Objeto e Princípio Da Vinculação Temática

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OBJETO E PRINCÍPIO DA

VINCULAÇÃO TEMÁTICA
RESOLUÇÃO DOS CASOS PRÁTICOS N.OS 1, 2 E 3

Joana Reis Barata


Direito Processual Penal – TA
Ano letivo: 2019/2020
Regência: Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes
ESQUEMA (SIMPLIFICADO) DE RESOLUÇÃO DE CASOS PRÁTICOS

Nota: A mera alteração da Novo processo


qualificação jurídica (na qual não existe Referência às
alteração de factos) segue o regime da consequências
Autonomizáveis
alteração não substancial de factos jurídicas no caso
Acordo (se possível)* de pronúncia
e continuação pelos (instrução) ou de
factos novos condenação
Alteração (julgamento) do
substancial de arguido por uma
Preterição do
factos conhecimento dos alteração
factos novos substancial de
factos e por uma
alteração não
Alteração de Demais teses sobre a
substancial de
factos Não autonomizáveis possibilidade de aproveitamento
(questionáveis à luz da lei vigente)
factos

Alteração não Comunicação dos novos Acordo (se possível)*


substancial de factos; prazo para defesa; e continuação pelos
continuação do processo factos novos
factos *Na instrução, apenas por analogia
¡ A foi acusado da prática de um crime de furto de um
motociclo (p. e p. no art. 203.º do CP).
¡ No julgamento, perante a prova testemunhal produzida, o
Tribunal descobre que o Arguido, “para furtar o motociclo,
CASO arrancou o canhão da fechadura da garagem comum do prédio
PRÁTICO N.º 1 identificado na acusação e descarnou os fios da fechadura
eléctrica, tendo depois acedido ao interior da garagem e de lá
retirado e levado consigo o motociclo”, integrando deste
modo o tipo de furto qualificado (p. e p. nos arts. 203.º, n.º
1, 204.º, n.º 2, e), e 202.º, d) do CP).
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 1

¡ Questão 1: Como deverá o Tribunal proceder?

¡ Problemática: Alteração substancial de factos


CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 1

¡ Descoberta de facto novo: o arguido arrancou o canhão da fechadura da garagem comum do prédio identificado
na acusação e descarnou os fios da fechadura elétrica;
¡ Facto totalmente independente ou não? O facto não é totalmente independente, uma vez que existe um núcleo
comum mínimo de identidade com o objeto do processo;
¡ Alteração substancial ou não substancial de factos?
¡ Critério 1.º, alínea f) do CPP – o furto simples torna-se furto qualificado, o que leva a um agravamento dos limites máximos das
sanções aplicáveis; dispensa da verificação se estamos perante um crime diverso, uma vez que o critério quantitativo está
cumprido;
¡ Aplicação do regime artigo 359.º do CPP.
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 1

¡ Facto autonomizável ou não autonomizável (artigo 359.º n.º 1 ou 2 do CPP)?


¡ Várias teses:
¡ FREDERICO ISASCA: os factos são suscetíveis de fundamentar uma incriminação autónoma em face do objeto do
processo; os factos não autonomizáveis são factos que formam conjuntamente com os restantes factos da acusação uma
unidade de sentido que não permite a sua autonomização.
¡ PAULO DE SOUSA MENDES: os factos autonomizáveis são aqueles que permitem, sem prejudicar o processo em curso,
iniciar um novo processo penal, sem violação do princípio ne bis in idem; os factos não autonomizáveis estão
imbricados nos factos constantes da acusação
¡ GERMANO MARQUES DA SILVA: pode ser constituído um novo processo, independentemente do resultado do
processo em curso.
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 1

¡ Facto não autonomizável, logo:


¡ Artigo 359.º, n.º 1 ou artigo 359.º, n.º 3, do CPP?
¡ Possibilidade de acordo (artigo 359.º, n.º 3, do CPP)?
¡ Incompetência do tribunal constitui limite à possibilidade de acordo;
¡ Neste caso não era possível o acordo dos sujeitos processuais porque o crime passa a ser punível com pena de
prisão de 2 a 8 anos, sendo competente o Tribunal Coletivo e já não o Tribunal singular.
¡ Artigo 359.º, n.º 1, do CPP – consequências?
¡ A nova redação do artigo 359.º, n.º 1, do CPP parece ser inequívoca no sentido de não ser possível a extinção da
instância e de o processo prosseguir com preterição do conhecimento pelos factos novos;
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 1

¡ Artigo 359.º, n.º 1, do CPP – consequências? (cont.)


