Literatura Brasileira III 1360182914
Literatura Brasileira III 1360182914
Literatura Brasileira III 1360182914
BRASILEIRA III
LITERATURA BRASILEIRA III
A disciplina Literatura Brasileira III foi dividida em duas Unidades, para que você possa
assimilar da melhor maneira possível as discussões aqui sugeridas. Aspectos relevantes deste
período e importantes conceitos analíticos, teóricos e críticos foram distribuídos, ressaltando-
se aspectos como contextualização histórica, principais produções literárias, autores
representativos de maneiras do fazer literário, fragmentos de suas principais obras, alguns
comentários críticos e, principalmente, possíveis leituras destes textos.
É interessante ressaltar que, sempre que possível, será feita uma relação entre a
leitura e a prática docente, para que você possa (re)pensar sua experiência em sala de aula.
Esperamos que você aproveite estas semanas para pesquisar, ler e compartilhar suas
experiências.
Apresentação
Nesta primeira Unidade iremos nos deter em um dos escritores de maior destaque da
Literatura Brasileira: Machado de Assis. A obra de Machado de Assis, de acordo com a
historiografia literária, está inserida no Realismo. Você poderá perguntar: quais foram os
critérios utilizados para esta classificação? A resposta para este questionamento está centrada
no processo de canonização literário.
Agora é
com Caso você esteja esquecido do conceito cânone para a Literatura, leia o texto
Cânon de Roberto Reis que aborda esta temática, que se encontra disponível
você na Biblioteca Virtual desta disciplina.
REIS, Roberto. Cânon. In: JOBIM, J. Luís (Org.). Palavras da crítica: tendências
e conceitos no estudo da literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
A fim de buscar uma possível resposta para o questionamento inicial – O que levou a
crítica literária a classificar esse autor como realista? – observaremos de que modo a
linguagem é utilizada em seus textos e quais são as temáticas, geralmente, abordadas por
Machado.
O nosso percurso analítico terá início com a trajetória e a obra em prosa de Machado de
Assis. Aproveite, agora, para mergulhar
mergulhar na vida literária do Brasil do final do Século XIX tendo
como cenário o Rio de Janeiro.
Machado afasta-se
afasta da chácara, mas nunca se libertaria
bertaria de seu ambiente,
onde aprendera as primeiras lições sobre os contrastes dos destinos
humanos e as desigualdades sociais. Ali, sentira o despertar de desejos de
ascensão social, o inconformismo com a pobreza, a sedução pelo mundo dos
ricos e dos poderosos,
poderosos, dos quais procurou se acercar durante toda a vida. A
1
MACHADO, Ubiratan. O enigma do Cosme Velho.
Velho In: Machado de Assis:: uma revisão. Rio de Janeiro: In-Fólio,
In
1998. p. 18.
chácara do Livramento se incorporara ao seu espírito e seria recriada, 40
2
anos depois, em forma de ficção, na novela Casa velha.
Machado demonstra sua vocação para as letras quando ingressa na imprensa. Nesta
ocasião, publicara mais de 50 trabalhos, a maioria poemas de um romancista piegas, sem
qualquer originalidade. No entanto, a prática jornalística diária exerceu uma influência sensível
sobre a sua escrita literária. Obrigou-o a escrever com simplicidade e graça, a evitar “os
colarinhos do estilo grave”. Como cronista, se habituaria a flertar com o leitor, a instigá-lo, a
dialogar com ele, o que se tornaria uma marca de seus romances da maturidade.3
Mas o que seria esta “maturidade” em relação à obra machadiana? No que diz
respeito à produção literária, é comum a crítica dividir a vida de Machado de Assis nitidamente
em duas partes: até 1879, a preparação, e depois, a realização. Entre estas duas fases, ocorre
uma enfermidade passada em Nova Friburgo, em um isolamento a dois: ele e sua esposa,
Carolina Augusta de Novaes. Machado publicou nove romances ao todo: quatro no período de
preparação ou “crescimento”, Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874) e Helena (1876); três
no da maturidade, Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom
Casmurro (1899); e dois na fase de “dissecação” ou de recuo, Esaú e Jacó (1904) e Memorial de
Aires (1908).4
2
Id., p. 19.
3
Id., p. 21.
4
PICCHIO, Luciana Stegagno. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. p. 273-
293.
artística, nos seus contos. E sem vestígio de esforço, naturalmente, num
5
estilo maravilhoso de vernaculidade, de precisão, de elegância.
5
VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira.
Brasile Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional,
Departamento Nacional do Livro, 1915. Disponível em:
<http://p.download.uol.com.br/cultvox/livros_gratis/historia_da_literatura_brasileira.pdf
http://p.download.uol.com.br/cultvox/livros_gratis/historia_da_literatura_brasileira.pdf>.>. Acesso realizado em
11/dez./2009.
6
PICCHIO, op. cit., p. 288.
Agora é
Acesse os seguintes endereços eletrônicos para ver o vídeo:
com
você Machado de Assis: um mestre na periferia parte 1
http://www.youtube.com/watch?v=mIsVRZJocTQ&feature=related
Machado de Assis: um mestre na periferia parte 2
http://www.youtube.com/watch?v=OEsz4fxZAYA&feature=related
Machado de Assis: um mestre na periferia parte 3
http://www.youtube.com/watch?v=bmEvW6ogWh4&feature=related
Acesso realizado em 21/nov./2009.
