04 - SUNDFELD, Carlos Ari. Público e Privado No Desenvolvimento Urbanístico
04 - SUNDFELD, Carlos Ari. Público e Privado No Desenvolvimento Urbanístico
04 - SUNDFELD, Carlos Ari. Público e Privado No Desenvolvimento Urbanístico
Contemporâneo
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Emerson Moura, UFRRJ
RDPC
Revista de Direito Público
Contemporâneo
Ano n° 01 | Volume n° 01 | Edição N° 01 | Jan/Jun 2017
Ano n° 01 | Volumen n° 01 | Edición N° 01 | Jan / Jun 2017
Fundador:
Prof. Dr. Emerson Affonso da Costa Moura, UFRRJ.
Editores-Chefes | Editores-Jefes:
Prof. Dr. Emerson Affonso da Costa Moura, UFRRJ.
Prof. Dr. Alexander Espinoza Rausseo, UEC.
Diagramação | Diagramación:
Prof. Dr. Emerson Affonso da Costa Moura, UFRRJ.
UFRRJ
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL INSTITUTO DE ESTÚDIOS
DO RIO DE JANEIRO
CONSTITUCIONALES
Editores-Chefes | Editor-in-Chief
Sr. Emerson Moura, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Revista de Direito Público Contemporâneo
Journal of Contemporary Public Law
Sumário:
Resumen:
Presentación | Emerson Affonso de la Costa Moura y Alexander Espinoza
Rausseo..................................................................................................................005
I. INTRODUÇÃO
O modo como, em tempos mais distantes, o Direito procurou criar condições para
gerar investimentos nas cidades, foi definir e proteger com consistência os direitos de
propriedade imobiliária. Inicialmente, isso foi tarefa da legislação civil - que, no Brasil, é
editada em âmbito federal, pelo Congresso Nacional.
O Código Civil separou com clareza as propriedades públicas (as praças e vias
públicas, p.ex.) das propriedades privadas (os imóveis adquiridos por particulares por algum
meio legítimo). Definiu também como umas e outras poderiam ser adquiridas e perdidas
(ex.: a propriedade privada se transmite por compra e venda, usucapião, herança, etc; não
há usucapião de propriedade pública, bens públicos de uso comum são inalienáveis, etc.).
22 Professor Titular da Escola de Direito de São Paulo - Fundação Getúlio Vargas. Doutor e Mestre
em Direito pela PUC/SP. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público - sbdp.
23 Para uma exposição mais geral sobre o valor, os modos e os perigos do Direito em relação às
políticas públicas, v. Carlos Ari Sundfeld e André Rosilho, “Direito e Políticas Públicas: Dois
Mundos?”, em Direito da Regulação e Políticas Públicas, São Paulo, Malheiros, 2014, p. 45-79.
Revista de Direito Público Contemporâneo, Instituto de Estudios Constitucionales da Venezuela e Universidade Federal de
Rural do Rio de Janeiro do Brasil, a. 1, v. 1, n. 1, p. 52, janeiro/junho 2017.
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Dispôs ainda sobre como as propriedades poderiam ser usadas (para construção, locação,
etc.). E assim por diante.
A legislação civil complementar ao Código Civil, a qual cresceu enormemente com o
tempo, foi criando novos arranjos (contratos de incorporação imobiliária, alienação fiduciária,
fundos de investimento imobiliário, e muito mais) ou disciplinando com mais detalhe
operações antes pouco reguladas (como a implantação e comercialização de loteamentos
urbanos).
Uma constatação quanto à já bastante vasta legislação civil é que ela hoje mais
ajuda do que atrapalha os projetos urbanísticos, mesmo sendo uma legislação fruto de
incrementalismo (tem sido um trocar e somar contínuo de normas desde nosso primeiro
Código Civil, há quase cem anos). O volume e a variedade normativa podem sim causar
alguma confusão e incerteza. Mas o conjunto é razoável. Quanto ao regime jurídico da
propriedade imobiliária urbana, portanto, não estamos precisando de nenhum grande
esforço de reforma no Direito Civil. Avançamos duas casas.
As coisas são talvez menos animadoras quando olhamos para o lado público. No
decorrer do século XX, o desenvolvimento urbanístico foi ficando cada vez mais dependente
da ação do Estado, em suas duas versões: por um lado, a ação indireta, como regulador,
limitando e controlando a ação privada; por outro, a ação direta, como empreendedor,
implantando equipamentos públicos.
