O Que Professoras Dizem de Si e de Sua Docência
O Que Professoras Dizem de Si e de Sua Docência
O Que Professoras Dizem de Si e de Sua Docência
Belém
2016
ELISÂNGELA SILVA DE OLIVEIRA
Belém
2016
OLIVEIRA, Elisângela Silva de, 1973 –
CDD
NBR/CIP – 12899 AACR2
Dedico este trabalho de muitos
sentidos e significados
compartilhados
A todas as professoras
mães, donas de casa, mulheres
guerreiras que têm tríplices jornadas
e continuam sonhando e trabalhando
por um mundo melhor
para os filhos/filhas desta Pátria.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Manoel e Sebastiana pelo carinho, amor, dedicação e apoio
incondicionais desde a infância e durante o mestrado e doutorado para que eu
pudesse chegar até o final deste trabalho.
Aos colegas do grupo (Tras)formar pelas diversas vezes que ouviram minhas
apresentações, pela escuta sensível quando nos reunimos para discutir o
trabalho, as discussões ricas visando a melhoria do texto.
A Deus pela presença amiga comigo e com a minha família nos dando força e
nos fazendo perseverar para a conclusão deste trabalho.
Aos professores que estiveram em minha banca de qualificação Prof. Dr. Dario
Fiorentini, Profa. Dra. Rosália Aragão, Profa. Dra. France Frahia Martins, Prof.
Antônio Carlos pela orientação e colaboração importantíssimas para o meu
trabalho.
Aos colegas Eliza e Christhiam pela leitura atenta e orientadora para a versão
final deste trabalho.
`A Banca examinadora da tese composta pela Profa. Dra. Terezinha Valim Oliver
Gonçalves, Profa. Dra. France Fraiha Martins, Prof. Dr. Iran Abreu Mendes, Prof.
Dr. Tadeu Oliver Gonçalves, Prof. Dr. José Moysés Alves.
OLIVEIRA, Elisangela Silva de. Ensino de Ciências nos anos
escolares iniciais: o que professoras dizem de si e de sua docência.
Belém: PPGECEM/REAMEC, 2016, 141 p.
RESUMO
ABSTRACT
In this research, I aim to comprehend the senses and meanings expressed by teachers
of early Elementary School years upon speaking of themselves and of the teaching of
science that they perform. I use as method the narrative research, which is based on an
empiric production in two distinct moments: first, from multiple observation on the context
of science teaching using questionary concerning the provincial and municipal teaching
system in Boa Vista, capital of Roraima. And second, directed to an overview of the
classroom, reported by teachers who speak about themselves and the teaching of
science they execute through half-based interviews, field registries and memorials. Sixty
subjects took part in the first stage. The choice of the subjects was oriented by the
dimension of the place, which configures one of the criteria of the narrative research,
and provides a helicopter view from the context where the subjects are inserted. The
second stage had as criterion what configures the narrative research: the experience
lived. Upon considering that it is not the cause but the sense built by the subject that
transforms experience, I elected the following criteria for choosing the subjects: be a
teacher of the early Elementary School years in public schools and free will to take part
in the research. In this stage, six subjects took part in the light of a relational proximity
necessary to the study. I organize the empiric material considering recurrent events in
the speech of the subjects, from which fluxes emerged the following analysis categories:
interpreted from discursive textual analysis and organized under two themed axis: (1)
Senses and Meanings of the Teaching of Science: between docent protagonism and
subtracted autonomy (2) Lines and in-between lines of Science Teaching: docent
knowledge in episodes of who teaches and speaks about themselves. The results point
out: i) the objective conditions of the teacher who teaches science are permeated by
contrariness denounced in their speech which drives to a subtrected autonomy
concerning the construction process of the pedagogic work; ii) the docent protagonism,
in the resistance they make to implement a teaching method to go beyond the
quantitative goals which are imposed to the teachers in the school context; iii) the
docents, as they develop conceptual input materials, they outstand knowledge in their
practices, which supported by literature, are interpreted into terms of scientific
knowledge, experience knowledge, strategic knowledge and pedagogic knowledge of
the input materials. I defend the thesis that the building of sense and meaning on the
teaching of science expressed by teachers of the early school years in public schools in
Boa Vista derives from an overlaid relation between life, formation and profession in the
sphere of the docent practices, in which the teachers manifest themselves as continuous
docent knowledge builders.
REFERÊNCIAS .............................................................................................125
DO LUGAR DE ONDE FALO: memórias e reflexões sobre meu
percurso de formação e a construção do objeto de pesquisa
1
Lembrando que o processo escolar educacional passou de uma reprovação autoritária
e centralizadora para uma aprovação automática, substituindo o sentido atribuídos pela Lei
9394/1996 ao conceito progressão automática.
A partir daí meu percurso de pesquisadora sobre a formação de
professores de ciências estava começando. Passei na seleção. Meu projeto que
começou com essa inquietação, foi se transformando no diálogo com o meu
orientador e centrou-se no estudo do ensino de ciências nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, que era onde minha formação em Pedagogia podia me dar
condições de trabalhar com professores que ensinam ciências.
A transposição didática que começou sendo o agente mobilizador de
minhas inquietações sobre o ensino de ciências, ficou “de lado”, passou a ser
agora travestida de uma outra maneira, qual seja, me preocupar com a
formação/educação científica do professor que ensina ciências na base do
Ensino Fundamental, porque a formação dos professores egressos do Curso
Normal Superior da Universidade do Estado do Amazonas. eram formados na
perspectiva do estágio com pesquisa (PIMENTA e LIMA, 2001).
Comecei a caminhar na fronteira dos saberes de outras ciências. Passei
a me preocupar em estudar, explicitar, analisar, o trabalho docente com as
Ciências. O caminhar na fronteira me fazia transitar pela Física, pela Matemática,
a Biologia, a Química, juntamente com meus colegas de mestrado. Este caminho
cruzado pela partilha dos estudos epistemológicos, teóricos, metodológicos, me
ajudou a perceber que cada ciência tem um jeito próprio de pensar seu objeto,
tem uma epistemologia, porém o ensino destas ciências constitui um conjunto
de saberes e práticas que não se reduzem a um competente domínio dos
procedimentos, conceituações, modelos e teorias científicos (DELIZOICOV,
ANGOTTI e PERNANBUCO, 2002, p. 32)
Do meu saber de Referência, que são as ciências da Educação no Curso
de Pedagogia, ia transitando como pesquisadora e formadora de formadores
para quem ensina ciências nos anos iniciais, o que requeria que eu buscasse
beber na fonte das outras ciências. Foi um processo muito difícil, “parecia que
tateava no escuro”, tinha dificuldades de entender tanta teoria, mas buscava
fazer relações com o que ensinava. Se eu tinha a impressão de que não havia
estudado nada sobre o ensino das ciências, agora eu tinha certeza. Constatava
isto, mas, ao mesmo tempo, me sentia feliz com meus espantos. Como nada sei!
Eu pensava: – Preciso estudar.
A maneira simplista e ingênua com que aprendi ciências na escola e com
que ensinei certamente, prenhe do senso comum pedagógico (DELIZOICOV,
ANGOTTI, PERNAMBUCO, 2002), me fazia sentir a importância daqueles
estudos.
Enquanto estudava sobre o Ensino de Ciências no mestrado, me inscrevi
em concurso público para o cargo de Professor Assistente da Universidade do
Estado do Amazonas e fui aprovada. E agora eu não só pesquisava, mas,
passava a ser também formadora na instituição em que pesquisava. Ao estudar
o projeto de formação da UEA, me dei conta que ela oferecia uma modalidade
de formação que articulava o estágio com pesquisa e isto exigia um trabalho
interdisciplinar por parte dos professores do Curso de diferentes campos das
Ciências Humanas.
A fundamentação teórica embasava um ensino articulado com a prática.
Em todas as disciplinas do Curso de Pedagogia, o estudante deveria ter uma
experiência articuladora com a pesquisa no espaço da escola. Este trabalho se
apoiava nos estudos do professor como pesquisador (STENHOUSE, 1991;
ELLIOTT, 2005; CARR, 1992; KEMIS, 1991) e o professor reflexivo (SCHÖN,
2001, ZEICHNER, 2001), dentre outros.
Minha pesquisa no mestrado teve como sujeitos egressos do Curso
Normal Superior da UEA, que trabalhavam na rede municipal do Município de
Manaus.
A prática do professor na construção do saber escolar é tido por muitos
pesquisadores como um saber de menor status. Então, resolvi fazer uma
pesquisa que tivesse retorno para o professor. Fui percebendo o quanto a
Universidade e a escola são mundos nos quais o conhecimento que uma produz
não chega na outra e quando os pesquisadores chegam na escola, com raras
exceções, há uma depreciação do trabalho do professor da escola.
Convidei meus colegas de mestrado da primeira turma a participarem
comigo da pesquisa-formação (JOSSO, 2004), que eu caracterizava àquela
época como pesquisa-ação (autor; ano), e propus um curso de extensão onde
reunimos, durante cinco encontros de 12 horas cada um, fazendo a abertura dos
encontros com uma palestra ou um filme, ou uma música que tivesse a ver com
o Ensino de Ciências, seguido de roda de conversa, onde eles comentavam a
formação tida sobre o ensino de ciências e o quanto dessa formação conseguiam
colocar em prática no contexto da sala de aula onde estavam trabalhando
naquele momento.
Eram períodos breves, no sentido de trazer o professor para o diálogo de
maneira prazerosa, em tom de conversa, até o grupo ir alcançando um nível
desejado de estudo. Os encontros eram teórico-práticos. Buscávamos saber o
que os professores egressos do Curso Normal Superior conseguiam sentir que
tinham conseguido compreender e praticar em termos da educação científica
pretendida na formação inicial.