¡ Desenvolvimento das demais teses (questionáveis à luz da lei vigente):
¡ 1) Absolvição da instância;
¡ 2) Exceção inominada que determina que o processo seja remetido à fase de inquérito;
¡ 3) Impossibilidade superveniente do processo e respetivo arquivamento por aplicação analógica do disposto no
artigo 277.º, n.º 1, do CPP;
¡ 4) Suspensão da instância;
¡ 5) Prosseguimento dos autos com os factos constantes da acusação ou da pronúncia, complementadas com a
ponderação dos factos novos na medida da pena como circunstâncias agravantes
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 1

Contexto histórico e posição do TC

359.º, n.º 1, do CPP (redação anterior)


• “Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver,
não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em
curso; mas a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia para que
ele proceda pelos novos factos.”
359.º, n.º 1, do CPP (nova redação)
• “Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser
tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem
implica a extinção da instância.”
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 1

Tribunal Constitucional
Ac. 237/2007 Ac. 226/2008
(proferido na vigência da lei antiga) (proferido na vigência da lei nova)

Não inconstitucionalidade da norma do artigo 359.º do Não inconstitucionalidade da norma do artigo 359.º do
CPP, na redação anterior, quando interpretada no CPP, quando interpretada no sentido de que, perante
sentido de permitir, nas situações em que os factos uma alteração substancial dos factos descritos na
novos são não autonomizáveis em relação ao objeto do acusação ou na pronúncia, resultante de factos novos
processo, a absolvição da instância e a que não sejam autonomizáveis em relação ao objeto do
comunicação ao MP para que este procedesse processo, o tribunal não pode proferir decisão de
pela totalidade dos factos. extinção da instância em curso e comunicar ao MP
para que este proceda pela totalidade dos factos
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 1

¡ Ac. 226/2008 (proferido na vigência da lei nova):


¡ “O legislador optou por conferir mais intensa realização ao princípio do acusatório, com possível sacrifício da verdade material e da
legalidade”;
¡ “Não pode, todavia, dizer-se que isso conduza à desproteção penal dos correspondentes bens jurídicos”;
¡ “[o] que escapa definitivamente à sanção penal são circunstâncias modificativas especiais que nunca teriam relevância suficiente
para sustentar um processo à parte”;
¡ “o bem jurídico nuclear suscetível de justificar a incriminação encontra ainda o mínimo de proteção penal, sendo apenas
escamoteados alguns concretos fatores de intensificação dessa proteção”;
¡ “o inexorável sacrifício parcial do conhecimento da verdade material que daí decorre é consequência comportável [...] da “orientação
para a defesa” do processo penal e da posição diferenciadora dos sujeitos processuais, designadamente a que decorre da estrutura
acusatória do processo”.
¡ Posição do TC reiterada nos recentes Acs. n.os 711/2019 e 50/2020.
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 1

• A Constituição não impõe nem que os factos novos sejam


conhecidos, nem que sejam preteridos, sendo essa uma
Posição do solução que compete ao legislador ordinário. A solução
encontrada resultará da ponderação entre o princípio
Tribunal da descoberta da verdade material e o princípio do
acusatório, prevalecendo o primeiro quando se exige
Constitucional que haja extinção da instâncias para que os factos novos
sejam conhecidos e o segundo quando se impede o seu
conhecimento naquele ou noutro processo.
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 2

¡ Questão 2: E, se em julgamento e com base em prova testemunhal, se descobrir ainda que A:


¡ 2.1. Dirigiu a Z palavras ofensivas da honra e consideração, quando este o interpelou, perguntando-lhe o que fazia dentro
da garagem do prédio (cfr. art. 181.º do CP); e
¡ 2.2. No dia anterior ao do furto do motociclo, A fora surpreendido a tentar abrir o portão da garagem do prédio vizinho
com uma chave falsa (cfr. arts. 204.º, n.º 2, al. e), do CP).