2 O espelho
O espelho de um momento
Neste mesmo livro, Lukács cria uma tipologia da forma romanesca, na qual está
inserido “o idealismo abstrato”, que corresponde à inadequação do indivíduo (personagem) ao
mundo exterior, à sua situação, ao seu destino, surgindo, assim, o herói problemático do
romance. “Essa inadequação tem grosso modo dois tipos: a alma é mais estreita ou mais ampla
que o mundo exterior que lhe é dado como palco e substrato de seus atos.”9
A fim de estabelecer uma relação entre esta teoria lukacsiana e a literatura brasileira,
iremos fazer uma leitura do conto de Machado de Assis, O espelho: esboço de uma nova teoria
da alma humana, partindo de uma análise da inadequação do protagonista, Jacobina, diante
de sua situação social, o cargo de alferes.
O conto, O espelho,10 trata de um debate entre quatro ou cinco cavalheiros sobre os
problemas mais árduos do universo, numa atmosfera metafísica e filosófica. Sendo que um
dos integrantes do grupo, o Jacobina – cujo significado é “terreno impróprio para a lavoura,
revestido de mato baixo, comumente cerrado e espinhoso” –11 que sempre se encontra alheio
ao debate e não discute nunca, é desafiado por um dos participantes a demonstrar que o seu
7
LUKÁCS, Georg. A Teoria do Romance: Um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução,
posfácio e notas de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34. 2000.
8
Ibid., p. 55.
9
Ibid., p. 99.
10
ASSIS, Machado de. O espelho: esboço de uma nova teoria da alma humana. In: _____. Papéis Avulsos. Disponível
em: http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn003.pdf. Acesso realizado em: 03/out./2009.
11
HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, versão 1.0, 2001.
argumento de que “...a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jaz no homem,
como uma herança bestial (...)”12 é verdadeiro.
Ao fazer uso da palavra, Jacobina envereda pelos caminhos da natureza da alma, tema
este que gera uma grande e confusa discussão. Novamente a personagem é solicitada para
opinar sobre o que se discutia, então ele começa a falar de um caso de sua vida em que
ressalta que não há apenas uma alma, mas duas. Assim inicia-se a narrativa do episódio de
quando ele foi nomeado alferes e a justificativa para a existência de duas almas humanas.
12
ASSIS, Machado de. O espelho, op. cit., p. 80.
13
LUKÁCS, G. “O Romance como Epopéia Burguesa”. In: Revista Ad Hominem 1, Tomo III, Música e Literatura. São
Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.
Jacobina ao narrar sua história, em um dado momento remete, indiretamente, a esta
lógica social “o certo é que todas essas cousas, carinhos, atenções, obséquios, fizeram em mim
uma transformação, que o natural sentimento da mocidade ajudou e completou”.14 Porém,
não é só a vida do Alferes que vai sofrer modificações a partir desta construção social. Na
passagem do conto em que Jacobina fica tomando conta do sítio da tia Marcolina – tentando
suprir todas as necessidades de sua alma exterior – há a fuga dos escravos que na noite
anterior exageram na quantidade de elogios atribuídos ao “Nhô Alferes”. Pode-se perceber,
então, que a representação da sociedade através de um indivíduo torna-se impossível, já que
esta sociedade não reflete mais a totalidade, ela agora se mostra fragmentada e as
necessidades individuais estão muito relacionadas ao interesse de cada classe social.
Jacobina, um rapaz pobre que passa por um processo de construção de uma nova
identidade ao ser nomeado alferes da guarda nacional. Assim, ele é chamado de “meu Alferes”
por sua mãe, sua tia, e, em seguida, todos o chamam pelo título. Observa-se, portanto, uma
preferência à representação, à aparência social. Inclusive quando a tia Marcolina o convida
para passar alguns dias em sua companhia no sítio, ela sugere que ele leve a farda. Porém, esta
identidade imposta pelo social, construída de fora para dentro, chega a incomodar o
protagonista. Neste momento, ele solicita que a tia volte a chamá-lo de Joãozinho, o que
demonstra o conflito entre a alma interior e a alma exterior.
Diante de toda esta problemática, percebe-se que o protagonista foi introjetando o
papel social de alferes, pois houve toda uma construção deste papel, desde a aquisição do
fardamento, que foi uma doação dos amigos, até a incorporação do título ao Ser, “o alferes
eliminou o homem”. Jacobina já não consegue mais viver sem ouvir o eco do título, “Senhor
Alferes”, que, a princípio, era considerado apenas como gracejos de sua mãe e sua tia.
Pode-se, assim, notar que o modo de produção de vida material cria um paradigma
(via ideologia) que regula as práticas e experiências sociais. Sendo através dele que o indivíduo
ganha uma validade social ou adquire identidade. O que fundamenta este modo de produção
é a lógica da mercadoria que não se dá só na forma objetiva – o indivíduo e seu objeto de
trabalho – mas também na forma subjetiva, sua existência torna-se mercadoria. Sendo assim,
14
ASSIS, Machado de, O espelho, op. cit., p. 82.
a reificação do indivíduo é um produto social e vai atestar um tempo em que a sociedade
prefere a representação à realidade, a aparência ao ser.