Que sentidos então minha pesquisa produziu? Os resultados
evidenciados pelos professores na pesquisa mostravam que os professores
formados na perspectiva do professor pesquisador reflexivo colocavam em
prática conceitos científicos nos anos iniciais com processos de investigação em
aula, mas isto não lhes garantia uma mudança efetiva na forma como os
professores se sentem em relação ao seu trabalho docente. Eles diziam que não
se sentiam professores pesquisadores, porque a escola possui uma cultura que
vai de encontro com essa postura, mas que nem por isso iriam deixar de lutar
por essa condição de trabalho que permite pensar, refletir junto com os alunos,
mediados pelos processos de pesquisa (OLIVEIRA, 2010).
Cheguei à conclusão de que as condições de trabalho não lhes permitiam
sentirem-se professores pesquisadores, especialmente porque a cultura escolar
predominante exigia uma carga horária em sala de aula muito elevada, pois os
concursos públicos por eles realizados lhes exigiam cumprir 60 (sessenta) horas
de trabalho semanal, para escolas situadas em algumas vicinais do Município de
Manaus. Neste sentido, outros professores manifestaram que o trabalho assim
distribuído impede o professor de organizar o tempo para pensar, planejar
adequadamente as aulas e se perguntavam como pensar em processos
investigativos em aula, sem tempo para pensar sobre a aula. Por esses motivos,
muitos haviam desistido de uma ‘terceira cadeira’ para lecionar (OLIVEIRA,
2010).
A racionalidade técnica foi um conceito muito discutido e combatido de
uma maneira geral, em termos do tecnicismo instaurado e revelado com a
pesquisa. Outro ponto é que estes professores, ao participarem da pesquisa-
formação, tiveram como fazer a interlocução novamente com a Universidade. E
em suas falas ficou clara a insatisfação até ali vivida com a Universidade, no
sentido de que esta forma os professores, mas depois não busca manter um
diálogo com os egressos (OLIVEIRA, 2010). Essa situação cria um
distanciamento entre escola e universidade, pois constrói-se um fosso quase
intransponível entre a formação inicial e a atuação destes profissionais. No
período, fora a atividade que realizamos, dois anos depois da graduação daquele
grupo de egressos, a Universidade não havia realizado nenhuma atividade de
formação continuada que congregasse aqueles docentes por ela formados.
Após a realização desse projeto, tive a oportunidade de participar da
formação contínua de professores e aqui posso situar as questões mais
significativas de meu percurso formativo e acadêmico, especialmente no que
concerne ao estudo e à pesquisa no/do Ensino de Ciências, pois participei da
liderança de uma turma de professores da educação básica, promovidos pela
Formação do EDUCIMAT, do Instituto de Ciências e Matemáticas da UFPA.
Este projeto que formou uma turma de professores da rede estadual de
ensino do Amazonas, no Município de Itacoatiara, propunha-se a formar
professores que já atuavam no ensino de ciências nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Trabalhei com um módulo que discutia e fundamentava o trabalho
pedagógico com pesquisa no/do ensino de ciências. Essa atividade marcou
significativamente meu processo de formação na Educação em Ciências.
Penso que formar-se em um determinado campo de saber não significa
apenas titular-se naquela área. Pesquisar e formar, produzir e criar sentido sobre
o que se está fazendo para melhorar a realidade, fazer chegar à escola o que se
está pesquisando, construir relações de parceria para ser vidraça junto com a
escola, seus professores e alunos nas questões que ela vive e luta diariamente
por uma educação de qualidade, que tenha sentido e significado para quem está
formando e se formando, enquanto forma, é uma tarefa sempre árdua, difícil,
mas que se enche de sentido quando se percebe que há um horizonte comum
em construção!
Estudar a Educação em Ciências e matemática, sob o foco da formação
docente, constituiu-se condição que aguçou minhas reflexões sobre os anos
iniciais da Educação Básica. Isso me permitiu ampliar meu horizonte de
compreensão e dar outros sentidos ao meu fazer docente na universidade, como
formadora de professores (GONÇALVES, 2000).
Após o trabalho desenvolvido no mestrado, continuei estudando e
participando do Grupo de pesquisa em formação de Professores no Ensino de
Ciências da UEA. Em 2010, houve seleção para o doutorado, e a questão da
formação do professor no sentido de uma educação científica centrada na
formação do professor pesquisador, me instigava a pesquisar a minha própria
prática como formadora de professores que ensinam ciências nos anos iniciais
do Ensino Fundamental.
Foi então que me submeti à seleção do Doutorado em Educação em
Ciências e Matemática da REAMEC. Ao passar na seleção, me sentia renovar
as esperanças da continuação do estudo e da pesquisa no Ensino de Ciências
sobre a formação do professor que ensina ciências nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Agora, com o foco na formação, fui convidada pelas vias da pesquisa
narrativa a investigar as histórias de formação no ensino de ciências em termos
de saberes. Estudar sobre o sentido do ensino de ciências expressos por
professores dos anos iniciais passou a constituir-se meu objeto de pesquisa.
Ao fazer parte do Grupo de Pesquisa (Trans)formar, liderado pela Profa.
Terezinha Valim Oliver Gonçalves, tive oportunidade de entrar em contato com
a pesquisa narrativa, um método de pesquisa que busca estudar experiências
vividas (CLANDININ e CONNELLY, 2011), compartilhadas ou não pelo
pesquisador. Quando não teve oportunidade de compartilhar, o pesquisador
pode pesquisar o fenômeno educativo, andando por entre as histórias de
professores, por meio dos relatos, a partir do que o professor vai significando,
em termos de sentidos à medida que constrói relações entre as histórias que lhe
são narradas pelos sujeitos investigados e a literatura pertinente.
Identifiquei-me com os pressupostos de investigação da pesquisa
narrativa, da qual fui me aproximando e aprendendo sobre um novo modo de
caminhar por entre as histórias e fazer a investigação sobre o Ensino de
Ciências. Passei a assumi-la em minha pesquisa e a constituir-me pesquisadora
narrativa.
Pretendia realizar com meus alunos uma pesquisa-formação (JOSSO,
2004), pensando e investigando narrativamente, como referem Clandinin e
Connelly (2011) e passei a estudar ambos os enfoques. No entanto, o professor
não é só professor, nem tão pouco só pesquisador, ele é também uma pessoa,
com família, filhos, esposo(a), enfim, tem uma vida em movimento junto com a
pesquisa, e este caminhar dinâmico, próprio da vida, me levou para outras terras
para acompanhar a família. Fui de mudança para o Estado de Roraima, no meu
segundo ano do doutorado.
A partir desta mudança, meus sujeitos não são mais estudantes em
formação no Curso de Pedagogia, como eu havia previsto, são professoras2 dos
anos iniciais de escolas públicas de Boa Vista. Por entre as histórias de quem
ensina ciências nos anos iniciais recomeço a pesquisa, que não pode mais ser
pesquisa-formação. Agora, preciso administrar essa chegada em terras
desconhecidas.
Eu me sentia, anteriormente, num lugar confortável com o qual tinha
intimidade, que era o Curso de Pedagogia, no estágio com pesquisa, mas essa
não era mais a minha realidade. Precisei criar sentidos para mim mesma e
buscar construir um novo objeto de pesquisa. Vi- me como marujo iniciante em
alto mar, tendo que mudar de rumo sem abandonar a viagem. O pesquisador por
entre as águas flutuantes da pesquisa.
Busquei saber daquele lugar, da sua história dos sentidos de professores
que ensinam ciências nos anos iniciais. Uma viagem linda e perigosa a um só
tempo. Quase perdi meus sujeitos, quase perdi meu mar. No entanto, a bússola
da experiência de quem sabe orientar me ajudou a olhar aquele cenário e
aprender com ele por entre suas histórias e seus saberes, seus sentidos.
Este processo de (auto)conhecimento, de (auto)orientação (JOSSO,
2004), pelo qual passei ao pensar a prática de professores no ensino dos anos
iniciais, me motivou a pesquisar, a ouvir professores, bem como a enxergar,
aprendendo e compartilhando experiências e saberes, nos processos da
formação, buscando compreender os sentidos que professores expressam ao
relatarem como ensinam ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Uma pesquisa é sempre um recorte da realidade, direcionado pelas lentes
do pesquisador que deseja compreender seu objeto orientado por suas questões
de pesquisa. Decorrente disso, meu problema de pesquisa consiste em
compreender que sentidos são expressos por professoras dos anos escolares
iniciais, ao falar de si e do ensino de Ciências que realizam? Guiada por este
2 Assumo daqui em diante o substantivo professora no feminino, visto serem meus sujeitos
somente mulheres, o que revela que o magistério é uma profissão cujos profissionais em sua
maioria são mulheres, principalmente nos anos escolares iniciais.
problema, previ, como objetivo geral da pesquisa, compreender sentidos
expressos por professoras que ensinam Ciências nos anos escolares iniciais.
A fim de responder ao problema, tracei três objetivos específicos: (1)
Pesquisar para compreender o contexto de Ensino de Ciências em escolas
públicas de Boa Vista; (2) Identificar saberes expressos por professoras que
ensinam ciências nos anos escolares iniciais; e (3) Construir relações de
sentidos em relatos de professoras de anos escolares iniciais sobre o ensino de
Ciências.
Durante o percurso, levanto hipóteses, que vão se constituindo teses
provisórias, espécies de apostas que vou amadurecendo durante o percurso
investigativo. Busco então, enxergar o meu objeto de pesquisa que é o ensino
de ciências nos relatos das professoras de anos escolares iniciais em termos de
sentidos.