¡ Problemática: Descoberta de factos novos que consubstanciam novos crimes


CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 2.1

¡ Questão 2.1.: Dirigiu a Z palavras ofensivas da honra e consideração, quando este o interpelou, perguntando-lhe
o que fazia dentro da garagem do prédio (cfr. art. 181.º do CP);
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 2.1
¡ Descoberta de facto novo: o arguido dirigiu a Z palavras ofensivas da honra e consideração quando este o
interpelou dentro da garagem;
¡ Facto totalmente independente ou não? O facto não é totalmente independente [cf. supra]. Neste caso, as injúrias
são autónomas do crime de furto perpetrado, porém acontecem no mesmo contexto histórico, pelo que ainda
existe a ligação ao chamado núcleo comum mínimo.
¡ Alteração substancial ou não substancial de factos?
¡ Critério 1.º, alínea f) do CPP – estamos perante um facto novo que é reconduzível a um tipo de crime diverso.
¡ Critério qualitativo: estamos perante crime diverso?
¡ Critérios: tese naturalista (acontecimento histórico diferente); tese normativista; acontecimento histórico diverso corrigido pelo
critérios da estratégia de defesa do arguido; valoração social diversa; juízo de ilicitude diverso combinado com mudança de estratégia de
defesa [...];
¡ Neste caso, estaríamos perante crime diverso, logo estamos perante uma alteração substancial de factos
¡ Atenção: Não basta que mude o tipo de crime para que estejamos diante de um crime diverso, tal como a manutenção do mesmo tipo de crime
não impede que estejamos perante um crime diverso
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 2.1

¡ Facto autonomizável ou não autonomizável?


¡ Várias teses:
¡ [cf. supra]
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 2.1

¡ Facto autonomizável, logo:


¡ Artigo 359.º, n.º 2 ou artigo 359.º, n.º 3, do CPP?
¡ Possibilidade de acordo do arguido (artigo 359.º, n.º 3, do CPP)?
¡ Incompetência do tribunal constitui limite à possibilidade de acordo.

¡ Se o arguido não desse o seu acordo: início de novo processo depois da comunicação ao MP.
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 2.2

¡ Questão 2.2.: No dia anterior ao do furto do motociclo, A fora surpreendido a tentar abrir o portão da
garagem do prédio vizinho com uma chave falsa (cfr. arts. 204.º, n.º 2, al. e), do CP).
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 2.2
¡ Descoberta de facto novo: o arguido foi apanhado a tentar abrir o portão da garagem do prédio vizinho com uma chave
falsa;
¡ Facto totalmente independente ou não?
¡ Discutível a independência total do facto [cf. supra].
¡ Neste caso, este acontecimento é relativamente autónomo do perpetrado, uma vez que até acontece no dia anterior ao mesmo, não
tomando lugar na mesma ocasião. Parece que, para além da identidade do arguido, não existe mais nenhum ponto de contato com o
objeto pendente
¡ Porém, ainda há ligação ao contexto histórico, pelo que pode ser considerado que ainda existe a ligação ao chamado núcleo comum
mínimo.
¡ Se considerado totalmente independente, haverá organização de novo processo (vale como notícia do crime – 241.º do
CPP); se considerado não totalmente independente:
¡ Alteração substancial ou não substancial de factos (regime do artigo 358.º ou 359.º do CPP)?
¡ Critério 1.º, alínea f) do CPP – estamos perante um facto novo que é reconduzível a um tipo de crime diverso.
¡ Critério qualitativo: estamos perante crime diverso?
¡ Critérios: [cf. supra]
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 2.2

¡ A alteração de factos é substancial logo, será um facto autonomizável ou não autonomizável (artigo
359.º n.º 1 ou 2 do CPP)?
¡ Várias teses:
¡ [cf. supra]
CASO PRÁTICO N.º 1 – QUESTÃO 2.2

¡ Facto autonomizável, logo:


¡ Artigo 359.º, n.º 2 ou artigo 359.º, n.º 3, do CPP?
¡ Possibilidade de acordo (artigo 359.º, n.º 3, do CPP)?
¡ Incompetência do tribunal constitui limite à possibilidade de acordo;

¡ Comunicação ao MP e início de novo processo nos termos do artigo 359.º, n.º 2, do CPP.
¡ B foi acusado da prática de um crime de furto (p. e p. no
art. 203.º do CP) de um livro de C.
¡ No final da instrução, o JI considera que:
¡ i) Está indiciada a ilegítima intenção de apropriação da coisa
CASO móvel alheia nos termos acusados. Contudo;
PRÁTICO N.º 2 ¡ ii) Julga não estar indiciada a subtracção; e
¡ iii) Acresce que considera indiciada a prévia entrega da coisa
e a inversão do título da posse por parte do Arguido.
CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 1

¡ Questão 1: Como deverá o JI proceder no final da instrução? Será legalmente admissível (cfr. arts. 4.º do CPP,
278.º e 279.º do CPC), ou ao menos aconselhável de lege ferenda, a absolvição do arguido da instância e a
abertura de um novo inquérito com todos os factos, aproveitando-se as provas obtidas no primeiro processo?