O Alferes apresenta-se como possibilidade de ascensão social, este título possibilita a
Jacobina uma garantia de soberania e poder sobre os outros. Neste caso, o papel da sociedade
é fomentar necessidades que possam assegurar e garantir a sua lógica. Ela cria, portanto, um
sistema simbólico de etiquetas sociais que vão definir os grupos e as classes. Fora deste
sistema a existência estilhaça-se, há apenas o vácuo, neste momento surge a inadequação do
personagem, ou ele se sente superior ao seu destino ou inferior à sua humanidade, como
afirma Mikhail Bakhtin. 15
Pode-se dizer que, embora o Ser preceda o Ter, é este último quem vai efetivamente
dominar, sobrepor-se. Encara-se, assim, o caráter problemático que tal conflito encerra no
protagonista machadiano. A identidade é móvel e construída por aspectos psicológicos e
sociais. No entanto, Jacobina possui uma identidade completamente obliterada pelo social.
Pode-se observar isto na passagem do conto em que ele se encontra só; não há mais ninguém
para ecoar sua alma exterior (sua segunda alma), ou seja, chamá-lo de Alferes – metáfora da
identidade construída pelo social:
Confesso-lhes que desde logo senti uma grande opressão, alguma cousa
semelhante ao efeito de quatro paredes de um cárcere, subitamente
levantadas em torno de mim. Era a alma exterior que se reduzia, estava
agora limitada a alguns espíritos boçais. O alferes continuava a dominar em
16
mim, embora a vida fosse menos intensa, e a consciência mais débil.
O olhar dos outros, então, seria substituído pelo espelho, onde ele se veria vestido de
Alferes. Não mais através de uma imagem fragmentada, mas totalitária, ele passaria a sentir-se
sujeito, “...o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum
contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim a alma exterior.”17
Jacobina no seu aterro existencial aceita a máscara imposta pela sociedade. É através
dela que ele se reconhece como indivíduo, e é assim que ele opta por viver – refletido em um
espelho. Vestir-se de Alferes é enquadrar-se no padrão da sociedade vigente, sair dos conflitos
internos, que o deixavam disforme perante o mundo. Abandonar, então, o que não se
enquadrava na normalidade, o que produzia uma imagem difusa. A reificação é total, ele é um
intelectual capaz de pensar e refletir sobre a sua situação; até de perceber que a segunda alma
muda (ela é construída, histórica, temporal), mas, ainda assim, talvez pelo privilégio, as
15
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo, Unesp/Hucitec, 1993.
16
ASSIS, Machado de, O espelho... op. cit., p. 82-83
17
Id., p. 85.
prerrogativas da posição conferida a ele – o sujeito Alferes prefere não lutar, não agir. Assim,
“...o contato entre homem e mundo tornou-se puramente periférico e o homem assim
constituído, uma necessária figura acessória, que orna e ajuda a expandir a totalidade, mas
que é sempre apenas peça integrante, nunca o centro.”18
O herói em busca da sua essência, do sentido da sua existência, ingressa numa luta,
um combate com os valores da sociedade. Mas este combate dá-se dentro do indivíduo, e não
propriamente no cenário social. Este herói busca uma coerência para o seu eu, aspira à
unidade. No entanto, isto é impossível em uma sociedade fragmentária, automatizada e
dividida em classes. A totalidade é utópica, o indivíduo é o acidente dos erros desta sociedade.
O sujeito torna-se fragmentário, embora ainda deseje a coerência, a união com o elo perdido.
Assim, por não suportar a sua incoerência, os seus fragmentos, ele resolve tomar emprestadas
algumas máscaras que lhe dêem a ilusão de uma existência plena:
A seguir iremos analisar uma outra narrativa do bruxo do Cosme Velho, Missa do Galo
sob o viés dos estudos de gênero. Para poder acompanhar a leitura sugerida é necessário ler o
conto que se encontra disponível na Biblioteca Virtual da disciplina.
18
LUKÁCS, Georg, O romance como epopéia...op. cit.
19
Ibid.
Missa do Galo sob uma perspectiva de gênero
A figura feminina, nas mais diversas literaturas, serviu de mote para inúmeros poetas
da antiguidade clássica aos nossos dias. As musas foram exploradas em diferentes aspectos
(físico, emocional, intelectual); em seus diversos flancos (virgem, santa, prostituta, mãe,
amante), sendo, talvez, em todas as culturas, alvo do olhar e do desejo masculino.
Esta cena muda a partir da revolução cultural dos anos 60, a mulher idealizada começa
“...a avaliar a extensão e as consequências da sua condição de inferioridade e ensaia as
primeiras denúncias”. De acordo com Helena Parente Cunha, “enquanto na ficção a fala da
mulher não se liberta da força do falo, na poesia o princípio do prazer reina descontraído,
numa outra modalidade de desafio aos códigos falocêntricos”.22 Assim sendo, o eu lírico dos
versos de autoria feminina deixa a libido livre para seus investimentos, despindo a figura
masculina da idealização, da aura – invólucros comuns à imagem da mulher nos textos
clássicos da Literatura Brasileira.
20
SANT’ANNA. Affonso Romano. O canibalismo amoroso: o desejo e a interdição em nossa cultura através da
poesia. 4 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. p. 12.
21
BUTLER, Judith. Sujetos de sexo/genero/deseo. In: CARBONELL, Neus; TORRAS, Meri (Compilación de textos y
bibliografía). Femininos literarios: J. Butler, T. Ebert, D. Fuss, T. De Lauretis, M. Lugones, J. W. Scott, G. Ch. Spivak, S.
Winnett. Madri: Arco/Libros, S.L., 1999. p. 42.
22
CUNHA, Helena Parente. O desafio da fala feminina ao falo falocêntrico. In: RAMALHO, Cristina (Org.). Literatura e
feminismo: propostas teóricas e reflexões críticas. Rio de Janeiro: Elo, 1999. p. 162.
