UV Vis
UV Vis
1. INTRODUÇÃO
Dentre os vários métodos espectroscópicos utilizados para a elucidação da estrutura de
compostos orgânicos, a espectroscopia UV-vis é uma das mais antigas, sendo precedida apenas
por medidas de rotação específica e índice de refração.
Na primeira metade do século XX a determinação estrutural de compostos orgânicos
consistia em um processo muito laborioso que envolvia estudos de degradação. Os compostos
eram caracterizados com base em dados físicos como temperatura de fusão e análise elementar.
O preparo de diversos derivados também era um procedimento comum e importante.1 Já nos
anos 1930 a espectroscopia no UV-vis começou a ter ampla aplicação na elucidação estrutural
de compostos orgânicos. Com o advento de outras técnicas como espectroscopia no infraverme-
lho e ressonância magnética nuclear, o uso da espectroscopia UV-vis para fins de elucidação
estrutural de novos compostos orgânicos diminuiu muito em importância, sendo usada apenas
1
Veja a referência Shriner et al. (2004) para detalhes sobre preparo de derivados.
1
em algumas áreas e com aplicações muito específicas. Apesar disso, é importante lembrar que o
conhecimento dos efeitos da radiação UV-vis sobre compostos orgânicos pode ser muito útil no
entendimento de vários procedimentos e técnicas utilizadas rotineiramente em laboratório. Por
exemplo, a visualização de placas cromatográficas sob luz ultravioleta pode fornecer informa-
ções úteis sobre a natureza estrutural dos compostos investigados. A técnica de cromatografia
líquida de alta eficiência (CLAE), empregada para a identificação e quantificação de compostos
não voláteis, faz uso de diversos tipos de detectores, sendo um dos mais comuns o UV-vis. Um
detector mais moderno do tipo de arranjo de diodos (Raimundo e Pasquini, 1997) permite a
obtenção dos espectros UV-vis de cada composto separado e a comparação com espectros de
padrões auxilia na identificação de constituintes de uma mistura. Dessa forma, faremos nesse
capítulo uma apresentação breve dos conceitos e algumas aplicações da espectroscopia UV-vis.
Antes de prosseguirmos, apresentamos na Figura 2.1 como exemplo os espectros no UV de
duas cetonas -insaturadas conjugadas com um anel aromático. Na ordenada, a escala repre-
senta o logaritmo do coeficiente de absorção molar () e na abcissa o comprimento de onda em
nanômetro é representado. Na ordenada é também comum se representar os valores de de
absorvância (A)ou mesmo a porcentagem de transmitância (%T).
Os espectros no UV-visível normalmente apresentam poucas bandas, que são ge-
ralmente largas como no caso ilustrado na Figura 2.1. Note que os espectros nesses casos apre-
sentam apenas duas bandas largas. Os parâmetros médios e registrados de um espectros UV-vis
correspondem aos valores de comprimento de onda dos máximos de absorção (max) e os valores
correspondentes de coeficientes de absorção molares (max ou logmax).
2
Apesar da grande importância da espectroscopia no UV-visível em diversas aplicações es-
pecíficas, devemos deixar claro que uma grande limitação da técnica se deve ao fato de que
compostos diferentes podem apresentar espectros muito parecidos como ilustrado pela Figura
2.1. A curva cheia (I) corresponde ao espectro do composto (1) enquanto a pontilhada (II) ao
espectro de (2). O composto (1) apresenta temperatura de fusão de 42 ºC, enquanto o composto
(2) funde a 83 ºC. Embora com propriedades físicas completamente diferentes, como ilustrado
pela temperatura de fusão, seus espectros no UV são praticamente idênticos. Assim, muito cui-
dado deve ser tomado ao se interpretar um espectro no UV-visível. Em função da simplicidade
dos espectros, é relativamente difícil obter informações estruturais precisas, sendo que a utilida-
de desta técnica é muito maior quando já se tem outras informações sobre os compostos sendo
investigados. Em outras palavras, essa técnica, assim como as demais que discutiremos nesse
texto, deve ser utilizada em conjunto, onde cada uma fornecerá alguma informação sobre a fór-
mula estrutural do composto que está sendo analisado.
Figura 2.2 – Diagrama esquemático representando possíveis transições eletrônicas do nível fundamental
(G) para o nível excitado (E). Para cada nível eletrônico são representados os subníveis vibracionais
(, representados pelas linhas grossas) e os respectivos subníveis rotacionais (linhas finas).
