Psicologia Virtual Da Educação Cap - 01

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Parte I

O impacto das TIC sobre a


educação e a psicologia da educação

A primeira parte deste livro, formada por três capítulos, articula-se em torno dos
fatores históricos, socioeconômicos, tecnológicos, psico e socioevolutivos que influen-
ciaram no acelerado desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação
(TIC) na última década e que, por sua vez, foram influenciados por estes.
O Capítulo 1 defende a ideia de que as TIC fazem parte de um novo paradigma
tecnológico que modifica as práticas sociais e, de maneira especial, as práticas educa-
cionais. Essa influência se manifesta no desenvolvimento de novas ferramentas, cená-
rios e finalidades educacionais, marcadas pela adaptabilidade, pela acessibilidade per-
manente, pelo trabalho em rede e pela necessidade de uma crescente alfabetização
digital, aspectos que posteriormente são recolhidos e analisados ao longo do livro.
O Capítulo 2, por sua vez, aborda o impacto das TIC no desenvolvimento hu-
mano, considerando o conjunto de ferramentas virtuais que permitem gerenciar as
práticas comunicacionais como ferramentas de socialização que redefinem os limites
daquilo que até agora entendíamos como comunidade.
A potencialidade dessas ferramentas socializadoras nas escolas, nas salas de aula e
nos processos de ensino-aprendizagem é tratada no Capítulo 3. Nesse capítulo é feita
uma revisão crítica das formas habituais de classificar os usos educacionais das TIC e os
diversos vieses subjacentes a essas tipologias. Finalmente, é proposta uma classificação
que tenta contemplar, ao mesmo tempo, a potencialidade educativa que caracteriza
as diferentes ferramentas tecnológicas e as principais dimensões que caracterizam as
práticas educacionais.
1
Educação e aprendizagem no século XXI
Novas ferramentas,
novos cenários, novas finalidades
César Coll e Carles Monereo

Tecnologia, sociedade e em 1994, os autores de um relatório en-


educação: uma encruzilhada comendado pela Comunidade Europeia,1
de influências estamos assistindo já há algumas déca-
das ao surgimento de uma nova forma de
As forças da mudança organização econômica, social, política
e cultural, identificada como Sociedade
Tentar entender e valorizar o impacto da Informação (SI), que comporta novas
educacional das tecnologias da informação maneiras de trabalhar, de comunicar-se,
e da comunicação (TIC) considerando ape- de relacionar-se, de aprender, de pensar
nas sua influência sobre as variá­veis psi- e, em suma, de viver. O fato significati-
cológicas do aprendiz que opera com um vo é que essa nova sociedade se sustenta,
computador e que se relaciona, por seu em grande medida, no desenvolvimento
intermédio, com os conteúdos e tarefas de espetacular das TIC durante a segunda
aprendizagem, com seus colegas ou com metade do século XX. Como consequên-
seu professor, seria, do nosso ponto de vis- cia desse desenvolvimento, estaríamos,
ta, uma abordagem tendenciosa e míope nas palavras de Castells (2000, p. 60),
da questão. O impacto das TIC na educa- diante de um “novo paradigma tecnológi-
ção é, na verdade, um aspecto particular co, organizado em torno das tecnologias
de um fenômeno muito mais amplo, re- da informação” e associado a profundas
lacionado com o papel dessas tecnologias transformações sociais, econômicas e cul-
na sociedade atual. Como já assinalaram, turais.

1 Estamos falando do relatório elaborado por uma força-tarefa de especialistas presidida por Martin

Bangemann, que na época era comissário europeu da indústria, sobre as medidas a serem adota-
das pela Comunidade Europeia e os Estados-membros para “o estabelecimento de infraestruturas
no âmbito da informação”. O relatório, publicado em maio de 1994 sob o título Europa e a socie­
dade global da informação: recomendações ao Conselho Europeu, constitui, no critério de muitos
especialistas, o ponto de partida das políticas dirigidas a impulsionar e promover a sociedade da
informação na Europa. O relatório está disponível em: http://www.barcelonesjove.net/pafiledb.
php?action=download&id=227
16 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

O fenômeno da internet e seu im- novas “sociedades virtuais” (corporações


pacto na vida das pessoas seriam, neste virtuais, bibliotecas virtuais, aulas virtuais,
sentido, apenas uma manifestação a mais, etc.) e as práticas a elas relacionadas (co-
e com toda certeza não a última, do novo mércio eletrônico, telemarke­ting, teletraba-
paradigma tecnológico e das transforma- lho – ou trabalho remoto –, tele-educação
ções socioeconômicas e socioculturais a – ou ensino a distância –, telemedicina,
ele associadas. Com efeito, a internet não trabalho cooperativo apoiado por compu-
é apenas uma ferramenta de comunicação tador, teledemocracia, etc.) são de natu-
e de busca, processamento e transmissão reza muito diversa. Shayo e seus colabo-
de informações que oferece alguns ser- radores (2007), em um recente trabalho
viços extraordinários; ela constitui, além dirigido a identificar os fatores que estão
disso, um novo e complexo espaço global promovendo o rápido crescimento dessas
para a ação social e, por extensão, para “sociedades virtuais”, os reordenamentos
o aprendizado e para a ação educacional que elas estão introduzindo na vida das
(Castells, 2001). pessoas, as práticas que as caracterizam
Neste contexto, foram configuran­do- e suas consequências, identificam quatro
se progressivamente “novas formas sociais grandes forças impulsoras: o desenvolvi-
por meio das quais as pessoas não estão mento de economias globais, as políticas
obrigadas a viver, encontrar-se ou traba- nacionais de apoio à internet, a crescen-
lhar face a face para produzir mercado- te alfabetização digital da população e o
rias, oferecer serviços ou manter relações melhoramento gradual das infraestrutu-
sociais significativas” (Shayo et al., 2007, ras tecnológicas. A Figura 1.1 mostra a
p. 187). Os fatores que contribuíram para incidência dessas forças sobre diferentes
a expansão e o rápido crescimento destas esferas da atividade humana e como isso

FORÇAS IMPULSORAS

Alfabetização
Economias Políticas Infraestrutura
digital da
globais de apoio tecnológica
população

ESFERAS DE INCIDÊNCIA FORMAS SOCIAIS VIRTUAIS


Esfera individual Teleaprendizagem/teletrabalho
Esfera grupal Equipes virtuais
Esfera corporativa Organizações virtuais
Esfera comunitária Comunidades virtuais
Esfera social Sociedade virtual

figura 1.1
Forças impulsoras do desenvolvimento de “novas formas sociais” de natureza virtual.
Fonte: Adaptado de Shayo e colaboradores (2007, p.188.)
Psicologia da educação virtual 17

contribui para o desenvolvimento de “for- estilo de vida dos cidadãos, cada vez mais
mas sociais virtuais” e de novas práticas a interessados em melhorar sua qualidade
elas associadas. de vida – e, portanto, em flexibilizar seus
A inevitável liberalização da econo- horários de trabalho e aumentar o tempo
mia propiciou a realocação de empresas, dedicado ao lazer ou a outras atividades
a queda das taxas de importação, a aber- –, são também fatores que estão dando
tura dos investimentos supranacionais, a impulso ao desenvolvimento deste novo
privatização de empresas estatais e, em cenário social.
resumo, que o mundo pudesse ser consi-
derado como um grande mercado. As TIC,
em sua dupla condição de causa e efeito, A evolução das TIC e das
têm sido determinantes nessa transfor- modalidades educacionais associadas
mação. A facilidade para se comunicar e
trocar informações, junto com a enorme Entre todas as tecnologias criadas
redução de custos que isso traz consigo, pelos seres humanos, aquelas relaciona-
vem ocasionando, por exemplo, que al- das com a capacidade de representar e
guns países tenham passado diretamente transmitir informação – ou seja, as tecno-
de uma economia centrada na agricultura logias da informação e da comunicação
para outra baseada nas TIC. Como conse- – revestem-se de uma especial importân-
quência disso, tanto as grandes empresas cia, porque afetam praticamente todos os
e corporações quanto numerosos estados âmbitos de atividade das pessoas, desde
nacionais, principalmente entre os países as formas e práticas de organização social
desenvolvidos, aumentaram substancial- até o modo de compreender o mundo, de
mente seus investimentos em TIC para organizar essa compreensão e de transmi-
melhorar as infraestruturas e redes de co- ti-la para outras pessoas. As TIC têm sido
municação e propiciar o acesso à internet sempre, em suas diferentes fases de de-
de seus cidadãos, pensando principalmen- senvolvimento, instrumentos para pensar,
te nos desafios do comércio (e-business), aprender, conhecer, representar e trans-
do trabalho (e-work), da governabilidade mitir para outras pessoas e para outras ge-
(e-governance) e da educação (e-learning) rações os conhecimentos adquiridos (Coll
a distância. e Martí, 2001). Todas as TIC repousam
As outras duas forças apontadas sobre o mesmo princípio: a possibilidade
por Shayo e seus colaboradores também de utilizar sistemas de signos – linguagem
possuem um efeito multiplicador. Por um oral, linguagem escrita, imagens estáticas,
lado, a convergência digital, que permite imagens em movimento,­ símbolos mate-
incluir no mesmo documento texto escri- máticos, notações musicais, etc. – para re-
to, sons e imagens estáticas e em movi- presentar uma determinada informação e
mento, juntamente com a pressão do mer- transmiti-la. Para além dessa base comum,
cado, que exige mais rapidez e segurança contudo, as TIC diferem profundamente
na transmissão de dados, aceleram o con- entre si quanto às suas possibilidades e li-
tínuo surgimento de novos aplicativos que mitações para representar a informação,
melhorem as comunicações. Por outro assim como no que se refere a outras ca-
lado, cresce também o número de usuá­ racterísticas relacionadas à transmissão
rios que diariamente têm acesso à inter- dessa informação (quantidade, velocida-
net e, consequentemente, as necessidades de, acessibilidade, distância, coordenadas
de alfabetização digital aumentam. Al- espaciais e temporais, etc.), e essas dife-
guns estudos sociológicos mostram, além renças têm, por sua vez, implicações do
disso, que as mudanças nos valores e no ponto de vista educacio­nal. Atendendo às
18 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

análises realizadas por diversos autores animais e vegetais sobre outras por meio
oriundos da psicologia, da pedagogia, da da agricultura e do pastoreio, e influin-
sociologia, da filosofia, da linguística e da do, desse modo, na seleção natural. Mais
informática (Adell, 1997; Bautista, 2004; uma vez, a necessidade de registrar certos
Castells, 2000; De Kerckhove, 2005; Eche- dados, como uma memória externa, e de
varría, 1999; Ellerman,­ 2007; Palamides- transmitir e compartilhar com outros as
si, 2006; Retortillo, 2001), sintetizamos informações, experiências, conselhos, etc.,
no Quadro 1.1 a seguir os principais mar- está na origem do nascimento da escrita,
cos da evolução das TIC e das modalida- que, embora não exija a presença física
des educacionais a elas associadas. dos interlocutores, requer certa proximi-
Há um consenso bastante generali- dade, dado que primeiro os mensageiros e
zado em considerar três etapas-chave no depois o correio postal não podiam cobrir
desenvolvimento das tecnologias da co- distâncias muito grandes.
municação e seu efeito na educação. A pri- Tanto a prensa tipográfica quanto o
meira, dominada pela linguagem natural correio revolucionam a sociedade do mo-
(fala e gestualidade), caracteriza-se pela mento e estão na base da progressiva in-
necessidade de adaptação do homem pri- dustrialização da economia, da migração
mitivo a um meio adverso e hostil, no qual urbana e da formação de uma sociedade
o trabalho coletivo era crucial e a possibi- de massas. Na educação, essas tecnologias
lidade de se comunicar de maneira clara de comunicação encontram seus referen-
e eficiente se constituía em um requisito ciais em um ensino centrado em textos e
indispensável. A transmissão oral, como no nascimento dos livros didáticos e do
único sistema de comunicação, dependia ensino a distância, por correspondência.
de alguns requisitos essenciais: os falantes A partir desse momento, e até a época
deviam coincidir no tempo e no espaço e atual, a formação de uma mente alfabeti-
precisavam estar fisicamente presentes; as zada, letrada, capaz não apenas de deco-
habilidades que precisavam possuir eram dificar foneticamente os grafemas como
principalmente a observação, a memória também de compreender os conteúdos de
e a capacidade de repetição. Tais habili- maneira significativa para utilizá-los, tem
dades estão na origem de algumas moda- sido, provavelmente, o principal objetivo
lidades educacionais e de alguns métodos da educação formal.
de ensino e aprendizagem – a imitação, a Com a chegada dos sistemas de co-
declamação e a transmissão e reprodução municação analógica, primeiro o telégra-
de informação – muito úteis para fixar e fo e, posteriormente, o telefone, o rádio
conservar conhecimentos imprescindí- e a televisão, as barreiras espaciais foram
veis não apenas para preservar a cultura rompidas definitivamente e a troca de
como também para reproduzir e manter a informações em nível planetário passou
separação entre os diferentes estamentos a ser uma realidade. Os novos meios au-
sociais que compõem uma sociedade alta- diovisuais entraram nos centros educacio-
mente hierarquizada. nais, embora ainda como complemento
A segunda etapa representa a clara da documentação escrita. Fala-se hoje da
hegemonia do ser humano sobre o restan- necessidade de promover uma alfabeti-
te das espécies; não mais se trata apenas zação gráfica e visual, embora as tenta-
de sobreviver, mas de adaptar a nature- tivas sejam tímidas e seu impacto, ainda
za às necessidades humanas por meio do limitado. Isso ocorre, em grande medida,
desenvolvimento de técnicas alimentares, devido à fulgurante entrada em cena da
de construção, de vestimenta, etc., pri- linguagem digital e à possibilidade de as
vilegiando, por exemplo, certas espécies diferentes tecnologias existentes conver-
Quadro 1.1
Evolução das tecnologias da comunicação e das modalidades educacionais a elas associadas