Começo um processo de escuta sensível (BARBIER, 1957), com esses
dois conceitos. Muitos teóricos da fenomenologia trabalham esses conceitos,
tais como Husserl (1989), Merleau-Ponty (1999), Heidegger (2003;2005)
Vygotsky, dentre outros, mas escolhi Vygotski (1991), para me emprestar seu
modo de compreensão, a fim de interpretar meus sujeitos, e a paisagem que
compreendida narrativamente (CLANDININ e CONNELLY, 2011), inclui as
emoções e sentimentos dos sujeitos e não somente as condições objetivas,
concretas onde o ensino de ciências comparece carregado de sentidos.
Com base em Vygotski (1998), compreendi que o conceito de sentido e
de significado está associado à mediação semiótica realizada pela linguagem
que consiste na interpretação de signos. Os signos compreendidos de forma
mais ampla, são todos os objetos, eventos, posturas e relações que seriam
apropriados pelo sujeito e passariam a contribuir com o seu modo de funcionar.
Então, passei a entender também que o significado é apenas uma das
zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso, e,
portanto, uma zona mais estável, uniforme e exata. Já em contextos diferentes,
a palavra muda facilmente de sentido (VYGOTSKI, 1998).
Fundamentada nestes pressupostos, propus-me a ouvir o que as
professoras relatam sobre si e o ensino de Ciências que realizam. Por entre suas
histórias vou percebendo o que expressam em termos de sentidos sobre o
ensino de ciências.
A tese que defendo nesta pesquisa é que: a construção de sentidos
sobre o ensino de ciências expressos por professoras de anos escolares iniciais
de escolas públicas de Boa Vista resulta das relações imbricadas entre a vida, a
formação e a profissão no espaço das práticas docentes, nas quais se
manifestam como contínuas construtoras de saberes da docência.
Este olhar sobre os sentidos, construídos num diálogo que envolveu
teóricos de diferentes campos da pesquisa em educação, me possibilitou dar
significado aos textos de campo de modo a compreender e interpretar os relatos
de professoras que ensinam ciências em escolas públicas de Boa Vista.
Para enxergar o que faz sentido às professoras que ensinam ciências nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, a fim de compreender seus saberes,
estudei com base em Larrosa (2002; 2011), o conceito de experiência e o que
poderia ser um saber da experiência. Em Tardiff (2002), Pimenta (1997; 2000),
Tardif e Lessard, Lahaye (1991), fui me aproximando da compreensão dos
saberes docentes de professores, sobre sua profissionalidade. Em Gauthier
(1998), fui amadurecendo a ideia de que o professor possui um repertório de
saberes, que grande parte destes, se constitui de uma sabedoria ou de um saber
de sua jurisprudência, que ele chama de um saber privado.
Em Shulman (1999) agucei a visão para enxergar alguns saberes
específicos do modo como o professor ensina, que pode se manifestar como um
saber específico da matéria ou um saber pedagógico do conteúdo, ou ainda, um
saber estratégico (SHUMAN, 1986a) que Gonçalves e Gonçalves (1998),
juntamente com Gonçalves (2000; 2005; 2013), me auxiliaram a compreender
como sendo aquele saber que o professor cria na sala de aula no espaço do
imprevisível.
Com Ghedin (2007), Monteiro (2007), Franco (2008; 2012), Geraldi,
Fiorentini, Pereira (1998) fui percebendo na teia de relações imbricadas entre a
profissionalidade docente e a formação que o saber docente forma e transforma
o professor e seus alunos, permitindo-lhe outras possibilidades.
Para construir a minha versão e compreensão dos sentidos do ensino de
ciências, precisei estudar sobre o currículo do Ensino de Ciências e sua história,
concepções e abordagens articuladas com o contexto social, econômico, político
e educacional, com apoio em Delizoicov, Angotti, Pernambuco (2002), Krasilchik
(1987; 2000), Chassot (2004), Carvalho (2013), Moraes (2008), Gonçalves,
Macedo e Souza (2015), entre outros. Para responder à questão de pesquisa,
organizei o percurso investigativo em duas fases: a primeira, em que contei com
a participação de professores, coordenadores pedagógicos e técnicos dos dois
sistemas de ensino municipal e estadual, por meio de questionário sobre o
ensino de ciências de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, em Boa Vista-
Roraima. A segunda fase foi realizada por meio de entrevistas
semiestruturadas com seis professoras de escolas públicas da rede estadual,
e também foi usado o caderno de campo, memorial e documentos legais das
respectivas secretarias de educação.
Minha opção metodológica foi pela pesquisa qualitativa na modalidade
narrativa (CONNELLY e CLANDININ, 1995); (CLANDININ e CONNELLY,2011).
Vejo nessa metodologia a possibilidade de crescimento pessoal e profissional,
não só para mim, mas para os sujeitos, pois narrar o vivido é sempre um
movimento de refletir sobre os pressupostos de nossas escolhas e isto é
formativo (JOSSO, 2004). Não é um caminho fácil, porque enxergar o passado
com o olhar do presente, vislumbrando um futuro é uma tarefa exigente, por
vezes dolorosa, mas necessária.
O material de análise é formado pelos relatos das professoras, de suas
experiências expressas por meio de conversas e entrevistas semiestruturadas,
que foram gravadas em áudio e transcritas, das quais emergiram as unidades
de sentido que compõem o trabalho, cujo tratamento empírico é feito com base
na análise textual discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2007), de cujo processo
emergem as categorias de análise: autonomia subtraída, protagonismo, saberes
docentes.
A partir deste trabalho de compreensão, organizei a pesquisa em quatro
seções: assim delineadas: a primeira seção, intitulada Do lugar de onde falo:
memórias e reflexões sobre meu percurso de formação e a construção do
objeto de pesquisa, é a introdução da pesquisa, pois fala da minha caminhada
profissional e o meu encontro com o objeto de pesquisa. Na segunda seção,
intitulada: Meu percurso investigativo nesta pesquisa narrativa apresento
sobre como fui me dando conta do método, minhas aproximações com os
sujeitos da pesquisa, a caracterização dos sujeitos da pesquisa e a explicitação
do processo da análise textual discursiva que gerou os dois eixos de análise.
A quarta seção é formada pelo primeiro eixo de análise intitulado: Sentidos
do Ensino de Ciências: entre o protagonismo docente e a autonomia subtraída.
Nesse eixo, apresento, por entre as histórias relatadas sobre o ensino de
ciências de professoras dos anos escolares iniciais, o cenário das condições do
trabalho docente, permeado pelas contradições vividas na prática pedagógica
dessas professoras e manifestadas por elas em situações que revelam sentidos
sobre: conhecimento prévio; continuidade; cidadania; aprendizagem e avaliação
que na constância do vai e vem dos relatos comparecem quando falam de si e
do ensino de ciências que realizam.
No Eixo II intitulado: Linhas e entrelinhas do Ensino de Ciências: episódios
de quem ensinam e falam de si, apresento os sentidos atribuídos pelas
professoras ao ensino de ciências, que significo em termos de saberes docentes,
manifestados ao relatarem como trabalham os conteúdos de corpo humano,
energia, e meio ambientes.
Na última seção: Considerações Finais, apresento, com base em todo o
percurso desenvolvido, “alguns princípios construídos por meio da pesquisa” em
termos (in)conclusivos. Estes princípios emergem tanto dos limites - aquilo que
poderia acontecer, mas, não acontece na formação do professor que ensina
ciências nos anos escolares iniciais, quanto das possibilidades - que são
engendradas pelas professoras e que vai lhes sanando as lacunas da formação
inicial se transformando em ideias, ações, reflexões modus operandis de ensinar
ciências que faz sentido e possui significado transformador na formação
contínua que acontece em ação de parceria e partilha de experiência no contexto
da escola e da sala de aula.
MEU PERCURSO INVESTIGATIVO NESTA PESQUISA
NARRATIVA...
3
Esta obra foi traduzida para o português pelo Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de
Professores ILEEU da Universidade Federal de Uberlândia-MG, que estuda e investiga nesta
modalidade de pesquisa e publicou a obra pela EDUFU-editora da referida universidade.
Para os autores, mais importante do que definir o que é a pesquisa
narrativa, é saber como fazer uma pesquisa narrativa e como defendê-la
satisfatoriamente. Clandinin e Connelly (2011, p.84), reconhecem nos estudos
de Dewey o valor das experiências pessoais e sociais, para compreenderem os
fenômenos sobre os professores e o ensino, e afirmam “discutimos os termos
que optamos por usar em nossas pesquisas que derivam da visão deweyana da
experiência (especificamente: situação, continuidade e interação)”.
Nesta perspectiva, as histórias têm um caráter individual e social, pois
elas estão em interação, em um contexto social. Por conseguinte, estas
experiências têm um continuum, ou seja, uma experiência de agora pode ter
como base uma experiência passada e pode levar a experiências futuras.
Ao justificarem sua posição teórica os autores comentam:
4
O sentido corresponde à forma como os sujeitos significam as relações que são apropriadas
nos contextos de interação, nos espaços intersubjetivos (VIGOTSKI, 2007). Significados- estão
associados à mediação semiótica realizada pela linguagem-que consiste na interpretação de
signos. É nessa mediação que Vigotski (2007) compreende que ocorre a conversão do externo
e interno, em movimento permanente que constitui o sujeito, justamente pela atribuição de
significados e sentidos aos signos externos entendidos estes signos de maneira ampliada - são
todos os objetos, eventos, ações, posturas e relações que seriam apropriados pelo sujeito e
passariam a construir o seu modo próprio de funcionar. Esse movimento, essa mediação
semiótica-conversão do externo em interno – se dá de acordo com as significações atribuídas às
experiências em processo ativo e interativo.
pesquisa, pois é por meio da memória que podemos fazer uma reescrita do
ontem com o olhar de hoje, podendo vislumbrar o amanhã.
