-
plicação de intervenções com o uso de vídeos pedagógicos foi favorável
a ampliação do vocabulário do indivíduo em estudo.
Logo, frente ao uso da tecnologia nas intervenções, comprovados
pela análise comparativa de dados mediante os testes aplicados para rea-
valiação, conforme a Tabela 1 e 2, observou-se se que os meios foram atra-
atr
tivos e adequados às necessidades da adolescente, que no decorrer de ca-
c
da atividade, demonstrou-se interessada e participativa, bem como duran-
dura
te as aplicações de testes e intervenções propostos.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 41


Durante todo o processo procurou-se trabalhar as suas competên-
cias e habilidades de comunicação prejudicadas pelo transtorno, partindo
de suas potencialidades mais explícitas, a fim de obtermos o melhor de-
sempenho possível.
Os dados analisados sugerem que a aplicação de intervenções com
o uso de vídeos pedagógicos foi favorável para a ampliação do vocabulá-
rio do indivíduo em estudo, havendo melhorias em suas habilidades soci-
ais. Recomenda-se que os profissionais que lidam diretamente com sujei-
tos que se encontram no espectro, se aprofundem e procurem desenvol-
ver métodos e estratégias com uso de ferramentas tecnológicas, a fim de
ampliar a sua utilização nas intervenções com esses indivíduos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELIZÁRIO FILHO, José Ferreira. MEC- Coleção A Educação Especial
na Perspectiva da Inclusão Escolar: transtornos globais do desenvolvi-
mento. Volume 9. Fortaleza: UFC, 2010.
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DSM-V (American Psychiatric Association – M.I.C. Nascimento et al.,
Trad); 5. ed., Porto Alegre: ArtMed, 2014.
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auxiliar no que?. p. 231-9, 2013.
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PRENSKY, Marc. H. Sapiens Digital: From Digital Immigrants and Dig-
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Vol. 5: Iss. 3, Article1. 2009. Available at: htps://nsuworks.nova. e-
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SEABRA, G. A.; DIAS, M. N. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva:

42 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


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VIGOTSKI. L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Pau-
lo: Martins Fontes, 2001.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 43


A DISLEXIA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
DA LEITURA E ESCRITA: CONSIDERAÇÕES SOBRE
A PRÁTICA EDUCACIONAL
Priscila de Andrade Barroso Peixoto (UENF)
[email protected]
Dhienes Charla Ferreira Tinoco (UENF)
[email protected]
Adriana Abreu Silva Erthal (IBE/FACEL)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo de abordar algumas perspectivas do ensino de lei-
tura e escrita no ambiente escolar. Assim, propomos uma investigação sobre de que
forma tais práticas têm sido concretizadas na sala de aula. Partindo da concepção de
que a leitura e a escrita constituem-se em importantes canais de comunicação entre as
pessoas, destaca-se que todos os indivíduos têm direito ao acesso aos mesmos, e, na
medida em que uns sabem ler e escrever, e outros não, cria-se uma relação de desi-
gualdade. Para delinear esse processo estudamos o processo de aprendizagem da lei-
tura e da escrita e suas implicaturas: quando existe algo que impeça ou dificulte essa
aquisição. Dentre essas, abordamos prioritariamente a dislexia, o transtorno da aqui-
sição da linguagem e da aprendizagem, utilizando referenciais teóricos dentre eles:
SAMPAIO (2011); IMBERNÓN (2010); AZEVEDO (2004); ZORZI (2003). Observa-
mos a responsabilidade da escola em fornecer o acesso igualitário à aquisição do sis-
tema de leitura e escrita, considerando a importância de valorizar a capacidade co-
municativa que cada indivíduo possui, bem como o respeito à diversidade cultural que
desencadeará diferentes interpretações do objeto de estudo. Refletimos sobre a prática
educativa e a necessidade de uma maior abordagem das questões referentes às dificul-
dades de aprendizagem na formação inicial dos professores e a importância da forma-
ção continuada, a fim de que o acesso ao ensino de leitura e escrita nas escolas seja di-
nâmico e eficaz.
Palavras-chave:
Aprendizagem. Dislexia. Escrita. Leitura.

1. Introdução
O objetivo deste artigo é realizar um breve diálogo entre escola,
professores e estudantes sobre as práticas ensino de leitura, escrita e ora-
lidade no Ensino Fundamental I, a fim de vincular a pesquisa à realidade
da sala de aula.

44 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


Entendemos que, sob os mais variados ângulos, o processo de
formação permanente dos professores é uma das dimensões relevantes
para a materialização de uma política de valorização do profissional do-
cente, impondo-se reconhecer a urgente necessidade de transformar a
forma de olhar a escola e o trabalho pedagógico. No que diz respeito às
práticas ensino de leitura, escrita e oralidade, vemos que neste processo
ocorrem enfrentamentos que comprometem a ação educativa.
Com esse propósito delineamos este trabalho, visando um levan-
tamento das questões norteadoras que estão envolvidas no processo de
ensino–aprendizagem da leitura e escrita, destacando o papel do profes-
sor e suas dificuldades em reconhecer e encaminhar alunos que sofrem
com problemas de aprendizagem neste processo. Nesse contexto, desta-
camos a dislexia, que é um distúrbio neurobiológico, que compromete a
aprendizagem da leitura e da escrita.

2. O aprendizado da escrita e da leitura


A sala de aula constitui um espaço capaz de promover os domí-
nios das capacidades específicas da alfabetização, bem como o domínio
de conhecimentos fundamentais envolvidos nos diversos usos sociais da
leitura e da escrita. Neste espaço, as práticas de ensino na sala de aula
devem estar orientadas de modo que a alfabetização seja promovida num
ambiente de letramento, proporcionando aos alunos a construção do co-
nhecimento efetivo, junto às práticas sociais.
O acesso a esse mundo da leitura e da escrita, em grande parte é
responsabilidade da escola, a qual por sua vez deve fornecer o suporte
necessário aos alunos, esclarecendo sobre as múltiplas possibilidades do
uso da leitura e da escrita na perspectiva social. Nesse ponto, destacamos
que a aprendizagem é um processo que vai muito além dos limites da sa-
la de aula e que acontece desde o início da vida. A aprendizagem é uma
experiência que engloba os desejos e as necessidades de cada indivíduo,
é algo que ocorre internamente à pessoa. Um trecho de Emília Ferreiro
contribui para essa discussão:
A concepção de aprendizagem (entendida como um processo de ob-
tenção de conhecimento) inerente à psicologia genética supõe, necessari-
amente, que existem processos de aprendizagem do sujeito que não de-
pendem dos métodos (...) O método (enquanto ação específica do meio)
pode ajudar ou frear, facilitar ou dificultar, porém, não criar aprendiza-
gem. A obtenção de conhecimento é um resultado da própria atividade do
sujeito. (FERREIRO, 1985, p. 28-9)

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 45


Desta forma, cabe à escola colaborar com a aprendizagem, sensi-
bilizando os educandos em relação as suas potencialidades. Não será o
método utilizado pelo professor que criará a aprendizagem, os métodos
irão apenas facilitar ou dificultar esse processo. A aprendizagem depende
então de uma ação do sujeito.
Segundo Sampaio (2011, p. 108), muitas crianças passam por di-
ficuldades quando estão aprendendo a ler, e um diagnóstico precipitado
pode levar esta criança ao rótulo de portadora de dislexia. É preciso mui-
to cuidado, tanto por parte da escola quanto do profissional, responsável
pelo diagnóstico, a fim de não se julgarem precipitadamente as dificulda-
des de aprendizagem de uma criança. A autora acrescenta que alguns
professores e pais, por não conhecerem o processo evolutivo da escrita,
ficam ansiosos e acabam realizando, erroneamente, a tentativa de “trei-
nar” a escrita da criança. Não levam em conta as ideias que as crianças
elaboram sobre a sua escrita, suas hipóteses de construção.
A partir do momento em que a criança é colocada numa situação
de leitura ela inicia o desenvolvimento dessa aprendizagem, e testando
hipóteses na tentativa de atribuir sentido àqueles símbolos que até então
eram apenas desenhos ela vai construindo conhecimento.
Vemos em Sampaio (2011, p. 109) que, inicialmente, a criança se
utiliza de rabiscos, para representar sua escrita. Chamamos a este nível
de icônico, no qual a criança represente seu mundo por meio de dese-
nhos; mas em uma observação mais apurada, poderemos já identificar
uma diferenciação entre os dois grafismos (escrita e desenho); linhas ser-
rilhadas como marcas de uma insinuação da escrita e um outro tipo de
marca para seus desenhos.
Varella (2001, p. 29) afirma que a compreensão de que a escrita
representa o sistema fonológico da língua contribui para a fundamenta-
ção de propostas de alfabetização pelos professores. O saber dos docen-
tes sobre a leitura e a escrita, combinado ao conhecimento do modo pelo
qual a criança realiza o processo de aprendizagem, abre novas perspecti-
vas para a prática docente do alfabetizador. Para Varella, muitas vezes, a
preocupação com a aprendizagem da língua escrita, considerada difícil,
leva o professor à escolha de métodos dissociados do desenvolvimento
psicolinguístico e sociocultural dos alunos, privilegiando o domínio do
alfabeto.
Sampaio (2011, p. 109) nos fala que, gradativamente, as crianças
começam a substituir pequenas figuras por letras, que ainda não corres-

46 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


pondem sonoramente à palavra, mas sim ao tamanho do objeto, ou seja,
elefante tende ter muitas letras, porque é grande e formiga tende ter pou-
cas letras, porque é pequena. É o que chamamos de realismo nominal,
onde ela faz o uso das letras conforme o tamanho dos objetos e não de
acordo com a palavra, utiliza-se de muitas letras.
Para aprender a escrever uma língua que tem por base um sistema
alfabético, a criança necessita compreender que as letras, enquanto sím-
bolos gráficos, correspondem a segmentos sonoros que não possuem sig-
nificados em si mesmos (Lyon, 1999; Swank, 1999 apud Zorzi 2003, p.
28). Na realidade, o conhecimento que está implícito nessa compreensão
refere-se à noção de fonema, fundamental para o entendimento do prin-
cípio alfabético (Vandervelden e Siegel, 1995 apud Zorzi 2003, p. 28).
Vemos em Zorzi (2003, p. 30) que a criança pode iniciar seus co-
nhecimentos no mundo da escrita muito antes que qualquer tentativa
formal de ensino seja proposta. Nesse sentido, Ferreiro e Teberosky
(1986 apud Zorzi 2003, p. 30) apontam uma sequência psicogenética de
construção da escrita, caracterizada sucessivamente como fases pré-
silábica, silábica, silábica-alfabética e, finalmente, alfabética.
Tal classificação parece estar levando em consideração a própria
natureza alfabética da escrita, ou seja, a condição para que a criança
compreenda um sistema constituído alfabeticamente implica a capacida-
de de lidar com fonemas, de chegar à noção de que as palavras são com-
postas por sons e que estes correspondem às letras que se empregam para
escrever. Entretanto, os autores observaram que as crianças não iniciam o
aprendizado partindo de um conhecimento das relações estreitas e preci-
sas entre letras e sons: ele é consequência de um longo processo, não
uma condição de partida.
Capovilla (2000 apud Sampaio 2011, p.110) explica que tais habi-
lidades são muito importantes para permitir a leitura por decodificação
fonológica. Isto explica por que procedimentos para desenvolver consci-
ência fonológica são tão eficazes em melhorar o desempenho de leitura
de criança durante a alfabetização.
Segundo Varella (2001, p. 31), saber ler e escrever é, na verdade,
mais do que dominar um instrumento, pois o usuário integra-se na prática
social: o sujeito traz para a escola o seu cotidiano e o conhecimento ad-
quirido volta para o cotidiano. Isso requer uma metodologia que se con-
centre na linguagem escrita como forma de inserção na vida do sujeito e
deste na realidade letrada.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 47


A respeito disso temos a contribuição de Soares (1988)
[...] só recentemente passamos a enfrentar essa nova realidade social
em que não basta saber ler e escrever, é preciso também fazer uso do
ler e do escrever, saber responder as exigências de leitura e de escrita
que a sociedade faz continuamente – daí o surgimento do termo le-
tramento... (SOARES, 1988, p. 20)

Ao incluir os usos e as funções atribuídas à escrita aos grupos so-


ciais, bem como as consequências socioculturais, políticas e/ou cogniti-
vas do recurso à palavra escrita, os pesquisadores passaram a centrar sua
atenção nos sujeitos e na interferência das formas de socialização para a
construção de uma relação com a palavra escrita.
Assim, estes estudos provocaram uma nova forma de perceber o
processo de aprendizagem da escrita e da leitura, deixando o viés discri-
minatório tantas vezes presente no uso da língua, a fim de compreender o
que o sujeito faz quando recorre à palavra escrita. Neste sentido, segundo
Kleiman (1995) os trabalhos procuravam compreender tanto o impacto
social da escrita quanto a inserção dos sujeitos no universo da palavra es-
crita, considerando seu processo de socialização.
O ato de escrever consiste na representação gráfica do sistema fo-
nológico da língua, pois “a escrita, produto histórico-cultural, tecnologia
posta a serviço do homem, representa a imagem sem ser dela transcrição”
(ABAURRE, 1998 apud VARELLA 2001, p. 31). A alfabetização cons-
trói-se, assim, através de atividades de uso, contextualizadas e significa-
tivas da linguagem oral e escrita, bem como de atividades de análise e re-
flexão em condições de interlocução, sem a evidência de preconceitos
linguísticos.
Ferreiro (1995 apud VARELLA 2001, p. 32) distingue três gran-
des níveis no processo de construção do sistema de escrita pela criança:
 um primeiro nível, no qual ela consegue diferenciar a escrita
de outros sistemas de representação gráfica e estabelece na
escrita, certas condições internas para que esta possa dizer al-
go;
 um segundo nível em que estabelece variações no sistema de
escrita com a intenção de produzir diferenças de significado;
 um terceiro nível em que “fonetiza” a escrita, isto é, estabele-
ce relações com a pauta sonora da fala.
Vemos em Varella (2001, p. 33) que, idealmente, a criança vem à
escola com habilidades de linguagem oral bem desenvolvida, o que cons-

48 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


titui um fundamento para o domínio da língua, da leitura e da escrita.
Traz, também, o conhecimento de narrativas, poemas, parlendas, trava-
línguas e adivinhações. Porém, a aquisição da escrita requer o conheci-
mento das estruturas fonológicas da língua e de como as unidades gráfi-
cas se conectam às unidades faladas.
Nesse sentido, Barbosa (2008, p. 129) afirma que não se ensina a
criança a ler: ela aprende sozinha. Ao professor compete ajuda-la a con-
quistar esse comportamento. Essa ajuda concretiza-se através de um am-
biente rico e variado, que favoreça o aparecimento ou o desenvolvimento
daquela aprendizagem e através de momentos precisos de organização do
conhecimento adquirido.
O autor acrescenta que antes de obrigar a criança a observar, ana-
lisar ou escrever sílabas, palavras ou frases é necessário que a escola lhe
proporcione oportunidades de utilizar a escrita em contextos significati-
vos; que estabeleça um estreita familiarização com todos os suportes ma-
teriais da escrita: livros, jornais, prospectos, cartazes etc.; que permita à
criança observar, explorar, questionar, experimentar os vários usos da es-
crita no mundo em que vive; que promova, ao mesmo tempo, a leitura
constante de histórias infantis, álbuns ilustrados, revistas em quadrinhos,
jornais, por exemplo.
Assim, as práticas pedagógicas adotadas e a forma como o mundo
“letrado” é apresentado à criança são itens que, se bem organizados, con-
tribuem para a conquista do uso da leitura e da escrita, desmistificando os
excessos em relação às dificuldades encontradas no ambiente escolar,
muitas vezes reproduzidas pelo não entendimento dos processos existen-
tes para esta aquisição. Nesse sentido, é necessário compreender o pro-
cesso evolutivo da criança, respeitando a individualidade, bem como os
estágios necessários de suas elaborações e hipóteses de construção de
sentido.
Assim, podemos entender que cabe ao professor orientar o aluno
sobre como lidar com os conhecimentos adquiridos, auxiliando a porem
em prática nas situações a serem enfrentadas posteriormente. Sendo as-
sim, acreditamos na busca por uma metodologia ativa, que coloque os su-
jeitos em ação diante do conhecimento. Quando o sujeito não consegue
construir seus conhecimentos, as ‘verdades’ se tornam vazias, sem signi-
ficado.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 49


3. Dificuldades e distúrbios de aprendizagem
As pesquisas relacionadas às dificuldades de aprendizagem de-
monstram que encontrar uma definição clara, precisa, objetiva e consen-
sual tem sido uma tarefa difícil. Vemos em Azevedo (2004, p. 19) que
devido à complexidade do problema, onde interatuam fatores de diferen-
tes ordens e extensões, a definição, a etiologia e a suficiente investigação
diagnóstica do que se entende por “dificuldades escolares” ainda carece
de um consenso no pensamento científico e no campo de sua aplicabili-
dade.
Na tentativa de definir e esclarecer a ocorrência dos problemas,
encontramos autores como Almeida e Polonia (1991 apud Azevedo,
2004, p. 20) que destacam ainda a utilização do termo “fracasso escolar”,
o qual além de ser normalmente traduzido como “repetência e evasão
(exclusão)” da escola, costuma aparecer, explícita ou implicitamente, sob
a denominação de dificuldades ou problemas escolares.
Neste sentido, buscamos a diferenciação conceitual dos termos
“dificuldades de aprendizagem” e “distúrbios de aprendizagem”, enten-
dendo que essa distinção faz-se necessária no que diz respeito às ações
metodológicas e educacionais para a intervenção no âmbito escolar.
Segundo Chabanne (2006, p. 16-7), a dificuldade escolar não deve
ser considerada como um problema definitivo, para ele, a dificuldade é
um momento da experiência, ou do trabalho escolar, que visa ao sucesso.
Nesse aspecto, ela parece uma coisa comum e sem importância para to-
dos os alunos que se dedicam a um objetivo escolar autêntico: todo exer-
cício apresenta dificuldades, ou seja, sempre há um momento em que o
aluno é posto à prova quanto à sua memória, sua inteligência, sua capaci-
dade de interpretar um enunciado, de buscar soluções, de procurar novos
caminhos e avaliar a eficácia de alguns deles, ou seja, de conviver com as
dificuldades relativas e necessárias para alcançar o estágio definitivo: o
sucesso.
Assim, temos que as dificuldades de aprendizagem reportam-se a
uma constelação de fatores de natureza sociocultural e econômica, fami-
liar, emocional e pedagógica, que só adquirem significação quando refe-
ridos à história da criança, considerando-a nas múltiplas relações e inte-
rações com a família, com a escola, com os professores e com as condi-
ções pedagógicas em particular. Já os distúrbios dizem respeito a um
quadro no qual as capacidades intelectuais, motoras, sensoriais e emo-
cionais da criança encontram-se dentro dos limites da normalidade, sem

50 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


que ela consiga, no entanto, aprender de forma global ou específica. Pode
apresentar deficiência nos processos de percepção de integração ou de
expressão, que comprometem o seu aprendizado. Nesses casos, haveria
indícios comportamentais ou neurológicos de disfunção do sistema ner-
voso central (ALMEIDA; POLONIA, 1991 apud AZEVEDO, 2004, p.
20).
Definindo desta forma os termos dificuldades e distúrbios de a-
prendizagem, podemos supor que a maioria dos problemas de aprendiza-
gem encontrados na escola constituem numa dificuldade e não um dis-
túrbio, uma patologia do sistema nervoso central. Assim trata-se na reali-
dade de dificuldades no aprendizado decorrentes de uma série de fatores
internos e/ou externos que refletem na forma como o sujeito interage
com seu meio, assumindo normalmente um caráter momentâneo.
Fonseca (1981 apud Azevedo, 2004, p. 22) afirma que a criança
com dificuldade de aprendizagem não pode ser “classificada” como defi-
ciente. Trata-se de uma criança normal que aprende de uma forma dife-
rente, apresenta uma discrepância entre o potencial atual e o esperado.
Não faz parte de nenhuma categoria de deficiência, pois possui um po-
tencial normal que não é realizado em termos de aproveitamento escolar.
Vemos em Sampaio (2011, p. 90) que os problemas de aprendiza-
gem podem se apresentar em razão de uma metodologia inadequada, mé-
todo de alfabetização inadequado, privação cultural e econômica, má-
formação docente, falta de planejamento das atividades, desconhecimen-
to da realidade cognitiva dos alunos. Desta forma, não existe uma adap-
tação curricular à realidade socioeconômica do aluno.
Em relação aos transtornos, a mesma autora cita uma definição,
criada em 1977, nos Estados Unidos e registrada oficialmente em 1986
(Id., ibid.) em que transtorno de aprendizagem ou dificuldade de aprendi-
zagem específica (learning desabilities) se define como “um transtorno
em um ou mais dos processos psicológicos básicos implicados na com-
preensão ou no uso da linguagem falada ou escrita, que pode se manifes-
tar em uma habilidade imperfeita para escutar, falar, ler, escrever, sole-
trar ou fazer cálculos matemáticos”. Assim, encontramos entre os trans-
tornos de aprendizagem a dislalia, disografia, dislexia, disgrafia, discal-
culia e Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), por
exemplo.
Em todos os casos, temos que o risco está em a escola não identi-
ficar essas crianças no momento propício, para oferecer as intervenções

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 51


pedagógicas necessárias, podendo a escola, posteriormente, com seus cri-
térios de seleção e de rendimento, influenciar e reforçar o inadaptação e
um possível “fracasso escolar”.
Em termos gerais, muitos são os distúrbios atribuídos à criança
que apresenta algum problema de aprendizagem, porém, Sampaio (2011,
p. 91), aponta que entre os mais citados no ambiente escolar estão o
TDAH (Transtorno do Deficit de Atenção com ou sem Hiperatividade) e
a dislexia. Neste trabalho, posteriormente aprofundaremos na descrição
da dislexia, porém, pesquisas apontam que não é raro uma criança com
TDAH apresentar comorbidades, agregando distúrbios como dislexia,
disgrafia, discalculia, etc.
Como vemos em um artigo publicado pela Associação Brasileira
do Déficit de Atenção:
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é defi-
nido pela presença de sintomas primários e persistentes de desatenção, hi-
peratividade e impulsividade em níveis disfuncionais. Dificuldades de or-
ganização e planejamento (disfunção executiva) são também muito fre-
quentes. A dislexia é um transtorno específico da aprendizagem no qual
há uma dificuldade significativa e persistente na leitura, resultante de um
déficit na decodificação. A compreensão da linguagem oral encontra-se
preservada, diferente do que é observado nas dificuldades primárias de
compreensão.
O TDAH e a dislexia são condições prevalentes na infância (acome-
tem cerca de 5% das crianças), com impactos na vida escolar, social e fa-
miliar.

Apesar da alta taxa de comorbidade, no caso de haver um trans-


torno específico o diagnóstico é dificultado, pois uma criança com
TDAH, provavelmente apresentará dificuldades na leitura e na escrita
devido à falta de atenção e a hiperatividade, ainda que esta não seja dis-
léxica.
Vemos assim, conforme citam Condemarin e Bloquest (1989 a-
pud Sampaio, 2011, p. 108), que, antes de se diagnosticar um indivíduo
como disléxico, é preciso levar em conta outros fatores que causam pre-
juízo da leitura e da escrita, ocasionando sintomas que facilmente pode-
rão ser confundidos com a dislexia, como carência cultural, problemas
emocionais, métodos de aprendizagem defeituosos, saúde deficiente, i-
maturidade na iniciação da aprendizagem, os quais constituiriam dificul-
dades e não distúrbios de aprendizagem.
Cabe, portanto, diferenciar dos problemas de aprendizagem aque-

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las perturbações que ocorrem apenas no meio escolar, caracterizados por
exemplo, na resistência às normas disciplinares, na dificuldade de inte-
grar-se ao grupo escolar, na inibição expressiva, manifestações estas que
costumam ocorrer justamente na transição do grupo familiar para o grupo
social.
Santos Filho (2000 apud Azevedo, 2004, p. 27) afirma que a
compreensão dos problemas de aprendizagem da criança deve ocorrer em
uma perspectiva de relação, participação e corresponsabilidade entre
quem ensina e quem aprende. Não se pode descontextualizar as dificul-
dades de aprendizagem, depositando-as, apenas, no sujeito aprendente,
nesse caso, o aluno. Em seu estudo, propõe, como prática educacional
privilegiada e diferenciada, a intervenção relacional, pois considera que o
professor, como aquele que ensina, e o aluno, como aquele que aprende,
são um sistema em constante interação. E ao interagirem, constroem um
terceiro elemento que surge na relação e por meio dela: o processo de en-
sino-aprendizagem.

4. A natureza da dislexia
Etimologicamente, a palavra dislexia compõe-se do radical lexia e
do prefixo dis. O radical lexia significa linguagem, enquanto o prefixo
dis significa dificuldade. Sendo assim podemos entender a dislexia como
sendo uma dificuldade na aquisição da linguagem.
Conforme cita Piérart (1997), a definição clássica da dislexia é
uma definição por exclusão, isto é, uma definição frágil: a dislexia é uma
dificuldade para aprender a ler, apesar de uma inteligência suficiente – o
QI deve ser normal – e de um ensino clássico. A criança deve estar isenta
de distúrbios sensoriais ou neurológicos e não provir de um meio muito
desfavorável. A sintomatologia dos distúrbios de leitura é unânime para
todos os especialistas preocupados com as dificuldades persistentes de
aprendizagem da leitura.
Porém, a Associação Brasileira de Dislexia (ABD) nos apresenta
uma definição mais recente, em 2003: “Dislexia é uma dificuldade de a-
prendizagem de origem neurológica. É caracterizada pela dificuldade
com a fluência correta na leitura e por dificuldade na habilidade de deco-
dificação e soletração. Essas dificuldades resultam tipicamente do déficit
no componente fonológico da linguagem que é inesperado em relação a
outras habilidades cognitivas consideradas na faixa etária”.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 53


Em termos gerais, podemos entender a dislexia como um distúr-
bio de aprendizagem que ocorre independentemente de questões intelec-
tuais, emocionais ou culturais, caracterizada pela dificuldade acentuada
na habilidade de decodificação e soletração, fluência e interpretação da
linguagem.
Esta dificuldade está intimamente ligada à forma como o indiví-
duo vai adquirir a leitura e fazer parte do mundo letrado. Por isso, é im-
portante destacar que o disléxico tem uma dificuldade e não uma impos-
sibilidade para aprender. Se devidamente acompanhado pelo professor e
pela equipe multidisciplinar, o disléxico poderá se desenvolver de acordo
com o esperado para a sua idade e série escolar.
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia alguns dos
sintomas da dislexia são: dificuldades com a linguagem e escrita; dificul-
dades em escrever; dificuldades com a ortografia; lentidão na aprendiza-
gem da leitura; disgrafia; discalculia; dificuldades com a memória de cur-
to prazo e com a organização; dificuldades para compreender textos es-
critos; dificuldades com a linguagem falada; dificuldade com a percepção
espacial.
Porém, o fato de um indivíduo apresentar alguns dos sintomas ci-
tados, não quer dizer que o mesmo tenha dislexia. É necessário um diag-
nóstico feito a partir de uma análise multidisciplinar, pois a presença de
alguns dos sintomas citados pode indicar um distúrbio de aprendizagem
momentâneo ou uma lesão cerebral ou síndrome distinta.
Por se tratar de um transtorno complexo e pouco conhecido na so-
ciedade brasileira, muitas crianças com dislexia não chegam ao tratamen-
to adequado e acabam sendo prejudicadas, podendo por vezes chegar à
fase adulta ainda na condição de analfabetas.
A Resolução CNE/CEB Nº 2, de 11 de setembro de 2001, que Ins-
titui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
nos apresenta as seguintes orientações:
Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especi-
ais os que, durante o processo educacional, apresentarem:
I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curri-
culares, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiên-
cias;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais

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alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem
que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.

Neste texto percebemos a imensa responsabilidade do educador


de estar preparado para lidar com o educando, se valendo dos recursos e
conhecimentos necessários para a mediação nas diversas situações edu-
cacionais.
Segundo Zorzi e Capellini (2009), é necessário que os profissio-
nais responsáveis pelo tratamento do aluno disléxico informem à família
o plano de trabalho e a evolução em cada etapa da terapia, além de orien-
tar a organização da agenda escolar e social da criança, dando destaque
às tarefas mais importantes como provas e trabalhos escolares, orientan-
do a família a supervisioná-lo.
O educador enquanto mediador no processo de aprendizagem e
responsável pela produção das atividades de sala de aula deve organizar
situações de aprendizagem de forma que os alunos que necessitam de
uma atenção e um ensino diferenciado possam desenvolver suas habili-
dades, sem prejuízo pedagógico.
No caso da criança disléxica podemos afirmar que esta precisa de
um modo diferente de aprender a ler e escrever. Para tanto, o educador
deve visar à utilização de recursos específicos capazes de auxiliar o aluno
nesse processo. Atitudes simples como procurar sentar-se ao lado dela
quando for explicar algo, respeitar seus limites e seu jeito de aprender,
auxiliá-lo na organização do tempo, por exemplo, podem ajudar o dislé-
xico a superar ou minimizar suas dificuldades.
É importante destacar a necessidade de que no espaço escolar se-
jam desenvolvidas tarefas específicas, direcionadas às necessidades do
aluno disléxico, mas também é imprescindível que em algum momento
ele possa realizar a mesma atividade que seus colegas de turma, favore-
cendo assim a socialização e a inclusão efetiva, minimizando os conflitos
internos e coletivos que possam existir.

5. A idade do transtorno e diagnóstico


Como vemos em arquivos da Associação Brasileira de Dislexia
(ABD), um Centro de Referência em avaliações de distúrbios de aprendi-
zagem, em relação ao diagnóstico, os sintomas que podem indicar a dis-
lexia, antes de um diagnóstico multidisciplinar, inicialmente indicam a-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 55


penas um distúrbio de aprendizagem, não confirmam a dislexia, pois os
mesmos sintomas podem indicar outras situações, como lesões e síndro-
mes, por exemplo. Então, como diagnosticar a dislexia?
Identificado o problema de rendimento escolar ou sintomas isola-
dos, que podem ser percebidos na escola ou mesmo em casa, deve se
procurar ajuda especializada. Uma equipe multidisciplinar, formada por
Psicólogos, Fonoaudiólogos e Psicopedagogos, deve iniciar uma minu-
ciosa investigação. A equipe de profissionais deve verificar todas as pos-
sibilidades antes de confirmar ou descartar o diagnóstico de dislexia.
Para tanto, outros fatores devem ser descartados, como déficit in-
telectual, disfunções ou deficiências auditivas e visuais, lesões cerebrais
(congênitas e adquiridas), desordens afetivas anteriores ao processo de
fracasso escolar (com constantes fracassos escolares o disléxico irá apre-
sentar prejuízos emocionais, mas estes são consequências, não causa da
dislexia).
Assim, algumas dificuldades podem ser encontradas em crianças
não disléxicas, as quais num primeiro momento podem sugerir a dislexia.
Dentre elas, temos, por exemplo, o que chamamos de criança de risco, ou
seja, são crianças, normalmente filhas/os de disléxicos, que logo demons-
tram dificuldades na aquisição, percepção e produção da fala. Posterior-
mente, na escola, estas crianças apresentam dificuldades na nomeação
das letras e na relação letra e som, o que vem a interferir no processo de
alfabetização. Essas crianças são classificadas como de risco, pois após o
diagnóstico inicial, deve se iniciar a intervenção com um fonoaudiólogo
e após dois anos refazer a avaliação.
De modo geral, é imprescindível que antes de traçar um diagnós-
tico definitivo seja feita uma avaliação minuciosa, considerando o pro-
blema como um todo, para que a intervenção seja adequada e específica;
em casos de dislexia ou de outro distúrbio ou dificuldade, a falta de assis-
tência especializada pode significar um comprometimento físico e cogni-
tivo.

5.1. Dislexia: perspectivas de orientação


Segundo especialistas da Associação Brasileira de Dislexia
(ABD), a dislexia é genética e hereditária, e, muitos pais que já realiza-
ram suas avaliações e que são disléxicos, os procuram com suas crianças
pequenas. As avaliações são realizadas em crianças a partir dos cinco a-

56 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


nos de idade, só que nessa fase ainda não se pode falar em dislexia (só
podemos afirmar depois de as crianças terem passado dois anos pelo pro-
cesso de alfabetização). Fala-se então em criança de risco.
Num levantamento feito pela ABD em 2013, encontramos a in-
formação estatística de que mais de 70% dos casos de dislexia, foram di-
agnosticados na faixa etária entre os 6 e 14 anos de idade. Neste contex-
to, vemos também o relato que crianças e adolescentes procuram a ABD
com a referida queixa, mas em muitos casos não se encontra a presença
de nenhum distúrbio em suas avaliações.
Estudos realizados pelos especialistas do Laboratório de Estudos
dos Transtornos de Aprendizagem (LETRA), do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, deram origem a uma
cartilha informativa elaborada em 2011, a qual, apesar de ter como enfo-
que principal o auxilio aos profissionais de saúde, nos trazem informa-
ções importantes relacionadas à dislexia organizadas em quadros e no
formato de perguntas e respostas. Nela vemos, por exemplo, que a disle-
xia é mais frequente em meninos do que nas meninas, na preponderância
de 1,5: 1.
Em relação ao diagnóstico da dislexia, temos que este é baseado
numa perspectiva clínica, construído a partir da junção de informações de
todos os profissionais envolvidos, entre eles: médico, neuropsicólogo,
fonoaudiólogo e psicopedagogo. No quadro seguinte, são apresentados
alguns sinais precoces que podem indicar a ocorrência do distúrbio:

Sinais Precoces de Dislexia


1. Linguagem Aos 4 anos a criança é capaz de realizar rimas.
a.Atraso da linguagem o- Aos 5 anos a criança já deverá ter domínio da língua
ral materna.
b. Dificuldade em formar Qualquer alteração de linguagem oral pode resultar em
frases dificuldade de aprendizagem.
c.Dificuldade de nomea-
ção de objetos e reconto
de histórias
d. Vocabulário restrito
e.Dificuldade de entender
ordens
f. Imaturidade fonológica
(dificuldades em lidar
com os sons da língua)
g. Dificuldade em realizar
rimas após 4 anos
2. Dificuldade de reconhecer o alfabeto (símbolos)
3. Dificuldade de lateralida- Aos 6 anos a criança é capaz de reconhecer direito-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 57


de esquerdo em si próprio. Aos 7 anos, reconhece no pró-
ximo.
4. Dificuldade de esquema corporal
5. Dificuldade de relações temporo-espaciais
6. História familiar de transtorno de aprendizagem e de transtorno de déficit de aten-
ção/ hiperatividade
Fonte: Adaptado de http://www.smp.org.br/arquivos/site/pediatras/489.pdf

Nesse sentido, devido ao seu contato quase diário e da relação


com atividades que envolvem a utilização da escrita, da leitura e da ora-
lidade, é imprescindível que o professor tenha a percepção de alguns si-
nais que possam indicar a dislexia. A seguir, temos mais um quadro com
sinais e sintomas da dislexia:

Principais sinais e sintomas de Dislexia


Dificuldade de aprender a relação letra-som
Dificuldade em provas de consciência fonológica e imaturidade
Leitura e escrita, muitas vezes, incompreensíveis
Dificuldade na compreensão de leitura
Confusões entre letras semelhantes, orientações ou pequenas diferenças na grafia
(p/q/b/d – c/e – u/v – i/j – n/u) ou sons semelhantes (b/p – d/t – f/v)
Inversões de sílabas ou palavras. Ex.: adoze/ azedo
Substituições de palavras com estruturas semelhantes. Ex.: pedra/ pedreira
Supressão ou adição de letra ou de sílabas. Ex.: fulgiu/ fugiu, lembei/ lembrei
Repetição de sílabas ou palavras. Ex.: boladada/ bolada, foi foi embora/ para foi embora
Fragmentação incorreta. Ex.: ame ninagostade brincar / a menina gosta de brincar
Confusão nas relações temporo-espaciais, esquema corporal e lateralidade (não reco-
nhece direito e esquerdo aos 6-7 anos)
Dificuldade de fazer rimas após os 4 anos
Escrita em espelho após 6-7 anos
Antecedente familiar de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e/ou trans-
torno de aprendizagem
Fonte: Adaptado de http://www.smp.org.br/arquivos/site/pediatras/489.pdf

Assim, vemos que o conhecimento do professor e da família a


respeito do tema é de suma importância para que o disléxico receba aten-
dimento especializado ainda na infância, a fim de minimizar os proble-
mas que possam surgir na aprendizagem.
Num artigo publicado por especialistas da ABD, vemos que há
disléxicos que revelam suas dificuldades em outros ambientes e situa-
ções, mas nenhum deles se compara à escola, local onde a leitura e escri-
ta são permanentemente utilizadas e, sobretudo, valorizadas. Entretanto,

58 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


a escola que conhecemos certamente não foi feita para acolher o disléxi-
co. Objetivos, conteúdos, metodologias, organização, funcionamento e
avaliação nada têm a ver com ele. Não é por acaso que muitos portadores
de dislexia não sobrevivem à escola e são por ela preteridos. E os que
conseguem resistir a ela e diplomar-se o fazem, astuciosa e corajosamen-
te, por meio de artifícios, que lhes permitem driblar o tempo, os modelos,
as exigências burocráticas, as cobranças dos professores, as humilhações
sofridas e, principalmente, as notas.
Porém, a inclusão do aluno disléxico na escola como pessoa por-
tadora de necessidade especial, está garantida e orientada por diversos
textos legais e normativos. A Lei 9.394, de 20/12/96 (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação), por exemplo, prevê:
– que a escola o faça a partir do artigo 12, inciso I, no que diz respeito à
elaboração e à execução da sua Proposta Pedagógica;
– que a escola deve prover meios para a recuperação dos alunos de menor
rendimento (inciso V);
– que se permita à escola organizar a educação básica em séries anuais,
períodos semestrais e ciclos, alternância regular de períodos de estudos,
grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros cri-
térios ou por forma diversa de organização (artigo 23);
– que a avaliação seja contínua e cumulativa, com a prevalência dos as-
pectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do pe-
ríodo (Artigo 24, inciso V, a alínea a).

Diante de tais possibilidades, é possível construir uma Proposta


Pedagógica e rever o Regimento Escolar considerando o aluno disléxico.
Na Proposta Pedagógica existem as seguintes possibilidades:
a) Provas escritas, de caráter operatório, contendo questões objetivas e/ou
dissertativas, realizadas individualmente e/ou em grupo, sem ou com
consulta a qualquer fonte;
b) Provas orais, através de discurso ou argüições, realizadas individual-
mente ou em grupo, sem ou com consulta a qualquer fonte;
c) Testes;
d) Atividades práticas, tais como trabalhos variados, produzidos e apre-
sentados através de diferentes expressões e linguagens, envolvendo es-
tudo, pesquisa, criatividade e experiências práticas realizados indivi-
dualmente ou em grupo, intra ou extraclasse;
e) Diários;
f) Fichas avaliativas;

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 59


g) Pareceres descritivos;
h) Observação de comportamento, tendo por base os valores e as atitudes
identificados nos objetivos da escola (solidariedade, participação, res-
ponsabilidade, disciplina e ética).
É importante que a comunidade esteja informada a respeito da
dislexia, bem como os direitos dos disléxicos. As informações desempe-
nham um importante papel na busca dos direitos e constitui uma maneira
de ajudar o disléxico na busca do atendimento especializado, bem como
seu desenvolvimento escolar.
Em relação ao atendimento do disléxico na sala de aula, vemos
em um artigo publicado pela ABD, o qual tem como autores a Psicóloga,
Psicopedagoga e Professora Ana Luiza Borba e o Orientador Educacio-
nal e Prof. Mario Ângelo Braggio, algumas perspectivas para educadores
em relação à interação e avaliação dos alunos disléxicos sob o tema: Co-
mo interagir com o disléxico em sala de aula. Nele temos algumas in-
formações práticas que podem facilitar a interação:
– Dividir a aula em espaços de exposição, seguido de uma “discussão” e
síntese ou jogo pedagógico;
– Dar “dicas” e orientar o aluno como se organizar e realizar as atividades
na carteira;
– Valorizar os acertos;
– Estar atento na hora da execução de uma tarefa que seja realizada por
escrito, pois seu ritmo pode ser mais lento por apresentar dificuldade
quanto à orientação e mapeamento espacial, entre outras razões;
– Observar como ele faz as anotações da lousa e auxiliá-lo a se organizar;
– Desenvolver hábitos que estimulem o aluno a fazer uso consciente de
uma agenda para recados e lembretes;
– Na hora de dar uma explicação usar uma linguagem direta, clara e obje-
tiva e verificar se ele entendeu;
– Permitir nas séries iniciais o uso de tabuadas, material dourado, ábaco e
para alunos que estão em séries mais avançadas, o uso de fórmulas, calcu-
ladora, gravador e outros recursos sempre que necessário.

Sobre este assunto, vemos em artigos da ABD que não é necessá-


rio que alunos disléxicos fiquem em classe especial. Os alunos disléxicos
têm muito a oferecer para os colegas e muito a receber deles. Assim, per-
cebemos que essa troca competências e habilidades faz crescer amizade,
a cooperação e a solidariedade.

60 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


6. Conclusão
De modo geral, é importante ressaltar que não há receita para tra-
balhar com alunos disléxicos. Assim, com a comunidade escolar bem in-
formada e capacitada, é preciso a troca de informações sobre os alunos,
planejamento de atividades e elaboração de instrumentais de avaliação
específicos, através de perspectivas que busquem avanços na relação com
a criança disléxica na escola, na família e na comunidade.
É importante destacar que a dislexia é uma condição neurobioló-
gica, e que, embora não haja cura do ponto de vista biológico, é possível
se chegar a um nível de leitura adequado para o exercício de qualquer a-
tividade profissional e cultural.
Entendemos que uma educação igualitária deve valorizar a heteroge-
neidade, pois a diversidade dinamiza os grupos, enriquecendo as relações e
interações, levando a despertar no educando o desejo de se comprometer e
aprender. Em relação à dislexia, por exemplo, normalmente é na escola que
ela, de fato, aparece. Assim, a escola deve ser um espaço privilegiado de en-
contro com o outro, onde deve haver respeito pelo diferente. A escola deve
atuar como um espaço facilitador para o desenvolvimento global, se valendo
de estratégias de ensino adequadas a cada necessidade.

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dislexia.org.br/category/s2-o-que-e-dislexia/c12-definicao-de-dislexia/>.
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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 61


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62 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


A EVOLUÇÃO DA ESCRITA E DA LINGUAGEM NO
MONITOR CAMPISTA
Liliane Alves Barreto (UENF)
[email protected]

RESUMO
Mudanças gráficas, linguísticas e comportamentais fazem parte dos 175 anos de
história do jornal Monitor Campista, jornal que circulou entre os anos de 1834 e 2009
em Campos dos Goytacazes. Quando encerrou as atividades, em 2009, era o terceiro
jornal mais antigo do país em funcionamento. Durante este período, além de registrar
boa parte da história do município e do país, o jornal mostra a evolução da escrita e
da linguagem, tendo a grafia passado por uma série de transformações. Até o nome
do periódico passou por mudanças. Quando parou de circular, o país vivia um perío-
do de transição para o novo Acordo Ortográfico, que passou a vigorar oficialmente a
partir de 2016, mas desde 2008 estava sendo adotado. O modo como se fazia jornal
também evoluiu, até chegar à Era Digital. A proposta é mostrar toda evolução do pe-
ríodo em diferentes aspectos linguísticos, passando também por mudanças nas formas
de chegar aos leitores. O jornal foi inovador, tendo sido a primeira redação a contar
com luz elétrica no Brasil e na América do Sul, além de ter sido um dos primeiros do
município a aderir à versão digital, que começava a ocupar as redações. O Monitor
Campista também teve como redator o escritor José Candido de Carvalho, autor da
obra O Coronel e o Lobisomem, lançada em 1964 e que retrata o vocabulário regional,
comum na Baixada Campista. Dez anos depois, o escritor ocupou uma cadeira na A-
cademia Brasileira de Letras (ABL). Na cronologia das publicações, é possível acom-
panhar toda essa evolução, seguindo a tendência contemporânea. É a evolução da lín-
gua e da linguagem, determinante para garantir a comunicação em diferentes épocas.
Palavras-chaves:
Monitor Campista. Mudanças gráficas. Evolução da escrita.

1. Introdução
A escolha do Jornal Monitor Campista para mostrar a evolução da
escrita e da linguagem, que atravessou os séculos XIX, XX e XXI, ocor-
reu devido ao jornal do município de Campos dos Goytacazes ser o ter-
ceiro mais antigo em atividade no país quando teve as atividades suspen-
sas em novembro de 2009. As publicações, principalmente, as publicitá-
rias, mostram as mudanças, ocorridas neste período, na grafia das pala-
vras e, a partir de novas legislações em favor das pessoas e do meio am-
biente, além de novas pesquisas científicas, uma evolução da humanida-
de. O jornal começou a circular em 1834 e sua última edição foi publica-
da no dia 15 de novembro de 2009. O jornal foi “O Campista”, “O Moni-
tor” e “O Monitor Campista”.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 63


Olhando para trás é possível ver o caminho percorrido e os avan-
ços conquistados, que atravessaram séculos. O país também passou por
mudanças na economia e, consequentemente, em sua moeda e o jornal
mostra isso, com a passagem de réis, cruzeiro, cruzado, cruzado novo e
real, demonstrada em várias publicações. O jornal também publicou, du-
rante muito tempo, as notícias oficiais da prefeitura e da Câmara Munici-
pal e mostra que, no século XIX o principal meio de transporte para via-
jar a longas distâncias era o navio.
Conhecer o passado pode mudar o significado de muitos discursos
utilizados aleatoriamente, mais fortes nos dias atuais, quase 10 anos após
o encerramento das atividades do jornal. Em 2009, Campos começa a a-
derir ao modelo digital, nova forma de divulgar notícias, através de blogs
e sites.
Apesar de ser um jornal que conta muito da história do município
e até do país, ao divulgar a assinatura do documento que faria de Campos
a primeira cidade da América Latina a contar com luz elétrica, no dia 24
de junho de 1883, o que consequentemente deu ao Monitor Campista o
título de primeira redação a ter o benefício, o objetivo aqui é relatar al-
guns aspectos linguísticos deste período e, não, uma abordagem histórica
propriamente.
O jornal também tinha espaço para a Literatura desde o século
XIX com folhetins, que traziam histórias em capítulos, contadas a cada
edição, como Opulência e Miséria, como em várias edições de 1839. Já
no século XX, o campista José Cândido de Carvalho, também, assume a
editoria do jornal, onde chegou a escrever histórias carregadas do regio-
nalismo da Baixada Campista. O escritor ficou conhecido, nacionalmen-
te, com a obra O coronel e o Lobisomem, lançada em 1964.
De acordo o livro de Feydit (1979):
Em 1841, a tipografia era à rua do Conselho nº 31 e foi mudada para
a praça das Verduras, nº 30: o ‘Monitor Campista nem sempre teve esse
nome, mas entrando o ‘Monitor’ com o ‘Campista’ em acordo, fizeram
dos dois jornais um, com o nome de “Monitor Campista”, em 1835 depois
da morte de Dr. Alypio. Em 1839 pertencia o jornal a Eugenio Bricolens,
sendo seu editor responsável Evaristo José Pereira de abreu. (FEYDIT,
1979)

Publicava-se duas vezes por semana, nas terças e sextas feiras, e


os assinantes pagavam 1$800 réis por trimestre, sendo para estes grátis
os anúncios, e pagando os não assinantes 60 réis por linha de 35 letras.
Em 7 de fevereiro de 1871, o “monitor Campista”, que havia 32 anos es-

64 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


tava sob a gerência de Eugenio Bricolens, passou a ser propriedade do Dr
Alvarenga pinto & Renner, e passando a novos donos, mudaram estes a
tipografia para a rua Direita, depois 1º de Março e hoje 13 de Maio nº 81.
Poucos dias depois de ter vendido o jornal, morreu Bricolens, suisso de
origem, calvinista, com 72 anos de idade.
Em 1º de janeiro de 1875, o “Monitor” principiou a ser publicado
diariamente, exceto, às segundas-feiras. Em um centro como Campos,
onde não abundavam os fatos diários, era um cometimento arrojado, um
sacrifício descomunal que fez o Dr. Alvarenga Pinto, que já então era o
único proprietário deste jornal, o mais antigo dos que se publicam atual-
mente. Publicar um jornal diariamente era empresa superior às forças de
qualquer jornalista em Campos, que não tivesse uma plêiade de filhos
cheios de amor ao trabalho como são os filhos do Dr. Alvarenga Pinto,
que seguem as tradições do honrado pai, falecido a 6 de outubro de 1884.
O jornal testemunhou a construção e demolição de um dos mais
belos cine-teatros do país, que foi o Trianon.
O Trianon não era só teatro. Era Cine-Teatro. A obra foi conside-
rada arrojada e o Trianon, na época, foi considerado um dos grandes es-
paços culturais do país, pelo seu tamanho e arquitetura luxuosa. A inau-
guração foi marcada para as 18h30 do dia 25 de maio de 1921. E o Capi-
tão Francisco de Paula Carneiro foi conduzido de sua residência à Rua 13
de Maio, esquina com Saldanha Marinho, por enorme massa popular, a-
companhada pelas quatro bandas de música da cidade: Lira de Apolo, Li-
ra Conspiradora, Lira Guarani e Socidade Musical Operários Campistas.
O espetáculo de estréia aconteceu no dia 29, com a apresentação da “A
Duqueza de Bal-Tabarin”, da Companhia Esperanza Íris, que era das
mais conceituadas no mundo inteiro (INSTITUTO HISTORIAR)
No dia 27 de junho de 1975, a população campista acordou e não
mais encontrou aquele imponente prédio, casa de sonho e fantasia, me-
mória artístico-cultural de cinco décadas, pois sua demolição já havia si-
do consumada na calada da noite...
Mais tarde, um novo teatro foi construído, devolvendo ao municí-
pio um espaço de cultura. Campos também teve o Cine Drive-in, con-
forme anúncio publicado em 1971 no jornal. Espaços como estes também
representavam diferentes formas de linguagem da época.
Em plena Era Digital, o que se observa, em algumas situações, é
que muitos jovens desconhecem uma parte da história pretérita, onde não

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 65


havia tantas leis que amparassem os negros, as crianças e adolescentes,
as mulheres e, também, outros grupos que, hoje, estão mais protegidos no
tratamento que recebem, nas leis e, consequentemente, na exposição na
imprensa. Ao mesmo tempo em que este trabalho estará abordando as-
pectos linguísticos, também vai mostrar que no Brasil e, consequente-
mente, em Campos, houve momentos muito tristes, em que negros eram
escravos, o que durou até 1888, quando foi assinada a Lei Áurea pela
Princesa Isabel.
As edições do século XIX, por exemplo, trazem em suas páginas
um formato bem diferente do gênero notícia, por exemplo, nas edições
mais recentes do jornal antes de deixar de circular. No início, os textos
eram escritos com um vocabulário mais formal e as informações esta-
vam, basicamente, neles, pois fotografias ainda não eram utilizadas. Mui-
tas mudanças, inclusive, etimológicas e de comportamento podem ser
observadas nos anúncios do jornal. Nas palavras, grafias ainda carrega-
vam um padrão antigo onde as palavras com /f/ por exemplo eram escri-
tas com “ph”, palavras de origem grega e latina.
Anúncios da época deixavam isso bem em evidência como o da
“PHARMACIA CAMPOS”, encontrado na edição de 9 de janeiro de
1869, na página 4. O endereço do estabelecimento era rua do Rosário,
número 45. No anúncio da “PHOTOGRAFIA CAMPISTA”, o extenso
texto começa com o endereço Rua Formosa, 14 e, em seguida, o dono
doe estabelecimento apresenta seu estabelecimento, conforme trecho a-
baixo:
Guilherme Bolckau, proprietário d’este conhecido e bem montado es-
tabelecimento, tem a honra de participar a seus amigos e ao respeitável
público, que deu princípio a seus trabalhos desde o primeiro de Janeiro.
Contando com a benevolência e generosa proteção, com que os filhos
d’esta tanto distinguem a todos os artistas, não duvida um instante, em fa-
zer os maiores sacrifícios para conseguir a acquisição dos mais novos a-
parelhos fotográficos, com os quaes pretende bem satisfazer aos seus fre-
gueses... (p. 4)

Outro hábito do século XIX podia ser observado através de anún-


cios como do chapeleiro, como da página 3, do dia 12 de janeiro de 1869.
Encontra-se um variado sortimento de chapéus de castor para homens e
meninos, de alpaca á Rocambole, de novidade, para homens e meninos,
de fustão, de caburé, branco, de alcapa, de lebre, meio galão e pintados,
para senhoras e meninas, enfeitados, bonés enfeitados para meninos.
Nas edições da mesma época, também são encontrados ANNUN-

66 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


CIOS”, como se escrevia na época, de escravos: fugidos ou à venda, a
exemplo do encontrado na página 4 da edição do dia 9 de fevereiro de
1869. Nele, é possível observar, além da grafia, a forma como os negros
eram ratados antes da Abolição da Escravatura, que ocorreu em 1888.
Fugiu, há tres para 4 mezes, pouco mais ou menos, da fazenda da
Vermelha, em Muriahé, um escravo de nome Ignacio, pertencente ao te-
nente coronel Germano Rodrigues Peixoto, o qual escravo foi do Sr. Juli-
ao Guedes, e tem signaes: edade 24 annos, altura regular, corpo cheio,
rosto largo, olhos grandes, boca grande, beiços grossos, falladescançada e
sem barba nenhuma. Quem o-capturar e leva-lo á dicta fazenda, ou á rua
das Flôres, esquina da rua direita, a Guimarães & Tinoco, será bem grati-
ficado.

Na mesma época, também era possível encontrar anúncios de


venda de escravos, como o que vemos a seguir, que mostra como aquela
época era cruel no trato a pessoas chegando a tratá-las como peças de
venda. Joaquim Fortunato tem escravos de 12 a 24 annos para vender,
peças muito lindas”.
Logo abaixo, um anúncio de venda de um sítio demonstra o quan-
to os anúncios eram semelhantes na estrutura do texto e no trato de uma
pessoa ou de um pedaço de terra, também, no dia 9 de março de 1869 na
página 4.
Vende-se um em S. Fidelis com duzentas sessenta e cinco braças de
testada, e um quarto de fundos, 14 a 16 mil pés de cafés já dando; ou tro-
ca-se por outro, perto d’esta cidade: para tractar, na rua da Constituição,
n.47.Anos depois, em 1933,é possível encontrar no noticiário esportivo
“Monitor Sportivo” uma notícia, onde o destaque era o jogador “Alvaren-
ga, (El guapo), uma das grandes esperanças róseo negras” do futebol
campista da época

Anos depois, já no século XX, um campista negro, Nilo Peçanha


assume a presidência da República, em 1909, onde fica até 1910. Todo
ano, reportagens celebraram cada aniversário da Abolição da Escravatura
e, mais tarde, denunciava trabalhadores em situação análoga de escravo,
em operações do Ministério Público do Trabalho. Pessoas que ficavam
aprisionadas a uma condição imposta pelos donos de terras para que es-
ses trabalhadores, muitos deles vindos de outros estados, trabalhassem
sem receber, estando sempre em dívida com as “cadernetas” que lhes ga-
rantiam as compras de alimentos e roupas. Também eram encontrados
em condições insalubres e as principais atividades eram desenvolvidas
em lavouras de cana-de-açúcar que, durante muito tempo, foi a principal
mola propulsora da economia do município, até ceder espaço aos royalti-
es de petróleo a partir da descoberta do produto em campos da Bacia de

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 67


Campos, na década de1950.
Em anúncios de cigarros, também, é possível destacar, mudanças se-
mânticas, que geraram, ao longo dos anos, mudanças de comportamento.
Em anúncio do século XIX, havia no jornal a propaganda do produto, sem
fortes apelos, como este de 1º de janeiro de 1870 (p. 5). Cigarros do legi-
timo fumo Daniel, fabricados pelo Sr. D . J. P de Figueiredo, vendem-se a
600 réis o masso, na loja da Typographia, Praça da Verdura.

Anos mais tarde, com a chegada do cinema e da TV, no século


XX, as propagandas de cigarro davam às pessoas a falsa sensação de que
o ato era sinônimo de charme, liberdade, status, de vida saudável ao ar li-
vre ou grandes conquistas em esportes.
Ao longo dos anos, a partir de novas descobertas da medicina, no-
vas legislações surgiram e foi proibido este tipo de propaganda, conside-
rada enganosa. Pesquisas constataram, ao longo dos anos, que o cigarro
causa males à saúde, levando fumantes a graves doenças, principalmente,
pulmonares, e tendo como consequência muitas vezes a morte.
Até o início do século XXI, propagandas de cigarro davam aos
fumantes a sensação de que poderiam ser grandes desportistas e a sensa-
ção de liberdade, além do reforço do cinema, onde protagonistas de mui-
tas histórias apareciam fumando um cigarro.
“A propaganda do cigarro foi proibida porque se trata de uma
propaganda enganosa, de um produto que faz muito mal à saúde a médio
e longo prazo”, declarou o ministro da Saúde, José Serra, por meio de
sua assessoria de Imprensa no dia 28 de dezembro de 2000.
As novas legislações também fizeram com que os fabricantes ti-
vessem que trazer nas embalagens a descrição O Ministério da Saúde ad-
verte: “Fumar faz mal à saúde”.
Durante este tempo, pode-se observar ainda as mudanças nas for-
mas de se comunicar. A sociedade pode acompanhar o surgimento do te-
lefone que, durante muito tempo, foi privilégio de poucos ter um apare-
lho em casa. O processo de inclusão levou ás ruas os telefones públicos,
que garantiam as ligações, através de fichas e, mais tarde, de cartões. Es-
sas estruturas, que ficaram conhecidas como “orelhões”, no início do sé-
culo XXI, já não eram tão usadas e acabam sendo alvos de vândalos, co-
mo já chegou a ser retratado pelo jornal. O Monitor Campista também
mostrou momentos de crise da empresa responsável pela telefonia à épo-
ca, a Telerj. Em 1994, uma reportagem falava sobre uma paralisação de
24horas.

68 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


O sistema de telefonia continua em evolução até os dias atuais
mas, no início do século XXI, passa por uma grande transformação
quando grande parte da população começava a ter acesso até aos apare-
lhos móveis. E o jornal Era o início do sistema de democratização da
comunicação que, mais tarde, revolucionaria tanto as formas de se comu-
nicar de duas pessoas como a de divulgar informações.
Nas redações, o mesmo ocorre em relação aos equipamentos para
a produção de textos que, incialmente, seria através das máquinas de es-
crever e, mais tarde, dos computadores, onde eram montados através da
diagramação para a impressão no dia seguinte.
Em 173 anos, o país também passou por mudanças ortográficas,
tanto no século XX como no XXI, que fizeram palavras perderem trema,
acentos, se unirem, como no mais recente acordo ortográfico, que entrou
em vigor em 2016, mas desde 2009, o jornal chegou iniciou o processo
de adequação ao novo acordo ortográfico.
No século XX, houve uma abertura de conceitos ideológicos, li-
berdade de expressão, a partir da promulgação da Constituição Federal,
em 1988, e leis que asseguraram a garantia plena dos direitos individuais
e coletivos. Em 1989, foi criada a Lei Anti-Racismo pois, mesmo com
toda a garantia de direitos conquistada, ainda havia preconceito velado
ou aparente, uma discussão presente até os dias de hoje, que já deveria
estar superada. Em 2003, foi criado o dia da Consciência Negra, ampli-
ando o leque de discussões. As matérias passaram a denunciar tratamen-
tos diferenciados aos negros, considerados preconceituosos.
No livro Introdução ao pensamento de Bakhtin, de José Luiz Fio-
rin (2017), o autor faz uma comparação entre uma notícia de jornal do i-
nício do século XX e uma de jornais da atualidade para constatar que o
gênero notícia mudou radicalmente, conforme é possível constatar. “Os
gêneros estão em contínua modificação. Qual é a fronteira que delimita a
crônica do conto? Temos, nos jornais, crônicas que são verdadeiros con-
tos. Isso não ocorre porque o cronista deixou de lado seu ofício, mas por-
que os limites entre esses dois gêneros são mais fluidos do que gostaria
nossa alma taxonômica. (p. 72)
Não só cada gênero está em incessante alteração, também está em
contínua mudança seu repertório, pois, à medida que as esferas de ativi-
dade se desenvolvem e ficam mais complexas, gêneros desaparecem ou
aparecem, gêneros diferenciam-se, gêneros ganham um novo sentido.
Com o aparecimento da internet, novos gêneros surgem: o chat, o blog, o

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 69


e-mail, etc. A epopeia desaparece e dá lugar a novos gêneros. (p. 72 e 73)
No início do século XXI, nos idos de 2009, a internet já fazia parte
das redes sociais e o jornal, quando encerrou suas atividades, tinha também
uma versão digital, seguindo uma tendência do mundo contemporâneo. A
interatividade do público começava a surgir, através de blogs de opinião e,
a partir daí, os textos do campo digital foram utilizados para elaboração de
texto na versão impressa com o título Cidade Abandonada.com.br, publi-
cada no dia 10 de fevereiro de 2008, ano de eleições municipais.

2. Conclusão
A partir deste texto, foi possível passear pela língua e pela lingua-
gem, através da evolução da escrita, de comportamento, de ideologias, de
formas de se comunicar, nos séculos XIX, XX e XXI. A ideia foi mergu-
lhar no passado e mostrar o caminho percorrido até que se chegasse ao
início do século XIX, através dos textos do jornal Monitor Campista que,
quando encerrou suas atividades em 2009, era o terceiro jornal mais anti-
go do país em atividade. O advento da internet e as novas formas de es-
crever e de se comunicar deram início à uma verdadeira revolução

REFEREÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Disponível em http://www.boasaude.com.br/noticias/2127/brasil-governo-
proibe-propaganda-de-fumo.html Acesso em 30 de abril de 2019.
Jornal Monitor Campista – 1869, 1870 Arquivo Público Municipal
INSTITUTO HISTORIAR. Disponível em http://institutohistoriar.
blogspot.com/2009/07/cine-teatro-trianon-e-o-novo-teatro.html Acesso
em 30 de abril de 2019.
FEYDIT, Júlio. Subsídios para a história dos Campos dos Goytacazes -
edição comemorativa dos festejos do santíssimo São Salvador. Rio de
Janeiro, Esquilo, 1979.
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin, 2. Ed., São
Paulo, Contexto, 2017.

70 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


A FACE OCULTA DO ESTRESSE SOBRE A SÍNDROME DE
BURNOUT: UMA ANÁLISE SOBRE OS DISCURSOS DOS
PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO INFANTIL DA
REDE PRIVADA
Cecilia Calabaide (UENF)
[email protected]
Ana Carolina de Oliveira Lyrio (UENF)
[email protected]
Ari Gonçalves Neto (UENF)
[email protected]

RESUMO
Este estudo tem por objetivo caracterizar a Síndrome de Burnout, a partir da aná-
lise do discurso de profissionais da Educação Infantil da rede privada. De acordo com
a literatura especializada, a Síndrome de Burnout é um tipo de estresse ocupacional
que tem como principal característica, o sentimento de frustração e exaustão em rela-
ção ao trabalho desempenhado, sentimento que pode ampliar para outras áreas da vi-
da de um indivíduo. Inicia-se com uma sensação de inquietação que aumenta, sendo
proporcional à medida que a alegria de lecionar gradativamente vai desaparecendo.
De acordo com a literatura, a Síndrome de Burnout é considerada um risco ocupacio-
nal, estando expostos principalmente os profissionais que desenvolvem atividades la-
borativas dotadas de idealismo, que esperam ter alto grau de autonomia em seu traba-
lho, ajudando aos outros e que esperam o reconhecimento pelo seu engajamento. Estes
profissionais têm como traço em comum os contatos interpessoais muito intensos como
acontece com os professores. Esta síndrome se instala muitas vezes a partir de expec-
tativas elevadas e não realizadas. Possivelmente, a Síndrome de Burnout foi mais pes-
quisada e estudada em relação aos professores e as situações de ensino do que nas ou-
tras áreas profissionais, o que talvez sinalize que o docente é visto como mais vulnerá-
vel ao desenvolvimento do burnout. A presente proposta traz uma reflexão sobre as
construções dos discursos dos profissionais de Educação e sua relação com sintomas e
sinais da síndrome de Burnout. Para tanto, utiliza-se da pesquisa quali-quantitativa,
com coleta de dados através de um questionário voluntário e desenvolvida através do
diálogo entre autores expertises no assunto, contribuindo a análise do discurso atribu-
ída aos profissionais de educação.
Palavras-chave:
Professores. Estresse. Síndrome de burnout.

1. Introdução
O estresse é um problema dos tempos modernos. Vivemos o pre-
sente em excesso, constantemente buscando atingir objetivos estabeleci-
dos e cumprir com os compromissos diários, e por vezes as necessidades

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 71


fisiológicas não são respeitadas, perdas de horas de sono, má alimenta-
ção e reserva de pouco tempo para o lazer.
Diante deste contexto, deparamos com o corpo expressando o que
as palavras calam, ou seja o que não é falado. Essas formas de expressão
do corpo, como por exemplo, as dores físicas, gastrite, cefaléias, são re-
sultados da pressão emocional causada pela necessidade de adaptação a
novas situações ou que exijam além dos recursos internos do indivíduo.
O resultado desta situação poderá ser a fadiga crônica: o estresse.
Inicialmente, a palavra estresse foi utilizada na Engenharia e na
Física com sentido de grau de deformidade sofrido por uma estrutura ao
ser submetida a um esforço de adaptações (PEREIRA, 2008, p. 188). As-
sim, como a estrutura tem de se adaptar a uma nova situação, no caso a
deformidade, o organismo precisa se ajustar a novas situações em busca
da homeostase. Esse esforço para se adaptar para a busca do equilíbrio é
o estresse.
Apesar da palavra ter diferentes sentidos, foi o médico Hans Se-
ley que, em 1965, afirmou, a partir do enfoque da Medicina, que o estres-
se é o grau de desgaste no corpo devido ao processo de adaptação geral,
no dia a dia (PEREIRA, 2008, p.188).
Hans Seyle partia do pressuposto de que, de forma geral, não havia
uma doença específica, mas sim um conjunto de adaptações que são ne-
cessárias para o indivíduo quando este precisa lidar com condições adver-
sas. É durante o processo de adaptações que, dependendo do grau de pres-
são, podem surgir as doenças. O conjunto de adaptações foi inicialmente
denominado Síndrome de Adaptação Geral e, mais tarde , de estresse
(PEREIRA, 2008, p. 188)

O estresse possui três fases: o alarme, resistência e exaustão. Na


fase do alarme, ocorre o posicionamento de alerta do indivíduo a um es-
tímulo externo, em que ele mobiliza os mecanismos para manter a vida.
Nesta fase surgem reações fisiológicas, como o batimento cardíaco acele-
rado, respiração rápida e suor frio.
Na fase de resistência, o indivíduo tenta sair da fase de alerta, pode
tanto controlar-se ou, se não conseguir, não obtendo êxito, e continuar em
alerta. A permanência na fase de alerta pode proporcionar ao corpo mu-
danças de comportamento, levando à insônia e à insatisfação, por exemplo.
Na fase de exaustão, se o indivíduo não conseguir se controlar e o
estresse passar despercebido na fase de resistência, na fase seguinte, de
exaustão, o indivíduo pode desenvolver uma sobrecarga dos canais fisio-

72 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


lógicos, gerando sintomas de esgotamento. Portanto a presença de estí-
mulos externos prejudiciais, permanentes e excessivos pode levar o indi-
víduo a desencadear uma série de doenças crônicas. Na fase de exaustão
são observados problemas emocionais, hipertensão, úlceras, gastrites, di-
abetes, alterações no ciclo do sono, por exemplo.
Sendo assim, os esforços de um indivíduo no processo de adaptação
às situações externas referem-se aos impactos internos no organismo. Em
casos de grandes pressões e estímulos externos adversos constantes, os
quadros disfuncionais de adaptação podem levar o indivíduo ao adoeci-
mento.
Segundo Pereira (2008, p.191) em situações de trabalho, são qua-
tro fatores identificados causadores de estresse. Esses fatores estão asso-
ciados: ao ambiente, à organização do trabalho, ao conteúdo do trabalho,
aos fatores psicossociais.
O ambiente de trabalho pode contribuir para o desenvolvimento
do estresse a partir de situações como, a presença de riscos físicos e quí-
micos, iluminação inadequada, fumo, falta de espaço, poluição do ar, por
exemplo. A organização do trabalho pode influenciar no estresse a partir
de situações como, por exemplo, a jornada de trabalho, turnos fixos ou
alternados, ausência de pausas, ausência de plano de carreira, falta de au-
tonomia e impossibilidade de regular o ritmo de trabalho, diferença entre
trabalho prescrito e o realizado, acúmulo de funções. Pereira (2008, p.
193) menciona que quando o conteúdo do trabalho é predeterminado, in-
viabilizando a interferência do trabalhador, ou ao contrário, quando exige
em muito sua criatividade, pode haver estímulos geradores de estresse.
Em relação aos fatores psicossociais, a percepção de estar na carreira i-
nadequada, sentimentos de insegurança a respeito do futuro do emprego,
impossibilidades de expressar queixas, falta de oportunidade para utilizar
as qualificações e capacidades pessoais de modo eficaz, são exemplos.
Portanto, segundo os estudos de Hans Seyle, se o mecanismo de
adaptação falhar, o corpo pode desenvolver o que ele denomina doença
de adaptação: a síndrome de burnout.

2. A síndrome de Burnout em professores


De acordo com a literatura especializada, em 1975 , o termo Burnout
foi lançado pela primeira vez, pelo pesquisador Freudenberg, seguido pe-
lo pesquisador Maslach, em 1976 (PEREIRA, 2008, p. 198). Os estudos

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 73


destes pesquisadores tiveram como focos principais a exaustão emocio-
nal, a fadiga e a frustração em profissionais, decorrentes de contatos des-
gastantes com pessoas ou da insatisfação em relação aos projetos profis-
sionais.
Qualquer profissional pode ser acometido pela Síndrome de Bur-
nout. Esta pode ser caracterizada pelos seguintes sinais e sintomas: e-
xaustão emocional, despersonalização, redução da realização pessoal e
profissional.
A exaustão emocional é causada pelo contato muito intensos com
outras pessoas. Contribuindo para a exposição do indivíduo a grandes
demandas emocionais, resultando em pouca energia para o dia seguinte
de trabalho e pouca paciência, tanto no ambiente pessoal como fora dele.
A despersonalização é caracterizada pelo comportamento de frie-
za, marcado por certa indiferença, diante das necessidades apresentadas
pelos outros, proporcionando relações interpessoais pouco sociáveis.
A redução da realização pessoal e profissional ocorre quando e-
xiste por parte do indivíduo uma perspectiva de carreira promissora co-
mo forma de realização profissional, porém com quadros de frustrações.
Conforme a literatura, a Síndrome de burnout é considerada um
risco ocupacional, estando expostos principalmente os profissionais que
desenvolvem atividades laborativas dotadas de idealismo, que esperam
ter alto grau de autonomia em seu trabalho, ajudando aos outros e que
esperam o reconhecimento pelo seu engajamento. Estes profissionais têm
como traço em comum os contatos interpessoais muito intensos como
acontece com os professores. Esta síndrome se instala muitas vezes a par-
tir de expectativas elevadas e não realizadas.
O burnout (“consumir-se em chamas”) é considerado uma conse-
quência de stress crônico que caracteriza por uma exaustão física, emo-
cional e mental (LIPP, 2002, p. 64). Em professores, inicia-se com uma
sensação de inquietação que aumenta, sendo proporcional à medida que a
alegria de lecionar gradativamente vai desaparecendo.
Possivelmente, a Síndrome de burnout foi mais pesquisada e es-
tudada em relação aos professores e as situações de ensino do que nas
outras áreas profissionais, o que talvez sinalize que o docente é visto co-
mo mais vulnerável ao desenvolvimento do burnout.

74 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


3. A análise da pesquisa
Este estudo teve por objetivo caracterizar a Síndrome de burnout,
a partir da análise do discurso de seis professoras da Educação Infantil da
rede privada. Primeiramente, solicitamos as colaboradoras a leitura e
concordância em relação ao termo de consentimento livre e esclarecido
de participação em pesquisa e em seguida foi apresentado o questionário
voluntário.
Neste presente estudo, as dez perguntas do questionário aplicado
foram baseadas nos sinais e sintomas da Síndrome de Surnout e visavam
a análise do discurso dos professores da educação infantil. Verificamos
que a maioria das respostas evidenciaram as características da Síndrome
de Burnout.

4. Conclusão
Constatamos que de modo geral, que o professor é vulnerável ao
stress e especialmente o que lida com criança na educação infantil, tanto
por questões externas e internas.
Entendemos que o estresse em certo grau não deve ser visto como
um prejuízo, e saber controlá-lo e mantê-lo em níveis adequados para o
bom funcionamento do indivíduo mostra-se como primordial para a vida.
Cabe aos profissionais especializados na área de saúde, e especi-
almente em estresse, esclarecer o assunto e divulgar manejo deste e as es-
tratégias de prevenção. Como também, realizar estudos entre os docentes
ampliando o conhecimento teórico e prático no que se refere ao estresse.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: Manual diagnós-
tico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
FRANÇA, A. C. L.; RODRIGUES. A. L. Stress e trabalho: uma aborda-
gem psicossomática. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
LIPP, M. N. O estresse do professor. Campinas-SP: Papirus, 2002.
PEREIRA, J. C.; GOUVEIA, C. M. A.; CORSINO, I. L. Psicologia do
trabalho. Rio de Janeiro CECIERJ, 2008.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 75


A IMPORTÂNCIA DA CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO
NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DISCENTE
João Batista da Silva Santos (UENF)
[email protected]
Jaqueline Maria de Almeida (UENF)
[email protected]
Liz Daiana Tito Azeredo (UENF)
[email protected]
Aline Peixoto Vilaça Dias (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]

RESUMO
De acordo com o Plano Nacional de Educação – PNE do decênio 2014-2024, a ex-
tensão passa a ser obrigatória na grade curricular do ensino superior das Instituições
Federais, sob a forma de programas, projetos, cursos, eventos e/ou prestação de servi-
ços, frente à comunidade. O foco é que o desenvolvimento dessas ações de caráter ex-
tensivo seja entendido como trabalho social, tendo como principal objetivo a formação
do estudante unida à produção de conhecimento, mas de maneira aplicada. Em outras
palavras, uma formação teórica com aplicação prática, visando à formação profissio-
nal para todos os cursos, de acordo com a realidade social do campo de atuação do es-
tudante.
Palavras-chave:
Extensão. Formação profissional. Plano Nacional de Educação.

1. Considerações iniciais
A extensão universitária tem um papel fundamental no ensino su-
perior, ao lado do ensino e da pesquisa. É parte do pilar de sustentação
do ensino superior contribuindo para formação profissional, formação in-
tegral, ética e humanística, tão importante para os dias atuais. Sendo as-
sim, a implementação da extensão passa a ser obrigatória nas instituições
federais de ensino superior, de acordo com o Plano Nacional de Educa-
ção – PNE, do decênio de 2014 – 2024, sob forma de cursos, programas,
projetos, entre outros.
Atualmente alguns cursos já possuem ações nesse sentido, inse-
rindo os discentes em programas de estágios e residências. Todavia, o di-
ferencial da curricularização da extensão é que ela deve alcançar todos os

76 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


estudantes da universidade, tornando o ensino e a pesquisa elementos in-
dissociáveis em sua formação, buscando beneficiar, encontrar soluções
e/ou melhorias para problemas que envolvam a comunidade próxima a
essas instituições.
Todas as instituições de ensino superior federais terão que assegu-
rar 10% da carga horária total dos cursos de graduação em extensão. As-
sim, a extensão deverá ser inclusa na carga total dos cursos de graduação
(Licenciatura e Bacharelado), sem que haja aumento ou redução da carga
horária pré-estabelecida (BRASIL, 2014).
O ambiente acadêmico se preocupa muito com a formação e pre-
paração teórica dos estudantes, e em como vincular esse conhecimento à
prática. Nesse sentido, a curricularização da extensão vem como uma
possibilidade de colocar a teórica em prática, mas de uma forma mais
voltada para a realidade social, de maneira a identificar, compreender,
propor soluções e sanar problemas, visando beneficiar a sociedade de
maneira geral.
Desse modo, a curricularização da extensão, ainda que de forma
compulsória, irá proporcionar aos discentes a oportunidade de confrontar
as teorias estudadas com as práticas profissionais, com a possibilidade de
aplicação social mesmo antes de esses futuros profissionais ingressarem
no mercado de trabalho.
Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo entender as
propostas de implementação da curricularização extensiva, suas prerroga-
tivas e incongruências, pensando a formação acadêmica e profissional
dos estudantes, com foco nas principais demandas do mercado de traba-
lho. Para tanto será realizada uma análise documental do que diz o PNE e
o Fórum de Pró-reitores de Extensão (FORPROEX)2 em relação à curri-
cularização. Para ajudar a entender o processo de implementação da cur-
ricularização na prática, será apresentada, como exemplo, a grade curri-
cular de um curso superior da Universidade Federal de Alagoas, no qual
a carga horária referente à curricularização já foi inserida.

2
O Fórum de Pró-reitores de Extensão – FORPROEX - trata da articulação e definição de
políticas extensionistas unificadas entre as universidades públicas brasileiras. Normal-
mente Realiza dois encontros por ano reunindo os Pró-reitores de Extensão, para definir a
agenda a ser cumprida no período.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 77


2. Conceito de extensão universitária e suas diretrizes
O conceito de extensão universitária encontra-se na Política Na-
cional de Extensão Universitária (FORPROEX)
A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico
que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a re-
lação transformadora entre universidade e sociedade. A Extensão é uma
via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que
encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um
conhecimento acadêmico. (FORPROEX, 2012, p. 9)

As ações de extensão no processo formativo de discentes da gra-


duação possibilitam a formação profissional e pessoal consigo, com o ou-
tro e com o mundo, respaldada no respeito, nas diferenças culturais e em
conhecimento plurais.
São diretrizes da Extensão Universitária (FORPROEX, 2012, p.
45):
 Interação dialógica (Diálogo e ressignificação de saberes por
meio da relação entre conhecimento científico e conhecimento do cotidi-
ano);
 Interdisciplinaridade e interprofissionalidade (Interação de mo-
delos, conceitos e metodologias de várias disciplinas e áreas de conheci-
mento e relações interprofissionais/intersetoriais);
 Indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão (Produção de
conhecimento e formação socialmente referenciados);
 Impacto na formação discente (Formação humana e profissio-
nal) A Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da indisso-
ciabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdisci-
plinar educativo, cultural, científico e político que promove a interação
transformadora entre a Universidade e outros setores da sociedade;
 Impacto na sociedade (Inserção/emancipação/ empoderamento).

As diretrizes da Extensão Universitária demonstram a busca de


uma formação teórica com aplicação prática, que permita ao estudante a
produção de conhecimento de maneira aplicada, sempre visando à for-
mação profissional de qualidade.

78 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


3. Curricularização da extensão
O projeto de lei n° 13.005 de 25 de junho de 2014, criou o Plano
Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014-2024, que prevê na
meta 12.7: “Assegurar, no mínimo, 10% do total de créditos curriculares
exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universi-
tária”.
O intuito é que o desenvolvimento dessas ações de caráter exten-
sivo, seja entendido como trabalho social, tendo como principal objetivo
a formação do estudante, unida à produção de conhecimento, mas de ma-
neira aplicada.
De acordo com o princípio constitucional da indissociabilidade e
com a LDB/1996, a Extensão é parte obrigatória da formação do aluno e
deve constar do projeto pedagógico como componente curricular. Dessa
forma, a Extensão não pode ser destinada apenas a uma parte dos estu-
dantes, como ocorre na maioria das universidades. Isso significa que em
algum momento da vida acadêmica do estudante, ele deve estar envolvi-
do em atividades de extensão de forma curricular obrigatória.

BASE LEGAL
Os Principais documentos que regularizam a curricularização da
extensão são:
• Constituição de 1988;
• LDB de 1998;
• Plano Nacional de Extensão de 2012;
• FORPROEX DE 2012;
• Plano Nacional de Educação para o decênio 2014/2024.
Além desses, os documentos legais produzidos pela própria uni-
versidade também concedem legalidade à prática da Extensão.
Para implementação da curricularização, faz-se necessário que ca-
da curso defina como a dimensão extensão pode ser inserida como com-
ponente curricular. Saliente-se que a carga horária de extensão, nesse
processo, não deve aumentar em relação à carga horária total do curso
em questão.
Ao planejar atividades extensionistas de forma que possam ser in-
seridas no currículo das graduações, é importante compreender as moda-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 79


lidades de ações extensionistas determinadas nas diretrizes da Política
Nacional de Extensão Universitária (FORPROEX, 2012). Tal documento
classifica as ações de extensão em cinco modalidades, a saber: programa,
projeto, curso, evento e prestação de serviços, obedecendo às seguintes
definições:
• Programa: conjunto articulado de projetos e outras ações de ex-
tensão (cursos, eventos), executado em médio ou longo prazo;
• Projeto: ação processual e contínua de caráter educativo, social,
cultural, científico ou tecnológico, com objetivo específico e prazo;
• Curso: ação pedagógica, de caráter teórico ou prático, planejada
e organizada de modo sistemático, com carga horária mínima de oito ho-
ras e critérios de avaliação definidos;
• Evento: ação extensionista com carga-horária inferior a oito ho-
ras que implique a apresentação ou exibição pública, livre ou com clien-
tela específica, do conhecimento desenvolvido, conservado ou reconhe-
cido pela universidade;
• Prestação de serviço: atividades de transferência do conhecimen-
to gerado e instalado na instituição para a comunidade.
Caberá à Universidade decidir em qual período dos cursos será
implementada a Curricularização. Cada colegiado de curso de graduação
terá autonomia para definir quais as disciplinas sofrerão alterações em
sua carga horária visando atender as demandas da curricularização da ex-
tensão, compondo as ações que funcionarão de forma interdisciplinar.

4. Exemplo da Resolução da Curricularização da Universidade Fede-


ral de Alagoas (UFAL)
Fica definido na UFAL:
 O PPC se desenvolverá de forma indissociável com o ensino e a
pesquisa;

 Os projetos pedagógicos dos cursos de Graduação devem pre-


ver, no mínimo, 10% da sua carga horária total em ações de extensão u-
niversitária inclusive articulando disciplinas para sua execução, compu-
tando-as tanto na parte fixa como na parte flexível do currículo;

80 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


 Cada colegiado de curso de graduação definirá as disciplinas
que disponibilizará parte de sua carga horária para compor as ações que
funcionarão de forma interdisciplinar.
Quadro 1: Distribuição dos componentes curriculares com a carga horária mínima por
componente e total para integralização do curso da UFAL.
Porcentagem referentes à CH
Componentes curriculares Carga horária
total do curso
Disciplinas obrigatórias
3.375 _
Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) 80 _

Estágio Supervisionado
240 _
Parte Fixa
3.695 90%
Disciplinas Eletivas
180 _
Atividade Complementares
228 _
Parte Flexível
408 10%
Total
4.075 100%
Atividades Curriculares de
(408*) 10%
Extensão
Fonte: Cartilha Guia para Curricularização na UFAL.
*A carga horária das Atividades Curriculares de Extensão está integrada à carga horária
total do curso.

Quadro 2: Distribuição de disciplinas e cargas horárias de um período letivo de um cur-


so de graduação da UFAL.
Número de CH CH CH
Disciplina CH total
créditos teórico prática extensão
Fundamento de...
4 36 0 0 40
Informática...
4 18 18 0 40
Fundamentos
do... 5 36 36 18 95

Organização do
4 36 0 0 40
Trabalho.
Teoria e Prática. 5 36 36 18 95
Fonte: Cartilha Guia para Curricularização na UFAL

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 81


Nos exemplos dos quadros 1 e 2 é possível observar que a carga
horária obrigatória de 10%, reservada à extensão, foi distribuída entre al-
gumas disciplinas da grade curricular já existente do referido curso da
UFAL. Assim, o exemplo da UFAL representa apenas umas das formas
para à implementação da extensão no currículo das graduações, pois cada
instituição pode adequar a implementação à sua realidade.

5. Curricularização da extensão na formação discente: o que esperar?


A implementação da curricularização da extensão é compulsória e
com prazo pré-determinado, assim, quais os benefícios para os estudan-
tes? Quais as melhorias vão ser proporcionadas por essa nova legislação?
A princípio, entende-se que alguns dos benefícios proporcionados
por essa legislação são:
• Os estudantes, em sua formação técnica, adquirem papel impor-
tante por obter competências necessárias à atuação profissional e também
por sua formação cidadã ao ser reconhecido como um agente de garantia
de direitos, deveres e transformação social;
• Um novo conceito de sala de aula possa ser formulado, compre-
endendo-se que a sala de aula são todos os espaços, dentro e fora da uni-
versidade, em que se aprende e se (re) constrói o processo histórico-
social em suas múltiplas determinações e facetas, então o eixo clássico
estudante-professor é substituído pelo eixo estudante-professor- comuni-
dade;
• O estudante passa a ser um agente que contribui para o cresci-
mento sendo aportadas pelo conhecimento adquirido, apontando as dire-
ções para este processo.

6. Considerações finais
A proposta do presente artigo foi realizar um levantamento e uma
análise documental para discutir a respeito da Curricularização da Exten-
são, sua legislação e sua importância no currículo acadêmico das institui-
ções de ensino superior.
O Plano Nacional de Educação 2014-2024 (BRASIL, 2014) esta-
belece como meta a reserva de, no mínimo, 10% do total dos créditos dos
currículos de graduação em programas e projetos de extensão universitá-
ria, principalmente nas áreas relevantes para a sociedade. Assim, as insti-

82 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


tuições federais de ensino superior passam a ter a obrigatoriedade de in-
serção da extensão nos cursos de graduação a partir de 2014, e tendo co-
mo prazo final para adequação à nova legislação até 2024.
Todavia, um levantamento exploratório demonstrou que ainda são
poucas as instituições que deram início à inserção da curricularização da
extensão, ainda que já tenha passado metade do prazo máximo de ade-
quação à nova legislação.
A proposta da curricularização da extensão mostrou ser muito im-
portante para o desenvolvimento acadêmico dos discentes, possibilitando
um diálogo mais realista entre a prática e teoria, contribuindo para um
melhor desempenho acadêmico e uma boa inserção no mercado de traba-
lho. Nesse sentido, acredita-se que curricularização da extensão também
irá colaborar para um bom relacionamento entre a universidade, discente,
docente e comunidade.

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84 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


A LEITURA LITERÁRIA “NA TERRA DOS HERÉOS”:
UMA PROPOSTA DE INSERÇÃO DA LITERATURA CAMPISTA
NAS ESCOLAS DE CAMPOS
Williane de Sá Marques (UENF)
[email protected]

RESUMO
Entendendo a leitura literária como uma concepção de sentidos e de historicidade
vinculados às subjetividades dos leitores e acreditando que as relações identitárias que
esses estabelecem com o lugar em que vivem podem contribuir para incentivar essa
prática, este artigo objetiva discutir brevemente a maneira como ocorre a leitura lite-
rária no Ensino Médio a partir da percepção de autores como Antunes (2003), Colo-
mer (2007), Lajolo (2011) e Rezende (2017) e apresentar as teorias subjacentes postu-
ladas por Rouxel (2013, 2017), Orlandi (2012), Hall (2005) e Silva (2000, 2017). Para
complementar a discussão teoria, busca-se ainda apresentar uma proposta pedagógica
de estratégia de leitura, com base nos fundamentos de Vargas (2013), a ser aplicada
em três turmas do 2º ano do Ensino Médio, de um colégio estadual da Baixada Cam-
pista, em Campos dos Goytacazes. A narrativa escolhida trata-se de uma crônica de
um escritor local que retrata uma festividade popular inserida na realidade social e
cultural desses alunos–sujeitos–leitores. Assim, tenciona-se testar a hipótese de que a
leitura de textos locais é uma atividade que desperta o gosto literário, pois dialoga com
as histórias das leituras dos sujeitos.
Palavras-chave:
Identidade cultural. Leitura Literária. Narrativas locais.
Sujeito Leitor. Ensino de Literatura.

1. Introdução
Pensar a noção de sujeito a partir do contexto escolar pressupõe
considerar que cada aluno que ocupa uma das dezenas de cadeiras na sala
de aula possui suas vivências particulares, seus costumes, seus propósitos
e suas interpretações pessoais a respeito dos fatos e do mundo, ainda que,
em meio à rotina das aulas e diante dos currículos e cronogramas previs-
tos e pré-moldados, nós, professores, sejamos impelidos a optar por a-
ções mais genéricas e menos subjetivas.
Quando o assunto é leitura, a necessidade de refletir a respeito das
questões pessoais faz-se ainda mais evidente uma vez que, como pontuou
Orlandi (2012), ler é constituir significativamente um texto e isso é feito
não somente por meio do ato de decodificação do código-língua, mas so-
bretudo, pela compreensão do dito e do não-dito a partir do lugar social
ocupado por esse leitor. Em linhas gerais, essa proposição revela a perti-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 85


nência de uma discussão pautada na apreensão dos sentidos através da
ideia de que todo sujeito é único e única é também a percepção que esse
tem acerca dos textos que estão a sua volta.
A noção de sujeito aqui colocada é da Análise do Discurso de ver-
tente francesa, corrente teórica que insere, junto a essa concepção, a ideia
do assujeitamento, isto é, a interpelação do sujeito pelos discursos e in-
terdiscursos (conceitos que devem ser esquadrinhados mais a frente) dis-
postos em seu cotidiano, como fator fundamental para entender as inter-
pretações que esses sujeitos fazem. Isso significa dizer que os sujeitos,
ainda que ímpares, assimilam o mundo por via da historicidade.
Quando incorporo essas concepções a este artigo3, entendo que a
trajetória social e cultural dos alunos, as tradições às quais eles estão
submetidos e o lugar em que eles estão inseridos estão diretamente rela-
cionados às percepções que esses têm dos textos que lhes são apresenta-
dos na escola. Afinal, como bem disse Lajolo (2011, p. 9), “ou o texto dá
um sentido ao mundo, ou ele não tem sentido nenhum”. Assim, propor
uma leitura que dialogue com a subjetividade desses estudantes faria
muito mais “sentido”, no sentido mais amplo do termo.
O sujeito-leitor da “Terra dos heréos” – em um passado longín-
quo, essa expressão fazia referência à Baixada Campista, região a princí-
pio explorada pelos Sete Capitães (os “heréos”) no período da coloniza-
ção do Brasil, segundo explicou o escritor e memorialista Waldir Pinto
de Carvalho (1987) – é, portanto, um sujeito que está envolvido com as
questões ali vivenciadas e debatidas nos tempos de hoje bem como nos
de outrora.
Na ocasião em que esse mesmo Waldir, nascido nessa Baixada,
escreveu a trilogia “Na terra dos heréos”4 (1987, 1996, 1999), ele quis

3
Este artigo trata-se de um desdobramento do projeto de Trabalho de Conclusão de Curso
da Licenciatura em Letras (Língua Portuguesa e Literaturas) do Instituto Federal de Edu-
cação, Ciência e Tecnologia Fluminense – IFF Campos campus Centro, orientado pelo
professor mestre Thiago Eugênio Loredo Betta e desenvolvido no ano letivo 2019.1. A
aplicação e os resultados desta pesquisa devem ser publicados em trabalhos posteriores a
apresentação do TCC, prevista para setembro de 2019.
4
Os três livros são frutos de edição artesanal e, portanto, não possuem registro ISBN – In-
ternational Standard Book Number, sistema internacional padronizado que cataloga e i-
dentifica numericamente as obras literárias por título, autor, país, editora e edição. Isso
significa que a obra utilizada nessa pesquisa não é facilmente encontrada e/ou distribuída
em bibliotecas e livrarias, estando, atualmente, restritas a acervos pessoais e sebos, mas

86 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


tanto exaltar o povo e as histórias desse lugar (físico, social e cultural)
por meio das crônicas, quanto produzir um material de cunho memoria-
lístico que, em minha concepção, pode contribuir para reforçar a identifi-
cação dos sujeitos com a região. Digo isso porque, conforme conceituam
Silva, Hall e Woodward (2000), essa identificação é relacional e vincula-
da a condições sociais e simbólicas, então quando um sujeito se depara
com um texto que trata de temas que lhes são comuns, pressupõe-se que
esse processo (de identificação) se instaura de maneira intrínseca e genu-
ína.
É a partir dessa ideia que proponho este trabalho. Entendendo os
sujeitos como autônomos e, ao mesmo tempo, subjugados (ORLANDI,
2012); a leitura como uma questão de concepção de sentidos e de histori-
cidade (Ibidem); e o lugar e as tradições (cultura) nele assentadas como
um “sistema classificatório” (WOODWARD, 2000) por meio do qual
produzimos significados e estabelecemos identificação, questiono: a lei-
tura de textos locais é uma atividade que desperta o gosto literário ao dia-
logar com as subjetividades e histórias de leituras dos sujeitos?
Se o objetivo maior de um professor que se dedica ao ensino da
leitura literária na escola é estimular essa atividade, por que não apresen-
tar, junto aos cânones5, escritores que viveram nesse lugar onde vivem os
alunos e dedicaram-se a escrever sobre ele? A hipótese que formulo é de
a de que o trabalho com a leitura de textos locais, por meio do fortaleci-
mento da identidade cultural dos sujeitos-leitores, contribui para motivar
essa prática no Ensino Médio.
A fim de complementar este artigo, trago uma proposta de apre-
sentação de uma das crônicas do primeiro volume da trilogia “Na terra
dos heréos” (1987) intitulada “Festa de Santo Amaro” em três turmas do
2º ano de um coléfio estadual de Campos dos Goytacazes. Tal texto trata
dos costumes que envolvem essa festividade popular6 que acontece desde

há também uma cópia na biblioteca virtual da Câmara de Vereadores de Campos dos


Goytacazes. O link para acesso está nas referências deste artigo.
5
Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM, 2006), os cânones li-
terários são obras legitimadas como elemento expressivo da sua época (momento históri-
co em perspectiva) e também admitidas pela tradição escolar e, por isso, prioritariamente
escolhidas como corpus no currículo de literatura no Ensino Médio.
6
A Festa de Santo Amaro é citada em obras que tratam da história de Campos dos Goyta-
cazes escritas por Júlio Feydit (1979), Alberto Lamego (1920) e Alberto Lamego Filho
(1996) e também despertou o interesse de Simonne Teixeira (2006, 2008 e 2014) e Gisele

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 87


o século XVIII entre os dias 14 e 15 janeiro no distrito de Santo Amaro,
situado a poucos quilômetros da escola pretendida.
Assim, este trabalho é desenvolvido por meio de pesquisa biblio-
gráfica que, segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 183) “coloca o pesqui-
sador em contato com tudo que já foi escrito [...] sobre determinado as-
sunto" e propicia “o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem,
chegando a conclusões inovadoras”.
Cabe acrescentar ainda que intenção deste trabalho não é esgotar a
questão da leitura literária na escola, mas incitar uma reflexão crítica que
considere as experiências de vida dos alunos (sujeitos-leitores) e do lugar
físico, social e cultural em que eles estão inseridos.

2. O ensino de literatura e a leitura literária vigentes


Estudiosos que se dedicam à temática da leitura de literatura afir-
mam que, na prática pedagógica, os professores de Língua Portuguesa e
Literatura não estariam fazendo um uso crítico do texto na sala de aula.
Segundo Antunes (2003), nas aulas de português, essa atividade estaria
centrada em habilidades mecânicas de decodificação, desvinculada das
suas funções sociais associadas ao ato de ler, além de não estimular o
prazer da leitura. Essa concepção é a mesma de autoras como Rouxel
(2012) e Rezende (2017) que, ao tratarem especificamente do ensino de
Literatura, apontam que o texto é tido como um mero pretexto, mantendo
um posicionamento didático reducionista e centrado em uma tradição que
não suscita no aluno a vontade – e sequer a necessidade – de ler.
Ao buscar reflexões sobre essa leitura que ocorre nas salas de au-
la, deparei-me ainda com os estudos de Colomer (2007) e Vargas (2013)
que afirmam que o objetivo de formar leitores – que compreendem o tex-
to em sua relação com o contexto e com a forma – não têm tido êxito
porque a estrutura educacional brasileira está mais voltada para a forma-
ção de “ledores”, que decodificam a língua escrita, mas são incapazes de
ter uma percepção crítica do que é lido.

da Silva Gonçalves (2011), ambas as pesquisadoras da Universidade Estadual do Norte


Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, que se dedicaram à pesquisa a respeito da cavalhada,
uma das manifestações que fazem parte dessa festividade, enfatizando sua relevância cul-
tural.

88 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


As razões que levam a essa conjuntura são diversas. Orlandi
(2012) pontua, a título de exemplo, o fato de o professor, ao desenvolver
seu trabalho pedagógico, fixar-se no que a autora chama de “leitura de
prestígio”, validada por críticos, fornecida por intermédio dos livros di-
dáticos, e que, via de regra, pouco ou nada têm em comum com o contex-
to histórico-social dos alunos e com as histórias desse sujeito-leitor.
Outro ponto a se considerar quando se discute a leitura escolar de
modo mais abrangente é a motivação que impele essa prática. Para Antu-
nes (2003, p. 27), o texto é posto em função da sua materialidade, tendo
como propósito a aplicabilidade da gramática da língua. Já nas aulas de
literatura, nas quais a leitura deveria ter preponderância, isso não ocorre-
ria, uma vez que, de acordo com Rezende (2017) privilegia-se a historio-
grafia da literatura canônica, principalmente no Ensino Médio.
Nesse sentido, Lajolo (2011, p. 10) destaca que não se pode fugir
aos encaminhamentos tradicionais no ensino da literatura, contudo, refle-
tir a respeito da condição da leitura literária na escola e inscrever o texto
no cotidiano do aluno são medidas importantes porque sinalizam e aju-
dam a superar os “impasses individuais vividos por cada um”, a fim de
que a sala de aula se torne “espaço de liberdade e subversão”, instaurado
“pelo e no texto literário”.
Para Rezende (2013, p. 25), cada indivíduo possui “sua história de
vida, seu repertório de leituras [...], uma trajetória cultural e social, e se
insere em determinada comunidade”. Langlade (2013) complementa essa
ideia de apropriação do texto a partir das vivências individuais e/ou cole-
tivas dos sujeitos ao cunhar o termo “leitor subjetivo”. Segundo ele
(2013, p. 30) esse é um leitor “construído pelas experiências de leitura
fundadoras [...] leituras que levam as marcas do desenvolvimento de uma
personalidade, dos encontros da vida”.

3. A leitura literária em uma perspectiva discursiva


Neste artigo, considero que todo leitor tem sua história de leitura,
que as leituras já feitas pelos sujeitos contribuem para a compreensão dos
textos, e que o reconhecimento desses fatos pelo professor pode trans-
formar as condições de produção da leitura do aluno (ORLANDI, 2012).
Afinal, tomar a leitura de literatura como uma questão de concepção de
sentidos e de historicidade (ORLANDI, 2012) significa inseri-la em uma
situação que envolve os sujeitos interlocutores – autor e leitor, determi-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 89


nados histórica e ideologicamente – e as condições de produção e de sig-
nificação do texto.
Nessa perspectiva discursiva, ler não é um ato de pura e simples
decodificação. Há, em meio a esse processo, aspectos implícitos, que
sustentam o que está dito (Ibidem), e subjetivos, como a identidade cultu-
ral desses sujeitos, que devem ser considerados a fim de que haja moti-
vação e também a experiência efetiva da leitura.
Vale destacar aqui a percepção de Silva (2017, p. 15) de que os
currículos escolares também são, de uma forma ou de outra, uma questão
de identidade, uma vez que os conhecimentos de que constituem os cur-
rículos, sendo estes apreendidos como discursos, estão “inextricavelmen-
te, centralmente, vitalmente” envolvidos com a subjetividade dos alunos.
Ele pontua que as diferentes teorias do currículo objetivam formar de-
terminados sujeitos a partir da ênfase que dão a determinados conteúdos
na escola. Quando inserimos temas locais no currículo, formamos, por-
tanto, sujeitos conscientes de sua história e de sua identidade.
Ao discorrer sobre as identidades culturais inscritas em uma con-
juntura nacional, Stuart Hall (2006, p. 48-9) considera que essas “não são
coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no
interior da representação” e que a nação é “um sistema de representação
cultural”. Nessa perspectiva, este sistema seria, portanto, “um discurso –
um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas a-
ções quanto a concepção que temos de nós mesmos” (HALL, 2006, p.
50). Assim, aproprio-me dessa concepção de identidade cultural em um
âmbito local e atribuo essa noção de sistema a um contexto citadino.
Partindo do princípio de que a cidade é “um texto em constituição
à espera da leitura” (MOURA, 2012, p. 63) e que “ao significar a cidade,
o sujeito se significa na e pela cidade” (ORLANDI, 2012, p. 7), conside-
ro, neste projeto, a leitura dos elementos sígnicos desse lugar como uma
leitura de um texto e que, por meio dela, os sujeitos-leitores constituem
sua subjetividade e constroem suas histórias de leituras.
E uma vez que esse tema “envolve mecanismos de muita relevân-
cia para a análise de discurso” (ORLANDI, 2012, p. 41), utilizo aqui a
concepção de literatura da Análise do Discurso de vertente francesa, mais
especificamente nos estudos de Maingueneau (2018, p. 37-8) que afirma
que os enunciados são apreendidos “por meio da atividade social que os
sustenta, remetendo as palavras a lugares”, isso porque a AD explora “as
múltiplas dimensões da discursividade, buscando precisamente explicar a

90 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


um só tempo a unidade e a irredutível diversidade das manifestações do
discurso”.
Quanto ao objeto dessa pesquisa, optei por utilizar uma narrativa
local que se enquadra no gênero textual crônica. Essa escolha foi motiva-
da pelos atributos estruturais e históricos desse gênero que se configura
como híbrido entre a literatura e o jornalismo, não somente por ter nasci-
do nos jornais, mas fundamentalmente por seus aspectos temáticos rela-
cionados ao cotidiano e a memória, segundo apontam autores como Arri-
gucci Júnior (1987, p. 51) e Candido (1992, s/p). De acordo com o pri-
meiro, a crônica é “despretensiosa, próxima da conversa e da vida de to-
do dia”, já o segundo aponta que a perspectiva desse gênero “não é a dos
que escrevem do alto da montanha, mas do simples rés-do-chão”.
É através de uma crônica que trata de um tema local que apresento
uma proposta de leitura literária no Ensino Médio e busco contribuir para
a reflexão a respeito dessa prática e da relação identitária estabelecida en-
tre os sujeitos-leitores e a cidade em que habitam. Isso porque os sujeitos
leem a cidade e, posteriormente, ao lerem os textos literários que a ela se
referem, estabelecem a sedimentação de sentidos e a intertextualidade,
fatores constitutivos da produção da leitura (ORLANDI, 2012).

4. Proposta pedagógica
Com o objetivo de avaliar o fortalecimento da identidade cultural
dos sujeitos-leitores e a motivação da prática da leitura, proponho inserir
narrativas locais nas aulas de leitura literária no Ensino Médio. A ideia é
que essa proposta seja aplicada em três turmas (2001, 2002 e 2003) do 2º
ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Doutor Barros Barreto, situa-
do no distrito de Baixa Grande, na Baixada Campista.
A princípio, pretendo aplicar um questionário a fim de compreen-
der a realidade social dos estudantes e a relação que esses estabelecem
com os elementos sígnicos do município de Campos e, principalmente,
da Festa de Santo Amaro, cujas tradições que a envolvem são descritas
na crônica homônima presente no primeiro volume da trilogia “Na terra
dos heréos” (1987), do escritor campista Waldir Pinto de Carvalho.
Destaco que essa proposta pedagógica terá como referência os
procedimentos didáticos postulados por Vargas (2013). A autora apresen-
ta um método de leitura literária a partir de três procedimentos: a) abor-
dagem conteudística em seus vários níveis (histórico, sociológico etc.),

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 91


que será realizada por meio da apresentação de vídeos e fotos do referido
festejo popular; b) as questões estruturais referentes ao gênero textual ao
qual se enquadra o texto, neste caso as caraterísticas da crônica; e c) cria-
ção complementar, a fim de despertar o aluno–sujeito–leitor para a escri-
ta.
Essa produção textual dos alunos deve seguir ao que Rouxel
(2013) chama de um diário de bordo, isto é, uma escrita livre desenvol-
vida a partir das impressões subjetivas a respeito do texto apresentado.
Esse diário de bordo pode fazer referência tanto ao envolvimento do alu-
no com a Festa de Santo Amaro (tema debatido no texto), bem como a
outros costumes e histórias vivenciadas no lugar onde ele vive.
Assim, por meio dos dados obtidos no questionário, das impres-
sões durante a leitura da crônica e da produção textual dos alunos-
sujeitos-leitores, objetiva-se analisar se a inserção de uma narrativa escri-
ta por um autor local e que trata de temas comuns à população desse lu-
gar pode ser, como postularam os estudiosos citados no segundo capítulo
deste trabalho, uma estratégia que incentive a prática da leitura literária
na escola.

5. Conclusão
Segundo apontam estudiosos do tema, a leitura literária nas esco-
las brasileiras ainda é uma prática pouco desenvolvida e as motivações
que levam a essa consequência são diversas. Vão desde a utilização do
texto como pretexto para o ensino da gramática, da prioridade dada à his-
toriografia das escolas literárias até a condensação dos currículos escola-
res e da falta de conexão entre os temas apresentados nas obras e a reali-
dade social e cultural dos alunos.
Teorias subjacentes que levam em consideração as subjetividades
dos leitores – tendo como principais representantes Orlandi (2008) e
Rouxel (2013) – foram adotadas neste trabalho como base para propor
uma estratégia de leitura que esteja fundamentada na história de leitura
dos sujeitos-leitores. História essa que não precisa estar relacionada a
textos escritos, mas, sobretudo, à leitura que fazem do lugar em que vi-
vem e das manifestações culturais que nele ocorrem.
A proposta consiste em levar narrativas que estejam associadas à
realidade desses alunos de modo que eles se sintam familiarizados com o
tema e, assim, estreitar a relação desses sujeitos com a leitura. Como este

92 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


artigo consiste em um desdobramento de um projeto ainda não aplicado,
não foi possível apresentar aqui os resultados de tal estratégia, o que deve
ser feito em um trabalho posterior.
Ainda assim, acredito que as contribuições dos autores aqui ex-
postos podem servir de fundamento para novos trabalhos que tenham
como objetivo fomentar a leitura literária na escola considerando as sub-
jetividades dos alunos e suas identidades culturais.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 95


A MULTIMODALIDADE NO CONTEXTO DA NOVA BNCC:
CONSIDERAÇÕES SOBRE ENSINO E TECNOLOGIA
Adriene Ferreira de Mello (UNIFSJ)
[email protected]
Joane Marieli Pereira Caetano (UENF)
[email protected]
Carlos Henrique Medeiros de Souza (UNIFSJ)
[email protected]

RESUMO
A natureza mutante evidenciada no contexto das novas mídias tem gerado expec-
tativa de similar mudança nos caminhos trilhados pela educação no Brasil. Assim,
emergem necessidades de letramento, que impulsionaram reformulações da agenda
educacional brasileira, dentre elas a revisão da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), no que tange à sua abordagem para o ensino. Diante deste cenário, o estudo
aqui tecido problematiza o tratamento destinado, pela BNCC, às práticas de leitura e
produção de textos multimodais circulados em espaços digitais, com o objetivo de dis-
cutir a (in)suficiência teórico-metodológica de tal abordagem. Especificamente, pre-
tende-se traçar um retrospecto histórico da construção do documento, em alusão às
suas principais alterações; em seguida, apontar as possíveis contribuições do aprendi-
zado online para formação doaluno; por fim, analisar a nova BNCC sob a perspectiva
dos sete conceitos-chave da linguagem online em práticas digitais, teoria proposta por
Barton e Lee (2015). Metodologicamente, trata-se de pesquisa qualitativa, cujas técni-
cas empregadas são a revisão bibliográfica e a análise documental. Como resultados,
identificou-se que a linguagem online é bem explorada pelo documento, já que a maior
parte dos conceitos analisados são aplicados à maioria das habilidades descritas e re-
lacionadas à competência 7, mas a multimodalidade ainda precisa ser melhor explo-
rada pelo documento, tendo em vista sua importância para a educação contemporâ-
nea.
Palavras-chave:
Ensino. Multimodalidade. Tecnologia.

1. Introdução
A educação do século XXI conta com estudantes cada vez mais
conectados às mídias digitais, o que impacta fortemente na abordagem do
ensino que o professor deve utilizar. Sendo assim, há uma necessidade de
orientação para que o docente consiga transformar suas aulas em espaços
para formação integral dos indivíduos, pois a recepção do ensino não de-
ve acontecer de forma passiva, sendo o professor o único detentor do co-
nhecimento.

96 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


Nessa ótica, pode-se dizer que é fundamental incrementar o pro-
cesso de ensino–aprendizagem de acordo com as novas circunstâncias,
principalmente no que concerne ao ensino de língua, já que para que este
continue sendo relevante, as aulas devem “abarcar ampla gama de letra-
mentos, que vão bastante além do letramento impresso tradicional”
(DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2015, p. 19) (Grifos dos autores).
Assim, destaca-se a relevância de uma base curricular que esteja
atenta às novas demandas da educação e que considere os letramentos
diversos, em especial, o letramento digital, pois “ensinar a língua exclu-
sivamente através do letramento impresso é, nos dias atuais, fraudar nos-
sos estudantes no seu presente e em suas necessidades futuras” (DUDE-
NEY; HOCKLY; PEGRUM, 2015, p. 19) (Grifos dos autores).
Dessa forma, o estudo aqui tecido problematiza o tratamento des-
tinado, pela BNCC, às práticas de leitura e produção de textos multimo-
dais circulados em espaços digitais, com o objetivo de discutir a
(in)suficiência teórico-metodológica de tal abordagem.
Especificamente, pretende-se traçar um retrospecto histórico da
construção do documento, em alusão às suas principais alterações; em
seguida, apontar as possíveis contribuições do aprendizado online para
formação doaluno; por fim, analisar a nova BNCC, sob a perspectiva dos
sete conceitos-chave da linguagem online em práticas digitais, teoria
proposta por Barton e Lee (2015).
Metodologicamente, trata-se de pesquisa qualitativa, cujas técni-
cas empregadas são a revisão bibliográfica e a análise documental.

2. BNCC: um documento para a educação do século XXI


A educação é um dos pilares essenciais para a movimentação da
economia de um país e, também, para a constituição de uma sociedade
mais justa e igualitária; por isso, investir em educação é uma das priori-
dades de qualquer governo comprometido com o desenvolvimento do pa-
ís.
Sob essa perspectiva, alguns marcos legais – como a Constituição
de Federal, de 1988, a Lei de Diretrizes (LDB), de 1996, e as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN), que deram origem a vários documentos
oficiais da educação como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
no período de 1997 a 2013 – priorizaram o desenvolvimento de uma e-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 97


ducação nesses moldes para o Brasil, uma vez que indicaram a necessi-
dade de criação de uma BNCC.
Denota-se, assim, a importância desse documento
(...) de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de
aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao lon-
go das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham
assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em con-
formidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE).
(BRASIL, 2018, p. 7)

No entanto, apesar da relevância da BNCC para a promoção de


melhorias na educação em âmbito nacional, chegar à versão final de tal
documento foi uma tarefa difícil, tendo em vista que muitas mudanças,
em muitas áreas, eram necessárias para reverter o quadro de desigualdade
educacional que paira sobre a sociedade.
No que tange ao Ensino Médio (EM), o direcionamento curricular
precisou ser ainda mais cauteloso, já que, em 2016, quando o texto da
BNCC para toda a Educação Básica estava em sua segunda versão, acon-
teceu a reforma do Ensino Médio, que modificou toda a estrutura dessa
etapa.
Dessa maneira, a BNCC foi apresentada em três versões: a pri-
meira, em 2015, que passou por uma consulta pública na plataforma on-
line, de modo que toda a sociedade pudesse contribuir para a formulação
desse documento; a segunda, em 2016, que foi redigida a partir das con-
tribuições da consulta pública; e, por fim, em 2017, saiu a primeira parte
da versão final, destinada à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental,
para, posteriormente, em 2018, ser homologada toda a base, incluindo a
parte do Ensino Médio (MOVIMENTO PELA BASE, 2019).
A fim de seguir o propósito democrático em que se instituiu a
construção da BNCC, após a redação da primeira versão do texto, muitos
pareceres foram oferecidos por educadores de todas as áreas com intuito
de construir uma BNCC que realmente atendesse às necessidades atuais
da educação brasileira. Tais pareceres denunciaram a imaturidade do do-
cumento a princípio, cujos objetivos não estavam em consonância com
os documentos que antecederam sua criação.
Assim, como o direcionamento deste trabalho é dado ao ensino de
LP, torna-se necessário discutir as principais críticas feitas às duas pri-
meiras versões do documento, para verificar, posteriormente, quais são as
principais orientações para esse campo de estudos na versão final. Para

98 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.


este trabalho, foram selecionados os pareceres de Bagno, Possenti, Cos-
ta-Hübes e Guimarães, especialistas na disciplina de LP.
A crítica de Bagno (2016) concentra-se na ênfase que o documen-
to confere ao ensino de teorias de gênero, do texto e do discurso, rele-
gando a segundo plano o ensino de conhecimentos linguísticos e a refle-
xão sobre a língua como um sistema. Segundo o autor, os elaboradores
da BNCC procuraram contemplar novas teorias linguísticas importantes
para o ensino de LP, mas deixaram a desejar no que toca ao ensino de as-
pectos linguísticos, o que pode ser prejudicial, na medida em que “sem a
inclusão [...] de conteúdos linguísticos explícitos e sistematicamente en-
sinados, a prática docente [...] vai recorrer ao ensino transmissivo da tra-
dição gramatical normativo-prescritiva” (BAGNO, 2016, p. 4), como
costuma ocorrer, frequentemente, na elaboração de livros didáticos, que
não conseguem associar as novas concepções sobre o ensino de LP à prá-
tica da Análise Linguística, proposta por Geraldi (2011) e indicada pelos
PCN (BRASIL, 2000).
De fato, a problemática do ensino de LP está centrada, explicita-
mente, na dificuldade encontrada pelos professores de entender as orien-
tações dos documentos oficiais: ensinar ou não a Gramática Tradicional
(GT)? Se sim, de que forma? Se não, o que substituirá? Assim, instaura-
se sobre as aulas de português uma confusão com referência a esse aspec-
to, tendo em vista que estudos, como o de Leal, Brandão e Silva (2016),
demonstram que, tendo como base o discurso atual sobre o ensino de
gramática como algo associado ao tradicionalismo, os professores estão
buscando um afastamento dos conteúdos linguísticos, com o objetivo de
não serem reconhecidos como tradicionalistas.
Essa confusão presente, até mesmo, em um documento criado pa-
ra nortear o ensino no Brasil denota a importância de mais aprofunda-
mento em estudos que expliquem como, exatamente, devem ser contem-
plados os conteúdos linguísticos nas aulas de português, já que apenas
dizer que o texto é o objeto de estudo não é suficiente.
Nessa mesma perspectiva, Guimarães considera que o eixo de a-
nálise linguística explicitado pelo documento
(...) é bastante complexo por si só e, na ausência de uma explicitação cla-
ra de que tipo de análise está sendo proposto, continuará ser uma caixa
preta para o professor. Fica mais confuso ainda quando passa dos elemen-
tos constitutivos da textualidade (p. 38) para as categorias gramaticais
(p.39), momento em que é apresentado um viés da gramática tradicional.
(GUIMARÃES, 2016, p. 6)

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 99


Em consonância, Possenti (2016) também critica a pouca relevân-
cia dada ao eixo Análise Linguística no documento, destacando que essa
deveria ser uma das questões cruciais de toda a proposta para o currículo
de LP, uma vez que se não compreender o tratamento que deve ser dado
ao texto como objeto para reflexões sobre a língua, o professor continua-
rá a utilizar o texto como pretexto, ou seja, como base para questões que
se pautam na Gramática Tradicional.
Apesar das críticas se concentrarem no tratamento conferido aos
aspectos linguísticos, a parte do documento que trata do estudo de gêne-
ros textuais também está passível de críticas. Segundo Guimarães (2016),
quando os estudos da linguagem começaram a se ancorar no texto como
unidade central da comunicação e a se voltar para a observação dos dis-
cursos distintos que podiam ser explorados a partir dos gêneros de caráter
textual ou discursivo, o ensino de LP deveria ir além do conhecimento de
gramática da língua, desenvolvendo a capacidade de reflexão, dentre ou-
tros aspectos, sobre a utilização da língua como instrumento de interação.
No entanto, alguns objetivos elucidados na primeira versão da
BNCC mostraram a dificuldade de fazer valer essa teoria, já que, muitas
vezes, a maneira de organizar o texto apontou para uma regressão na
concepção do ensino com base nos textos, enfatizando os tipos e não os
gêneros textuais. Sobre esse aspecto, Costa-Hübes (2015) afirma que o
documento, em alguns momentos, perde o foco em considerar diferentes
práticas de letramento essenciais à formação do sujeito e os objetivos
passam “a contemplar a tipologia textual como o elemento essencial na
condução do conteúdo a ser explorado” (COSTA-HÜBES, 2015, p. 26).
A autora ainda sinaliza que
(...) se já avançamos para a perspectiva do trabalho com os gêneros na es-
cola, entendo que devemos manter essa opção, uma vez que ela atende
aos propósitos sociais e discursivos da linguagem. Focar na tipologia, sig-
nifica regredir para o texto como objeto de ensino, focando prioritaria-
mente em sua tipologia. (COSTA-HÜBES, 2015, p. 8)

Nessa ótica, diante de todas as considerações dos especialistas so-


bre as versões iniciais da BNCC, é possível compreender que a maioria
das teorias advindas dos novos estudos sobre a linguagem não estavam
bem consolidadas e, por essa razão, precisavam passar pelo crivo dos
professores e especialistas para chegarem até a sala de aula, lugar onde o
resultado de tanto trabalho pode ser verificado.
Destaca-se, porém, que apesar da maior parte do documento pre-
cisar de uma revisão, algumas teorias contempladas demonstraram o em-

100 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
penho dos elaboradores em seguir as novas teorias da linguagem para se
adequar ao contexto de mudanças e inovações do século XXI, como é o
caso dos gêneros multimodais, enfatizados entre os objetivos para o eixo
de trabalho com leitura e escrita.
Sendo assim, este trabalho, a partir deste ponto, terá como foco
avaliar a concepção adotada pelo documento ao tratar da leitura e da pro-
dução de textos multimodais, teoria inovadora para o ensino a partir dos
gêneros que ganha uma centralidade nas primeiras versões da BNCC e,
como ressalta Costa-Hübes (2015), merece importância, visto que os gê-
neros multimodais estão constantemente presentes em nosso cotidiano.
No entanto, antes de se analisar o foco dado a esses aspecto na versão fi-
nal da BNCC, à título de explicação, a próxima seção apresentará a teoria
em torno dessa concepção de gênero.

3. Práticas de linguagem online: a importância da multimodalidade


As discussões sobre a importância de preparar o aluno para viver
em uma sociedade tecnológica não são novas. Pelo contrário, desde o i-
nício do século XXI, com a criação dos PCN, é que se discute a nova
perspectiva de ensino que deve ser assumida pelos docentes em sala de
aula.
No entanto, no que toca ao ensino de língua, esses debates ainda
precisam existir, pois há uma predileção ao ensino da modalidade escrita
em detrimento das demais, conforme sinaliza a própria BNCC (2018), o
que coloca os letramentos digitais ou os multiletramentos em segundo
plano:
Para além da cultura do impresso (ou da palavra escrita), que deve
continuar tendo centralidade na educação escolar, é preciso considerar a
cultura digital, os multiletramentos e os novos letramentos, entre outras
denominações que procuram designar novas práticas sociais de lingua-
gem. (BRASIL, 2018, p. 487)

Pode-se interpretar, a partir dessa colocação, que apesar da tecno-


logia estar influenciando fortemente o ensino de língua, a palavra escrita
continua sendo objeto de ensino, pois “a internet e todos os gêneros a ela
ligados são eventos textuais fundamentalmente baseados na escrita. Na
internet a escrita continua essencial” (MARCUSCHI, 2008, p. 43).
Porém, nota-se que já há uma sinalização nos documentos ofici-
ais, como a BNCC, para a promoção de habilidades próprias do século

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 101


XXI, em que a centralidade está na “capacidade de se envolver com as
tecnologias digitais, algo que exige um domínio dos letramentos digi-
tais” (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2015, p. 19, grifos dos auto-
res). Nesse viés, é preciso que se considere que as formas de interação
entre os homens estão mudando, influenciadas pelo desenvolvimento
tecnológico e que “a noção de letramento abrange todos os diferentes ti-
pos de representação do conhecimento existentes em nossa sociedade”
(DIONÍSIO, 2011, p. 138). Tais concepções fazem surgir discussões so-
bre o fenômeno da multimodalidade, foco deste trabalho. De acordo com
Dionísio (2011, p. 39):
Na sociedade contemporânea, a prática de letramento da escrita, do
signo verbal, deve ser incorporada a prática de letramento da imagem, do
signo visual. Necessitamos, então, falar em letramentos, no plural mesmo,
pois a multimodalidade é um traço constitutivo do discurso oral e escrito.
Faz-se necessário ressaltar, também, a diversidade de arranjos não padrão
que a escrita vem apresentando na mídia em função do desenvolvimento
tecnológico. Em consequência, os nossos habituais modos de ler um texto
estão sendo constantemente reelaborados.

Assim, pode-se dizer que novas formas de apresentação de um


texto surgem no contexto digital, pois, conforme aponta Marcuschi
(2008, p. 199), “do ponto de vista da natureza enunciativa dessa lingua-
gem, integram-se mais semioses do que usualmente, tendo em vista a na-
tureza do meio”.
Ainda que as práticas escritas tenham centralidade no contexto di-
gital, percebe-se que o letramento digital se difere muito do letramento
impresso, na medida em que permite um trabalho diferenciado com rela-
ção à multimodalidade. O fato é que “com o impresso tradicional, o leitor
tem escasso controle sobre o layout ou fontes. No entanto, quando se tra-
ta de multimodalidade na tela do computador, é relativamente fácil para
alguém produzir textos multimodais” (BARTON; LEE, 2015, p. 47).
Acerca dos benefícios da multimodalidade na tela, Barton e Lee
(2015, p. 48) afirmam que o modal na web 2.0 redefine a noção de auto-
ria, “já que o conteúdo multimodal pode ser criado em conjunto e cons-
tantemente editado por diversos usuários”. Essa interação possibilita não
só um diferente olhar acerca do trabalho em grupo, da aceitabilidade de
opiniões distintas e da produção textual nos ambientes midiáticos, mas
também contribui para que novas leituras e interpretações sejam feitas
por diversas pessoas acerca de um mesmo texto.
No ambiente virtual, em que a multimodalidade está constante-

102 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
mente inserida, as interações entre usuários podem desenvolver diferen-
tes caminhos para a leitura, pois a partir de ponto de partida que se esco-
lhe para explorar uma tela da web, o sentido extraído também poderá ser
modificado (BARTON; LEE, 2015).
Com relação à metodologia da multimodalidade, Dionisio (2015,
p. 149) sinaliza que, apesar da maioria dos professores estarem cientes de
que imagens ajudam a aprendizagem, ainda não há uma conexão estreita
entre a palavra e a imagem veiculada nos manuais didáticos, o que leva à
necessidade de um intercâmbio entre “a teoria dos gêneros com a teoria
cognitiva da aprendizagem multimodal”.
Dessa maneira, ressalta-se a importância deste trabalho, que busca
verificar como o documento norteador mais atualizado da educação bra-
sileira trata a multimodalidade no contexto midiático, fenômeno essenci-
al para se compreender como as práticas escritas se desenvolvem nos
ambientes digitais.

4. Análise da bncc
A partir de todas as considerações realizadas acerca da construção
metodológica da BNCC e das práticas de leitura e produção de textos
multimodais, esta seção apresentará a forma como a análise documental
da base curricular se desenvolveu, sob a ótica dos sete conceitos-chave
determinantes para examinar a forma como as pessoas usam a linguagem
onlineem práticas digitais, teoria proposta por Barton e Lee (2015).
Para isso, desenvolveu-se a análise de um recorte da BNCC, em
que se considerou: as habilidades da competência específica 7 de LP e as
habilidades específicas para todos os campos de atuação social que a
BNCC afirma estarem atendendo à competência 7. Decidiu-se por fazer
um recorte em torno das habilidades relacionadas à competência 7, pois
essa foi a que se mostrou mais relevante a este estudo, na medida em que
todos os seus apontamentos partem das práticas de escrita e leitura nos
ambientes digitais. Os quadros a seguir sistematizam a análise realizada,
para que, posteriormente, se compreendam as discussões que serão teci-
das.
Quadro 1: Conceitos da linguagem online e a competência específica 7 de LP
Competência 7: Mobilizar práticas de linguagem no universo digital, considerando
as dimensões técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas, para expandir as formas
de produzir sentidos, de engajar-se em práticas autorais e coletivas, e de aprender a

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 103


aprender nos campos da ciência, cultura, trabalho, informação e vida pessoal e cole-
tiva (BRASIL, 2018, p. 497).
HABILIDADES CONCEITOS-CHAVE
(EM13LGG701)
Explorar tecnologias digitais da in- PRÁTICAS;
formação e comunicação (TDIC), ESCREVER NUM MUNDO SOCIAL-
compreendendo seus princípios e fun- MENTE MEDIADO;
cionalidades, e utilizá-las de modo é- VIRTUALIDADES.
tico, criativo, responsável e adequado
a práticas de linguagem em diferentes
contextos.
(EM13LGG702)
Avaliar o impacto das tecnologias di- PRÁTICAS;
gitais da informação e comunicação ESCREVER NUM MUNDO SOCIAL-
(TDIC) na formação do sujeito e em MENTE MEDIADO;
suas práticas sociais, para fazer uso POSTURA;
crítico dessa mídia em práticas de se- AFINIDADES.
leção, compreensão e produção de
discursos em ambiente digital.
(EM13LGG703) PRÁTICAS;
Utilizar diferentes linguagens, mídias ESCREVER NUM MUNDO SOCIAL-
e ferramentas digitais em processos MENTE MEDIADO;
de produção coletiva, colaborativa e VIRTUALIDADES;
projetos autorais em ambientes digi- MULTIMODALIDADE.
tais.

(EM13LGG704)
Apropriar-se criticamente de proces-
sos de pesquisa e busca de informa- VIRTUALIDADES.
ção, por meio de ferramentas e dos
novos formatos de produção e distri-
buição do conhecimento na cultura de
rede.
Fonte: criado pelos autores

Quadro 2: Conceitos da linguagem online nos campos de atuação social


Todos os campos de atuação social
HABILIDADES CONCEITOS-CHAVE
(EM13LP11) ESCREVER EM UM MUNDO TEXTU-
Fazer curadoria de informação, tendo ALMENTE MEDIADO;
em vista diferentes propósitos e proje-
tos discursivos. VIRTUALIDADES.

(EM13LP12) ESCREVER EM UM MUNDO TEXTU-


Selecionar informações, dados e ar- ALMENTE MEDIADO;
gumentos em fontes confiáveis, im-
pressas e digitais, e utilizá-los de for- VIRTUALIDADES;

104 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ma referenciada, para que o texto a
ser produzido tenha um nível de apro- POSTURA.
fundamento adequado (para além do
senso comum) e contemple a sustenta-
ção das posições defendidas.
(EM13LP17) PRÁTICAS;
Elaborar roteiros para a produção de
vídeos variados (vlog, videoclipe, vi- ESCREVER EM UM MUNDO TEXTU-
deominuto, documentário etc.), apre- ALMENTE MEDIADO;
sentações teatrais, narrativas multi-
mídia e transmídia, podcasts, playlists VIRTUALIDADES;
comentadas etc., para ampliar as pos-
sibilidades de produção de sentidos e MULTIMODALIDADE.
engajar-se em práticas autorais e co-
letivas.
(EM13LP18) PRÁTICAS;
Utilizar softwares de edição de textos,
fotos, vídeos e áudio, além de ferra- ESCREVER EM UM MUNDO TEXTU-
mentas e ambientes colaborativos pa- ALMENTE MEDIADO;
ra criar textos e produções multisse-
mióticas com finalidades diversas, ex- VIRTUALIDADES;
plorando os recursos e efeitos dispo-
níveis e apropriando-se de práticas- MULTIMODALIDADE.
colaborativas de escrita, de constru-
ção coletiva doconhecimento e de de-
senvolvimento de projetos
Fonte: criado pelos autores.

No que toca à divisão da área de LP na BNCC, cabe destacar que


o documento é dividido em competências específicas e suas habilidades,
cujas competências se relacionam aos seguintes campos de atuação soci-
al: campo da vida pessoal, campo artístico-literário, campo das práticas
de estudo e pesquisa, campo jornalístico-midiático e campo de atuação
na vida pública. O documento sinaliza a qual competência específica ca-
da habilidade dos campos de atuação está relacionada.
No entanto, o olhar crítico que foi lançado sobre as habilidades do
componente LP na BNCC pode constatar que, em alguns momentos, o
documento aponta equivocadamente a relação entre a competência espe-
cífica e as habilidades referidas, principalmente quando se delimita o
campo de atuação. Isto se evidencia na habilidade EM13LP19, cuja ori-
entação é fornecer subsídios para que o aluno possa:
Apresentar-se por meio de textos multimodais diversos (perfis varia-
dos, gifs biográficos, biodata, currículo web, videocurrículo etc.) e de fer-
ramentas digitais (ferramenta de gif, wiki, site etc.), para falar de si mes-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 105


mo de formas variadas, considerando diferentes situações e objetivos.
(BRASIL, 2018, p. 511)

Apesar dessa habilidade estar intimamente relacionada à compe-


tência específica 7, que trata das práticas de linguagem do mundo digital
e, consequentemente, da abordagem dos gêneros digitais e da multimoda-
lidade, a BNCC afirma que ela só está fazendo referência à competência
3, o que pode se configurar como um equívoco. Assim, para que o estudo
não fosse comprometido por tais incoerências, a análise terá como foco
apenas as habilidades relacionadas à competência específica 7, que fazem
parte de todos os campos de atuação social.
A BNCC, logo na apresentação dos conteúdos de LP para o Ensi-
no Médio, menciona a necessidade de exploração das diversas lingua-
gens, a fim de desenvolver reflexões que envolvam “análise de elementos
discursivos, composicionais e formais dos enunciados nas diferentes se-
mioses” (BRASIL, 2018, p. 486). O documento enfatiza, ainda, que essa
necessidade é motivada pela forma híbrida e multissemiótica em que os
textos se organizam, o que pode ser denominado fenômeno da multimo-
dalidade.
Sendo assim, toda a incidência de apontamentos que tratam de a-
nálise semiótica foi considerada como alusões à teoria da multimodalida-
de, tendo em vista que é esse direcionamento que a BNCC fornece. Par-
tiu-se, então, dessa sinalização e da teoria de Barton e Lee (2015), para
verificar se o documento está, de fato, indicando um ensino efetivo com
textos de caráter multimodal no estímulo a práticas digitais.
Com relação ao conceito prática, que envolve todas as atividades
sociais que são mediadas pela produção de textos orais ou escritos, Bar-
ton e Lee (2015) consideram que estas estão cada vez mais presentes na
esfera online e, assim, desenvolver as competências necessárias para o
efetivo uso das novas ferramentas de produção discursiva é tarefa da es-
cola. Seguindo essa perspectiva, a BNCC aponta a importância de
(...) propostas de trabalho que potencializem aos estudantes o acesso a sa-
beres sobre o mundo digital e a[s] práticas da cultura digital devem tam-
bém ser priorizadas, já que, direta ou indiretamente, impactam seu dia a
dia nos vários campos de atuação social e despertam seu interesse e sua
identificação com as TDIC. Sua utilização na escola não só possibilita
maior apropriação técnica e crítica desses recursos, como também é de-
terminante para uma aprendizagem significativa e autônoma pelos estu-
dantes. (BRASIL, 2018, p. 487)

Relevante destacar que o documento afirma ser, também, de ex-

106 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
trema importância considerar as novas práticas sociais de linguagem, a-
inda que se mantenha a centralidade da educação escolar na “palavra es-
crita” (BRASIL, 2018). Tal concepção está em consonância com o que
dizem Barton e Lee (2015, p. 43) ao sinalizarem que “textos são centrais
para o mundo online” e que estes estão “sendo constantemente escritos”,
ou seja, apesar de estarem situados em novas mídias, o que permite trans-
formação constante, a modalidade escrita é a que prevalece nos textos.
Assim, vale frisar que essa noção de práticas de linguagem online
está intimamente relacionada ao que seria escrever num mundo social
textualmente mediado, em que os “textos são centrais na interação social,
e grande parte da linguagem falada é executada no contexto da lingua-
gem escrita e a leva muito em conta” (BARTON; LEE, 2015, p. 44).
Dessa maneira, a BNCC direciona o professor especificamente
para esses dois conceitos-chave ou para pelo menos um deles em todas as
habilidades analisadas, com exceção da habilidade EM13LGG704, o que
demonstra atualização do documento em favor de promover práticas de
escrita específicas para o mundo globalizado.
O conceito de virtualidades também é essencial para um trabalho
com escrita digital, tendo em vista que se relaciona com “as possibilida-
des e restrições de ações que as pessoas percebem seletivamente em
qualquer situação” (BARTON; LEE, 2015, p. 44), ou seja, um ambiente
criado para determinada função comunicativa pode ganhar novas utilida-
des.
Nessa ótica, habilidades que incentivem a criatividade dos alunos
para dar novas virtualidades a ferramentas já existentes são de suma im-
portância, e a BNCC propõem orientações nessa seara em todas as habi-
lidades analisadas, exceto na habilidade EM13LGG702, o que demonstra
o comprometimento do documento em favorecer essa proatividade dos
alunos para o uso tecnológico.
Por outro lado, no que concerne à multimodalidade, foco deste
trabalho, as análises demonstraram uma defasagem de habilidades que
indicam uma mistura de linguagens com o objetivo de promover diferen-
tes sentidos em um texto. Apenas as habilidades (EM13LGG703),
(EM13LP17) e (EM13LP18) apresentam orientações específicas para uti-
lização de diferentes linguagens, suportes digitais ou softwares. Sendo
assim, pode-se dizer que, diante dos outros conceitos, é deficiente o tra-
balho com a multimodalidade na BNCC, pelo menos no que se pode ana-
lisar das habilidades que tratam com mais ênfase da linguagem digital.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 107


Outro conceito-chave determinante para o reconhecimento do a-
luno como parte de uma sociedade tecnológica é o de postura, que pode
ser definido como “um posicionamento de um falante em relação ao que
é dito e a quem o enunciado é dirigido” (BARTON; LEE, 2015, p. 49).
Sendo assim, trata-se de fornecer meios para que o aluno reconheça a po-
sição dos interlocutores nos discursos dos meios digitais, bem como o
impacto das TDIC nas novas formas de se comunicar, conforme as habi-
lidades EM13LGG702 e EM13LP12 consideram.
Por fim, o conceito de afinidades (importante para a compreensão
de fenômenos como a variação linguística nos contextos digitais, pois
trata da forma como as pessoas usam a linguagem para interagir umas
com as outras, o que pode provocar o desenvolvimento de usos específi-
cos da língua) não é bem explorado pela BNCC, tendo em vista que só
aparece relacionado a uma habilidade: EM13LGG702.
No entanto, apesar de não ser consistente, o conceito de afinida-
des é, pelo menos, apontado por uma das habilidades, o que já não acon-
tece com o conceito de globalização, que faz referência às mudanças tec-
nológicas em nível global e seus impactos na linguagem e nas práticas
comunicativas. Assim, é de extrema importância, ao se considerar o meio
digital, propor habilidades que explorem as práticas de linguagem locais
e globais, o que se apresenta como uma lacuna da BNCC.
Evidentemente, assim como já fora mencionado, essas sinaliza-
ções devem estar contidas em habilidades de outras competências especí-
ficas, mas, no que toca à competência específica que mais se volta à lin-
guagem no mundo digital, esse conceito não pode ser identificado.

5. Conclusão
Diante de todas as análises realizadas sob a ótica dos conceitos-
chave para análise da linguagem online, propostos por Barton e Lee
(2015), pode-se dizer que, dentre todos os conceitos, o trabalho com a
multimodalidade na BNCC é deficiente, pelo menos no que se pode ana-
lisar das habilidades que tratam com mais ênfase da linguagem digital.
Destaca-se que, de forma geral, a linguagem online é bem explorada pelo
documento, já que a maior parte dos conceitos analisados são aplicados à
maioria das habilidades descritas e relacionadas à competência 7.