Tipo de
ambiente Linguagem Tecnologias de Características Tipo de Modalidades
psicossocial Origem dominante Etapas comunicação da interação sociedade educacionais

Natural Adaptação das Oral n Protolin- n Fala n Presença n Sociedade n Imitação


(fisiológico) pessoas ao guagem n Mímica física dos agrária n Recitação
meio natural, n Etapa gestual n Relatos em interlocutores n Sociedade n Aula magna
facilitada por n Etapa oral prosa e n Proximidade es- artesanal
instrumentos, verso pacial e temporal n Sociedade
para sobreviver n Trovas e n Ações estamental
em um ambiente canções simultâ­neas ou
hostil. sincrônicas

Artificial Modificação do Escrita n Escritura n Escritura n Presença n Sociedade n Textos


(técnico) meio natural ideográfica manual em simbólica dos industrial manuscritos
para adaptá-lo n Escritura diferentes interlocutores n Sociedade n Livros didáticos
às pessoas. fonética suportes n Contiguidade urbana n Ensino por
n Prensa espacial e n Sociedade correspondência
grá­fica temporal de massas
n Correio n Ações
postal assíncronas

Virtual (Re)criação de Analógica n Analógica n Representação n Sociedade n Ensino a


(eletrônico) novos meios de n Telégrafo, simbólica dos audiovisual distância e
comunicação e telefone, TV interlocutores audiovisual
desenvolvimento
para responder Digital n Digital n Independência n Sociedade da n Ensino apoiado
aos desafios da n Multimídia espacial e informação por computador
globalização. temporal

n Sem fio n Ações síncronas n e-learning


Psicologia da educação virtual

n Internet e assíncronas

Fonte: Quadro elaborado a partir de: Adell (1977), Bautista (2004), Castells (2000), De Kerckhove (2005), Echenarría (1999), Ellerman (2007), Palamidessi (2006) e Retortillo (2001).
19
20 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

girem em um único sistema de codifica- a internet não parou de crescer e, ao mes-


ção que, além disso, utiliza suportes mais mo tempo, de evoluir. Ellerman (2007),
confiáveis, mais fáceis de transportar, em um interessante trabalho dirigido a
mais econômicos e com maior capacidade compreender o impacto da internet na
de armazenamento. Fruto da nova tecno- sociedade contemporânea, expõe alguns
logia foram os primeiros computadores aspectos dessa evolução a partir da análi-
digitais, no fim da década de 1940, que se das metáforas utilizadas para descrevê-
encontrariam na corrente comportamen- -la nos artigos publicados sobre o tema e
talista e suas máquinas de ensino analó- incluídos na base de dados acadêmicos
gicas um terreno fértil para o desenvolvi- ASAP.3 A primeira, e provavelmente tam-
mento da educação assistida por compu- bém a mais lembrada, segundo a autora,
tador que, apesar das críticas recebidas, é a metáfora da internet como “estrada”
continua com boa saúde e presente em (highway) da informação e da comuni-
muitas aplicações edumáticas* atuais. cação. De acordo com sua análise, essa
Graças à interligação entre diferentes metáfora surge em 1992, atinge seu pon-
computadores digitais e à internet chega- to culminante em 1996 e, a partir desse
mos, assim, strictu sensu, à Sociedade da momento, sua presença nas publicações
Informação, que poderíamos definir como especializadas sofre um progressivo declí-
um novo estágio de desenvolvimento das nio. A metáfora promove um grande nú-
sociedades humanas, caracterizado, do mero de termos associados à ideia de trá-
ponto de vista das TIC, pela capacidade de fego e circulação: acesso aberto, mapas,
seus membros para obter e compartilhar saídas, buracos, calçada, rotas, rotatórias,
qualquer quantidade de informação de ma- atalhos, engarrafamento, etc. Surgida du-
neira praticamente instantânea, a partir de rante a administração do presidente Bill
qualquer lugar e na forma preferida, e com Clinton nos Estados Unidos, tal metáfora
um custo muito baixo. Neste momento, respondia em grande medida, de acor-
por outro lado, já estamos iniciando uma do com a interpretação da autora, à ne-
nova subetapa, caracterizada pelo desen- cessidade de construir as infraestruturas
volvimento das redes sem fio e pela inter- requeridas para uma circulação rápida e
net móvel, os quais podem tornar possível fluida da informação, de modo que, uma
a velha utopia da conectividade total. vez criadas tais infraestruturas, a metáfo-
Desde que apareceu, na forma em ra caiu em desuso. A segunda metáfora
que a conhecemos atualmente, em 1990,2 nasce um ano após a anterior, em 1993,

2 A origem da internet remontam à Arpanet, a rede do Advanced Research Project Agency do De-
partamento de Defesa dos Estados Unidos, criada em 1969. Contudo, foi somente em 1974 que V.
Cerf, R. Khan e outros projetaram a arquitetura básica da internet e estabeleceram o Protocolo de
Controle de Transmissão (Transmission Control Protocol, TCP). Posteriormente, em 1978, o próprio
V. Cerf e outros especialistas dividiram esse protocolo em duas partes, o Protocolo de Controle de
Transmissão de computador principal a computador principal (TCP Transmission Control Protocol)
e o Protocolo Inter-redes (Interconection Protocol, IP), dando lugar ao protocolo (TCP/IP), que
atualmente ainda é o padrão de comunicações entre computadores.
3 ASAP é uma base de dados de orientação acadêmica que inclui as referências e o texto completo

de trabalhos publicados em revistas e periódicos de todo o mundo em três áreas: artes e humanida-
des, ciências sociais e ciência e tecnologia (http://www.cdlib.org/inside/resources/choosecampus/
eaasap.html).
* N. de R.T. o termo “edumática” se refere à relação entre educação e informática. É ainda pouco uti-

lizado em português, mas muito frequente em estudos sobre o tema da TIC na língua espanhola.
Psicologia da educação virtual 21

e atinge sua maior popularidade também Posteriormente, foram aparecendo


em 1996. Trata-se da internet identifi­ novas metáforas que se inscreveram nesta
cada como “ciberespaço” (cyberspace), última: uma nova polis ou infopolis, uma
cujo significado remete à regulamenta- nova sociedade-rede, um novo território,
ção, autorregulamentação ou controle do um novo espaço pelo qual viajar, ou telé­
espaço “virtual” da internet. A metáfora polis, etc.* Seja qual for a imagem utiliza-
responderia sobretudo, ainda segundo a da, contudo, não há duvida de que, como
autora, à preocupação por introduzir re- veremos na seção seguinte, a interação
gulamentações ou controles sobre a uti- entre a mente dos agentes educacionais
lização da internet em todos os âmbitos, e um sistema complexo de processamen-
surgida como consequência do medo ao to e transmissão de informação, como é
caos social e moral que pudesse sobrevir a internet, está modificando de maneira
do fluxo e do acesso praticamente sem li- significativa as ferramentas, os cenários
mites à informação. Assim, contra o jogo, e as finalidades da educação neste come-
a pornografia, a pirataria, o terrorismo, ço do século XXI. Antes disso, contudo,
etc., aparecem filtros, zonas privilegia- convém comentar brevemente algumas
das de acesso, proteção para menores de características destacadas da Sociedade
idade, protocolos, normas de conduta, re­ da Informação, as quais têm importantes
gulamentações legislativas, vírus e anti- implicações para a educação, o ensino e a
vírus, vacinas, etc. Finalmente, a terceira aprendizagem.
metáfora é posterior e consiste na utili­
zação do adjetivo “virtual” para referir-se
às organizações, comunidades, atividades O contexto da mudança:
e práticas que operam e ocorrem na inter- algumas características da
net. Neste caso, a metáfora destaca a po- Sociedade da Informação que
tencialidade da internet como imitadora são relevantes para a educação
da realidade, capaz, por exemplo, de per-
mitir uma comunicação entre usuá­rios O consenso generalizado sobre a
que é muito parecida com aquela que existência de transformações profundas
ocorre realmente. A simulação de todo em praticamente todos os âmbitos da or-
tipo de objetos, fenômenos, situações e ganização social, política, econômica e
processos fazem da internet uma reali- cultural contrasta com a heterogeneida-
dade paralela – mais do que algo irreal de das conclusões das análises dirigidas a
ou fictício – que está adquirindo, pouco identificar e descrever essas transforma-
a pouco, um status próprio. Assim, são ções, verificar a sua importância e seus
adjetivados como virtuais todos os fenô- efeitos na vida das pessoas e formular
menos que ocorrem na rede, dado que, propostas concretas de ação diante dos
em algum sentido, eles emulam a ou- desafios decorrentes. As razões dessa he-
tros semelhantes que ocorrem no mundo terogeneidade são, sem dúvida, múltiplas
real: comunicação virtual, ensino virtual, e diversas e é preciso buscá-las, pelo me-
aprendizagem virtual, trabalho virtual, nos em parte, na impossibilidade de ado-
comunidade virtual, etc. tar a distância crítica mínima necessária