3
Na Figura 2.2 são representados, esquematicamente, os níveis de energias eletrônicos
nos estados fundamental (G) e excitado (E). Para cada nível eletrônico são representados os
subníveis vibracionais , etc que correspondem às linhas mais grossas. Para cada nível
vibracional existem vários subníveis rotacionais que são representados pelas linhas mais finas.
Para promover transições entre níveis vibracionais e rotacionais são necessárias radiações de
menor energia, ou seja, maiores comprimentos de ondas. Essas radiações correspondem às asso-
ciadas ao infravermelho e micro-ondas.
À temperatura ambiente a maioria (nem todas) das moléculas se encontram no mais
baixo nível vibracional do nível eletrônico fundamental G. A absorção de radiação UV-vis
pode então levar à promoção de um elétron para o nível excitado E. Como a transição eletrônica
é acompanhada por transições vibracionais e rotacionais, o elétron pode ser transferido para
qualquer um dos estados excitados E etc. Em função dessas transições, as bandas de
absorção em um espectro UV-vis são geralmente largas.
Embora existam muitas possibilidades de transição, deve ficar claro que nem todas
ocorrem, e mesmo as que ocorrem possuem probabilidades diferentes de ocorrência. Existem
regras de seleção para que as transições ocorram. Essas regras se baseiam nas simetrias dos
orbitais moleculares tanto do estado fundamental quanto excitado. De forma simplificada, as
transições são permitidas se:
Para melhor ilustrar esse processo de absorção de energia e os orbitais envolvidos, observe a
Figura 2.3. Nesta figura verifica-se que a diferença de energia entre os orbitais de fronteira HOMO
e LUMO do eteno corresponde a aproximadamente 720 kJ mol-1, o que resulta em uma absorção
com um máximo de intensidade no comprimento de onda igual a 165 nm. Para o buta-1,3-dieno a
diferença de energia entre o HOMO e LUMO é menor quando comparada ao eteno.
4
Figura 2.3 – Representação dos orbitais HOMO e LUMO para o eteno e o buta-1,3-dieno. Note
que a diferença de energia entre os orbitais de fronteira do buta-1,3-dieno é menor
comparada ao eteno.
A LEI DE LAMBERT-BEER
= −
= 10− ( )= Eq. 1.1
Onde:
Io - intensidade da radiação incidente
2
Pierre Bouguer (1698- 1758) nasceu em Croisic, na França. Destacou-se por trabalhos em matemática, geofísica e astronomia. Em
1729 publicou o livro Essai d'optique sur la gradation de la lumière, onde estabeleceu as bases do que seria conhecida mais tarde co-
mo Lei de Lambert-Beer.
3
Johann Heinrich Lambert (1728-1777), matemático, físico e astrônomo nascido em Mulhouse, então Suíça (agora faz parte da Alsa-
cia, França). Em 1760 publicou o livro Fotometria onde formulou as leis de absorção de radiação.
4
August Beer (1825–1863), físico e matemático alemão, nasceu em Trier. Obteve o PhD em 1848 e em 1855 se tornou professor de
matemática em Bonn. Em 1854 publicou o livro Einleitung in die höhere Optik que se transformou referência na área.
5
I - intensidade da radiação transmitida
c - concentração da amostra em mol L-1 ou mol dm-3
l – caminho ótico em cm
- coeficiente de absorção molar em dm3 mol-1 cm-1 ou 100 cm2 mol-1
Na Figura 2.4 podemos ver uma representação esquemática de uma célula contendo uma
amostra, com as radiações incidentes e transmitidas representadas.
Figura 2.4 – Célula para amostras com vistas à obtenção de espectros UV-vis.
Assim, quando maior o caminho ótico, e mais concentrada for a solução, maior será a
quantidade de radiação absorvida e consequentemente menor será a transmitida. A razão I/Io é co-
nhecida como transmitância, representada pela letra T, conforme mostrado na equação 1.2.
1
= ( )= Eq. 1.3
Devemos deixar claro que esta relação é válida para uma radiação monocromática em
um meio isotrópico. Em outras palavras, existe um valor de coeficiente de absorção molar associ-
ado a cada comprimento de onda .
A equação 1.3 é conhecida como lei de Lambert-Beer. Por esta equação verifica-se que
a absorvância varia linearmente com a concentração da espécie sendo estudada. Em função disso
ela é muito utilizada em análises quantitativas. Todavia existem desvios da linearidade em função
de vários fatores. Detalhes sobre esse assunto podem ser obtidos na referência Thomas et al.