108 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo: Parábola, 2015.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. 2. versão revista. MEC:
2016. Disponível em: http://historiadabncc.mec.gov.br/documentos/bncc-
2versao.revista.pdf. Acesso em 25 fev. 2019.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. MEC:
2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-
content/uploads/2018/12/BNCC_19dez2018_site.pdf. Acesso em 25 fev.
2019.
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gitais. São Paulo: Parábola, 2016.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e
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BNCC. 2019. Disponível em: http://movimentopelabase.org.br/a-
construcao-da-bncc/. Acesso em 25 fev. 2019.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 109


A POLÍTICA DO ARMAMENTO DA SOCIEDADE E
SUA CONTRADIÇÃO À LUZ DA ANÁLISE FILOLÓGICA NOS
TEXTOS BÍBLICOS
Renato Faria da Gama (UENF)
[email protected]
Alessandra Rocha Melo (UENF)
[email protected]
Alonso Castro Colares Junior (UENF)
[email protected]
Rosalee Santos Crespo Istoe (UENF)
[email protected]
Sandro Reis Rocha Barros (UENF)
[email protected]

RESUMO
A nova política de combate ao crime, que inclui movimentos em direção à flexibi-
lização da posse e porte de armas no Brasil tem apoio da bancada parlamentar conhe-
cida como BBB (Boi, Bala e Bíblia), eleita com a contribuição de segmentos religiosos
de matriz cristã. O objetivo desta pesquisa foi realizar uma investigação filológica em
busca de argumentos que substanciem o posicionamento bíblico no aval à proposta do
uso de armas pelo cidadão comum sob argumentação de redução da violência na soci-
edade. Aplicou-se um conjunto metodológico que incluiu análise de conteúdo enquan-
to componente quantitativo e a análise histórico-comparativa, auxiliado por instru-
mentos retóricos, narrativos e semióticos dos textos bíblicos em seus originais hebrai-
co, aramaico e grego, aplicando técnicas de exegese e hermenêutica onde figuram os
vocábulos “arma”, “flecha” e “espada”, os quais se apresentam respectivamente 63,
47 e 337 vezes no Antigo Testamento e 4,0 e 33 vezes no Novo Testamento. Verificou-
se que tais expressões por vezes envolvem interpretações distintas da menção direta
aos instrumentos de defesa pessoal ou guerra, por exemplo, quando o vocábulo “ar-
ma” significa utensilio de viagem ou caça. Também o vocábulo “espada” por vezes re-
presenta um governo tirano ou violência. Após a aplicação das metodologias os auto-
res identificaram um único texto no recorte do Novo Testamento, no qual Jesus Cristo
recomendou o porte de espadas no Evangelho de Lucas e seu uso nos quatro Evange-
lhos. Os autores concluem que não foram encontradas recomendações contrárias ao
uso de armas como instrumento de defesa pessoal.
Palavras-chaves:
Armamento. Linguística, Bíblia Sagrada.

1. Metodologia
Trata-se de uma pesquisa filológica direcionada ao livro sagrado
do cristianismo, direcionado à investigação de suas prescrições a respeito
de temática atual do cenário sócio-político brasileiro, a saber, da legiti-

110 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
midade da posse e porte de armas pela população civil com intuito de
preservação de integridade física. O estudo adotou um conjunto de meto-
dologias que foram estratificados em busca da resposta à pergunta: “Co-
mo a Bíblia Sagrada se posiciona frente à proposta de que cidadãos co-
muns atuem diretamente pelo uso de armas em sua autodefesa, em vez de
delegar esta atuação ao Estado e suas instâncias oficiais de segurança pú-
blica?” O primeiro momento metodológico consistiu de um debate entre
os autores, em sua maioria, estudiosos da teologia, a respeito de quais se-
riam as palavras-chaves a ser utilizadas numa busca sistemática de carac-
terísticas quantitativas. Eleitos os vocábulos, seguiu-se um segundo mo-
mento metodológico, do tipo análise de conteúdo, definindo o número de
ocorrências dos termos chaves no texto completo. O terceiro momento
teve características qualitativas, aplicando o método histórico-compara-
tivo com objetivo hermenêutico, após o qual foi proposta a interpretação
final do posicionamento das Sagradas Escrituras frente à temática. Con-
cluídas estas fases, as palavras-chave foram analisadas em sua semântica
conforme os contextos históricos, sociais e culturais dentro dos quais es-
tes termos foram identificados. Esta última etapa teve como objetivo o
estabelecimento de eventuais critérios de inclusão e exclusão, discutidos
posteriormente, na sessão resultados.
Sobre cada etapa metodológica, se faz relevante um breve esclare-
cimento a respeito de suas técnicas e objetivos. Nahas et al. (2005) apre-
sentam a ferramenta brainstorm como passo de grande importância para
a definição das diretrizes gerais na elaboração de pesquisas científicas.
Estes autores defendem que o debate livre entre autores que tenham fa-
miliaridade com o tema contribui decisivamente na construção de uma
proposta relevante e de uma trajetória metodológica com menos vieses
(NAHAS, 2005). Sobre a análise de conteúdo, Bardin (1977) afirma ser
um método capaz de organizar as mensagens de um texto como que “em
gavetas”, capaz de categorizar estas informações de forma quantitativa,
objetiva e sistemática, favorecendo o processo de interpretação dos seus
significados (BARDIN, 1977). Ao discorrer sobre o método em filologia,
Silva (2012) apresenta o histórico-comparativo como estratégia que per-
mite simultaneamente explicar causas e consequências de fatos linguísti-
cos ao longo do tempo, levando também em consideração os diversos es-
tágios de evolução das línguas e dialetos (SILVA, 2012).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 111


2. Resultados
A etapa preliminar buscou elencar quais eram os vocábulos nas
traduções da Bíblia para a língua portuguesa que poderiam ser utilizadas
na etapa quantitativa do estudo. Ao término desta fase foram eleitos os
termos “espada”, “flecha” e “arma”. A aplicação destes termos na ferra-
menta Bibliaonline (https://www.bibliaonline.com.br/) trouxe os seguin-
tes dados:

Tabela 1: Ocorrência dos termos em busca realizada na ferramenta Bibliaonline.

Diante dos resultados da etapa quantitativa os autores realizaram a


análise histórico-comparativa das ocorrências. O vocábulo espada surge
em sua primeira ocorrência no Gênesis, livro que se acredita ter sido es-
crito no Século XV a.C.) (SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL, 1999).
Já no terceiro capítulo das Escrituras pode ser encontrado o vocábulo
‫חֶ ֶרב‬. Segundo o léxico Biblehubboa parte das ocorrências do vocábulo
realmente faz menção ao instrumento de guerra como conhecido hoje,
apesar de também poder ser encontrado como metáfora representando
uma língua que pronuncia palavras incisivas, maliciosas como em Salmo
57:4 ou como sinônimo de violência, como em Gênesis 27:40 (BIBLE-
HUB, 2019a). No Novo Testamento μάχαιραν é o termo utilizado nos o-
riginais gregos (BIBLEHUB, 2019b). O vocábulo flecha é encontrado
exclusivamente no Antigo Testamento. Em sua primeira ocorrência, no
livro de 1ª Samuel, ‫ חִ צִּ י‬é usada com objetivo de comunicação a distância
(capítulo 20). Apesar de apenas mencionado o arco em Gênesis 21:16, o
texto bíblico apresenta também a distância percorrida por uma flecha
como unidade de medida. Dentre os três termos selecionados, a palavra
arma é a que encerra a maior variedade de significados. Apesar de tam-
bém simbolizar instrumento de defesa, com muita frequência se refere
aos utensílios adequados para caça. Vale mencionar que em muitas ocor-
rências o significado do original ‫ אָ זֵן‬pode se referir também a ferramentas
ou instrumentos em geral. Este fato fica bastante claro no texto de Deute-
ronômio 23:13, onde diz: “E entre as tuas armas terás uma pá; e será que,
quando estiveres assentado, fora, então com ela cavaráse, virando-te, co-
brirás o que defecaste” (BIBLEHUB, 2019c). Como os dois outros vocá-

112 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
bulos, o termo arma também é amplamente encontrado em sentido figu-
rado, como em Romanos 13:2: “A noite é passada, e o dia é chegado. Re-
jeitemos, pois, as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz”.
Vencidas as etapas anteriores, foi realizada a fase qualitativa de
interpretação dos textos, sobre os quais valem a pena algumas considera-
ções. A primeira delas se refere à profunda discrepância entre as realida-
des sociais e políticas observadas nas sociedades do Antigo e Novo Tes-
tamento. Na primeira, são incluídas histórias que datam de mais de 2000
anos antes de Cristo (THOMAS NELSON BRASIL, 2011). Nesta época
poucas eram os povos que contavam com um código definido de leis,
sendo frequente que as relações entre diferentes clãs fossem baseadas-
num constante estado de guerra, na disputa por territórios com fronteiras
fluidas e que as regras fossem definidas arbitrariamente pela soberana
vontade dos reis, pelo desejo das divindades ou simplesmente pelo hábito
cultural desenvolvido entre alguns agrupamentos sociais. Mesmo em se
considerando os povos hebreus e os babilônicos, que contavam respecti-
vamente com a Lei Mosaica e o Código de Hamurabi, muitas das normas
enumeradas foram elaboradas em conformidade com as características
socioculturais da época, dificilmente sendo possível transportar as reali-
dades veterotestamentárias para as atuais. Vejamos alguns exemplos:
Tanto no Código de Hamurabi (artigos 196, 197 e 200) quanto na Lei
Mosaica (Levítico 24:20) era indicada a punição do agressor na mesma
medida em que teria produzido dano ao seu semelhante, sem a interfe-
rência de um ator estatal responsável por investigar as causas, determinar
culpa ou dolo, definir e executar a pena (MOURA, 2006). Por este moti-
vo, os pesquisadores optaram por excluir os textos do Antigo Testamento
do escopo da pesquisa, considerando que uma tentativa de intepretação
direta de seus textos, sem uma leitura contextualizada dos seus corres-
pondentes no Novo Testamento poderiam produzir severas distorções nas
conclusões finais, sendo claramente direcionadas para a Lei de Talião.
Além desta argumentação sociocultural, é relativo consenso entre os teó-
logos de matriz cristã que a fonte principal da doutrina se baseia sobre os
escritos do Novo Testamento (EGGER, 2005).
Frente aos pressupostos apresentados nos parágrafos acima, os au-
tores entenderam adequado estabelecer como critério de exclusão: 1) Os
textos do Antigo Testamento; 2) A palavra chave “arma” considerando a
ampla possibilidade de seus significados e os riscos de equívocos de in-
terpretação.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 113


3. Discussão:
Após a aplicação dos critérios de exclusão restou apenas um epi-
sódio, descrito nos quatro Evangelhos, conjunto de livros que descrevem
a história de Jesus. A cena é a que precede a prisão do Cristo pelos sol-
dados do Sumo Sacerdote. A sequência de eventos, contada em mais ou
menos detalhes em cada livro indica que:
1. Jesus recomenda que os discípulos modifiquem sua atitude frente aos
de fora da comunidade de fé. Até então tinham sido recomendados a
andar apenas com as roupas do corpo, sem levar dinheiro ou ferramen-
tas, esperando serem sustentados por ofertas daqueles que fossem ade-
rindo à nova fé. Doravante os discípulos não deveriam esperar receber
outro tratamento que não fosse a hostilidade. Assim, receberam o con-
selho de adquirir espadas;
2. Os discípulos respondem que estão de posse de duas espadas, ao que
Cristo replica ser em número suficiente;
3. No momento da chegada de Judas Iscariotes com o Sumo Sacerdote e
seus soldados os discípulos questionam se devem usar a espada. Não
há registro se Cristo respondeu a esta pergunta;

114 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
4. Simão Pedro reage e corta a orelha de Malco, servo do Sumo Sacerdo-
te;
5. Jesus o adverte a guardar a espada, diz que aquele que impunha a es-
pada, pela espada será destruído e ressalta que utilizar a espada para
defendê-lo naquela circunstância seria impedir o cumprimento de sua
missão na Terra.

O texto aparentemente expõe situação de dubiedade, uma vez que


Jesus orienta ao porte das espadas e considera duas suficientes. Ao de-
sembainhá-la, Simão Pedro dá a crer que o silêncio de Cristo não foi um
sinal de proibição a usar a espada. No entanto, após o ato de defesa, o
Nazareno manda guardar o armamento e faz algumas afirmações que po-
dem ser compreendidas pelo contexto doutrinário das Sagradas Escritu-
ras. O primeiro deles é que Jesus não pediu proteção humana, mas reco-
mendou que cada um estivesse preparado para sua própria defesa. O se-
gundo, que ao afirmar que os que usavam espadas morreriam ao fio de-
las, Cristo estava trazendo um aviso profético de que muitos dos discípu-
los também sofreriam perseguição e seriam mortos pelos governantes e
religiosos da época.

4. Conclusão
Após submeter o texto bíblico a uma análise sistemática e utili-
zando métodos consagrados para a investigação linguística e interpreta-
ção dos textos escritos os autores não identificaram orientações doutriná-
rias que proíbam o uso de armas para autodefesa dos cidadãos comuns.
Apesar de excluído o texto veterotestamentário não existem evidências
de que sua inclusão revelasse resultado diferente, considerando as carac-
terísticas socioculturais da época, como frequente estado de guerra entre
povos e o fato de que os poucos códigos legais disponíveis estimulavam
a retaliação do dano na mesma medida, sem a existência de instancias
governamentais que regulamentassem a investigação, julgamento e exe-
cução de penas. Este estudo não pretende dar a última palavra a respeito
desta temática, mas consiste num movimento de investigação das Escri-
turas Sagradas utilizando ferramentas linguísticas, num ambiente acadê-
mico, não-confessional, considerando que, a aplicação de dogmas religi-
osos têm sido levados em consideração na formulação de políticas públi-
cas ao longo dos últimos meses e faz-se relevante que o teor destes escri-
tos sejam submetidos a meticulosos estudos visando à adequada compre-
ensão dos seus sentidos, tanto por adeptos da fé cristã, quanto por atores
do cenário político e da sociedade civil organizada.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 115


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NAHAS, Fabio Xerfan; HOCHMAN, Bernardo; FERREIRA, Lydia
Massako. Desenvolvimento do estudo: estratégia inicial. In: Acta Cirúr-
gica Brasileira, São Paulo, v. 20 (Suppl 2), 2005. Disponível em
http://www.scielo.br/pdf/acb/v20s2/v20s2a03.pdf. Acesso em: 28 abr.
2019.
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ro, v. 13, p. 249-69, 2012.
SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL. O primeiro livro de Moisés cha-
mado Gênesis. In: ___. Bíblia de Estudos de Genebra. São Paulo: Cultu-
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THOMAS NELSON BRASIL. Da criação aos patriarcas e do êxodo à
conquista. In: ___. Bíblia de Estudos Integrada. Rio de Janeiro: Thomas
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MOURA, Ozeas Caldas. Leis Mosaicas: Plagiadas do Código de Hamu-
rabi? In: Hermenêutica, Salvador, v. 6, p. 19-26, 2006.
EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento: Introdução aos
métodos linguísticos e histórico-críticos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005.

116 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
A RECORRÊNCIA DO ROTACISMO COMO ELEMENTO
FONÉTICO AFRICANO NA PRONÚNCIA DO CAMPISTA
NATIVO: UMA PESQUISA DE CAMPO INDICIAL
Neilda da Cunha Alves Ferro (UENF)
[email protected]
Thiago Soares de Oliveira (UENF)
[email protected]

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo ressaltar a ocorrência do rotacismo como
herança fonético-fonológica africana no linguajar do povo campista, com o intuito de
contribuir indicialmente para a verificação de um traço histórico-social que marcou
esta sociedade e que ainda é incipiente entre os pesquisadores da cidade e da região.
Assim, de forma específica, pretende-se recolher e analisar amostras de ocorrências de
rotacismo a partir de inquéritos fonético-fonológicos aplicados a campistas nativos,
apontando que a recorrência de tal elemento fonético-fonológico é, na verdade, um
traço de caráter histórico, como já apontam Pessoa de Castro (2001) e Aragão (2011),
por exemplo. Metodologicamente, por fim, em razão da fonte de dados a que se recor-
re, este estudo classifica-se como uma pesquisa de campo.
Palavras-chave:
Africanidades. Rotacismo. Campos dos Goytacazes.

7. Considerações iniciais
No Brasil, segundo Lucchesi et al. (2009), a constituição linguís-
tica contemporânea teve maior proeminência africana do que indígena,
informação que alicerça o ponto principal mais básico deste trabalho: a
verificação indicial da recorrência do rotacismo como elemento fonético-
fonológico africano na fala de campistas nativos. Na realidade, em Cam-
pos dos Goytacazes mais especificamente, a manutenção de determinada
herança africana no colóquio dos que aqui habitam pode estar em saliên-
cia porque, segundo Lima (1981), a cidade foi um dos grandes focos de
rebeldia negra no período do Império, mesmo antes da interferência dos
abolicionistas, sendo hoje, conforme apontam Ferro e Oliveira (2018b, p.
248), “a segunda cidade brasileira com maior massa populacional de ne-
gros, ficando atrás apenas de Salvador-BA”.
Nessa linha de pensamento, objetiva-se, por meio da pesquisa de
campo, recolher e analisar amostras do rotacismo a partir de inquéritos
fonético-fonológicos aplicados a campistas nativos, como forma de evi-
denciar de maneira indicial o que, de forma geral, já foi comprovado por

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 117


Pessoa de Castro (2001) e Aragão (2011): a ocorrência de rotacismo é
uma marca africana na fala de brasileiros. Assim, como instrumento da
pesquisa, aplicar-se-á um inquérito fonético-fonológico a doze pessoas
negras, em uma amostragem de três pessoas por bairro, com idade a par-
tir de cinquenta anos7, sendo nativos8 da cidade e habitantes de quatro
bairros periféricos9 (Custodópolis, Goytacazes, Guarus e Jockey Club),
os quais foram escolhidos de acordo com o quantitativo de pessoas ne-
gras (pretas e pardas) lá residentes e que estão, atualmente, entre os mais
populosos do município, conforme orientam os dados do Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Centro de Informações e
Dados de Campos (CIDAC).
Dessa forma, tratar-se-á da questão do rotacismo propriamente di-
to, considerando brevemente a formação da identidade dos nativos cam-
pistas e levando-se em conta o contexto contemporâneo. Assim, refletir-
se-á, a partir dos dados coletados e analisados, acerca da ocorrência do
fenômeno como traço fonético-fonológico da formação da identidade
cultural campista, devido à relação com a escravatura. Tal fato histórico,
apesar de ser atribuído à influência africana, não integra o escopo precí-
puo do trabalho aqui desenvolvido, motivo pelo qual não ser objeto de
aprofundamento teórico10. Apesar de ser marca linguístico-identitária do
campista, a questão fonética do rotacismo não tem sido abordada nos
campos científicos da cidade, sendo lacunosa a produção de novos co-
nhecimentos na área, o que motiva academicamente esta pesquisa.
Por fim, não se tem a pretensão de esgotar o assunto neste traba-

7
Estima-se que o fenômeno do rotacismo seja antigo na cidade de Campos dos Goytacazes,
assim optou-se por entrevistar pessoas negras a partir dos cinquenta anos de idade, pois,
supostamente, teriam mais vivências em relação à manifestação do referido fenômeno.
8
Considera-se nativa, para fins deste trabalho, a pessoa que nasceu em determinado lugar e
que carrega na sua identidade os costumes e tradições do local. Segundo o Censo
IBGE/2010, Campos tem cerca de 400.000 habitantes, e os nativos seriam aqueles
remanescentes das culturas que, até hoje, estão enraizadas no local de nascimento desses
povos. Para as análises aqui pretendidas, consideram-se os processos linguísticos como
fenômenos também culturais, sobretudo o fenômeno do rotacismo, que contribuiu
significativamente para a formação da cultura e da identidade campista.
9
Devido à proposta deste trabalho consideramos bairros periféricos toda a área que fica ao
redor do centro da cidade, conhecida como área suburbana.
10
Cf. Ferro e Oliveira (2018a) e Ferro e Oliveira (2018b), autores que abordaram recente-
mente a temática.

118 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
lho, fato que justifica a escolha do quantitativo diminuto de doze pessoas
como amostra para a pesquisa que, por ser indicial, não daria conta de
um número maior de indivíduos, o que seria desejável para um trabalho
de grande porte realizado em uma cidade com mais de 200 mil negros
(pretos e pardos) como habitantes. Nesse sentido, há de se ter em vista
que, aqui, não se pretende comprovar a ocorrência geral do rotacismo (is-
so já foi feito), mas, a partir de uma comprovação pré-existente, almeja-
se buscar no campo indivíduos campistas que apontem para a extensão
de tal fenômeno a uma cidade específica: Campos dos Goytacazes.

8. A identidade dos campistas nativos na contemporaneidade: breves


comentários
Neste capítulo, tomaram-se como referência as amostras recolhi-
das a partir do inquérito fonético-fonológico, que visou à representação
indicial da ocorrência do rotacismo como base identitária e cultural do
modo de ser campista contemporâneo11. Acredita-se que tal fenômeno
faça parte de um conjunto de peculiaridades que aponta para característi-
cas históricas do grupo social campista, como é o caso da ideia de per-
tencimento12, já que a forma de manifestação linguística é, ao que parece,
um elemento preponderante na análise de outras propriedades significati-
vas, também resultantes de processos históricos que caracterizam tal gru-
po. Assim é que se chega à contemporaneidade, quando os descendentes
daqueles que formaram os alicerces da sociedade campista apresentam
particularidades de um nativo goitacá, como resultado de um legado que
reafirma uma cultura e uma tradição.
Antes de qualquer coisa, dir-se-ia que a identidade campista con-
temporânea transcorre de um processo socioeconômico advindo do es-
cravismo, em que os negros representavam um considerável contingente
populacional. Por isso, “é de capital importância compreender que o hi-
bridismo de povos em Campos, vislumbrado a partir da óptica da relação

11
A noção de “contemporâneo” é utilizada em sentido geral, não havendo referência a con-
ceitos que possam advir de ciências e/ou disciplinas diversas.
12
Não se fala aqui de uma noção consciente de pertencimento, mas de um pertencimento
social, isto é, à sociedade campista. Cf. sítios eletrônicos tais como: http://mariachiqui
nha-mariachiquinha.blogspot.com.br/2009/02/aqui-se-falacampistes; https://www.buzz
feed.com/bellaisdead/dicionario-de-expressaes-campistas; http://pauloaourivesnipecremi
niscencias.blogspot.com.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 119


escravista, é característica da formação sociocultural de tal município”
(FERRO; OLIVEIRA, 2018b, p. 257). A identidade também pode ser a-
preciada como resultado de uma vida ruralista que se desenvolveu desde
a colonização e que, no início do século XIX, por causa da culminância
da fabricação do açúcar, incentivada pelas novas tecnologias e pela aber-
tura de capitais, acelerou, segundo Lamego Filho (1945), o progresso da
região, com o consequente enriquecimento dos grandes latifundiários.
À medida que os novos fazendeiros campistas acumulavam mais
capital por meio das propriedades e escravarias, adquiriam também pres-
tígio, respeito e poder. Assim, novas tendências do açúcar desenvolve-
ram o capitalismo na planície, estabelecendo uma engrenagem significa-
tiva para a modernização e expansão urbana, com a introdução da má-
quina a vapor na fabricação do açúcar, resultando, principalmente, na a-
bertura de estradas e rodovias e na construção de vias férreas, tendo co-
mo consequência um reordenamento da sociedade campista (SILVA,
1984). É o fim das engenhocas e a decadência dos pequenos colonos
produtores.
Em fins do séc. XIX, há um crescimento da população urbana. Os
bairros constituíram-se no município: a área central e seu entorno foram
reservados à construção de casarões dos grandes latifundiários e usinei-
ros e também de casas comerciais de luxo, pois eram onde se concentra-
vam as atividades sociais, econômicas e políticas do município, além dos
interesses da classe burguesa. Por isso, tal área era estruturada e saneada.
Por outro lado, os bairros periféricos, os quais, em sua maioria, forma-
ram-se entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX,
não dispunham de infraestrutura, e foram povoados principalmente por
africanos livres, porém pobres, além de alguns indivíduos migrados das
regiões rurais da planície, os quais se aventuraram na periferia urbana do
município, e escravos libertos pós-abolição, que não tiveram perspectiva
de sobrevivência, pois, com a modernização os novos postos de trabalho,
exigiam profissionais habilitados e letrados. Outros bairros periféricos,
todavia, formaram-se também na zona rural por força dos habitantes que
continuaram nas pequenas propriedades, como foi o caso dos ex-escravos
e dos colonos. As habitações dos bairros periféricos eram precárias e a
conservação da identidade constituída com a colonização, como o lingua-
jar, era evidente (LAMEGO FILHO, 1945).

120 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
9. Considerações gerais sobre a pesquisa de campo
Para analisar os aspectos linguísticos presentes na fala de um po-
vo, é preciso considerar um estudo interdependente entre os campos da
Fonética13 e da Fonologia14 para que sejam sistematizados os sons da fa-
la, considerando os aspectos fonéticos percebidos na produção desses
sons. Por outro lado, o que complementa o estudo da produção sonora é a
fonologia, que está relacionada com o sistema e os padrões que os sons
possuem. Nesse sentido, compactua-se com o entendimento de Mori
(2012, p. 160), segundo o qual “o estudo da fonética de uma língua,
qualquer que seja, resulta pouco proveitoso, de alcance limitado, se não
se considera a função que os segmentos fônicos desempenham no siste-
ma dessa língua”. Dessa forma, eis a Figura 1:

Figura 1: Classificação das consoantes.


Fonte: Hora (2003)

A Figura 1 serve de base para a classificação dos fonemas conso-


nantais, notadamente o “l” e o “r”, que interessam a este trabalho. Quanto
a tais fonemas, eles coincidem no ponto de articulação, classificando-se
como alveolares15, mas se diferenciam no modo de articulação, uma vez

13
De acordo com Cristófaro Silva (2015, p. 23), “a fonética é a ciência que apresenta os
métodos para a descrição, classificação e transcrição dos sons da fala, principalmente
aqueles utilizados na linguagem humana”.
14
Em poucas palavras, a fonologia “estuda as diferenças fônicas correlacionadas com as di-
ferenças de significado [...], ou seja, estuda os fones segundo a função que eles cumprem
numa língua específica, os fones relacionados às diferenças de significado e a sua inter-
relação significativa para formar sílabas, morfemas e palavras” (MORI, 2012, p. 159).
15
Alveolares são as consoantes formadas quando a ponta da língua entra em contato ou se
aproxima dos alvéolos dos incisivos superiores.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 121


que /l/ é a representação de uma consoante constritiva lateral16, enquanto
o /r/ é uma constritiva vibrante17. Como o ponto de articulação diz respei-
to ao obstáculo necessário à articulação consonantal, sendo ambos os fo-
nemas produzidos pelo toque da ponta da língua nos alvéolos dos dentes
incisivos superiores, a troca do /l/ pelo /r/ fica explicada por meio dos e-
lementos que compõem o aparelho fonador. Como exemplos, podem-se
citar: clara por crara; ciclovia por cicrovia. Tal fenômeno pode ocorrer
também numa coda silábica18, como é caso de talco por tarco e palco por
parco.
Obviamente, a questão do rotacismo não se esgota no elemento fí-
sico; há também o histórico, que se abordou brevemente durante o traba-
lho, mas recebeu tratamento mais aprofundado nas obras de Ferro e Oli-
veira (2018a) e Ferro e Oliveira (2018b). A fim de evidenciar o que se
vem afirmando a respeito do rotacismo, busca-se nos estudos de Xavier
(2010) o entendimento de que o quimbundo, que predominou no Brasil,
sobretudo em Campos dos Goytacazes, não tinha o /r/ no seu rol conso-
nantal, conforme ilustra o Quadro 2:

Quadro 2: Inventário dos fonemas consonantais do quimbundo


Fonte: Xavier (2010)

Observa-se no quadro acima que o quimbundo é composto de 20

16
Diz constritiva lateral, quanto ao modo de articulação, a consoante produzida quando há
obstáculo parcial na articulação, sendo que a corrente de ar sai entre as bochechas e a
língua.
17
Nesse caso, a corrente de ar produz, na ponta ou no dorso da língua, uma vibração.
18
Coda silábica diz respeito à posição final que a consoante ocupa na silaba, ou seja, a con-
soante se posiciona depois da vogal (mel, vender, etc).

122 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
fonemas consonantais distribuídos em quatro séries (oclusivas, nasal, la-
teral e fricativa) de acordo com suas funções. Dentre tais fonemas, não se
encontra o /r/ como sinalizado anteriormente. Outra questão analisada
por Xavier (2010) é o fato de os povos africanos falantes da língua ban-
to/quimbundo desconhecerem os encontros consonantais existentes na
língua portuguesa, episódio que poderia servir de barreira no contato com
o português e, consequentemente, ter influenciado na construção da lín-
gua brasileira por intermédio dos africanos comercializados para o Brasil,
os quais formaram, juntamente com os portugueses, a identidade do
campista, por isso a presença do rotacismo.
Então, procede-se, nesta parte do trabalho, a uma pesquisa fonéti-
co-fonológica objetivando verificar, em busca de apontamentos, de mar-
cas, a ocorrência do fenômeno do rotacismo na fala do povo campista.
Para tanto, realizou-se a coleta de dados com doze moradores negros da
cidade, ressaltando que o universo da pesquisa foi pequeno diante do
número atual de habitantes (463.731 habitantes)19, por se tratar de uma
amostragem indicial e devido à não pretensão de que tal análise seja es-
gotada nesse estudo científico de caráter incipiente. Em outras palavras,
sabe-se que o rotacismo é uma herança africana (PESSOA DE CASTRO,
2001; ARAGÃO, 2011), logo a pequena amostra recolhida tem o caráter
de vislumbrar, de sinalizar a ocorrência do fenômeno em Campos dos
Goytacazes.
Como parte dos procedimentos metodológicos, recorreu-se ao
Projeto Atlas Linguístico do Brasil20, do qual se utilizam o modelo de fi-
cha e a proposta do questionário para estruturar o inquérito fonético-
fonológico, procedendo-se da seguinte forma: primeiro, foi formulado o
inquérito como instrumento de coleta dos dados da pesquisa, avaliando a
fala de doze pessoas negras, acima de cinquenta anos e residentes em
bairros21 periféricos do município, quais sejam Jockey Club (3 pessoas),
Goytacazes (3 pessoas), Parque Guarus (3 pessoas) e Custodópolis (3
pessoas). Para a escolha dos bairros, utilizaram-se como base os dados do
censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-

19
Note-se que esse dado acompanha o último censo IBGE, realizado em 2010.
20
Informação sobre o AliB, pesquisar em: http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/WebHome.
21
Conforme os dados do IBGE os bairros selecionados contém o seguinte número habita-
cional: Custodópolis 6.984 hab; Goytacazes 11.290 hab; Guarus 12.820 hab; Jockey Club
4.824 hab.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 123


ca (IBGE), os quais foram aprimorados pelo Centro de Informação e Da-
dos de Campos (CIDAC). A partir disso, foi possível identificar quais e-
ram os bairros periféricos nos quais residem majoritariamente pessoas
pretas e pardas, dentre os quais foram escolhidos quatro.
É preciso destacar, a propósito, que a idade mínima de cinquenta
anos foi selecionada em razão do entendimento de que, entre falantes
mais velhos, pode-se verificar a manutenção de determinados traços fo-
nético-fonológicos, inclusive o rotacismo, fenômeno antigo que é objeto
de pesquisa neste trabalho. Outro fato relevante diz respeito à escolarida-
de dos pesquisados (vide Quadro 3), dada à necessidade de saber se esse
fator interfere na construção do rotacismo. Para tanto, a aplicação do in-
quérito contou com a colaboração de pessoas conhecidas ou moradoras
dos bairros selecionados, a fim de que indicassem indivíduos que se en-
quadrassem no perfil escolhido para o estudo.
Nesse sentido, preparou-se o inquérito enumerando alguns dados
básicos do entrevistado como: indivíduo X idade, escolaridade, bairro e
se o pesquisado já residiu em outra cidade. Além disso, selecionaram-se
vinte palavras cuja pronúncia possibilitasse a ocorrência do rotacismo em
dois contextos: a) consonantal (bl, cl, fl, gl, pl, tl, vl) e coda silábica (al,
el, il, ol, ul). No momento da coleta de dados, foi explicado aos sujeitos
que o material faz parte de um estudo incipiente na grande área da língua
portuguesa, com a finalidade de obter o título de “professora de portu-
guês e literaturas”22 em curso ministrado no Instituto Federal de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia Fluminense – campus Campos Centro.
O inquérito foi aplicado entre os meses de novembro e dezembro
de 2017, e, diante das respostas, os resultados foram transcritos o mais
fidedignamente possível. Antes da execução da tarefa, porém, a pesqui-
sadora que aplicou os inquéritos procurou deixar os pesquisados descon-
traídos, sem interferir nas respostas dadas, oportunizando um “bate-
papo” agradável e espontâneo, introduzindo também outras perguntas
sobre o cotidiano, o passado e o presente, com o objetivo de diminuir a
percepção dos sujeitos acerca da verdadeira intenção da pesquisa, na ten-
tativa de evitar o automonitoramento comum nesse tipo de trabalho.
Nessa conjuntura, foram aplicados dez inquéritos na residência

22
A expressão “Licencianda em Letras” não foi utilizada, a fim de facilitar o entendimento
dos pesquisados.

124 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
dos pesquisados e dois no Fórum Municipal de Religiosidade de Matri-
zes Africanas, realizado no dia 02 de novembro de 2017, no Instituto Fe-
deral Fluminense, organizado pelo Conselho Municipal de Promoção da
Igualdade Racial de Campos dos Goytacazes. Essa logística ocorreu pela
oportunidade de aproveitar o aglomerado de participantes no evento para
fins de economizar o tempo. Todos (quatro homens negros e oito mulhe-
res negras) se mostraram interessados em participar da pesquisa, apesar
de três dos pesquisados sentirem-se pouco à vontade no início do proces-
so, necessitando da intervenção da pesquisadora para que aceitassem par-
ticipar do inquérito. Além disso, o fator distância foi um “dificultador”
importante, visto que os quatro bairros estão geograficamente localizados
na área periférica do município, conforme perfil elencado para a inquiri-
ção. Considerou-se ainda como um ponto de dificuldade da pesquisa a
escolha das vinte palavras (10 com encontros consonantais e 10 com co-
das silábicas), uma vez que as perguntas deveriam facilitar a resposta do
pesquisado, pois o que interessava era a pronúncia. Mesmo assim, algu-
mas perguntas não foram bem entendidas por alguns inquiridos, necessi-
tando de uma explicação mais detalhada para que eles pudessem respon-
dê-las. Eis alguns exemplos:
a) Na pergunta cuja resposta era a palavra placa, 07 inquiridos sentiram
dificuldade em reconhecer tal objeto apenas por meio da indagação
(“O que se põe nas estradas para indicar a direção dos carros”?).
Dessa forma, os questionamentos foram repetidos pelo menos quatro
vezes por pesquisados sendo que um deles de 92 anos, residente em
Custodópolis, não soube responder à questão. Porém, quando soube
que se tratava do vocábulo placa, o indivíduo pronunciou o vocábulo
deixando evidente a ocorrência do rotacismo;
b) Outro problema reconhecido foi na palavra globo. Quando foi
perguntado “Qual é o nome da emissora de TV onde passa o
programa Jornal Nacional”? Um dos pesquisados não identificou de
imediato a resposta esperada. Do mesmo modo, em alguns
momentos, a pesquisadora pediu aos pesquisados que repetissem a
resposta dada, em razão da falta de inteligibilidade. A intenção era
ouvir a pronúncia do inquirido com clareza e anotá-la no formulário
com a máxima precisão, pois a aplicação do inquérito não foi
gravada e a nitidez da resposta era imprescindível.

As vinte perguntas contidas no inquérito basearam-se em palavras

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 125


nas quais houvesse a possibilidade de ocorrência do rotacismo. No que se
refere à constituição da coda silábica (al, el, il, ol, ul), não houve ocor-
rências de rotacismos23. Por outro lado, o rotacismo, nas palavras que
continham grupos consonânticos (bl, cl, fl, gl, pl, tl, vl), foi bastante co-
mum. As repostas foram no geral: bicicreta, bíbria, brusa, chicrete, cra-
ro, crara, croro, grobo, praca, inframada. A troca do /l/ pelo /r/ foi cons-
tatada.
Assim, antes que se avance para a análise dos dados contidos nos
inquéritos, apresentam-se o Quadro 3 e o Gráfico 1 com os dados dos
pesquisados, elencados no inquérito.

Escolaridade Idade Bairro Sujeito da Pesquisa


Ensino Médio Com-
54 Goytacazes Indivíduo A
pleto
Ensino Fundamental
62 Goytacazes Indivíduo B
Incompleto – 4ª s
Ensino Médio Com-
53 Goytacazes Indivíduo C
pleto
Ensino Fundamental
74 Custodópolis Indivíduo D
Incompleto – 3ª s
Analfabeto 63 Custodópolis Indivíduo E
Analfabeto 92 Custodópolis Indivíduo F
Ensino Fundamental
56 Guarus Indivíduo G
Incompleto – 1ª s
Ensino Médio Com-
53 Guarus Indivíduo H
pleto
Ensino Fundamental
61 Guarus Indivíduo I
Incompleto – 7ª s
Ensino Médio Com-
69 Indivíduo J
pleto Jockey
Superior Completo 65 Jockey Indivíduo L
Ensino Fundamental
64 Indivíduo M
Incompleto – 2ª s Jockey

Quadro 3: Características básicas dos sujeitos


Fonte: Dados da pesquisa

Note-se, a partir do Quadro 3, que, da maioria dos sujeitos que

23
Conforme mencionado, duas pessoas não souberam a resposta.

126 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
respondeu ao inquérito fonético-fonológico, a baixa escolaridade24 foi
observada (7 indivíduos do total de 12 inquiridos), sendo: dois analfabe-
tos25, cinco indivíduos com o ensino fundamental incompleto, quarto que
concluíram o ensino médio e apenas um com nível superior completo.
Também se percebe que, no bairro Custodópolis, todos os indivíduos têm
baixa escolaridade, enquanto nos demais há pelo menos um sujeito com
ensino médio ou superior completos. Apesar de a amostra ser relativa-
mente pequena, se comparada à população total dos bairros26, esse dado
pode funcionar com um indício que pode vir a suscitar novas pesquisas
acerca da relação entre o grau de escolarização dos indivíduos nessa par-
te da cidade e a ocorrência do rotacismo.
Quanto à faixa etária, o Quadro 3 aponta que, entre os doze indi-
víduos inquiridos, quatro têm entre 50 e 60 anos de idade; seis, entre 60 e
70 anos (metade da amostra); um, entre 70 e 80 anos; e apenas um entre
90 e 100 anos de idade. Vale ressaltar que em todos os bairros há uma
mescla de faixa etária dos sujeitos da pesquisa, à exceção do Jockey,
bairro no qual todos os indivíduos estão na faixa que compreende entre
os 60 e 70 anos de idade. De forma análoga ao que se registrou em rela-
ção à escolaridade, a questão relativa à idade por servir de apontamento
para o desenvolvimento futuro de pesquisa aprofundada que relacione o
fenômeno do rotacismo à idade dos sujeitos.
Agora, eis o Gráfico 1:

Gráfico 1: Grau de escolaridade dos entrevistados.


Fonte: Dados da pesquisa realizada em Nov/dez-2017.

O Gráfico 1 relaciona a idade dos sujeitos ao grau de escolariza-

24
Para efeitos deste trabalho, “baixa escolaridade” significa não ter concluído pelo menos o
ensino médio.
25
Para efeito de esclarecimento, Ribeiro (1997) compreende, de modo bastante sucinto, o
analfabeto como aquele indivíduo que não sabe ler e escrever.
26
Conforme os dados do censo demográfico do IBGE (2010).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 127


ção, apontando que: a) dos quatro indivíduos que têm ensino médio
completo, três se situam na faixa etária entre 50 e 60 anos, ou seja, na
faixa de idade mais baixa no que diz respeito a um dos critérios fixados
para a pesquisa (idade mínima de 50 anos); b) há uma mescla entre os
indivíduos que têm ensino fundamental incompleto, sendo apenas um na
faixa etária mais baixa (entre 50 e 60 anos), três com faixa intermediária,
isto é, entre 60 e 70, e apenas um com idade mais avançada (entre 70 e
80 anos); c) quanto aos analfabetos, um se posiciona na faixa mais baixa,
enquanto o outro, na mais elevada (entre 90 e 100 anos); d) há um sujeito
com ensino superior completo, na faixa entre 60 e 70 anos de idade. Por
se tratar de uma amostra reduzida, pelo próprio caráter da pesquisa, não
fica clara uma relação necessária entre os fatores idade e grau de escola-
rização.

10. Dos resultados da pesquisa


Conforme explicitado acima, quatro bairros periféricos serviram
de locus para a aplicação dos inquéritos fonético-fonológicos, visando a
verificar a ocorrência do rotacismo na fala do povo campista na atualida-
de. A partir da aplicação dos inquéritos, procedeu-se à análise dos dados
obtidos em cada bairro, cujos resultados estão apresentados a seguir. Eis
o Quadro 4:

Indivíduo J Indivíduo L Indivíduo M


Ocorrência de rotacismo
Alto Não Não Não
Bicicleta Sim Sim Sim
Calça Não Não Não
Bíblia Sim Sim Sim
Caldo Não Não Não
Blusa Sim Sim Sim
Falso Não Não Não
Chiclete Sim Sim Sim
Clara Sim Sim Sim
Salgado Não Não Não

128 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Claro Sim Sim Sim
Palco Não Não Não
Cloro Sim Sim Sim
Filtro Não Não Não
Globo Sim Sim Sim
Alpiste Não Não Não
Placa Sim Sim Sim
Solto Não Não Não
Inflamada Sim Sim Sim
Quadro 4: Ocorrência de rotacismo no bairro Jockey Club.
Fonte: Dados da pesquisa.

Conforme o Quadro 4, percebe-se que, na fala dos três indivíduos,


ocorreu rotacismo nas palavras que contêm encontro consonantal. Por
outro lado, não ocorreu da mesma forma com as palavras nas quais se
encontram codas silábicas, sendo o [l] a segunda letra (al, el, il, ol, ul).
Observa-se, também, que, na fala do indivíduo L (65 anos), portador de
diploma nível superior completo, ocorreu rotacismo em todas as palavras
que contêm encontros consonantais (bl, cl, fl, gl, pl, tl, vl). Durante o in-
quérito, o indivíduo J (69 anos), que é irmão do indivíduo L, relatou que
cursou o ensino médio completo e que, entre idas e vindas, residiu em
Niterói/RJ por pelo menos dez anos, porém observou-se a ocorrência de
rotacismo em todas as palavras com encontros consonantais, o que pode
apontar para uma suposta não influência da mudança de local de residên-
cia em relação à ocorrência do fenômeno analisado. Na fala do indivíduo
M (64 anos), que estudou até a 2ª série do ensino fundamental, também
se observou a ocorrência de rotacismo nos encontros consonantais já es-
pecificados.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 129


Gráfico 2: Percentagem da ocorrência de rotacismo na fala dos sujeitos do Jockey.
Jockey
Fonte: Dados da pesquisa.

O Gráfico 2 representa percentualmente a ocorrência do rotacismo


na fala dos sujeitos moradores do bairro Jockey Club, em Campos dos
Goytacazes. Como se verifica, a ocorrência do fenômeno se deu no per-pe
centual de 50%. Isso porque, na fala dos três indivíduos inquiridos,
inquirido a o-
corrência se notou na pronúncia de todas as palavras que contêm encon-
enco
tros consonantais, vocábulos estes que representam metade das perguntas
do instrumento de pesquisa. Em relação à coda silábica, nenhuma ocor-
oco
rência foi verificada, o que totaliza 50% das perguntas do inquérito. A
seguir, o Quadro 5:

Indivíduo G Indivíduo H Indivíduo I


Ocorrência de rotacismo
Alto Não Não Não
Bicicleta Sim Não Sim
Calça Não Não Não
Bíblia Sim Não Sim
Caldo Não Não Não
Blusa Sim Não Sim
Falso Não Não Não
Chiclete Sim Não Sim
Folga Não Não Não

130 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Clara Sim Não Sim
Salgado Não Não Não
Claro Sim Não Sim
Palco Não Não Não
Cloro Sim Não Sim
Filtro Não Não Não
Globo Sim Não Sim
Alpiste Não Não Não
Placa Sim Não Sim
Solto Não Não Não
Inflamada Sim Não Sim
Quadro 5: Ocorrência de rotacismo no bairro Parque Guarus.
Fonte: Dados da pesquisa.

Quanto ao Quadro 5, a ocorrência de rotacismo na fala dos indiví-


duos G e I é análoga à dos sujeitos do bairro Jockey Club, ou seja, o fe-
nômeno foi verificado em todas as palavras que contêm encontro conso-
nantal; nas que contêm coda silábica, a ocorrência foi nula. Ressalte-se
que o rotacismo não foi verificado na fala do Indivíduo H, nem em coda
silábica (o que já era esperado, considerando os demais resultados) nem
em encontro consonantal (o que não se esperava, já que, no bairro a que
se refere o Quadro 4, houve 100% de ocorrência do fenômeno nesse caso
e com todos os indivíduos). Em seguida, vide o Gráfico 3:

Gráfico 3: Percentagem da ocorrência de rotacismo na fala dos sujeitos do Paque Guarus.


Fonte: Dados da pesquisa.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 131


De acordo com o Gráfico 3, do total de 60 ocorrências (soma das
perguntas aplicadas aos três indivíduos), percebe-se que houve 20 ocor-
rências de rotacismo contra 40 não ocorrências. Na fala do Indivíduo H
(53 anos), por exemplo, que cursou o ensino médio completo, não foi ve-
rificada a ocorrência de rotacismo em nenhuma das palavras apresenta-
das no inquérito. Já na dos indivíduos G e I, o rotacismo ocorreu em to-
das as palavras (percentual de 50% do total de perguntas) com encontros
consonantais (bl, cl, fl, gl, pl, tl, vl), enquanto que não foi registrado o
fenômeno em nenhuma das palavras com coda silábica (al, el, il, ol, ul).
Os três inquiridos do Parque Guarus têm basicamente a mesma faixa etá-
ria, porém escolaridades distintas. Quanto ao Indivíduo I (61 anos) espe-
cificamente, caminhoneiro, estudou até a 7ª série do ensino fundamental,
apesar de ter viajado por muitos estados brasileiros, por causa da profis-
são, verificou-se a ocorrência do fenômeno nas suas respostas. O indiví-
duo G, por sua vez, de 56 anos de idade, estudou até a 1ª série do ensino
fundamental. Depois de responder ao inquérito, ele se desculpou por en-
tender que “cometeu muitos erros” na fala, alegando que estudou pouco.
Vide, agora, o Quadro 6:

Indivíduo D Indivíduo E Indivíduo F


Ocorrência de rotacismo
Alto Não Não Não
Bicicleta Não Sim Sim
Calça Não Não Não
Bíblia Não Sim Sim
Caldo Não Não Não
Blusa Não Sim Sim
Falso Não Não Não
Chiclete Não Sim Sim
Folga Não Não Não
Clara Não Sim Sim
Salgado Não Não Não
Claro Não Sim Sim
Palco Não Não Não Soube
Cloro Não Sim Sim

132 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Filtro Não Não Não
Globo Não Sim Sim
Alpiste Não Não Não
Placa Não Sim Não Soube
Solto Não Não Não
Inflamada Não Sim Sim
Quadro 6: Ocorrência de rotacismo no bairro Custodópolis.
Fonte: Dados da pesquisa.

O Quadro 6 ilustra a ocorrência de rotacismo na fala do sujeitos


inquiridos do bairro Custodópolis. A situação do Indivíduo D é seme-
lhante à do Indivíduo H, morador do Parque Guarus, já que na fala de
nenhum dos dois foi verificada a ocorrência de um rotacismo sequer. Em
relação aos Indivíduos E e F, trata-se de situação análoga à dos demais
inquiridos (exceto os Indivíduos D e H), à exceção deste último, que não
soube a resposta de duas questões: uma envolvendo encontro consonantal
e outra contendo coda silábica. O evento foi interpretado como uma difi-
culdade relativa às perguntas componentes do instrumento de pesquisa.
Ainda que se tenha tentado optar por vocábulos de conhecimento geral
como respostas para o inquérito, as palavras “placa” e “palco” não foram
mencionadas como resposta às questões 13 e 18, por desconhecimento ou
por não entendimento da pergunta, acredita-se.
Ainda em relação ao Indivíduo F, das outras 18 perguntas, houve
ocorrência de rotacismo nas 9 de encontro consonantal, mas não nas 9 de
coda silábica. Esse indivíduo tem 92 anos e nunca foi à escola porque,
segundo ele mesmo relatou, seus pais preferiram que trabalhasse “na casa
dos brancos”, “no corte de cana”, para ajudar nas despesas de casa. Ele
relatou, ainda, que reside até hoje na mesma casa de sapé e telhado de
palha, construída pelo seu pai e que, posteriormente, foi reformada com
tijolo maciço, cimentos, telhas coloniais (depois laje). Esse dado
corrobora a informação de que o bairro de Custodópolis teve como
primeiro nome “Cidade de Palha”, conforme menciona Cordeiro (2012).
Esse indivíduo revelou se sentir triste por não saber ler nem escrever e,
por isso, exigiu que todos os filhos estudassem pelo menos até o “2º
grau”.
O Indivíduo E, especificamente, também comentou a respeito da
sua situação escolar: nunca foi à escola para que pudesse trabalhar em
“casa de família” e “no corte de cana”, situação bastante semelhando à

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 133


do Indivíduo F. Com 63 anos, disse que queria saber ler e escrever. Nas
respostas do inquérito em questão, ocorreu rotacismo nas 10 palavras de
encontro consonantal, mas, nas 10 que contêm coda silábica, não foi
constatada ocorrência. O mesmo ocorreu com o indivíduo D, de 74 anos
e que estudou somente até a 3ª série do ensino fundamental. Ele disse que
sabe que “fala errado” por causa do seu “pouco estudo”. Eis o Gráfico 4:

Gráfico 4: Percentagem da ocorrência de rotacismo na fala dos sujeitos de Custodópolis.


Fonte: Dados da pesquisa.

Diante dos dados acima apresentados no Gráfico 4, nota-se que o


Indivíduo D respondeu a 100% das peguntas sem que se verificasse a
ocorrência do rotacismo. Já na fala do Indivíduo E, que também soube
reponder a todas as perguntas do inquérito, ocorreu rotacismo em 50%
das questões, todas relacionadas às respostas que contêm palavras com
encontros consonantais, não sendo observado o fenômeno nos vocábulos
com coda silábica (50% do total das perguntas). Relativamente ao
Indivíduo F, este não soube responder a 10% das perguntas (2), mas, das
90% repondidas, a ocorrência do fenômeno se deu no percentual de 45%
em relação aos vocábulos com encontro consonantal, enquanto os outros
45% das perguntas foram preenchidos pela não ocorrência de rotacismo
nas palavras com coda silábica, na esteira do que se vem verificando com
a manifestação oral dessa composição de sílaba. Agora, vide o Quadro 7:
Indivíduo A Indivíduo B Indivíduo C

Rotacismo
Alto Não Não Não
Bicicleta Sim Sim Sim
Calça Não Não Não
Bíblia Sim Sim Sim

134 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Caldo Não Não Não
Blusa Sim Sim Sim
Falso Não Não Não
Chiclete Sim Sim Sim
Folga Não Não Não
Clara Não Não Não
Salgado Não Não Não
Claro Não Não Não
Palco Não Não Não
Cloro Sim Sim Sim
Filtro Não Não Não
Globo Sim Não Sim
Alpiste Não Não Não
Placa Sim Sim Sim
Solto Não Não Não
Inflamada Sim Sim Não
Quadro 7: Ocorrência de rotacismo no bairro Goytacazes.
Fonte: Dados da pesquisa.

Trata-se do último bairro onde foram aplicados os inquéritos.


Nota-se, no Quadro 7, a existência de dados que trazem peculiaridades,
pois, entre os três sujeitos do bairro de Goytacazes, houve rotacismo na
pronúncia de algumas palavras que contêm encontros consonantais, mas
em outras não. Nas respostas do Indivíduo A, que tem ensino médio
completo, observou-se a ocorrência de rotacismo nas palavras de encon-
tro consonantal bicicleta, bíblia, blusa, chiclete, globo, claro, placa e in-
flamada, mas não em cloro, clara. Tal indivíduo tem 54 anos e cursou o
ensino médio completo. Fato semelhante ocorreu com os outros dois su-
jeitos, quais sejam os Indivíduos B e C. Na fala do indivíduo B (62 a-
nos), que estudou até a 4ª série do ensino fundamental, ocorreu rotacismo
em sete palavras com encontro consonantal (bicicleta, bíblia, blusa, chi-
clete, cloro, placa e inflamada), mas não em globo, clara e claro. No que
se refere à coda silábica, o rotacismo não ocorreu nas 10 palavras. O in-
divíduo C tem 53 anos e cursou o ensino médio completo. Não se verifi-
cou o fenômeno nas palavras com coda silábica nem em três palavras
com encontros consonantais (inflamado, claro e clara). O rotacismo a-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 135


conteceu somente nas palavras com grupos consonânticos: bicicleta, bí-
blia, blusa, chiclete, cloro, placa, globo. Agora, vide o Gráfico 5:

Gráfico 5: Percentagem da ocorrência de rotacismo na fala dos sujeitos de Goytacazes.


Goytacazes
Fonte: Dados da pesquisa.

O Gráfico 5 aponta que a ocorrência de rotacismo na fala dos três


trê
sujeitos inquiridos no bairro Goytacazes ficou em torno de 60 a 80%, ou
seja, houve aproximação percentual da ocorrência do fenômeno fonético.
O Gráfico também aponta para uma aproximação entre os casos de não
ocorrência do rotacismo na fala do sujeitos. Para que se possa ver, em
linhas gerais, como se deu a ocorrência do rotacismo entre os doze
participantes da pesquisa, eis o Gráfico 6:

Gráfico 6: Resultado percentual total do inquérito fonético-fonológico


fonológico.
Fonte: Dados da pesquisa.

Em se tratando
ratando das duas modalidades de rotacismo analisadas nes-
ne
te trabalho, pode-se
se apontar que os sujeitos a quem se aplicou o inquérito

136 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
não manifestam oralmente27 o rotacismo, quando o fonema /l/ compõe
uma coda silábica. O que se percebe é que, em palavras como alto e fal-
so, tal fonema não se manifesta como constritivo lateral, mas semivocali-
zado (/w/), e isso, possivelmente, é uma das causas da não ocorrência do
fenômeno em coda. Interessante notar isso porque, historicamente, a
maior incidência do fenômeno, em Campos dos Goytacazes, dá-se na
pronúncia das palavras construídas com os encontros consonantais, trata-
dos por SILVA e SILVA (2016) como “peculiaridade fonética” cultural
ocorrida na Planície Goytacá. Quando os moradores fazem a troca do “L
pelo R – tanto na fala quanto na escrita – ele está ratificando essa tendên-
cia marcante no idioma há séculos” (SILVA E SILVA, 2016, p. 54), te-
ma linguístico presente no Brasil desde o século XVII. Nesse sentido, a
inclusão das palavras que supostamente possibilitariam o rotacismo na
pronúncia de palavras com coda silábica ocorreu para que se pudesse ve-
rificar de forma indicial se, de fato, tais questões históricas são proceden-
tes na época atual. E o são.
Já as palavras cuja composição continha encontro consonantal,
a verificação do rotacismo foi abundante. É nesse sentido que se entende
que a identidade de um povo é construída e mantida por meio de um con-
junto de elementos comuns a determinadas regiões, os quais são resulta-
dos da diversidade cultural. Isso inclui a questão linguística, como se po-
de notar após a análise dos dados indiciais. O campista nativo parece tra-
zer, em seu contexto histórico, uma marca identificada no fenômeno do
rotacismo em grupos consonantais com /l/ que, mesmo com o desenvol-
vimento sociocultural ocorrido durante os séculos, permanece vivo. Di-
ante dos dados incipientes coletados, considera-se o rotacismo, enquanto
herança fonético-fonológica africana como uma expressão identitária dos
nativos da planície goitacá na época contemporânea.

11. Considerações finais


Assim, a linguagem permeia o conhecimento, o modo de agir e de
pensar de um grupo social. Apesar da ocorrência do rotacismo na fala
dos sujeitos integrantes da pesquisa, não se considera tal fenômeno como
marca de “erro na pronúncia”, porque a maneira de falar é possibilitada

27
A manifestação oral a que se refere este trecho do trabalho diz respeito à pronúncia das
palavras que compuseram o inquérito fonético-fonológico como forma de verificar a o-
corrência do rotacismo na fala dos sujeitos inquiridos.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 137


pela própria língua, mesmo que não seja observada a norma-padrão.
Nesse sentido, o rotacismo em encontros consonantais de palavras
como bicicreta, Craudia, frecha, chicrete, cicrovia marcam, de certa
forma, a população campista contemporânea. É esse linguajar que, na a-
tualidade, ainda se ouve na periferia do município, servindo como um e-
lemento de identificação sociocultural do cidadão. Entende-se, então,
que, na língua portuguesa do Brasil, principalmente em Campos, esse fe-
nômeno fonético é um patrimônio herdado dos africanos, que participa-
ram do processo de construção da linguagem popular. E isso pôde ser e-
videnciado de forma indicial neste trabalho.
O resultado da pesquisa revela a ocorrência do rotacismo em de-
terminados bairros periféricos de Campos, demonstrando que, num total
de 240 perguntas (120 encontros consonantais e 120 codas silábicas, sen-
do 20 perguntas para cada um dos 12 inquiridos), encontramos rotacis-
mos em noventa respostas dos entrevistados, todas referentes aos encon-
tros consonantais, mas não houve ocorrência do rotacismo nos vocábulos
em que se observa coda silábica. Indicialmente, embora 75% dos infor-
mantes tivessem ouvido, em algum momento da vida, a pronúncia padrão
de algumas palavras inseridas no inquérito, eles não se “desvencilharam”
do rotacismo, fato que confirma a hipótese (pesquisa indicial, repete-se)
de que esse fenômeno participa da identidade sociocultural da população
nativa campista conforme já atestava Pessoa de Castro (2011) e Aragão
(2011). Vide que a fala do indivíduo L, que concluiu o ensino superior, é
marcada pela constância do rotacismo. Nesse contexto, não se afirma que
a ocorrência do rotacismo na fala seja resultado de falta de escolarização
ou “erro”. Acredita-se que se trata de uma questão cultural que acompa-
nha a população campista há séculos, logo o rotacismo não é percebido
pelo falante porque está enraizado, inclusive, no seu convívio social.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 139


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140 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
A SOCIOLINGUÍSTICA APLICADA A MÉTODOS DE
AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS NO SETOR DE SAÚDE
Sandro Reis Rocha Barros (UENF)
[email protected]
Alessandra Rocha Melo (IFF)
[email protected]
Renato Faria da Gama (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]

RESUMO
Este artigo apresenta a proposta de um novo método de avaliação do impacto so-
cial de projetos oferecidos por organizações sociais do Terceiro Setor. Buscando aten-
der aos critérios de eficiência, eficácia e efetividade, esse método tem como objetivo
compreender de que forma os modelos de avaliação de projetos sociais do Terceiro Se-
tor tem acontecido na cidade de Campos dos Goytacazes, a fim de serem redimensio-
nados e potencializados em suas execuções. Para isso, realizou-se uma pesquisa biblio-
gráfica e documental, buscando evidenciar algumas particularidades dessas ações
propostas, mais especificamente, nas instituições cadastradas no Conselho Municipal
de Saúde deste município. Uma vez que, variáveis sociais como idade, sexo, classe, ori-
gem, escolaridade, geração, região e pressuposições cognitivo-culturais, quase sempre
produzem um efeito sistemático sobre o comportamento linguístico, e através da socio-
linguística pode-se demonstrar a covariação das variações linguística e social e suas
relações causais em ambas as direções, além do fato de que a linguagem é um objeto
de análise em seu contexto social. A partir desses pressupostos, esta pesquisa aponta
caminhos para se produzir o uso linguístico adequado às especificidades particulares
de seu público alvo, a partir da análise sociolinguística nas comunidades urbanas, on-
de os serviços no setor de saúde são ofertados.
Palavras-chave:
Sociolinguística. Terceiro Setor. Avaliação de Impacto Social.

1. Introdução
Diante da crescente demanda por projetos sociais que visam aten-
der às necessidades de determinados segmentos da sociedade, identifica-
se, uma carência por novos métodos de avaliação do impacto social des-
ses projetos, de maneira que seus órgãos financiadores possam ter um di-
agnóstico mais preciso da eficiência, eficácia e efetividade dos serviços
ofertados pelas entidades financiadas. Desde o fim da segunda guerra
mundial, e a partir da generalização do Estado de Bem-Estar Social

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 141


quando muitos países começaram a investir mais recursos financeiros em
projetos sociais, surgiu uma grande demanda por métodos de avaliação
dos resultados, bem como dos impactos sociais causados por estes proje-
tos. Segundo Prates Rodrigues (2010), tanto no setor público como pri-
vado, as avaliações sociais são uma prática relativamente recente, e ainda
passam por muitos debates metodológicos. No Brasil, estima-se que mui-
tos municípios ainda não contam com o auxílio de metodologias que
propiciam uma boa avaliação dos projetos sociais, principalmente os da
área de saúde e que são ofertados pelo Terceiro Setor. Com relação à
avaliação de impacto social, verifica-se que são utilizados métodos base-
ados em modelos estatísticos e muito complexos e dispendiosos, o que
inviabiliza sua aplicação em projetos sociais do Terceiro Setor, os quais,
normalmente, são de pequena e média dimensão e não contam com re-
cursos para tais modelos de avaliação.
A proposta desse artigo aponta para uma pesquisa bibliográfica e
documental que possa possibilitar a análiseda metodologia de avaliação
usada no município de Campos dos Goytacazes, estado do Rio de Janei-
ro, e tem como recorte para amostragem, uma Organização Social deno-
minada “APAPE” (Associação de Pais de Pessoas Especiais).
O referencial teórico da Sociolinguística é aplicado no estudo e
confecção de uma nova proposta metodológica para avaliar o impacto
social do projeto social ofertado por instituições que possuem este mes-
mo perfil e área de atuação.

2. A importância do Terceiro Setor


A importância do Terceiro Setor ainda não é muito reconhecida
pelo fato de haver pouca compreensão a respeito de sua finalidade, pro-
pósito, papel social, área de abrangência e também sua regulamentação a
nível de legislação e normatização. Falconer (1999) mostra que essa no-
menclatura se refere a um vasto grupo de organizações bastante diversifi-
cadas em suas realidades e áreas de atuação. O Terceiro Setor é compos-
to por organizações privadas sem fins lucrativos e que se destinam à
prestação de algum tipo de serviço à sociedade, podendo, ou não, recebe-
rem recursos provenientes do Setor Público Governamental ou Privado
Empresarial. Estas podem ser classificadas como: ONG (Organização
Não-Governamental); OS (organização Social); OSC (organização da
Sociedade Civil); OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público).

142 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Um estudo realizado no ano de 2002 pelo IBGE (Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística), juntamente com o IPEA (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), a ABONG (Associação Brasileira de Or-
ganizações Não Governamentais) e o GIFE (Grupo de Institutos, Funda-
ções e Empresas) apontam para a existência de mais de 500 mil institui-
ções do Terceiro Setor no Brasil.
Apesar do Terceiro Setor já existir no Brasil desde o tempo da co-
lonização, quando a “Irmandade da Santa Casa de Misericórdia” se insta-
lou em Olinda, PE, no ano de 1539, foi somente no ano de 2014 que o
Governo criou o, então, chamado “Marco Regulatório do Terceiro Setor”
através da Lei Nº 13.019/2014 a qual trouxe uma série de mudanças para
a formalização de parcerias entre as organizações da sociedade civil e a
Administração Pública, regulamentando de maneira, legal, formal e ope-
racional, as suas relações contratuais. Documento este, que já sofreu al-
gumas alterações em dezembro de 2015 por meio da Lei 13.204/2015.
O Marco Regulatório começou a vigorar em janeiro de 2016 nos
âmbitos da União, Estados e Distrito Federal. No entanto, para os Muni-
cípios foi estabelecido o início de sua vigência para 1° de janeiro de
2017. Também deve ser considerada a Portaria MJ nº 362/2016, que con-
templou as alterações trazidas pela Lei nº 13.019/2014, conhecida como
Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). A
legislação do Marco Regulatório contou ainda com realização de duas
consultas públicas online para a elaboração do decreto regulamentar
(Decreto nº 8.726, de 14 de abril de 2016).

3. Teoria da avaliação de projetos social no quesito impacto social


É importante que se defina “Projeto Social” antes de se abordar o
tema de sua avaliação. Um Projeto Social, segundo Prates Rodrigues
(2014) é definido como um empreendimento ou uma ação planejada,
compostos por várias atividades inter-relacionadas e coordenadas em que
se tem um discernimento claro de seus objetivos a serem realizados den-
tro de um orçamento num determinado período de tempo e cujo propósi-
to seja promover e criar algum tipo de benefício à sociedade; e segundo
Rossi, Freeman e Lipsey (1999), devem buscar o enfrentamento de um
problema social a fim de trazer melhorias sociais. De acordo com Cano
(2002), para ser um projeto social, ele tem que causar mudança na reali-
dade social onde for realizado.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 143


Uma das teorias usadas para planejamento e avaliação de projetos
sociais é a “teoria da mudança” aplicada no método denominado de
“Marco Lógico” (ou marco conceitual). Este método foi desenvolvido
pela USAID, uma agência dos Estados Unidos voltada para o desenvol-
vimento internacional dando assistência aos países com risco social, e,
segundo Frechtling (2007) tem sido um instrumento importante para ava-
liação de projetos sociais. No Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Pe-
trobrás têm feito uso desse método.
Após algumas modificações, esse método passou a contar com e-
tapas que devem ser desenvolvidas com a participação do público-alvo
do projeto e outros parceiros, com o objetivo de se traduzir a realidade
social a ser trabalhada e, posteriormente, avaliando o impacto social al-
cançado.
É justamente quando se detecta a importância e a necessidade de
se ouvir o público-alvo, que a natureza da atividade avaliativa mostra sua
afinidade com a teoria sociolinguística, a qual possibilitará uma avaliação
que refletirá com maior transparência o impacto social na vida dos bene-
ficiários do projeto social em questão.

3. O sistema de avaliação usado atualmente pelo municípios de Cam-


pos dos Goytacazes
As instituições do Terceiro Setor que oferecem serviços na área
de saúde podem receber verbas do governo, desde que estejam cadastra-
das no Conselho Municipal de Saúde do município. Este conselho se re-
úne mensalmente com o fim de avaliar as instituições e seus projetos pa-
ra deliberar sobre os investimentos. Tais avaliações são, atualmente, fei-
tas através de: acompanhamento de relatórios escritos pela própria insti-
tuição; visitas de inspeção na instituição realizada pelos técnicos da Se-
cretaria Municipal de Saúde; formulário preenchido pelos agentes da Se-
cretaria Municipal de Saúde e encaminhados ao Conselho.
No caso particular da instituição APAPE, existe um instrumento
intitulado “Pesquisa de Impacto Social”, elaborado pela própria institui-
ção, que visa colher informações quanto ao grau de satisfação dos usuá-
rios com relação aos serviços recebidos pela comunidade.

144 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Figura 1. Questionário de Pesquisa de Impacto Social – APAPE

Este questionário não atende aos requisitos mínimos desejáveis


apontados pelo referencial teórico sobre avaliação de impacto social de
projetos sociais. Diante da fragilidade detectada neste atual sistema de
avaliação realizado tanto pelo Conselho Municipal de Saúde, quanto pela
APAPE, esta pesquisa vem apresentar um novo modelo de avaliação, a
qual se realiza a partir de uma metodologia sociolinguística.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 145


4. Metodologia para avaliação sociolinguística
Segundo Silva (2011), a sociolinguística possui, originariamente,
perfil multidisciplinar, e considerando seus pressupostos de que “lingua-
gem, cultura e sociedade são considerados fenômenos inseparáveis”
(SILVA, 2011, p.49), ela torna-se um método que, por sua própria natu-
reza, sugere sua possível aplicação nas pesquisas de avaliação de impacto
social. A pesquisa que originou este artigo detectou a existência de uma
correlação entre a “teoria da variação” presente na sociolinguística e a
“teoria das mudanças” presente na metodologia de avaliação de projetos
sociais denominada “Marco Lógico”,que tem apresentado bons resulta-
dos nas pesquisas e aplicações na área de avaliação de impacto social.
Associado a esta correlação, tem-se que esse “modelo teórico-
metodológico que tem por princípio a existência de uma ciência da lin-
guagem social, que assume a coexistência de variantes no meio social”
(SILVA, 2011, p.51), pode extrair com boa precisão a realidade que se
deseja conhecer e avaliar dentro de uma comunidade linguística, isto
porque segundo Alkimim (2006), a coexistência de um conjunto de vari-
edades linguísticas em qualquer comunidade de fala acontece pela estru-
tura sociopolítica de cada comunidade, de acordo com o contexto de suas
relações sociais. Outro fator favorável a essa metodologia é que o “em-
prego da entrevista sociolinguística pode minimizar o efeito negativo
causado pela presença do pesquisador”. (SILVA, 2011, p. 52).
Assim, considerando o método de análise sociolinguística no que
diz respeito à sua proposta de verificar e analisar as relações entre a vari-
ação linguística e o componente social, conforme expõe Malta (2014), e
partindo do pressuposto mostrado por Labov (1972) de que as variações
não são aleatórias, porém sistemáticas, tem-se na sociolinguística, um
ferramental adequado para descrever e explicar tais variações a partir de
fatores sociais relacionados ao falante, como sexo, grau de escolaridade,
faixa etária, etc.
Neste trabalho de pesquisa, encontra-se em construção, um banco
de dados com base em informantes das comunidades linguísticas vincu-
ladas aos projetos sociais a serem avaliados. Também estão sendo reali-
zadas fichas sociolinguísticas referentes aos informantes, contendo in-
formações como: sexo, idade, naturalidade, escolaridade, localidade de
moradia e profissão, que segundo a teoria Laboviana, se constituem vari-
antes linguísticas fundamentais ao estabelecimento de grupos de fatores
sociais.

146 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Nesta metodologia, mantém-se o sigilo com relação a identidade
dos informantes, na ficha, que é identificada por códigos, como também
nas transcrições das entrevistas.
Na etapa das entrevistas, procura-se entender como os informan-
tes articulam suas realidades fazendo uso da linguagem, sabendo-se que
todo discurso é uma construção de sentidos em um determinado contexto
social, histórico e temporal, o que está plenamente de acordo com Orlan-
di (1987), que sustenta que a estrutura da sociedade pode ser estudada
pelos seus reflexos na estrutura linguística. As entrevistas que constitui-
rão o corpus que servirá de base para esta pesquisa, abrangem três ins-
tâncias ou categorias: a dos gestores dos projetos sociais, a dos servido-
res que atuam nos referidos projetos e dos seus usuários (beneficiários),
bem como suas famílias, entendendo que estas também são beneficiadas
pelos projetos sociais avaliados.

5. A fase das entrevistas


Objetivando o equilíbrio do corpus, dentro de cada instância ou
categoria, busca-se entrevistar pessoas de diferentes sexos, faixas etárias,
níveis sociais, graus de escolaridade e profissões. Nesta fase da pesquisa
aqui relatada, já foram realizadas as entrevistas com os gestores, as quais
seguiram o elenco de 30 perguntas previamente elaboradas conforme a
seguir:
1 – Você poderia resumir quais são os valores, a missão e os obje-
tivos de sua instituição?
2 – Você acredita que a instituição atende a todas as frentes que
ela se propõe a realizar?
3 – Você acredita que o instrumento de avaliação existente é sufi-
ciente para avaliar aquilo que se propõe realizar?
4 – A equipe multidisciplinar é completa?
5 – Se é completa, ela participa de todas as frentes a que ela se
destina?
6 – Qual o profissional que participa mais efetivamente dessa en-
grenagem da instituição?
7 – O que você entende por “Impacto Social”?

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 147


8 – Você acha que a relação entre a avaliação e o impacto social
atende integralmente a inserção dessa estrutura organizacional dentro
dessa comunidade?
9 – Quais são os projetos desenvolvidos pela Instituição?
10 – Você acha que deveria existir outras instituições dessa mes-
ma natureza e finalidade aqui na cidade?
11 – Você sabe informar se são feitas reuniões periódicas ou espo-
rádicas na instituição com o objetivo de fazer uma auto-avaliação?
12 – Nessa auto-avaliação vocês buscam verificar se os profissio-
nais estão realmente engajados e o quanto estão engajados?
13 – Qual o tempo médio que um beneficiário permanece assisti-
do pela instituição?
14 – Existe alguma reunião para estudar e analisar aquelas fichas
de “pesquisa de impacto social”?
15 – Existe a previsão de um processo de intervenção nos servi-
ços, caso as fichas de pesquisa apontarem uma grande deficiência?
16 – Como é feita a seleção dos profissionais que atuam na insti-
tuição?
17 – Existe alguma maneira pela qual os usuários podem se co-
municar diretamente com os dirigentes da instituição?
18 – Existe a divulgação de uma linha telefônica, ou email, atra-
vés do qual um usuário pode registrar alguma reclamação ou sugestão de
melhoria dos serviços?
19 – Se um usuário estiver insatisfeito com a instituição, de qual
mecanismo ele dispõe para registrar alguma reclamação?
20 – Qual o tempo mínimo que um usuário deve frequentar e usar
os serviços da instituição para que ele possa fazer uma avalição mais jus-
ta quanto aos serviços prestados por ela?
21 – Se você fosse um dos usuários da instituição, Como que você
avaliaria os serviços prestados por ela?
22 – Qual a sua função dentro da instituição?
23 – Qual a imagem que você tem da instituição?

148 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
24 – Qual o principal diferencial da instituição em relação às ou-
tras do mesmo gênero?
25 – O que você gostaria de melhorar na instituição?
26 – O que a instituição poderia fazer para melhorar sua participa-
ção junto à comunidade?
27 – Qual é a fonte de sustentação da instituição?
28 – Como se dá a inclusão social na sua instituição?
29 – Qual o resultado das ações realizadas? Como são avaliados
esses resultados? Como são divulgados? Para quem?
30 – Qual a projeção da instituição na comunidade?
Para a uma avaliação de impacto social completa, a metodologia
proposta nesta pesquisa contempla a realização de mais duas categorias
de entrevistas com outros dois grupos de falantes, sendo eles: os servido-
res da instituição e os usuários (beneficiários), juntamente com suas fa-
mílias.

5.1. A fase das transcrições


Na fase da transcrição de uma entrevista, este método busca
transpor o discurso falado para documentos de registro gráfico, formando
o corpus para posterior análise e respectivas conclusões. As transcrições
abrangem tanto as perguntas do entrevistador como as respostas do en-
trevistado.

6. Resultados
Após a fase das transcrições das entrevistas, procede-se a fase de
análise do corpus por elas criado. Durante a pesquisa documental reali-
zada tanto no Conselho Municipal de Saúde quanto na instituição APA-
PE, verificou-se que a maneira como se realiza o processo de avaliação
de impacto social é muito superficial, visando apenas avaliar o “grau de
satisfação” dos usuários/beneficiários dos serviços prestados, porém, sem
realmente, medir a mudança que tais serviços causaram na vida das pes-
soas e da comunidade em que vivem. Os usuários/beneficiários dos ser-
viços são convidados a preencherem um questionário de múltipla esco-
lha, cujo título ostenta o nome “pesquisa de impacto social”, mas que, na

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 149


verdade, não mede impacto social. Neste questionário apresenta-se o
nome das categorias de profissionais e seus serviços prestados, direcio-
nando os usuários a marcarem uma das seguintes opções: ótimo, bom,
regular e ruim. No final deste questionário, o usuário/beneficiário, ocu-
pando a posição do avaliador, encontra uma frase convidando-o a deixar
escrita sua opinião sobre a instituição. Pelo fato de terem que escrever,
muitos dos usuários evitam participar deste tipo de avaliação, ou partici-
pam marcando aleatoriamente as opções de cada item avaliado. Cabe a-
qui uma observação sobre o fato de que muitos dos usuá-
rios/beneficiários não usufruem de algumas categorias de serviços que
aparecem neste questionário de avaliação, sobre os quais, mesmo sem u-
tilizá-los, registram sua opinião avaliativa. Outra observação está nas
terminologias usadas no referido questionário, as quais se utilizam de
termos técnicos que não refletem a realidade linguística da comunidade
de seus usuários/beneficiários, pois muitos destes desconhecem o signifi-
cado de algumas das categorias referenciadas no questionário, nem mes-
mo sabem o escopo das atividades dos funcionários destas categorias.
Esta pesquisa, que ainda se encontra em desenvolvimento, verifi-
cou que a avaliação do impacto social dos projetos sociais oferecidos pe-
la APAPE e outras instituições do terceiro setor que operam da área de
saúde e auxílio ao desenvolvimento de pessoas necessitam de uma meto-
dologia que escute a comunidade de seus usuários/beneficiários, pois, por
meio da fala, as pessoas expressam melhor suas ideias e suas realidades
em todas as áreas de suas vidas.
Na fase atual em que se encontra esta pesquisa, já foram elabora-
das e realizadas as entrevistas com a categoria dos gestores, na qual se
entrevistou a presidente da instituição APAPEbem como o seu diretor
administrativo e financeiro, onde alguns pontos importantes puderam ser
detectados em suas falas tais como:
a) Para responder as mesmas perguntas sobre quanto a vida coti-
diana da instituição e seus projetos sociais, a presidente usou de um tem-
po de, aproximadamente, 45 minutos, demonstrando ter muito mais co-
nhecimento e motivação do que o diretor administrativo e financeiro que
usou apenas 20 minutos.
b) Houve divergências nas respostas sobre a pergunta de número
20, que se referia ao tempo mínimo em que um usuário deveria estar se
relacionando com a instituição para que pudesse fazer uma avaliação
mais justa sobre seus serviços prestados. A presidente respondeu que este

150 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
tempo deveria ser de 1 ano, enquanto que seu diretor administrativo res-
pondeu que 30 dias seriam suficientes.
c) Houve outra divergência nas respostas sobre a pergunta de nú-
mero 6, onde o diretor administrativo falou que o profissional que parti-
cipa mais ativamente da instituição seria o “TO”, Terapeuta Ocupacional,
enquanto que a presidente da instituição falou que seriam as Assistentes
Sociais.
d) Houve também pontos de congruência nas falas dos gestores,
principalmente, no que diz respeito à pergunta 25 quanto às melhorias
que eles gostariam de implementar na instituição. Ambos responderam
sobre a ampliação do espaço físico para melhor atender aos usuários.
e) Observou-se que a linguagem usada pelos gestores nas entre-
vistas realizadas foi permeada e cercada por termos técnicos e cultos, os
quais divergem da linguagem falada pela comunidade de usuá-
rios/beneficiários, donde se depreende um questionamento de suma im-
portância: Como que eles se comunicam? Será que existe compreensão
nos diálogos entre essas duas categorias?
Outros pontos importantes foram observados e registrados nesta
etapa de entrevistas, os quais servirão para o desenvolvimento final desta
pesquisa.

6. Considerações finais
Com base nas observações feitas até a presente etapa desta pes-
quisa, verifica-se que existe uma grande carência de métodos de avalia-
ção de impacto social dos projetos sociais desenvolvidos pelas organiza-
ções do terceiro setor que atuam na área de saúde no município de Cam-
pos dos Goytacazes. Conforme a literatura científica estudada na área de
avaliação de projetos sociais, realmente, as instituições do terceiro setor,
que em sua maioria, são pequenas, não dispõem de recursos financeiros
para investirem e realizarem metodologias científicas baseadas em esta-
tísticas para esse fim. Esse fato justifica e motiva o desenvolvimento do
método sociolinguístico proposto, o qual pode ser implementado com
baixo custo.
A análise das entrevistas realizadas já tem possibilitado, através
da criação de um corpus, a composição de um vernáculo que seja comum
a todas as categorias da instituição, incluindo gestores, servidores e usuá-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 151


rios/beneficiários, o que certamente, aumentará os quesitos de eficiência,
eficácia e efetividade na avaliação de impacto social dos projetos desen-
volvidos pela instituição.
Ainda nesta etapa da pesquisa, detectou-se a necessidade de um
procedimento avaliativo que possa registrar a condição em que se encon-
tra o usuário/beneficiário no momento em que ele começa a usufruir dos
serviços da instituição, para que, ao longo de seu percurso dentro do refe-
rido projeto social, possa-se acompanhar a sua evolução e, posteriormen-
te, após o momento de sua saída, ser novamente avaliado, entendendo-se
que só assim poder-se-á falar em “avaliação de impacto social” para es-
ses projetos.

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15:00h.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 153


A TERMINOLOGIA COMO BASE
PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL
José Pereira da Silva (UERJ)
[email protected]

RESUMO
A terminologia não costuma ser estudada nos cursos de graduação em letras, ape-
sar de ser de grande importância para o desenvolvimento dos trabalhos científicos de
qualquer natureza, pois trata da nomenclatura técnica das diversas especialidades, cu-
ja utilização prática é universal, já que toda ciência e técnica têm termos específicos
para descrever suas atividades. Considerando esta realidade, apresenta-se a definição
e a descrição desta ciência, sua utilidade e detalhes de sua estrutura, principalmente
para as áreas de linguística, letras e ciências afins. As noções de discurso e de línguas
de especialidade serão vistas para melhor esclarecimento do tema, assim como a dis-
tinção entre termo, palavra, vocábulo, léxico e vocabulário. Seu uso em linguística e
em análise do discurso serão destacados, assim como as novas orientações desta ciên-
cia, com base em ampla bibliografia referida a sinteticamente apresentada.
Palavras-chave:
Palavra. Terminologia. Termo. Vocabulário. Vocábulo.

1. Considerações iniciais
Qualquer disciplina ou ciência, segundo Jean Dubois et al. (1998,
s.v.), precisa de um conjunto de termos para designar as noções que lhe
são úteis, ou seja, sua terminologia. Assim como todas as ciências, por-
tanto, cada escola linguística forma sua terminologia particular, mais ou
menos completa e específica, pois não há ciência sem terminologia.
Segundo Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2006,
s.v.), denomina-se terminologia o conjunto de palavras e expressões mu-
nidas de sua definição, por meio das quais uma disciplina científica ou
técnica se refere às noções que a constituem. Às vezes, terminologia é si-
nônimo de nomenclatura, embora esta última remeta mais frequentemen-
te a um conjunto sistematizado de formas, sem definições ou descrições.
Distingue-se, também “vocabulário”, empregado, geralmente, como me-
ra relação de palavras, como é o caso do Vocabulário Ortográfico da
Língua Portuguesa, podendo se aproximar também do sintagma língua
de especialidade, utilizado notadamente na didática das línguas.

154 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
2. Atividade terminológica
Fundada por Eugen Wüster (1968, 1974 e 1979) e fortemente in-
fluenciada pela escola soviética, a terminologia tenta responder às neces-
sidades crescentes de uma comunicação sem ambiguidade entre os espe-
cialistas de um domínio científico ou técnico, em uma língua ou entre as
línguas. A terminologia procura contornar as “imperfeições” das línguas
naturais, descritiva e onomasiologicamente, discriminando e articulando
os domínios de atividades, inventário e organização de noções ou concei-
tos, relacionando os termos e formalizando suas relações.
O objetivo da terminologia é construir expressões denotativas es-
pecíficas para chegar, na prática, à proposição de uma terminologia in-
tralinguística que evite a polissemia e a sinonímia, e estabelecer dicioná-
rios plurilíngues, como equipamentos terminológicos das línguas que não
possuem os termos de um domínio ou de uma tecnologia. A tarefa dos
terminólogos pode variar enormemente de um país a outro, dependendo
de suas necessidades e suas políticas linguísticas.
A unidade da terminologia é o termo – uma palavra ou grupo de
palavras que designa de maneira unívoca uma noção ou conceito no inte-
rior de um domínio de atividade. “Noção” é uma unidade de pensamento
constituído de um conjunto de caracteres atribuído a um objeto ou a uma
classe de objetos, que pode ser expressa por um símbolo não linguístico.
A terminologia pratica um desmonte onomasiológica que parte de
noções supostas, pesquisando as palavras que podem traduzi-las. Em
nome dessas ambições e dos jogos socioeconômicos e geopolíticos em
pauta, a atividade terminológica se efetua em estreita relação com os es-
pecialistas dos domínios correspondentes e com os organismos nacionais
e internacionais de normalização.

3. Termo
Termo é a palavra ou grupo de palavras que representam uma u-
nidade funcional dentro da frase. A palavra, no entanto, compõe-se de
som articulado ou escrita e de conceito (o símbolo e a ideia que ele en-
cerra). Quando a atenção se dirige para o aspecto exterior e material, te-
mos o vocábulo; quando se orienta apenas para o aspecto interior, signi-
ficativo e conceptual, temos o termo.
Como vocábulo e termo coincidem algumas vezes, ocorre a flutu-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 155


ação dos limites da palavra, que ora condensa mais de um termo num vo-
cábulo (como as formas verbais, que contêm as ideias de ação e de pes-
soa), ora representa somente um termo em mais de um vocábulo (como
em de linguística, pois a preposição de denota apenas uma relação gra-
matical e não conceptual).
Segundo Charaudeau e Maingueneau (2006, s.v.), o termo é uma
unidade lexical, com função denominativa, definida relativamente a ou-
tras unidades no interior de um domínio de atividades delimitadas.
Uma unidade lexical como depressão, em uma acepção não ter-
minológica, corresponde a “afundamento sob o efeito de uma pressão”,
mas, em acepções terminológicas nos domínios da geografia, da meteo-
rologia, da medicina ou da economia, passa a pertencer ao vocabulário
da geografia, da meteorologia etc. Neste caso, o uso de termos é conside-
rado como índice de especialidade, mesmo que a penetração de objetos
técnicos no universo familiar incite o locutor leigo a usá-los.

4. Socioterminologia
As dúvidas ligadas aos efeitos derivados das visões normalizado-
ras e utilitárias da terminologia têm levado à construção de uma socio-
terminologia (GAUDIN, 1993), que leva em conta os discursos de inter-
face entre ciências e técnicas ou entre iniciados e leigos, considera as va-
riações entre o oral e o escrito no interior dos domínios e estuda os efei-
tos da pluralidade das línguas em contato.
A socioterminologia trata também das atividades terminológicas e
terminográficas, configurando-se, assim, como análise crítica do discur-
so da terminologia.

5. Discurso de especialidade e língua de especialidade


Para Charaudeau e Maingueneau (2006, s.v.), a expressão línguas
de especialidade vem de Charles Muller (1975), definida por Robert Ga-
lisson e Daniel Coste (1976, p. 511) como “expressão genérica para de-
signar as línguas utilizadas em situações de comunicação que implicam a
transmissão de uma informação relativa a um campo de experiência par-
ticular”, lexia que inclui e equivale a línguas técnicas e científicas.
Para terminólogos, a especialização se estabelece a partir de ele-

156 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
mentos ligados a situações de comunicação. Assim, “ligamos à expressão
‘língua de especialidade’ qualquer produção linguageira realizada por um
especialista no meio profissional, sobre o tema de sua especialidade”
(HUMBLEY; CANDEL, 1994, p. 133), de modo que práticas linguagei-
ras relacionadas a campos de experiência não profissionais como caça,
esportes e atividades sindicais etc., são excluídas das categorias de espe-
cialização, abordadas por Robert Galisson e Daniel Coste (1976).
Defensores de uma língua de especialidade invocam a posição de
Ferdinand de Saussure (1857-1913), que ensina que “um grau de civili-
zação avançado favorece o desenvolvimento de certas línguas especiais
(língua jurídica, terminologia científica etc.)” (SAUSSURE, 1972, p. 54).
Essa proposição é sustentada por Alain Rey, que considera que o
que torna “especial” uma língua de especialidade é o seu vocabulário, seu
léxico, sua terminologia e, principalmente, “o representante linguageiro
de uma coerência conceitual” (REY, 1991, p. IX), evidenciando o fato
de que os fundamentos da especialização são de ordem extralinguística.
Entretanto, se tomamos o termo língua no sentido saussuriano, falar de
língua de especialidade implica que cada domínio científico ou técnico
elabora seu próprio sistema linguístico, distinto do sistema que rege o
funcionamento da língua “ordinária” (CUSIN-BERCHE, 1997).
A comunidade técnica e científica conscientizou-se de que essas
práticas discursivas solicitam o sistema das línguas comuns, mas possu-
em particularidades irredutíveis, já que “a língua de especialidade” é “um
subsistema linguístico que utiliza uma terminologia e outros meios ter-
minológicos que visam à não ambiguidade da comunicação em um do-
mínio particular” (ISO, International Standardization Organization,
1990).
Os lexicólogos denunciam a inadequação de denominações con-
tendo a palavra língua. Segundo Bernard Quemada (1978, p. 1153), “é
mais conveniente falar de vocabulários, em se tratando de empregos par-
ticulares do francês e de suas variedades, que apelam à base da língua
comum, no que diz respeito à pronúncia, à morfologia e à sintaxe”. Os
vocabulários são as manifestações mais visíveis da especificidade desse
tipo de produção e contribuem mais do que outras particularidades dis-
cursivas, para tornar o sentido mais claro.
O julgamento de especialidade se fundamenta em um critério te-
mático correlato a uma situação enunciativa específica, suscetível de fa-
vorecer o recurso a uma organização discursiva particular e a um vocabu-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 157


lário compreendido apenas por iniciados. Por isso, a expressão discurso
especializado é preferível na linguagem própria a certas atividades.
Problemas essenciais colocados pela noção línguas de especiali-
dade residem em sua definição e pertinência linguística, que opõe aque-
les que acham que se trata de uma língua diferente da língua ordinária
aos que julgam que as particularidades são apenas discursivas, levando-
se a privilegiar a denominação discurso de especialidade.
O discurso especializado pressupõe, normalmente, a transmissão
de conhecimentos. Por isto, os discursos científicos e técnicos são consi-
derados como prototípicos dessa categoria, caracterizados pelo estatuto
socioprofissional do enunciador inscrito no quadro de certa instituição,
pela natureza do conteúdo e/ou pela finalidade pragmática da mensagem.

6. Palavra
Palavra é unidade linguística em que se associam som, significa-
ção e forma gramatical; vocábulo é palavra desprovida de significado.
Assim, amamos é palavra porque: é um conjunto de sons; esse conjunto
de sons tem determinada significação; e desempenha a função de verbo,
manifestada pelo elemento -mos, morfema da primeira pessoa do plural.
Não há palavra que seja simplesmente fonema + semantema. Al-
gumas, como luz, assim o parecem, mas pode ser isolada como radical
em derivado como luzeiro. Na palavra luz, diferentemente do radical luz-,
admite-se a presença do morfema zero, que se revela em oposições como
as do tipo singular-plural (luz-luzes).
Um vocábulo, no entanto, pode resultar apenas da soma fonema +
morfema, como ocorre com a preposição de. Num segmento frasal como
casa de Pedro, o elemento de representa a mesma função que a desinên-
cia -i em latim ou o morfema ’s em inglês: domus Petri, Peter’s house.
Em outros termos: em de não há semantema, o que se deduz das
múltiplas relações que tal preposição pode estabelecer: casa de Pedro
(posse), casa de madeira (matéria), casa de banho (fim), casa de luxo
(qualidade), morrer de fome (causa), cair de joelhos (modo) etc.
Logo, a preposição de não é uma palavra, mas um vocábulo – a
menor forma livre de uma língua. Assim, toda palavra é vocábulo, mas
nem todo vocábulo é palavra. Daí a divisão dos vocábulos em vocábulos
lexicais (= palavras) e vocábulos gramaticais (= morfemas vocabulares).

158 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
A Nomenclatura Gramatical Brasileira classifica assim as pala-
vras da língua portuguesa: substantivo, artigo, adjetivo, numeral, prono-
me, verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição. Dessas dez,
seis são variáveis: substantivo, artigo, adjetivo, numeral, pronome e ver-
bo; e quatro, invariáveis: advérbio, preposição, conjunção e interjeição.
Se fizermos a classificação dos vocábulos, a divisão será: vocábu-
los lexicais (substantivo, adjetivo, numeral, pronome, verbo e advérbio
de modo e circunstanciais), vocábulos gramaticais (artigo, preposição,
conjunção e advérbio de intensidade) e vocábulo-frase (interjeição).
Os vocábulos lexicais subdividem-se em nomes (substantivo, ad-
jetivo, numeral, pronome, advérbio) e verbo. Dos nomes, são palavras
modificativas o adjetivo (modifica o substantivo) e o advérbio (modifica
o verbo). Entre os vocábulos gramaticais, a preposição e a conjunção são
conectivos.
De três formas surgem as palavras em uma língua: por criação ar-
tificial ou eruditismo, por empréstimo, por composição e por derivação.
Em linguística tradicional, segundo Dubois et al. (1998, s.v.), pa-
lavra é um elemento linguístico significativo composto de um ou mais
fonemas, susceptível de transcrição escrita compreendida entre dois es-
paços em branco, que conserva sua forma (total ou parcialmente) nos di-
versos empregos sintagmáticos e denota um objeto, uma ação (ou esta-
do), uma qualidade, uma relação etc.
Tal concepção encontra diversas reservas que incidem sobre a i-
dentidade postulada entre grafismo e funcionamento semântico; sobre o
fato de uma palavra possuir vários sentidos; e sobre o fato de as mesmas
noções poderem ser marcadas indiferentemente por palavras de diversas
naturezas gramaticais (exemplo para qualidade: branco e brancura; e-
xemplo para ação: saltar e salto).
Em linguística estrutural, a noção de palavra é frequentemente e-
vitada em virtude de sua falta de rigor.
Ela intervém numa oposição termo versus palavra, em que "ter-
mo" designa o emprego monossêmico que será feito de uma unidade lé-
xica em tal ou qual ciência, preocupada em estabelecer uma correspon-
dência unívoca entre seus conceitos e os termos de sua, e em que "pala-
vra" designa a unidade léxica do vocabulário geral, normalmente polis-
sêmico.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 159


Encontra-se igualmente a noção de palavra numa oposição entre
palavra e vocábulo, de modo que, para a estatística léxica, a palavra é a
unidade de texto inscrita entre dois brancos gráficos, na qual cada nova
ocorrência é uma nova palavra.
O termo palavra, por falta de rigor, costuma ser banido em pro-
veito da pesquisa de unidades significativas mínimas, por autores como
André Martinet (1908-1999), para quem a noção de palavra deve ser a-
bandonada em proveito das noções de monema e de sintagma.
Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), parece óbvio que a
significação não existe por si mesma, mas pode ser comparada à alma de
um corpo, que é diferente de corpo para corpo. Palavra é a unidade mí-
nima autônoma capaz de formar uma frase por si mesma, mas, quando
despida de significação, é apenas vocábulo. Assim, da palavra pode ser
dito que é substantivo, adjetivo etc. e que tem tal ou qual sentido, dei-
xando para o vocábulo o aspecto fônico (ou gráfico).
A palavra é uma entidade fonético-psicológica, de conteúdo signi-
ficativo, que sintetiza a união íntima entre essa imagem verbal (a ideia) e
a entidade física (sonora) que com ela se identifica, tanto que o vocábulo
é tido como palavra abstraída de significação.
Segundo Albert Joseph Carnoy (1878-1961), há três fases no pro-
cesso de formação de uma palavra: fase perceptual, quando se tem sua
imagem visual ou auditiva; fase afetiva, quando tal imagem se transfor-
ma em ideia; e fase conceitual, quando a ideia já é capaz de provocar ou-
tras ideias ou é sentida como elemento sintático (assim, por exemplo, à
ideia de lápis se correlaciona escrever).
Há um conceito bem mais amplo de palavra, que pode abranger
os três elementos: vocábulo (palavra no aspecto fônico, objeto da fonéti-
ca), palavra propriamente dita ou vocábulo-morfema e o termo, que é a
palavra como elemento da frase (JOTA, 1981, s.v.).
Segundo Robert Lawrence Trask (2015, s.v.), palavra é uma uni-
dade linguística tipicamente maior que o morfema, mas menor que um
sintagma. O termo palavra poderia parecer familiar e suficientemente
transparente, mas, na realidade, há pelo menos quatro maneiras de definir
a palavra, e essas maneiras não se equivalem: 1) A palavra ortográfica –
algo que se escreve com espaços brancos de ambos os lados, mas sem
espaços brancos em seu interior. 2) A palavra fonológica – algo que se
pronuncia como uma única unidade. 3) O item lexical ou lexema – uni-

160 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
dade para a qual se espera que exista uma entrada própria no dicionário.
4) A forma gramatical de palavra ou palavra morfossintática – qualquer
uma das formas que um item lexical pode assumir para fins gramaticais.
Em suma, quando se fala de palavras, é essencial que especifi-
quemos exatamente que sentido temos em mente, e pode ser preferível
usar uma das denominações mais específicas apresentadas neste verbete.
Para Valdir do Nascimento Flores et al. (2018, s.v.), palavra é o
produto da interação entre o locutor e o interlocutor. É o território co-
mum do locutor e do interlocutor, através da qual se define a relação do
locutor com os outros, funcionando como zona fronteiriça que se apoia
neles ne emissão e na recepção. É um fenômeno ideológico por excelên-
cia que entra em contato com diversos fios ideológicos para refletir e re-
fratar diferentes graus de transformações sociais, suscitando uma atitude
responsiva e uma posição ativa.
Mikhail Bakhtin destaca que as palavras são selecionadas segundo
as particularidades dos gêneros do discurso mobilizados, pois elas trazem
a expressão típica e ecos do gênero em que circulam. A palavra existe
sob três aspectos: “palavra da língua”, que não pertence a ninguém; a
“palavra alheia”, que é dos outros, cheia de ecos de outros enunciados; e
a “minha palavra”. A “palavra da língua” é aquela que ainda não recebeu
acento valorativo, expressividade; não é, portanto, atribuída a nenhum
sujeito. Tanto a “palavra alheia” quanto a “minha palavra” apresentam
expressividade a partir da relação com uma dada situação concreta. O
discurso é pleno de palavras dos outros, trazendo consigo sua expressão e
seu tom valorativo, que é assimilado, reelaborado e/ou reacentuado pelos
interlocutores.
Ainda segundo Flores et al. (2018, s.v.), é por meio da palavra que
a língua é atualizada, entendendo-se por atualização da palavra a noção
de emprego e o sentido único e singular em um enunciado, que também é
único e singular. Para que a palavra seja atualizada, é preciso ultrapassar
a condição de virtualidade para a de uso, considerando que ela só tem e-
xistência real no enunciado e que, à noção de atualização se agregam as
de sintagmatização e semantização, com as quais a palavra consta em um
enunciado, junto com outras com as quais se inter-relaciona.
Patrick e Maingueneau (2006, s.v.) ensinam que o termo palavra
remete a muitos recortes nocionais e que o sentido atribuído habitual-
mente a este termo é fortemente impregnado pela tradição tipográfica,
que a utiliza para designar um segmento gráfico isolado por espaços em

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 161


branco. Essa percepção material da palavra que repousa sobre a noção de
unidade gráfica é associada a um sentimento de unidade semântica que
favorece a relação pressuposta entre palavra e coisa e é apreendida como
uma unidade de texto, recobrindo noções complexas e desiguais.

6.1. A palavra em linguística


Segundo os lexicólogos contemporâneos, a ausência de coinci-
dência sistemática entre palavra gráfica e unidade semântica deve ser le-
vada em conta, já que, como sublinha Marie-Françoise Mortureux (1997,
p. 10), “várias palavras gráficas podem formar uma só palavra linguística
(formas conjugadas dos verbos nos tempos compostos)” e, inversamente,
“ocorre também que a uma palavra gráfica isolada corresponda a várias
unidades linguísticas: é o caso, por exemplo, de todas as formas conjuga-
das simples do verbo”. Assim, o sintagma palavra linguística remete a
unidades lexicais simples ou complexas, tais como “sem eira nem beira”
ou “levar a breca”, nas quais algumas unidades gráficas independentes
são desprovidas de autonomia semântica.
Numa perspectiva estritamente morfológica, Danielle Corbin pro-
põe distinguir as palavras simples, “cuja eventual estrutura interna e cujo
sentido não são de forma alguma superpostos” (CORBIN, 1991, p. 459),
palavras complexas, “que têm uma estrutura interna e um sentido, ao
menos parcialmente, superposto a ela” (Id., ibid., p. 455-6), sendo que
essas últimas se subdividem, por sua vez, em duas categorias: as pala-
vras complexas construídas, “cuja estrutura morfológica e cujo sentido
são inteiramente superpostos” (op. cit., p. 458) e as palavras complexas
não construídas, cuja estrutura interna e sentido são apenas parcialmente
superpostos (Id., ibid., p. 459).
Assim, Corbin classifica rei como palavra simples, por oposição a
real, que é palavra complexa construída, e a reinado, que é palavra com-
plexa não construída, porque “o segmento final -ado não ocorre em ou-
tros lugares com as mesmas propriedades” (Id., ibid., p. 13). Em contra-
partida, Jacqueline Picoche (1992) considera uma tripartição ligeiramente
diferente, embora encontremos em primeiro lugar as palavras simples
distintas das palavras construídas ou derivadas, que diferem de palavras
flexionadas (como daremos), de modo que a categoria palavras simples
inclui as palavras complexas não construídas.
Numa perspectiva semântica, a distinção clássica opõe palavras

162 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
plenas a palavras-instrumentos. O sentido das primeiras, “mesmo fora de
qualquer emprego em um enunciado, evoca uma realidade”, enquanto o
das segundas “não evoca nenhuma realidade distinta nos locutores”
(MORTUREUX, 1997, p. 11), diferenciação encontrada sob outras de-
nominações como lexemas versus gramemas, ou unidades lexicais versus
unidades gramaticais.

6.2. Palavra e discurso


Nos séculos XIX e XX, a semântica lexical é orientada para o es-
tudo de mudança. Assim, Georges Matoré propõe uma organização deste
domínio, articulando-o à sociologia: “É a partir do vocabulário que tenta-
remos explicar uma sociedade. Também poderemos definir a lexicologia
como uma disciplina sociológica que utiliza o material linguístico que
são as palavras” (MATORÉ, 1953, p. 50). Propõe a noção de palavra-
testemunha (uma palavra que simboliza uma mudança social que “marca
uma virada” [1953, p. 66]) e a noção de palavra-chave (uma palavra que
exprime de maneira sintética a época estudada, como honestidade no sé-
culo XVII).

6.3. A palavra em análise do discurso


As pesquisas concretas realizadas em análise do discurso na Fran-
ça seguem três correntes principais:
1ª) Os estudos de estatística lexical iniciados por Pierre Guiraud e
Charles Muller relacionaram o conjunto dos vocábulos que os corpora
contêm, tomando a importância da repetição nos funcionamentos textuais
como hipótese de base.
As análises computacionais de Pierre Lafon (1984) e de Lucien
Lebart e André Salem (1994) comparam corpora sob o ângulo das esco-
lhas e rejeições, revelando as atrações das formas entre si e a escolha de
uma forma que implica a presença de outra. As unidades reconhecidas
pelo computador não correspondem às “palavras” de Meillet, já que a
máquina computa cegamente grupos de letras separadas por espaços em
branco e considera separadamente cada variante paradigmática, reagru-
pando todas as ocorrências da forma classe: o verbo e o substantivo, os
homônimos que serão intuitivamente tratados como duas unidades e as
acepções polissêmicas que a intuição considera como uma mesma unida-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 163


de. O dispositivo da lexicometria não estuda o sentido, mas as compara-
ções entre corpora e as relações associativas entre formas esclarecem as
condições de funcionamento do sentido.
2ª) A segunda corrente é mais diretamente interessada no funcio-
namento qualitativo de certas formas lexicais, interessando-se particu-
larmente pelas dimensões conflituais do sentido. Michel Pêcheux atribui
à análise do discurso a tarefa de decodificar interpretações antagônicas
que se afrontam em função dos interesses dos diferentes grupos sociais,
considerando que “as palavras mudam de sentido de acordo com as posi-
ções assumidas por aqueles que as empregam” (HAROCHE, HENRY &
PÊCHEUX, 1971), enquanto Mikhail Bakhtin e Valentin Nikolaevich
Volochinov (1981) privilegiam a heterogeneidade enunciativa das for-
mas linguísticas que marcam a presença do outro no discurso. Assim, a
análise lexicológica é responsável pela redescoberta da complexidade da
enunciação sob a aparente repetição das unidades lexicais.
3ª) Uma terceira corrente se consagra aos processos de lexicali-
zação que vão da invenção à difusão dos termos técnicos. Por isto, os
trabalhos de Guilbert (1965) são seguidos pela rede Langage et Travail,
que se interessam notadamente pelas denominações reveladoras das hie-
rarquias profissionais e pelas designações que colocam em jogo as posi-
ções dos locutores em relação ao saber.
A dimensão performativa está muito presente desde o primeiro
momento da análise do discurso, na qual as palavras aparecem como re-
flexos da realidade (como armas políticas e como “instrumentos”), fa-
zendo-a e modelando-a.

6.4. Novas orientações


As evoluções recentes se explicam pela influência das abordagens
etnometodológicas e da semântica pragmático-referencial.
Uma parte dos lexicólogos busca suas referências filosóficas em
Charles Sanders Peirce (1839-1914), em Ludwig Wittgenstein (1889-
1951) e em Saussure (1857-1913). Em análise do discurso, entende-se
que o sentido se constrói na interação e imbrica a palavra nas atividades
práticas dos atores situados nos contextos variados de ação. Os significa-
dos são considerados como múltiplos e mutantes, e os contextos levam a
métodos que exploram funcionamentos enunciativos e argumentativos
(PLANTIN, 1993), colocando em jogo o todo do texto, ou a métodos que

164 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
procuram reconstruir as relações formais e semânticas que unem os e-
nunciados no arquivo.
Alguns autores que trabalham em história renunciaram à entrada
pela palavra para privilegiar o estudo nocional que reúne quaisquer tipos
de enunciados, desde que sejam relativos a um conceito (KOSELLECK,
1990). O momento em que uma nova denominação aparece é o que se
inscreve num campo de experiência mais amplo. Assim, a palavra faz
acontecer, e o analista sublinha o valor de seu aparecimento assim que
um complexo nocional se encarna em um significante.
Por outro lado, a pragmática modificou as concepções da signifi-
cação nos mais variados domínios.
Primeiramente, a abordagem das categorias referenciais foi
transformada pelas teorias dos protótipos importadas da psicologia; pela
teoria das “facetas”, que dá conta da variação contextual (LAKOFF,
1987; CRUSE, 1986; e REMI-GIRAUD; RÉTAT, Eds., 1996), e pelos
debates em torno das teorias da metáfora. Embora postule que as signifi-
cações dependem da nossa organização mental, a semântica pragmática
levou os pesquisadores a se interessarem por categorias vagas.
Lorenza Mondada (2000) considera que são essencialmente as a-
tividades em curso que determinam a construção das representações, mas
os trabalhos sobre as relações de correferência renovaram as abordagens
discursivas, abrindo-as para o estudo das reformulações.
2) Em segundo lugar, seguindo os trabalhos de Oswald Ducrot, a
significação das “palavras do discurso” não referenciais, como os conec-
tores, não é mais concebida em termos sêmicos, mas em termos de ins-
truções pragmáticas,
3) Enfim, a importância das capacidades reflexivas dos sujeitos é
um tema comum à etnometodologia e à linguística de Antoine Culioli ou
de Jacqueline Authier-Revuz: trata-se de um campo importante, desde a
observação dos fenômenos de autonímia até os estudos sobre o discurso
do dicionário (CHAURAND; MAZIÈRE, Eds., 1990; COLLINOT;
MAZIÈRE, 1997).

7. Vocabulário/léxico
Segundo Charaudeau e Maingueneau (2006, s.v.), o termo voca-
bulário é compreendido, no uso corrente, como um sinônimo de léxico,

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 165


designando simplesmente um conjunto de palavras.

7.1. O vocabulário/léxico em linguística


O estatístico Charles Müller (1967) estabeleceu uma distinção en-
tre o léxico – que se relaciona com o que Saussure (2012) chama de lín-
gua – e o vocabulário – que se inscreve na fala ou no discurso. Posteri-
ormente, essa distinção foi retomada por lexicólogos como Robert Léon
Wagner (1967, p. 17), que instaura uma relação de inclusão entre o léxi-
co, definido como o “conjunto de palavras por meio das quais os mem-
bros de uma comunidade linguística se comunicam entre si”, e o vocabu-
lário, como “um domínio do léxico que se presta a um inventário e a uma
descrição”. Picoche a explica diferentemente, propondo “chamar de léxi-
co o conjunto de palavras que uma língua coloca à disposição dos locuto-
res, e vocabulário o conjunto de palavras utilizadas por um dado locutor
em dadas circunstâncias” (PICOCHE, 1977, p. 45).

7.2. O vocabulário/léxico em análise do discurso


É o funcionamento das palavras no discurso que interessa essenci-
almente aos analistas. Os vocábulos constituem, nesta perspectiva, um
dado observável pertinente. Na observação de discursos especializados, o
exame dos vocábulos ligados ao domínio é incontornável. Sublinha-se,
entretanto, que a atenção dispensada ao vocabulário não exclui o reco-
nhecimento da existência de um sistema lexical que preside à atualização
das unidades em discurso, o que leva a afirmar que a distinção léxi-
co/vocabulário é fundamentada no princípio de uma relação interativa
entre língua e discurso.
Essa relação entre lingua e discurso se manifesta com uma inten-
sidade particular quando se introduz numa comunidade discursiva uma
designação correferencial a uma denominação anterior para destacar que
a inovação é essencialmente discursiva (CUSIN-BERCHE, 1998). Assim
sa constata que o novo uso que modifica a relação denominativa estabe-
lecida anteriormente é susceptível de provocar uma modificação semân-
tica do vocábulo em questão e da representação que se tinha do lexema.

166 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 169


A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA:
CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLINGUÍSTICA PARA
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Juliete Maganha Silva (UENF)
[email protected]
Aline Peixoto Vilaça Dias (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]

RESUMO
Diante do fato de que a diversidade linguística caracteriza todas as línguas, um
ensino que não abranja todas as variedades se torna algo infundado, já que a língua é
um objeto muito mais rico e diversificado. É importante esclarecer como a Sociolin-
guística pode auxiliar professores a obterem um bom desempenho em sala de aula
frente a alguns fenômenos linguísticos, considerados pela gramática normativa desvios
em torno da língua. Diante desse quadro, o objetivo deste trabalho foi demonstrar a
importância das concepções da sociolinguística no que concernem as questões da vari-
ação linguística, abordando temas que buscam sensibilizar alunos e professores para a
diversidade linguística. Para isso foram analisados e classificados alguns desvios da
norma-padrão, encontrados em textos de alunos do 6° ano do Ensino Fundamental, do
qual foram analisados apenas palavras e sintagmas de acordo com alguns critérios es-
tabelecidos por Luiz Carlos Cagliari (2009). Dessa analise, pôde-se constatar que 30%
das palavras apresentaram marcas das comunidades de fala dos alunos. E a partir
desses estudos pode-se constatar também que a sociolinguística é uma ciência preocu-
pada com o desempenho escolar das crianças. Assim, seus estudos voltados para a di-
versidade linguística da língua portuguesa, devem ser inseridos no contexto escolar
para ajudar docentes em seu cotidiano da sala de aula, contribuindo para trabalhos
pedagógicos mais efetivos quanto ao ensino de língua portuguesa.
Palavras-chave:
Sociolinguística. Língua portuguesa. Variedade linguística.

1. Introdução
O espaço escolar, assim como qualquer lugar da sociedade, é for-
mado por diferentes indivíduos que trazem consigo suas características
próprias formadoras de suas identidades. Esse fato faz com que seja cada
vez mais desafiadora a atuação dos profissionais da educação, ao terem
que lidar com as questões de convívio das diferenças e o quanto elas po-
dem influenciar na qualidade do ensino. Sendo assim, é preciso que estes
estejam sempre em busca de conhecimentos que auxiliem na compreen-

170 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
são dos fenômenos sociais, para que possam ser capazes de transformar
de maneira positiva, por meio de suas práticas de ensino, pensamentos e
ações que possam gerar algum tipo de constrangimento ou preconceito.
Buscando dessa forma, promover o respeito e a compreensão às diversi-
dades e individualidades inerentes a sociedade.
Diante deste quadro, o objetivo deste trabalho foi demonstrar a
importância das concepções da sociolinguística no que concernem as
questões de variação linguística, abordando temas que buscam sensibili-
zar alunos e professores para a diversidade linguística.
Além dos arcabouços teóricos relacionados às questões da socio-
linguística, este trabalho buscou demonstrar através de uma pesquisa de
campo o quanto a diversidade linguística do meio social em que vive o
aluno influencia em sua escrita, alertando para o fato que não se pode ig-
norar a necessidade de se trabalhar com as diferenças em sala de aula.

2. A sociolinguística e seu objetivo


A sociolinguística surgiu de maneira mais notória na década de
1960, com estudiosos importantes como William Labov, Dell Hymes e
John Gumperz, John Fisher, Charles Ferguson entre outros, com uma po-
sição contrária aos estudos da área linguística onde se tinha, o estrutura-
lismo de Ferdinand de Saussure que definia a língua como um sistema
homogêneo e unitário, livre de qualquer influência dos fatores sociais. E
o Programa Gerativo-Transformacional de Noam Chomsky que tomava
como objeto de seus estudos a competência linguística de um falante ide-
al pertencente a uma comunidade de fala idealmente homogênea (LUC-
CHESI, 2015). A sociolinguística surge a partir da inquietação de alguns
cientistas que não acreditavam que a língua podia ser estudada desconsi-
derando a sociedade que a fala, por esse motivo o próprio nome dessa ci-
ência pode ser considerado redundante por muitos. Mollica (2003) define
essa ciência como
Uma das subáreas da Linguística que estuda a língua em uso, no seio
das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação
que correlaciona aspectos linguísticos e sociais. Esta ciência se faz pre-
sente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade,
focalizando precipuamente os empregos linguísticos concretos, em espe-
cial os de caráter heterogêneo. (MOLLICA, 2003, p.9)

O objetivo central da sociolinguística se dá nesse sentido, pois de


acordo com Bagno (2007, p. 38) “é precisamente relacionar a heteroge-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 171


neidade linguística com a heterogeneidade social”, considerando o fato
que língua e sociedade são profundamente ligadas, de forma que uma in-
fluencia a outra. Por heterogeneidade social devemos compreender uma
sociedade formada por comunidades ou grupos constituídos por muitas
variáveis como faixas de renda, local de moradia, práticas culturais, ní-
veis de escolaridade etc. Assim também, define-se comunidade de fala
como “um grupo social que compartilha (a) determinadas características,
(b) atitudes valorativas frente a fatores linguísticos e (c) tendências de
mudança linguística” (FARACO; ZILLES, 2017, p. 18). Isto é, essas
comunidades são constituintes da heterogeneidade linguística. De acordo
com Bagno (2007), dizer que uma língua é heterogênea significa dizer
que ela apresenta variação, e por variação define-se “a língua em seu es-
tado permanente de transformação, de fluidez, de instabilidade. (...) O
conceito de variação linguística é a espinha dorsal da Sociolinguística”
(BAGNO, 2007, p. 38-9).
Toda diversidade linguística é reflexo da diversidade social, e por
esse motivo nenhuma variedade deve ser menosprezada ou alvo de es-
tigmas. Como afirma Calvet (2002, p. 12), “as línguas não existem sem
as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus fa-
lantes”. Pela visão do cientista da linguagem,
A construção os menino veio é tão interessante para o estudo e tão
merecedora de atenção quanto os meninos vieram – já que, para o cientis-
ta, não existe construção linguística mais “certa” nem mais “bonita” do
que outra. No entanto, fora do círculo restrito da pesquisa científica, a di-
ferença entre os menino veio e os meninos vieram provoca sérias e pro-
fundas divisões entre as pessoas, põe em ação uma escala de avaliações e
julgamentos que opera com conceitos, discriminações, humilhações e
muito frequentemente com a exclusão social. (BAGNO, 2007, p. 59-60)

Esse é um ponto de vista chave, linguisticamente “(...) não existe


língua para além ou acima do conjunto das suas variedades constitutivas,
nem existe a língua de um lado e as variedades de outro, como muitas
vezes se acredita no senso comum” (FARACO; ZILLES, 2017, 30). To-
das as variedades linguísticas são consideradas importantes. E o reconhe-
cimento deste fato, pela ciência sociolinguística, inclui reconhecer tam-
bém a importância do ensino da norma-padrão, para que se amplie a ca-
pacidade linguística do aluno, mas deixando de lado estigmas e precon-
ceitos para com as variedades diferentes destas.

172 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
3. A variação linguística na sala de aula e as contribuições da socio-
linguística
Os avanços dos estudos linguísticos permitiram um avanço sobre
o entendimento que os diferentes modos de falar possam ser algum tipo
de deficiência dos falantes no uso da língua. Todo uso linguístico que se
desviasse da norma-padrão eram, e infelizmente ainda são, vistos através
de estigmas e discriminação. A escola e suas diretrizes por muitas vezes
se abstém aos estudos linguísticos e seguem veementemente um ensino
pautado numa ideologia vista com uma verdade absoluta, onde se exclu-
em as variedades populares de classes sociais menos privilegiadas. Essa
ideologia, segundo Bagno (2000, p. 15), “cristalizada há séculos na Gra-
mática Tradicional e materializada, por assim dizer, no gênero literário
conhecido como gramática normativa”.
Felizmente, houve progressos em relação à necessidade do reco-
nhecimento das variedades linguísticas no ensino de língua. Os Parâme-
tros Curriculares Nacionais (PCNs) afirmam que “a variação é constituti-
va das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. (...) Assim, quan-
do se fala em Língua Portuguesa está se falando de uma unidade que se
constitui de muitas variedades” (BRASIL, 1998, p. 29). No entanto, co-
mo frisa Camacho (2013, p. 229) “é uma verdadeira utopia pensar que
essas mudanças no modo de encarar o ensino de fenômenos variáveis se
refletem diariamente na prática pedagógica como mudanças nos proce-
dimentos normativos”. De acordo com esse autor, isso se dá pela forte
presença dos pressupostos prescritivos da tradição gramatical que ainda
resistem a mudanças. Sobre esses avanços, Bagno (2007) diz que:
O impacto dessa nova concepção de ensino é, sem dúvida, muito po-
sitivo. No entanto, como tudo o que é novo, ela precisa vencer pelo menos
dois grandes obstáculos: (1) a resistência das pessoas muito apegadas às
concepções antigas e às práticas convencionais de ensino, e (2) a falta de
formação adequada das professoras para lidar com todo conjunto de teori-
as e práticas que até então jamais tinham aparecido como objetos e objeti-
vos do ensino de português. (BAGNO, 2007, p. 28)

Ainda é um grande desafio para os professores lidar com as varie-


dades linguísticas, e com a compreensão que os alunos têm sobre estas.
Como Bortoni-Ricardo (2004, p. 37) afirma “com frequência, essas dife-
renças se apresentam entre a variedade usada no domínio do lar, onde
predomina uma cultura de oralidade, em relações permeadas pelo afeto e
informalidade, e culturas de letramento, como a que é cultivada na esco-
la”. Todas essas diferenças podem servir como um meio para constranger
o aluno, e gerar uma baixa autoestima fazendo que ele acredite que não

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 173


saiba português. Isso porque, como explica Bagno (2015), o ensino da
língua não se baseia no uso real, vivo e verdadeiro. Concordamos com
Faraco e Zilles (2017, p. 175) que, “a variação linguística precisa, então,
estar presente no ensino de língua”. Para isso é necessário
Uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos educan-
dos está atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a da
escola, e mostra ao professor como encontrar formas efetivas de conscien-
tizar os educandos sobre essas diferenças. (BORTONI-RICARDO, 2004,
p. 38)

A sociolinguística demonstra esse tipo de sensibilidade, ela “é


uma ciência que nasceu preocupada com o desempenho escolar de crian-
ças oriundas de grupos sociais ou étnicos de menor poder econômico e
cultura predominantemente oral” (BORTONI-RICARDO, 2017, p. 157).
Por meio de sua perspectiva, considera-se que é papel da escola reconhe-
cer as diferenças sociolinguísticas, e mostrar para o aluno que existem
mais de uma forma de dizer a mesma coisa de acordo com o objetivo
comunicativo do falante (BORTONI-RICARDO, 2005). Isso é de suma
importância por contribui para a formação da capacidade de reflexão e
uso crítico da língua, ampliando sua competência comunicativa. Para An-
tunes (2007),
Uma função da escola na ampliação da competência comunicativa dos a-
lunos é cultivar o apreço pela diversidade.
Diversidade:
 de modalidade de uso da língua – explorando, assim, textos orais e
textos escritos;
 de norma – explorando textos na norma-padrão nacional e textos e-
xemplares de normas regionais; textos na norma-culta e textos fora dessa
norma;
 de registro – oferecendo textos do nível mais formal ao mais infor-
mal, com as específicas características lexicais e gramaticais; (...)
 de universos de referência - com a apresentação de textos que reme-
tam para mundos diferentes, como o cotidiano das cidades e do campo,
dos homens e das mulheres, do trabalho, do lazer, das descobertas cientí-
ficas, das relações humanas etc.; (...)
 diversidade, enfim. Para ser fiel à língua real, a língua variada que, de
fato, acontece todo dia. (ANTUNES, 2007, p. 107)

Sendo assim, reconhecendo e compreendendo a diversidade lin-


guística inerente a sociedade, é de grande importância o professor estar
atento a ferramentas e fontes de conhecimento que o auxiliem em suas
práticas de sala de aula. A sociolinguística pode o ajudar muito neste
propósito, pois é uma ciência comprometida com o aperfeiçoamento das
práticas escolares e tem seu foco na realidade de uso da língua.

174 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
4. Material e método
Para investigar o quanto a variação linguística está presente em
sala de aula, neste trabalho foi adotada uma análise de 20 redações elabo-
radas por alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola pública,
de onde foram retirados alguns “erros” ortográficos de palavras e sintag-
mas. Os textos foram elaborados a partir de relatos pessoais, fato que
serviu para conhecer as características do meio social e do ambiente fa-
miliar a que pertenciam esses alunos. Para critério de escolha foi levado
em consideração o fato de ser a partir do ensino fundamental que os con-
teúdos gramaticais são mais aprofundados, e acreditarmos que no início
desse aprendizado mais formal há a presença de uma maior ocorrência de
variedades linguísticas coloquiais.
Das redações foram extraídos os erros de escrita, que em seguida
foram analisados, tabelados e classificados segundo os critérios classifi-
cação de erros de escrita, estabelecidos por Cagliari (2009) em Linguísti-
ca e Alfabetização. Dessa forma foi possível ter uma visão da maior inci-
dência de determinados fenômenos linguísticos na produção textual dos
alunos.

5. Resultados e discussão
Foram analisados os seguintes “erros” ortográficos: 1. Transcrição
fonética. 2. Uso indevido de letras. 3 Hipercorreção. 4 Modificação da
estrutura segmental das palavras. 5. Forma morfológica diferente. 6. A-
centos gráficos. 7. Juntura intervocabular e segmentação. 8. Problemas
sintáticos. Devido a questões de quantidade, serão apresentados somente
alguns exemplos desses “erros” encontrados no material pesquisado.
Transcrição fonética (10%): Trata-se de reproduzir na escrita o
que se ouve na fala, como trocar o por u, não escrever o r, escrever u em
lugar de l, não escrever o s etc.
Ex.: passea (passear), ve (ver), melho (melhor), hoteu (hotel), picina
(piscina), escurregar (escorregar), carru (carro).
Uso indevido de letras (15%): “O uso indevido de letras se ca-
racteriza pelo fato de o aluno escolher uma letra possível para representar
um som de uma palavra quando a ortografia usa outra letra” (CAGLIA-
RI, 2009, p. 123).
Ex.: souto (solto), varamda (varanda), viagei (viajei), jente (gente),

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 175


divertice (divertisse).
Hipercorreção (3%): Ocorre quando o indivíduo passa a genera-
lizar determinadas formas de escrever na tentativa de acerto.
Ex.: enteira (inteira), empediu (impediu), sobi (subi).
Modificação da estrutura segmental das palavras (15%): Se-
gundo Cagliari (2009, p. 124), trata-se de “erros de troca, supressão, a-
créscimo e inversão de letras. (...) representam, às vezes, maneiras de es-
crever de que o aluno lança mão porque ainda não domina bem o uso de
certas letras”.
Ex.: fazi (fazia), mão (não), meto (neto), aguático (aquático), helicopete-
ro (helicóptero).
Juntura intervocabular e segmentação (12%): Ocorre quando a
criança junta palavras ou separa alguma palavra de acordo com sua análi-
se da fala.
Ex.: de mais (demais), agente (a gente), no blado (nublado), porexemplo
(por exemplo).
Forma morfológica diferente (3%): Para Cagliari (2009, p. 125)
esse tipo de erro ocorre pelo fato de “na variedade dialetal que se usa,
certas palavras têm características próprias que dificultam o conhecimen-
to, a partir da fala, de sua forma ortográfica”.
Ex.: tava (estava), vertirmos (vestirmos), rumou (arrumou), perai (espera
aí).
Acentos gráficos (25%): É comum, de acordo com Cagliari
(2009), a ocorrência deste tipo de erro já que, de modo geral, não são en-
sinados no início da aprendizagem escrita.
Ex.: priméiro (primeiro), manha (manhã), e (é), infancia (infância), ar-
vore (árvore), amãnha (amanhã), vôvo (vovô).
Problemas sintáticos (17%): Dizem respeito a “problemas de
concordância, de regência, mas que na verdade denotam modos de falar
diferentes do dialeto privilegiado pela ortografia” (CAGLIARI, 2009, p.
126).
Ex.: pediu desculpa ela (pediu desculpa a ela), sauidade quando (sauda-
de de quando), os jogado (os jogadores), nós arrumar (nos arru-
marmos), coisas ruim (coisas ruins).

176 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Dentre os erros encontrados, pode-se constatar que 30% (proble-
mas sintáticos, transcrição fonética e forma morfológica diferente) esta-
vam relacionados à variação linguística, isto é, às características que os
alunos trouxeram de suas comunidades de fala para suas escritas. Pode-
mos considerar que esta porcentagem representa uma quantidade consi-
derável da análise, que serve para mostrar o quanto a língua é dinâmica
também dentro da sala de aula. Além de servir para mostrar em quais
pontos os alunos podem encontrar mais dificuldades em distinguir entre a
norma-padrão ensina pela escola e as outras variedades intrínsecas à lín-
gua.
Os demais erros se referiam a adaptação dos alunos a norma pa-
drão, ou seja, não estavam relacionados a fatores extralinguísticos, fa-
zendo parte de um processo de amadurecimento de seu sistema cogniti-
vo. Erros e acertos, tal como afirma Cagliari (2009, p. 127), “tudo per-
tence a um processo de aprendizagem da escrita e revela a reflexão que o
aluno põe na sua tarefa e na forma de interpretar o fenômeno que estu-
da”.

6. Considerações finais
Considerando que as línguas são heterogêneas, o professor deve
pautar-se em estudos comprovadamente científicos para trabalhar com
essa realidade. A sociolinguística auxilia o professor a compreender os
fenômenos linguísticos, já que se propõe justamente a descrever a reali-
dade das línguas. Dessa forma, mostra que nem todo “erro” é incoerente,
afinal o aluno já faz uso da língua antes mesmo de fazer parte da escola,
e existe uma lógica por trás de suas tentativas de “acerto”. Uma simples
apresentação da norma-padrão após o reconhecimento de um desvio por
parte do aluno, não fará com que esse desenvolva a capacidade de refle-
xão sobre as diferenças linguísticas. É necessário por esse fato compre-
ender os motivos que levam o educando a se desviar da norma-padrão e
conscientizá-lo, sempre de forma respeitosa, para que ele possa observar
seu próprio uso da língua de forma mais crítica.
A sociolinguística é uma ciência que preza pela valorização das
diversidades e busca respeitar todas as variedades inerentes a qualquer
língua. Essas variedades ao serem apresentadas e analisadas em sala de
aula são ricos objetos de estudo para conscientizar os alunos sobre a hete-
rogeneidade linguística, mostrando que todas as variedades são válidas e
legítimas de acordo com seu contexto de uso. Promovem-se assim, com a

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 177


sociolinguística, valores que vão além do espaço escolar.

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linguística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003.

178 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ALGUNS CONCEITOS E CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE
BOURDIEU, NO CAMPO EDUCACIONAL
Ana Carolina de Oliveira Lyrio (UENF)
[email protected]
Ari Gonçalves Neto (UENF)
[email protected]
Cecilia Calabaide (UENF)
[email protected]

RESUMO
O artigo tem como objetivo uma reflexão sobre os conceitos de habitus, bem ainda
de campo, capital, capital cultural e violência simbólica à luz dos escritos de Pierre
Bourdieu, notadamente considerando o contexto educacional. Assim, o conceito de ha-
bitus diz respeito à capacidade dos sentimentos, dos pensamentos e das ações dos indi-
víduos quanto à incorporação de determinada estrutura social. O campo representa
um espaço no qual há confrontos que legitimam as representações, considerando o
poder simbólico como aquele que classifica os símbolos de acordo com a existência ou
ausência de um código de valores, já o capital corresponde ao acúmulo de forças que o
indivíduo pode alcançar no campo. Dessa forma, o artigo busca compreender como os
indivíduos incorporam a estrutura social, legitimando-a e reproduzindo-a, por meio
da instituição escolar.
Palavras-chave:
Campo. Habitus. Capital cultural. Violência simbólica.

1. Introdução
De origem campesina, nascido em primeiro de agosto de 1930 na
França, Pierre Félix Bourdieu filósofo de formação, foi docente
na École de Sociologie du Collège de France, onde desenvolveu estudos
relacionados a dominação. De volta a Paris Bourdieu, tornou-se assisten-
te de Raymond Aron, um importante sociólogo, filósofo e comentarista
político da França. No ano de 1960, tornou-se membro do Centro de So-
ciologia Europeia, no qual ocuparia o cargo de secretário-geral dois anos
depois. Seu retorno à França marca também o início de sua volumosa
produção científica. Sua publicação entre as décadas de 1960 e 1980 o
caracteriza como importante sociólogo do século XX, trazendo contribu-
ições nos campos da antropologia e sociologia, cujas contribuições al-
cançam as diversas aéreas do conhecimento humano, discutindo temas
como: educação, cultura, literatura, arte, mídia, linguística e política.
Em sua trajetória, destacou-se por propor uma crítica a formação

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 179


do sociólogo, o que ficou conhecido como “sociologia da sociologia”.
Para Bourdieu, o mundo social deve ser compreendido por três conceitos
fundamentais: campo, habitus e capital.
Bourdieu era estruturalista e explicou o estruturalismo como uma
forma de processo pelo qual o homem deixa sua estrutura inicial para
passar a uma nova estrutura. Utilizou e se apropriou dos estudos realiza-
dos por Karl Marx sobre capitalismo, especificamente o conceito de luta
de classes, ampliando o conceito de capital econômico, para novos capi-
tais. Ampliando seus estudos, Bourdieu buscava entender melhor o soci-
al, então buscou estudar o real e o social, sendo o objetivismo e o subje-
tivismo existente.

2. Análise sobre os conceitos de campo social, habitus e capital em


uma abordagem trazida por Pierre Bourdieu
Neste sentido, surpreendentemente nos anos 1960, Bourdieu e
Passeron (1964) publicaram a obra “Os herdeiros e os estudantes e a cul-
tura” na qual empreenderam uma poderosa crítica ao sistema de ensino
francês. O tema convergente na obra desses autores foi a sociologia da
educação trazendo a desigualdade como questão principal (ROHLING e
VALLE, ANO 2016, p. 4). Inviável não falar das concepções sem articu-
lar aos estudos desenvolvidos pelos autores, na perspectiva do cenário
educacional como reprodutor de desigualdades sociais.
Pierre Bourdieu no decorrer de sua extensa trajetória científica,
identifica um fenômeno que poder ser verificado em vários setores soci-
ais: o campo social. Tal trata-se de um mundo pequeno social dotado de
certa autonomia, com leis e regras específicas, ao mesmo tempo em que
influenciado e relacionado a um espaço social mais amplo. A estrutura do
campo é como um constante jogo, no qual, cientes das regras estabeleci-
das, os agentes participam, disputando posições e lucros específicos. O
campo também pressupõe confronto, tomada de posição, luta, tensão,
poder, já que, de acordo com Bourdieu, todo campo “é um campo de for-
ças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de
forças” (BOURDIEU, 2004, p. 22-3).
Como afirmam Bourdieu e Passeron (2014, p. 27), “de todos os
fatores de diferenciação, a origem social é sem dúvida aquela cuja influ-
ência exerce-se mais fortemente sobre o meio estudantil”, por meio da
qual são definidas as chances de capitais, condições de vida e trabalhos

180 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
diferentes. Os autores apontam para a conivência da escola quanto à per-
petuação das desigualdades sociais, de modo que se faz necessária a aju-
da das concepções trazidas pela teoria da justiça social e distributiva. É
preciso entender a escola como uma instituição fundamental da socieda-
de, isto é, como uma instituição da estrutura básica da sociedade, que é
orientada pelos princípios da justiça social.
Bourdieu apud Nogueira (2004) já constava em Os herdeiros
(1964), que “a existência de uma forte correlação entre a origem social
dos estudantes (definida pela categoria sócio profissional dos pais) e o ti-
po de curso superior frequentado” é estabelecido em função de fatores
externos, notadamente considerando a posição social ocupada. O autor
mostrava que essa correlação era influenciada ainda pelas variáveis, de
modo geral que os indivíduos nativos das classes superiores da sociedade
ingressavam nos cursos de mais prestígios, e os indivíduos das classes in-
feriores eram renegados aos cursos de menor “visibilidade” social.
Segundo Nogueira e Nogueira (2002), Bourdieu distingue três
conjuntos de disposições e de estratégias de investimento escolar que se-
riam adotadas pelas classes populares, classes médias e pelas elites. O
primeiro desses grupos, pobre em capital econômico e cultural, tenderia a
investir de modo moderado no sistema de ensino. Esse investimento, re-
lativamente baixo, se explicaria por várias razões: em primeiro lugar, a
percepção, a partir dos exemplos acumulados, de que as chances de su-
cesso são reduzidas, uma vez que faltariam os recursos econômicos, so-
ciais e, sobretudo, culturais necessários para um bom desempenho esco-
lar. Isso tornaria o retorno do investimento muito incerto e, portanto, o
risco muito alto. Essa incerteza e esse risco seriam ainda maiores pelo fa-
to de que o retorno do investimento escolar é dado em longo prazo. Essas
famílias estariam, em função de sua condição socioeconômica, menos
preparadas para suportar os custos econômicos dessa espera, especial-
mente, o adiamento da entrada dos filhos no mercado de trabalho. Acres-
centa-se a isso o fato de que o retorno alcançado com os títulos escolares
depende, parcialmente da posse de recursos econômicos e sociais passí-
veis de serem mobilizados para potencializar o valor dos títulos. No caso
dessas famílias das classes populares, nas quais esses recursos são redu-
zidos, tender-se-ia, naturalmente, a obter um retorno mínimo com os títu-
los escolares conquistados. Diante disso, esse grupo social tenderia a a-
dotar o que Bourdieu chama de “liberalismo” em relação à educação dos
filhos. A vida escolar dos filhos não seria acompanhada de modo siste-
mático e nem haveria uma cobrança intensiva em relação ao sucesso es-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 181


colar. As aspirações escolares desse grupo seriam moderadas. Esperar-
se-ia dos filhos que eles estudassem apenas o suficiente para se mante-
remou se elevarem ligeiramente em relação ao nível socioeconômico dos
pais (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).
Os campos são resultados de processos de diferenciação social, da
forma de ser e do conhecimento do mundo e o que dá suporte são as rela-
ções de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições que
lutam pela hegemonia, isto é, o monopólio da autoridade, que concede o
poder de ditar as regras e de repartir o capital específico de cada campo
(BOURDIEU, 1984, p. 114). Um dos princípios de campo é definir o que
os agentes podem ou não fazer, é a “estrutura das relações objetivas entre
os diferentes agentes” (BOURDIEU, 2004, p. 23).
Como estruturas estruturadas que funcionam também como estru-
turas estruturantes, o habitus pode ser definido como “sistema de dispo-
sições duráveis”. As estruturas são estruturantes à medida que são res-
ponsáveis pela construção de práticas e representações por parte dos a-
gentes, mas também são estruturadas porque influenciadas, inventadas,
recriadas por esses mesmos agentes – que não seguem as normas tal qual
se apresentam, mas fazem delas diferentes usos (TEIXEIRA, p. 344). In-
do de encontro com as concepções explicadas, o autor esclarece seu con-
ceito como:
[...] eu desejava pôr em evidência as capacidades “criadoras”, activas, in-
ventivas, do habitus e do agente (que a palavra hábito não diz), embora
chamando a atenção para a ideia de que este poder gerador não é o de um
espírito universal, de uma natureza ou de uma razão humana, [...] o habi-
tus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um
haver, um capital. (BOURDIEU, 1989, p. 61)

Retomando o conceito de habitus, entende-se, assim como Setton


(2002), que este não pode ser interpretado apenas como sinônimo de uma
memória sedimentada e imutável; é também um sistema de disposição
construído continuamente, aberto e constantemente sujeito a novas expe-
riências. Pode ser visto como um estoque de disposições incorporadas,
mas postas em prática a partir de estímulos conjunturais de um campo.
Assim, é possível vê-lo, como um sistema de disposição que predispõe à
reflexão e a certa consciência das práticas, se e à medida que um feixe de
condições históricas permitir.
Princípio de uma autonomia real em relação às determinações imedi-
atas da “situação”, o habitus não é por isto uma espécie de essência a-
histórica, cuja existência seria o seu desenvolvimento, enfim destino defi-
nido uma vez por todas. Os ajustamentos que são incessantemente impos-

182 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
tos pelas necessidades de adaptação às situações novas e imprevistas po-
dem determinar transformações duráveis do habitus, mas dentro de certos
limites: entre outras razões porque o habitus define a percepção da situa-
ção que o determina. (BOURDIEU, 1983, p. 106)

Em suma, as famílias ou indivíduos não se reduzem à sua posição


de classes ou a um habitus de classe. Para além do habitus de classe há
de se considerar o habitus individual, que é produto da socialização,
constituídos em condições sociais específicas, por diferentes sistemas de
disposições produzidos em condicionamentos e trajetórias diferentes, em
espaços distintos como a família, a escola, os professores, o trabalho, os
grupos de amigos e/ou a cultura de massa (SETTON, 2002).
Além do habitus, pensar o conceito de capital é também funda-
mental se o objetivo for a compreensão mais alargada do que é um cam-
po. De acordo com o próprio autor e segundo o texto os três estados do
capital, o capital cultural pode se apresentar sob três formas, quais sejam:
o capital cultural incorporado, “sob a forma de disposições duráveis do
organismo”; o capital cultural objetivado, “sob a forma de bens culturais
– quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas”; e o capital cultu-
ral institucionalizado, “em relação ao certificado escolar” (BOURDIEU,
2010, p. 74). De acordo com Nogueira; Nogueira (2009, p. 35), para refe-
rir-se ao “poder advindo da produção, da posse, da apreciação ou do con-
sumo de bens culturais socialmente dominantes, Bourdieu utiliza, por a-
nalogia ao capital econômico, o termo capital cultural” (TEIXEIRA, p.
346).
A escola funciona como um mecanismo de reprodução das estru-
turas e dos capitais dos alunos. Os indivíduos se posicionam dentro de
um determinado campo, através de seu capital acumulado, que pode ser
social, cultural e econômico. Por exemplo: o capital social corresponde a
rede de relações que cada indivíduo constrói através de seus contatos e
interações entre eles. O capital cultural que esta interligado ao legado da
família, sua origem, trajetória e impacto social. E o capital econômico
que está diretamente ligado ao financeiro.
Hoje, gostaria de lembrar os mecanismos extremamente complexos
pelos quais a instituição escolar contribui (insisto nessa palavra) para re-
produzir a distribuição do capital cultural e, assim a estrutura do espaço
social. As duas dimensões fundamentais desse espaço, as quais lembrei
ontem, correspondem dois conjuntos de mecanismos de reprodução dife-
rentes – cuja combinação define o modo de reprodução -, que fazem com
que o capital puxe o capital e com que a estrutura social tenda a perpetu-
ar-se (não sem sofrer deformações mais ou menos importantes). A repro-
dução da estrutura de distribuição do capital cultural se dá na relação en-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 183


tre as estratégias das famílias e a lógica especifica da instituição escolar.
(BOURDIEU, 1994, p. 35)

No sistema educacional, o tipo de capital valorizado é o capital


cultural, que vem da tradição familiar, na forma de conhecimentos, li-
vros, diplomas e uma cultura que visa o aprendizado, onde o indivíduo já
está habituado a frequentar lugares em que lhe remetem a um novo a-
prendizado. Nesse caso, o capital cultural não é aquele do qual será ad-
quirido na escola, mas sim aquele já adquirido e que passa a condicioná-
lo no ambiente escolar.