* N. de R. Na língua portuguesa, os termos “infopolis” e “telépolis” não têm referências; na litera-


tura especializada, contudo, há os termos “infovia” e “cosmópolis” (Pierre Lévy, As tecnologias da
inteligência: o futuro do pensamento na era da informática, Ed. 34, 1993, São Paulo [1990, Paris,
Ed. La Decouverte]).
22 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

para analisar as transformações nas quais tivo”. A abundância de informação e a


estamos imersos e que nos afetam dire- facilidade de acesso a ela não garante,
tamente; e em parte, também, essas ra- contudo, que os indivíduos estejam
zões podem estar na natureza instável das mais e melhor informados. A ausência
transformações que continuam ocorrendo de critérios para selecioná-la e confir-
a um ritmo cada vez mais acelerado, tanto mar sua veracidade, a abundância de
no âmbito estritamente tecnológico, com informação, que responde, além disso,
contínuos avanços e desenvolvimentos aos interesses e finalidades daqueles
das TIC, como no âmbito social, político, que têm poder, os meios e a capacidade
econômico e cultural. Assim, sem ânimo para fazê-la circular, transformam-se
de sermos exaustivos e com a prudência facilmente, para muitos cidadãos e
imposta pelas considerações precedentes, cidadãs, em excesso, caos e ruído. A
vamos assinalar e comentar brevemente grande quantidade de informação e a
alguns fenômenos, tendências ou caracte- facilidade para transmiti-la e acessá-la
rísticas que, de acordo com boa parte das é, sem dúvida nenhuma, um avanço
análises feitas até agora, são próprios da com enormes potencialidades para
SI, ou adquirem especial relevância nesse permitir o desenvolvimento individual
marco, e que formam, no nosso critério, e social e para melhorar a vida das pes-
o pano de fundo da educação neste novo soas, mas por si só não garante nada.
cenário (Coll, 2003). O risco de manipulação, de excesso de
informação, de intoxicação provocada
n A complexidade, a interdependência e a por esse excesso – de “infoxicação” – e
imprevisibilidade (Cebrián, 1998) que sobretudo o desafio de conseguir passar
presidem as atividades e as relações dos da informação para o conhecimento, o
indivíduos, dos grupos, das instituições que “envolve informação interiorizada
e dos países são, junto com a globali- e adequadamente integrada nas estru-
zação ou mundialização da economia, turas cognitivas do indivíduo” (Adell,
características frequentemente atri­ 1997) –, são aspectos estreitamente
buídas à SI. O contexto das atividades relacionados com a preeminência da
humanas, que as condiciona e por sua informação na SI.
vez é condicionado por elas, não é mais n A rapidez dos processos e suas con-
o contexto físico imediato, no qual es- sequências. A rapidez com que ocor-
tas surgem e se desenvolvem, mas um rem as mudanças e transformações,
contexto muito mais amplo, sujeito a aumentando, com isso, o impacto e a
uma densa rede de inter-relações, de imprevisibilidade de seus efeitos e con-
envolvimentos e de influências mú­ sequências, é outra das características
tuas. que distinguem a SI (Cebrián, 1998).
n Informação, excesso de informação e A rapidez afeta praticamente todos os
ruído. A informação é a matéria-prima processos e aspectos envolvidos na SI:
da SI. As TIC, e especialmente as tecno- rapidez na transmissão da informação,
logias de redes de informação, trouxe- na sua caducidade e na sua renovação;
ram consigo um aumento espetacular rapidez no desenvolvimento e aperfei-
da quantidade e do fluxo de informa- çoamento de hardware e de software;
ção, facilitando não apenas o acesso à rapidez na incorporação dos usuários
informação de setores cada vez mais às novas tecnologias (internet, televi-
amplos da população como também a são digital, telefonia digital, internet
possibilidade de submeter esses setores e tecnologia móvel, etc.); rapidez nas
a um verdadeiro “bombardeio informa- mudanças de tendências econômicas
Psicologia da educação virtual 23

em nível mundial; rapidez no auge e as tecnologias audiovisuais e multimí-


queda de produtos comerciais e áreas dia, têm contribuído para configurar e
de negócios; rapidez nas mudanças de consolidar uma autêntica “cultura do
tendências do mercado de trabalho; ra- espetáculo” que, de acordo com Ferrés
pidez na difusão, aceitação e abandono (1999), prioriza formas de expressão
de modas culturais e de valores éticos e que podem ser resumidas em cinco
estéticos que se sucedem com uma ve- grandes características: a primazia do
locidade vertiginosa; rapidez, em suma, sensorial – ou multissensorial – e do
nos processos de tomada de decisão concreto sobre o abstrato e o simbó-
forçados pela necessidade de responder lico; a primazia do narrativo sobre o
a uma realidade que está submetida a taxonômico e o analítico; a primazia
um processo de mudança contínua e, do dinâmico, tanto no que concerne à
em muitos aspectos, imprevisível. forma quanto aos conteúdos, sobre o
n A escassez de espaços e de tempo para estático; a primazia das emoções sobre
a abstração e a reflexão. Como assinala a racionalidade; e a primazia do sensa-
Cebrián (1998, p. 181), “a velocidade é cionalismo sobre o previsível e rotinei-
contrária à reflexão, impede a dúvida e ro. O fato importante a destacar é que,
dificulta o aprendizado. Hoje, estamos segundo o autor, ao primar essas formas
obrigados a pensar mais rápido, mais de expressão, a cultura da imagem e do
do que a pensar melhor”. A rapidez dos espetáculo está contribuindo, também,
processos e transformações próprios para desenvolver nas pessoas determi-
da SI, juntamente com os fenômenos nadas maneiras de agir, de pensar e
de excesso, obsolescência e renovação de sentir.4
contínuos da informação, assim como n A transformação das coordenadas es-
a multiplicidade e heterogeneidade paciais e temporais da comunicação. O
das fontes de informação, podem levar espaço e o tempo têm sido sempre dois
facilmente à “diminuição e dispersão condicionantes básicos com os quais os
da atenção, [a] uma cultura de ‘mosai- seres humanos se confrontam nas suas
co’, carente de profundidade, à falta tentativas de melhorar sua capacidade
de estruturação, à superficialidade, à de comunicação. A evolução das tec-
padronização das mensagens, à infor- nologias e dos meios de comunicação
mação como espetáculo, etc.” (Adell, pode ser descrita, em certa medida,
1997, p. 5). como o resultado dos esforços huma-
n A preeminência da cultura da imagem e nos para superar estes condicionantes:
do espetáculo. As TIC, e especialmente da comunicação gestual ou oral face a

4A tese de que as TIC, e em especial as novas formas culturais e os processos de socialização e cul-
turalização que essas tecnologias propiciam, estão provocando mudanças profundas, nem sempre
positivas, nas formas de pensar e aprender das pessoas tem sido defendida com veemência por
autores como Giovanni Sartori ou Raffaele Simoni. Assim, Sartori (1998) defende a tese de que a
revolução multimídia desencadeada pelo desenvolvimento das TIC na segunda metade do século
XX está “transformando o homo sapiens, produto da cultura escrita, em um homo videns, para o
qual a palavra foi destronada pela imagem” (op. cit., p. 11). Simoni (2001), por sua vez, afirma
que, com o computador e as mídias – ou seja, com as TIC –, a espécie humana está adentrando em
uma nova fase de sua história, caracterizada pela conquista de novas formas de acesso ao conhe-
cimento, mas também pelo abandono ou pela perda de outras, baseadas na leitura e na escrita,
que não podemos ignorar.
24 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

face, que exige a coincidência temporal todas as expressões e valores culturais


dos interlocutores no mesmo espaço tenham as mesmas possibilidades de
físico, até a comunicação virtual, na difusão e circulação pelas novas redes
qual os interlocutores podem estar a de comunicação. As expressões, valores
milhares de quilômetros de distância e sistemas culturais dos grupos que
e, inclusive, podem não saber onde o estão no poder e contam com os meios
outro está fisicamente, e, mesmo assim, e a capacidade para serem difundidos,
podem comunicar-se de forma síncrona vão se impondo progressivamente.
ou assíncrona. O ciberespaço, o espaço n O surgimento de novas classes sociais: os
virtual no qual ocorre a comunicação por “inforricos” e os “infopobres”. Algumas
redes, na verdade é um “não lugar”, um das características da SI e das TIC que
“espaço não físico” diferente dos espaços acabamos de comentar parecem sugerir
pessoais em que os interlocutores se en- que estamos diante de uma revolução de
contram fisicamente (Martínez e Solano, alcance mundial que afeta o conjunto da
2003, p. 21). Quanto ao tempo, é preciso humanidade. Esta apreciação é correta,
considerar, por um lado, que a veloci- mas convém matizá-la imediatamente
dade de transmissão da informação por assinalando que, pelo menos até agora,
redes o anula, praticamente, como con- não está afetando a todo mundo da
dicionante para efeitos de comunicação; mesma maneira. Por um lado, o ritmo
e, por outro, que ocorre uma dissociação de incorporação à SI das diferentes
entre o tempo pessoal, ou “tempo vivi- regiões e países do mundo, e mesmo
do”, dos interlocutores (ibidem, p. 24) dos diferentes setores ou classes sociais
e o tempo durante o qual se tem acesso dentro de um único país, é muito de-
à informação comunicada. sigual.5 Por outro lado, a participação
n A homogeneização cultural. A pos- na SI tem um alcance e um significado
sibilidade de transmitir e ter acesso diferentes, dependendo de cada caso: de
a qualquer momento, de maneira produção, criação e negócio nos países
praticamente instantânea, a grandes ricos; de consumo e maior dependência
volumes de informação modifica subs- econômica e cultural nos países pobres.
tancialmente o contexto das atividades A consequência dessa situação é que está
e das práticas sociais e econômicas. O ocorrendo um “aumento das diferenças
contexto se amplia até atingir limites entre países pobres e países desen-
gigantescos, ou pode até não ter limites. volvidos, a sociedade dual está sendo
Mas a globalização, ou mundialização, potencializada, mesmo no seio de um
não ocorre apenas no âmbito da eco- país ou de uma cidade, e estão sendo
nomia, do mercado e do consumo, mas criadas novas classes: os inforricos e os
afeta todas as facetas da atividade e da infopobres.” (Cebrián, 1998, p. 187).
expressão humanas. Também a cultu-
ra, entendida em um sentido amplo, Esta breve e resumida revisão de
torna-se globalizada, mesmo que nem algumas de suas características mais des-

5 Veras estatísticas publicadas periodicamente por algumas corporações, fundações e organismos


governamentais e não governamentais como, por exemplo, Internet World Stats (http://www.in-
ternetworldstats.com/stats.htm), Comissão Europeia (http://europa.eu/pol/infso/index_es.htm),
Observatório Nacional das Telecomunicações e da SI (http://observatorio.red.es/index.action),
Associação de Usuários da Internet da Espanha (http://www.aui.es), e Fundação Orange (http://
www.fundacionorange.es/areas/25_publicaciones/publi_251_7.asp).
Psicologia da educação virtual 25

tacadas basta para mostrar o alcance e a zagem baseados nas TIC durante as três
transcendência das mudanças que a SI e últimas décadas, conforme mostra o Qua-
as TIC estão provocando em nossas vidas. dro 1.2 a seguir.
Dedicaremos a seção seguinte à revisão Embora Kaptelinin fale de períodos
de algumas dessas mudanças no que se temporais ou etapas que teriam ocorrido
refere ao sentido e alcance da educação, em “ondas”, considerando que cada nova
aos contextos e práticas educacionais e etapa supera a anterior, e apostando cla-
aos modos de ensinar e aprender. ramente pela última, temos sérias dúvidas
de que as duas primeiras etapas tenham
tornado-se obsoletas, especialmente se
A influência da Internet: prestarmos atenção a determinados de-
novas ferramentas, cenários senvolvimentos atuais, como, por exem-
e finalidades educacionais plo, os agentes artificiais inteligentes que
se busca incorporar às interfaces (ver Ca-
Em um trabalho dedicado a revisar pítulo 8). Por isso, preferimos falar em
os paradigmas teóricos dominantes nos aproximações, mais do que em períodos
estudos da interação entre humanos e ou etapas.
computadores (Human-Computer Interac­ A primeira aproximação tem sido
tion, HCI), Kaptelinin (2002) apresenta orientada basicamente ao estudo do im-
um esquema que contempla três grandes pacto do uso das TIC sobre os processos
grupos de abordagens, o qual é igualmen- cognitivos do aprendiz-usuário. A segunda
te útil para revisar as abordagens teóricas incorpora decididamente em suas pesqui-
dadas aos processos de ensino e aprendi- sas as variáveis relativas ao contexto edu-

Quadro 1.2
Três abordagens sobre o estudo da interação entre seres humanos e computadores

I. A aproximação n Foco nas interfaces


cognitiva n Estudos experimentais sobre a eficácia da interação
computador-ser humano
n Modelos de usuários
n Critérios de usabilidade

II. A aproximação n De produtos a processos em pesquisa e design


sociocognitiva n De indivíduos a grupos
n Do laboratório ao local de trabalho
n Dos novatos aos especialistas
n Da análise ao design
n Do design centrado no usuário ao envolvimento do próprio
usuário no design

III. A aproximação n Para além do ambiente laboral: aprendizagem, jogo, lazer


a partir da teoria n Para além do mundo adulto: as crianças e os jovens como
da atividade autores e designers
n Para além da realidade virtual: computadores ubíquos
n Para além das ferramentas passivas: tecnologias persuasivas
n Para além da interação computador-ser humano: interação com
Web adaptativa

Fonte: Adaptado de Kaptelinin (2002).