(1996).
O coeficiente de absorção molar pode ser calculado pela equação 1.4.
6
= 0, x10 Eq. 1.4
7
Tabela 2.1 – Solventes comumente utilizados em espectroscopia na região
do ultravioleta e do visível.
Normalmente os espectros são obtidos com amostras diluídas (10-2 a 10-5 mol L-1), utili-
zando-se um solvente que não reaja com os compostos em estudo. Conforme veremos mais
adiante, os valores de máximo de absorção podem ser alterados em função do tipo de solvente
empregado. De um modo geral, para a obtenção de um bom espectro a porcentagem de transmi-
tância deve variar de 20% a 65% na maioria dos casos. Nos casos de amostras muito concentra-
das a quantidade de radiação transmitida pode ser muito baixa, aumentando a possibilidade de
erros nas medidas.
Na tabela 2.1 são também apresentados os valores aproximados das temperaturas de
ebulição dos solventes. De um modo geral, solventes com temperatura de ebulição muito baixos
como éter dietílico devem ser evitados, uma vez que pode evaporar durante o manuseio e obten-
ção dos espectros, resultando em alteração na concentração da amostra.
Para leituras na região do ultravioleta devem ser utilizadas células ou cubetas de quar-
tzo, geralmente com caminho ótico de 10 mm. Células de 0,5 mm ou menores podem também
ser empregadas.
Para leituras na região do visível as células ou cubetas para as amostras devem ser de
Pirex® ou vidros semelhantes que sejam transparentes até aproximadamente 380 nm.
Tanto para leituras na região do ultravioleta quanto do visível, as células devem ser
limpas de maneira adequada antes de cada leitura. Para isso, deve-se lavar a célula várias vezes
(em torno de 10) com o mesmo solvente utilizado para dissolver a amostra.
Deve-se ainda tomar o cuidado de não tocar nas janelas de transmissão, por onde a radi-
ação vai passar. Mesmo sem perceber, pequenas quantidades de impurezas incluindo gordura
das mãos podem ficar aderidas nessas janelas resultando em problemas nas leituras.
8
4. CROMÓFOROS E OUTROS TERMOS
9
Na Tabela 2.2 apresentamos os valores de max e max aproximados para alguns cromóforos
simples.
Tabela 2.2 – Dados aproximados de absorção* para alguns cromóforos simples comuns.
Exemplo Transição eletrônica max/nm max Banda#
1-iodobutano n* 257 486
Acetona * 150 -
n* 190 1.860
n* 280 15 R
Água * 167 7.000
Benzeno * 180 60.000 E1
* 200 8.000 E2
* 254 215 B
Buta-1,3-dieno * 217 21.000 K
Dibutil sulfeto n* 210 12.000
Etano * ~140
Eteno * 165 10.000
Etino * 173 6.000
HOH * 167 7.000
Metanol * 213 7.080 K
n* 320 21 R
Metil vinil cetona n* 185 500
Trimetilamina n* 199 3.950
* Os valores exatos dos máximos de absorção dependem do solvente utilizado. # Essas letras cor-
respondem à classificação das bandas propostas por Burawoy. Banda R de radicalar; B de ben-
zenoide; E de etilênica; K de conjugada.
Também deve ser observado nos exemplos desta tabela que várias transições ocorrem
em comprimentos de onda menores que 200 nm. Essas absorções não podem ser registradas na
maioria dos aparelhos comuns em laboratórios de análise, cujos limites inferiores de análise
geralmente são 200 nm. Além disso, conforme já discutido, a maioria dos solventes utilizados
também absorvem abaixo de 200 nm.
As transições comuns são do tipo *, n* e * sendo que as energias relati-
vas dessas transições são ilustradas na Figura 2.5. Como se pode ver nesta figura, as transições
* envolvem maior energia e, portanto, ocorrem em menores valores de comprimento de
onda. Essas transições são comuns em alcanos e outros compostos saturados. Nos alcanos essas
transições podem envolver as ligações C-C e C-H.
10
Figura 2.5 – Representação esquemática das energias dos orbitais mais comumente
envolvidos em transições eletrônicas.
11
5. ABSORÇÕES CARACTERÍSTICAS DE ALGUMAS CLASSES DE
COMPOSTOS ORGÂNICOS
Alquenos e alquinos
O
(I)
OCH3
(II) O
(III)
(IV)
(V)
Figura 2.6 – Espectros de poliinos (I, II) e polienos conjugados (III, IV, V).