3. Considerações finais
A articulação entre capital, campo e habitus é explicitada por
Bourdieu e essas categorias são desenvolvidas e ampliadas em várias
produções do autor, dentre elas as que foram citadas neste artigo. O sis-
tema educacional é composto por uma variação entre os indivíduos e seu
habitus, que é composto por vários capitais e que os tornam pertencentes
a um determinado campo social. Cada campo tem suas leis específicas e
está relacionado a determinados tipos de capitais. Portanto seconfigura
como espaço social no qual relações de poder são estabelecidas entre os
agentes.
Contudo, buscamos com esse artigo trazer algumas concepções do
autor Bourdieu que possa contribuir com o enriquecimento e reflexões
para os docentes. Neste sentido, a contribuição maior é o conhecimento
adquirido e a práxis ao inovar em suas ações cotidianas no ambiente es-
colar, trazendo novas formas de criar possibilidades para atender todos os
indivíduos, não os caracterizando através de seu campo pertencente e
seus capitais culturais.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 185


APRENDIZAGEM DE SEGUNDA LÍNGUA E ERROS:
UMA BREVE VISÃO DIACRÔNICA
Gustavo Estef Lino da Silveira (UERJ)
[email protected]

RESUMO
O objetivo deste estudo é apresentar como o conceito de erro no ensino de línguas
vem variando ao longo dos anos. Se metodologias passadas acreditavam que o erro
deveria ser evitado a qualquer custo, métodos de ensino mais recentes afirmam que
erros fazem parte do processo de ensino–aprendizagem, tornando-se um processo na-
tural e até mesmo positivo. Discutiremos aqui possíveis classificações de erros e como
métodos mais recentes envolvendo a Linguística de Corpus e programas de computador
podem auxiliar-nos a melhor analisar, compreender e tratar os erros. Logo, podere-
mos dar uma maior contribuição acerca da origem dos erros no processo de aquisição
de uma segunda língua e ajudar professores e alunos não apenas a compreendê-los
melhor, mas também corrigi-los de forma mais eficaz.
Palavras-chave:
Erros. Linguística Aplicada. Linguística de Corpus.

1. Introdução
O presente trabalhado tem como objetivo atualizar a visão que
professores e alunos têm a respeito dos erros cometidos durante a apren-
dizagem de uma língua estrangeira. Sendo assim, começaremos por reca-
pitular acerca do que acreditava-se sobre erros antes dos mesmos terem
assumido uma conotação positiva no processo de aquisição de uma se-
gunda língua. Tentaremos definir o que vem a ser erro; em seguida, tra-
remos as classificações de erro segundo alguns autores. E por fim, men-
cionaremos a concepção de erro sob a análise de programas de computa-
dor e o uso da Linguística de Corpus para melhor compreendê-los e tra-
tá-los.

2. Uma breve perspectiva histórica do erro


Antes dos estudos mais recentes sobre aquisição de segunda lín-
gua (ou L2) que tratam dos erros como parte natural do processo de ensi-
no–aprendizagem, é preciso que retornemos um pouco no tempo até o i-
nício do século XX. Naquela época, a teoria behaviorista reinava no en-
sino de língua estrangeira e pregava que os erros deveriam ser evitados a

186 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
qualquer custo durante o processo de ensino-aprendizagem. Seus defen-
sores afirmavam que os aprendizes deveriam receber um estímulo para
então produzir uma resposta que deveria ser reforçada. Acreditava-se à
época que os erros sofriam interferência da língua materna (ou também
chamaremos de L1), palavra esta que possui uma denotação um tanto
quanto negativa.
Se para os behavioristas, a língua era aprendida através da aquisi-
ção de hábitos, maus hábitos, ou seja, erros, deveriam ser evitados a
qualquer custo. Logo, a única forma de saná-los deveria ser através da
repetição da forma correta da língua de maneira exaustiva. Isso poderia
vir a gerar uma supercorreção do erro causando desmotivação no apren-
diz.
Como muitos dos erros tinham como origem a língua materna do
aprendiz, surgiram muitos estudos no ramo da Análise Contrastiva (AC),
área esta que visava comparar a língua materna do aprendiz com a língua
alvo, aquela que se estava aprendendo (ERDOGAN, 2005, p. 262).
A AC floresceu em uma época onde acreditava-se que a compara-
ção entre a L1 do aprendiz e a L2 poderia vir a auxiliar-nos a entender os
erros mais comuns que determinados grupos de falantes poderiam come-
ter. Com isso, os aprendizes poderiam evitá-los, para que os mesmos não
interferissem na aprendizagem da língua.
Mais tarde, uma outra vertente da Linguística Aplicada se desen-
volveu e originou estudos no ramo da Análise de Erros.De acordo com
Erdogan (2005, p. 263) esta “lida com a performance dos aprendizes em
termos dos processos cognitivos que estes fazem uso em reconhecer ou
codificar o input recebido na língua alvo”.
No início dos anos 1970, outras teorias sobre aquisição de segun-
da língua começaram a surgir, e viu-se, então, que o behaviorismo não
dava conta de explicar os fenômenos de aquisição de uma segunda língua
baseado apenas em princípios como: estímulo–reposta, input e output.
Por fim, podemos reiterar que se antes a presença da língua ma-
terna durante o processo de aquisição de uma L2 podia ser equiparada a
uma interferência, o que pode vir a ter uma denotação negativa; nos estu-
dos atuais, ela é tratada como uma influência e pode vir a ter um caráter
mais neutro ou até mesmo positivo.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 187


3. O que é o erro?
Após termos feito um breve resumo acerca do histórico do erro e
áreas de estudo que o mesmo originou dentro de Linguística Aplicada,
passamos aqui a tentar buscar algumas definições sobre o que seria o er-
ro. É inevitável dizer que todos os aprendizes de uma língua cometem er-
ros. Crianças cometem erros quando aprendem a sua língua materna e as-
sim também os aprendizes de uma segunda língua. Mas o que definiria
uma forma linguística como sendo errônea?
Ferris (2002, p. 3) relata que as aulas de composição escrita em
L2 tradicionalmente sofreram a influência da Psicologia Comportamental
e da Linguística Estruturalista que consistem basicamente em: atividades
controladas ou guiadas. Devido a essas influências behavioristas, grande
ênfase fora dada à precisão28 dos textos dos aprendizes de L2 fazendo
com que os professores corrigissem todos e quaisquer erros tentando evi-
tar que um mau hábito se formasse.
No entanto, Ellis (2000, p. 3-4) ilustra o fato de que nos anos
1970, ao invés de focarem nas formas corretas das composições, parágra-
fos e frases, ambos os alunos e professores estavam focados no desen-
volvimento das ideias, rascunhos, revisões, trabalhos colaborativos e
compartilhamento de sucesso. Tal técnica era chamada de “Abordagem
do Processo” (Process-Approach) a qual acredita que se os alunos esco-
lherem os tópicos acerca dos quais irão escrever e receberem o direcio-
namento corretona tomada de decisões a fim de moldar e polir seus pró-
prios textos, seus produtos finais irão melhorar como uma consequência
natural de um processo de escrita mais consciente.
Junto ao advento do Abordagem do Processo nos anos 1970 e
1980, vieram estudiosos como Truscott (1996) afirmar que não havia
evidência científica de que os aprendizes se beneficiavam com a correção
de erros. Esta tendência levou a uma diminuição na correção dos erros de
aprendizes.
No entanto, Ferris (2002) ressalta que a maioria dos professores e
alunos de língua estrangeira (LE) acredita no potencial da correção de er-
ros e nos efeitos positivos que tal correção trará ao desempenho geral do
aprendiz.

28
Tradução nossa. Do Inglês “Accuracy”. Para Harmer (2007), este seria o grau de correção
que um aprendiz pode alcançar ao usar a gramática, vocabulário e pronúncia.

188 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Hoje em dia, parece haver mais ênfase na correção de erros pelos
professores que tendem muitas vezes a marcar as formas errôneas e até
mesmo corrigir os erros de seus alunos. Poderíamos dizer que houve um
retrocesso à uma época behaviorista no processo de correção de erros de
aprendizes, em particular na escrita.
Embora o erro seja facilmente localizado pelos professores em um
texto de aprendiz de LE, por exemplo, sua definição ainda parece um tan-
to obscura tanto para docentes quanto alunos, pois muitas parecem ser as
origens que resultam em uma construção errônea. Logo, defini-lo pode
vir a ser uma tarefa considerada bem difícil.
Os erros podem ser causados pela influência da língua materna,
neste caso falamos que houve interferência da língua mãe. Mas há de se
convir que a língua materna também pode vir a auxiliar o processo de
aquisição de uma segunda língua (ELLIS, 2000, p. 51).
Erros também podem ter sua origem no sobre uso de determina-
das formas. Conforme Ellis (2000, p. 52), alguns aprendizes chineses
tendem a sobre usar expressões de arrependimento ao se desculpar em
Inglês, de acordo com as normas de sua língua materna.
Ferris (2002) ressalta que uma das grandes diferenças entre os es-
critores de L1 e de L2 é que o falante não nativo comete erros relaciona-
dos tanto à transferência negativa de padrões de sua L1 quanto da aquisi-
ção incompleta da L2.
A autora afirma ainda que a aquisição de uma segunda língua leva
tempo e que ocorre em estágios. Alguns aprendizes podem nunca se as-
semelhar ao nível de controle de um falante nativo no aprendizado da L2,
especialmente se a exposição a L2 for tardia (FERRIS, 2002, p. 5). Um
exemplo prático seria que é “irreal esperar que a produção de escritores
de L2 será livre de erros ou mesmo quando for, que “soará” como a de
um falante nativo”.
Corroborando a ideia da autora, Wilkins (1976) assume que os
“Erros são inevitáveis e parte necessária do processo de aprendizagem de
uma língua.
No entanto, erros podem vir a indicar uma falha no processo de
aprendizagem a partir do momento em que o aprendiz não consegue
identificar a forma correta da língua. Os erros estão ligados a um proces-
so de produção inconsciente do aprendiz onde este não tem ciência da
forma que deveria ser usada.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 189


O conceito de erro no ensino de LE parece um pouco difícil de ser
definido. Primeiro, pelo fato da tradução dos termos do Inglês para o
Português, em um breve apanhado na literatura de LA podemos citar três
diferentes nomenclaturas para o conceito: mistake, error, e slip. Sendo
assim, passemos a tentar traçar uma diferenciação nessas definições.
Para Sprat, Pulvernesse Williams (2005, p. 44) os erros29 (mista-
kes) podem ser divididos em dois tipos: as falhas30 (errors) e os desli-
zes31 (slips). Segundo esta visão, as falhas ocorreriam quando os aprendi-
zes tentam dizer algo que está além do seu atual nível de processamento
linguístico. Já os deslizes seriam resultados por fatores como cansaço,
preocupação, circunstâncias temporárias ou outras emoções. Com isso,
parece ser possível afirmar que os erros seriam um conceito macro e es-
tes englobariam as falhas e os deslizes.
Outra distinção feita pelos autores supracitados seria que o apren-
diz não consegue corrigir sua falha porque ele mesmo não entende o que
está errado. No entanto, o deslize pode ser corrigido pelo aprendiz, pois
este consegue compreender em que errou.
Já Erdogan (2005) classifica os erros em dois tipos: mistake32 e error.
Para o autor, o mistake seria o erro causado por falta de atenção,
cansaço, descuido ou algum outro aspecto da performance do aprendiz.
Mistakes podem ser auto corrigidos pelo aprendiz quando a atenção dele
é chamada para a ocorrência.
Já um error seria o uso de um item linguístico de uma maneira
que um falante nativo ou fluente da língua alvo o consideraria como sen-
do fruto de uma aprendizagem errada ou incompleta.
Em outras palavras, o autor conclui dizendo que os errors aconte-
cem porque o aprendiz não sabe o que está correto, logo, não pode corri-
gi-lo. Pode-se adicionar a esta conceituação o fato que os mistakes já fo-
ram tratados pelo professor, pois um dia estes já foram errors e houve,
então a conscientização do aprendiz para a forma correta.

29
Tradução nossa.
30
Tradução nossa.
31
Tradução nossa.
32
Optamos por não traduzir todos os conceitos para não gerar sobreposição de nomen-
claturas e significados.

190 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Se o aprendiz faz uso de ambas as formas corretas e errôneas, El-
lis (2000) afirma que se trata de um mistake, mas se ele sempre utiliza a
forma errônea então trata-se de um error.
Como podemos ver parece haver uma sobreposição de conceitos e
nomenclaturas entre os mais diversos teóricos que estuda analise de erros
em LE. Tal falta de definição e consenso corrobora ainda mais a dificul-
dade da definição para professores e alunos do que vem a ser um erro.

3.1. Tipos de erros


Após termos tentando fazer um breve levantamento sobre o con-
ceito de erro, passamos a seguir a classificá-los segundo as definições de
autores como: Corder (1973), Ferris (2002) e Thornbury (2008).
Corder (Apud ERDOGAN, 1973, p. 264) classifica os erros em
quatro tipos:omissão, adição, seleção e ordem.
Os primeiros seriam quando um aprendiz omite uma palavra ou
um morfema. Os de adição seriam os erros ocasionados pela inclusão de
uma palavra desnecessária à frase. Os de seleção seriam quando ocorre
uma escolha verbal incorreta e por último, os erros de ordem, seriam a-
queles relacionados à posição de adjetivos ou substantivos na frase (refe-
rentes ao eixo sintagmático), mas também poderiam ser originados por
um erro de ortografia.
Passemos agora, a tratar das definições de erros usadas por Ferris
(2002). A autora classifica os erros em quatro subtipos: erros globais e
locais; e erros tratáveis e não tratáveis.
Os erros globais seriam aqueles que afetam o entendimento de um
texto e erros locais são pequenos erros que não afetam a compreensão do
texto (FERRIS, 2002, p. 22).
Já os erros tratáveis são aqueles relacionados a uma estrutura lin-
guística que está relacionada à quebra de uma regra. Ele é chamado de
tratável porque o aluno pode ser orientado ao estudo de um livro de gra-
mática, por exemplo, e por meio de um conjunto de regras resolver o
problema. Como por exemplo, desse tipo de erro estão os tempos e for-
mas verbais, o uso de artigo, erros de ortografia, pontuação, etc.
Um erro não tratável é idiossincrático. E o aluno precisará utilizar
conhecimento adquirido da língua para auto corrigi-lo. Exemplo: “a esco-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 191


lha de palavras erradas, uma estrutura frasal inexistente na língua, seja
por adição ou subtração de palavras” (FERRIS, 2002, p. 23).
Logo, podemos dizer que um erro é a falta de precisão na língua-
alvo, tanto por interferência da L1 do aprendiz ou pela não aquisição
completa da L2 (FERRIS, 2002, p. 25).
Passemos a seguir a mencionar as razões principais pelas quais os
erros podem ocorrer: a primeira delas seria pela influência da língua ma-
terna do aprendiz, também chamada de interferência ou transferência.
Thornbury (2008, p. 114) descreve dois tipos de transferência: a
positiva e a negativa. Para o autor, ambas sofrem influência da LM do
aprendiz. No entanto, a transferência positiva não resulta em um erro em
si.
Um outro motivo pelo qual os aprendizes erram seria pelo fato
destes ainda estarem construindo padrões de regras mentais e aplicarem
um mesmo tipo de regra a diversos padrões linguísticos da L2, pois ainda
estão desenvolvendo as regras, exceções e singularidades da língua alvo.
Este tipo de erro é chamado de sobregeneralização da língua. (SPRAT,
PULVERNESS; WILLIAMS, 2005, p. 44). Segundo Wilkins (1976), es-
te tipo de erro é muito característico em aquisição de língua materna.
Thornbury (2008, p. 114) afirma que há três tipos de erros que o
aprendiz de uma segunda língua comete: erros lexicais, gramaticais e
discursivos.
Para o autor, a primeira categoria envolve os erros de escolha de
palavras errôneas pelo aprendiz para o significado que este queria trans-
mitir. Como por exemplo: a escolha da forma errada da palavra. Um alu-
no pode vir a fazer uso do verbo think ao invés do substantivo thing, pela
semelhança fonológica e gráfica. Também fazem parte desta categoria os
erros na ordem natural das palavras, como em português temos primeiro
o substantivo e depois o adjetivo e em Inglês o inverso, como em: girl
beautiful.
O segundo tipo de erro seria o erro gramatical. Estes estão atrela-
dos a forma e modo do verbo. Como podemos ver na estrutura dos se-
guintes exemplos: a) the doorbell rangs e b) wespeaked. No exemplo da
letra a, houve erro na forma do verbo que não deveria sofrer flexão de 3ª
pessoa do singular por estar no passado. Na letra b, o modo como o ver-
bo foi conjugado no passado está errado, por se tratar de um verbo irre-
gular.

192 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
O último tipo de erro listado por Thornbury (2008) seria o erro de
discurso. Estes seriam erros macro, de construção e coesão textual onde
palavras usadas erroneamente como o conectivo eventually. Tal uso in-
devido pode vir a gerar no leitor a falsa impressão de que o texto está
perto de sua conclusão, mas por ser um falso-cognato do Inglês pode
também ser usada erroneamente com o sentido de “eventualmente”.
Segundo Santos (1996, p. 218), “É justamente o erro que indica
que a criança está trabalhando com as formas verbais. E o erro vai sem-
pre na direção da regularização das formas irregulares das línguas”. E-
xemplo disso seria o fato da inflexão dos verbos na terceira pessoa do
singular em Inglês serem um dos últimos morfemas adquiridos por crian-
ças cuja língua materna é o Inglês.
Krashen (1982, p. 11) afirma que a correção de erro tem pouco ou
nenhum efeito na aquisição inconsciente de uma língua, enquanto que a
correção de erros supostamente ajuda o aprendiz a construir a forma cor-
reta das regras da língua.

3.2. Erro e o computador


Passemos adiante a tratar da questão do erro sob a ótica dos pro-
gramas de computador para auxiliar-nos em sua análise. Muitos estudos
de Análise de Erros baseiam suas pesquisas na busca pela influência da
LM no processo de aquisição de uma segunda língua, outros estudos ve-
em o erro pelo viés da interlíngua e a interferência da língua materna no
desenvolvimento da linguagem do aprendiz.
O fato é que mais atualmente, tais conceitos estão em desuso nos
estudos de AE. Hoje, a visão que se tem acerca dos erros é a de: sobre
uso, mau uso e sub uso da língua (BERBER-SARDINHA, 2004, p. 266).
O autor afirma que “os conceitos de sobre uso e sub uso são indicadores
de desvio de um padrão de referência que, em geral, é a linguagem do fa-
lante nativo”.
Se há alguns anos o conceito de erro era visto de um ponto de vis-
ta avaliativo e muitas vezes como algo a ser evitado; hoje, as pesquisas
com a Linguística de Corpus leva em consideração uma visão mais neu-
tra do erro tendo como objetivo um caráter descritivo dos casos.
Para Berber-Sardinha (2004, p. 266) “o que muda é o foco, o mé-
todo e o próprio entendimento da natureza do erro”. Se antes o erro era

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 193


julgado e avaliado, hoje ele é descrito e analisado. Se antes ele deveria
ser evitado, hoje, sabe-se que ele faz parte do processo de aprendizagem
em língua estrangeira.
Para analisarmos o erro é vital analisá-lo dentro de seu contexto
de produção. A AE hoje é bem diferente da feita nos anos 1970. Se à é-
poca, a análise era descontextualizada levando em consideração o erro de
forma isolada; hoje, os erros são investigados de forma contextualizada.
Granger (2006, 2003) afirma em seus estudos que para ser consi-
derado um corpus autêntico, não se pode extrair o erro linguístico de seu
texto original. Para a autora, os corpora33 de aprendizes são feitos de ex-
tensões contínuas do discurso e não de palavras ou frases isoladas. Tais
extensões contêm ambos exemplos de usos corretos e errôneos da língua.
Os conceitos de sobre uso, sub uso e mau uso podem ser encon-
trados nas publicações de Granger (2006, 2003). A autora tem focado su-
as pesquisas nos estudos de corpora de aprendiz. Para ela, comparações
no estudo de corpora de aprendiz passaram da simples descrição do erro
para o estudo daquilo que é ou não nativo, em termos do que é usado ou
não; do que é usado em excesso e do que é sub-usado. Granger afirma
que a Linguística de Corpus abre uma perspectiva descritiva para o estu-
do e a análise de erros linguísticos de aprendizes de Inglês como língua
estrangeira já que a criação de corpora de aprendizes é um conceito rela-
tivamente novo, se comparado com os corpora de falantes nativos.
Um dos programas muito utilizados para o pesquisador e profes-
sores que querem analisar e tratar erros de aprendizes em grade escala é o
Wordsmith Tools. O programa permite que o analista de erros insira cor-
pora de para trabalhar com listas de palavras, colocações bem e mal su-
cedidas e textos errôneos. Também é possível a utilização do programa
para a elaboração de atividades pedagógicas em sala de aula que utilizem
os próprios exemplos de erros produzidos pelos aprendizes, fazendo com
que os mesmos tenham uma maior reflexão sobre as formas errôneas e
aumentem sua reflexão no processo de aprendizagem de uma L2.
É preciso que, antes de julgarmos a linguagem como sendo corre-
ta ou errônea, que levemos em conta fatores extralinguísticos atrelados à
produção linguística. “Nem todo mundo usa a “linguagem correta” e,
dessa forma, aquilo que não se encaixa no que é correto, simplesmente é

33
Palavra de origem do Latim. Plural de Corpus.

194 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
considerado como errado” (ALMEIDA, 2010, p. 36).

4. Conclusão
Concluímos ressaltando que o conceito de erros assumiu diferen-
tes posições ao longo da História, passando de um papel coadjuvante a
uma atuação mais central no processo de aquisição de uma segunda lín-
gua. No entanto, o uso, o tratamento e a correão ainda são frutos de inú-
meros debates na área de LA, pois ainda é extremamente difícil chegar-
mos a um consenso acerca de uma definição precisa do que vem a ser
uma unidade errônea. Inúmeros fatores podem vir a influenciar na produ-
ção final do aprendiz de uma L2. Por outro lado, o auxílio de programas
de computador deu um novo vigor à área da Linguística de Corpus, pos-
sibilitando não apenas a análise, mas também o tratamento de erros em
grande escala através do uso de corpora de aprendizes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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contrastivo sobre advérbios em corpora digitais. 2010. 152 f. Disserta-
ção (Mestrado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade do Es-
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2004.
ELLIS, R. Second language acquisition. Oxford: Oxford University
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ERDOGAN, V. Contribution of error analysis to foreign language teach-
ing. In: Mersin University Journal of Faculty Education. Turquia, v. 1,
ed. 2, p. 261-270, dez. 2005.
FERRIS, D. R. Treatment of error in second language student writing.
Michigan: The University of Michigan Press, 2002.
GRANGER, S. Using error-tagged learner corpora to create English-
specific CEF descriptors. In: CONFERENCE OF EALTA, 3, 2006.
______. Error-tagged learner corpora and CALL: a promising synergy.
In: CALICO Journal. San Marcos, TX, v. 20, n. 3, p. 1-16, 2003.
HARMER, J. How to teach English. Essex, UK: Pearson, 2007.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 195


KRASHEN, S. Principles and practice in second language acquisition.
California. University of Southern California, Pergamon Press, 1982.
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dução a linguística: I. Objetos teóricos. São Paulo: Ática, 1996.
SPRATT, M.; PULVERNESS, A.; WILLIAMS, M. The TKT course.
Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
THORNBURY, S. How to teach grammar. Essex, UK: Pearson, 2008.
TRUSCOTT, J. The case against grammar correction in L2 writing
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WILKINS, D. Second language learning and teaching. London: Edward
Arnolds, 1976.

196 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
AQUISIÇÃO OU APRENDIZAGEM DE UMA SEGUNDA
LÍNGUA: REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE
CONCEITOS-CHAVE PARA O ENSINO DE LÍNGUAS
Gustavo Estef Lino da Silveira (UERJ)
[email protected]

RESUMO
Ao falarmos sobre ensino de uma língua estrangeira, uma dúvida paira no ar: es-
tamos nos referindo a aquisição ou a aprendizagem de uma segunda língua? O pre-
sente estudo tem como objetivo lançar luz sobre conceitos-chave que norteiam os es-
tudos de Linguística Aplicada com foco na aquisição de uma segunda língua. Para tal
finalidade, é vital revisitarmos arcabouços teóricos da Linguística como a diferença
entre língua e linguagem (SAUSSURRE, 2000). Além de delimitar a visão acerca da
aquisição de uma língua para as teorias gerativista e funcionalista. Só assim, podemos
avançar e delimitar o que seria aprendizagem e aquisição de uma segunda língua.
KRASHEN (1982) afirma que aprender uma língua é um processo formal onde estu-
da-se as regras de um idioma em uma escola, por exemplo. Já a aquisição tende a o-
correr em contextos naturais como ao ouvir uma música ou através da exposição na-
tural à língua (input). É de suma importância também revisitarmos conceitos que
permeiam os estudos sobre aprendizagem e aquisição tais como: interlíngua e fossili-
zação. Como finalidade, pretendemos auxiliar alunos e professores a terem uma maior
reflexão crítica acerca dos processos subjacentes ao ato de se aprender uma língua es-
trangeira.
Palavras-chave:
Linguística Aplicada. Aprendizagem de segunda língua.
Aquisição de segunda língua.

1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo principal lançar luz à dico-
tomia vigente nas salas de aula de ensino de língua estrangeira: aprende-
mos ou adquirimos uma língua? Para tal fim, traçaremos um percurso de
discussão que trata desde os conceitos básicos em Linguística como a di-
ferença entre língua e linguagem, a definição de correntes linguísticas
como o gerativismo e funcionalismo. Após tal discussão, poderemos a-
vançar e pensarmos sobre o que realmente significa aprender e adquirir
uma língua. E, dentro do processo de aprendizagem de uma língua, al-
guns conceitos precisam ser revisitados como: a interlíngua do aprendiz
de língua estrangeira e a fossilização de erros.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 197


2. Língua e linguagem
Os seres humanos são os únicos animais dotados da faculdade da
fala. Embora primatas e golfinhos possuam um considerável quociente
de aprendizagem e características genéticas semelhantes à dos seres hu-
manos, os mesmos não possuem à sua disposição um órgão fonador res-
ponsável por desenvolver a fala.
Todavia, inúmeros estudos dão conta de uma suposta linguagem
animal, onde estes estabelecem padrões de comunicação entre si a fim de
executar tarefas e transmitir mensagens em seus grupos. Ainda assim, o
conceito de linguagem ainda é, de fato, abstrato e demasiado simplório se
comparado a capacidade de comunicação humana.
Seres humanos fazem uso da linguagem de uma forma criativa,
plural e emitindo sons, o que diferencia ainda mais a nossa linguagem
com a dos animais.
Dentro da Linguística, ouvimos muito falar de expressões como:
aquisição da linguagem, linguagem animal, linguagem computacional,
linguagem da Internet, entre outras possíveis combinações. Também
muito se fala de: segunda língua, língua materna34, língua estrangeira e
língua de aprendiz. Se existe uma motivação para a escolha de certas
combinações de palavras como “segunda língua” ao invés de “segunda
linguagem” é porque há de haver uma diferença entre língua e lingua-
gem.
No entanto, em Língua Inglesa as duas ideias são expressas atra-
vés da mesma palavra language, que significa tanto língua quanto lin-
guagem. Para um falante de Inglês, então, pode haver uma problemática
maior para distinguir os dois termos. Passaremos adiante a tratar das di-
ferenças conceituais entre língua e linguagem segundo a visão de alguns
teóricos.
A dicotomia língua e linguagem fora abordada, primeiramente,
nos estudos de Saussure (2000), quando este opunha a visão da primeira
em relação a segunda. Para o linguista, a langue, ou língua seria um sis-
tema exterior ao indivíduo, um dado sistemático, social e coletivo. A lín-
gua seria um sistema de signos, um conjunto de unidades que se relacio-
nam organizadamente dentro de um todo (PETTER, 2011, p. 14).

34
Usaremos neste estudo intercaladamente “língua materna”, “língua mãe” e “L1” para re-
ferirmos à língua materna do aprendiz.

198 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Já a parole, ou fala seria individual, particular. Cada falante pos-
suiria a sua própria fala, ou seja, a sua maneira específica de fazer uso da
langue. Saussure estabelece uma dicotomia língua e fala a partir do prin-
cípio que uma se opõe à outra. No entanto, as “pessoas que falam a
mesma língua conseguem comunicar-se porque, apesar das diferentes fa-
las, há o uso da mesma língua” (PIETROFORTE, 2011, p. 82).
Para o linguista genebrino, o objetivo dos estudos da Linguística
deveria ser a langue e não a parole, pois esta vê a língua como um siste-
ma de signos e seu interesse maior está no aspecto sincrônico da língua,
na língua imutável, estática vista em um ponto específico do tempo. Não
é de seu interesse o foco na diacronia da língua, no caráter evolutivo e
mutável da mesma.
Não obstante, é mister ressaltar que podendo a língua ser conside-
rada um organismo vivo, em constante mutação, onde palavras nascem e
morrem ao longo do tempo, qual seria o sentido de um estudo que se
concentre apenas no caráter sincrônico da língua e não atente para ques-
tões de diacronia?
A sincronia pode e deve ser vista como um pontapé inicial para a
compreensão do aspecto diacrônico da língua. A partir de um recorte fei-
to na língua de um falante em um certo momento do tempo, alguns insi-
ghts podem ser obtidos sobre o que determinada fala representa em ques-
tões como aprendizagem do falante, contexto social, posicionamento i-
deológico, entre outros.
Além disso, estudos sincrônicos devem servir não como um fim
em si mesmos, mas como um ponto de entrada que leve o linguista a uma
possível compreensão de aspectos macro da língua. Sendo assim, seriam
nos dias de hoje sincronia e diacronia conceitos ainda antagônicos? Não
seria possível e recomendável fazermos uso de estudos sincrônicos a fim
de levantarmos questões que apontem para onde a língua está, de fato,
caminhando? Segundo Cunha (2010, p. 164), “as regras da gramática são
modificadas pelo uso (isto é, as línguas variam e mudam), e, portanto, é
necessário avaliar a língua como ela é falada.” Logo, a língua como é fa-
lada hoje não é a mesma que fora ontem e nem a que será amanhã. Sendo
tais conceitos outrora dicotômicos, creio que hoje a convergência de am-
bos os preceitos não apenas sejam possíveis mas também muito bem-
vindos.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 199


3. Correntes linguísticas
Duas correntes linguísticas que tentam explicar o processo de a-
quisição da linguagem e tem visões contrastantes entre si são: o gerati-
vismo e o funcionalismo. Na primeira, temos Noam Chomsky como seu
maior expoente com a visão racionalista de entender a linguagem. Na se-
gunda, temos os estudos de Halliday e a Gramática Sistêmico-Funcional
atrelada à visão empirista da língua.
Passo, a seguir, a definir ambas as visões. Segundo Almeida
(2010, p. 25), na abordagem racionalista “há uma maior preocupação
com a forma pela qual a mente processa a linguagem, enquanto que na
abordagem empírica, a preocupação está em observar a ocorrência de da-
dos naturais”.
Segundo Chomsky, todos os falantes são dotados de uma gramáti-
ca universal inata que ajuda a explicar as similaridades no desenvolvi-
mento da aquisição de uma língua materna (THORNBURY, 2008, p.19).
Para Chomsky, esta gramática é formada por princípios invariáveis e
permeáveis a todas as línguas. Isso explica, em parte, o fato de crianças
de diferentes línguas passarem pelos mesmos estágios durante a aquisi-
ção da linguagem.
Os gerativistas acreditam que “as infinitas sentenças de uma lín-
gua são formadas a partir da aplicação de um finito sistema de regras (a
gramática)” (KENEDY, 2010, p. 131).
Somos capazes de produzir um sem número de frases em uma lín-
gua devido à capacidade de criação do falante e a um número infinito de
possibilidades que a língua oferece. É importante ressaltar que de acordo
com Wilkins (1976, p. 3) a mesma língua opera de acordo com regras fi-
nitas e pré-estabelecidas que restringem as opções do falante. Ou seja,
embora os meios pelas quais as frases são construídas são limitados o
número de sentenças distintas em uma língua é infinito.
Chomsky aprofundou esse conceito ao abordar a criatividade do
falante e sua habilidade de construir frases através da substituição de sin-
tagmas tanto no eixo paradigmático quanto no sintagmático da frase.
Com isso, o que o linguista atenta é para o fato de que a língua é dotada
de possibilidades infinitas de combinações e o falante tem a criatividade
de fazer quaisquer combinações que lhe aprouver.
Kenedy (2010) afirma ainda, que um falante consegue distinguir a
agramaticalidade de uma frase inconscientemente através do conheci-

200 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
mento interno das leis que regem a língua e governam a formação das
frases, a este fenômeno é chamado de “competência linguística”.
Em via oposta, há o “desempenho linguístico”, que é a perfor-
mance linguística do falante em inúmeras situações e “envolve diversos
tipos de habilidade que não são linguísticas, como atenção, memória,
emoção, nível de estresse, conhecimento de mundo, etc.” (KENEDY,
2010, p. 134).
Pode-se dizer que é interesse exclusivo do gerativismo apenas a
competência linguística e não o desempenho. Por isso, os estudos gerati-
vistas não retiram dados linguísticos do uso concreto da língua na vida
cotidiana. Toda e qualquer variável extralinguística que possa influenciar
no uso da linguagem não é domínio do gerativismo.
Segundo Almeida (2010, p. 26) “Chomsky sugeria que um corpus
não poderia ser uma ferramenta útil para um linguista uma vez que o
corpus deveria descrever a língua através da competência e não da per-
formance. Além disso, um corpus não poderia representar uma língua em
sua totalidade; então, não poderia ser representativo dessa língua”.
Já o estudo a partir de corpus privilegia a probabilidade de siste-
mas linguísticos ocorrerem dentro da língua em relação a determinados
contextos em que os falantes os empregam. A Linguística de Corpus, por
exemplo, trabalha com um sistema de probabilidades e vê a língua como
um sistema empírico e mensurável. Para os defensores do funcionalismo,
a língua é empírica pois é observável e pode vir a ser reunida sob a forma
de um corpus a fim de ser estudada e medida a sua probabilidade de o-
corrência dentro de determinados contextos e situações extralinguísticos.
A visão da linguagem como sistema probabilístico pressupõe que,
embora muitos traços linguísticos sejam possíveis teoricamente, tais tra-
ços não ocorrem com a mesma frequência.” (BERBER-SARDINHA,
2004, p. 30-31).
Temos aqui o paradigma entre linguagem possível e linguagem
provável. Para Chomsky e os racionalistas, a língua é formada de um
número infinito de sentenças denominada linguagem possível. Mas qual
seria a probabilidade de certas construções ocorrerem na língua, mesmo
sendo consideradas gramaticalmente corretas?
Temos então, um ponto a ser considerado, se a língua é formada
de possibilidades infinitas, a língua possível de ser falada significaria que
esta mesma sentença seria provável de ser produzida por um falante de

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 201


uma determinada comunidade discursiva? Porém, nem sempre “lingua-
gem possível” pode vir a significar “linguagem provável”. Ou seja, o que
é gramaticalmente correto pode vir a não estar mais em voga ou não ser
usado em determinado contexto.
Em oposição à visão elencada acima encontra-se o funcionalismo,
que vê a linguagem sob outra perspectiva, a da probabilidade de determi-
nada sentença ser produzida em um determinado contexto ou não. “Os
funcionalistas concebem a linguagem como um instrumento de interação
social, alinhando-se, assim à tendência que analisa a relação entre lin-
guagem e sociedade.” (CUNHA, 2010, p. 157). Logo, os funcionalistas
irão analisar a língua segundo contextos que envolvam os interlocutores,
os propósitos comunicativos e o contexto discursivo. A análise vai além
da sentença gramatical e os estudos focam no uso e na possibilidade de
uso e não na estrutura gramatical em si.
Como dissemos, os funcionalistas enxergam a linguagem como
um sistema de probabilidades. Ou seja, qual a probabilidade de um falan-
te pronunciar determinada frase? Mesmo sendo considerada incorreta, há
uma grande probabilidade de os falantes de determinada região ou em
um contexto específico fazerem uso de uma sentença vista pelos gerati-
vistas como agramatical. É campo de investigação do funcionalismo o
estudo destes fenômenos extralinguísticos que influenciam a produção
linguística.
Dentro deste paradigma sobre a visão da linguagem temos de um
lado Halliday que vê a linguagem como um sistema de probabilidade,
enquanto que Chomsky a enxerga como possibilidade.
As divergências entre funcionalistas e gerativistasvão além. Aden-
tram o campo da aquisição da linguagem. Para estes, o processo de aqui-
sição da linguagem é inato; logo, todos os seres humanos já nascem com
uma pré-disposição biológica a desenvolver a faculdade da linguagem. Já
os funcionalistas defendem que a língua é adquirida a partir da exposição
da criança em situações de interação com outros membros de sua comu-
nidade de fala e que a criança constrói a gramática da sua língua de acor-
do com sua necessidade e habilidade comunicativa (CUNHA, 2010, p.
158).
Concluímos reiterando que o funcionalismo opõe-se ao gerativis-
mo em relação ao processo de aquisição da linguagem. Para Cunha
(2010, p. 158), os gerativistas explicam a aquisição da linguagem em
termos de uma capacidade humana específica para a aprendizagem da

202 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
língua. Por outro lado, para os funcionalistas, é com base nos dados lin-
guísticos a que a criança é exposta em situações de interação com os
membros de sua comunidade de fala, que esta constrói a gramática de sua
língua. Em outras palavras, a aquisição da linguagem é um processo so-
cial, construído a partir das relações com outros falantes, enquanto que
para os gerativistas ela é um processo biológico e interno ao homem.
É de suma importância ressaltar que embora o funcionalismo de-
fende que a língua é adquirida a partir da exposição e interação social em
contextos comunicativos, a criança é dotada de uma capacidade cognitiva
que torna possível a aprendizagem da língua, assim como o aprendizado
de outras habilidades, sendo a língua apenas uma vertente entre tantas
habilidades que a criança irá desenvolver. Halliday segue a tradição em-
pirista o qual vê a língua em termos de sua função. Segundo o autor
(1973), a relação entre as funções sociais da linguagem e a organização
do sistema linguístico é um traço geral da linguagem humana.

4. Aprendizagem de uma segunda língua


Embora hoje em dia, muito se use o termo “aquisição de segunda
língua”, estudos mais antigos usavam a nomenclatura “aprendizagem de
segunda língua”. Sendo assim, parece haver duas visões opostas que ten-
tam definir o que seja aquisição de linguagem que passamos a tratar a se-
guir, que são: aprendizagem e aquisição de uma segunda língua.
Segundo Wilkins (1976, p. 35), aprender uma segunda língua não
significa simplesmente repetir enunciados, mas fazer escolhas linguísti-
cas em situações específicas. Para o autor, o aprendiz precisa ser posto
em uma posição que o obrigue a fazer escolhas. Sendo assim, o uso con-
trolado da língua em sala de aula, em situações como repetition drills não
garantiriam que o aluno aprendeu a língua alvo, mas seria esta técnica
apenas um ensaio ou uma prática controlada em que o professor pode
monitorar padrões de pronúncia, entonação, ritmo e precisão linguística.
Com isso, o autor sugere que aprender não significa apenas me-
morizar diálogos e expressões, mas utilizar a língua em situações de livre
escolha e motivadas por fatores intrínsecos, por aquilo que o aluno deseja
aprender. Na verdade, o que Wilkins quer dizer é que o conteúdo precisa
ser significativo para o aprendiz para que o mesmo se sinta motivado a
aprender.
A aprendizagem é um processo que estaria estreitamente ligado a

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 203


fatores motivacionais. Se o aprendiz sente uma necessidade de comunicar
algo em um contexto real, ele realmente irá encontrar a motivação neces-
sária para aprender o que precisa (WILKINS, 1976, p. 38).
Já para Krashen (1982, p. 10), aprendizagem seria o conhecimen-
to consciente de uma segunda língua, saber as regras, estar ciente delas e
ser capaz de falar sobre elas.
Mas é preciso ter em mente que grande parte das atividades con-
duzidas em sala de aula são atividades que de certa forma, imitam situa-
ções do mundo real. Até mesmo situações como role play, discussões ou
debates, são forjadas e fake no sentido que não partem do desejo do pró-
prio aluno aprender um determinado item lexical para se comunicar em
uma situação específica. Por isso, algumas abordagens de ensino suge-
rem como um dos últimos estágios da aula de língua estrangeira um pas-
so chamado “personalização”.
A personalização seria o momento da aula em que o aluno une to-
do o conhecimento linguístico praticado de forma controlada e livre e o
utiliza para falar de situações pessoais. Com isso, o professor cria uma si-
tuação que o aluno possa ver um sentido de uso de um determinado item
da língua em um contexto real e pode vir a considerar como sendo signi-
ficativo aprendê-lo.
Wilkins (1976, p. 39) reitera esta posição ao dizer que um dos fa-
tores que promove a aprendizagem de uma língua seria a significância da
língua a ser aprendida. Mais uma vez, pode-se sugerir que se determina-
do item não tiver significância para o aprendiz, existe uma possibilidade
que o mesmo não irá aprendê-lo.
Wilkins (1976, p. 40-1) também afirma que existe uma corrente
de pensamento comum entre muitos professores que acreditam que al-
gumas pessoas possuem uma aptidão linguística maior que outras. Isso
significa que, alguns alunos teriam um potencial de aprendizagem e pro-
dução em línguas maior que outros.
A aprendizagem é cíclica e o que foi aprendido precisa ser cons-
tantemente praticado. E se o aprendiz não faz uso de uma língua ou não
utiliza determinado item léxico-gramatical, existe uma grande possibili-
dade de o que fora aprendido, cair em desuso e então ser esquecido
(WILKINS, 1976, p. 41-42). Por isso, dizemos que aprender significa es-
tar motivado e engajado em um contexto de aprendizagem significativo
para o aprendiz pra que, por fim, ela seja eficaz e duradoura.

204 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
4.1. Aquisição de uma segunda língua
Passamos a seguir a definir o conceito de aquisição de uma se-
gunda língua sob a visão de alguns autores. Segundo Ellis (2000, p. 5-6),
a aquisição de uma língua pode ser explicada segundo fatores externos e
internos ao aprendiz.
Entre os fatores externos, Ellis menciona que a aquisição não po-
de ocorrer sem que o aprendiz seja exposto ao input. Através desse me-
canismo externo ao aprendiz, o mesmo irá ativar seu mecanismo de pro-
cessamento cognitivo a fim de perceber padrões na língua e com isso in-
ferir significados e regras.
Entre os fatores internos, o autor afirma que os aprendizes tam-
bém trazem para o processo de aprendizagem de uma segunda língua
uma grande quantidade de conhecimento prévio de mundo que os auxili-
aria nesta tarefa. Além disso, os mesmos também fazem uso da língua
mãe como um recurso adicional, onde inicialmente podem vir a fazer uso
desta como uma espécie de muleta para dar os primeiros passos rumo à
língua alvo.
Ellis (2000, p. 5) menciona as estratégias de comunicação que to-
do falante de uma língua possui. Para este, o falante é dotado de criativi-
dade para explicar expressões e léxico que não conhece parafraseando
definições. Mesmo sem ter aprendido o significado da palavra “galeria de
arte”, o aprendiz pode vir a defini-la como “um lugar onde estão obras de
arte”.
Por fim, o autor emerge o conceito de aptidão. O que parece ex-
plicar porque alguns aprendizes parecem ter mais facilidade a aprender
uma língua que outros. Isso pode vir a ser explicado devido a uma apti-
dão inata de cada um que possui maior facilidade em assimilar certas ha-
bilidades que outras (ELLIS, 2000, p. 6). Essa ideia parece nos sugerir o
porquê de que alguns aprendizes expostos ao mesmo conteúdo e dentro
de um mesmo ambiente educacional irão adquirir uma habilidade com a
segunda língua maior que outros. Por conseguinte, também pode se ex-
plicar o fato de alguns aprendizes serem melhores em algumas habilida-
des que outras. Como por exemplo, alguns aprendizes têm mais facilida-
de com a leitura que a fala, outros com a escrita e não com a compreen-
são auditiva.
Krashen (online) afirma que todos nós aprendemos uma língua da
mesma maneira, através da exposição a um input compreensível. O au-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 205


tornarra o fato de ter ensinado uma aluna japonesa de quatro anos a falar
Inglês. O inicio de sua produção linguística se assemelhava em muito à
aquisição em língua materna na medida em que a menina produzia uma
palavra ou outra isolada, depois duas palavras juntas. Após alguns meses,
ela foi falando frases maiores.
Outra característica foi a de que a língua surgiu de forma muito
rápida, a ponto de que após cinco meses convivendo com outras crianças
falante-nativas de Inglês ela conseguiu voltar ao Japão falando quase
como uma menina norte-americana. O que explicaria esse fato? Para o
linguista, isso se deve ao fato de que ao longo daqueles cinco meses a
menina fora exposta ao input compreensível exaustivamente, mesmo não
falando.
Logo, pode-se concluir que falar não é o inicio do processo de a-
quisição em uma segunda língua, mas sim ouvir. A exposição a uma se-
gunda língua seria o fator chave para o desenvolvimento da habilidade
linguística.
Com isso, o que Krashen parece sugerir é que habilidades recepti-
vas como compreensão auditiva e leitura servem de input para aquisição
de uma língua e que o aprendiz deve receber input dessas habilidades an-
tes de ser requerido ao mesmo que produza imediatamente.
Ellis parece concordar com esta ideia ao afirmar que as crianças
ao aprenderem a língua mãe recebem uma quantidade muito grande de
input durante o chamado “período de silêncio”. Neste estágio da aquisi-
ção da linguagem as crianças estão aprendendo muito apenas ouvindo,
pois esta fase serve como uma espécie de preparação para a próxima, que
seria a produção linguística (ELLIS, 2000, p. 20).
Ainda assim, Ellis atenta para o fato de que a memorização de
certos chunks lexicais, usados por aprendizes iniciantes para executar de-
terminadas funções podem dar a falsa impressão de que aquele aprendiz
já é fluente e tem sua competência linguística já estabelecida. Para isso, é
preciso que se avalie o falante em um espectro mais amplo além de fun-
ções que exigem do falante a produção de chunks, pois o próximo passo
no processo de aquisição da linguagem é a omissão de determinadas pa-
lavras de uma frase. Os falantes em estágios iniciais de aquisição não fa-
zem frases completas, mas têm a tendência a omitir algumas palavras as-
sim como as crianças.
Krashen também menciona fatores externos como sendo vitais no

206 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
processo de aquisição de uma segunda língua. Para o linguista, a motiva-
ção é uma palavra-chave neste cenário já que alunos motivados apren-
dem melhor. Autoestima alta também parece afetar a aquisição de uma
segunda língua já que os alunos irão produzir com mais confiança. Por
fim, o teórico menciona a questão da ansiedade; quanto mais baixa a an-
siedade melhor. Para a aquisição ocorrer a ansiedade deve ser zero; como
em uma conversa entre amigos.

4.2. O que significa adquirir uma língua?


Ellis (2010) levanta quatro pontos nodais para mensurar se um a-
prendiz de fato adquiriu uma língua ou não. Primeiro, o autor menciona o
fato de o aprendiz ser capaz de produzir padrões de uso da língua mais ou
menos de acordo com os produzidos por um falante nativo. No entanto,
esta questão deve ser analisada com sensibilidade, pois muitas vezes o
falante sabe muito mais do que realmente produz.
Outra questão levantada seria o uso de chunks na fala do aprendiz.
Hyland (2008) afirma em seus estudos que o uso de chunks por aprendi-
zes de uma segunda língua pode dizer muito sobre o nível de proficiência
do mesmo e que sua ausência pode vir a indicar baixa proficiência. Con-
tudo, Ellis atenta para o fato de que se o aluno memoriza chunks como
“Can I...?” para pedir permissão, isso significaria dizer que o mesmo, de
fato internalizou os diferentes usos do verbo modal?
Um terceiro ponto seria o sobreuso, muitos aprendizes ao assimi-
larem certas estruturas tendem a fazer uso da mesma em inúmeras situa-
ções, por muitas vezes errôneas e com isto sobre-generalizando a estrutu-
ra linguística e a usando em contextos sociais inapropriados.
Além desses três pontos, Ellis atenta para o fato de que os apren-
dizes devem estar engajados no aprendizado do item e do sistema. O
primeiro refere-se à internalização de chunks da língua, e o segundo, às
regras de uso em contexto e função. Ou seja, não basta ao aprendiz ape-
nas internalizar os chunks lexicais de uma língua, mas saber utilizá-los
em um contexto apropriado e de acordo com a função que tal bloco lexi-
cal possui, como por exemplo, fazer um pedido, pedir permissão, dar
uma ordem, entre outros.
Parece então que a aquisição de uma segunda língua perpassa os
princípios mencionados acima. Mas o fato é que não existe uma fórmula
mágica para a aquisição e o próprio autor ressalta que adversidades ex-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 207


ternas podem vir a afetar a aquisição, como por exemplo, pressões de
tempo, motivação, idade, entre outros (ELLIS, 2000, p. 13-14).
Apesar de todas as definições sobre aprendizagem e aquisição de
uma segunda língua, qual seria a diferença crucial entre ambos os concei-
tos? Krashen nos anos 1970 fez a distinção entre aprendizagem e aquisi-
ção.
Segundo o autor, pode-se dizer que um falante nativo pode saber
fazer uso de um tempo verbal como o Present Perfect muito bem, mas
este não saberia, se indagado, explicar a estrutura usada para formá-lo ou
porque usá-lo mas conseguiria usá-lo com precisão e nas situações corre-
tas por ter adquirido a língua. Enquanto que um falante não-nativo, que
aprendeu a língua estrangeira pode saber muito de um tempo verbal e sua
estrutura, mas não usá-lo adequadamente em contextos específicos. A es-
te falta a percepção da noção de uso em contextos apropriados.
Krashen (1982, p. 11) atenta para o fato que a distinção aprendi-
zagem–aquisição não se dá somente no contexto de aquisição de segunda
língua, pois certamente “aprendemos” pequenas partes de nossa língua
materna na escola. O que o autor quer dizer aqui é que embora a aquisi-
ção da primeira língua possa ter ocorrido em casa, informalmente, mais
tarde iremos “revisitar” a língua materna, agora no contexto escolar e es-
tudá-la a fim de aprendermos, refletirmos, analisar regras em um contex-
to formal. Ou seja, em se tratando de língua materna os estudos indicam
que primeiro adquirimos uma língua e depois a aprendemos, no sentido
escolar.
Já o mesmo não pode ser dito sobre a segunda língua, pois para
Krashen (apud THORNBURY, 2008, p. 19) o sucesso em uma segunda
língua ocorre devido à aquisição e não a aprendizagem. E muitos apren-
dizes estudam a língua em um contexto educacional formal de uma sala
de aula e aprendem, em sua maioria, primeiro as regras de uma língua-
mas, por ventura, são negligenciados de noções como o uso, contexto e o
registro da língua. Em outras palavras, aprendem a segunda línguamas
não a adquirem. Por fim, o autor afirma que conhecimento aprendido
nunca poderá se tornar conhecimento adquirido.
Alguns teóricos em aquisição de segunda língua defendem a ideia
de que as crianças adquirem uma segunda língua enquanto que os adultos
apenas a podem aprender.
Os estudos mais recentes fazem uso do termo aquisição de uma

208 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
segunda língua. Não fazendo distinção se a língua que o aprendiz está
adquirindo é de fato, segunda, terceira ou quarta língua, ou se a mesma
está sendo aprendida em um contexto de língua estrangeira ou de uma
segunda língua nativa.

5. Interlíngua
Para se compreender aquisição de uma segunda língua é de suma
importância mencionar um ponto crucial deste processo que é a interlín-
gua do aprendiz. Interlíngua é um conceito teórico proposto por Selinker
(1972) sobre o processo de aquisição de L2.35 Muitos estudos sobre o as-
sunto surgiram na área de aquisição de segunda língua na década de
1970. Segundo Schultz (2005) a interlíngua é a linguagem produzida a
partir do início do aprendizado, caracterizada pela interferência da língua
materna, até o aluno ter alcançado seu potencial máximo de aprendizado
na língua estrangeira.
Dentro do processo de aquisição de uma segunda língua, Ellis
(2000) afirma que existe um sistema linguístico abstrato com suas pró-
prias características, erros e estilos que cada aprendiz ou grupo de apren-
dizes carrega em si, chamado interlíngua.
Para Selinker (1972), a interlíngua pode ser definida como um sis-
tema linguístico que difere tanto da língua materna quanto da língua es-
trangeira. Esse sistema linguístico seria dotado de regras linguísticas abs-
tratas transitórias. Isso quer dizer, que o falante é dotado de uma “gramá-
tica mental” e pode modificá-la sempre que desejar adicionando ou apa-
gando regras e reestruturando todo o sistema (ELLIS, 2000).
Outros teóricos que atestam a mutabilidade da interlíngua sãoS-
prat, Pulverness e Williams (2005, p. 44) ao afirmarem que os aprendizes
inconscientemente processam, analisam e reorganizam sua interlíngua,
não sendo esta, uma língua fixa.
Sendo a interlíngua um processo contínuo em desenvolvimento,
pode-se pensar que o ponto de partida do aprendiz é a língua mãe. Entre-
tanto, Ellis (2000, p. 54) afirma que o ponto de partida desta não é a L1
do aprendiz e que os mesmos não avançam substituindo regras da L1 por
regras da L2, mas cada aprendiz constrói suas próprias regras internas.

35
Por L2, leia-se a língua estrangeira que o aprendiz está adquirindo.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 209


Isso não significa dizer que o aprendiz de uma L2 não fará uso de sua L1
ao longo do processo de aquisição da L2, mas apenas quando os mesmos
acreditarem que esta os auxiliará na aquisição da língua.
No entanto, Selinker (Apud ELLIS, 2000) afirma que somente
cerca de 5% dos aprendizes irão construir uma gramática mental seme-
lhante à de um falante nativo.
O falante nativo possui uma criatividade linguística que foi adqui-
rida junto ao processo de aquisição da língua materna. Isso significa di-
zer que ele consegue produzir e utilizar frases em situações que o apren-
diz ainda não domina. Ou seja, o aprendiz pode vir a cometer erros situa-
cionais, de inadequação de contexto ou de registro. O objetivo principal
do aprendiz de uma língua estrangeira é adquirir esta criatividade de uso
da língua em contextos apropriados e o domínio do sistema linguístico do
falante nativo (ELLIS, 2000, p. 3).
Podemos dizer também que os erros são característicos do sistema
de uma interlíngua e que erros interlinguais seriam aqueles decorrentes
da influência da língua materna. No entanto, os erros procedentes desse
emparelhamento sistêmico são normalmente “temporários”, e devem ces-
sar assim que se alcança o nível de proficiência desejado na língua alvo.
Mas esta interlíngua a que estamos tentando definir e, por ainda
estar em desenvolvimento, carrega erros em si e, se conforme menciona-
do anteriormente, os erros fazem parte do processo de aprendizagem de
uma segunda língua, por que, conforme questiona Wilkins (1976, p. 37)
os erros devem ser evitados de qualquer maneira?
Spratt, Pulvernesse Williams (2005, p. 44) ressaltam que os erros
geralmente mostram que o falante está aprendendo e que seu processo
mental interno está trabalhando e experimentando com a língua. Os auto-
res comparam a aprendizagem de uma língua a um quebra-cabeça a ser
montado, no qual o aprendiz vai fazendo tentativas com a língua, muitas
vezes errôneas, mas que está pensando e construindo suas regras mentais
até conseguir encaixar as peças da língua.
A visão que está atrelada à interlíngua é a que os erros originam-
se na língua materna do aprendiz, pois a interlíngua seria um sistema que
está entre a língua materna e a língua alvo, com fortes características da
primeira, mas constantemente se desenvolvendo rumo à segunda.
Os estudos sobre interlíngua estão atrelados à noção chomskyana
de competência linguística. Sendo esta o conhecimento interno e tácito

210 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
das regras que governam as frases da língua (MARTELOTA, 2010, p.
133). O gerativismo chomskyano interessa-se apenas pela competência
linguística e não pelo desempenho, a performance do falante.
Em uma entrevista à revista Mindbite, a doutora Sylviane Granger
afirma que sofre críticas por estudar a interlíngua do aprendiz de L2. Pois
para alguns linguistas, a interlíngua deveria ser estudada em separado à
análise de erros.
À época da publicação de muitos estudos sobre a interlíngua do
aprendiz, na década de 1970, os erros eram analisados de forma isolada e
a língua materna era vista como uma interferência negativa e algo a ser
evitado a qualquer custo. A interlíngua do aprendiz de língua estrangeira
sofria interferência da língua materna e a mesma deveria ser evitada e
abolida do processo de ensino-aprendizagem de uma segunda língua.
É inegável que a L1 do aprendiz exerça papel fundamental nos es-
tudos de aquisição de segunda língua, pois trata-se a L1 de um recurso
que todo aprendiz de L2 lança mão consciente ou inconscientemente. O
que se questiona, na verdade, é o fato de que investigadores da Análise
Contrastiva entendam a influência da L1 como um aspecto puramente
negativo. Entendido como um processo em constante evolução, o uso da
L1 pode ser concebida como uma contribuição para tal processo. À me-
dida que a proficiência do aprendiz na língua alvo aumenta, espera-se
que a interferência da L1 no processo de aprender L2 torne-se menos re-
corrente.
Para Ellis (1985) houve uma reavaliação do papel da língua ma-
terna no processo de aquisição de uma segunda língua. Esta reavaliação
incluiu um novo exame da natureza da transferência linguística que pode
ser positiva ou negativa. Logo, a língua materna passou a ser considerada
como um importante determinante na aquisição de uma segunda língua.
Por fim, podemos dizer que conhecer a interlíngua de um aluno
pode vir a auxiliar o professor a atuar e até mesmo a intervir no processo
de aquisição de linguagem do seu aprendiz, que é diacrônico, mutável e
flexível.

6. Fossilização
Observa-se em estudos de linguística aplicada, e mais especifica-
mente no estudo do aprendizado de línguas, que o conceito de interlíngua

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 211


é sempre estudado em paralelo aos conceitos de interferência e fossiliza-
ção.
Falaremos um pouco a seguir sobre os dois conceitos. Segundo
Schultz (2005), interferência é a ocorrência de formas de uma língua na
outra, causando desvios perceptíveis no âmbito da pronúncia, do vocabu-
lário, da estruturação de frases, bem como, no plano idiomático e cultu-
ral. Já fossilização refere-se aos erros e desvios no uso da língua estran-
geira, internalizados e difíceis de serem eliminados.
Alguns erros tendem a permanecer na língua do aprendiz apesar
de serem tratados e corrigidos. Quando o aprendiz permanece fazendo
uso de uma forma errônea da língua, fala-se que houve fossilização do
erro, que pode durar um tempo específico ou para sempre.
A fossilização pode vir a ocorrer quando o falante não é mais ex-
posto à língua alvo ou quando o mesmo já se considera satisfeito com seu
nível de comunicação linguística e não sente a necessidade de melhorar
seu nível de acuracidade (SPRATT; PULVERNESS; WILLIAMS, 2005,
p. 45).
E qual seria o papel do professor de línguas diante dos erros e a
fim de se evitar a fossilização dos mesmos? O professor precisa traçar al-
vos realistas para o feedback de erros. A correção de erros não deve ser
vista como um meio de erradicar todos os erros dos alunos, mas como
um meio de encorajar uma gradual e consistente melhora na performance
do aluno ao longo do tempo (FERRIS, 2002, p. 74).
A ausência de feedback pode levar à fossilização da forma errada
ou superestimar o conhecimento e habilidade do aprendiz (FER-
RIS,2002, p. 64). É importante ressaltar que a correção de erros é apenas
um dos quesitos que envolvem o feedback dado ao aprendiz. No caso da
escrita de redações, pode-se englobar outros fatores como estilo, desen-
volvimento de ideias, organização textual, entre outros.
Embora os alunos pensem que o erro é “ruim”, ele é parte natural
da aquisição da língua, e ele pode sinalizar até mesmo progresso ao invés
de deficiência já que sob uma perspectiva diacrônica, o aprendiz pode
não cometer os mesmos erros ao longo do processo de aquisição de uma
língua (FERRIS, 2002, p. 86).
Concluímos esse trabalho esperando termos lançado alguns escla-
recimentos tão caros a professores de idiomas são os processos de apren-
dizagem e aquisição de uma segunda língua. Acreditamos que entender

212 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
melhor a natureza desses processos e com quais perspectivas e crenças
acerca da aquisição de uma língua estamos fundamentados, auxilia nosso
trabalho como educadores e facilitadores no ensino de uma língua es-
trangeira.

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214 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ARMANDO CARDOSO E A OBRA DE ANCHIETA, À LUZ DA
HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA
Leonardo Ferreira Kaltner (UFF)
[email protected]

RESUMO
Armando Eugênio Cardoso (1906-2002), na qualidade de filólogo e classicista, re-
editou modernamente a obra de S. José de Anchieta, SJ (1534-1597), ao longo do sécu-
lo XX, em um conjunto conhecido modernamente como Monumenta Anchietana, edi-
tado pelas Edições Loyola, cuja publicação ainda não se encontra de todo finalizada.
Em nossa apresentação debateremos, a partir de critérios da Historiografia Linguísti-
ca, a contextualização da edição das obras de Anchieta, descrevendo e analisando o
processo de reedição moderna desse importante corpus do Brasil quinhentista, escrito
em quatro línguas: latim, português, espanhol e tupi. Analisaremos as três edições do
poema epicum De Gestis Mendi de Saa (1958, 1970, 1986) Nossa descrição e análise his-
toriográfica será pautada nos modelos teóricos propostos por Koerner e Swiggers, em
relação à análise da contextualização (climateofopinion), imanência e adequação teóri-
ca, analisando os metatermos empregados por Armando Cardoso em suas edições crí-
ticas.
Palavras-chave:
Armando Cardoso. Historiografia Linguística. Monumenta Anchietana.

1. Introdução
Podemos considerar a Historiografia Linguística (HL) como um
campo de investigação interdisciplinar entre a historiografia e a linguísti-
ca, cujo principal objetivo é descrever e analisar historiograficamente o
desenvolvimento do pensamento linguístico, tanto o científico quanto
aquele que se desenvolveu em épocas anteriores à origem da ciência mo-
derna (SWIGGERS, 2013; KOERNER, 1996). No presente artigo, anali-
saremos, a partir da HL, a obra de Armando Eugênio Cardoso (1906-
2002), que, na qualidade de filólogo e classicista, reeditou modernamente
a obra de S. José de Anchieta, SJ (1534-1597), ao longo do século XX,
em um conjunto conhecido modernamente como Monumenta Anchieta-
na, editado pelas Edições Loyola, cuja publicação ainda não se encontra
de todo finalizada.
Debateremos a contextualização da edição das obras de Anchieta,
descrevendo e analisando o processo de reedição moderna desse impor-
tante corpus do Brasil quinhentista, que foi, originalmente, escrito em
quatro línguas: latim, português, espanhol e tupi. Analisaremos as três

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 215


edições do poema epicum De GestisMendi de Saa (ANCHIETA, 1958,
1970, 1986), o primeiro volume dos Monumenta Anchietana. Nossa des-
crição e análise historiográfica será pautada nos modelos teóricos propos-
tos por Koerner e Swiggers, em relação à análise da contextualização
(climateofopinion), imanência e adequação teórica, analisando, igual-
mente, os metatermos empregados por Armando Cardoso, em suas edi-
ções críticas.
Entre os fenômenos que podem ser observados pela HL estão as
continuidades e descontinuidades do pensamento linguístico, também o
paradigma da construção do conhecimento científico e as correntes aca-
dêmicas que desenvolveram as ciências da linguagem (BATISTA, 2013;
SWIGGERS, 2012). Entretanto, cumpre salientar que a descrição e a
análise do pensamento historiográfico não devem ser pautadas em uma
visão positivista do desenvolvimento científico. Dessa forma, no caso es-
pecífico dos Monumenta Anchietana, analisaremos como as edições su-
cessivas do De GestisMendi de Saa demonstram que a pesquisa de Ar-
mando Cardoso oscilou ao longo das três edições, as quais se deram em
contextos diversos, mas com um objetivo unificado de difundir a obra de
Anchieta,sobretudo como patrimônio da cultura nacional no Brasil.
Dessa forma, em relação à HL, a pretensão de uma ideia de que o
pensamento científico evolui conforme o tempo e as gerações de pensa-
dores e cientistas, uma noção de progresso cronológico, deve ser evitada
na descrição e análise. Interessa ao pesquisador, como objeto de análise
historiográfica, o processo de continuidade e descontinuidade de consti-
tuição do conhecimento científico, assim como a mudança de paradigmas
científicos, com a retomada ou o esquecimento de temas, a formação e a
dissolução de redes de instituições, o que permite uma reflexão geral so-
bre a história das ciências e também do conhecimento científico (KUHN,
2007). Como define Swiggers:
Pode ser definida como a disciplina (dentro do campo da Linguística
[geral]) que visa proporcionar um relato descritivo e explicativo com base
científica de como o conhecimento linguístico (ou seja, o que foi aceito
num certo tempo como conhecimento, informação e documentação sobre
questões relacionadas à língua) foi conquistado, e qual foi o transcurso do
desenvolvimento desse conhecimento linguístico, desde o seu início até a
era atual. (SWIGGERS, 2012, p. 38-9 apud LIMA, 2016 p. 3)

As edições da obra de S. José de Anchieta, SJ (1534-1597) por


Armando Cardoso no século XX constituem objeto de interesse da Histo-
riografia Linguística em dois aspectos, primeiramente, pelo fato de ser o
principal trabalho crítico e de interesse filológico para a reedição moder-

216 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
na, no século XX, de um dos principais vultos do Brasil quinhentista so-
bre o pensamento linguístico, e, em segundo lugar, a própria obra de Ar-
mando Cardoso é fonte primária para pesquisadores contemporâneos, so-
bretudo os que não tiveram acesso aos originais empregados nas edições
sucessivas. Dessa forma, ao analisar os metatermos e a metodologia usa-
da no processo de edição das obras anchietanas podemos analisar o pro-
cesso de recepção dos Monumenta Anchietana, por pesquisadores con-
temporâneos.

2. As edições do poema epicum De GestisMendi de Saa (1958, 1970,


1986)
A obra de S. José de Anchieta tornou-se conhecida para pesquisa-
dores no século XX graças aos esforços de investigadores acadêmicos
como Armando Cardoso e Hélio Viotti, que trouxeram ao público con-
temporâneo edições atualizadas com estudos acurados do corpus anchie-
tano. Assim, a edição dos Monumenta Anchietana, projetada para ser
concluída com dezessete volumes, editados pelas Edições Loyola, é a
fonte mais completa para o estudo da obra e dos escritos quinhentistas de
Anchieta. Já o interesse na obra de Anchieta ao longo do século XX foi
pautado na construção de uma identidade nacional no Brasil, o que ficou
patente na instituição do Dia de Anchieta, em 1966, por exemplo. A edi-
ção das obras de Anchieta acompanhou, portanto, esse percurso históri-
co, até a beatificação, em 1980.
O laborioso trabalho filológico, de levantamento de fontes, leitura
de manuscritos, busca por documentos, tradução e análise das obras de
Anchieta, feito por Armando Cardoso, no século XX, é fundamental para
se analisar e compreender a sociedade colonial brasileira quinhentista,
em seu processo de globalização, pelas navegações e pelo contato com as
sociedades renascentistas dos reinos absolutistas europeus. É lugar-comum
caracterizar o corpus anchietano por seu multilinguismo, afinal, o con-
junto da sua obra registra textos em latim, português, espanhol e tupi.
Dessa forma, cumpre salientar que no século XX, Armando Cardoso,
como especialista, analisou e traduziu as obras nas quatro línguas utiliza-
das pelo “Apóstolo do Brasil”, realizando uma tarefa linguística e filoló-
gica interdisciplinar, para trazer aos leitores contemporâneos a singular
obra Anchietana.
As obras literárias de Anchieta em língua latina são referentes à
tradição da educação humanística portuguesa no Renascimento, ao Hu-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 217


manismo renascentista, principalmente dos primeiros anos de estudo no
Real Colégio das Artes de Coimbra, em 1548 (TANNUS, 2008; RAMA-
LHO, 2000). Os poemas escritos em latim por Anchieta registram os e-
xercícios da área de Humanidades mais complexos na educação renas-
centista: a composição poética em língua latina, a fim de demonstrar o
domínio das estruturas gramaticais, retóricas e literárias latinas, através
de uma produção poética vinculada a um gênero textual, o que também
se baseava na emulação dos autores clássicos. Esse exercício de compo-
sição poética em língua latina era considerado à época o último nível de
proficiência em língua latina na educação humanística. A educação hu-
manística portuguesa, à época do Renascimento, teria sido tradição her-
dada de contato com a tradição educacional francesa e itálica.
Através dos biógrafos de Anchieta, podemos constatar que sua
educação se desenvolveu no contexto da educação humanística renascen-
tista, tendo como escopo o aprendizado das Humanidades clássicas, so-
bretudo o ensino de latim, em sua educação linguística. A essa formação
inicial, no Real Colégio das Artes de Coimbra, se acresceriam os ensi-
namentos de teologia na Companhia de Jesus, inclusive no Brasil. Dessa
forma, Anchieta pode ser considerado um especialista nas Artes Liberais
do trívio, i.é, da gramática, da dialética e da retórica em língua latina,
curso análogo no Renascimento às Letras Clássicas atuais.
No século XVI, o estudo das línguas clássicas, o latim e o grego, e
do hebraico, como língua sapiencial, era a base da educação humanística
renascentista (NAVARRO, 2000).Nesse sentido, as obras literárias dos
séculos XV e XVI escritas em uma das três línguas, as reedições de auto-
res clássicos greco-romanos por humanistas, novos materiais didáticos,
como gramáticas e dicionários, e outras obras que debateram a institu-
cionalização do o ensino, desde a infância até a universidade, são os
principais objetos de análise para a HL, em relação à corrente de pensa-
mento linguístico no Humanismo renascentista, no qual a obra em latim
de Anchieta se insere.
A composição poética era tida como um dos exercícios finais para
o estudo e emulação de autores clássicos, para marcar o domínio e a flu-
ência em determinada língua, prática essa que se desenvolvia também
com a gramaticalização das línguas vernaculares e a composição poética,
como ocorrera com Os Lusíadas de Camões. Nesse contexto podemos
compreender o poema De Gestis Mendi de Saa (Sobre os feitos de Mem
de Sá) de Anchieta, como um exercício relacionado à educação linguísti-
ca renascentista, pelo uso e pela expressão do latim, estando sua produ-

218 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ção destinada ao meio universitário e acadêmico da Renascença, o públi-
co que teria tido o acesso ao ensino de Humanidades e às Artes Liberais.
A principal fonte textual do poema é suaeditio princeps, primeira
e única edição no século XVI, que veio a lume no ano de 1563, na tipo-
grafia da Universidade de Coimbra, editado por João Álvaro. Na edição
não há o nome de Anchieta como autor, o que gerou uma pequena polê-
mica sobre a autoria do poema com Serafim Leite, historiador da Com-
panhia de Jesus. Armando Cardoso atesta a autoria Anchietana através de
comparação com outras obras do autor. Essa edição do século XVI é ori-
unda, provavelmente, de fonte manuscrita, enviada em carta por Anchieta
para a família de Mem de Sá. No final do livro, são editados também
versos de Francisco de Sá, filho de Mem. Editado em oitavo, com 50 fo-
lhas, 95 páginas impressas em 26 linhas, o poema quinhentista ficou des-
conhecida da modernidade até 1954, quando Luís de Mattos reencontrou
um exemplar no Arquivo Distrital de Évora (ANCHIETA, 1997). Em
1997, uma edição fac-símile da Fundação Biblioteca Nacional no Brasil
tornou o livro mais acessível a pesquisadores no Brasil atual.

Imagem 1. Frontispício da editio princeps de 1563.

A segunda fonte primária do poema é um manuscrito, sem título e


não datado, que ficou conhecido pelo nome de Manuscrito de Algorta,
cidade em que foi encontrado em um imóvel pertencente à família de
Anchieta. Sua datação é imprecisa, variando de fins do século XVI até o
século XVII, segundo estimativas de Armando Cardoso. O manuscrito

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 219


foi fotografado e as fotocópias enviadas ao Brasil, posteriormente, o ori-
ginal foi perdido em incêndio, restando apenas as fotocópias. Armando
Cardoso utilizou o manuscrito para reconstituir as poesias em latim de
Anchieta. Há uma versão do De GestisMendi de Saa no manuscrito. O tí-
tulo do poema, atribuído por Armando Cardoso não aparece em nenhuma
das fontes originais, sendo citado, por um biógrafo de Anchieta, o jesuíta
Simão de Vasconcelos, um certo poema De rebus gestis Mem de Sá.
Armando Cardoso também reconstituiu o título De Gestis Mendi de Saa
(ANCHIETA, 1986).

Imagem 2. Primeira página do Manuscrito de Algorta.

A primeira edição moderna do poema, elaborada por Armando


Cardoso, foi publicada em 1958, pelo Arquivo Nacional. A única fonte
textual utilizada na edição foi o Manuscrito de Algorta, tendo em vista o
desconhecimento, à época da publicação, da editio princeps de 1563.
Armando Cardoso editou o poema com o auxílio de José Zabala, acres-
centando à leitura do manuscrito uma tradução poética do texto em lín-
gua portuguesa. O trabalho de crítica textual e ecdótica consistiu na
transcrição do manuscrito, na atualização ortográfica do latim renascen-
tista e na exegese do poema com capítulos introdutórios sobre a autoria
do texto, a história do manuscrito e o conteúdo do poema, a que se acres-
centariam comentários no final do texto.
Já na edição de 1958 se apresenta o caráter singular e o valor his-
tórico do texto. Trata-se de uma epopeia em latim renascentista, cujo te-
ma central é o Brasil colônia. O latim registrado demonstra o grau de e-
rudição de Anchieta, relacionado à política cultural, linguística e missio-

220 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
nária da época em que atuou. Como primeiro texto literário do Brasil a
ser publicado, inaugura a prática literária no século XVI, podendo ser
considerado um texto participante da tradição do Humanismo renascen-
tista português. Com a descoberta da editio princeps de 1563, o poema é
anterior aOs Lusíadas de Camões.

Imagem 3. Edição de 1958, De GestisMendi de Saa.

A segunda edição do poema, em 1970, ocorreu no contexto do i-


nício do processo das edições das obras completas de Anchieta, os Mo-
numenta Anchietana. Armando Cardoso e Hélio Viotti planejaram uma
coleção com todos os escritos de Anchieta, sendo o poema epicum De
GestisMendi de Saa o primeiro volume. A grande novidade dessa edição
é que o texto estabelecido por Cardoso se valeu também da editio prin-
ceps de 1563, como fonte textual. A estrutura da edição permanece prati-
camente inalterada com os comentários e a introdução. São acrescentados
alguns versos e alterados outros, tendo em vista que a comparação entre
o Manuscrito de Algorta e a editio princeps demonstra algumas diver-
gências entre os textos. O trabalho filológico, de ecdótica e de crítica tex-
tual, que levaria à comparação de variantes entre as fontes do poema dei-
xa um pouco a desejar, mas a edição apresenta o texto latino completo,
oriundo das duas fontes textuais, com uma acurada tradução poética.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 221


Imagem 4. Edição de 1970, De GestisMendi de Saa.

A terceira e última edição de Armando Cardoso do poema foi pu-


blicada em 1986, no contexto do processo de beatificação de Anchieta.
Corrigindo os poucos lapsos da edição anterior, mantém o texto estabele-
cido original em latim e a tradução poética, sendo mais relevante nessa
edição a série de livros que a sucedeu e que compõem outros volumes
das obras completas de Anchieta. Com o avanço das edições, pode se a-
quilatar o valor multidisciplinar dos documentos do Brasil quinhentista,
ainda que fosse apenas uma civilização colonial incipiente. A edição fi-
nal apresenta pouco mais de três mil versos em latim renascentista, em
que se faz notar a emulação de autores clássicos e um conhecimento teo-
lógico erudito, condizentes com a educação humanística renascentista,
cultivada nos reinos absolutistas europeus.

Imagem 5. Edição de 1986, De GestisMendi de Saa.

222 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
3. Metatermos e critérios filológicos nas edições de Armando Cardoso
A terceira edição, por ser a última, é a mais completa em relação
aos comentários sobre os critérios filológicos empregados por Armando
Cardoso, afinal, nessa edição, o classicista e filólogo descreve o processo
de trabalho de crítica textual, com o Manuscrito de Algorta e a editio
princeps das edições anteriores. É interessante notar que o trabalho de e-
dição do poema epicum De Gestis Mendi de Saa não foi individual, mas
desenvolvido em equipe, tendo levado décadas para chegar ao formato
final.
Florentino Ogara foi o primeiro a encontrar o Manuscrito de Al-
gorta e o estudar, no ano de 1928. Armando Cardoso utiliza o metatermo
transcrição, para indicar a leitura de José Zabala do Manuscrito de Algor-
ta. Dessa forma, foi Zabala e não Cardoso que transcreveu, inicialmente,
o De Gestis Mendi de Saa do manuscrito, para a primeira edição em
1958:
A transcrição, que se apresenta do manuscrito, deve-se em sua parte
ao R. P. José Zabala, que com paciência beneditina, se debruçou sobre es-
se ‘rascunho’ meses a fio, e anotou, além da transcrição, erros e lapsos do
copista, correções do revisor, dúvidas e reflexões de toda a espécie. Só o
intuito de respeitar mais o texto, quando este podia receber alguma expli-
cação plausível, nos obrigou a não seguir inteiramente a transcrição do in-
signe latinista Jesuíta. (ANCHIETA, 1986, p. 65)

Esse processo de transcrever o manuscrito que gerou comentários


sobre erros e lapsos do copista, correções do revisor e dúvidas de toda
espécie, como cita Cardoso, infelizmente não aparece na edição final do
poema, instigando o leitor, a saber, quais seriam esses comentários fun-
damentais para se compreender o processo de transcrição. O revisor que
José Zabala cita é, provavelmente, Simão de Vasconcelos, cronista da
Companhia de Jesus no século XVII.
Armando Cardoso atualizou a ortografia do latim encontrado no
manuscrito, a fim de facilitar a leitura, porém, as atualizações são vaga-
mente citadas, o que novamente leva o leitor à curiosidade de conhecer a
grafia na época de Anchieta, da elaboração do manuscrito e da publica-
ção da editio princeps, em 1563. A título de exemplo, podemos evidenci-
ar a modificação dos ditongos: “Escrevemos sem ae as formas frenum,
fecundus, felix, femina, ceterus, pena, vesanus, festum, cera...” (ANCHI-
ETA, 1986, p. 64). A correção ortográfica facilita ao leitor contemporâ-
neo, sobretudo o estudante de latim, um maior acesso ao texto de An-
chieta, entretanto, para o interesse filológico, como uma análise do uso

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 223


do latim na Renascença, as informações da atualização ortográfica só fi-
cam patentes em uma comparação do texto editado por Armando Cardo-
so em confronto com as fontes originais.
Como o Manuscrito de Algorta é anotado por um possível revisor,
há casos em que podem ser encontradas três lições para a mesma passa-
gem, a da edição de 1563, a do Manuscrito de Algorta e a do revisor que
anota nas margens do manuscrito. A questão de variantes não fica explí-
cita, tendo em vista que o objetivo da edição de Armando Cardoso não é
cansar o leitor com notas filológicas e de ecdótica, mas antes difundir a
obra de Anchieta em uma edição acessível e de prazerosa leitura. Como
exímio latinista, Cardoso nos dá um relance de como se desenvolveu o
trabalho filológico na edição, entretanto, apenas com uma comparação
entre as fontes e o texto estabelecido, podemos reconstituir esse trajeto de
décadas de pesquisa, para chegarmos a uma edição crítica do poema epi-
cum De Gestis Mendi de Saa. Os Monumenta Anchietana não são apenas
patrimônio da cultura nacional no Brasil, mas pelo caráter multicultural
da obra, oriunda da educação humanística europeia, são documentos que
registram o processo de globalização da era dos descobrimentos e nave-
gações quinhentistas.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 225


AUTOESTIMA ALIMENTADA POR “LIKES“: UMA ANÁLISE
SOBRE A INFLUÊNCIA DA INDÚSTRIA CULTURAL NA
BUSCA PELA BELEZA E O PROTAGONISMO DA
IMAGEM NAS REDES SOCIAIS
Priscila Barbosa Brunelli (UENF)
[email protected]
Shirlena Campos de Souza Amaral (UENF)
[email protected]
Pauline Aparecida Ildefonso Ferreira da Silva (UENF)
[email protected]

RESUMO
Este trabalho pretende refletir sobre a busca pela beleza, a significação da autoes-
tima simbolizada pelos “likes” nas redes sociais e o consequente aumento da procura
por procedimentos estéticos. O sexo feminino vê com maior frequência inúmeros pa-
drões representados nos perfis de blogueiras fitness, de moda e beleza, e com isso tem
crescido a insatisfação com a aparência e a exigência com a autoimagem. Aplicativos
capazes de retocar selfies e mudar medidas tem tido números alarmantes de downlo-
ads. Esses filtros oferecem a oportunidade de aproximação ao padrão de beleza alme-
jado e o tão esperado “like”. Assim, a crítica construída entorno da indústria cultural,
mediante referências teóricas que recuperam a ambiguidade presente nas redes soci-
ais de ampla utilização popular, subsidiam nossa análise acerca dos “espaços virtuais”
como espaços de poder na contemporaneidade e o papel das mídias na formação ideo-
lógica da sociedade. Enquanto campo de disputa de poder, formar mentalidades é um
dos maiores objetivos da globalização. Com isso, propomos um resgate bibliográfico
sobre o conceito de autoestima a partir de William James (1890), de (in)coerência do
self com Vasco (2009), e indústria cultural e corpo belo, de Adorno (2002). Conceitos
que conferem o caráter mercadológico à imagem e legitimam a fundamentação da in-
dústria cultural no tripé: cultura, mercado e mídia, onde tudo se torna produto e su-
bordinado aos ditames do capital. É preciso salientar, por ora, que a crítica construída
aqui se firma entorno da constante busca pelo “like”, e até que ponto essa corrida pela
aprovação é responsável pelo aumento significativo dos diagnósticos depressivos na
atualidade.
Palavras-chave:
Autoestima. Depressão. Likes. Indústria Cultural

1. Introdução
A missão das grandes mídias culturais é instituir uma perpétua
corrida em busca de satisfação das necessidades que, muitas vezes, elas
mesmas constroem. A busca pelo prazer é um dos principais tópicos das
agendas de consumo para a Indústria do Cultural, que na maioria das ve-

226 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
zes pode ser comprado nas prateleiras dos mercados e shoppings, vista
nos anúncios de televisão, nos filmes, nas músicas, em qualquer meio de
comunicação, deste modo inserindo o prazer individual no jogo do mer-
cado de bens simbólicos do capital. Um dos exemplos atuais sobre a
questão da influência da indústria cultural e a busca pelo prazer e/ou a fe-
licidade são as mídias sociais, que representam uma espécie de vitrine do
bem estar virtual, que nem sempre condiz com a realidade vivida. Para
tanto, partimos das considerações de Kosik (2010) para repensar o papel
das mídias sociais e, mais especificamente, a busca pelos “likes” partindo
de uma visão crítica. Sendo assim, a proposta deste trabalho fundamenta-
se a partir da “destruição da pseudoconcreticidade como método dialéti-
co-crítico, graças à qual o pensamento dissolve as criações fetichizadas
do mundo reificado e ideal” (KOSIK, 2010, p. 22).
É preciso perceber de que forma os elementos se constituem, inte-
ragem entre si, sem nos limitar pela análise das partes de um todo, mas
assumir o caráter dialético da realidade, como um todo estruturado. Isto
não significa dizer que é preciso detectar todos os fatos da realidade in-
vestigada, mas desafiar-se a perceber o movimento das contradições ex-
pressados nas relações físicas e simbólicas num determinado espaço. No
caso deste trabalho o espaço de análise é o espaço virtual, cujo a lógica
subordinada ao capital fixa novas formas de consumo na sociedade con-
temporânea, criando uma cultura de consumo permeada pelo impossível,
pela inverdade, pelo “fake model” e que de uma certa forma torna-se
produto de cultura de massa36, bem como objeto de desejo.
Percebemos que essa busca constante pela “imagem ideal” vem
aumentando a procura por procedimentos estéticos, bem como os diag-
nósticos de depressão, principalmente entre jovens e adolescentes do se-
xo feminino. Sendo assim, nossa análise é subsidiada acerca dos cybers
espaços como espaço de poder na contemporaneidade e a influência que
exerce a mídia na formação ideológica da sociedade. Uma vez que, for-
mar mentalidades é um dos maiores objetivos da globalização e a indús-
tria cultural subordinada à lógica do capital conduz à objetificação do su-
jeito transformando “status social” em valor de uso, propomos então,

36
Dominic Strinati informa que as massas possuem certa responsabilidade pela cultura que
consomem, e que a cultura de massa é determinada pelas preferências das próprias mas-
sas (1999, p. 70) e afirma que “o público é, de certa forma, tão poderoso quanto os pro-
dutores de cultura popular”.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 227


neste trabalho, um resgate bibliográfico sobre o conceito de autoestima a
partir de William James (1890), de coerência do self/incoerência do self
com Vasco (2009), e indústria cultural, a partir de Adorno (2002). Con-
ceitos que conferem o caráter mercadológico à imagem e legitimam a
fundamentação da indústria cultural no tripé: cultura, mercado e mídia,
onde absolutamente tudo se torna produto e subordinado aos ditames do
capital. É preciso salientar, por ora, que a crítica construída aqui se firma
entorno da constante “busca pelo Like”, e até que ponto essa constante
corrida pela aprovação da imagem pode desencadear o aumento signifi-
cativo dos diagnósticos depressivos na atualidade.

2. Indústria cultural, autoestima, incoerência e a busca pelos “likes”


Pensado como um desdobramento da massificação do consumo a
partir das mídias sociais expressados na busca constante por “likes” e
seus impactos na construção social, e nos aspectos da autoestima, con-
cordamos com Adorno (2002) quando enfatiza que “a Indústria Cultural
fomenta e propicia a formação de conflitos sociais”, ao passo que leva a
sociedade a uma espécie de “estilização” da cultura (ADORNO, 2002, p.
5). A estilização, segundo Adorno, está tão presente no quotidiano de
quem convive com a Indústria Cultural que “o esquematismo do proce-
dimento se mostra no fato de que os produtos mecanicamente diferencia-
dos se revelam, no final das contas, sempre o mesmo” (ADORNO, 2002,
p. 24). A Indústria Cultural pode ser compreendida como fruto do mundo
capitalista na globalização, dependente da produção e reprodução de me-
canismos que sustente sua hegemonia.
A estilização imposta pela Indústria Cultural é responsável pela
padronização das produções artísticas, levando assim a uma estagnação
de formas. Essa estagnação de formas é prejudicial ao desenvolvimento
da própria cultura em si, uma vez que, para serem divulgadas pelos mei-
os de veiculação de informações em massas, elas devem obedecer aos
padrões impostos. Esta estilização, ao se capilarizar nas diferentes espe-
ras da vida social tem adentrado veementemente no campo das lingua-
gens, dos significados e dos desejos, na busca pelo ser e pelo ter, na pro-
cura por uma beleza padrão amplamente difundida no Instagram, por e-
xemplo, transformando as curtidas em capitais simbólicos no ambiente
das virtualidades.
A imposição por parte das mídias sociais de um padrão de beleza
ideal faz com que os usuários desejem atingir aquele determinado “status

228 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
quo”, que está intimamente ligado à boa apresentação das fotografias, os
estilos de maquiagem, os aplicativos emagrecedores e de retoques em ge-
ral e, por fim, a obtenção dos “likes” dão a estes usuários a impressão de
membros de uma determinada elite. Porém, essa pseudoconcreticidade ao
contrapor-se dialeticamente com a realidade de vida tem gerado conflitos
profundos no âmbito da psique, no efeito inverso na autoestima e em ca-
sos extremos em quadros de depressão. Trata-se de uma busca e hedonis-
ta pelo prazer e pela beleza que contrapõe o virtual e o real, legitimado
pelos likes e destruído pela vida concreta. Para tanto, no cenário das vir-
tualidades a autoestima pode ser compreendida “como polaridade dialéti-
ca correspondente à capacidade em sentir satisfação consigo mesmo e a
Auto-Critica correspondente à capacidade dos indivíduos em identificar,
tolerar e aprender em função das suas insatisfações pessoais”, conforme
Guerreiro (2001, p.10). No mesmo sentido, a definição de autoestima de
James (1890) cimenta a crítica construída neste trabalho ao pensar o con-
ceito de autoestima como dimensão psicossocial do ser, que engloba:
[...] todos os atributos da pessoa, isto é, o corpo, habilidades sociais, famí-
lia, bens, etc. Sendo que se algum destes atributos fosse diminuído, con-
sequentemente, a pessoa sentir-se-ia diminuída. Dito isto, o autor definiu
a Auto-Estima como a razão entre o sucesso e as aspirações pessoais, en-
fatizando a forma de gerar auto-estima através do aumento do numerador
– sucessos – ou o diminuir do denominador – as pretensões que aspira-
mos. (JAMES, 1890, p. 45)

Ou seja, ao caracterizar a autoestima como mais uma dimensão


das relações sociais James (1980) traz para o campo da materialidade as
questões referentes ao processo de adoecimento psíquico, para se pensar
as formas com que as respostas negativas socialmente recebidas, deman-
das individuais não objetivadas, desejos não realizados, promessas não
cumpridas, padrões não alcançados, e porque não dizer likes não con-
quistados podem ocasionar na diminuição da autoestima e em casos gra-
ves a instalação de quadros de depressão e até mesmo suicídio.
Sobre isso, Vasco (2009) sinaliza que o bem-estar dos indivíduos
é entendido como consequência de uma eficaz regulação da satisfação
das necessidades, por meio de um processo contínuo de negociação e ba-
lanceamento das polaridades dialéticas. Para o autor:
[...] o individuo necessita alcançar um equilibro entre as necessidade de:
Prazer/Dor – capacidade de apreciar o prazer físico e psicológi-
co/capacidade de suportar dores inevitáveis, bem como de atribuir signifi-
cado à dor sentida; Coerência do Self/Incoerência do Self – congruência
entre o Eu real e o Eu ideal, entre o que se pensa, sente e faz/capacidade
de tolerar conflitos e incongruências ocasionais; Proximidade/Autonomia

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 229


– capacidade de estabelecer e manter relações íntimas/capacidade de dife-
renciação e auto-determinação; Produtividade/Lazer – capacidade para
realizar obras valorizadas/capacidade para se envolver em atividades não
instrumentais que sejam um fim em si mesmas; Controlo/Cedência – ne-
cessidade de controlo em diversos domínios/capacidade de delegar; Atua-
lização, Exploração/Tranquilidade – capacidade em explorar e procurar a
novidade/capacidade em apreciar o que se possui; e Auto-Estima/Auto-
Critica – capacidade em sentir satisfação consigo mesmo/capacidade de
identificar, tolerar e aprender em função de insatisfações pessoais. Relati-
vamente aos pares dialéticos Auto-Estima/Auto-Critica que assumem um
papel central neste estudo podemos ainda salientar a sua importância co-
mo sendo aquelas que mais contribuem para desordens psicológicas nos
indivíduos. (VASCO, 2009, p. 41-2)

Desta forma, pensar o significado dos likes neste contexto é trazer


as dimensões dialéticas entre estima e críticas mediadas pelo que os ou-
tros pensam que somos, frente ao que de fato somos. É como outro vê, e
mais, é como o outro aprova publicamente a partir do like que determina
o capital simbólico nas mídias sociais. O like neste caso vira uma espécie
de moeda que insere ou repele, torna público e decreta falência , dá status
ou marginaliza.
Cabe situar neste trabalho o espaço virtual como uma nova forma
de linguagem. A disseminação de novas formas de comunicação estabe-
lece também novas comunidades de interpretação. A leitura na internet
costuma ser descontínua e fragmentária, e o intérprete raramente percebe
o sentido do todo, por isso mesmo que nas mídias aonde os likes tem
mais atuação, as fotos substituem os textos, ou melhor, as imagens tor-
nam-se os próprios textos.
O texto é o reflexo subjetivo de um mundo objetivo, é a expressão de
uma consciência que reflete algo sobre a realidade objetiva; sua mais pro-
funda compreensão depende da interação que o texto estabelece com o
contexto dialógico do seu tempo. (Bakhtin, 1985b apud JOBIM e Souza,
2008)

Sendo assim, as “imagens textos” passam pelo crivo crítico dos


usuários e são julgadas por meio dos likes. Logo, se as imagens são tex-
tos estão subordinadas a formas, estruturas e objetivos pré-estabelecidos,
ou seja, é preciso escolher o que passará pelo crivo crítico dos usuários
das redes sociais e o que não passará. Para Bourdieu as escolhas não são
aleatórias e sim orientadas de acordo com determinadas variáveis, sejam
elas, econômicas, sociais ou culturais. As preferências por um tipo de
gosto, por um tipo de pose fotográfica, um tipo de pano de fundo, maqui-
agem, estilo de corpo e de vida, por exemplo, estão sempre associadas ao
nível de instrução, a origem social dos indivíduos, e especialmente, a re-

230 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ferencias de personagens construídos pela indústria cultural que servem
alvo a se alcançar, como por exemplo: as blogueiras (os) fitness. O gosto
é modelado por escolhas que, à primeira vista, podem parecer individu-
ais, mas que, sob um olhar mais atento, nos revela que são orientadas de
forma inconsciente ou não pelo modo de vida dos agentes. Portanto, as
escolhas inevitavelmente estão subordinadas a distinções, a discrimina-
ções negativas ou positivas, ou seja, escolhas feitas em oposição a outras.
O caso é que muitas vezes a oposição é a realidade negada pela escolha
da pseudoconcreticidade. Neste caso, a acumulação dos likes representa
aceitação, acerto, julgamento público positivo, a falta de likes, ao contrá-
rio, representa rejeição, a negação, julgamento negativo, que pode levar a
autocondenação ou em casos mais extremos, levando a casos de depres-
são profunda e seus infelizes desdobramentos.

3. O perfil das vítimas de lesão autoprovocadas e suicídio no Brasil


Para tanto, trazemos algumas tabelas e dados para que possamos
aprofundar o debate sobre a questão das causas do suicídio e da depres-
são no Brasil, tendo como parâmetros de análises elementos fundamen-
tais como idade, gênero partindo das contribuições do boletim epidemio-
lógico sobre suicídio no Brasil de 2017. O Gráfico 1 confirma as hipóte-
ses de que a maioria das vítimas de lesão autoprovocadas são do sexo
feminino.
Gráfico 1: Série histórica sobre a evolução dos casos de lesão autoprovocada entre os
anos de 2011 e 2016 no Brasil segundo sexo.

Fonte: Boletim epidemiológico/M.S,2017.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 231


De acordo com o referido boletim disponibilizado pelo Ministério
da Saúde no ano de 2017, o Gráfico 1 apresenta a distribuição dos casos
notificados de lesão autoprovocada, segundo sexo e ano, no período em
estudo. Entre 2011 e 2016, observou-se aumento dos casos notificados de
lesão autoprovocada nos sexos feminino e masculino de 209,5% e
194,7%, respectivamente. A análise das notificações das lesões autopro-
vocadas no sexo feminino, segundo raça/cor, mostrou que 49,6% das mu-
lheres eram brancas e 35,7%, negras (pardas + pretas). Em relação à es-
colaridade, 30,5% delas apresentavam ensino fundamental incompleto ou
completo e 23,5% ensino médio incompleto ou completo. Destaca-se o
elevado percentual de casos com escolaridade ignorada (39,5%). A ocor-
rência de lesão autoprovocada se concentrou nas faixas etárias de 10 a 39
anos, representando 74,4% dos casos. A presença de deficiên-
cia/transtorno foi identificada em 19,6% dessas mulheres. A grande mai-
oria delas, 89,4%, residia na zona urbana, e os casos se concentraram nas
regiões Sudeste (51,2%) e Sul (25,0%). Ressalte-se que 84,0% dos casos
ocorreram na residência, seguidos de 4,8% em via pública. Apesar da e-
levada proporção de dados ignorados (24,5%), chamou a atenção que
33,1% das lesões autoprovocadas tinham caráter repetitivo. Somente
0,8% dos casos apresentavam alguma relação com o trabalho desenvol-
vido pela mulher.
Entre os homens, 49,0% eram brancos e 37,2% negros (pardos +
pretos); 32,3% apresentavam ensino fundamental incompleto ou comple-
to e 19,6% ensino médio incompleto ou completo. A ocorrência de lesão
autoprovocada também se concentrou nas faixas etárias de 10 a 39 anos,
representando 70,1% dos casos. A presença de deficiência/transtorno foi
identificada em 20,0% desses homens. A grande maioria deles, 86,2%,
residia na zona urbana (Tabela 1), e os casos se concentraram nas regiões
Sudeste (49,6%) e Sul (26,2%). Ocorreram na residência 72,4% dos ca-
sos, e 10,4% em via pública. As lesões autoprovocadas tiveram caráter
repetitivo em 25,3% dos homens. Somente 1,1% dos casos apresentavam
alguma relação com o trabalho desenvolvido por eles.
De maneira geral, o que pode ser observado a partir da Tabela 1, é
que o perfil das vítimas de suicídio no Brasil são em maioria mulheres
brancas, com nível de escolaridade entre ensino fundamental incompleto
e fundamental completo – com destaque para as mulheres com menos
anos de ensino, com faixa de idade entre 20 – 29 anos, embora todo o
grupo de 10 – 49 anos esteja estatisticamente propenso a essa condição.
Pessoas sem diagnóstico de doenças psiquiátricas e 89% moradoras da

232 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
zona urbana. Cabe destacar que a maioria dos casos de lesão autoprovo-
cada ou suicídio foram efetuados nas residências da própria vítima. As-
sim, pensamos que é no ambiente de foro privado que as vítimas ao se
depararem com suas realidades sucumbem frente ao que se espera ser, ter
ou viver e o que realmente é, tem, e vivencia.
Tabela 1: Característica dos casos de tentativa de suicídio notificadas no Sinan, segun-
do sexo, escolaridade, idade, zona de residência e possíveis transtornos.

Recentemente, a revista Superinteressante publicou uma reporta-


gem que trava dos aspectos nocivos que as redes sociais, em especial o
Instagram no que tange a saúde mental da população, e neste caso, os jo-
vens se destacam. A reportagem não é uma mera expressão de opinião
sobre esse fenômeno, ela se fundamenta a partir de pesquisas realizadas
no Reino Unido pela Royal Society for Public Health, em parceria com
o movimento de saúde jovem. E, dentre elas, o Instagram foi avaliado
como a mais prejudicial à mente dos jovens. Segundo a pesquisa, desta-
cou-se que:
Os resultados mostram que 90% das pessoas entre 14 e 24 anos usam
redes sociais – mais do que qualquer outro grupo etário, o que os torna a-
inda mais vulneráveis a seus efeitos colaterais. Ao mesmo tempo, as taxas
de ansiedade e depressão nessa parcela da população aumentaram 70%
nos últimos 25 anos. Os jovens avaliados estão ansiosos, deprimidos, com
a autoestima baixa, sem sono, e a razão disso tudo pode estar na palma
das mãos deles: nas redes sociais, justamente. Ao longo da pesquisa,

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 233


1.479 indivíduos entre 14 e 24 anos tiveram que ranquear o quanto as
principais redes (Youtube, Instagram, Twitter e Snapchat) influenciavam
seu sentimento de comunidade, bem-estar, ansiedade e solidão. O estudo
mostrou que o compartilhamento de fotos pelo Instagram impacta negati-
vamente o sono, a autoimagem e a aumenta o medo dos jovens de ficar
por fora dos acontecimentos e tendências (FOMO, fear of missing out).
Segundo a pesquisa, o site menos nocivo é o YouTube, seguido do Twit-
ter. Facebook e Snapchat ficaram em terceira e quarta posição, respecti-
vamente. Apesar do Youtube ser um dos sites que mais deixam os jovens
acordados até altas horas, o site foi avaliado como o que menos prejudi-
cou o bem-estar dos participantes. Instagram, em contrapartida, recebeu
mais da metade das avaliações negativas. Sete em cada 10 voluntários
disseram que o aplicativo fez com que eles se sentissem pior em relação à
própria autoimagem. Entre as meninas, o efeito Instagram foi ainda mais
devastador: nove em cada 10 se sentem infelizes com seus corpos e pen-
sam em mudar a própria aparência, cogitando, inclusive, procedimentos
cirúrgicos. O Snapchat também não foi tão animador. O aplicativo de
mensagens multimídia instantânea teve os piores resultados: é o que con-
tribui para privação de sono e o sentimento de ficar por fora (FOMO).
Muitos jovens destacaram o fato de sofrerem bullying nas redes sociais,
sendo o Facebook o pior neste quesito – dois terços dos entrevistados a-
creditam que a rede de Zuckerberg deixa o cyber-bullying ainda mais cru-
el. (CARBONARI, 2017, s/n)

Frente a esses dados e ao avanço das virtualidades cada vez mais


presentes na sociedade contemporânea, torna-se imprescindíveis os estu-
dos que levam em consideração as condições psicossociais, culturais, e-
conômicas frente ao fenômeno da depressão e suicídio desvelando suas
múltiplas possíveis causas, e no caso desse trabalho, a influencia das mí-
dias sociais, da comunicação em rede, da indústria cultural e, especifica-
mente nos termos deste trabalho, a capitalização dos likes neste processo.

4. Conclusão

A necessidade dos adolescentes em pertencer a um grupo, tem


aumentado a exigência com a autoimagem, e principalmente o sexo fe-
minino vê com muita frequência inúmeros padrões representados nos
perfis de blogueiras fitness, de moda e beleza, aumentando com isso a in-
satisfação com a aparência.
Ao refletirmos sobre a indústria cultural na busca pela beleza e o
protagonismo da imagem nas redes sociais, tendo como parâmetro de a-
ceitação e julgamento positivo a obtenção dos likes, inúmeras outras
questões transversalizaram nosso trabalho. Percebemos que é preciso

234 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
pensar a influência da mídia cultural em interface com outros conceitos
como gênero, classe, cor, religião, dentre outros elementos que vão aos
poucos desvelando as complexidades desta reflexão. Como provocação,
acreditamos ter alcançado nosso objetivo e pretendemos desenvolver tra-
balhos mais aprofundados sobre o tema em outros momentos. Em todo
caso, são os textos e contextos da vida que nos move a pesquisar as no-
vas expressões da linguagem em diversos meios de representação social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Terra, 2002.
BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: Regras da
Arte. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 1996.
BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico: Suicídio: saber,
agir e prevenir. Secretaria de Vigilância em Saúde − Ministério da Saúde
Volume 48 N° 30 – 2017 Disponível em:
http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-
025-Perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-
Brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf
CARBONARI, Pamela. Instagram é a rede social mais nociva à saúde
mental. In: Revista /online. Superinteressante, 06/Out/2017. Disponível
em: https://super.abril.com.br/sociedade/instagram-e-a-rede-social-mais-
prejudicial-a-saude-mental/
JAMES, W. (1890). The Principles of Psychology (Vol. 1). New York:
Holt.
JOBIM e SOUZA. Solange. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e
Benjamin/Solange Jobim e Souza. Campinas-SP: Papirus, 1994. (Cole-
ção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico), Linguagem infantil:
Teoria 401.112 Edição; 2008.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Trad. de NEVES, Célia; TORÍ-
BIO, Alderico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
STRINATI, Dominic. A Escola de Frankfurt e a Indústria Cultural. In:
______. Cultura Popular: uma Introdução. São Paulo: Hedra, 1999.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 235


VASCO, A. B. (2009b). Sinto, Logo Também Existo! Comunicação a-
presentada no III Seminário Espaço S 2009 – Emoções e Juventude –
Abordagem Psicológica das Emoções – Cascais.

236 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL
José Pereira da Silva (UERJ)
[email protected]

RESUMO
Terminologia é uma ciência interdisciplinar, que parte da lexicografia e se preo-
cupa com as mais diversas especialidades. Por isto, em geral, os dicionários terminoló-
gicos fazem um recorte de uma disciplina específica ou uma especialidade dentro dela,
como é o caso dos dicionários de termos literários, de semiótica, de gramática, de so-
ciolinguística, de gêneros textuais, de comunicação e multimídia etc. Raramente se a-
ventura por um dicionário terminológico abrangente para uma área que inclui várias
disciplinas como as de linguística e letras. Também é comum a terminologia se preo-
cupar com a atualidade, deixando de registrar termos arcaicos ou arcaizados, apesar
de serem encontradas nas obras especializadas. Na obra que está sendo preparada, a
terminologia está sendo tratada com a pretensão de abranger todas as especialidades e
de registrar também as terminologias que já caíram ou estão caindo em desuso, assim
como as que só agora estão começando a aparecer em uma ou outra obra especializa-
da. Esta aula-conferência tratará da metodologia de organização de um dicionário
terminológico mais detidamente, demonstrando isto com exemplos da pesquisa em
andamento. Considerando o público-alvo (estudantes e profissionais das áreas de lin-
guística e letras usuários da língua portuguesa) em todas as suas especialidades, nosso
suporte bibliográfico será o conjunto de todos os dicionários terminológicos disponí-
veis, publicados em português, inclusive os que resultam de traduções, do Dicionário
Gramatical de João Ribeiro (século XIX) aos que acabam de ser lançados.
Palavras-chave:
Lexicografia. Terminologia. Dicionário terminológico.

1. Introdução
Com o título provisório “Bases para um Dicionário Terminológi-
37
co Linguístico-Gramatical” , foi reiniciado em 2017 o projeto de organi-
zação de um dicionário enciclopédico de terminologia das principais es-
pecialidades das áreas de letras e linguística, com a intenção de compilar
todos os principais trabalhos do gênero, publicados em português, incluí-
das as obras traduzidas, desde o Dicionário Gramatical de João Ribeiro
(final do século XIX) até as mais recentes publicações disponíveis.
Trata-se de um de meus projetos antigos, não implementado efeti-

37
Pesquisa em andamento, disponível em: <http://www.josepereira.com.br/DL-G/DL-G-
sumario.pdf>.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 237


vamente, por ter assumido muitas atribuições, que resolvi deixar para
concluir pelo menos parte desses antigos projetos, interrompidos há anos.
Um deles foi a presidência do CiFEFiL, que consome muito tempo, pelo
menos na estrutura administrativa que eu implementei.
O ponto de partida da compilação foi o “Dicionário Gramatical
Português”, de Sílvio Edmundo Elia, primeira parte do Dicionário Gra-
matical, da Editora Globo, que inclui também as terminologias gramati-
cais das línguas francesa, inglesa, espanhola, italiana, latina e grega – o
maior dicionário gramatical que conheço.
Pretende-se que todos os dicionários de termos linguísticos, filo-
lógicos, gramaticais e literários disponíveis em português sejam inseridos
nessa obra, que já tem mais cinco mil páginas digitadas, incluindo os di-
cionários de: Algirdas Julius Greimas e Joseph Courtés (2012), Cândido
de Oliveira (1967), Carly Silva (1988), Castelar de Carvalho (2010), Cel-
so Pedro Luft (1972), Clóvis Osvaldo Gregorim (1996), David Crystal
(1988), Edmundo Neiva (2013), Franck Neveu (2008), Gilio Giacomozzi
et al. (2004), Jean Dubois et al. (1998), João Ribeiro (1906), Joaquim
Matoso Câmara Jr. (1968), Marcos Bagno (2017), Maria Margarida de
Andrade (2009), Massaud Moisés (2004), Napoleão Mendes de Almeida
(1998), Orlando Mendes de Morais (1965), Patrick Charaudeau e Domi-
nique Maingueneau (2006), Renato Aquino (2016), Robert Lawrence
Trask (2015), Sérgio Roberto Costa (2018), Sílvio Edmundo Elia (1962),
Tassilo Orpheu Spalding (1971), Thaïs Cristófaro Silva (2011), Valdir do
Nascimento Flores et al. (2018), Vittorio Bergo (1960), Walmírio Mace-
do (2012) e Zélio dos Santos Jota (1981), entre outros.
Serão incluídos os conceitos linguístico-gramaticais utilizados nas
gramáticas de alguns dos autores adotados mais frequentemente no ensi-
no superior dos cursos de letras, como Ataliba Teixeira de Castilho, Cel-
so Ferreira da Cunha e Luís Filipe Lindley Cintra, Evanildo Cavalcante
Bechara, José Carlos de Azeredo e Carlos Henrique da Rocha Lima.
As referências bibliográficas que abonam ou exemplificam a ter-
minologia registrada se aproximam de cinco mil títulos, com possibilida-
de de ultrapassar os cinco mil até o final da compilação do material. Por
este motivo, mas também porque se pretende apresentar uma contribui-
ção diferenciada nessa obra, os nomes dos autores são referidos por ex-
tenso no corpo do texto, com raríssimas exceções. Assim, além de evitar
a confusão homonímica frequente por causa do grande número de obras e
autores citados, é oferecida a relação dos nomes completos dos autores,

238 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
tradicionalmente referidos apenas pelo último nome.
Alguns outros elementos diferenciadores serão acrescidos, tais
como a necessária atualização ortográfica, as remissões aos autores no
corpo do texto por seus nomes completos (que será uma contribuição es-
pecial a muitos consulentes), assim como a sua datação cronológica, in-
dicando os anos de nascimento e morte. No caso dos autores vivos até a
época da pesquisa, não foi indicada a data de nascimento, porque há pes-
soas que não gostam de revelar sua idade.
Trata-se de uma obra de referência, cuja edição, provavelmente,
será apenas em suporte eletrônico, porque o custo para uma edição em
suporte impresso será muito alto e porque acreditamos que a publicação
virtual poderá ser mais útil aos estudantes e pesquisadores do que uma
edição impressa, de alto custo e difícil manuseio e utilização. No entanto,
como há pessoas que fazem questão de ter sua bibliografia em suporte
impresso, será admitida a possibilidade de aquisição de edição impressa
sob encomenda.
Como primeiro produto derivado dessa pesquisa, estará saindo,
em breve, a primeira edição do Vocabulário Terminológico Geral de
Linguística e Letras, pela Editora Autografia, com lançamento na Festa
Literária Internacional de Paraty, de 10 a 14 de julho deste ano de 2019.

2. A terminologia
Como ciência interdisciplinar, a terminologia é parte da lexicogra-
fia e se preocupa com as mais diversas especialidades em todas as áreas
de conhecimento e de todas as tecnologias. Pouquíssimas vezes são reu-
nidas em uma mesma obra a terminologia de mais de uma especialidade
ou tecnologia.
Assim, por exemplo, a Nomenclatura Gramatical Brasileira
(NGB), do mesmo modo que a Terminologia Linguística para os Ensinos
Básico e Secundário (TLEBS), relacionam apenas os termos básicos para
o ensino fundamental e médio da língua oficial, sugeridos e apoiados pe-
lo Estado (Brasil ou Portugal, respectivamente). No entanto, para o pro-
fissional das áreas de linguística e letras e para o ensino superior, a ter-
minologia é muito mais abrangente e não tem, nem pode ter, esse contro-
le ou interferência do Estado como poder público.
Nos casos referidos da NGB e da TLEBS, trata-se de uma questão

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 239


de política linguística e pedagógica, assim como o é a ortografia, no caso
dos países que têm o português como língua oficial, que foi atualizada
38
em 1990, com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa , e que ainda
não está completamente implementado em algum dos países da Comuni-
dade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Segundo Algirdas Julius Greimas e Joseph Courtés (2012), “De-
nomina-se terminologia um conjunto de termos, mais ou menos defini-
dos, que constituem, em parte, um socioleto. Uma terminologia, cujos
termos são interdefinidos e cujas regras de construção são explícitas, é
suscetível de transformar-se em metalinguagem” (GREIMAS; COUR-
TÉS, 2012, p. 501).
Assim, entre as obras que servem de corpus para esse projeto, te-
mos os seguintes dicionários: Dicionário de Gêneros Textuais, Dicioná-
rio de Ciências da Linguagem, Dicionário de Semiótica, Dicionário Crí-
tico de Sociolinguística, Dicionário de Análise do Discurso, Dicionário
de Linguística, Dicionário de Gramática, Dicionário de Linguística da
Enunciação, Dicionário de Termos Literários etc. São mais raros os di-
cionários terminológicos que tratam de mais de uma especialidade, como
são os seguintes: Dicionário de Filologia e Gramática, Dicionário de
Linguística e Gramática, Dicionário de Linguística e Fonética, Dicioná-
rio de Fonética e Fonologia, Dicionário de Linguagem e Linguística e
Dicionário Houaiss de Comunicação e Multimídia.
Entretanto, todos eles utilizam termos comuns em mais de uma
especialidade, porque essas especialidades se desenvolveram a partir de
um ramo mais amplo dos estudos da linguagem, interligando-se muito in-
tensa e intimamente.
Tanto é assim que, apresentando o seu Dicionário Houaiss de
Comunicação e Multimídia, Eduardo Neiva (2013) lembra que
A terminologia técnica advém de áreas diversas: da fotografia, das artes
gráficas, da editoração, do cinema, da televisão, da música, do rádio e de ou-
tras formas da cultura de massa, bem como da internet e das comunicações em
rede, como no caso da palavra barcode, além de gírias empregadas em locais
de trabalho, caso de back ofifice por back Office. (NEIVA, 2013, p. x)

Por isto, em geral, os dicionários terminológicos fazem um recorte

38
Disponível em: <http://www.portaldalinguaportuguesa.org/acordo.php>. Acesso em:
25/03/2019.

240 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
de uma disciplina específica ou uma especialidade dentro dela, como é o
caso dos suprarreferidos dicionários: de termos literários, de semiótica,
de gramática, de sociolinguística, de gêneros textuais, de comunicação e
multimídia etc.
Raramente se aventura por um dicionário terminológico abrangen-
te para uma área que inclui várias disciplinas ou especialidades como as
de linguística e letras, para as quais servirá de base o material que está
sendo compilado e organizado.
Naturalmente, é preciso que isto fique claro: o que estamos prepa-
rando não é propriamente um “dicionário terminológico”, mas uma com-
pilação de verbetes de “dicionários terminológicos” para servir de base
para os autores que se aventurarem a redigir um dicionário de qualquer
especialidade dos estudos da linguagem, pelo menos das especialidades
que até o momento estão sendo estudadas na maioria de nossos cursos de
letras do Brasil.
Também é comum a terminologia se preocupar com a atualidade,
deixando de registrar termos arcaicos ou arcaizados, apesar de serem en-
contrados com bastante frequência nas obras especializadas, principal-
mente em obras reeditadas, o que tentamos superar, incluindo todos esses
dados, na medida do possível.
Apesar de nossa preocupação ser com a terminologia em língua
portuguesa, ocorrem alguns termos estrangeiros mais comuns em publi-
cações brasileiras e portuguesas, como ablaut, Aktionsart, art nouveau,
Basic English, chat, belles-lettres, codex, commiato, recensio etc. Isto
ocorre porque esses estrangeirismos são relativamente frequentes em o-
bras especializadas, dentro das áreas de linguística e letras.

3. “Bases para um Dicionário Terminológico” não é um dicionário


terminológico
Na obra que está sendo preparada agora, a terminologia está sendo
tratada com a pretensão de abranger todas as especialidades, tais como
análise crítica do discurso, análise da conversação, análise do discurso,
bibliologia, comunicação, crítica literária, crítica textual, dialetologia,
ecdótica, editoração, estilística, filologia, filosofia da linguagem, fonéti-
ca, fonoaudiologia, fonologia, gêneros textuais, geografia linguística, ge-
olinguística, gramática, informática, linguística textual, linguística, mul-
timídia, poética, psicolinguística, semiótica, sociolinguística, teoria da li-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 241


teratura, teoria literária, versificação etc.
Com a pretensão de registrar também as terminologias que já caí-
ram ou estão caindo em desuso, assim como as que só agora estão come-
çando a aparecer em uma ou outra obra especializada, tornou-se impor-
tante a datação das obras em que tais termos foram encontrados para e-
xemplificação, visto que alguns desses termos são extremamente recentes
e ainda pouco divulgados, assim como há outros que já não são usados
há bastante tempo, apesar de sua frequência em obras clássicas de certas
disciplinas ou especialidades.
Por isto, com a máxima frequência possível, é informada a obra
da qual foi coletado o termo e, quando possível, quem o utilizou pela
primeira vez ou quem o vulgarizou como termo técnico da especialidade.
Muitos dos termos científicos já eram palavras correntes na lín-
gua, que passaram a ser utilizadas com sentido específico dentro de de-
terminada especialidade e contexto, de forma a parecer, à primeira vista,
que o “vocabulário terminológico” incluiu termos que não têm a ver com
as terminologias em questão, como pode ser visto no Vocabulário Ter-
39.
minológico Geral de Linguística e Letras (VTGLL)
Quanto à metodologia de organização de um dicionário termino-
lógico, tentaremos demonstrar, na aula-conferência, com exemplos extra-
ídos do corpus da pesquisa em andamento.
Considerando o público alvo (estudantes e profissionais das áreas
de linguística e letras usuários da língua portuguesa) em todas as suas es-
pecialidades, nosso suporte bibliográfico será o conjunto dos dicionários
terminológicos disponíveis, publicados em português, inclusive os que
resultam de traduções, desde o Dicionário Gramatical de João Ribeiro
(século XIX) até os que acabam de ser lançados.
A seguir, vejamos as diferenças básicas entre a terminografia e a
lexicografia a partir da contribuição das professoras Lídia Almeida Bar-
ros (da UNESP) e Anna Maria Becker Maciel (da UFRGS), questionadas
por Claudia Xatara, Cleci Regina Bevilacqua e Philippe René Marie
Humblé, em seu livro Dicionários na Teoria e na Prática.

39
Disponível em: <http://www.josepereira.com.br/_/VTGLL.pdf>. Acesso em: 25/03/2019.

242 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
4. Aspectos diferenciam a terminografia da lexicografia
Segundo Lídia Almeida Barros (in: XATARA, BEVILACQUA;
HUMBLÉ, 2011, p. 143-5), diversos aspectos diferenciais caracterizam o
trabalho terminográfico e o lexicográfico, assim como das obras termi-
nográficas e lexicográficas, mas três aspectos são considerados funda-
mentais: “as diferenças de objeto de estudo, a expressão dessas diferen-
ças no produto resultante do trabalho dessas áreas e a metodologia de es-
tudo” (Idem, ibidem, p. 143)
Ou seja: enquanto a terminografia elabora dicionários que con-
templam termos de áreas técnicas, científicas e especializadas, a lexico-
grafia elabora dicionários de língua geral e especiais, que registram um
tipo de unidade lexical ou fraseológica, como os de expressões idiomáti-
cas, de sinônimos etc. Excepcionalmente, no entanto, “os dicionários di-
dáticos têm sido objeto de estudo mais específico da lexicografia peda-
gógica, mas também podem ser elaborados para ensino de terminologias
de áreas técnicas e científicas” (Idem, ibidem, 144).
O verbete de um dicionário terminológico só registra as acepções
que o termo possui dentro do domínio das especialidades estudadas, en-
quanto um dicionário de língua apresenta todas as possibilidades de sig-
nificação e de realização da unidade léxica na língua. Mas, facultativa-
mente, ambos podem trazer informações sobre registros populares, fami-
liares etc. da unidade, sentidos conotativos ou figurados, etimologia e ou-
tros aspectos.
No material que estamos organizando, não é incluída a classifica-
ção das palavras nem a etimologia, porque são poucos os terminólogos
que fazem esses registros, e porque teríamos dificuldade de uniformizar
os verbetes neste particular, principalmente quanto à etimologia.
Na organização de um dicionário (terminológico ou lexicológico),
é indispensável a escolha do público-alvo e dos objetivos da obra, pois
esses elementos são necessários para decidir sobre o formato e o nível de
cada verbete. Isto é importante porque daí também deverá resultar a esco-
lha do corpus que fornecerá os dados para a elaboração dos dicionários.
O tipo de suporte também definirá várias características dessas obras,
principalmente quanto à forma de remissão, tanto interna quanto externa.
Hoje, a metodologia do trabalho terminográfico e do lexicográfico
é onomasiológico em alguns aspectos e semasiológico em outros, bastan-
te semelhante em ambos.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 243


Anna Maria Becker Maciel (2011, p. 145-7), por sua vez, acredita
que “a obra lexicográfica e a terminológica são instrumentos de consulta
rápida que permitem obter informações sobre o significado e as caracte-
rísticas de uso de uma palavra”.
No entanto, enquanto a lexicografia tende a inventariar o mais
amplo conjunto possível do léxico de uma língua e se dirige a todos os
falantes de uma língua, a terminologia registra os termos utilizados na
comunicação de uma área científica, técnica, profissional ou artesanal e
visa àqueles que se interessam pelo tema. Sendo assim, portanto, diver-
gem quanto à abrangência e quanto ao usuário (Cf. MACIEL, in: XA-
TARA; BEVILACQUA; HUMBLÉ, 2011, p. 145).
Ana Maria Becker Maciel acrescenta também que
As duas obras podem se inserir em um mesmo quadro referencial teórico
sobre a língua e suas funções, mas a perspectiva em que cada uma considera a
palavra implica escolhas sobre a estrutura e o funcionamento dos produtos a
serem elaborados. A obra terminológica identifica as palavras que referem
conceitos de um dado domínio temático. A obra lexicográfica registra as pala-
vras do vocabulário que integra a competência comum do falante. Em ambos
os casos, trata-se de um recorte cuja natureza e extensão serão distintas e de-
penderão de planejamento. (MACIEL, in: XATARA; BEVILACQUA;
HUMBLÉ, 2011, p. 145)

Naturalmente, o planejamento é um dos grandes diferenciais da


elaboração dos dois tipos de obras. Assim, para a obra terminográfica,
tudo começa com a leitura de textos especializados, prosseguindo com a
consulta aos especialistas.
Ao contrário da lexicografia, ocorrem frequentemente os casos de
uma palavra ser encontrada apenas uma vez no corpus da pesquisa ter-
minográfica e se referir a um conceito temático da área, sendo relevante
para a especialidade. Na obra lexicográfica, um termo ocorrido tão rara-
mente normalmente não é incluído (Cf. idem, ibidem, p. 146).
Quanto ao formato dos verbetes, a obra terminográfica privilegia
aquele em que o termo é definido no texto especializado. Por isso é que
muitas entradas costumam ser formadas por várias palavras, locuções,
fraseologismos, expressões cristalizadas, nomes próprios, siglas, acrôni-
mos, abreviaturas etc. (Idem, ibidem).
Apesar de o ordenamento segundo a estrutura conceitual da área
temática ser considerado melhor, “a ordem alfabética é preferida, sendo
muitas vezes suplementada por uma rede de remissivas que interliga os
termos semântica e/ou pragmaticamente relacionados” (Idem, ibidem).

244 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
O verbete na obra terminográfica privilegia o aspecto conceitual que a pa-
lavra adquiriu na comunicação especializada. Salvo em casos em que a obra se
dirige a tradutores e redatores, não são fornecidas informações linguísticas,
mas é apresentada uma definição que procura explicitar o significado da pala-
vra como um termo e sua utilização no contexto da área especializada. (MA-
CIEL, in: XATARA; BEVILACQUA; HUMBLÉ, 2011, p. 147)

5. Conclusão
As “Bases para uma Terminologia de Linguística e Letras” dispo-
nibilizarão elementos suficientes para os terminólogos prepararem bons
dicionários terminológicos das diversas disciplinas de linguística e letras,
complementando, é natural, com as suas pesquisas pessoais e com uma
análise crítica do material, na aplicação específica em cada especialidade.
Além dos textos coletados e organizados alfabeticamente como
verbetes terminográficos, os pesquisadores encontrarão uma ampla bibli-
ografia em português e em diversas línguas estrangeiras, principalmente
em inglês e em francês.
As remissões a outros verbetes são marcadas em itálico no corpo
da obra, além de serem indicadas no final de grande parte dos verbetes,
como reforço para os acadêmicos e pesquisadores que desejarem ampliar
a pesquisa com outras informações paralelas e complementares.
Além de uma ampla bibliografia geral, diversos verbetes são se-
guidos de sugestões de leituras complementares.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 247


CONTRIBUIÇÃO DE MATTOS E SILVA PARA OS ESTUDOS
DE HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
José Mario Botelho (FFP-UERJ e ABRAFIL)
[email protected]
RESUMO
Quando se trata de estudos históricos sobre o português, não se pode deixar de re-
conhecer os méritos da professora Rosa Virgínia Barreto de Mattos Oliveira e Silva, a
pesquisadora baiana, que nos deixou um legado de grande importância sobre a histó-
ria da língua portuguesa, mormente no que se diz respeito a sua transplantação para o
Brasil e as especificidades da sua formação no território brasileiro. Sobre isso, a pro-
fessora Tânia Lobo – atual Coordenadora do Programa para a História da Língua
Portuguesa (PROHPOR), fundado por Mattos e Silva em 1992 –, em seu pequeno, po-
rém importante artigo (2015, p. 70), enumera 10 (dez) textos escritos pela filóloga e
linguista baiana em destaque, que são essenciais para a compreensão do tão falado e
mal compreendido português do Brasil ou, como a própria Mattos e Silva, também
denominou “português brasileiro”. Contudo, o objeto deste meu artigo, tipo resenha, é
o de refletir sobre os aspectos norteadores de O português arcaico: fonologia, morfolo-
gia e sintaxe (2008), em que a autora demonstra que “(na língua) é observando o pas-
sado que se podem recuperar surpresas que o presente, com frequência, nos faz”
(2006, p. 13).
Palavras-chave:
Estudos históricos. História da língua. Mattos e Silva.

1. Introdução
O estudo da origem da língua portuguesa tem sido intrigante para
aqueles que com isto se preocupam, já que se trata de uma língua que,
apesar de ter a origem no latim vulgar  língua falada no vasto Império
Romano por povos romanos e romanizados , especialmente o falado na
Lusitânia, recebeu contribuições oriundas de diversas línguas, entre as
quais se destacam o grego (pelo latim), o árabe (pelo moçárabe), o tupi, o
guarani, as de origens africanas e demais neolatinas.
E por ser a língua portuguesa o conjunto de evoluções do latim, as
quais se deram em todos os sistemas da língua e de todos os tipos, como
por exemplo o sistema vocálico, semelhanças e diferenças entre as duas
línguas se estabelecem, que geram fenômenos interessantes, cuja descri-
ção se faz mister.
O objetivo deste trabalho é de apresentar uma descrição simples,
que possa corroborar o que outros autores renomados registraram, obser-
vando alguns detalhes que, por ventura, tenham esquecido. Assim, não se

248 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
pretende aqui esgotar o tema, nem considerar o que será apresentado co-
mo uma descoberta acerca do assunto.

1. Fatos históricos
O português é uma língua que pertence ao grupo de línguas cha-
madas românicas ou neolatinas por originarem-se do latim, que em tem-
pos muito afastados era um simples dialeto (língua rude e de pouca im-
portância) falado no Lácio, região localizada às margens do rio Tibre, na
Itália Antiga. Mais tarde tornou-se a língua dominante daquela península
Itálica e, com as conquistas militares e consequente domínio político-
cultural de Roma por volta do século III a.C., foi levada pelos soldados
romanos para as regiões conquistadas, a cujos povos foi imposta.
Que a língua portuguesa tem a sua origem no latim não se discute.
Tanto que compõe juntamente com o francês, o italiano, o espanhol, o
romeno, o rético (ou reto-romeno), o catalão, o provençal, sardo e o dal-
mático o grupo de línguas neolatinas, do qual apenas as cinco primeiras e
mais o português são línguas oficiais, sendo que o rético é a quarta língua
oficial da Suíça, e a última é língua morta.
Embora seja o latim vulgar a língua que deu origem ao português,
não se faz mister escrutá-lo, uma vez que a língua portuguesa não se ori-
gina tão somente daquele, e tampouco diretamente; é, pois, na verdade,
uma miscelânea de várias outras línguas. No entanto, não se pode negar
que é a principal língua dentre aquelas que constituem o português e,
principalmente, o seu léxico.
Do latim, é necessário saber o seguinte: havia em Roma duas mo-
dalidades linguísticas distintas: 1) o latim clássico (Sermo Urbanus), que
era uma língua escrita, estereotipada pelo rigor dos literatos e usada nas
escolas e Academias; e 2) o latim vulgar (Sermo Vulgaris), que era a lin-
guagem falada pelo povo em geral, de maneira espontânea e sem a preo-
cupação das normas gramaticais. Entre estas duas modalidades havia di-
ferenças na fonética (a saber, o latim vulgar procurava evitar proparoxí-
tonos: “cáthedra”  “catédra”, “pónere”  “ponére”, “álacrem”  “alá-
crem” (O acento é só para marcar a sílaba tônica, não tendo, inclusive,
nada a ver com o timbre aberto, característica do acento agudo em portu-
guês, já que não havia acento em latim.); no léxico (a saber, no latim
vulgar, havia uma preferência por palavras populares: ignus  focu, e-
quus  caballu; e o uso de sufixos diminutivos: auris  auricula, apis 

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 249


apicula); na morfologia (a saber, o latim vulgar tendia ao analítico: liber
 illu ou unu libru, dulcior  magis ou plus dulce, dulcissimus  multu
dulce, amor  amatus sum); na sintaxe (a saber, no latim vulgar predo-
minavam o analítico, com a redução dos casos e acréscimo de preposi-
ões: liber  illu ou unu libru, libri  de libru, libro  ad libru; as orações
desenvolvidas e a ordem direta: Vulgus dicit terram esse rotundam. 
Vulgus dicit quod terra est retunda., Diligit Deus hominem  Deus diligit
hominem.). Mas não constituíam línguas diferentes; eram, pois, modali-
dades diferentes de uma mesma língua.
E foi exatamente o latim vulgar que deu origem não só ao portu-
guês, como também às demais línguas neolatinas, que, por ser a língua
falada pelo povo, especialmente pelos soldados romanos que a levaram
às terras conquistadas, não chegou com as mesmas características fonéti-
cas, morfológicas e sintáticas a cada uma das regiões, cujos habitantes
compartilhavam de cultura, linguagem e costumes particulares e distin-
tos, normalmente, dos dos romanos. É natural que a linguagem dos ro-
manos, os quais conquistavam terras longínquas, se distanciasse da lin-
guagem daqueles que mantinham um contato mais direto e efetivo com
Roma. Além disso, o contato com as linguagens dos habitantes de cada
região conquistada, embora constituíssem substratos (línguas dos povos
conquistados) do latim, influenciava-o, tornando-o cada vez mais dife-
rente da língua de Roma.
À península Ibérica, região onde se deu a evolução do latim vul-
gar, do qual se origina a língua portuguesa, os romanos chegaram no sé-
culo III a. C. e lá encontraram povos que habitavam aquele solo.
Apesar de ser confusa a história da península antes da invasão
romana, poder-se-ia dizer que os dois povos mais antigos que a habita-
vam eram o basco e o ibero (povo agrícola e pacífico). Depois da invasão
dos celtas (povos de origem árica, vindos do sul da Alemanha), por volta
do século V a. C., que se estabeleceram ao norte da península, paulati-
namente os iberos se mesclaram com este povo, dando origem aos povos
celtiberos, como os chamavam os romanos. Os fenícios, os gregos e os
cartagineses também se estabeleceram ao Sul da região, mas como apro-
veitadores da situação.
Por ocasião da Segunda Guerra Púnica, originada pelo cerco de
Sagunto, cidade ibera fundada e dominada pelos gregos, os cartagineses
procuraram se apoderar da região, o que fez com que os celtiberos solici-
tassem o socorro dos romanos.