26 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

cacional no qual ocorre a aprendizagem. obrigada a enfrentar essa situação e fala-


A terceira, finalmente, amplia ainda mais se em escolas inclusivas (que tentam satis-
o foco e introduz outros contextos de ati- fazer a diversidade de necessidades edu-
vidade social, além dos especificamente cacionais de seus alunos), de educação
orientados à educação. Com esse esquema não formal e informal (para aproveitar
em mente, vamos revisar, a seguir, algumas as oportunidades que a sociedade atual­
ferramentas, cenários e finalidades que oferece para a educação e formação das
surgem no panorama educacional atual pessoas) e de aprendizado colaborativo
como consequência da irrupção das TIC. e cooperativo (com a finalidade de tirar
proveito dos conhecimentos e habilidades
dos diversos membros de um grupo para
Novas ferramentas satisfazer objetivos comuns). As TIC em
geral, e suas aplicações e usos educacio-
Fazer uma análise prospectiva das nais em particular, logicamente refletem
novas ferramentas das TIC que são rele- essas inquietações.
vantes para a educação não é tarefa fá-
cil, considerando o ritmo vertiginoso com
que surgem as novidades neste âmbito. Da acessibilidade e
Serve como exemplo disso o “Diretório de usabilidade à adaptabilidade
Ferramentas para a Aprendizagem” ela-
borado anualmente pelo Centre for Lear­ Longe de serem contrapostas, a
ning & Performance Technologies, que, em acessibilidade, a usabilidade e a adapta-
sua edição de 2008, inclui em torno de bilidade são propriedades das TIC forte-
2.400 referências, quase 700 a mais que mente interdependentes: quanto maior
em 2007, entre ferramentas de software for a acessibilidade e a adaptabilidade,
livre e de software comercial. O Quadro maior será a usabilidade, e vice-versa.
1.3 apresenta as 20 ferramentas preferi- Em qualquer caso, a universalização do
das pelos especialistas em aprendizagem acesso, mesmo ainda sendo uma utopia,
e outros profissionais da educação que avança a passos agigantados e não parece
contribuíram com suas avaliações para ter retorno. Quanto à usabilidade, os es-
a edição de 2008. Para cada ferramenta, forços para que as interfaces tornem cada
indica-se, além de seu lugar no ranking, vez mais amigáveis, intuitivas e fáceis de
suas características, se é software livre ou ser utilizadas por qualquer pessoa estão
proprietário e se pode ser baixada ou ope- dando seus frutos, e as possibilidades de
ra on-line. se operar um computador utilizando, por
De qualquer maneira, existem pelo exemplo, a voz ou pequenos movimen-
menos três conceitos que se repetem per- tos voluntários quase imperceptíveis co-
manentemente na literatura e que apon- meçam a tornar-se realidade. O desafio
tam para um horizonte bastante provável: agora é que os programas sejam capazes
adaptabilidade, mobilidade e cooperação. de se transformar em um alterego para o
Em um mundo em que as distâncias são aluno – ou para uma equipe de trabalho
cada vez mais reduzidas, as fronteiras –, auxiliando-o de modo personalizado
desaparecem e os grandes problemas são em suas tarefas graças à possibilidade de
compartilhados, cresce a mobilidade das “aprender” com suas ações, omissões e
pessoas, aumenta a heterogeneidade das decisões; estamos falando dos chamados
comunidades e torna-se patente a neces- “agentes artificiais” (ver o Capítulo 8).
sidade de trabalhar conjuntamente para Por outro lado, a necessidade de
resolver problemas comuns. A educação é aproximar cada vez mais os computadores
quadro 1.3
As 20 ferramentas preferidas para a aprendizagem, segundo o “Diretório” de 2008

Ranking Nome da Software livre/ Podem ser baixados/


2008 ferramenta Descrição proprietário On-line

1. Del.icio.us Folksonomia de páginas Web Livre On-line


2. Firefox Navegador Web Livre Podem ser baixados
3. Google Reader Leitor de feeds Livre On-line
4. Skype Mensagens instantâneas. comunicação VoIP Livre Podem ser baixados
5. Google Search Buscador Livre On-line
6. Wordpress Ferramenta de blogs Livre Podem ser baixados/On-line
7. PowerPoint Ferramenta de apresentações Proprietário Podem ser baixados
8. Blogger Ferramenta de blogs Livre On-line
9. Audacity Editor de som e gravador Livre Podem ser baixados
10. Wikipedia Enciclopédia on-line Livre On-line
11. Gmail Programa de correio eletrônico Livre On-line
12. Google Docs Site para abrigar, processar e compartilhar documentos Livre On-line
13. Moodle Sistema de gestão de cursos on-line Livre Podem ser baixados/On-line
14. Flickr Site para abrigar e compartilhar fotos Livre On-line
15. iGoogle Página inicial de web personalizável Livre On-line
16. YouTube Site para abrigar/compartilhar vídeos Livre On-line
17. Slideshare Site para abrigar/compartilhar apresentações Livre On-line
18. Ning Redes sociais de trabalho Livre On-line
19. Twitter Microblogs e redes Livre On-line
20. Wikispaces Ferramenta de wikis Livre On-line
Psicologia da educação virtual

Fonte: Centre for Learning & Performance Technologies (http://c4lpt.co.uk/recommended/index.html).


27
28 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

das mentes dos aprendizes não termina rendo neste mesmo instante ou para in-
com as iniciativas das empresas dedicadas tegrar em um trabalho de equipe pessoas
à criação e produção de hardware e soft­ geograficamente afastadas entre si (Pea e
ware; outro núcleo importante de avanço Maldonado, 2006; Rheingold, 2002).
tem como protagonistas os próprios usuá-
rios e seu interesse em participar de pro-
jetos e desenvolvimentos de novos protó- Da competição individual à cooperação
tipos, seja em relação ao software livre, a
desenvolvimentos de personagens e jogos A maioria das atividades humanas
ou à criação e oferta de conteúdos pela socialmente relevantes incluem um tra-
Internet. Esta corrente, que coloca o usuá­ balho em grupo. Assim, ser competente,
rio na posição de produtor e difusor de em sua dupla acepção de que uma tarefa
conteúdos, é conhecida com o nome de ou responsabilidade compete a alguém e
Web 2.0, em contraposição à perspectiva de que alguém é competente para realizar
anterior de Web 1.0, que conferia ao usuá­ uma tarefa ou assumir uma responsabili-
rio um papel de mero consumidor relati- dade, dificilmente pode ser considerado
vamente passivo. Mais adiante, na seção como um atributo exclusivamente indi-
relativa aos desafios, voltaremos a tratar vidual, independente da competência de
sobre esta diferença. outros que estejam, direta ou indireta-
mente, envolvidos na situação e influindo
e condicionando processos e produtos.
Do e-learning ao m-learning Tradicionalmente, contudo, na edu-
cação formal e escolar, demonstrar a pró-
Uma das perspectivas de futuro mais pria competência significa mostrar que
verossímeis é a possibilidade de expandir se é competente em comparação ao resto
as opções de aprendizado para outros ce- dos aprendizes da mesma turma, da mes-
nários que não sejam os tipicamente es- ma escola ou do mesmo nível educacio-
colares. A progressiva miniaturização e nal, o que geralmente se traduz em entrar
integração das tecnologias, junto com o em competição com os demais, às vezes
desenvolvimento de plataformas móveis de maneira muito explícita (por exem-
e da conexão sem fio, permitirão que os plo, quando as notas são dadas a partir
alunos possam continuar avançando em de uma distribuição normativa de pontua­
sua formação tendo acesso, a qualquer ções que se expressam graficamente em
momento, por meio de seu celular, de uma “curva de Gauss”) e outras de manei-
agendas eletrônicas, computadores de ra mais encoberta (por exemplo, quando
bolso ou de outros dispositivos, a docu- se estabelecem comparações formais ou
mentos, portfólios, fóruns, chats, ques- informais entre os alunos, com o “melhor”
tionários, webquests, weblogs, listas de e “pior” rendimento). Frente a essa postu-
discussão, etc. O m-learning ou “escola ra, encontramos com cada vez mais fre-
nômade”, segundo o termo cunhado por quência, em todos os níveis educacionais,
P. Steger,6 abre imensas possibilidades experiências que tendem a apresentar e
para se empreender trabalhos de campo, organizar as atividades de ensino e apren-
trocar reflexões, analisar conjuntamente dizagem, e também as atividades de ava-
atuações profissionais que estejam ocor- liação, como atividades e tarefas de gru-

6O projeto e diversos exemplos de “escola nômade” podem ser consultados em: http://www.epi.
asso.fr/revue/sites/s0501c.htm.
Psicologia da educação virtual 29

po. Particularmente interessantes neste mente distribuídas (entre os dispositivos


sentido são as atividades que, por sua pró- tecnológicos e os membros do grupo).
pria complexidade, exigem a participação Tomando como ponto de partida a
interdependente de todos os membros do confluência entre trabalho cooperativo e
grupo. São tarefas nas quais somente no TIC, Mittleman e Briggs (1998) identifi-
caso de cada membro do grupo contribuir cam sete tipos básicos de grupos virtuais
com a informação que possui, ou executar suscetíveis de funcionar tanto em contex-
de maneira competente a função ou o pa- tos laborais quanto de formação. De nos-
pel que lhe corresponde, consegue-se uma sa parte, e como resultado da aplicação
solução ótima ou chega-se ao resultado cruzada de dois critérios relativos, respec-
procurado. Estamos falando de tarefas de tivamente, ao caráter esperado ou inespe-
tipo cooperativo, nas quais a competência rado da demanda que está na origem da
do grupo prima sobre a competência indi- atividade e à existência de uma relação
vidual de seus membros. de independência ou de interdependência
A incorporação das TIC aos diferentes entre os membros, sintetizamos os sete ti-
âmbitos da atividade humana, e especial- pos básicos de grupos em quatro grandes
mente às atividades laborais e formativas, categorias, conforme mostra o Quadro
vem contribuindo de maneira importante 1.4 a seguir.
para reforçar essa tendência de projetar
metodologias de trabalho e de ensino ba- a) Grupos de trabalho virtual que atuam
seadas na cooperação. Assim, por exem- sobre demandas previstas e, com fre-
plo, trabalhar em rede com o apoio das quência, previamente planejadas, e que
TIC representa uma nova maneira de se estabelecem as relações com base em
entender e de estabelecer as competên- um formato colaborativo, ou seja, com
cias necessárias para cumprir as tarefas e papéis e funções independentes entre
realizar as atividades estabelecidas. Para- seus membros. Exemplos desse tipo de
fraseando Pea (1993), poderíamos dizer grupos são as denominadas “equipes de
que as competências são mais exercidas trabalho em rede” (networked teams),
e distribuídas do que possuídas, de modo nas quais vários indivíduos colaboram
que estão: simbolicamente distribuídas para alcançar uma meta comum, e as
(entre os diferentes sistemas de signos “equipes de serviço”, criadas para pro-
com carga semiótica que operam no am- porcionar um serviço específico durante
biente de trabalho em rede); socialmente um período de tempo determinado.
distribuídas (entre todos os membros do b) Grupos de trabalho virtual que são cen-
grupo, que, por sua vez, são provedores trados, também, em demandas previs-
e receptores de conhecimentos) e fisica­ tas ou conhecidas, mas cujos membros

