Pequeno Ensaio Sobre Como Direito Ensina Errado A História
Pequeno Ensaio Sobre Como Direito Ensina Errado A História
Pequeno Ensaio Sobre Como Direito Ensina Errado A História
Resumo
Este trabalho discute o uso da ideia de História pelos livros de História do Direito e pelos
Manuais de Direito. O objetivo do ensaio é problematizar o uso (ou o não uso) de fontes de
pesquisa na elaboração destes tipos de trabalho. Conclui que a ausência de referências às fontes
históricas acaba tornando falho o estudo da História do Direito, da Filosofia do Direito e do
Direito Comparado. Discute, também baseando-se na experiência do docente, o uso exclusivo
das leis como fontes para as pesquisas histórico-jurídicas e a importância de desenvolvimento
de protocolos acadêmicos na elaboração dos trabalhos científicos no campo jurídico.
Abstract
The following work discusses the use of the idea of History in books on the History
of Law, with the aim of the text to problematize the use (or non - use) of research sources.
It concludes that an absence of references to historical sources results in a flaw in the study
of the History of Law, Philosophy of Law, and Comparative Law. The article also discusses
the exclusive use of laws as sources for historical - legal res earch and the importance of the
development of academic protocols in the production of scientific works in the legal studies.
Introdução
Esse ensaio é destinado àqueles que nunca tiveram contato com a obra desses
autores, que desconhecem o que é história do direito, ou àqueles que estudaram
a história “do direito de romano, do Código de Hamurabi ou dos Gregos, até a
Constituição de 1988 ou o Código Civil de 2002”.2
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Professor de História do Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na
Universidade Estácio de Sá (UNESA.) Bolsista de Produtividade do CNPq e Pesquisador
da FAPERJ. Coordenador do Laboratório Interdisciplinar de História do Direito da UERJ
http://lihduerj.com E-mail: [email protected]
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Esse trabalho é uma versão revisada e reelaborada do texto publicado do livro Epistemologias
Críticas do Direito em 2016 e do artigo Publicado em 2018 na Revista Passagens. Agradeço
aos comentários e críticas de Gabriel Melgaço, Suellen Moura e Carolina Vestena.
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O que eu quero dizer é que grande parte do que se diz nos manuais e em
alguns trabalhos sobre a história não tem fundamento de pesquisa algum. Eles
simplesmente repetem, sem questionar, sem problematizar, sem tentar entender
como o passado era diferente e com suas especificidades.
Qual o problema em fazer isso? O problema é que deixamos de entender
os períodos históricos com suas complexidades, com suas dimensões específicas e
simplesmente reproduzimos o presente no passado. O passado vira um local para
ver o presente.
Daí os autores, que reproduzem essa prática, puxarem fios condutores, linhas
retas de Roma, por exemplo, até a Constituição de 1988. Eles não entendem
as características singulares do direito romano, pois não pesquisaram sobre isso,
e simplesmente veem em Roma ou na Grécia ou no Código de Hamurabi os
antecedentes do direito atual.
O problema é que, muitas vezes, o vocábulo é o mesmo, mas isso não
significa que a palavra tinha o mesmo significado. Os conceitos se alteram no
tempo e no espaço. O que significava família, obrigação, liberdade em Roma é
diferente do que significa hoje (H ESPANHA, 2003).
Existem diversas metodologias na história para entender o que determinado
conceito significa em um momento histórico, por isso os autores de direito devem
ter cuidado ao olhar para o passado, devem ter cuidado para não reduzir suas
complexidades.
A ideia não é impossibilitar que tais períodos sejam pesquisados ou
estudados, mas, sim, afirmar que eles devem ser levados a sério. Uma pesquisa
que se preocupa em contribuir para o mundo acadêmico precisa realmente buscar
fontes e fundamentos para o que escreve.
Se a própria história – enquanto disciplina – tem consciência das suas
constantes alterações de sentido, de mudança, de novas interpretações sobre os
fatos passados, de uma abertura para novos documentos, novas fontes; se ela tem
a percepção que a história é algo sempre parcial, mutável, passível de críticas e
novas interpretações, não parece ser possível que o direito, que tanto necessita
da história para compreender suas instituições, suas vivências, seus paradigmas,
simplesmente ignore as discussões da história.
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Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em
lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais
básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim (BRASIL, 1988).
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que isso jamais tirará o brilho da obra de Thomas Hobbes, mas da forma que
é usada, como se o Leviatã fosse uma simples descrição daquele período, o seu
fundamento é totalmente esvaziado (WOLLMANN, 1994).
O nascimento das ideias de Direito e de Estado nascem em contextos e em
momentos históricos, elas não estão isoladas no tempo e no espaço. Entender suas
especificidades, o contexto em que elas surgiram ajuda a entender a complexidade
desses pensamentos.