A escritura de autoria masculina que irá nos permitir demonstrar alguns dos aspectos
explicitados acima no que diz respeito à subjetivação do corpo através da linguagem literária
corresponde ao conto Missa do Galo23 de Machado de Assis.
As personagens que compõem o conto, como você deve ter observado, são: o
escrivão, Sr. Meneses; a segunda esposa do Sr. Meneses, D. Conceição; a mãe de D. Conceição,
D. Inácia; duas escravas e o Sr. Nogueira, primo de uma das primeiras núpcias do Sr. Meneses
e também narrador do conto. Já na apresentação das personagens podemos perceber a
presença das normas patriarcais, os homens são designados pelo sobrenome, o que dá mais
autoridade e prestígio, enquanto as mulheres são identificadas pelos nomes.
Missa do Galo trata-se de um diálogo entre uma mulher de 30 anos, D. Conceição, e
um rapaz de 17 anos, Sr. Nogueira, o qual narra a história. Ele vem do interior, Mangaratiba,
para estudar no Rio de Janeiro, na casa do Sr. Meneses, ex-marido de uma de suas primas. Na
noite de Natal, ao aguardar a hora da missa do Galo, meia-noite, ele trava uma conversação
com a atual esposa do seu hospedeiro, D. Conceição.
D. Conceição é considerada uma santa, por não apenas suportar, mas achar que era
muito direito o seu marido possuir uma amante. Vale salientar que o fato do homem ter mais
de uma mulher implica em prestígio e poder, inclusive o financeiro, pois fica subentendido que
ele irá manter mais de um lar. Indo além, portanto, da questão da virilidade:
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente
suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento
moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No
capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as
aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e
passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que
chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava
24
tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
23
ASSIS, Machado de. Missa de Galo. In: _____. Páginas recolhidas. Disponível em:
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn006.pdf. Acesso realizado em: 12/dez./2009.
24
ASSIS, Machado de, Missa do Galo..., op. cit., p. 27.
encanta os homens através do canto, da fala. Em a Missa do Galo, a imagem da mulher-santa
ocupa uma boa parte do conto, mas aos poucos a santa vai se transformando em mulher-
sedutora, mulher-sereia. Desta forma, D. Conceição, embora seja uma pessoa boa, vai seduzir
e encantar o Sr. Nogueira a partir da fala, do olhar, o que nos faz transitar entre o divino e o
profano.
25
Ib., p. 28.
26
Id., p. 29.
mulher-esfinge e mulher-sedutora entram na história o compasso passa a ser outro, ele vai
ficando sem fôlego e nós também, depois de passado o clímax, o ambiente de paz retorna,
como se ambos tivessem concluído o ato sexual e extasiados contemplando tudo que há em
volta, até serem acordados pelos gritos do vizinho lembrando a hora da Missa do Galo.
Havia, também, umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via
dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono
nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas
vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os
tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões
dessa noite, que me parecem truncadas ou confusas. Contradigo-me,
atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião,
ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os
braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs
uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia
dizer alguma cousa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio,
voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali
relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas
27
gravuras que pendiam da parede.
27
Id., p. 30.
O sofrimento físico e moral, a incerteza angustiosa quanto ao futuro,
amadurecem o artista, e aguçam o pessimismo do homem em relação à
crueldade da vida e à incerteza do destino humano. (...) Atormentado pela
idéia do nada, a indiferença da natureza, a precariedade de tudo, parece
deliciar-se em atirar ácido nas feridas alheias. Disseca com perversidade
28
satânica, mas com a elegância de um lorde, a alma de seus personagens.
Para isto escolhemos o conto Último capítulo29 que se encontra disponível na Biblioteca Virtual
da disciplina. Antes de continuar esta leitura, é fundamental que você conheça o conto em
análise.
28
MACHADO, Ubiratan, op. cit., p. 25.
29
ASSIS, Machado de. Último capítulo. In: _____. Histórias sem data. Disponível em:
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn004.pdf. Acesso realizado em: 08/out./2009.
A morte é a personagem mais viva do conto Último Capítulo, ela permeia toda a vida
caipora do narrador personagem, Matias Deodadato, um suicida que deixa seu testamento e
em seguida decide escrever um resumo autobiográfico para explicar o que foi defendido neste
documento responsável pelo destino dos seus míseros bens. As pessoas mais idosas e, às
vezes, mais sábias afirmam que minutos antes da morte o ser humano passa por uma espécie
de “melhora da morte”, ou seja, um momento de lucidez. Esta sabedoria popular servirá como
alicerce para a nossa leitura, pois foi no último capítulo da vida de Matias Deodato que ele
teve a visão de um incidente, que se transforma em o fio condutor de uma vida inteira.
Após entender que a felicidade não existia no nível terreno e que a grande saída seria
mergulhar nas avenidas da eternidade através da morte, ele presenciou um cidadão bem
trajado, mas bastante maltratado pela vida, exalando felicidade ao se deslumbrar com um par
de sapatos reluzentes que calçava os seus pés. Este homem, “o homem das botas”, parecia
não possuir um vintém no bolso, talvez nem tivesse almoçado, embora fosse quase meio-dia,
mas estava muito feliz. Assim, a personagem Matias descobre neste momento de lucidez “pré-
óbito” que a felicidade nada mais é que um par de botas.