Quadro 1.4
Tipos básicos de equipes virtuais

Demanda esperada Demanda inesperada

Relação de independência Equipes de trabalho em rede Equipes paralelas


Equipes de serviços Equipes de ação imediata
Relação de interdependência Desenvolvimento de projetos Equipes de gestão
Equipes de produção
Fonte: Adaptado de Mittleman e Briggs (1998).
30 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

estabelecem relações de cooperação chamada Web 2.0, como veremos mais


com a finalidade de abordar essas de- adiante.
mandas e alcançar as metas desejadas.
Neste caso, as funções que os membros
do grupo assumem são interdepen­ Novos cenários
dentes: se um membro não possui ou
não proporciona a informação apropria- Os cenários educacionais, assim
da, ou se não realiza adequadamente como quaisquer outros cenários, são cons-
sua parte do trabalho, todo o grupo é tituídos por um conjunto de variáveis que
afetado, o que torna impres­cindível um os definem: certos atores particulares com
apoio mútuo entre todos. São exemplos papéis e formas de interação estabeleci-
desse tipo de grupo as equipes de desen- dos, conteúdos concretos e determinadas
volvimento de projetos ou as equipes modalidades de organização do tempo,
de produção, nas quais a realização da do espaço e dos recursos específicos. A en-
tarefa e o cumprimento dos objetivos trada em cena das TIC modifica em gran-
requer a coordenação eficaz de todos de medida cada uma dessas variáveis e
e de cada um dos membros. leva os processos educacionais para além
c) Grupos de trabalho virtual que devem das paredes da escola. Deixando de lado
atuar em situações inesperadas e nos as metas e conteúdos, dos quais nos ocu-
quais são potencializadas basicamente paremos mais adiante, queremos destacar
as relações de independência entre seus aqui as mudanças que estão sofrendo os
componentes. As equipes paralelas, papéis de alunos e professores, as possi-
que desempenham funções que uma bilidades e modalidades de interação, as
organização regular não quer ou não coordenadas espaçotemporal e o acesso
pode assumir, e as equipes de ação, que aos recursos.
tentam dar uma resposta imediata em Começando por este último aspecto,
situações de emergência, são exemplos não é excessivamente arriscado sugerir
desse tipo de grupo. que nos próximos anos os computadores
d) Grupos de trabalho virtual, finalmente, serão onipresentes – pelo menos nos paí­
que também devem enfrentar situações ses desenvolvidos e nos contextos socio-
inesperadas e que não são previamente culturais próprios das classes médias – em
conhecidas, mas que se baseiam em qualquer contexto: em casa, na academia,
relações de interdependência entre seus no banco, no trabalho, no museu, na rua
membros. As equipes de gestão, consti- e também nas escolas e nos centros edu-
tuídas por administradores que traba- cacionais. Já faz muito tempo que Weiser
lham conjuntamente para enfrentar um (1991) antecipou, com sua expressão ubi­
determinado problema emergente, são quitous computer, uma época em que os
um exemplo dessa categoria. computadores estariam presentes em toda
parte, até tornarem-se invisíveis devido à
Gostaríamos de assinalar ainda, sua integração com a nossa paisagem co-
para concluir este ponto, que as três ca- tidiana, como mais um elemento desta. A
racterísticas mencionadas – adaptabilida- expressão de Weiser não apenas revelou-
de, mobilidade e cooperação –, em torno -se afortunada e bem-sucedida como sua
das quais estão sendo desenvolvidas as previsão está em vias de tornar-se realida-
novas ferramentas de TIC que, segundo de. Dos primeiros computadores, grandes
nosso critério, são mais interessantes de- máquinas que serviam a muitos usuários
vido ao seu potencial impacto educacio- ao mesmo tempo, passou-se ao formato
nal, respondem à filosofia e às ideias da de um usuário e um computador pessoal
Psicologia da educação virtual 31

para, atualmente, começar a considerar a sa eletrônica ou uma mensagem de áudio)


ideia de um usuário que tem ao seu al- pode ser personalizada pela informação
cance muitos computadores. Para Weiser registrada e analisada a partir da última
(1991), a ideia básica é oposta àquela que visita do participante. Assim, o computa-
defende o enfoque da realidade virtual. dor pode adaptar-se às características do
Não se trata de pôr a pessoa dentro do usuário (idioma, idade, conhecimentos,
mundo fictício gerado pelo computador, experiência, etc.), comparar sua conduta
mas de integrar o computador ao nosso anterior com a que está tendo nesse mo-
mundo humano. mento (por exemplo, o desenvolvimento
Cada terminal e cada rede sem fio da solução de um problema que ele re-
– que estão cada vez mais numerosos e solveu antes com a solução desse mesmo
acessíveis – poderá, além da possibilidade problema em que está trabalhando nesse
de conectar-nos com nossos próprios ser- momento), oferecer-lhe um registro esta-
vidores, oferecer um serviço educacional. tístico de suas intervenções, etc.
Enquanto esperamos para ver um filme ou Quanto ao papel de professores e
que nos tragam o cardápio, vamos poder alunos e às formas de interação que as TIC
revisar a filmografia desse diretor ou as propiciam, as mudanças também parecem
opiniões que diferentes gourmets emiti- irreversíveis. A imagem de um professor
ram sobre a cozinha desse estabelecimen- transmissor de informação, protagonis-
to. Atualmente, já há, em alguns museus, ta central das trocas entre seus alunos e
roteiros eletrônicos (electronic guidebooks) guardião do currículo começa a entrar em
que estimulam uma interação sofisticada crise em um mundo conectado por telas
entre a obra exibida e o espectador. As- de computador. Continuamente, apare-
sim, os cenários denominados de educação cem grupos de estudantes que, através da
não formal e informal podem passar a ser internet, colaboram e se ajudam em suas
plenamente educacionais, caso sejam pro- tarefas escolares com espantosa facilida-
gramados conteúdos com esse propósito. de; Webs temáticas que tratam sobre qual-
Visitar um parque temático e aprender so- quer tema de forma atualizada, com dife-
bre a história milenar da China enquanto rentes níveis de profundidade e, às vezes,
passeamos por uma grande muralha feita permitindo acesso direto aos autores mais
de papelão, ou sobre o funcionamento do relevantes e à sua obra, a consultores es-
barco a vapor ao mesmo tempo em que na- pecialistas ou, simplesmente, a estudantes
vegamos em um protótipo sobre um Mis- avançados que já passaram pelo mesmo
sissippi feito à escala, já são possibilidades problema ou que enfrentaram uma dúvi-
absolutamente verossímeis. da parecida; Webs que põem à disposição
Autores como Schilit, Adams e Want dos usuários todo tipo de recursos video-
(1994) ou Bravo, Hervás e Chavira (2005) gráficos ou ferramentas para representar
utilizaram a noção de computador sensí- dados e informações de um modo alta-
vel ao contexto (Context-aware compu­ mente abrangente e compreensível; etc.
ting) ou de “inteligência ambiental” para No médio prazo, parece inevitável que,
descrever as possibilidades que pode ter diante dessa oferta de meios e recursos, o
um espaço educacional – e, claro, também professorado abandone progressivamen-
uma sala de aula – no qual os participantes te o papel de transmissor de informação,
são identificados eletronicamente (graças substituindo-o pelos papéis de seletor e
à leitura, por radiofrequência, de uma eti- gestor dos recursos disponíveis, tutor e
queta eletrônica que o indivíduo leva con- consultor no esclarecimento de dúvidas,
sigo) e a informação que o sistema emite orientador e guia na realização de proje-
(por exemplo, uma projeção em uma lou- tos e mediador de debates e discussões.
32 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

Novas finalidades n ser capaz de utilizar recursos e instru-


mentos de maneira interativa (incluí­
Segundo a Comissão Europeia das as capacidades de utilizar com
(1996), o modelo tradicional de emprego, flexibilidade dados, linguagens e textos,
de jornada integral e de duração indefini- especialmente os meios digitais).
da no mesmo local de trabalho durante
toda a vida, não responde às necessida- Esta última competência-chave, por
des de uma produção de bens e serviços outro lado, está estreitamente relacionada
basea­da no conhecimento. No futuro, se- com a denominada alfabetização digital
gundo se afirma, as pessoas deverão con- (e-literacy), que pode ser caracterizada,
fiar mais em sua qualificação e em suas de acordo com Gilster (1997), como “a ca-
competências para encontrar trabalho do pacidade de compreender e usar a infor-
que na segurança de um emprego fixo. mação em múltiplos formatos e de fontes
Lamentavelmente, a evolução do mercado diversas quando apresentada por meio de
de trabalho parece dar razão à Comissão computadores” (ver Capítulo 14).
Europeia, e a precariedade no emprego, Monereo e Pozo (2007) assinalam
junto com a crescente competitividade e que essas competências precisam ser
mobilidade dos trabalhadores, auguram aplicadas e utilizadas nos quatro grandes
mudanças radicais no mercado laboral, cená­rios sociais nos quais, de modo geral,
nos perfis profissionais e, consequente- transcorre o desenvolvimento das pessoas,
mente, nos processos de formação. pelo menos nos países desenvolvidos:
Quais são as competências que, nes-
te novo cenário, deverão adquirir e de- n o cenário educacional, entendido em
senvolver as pessoas para poder enfren- um sentido amplo e incluindo tanto as
tar, com garantias de êxito, os processos situa­ções e atividades de educação for-
de mudança e transformação que estão mal e informal quanto a aprendizagem
ocorrendo? De acordo com o projeto De- e a formação ao longo da vida;
SeCo – Definition and Selection of Compe­ n o cenário profissional e laboral;
tencies – da OCDE (Organização para Co- n o cenário comunitário: próximo (vizi-
operação e Desenvolvimento Econômico), nhança, bairro, cidade, município) e
estas macrocompetências, competências mais afastado (país, região, mundo);
básicas ou competências-chave que todos n o cenário pessoal (relacionamentos
os cidadãos deveriam adquirir podem ser amorosos, familiares e de amizade).
agrupadas em três categorias (Rychen e
Salganik, 2001, 2003): As pessoas devem adquirir as compe­
tências necessárias para enfrentar e resol-
n ser capaz de atuar com autonomia (inclui ver as situações e problemas com os quais
as capacidades de elaborar e pôr em prá- se defrontam em cada um desses cenários
tica planos de vida e projetos pessoais, de e que, no juízo dos autores, podem ser de
defender e afirmar os próprios direitos, três grandes tipos: situações e problemas
interesses, limitações e necessidades e de que, por sua natureza e frequência, são
agir levando em consideração o contexto prototípicos de cada cenário (por exemplo,
ou marco mais amplo); fazer uma apresentação no cenário educa-
n ser capaz de interagir em grupos so- cional; atender um cliente no cenário pro-
cialmente heterogêneos (o que inclui fissional; adotar uma postura e exercer o
as capacidades de cooperar, de ter um direito de voto no cenário comunitário;
bom relacionamento com os demais e ou respeitar a intimidade e a privacidade
de controlar e resolver conflitos); das pessoas com as quais se convive no
Psicologia da educação virtual 33

cenário pessoal); situações e problemas usos educacionais das TIC em todos os ní-
emergentes que, apesar de serem ainda veis do sistema, da educação fundamen-
relativamente escassos, podem aumentar tal à educação superior universitária, que
significativamente, de acordo com os indí- realmente representem uma inovação nos
cios existentes (por exemplo, a violência métodos de ensino e uma melhoria dos
escolar; os transtornos alimentares, como processos e resultados do aprendizado. Ve-
anorexia, bulimia ou obesidade; a implan- nezky e Davis (2002), por exemplo, mos-
tação da administração eletrônica; o vício tram como experiências satisfatórias de
em TIC e internet e seu impacto sobre as aplicação das TIC em determinadas esco­
relações familiares e amorosas); e, final- las são depois dificilmente transferíveis
mente, situações ou problemas proativos, para outras realidades. Está amplamente
no sentido de tentar pôr em evidência e documentado, por outro lado (veja, por
resolver problemas latentes ou procurar exemplo, Cuban 2003, além dos estudos
chamar a atenção sobre situações injus- referidos no Capítulo 3 deste livro), que es-
tas ou pouco satisfatórias (por exemplo, colas dotadas com os últimos avanços em
a regulamentação do uso das TIC no âm- ferramentas, infraestruturas e softwares de
bito escolar e familiar; a necessidade de TIC frequentemente desenvolvem práticas
aplicar medidas de discriminação positiva educacionais cujo nível é muito baixo.
para as mulheres em determinados meios É preciso procurar a explicação para
laborais; ou o grau de tolerância aceitável tal dificuldade no fato de que tanto as
diante de determinadas condutas e mani- possibilidades que oferecem as TIC para o
festações religiosas e culturais). ensino e o aprendizado quanto as normas,
O impacto das TIC sobre o apareci- sugestões e propostas de uso pedagógico e
mento dessas necessidades educacionais didático das mesmas são sempre e irreme-
e a importância das novas competências diavelmente reinterpretadas e reconstruí-
que precisamos adquirir e desenvolver das pelos usuários, professores e alunos,
no marco da Sociedade da Informação de acordo com os marcos culturais em
é um tema complexo, uma vez que, por que eles se desenvolvem e a dinâmica das
um lado, ambos os fatores estão na ori- atividades que realizam conjuntamente
gem das novas necessidades educacionais nas escolas e nas salas de aula (Coll, Mau-
e de formação, mas, por outro, parecem ri e Onrubia, 2008; Coll, Onrubia e Mau-
destinados a desempenhar um papel de- ri, 2007). Assim, uma escola, uma equipe
cisivo na satisfação dessas mesmas neces- docente ou um professor com muitos anos
sidades. De que modo e em que medida de experiência, com sólidas concepções
são capazes disso, contudo, é algo sobre o objetivistas e com práticas eminentemen-
que ainda pairam numerosas incertezas, te transmissivas, provavelmente acabarão
algumas das quais os diferentes capítulos utilizando as TIC para complementar as
deste livro tentam começar a esclarecer. aulas expositivas com leituras e exercícios
De qualquer maneira, como afirma Sua- autoadministráveis na rede, mas dificil-
rez (2003), nem tudo o que é tecnologi- mente farão uso destas para que os estu-
camente viável é pertinente em termos dantes participem em fóruns de discus-
educacionais. E poderíamos acrescentar são, trabalhem de maneira colaborativa
que nem tudo que é tecnologicamente ou procurem e contrastem informações
viá­vel e pertinente em termos educacio- diversas sobre um determinado tema.
nais é realizável em todos os contextos Como já disse McLuhan há meio sé-
edu­cacionais. culo: “Em nome do progresso, a cultura
Os estudos realizados até agora evi- estabelecida luta sempre para forçar os
denciam a dificuldade de implementar novos meios a fazerem o trabalho dos
34 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