Deste estudo, Clandinin e Connelly (2011) destacam o aspecto
tridimensional da pesquisa narrativa, qual seja, a relação entre presente,
passado e futuro articulada com os aspectos individuais e sociais nos quais os
sujeitos e as organizações interagem, considerando os aspectos introspectivos
e extrospectivos do que está sendo relatado em um determinado lugar ou
sequência de lugares.
A partir desta base teórica ficou clara em minha compreensão o conceito
de pesquisa narrativa em sua tripla dimensão, ou seja, a dimensão
compreendida entre o tempo (passado, presente, e futuro) na relação com a
dimensão das interações do sujeito (pessoal e social) articulado à dimensão
de lugar ou lugares, pois o sujeito está situado em um contexto histórico.
De acordo com Clandinin e Connelly (2011, p. 85-86), o pesquisador
narrativo deve dirigir as questões de pesquisa olhando estas dimensões
simultaneamente, pois elas não acontecem desarticuladas. Além disso, quando
o sujeito relata suas experiências, o olhar do pesquisador não deve focalizar
apenas o evento, pois a dimensão temporal (presente, passado e futuro) possui
aspectos internos ou introspectivos (sentimentos, esperanças, reações estéticas
e disposições morais) e aspectos externos ou extrospectivos (relativas às
condições existenciais, isto é o meio ambiente) de tal modo, que os sujeitos,
pesquisador e pesquisados, atuem na condição de protagonistas.
Mas, uma outra dúvida ecoava dentro de mim: como é a forma de escrita
da pesquisa narrativa? Como fica a teoria? Como desenvolvo teoricamente a
pesquisa narrativa?
A resposta a esta pergunta foi um primeiro impacto sentido por mim em
relação à pesquisa narrativa, o que Clandinin e Connelly (2011) chamam de o
lugar da teoria na pesquisa narrativa.
Estudando diversos trabalhos desenvolvidos nesta modalidade da
pesquisa qualitativa, percebi que o pesquisador narrativo busca fazer um
equilíbrio entre as passagens interpretativas e argumentativas com as narrativas
que se constituem das experiências dos sujeitos, pois,
não podemos, por exemplo, chamar um texto de pesquisa
narrativa, se ele deixar de fora a descrição e a narrativa e usar
somente argumentos. Nem podemos chamar um texto de
pesquisa narrativa se ele é uma narrativa pura sem descrição e
argumento (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 204).
5
Pesquisa formalista é o termo usado por Clandinin e Connelly ao se referirem àquelas
investigações em que a forma e a estrutura têm preponderância em relação ao conteúdo, no
caso à experiência. “Os formalistas dizem que os fatos do caso, a experiência que alguém diz
possuir, ou os dados coletados por pesquisadores empiristas têm pouco significado em suas
asserções. As pessoas, eles argumentam, nunca podem ver a si mesmas como são, porque são
sempre alguma outra coisa; especificamente, elas são o que a ideologia, teoria ou estrutura
utilizada na pesquisa afirma (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p.73 ).
Fundamental. Além dos autores que orientam metodologicamente o trabalho,
fazem parte da arquitetura do texto de pesquisa, os teóricos que discutem sobre
a formação docente, o ensino de ciências nos anos iniciais direcionado pelas
questões de pesquisa, que falam da minha intencionalidade. Por isso, nenhuma
pesquisa é neutra.
Saber que as questões de pesquisa dão norte ao trabalho investigativo é
peculiar a qualquer tipo de pesquisa, seja de natureza quantitativa, seja de
natureza qualitativa, ou em que modalidade for, dentro de um determinado
método. No entanto, o que quero expressar com toda essa argumentação sobre
minha compreensão da pesquisa narrativa é que ela por valorizar a experiência
vivida, deve começar pelas histórias dos sujeitos e não por um corpo teórico no
qual o pesquisador desde o início do texto de pesquisa já enquadra os sujeitos,
apresentando-os formalmente a partir de dados coletados como numa pesquisa
experimental (CLANDININ; CONNELLY, 2011).
Como critérios de validação, no caso da pesquisa narrativa a
verossimilhança é um dos critérios de validade. Enquanto a generalização é
um dos critérios de validação da pesquisa formalista, (termo usado por Clandinin
e Connelly (2011) em relação às pesquisas estruturalistas, dentro do modelo
investigativo de causa e efeito), a verossimilhança diz respeito ao trabalho que
assume tal semelhança com a realidade, que outros sujeitos, ao ler o texto
sintam a realidade brotar de dentro dele, como se estivessem vivendo o fato
ocorrido, chegando a se ver na história contada, argumentada.
Outro critério de legitimidade da pesquisa narrativa é a transferibilidade,
ou seja, uma história não pode ser generalizada para outras pessoas ou grupos
e instituições, mas podem ser transferidos aspectos investigados que fazem com
que o leitor se veja em situações semelhantes, mas não genéricas, pois as
histórias são individuais, têm características peculiares a um determinado
contexto e sujeito. Para Clandinin e Connelly (2011, p. 75),
Neste eixo transito por entre as histórias relatadas por professoras dos
anos escolares iniciais, compondo o cenário das condições do trabalho docente,
permeado pelas contradições vividas na prática pedagógica em escolas públicas
de Boa Vista que revelam sentidos sobre o ensino de ciências.
Na epígrafe acima, Larrosa (2011, p. 6) afirma que o lugar da experiência
se dá no próprio sujeito, isto é, o lugar da experiência sou eu ou É em mim, onde
se dá a experiência... onde a experiência tem lugar. Isto me ajuda a refletir que,
a experiência é um princípio formativo dos sujeitos da pesquisa e isto se
manifesta dando sentido e significado ao ensino de ciências trabalhado por elas
em suas salas de aula.
Vejo por entre seus relatos o ensino de ciências revelar-se nas histórias
contadas pelas professoras em que a vida, a formação e a profissão, são
conjugadas numa relação imbricada em experiências, sentidos que denunciam
situações que lhes subjugam e outras em que conseguem atuar com maior
margem de autonomia que eu chamo de protagonismo docente.
De acordo com o dicionário Aurélio, protagonista é a pessoa que ocupa o
primeiro lugar em qualquer acontecimento; ator principal e também é quem
promove algo. O protagonismo que vejo, percebo no movimento das professoras
que ensinam ciências em anos escolares iniciais, se baseia no pensamento de
Giroux (1997) o qual entende o professor como um profissional transformador de
si, da realidade onde atua e de seus alunos.
O sentido de sujeito da experiência que percebo nas professoras
pesquisadas tem um caráter interativo entre aquilo que lhe constitui na vida
pessoal e profissional e que reflete na maneira como ensinam ciências
Quero dizer que os sentidos expressos pelas professoras ao ensino de
ciências são construídos na constituição de si, imbricando a vida pessoal e
profissional que se faz pelas experiências que vai constituindo cada uma dessas
professoras, articulando-se no trabalho docente a vida, a formação e a profissão.
A vida é aqui compreendida como incluindo as experiências pessoais e sociais.
Entendo formação como aquela que se faz em diferentes tempos e
espaços (SOUZA, 2004), em que o eu pessoal e o eu profissional (NÓVOA,
1999) se fundem por meio do trabalho compreendido como categoria de
sociabilidade humana, saindo da sua condição de ser natural, sem, contudo,
perdê-la, mas, alcançando a transformação irreversível de um ser social (LIMA,
2001).
Como ser social estas mulheres professoras, por meio de sua prática
docente, desenvolvem a educação que é práxis social, suas histórias se cruzam
com as do Estado de Roraima6, pelo processo migratório. Elas vêm trazendo na
bagagem suas histórias de vida transcorridas em outras regiões do país,
conjugando na faina de viver o ofício docente e a formação numa (pré)disposição
que não é natural, mas construída na definição pública de uma posição com forte
sentido cultural, numa profissionalidade docente que não pode deixar de se
construir no interior de uma pessoalidade do professor (FREIRE, 1991). Assim,
encontro apoio nas palavras de Nóvoa, ao dizer:
6
Roraima é um Estado situado geograficamente na tríplice fronteira Brasil-Venezuela-
Guiana Inglesa. Passou a configurar-se como uma unidade federativa do Brasil a partir da
Constituição de 1988, mas isto só se efetivou no ano de 1991. Boa Vista é a capital do Estado
de Roraima era a fazenda do império tanto para fins de manutenção quanto de demarcação do
território nacional em zonas de fronteira. É uma cidade com trezentos mil habitantes com uma
paisagem geográfica belíssima, ruas amplas, bem arborizada.
pesquisa, cada qual com suas peculiaridades estava num lugar comum (Boa
Vista), tratando por meio da pesquisa um objeto comum – o ensino de ciências.
No conjunto de cinco mulheres migrantes e uma filha de migrantes, iniciei
a busca de sentidos sobre o ensino de ciências. Entre as narrativas que falam
de sua chegada aparecem elementos, que eu chamo de crenças, valores,
dispositivos formativos (JOSSO, 2004) que, por meio da reflexão, emergem nas
palavras revelando sentidos da formação, tais como: compromisso,
responsabilidade, parceria com os pais dos alunos, realização pessoal,
gosto pela profissão, entre outras formas que vou significando como
manifestações do protagonismo docente.