250 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Para conter a expansão de Cartago que ameaçava o domínio do
mundo mediterrâneo pretendido por Roma, os romanos invadiram a pe-
nínsula, venceram os cartagineses, ampliaram o território, conquistando
toda a faixa ocidental da Ibéria e impuseram o latim aos povos conquis-
tados. Para isto os romanos introduziram costumes de civilização que não
eram conhecidos, abrindo escolas, construindo estradas, templos, organi-
zando o comércio, o serviço de correio e outros. Impuseram com rigor o
uso do latim nas transações comerciais e nos documentos oficiais.
Assim, o latim, prestigiado como língua oficial, ensinada nas es-
colas, pôde suplantar as demais línguas faladas pelos peninsulares, que
adotaram, por conseguinte, a língua do povo dominador. O parentesco
linguístico existente entre a língua latina e a celta facilitou a assimilação
da nova língua aos peninsulares.
Porém, essa língua não era o latim clássico; era, pois, o latim vul-
gar, que, influenciado pelas línguas peninsulares, já não era também a
língua falada em Roma. E as diferenças foram crescendo, à medida que
as civilizações conquistadas adotavam por completo os costumes dos
vencedores  isto é, romanizavam-se.
Entretanto, um povo da península não adotou o latim como língua
 o basco, numa zona restrita dos Pirineus, que vive ainda hoje como um
enclave entre o espanhol, ao sul e o francês, ao norte. Isto porque não
houve coação por parte dos vencedores; a língua latina se impunha pela
força das próprias circunstâncias, devido ao seu prestígio, e pela situação
favorável à latinização, como vimos em parágrafo anterior.
Já no século V, totalmente romanizada, a península Ibérica sofre a
invasão de povos bárbaros ou góticos. Vieram os germânicos, que não al-
teraram essencialmente a latinização (a língua latina, com variações regi-
onais e muito evoluída, era a língua do povo peninsular): os vândalos,
que se fixaram na Galécia (hoje, Galiza) e na Béltica (hoje, Andaluzia);
os alanos, que se fixaram ao Sul dos Pirineus; os suevos, que se estabele-
ceram também na Galécia e na Lusitânia (hoje, Portugal); e, mais tarde,
os visigodos, que dominaram o resto da península e subjugaram os sue-
vos.
Todos estes povos, essencialmente guerreiros e de cultura diferen-
te da dos romanizados, embora fossem vencedores, adotaram os elemen-
tos de civilização: a religião cristã, a organização político-administrativa,
entre outros. Adotaram a língua latina, falada na península, apesar de a-
balar efetivamente a unidade político-cultural da região do antigo Impé-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 251


rio Romano, pois as escolas foram fechadas – só nos mosteiros procura-
va-se conservar a língua clássica – e novos elementos culturais foram in-
troduzidos. Pode-se dizer que, apesar de a romanização ter chegado ao
fim, a latinização se fazia presente.
Depois da queda do Império Romano, vários reinos gótico-
cristãos foram estabelecidos. O latim vulgar, já bastante modificado pela
ação dos substratos (línguas subjugadas e esquecidas por ação de outra
que se lhes impõe)  as línguas peninsulares  e influenciado pelo su-
perstrato (língua do povo vencedor, preterida pela língua do povo venci-
do)  a língua dos germânicos, que adotaram a língua dos vencidos , di-
aletou-se, isto é, passou a se desenvolver independente e diferentemente
em cada região.
No século VIII, a península, já sob o domínio visigótico, sofre ou-
tra invasão  a dos árabes. Vindo do norte da África, os mouros maome-
tanos  muçulmanos  invadiram e dominaram parte da península e, em-
bora oficializassem a língua árabe, não coibiram a língua latina.
Esse estrato linguístico é para a língua latina falada pelo povo
conquistado, na qual exerce bastante influência, um adstrato (língua do
povo vencedor que não suplanta a do vencido). Tanto que em algumas
regiões (na Lusitânia, que hoje é Portugal) surge o romanço moçárabe 
mistura da dialetação do latim vulgar com o árabe e, portanto, um ro-
manço cristão.
Os árabes eram um povo de alto nível cultural e de civilização,
viveram por mais de sete séculos na península e, não obstante, não exer-
ceram grande influência na língua portuguesa; a influência da língua ára-
be verifica-se, especialmente, no léxico.
O domínio árabe não conseguiu destruir um movimento de resis-
tência cristã, cujos adeptos se refugiaram nas Astúrias, ao norte da penín-
sula e se organizaram para a reconquista, que aconteceu árdua e paulati-
namente. Estes cristãos, que partiram do Norte para o Sul, conquistando
terras e expulsando os mouros, levam consigo um romanço latino cristão
– o galego-português –, que se encontra com o moçárabe mais tarde, de
cujo contato surge a língua portuguesa.
Durante as inúmeras batalhas “santas” (As lutas para a reconquis-
ta eram abençoadas pelos papas.) o latim vulgar passa por uma nova fase
linguística  é o chamado romanço ou romance. Ao Norte da península,
surgem a Galiza  dote que o rei de Leão e Castela, D. Afonso VI, ofere-

252 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ceu a D. Raimundo, ao se casar com sua filha legítima, D. Urraca, e o
Condado de Portu Cale, feudo oferecido a D. Henrique, ao se casar com
sua filha bastarda, D. Teresa.
A língua falada destas duas regiões era o romanço galaico-
português; a administração do Condado Portucalense era de responsabi-
lidade de D. Raimundo aos cuidados de D. Henrique. Com a morte deste,
a viúva assume o poder, mas surgem problemas familiares e políticos, os
quais obrigam o seu filho, D. Afonso Henriques, já senhor daquele con-
dado, a tomar o poder e se proclamar rei do condado, que ele denomina
Portugal, cuja realeza é reconhecida mais tarde (em 1143) pelo rei de Le-
ão e Castela, o seu genro Dom Fernando II, e confirmada com a Bula
Manifestis Probatum (em 1179) pelo Papa Alexandre III. O novo reino
se expande em direção ao Sul, em cujas batalhas com os mouros o rei de
Portugal se sagrava vitorioso. Mais tarde, Dom Sancho I, filho de Dom
Afonso Henriques e herdeiro do trono, continuou empurrando os mouros
para o Sul.
Até que os mouros fossem expulsos totalmente da península, Por-
tugal ia diferenciando-se cada vez mais da Galiza. E à medida que isto
acontecia, o galego-português de Portugal, em contato com outros fala-
res, o moçárabe principalmente, se diferenciava mais e mais daquele fa-
lado na Galiza, que permanecia estacionário, empobrecido.
Nesse século XIII, de fundação da nacionalidade portuguesa e de
delimitação de seu território, a língua portuguesa já apresentava uma lín-
gua literária  as cantigas medievais “de amor”, em galego-português.
Finalmente, cindiu-se o romanço galaico-português em duas dife-
rentes línguas: o galego, que ainda hoje sobrevive como língua regional
na Galiza, cuja língua oficial é o espanhol, e o português, que continuou
evoluindo e se tornou língua de uma grande região  Portugal , e ainda
hoje se atualiza e é língua de um imenso povo  as nações lusofônicas,
espalhadas por diversas partes do mundo.
É importante frisar que antes da segunda metade do século XIII,
quando Portugal firmou seus limites ao conquistar Algarves, no extremo
sul da península, a língua falada em Portugal já se distinguia daquela fa-
lada na Galiza.
Desta língua não se tem registro, uma vez que, até então, escrevia-
se em latim bárbaro (língua escrita de documentos oficiais, em que se ob-
servam indícios de uma linguagem oral), em documentos oficiais, e em

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 253


galego-português, na poesia. Entretanto, daqueles documentos, depreen-
dem-se traços da língua portuguesa, que substituiu o latim bárbaro e o
galego-português mais tarde. Logo, o português existiu durante muito
tempo sem ser escrito, já que se verificam muitos vocábulos portugueses
em documentos escritos em latim bárbaro no século IX.
Daí a preocupação de alguns autores em dividir a história da lín-
gua portuguesa em fases ou períodos, cujos critérios são muitas vezes di-
vergentes. Embora não seja essencial, pode ter alguma importância didá-
tica a divisão que apresento abaixo, segundo Leite de Vasconcelos, em
Coutinho (1976, p. 56-7):
a) Época Pré-Histórica (das origens até o séc. IX)  surgem os
primeiros documentos latino-portugueses, escritos num latim estranho
(sem regras)  formação do romance falado na região;
b) Época Proto-Histórica (do séc. IX ao séc. XII)  textos redigi-
dos em latim bárbaro, nos quais se verificam palavras portuguesas, o que
evidencia o romance galaico-português; e
c) Época Histórica (a partir do séc. XII)  textos redigidos em
português. Esta época deve ser dividida em duas fases: a arcaica (do séc.
XII ao séc. XVI) e a moderna (a partir do séc. XVI).
E é na Época Histórica que, em galego-português, foram escritos
os primeiros textos em português. A “Cantiga da Guarvaya”, que é con-
siderada o primeiro documento da nossa literatura e rotulada como uma
cantiga de amor, tem a sua data fixada em 1189 por Carolina Michaëlis
de Vasconcelos, que considerara anteriormente como data provável o ano
de 1198. A autoria da referida trova tem sido atribuída a Paio Soares de
Taveirós, o qual dedicara a Dona Maria Paes Ribeiro, a Ribeirinha, a-
mante de D. Sancho I, e, por isso, também tem sido conhecida como a
“Cantiga da Ribeirinha”.
Cantiga da guarvaya

No mundo non me sei parelha, parelha  igual, semelhante


mentre me for’como me vay mentre  enquanto, ao passo que
ca já moiro por vos  e ay ca  pois, porque
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraya retraya  retrate, reporte, descreva
quando vus eu vi en saya! saya  roupa íntima para dormir
Mao dia me levantei,
que vus enton non vi fea!
E, mia senhor, des aquel di’ aya!

254 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
me foi a mi muyn mal,
e vos, filha de don Paay
Moniz, e ben vuz semelha semelha  parece
d’aver eu por vos guarvaya guarvaya  manto de rei; respeito
pois eu, mia senhor, d’alfaya d’alfaya  como mimo; prova de amor
nunca de vos ouve nem ei
valia d’ua correa. correa  correia; coisa sem valor
(Apud MATTOS E SILVA, 2001, p. 22)

Também é dessa época a cantiga de amigo atribuída ao rei D.


Sancho I (nascido em 1154 e falecido em 1212), conhecida por “Cantiga
da Ribeirinha”. Essa trova, que provavelmente fora feita entre 1189 e
1199, quando D. Sancho I estivera na cidade da Guarda, em guerra, e fi-
zera cantar a sua amada Dona Maria Paes Ribeiro, pela sua ausência,
também pode ter sido o primeiro texto em português.
Cantiga da ribeirinha

Ay eu coitada, como vivo en gran cuidado


por meu amigo que ei alongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda

Ay eu coitada, como vivo en gran cuidado


por meu amigo que tarda e non vejo!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda (Apud MATTOS E SILVA, 2001, p. 21)

Também pode ser considerado o primeiro texto em português a


cantiga de escárnio atribuída a Joam Soares de Paiva “Ora faz ost’o
senhor de Navarra”, que fora tardiamente encontrada e que pertencera a
D. Sancho I. Esta trova, que é provavelmente de 1196 (ou 1200 ou 1214),
faz referências às batalhas entre o rei D. Sancho VII, de Navarro, e os
reis D. Afonso IX de Castela e D. Pedro II de Aragão. Sabe-se que o rei
de Navarro saqueara as terras de Castela e de Aragão, aproveitando-se do
fato de o rei de Castela estar distante, em Provença.
Ora faz ost’o senhor de navarra

Ora faz ost’o senhor de Navarra,


pois en Proenç’ est’ el-Rei d’Aragon;
non lh’an medo de pico nem de marra
Tarraçona, pero vezinhos son;
............................................................
guarda-s’ el-Rei, come de bon saber,
que o non filhe luz en terra alhẽa,
e onde sal, e s’ar torn’ a jazer
ao jantar ou se non aa cẽa. (Apud MATTOS E SILVA, 2001, p. 21)

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 255


Na prosa, o primeiro texto escrito em português foi o Testamento
de D. Afonso II, o terceiro rei de Portugal. Esse texto em prosa não-
artística foi escrito em 1214. Das 13 (treze) cópias que foram feitas, co-
mo consta no fim do documento, há uma no Arquivo Nacional da Torre
do Tombo (ANTT), em Lisboa, e outra, no arquivo da Catedral de Tole-
do. Abaixo transcrevemos um trecho:
Testamento de D. Afonso II

En’o nome de Deus, Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portu-
gal, seendo sano e saluo, temẽte o dia de mia morte, a saude de mia alma
e a proe de mia molier raina dona (...)
E ssi filio barõ nõ ouuermos, a maior filia que ouuermos agia’o... (Apud
MATTOS E SILVA, 2001, p. 22-3)

Segundo Coutinho (1976), o primeiro texto em prosa não-artística


da língua portuguesa é o Auto da Partilha, que também é um testamento,
de 1192. Contudo, essa data tem sido questionada e o texto não se apre-
senta totalmente em galego-português:
Auto da Partilha

In Christi nomine amen. Hec est notitia de partiçon, e de devison que fa-
zemos entre nos dos erdamentus, e dus Coutos, e das Onrras, e dous Pa-
druadigos da Eygreugas, que forum de nosso padre, e de nossa madre, en
esta maneira (...) Facta Karta mensee Marcii, Era MCCXXX. Vaasco Su-
ariz testis – Vermuu Ordoniz testis – Meen Fanrripas testis – Gunsalvu
Vermuiz testis – Gil Dias testis – Dom Minon testis – Martim Periz testis
– Dom Stephani Suariz testis – Ego Johanes Menendi Presbiter notavit.
(Apud COUTINHO, 1976, p. 68)

Além desse documento, de 1192, há também um outro – o Testa-


mento de Elvira Sanches” –, que seria de 1193, e a Notícia do Torto, que
seria de 1206 ou 1211, sendo, portanto, os documentos mais antigos.
Entretanto, o padre Avelino de Jesus da Costa, em seu aprofunda-
do estudo “Os mais antigos documentos escritos em português. Revisão
de um problema histórico-linguístico” (Revista Portuguesa de História,
XVII, 1979, p. 263-310), digressiona acerca da datação daqueles textos,
até então tidos como os mais antigos textos escritos em português, e a-
firma que são do final do século XII os seus originais, escritos em latim,
língua utilizada na elaboração dos documentos da época, e que as versões
em galego-português são do século XIII, posteriores ao Testamento de D.
Afonso II, cuja data é inquestionável.

256 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
2. Princípios da formação do léxico português
Ficou claro que os romanos, quando chegaram à península Ibéri-
ca, encontraram povos de raças e de civilizações diferentes, com suas
línguas particulares, que, apesar de terem sido suplantadas pelo latim
vulgar (língua prestigiada no Império Romano), influenciaram-no bastan-
te, principalmente na fonética e, sobretudo, no léxico, transformando-o
numa língua românica  romance ou romanço , da qual se origina a lín-
gua portuguesa mais propriamente.
Destes substratos linguísticos  as línguas dos povos pré-
românicos, os quais subsistiram nas regiões ibéricas latinizadas , o mais
importante foi o celta  língua dos celtas, povos áricos que se estabelece-
ram na Lusitânia, e que constituíram com os iberos os povos celtiberos.
Além desta língua pré-romana, destacam-se também as línguas dos ibe-
ros, dos gregos, dos fenícios, dos cartagineses e do povo basco.
São exemplos da herança dos celtas no léxico português as se-
guintes palavras: cavalo ( caballus), bico ( beccus), camisa ( camisi-
a), vassalo ( vassalus), manteiga ( mantica) e muitas outras.
A sonoridade de “p”, “t” e “c” (lupu  lobo, aqua  água, digitus
 dedo), a apócope das vogal átona final “e” após “l”, “n” e “r”, princi-
palmente (male  mal, bene  bem, mare  mar), a palatização de “l” e
de “n” que precediam “e”, ou “i”, em hiato (vinea  vinha, filio  filho) e
a assibilação de “d”, e de “t” que precediam “i” ou “e”, em hiato (ardeo
 arço (arcaico), audio  ouço, gratia  graça, pigritia  preguiça, hodie
 hoje) são metaplasmos causados pela influência do celta.
As influências exercidas pelos substratos linguísticos na língua la-
tina constituem um dado da maior importância no estudo da formação da
língua portuguesa, a qual representa o resultado da transformação do la-
tim vulgar por ação destas influências. Menos significantes, dos supers-
tratos (línguas dos povos pós-romanos que habitaram as regiões ibéricas
latinizadas) e, mais tarde, das dos estrangeirismos (línguas diversas, com
as quais a língua portuguesa contactou) também são influências observa-
das.
Da pequena contribuição dos superstratos podemos citar alguns
exemplos de palavras germânicas: balcão ( balko), banco ( banki), es-
taca ( stakka), fresco ( frisk), guerra ( werra), trégua ( triggwa),
bando ( bandwa), rico ( reiks ), e outras do adstrato árabe: alface (

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 257


al-khass), arroz ( ar-ruz), açúcar ( as-sukkar), açude ( as-sudd), azei-
te ( az-zait), cenoura ( sannariâ), jarra ( jarrâ), quintal ( qintar). A
contribuição destes estratos limita-se ao vocabulário (germânico, em tor-
no de trezentas palavras (segundo C. Michäelis, 1956); árabe, em torno
de duas mil palavras). O mesmo acontece com os estrangeirismos.
Considerando tais influências sobre o latim vulgar, falado na pe-
nínsula Ibérica, mais propriamente na região que hoje constitui a nação
portuguesa, podemos distinguir dois principais meios e um secundário, a
partir dos quais se deu a transformação da língua falada pelos romanos
e/ou romanizados, que resultou a língua portuguesa. São eles: os primei-
ros, por via popular (que os compêndios de história da língua portuguesa
chamam de evolução) e por via erudita (empréstimos diretos e sem alte-
ração fundamental ao latim clássico) e o último, estrangeirismos (em-
préstimos a diversas línguas).
Na transformação que se deu por via popular, verificam-se os se-
guintes processos de formação de palavras: derivação (afixal e impró-
pria) e composição (por justaposição e por aglutinação).
Do ponto de vista tipológico, as estruturas fonológica e morfoló-
gica dos termos populares assumem o papel de maior relevância na cons-
tituição do léxico português, cujos padrões criou.
O sistema fonêmico e a tipologia silábica do português, estabele-
cidos pela via popular, prevalece também sobre os empréstimos (eruditos
e estrangeiros). Os termos populares determinaram a estruturação morfo-
lógica, fixando padrões de temas nominais e verbais, e de desinências
nominais e verbais. É oportuno dizer que a forma de acusativo foi a que
se fixou como forma nominal no latim vulgar ibérico.
E os fonemas sofrem modificações e quedas na transformação do
latim vulgar para o português, isto é, o resultado sonoro da disposição
dos órgãos do aparelho fonador dos novos falantes sofre alterações.

3. Formação do léxico português


O léxico português é, em grande parte, de origem latina. Entretan-
to, um número bastante significativo de empréstimos linguísticos verifi-
ca-se no conjunto de vocábulos, que constitui o léxico português, em cu-
jo estudo se verificam as formas evoluídas  aquelas que surgiram por
via popular , as formas eruditas  aquelas que foram tomadas de em-

258 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
préstimos ao latim clássico , e as formas estrangeiras  aquelas que fo-
ram tomadas de empréstimos às diversas línguas com que contactou a
língua portuguesa.

3.1. Formas evoluídas (Populares)


São consideradas formas evoluídas aquelas que resultaram da a-
doção da língua latina pelos povos daquela época, cujo núcleo lexical se
estabeleceu no romanço lusitânico. Esta estrutura fonológica e morfoló-
gica criou os padrões lexicais portugueses, aos quais se adaptaram, inclu-
sive, os empréstimos linguísticos que a língua portuguesa tomou mais
tarde do próprio latim e de outras línguas.
Os metaplasmos, estudados no item anterior, são o resultado das
evoluções dos termos latinos, principalmente, que se processaram na bo-
ca do povo. Daí, serem as formas evoluídas aquelas que se processaram
por via popular.
As formas semieruditas também são populares, que, embora te-
nham entrado na língua em época posterior e por meio da Igreja, princi-
palmente, da administração e do ensino escolar, sofreram pequenas alte-
rações fonéticas, muitas das quais semelhantes às dos princípios fonéti-
cos que constituem o vocalismo e consonantismo.
É mister ressaltar que a par destas formas semieruditas é comum
encontrarmos outras evoluídas, cujos significado e emprego podem ser
distintos. São exemplos de formas evoluídas os seguintes vocábulos: ár-
vore ( arbore), alvo ( albru), artelho ( articulo), boca ( bucca),
cheio ( plenu), dedo ( digitu), lua ( luna), mágoa ( macula), mancha
( macula), olho ( oculu), povo ( populu), praia ( plaga), solteiro (
solitariu), telha ( tegula), velho ( vetulu). São exemplos de formas se-
mieruditas os seguintes vocábulos: afecção ( affectione), anjo ( ange-
lu), apreender ( apprehendere), artigo ( articulu), besta ( bestia), es-
pátula ( spatula), madre ( matre), padre ( patre), tenro ( tneneru).

3.2. Formas Eruditas


São consideradas formas eruditas aquelas que entraram em época
posterior à formação da língua portuguesa propriamente dita, e que não
receberam alterações profundas, o que as relacionaria entre os metaplas-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 259


mos.
O contato com a literatura romana ainda se dava durante a Idade
Média. A partir do século XV e principalmente no século XVI, houve
uma entrada em massa de termos eruditos por via literária ou erudita. Es-
te é o período áureo da Renascença, durante o qual os literatos buscavam
resgatar o latim. Com isso, muitos termos foram substituídos e outros, fi-
caram com o significado restrito; o léxico se renovou, ampliando-se mais
propriamente. São exemplos de formas eruditas os seguintes vocábulos:
alienar ( alienare), amplo ( amplu), artículo ( articulu), décima (
decima), decreto ( decretu), duplo ( duplu), lacuna ( lacuna), local (
locale), mácula ( macula), óculo ( oculu), parábola ( parabola), ple-
no ( plenu), rígido ( rigidu), solitário ( solitariu), tela ( tela).

3.3. Formas Estrangeiras:


São consideradas formas estrangeiras aquelas que penetraram na
língua em época bem posterior, quando a língua portuguesa já estava
formada, a partir do intercâmbio cultural e comercial, principalmente,
mantidos entre o povo português e os outros. Estas formas estrangeiras
eram admitidas no português por empréstimos normalmente para expres-
sar uma ideia, para a qual não havia uma palavra no idioma. Porém, em
muitos casos, o idioma já possuía uma palavra própria.
O empréstimo de formas estrangeiras é um recurso bastante utili-
zado ainda hoje. Muitas vezes tais formas recebem pequenas alterações
para acomodarem-se à estrutura do português. São exemplos de formas
estrangeiras os seguintes vocábulos: alibi ( alibi  latim), bule ( búli
 malaio), cenário ( scenario  italiano), chefe ( chef  francês),
chapéu ( chapeau  francês), dueto ( duetto  italiano), estepe (
step  russo), esporte ( sport  inglês), jaleco ( jelek  turco), lha-
no ( llano  espanhol), mochila ( mochila  espanhol), quimono (
kimono  japonês), sanduíche ( sandwich  inglês), zinco ( zink 
alemão).

4. Conclusão
Como se pode verificar, a língua portuguesa originou-se do ro-
mance galaico-português, mais propriamente, que constitui o conjunto de
evoluções do latim vulgar, cuja reconstituição é polêmica, por ter sido

260 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
uma língua essencialmente falada.
Não obstante, a partir do conteúdo deste trabalho, é possível veri-
ficar as semelhanças existentes entre as duas línguas, apesar das diferen-
ças que as particularizam.
Para se chegar a esta conclusão, apresentei uma breve história da
língua portuguesa e, em seguida, a evolução do latim, privilegiando os
princípios de formação do léxico português.
Caracterizei o léxico português como sendo constituído de formas
que surgiram por via popular ou via erudita, e outras que foram tomadas
de empréstimos às diversas línguas com que a língua portuguesa contac-
tou, considerando os processos de ampliação e renovação lexical – deri-
vação e composição.
Finalizando, registrei o resultado desta origem tão rica e diversifi-
cada, que constitui formas divergentes e convergentes na língua.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÂMARA Jr., Joaquim Matoso. História e Estrutura da Língua Portu-
guesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1985.
COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica. 7. ed. Rio
de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976.
FARIA, Ernesto. Fonética histórica do latim. 2. ed. Rio de Janeiro: Li-
vraria Acadêmica, 1970.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. O Português Arcaico: Morfologia e
Sintaxe. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2001.
______. O português arcaico: Fonologia. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2001a.
MATTOS, Geraldo; BOTELHO, José Mario. Fundaments históricos da
língua portuguesa. Curitiba: IESDE, 2008. (Videoaulas)
TEYSSIER, Paul. História da Língua Portuguesa. Trad. por Celso Cu-
nha. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
VASCONCELOS, Leite. Lições de Filologia Portuguesa. Lisboa: [s.n.],
1926.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 261


CRENÇAS DISFUNCIONAIS DE FAMILIARES DE
ADICTOS A ÁLCOOL EM TRATAMENTO
Juliana da Conceição Sampaio Lóss (UENF)
[email protected]
Larissa de Paula Ferreira (UENF)
[email protected]
Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral (UENF)
[email protected]
Raquel Veggi Moura (UENF)
[email protected]
Rosalee Santos Crespo Istoe (UENF)

RESUMO
Ao analisar as crenças disfuncionais de familiares ao álcool percebemos as impli-
cações presentes neste contexto, onde devemos compreender que o problema da adic-
ção ao álcool é multifatorial. Sabemos que muitos são os problemas decorrentes da a-
dicção ao álcool, porém muitas vezes não é dada devida atenção às relações familiares
neste contexto, e não se entende como essas famílias passam pela experiência de a-
companhar um familiar adicto ao álcool, como superam essa problemática e o que
pensam e sentem. Este estudo buscou compreender as crenças disfuncionais em fami-
liares de adictos ao álcool, onde foi possível constatar que familiares influenciam na
recuperação de adictos ao álcool e que manifestam crenças disfuncionais. Como méto-
do foram utilizadas a pesquisa bibliográfica, a fim de levantar dados e compreendê-los
através das bases de dados nas plataformas Scielo, Redalyc, Pubmed, analisando arti-
gos e livros de autores que versam sobre o tema. Concluiu-se que a família do adicto
ao álcool diante da problemática da dependência química, apresenta crenças desadap-
tativas a saber: “Não tem mais Jeito”, “Não temos como recuperar o alcoolista”, “so-
mos culpados por isso”, “Todo dependente de álcool faz a família sofrer”, entre outras
crenças que corroboram para recaídas e piora na recuperação do adicto.
Palavras-chave:
Adictos. Álcool. Crenças. Terapia Cognitivo Comportamental.

1. Considerações iniciais
A Psicologia Cognitivo-Comportamental trabalha sobre os pen-
samentos disfuncionais do cliente e também de sua família, dá grande ên-
fase ao cliente e sua maneira de perceber-se no mundo. O objetivo é a-
prender novas estratégias para atuar no ambiente e promover as mudan-
ças necessárias e assim adquirir qualidade de vida e crenças mais adapta-
tivas.
Diante de todo o exposto nos questionamos quais as crenças dis-
funcionais observadas em familiares de adictos ao álcool, que nos mostra

262 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
a literatura na contemporaneidade.
O estudo se justificou dada a grande demanda de familiares que
sofrem o problema de adição ao álcool em suas famílias e que buscam
ajuda, mas que trazem em seu repertório crenças desadaptadas ou disfun-
cionais que em nada cooperam para a recuperação de seu familiar. Ge-
rando um quadro de codependência e piorando a relação familiar. Por es-
sa razão este estudo tornou-se relevante, pois através dos dados obtidos
será possível intervir para modificação das crenças disfuncionais, obten-
do um melhor resultado para a terapia cognitivo comportamental com
famílias de adictos ao álcool.
Portanto, será possível ampliar o conhecimento acerca das crenças
disfuncionais e contribuir para ampliar o campo da psicologia cognitiva.
Através da Terapia Cognitiva os indivíduos atribuem significado a acon-
tecimentos, pessoas, sentimentos e demais aspectos de sua vida, com ba-
se nisso comportam-se de determinada maneira e constroem diferentes
hipóteses sobre o futuro e sobre sua própria identidade. As pessoas rea-
gem de formas variadas a uma situação específica podendo chegar a con-
clusões também variadas.
De acordo com BECK, 1963, (2004 p.9) em alguns momentos a
resposta habitual pode ser uma característica geral dos indivíduos dentro
de determinada cultura, em outros momentos estas respostas podem ser
idiossincráticas derivadas de experiências particulares e peculiares a um
indivíduo. Em qualquer situação estas respostas seriam manifestações de
organizações cognitivas ou estruturas. Uma estrutura cognitiva é um
componente da organização cognitiva em contraste com os processos
cognitivos que são passageiros.

2. A terapia cognitivo comportamental e a adicção a drogas


Este estudo utilizou-se da psicologia cognitivo comportamental.
Beck (2013, p. 15) nos mostra que o modelo cognitivo se baseia a partir
da hipótese de que as emoções, os comportamentos e a fisiologia do su-
jeito sofrem influencias pela forma como ele percebe os eventos, ou seja,
não é o contexto em si, mas a forma como ela interpreta o contexto. As-
sim, Beck (2013) afirma que a forma como o sujeito se sente emocio-
nalmente e a forma como ele se comporta está associado ao que ele pensa
e como interpreta a situação.
Beck (2013, p. 15) mostra em seu livro terapia cognitivo compor-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 263


tamental – Teoria e prática que os terapeutas cognitivos comportamentais
estão interessados no nível de pensamento que pode operar simultanea-
mente com um pensamento obvio de nível mais superficial. Esses pen-
samentos são chamados pensamentos automáticos, são pensamentos que
aparecem como lampejos, espontaneamente, normalmente são rápidos.
Beck (1987 apud BECK, 2013, p. 114) nos ensina que as crenças
são compreensões que as pessoas têm de si mesmas e dos outros como
ideias verdadeiras e absolutas, são as crenças mais centrais ou crenças
nucleares, ou seja, são compreensões duradouras fundamentais e profun-
das que constantemente não são articuladas nem para si mesmo.
As crenças nucleares influenciam o desenvolvimento de uma clas-
se intermediária de crenças, que são as atitudes, as regras e os pressupos-
tos. (BECK, 2013, p. 57). Essas Crenças interferem na forma como o su-
jeito vê a situação que por sua vez interfere como ele pensa, sente e age.
Jungermam e Zanellato (2007, p. 63) apontam que inúmeros arti-
gos científicos trazem em seus estudos a dependência como um fenôme-
no que atinge não só o usuário de drogas, mas também toda família, o
que nos mostra que estudos nesta área são importantes por tratar dessa
questão da relação familiar.
A partir de 1980 com a reforma psiquiátrica, o núcleo familiar
passou a ser percebido como mais um fator importante no tratamento dos
portadores de comportamento, assim a família é parceira no tratamento
do seu familiar, bem como na reabilitação. (JUNGERMAM; ZANEL-
LATO 2007, p. 128).
Elucidam Jungermam e Zanellato (2007, 122) que quando os fa-
miliares buscam por ajuda ou tratamento eles estão em grande sofrimen-
to, em crise, onde tem uma visão pessimistas, estando desacreditadas,
não acreditam que o problema possa ser reversível, sem qualquer infor-
mação, tornam-se imbuídas de sentimentos negativos de tristeza, impo-
tência, desamparo, medo.

3. A família do adicto ao álcool


Segundo Moré e Orth (2008, p. 294) é possível perceber que há
influência da família no desenvolvimento da adicção ao álcool que é
constatada em artigos científicos e por profissionais que trabalham com
famílias em suas práticas de intervenção, trabalhando com o grande desa-

264 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
fio por ser um tema complexo, associando a isso o fato de não poder de-
finir a priori apenas um tipo específico de funcionamento familiar.
A cerca das famílias se obtém o seguinte pensamento que expres-
sam Moré e Orth:
Podem ser consideradas não funcionais, no sentido de não ter fatores
de proteção necessários para o desenvolvimento de todos seus membros.
Por sua vez, cabe apontar, no entanto, que em muitas famílias com de-
pendentes, ocorre um processo de circularidade em que a não funcionali-
dade e o abuso de drogas reforçam-se mutuamente, mantendo, assim, a
homeostase familiar que sustenta a presença desta nas relações familiares.
(MORÉ; ORTH, 2008, p. 295)

Moré e Orth (2008, p. 298) nos ensinam que as mães de filhos


homens superprotegem os filhos adictos os vendo como frágeis, justifi-
cando o comportamento deles, vitimizando-os, comportando-se de forma
apegada e fazendo que o filho adicto ocupe um lugar na família de favo-
recido em relação aos outros irmãos.
Assim podemos perceber que a situação familiar é delicada no
tange ao problema de dependência do álcool, gerando muito sofrimento
para a família os deixando vulneráveis, fragilizados e marginalizados,
suscitando nosso olhar para esta problemática, bem como sobre as cren-
ças disfuncionais, que estão presentes nos sujeitos envolvidos na trama
familiar.
Duarte, Nunes, Kristensen (2008, p.5) apontam que na literatura
em TCC existe uma variedade de termos para designar que algumas des-
tas cognições mais centrais e arraigadas a respeito do self estão, em certo
grau, inadequadas à realidade do sujeito e, portanto, causadoras de uma
série de dificuldades interpessoais e sofrimento psíquico. Os termos mais
comumente empregados como qualificadores dessas cognições consitem
em desadaptativos, negativos, disfuncionais, maladaptativos ou irracio-
nais, entre outras definições. Tais cognições específicas são denominadas
crenças, e estas são os conteúdos básicos de um esquema, que é uma es-
trutura mental responsável pelo processamento da informação.
Assim podemos entender que crenças negativas prejudicam e
muito a recuperação de um adicto, influenciando sua forma de se com-
portar, o levando a não acreditar na possibilidade de recuperação. Beck
(2013, p. 39) ressalta que as crenças desadaptativas podem ser desapren-
didas e novas crenças mais reais e funcionais podem se desenvolver e
fortalecer no percurso do tratamento. Portanto o tratamento com TCC
envolve em sua fase inicial identificação e modificação de pensamentos

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 265


automáticos derivados de crenças nucleares, e intervenção para modifi-
cação dessas crenças.
Diante do exposto, compreendemos que as crenças afetam direta-
mente a função da família e sua maneira de pensar poderá influenciar to-
do o andamento na recuperação do adicto, pois ter um pensamento posi-
tivo, uma comunicação adequada, não olhando para o dependente como
um fracassado poderá ajudá-lo a fortalecer a luta na abstinência.

4. Considerações finais
Através desta pesquisa bibliográfica percebeu-se a necessidade
em abordar temas ligados a família do adicto, já que as pesquisam tratam
mais do próprio adicto e não de sua família. Observar crenças pode aju-
dar o terapeuta a traçar uma melhor conceitualização para atuar no caso.
A família muitas vezes age de forma errônea por não ter conheci-
mento, não ter acesso a informação o que é de suma importância, saber
que a dependência é um problema que deve ser encarado com a devida
importância.
Inicialmente havia a hipótese de que a família do adicto teria
crenças voltadas para busca de apoio, saber mais sobre a dependência
química, todavia a mesma não se confirmou. O que se observa é que a
família vem a ser essencial no tratamento da dependência química tendo
crenças de desvalor e sinais de depressão com crenças mais negativas em
relação ao quadro, provocando desordem na família e desanimo para en-
frentar tal problema.
Como vimos neste estudo o familiar se constitui um co dependen-
te, tendo crenças disfuncionais, e comportamentos disfuncionais também,
neste caso precisamos ampliar o olhar para este público que necessita de
ajuda para conquistar um melhor desempenho para sua família.

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS
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ternationalUniversities Press, 1976.
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psicopatologia. In: SALKOVSKIS, P. M. (Ed.). Fronteiras da terapia
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266 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
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vel em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbtc/v4n1/v4n1a04.pdf> Acesso em
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303, nov. 2017. ISSN 1980-5942. Disponível em:
https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/1
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SILVA, E. A. Abordagens familiares. Jornal Brasileiro de Dependência
Química, 2 (Supl. 1), 21-24, 2001.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 267


DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ORAL NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Jackeline Barcelos Corrêa (UENF)
[email protected]
Aline Peixoto Vilaça Dias (UENF)
[email protected]
Cristiana Barcelos da Silva (UENF)
[email protected]

RESUMO
O lúdico como prática pedagógica tem sido discutido como objeto de estudos em
várias áreas do conhecimento, sobretudo, entre os que investigam o seu papel na Edu-
cação Infantil. Por isso, fundamentando-se na Base Nacional Comum Curricular–
BNCC (BRASIL, 2018) e autores como Santos e Farago (2015), Verneque (2014), Be-
zerra et al. (2017) dentre outros, propomos uma discussão a respeito da importância
de se trabalhar o lúdico na Educação Infantil com o objetivo de estimular o desenvol-
vimento integral das crianças, e especificamente, da linguagem oral. Admitindo-se a
necessidade de incentivar e estimular as diferentes linguagens, a partir do lúdico, en-
tre as crianças matriculadas nas de instituições de Educação Infantil é que propomos
a descrição de uma experiência desenvolvida em um ambiente escolar.
Palavras-chave:
Lúdico. Oralidade. Educação Infantil.

1. Introdução
A Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica, é o
primeiro contato que o aluno tem com a educação formal. Algumas cri-
anças chegam a esse espaço antes de desenvolverem a linguagem oral.
Sua oralidade vai sendo desenvolvida com o passar do tempo e os estí-
mulos ao seu redor.
Como estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasi-
leira (LDB-9394), a finalidade da Educação Infantil é promover o de-
senvolvimento integral da criança abrangendo aspectos físico, psicológi-
co, intelectual e social, complementando a ação da família e da comuni-
dade. Sendo assim, no que tange ao desenvolvimento da linguagem oral
é papel também da contribuir no desenvolvimento da criança. Dessa
forma, uma ferramenta que permite a promoção da oralidade são as ativi-
dades lúdicas.

268 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Cabe destacar que o lúdico é uma ferramenta eficaz no estímulo
das crianças. Como acrescenta Teixeira e Volpini (2014), na Educação
Infantil é fundamental o uso do lúdico, pois ele contribui na aprendiza-
gem, porque auxilia a criança a refletir, a ser criativa e construir autono-
mia.
Mesmo com os avanços nos campos da educação, pesquisas com-
provando que as crianças aprendem mais facilmente com atividades lúdi-
cas, ainda é comum os jogos e brincadeiras utilizados na Educação Infan-
til terem apenas a função de entretenimento das crianças, sem a finalida-
de promover o desenvolvimento e aprendizado. As atividades lúdicas, em
muitas instituições de Educação Infantil não ocupam espaço de promo-
ção de aprendizagem.
Visto isso, a presente pesquisa tem como objetivo a descrição de
uma experiência desenvolvida em uma instituição da Educação Infantil e
a demonstração de como o professor pode contribuir com o desenvolvi-
mento oral da criança através do lúdico. Buscamos com isso mostrar que
é possível que o professor possa promover o desenvolvimento oral da
criança com atividades que sejam atrativas para ela visando o seu pleno
desenvolvimento oral e cognitivo.

2. Contexto histórico da Educação Infantil


Por muito tempo, a criança não foi considerada como sujeito his-
tórico, não existia preocupação com suas características específicas, res-
peito pela sua individualidade, forma de expressar-se, vestir-se e ambien-
te adequado.
Nas comunidades primitivas a diferenciação entre o adulto e a cri-
ança era apenas em relação a sua estatura e “aptidões físicas”, desde pe-
quenas eram distanciadas das mães para aprenderam atividades dos adul-
tos e contribuírem na comunidade.
Na Idade Média considerava-se que a infância era “uma fase ne-
gativa a qual deveria passar rapidamente de modo que não deixasse ves-
tígios para a vida adulta”. Somente entre os séculos XVII e XVIII, que
vagarosamente, inicia-se uma nova concepção a respeito da infância, "ao
ressaltar essa concepção, é percebida a necessidade de respeitar essa fase
bem específica da vida que traz consigo características curiosas" (LIMA,
2011, p. 12). Silva (2010) acrescenta:

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 269


Porém, é a partir do período denominado pela história de pós-
medieval que a infância passa a ser observada e que se registram várias
mudanças institucionais, estas que se transformarão em base para uma fu-
tura e próspera mudança em relação à vida da criança e suas característi-
cas. É no final do século XVIII, que irão surgir às primeiras instituições
destinadas a cuidar da criança. (SILVA, 2010, p. 16)

No contexto histórico brasileiro, o primeiro método de atendimen-


to às crianças foi no período Jesuítico, onde esses religiosos buscavam
civilizar os índios por meio da religião católica, para isso, após a primei-
ra tentativa destinada a adultos falhar, destinaram suas atividades as cri-
anças filhas dos indígenas (SEABRA; SOUSA, 2013). Nesse âmbito,
Guimarães (2017, p. 86) destaca que a criança caracteriza-se como “e-
xemplo de uma folha de papel em branco, moldável e educável para a
obediência e disciplina”.
Até metade do século XIX, era raro o atendimento a crianças fora
da família. Foi em decorrência da industrialização, mudanças no cenário
econômico e a necessidades das mulheres trabalharem que começou a ser
pensados em locais para abrigar as crianças enquanto elas trabalhavam
nas fábricas. De início, as creches amparavam apenas a classe baixa, o
atendimento às crianças era apenas no intuito de amparar essas trabalha-
doras. Foi apenas a partir do momento em que a classe mais favorecida
passou a procurar essas instituições que as escolas de Educação Infantil
passaram a ser vistas como ambientes estimuladores (SEABRA; SOU-
SA, 2013).
Concordamos com Santos e Farago (2015, p. 113), que a lingua-
gem oral é indispensável para o desenvolvimento da criança, é por inter-
médio da linguagem que ela poderá aumentar suas chances de participar
e ser inserida nos diversos contextos sociais. O uso da fala não restringe-
se a memorização de palavras, mas também a atividades de reflexões so-
bre seu feito, sentimentos e vontade. O desenvolvimento da linguagem
nas crianças é realizada pelas trocas “verbais e discursivas” entre um a-
dulto ou docente. Sendo que o professor tem papel importante nesse pro-
cesso, podendo realizar diversas atividades voltadas para o avanço da
linguagem.
A criança tem o desenvolvimento de sua linguagem oral desde seu
nascimento, através do contato com a família e as demais pessoas que es-
tão no seu contexto social. Desse modo, é por meio da observação e inte-
ração a criança passa a aprender o que ouve, “sente e toca, sendo criados

270 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
elementos que farão parte de sua formação social, emocional, física e
cognitiva” (BEZERRA et al., 2017, p. 160).
A oralidade é uma ação “verbal presente nas mais diferentes situ-
ações sociais em que o indivíduo possa se inserir ao longo de sua vida”.
Consiste em um mecanismo indispensável para crianças poderem “am-
pliar suas possibilidades de inserção e participação nas diversas práticas
sociais” (SANTOS; FARAGO, 2015, p. 113).
As instituições de Educação Infantil tem papel fundamental no
desenvolvimento da oralidade (BEZERRA et al., 2017, p. 160). Nesse
ambiente, é a função do docente responsável pelas turmas usar estraté-
gias diversificadas para estimular a fala das crianças (SANTOS; FARA-
GO, 2015). Nesse âmbito, Bezerra et al. (2017, p. 160) descrevem que
para obter a oralidade, uma ferramenta indispensável é o brincar. Verne-
que (2014, p. 23) evidencia que a oralidade pode ser estimulada através
de roda de conversa, já que permite “a ampliação do vocabulário das cri-
anças, de suas capacidades comunicativas e de expressão”. Faria et al.
(2017) acrescentam que outra atividade que influencia no desenvolvi-
mento da oralidade é a prática de contar histórias. Através da musicaliza-
ção, (LIMA; SANT’ANNA, 2015, p. 111), também é possível incentivar
a oralidade nas crianças, já que a música “estimula o desenvolvimento
mental e psicológico das crianças”. O desenvolvimento da oralidade na
Educação Infantil, como ressaltam Bezerra et al. (2017, p. 162), “tem
como objetivo aumentar e melhorar o vocabulário, aperfeiçoar a forma-
ção de sentenças e ter clareza na comunicação”.

3. As leis que fundamentam as atividades lúdicas na Educação Infantil


A Educação Infantil, como primeira etapa da Educação Básica,
tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cin-
co) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, con-
forme preceitua o artigo 29 da Lei das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9394 de 1996. Determina igualmente em seu artigo 30, que
as creches atenderão crianças até 3 (três) anos e pré-escolas de 4(quatro)
e 5(cinco) anos.
A Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, do Ministério da
Educação (MEC) é uma norma que tem por objetivo estabelecer as Dire-
trizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil a serem observa-
das na organização de propostas pedagógicas na para esta etapa da Edu-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 271


cação Básica. A Resolução SMECE – Secretaria Municipal de Educação
e Cultura de Campos dos Goytacazes, onde está inserida a unidade esco-
lar pesquisada, nº 06/2015, de 09 de dezembro 2015 que estabelece as
Matrizes Curriculares, legislação municipal atinente ao assunto. Os arca-
bouços legais citados embasaram as Orientações Curriculares Municipais
para Educação Infantil, entendendo a criança como sujeito histórico e de
direitos. O aluno é um ser social ser de interações. Nas relações e práticas
cotidiana, a criança vivencia e constrói sua identidade pessoal e coletiva
por meio do brincar, imaginar, fantasiar, desejar, aprender, observar, ex-
perimentar, narrar, questionar. Neste modo, constrói sentidos sobre a na-
tureza e a sociedade, produzindo cultura. No entanto, ressaltamos a im-
portância da ludicidade nessa etapa.
O documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para
a Educação Infantil é mais do que uma lista de atividades e/ou objetivos
a serem cumpridos, antes é um documento que apresenta a defesa de uma
determinada concepção de educação, de uma função da Educação Infantil
e de qual deve ser o currículo privilegiado.
As atividades lúdicas como prática pedagógica têm sido discuti-
das e aplicadas com sucesso em várias disciplinas e áreas do conheci-
mento, sobretudo, entre os pesquisadores que investigam o seu papel na
Educação Infantil. O lúdico é um adjetivo masculino com origem no la-
tim ludos que remete para jogos e divertimento.
Uma atividade lúdica é uma atividade de entretenimento, que dá
prazer e diverte as pessoas envolvidas. O conceito de atividades lúdicas
está relacionado com o ludismo, ou seja, são as atividades relacionadas
com jogos e com o ato de brincar.
É importante estimular a linguagem ainda na Educação Infantil
visto que esta:
[...] é uma habilidade construída socialmente, isto é, a criança ensaia des-
de o primeiro momento de sua vida. A relação de comunicação no primei-
ro ano ocorre por meio de troca de experiências interpessoais com famili-
ares e/ou educadores. Com os estímulos recebidos a criança pode interfe-
rir no mundo e fazer parte dele (SILVA; VALIENGO, 2010, p. 22)

● Uso de cantigas no cotidiano das crianças.


De acordo com Santos e Farago (2015, p. 133) o desenvolvimento da
fala não é mera memorização de palavras, “mas também de ações, refle-
xões sobre seus atos, sentimentos e desejos”. As crianças em torno de um
ano de vida já:

272 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
[...] selecionam os sons dirigidos a elas, mesmo antes de começarem a fa-
lar as crianças podem se fazer compreender e compreendem o outro, pois
as competências linguísticas abrangem tanto as capacidades de compreen-
são como as capacidades de se fazer entender. (SANTOS; FARAGO,
2015, p.133)

● Leitura de livros para as crianças.


Santos e Farago (2015, p.129) descrevem que a relação entre a crian-
ça e os livros seja “ouvindo histórias ou lendo aprende a pronunciar as
palavras da maneira correta, e comunicar-se melhor.”

● Roda de conversa.
A comunicação oral, como relata Santos e Farago (2015, p. 127) é
outro mecanismo de suma importância para estimular a oralidade das cri-
anças “uma vez que oportuniza às crianças avanços em suas formas de se
expressarem a linguagem”. Essa atividade deve ser aplicada, inclusive
para crianças que ainda não fazem uso da linguagem oral. Santos e Fara-
go acrescentam:
As crianças desde muito cedo, interessam-se pelas práticas comunica-
tivas, os bebês conseguem distinguir através de expressões quando os a-
dultos comunicam-se com eles, entendendo o que falamos muito antes de
começarem a falar, portanto devemos conversar com eles apresentando-
lhes o mundo, observar o modo de como nos relacionamos com eles e
como eles respondem aos nossos estímulos. (SANTOS; FARAGO, 2015,
p. 127).

Essa roda de conversa atualmente que denominamos de roda dialo-


gada, que tomamos como base nas observações realizadas em sala de au-
la.
O espaço de sala de aula não pode ser imutável, uma vez que ele é o
cenário onde ocorrem diferentes situações de aprendizagem. A organiza-
ção do espaço depende do que o professor pretende favorecer: discussão,
diálogo, socialização e outras habilidades. A diversidade é fundamental,
pois sabemos que os alunos não aprendem da mesma forma e, dependen-
do da temática, se faz necessário aproximações diferenciadas. O ambien-
te da Educação Infantil precisa ser agradável, colorido e belo, decorado
com as expressões artísticas das próprias crianças. Os materiais devem
ser apresentados de forma cuidadosa e atraente. Nesta perspectiva, busca-
se um ambiente em que as crianças possam sonhar, imaginar e jogar com

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 273


a realidade, onde elas possam se expressar nas várias linguagens. Ambi-
ente em que elas aprendam a se apropriar, em que se sintam acolhidas e
seguras, em que possam expressar a cultura da infância.

4. Metodologia
O presente trabalho consiste em um relato de experiência, viven-
ciado em uma creche da rede municipal do município de Campos dos
Goytacazes. A metodologia utilizada para a realização do presente traba-
lho foi a pesquisa bibliográfica de base qualitativa, utilizando como fonte
de pesquisa o Google acadêmico, base de dados da capes, livros, revistas
nacionais, além de estudo de legislações.
Como descrevem Gerhardt e Silveira (2009) a pesquisa qualitativa
não preocupasse em apresentar dados numéricos, mas sim em aprofun-
dar-se sobre determinado assunto. Os autores acrescentam:
Os pesquisadores que utilizam os métodos qualitativos buscam expli-
car o porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito, mas não
quantificam os valores e as trocas simbólicas nem se submetem à prova
de fatos, pois os dados analisados são não-métricos (suscitados e de inte-
ração) e se valem de diferentes abordagens. Na pesquisa qualitativa, o ci-
entista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto. (GERHARDT; SILVEI-
RA, 2009, p. 32)

A pesquisa qualitativa acontece no ambiente natural onde se o-


corre o fenômeno estudado, o pesquisado dessa forma torna-se o instru-
mento-chave do processo (KAUARK et al., 2010). Foram feitas observa-
ções, audições de diálogos e registros para a análise dos resultados e lei-
turas teóricas sobre o desenvolvimento das oralidades em duas turmas.

5. Resultados e discussão
Propomos como resultado desse trabalho uma discussão a respeito
da importância de se trabalhar o lúdico na Educação Infantil entre os pro-
fessores da unidade escolar pesquisada.
Percebemos que a turma que canta, dança e o professor estimula
mais, o desenvolvimento linguístico é muito maior do que a turma em
que o professor fala pouco. Destacamos também o incentivo da oralidade
e resultados positivos entre as crianças que convivem com adultos que
falam mais, do que as crianças que convivem com pais mais silenciosos.

274 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Refletimos com o grupo a importância de se pensar no desenvol-
vimento integral das crianças, e especificamente, da linguagem oral. A
partir da discussão obteve-se a importância da práxis pedagógica diante
do tema desenvolvimento oral e entendimento sobre a importância da
formação continuada dos professores da Educação Infantil.

6. Considerações finais
Do ponto de vista histórico, vimos que por muitos anos a Educa-
ção Infantil não teve como finalidade desenvolver competências e habili-
dades nas crianças, caracterizando-se muitas vezes como um local onde
as crianças ficavam enquanto seus pais trabalhavam.
Para direcionar sua prática é de grande importância que conheçam
estratégias que podem ser desenvolvidas com a finalidade de estimular a
aprendizagem desse público infantil.
Admitindo-se a necessidade de incentivar e estimular as diferentes
linguagens, a partir do lúdico, entre as crianças matriculadas nas de insti-
tuições de ensino, na etapa da Educação Infantil e por fim compreender o
motivo e a importância do estímulo do professor da turma.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 275


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276 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 277


DESSACRALIZAÇÃO DO COSMOS EM “DOM CASMURRO”, DE
MACHADO DE ASSIS
Clodoaldo Sanches Fofano (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]
Raquel França Freitas (UENF)
[email protected]
Sonia Maria da Fonseca Souza (UENF)
[email protected]
Vyvian França Souza Gomes (UENF)
[email protected]

RESUMO
O presente artigo objetiva refletir sobre a dessacralização do cosmos em “Dom
Casmurro”, de Machado de Assis, aliando a análise do romance a algumas noções de
ciências das religiões, utilizando para isso a obra de Mircea Eliade (2008). Dessa for-
ma, deseja-se confirmar que o romance, escrito e publicado no limiar do século XX, ao
passo que abrange narrativamente grande parte do século XIX, aprofunda-se numa
discussão que contextualiza o que Eliade chamou de “dessacralização do Cosmos”.
Além disso, apreende-se como se manisfesta a dualidade do sagrado e do profano no
romance em estudo. É um trabalho metodologicamente estruturado por uma pesquisa
bibliográfica, por meio de fontes teóricas que embasam a busca de respostas sobre o
tema abordado. Cabe destacar que qualquer desordem no cosmos é símbolo de
desacralização; portanto, levantar críticas contra os costumes burgueses, que se
consideram religiosos, influenciados por discurso devoção, contribui para Machado
de Assis desorganizar o cosmos em “Dom Casmurro”.
Palavras-chave:
Cosmos. Dessacralização. Dom Casmurro. Machado de Assis.

1. Introdução
“Nada se emenda bem nos livros confusos,
mas tudo se pode meter nos livros omissos. Eu,
quando leio algum desta outra casta, não me
aflijo nunca. O que faço, em chegando ao fim,
é cerrar os olhos e evocar todas as cousas que
não achei nele. Quantas idéias finas me
acodem então! Que de reflexões profundas! Os
rios, as montanhas, as igrejas que não vi nas
folhas lidas, todos me aparecem agora com as

278 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
suas águas, as suas árvores, os seus altares, e
os generais sacam das espadas que tinham
ficado na bainha, e os clarins soltam as notas
que dormiam no metal, e tudo marcha com
uma alma imprevista que tudo se acha fora de
um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as
lacunas alheias; assim podes também
preencher as minhas.” (Machado de Assis,
2009, p. 1001)

Órfão aos dez anos, o menino mestiço do Morro do Livramento,


Rio de Janeiro, estudou em escolas públicas e tratou de instruir-se por
conta própria, interessando-se por leitura. Inteligente e esforçado, Joa-
quim Maria Machado de Assis (1839-1908) aproximou-se de intelectuais
e de jornalistas, que lhe deram oportunidades. Aos dezesseis anos, em-
pregou-se na tipografia de Paula Brito. Aos dezenove anos, já era colabo-
rador assíduo de jornais e revistas cariocas: Correio Mercantil, O Espe-
lho, Diário do Rio de Janeiro, Semana Ilustrada, Jornal das Famílias.
Em 1867, foi nomeado oficial da Secretaria de Agricultura. Ao mesmo
tempo em que progredia no emprego, sua carreira de escritor tornava-se
cada vez mais promissora. Casou-se aos trinta anos com a portuguesa
Carolina Xavier de Novais.
O universo discursivo de Machado de Assis é marcado por
influências do Discurso Religioso Católico, apesar do enunciador não ser
devoto. O referido autor, perto de morrer, rejeitou a visita de um padre,
que por certo desejava rezar pela alma dela. Mas, em contrapartida, foi
um sacerdote católico que lhe ensinou latim quando era menino. Ainda
assim, essa dedicação escolástica recebida não o impediu de ser um autor
anticlerical, mesmo numa ocasião em que a religião Católica exercia
grande poder de interferência sobre a vida das pessoas.
Isso também porque a Capital Federal sofria influenciadas das
ideias de secularização vindas da Europa que, de certa maneira,
intervinham na forma de crer e de pensar das pessoas. Do mesmo modo,
o comportamento cético de Machado de Assis se manifestava porque boa
parte do século XIX foi marcada pelo abandono do sagrado para
desfrutar uma experiência nova e profana no mundo. É o que Eliade
(2008), cientista das religiões, vai chamar de dessacralização40 – uma

40
Cf. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 29.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 279


tendência que se manifestou no contexto brasileiro. Nesse sentido, o
cronista João do Rio (1976) ponderou:
Ao ler os grandes diários, imagina a gente que está num país essenci-
almente católico, onde alguns matemáticos são positivistas. Entretanto, a
cidade pulula de religiões. Basta parar em qualquer esquina, interrogar. A
diversidade dos cultos espantar-vos-á. (JOÃO DO RIO, 1976)

O leitor machadiano, em sua grande maioria, era religioso.


Entretanto, pela descrição do cronista acima, percebe-se que o
cristianismo já não era a única religião presente no Estado do Rio de
Janeiro. Mesmo assim, o romance “Dom Casmurro” traz fortes marcas
do catolicismo romano. Tal tendência se manifesta em cada parte do
texto, e toda Formação Discursiva é construída recheada de costumes e
práticas católicas romanas. O século XIX, no Brasil, representa um
mundo permeado de valores religiosos. E, já que homem nenhum tem
como evitar as influências ideológicas do Contexto Discursivo de que faz
parte, o leitor machadiano se formou dentro de um cosmos sacralizado,
mas, mesmo assim, “Dom Casmurro” é um romance que põe a religião
em xeque.
Busca-se, nesta pesquisa, refletir sobre a dessacralização do cos-
mos em “Dom Casmurro”, por meio de uma visão analítica a fim de se
responder à seguinte questão-problema: De que maneira Machado de
Assis no romance “Dom Casmurro” dessacraliza o cosmos, em um perí-
odo em que a igreja exercia forte influência no estilo de vida da socieda-
de carioca?
Essa análise traz consigo como objetivo geral refletir sobre a des-
sacralização do cosmos em “Dom Casmurro”. Já como objetivos especí-
ficos foi necessário: 1) Discutir a heterogeneidade do cosmos na obra
machadiana, como autor cético que rejeitou a sacralidade de seu tempo.
2) Expor análises de trechos da obra, utilizando a dualidade, a fim de i-
dentificar como Machado de Assis combateu e atacou as influências do
Discurso Religioso Católico de sua época e, assim, dessacralizar
totalmente o cosmos.
A justificativa desta pesquisa evidencia-se na percepção da influ-
ência do Discurso Religioso em “Dom Casmurro”, de Machado de Assis.
Autor anticlerical, mas que conhecia todos os ritos da igreja e, utilizou-os
para criticar a burguesia da época que deixou de desfrutar de uma vida
sagrada para desfrutar de uma nova experiência profana no mundo.
A metodologia utilizada para esta análise é a revisão bibliográfica,

280 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
que se constitui do acervo bibliográfico científico de contribuições sobre
o determinado tema. De posse desse material, são estabelecidas conside-
rações sobre suas ideias, articulando-as no que converge e no que diverge
entre elas.
Duas seções compõem o desenvolvimento deste artigo. A primei-
ra discute a heterogeneidade do cosmos em “Dom Casmurro”, demons-
trando como Machado de Assis dessacraliza as práticas religiosas do seu
tempo vivenciadas pela burguesia. Na seguinte seção, expõe análises de
trechos da obra em que o referido autor utiliza-se da dualidade (mundo
religioso x mundo dessacralizado) para criticar o comportamento da bur-
guesia que preferia viver de aparências a enfrentar seus próprios
problemas.

2. A heterogeneidade do cosmos na obra machadiana41


Quando se fala em cosmos, dentro de uma perspectiva eliadiana,
entende-se que é um lugar que se origina a partir do seu centro, de um
ponto central. O homem devoto sente a necessidade de existir sempre em
um mundo total, organizado, centralizado, já que a criação do homem é
uma representação da cosmogonia42. Tal concepção se torna uma
realidade pelo fato de o primeiro homem ter sido criado no centro da
terra, ou seja, no Paraíso. Esse símbolo cósmico é retomado nos
santuários que são construídos para adoração a deuses. Assim sendo, de
acordo com Eliade (2008, p. 29),

41
A análise proposta neste artigo segue os postulados da Análise do Discurso de linha fran-
cesa, utilizando, para isso, o Contexto Histórico Discursivo como elemento para análise
da obra em estudo. Essa prática se realiza aqui por intermédio da dualidade, que é carac-
terística da linguagem religiosa. Essa dualidade se manifesta estilisticamente mediante
uma figura de linguagem intitulada antítese, que é a aproximação de palavras ou expres-
sões de natureza opostas, ou seja, que possuem significados contrários. Desse modo, ob-
jetiva-se compreender os fios que tecem os discursos machadiano, a fim de se perceber a
influência do Discurso Religioso Católico em Dom Casmurro, detendo-se nas análises
dos Recortes Discursivos selecionados, que nem sempre seguem a ordem de construção
do enredo da narrativa em estudo. Cabe destacar ainda que esses recortes são citados por
meio de fragmentos dos capítulos que compõem Dom Casmurro.
42
Teoria adotada por todas as religiões para explicar a origem do universo, o surgimento do
ser vindo do nada. Cf. SCHLESINGER, Hugo; PORTO, Humberto. Crenças, seitas e
símbolos religiosos. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 114.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 281


[...] o “nosso mundo” é um Cosmos, qualquer ataque exterior ameaça
transformá-lo em “Caos”. E dado que “nosso mundo” foi fundado pela
imitação da obra exemplar dos deuses, a cosmogonia, os adversários que
o atacam são equiparados aos inimigos dos deuses, os demônios, e
sobretudo ao arquidemônio, o Dragão primordial vencido pelos deuses no
início dos tempos. (ELIADE, 2008, p. 29)

Diante do supracitado, qualquer desordem no cosmos é símbolo


de desacralização. Logo, criticar os costumes de uma burguesia, que se
dizia religiosa, influenciada por discurso de piedade fez com que
Machado de Assis desorganizasse o cosmos. O Bruxo do Cosme Velho
soube, como ninguém, combater e atacar as influências do Discurso
Religioso Católico de sua época e, assim, dessacralizar totalmente o
cosmos. Isso foi possível porque só há dessacralização porque existe o
sagrado.
O enunciador em sua vida rejeitou a sacralização de seu tempo,
vivendo como homem não religioso, assumindo uma posição cética,
apesar de leitor da Bíblia. Tal afirmação se justifica pelo fato de a
existência profana não se encontrar em seu estado pleno. De acordo com
Eliade (2008, p. 18), “Seja qual for o grau da dessacralização do imundo
a que tenha chegado, o homem que optou por uma vida profana não
consegue abolir completamente o comportamento religioso”.
No capítulo LXXX (2009, p. 127), Bentinho (o Sujeito Discursivo
que narra de forma diegética43 “Dom Casmurro”) desmistifica a esfera
religiosa quando relata a devoção da mãe, a falta que ela sentia dele
quando estava se preparando para se tornar padre e de como conseguiu se
livrar do seminário sem “descumprir” a promessa feita por ela. Sabendo
disso, dirigiu-se ao interlocutor na tentativa de buscar aprovação de seus
atos e declara: “Hás de ter tido conflitos parecidos com esse, se és
religioso, haverás buscado alguma vez conciliar céu e terra [...]”.
Primeiramente, Bentinho, ao levantar essa possibilidade sobre o
interlocutor (“se és religioso”), fê-la de maneira quase que desnecessária
porque naquela época o leitor machadiano possuia uma religião. Ser

43
Narrador que conta as próprias experiências como personagem central delas. Em tal nar-
rativa, o registro gramatical em 1ª pessoa se manifesta como consequência natural dessa
coincidência narrador/protagonista. Cf. REIS, C.; LOPES, A. C. M. Dicionário de Nar-
ratologia. Coimbra: Almedina, 2000. Disponível em:
<https://nilviapantaleoni.wordpress.com/2013/05/10/o-texto-narrativo-reis-c-lopes-a-c-
m-dicionario-denarratologia-coimbra-almedina-2000-adaptado-por-nilvia-pantaleoni/>.
Acesso em: 29 mar. 2019.

282 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
devoto do catolicismo romano representava status social para a
burguesia, porque era a religião dominante e predominante daquele
momento, com poder estatal. Frequentar outra casa de culto era quase
caso de “polícia”, sinônimo de profanação. Assim, o enunciador de
“Dom Casmurro” possuía um leitor implícito, já previsto na Formação
Discursiva do romance em análise. Para o homem religioso existem dois
espaços no cosmos. A respeito disso, Eliade (2008, p. 17) explicita:
Há, portanto, um espaço sagrado, e por consequência “forte”, signifi-
cativo, e há outros espaços não sagrados, e por consequência sem estrutu-
ra nem consistência, em suma, amorfos. Mais ainda: para o homem religi-
oso essa não-homogeneidade espacial traduz-se pela experiência de uma
oposição entre o espaço sagrado – o único que é real, que existe realmente
– e todo o resto, a extensão informe, que o cerca. (ELIADE, 2008, p. 17)

Por conseguinte, dessacralizar esse espaço, desfazendo da mani-


festação do sagrado é uma grande ofensa para o homem religioso; entre-
tanto, Machado de Assis não se preocupou com esse fato ao construir to-
do o enredo do romance em análise. A heterogeneidade do cosmos em
“Dom Casmurro” se apresenta de várias maneiras; portanto, vale destacar
algumas ocorrências.
Uma passagem que intensificou a dessacralização do cosmos en-
contra-se no capítulo CXXXII (2009, p.183), onde o narrador protagonis-
ta sugere a possível traição da esposa. Bentinho não explicitou que ela
tenha ocorrido, mas o tempo todo insinuou a consumação do ato, em es-
pecial, quando descreve a figura do “filho” Ezequiel, que estava crescen-
do e se parecendo muitíssimo com o amigo Escobar.
Não só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa in-
teira, iam-se apurando com o tempo. Eram como um debuxo primitivo
que o artista vai enchendo e colorindo aos poucos, e a figura entra a ver,
sorri, palpita, falar quase, até que a família pendura o quadro na parede,
em memória do que foi e já não pode ser. Aqui pode ser e era.

Diante de tal suposição, que vai se repetindo de forma intensifica-


da no decorrer da Formação Discursiva machadiana, o enunciador confi-
gura a construção do triângulo amoroso, que é uma das características da
prosa realista, provocando grande escândalo para os leitores da época.
Afinal, isso ocorre num período em que o casamento ainda representava
uma união divina, não podendo ou não sendo comum apresentar qualquer
possiblidade de traição por ser algo sacralizado; em especial por parte de
uma mulher que, dentro daquele Contexto Discursivo, convivia com uma
sociedade burguesa permeada de ideologias patriarcais, que se baseavam
no Discurso Religioso Católico.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 283


Na concepção de Eliade (2008, p. 81), “Seja qual for o contexto
histórico em que se encontra, o homo religiosus acredita sempre que e-
xiste uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este mundo que
aqui se manifesta, santificando e o tornando real”. Por isso, então, o ca-
samento ser dessacralizado em “Dom Casmurro”, provocando, por certo,
reações negativas no público leitor.
E, para dessacralizar o comportamento da sociedade burguesa,
que vivia de aparências, rompendo com os princípios religiosos que a-
pregoavam uma vida de verdades, união familiar, humildade, etc., Ma-
chado de Assis, no final do romance, fez com que Capitu e Ezequiel fos-
sem morar na Europa, longe de Bentinho que, por sua vez, não fez ques-
tão da presença dos familiares que tanto estimou. O Sujeito Discursivo ti-
tular desse romance declara, no capítulo CXLI (2009, p. 193), que diver-
sas vezes visitou a Europa e sequer os procurou.
Embarquei um ano depois, mas não a procurei, e repeti a viagem com
o mesmo resultado. Na volta, os que lembravam dela, queriam notícias, e
eu dava-lhes como se acabasse de viver com ela; naturalmente as viagens
eram feitas com o intuito de simular isso mesmo, e enganar a opinião.

Como se apreende, essas viagens eram intencionais, simplesmente


para manter as aparências. A indiferença com que Bentinho tratou a es-
posa e o filho, registrada nesse trecho, parece ser criada pelo literato pro-
positalmente. Um amor que, após o casamento, durou pouco tempo, apa-
gado por tempestades de ciúmes, desconfianças, desilusões, etc. Logo,
uma visão de amor contraditória ao que se pregava na ocasião no ceio de
uma família burguesa, tornando-se então um sentimento infinito, porém
enquanto durasse.
Com isso, percebe-se uma crítica do enunciador de “Dom
Casmurro” ao comportamento da sociedade burguesa de seu tempo, que
preferia viver de aparências a enfrentar seus próprios problemas. De
acordo com o discurso machadiano, infere-se que o ter para a burguesia
do Segundo Império estava muito acima do ser. Portanto, o literato se
ficcionou seguindo características da estética realista na construção de
sua narrativa, questionando os valores morais burgueses ao retratar as
imperfeições humanas, deixando claro a fragilidade do caráter das
personagens.
Para Eliade (2008, p. 52) “O comportamento religioso dos
homens contribui para manter a santidade do mundo.”. O contrário
também é uma realidade. É justamente o que acontece na forma de ser da
burguesia que colaborou também para dessacralizar o cosmos em “Dom

284 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Casmurro”.

3. Mundo religioso x mundo dessacralizado


O mundo religioso em Dom Casmurro é caracterizado por
princípios ideológicos da fé católica. Tal evidência aparece em diversos
episódios da narrativa, contribuindo para a construção do enredo da obra
em análise. Entre os muitos trechos do romance marcados pela
sacralidade, cabe salientar aqui alguns que registram essa característica.
Inicialmente, o momento em que o agregado José Dias elogia D.
Glória por não ter desistido de fazer de Betinho padre. Em seguida,
ratificou para ela os benefícios que se tinha na época o exercício do
sacerdócio, até porque a igreja possuía frente ao Estado, prestígios,
desfrutando certo poder governamental, fazendo dos seus sacerdotes
participantes políticos, pessoas de destaque na sociedade. Sobre esse
fato, afirma Bentinho no capítulo III (2009, p. 23):
Bem, uma vez que não perdeu a ideia de o fazer padre tem-se ganho
o principal. Bentinho há de satisfazer aos desejos de sua mãe. E depois a
igreja brasileira tem altos destinos. Não esqueçamos que um bispo
presidiu a Constituinte, e que o padre Feijó governou o império [...].

Por meio do evento narrado, compreende-se que a promessa,


como práxis da religião, é uma atividade assumida com responsabilidade,
menos para Bentinho, que, pelo trecho citado, estava, com frequência,
deixando de cumpri-la. Logo, apesar da irresponsabilidade presente no
comportamento do narrador protagonista, o descumprimento das
promessas produzia nele peso, sentimento de dívida, principalmente
quando dependia de outro favor de Deus, que era algo constante.
Outrossim, vale destacar, no capítulo XXIX (2009, p. 57) –
ocasião em que Bentinho estava passeando com José Dias. Durante o
percurso, a personagem declara para o agregado que não quer se tornar
padre e lhe pediu ajuda, disse que estudava até leis, se fosse o caso.
Diante da aflição vivida pelo narrador, José Dias promete-lhe auxiliar.
Em seguida, o agregado diz para Bentinho se apegar a Deus, pois Ele era
dono de tudo.
− Pegue-se também com Deus, – com Deus e Virgem Santíssima,
concluiu apontando para o céu. [...] − Deus fará o que o senhor quiser. −
Não blasfeme, Deus é dono de tudo; Ele é, só por si, a terra e o céu, o
passado, o presente e o futuro. Peça-lhe a sua felicidade, que eu não faço
outra coisa [...]

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 285


Com tal declaração do agregado, compreende-se como no mundo
religioso constituído no universo discursivo machadiano as personagens
acreditavam na soberania de Deus para realizar o desejo dos corações
delas; mesmo levando em consideração o fato de José Dias utilizar essas
palavras de conforto, trazendo segurança a Bentinho, com o intuito de
aproveitar da situação para viajar. Apesar disso, infere-se que os
príncípios do Discurso Religiosos Católico imperavam nas mentes das
pessoas da época. Logo, tais trechos supracitados apenas reforçam a
representação de uma realidade já existente.
Um novo trecho que segue a mesma tendência encontra-se no
capítulo CIV (2009, p. 154). Bentinho, casado de pouco, fala da amizade
da família dele com a de Escobar. E, em certo momento da narrativa,
lastima com o amigo por não ter ainda um filho. Escobar, para justificar
tal falta e acalmar o coração aflito do amigo, utiliza de vocábulos que
fazem parte da Formação Discursiva religiosa: “− Homem, deixa lá.
Deus os dará quando quiser, se não der nenhum é que os quer para si, e
melhor será que fiquem no céu. – Uma criança, um filho é complemento
natural da vida. − Virá se for necessário.”.
Como se percebe, de acordo com o Discurso Religioso Católico,
tudo acontece debaixo da soberania de Deus, pois, assim foi com o
nascimento do protagonista e, agora, com a dádiva de um filho. Essas
palavras, de certa maneira, não foram facilmente compreendidas por
Bentinho que tanto desejou ser pai, como se constata nesse momento da
narrativa. Contudo, o discurso de Escobar parece antecipar os grande
conflitos que o casal Bento Santiago e Capitu viveriam mais adiante com
o nascimento e crescimento do filho Ezequiel.
Em outra perspectiva, o mundo dessacralizado em Dom Casmurro
é simulado também por uma atmosfera regida por princípios alicerçados
no Discurso Religioso Católico. Os Sujeitos Discursivos do romance
deixaram de seguir tais doutrinas por motivos pessoais diversos,
transformando-se, assim, em mundo caótico, verdadeiro caos, um
ambiente desorganizado. Na obra em estudo, encontram-se variados
episódios em que tais características aparecem de forma latente,
entretanto, sutil, contribuindo para a construção da trama.
Bentinho é a principal personagem dessacralizadora de “Dom
Casmurro”, o narrador autodiegético, mesmo tendo passado pelo
seminário, nega a religião. Essa tendência se apresenta de maneira
perspicaz, com ar de pureza e sacralidade, até porque a religião da

286 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
burguesia dominadora e predominante na ocasião era de matriz cristã.
Portanto, a dessacralização do cosmos acontece de maneira disfarçada,
com aparência de sacralidade, por isso, somente um leitor atento é capaz
de percebê-la.
Sendo assim, as características dessacralizadoras não aparecem
nos trechos explicitamente. A classe burguesa que configura os Sujeitos
Discursivos envolvidos na Formação Discursiva do romance em
avaliação não poderia romper com tais princípio de forma declarada, por
uma questão de status social. Entre os muitos episódios marcados pela
dessacralidade, cabe destacar aqui alguns que registram essa tendência.
O primeiro trecho que merece destaque como símbolo de um
mundo dessacralizado localiza-se logo no início da narrativa quando
Bentinho justifica os motivos que o levaram a escrever o romance em
análise. No capítulo II (2009, p. 21), o Sujeito Discursivo diz que deseja
escrever um livro para variar, porque estava vivendo uma monotomia,
apesar de desfrutar bem da vida.
Então, influenciado por personagens pintadas na parede da casa
em que morava no Engenho Novo que representam figuras importantes
da história antiga, numa especíe de necromancia, decide entre variadas
temáticas e estilos vindos à mente, escrever um livro de memórias, já que
as próprias imagens desenhadas não eram suficientes para reconstruir a
história dele. Assim, nasce o livro “Dom Casmurro”, na concepção do
narrador protagonista do romance:
Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me
também. Quis variar, e lembro-me escrever um livro. Jurisprudência,
filosofia e política acudiram-me, mas não me acudiram as forças
necessárias. Depois pensei em fazer uma História dos Subúrbios, menos
secas do que as memórias do padre Luís Gonçalves dos Santos, relativas à
cidade; era obra modesta, mas exigia documentos e datas, como
preliminares, tudo árduo e longo. Foi então que os bustos pintados nas
paredes entraram a falar-me e a dizer-me os tempos idos, pegasse a pena e
contasse alguns.

A partir dessa citação, observa-se inicialmente que Bentinho


recebeu a orientação temática para a escrita do livro das personagens
pintadas na parede da casa dele, de forma bem mística. Diante de tal
ocorrência, compreende-se que essas imagens não representavam figuras
religiosas, a quem se pudesse servir de instrumento de orientação
transcedental para a confecção de algo na terra. Um bom religioso do
catolicismo da época diria que qualquer orientação que recebeu para
construir um objeto viria do céu, especificamente de Deus, e não de

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 287


figuras pintadas na parede, principalmente de Nero, que foi um
imperador muito mau para os cristãos. Conta a historiografia que, certa
vez, Nero, perseguindo os cristãos, fez de vários deles tochas humanas
pregadas no jardim de casa. Por isso então, considera-se essa referência a
primeira característica de um mundo dessacralizado.
Ainda, nessa mesma passagem, percebe-se depois do explicitado
que provavelmente o motivo principal que levou Bentinho a compor tal
obra não foi tão nobre como está registrado. Ele, por certo, vivia nesse
momento alguns conflitos emocionais porque perdeu a esposa, a pessoa
quem amou desde a infância com um sentimento puro, além do filho, que
foi uma criança tão esperada para completar a alegria do lar.
Assim, diante de tantas crises emocionais, acredita-se que o
narrador do livro de memórias escreveu-o para desabafar e, por seu
turno, convencer o interlocutor de que o Sujeito Discursivo que narra
esse romance não contribuiu para a construção dos finais trágicos na vida
de Capitu e Ezequiel, também o fez para não sofrer com as perdas. A
dessacralização nesse trecho se configura de forma implícita quando
Bentinho não assume os verdadeiros motivos de escrever a narrativa, ao
dizer que escreveu um livro contando as memórias dele porque não tinha
nada para fazer.
Mais um trecho que merece destaque. Está no capítulo CVII
(2009, p. 158), quando o narrador protagonista, Bento Santiago, descreve
o estreitamento da amizada entre ele, Capitu e Escobar.
A verdade é que fiquei mais amigo de Capitu, se era possível, ela
ainda mais meiga, o ar mais brando, as noites mais claras, e Deus mais
Deus. E não foram propriamente as dez libras esterlinas que fizeram isto,
nem o sentimento de economia que revelavam e que eu conhecia, mas as
cautelas que Capitu empregou para o fim de descobrir-me um dia o
cuidado de todos os dias. Escobar também se me fez mais apegado ao
coração. As nossas visitas foram se tornando mais próximas, e as nossas
conversas mais íntimas.

Assim, diante do que se lê, observa-se a intensificação da amizade


entre Bentinho e Capitu. Essa construção dessacraliza o que pode se
chamar de casamento fundamentado no Discurso Religioso Católico, ao
sugerir uma provável traição, mas sem que isso seja explicitado com
clareza no episódio supraticado; somente se compreende por meio de
uma leitura atenta das entrelinhas desse trecho. O Sujeito Discursivo
titular desse excerto paulatinamente no percurso da narrativa constrói
justificativas que sugerem o envolvimento amoroso entre Capitu e

288 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Escobar, sem que tal questão seja afirmada com exatidão, mas persuade
discursivamente o leitor para inferir esse julgamento, claro, a favor do
narrador.

4. Considerações finais
Alguns pesquisadores têm desprezado os estudos das formas reli-
giosas, em especial do Discurso Religioso; contudo, tal discurso se mani-
festa em obras de diversos autores renomados da literatura brasileira pro-
vocando no público leitor reflexões profundas, dignas de serem discuti-
das academicamente. Assim sendo, compreender o fenômeno religioso,
suas características e influências discursivas nas narrativas clássicas, faz
parte dos interesses dos estudos literários.
Contrário ao mencionado anteriormente, chega-se até ouvir que
Machado de Assis e religião não combinam, talvez porque o autor seja
caracterizado como anticlerical e cético, em função da estética literária a
que pertence e das influências dos pensamentos cientificistas que recebe-
ra vindos da Europa. Afinal, Machado nascera e vivera toda a sua vida na
cidade do Rio de Janeiro que, além de ter sido a Capital Federal, na oca-
sião, se tornou centro cultural em um período de grandes transformações
sociais, econômicas e intelectuais.
O enunciador Joaquim Maria Machado de Assis soube criar suas
personagens em um romance completamente metalinguístico, apresen-
tando como escritor qualidades peculiares, como por exemplo, a de des-
sacralizador do cosmos. Para isso, abandonando o sagrado para desfrutar
de uma experiência nova e profana no mundo. É justamente o que
acontece na forma de ser da burguesia que colaborou também para
desacralizar o cosmos em “Dom Casmurro”.
Pode-se dizer que o Realismo é a base para a produção machadia-
na; contudo tal alicerce, na verdade, é próprio e busca outros caminhos e
características. Porém, deve-se levar em consideração que são persona-
gens instigantes dentro da literatura brasileira. Pensando em casais no-
bres, Bentinho e Capitu, por certo, possuem lugar de destaque na vida de
muitos leitores.
Dessa maneira, Bentinho, um burguês típico (orgulhoso, mimado,
ciumento, inseguro, mas ao mesmo tempo confiante), quando escreve su-
as memórias, em “Dom Casmurro”, declara que ele era a figura forte na
relação amorosa, sempre confiou que para ficar junto da sua grande pai-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 289


xão era apenas uma questão de tempo e de alguns ajustes.
Diante do corpus analisado, compreendeu-se que, dentro de uma
perspectiva eliadeana, cosmos é um lugar que se origina a partir de um
ponto central. O homem devoto sente a necessidade de existir sempre em
um mundo total, organizado, centralizado, já que a criação do homem é
uma representação da cosmogonia. Assim, qualquer desordem no cosmos
é símbolo de dessacralização. Logo, criticar os costumes de uma
burguesia, que se dizia religiosa, influenciada por discurso de piedade fez
com que Machado de Assis desorganizasse o cosmos. Isso foi possível
porque só há dessacralização porque existe o sagrado.
Em relação ao contexto histórico discursivo, que compõe o cená-
rio dessa desordem, depreende-se que as personagens machadianas foram
criadas em mundo decadente e em eminente colapso, vegetando na mais
triste hipocrisia. Igualmente, arrastava uma vida obscura, monótona, vul-
gar, prosaica, mesquinha e ciumenta, envenenada pelo tédio e ociosidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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290 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 291


DIFERENÇAS E DIVERSIDADE:
A LÍNGUA COMO FORMA DE PRECONCEITO
Juliete Maganha Silva (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]
Shirlena Campos de Souza Amaral (UENF)
[email protected]

RESUMO
Este trabalho tem como foco as diferenças e a diversidade inerente a toda socie-
dade, incluindo uma abordagem linguística que trata dos preconceitos envolvidos nes-
se âmbito. O tema tem como pressuposto o fato de que a heterogeneidade social, sobre
tudo linguística, não é devidamente reconhecida. Visto que está arraigado em nossa
sociedade um sentimento de intolerância em relação às diferenças, torna-se um grande
desafio transformar essa situação. Desta maneira, o objetivo geral desta pesquisa foi
discutir a diversidade, principalmente a linguística, e como esse conceito ainda é mal
compreendido gerando discriminação. Buscou-se enfocar também o papel da escola
enquanto formadora de concepções, e sua importância para o combate ao preconceito
linguístico.
Palavras-chave:
Diversidade. Língua. Preconceito Linguístico.

1. Introdução
“[...] as pessoas e os grupos sociais têm o di-
reito de ser iguais quando a diferença os infe-
rioriza e o direito de ser diferentes quando a
igualdade os descaracteriza.” (Boaventura de
Souza Santos)

A sociedade é caracterizada pela diversidade, seja em seu aspecto


cultural, biológico, étnico, linguístico, religioso, etc. É através dela que a
condição humana se compõe, é nela que o conceito de humanidade se
fundamenta. As noções de diferença e pluralidade podem ser compreen-
didas como as principais formas de denominação de diversidade. Contu-
do, os desafios em lidar com a diversidade pode representar um grande
problema, visto que está arraigado em nossa sociedade um sentimento de
intolerância em relação às diferenças. Como dito por Marques (2012, p.
105) “na marcação das diferenças, parte-se do princípio de que as dife-

292 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
renças são inerentes à vida; entretanto, trabalha-se ainda a partir de dico-
tomias do tipo normal versus anormal, superior versus inferior, capaz
versus incapaz e assim por diante”.
Em se tratando das diferenças inerentes também ao que diz respei-
to à diversidade linguística, existe ainda uma grande luta pelo seu reco-
nhecimento e por um tratamento que abarque a língua em toda sua com-
pletude, isto é, suas variações que são tão importantes para a formação da
identidade de seus grupos de falantes como qualquer outra manifestação
cultural.
A crença em um país monolíngue ainda se faz muito presente no
Brasil, tanto no âmbito da educação, como no político. São muitas as lín-
guas faladas no país, entre indígenas, de imigração, de sinais, crioulas e
afro-brasileiras, além das variedades do próprio português. Esse patrimô-
nio cultural é desconhecido por grande parte da população brasileira, en-
tretanto, como afirma Bagno (2015), “a ciência linguística já provou e
comprovou, que todas as línguas variam, e a variação ocorre em todos os
níveis estruturais, e em todos os níveis de uso social”, revelando assim a
verdadeira realidade de um país linguisticamente heterogêneo.
Nesse sentido a escola, como uma formadora de opinião e o fato
de a educação, ou melhor, a falta dela, está sempre relacionada às raízes
dos problemas sociais, tem um papel fundamental na desconstrução dos
conceitos equivocados formadores dos “pré conceitos” que geram intole-
rância e discriminação. Porém, a realidade escolar pode não seguir por
essa vertente da maneira mais profícua para a legitimação das diversida-
des inerente a qualquer sociedade. Como afirma Bourdie (1966, p. 53),
“a igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara
e justificação para a diferença no que diz respeito às desigualdades reais
diante do ensino e da cultura transmitida, ou, melhor dizendo, exigida”.
Dessa forma, este trabalho objetivou discutir a diversidade, prin-
cipalmente a linguística, e como algumas questões no cerne das diferen-
ças e da diversidade quando mal compreendidas podem contribuir para a
discriminação. Buscou-se enfocar também o papel da escola enquanto
formadora de concepções, e sua importância para o combate ao precon-
ceito linguístico.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 293


2. Diversidade, igualdade e a escola
É sabido que ao se pensar em vivência democrática em sociedade
é impossível não pensar também em respeito às diversidades e às dife-
renças que fazem parte desse ambiente. Como afirmam Silva et al. (2017,
p. 43), “a igualdade e a diversidade são os componentes formadores de
Justiça plena”. Entendemos, como Silva et al. (2017, p. 40), que a igual-
dade “implica considerar as diferenças e peculiaridades inerentes a cada
indivíduo”. Assim, em meio a conflitos, o direito de ser diferente baseia-
se, segundo Dicher (2013), no reconhecimento que igualdade e diversi-
dade estão profundamente ligadas, e não podem ser dissociadas. Ser dife-
rente faz parte da natureza dos indivíduos enquanto membros de uma so-
ciedade formada por culturas tão diversas.
Somos todos iguais por natureza e, paradoxalmente, também somos
todos diferentes, quer individualmente quer culturalmente. Os dilemas
morais decorrentes do “eu” e do “outro” abrangem os temas clássicos da
filosofia do direito, tais como liberdade, coerção, justiça. Nenhum destes
valores é universal – daí a doutrina do relativismo cultural. Por esta razão,
a doutrina do relativismo cultural veda a emissão de julgamentos morais a
respeito de outras culturas, pois estes julgamentos são relativos tão so-
mente à cultura do emitente: independente do construto mediante o qual
se busca a compensação dos elementos culturais, esta compensação não é,
de fato, efetivada. (LEISTER, 2013, p. 14)

As diferenças se fazem indubitavelmente presentes na sociedade,


e com elas a luta para reconhecê-las e respeitá-las. Isso, porém, não é ta-
refa fácil já que o preconceito e a intolerância têm raízes profundas e
firmadas em terrenos sólidos de nossa sociedade. Contudo, “a discrimi-
nação tem nuances e se apresenta, muitas vezes, de forma sutil e, até
mesmo, velada. Isso é possível ser notado porque, em várias situações,
discrimina-se a pessoa baseando-se no discurso da garantia do tratamento
igualitário” (SILVA et al., 2017, p. 44).
Como Abramowicz et al. (2011) explicam, a indiferenciação entre
diversidade e diferença revela diferentes noções e concepções. De forma
geral, isso faz com que desigualdades e diferenças sejam veladas por uma
falsa noção de diversidade através da qual se pede tolerância, porém com
o objetivo de conservar a hegemonia de determinadas hierarquias. Isso
porque, “a diversidade é a palavra chave da possibilidade de ampliar o
campo do capital que penetra cada vez mais em subjetividades antes in-
tactas. Vendem-se produtos para as diferenças, é preciso neste sentido in-
centivá-las” (ABRAMOWICZ et al., 2011, p. 91).

294 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Podemos inferir que ao enxergarmos a diversidade a partir de uma
micro visão, conseguimos ver as peculiaridades sociais, as características
individuais formadoras do todo. Já uma visão macro se torna superficial,
isto é, reconhece-se que existem disparidades, entretanto essas não são
vistas como deveriam. Com isso, ao se silenciar as diferenças e exaltar a
diversidade, é criada uma normatividade no sentido que
(...) esta espécie de outro onde foram colocados e excluídos os diferentes,
os racializados, colocados no lugar da doença e/ou do desvio e tratados
como inexistentes, incivilizados, bárbaros, estranhos são de alguma ma-
neira recapturados por uma rede denominada diversidade, e incorporados,
ou melhor, incluídos, de forma que a diferença que anunciam não faça
nenhuma diferença. (ABRAMOWICZ et al., 2011, p. 93)

Todavia, como afirma Soares (2000, p. 14), “negar a existência de


cultura em determinado grupo é negar a existência do próprio grupo”.
Todos os grupos sociais têm cultura, isto é, todos os grupos têm sua ma-
neira própria de se identificar, sejam através de comportamentos, valores,
tradições, costumes, comuns e partilhados. Dessa forma, não se deve ca-
tegorizar essas culturas de forma depreciativa. Deve-se, segundo a auto-
ra, reconhecer “que há uma diversidade de “culturas”, diferentes umas
das outras, mas todas igualmente estruturadas, coerentes, complexas.
Qualquer hierarquização de culturas seria cientificamente incorreta”. A-
inda segundo Soares (2000), em países que sua organização se dá de
forma capitalista, há uma valorização dos padrões culturais das classes
dominantes. Assim,
Os padrões culturais das classes dominadas são considerados como
uma “subcultura” avaliada em comparação com a cultura dominante, isto
é, com os padrões idealizados de cultura, que constituem a cultura dos
grupos social e economicamente privilegiados. É assim que a diferença se
transforma em deficiência, privação, em carência. Trata-se, na verdade, de
uma atitude etnocêntrica, para a qual ser diferente das classes dominantes
é ser inferior. (SOARES, 2000, p. 15)

Infelizmente, essa forma discriminativa de tratar a diversidade


cultural que transforma diferenças em deficiências é tomada até mesmo
pela escola que ainda se fundamenta em parâmetros como esse. Como di-
to por Abramowicz et al. (2011), a escola se funda em uma imposição de
um saber considerado “como parâmetro único de medida, de conheci-
mento, de aprendizagem e de formação” que, ainda segundo as autoras,
servem como base para a segregação do que é diferente, classificando-os
“como inferior, incivilizado, fracassado, repetente, bárbaro etc.” (A-
BRAMOWICZ et al., 2011, p. 94). Tudo o que for diferente desse mode-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 295


lo idealizado seria incorporado ao conceito de diversidade “de forma que
a diferença que anunciam não faça nenhuma diferença”.
É sobre esse modelo monocultural que Candou (2008), também
reitera que, sob uma política assimilacionista, todos são favorecidos a fa-
zer parte da sociedade e a incorporarem-se à cultura hegemônica e a seus
valores, conhecimentos e suas mentalidades. Na educação essa imposição
também ocorre segundo a autora, e com isso “essa posição defende o
projeto de construir uma cultura comum e, em nome dele, deslegitima di-
aletos, saberes, línguas, crenças, valores “diferentes”, pertencentes aos
grupos subordinados, considerados inferiores explícita ou implicitamen-
te” (CANDOU, 2008, p. 50).
Para Candou (2008), entre os desafios que temos que enfrentar pa-
ra promover uma educação intercultural, isto é, que promova a inter-
relação entre diferentes grupos culturais presentes na sociedade, está a
necessidade de “promover processos de desnaturalização e explicitação
da rede de estereótipos e pré-conceitos que povoam nossos imaginários
sociais em relação aos diferentes grupos socioculturais” (CANDOU,
2008, p. 53). Outra necessidade é o questionamento do caráter monocul-
tural adotado pela escola e políticas educativas, que influenciam direta-
mente na seleção de seus conteúdos trabalhados em sala.
Nesse sentido, discutiremos a seguir, ao tratarmos das questões
que concernem à perspectiva linguística proposta por esse trabalho, o
preconceito linguístico. Considerando que seu combate é uma contribui-
ção importante para a valorização da diversidade e o respeito às diferen-
ças.

3. Preconceito linguístico
A luta contra diversas formas de preconceitos arraigados em nossa
sociedade está se tornando cada vez mais presente, almejando o fim da
intolerância a diversidade. Essa luta, porém, ainda não ganhou tanta ên-
fase no campo linguístico como deveria. O dicionário Aurélio (2009) a-
presenta como definição de preconceito, além de “(...) intolerância, ódio
irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc.”, também a
de “conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior pondera-
ção ou conhecimento dos fatos; ideia preconcebida. Julgamento ou opi-
nião formada sem levar em conta o fato que os conteste (...)”. Na língua
esse conceito também se aplica, pois mesmo fazendo parte da vida em

296 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
sociedade, de forma tão substancial, mediando às relações entre seus
membros, o desconhecimento acerca da linguagem humana é grande.
Como afirma Lucchesi,
O processo de aquisição e uso da língua materna, na oralidade, se dá
de forma tão natural que as pessoas não conseguem se dar conta de sua
imensa complexidade nem perceber o fascinante sistema mental que usam
para transformar pensamento em frases. Como as pessoas falam sem se
dar conta da complexidade estrutural subjacente à produção dos enuncia-
dos, menosprezam o conhecimento mobilizado na atividade linguística
cotidiana. (LUCCHESI, 2015, p. 15)

A língua tem um caráter social, ela faz parte da cultura e da iden-


tidade de seu povo. É no meio social que a realidade linguística está pre-
sente, e onde ocorre a variação linguística, isto é, “a língua em seu estado
permanente de transformação, de fluidez, de instabilidade” (BAGNO,
2007, 38). Apesar de muitos acreditaram na homogeneidade da língua
portuguesa, é notável o quanto ela é diversificada, e isso é reflexo da he-
terogeneidade social. As comunidades de fala apresentam muitas variá-
veis dentre seus falantes: região geográfica, grupos sociais de interação,
sexo, nível de escolaridade, renda, entre tantas outras, que ainda podem
se construir em diferentes combinações originando inúmeras variedades
linguísticas, que são, de acordo com Bagno (2007), os muitos “modos de
falar” de uma língua. A premissa de uma língua “comum” é construída
no imaginário social envolvendo fatores históricos, políticos e sociocul-
turais, logo idealiza-se uma unidade que não existe (FARACO, 2017, p.
29). Essa ideia deveria ser desconstruída pelo fato de que no Brasil
(...) são faladas mais de dezenas de línguas diferentes, entre línguas indí-
genas, línguas trazidas pelos imigrantes europeus e asiáticos, língua sur-
gidas das situações de contato nas extensas zonas fronteiriças com os paí-
ses vizinhos, além de falarem diversas línguas africanas trazidas pelas ví-
timas do sistema escravista. (BAGNO 2015, p. 26-7)

Assim, ao contrário da concepção da norma-padrão, a heteroge-


neidade linguística é inerente em qualquer comunidade de fala. Tal como
aponta Faraco (2017, p. 31) “nenhuma língua é homogênea e uniforme;
todas as línguas são heterogêneas e multiformes”, o autor reitera que esse
fato está ligado com a diversidade seja das experiências históricas, seja
das atividades sociais e culturais dos que se reconhecem como seus fa-
lantes. Dessa forma, a variação linguística, que segundo Lucchesi (2015,
p. 14) a ciência da linguagem denomina como a capacidade de qualquer
língua humana viva admitir formas diferentes de dizer a mesma coisa,
deve ser encarada como algo natural. Os usuários de uma língua são se-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 297


res humanos diversificados e instáveis, nada mais inevitável que essa lín-
gua acompanhe essas transformações.
Todavia, para Camacho (2013), o rompimento das premissas onde
se apoiam o verdadeiro princípio da cientificidade da linguística leva a
posições impressionistas e preconceituosas sobre a natureza de certas va-
riedades e sobre suas adequações como legítimos sistemas de comunica-
ção.
A origem dos equívocos a respeito das concepções de língua e
linguagem, segundo Bagno (2000, p. 17), se dão pela ideologia pregada
pela Gramática Tradicional, ao tirá-la de seu verdadeiro lugar “o da re-
flexão filosófica, o de ferramenta de investigação dos processos cogniti-
vos que permitem ao ser humano fazer uso da linguagem” e impondo-a
“o papel de doutrina canônica, de conjunto de dogmas irrefutáveis, de
verdades eternas”. Mesmo os estudos sociolinguísticos mostrando que a
realidade linguística do país é bem diferente e que toda língua é essenci-
almente heterogênea e multiforme, esses pressupostos ainda continuam
muito presentes em nossa sociedade. Segundo o autor, as gramáticas
normativas brasileiras, imbuídas dessas distorções ideológicas, ainda se
mantêm na ideia “da língua única”, e exaltam o uso da variedade empre-
gada pelas “pessoas cultas”, a qual deveria ser utilizada por todos. Con-
sequentemente,
(...) nasce o preconceito de que toda e qualquer variedade diferente dessa
é “feia”, “estropiada”, “corrompida” e não é raro escutar que “isso não é
português”. Cria-se assim uma entidade abstrata chamada “Língua Portu-
guesa”, cuja definição e descrição - tal como dadas nas GN - não encon-
tram comprovação empírica na realidade histórico-social. (BAGNO,
2000, p. 26)

É a partir da crença dos gramáticos tradicionalistas, de serem ca-


pazes de impedir a mudança da língua, insistindo em descrições ultrapas-
sadas que por eles são tidas como ideal, que se fomenta a perpetuação
desse tipo de intolerância. A repetição insistente “dos bordões que de-
nunciam e deploram a “decadência” da língua é que gera, nutre e sustenta
o preconceito lingüístico” (BAGNO, 2000, p. 41).
Mesmo que do ponto de vista linguístico as diferenças não atrapa-
lhem o entendimento entre os falantes, não chegando aos aspectos cen-
trais da estrutura gramática, essas poucas diferenças, como nos diz Luc-
chesi (2015, p. 21), “são mais do que suficientes para que se erga uma
barreira social cruel e implacável, que discrimina e exclui aqueles que di-

298 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
zem “é craro que nós quer participar”, repudiando qualquer foro de cida-
dania à fala popular”.
Os rótulos negativos dados às variedades linguísticas de falantes
oriundos de classes sociais mais baixas, marginalizados, e/ou menos le-
trados acentuam a hierarquização social, legitimando o poder das classes
dominantes. Dessa forma, “os fatores sociais atuam como um importante
mecanismo de reforço e sedimentação dos mitos, estereótipos, dogmas e
preconceitos que plasmam a visão hegemônica de língua na sociedade”
(LUCCHESI, 2015, p. 18). Como dito anteriormente, apesar das diferen-
ças entre a norma culta e a norma popular serem pequenas, já é o sufici-
ente para gerar estigmas. E o preconceito surge disso, de uma atitude ne-
gativa diante de alguma manifestação linguística.
O preconceito linguístico caracteriza-se pela hipervalorização dos
traços distintivos mínimos que indicam a diferença. Como todo precon-
ceito, ele tem de proceder assim para cumprir seu papel na manutenção da
ideologia dominante. A diferença da cor da pele, por exemplo, embora ú-
nica, é suficiente para gerar a segregação racial, a despeito de negros e
brancos compartilharem todas as demais características físicas e psicoló-
gicas que constituem um ser humano. [...] Mas são justamente essas dife-
renças - apesar de um número menor que as semelhanças – que atraem
sobre quem as traz em sua variedade lingüística o estigma do “falar erra-
do”. (BAGNO, 2000, p. 269)

Assim, toda essa ideologia disseminada de que se reveste o pre-


conceito, se firma através dos muitos mitos. Todavia, no dicionário Auré-
lio (2009) encontramos algumas das definições de mito como “ideia fal-
sa, sem correspondente na realidade”, “coisa inacreditável, fantasiosa, ir-
real, utopia”. Mais precisamente os mitos linguísticos, como diz Bagno:
(...) são provérbios, chavões repetidos à exaustão, tornados pura menta-
linguagem. E como todo provérbio, afloram no discurso cotidiano como
verdades naturais, como cápsulas de uma sabedoria compartilhada de que
todos podem haurir livremente. O mito, fundamentalmente acrítico, é a
ideologia sintetizada em pequenas falas. Despolitizado, des-historicizado,
desdialetizado, o mito é um estranho fóssil vivo. (BAGNO, 2000, p. 47-8)

Sendo o preconceito linguístico ligado em boa medida, à confusão


que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática (Bagno,
2000, p. 9), e a escola como principal propulsora das concepções em tor-
na da língua, cabe abordar alguns aspectos no que toca seu papel enquan-
to instituição de ensino.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 299


4. Ensino e diversidade linguística
Como afirma Bourdieu (1998, p. 36), “o sistema de ensino, cuja
ação se amplia e se intensifica no decorrer do século XIX, sem dúvida
contribui diretamente quer para a desvalorização dos modos de expressão
populares (...), quer para a imposição do reconhecimento da língua legí-
tima”. Nesse sentido, podemos observar a importância da escola rever
conceitos que mudem certos paradigmas que fazem parte de sua história.
Apesar do grande desenvolvimento atingido pelos estudos linguís-
ticos, e sua exploração não ter tido grandes avanços no planejamento das
políticas de ação na escola, os Parâmetros curriculares nacionais diz que:
A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos
os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de
qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em Língua Portuguesa
está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades.
Embora no Brasil haja relativa unidade lingüística e apenas uma língua
nacional, notam-se diferenças de pronúncia, de emprego de palavras, de
morfologia e de construções sintáticas, as quais não somente identificam
os falantes de comunidades lingüísticas em diferentes regiões, como ainda
se multiplicam em uma mesma comunidade de fala. Não existem, portan-
to, variedades fixas: em um mesmo espaço social convivem mescladas di-
ferentes variedades lingüística, geralmente associadas a diferentes valores
sociais. (BRASIL, 1998, p. 29)

A Base Nacional Comum Curricular reafirma:


Cabem também reflexões sobre os fenômenos da mudança linguística
e da variação linguística, inerentes a qualquer sistema linguístico, e que
podem ser observados em quaisquer níveis de análise. Em especial, as va-
riedades linguísticas devem ser objeto de reflexão e o valor social atribuí-
do às variedades de prestígio e às variedades estigmatizadas, que está re-
lacionado a preconceitos sociais, deve ser tematizado. (BRASIL, 2017, p.
79)

Como podemos notar a diversidade linguística já é reconhecida há


algum tempo pelas instituições oficiais de educação do Brasil. Os PCNs
e agora a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) explicitam a impor-
tância de se trabalhar a variedade linguística no meio escolar, principal-
mente no ensino de língua portuguesa, e direcionam as práticas pedagó-
gicas nesse sentido.
Como afirmam Faraco e Zilles (2017), a variação linguística pre-
cisa estar sempre presente no ensino da língua, porque é intrínseca a ela,
porque, entre outros motivos, “constitui nossas identidades e caracteriza
as ações que realizamos nas interações sociais” (FARACO; ZILLES,
2017, p. 175). A escola como propulsora de concepções que é, é também

300 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
um sistema destinado à reprodução social e cultural, por ser ela direta-
mente vinculada as atribuições de valores sociais a variáveis linguísticas,
pode ela também, a partir de um caráter homogeneizador, anular as dife-
renças da verdadeira dinâmica própria dos sistemas sociais. Todavia,
(...) apesar de seu caráter dominante, essa ideologia é incapaz de unificar
a competência linguística de todos os grupos sociais e, desse modo, a lin-
guagem acaba sendo o espaço privilegiado do processo sempre renovado
de valores sociais em oposição. (CAMACHO, 2013, p. 85)

Considerando seu comprometimento com a melhoria da aprendi-


zagem, a escola deve se posicionar de forma democrática e inclusiva am-
pliando o conhecimento do aluno sem menosprezar sua bagagem cultu-
ral. E sendo um lugar onde as concepções de linguagem são passadas aos
alunos, pode ela contribuir para a manutenção do preconceito linguístico,
ou para seu esclarecimento. Mas, como diz Bagno:
(...) o preconceito, como bem sabemos, impregnam-se de tal maneira na
mentalidade das pessoas que as atitudes preconceituosas se tornam parte
integrante do nosso próprio modo de ser e de estar no mundo. É necessá-
rio um trabalho lento, contínuo e profundo de conscientização para que se
comece a desmascarar os mecanismos perversos que compõem a mitolo-
gia do preconceito linguístico. (BAGNO, 2000, p. 75)

Apesar de ser um processo lento e trabalhoso, as distinções pre-


conceituosas feitas entre as práticas de uso da língua com toda sua varia-
ção precisam ser eliminadas, e requer comprometimento, repensar as prá-
ticas escolares se faz necessário. Tal como aponta os PCNs:
O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às
falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo edu-
cacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e
também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se
de alguns mitos: o de que existe uma única forma “certa” de falar – a que
se parece com a escrita – e o de que a escrita é o espelho da fala – e, sen-
do assim, seria preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele es-
creva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação
cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua
comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconheci-
mento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a ne-
nhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado
momento histórico. (BRASIL, 1997, p. 26)

O que os PCNs, trazem de eixo organizadores segue a premissa da


língua como forma de interação, considerando importante que “o indiví-
duo possa expandir sua capacidade de uso da língua e adquirir outras que
não possui em situações lingüisticamente significativas, situações de uso
de fato” (BRASIL, 1997, p. 35).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 301


Assim, o ensino transmitido pela escola consoante aos eixos orga-
nizadores propostos pelos PCNs, se mostra como um meio muito eficaz
para o combate ao preconceito linguístico e também a desmistificação de
ideias equivocadas sobre, principalmente, a língua portuguesa. O profes-
sor deve se pautar sobre esses parâmetros e nos estudos sociolinguísticos,
para levar seus alunos a uma reflexão sobre o uso da língua, para que as-
sim conhecendo os verdadeiros mecanismos da língua e refletindo sobre
eles, novos posicionamentos possam surgir na sociedade como um todo,
dentro e fora da escola.

5. Considerações finais
Embora seja um grande desafio promover a diversidade em todos
os âmbitos sociais, procuramos mostrar neste trabalho o quão importante
é o direito a diferença. Um reconhecimento respeitoso das múltiplas face-
tas que compõem a identidade de qualquer povo é um passo importante
rumo à igualdade.
Não devemos acreditar que alguma variedade da língua seja de
forma inerente melhor ou mais bonita que outra. Devemos rejeitar qual-
quer forma de preconceito, inclusive o linguístico, abrindo espaço para
debates que busquem esclarecer contradições enganosas que fazem com
que os usuários de determinadas variedades linguísticas considerem-se e
sejam considerados inferiorizados e incapazes de participar de forma
plena de todos os âmbitos sociais. Já que, enquanto cidadão, ele é mem-
bro de uma sociedade multicultural, formada por diferentes costumes,
tradições, valores, comportamentos e tudo que é fundamental para a for-
mação da identidade de seus grupos.
Nesse contexto, a escola tem papel fundamental, visto que apesar
de suas diretrizes indicarem um caminho que abarque a diversidade lin-
guística em suas estratégias de ensino, a realidade pode não seguir por
esse viés, principalmente se ela seguir a tradicional Gramática Tradicio-
nal. Nesse sentido, o professor deve estar sempre em busca de conheci-
mento e ferramentas que respaldem seu trabalho da melhor forma possí-
vel, buscando valorizar toda diversidade linguística e contribuindo para o
combate a preconceitos tão profundamente existentes na sociedade.

302 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
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304 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ENSINO DE CIÊNCIAS E A TRANSFORMAÇÃO DA
LINGUAGEM CIENTÍFICA EM LINGUAGEM DE FÁCIL
ENTENDIMENTO PARA O EDUCANDO
Aline Peixoto Vilaça Dias (UENF)
[email protected]
Juliete Maganha Silva (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]

RESUMO
O ensino de ciências biológicas é fundamental na educação básica já que propor-
ciona aos alunos a construção de senso crítico, levando-os a compreender o mundo a
sua volta. Porém esse ensino envolve conceitos complexos, termos e palavras de difícil
entendimento para o educando, já que algumas são oriundas inclusive do latim o que
dificulta ainda mais a compreensão e o aprendizado. Diante disso, o presente artigo
tem como objetivo discutir a dificuldade de aprendizagem dos conceitos da área de ci-
ências biológicas em decorrência da linguagem científica usada na sala de aula, além
disso, buscamos mencionar a importância da transposição didática como facilitadora
do aprendizado dos alunos. Para isso, o metodologia aplicada neste trabalho caracte-
riza-se como pesquisa bibliográfica, pautada em autores como Krasilchik (2016), San-
tos et al. (2007), Libâneo (1994) entre outros autores que abordam a temática discuti-
da neste trabalho. Para que realmente seja compreendido os conceitos referentes a á-
rea de ciências biológicas por parte dos alunos é preciso que os professores façam uso
de uma linguagem facilitadora, caso contrário o ensino será apenas memorístico e co-
mo resultado os alunos terão uma aprendizagem defasada.
Palavras-chave:
Linguagem científica. Transposição didática. Ensino de Ciências Biológicas.

1. Introdução
Para que o aluno desenvolva o aprendizado científico existe a ne-
cessidade do comprometimento do educador no que diz respeito à lin-
guagem na exposição dos conteúdos em suas aulas. Existe uma grande
necessidade de construir condições melhores nas escolas para que os alu-
nos possam entrar em contato com informações e experiências que o le-
vem a ter efetivamente um aprendizado, principalmente no que se refere
ao ensino de ciências.
A dificuldade do aprendizado de conceitos da área de ciências
biológicas está ligada, na maioria das vezes, a linguagem usada na sala
de aula pelo professor, caracterizada como puramente científica. Isso faz

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 305


com que o aprendizado do aluno seja memorístico, mecânico e desvincu-
lado do cotidiano. O processo de aprendizagem se dá quase exclusiva-
mente através da linguagem, que pode acontecer através da escrita ou da
oralidade. É por esse meio que advém a educação científica, porém se a
linguagem utilizada não favorecer o aprendizado, essa educação fica de-
fasada.
Diante disso, faz-se necessário discutir como deve ser a lingua-
gem usada nas aulas de ciências. A justificativa da pesquisa se dá pelo fa-
to dessa área do conhecimento ser indispensável para a formação escolar,
isso porque contribui para uma formação crítica do educando, levando-o
a compreender fenômenos, tomar decisões e questionar. Por tanto é pre-
ciso que o professor tenha conhecimento que a linguagem da área de ci-
ências biológicas apresenta uma linguagem técnica, que não é comum no
cotidiano do aluno. Logo, faz-se necessária uma mediação entre o conhe-
cimento e o aluno através de uma linguagem simplificada, sem com isso
prejudicar o aprendizado do aluno.
Sendo assim, o artigo tem como objetivo discutir a dificuldade de
aprendizagem dos conceitos de biologia devido a linguagem científica, e
também abordar a transposição didática como ferramenta facilitadora na
aprendizagem do educando.
O trabalho apresenta respectivamente as seguintes partes: Lingua-
gem científica, Desafios no ensino de ciências biológicas, Comunicação
entre professor e aluno, Transposição didática, Conclusões e Referências.

2. Linguagem científica
Foi nos anos 50 que a necessidade de acesso ao conhecimento ci-
entífico pela população, foi considerada pela comunidade científica ame-
ricana fator importante para o progresso econômico ocidental (CARVA-
LHO, 2009). Isso porque os avanços dependeriam também do apoio da
população, o que demandava compreensão por parte dela. A partir desse
cenário que no final do século XX a educação em ciências ganhou grande
ímpeto ao buscar a competência de todos os alunos no que diz respeito ao
conhecimento científico.
Todavia, a linguagem científica tem suas peculiaridades que en-
volvem termos e palavras específicas, que precisam de maior atenção ao
ser ensinada. Sobre a relação entre linguagem e ciências, Oliveira et al.
(2009) descrevem que a linguagem e a Ciência estão interligadas.

306 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Parte-se do pressuposto teórico que a linguagem científica desenvol-
ve o pensamento científico e com a complexificação deste desenvolve-se
essa mesma linguagem científica. O domínio da linguagem pelo aluno
transforma-se, assim, num valioso instrumento de desenvolvimento dos
processos cognitivos e orienta a construção do próprio conhecimento. (O-
LIVEIRA et al., 2009, p. 22)

Porém, os mesmos autores relatam que a exploração da linguagem


como facilitadora entre o conhecimento científico e o aluno é um assunto
pouco discutido nas pesquisas além de ser pouco trabalhada nas escolas.
Breda et al. (2013) consideram que a linguagem, em especial nas
aulas de ciências e matemática, é vista como complexa. Esse fato aconte-
ce porque essas áreas envolvem uma linguagem abstrata, o que resulta na
difícil compreensão dos conceitos pelos alunos. Ainda sobre a temática
linguagem científica no contexto escolar, Oliveira (2009) afirma que:
(...) a exploração didática da linguagem pelos professores nas aulas de ci-
ências é um assunto pouco considerado na literatura sobre Educação Ci-
entífica. Na realidade, uma enorme complexidade envolve a exploração
didática da linguagem científica já que a mesma obriga à mobilização de
muitos saberes multidisciplinares. (OLIVEIRA et al., 2009, p. 20)

Nota-se com isso a necessidade de considerar o fato de que a lin-


guagem científica possui suas particularidades que a distingue da lingua-
gem cotidiana. No que tange essa distinção, Santos (2015) completa que
existe a necessidade de ênfase no processo de educação científica no
sentido de facilitar a linguagem para que o aluno possa compreender os
conhecimentos científicos. Para isso o autor apresenta como proposta ao
professor a contextualização do conhecimento para que os alunos façam
relação com o meio social em que vivem.
Na âmbito escolar, cabe ao professor favorecer a educação cientí-
fica pois, como afirma Santos (2007), numa sociedade tecnológica ela
proporciona ao aluno o conhecimento com a finalidade de desenvolvi-
mento de sua competência cultural, onde a linguagem científica é utiliza-
da como “ferramenta cultural na compreensão de nossa cultura moderna,
é o grande desafio na renovação do ensino de ciências” (p. 487).
À vista disso, é preciso que o aluno entre em contato com o co-
nhecimento científico, mas não apenas de forma mecânica e memorística
(FLÔR; CASSINI, 2011). É preciso que o aluno compreenda o que lhe é
ensinado na sala de aula, pois a compreensão desses conteúdos são im-
portantes para seu desenvolvimento social e crítico.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 307


3. Desafios no ensino de ciências biológicas
O ensino de biologia teve sua inserção tardia no contexto da edu-
cação escolar, foi uma das disciplinas “que mais tardou a ser incorpora-
da ao currículo da Educação Básica” (FEITOSA et al., 2016, p. 1) No en-
tanto, isso não a reduz sua importância, atualmente é uma disciplina o-
brigatória no currículo escolar. Segundo Sousa et al. (2015) o ensino de
biologia tem se mostrado insuficiente no que se refere ao desenvolvimen-
to de habilidades nos alunos. Os autores veem a necessidade de mudança,
descrevem que faz-se necessário que os alunos conheçam e compreen-
dam os assuntos que envolvem a ciência biológica e como ela pode ser
capaz de transformar a sociedade.
Feitosa et al. (2016) abordam a importância do ensino de ciências
biológicas para a formação dos alunos e explicam que quando a discipli-
na é:
Bem trabalhada em sala de aula, pode ajudar os estudantes a encon-
trar respostas para muitas questões e fazer com que eles estejam em per-
manente exercício de raciocínio, despertando o interesse e a busca pro-
gressiva pelo conhecimento. O uso da tecnologia mais presente na vida
das pessoas ajuda a reforçar a ideia de que a disciplina é de grande valia
para a construção do conhecimento científico, que auxilia na análise de
assuntos da contemporaneidade e a se posicionar frente a eles. (FEITOSA
et al., 2016, p. 1)

Ensinar biologia é uma atividade desafiadora para o educador, is-


so porque os conteúdos que ele ministra envolvem palavras que, na mai-
oria das vezes, não são comuns no cotidiano do aluno, as pronúncias e
escritas são difíceis. Além disso, a forma como as aulas são ministradas
também pode dificultar a aprendizagem (DURÉ et al., 2018). Sobre isso,
Santos et al. (2015, p. 218) aponta que os “professores ainda usam so-
mente o livro didático como recurso metodológico tornando a disciplina
cansativa e monótona não despertando o interesse dos estudantes”. Essa
forma de ensinar colabora, assim, para a defasagem no aprendizado do
aluno.
Duré et al. (2018) explicam que o ensino de biologia só contribui-
rá na formação do educando quando:
Os conceitos e termos passam a ter mais significado para o estudante
quando ele consegue acessar exemplos suficientes para construir associa-
ções e analogias, contextualizando o conteúdo com suas experiências pes-
soais. (DURÉ et al., 2018, p. 218)

308 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
No entanto, a realidade de sala de aula tem se baseado em outra
forma ensinar. Como Feitosa et al. (2016) afirmam, o ensino de biologia
tem sido voltado apenas para a transmissão de conteúdos, com aulas na
maioria das vezes expositivas, onde o aluno é apenas um receptor de in-
formações. Além de existir uma falta de interação entre o que é ensinado
no ambiente escolar e a realidade vivenciado pelo aluno, o que torna as
aulas “sem significado e irrelevantes para a grande maioria dos alunos”
(p. 2).
Alguns autores, como Freire (1980) e Nascimento (2009) apontam
que a educação escolar não deve ser sem significados, ser reprodutivista
e neutra. Nesse mesmo sentido, é importante acrescentar que
Falar de neutralidade da educação é expressar uma vontade de misti-
ficação. Com efeito, o educador tem suas próprias opções e as mais peri-
gosas para uma educação de liberdade são aquelas que se transmitem so-
bre a cobertura da autoridade pedagógica sem reconhecerem-se como op-
ções. (FREIRE, 1980, p. 77)

Visto isso, é preciso que os educadores se posicionem quanto a


sua prática docente, para que possam levar seus alunos a tornarem-se crí-
ticos, questionadores e não apenas sujeitos passivos. Sobre a problemati-
zação no contexto escolar Gasparin (2005) descreve como deve aconte-
cer:
A tarefa principal da escola é trabalhar os conhecimentos sistemati-
zados, científicos, mas a partir da realidade, isto é, fazer com que os con-
ceitos cotidianos ascendam aos científicos e estes desçam aos cotidianos
para que se tornem científicos no cotidiano, por meio da mediação do pro-
fessor. (GASPARIN, 2005, p. 215)

O centro da ação pedagógica compreende em levar os educandos


a superação do “conhecimento vivencial-experiencial (senso comum)”
por meio da prática docente (NASCIMENTO, 2009, p. 2996). Ou seja,
os conteúdos ensinados não devem ter a função de imposição e sim de
formação social, para que os alunos possam compreendê-los e incorporá-
los na vida social.

4. Comunicação entre professor e aluno


A palavra comunicação, segundo Schwanke e Cadei (2014, p. 24),
tem origem na palavra latina communicatione, que significa “ato ou efei-
to de comunicar-se”. Já a palavra comunicar, original do latim, da pala-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 309


vra communicare, que é “tornar comum”. Para que ocorra comunicação é
preciso “partilhar, transmitir, difundir, saber”.
No que refere-se à interação entre linguagem e educação os auto-
res afirmam que:
Em Educação, a forma como ocorre a comunicação entre o professor
e seus alunos merece especial destaque, uma vez que pode facilitar, difi-
cultar ou até mesmo impedir o processo ensino-aprendizagem. (SCH-
WANKE E CADEI, 2014, p. 24)

Portanto, o diálogo na relação professor e aluno se mostra essen-


cial, já que permite de forma eficaz a interação e troca de conhecimentos.
Segundo Krasilchih (2016, p. 57) na sala de aula, os educadores são ca-
pazes de apresentar claramente e de forma interessante os conteúdos aos
alunos, que por sua vez são incentivados a apresentar suas ideias. Porém,
há situações onde não há compreensão, o que gera “apatia ou mesmo an-
tagonismo” isso gera um impedimento entre educador e educando, resul-
tando em barreiras no aprendizado.
Para António e Manuel (2015, p. 29888) “a relação professor-
aluno é uma categoria fundamental do processo de aprendizagem, pois
dinamiza e dá sentido ao processo educativo”. Sobre essa relação, Libâ-
neo (1994) completa dizendo que o educador não deve somente ensinar
conteúdos, mas também conversar com os alunos e os ouvi-los. Acres-
centa ainda que o professor:
Deve dar-lhes atenção e cuidar para que aprendam a expressar-se, a
expor opiniões e dar respostas. O trabalho docente nunca é unidirecional.
As respostas e as opiniões dos alunos mostram como eles estão reagindo à
atuação do professor. (LIBÂNEO, 1994, p. 250)

Krasilchih (2016, p. 58) descreve que a incompreensão do voca-


bulário das aulas de biologia ocorre porque o aluno não consegue acom-
panhar as aulas, isso acontece pelo fato de que são utilizadas palavras
desconhecidas ou que lhes conferem entendimento diferente aos termos
passado pelo educador. A autora cita como exemplo o uso da palavra fe-
nômeno pelo professor e os alunos compreendem como sendo “o que
surpreende”. Outro exemplo é quando o professor solicita um debate, os
alunos julgam “debate” como situação de conflito, quando na verdade
trata-se apenas de discutir, conversar sobre um determinado tema.
Nessa perspectiva, Bizzo (1998) atenta para o fato que os termos
científicos precisam ser contextualizados, seus significados devem ser
compreendido e utilizados de forma correta pelos alunos, mesmo que de

310 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
modo simplificado, também deve ser acessível aos alunos de diferentes
faixas etárias. Para isso o professor precisa usar os termos científicos
gradualmente, certificando-se de que foram realmente compreendidos.
Nunes (2013) atribui a incompreensão do vocabulário de ciências
biológicas ao fato dessa disciplina envolver uma variedade de palavras e
termos específicos, cujas terminologias são provenientes de línguas como
latim, grego, inglês. Esses termos e palavras adotados pela literatura ci-
entífica dificultam o entendimento do aluno, já que o mesmo não apre-
senta o vocabulário necessário para a compreensão dos termos e palavras
utilizados nos livros didáticos e pelo professor. Krasilchih (2016) consi-
dera que o excesso de vocabulário técnico usado pelo professor faz com
que os alunos vejam a biologia como um mero conjunto de nomenclatura
que precisam ser decorados. Para muitos alunos, esses vocabulários tor-
nam-se apenas palavras vazias e sem significados, não sendo por sua vez
assimilados. Sobre os termos da área de ciências biológicas, Nunes
(2013, p. 19) descreve que os alunos sentem-se desorientados “e assim
acabam optando por memorizá-los e afastando-os do gosto pela biologi-
a”. Krasilchih (2016) apresenta como exemplo a situação presente:
Nas aulas de citologia o número de termos novos introduzidos passa
de seis para onze por aula, o que indica ênfase na nomenclatura em lugar
de destaque da análise dos processos metabólicos. Esse dado parece indi-
car também que o lugar de anatomia como fonte de sofrimento para os a-
lunos, que tinham de decorar os nomes das estruturas, é ocupado agora
pela citologia e a minuciosa descrição das organelas e dos mapas metabó-
licos, que os alunos acabam memorizando sem entender o que apresen-
tam. (KRASILCHIH, 2016, p. 58)

A essa problemática, Bizzo (1998) atribui o despreparo de muitos


professores, o que acaba resultando em um ensino inadequado, com uso
exclusivamente de vocabulário científico, impedindo o aprendizado dos
alunos. Como aponta Krasilchih (2016) os conceitos só tornam-se signi-
ficativos para os alunos a partir do momento em que são expressos e-
xemplos do que está sendo trabalhado e oportunidades para serem mani-
pulados seja por experimentos, atividades práticas.

5. Transposição didática
A educação é uma atividade social que ocorre em diferentes ins-
tâncias da sociedade, almejando proporcionar ao homem participar ati-
vamente da civilização (FONSECA; FONSECA, 2016). Ou seja, a edu-
cação está diretamente relacionada à formação do homem para exercer

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 311


relações sociais. A ciência da educação tem como função pedagógica
compreender e explicar as várias configurações que a educação apresenta
no que refere-se a prática social, as contribuições que ela pode propor-
cionar. A formação do homem como ser social não se limita apenas em
inseri-lo na escola e apresentar conteúdos das diversas áreas do conheci-
mento, é preciso que ele entre em contato com os conteúdos mas também
compreenda o que lhe é ensinado (FONSECA; FONSECA, 2016). Visto
a necessidade de formação crítica, a didática surge no campo educacional
tendo como centro o processo ensino-aprendizagem, com estudos volta-
dos para a realização do ensino escolar almejando propostas destinadas a
favorecer o aprendizado dos alunos (GERALDO, 2014). Sobre a educa-
ção escolar, Libâneo (1994) considera que é preciso entender que:
(...) a aula como o conjunto dos meios e condições pelos quais o professor
dirige e estimula o processo de ensino em função da atividade própria do
aluno no processo da aprendizagem escolar, ou seja, a assimilação consci-
ente e ativa dos conteúdos. Em outras palavras, o processo de ensino, a-
través das aulas, possibilita o encontro entre os alunos e a matéria de en-
sino, preparada didaticamente no plano de ensino e nos planos de aula.
(LIBÂNEO, 1994, p. 45)

Tendo sido determinado que os educandos, ao longo de sua for-


mação devem conhecer conceitos básicos, experimentar o método cientí-
fico e investigar as aplicações da biologia, ao professor cabe selecionar
os conteúdos que mais contribuirão para a formação do aluno. Posterior-
mente deve ser escolhida pelo educador as atividades e experimentos que
melhor favorecem a aprendizagem do educando.
Para que o aluno seja capaz de compreender o conhecimento cien-
tífico é preciso uma transformação na linguagem por parte do professor
para que o conteúdo possa ser compreendido pelo educando. A esse pro-
cesso de transformação é dado o nome de transposição didática, esse pro-
cesso não prejudica o saber escolar, mas favorece o reconhecimento do
saber científico, inserindo-o no contexto escolar (PEREIRA et al., 2018).
Brockington e Pietrocola (2005, p. 388) explicam que no processo de
transposição didática um conteúdo é passado de um contexto para outro,
passa por modificações, quando é ensinado esse conceito mantém a ideia
original. Os conhecimentos não são meramente simplificados ou retira-
dos do contexto original e levados aos alunos.
A escolha da modalidade didática a ser usada vai acontecer de a-
cordo com os conteúdos a serem trabalhados e dos objetivos designados
(KRASILCHIH, 2016, p. 79). Nesse sentido, Freire (1998, p. 52) afirma
que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para

312 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
a sua própria produção ou a sua construção”. Já para Fonseca e Fonseca
(2016, p. 13) o ensino está ligado ao processo de transmissão de conhe-
cimentos, e é função da didática ajustar “os elementos do planejamento
de ensino e os procedimentos e técnicas necessários para ensinar”. Não
basta que o professor conheça a disciplina que leciona e os conteúdos que
serão ensinados, é preciso saber como ensinar de modo a favorecer o a-
prendizado significativo do aluno.

6. Conclusões
O estudo permitiu identificar que o ensino de ciências e biologia
ainda apresenta características de uma educação tradicional, onde é co-
mum e memorização dos conteúdos pelos alunos. Esse ensino memorís-
tico faz com que essa área do conhecimento torne-se sem significado e
sem importância para o aluno, visto que ele acaba não compreendendo a
função que a disciplina possui no sentido de lhe proporcionar uma for-
mação social crítica.
Além disso, verificou-se também que a linguagem estritamente
científica, com a presença de termos e palavras específicas que não são
comuns no cotidiano dos alunos, e uma forma de ensino que não preze
pela clareza na apresentação dos conteúdos em sala de aula, tornam-se
mais um obstáculo no ensino de ciências biológicas. Tudo isso culmina
para um ensino mecânico e sem significado.
Foi visto, dessa forma, que uma alternativa para romper com essa
problemática é fazer a transformação da linguagem científica em lingua-
gem de fácil entendimento para o aluno, sendo que uma forma é através
da transposição didática. Já que esse instrumento quando usado correta-
mente não modifica os conceitos científicos, apenas faz com que eles
cheguem até os educandos de maneira mais clara e sejam realmente
compreendidos. Logo, faz-se com que o ensino de ciências biológicas
cumpra com sua função que é contribuir com a formação crítica e social
dos alunos.

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316 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS DE VENDEDORES EM ÔNIBUS:
TEORIA SEMIOLINGUÍSTICA, ETHOS,
POSICIONAMENTO E INTERPELAÇÃO
Marcello Riella Benites (UENF)
[email protected]
Sérgio Arruda de Moura (UENF)
[email protected]
Adriana Corrêa Porto (FSMA)
[email protected]

RESUMO
O trabalho parte de transcrição da intervenção de uma vendedora de doces em
um ônibus e reitera que a Análise do Discurso (AD) francesa não se aplica apenas a
locutores dominantes – que constituem grande parte de seus objetos de estudo. Falan-
tes de setores subalternos desenvolvem estratégias discursivas elaboradas, lançando
mão de um ethos particular, caracterizado pelo posicionamento de inferioridade e va-
lendo-se da adesão de um público que identifica-se com a abordagem devido a uma
disseminada formação discursiva cristã/solidária. Nos veículos coletivos há um contrato
de comunicação limitado pelo tempo e local. O momento da tomada da palavra é men-
cionado em sua importância, mesmo se brevemente. O contexto é o do contrato de co-
municação previsto na teoria semiolinguística. Propomos ainda uma ampliação de con-
ceitos como ethos, posicionamento, e interpelação para significados além do enfoque
ideológico tradicional nos estudos do discurso. Apontamos na direção de que mesmo
assim essas noções podem oferecer análises eficazes, conforme pretendemos demons-
trar. Resulta um quadro no qual se detecta negociação, resignação e expectativa de
adesão, aliás, contemplada pelos destinatários. Objetivamos dessa forma contribuir
com mais evidências sobre a versatilidade da metodologia da AD.
Palavras-chave:
Ethos. Interpelação. Posicionamento.
Teoria semionlinguística. Vendedores em ônibus

1. Introdução
O discurso que analisaremos é o da intervenção de uma vendedora
de doces em um ônibus. Não se enquadra, portanto, entre os discursos
dominantes de nossa sociedade – que são os mais frequentemente anali-
sados pela Análise do Discurso. Apresenta, porém, estratégias tão habili-
dosas quanto aqueles e, num certo sentido, até mais, visto que é despoja-
do de poder e, portanto, precisa de abordagens discursivas mais elabora-
das. Essa situação de comunicação demonstra que, mesmo em práticas
sociais hierarquizadas, iniciativas de subalternos envolvem negociação,

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 317


expectativa de adesão atendidas pelos destinatários e sucesso.
Segue o texto da abordagem no veículo coletivo.
– Senhoras e senhores passageiros,
– Desculpem incomodar a viagem de vocês.
– É muito triste para uma mãe levantar pela manhã e não ter o lei-
te para dar às crianças.
– Por isso estou aqui vendendo esses pirulitos por qualquer valor
que vocês possam colaborar.
– Aqueles de vocês que puderem ajudar eu agradeço de coração,
àqueles que não puderem, eu agradeço da mesma forma.
– Que Deus abençoe a todos e lhes dê uma boa viagem!44
Pode-se dizer que intervenções assim são um gênero de discurso
com formato recorrente em transportes coletivos nos centros urbanos do
Estado do Rio de Janeiro, passível de ser estudado pela Análise do Dis-
curso. Ambulantes ou pedintes apresentam discursos com restrições es-
pecíficas no contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2009). São a-
bordagens marcadas pelo curto tempo que de que os enunciadores dis-
põem para se pronunciarem e obterem adesão (doações ou compra de
seus produtos): eles logo devem descer do veículo para tomar outro e
prosseguir sua estratégia de sobrevivência. Por outro lado, por estarem
tanto os passageiros quanto os vendedores acostumados a essas práticas
sociais, recorrentes nos coletivos, eles têm uma competência linguageira
comum que permitem o entendimento mútuo.
Vale lembrar o que Charaudeau (2009) entende por contrato de
comunicação.
A noção de contrato pressupõe que os indivíduos pertencentes a um
mesmo corpo de práticas sociais estejam suscetíveis de chegar a um acor-
do sobre as representações linguageiras dessas práticas sociais. Em decor-
rência disso, o sujeito comunicante sempre pode supor que o outro possui
uma competência linguageira de reconhecimento análoga à sua. Nesta

44
Transcrito a partir da enunciação - anotada em tópicos e reconstituída à memória - de
uma mulher que tomou, na rodoviária de Macaé, o ônibus da Viação 1001 com destino a
Unamar (Cabo Frio), na tarde do dia 2 de julho de 2012. Aparentando ter 25 anos e ves-
tindo roupas sujas, ela era negra e tinha uma miscigenação que lhe dava cabelos ondula-
dos.

318 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
perspectiva, o ato de linguagem torna-se uma proposição que o EU faz ao
TU e da qual ele espera contrapartida de conivência. (CHARAUDEAU,
2009, p. 56)

Ocorrem, de fato, situações em que vendedores habilidosos se apresen-


tam com produtos que oferecem uma relação materialmente vantajosa para o
interlocutor. Não é este o caso que estamos analisando. Nosso objeto de estu-
do está entre discursos com um ethos particular, que funciona como um recur-
so muito peculiar de convencimento, invocando conhecimento prévio e soli-
dariedade por parte do público.
Também aqui faz-se necessário um resgate conceitual. Para Maingue-
neau (2008, p. 69), além “da persuasão por argumento, a noção de ethos per-
mite, de fato refletir sobre o processo mais geral da adesão de sujeitos a uma
certa posição discursiva”. O autor francês refere-se a ethos também como um
saber extradiscursivo e até pré-discursivo do auditório sobre o enunciador.
O ethos está crucialmente ligado ao ato de enunciação, mas não po-
demos ignorar que o público constrói também representações do ethos do
enunciador antes mesmo de ele começar a falar. Faz-se, assim, necessário
distinguir entre ethos discursivo e ethos pré-discursivo (ou prévio). A dis-
tinção pré-discursivo/discursivo, deve, contudo, levar em conta a diversi-
dade de tipos, de gêneros do discurso e de posicionamentos (...). De qual-
quer modo, mesmo que o destinatário nada saiba antes sobre o ethos do
locutor, o simples fato de um texto estar ligado a um dado gênero do dis-
curso ou a um certo posicionamento ideológico induz expectativas no to-
cante ao ethos. (MAINGUENEAU, 2006, p. 269)

Acrescentaríamos na penúltima linha da citação acima: “(...) posi-


cionamento ideológico ou situação social”. No caso deste estudo, trata-se
da situação de inferioridade e desprestigio de alguém que deve, para ob-
ter subsistência, pedir ou vender em ônibus, apelando mais para a solida-
riedade de quem compra – “por favor, comprem só para ajudar”, como
costuma-se ouvir – do que pelo valor do produto.

2. Teoria semiolinguística e idealização do destinatário


Charaudeau (2009, p. 52), na sua teoria semiolinguística faz uma
abstração que nos parece muito útil para compreender a ideia de “ethos
pré-discursivo”, ou seja, um ethos prévio do enunciador (no nosso caso, a
vendedora/pedinte) que é já presente no destinatário (os passageiros do
ônibus). Ou seja, uma idealização do enunciador feita pelo destinatário
do discurso. Pedimos licença para recorrer a notas de pé de página para
explicar os elementos e os processos do quadro definido pelo autor. Ele

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 319


propõe uma situação de comunicação, com um contrato, regras seguidas
e coerções sofridas pelos interlocutores. Na situação de comunicação de-
finida pelo presente estudo, existe uma Locutora (EUc/Sujeito Comuni-
cante/Ser Social)45. Ela tem um Projeto de Fala/Finalidade46. Ao tomar
a palavra47, a vendedora (EUc) assume o papel o papel de EUe Enuncia-
dora (Ser de fala)48.
Por outro lado, EUc (a vendedora/Sujeito comunicante/Ser soci-
al), de carne e osso, não fala aos passageiros, de carne e osso, que estão
no ônibus, mas apresenta seu projeto de fala/finalidade destinada a uma
idealização que ela faz desses passageiros. É um TUd (destinatário/ser
de fala). O TUd, por sua vez, representa para a ela TUi (Sujeito Interpre-
tante/Ser social/os passageiros), de carne e osso.
A adesão é, portanto, assumida devido à sensibilidade do auditó-
rio (TUi/Ser social) às necessidades do Eu Enunciador (EUe/Ser de fala).
O EUe já é previamente (re)conhecido e constituído pelos parceiros49
(TUi) no “espaço interno” da situação de comunicação, onde opera o
“mundo discursivo”. E as necessidades de EUc (ser social), neste caso,
sempre situações de deficiência física, falta de saúde em geral e/ou po-
breza, estão no “espaço externo”, onde opera o mundo social.
Trata-se, esse ethos peculiar por parte da vendedora (EUc), da re-
velação de uma marcante interpelação resultante da condição social
desprestigiada, que propomos aqui em analogia ao conceito de interpela-
ção ideológica (ALTHUSSER, 1974), e que chamaremos de interpelação
social. Recordando o conceito original utilizado pela Análise do Discur-
so:
No livro Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado (1974), Louis
Althusser (...) afirma que a ideologia interpela os indivíduos como sujei-
tos, independentemente de suas vontades. E o reconhecimento dessa rea-
lidade inexorável ocorre quando o sujeito se insere, a si mesmo e a suas

45
No nosso caso, a nossa vendedora.
46
Vender pirulitos.
47
“Senhoras e senhores passageiros, desculpem incomodar a viagem de vocês”.
48
EUe não é um ser real, mas um “ser de fala”, ou seja, não é a vendedora de carne de osso
mas a idealização que muito provavelmente a maior parte do público vai fazer de alguém
que com suas características físicas e de vestuário, e que entra no coletivo, tomando a pa-
lavra daquela maneira.
49
Os passageiros (Ser social, de carne e osso).

320 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ações, em práticas ideológicas. Brandão (apud MUSSALIM; BENTES,
2009, p. 135) afirma que “essa interpelação ideológica consiste em fazer
com que cada indivíduo (sem que ele tome consciência disso, mas, ao
contrário, tenha a impressão de que é senhor de sua própria vontade) seja
levado a ocupar seu lugar em um dos grupos ou classes de uma determi-
nada formação social”. (BENITES, 2016, p. 92)

Para angariar adesão, a mulher (EUc, ser social) se coloca numa


condição de inferioridade manejando um discurso sobre o qual não tem o
menor controle ou consciência50. Vem em evidência também a noção de
posicionamento na qual EUe (ser de fala) instaura uma identidade enun-
ciativa de “fraca consistência doutrinal” (CHARAUDEAU; MAIN-
GUENEAU, 2012, p. 393). Configura-se um posicionamento de alguém
que já se coloca como inferior e até incômodo (“Desculpem-me por atra-
palhar a viagem de vocês”).
Também aqui propomos – devido ao fato de nosso objeto de estu-
do ser um discurso subalterno – uma releitura da noção de posicionamen-
to, que é colocada pelos autores mais em termos ideológicos ou profis-
sionais:
(...) o termo posicionamento designa o fato de que, por meio do
emprego de tal palavra, de tal vocabulário, de tal registro de língua, de
tais construções, de tal gênero de discurso etc., um locutor indica como
ele se situa num espaço conflituoso: utilizando a lexia “luta de classes”,
posiciona-se como sendo de esquerda; falando em um to didático e com
um vocabulário técnico, posiciona-se como especialista etc. (CHARAU-
DEAU; MAINGUENEAU, 2012, p. 392)

Nossa releitura é também no sentido de propor um deslizamento


da noção de posicionamento, na forma como julgamos assumida por nos-
sa vendedora (EUc). Ela, por sua vez, não estabelece “um espaço confli-
tuoso” de discurso, como colocado pelos autores franceses. Trata-se, di-
ferentemente, de uma negociação na expectativa de receber certa adesão
resultante de um ethos pré-discursivo, que no senso comum conhecemos
como boa vontade, por parte do público (TUi, ser social), para aborda-
gens desse gênero.