antigos”.7 A chave, portanto, não está em lidades das situações educacionais que
comparar o ensino baseado nas TIC com o podem induzir a essas mudanças, ou seja,
ensino presencial, tentando estabelecer as sobre os diversos tipos de contextos e am-
vantagens e inconvenientes de um e ou- bientes nos quais são utilizadas atividades
tro. Em vez disso, melhor seria pesquisar e práticas educacionais baseadas total ou
como podemos utilizar as TIC para pro- parcialmente no uso das TIC.
mover a aquisição e o desenvolvimento Basta uma rápida consulta aos tra-
das competências que as pessoas preci- balhos apresentados nos congressos das
sam ter na “era do conhecimento” (Scar- principais associações internacionais de
damalia, 2004). pesquisa educacional – a European Asso­
ciation for Research on Learning and Ins­
truction (EARLI) na Europa e a American
Linhas emergentes Educational Research Association (AERA)
e seus desafios nos Estados Unidos –, para perceber que,
de fato, os esforços dos pesquisadores
A Psicologia da Educação, como dis- estão se orientando há alguns anos em
ciplina que estuda as mudanças psicológi- ambas as direções. Independente dessa
cas que ocorrem nas pessoas como conse- constatação, contudo, falta uma certa vi-
quência de sua participação em situações são em perspectiva sobre qual pode ser o
e atividades educacionais, deve colocar horizonte da pesquisa educacional neste
em um lugar privilegiado de sua agenda âmbito durante a próxima década. Mesmo
o estudo das mudanças provocadas pelas correndo o risco de errar, dada a rapidez
situações educacionais baseadas total ou com que ocorrem as mudanças e trans-
parcialmente no uso das TIC. Isso supõe formações na SI em geral, e nas TIC em
adotar um olhar duplo. Em primeiro lugar, particular, pensamos que existem alguns
um olhar sobre a natureza das mudanças eixos básicos de desenvolvimento que
que podem ocorrer nos atores educacio- permitem especular sobre, novamente, as
nais, especialmente alunos e professo- ferramentas, os cenários e as finalidades
res, e em suas formas de interação. Mais em torno dos quais se desenvolverá boa
concretamente, trata-se de analisar o que parte da pesquisa psicológica centrada no
muda (os discursos, as representações, as uso educacional das TIC ao longo da pró-
práticas, os processos, os resultados, etc.). xima década.
E, também, saber como acontecem essas
mudanças e se elas têm características di-
ferentes daquelas que ocorrem em situa- Ferramentas previsíveis:
ções e atividades educacionais nas quais da Web 1.0 à Web 3.0
as TIC não estão presentes. E, é claro,
analisar qual é o sentido das mudanças e Desde o aparecimento da internet
se elas são generalizáveis e transferíveis tal como a conhecemos atualmente, com
para outros contextos e situações de en- a construção e a implantação do primei-
sino e aprendizagem. Em segundo lugar, ro navegador e do primeiro servidor Web
um olhar sobre as características e qua- em 1991, no CERN de Genebra, pela mão

7 Citado por Horacio C. Reggini em uma entrevista publicada no portal educacional do Estado argenti-

no educ.ar (http://coleccion.educ.ar/CDInstitucional/contenido/entrevistas/horacio_reggini. html)


“Os computadores devem ser considerados como um meio expressivo para a criação: essa foi a
essência de Logo”.
Psicologia da educação virtual 35

de Tim Berners-Lee,8 passaram-se apenas música) com outros usuários, funcionando,


duas décadas durante as quais a rede de de fato, como um buscador e utilizando um
redes experimentou um desenvolvimento servidor principal para hospedar a lista de
espetacular. Situa-se já distante o impacto usuários conectados e seus respectivos ar-
provocado pelo Netscape, o primeiro na- quivos compartilhados. O Napster atingiu
vegador de massa, e pelos aplicativos que sua máxima popularidade em 2001, com
permitiam baixar da rede arquivos de tex- mais de 26 milhões de usuários, mas, nes-
to, de música, imagens e, posteriormente, se mesmo ano, um juiz ordenou seu fecha-
vídeos. Esta forma de conceber a internet mento em consequência de uma denún­cia
como um imenso repositório de conteúdos por violação de direitos autorais interposta
ao qual os usuários podem acessar para por várias gravadoras. A filosofia que esta-
procurar e baixar arquivos, corresponde, va na origem do Napster, contudo, sobrevi-
por assim dizer, à infância da rede e tem veu e foi incorporada às propostas da nova
sido denominada “Web 1.0” ou fase “pon- fase da internet em que estamos hoje, co-
tocom”. Seu paralelismo com o que pode- nhecida como “Web 2.0” ou “Web social”.
ríamos denominar de visão tradicional da A expressão Web 2.0 começou a
educação e uma postura transmissiva-re­ ser utilizada a partir de 2001, por au-
ceptiva do ensino e da aprendizagem são tores como T. O’Reilly (2005). Se a Web
evidentes. Existe um administrador (o we­ 1.0 pode ser entendida como a infância
bmaster em um caso, o professor no outro) da internet, poderíamos dizer, prosse-
que é quem determina o que, quando e guindo com a metáfora, que com a Web
como, dos conteúdos aos quais os usuá- 2.0 a internet chega à puberdade. A rede
rios podem acessar (os internautas em um não é mais apenas um espaço ao qual ir
caso, os alunos no outro); os usuários, por para procurar e baixar informação e todo
sua vez, limitam-se a ler, seguir as instru- tipo de arquivos. Além disso, começa a
ções e baixar arquivos de um lugar estático incorporar e coordenar informação pro-
que se atualiza com determinada periodici- veniente das mais diversas fontes, como
dade. Um dos carros-chefe da Web 1.0 foi o peças de um enorme quebra-cabeças, re-
acesso em rede à Enciclopædia Britannica.9 lacionando dados e pessoas e facilitando
O declínio desse período coincide uma aprendizagem mais significativa por
com o auge e posterior fechamento de um parte do usuário. O mash-up, a mistura
programa emblemático para toda uma de recursos e conteúdos com a finalidade
geração, o Napster, primeiro sistema de de construir ambientes mais ajustados às
distribuição de arquivos de popularidade necessidades e desejos de um usuário ou
massiva.10 O programa, surgido em 1999, de um grupo de usuários, passa a ser uma
oferecia a possibilidade de compartilhar estratégia habitual de uso da internet. O
todo o tipo de arquivos (especialmente de software “se abre” (open software)* e se li-

8 http://es.wikipedia.org/wiki/Tim_Berners-Lee.
9 http://info.britannica.co.uk/.
10 http://es.wikipedia.org/wiki/Napster.
* N. do R. Uma vez que um software é um objeto intangível, diz-se que se “abre” no sentido de extrair

sua lógica de programação. O código “aberto” é denominado Open Source, uma iniciativa da Open
SourceTM e refere-se ao mesmo software também chamado de “livre”, que respeita as liberdades
definidas pela Free Software Foundation. A diferença entre ambos é de discurso: o Open Source
refere-se a um ponto de vista técnico, enquanto o software livre fundamenta-se em questões éticas.
Ambos os movimentos se complementam para agregar conhecimento à tecnologia, por meio da
cooperação para depuração coletiva.
36 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

berta (free software) e os usuários passam ramentas típicas da Web 2.0 – e em cada
a ser os verdadeiros protagonistas de seu vez mais páginas Web.
próprio crescimento e sofisticação. Frente A Web 2.0 ainda está em plena ex-
à prestigiosa, embora fechada, Britannica pansão e resulta difícil aventurar quais
online,11 nasce a Wikipedia,12 que se ali- serão seus limites (veja, por exemplo,
menta das definições e artigos dos seus Anderson, 2007; Cobo Romaní e Pardo
usuários, contribuições estas que são de- Kuklinski, 2007; Franklin e Harmelen,
puradas e corrigidas por meio de diversos 2007). Em qualquer caso, ao colocar o
mecanismos, para evitar erros e vandalis- destaque nos aplicativos, utilidades e
mo informático. serviços que permitem ao usuário criar e
Basicamente, a Web 2.0 pretende difundir seus próprios conteúdos, assim
substituir a mesa do nosso computador. como na possibilidade de trocar, compar-
Por meio da utilização de protocolos pa- tilhar e reutilizar os conteúdos criados
dronizados, graças a linguagens como pelo próprio usuário e por outros, a Web
XML ou AJAX (ver Capítulo 14), qualquer 2.0 abre perspectivas de sumo interes-
usuário pode utilizar o conteúdo de uma se para o desenvolvimento de propostas
página Web em outro contexto e acrescen- pedagógicas e didáticas baseadas em di-
tar aplicações específicas em uma página nâmicas de colaboração e cooperação. É
pessoal (por exemplo, criando páginas lógico, portanto, que boa parte das 20 fer-
híbridas com informação própria e acres- ramentas mais valorizadas da edição de
centando um aplicativo de estradas e uma 2008 do “Diretório de ferramentas para
agenda, que ele pegou em outro lugar). A a aprendizagem”, elaborada pelo Centre
anexação de conteúdo alheio denomina- for Learning & Performance Technologies
se sindicação de conteúdos. Junto com essa (conforme mostra a Quadro 1.5), parti-
potencialidade, existe outro mecanismo cipem da filosofia e das ideias que estão
tão simples quanto poderoso, a folksono­ por trás da Web 2.0. Essa filosofia atual-
mia, termo utilizado para referir-se à or- mente impregna, além disso, a maioria
ganização colaborativa da informação em das propostas tecnológicas e pedagógicas
categorias a partir de uma série de etique- centradas no uso das TIC e, por isso, não é
tas ou palavras-chave (tags) propostas pe- de se estranhar que boa parte dos conteú-
los próprios usuários. A ideia básica é que dos apresentados nos capítulos seguintes
o resultado final, a classificação da infor- deste livro, especialmente os dedicados a
mação resultante das tags atribuídas pelo revisar e analisar os ambientes virtuais de
conjunto dos usuários, será melhor e mais ensino e aprendizagem, sejam, em grande
útil do que qualquer uma das classifica- medida, tributários dessas ideias.
ções individuais e, evidentemente, do que Contudo, algumas vozes autoriza-
qualquer classificação taxonômica pré- das, como a do próprio Berners-Lee, já
determinada. A folksonomia está na base estão anunciando uma nova etapa no de-
de serviços e aplicativos tão conhecidos senvolvimento da internet, a da “Web 3.0”
e populares como o del.icio.us13 e é uma ou “Web semântica”. A Web semântica é
utilidade que, assim como a sindicação de uma visão da internet cuja proposta é de
conteúdos, atualmente está incorporada que a informação possa ser compreensível
na maioria dos blogs e wikis – outras fer- para – e não apenas localizável e acessível