12
de absorção molares (max) maiores. Isso se deve ao fato de que, embora ambos os compostos
apresentem três ligações tríplices conjugadas com uma dupla, no caso do composto II existe
uma conjugação adicional com a carbonila do grupo éster, o que estende o cromóforo.
À direita da Figura 2.6 se observam os espectros dos polienos III, IV e V, cujos dados
de absorção também podem ser vistos na Tabela 2.3.
i) K2CO3, THF/MeOH
SCH3 ii) CuI, TMEDA, TMSA
CH2Cl2, 25 ºC, 12 h
H3CS 82%
S
S
(II) TMS
i) K2CO3, THF/MeOH
ii) CuI, TMEDA, TMSA
SCH3 CH2Cl2, 25 ºC, 12 h
59%
H3CS
S
S
TMS
(III)
Figura 2.7 – Espectros dos poliinos I, II e III obtidos em solução de clorofórmio e reações de preparo dos
mesmos (Adaptado de J. Org. Chem., 2011, 76, 2701).
13
Com o intuito de estudar as propriedades de poliinos conjugados com um anel benzêni-
co ligado a uma unidade tetratiofulveno, o composto I foi convertido em II pela remoção do
grupo TMS (trimetilsil) em meio básico. O alquino terminal resultante foi submetido a um pro-
cesso de acoplamento com trimetilsililacetileno (TMSA) catalisado por CuI. O produto espera-
do II teve sua estrutura confirmada pela análise de vários dados espectroscópicos, incluindo o
espectro no UV-visível. O composto II foi submetido ao mesmo tratamento resultando na for-
mação de III. Observa-se na Figura 2.7 que os espectros dos três compostos são muito pareci-
dos, com evidente deslocamento batocrômico de aproximadamente 40 nm para a banda mais
intensa ao se passar de I para II e deste para III.
5
Louis Frederick Fieser (1899-1977), químico americano nascido em Columbus, Ohio. Graduado em química pelo Williams
College (1920), concluiu o PhD na Universidade de Harvard (1924). Desenvolveu pesquisas na Universidade de Oxford (Inglater-
ra) e na Alemanha, tendo sido professor da Universidade de Harvard. Além da síntese de diversos compostos orgânicos, contribu-
iu também para o desenvolvimento de regras empíricas para o cálculo do máximo de absorção no espectro de ultravioleta de al-
quenos e enonas. Essas regras são conhecidas como regras de Woordward-Fieser.
14
Tabela 2.4 – Regras de Woodward-Fieser para dienos conjugados
Valores básicos# , nm
Dieno acíclico 217*
Dieno heteroanular 214
Dieno homoanular 253
Incrementos para:
Extenção de conjugação (por C=C) 30
Ligação C=C exocíclica 5
Substituinte alquila ou resíduo de anel 5
Grupos Polares:
-OC(O)CH3 0
-OR 6
-Cl, -Br 5
-NR2 60
-SR 30
Correção de solvente 0
#
Estas regras funcionam razoavelmente para sistemas conjugados com até quatro ligações
duplas. *Em algumas referências os valores para dienos acíclicos e heteroanulares aparecem
como sendo iguais a 214 ou 215 nm.
Na Figura 2.8 encontra-se ilustrado o conceito de ligação dupla exocíclica. O prefixo exo
significa “para fora”. Assim, observando o dieno heteroanular, verificamos que em relação ao
anel que se encontra no círculo pontilhado, a ligação dupla à esquerda não é exocíclica uma vez
que os dois átomos de carbonos sp2 fazem parte deste anel. Observando agora a outra ligação
dupla, onde os átomos de carbono foram marcados com um ponto cada, verificamos que um
deles pertence ao anel circulado, enquanto o outro está fora deste anel. Assim esta segunda liga-
ção dupla é exocíclica em relação ao anel no círculo. Mas note que ela é endocíclica (dentro do
ciclo) em relação ao anel que se encontra fora do círculo.
Dieno homoanular Dieno heteroanular Conf ormação s-trans Conf ormação s-cis
max = 263 nm max = 234 nm max = 217 nm
max = 5.000-10.000 max = 10.000-20.000 max = 10.000-20.000
Figura 2.8 – Exemplos de dienos homoanular e heteroanular. Conformações s-cis e s-trans para o
buta-1,3-dieno.