50
Essa é a hipótese da AD: as pessoas não são a fonte consciente do próprio discurso, mas
este é gerado por sua cultura, ideologia e condicionamentos sociais nos quais elas
são/estão imersas. Verificar essa reflexão e também o conceito de duplo esquecimento,
em Brandão, Authier-Revuz e Orlandi (Apud BENITES, 2016, pp. 18, 92 e 93).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 321


3. Fenômenos discursivos acionando uma atitude solidária ou perpe-
tuando a desigualdade?
Outro indício que reforça esses mesmos padrões de ethos, interpe-
lação social e posicionamento é, no caso específico em questão, o fato de
a mulher não estabelecer um preço para o produto (“estou aqui vendendo
esses pirulitos por qualquer valor”). De fato, não é que o pirulito vale
pouco. Ele não vale nada, como parece compreender a própria locutora
(EUc), a ponto de o agradecimento, única retribuição que o enunciador
deveria a quem dá algo pelo doce, é antecipadamente dirigido, no final da
enunciação, a todos, tanto os que contribuíram como os que não contri-
buíram (“agradeço da mesma forma”). Podemos inferir que a enunciado-
ra não precisaria prestar conta da venda dos produtos a um fornecedor
porque provavelmente os recebeu de graça, possivelmente, de um doador
sensível ao mesmo ethos pré-discursivo já explicitado.
Nesse ponto apresenta-se uma adesão “solidária” que não segue as
regras de qualquer troca comercial convencionalmente instituída e nem
as coerções dos contratos de comunicação aceitos nessas trocas. Um Tu
Destinatário (TUd), também um “ser da fala” disperso na sociedade, se
encarnaria tanto no doador dos pirulitos, suposto por nós, quanto no audi-
tório composto pelos passageiros do ônibus. Essa adesão está inscrita na
relação desses “seres sociais” (na posição de Receptor/sujeito interpre-
tante/TUi) com a nossa pedinte (no papel de Locutora/sujeito comunican-
te/EUc). São convergentes o projeto de fala do sujeito comunicante e a
finalidade do sujeito interpretante (agir solidariamente), finalidade que
pode resultar num silêncio, com a mera entrega do dinheiro, ou palavras
de encorajamento – que aqui supomos – como “Boa sorte!”, ou “Deus te
abençoe!”, entre outras possíveis.
Estamos diante de um relação – refletida na situação de comuni-
cação – que passa por sentimentos como o de fraternidade e o desejo di-
fuso socialmente de fazer o que se pode para minimizar o sofrimento dos
necessitados. Mas se quisermos prezar pelas raízes dialéticas da AD, é
possível fazer a seguinte leitura: resulta desse contrato de comunicação a
convergência na direção de uma transferência de valor – dinheiro que
não faz falta a quem dá nem resolve o problema de quem recebe. Um va-
lor que, portanto, perpetua uma sobrevivência com baixa qualidade de
vida e contribui para estabilizar um cenário social de desigualdade.

322 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
4. Análise do texto, frase a frase
Vamos agora ao discurso (EUe) transcrito de nossa enunciadora
(EUc) a partir do momento em que ela toma a palavra, reivindicando pa-
ra si o direito a falar e de obter a atenção do auditório. Vale, antes, lem-
brar a importância da tomada da palavra, pois a ela nos referiremos mais
adiante:
Todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de
si. Para tanto, não é necessário que o locutor faça seu auto-retrato, detalhe
suas qualidades nem mesmo que fale explicitamente de si. Seu estilo, suas
competências linguísticas e enciclopédicas, suas crenças implícitas são
suficientes para construir uma representação de sua pessoa. Assim, deli-
beradamente ou não, o locutor efetua em seu discurso uma apresentação
de si. (AMOSSY, 2008, p. 9)

Segue, então, a análise, entre colchetes, após cada trecho da fala.


De início, observamos que se trata de um registro formal – que
não faz parte do hábito de fala da mulher em seu cotidiano – aprendido,
exercitado/decorado e enunciado, sem espontaneidade, mas com eficácia.
– Senhoras e senhores passageiros,
[O momento da tomada da palavra vem marcado por uma forma-
ção discursiva51 ligada às atividades dos meios de transporte de pessoas
– como se fosse um motorista, uma aeromoça... –, que se adequa às res-
trições do contrato de comunicação – e atenua possíveis resistências e re-
jeições – conferindo à enunciação uma formalidade que convoca consi-
deração maior do que se o registro fosse de uma fala informal, por exem-
plo, “Oi pessoal!” – embora a informalidade na tomada da palavra tam-
bém seja utilizada por diversos pedintes e vendedores que atuam em co-
letivos.]
– Desculpem incomodar a viagem de vocês.
[interpelação social em posição de inferioridade, e assumindo, in-
clusive, certa consciência de uma suposta incoveniência com relação ao
auditório, também com função de prevenir rejeições, como se dissesse:

51
Também o conceito de formação discursiva (FD) é mencionado aqui não marcadamente
tomado no sentido ideológico, como é definido convencionalmente pela Análise do Dis-
curso, mas, sim, como âmbito discursivo mais geral, a exemplo da cultura, classe social,
ou categoria profissional: “É a FD que determina o ‘que pode e deve ser dito’ e, ainda, ‘é
nas formações discursivas que se opera (...) a interpelação do sujeito (...)”, afirmam Cha-
raudeau e Maingueneau (Apud BENITES, 2016, p. 92).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 323


“eu sei que estou incomodando mas tenham compaixão”.]
– Mas é que me encontro desempregada e preciso sustentar
três crianças.
[enunciado representa agora uma formação discursiva “familiar”,
do ponto de vista de como se vê os “necessitados da sociedade”.]
– É muito triste para uma mãe levantar pela manhã e não ter
o leite para dar às crianças.
[A menção ao leite – ela poderia ter mencionado o pão, que tam-
bém integra a refeição matinal – vincula ainda mais o enunciado a uma
formação discursiva “materna”, de alguém que amamenta; a afirmação
“É muito triste...” enfatiza o ethos da argumentação, de grande eficácia
para angariar a adesão da audiência. No senso comum se diria “para ob-
ter compaixão e sentimento de pena.”]
Por isso estou aqui vendendo esses pirulitos por qualquer va-
lor que vocês possam colaborar.
[Ressaltamos a contradição - já apontada no corpo da análise - da
quebra das convenções de uma troca comercial comum, pois não importa
o valor e, sim, que os ouvintes “possam colaborar”; não fixar um valor é
mais um elemento desse ethos, uma estratégia que amplia a adesão.]
– Àqueles de vocês que puderem ajudar eu agradeço de cora-
ção, àqueles que não puderem, eu agradeço da mesma forma.
[Mais uma vez, a enunciação esconde um ethos de despojamento.
Vale aqui a referência a Oswald Ducrot na obra “O Dizer e o dito”
(1972), onde ele assinala a eloquência de discursos que comunicam algo
que efetivamente não dizem: “(...) não se trata apenas de fazer crer, trata-
se de dizer, sem ter dito (DUCROT, Apud GUIMARÃES, 2015, p.
172)”. Com esse enfoque implícito na situação e contrato de comunica-
ção, os passageiros (TUi, ser social) podem reler assim a fala da enunci-
adora (EUe, ser de fala) acima: “Não importa nem mesmo se vocês não
me ajudarem, importa que tenham compaixão de minha situação, e aqui
estamos unidos na condição da fraternidade humana”. Configura-se, de
fato, um enunciado que confirma e antecipa o registro de uma formação
discursiva cristã profundamente enraizada em nossa sociedade e ratifica-
da no fechamento da abordagem, como vemos abaixo].
– Que Deus abençôe a todos e lhes dê uma boa viagem!

324 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
[Uma descrição da última cena: a mulher, ao término de sua fala,
percorre o veículo a partir do ponto onde estava, na parte da frente do
mesmo, recolhendo as contribuições em dinheiro ou os doces (de quem
não contribuiu) que já havia distribuído silenciosamente (ao entrar no ô-
nibus, antes de tomar a palavra); a menção a Deus ancora todo o discurso
no absoluto e no transcendente, invocando a graça eterna (“Que Deus
abençôe a todos”). A abordagem se fecha retomando a formação discur-
siva dos profissionais dos meios de transporte, tão adequada àquela situ-
ação de comunicação, desejando um prosseguimento feliz do trajeto no
ônibus.]

5. Considerações finais
A Análise do Discurso oferece elementos para desvelar não o que
os discursos comunicam, mas como comunicam. As noções de situação e
contrato de comunicação, e as distinções entre “seres sociais” – que aqui
enfatizamos com a expressão “de carne e osso” – e “seres de fala”, que
são idealizações feitas reciprocamente entre locutor e receptor no contex-
to da teoria semiolinguística, ajudam na compreensão da conceito de e-
thos pré-discursivo.
A ampliação para sentidos não somente ideológicos de posicio-
namento, interpelação e formação discursiva permitiu revelações peculia-
res na abordagem de um discurso subalterno por excelência. Os vendedo-
res em transporte coletivo definem um gênero de discurso com muitos
subgêneros, um dos quais, bem característico, é o da locutora que anali-
samos. É marcante a concentração da sua fala totalmente na compaixão
do auditório, e não na qualidade do próprio discurso ou no benefício do
produto que oferece.
E o investimento é compensado pela existência do ethos solidá-
rio/cristão, pré-construído no imaginário dos passageiros antes mesmo
que tomasse a palavra, enquanto distribuía os doces. Após esse momento,
como explicitamos, ela tem contemplada essa expectativa não apesar e
sim graças à sua performance sem espontaneidade, convocando assim,
compaixão e obtendo sucesso.
A presente análise opta pela constatação de uma solidariedade que
humaniza os ambientes mais variados onde pessoas necessitadas buscam
a sobrevivência. Mas não deixamos de observar a possibilidade de práti-
cas sociais e trocas discursivas que perpetuam a desigualdade.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 325


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Tradução: Dílson Ferreira da Cruz, Fabiana Komesu e Sírio Possenti.
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trado defendida no Programa de Pós-graduação em Cognição e Lingua-
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de Si no Discurso: a Construção do Ethos. Trad. de Dílson Ferreira da
Cruz, Fabiana Komesu e Sírio Possenti. São Paulo: Contexto, 2008.

326 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ESTRATÉGIAS PARA A APRENDIZAGEM DE
LEITURA EM LÍNGUA INGLESA
Sonia Maria da Fonseca Souza (UENF)
[email protected]
Clodoaldo Sanches Fofano (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]
Lucas Capita Quarto (UNIG)
[email protected]
Raquel França Freitas (UENF)
[email protected]
Vyvian França Souza Gomes (UENF)
[email protected]

RESUMO
Esta pesquisa objetiva investigar as estratégias para a aprendizagem de leitura no
ensino da língua inglesa, procurando ressignificar o processo de ensino da língua in-
glesa à luz de uma abordagem cognitivista. Para tornar viável essa pesquisa o corpus
teórico que a fundamentou foi, sobremaneira, alicerçado por teóricos da Linguística
Aplicada e de áreas afins, que ajudam na compreensão do foco investigado. O estudo é
de base qualitativa, fundamentado na pesquisa bibliográfica, com vistas a contribuir
com percepções, entendimentos do fenômeno investigado junto à comunidade científi-
ca. Ao final da investigação foi possível tecer considerações sobre estas estratégias que
se mostram eficientes quando usadas metacognitivamente, ou seja, quando monitoram
sua compreensão.
Palavras-chave:
Aprendizagem. Língua Inglesa. Estratégias de leitura.

1. Introdução
O avanço tecnológico, o mundo globalizado e a universalização
da língua inglesa exigem que nós, como professores de língua estrangeira,
possamos prover nosso aluno de competência, pelo menos para a leitura,
uma vez que o estudo abstrato sintático e morfológico da língua não pro-
picia seu uso na vida prática. Nesse sentido, vale ressaltar que segundo a
literatura especializada, pesquisas sobre leitura em uma segunda língua,
têm salientado a importância das estratégias de leitura para a aprendiza-
gem, dentre os diversos aspectos enfocados. Esta pesquisa busca respon-
der a seguinte questão-problema: De que modo a aplicação de estratégias

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 327


de leitura enriquece e propicia a formação de leitores críticos e reflexi-
vos? O objetivo deste estudo é investigar as estratégias para a aprendiza-
gem de leitura no ensino da língua inglesa, procurando ressignificar o
processo de ensino da língua inglesa à luz de uma abordagem cognitivis-
ta.
A linha metodológica norteadora é de cunho qualitativo, funda-
mentado na pesquisa bibliográfica, através da qual fica circunscrito o le-
vantamento e a discussão da produção bibliográfica existente sobre o te-
ma de nosso interesse. Portanto, a proposta desta pesquisa, através das
abordagens propiciadas pelo referencial teórico-metodológico elencado,
pode trazer mudanças significativas para o saber-fazer do professor de
língua estrangeira no seu cotidiano, sobremaneira, relevando os modos
de aprender do aluno em todos os graus do ensino. Ainda, estudos sobre
estratégias de leitura podem ser de grande valia para professores de In-
glês na Escola Pública que, no Brasil, se encontra numa posição desprivi-
legiada quanto à qualidade.
Desse modo, partilhamos a ideia defendida por Luckesi (2012) de
que somos responsáveis pela construção de uma universidade e não de
uma simples escola de ensino superior. A universidade pretendida é, en-
tão, centro onde a busca de informações em todos os níveis é feita a fim
de que a realidade seja entendida em todos os seus ângulos e relações pa-
ra que possa ser continuamente transformada. E esta concepção está aci-
ma da especialidade profissional que o aluno busca dentro da faculdade.
Sendo grande a responsabilidade da universidade na formação global do
profissional, pois da postura deste frente à realidade vai depender da con-
figuração de um novo quadro histórico com possíveis mudanças e pro-
gresso cultural.

2. Estratégias para a aprendizagem de leitura sob diferentes olhares


Segundo Smith (1999, p. 109, 111), estamos sempre fazendo per-
guntas, previsões, embora de forma inconsciente. Caso tenhamos respos-
tas e nossas previsões se realizem, poderemos dizer que estamos compre-
endendo o texto. Talvez não possamos dizer o que prevíamos pelo fato
de não tomarmos consciência da necessidade de fazer perguntas sobre o
texto e não as fazemos (ficamos perdidos), mas nos damos conta quando
estas não se realizam ou quando elas nos levam por um caminho errado
(e ficamos surpresos).

328 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Vale sublinhar que, o termo estratégia vem sendo empregado en-
tre os cognitivistas e os construtivistas, para caracterizar os diversos
comportamentos hipotetizados no leitor durante o processo de leitura.
Solé (1998) uma estudiosa deste tema ressalta que as estratégias
de leitura
São procedimentos de ordem elevada que envolve o cognitivo e o
metacognitivo [...] O que caracteriza a mentalidade estratégica é a sua ca-
pacidade de representar e analisar os problemas e a flexibilidade para en-
contrar soluções. (SOLÉ, 1998, p. 70)

Ainda, outra autora inspirada em Vygotsky, Kato (1995, p. 124)


procurando clarificar o entendimento de cognição e metacognição afirma
que se pode distinguir duas fases no desenvolvimento do conhecimento:
uma fase de desenvolvimento automático e inconsciente e uma em que se
observa um gradual controle ativo desse conhecimento.
As estratégias cognitivas, portanto, governam o comportamento
automático e inconsciente do leitor que pressupõe que o texto esteja nu-
ma ordem natural e que seja coerente. As estratégias metacognitivas en-
volvem os componentes de controle sobre a própria compreensão, o es-
paço para resolver equívocos ou inconsistências só após ele ter sido pro-
cessado na fase automática (KATO, 1995, p. 132).
Oxford (1993, p. 20), por sua vez, critica os sistemas de categori-
zação sobre estratégias existentes na literatura que são exclusivamente
voltados à cognição e à metacognição, atribuindo pouco ou nenhum valor
às estratégias sociais e afetivas, tomando o aprendiz por mera “máquina
de processamento de informações”. A autora desenvolve, então, um sis-
tema baseado na teoria de que o aprendiz é um ser completo, que utiliza
não apenas o intelecto, mas também recursos sociais, emocionais e físi-
cos durante o aprendizado de uma nova língua. Esse sistema contém os
seguintes grupos de estratégias: afetivas – redução da ansiedade por meio
do riso e da meditação, autoencorajamento por meio de afirmações; soci-
ais – formulação de perguntas e interação com falantes nativos da língua-
alvo; metacognitivas – atenção, monitoração de erros e autoavaliação do
próprio progresso, entre outras; mnemônicas – revisão de forma estrutu-
rada, agrupamento, utilização de imagens etc.; cognitivas gerais – análi-
se, resumo e prática; compensatórias (contrabalançam conhecimento li-
mitado) – inferência de significados pelo contexto, uso de sinônimos e
gestos para transmitir significados.
Wenden (1987, p. 6) considera as estratégias de leitura como cha-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 329


ve para a autonomia do aluno, por se tratar de procedimentos usados para
a solução de problemas. Aponta, também esta autora, pesquisas cujos re-
sultados comprovam que alunos malsucedidos são os mais parados, não
conseguindo trabalhar com as estratégias de aprendizagem de leitura. A
autora estabelece que estas se referem aos diversos comportamentos de-
monstrados ou relatados pelo aluno para aprender e para regular a apren-
dizagem de uma língua. Refere-se, ainda, ao conhecimento que o apren-
diz tem daquilo que emprega e de outros aspectos de seu aprendizado de
línguas que não o estratégico, como por exemplo, os fatores pessoais que
facilitam a aprendizagem, os princípios gerais a serem seguidos para um
bom entendimento da leitura; aspectos considerados fáceis ou difíceis,
bem como a autoavaliação sobre o próprio desempenho. Segundo esta
autora, esses conhecimentos podem influenciar as escolhas do aprendiz
no que diz respeito à utilização de determinadas estratégias.
Com base em diversos estudos, O’Malley e Chamot (1990, p. 27)
desenvolveram alguns esquemas classificatórios de estratégias. As expli-
citações de cada uma delas são registradas em:
 Metacognitivas – envolvem reflexão sobre o processo de apren-
dizagem, planejamento para o aprendizado, monitoração de
compreensão ou produção, autoavaliação durante e após o ter-
mino da atividade;
 Cognitivas – pressupõem manipulação direta ou transformação
do material de aprendizagem, sendo seu uso, às vezes, restrito
ao tipo específico de tarefa. São exemplos desse tipo de estraté-
gias: inferência contextual; transferência, isto é, utilização de
informação linguística já conhecida, seja na primeira ou segun-
da língua e elaboração, ou seja, integração de novas ideias a in-
formação já conhecida;
 Sociais/afetivas – representam um grupo amplo, abrangendo
tanto a interação com outra pessoa, quanto o controle afetivo.
São, em geral, consideradas aplicáveis a uma grande variedade
de tarefas. No caso da leitura, tem-se: cooperação (trabalhos em
grupos) para solucionar problemas de compreensão, questiona-
mento para obter esclarecimentos ou exemplos, e autoencora-
jamento para reduzir a ansiedade.
Temos observado e muitos autores têm demonstrado que as estra-
tégias fornecem uma base para remediar muitas dificuldades enfrentadas
no aprendizado de línguas. O’Malley e Chamot (1990) definem as estra-

330 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
tégias de aprendizagem como pensamentos ou procedimentos que os in-
divíduos usam para ajudá-los a compreender, aprender e reter a nova in-
formação. Esses autores acreditam que elas podem ser executadas de
forma consciente nos estágios iniciais da aprendizagem e, posteriormen-
te, passarem a ser empregadas automaticamente, podendo assim, serem
ensinadas. Espera-se que esse ensino possibilite ao aluno se autoconhecer
como aprendiz, bem como se tornar gradativamente independente e res-
ponsável pelo seu próprio aprendizado. Redefinindo o papel do professor
como do aluno. O professor assume um papel de consultor, mediador, fa-
cilitador da leitura. O aluno torna-se um participante ativo no processo de
ler.
É importante, no entanto, não se esquecer de que os aprendizes
têm uma tendência enorme a ter atitudes e comportamentos extremamen-
te passivos em relação à sua aprendizagem. Ensinar estratégias aos alu-
nos será de pouca valia, a não ser que eles comecem a querer assumir
maior responsabilidade por sua própria aprendizagem. Antes de ensiná-
las simplesmente, urge que se crie oportunidades de conscientização dos
alunos a respeito da importância de sua autonomia no processo de apren-
dizagem.
Pode-se perceber, portanto, que as estratégias de aprendizagem de
leitura são, portanto, instrumentos importantes para conduzir os alunos à
sua autonomia dentro do processo de aprendizagem, o que pode vir a tor-
nar o ensino de línguas, de um modo geral, muito mais efetivo.
Para Carrel (1989, p. 121), as estratégias de leitura revelam como
os leitores administram sua interação com o texto escrito e como essas
estratégias estão relacionadas com a compreensão do texto. Kleiman
(2004) define, de uma maneira mais ampla, a estratégia de leitura como:
Operações regulares para abordar o texto. Essas estratégias podem ser
inferidas a partir da compreensão do texto, que por sua vez é inferida a
partir do comportamento verbal e não verbal do leitor, isto é, do tipo de
respostas, que ele dá às perguntas sobre o texto, dos recursos que ele faz,
de suas paráfrases, como também da maneira com que ele manipula o ob-
jeto: se sublinha, se apenas folheia sem se deter em parte alguma, se passa
os olhos rapidamente e espera a próxima atividade começar, se relê.
(KLEIMAN, 2004, p. 4)

Em outras palavras, as estratégias de leitura revelam como os lei-


tores administram sua interação com o texto escrito e como estas estraté-
gias estão relacionadas com a compreensão do mesmo.
As estratégias de aprendizagem de leitura podem ser agrupadas de

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 331


acordo com as habilidades: falar, escrever, ler e escutar. Essas estratégias
para atividades de leitura envolvem tudo aquilo que poderá ser utilizado
pelo aluno facilitando o entendimento e também a organização do conhe-
cimento propiciado pela leitura de um texto.
Acreditamos que o aprendiz poderá superar suas dificuldades por
meio do conhecimento dessas estratégias e do uso da metacognição, isto
é, por meio de sua conscientização sobre o processo de aprendizagem so-
bre o qual nos expandiremos adiante. A escolha das estratégias a serem
trabalhadas em cada atividade de leitura varia de acordo com a dificulda-
de do texto ou da tarefa, assim como os recursos disponíveis ao leitor,
seus objetivos e suas atividades.
Mister se faz mencionar algumas estratégias de leitura desde as
mais usuais como: skimming (fazer uma leitura rápida do texto com o ob-
jetivo de encontrar a ideia principal do texto), scanning (fazer uma leitura
rápida do texto com o objetivo de encontrar uma determinada informa-
ção), uso de predições e dicas contextuais, tolerância à criatividade, leitu-
ra por compreensão, leitura crítica e inferência, incluindo até estratégias
mais recentemente reconhecidas tais como: construir e ativar um conhe-
cimento prévio apropriado e reconhecer estrutura textual.
Ainda sobre a habilidade de leitura podemos citar as crenças dos
alunos e dentre elas: a leitura é passiva; é necessário entender palavra por
palavra; textos autênticos não devem ser lidos por iniciantes; a função
mais importante do texto é informar; os textos são, geralmente, usados
para ilustrar pontos gramaticais e aquisição de vocabulário, ou seja, são
usados como pretextos para se ensinar gramática e vocabulário.
Baseado no conhecimento a respeito de leitura, o professor pode e
deve desmistificar essas crenças, propondo atividades de conscientização
sobre a possibilidade de compreensão sem precisar conhecer todas as pa-
lavras, apoiando-se em palavras-chave, inferindo significados pelo con-
texto, buscando palavras cognatas (ex.: text = texto, problem = proble-
ma), prevendo o que vai ler, entre outras.
Assim sendo a leitura, então, que não surge de uma necessidade,
não tem um propósito, não é propriamente leitura, é uma tarefa mecânica
que pouco tem a ver com significado e sentido; pois se precisa ler bus-
cando encontrar o significado. Smith (1999, p. 186) confirma que o sig-
nificado compreendido, a partir do texto, é sempre relativo àquilo que já
sabem e aquilo que desejam saber.

332 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
É importante que haja clareza nos objetivos, na compreensão do
texto e na formulação de hipóteses, pois o leitor não pode ser totalmente
ignorante sobre o que irá ler, necessitando aportar os conhecimentos pré-
vios relevantes para o conteúdo em questão. Em outras palavras, o leitor
faz uma leitura mais significativa quando sabe de antemão o que buscar
na leitura.
Exemplificando pode-se dizer que se temos como objetivo saber o
funcionamento de um aparelho, por exemplo, iremos procurar um manu-
al, verificaremos as peças que o compõem, da utilização, os cuidados,
etc. Esperamos, enfim, que ao final da leitura a hipótese inicial se con-
firme e que saibamos usar de forma correta o aparelho. O saber prévio, a
antecipação, tanto da estrutura quanto do conteúdo da escrita, é funda-
mental ao ato de ler.
Pode-se observar, ainda, que as hipóteses do leitor conduzem a
certos aspectos do processamento – essenciais à compreensão, sejam
possíveis, tais como o reconhecimento global e instantâneo de palavras e
frases relacionadas ao assunto em estudo, eliminando a necessidade da
leitura do texto de palavra por palavra.
Uma vez que o leitor tenha conseguido formular hipóteses de lei-
tura utilizando informações não visuais como experiência com textos es-
critos, familiaridade com o assunto tratado, experiência de vida e de lei-
tor e, também, a informação visual que capta no texto, a leitura passará a
ter caráter de verificação, confirmando ou reestruturando as hipóteses le-
vantadas.
Kleiman (2004) afirma que
Ao formular hipóteses o leitor estará predizendo temas, e ao testá-las
ele estará depreendendo o tema; ele estará postulando uma possível estru-
tura textual; e na testagem de hipóteses, estará reconstruindo uma estrutu-
ra textual; na predição ele estará ativando seu conhecimento prévio, e na
testagem ele estará enriquecendo, refinando e checando esse conhecimen-
to. (KLEIMAN, 2004, p. 43)

Então, pode-se verificar que a leitura é um processo interativo que


recorre a vários elementos para a construção de sentidos. Contudo Klei-
man (2004, p. 10), adverte:
Isso não quer dizer que compreender um texto escrito seja apenas
considerá-lo um ato cognitivo, pois a leitura é um ato social, entre dois
sujeitos – leitor e autor – que interagem entre si, obedecendo a objetivos e
necessidades socialmente determinados. (KLEIMAN, 2004, p. 10)

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 333


Para que esta relação seja mais bem entendida, os três elementos
que a constituem: o autor, o leitor, e o texto precisam ser considerados
uma vez que estão numa situação dialógica. E isto não ocorreu durante
muitos anos. Ora era dada uma atenção excessiva a um dos elementos,
ora a outro.

3. A leitura sob a perspectiva cognitivista

“O fato mais importante a influenciar a


aprendizagem é aquilo que o aprendiz já
sabe. Certifique-se deste fato e ensine-o de
conformidade com ele” (AUSUBEL apud
MOREIRA, 1982).

Ainda há muitas dúvidas sobre o processo de leitura, pois há di-


vergências sobre o que é língua e as várias formas de descrevê-la, que
processos são ativados quando a utilizamos, e qual a melhor maneira de
descrever esses processos.
No entanto, em nível especulativo, há muitas hipóteses sobre o
que ocorre em nosso cérebro quando lemos e a maneira como este pro-
cesso difere em indivíduos diferentes, estimulados de maneiras diferen-
tes, com experiências de vida e aprendizagem diversas. Esta seção visa
descrever alguns dos aspectos envolvidos no processamento de leitura
vistos sob a perspectiva cognitivista.
A abordagem linguística proposta por Huey (1908 apud SIQUEI-
RA et al., 1999, p. 89) e a behaviorista proposta por Skinner (1957 apud
SIQUEIRA, 1999) muito contribuíram para os estudos, experimentos e
descobertas com relação à leitura. Entretanto, nem uma nem outra che-
gam a responder as questões que se referem à complexidade dos proces-
sos mentais envolvidos no processamento de leitura.
Huey (Apud SIQUEIRA et al., 1999), por um lado, reconhece que
a leitura é um processo ativo que reflete o conhecimento do leitor, suas
hipóteses, e vários outros fatos cognitivos que nos fazem levar significa-
do ao texto. Ao mesmo tempo, afirma que o significado não se encontra
nas palavras, mas sim em grande parte no leitor. Porém, Huey considera
que, para chegar ao significado, o leitor tem que passar por um processo
de construção de todas as partes para chegar ao todo. Para ele a compre-

334 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ensão não poderia consistir numa transmissão direta de símbolos gráficos
para a mente.
Skinner (Apud SIQUEIRA et al., 1999), por outro lado, critica a
linguística, pois considera a sua análise demasiadamente limitada às mu-
danças históricas e não a diferenças individuais. Para ele o termo “com-
portamento textual” é preferível ao termo “leitura”, pois este último refe-
re-se a muitos processos ao mesmo tempo. O comportamento textual, por
sua vez, pressupõe respostas dadas sob o controle de estímulos visuais. O
pensamento para Skinner não é, portanto, nenhum processo misterioso
responsável pelo comportamento, mas é o próprio comportamento em
toda a complexidade de suas relações de controle, relativas tanto ao ho-
mem que se comporta quanto ao meio em que ele vive.
Portanto, a abordagem skinneriana, apesar de manter uma coerên-
cia interna, não chega a explicar e proporcionar leitura, já que se limita a
fenômenos observáveis. De fato, a leitura envolve, em grande parte, fe-
nômenos nem sempre observáveis que diferem, de indivíduo para indiví-
duo, do texto que está sendo lido, das variáveis presentes no momento
em que esta leitura está sendo feita, do contexto e dos objetivos do leitor.
Por outro lado, a abordagem cognitivista, abre um leque maior de
possibilidades e considera possíveis alguns fenômenos que não são de-
pendentes apenas de hábitos estabelecidos pelo condicionamento estímu-
lo-resposta. Observa-se, então, que a abordagem cognitivista não almeja
apenas uma mudança de comportamento, o que creio seria extremamente
limitado, mas também um desenvolvimento cognitivo que seja parte in-
tegrante desta mudança.
Assim, uma perspectiva cognitivista é mais apropriada para uma
análise do processamento de leitura, já que abre espaço para a discussão
não apenas de fenômenos observáveis, mas também de fenômenos não
observáveis, o que o homem pensa e os processos que utiliza quando da
formulação de seu pensamento são importantes nessa perspectiva.
Contrastando à imagem behaviorista de homem condicionado pe-
lo seu ambiente, a imagem cognitivista de homem é a que vê o indivíduo
como um ser que coleciona informação de modo ativo e seletivo e que
adquire e interpreta novas informações com base em regras já estocadas
em seu cérebro (SMITH, 1999, 49).
O termo cognição é utilizado para referir-se a todos os processos
através dos quais o “input” sensorial é transformado, reduzido, elabora-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 335


do, estocado, recuperado e utilizado. Ver, ouvir e lembrar são todos atos
construtivos que podem vir a utilizar mais ou menos informação-
estímulo dependendo da situação. A percepção, a partir dessa posição,
não é a apreensão passiva de estímulos, mas um processo ativo de cons-
trução ou síntese, a partir de sensações organizadas em padrões de per-
cepção.
Os psicólogos cognitivistas, portanto, estão preocupados com o
que ocorre em nosso cérebro quando respondemos a estímulos vindos de
nosso ambiente, como formamos, organizamos e estendemos nosso
mundo conceitual e a natureza de nossa compreensão. Isto pode ser apre-
endido tendo em vista a contribuição de Ausubel (Apud MOREIRA,
1982, p. 17) para a teoria da aprendizagem, já que busca analisar os mei-
os que utilizamos para que a aprendizagem ocorra. Ausubel faz distin-
ções entre a aprendizagem significativa e mecânica, o que em muito elu-
cida a nossa prática pedagógica. Para ele, os meios não justificam os fins,
isto é, se não estivermos conscientes dos meios que utilizamos e se estes
não forem realmente significativos, fatalmente obteremos uma aprendi-
zagem automática que ele questiona e que, portanto, não deveria ser o
objetivo da educação em nenhum de seus estágios.
A ideia central da teoria de Ausubel (Apud MOREIRA, 1982) é
de que o fator isolado mais importante para a aprendizagem é aquilo que
o aluno já sabe. A quantidade, a qualidade e a organização prévia de seu
conhecimento é uma variável importante no processo de aprendizagem.
Se a estrutura cognitiva do aluno for clara, estável e organizada,
isto lhe facilitará a aprendizagem e retenção de material novo. Se, ao
contrário, for instável, ambígua, desorganizada, a aprendizagem ficará
prejudicada. Dessa maneira, quando deliberadamente tentamos influenci-
ar a estrutura cognitiva do aluno a fim de otimizar a aprendizagem signi-
ficativa e a retenção desse conhecimento, estamos no âmago do processo
educativo.
Portanto, poderíamos dizer que para Ausubel aprender significa
organizar e integrar material novo na estrutura cognitiva e o que propõe é
que, através de uma aprendizagem significativa, possamos dar ao aluno
maiores condições para que desenvolva a sua habilidade de organização
tanto de informações novas como daquelas que já possui.
Assim sendo, Ausubel (apud MOREIRA, 1982), um dos represen-
tantes do cognitivismo, apresenta uma explicação teórica do processo de
aprendizagem com uma visão cognitiva, sem, entretanto, deixar de reco-

336 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
nhecer a importância da experiência afetiva.
O conceito fundamental na teoria de Ausubel é o de aprendizagem
significativa, ou seja: parte do pressuposto de que uma das condições pa-
ra uma aprendizagem bem-sucedida é a sua significação. Faz-se necessá-
rio que a concepção tenha significado para o aprendiz; o novo conheci-
mento deve fazer sentido de maneira que seja uma integração do novo
com o já existente, isto é, a aprendizagem só é significativa se o conteúdo
descoberto estiver ligado a conceitos subsunçores: aqueles que já foram
assimilados pelo indivíduo, já existentes na estrutura cognitiva. Ainda,
segundo Ausubel (Apud MOREIRA, 1982) o aprendiz deve mostrar von-
tade de aprender, por isso o papel do professor é partir daquilo que o alu-
no já sabe.
Transferindo essa experiência para a língua estrangeira, se o pro-
fessor procurar ensiná-la dentro de um contexto relacionado com a vida
do aluno, a vontade de aprender será automática e, consequentemente,
haverá maior chance de aprendizagem bem-sucedida. Daí a importância
de o professor numa situação de aprendizagem significativa estar voltado
para a utilização de estratégias que facilitem nos seus alunos a aquisição
de uma estrutura cognitiva adequada, na qual os conceitos mais amplos
das diversas disciplinas estejam claramente estabelecidos.
Assim, Ausubel destaca a importância dos novos conhecimentos
adquiridos serem ligados a conceitos subsunçores específicos. Contras-
tando com a sua aprendizagem significativa, Ausubel descreve a mecâni-
ca como sendo aquela cuja aprendizagem de novas informações tem pou-
ca ou nenhuma ligação com conceitos relevantes existentes na estrutura
cognitiva. A nova informação é, então, armazenada de modo arbitrário,
não havendo interação entre a mesma e aquela já retida (na memória). O
conhecimento adquirido será apenas distribuído arbitrariamente na estru-
tura cognitiva sem se ligar a conceitos subsunçores específicos.
Ausubel vê, portanto, o armazenamento de informações no cére-
bro humano como sendo altamente organizado, formando uma hierarquia
conceitual, na qual conceitos e proposições mais inclusivos estão no topo
e abrangem conceitos e proposições menos inclusivos, com menor poder
de generalização.
Outrossim, Ausubel nos leva a concluir que o material a ser a-
prendido precisa ser potencialmente significativo para aquele aluno em
particular e concluímos que são de grande importância na aprendizagem
variáveis como conhecimentos anteriores, ocupação, cultura, classe soci-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 337


al etc.
Em síntese, a aprendizagem significativa para Ausubel pressupõe
não apenas que a tarefa a ser realizada seja significativa, mas que o aluno
esteja preparado para processar o material nesta base significativa.
O aluno tendo uma estrutura cognitiva clara, estável e organizada
facilitará a aprendizagem e retenção de material novo. Se, ao contrário,
for instável, ambígua, desorganizada, a aprendizagem ficará prejudicada.
Assim sendo, quando deliberadamente tentamos influenciar a estrutura
cognitiva do aluno a fim de otimizar a aprendizagem significativa e a re-
tenção desse conhecimento, estamos no âmago do processo educativo.
O conceito fundamental da teoria de Ausubel (Apud MOREIRA,
1982) é o de aprendizagem significativa que envolve uma relação subs-
tantiva e não arbitrária entre novas informações e ideias pré-existentes na
estrutura cognitiva do aluno. Tal, contudo, não precisa ser necessaria-
mente a situação. O aprendiz da língua estrangeira já tem à sua disposi-
ção uma série de habilidades cognitivas, bem como estratégias de proces-
samento aliadas a informações as mais diversas, já armazenadas em sua
mente, as quais, embora delas não esteja ciente, pode transferir, ou rea-
plicar na solução de novo problema a ser enfrentado. Sobre o assunto
Ausubel (Apud MOREIRA, 1982) diz que o fato mais importante a influ-
enciar a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe. Certifique-se des-
te fato e ensine-o de conformidade com ele.
As novas ideias e informações são então aprendidas e retidas, caso
a estrutura cognitiva do indivíduo disponha de conceitos relevantes e in-
clusivos que possibilitem a integração do material novo. Ao mesmo tem-
po, esta experiência cognitiva não deve se restringir à influência direta
dos conceitos já aprendidos sobre componentes da nova aprendizagem,
mas abrange também modificações significativas nos atributos relevantes
da estrutura cognitiva pela influência deste novo material. Em outras pa-
lavras, há um processo de interação pelo qual conceitos mais relevantes e
inclusivos interagem com o novo material, funcionando como ancora-
douro, isto é, abrangendo e integrando o material novo e, ao mesmo tem-
po, modificando-se em função dessa ancoragem.
Dessa forma, para que a aprendizagem significativa aconteça é
também necessário segundo Ausubel (Apud MOREIRA, 1982) que o a-
luno manifeste uma predisposição positiva para a aprendizagem signifi-
cativa e o material a ser aprendido também deve ser significativo para
aquele aluno em particular.

338 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
4. Metacognição
A metacognição é assunto atual e de grande importância na Edu-
cação, sendo até considerado por muitos estudiosos e pesquisadores co-
mo ponto central de aprendizagem. Coll (1995) ressalta que, do ponto de
vista proporcionado pelas teorias sobre os processos metacognitivo (es-
pecífico da inteligência, é a capacidade de autorregular a própria apren-
dizagem. Planejar quais estratégias devem ser utilizadas em cada situação
de aprendizagem, aplicá-las, controlar o processo de utilização, avaliá-lo
para detectar erros que tenham cometido e modificar. A maior eficiência
de uma atividade de aprendizagem dependeria, não somente do conjunto
de habilidades e conhecimentos prévios do indivíduo, mas, também, do
conhecimento e controle que possua sobre seus processos cognitivos, isto
é, de suas habilidades metacognitivas).
Mister, portanto, é destacar um processo que tem uma clara rela-
ção com os comportamentos inteligentes e a aprendizagem que é a capa-
cidade de generalizar ou transferir uma aprendizagem para novas situa-
ções. Aprendemos algo quando somos capazes de colocar em funciona-
mento conhecimentos e estratégias anteriores que já possuíamos e aplicá-
las a um novo problema ou situação. Como sublinha Coll (1995, p. 27)
“toda aprendizagem pressupõe generalizar nosso conhecimento anterior”.
Dentro desta perspectiva observam Campione e Brown (Apud
COLL, 1995), quando um aluno não é capaz de resolver um problema
semelhante a um anterior que lhe foi ensinado, costuma-se dizer que ele
não aprendeu, tomando precisamente como critério de uma aprendiza-
gem autêntica a possibilidade de aplicá-la a novas situações. Aprender e
transferir o aprendido a novos campos são, portanto, processos estreita-
mente relacionados que, por sua vez, caracterizam o comportamento inte-
ligente.
De acordo com Kato (1984) as estratégias conscientes – ou me-
tacognitivas – caracterizam o comportamento de um bom leitor, pois de-
rivam do controle planejado e deliberado das atividades que levam à
compreensão.
Flavel (1976, p. 26) define metacognição como o conhecimento
sobre o próprio processo cognitivo, e a consciência do que se faz para re-
alizar determinada tarefa. Possuindo esse conhecimento, o indivíduo é
capaz de escolher a estratégia mais eficiente na realização da mesma.
Como por exemplo: se notar que estou tendo mais dificuldade em apren-
der A do que B; se me ocorrer que deveria reler mais uma vez C antes de

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 339


aceitá-lo como fato; se sentir que deveria fazer alguma anotação sobre D
objetivando evitar possível esquecimento; assim por diante. Este tipo de
observação sobre mim mesmo é uma atividade metacognitiva.
Muitos professores e pesquisadores passaram a se interessar pela
área da metacognição porque perceberam sua importância na aprendiza-
gem. Através da metacognição os aprendizes adquirem maior compreen-
são sobre o processo de qualquer aprendizagem os tornando capazes de
desenvolver conscientemente suas habilidades cognitivas e organizar ta-
refas de aprendizagem.
Ainda, segundo Coll (1995), existem duas dimensões na aborda-
gem das habilidades metacognitivas e que se encontram embutidas em
áreas diferentes de investigação que são: o conhecimento dos próprios
processos cognitivos e a regulação desse conhecimento.
O conhecimento sobre a própria cognição pressupõe ser capaz de
ter consciência do funcionamento de nosso conhecimento e compreensão
sobre fatores que expliquem se os resultados obtidos na solução de uma
tarefa são favoráveis ou não. Um exemplo claro é visualizado quando um
aluno sabe que extrair ideias principais de um texto favorece sua evoca-
ção ou que organizar a informação em um esquema estruturado favorece
sua recuperação, ele pode utilizar estas estratégias para melhorar sua
memória ou entender facilmente que seu esquecimento foi responsável
por seus atos ruins. Entretanto, o conhecimento do próprio conhecimento
nem sempre produz resultados positivos na atividade intelectual, já que é
preciso ativá-lo nas tarefas concretas e selecionar as estratégias corretas
para cada situação de aprendizagem (COLL, 1995, p. 27).
A segunda dimensão refere-se à regulação e controle das ativida-
des que o indivíduo realiza durante sua aprendizagem. Neste sentido, es-
tão incluídos o planejamento das atividades cognitivas, o controle do
processo intelectual e a avaliação dos resultados.
Flavel (1981) inclui ao termo metacognição dois outros compo-
nentes: conhecimento metacognitivo (conhecimento sobre cognição) e
estratégias metacognitivas (habilidade autorreguladora).
O conhecimento metacognitivo é o conhecimento de mundo que
vai sendo guardado e que tem a ver com as pessoas enquanto criaturas
cognitivas e em suas diversas tarefas, objetivos, ações e experiências
cognitivas (FLAVEL, 1981). De acordo com Victori e Lockhart (1995, p.
223-4), o termo conhecimento metacognitivo aplicado à aprendizagem de

340 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
segunda língua, refere-se a suposição geral que os alunos têm sobre si
mesmos como aprendizes, sobre os fatores que influenciam a aprendiza-
gem de uma língua e sobre a natureza do ensino e aprendizagem de uma
língua.
Flavel (1981) em seu artigo Cognitive monitoring (Monitoração
cognitiva) faz a distinção entre três tipos de conhecimento metacogniti-
vo: conhecimento pessoal (envolvendo um conhecimento mais aprofun-
dado de si mesmo como aprendiz), de tarefa (envolve a conscientização
dos aprendizes sobre a necessidade de uma aprendizagem proposital, e-
xigência de tarefa e natureza do conteúdo a ser aprendido) e de estratégia
(escolhas e avaliações de estratégia em relação às tarefas, percepção e e-
ficácia da estratégia e conhecimento dos princípios subjacentes quanto à
escolha da estratégia).
As habilidades metacognitivas (segundo componente) são o co-
nhecimento que controla e seleciona aspectos da atividade cognitiva; re-
fere-se, portanto, às estratégias que regem o comportamento do leitor, e
as mesmas incluem planejar, monitorar/controlar e checar/avaliar (KA-
TO, 1990, p. 102).
De acordo com Smith (1997, p. 108), os bons leitores ajustam su-
as estratégias ao tipo do texto que está sendo lido e ao propósito para que
estão lendo, eles conseguem também fazer a distinção entre a informação
importante e o detalhe, são capazes de perceber dicas no texto que pos-
sam antecipar a informação e/ou relacionar a informação nova com a in-
formação já apresentada.
Não devemos nos esquecer, como elucida Coll (1995, p. 31), dos
fatores motivacionais e afetivos, pois o desenvolvimento metacognitivo
não afeta somente o conhecimento, mas também componentes afetivos
que podem sustentar e reforçar o propósito de um tipo de comportamen-
to. Dessa forma, a autoestima e a expectativa de êxito e fracasso estão in-
terligados com os processos metacognitivos. Daí a teoria da atribuição
(WEINER apud COLL, 1995) ter uma grande relevância para descrever
e explicar o comportamento metacognitivo.
Em geral, os indivíduos com bom rendimento acadêmico tendem a
atribuir o êxito a sua habilidade, e o fracasso a sua falta de esforço ou à
dificuldade da tarefa. Estes alunos estão mais dispostos a ser perseveran-
tes nas tarefas difíceis, porque consideram que poderão resolvê-las esfor-
çando-se mais. Ao contrário, os indivíduos com pior rendimento acadê-
mico atribuem seu êxito a fatores que não estão sob seu controle, como a
sorte, e seu fracasso às próprias habilidades. Estas atribuições negativas

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 341


diminuem a confiança em si mesmos e a motivação para alcançar metas
que exijam um planejamento prévio e uma regulação sustentada das ativi-
dades cognitivas. Estas atitudes dificultam os processos de treinamento
em habilidades metacognitivas. (WEINER apud COLL, 1995, p. 31)

Finalizando, remeto-me as palavras de Coll (1995) em que as si-


tuações mais efetivas de aprendizagem são aquelas em que os alunos são
orientados por seus professores para facilitar-lhes a aquisição e o desen-
volvimento da autorregulação, pois quando os mesmos amadurecem, são
eles próprios que internalizam estas funções, interrogando a si mesmos e
avaliando seus próprios processos cognitivos e os resultados que obtêm.
E aos professores, cabe a difícil tarefa de equilibrar a variedade de fato-
res em suas atividades de ensino e ajustá-las no contexto dado de acordo
com os propósitos específicos.

5. A teoria de aprendizagem de Ausubel: aporte para uma proposta de


ensino de leitura
É inquestionável a importância de uma teoria de aprendizagem
como a que é proposta por Ausubel. De fato, no contexto da educação
brasileira, durante um período muito limitado foram privilegiados o alu-
no e aquilo que ele já trazia de conhecimento para a escola que foi a épo-
ca do escolanovismo, mas mesmo assim, por várias razões estas ideias
inovadoras não tiveram muito êxito, dentre uma elas, é a restrição a um
grupo muito limitado.
Através da proposta de Ausubel, privilegia-se novamente o aluno
e aquilo que ele já sabe, mas, por ser mais abrangente em termos teóri-
cos, permite que sua aplicação se torne possível mesmo em situações
menos favoráveis de ensino. Para que os meios mantenham seu potencial
significativo não precisam ser necessariamente sofisticados. O professor
não precisa ser escravo de técnicas, mas pode colocar a seu serviço as
que lhe são disponíveis; o aluno não se sente pressionado apenas a pro-
duzir, mas é preparado adequadamente para esta produção.
Dessa maneira, a teoria de aprendizagem de Ausubel torna-se uma
proposta viável na busca de uma abordagem para o ensino de leitura em
língua estrangeira. Daí ter sido eleito como um dos pilares que embasa
este estudo. As atividades propostas antes da leitura de textos procura-
vam detectar o que o aluno já sabia e estimular a utilização desse conhe-
cimento prévio. O material utilizado em sala de aula foi iniciado na lín-
gua materna tendo em mente este aspecto e a primeira atividade proposta

342 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
foi utilizada como organizador prévio das outras atividades subsequentes.
Por outro lado, as atividades foram elaboradas tendo em vista o desen-
volvimento da habilidade de leitura.
Assim sendo, a proposta de Ausubel vem ao encontro do que a-
creditamos ser verdadeiro, necessário e viável em termos de Educação,
mesmo levando-se em conta as limitações que o contexto sociocultural
pode apresentar. Posto isso, fomos buscar nos pressupostos cognitivistas
de Ausubel (Apud ANDERSON, 1965) conceitos que elucidam um en-
caminhamento para a aquisição e aprendizagem significativa da leitura
em língua estrangeira.

6. Considerações finais
Após toda a abordagem feita no transcorrer deste trabalho escrito
concordamos e corroboramos com a concepção de que a compreensão e a
identificação das diferenças propiciarão a autonomia do aluno, ele é o ú-
nico que poderá escolher a estratégia que melhor se adapte ao seu próprio
estilo de aprendizagem. Inicialmente o professor facilitará a compreensão
e o uso das estratégias, mas a intenção é que o aluno faça sua própria es-
colha. Percebe-se que vários aspectos precisam ser refletidos, discutidos
e aprofundados e me conforta saber que as estratégias de leitura no ensi-
no de língua inglesa abrem um amplo caminho para a realização de novas
pesquisas e tornar o processo conhecido, estaremos propiciando uma re-
flexão sobre o próprio saber, passamos a entender que educar, conforme
diz Chalita (2002), é conceder ao outro a possibilidade de sonhar, trans-
cender, superar limites e desbravar novos horizontes em direção à sua
própria história e à cidadania plena. Que educar é colaborar na formação
de uma sociedade culturalmente mais preparada, mais consciente, mais
capacitada para criar e vivenciar experiências positivas e, por vezes, re-
volucionárias.
Assim, pode-se entender que educar é abrir caminhos, ultrapas-
sar fronteiras, desbravar trilhas rumo a novos horizontes. Que educar é
uma via de mão dupla: tanto ensinamos quanto aprendemos. Tanto doa-
mos quanto recebemos. Essa é a magia essencial que concede ao homem
a sabedoria e a capacidade de superar-s a cada manhã. Paulo Freire já di-
zia que ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo. Por isso, aprendemos
sempre.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 343


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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nition. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1965.
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In: The Modern Language Journal/173, p. 121-34. 1989.
CHALITA, G. A construção de um novo Brasil. In: Jornal A Tribuna.
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344 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
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J. Rubin (eds.). Learner Strategies in Language Learning. New York.
Prentice Hall International, p. 3-13, 1987.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 345


LIVRO DIDÁTICO, GÊNEROS TEXTUAIS E HABILIDADE
COMUNICATIVA: UMA ANÁLISE DAS CONCEPÇÕES DE
PROFESSORES DE LÍNGUA INGLESA DA
REDE PÚBLICA DE ENSINO
Laís Teixeira Lima (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]
Carlos Henrique Medeiros de Souza (UENF)
[email protected]
Mauricio Coli Bernardes (UENF)
[email protected]

RESUMO
O presente artigo tem como principal objetivo realizar uma pesquisa e campo
com professores de Língua Inglesa (LI) da rede pública de ensino a fim de compreen-
der a percepção dos mesmos em relação ao ensino da disciplina, portanto, foram dis-
cutidas questões como: a abordagem e o uso do livro didático (LD), a importância dos
gêneros textuais no processo de ensino–aprendizagem e o conhecimento, aplicação do
método comunicativo e sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Es-
trangeira. Um questionário foi aplicado aos professores e foi composto por 11 questio-
namentos, 4 com perguntas abertas, 3 fechadas, que necessitavam justificativa de es-
colha, e 4 com perguntas fechadas. O artigo teve como base teórica autores como
Marcuschi (2008), Dolz e Schneuwly (2004 e 2010) e Almeida Filho (2007). O trabalho
justifica-se na necessidade de o professor mediar o LD como um material de apoio e
adaptá-lo à realidade de suas turmas, uma vez que os livros didáticos são produzidos
para um público generalizado e cada turma possui características e necessidades bem
próprias.
Palavras-chave:
Professor. Gêneros Textuais. Habilidade Comunicativa. Língua Inglesa.

1. Considerações iniciais
Como sabemos, os livros didáticos são produzidos para um públi-
co generalizado e cada turma possui características e necessidades bem
próprias. Portanto, cabe ao professor mediar o LD como um material de
apoio e adaptá-lo à realidade de suas turmas. Mesmo que o LD disponibi-
lize um material significativo, ele pode se tornar um vilão no processo de
ensino-aprendizagem se não trabalhado da maneira adequada. Portanto,
buscamos informações sobre os professores, seus conhecimentos e práti-
cas, já que eles são peças essenciais para a eficácia do uso dos livros.

346 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Para alcançar os objetivos propostos neste trabalho e possibilitar
um resultado mais claro, realizamos uma pesquisa com professores de
língua inglesa que aceitaram colaborar com este estudo. O questionário
possui doze perguntas acerca das concepções dos professores sobre gêne-
ros textuais e seu uso em sala de aula; sobre o uso e abordagens dos li-
vros didáticos; sobre a compreensão de habilidade comunicativa; e sobre
os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira.

1. A importância de uma aprendizagem pautada nos gêneros textuais


e na abordagem comunicativa
O estudo de gêneros textuais não é recente, uma vez que é possí-
vel identificar elementos sutis acerca desta temática em estudos de Platão
e seus seguidores. E ainda hoje, ele tem se mostrando cada vez mais sig-
nificativo, principalmente no que se diz respeito ao ensino de língua in-
glesa (LI). A aprendizagem de gêneros textuais (GT) é de extrema impor-
tância para o desenvolvimento sociocomunicativo dos alunos, pois, as-
sim, ele será capaz de utilizar a língua como instrumento no processo de
interação. Pois para Marcuschi (2008),
(...) os gêneros textuais são textos que encontramos em nossa vida diária e
que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por
composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente
realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e téc-
nicas. (MARCUSCHI, 2008, p.155)

A partir do estudo da língua em uso – ou seja, por meio do ensino


de gêneros – serão oferecidos aos alunos recursos necessários para a
construção de sua capacidade de interligar a função dos textos, com o
contexto em que ele se encontra e com os interlocutores a quem se desti-
na. Para que os GT sejam efetivamente trabalhados em sala de aula, os
autores sugerem ao professor
(...) criar contextos de produção precisos, efetuar atividades ou exercícios
múltiplos de variados: é isso que permitirá aos alunos apropriarem-se das
noções, das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento
de suas capacidades de expressão oral e escrita, em situações de comuni-
cações diversas. (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p.96)

Diante da evolução das concepções e teorias de gêneros textuais


propostas, observamos que as abordagens metodológicas para o ensino
de Língua Estrangeira (LE) estão em processo de reestruturação, uma vez
que as pesquisas estão apontando para a necessidade de um ensino mais
dinâmico. É possível perceber, então, que houve um processo de ruptura

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 347


no ensino de Língua Inglesa; a abordagem tradicional da gramática for-
mal deu lugar a um ensino mais interacional, que busca estudar a língua
em seu contexto de uso. Portanto, no processo de ensino-aprendizagem, o
professor deve oportunizar ao aluno o desenvolvimento das habilidades
comunicativas, mediante reflexões e prática. Assim, o ensino passa a ser
centrado nos aprendizes e eles se tornam agentes da construção de seu
conhecimento.
Almeida Filho (2007) afirma que um professor propõe uma abor-
dagem comunicativa quando coloca seu aluno como sujeito e agente de
sua própria formação da Língua Estrangeira. Ou seja, aspectos gramati-
cais e lexicais recebem menor ênfase no processo de ensino, ao mesmo
tempo em que apontam maior relevância às situações de ensino que pro-
porcionam ao aluno a possibilidade de desenvolver suas práticas sociais.
Almeida Filho (2007) corrobora que
(...) o ensino comunicativo é aquele que não toma as formas da língua
descritas nas gramáticas como o modelo suficiente para organizar as ex-
periências de aprender outra língua mas sim aquele que toma unidades de
ação feitas com a linguagem como organizatória das amostras autênticas
de língua alvo que se vão oferecer ao aluno. (ALMEIDA FILHO, 2007. p.
47 e 48)

A partir do momento que o professor disponibiliza para os alunos


materiais e criam situações que os incentivam a interagir com a LE e dá
voz aos alunos, ele os incentiva a pensar e fazer o uso da língua, uma vez
que os alunos precisam questionar, opinar e perguntar. Assim, o profes-
sor deixa de ser o agente do processo educacional e deixa que o aluno as-
suma este papel.
Outro ponto que deve ser amplamente discutido no ensino de LI é
o livro didático. Durante esta pesquisa, pudemos perceber que o livro didá-
tico é o material de apoio pedagógico mais utilizado entre os professores
de LI entrevistados das escolas de Bom Jesus do Itabapoana e Itaperuna.
Em algumas situações, ele é a única fonte de metodologia pedagógica no
ensino de LE, isto porque muitos professores possuem uma carga horária
extensa em sala de aula e não conseguem desenvolver as adequações me-
todológicas necessárias para o ensino mais contextualizado. Portanto, é
essencial que o LD proponha conteúdos e atividades que auxiliem neste
processo, principalmente no que se diz respeito às habilidades necessá-
rias para a comunicação, pois o material possui uma influência significa-
tiva e uma responsabilidade no processo de ensino–aprendizagem dos a-
lunos.

348 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
2. Análise do questionário
Durante a aplicação dos questionários, encontramos algumas difi-
culdades. Primeiramente, os professores, ao mesmo tempo em que se
mostraram receptivos a auxiliar no desenvolvimento da pesquisa, mostra-
ram-se relutantes na hora de devolver os questionários, possivelmente
pela insegurança de não darem respostas consideradas satisfatórias. Em
outras situações, os questionários eram disponibilizados, mas muitas ve-
zes não retornavam para que a análise fosse realizada. Alguns justifica-
ram que estavam sem tempo e outros não deram justificativa alguma.
Diante destas dificuldades, dos 30 questionários distribuídos, con-
seguimos uma amostra de 16 professores de Língua Inglesa, que atuam
em sala de aula de escolas públicas nos municípios de Bom Jesus do Ita-
bapoana e Itaperuna. O questionário é composto por 11 questionamentos,
4 com perguntas abertas, 3 fechadas, que necessitavam justificativa de
escolha, e 4 com perguntas fechadas. Nas justificativas e perguntas fe-
chadas, organizamos grupos que continham respostas similares, para que
fosse possível categorizá-las.
Antes de iniciar os questionamentos específicos, foi solicitado que
os informantes identificassem algumas informações pessoais, como a es-
colaridade, tempo como professor, se possuía alguma formação além da
faculdade e se participa de alguma formação continuada.
Identificamos que a maior parte dos entrevistados possui pós-
graduação latusensu ou strictosensu. Este fato torna-se relevante para es-
te estudo, uma vez que o professor buscou e busca complementação de
sua formação inicial, como vemos no gráfico a seguir. Por ter maior grau
de formação, provavelmente ele conhecerá terminologias como habilida-
de comunicativa, compreenderá conceitos de gêneros textuais e sua me-
todologia de uso e concepções dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 349


Gráfico 1: Escolaridade dos Informantes. Gráfico 2: Atualmente participa de alguma
Fonte: Dados da pesquisa. formação continuada?
Fonte: Dados da pesquisa.

O segundo gráfico aponta a porcentagem de professores que parti-


cipam atualmente de alguma formação continuada. Neste estudo, consi-
deramos formação continuada os cursos que dão sequência à graduação,
tais como os disponibilizados pelas Secretarias de Educação, cursos de
extensão, pós-graduação, entre outros. É de extrema relevância apontar
que somente 6 dos 16 professores entrevistados afirmam participar de al-
guma formação continuada. Este dado deve ser um alerta, uma vez que o
professor deve estar em constante formação, para assim repensar suas
práticas docentes e aprimorar seu conhecimento profissional.
Identificamos que 11 professores fizeram curso livre de inglês
além da faculdade, este número significativo de educandos pode ocorrer,
pois algumas universidades não abordam em seu currículo o ensino da
língua inglesa como segunda língua. Então, o professor busca os cursos
alternativos de inglês para suprir tal carência, como é possível observar
no gráfico a seguir:

Gráfico 3: Curso de formação além da faculdade.


Fonte: Dados da pesquisa.

350 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Observamos que um número bem menor de professores participou
de cursos de extensão ou outro curso complementar que não foi especifi-
cado pelo entrevistado. É importante ressaltar que, nesta pesquisa, so-
mente um professor não realizou outros cursos além da faculdade.
A primeira questão, proposta pela pesquisa, busca saber se o pro-
fessor utiliza o livro didático em suas aulas. Observamos o seguinte re-
sultado:

Gráfico 4: Você utiliza o livro didático em suas aulas?


Fonte: Dados da pesquisa.

Com este resultado, foi possível observar que a maior parte dos
professores utiliza os livros didáticos como o principal recurso metodo-
lógico durante as aulas de Língua Inglesa. O fato de somente uma pessoa
dizer que não faz o uso do LD em sala de aula evidencia ainda mais a hi-
pótese de que o livro é o principal material utilizado nas escolas públicas.
Os professores justificaram as respostas, as quais agrupamos para
que fosse possível classificá-las no seguinte quadro:

Número de in-
Grupos formantes
Usam o livro como apoio. 05
Não utilizam os livros sempre, pois, precisam seguir o Currícu- 04
lo Mínimo.
Utilizam sempre, pois, consideram o LD um material excelente 03
Utilizam apostila ou material diferenciado 02
Apontam problemas referentes ao livro ou disponibilidade do 02
LD.
Quadro 8: Justificativa do questionamento “Você utiliza o livro didático em suas aulas?”
Fonte: Dados da pesquisa.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 351


Dos 16 professores informantes, 5 afirmaram que utilizam o LD
apenas como um material de apoio durante as aulas e procuram materiais
extras para complementar sua metodologia, assim como afirma a Infor-
mante 1:

“Utilizo o livro didático em minhas aulas como um material de apoio, pois é necessá-
rio fazer adaptações para que as atividades se aproximem mais da realidade dos alu-
nos” (Informante 16).

Quadro 9: Respostas dos informantes.


Fonte: Dados da pesquisa.

Alguns professores informaram que não utilizam o LD por traba-


lharem em escolas estaduais do Rio de Janeiro e a Secretaria de Educa-
ção sugere que as escolas sigam o Currículo Mínimoproposto por eles.
Então, quatro destes professores justificaram a não utilização do LD em
todas as aulas, pois as temáticas dos livros não estão de acordo com o
Currículo Mínimo. Selecionamos a justificativa do Informante 12 como
exemplo:

“Trabalho em uma escola do estado do Rio de Janeiro e precisamos seguir o


currículo mínimo proposto. Porém, o livro didático adotado pela escola não está de
Quadro 10: Respostas dos informantes
acordo com o currículo” (Informante 12).
Fonte: Dados da pesquisa
Quadro 11: Respostas dos informantes.
Fonte: Dados da pesquisa.

Três professores afirmaram que fazem o uso dos livros na maioria


das aulas, pois eles possuem um material rico, interessante e apresentam
metodologias eficazes para o ensino de LI. Dois outros professores afir-
mam que utilizam apostilas ou outro tipo de material diferenciado duran-
te suas aulas.
Por fim, dois professores apontam problemas ao utilizar o livro: um
questiona a falta de livros na escola, enquanto o outro aponta a complexi-
dade dos livros didáticos, como podemos ver nas seguintes respostas:

“Pois os alunos não trazem ou não têm o livro” (Informante 2).

“Os livros são complexos em sua formulação e explicação de conteúdos” (Informan-


te 11).
Quadro 11: Respostas dos informantes.
Fonte: Dados da pesquisa.

352 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Houve uma variedade nas justificativas apresentadas pelos infor-
mantes, fato que apresenta as visões diferenciadas que cada educador
possui da necessidade e da forma de utilização dos livros, mesmo o livro
sendo apontado como a principal ferramenta no processo de aprendiza-
gem.
A segunda pergunta foi aberta e indagava o que o professor com-
preende por gêneros textuais. Nesta etapa, agrupamos as respostas em
três grupos: suficiente, insuficiente e conceitos errôneos, como é possível
observar no quadro a seguir:

Grupos Número de informantes


Suficiente 06
Insuficiente 07
Conceito errado 03
Quadro 12: Respostas dos informantes: “O que você entende por gêneros textuais?".
Fonte: Dados da pesquisa.

Consideramos suficientes aquelas respostas que atenderam aos


conceitos básicos e/ou avançados de gêneros textuais; portanto, 6 profes-
sores obtiveram respostas satisfatórias. Selecionamos o Informante 3
como exemplo:
“Os gêneros textuais são textos que encontramos em nosso cotidiano, que possibili-
tam uma interação social e comunicativa. Por exemplo: diálogo, carta, email, entre
outros” (Informante 3).
Quadro 13: Respostas dos informantes.
Fonte: Dados da pesquisa.

As respostas insuficientes foram aquelas que mostraram um con-


ceito de gênero extremamente superficial, ou aquelas que não foram cla-
ras o suficiente para compreender o conceito exposto. Foram observadas
7 respostas insuficientes, como a que será apresentada a seguir com o In-
formante 10. Por fim, os conceitos errôneos. Estas respostas possuíam o
conceito errado acerca do que são os gêneros textuais, como podemos ver
na resposta do Informante 9. Foram identificadas três respostas com o
conceito equivocado.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 353


“São um modo de classificar os textos” (Informante 10).

“Os gêneros geralmente são divididos em cinco categorias: narração, argumenta-


ção, descrição, injunção e exposição” (Informante 9).

Quadro 14: Respostas dos informantes.


Fonte: Dados da pesquisa.

Portanto, pudemos observar que, dos 16 professores informantes,


somente 6 deram a conceituação suficiente. Diante disso, percebemos
que muitos professores, ao abordar os gêneros, ainda mostram-se confu-
sos, ou até mesmo cometem equívocos. Este fato é de extrema relevân-
cia, uma vez que estes professores demostram, através de suas falas, que
não possuem uma fundamentação teórica acerca de conceitos dos gêne-
ros textuais.
Como os Parâmetros Curriculares Nacionais também foram anali-
sados neste trabalho, questionamos os informantes se conheciam a abor-
dagem do documento em relação aos gêneros textuais. O resultado origi-
nou o seguinte gráfico:

Gráfico 5: Como os gêneros textuais são abordados nos Parâmetros Curricula-


res Nacionais de Língua Estrangeira?
Fonte: Dados da pesquisa.

A maior parte dos professores respondeu que o PCN compreende


os GT como essenciais para a formação sociocomunicativa dos alunos,
ou seja, o estudo vai além da sala de aula. Através dos gêneros, os alunos
podem desenvolver habilidades não somente para a sala de aula, mas
também para seu cotidiano. Dois professores afirmam que o PCN com-

354 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
preende que os gêneros são importantes somente para desenvolver o alu-
no em sala de aula. Por fim, dos 16 informantes, 5 afirmam desconhecer
a abordagem do PCN em relação aos gêneros; um número muito grande
de professores, já que este documento é uma referência nacional para a
elaboração das matrizes curriculares, além de auxiliar o professor a traba-
lhar novas metodologias.
Ainda sobre os gêneros textuais, o questionamento quatro foi se o
professor considera a abordagem dos gêneros textuais importante para a
aprendizagem da LI. Este questionamento foi fechado e houve uma justi-
ficativa de resposta. Dos professores que responderam o questionário, 11
apontaram que os gêneros são essenciais para a aprendizagem da LI, en-
quanto 5 professores afirmaram que os gêneros são importantes para in-
troduzir conteúdos gramaticais.

Gráfico 6: Você considera a abordagem dos gêneros textuais importante para a


aprendizagem de Língua Inglesa?
Fonte: Dados da pesquisa.

O fato de nenhum informante considerar que os gêneros não são


importantes para o ensino da LI mostra que, apesar de algumas vezes os
professores não possuírem uma fundamentação teórica sobre os gêneros -
como vimos no questionamento dois – eles têm consciência da necessi-
dade do ensino deste conteúdo.
Para que pudéssemos categorizar as justificativas, as repostas fo-
ram separadas em cinco grupos:

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 355


Grupo Número de in-
formante
Utilizam como material de apoio para ensinar 06
aspectos gramaticais e vocabulário
Usam para trabalhar a língua em uso e de forma 03
contextualizada
Utilizam para ensinar ao aluno a construir textos 03
Utilizam para trabalhar com o aluno aspectos 03
comunicativos da língua e deixá-los mais seguros
Compreende que existem outras abordagens 01
mais importantes
Quadro 15: Justificativa do questionamento “Você considera a abordagem dos gêneros tex-
tuais importante para a aprendizagem de Língua Inglesa?”.
Fonte: Dados da pesquisa.

Seis informantes afirmaram que, durante as aulas, utilizam os gê-


neros textuais como apoio para trabalhar aspectos gramaticais da língua e
desenvolvimento de vocabulário, como por exemplo, a seguinte infor-
mante:

“Pois desenvolve o vocabulário e os conhecimentos gramaticais” (Informante 8)


Quadro 16: Respostas dos informantes.
Fonte: Dados da pesquisa.

Três professores utilizam os gêneros textuais em suas aulas, a fim


de ensinar aos alunos acerca da língua escrita e capacitá-los a construir os
mais diversos textos. Em outro grupo, três professores apontaram que, ao
utilizar os gêneros textuais, trabalham a língua em uso, de maneira con-
textualizada, como veremos a seguir na resposta do Informante 2. Assim
como nos grupos anteriores, três professores afirmaram que trabalham os
gêneros nas aulas, pois eles são uma forma de comunicação e de deixar
os alunos mais seguros neste processo, isto porque é através dos gêneros
que nos comunicamos, como podemos observar na afirmação do Infor-
mante 12.

356 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
“Acredito que são importantes pois através dos gêneros textuais o aluno poderá ex-
pandir seu conhecimento sobre a linguagem e escrita, terá contato e aprenderá a
produzir vários outros tipos de texto como citados anteriormente, a carta, receita,
notícia, propaganda, etc.” (Informante 2).
“O trabalho com os gêneros aumenta a consciência linguísticados alunos, promove
uma interação com a língua em uso, o que desenvolve melhor sua competência
comunicativa” (Informante 12).
Quadro 17: Respostas dos informantes
Fonte: Dados da pesquisa

Somente um professor apontou que os gêneros são importantes,


mas não são essenciais para o estudo da LI, uma vez que existem outras
abordagens mais necessárias do que esta. Porém, como será possível ob-
servar no quadro a seguir, o informante não especificou quais seriam es-
tas abordagens.
“Não os vejo como essenciais, pois há outras abordagens mais necessárias. Porém,
são importantes” (Informante 9).
Quadro 18: Respostas dos informantes
Fonte: Dados da pesquisa

A quarta pergunta foi aberta e questionou quais são os gêneros


textuais mais importantes para a aprendizagem eficaz da Língua Inglesa.
As respostas foram categorizadas em três grupos: os que consideram que
não existe um grupo de gêneros mais importante; os que especificaram
um grupo de gêneros; e os que apontaram os gêneros mais curtos e pre-
sentes no cotidiano dos alunos como mais relevante.

Grupos Número de informan-


te
Não existe um gênero mais importante 06
Especificou um grupo de gêneros mais importantes 07
Gêneros mais curtos e presentes no cotidiano dos alunos 03
Quadro 19: Em sua opinião, quais são os gêneros textuais mais importantes parauma a-
prendizagem eficaz da Língua Inglesa?.
Fonte: Dados da pesquisa.

Nas respostas, 6 informantes apontam que não existe um gênero


mais importante para o ensino de LI, os gêneros devem ser trabalhados a
fim de disponibilizar ao aluno o acesso aos mais diversificados gêneros
textuais, assim como afirma o Informante 2. Para três professores, os
principais gêneros são os mais curtos e objetivos e aqueles mais recorren-
tes no dia a dia dos educandos, assim como podemos observar na respos-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 357


ta do Informante 1. Por fim, o maior número de professores especificou
os gêneros textuais mais importantes em sua concepção; os mais recor-
rentes durante as respostas foram: história em quadrinhos, reportagem,
propaganda, notícias, e-mail e diálogos. Selecionamos como exemplo o
Informante 13, que será mencionado a seguir.

“Não acredito que haja um mais importante, a produção em massa de textos sejam quais
forem, fará com que o aluno desenvolva a leitura, a escrita, é claro, a aquisição de vo-
cabulário, dentre tantos outros benefícios” (Informante 2).
“Os que são mais próximos à realidade do aluno, mais modernos ou mesmo aqueles que
são trazidos pelos livros didáticos. Como o uso de conversas. (Informante 1)”
“Receitas, artigos, bilhetes, cartas, notícias, reportagens, propagandas, cartazes,
histórias em quadrinhos e tirinhas.” (Informante 13)
Quadro 20: Respostas dos informantes
Fonte: Dados da pesquisa

Portanto, observamos que os professores possuem opiniões dife-


renciadas acerca da importância dos gêneros textuais. Alguns apontam a
relevância de gêneros específicos, enquanto outros apontam que todos
são importantes e não existem gêneros mais importantes para a aprendi-
zagem. Mais uma vez, os professores demonstram ter consciência da im-
portância do uso dos gêneros. Diante deste fato, observaremos, nas pró-
ximas respostas, como o professor utiliza os gêneros em suas aulas. Será
que eles colocam em prática suas concepções acerca da relevância dos
gêneros?
A quinta pergunta foi aberta e questionou quais os gêneros mais
utilizados durante aulas e como os professores os utiliza. Para agru-
par,classificamos as respostas em 5 grupos: os que utilizam os gêneros
curtos e presentes no cotidiano dos alunos; os que usam os gêneros pro-
postos pelo livro didático; os que apontam que fazem o uso de alguns gê-
neros específicos; os que procuram diversificar a utilização dos gêneros;
os que apontam conceitos errados e que dão respostas insuficientes para
a compreensão.

358 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Grupos Número de informantes
Usam os gêneros curtos e do cotidiano dos alunos 03
Usam gêneros propostos pelo LD 01
Apontam gêneros específicos 03
Procuram diversificar os gêneros trabalhados 04
Apontam conceitos errôneos ou respostas insuficien- 05
tes.
Quadro 21: Respostas dos informantes: “Quais os gêneros textuais você mais utiliza em
suas aulas de Língua Inglesa? Como?”.
Fonte: Dados da pesquisa

Na questão anterior, 6 professores asseguram que os gêneros são


importantes em sua totalidade e não existe um grupo mais importante;
em contrapartida, no quinto questionamento somente 4 afirmam que du-
rante as aulas procuram diversificar os gêneros trabalhados. Estas respos-
tas evidenciam que, mesmo sabendo da importância de trabalhar gêneros
diversos, alguns professores ainda não demonstram desenvolver esta a-
bordagem. Como exemplo, selecionamos o informante 15, que afirma
diversificar os gêneros e trabalhá-los de maneira diferenciada, evitando
perguntas que requerem respostas engessadas, e procura trabalhar não
somente os gêneros escritos, mas também os orais.
Quadro 22: Respostas dos informantes.
“Procuro diversificar ao máximo que posso ao utilizar os gêneros em minha aula,
quando é possível, trabalho as três formas do gênero, a fala, a escrita e a leitura. A
fala trabalho através de representações, ou diálogos, por exemplo; para trabalhar a
leitura, faço perguntas que levam o aluno a pensar sobre o tema do texto, gosto de
evitar perguntas com respostas óbvias. Por fim, a escrita, proponho que os alunos
escrevam diferentes gêneros, de acordo com o tema da aula” (Informante 15).

Fonte: Dados da pesquisa.

Dos 16 informantes, três afirmam que os gêneros mais utilizados


durante suas aulas são os mais curtos e os mais presentes no dia a dia dos
alunos. Dos informantes, três apontam que trabalham um grupo de gêne-
ros específicos. Nestas respostas, os gêneros mais recorrentes são as his-
tórias em quadrinhos, cartas, notícias, e-mails e diálogos.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 359


Somente o Informante 3 afirma que, durante suas aulas, utiliza
quase exclusivamente os textos propostos pelo livro didático. Por fim,
encontramos 5 respostas insuficientes, ou seja, as que apresentavam o
conceito errôneo de gêneros, assim como o exemplo do Informante 10,
ou os que não possuíam informações suficientes para a compreensão,
como o Informante 5.

“Notícias e trechos informativos de revistas, por exemplo. Os propostos pelo material


didático em sua maioria” (Informante 3).

“Descritivo, narrativo, dentre outros. A partir de vídeos que assistimos, debatemos, dis-
cutimos e escrevemos...” (Informante 10).

“Geralmente, textos em prosa” (Informante 5).

Quadro 23: Respostas dos informantes.


Fonte: Dados da pesquisa.

Observamos, portanto, que cada professor possui suas concepções


de quais gêneros deve trabalhar durante suas aulas e como deve abordá-
los; alguns demonstram concepções equivocadas, mas todos mostram-se
preocupados em abordar este conteúdo.
Para a aprendizagem de uma LE, o estudo da cultura dos países
que possuem a língua como materna é essencial, visto que a língua não é
um código isolado, ela é móvel e pode ser moldada de acordo com a so-
ciedade que faz seu uso. Portanto, o sexto questionamento foi se, na con-
cepção dos professores, os gêneros propostos pelo livro didático auxiliam
nesta construção cultural dos alunos, como é possível observar no quadro
abaixo:

Gráfico 7: Em sua concepção, os textos propostos pelo livro didático auxiliam na


construção do conhecimento cultural do aluno
Fonte: Dados da pesquisa.

360 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
A maior parte dos professores acredita que os textos propostos pe-
lo LD são considerados um suporte para a aprendizagem do conhecimen-
to cultural dos alunos. Portanto, supõe-se necessário que o professor de-
senvolva um material complementar para que o aluno construa efetiva-
mente seu conhecimento cultural. Dos 16 informantes, 7 compreendem
que os textos são de extrema importância para construção do conheci-
mento dos alunos. Somente 1 professor acredita que existem formas mais
eficazes de explorar questões culturais durante as aulas, porém o infor-
mante não especificou quais são estas formas. Notou-se um equilíbrio en-
tre os professores que consideram os textos essenciais e aqueles que
compreendem os textos como um material de apoio, o que evidencia a
importância do uso dos gêneros na construção cultural dos alunos.
Um dos questionamentos deste trabalho foi a respeito da voz do
aluno em sala de aula. Perguntamos aos professores se o livro didático
adotado por eles oferece espaço para que o aluno exponha suas opiniões,
pontos de vista e suas formas de encarar determinados assuntos.

Gráfico 8: O livro didático oportuniza que o professor dê voz ao aluno, ou seja, o


livro oferece espaço para que o aluno exponha sua opinião e sua forma
de encarar alguns assuntos?
Fonte: Dados da pesquisa

Dos 16 professores, 4 afirmaram que o LD dá oportunidade ao a-


luno de expor suas opiniões e pontos de vista livremente. Destes infor-
mantes, 12 acreditam que os alunos podem expressar-se durante a aula,
porém, acerca de uma temática pré-estabelecida pelo livro. Este resultado
assevera o dado que obtivemos na análise dos livros didáticos, que du-
rante as atividades propostas, os alunos têm a oportunidade de falar sobre
um assunto determinado pela unidade, mas não devem sair daquela temá-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 361


tica.
Pesquisas de autores como Almeida Filho (2007) e Hymes (1979)
apontam a abordagem comunicativa como uma das mais relevantes me-
todologias pra o ensino de uma Língua Estrangeira. Diante disso, mesmo
que o professor não a utilize em suas aulas como abordagem principal, é
essencial que ele conheça tal método. No questionamento oito o infor-
mante é questionado se ele realizou algum estudo sobre o método comu-
nicativo de Língua Estrangeira. Obtivemos respostas variadas, como é
possível ver o gráfico a seguir:

Gráfico 9: Você realizou algum estudo sobre o método comunicativo de Lín-


gua Inglesa?
Fonte: Dados da pesquisa.

Observa-se que, dos 16 informantes, 7 realizaram algumas leituras


acerca do tema; somente 4 professores asseguram que já realizaram um
estudo de maneira aprofundada sobre o método comunicativo; 3 infor-
mantes não se recordam se realizaram este estudo, enquanto 2 afirmam
nunca terem realizado estudos sobre o método. Portanto, a maioria dos
professores diz conhecer o método, o que é um dado muito positivo.
O nono questionamento é aberto e a pergunta busca saber a con-
cepção dos professores sobre a competência comunicativa. Classificamos
as respostas em três grupos: as respostas suficientes, ou seja, aquelas que
atenderam ao conceito proposto pelos trabalhos de Almeida Filho; as
médias, que apresentavam características extremamente básicas ao defi-
nir a competência; e as insuficientes, que não atenderam às característi-
cas essenciais da competência.

362 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Grupo Número de informantes
Suficiente 06
Médio 04
Insuficiente 06
Quadro 24: Respostas dos informantes “O que você compreende como competên-
cia comunicativa?”.
Fonte: Dados da pesquisa.

Como é possível observar, dos 16 informantes, 6 responderam


suficientemente, como podemos verificar nos exemplos do Informante 5
e do Informante 16. Obtivemos o mesmo número de respostas insuficien-
tes, como o exemplo do Informante 12. Por fim, 4 respostas foram medi-
anas, que caracterizaram o conceito de maneira muito superficial.

“O que oportuniza o falante de um idioma se comunicar sem seguir um modelo pré-


estabelecido” (Informante 5).

“Quando o aluno tem um conhecimento linguístico e um conhecimento do mundo e


quando ele a partir desses conhecimentos passa a atuar de forma critica na sociedade”
(Informante 16).

“A capacidade de expor suas ideias” (Informante 12).

Quadro 25: Respostas dos informantes.


Fonte: Dados da pesquisa.

Devemos chamar a atenção pelo pequeno número de professores


que caracterizaram corretamente o método comunicativo, uma vez que
este é um conceito que deveria estar extremamente presente no processo
de ensino-aprendizagem de LE.
A última pergunta deste questionário foi acerca das habilidades
trabalhadas pelos livros didáticos, e as respostas originaram este gráfico:

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 363


Gráfico 10: Durante as aulas de Língua Inglesa qual é a habilidadepredo-
minante nos livros didáticos?
Fonte: Dados da pesquisa.

Portanto, observamos que somente 2 professores afirmam que a


habilidade oral é a principal abordagem dos LD, enquanto 6 afirmam que
a habilidade gramatical é predominante. Dos 16 informantes, 8asseveram
que os livros propõem tanto a habilidade oral quanto a escrita; então,
concordamos com a maior parte dos professores, uma vez que obtivemos
este dado na análise das coleções.

3. Considerações finais
Diante da análise dos questionários, pudemos observar que existe
uma falha na percepção de muitos professores de LE em relação a con-
ceitos relevantes para o ensino de Línguas, ou seja, grande parte deles a-
credita saber conceituar terminologias como a competência comunicati-
va, porém ao defini-las, apresentam conceitos extremamente superficiais
ou até mesmo incorretos. Este dado é importante, pois estes professores
estão atuando em salas de aula e deveriam ter estes conceitos definidos
para adaptá-los a necessidade dos alunos e a suas metodologias.
Concluímos também que muitas vezes o professor compreende a
necessidade se trabalhar os gêneros textuais e a competência comunicati-
va, por exemplo, durante suas aulas, mas através de suas respostas perce-
bemos que eles não conseguem trabalhar efetivamente durante suas au-
las. O que pode proporcionar um déficit no ensino dos alunos.

364 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. Dimensões Comunicativas no
Ensino de Línguas. 4. ed. Campinas-SP: Pontes, 2007.
BRASIL. MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Es-
trangeira – 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC, 1998.
BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Ensino Médio, Brasília, 2000.
DE LIMA, Diógenes Cândido (Org.). Inglês em escola pública não fun-
ciona? Uma questão, múltiplos olhares. São Paulo: Parábola, 2011.
DIAS, Renildes; CRISTÓVÃO, Vera Lúcia Lopes (Orgs). O livro didá-
tico de Língua Estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas-SP: Mer-
cado das Letras, 2009.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernand. Gêneros orais e escritos na
escola. Trad. e organização de Roxane Rojo; Glaís Sales Cordeiro. Cam-
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Rio de Janeiro: Lucerna, 2010.
______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Pau-
lo: Parábola, 2008.
MARTINEZ, Pierre. Didática de línguas estrangeiras. São Paulo: Pará-
bola, 2009.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares: das
práticas de linguagem aos objetos de ensino. In: Revista Brasileira de
Educação, n. 11, Mai/Jun/Jul/Ago, 1999. p. 5-16. São Paulo.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 365


LIVRO DIDÁTICO DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO:
INCOMPATIBILIDADE COM A FORMAÇÃO DOCENTE
Luciana da Silva Almeida (UENF)
[email protected]
Rysian Lohse Monteiro (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]

RESUMO
Atualmente, o Livro didático é considerado instrumento pedagógico fundamental
de apoio ao ensino. De acordo com Aplle (1995) e Lajolo (1996) ao longo da história da
educação e a partir do processo de implementação desse recurso, o professor tem se
tornado um reprodutor dos conteúdos programáticos trazidos pelos livros. Em contra
partida, o PNLD foi criado pelo MEC no sentido de promover ações avaliativas para,
então, adquirir e distribuir livros didáticos que estejam adequados às questões ideoló-
gicas e políticas, que privilegiam a uma determinada cultura em detrimento de outras.
Considerado, portanto, elemento fundamental, atualmente também das classes de al-
fabetização, a escolha dos livros didáticos, de acordo com o Pacto Nacional pela Alfa-
betização na Idade Certa – PNAIC – influenciará diretamente na dinâmica pedagógi-
ca e na metodologia adotada pelo professor, bem como no desenvolvimento e forma-
ção dos alunos. Diante disso, a formação do professor deve proporcionar a esse futuro
profissional momentos de reflexão sobre a importância desse material para o processo
formativo dos alunos que o receberão para que este possa avaliar as propostas que
chegam até as salas de aulas, fazendo uso consciente desse material. Nessa perspectiva,
o objetivo principal desse trabalho consiste em avaliar de que forma o professor dos
anos iniciais da educação básica, principalmente o professor alfabetizador, tem sido
preparado para conceber o Livro Didático em sua prática pedagógica. Essa proposta
se realizou em uma turma de 7º período da licenciatura em Pedagogia da Universida-
de Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), situada em Campos dos
Goytacazes-RJ.
Palavras-chave:
Formação Docente. Livro Didático. Alfabetização e Letramento.

1. Introdução
Pode-se dizer que no cenário educacional o livro didático é um
importante instrumento de propagação da cultura escolar. Essa afirmação
pode ser confirmada com base na história da educação nacional quando
observamos que esse material pedagógico fez parte do processo de de-
mocratização do saber, na medida em que possibilitou a didatização de
diversos conhecimentos, colocando-os ao alcance de diferentes classes

366 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
sociais.
No entanto, Emmel e Araújo (2012) mostram que a partir de 1980
diversos trabalhos sobre o livro didático começaram a ser produzidos
com distintos enfoques e metodologias. Alguns estudos apontam para a
perigosa relação de dependência que os docentes vêm criando em relação
ao uso do LD no preparo e execução das aulas (LAJOLO, 1996).
Outros autores, por sua vez, demonstram em seus estudos que há
por trás desse processo de “democratização do saber” um mercado edito-
rial que lucra com a comercialização de um determinado conhecimento
(APPLE, 1995), que por sua vez é adquirido e distribuído por meio de
ações políticas que privilegiam determinados conceitos, culturas e ideo-
logias em detrimento de outras (BATISTA, 2001).
Apesar de o livro didático ter começado a fazer parte do processo
de escolarização por volta de 1930, às políticas de implementação de um
LD que servissem as classes de alfabetização e letramento são tardias.
Somente em 2010 o Programa Nacional do Livro Didático - PNLD pas-
sou a investir na confecção de materiais diferenciados para as classes de
alfabetização, adotando livros de alfabetização linguística e alfabetização
matemática, que passaram a ser utilizados no ano seguinte. E em 2013,
essa implementação foi efetivada, com a plena distribuição desses mate-
riais para todas as classes e alunos de turmas regulares de classes de alfa-
betização das escolas públicas brasileiras.
No que tange ao processo de alfabetização, é inegável entre os
profissionais da educação que essa seja uma das fases de mais profunda
importância na vida escolar. Paulo Freire (2001), grande mestre e educa-
dor sintetiza a importância desse processo ao definir a alfabetização co-
mo um elemento fundamental para o exercício da cidadania.
Aprender a ler e escrever significa tornar-se conhecedor de uma
cultura, ao mesmo tempo em que se adquirem habilidades para contribuir
na construção e manutenção da cultura.
Nesse contexto, o LD permite que os discentes em fase de alfabe-
tização tenham acesso aos conhecimentos produzidos academicamente
ao mesmo tempo em que se tornam parte do mundo letrado.
A partir da inserção do LD nas classes de Alfabetização esse ma-
terial passou a ser considerado elemento fundamental, também, dessas
classes, e, portanto, a escolha dos materiais didáticos, de acordo com o
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC influenciarão

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 367


diretamente da dinâmica pedagógica e na metodologia adotada pelo pro-
fessor bem como influenciarão no desenvolvimento e formação dos alu-
nos.
É nessa perspectiva que Lajolo (1996) afirma ser imprescindível
investir nos programas de formação de professores, para que esses pro-
fissionais tenham condições críticas e teóricas para ressignificar o papel
do docente no contexto escolar e para que saibam fazer o uso adequado e
consciente dos livros didáticos que chegam as escolas.

2. Formação do professor dos anos iniciais: orientações do MEC pa-


ra o Curso de Licenciatura em Pedagogia
Antes de discutir a questão da formação do professor alfabetiza-
dor, necessário se faz que entendamos os processos pelos quais perpas-
sam a formação do professor da educação básica que, a partir da LDBEN
9394/96 passou a ser realizada por meio do Curso de Licenciatura Plena
em Pedagogia.
Na contemporaneidade, consideramos a educação como funda-
mental e direito de todos. Além de ser direito de todo cidadão é através
da educação que se pode exercitar a cidadania e, dessa forma, podemos
considerar a atuação do profissional da educação como uma ação tam-
bém política. E, por esse motivo, a formação docente está em constante
debate.
Tais debates centram-se na discussão das habilidades e competên-
cias que esses profissionais devem desenvolver para um bom exercício
do magistério. A investigação sobre a formação docente engloba desde o
perfil profissional, os processos que permeiam essa formação e os sabe-
res que devem tramitar nesse processo, entre outras questões. Quanto ao
nível de formação, a LDBEN 9.394/96 estabeleceu que esta deva reali-
zar-se preferencialmente em instituições de ensino superiores.
Nesse contexto, Souza (2007) descreve que a
Regulamentação da formação de professores no Brasil a partir da
LDBEN de 1996, em 2001 e 2002 o Conselho Nacional de Educação a-
provou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de Professo-
res da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de gra-
duação plena. (SOUZA, 2007. p. 61)

Nessa mesma linha e de acordo com Papi (2005), a criação do


curso de Pedagogia se deu num momento histórico em que se começa a

368 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
pensar na educação como importante ferramenta de promoção de desen-
volvimento social e nacional e, nesse sentido, temos que o conceito da
Pedagogia está diretamente ligada a formação social de um profissional
preparado para elaborar e executar projetos formativos com vistas a
transformação social.
O Curso de Licenciatura em Pedagogia, nessa perspectiva, desti-
na-se à formação de professores para exercer funções de magistério na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos
de Ensino Médio na modalidade Normal, de Educação Profissional na
área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previs-
tos conhecimentos pedagógicos.
A formação do Pedagogo - profissional que atua em vários setores
da educação escolar e não-escolar, planejando e elaborando programas de
ensino que atendam as diferentes etapas do desenvolvimento humano e
também nas primeiras experiências da criança com a escola - a partir da
Lei 9.131/95, parecer dado pelo Conselho Nacional de Educação, constan-
temente tem sido alvo de novas propostas e reformulações cujos objetivos
pautam-se na busca por aperfeiçoamento da formação desse profissional.
De acordo com Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006,
o Curso de Licenciatura em Pedagogia, respeitando a autonomia e diver-
sidade cultural de cada instituição, deve ser organizado basicamente em
três núcleos de estudos:
I – um núcleo de estudos básicos que, sem perder de vista a diversidade
e a multiculturalidade da sociedade brasileira, se operacionalizará por
meio do estudo acurado da literatura pertinente e de realidades
educacionais, assim como por meio de reflexão e ações críticas.
(BRASIL, 2006, p. 3)

Para o primeiro núcleo de estudos é prevista uma formação básica


que contemple a formação de conhecimentos gerais e fundamentais ao
exercício do magistério como o estudo da didática e de teorias
metodológicas de aprendizagem, que englobam os conhecimentos e
especificidades de ensino e aprendizagem de disciplinas como Língua
Portuguesa, Matemática, entre outras. Além disso, nesse núcleo também
está concentrado o estudo de áreas afins, pertinentes ao campo
pedagógico, pois contribuem para a compreensão das especificidades do
desenvolvimento humano, social e histórico-cultural.
A partir da formação adquirida no primeiro núcleo, o estudante
deverá estar apto para organização e elaboração de projetos educativos

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 369


para espaços escolares e não escolares, considerando as necessidades
educativas do público alvo, as características de aprendizagem singulares
a cada etapa do desenvolvimento humano e pronto para avaliar as
experiências de aprendizagem, para então, planejar novos trabalhos.
Já o segundo núcleo compreende o aprofundamento da formação
da identidade profissional, bem como do papel do gestor educacional em
diferentes contextos de aprendizagem e da organização e elaboração de
materiais didáticos que sirvam aos processos educativos.
Sobre o uso e manuseio de livros e materiais didáticos, é
importante ressaltar que a resolução prevê que o docente tenha
autonomia no processo de escolha desses materiais e no uso adequado e
pertinente nos processos de ensino que conduz.
II – um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos, voltado
às áreas de atuação profissional priorizadas pelo projeto pedagógico da
instituição, atendendo as diferentes demandas sociais. (BRASIL, 2006, p. 4)

Destaca-se também, nesse núcleo, a formação de um espaço para


análise aprofundada e debate das teorias educacionais e de gestão
utilizadas no decorrer da história da educação brasileira, a fim de
oportunizar momentos de reflexão e autonomia para a elaboração de
novos projetos que atendam significativamente as necessidades
educativas sociais.
III – um núcleo de estudos integradores, que proporcionará enriqueci-
mento curricular:
a) seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica,
monitoria e extensão, diretamente orientados pelo corpo docente da insti-
tuição de educação superior. (BRASIL, 2006, p. 4)

O terceiro núcleo permite ao discente atuar em diferentes campos


de pesquisa, extensão e ensino universitário, além de possibilitar ao for-
mando a troca de experiências através da participação de congressos e
eventos acadêmicos que contribuam para discussões de temas pertinentes
a formação docente.
Para Trindade (1998), essa formação deve permitir ao professor
ter bases sólidas sobre
O fenômeno educacional e seus fundamentos históricos, políticos e
sociais, que permitam a apropriação de seu processo de trabalho, com
condições de exercer a análise crítica da sociedade brasileira e da
realidade educacional. (TRINDADE, 1998, p. 72)

370 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Além disso, a autora ressalta a importância de o educador em
formação ter oportunidades formativas reais que o conduza no exercício
de reflexão sobre a importância de pesquisar e se capacitar para ter con-
dições de articular teoria e prática.
Nessa perspectiva, a formação do professor da educação básica
deve possibilitar ao profissional o reconhecimento e a criação de espaços
de aprendizagem que considerem os aspectos sociais e culturais de cada
comunidade, levando em conta as características de cada etapa do desen-
volvimento humano para que a aprendizagem se dê de forma significati-
va, além de promover processos avaliativos para que haja melhoria no
processo de ensino e aprendizagem relacionando sua atividade a prática
social, a partir do entendimento da profissão do professor como uma a-
ção política que pode possibilitar a superação de realidades de exclusão
social e o reconhecimento do papel cidadão de cada indivíduo.

2.1. A formação do professor alfabetizador


Uma importante prerrogativa ao tratarmos de ensino de Língua
Materna e formação de professores alfabetizadores é a de melhorar o de-
senvolvimento linguístico no contexto escolar, bem como ampliar o co-
nhecimento nessa área, promovendo assim uma reflexão sobre os proces-
sos de alfabetização em nossas escolas.
Ao analisarmos algumas das ferramentas avaliativas utilizadas pe-
lo governo federal para medir o nível de desenvolvimento da educação e
da alfabetização no país, temos o que apresentamos na tabela a seguir:
Tabela 1: Índice de desenvolvimento da Educação (2017) e Alfabetização (2016) no Brasil:

Desenvolvimento da Alfabetização
ANA52 IDEB
2016 2017
13% 5,8
Tabela 1 - Fonte: INEP

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, é uma


ferramenta criada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-
cionais Anísio Teixeira - INEP que tem como finalidade mensurar o ín-

52
Dos 2.160.601 alunos que realizaram a prova ANA em 2013, apenas 13% estão no 4º ní-
vel de leitura, de acordo com os dados do INEP disponíveis no site:
http://portal.inep.gov.br/documents.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 371


dice de desenvolvimento da educação básica brasileira. Essa é uma im-
portante ferramenta criada para traçar metas de melhoria da educação
com vistas a alcançar um índice de desenvolvimento educacional compa-
tível com o que está garantido no capítulo III da Constituição Federal53.
Para o ano de 2017, esperou-se obter como média a nota 5,5, entretanto,
como resultado alcançamos uma média pouco maior, o que mostra que
temos avançando no objetivo de promover uma educação básica de qua-
lidade.
Entretanto, ao observarmos a Avaliação Nacional da Alfabetiza-
ção – ANA é possível notar que esse avanço não tem acontecido de for-
ma plena. A ANA foi crida com objetivo de averiguar se as metas traça-
das pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC tem
sido alcançadas. A avaliação é aplica aos alunos matriculados no 3º ano
do Ensino Fundamental I, final do ciclo de Alfabetização. Sua principal
meta, firmada pelo INEP, é de apontar indicativos sobre o processo de al-
fabetização nas escolas públicas brasileiras, analisando o desempenho
dos alunos e, apontando possíveis estratégias para solucionar as lacunas
ainda existentes. O resultado da última avaliação realizada mostra que,
no que tange ao desenvolvimento dos processos de alfabetização, temos
muito ainda a avançar.
Com os dados das avaliações acima citados, percebemos que as
metodologias de ensino de língua e leitura são postas em xeque. De acor-
do com Luquetti, Castelano e Crisóstomo (2013), “o saldo na escola é de
um ensino de português que não consegue alfabetizar convenientemente
o aluno e não o prepara na tarefa da escrita e da leitura.” (p. 111). Essa
realidade nos leva a questionar sobre a forma como a escola vem condu-
zindo o processo de letramento, mas, além disso, de como tem sido reali-
zada a formação do professor alfabetizador.
Na tentativa de amenizar essa dura realidade de fracasso escolar, e
fracasso em alfabetizar nas nossas escolas públicas, em 2012 foi criado o
Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC. Encarado

53
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Seção que pactua a educação como direito de todos.
CAPÍTULO III DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO
Seção I DA EDUCAÇÃO
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pes-
soa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

372 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
como um desafio, o Pacto se propõe a implementar estratégias para que
todas as crianças, ao final do terceiro ano do ensino fundamental, aos 8
anos, possam estar alfabetizadas plenamente, para isso, através do Minis-
tério da Educação e Cultura - MEC é oferecido um curso de capacitação
para os professores atuantes em classes de alfabetização. Além da forma-
ção, o MEC também disponibiliza para os professores materiais e livros
didáticos que possam auxiliar os professores nesse processo.
Sobre a questão da formação do professor alfabetizador, autores
como Bortoloni-Ricardo (2006), Soares (2014) e Possenti (2014) discu-
tem e chamam a atenção para as práticas quem têm sido realizadas no
curso de Licenciatura em Pedagogia. Como exposto no tópico anterior, a
curso tem como finalidade preparar o docente para atuação nos primeiros
anos da educação básica. Um dos maiores desafios encontrados nessa
modalidade é o ensino da língua materna. Para Possenti (2014), os cursos
destinam pouco espaço para discussões de matérias da linguística e da
sociolinguística que são fundamentais para a formação do professor alfa-
betizador. Já Soares (2014) defende que deveria haver um curso específi-
co para a formação inicial dos docentes que desejam atuar nas classes de
alfabetização.
Nessa mesma perspectiva, Bortoni-Ricardo (2006) discute sobre
uma contradição existente no Brasil, no que tange aos cursos de Licen-
ciatura em Letras e Pedagogia no que se refere ao processo de docência
nas classes de alfabetização. Para a autora,
[...] no Brasil, convivemos com um paradoxo: os cursos de letras, onde os
alunos têm oportunidade de se familiarizar com o sistema fonológico do
português, não costumam dedicar-se à formação de alfabetizadores; seus
currículos são voltados para o ensino da língua no ciclo final do Ensino
Fundamental e Ensino Médio. Por sua vez, o curso de Pedagogia e o Cur-
so Normal Superior, embora assumam a responsabilidade da formação
dos alfabetizadores, não incluem em seus currículos disciplinas de Lin-
güística Descritiva que possam fornecer aos futuros alfabetizadores subsí-
dios que lhes permitam desenvolver uma consciência lingüística, ou, mais
propriamente, uma consciência fonológica. (BORTOLONI-RICARDO,
2006, p. 207 e 208)

Nessa perspectiva a autora ressalta que para que o processo de al-


fabetização torne-se mais eficiente é fundamental que o professor alfabe-
tizador tenha conhecimento dos processos científicos que envolvem a al-
fabetização. Compartilhando desse mesmo ponto de vista, Cagliari
(2009) aponta que os atos de ler e escrever são ações linguísticas e que,
portanto, o professor que conduz esse processo deve compreender cada

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 373


detalhe que compõe as etapas da alfabetização e os porquês de cada pro-
cedimento e metodologias empregadas.

3. Livro didático de alfabetização


Os primeiros materiais didáticos utilizados pelos discentes de
classes de alfabetização foram às cartilhas que, muitas vezes eram elabo-
radas pelos próprios professores. Nesses materiais predominava o méto-
do alfabético, cuja finalidade principal estava em reconhecer e decorar os
nomes das letras e, além disso, constituíam-se de atividades de repetição
e soletração.
Alguns desses materiais, porém, eram importados de Portugal,
pois não existiam indústrias de produção de cartilhas aqui no país (Mor-
tatti, 2006).
De acordo com Mortatti (2000), as cartilhas tão utilizadas e bem
vistas durante anos, em 1980, aproximadamente, passa a ser duramente
criticadas com o advento do construtivismo, que por sua vez preconiza
que o foco da atividade docente deve estar no processo de ensino e a-
prendizagem e não nos métodos tradicionais e mecânicos enfatizados nas
cartilhas.
Nessa perspectiva, por volta de 1970, com estudos produzidos por
Ferreiro e Teberosky (1985), apontavam que os métodos empregados nas
cartilhas não surtiam efeitos positivos no que tange a um ensino que pre-
coniza a construção de significados. As cartilhas então passam a ser for-
temente criticadas. Surge, através disso, a necessidade de investir em ma-
teriais que, de fato, contribuam para uma educação de qualidade e uma
alfabetização plena.
Nessa perspectiva, é que se constitui a trajetória dos LDs de alfa-
betização. De acordo com o portal do Fundo Nacional de Desenvolvi-
mento da Educação – FNDE, após muitas mudanças nos órgãos de con-
trole e implementação das políticas de aquisição e distribuição de obras e
materiais didáticos para as escolas de educação básica e fundamental do
país, em 1997 a responsabilidade em gerir integralmente o Programa Na-
cional do Livro Didático passa definitivamente para o FNDE.
A partir disso, pela primeira vez os materiais didáticos são postos
em pauta e, o FNDE estabelece uma política de ampliação gradativa para
a aquisição e distribuição de materiais didáticos que passarão a atender as

374 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
classes de alfabetização, bem como as series seguintes de todo o ensino
fundamental.
Entretanto e apesar disso, muito tempo levou para que de fato os
materiais didáticos de alfabetização e letramento entrassem no ambiente
escolar. De acordo com o portal do PNDE, a confecção e distribuição
dessas obras datam de 2010. O recente programa de distribuição de obras
para as classes de alfabetização produziu livros de Alfabetização Lin-
guística e Alfabetização Matemática, que começaram a ser utilizados pe-
la primeira vez em 2011.
Apesar das fortes criticas as atividades repetitivas e mecanicistas
contidas nas antigas cartilhas, Mortatti (2000) nos convida a uma análise
das novas obras que compõem as atuais classes de alfabetização, cuidan-
do para que as novas propostas presentes nesses materiais não sejam ati-
vidades de cartilhas disfarçadas de propostas inovadoras.

4. Relação entre formação do professor alfabetizador e Livro Didático


Melhorar o desenvolvimento linguístico no contexto escolar, bem
como ampliar o conhecimento nessa área, promovendo assim uma refle-
xão acerca dos problemas relacionados ao uso da linguagem, a fim de
que os educadores possam trabalhar de forma contextualizada com a rea-
lidade dos alunos e da escola. Esta tem sido uma importante prerrogativa
ao tratarmos de ensino de Língua Materna e formação de professores dos
anos iniciais.
Nessa perspectiva, o trabalho desenvolvido possuiu como princi-
pal objetivo investigar como tem sido feita a preparação do professor da
educação básica no que tange sua futura atuação valendo-se do livro di-
dático como material pedagógico que pode subsidiar seu desempenho
docente.
O trabalho foi realizado no ano de 2018 com uma turma de 7º pe-
ríodo do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual
do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, situada no Município de Campos
dos Goytacazes, interior do estado do Rio de Janeiro.
A turma de sétimo período, composta por 8 alunos, foi escolhida
por que, de acordo com a grade curricular do curso em questão, ao final
do deste semestre os graduandos já teriam passado por todas as discipli-
nas de didática e metodologias do ensino, estando, porém, aptos a atua-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 375


rem em todas as esferas da educação básica que sejam de competência do
pedagogo, fazem uso adequado de todas as ferramentas pedagógicas que
possam colaborar com a manutenção do ensino.
Para a realização da análise proposta nos valemos do questionário
como ferramenta de coleta de dados. Dos 8 alunos, apenas 6 responde-
ram ao questionário. Nossa ferramenta continha 15 questões e estava di-
vida em 4 blocos.
O primeiro bloco, objetiva caracterizar o nosso público que é he-
terogêneo, com alunos com idade entre 22 a 54 anos, mais da metade da
turma é oriunda de escola pública e todos já atuam ou aturam como do-
centes.
No segundo bloco, buscamos compreender as motivações que le-
varam a escolha do curso de Licenciatura em Pedagogia da UENF e, co-
mo a maioria já tem experiência na área, as respostas mostraram que a
busca pelo curso deu-se na perspectiva da formação continuada, pois, a
maioria desta turma possui a Formação de Professores, na modalidade
Normal à Nível Médio.
Aluno 1 – “Realização de um sonho complementar minha formação
(Normal Médio)”.

Aluno 2 – “Para entender melhor como funciona as fases da criança, e fui


gostando da graduação e espero seguir nesse caminho de crescimento na
área pedagógica”.

Nessa perspectiva, continuamos nosso questionário buscando


compreender de que forma o curso tem prepara os alunos para a futura
atuação docente.
• Considera que o conhecimento adquirido em sua formação no
curso de Licenciatura em Pedagogia será suficiente para o desenvolvi-
mento da atividade do magistério?
Com exceção de 1 aluno que respondeu positivamente, a grande
maioria acredita que o curso deveria investir mais em atividades práticas
que possam contribuir para uma formação não tão teórica:
Aluno 4 – “Acredito que aprender, a gente aprende na prática e o curso dá
sim um bom suporte, porém, acho que precisamos de mais prática aqui”.

No que tange a formação para a utilização, avaliação e adequação


de livros e materiais didáticos, observamos as seguintes respostas:

376 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
• Para você, qual a importância dos Livros e Materiais Didáti-
cos para o desenvolvimento das aulas e para a aprendizagem dos a-
lunos?
Aluno 4 – “Acho importante, são fundamentais para auxiliar no processo
de ensino aprendizagem se usados da maneira correta”.
Aluno 6 – “Um livro que condiz com a realidade da criança é ótimo, ago-
ra livros que fogem completamente da realidade do aluno, aí não dá!”.

As respostas das alunas sinalizam para certa consciência de que o


livro didático se constitui como material pedagógico escolar importante
para o processo de ensino. Entretanto, as falas se mostram muito superfi-
ciais ao descrever essa importância.
Nessa perspectiva, outra questão levantando foi sobre a relevância
de oportunizar, durante a formação desses futuros profissionais, momen-
tos de reflexão sobre os processos de escolha, avaliação, elaboração e as
políticas que envolvem o livro didático.
• Considera que seja importante uma disciplina que aborde:
Avaliação, Escolha e Elaboração de Livros e Materiais Didáticos?
Aluno 5 – “Ajudaria o futuro(a) pedagogo(a) a compreender a importân-
cia da escolha do livro didático, ou da sua participação como recurso den-
tro da sala de aula afim de facilitar a compreensão da material, levar ques-
tionamentos sobre a importância deste recurso ainda hoje dentro das uni-
dades escolares já que vivemos em um mundo tecnológico, a importância
da sua utilização”.
Aluno 4 – “Não consigo Imaginar um pedagogo que não consiga escolher
ou auxiliar na escolha desses materiais de maneira crítica e coerente”.

As falas dos futuros pedagogos mostram que, apesar de não ter


um argumento mais crítico sobre a importância desse material no contex-
to escolar, consideram que uma formação mais sólida a respeito seja im-
prescindível para que possam, futuramente, lançar mão desse material de
forma consciente e crítica.
Durante a trajetória da educação os professores foram os princi-
pais autores e criadores de recursos didáticos. Fiscarelli (2008) ressalta
que as discussões sobre a importância dos materiais didáticos no âmbito
escolar não são recentes. A autora enfatiza que da década de 1990 até os
dias atuais há uma crescente preocupação em ocupar os espaços escolares
com equipamentos que possam favorecer significativamente os processos
de ensino e aprendizagem.
Entretanto, como apontado por Romanelli (2016) com a amplia-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 377


ção da distribuição de livros didáticos e a consolidação desse material
como instrumento de grande relevância nos processos de ensino, o do-
cente, aos poucos vai perdendo seu papel de autor principal no processo
de planejador pedagógico e, o livro passa a ser visto como um roteiro a
ser seguido. Isso se dá, em parte, através da tentativa de unificar e padro-
nizar os processos de ensino no país.

5. Conclusão
O Livro Didático se constitui como um material escolar pedagógi-
co, cuja finalidade está em complementar o trabalho do professor e, ao
mesmo tempo, auxiliar os discente na compreensão dos conteúdos. Se-
guindo essa linha, livro didático de alfabetização e letramento é um mate-
rial pedagógico que deve contribuir com o trabalho do professor alfabeti-
zador ao passo que oferece condições para que o discente continue am-
pliando e aprimorando o conhecimento sobre os usos da linguagem.
Nessa perspectiva, são várias as discussões que depreendemos a
partir deste trabalho. A principal delas diz respeito à questão do livro di-
dático de alfabetização e letramento que, apesar de se constituir como um
material de grande valia nas classes brasileiras, pouco tem se discutido na
formação docente sobre sua qualidade, os conceitos que trazem, bem
como sua real eficácia enquanto material pedagógico que tem a função
de auxiliar no processo de ensino e aprendizagem.
Diante dos fatos relatados, podemos ainda constatar que os futu-
ros docentes sentem-se inseguros quanto a sua formação quando tiverem
que exercer as funções que demandam da profissão escolhida e que, no
que tange a utilização dos materiais, principalmente do livro didático, e-
xiste a necessidade de ampliação das discussões dessa matéria na forma-
ção docente.
Nesse sentido, o livro didático de alfabetização e letramento - por
ser instrumento de propagação da cultura escolar, e material destinado ao
desenvolvimento das habilidades letradas que deverão proporcionar o e-
xercício da cidadania – precisa ser analisado mais a fundo, a fim de que
sejam compreendidas quais são suas reais contribuições no alcance de
uma alfabetização plena, bem como qual o papel desses materiais nos
baixos índices de desenvolvimento da alfabetização brasileira.

378 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
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380 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
METODOLOGIAS ATIVAS E ENGLISH FOR SPECIFIC
PURPOSES: UMA EXPERIÊNCIA SOBRE
AUTONOMIA E APRENDIZAGEM
Rafaela Sepulveda Aleixo Lima (UENF)
[email protected]
Laís Teixeira Lima (UENF)
[email protected]

RESUMO
Com este artigo, apresenta-se uma reflexão teórica acerca das metodologias ativas
e o ensino de línguas estrangeiras através de autores como Barbosa e Moura (2013) e
Bacich e Moran (2018) com objetivo de promover autonomia e reflexão crítica a sujei-
tos inseridos num contexto sócio-político fluido, a educação tradicional não compre-
ende mais a realidade escolar na qual estes indivíduos estão inseridos. Assim as meto-
dologias ativas surgem como ferramentas para a consolidação de um ensino-
aprendizagem híbrido transformando os papéis de professor/aluno, consequentemente
alterando a forma de consolidar a língua inglesa como L2. Utilizando-se de uma se-
quência didática no Ensino Médio, demonstra-se o impacto da utilização das metodo-
logias ativas no aprendizado do ESP.
Palavras-chave:
Ensino híbrido. Metodologias ativas. Sequência Didática.
English for SpecificPurposes.

1. Introdução
Da necessidade constante de compreender o mundo, a escola e as
práticas pedagógicas situam-se num momento de adaptação em meio a
inúmeras transformações. Porquanto, quando se questionam os argumen-
tos para explicar a contemporaneidade, questionam-se também as con-
cepções pedagógicas do processo de ensino–aprendizagem. Os alunos
não se limitam mais a um mesmo lugar, são agora globais, vivem conec-
tados e imersos em informações que se transformam continuamente den-
tro de uma sociedade mundializada e híbrida.
A complexidade crescente dos diversos setores da vida no âmbito
mundial, nacional e local tem demandado o desenvolvimento de capaci-
dades humanas de pensar, sentir e agir de modo cada vez mais amplo e
profundo, comprometido com as questões do entorno em que se vive.
(BERBEL, 2011, p. 28)

Tal processo altera, então, os papéis entre professor-aluno através


de novas perspectivas educacionais compreendendo-o (aluno) como ser

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 381


autônomo capaz de construir seu próprio conhecimento atrelando-o à sua
realidade e experiências. Desta forma, a pura e simples transmissão de
conhecimentos nas mais diversas áreas já não é suficiente para garantia
de efetiva participação na vida em sociedade.
Santos e Soares (2011) evidenciam que a evolução tecnológica e
as constantes mudanças sociais fazem com que a organização escolar a-
tual não atenda à necessidade real dos alunos, provocando falta de inte-
resse pela escola, pelos conteúdos e pela forma como os professores con-
duzem suas aulas.
Surge, portanto, a necessidade de reinventar a educação,tendo em
vista que o modelo tradicional de escola “tem agora, também, de dar con-
ta das demandas e necessidades de uma sociedade democrática, inclusi-
va, permeada pelas diferenças e pautada no conhecimento inter, multi e
transdisciplinar, com a que vivemosneste início de século XXI” (ARAÚ-
JO, 2011, p. 39).
Essa perspectiva educacional cria um campo fértil ao desenvolvi-
mento de metodologias ativas que acabam por desempenhar papel fun-
damental no processo de ensino–aprendizagem quando além de desenca-
dearem um ensino motivador da Língua Inglesa (LI) também promovem
a autonomia dos educandos, que por sua vez envolvem-se na teorização e
trazem novos elementos ao processo de ensino–aprendizagem.

2. Metodologias ativas e ensino híbrido


As metodologias ativas podem servir como resposta a estas neces-
sidades educacionais ao passo que fornecem aos professores, ainda em-
bebidos da metodologia tradicional, ferramentas necessárias para que
possam transformar sua prática e avançar para reflexão, integração cogni-
tiva interdisciplinar, generalização e reelaboração de novas práticas
(MORÁN, 2015, p.18).
As instituições que atuam na educação formal terão relevância quan-
do apresentem modelos mais eficientes, atraentes e adaptados aos alunos
de hoje; quando superem os modelos conteudistas predominantes [...] A
qualidade não pode ser só um discurso, mas um compromisso efetivo de
todos os setores das instituições. As instituições sérias obterão melhores
resultados nas avaliações externas e no reconhecimento dos seus alunos,
na divulgação do grau de satisfação. Educação é projeto de longo prazo, e
a credibilidade acadêmica, fundamental. É importante conciliar a qualida-
de acadêmica com a viabilidade econômica. É possível conciliar quanti-
dade qualidade, focando em flexibilidade e metodologias ativas. (MO-

382 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
RÁN, 2015, p. 30-31)

Os docentes, em meio a esse processo, podem firmar a posição de


mudança ou ensinar a língua pela língua apenas, como ocorre em muitas
aulas de inglês em que a reflexão crítica da contemporaneidade é deixada
de lado:
[...] os professores de inglês podem cooperar em sua própria marginaliza-
ção imaginando-se como meros “professores de língua” sem conexão al-
guma com questões sociais e políticas, ou então podem aceitar o paradoxo
do letramento como forma de comunicação interétnica que muitas vezes
envolve conflitos de valores e identidades, e aceitar seu papel como pes-
soas que socializam os aprendizes numa visão de mundo que, dado seu
poder [...] deve ser analisada criticamente. (GEE, 1986, p. 722)

Tal assertiva nos conduz a refletir acerca das experiências peda-


gógicas e as atuais demandas sociais que implicam em novas aprendiza-
gens, desenvolvimento de competências e a construção de um novo sen-
tido ao fazer docente mais voltado ao protagonismo e à autonomia dos
estudantes. “Só assim uma escola pode manter-se viva e recriar a cada
dia o significado de incluir, formar e cidadanizar” (BASSALOBRE,
2013, p. 317).
É nessa perspectiva que a abordagem tradicional – caracterizada
pela transmissão de informações centralizadas no professor; formação
puramente moral e intelectual sem questionamento aos conteúdos acu-
mulados historicamente; exposição verbal; autoritarismo – não se torna
suficiente para o ensino de LI e as metodologias ativas, entendidas como
“estratégias de ensino centradas na participação efetiva dos estudantes na
construção do processo de aprendizagem, de forma flexível, interligada e
híbrida” (BACICH e MORAN, 2018, p. 2), surgem como um movimento
entre ensinar e aprender onde o conhecimento é construído de forma co-
laborativa.
Para falarmos sobre metodologias ativas, precisamos, antes, com-
preender o conceito de aprendizagem híbrida. De acordo com Moran
(2015, p. 27), “Híbrido significa misturado, mesclado, blended”. Estamos
continuamente interconectados com diversas culturas, portanto vivemos
em uma sociedade híbrida culturalmente.
Diante disso, o professor precisa desenvolver também um ensino
híbrido. O autor descreve vários tipos de mistura, blended: de áreas de
conhecimento quando integramos saberes e valores; de metodologias
com atividades, projetos, games, entre outros. Híbrido também pode ser
o currículo que apresente conteúdos fundamentais através de caminhos

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 383


personalizados para atender às necessidades de cada aluno assim como a
articulação de processos de ensino e aprendizagem: formais com infor-
mais (MORAN, 2015, p. 28).
Mas o que seria a aprendizagem híbrida? Bacich e Moran (2018,
p. 4) definem que “(...) as metodologias híbridas dão ênfase ao papel pro-
tagonista do aluno, ao seu envolvimento direto participativo e reflexivo
em todas as etapas do processo, experimentando, desenhando, criando
com a orientação do professor”. Os autores ainda acrescentam que “a-
prendizagem híbrida destaca a flexibilidade, mistura e compartilhamento
de espaços, tempos, atividades, materiais, tecnologias que compõem esse
processo ativo”.
Portanto, ao situar-se dentro do campo de um ensino híbrido, a
metodologia ativa pode ser compreendida como um processo que visa es-
timular a aprendizagem/autoaprendizagem do aluno, sendo o professor o
facilitador desse processo. Berbel (2011) reforça esse entendimento:
O engajamento do aluno em relação a novas aprendizagens, pela
compreensão, pela escolha e pelo interesse, é condição essencial para am-
pliar suas possibilidades de exercitar a liberdade e a autonomia na tomada
de decisões em diferentes momentos do processo que vivencia, preparan-
do-se para o exercício profissional futuro. (BERBEL, 2011, p. 29)

Para Bacich e Moran (2018, p. 2), “os processos de aprendizagem


são múltiplos, contínuos, híbridos, formais e informais, organizados e
abertos, intencionais e não intencionais”. Assim, o conhecimento passa
de algo previamente construído e exposto pelo professor, para algo a ser
desenvolvido em um contexto metodológico dinâmico e interacional cen-
trado no aluno.Ainda nesta perspectiva, Barbosa e Moura (2013) corro-
boram que a
[...] aprendizagem ativa ocorre quando o aluno interage com o assunto em
estudo – ouvindo, falando, perguntando, discutindo, fazendo e ensinando
– sendo estimulado a construir o conhecimento ao invés de recebê-lo de
forma passiva do professor. Em um ambiente de aprendizagem ativa, o
professor atua como orientador, supervisor, facilitador do processo de a-
prendizagem, e não apenas como fonte única de informação e conheci-
mento. (BARBOSA; MOURA, 2013, p. 55)

Podemos depreender que ao centrar o processo de ensino-


aprendizagem no aluno, desenvolve-se nele autonomia e capacidade crí-
tico-reflexiva, que fazem com que ele construa uma gama de conheci-
mentos sólidos para sua atuação na sociedade como sujeito livre ultra-
passando a barreira do ensino individualizado.

384 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
As metodologias ativas, assim, favorecem a interação constante
entre os indivíduos de modo que o trabalho em equipe seja valorizado.
Portanto, “o ponto de partida é a prática social do aluno que, uma vez
considerada, torna-se elemento de mobilização para a construção do co-
nhecimento” (ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 6).

2.1. Abordagens
Para que a aprendizagem ativa seja eficaz, diversas abordagens
podem ser utilizadas como aprendizagem baseada em problemas; apren-
dizagem baseada em projetos; aprendizagem baseada em times; aprendi-
zagem por jogos; e sala de aula invertida. É necessário que o professor
reflita sobre quais resultados deseja obter uma vez que existem muitas
combinações possíveis.
Na aprendizagem baseada em problemas, os alunos criam a ne-
cessidade de buscar soluções para uma determinada questão construindo
o conhecimento do conteúdo e desenvolvendo habilidades de resolução
de problemas, bem como competências de aprendizagem autodirigida
(KWAN, 2000; ATWA; AL RABIA, 2014).
Na abordagem baseada em projetos, os alunos precisam ser esti-
mulados a encontrar diferentes formas de solucionar problemas relacio-
nados ao seu contexto escolar ou social e a realizar conexões com sua re-
alidade fora do ambiente escolar, de forma crítica e criativa. Ela propor-
ciona experiências de aprendizagem multifacetadas e interdisciplinares,
em oposição ao método tradicional de ensino.
De acordo com Michaelsen e Sweet (2008, p. 7), na aprendizagem
baseada em times, aos alunos – organizados em grupos permanentes – é
fornecido tanto conhecimento conceitual quanto processual para que pos-
sam ser capazes de resolver problemas. As equipes, imbuídas de tais co-
nhecimentos, estarão aptas a encontrar soluções de forma a promover a
aprendizagem por meio da interação com o grupo.
A abordagem por jogos assume um caráter de extrema importân-
cia motivacional para uma aprendizagem mais ativa e eficaz dado que
nossos alunos estão em constante contato com games, principalmente na
esfera virtual. Segundo Bacich e Moran (2018, p. 21) “Os jogos mais in-
teressantes para a educação ajudam os estudantes a enfrentar desafios, fa-
ses, dificuldades, a lidar com fracasso e correr riscos com segurança.”

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 385


Por último, mas não menos importante, a sala de aula invertida
“(...) é uma estratégia ativa e um modelo híbrido que otimiza o tempo da
aprendizagem e do professor. O conhecimento básico fica a cargo do a-
luno – com curadoria do professor – e os estágios mais avançados têm in-
terferência do professor” (BACICH; MORAN, 2018, p. 13). Inicialmente
os estudantes têm acesso às informações para, em seguida, guiados pelo
docente (mediador) assimilá-las. Isso os ajuda a assumirem mais respon-
sabilidade por sua própria aprendizagem, corroborando com a ideia de
Paulo Freire (2006, p. 37) de que educador e educandos devem recriar o
conhecimento em busca de libertação através do engajamento.

3. English for Specific Purposes (ESP)


Inglês Instrumental, também chamado de English for Specific
Purpose (ESP), pode ser conceituado como o ensino da LI a partir da ne-
cessidade do aluno – de leitura, compreensão de textos, compreensão oral
e/ou escrita da língua, entre outros. Ao utilizarmos o ESP estamos não
apenas ampliando a autonomia dos estudantes como também propiciando
o acesso às situações de uso científico, cultural, e tecnológico do conhe-
cimento.
Os alunos, suas necessidades, suas preferências precisam ser con-
siderados e ressaltados, uma vez que “o que interessa a nós professores
de inglês instrumental não é tanto ensinar inglês para fins específicos,
mas ensinar inglês para pessoas específicas”54 (ROBINSON, 1991, p. 5).
Portanto, precisamos nos basear em objetivos específicos e na avaliação
da análise das necessidades.
Holmes (1981, p. 8) enfatiza alguns aspectos que devem ser con-
siderados na abordagem ESP. O primeiro é estar centrado nas necessida-
des dos alunos. O segundo é priorizar a prática de habilidades e estraté-
gias específicas de acordo com suas necessidades. E o terceiro é reconhe-
cer que os alunos possuem conhecimento tanto de mundo quanto linguís-
tico, mesmo que seja apenas em sua língua materna.
Em meio a esta trama, a LI tem sido considerada como uma lín-
gua internacional que pode além de facilitar a comunicação, permitir
maior facilidade de acesso à informação, literatura, bem como quaisquer

54
“what we are really involved in as ESP practitioners is not so much teaching English for
specific purposes but teaching English to specified people”

386 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
outras manifestações socioculturais. Além de ser indispensável para o a-
proveitamento da literatura científica existente. Portanto, está intimamen-
te associada ao desenvolvimento tecnológico e econômico.
Tal perspectiva está em consonância com as Orientações Curricu-
lares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006, p. 91) em que “a disciplina
Línguas Estrangeiras na escola visa ensinar um idioma estrangeiro e, ao
mesmo tempo, cumprir outros compromissos com os educandos, como,
por exemplo, contribuir para a formação de indivíduos como parte de su-
as preocupações educacionais”.
O ensino de LI assume, portanto, papel libertador quando, através
das metodologias ativas, contribui para a construção de cidadãos críticos
que sejam agentes de mudanças e compreendam que o inglês não é uma
língua pertencente a uma ou outra nação, mas língua dos cidadãos do
mundo.
A língua deve ser ensinada em toda sua complexidade comunicativa,
sem restringir seu estudo a uma tecnologia (leitura) ou a aspectos apenas
formais (gramática). A língua deve fazer sentido para o aprendiz em vez
de ser apenas um conjunto de estruturas gramaticais. (PAIVA, 2009 p. 32)

Assim, o uso do inglês instrumental precisa ser reconhecido como


mecanismo que favorece tanto o futuro profissional quanto que o eman-
cipa sendo uma marca da construção do cidadão autônomo que permite
produção da informação e o diálogo e partilha com semelhantes e dife-
rentes em uma sociedade de culturas e sujeitos híbridos.

3.1. Jogos: sequência didática de língua inglesa no Ensino Médio


Conforme visto nos documentos oficiais, o ensino de LI deve ser
voltado para a formação integral dos sujeitos envolvidos visando não a
transmissão de regras gramaticais para o aprendizado memorizado e su-
perficial da língua, mas uma experiência transcultural vista como oportu-
nidade de transformação social e emancipação em relação a sociedade
globalizada em que os mesmos inserem-se, favorecendo ao desenvolvi-
mento integral do indivíduo que percebe-se como pertencente a um pro-
cesso que transcende culturas e barreiras sociais, políticas e econômicas.
Conforme afirma Luckesi (2010), o professor precisa, portanto,

Atentar para as dificuldades e desvios da aprendizagem dos educan-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 387


dos e decidir trabalhar com eles para que, de fato, aprendam aquilo que
deveriam aprender e construam efetivamente os resultados necessários da
aprendizagem. (LUCKESI, 2010, p. 5)

Partindo-se desta premissa, ao trabalhar com jogos o professor te-


rá um recurso pedagógico diferenciado que permite realizar um ensino
mais dinâmico e proveitoso assim como o utilizar tanto como avaliação
quanto diagnóstico. Os jogos permitem atingir objetivos como:
Aprender a lidar com a ansiedade; refletir sobre limites; estimular a
autonomia; desenvolver e aprimorar as funções neurossensoriomotoras;
desenvolver a atenção e a concentração; ampliar a elaboração de estraté-
gias; estimular o raciocínio lógico e a criatividade. (RAU, 2007, p. 53)

Corroborando com esta ideia, em 2001, Marc Prensky em seu ar-


tigo “Digital Native, Digital Immigrants” apresentou o termo Nativos
Digitais, caracterizados como indivíduos que cresceram com as NTICs
de modo que estas tornaram-se parte integrante de sua vida cotidiana.
“[...] como resultado deste ambiente onipresente e o grande volume de
interaçãocom a tecnologia, os alunos de hoje pensam e processam as in-
formações bem diferentes dasgerações anteriores”. (PRENSKY, 2001,
p.1) Assim, justifica-se a escolha desta abordagem (jogo) e sua aplicação
em turmas de Ensino Médio (3º ano, no caso) dado que os educandos
cresceram em um ambiente de extrema dinamicidade em que são agentes
constantes de sua aprendizagem em diferentes esferas.
Fundamentada nestas ideias, foi-se implantada a seguinte sequên-
cia didática:
Tema: Jogo “Passa ou Repassa”
Disciplina: Língua Inglesa
Autor: Rafaela Sepulveda Aleixo Lima
Público: Turma de 3º ano do Ensino Médio em escola pública es-
tadual, Instituto de Educação Éber Teixeira de Figueiredo – Bom Jesus
do Itabapoana-RJ com aproximadamente 35 alunos cada.
Tempo: 6 encontros de 50 minutos cada, totalizando um total de
4 horas e 30 minutos de atividade.
Objetivos Conceituais: Compreender tempos verbais em Inglês –
Presentand Past Tenses; estabelecer relações comparativas entre diferen-
tes usos dos tempos; conhecer formas afirmativas, negativas e interroga-
tivas dos verbos; apreender a aplicação de verbos em diferentes contextos
de gêneros textuais.

388 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Objetivo Procedimental: formular estratégias de pesquisa, cons-
trução e disseminação de conhecimento.

3.1.1. Encontro 1
Objetivos e competências: Revisar tempo verbais: Simple Pre-
sent x Present Continuous; Simple Past x Past Continuous.

Material utilizado: Datashow, quadro branco, pincel, apagador,


exercício em folha.
Levantamento do conhecimento prévio dos estudantes: Intro-
duzir conhecimentos através de frases pedindo aos alunos para identificar
os tempos verbais.
Exposição dialogada: explicação dos usos dos tempos verbais e
suas relativas formas afirmativas, negativas e interrogativas através da u-
tilização de slides pedindo a colaboração dos alunos para construção do
conhecimento. Disponível em:
Proposta de Atividade: Exercício em folha e corrigido em sala
para possível estudo dos alunos. Disponível em:
Feedback: Provocar os alunos para que expliquem os tempos ver-
bais e façam uma resumo das formas de modo a entenderem as diferen-
ças entre os tempos verbais.

3.1.2. Encontro 2
Objetivos e competências: reforçar o aprendizado de tempos
verbais em frases, seus usos, suas formas e diferenças entre eles; com-
preender quais tempos verbais são mais utilizados em
Material utilizado: Mesa, espuma de chantilly, bola de isopor,
pratinhos de papel.
Proposta de Atividade: A sala de aula é organizada de modo
que há um grande espaço no meio da sala, duas mesas ficam juntas com
uma bola de isopor no meio de forma que as demais cadeiras são enfi-
leiradas para ficarem uma frente a outra. As regras do jogo são explica-
das (Não poder bater com força no rosto do colega; Não poder zombar
de um grupo ou de membros do próprio grupo; Não poder utilizar pala-
vras de baixo calão em aula, por exemplo) e caso sejam descumpridas,

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 389


o grupo será punido perdendo ponto. Posteriormente, os alunos serão
divididos em dois grupos diferentes – dois líderes são escolhidos por
sorteio, os demais alunos serão escolhidos por estes líderes alternada-
mente. Os alunos são sentados na ordem em que são escolhidos. Após o
término da escolha, os alunos são chamados para responderem um per-
gunta que é elaborada previamente pelo professor, eles devem ficar com
a mão na orelha, após a pergunta, eles podem bater na bola no centro da
mesa conforme na figura 1.

Figura 1 momento em que a professora realizou a pergunta.

Fonte: arquivo próprio (2018).

Quem pegar primeiro tem a chance de responder a pergunta,


caso não saiba, pode passar; o outro do grupo pode repassar conforme
na figura 2.
Figura 2 Momento em que aluna respondeu corretamente a pergunta.

Fonte: arquivo próprio (2018).

Se o aluno responder certo, ele ganha 1 ponto para seu grupo e


dá uma “tortada”no colega. Caso ele não responda ou responda errado,
ele toma uma “tortada” e perde 1 ponto conforme na figura 3. Lem-
brando que os pontos obtidos pelo jogo não tem peso bimestral, mas

390 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
apenas para caráter de controle de quem perde ou ganha. Após o térmi-
no das rodadas, o professor conta os pontos, o grupo com maior pontu-
ação ganha 2,0 inteiro e o outro grupo ganha 0,5 ponto de participação.

Figura 3 “Tortada”.

Fonte: arquivo próprio (2018).

3.1.3. Encontro 3
Objetivos e competências: reforçar conteúdos aprendidos na aula
anterior através de atividades; recuperar nota tirada pelo grupo que não
alcançou a vitória.
Material utilizado: Exercício em folha. Disponível em:
Proposta de Atividade: Com os mesmos grupos, os alunos de-
vem realizar uma atividade de reforço da aprendizagem dos conteúdos
explicitados no Encontro 1 e validados no Encontro 2. Para o grupo ven-
cedor a atividade será como uma atividade extra, para o outro grupo será
como uma recuperação paralela.
A atividade anteriormente relatada motivou os alunos a estudarem
para os conteúdos propostos dado que parte dos alunos encontram-se em
realidades “não motivadoras” ao estudo da LI. Desta forma foi dado a e-
les uma oportunidade de falar e utilizar os conteúdos ensinados e apren-
didos além de socializarem e aprenderem a lidar com ganhos e perdas e
com diferentes sentimentos em relação aos colegas e a si mesmo; a não
sabotarem seus grupos e a se responsabilizar pelos seus resultados como
parte de um todo e não como ser individual cujas atitudes não reverberam
aos demais.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 391


Assim, o jogo atingiu objetivos pedagógicos e interpessoais de
forma que contribuiu para um melhor relacionamento entre professor-
aluno; aluno-aluno; aluno-conteúdo de modo que o sujeito central desta
trama foi o próprio aluno que regulou sua (auto)aprendizagem de modo
que ao realizarem a atividade proposta no Encontro 3, os alunos a reali-
zaram com maior interação e motivação trocando ideias, conversando
uns com os outros de modo que o conhecimento transpassou a fronteira
“conteúdo” tornando-se interdisciplinar.