A regulação urbanística cresceu durante o século XX como tarefa sobretudo
municipal.24 Foram as leis municipais que, pouco a pouco, limitaram de muitos modos a
construção e o uso dos imóveis - primeiro com as leis edilícias, depois com as leis de uso e
ocupação do solo. A seguir, foram as autoridades do Executivo Municipal que tentaram dar
concreção a essas leis, fazendo regulação administrativa: editando regulamentos,
expedindo licenças de construção, de parcelamento e de uso, e também fiscalizando as
obras e o uso dos imóveis.
Tanto a criação dessa regulação urbanística, inspirada em ideias modernas de
planejamento, racionalidade, solidariedade social, como a implantação de unidades
administrativas e ainda o recrutamento de técnicos para cuidar de desenvolvimento urbano,
foram uma vitória significativa da área pública. Avançamos outra casa.
24 Para uma exposição mais geral, Carlos Ari Sundfeld, “Direito Público e Regulação no Brasil”, em
Sérgio Guerra (org.), Regulação no Brasil - Uma Visão Multidisciplinar, Rio de Janeiro, FGV, 2014, p.
97-128.
Revista de Direito Público Contemporâneo, Instituto de Estudios Constitucionales da Venezuela e Universidade Federal de
Rural do Rio de Janeiro do Brasil, a. 1, v. 1, n. 1, p. 53, janeiro/junho 2017.
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25 Sobre a evolução do Direito Urbanístico, ampliar em Carlos Ari Sundfeld, “O Estatuto da Cidade e
suas Diretrizes Gerais”, Adilson Dallari e Sérgio Ferraz (orgs.), Estatuto da Cidade - Comentários à
Lei Federal n.° 10.257/2001, 2a. ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 45-60.
Revista de Direito Público Contemporâneo, Instituto de Estudios Constitucionales da Venezuela e Universidade Federal de
Rural do Rio de Janeiro do Brasil, a. 1, v. 1, n. 1, p. 54, janeiro/junho 2017.
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Em suma, em um país com baixa organização como o Brasil, era inevitável que a
pesada regulação urbanística fosse uma regulação de efeitos incrivelmente heterogêneos:
uma regulação que nunca é o que parece, não vale como escrita, não se aplica a todo
mundo, incide meio desregulada. Vista em seu conjunto, talvez essa regulação não seja de
fato um gargalo para os investimentos privados, mas é na prática uma regulação sem
qualidade. É pena: retrocedemos uma casa.
Como melhorar as coisas por esse lado? Uma ampla desregulação formal em cada
Município parece fora de questão, até por que hoje há normas nacionais urbanísticas
exigindo muita regulação. O art. 182 da Constituição exige leis com “diretrizes” para o
“desenvolvimento urbano” e um plano diretor aprovado em cada Câmara Municipal com uma
“política de desenvolvimento e de expansão urbana”. O Estatuto da Cidade, uma lei nacional
com normas gerais sobre urbanismo, não só amplia essa tendência como impõe novas
regulações administrativas (a necessidade de o empreendedor privado submeter ao
Município estudos de impacto de vizinhança, p.ex.).
Portanto, a resposta mais óbvia ao desafio de melhorar a qualidade da regulação
urbanística parece mesmo ser a organizacional. Os Municípios, que ainda não tiveram
tempo, dinheiro e ideia para investir maciçamente na organização da Administração, vão ter
sim de aumentar a qualificação técnica do pessoal envolvido em regulação; integrar em
órgãos fortes e técnicos as infinitas competências regulatórias que nasceram dispersas em
muitos órgãos (um caminho pode ser a criação de agências reguladoras urbanísticas
municipais independentes, que articulem competências de regulação ambiental, de proteção
ao patrimônio cultural, de trânsito, etc.); padronizar processos administrativos urbanísticos
com base nos princípios públicos (transparência, motivação, vinculação aos precedentes,
prazos máximos para decidir, etc.); aumentar e racionalizar o controle das decisões em
matéria urbanística, etc.
Em suma, é preciso arrumar a casa da regulação urbanística. Só que nenhum
Município brasileiro pode localizar aí sua prioridade no momento. Os Prefeitos estão
envolvidos na desesperada luta cotidiana para ampliar serviços (educação, saúde e
transporte pesam toneladas sobre os ombros municipais) e para caçar recursos financeiros
para esse fim, os quais estão bem concentrados lá na União.
Se pudermos colocar na agenda o dever de arrumar a casa da regulação urbanística,
vamos pular três casas. Se não, ficamos parados. Por hora, estamos.