Nestes termos se posiciona Diana:
Para a professora Diana, sua vinda para Boa Vista é um ‘divisor de águas’,
ligado à sua história de vida pessoal e profissional, o que a motivou a deixar sua
terra natal em busca de melhoria de vida por meio do casamento e do trabalho.
Sem dúvida, ir para Boa Vista foi um momento charneira na vida de Diana, pois,
a partir dessa mudança, passa a ter nova vida, tanto no trabalho, quanto em
termos pessoais.
A fala de Diana me remete Josso (2004, p. 57) quando diz que o caminhar
para si trata-se da atividade de um sujeito que empreende uma viagem ao longo
da qual, ela vai explorar o viajante. Diana foi a única entre os sujeitos que
escreveu o seu memorial e apresentou um desenho de uma árvore genealógica
da sua família com seus dezessete irmãos. Ela comentou: Só você para fazer eu
ir atrás da minha história. Escrever sobre minhas origens não é tão fácil!
(Caderno de campo). Concordo com Josso ao afirmar que,
Amanda migrou do Ceará para Roraima e diz que ser professora é estar
em contínua formação, quando se expressa: Eu me tornei observadora e com
muita leitura porque a gente não está pronto [nunca]. Tenho uma paixão por
Paulo Freire, pela construção do conhecimento. Enfatiza a observação e a leitura
como atributos importantes do seu modo de ser professora. Reconhece em
Freire (1997) a orientação teórica que informa sua prática docente, mas, ao
mesmo tempo, revela que não deixa de ser tradicional, entendendo como
tradicional um ensino com aprofundamento teórico.
Para Freire (1997, p. 55) ensinar exige consciência do inacabamento.[...]
O inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Saber-
se inconcluso, para ele, é próprio da espécie humana e esta condição é que
favorece a não exploração sobre o outro, mas ao contrário, permite a
emancipação, tanto de quem ensina quanto de quem aprende, posto que,
quando professor e aluno se reconhecem sujeitos inacabados é na visão de
Freire (1997) a compreensão de um dos princípios da autonomia que gera
predisposição à mudança.
Renata assim como Amanda, também se apresenta adepta da escola
tradicional ao falar de si. Ela se manifesta nos seguintes termos:
A formação inicial tem seu papel e não deve ser postergado pela política
de formação do país sob pena de pagarmos um tributo muito alto que já vem
sendo aplicado em algumas regiões que é a terceirização da educação retirando
do professor e da escola a autonomia para pensar e desenvolver a educação
formal de acordo com as necessidades locais, tal como já vem acontecendo no
cenário de Boa Vista/Roraima no sistema municipal de Ensino.
Renata, que gosta de trabalhar com crianças do 3º ano de Ensino
Fundamental, ao narrar sobre sua prática docente, revelou aspectos que não
imaginávamos sobre seu trabalho. Ela é professora da rede municipal e estadual.
Em relação a sua prática docente no sistema de ensino municipal se manifestou
nos seguintes termos:
7
Instituto Alfa e Beto. Trata-se de uma organização não governamental, que oferece às Secretarias de
Educação, a venda de material impresso com sequência de aulas prontas para serem seguidas pelos
professores dos anos iniciais, dentre outros materiais e serviços.
série de qualidades que conduziram os professores à perda de controle e sentido
sobre o próprio trabalho, ou seja, a autonomia (CONTRERAS, 2002, p. 33).
Ao buscar informações sobre o que está disponível no site do Instituto Alfa
e Beto, conhecido pela sigla IAB, ele é assim apresentado: “é uma organização
não governamental, sem fins econômicos, constituída em novembro de 2006
pela família Oliveira e liderado pelos professores João Batista e Mariza”. Em
outra página, ainda no mesmo site, diz que: Para incentivar a equidade no ensino
brasileiro, o IAB criou o prêmio Prefeito Nota 10, que vai dar 200.000 reais a
prefeitos cuja rede de Ensino Fundamental obtiver a melhor avaliação na Prova
Brasil.
A primeira edição do Prêmio aconteceu em 2014. A Organização
Odebrecht e a Gávea Investimentos são parceiras do IAB nessa iniciativa, que
conta com o apoio da Veja.com. A secretaria municipal contratou os serviços do
Instituto Alfa e Beto pelo mesmo período da gestão que assumiu a prefeitura que
vai de 2013 a 2016. De acordo com a fala das professoras entrevistadas que
trabalham na rede municipal,
8
Na esteira de Gramsci (1968; 1995), Freire (1987; 2007), Giroux (1997), Giroux e Mclaren (1997),
compreende-se que o professor é um intelectual crítico transformador da cultura dominante e não um
serviçal técnico que executa funções práticas operacionais, quase que exclusivamente, como pensam alguns
projetos privatistas da educação no contexto do capitalismo contemporâneo.
O professor não deve abrir mão de um profissionalismo interativo, isto é,
“os professores, como grupo, devem possuir maior poder de escolha na tomada
de decisões em relação às crianças, pois conhecem melhor, o que
consequentemente, as beneficia” (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 11). Logo,
agir isoladamente pode criar uma cultura pior do que a que já está implantada
nas escolas de um modo geral. É importante que situações como estas sejam
denunciadas em organização colegiada pelos professores, a fim de não serem
adotadas, como aconteceu com uma escola pública em Salvador, cujos
professores não aceitaram a implantação do referido programa.
Em matéria divulgada pelo Jornal A tribuna, que teve como manchete
“30% das escolas municipais em Salvador rejeitam o Alfa & Beto”, apresentava
o pensamento da supervisora em relação à visão dos professores sobre o
referido programa:
Esta fala retrata o modo como o currículo acontece nas salas de aula,
pois, segundo Renata, o modo como é organizado o ensino não dá espaços para
o professor agir de maneira diferente ao que o sistema impõe, pois, ao se referir
ao modo como trabalha o ensino de ciências e como faz uso somente do livro
didático fornecido pelo programa do Instituto Alfa e Beto, passa a ideia de um
ensino superficial e memorístico:
O livro de ciências é texto, 20 perguntas, texto, 20 perguntas e
só corpo humano e sistema excretor, sistemas, uma tristeza! Eu
preferia mil vezes estar morrendo de elaborar minhas atividades,
mas pelo menos minha consciência estaria tranquila. Porque eu
não posso reprovar metade da minha turma. Porque se mais da
metade fica, o erro está em mim. E o que tenho que fazer?
Empurrar para a série seguinte! E é como eles estão indo,
empurrados! A gente está só reproduzindo. Tudo pronto! Isso é
tal, conteúdo tal, página tal! A aula tal, você vai cuidar até a
questão tal. (Renata. Professora do 3º ano. Entrevista).
9
O sentido de continuidade do ensino de ciências é compreendido pelas professoras
como o caráter de prosseguimento nos mesmos assuntos de maneira aprofundada no ano/série
posterior pela criança que envolverá aspectos mais complexos que não foram visto no ano
anterior.
séries/anos posteriores. Quanto a sua autonomia para o planejamento no
sistema de ensino municipal Renata se expressa nos seguintes termos:
Renata aponta para pelo menos três pontos a considerar em sua fala ao
se reportar à maneira como se sente subtraída em sua autonomia em sua prática
docente no sistema municipal de ensino. Ela comenta no excerto acima sobre o
planejamento do qual efetivamente não participa, não vê sentido nesse encontro
denominado de planejamento pela escola, pois é só um momento para receber
um material pré-fabricado, de cuja elaboração não participou, com o qual se
sente apenas na obrigação de cumprir o que foi pensado por outros. Outro ponto
se refere ao desejo de poder assumir sua autoria na elaboração de suas
atividades com os alunos, e finalmente, à responsabilidade que se impõem ao
“empurrar os alunos” para a série/ano seguinte.
Sobre este último ponto, o Ministério da Educação lançou em 2012 o
documento intitulado “Elementos conceituais e metodológicos para definição dos
direitos de aprendizagem e desenvolvimento do ciclo de Alfabetização do 1º, 2º
e 3º ciclos do Ensino Fundamental”. Objetivando a progressão da aprendizagem
no Ciclo de Alfabetização, este documento apresenta Objetivos de
Aprendizagem organizados em torno de Eixos Estruturantes, concebidos para
garantir os Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento que compõem cada
Área de Conhecimento e o Componente Curricular Língua Portuguesa.
Em uma de suas falas acima, Renata dizia que os alunos devem conhecer
o básico e que irão aprofundar nas outras séries o conteúdo estudado em uma
anterior. Mas isto não quer dizer que a criança deverá ter acesso apenas a um
conteúdo pouco aprofundado. Com vista a orientar o professor sobre essa
elaboração, o MEC disponibilizou em seu site a estrutura e os fundamentos de
cada eixo, seguindo a seguinte classificação quanto à atividade e seu
aprofundamento. Assim diz o documento:
Para cada Objetivo de Aprendizagem, nesta proposta, o
professor encontrará uma escala contínua de desenvolvimento
I/A/C a ele relacionado.
I (Introduzir) = mobilizar as crianças para que iniciem,
formalmente, a relação com os conhecimentos referentes aos
objetivos a ele associados. A (Ampliar) = mobilizar as crianças
para expandir esta relação. C (Consolidar) = mobilizar as
crianças para sistematizar conhecimentos no processo de
aprendizagem. O Ciclo da Alfabetização pressupõe [...] Na área
de Ciências da Natureza, o objetivo é ampliar a curiosidade
das crianças, incentivá-las a levantar hipóteses e a construir
conhecimentos sobre os fenômenos biológicos, físicos e
químicos, sobre os seres vivos e sobre a relação entre o
homem e a natureza e entre o homem e as tecnologias. É
importante organizar os tempos e os espaços da escola para
favorecer o contato das crianças com a natureza e com as
tecnologias, possibilitando, assim, a observação, a
experimentação, o debate e a ampliação de conhecimentos
científicos (BRASIL, 2012, p. 22-23. Grifos meus).