4. Conclusão
Diante do exposto, percebe-se que a teoria ou o conceito, por mais
promissor que o seja, não transforma o mundo ou a realidade por si só.
Desta forma, para que as metodologias ativas cumpram seu papel de pro-
porcionar uma formação humana e social do sujeito proporcionando-lhe
uma aprendizagem interdisciplinar e uma formação crítico – reflexiva, é
necessário que os participantes do processo as valorizem, compreendam
e acreditem em seu potencial pedagógico.
O ensino do Inglês Instrumental (English for SpecificPurposes –
ESP) emancipador e crítico no qual o aluno esteja apto a compreender a
importância da LI e suas diversas possibilidades de aplicação acadêmica
e profissional precisa estar atrelado às suas vivências e experiências tor-
nando-se um ser autônomo.
A desconstrução das estigmatizadas atuações do professor e do
aluno acontece à medida que o processo de ensino-aprendizagem tam-
bém é feito a partir de novas perspectivas metodológicas (no caso em
questão o jogo) em que o aluno torna-se o verdadeiro agente do processo
ensino-aprendizagem experimentando situações profundamente significa-
tivas em sua vida com relações mais horizontais e democráticas que vi-
sem a superação da pedagogia da transmissão e que adotem a pedagogia
crítico-reflexiva na construção do conhecimento.
No caso da sequência didática aplicada, percebeu-se que os alunos
envolvidos apresentaram, após sua aplicação, maior interesse nas aulas,
maior envolvimento com as atividades propostas significando os conteú-
dos mesmo que em uma microesfera, percebendo que a LI lhes seria útil
para algo concreto e real. Essa prática, mesmo não envolvendo-os como
sujeitos falantes ativos dentro de uma comunidade linguística, resignifica
o processo de aprendizagem e, consequentemente de ensino, trazendo aos

392 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
professores de LE que as metodologias ativas não são apenas uma nova
forma de abordagem dos conteúdos, mas uma nova forma de se pensar a
educação.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 395


MÚSICA POPULAR BRASILEIRA COMO ESTRATÉGIA PARA
DIVULGAÇÃO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS
Dayse Sampaio Lopes Borges (UENF)
[email protected]

RESUMO
A música desperta emoções, sentimentos e pode aumentar os níveis de adrenalina
no corpo ou promover calma em um trânsito intenso ou enquanto se aguarda uma fila
para atendimento em uma repartição pública. Praticamente todas as ações humanas
estão inseridas em um contexto social onde a música está presente. A música popular
brasileiraé muitodiversificada em seus ritmos e melodias, possibilitando agradar a
públicos diversos. Muitas músicas apresentam conteúdos com conceitos científicos e
podem ser utilizadas como uma estratégia pedagógica. Objetivou-se nessa pesquisa
analisar algumas músicas populares brasileiras e selecionar as possibilidades da pre-
sença de conceitos científicos nessas músicas. Para isso, selecionaram-se algumas mú-
sicas populares brasileiras e analisou-se a presença de conceitos científicos para serem
usadas como uma estratégia pedagógica em um trabalho interdisciplinar para alunos
da educação básica de uma escola pública do estado do Espírito Santo. Os resultados
desta pesquisa apresentaram três músicas populares brasileiras que na sua composi-
ção há conceitos científicos, importantes e fundamentais para o conhecimento dos alu-
nos da educação básica. Sugere-se então que essas músicas sejam utilizadas no proces-
so ensino–aprendizagem como forma de divulgar os conceitos científicos para a efeti-
vidade de um trabalho interdisciplinar visando à aprendizagem.
Palavras-chave:
Música. Divulgação científica. Processo ensino–aprendizagem.

1. Considerações iniciais
A música permite incontáveis possibilidades de sentimentos aos
seres humanos. Sua influência pode ser registrada em várias épocas da
história, desde tempos muito antigos, conforme afirmaTame (1984, p.
19) que “para as principais civilizações da antiguidade, o som organizado
inteligentemente representava a mais elevada de todas as artes”. E ainda
segundo Gainza (1988, p. 22), “a música e o som, enquanto energia, es-
timulam o movimento interno e externo no homem, impulsionam-no à
ação e promovem nele uma multiplicidade de condutas de diferente qua-
lidade e grau”.
A música movimenta as pessoas induzindo-as ao movimento cor-
poral, provocando muitas sensações de acordo com a música que se ou-
ve, como alegria, motivação, empatia, entre outros. Conforme Tame
(1984, p 26), “a música, por certo, é muito física, e nada tem de abstrata

396 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
nem de insubstancial. As vibrações aéreas do seu som não são apenas re-
ais e mensuráveis, mas também capazes de despedaçar um vidro”. A mú-
sica estimula a afetividade e contribui ativamente para uma afirmação de
sentimentos.
A música tem sofrido modificações com o passar dos tempos e as
relações entre música e ciência são profundas. As descobertas que a ciên-
cia vem fazendo com o avanço das Tecnologias da Informação e Comu-
nicação (TICs), estimulam transformações em vários setores da vida hu-
mana. Ademais, segundo Moreira e Massarani (2006, p. 293), “a aliança
texto-música é matéria das mais antigas e sensíveis no campo da arte”.
A música possibilita recordações e lembranças. Utilizar a música
como uma estratégia, permite que o conhecimento se torne significativo e
memorável na memória dos alunos. Borges (2018, p. 20) lembra que “a
música é um exemplo de estratégia mnemônica, eficaz técnica utilizada
para auxiliar a aquisição e a recuperação do material aprendido e para
auxiliar na evocação de informações específicas”. Ademais, Bréscia
(2011, p. 76) chega a afirmar que “a música é tida como um dos melho-
res meios de expressão e socialização do ser humano”. E por isso é pos-
sível comprovar a presença da música nos diversos eventos que marcam
a vida dos seres humanos como um casamento, uma formatura, uma festa
de aniversário ou até mesmo nas insistentes propagandas que insistem
em vender um determinado produto.
Portanto, através dessa pesquisa bibliográfica, buscou-se explorar
algumas possibilidades de músicas populares brasileiras apresentarem o
fomento para a divulgação científica. A utilização da música na educação
possibilita muitos benefícios. Os resultados dessa pesquisa demonstraram
que existem muitas músicas que proporcionam a possibilidade da divul-
gação científica na escola. A música, em determinado contexto cultural,
possibilita a manifestação da cultura, da divulgação científica e seu uso
deve ser mais utilizado em sala de aula como um recurso didático e pe-
dagógico.

2. A música e sua amplitude de significados


Usar músicas populares em processos educativos vem sendo de-
batido por alguns autores (SILVEIRA; KIOURANIS, 2008; BORGES;
DAMATTA, 2016, 2017, 2018), pois de acordo com Tame (1984, p. 27),
“nunca a música foi tão facilmente acessível, tão diversa, tão continua-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 397


mente despejada nas ruas da cidade e nas ondas do ar”. E segundo Bor-
ges e DaMatta (2017, p. 160), “a música é de natureza física e não deve
ser classificada como abstrata ou insubstancial, pois começa no nível a-
tômico, atingindo o celular, tecidual, até afetar o organismo e a socieda-
de”. A música popular está muito presente no cotidiano das pessoas.
As músicas populares estão em grande evidência na vida dos jo-
vens, pois estes gostam e se identificam com os diversos gêneros musi-
cais. Ademais, segundo Tame (1984, p. 14) “a música cria ordem a partir
do caos; pois o ritmo impõe unanimidade ao divergente, a melodia impõe
continuidade ao descosido e a harmonia impõe compatibilidade ao in-
congruente”. De acordo com Borges e DaMatta (2017):
A música desperta emoções, sentimentos e pensamentos que trazem
memória lembranças da trajetória das pessoas. Por meio da música, as si-
tuações cotidianas ganham mais sentido e significado, ao assistir, por e-
xemplo, a um filme romântico e emocionante como o “Titanic” ou sentir
a adrenalina do filme “Velozes e Furiosos”. As propagandas ou os dese-
nhos animados, sem a música, não produziriam o mesmo efeito de memo-
rabilidade e estímulo ao consumismo. [...] Todas as ações humanas estão
inclusas em uma realidade social em que a música está presente, sendo ou
não da preferência dos ouvintes. (BORGES; DAMATTA, 2017, p. 159)

As músicas podem identificar povos ou nações. DaMatta (2006, p.


65) afirma: “mas graças a Deus temos a música popular, temos os artistas
despojados e criativos que amam verdadeiramente a nossa terra”. No
Brasil, o samba é considerado uma música forte que identifica o brasilei-
ro. Os brasileiros são identificados pelo gingado do samba brasileiro.
DaMatta (1997, p. 148) ainda corrobora que “no samba, o mundo é can-
tado de forma coletiva, com os temas da malandragem, da escravidão e
da nobreza, da mitologia e das comidas mágicas – as comidas afro-
brasileiras”. Com isso é possível associar ao se ouvir o samba brasileiro à
nação brasileira. O samba tornou-se uma forma de identificar e significar
o Brasil. DaMatta (2012) ainda afirma:
Como tudo que é humano, há melodia para tudo: para matar e morrer,
para denegrir, vender, prostituir, curtir e sublimar. Existe até a música que
exalta a dor e suspende a compaixão como as marchas militares e os can-
tos políticos partidários. A gente nasce chorando, mas cresce e se faz e
desfaz com música. (DAMATTA, 2012, p. 111)

As músicas também podem permitir a identificação com uma de-


terminada ideologia. Tame (1984, p. 17) afirma que “ser a música uma
força tangível que pode ser aplicada com o fim de criar a mudança, para
melhor ou para pior, no caráter do indivíduo”. Um estilo musical como o
punk rock, por exemplo, relaciona-se com a forma como os seus ouvintes

398 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
se vestem com calças rasgadas e coturnos, roupas de couro, além de se
comportarem com modos de rebeldia e formas de contestação, e ainda
usar o corte de cabelo diferenciado, por vezes com cores diferenciadas.
Isso acontece, pois os ouvintes desse gênero musical envolvem-se em
“um agrupamento de músicos, cantores, compositores, repertórios, ou-
vintes e admiradores que tende a adquirir uma permanência temporal”
(TROTTA, 2005, p. 188-9). Da mesma maneira, pode-se observar os in-
divíduos que gostam de pop, rap, bossa nova, entre outros, geralmente
usam roupas e costumes que os unem como em uma grande rede, dife-
renciados por suas práticas sociais.
“A música afeta fisicamente o ser humano quando ouvida”
(BORGES; DAMATTA, 2017, p. 171). Quando o som da música chega
até aos nervos auditivos, o cérebro seleciona se dará ou não atenção a es-
sa música. McClellan (1994, p. 38) corrobora ao afirmar que “a audição,
portanto, é tanto uma questão da mente quanto do cérebro. Quando um
som penetra a nossa consciência e decidimos dar-lhe alguma atenção,
começa um processo psicológico de audição muito personalizado”. Mc-
Clellan (1994) ainda afirma que:
A música resulta de nossos processos biológico, afetivo, cognitivo e
espiritual e é uma atividade inerente ao homem. Por isso mesmo, reagi-
mos a ela em todos os quatro níveis. A reação biológica implica processos
corporais tais como ritmo e profundidade da respiração, ritmo cardíaco e
coisas do gênero. A resposta afetiva envolve a emoção. A reação cogniti-
va diz respeito à satisfação e à estimulação estéticas. Uma reação espiritu-
al é transpessoal, no sentido de experimentarmos algo de transcendental.
(MCCLELLAN, 1994, p. 387)

Para Borges (2018, p. 49) “a música, por fim, promove os mais


diversos sentimentos aos seus ouvintes”. A música afeta fisicamente o
ser humano quando ouvida” (BORGES; DAMATTA, 2017, p. 171).
Quando o som da música chega até aos nervos auditivos, o cérebro sele-
ciona se dará ou não atenção a essa música. McClellan (1994, p. 38) cor-
robora ao afirmar que
A audição, portanto, é tanto uma questão da mente quanto do cérebro.
Quando um som penetra a nossa consciência e decidimos dar-lhe alguma
atenção, começa um processo psicológico de audição muito personaliza-
do. (MCCLELLAN, 1994, p. 38)

3. A divulgação científica em música popular brasileira


De acordo com Vigotski (2001, p. 346) quando um indivíduo “a-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 399


preende” um determinado conhecimento científico, ele “define” esse
conceito e o aplica em “diferentes operações lógicas” levanto a relacionar
com outros conceitos. É nesse momento, que ao interagir com outros in-
divíduos, pode-se afirmar que o indivíduo atinge a denominada “zona de
desenvolvimento imediato” (VIGOTSKI, 2001, p. 351), em que o indiví-
duo tem condições de resolver problemas.
Portanto buscou-se a análise de algumas músicas populares brasi-
leiras, de forma aleatória, buscando procurar conteúdos que possibilitem
a divulgação científica e o aprofundamento do conhecimento de determi-
nado tema.
Na música “Sobradinho”, de Sá e Guarabira, percebe-se a possibi-
lidade de se trabalhar a riqueza dos recursos hídricos que o Brasil possui.
Nessa música popular brasileira, tem-se a importância do rio São Fran-
cisco, que nasce na região Sudeste e deságua na região Nordeste do país.
A música enfatiza a consequência das águas represadas, bem como da
submersão das cidades, inclusive cita sobre a necessidade das pessoas
mudarem do local onde sempre viveram. Sobradinho possibilita relacio-
nar os rios, lagos com o cotidiano das pessoas e a influência desses rios,
lagos, entre outros na população ribeirinha. Eis a música:
Sobradinho (Sá e Guarabira)55
O homem chega, já desfaz a natureza
Tira a gente, põe represa, diz que tudo vai mudar
O São Francisco lá prá cima da Bahia
Diz que dia menos dia vai subir bem devagar
E passo a passo vai cumprindo a profecia
Do beato que dizia que o sertão ia alagar
O sertão vai virar mar, dá no coração
O medo que algum dia o mar também vire sertão
Adeus Remanso, Casa ova, Santo Sé
Adeus Pilão Arcado, vem o rio te engolir
Debaixo dágua lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira o gaiola vai subir
Vai ter barragem no salto do Sobradinho
E o povo vai se embora com medo de se afogar
O sertão vai virar mar, dá no coração
O medo que algum dia o mar também vire sertão.

55
Sobradinho – (Sá e Guarabyra). Música do álbum Pirão de Peixe com Pimenta, 1977.
Disponível em: <https://www.google.com/search?q=sobradinho+sa+e+guarabira&oq
=sobradinho+sa+e+guarabira&aqs=chrome..69i57.5663j0j7&sourceid=chrome&ie=UT
F-8> Acesso em: 12 abr. 2019.

400 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Portanto, a música “Sobradinho” permite um amplo estudo sobre
a hidrografia brasileira. Particularmente, ao utilizar essa música na sala
de aula, temas interdisciplinares podem ser tratados como o percurso dos
rios e onde deságuam esses rios; estudos sobre as usinas hidrelétricas e
sobre o que é preciso para construí-las; o discutir etrabalhar com as fon-
tes renováveis de energia e as fontes não-renováveis de energia. Relacio-
nar as possíveis consequências a nível pessoal, comunitário e global da
utilização demasiada das fontes não-renováveis de energia. Discutir so-
bre a falta de investimentos e motivações para a ampliação da utilização
de fontes renováveis de energia. Esses e outros temas poderão ser apro-
fundados, possibilitando maior abertura a reflexões e aprofundamento
desses conhecimentos pelos alunos, além do despertamento para outros
temas que estejam interligados a esse.
Em “Passaredo”, de Francis Hime e Chico Buarque, tem-se uma
música popular brasileira de melodia fluente, agradável de ser ouvida e
interessante de ser cantada. Essa música possibilita a fixação de nomes
de aves diversas, além de instigar a curiosidade de se estudar se essas a-
ves estão em extinção e onde vivem. É possível trabalhar com os alunos
a razão dos nomes científicos existirem e como eles são elaborados. Po-
de-se realizar um estudo sobre o gênero e a espécie de cada ave de acor-
do com o sistema binomial de Lineu. É possível pedir aos alunos que
pesquisem sobre o canto dos pássaros e as suas distinções. Ademais, de
forma interdisciplinar pode-se trabalhar com a literatura, ao observar-se a
construção poética da letra dessa música que apresenta uma poesia de
verso livre. Ainda sobre a interdisciplinaridade, pode-se trabalhar sobre a
necessidade da liberdade e sobre as questões ecológicas e ambientais que
envolvem o tráfico de animais, ou a simples prisão domiciliar de um pás-
saro em uma gaiola dentro da casa. Pode-se levantar uma pesquisa de
quais dessas aves já estão em extinção ou correm esse risco, além de pos-
sibilitar uma pesquisa do ciclo de vida dessas aves, seu habitat, quanto
tempo de vida, tipo de alimentação, entre outros aspectos. Eis a música:
Passaredo (Francis Hime e Chico Buarque)56
Ei, pintassilgo
Oi, pintarroxo
Melro, uirapuru
Ai, chega-e-vira

56
Passaredo – (Francis Hime e Chico Buarque). Música do álbum Pirão de Peixe com Pi-
menta, 1977. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/chico-buarque/80825/> Acesso
em: 11 abr. 2019.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 401


Engole-vento
Saíra, inhambu
Foge,asa-branca
Vai, patativa
Tordo, tuju, tuim
Xô, tiê-sangue
Xô, tiê-fogo
Xô, rouxinol, sem-fim
Some,coleiro
Anda, trigueiro
Te esconde, colibri
Voa, macuco
Voa, viúva
Utiariti
Bico calado, toma cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
Ei, quero-quero
Oi, tico-tico
Anum, pardal, chapim
Xô, cotovia
Xô, ave-0fria
Xô, pescador-martim
Some, rolinha
Anda, andorinha
Te esconde, bem-te-vi
Voa, bicudo
Voa, sanhaço
Bico calado, muito cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí.

Na música “Herdeiros do Futuro”, de autoria de Toquinho, tem-se


a possibilidade de reflexão sobre como o futuro pode ser afetado com a
maneira que um indivíduo se comporta no presente. A melodia dessa
música é agradável e embala os seus ouvintes, fazendo com que a cante
de forma motivada. A letra da música aborda sobre questionamentos se a
Terra conseguirá no futuro dar o fruto, a folha, o caule, a raiz. O diálogo
sobre esses questionamentos pode envolver um conhecimento científico
interdisciplinar, pois, pode levar o educando a concluir que todas as boas
ações para com o planeta Terra, trarão um futuro com “um jeito bom da
gente ser feliz”. Pode-se trabalhar conceitos interdisciplinares à partir da
música como por exemplo a refração da luz, ao se tratar sobre como se
forma o arco-íris. Pode-se estabelecer possíveis causas para os peixes não
estarem no mar em um futuro próximo, dentre outras possibilidades de
explorações com a música. Eis a música:

402 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Herdeiros do Futuro (Toquinho)57
A vida é uma grande amiga da gente
Nos dá tudo de graçaprá viver
Sol e céu, luz e ar, rios e fontes, terra e mar.

Somos os herdeiros do futuro e pra esse futuro ser feliz.


Vamos ter que cuidar bem desse país!
Vamos ter que cuidar bem desse país!

Será que no futuro haverá flores?


Será que os peixes vão estar no mar?
Será que os arco-íris terão cores?
E os passarinhos vão poder voar?
Será que a terra vai seguir nos dando
O fruto, a folha, o caule e a raiz?
Será que a vida acaba encontrando
Um jeito bomda gente ser feliz?

Estas três sugestões de músicas populares fazem uma breve expo-


sição de como várias outras músicas populares brasileiras podem ser uti-
lizadas com o objetivo de fomentar conceitos científicos. Sekeff (2007)
considera a importância da música para a cognição ao afirmar que:
No discurso aberto, no discurso lógico e lúdico, vale dizer no discur-
so musical, “o signo ganha uma dimensão múltipla, plural, de forte polis-
semia, (em que) os sentidos se estilhaçam expondo as riquezas de novos
sentidos. Os signos se abrem e revelam a poesia da descoberta” (CITEL-
LI, 1986, p. 58). Abrindo o discurso às mais variadas incursões e possibi-
litando sua atemporalidade, o espaço da participação da música na educa-
ção se marca pela liberdade, com a obra musical trazendo em, si suas pró-
prias regras. A música se faz fazendo. (SEKEFF, 2007, p. 142)

4. O processo ensino-aprendizagem com a música como estratégia


A música tem sido uma metodologia utilizada no processo ensino-
aprendizagem. Sekeff (2007, p. 107) afirma que “uma das funções da
música no campo da educação é estimular, criar necessidades, mobilizar,
satisfazer, facultar condições para o desenvolvimento do educando. Essa
é a sua dimensão psicológica, sua força, estendendo-se sua ação a regiões
as quais o simbolismo conceitual não alcança”. Penna (2015, p. 178) a-
firma que “recriar a música do cotidiano equivale, portanto, a repensá-la
e a dar-lhe novas significações”. Por isso, utilizar estratégias lúdicas com

57
Herdeiros do Futuro – (Toquinho). Disponível em: <https://www.letras.mus.br/toqui
nho/87255/> Acesso em: 11 abr. 2019.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 403


a música tem sido fomentado em muitas pesquisas nacionais e interna-
cionais. Bréscia (2011, p. 54) afirma que “se cantar pode fazer um bem
tão grande às pessoas, isto deveria ser mais explorado nas escolas”. Se-
keff (2007) corrobora ao afirmar que:
Em termos psicopedagógicos ela age sobre a capacidade de atenção
do educando, estimulando-o a níveis insuspeitados, e de tal forma que se
investiga hoje a possibilidade de que certas músicas, sustentando a capa-
cidade de atenção de pessoas predispostas, prolonguem sua atividade psi-
comotora muito além do que o fazem determinadas drogas. [...] A música
auxilia a maturação intelectual do educando (a despeito de ser uma lin-
guagem não verbal), no sentido em que sua percepção requer, de algum
modo, um mínimo de participação da inteligência. (SEKEFF, 2007, p. 82)

Sekeff (2007, p. 83) ainda considera que “o poder da música se


estende à faculdade da memória”. A música tem sido indicada primordi-
almente por diversos profissionais para o tratamento de pessoas com di-
ficuldades de comunicação verbal como autistas e catatônicos, pois pos-
sibilita novas possibilidades de comunicação e facilitam a introdução de
outros tipos de terapias (SEKEFF, 2007). Segundo Borges e DaMatta
(2018):
Quantas vezes músicas que não são da preferência ficam na mente e
fazem o indivíduo gravar o número de um candidato político, de uma piz-
zaria ou até uma música popular comum ritmo que não agrade, passa a
“ficar” na mente de forma insistente. A música pode evocar emoções for-
tes e pode melhorar alguns aspectos da memória. Ela também é capaz de
passar pela memória sensorial e de ser armazenada na memória de longa
duração, se houver atenção. (BORGES; DAMATTA, 2018, p. 159)

Portanto, muitas pesquisas apresentam a música como uma estra-


tégia que promove a aprendizagem nas distintas disciplinas curriculares e
nos diversos níveis de ensino. Ademais, “o poder da música envolve um
sentimento de prazer em diferentes níveis, possibilitando ao educando,
ainda que temporariamente, jogar com o não senso” (SEKEFF, 2007, p.
86). Ferreira (2007, p. 9) complementa que “muitas vezes, é mais eficaz
perpetuar um pensamento transmitindo-o verbalmente pelo canto que pe-
la escrita no papel”.
Para ensinar língua portuguesa, Souza (2014) defendeu como en-
sinar a disciplina através da música, reforça, atenua e subverte os signifi-
cados, possibilitando a maior aprendizagem dos textos. Na aprendizagem
da língua inglesa, Gobbi (2001, p. 35) defende a “ideia de que a música
trabalha em nossa memória a curto e longo prazo” e “o ouvinte pode a-
propriar-se das músicas, relacionando-as com sua própria vida”. Para a-
prender a língua espanhola, Martins e Moser (2013) defendem que a mú-

404 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
sica ajuda na leitura, oralidade e escrita de textos, além de promover
maior motivação e interesse por aprender a disciplina.
Silveira e Kiourainis (2008, p. 30) introduziram a música para en-
sinar a Química e constataram que se aumentou “a sensibilidade e a cria-
tividade em se fazer relações entre o contexto da música refletido na letra
que a compõe e o conhecimento científico”. Os autores ainda advertem
que é preciso que as músicas sejam atrativas e com “melodias conhecidas
e apreciadas pelo público jovem” (SILVEIRA; KIOURAINIS, 2008, p.
30).
Para ensinar Ciências e Biologia, Borges e DaMatta (2016, p.
822) afirmam que “a estratégia da paródia musicalizada permite que a
aula seja mais divertida”. Os autores ainda complementam que a paródia
musicalizada de conteúdos “permite ao aluno compreender melhor os
conceitos de Ciências” (BORGES; DAMATTA, 2016, p. 825). Ainda pa-
ra ensinar Biologia em turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA)
com a utilização de paródias musicalizadas de conteúdos, Borges e Al-
meida (2015, p. 37) concluem que “ao utilizar a musicalização por meio
de paródias que elucidassem os conceitos estudados em Biologia, resul-
tados permitiram constatar que houve maior compreensão dos conteúdos
de Biologia”. E Barros, Zanella e Araújo-Jorge (2013, p. 82) corroboram
que “muitas são as vantagens para a utilização da música como recurso
didático-pedagógico em aulas de Ciências”, pois é uma estratégia de bai-
xo custo. Sekeff (2007) coaduna com os autores:
Ora, se educar é levar a conhecer, se educar é possibilitar sentir e re-
fletir, o processo educativo acrescido dos usos e recursos musicais afiança
conhecimento e sentimento, este último muitas vezes fora do alcance do
pensamento e da linguagem verbal. A premissa de que se pode, com o au-
xílio dessa ferramenta, estimularas potencialidades cognitivas e criativas
do educando até limites não suspeitados é particularmente fascinante, na
medida em quer a emoção musical pode colaborar na geração de um mai-
or número de indivíduos altamente criativos. (SEKEFF, 2007, p. 110)

Por fim, Borges e DaMatta (2018, p. 167) concluem que “o ser


humano é influenciado e afetado pela música: as emoções e a atenção são
mobilizadas nesse contato, promovendo a aprendizagem. [...] A música
estabelece-se como promotora da atenção, constituindo uma forma de es-
tratégia mnemônica”. A música é uma energia que possibilita a alegria na
sala de aula. Aprender conceitos científicos com a utilização de músicas
populares brasileiras coloca o fenômeno da aprendizagem em uma sinto-
nia de mais prazer, motivação e alegria.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 405


5. Considerações finais
Nessa pesquisa buscou-se verificar de que forma a música popular
brasileira, como um produto cultural, possibilita a divulgação científica
através das suas letras. Os resultados desta pesquisa indicam que existem
muitas músicas que permitem que a divulgação científica seja fomentada
na escola.
No que tange ao processo de divulgar cientificamente conceitos
através de músicas populares brasileiras, esta pesquisa possibilita a am-
pliação desta pesquisa seja através da aplicação dessas músicas em uma
sala de aula, seja através de novas pesquisas que poderão surgir ou am-
pliar à partir desta.
À guisa de conclusão, não é possível imaginar o que o futuro pos-
sibilitará com todo esse avanço das TICs, porém, é compreensível afir-
mar que a música pode muito e ainda há muito a ser desvendado no uni-
verso das melodias, harmonias e ritmos. A música – um fenômeno que
acompanha a humanidade desde os seus primeiros registros – para ser u-
tilizada como promotora da aprendizagem deve ser mais utilizada no am-
biente escolar. Muitas são as possibilidades de seu uso e nessa pesquisa
demonstrou-se que é possível apresentar conceitos científicos de uma
forma que motive e cause o interesse aos alunos.
Portanto, não se pretendeu com essa pesquisa esgotar o assunto
abordado, mas proporcionar novas possibilidades de pesquisas, discus-
sões e aprofundamentos na maneira de melhorar o processo ensino-
aprendizagem e divulgar conceitos científicos. É possível ampliar os re-
sultados desta pesquisa como a aplicação das músicas aqui apresentadas
em uma sala de aula da educação básica ou ensino superior. É possível
propor interações em projetos educacionais com alunos de várias idades
para analisar a percepção dos mesmos na concepção do acesso aos con-
ceitos científicos por meio de recursos lúdicos como a música.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 407


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408 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
O CLÍTICO E SEUS PADRÕES DE USO: UMA ANÁLISE
INDICIAL A PARTIR DE TEXTO ARGUMENTATIVO
UTILIZADO EM VESTIBULAR PARA INGRESSO NA
LICENCIATURA EM LETRAS DO
INSTITUTO FEDERAL FLUMINENSE
Rudmar Marques de Castro (IFF)
[email protected]
Thiago Soares de Oliveira (IFF)
[email protected]

RESUMO
Considerando que a colocação pronominal consiste em um componente do ensino
da língua materna, ou melhor, da língua portuguesa, é necessário que o educador te-
nha ciência da relevância do ensino de tal assunto no sentido de possibilitar a promo-
ção e a produção textual dentro da capacidade de dominar e entender amplamente as
variedades da língua, para que o aluno possa vislumbrar a autopromoção de seu de-
senvolvimento e a familiaridade com as diferentes manifestações existentes no portu-
guês brasileiro. Dessa forma, esta pesquisa, cuja abordagem é primordialmente quali-
tativa e secundariamente quantitativa, ampara-se metodologicamente na pesquisa bi-
bliográfica e na documental, em razão da fonte de dados a que recorre. Com o intuito
de compreender qual o padrão de colocação pronominal utilizado por alunos-
vestibulandos em texto de caráter argumentativo no concurso vestibular para o curso
de Licenciatura em Letras do Instituto Federal Fluminense, traçaram-se dois objeti-
vos específicos: a) distinguir, após breves considerações históricas sobre os clíticos, os
conceitos de norma-padrão e de norma culta, a fim de entender se eventuais “desvios”
na primeira seriam, na verdade, uma tendência da norma culta escrita; e b) quantifi-
car as ocorrências dos clíticos de modo a verificar qual padrão de colocação pronomi-
nal realmente se apresenta no texto escrito monitorado.
Palavras-chave:
Norma-padrão. Sintaxe. Colocação pronominal. Estudo de padrão de uso.

1. Considerações iniciais
Por muitos anos, a colocação dos pronomes pessoais oblíquos á-
tonos tem sido “problemática” devido à existência de palavras atrativas
ilusórias58 e à consideração de particularidades fonético-sintáticas que le-
vam em conta a fala do brasileiro, e não só a do lusitano. Sabe-se, entre-

58
Entendem-se como “palavras atrativas ilusórias” os fatores que causam a movimentação
do clítico, seja por questões de convenção linguística seja por razões de eufonia.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 409


tanto, que o clítico pode assumir, via de regra, três59 posições em relação
ao verbo, são elas: a anteposta, a posposta e a mesoposta.
Visto isso, o presente trabalho tem como escopo compreender, por
meio da escrita monitorada de estudantes, o padrão de colocação efeti-
vamente manifestado por eles em texto dissertativo-argumentativo no
qual se pressuponha a necessidade de uso da norma-padrão. É sabido que
os estudantes têm acesso às regras da sintaxe de colocação estabelecidas
pela gramática normativa, a qual, como afirma Mattoso Camara Junior
(2005), é inserida nos livros didáticos como forma de fomentar o ensino
de língua portuguesa60. Entende-se, porém, que a aplicação de tais normas
à modalidade escrita ainda é algo a ser questionado e/ou relativizado.
Dessa forma, o objetivo geral desta pesquisa é compreender qual
o padrão de colocação pronominal utilizado por alunos-vestibulandos em
texto de caráter argumentativo que, supostamente, deveria ser regido pela
norma-padrão da língua portuguesa, considerando que a análise recairá
sobre as redações avaliativas para ingresso de alunos no curso de Licen-
ciatura em Letras do IFF, mais especificamente no semestre 2018.161.
Mais especificamente, objetiva-se: a) distinguir, após breves considerações his-
tóricas sobre os clíticos, os conceitos de norma-padrão e de norma culta,
a fim de entender se eventuais “desvios” na primeira seriam, na verdade,
uma tendência da norma culta escrita; e b) quantificar as ocorrências dos
clíticos de modo a verificar qual padrão de colocação pronominal real-
mente se apresenta no texto escrito monitorado. Para isso, utilizar-se-ão
como corpora um agrupamento de documentos acerca de determinada
temática, ao conjunto de enunciados em determinada língua, assim como
um grupo de enunciados que são possíveis indefinidamente, de acordo

59
Além das três formas de colocação citadas, há ainda a apossínclise – intercalação de uma
ou mais palavras entre o pronome complemento átono e o verbo –, a qual não se elencou
entre as demais por ser considerada arcaica.
60
Considera-se que o ensino de língua portuguesa abarca não apenas o ensino da gramática
normativa, mas também aspectos textuais, variacionais, literários, entre outros. O fato de,
algumas vezes, a expressão “ensino de português” ocorrer como sinônima de “ensino de
gramática normativa” é entendido, aqui, como um “eco” da tradição, nos termos de Oli-
veira (2018). Dessa forma, a referência ao ensino de língua portuguesa que porventura
figure neste texto diz respeito, na verdade, ao ensino de gramática normativa, sendo ne-
cessário marcar que a gramática não dá conta, por si só, do ensino da língua materna.
61
A presente pesquisa foi iniciada no meado do semestre 2018.1 e, como corpus, só havia
as redações deste mesmo semestre, que era o mais recente no que diz respeito às entradas
no Instituto por meio dos concursos de vestibular.

410 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
com o que registra Fromm (2003). Trata-se de 90 redações resultantes do
concurso vestibular para ingresso na Licenciatura em Letras do Instituto
Federal Fluminense, no semestre 2018.1.
Na verdade, com a análise a ser realizada, busca-se responder ao
seguinte problema: Qual é o padrão geral da colocação pronominal que
se apresenta nos textos dissertativo-argumentativos escritos por alunos-
vestibulandos que pretendem uma vaga no curso de Licenciatura em Le-
tras, no semestre 2018.1? Acredita-se que, possivelmente, a colocação
dos clíticos siga um padrão que não corresponde exatamente aos ditames
da norma, o que pode ser indício de uma tendência da norma culta (uso
da próclise, por exemplo) representada na escrita. Se essa hipótese for
confirmada, poder-se-ia ter um apontamento inicial, de que, mesmo em
ambientes de formalidade, ocorre a flexibilização da posição do clítico,
fato comum inclusive na oralidade, consoante Bechara (2009).
Metodologicamente, este trabalho, de cunho majoritariamente
qualitativo, mas que se vale de algumas quantificações para dar corpo ao
fazer analítico, configura-se em uma pesquisa bibliográfica, especialmente
no primeiro capítulo, já que é feita a partir do levantamento de referên-
cias teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos,
como livros, artigos científicos, páginas de web sites, conforme aponta
Fonseca (2002).
Além disso, o presente estudo também se ampara metodologi-
camente, no segundo capítulo, na pesquisa documental, que, apesar de se
assemelhar bastante ao tratamento bibliográfico de dados, “vale-se de
materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda
podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (GIL,
2008, p. 51). Para fins deste trabalho, consideram-se como fontes docu-
mentais as 90 redações aplicadas aos candidatos a uma vaga no curso de
Licenciatura em Letras no semestre 2018.1, a fim de que seja possível
verificar se de fato há contradição entre o que apregoa a norma--padrão
e a escrita discente efetiva desse texto dissertativo-argumen-tativo, utili-
zado como ambiente monitorado de escrita.
Por fim, ao estudar a língua portuguesa ou pesquisar sobre ela,
devem-se fazer ponderações, pois se trata de um exercício reflexivo mui-
to “delicado”. Salienta-se, então, que esta pesquisa não tem a finalidade
de esgotar o tema, o qual já foi discutido sob o amparo de outros pontos

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 411


de vista62; longe disso, tem-se o intuito de refletir sobre o padrão desco-
berto e analisado, com o propósito de instigar e impulsionar novos pes-
quisadores a realizarem pesquisas sob outros prismas ou a dar continui-
dade ao ponto de vista aqui adotado.

2. O clítico e a norma: algumas reflexões


2.1. Breve história do clítico
De acordo com Martins (2011), entre os séculos XIII e XVI, ocor-
reu um predomínio praticamente categórico da ênclise à próclise, ao pas-
so que os séculos XVI e XVII foram enfaticamente proclíticos. Outros-
sim, o século XVIII testemunhou a volta da ênclise, que passou a domi-
nar a produção dos autores que nasceram a partir da segunda metade do
referido século, em Portugal.
De acordo com Faraco (2002), o poder social, em associação com
a cultura escrita, propiciou o surgimento de um processo unificador, que
alcançou as atividades escritas, com a finalidade de promover a estabili-
zação da língua, almejando harmonizar as variações e consolidar as mu-
danças. Como fator- resultado do referido processo, ocorreu a estabiliza-
ção da norma-padrão ou língua padrão, de forma que seus aspectos são
de elevada complexidade, no âmbito da investigação da língua, evidenci-
ando-se que não é suficiente a investigação de um determinado grupo de
expressões linguísticas, de maneira que o fenômeno cultural e social do
padrão fosse contido em um impasse apenas referente às estruturas gra-
maticais e ao vocabulário.
Considerando-se que é possível delinear a norma culta como a
forma adequada de escrever e falar, tendo em vista que tal agrupamento
de regras encontra-se, de certa forma, fundamentado nos padrões linguís-
ticos considerados “corretos” e praticados pelos indivíduos detentores e
elevado nível de escolaridade, tem-se que a norma-padrão não deve ser
confundida com a culta, visto que aquela é responsável por suprir as ex-
pectativas da variante da língua portuguesa, aspecto respaldado por di-
versos autores, de maneira que o tratamento da norma culta como se fos-

62
Os outros pontos de vista referem-se a alguns dos trabalhos elaborados por pesquisadores
a partir de perspectivas diversas. Tais estudos podem ser encontrados na plataforma da
SciELO e no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, sendo que alguns foram aponta-
dos anteriormente neste trabalho.

412 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
se a norma-padrão trata-se de uma realidade não factível, considerando-
se que os cultos não apresentam um domínio, necessariamente, de tal
norma (BAGNO, 2012).
Frequentemente, enquanto se estudam conteúdos de língua portu-
guesa, depara-se com nomenclaturas e classificações cuja compreensão
exata pode parecer “sem sentido”. Ocorre que, como todo campo do co-
nhecimento, o estudo da língua, inclusive o voltado para a forma, abriga
uma terminologia que “possui uma finalidade socioprofissional e serve
prioritariamente para exprimir saberes temáticos” (BOULANGER, 1995,
s/p). Por essa razão, por critérios de precisão conceitual e por entender o
português como uma língua histórica, entende-se o pronome oblíquo, por
breve definição, como uma “subdivisão de caso” do pronome pessoal,
que pode ocorrer em função subjetiva ou objetiva, sendo representada
por forma tônica ou átona e exercendo função sintática definida a depen-
der do contexto (NUNES, 1969). Eis o que Williams (1986, p. 152) cha-
ma de “formas não acentuadas do pronome pessoal”, ou seja, pronome
oblíquos átonos:
Essas formas se desenvolveram como proclíticas ou enclíticas ao
verbo ou a alguma palavra que levava o acento. Como nunca ocorrem no
português arcaico como primeira palavra da oração e raramente como úl-
tima palavra, elas parecem ter-se desenvolvido mais comumente na posi-
ção intertônica, isto é, entre duas sílabas acentuadas, mas não necessària-
mente adjacentes a uma dessas duas sílabas; uma das duas sílabas podia
ser tônica secundária. (WILLIAMS, 1986, 152-3)

Os pronomes, via de regra, subdividem-se de acordo com sua


forma e sua função, sendo que o oblíquo se diferencia de acordo com o
caso, o qual, por definição, nas línguas onde ocorre essa flexão, é a mu-
dança na forma das palavras com o intuito de indicar uma função sintáti-
ca dentro de uma frase (ALMEIDA, 1992). Apesar de o português não
ser uma língua casual, mas um idioma que marca as funções sintáticas
das palavras na oração pela posição que elas ocupam, na língua latina
vulgar, que deu origem ao português, a flexão casual era parcialmente
plena, como se pode observar nas obras de Touratier (2008), Guisard e
Laizé (2001) e Cart et al. (2007[1955]), mesmo tendendo ao analitismo,
como aponta Williams (1986).
Nesse sentido, o pronome oblíquo que se usa em português é um
resquício histórico da flexão casual do latim, que se manteve na evolução
do latim ao português.
Os pronomes pessoais usam-se todos como absolutos. Têm singular e
plural e formas de nominativo, dativo e acusativo. Alguns (os da 3ª pesso-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 413


a) distinguem o gênero. Dividem-se em pronomes da 1ª, fala; o seu plural
“nós” significa esta mesma pessoa associada à outra ou outra: eu + tu; eu
+ ele; eu + vós, etc. “Tu” e “vós” são pronomes da 2ª pessoa; “ele”, “ela”,
“eles”, “elas”, são os da 3ª pessoa (RANAURO, 1971, p. 93).

Essa informação pode ajudar a entender melhor a definição de


pronome oblíquo: trata-se do pronome pessoal que exerce, na frase em
que ele está inserido, uma função sintática completiva ou adjuntiva.
Quando sua denominação é completiva, tem-se de que se trata de uma
oração com a função sintática de complemento nominal, no período sim-
ples, e adjuntiva quando exercer a função sintática de adjunto adnominal
ou adjunto adverbial. Muda-se a forma porque também se muda a função
sintática, exatamente como aconteciam com os casos em latim. Por isso é
que se faz a distinção entre pronomes do caso reto e do caso oblíquo. En-
quanto o caso reto se refere àqueles pronomes que podem exercer função
subjetiva na frase (eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas), o caso oblíquo re-
presenta os pronomes que desempenham função de complemento (objeto
direto ou objeto indireto) ou de adjunto adverbial. Os pronomes oblíquos
podem ainda ser subdivididos em tônicos (mim, comigo, ti, contigo, si,
consigo, nós, conosco, vós, convosco) e átonos (me, te, se, o, a, lhe, nos,
vos, se, os, as, lhes) (VIEIRA e CORRÊA, 2017).
O português literário moderno conhece duas formas oblíquas que se
correspondem respectivamente. Umas não podem ser regidas de preposi-
ção e figuram sempre como vocábulos átonos, a saber: me, te, nos, vos,
lhe, lhes, o, a, os, as, se; as outras são sempre tônicas e dependentes de
preposição: “mim” (outrora mi), “ti”, “nós”, “vós”, “ele”, “ela”, “eles”,
“elas”, e o reflexivo “se”. (SAID ALI, 1971, p. 94)

É importante observar que alguns pronomes oblíquos podem ter


sua forma alterada, recuperando partes de sua forma original em latim, as
quais se perderam ao longo da passagem da modalidade vulgar ao portu-
guês, não aparecendo em outros contextos. É o caso, por exemplo, das
ocorrências depois de formas verbais terminadas em -r, -s ou -z, quando
as formas de pronome (o, a, os, as) recuperam um “l”; ou quando o verbo
termina em consoante nasal, e os pronomes recuperam um “n”, passando
a formas como: viram + a = viram-na; receber + a = recebê-la; repõe + os
= repõe-nos; fiz + o = fi-lo; fazeis + o = fazei-lo.
Bassetto (2010), ao estudar e detalhar mais as mudanças proveni-
entes dos pronomes, desenvolve quatro quadros63 que são significativos

63
Cf. Basseto (2010).

414 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
para os estudos aqui desenvolvidos. O primeiro deles mostra os prono-
mes de 1ª e 2ª pessoas do singular, no latim (ambas as modalidades) e
nas diversas línguas e dialetos românicos, como forma de evidenciar as
aproximações de forma nos casos nominativo, dativo e acusativo, isto é,
nas funções subjetiva, objetiva indireta e objetiva direta, respectivamente
e grosso modo. O autor também analisa as mudanças e apropriações dos
pronomes de 1ª e 2ª pessoas, mostrando uma visão geral desse conjunto
no plural.
Além disso, Basseto (2010) analisa os pronomes de 3ª pessoa, tan-
to no gênero masculino quanto no feminino e, de análoga maneira, as
transformações ocorridas na língua. Vale lembrar que, no latim clássico,
os pronomes de terceira pessoa eram facilmente substituídos por demons-
trativos, o que já não ocorria no latim vulgar.
O lat., da mesma forma que o Gr., não tinha pronomes pessoais da
terceira pessoa, como se viu acima, pela natureza bipolar do diálogo ou da
conversa, uma interação entre o falante e o ouvinte. As funções, atual-
mente atribuídas às formas da terceira pessoa, eram coerentemente exer-
cidas pelos demonstrativos. Já no lat. vulg., porém, por economia ou ne-
cessidade estilística, empregava-se o demonstrativo ille cada vez com
mais frequência. (BASSETTO, 2010, p. 236)

É importante destacar que tais mudanças linguísticas ocorrem, de


acordo com Basseto (2010), por diversos fatores, inclusive a diversifica-
ção dos falares regionais, por exemplo. Então, foi por meio de redução
ou da complementação que os pronomes oblíquos (eminentemente os re-
lativos ao caso acusativo) se modificaram com o tempo. Diante disso,
podem-se perceber contrações sofridas em diversas formas pronominais.
A língua, por meio de adaptações, modifica-se e atende às demandas que
surgem. Na verdade, a redução na flexão dos pronomes, na norma culta,
encontra-se associada, essencialmente, à inserção das modalidades ‘”vo-
cê” e “a gente” no âmbito dos pronomes pessoais, de forma que tal pro-
cesso enfatizou-se, partindo-se dos anos de 1950, numa flexão de forma
simplificada no que concerne à flexão nas formas populares do português
brasileiro, o que alude aos séculos iniciais da colonização, sendo oriunda
da transmissão linguística de natureza irregular, originária das relações
entre as línguas africadas e as indígenas com o português. Dessa maneira,
tal processo equipara-se ao ocorrido nas línguas crioulas com base lexical
portuguesa no continente africano, no qual “o sistema de flexão de caso
dos pronomes pessoais da língua lexificadora foi praticamente elimina-
do” (LUCCHESI; MENDES, 2009, p. 472).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 415


De acordo com Pereira (1981) e Lobo (1992; 1996) os clíticos
pronominais apresentam variações no português brasileiro, sendo consi-
derados tais quais divisores, considerando-se as variedades europeia e
brasileira da língua portuguesa. Neste contexto, a pesquisa de Silva
(2002), ao apreciar a colocação dos clíticos, constatou que ocorrem vari-
ações na posição destes, independentemente de haver vocábulos atrativos
apresentados pela gramática tradicional, havendo a predominância da a-
locação pré-verbal. Dessa forma, segundo Hélio Silva (2002), o posicio-
namento dos clíticos, considerando-se o verbo, no texto escrito, apresenta
variações, sendo pouco perceptível a mesóclise, o que fundamenta esta
pesquisa no não foco a esse tipo de colocação pronominal. Tais aspectos
relatam modificações sintáticas dos clíticos pronominais, tendo em vista
o posicionamento pré-verbal predominante e a redução da alocação pós-
verbal, sendo uma consequência da não satisfação às regras da gramática
tradicional (SILVA, 2002).

2.2. Norma culta ou norma-padrão?


Não deixando de conceituar dois termos importantes, para os
quais deve haver uma distinção, pois eles podem receber tratamento de
expressões sinônimas, substituíveis uma pela outra, é verdade que a utili-
zação de “normas” no que diz respeito à linguagem vem de longa data.
Como a linguagem se relaciona com a sociedade e a língua é instrumento
de prática social (HANKS, 2008), é perceptível que o uso da língua está
diretamente relacionado a um uso para diferenciação social.
A cultura escrita, associada ao poder social, desencadeou também, ao
longo da história, um processo fortemente unificador (que vai alcançar
basicamente as atividades verbais escritas), que visou e visa uma relativa
estabilização linguística, buscando neutralizar a variação e controlar a
mudança. Ao resultado desse processo, a esta norma estabilizada, costu-
mamos dar o nome de norma-padrão ou língua-padrão. A questão da
chamada norma-padrão é certamente das mais complexas no campo das
investigações linguísticas. Quando nos embrenhamos em seu estudo, fica
logo evidente que não se trata apenas de recortar um conjunto determina-
do de expressões da língua, como se o fenômeno sociocultural do padrão
se resumisse a um problema exclusivamente de vocabulário e estruturas
gramaticais. (FARACO, 2002, p. 40-41)

No que diz respeito ao caso brasileiro, inicialmente, precisa-se


desmistificar a ideia de homogeneidade da língua portuguesa, tomando-
se como ponto de partida a pluralidade da língua que, como diversos ou-
tros idiomas vivos, é heterogênea, dinâmica, variável e mutável. Essa

416 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
realidade apresentada na sociedade não se difere do cotidiano escolar,
uma vez que a escola representa, em uma microescala, o que está difun-
dido na sociedade. Dessa forma, devem-se levar em consideração as di-
versas variedades linguísticas existentes na língua portuguesa, especial-
mente ao contexto escolar, como sinal de riqueza linguística e cultural,
sempre aproveitando o saber prévio do aluno, ainda que a variedade tra-
zida por ele de seu colóquio cotidiano seja a não formal. De fato, sendo a
escola local de formalidade, é lá que o aluno vai ter acesso ao padrão
normativo. Isso, no entanto, como bem afirma Oliveira (2015), não pode
ser pretexto para uma “fixação pela homogeneidade linguística”, o que se
pode comprovar segundo o autor, com a busca por conceitos e juízos de
valor em compêndios normativos.
A adoção do entendimento de que uma língua se escora em uma vari-
edade que goza de maior prestígio social do que as outras existentes po-
dem desvelar resquícios de preconceito linguístico, uma vez que conside-
rar a não existência da variação como um fato diverge da percepção das
ciências linguísticas modernas. (OLIVEIRA, 2015, p. 52)

Nessa linha de raciocínio, ressalta-se que a língua(gem) (e as dife-


rentes formas como se apresenta) serve como instrumento de diferencia-
ção social e imposição cultural e social, conforme afirma Cunha (2008).
Historicamente, é nesse contexto que a norma culta vem como uma for-
ma de separação entre os que dominam e os que são dominados.
Língua padrão é a denominação comum dada a um conjunto de nor-
mas linguísticas baseadas no uso consagrado dos chamados bons escrito-
res, privilegiando, portanto, a modalidade escrita. Tais normas partem de
uma atitude linguística estabilizadora, indo de encontro ao princípio fun-
damental da heterogeneidade linguística (FARACO, 2002, p. 40).

Dessa forma, relata-se que, a respeito da norma-padrão do portu-


guês brasileiro escrito, há uma sinalização às prescrições de natureza
gramatical, diversamente do ocorrido no âmbito culto da referida língua,
ou seja, nas utilizações escritas e orais efetivas dos indivíduos considera-
dos cultos. Isso significa, desta maneira, que a norma-padrão está contida
na gramática normativa, considerada
Como um compêndio de normas que reflete a tradição gramatical de
mais de vinte séculos, com as devidas alterações sofridas pelo tempo, di-
tando primordialmente um padrão de escrita e secundariamente um pa-
drão de fala, uma vez que considera a inferioridade desta em relação à-
quela, e representando a variedade padrão, considerada modelar para os
indivíduos que manejam determinada língua. (OLIVEIRA, 2018, p. 36)

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 417


A partir da assertiva de Oliveira (2018), fica evidente que a nor-
ma-padrão, concretizada e “agasalhada” pela gramática normativa, pre-
tende dar conta das modalidades oral e escrita, mas em níveis de relevân-
cia distintos, por pressupor que a superioridade da escrita em relação à
fala. Nesse sentido, é fato que alguns usos inovadores encontrados na
modalidade culta oral não são encontrados nas modalidades escrita literá-
ria e escrita formal (ARAÚJO, 2008). Isso ocorre porque a norma culta
consiste em padrões linguísticos de notável flexibilidade em relação às
normas contidas nos compêndios gramaticais, os quais designam a “ade-
quada” utilização de um idioma. Todavia, na predominância de determi-
nadas circunstâncias, tal padrão flexível é empregado por indivíduos in-
seridos em classes sociais elevadas ou com elevado nível de escolarida-
de, o que leva à compreensão de que a prática da norma culta demanda
de profundo conhecimento da estrutura da língua, ainda não acompanhe a
exemplaridade idiomática apregoada pela gramática normativa.
A norma culta é caracterizada por Faraco (2008) como um grupo
de eventos linguísticos com ocorrência habitual na utilização de falantes
letrados, em circunstâncias nas quais há uma observância mais intensa
sobre a escrita e a fala. Compreende-se, dessa maneira, que a norma culta
diz respeito ao modo através do qual o falante exerce sua oralidade escri-
ta ou falada em determinadas ocasiões, de forma que, segundo o grupo
social no qual os indivíduos encontram-se inseridos, há uma variação da
linguagem. E é por isso que pode haver uma confusão terminológica en-
tre “norma culta” e “norma-padrão”. Tendo em vista que o termo “nor-
ma” apresenta ou designa o sentido de normalidade, ou seja, o que é tido
como normal, e a definição de normatividade, de onde se origina a ex-
pressão gramática normativa, é preciso ter em vista que a norma culta a-
presenta a função de dominar as formas de linguagem acobertadas por
valores positivos e vislumbradas como se fossem ideais nas circunstân-
cias nas quais há um monitoramento da escrita e da fala (FARACO,
2008). Além disso,
Não se pode esquecer, por exemplo, que o fato de neste país existir
um multidialetalismo de diversas ordens (social, geográfica, situacional,
histórica) a norma-padrão cumpre um efeito unificador, neutralizando a
variação, propiciando uma maior possibilidade de comunicação entre u-
suários tão diversos de uma mesma língua. Isso não quer dizer que o pa-
drão linguístico, a norma-padrão, deva ser marcado por um artificialismo
e tratado como se fosse algo abstrato, distante do existir concreto das lín-
guas (sic). (ARAÚJO, 2008, p. 4)

418 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Nesse sentido, é possível observar que há a necessidade de enfati-
zar a existência de uma norma culta, tendo em vista que esta trata de uma
manifestação de uso em determinados âmbitos sociais, sendo empregada
em certas ocasiões, especialmente porque, num território multifacetado
como o Brasil, a norma-padrão atua como ponto em comum estático e
homogeneizador para as diferentes culturas e para as formas de escrever,
enquanto a norma culta seria o reflexo da flexibilidade do conhecimento
da norma, uma forma bastante individual de manifestação que não consi-
dera por completo o padrão normativo, já que a variação e a mutabilidade
linguísticas são justamente características que marcam as línguas vivas,
como o é o português.

3. Apresentação e análise dos resultados


A análise das 90 redações, que constituem o corpus deste traba-
lho, resultou na identificação de um total de 259 ocorrências gerais de
pronomes oblíquos átonos, dos quais 143 (55,21%) estavam posiciona-
dos procliticamente e 115 (44,40%) se colocaram encliticamente, haven-
do ainda uma única ocorrência mesoclítica (0,39%), conforme demons-
trado pelo Gráfico 01, que segue:

Gráfico 01: Demonstração das ocorrências de clíticos.


Fonte: Dados da pesquisa (2018).

Segundo Biazolli (2009), entre os anos de 1880 e 1900, confir-


mou-se a transposição da predominância da utilização da ênclise para a
próclise, o que pode ser evidência de que amostra representada pelo Grá-
fico 1 apresenta uma atualização indicial do comportamento do portu-
guês brasileiro escrito e monitorado dos dias atuais, já que os resultados
estão em consonância com a referida autora. Além disso, considerando-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 419


se a suposta aplicação da norma nos textos escritos donde se coletaram
os dados, têm-se, dentre as 259 ocorrências gerais, 15 que não seguem a
norma-padrão, conforme se vislumbra no Gráfico 02, a seguir:

Gráfico 02: Aplicação da norma.


Fonte: Dados da pesquisa (2018).

Foi possível observar, no Gráfico 2, que 8% das ocorrências, o


que corresponde a um total de 15 colocações pronominais, manifestaram
a ausência da aplicação da norma-padrão, sendo que a maioria, ou seja,
92% do total (244 empregos do clítico átono) estavam de acordo com o
padrão normativo. Nesse contexto, parece que não apenas a exigência da
escrita de acordo com o padrão influenciou os resultados, mas também o
fato de se tratar de momento altamente monitorado, visto que, em se tra-
tando da modalidade escrita visando a uma vaga em universidade, o dis-
cente tende a se autocorrigir, inclusive rasurando a folha de respostas64.
Isso provavelmente aponta um processo revisional em que o vestibulando
revê, quando possível, o texto escrito. Dessa forma, em relação às amos-
tras, tem-se um resultado que, a princípio, vai de encontro ao pensamento
de Britto (1997), segundo o qual,
O ensino de língua, inclusive no que diz respeito à reflexão metalin-
güística e aos conhecimentos da língua enquanto fenômeno, não se con-
funde com a apresentação formal de uma teoria gramatical nem se limita
ao nível da frase; e, considerando equivocada e ideológica a associação
entre norma culta e escrita e a existência de uma modalidade unificadora
das variedades faladas do português, não faz sentido insistir que o objeti-
vo da escola é ensinar o chamado português padrão. O papel da escola
deve ser o de garantir ao aluno o acesso à escrita e aos discursos que se
organizam a partir dela. (BRITTO, 1997, p.18)

64
A situação foi verificada no momento da coleta de dados.

420 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
A rigor, assim como Britto (1997), entende-se que o acesso à es-
crita e aos discursos que em torno dela se organizam deve ser de fato ga-
rantido ao aluno, acrescentando que a escola tem também a função de
respaldar o aluno na aquisição de competências discursivas suficientes
para a interação com outros indivíduos e com o ambiente. Isso, no entan-
to, não parece afetar a capacidade de o aluno se expressar na modalidade
escrita monitorada, utilizando o padrão normativo, como se pôde perce-
ber a partir da análise do Gráfico 2. Obviamente, como se trata aqui de
uma pesquisa indicial, é bom frisar que a análise de uma amostra amplia-
da de redações poderia resultar em números distintos dos que foram a-
presentados. Dessa forma, a fim de que se possa de fato observar a colo-
cação pronominal em relação com padrão normativo nas redações do
vestibular, vide o Quadro 1, que categoriza e expõe as 15 ocorrências
“fora da norma”, as quais são caracterizadas por próclise:
Item Re- Descrição
dação
1 R4 Se evitam também tragédias

2 R5 Criando dessa forma práticas e soluções


que ajudassem-no

3 R13 Cada vez mais tem visto-se a falta

4 R15 Os vestígios se resumem em


consequências territoriais, mortes
precoces e a dor psicológica dos que
vivenciam-as

5 R17 De seu país, crença e característica se


deve humanizar (…)

Infere-se, por tanto, a necessidade que


tem-se (…)

6 R19 (...) Desastres naturais, buscou-se


proteger e criar situações, as quais
vivenciam-se(...)

7 R26 Catástrofes que não podem-se evitar

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 421


8 R34 De modo que faz-os se conscientizarem

9 R36 Um caso tão recorrente que deu-se em

10 R38 Ensinar aos que colocam-se à mudança

11 R43 Um país que não pode-se confiar

12 R44 Necessária para que minimize-se os


danos

13 R53 Não vêm-se abrangendo

14 R59 Nunca tem-se como proposta relevante

15 R79 Tem mostrado-se eficaz

Quadro 1: Demonstrativo das ocorrências fora da norma-padrão


Fonte: Dados da pesquisa (2018)

Nesse contexto, observa-se que as inadequações se encontram as-


sociadas aos clíticos, ou seja, conforme constante no Quadro 1, as amos-
tras não representam a utilização da próclise, da ênclise e da mesóclise a
partir dos parâmetros da norma-padrão, como se nota, por exemplo, nas
orações que se iniciam por oblíquo átono. Contudo, é necessário conside-
rar que tal competência se alinha a circunstâncias intelectuais, culturais e
à constituição de habilidades, não sendo “espelho” necessário do não co-
nhecimento da norma-padrão, já que, diante de ambientes monitorados,
elementos extralinguísticos podem “interferir” na escrita. E a baixa quan-
tidade de registros fora da norma pode ser um indicativo disso. Dessa
maneira, a assertiva de que a escola deve promover o ensino da norma-
padrão entra em um impasse no que tange à proposição da necessidade
de se renovar o ensino do português, considerando-se os aspectos sociais
da atualidade. Mais evidente fica a necessidade de incluir no ensino de
língua as abordagens de questões extralinguísticas, considerando que, ao
que parece, situações sintáticas de desvio de norma nem sempre são ne-
cessariamente o desconhecimento desta.
Por outro lado, com a análise descritiva dos fatores atrativos pre-
sentes nas 128 amostras proclíticas (143 amostras de próclise ao todo,
menos 15, fora da norma-padrão, caracterizadas por próclise) que esta-

422 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
vam de acordo com o padrão normativo, esquematizou-se
se o Gráfico 3,
abaixo:

Demonstrativo percentual de fatores de


próclise
0,78%
11,72%
15,63%
19,53%
19,53%
1,56%
31,25%
Em + Gerúndio (1) Preposição (15)
Conjunções Subordinativas (20) Pronomes Indefinidos (25)
Pronomes Relativos (25) Termo Interrogativo (2)
Advérbio (40)
Gráfico 03: Demonstrativo
ivo percentual de fatores de próclise.
próclise
Fonte: Dados da pesquisa (2018).

Em conformidade com a norma-padrão,


padrão, segundo Bechara (2015),
tem-se
se que é obrigatória a colocação proclítica do pronome átono nas o-
rações nas quais se encontram
am advérbios ou locuções adverbiais em posi-
pos
ção anterior ao verbo. Com efeito, 31,25% das ocorrências, que represen-
represe
tam 40 (quarenta) casos, foram caracterizadas nesse sentido, quase meta-
met
de do total da amostra. Tendo em vista que a próclise consiste na aloca-
aloc
ção de pronomes oblíquos átonos antecedendo o verbo, um dos fatores
que determina sua ocorrência é a presença de pronomes relativos, caso
que se manifestou em 19,53% das amostras verificadas, em um total de
25 (vinte e cinco) ocorrências.
A próclise também ocorre na presença de pronome indefinido, fa- f
tor presente em 25 (vinte e cinco) ocorrências. Assim, foi observado o
percentual de 19,53% de ocorrências que manifestaram a próclise devido
a pronomes indefinidos. Outro fator que marca a ocorrência da próclise
próclis é
a conjunção subordinativa, que está presente em 20 (vinte) ocasiões nas
orações que se encontravam em conformidade com a norma-padrão,
norma o
que equivale 15,63%, consoante Gráfico 3. Já a presença de preposição
justificou a ocorrência da próclise em 15 orações,
ções, em conformidade com
a norma-padrão,
padrão, também de acordo com o Gráfico 3, no qual se observa
um percentual representativo de 11,72% das amostras relativas à próclise.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 423


Outro ponto relevante é que a norma-padrão,
padrão, segundo Bechara
(2015), estabelece a presença
ça de próclise quando ocorrer a construção
“em + verbo no gerúndio”. Sobre esse caso, observou-se se apenas uma o-
corrência, o que equivale ao percentual de 0,78% do total, aparecendo em
apenas 1 (um) caso. E os termos interrogativos ocorrem em 2 (duas) ve-v
zes, configurando 1,56% dos casos analisados.
Considerando-se
se todas as redações analisadas, pode-se,
pode por fim,
realizar a seguinte comparação, constante no Gráfico 4:

Divisão das ocorrências posicionais dos clíticos


EM + GERÚNDIO 1 0,78%
15 11,72%
CONJUNÇÕES SUBORDINATIVAS 2015,63%
PRONOMES RELATIVOS
25 19,53%
25 19,53%
2 1,56%
ADVÉRBIO 40 31,25%

15 10,49%
DENTRO DA NORMA-PADRÃO 128 85,91%
PRÓCLISE 143 55,21%
116 44,79%
TOTAL 100%
259
Percentual
0 50Quantidade
100 150 200 250 300

Gráfico 04: Divisão das ocorrências posicionais doss clíticos.


clíticos
Fonte: Dados da pesquisa (2018).

Dessa forma, em um cenário no qual se analisaram 259 (duzentos


e cinquenta e nove) ocorrências, sendo 143 (cento e quarenta e três) de
próclise, uma ocorrência de mesóclise e 115 (cento
nto e quinze) de ênclise,
nota-se
se que as motivações de próclise são compostas majoritariamente
por advérbio (31,25%, o que representa 40 ocorrências) e minoritária-
mente por “em + Gerúndio” (0,78%, o que representa uma única ocor- oco
rência). Separando então apenas
enas as ocorrências proclíticas e analisando
os 128 casos dentro da norma-padrão
padrão (equivalente a 85,91% do total),
pode-se
se registrar que há outros casos que “atraem” o pronome oblíquo
átono, o que está devidamente representado no Gráfico 4. Assim, ao to- t
do, apenas 15 casos fugiram à norma-padrão,
padrão, representando apenas
10,19% do total de ocorrências de próclise nas redações analisadas.

424 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
4. Considerações finais
Em conformidade com os resultados provenientes da presente
pesquisa, observou-se a predominância da ocorrência da próclise na mo-
dalidade escrita das redações escolares. Observou-se também que a ocor-
rência da ênclise se deu de forma limitada, preferencialmente nas orações
nas quais não se encontra presente o elemento atrativo. Com isso, o estu-
do realizado nos leva a entender que, mesmo em ambientes de formali-
dade, não ocorre a flexibilização da posição do clítico. Na verdade, a
norma-padrão é a que predominou nesta pesquisa indicial.
A partir da análise da escrita de textos monitorados e sujeitos à
norma-padrão, evidenciou-se, também de forma indicial, que suposta-
mente o emprego dos clíticos foi aprendido e aplicado, sendo que tal as-
sunto está associado ao ambiente escolar formal. Foi possível verificar
que, apesar de o educando aplicar a norma-padrão, tal produção textual
reporta ao domínio do uso da próclise, sendo este aspecto responsável
por suscitar reflexões referentes ao ato de ensinar a língua, a respeito da
variação e da norma. Ao que parece, alguns números indicam que, apesar
de a gramática normativa prescrever regras relativas à colocação prono-
minal escrita, estas podem, eventualmente, entrar em conflito com a rea-
lidade do uso.
É nesse ponto que o educador, de posse do registro de material es-
crito que representa a suposta aplicação monitorada da norma, pode a-
pontar que o uso dos clíticos nem sempre representa o cenário disposto
na gramática normativa, ainda que isso fosse esperado em situações de
forte monitoramento da escrita. Aliás, partiu-se aqui do pressuposto de
que os alunos que concorrem a uma vaga em curso superior (especifica-
mente na Licenciatura em Letras do IFF campus Campos Centro) foram
instruídos de acordo com o padrão normativo no ambiente formal que é a
escola. Então, embora o percentual de emprego do clítico em desacordo
com padrão tenha sido baixo em comparação com o uso “correto”, como
diriam os “prescritores”, encontraram-se indícios (a amostra foi diminu-
ta) de que o emprego da norma não representa fielmente a realidade do
português escrito monitorado.
Posto isso, demonstrou-se, por meio da descrição da ocorrência de
elementos linguísticos sintaticamente organizados (ou “desorganizados”),
que a utilização de fundamentos científicos (a descrição, no caso) é viá-
vel para efeitos de familiarizar o educando com realidades condizen-tes à
utilização real dos pronomes átonos. Na verdade, a partir de um proce-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 425


dimento científico indicial, criou-se um ambiente propício ao aluno no
que diz respeito ao entendimento da relação entre o que apregoa a gramá-
tica normativa e o uso em situação real.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 429


O ESTÁGIO SUPERVISIONADO DO CURSO DE LICENCIATURA
EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS NO CONTEXTO DE UMA
ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL: RELATOS DE EXPERIÊN-
CIAS DE UMA FORMAÇÃO EM SERVIÇO
Aline Peixoto Vilaça Dias (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]
Iago Pereira dos Santos (UENF)
[email protected]

RESUMO
O estágio supervisionado é essencial para a formação inicial de qualquer futuro
professor, pois ele permite que o mesmo possa vivenciar como é o ambiente escolar.
Sendo assim, o presente trabalho aborda relatos das experiências adquiridas com dis-
centes e docentes dos anos finais de uma escola municipal do ensino fundamental, em
São Fidélis-RJ. Para tanto, o estudo foi feito por meio de observações, prática, no pe-
ríodo compreendido entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro semestre de 2018,
bem como revisão bibliográfica ancorados em autores que discutem a questão do está-
gio na formação docente, tais como Pimenta e Lima (2009) e Milanese (2012). Como
resultados, podemos depreender que esse contato com o futuro ambiente profissional
permite ao estagiário vivenciar na prática como é a realidade escolar, possibilitando
que ele veja que a escola pública, em sua grande maioria, não fornece recursos apro-
priados para uma aula prática, porém, por outro lado, faz com que o mesmo comece a
criar táticas que favoreçam a aprendizagem do aluno mesmo com a escassez de recur-
sos. Em síntese, são nessas situações que o futuro profissional começa a entender-se
como professor, pois o contato com a sala de aula leva o graduando a refletir sobre sua
prática. Por fim, estar em contato direto com a sala de aula é preciso, pois como em
qualquer outra profissão, apenas saber o conteúdo teórico exposto ao longo curso não
é o suficiente para ser um profissional de qualidade. Assim, tão importante como sa-
ber os conteúdos relacionados a área que se pretende atuar é saber como aplicá-lo.
Palavras-chave:
Prática Pedagógica. Ensino de Ciências. Formação de professores.

1. Introdução
O presente relato de experiência é fruto do estágio supervisionado
ocorrido em uma escola municipal do município de São Fidélis-RJ. O
público de atuação da licencianda foi alunos do segundo segmento do
Ensino Fundamental. O estágio desenvolveu-se entre o segundo semestre
de 2016 até o primeiro semestre de 2018.

430 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
A metodologia usada neste trabalho está fundamentada em relatos
de experiências, adquiridas ao longo do estágio supervisionado do curso
de ciências Biológicas além de pesquisas bibliográficas, respaldadas em
autores como Pimenta e Lima (2009) e Milanesi (2012), entre outros.
Cada etapa do estágio apresentou características distintas, inician-
do-se por atividades de observação da estrutura física e organizacional da
escola e, por final, a discente já apresentava autonomia de assumir a clas-
se e aplicar projetos, aulas teóricas e práticas. Ao longo desse período, a
graduanda deparou-se com obstáculos como falta de laboratórios de ci-
ências e sala multimídia, porém esses problemas não foram impedimen-
tos para a aplicação das atividades. Para não deixar a aprendizagem dos
alunos prejudicada, foi possível buscar alternativas como aplicação de
aulas na própria sala de aula e fazer o uso das tecnologias digitais para
aplicação de vídeos, que complementavam os conteúdos passados para
os alunos.

2. O estágio supervisionado na formação inicial de professores


O estágio supervisionado é regido pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDB (9.394/96), na qual em seu TÍTULO VI es-
tabelece normas para os profissionais da educação exercerem a sua pro-
fissão. Nesse contexto, é visto em um dos artigos a relação entre teoria e
prática, se dá meio de estágios. A LDB ainda cita a lei nº 11.788, de 25
de setembro de 2008 que descreve as peculiaridades do estágio para as
diversas modalidades de educação (BRASIL, 1996).
Além disso, a resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, referente às
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível supe-
rior, refere-se ao estágio curricular como constituinte obrigatório da ma-
triz curricular das licenciaturas. Essa mesma resolução impõe a carga ho-
rária mínima de 3.200 horas para os cursos destinados a formação inicial
de professores, para a educação básica, em nível superior, apontando a
carga horária mínima de 400 horas de práticas docentes, as quais são re-
ferentes ao estágio supervisionado (BRASIL, 2015).
Gisi et al. (2009, p. 208) tratam o estágio como o momento de
oportunidade em que o graduando tem de está em contato direto com a
realidade, com cotidiano da educação básica, possibilitando a “confron-
tação do saber acadêmico com o saber da escola” , possibilitando ao es-
tagiário (re)conhecer como acontece o trabalho escolar.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 431


O estudo de Santos et al. (2012) nos acrescenta que o estágio é o
momento de adentrar em uma realidade, no caso, em estabelecimentos
de educação básica, proporcionando o enfrentamento dos conhecimentos
acadêmicos com os conhecimentos escolares, propiciando aos graduan-
dos compreender o que se passa no ambiente de trabalho.
Milanesi (2012, p. 225) ressalta que o estágio é um momento im-
portante para formação dos futuros educadores. O autor acrescenta que
seguir em direção a uma formação de profissionais qualificados necessita
“da significação que formadores e formandos dão às suas ações, inclusi-
ve na realização do estágio”.
No trabalho de Pimenta e Lima (2009) encontramos uma conside-
ração a respeito do estágio supervisionado pautado nos estudos de Pi-
menta e Gonçalves (1990) que nos diz que o objetivo do estágio é conce-
der ao estudante aproximação com o futuro ambiente de trabalho. Tam-
bém podemos observar no trabalho de Lüdke (2013) que o estágio está
situado no meio de duas problemáticas da formação docente, uma rela-
cionada a teoria e outra relacionada com a prática.
No interior das afirmações comuns, está à comprovação de que na
formação de professores e o curso não estão baseados na teoria de sua a-
tuação como futuro profissional, e também não se baseia na prática como
referencial para os fundamentos teóricos (PIMENTA; LIMA, 2009).
Sendo assim, Guedes (2009) relata que o estágio é o momento que
possibilita colocar em prática os conteúdos e conhecimentos necessários
para ser um professor. É o local de produzir conhecimento. Desse modo,
é um ato que tem que ser proposital e fundamentado, pois só desse modo
é viável juntar a teoria e a prática.
Sobre a transformação do graduando em professor, Pimenta e Li-
ma (2009) relatam a respeito da carreira profissional dos docentes que é
preciso advertir a direção do trabalho humano, resultante, a influência
que as profissões exercem sobre os homens.
No trabalho de Pimenta e Lima (2009, p. 65), encontramos uma
referência do trabalho de Codo (1992), que remete a esse assunto da se-
guinte forma: “a vida dos homens, sem dúvida, não se reduz ao trabalho,
mas também não pode ser compreendida na sua ausência”.
O estudo da obra de Pimenta e Lima (2009) nos permitiu uma a-
nálise a respeito do período de estágio, deixando evidente que é nesse
momento que os discentes preparam-se para a profissão de professor ou

432 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
para ratificá-la. Profissão, que se encontra contraditória no discurso de
valorização profissional e do regimento educacional, que regulam trans-
formações sem considerar a relação de trabalho dos educadores. Dessa
forma, mesmo que confiando em sua profissão escolhida, o estagiário
depara-se no cenário escolar com episódios que o desmotivam, cansaço e
desapontamento profissional, muitas vezes apossados de adversidades
sociais, as quais as resoluções do problema está distante de sua atuação
profissional. Aprender a ser professor ao longo do estágio supõe ter aten-
ção quanto às peculiaridades e as ligações entre o cotidiano escolar e seu
contexto com a sociedade.
Segundo Passerini (2007), a formação do docente é constante,
começando antes da graduação, nas relações com profissionais que con-
tribuíram na sua educação. É um processo resultante de interferências
históricas, políticas, culturais, permitindo novos jeitos de refletir e varia-
dos modos de proceder diante da realidade que o educador está situado.
Petrovich et al. (2014) acrescentam que relacionado ao intrincado
processo de formação inicial de educadores, diversas razões podem in-
fluenciá-lo. Nessa vertente, um dos objetivos básicos, ao longo da forma-
ção inicial, é prover meios que instruam os profissionais em formação a
possuir criticidade, no intuito de saberem enfrentar as diferentes adversi-
dades que surge ao longo da sua carreira docente, além disso, conhece-
rem a incumbência da educação na sociedade.
Lüdke (2013) é unânime ao reconhecer a necessidade de melhorar
o preparo do professor na busca de oferta de um ensino apropriado aos
alunos nas instituições de educação básica. Diversos procedimentos têm
sido construídos no intuito de suprir essa conveniência. Mesmo que al-
gumas ações tiveram êxitos, de formas isoladas, de modo geral a situação
ainda encontra-se sem muitos avanços, principalmente quando compara-
da a educação no exterior, onde a qualidade encontra-se melhor que no
Brasil.
Tacca e Branco (2008, p. 39) reportam que as pesquisas, quando
retratam o fracasso escolar, baseiam em, geralmente, em escolas públi-
cas. Isso expõe-se “pelo compromisso político dos pesquisadores com a
clientela”, diferenciado da escola particular, a escola pública contempla,
na maioria alunos de classes baixa. A imposição de educação de excelên-
cia para todos necessita de levantamento de fatores e de condições que
envolvem no fracasso escolar da educação pública, que ainda é perseve-
rante. Lüdke (2013) relata:

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 433


Olhar de perto para o trabalho realizado pelo professor pode orientar
para uma decisiva complementação na formação do estudante dos cursos
de licenciatura, onde é proposta sua efetivação não apenas, mas de modo
espe-cial por meio do estágio supervisionado. (LÜDKE, 2013, p. 123)

Dessa maneira, é de fundamental importância que o graduando es-


teja em contato com o cotidiano escolar, pois é nesse momento que ele
começa a aprender os saberes da experiência, que conforme Bondía
(2002, p. 168) acontece na interação entre '”o conhecimento e a vida hu-
mana” e de sua profissão.

3. O ensino de ciência na educação básica


O parecer CNE/CES nº 1.301/2001, que aprova as diretrizes na-
cionais do curso de graduação em Ciências Biológicas (Bacharelado e
Licenciatura), dispõe sobre o estudo de Ciências Biológicas. Nesse do-
cumento, encontra-se que o estudo dessa disciplina deve levar compreen-
são sobre a organização da vida ao longo dos anos, análises de processos
evolutivos, resultando em uma variedade de formas de vida que ainda
continuam sofrendo os eventos evolutivos. Esse seres vivos, assim como
o ser humano, não estão separados, eles estão interligados e apresentam
relações de interdependência. Observa-se que o parecer expõe que os co-
nhecimentos da disciplina Ciências Biológicas não estão isolados da so-
ciedade, pelo contrário, eles estão interligados com a sociedade, com
questões políticas, sociais, econômicas e culturais.
Embasados no projeto pedagógico do curso Ciências Biológicas
(modalidade licenciatura), curso do qual a graduanda faz parte, encontra-
se o objetivo do curso que é a formação de professores de Ciências para o
ensino fundamental e de Biologia para o ensino médio (BRASIL, 2001).
Sobre a prática escolar Castro e Goldschmidt (2016) apontam que
nas escolas de ensino fundamental e médio os professores atualmente a-
inda fazem muito o uso do método tradicional. Como afirma Luckesi
(1999, p. 56) essa metodologia é centrada na “exposição verbal da maté-
ria e/ou demonstração”, onde as aulas são expositivas, o aluno atua como
sujeito passivo no processo ensino aprendizagem. Freire (1987) refere-se
a essa situação usando o termo educação “bancária”, nesse contexto, essa
prática comum dos professores é referente a aulas expositivas, onde se
busca a aplicação de grande quantidade de conteúdos, onde muitas das
vezes estão fora do cotidiano do discente. Nessa concepção, destaca-se o

434 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
fato do aluno está apenas entrando em contato com um assunto novo, po-
rém não assimila o que lhe é ensinado. Castro e Goldschmidt (2016) re-
conhecem que atualmente o ensino de Biologia é desafiador tanto para
quem educada quanto para quem aprende. Existe um descontentamento
da parte dos educandos por considerarem a Biologia uma disciplina difí-
cil, já que demanda dos mesmos memorização dos conhecimentos teóri-
cos expostos nas aulas. Os autores acrescentam que o professor deve cri-
ar alternativas para modificar a dinâmica na classe, possibilitar a rela-
ção e participação do discente, ele deve desenvolver táticas, alternativas
que permitam uma linguagem simples na sala de aula, buscando tornar a
aula simplificada e coesa. Para isso uma das propostas pelos autores são
as aulas práticas. Através das aulas práticas é possível tornar os conteú-
dos abstratos, contidos no livro, em concretos. Além disso, torna a aula
mais prazerosa e menos maçante para os alunos.
Acreditamos assim como Bartzik e Zander (2016, p. 37) que a ati-
vidade prática é importante nas aulas de Ciências e Biologia, porque au-
xilia no aprendizado dos conceitos. Essas atividades permitem circuns-
tâncias em que o educando proceda não só de forma “mecânica”, mas
sim de forma ativa, construindo seu aprendizado, relacionando-se com
seu questionamento e adquirindo conhecimento, adquirindo “lições” do
assunto estudado e formulando conclusões, “tornando-se agente do seu
aprendizado”.
Reginaldo et al. (2012), destacam alguns fatores que impossibili-
tam a aplicação de aulas práticas como: a falta de estruturas, recursos
materiais e financeiros, hora aula inadequadas. Diversos educadores não
usam recursos diversificados, possivelmente por “medo do novo” ou por
parâmetros estipulados pela escola que não permitem ao docente fazer
uso dos recursos (NICOLA; PANIZ, 2016).
Castro e Goldschmidt (2016) chamam a atenção para a importân-
cia das aulas práticas, considerando-as como estratégia fundamental para
um aprendizado significativo, tendo reconhecimento de acadêmicos e
pesquisadores, ela atua como uma “facilitadora” da aprendizagem e apre-
senta um aspecto motivador nos estudantes. Nicola e Paniz (2016) evi-
denciam que por ser um recurso acessível, inúmeras vezes, o livro torna-
se o único material usado pelo professor na sala de aula, não sendo acres-
centado outras meios que seriam capazes de auxiliar o aluno a compre-
ender o conteúdo. Sobre a relação estágio e aula prática Castro e Golds-
chmidt (2016, p. 131) afirmam o estagiário necessita “cada vez mais ali-
cerçar o conceito de atividades práticas para atingir o que se busca”. Os

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 435


autores reconhecem que o as aulas práticas não são a saída para os pro-
blemas presentes nas aulas de Biologia, porém são um instrumento efi-
caz, já que seu uso desperta nos educando a motivação o que resultam em
um aprendizado significativo.

4. Metodologia e etapas desenvolvidas na escola


A instituição escolar onde ocorreu o estágio está situada em bairro
periférico (afastado do centro) atende a alunos de vários bairros da cida-
de, inclusive, do centro e também alunos que moram no interior (zona ru-
ral) do município de São Fidélis. Para que esses alunos cheguem até a
instituição, a prefeitura disponibiliza transporte. No turno da manhã, são
atendidos alunos da educação infantil e alunos dos anos finais do ensino
fundamental, no turno da tarde são atendidos alunos da educação infantil
e alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. No turno da noite, a
escola possui turmas do 6º ano ao 9º ano atendendo com aulas direciona-
das a Educação de Jovens e Adultos.
Neste trabalho, foi analisado o desenvolvimento e aprendizado da
estagiária entre o segundo semestre de 2016 até primeiro semestre de
2018. Também foi feita revisão bibliográfica ancorados sobre autores
como Pimenta e Lima (2009), Milanesi (2012), Castro e Goldschmidt
(2016),entre outros que abordavam a prática da profissão professor, a
transformação do graduando em docente, as dificuldades encontradas ao
longo desse percurso como falta de materiais adequados. Realizou-se a-
nálises sobre a atuação do graduando na escola pública municipal durante
os estágios supervisionados obrigatório (I, II, III e IV) do curso de Ciên-
cias Biológicas da Universidade Estadual do Norte Fluminense- UENF.
O estágio foi composto de uma parte de atividades realizadas na escola e
outra parte de atividade com o professor responsável pela disciplina.
O estágio I consistiu apenas na observação da estrutura física e
organizacional da escola. Nesse período foi possível conhecer toda a ges-
tão escolar, a quantidade docente, sua formação profissional, o cotidiano
dos alunos, desde horário de chegada, intervalo, alimentação e saída. Foi
possível verificar como é estruturado o projeto político pedagógico e
qual sua relação com a comunidade escolar. Também teve momentos de
encontros com o professor responsável pela disciplina estágio supervisi-
onado, onde foi discutido o que foi observado na escola, foi orientado
como os estagiários deveriam proceder nessas visitas.

436 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
A partir do estágio II foi possível adentrar na sala de aula, conhe-
cer a parte “prática” da profissão docente. Nesse momento foi notório
que o estágio supervisionado não deve ser visto como apenas mais uma
disciplina entre tantas outras presentes na grade curricular do curso de li-
cenciatura. Nesta etapa tivemos como alicerce a afirmação de Pimenta e
Lima (2009) a respeito da profissão docente, que afirma que ser professor
é uma profissão capaz de interferir na prática social, através da educação.
A partir dessa alegação observamos que ser professor está além de possu-
ir um diploma e saber conteúdos. A profissão docente não ensina apenas
conceitos teóricos, mas também contribui para a formação de cidadãos
conscientes e capazes de serem seres ativos e reflexivos na sociedade.
Nesse estágio, foi possível elaborar e aplicar aulas nas turmas, sendo que
nesse momento aconteceu a separação entre turma base e turma diferen-
ciada, onde na primeira, (turma de 6º ano ensino fundamental) acontecia
a aplicação e correção de atividades e auxílio ao professor regente, en-
quanto na segunda foi apenas observação, durante essa última atividade
foi possível analisar séries diferentes: 7º ano e 8º ano do ensino funda-
mental. Nessa etapa foi possível analisar a prática, metodologias dos pro-
fessores diferentes. As aulas práticas e teóricas eram direcionadas para a
turma base. Antes da aplicação conversava-se com o professor responsá-
vel pela turma para saber o que ele queria que fosse aplicado para com-
plementar seu trabalho, a partir disso as ações do estágio eram desenvol-
vidas.
Durante a elaboração e desenvolvimento das atividades, buscou-
se relacioná-las com o cotidiano dos alunos, usando como ponto de par-
tida realidade em que os mesmo estavam inseridos. Nos encontros com o
professor responsável pela disciplina de estágio, foram apresentadas as
aulas ministradas na escola, os materiais didáticos e por último uma aula
foi apresentada a esse profissional e o mesmo avaliou o estagiário.
O estágio III e IV foi direcionado apenas para uma turma. Sendo
que devido imprevistos e falta de documentação que deveria ser emitida
pela universidade as atividades do estágio IV só puderam ser apresenta-
das para o professor responsável pela disciplina. As atividades do está-
gio III foram voltadas para uma turma do 6º ano do ensino fundamental.
Ao longo desse período foram aplicadas aulas teóricas que complemen-
tavam o trabalho do docente responsável pela turma. Como proposta da
disciplina, para complementar as aulas, desenvolveu-se materiais didáti-
co em forma de jogos, relacionando com os assuntos abordados e aula
prática, sendo essa última organizada de forma que pudessem ser aplica-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 437


das dentro da sala de aula, visto que a escola não possuía laboratório de
Biologia. Também foi possível auxiliar o professor na aplicação de avali-
ações e na correção de exercícios propostos.
Para o estágio IV, desenvolveram-se aulas práticas e teóricas, pro-
jetos que seriam aplicados para a turma do 7º ano do ensino fundamental,
porém para que o estagiário entrasse na instituição era preciso que uma
documentação fosse emitida pela universidade, mas essa documentação
não foi emitida. Ficando a graduanda restrita a apresentar suas atividades
apenas para o professor responsável pela disciplina de estágio.
O planejamento das aulas aplicadas ao longo dos estágios ocorria
em casa, nesse momento a graduanda buscava metodologias que levas-
sem o aluno a ter uma aprendizagem significativa, já que algumas aulas
dos alunos foram aplicadas pela estagiária. Durante o contato com a sala
de aula, foram notórios alguns obstáculos como falta de um laboratório
de ciências para ministrar aulas práticas, ausência de uma sala multimídia
para aplicação de vídeos. Porém, essas dificuldades não impediram que
as atividades fossem aplicadas. Para suprir a falta de um laboratório e vi-
drarias, as aulas foram aplicadas dentro da sala de aula usando potes e
copos descartáveis. Para aplicar vídeos, que eram parte de algumas aulas,
fez-se o uso de notebook.

5. Conclusões
O estágio supervisionado é uma ferramenta eficaz para o aluno de
graduação; é um aliado da sua formação, já que como em qualquer outra
profissão, apenas conhecer a teoria não é satisfatório para ser um profis-
sional de qualidade. É nesse período que o graduando se reconhece como
professor e depara-se com a realidade do futuro ambiente profissional,
permite seja visto na prática como é a realidade das escolas públicas. Pa-
ra alguns é o momento de ratificar sua escolha e conhecer o sonhado am-
biente da profissão escolhida, já para outros é um momento de choque,
até mesmo o período refletir se realmente é essa carreira que pretende se-
guir, visto que logo de início já se observam diversos obstáculos como
falta de materiais.
Adentra na sala de aula é observar que a realidade da educação
brasileira, mesmo no século XXI, está muito arcaica e com muitos traços
da educação do início da colonização, onde se tratava de uma educação
tradicional, onde a classe baixa era subordinada a uma educação superfi-

438 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
cial e a classe alta era submetida a uma educação de qualidade.Ainda é
nítida uma educação elitizada e focada nas tendências pedagógicas da
direita, onde buscava-se apenas adequar o aluno a sociedade, o intuito
baseava-se na aplicação de conteúdos, esses sendo desvinculados na rea-
lidade vivenciada pelos discentes.
O contato com a instituição pública leva o graduando a refletir
que ser professor atualmente, principalmente em uma escola pública, é
uma tarefa árdua, que requer muito esforço já que desde o início no mo-
mento em que esse profissional está em formação ele já depara-se com
dificuldades como a falta de um laboratório, uma sala multimídia, recur-
sos que o auxiliam a levar aos alunos uma aula diversificada e prazerosa.
Além disso, depara-se com relato de diversos profissionais afirmando a
falta de valorização da área. Mas ao mesmo tempo, cabe a esse estagiário
e futuro professor criar estratégias, mesmo com poucos recursos, para
tornar as aulas atrativas para os alunos. Visto que nesse momento ele
começa a se preparar para situações adversas que enfrentará futuramente.
No período em que o aluno de graduação, está atuando como estagiário
ele aprende que sua atuação vai além de passar conteúdos, sua função
também é formar cidadãos, ele começa a compreender que a educação é
capaz de transformar vidas.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 441


O LUGAR DA MULHER NA PESCA
Ari Gonçalves Neto (UENF)
[email protected]
Ana Carolina de Oliveira Lyrio (UENF)
[email protected]
Shirlena Campos de Souza Amaral (UENF)
[email protected]

RESUMO
O ambiente de trabalho das mulheres no contexto da pesca artesanal é marcado
por desigualdades de gênero, as quais influenciam na manutenção e reprodução de
muitas outras desigualdades sociais. Assim, e considerando as características desse
grupo social percebe-se que as construções sociais de gênero repercutem nos modos
como homens e mulheres exercem a atividade produtiva, e ainda vivenciam os riscos
oriundos dos históricos padrões de desenvolvimento. Neste diapasão, o que se verifica
é uma flagrante desigualdade de gênero, a qual faz nascer outras desigualdades sociais
que aparentemente não possuem relação com os aspectos de gênero. Além disso, o
ambiente de trabalho das pescadoras artesanais constitui um dos principais fatores da
desigualdade, de modo que passam a atuar desvalorizadas e não reconhecidas. Assim,
o presente artigo pretende em breves linhas abordar alguns aspectos relacionados com
o contexto da mulher na pesca.
Palavras-chave:
Gênero. Trabalho. Mulher na pesca.

1. Considerações iniciais
Inicialmente é importante pontuar que a pesca artesanal é pratica-
da em todo o território brasileiro e, em regra, por meio de pequenas co-
munidades. Os recursos obtidos são considerados de uso comum ou
mesmo bens livres e cada indivíduo é capaz de obter do conjunto de bens
o qual é de propriedade de todos.
Entrementes, essas comunidades possuem sérios problemas como,
por exemplo, o livre acesso e uso descontrolado dos recursos e a falta de
acesso à piscicultura, à especulação imobiliária, entre outros, os quais de-
sencadeiam o desaparecimento de comunidades pesqueiras tradicionais.
Em verdade, esses fatos geraram a necessidade de regulamentar o acesso
aos recursos com vistas a evitar sua extinção.
No entanto, os significativos avanços da norma legal brasileira
com o consequente aumento dos registros formais de pescadoras artesa-

442 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
nais, ainda assim a valorização desta espécie de pesca é majoritariamente
masculina. De modo que às pescadoras cabem apenas as atividades rela-
cionadas à extração de pescados com pouquíssimo valor, sem contar o
tempo necessário para a obtenção de quantitativo suficiente para a co-
mercialização. Esse contexto faz com que a mulher se torne invisível na
pesca artesanal.
Assim, as diferenças existentes entre pescadoras e pescadores ar-
tesanais estabelecem-se precipuamente na renda obtida com a pesca, a-
lém de outros aspectos culturais, sociais e as questões do empoderamen-
to, os quais dizem respeito à dominação do pescador. Desse modo, os
conflitos existentes relacionados ao gênero nessa atividade deve ser pro-
fundamente discutido pelas instituições e organismos envolvidos com es-
ta temática, a fim de impulsionar importantes mudanças para as mulheres
pescadoras artesanais.
Ressalta-se que a metodologia utilizada no presente artigo será
qualitativa baseada em autores estudiosos do tema.

2. Breves análises sobre a relação de gênero na pesca artesanal


Na atividade pesqueira artesanal consideram-se os recursos obti-
dos como sendo comum, portanto, de propriedade de todos. Ou seja, são
recursos de acesso fácil e direto de todos (PINDYCK; RUBINFELD,
2010). Mas esta concepção inviabiliza a pesca tornando-a insustentável
com fundamento na sobre-explotação das espécies marinhas existentes
nas comunidades.
Desse modo, e com vistas a evitar o fim dos recursos pesqueiros
artesanais duas são as saídas, ou tornam-se esses recursos privados ou o
governo os regula. No contexto brasileiro optou-se pela regulação desse
bem natural.
Assim, criaram-se as reservas marinhas as quais permitem a exis-
tência com qualidade dessas comunidades que lidam diretamente com os
recursos marinhos.
As unidades de conservação gerenciam os recursos, aplicam a
gestão participativa, o comanejo e o cogerenciamento, correspondente a
gestão formal. Essa metodologia interliga as comunidades e os organis-
mos governamentais e não governamentais por meio de um sistema cola-
borativo e participativo (KALIKOSKI, 2007).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 443


A sistemática adotada oportuniza a sustentabilidade dessas comu-
nidades de pescadores artesanais. O relatório de Brundtland de 1987 di-
vulgado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento informou que o desenvolvimento à luz da sustentabilidade não
pode fazer que as atividades comprometam as gerações vindouras.
Nesta perspectiva, o entendimento de que, de fato, vem a signifi-
car desenvolvimento sustentável relaciona-se a noção de bem-estar do e
com o ambiente. E ainda das economias e dos povos. Portanto, o desen-
volvimento sustentável é a interação do desenvolvimento em forma de
benefícios para a sociedade. Neste contexto, tem-se que avaliar quais são
as chances de impacto sobre a sociedade, o meio ambiente, e, em via de
consequência direta, a economia (STRANGE; BAYLEY, 2008).
Constata-se que esse desenvolvimento deve reforçar os principais
instrumentos de interação dos valores da sociedade, a fim de manter o
desenvolvimento social em equilíbrio, diminuindo os conflitos e interes-
ses opostos que podem ocorrer nas comunidades pesqueiras, interferindo,
assim, no processo de empoderamento das pescadoras artesanais.
Em verdade, o empoderamento serve como meio para a incidência
do desenvolvimento, ao passo em que importantes aspectos de transfor-
mação na base da sociedade é ativado, sobretudo, por exigência do de-
senvolvimento econômico. Jara (2001) afirma que o empoderamento ga-
rante a autonomia pessoal e a interação coletiva, preservando a indepen-
dência e protegendo a conjuntura social.
Neste mesmo sentido, Pollice (2010) afirma que a identidade cor-
responde à interpretação singular que o indivíduo estabelece com um es-
pecífico lugar, ao passo em que sobre a realidade territorial incide os sig-
nos da realidade.
Assim, por que ocorrem conflitos de gênero no contexto da pesca
artesanal? Em verdade, não existe afirmativa pronta e rápida para esta in-
dagação. O que se entende e analisa pela realidade fática é que se há con-
flito entre gêneros há também o empobrecimento das características da
comunidade.
Nesta medida, e ainda considerando a predominância masculina
na pesca artesanal, a desigualdade apresentada encontra-se em franca de-
cadência. E esta fenomenologia retira as mulheres da miséria (LARSON,
2011), permitindo a inserção social, política e econômica outrora exclu-
siva dos homens, e, ainda, o protagonismo de seu poder econômico-

444 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
financeiro.
No que se refere à atuação das mulheres, a Organização das Na-
ções Unidas em 1995, estabeleceu que as mesmas exercem significativa
função de consumidoras, produtoras e educadoras, de modo que a sua a-
tuação é imprescindível para o desenvolvimento sustentável da socieda-
de.
E uma vez discutindo-se sobre a promoção da inserção da mulher
na pesca, pode-se em breves linhas se estabelecer um marco histórico das
lutas que as mulheres em geral enfrentaram no contexto brasileiro com o
objetivo de reafirmar seus direitos enquanto sujeito de direitos.
Em 1919, no Brasil as questões afetas ao feminismo ganharam
força, especialmente, considerando a criação da Liga para a Emancipação
Intelectual da Mulher. Em 1922 a citada instituição transformou-se em
Federação Brasileira para a Emancipação Feminista (COSTA, 2005).
Durante o sistema político-jurídico instaurado em 1964, os movi-
mentos feministas ressurgiram por meio de organizações de esquerda.
Em meados de 1975 a ONU realizou no Brasil seminário para a discus-
são sobre o novo movimento feminista, o qual trouxe indagações sobre a
divisão de gênero nas atividades laborativas, bem ainda a atuação femi-
nina no contexto familiar e social (CALDWELL, 2000).
E apenas em meados da década de 1980 é que o movimento femi-
nista consegue se organizar efetivamente. Nesta oportunidade as discus-
sões feministas ultrapassaram todos os estereótipos culturalmente cria-
dos, estabelecendo profundas relações com a sociedade.
A mulher, segundo Costa (2005), inseriu-se nos espaços públicos
do governo, sendo esta inserção o marco histórico para o início das dis-
cussões de políticas de gênero. O anseio por um arcabouço teórico sobre
as questões feministas surge um pouco antes, na década de 1970, com o
ecofeminismo (SILIPRANDI, 2000).
E a questão principal do movimento ecofeminista baseia-se na
justiça social e na preservação do meio ambiente ecologicamente equili-
brado. Assim, e segundo as concepções de Schmah (1998), revelou-se a
necessidade de analisar os ecossistemas como sendo um conjunto de vida
com todas as partes igualmente necessárias para o fortalecimento e o re-
gular funcionamento de todos.
Em 1990 surgiu dentre outras a Rede de Defesa da Espécie Hu-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 445


mana, a Rede Mulher de Educação, defendendo ações de recuperação do
meio ambiente, bem assim de pontuais questões de grande problema no
contexto feminino na ECO-92, conforme pontua Siliprandi (2000). As-
sim, o autor ainda afirma que o processo de dominação feminino e a ex-
ploração da natureza são dois lados da mesma moeda, notadamente con-
siderando o aspecto econômico.
Verifica-se que a visão das mulheres sobre os problemas ambien-
tais fez por inovar as políticas de desenvolvimento principalmente em re-
lação às pescadoras artesanais. O econofeminismo, assim, analisa a natu-
reza por um olhar feminista, na medida em que se vincula a mecanismos
de opressão e subordinação (WARREN, 2000).
Todo esse contexto atrelado as discussões sobre o desenvolvimen-
to sustentável não está distanciado das discussões sobre gênero, bem as-
sim em relação a específicas características de sexo, segundo entendi-
mento de Sem (1987).
E considerando todas essas nuances culturais e identitárias, e o
significativo número de mulheres pescadoras artesanais insatisfeitas, a
demanda social e por direitos que se impõe relaciona-se a necessidade de
valorização da atividade extrativista e pesqueira exercida por mulheres.
Portanto, é flagrante a constatação da divisão de trabalho por sexo
na atividade pesqueira artesanal, estabelecendo um caráter de invisibili-
dade da mulher na pesca, ao argumento de que a mulher nasceu exclusiva
e tão somente para a reprodução e os afazeres do lar. De modo que se faz
urgente e importante a sociedade, sobretudo, pela educação em direitos
humanos, estabelecer os instrumentos necessários para mudar com esta
fática realidade, garantindo o acesso pelas mulheres pescadoras artesa-
nais às políticas públicas de gênero, como a máxima da efetivação da
dignidade da pessoa humana.

3. Considerações finais
Na pesca artesanal assim como em outras atividades econômicas é
possível verificar igualdades e diferenças entre homens e mulheres. E a-
pesar do gênero feminino ainda ocupar posição menos favorecida e reco-
nhecida, por meio da maior participação na tomada de decisão junto aos
órgãos representativos de pesca esta realidade fática tem paulatinamente
sido modificada.

446 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Em verdade, essa participação da mulher trouxe novas esperanças
para mudanças relevantes no contexto da pesca artesanal local.
E ainda que haja baixa remuneração para a mulher pescadora, o
que se pode constar por meio da observação da realidade é que tanto o
pescador quanto a pescadora buscam obter o necessário, permanecendo
na comunidade. Assim, a manutenção desse modo de vida é extrema-
mente necessário para a preservação desse ambiente e ecossistema de
forma sustentável, tratando com o devido cuidado os recursos naturais.
Por fim, importante registrar que a pesca artesanal ainda precisa
de apoio dos governos com vistas a acabar com os problemas relaciona-
dos À explotação dos recursos e a utilização de práticas de manejo sus-
tentável.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 447


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SCHMAH K. Ecofeminist strategies for change: a case study in western
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WARREN KJ. Ecofeminist Philosophy: A Western Perspective on What
It Is e Why It Matters. Maryland: Rowman&LittlefieldPublishers. 2000.
253pp

448 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
O SABER DOCENTE E A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA
ESCOLA E EM LÍNGUA PORTUGUESA: INTERAÇÃO,
CRIATIVIDADE E EXPERIÊNCIA
Moacir dos Santos da Silva (UCP-RJ)
[email protected]

RESUMO
O saber docente deve ser considerado em sua plenitude e complexidade e, ao lado
dos saberes que embasam a formação do professor, merece destaque o saber da expe-
riência. Ele acaba por refletir escolhas feitas no confronto com o exercício da profis-
são, mas numa perspectiva de síntese com o saber da formação. Considerando-se que
os conhecimentos provenientes da Linguística podem fazer parte do momento de for-
mação dos professores de Língua Portuguesa, o trabalho procura mostrar como essa
ciência é, direta ou indiretamente, incorporada em suas práticas. Apresenta o objetivo
de investigar quais saberes docentes embasam a prática pedagógica dos professores de
português de dez escolas macaenses, bem como a relevância da Linguística Funcional
no contexto e como é incorporada à prática dos professores no ensino da língua. Tra-
ta-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, de tipo bibliográfica e de campo, envol-
vendo professores, escolas e colégios da Prefeitura de Macaé e do Estado do Rio de
Janeiro. O cerne da pesquisa é sobre os saberes que norteiam a prática pedagógica dos
professores, com vistas a identificar o quanto o saber de uma ciência, a Linguística
Funcional, se incorpora como saber às suas práticas.
Palavras-chave:
Linguística. Ensino da língua. Saber docente. Saber da experiência.

1. Introdução
Uma questão amplamente debatida nos dias atuais é a da profissão
docente, dos saberes que a constituem e do lugar dos saberes da prática
como constituintes do saber docente. Na medida em que há um aprofun-
damento na compreensão dessa discussão, vê-se, como professor de lín-
gua portuguesa, a pluralidade dos saberes envolvidos no exercício da
profissão, o que confirma a posição dos principais teóricos sobre o tema.
Dentre esses teóricos destaca-se Maurice Tardif (2013), que não
só problematizou a questão da constituição da profissão docente e suas
diversas “idades”, mas destacou e explicitou o caráter plural do saber do-
cente.
O autor reconhece que os saberes da experiência precisam ser
objetivados e é de grande interesse a maneira como aborda a questão da
objetivação pela interação entre pares e com todos os atores e fatores en-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 449


volvidos na atividade docente. Porém, a discussão que norteou este estu-
do foi mostrar como uma ciência como a linguística funcional pode cum-
prir o seu papel de “ciência da pedagogia” e colaborar com um ensino e-
fetivo da língua que leve em consideração contextos, idiossincrasias e
cultura.
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, de tipo biblio-
gráfica e de campo, envolvendo professores, escolas e colégios da Prefei-
tura Municipal de Macaé e do Estado do Rio de Janeiro. Investiga quais
saberes embasam a prática pedagógica dos professores de língua portu-
guesa de dez escolas/colégios do município de Macaé para o ensino da
língua materna com vistas a identificar o quanto o saber de uma ciência,
como a Linguística Funcional, se incorpora como saber às suas práticas.
Procurou-se mostrar ainda, com a pesquisa de campo, como os
conhecimentos provenientes dessa ciência têm se incorporado na prática
dos professores e quais são alguns dos principais motivos de resistência
para uma aplicação mais efetiva das particularidades pertinentes à lin-
guística.
Haverá uma discussão sobre a profissão docente e a história de
sua constituição sob a ótica de dois autores: Maurice Tardif e Menga
Lüdke por suas contribuições e reflexões significativas e pertinentes na
área. Em seguida, discute-se a importância de um último elemento cons-
tituinte do saber docente: o saber da experiência. No decorrer da argu-
mentação, introduzem-se condições da objetivação desse saber em sínte-
se com os saberes da formação.
A prática docente na área de língua portuguesa e a contribuição da
Linguística Funcional para um saber sistematizado, de como ser mais e-
ficaz no ensino da língua portuguesa, serão discutidos por Luis Antônio
Marcuschi, Irandé Antunes, Paulo Coimbra Guedes e outros autores, os
quais põem em relevo a importância dessa ciência.
Por fim, dá-se voz ao discurso dos professores coletados a partir
de questionários e entrevistas em que se busca identificar os fundamentos
da prática de ensino de língua portuguesa do grupo pesquisado.

2. A questão da pluralidade do saber docente e o lugar da prática


Maurice Tardif (2014, p. 36) defende a concepção segundo a qual
o saber docente é proveniente de vários saberes advindos de fontes varia-

450 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
das: os saberes das disciplinas, os saberes curriculares, os saberes profis-
sionais (ciências da educação e ideologia pedagógica) e os da experiên-
cia.
Considerando-se o grande peso dos quatro primeiros saberes aci-
ma citados, na constituição do saber docente, a questão que emerge é a
do papel dos saberes da experiência ou da prática. Porém, antes de enten-
dermos esse papel será necessário refletir sobre a própria complexidade
da formação plural dos professores, que visou à sua profissionalização, e
que enseja questionamentos.
Essa complexidade do saber docente impõe uma responsabilidade
aos professores que Tardif assim expressa:
Se chamamos de “saberes sociais” o conjunto de saberes de que dis-
põe uma sociedade e de “educação” o conjunto dos processos de forma-
ção e de aprendizagem elaborados socialmente e destinados a instruir os
membros da sociedade com base nesses saberes, então é evidente, que os
grupos de educadores, os corpos docentes que realizam efetivamente es-
ses processos educativos no âmbito do sistema de formação em vigor, são
chamados, de uma maneira ou de outra, a definir sua prática em relação
aos saberes que possuem e transmitem. (TARDIF, 2014, p. 31)

E acrescenta: “Parece banal, mas um professor é, antes de tudo,


alguém que sabe alguma coisa e cuja função consiste em transmitir esse
saber a outros” (TARDIF, 2014, p.31).
Fato incontestável, de acordo com Tardif (2014, p.33), os profes-
sores enquanto grupo social e por suas devidas funções, desempenham
um papel estratégico determinante no interior das relações complexas
que unem as sociedades contemporâneas aos saberes produzidos e mobi-
lizados com diversos fins.
Hoje, além de faltar especificidades de conteúdo, há subdivisões
internas o que dificulta uma consolidação profissional docente. A base
comum que garante uma identificação profissional básica na área médica,
por exemplo, é dificultada na educação pela multiplicidade de especialis-
tas (administradores, supervisores, orientadores, e outros técnicos) e pela
separação entre os níveis de ensino (LÜDKE, 1999, p. 67).
A autora para ressaltar essa deficiência traz a medicina para o cen-
tro da discussão:
No caso da medicina, (...) ombreiam-se sem qualquer desconforto,
dentro da mesma profissão, o pediatra que lida com crianças e um especi-
alista em rins ou em coração, que lida com pacientes de outras idades. Es-
sa não é certamente a situação encontrada na educação onde, desde a for-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 451


mação até o salário, passando por outros níveis, há toda uma série de fato-
res separando os que lidam com as crianças dos que lidam com os adoles-
centes. (LÜDKE, 1990, p. 68)

Essa falta de entrosamento e respeito entre os profissionais dos


diversos níveis de ensino é algo marcante na educação brasileira. Por
mais que se considere a importância dos segmentos, em suas bases, há
rótulos e discrepâncias quanto à atuação neste ou naquele, seja no tocante
a salário, status social. O que não se observa na Medicina, em que um gi-
necologista tem o mesmo prestígio que um pediatra ou geriatra, usufru-
indo de salário e status muito parelhos.
A multiplicação dos saberes de que devem apropriar-se os docen-
tes para além do saber da sua disciplina se dá pela própria demanda e e-
xigência social que transforma e diversifica os saberes docentes de modo
a que se possam atingir os fins da educação no mundo moderno e con-
temporâneo (TARDIF, 2014, p. 33-4).
Tardif fundamenta sua posição ao analisar tanto o papel dos sabe-
res disciplinares e curriculares quanto o das “ciências da educação” ou
das “ideologias pedagógicas”. Sobre os primeiros, escreve o autor:
Os saberes disciplinares e curriculares que os professores transmitem
situam-se numa posição de exterioridade em relação à prática docente: e-
les aparecem como produtos que já se encontram consideravelmente de-
terminados em sua forma e conteúdo, produtos oriundos da tradição cultu-
ral e dos grupos produtores de saberes sociais e incorporados à prática do-
cente através das disciplinas, programas escolares, matérias e conteúdos a
serem transmitidos (...). Em resumo, seria um saber da pedagogia ou pe-
dagógico. (TARDIF, 2014, p. 40-1)

A sensação do indivíduo ao ler a citação de Tardif (2014) é que


existem saberes pré-determinados e que a ação do professor deveria ser
de canalizar formas para a execução de um saber externo ditado por uma
pedagogia específica; o que ofusca o papel de protagonismo do docente
enquanto profissional da educação.
Ainda de acordo com o pensamento de Tardif, o fato de não pro-
duzirem os saberes que utilizam e sua falta de controle quanto a eles têm
ainda outras consequências:
Levando-se isso ao extremo, poderíamos falar aqui de uma relação de
alienação entre os docentes e os saberes. De fato, se as relações dos pro-
fessores com os saberes parecem problemáticas, (...) não será porque es-
sas mesmas relações sempre implicam, no fundo, uma certa distância –
social, institucional, epistemológica – que os separa e os desapropria des-
ses saberes produzidos, controlados e legitimados por outros? (TARDIF,

452 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
2014, p. 42)

Uma alternativa a essa alienação dos professores quanto à produ-


ção do saber docente não passa, como Tardif (2014) indica e como este
estudo pretende problematizar, por uma negação do valor desses saberes
exteriores à profissão docente. Teria que passar, portanto, pela valoriza-
ção de uma dimensão do saber docente que não pode deixar de ser reco-
nhecida devido ao próprio testemunho dos professores sobre sua impor-
tância: o saber da experiência.
De fato, segundo as pesquisas de Tardif (2014, p. 33) os professo-
res indicam que consideram que o fundamento de sua prática e de sua
competência profissional está no saber da experiência. Convém, então,
passar a uma definição desse saber.
Segundo Tardif, pode-se chamar de saberes da experiência “o
conjunto dos saberes atualizados, adquiridos e requeridos no quadro da
prática da profissão docente, e que não provêm das instituições de forma-
ção ou dos currículos” (TARDIF, 2014, 48-9). Para ele, (2014, p. 53),
“os saberes experienciais adquirem também uma certa objetividade em
sua relação crítica com os saberes disciplinares, curriculares e da forma-
ção profissional”. Sob esses aspectos, os saberes experienciais ganham
uma relevância ainda maior e é admirável a clareza com que o autor con-
segue ressaltar isso e elevar o saber da experiência a um saber cuja im-
portância o coloca em pé de igualdade com quaisquer dos outros saberes,
senão numa posição ainda mais fundamental do que a de todos eles65.
Para o autor, a objetivação desse saber da experiência se dá num
contexto de múltiplas interações: seja nas trocas com os pares, com os
alunos ou nas relações institucionais, os saberes da experiência se consti-
tuem numa síntese com os saberes da formação, que são então validados,
ainda que seletivamente (TARDIF, 2014, p. 52-3).
É diante de uma concepção assim que se pretende responder à
questão fundamental proposta nesse estudo: como se dá por parte dos
professores de língua portuguesa a apropriação final ou a legitimação de
um saber como o advindo da ciência da linguística e que teria, em tese,
um papel a desempenhar na eficácia do ensino?

65
Larrosa (2016, p. 40) dialoga com a perspectiva de Tardif, (2014) quando apresenta o va-
lor da experiência no tocante à práxis e à produção do saber docente. Ele a coloca como
sendo “sempre de alguém, subjetiva, é sempre de aqui e de agora, contextual, finita, pro-
visória, sensível, mortal, de carne e osso, como a própria vida”.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 453


Para tanto, o capítulo subsequente apresenta a prática docente na
área de língua portuguesa procurando apontar a existência de um conjun-
to de práticas sociocognitivas e discursivas que podem afetar e integra-se
no ensino da língua, advindos de uma ciência específica (MARCUSCHI,
2008, p. 56).

3. O ensino da língua portuguesa segundo os parâmetros da linguís-


tica funcional
Essa parte do artigo trata do ensino da língua portuguesa, aborda-
do segundo os parâmetros da Linguística Funcional. Inicia-se com as pa-
lavras de Paulo Coimbra Guedes (2006). Ele diz:
Não será, portanto, com uma lista de conteúdos, tirados seja do fundo
do baú seja do forno ainda quente, que, em vez de continuarmos calando
nossos alunos, passaremos a fazê-los falar e escrever a sua palavra (...). A
tarefa é ensinar-nos e ensinar nossos alunos a ler e escrever literatura para
desprivatizarmos a língua escrita no Brasil. (GUEDES, 2006, p. 51)

É sobre o ato de representar alguém que se está falando aqui: a


língua portuguesa precisa representar os seus falantes, a sua história, a
sua cultura.
Mais do que qualquer regra importante, o aluno precisa ser o fio
norteador da aprendizagem. É por e para ele que o ensino deve acontecer;
a partir do exposto, questiona-se: como deveria ser a prática dos profes-
sores? Rubem Alves apresenta uma sugestão:
Bons professores, como a aranha, sabem que lições, essas teias de pa-
lavras, não podem ser tecidas no vazio. Elas precisam de fundamentos. Os
fios, por finos e leves que sejam, têm de estar amarrados a coisas sólidas:
árvores, paredes, caibros. Se as amarras são cortadas, a teia é soprada pelo
vento, e a aranha perde a casa. (ALVES, 2001, p. 19 apud ANTUNES,
2003, p. 43)

O tom poético, com o uso de metáforas e comparações de Rubem


Alves chama a atenção pela correspondência com os fatos. O ensino, a
aprendizagem precisam fundamentar-se em algo (como as teias em árvo-
res, paredes e caibros) e não há base mais sólida e segura do que a pró-
pria cultura, o cotidiano, a singularidade de cada história. Irandé Antunes
(2003) contribui:
Tenho em mente um professor de português que é (..,) (como propõe
Marcos Bagno em toda a sua obra), alguém que, com base em princípios
teóricos, científicos e consistentes, observa os fatos da língua, pensa, re-
flete, levanta problemas e hipóteses sobre eles e reinventa sua forma de

454 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
abordá-los, de explicitá-los ou explicá-los. (ANTUNES, 2003, p. 44)

Considerar, interagir, convencer e transformar são ações propostas


por um professor/pesquisador, observador das marcas acima. É preciso
“um pouco mais” do que escrever corretamente e cometer poucos erros
na pronúncia de determinadas palavras. “Não há conhecimento linguísti-
co (lexical ou gramatical) que supra a deficiência do ‘não ter o que di-
zer’” (ANTUNES, 2003, p. 45-6).
No tocante à leitura, Antunes (2003, p. 70) defende que deve ha-
ver uma complementaridade entre ela e a produção escrita e que, muito
mais do que uma decodificação dos sinais gráficos, representa uma ativi-
dade de interação entre sujeitos, em que o leitor atua participativamente,
buscando recuperar, interpretar e compreender as intenções pretendidas
pelo autor.
Sobre essa dimensão dos textos que está muito para além do co-
nhecimento da língua a autora escreve:
Outra vez se pode perceber o quanto a interpretação de um texto de-
pende de outros conhecimentos além do conhecimento da língua. O pro-
fessor de português não pode deixar de reconhecer a importância desse
princípio e, por isso, não pode ficar tão preso aos conhecimentos especifi-
camente linguísticos (ANTUNES, 2003, p. 68-69).

E complementa: “O que está no texto e o que constitui o saber


prévio do leitor se completam neste jogo de reconstrução do sentido e
das intenções pretendidas pelo texto” (ANTUNES, 2003, p. 69), para
concluir que: “É preciso que o professor entre pelo conhecimento da
pragmática, para ‘abrir’ os horizontes com que vai perceber esse jogo da
linguagem” (ANTUNES, 2003, p. 69).
Irandé Antunes apresenta três questionamentos feitos por Ru-
bem Alves ao trabalho distorcido, superficial e normativo com a língua
portuguesa em seu livro Em conversas com quem gosta de ensinar (2000,
p. 84): “Que amores têm sido inflamados? Que ausências têm sido cho-
radas e celebradas? Que horizontes utópicos têm sido propostos?”.
E como mais um ponto para reflexão, apresenta-se uma proposta
de atividade exposta em um livro didático a partir de um texto poético e a
análise que faz dessa atividade Antunes (ANTUNES, 2003, p. 73-5):
Ave alegria
(Sylvia Orthof)

Ave alegria,

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 455


Cheia de graça,
o amor é contigo,
bendita é a risada
e a gargalhada!
Salve a justiça
e a liberdade!
Salve a verdade,
a delicadeza
e o pão sobre a mesa!
Abaixo a tristeza!
Ave alegria!

A única observação feita no início dos exercícios foi que Ave =


salve é uma interjeição. Antunes apontou isso como algo desnecessário,
desinteressante. Num segundo momento, a proposta apresentada por um
dos autores do livro didático é a seguinte: Escreva três substantivos e
forme frases com eles. Com todos os substantivos dentro de retângulos,
até a possibilidade de descobrir que palavras seriam essas foi tirada do
aluno. A autora denuncia enfaticamente que uma atividade como essa
proposta pelo livro didático, mata toda a poesia do texto (ANTUNES,
2003, p. 73).
Diante de um texto assim, ela defende que se deve começar pela
graça da intertextualidade, conceituando, demarcando; deve-se recuperar
a alusão que se faz à oração da “Ave Maria”, retomando trechos como
“Ave”, “cheia de graça”, “é contigo”, existentes na mesma, bem como
uma referência a um dos versos de uma outra oração conhecida: o “Pai
nosso” e sua referência ao “o pão nosso de cada dia”. Ainda poder-se-ia
fazer, sugere ela, uma exploração da associação semântica entre as pala-
vras do texto, todas remetendo a algo positivo: “alegria”, “graça”, “a-
mor”, “risada”, “gargalhada” e, por metonímia, “pão sobre a mesa”; e por
fim, a única palavra que se opõe ao quadro positivo: “tristeza”, é justifi-
cada pelo uso do “abaixo”, o que recupera uma orientação positiva (AN-
TUNES, 2003, p. 74).
Dessa forma, o que se enfatiza é a leitura com uma tríplice função,
preponderante para a sua efetividade: ler para informar-se, ler para delei-
tar-se, ler para entender as particularidades da escrita; isso justifica a sua
tão propalada conveniência (ANTUNES, 2003, p. 76-7).
Travaglia (2009) apresenta uma outra proposta de atividade valo-
rizando o uso da língua numa ênfase mais reflexiva:

456 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Discuta a diferença de sentido entre as frases e imagine situações em que
elas poderiam ser usadas.
a) O menino parou de falar.
b) O menino parou para falar.
c) O menino parou sem falar.
d) O menino parou falando.
e) O menino parou ao falar. (TRAVAGLIA, 2009, p.185)

Nos exemplos existem preposições, verbos no infinitivo, no ge-


rúndio, dentre outras especificidades da gramática normativa e tudo isso
não ficou de lado, esteve presente na proposta, ressaltando-se a impor-
tância em considerar-se o estudo da linguística funcional com ênfase na
gramática e no uso. No entanto, o contexto foi ressaltado no enunciado
da tarefa: Travaglia explica assim as diferenças de sentido que a ativida-
de visa:
Nas frases as diferenças são bem claras. Em a o menino estava falan-
do e deixou de falar, se calou ou não quis mais dar informações (depende
da situação). Em b o menino estava andando, em movimento e parou por-
que queria falar algo. Em c o sentido mais provável é que ele não avisou
que ia parar ou então que ele parou e não disse nada como se esperava.
Em d o sentido mais provável parece ser que ele estava andando, em mo-
vimento, e cessou este movimento e continuou falando. Em e o sentido é
que o menino estava calado e andando, em movimento, num dado mo-
mento começou a falar e deixou de andar, cessou o movimento. (TRA-
VAGLIA, 2009, p. 185-6)

Esse tipo de trabalho com a Língua Portuguesa não seria mais ins-
tigante e significativo?
Isso é o que defendem os autores escolhidos para fundamentar a
pesquisa, dentre eles Marcuschi (2008), Cunha; Costa; Cezario (2015),
Guedes (2006), Antunes (2003) e Travaglia (2009). É preciso que o alu-
no seja também o fio norteador em relação à aprendizagem; é o que todos
os autores pesquisados defendem com suas especificidades.
A prática docente, na visão dos autores tidos como referência,
precisa estar em consonância com os diversos fatores que envolvem o
ensino/ aprendizagem e, em hipótese alguma, podem deixar de fora desse
contexto, cultura, idiossincrasia e bagagem pessoal, dentre outros aspec-
tos.
Pensando nisso, o próximo capítulo é constituído da própria fala
do professor. Uma pesquisa de campo oportuniza para que, seguindo
uma determinada linha metodológica, os profissionais de educação do
município de Macaé dialoguem acerca de suas especificidades no uso da
língua portuguesa em sala de aula.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 457


4. O percurso metodológico alinhado
A pesquisa foi realizada a partir de três momentos distintos que
foram se articulando e fortalecendo a discussão proposta:
1º momento:
Revisão da literatura com a intenção de propiciar ao investigador
uma criticidade em relação aos caminhos e pesquisas já feitas, visando a
uma análise mais apurada do objeto de estudo, principalmente para uma
adequada apropriação dos temas: o saber docente e sua pluralidade; a
questão do saber da experiência e sua importância para o saber docente e
a questão da objetivação do saber da experiência.
Incorporaram-se às leituras preliminares sobre a temática da pes-
quisa, uma busca no Portal da Capes tendo como filtro “O ensino da lín-
gua portuguesa com inserção da linguística funcional”. Foram lidos na
Plataforma cinco artigos sobre o tema pesquisado. Eles foram assim rela-
cionados por ano: em 2007, “As gramáticas e suas interfaces”, de Mauro
Neves e Maria Helena; em 2012, “O trabalho com a oralidade/variedades
linguísticas no ensino de Língua Portuguesa”, de Lúcia Furtado de Men-
donça e Tânia Guedes; em 2013, “Caminhos e descaminhos dos gêneros
textuais no ensino da Língua Portuguesa”, de Denise Brasil; em 2104,
“Os estudos linguísticos e a constituição de objetos de discurso: os con-
ceitos da linguística textual como referência para o tratamento teórico-
analítico da escrita escolar”, de Emerson Pietri e em 2017, “Atividades
de escrita em textos do 7º ano do ensino fundamental: normativismo ver-
sus perspectiva interacionista e sociodiscursiva no âmbito das ações pe-
dagógicas do ensino de Língua Portuguesa, de Heliud Luis.
2º momento:
Pesquisa empírica realizada em escolas da rede municipal de en-
sino de Macaé, RJ, com professores que atuam na educação básica de es-
colas públicas do município e do estado. O levantamento de dados foi
feito por meio de questionários, com perguntas fechadas, e de entrevistas
estruturadas com professores.
Dos questionários: Foram distribuídos um total de 29 questioná-
rios aplicados a professores de 10 escolas públicas do município, dos
quais 24 foram respondidos por professores de escolas municipais, que
atendem ao primeiro e segundo segmentos do ensino fundamental, e 05
por professores de escolas estaduais, que atendem ao ensino médio. Os

458 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
questionários foram aplicados e as entrevistas feitas no mês de Fevereiro
de 2018.
Da observação participante: Transcorreu na segunda quinzena de
fevereiro de 2018, em dez escolas da rede pública de ensino de Macaé,
que desenvolvem práticas pertinentes ao ensino da língua materna em
seus espaços. A observação teve como foco o trabalho cotidiano com a
disciplina, bem como as metodologias aplicadas, buscando compreender
a percepção dos professores em relação ao que planejam, pensam e exe-
cutam nos espaços educacionais.
Das entrevistas: foram realizadas 10 entrevistas estruturadas, 06
com professores do segundo segmento do ensino fundamental, 02 com
professores do primeiro segmento do ensino fundamental e 02 com pro-
fessores do ensino médio, na primeira quinzena de fevereiro de 2018.
3º momento
Reservado à análise e à interpretação dos dados, observando-se o
referencial teórico adotado. Refletiu-se, detalhadamente, sobre os discur-
sos dos sujeitos, associando-os aos referenciais teóricos, com vistas a or-
ganizar e a categorizar os dados qualitativos (MINAYO, 2007; GIL,
2008).

4.1. Do questionário e da entrevista e os entrelaçamentos


As perguntas que fizeram parte do questionário foram as seguin-
tes: 1- O que é mais importante para a aprendizagem da língua portugue-
sa?; 2- Quais práticas devem ser implementadas para a promoção da es-
crita?; 3- Quais práticas devem ser implementadas para a promoção da
leitura e interpretação textual?; 4- Que autores embasam a sua prática co-
tidiana?; 5- No ensino da língua portuguesa, quais aspectos são mais fo-
cados na sua prática?; 6- Quais são os principais gêneros trabalhados no
cotidiano da sala de aula?; 7- Qual a tipologia textual mais explorada?; 8-
Você se considera um profissional...; 9- Quais saberes são considerados
essenciais para que um professor de língua portuguesa possa alcançar os
objetivos propostos no ensino da disciplina?; 10- Quais os principais de-
safios enfrentados em sua profissão para o ensino da língua portuguesa?
Ressalta-se que existiam opções para cada pergunta feita e ainda a
instrução de enumerar, em ordem crescente, de 1 a 5, as alternativas a-
presentadas, com o intuito de organizar-se tabelas e gráficos comparati-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 459


vos sobre as ações/ preferências e procedimentos metodológicos do do-
cente. Exemplo:
Na sua opinião, o que é mais importante para a aprendizagem da Lín-
gua Portuguesa? Enumere de 1 a 5, iniciando pelo mais importante.
( ) Leitura.
( ) Escrita.
( ) Comunicação.
( ) Interpretação.
( ) Produção de texto. (Quest. Professores).

Compuserem as entrevistas as seguintes perguntas: Ensinar a lín-


gua portuguesa representa...; O seu saber é advindo de que fontes princi-
palmente?; Um aluno que sabe a língua portuguesa é aquele que...; Uma
aula atrativa e significativa é aquela que apresenta os seguintes aspec-
tos...; Qual o seu conceito de cultura e preconceito linguístico?; Como
você lida com o ensino das regras gramaticais?; Qual foi o livro paradi-
dático mais utilizado por você? Com qual finalidade? Relate um exemplo
de trabalho desenvolvido a partir de sua leitura.; A sua prática pedagógi-
ca, na maioria das vezes, está embasada em quais teóricos?; Fale sobre
procedimentos essenciais no ensino da língua portuguesa no cotidiano.
Dos que responderam aos questionários, oito acabaram conceden-
do também entrevistas. Pode-se relatar ainda que os procedimentos con-
taram com a boa vontade dos participantes, que se sentiram bastante à
vontade durante todo o processo.
Quanto à atuação dos professores, um trabalho com projetos e
com mais interdisciplinaridade foi observado, em maior escala, nas esco-
las que têm os dois segmentos do ensino fundamental, inclusive na práti-
ca de leitura mais extensiva nos espaços que têm bibliotecas em funcio-
namento.
Ressalta-se ainda que utilizou-se letras do alfabeto para designar
os nomes dos professores e cores para designar os nomes das escolas/ co-
légios. Eis alguns relatos significativos acerca das entrevistas feitas:
A professora E, do Colégio Estadual Verde, diz que: “Ensinar a
língua portuguesa representa uma chance, um modo de atingir uma lin-
guagem de prestígio. A linguagem culta do dia a dia. Ter o acesso, a
competência para aplicar o nível prestigiado”.
Já a professora G nos apresenta o seguinte como resposta:
Representa você passar o que há de mais significativo. Acredito que
um aluno deve aprender a utilizar a língua portuguesa pra entender tudo o

460 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
que há ao seu redor. Ela é a base pra ele poder interpretar uma atividade
de matemática, de geografia, de português... Então, saber a língua portu-
guesa e saber interpretar um texto, acredito que seja (...) essencial pra tu-
do.

Não muito distante disso, mas de forma mais sintética, a pro-


fessora J diz que representa “Ensinar a pensar”. E ainda nessa linha
mais comedida, a professora F defende que “é tudo no país: a base do
ensino, do desenvolvimento de um povo”.
As respostas das professoras convergem com o pensamento de
Marcuschi (2008), ele afirma que:
As noções de língua, texto, gênero, compreensão e sentido, bem co-
mo o enfoque geral da abordagem, situam-se na perspectiva da visão so-
ciointeracionista da língua. Esse tipo de visão recusa-se a considerar a
língua como um sistema autônomo e como simples forma. Aqui a lingua-
gem é vista como um conjunto de atividades e uma forma de ação.
(MARCUSCHI, 2008, p. 16)

Sob a perspectiva da linguística funcional, de acordo com o pen-


samento de Hymes (1974), “há uma análise do uso anterior à análise do
código, existe uma estrutura da fala (ato, evento) como formas de dizer”
(MARCUSCHI, 2008, p. 43). Esse enfoque norteia determinados pensa-
mentos e discursos aqui presentes. Ensinar a Língua Portuguesa passa
por falá-la, experimentá-la, vivê-la, usufruí-la nas circunstâncias cotidia-
nas, adequando-a nos espaços e situações.
E isso se pode claramente ser observado nas falas das professoras
entrevistadas. Para as tais, ensinar a língua portuguesa representa uma
forma de ação com um propósito sociointeracionista (MARCUSCHI,
2008).
Em relação à segunda pergunta: “O seu saber é advindo de que
fonte principalmente?”, a professora A, do Colégio Municipal Vermelho,
afirma que:
O saber vem de uma vida inteira, né!? É... A leitura... a leitura é a
grande chave... A leitura... Não só das palavras, mas a leitura de mundo
como diz... dizia... diz, porque ele não vai morrer nunca, o Paulo Freire:
“A leitura de mundo amplia a leitura da palavra e a leitura da palavra faz
crescer cada vez mais a leitura de mundo”. Então... Eu tenho que conside-
rar tudo, tudo o que passa pela vida da gente e faz a gente crescer... Na
leitura, na escrita e na oralidade também... Amplia sempre...

Por sua vez, a professora F, do CIEP Municipalizado Branco res-


ponde que o seu saber vem “de muita leitura, de informações e atualiza-
ções para a prática. Eu me embaso em Paulo Freire, Anísio Teixeira, Ari-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 461


ano Suassuna e Rubem Alves”.
A professora C, também do CIEP municipalizado Branco, fala o
seguinte quanto a isso:
O meu saber vem do cotidiano, da vida... Nós temos aí teóricos que
ajudaram a gente a sistematizar a linguagem... Nós temos aí Bechara, Cel-
so (...) Celso Cunha. Nós temos também... foi o que eu estava falando
com você: o Cereja. Então esses são (...). Eu tive alguns profissionais que
me ajudaram bastante, um professor da faculdade e... apesar dele ter mui-
to saber... tornava-se uma pessoa muito humilde e isso, numa construção
de... de educação eu acho fundamental pra que a gente possa aprender.

A professora E, do Colégio Estadual Verde, se posiciona da se-


guinte forma:
O meu saber vem de leitura e de prática, além do dom de explicar.
Nasci um pouco professora. Aprendi a dar aula, dando. O meu saber vem
da prática e da pesquisa, vem do gostar do aluno e da situação. Há um en-
cantamento e uma empatia com a produção do aluno.

E ainda analisaremos a resposta da professora D, do Colégio Mu-


nicipalizado Cinza, ela diz: “o meu saber vem de leituras, de estudos e de
uma professora de língua portuguesa que me inspirou, que é a professora
Maria Vitória Barcelos. Foi minha professora do nono ano, antiga oitava
série, até a faculdade. Tudo foi estimulado a partir dela”.
Essa pergunta foi feita com a intenção de conferir as bases que
norteiam as práticas cotidianas em sala de aula. Os professores aqui re-
tomam a discussão do primeiro capítulo: os saberes docentes e a objeti-
vação, além da questão da experiência. Autores como Maurice Tardif e
Jorge Larrosa estão no cerne desse assunto. Para o primeiro, existe uma
desvalorização do saber docente à medida que apenas cabe ao professor a
execução, as técnicas pedagógicas do saber-fazer. Ele (o saber) é oriundo
“da tradição cultural e dos grupos produtores de saberes sociais e incor-
porados à prática docente através das disciplinas, programas escolares,
matérias e conteúdos a serem transmitidos” (TARDIF, 2014, p. 40-41).
Os professores para legitimar o seu saber valorizam muito mais a
sua prática e a experiência, vide os relatos nas entrevistas. Sobre isso,
Tardif (2014) diz o seguinte:
Diante dessa situação, os saberes experienciais surgem como núcleo
vital do saber docente, núcleo a partir do qual os professores tentam trans-
formar suas relações de exterioridade com os saberes em relações de inte-
rioridade com sua própria prática. (TARDIF, 2014, p. 54).

Jorge Larrosa (2014) também valoriza esse saber experiencial. Ele

462 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
diz que:
O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indiví-
duo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científi-
co, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma
personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma for-
ma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um
modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). (LARROSA, 2016, p.
32)

E cada uma das falas expressas por um professor, em seu relato


acima, denota bem a sua história e as marcas pessoais tornando-o único,
assim como o seu saber, mesmo advindo de muitos outros (saberes).

5. Considerações finais
O que se pôde verificar é que há uma disposição, por parte dos
docentes, de levar em conta os preceitos pertinentes à Linguística Fun-
cional; isso de forma consciente ou não e que tal situação vem interferin-
do positivamente no ensino da língua.
Ficou claro, depois da análise dos resultados dos questionários e
da análise das entrevistas, que as transformações estão ocorrendo, seja
por uma intuição dos professores de que precisam se adaptar à realidade
dos alunos, seja pela “pressão” de uma clientela que chega com novas
demandas e que quer ser “vista”.
Se a análise dos dados aponta para um ensino da língua ainda, em
muitos momentos, preso a uma gramática normativa, em que as regras e
a forma permanecem como carro-chefe, também indicam o uso de práti-
cas em que os discursos do cotidiano são trazidos para a sala de aula por
meio de gêneros como a música, a poesia, a piada, a literatura de cordel,
o e-mail, dentre outras ferramentas e instrumentos educativos, modernos
ou tradicionais.
A pesquisa mostra que o professor é alguém que admite ter apren-
dido em todas as esferas e momentos de sua vida. No entanto, ele valori-
za, em primeiro lugar, os saberes provenientes de sua própria experiência
na profissão, deixando, em segundo plano, outros, elencados por Tardif
(2014, p. 63), como: os saberes pessoais dos professores, os provenientes
da formação escolar anterior, os provenientes da formação profissional
para o magistério, os provenientes dos programas e livros didáticos usa-
dos no trabalho.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 463


A prática pedagógica também foi um capítulo à parte. Alguns pro-
fessores que responderam aos questionários (por escrito) e, nas entrevis-
tas, conversaram acerca de suas rotinas nos espaços da sala de aula, rati-
ficaram a importância desse saber experiencial, que “provoca (...) um e-
feito de retomada crítica – retroalimentação dos saberes adquiridos antes
ou fora da prática profissional” (TARDIF, 2014, p. 53). Deve-se destacar
como a interação com os pares e com as circunstâncias da profissão sus-
citou incerteza e acarretou reflexão nos professores, o que possibilitou
uma abordagem da prática com revisão e aprofundamento.
Em se tratando do ensino da língua portuguesa ainda falta uma
ação mais conjunta e efetiva no trabalho de forma geral, seja pelos diver-
sos resultados negativos nas avaliações externas, seja pela simples difi-
culdade interpretativa dos enunciados nos espaços escolares.
Na pesquisa, apesar da citação, por parte dos professores, de auto-
res e práticas concernentes a uma dinâmica mais interativa, com concei-
tos e procedimentos valorizando cultura, oralidade e as evoluções e trans-
formações da tríade fala/língua/linguagem, o que exemplifica a presença
da Linguística Funcional nos procedimentos, ainda há uma abordagem
muito centrada na gramática tradicional, às vezes com fins nela mesma,
valorizando erros e acertos, hierarquizando conhecimentos e as gramáti-
cas (normativa, gerativa e funcionalista).
Os professores consultados nas entrevistas depuseram a favor de
mudanças. Seus discursos às vezes denunciam insegurança quanto aos
caminhos a seguir, mas a questão da abertura à inserção e transformação
no ensino da língua portuguesa com novas estratégias e flexibilidade
quanto à metodologia e quanto ao uso de estratégias mais de acordo com
o contexto do trabalho prático com a disciplina foi notória.
Considerando-se que o objetivo do trabalho é relacionar as práti-
cas pedagógicas com as contribuições da linguística funcional, a presença
dessa contribuição foi detectada de duas maneiras: diretamente por men-
ções à ciência e aos autores que a representam e indiretamente pelo uso
de práticas pedagógicas recomendadas pela mesma.
A pesquisa desenvolvida, em particular, permitiu uma apropriação
ainda maior a partir do tratamento da questão, tomando como base o meu
próprio campo de atuação. Ficou claro para mim que o ensino da língua
portuguesa está em franca evolução/ transformação, como sempre esteve,
exigindo espaço e vez para os diversos falantes e a linguística é uma ci-
ência que contribui diretamente para isso. Mesmo que não seja de forma

464 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
sistemática e absoluta, ela deixa sua marca nos diversos contextos.
Esse trabalho aponta para necessidades e certezas: É preciso, de
fato, permitir que os falantes se apropriem e mergulhem nos recônditos,
pertinentes à língua que falam/ professam e que a linguística e todo o seu
repertório conceitual já fazem parte do ensino da língua portuguesa sendo
apenas necessária sua ratificação e disseminação em mais espaços, reve-
lando a sua devida importância.
Quando se percebe um professor que estimula a leitura, a poesia e
a expressão comunicativa, por meio de textos variados, como se observa
nos discursos dos docentes, no questionário e na entrevista, é impossível
não reconhecer a importância da instituição escola e da figura do profes-
sor como fundamental para estreitamento e aproximação de distâncias.
Muito mais do que qualquer habilidade e competência significati-
vas e valorizadas socialmente, a maneira, a especificidade com que o tra-
balho pedagógico é configurado é de fundamental importância para que
haja uma efetivação do conhecimento; e a figura do professor nesta tarefa
é de “alta complexidade”. Ele viabiliza formas de ingresso a mundos dis-
tintos, esclarece, conduz, mobiliza estratégias argumentativas e, no caso
do de Língua Portuguesa, entrelaça as situações com base no texto/ con-
texto e na compreensão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Parábola, 2003.
BAGNO, Marcos. Língua, linguagem, linguística – Pondo os pingos
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GUEDES, Paulo Coimbra. A formação do professor de português:
Que língua vamos ensinar? São Paulo: Parábola, 2006.
LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência; tradução
Cristina Antunes, João Wanderley Geraldi. 1. ed. Belo Horizonte:
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LESSARD, Claude; TARDIF, Maurice. O trabalho docente: Elemen-
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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 465


nas; tradução de João Batista Kreuch. 9. ed. Petrópolis-RJ: Vozes,
2014.
LÜDKE, Menga. O educador: um profissional? In: CANDAU, Vera
Maria (org). Rumo a uma nova didática. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e
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TARDIF, Maurice. A profissionalização do ensino passados trinta
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<http://www.cedes.unicamp.br>.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed.
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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta pa-
ra o ensino de gramática. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

466 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
O TESTAMETO VITAL COMO INSTRUMENTO DE PROTE-
ÇÃO AO ENFERMO EM ESTADO TERMINAL
Larissa de Paula Ferreira (UENF)
[email protected]
Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral (UENF)
[email protected]
Juliana da Conceição Sampaio Lóss (UENF)
[email protected]
Raquel Veggi Moura (UENF)
[email protected]
Carlos Henrique Medeiros de Souza (UENF)
[email protected]

RESUMO
Muito se tem discutido a respeito do testamento vital. Este documento tem como
finalidade permitir que o paciente exteriorize sua vontade a respeito dos tratamentos,
procedimentos e cuidados médicos a que deseja ou não se submeter diante de uma en-
fermidade grave, sem cura ou terminal. Trata-se, de igual modo, de um instrumento
que juridicamente produz efeitos não apenas na vida do paciente, mas também para a
equipe hospitalar, família e demais envolvidos. Assim, o presente estudo objetiva exa-
minar o contexto e os conceitos referentes às disposições de vontade do paciente sobre
sua vida, especialmente em estágio final, considerando-se a atual discussão acerca da
função deste instrumento de promoção da autonomia. Será utilizada metodologia qua-
litativa, por meio de pesquisa bibliográfica baseada em obras e artigos científicos de
estudiosos do assunto como Dadalto (2017), Lippmann (2013), Pessini (2008), entre ou-
tros, bem como em dispositivos legais vigentes, quais sejam, aCRFB/1988 e a Resolu-
ção nº 1.995/2012 (dispõem acerca das diretivas antecipadas de vontade) do Conselho
Federal de Medicina (CFM).
Palavras-chave:
Estamento vital. Resolução 1.995/2012 do CFM.
Direito à autonomia no fim da vida.

