Viagem À Amazônia
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Viagem À Amazônia
João Meirelles
Viagem à Amazônia
João Meirelles
Belém, fevereiro de 2021
Este livro é apoiado pela Secretaria de Estado de Cultura do Estado do Pará, com recursos
provenientes da Lei Federal n.º 14.017, de 29 de junho de 2020.
Autorizada a reprodução do texto, somente em partes, desde que citada a fonte. Para citar
a fonte: Meirelles, João. Viagem à Amazônia: ou por que destruímos a Amazônia em uma
geração? Belém: Editora do Autor, 2021.
Para contato com o autor, download gratuito deste e de outros textos do autor: https://
www.joaomeirelles.com
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Sumário
Caro leitor 7
Capítulo 1 - Os preparativos para a viagem 10
Capítulo 2 - A chegada à baía de São Marcos 13
Capítulo 3 - São Luís e a Amazônia maranhense 46
Capítulo 4 - O Nordeste Paraense 52
Capítulo 5 - Belém do Grão Pará 64
Capítulo 6 - O arquipélago do Marajó 80
Capítulo 7 - Em Macapá e de Macapá a Abaetetuba 115
Capítulo 8 - De Abaetetuba a Tucuruí 120
Capítulo 9 - De Tucuruí a Carajás 134
Capítulo 10 - De Parauapebas a Altamira pela Transamazônica 141
Capítulo 11 - Visita ao Parque Indígena do Xingu 149
Capítulo 12 - De Itaituba a Santarém, descendo o rio Tapajós 154
Capítulo 13 - De Monte Alegre a Manaus pelo Amazonas 163
Capítulo 14 - Manaus e o baixo rio Negro 170
Capítulo 15 - De Manaus a Boa Vista e à fronteira com a Venezuela 178
Capítulo 16 - O alto rio Negro e a Cabeça do Cachorro 182
Capítulo 17 - De Manaus a Tabatinga pelo rio Solimões 187
Capítulo 18 - De Lábrea a Rio Branco, passando por Boca do Acre 194
Capítulo 19 - De Rio Branco ao Seringal Cachoeira e retornando 208
Capítulo 20 - De Rio Branco a Porto Velho 215
Capítulo 21 - De Porto Velho a Cuiabá 219
Capítulo 22 - De Cuiabá à serra do Cachimbo, pela BR-163 231
Capítulo 23 - Da BR-163 a Palmas e nossa comemoração final 236
O autor 243
Referências 244
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Caro leitor
Desde os meus catorze anos, raros foram os anos em que não visitei
a Amazônia. Depois de trabalhar em São Paulo por mais de três
décadas como militante em organizações da sociedade civil, ONGs
socioambientais, mudei-me para Belém, com a minha esposa,
Fernanda, onde vivo há dezesseis anos.
Espero que esta leitura contribua para que tu formes uma visão cada
vez mais crítica sobre a região e seus povos. Desejo que sejas capaz de
assumir compromissos perante as presentes e as futuras gerações de
amazônidas, brasileiros e habitantes deste planeta.
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Amazonicamente,
João Meirelles,
fevereiro de 2021.
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Capítulo 1
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– Então, agora é pra valer, tio? Finalmente, vamos fazer aquela tão prometida
viagem pela Amazônia? – pergunta Antônio, o desconfiado leitor voraz,
descrente da conversa do tio.
– Claro! Aliás, as passagens aéreas estão compradas e as autorizações dos
pais, em minhas mãos. Preparem as suas mochilas. Cada um deverá levar
uma mochila pequena e uma maior, com as roupas e outros apetrechos. Na
de mão, garrafa de água, chapéu, sombrinha, capa de chuva, protetor solar,
repelente, desodorante, papel higiênico, escova de dente, caderno, caneta e
plásticos para proteger os materiais da chuva e...
– Minha nossa, tudo isso, será que cabe? E na grande? – pergunta Gabriel, o
cientista da turma. Quer ser biólogo o menino.
– Rede de dormir, mosquiteiro, cordas e manta para cobrir-se do frio. As roupas,
leves, por favor. E um par de sandálias, de tênis, um diário de viagem, pelo
menos um livro para as horas de descanso e a bolsinha com sabão, pasta de
dente etc. Eu ainda levo alguns mapas, um computador, os binóculos, a bolsa
de primeiros socorros... Ah, não se esqueçam de um casaco...
– Casaco? Pra quê? Na Amazônia faz frio? – Gabriel estranha.
– E como! À noite, se tu não levares uma mantinha para forrar a rede e uma
malha, passarás frio. É a umidade alta.
– E qual será a primeira parada? – curiosa, Juju tenta imaginar o roteiro.
– Iniciaremos pelo Maranhão. Tomaremos um avião para São Luís! A cidade é
linda, as pessoas, simpaticíssimas, vocês vão adorar. Vão conhecer aquele
casario colonial dos séculos XVIII e XIX no promontório, observando a maré
e o movimento dos barcos. Das antigas casas, dos andares altos, é que se via
a chegada das embarcações no cais quando o único acesso era por água.
– São Luís? Mas, tio, não é na região Nordeste? – Juju continua.