¡ Problemática: Alteração substancial de factos e crimes alternativos


CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 1

¡ Descoberta de facto novo: houve entrega prévia da coisa e inversão do título da posse; deu-se como não
provada a subtração;
¡ Facto totalmente independente ou não? O facto não é totalmente independente [cf. supra]
¡ Alteração substancial ou não substancial de factos?
¡ Critério 1.º, alínea f) do CPP – já não temos em causa um crime de furto simples, mas sim de abuso de confiança. Os limites
máximos das sanções aplicáveis são os mesmos, pelo que o critério quantitativo da do artigo 1.º, alínea f) do CPP não se
verifica.
¡ Critério qualitativo: estamos perante crime diverso?
¡ Critérios: [cf. supra]
¡ Neste caso, estaríamos perante crime diverso, logo estamos perante uma alteração substancial de factos
¡ Atenção: Não basta que mude o tipo de crime para que estejamos diante de um crime diverso, tal como a manutenção do mesmo tipo de crime
não impede que estejamos perante um crime diverso
CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 1

¡ Facto autonomizável ou não autonomizável (artigo 302.º n.º 3 ou 4 do CPP)?


¡ Várias teses [cf. supra]
¡ Neste caso, estamos perante um facto não autonomizável, segundo a doutrina maioritária
[contra Ivo Barroso];
¡ Possibilidade de acordo do arguido?
¡ Não existe previsão da possibilidade de acordo do arguido na fase de instrução, mas apenas na fase de
julgamento.
¡ Possibilidade de aplicação analógica do artigo 359.º, n.º 3, do CPP é defendida por alguma doutrina [PAULO
PINTO DE ALBUQUERQUE, GERMANO MARQUES DA SILVA, entre outros].
¡ Havendo acordo do arguido, o JI pode pronunciar o arguido pelo crime de abuso de confiança.
CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 1
¡ E se o Arguido não dá o seu acordo?
¡ Se é dada como não provada a subtração e não é possível conhecer a entrega prévia da coisa e inversão do
título da posse, parece que o JI terá de proferir despacho de não pronúncia, não havendo perseguição
penal por qualquer dos crimes.
¡ Eventual problema constitucional com o défice de proteção de bens jurídicos?
¡ Argumentos TC:
¡ “Não pode, todavia, dizer-se que isso conduza à desproteção penal dos correspondentes bens jurídicos”;
¡ “[o] que escapa definitivamente à sanção penal são circunstâncias modificativas especiais que nunca teriam relevância
suficiente para sustentar um processo à parte”;
¡ “o bem jurídico nuclear suscetível de justificar a incriminação encontra ainda o mínimo de proteção penal, sendo apenas
escamoteados alguns concretos fatores de intensificação dessa proteção”;
¡ Discussão sobre a “Wahlfeststellung” (Alemanha)
CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 2

¡ Questão 2: O Arguido poderá impugnar um eventual despacho de pronúncia que o pronuncie pela prática de um
crime de abuso de confiança (p. e p. no art. 205.º do CP)?

¡ Problemática: Impugnação de despacho de pronúncia


CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 2

309.º, n.º 1, do CPP


• “A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o
arguido por factos que constituam alteração substancial dos
descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no
requerimento para abertura da instrução.”
CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 2

¡ Logo, o arguido pode suscitar a nulidade do despacho, nos termos do artigo 309.º, n.º 1, do CPP;
¡ Terá 8 dias para o fazer, sob pena de sanação (artigo 309.º, n.º 2, do CPP).
¡ O despacho que indeferir a arguição de nulidade é ainda recorrível, nos termos do artigo 310.º, n.º 3,
do CPP.
¡ Nota: mesmo no domínio do novo código, há doutrina [José Souto de Moura] que entende que a lei consagrou uma vinculação
excessiva do juiz aos factos da acusação e que a pronúncia por factos que representem uma alteração substancial não afetaria o
princípio do acusatório.
CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 3

¡ Questão 3: Admita agora que a instrução foi requerida pelo Assistente (C), pretendendo que A fosse
pronunciado pela prática do crime de abuso de confiança (p. e p. no art. 205.º do CP) dado que, ao invés do
descrito na acusação, o livro tinha sido entregue pelo Assistente ao Arguido e este invertera o título da posse. O
Arguido poderá impugnar um despacho de pronúncia que o tenha pronunciado pela prática de um crime de
abuso de confiança (p. e p. no art. 205.º do CP)?