Mas, o que vem a ser um par de botas? Respondendo de forma prática, o sapato é um
utensílio utilizado pelo ser humano a fim de proteger seus pés da agressividade dos terrenos
arenosos, pedregosos, cortantes, escaldantes, pelos quais caminhamos diariamente. Há outra
forma de responder esta questão, não me refiro à forma filosófica, mas àquela baseada na
“teoria da máscara” defendida por Alfredo Bosi, já que neste conto um par de botas não é
utilizado apenas como proteção, mas como máscara, os sapatos mascaram os pés, impedindo-
os de entrar em contato com o real, com o solo quente ou frio, arenoso, aveludado, liso ou
pedregoso. Desta forma, os pés mais finos, mais delicados, ausentes de rachaduras são
aqueles que quase não entram em contato com a realidade natural dos diversos tipos de solos,
ou seja, são os pés que se envolvem numa máscara constante. Já os pés que se encontram
repletos de rachaduras, fendas, às vezes, sangrentas demonstram, a olho nu, seu contínuo
atrito com a terra, o qual os tornou mais ásperos, mais duros, mais secos.30
30
Vale ressaltar que esta metáfora dos sapatos também pode ser empregada em relação à ascensão social, pois o
fato de calçar os pés indica status, já que os subalternos, os agregados ou (ex) escravos, andavam descalços,
demonstrando o lugar que ocupavam na sociedade.
mortes – morre pai, morre mãe, morre padre – enrijecendo “seus pés”. Além de sua condição
de órfão, Matias era pobre e possuía personalidade fraca, pois a maioria das decisões
importantes que tomava na vida era proveniente de opiniões sugeridas por terceiros, ele não
conduzia os seus próprios passos, ou seja, não era sujeito de sua história. Por este motivo,
quase sempre não sentia seus pés, já que era conduzido pelos pés dos outros, porém, mais
tarde, começou a sentir a consequência desses passos em falso.
Quando começa a sofrer as reações do solo arenoso e pedregoso em que está pisando
culpa o destino, pois se considerava um caipora por natureza. Nesta passagem, percebe-se a
falta de consciência da personagem em relação aos empecilhos sociais aliados às fraquezas do
ser humano (traição explícita do amigo com a noiva viúva, ou a implícita do seu melhor amigo,
Gonçalves com sua esposa Rufina).
Assim, a estrada percorrida por Matias continua árdua e longa, a morte que antes
tinha apenas se apresentado, agora fazia parte do seu convívio mais íntimo. A primeira mulher
por quem se interessou era viúva, ela possuía a morte no nome. Casou-se com D. Rufina, uma
mulher “morta viva”, zumbi, múmia, sem sentimentos, sonhos, sem vida, levava, pois, a morte
na sua essência. O filho nasce morto, mas conforta-se ao saber que este filho poderia ser tão
caipora quanto ele, pelo menos a morte o poupou.
Embora a morte seja a protagonista do conto, não é percebida a sua morbidez, pelo
contrário, é por sua causa que a vida começa a pulsar no texto. Após a morte de Rufina, Matias
vai realmente se sentir realizado sentimentalmente no casamento, acredita que a única forma
de ser de fato feliz é mergulhando na eternidade. Quando se encontra à beira deste abismo,
percebe que a felicidade resume-se em um par de botas reluzentes.
Após ler alguns contos de Machado, iremos concluir esta Unidade com a leitura de um
dos romances mais extraordinários da Literatura Brasileira, Memórias Póstumas de Brás
Cubas.31 Caso você não tenha este livro impresso, ele está disponível na Biblioteca Virtual da
disciplina. Lembre-se: a leitura desta obra é fundamental para o acompanhamento do debate
sobre a importância da figura do leitor na produção literária de Machado de Assis.
31
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Disponível em:
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/romance/marm05.pdf. Acesso realizado em: 22/out./2009.
32
GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no
século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.
aponte para uma figuração complexa construída a partir de mediações entre
seres, digamos, históricos e ficcionais. Essa procura de um status para a
figura do leitor constitui um dos esportes favoritos do narrador machadiano,
que se dedica a ele com assiduidade e afinco não só na crônica, mas
também na crítica, no conto e no romance. Em versão masculina ou
feminina, como crítico, bibliômano ou mesmo na condição de verme, ora
pacato, ora impaciente, por vezes amigo e por outras apontado como
adversário do narrador no jogo ficcional, o leitor é figura onipresente na
33
obra de Machado de Assis.
Em Memórias póstumas de Brás Cubas, você pôde observar que este diálogo com o
leitor introduz a narrativa, aparecendo antes mesmo do primeiro capítulo. Além de estar
presente nas diversas passagens da narrativa. Segue o prólogo ao leitor:
AO LEITOR
33
Id., p. 26.
Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o
primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O
melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz
de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito
contar o processo extraordinário que empreguei na
composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo.
Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário
ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te
agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar,
pago-te com um piparote, e adeus.
Brás Cubas.34
De acordo com Guimarães, este prólogo aponta algumas novidades no que diz respeito
ao tratamento do leitor como número e como opinião, além de indicar uma transformação no
modo de elocução do narrador, “que adota um tom mais ligeiro e coloquial, produzindo uma
significativa abreviação das unidades ficcionais.35 E você? Concorda com Hélio de Seixas
Guimarães? Aproveite para ler o capítulo “Brás Cubas e a textualização do leitor”36 na íntegra,
este texto está disponível na Biblioteca Virtual da disciplina. Assim você irá poder participar da
discussão sobre este romance de Machado. Boa Leitura!