Observe ainda na Figura 2.8 que o buta-1,3-dieno pode, a princípio, existir nas conformações s-
trans e s-cis e, que correspondem aos dienos heteroanular e homoanular, respectivamente. O que se
observa é que nos quatro exemplos ilustrados na Figura 2.8, ocorrem transições *. No caso do
buta-1,3-dieno a conformação s-trans predomina em relação à conformação s-cis. Esse fenômeno é
observado geralmente para dienos acíclicos, embora existam casos em que conformação s-cis predo-
mine. Já no caso dos dienos cíclicos mostrados na Fig. 2.8, observa-se que o dieno homoanular absorve
em maior comprimento de onda que o heteroanular. Uma observação geral é que dienos homoanulares
15
sempre absorvem em maior comprimento de onda que os correspondentes heteroanulares. Uma expli-
cação clara para esse fenômeno não é conhecida.
Outra observação relevante é que as bandas de absorção para dienos homoanulares apre-
sentam menores coeficientes de absorção (max = 5.000 a 10.000) comparados aos dienos hetero-
nucleares (max = 10.000 a 20.000). Isso se deve à menor extensão do sistema conjugado no caso
dos dienos homonucleares, conforme mostrado pela Eq. 1.4.
Para ilustrar a aplicação das regras de Woodward-Fieser considere os exemplos a seguir:
Observado: max= 241 nm ( max= 23.636) Observado: max= 276 nm ( max= 12.727)
16
a a
b
b
(3) (4)
Valor base: 217 nm Valor base: 217 nm
Resíduos de anel: 2x5 = 10 Resíduos de anel: 2x5 = 10
Ligação dupla exocíclica: 5 Ligação dupla exocíclica: 2x5 = 10
232 nm 237 nm
Note que o composto (3) deve ser considerado um dieno acíclico e utilizando os valores
da Tabela 2.4 o valor calculado está muito abaixo do experimental. Por outro lado, o composto
(4) tem uma configuração parecida com um dieno homoanular, mas é na realidade um dieno
acíclico com dus ligações duplas exocíclicas. Utilizando então os valores da Tabela 2.4, o resul-
tado encontrado é bem acima do experimental. Se fosse utilizado o valor base para um dieno
homonuclear a discrepância seria maior ainda.
Em resumo, essas regras empíricas devem ser utilizadas com cuidado e não devem ser
vistas como sendo absolutamente gerais e infalíveis.
Valores de max para alguns outros dienos são apresentados a seguir:
17
Para muitos polienos com mais do que quatro ligações duplas conjugadas, como no caso dos
carotenóides, as regras de Fieser-Kuhn dadas pelas equações 2.5 e 2.6 permitem a estimativa dos
valores de max e max , respectivamente.
max = 114 + 5M + n(48,0 – 1,7n) – 16,5Rendo - 10 Rexo Eq. 2.5
onde:
n = número de ligações duplas conjugadas.
M = número de grupos alquila ou semelhantes ligados ao sistema conjugado.
Rendo = número de anéis com ligações duplas endocíclicas no sistema conjugado.
Rexo = número de anéis com ligações duplas exocíclicas.
CH 3
CH3 CH3 CH 3 CH 3
max
452
= 1,52x105
CH 3
CH 3 CH 3 CH3 CH 3
HO
CH 3 CH 3 CH3 H 3C
H 3C
-criptoxantina
max= 425, 450, 475 nm
Figura 2.9 – Espectros UV-vis para o -caroteno (I) e a -criptoxantina (II). Os valores de max são apre-
sentados abaixo das respectivas fórmulas estruturais.
18
Compostos carbonílicos
A seguir faremos uma discussão um pouco mais detalhada das características estruturais
que afetam as transições ne em compostos carbonílicos.
Assim como no caso de dienos e polienos, extensivos estudos por Woodward, Fieser,
Scott e outros, especialmente envolvendo terpenos e esteroides, resultaram no estabelecimento
de regras empíricas para a estimativa dos valores do comprimento de onda de maior absorção
(max) para aldeídos e cetonas -insaturadas, correspondente à transição *. Essas regras
incluem valores médios para cada tipo de grupo ligado ao cromóforo, sendo aplicadas a com-
19
postos cíclicos e acíclicos, conforme apresentado na Tabela 2.5. Essas absorções * geral-
mente são muito intensas, com valores de max usualmente maiores que 10.000.