O que eu quero dizer é que a história do direito não pode ser confundida
com a história do pensamento jurídico. Pois, assim como a lei, o pensamento
jurídico, muitas vezes, não tem relação com as práticas. As obras de filosofia são de
suma importância para pensarmos o nosso mundo, o nosso direito – é talvez por
isso que os filósofos atravessem mais séculos que os reis e imperadores, mas elas
são para exercitar o pensamento e não para simplesmente descrever a realidade.
São projetos, impressões de autores e não necessariamente o que se vivia naquele
momento. O uso de um autor deve ser historicamente contextualizado, assim
como sua obra.
Entender a história do pensamento jurídico é muito importante. Mas esse
pensamento jurídico não pode ser descontextualizado, pois os autores jurídicos –
creio eu, em nenhum tempo na história – não são neutros, desligados da sociedade
e das histórias que permeiam os países onde vivem.
Por outro lado, posso usar diversos autores para descrever o liberalismo,
por exemplo, como uma ideia que circulava no Brasil no século XIX, mas se
eu não entender a sociedade escravista em que esse liberalismo funcionava, não
entenderei o que era o liberalismo no Brasil. Vide que a Constituição de 1824
não precisou escrever – como nenhuma outra lei no Brasil – que o negro africano
podia ser escravizado. Não existia lei para tanto. Mais uma vez, uma história só
de leis evidenciaria que não havia mais escravidão naquele tempo. Uma pesquisa
histórica e sociológica mostraria outra coisa.
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Falta aqui um recorte histórico. É impossível, fazer uma história tão longa
assim com qualidade. Da mesma forma, é necessário que corte da pesquisa tenha
sentido, que o pesquisador não fique procurando fundamentos em lugares em que
ele não consegue enxergar. Uma pesquisa deve procurar um corte metodológico
para se concentrar naquilo que é essencial ao trabalho.
Um trabalho sobre citação processual não precisa iniciar falando como era
a citação em Roma. Pode ir direito para todos os problemas atuais, os debates
jurídicos, os problemas “reais” – como citar um morador de uma favela comandada
pelo tráfico? E dezenas de questões muito distantes do mundo Roma.
Não que o mundo romano não seja importante e não nos ajude a pensar.
Pelo contrário, nos ajuda muito. Mas se ele não for pesquisado com densidade e
seriedade, ele é somente um passado esfumaçado que não serve para esclarecer
nada.
Assim, a escolha do momento histórico, se houver, deve ser fundamentada e
ter relação íntima com o objeto central do trabalho.
O mesmo vale para o direito comparado. Área extremamente difícil e
que exige do pesquisador esforços do mesmo tamanho. Eu acredito que o
direito comparado exija a compreensão da língua do país a ser estudado, pois
as traduções, costumeiramente, são versões e uma pesquisa deve sempre buscar
as fontes principais. Deve considerar muito do que já falamos: a diferença entre
vivências, pensamento e lei, a diferença de perspectivas. Mas o exemplo do direito
comparado deve ser fundamentado? Por que usar a Áustria e não a Holanda?
Por que a Argentina e não Cuba? A escolha dos países não deve ser realizada
simplesmente para “provar a tese do autor”, mas deve ser fundamentada.
Vou dar um exemplo: é muito comum os manuais de direito constitucional
citarem a Lei Fundamental da Alemanha (Grundgesetz) de 1949, mas poucos
deles explicam que a Lei era válida apenas para a Alemanha Ocidental. Mas será
que nos territórios franceses e ingleses funcionava de mesma forma? E como ficou
a parte Oriental com a “unificação”? Por que eles não usam o termo Constituição
(Verfassung)? São explicações básicas, apenas à título de exemplificação, com
as quais o uso do direito comparado deve se preocupar antes de simplesmente
informar aos alunos artigos de lei que podem nunca terem sido aplicados ou
aplicados de forma diferente do que um senso comum diria.
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Palavras finais
Fazer uma pesquisa acadêmica é uma tarefa extremamente difícil. Não
porque ela exija tempo, mas porque ela exige muito mais do que sentar em uma
cadeira e ler alguns livros.
Uma pesquisa é um olhar para o desconhecido, para a dúvida. Os primeiros
questionamentos de todos que iniciam uma pesquisa deveriam ser: alguém já
escreveu sobre isso? Por que devo gastar tempo, papel, dinheiro e tinta para falar
de um tema que já foi estudado por vários? No que o meu trabalho inovará?
Discutido isso, espero que essas sugestões – que na verdade são críticas
que fiz a diversos trabalhos que analisei – possam auxiliar o leitor, que chegou
até aqui, para um posicionamento mais rigoroso sobre a pesquisa e talvez mais
problematizante sobre os trabalhos acadêmicos.
Como um ensaio – sem muito do rigor acadêmico que tanto postulo – peço
que os críticos encarem esse escrito não como um trabalho acadêmico, o que ele
não é, mas como um depoimento pessoal.
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