Chegamos ao fim da primeira Unidade do material de Literatura Brasileira III, depois de
transitar na desconcertante produção literária de Machado de Assis. Agora chegou o momento
de você exercitar o que foi lido e discutido durante este momento do Curso, realizando a
Atividade de Aprendizagem sugerida no AVA.
34
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas..., op. cit., p. 02.
35
GUIMARÃES, op.cit., p. 180.
36
GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Brás Cubas e a textualização do leitor. In: _____. Os leitores de Machado de Assis: o
romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Editora da Universidade de
São Paulo, 2004.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. O espelho: esboço de uma nova teoria da alma humana. In: _____. Papéis Avulsos
(1882). Disponível em: http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn003.pdf. Acesso realizado
em: 03/out./2009.
_____. Missa de Galo. In: _____. Páginas recolhidas (1899). Disponível em:
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn006.pdf. Acesso realizado em: 12/dez./2009.
_____. Último capítulo. In: _____. Histórias sem data (1884). Disponível em:
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1993.
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Literatura e feminismo: propostas teóricas e reflexões críticas. Rio de Janeiro: Elo, 1999. p. 162.
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Fronteira, 1986.
HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, versão
1.0, 2001.
LUKÁCS, Georg. A Teoria do Romance: Um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica.
Tradução, posfácio e notas de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34. 2000.
_____. O Romance como Epopéia Burguesa. Revista Ad Hominem 1, Tomo III, Música e Literatura. São
Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.
MACHADO, Ubiratan. O enigma do Cosme Velho. In: Machado de Assis: uma revisão. Rio de Janeiro: In-
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PAES, José Paulo (org.). Transverso: coletânea de poemas traduzidos. Campinas: Editora da Unicamp,
1988.
PICCHIO, Luciana Stegagno. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997.
SANT’ANNA. Affonso Romano. O canibalismo amoroso:o desejo e a interdição em nossa cultura através
da poesia. 4 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. p. 12.
VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional,
Departamento Nacional do Livro, 1915. Disponível em:
<http://p.download.uol.com.br/cultvox/livros_gratis/historia_da_literatura_brasileira.pdf>. Acesso
realizado em 11/dez./2009.
UNIDADE II
Apresentação
Vale salientar que os textos que iremos discutir nesta Unidade são, na sua maioria, de
autores canônicos, estão no livro Questão de pele37 organizado por Luiz Ruffato. A respeito da
discussão de raça no cenário brasileiro, Ruffato afirma que:
37
RUFATTO, Luiz (Org.). Questão de pele. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009. (Coleção língua franca)
Há, ainda hoje, em certos círculos intelectuais, quem defenda a existência
de uma “democracia racial” no Brasil, tese nascida na década de 1930 e
rapidamente assimilada como ideologia nacional pela nossa tradição de
governos autoritários. Essa perspectiva – que relativiza a tragédia de mais
de três séculos de escravidão – sempre impediu uma discussão seria sobre a
questão do preconceito de cor em nosso país. Basta observar que, mesmo a
literatura, arte que busca transcender a hipocrisia, poucas vezes ousou
enfrentar o tema e, quando o fez, deparou-se com a incompreensão e/ou
38
desprezo da crítica.
Assim, a luta pela inclusão implica em compreender o fato da boa literatura produzida
por estes grupos da margem, ainda, enfrentar tanta dificuldade para despertar o interesse do
mercado editorial e para ingressar nos programas acadêmicos, nos suplementos literários, nas
revistas de literatura, na produção acadêmica, nas áreas de pesquisa das pós-graduações e em
outros espaços relacionados aos processos de canonização. O que fazer para inverter esta
situação? Construir um cânone às avessas? Impondo leituras, buscando, assim, redirecionar o
olhar do/a leitor/a, já viciado/a no consumo do cânone ocidental?
Em 2005, foi lançada, através da Editora Agir, uma coletânea de narrativas e poesias de
autores da periferia dos grandes centros urbanos – dentre os escolhidos, há, somente, uma
mulher, proveniente da colônia de pescadores da cidade de Pelotas, do Rio Grande do Sul. Este
livro foi organizado por Ferréz, um dos principais ativistas das reivindicações dos moradores da
38
Id., p. 11.
favela, com o título de Literatura Marginal: talentos da escrita periférica. Segundo o
organizador:
Jogando contra a massificação que domina e aliena cada vez mais os assim
chamados por eles de “excluídos sociais” e para nos certificar de que o povo
da periferia/favela/gueto tenha sua colocação na história, e que não fique
mais quinhentos anos jogado no limbo cultural de um país que tem nojo de
sua própria cultura, a literatura marginal se faz presente para representar a
cultura de um povo, composto de minorias, mas seu todo uma maioria.
(...)Quem inventou o barato não separou entre literatura boa/feita com
caneta de ouro e literatura ruim/escrita com carvão, a regra é só uma,
mostrar as caras. Não somos o retrato, pelo contrário, mudamos o foco e
39
tiramos nós mesmos a nossa foto.
Prepare-se para conhecer algumas narrativas que discutem esta temática e, assim,
aprofundar seus conhecimentos a respeito da produção literária da segunda metade do século
XIX da Literatura Brasileira a partir de alguns autores representantes do Realismo e do
Naturalismo.
39
FERRÉZ. Terrorismo literário. In: _____. (Org.). Literatura marginal: talentos da escrita periférica. Rio de Janeiro:
Agir, 2005. p. 09-11.