Os valores listados na Tabela 2.5 permitem o cálculo de max em etanol. Exemplos da
aplicação dessas regras são apresentados para os casos dos compostos 5, 6 e 7.
Alguns exemplos da aplicação dos dados dessa tabela são apresentados a seguir:
C8H 17
CH3 O
H3C CH3
CH 3
(5)
O (6)
Valor base: 215 nm OEt
Grupo alquil em : 10 Valor base: 215 nm
Grupo alquil em : 2x12 24 Resíduo de anel em : 12
249 nm Resíduo de anel em : 18
Observado: EtOH
max = 249 nm Grupo polar em : 17
Ligação C=C ext. conjugação: 30
Ligação dupla exocíclica: 5
C8H 17 Correção solvente (Et2 O): -7
290 nm
max = 295 nm
Et2O
Observado:
C8H 17
O ( 7)
1
2
Valor base: 215 nm
5
Resíduo de anel em : 12 O 3
(8)
Resíduo de anel >: 18 4
20
Tabela 2.5 - Regras para estimativa do valor do máximo de absorção (max, transição *)
para compostos carbonílicos -insaturados.
Valores básicos , nm
O O
X X
Cetonas acíclicas -insaturadas (X = R) 215
Cetonas cíclicas de seis membros -insaturadas (X = R) 215
Cetonas cíclicas de cinco membros -insaturadas (X = R) 202
Aldeídos -insaturados (X = H) 210
Ácidos carboxílicos e ésteres -insaturados (X = OH) 195
Incrementos para:
Extenção de conjugação (por C=C) 30
Ligação C=C exocíclica 5
Componente dieno homoanular 39
Substituinte alquil ou resíduo de anel 10
12
ou superior 18
Grupos Polares:
-OH 35
30
50
-OC(O)CH3 6
-OCH3 35
30
17
31
-Cl 15
12
-Br 30
25
-NR2 95
Correção para o solvente*
Etanol 0
Metanol 0
Água +8
Clorofórmio -1
Éter dietílico -7
Cicloexano -11
Dioxano -5
Hexano -11
* Se o espectro for obtido em solvente diferente que etanol ou metanol, os valores corres-
pondentes para a correção do solvente devem ser adicionados.
Observe que como o valor observado para o composto 6 foi obtido em éter dietílico, o
valor calculado deve ser corrigido de -7, conforme valores para correção de solventes apresen-
tados na Tabela 2.5.
No caso do composto 7, além da contribuição da ligação dupla exocíclica (marcada com
um ponto), existe um resíduo de anel na posição e outro superior a . O composto apresenta
também duas ligações C=C estendendo a conjugação e um componente dieno homoanular, que
causa um deslocamento batocrômico adicional de 39 nm. Como esse composto é um polieno,
seu espectro apresenta-se complexo com várias bandas de absorção com os seguintes máximos:
21
230 nm ( = 18.000), 278 nm ( = 3.720) e 348 nm ( = 11.000). Note que o último valor está
em excelente concordância com o calculado.
O composto 8 apresenta dois cromóforos, sendo que um envolve os carbonos 1 e 2 e o
outro os carbonos 4 e 5. Nesse caso, o cálculo deve ser feito considerando o cromóforo que
resulta em maior valor de max, conforme ilustrado acima.
Tabela 2.6 – Estimativa dos valores de max para a transição * de alguns ácidos e ésteres
carboxílicos -insaturados#
22
Em vários casos tem se observado que qualquer efeito estéreo que impeça ou reduza a
coplanaridade das ligações duplas (C=C e C=O), resulta em diminuição na intensidade da ab-
sorção correspondente.
O excelente trabalho de Nielsen (1957) corresponde à mais completa compilação de da-
dos de absorção de ácidos carboxílicos e derivados -insaturados.
Conforme já vimos no início deste capítulo, além da transição * os compostos car-
bonílicos apresentam também uma transição proibida n*. No caso dos aldeídos e cetonas
saturados essa absorção ocorre em torno de 270-290 nm e para ácidos carboxílicos e derivados
ocorre em torno de 200 a 240 nm conforme ilustrado pelos dados na Tabela 2.7
O
293 12 Hexano
H 3C H
O
279 15 Hexano
H3C CH 3
O
236 54 Hexano
H 3C Cl
O
214 65 Água
H 3C NH 2
O
204 40 Água
H 3C OH
O
205 62 Etanol
H3C OCH3
Essa transição pode ser um pouco mais intensa e ocorrer em maiores comprimentos de
onda no caso de compostos carbonílicos com insaturação conjugada à carbonila. Ela sofre des-
locamento hipsocrômico quando o espectro é obtido em um solvente mais polar conforme dis-
cutido a seguir.