Revista de Direito Público Contemporâneo, Instituto de Estudios Constitucionales da Venezuela e Universidade Federal de
Rural do Rio de Janeiro do Brasil, a. 1, v. 1, n. 1, p. 55, janeiro/junho 2017.
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26 Ampliar em Carlos Ari Sundfeld, “O Município e as Redes de Serviços Públicos”, em Ives Gandra
Martins e Mayr Godoy (coord.), Tratado de Direito Municipal - vol. II, São Paulo, Quartier Latin, 2012,
p. 844-925.
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Rural do Rio de Janeiro do Brasil, a. 1, v. 1, n. 1, p. 56, janeiro/junho 2017.
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V. OBRAS PÚBLICAS
27 Ampliar em Carlos Ari Sundfeld, Contratações Públicas e seu Controle, São Paulo, Malheiros,
2013, p. 15-41 e 267-276.
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Rural do Rio de Janeiro do Brasil, a. 1, v. 1, n. 1, p. 57, janeiro/junho 2017.
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licitação nos fizeram recuar três casas. É ingenuidade achar que possamos reverter essa
perda com rapidez.
A terceira coisa a dizer é: não só no campo urbanístico, mas também nele, está em
declínio o modelo de desenvolvimento que reservou ao Estado a iniciativa e o protagonismo
da ação pública. A vida é complexa demais, os desafios são grandes demais, as mudanças
tão rápidas, tantos os recursos necessários, os conhecimentos tão caros de reunir, tão
impressionante o número de envolvidos a articular, que, em todas as áreas, o Direito vem
sendo reformado em busca de modelos institucionais novos, que rompam a separação do
estatal com o mundo não estatal.
Inevitável, portanto, que, na busca de desenvolvimento urbanístico, os Municípios
partam para o uso maciço de mecanismos de associação público-privada que sejam
capazes, não só de levantar recursos de origem não estatal, como capazes também de
poupar o Estado do esforço operacional de celebrar e gerenciar muitos contratos, em que
ele se sai bastante mal. Em suma, as cidades que perceberem que esse tipo de associação
não é simples possibilidade, mas necessidade, vão ser as que se sairão melhor na geração
e implantação de projetos urbanísticos de qualidade nas próximas décadas.
Revista de Direito Público Contemporâneo, Instituto de Estudios Constitucionales da Venezuela e Universidade Federal de
Rural do Rio de Janeiro do Brasil, a. 1, v. 1, n. 1, p. 58, janeiro/junho 2017.
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A mais antiga é a lei tratando das concessões comuns, que prescindem de recursos
públicos (isto é, são sustentadas por tarifas pagas pelos usuários de serviços ou por receitas
de empreendimentos associados); é a lei nacional de concessão, n.° 8.987, de 1995. A
outra é a chamada lei nacional de PPP (n.° 11.079, de 2004), que estendeu o modelo da
concessão aos casos em que são necessárias contraprestações públicas; a lei chama esses
contratos de concessão patrocinada e concessão administrativa.
Algumas características desses três contratos de concessão os fazem instrumentos
especialmente valiosos para os projetos urbanísticos. Muitas atribuições públicas podem ser
transferidas ao particular: prestação de serviços públicos, implantação de equipamentos
públicos, etc. Privilégios públicos também podem ser delegados a ele: usar bens públicos,
desapropriar, etc. As contraprestações do Poder Público ao particular não precisam ser
feitas só em dinheiro, podendo envolver também a dação em pagamento de imóveis
públicos ou de certificados de potencial construtivo, entre outras modalidades. Os recursos
também podem vir da própria exploração dos serviços ou empreendimentos. Os projetos
básicos das obras podem ser delegados ao particular, desonerando a Administração de um
encargo pesado. Os contratos podem ter prazos de décadas, viabilizando assim a
amortização de investimentos pesados. Também muito importante: são contratos bastante
estáveis, em que o risco político é mitigado por regras de proteção, cujo respeito o Judiciário
tem assegurado com eficácia.28
A edição dessas leis e a experimentação dos últimos anos nos fizeram saltar umas
cinco casas. É uma ótima notícia. Mas o jogo não acabou.
Revista de Direito Público Contemporâneo, Instituto de Estudios Constitucionales da Venezuela e Universidade Federal de
Rural do Rio de Janeiro do Brasil, a. 1, v. 1, n. 1, p. 59, janeiro/junho 2017.