1. Considerações iniciais
Optar por uma morte sem sofrimento. Certamente esta decisãopo-
de decorrer de discussões e esclarecimentos sobre o processo de morrer
no cenário em que se ampliam os “cuidados” cada vez mais tecnologiza-
dos. Esse contexto oportuniza a análise social e acadêmica do morrer e
da morte, assim como da vida, com dignidade. A compreensão desse fe-
nômeno envolve questões éticas, religiosas, sociais e jurídicas que sur-
gem e originam conflitos.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 467


Uma vez estabelecido o diagnóstico de que o doente se encontra
em fase terminal de doença incurável, surgem reflexões sobre o viver e o
partir, reconhecendo que “existe muita morte na vida, bem como de que
pode existir muita vida na morte” (PESSINI, 2008, p. 100). Em tais ca-
sos, é comum médicos assumirem posições de adversários da morte lu-
tando pela manutenção da vida seja qual for o preço ou sacrifício a ser
enfrentado pelo paciente e sua família.
O enfrentamento da mortalidade em alguns casos se sustenta na
concepção constitucional de ser dever do Estado preservar a vida huma-
na. De fato, deste bem jurídico emanam os demais. Contudo, a garantia
da vida e de seu prolongamento pressupõe o exercício da liberdade para
se autodeterminar contra o sofrimento. Decisões sobre os tratamentos a
que o paciente deseja ou não se submeter, bem como sobre a suspensão
de procedimentos médico-hospitalares dolorosos, inúteis e onerosos tra-
zem à baila conceitos a serem repensados e um honesto debate sobre a
terminalidade da vida, pois “se não levarmos em consideração as com-
plexidades e humanidades de cada caso concreto, com todo o seu entorno
e diversidade, a vida e a morte serão mal tratadas” (MAGALHÃES,
2012, p. xvi). Diante disso, considerar o enfermo terminal ea sua subjeti-
vidade no processo de morte significa dignificá-lo como um ser livre,
consciente de si, que constitui a si mesmo e protagoniza seu destino.

2. Testamento vital: esclarecendo equívocos da terminologia


“Todos morreremos, mas escondemos essa verdade cotidianamen-
te de nós mesmos e de nossos entes queridos”, afirma Dadalto (2017, p.
15). E avança:
Então, quando a morte chega, ela encontra todos despreparados: O
moribundo com medo, pânico, pavor do desconhecido. Os familiares e
amigos desejosos que o moribundo fique apenas mais um pouquinho por
aqui. E nesse momento as pessoas se perdem e perdem a racionalidade.
(DADALTO, 2017, p. 16)

Falar sobre o despedir-se da vida, na maioria das vezes, gera des-


conforto e sobre como despedir-se, acaloradas e complexas discussões. A
razão necessária para direcionamentos terapêuticos no processo rumo à
morte envolve o modo de compreender o conceito de vida. Para além de
um dever, a vida é uma garantia fundamental reservada a qualquer pessoa
individualmente. O direito à vida se refugia na dignidade da pessoa hu-
mana. Esta cláusula geral de tutela, expressamente constituída como um

468 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
dos fundamentos da República, preserva o ser humano não apenas na
dimensão biologicada vida humana, de modo que afronta a dignidade da
pessoa todo tratamento cuja finalidade rejeita a própria pessoa. Assim,
tanto a premissa da vida do homem quanto a da morte devem ser a digni-
dade. Ao tratar do assunto, Sá e Moureira (2012, p. 53) ensinam que:
A defesa e a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos
da personalidade alcançaram grande importância nos últimos tempos em
razão dos avanços científicos e tecnológicos experimentados pela huma-
nidade que, se de um lado, trazem benefícios vários, de outro, potenciali-
zam riscos e danos a que podem estar sujeitos os indivíduos. Várias dis-
cussões permeiam o tema, tais como: podemos pensar a vida como o sim-
ples respirar, como a garantia da “batida de um coração”? [...] (SÁ e
MOUREIRA, 2012, p. 53)

Viver humanamente o fim da vida significa respeitar o paciente


que não pode mais ser alcançado por prováveis terapêuticas de cura,
tampouco “por nenhuma das inúmeras e brilhantes drogas e máquinas
descobertas graças ao avanço tecnológico” (DADALTO, 2017, p. 17).
Morrer com dignidade “significa estar a serviço não só da vida, mas tam-
bém da pessoa” (SÁ; MOUREIRA, 2012, p. 77). Consiste em permitir
que o enfermo seja liberto da dor, que encontre paz, que tenha seus an-
seios atendidos, que seja cuidado e acompanhado no enfretamento de sua
morte, participando abertamente das escolhas que a envolve. Portanto, o
prolongamento da vida, conforme Sá e Moureira (2012, p. 77) “somente
pode ser justificado se oferecer às pessoas algum benefício, ainda assim,
se esse benefício não ferir a dignidade do viver e do morrer”. De acordo
com Sarlet (2002, p. 62) a dignidade da pessoa humana pode ser compre-
endida como:
[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz me-
recedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da co-
munidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promo-
ver sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria exis-
tência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET,
2002, p. 62)

Princípios como o da indisponibilidade da vida e o da liberdade


do sujeito precisam ser repensados sob o paradigma do bem-morrer, uma
vez que morrer de modo digno claramente contrasta com a permanência
do indivíduo em aparelhos mantendo vivo o funcionamento do corpo em
detrimento do bem-estar. Sobre essa questão, Dadalto (2017) aponta que,
quando indagadas sobre a forma de viverem suas mortes, raramente pes-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 469


soas se manifestam favoravelmente à manutenção artificial de suas vidas
por meio de aparelhos ou a expirar em um, por vezes, frio, solitário e
“desumano” quarto de hospital. Contudo, não é incomum se verificarem
demandas judiciais pleiteadas pela família do moribundo a respeito do
desligamento ou não dos suportes vitais do indivíduo.
Nestes casos, pode o enfermo estabelecer previamente instruções
acerca de sua vontade quando diante de uma situação clínica terminal ou
irreversível. Esse direito no Brasil se efetiva por meio das diretivas ante-
cipadas de vontade (DAV) gênero do qual há duas espécies: testamento
vital e mandato duradouro. Tais diretivas são regulamentadas pela Reso-
lução nº. 1.995 do ano de 2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM)
a qual, reconhecendo o valor da autonomia e da necessidade deconsenti-
mento livre e esclarecido pelo paciente, segundo Nunes (Apud FERREI-
RA; SANTOS; GERMANO, 2017, p. 127), dispõe:
[...] os critérios para que qualquer pessoa possa definir junto ao seu médi-
co quais os limites terapêuticos na fase terminal desde que maior de idade
e plenamente consciente. A DAV é documento facultativo e poderá ser
elaborado, modificado ou revogado em qualquer momento da vida. (NU-
NES apud FERREIRA; SANTOS; GERMANO, 2017, p. 127)

Nesse fio condutor, o artigo 1º da aludida resolução concebe a de-


finição:
O conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo pa-
ciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momen-
to em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua
vontade. (BRASIL, CFM, RESOLUÇÃO 1995/2012)

Cabral e Zaganelli (2017, p.21) ao tratarem do tema, lecionam que


“o termo empregado na Resolução 1995/2012 parece estar em sintonia
com o seu propósito: diretiva, por ser uma instrução; antecipada, pois é
fora do momento da decisão; e vontade, ao expressar uma manifestação
acerca de um interesse”. Uma vez elaborada, a DAV permite ao paciente
ser amparado comdignidade no processo de sua morte à medida que cer-
tifica o modo como o enfermo prefere morrer, além de determinar o po-
sicionamento clínico quando não houver mais expectativa de cura. De
acordo com o referido diploma do CFM, as diretivas para os procedimen-
tos terapêuticos conforme a vontade do paciente podem ser registradas
pelo médico no prontuário do próprio paciente ou na ficha médica, sen-
do, para tanto, indispensável o consentimento do doente.
Ferreira, Santos e Germano (2017, p. 127) salientam que, confor-
me a Resolução, nessas circunstâncias, não são exigidas “assinaturas nem

470 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
testemunhas, pois se entende que o médico em sua profissão tem fé pú-
blica e seus atos possuem efeito legal e jurídico”. Sob essa ótica, cumpre
ainda destacar que o cumprimento da vontade do enfermo sujeita-se aos
“preceitos ditados pelo Código de Ética Médica”.
Ressalte-se que, este documento não se limita apenas a pautar re-
cusas ou aprovações de procedimentos cujos resultados são inúteis para o
paciente. Caso deseje, através de uma procuração para cuidados de saú-
de,pode o enfermo também nomear alguém que o represente e decida por
ele quando já incapacitado para externar suas vontades e perspectivas.Do
mesmo modo, é possível ao paciente evitar o distanciamento do seu di-
reito à autonomia no fim da vida através de um instrumento ético-
jurídico denominado testamento vital,que lhe garante a segurança de ter
respeitada a sua vontade acerca dos tratamentos médicos para os cuida-
dos e procedimentos de saúde diante de uma enfermidade terminal.
O equívoco terminológico desses institutos atualmente pode ser
esclarecido pela explicação desses conceitos. Antes de tudo, é importante
informar que, embora receba a nomenclatura de testamento, a eficácia do
testamento vital se consolida em vida, ou seja, não estando o paciente em
condições de manifestar sua vontade, a constituição deste instrumento
permite que sua autonomia seja respeitada e considerada absolutamente
para os cuidados que deseja receber ou nãoem relação à sua saúde.
Assim, como adverte Lippmann (2013, p. 17) em sua obra “Tes-
tamento vital: o direito à dignidade”, “o testamento vital não deve ser
confundido com o testamento civil”. Este, segundo o professor, “diz res-
peito àquilo que se quer fazer com seu patrimônio, ou seja, para quem
você deseja deixar, após a morte, os bens que foram adquiridos em vida”.
De maneira oposta, o testamento vital consiste em “uma declaração escri-
ta da vontade de um paciente quanto aos tratamentos aos quais ele não
deseja ser submetido caso esteja impossibilitado de se manifestar”.
Dadalto (2015, p. 97) define testamento vital como:
[...] um documento de manifestação de vontades pelo qual uma pessoa
capaz manifesta seus desejos sobre suspensão de tratamentos, a ser utili-
zado quando o outorgante estiver em estado terminal, em EVP ou com
uma doença crônica incurável, impossibilitada de manifestar livre e cons-
cientemente sua vontade. (DADALTO, 2015, p. 97)

Segundo Beauchamp e Childress (2002) citados por Dadalto


(2015), neste documento se tem a legítima representação da autonomia
do paciente, uma vez que registra uma manifestação de vontade expressa

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 471


por ele enquanto está capaz. Nota-se, a confusão terminológica encontra
respaldo no equívoco de designar testamento vital e diretivas antecipadas
de vontade como sinônimos. Pioneira no que se refere ao estudo do tes-
tamento vital no Brasil, Dadalto (2015, p. 88-91) ensina:
As diretivas antecipadas (advanced care documents), tradicionalmen-
te, têm sido entendidas como gênero do qual são espécies o testamento vi-
tal (living will) e o mandato duradouro (durable power attorney). Ambos
os documentos serão utilizados quando o paciente não puder, livre e cons-
cientemente se expressar – ainda que por uma situação transitória -, ou se-
ja, as diretivas antecipadas, como gênero, não se referem exclusivamente
a situações de terminalidade. Entretanto, entende-se ser de suma impor-
tância a diferenciação dos institutos, já que o testamento vital é uma espé-
cie de diretiva antecipada adstrita às situações de fim de vida, enquanto o
mandato duradouro [...] é um documento no qual o paciente nomeia um
ou mais ‘procuradores’ que deverão ser consultados pelos médicos em ca-
so de incapacidade do paciente- definitiva ou não, quando estes estiverem
que tomar alguma decisão sobre recusa de tratamento. O procurador de
saúde decidirá tendo como base a vontade do paciente. (DADALTO,
2015, p. 88-91)

Uma vez apresentadas as alternativas existentes, o enfermo em fa-


se terminal, estando em pleno gozo de suas faculdades mentais, tem o di-
reito de exprimir seus desejos optando pelo que melhor lhe convier. Caso
sua manifestação resulte, não de artifícios que comprometam a veracida-
de de sua vontade, mas de análises racionais de opções existentes, sua
decisão se consumará no mundo jurídico. Em outras palavras, a autono-
mia da vontade do paciente deve se apoiar na independência, na razão e
na “possibilidade de eleição da melhor via a se seguir. Assim,“o ato tor-
na-se perfeito para que os seus familiares e demais entes respeitem o di-
recionamento que se pretende seguir no exercício do direito à vida”
(LACERDA; CASTRO; COSTA, 2017, p. 159).
Segundo Lippmann (2013, p. 47), embora não tenha obrigatorie-
dade por lei nem pela Resolução 1.995/2012 do CFM da assistência de
um advogado para a validade da elaboração do testamento vital, a parti-
cipação desse profissional é de suma importância “para garantir que o
testador seja completamente esclarecido sobre as implicações do que está
assinando, que o testamento seja feito de forma correta perante a lei, para
ser reconhecido como válido quando necessário”, confirmando que con-
siste na real vontade do testador.

472 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
3. Requisitos evalidade no Brasil
O cumprimento da vontade do paciente que celebra o testamento
vital está vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana, princi-
palmente em relação ao direito à morte com dignidade. Desse modo, dis-
posições que pressuponham a eutanásia ou a recusa dos cuidados paliati-
vos são ineficazes, por, notoriamente, afrontarem as diretrizes da prática
médica quanto aos pacientes em fase terminal no Brasil.
Para Lippmann (2013) o registro em cartório do testamento vital
não é obrigatório. No entanto, o registro da vontade declarada mediante
instrumento público, isto é, a lavratura do testamento vital por escritura
pública na presença de um tabelião de notas é importante a fim de pro-
porcionar segurança jurídica (DADALTO, 2015). Sobre essa questão,
quanto à forma e às proposições nacionais válidas acerca desse documen-
to, doutora em Ciências da Saúde, Dadalto (2015, p. 187) recomenda que
“o testamento vital seja anexado ao prontuário, com o escopo de informar
à equipe médica que o paciente possui este documento”. Acrescenta que
como o preenchimento do prontuário médico compete exclusivamente ao
profissional, uma vez informado pelo paciente da elaboração do testa-
mento vital, bem como de seu conteúdo, cabe ao médico “proceder à
anotação da existência de tal instrumento no prontuário do paciente, ane-
xando-a”.
De fato, o testamento vital ganha eficácia, com oponibilidade ge-
ral, desde a lavratura da escritura pública. Porém, no Brasil, a eficácia
médica para o cumprimento da vontade do paciente tem início com a sua
inscrição no prontuário médico.
Semelhante ao instituto de testamento civil, pode o enfermo alte-
rar ou, ainda, revogar a qualquer tempo o instrumento de manifestação da
sua vontade, livre de justificativa. No dizer expressivo de Lippmann
(2013, p. 48):
Basta apenas que seja feita uma declaração de alteração de seu teor,
ou que o documento seja rasgado, caso não tenha sido registrado em car-
tório, além de comunicar as mudanças para seu procurador dos cuidados
de saúde. Se você tem um médico de sua confiança, costuma frequentar
um determinado hospital ou tem plano de saúde, também pode comunicar
por escrito para todos eles a revogação ou alteração do seu testamento vi-
tal. Se você for internado e mudar de ideia, deve informar ao médico que
o assiste de que fez um testamento vital e que deseja revogá-lo ou modifi-
cá-lo. Peça para que essa informação faça parte de seu prontuário médico
e assine. (LIPPMANN, 2013, p. 48)

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 473


Embora válidas no ordenamento jurídico brasileiro, atualmente, as
disposições de vontade acerca dos tratamentos ou não tratamentos a que
o paciente deseja ser submetido caso se torne incapaz, não são regula-
mentadas por lei federal que aborde especificamente o testamento vital.

4. Considerações finais
Em síntese, percebe-se que a autonomia do paciente em fim de
vida deve ser respeitada conforme o ordenamento jurídico brasileiro, es-
pecialmente no que se refere ao testamento vital. Este instituto se apre-
senta como instrumento de proteção alicerçado em diretrizes éticas re-
gentes da prática médica, bem como no valor supremo da dignidade da
pessoa humana.
Proporcionar ao enfermo a criação de um testamento vital que
contemple disposições sobre rejeição ou interrupção de tratamentos que
não lhe oferecerão benefício algum, o consagra como um ser autônomo,
humano e, em mais alto grau, participante de sua realidade. A validade e
a constituição do testamento vital no Brasil permitem que pacientes ter-
minais tenham segurança para morrer com dignidade.

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SARLET, Ingo Wolfgang. O princípio da dignidade da pessoa humana e
os direitos fundamentais. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2002.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 475


O USO DA TECNOLOGIA NO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO DE UM AUTISTA: ESTUDO DE CASO
Fabrizia Miranda de Alvarenga Dias (UENF)
[email protected]
Danielle Rodrigues Miranda Sales (UENF)
[email protected]
Manuela Gomes Rangel de Paula (UENF)
[email protected]

RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar os ganhos no processo de alfabetização de um
indivíduo com TEA, após implementação de ferramentas tecnológicas como instru-
mentos de intervenções. Para tanto, foram utilizados Artigos e Bibliografias recentes,
tendo como referencial teórico Freire, Fernandes, Prensky. O estudo sugere que o uso
de ferramentas tecnológicas associadas às estratégias de repetição, pode tornar as in-
tervenções mais atrativas aos sujeitos com TEA, em seu processo de alfabetização,
trazendo ganhos no aprendizado e favorecendo um comportamento mais funcional e
autônomo. Observa-se que os profissionais que estejam em contato com sujeitos que
encontram-se no espectro se aprofundem e procurem desenvolver métodos e estraté-
gias com uso de ferramentas tecnológicas, a fim de ampliar a sua utilização nas inter-
venções com esses indivíduos.
Palavras-chave:
Alfabetização. Autismo. Ferramentas tecnológicas.

1. Introdução
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), um em
cada 160 indivíduos no mundo têm o Transtorno do Espectro Autista
(TEA). O transtorno é de difícil diagnóstico, pela complexidade de fato-
res que envolvem as suas características, sendo as classificações mais uti-
lizadas o CID-10 e DSM-V (2014). O (CID-10), classifica o TEA como
um transtorno invasivo do desenvolvimento, que abrange dificuldades de
médias a graves no decorrer da vida desse sujeito, envolvendo as habili-
dades sociais e comunicativas, além atribuídas ao atraso global do desen-
volvimento. São ainda considerados, de acordo com o DSM-V (2014), os
comportamentos e interesses restritos, com movimentos repetitivos e es-
tereotipados.
Na última edição do DSM-V (2014), o TEA foi definido como
uma série de fatores que podem variar conforme a intensidade dos sinais
e dos prejuízos, que ocorrem na rotina desses sujeitos. Cabe ressaltar que

476 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento, que apresenta carac-
terísticas em três domínios: comunicação;interação social; padrões restri-
tos, repetitivos e estereotipados de comportamento.Dessa forma, o pro-
cesso de alfabetização do sujeito com TEA torna-se complexo frente às
dificuldades apresentadas pelo transtorno.
A alfabetização é um processo de aprendizagem no qual possibili-
ta o desenvolvimento das habilidades de ler e escrever adequadamente,
utilizando essa habilidade como código de comunicação ao meio. Sendo
assim, esse processo vai além do que reconhecer símbolos e letras. Trata-
se de saber interpretar o seu entorno de acordo com a leitura de mundo
(FREIRE, 1993).
Nesse contexto, alguns autores apontam para a utilização de fer-
ramentas tecnológicas aplicadas como forma de intervenção com sujeitos
autistas.
Sendo a tecnologia uma área considerada interdisciplinar, oferece
produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços capazes
de promover funcionalidade, em relação à atividade e participação de su-
jeitos com deficiências, proporcionando-lhes mais autonomia e indepen-
dência que impactarão em sua qualidade de vida e inclusão social
(MELLO; SGANZERLA, 2013).
Nessa perspectiva, a problemática se desenvolve através da se-
guinte questão: de que forma o uso da tecnologia pode contribuirno pro-
cesso de alfabetização de um indivíduo autista?
O objetivo deste trabalho é analisar os ganhos no processo de al-
fabetização de um indivíduo com TEA, após implementação de ferra-
mentas tecnológicas como instrumentos de intervenções.

2. Estudo de Caso
O TEA e suas causas têm sido muito estudados no âmbito da Saú-
de e da Educação. O sujeito com TEA apresenta diversas dificuldades de
aprendizagem, devido às características inerentes ao transtorno. Desse
modo, o processo de alfabetização desse sujeito torna-se complexo, prin-
cipalmente, pelo comprometimento das áreas relacionadas à compreen-
são das informações e abstração. Entretanto, em alguns casos, podem a-
presentar incríveis habilidades motoras, musicais, de memória e outras,
que muitas vezes não estão de acordo com a sua idade cronológica. Des-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 477


se modo, devemos respeitar o tempo de cada criança, sem perdemos o
equilíbrio estabelecido para as atividades. Gauderer (1997) afirma que
em relação à educação:
[...] é útil dividir a tarefa em pequenas etapas e, vagarosamente, construir
o todo. Deve-se aproveitar ao máximo as situações do dia a dia [...], trans-
formando-as em oportunidades de ensino de forma a encorajar a criança a
usar na prática os conhecimentos adquiridos. (GAUDERER, 1997, p.
108)

Nesse sentido, a alfabetização é um processo que envolve muito


mais do que reconhecer símbolos e letras; envolve o saber interpretar,
lendo nas entrelinhas o significado contextual e a aplicação no mundo à
sua volta (FREIRE, 1993). Sendo assim, a alfabetização de um sujeito
autista ocorre de forma diferenciada, pois a criança não consegue contex-
tualizar e aplicar adequadamente o que lhe foi ensinado.
Em busca de formas que facilitem o processo de alfabetização de
crianças com TEA, percebeu-se que a tecnologia possui recursos que po-
dem possibilitar a esse sujeito um melhor desempenho nesse processo.
Em uma pesquisa realizada no site Google Play, foram encontrados 138
aplicativos voltados para o auxílio no desenvolvimento no processo edu-
cativo de crianças com TEA (www.googleplay.com).
Neste estudo de caso com A.I.S. tem 14 anos, foi diagnosticada
com TEA, grau moderado, verbaliza com dificuldade, apresentando Eco-
lalia na sua comunicação. Ela estuda em escola pública, cursa o 3o ano
do Ensino Fundamental I. A criança ainda não está alfabetizada. Tem ha-
bilidades para registrar letras musicais. Reconhece as vogais e os núme-
ros de 1 a 10, mas não reconhece todos os sons das consoantes do alfabe-
to. Não escreve o seu próprio nome. Desde que iniciamos as atividades
ela demostrou comportamento social comprometido, queixava-se de me-
do acredito ser uma atitude de proteção quando não sabe definir o que es-
ta sentindo. A criança tem acompanhamento psicológico e psicopedagó-
gigo, em instituição filantrópica de atendimento especializado. As inter-
venções são feitas na sala de recurso e atendimento individualizado ativi-
dades diversificadas. As intervenções são elaboradas para diminuir os
conflitos e tentar mantê-la estimulada a executar as atividades propostas.
Nesse contexto, as intervenções foram feitas duas vezes a cada
semana, em um total de vinte sessões. Foram utilizados as seguintes fer-
ramentas tecnológicas: os programas pedagógicos Alfafon, Bebelê, o a-
plicativo educativo “Matraquinha” e o vídeo “As letras falam”, que ensi-
na a articular as letras do alfabeto, seu som, associando as letras à pala-

478 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
vras, por meio da música, facilitando o aprendizado do sujeito em estudo,
aproveitando a sua habilidade em decorar letras musicais.

Fonte: www.alfafon.com.br. Fonte: www.googleplay.com.


www.googleplay.com

Fonte: www.youtube.com. Fonte: www.bebele.com.br

É relevante dizer que após as intervenções, foram feitos trabalhos


voltados para a escrita, de acordo com as atividades aplicadas no proces-
proce
so de aprendizagem por meio das ferramentas tecnológicos.
Segundo Fernandes (2010, p. 19), “os grandes objetivos da Edu-Ed
cação são: ensinar a aprender, ensinar a fazer, ensinar a ser, ensinar a
conviver em paz, desenvolver a inteligência e ensinar a transformar in-
formações em conhecimento”. Sendo assim, por meio dos recursos tec- te
nológicos utilizados para atingir esses objetivos, o trabalho
balho foi dirigido
de forma a contextualizar a informação para que o indivíduo pudesse
compreender a aplicação do conhecimento em sua vida diária.
Portanto, pode-se
se inferir que alfabetizar é muito mais que decodi-
decod
ficar e codificar códigos ou signos linguísticos,
icos, isto é, oportuniza a quem
ensina aprender e a quem aprende a ensinar. Nessa troca, percebe-se
percebe en-
riquecimento, crescimento e aperfeiçoamento da aprendizagem.
Sendo assim, a utilização da tecnologia foi fator favorável no pro-
pr
cesso de alfabetização de um
m sujeitoautista, facilitando o seu aprendizado.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 479


3. Considerações finais
O objetivo desse trabalho foi analisar os ganhos no processo de al-
fabetização de um indivíduo com TEA, após implementação de ferra-
mentas tecnológicas como instrumentos de intervenções.
Em análise ao contexto estudado, a aplicação das intervenções por
meio da tecnologia foi favorável ao aprendizado do sujeito com TEA.
Nesse sentido, as ferramentas tecnológicas utilizadas nas inter-
venções, tiveram um papel fundamental no processo de alfabetização do
sujeito em estudo, mediando à aprendizagem.
No decorrer de cada sessão, o sujeito apresentou-se disposto e de-
dicado a fazer as atividades propostas. Atribuímos essa disposição ao uso
da tecnologia no processo interventivo.
Desse modo, as intervenções foram executadas com foco nas de-
mandas que o indivíduo apresentou, devido às características causadas
pelo transtorno, partindo do seu objeto de interesse, com objetivo de al-
cançar o melhor desempenho possível.
O estudo sugere que o uso de ferramentas tecnológicas associadas
às estratégias de repetição, pode tornar as intervenções mais atrativas aos
sujeitos com TEA, em seu processo de alfabetização, trazendo ganhos no
aprendizado e favorecendo um comportamento mais funcional e autôno-
mo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CID-10 Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (ver-
são em português da sigla ICD, do inglês International Statistical Classi-
fication of Diseases and Related Health Problems); Porto Alegre: Art-
Med, 1993.
DSM-V. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais:
DSM-V (American Psychiatric Association – M.I.C. Nascimento et al.,
Trad); 5. ed., Porto Alegre: ArtMed, 2014.
FERNANDES, Maria. Os segredos da alfabetização. 2. ed. São Paulo:
Cortez, 2010.
FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1993.
GAUDERER, Christian. Autismo E Outros Atrasos Do Desenvolvimen-

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to. Guia Prático Para Pais E Profissionais. 2 Ed. Rio De Janeiro: Revin-
ter, 1997.
MELLO, C. M. C.; SGANZERLA, M. A. R. Aplicativo android para
auxiliar no que? p. 231-9, 2013.
OMS: Organização Mundial de Saúde. Classificação de Transtornos
Mentais e de Comportamento – CID-10 (versão em português da sigla
ICD, do inglês International Statistical Classification of Diseases and Re-
lated Health Problems); Porto Alegre: ArtMed, 1993.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 481


OS CONECTIVOS PRONOME RELATIVO “QUE”, PREPOSIÇÃO
E CONJUNÇÃO EM O IDIOMA NACIONAL NA ESCOLA
SECUNDÁRIA (1935), DE ANTENOR NASCENTES
Janaina Fernanda de Oliveira Lopes (UFF)
[email protected]

RESUMO
Antenor Nascentes (1886-1972), filólogo e professor catedrático do colégio Pedro
II, produziu vasta literatura no campo dos estudos linguísticos. A partir de sua experi-
ência na docência, ele sentiu a necessidade de criar um material que auxiliasse o pro-
fessor no ensino do idioma nacional. A partir deste objetivo, surgiu O Idioma Nacional
na Escola Secundária (1935), que versa sobre diversos assuntos, desde como o idioma
nacional é apreendido no lar até mesmo como verificar a aprendizagem dos alunos.
Nesse trabalho, visamos refletir acerca das seguintes classes de palavras: pronome re-
lativo que, preposição e conjunção, na obra de Nascentes. Para tanto, utilizaremos os
procedimentos teórico-metodológicos da Historiografia Linguística.
Palavras-chave:
Conectivos. Antenor Nascentes. Historiografia Linguística.

1. A Historiografia da Linguística
A Historiografia Linguística faz parte das ciências da linguagem.
É um campo de pesquisa que ganhou notoriedade na década de 1970
(BATISTA, 2013) e trabalha de forma interdisciplinar. Para tanto, ela faz
uso de diferentes áreas do saber, como a Sociologia e a Antropologia. Pi-
erre Swiggers define a Historiografia Linguística como:
[...] o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguís-
tico; ela engloba a descrição e a explicação, em termos de fatores intra-
disciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser “positivo”, i.e.
estimulante, ou “negativo”, i.e. inibidores ou desestimulantes), de como o
conhecimento linguístico, ou mais genericamente, o know-how linguístico
foi obtido e implementado. (SWIGGERS, 2010, p. 2)

Deste modo, a Historiografia Linguística estuda o texto em seu


contexto. Ela não pode ser confundida com a história da linguística, pois
o historiógrafo não busca apenas contar uma história, mais do que isso,
ele almeja saber como o conhecimento linguístico foi apreendido, quais
as motivações, quais os fatos históricos colaboraram para que determina-
do pensamento sobre a linguagem permanecesse ou não. É importante
frisar que a HL “desconsidera como absolutamente válidas abordagens
exclusivamente lineares, construídas em torno da noção de progresso e

482 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
acumulação temporal valorativa de saberes [...]” (BATISTA, 2013, p.
26). Portanto, o conhecimento não deve ser visto de forma positivista.
A fim de alcançar esses objetivos, a HL faz uso de princípios, a-
pontados por Konrad Koerner (1996), a saber: contextualização, imanên-
cia e adequação teórica.
No princípio da contextualização, Koerner (1996) diz que se deve
levar em conta o “clima de opinião” do momento em que o objeto de
análise se encontra, ou seja, tudo o que se pensava sobre a linguagem,
quais as teorias linguísticas que estavam em voga e de que modo o pen-
samento linguístico se estabeleceu em relação aos conhecimentos sobre a
linguagem da época.
No princípio da imanência, Koerner (1996) salienta que se deve
buscar o entendimento do texto dentro de sua própria especificidade. As-
sim, objetiva-se uma compreensão filológica, para que ocorra a imanên-
cia do texto, levando em conta que o historiógrafo não deve fazer a análi-
se pautada no conhecimento linguístico da atualidade. Deste modo, deve-
se usar até mesmo a terminologia da época de escritura do texto.
Após o levantamento dos princípios anteriores, parte-se para o
princípio de adequação teórica, em que se busca “introduzir aproxima-
ções modernas do vocabulário técnico e do quadro conceptual apresenta-
do na obra em questão” (KOERNER, 1996, p. 59). Desta forma, o histo-
riógrafo pode fazer não somente aproximações com o pensamento lin-
guístico que dispomos na atualidade, como também de que modo o saber
linguístico do objeto analisado se relaciona com os saberes anteriores a
ele.

2. O Idioma Nacional
O idioma Nacional na Escola Secundária (1935) trata-se de uma
espécie de manual que reflete, sugestiona e orienta o professor do ensino
secundário no ensino da língua nacional. A obra possui caráter pedagógi-
co e o professor Nascentes quase nunca coloca definições a respeito dos
conteúdos, talvez, por se tratar de um material voltado aos professores.
Ele sempre endossa que o docente faça o aluno “sentir” aquilo que a
gramática nomeia.
Esse formato facilitador torna difícil fazer um paralelo dessa obra
com as gramáticas que temos na atualidade, pois não encontramos defi-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 483


nições nem temas divididos em seções. Nascentes aponta os conteúdos e
as séries em que eles devem ser abordados e, por vezes, muda de um as-
sunto para o outro sem um prévio aviso. Esse fato em nada diminui a im-
portância dessa obra para os estudos linguísticos no âmbito da escola, a-
final, a maior preocupação dele é que o aluno possa fazer uso do idioma
que fala.
A obra é prefaciada por Lourenço Filho, que traz uma reflexão
sobre o desenvolvimento da linguagem. No capítulo dois, Nascentes dis-
corre acerca do idioma no lar, de que forma a criança aprende e reproduz
a língua. O pensamento de Nascentes insere-se dentro do comportamento
que veiculava no século XIX e XX, de que a língua passa por uma evolu-
ção. Nascentes é um filólogo, e como tal busca explicar os fatos linguís-
ticos ancorados na sua experiência de estudos da língua na perspectiva
diacrônica, como podemos ver no fragmento a seguir:
Em seu sentido etimológico hipocorístico quer dizer afagador e liga-
se ao verbo grego hypocorízo, falar de modo infantil, divertir uma criança
falando-lhe a linguagem, acariciando-a. Para formar hipocorísticos, muti-
la-se o nome, reduzindo-o às vezes à simples silaba tonica, redobrando-se
as vezes essa silaba ou acrescentando desinências de diminutivo: Zé (Jo-
sé), Zezé (José) e Zezinho (José). (NASCENTES, 1935, p. 24)

Nascentes faz uso do seu conhecimento histórico da língua para


explicar de que modo a criança forma o seu linguajar de forma natural,
mostrando que o jeito que se fala hoje é produto de transformações ocor-
ridas ao longo do tempo.
Segundo a periodização proposta por Cavaliere (2001), Nascentes
encontra-se no período científico (1881-1941), mais especificamente, na
segunda fase do período, denominada “fase legatária”. O período cientí-
fico é pautado nos princípios de Darwin, sendo este defensor de uma
evolução dos seres vivos, de igual modo acontecia nas questões linguísti-
cas. “Surge, enfim, um novo olhar sobre a gramática, em que o objeto, o
fato gramatical, deixa de ser contemplado para ser analisado” (CAVA-
LIERE, 2001, p. 11). Este pensamento se evidencia quando Nascentes,
no capítulo primeiro, discorre acerca do “dialeto brasileiro” (NASCEN-
TES, 1935, p. 13). Neste pequeno capítulo, ele defende a diferença do
português falado no Brasil e o falado em Portugal. Para tanto, ele retoma
Said Ali, dizendo: “As linguas alteram-se com a mudança de meio; e o
nosso modo de falar diverge e há de divergir em muitos pontos, da lin-
guagem lusitana” (NASCENTES, 1935, p. 16 apud ALI, s/a, p. 81). No
capítulo seguinte, Nascentes, através das palavras de Castro Lopes, de-

484 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
monstra as mudanças fisiológicas que as crianças passam para poder
pronunciar, por exemplo, o monossílabo “mãe” (NASCENTES, 1935, p.
20 apud ALVES, s/n, p. 332).

3. Os conectivos
Nascentes faz menção dos conectivos no capítulo X, intitulado
“Analises”. Ao discorrer sobre a análise sintática e a lógica, usando auto-
res para corroborar a ideia de que ambas devem ser estudadas juntas, ele
menciona que “não se pode saber se um que é um conectivo que inicie
uma proposição integrante ou se é o sujeito de uma subordinada adjetiva
sem fazer ao mesmo tempo a analise gramatical” (NASCENTES, 1935,
p. 113). Apesar de Nascentes não trazer a definição sobre o que é o co-
nectivo, podemos perceber, através da citação acima, que, para ele, co-
nectivo é o termo capaz de ligar uma oração à outra.

3.1. Pronome relativo “que”


Ao tratar sobre o pronome relativo “que”, Nascentes traz a mesma
noção que temos hoje. Bechara, em sua obra Moderna Gramática Portu-
guesa, pontua que os pronomes relativos “são os que normalmente se re-
ferem a um termo anterior chamado antecedente” (BECHARA, 2009, p.
171), do mesmo modo já apontava Nascentes.
Nos relativos ensinar a conhecer o antecedente. Habitualmente,
quando se pergunta a uma criança a categoria de um que, ela responde
que é um pronome relativo, pois sabe que o que desempenha em geral es-
ta função. Em seguida, interrogando-se porque é que é pronome relativo,
ou ela se cala ou responde que é porque pode ser substituído por o qual, a
qual, os quais, as quais (os quatro ao mesmo tempo). Isto claramente in-
dica que tal criança não foi acostumada a raciocinar para descobrir o ante-
cedente do que. (NASCENTES, 1935, p. 33-4)

Nascentes parte do princípio de que o aluno deve, primeiramen-


te, conhecer a função do pronome. Se o aprendiz entende o que como an-
tecedente, ele não confundirá com um adjunto adnominal. Temos tam-
bém um exemplo de que o aluno é orientado a substituir um pronome re-
lativo por outros. No entanto, essa ação não permite a compreensão da
função do pronome. Assim, percebemos que a forma com que Nascentes
orienta o professor quanto ao ensinamento deste conectivo preza para o
entendimento e não a sua classificação.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 485


Em toda a obra o autor chama a atenção para o fato de que se deve
evitar decorar, pois, a partir do momento em que há o entendimento do
funcionamento da classe de palavras na análise sintática, o seu uso torna-
se eficaz. É importante frisar que Nascentes (1935, p. 35) sempre orienta
que o professor faça o aluno “sentir” a função sintática de cada classe.
Diz ele: “É preciso educar o aluno a sentir tudo isto, a aprender sem de-
corar paradigmas” (NASCENTES, 1935, p. 34).

3.2. A preposição
A respeito das preposições, Nascentes inicia dizendo que elas fa-
zem parte do grupo das palavras invariáveis (NASCENTES, 1935, p.
35). E, contrariando o que prega em quase toda a sua obra, ele diz que
“há vantagem em mandar decorar a pequena lista das preposições sim-
ples; deste modo, esta categoria fica a coberto de vacilações” (NAS-
CENTES, 1935, p. 35). Outra orientação do autor é que se mostre ao alu-
no que as preposições podem estar contraídas com artigos e outras prepo-
sições. Desta forma, seria mais fácil ensinar ao aluno como se formam a
crase e as locuções prepositivas (NASCENTES, 1935, p. 35-6). Mais
uma vez, Nascentes salienta que é preciso fazer com que o aluno entenda
a função da preposição, para que ele não confunda uma locução preposi-
tiva com um advérbio.
Quando se pergunta o que é depois de, é comum ouvir como resposta
que é um adverbio; confunde-se com o simples depois. Insiste-se no de-
pois de e, não podendo mais dizer que é adverbio, o aluno prefere calar-
se. Os mais inteligentes e preparados é que percebem a locução. (NAS-
CENTES, 1392, p. 36)

A confusão que o aluno apresenta dá-se pelo fato de o discente ser


orientado a decorar listas de palavras sem que ele saiba exatamente que
elas mudam sua função sintática nas proposições, por isso a necessidade
de se fazer análise sintática juntamente com a lógica. Podemos entender
“lógica” como semântica.
Se o aprendiz conseguir perceber que o termo “depois” perdeu a
sua função de advérbio e está conectado à preposição “de”, funcionando
como uma ligação, ele poderá ver que se trata de uma locução prepositi-
va.
Nascentes ainda salienta, quando trata da conjunção, tema do tó-
pico seguinte, que ao se comparar a conjunção com a preposição, a con-
junção possui valor relacional. Vemos, assim, que a preposição está li-

486 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
gando termos, mas que essa conexão pode se dá com menor valor semân-
tico do que a conjunção. Talvez por isso, Nascentes veja proveito em se
decorar as listas de preposições.

3.3. A conjunção
Antenor Nascentes (1935, p. 36) pontua que a conjunção possui
“caráter de palavra relacional, comparado com o da preposição”, indi-
cando, deste modo, que a conjunção coloca uma proposição em contato
com a outra. Mais adiante ele frisa, novamente, que não se deve exigir do
aluno que ele decore as listas de conjunções, mas que o professor indique
as categorias delas (p. 36). O autor diz ainda que se deve fazer o aluno
“sentir a força da conjunção e assim determinar-lhe a classe” (p. 36).
Com isso, Nascentes busca que o aprendiz faça uso da lógica no estudo
da sintaxe. Não basta apenas decorar, é preciso que o aluno perceba a re-
lação que há entre uma sentença e outra, para que possa determinar que
tipo de relação há entre elas. Ele exemplifica da seguinte maneira:
Ex.: Não fui lá porque choveu. Mostra-se que porque choveu indica a ra-
zão, o motivo, a causa pela qual eu não fui lá; por conseguinte, deve ser
uma conjunção causal. (NASCENTES, 1935, p. 36)

Nascentes aponta, assim, que a conjunção é um termo que conecta


um período a outro, e essa relação pode ter diversas finalidades. A con-
junção, portanto, serve para relacionar sentenças completando o sentido
uma da outra.
O autor indica que o ensino do período composto deve ser dado a
partir da segunda série, usando apenas “proposições coordenadas”
(NASCENTES, 1935, p. 114), só depois disso poderá ser feita a “decom-
posição de um período composto por subordinação” (p. 114). A fim de
facilitar o ensino, ele sugere que o professor proceda da seguinte manei-
ra:
Um processo muito pratico consiste em assinalar os conectivos, rela-
cioná-los com os respectivos verbos, abrir parênteses antes dos conectivos
e fechar quando o sentido ficar perfeito; a proposição principal, exterior
aos parênteses, ressaltará naturalmente. (NASCENTES, 1935, p. 114)

Neste trecho, Nascentes não faz um quadro do que seriam os co-


nectivos, apenas diz como demarcar a oração principal e a subordinada.
Com o intuito de facilitar a aprendizagem, o autor apresenta um
esquema que enquadra as proposições em cinco ocorrências:

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 487


1.ª – inexistencia de conectivos (estaremos diante de principal ou de coor-
coo
denada assindetica);
2.ª – existencia de conjunção coordenativa (coordenada sindetica);
3.ª – existencia de conjunção subordinada integrante (subordinada
(subo inte-
grante);
4.ª – existencia de conjunção subordinada não integrante (subordinada
circunstancial);
5.ª – existencia de pronome relativo (subordinada incidente). (NASCEN-
(NASCE
TES, 1935, p. 115)

O esquema apresentado por Nascentes não deixa claro quais as


conjunções pertencem ao grupo das coordenadas e quais pertencem ao
das subordinadas. Talvez isso ocorra pelo fato de que Nascentes defende
em toda a obra o uso da lógica para o estudo da sintaxe, assim, se o aluno
entender a relação entre as proposições poderá
oderá ver se a relação entre as
proposições são de coordenação ou subordinação. É, ainda, importante
frisar que Nascentes dirige O Idioma Nacional na Escola Secundária aos
professores, deste modo, ele não se preocupa se o leitor sabe ou não
quais são os conectivos
nectivos pertencentes às relações que as orações apresen-
aprese
tam.
Outra orientação que Nascentes dá, a fim de simplificar o enten-
ente
dimento do conteúdo por parte dos alunos, é que se evite dizer, nos perí-
per
odos compostos, “coordenada sindética adversativa” (NASCENTES,
(NASCENTE
1935, p. 116). Ele instrui a se dizer apenas “coordenada adversativa” (p.
116), cujo objetivo é a aprendizagem lógica.
Podemos, a partir do exposto anteriormente, montar o seguinte
quadro:

Coordenadas sindética
ética
assindética

Conjunções

Subordinadas integrante
circunstancial
incidente
Quadro 1. Ocorrência de conjunção nas orações

Nascentes fala acerca das conjunções novamente somente no


capítulo XI, nomeado “Meios de aferir a capacidade”. Esta parte da gra-
gr

488 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
mática é incumbida de trazer sugestões de exercícios para cada segmento
do ensino secundário. Para o terceiro ano, Nascentes orienta que o pro-
fessor peça aos alunos que formem um período com as conjunções “po-
rém” e “pois” causal e conclusivo (NASCENTES, 1935, p. 130).

4. Considerações finais
O Idioma Nacional na Escola Secundária atende à necessidade de
vários professores que não dispunham de um material que os auxiliasse
na prática docente. Pelo fato de o manual ser dirigido aos professores, o
autor, Antenor Nascentes, não se preocupa em trazer definições acerca
das classes de palavras aqui abordadas – pronome relativo que, preposi-
ção e conjunção.
Os conectivos aqui mencionados recebem a mesma orientação, se-
rem trabalhados de forma conjunta com a lógica, termo que, na atualida-
de, podemos dizer que se trata da semântica. Outro encaminhamento que
Nascentes preconiza é que o professor não conduza os seus alunos a de-
corar.
No que concerne ao termo “conectivo”, Nascentes trata tanto o
pronome relativo que, a preposição quanto a conjunção como termos que
conectam, que relacionam proposições. A única observação que ele faz é
a respeito da preposição, que, em comparação com a conjunção, ela pos-
sui valor relacional. Por fim, a mesma noção de conectivo e as funções
sintáticas das classes de palavras aqui mencionadas, trazidas por Nascen-
tes, são as mesmas atualmente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA
BATISTA, R. Introdução à Historiografia da Linguística. São Paulo:
Cortez, 2013.
BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. rev. ampl., Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
CAVALIERE, R. Uma proposta de periodização dos estudos linguísticos
no Brasil. In: Alfa. p. 49-69, São Paulo, 2001. Disponível em:
https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4185/3783. Acesso em:
02 de fev. 2019.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 489


KOERNER, K. Questões que persistem na Historiografia Linguística. In:
Quatro Décadas de Historiografia Linguística: estudos selecionados.
Trad. Cristina Altman, Rolf Kemmler et al. Universidade de Trás-Os-Montes
e Alto Douro. 2014.
NASCENTES, A. O Idioma Nacional na Escola Secundária. Editora
Proprietária Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1935.

490 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
OS ENTRAVES AO ACESSO À JUSTIÇA EM DECORRÊNCIA DA
UTILIZAÇÃO DO JURIDIQUÊS
Carlos Henrique Medeiros de Souza (UENF)
[email protected]
Cecilia Candido da Silva (UENF)
[email protected]
Oswaldo Moreira Ferreira (UENF)
[email protected]
Shirlena Campos de Souza Amaral (UENF)
[email protected]

RESUMO
A linguagem jurídica é o principal meio de comunicação entre as partes
processuais que possibilita o estabelecimento do diálogo entre elas, com a finalidade de
conduzir da melhor forma a ação judicial. Contudo, mesmo após inúmeras
campanhas para desburocratização da linguagem jurídica rebuscada, isto é, com
conteúdo repleto de jargões jurídicos, o denominado juridiquês, ainda existem
operadores do direito e membros do Poder Judiciário que fazem uso do emprego
desses jargões em suas peças processuais, proporcionando complexidades e
dificultando assim, o entendimento das partes que desconhecem esse universo, o que
corrobora para o afastamento desse cidadão da ciência da sua própria causa e, por
conseguinte, do pleno acesso à justiça.
Palavras-chave:
Juridiquês. Linguagem. Linguagem Jurídica. Acesso à Justiça.

1. Introdução
A língua, considerada um conjunto de organizado de elementos
(sons e gestos), é o principal meio de comunicação entre os falantes de
qualquer comunidade. Assim sendo, versa em um momento no qual esses
interlocutores estabelecem interações entre si, passando a produzir uma
interação sobre determinado assunto.
Existem muitos estudos acerca da origem da língua e, por
consequência, da linguagem. Acredita-se que a origem da linguagem
surgiu a partir dos gestos, que podiam ser imitados com o fito de
demonstrar uma intenção, ou como forma de externar os gritos
característicos dos seres humanos primitivos. Calvet (2002, p. 18)
salienta que se tratava de uma comunicação gestual e, com o passar dos
anos foram instituídos quatro elementos fônicos: sal, ber, you et roh. Esta

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 491


linguagem inicial era oriunda de uma casta superior da época. Nesse
sentido, a língua estaria ligada ao poder, separando os seres humanos em
classes sociais. No decorrer do tempo, as quatro sílabas mencionadas
sofreram algumas variações, combinando-se uma com as outras e até
mesmo se multiplicando, tudo com o objetivo de dar origem às novas
línguas mundiais.
Em um esclarecimento objetivo, Orlandi (2009, p. 7) proclama
que: “o homem está procurando explicar algo que lhe é próprio e que é
parte necessária de seu mundo e da sua convivência com os outros seres
humanos”.
Petter (2003, p. 12) afirma que, ainda no tempo antes de Cristo, os
gramáticos hindus, durante o século IV, aplicavam os estudos gramaticais
com o escopo de instituir uma língua típica. O fato histórico pode ser
descoberto no século XVIII no ocidente, posteriormente a uma análise
dos modelos produzidos pelos hindus. Ainda nas palavras de Petter
(2003, p. 12), na idade média os modistas julgavam que a base
gramatical da língua era una e universal, e por via de consequência,
ensinava que a gramática possuía regras independentes das próprias
línguas que a realizam.
No decorrer do século XVI, o latim que era conhecido como a
língua universal, base dos livros sagrados, dentre outros, sofreu um
impacto no que diz respeito a popularidade, uma vez que os livros
sagrados passaram a ser traduzidos para outras línguas.
Já nos séculos XVII e XVIII, com base na obra de Petter (2003, p.
12), os estudiosos da gramática deram continuidade às análises, e a
organização da gramática. O surgimento da Grammnaire Gênérale et
Raisonnée de Port Royal, no ano de 1660, serviu como modelo para
muitas outras gramáticas daquela época.
Lyons (1981, p. 219) afirma que durante o século XIX os
estudiosos da linguística tinham a disposição de ser descrente no que diz
respeito à gramática universal oriunda das filosóficas. A fim de melhor
expor sobre o momento, faz-se necessário mencionar a lição de Petter
(2003), a qual diz que:
O interesse pela língua viva acontece no século XIX com o
conhecimento de um número maior de línguas pelo estudo comparativo
dos falares em detrimento de um raciocínio mais abstrato sobre a
linguagem, observado no século anterior. Nesse período se desenvolve um
método histórico, tais métodos, foram importantes para o florescimento

492 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
das gramáticas comparadas e da Lingüística Histórica. (PETTER, 2003, p.
12)

Orlandi (2009, p. 13) apresenta em seus estudos que durante o


século XIX, a personalidade mais significativa foi o alemão Franz Bopp,
que no ano de 1818 publicou sua obra sobre do sistema de conjugação de
sânscrito, que foi comparado à língua grega, latim, persa e por fim a
língua germânica. A referida obra é apontada como sendo o marco da
linguística histórica.
No que diz respeito à análise observou-se que em diversos
períodos, o latim se transformou em outros idiomas, como por exemplo,
francês, espanhol, italiano. E por fim, já no século XX, com o advento
das obras de Ferdinand Saussure, toda a investigação sobre a linguagem
e até mesmo a linguística se tornou um estudo científico reconhecido.
Nas palavras de Saussure, a diferença entre a linguagem, língua e
fala encontra-se no objeto que se é estudado pela Linguística. A língua
pode ser escrita ou falada e dependendo do contexto em que é inserida,
pode ser denominada de jargão, isto é, uma linguagem restrita a
determinado grupo da sociedade, sem meios de compreensão pelas
pessoas externas a esse grupo.
Contudo, a língua é o meio de comunicação eficaz, capaz de
elevar os níveis de compreensão dos interlocutores, sem qualquer
inserção de jargão. Para realçar o conceito de língua, vale trazer à baia o
conceito citado por Cunha e Cintra (1985, p. 1). Nas palavras dos
autores, denomina-se por língua: “O Sistema gramatical pertencente a um
grupo de indivíduos. Meio através do qual uma coletividade se expressa,
concebe o mundo e age sobre ele. É a utilização social da faculdade da
linguagem”.
No que tange à linguagem o linguista Hjelmslev (1975), ressalta
que esta é inerente ao ser humano, versa em algo essencial, para que o
homem pratique todos os atos perante a sociedade.
Compreende-se, então, que a linguagem tem o escopo fazer com
que as pessoas firmem um diálogo de maneira coerente. Nessa linha de
raciocínio, o professor Paulo Nader, explica com clareza ao estabelecer a
conexão entre o direito e a linguagem, conforme se verifica:
A dependência do Direito Positivo à linguagem é tão grande, que se
pode dizer que o seu aperfeiçoamento é também um problema de
aperfeiçoamento de sua estrutura linguística. Como mediadora entre o
poder social e as pessoas, a linguagem dos códigos há de expressar com

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 493


fidelidade os modelos de comportamento a serem seguidos por seus
destinatários. Ela é também um dos fatores que condicionam a eficácia do
Direito. Um texto de lei mal redigido não conduz à interpretação
uniforme. Distorções de linguagem podem levar igualmente a distorções
na aplicação do Direito. (NADER, 1994, p. 272)

Após breve análise construída sobre o contexto histórico da


linguagem e da língua, valendo-se da citação de Paulo Nader a respeito
da dependência do direito em relação à linguagem, pode-se afirmar que,
tanto a língua quanto a linguagem passaram por evoluções com o passar
dos anos, modificando-se para se adequar às necessidades do tempo e do
povo que a falava.
A seguir, será feita uma análise acerca do surgimento da lingua-
gem jurídica no mundo, elencando todo o contexto histórico desde o seu
surgimento até a atualidade, levando-se em consideração o grau de difi-
culdade na interpretação da norma imposta ao cidadão.

2. O jargão jurídico: aplicabilidade excessiva do juridiquês


A linguagem é o recurso utilizado pelas pessoas para se
estabelecer comunicação, seja ela oral ou escrita. Já a linguagem jurídica,
conforme exposto, é o instrumento por meio do qual o advogado inicia a
comunicação entre a parte e o processo judicial, o que faz dela um
instrumento de suma importância no meio jurídico. No entanto, a
linguagem jurídica também é considerada como um jargão, tendo em
vista se tratar de um vocabulário próprio da classe dos operadores do
direito.
Dar-se-á o nome de jargão a toda linguagem técnica que é
utilizada por determinado grupo de profissionais. Nesse diapasão, pode-
se afirmar que todas as profissões possuem seu próprio jargão, o que, por
vezes, torna o diálogo com determinada pessoa externa ao grupo
inacessível no que se refere à compreensão.
O dicionário online de português conceitua o jargão, conforme se
demonstra abaixo:
Jargão é uma terminologia técnica ou dialeto comum a uma atividade
ou grupo específico, comumente usada em grupos profissionais ou socio-
culturais. Por exemplo, para os advogados peticionar significa o que os
leigos conhecem por entrar com a ação ou pedir para o juiz. Pode dizer
que são "gírias" usadas especifica e limitadamente por grupos de profis-
sionais de um mesmo meio: professores, advogados, veterinários, médi-
cos, militares, agentes prisionais, etc. O jargão profissional é um jargão

494 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
caracterizado pela utilização restrita a um círculo profissional, ou seja, um
conjunto de termos específicos usados entre pessoas que compartilham a
mesma profissão. (DICIONÁRIO PORTUGUÊS, 2016)

Cabe salientar que, quando um profissional da área do direito


expõe um discurso jurídico, tem-se que grande parte dos indivíduos que
participam da comunicação não compreende o que foi pronunciado.
Reforçando esse entendimento, Maria José Constantino Petri apresenta
de forma clara como seria a apresentação de um texto com conteúdo
jurídico para pessoas leigas:
Que alguém tente ler para um público não iniciado certos artigos de
lei ou os motivos de uma decisão de justiça, a mensagem corre o risco de
ser recebida como um jargão. Essa impressão não é própria apenas de um
público não instruído, mas também de um auditório culto. Ela deve-se, em
parte, à interposição de certas palavras. (PETRI, 2009, p. 29)

O operador do direito tem a necessidade de conhecer o jargão


jurídico para que seja empregado da melhor maneira, com a finalidade de
ser compreendido. No entanto, quando o profissional não consegue
associar as palavras, na maioria das vezes deixa de ser compreendido
pelas próprias partes envolvidas no processo judicial, bem como por
demais cidadãos externos ao processo.
No Brasil, a legislação vigente utiliza-se de uma série de normas
com linguagem rebuscada. Tal disposição dificulta o entendimento do
cidadão, que é o personagem principal na disposição das normas. Por
vezes, o indivíduo não compreende se pode ou não praticar determinado
ato.
Andrade (2007) trouxe com prioridade em sua tese de doutorado o
verdadeiro entrave que o juridiquês causa nas ações, em que as partes
não conseguem compreender o que foi estipulado, tendo em vista a falta
de clareza na sua formalização, como se nota:
(...) traz prejuízo à comunicação, já que ele gera a quebra do
contrato de comunicação, ou seja, com o excesso de formalidade, faz
com que as partes do contrato de comunicação não compreendam e não
se integram ao sentindo e o entendimento que é fundamental para a
efetiva comunicação entre elas. (ANDRADE, 2007, p. 30)

Nesse diapasão, a linguagem truncada, de difícil compreensão


pelas partes, e por vezes para os prórpios operadores do direito, vem
sendo objeto de pesquisa e alvo de críticas dos estudiosos, que
reinvidicam por uma linguagem acessível a todos, conforme menciona
José Carlos Barbosa Moreira:

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 495


Bem se sabe quão difícil de atingir é o ideal de que as peças judiciais
sejam azadas em linguagem acessível à gente comum. A técnica tem
suas exigências legítimas. Entre o respeito destas e o culto do
hermetismo, porém, medeia um oceano. Há petições, sentenças,
pareceres, acórdãos que se diriam redigidos com a intenção precípua de
que nenhum outro ser humano consiga entendê-los. A gravidade do
fenômeno sobe de ponto quando se cuida de decisões, que vão influir de
maneira concreta na vida dos jurisdicionados. (MOREIRA, 2007, p. 4)

O juridiquês gera a falta de compreensão dos integrantes do


processo, e também uma maior morosidade no desenrolar do processo, o
que fere princípios constitucional da duração razoável do processo. Para
aclarar o acima exposto, vejamos o que diz o juiz federal Novély
Vilanova (Apud ALVARENGA, 2005), no que diz respeito a linguagem
empregada pelos magistrados:
O rebuscamento da linguagem acaba contribuindo não só para o
distanciamento entre a sociedade e o Poder Judiciário, mas também para o
morosidade, pois é comum um advogado pedir esclarecimento ao juiz, o
que acaba por retardar o andamento do processo. (NOVÉLY VILANOVA
apud ALVARENGA, 2005)

Nessa direção existem muitas campanhas com o objetivo de


aprimorar a prestação da assistência jurisdicional para os cidadãos e, por
via de consequência, conceder a todos o amplo acesso à justiça.
Ato contínuo, pode-se afirmar que o “juridiquês” é todo emprego
exagerado do jargão jurídico em peças processuais e em discursos, isto é,
a utilização de um vocabulário incompreensível para as pessoas externas
ao mundo jurídico e, por vezes, para os próprios juristas.
No ano de 2005, na elaboração de sua exposição oral no
lançamento da campanha nacional pela simplificação da linguagem
jurídica, o desembargador Rodrigo Collaço, à época presidente da
Associação dos Magistrados Brasileiros – (AMB) inseriu um texto
truncado, de difícil interpretação. Ao iniciar sua fala, o desembargador
propôs que a linguagem utilizada pelos operadores do direito fosse
simplificada e no decorrer do discurso proferiu o seguinte discurso:
O vetusto vernáculo manejado no âmbito dos Excelsos Pretórios,
inaugurado a partir da peça ab ovo, contaminando as súplicas do petitório,
não repercute na cognoscência dos freqüentadores do átrio forense. Ad
excepcionem o instrumento do Remédio Heróico e o Jus Laboralis, onde
o jus postulandi sobeja em beneplácito do paciente e do obreiro.
Hodiernamente, no mesmo diapasão, elencam-se os empreendimentos in
Judicium Specialis, curiosamente primando pelo rebuscamento, ao revés
do perseguido em sua prima gênese. (COLLAÇO, 2005)

496 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
A ideia da campanha foi de tornar o processo judicial mais célere
e acessível ao cidadão que pleiteia seus direitos. De outro lado, a
simplificação também abarcar a elaboração das leis, transparecendo a
todos, sua finalidade. Donizetti (2016), menciona a publicação do
Regulamento 737 do ano de 1.850, como se vê:
Somente no ano de 1850 foi editado um Regulamento para disciplinar
o processo comercial. O chamado Regulamento 737 não trouxe grandes
inovações legislativas, mas a sua linguagem mais clara e precisa
permitiu uma melhor compreensão das regras processuais.
(DONIZETTI, 2016, p. 71) (Grifo nosso)

A linguagem utilizada pelo jurista deve ser técnica, mas de forma


a esclarecer para os destinatários seu real sentido.
A seguir, uma breve análise as primeiras noções e princípios do
Juizado Especial Cível, para que seja iniciada a discussão acerca do tema
da presente pesquisa.

3. Acesso à justiça e os princípios constitucionais


O acesso à justiça, previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição
Federal, constitui garantia fundamental de todo cidadão e é um dever do
Estado, o qual deverá promover ações ou medidas que objetivem a
constante implementação de tal direito. Por meio da garantia
constitucional do acesso à justiça, resta claro o objetivo do Estado
perante à sociedade a efetivação de tal garantia, ou seja, o dever de
julgar, no âmbito administrativo e jurisdicional, as demandas que
envolvam lesões ou ameaças a qualquer direito.
Nesse sentido, Cappelletti e Garth (1988) sustentam que:
O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito
fundamental — o mais básico dos direitos humanos — de um sistema
jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas
proclamar os direitos de todos. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12)

Insta salientar, ademais, que o direito ao acesso à justiça comporta


um conteúdo mais vasto do que o próprio acesso do cidadão ao poder
judiciário. O direito deve cativar, além da execução das leis, a realidade
social, efetivando a justiça. Nas palavras de Watanabea:
Há que se preocupar, outrossim, com o direito substancial, que, sobre
ser ajustado à realidade social, deve ser interpretado e aplicado de modo
correto. Já se disse alhures que, para a aplicação de um direito substancial
discriminatório e injusto, melhor seria dificultar o acesso à Justiça, pois

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 497


assim se evitaria o cometimento de dupla injustiça. (WATANABE, 1988,
p. 128)

No que diz respeito aos princípios constitucionais, ressalta-se que


são valores expressos implícita ou explicitamente na Carta Magna de um
país, e servem como sustentação e amparo para a construção de
parâmetros norteadores na aplicação das normas.
Dessa feita, impende destacar que os princípios constitucionais
fundamentais são imprescindíveis à consumação da justiça em favor do
tutelado pela jurisdição e dos envolvidos nas ações. Outrossim, relevante
dizer que os princípios disciplinados como fundamentais são aqueles que
revelam os valores preservados pela sociedade e a verdadeira
sistematização dos ideais do Estado democrático de direito.
A respeito do inciso XXXV66, do artigo 5º da Constituição, Didier
Junior (2002) diz o seguinte:
Trata-se, o dispositivo, da consagração, em sede constitucional, do
direito fundamental de ação, de acesso ao Poder Judiciário, sem peias,
condicionamentos ou quejandos, conquista histórica que surgiu a partir do
momento em que, estando proibida a autotutela privada, assumiu o Estado
o monopólio da jurisdição. Ao criar um direito, estabelece-se o dever –
que é do Estado: prestar jurisdição. Ação e jurisdição são institutos que
nasceram um para o outro. (DIDIER JUNIOR, 2002, p. 23)

Diante disso, tem-se que o acesso à justiça, como direito


fundamental, cria uma obrigação ao Estado de fornecer a todo cidadão o
direito de sanar suas demandas pelas vias corretas, inclusive impondo a
proibição de qualquer indivíduo fazer justiça com as próprias mãos.
Neste sentido, Wambier citado por Bacellar (2003) ensina:
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, segundo o
qual todos têm direito de ver apreciada pelo Poder Judiciário lesão ou
ameaça de lesão a direito seu, não pode mais ser entendido pura e
simplesmente como o direito da parte a uma sentença de mérito transitada
em julgado (ainda que ineficaz, e somente depois de um processo moroso
e caro...). O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional deve
ser entendido, à luz dos valores dos nossos dias, em que se quer um
processo de resultados, como inspirador da regra de que todos têm o
direito a uma tutela efetiva e eficaz. (WAMBIER apud BACELLAR,
2003, p. 70)

66
Art., 5° [omissis]. XXXV. A lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito.

498 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Dito isso, entende-se que o acesso à justiça é um mecanismo
social, no qual todo cidadão tem o direito de resolver sua pendência
jurídica por meio de uma decisão judicial ou administrativa.

4. O jargão jurídico como entrave ao acesso à justiça


Primeiramente, importante dizer que é por meio da linguagem que
o ser humano age e interage com o seu par. No mais, outro fator
importante diz a respeito ao seu meio de estudo, isto é, não se pode
estudar a linguagem e não estudar a sociedade que a fala. Portanto,
partindo dessa premissa, deve-se observar a realidade social, eis que é
forte influenciadora na inteiração entre os falantes desta sociedade.
Nas palavras de Bakhtin (2002, p. 112), define que o diálogo
verbal, por sua vez, concretiza a veracidade ou realidade fundamental da
língua, sendo de sua natureza social, sempre considerar esse aspecto.
Bakhtin (2002, p. 133), ainda, diz que toda palavra possui duas faces,
como uma ponte que as interliga: “A palavra é uma espécie de ponte
lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa
extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o
território comum do locutor e do interlocutor”.
O discurso jurídico, por sua vez, é considerado uma composição
dualista baseada numa vinculação hierárquica e com um imenso
autoritarismo. Para alguns a fala de um magistrado tem mais força, pois é
ele quem “resolve” o processo, sendo assim, o autoritarismo do juiz se
sobrepõe ao do advogado, conforme bem explica Orlandi (2001):
Como nossa sociedade é construída por relações hierarquizadas, são
relações de força, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se
fazem valer na ‘comunicação’. A fala de um juiz vale (significa) mais do
que a do advogado. (ORLANDI, 2001, p. 32-33)

Partindo do exposto acima, pode-se afirmar que o “juridiquês” faz


parte deste contexto, no qual se cria uma hierarquia entre os falantes.
Durante o diálogo jurídico, os operadores do direito não se fazem
entender, pois utilizam uma linguagem incompreensível a terceiros.
Ao cidadão comum é dado o direito de se dirigir ao Estado-juiz,
conforme o limite legal para pleitear do art. 3º67, isto é, a competência é

67
Art. 3º – O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julga-
mento das causas de menor complexidade, assim, consideradas: I – as causas cujo valor

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 499


limitada, a fim de que não sejam julgadas quaisquer ações no Juizado
Especial Cível.
Todavia, o que se deve observar é o jargão empregado nesta
justiça, haja vista que uma de suas funções sociais é proporcionar o
acesso aos cidadãos às ações de menor complexidade, sem que haja
maiores entraves, até mesmo para que os princípios do contraditório e da
ampla defesa sejam respeitados.
Insta salientar que, no procedimento dos Juizados Especiais
Cíveis, a linguagem simples deve ser aplicada desde o ato inicial do
processo até o ato final, conforme determina o § 1°, do art. 14, da Lei
9.099/95: “Art. 14 O processo instaurar-se-á com a apresentação do
pedido, escrito ou oral, à Secretaria do Juizado. § 1° Do pedido
constarão, de forma simples e em linguagem acessível” (BRASIL,
1995) (Grifo nosso).
A partir do dispositivo legal acima se chega à concepção do
princípio da simplicidade, que se funde com novos entendimentos sobre
o acesso à justiça. No mais, visando à adequação da linguagem jurídica
na interlocução das partes processuais, o poder judiciário vem exercendo
uma árdua tarefa de atuar em favor da simplicidade, da informalidade ou
até mesmo da celeridade processual, o que pode ser exemplificado por
meio do art. 473 do Novo Código de Processo Civil, publicado no ano de
2015, que determina uma linguagem simples na elaboração dos laudos
periciais, conforme se verifica:
Art. 473. O laudo pericial deverá conter:
(...)
§ 1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em
linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou
suas conclusões. (BRASIL, 2015) (Grifo nosso)

Percebe-se que o direito contemporâneo tem buscado a


simplicidade tanto na formulação da legislação quanto na aplicabilidade
dos atos judiciais, o que proporciona ao jurisdicionado uma maior
compreensão.
Por outra via, Machado (2007) diz que:

não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; II – as enumeradas no art. 275, inciso II,
do Código de Processo Civil; III – a ação de despejo para uso próprio; IV – as ações pos-
sessórias sore bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.

500 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
A exigência de emprego da língua portuguesa em todos os atos
processuais não significa que os juízes [...] estejam proibidos de referir
textualmente artigos de lei e lições doutrinárias, incluindo brocardos, em
língua estrangeira. Tais referências encontram-se incorporados à nossa
tradição forense e não maculam a perfeita inteligibilidade das
manifestações dos sujeitos do processo. (MACHADO, 2007, p. 154)

Na contramão de todo exposto até o presente momento, tem a


doutrina publicada pelo escritor Antônio Cláudio da Costa Machado.
Entretanto, o universo jurídico está focado no objetivo de simplificar a
linguagem jurídica empregada de maneira tanto oral quanto escrita.
Analisando detidamente o assunto, entende-se que, quando o
mundo jurídico fica sem os atributos da clareza e assertividade, ele se
perde na soberba, negando, por via de consequência, o acesso à justiça
pelo cidadão.
Desse modo, percebe-se que a simplificação da linguagem
jurídica é algo real no meio jurídico e que está contribuindo para ampliar
o acesso à justiça do jurisdicionado.

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504 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
OS FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS QUE
INFLUENCIAM O ENSINO DE BIOLOGIA
Aline Peixoto Vilaça Dias (UENF)
[email protected]
Juliete Maganha Silva (UENF)
[email protected]
João Batista da Silva Santos (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]

RESUMO
O ensino de biologia tem valor educativo e informativo, contribuindo para a for-
mação social do aluno. Porém, é uma disciplina que requer bastante atenção no mo-
mento de ser ministrada, já que envolve conceitos abstratos e não muito comum no co-
tidiano dos alunos. Além disso, fatores como escola, comunidade e professores influen-
ciam no ensino. O propósito do presente artigo é apresentar e discutir fatores positivos
e negativos que influenciam o ensino de biologia. Para isso, a metodologia usada é a
pesquisa bibliográfica, embasada em teóricos como Krasilchik (2016), Rangel e Feito-
sa (2015), Schwanke e Cadei (2014), Silva et al. (2010), entre outros. Faz-se necessária
a articulação entre escola, comunidade e alunos, no sentido de eliminar situações ne-
gativas que influenciam o ensino de biologia, favorecendo, assim, o aprendizado signi-
ficativo do educando.
Palavras-chave:
Ensino de biologia. Fatores positivos. Instrumento facilitador.

1. Introdução
As aulas de biologia fornecem informações que permitem ao alu-
no compreender o mundo a sua volta e conhecer seu papel na natureza.
Além disso, o ensino de biologia possibilita o desenvolvimento de com-
petências que leva o aluno a lidar com informações no seu cotidiano,
compreendê-las, questioná-las e até mesmo refutá-las.
Para os alunos o estudo de biologia não deve se limitar apenas a
tirar boas notas na prova ou ser aprovado no vestibular. A biologia deve
ser vista como disciplina importante para compreensão da vida, onde a
finalidade de seus conhecimentos seja para fazer uma leitura crítica do
mundo.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 505


Muitas vezes, o educando não é capaz de gostar dos conteúdos
ensinados nas aulas de biologia porque não consegue fazer associação
com o que vivenciam no cotidiano. Conforme seja a forma que os conte-
údos são apresentados, é possível que o estudante não consiga se apro-
priar dos conhecimentos da biologia.
A partir disso, temos como questionamento se o desinteresse pelas
aulas de biologias é em detrimento da falta de interesse do aluno ou da
forma como essa área de conhecimento lhe é apresentada? A justificativa
do trabalho se dá pelo fato do conhecimento biológico ser imprescindível
para a formação do aluno, e assim é preciso que as aulas proporcionem
um conhecimento significativo ao aluno, de forma que ele possa utilizá-
la também fora do ambiente escolar. Portanto, é preciso compreender
quais os elementos que podem estar influenciando o ensino tanto positi-
vamente como negativamente. Os pontos positivos servirão de orientação
ao educadores para proporcionar aulas diversificadas. Já os pontos nega-
tivos identificados não servirão apenas para lamentar a situação, mas ser-
virão de ponto de partida para solucionar a problemática.
Para isso, a pesquisa tem como objetivo apresentar e fazer a dis-
cussão de fatores positivos e negativos que influenciam o ensino de bio-
logia. Sendo assim, o trabalho organiza-se nas seguintes seções: o ensino
de biologia, os fatores que influenciam as aulas de biologia, formas di-
versificadas de abordagem dos conteúdos, conclusões e referências.

2. O ensino de biologia
A palavra biologia é derivada do grego bios, que quer dizer vida e
logos, que significa estudo. Sendo assim, é compreendida como a ciência
que realiza o estudo da vida. A biologia enquanto ciência tem como foco
o estudo de seres vivos, almeja entender os fenômenos, organização e
funcionamento dos seres vivos, evidenciando a relação entre os seres vi-
vos e o meio ambiente (GONZAGA et al., 2016).
O ensino de biologia foi inserido no currículo escolar brasileiro
em 1930, desde então a forma de trabalhar essa área de conhecimento
vem se modificando ao longo dos anos (KRASILCHIK, 2000).
As aulas de ciências biológicas têm como finalidade apresentar ao
aluno a organização da natureza, a biodiversidade, a relação existente en-
tre os diferentes seres vivos e a valorização da vida. Esses conhecimentos
devem colaborar também para a formação do cidadão, sendo que o que é

506 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
aprendido na escola deve ser usado no cotidiano no sentido de tomar de-
cisões (KRASILCHIK, 2016). No que refere-se a forma de ensinar bio-
logia, Silva et al. (2017) discorrem que a escola tem a função de apresen-
tar conteúdos atuais, contextualizados, onde é fundamental a dissemina-
ção de conhecimentos atualizados e coerentes com a sociedade vigente.
Para que realmente o ensino de biologia alcance seus objetivos e
promova uma formação crítica do aluno, Souza Sobrinho (2009) defende
que as aulas devem valorizar o conhecimento que o educando já possui e
devem ser apresentadas experimentações associadas aos conteúdos ensi-
nados. Os autores acrescentam:
(...) ao priorizar, nos fazeres pedagógicos, a interação entre os conheci-
mentos prévios, o questionamento, a experimentação e a pesquisa em sala
de aula, associadas às aulas teóricas, ajudam a promover a reformulação,
a reestruturação e a formação de conceitos pelos alunos, privilegiando o
saber pensar e o aprender a aprender. (SOUZA SOBRINHO, 209, p. 12)

No que concerne ao papel do professor como mediador e facilita-


dor da aprendizagem, Silva et al. (2017) afirmam que é função desse pro-
fissional buscar alternativas para facilitar a compreensão dos conteúdos
por parte dos alunos. E em relação à formação do professor de biologia,
Nascimento et al. (2015) afirmam que essa deve ser embasada no saber o
conteúdo e saber aplicá-lo ao aluno. Porém, existem alguns dilemas que
os docentes enfrentam em sua prática que ultrapassam a sala de aula,
como a desvalorização e a falta de credibilidade, e isso resulta em prejuí-
zos à sua práxis.

3. Os fatores que influenciam as aulas de biologia


Um mesmo fator, dependendo da forma como se organiza, pode
tanto proporcionar um ensino de qualidade, como também um ensino
desmotivador e desinteressante para o educando. Os fatores podem ser
provenientes da escola, das pessoas envolvidas no processo educacional
como professores, pais ou responsáveis, e até mesmo os próprios alunos
(KRASILCHIK, 2016).
Para Ferreira (2017), a dificuldade na prática docente pode recair
sobre o fato de a carga horária ser insuficiente para ministrar as aulas da
disciplina, na grande quantidade de alunos por turmas, na falta de labora-
tórios ou até mesmo na falta de sala de vídeo devidamente equipada. Po-
rém, apesar das dificuldades que podem ser encontradas, o papel do pro-
fessor de biologia é essencial por apresentar grande contribuição na for-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 507


mação do aluno. Sendo uma disciplina que deve despertar e impulsionar
a curiosidade, Nascimento et al. (2015) consideram que a atuação desse
profissional não limita-se ao domínio do conteúdo nessa área de conhe-
cimento. É preciso ir além, ensinar o conteúdo no sentido de promover a
formação cidadã do aluno.
As escolas contemporâneas têm apresentado obrigações além de
ensinar a escrita, leitura e conceitos de diferentes áreas do conhecimento.
Em decorrência dos desafios atuais, a função da escola também é de
contribuir com a formação social, com o desenvolvimento profissional e
pessoal de seus alunos (MEDEIROS et al., 2017). Quando abordamos o
fator escola no sentido de formação social, verificamos sua função sobre
a compreensão de Rangel e Feitosa (2015) que afirmam que esse espaço
é local que predomina o desejo promover a mudança social. Porém, é
preciso que apresente uma infraestrutura que possa propiciar um ensino
de qualidade e, assim, promover o desenvolvimento do educando.
No que refere-se ao ensino de biologia, a escola enquanto estrutu-
ra física tem papel importante no aprendizado dos educandos. Schwanke
e Cadei (2014) acreditam que a falta de laboratórios, a falta de recursos
materiais como reagentes, vidrarias e equipamentos essenciais para a a-
plicação de aulas práticas dificultam a integração entre o conteúdo de bi-
ologia e os alunos. Para Medeiros et al. (2017) o uso de aulas práticas
nos laboratórios são atividades que podem ser utilizadas pelo professor
como forma de diversificar as aulas e estimular o desenvolvimento de
competências dos estudantes, dessa forma facilitar a aprendizagem da bi-
ologia. Esse tipo de atividade permite ao educando “a aproximação de
vivências e experiências sociais, estimulando a análise e as indagações e,
não menos importante, o trabalho em equipe” (MEDEIROS et al., 2017,
p. 354). Sendo assim, escolas que não possuem instalações ou materiais
para proporcionar aulas práticas podem limitar a aprendizagem dos alu-
nos e, consequentemente, limitar o seu desenvolvimento crítico e social.
Sobre as aulas práticas, Costas e Batista (2017) entendem que sua
função vai além de estimular a aprendizagem, tem como função despertar
a curiosidade e o questionamento dos alunos. E ainda, como na perspec-
tiva de Tardif (2002), as aulas práticas não são apenas compromisso do
professor, mas também da escola. Logo, faz-se necessário a escola possu-
ir locais e materiais para que essa atividade seja devidamente desenvol-
vida. Sendo, então, as aulas práticas indispensáveis para a construção do
conhecimentos dos alunos , torna-se imprescindível que elas sejam real-

508 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
mente eficazes através de bons planejamentos e objetivos a serem alcan-
çados pelos alunos (SCHWANKE; CADEI, 2014).
Quanto ao professor, sua prática também pode influenciar tanto
positivamente quanto negativamente as aulas de biologia. Quando se fala
no professor e sua prática docente, Abreu e Masetto (1990, p. 115) afir-
mam que sua forma de agir durante as aulas influenciam no processo en-
sino aprendizagem, a sua atuação na sala de aula “reflete valores e pa-
drões da sociedade”. A relação entre educador e educando é um dos prin-
cipais elementos que influenciam no processo ensino aprendizagem, isso
porque a aprendizagem do aluno é resultante também da forma com que
o professor apresenta o conteúdo e ministra as aulas. Quando o professor
não é capaz de apresentar um ensino eficaz resulta-se na aprendizagem
fragmentada do aluno.
Ao reconhecer a função do professor no processo educativo, Mar-
tins (2009) destaca que ele tem papel central. Não é ele apenas um expo-
sitor de conhecimentos e de conteúdos pré-estabelecidos pelos currículos,
mas sim sujeito que estabelece suas práticas de acordo com as necessida-
des dos alunos, almejando a transformação social. Tardif et al. (1991)
também ratificam a atribuição sobre os docentes ao mencionar que:
(...) a relação dos docentes com os saberes não se reduz a uma função de
transmissão dos conhecimentos já constituídos, pois sua prática integra di-
ferente saberes, com os quais o corpo docente mantém diferentes relações.
(TARDIF et al. (1991, p. 218)

Neste sentido, Schwanke e Cadei (2014) afirmam que existem di-


versas alternativas de ensino que podem promover resultados satisfató-
rios nas aulas de biologia. O docente poderá proporcionar aulas onde os
alunos possam participar ativamente, onde seus saberes possam ser valo-
rizados, complementados e contextualizados.

4. Formas diversificadas de abordagem dos conteúdos


Ensinar biologia não deve restringir-se a aulas expositivas e livros
didáticos. Para Schwanke e Cadei (2014) o ensino-aprendizagem dessa
disciplina podem ultrapassar os limites da sala de aula. Porém, essa práti-
ca ainda não é comum, pois muitos professores não valorizam atividades
que contribuem para isso. Pedroso (2009) conjectura que a implantação
de atividades diversificadas possa romper com as dificuldades de apren-
dizagem dos alunos.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 509


O local de trabalho do professor não se limita ao arranjo de mesas
e cadeiras ocupando o mesmo espaço. Krasilchik (2016) acredita que em
qualquer local onde o professor de biologia exerça suas atividade, o am-
biente é capaz de proporcionar aos alunos elementos de transmissão de
ideias e de construção de conhecimento. A autora evidencia que:
Embora escola e laboratório ainda sejam os ambientes onde transcor-
re a maior parte das atividades de um curso de biologia, este não atingirá
todos os seus objetivos se não forem também incluídas atividades fora da
escola, em contato direto com a realidade, pois quanto mais as experiên-
cias educativas se assemelham às futuras situações em que os alunos de-
verão aplicar seus conhecimentos, mais fácil se tornará a transferência do
aprendizado. (KRASILCHIK, 2016, p. 133)

As atividades de campos como visitas a praias, mangues, florestas


são indispensáveis para a formação dos alunos. Nessas atividades os es-
tudantes podem entrar em contato com o que lhe foi ensinado na teoria e
com isso fortalecer seu aprendizado significativo. Segundo Schwanke e
Cadei (2014), atividades fora da escola proporcionam ao aluno o estímu-
lo a habilidades como observação, organização, trocas de conhecimentos
e um aprendizado mais prazeroso do que o que acontece nas aulas cotidi-
anas. Sendo importante que esse tipo de atividade não seja confundida
com passeio recreativo. Além disso, como Silva et al. (2010) destacam,
as atividades de campo promovem a articulação entre teoria e prática,
proporcionando ao educando analisar o que lhe foi ensinado na sala de
aula.
Para as atividades de campo, Schwanke e Cadei (2014) apontam
que para terem como finalidade a aprendizagem do educando, é preciso
que o professor realize as seguintes etapas: planejamento, desenvolvi-
mento, sistematização (apresentação dos resultados) e avaliação. Onde o
planejamento, de acordo com os autores, deve ser realizado em coopera-
ção com os educandos, professores e demais profissionais da escola co-
mo inspetores e coordenadores. Nessa etapa, deverão ser decididos os ob-
jetivos a serem trabalhados, local da visita, horário de saída e chegada,
transporte, etc. Sobre o desenvolvimento, esse acontece durante o traba-
lho de campo. Nesse momento o professor deve se ater a todos os deta-
lhes, buscando não somente alcançar os objetivos já traçados, mas tam-
bém aproveitar de situações não planejadas, como aparecimento de ani-
mais e chuva, por exemplo. A sistematização consiste em apresentação
do que foi visto e registrado durante a saída de campo. Neste trabalho, o
aluno deve apresentar o que foi observado; além disso, pode acrescentar
dados da bibliografia para enriquecer seu trabalho. E por fim, acontece a

510 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
etapa de avaliação, que envolve uma análise por completa da atividade,
desde cumprimento de horários de saída até a realização de atividades
por parte dos alunos. Os autores consideram que a solicitação de relató-
rios para os alunos como sendo instrumentos comuns nesse tipo de ativi-
dade, porém, nem sempre é bem aceito pelos educandos. Por isso, eles
sugerem como forma de avaliação, que o professor deva propor seminá-
rios, discussões e construção de murais, por exemplo.
Assim, Krasilchik (2016, p. 133) completa que as aulas fora da
escola promovem a inclusão da análise “das implicações sociais do de-
senvolvimento da ciência e da tecnologia” é essencial que os educandos
tenham contato com a comunidade que vivem, observem sua organiza-
ção, as alterações de origens antrópicas.
Outra alternativa para proporcionar um ensino de biologia diversi-
ficado é por intermédio de jogos didáticos. Esse tipo de atividade favore-
ce a aprendizagem do educando, tornando os conteúdos mais atrativos e
interessantes (SCHWANKE e CADEI, 2014). Kishimoto (1994) concor-
da que os jogos colaboram para o aprendizado dos alunos, mas ressalta
que o ensino realizado apenas por meio de jogos, não é suficiente, pois
levaria o aluno a um mundo ilusório. Porém, a inserção do jogo como
complemento escolar leva o aluno a reflexão, a descoberta de novos co-
nhecimentos. Os jogos quando aplicados como atividade que “visam um
plano específico e são propostos em gradativos níveis de dificuldade”,
são capazes de auxiliar na fixação dos conteúdos (ANTUNES, 2000, p.
140).
Sobre tal importância, Pedroso (2009) completa que atividades
lúdicas como jogos didáticos são fundamentais para promover uma rela-
ção entre o professor, o educando e o conhecimento. Segundo as Orien-
tações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006):
(...) o jogo oferece o estímulo e o ambiente propícios que favorecem o de-
senvolvimento espontâneo e criativo dos alunos e permite ao professor
ampliar seu conhecimento de técnicas ativas de ensino, desenvolver capa-
cidades pessoais e profissionais para estimular nos alunos a capacidade de
comunicação e expressão, mostrando-lhes uma nova maneira, lúdica, pra-
zerosa e participativa de relacionar-se com o conteúdo escolar, levando a
uma maior apropriação dos conhecimentos envolvidos. (BRASIL, 2006,
p. 28)

Na compreensão de Garcia e Nascimento (2017) mais importante


do que ser estabelecido por documentos oficiais a importância dos jogos
para o desenvolvimento do educando, é preciso que os docentes conhe-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 511


çam os recursos e apliquem atividades que facilitem a aprendizagem do
educando.

5. Considerações finais
O estudo realizado proporcionou um aprofundamento sobre os fa-
tores que influenciam o ensino de biologia. Foi visto que situações como
falta de laboratórios ou material para aulas práticas e, até mesmo, turmas
com muitos alunos podem prejudicar o ensino. Além disso, a forma co-
mo o professor apresenta os conteúdos pode determinar o aprendizado
dos alunos.
O ensino de biologia pode ocorrer não apenas por meios de aulas
expositivas dentro de salas de aulas. Existem alternativas diversificadas e
atrativas para os alunos onde os conteúdos dessa área de conhecimento
podem ser ensinados. Uma alternativa de tornar as aulas diversificadas é
organizar uma saída de campo, para isso é preciso que ocorra planeja-
mento e que o professor busque alcançar objetivos. Visto que levar os a-
lunos para uma atividade fora da escola deve ter como intenção promo-
ver o conhecimento. O professor também pode utilizar jogos didáticos
para mudar a rotina das aulas, mas sem prejudicar o aprendizado dos alu-
nos. Dessa forma, os conteúdos serão assimilados com maior facilidade
pelos educandos.

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514 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
PROCESSO DE APRENDIZAGEM: O FRACASSO ESCOLAR NO
PROCESSO DE ENSINO–APRENDIZAGEM SOB O OLHAR
PSICOPEDAGÓGICO E INTERDISCIPLINAR
Fernanda Rodrigues Guedes Gomes (UENF)
[email protected]

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo abordar o processo de aprendizagem sob a ótica
psicopedagógica e interdisciplinar de forma a analisar o fracasso escolar no percurso
do processo ensino–aprendizagem pelo docente, discente e instituição escolar. O ato de
mediar o ensino implica não somente em distribuir informações, mas saber como as
mesmas serão assimiladas pelos alunos. Dentre tantas responsabilidades que recaem
sobre a figura do professor, a mais importante é a consciência que sua classe é literal-
mente heterogênea, não somente adstrita a classes sociais, credos, culturas, mas que
cada aluno que compõe o universo acadêmico é único. Seu processamento cognitivo é
singular. Faz-se necessário na bagagem do conhecimento docente não somente as ba-
ses pedagógicas que incluem a metodologia, didática, conhecimentos exatos das disci-
plinas, PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), Diretrizes Curriculares Nacionais,
Referencial Curricular Nacional e Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Institu-
ições de Educação Infantil, mas incluir no seu currículo e formação continuada con-
ceitos, teorias, noções sobre a implicação da Psicopedagogia como estudo direcionador
para dirimir conflitos e compreensão de ações atípicas como também o caráter inter-
disciplinar que a orienta. O presente estudo adotou como metodologia a revisão de li-
teratura e a natureza qualitativa, por meio de um levantamento bibliográfico de auto-
res conceituados como: Bossa, Lent; Cosenza; Sampaio e Freitas; Relvas; Rafael S.
Pereira; Freire; Rotta, Ohlweller e Riesgo; Pantano e Zorzi entre outros. Fez-se refle-
xões sobre o processo individual da construção do conhecimento, assimilação e poten-
cialidade de aprender. Dessa forma, pretende-se demonstrar nesse trabalho a impor-
tância do papel da Psicopedagogia e a sua interdisciplinaridade, a fim de compreender
a estrutura orgânica, biológica e social que comprometem o desenvolvimento no pro-
cesso de ensino–aprendizagem.
Palavras-chave:
Aprendizado. Fracasso. Interdisciplinaridade. Psicopedagogia.

1. Introdução
A expressão “professor” é de origem latina – professus – que de-
signa a “pessoa que declara em público”, “aquele que afirmou publica-
mente”. Mas, quem é o público do professor que ouve sua declara-
ção/afirmação revestida de autoridade e supremacia? Que enunciados são
esses proferidos que se apresentam como irrefutáveis? Nesse ato de de-
clarar, há o dever de ensinar. Procedimentos institucionalizados ou não
poderão ser utilizados, mas deverão ser capazes de propor e compor co-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 515


nhecimentos para um desenvolvimento social, cultural, cidadão e autô-
nomo.
Ao retomar a pergunta, “quem é o público do professor?” Identifi-
camos a classe composta por indivíduos heterogêneos, com traços parti-
culares e saberes peculiares. O processo de aprendizagem é um caminho
particular que cada aluno irá construir sua trajetória personalizada. Nesse
processo ao professor caberá a mediação das informações e como o aluno
irá agir e reagir na construção do seu conhecimento. Deverá ter a consci-
ência de que somente conteúdos pedagógicos constituídos durante sua
formação acadêmica não serão suficientes para proporcionar um processo
de aprendizagem eficaz.
O processo de aprender estabelece uma relação entre o professor e
o aluno. Esta por sua vez, será fundamentada na afetividade e na compe-
tência sobre os conteúdos, métodos pedagógicos pertinentes e consciên-
cia que está diante de um organismo complexo com atividades cerebrais
que propiciam seu desenvolvimento cognitivo. Para a compreensão de
como o aluno ajusta sua engrenagem biológica e cognitiva faz-se neces-
sário por parte do docente a compreensão do estudo da Psicopedagogia e
sua relação com outras ciências para melhor entender e promover um en-
sino construtivo. É de suma importância trazer para sala de aula os con-
ceitos, teorias e fundamentos que versam sobre a aprendizagem e como o
sujeito aluno se posta diante as informações lançadas em sua direção.
São ferramentas agregadoras ou armas contra si mesmo?
Weiss (2016) indica o fracasso escolar como uma resposta insufi-
ciente do aluno a uma exigência ou demanda da escola. Propõe uma aná-
lise sob a ótica de três vertentes: a da sociedade, da escola e do aluno,
cada uma tem sua singularidade e comprometimento no processo educa-
cional. Além disso, é importante ressaltar que o educador traga consigo o
prazer, a satisfação em ensinar para que o aluno descubra o prazer de a-
prender. Verifica-se que o aluno é exposto a dois medos conforme Pi-
chon-Rivière: o “medo à perda” e o “medo ao ataque”:
O sentimento de “medo à perda” surge quando se teme perder o equi-
líbrio emocional obtido com a segurança que possui no domínio dos co-
nhecimentos anteriores, já integrados. O “medo ao ataque” acontece
quando não se sente devidamente instrumentado na situação nova que está
vivendo. Esses dois “medos” coexistem sempre; entretanto, não devem
chegar a um ponto tal que atrapalhe a mudança de conduta que vai carac-
terizar o domínio, a integração do que é novo, ou seja, a verdadeira a-
prendizagem do aluno em sala de aula. (PICHON-RIVIÈRE, 1982 apud
WEISS, 2016, p. 23)

516 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Ao professor caberá conhecer e aplicar ações eficazes para o de-
senvolvimento do processo de ensino-aprendizagem de forma a fomentar
o cérebro que dará todas as coordenadas necessárias para sua evolução
emocional e cognitiva. Segundo Topczewski (2002 apud SAMPAIO;
FREITAS, 2014, p. 17), o conceito de aprendizagem/racionalidade/pen-
samento abstrato traz consigo a marca digital da capacidade dos indiví-
duos de percepção, conhecimento, compreensão e retenção das informa-
ções obtidas na memória. Segundo Morin (1996 apud SAMPAIO;
FREITAS, 2014, p. 17), essa por sua vez, se consolida no cérebro, órgão
fundamental para o estabelecimento da cognição, controlador de todos os
estímulos sensitivos que comporão a inteligência, memória, raciocínio e
imaginação.
Diante do exposto, faz-se necessário o professor conhecer os ca-
minhos percorridos pelo discente em sua estrutura neurobiológica. Os
fundamentos neurocientíficos identificarão nas dificuldades de aprendi-
zagem que a atenção, memória, emoção/afetividade, funções executi-
vas/autorregulação comporão a base imprescindível para a construção do
conhecimento e potencialização das habilidades do sujeito aprendente.
Serão ferramentas agregadoras nos planos de aula e ações construtivistas
em sua classe. A Psicopedagogia tem como objetivo compreender como
que o sujeito aprende, quais ações a criança, adolescente ou adulto utili-
zam para compor seu raciocínio e edificar seu conhecimento. Não há de
se falar em ensino se não perceber e sentir o indivíduo singular que se
encontra a sua frente, pois suas declarações e afirmações não poderão ser
em vão. Nessa trajetória da aprendizagem professor e aprendente reve-
zam seus papéis por meio de trocas de experiências e emoções.

2. O processo de aprendizagem humana


O processo de aprendizagem humana objetiva a conquista do co-
nhecimento e a compreensão do meio em que vivemos: absorver – com-
preender – aprender. Desenvolver a aprendizagem requer estabelecer
vínculos e proporcionar meios eficazes para seu implemento e avanço.
Exige estabelecer intimidade entre o professor, aluno e os objetivos a se-
rem alcançados. O conhecimento somente se consolidará com a sensibi-
lidade e propriedade por parte do educador na condução do processo de
aprendizagem, equilíbrio familiar e fortalecimento das ações autorregu-
ladoras registrados na matriz da personalidade do discente. O professor a
missão de provocar empatia na figura de cada aluno que compõe sua

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 517


classe. Além disso, há de nortear seus passos dentro da individualidade e
personalidade materializada em cada aluno, que traz consigo marcas de
vida, perdas, ganhos, aspectos culturais, sociais, históricos e políticos que
repercutem em seu modo comportamental de ser.
A aprendizagem é um caminho a desvendar as fronteiras do des-
conhecido com uma bagagem social, afetiva, étnica, política, que compõe
a impressão digital de cada indivíduo que constitui a sociedade que está
inserido e que também a constrói. Ao construir o caminho processual do
ensino há de se considerar que os elementos escola, família, aluno e soci-
edade deverão estabelecer um compasso harmônico a fim de edificar no
sujeito aprendente oportunidades concretas para viabilização do seu
construto cognoscente (RELVAS, 2015).
Durante a jornada educacional o ser humano é provocado a deses-
tabilizar-se para poder iniciar seu processo de construção de conhecimen-
to e inteligência, de forma que produzirá ações cerebrais para a assimila-
ção – processo cognitivo que o indivíduo utiliza suas estruturas mentais
não vazias e inicia a sua investigação, capta o ambiente e associa aos es-
quemas presentes em seu cérebro; acomodação – é a modificação de um
esquema intelectual cerebral a fim de proporcionar a assimilação, o indi-
víduo reage sobre o objeto. Assim, quando o ser humano consegue des-
vendar um determinado objeto e acomodá-lo em sua estrutura temos a
chamada – adaptação – que são articulações mentais para conhecer e
modificações para assentamento desse objeto. Assim, a cada adaptação
um novo esquema assimilador e novas acomodações são realizadas de
forma a constituir o chamado processo de equilibração – Teoria Piage-
tiana sobre o processo de inteligência, (PIAGET, 1970).
A cada movimento de aprendizado é natural um desequilíbrio para
atingir o novo equilíbrio do conhecimento. Esse desequilíbrio esperado
pelo organismo para proporcionar uma nova ordem de aprendizado, pre-
cede ao um estado moral, psíquico e físico íntegro, que não estejam so-
frendo turbações e violações em suas estruturas cognitivas e psíquicas.
O processo de ensino–aprendizagem visa tornar o aluno um ser
crítico e pensante ao desenvolver e aflorar potencialidades pré-existentes,
porém adormecidas ou mal desenvolvidas/estimuladas. Para o desenvol-
vimento do processo de aprendizagem faz-se necessário articular elemen-
tos que se posicionarão como elos na formação cognitiva, psíquica e so-
cial na construção desse ser cognoscente, são eles: Educação – ferra-
menta para fazer com que os olhos enxerguem o mundo e as cores da vi-

518 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
da; Sabedoria – domínio do conhecimento para evolução humana; A-
prendizagem – caminho onde professores articulam meios educacionais
aliada à sabedoria para auxiliar a construção do ser aluno; Aluno – cen-
tro/sujeito de todas as aplicações de práticas, técnicas, estímulos, dire-
cionamentos, conteúdos, signos, teorias, intervenções, dentre outras a-
ções; Escola – espaço que proporciona o desenvolvimento das potencia-
lidades e descobertas do aluno, local que possibilita a personificação e
identidade do Ser-Aluno e a Família – que cumpre um papel de grande
relevância, pois abriga toda estabilidade psíquica, material, afetiva e e-
mocional que subsidiará o fortalecimento das ações educacionais (PE-
REIRA, 2015).
As práticas que promovem o processo educativo são considerados
eficazes quando seus elementos interagem entre si formando um sistema
fomentador na produção de conhecimento, de forma que as informações,
dados, signos, a semiótica são pedagogicamente repassados ao aluno. Es-
te por sua vez, por intermédio da atividade racional, estímulo e ferramen-
tas absorve a mensagem transmitida e desenvolve a compreensão daquilo
que está sendo exposto. Mas, quando o processo de aprendizagem é fa-
lho? Quando a compreensão e o desenvolvimento não são concluídos?
Como proceder? Quem ou quais personalidades atuarão? Qual figura irá
contribuir para sanar a ineficiência do processo de aprendizagem?
Com base nas indagações supramencionadas serão expostos os
norteadores do presente trabalho: fracasso escolar, dificuldade de apren-
dizagem e transtornos de aprendizagem, ações psicopedagógicas, inter-
disciplinaridade e o entrelaçamento do relato de experiência, para melhor
compreensão do tema.

3. Fracasso escolar
A definição do fracasso escolar é tão complexa quanto às dimen-
sões da aprendizagem. Ele não é originado unilateralmente, mas, por va-
riadas ações que ocorrem na seara educacional, social e familiar. Para
melhor entendimento sobre o fracasso escolar torna-se imprescindível a
compreensão de seu contraponto: o êxito, a aprendizagem eficaz. A a-
prendizagem inclui observar o objeto de modo a praticar ação e desejo
sobre o mesmo. É a articulação que o sujeito faz sobre as informações
chegadas a ele, modificando conforme suas experiências e demandas, de
modo a deixar sua marca autoral no construto do conhecimento (MEIRA,
2002).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 519


De acordo com a nova ênfase educacional, centrada na aprendiza-
gem, o professor é coautor do processo de aprendizagem dos alunos.
Nesse enfoque centrado na aprendizagem, o conhecimento é construído e
reconstruído continuamente. O processo educacional como meio de co-
municação e mediação no fundamento da aprendizagem há de convergir
em prol do desenvolvimento do discente. A atuação do professor é cruci-
al para intervenção positiva na descoberta do novo para o aluno. Sua co-
autoria implica em articular as competências não exploradas no processo
educacional. A aprendizagem é o movimento de aquisição de conheci-
mentos, habilidades, valores e atitudes, possibilitado por meio do estudo,
do ensino ou da experiência, vínculo positivo entre objetividades e subje-
tividades (MEIRA, 2002).
Ao identificar a aprendizagem caberá também apresentar o fracas-
so escolar e suas repercussões a sociedade, família e escola, Giudice
(2018, s/p), traz o conceito de Fracasso Escolar:
Fracasso escolar é difícil de ser definido e compreendido por se
tratar de um fenômeno que não é natural, mas resultado das condições de
interação entre a proposta de ensino, a assimilação do aprendizado por
parte dos alunos, os modelos de ensino e de avaliação, além do contexto
escola e familiar.
O insucesso escolar é um assunto muito complexo e sua dimensão
muitas das vezes não compreendida, sua repercussão vai além as das
fronteiras protagonizadas por títulos (escola, docente, família e socieda-
de). Refletir sobre as várias nuances do processo educacional traz a mar-
ca difusa das responsabilidades daqueles que compõem a atividade de
ensino-aprendizagem. Faz-se imprescindível investigar os espectros que
suscitem o fracasso escolar: instituição, docentes, família e aluno, cada
qual com perfis que potencializarão o êxito ou fracasso estudantil.
O fracasso escolar é um resultado que causa sintomas desconfor-
táveis e doloridos, pois acarreta sofrimento e conseqüências negativas pa-
ra aqueles envolvidos no processo de aprendizagem. Seus reflexos mate-
rializam um desajuste na ação educacional proporcionando sentimentos e
reações negativos. Há momentos que os próprios profissionais envolvi-
dos no sistema educativo rotulam como culpados ora o aluno, ora a famí-
lia, ora uma determinada classe social, ou o sistema político-econômico e
social.
Conforme estudos elaborados por Sales e Silva (2008), várias fo-
ram as justificativas para o reconhecimento e culpabilidade do fracasso

520 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
escolar. Identificou-se na década de 60 os princípios que norteavam o ce-
nário brasileiro, as teorias da escola nova originada nos Estados Unidos e
Europa em contraponto ao ensino tradicional. Nos anos de 1970 o foco
era promover a qualidade de ensino de modo a minimizar o fracasso es-
colar. Na metade dos anos 80 ficou evidenciado por meio de pesquisas
que competia aos professores a responsabilidade do insucesso dos alu-
nos. Com o pensamento de Fernandez (1994), identifica-se a mutação da
culpabilidade na responsabilidade que sofre influência de forças que cir-
cundam alunos e professores.
Diversas variantes são indicadas como motivadoras do fracasso
escolar. Dentre elas destacamos: embaraço no trato na estrutura da dire-
ção das escolas; debilidade no sistema escolar de forma a colocar em de-
trimento o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem; estu-
dantes que configuram como ativos trabalhadores para agregar o orça-
mento doméstico; suporte familiar vulnerável aos conflitos interpessoais
entre parentes e negligência dos progenitores em promover o suporte pa-
ra o progresso de seu filho, conforme exposições de Meira (2002), Sales
e Silva (2008) e Costa (2009).

4. Dificuldade de Aprendizagem e Transtorno de Aprendizagem


Para melhor entendimento sobre o processo de aprendizagem é
fundamental a identificação e distinção dos conceitos de dificuldade de
aprendizagem e de transtorno de aprendizagem. Considerações apontam
que essas expressões têm sido aplicadas de maneira indistinta tanto no
campo clínico, escolar e em determinadas literaturas (Rotta et al, 2016;
Ciasca et al, 2015). Torna-se imperioso o papel da Neurociência de fo-
mentador e elucidador sobre tais expressões, de modo a expor as particu-
laridades e o emprego correto para não colidir com as ações pedagógicas
incentivadoras da aprendizagem. Nas palavras de Panisset (2008 apud
SAMPAIO; FREITAS, 2014, p. 20), “conhecer tais particularidades me-
rece especial atenção, pois pode, sem dívida, favorecer a aprendizagem e
minimizar os seus problemas”.

4.1. Dificuldade de Aprendizagem


Ao contemplar a aprendizagem como um processo constituído por

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 521


diversos fatores, não há como restringir a uma explicação como decisivo
para a justificativa para as dificuldades a elas associadas (SAMPAIO;
FREITAS, 2014).
A partir dos avanços contemplados na área da Neurociência iden-
tificou-se que é no cérebro que a aprendizagem se perfaz e como conse-
qüência este órgão recebe influência direta na sua estrutura física. Con-
forme Gómez e Téran (2009 apud SAMPAIO; FREITAS, 2014):
Foram esses estudos que permitiram a compreensão de como a a-
prendizagem modifica a estrutura física cerebral, estabelecendo novas co-
nexões de acordo com as mais diferentes situações de aprendizagem, re-
organizando-se de forma contínua e flexível. Isso ocorre, por exemplo,
quando o cérebro aprende por meio da experiência e da estimulação, em
um processo que acrescenta ou elimina as conexões entre as células, cau-
sando mudanças na quantidade de substâncias químicas (neurotransmisso-
res) que exercem a função de transmitir mensagens ou quando o funcio-
namento de uma determinada área cerebral se torna mais ativo. (GÓMEZ;
TÉRAN, 2009 apud SAMPAIO; FREITAS, 2014, p. 18)

As dificuldades ou problemas de aprendizagem relacionam-se aos


fatores metodológicos e internos do sujeito. Não há como aceitar uma ú-
nica causa como determinante para as dificuldades a ela relacionadas.
Segundo Merch68 “o processo de aprendizagem da criança é compreen-
dido como um processo pluricausal, abrangente, implicando vários eixos
de estruturação: afetiva, cognitivos, motores, sociais, econômicos, políti-
co” (MERCH apud MALUF).
Aspectos emocionais e familiares, problemas de ordem pedagógi-
ca e socioculturais, a causada dificuldade não estará centrada apenas no
aluno, faz parte de um complexo fenômeno que é o fracasso escolar, de
forma a trazer como características a evasão e a reprovação escolares
(RAMALHO, 2015).
É necessário compreender que as dificuldades de aprendizagem
apresentam-se como um grupo heterogêneo de fatores que podem modi-
ficar a competência sobre aprendizagem e que não estão relacionados às
condições neurológicas para aprender. Como fatores que contribuem para
que o aluno tenha dificuldades na aprendizagem, são dispostas algumas
causas dentre outras: baixa motivação, fatores econômicos, problemas no
núcleo familiar, alimentação incorreta em quantidade e/ou qualidade,
baixa qualidade do sono, salas de aula superlotadas e professores sobre-

68
Merch. In SAMPAIO; FREITAS, 2014, p. 27.

522 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
carregados, baixa capacitação, má remuneração, material didático inade-
quado, métodos pedagógicos não agregadores, entre outros (BOSSA,
2000; RELVAS 2015, 2017).
Para Sampaio e Freitas (2014), a marca da dificuldade de aprendi-
zagem é sinalizar que por de trás de um cérebro que aprende, existe al-
guém que tem um ritmo próprio e um estilo diferente de aprender e que,
como tal, precisa ser respeitado em sua individualidade. A aprendizagem
não é fruto de um simples armazenamento de dados, mas da capacidade
de processar e elaborar as informações por meio da conexão que nossos
receptores sensoriais estabelecem com o ambiente, o que faz com que
cada aluno tenha seu estilo próprio de aprender.
Sobre as exposições sobre o não aprender Gómez e Téran (2009
apud SAMPAIO; FREITAS, 2014, p. 31), indicam que a culpabilização
ora tem foco no aluno, ora no professor. Para Gomes e Téran, “a culpa
exime da responsabilidade compartilhada que deve haver no processo en-
sino-aprendizagem. O professor ensina, mas quem aprende é o aluno”.
Desta forma, é mister ressaltar o papel do professor em “oferecer ao alu-
no as ferramentas necessárias para desenvolver suas potencialidades de
acordo com seu estilo ou modalidade de aprendizagem”.
Para melhor identificação das características do perfil das Dificul-
dades de Aprendizagem citamos: o desempenho não é compatível com a
capacidade cognitiva da criança ou jovem, a dificuldade ultrapassa a en-
frentada por seus colegas de turma, sendo geralmente resistente ao seu
esforço pessoal e ao de seus professores; em grande parte dos casos po-
dem ser diagnosticados em crianças da pré-escola por profissionais espe-
cializados, são transitórias e podem ser evitadas com cuidado em respei-
tar o nível cognitivo da criança (SAMPAIO; FREITAS, 2014).
O surgimento das dificuldades pode ser na escola, na família, si-
tuações que envolvem drogas, violência ou problemas socioculturais, por
efeitos colaterais de medicamentos e problemas emocionais. Quanto ao
diagnóstico são necessárias as observações que incidam sobre a atividade
acadêmica, ou seja, no aspecto da leitura, desempenho da escrita e no ra-
ciocínio lógico-matemático; a autoestima do aluno contrapondo-se com o
entendimento de suas habilidades e capacidades, e por fim a essência in-
terdisciplinar que é bússola norteadora para a identificação dos elementos
que concentram o aluno no campo do aquém com relação às suas capaci-
dades e cognição, de modo que a Neurociência, Psicopedagogia e a Psi-
cologia poderão eliminar fatos que não são pertinentes a causa da difi-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 523


culdade de aprendizagem (SAMPAIO; FREITAS, 2014).
Mediante o exposto, é necessário sensibilizar-se que as dificulda-
des de aprendizagem apresentadas durante o percurso acadêmico do alu-
no não são mais importantes do que a figura do sujeito aprendente, mas
sinal para rever posturas, discursos, ações que implicarão severamente na
conduta do discente seu próprio desenvolvimento. Há que sanar os obstá-
culos que inibem o progresso acadêmico e elevar as potencialidades que
cada estudante traz consigo.

4.2. Transtorno de aprendizagem


A expressão distúrbio traz em sua composição duas partículas que
constroem seu significado: o radical turb – que retrata alteração violenta
na ordem natural e o prefixo dis – que remete a alteração com sentido pa-
tológico. Assim conforme Dicionário Aurélio (2010), a palavra distúrbio
remete perturbação orgânica ou social.
Na busca da forma didática para a compreensão do Transtorno de
Aprendizagem leva-nos a Bossa, que se refere à afecção de natureza neu-
robiológica, relacionada a inabilidades específicas como a leitura, escrita
e a matemática, em sujeitos que apresentam uma performance significa-
tivamente abaixo do esperado para seu nível de desenvolvimento, escola-
ridade e capacidade intelectual (BOSSA, 2002).
Com essa apresentação o distúrbio ou transtorno de aprendizagem
sugere a existência de comprometimento neurológico em funções corti-
cais específicas, que interferem no processo de aquisição e manutenção
da aprendizagem. Associa-se a disfunções e lesões neurológicas, que a-
cabam acarretando prejuízos e danos no processo educacional. Seu es-
pectro é baseado em uma explicação na esfera biológica e na patologiza-
ção das questões educacionais, genéticas e familiares da criança. Caracte-
riza-se por ser uma alteração biológica, orgânica e individual, envolven-
do uma disfunção neurológica.
Diversas são as definições acerca do Distúrbio de Aprendizagem.
Collares e Moysés (1993 apud SAMPAIO; FREITAS, 2014, p. 21), tra-
zem o conceito estabelecido pelo National Joint Comittee for Learning
Disabilities (EUA, 1981):
Distúrbios de aprendizagem é um termo genérico que se refere a
um grupo heterogêneo de alterações manifestadas por dificuldades signi-

524 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ficativas na aquisição e uso de audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou
habilidades matemáticas. Estas alterações são intrínsecas ao indivíduo e
presumivelmente devidas à disfunção do sistema nervoso central. Apesar
de um distúrbio de aprendizagem poder ocorrer concomitantemente com
outras condições desfavoráveis (por exemplo, alteração sensorial, o re-
tardo mental, distúrbio social ou emocional) ou influências ambientais
(por exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente/inadequada, fa-
tores psicogênicos), não é resultado direto dessas condições ou influên-
cias.
Também está registrado no CID-10 (1993, p. 237), Classificação
Internacional de Doenças – OMS/1992, a classificação de transtornos
mentais e de comportamento:
Grupo de transtorno manifestados por comprometimentos especí-
ficos e significativos no aprendizado de habilidades escolares. Estes
comprometimentos no aprendizado não são resultados diretos de outros
transtornos (tais como retardo mental, déficits neurológicos grosseiros,
problemas visuais ou auditivos não corrigidos ou perturbações emocio-
nais) embora eles possam ocorrer simultaneamente tais condições.
Há de se registrar que o DSM-V (2014, p. 68) também leva con-
signado o conceito de transtorno de Aprendizagem, com a nomenclatura
especial de Transtorno Específico da Aprendizagem, a saber:
O transtorno específico da aprendizagem é um transtorno do neu-
rodesenvolvimento com uma origem biológica que é a base das anorma-
lidades no nível cognitivo as quais são associadas com as manifestações
comportamentais. A origem biológica inclui uma interação de fatores ge-
néticos, epigenéticos e ambientais que influenciam a capacidade do cére-
bro para perceber ou processar informações verbais ou não verbais com
eficiência e exatidão.
Além disso, também traz as especificidades quanto aos prejuízos
no campo da leitura, na expressão escrita e na matemática, como discorre
supramencionado dispositivo:
315.00 (F81.0). Com prejuízo na leitura:
Precisão na leitura de palavras
Velocidade ou fluência da leitura
Compreensão da leitura
Nota: Dislexia é um termo alternativo usado em referência a um padrão
de dificuldade de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhe-
cimento preciso ou fluente de palavras, problemas de decodificação e di-
ficuldade de ortografia. Se o termo dislexia for usado para especificar esse

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 525


padrão particular de dificuldades, é importante também especificar quais-
quer dificuldades adicionais que estejam presentes, tais como dificuldades
compreensão da leitura e no raciocínio matemático.
315.2 (F81.81). Com prejuízo na expressão escrita:
Precisão na ortografia
Precisão na gramática e na pontuação
Clareza ou Organização da expressão escrita
315.1 (F81.2). Com prejuízo na matemática:
Senso numérico
Memorização de fatos aritméticos
Precisão ou fluência de cálculo
Precisão no raciocínio matemático
Nota: Discalculia é um termo alternativo usado em referência a um pa-
drão de dificuldades caracterizado por problemas no processamento de in-
formações numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e realização de
cálculos precisos ou fluentes. Se o termo discalculia for usado para espe-
cificar esse padrão particular de dificuldades matemáticas, é importante
também especificar quaisquer dificuldades no raciocínio matemático ou
na precisão na leitura de palavras.
Especificar a gravidade atual:
Leve: Alguma dificuldade em aprender habilidades em um ou dois domí-
nios acadêmicos, mas com gravidade suficientemente leve que permita ao
indivíduo ser de compensar ou funcionar bem quando lhe são propiciados
adaptações ou serviços de apoio adequados, especialmente durante os a-
nos escolares.
Moderada: Dificuldade acentuada em aprender habilidades em um ou
mais domínios acadêmicos, de modo que é improvável que o indivíduo se
torne proficiente sem alguns intervalos de ensino intensivo e especializa-
do durante os anos escolares. Algumas adaptações ou serviços de apoio
pelo menos parte do dia na escola, no trabalho ou em casa podem ser ne-
cessários para completar as atividades de forma precisa e eficiente.
Grave: Dificuldades graves em aprender habilidades afetando vários do-
mínios acadêmicos, de modo que é improvável que o indivíduo aprenda
essas habilidades sem um ensino individualizado e especializado contínuo
durante a maior parte dos anos escolares. Mesmo com um conjunto de
adaptações ou serviços de apoio adequados em casa, na escola ou no tra-
balho, o indivíduo pode não ser capaz de completar todas as atividades de
forma eficiente. (DSM-V, 2014, p.67 e 68)

Destarte, ao desbravar o mundo da Educação é necessário despir-se,


libertar-se de qualquer preconceito ou influências capazes de encobrir o
verdadeiro significado de educar, doar e sensibilizar. Prontamente a a-
firmação dos verbos supracitados agrega a vocalização de outra ordem:
APRENDER!! Além de seu conceito estar voltado a tomar conhecimen-
to, também não desprezemos a constituição da palavra, não se limitar a
encontrar-se preso, mas prender no seu espírito cognitivo as descobertas
e transformá-las em conhecimento e aplicá-las com sabedoria. O verda-
deiro conhecimento é alado, detentor de asas que ousam rasantes!! A pri-

526 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
são cabe àqueles que colocam o medo a frente de seus desafios, se aco-
modam ao superficial e não compartilham seus descobrimentos. Os
transtornos identificados não deverão ser somatizados e sim potencializar
as características positivas que cada sujeito aprendente traz em seu ínti-
mo e necessita de aprimoramento e prosperidade.

5. Olhar e Ações Psicopedagógicas


As práticas de ensino-aprendizagem conferem ao homem a possi-
bilidade da conquista de sua autonomia, aquisição de aptidões e dignida-
de social. O processo educacional é um veículo complexo e estritamente
revestido de empatia, afetividade e emoção. As informações mediadas
pelo educador deverão estar embasadas não somente na competência a-
cadêmica, mas nas ações e reações individuais, respeitosas e estimulado-
ras do desenvolvimento do sujeito discente.
De acordo com Golbert (1985):
[...] o objeto de estudo da Psicopedagogia deve ser entendido a partir de
dois enfoques: preventivo e terapêutico. O enfoque preventivo considera o
objeto de estudo da Psicopedagogia o ser humano em desenvolvimento,
enquanto educável. Seu objeto de estudo é a pessoa a ser educada, seus
processos de desenvolvimento e as alterações de tais processo. Focaliza as
possibilidades do aprender, num sentido amplo. Não deve ser restringir a
uma só agência como a escola, mas ir também à família e à comunidade.
Poderá esclarecer, de forma mais ou menos sistemática, a professores,
pais e administradores sobre as características das diferentes etapas do de-
senvolvimento, sobre as condições psicodinâmicas da aprendizagem, so-
bre as condições determinantes de dificuldades de aprendizagem. O enfo-
que terapêutico considera o objeto de estudo da psicopedagogia a identifi-
cação, análise, elaboração de uma metodologia de diagnóstico e tratamen-
to das dificuldades de aprendizagem. (GOLBERT, 1985, p. 13)

Desta forma, percebemos que o alvo da Psicopedagogia é a com-


preensão do universo complexo, interdisciplinar e multidisciplinar sobre
a aprendizagem humana, de forma a buscar melhorias nas relações cons-
truídas no processo de aprendizagem entre professores e alunos, confor-
me Weiss (1991).

5.1. Origem histórica da Psicopedagogia


Na visão de Bossa (1994), em suas fontes literárias, a investigação
em entender os problemas de aprendizagem humana tem como nascedou-
ro a Europa que foi norteadora e influenciadora dos demais países: Ar-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 527


gentina e Brasil.
Para Mery (1985 apud BOSSA, 1994), a Psicopedagogia possui
um caráter curativo, uma ação terapêutica que avalia os aspectos pedagó-
gicos e psicológicos no tratamento das crianças que externam o fracasso
escolar, demonstrando lentidão e dificuldades em comparação a demais
crianças. Houve um direcionamento e interesse em compreender e aten-
der portadores de deficiência sensoriais, debilidade mental e outros pro-
blemas que interferissem no processo de aprendizagem.
Desta maneira, identifica-se uma preocupação maior com as defi-
ciências sensoriais e debilidade mental do que com os métodos pedagó-
gico-metodológicos praticados. Daí o surgimento de “classes especiais”.
Com o passar dos tempos e aprofundamento de estudo, o termo
pedagogia curativa passa para terapêutica para atender crianças e adoles-
centes desadaptados. Apesar de inteligentes, tinham resultados escolares
ruins. Assim, surge um olhar que não só vislumbra as patologias, mas,
também métodos que favoreçam a readaptação pedagógica do aluno. Por
isso, faz-se necessário a comunhão de conhecimentos específicos de di-
versas teorias.
Daí o porquê das expressões Interdisciplinaridade e Multidiscipli-
naridade da Psicopedagogia. Para analisar o sujeito aluno precisamos re-
lacionar com outras ciências para compreende-se a dificuldade da apren-
dizagem. Quando tomamos as medidas clínicas ou preventivas, lançamos
mão de vários campos disciplinares para fomentar a capacidade de a-
prendizado por parte do aluno e instituição a ele vinculada.
Assim, pode-se dizer que devido à complexidade da aplicação da
Psicopedagogia lançamos mão de conhecimentos específicos da: Psica-
nálise, Psicologia Social, Epistemologia e Psicologia Genética e Lingüís-
tica. Elas são meios de reflexão sobre o Problema da Aprendizagem Hu-
mana. Daí o aspecto interdisciplinador. A partir das reflexões e discus-
sões sugerimos propostas de trabalhos preventivos ou clínicos, de acordo
com cada caso analisado, de modo que utilizaremos parcerias com de-
mais profissionais. Essas alianças com demais perfis especializados ao
Psicopedagogo chamamos de ação multidisciplinadora. Temos como e-
xemplos a Psiquiatra, Neurologista, Psicólogo, Fonoaudiólogo, Pediatria,
Psicanalista, Neuropsicólogo, Pedagogo, Professor.
Conforme Fernández (1991 apud BOSSA, 1994, p. 32-33) na Ar-
gentina a Psicopedagogia surgiu há mais de 30 anos. Verificou-se a ne-

528 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
cessidade de habilitar profissionais para orientar o processo educativo,
“oferecendo conhecimento mais profundo dos processos de desenvolvi-
mento, maturidade e aprendizagem humanos”, de forma que o curso de
Psicopedagogia na Argentina é no formato de graduação com duração de
cinco anos. Caracteriza-se por proporcionar a capacitação e entendimento
dos princípios nas áreas da educação e saúde, de modo que sua atuação
incidirá em cooperar para diminuição do fracasso escolar (seja sob a res-
ponsabilidade institucional, seja do sujeito ou de ambos), e reconheci-
mento e atuação sobre as alterações sistemática ou assistemática (BOS-
SA, 1994).

5.2. Psicopedagogia no Brasil


Durante muitos anos os problemas de aprendizagem humana eram
sustentados por pela concepção orgânica. A justificativa do problema de
aprendizagem se baseava em distúrbios que desencadeava uma disfunção
do sistema nervoso central.
A concepção organicista/biológica explicava a ineficácia do pro-
cesso de aprendizagem, como também a dificuldade de aprendizagem
(BOSSA, 1994). O aluno era o “problema”. Não havia ainda a percepção
de que o meio pedagógico contribuía diretamente no resultado. Logo foi
difundido o conceito de DCM - Disfunção Cerebral Mínima. Todo e
qualquer problema ou dificuldade na aprendizagem humana era argüida
esse diagnóstico.
Era comum quando uma criança ou adolescente externava pro-
blemas/dificuldades de aprendizado, a mesma era submetida a uma con-
sulta médica. No final da década de 70 surgiram os primeiros cursos de
especialização em Psicopedagogia com o compromisso leal de agregar a
compreensão do processo de aprendizagem e identificação dos fatores
facilitadores e comprometedores desse processo (BOSSA, 1994).
Aqui, no Brasil, a Psicopedagogia é estudada como especialização
na forma de Pós-Graduação. As regiões Sul e Sudeste, Rio Grande do
Sul e São Paulo respectivamente, se despontam como grandes pólos de
referência Psicopedagógicos (BOSSA, 1994).

6. O Encontro da Teoria com a Prática: construção do ser cognoscente


A prática laboratorial foi a materialização do fracasso escolar. In-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 529


dependente da condição/status do sujeito aluno sejam as dificuldades de
aprendizagem ou transtornos de aprendizagem, o fato é que a instituição
escolar identificou o não progresso mensurado em resultados das ativida-
des propostas e o não desenvolvimento esperado de acordo com a idade e
aptidões necessárias para o progresso estudantil.
Fonseca (2009) alega:
Aprender a refletir, a racionar, a utilizar estratégias de resolução de
problemas para adaptarmos as novas gerações para aprenderem mais, me-
lhor e de forma diferente e flexível, é uma necessidade fundamental da
educação e, provavelmente, a tarefa mais relevante da escola. Todo estu-
dante tem o direito de desenvolver ao máximo o seu potencial cognitivo e
os governos têm a responsabilidade de lhe garantir oportunidades e meios
adequados para o fazer. (FONSECA, 2009, p. 7)

Ao materializar a aliança do teórico com a prática é notável os


pontos de melhorias a serem desenvolvidos, como também as potenciali-
dades a serem enaltecidas. O aluno traz consigo conhecimentos prévios e
instintos de sabedoria construídos em suas experiências sociais. Ao edu-
cador compete a contextualização e articulação de meios pedagógicos e
formação continuada para não se surpreender com as adversidades que
situam durante a trajetória do processo de aprendizagem. O psicopedago-
go por sua vez, deverá articular ações que compreendam o universo desse
aluno de forma a identificar o quê ou quais elementos que contrariam seu
progresso acadêmico, de forma a traçar quais características que delinei-
am sua conduta e individualizando suas ações investigativas em torno
dos indícios e elementos que configuram as marcas de uma dificuldade
ou transtorno de aprendizagem, para a propositura do levantamento das
hipóteses.
De acordo com Fonseca (2009) são claros os preceitos de meta-
cognição e autorregulação na abordagem da educação cognitiva:
A educação cognitiva parte duma perspectiva sistemática da inteli-
gência, por isso está baseada nos contributos recentes da psicologia cogni-
tiva, da neuropsicologia, do processamento de informação e das aborda-
gens contextuais de desenvolvimento cognitivo. Neste parâmetro a inteli-
gência é considerada bioantropológica na sua origem, mas psicossocial no
seu desenvolvimento, respeitando a heterogeneidade e a diferença cultu-
ral. (FONSECA, 2009, p. 9)

Em continuidade ao seu discurso, Fonseca (2009, p. 9), assim ex-


põe:
A escola e a maioria das instituições sociais envolvidas na formação
e na qualificação dos recursos humanos têm negligenciando as vantagens

530 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
da educação cognitiva, que basicamente não ensina conteúdos disciplina-
res ou matérias de conhecimento, mas, ao contrário, visa desenvolver e
maximizar os processos de captação, integração, elaboração e expressão
de informação, no fundo, tudo o que se pode definir como aprendizagem.
A sociedade em geral e a escola em particular, assim como todos os seus
agentes que lidam direta ou indiretamente com o desenvolvimento do po-
tencial humano, ainda desconhecem as vantagens e os benefícios da inter-
venção psicopedagógicas no domínio da cognição. (FONSECA, 2009, p. 9)

O olhar do educador deverá transcender o formalismo acadêmico


dele e o institucional no qual está inserido. Suas ações deverão pautar-se
no diálogo interdisciplinar que culmina no desenvolvimento da autono-
mia do discente, conforme Fonseca (2009, p. 11), em sua obra Cognição,
Neuropsicologia e Aprendizagem:
A educação cognitiva, visando de forma harmoniosa o desenvol-
vimento cognitivo e emocional dos indivíduos, tem como finalidade
principal proporcionar e fornecer ferramentas psicológicas que permitem
maximizar a capacidade de aprender a aprender, de aprender a pensar e a
refletir, de aprender a transferir e a generalizar conhecimentos e de a-
prender a estudar e a comunicar, muito mais do que a memorizar e repro-
duzir informação. (p. 10). [...] mas desenvolver competências de resolu-
ção de problemas, o que pressupõe o treino de processos e subprocessos
cognitivos, isto é, de funções, habilidades e aptidões de captação, inte-
gração, planificação e comunicação de informação, atuando em todas as
suas componentes de forma sistêmica e estruturada.
Portanto, a educação cognitiva elava pressupostos autorregulati-
vos e metacognitivos, pois permite a aprender a aprender e a resolver
problemas de modo a focar a atenção para captar o máximo de informa-
ções a partir do conjunto de estímulos em presença, formulação de estra-
tégias exeqüíveis, estabelecimento de planos e estratégias, monitoramen-
to sobre a performance cognitiva até atingir o objeto, examinar as infor-
mações disponíveis e a sistematização de procedimentos para resolução
de problemas. Resolver problemas por sua vez, implica recebimento e in-
terpretação de dados, criação de operações e processamento de tarefas,
adquirir competências para solução de problemas.

7. Considerações finais
A Educação é uma seara extremamente plural, nela encontramos
os mais variados tipos de acontecimentos e pessoas. Na instituição esco-
lar faz-se necessário preparar o “campo” para que as sementes ali deposi-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 531


tadas dêem frutos. A escola deverá cumprir seu papel socializador, aco-
lhedor, promotor do respeito à diversidade de ritmos, estilos, perfis, en-
fim, da individualidade que compõe cada discente. Deverá representar
um verdadeiro Estado Democrático de Direito, fazendo cumprir a matriz
constitucional que a educação é um direito a todos os cidadãos e dever do
Estado.
O processo educacional não atua por si só, ele recebe as influên-
cias sociais e familiares que cada sujeito aluno traz consigo na sua for-
mação personalística. O ser cognoscente tem registrado em sua moral su-
as referências afetivas, crenças, cultura, política, frustrações, altruísmo,
que nortearão sua caminhada no desenvolvimento na prática do ensino e
aprendizagem. A escola cumpre um papel de extrema importância e con-
juntamente responsável, pois não deverá ficar adstrita aos meios pedagó-
gicos, mas, emergir a atuação interdisciplinar para buscar a compreensão,
resolução, e/ou minimizar as dificuldades encontradas na jornada acadê-
mica de cada aluno.
O grande desafio da sociedade moderna principalmente no campo
educacional é compreender que cada aluno tem o direito de tentar seguir
com seu empenho e autonomia a liderança de suas vidas. Uma classe
homogênea, sem “problemas”, levaria a sistematização de depósitos ban-
cários sem os devidos rendimentos intelectuais, cognitivos e construti-
vos. Porém, quando aquela microcélula social materializada em classe
escolar desponta suas dificuldades, transtornos, e questões de ordem fa-
miliar que impedem a prosperidade acadêmica, torna-se imprescindível
que os profissionais da educação envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem disponham de competências para conduzir da melhor ma-
neira possível o progresso de seus alunos.
É desejado que o profissional da educação busque conhecimento e
qualificação para que sua atuação em sala de aula seja mais assertiva o
possível. Que a busca do conhecimento preencha as lacunas do desco-
nhecido, conduzindo-o para as melhores práticas de ensino inclusivo e
respeitador das diferenças, que implemente ações metacognitivas e autor-
reguladoras que fomentem seu aperfeiçoamento. Ao psicopedagogo in-
cumbe a missão de reconhecer e conhecer as ações processuais usadas
pelo aluno a fim de promover um reconhecimento de seu perfil individu-
al diferenciado e propor ferramentas agregadoras para seu crescimento
cognitivo. A ação psicopedagógica jamais será isolada, pois remete a
contribuição de vários profissionais por meio de uma comunicação res-
peitosa e ética promoverão a melhor linha diagnóstica possível. Além

532 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
disso, a marca da interdisciplinaridade é a identidade da psicopedagogia,
pois considera os fundamentos das mais variadas ciências, como por e-
xemplo, a Neurociências, a Neuropsicologia Cognitiva, Neuropsicopeda-
gogia, a Psicologia, dentre outras.
Desta forma, o fracasso escolar seja ele resultante de uma dificul-
dade de aprendizagem ou de um transtorno de aprendizagem deverá ser
sanado ou minimizado com o uso das melhores práticas educacionais: o
respeito ao sujeito aluno que expõe sua limitação, mas, não sua incapaci-
dade. O processo educacional deverá promover suas potencialidades que
supram suas habilidades comprometidas em virtude de suas patologias
identificadas ou uma atuação pedagógica não eficiente. O aluno jamais
deverá ser rechaçado e tipificado com desnecessário. Ao contrário, en-
xergar na adversidade a oportunidade de melhorias e enaltecer suas me-
lhores competências a fim de seja capaz de deixar sua marca na socieda-
de como sujeito produtivo e autônomo.
Aqui, deixo o registro da experiência vivenciada ao longo da ca-
minhada na aquisição do saber e por consequência a construção do co-
nhecimento: “Vejo as pessoas como uma grande mina a ser descober-
ta! Cada palavra, cada gesto, cada elo formado, cada dimensão
transposta, revelam-se como um dos mais valiosos tesouros. Não há
metal ou pedra preciosa que se iguale a conquista do SABER! Não
há mensuração no valor do conhecimento se não for partilhado! Não
há mineiro mais eficiente que não seja o EDUCADOR! Não há pica-
reta mais afiada que um PROCESSO DE APRENDIZAGEM EFI-
CAZ! Não há pessoa mais importante que o SER HUMANO ALU-
NO dentro desse universo conhecido como EDUCAÇÃO e APREN-
DIZAGEM!”

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 535


REFLEXÕES SOBRE AS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DO
PSICOPEDAGOGO INSTITUCIONAL E O PROCESSO DE
INCLUSÃO ESCOLAR
Ana Luiza Barcelos Ribeiro (UNESA e FAMESC)
[email protected]
Bianka Pires André (UENF)
[email protected]

RESUMO
Esse trabalho apresenta uma revisão de literatura assistemática, com diversos
autores que estudam sobre a psicopedagogia, dentre elas a psicopedagogia
institucional, assim como a inclusão escolar. Numa tentativa de compreender os
processos que envolvem a inclusão dos alunos com deficiência e a atuação do
psicopedagogo institucional neste contexto educacional, inicia-se com a
contextualização histórica e conceituação da psicopedagogia, a contextualização
conceitual da inclusão e os aspectos legais que a legitimam, e as contribuições da
psicopedagogia para o processo inclusivo. Observa-se que a atuação do
psicopedagogo no processo inclusivo assim como a própria é um campo em
construção, partindo da difusão de propostas inclusivas no cenário educacional
nacional. Sendo assim foram utilizados alguns autores importantes para a área, assim
como artigos mais recentes que se posicionam quanto à atuação do psicopedagogo
institucional e sua intervenção na área da inclusão escolar. O psicopedagogo
institucional tem importante papel na efetivação da inclusão escolar, colaborando com
toda a equipe pedagógica em prol do processo de ensino aprendizagem e do
envolvimento de todos.
Palavras-chave:
Educação. Inclusão escolar. Psicopedagogia institucional.