10
A Agenda 21 pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades
sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e
eficiência econômica (ano).
Renata ao modo como o ensino é organizado e fiscalizado. Na rede estadual as
professoras de um modo geral possuem uma margem muito maior de autonomia.
A escola pública é uma espaço onde o professor tem autonomia inclusive
para ver resultados. Tal como se manifesta Kátia: Eu sou uma pessoa
compromissada com a minha profissão. Eu sempre quis ver resultados e nem
sempre a gente tem apoio de gestão, da família (Kátia, professora do 3º ano.
Entrevista). Penso que a escola pública tem condições de fazer um excelente
trabalho. O professor da escola pública goza de autonomia maior do que em
qualquer outro lugar, seja em nível da Educação Básica ou Superior, falo isto
com base em minha experiência docente e no que leio de pesquisas em
educação que defendem a escola pública como o espaço da possibilidade de
transformação (SAVIANI, 2009).
É evidente que quando o espaço público começa a trabalhar dentro da
dinâmica do capital, ao ponto de o professor não ter direito de fazer seu
planejamento, esse espaço de autonomia passa a se transformar num espaço
de alienação e proletarização do trabalho docente.
Construindo síntese...
11
Para um aprofundamento dessa questão e sua origem na episteme proposta por Aristóteles,
ver Monteiro (2012).
12
A estrutura do saber decorre da elaboração do conhecimento produzido como parte
estruturante da ontologia do ser, portanto ao saber-fazer acopla-se um saber-ser. Segundo Zubiri
(2011, p. XXXVI), “o saber se dá pela apreensão de algo prévio (grifo do autor), além do
apreensor. [...] saber é dar-se conta das coisas. Esse dar-se conta do ato intelectivo é um estar
‘com’ a coisa e ‘na’ coisa, ao mesmo tempo em que ela queda na intelecção. Inteligir algo é
apreender intelectivamente este algo na unidade estrutural do ato de apreensão”.
O conceito de saber é um conceito fundamental para caracterizar a
formação do professor como um sujeito profissional, embora haja também um
conjunto de problemas postos nesse próprio conceito de saber e de
profissionalidade, porque a tendência é ligar a profissionalidade exclusivamente
a uma prática, portanto, a uma ação prática sem considerar quais são os
fundamentos que a instrumentalizam, que inspiram e que direcionam a prática.
Só sabemos para onde ir ou para onde vamos quando temos consciência das
ideias e das teorias que fundamentam as ações (GHEDIN, 2007).
O professor, para tornar-se um profissional há que aprender a dominar
um conjunto de saberes que se constituem de práticas e de experiências da
própria atuação profissional que possibilitam e condicionam suas decisões no
desdobramento do processo de ensino.
No meu entendimento, para um processo adequado de formação
humana como profissional da educação e do ensino de ciências deve-se levar
em conta a relação com o conhecimento13 e esta relação com o conhecimento
está atrelada a outros conceitos constitutivos do trabalho docente e que não
serão objetos de análise em minha abordagem14.
O sentido que atribuo ao conceito de experiência tem como base a
compreensão de Larrosa (2002, p. 20) “a experiência é o que nos passa, o que
nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa não o que acontece, ou o que
toca”. Como identificar por entre as histórias das professoras saberes ou o saber
da experiência?
Alguns teóricos dizem que a experiência não é a vivência, mas o que eu
faço com o que eu vivo é que se transforma em experiência (FRANCO, 2012).
Josso (2004) fala da experiência formativa, ao se referir a experiências vividas
que, de alguma forma, marcam a pessoa e passam a incorporar-se aos seus
saberes de modo tão significativo que passam a fazer parte de suas atitudes e
ações no cotidiano de vida e trabalho. Uma experiência pode ser tão expressiva
que represente “um divisor de águas” na vida da pessoa, o que Josso denomina
de experiência charneira.
13
O aprofundamento para a questão “Da relação com o saber” pode ser visto em Charlot (2000;
2001).
14
Não compõem objeto de análise dessa abordagem a literatura e as pesquisas sobre formação
de professores desenvolvidas a partir dos conceitos de “competências”, “professor reflexivo” e
“necessidades formativas”, a não ser pelo intercruzamento de uma epistemologia sistêmica.
Considerando-se os saberes da experiência, (FRANCO, 2012), não se
pode reduzir a estudos de métodos e técnicas – como receitas – no sentido de,
com isso, sanar os problemas encontrados no processo de ensino e de
aprendizagem. Superar essa ideia faz-se necessário, com o objetivo de ampliar
as práticas relacionadas à formação docente, incorporando questões como
pesquisa sobre a própria prática docente, a reflexão sobre esta prática e o
desenvolvimento de pesquisas. Nesse caso, os saberes da experiência estão
intimamente relacionados com os processos reflexivos sobre as vivências
dos professores. Na lógica das práticas, o componente existencial, emocional,
afetivo é de fundamental importância para desracionalizar o excesso de teorias
estéreis e desconectadas que têm fundamentado os processos formativos
docentes.
Segundo Franco (2008), é fundamental focar em dois elementos: primeiro
uma análise que se paute na mediação entre discursos e práticas articulados
sob a forma de saberes pedagógicos (prática do saber); segundo, uma análise
que se organize mediante a mediação entre prática, teoria e reflexão coletiva,
expressa sob forma de saberes docentes e pedagógicos (saber da prática), ou
seja, a vivência refletida constitui-se em conteúdo da experiência e essa em
saber produzido no contexto da escola, na condição de desenvolvimento
profissional contínuo como componente da identidade docente.
Dessa forma, cabe destacar que a prática do saber e o saber da prática
acabam sendo fundamentais para estabelecer as mediações que articulem as
lógicas da prática com as lógicas da formação na exata medida com as lógicas
das pesquisas sobre formação de professores (FRANCO, 2012). Neste sentido,
os conhecimentos que emergem desse processo articulam-se às dimensões da
formação num caminho que produz reflexões sobre a prática educativa que se
converte em identidade e desenvolvimento profissional docente que se tornam
essenciais aos professores na condição de formação contínua no contexto da
escola. Obviamente que isso não goza de tranquilidade nas análises que os
pesquisadores fazem sobre a comunicação entre as duas lógicas, porém, isso
exerce um papel fundamental à pesquisa sobre formação docente e à construção
de sua identidade.
Existe uma ideia geral de que experiência é sinônimo de tempo de serviço,
ou está ligado à ideia de informação sobre algo. Neste sentido, a professora
Michele se manifesta:
Como vimos, existe uma ideia que considera a experiência como sinônimo
de tempo. Michele parece indicar em seu relato que não é o tempo apenas que
conta em sua experiência, mas a postura de tentar aprender algo novo a cada
ano, quando diz que: Nesses 35 anos de profissão sempre procurei todo ano
aprender alguma coisa. Outra ideia de experiência muito presente é a que se
toma a experiência como sinônimo de informação. Segundo essa concepção de
experiência, seria experiente quem tem acesso a uma quantidade significativa
de informação ou possui um excelente acervo, entre outros artefatos provedores
da informação.
Não estar inteirado das coisas, ou não obter informação sobre tudo o que
está ao nosso redor pode parecer para o senso comum um sujeito atrasado,
desatualizado, o que, segundo Larrosa (2002), não é bem assim. Em parte, fica
subentendido no relato da professora Michele essa busca por tudo, como uma
busca por informações, que lhe atualizem e lhe auxiliem em sua prática docente,
quando ela se manifesta assim: Eu corro em busca de tudo. De curso em
Ciências e em Matemática, trabalhando com feiras de ciências.(Michele)
O sentido que adoto de experiência para análise do material construído
por meio dos relatos das professoras, baseia-se na ideia de experiência como
entende Larossa (2002, p.20) a experiência é aquilo que nos toca. E nos alerta
para não confundirmos a experiência com a informação. Muito menos com a
opinião, pois estes dois signos: informação e opinião são contrários à
experiência.
Segundo Larrosa (2002) uma pessoa que esteja o tempo todo em
constante busca pela informação não se permite construir a experiência, porque
não se permite tocar por nada. Sua busca pela última notícia do momento
baseia-se na ideia de que é necessário saber opinar sobre as coisas e para saber
opinar tem-se que estar bem informado. Isto criou o signo sociedade do
conhecimento (HEARGREAVES, 2002) ou a sociedade da informação, tão
preponderante no discurso atual.
Larrosa (2002, p. 21) comenta com apoio em Benjamin (1986) “que o
periodismo é o grande dispositivo moderno para a destruição generalizada da
experiência”. E acrescenta a esta ideia do autor dizendo que, “tudo o que se
passa está organizado para que nada nos aconteça”. Ou seja, a informação não
é experiência nem a opinião é experiência. Essa busca intermitente por
informação impede-nos a possibilidade da experiência. Isto é, “o periodismo
nada mais é que a aliança perversa entre a informação e a opinião. [...] Quer
dizer, um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da
opinião, é um sujeito incapaz de experiência” (LARROSA, 2002, p.22)
O estudo de Larrosa (2002) é profundo no sentido de nos fazer pensar o
que de experiência eu tenho realmente? O que de fato me toca? O que toca
meus sujeitos, que não seja o projeto de informação e manipulação do
mecanismo de informação/opinião, seja em nível individual ou socialmente
falando ao qual nos assujeitamos quando não fazemos do processo de dar
sentido e significado ao mundo e ao que nos acontece um momento de
superação e de aprendizado, de conhecimento de si?