23
Efeito do solvente nas transições * e n* de compostos carbonílicos
Como vimos anteriormente, o solvente tem pouco efeito sobre as posições de absorções
dos alquenos e alquinos. Todavia, a banda de absorção associada à transição * de compos-
tos carbonílicos -insaturados sofrem deslocamento batocrômico quando o espectro é obtido
em um solvente mais polar, conforme ilustrado pelos dados da Tabela 2.5. Por outro lado a ban-
da associada à transição n* sofre um deslocamento hipsocrômico quando o espectro é obtido
em solvente mais polar. Esses efeitos podem ser mais facilmente entendidos observando o dia-
grama de energia apresentado na Figura 2.10.
Energia
s E 1s < E 1
E 1 E 2
E 1s E 2s E 2s > E 2
n
Como E = hc/ temos:
ns
Figura 2.10 – Efeito da solvatação nas energias relativas dos orbitais n, , e * de compostos carbonílicos
-insaturados.
Esse diagrama apresenta as energias relativas (não está em escala) dos orbitais n, , e
*, considerando dois solventes de polaridades diferentes. Ao se dissolver o composto em um
solvente mais polar, a interação deste com o solvente ocasiona certa estabilização dos orbitais,
com consequente redução de suas energias. Essa interação ou solvatação envolve interações do
tipo dipolo-dipolo, forças de van der Walls e ligações de hidrogênio. Solventes polares como
etanol, metanol e água, interagem fortemente com compostos carbonílicos por meio de ligações
de hidrogênio. O resultado dessa interação é uma grande estabilização dos orbitais n. Dentre os
orbitais * e , os primeiros são mais estabilizados, presumivelmente devido ao fato de serem
mais polares. Assim, como se observa na Figura 2.8, a energia da transição * (E2) aumen-
ta em solvente mais polar, e com isso o valor de max diminui, resultando em um deslocamento
hipsocrômico para essa transição. Já para a transição n* (E1) diminui em solvente mais
polar, resultando em um aumento no valor de max, o que causa um deslocamento batocrômico
para essa transição.
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Compostos aromáticos
c) Espectro do benzeno
Figura 2.11 – Representação esquemática dos (a) orbitais moleculares dos (b) estados de energia
para o benzeno; e espectro de absorção em heptano.
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Conforme ilustrado nesta figura, são possíveis quatro transições eletrônicas, todas com a
mesma energia. Todavia a situação é mais complexa que isso em função de repulsões entre elé-
trons e também por questões associadas à simetria dos orbitais. Isso resulta em alterações nos
níveis de energia associados às transições eletrônicas conforme representado na Figura 2.10b.
As três transições são ilustradas nessa figura juntamente com as designações espectroscópicas
para cada nível de energia.
As bandas de absorção associadas aos compostos derivados do benzeno recebem as
designações comuns E, K, B e R, conforme apresentado na Tabela 2.8. Essa designação tem
mais valor histórico e não tem justificativa teórica.
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Tabela 2.9 – Valores de absorção para compostos benzênicos monossubstituídos.
Substituintes E K B R Solvente
(>30.000) (6.000-20.000) ( 100-800) (0)
Doadores de elétrons
-H 184 204 254
-R 189 208 262 Hexano
-OH 211 270 H2O
-OR 217 269
-NH2 230 280 CH3OH
Retiradores de elétrons
-F 204 254 EtOH
-Cl 210 257 EtOH
-Br 210 257 EtOH
-I 207 258 Hexano
-NH3+ 203 254 Ac. aq.
Ligação conjugada
-C=CH2 248 282 Hexano
-CCH 202 248 278 Hexano
-C6H5 250 Hexano
-CHO 242 280 328 Hexano
-C(O)R 238 276 320 Hexano
-CO2H 226 272 EtOH
-C=CHCO2H 273 * EtOH
-CN 224 271 H2O
-NO2 252 280 330 Hexano
*Sob a banda K que é muito intensa e larga.
Grupos retiradores de elétrons como -Cl, -Br, -F causam pouco efeito sobre a posição da
banda K mas causam um deslocamento batocrômico significativo na banda B.