¡ Problemática: Delimitação dos poderes de cognição do JI


CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 3

Acusação do MP
Poderes de
cognição do JI
estão
Acusação do Assistente
delimitados por
Requerimento para abertura da instrução
CASO PRÁTICO N.º 2 – QUESTÃO 3

¡ O juiz não está a violar o artigo 303.º do CPP uma vez que pronuncia o arguido por factos constantes do
requerimento de abertura de instrução, sendo que os seus poderes de cognição ainda estão por ele delimitados.
¡ Assim, o despacho não padece de qualquer nulidade.
¡ Contudo, é possível recorrer do mesmo nos termos gerais do artigo 399.º do CPP;
¡ Nota: não se verifica a previsão do 310.º, n.º 1, do CPP, uma vez que a pronúncia é por factos que constam apenas do
requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente, e que não constam da acusação deduzida pelo MP.
¡ D foi acusado da prática de um crime de homicídio
negligente (p. e p. no art. 137.º, n.º 1 do CP).

CASO ¡ Após a produção de prova (em sede de julgamento), o


Tribunal fica convicto de que, afinal, D não agiu com
PRÁTICO N.º 3 negligência consciente mas antes com dolo eventual (ainda
que com base nos mesmos factos descritos na acusação).
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 1

¡ Questão 1: Poderá o Tribunal condenar D pela prática de um crime de homicídio simples (p. e p. no art. 131.º do
CP)?

¡ Problemática: Alteração da qualificação jurídica


CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 1

Artigo358.º
• 1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos
factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a
decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a
alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente
necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado
de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar
a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 1
¡ A solução vertida na lei é a da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal de julgamento, com reserva da
obrigatoriedade prévia de comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a
requerimento daquele, do prazo necessário à preparação da defesa, ressalvando os casos em que a alegação derive de
alegação pela defesa.
¡ Conhecimento dos factos e da qualificação jurídica por parte do arguido (Ac. STJ n.º 7/2008):
¡ Instituto da alteração dos factos na acusação e na pronúncia vêm assegurar as garantias de defesa do arguido, evitando que aquele
venha a ser julgado por factos diferentes daqueles pelos quais foi acusado ou pronunciado;
¡ O alargamento do âmbito de aplicação do referido instituto à alteração qualificação jurídica visou garantir que sejam asseguradas
todas as garantias de defesa do arguido, sendo necessário que, para isso, o arguido tenha conhecimento das disposições legais com
base nas quais será julgado;
¡ Só nos casos em que as garantias de defesa do arguido o exijam é que está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a
alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para a sua defesa. Por isso, poderá não ser comunicada se estiver em causa
um crime menos grave.
¡ Nota: cf. Ac. do TEDH Saddak e Outros v. Turquia, de 17.07.2001, refere-se que a comunicação deverá ser feita mesmo que se trate de uma
alteração da qualificação para incriminação menos grave.
¡ O que a lei pretende é que o arguido tenha conhecimento exato do conteúdo jurídico-criminal da acusação, uma vez que o arguido não
tem de se defender apenas dos factos que lhe são imputados, mas também da vertente jurídica que, em processo penal é, em muitos
casos, mais importante.
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 1

¡ No caso, havia um agravamento da responsabilidade do arguido, uma vez que, com os mesmos factos, era
entendido que aquele não teria agido com negligência, mas sim com dolo eventual.
¡ Com efeito, esta alteração tinha de ser dada a conhecer ao arguido, “sob pena de se trair o favor defensionis” [Ac.
STJ n.º 7/2008].
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 1

¡ Críticas quanto ao regime da qualificação jurídica:


¡ GERMANO MARQUES DA SILVA:
¡ O artigo 358.º, n.º 3, do CPP viola os princípios constitucionais do direito de defesa e do contraditório;
¡ O autor entende que a melhor solução seria submeter ao regime do artigo 359.º os casos em que a alteração da
qualificação jurídica implique a condenação em crime diverso ou aumento dos limites máximos da pena aplicável.
¡ DAMIÃO DA CUNHA: O artigo 358.º, n.º 3, do CPP é inconstitucional ao conferir a possibilidade de alterar
oficiosamente a qualificação jurídica.
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 1.1.