Outro ponto a considerar na compreensão de experiência de Larrosa
(2002) é que,
[...] a experiência é cada vez mais rara, por falta de tempo. Tudo
o que se passa, passa demasiadamente depressa, cada vez
mais depressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e
instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou
por outra excitação igualmente fugaz e efêmera.
Deste modo como permitir que algo nos toque? O que vejo, escuto, sinto
por entre as histórias das professoras que seja de fato uma experiência, ou um
saber da experiência? Antes de trazer as falas dos sujeitos que possam nos
apontar algo no sentido do que Larrosa (2002) nos esclarece como experiência,
é importante compreendermos o que antecedente à experiência que nos permita
ser tocados por algo que nos conduza à experiência.
Larrosa (2002) afirma que,
Diana revela um anseio que seus alunos aprendam e isto para ela é a
questão mais importante, de seu trabalho. Quando não consegue êxito, busca
as colegas para aprender na partilha de experiências um modo melhor de
ensinar ciências. Ela manifesta atitude de busca constante, de humildade
profissional, ao buscar conhecer modos de colegas agirem na profissão. Ela
também atribui como sentido à prática docente no ensino de ciências que o
professor precisa ser um sujeito dinâmico e que saiba chamar a atenção dos
alunos. Assim se expressa Diana:
Até aqui apontei algumas situações vividas por Diana e Amanda as quais
percebo tomadas de um desejo de melhoria, de mudança ao querer sair de um
estado que as incomoda sobre o modo como ensinam ciências, o que as faz
mobilizarem-se para melhorar sua prática, uma mudança de dentro para fora. No
caso de Diana quando não consegue resolver determinados problemas em sala,
busca assistir as aulas com as colegas para melhorar sua prática.
O saber da experiência com base no que se conjecturou até aqui é o saber
que nos toca, fazendo-nos mudar nosso modo de ser, dar sentido a si mesmo,
ao mundo e às pessoas, ou seja, o saber da experiência é um saber que se
diferencia dos outros saberes pelo modo como nos transforma. Sobre esta
questão afirma Heidegger (1987, p. 143):
[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos
acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba
e nos transforma. Quando falamos em “fazer” uma experiência,
isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer,
“fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança
receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo.
Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar
em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-
nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais
experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo.
Diana vive uma fase de travessia com esta nova turma em que os pais
não comparecem como talvez comparecessem os pais dos alunos do ano
anterior. Esse sofrimento que faz com que Diana se sinta afetada como diz, e o
fato de sentir dificuldades para que seus alunos aprendam tem feito com que a
professora busque com as colegas novos jeitos de ensinar. Seu saber
experiencial está sendo posto à prova, especialmente com os pais com quem
dizia contar com a presença na escola de maneira efetiva.
Outro ponto que marca o saber experiencial das professoras são as
buscas pelo saber que não sabem. As lacunas deixadas pela formação inicial
são transformadas nos espaços de formação contínua que fazem na troca de
experiências, onde cada uma delas se permite vivenciar algumas experiências
vividas por outras a fim de aprender na docência como ensinar ciências.
De acordo com Nóvoa (1997), o saber da experiência abre o professor
para outros saberes, um deles é o saber pedagógico e o saber científico. Como
enfatiza Nóvoa (1997, p. 13),
Uma das frases mais comentadas por Regina, Amanda, Renata, Diana,
Michele e Kátia foi: o que eu não sei, eu busco! Essa postura aberta marca o
sujeito da experiência porque ele se deixa tangenciar no sentido de sua
transformação por uma ética do compromisso com o trabalho docente e consigo
mesmo.
Neste sentido, a professora Kátia assim se manifesta em relação ao valor
que tem para ela o conhecimento:
O conhecimento é necessário porque o professor deve estar o
tempo todo pesquisando, procurando meios para resolver os
problemas que acontecem na sala de aula. Quando eu digo
problemas não é de indisciplina. Se um aluno não está
aprendendo, por exemplo, eu procuro saber como eu posso
intervir? Como vou resolver essa questão, aí entra o
conhecimento (Kátia. Professora do 3º ano. Entrevista).
15
Schön (2000) discute isso no segundo capítulo da obra. Inclusive Pimenta (2012) sustenta que
esse é um ponto em todos os críticos de Schön concordam, pois nessa parte de sua abordagem
ele parte mais de uma perspectiva realista do que idealista da reflexão, essa tem como referência
a realidade e o fazer concreto sobre o qual se age e opera a reflexão-na-ação.
experiências que, analisadas e refletidas contribuirão tanto à elaboração teórica,
quanto ao revigoramento e o engendrar de novas práticas.
Na formação inicial, esse processo poderá acontecer por meio de
pesquisas sobre a atividade docente escolar, trabalhando a pesquisa como
princípio formativo na docência. Assim, ao conhecer diretamente e/ou através de
estudos as realidades escolares e os sistemas onde o ensino ocorre, os
graduandos começarão a olhar, ver e analisar as escolas existentes com olhos
não mais de alunos, mas de futuros professores.
No desenho de novas perspectivas, à formação e às pesquisas sobre
formação Pimenta (1999; 2012) atrela o desenvolvimento e a formação da
identidade aos saberes e estes aos processos reflexivos que se constituem na
ação docente. “Refletir na ação, sobre a ação e sobre a reflexão na ação: uma
proposta metodológica para uma identidade necessária de professor” e aponta
o professor reflexivo, baseado em Schön (2000), como uma nova tendência na
pesquisa sobre formação de professores. Essa perspectiva entende o professor
como um intelectual em processo contínuo de formação e autoformação, na qual
os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas
experiências práticas, cotidianamente.
Nessa perspectiva de formação, três processos são considerados: (1)
produzir a vida do professor, seu desenvolvimento pessoal; (2) produzir a
profissão docente, seu desenvolvimento profissional; e (3) produzir a escola,
promovendo através de uma atuação refletida o desenvolvimento
organizacional. Esse viés formativo implica em posições político-educacionais
que apostam nos professores como autores da própria prática, com consciência
e sensibilidade social, desse modo, rejeitando a visão de abordagens de
reformas educativas de cima para baixo.
Infelizmente esse cenário idealizado por Pimenta enfrenta sérios
problemas na realidade do Sistema de Ensino Municipal de Boa Vista, pois muito
do que seria o trabalho de pensar, refletir, analisar, executar é feito por outros
que pensam para os professores executarem.
Penso que o estudos sobre os saberes docentes precisa ser feito
conjuntamente com os professores no contexto da escola. A reflexão na ação
como propõe Shön (2000). Infelizmente no caso desta pesquisa, o grupo focal
não foi possível ser realizado devido a dois longos períodos de greve que
dispersou as professoras participantes. Contudo, as reflexões quando de nossas
conversas infirmais eram ricas de reflexão sobre a prática sobre si na relação
com a formação e a profissão voltada para o ensino de ciências.
Por todos estes pressupostos apresentados sinteticamente, justifico
minha escolha por tais referenciais teórico-metodológicos para apostar e envidar
esforços para aprofundar estudos sobre essa tendência e seus eventuais
produtos, pois entendo que é uma tendência de formação de professores que se
configura como uma política de valorização do desenvolvimento pessoal-
profissional dos professores e das instituições escolares.
Alves (2007) estuda as teorias e as tradições que compõem o campo dos
saberes da docência. O autor destaca que os estudos sobre os saberes dos
professores, em âmbito internacional, compõem um amplo e diversificado campo
que vem se constituindo há várias décadas.
De acordo com Borges (2003), os estudos dos saberes dos professores
desdobram-se nas seguintes perspectivas: pesquisas sobre o comportamento
do professor, a cognição do professor, o pensamento do professor, pesquisas
compreensivas, interpretativas e interacionistas e pesquisas que se orientam
pela sociologia do trabalho e das profissões.
Para Borges (2003), as pesquisas compreensivas, interpretativas e
interacionistas são constituídas a partir da abordagem da fenomenologia, do
enfoque etnográfico e do interacionismo. Procuram investigar e evidenciar
pensamentos, ações e interações dos sujeitos, mas o fazem a partir da tomada
do contexto em que o sujeito está inserido, por meio de lentes históricas e
sociais.
Já as pesquisas que se orientam pelas contribuições da sociologia do
trabalho e das profissões detêm-se em pesquisar que o saber é aprendido pela
experiência, no trabalho e no decorrer de um longo processo que é a
socialização profissional (ALVES, 2007).
Os estudos sobre os saberes dos professores foram e estão sendo objeto
de apreciações de vários autores brasileiros que são por uns abraçados
rapidamente e por outros refutados sem muita análise. Nessa questão
destacam-se as pesquisas de Arce (2001), Freitas (2002), Duarte (2003),
Libâneo (2012) e Pimenta (2012), nas quais é possível perceber que não há
consenso entre eles e que o dissenso se manifesta, pelo menos, em três
dimensões: a epistemológica, a política e a profissional, a respeito das quais o
autor faz as considerações a seguir.
Alves (2007) assume que os estudos que se orientam pela epistemologia
da prática e seus correlatos fundam-se na filosofia pragmática deweyana e no
ideário da pós-modernidade, sendo portadores de todas as suas limitações.