1. Introdução
Este trabalho foi elaborado numa tentativa de compreender os
processos que englobam a atuação do psicopedagogo numa perspectiva
inclusiva, partindo de uma revisão bibliográfica, com base em teóricos e
estudiosos das áreas de inclusão escolar e de psicopedagogia. Ressalta-
mos que a escola possui o compromisso de fornecer um ensinamento ba-
seado em qualidade e equidade e a inclusão deste aluno deve ser obser-
vada, proporcionando-lhe acolhimento, respeito, saúde no padrão físico,
psíquico e emocional.
Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser
formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em considera-
ção as condições em que eles vêm existindo, se não se reconhece a impor-

536 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
tância dos conhecimentos e de experiências feitos em que chegam à esco-
la. (FREIRE, 2011, p. 62)

Para que haja essa inclusão o educador deve estar respaldado por
um embasamento teórico e prático oferecido ao mesmo pela instituição.
A falta do conhecimento sobre a inclusão escolar, sobre como a-
tuar com estes alunos e outros problemas, acabam dificultando este pro-
cesso inclusivo. Pode trazer prejuízos ao educando, quando ele é visto de
forma estigmatizada pela instituição, por outros alunos e pelos próprios
professores do sistema de ensino regular. Fatores intra e extraescolares
influenciam consideravelmente na aprendizagem que se concretiza nos
âmbitos cognitivos e afetivos.
A psicopedagogia ameniza sofrimentos interligados ao processo
da problematização do aprendizado. Atuando no processo inclusivo em
parceria com a família, com os professores e todos os profissionais da
comunidade escolar.
Este trabalho partiu de uma contextualização histórica e conceitu-
al da psicopedagogia, deixando evidenciada a função do psicopedagogo
clínico e institucional. Contextualizou-se e conceituou-se ainda a inclu-
são escolar, levando em consideração os aspectos legais como a Declara-
ção de Salamanca, a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 e a Lei Brasileira
de Inclusão, ainda diferenciou-se a integração de inclusão. Evidenciou-se
ainda as contribuições da psicopedagogia para o processo inclusivo le-
vando os professores e comunidade escolar a uma reflexão sobre a práti-
ca e a considerar as potencialidades dos alunos com deficiência.

1. Contextualização histórica e conceituação da psicopedagogia


A psicopedagogia teve seu surgimento na Europa no século XX,
através da necessidade de se pensar sobre o processo de aprendizagem
humana e principalmente sobre o fracasso escolar. Esses ideais chegam a
América do Sul pela Argentina onde ganhou força e se difundiu, chegan-
do ao Brasil na década de 1970.
Bossa (2007, p. 19) relata que “a psicopedagogia enquanto
produção de um conhecimento científico nasceu da necessidade de uma
melhor compreensão do processo de aprendizagem, não basta como
aplicação da psicologia à pedagogia”.
Para Visca (1987),

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 537


A psicopedagogia nasceu como uma ocupação empírica pela
necessidade de atender as crianças com dificuldades na aprendizagem,
cujas causas eram estudadas pela medicina e psicologia. Com o decorrer
do tempo, o que inicialmente foi uma ação subsidiária destas disciplinas,
perfilou-se como um conhecimento independente e complementar,
possuidor de um objeto de estudo (o processo de aprendizagem) e de
recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios. (VISCA, 1987,
p. 33)

O autor argentino relata a psicopedagogia enquanto uma profissão


independente, com conteúdos que são complementares e independentes
da psicologia e da pedagogia.
Corroborando com este pensando, Grassi (2009) afirma:
A psicopedagogia nasceu para atender à demanda da não
aprendizagem, das dificuldades de aprendizagem e do fracasso escolar,
fundamentando-se no conhecimento de várias ciências e áreas do
conhecimento. Organizou-se como prática exercida por profissionais de
diferentes áreas até o surgimento de cursos específicos. A junção de
demanda, fundamentação teórica e prática originou essa nova área de
conhecimento e essa nova profissão, inaugurando a área de atuação
específica. (GRASSI, 2009, p. 96)

Segundo Rubinstein (2003, p. 231) a psicopedagogia nasceu de


uma falta e é esta falta que mobiliza no sentido de buscar as possíveis
alternativas para compreender o sujeito da aprendizagem nos diferentes
contextos socioculturais.
De acordo com Bossa (2007), a psicopedagogia, enquanto área
implica o exercício de uma profissão, ou seja, uma forma específica de
atuação. Surge como compromisso de contribuir para a compreensão do
processo de aprendizagem e identificação dos fatores facilitadores e
comprometedores do processo. A grande necessidade de uma ação
efetiva fica evidenciada no interesse que tem havido pela psicopedagogia
no país.
O Código de Ética da Psicopedagogia (2011), em seu artigo 1º,
estabelece que:
A psicopedagogia é um campo de atuação da Educação e Saúde que
se ocupa do processo de aprendizagem, considerando o sujeito a família, a
escola, a sociedade e o contexto sócio-histórico, utilizando procedimentos
próprios, fundamentados em diferentes referenciais teóricos. (CEP, 2011)

Ele apresenta, no capítulo II no Art. 5º, a formação do psicopeda-


gogo da seguinte forma: “se dá em curso de graduação e/ou em curso de
pós-graduação – especialização “lato sensu” em psicopedagogia, ministrados

538 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
em estabelecimentos de ensino devidamente reconhecidos e autorizados
por órgãos competentes, de acordo com a legislação em vigor”. E ainda,
no art. 10, “o psicopedagogo deve desenvolver e manter boas relações
com os componentes de diferentes categorias profissionais, observando
para esse fim trabalhar nos estritos limites das atividades que lhe são
reservadas e reconhecer os casos pertencentes aos demais campos de
especialização, encaminhando-os a profissionais habilitados e
qualificados para o atendimento”.
Para a Bossa (2000), a psicopedagogia institucional acontece nas
escolas e tem por objetivo prevenir as dificuldades de aprendizagem e,
consequentemente, o fracasso escolar. Atualmente, em função do novo
contexto educacional do ensino regular que recebe as crianças com
necessidades educacionais especiais, a Psicopedagogia tem papel
importante auxiliando os professores, os pais e a equipe escolar no
trabalho com a inclusão, pois entendemos que somente conceder a vaga à
criança com necessidades especiais não é suficiente.
O trabalho do psicopedagogo institucional tem um caráter
preventivo e ele deve contemplar a instituição escolar como um todo.
Nesse sentido, Bossa (1999) salienta que o psicopedagogo deve: auxiliar
o professor e demais profissionais nas questões pedagógicas e
psicopedagógicas; orientar os pais; colaborar com a gestão para que haja
um bom entrosamento entre todos os integrantes da instituição e,
principalmente, ajudar o aluno que esteja sofrendo, qualquer que seja a
causa.
Reforçando essas considerações, Scoz (1994) alega que a
psicopedagogia deixa de ter um caráter clínico, focado em problemas da
aprendizagem para ter um caráter multidisciplinar que leva em conta a
pluralidade de fatores que intervém no processo de aprendizagem, sem
perder a importância do fator social. Além disso, a psicopedagogia
começou a dominar não só problemas de aprendizagem e suas origens,
como aprofundou conhecimentos que possibilitam uma contribuição
efetiva relacionada aos problemas de aprendizagem e também na
melhoria do ensino oferecido nas escolas.
Como foi visto, o psicopedagogo atua dentro ou fora do ambiente
escolar de forma preventiva, conforme os ensinamentos de Lomonico
(1992, p. 19), destaca-se:
Preventivamente, ele atua juntos aos professores, pais, e técnicos,
de vários modos:

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 539


 Proporcionando condições para análise e reflexão sobre o papel
da escola;
 Proporcionando condições para que as situações de ensinos
sejam percebidas e organizadas, de acordo com o desenvolvimento dos
alunos, mediante conhecimento e reflexão sobre habilidades e princípios
que são pré-requisitos para as aprendizagens;
 Auxiliando toda equipe escolar na determinação, escolha e
elaboração dos objetivos educacionais, das estratégicas de ensino e dos
instrumentos de avaliação;
 Proporcionar condições para a ação e reflexão sobre os erros
metodológicos dos professores e erros dos alunos, a fim de encontrar
soluções mais accessíveis para os mesmos.
Desse modo, o psicopedagogo atua na prevenção dos problemas
de aprendizagem visando obter a solução, tendo como enfoque o
aprendiz ou a instituição de ensino público ou particular.

2. Contextualização conceitual da Inclusão escolar


O processo de inclusão escolar de alunos deficiência passou a ser
pensado a partir da década de 90, no Brasil, a partir da legislação
nacional e internacional que a legitima. Sendo considerados alunos com
deficência para fins da educação especial, aqueles que possuem
deficiência física, mental ou sensorial, assim como aqueles com
transtornos globais do desenvolvimento e aqueles com altas habilidades/
surperdotação.
A educação especial que se configurava como um sistema de
ensino paralelo, com papel destinado ao atendimento direto aos
educandos com deficiência, passa a atuar, agora, como suporte à escola
regular no recebimento deste alunado (SASSAKI, 1997),
demonstrandoassim uma mudança significativa no papel da educação.
Nesse sentido, compreende-se educação especial, como uma
modalidade da educação escolar, conforme especificado na LDB e no
Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, Artigo 24, § 1º: entende-se
um processo educacional definido em uma proposta pedagógica,
assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais,
organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar

540 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
e, em alguns casos, substituir osserviços educacionais comuns, de modo
a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das poten-
cialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais
especiais, em todos os níveis, etapas e modalidades da educação
(MAZZOTTA, 1998).
A educação especial é algo mais direcionado para um público
especifico, pessoas com deficiência, enquanto que, a educação inclusiva
é caracterizada pela inclusão de todas as pessoas. Stainback e Stainback
(1999, p. 21) afirmam que o ensino inclusivo pode ser definido como “a
prática da inclusão de todos – independentemente de seu talento,
deficiência, origem socioeconômica ou cultural – em escolas e salas de
aula provedoras onde as necessidades desses alunos estejam satisfeitas”.
O termo educação inclusiva, foi cunhado inicialmente pela
Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p. 3) na literatura
educacional, assumindo o conceito de “escola para todos”, relacionado
ao conjunto de alunos marginalizados pela escola, considerados todos
como “estudantes com necessidades especiais”.
O princípio que orienta esta estrutura é o de que escolas deveriam
acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas,
intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Aquelas deveriam
incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que
trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças
pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de
outros grupos desvantajosos ou marginalizados.

Corroborando com os ideais dispostos na Declaração de


Salamanca, Prieto (2006) disserta que a educação inclusiva:
[...] se constitui pelo apreço à diversidade como condição a ser valorizada,
pois é benéfica à escolarização de todas as pessoas, pelo respeito aos
diferentes ritmos de aprendizagem e pela proposição de outras práticas
pedagógicas, o que exige ruptura com o instituído na sociedade e,
consequentemente, nos sistemas de ensino. (PRIETO, 2006, p. 8)

A Educação Inclusiva envolve em quebra de paradigma na busca


de uma educação transformadora em prol de todos, em que os alunos
com desempenhos diferentes alcançarão o mesmo objetivo na sala de
aula, que é a aprendizagem. Segundo Sassaki (1998),
Educação inclusiva é o processo que ocorre em escolas de qualquer
nível preparadas para propiciar um ensino de qualidade a todos os alunos
independentemente de seus atributos pessoais, inteligências, estilos de
aprendizagem e necessidades comuns ou especiais. A inclusão escolar é
uma forma de inserção em que a escola comum tradicional é modificada

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 541


para ser capaz de acolher qualquer aluno incondicionalmente e de
propiciar-lhe uma educação de qualidade. Na inclusão, as pessoas com
deficiência estudam na escola que frequentariam se não fossem
deficientes. (SASSAKI, 1998, p. 8)

Sobre a inclusão escolar, Mantoan (2011, p. 37) aponta que a


educação inclusiva “implica uma mudança de paradigma educacional,
que gera uma reorganização das práticas escolares: planejamentos,
formação de turmas, currículo, avaliação, gestão do processo educativo”.
A inclusão vai além da matrícula de um aluno com deficiência na rede
regular de ensino, é uma mudança de pensamento, de atitudes que
envolvem todas as pessoas que estão inseridas no contexto educacional.
A inclusão escolar leva em consideração a pluralidade das culturas, a
complexidade das redes de interação humanas. Ela não está limitada à
inserção de alunos com deficiência nas redes regulares de ensino, pois
beneficia todos os alunos, com e sem deficiência, que são excluídos das
escolas comuns, e denuncia o caráter igualmente excludente do ensino
tradicional ministrado nas salas de aulas do ensino regular. (MACHADO,
2011, p. 69)

A integração escolar favoreceu a retirada das crianças e dos


jovens com deficiência das instituições de ensino especial, permitindo-
lhes utilizar das escolas como um novo espaço e novos parceiros de
convívio, de socialização e de aprendizagem. Sanches e Teodoro (2006)
afirmam que:
As práticas pedagógicas foram também transportadas das instituições
de ensino especial para a escola regular, numa vertente mais educativa,
configuradas num programa educativo individual, de acordo com as
características do aluno, desenhado e desenvolvido, essencialmente, pelo
professor de educação especial. (SANCHES; TEODORO. 2006, p. 66)

De acordo com Plaisance (2005) a utilização do termo “integração”


se refere apenas a medidas técnicas e administrativas que foram
utilizadas para permitir que os alunos deficientes frequentassem a escola
regular. Assim a escola não teria responsabilidade pelo processo de
aprendizagem, apenas os alunos se adaptariam a escola.
A integração tinha e tem o mérito de inserir o portador de deficiência
na sociedade, sim, mas desde que ele esteja de alguma forma capacitado a
superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais nelas existentes.
Sob a ótica dos dias de hoje, a integração constitui um esforço unilateral
tão somente da pessoa com deficiência e seus aliados. (SASSAKI, 2004,
p. 34)

Ainda de acordo com Plaisance (2005) no processo de inclusão


escolar as crianças tem o direito de matrícula e de frequência na escola,

542 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
independente de terem deficiência, sendo necessária uma mudança tanto
estrutural quanto cultural, visto que neste contexto a escola deve estar
preparada para receber e se adequar a todos os alunos.
Para Carvalho (2004),
A igualdade diz respeito aos direitos humanos e não às características
das pessoas, como seres que sentem, pensam e apresentam necessidades
diferenciadas e que, por direito de cidadania, devem ser compreendidas,
valorizadas e atendidas segundo suas exigências biopsicossociais
individuais. Em decorrência, fazem jus à equiparação de oportunidades de
acesso, ingresso e permanência com êxito na escola, buscando-se
ultrapassar seus limites, até porque desconhecemos a extensão da
potencialidade humana. (CARVALHO, 2004, p. 18)

A autora discorre sobre a equidade, o reconhecimento da


diversidade em um espaço democrático, com garantia de oportunidades,
com êxito na aprendizagem e na participação através das diferentes
modalidades de atendimento educacional.

3. As contribuições da psicopedagogia para o processo inclusivo


Ao considerar a história e a prática da psicopedagogia
institucional, percebemos que o processo inclusivo se faz presente nesse
contexto, pode-se afirmar que a contribuição do psicopedagogo para a
inclusão do aluno no processo educacional e social seria, pois, de acordo
com Masini (1999, p. 25-26):
• oferecer condições à participação no meio social em que se vive;
• partir do que o aluno dispõe e atender às suas necessidades para
aprender pensando elaborando e decidindo;
Avaliar possibilidades e dificuldades do aprendiz:
• o que compreende e o que não compreende;
• habilidades e operações nas áreas de conhecimento;
• recursos que propiciam organização e elaboração do ensinado;
• recursos para desenvolver habilidades e operações;
Fundamentar e ilustrar a importância de:
• atender as necessidades e ensinar a partir do que o aluno
conhece e tem possibilidades;

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 543


• oferecer condições para o aluno elaborar e decidir;
• avaliar continuamente, propiciando ao aluno oportunidades de
refazer atividades e compreender o que e onde errou.
Opor-se a:
• pseudo-escolarização;
• ausência de avaliação, que elimina o elaborar, o aprender, o
pensar;
• promoção automática, que desrespeita o ser humano e
desacredita em seu potencial.
É imprescindível repensar e reestruturar o sistema educacional
convencional para se diminuir os obstáculos que impeçam o acesso ao
conhecimento por parte de todos os alunos, tornando o sistema
educacional mais justo, coerente, eficaz e equânime. Essa concepção do
desempenho escolar e dos planejamentos didáticos, no que se trata de
inclusão, revoluciona o que, tradicionalmente, se pratica nas escolas
ainda hoje.
O psicopedagogo, considerando o contexto inclusivo tem que
propor aos profissionais da educação o redimensionamento da concepção
curricular educacional, modificando o currículo para que seja funcional e
estimule a autonomia da criança e lhe dê possibilidades de independência
para que sua inclusão aconteça.
Refletir sobre a importância do trabalho do psicopedagogo no
ambiente escolar inclusivo é imprescindível, devido à necessidade do
mesmo conduzir à criança com necessidades educacionais especiais a
uma formação sócio interacionista entre o aprender e o compreender, isto
é, possibilitá-la a um entendimento em vista daquilo que está sendo mais
relevante naquele momento para ela, seja tal representado por meio de
valores, sonhos ou fantasias, levando em consideração a comunidade que
faz parte do convívio social deste ser. (ALMEIDA JÚNIOR, 2012, p. 4-5)

A prática do psicopedagogo institucional voltada para a


perspectiva inclusiva, implica a utilização de metodologias e
procedimentos didáticos diferenciados que a viabilizem, utilizando-se
ainda de atendimentos multidisciplinares.
O psicopedagogo institucional realizaráseu trabalho junto à equipe
multidisciplinar, onde ocorrerão intervenções voltadas para os alunos
com deficiência , objetivando mudanças em seu contexto familiar e
escolar, levando em consideração a criança como um ser sócio, histórico

544 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
e cultural, onde a mesma será assistida observando-se os espaços e
condições favoráveis para desenvolver suas estruturas cognitivas,
afetivas, sociais, pedagógicas e corporais.
O psicopedagogo institucional, junto aos professores, poderá ajudá-
los a perceberem-se como “aprendizes” e a rever seus modelos de
ensinante e de aprendente para que possam desempenhar adequadamente
seu papel diante desta nova realidade que demanda o abandono de
práticas padronizadas e a negação da homogeneidade. A fim de promover
a autonomia da instituição e as competências de seus membros, institui o
trabalho coletivo e visa à geração de processos de construção de
conhecimento em todos os membros da equipe escolar, valorizando a
posição ativa diante do conhecimento e possibilitando que cada
participante contribua com seus conhecimentos, vivências e pontos de
vista.(MARTINS, 2011, p. 2059)

A prática inclusiva, ainda em construção, requer uma formação


inicial ou continuada por parte dos docentes que muitos ainda não
possuem, ao lidar com o novo, com o diferente, visto que os alunos
público alvo da educação especial antes eram atendidos por instituições
especializadas. Este trabalho é novo. Muitos professores ficam angustia-
dos. Neste contexto, o psicopedagogo pode contribuir promovendo a
autonomia, colaborando na busca pelo conhecimento e modificando
práticas excludentes.
O trabalho desenvolvido pelo psicopedagogo nas instituições
inclusivas precisará considerar tudo o que faz parte da história de vida
deste aluno, representados por sua família, pela escola e, inclusive pelo
social como todo. Deverá buscar as informações necessárias para o
desenvolvimento da mesma.
Consideramos que um dos maiores desafios que se apresentam ao
psicopedagogo é proporcionar à família, à escola e ao aluno informações
amplas de tudo o que coletou, sem enganos nem dissimulações, mas ao
mesmo tempo, ser capaz de conseguir que a pessoa que receba essas
informações não se sinta culpada ou atacada, mas perceba saídas
possíveis e veja mais vantagens na mudança do que em permanecer na
mesma situação. (VILANA, 2008, p. 80)

O trabalho em parceria entre psicopedagogo, comunidade escolar


e família possibilitará a oportunidade de modificar sua percepção em
relação à criança, voltando seu olhar para as potencialidades das mesmas
e não para as limitações impostas pela deficiência. Todos os responsáveis
pela sua aprendizagem poderão rever suas atitudes e a maneira com que se
relacionam. Esta parceria estabelecida entre psicopedagogo, profissionais
e pais implica em um respeito mútuo, que se baseia na troca de

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 545


experiências, através do compartilhamento de informações e, até mesmo
de sentimentos.
O contexto onde os alunos com deficiência estão inseridos, é o
mesmo contexto de todos, com suas convergências, contradições,
dificuldades e alegrias, tornando-se irrelevante segregá-las, ou então
protegê-las ao modo de reforçar (in)consequentemente suas limitações
(BEYER, 2006). A prática psicopedagógica neste contexto possibilita a
convivência, a inclusão social, a aceitação do outro, o respeito as
diferenças, a diversidade a fim de romper com o paradigma de exclusão e
de segregação.
De acordo com Sanchez (2005) a educação inclusiva é um meio
de construir escolas para todos no século XXI, e destaca os quatro pilares
básicos em que se deve centrar a educação ao longo da vida de uma
pessoa apontados pela Comissão Internacional, sobre a Educação para o
Século XXI:
Aprender a conhecer: consiste em adquirir os instrumentos que se
requer para a compreensão do que nos cerca. Para isto, deve-se combinar
o conhecimento de uma cultura suficientemente ampla, com algo mais
objetivo, concreto referido a uma determinada matéria. Isto supõe
aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento,
aproveitando as possibilidades que a educação oferece ao longo da vida,
posto que o processo de aquisição do conhecimento está sempre aberto e
pode nutrir-se de novas experiências. Aprender a fazer: está diretamente
ligado a aprender a conhecer e se refere à possibilidade de influir sobre o
próprio meio. Este princípio pretende que o aluno tenha a possibilidade de
desenvolver sua capacidade de comunicar-se e trabalhar com os mais,
afrontando e solucionando os conflitos que possam ser apresentados a ele.
Aprender a viver juntos: trata-se de uns dos princípios objetivos da
educação contemporânea, já que supõe participar e cooperar com os
demais em todas as atividades humanas. Assim, luta contra a exclusão por
meio de traçados que favorecem o contato e a comunicação entre os
membros de grupos diferentes, em contextos de igualdade, por meio do
descobrimento gradual do outro e do desenvolvimento de projetos de
trabalho em comum. Aprender a ser: implica dotar a cada pessoa de meios
e pontos de referência intelectuais permanentes, que lhe permitam
compreender o mundo que a cerca e a comportar-se como um elemento
responsável e justo. Quer dizer, conferir, a cada ser humano, liberdade de
pensamento, de juízo, de sentimentos e de imaginação. (UNESCO, 1996,
p. 10-11)

Estas considerações servem de base para a atuação de todos os


envolvidos no processo de ensino aprendizagem dos alunos sejam eles
com deficiência ou não, a fim de propiciar-lhes melhores condições de
desenvolvimento acadêmico e pessoal.

546 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
4. Considerações finais
A prática educacional necessita de uma mudança que considere a
diversidade e as diferentes formas de aprender, observando as
potencialidades e não as dificuldades, na qual a integração dê lugar à
inclusão e todos tenham acesso, permanência e principalmente equidade
no contexto educacional, aí a psicopedagogia institucional encontra
terreno fértil para a sua atuação.
De acordo com os estudos propostos observa-se que a atuação do
psicopedagogo no processo inclusivo, assim como a própria é um campo
em construção, partindo da difusão de propostas inclusivas no cenário
educacional nacional.
A psicopedagogia institucional atua não apenas no diagnóstico ou
investigação, mas na prevenção, com a formação dos docentes, a parceria
entre todos os envolvidos no processo de ensino aprendizagem,
independentemente de o aluno ter deficiência ou não.
Desta forma, a psicopedagogia auxilia a prática pedagógica da
sala de aula, colaborando com o educador no resgate do humano, sempre
em consonância com o seu compromisso com o saber. Contribui ainda
com o educador para que compreenda seu próprio processo de
aprendizagem para assim atuar de forma significativa com os alunos. O
psicopedagogo institucional tem importante papel na efetivação da
inclusão escolar, colaborando com toda a equipe pedagógica em prol do
processo de ensino aprendizagem e do envolvimento de todos.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 547


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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 549


SAUSSURE NO DIVÃ: AS RELAÇÕES ENTRE
A LINGUÍSTICA E A PSICANÁLISE DE LACAN
Robert Rizzo Miranda da Silva (UENF)
[email protected]

RESUMO
Propõe-se através da exposição de conceitos linguísticos apropriados por Lacan
pela linguística estrutural de Saussure, pontuar semelhanças e diferenças entre a teo-
ria lacaniana e a saussuriana bem como de elementos como “linguagem”, “língua”,
“fala”, “significante”, “significado” e “signo”. Desta forma, pretende-se demonstrar
que frente à perspectiva epistemológica e ampla para o estudo da “linguagem” ofere-
cida pela linguística saussuriana, Lacan dela se serve como base inicial para a cons-
trução da sua própria concepção de linguagem, relacionada a Psicanálise. Por fim, o
presente trabalho pretende elucidar os diálogos, contribuições e atravessamentos res-
ponsáveis pela articulação da Psicanálise Lacaniana e a Linguística,
Palavras Chaves:
Psicanálise Lacaniana, Linguística, Saussure, Lacan

1. Introdução
As associações e questionamentos sobre a linguagem e Psicanáli-
se se derivam na cerce prática da Teoria Psicanalítica de Sigmund Freud.
Diante disso, Freud, por sua descoberta pode ser visto como precursor da
estrutura de discurso.
Desde os primórdios, seu saber e prática focaram sobre a questão
da palavra reprimida e sua formação no que ele denominava sintoma, no
inconsciente e no desenvolvimento do sujeito. Essas correspondências in-
trínsecas entre linguagem e Psicanálise, que são pautadas por Freud, po-
dem ser evidenciadas através da citação de (ARRIVÉ, 1999, p. 23), que
eleva a indagação:
A psicanálise não é nada mais do que um exercício de linguagem.
Todos os psicanalistas, finalmente, concordam implícita ou explicitamen-
te com isso, embora se sinta com estranheza que alguns deles resistem a
reconhecê-lo. Resistência cujas próprias forças é proporcional à evidência
dos fatos. Como evitar, então, uma conexão entre linguagem e inconsci-
ente? E como dispensar o encontro entre linguística e psicanálise? (AR-
RIVÉ, 1999, p. 23)

Seguindo a mesma linha de raciocínio (MILLER, 1996, p. 117),


elucida o território da psicanálise como o “campo da palavra”, posicio-
nando, desta forma, o gênese de uma nova ótica no campo da linguagem.

550 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Portando, com tal afirmação, a Psicanálise deve se constituir como um
campo do discurso.
Diante dos atravessamentos entre Psicanálise e Linguística, o psi-
canalista Jacques Lacan (1901-1981) é o pioneiro da releitura radical da
obra de Freud pela linguística, Filosofia e Antropologia, dentre outras á-
reas do saber. Com o trabalho interdisciplinar que o mesmo produzia, ele
redireciona a prática analítica pelo viés lingüístico, onde definiu que o
“inconsciente é estruturado como uma linguagem’’ (LACAN, 1998, p.
27).
Posto isto, para estruturar a Psicanálise permeada de conceitos pa-
ra além do inconsciente substancial, Lacan se baseia na ciência linguísti-
ca, que teve sua gênese através de estudos e experimentos do lingüista
Ferdinand de Saussure.
No início do século XX, Saussure publicou a obra Curso de lin-
güística Geral (1916), que viria a se tornar a pedra fundamental da lin-
guística moderna. Este postulava os fenômenos linguísticos, dentre eles,
a linguagem, fala, língua, significante, significado e signo. Para o autor,
a língua se constitui como:
Uma instituição social, parte determinada e essencial da linguagem.
Está acima dos diversos órgãos do corpo humano que a articulam, pois
existe uma faculdade mais geral, a que comanda os signos e que seria a
faculdade linguística por excelência. (SAUSSURE, 1978, p. 15)

Para tanto, o presente trabalho pretende debruçar sobre os atraves-


samentos entre a Psicanálise e a linguística, objetivando evidenciar as
semelhanças e divergências quanto aos conceitos estruturalistas origina-
dos por Saussure, posteriormente utilizados por Lacan para a produção
da Psicanálise pós Freudiana.

2. Metodologia
Este trabalho assume uma perspectiva qualitativa. Partindo da
proposta de se realizar uma reflexão teórica conceitual permeando ambos
conceitos citados acima. Para Britten (2011),
A qualidade da pesquisa qualitativa deve ser entendida nos termos
dos posicionamentos epistemológicos e ontológicos desse tipo de pesqui-
sa, e não por contraste com os fundamentos positivistas. (BRITTEN,
2011, p. 386)

Feita como deve ser, a pesquisa qualitativa é rigorosa, exige traba-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 551


lho intenso tais como revisão bibliográfica, leitura intensa, fichamentos
textuais, produção de estado da arte, pelo que consome muito tempo.
Não existem, no entanto, soluções fáceis ou mecânicas que possam ga-
rantir a ausência de erros como qualquer outra teoria, mas ela serve para
a sua finalidade específica.
Como método escolhido desta teoria, aplicou-se a revisão biblio-
gráfica. Para Silva e Menezes (2009), o trabalho utilizado da técnica de
revisão bibliográfica deve:
Abordar domínio teórico sobre o tema, quais as lacunas existentes e
os principais entraves teóricos. De acordo com o objetivo da pesquisa, a
revisão apresenta determinado conteúdo. (SILVA; MENEZES, 2009, p.
42)

A autora ainda segue sua linha de raciocínio explicando que a re-


visão bibliográfica é importante na obtenção de informações sobre a situ-
ação atual do tema ou problema pesquisado no conhecimento das publi-
cações existentes sobre o tema e os aspectos que já foram abordados; e
na verificação das opiniões similares e divergentes, além dos aspectos re-
lacionados ao tema ou ao problema de pesquisa. Silva e Menezes (2009).

3. Similaridades e diferenças entre “linguagem, língua, e fala” nas


teorias saussariana e lacaniana
Em meio suas teorias, Saussure postula a linguagem dividida em
dois campos distintos: o estudo da língua e o estudo da fala, sendo reser-
vada àquela o lugar de objeto por excelência da ciência linguística. A
língua é definida como “social em sua essência e independente do indiví-
duo” (SAUSSURE, 1978, p. 27).
Diante disso, “a língua não é considerada um objeto individual,
mas se fundamenta em seu uso coletivo, na junção do todo” (SAUSSU-
RE, 1978, p, 28) em continuidade, o autor apresenta que a mesma não
opera em nível consciente, pois o individuo não sabe como ele a adquire
nem de como ela se estrutura, ele apenas dela se serve, bem como, sem a
língua o individuo não se insere em contextos sociais, pois não consegue
se comunicar pelo meio linguístico compartilhado.
No que tange à “fala”, o teórico afirma que a mesma é “a parte
individual da linguagem com caracteres psicofísicos, sendo base concreta
da linguagem que é produzida pelo falante, a qual se assegura com a aju-
da [do] instrumento criado e fornecido pela coletividade” (SAUSSURE

552 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
1978, p. 29).
Posto a conceituação, Lacan se apropriou destes, porém lançou
mão da divisão entre “língua” e “fala”, em suas palavras: “Quer se pre-
tenda agente de cura, de formação ou de sondagem, a psicanálise dispõe
apenas um meio: a fala do paciente” (LACAN, 1998, p.248).
Em contexto analítico, a fala é o meio de descoberta e manejo de
conteúdos inconscientes, quando externados, possibilitam a cura do ana-
lisando por meio do dito. Lacan prosseguira, colocando o inconsciente
como passível da linguagem, como indica:
Mesmo que eu não saiba o que digo – só sei que não o sei, e não sou
o primeiro a dizer algo nessas condições, isso já foi ouvido – digo que a
causa disso só deve ser buscada na própria linguagem. O que eu acrescen-
to a Freud – ainda que isso esteja em Freud, patente, pois o que quer que
ele demonstre do inconsciente nunca é senão material de linguagem-, o
que acrescento é isso: que o inconsciente seja estruturado como uma lin-
guagem. Qual? Pois bem, justamente, procurem-na. (LACAN, 2009, p.
42)

Diante o exposto, evidencia-se que Lacan relacionou tais concei-


tos lingüísticos de Saussure, para além, adaptando a ‘’fala e língua’’ em
sua própria visão, e estruturando o inconsciente como uma linguagem,
mas causando um afastamento de alguns pontos de Saussure, ao eliminar
suas dicotomias.

4. “Signo, significado e significante” nas teorias saussariana e laca-


niana
Para Saussure, a “língua” – dentro do campo linguístico – é cons-
tituída por um “sistema de signos distintos” (SAUSSURE, 1978, p. 18), o
signo é formado por dois elementos complementares: o significante –
parte acústica da palavra – e significado –objeto designado.
Um signo se define por seu caráter diferencial, ou seja, só existe
por ser diferente de todas as outras possibilidades de signos. Essa defini-
ção de signo como diferença, abre caminho para que (SAUSSURE, 1978,
p. 32) desenvolva sua teoria baseada nas dicotomias que, por sua vez,
dão base a estudos “objetivos” da língua, inaugurando tais estudos como
ciência.
Portanto, o signo tem uma natureza psíquica e é a união do senti-
do e da imagem acústica, ou seja, do significado e do significante. Pode-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 553


-se entender como significado o sentido, o conceito ou mesmo a idéia de
alguma coisa. Seria a representação mental de algo.
Já o significante pode ser entendido como a imagem acústica:
“Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão
(empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o teste-
munho de nossos sentidos” (SAUSSURE, 1978, p. 80). É possível dizer
que o significante é a parte perceptível do signo e o significado a parte
inteligível.
Assim, o signo se parece a uma moeda com duas faces insepará-
veis, mas ao mesmo tempo interdependentes. O significado e o signifi-
cante estão unidos mentalmente por um vínculo de associação, mas em
uso individual, o sujeito se exprime por signos e significantes comuns,
mas através de significados particulares de seu aparato linguístico.
Lacan afirma que a formulação do ‘’algoritmo’’ S/s (significado e
significante) deve ser atribuída a Saussure. Porém causa divergência ao
afirmar que o “significante” ocupa uma “posição primordial” (LACAN,
1998, p. 500), além de estar separado do “significado” por “uma barreira
resistente à significação” (LACAN, 1998, p. 500).
Neste sentido, Lacan adapta o conceito de “significado e signifi-
cante” em sua obra, se fazendo da ruptura entre eles, em primazia do sig-
nificante, como aponta na explanação da Psicose:
Para explicar a psicose, Lacan separa e inverte o que em Saussure era
tido, o seu máximo grau de distinção, apenas como a face e o verso de
uma folha de papel, permitindo, assim, melhor configurar ou aperfeiçoar
o deslizamento da "cadeia" como processo independente e separado não
só do mundo referencial, como já queria Saussure, mas também do mun-
do do significado, até ali imediatamente vinculado ao significante. (AL-
MEIDA, 2004, p. 104)

Posto algumas convergências, Lacan se baseou na linguística e em


seus elementos, porém, não raro, sua teoria em alguns aspectos, divergiu
de Saussure, como demonstra o autor:
Em Lacan, embora haja, marginalmente, uma teoria do signo, [...]
não há articulação entre ela e o significante, a ponto de ser impossível,
por exemplo, na teoria lacaniana, dizer que o significante é um signo. Por-
tanto, o signo lacaniano é fundamentalmente diferente do signo saussuria-
no. (ARRIVÉ, 1999, s/p apud NÓBREGA, 2002a, p. 228)

Portanto, na concepção do signo, ao passo que este se diferencia


do “significado”, Lacan se distanciou e criou suas noções de fenômenos
Saussurianos, optando por um nova noção, fora das dicotomias tão laten-

554 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
tes em Linguística.

5. Considerações finais
Ao apresentar as concepções de conceitos linguísticos dos autores,
é notável a observação das compatibilidades quanto diferenças entre o
modo da teoria lacaniana e da saussuriana em compreender a função da
linguagem, da fala, da língua, do significante, e do significado, enfim, do
da linguística como um todo.
Quanto à divisão epistemológica proposta por Saussure entre
“língua” e “fala”, é possível encontrá-la em Lacan sob os conceitos de
“linguagem” e “fala”.
Pode-se ainda afirmar que o método estruturalista - o qual entende
que os signos se constituem e se diferenciam entre si apenas por oposi-
ção, e não por uma pretensa relação com a “realidade” – encontra-se no
fundamento do pensamento saussuriano e também do lacaniano.
Contudo, a compreensão de que o processo está intimamente liga-
do a uma cadeia de significantes, tem sua ruptura em Lacan, que elevou
hierarquicamente o significante em relação ao significado, ao tecer sua
teoria.
A separação realizada por Lacan entre significante e significado
representa um dos mais importantes desenvolvimentos da teoria psicana-
lítica pós-freudiana. Funciona para o analista como um instrumento efi-
ciente no processo de interpretação, permitindo-lhe uma escuta diferenci-
ada dos modelos psicológicos, utilizados como padrão de intervenção.
Desse modo, concluísse a extrema valia da apropriação de concei-
tos da linguística Sausurriana, pela Psicanálise de Jacques Lacan, para a-
lém uma ferramenta de compreensão psicológica, oportunizando um diá-
logo transversal das áreas do saber.

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556 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
UM OLHAR ÉTNICO-RACIAL NAS PRÁTICAS DE
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: A CONSTRUÇÃO
IDENTITÁRIA E DISCURSIVA
Katiuscia Lucas Severino (FFP-UERJ)
[email protected]

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo trazer uma análise dos processos de ensino–apren-
dizagem de língua materna na construção discursiva dos alunos da educação básica no
Nível Fundamental, sobretudo da escola pública. A dissertação visa, fundamentalmen-
te, a abordar a investigação de o porquê de os processos de letramento não surtirem
efeito nesse corpus estudado, eivando como problematização a inaplicabilidade de gê-
neros textuais que constituam a identidade das comunidades de fala que passam pelo
processo de ensino. Numa perspectiva racial e social preponderantes, este objeto de es-
tudo pretende associar as aulas de língua portuguesa ao combate ao racismo estrutu-
ral em que a sociedade brasileira está imersa, fazendo com que os alunos, que são se-
gregados pela nulidade de sua linguagem, possam se entender com produtores discur-
sos válidos e construtores de sua própria identidade.
Palavras-chave:
Racismo. Relações étnico-raciais. Construção Identitária e discursiva.

1. Inquietações e investigações sobre o processo linguístico-discursivo


nas aulas de língua portuguesa
A abordagem a qual será feita aqui é fruto de um ensaio que parte
de uma profunda inquietação sobre o processo de ensino da língua portu-
guesa na educação básica, principalmente, no enfoque da escola pública.
A observação e a crítica constantes das dinâmicas em que se dão esse
mesmo processo criaram questionamentos sobre a própria prática docente
realizada, que mesmo sob um novo paradigma de ensino69 (ou sua tenta-
tiva) continuava a estabelecer exclusões, insucessos ou reproduções de
ações que já se pensava terem sido superadas.
Considerando a língua em seu fundamental papel social, é de fato
– e urgente – perceber os motivos que levam determinados grupos sociais
a não se sentirem capazes, habilitados, confiantes e reconhecedores de si
como produtores de comunicação discursiva, seja em suas realizações

69
Esse paradigma se refere às reconstruções de ensino até sua consolidação no que se con-
figurou como ensino de língua a partir dos gêneros textuais e as habilidades e competên-
cias descritas nos PCN’S de língua portuguesa (1998), que configura objeto de uso hoje.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 557


orais ou escritas, tendo nesta a maior carga de autodepreciação.
Os estudos acerca da promoção de uma prática de ensino de lín-
gua que atenda aos usos reais vêm sendo desenhados por meio de diver-
sos movimentos de pesquisas linguísticas. O fato é que se depreendeu e
difundiu-se nesses últimos anos a necessidade de entender o ensino como
uma prática não mais descritiva-prescritiva, incorporando à educação
linguística diversas reorientações dos métodos já tão desgastados (BE-
ZERRA, 2010, p. 39-40).
Remetendo-se a uma educação tradicional, baseada na prescrição
da língua, era muito comum a ação mecânica e nada dialógica de catego-
rizar e conceituar elementos da língua de forma isolada, separando as re-
lações morfológicas, sintáticas e semânticas, por exemplo. Todos esses
movimentos objetivavam o uso exemplar da língua70, a fim de fazer com
que houvesse uma modelagem do uso para um formato ideal (SANTOS,
2007, p. 13).
Com a constatação que havia um abismo entre uso e padrão nor-
mativo (na forma convencional clássica), atentando-se para os processos
históricos de evolução natural de uma língua (que é viva e está em cons-
tante formulação para atender seu tempo), as práticas de letramento, en-
tendidas como “ um processo de aprendizagem social e histórica da leitu-
ra e da escrita em contextos informais e para usos utilitários” (MAR-
CUSCHI, 2010, p. 21) era uma proposta mais que palpável ao ensino,
uma forma de sair das ações isoladas e desconexas do ensino vigente.
Nesse sentido, a incorporação desse paradigma de ensino por
meio do letramento propunha que os professores se libertassem de raízes
profundase entranhadas71, inclusive, pautadas em teorias de sua própria
formação acadêmica. Desse modo:

70
O termo uso exemplar foi (e ainda é) muito difundido para categorizar a linguagem de
prestígio estabelecida como padrão normativo. Entende-se que nessa busca por uma lin-
guagem que nivela os grupos sociais, diversos mecanismos de poder são usados na trans-
figuração e modelagem das realizações discursivas dos produtores da língua.
71
O que se entende da metáfora “raízes profundas” e o fato de elas serem entranhadas é a
perspectiva historicamente construída de um ensino de língua pautado na normatização
transfigurada à aquisição de uma realização artificial de linguagem que desconsidera o
processo e seus participantes. Mais à frente, será proposta a forma como as relações de
poder na formação da sociedade criaram esse enraizamento e a relutância em conceber a
proporção da mudança nas práticas.

558 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Não serão primeiramente as regras da língua nem a morfologia os
merecedores de nossa atenção, mas os usos da língua, pois o que determi-
na a variação linguística em todas as manifestações são os usos que faze-
mos da língua. São as formas que se adequam os usos e não o inverso.
Pouco importa que a faculdade da linguagem seja um fenômeno inato, u-
niversal e igual todos, à moda como de um órgão como o coração, o fíga-
do e as amígdalas. E isto que nós fazemos será objeto central de nossa in-
vestigação neste momento. Trata-se de uma análise de usos e práticas so-
ciais e não de formas abstratas. Estas, as formas, estarão sendo analisadas
a serviço daqueles, os usos, e não o contrário. (MARCUSCHI, 2010. p.
16)

Já que as práticas tomavam novos rumos72 – o de conceber as in-


terações sociais e a forma como elas se dariam no processo discursivo-
era também necessário estabelecer de que forma esse ensino seria abor-
dado para ocorrência de atividades que eivassem as manifestações lin-
guísticas reais e não mais puramente abstratas (SCHNEUWLY, 1997
apud SANTOS, 2007, p. 15). Para KOCH (201, p. 15), é a concepção de
língua como lugar de interação em que os sujeitos ativos produzem e re-
produzem suas interações discursivas a partir de suas construções sociais,
históricas e ideológicas.
Assim, os textos – enquanto gêneros discursivos (textuais) – são
elencados como o instrumento de verdadeira realização linguística e o
meio em que se desenvolve a competência sociocomunicativa dos seus
produtores, uma vez que as realizações diárias de interação comunicativa
não se dão de forma desconectadas e fragmentadas, portanto:
Swchneuwly e Dolzhipotetizam que é através dos gêneros – vistos
como formas relativamente estáveis tomadas pelos enunciados em situa-
ções habituais, entidades culturais intermediárias que permitem estabilizar
os elementos formais e rituais das práticas de linguagem- que essas práti-
cas se encaram nas atividades de aprendizagem, justamente em virtude de
seu caráter intermediário e integrador. Por isso, eles são um termo de refe-
rência intermediário para a aprendizagem, uma ferramenta que fornece
um suporte para a atividade nas situações de comunicação e uma referên-
cia para os aprendizes. (SCHNEUWLY; DOLZ apud KOCH, 2011, p. 56)

72
Compreende-se “novos rumos” pela ideia pautada nas interações sociais dos processos de
letramento com teorias que se iniciam no fim da década de 70 e toda a década de 80, ten-
do seu constante desenvolvimento até a formulação de propostas na década de 90. E que
são, ainda, a base teórica e das discussões atuais acerca do ensino de língua, que vêm
sendo expandidas e reformuladas criticamente (SANTOS, 2007, cap.1 p. 17-9) Contudo,
há hoje a observância de que é preciso a expansão destas teorias sob uma nova perspec-
tiva paradigmática histórica das relações de poder da sociedade e à observância se, real-
mente, a proposta como foi apresentada, realmente se deu de fato e por que ela não ob-
teve o sucesso esperado depois de tantos anos. (Grifo meu)

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 559


Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s, 1998) – ao refe-
renciar o uso dos gêneros textuais como instrumento de ocorrência do
ensino da língua – formaram, portanto, um importante documento orien-
tador das práticas. Para além de tópicos metodológicos, por meio dele, é
possível entender os motivos que fazem com que os professores busquem
modificar seus métodos, compondo-se um suporte analítico-reflexivo
conjuntamente.
Contudo, o instrumento não é um fim em si mesmo e, apesar de os
PCN’s trazerem questões como identidade, contexto histórico-social e
ideológico, realizações comunicativas e seus espaços de ocorrência, dico-
tomia clássica a ser superada entre linguagem de prestígio e estigmatiza-
da, fuga dos processos normatizadores, entre tantas outras análises, mui-
tas de suas indicações podem levar o professor a recair na mesma prática
engessada por meio de dois movimentos: o da tradição (raízes profundas
e entranhadas) e o da generalização do espaço escolar e dos produtores
de discursos ali presentes.
Pensando na tradição, os gêneros já vinham - e continuam - sendo
usados como instrumentos de reprodução de modelos elencados como ti-
picamente escolares (DOLZ e SHNEUWLY 1995 apud SANTOS,2007-
p. 15), ou seja, havendo uma valoração do que pode (deve) entrar nos es-
tudos da língua, continuando a servir como base para um movimento,
prioritariamente, descritivo-prescritivo. Quando se trata de produção, o
que se observa é a cópia fiel do gênero bem como sua transfiguração para
o padrão normativo, seja a qual esfera ele pertença. Assim, pensar no en-
sino pelo gênero requer mais que nunca entender que:
Não se trata de modelos de bons textos, como modelos a serem imi-
tados, nem textos previamente elaborados ou desnaturalizados para serem
trabalhados na escola. Antes, pressupõe que, para constituir habilidades
de uso um determinado gênero textual, o aluno deve ser posto em contato
com um repertório textual do gênero e que lhe sirva de referência. (SAN-
TOS, 2007, cap.1 p. 24)

No movimento de generalização do espaço escolar, é imprescin-


dível entender que não se pode excluir a própria sala de aula como um
grande gênero discursivo, a priori, onde seus sujeitos numa interação
constante traçam estratégias para ocorrência e construção daquele texto.
E, sendo o gênero discursivo (textual) de natureza “relativamente estável
enunciativamente” (BAKTHIN [1953], 1992 apud KOCH, 2011), a sala
de aula terá seus requisitos fixos, mas também conterá os seus sujeitos
historicamente construídos por concepções culturais e ideologias que os

560 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
cercam.
Nesse sentido, podemos falar em pluralidade e ações interculturais
que perpassam a formação desse gênero, para o abandono de concepções
universais tão consolidadas em sua construção, fazendo com que a inter-
culturalidade desse espaço faça “promover uma educação para o reco-
nhecimento do ‘outro’, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e
culturais” (CANDAU, 2008, p. 52).
Para além dos gêneros clássicos73 abordados nas aulas, é preciso
entender que, apesar de a escola ser um espaço de conhecimentos novos
e de expansão das dinâmicas de interação por meio da linguagem, ela não
pode anular a própria produção de conhecimento que é intrínseca àquele
mesmo espaço. Não se pode mais desprezar a formação histórica, cultu-
ral, ideológica do próprio espaço escolar personificado nas relações de
seus produtores. A escola, ainda que seja um instrumento vivo de apren-
dizagem, tende a anular seu contexto de produção e as formas de lingua-
gem ali presentes em nome da boa e velha tradição.
Com isso, o que se quer afirmar é a necessidade de se fazer uma
reflexão sobre os motivos de tantos movimentos e produções intensas pa-
ra a mudança do ensino de língua não terem surtido o efeito desejado ao
longo desses últimos anos, sobretudo, no que esse refere a alunos de es-
colas públicas74 de periferias e subúrbios ou ainda de alunos que perten-
çam a classes sociais inferiores que coabitam os espaços de maior prestí-
gio.
Há de se presumir, e é o que será proposto aqui, a existência de
outros mecanismos de influência que vão além da estratégia universal de
ensino aplicada a todos os alunos, como um método homogeneizador das
produções discursivas. O que se desenvolverá neste ensaio é um olhar

73
Entendem-se por gêneros clássicos os costumeiramente aplicados nas aulas que envol-
vem sequência típicas tipológicas narrativas, dissertativas e argumentativas como priori-
dade (SCHNEUWLY, 1997 apud SANTOS, 2007, p. 15). Compreende-se conjuntamen-
te que são os grupos textuais que carregam maior noção de prestígio pelos seus ambien-
tes de circulação elitizadas e elegidos como uma escrita que deve ser assimilada. (grifo
meu)
74
O PNAD contínua 2016 aborda que 9,9 por cento da população analfabeta é negra (IB-
GE, 2016). O censo 2018 indica que 75% da Educação de jovens e adultos no nível fun-
damental e 63% do nível médio é também negra. Este último dado aponta que a defasa-
gem idade-série para os negros é imensamente maior que para brancos. O que remete a
um outro dado: o da evasão escolar (INEP, 2018).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 561


aguçado da relação entre o ensino de língua e os que estão diretamente
ligados ao processo de aprendizagem na forma como eles interagem e se
observam dentro dessa relação.
Com isso, o ensino repousará na identidade de seus produtores,
respeitando suas essências, seus meios de produção, sua concepção de
linguagem bem como analisando as formas de negação de espaços dis-
cursivos legítimos, as formas de preconceito e estigmatização de suas
práticas linguísticas. E, por fim, como essas relações do ensino de língua
universal reproduzem o status quo paradigmático das relações de poder
por meio da linguagem.
A proposta aqui residirá nas relações raciais, prioritariamente, e
como se desmembram na estruturação social. O principal objetivo é
transformar essa inquietude sobre o ensino de língua a partir da investi-
gação de como se dá esse mesmo processo, pesquisando como fazer com
que as concepções linguísticas sejam aplicadas sem continuar a promover
a invisibilidade de diversas comunidades de produção discursiva e a não
inserção delas na sociedade por meio de um abismo linguístico que des-
considera a história de produção de seu próprio território e de seu povo.

2. Por uma educação antirracista

“A primeira atitude corajosa que devemos tomar é a


confissão de que nossa sociedade, a despeito das dife-
renças com outras sociedades ideologicamente aponta-
das como as mais racistas (por exemplo, Estados Uni-
dos e África do Sul), é também racista. Ou seja, despo-
jarmo-nos do medo de sermos preconceituosos e racis-
tas. Uma vez cumprida esta condição primordial, que
no fundo exige uma transformação radical de nossa es-
trutura mental herdada do mito de democracia racial,
mito segundo o qual no Brasil não existe preconceito
étnico-racial e, conseqüentemente, não existem barrei-
ras sociais baseadas na existência da nossa diversidade
étnica e racial, podemos então enfrentar o segundo de-
safio de como inventar as estratégias educativas e pe-
dagógicas de combate ao racismo.” (MUNANGA,
2005, p. 18)

O mito da democracia racial que percorre o território brasileiro é


um dos grandes paradigmas a ser esmiuçados quando se pensa em fazer
educação formal. Colocando a escola como o primeiro grande espaço so-

562 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ciabilizador do indivíduo, em que este vai ao (de) encontro do diferente e
do seu próximo - seja em convicções, ideias, costumes, valores - é pre-
ciso, mais que nunca, entender o tamanho da importância das relações es-
tabelecidas neste espaço e como elas se dão.
Observando este lugar de conflitos iniciais, em que se desmem-
brarão outros conflitos e suas mediações, onde haverá mútua interação e
aprendizado, percebe-se, diante de todas essas relações, a escola como
um grande campo da diversidade, mas que se apresenta também como o
maior ambiente de propagação de políticas racistas implementadas ao
longo de séculos desde o fim da escravidão. “O sistema educacional [bra-
sileiro] é usado como aparelhamento de controle nesta estrutura de dis-
criminação cultural. Em todos os níveis do ensino brasileiro – elementar,
secundário, universitário” (NASCIMENTO, 1978 apud SANTOS, 2002,
p. 23).
Com fim do processo escravocrata no Brasil, diversas teorias fo-
ram pensadas para continuar reproduzindo as relações que sintetizavam o
povo negro numa visão submissa e inferior aos brancos. Num primeiro
movimento houve a tentativa de apagar as marcas profundas da escravi-
dão e a presença do negro no país, propondo uma ação de embranqueci-
mento da população (JACCOUD, 2008, p. 50).
Essa ação vinha pautada fortemente por teorias sociológicas e ci-
entíficas, inclusive abordadas em grandes obras literárias, ainda estuda-
das como clássicos nos currículos escolares, seja na formação acadêmica
dos professores ou na educação básica. Tomemos como explicitação da
ação Souza (2005), a qual menciona que:
A famosa coleção de Monteiro Lobato, tão valorizada pelos educado-
res e, sem dúvida, por mérito. Mas não podemos deixar de observar, nes-
ses textos, uma intensa carga racista e discriminatória explícita e direta.
(SOUZA, 2005)

A teoria do embranquecimento é gradativamente substituída pela


ideia de que como o território brasileiro era composto da tríade índio-
português- africano, nela não havia separação racial, mas a propagação
do ideário de que todos eram vistos da mesma forma pela sociedade. U-
sa-se a formação histórica da identidade territorial, totalmente desprezada
no processo colonial, para instaurar o que vigora até os dias atuais: o mi-
to da democracia racial. Assim,
O racismo no Brasil é alicerçado em uma constante contradição. A
sociedade Brasileira sempre negou insistentemente a existência do racis-
mo e do preconceito racial mas no entanto as pesquisas atestam que, no

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 563


cotidiano, nas relações de gênero, no mercado de trabalho, na educação
básica e na universidade os negros inda são discriminados e vivem numa
situação de profunda desigualdade racial quando comparados com outros
segmentos étnico-raciais do país. (GOMES, 2005, p. 46)

Instaurado o abismo racial nas relações da sociedade brasileira,


que insistia (e ainda persiste) em negá-lo, os coletivos negros de resistên-
cia começam a surgir, iniciando um processo de luta pelos direitos essen-
ciais da população negra. Na década de 80, consolida-se o Movimento
Negro e, a partir de suas pautas de resistência, dão-se muitos passos, in-
clusive para educação, que marginalizava – e ainda permanece margina-
lizando – a população negra enquanto processo formal nas escolas75, seja
na sua entrada, seja na sua permanência (JACCOUD, 2008, p. 59).
O que se percebe do sistema educacional é que, apesar de ser visto
como forma de ascender socialmente dentro dessa sociedade estratifica-
da, para os negros brasileiros, ela se torna mais um mecanismo de repro-
dução das práticas colonialistas que não deixaram de ser exercidas mes-
mo depois do processo de descolonização, pois “a educação formal não
era só eurocentrista e de ostentação ao Estados Unidos da América, como
também desqualificava o continente africano e inferiorizava racialmente
os negros” (SANTOS, 2005, p. 22).
Dentro desse cenário de superação do mito da democracia racial e
de tornar a escola um espaço legítimo de combate e não de reprodução de
racismo, a Lei 10.639 (2003) que torna obrigatória o ensino de história e
da cultura afro-brasileira bem como as diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) instauram medidas de lega-
lidade fundamentais para inverter uma educação que despreza as raízes
culturais de composição de seu território e exclui os seus habitantes pelo
menosprezo e apagamentoda história que carregam.
Pautas como resgate da identidade, reconhecimento da história de
resistência por meio da linguagem e suas influências na composição lin-
guística do português brasileiro, das relações reformuladas neste territó-

75
Nesse primeiro momento eiva-se as dificuldades de inserção e permanência na educação
básica, vislumbrando que os processos de discriminação racial são tão latentes e estrutu-
rais que, para esse período, seria praticamente fantasioso mencionar a questão educacio-
nal no nível da superior. Neste sentido, a luta contínua e incansável dos movimentos tra-
rá mais à frente as cotas como forma de viabilizar a entrada da população negra nas uni-
versidades.

564 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
rio, das narrativas e heranças da oralidade, reconhecimento da diversida-
de dos povos, superação do racismo por meio das práticas afirmativas de
inserção do povo negro em espaços negados, e tantos outros movimentos
de afirmação cultural, histórica e identitária compõem o documento legal
(DCN para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, 2004).
Práticas que vêm sendo propostas de implementação há aproxi-
madamente 15 anos, produzindo resultados importantes, mas que preci-
sam ser expandidos urgentemente dentro do ideário escolar, superando a
ideia da discussão e abordagem desses temas para meros fins de datas
comemorativas, conforme a própria lei propõe.
Os movimentos que se inclinarem a realizar dentro do espaço es-
colar uma educação antirracista devem partir da ideia de que o racismo
no Brasil é estrutural. Portanto, irá se verificar formas de sua perpetuação
desde às que são invisíveis aos olhos de muitos da sociedade, por meio
de práticas simbólicas de colonialidade, até as formas mais evidentes da
negação da ação racista (aquelas enraizadas, vistas como brincadeiras ou
“coisas” comuns do cotidiano), todas com naturalização nas relações de
poder existentes do branco sobre o negro.
Pensando nessa relação de subordinação das heranças coloniais,
eiva-se o conceito de (de) colonialidade trazido pelo grupo latino “Mo-
dernidade e Colonialidade”76. Os países que sofreram com a colonização
carregam em si essa noção de amarras fundamentadas pelo colonialismo
que, mesmo após o fim da colonização, mantém-se atrelados pelos laços
de “subalternidade” e exploração estabelecidos nas relações de poder pe-
lo domínio do ser e do saber. Sendo assim, a colônia se finda, mas o que
permanece no território são as mesmas reproduções eurocentradas e seus
pensamentos acerca da formação da sociedade. Segundo o grupo:

76
Grupo formado para viabilizar a pesquisa sobre os processos de subalternização das soci-
edades pós-coloniais. “O grupo é formado predominantemente por intelectuais da Amé-
rica Latina e apresenta caráter heterogêneo e transdisciplinar. As figuras centrais desse
grupo são: o filósofo argentino Enrique Dussel, o sociólogo peruano Aníbal Quijano, o
semiólogo e teórico cultural argentino-norte-americano Walter Mignolo, o sociólogo
porto-riquenho Ramón Grosfoguel, a linguista norte-americana radicada no Equador Ca-
therine Walsh, o filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado Torres,o antropólogo co-
lombiano Arturo Escobarentre outros.Cabe ressaltar que esse grupo mantém diálogos e
atividades acadêmicas conjuntas com o sociólogo norte-americano Immanuel Wallerste-
in” (CANDAU; OLIVEIRA, 2010, p. 17).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 565


O termo faz alusão à invasão do imaginário do outro, ou seja, sua o-
cidentalização. Mais especificamente, diz respeito a um discurso que se
insere no mundo do colonizado, porém também reproduz o lócus do colo-
nizador. Nesse sentido, o colonizar destrói o imaginário do outro, invizi-
bilizando-o e subalternizando-o, enquanto reafirma o próprio imaginário.
Assim a colonialidade do poder reprime os modos de produção de conhe-
cimento, os saberes, o mundo simbólico, as imagens do colonizado e im-
põe novos. Opera-se, então, a naturalização do imaginário do invasor eu-
ropeu e a própria negação e o esquecimento de processos históricos não-
europeus. Essa operação se realizou de várias formas, como a sedução pe-
la cultura colonialista, o fetichismo cultural que o europeu cria em torno
da sua cultura, estimulando a forte aspiração europeia por parte dos sujei-
tos subalternizados. (QUIJANO, 2005 apud CANDAU; OLIVEIRA,
2010, p.19)

Pautadas na análise desses conceitos e da relação histórica racista


da sociedade brasileira, pode-se perceber como as formas de racismo se
manifestam intensamente nos diversos espaços, e como é urgente transfi-
gurar o ambiente escolar de perpetuação da divisão racial para uma edu-
cação antirracista que, se de fato implementada, proporcione não só a va-
lorização do povo negro e sua recolocação nos espaços de produção soci-
ais bem como faça a sociedade branca brasileira desconstruir esse “feti-
chismo” eurocêntrico, como afirma o Grupo Latino, estabelecendo, por-
tanto, uma sociedade mais justa e igualitária. Sendo assim:
Para que a escola consiga avançar na relação entre saberes escolares/
realidade social/diversidade étnico-cultural é preciso que os(as) educado-
res(as) compreendam que o processo educacional também é formado por
dimensões como a ética, as diferentes identidades, a diversidade, a sexua-
lidade, a cultura, as relações raciais, entre outras (...) Dessa maneira, po-
deremos construir coletivamente novas formas de convivência e de res-
peito entre professores, alunos e comunidade. É preciso que a escola se
conscientize cada vez mais de que ela existe para atender a sociedade na
qual está inserida e não aos órgãos governamentais ou aos desejos dos e-
ducadores. (GOMES, 2005, p. 149)

E a instituição de um movimento por uma educação que se pense


antirracista parte da reflexão à constatação, da constatação à reflexão no-
vamente, para então à observação das práticas e suas reformulações. Isso
porque “Ainda encontramos muitos(as) educadores(as) que pensam que
discutir sobre relações raciais não é tarefa da educação. É um dever dos
militantes políticos, dos sociólogos e antropólogos” (GOMES, 2005, p.
149).
O que se quer dizer é que há um imediatismo em repousar-se so-
bre as relações dadas naqueles espaços, reconhecendo-os como promoto-
res de segregação racial por meio de seus instrumentos simbólicos: sejam

566 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
aparatos consolidados no processo de ensino, como teorias e os próprios
livros didáticos, a saber. Sejam nas interações entre os sujeitos e suas
concepções historicamente formadas, principalmente dos educadores –
que compõem uma menção hierárquica no processo de ensino.
Aludindo ao papel fundamental do professor nessa implementação
de uma educação antirracista, Gomes (2005) observa que “ao tratar da
temática racial, alguns docentes usam de uma compreensão deturpada de
autonomia para reproduzir e produzir práticas racistas”. E desse modo
propõem a reflexão: “Que tipo de profissionais temos sido?”
E é para cumprir esses caminhos nada simples que este ensaio le-
vanta questões profundas do processo formativo da sociedade brasileira,
pensando na escola como um espaço legítimo de combate ao racismo es-
trutural, já que é o ambiente em que se dão relações fundamentais de a-
prendizado para convivência social.
Observando o conceito trazido pelo grupo latino e interseccionan-
do-o com outro: a interculturalidade crítica abordada por Catherine Wal-
sh, também integrante do grupo; pode-se estabelecer relações fundamen-
tais para a construção da superação dessa colonialidade do ser que ali-
menta e fundamenta as práticas racistas. É sob esse prisma decolonial
que os caminhos traçados nesta proposta repousam suas reflexões.

3. Um olhar na prática
As inquietantes reflexões sobre os caminhos que vinham sendo
moldados acerca de como os alunos se deparavam, reagiam com as aulas
de língua Portuguesa e se desenvolviam nelas vão sendo clarificadas ao
ponto que a investigação promove a necessidade de se considerar que as
práticas docentes não podem deixar escapar um olhar mais amplo, crítico
e sensível a questões histórica e socialmente construídas: um olhar étni-
co-racial.
Nesse sentido, falar de prática é retomar conceitos que precisam
superar a mera reprodução de modelos, considerando todos os envolvi-
dos como sujeito de suas aprendizagens. Para tal, retomaremos Freire
(2002) que elucida:
É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que
o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, as-
sumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença de-
finitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 567


possibilidades para a sua produção ou a sua construção. (FREIRE, 2002,
p. 12)

A crítica maior sobre a transferência de um conhecimento repousa


na ideia de que, ao encararmos um ensino que deve depositar conheci-
mentos num sujeito, despreza-se toda história de vida, toda a sua forma-
ção cultural, seus valores e seu papel ativo na sociedade. Foi o que o
Freire (1994) tratou como Educação Bancária77, e vale aqui a servir de
ponto de partida para se tecer um paralelo com a reflexão do que os pro-
fessores vêm se propondo a desenvolver em suas aulas de língua portu-
guesa.
A partir do levantamento problematizador desses dois conceitos
sobre a prática – todos são sujeitos do processo ensino-aprendizagem e
os sujeitos não estão vazios, ao contrário estão imersos e transbordantes
de conhecimentos – questiona-se: como se dará esse ensino, uma vez que
aqueles que supostamente foram ali para ensinar, estão agora numa posi-
ção de também aprendizes?
E para o propósito deste ensaio, de que modo não excluir as vi-
vências, a identidade racial e social do aluno, o processo de aquisição da
escolarização; e que estratégias, reformulações e análises sobre a prática
podem ser feitas para implementar uma educação antirracista, a única
forma de diminuir os abismos que segregam a maior parte da população
brasileira78 hoje e, consequentemente, a mesma que está nas escolas pú-
blicas de ensino, à margem do processo escolar formal?
Longe de trazer um manual com práticas, o que se vêm se dese-
nhando nessas linhas são propostas iminentes dos objetivos de se ensinar
uma língua em suas múltiplas formas de realização (e o que vai se ensi-
nar de fato) e de como esse processo se revelará, de modo que os envol-
vidos no processo não sintam desprezados, porque não veem representa-
tividade, não sentem produtores de discurso, tampouco estão inseridos no
sistema intelectual e simbólico de uso da linguagem. Assim, vemos que:
Pessoas não são livres para falar e escrever quando, onde, para quem,
sobre o que ou como elas querem, mas são parcial ou totalmente contro-

77
De acordo com FREIRE (1994), a educação bancária é aquela que deposita, transfere e
transmite conhecimentos, servindo para propagar a opressão e a cultura do silêncio.
78
Segundo o censo do IBGE 2016, a população brasileira, diferentemente de 2010, está au-
todeclarada como maioria negra, tendo pardos e pretos totalizando 54,9 por cento dos
habitantes do Brasil.

568 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
ladas pelos outros poderosos, tais como o Estado, a polícia, a mídia ou a
empresa interessada na supressão da escrita e da fala (tipicamente crítica).
Ou ao contrário, elas têm que falar ou escrever como são mandadas a falar
ou escrever. (DIJK, 2008, p. 18)

O que DIJK (2008) aponta em seus estudos de análise crítica do dis-


curso são as formas como as relações de poder (abuso) se dão na socie-
dade por meio da linguagem, principalmente na perspectiva racista sob
enfoque na mídia e suas formas de controle das mentes. Valendo-se das
análises dos seus estudos, como os professores, numa aula de língua, po-
deriam tratar as notícias veiculadas acerca da figura da população negra,
elucidando essa estratégia de abuso de poder por meio da linguagem?
Aponta-se a direção de que o uso é campo ideológico e histórico, lo-
go é preciso que se valha dele para além de uma simples categorização
de nomenclaturas, desprezando a real função de sua existência. Desse
modo,
Uma coisa é estudar formalmente, por exemplo, os pronomes, as es-
truturas argumentativas ou movimentos de interação conversacional e ou-
tra coisa é fazê-lo com igual rigor como parte de um programa de pesqui-
sa mais complexos que mostram como tais estruturas podem contribuir
para reprodução do racismo ou sexismo na sociedade. (DIJK, 2008, p. 16)

E para a expansão dessa reflexão, que textos podem percorrer as


aulas para que se haja uma desconstrução dos perfis socioidentitários de
cunho racistas formados desde o processo de colonização? Bem como, é
fundamental pensar na abordagem em que, optando pelos clássicos os
quais tragam essas mesmas cargas pejorativas do período da escravidão e
do pós-libertação para atender os processos de apagamento da comuni-
dade negra, como abordá-los?
Para mensurar o tamanho e a profundidade desse ensaio que fala
de exclusão, invisibilidade e perpetuação da segregação racial por meio
da linguagem, toma-se a forma como vem operando ao longo de todos
esses anos de história racista o ensino e o uso da língua. Há vários termos
que carregam significados pejorativos e humilhantes amplamente traba-
lhados em textos, sejam eles clássicos ou atuais, bem como no vocabulá-
rio escolar corrente entre os profissionais, sobretudo professores em ati-
vidade de aula. Souza (2005) aponta que:
Não podemos desconsiderar que esta polaridade relacional (do branco
com o bem e/ou o bom, e do negro com o mal e/ou ruim) tende a reforçar
as representações sociais pejorativas e estigmatizantes no que tange aos
conceitos e concepções relativos aos negros e negras, na linguagem popu-
lar, nas expressões da grande imprensa e até nas falas de educadores e e-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 569


ducadoras.Imagine-se uma sala de aula com crianças ou adolescentes que
estão fazendo um trabalho de classe e deparam-se com este tipo de con-
ceituação em um dicionário, livro ou texto. Como reagirão essas crianças?
O que acontecerá com a autoidentificação de cada uma delas? É indispen-
sável que diante de tais realidades o professor intervenha com vistas a
desmistificar essas concepções errôneas. (SOUZA, 2005, p. 107)

Ainda repousando sobre a identidade dos alunos e seu reconheci-


mento dentro das literaturas abordadas, uma análise fundamental no en-
sino de língua é avaliar como se dá a dinâmica da produção discursiva
contida nelas e quanto elas carregam de branquitude79. Para auxiliar a re-
flexão, menciona-se, novamente, DIJK (2008) quando propõem os ques-
tionamentos: “quem tem acesso à (produção da) notícia ou aos progra-
mas e quem controla tal acesso? Os realases de quem estão sendo lidos e
usados? Quem está sendo entrevistado e citado?”. Perguntas que expan-
didas, respondem muito sobre o domínio de produção dos discursos.
No mesmo contínuo investigativo, deve-se observar as (poucas)
obras trazidas em que haja personagensnegros, no sentido de sensibilizar-
se para como é que são vistos (em seus papéis sociais) e como são trata-
dos(na questão física e psicológica) essas personagens; e incomodar-se
com a negação da entrada na escola das obras que se originam de autores
negros. Para além do conteúdo, repousar criticamente na escolha e na a-
bordagem deste material em suas consequências,compreendendo que:
A presença dos estereótipos nos materiais pedagógicos e especifica-
mente nos livros didáticos, pode promover a exclusão, a cristalização do
outro em funções e papéis estigmatizados pela sociedade, a auto-rejeição
e a baixa auto-estima, que dificultam a organização política do grupo es-
tigmatizado. O professor pode vir a ser um mediador inconsciente dos es-
tereótipos se for formado com uma visão acrítica das instituições e por
uma ciência tecnicista e positivista, que não contempla outras formas de
ação e reflexão. (SILVA, 2005, p. 24)

Já que se mencionou a produção literária e a forma como ela pode


anular ou resgatar a identidade do aluno, no livro “Na Minha Pele” do
escritor e ator Lázaro Ramos, há uma narrativa singela, plural e totalmen-
te voltada aos aspectos de descoberta identitária do ser negro no Brasil. O

79
Explicando o conceito de branquitude, reporta-se à Petronilha (2007) que ao mencionar
Piza(2000) e Tatum (2003) diz que: “realizados em contextos diferentes, são esclarece-
dores quando mostram que pessoas brancas não costuma sentir-se pertencentes a um
grupo étnico-racial, ou dão pouca atenção para sua identidade racial, uma vez que viver
como branco é a norma aceita pela sociedade”. Portanto, ao falar em branquitude se refe-
re a essa hierarquização do branco com seus valores sobre as demais etnias.

570 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
livro que se estrutura como autobiografia (mas negada estilisticamente
pelo próprio autor) tece uma rede de relações afetivas e de luta na busca
desse encontro com seu lugar social. Segundo o próprio autor:
É uma narrativacapitaneada por mim, mas que conta com a contribui-
ção de uma série de personagens(...) São pessoas de diferentes idades,
profissões, gênero e religiões(...) Não sou um acadêmico ou um pensador
com trabalhos voltados para esta temática, e nunca pretendi expor aqui
um estudo, mesmo que informal, sobre as questões raciais no Brasil(...) a
linha que costura esse livro é a minha formação de identidade e consci-
ência sobre esse tema, Mas que, no fundo, é só um artifício para falar de
todos nós. (RAMOS, 2017, p. 8)

A abordagem discursiva feita na obra trata de questões latentes a


serem discutidas na sociedade, abrangendo um gênero textual muito co-
mum nas salas de aula de língua portuguesa, pondo-se, inclusive numa
abordagem formal da língua. Em um contínuo de exemplo de textos que
podem ocorrer no ensino, a obra “Quarto de despejo” de Carolina Maria
de Jesus trará também, agora numa linguagem muito menos afetuosa e
mais sofrida, a mesma relação de busca por identidade e autorreconheci-
mento dentro da sociedade.
A obra conhecida como “O diário de uma favelada”, vai revelar
essa busca escritora (de um grupo segregado por questões raciais) pelo
reconhecimento através das palavras, que inclusivemostra a tentativa de
aproximação com o padrão formal da época, mas que marca bem sua i-
dentidade linguística (muito estigmatizada) e em que nenhum momento
ruma para uma obra cujo valor pode ser desmerecido. O que só reforça o
que se diz em relação à busca da legitimidade identitário-discursiva.
A alusão a estas duas obras80 vai ao encontro com essa proposta
no sentido de perceber a importância do aprisionamento do ensino da
língua a uma visão estigmatizada das práticas discursivas dos grupos
considerados minoritários, seja pela linguagem empregada – o que se re-
vela prioritariamente no livro De Carolina de Jesus – seja no conteúdo e
na autoria – o que se apresenta em ambas as literaturas.
Não se pode, também, cair na mesmice da prática (super) correti-

80
A escolha das duas obras, apesar de pertencerem a modelos textuais criticados por apre-
sentarem o padrão clássico tipológico narrativo, tratam de obras que são invisíveis nas
aulas de ensino de língua, principalmente a de Carolina de Jesus, por questões já men-
cionadas. Trazer essas duas obras como exemplo, focaliza a ideia de que é preciso inserir
temáticas que falem das questões raciais e dos seus abismos. Como também instaura uma
quebra na hegemonia da branquitude autoral das aulas de língua.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 571


va em que se trabalham as obras consideradas foras de padrão81 como al-
vo para remodelagem, conserto e adequação seja da linguagem, seja do
tema. É preciso observar que “em seu contexto de produção e de circula-
ção, o gênero textual atende a exigências, necessidades e propósitos dis-
cursivos de sujeitos historicamente situados” (BETH MARCUSHI, 2007,
p. 60).
Para muito além dessas duas obras, há uma infinidade de suportes
textuais e possibilidades teórico-metodológicas para aplicação de um en-
sino de língua nas relações étnico-raciais, que será posto na prática, ob-
servando alguns critérios já colocados, mas, sobretudo, que eive a multi-
plicidade de gêneros, não só em variedade textual, mas também no as-
pecto intercultural crítico de seu conteúdo e sua produção, assim:
Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e a-
prendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua,
simetria e igualdade. Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, co-
nhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando de-
senvolver um novo sentido entre elas na sua diferença. Um espaço de ne-
gociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e polí-
ticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos
ocultos e sim reconhecidos e confrontados. Uma tarefa social e política
que interpela ao conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações soci-
ais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e soli-
dariedade. Uma meta a alcançar. (WALSH, 2001 apud CANDAU; OLI-
VEIRA, 2010, p. 28)

É refletir numa visão decolonial, pois se o conhecimento linguís-


tico hoje “Se funda na imposição de uma classificação racial/étnica da
população mundial como pedra angular deste padrão de poder (QUIJA-
NO, 2007 apud CANDAU; OLIVEIRA 2010, p. 19), criandotodo um
sistema em que se sobrepõem valoresculturais, biológicos e étnicos de
um grupo sobre outro, como fazer uma educação que não exclua, não a-
pague, que não mantenha relações racistas e desiguais? É por esse prisma
que os professores devem pensar as práticas.

4. Considerações finais
O artigo levantou questões pertinentes à prática de aulas do ensino
de língua portuguesa que levassem em consideração não só as análises

81
Ao colocar-se padrão, retoma a ideia das obras tidas como clássicas e privilegiadas no es-
tudo, como já explicadas anteriormente.

572 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
consolidadas sobre o conhecimento da linguagem, mas também um meio
mais justo e igualitário para uma educação linguística que respeite os
produtores de discurso e seus espaços de produção.
Ao mencionar questões como identidade, construção histórico-
cultural, legitimidade, abuso de poder pelo uso da linguagem, coloniali-
dade do conhecimento, a proposta toma um corpo ousado, pois tratará de
relações sociais muito fundamentadas na sociedade brasileira, que saem
dos ambientes de conforto e de reprodução de um discurso sobre o ensi-
no já estabelecido.
Longe de supor que é um entendimento plenamente consensual. O
movimento é, antes de tudo, doloroso, pois reconhecer que a sociedade
se fez sobre bases racistas e que a escola serve de manutenção para sua
reprodução, a acepção não é, e nem se pretende que seja, simples. Contu-
do, é humanamente impossível supor que esse desconforto em reconhe-
cer os erros que vêm sendo cometidos possa ser maior que nulidade de
todo um povo. Logo, o movimento de reflexão e ação não passa de uma
obrigatoriedade urgente das práticas escolares de ensino.
Dessa forma, espera-se que este ensaio seja mais uma contribui-
ção para o despertar de estudos sobre o tema, de outros caminhos, não
necessariamente novos, mas em outras bases de priorização. Para além da
afirmação de estratégias já defendidas no ensino de língua portuguesa ao
longo desses anos, amplamente esmiuçados pelos autores citados, a pro-
posta repousa em avaliar os métodos, os suportes, os gêneros textuais –
seus conteúdos, seus temas, suas referências e autorias – para que aten-
dam a uma educação voltada às relações étnico-raciais no ensino da lín-
gua.
É preciso mais que nunca, inquietar-se, investigar, expandir o o-
lhar para além das barreiras já fincadas de um ensino que privilegia e a-
tende a um determinado grupo hegemônico. Pensando na educação pú-
blica de periferia e subúrbios, fechar os olhos é continuar a reproduzir
uma educação linguística que despreza seus produtores, e não expandi-lo
ao macro é contribuir para a manutenção do racismo por meio do conhe-
cimento linguístico em todas as esferas sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 573


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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 575


UM RELATO DE CASO SOBRE COMUNICAÇÃO POR MEIO
DE IMAGENS E TECNOLOGIA: A VOZ QUE O TRANSTORNO
DO ESPECTRO AUTISTA NÃO CALA!
Fabrizia Miranda de Alvarenga Dias (UENF)
[email protected]
Ana Paula S. A. Jorge (UENF)
[email protected]

RESUMO
Este trabalho teve como objetivo verificar de que forma a tecnologia pode auxiliar
na comunicação e aprendizado de uma criança autista não verbal, após implementa-
ção de intervenções baseadas em imagens, com o uso da tecnologia. O objeto de estudo
é uma criança de 7 anos, diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista, nível
moderado, não verbal, em processo de alfabetização. Utilizou-se como metodologia a-
tividades baseadas em imagens da vida diária dessa criança, com a utilização da tec-
nologia em sala de aula, fazendo-se uma análise comparativa do quadro inicial do su-
jeito em relação ao atual. Os dados analisados sugerem que o uso de imagens associa-
das à tecnologia, pode ser favorável à cognição do indivíduo em estudo, havendo me-
lhoria no desempenho escolar e das suas habilidades sociais. A temática promove a
ressignificação da tecnologia no processo de aprendizagem de uma criança com TEA,
visando obter resultados positivos no âmbito da comunicação verbal, contribuindo
para a sua autonomia e qualidade de vida.
Palavras-chave:
Autismo. Imagens. Tecnologia. Necessidades especiais.

1. Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma transtorno do neu-
rodesenvolvimento que tem como características o atraso no desenvol-
vimento da linguagem, dificuldades em iniciar e manter uma conversa,
ecolalia antecipada ou tardia, podendo apresentar também sensibilidades
sensoriais incomuns (DSM-V, 2014). O expressivo o número de crianças
que chegam às escolas com os mais diversos quadros de transtornos de
aprendizagem, dentre os quais, o TEA. Atualmente, as competências e-
ducacionais abrangem três domínios: cognitivo, intrapessoal e interpes-
soal, tendo como objetivo tornar o sujeito capaz de aplicar o conhecimen-
to adquirido às novas situações.
Nessa perspectiva, o sujeito com TEA, aparece em desvantagem
pelos comprometimentos que apresenta nas áreas de habilidades sociais e
cognitivas, que acarretam prejuízos comportamentais, afetando a sua in-

576 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
teração social e o seu desempenho escolar.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), um em
cada 160 indivíduos no mundo têm o Transtorno do Espectro Autista
(TEA). O CID-10 classifica o TEA como um transtorno invasivo do de-
senvolvimento, que abrange dificuldades de médias a graves no decorrer
da vida desse sujeito, envolvendo as habilidades sociais e comunicativas,
além das atribuídas ao atraso global do desenvolvimento. Considera-se
ainda, conforme com o DSM-V (2014), os comportamentos e interesses
restritos, com movimentos repetitivos e estereotipados.
Nesse contexto, o aprendizado do indivíduo com TEA perpassa
pela complexidade das características do transtorno. Tem-se visto, ulti-
mamente,um crescente desenvolvimento de recursos tecnológicos aplica-
dos como forma de intervenção com crianças autistas.
A aplicação da tecnologia no mundo das crianças com TEA,
pesquisadores afirmam que; esses pacientes demonstram especial interes-
se em interagir com os dispositivos móveis, tablets e computadores, indi-
cando, assim, a necessidade para que novas pesquisas sejam realizadas
(CAMINHA et al., 2006).
Nessa perspectiva, a questão problema é de que forma a tecno-
logia pode auxiliar na comunicação e aprendizado de uma criança autista
não verbal, após implementação de intervenções baseadas em imagens,
com o uso da tecnologia?
O objetivo deste trabalho é verificar de que forma a tecnologia
pode auxiliar na comunicação e aprendizado de uma criança autista não
verbal, após implementação de intervenções baseadas em imagens, com
o uso da tecnologia.

2. Estudo de Caso
O valor da aprendizagem no decorrer da vida traz reflexões im-
portantes no processo de ensino–aprendizagem. É possível que nesse
processo, aprendamos e ensinemos; e com isso, passemos boa parte de
nossa vida como alunos. Em um mundo com tantas complexidades, per-
cebe-se, como cita Baddeley (2011, p. 83), “uma diversidade de espécies
bem-sucedidas, como formigas, abelhas, vírus, borboletas, que conse-
guem sobreviver neste mundo com seus equipamentos programados às
suas necessidades”. Contudo, o ser humano para sobreviver precisa a-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 577


prender. E nesse processo de aprendizagem, pode-se dizer que a lingua-
gem é resulta da evolução da aprendizagem, sendo um recurso funda-
mental do ser humano, nos diferenciando de outras espécies.
Nessa perspectiva, o Transtorno do Espectro Autista, com suas
causas ainda desconhecidas, mas bastante pesquisadas tanto no campo da
medicina quanto da educação, traz déficits e dificuldades que costumam
comprometer a aprendizagem dos sujeitos acometidos pelo transtorno.
Desse modo, é preciso que seja respeitado o tempo de cada crian-
ça, procurando construir o seu aprendizado de forma que possa compre-
ender a aplicação em seu cotidiano. Gauderer (1997) em relação à educa-
ção, realça que:
[...] é útil dividir a tarefa em pequenas etapas e, vagarosamente, construir
o todo. Deve-se aproveitar ao máximo as situações do dia a dia [...], trans-
formando-as em oportunidades de ensino de forma a encorajar a criança a
usar na prática os conhecimentos adquiridos. (GAUDERER, 1997, p.
108)

Sendo assim, o processo de aprendizado de um sujeito autista o-


corre de forma diferenciada, pois a criança não consegue contextualizar e
aplicar adequadamente o que lhe foi ensinado.
Dessa forma, foi feita uma pesquisa no site Google Play, em que fo-
ram encontrados 138 aplicativos, criados visando o desenvolvimento no
processo de aprendizagem de crianças com TEA (www.googleplay.com).
Nessa perspectiva, M.A. tem 7 anos, estuda em escola particular
no 2º ano do Ensino Fundamental I. A criança tem diagnóstico de TEA,
nível moderado, não verbal e está em processo de alfabetização. A crian-
ça não faz nenhum tipo de terapia. M.A. adora desenhar, consegue fazer
associação de palavras e imagens. Demonstra alterações significativas
nas funções de linguagem verbal e não verbal. Possui dificuldades na lei-
tura, escrita e aritmética. Reconhece as vogais e alfabeto, mas não reco-
nhece todos os sons das consoantes. Não escreve o nome completo e não
utiliza letra cursiva. A criança não consegue acompanhar o nível da turma
e não obteve êxito na conclusão da prova regular feita em sala de aula.
Nesse contexto, foram, inicialmente, apresentadas à criança i-
magens associadas às ações que deveriam ser executadas em seu dia-a-
dia, sendo incentivada a fala, enquanto, gradativamente, inseria-se o uso
da tecnologia em suas intervenções de forma que pudesse recorrer a esses
recursos na execução de suas tarefas diárias e nas atividades propostas
pelo professor em sala de aula.Foram utilizados os seguintes recursos: O

578 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
vídeo “As letras falam”, que apresenta o alfabeto por meio da música,
com a articulação e som das letras, associando-as
as a palavras; os aplicati-
aplicat
vos “IXL” e o “Ler e Contar”, que auxiliam
iliam com atividades direcionadas
ao conteúdo de 2o ano, alfabetização e matemática.

Fonte: www.youtube.com Fonte: www.youtube.com (Link App: http://


adf.ly/1jXoH3)

Fonte: https://br.ixl.com/math/2-ano

É importante ressaltar que no decorrer das intervenções, foram a-


inda trabalhadas às funções da escrita, em atividades aplicadas em con-
co
junto com processo de aprendizagem
rendizagem por meio das ferramentas tecnoló-
tecnol
gicos especificadas acima.
Em uma análise comparativa, pode-se se obervar ganhos no desem-
dese
penho da criança e nas suas habilidades linguísticas e sociais; já que apli-
apl
cou-se novas atividades nas quais a criança demonstrou ou melhor desem-
dese
penho se comparada às aplicadas anteriormente. E aliado a essa boa per- pe
formance, iniciou a balbuciar alguns nomes de colegas em sala de aula e
a se comunicar melhor com o professor. A aluna começou a apresentar
vontade e motivação para executar as tarefas sem sala de aula e durante

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 579


as aulas de música, procura participar tentando cantar as canções propos-
tas na aula.
Segundo Fernandes (2010, p. 19), “os grandes objetivos da Edu-
cação são: ensinar a aprender, ensinar a fazer, ensinar a ser, ensinar a
conviver em paz, desenvolver a inteligência e ensinar a transformar in-
formações em conhecimento”. Desse modo, através das ferramentas tec-
nológicas utilizadas para atingir os objetivos propostos, o as tarefas fo-
ram planejadas de forma a contextualizar o aprendizado para que a crian-
ça compreendesse a aplicação daqueles conhecimentos em seu cotidiano.
Assim sendo, pode-se dizer que alfabetizar é muito mais que de-
codificar e codificar códigos ou signos linguísticos (FREIRE, 1993), isto
é, oportuniza a quem ensina a aprender e a quem aprende a ensinar; em
um processo de permuta constante, que enriquece e aperfeiçoa a aprendi-
zagem.
Portanto, a utilização da tecnologia foi favorável à cognição do
indivíduo em estudo, havendo melhoria no desempenho escolar e das su-
as habilidades sociais.

3. Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo verificar de que forma a tecno-
logia pode auxiliar na comunicação e aprendizado de uma criança autista
não verbal, após implementação de intervenções baseadas em imagens,
com o uso da tecnologia.
Em análise comparativa, frente às tarefas solicitadas a criança an-
tes e após às intervenções com a aplicação da tecnologia, percebemos os
ganhos obtidos no aprendizado do sujeito em estudo.
Nesse sentido, os recursos tecnológicos utilizados nas atividades,
foram de fundamental importância tanto para avaliar o real conhecimento
do sujeito em estudo, quanto para intervir em sua aprendizagem.
No decorrer das tarefas, a criança demonstrou disposição para fa-
zer as atividades propostas, chegando a executá-las por si só, já que os
aplicativos contam com comandos de voz. Atribuímos essa motivação à
utilização da tecnologia no processo interventivo.
Logo, os dados analisados sugerem que o uso de imagens associa-
das à tecnologia, pode ser favorável à cognição do indivíduo em estudo,

580 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
havendo melhoria no desempenho escolar e das suas habilidades sociais.
A temática promove a ressignificação da tecnologia no processo de a-
prendizagem de uma criança com TEA, visando obter resultados positi-
vos no âmbito da comunicação verbal, contribuindo para a sua autonomia
e qualidade de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Porto Alegre: Artmed, 2011.
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são em português da sigla ICD, do inglês International Statistical Classi-
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ICD, do inglês International Statistical Classification of Diseases and Re-
lated Health Problems); Porto Alegre: ArtMed, 1993.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 581


UMA BREVE DEMONSTRAÇÃO DE CASOS DE VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER E ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA LEI
MARIA DA PENHA FRENTE À REALIDADE BRASILEIRA
Raquel Veggi Moreira (UENF)
[email protected]
Carla Bittencourt Felício (UENF)
[email protected]
Carlos Henrique Medeiros de Souza (UENF)
[email protected]
Ieda Tinoco Boechat (UENF)
[email protected]
Leila Maria Tinoco Boechat Ribeiro (UENF)
[email protected]

RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo revelar a efetividade (ou não) dos concei-
tos e determinações introduzidos pela Lei nº 11.340/2006, chamada de Lei Maria da
Penha (LMP), incorporada no ordenamento jurídico brasileiro, além de relatar alguns
casos recentes de violência contra a mulher. As inovações tiveram o fito de coibir essa
prática tão trágica, mas tão habitual na sociedade, que é a violência contra a mulher.
Nesse contexto, mecanismos inovadores foram apresentados pela lei, como a criação
de Juizados de Violência Doméstica e Familiar, a capacitação das Polícias Civil e Mili-
tar para o atendimento especializado à mulher vítima de violência, a possibilidade de
a mulher ficar afastada do trabalho por 6 meses, sem perder o emprego, dentre ou-
tros. A Constituição Federal de 1988 ainda dá respaldo à lei, que determina em seu
texto que devem ser criados esses meios de combate à violência no seio doméstico e
familiar. Transcorrida mais de uma década de promulgação da lei, sua efetividade fa-
ce às diferentes realidades brasileiras deve ser verificada juntamente com a correta
aplicação de seus preceitos, tendo sempre o propósito da dignidade da pessoa humana.
A metodologia utilizada é a qualitativa, por meio de revisão bibliográfica.
Palavras-chave:
Igualdade. Efetividade. Lei Maria da Penha. Violência contra a mulher.

1. Considerações iniciais
O reconhecimento da situação peculiar da mulher, vítima de vio-
lência doméstica e familiar, fez erigir no ordenamento jurídico brasileiro
a lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha (LMP). Com o
advento dessa norma, houve respeito ao ideal constitucional de igualdade
entre homens e mulheres, direito fundamental defendido na Constituição
Federal, desde o ano de 1988.

582 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
Anteriormente à promulgação da lei, o que se via no cotidiano do
lar conjugal era, na maioria das vezes, uma violência velada constante
contra a mulher. O homem era visto como ser extremamente significante,
submetendo a mulher a um patamar inferior, tornando-a muitas das vezes
coadjuvante de sua própria história, cabendo a ele o papel de ditar os li-
mites da vida e das vontades da esposa ou companheira.
A lei de violência doméstica e familiar contra a mulher veio então
dar consistência, ainda que infraconstitucional, a esse valor de igualdade
relegado a segundo plano, limitando a atuação do agressor e tentando al-
cançar uma transformação social da não violência.
Nesse contexto, procura-se responder se a Lei nº 11.340/06, intro-
duzida no ordenamento há mais de uma década, encontra-se realmente
efetiva face às diversas culturas e raízes presentes em nosso país.
O objetivo do trabalho é avaliar a sistemática da Lei Maria da Pe-
nha, no sentido de analisar sua real efetividade, face ao ordenamento ju-
rídico e às realidades presentes no Brasil, bem como as inovações trazi-
das pelo texto da lei ao longo de seus artigos.
No primeiro capítulo, a abordagem será a respeito da promulga-
ção da Lei em comento e sua função de permitir a efetiva igualdade entre
homens e mulheres. Já no segundo capítulo, serão analisadas as mudan-
ças e inovações trazidas pela Lei com o intuito de maior proteção à mu-
lher vítima de violência doméstica e familiar. No terceiro, serão aponta-
dos alguns casos recentes de violência contra mulheres, que tiveram bas-
tante repercussão nacional com a finalidade de ilustrar inúmeros outros.
Por fim, no quarto capítulo, será demonstrada a real efetividade da Lei
em comparação às diversas regiões e culturas dentro do Brasil.
Logo, esta pesquisa deseja demonstrar que a efetividade da lei
passa, inevitavelmente, pela promoção da igualdade substancial, prática
essa buscada pela Lei Maria da Penha. É através dela que sua normatiza-
ção produzirá os efeitos pretendidos e culminará na efetiva diminuição de
qualquer abuso contra a mulher, contando sempre com o apoio e colabo-
ração de toda a sociedade.

2. Legislação como disciplinadora da igualdade de gênero


Decorridos mais de uma década de sua entrada no ordenamento
jurídico nacional, algumas colocações já podem ser vislumbradas com re-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 583


lação à Lei Maria da Penha, à vista de seus artigos que consistem em
proporcionar um tratamento adequado à mulher, vítima de violência do-
méstica e familiar. É a legislação dando voz ao empoderamento femini-
no. Neste sentido, Adriana Ramos de Mello opina:
[...] a Lei 11.340/06 veio a lume justamente para dar voz àquelas mulhe-
res que não eram ouvidas em lugar algum, que chegavam as delegacias e
eram orientadas a retornar ao lar que foi cenário da violência sofrida, que
chegavam ao Judiciário e o agressor efetuava o pagamento de pena pecu-
niária, muitas vezes convertida em cestas básicas, cujos alimentos eram
retirados do próprio lar conjugal, privando a própria vítima e os filhos,
que juntos retornavam a casa sem solução e a violência continuava.
(MELLO, 2009, p. 6)

Em vigor desde 2006, a LMP teve seu nome “em homenagem a


uma mulher vítima simbólica da violência doméstica, que fez da dor a-
lento para o ativismo, vindo com a missão de proporcionar ferramentas
adequadas para encarar um problema que agoniza uma grande parte das
mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero”, afirmam
Moreira, Souza e Souza (2015, p. 267).
A criação de meios com o intuito de impedir a violência no seio
doméstico e familiar é imposta pela própria Constitucional Federal/1988,
conforme preceitua seu art. 228, § 8º, ao disciplinar que “O Estado asse-
gurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Além disso, a igualdade entre homem e mulher, como direito individual,
está assegurada no art. 5º, I desta Carta, nos seguintes termos: “homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constitui-
ção” (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, essa igualdade deve ser buscada e concretizada no
plano fático, não deixando sua eficácia apenasno plano das normas. Se-
gundo Lenza (2008), deve-se buscar não somente a igualdade formal,
mas, sobretudo, a igualdade material, que é tratar os iguais de forma i-
gual e desigualmente os desiguais, na medida em que se diferenciam.
No que tange à Constituição, não há qualquer motivo para que ha-
ja diferenciação entre os gêneros. Mesmo sabendo que, no plano fático,
homens e mulheres se distinguem pelo simples fato de serem de sexos
opostos, isso não pode ser motivo para que haja desigualdade no trata-
mento entre eles. Assim, de acordo com Dias (2015, p. 24), “mesmo com
a equiparação entre homem e mulher proclamada de modo tão enfático
pela Constituição Federal (art. 5º e inc. I e art. 226, §5º), a ideologia pa-

584 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
triarcal ainda subsiste”.
Tal ideologia do homem como centro de tudo percorreu a história,
pelo fato de o sexo masculino ser considerado por alguns como superior
em relação ao feminino. A mulher era subjugada a um patamar menos e-
levado, com menor prestígio, porque cabia a ela exercer papeis aparen-
temente secundários e de pouca visibilidade. Em consonância, Moreira,
Souza e Souza (2015, p. 260) explicam que “prevaleceu, ao longo dos
séculos, uma ideologia de que o homem determinava os modelos de ser e
atuar para o sexo feminino, resultando por moldar a identidade feminina
como algo não estabelecido por si mesma, mas sendo imposta pelo gêne-
ro ‘superior’, o masculino”.
Assim sendo, o princípio da igualdade se mostra essencial para
que essas diferenças não sejam palco para tratamento que dignifiquem os
homens e desmereçam as mulheres, visto que coube ao homem, na maio-
ria das vezes, ocupar espaços de destaque na sociedade, enquanto que pa-
ra a mulher cabia o papel de cuidar dos filhos e também do trabalho do-
méstico. Segundo Dias (2015, p. 25), “ao homem foi delegado o papel de
protetor, de provedor. Daí à dominação, do sentimento de superioridade à
agressão, é um passo”.
Essa agressão combatida hoje, mediante leis e ações de toda a so-
ciedade, ocorre não só fisicamente, pois, muitas das vezes, a mulher fica
extremamente abalada psicologicamente, deixando nela cicatrizes pro-
fundas e de difíceis curas. Segundo Dias (2015, p. 28), “a ferida sara, os
ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da autoestima,
o sentimento de menos valia, a depressão, essas são feridas que jamais
cicatrizam”.
Com o passar dos anos, apesar de todo o histórico de violência, a
mulher se viu encorajada por uma série de fatores e, através de movimen-
tos feministas, fortaleceu-se na busca por espaços nunca antes ocupados
por ela. Iniciou-se assim a luta feminina por igualdade de oportunidades
e salários, competindo com o homem no mercado de trabalho e dividindo
afazeres do lar com ele.
Por parte de organismos internacionais, há ainda a busca por cada
vez mais espaço para as mulheres, tendo em vista que a “ONU Mulheres
reconhece que a incidência das organizações de mulheres, em aliança
com movimentos sociais mistos e com gestores públicos e pesquisadores,
é fundamental para a concretização das políticas de fortalecimento das
mulheres” (NOBRE, 2016, p. 649).

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 585


No entanto, essa mudança de visão social a respeito da mulher a-
inda precisava trazer modificações em um aspecto: a violência, que mui-
tas das vezes era compensadora de um papel imposto e não cumprido por
ela. É exatamente neste ponto que a lei de violência doméstica e familiar
contra a mulher deve estabelecer limites e devidas proporções, e se fazer
valer para todos, sem distinção.
O princípio da igualdade, consoante Maria Berenice Dias, deve
ser orientador não só do legislador, mas também do intérprete. O juiz não
pode aplicar a lei com o intuito de provocar desigualdades (DIAS, 2016).
A igualdade deve ser um norte não só da lei, mas também de todo o ope-
rador do Direito e de toda pessoa inserida no meio social.
A fim de que essa almejada igualdade formal seja impeditiva de
discriminações e privilégios não perseguidos pela norma, há de se buscar
não só a igualdade por si só, mas também as chamadas discriminações
positivas, que nada mais são do que dar um tratamento diferenciado a
certo grupo de pessoas, na busca pela igualdade real (NOVELINO,
2007). Como exemplo dessa prática, através da lei nº 13.104/2015, houve
a previsão do feminicídio como circunstância qualificadora do crime de
homicídio, inserindo o inciso VI no artigo 121, §2º do Código Penal Bra-
sileiro. O feminicídio nada mais é do que o homicídio praticado contra a
mulher pelo simples fato de se ser mulher. Essa entrada no mundo jurídi-
co de um crime específico contra a mulher mostra a preocupação do le-
gislador em igualar uma situação que outrora era desvantajosa, propor-
cionando assim alcançar a igualdade material.
Face aos ditames da lei, no que tange à criaçãode mecanismos
como a tipificação do feminicídio, mostrou-se presente a vontade de di-
minuir tratamentos desiguais entre homens e mulheres. O empoderamen-
to feminino realizado através dessas condutas fez com que a realidade da
violência doméstica e familiar seja tratada com mais cuidado e preocupa-
ção.Em consequência disso, a mulher foi elevada a um patamar de prota-
gonista da própria história.

3. Combate à violência doméstica e familiar contra a mulher: meca-


nismos inéditos implantados pela ordem legal
Com o objetivo de introduzir alterações eficazes na repressão à
violência doméstica e familiar contra a mulher no ordenamento jurídico
brasileiro, a Lei Maria da Penha trouxe em seu arcabouço mecanismos

586 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
inéditos de coerção ao agressor. O Estado brasileiro redefiniu, nas linhas
da lei, a ideia de que a violência deve ser coibida por todos e que a mu-
lher não poderia ser vítima de humilhações, desrespeitos e discrimina-
ções.
Dentre as novidades que o legislador inseriu na ordem jurídica,
uma delas foi a criação das Varas - Juizados Especiais de Violência Do-
méstica e Familiar contra a Mulher, por meio dos artigos 14 e 29 da refe-
rida lei (BRASIL, 2006). Ciente de que os assoberbados Juizados Espe-
ciais Cíveis e Criminais não poderiam exercer um papel eficiente no
combate a esse tipo específico de violência, o legislador mostrou sensível
preocupação com a situação peculiar da mulher, criando varas especiali-
zadas. Nelas poderia haver um atendimento multidisciplinar integrado
por profissionais das áreas jurídica, de saúde e psicológica, abrangendo
assim todas as questões ligadas ao caso específico.
Não obstante no que se refere à lei, seu artigo 16 estabelece a im-
posição de uma audiência perante um juiz, caso a vítima queira, de algum
modo, não denunciar seu agressor. A preocupação foi justamente dar
maior respaldo à mulher, muitas das vezes coagida a não iniciar o pro-
cesso contra seu agressor, nas ações penais públicas condicionadas à re-
presentação da ofendida. Com isso, a desistência só poderá ocorrer de-
pois de uma profunda reflexão da vítima e com o auxílio de um juiz de
direito (BRASIL, 2006).
Com relação ao agressor, algumas medidas tomadas pela lei tam-
bém trouxeram novidade, demonstrando um olhar sensível da situação
tão característica que é a violência no âmbito familiar e doméstico. As-
sim sendo, no que se refere às punições impostas, o artigo 17 da lei esta-
belece que há a vedação da aplicação da pena restritiva de direito de
prestação pecuniária, tais como a de “cesta básica ou outras de prestação
pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento
isolado de multa” (BRASIL, 2006).
Especificamente neste ponto, o legislador pretendeuacabar com a
falsa sensação tão comum nos Juizados Especiais de que a pena imposta
não causaria nenhum tipo de sanção adequada a quem a lei desafiasse.
Neste mesmo intuito, o texto legal trouxe, em seu artigo 20, a possibili-
dade de prisão preventiva do agressor, caso haja o preenchimento dos re-
quisitos necessários e o juiz avalie plausível tal conduta (BRASIL,
2006).
Nesse contexto, a LMP ainda apresenta uma situação peculiar que

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 587


é a presença do agressor em determinados programas que visam a não
reiteração da violência. No dizer de Dias (2015, p. 35, grifos da autora),
“o último dispositivo da lei (LMP, art. 45) é dos mais salutares, pois
permite ao juiz determinar o comparecimento do agressor a programas
de recuperação e reeducação”.
É fundamental também destacar que a Lei Maria da Penha trouxe
inovações não somente com relação à mulher vítima de violência domés-
tica e familiar, tendo em vista que ainda foi atenta com relação à união
homoafetiva. Nesse sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosen-
vald esclarecem que:
[...] a Lei n° 11.340/06 – Lei Maria da Penha – considerou as uniões ho-
moafetivas como entidades familiares ao aludir à possibilidade de violên-
cia familiar contra a mulher, praticada, inclusive, por outra mulher. A
norma é de clareza solar ao explicar que as relações pessoais (e, por con-
seguinte, familiares) das quais podem decorrer violência doméstica, trata-
das pela citada norma, independem de orientação sexual. Consagra-se,
pois, em sede infraconstitucional, a tese de que as uniões familiares não
são, exclusivamente, heteroafetivas. (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p.
65)

A lei nº 11.340 foi, de acordo com Dias (2015), a primeira refe-


rência, por uma norma infraconstitucional, às famílias formadas por pes-
soas do mesmo sexo, trazendo agregado a essa alusão a ideia de que não
é a lei quem pode disciplinar o que é família e sim as pessoas que a for-
mam. Com isso, se faz consolidar a ideia de que todo e qualquer relacio-
namento, seja entre homem e mulher ou homoafetivo, tem a proteção le-
gal e o reconhecimento como entidade familiar.
Todas essas inovações trazidas pela lei têm como objetivo forne-
cer um tratamento adequado à situação de violência que ocorra, seja ela
qual for. Aindaconforme Dias (2015), está mais do que na hora de se res-
gatar a cidadania da mulher, colocando-a em uma posição confortável
para que ela tenha a coragem necessária para enfrentar seu agressor.
Além de novos mecanismos para combater essa prática encontra-
da na sociedade brasileira, a lei mostrou-se compassiva à condição da
mulher vítima da violência, emocionalmente “vulnerável”. Os contornos
legais demonstram cuidado para que essa realidade seja, cada dia mais,
combatida do cotidiano, trazendo suporte para a vítima e punição ade-
quada àquele que, de qualquer forma, obstrua a imposição legal.
Antes da análise da efetividade da LMP no contexto dos cenários
brasileiros, serão apresentados alguns casos recentes de violência domés-

588 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
tica e familiar contra mulheres que, infelizmente, assolaram o nosso país,
sendo centro de diversos noticiários.

4. Casos recentes de violência contra a mulher no cenário brasileiro


Um assustador caso de tentativa de feminicídio ocorreu no Rio de
Janeiro, em fevereiro de 2019, quando a agredida de 55 anos acordou
com o agressor de 27 esmurrando a sua cara enquanto ela dormia, sendo
espancada durante quatro horas. Segundo reportagem do G1 online
(2019), eles se conheceram pelas redes sociais e se encontraram após 8
meses de troca de mensagens e conversas virtuais.
O agressor foi preso em flagrante, graças à atitude rápida dos vi-
zinhos da agredida, ao acionarem a segurança do prédio no momento em
que ouviam gritos. Ele alegou que teve um surto, durante a madrugada.
Outra situação aterrorizante de tentativa de feminicídio aconteceu
no interior do Espírito Santo, em março do mesmo ano. O companheiro
da vítima a espancou e a abandonou muito machucada em uma estrada,
por motivo de ciúmes, esclarece jornal Tribuna Hoje online (2019).
Um caso que expressiva repercussão foi o de abuso e estupro con-
tra mulheres praticado pelo médium João de Deus, durante atendimentos
individuais em Abadiânia/GO, em que há relatos desde a década de 80
até os dias atuais.
Após a divulgação na imprensa, as denúncias vêm se multiplican-
do, o que parece ter encorajado as mulheres que mantinham essa triste
história no anonimato.
De acordo com o G1 online, até o início de dezembro de 2018, o
médium havia sido denunciado por mais de duzentas mulheres no Minis-
tério Público (MP). Diante dessa situação, o MP criou uma força-tarefa
com a finalidade de investigar o médium.
Essas são algumas dos lamentáveis acontecimentos recentes, den-
tre inúmeros, escritos na história de nosso país de violência perpetradas
contra mulheres.
Espera-se que o desfecho desses incidentes sejam pautados na le-
tra da legislação penal e da Lei Maria da Penha, punindo esses transgres-
sores da lei e que o peso dessas punições venha a impedir que os mesmos
não reincidam em qualquer tipo penal, especialmente contra as mulheres.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 589


5. A efetividade da norma no contexto de violência contra a mulher
Na circunstância da criação de uma lei, há uma inovação no orde-
namento jurídico, buscando, além de estabelecer novos preceitos, dar efe-
tividade concreta à determinada situação de fato. No caso específico da
Lei Maria da Penha, o que se almejou foi introduzir mudanças no trata-
mento da mulher vítima de violência, seja física, psicológica, sexual, pa-
trimonial ou moral, impondo ao agressor tratamento mais rígido e severo.
Em direção de se buscar os efeitos concretos que a norma pode
trazer, o princípio da máxima efetividade tem como finalidade atribuir,
na interpretação das normas constitucionais, o sentido que dê maior efi-
cácia a elas e é empregado com grande incidência nos direitos fundamen-
tais, tal como é o direito da igualdade. Com ele, procura-se então dar en-
vergadura à igualdade entre homens e mulheres e também a proteção do
ambiente doméstico e familiar de quem quer que tente influenciá-lo de
forma negativa. Segundo Pedro Lenza (2008, p. 73, grifos do autor),
“também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efeti-
va, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais deve
ser entendido no sentido de a norma constitucional ter a mais ampla efe-
tividade social”.
Entretanto, no que tange aos fins almejados pela Lei Maria da Pe-
nha, passa-se por um caminho de dificuldades face à realidade. A efetivi-
dade, no caso da lei, passa por padrões que possuem estreita ligação com
a aceitação cultural ou não da violência contra a mulher. Nessa toada,
Maria Berenice Dias esclarece que:
[...] o homem ainda é considerado proprietário do corpo e da vontade da
mulher e dos filhos. A sociedade protege a agressividade masculina, res-
peita sua virilidade, construindo a crença da sua superioridade. (...) Essa
errônea consciência de poder é que assegura a ele o suposto direito de fa-
zer uso de sua força física e superioridade corporal sobre todos os mem-
bros da família. (DIAS, 2015, p. 25)

A referida violência se apresenta de forma variada no território


brasileiro, visto que as diferentes regiões podem apresentar taxas de vio-
lência ou mortalidade menores, caso possuam maior aparelhamento esta-
tal no combate a esse tipo de prática. Quanto maior for a capacidade esta-
tal de ofertar mecanismos de defesa da mulher, menor poderá ser a pos-
sibilidade de que a violência ocorra. Ainda nesse contexto, o olhar da
população muito tem a ver com a efetividade da lei, tendo em vista que

590 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
pessoas com maior capacidade de dissolver mudanças e acreditar na evo-
lução de algumas práticas tendem a olhar com bons olhos para uma lei
específica, tal como a Lei Maria da Penha.
Em pesquisa realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) no ano de 2018, essas diferenças regionais se fazem presentes
relatando queda da taxa de homicídios de homens e mulheres na região
Sudeste, no período compreendido entre 2006 e 2016. Neste mesmo pe-
ríodo, a região Nordeste apresentou uma crescente estatística nos homi-
cídios. Ademais, no ano de 2016, notou-se aumento da taxa de homicí-
dios de homens jovens assim também nos estados do Acre e Amapá, ten-
do o homicídio masculino apresentado elevação. Do mesmo modo, a taxa
de homicídio feminino apresentou ascendência de 6,4%, no mesmo lapso
de 10 anos (2006-2016) (CERQUEIRA et al., 2018).
Ainda segundo o Ipea, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
apresentam uma taxa maior de homicídios contra a mulher, e a maioria
dessas vítimas apresenta baixa escolaridade (GARCIA et al., 2013). No
estado do Rio Grande do Norte, a taxa aumentou 333%, entre os anos de
2004 a 2014, correspondendo a um índice de 6 mortes para cada 100 mil
mulheres. Já no estado de São Paulo, houve redução de 36,1%, neste
mesmo período. Além do Rio Grande do Norte,
[...] outros 17 estados apresentam uma taxa de mortalidade feminina aci-
ma da média nacional, que é de 4,6 assassinatos por 100 mil: Roraima
(9,5), Goiás (8,8), Alagoas (7,3), Espírito Santo (7,1), Mato Grosso (7,0),
Sergipe (6,5), Rondônia (6,4), Mato Grosso do Sul (6,4), Ceará (6,3), Pará
(6,1), Paraíba (5,7), Acre (5,4), Rio de Janeiro (5,3), Paraná (5,1), Per-
nambuco (4,9), Bahia (4,8) e Amapá (4,8). (COMPROMISSO E ATITU-
DE online, 2016)

Outrossim, em pesquisa realizada em 2013 pelo Senado Federal,


estima-se que mais de 13 milhões e 500 mil mulheres já sofreram algum
tipo de agressão (19% da população feminina com 16 anos ou mais).
Desse número, 31% das mulheres ainda convivem com o seu agressor, e
14% dessas mulheres ainda sofrem algum tipo de violência. A partir des-
ses dados, esse resultado sugere que 700 mil brasileiras continuam sendo
vítimas de agressões: um número alarmante, real e triste (DATA SENA-
DO, 2013).
Em referência à taxa de mortalidade, constatou-se que, para cada
100 mil mulheres, essa foi na proporção de 5,28 no período 2001-2006,
em contrapartida foi de 5,22 em 2007-2011. O que se viu foi uma peque-
na diminuição do número de mortes, logo após a promulgação da lei de

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 591


combate à violência doméstica e familiar contra a mulher (GARCIA et
al., 2013).
Face a esses dados, pode-se dizer que muitos foram os mecanis-
mos criados pelo texto legal visando à coibição da violência. A busca pe-
la efetividade fez com que o tratamento para os diversos casos concretos
fossem tratados com rigor para que a situação não mais ocorresse. Jun-
tamente a isso, a evolução social com um contínuo crescimento do papel
feminino impulsionou a um caminho onde os efeitos pretendidos pela
norma eram cada vez mais obedecidos pela sociedade.
Frente à dita evolução, não se pode aceitar, em pleno século XXI,
que a mulher fosse tratada com desprezo e descaso no que tange às rela-
ções domésticas e sociais. A situação de desnível entre os sexos não po-
deria perdurar, quer em grandes centros, quer em locais distantes e com
menor densidade populacional. Entretanto, num país de dimensões gi-
gantescas tão qual o nosso, a busca pela efetividade é cada vez mais difí-
cil e árdua, à vista da existência, em um mesmo território, de várias cul-
turas, várias situações, pessoas extremamente diferentes em seu modo de
agir e também no modo de encarar situações semelhantes.
A ação da mulher em denunciar seu agressor ainda foi incidida
consideravelmente pela imposição legal. Muitas das vezes, por vergonha
ou medo, a mulher sofria calada. Com a lei, esse panorama mudou, enco-
rajando a denúncia por parte da mulher. Contudo, há de se ter uma estru-
tura para o recebimento da mulher, vítima de violência. O Estado deve
ter, em seu corpo, profissionais aptos para o bom atendimento. Segundo
Amaral et al. (2016),
[...] há, ainda, a necessidade de investimento e formação de profissionais
que atuem em espaços sociais especiais para essas mulheres, para que os
mesmos estejam aptos à estruturação da rede de serviços de proteção a e-
las, incluindo a linha de cuidados integrais à saúde. (AMARAL et al.,
2016, p. 534)

Além de todos esses dados, um importante mecanismo de se frear


os números da violência é a resposta rápida da lei frente ao caso concre-
to. De acordo com Blay (2003), a lentidão da resposta da justiça pode es-
tar justamente nos trâmites legais que precisam ser mais rápidos e efici-
entes. A ampla defesa do agressor deve ser aplicada sem subestimar a
gravidade do delito.
Não obstante a lei impulsionar a repressão da prática de violência,
o que ainda é claro no dia a dia brasileiro é a tentativa de se impor à mu-

592 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
lher uma conduta adequada aos anseios do agressor, não importando com
os desejos femininos. As mulheres, mesmo com o advento da lei, ainda
têm um caminho a ser percorrido. A lei é uma grande aliada neste com-
bate, bastando o auxílio maciço de toda sociedade para abolir de vez tão
nefasto capítulo.

6. Considerações finais
A violência praticada contra a mulher, seja ela física, psicológica,
sexual, patrimonial ou moral é um fenômeno complexo e difuso. A a-
gressão, na maioria das vezes, é causada dentro do seio doméstico e/ou
familiar, e algumas mulheres, por diversos motivos, ainda preferem es-
conder a realidade a encará-la de forma aberta e corajosa. Afinal, mulher
vítima de violência é, na maioria das vezes, coagida.
Há na nossa cultura, ainda, a ideia de subordinação da mulher
frente ao homem. Os casos de violência são variados e se apresentam em
diferentes formas. Medo e vulnerabilidade permeiam o cotidiano conju-
gal de muitas famílias, sendo necessário o enfrentamento dessa essência
machista, apresentando uma postura séria para melhor proteção da mu-
lher.
Com este intento, a Lei Maria da Penha apresenta uma maior re-
pressão dessa realidade, ofertando uma política mais robusta de enfren-
tamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, buscando nive-
lar a balança da vida que sempre foi tendenciosa ao homem. A lei trouxe
então, durante todo seu texto, mecanismos inovadores para enfrentamen-
to da realidade. Sendo que para a mulher procurou ofertar mecanismos de
proteção e reinserção na sociedade, posto que, em algumas vezes, ela não
tem condições do próprio sustento. Já para o agressor, foi imposto maior
rigor na repressão do crime e também na prevenção para que o mesmo
não se repita.
No que se refere à efetividade da lei, essa passa justamente pelo
caminho da aceitação da sociedade frente a estes novos institutos. Dife-
rentes maneiras de se encarar este problema, há muito tempo presente na
sociedade, é tarefa densa e delicada. Neste ponto é que se percebe que a
violência contra a mulher possui índices distintos em determinadas regi-
ões do território nacional. Essa diferença mostra que a depender do lugar,
a lei pode ser mais eficaz ou não, uma vez que o modo como a sociedade
encara a violência e como aceita as imposições legais será determinante

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 593


para o sucesso da lei.
Neste patamar, muito ainda há que ser feito com o fim de se evitar
que a violência ocorra, pois toda a sociedade deve se agregar para atingir
a já tão almejada igualdade. Igualdade de oportunidades e de inserção so-
cial. Igualdade perseguida há muito pela nossa Constituição Federal e a-
presentada como um direito fundamental. A aplicação da lei deve ser
mecanismo para se coibir as diversas formas de violência contra a mu-
lher. Assim sendo, práticas de enfrentamento à violência devem ser reali-
zadas, diariamente, com engajamento e consistência.
Em suma, os avanços trazidos pela Lei Maria da Penha que po-
dem ser sentidos são inegáveis, na medida emque as mulheres busquem
ajuda para o combate da violência, fazendo com que uma nova realidade
se forme. A especialização da violência contra a mulher trouxe novos â-
nimos a essa situação e um suspiro a mais para o tratamento isonômico
entre gêneros, já almejado pela ordem constitucional. E apesar de ainda
existir a violência, seja de que modo for, a lei trouxe a mulher para um
patamar de maior visibilidade e conforto.

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596 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA
ANÁLISE FÍLMICA EM NEWSPAPER MOVIES
Vitor Luiz Menezes Gomes (UENF)
[email protected]

RESUMO
Esta comunicação busca apresentar e reunir contribuições acerca da proposta de
uma metodologia de análise fílmica, balizada pela trajetória do herói. Este esforço se
insere em pesquisa a ser realizada sobre das representações da identidade do jornalis-
ta e do ethos deste profissional nos chamados newspaper movies. O procedimento me-
todológico poderá ser testado em pesquisa no Programa de Doutorado em Cognição e
Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf).
Trata-se de combinar Análise do Discurso com a identificação das intencionalidades
presentes no roteiro da obra cinematográfica em relação ao personagem jornalista. A
cada etapa da trajetória do “herói jornalista” no universo diegético do filme a ser to-
mado como corpus, o personagem pode ser analisado em suas decisões, conflitos e con-
textos.
Palavras-chave:
Identidade. Jornalismo. Análise do Discurso.
Ethos Profissional. Jornada do Herói.

1. Considerações iniciais
O cinema tem sido largamente utilizado como produtor de corpo-
ra a serem tomados por analistas do discurso com os mais diferentes
propósitos. Este trabalho insere-se em um esforço de pesquisa que busca
reconhecer traços da representação da identidade do jornalista e do ethos
profissional do jornalismo nos chamados newspaper movies, uma produ-
ção vasta da indústria cinematográfica marcada por narrativas que utili-
zam personagens jornalistas como condutores da trama ou o jornalismo,
enquanto instituição, como suporte para a história. Esta pesquisa, em fase
inicial e parte da trajetória de doutoramento deste autor, envolve a identi-
ficação e delimitação de um corpus – seleção, por meio de levantamento
de listas de indicações de filmes sobre jornalismo presentes em sites e
blogues sobre cinema, jornalismo ou educação – para ser analisado.
O interesse pelo tema tem relação com a trajetória deste autor tan-
to na atuação profissional como jornalista quanto no ensino acadêmico
na área de jornalismo. No Centro Universitário Fluminense (Uniflu), mi-
nistro disciplinas como Teoria do Jornalismo e Introdução ao Jornalismo
que têm, entre seus conteúdos, abordagens que discutem o pertencimento

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 597


do jornalista à chamada “tribo jornalística” (TRAQUINA, 2005, p. 24).
Questões que envolvem ética e prática profissional, ambiente de trabalho,
relações cotidianas, estão entre as que perpassam os temas das aulas e
contribuem na formação dos futuros jornalistas.
Os filmes que trazem universos diegéticos (AUMONT; MARIE,
2003, p. 77) que se passam no ambiente de produção jornalística (reda-
ções, campos de apuração, salas de imprensa ou assessorias de imprensa)
ou que envolvem personagens jornalistas (mesmo em suas vidas "pesso-
ais") ganham, para além das suas condições de produtos da indústria cul-
tural, elementos da construção de um Discurso Constituinte (MAIN-
GUENEAU, 2016, p. 59) acerca de uma profissão que tem caráter desta-
cado no cenário público.
Utilizar filmes sobre jornalismo ou que tenham personagens jor-
nalistas como corpus de pesquisa torna-se, portanto, uma forma de apro-
ximar-se de um dos elementos relevantes na constituição do discurso jor-
nalístico, por meio da influência que exercem sobre os profissionais desta
área e pelo modo como mimetizam todo um imaginário acerca da profis-
são. O analista tem, então, a oportunidade de desvendar camadas de dis-
curso que vão desde as mais aparentes manifestações do filme – a histó-
ria que flui e envolve o espectador – até as mais profundas – que dizem
respeito a contextos históricos da produção de um determinado discurso
acerca da profissão ou contextos ideológicos que o influenciam.
As pesquisas que têm como corpora obras cinematográficas tra-
zem, no entanto, dificuldades em razão das múltiplas linguagens utiliza-
das pelo cinema. Embora possa ser tomada em bloco como uma lingua-
gem autônoma, a linguagem cinematográfica envolve elementos como
roteiro, trilha sonora, interpretação, fotografia, cenografia, que tornam
mais complexa a tarefa de desvendar intencionalidades autorais e possí-
veis impactos sobre a audiência. Vanoye e Goliot-Lété (2002, p. 10)
lembram que, na análise literária é possível tomar “o escrito pelo escri-
to”, como pretendiam os estruturalistas, enquanto na análise fílmica pre-
cisa-se considerar aspectos visuais, sonoros e de montagem, entre outros.
Esta comunicação aborda uma fase muito específica da construção
de um modo de pesquisa que utiliza roteiros cinematográficos como cor-
pora, que tem sido chamada por este autor de Análise Balizada pela Tra-
jetória do Herói, um procedimento metodológico que busca combinar a
localização do herói na trama com a análise detida das suas intencionali-
dades e contextos, como é próprio da Análise do Discurso.

598 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
2. A proposta específica
Em seu estudo sobre histórias e mitos populares, na década de 40
do século XX, CAMPBELL produziu levantamento de histórias popula-
res em várias partes do mundo, em diferentes épocas. Segundo ele, foi
possível constatar que todas utilizavam-se de uma “trajetória do herói”
como fio condutor. A identificação deste elemento em comum, no entan-
to, não é algo inaugurado pelo autor, que remete a estudos sobre os mitos
e arquétipos que estão presentes em épocas e contextos tão diferentes
quanto na antiguidade clássica grega e no formalismo russo.
Para o caso do cinema, no entanto, foi VOGLER, um roteirista,
que se utilizando da trajetória traçada por Campbell, identificou que a ba-
se da narrativa clássica também estava presente nos roteiros, o que o le-
vou a produzir um método para a escrita de filmes que tem sido utilizado
como norte nas produções, especialmente aquelas destinadas a obter re-
torno em escala industrial, como é típico de Hollywood.
O modelo da Jornada do Herói é universal, ocorrendo em todas as
culturas, em todas as épocas. Suas variantes são infinitas, como os mem-
bros da própria espécie humana, mas sua forma básica permanece cons-
tante. A jornada do Herói é um conjunto de elementos extremamente per-
sistente, que jorra sem cessar das mais profundas camadas da mente hu-
mana. Seus detalhes são diferentes em cada cultura, mas são fundamen-
talmente sempre iguais. (VOGLER, 2006, p. 48)

De modo esquemático, Vogler enumera 12 estágios que o herói


deve percorrer para que a narrativa cinematográfica obtenha sucesso jun-
to ao público: 1) Mundo Comum; 2) Chamado à Aventura; 3) Recusa do
Chamado; 4) Encontro com o Mentor; 5) Travessia do Primeiro Limiar;
6) Testes, Aliados, Inimigos; 7) Aproximação da Caverna Oculta; 8)
Provação; 9) Recompensa (Apanhando a Espada); 10) Caminho de Vol-
ta; 11) Ressurreição; e 12) Retorno com o Elixir (Idem, p. 52-3).
Para além de uma incursão meramente estrutural, a proposta aqui
exposta busca a identificação clara da estrutura, por meio da compreen-
são da sua lógica de construção, para, a partir dela, passar-se à etapa de
análise do discurso, compreendendo ser de valia para o analista a identi-
ficação do deslocamento do personagem em cada uma das etapas da tra-
ma. Ultrapassa-se, portanto, a análise estrutural até mesmo em razão des-
ta ater-se ao aspecto sincrônico da obra analisada (PAGAN, 2007, p. 65),
sem considerar a sua relação com o chamado mundo real (no que seria
uma abordagem diacrônica), o que não é o propósito da pesquisa desen-
volvida por este autor com os newspaper movies.

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 599


A proposta que se levanta é a de esquadrinhar a trajetória de per-
sonagens jornalistas nos newspaper movies de ficção para entender o pa-
pel do profissional jornalista, em determinado momento diegético, e a-
preender apontamentos acerca das suas decisões e soluções de roteiro. E
admitindo-se, como em Berger, uma centralidade da produção norte-
americana entre os newspaper movies, tem-se que esta proposta de análi-
se ganha ainda mais eficácia.
Ainda que grandes filmes de jornalista foram, também, produzidos na
Itália, no Brasil, na França e na Alemanha, ninguém soube traduzir tão
bem o imaginário coletivo que associa a profissão à investigação, à aven-
tura, à independência, ao arrojo, e, igualmente, ao cinismo, à falta de es-
crúpulos, à arrogância, como o cinema americano (BERGER, 2002, p. 17).

O papel preponderante dos Estados Unidos na produção de news-


paper movies também é destacado por SENRA, que entende esta presen-
ça de jornalistas nas histórias cinematográficas como um modo de confe-
rir uma necessária verossimilhança à narrativa ficcional. Este não é um
atributo específico de jornalistas – também é muito comum a utilização
de policiais, detetives, professores, entre outros com potencial de conferir
uma certa perspectiva de realidade à trama –, mas são estes os que inte-
ressam a esta pesquisa específica.
Quando se torna personagem, o jornalista tem o dom de assegurar, a-
través da suposta justeza da sua visada, uma autenticidade que foi eleita,
desde o início da história do cinema, como a maior aspiração das suas i-
magens. Como personagem do filme, a sua simples presença tem tido o
dom de ‘contaminar’ as imagens que o acompanham, conferindo-lhes a
caução de uma veracidade que o cinema sempre esteve preocupado em
restaurar. Esta transparência, incorporada pela visão do jornalista, que faz
com que as imagens do filme apareçam como pura ‘emanação’ do seu o-
lhar, vem consolidar o seu caráter ‘espontâneo’ e ‘sem artifício’ – comu-
mente considerado como um padrão de qualidade cinematográfica – que
confortou ao longo do tempo a propagação do modelo hollywoodiano.
(SENRA, 1997, p. 39)

A proposta é a de que se tenha como baliza o método de constru-


ção de roteiros cinematográficos, baseados na trajetória do herói, para
“desmontar” o próprio roteiro e, a partir de então, tomar as partes para a
análise do discurso, como proposto no esquema abaixo:

Esquema básico de questões a serem levantadas em cada etapa*


As etapas da Traje- No que consiste?** Que respostas são possí-
tória do Herói, se- veis obter na análise fílmi-
gundo Vogler: ca aqui proposta?

600 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
1 – Mundo Comum. É o local físico ou psicológico O que o filme considera
onde o herói se encontra fora de “mundo comum” para um
ação, normalmente em confor- personagem jornalista?
to, protegido das intempéries Uma redação? Sua casa,
que a aventura lhe reserva. quando fora da ativa? Um
bar?
2 – Chamado à Aven- Alguém chama o herói a aven- O que seria capaz de tirar
tura. turar-se por algo. um personagem jornalista
da inércia? O que pode ser
considerado uma aventura
para ele?
3 – Recusa ao Chama- O herói resiste, mostra-se can- O que leva o personagem
do. sado ou relutante. jornalista a recusar um
chamado? O que ele teme?
O que o fez perder a paixão
pela profissão?
4 – Encontro com o Alguém o convence a deixar Quem é capaz de definiti-
Mentor. seu mundo comum e abraçar a vamente convencê-lo?
aventura. Quem o influencia tão for-
temente?
5 – Travessia do Pri- A aventura começa, com a saí- O que costuma ser retratado
meiro Limiar. da do mundo comum e a entra- como Mundo Especial para
da em um ambiente hostil. os newspaper movies? O
Mundo do Poder? O sub-
mundo do crime? Um jornal
decadente?
6 – Testes, Aliados, Neste novo ambiente, o herói Na sua travessia pelo Mun-
Inimigos. precisa saber quem está a seu do Especial, quem costuma
favor e quem está contra. Por se aliar a ele? Quem o hosti-
vezes, se engana, mas isso tam- liza? Quais são seus inimi-
bém faz parte da aventura. gos declarados?
7 – Aproximação da O herói está próximo de um lu- Qual é o lugar mais perigo-
Caverna Oculta. gar ainda mais perigoso, onde so para um personagem jor-
está a chave para a resolução da nalista obter o que deseja?
trama. “O ponto mais ameaça- O que ele encontra nele?
dor do Mundo Especial”.
8 – Provação. Aqui o herói é testado ao ex- Quais são as forças mais e-
tremo, em confronto direto com levadas contra as quais ele
o seu principal inimigo. O es- luta? Como as derrota?
pectador, por vezes, é levado a
acreditar que o herói perdeu es-
ta batalha.
9 – Recompensa (A- Mas o herói sobrevive, e conse- O que normalmente busca o
panhando a Espada). gue o que veio buscar. Nor- personagem jornalista?
malmente, esta etapa é o come- Como ele consegue obtê-lo?
ço do clímax.

10 – Caminho de Vol- Vencida a primeira grande bata- Quais as forças mais amea-
ta. lha no Mundo Especial, o herói çadoras que precisa enfren-
precisa voltar para o Mundo tar o personagem jornalista

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 601


Comum, mas não será tão fácil. para conseguir voltar para o
Ele vai pagar caro por ter ido Mundo Comum com o seu
tão longe e invadido a Caverna “tesouro”?
Oculta do inimigo. Mas ele,
mais uma vez, vence.
11 – Ressurreição. Ele consegue deixar a Caverna Quais os demônios internos
Oculta, mas nunca mais será o que ele venceu? Quais os
mesmo. A experiência o faz re- resultados pessoais ou co-
nascer, redescobrir-se. Ele vol- munitários da sua jornada?
tará para o Mundo Comum,
mas como um outro homem,
muitas vezes curado dos seus
demônios interiores.
12 – Retorno com o Ele está de volta ao Mundo Uma vez de volta, o que a-
Elixir. Comum, para ser celebrado pe- presenta como prova da sua
los seus pares, mas terá que jornada? O que o consagra
provar que esteve no Mundo ou cura as suas feridas?
Especial, e apresentará algo que
trouxe da sua jornada. Pode ser
um tesouro, em filmes de aven-
tura, ou a publicação de uma
grande reportagem no caso de
newspaper movies.
*Quadro publicado originalmente em GOMES, Vitor Luiz Menezes. O jornalista enquan-
to herói: uma proposta para análise das representações do jornalismo no cinema. Es-
tudos em Jornalismo e Mídia. Vol. 10 N. 1. Jan. - Jun. 2013. ** Resumo desta coluna é
baseado em VOGLER (2006).

Este exercício foi feito em omes e Moura (2018), onde apenas


uma cena do filme “A Primeira Página” (“The Front Page”, EUA, 1974)
é tomada como corpus. Dela, toma-se o diálogo entre o personagem
Rudy Keppler (interpretado por Jon Korkes), um jornalista recém-
formado do jornal Chicago Examiner, e um grupo de jornalistas vetera-
nos. A cena, que começa pouco depois dos 20 minutos de filme e dura
menos de dois minutos (00:20:45 a 00:23:24), permite, a partir da sua lo-
calização na jornada do herói (neste caso, curiosamente, com o herói do
filme ausente, o personagem jornalista Hildy Johnson, interpretado por
Jack Lemmon), e utilizando-se ferramentas da Análise do Discurso, a-
preender intencionalidades constituintes de um discurso acerca da identi-
dade dos jornalistas no contexto norte-americano da primeira metade do
século XX (a história se passa na Chicago de 1929).
Os antigos jornalistas de uma sala de imprensa de um tribunal es-
tão prestes a fazer a cobertura de um grande caso, o da execução, por en-
forcamento, de um condenado desajustado e apaixonado pela prostituta
Mollie Malloy (Carol Burnett). Hildy, um dos jornalistas veteranos e per-

602 Revista Philologus, Ano 25, N° 73. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2019.
sonagem principal do filme, quer se livrar da pauta (e até do jornalismo,
para dedicar-se à publicidade) para se casar e ter uma vida tranquila com
a pianista Peggy Grant (Susan Sarandon). Seu chefe no Chicago Exami-
ner, o editor Walter Burns (Walter Matthau), no entanto, faz de tudo para
tentar impedir o casamento e garantir que seu repórter experiente faça a
cobertura que lhe renderá o aumento das vendas do jornal.
O repórter novato Rudy Keppler é, então, escalado para substituir
Hildy. Ao entrar na sala de imprensa, encontra um grupo de jornalistas
veteranos jogando cartas. O diálogo entre ele e os antigos repórteres, que
pode ser situado no estágio 6 da Jornada do Herói (Testes, Aliados, Ini-
migos) traz elementos que remetem ao desprezo dos antigos pela forma-
ção universitária do jovem repórter (algo que os antigos não têm), a ritu-
ais de iniciação e incorporação à “tribo” e à autoimagem do jornalista
como alguém que coloca a vida profissional acima da vida particular.
Em diferentes camadas, o texto apresenta elementos constitutivos da
construção de um discurso de época acerca do papel do jornalismo – es-
pecialmente levando-se em consideração um dos conflitos essenciais da
cena, entre o velho jornalista e o novato, o jornalista formado na “prática”
e o formado em escola de jornalismo, um debate até hoje presente, tanto
nos Estados Unidos (onde a formação de nível superior em jornalismo
não é exigida para o exercício da profissão), país produtor do filme, quan-
to no Brasil (onde a obrigatoriedade da formação superior em jornalismo
foi abolida em 2009, por decisão do Supremo Tribunal Federal, mas man-
tém-se reclamada por entidades representativas da categoria, como a Fe-
deração Nacional do Jornalistas). (GOMES; MOURA, 2018)

Alguns dos estereótipos recorrentes acerca da conduta dos jorna-


listas também estão presentes na cena, como o comportamento “mercená-
rio”, a “ignorância”, o “alcoolismo”, e o “cinismo” (SENRA, 1997, p.
47-8), além do caráter eminentemente masculino do exercício da profis-
são à época (todos os jornalistas na sala de imprensa retratada na cena
são homens).
Não se trata aqui de reconstituir toda a análise já feita em outro
momento, mas de ilustrar a sua utilização e suas contribuições, assim
como abrir diálogo com a comunidade acadêmica acerca das suas imper-
feições e limites.

3. Considerações finais
Esta comunicação não tem como propósito atestar ou não a vali-
dade da Jornada do Herói como ferramenta capaz de dar conta da varie-

Suplemento: Anais do XI SINEFIL 603


dade de narrativas, como defende Vogler. Aqui, em objetivo mais mo-
desto, busca-se apenas reconhecer que esta é a lógica empregada na cons-
trução da grande maioria dos roteiros cinematográficos e que, portanto,
sua identificação contribui na desmontagem de uma estrutura para que,
em seguida, ela possa ser estudada em toda a sua complexidade por outro
tipo de abordagem, esta sim capaz subsidiar um aprofundamento analíti-
co, que é a que nos é oferecida pela Análise do Discurso, em quaisquer
das suas linhagens (MAINGUENEAU, 2015, p. 15), de acordo com as
preferências do analista.
A estratégia adotada pelo roteirista, a forma como soluciona as
demandas de cada ponto da trajetória, o modo como o personagem jorna-
lista responde a cada um dos dilemas que a aventura lhe apresenta, po-
dem ser reveladores sobre como a obra vê este profissional no mundo re-
al. Ora apresentado como um virtuoso e incansável herói da notícia (co-
mo em Todos os Homens do Presidente, EUA, 1976), ora apresentado
como um vilão – a rigor, em termos da jornada, também um herói, ou an-
ti-herói – egocêntrico em busca do sucesso a todo custo (como em A
Montanha dos Sete Abutres, EUA, 1951), para ficarmos em exemplos ex-
tremos, o jornalista, como quaisquer outros atores sociais, têm suas iden-
tidades construídas socialmente e para esta construção têm peso constitu-
inte discursos emanados de produtos da indústria cultural de massa, co-
mo o cinema, sendo útil pensar em formas de obter destas produções lei-
turas que ajudem a explicar o chamado mundo real.

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Suplemento: Anais do XI SINEFIL 605

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