¡ Questão 1.1.: Sendo a resposta afirmativa, como poderia o Tribunal Singular condenar o Arguido por um crime
da competência do Tribunal Coletivo?

¡ Problemática: Competência do tribunal em função da alteração da qualificação jurídica


CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 1.1.

¡ Várias teses em causa:


¡ Interpretação restritiva inspirada no artigo 16.º, n.º 3, do CPP que passa pela limitação da pena àquela que era consentida pela
qualificação jurídica inicial [GERMANO MARQUES DA SILVA]
¡ O Tribunal Singular deverá declarar-se incompetente, nos termos dos artigos 32.º, n.º 1 e 33.º, do CPP e remeter para o
Tribunal Coletivo competente [PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE].
¡ Jurisprudência:
¡ Ac. TRP, processo n.º 2800/13.2TAVNG.P1 (10-01-2018) “No caso de mera alteração da qualificação jurídica na audiência de
julgamento perante o tribunal singular que implique imputação de crime punível com pena superior a 5 anos de prisão, o mesmo
tribunal pode condenar pela nova incriminação, após ter dado cumprimento ao disposto no artº 358º 3 CPP, apenas lhe sendo vedado
aplicar pena de prisão superior a cinco anos.”;
¡ Ac. TRE, processo n.º75/14.5GAORQ-A.E1 (22-05-2019) “Comunicando-se em sede de julgamento, após produção de alguma da
prova, uma nova qualificação jurídica para os factos da acusação, com um acréscimo de crimes imputados ao arguido, de que resulta
a incompetência funcional do tribunal singular, e perante a manifestação expressa do Ministério Público em não fazer uso da
faculdade prevista no n.º3 do artigo 16.º do CPP, a competência para o julgamento passa a ser do tribunal coletivo.”
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 2

¡ Questão 2: A sua resposta seria a mesma no caso inverso? Ou seja: se tivesse havido acusação pela prática de um
crime de homicídio simples (p. e p. no art. 131.º do CP), no julgamento, poderia o Tribunal com base nos mesmos
factos condenar o Arguido pela prática de um crime de homicídio negligente (p. e p. no art. 137.º, n.º 1 do CP)?

¡ Problemática: Competência do tribunal em função da alteração da qualificação jurídica


CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 2

¡ Problema da competência do Tribunal - ainda se coloca quando o Tribunal Coletivo confere maiores garantias ao
arguido do que o Tribunal Singular?
¡ Necessidade de comunicação?
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 3

¡ Questão 3: Poderá o juiz, logo no início da audiência de julgamento, proceder à alteração da qualificação jurídica
dos factos constantes da acusação ou da pronúncia?

¡ Problemática: Possibilidade de o juiz proceder à alteração da qualificação jurídica


CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 3
¡ Ac. STJ n.º 11/2013:
¡ “A liberdade do tribunal, no que concerne à apreciação da questão de direito, é, numa outra perspetiva, uma decorrência lógica do
dever que sobre ele impende de uma apreciação esgotante de todo o objeto do processo. A posição que quanto a esta questão aqui
se tome, terá os seus reflexos na questão do âmbito e dos efeitos do caso julgado. Entendemos pois, que só uma apreciação
esgotante da matéria de facto, i. e., a sua apreciação sob todos os pontos de vista jurídicos possíveis, é compatível
com a posição que acolhemos em sede de caso julgado e por sua vez coerente com a liberdade de qualificação
que aqui se defende. ” [citando FREDERICO ISASCA]
¡ “A solução da imodificabilidade da qualificação jurídica no momento do saneamento judicial dos autos é a única
consentânea com a proibição da sindicância do uso pelo Ministério Público da faculdade do artigo 16.º, n.º 3, por
via da sindicância da imputação penal feita na acusação [...] Em síntese, o legislador quis que a qualificação jurídica
dos factos feita pela acusação (pública ou particular) ou, havendo instrução, pela pronúncia fosse discutida na
audiência de julgamento e só nesse momento (acórdão do TC n.º 518798), podendo então os sujeitos processuais proceder a
essa discussão jurídica sem quaisquer restrições ou vinculações à qualificação feita em momento anterior. Razão pela qual o juiz,
aquando da prolação do despacho do artigo 311.º, não deve rejeitar a acusação e devolvê-la ao MP para as corrigir erros "claros" de
qualificação jurídica dos factos, sendo certo que a "clareza" do direito não é indiscutível. O tribunal não pode, no início da
audiência de julgamento, proferir despacho a alterar a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido na
acusação [...] Esta conclusão não prejudica o exercício do poder do tribunal durante a audiência nos termos do artigo 358.º n.º 3.”
[citando PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE]
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 3