Grupos que possuem elétrons em conjugação com o anel aromático resultam em um
expressivo deslocamento batocrômico nas bandas K e B. Esse deslocamento é maior quanto
mais estendido for o sistema insaturado. Por exemplo, a banda B do benzeno aparece em 204
nm; para o ácido benzoico e o cinâmico ocorre em 226 nm e 273 nm, respectivamente. A banda
K do benzeno apresenta um máximo em 254 nm, enquanto para o ácido benzoico ela aparece
em 271 nm. Para o ácido trans-cinâmico (trans-3-fenilpropenoico) essa banda não é facilmente
observada já que fica submersa na banda K que é muito larga e intensa.
Na Tabela 2.10 são apresentados os dados de absorção para alguns compostos benzêni-
cos dissubstituidos em diferentes posições (orto, meta, para). Quando os grupos substituintes
estão em posição para e possuem propriedades eletrônicas complementares (um doador e outro
retiradores de elétrons) observa-se um pronunciado efeito batocrômico na banda principal, em
relação aos efeitos causados pelos substituintes isolados como observado na Figura 2.12.
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NO2
NH 2 NH2 NH2
NO2
O N O O N O
EtOH
max = 260 nm
EtOH EtOH
max = 375 nm max = 280 nm
max = 16.000 max = 1.430 max = 13.000
Conforme pode ser visto pelos dados da Figura 2.12, o valor de max para a p-
nitroanilina, onde os grupos estão em conjugação, é muito maior que o observado para a anilina
ou mesmo para o 1,4-dinitrobenzeno. Também se observa que o valor do coeficiente de absor-
ção molar é maior quando os grupos são conjugados e apresentam propriedades eletrônicas
complementares.
Observe na Tabela 2.10 que para a m-nitroanilina o valor de max é aproximadamente
igual ao observado para a p-nitroanilina, todavia o valor de max (1.500) é muito menor que o
encontrado para o derivado para-substituído (16.000).
Para compostos benzênicos que possuem um grupo carbonílico conjugado com o anel
aromático, alguma relação quantitativa entre a natureza e as posições dos grupos substituintes
conforme ilustrado pelas regras apresentadas na Tabela 2.11.
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Tabela 2.11 – Valores para cálculo da banda principal (transição
*) em compostos benzênicos do tipo ArCOX*
Dois exemplos da aplicação das regras apresentadas na Tabela 2.11 são apresentados a
seguir:
O O
O H3C
H 3C OH
H 3C
O
Observe que na Tabela 2.11 não são incluídos grupos retiradores de elétrons como NO2,
-CN, -SO3H e similares. Isso se deve à falta de boa correção experimental entre a presença de
tais grupos e a posição da banda de absorção.
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Em meio básico (pH mais elevado) os fenóis são convertidos em fenóxido. O espectro
no ultravioleta dos fenóxidos apresentam as bandas de absorção deslocadas para comprimentos
de onda maiores quando comparadas às observadas para o fenol. Como pode ser observado
pelos dados apresentados na Figura 2.13, o fenol absorve em 210 e 270 nm, enquanto o fenóxi-
do em 235 e 287 nm. Para as duas bandas se observa também a ocorrência de efeito hipercrômi-
co.
OH O Na
+ NaOH (aq)
NH 2 NH 3 Cl
+ HCl(aq)
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Figura 2.14 – Dados de absorção para a o-toluidina em soluções
aquosas com diferentes valores de pH. (I) pH = 10,29; (II) pH =
4,19; (III) pH = 2,73; (IV) solução de HCl 2 mol L-1. (Adaptado de
J. Am. Chem. Soc., 1950, 50, 44).
Referências Gerais
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troscopy. Chichester: John Wiley., 1996. 229
3. JAFFÉ, H.H.; ORCHIN, M. Theory and applications of ultraviolet spectroscopy. London: John
Wiley and Sons, 1962. 624 p.
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tematic identification of organic compounds. 8. ed. New York: John Wiley, 2004. 723 p.
Referências específicas
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matic nucleus. J. Am. Chem. Soc., v.69, p. 1985-1990, 1947.
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conjugated oligoyne-centered -extended tetrathiafulvalene analogues and related macromolecular
systems. J. Org. Chem., v.76, p. 2701-2715, 2011.
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and derivatives. J. Org. Chem., v.22, p. 1539-1548, 1957.
5. PICKETT, L.W.; GROTH, M.; DUCKWORTH, S.; CUNLIFFE, J. The ultraviolet absorption spec-
tra of substituted bitolys. J. Am. Chem. Soc., v.72, p. 44-48, 1950.
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