11 www.britannica.co.uk.
12 http://es.wikipedia.org/.
13 http://delicious.com/.
Psicologia da educação virtual 37

– os computadores, e isso com a finalida- mendações personalizadas para os usuários


de de que eles possam realizar exatamen- diante de perguntas do tipo: A partir das
te as mesmas tarefas que os humanos e minhas características psicológicas, físicas,
não se limitem apenas, como realmente culturais, orçamentárias, etc., o que eu de-
fazem agora, a armazenar, buscar, encon- veria visitar nesta cidade? Em que curso
trar, processar, combinar e transferir in- de pós-graduação seria conveniente que
formação: eu me matriculasse no ano que vem? Que
tipo de plano de aposentadoria eu deveria
Tenho um sonho da Web [no qual contratar? E outras dúvidas como essas. A
os computadores] são capazes de rede semântica ainda é uma ideia experi-
analisar todos os dados da Web – mental que conta com alguns protó­tipos,
o conteúdo, os links e as trocas como FOAF (Friend of a friend),15 Power­
entre pessoas e computadores. set16 ou Hakia,17 para mencionar apenas
Uma Web semântica, que seria
três projetos muito diferentes entre si, mas
então possível, ainda tem que
surgir, mas, quando isso aconte-
igualmente interessantes quanto às pers-
cer, os procedimentos comerciais, pectivas de futuro para as quais apontam.
burocráticos e nossas vidas coti- Como resumo da evolução que aca-
dianas serão administrados por bamos de descrever em grandes traços, no
máquinas que falarão com outras Quadro 1.5 a seguir são colocadas em pa-
máquinas. Os “agentes inteligen- ralelo as características essenciais da Web
tes” que as pessoas vêm aprego- 1.0, da 2.0 e da 3.0.
ando desde tempos ancestrais
finalmente irão se materializar
(Tim Berners-Lee, 1999)14 Cenários educacionais prováveis:
educação sem paredes
Para além dessa descrição visionária,
a Web 3.0 se anuncia como uma base de A evolução da internet ao longo das
dados global capaz de proporcionar reco- suas escassas duas décadas de existên-

14 Citado em http://en.wikipedia.org/wiki/Semantic_Web/. Tradução para o espanhol dos auto-


res).
15 O projeto Friend of a Friend tem como objetivo criar uma rede de computadores capazes de ler

páginas que descrevem pessoas, as relações que existem entre elas e o que elas criam ou fazem.
Após proporcionar uma descrição rápida das coordenadas de uma pessoa – o nome, o endereço
eletrônico e uma lista de amigos –, é ativado um motor de busca automatizado que tenta descobrir
informações sobre ela, explorando os lugares e comunidades às quais ela pertence ou é mencio-
nada. A finalidade última do projeto é que, a partir da informação gerada, seja possível procurar
pessoas com interesses semelhantes, constituir comunidades virtuais sobre projetos comuns, pôr
em marcha weblogs com artigos e opiniões afins, constituir clubes de lazer nos quais os membros
sejam confiáveis, etc. (www.foaf-project.org/).
16 A finalidade última de Powerset é mudar a maneira pela qual as pessoas interagem com a tecno-

logia, fazendo com que os computadores possam compreender nossa linguagem. O primeiro pro-
duto de Powerset, disponível desde maio de 2008 (http://www.powerset.com/), é uma ferramenta
construída para melhorar e enriquecer a busca, exploração e navegação através dos conteúdos da
Wikipedia a partir de palavras-chave, frases ou perguntas formuladas pelo usuário, proporcionando
como resultado uma síntese de informações extraídas de todos os artigos relevantes.
17 Hakia é um buscador que utiliza uma tecnologia de busca “semântica” baseada na comparação

e contraste de significados e conceitos (http://company.hakia.com/).


38

Quadro 1.5
Comparação entre a Web 1.0, 2.0 e 3.0

Linguagem Web 1.0 Web 2.0 Web 3.0

HTML* XML-AJAX** OWL***


Programas Netscape Mozilla
emblemáticos Napster Google
Moodle
Metáfora “pontocom” puzzle “sistema nervoso”
Descrição Rede de documentos Rede social Rede semântica
Função principal Repositório de informação estática (com Criação e difusão de informação dinâmica Respostas e informações personalizadas
possibilidade de enlaces hipermidiais). (continuamente atualizável e combinável) a partir de perguntas e buscas.
Usuários e papéis Usuários humanos. Usuários humanos. Usuários humanos e agentes artificiais.
César Coll, Carles Monereo e colaboradores

Basicamente, o professor seleciona O professor e os alunos selecionam, O professor e os alunos são


e administra a informação. administram e trocam informação, consumidores e produtores.
Basicamente, os alunos têm acesso estabelecendo dinâmicas de colaboração e O computador seleciona e assessora.
à informação e a consultam. cooperação.
Produtos típicos Britannica on-line Wikipedia Em fase experimental (exemplos):
Ofoto Flickr FOAF (Friend-of-A-Friend)
Mp3.com Napster Powerset
Páginas Web pessoais Blogs pessoais Hakia
Sistemas de gestão de conteúdos. Wikis
Diretórios (taxonomias) Folksonomias
* HTML (Hyper Text Markup Language): Linguagem desenvolvida para estruturar textos e apresentá-los em forma de hipertexto. É o formato-padrão das páginas Web. Uma linguagem de
marcação é uma forma de codificar um documento que, juntamente com o texto, incorpora tags ou marcas que contêm informação adicional sobre a estrutura do texto ou sua apresentação.
** AJAX(Asynchronous JavaScript And XM): É uma técnica de desenvolvimento Web para criar aplicações interativas. Estas aplicações são executadas no navegador do usuário e mantêm uma
comunicação assíncrona com o servidor em segundo plano. Desta forma, é possível realizar mudanças sobre a própria página sem necessidade de recarregá-la. Isso permite aumentar e
melhorar a interatividade, a velocidade e a usabilidade.
**OWL (Web Ontology Language): É uma linguagem baseada em uma ontologia, ou seja, em um conjunto de termos precisos utilizados para definir e representar conhecimentos
específicos em um determinado domínio. A precisão e homogeneização desses termos pode permitir que uma pessoa ou um programa informático reconheçam e compartilhem um
determinado significado.
Psicologia da educação virtual 39

cia, e especialmente a subjacente visão ticos que tentarão aproveitar as potencia-


das TIC às propostas da Web 2.0, abrem lidades dessas tecnologias para o ensino e
perspectivas inéditas do ponto de vista a aprendizagem. Em segundo lugar, uma
dos contextos de desenvolvimento e dos expansão das salas de aula e das escolas
cenários educacionais, ao mesmo tempo para outros espaços (bibliotecas, museus,
em que apresentam novos desafios para a centros culturais, etc.) nos quais será pos-
educação formal e escolar. sível realizar, com o apoio das TIC, ativida-
A educação escolar deve servir para des e práticas com finalidades claramente
dar sentido ao mundo que rodeia os alu- educacionais – e provavelmente seja este
nos, para ensiná-los a interagir com ele e o cenário que terá um maior desenvolvi-
a resolverem os problemas que lhes são mento em um futuro próximo, como con-
apresentados. E nesse contexto as TIC são sequência do impacto das ferramentas e
onipresentes. A exigência de que as TIC es- aplicativos próprios da Web 2.0 (weblogs,
tejam presentes nas escolas, portanto, não wikis, webquests, portfólios virtuais, folk­
suscita qualquer dúvida. A questão é, na sonomias, etc.). Em terceiro e último lu-
verdade, como assinala Brunner (2000), a gar, um cenário global e onipresente, uma
extensão e o sentido dessa presença. Não espécie de “megaescola” na qual a ubi-
é a mesma coisa considerá-las como uma quidade das TIC e o desenvolvimento das
fonte de informação, como um laborató- tecnologias móveis e das redes sem fio
rio no qual experimentar a manipulação tornarão possível o aprendizado em prati-
de variáveis ou como uma ferramenta camente qualquer lugar e situação.
para construir conhecimento por meio da Nestes três cenários, e em função
interação social. Também não é igual pen- tanto das concepções epistemológicas so-
sar no computador como um instrumento bre o ensino e a aprendizagem mantidas
educacional, totalmente incorporado aos pelos atores quanto das finalidades edu-
afazeres cotidianos de professores e alu- cacionais consideradas como prioritárias
nos, e pensar nele como um passatempo à em cada caso e das dinâmicas concretas
margem da atividade escolar. que forem estabelecidas, acabarão sendo
Os novos cenários educacionais que definidos os usos efetivos que professo­res
se abrem aos nossos olhos – lembre-se do e alunos – ou, dito de modo mais geral,
que comentamos antes a cerca do caráter agentes educacionais e aprendizes – fa-
ubíquo dos computadores, das tecnolo- rão, finalmente, das TIC. No Capítulo 3,
gias móveis e do m-learning – questionam voltaremos ao tema dos usos educacio-
o ponto em que exatamente começa e ter- nais das TIC, revisaremos algumas tipolo-
mina a ação de escolas e professores. As gizações de usos e vamos propor alguns
paredes dos estabelecimentos escolares critérios para avaliar seu impacto sobre o
tendem a tornar-se difusas e no futuro os ensino e a aprendizagem. De momento,
processos educacionais deverão ocorrer e adotando um olhar estritamente des-
onde existam tecnologias disponíveis e critivo, vamos finalizar este ponto desta-
adequadas para mediar entre aprendizes, cando a existência de usos das TIC que
professores e conteúdos. Neste sentido, são fortemente contrastantes entre si em
tudo aponta na direção de que podem função dos elementos ou ingredientes dos
acabar surgindo três cenários paralelos e processos educacionais e instrucionais
claramente interdependentes. Em primei- que focalizam: usos centrados nos co-
ro lugar, salas de aula e escolas cada vez nhecimentos e na atividade autônoma e
mais “virtualizadas”, ou seja, com mais e autorregulada dos alunos (atividades de
melhores infraestruturas e equipamentos indagação, exploração, experimentação,
de TIC e com projetos pedagógicos e didá- descobrimento, etc.); usos centrados na
40 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

apresentação, organização e exploração As TIC e a internet não apenas têm


dos conteúdos da aprendizagem (leituras, uma importante parcela de responsabili­
glossários, esquemas, mapas conceituais, dade nessa situação, como estão, com mui-
simulações, etc.); usos centrados na apre- ta frequência, no centro do debate. Assim,
sentação e transmissão de informação por exemplo, em alguns círculos, são culti-
pelo professor ou por especialistas (apre- vadas posturas – as quais, de nossa parte,
sentações, demonstrações, conferências, não duvidamos em qualificar como mani-
videoconferências, etc.); e usos centrados queístas e pouco realistas – que apresen-
na interação e na comunicação entre os tam as escolas como instituições obsoletas
participantes, professor e alunos (fóruns, que concentram todos os males, e as TIC e
chats, análise colaborativa de casos, reso- a internet como o remédio capaz de aca-
lução colaborativa de problemas, desen- bar com esses males e de refundar a insti-
volvimento de projetos em grupo, etc.). tuição escolar. Com as TIC seria possível,
finalmente, fazer com que o “mundo real”
entrasse nas salas de aula e nas escolas e
Finalidades potenciais: entre o basear a aprendizagem dos alunos na in-
neoliberalismo e os movimentos sociais dagação e na criatividade. Por trás dessas
posturas, frequentemente se escondem,
Ao falarmos das finalidades da edu- em nosso juízo, os interesses de grupos
cação escolar, não devemos esquecer que econômicos que aspiram a criar novos
os sistemas educacionais, a partir da se- consumidores e a usurpar, de passagem,
gunda metade do século XIX, assentaram- o poder que, embora enfraquecido, conti­
-se, em todos os países, sobre a ideia de nuam tendo os sistemas de educação for-
Estados-nação como construções políticas, mal. Avivando sentimentos de incompe-
sociais e culturais relativamente homo- tência e desesperança entre o professora-
gêneas. Neste marco, as escolas tinham do, os alunos e suas famílias, estes grupos
como função principal ensinar conteúdos esperam, à espreita, que as escolas adotem
estáveis, perduráveis, institucionalizados, “soluções externas”, alheias às finalidades
necessários para o cultivo de um “bom” da educação escolar, sem perguntar-se so-
cidadão em um determinado Estado na- bre o sentido e o alcance dessa opção.
cional. A missão do docente consistia, jus- Outra frente de debate são as diver-
tamente, em garantir a transmissão dos sas “brechas digitais”,18 as distâncias que,
valores e das formas culturais dessa co- como já comentamos na primeira seção
munidade idealizada que é a nação para deste capítulo, surgem na Sociedade da
as novas gerações, mas a uniformidade e Informação entre os “inforricos” e os “in-
a homogeneidade cultural deixaram de fopobres”, entre os países e os setores da
ser, em grande medida, traços distintivos população que têm acesso a um uso cons-
dos Estados-nação – se é que alguma vez trutivo, enriquecedor e criativo das TIC e
chegaram a sê-lo realmente –, o que gera aqueles que não têm acesso a elas ou que
várias incertezas e ambiguidades quan- as acessam apenas como consumidores.
to às finalidades da educação escolar no Às duas questões mencionadas, seria
mundo atual. necessário acrescentar ainda as críticas