40
RUFATTO, op. cit., p. 12.
Manuel de Oliveira Paiva
41
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1983.
42
Id., p. 217-218.
Manuel de Oliveira Paiva (1861-1892) cursou o ginásio no Seminário do Crato. Mudou-
se para o Rio de Janeiro onde começou a frequentar a Escola Militar, mas teve de retornar à
terra natal em 1883, devido a problemas pulmonares. Participou ativamente na luta
abolicionista e fez jornalismo literário ao colaborar no jornal Libertador. Destacou-se, também,
como membro do Clube Literário. Por volta de 90, quando a sua saúde fica mais debilitada, vai
para o interior do Ceará, onde escreve seus dois romances: Dona Guidinha do Poço (1891) e A
Afilhada (1889). Para Lúcia Miguel-Pereira a responsável pelo prefácio da sua obra mais
significativa Dona Guidinha do Poço, “Oliveira Paiva era prosador terso, que sabia descrever e
narrar com mão certeira e intervir no momento azado com talhos irônicos de inteligência fina
e crítica”.43 Vale salientar que a sua obra mais significativa só teve publicação após sua morte.
Agora você poderá conhecer a escrita de Oliveira Paiva através do segundo capítulo de Dona
Guidinha.
Capítulo II
43
Id., p. 218.
Era preciso o vaqueiro da Guidinha tornar-se ubíquo, para o que
ocupava os seus filhos e alguns escravos do amo. O boi com a vista do
homem parecia reanimar como se tivera consciência de que ambos
padeciam sob a indiferença do mesmo céu.
Mas que se fossem pelo amor de Deus! Bem sabia ela que dois
dias depois o retirante se tornava agregado. E agregado para quê?
Era a primeira vez que a mulher lhe falava com menos respeito.
Se arrependimento salvara... Mas para que a provocou? Para que a
atacou de frente? Bem lhe conhecia a índole. Margarida
Margarida era como um
palácio cuja fachada principal desse para um abismo. Só havia
penetrar-lhe
lhe pela insídia, pelas portas travessas.
Agora é
com Caso você queira conhecer este romance de Oliveira Paiva, ela encontra-se
encontra
disponível no seguinte endereço eletrônico:
você
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/128.pdf
Acesso realizado em: 24/out./2009.
O ÓDIO
44
PAIVA, Manuel de Oliveira. Dona Guidinha do Poço. Disponível em:
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/128.pdf.. Acesso realizado em: 24/out./2009.
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/128.pdf
abarcando os joelhos.
Via-se bem o animal preso, movendo-se com pés de
seda e garbo de mulher.
Passeava desdenhosamente. Amarelo fulvo,
lindamente mouriscado com patacos pretos, como não há
veludo. Quando alguém aproximava-se, a fera largava
uma roncaria por entre presas, e dava botes nos paus, ex-
plodindo bufidos espantosos.
O comandante muitas vezes desanuviava a sua cerveja
fazendo-se espectador da eterna aversão e tolhido
orgulho do bicho feroz, de cujo cativeiro abusavam;
faziam-se trejeitos, cutucavam com um bastão, davam-
lhe um pau a morder, de modos que o animal parecia
chorar de raiva.
O piloto, muito chalação, desandava-lhe
descomposturas:
— Anda lá marafona! Pensavas qu'isto qu'era a furna?
Olhe que ela pega-o, comandante!
E daí, amabilizava com uns nomes feios — filha desta,
filha daquela, como se fosse entre duas pessoas:
— Eu não lhe tenho medo, porque lá arrebentar esse
nicho é o que ela não pilha.45
Você poderá ler este miniconto na íntegra, além de outros que discutem a questão da
raça, acessando a Biblioteca Virtual da disciplina. Boa leitura.
Agora você irá conhecer um pouco mais da vida e obra de outro escritor deste período,
Afonso Arinos.
45
PAIVA, Manuel de Oliveira. O ódio. Obra completa. Rio de Janeiro: Graphia, 1993. Disponível em:
http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/arquivos/texto/0006-02233.html. Acesso realizado em: 21/out./2009.
Afonso Arinos
Afonso Arinos foi membro da Academia Brasileira de Letras no ano de 1903 e a sua
produção literária é assim composta: Pelo sertão (1898); Os jagunços (1898); Notas do dia
(1900); O mestre de campo (póstumo, 1918); Histórias e paisagens (póstumo, 1921).
46
BOSI, op. cit., p. 234.
47
LAZZARI, Alexandre. Longe do sertão: literatura, política e nacionalismo em Afonso Arinos. Disponível em:
http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1212974142_ARQUIVO_TEXTOALEXANDRELAZZA
RI-Longedosertao.pdf. Acesso realizado em: 12/out./2009.
Agora você poderá acessar o AVEA do Curso e ler o conto Pedro Barqueiro que está
disponível na Biblioteca Virtual da disciplina Literatura Brasileira III. Aproveite para estabelecer
algumas comparações com outros textos que apresentam personagens negras. É interessante
observar a maneira como estas personagens são exploradas. Conceição Evaristo, ao refletir
sobre a presença/ausência do negro presentes no discurso literário brasileiro, afirma que:
No próximo item desta Unidade iremos tratar de uma escritora não canônica, Maria
Firmina dos Reis. Nesta ocasião, você terá a oportunidade de ler um de seus contos que
apresenta como personagem uma mulher negra. Aproveite, portanto, para transitar por este
universo da Literatura Brasileira tão pouco explorado.