¡ Ac. STJ n.º 11/2013 (cont.):


¡ “Ora, considerando que o referido n.º 3 é uma norma integrada no contexto global do mecanismo da "alteração não substancial dos
factos", prevista no artigo 358.º CPP, e que a alteração dos factos (n.º 1) só pode ocorrer, necessariamente, após produção de
prova, estabelecendo o n.º 3 que aquele n.º 1 "é correspondentemente aplicável" à alteração da qualificação jurídica, não faria
sentido que a alteração da qualificação jurídica pudesse ocorrer em momento processual diferente. [...] Por último, saliente-se que a
tese do acórdão recorrido conduz a uma solução, a nosso ver, inadmissível, pois a qualificação jurídica feita pelo Ministério Público
seria mero exercício anódino. O juiz, previamente ao julgamento do mérito, passaria a poder ingerir-se em competências alheias,
estruturando substancialmente a acusação, elegendo e impondo aos sujeitos do processo a qualificação correta, que nenhum
previamente (na fase própria) contestara. Daí que, sob pena de subversão do processo, de se criar a desordem, a incerteza, cada
autoridade judiciária terá que actuar no momento processual que lhe compete. E sendo indiscutível que o Tribunal é totalmente livre
de qualificar os factos pelos quais condena o arguido, certo é que o momento próprio para o fazer ocorre após haver
produção de prova, isto é, quando está a julgar o mérito do caso concreto.” [citando o Magistrado do MP nas suas
alegações]
¡ Fixação de jurisprudência: «A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos
factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia
com o disposto no artigo 358.º n.os 1 e 3 do CPP»
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 3

¡ Voto de vencido [MANUEL JOAQUIM BRAZ]:


¡ Se o juiz se aperceber de um erro na qualificação jurídica no início da audiência, deve declará-lo imediatamente;
¡ Prosseguir com a audiência para, no final, se declarar incompetente, não acautelaria qualquer valor do processo penal e
violaria os princípios da economia e da celeridade processual, com a prática de atos inúteis.
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 4

¡ Questão 4: Quais as consequências da não comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica na fase
do julgamento? E na fase da instrução?

¡ Problemática: Comunicação da alteração da qualificação jurídica


CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 4

¡ Obrigatoriedade de comunicação ao arguido:


¡ “Les dispositions de l'article 6 § 3 a) n'imposent aucune forme particulière quant à la manière dont l'accusé doit être informé de la
nature et de la cause de l'accusation portée contre lui. Il existe par ailleurs un lien entre les alinéas a) et b) de l'article 6 § 3 et le
droit à être informé de la nature et de la cause de l'accusation doit être envisagé à la lumière du droit pour
l'accusé de préparer sa défense (Pélissier et Sassi c. France précité, §§ 52-54). Si les juridictions du fond disposent, lorsqu'un tel
droit leur est reconnu en droit interne, de la possibilité de requalifier les faits dont elles sont régulièrement saisies, elles doivent
s'assurer que les accusés ont eu l'opportunité d'exercer leurs droits de défense sur ce point d'une manière concrète
et effective. Ceci implique qu'ils soient informés, en temps utile, non seulement de la cause de l'accusation, c'est-à-dire des
faits matériels qui sont mis à leur charge et sur lesquels se fonde l'accusation, mais aussi de la qualification juridique donnée
à ces faits et ce d'une manière détaillée.” [TEDH, Drassich v. Itália (n.º 1)]
CASO PRÁTICO N.º 3 – QUESTÃO 4

¡ Consequência de eventual falta de comunicação?


¡ Nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP? [posição maioritária]
¡ Mera irregularidade nos termos do artigo 123.º do CPP?

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