18 Em geral, o termo refere-se à marginalização que sofrem os países pobres em relação aos ricos

ou desenvolvidos; contudo, também se fala em brecha entre gerações (marginalização dos idosos),
relativa a gênero (marginalização das mulheres), brecha cultural (marginalização das pessoas com
poucos estudos), idiomática (marginalização dos usuários não anglófonos), etc. Existe uma página
na Web especializada nesse tema: http://www.labrechadigital.org.
Psicologia da educação virtual 41

que, às vezes, são dirigidas às TIC e à in- Por um lado, a rejeição aos modos tradi-
ternet por seus efeitos colaterais negati- cionais e autoritários de exercer a auto-
vos para a educação, o ensino e o aprendi- ridade, opostos aos modos próprios das
zado. Haythornthwaite e Nielsen (2007) sociedades democráticas e, por outro,
resumiram essas críticas nos seguintes as facilidades de acesso à informação e
pontos: ao conhecimento fora das escolas, e sem
intervenção direta do professorado, cau-
n Promovem uma comunicação de baixa saram forte erosão à tradicional relação
qualidade, basicamente apoiada em assimétrica que governava as relações en-
textos escritos. tre docentes e discentes. Essa erosão está,
n Restringem as comunicações emocio- em grande medida, na origem das vozes
nais, complexas e expressivas. que apregoam a obsolescência da esco-
n Potencializam as relações sociais super- la e da ação docente do professorado, e
ficiais e, às vezes, favorecem a irrespon- a conveniência de substituí-los por aulas
sabilidade e a falta de compromisso. e professores virtuais. Contudo, como já
n Permitem a agressão verbal, o insulto e argumentamos anteriormente (Monereo,
os diversos “ismos” (racismo, sexismo, 2005), essas propostas são – além de
etc.). ofensivas para um setor profissional que
n Favorecem o abandono das relações ainda tem o conceito de “vocação” como
locais. traço distintivo – inaceitáveis, devido,
n Tendem a propagar e reforçar um saber pelo menos, aos seguintes motivos: por-
mais instável, profano e mundano (in­ que as escolas e os professores continuam
foxicação). sendo, por enquanto, os depositários da
n Diante deste estado de coisas, quais cultura e os únicos que podem transmi­
finalidades e atitudes educacionais seria ti-la para as novas gerações em condições
necessário promover? de confiabilidade e significatividade; por-
que alguns aprendizados adquiridos nas
Vamos finalizar o capítulo comen- escolas – como aprender a falar, a ler e a
tando, de modo necessariamente esque- escrever – são fundamentais para alguém
mático, alguns desafios especialmente ur- chegar a ser um usuário competente das
gentes, segundo o nosso critério, das TIC TIC; e porque, como já assinalamos, as in-
em geral, e da internet em particular, do formações que estão na internet precisam
ponto de vista das finalidades da educa- com frequência ser filtradas, ordenadas,
ção escolar, assim como algumas vias para selecionadas e contextualizadas para que
abordá-los. possam ser assimiladas e transformadas
em conhecimento pelos aprendizes, e, ao
a) Com relação ao descrédito da esco- menos por enquanto, quem melhor pode
la como instituição legitimada para realizar essa tarefa são os professores.
conservar, criar e transmitir o conheci-
mento e à proposta de substituí-la por b) Com relação à falta de compromisso
ambientes e professores virtuais por pessoal e social que, segundo se afirma,
meio do uso generalizado das TIC. as TIC e a internet, às vezes, têm como
efeitos colaterais.
Parece pouco controverso que par-
te da crise das instituições educacionais Diante dessa afirmação, cabe opor
tradicionais obedece à sua perda de po- dois argumentos de peso. Por um lado,
der e influência social, especialmente a possibilidade de utilizar as TIC e a in-
nos níveis do ensino não universitário. ternet como uma “tecnologia persuasiva”
42 César Coll, Carles Monereo e colaboradores

– Captology –,* ou seja, como uma tecno- as pistas de um usuário através dos seus
logia suscetível de influenciar os usuários endereços de correio eletrônico, contudo,
com a finalidade de ganhá-los para uma as táticas de camuflagem serão cada vez
causa determinada e, em princípio, nobre mais difíceis.
(Fogg, 2002).19 E, por outro lado, a exis- Por outro lado, já começam a prolife-
tência de movimentos sociais de todo tipo rar na internet medidas específicas desti-
que concentram boa parte das suas ati- nadas a fazer com que as interações entre
vidades na internet (campanhas de sen- usuários resultem mais adequadas e satis-
sibilização, convocatórias para comícios fatórias, por exemplo: o estabelecimen-
e manifestações, abaixo-assinados, etc.) to de regras e princípios de atuação por
conseguindo, frequentemente, um forte parte de administradores e moderadores,
compromisso dos participantes e atingin- que devem ser respeitados por todos os
do seus objetivos (Doménech, Tirado e participantes sob ameaça de expulsão em
Vayreda, 2005). caso de seu não cumprimento; o estabele-
cimento das denominadas “netiquetas”; os
c) Com relação aos riscos de que as TIC protocolos de conduta e as famosas FAQ
e a internet favoreçam o isolamento, (Frequently Asked Questions). Todas essas
potencializem o flaming20 e permitam medidas têm como finalidade potenciali-
esconder, manipular ou usurpar iden- zar uma comunicação fluida e um trata-
tidades. mento correto e agradável nas interações
que ocorrem na internet. Não faltam, con-
Não há dúvida de que as narrati- tudo, vozes que advertem sobre o perigo
vas do plano social e da própria identi- de que uma excessiva regulamentação im-
dade também sejam construídas através peça a controvérsia e acabe ameaçando a
da rede. Por meio das trocas com os de- pluralidade.
mais, mas também através do seu com-
portamento como aprendiz, consumidor, d) Com relação às consequências negativas
produtor de documentos, etc., o usuário derivadas do excesso de informação e
adquire uma reputação que lhe permite aos perigos da “infoxicação”.
entrar em determinados espaços exclusi-
vos (listas de discussão), ser considerado Também nesse aspecto estão sendo
confiável como comprador, ter determi- realizados esforços importantes orienta-
nados privilégios e preferências de aces- dos a formar os alunos como buscadores
so em certas comunidades, etc. É preciso “estratégicos” de informação, com a finali­
reconhecer, contudo, que a possibilidade dade de que possam discriminar entre a
de fabular e inventar uma “personalidade informação verídica, genuína e rigorosa e
virtual” ou construir identidades falsas é a informação errônea, simplista ou mal-
fácil e até mesmo frequente na internet intencionada (ver Capítulo 17). Além dis-
(Wallace, 2001). Com a chegada da Web so, uma vez que a sobrecarga e a circula-
3.0 e dos aplicativos capazes de seguir ção de informações incorretas, tendencio-

19 Ver também o site do Stanford University Persuasive Technology Lab (http://captology.stanford.


edu/).
20 O termo flaming é utilizado para designar a prática de enviar mensagens hostis, agressivas ou

ofensivas.
* N. do R. Acrônimo baseado na frase computers as persuasive technologies. Persuasive technology –

using computers to change what we think and do. B. J. Fogg. Morgan Kaufmann, 2003.
Psicologia da educação virtual 43

sas ou mal-intencionadas são fenômenos vez, a educação formal e escolar, a única


inevitáveis na Sociedade da Informação, instituição das sociedades modernas ca-
a implementação de programas formati- paz de chegar ao conjunto da população
vos que facilitem, por parte dos usuários, sem discriminações de nenhum tipo, é o
a aquisição e o desenvolvimento das com- melhor instrumento para conseguir isso.
petências necessárias para enfrentá-los é As TIC em geral, e a internet em
a única linha de ação razoável. particular, proporcionam uma excelente
oportunidade para se saltar em direção a
e) Com relação às “brechas digitais” e ao uma educação de mais qualidade, basea-
aparecimento de novas fraturas sociais da em princípios de solidariedade e igual-
em torno das TIC. dade. Contudo, se esse salto não for bem-
-dimensionado, se não partirmos das di-
O aparecimento de novos mecanis- ferentes realidades sociais e educacionais,
mos de segregação e exclusão social em com suas conquistas e suas carências, po-
torno do acesso às TIC, e sobretudo do demos acabar dando um salto no vazio e o
seu uso, é um fato incontestável que afeta, avanço educacional esperado pode acabar
em todos os países do mundo, setores da não passando de mais uma operação eco-
população muito definidos (pessoas com nômica e comercial. Será preciso fazer um
baixo nível de renda e sem estudos ou esforço importante para, como já preconi-
com estudos básicos, idosos, emigrantes, zou Edgar Morin em 1981, clarificar o que
portadores de deficiências físicas, etc.). queremos, e é imprescindível conservar a
Também é um fato a distância que sepa- educação que temos, ponderar o que real-
ra os países desenvolvidos dos países em mente precisamos criar ou inventar para
vias de desenvolvimento no que concerne que a educação chegue a ser efetivamen-
ao acesso às TIC e seu uso. Afortunada- te universal e libertadora e também para
mente, a sensibilização dos governos, das decidir o que podemos, e talvez devemos,
instâncias internacionais e das grandes abandonar.
corporações diante dos problemas provo-
cados pelas “brechas digitais” é cada vez
maior, e tudo leva a prever que, no que se Referências
refere especificamente ao acesso às TIC,
as distâncias entre países e setores da po- Adell, J. (1997). Tendencias en educación en la
pulação devem diminuir progressivamen- sociedad de las tecnologías de la información.
EDUTEC, Revista Electrónica de Tecnología Educa-
te. Entre outras razões, porque, como se
tiva, 7. Acesso (31.07.2008) em: http://www.uib.
sabe, a internet já é, e será cada vez mais es/depart/gte/edutec-e/revelec7/revelec7.html
no futuro, uma importante via de acesso Anderson, P. (2007). What is Web 2.0? Ideas,
ao consumo de todo o tipo de mercadorias technologies and implications for education. JISC
e serviços; portanto, ao facilitar o acesso Technology and Standards Watch, Consultado
a ela, facilitar-se-á o acesso ao consumo, (08.10.2007) em: http://www.jisc.ac.uk/wha-
ampliando-se assim o mercado. Mais di- twedo/services/services_techwatch/techwatch/
ficuldades traz, sem dúvida, a superação techwatch_ic_reports2005_published.aspx
das brechas digitais no concernente aos Bautista, A. (Coord.) (2004). Las nuevas tecno­
logías en la enseñanza. Temas para el usuario.
usos das TIC. Conseguir que, uma vez al-
Madrid: Akal.
cançado o acesso às TIC, todos os setores
Bravo, J.; Hervás, R. e Chavira, G. (2005).
da população possam fazer dessas tecno- Ubiquitous Computing in the Classroom: An
logias um uso enriquecedor, construtivo e Approach through Identification Process. Journal
criativo é o verdadeiro e complexo desafio of Universal Computer Science, 11(9);1494-1504.
que enfrentamos atualmente. E, mais uma Consultado (22.12.07) em: http://www.jucs.

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