48
EVARISTO, Conceição. Questão de pele para além da pele. In: RUFATTO, Luiz (Org.) Questão de pele: contos sobre
o preconceito racial. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009. (Coleção língua franca). p. 20.
Maria Firmina dos Reis
Maria Firmina dos Reis nasceu na Ilha de São Luís, no Maranhão, em 11 de outubro de
1825. Em 1859, publicou a narrativa Úrsula, primeiro romance abolicionista e um dos
primeiros escritos por mulher brasileira. A partir desde período, começou a colaborar
assiduamente com vários jornais literários. No jornal O Jardim dos Maranhenses, publica o
romance indianista Gupeva, em 1861. Entre as suas narrativas, destaca-se o conto A escrava,
em 1887. Além da obra em prosa, foram divulgados, igualmente, muitos poemas nos vários
jornais em que colaborou.49
Zahidé Lupinacci Muzart ao tratar da autoria feminina no século XIX faz a seguinte
observação a respeito do romance Úrsula:
Esta é de fato a obra mais significativa de Maria Firmina dos Reis, como também expõe
Eduardo de Assis Duarte, especialista em literatura afro-brasileira:
No prólogo de Úrsula, a autora afirma saber que “pouco vale este romance,
porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada
e sem o trato e conversação dos homens ilustrados.” Por trás dessa
49
MUZART, Zahidé Lupinacci. Maria Firmina dos Reis. In: _____ (Org.). Escritoras brasileiras do século XIX: antologia.
Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999. p. 264.
50
Id., p. 266.
declaração de modéstia, a escritora revela sua condição social: o fato de não
ter estudado na Europa, nem dominar outros idiomas, como era comum
entre os
os homens educados de sua época, por si só indica o lugar que ocupa
na sociedade em que nasceu. É desse lugar intermediário, mais próximo da
pobreza que da riqueza, que Maria Firmina corajosamente levanta sua voz
através do que chama “mesquinho e humilde livro”.
livro”. E, mesmo sabendo do
“indiferentismo glacial de uns” e do “riso mofador de outros”, desafia:
51
“ainda assim o dou a lume”.
Agora é
com Caso você deseje conhecer mais a literatura afro
afro-brasileira,
brasileira, visite o seguinte endereço
eletrônico:
você
http://www.letras.ufmg.br/literafro/frame.htm
acesso realizado em 12/dez./2009
Agora que você conheceu um pouco mais da produção literária que aborda de alguma
maneira a questão racial, concluindo com Maria Firmina dos Reis, chegou o momento de
conhecer outras autoras que estão à margem, ou seja, que não aparecem na historiografia
literária brasileira. Até aqui analisamos apenas a prosa deste período, agora aproveite para
conhecer a poesia através de algumas
algumas escritoras do século XIX que foram excluídas do
processo de canonização: Delminda Silveira; Josefina Álvares de Azevedo; Narcísia Amália;
Adelaide de Castro Alves Guimarães; Francisca Júlia; Júlia da Costa. Estes textos estão
disponíveis na Bibliotecaa Virtual desta disciplina. Boa leitura!!
REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1983.
DUARTE, Eduardo de Assis. Maria Firmina dos Reis e os primórdios da ficção afro-brasileira
afro
(Posfácio). In: REIS, Maria Firmina dos. Úrsula.. Florianópolis: Ed. Mulheres; Belo Horizonte:
PUC Minas Editora. Disponível em: http://www.editoramulheres.com.br/ursulaposfacio.htm.
http://www.editoramulheres.com.br/ursulaposfacio.htm
Acesso realizado em: 21/nov./2009.
21/nov.
51
DUARTE, Eduardo de Assis. Maria Firmina dos Reis e os primórdios da ficção afro-brasileira
afro brasileira (Posfácio). In: REIS,
Maria Firmina dos. Úrsula.. Florianópolis: Ed. Mulheres; Belo Horizonte: PUC Minas Editora. Disponível em:
http://www.editoramulheres.com.br/ursulaposfacio.htm Acesso realizado em: 21/nov./2009.
http://www.editoramulheres.com.br/ursulaposfacio.htm.
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pele: contos sobre o preconceito racial. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009. (Coleção língua
franca).
FERRÉZ. Terrorismo literário. In: _____. (Org.). Literatura marginal: talentos da escrita
periférica. Rio de Janeiro: Agir, 2005. p. 09-11.
MUZART, Zahidé Lupinacci. Maria Firmina dos Reis. In: _____ (Org.). Escritoras brasileiras do
século XIX: antologia. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999. p.
264.
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RUFATTO, Luiz (Org.). Questão de pele: contos sobre o preconceito racial. Rio de Janeiro:
Língua Geral, 2009. (Coleção língua franca)
Prezados/as alunos/as!
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_____. Missa de Galo. In: _____. Páginas recolhidas (1899). Disponível em:
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn006.pdf. Acesso realizado em:
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_____. Último capítulo. In: _____. Histórias sem data (1884). Disponível em:
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_____. O Romance como Epopéia Burguesa. Revista Ad Hominem 1, Tomo III, Música e
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Janeiro: In-Fólio, 1998. p. 18.
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PICCHIO, Luciana Stegagno. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Nova
Aguilar, 1997.
POLINÉSIO, Julia Marchetti. O distanciamento narrativo em dois escritores regionalistas:
Coelho Neto e Afonso Arinos. In: _____. O conto e as classes subalternas. São Paulo:
Annablume, 1994.
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