Embora os estudos de Schön (2000) legitime-se na linha da prática-reflexiva a
partir das pesquisas de Dewey16, o conceito de reflexividade, segundo Libâneo
(2002), “[...] é justamente esse atributo de indivíduos e grupos humanos de
pensarem sobre si próprios”. Com base nisso, Alves (2007) mostra que a
reflexividade não tem somente um sentido e não pode ser ligada mecanicamente
à perspectiva pós-moderna, como defendem alguns autores. Mas neste caso,
preferimos ficar com o sentido de reflexão proposto por Dewey que a
compreende como um pensamento intencional elaborado pelo sujeito.
Por outro lado, os saberes docentes relacionam-se à dimensão
econômica-política, isto é, o surgimento dos estudos sobre os saberes dos
professores e as proposições dele advindas são expressão do neoliberalismo e
convergem para o processo mais amplo de reestruturação produtiva no
capitalismo. O neoliberalismo corresponde a um conjunto de receitas
econômicas e programas políticos propostos a partir dos anos de 1970 do século
passado.
Alves (2007), no que concerne à dimensão profissional, assume que as
teorias do saber docente podem contribuir para o desenvolvimento da
profissionalidade do professor e para o avanço das condições de oferecimento
da educação escolar. O professor-reflexivo, o professor pesquisador, a
epistemologia da prática, o processo de constituição dos saberes etc... são
temáticas que não podem ser pensadas em abstrato.
Logo, a crítica à racionalidade técnica e ao sentido do processo formativo
presentes em muitos cursos de formação profissional passou a ser questionada,
bem como foram colocadas em pauta s condições concretas de exercício
profissional. Isso representou o entendimento de que a formação inicial e
contínua precisava avançar em vários aspectos ligados à questão pedagógica,
mas também em aspectos referentes à dimensão política e epistemológica.
16
Para aprofundamentos e compreensão dessa perspectiva ver Dewey (2010 –
publicado em inglês originariamente em 1938; 1979 – publicado em inglês em 1933)
Neste bojo temático está a discussão sobre a noção de profissionalismo no
ensino, que é bastante acirrada.
Franco (2008) discute essa questão, analisando duas lógicas: a lógica das
práticas e a lógica da formação, mediadas pelos saberes pedagógicos. Relata
que a concepção tecnicista influenciou no estágio, visto nas propostas de
formação docente predominantes em nosso país, como o momento da prática,
e sendo utilizado para que o sujeito aprenda a reproduzir um fazer considerado
necessário. É essa prática responsável pelo choque que tem o futuro professor
nos primeiros confrontos com as atividades docentes. Entretanto, é exatamente
essa situação que a autora define como espaço da possibilidade, e apresenta
dois caminhos pelos quais se pode optar: a construção de um fazer significativo
ou a negação dessa possibilidade, optando por abandonar suas expectativas.
Para Lisina (2006), é necessário superar as distancias entre a lógica das
práticas e a lógica da formação. Ambas têm que caminhar juntas, objetivando o
encontro do sujeito com o seu fazer, num processo de ação reflexiva, ou seja,
na construção da possibilidade da práxis.
Para Franco (2012), os saberes pedagógicos são mediadores e devem
ser observados e explorados no processo de formação de professores. A autora
destaca que os saberes pedagógicos só são possíveis em um sujeito que vai
gradativamente assumindo uma posição política frente ao compromisso de ser
professor, engajando-se criticamente em suas circunstâncias, cercando e
acercando-se de sua realidade existencial, transformando-a em direção às suas
intencionalidades.
Dessa forma, as instituições de formação de professores precisam se
transformar em seus tempos, em seus processos formativos, construindo um
novo espaço, onde a aprendizagem cooperativa seja fomentada, articulando vida
e formação, sujeito e coletividade, intencionalidades e práticas.
A ideia fragmentada de corpo humano, que até os dias atuais perdura nas
escolas, e também está presente nos livros didáticos mais antigos, preferidos de
Renata, é reflexo de um longo movimento, em cuja trajetória, os avanços da
ciência foram sendo paulatinamente construídos e com muita dificuldade de se
fazer compreendido em uma visão integradora, holística.
Renata também toma como ponto balizador para o saber pedagógico do
conteúdo o conhecimento prévio dos alunos. Esse conhecimento prévio que se
manifesta sob o nome de senso comum é que pode se tornar a matéria prima
para o conhecimento científico. Tocada por essa prática baseada no
conhecimento primeiro do aluno, a professora Diana se manifesta nos seguintes
termos:
Construindo sínteses...
Construindo sínteses...
Connelly e Clandinin
17
Larrosa (2011, p.13)
Entre os sentidos expressos, vejo o ensino de Ciências como fazendo
uma travessia que horas tem um misto de dois tipos de saberes qual seja, o
saber transmissão (ensino como produto) e o saber experiência (ensino como
processo) Os estudos sobre a experiência me fizeram criar essa interpretação
do ensino de ciências.
Quando as professoras falam de suas aulas de ciências que trabalham o
conteúdo de ciências fechado nele mesmo, em cujo processo cognitivo apenas
a cópia e a memorização estão presentes, nesse momento vai sendo manifesto
um saber transmissão. Que nós conhecemos como dentro de uma tendência
pedagógica tradicional, tecnicista. Como é expresso nos relatos o modo com
Instituto Alfa e Beto direciona o sistema municipal de ensino de Boa Vista.
Mas quando as professoras constroem o conhecimento neste ensino de
ciências, problematizando a partir da experiência dos alunos de acordo com o
nível em que se encontram, levando em conta o conhecimento que trazem, sua
cultura, seus extrapolamentos em outros níveis da vida, aí vai se manifestando
no ensino de ciências um saber experiência que forma e transforma.
Como dizem os estudos que tratam sobre a experiência, não é que o
professor vai colocar o seu saber contra o saber do aluno, mas colocar uma
experiência junto da outra experiência tal como o esquecimento da professora
com o esquecimento do aluno, no caso das “cocadas esquecidas” pela
professora.
Manter a inquietação do aluno pela aula, pelo que aprende, fazer das
dificuldades do aluno narrada por ele próprio para saber o que lhe incomoda que
lhe impede de participar da aula, vai transformando o que seria ´um problema de
sala de aula em problema de pesquisa em conjunta pela professora e o aluno na
busca de soluções conjuntas.
Este é um processo de ensinar ciências em que as experiências do aluno
tomam parte neste ensino desde o que já conhecem como as explorações que
podem ser feitas em sala de aula ou fora dela para o aprendizado de ciências.
Na rede estadual de ensino o ensino de Ciências se expressa nos relatos
das professoras de modo muito mais livre com uma margem muito maior de
autonomia, que permite às professoras um saber experiência.
Um outro sentido identificado por entre as histórias das professoras foi a
transformação dos limites em possibilidades, que eu chamo de protagonismo
docente. Nesta esteira as professoras que trabalham na rede estadual e também
na rede municipal expressam a resistência quanto à coordenação pedagógica
fiscalizadora, a avaliação imposta pelos modelos do Instituto Alfa e Beto presente
no Sistema Municipal de Ensino e às formas de coerção do trabalho docente,
deste a falta de autonomia para desenvolver o planejamento e a aula dos
estudantes da rede municipal.
Em contrapartida o ensino de ciências encontra sentido segundo o que as
professoras expressam quando:
têm um sentido de continuidade, para ir aprofundando nos anos
escolares subsequentes o ensino de ciências;
criam saberes pertinentes aos desafios da prática docente;
quando respeita o nível dos alunos e não precisam avançar para
outro conteúdo sem que o aluno tenha aprendido;
quando é respeitado o conhecimento prévio;
tem sentido o ensino de ciências com afetividade;
quando a avaliação do ensino de ciências é entendida como
sentido pedagógico e melhoria da aprendizagem e do ensino e não
como quantificação, classificação excludente;
Quanto ao contexto do ensino de ciências perceb-se que existe um
enfrentamento a situações de autonomia subtraída e ao mesmo tempo um
protagonismo docente por parte das professoras que se manifesta pela
resistência e o enfrentamento das situações adversas superação do que lhes
constrange no ambiente de trabalho cerceador.
Protagonismo Docente
Considero que o protagonismo docente é um princípio que s professoras tomam
como elemento formativo e desencadeador de mudanças em sua prática. A não
aceitação das condições castradoras que as professoras enfrentam seja quando
isto se reflita na relação com os pais dos alunos, que elas querem contar com a
parceria na escola, seja quando querem assegurar seu modo de trabalhar sendo
respeitada sua subjetividade, no modo de planejar, avaliar o ensino de ciências,
bem como na maneira como só desenvolvem as aulas, as professoras tomam
como princípio o protagonismo docente em suas ações.
Vejo três sentidos que dão base para a autoformação das professoras: o
sentido transformador, o sentido existencial, o sentido do inacabamento
presentes em suas posturas expressos ao ensinar ciências.
Enxergo estas seis professoras como mulheres reais em contexto real de
ensino que reconhecem seus limites, suas fragilidades, mas, mesmo assim
continuam acreditando no que fazem e não desistem da luta pela condição de
trabalho melhor para elas e seus alunos. Esse sentido transformador é
constituidor de sua auto-formação.
O sentido existencial também é tomado como balizador de suas ações,
reflexões, e considero que a relação da vida com a formação e a profissão é que
permite a construção contínua de saberes. Digo isto porque o trâmite entre o
sentido de ensinar também está vinculado ao sentido do existir, daquilo que
constitui cada uma na sua pessoalidade e reflete no modo como ensinam.
O outro sentido que dá base para a autofomação é o sentimento de
inacabamento que expressam na maneira como buscam a prender, o que não
sabem, quando pesquisam na Internet, em sites, blogs, textos, filmes, aulas,
experimentos de ciências, a fim de criar aulas mais interessantes e atraentes aos
alunos.