– Sim e não. São Luís é a capital de um estado, o Maranhão, que está tanto no
Nordeste, quanto na Amazônia Legal. Em termos ecológicos, o Maranhão é
muito biodiverso. É o estado brasileiro com maior diversidade de biomas,
são cinco biomas: Cerrado, Caatinga, Amazônia, Região Costeira e Oceano
Atlântico. A leste da baía de São Marcos, onde deságuam rios como o Mearim
e o Itapecuru, inicia-se o bioma Amazônia, também conhecido como Floresta
Tropical Amazônica, que chamamos de Amazônia. A oeste e a sul, está a
região de Cerrado e, a seguir, a Caatinga.
– O que é um bioma? – pergunta o candidato a biólogo, Gabriel. Sempre
prefere perguntar o que não sabe.
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Capítulo 2
– Meus sobrinhos, tenho uma surpresa! Não iremos a São Luís agora.
– Iche, não estou gostando... – Antônio emburrou.
– Vamos direto para uma área de floresta. Aliás, é das poucas nesta região. É
uma área pequena, mas muito bonita, que uma família preserva há gerações.
Fica aqui na região das Reentrâncias Maranhenses.
– Tio, quanta árvore grande, posso abraçar cada uma? Posso agradecer pela
viagem? – Juju, emocionada, corre para a primeira árvore frondosa.
– Escolheste bem. Este é um bacurizeiro, uma árvore bem típica aqui
da Amazônia Oriental. Tem um fruto grande e cheiroso, cada vez mais
valorizado. Dele se faz sorvete, suco, bombons, doces. O nome científico é
lindo: Platonia insignis Martius...
– Nome científico, o que é isso? – Gabriel, o candidato a biólogo...
– Vejam vocês, para que sejam reconhecidos pelos cientistas, os seres vivos
têm um nome científico, e muitos deles possuem mais nomes populares.
Os nomes científicos são escritos em latim. O primeiro refere-se ao gênero,
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E continuou a filosofar:
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– Onde mais vocês acham que podemos observar a movimentação dos bichos
se não for na própria mata? Se chover, a chuva faz parte da natureza. É só
a gente se proteger bem com a lona e pronto... É importante que vocês
entendam que estamos na maior floresta tropical do planeta. As florestas
tropicais ocupam uma faixa bem estreita entre os dois trópicos, o de
Capricórnio, no hemisfério Sul, e o de Câncer, no hemisfério Norte. Há
diversos tipos de florestas, das superúmidas às secas, mas todas têm algo
em comum: estão de zero a mil e quinhentos metros de altitude, vivem
em áreas de baixa variação de temperaturas médias – que dificilmente
ultrapassam os dois graus centígrados entre o verão e o inverno...
– Como assim, inverno? Aqui tem inverno? – preocupa-se Gabriel.
– É, tu não te lembras que a gente daqui chama a época de chuva de inverno?
Há até um dito popular: no verão, chove todo dia, no inverno, chove o dia
todo. Bom, voltando ao nosso assunto, a média no verão está próxima de
vinte e sete graus centígrados, enquanto, no inverno, está perto de vinte e
cinco graus centígrados. A diferença entre as horas de sol entre o dia mais
curto e o mais longo do ano é pequena. Chove pelo menos mil e quinhentos
milímetros ao ano, e pelo menos em um terço dos dias do ano.
– E isso é muito, tio? – Antônio interfere, preocupado.
– Bem, mil e quinhentos milímetros ao ano significa um metro e meio de água
por ano. É bastante, mas o importante é a distribuição da chuva durante o ano.
Isso conta muito. Ah, importante, a umidade relativa do ar na floresta tropical
é sempre alta, na maior parte do ano, acima de oitenta por cento. É a umidade
alta que evita mudanças bruscas de temperatura, que dificilmente supera os
dez graus centígrados, além de não permitir que a temperatura supere os trinta
e três graus centígrados. Em regiões secas, como os desertos, a variação pode
alcançar trinta graus num mesmo dia, oscilando de zero a trinta graus. Isso
porque a umidade absorve os raios infravermelhos emitidos pela superfície.
– Viva, isso é bem explicado. Gostei! – vibrou o futuro biólogo.
– Grosso modo, pode-se comentar que, do bilhão de hectares do que sobrou de
florestas tropicais no planeta, a Amazônia continental representa dois terços.
Do total mundial, o Brasil tem cerca de um terço, entre a Amazônia e a Mata
Atlântica, superior a trezentos e sessenta e cinco milhões de hectares. Para
ficar fácil de memorizar, pensem no número de dias do ano. A área do bioma
Amazônia representa cerca de quarenta e dois por cento do Brasil, que tem
oitocentos e cinquenta milhões de hectares. Cada hectare é cem por cem
metros, ou seja, dez mil metros quadrados, o tamanho de um campo de futebol.
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– Como assim, tio, o que sobrou? – Antônio levanta-se, como se não quisesse
ouvir a terrível resposta.
– Lá pelo tempo em que os europeus invadiram as Américas, há mais de
quinhentos anos, as florestas tropicais ocupavam cerca de doze por cento da
superfície da Terra; hoje a área é praticamente metade da original.
– Nossa, tio, foi rápida a destruição! – preocupa-se Juju.
– Bem, rápida é a devastação dos últimos cinquenta anos. Nunca a
humanidade foi tão destruidora. Esse é o grande problema do momento
civilizatório em que vivemos. Dispomos de uma capacidade de destruição
capaz de consumir todas as florestas do mundo em poucos anos. A nossa
pegada ecológica, ou seja, o que consumimos do planeta, é muito superior à
capacidade que a Mãe Terra tem de se recuperar. Perdemos cerca de um por
cento das florestas tropicais por ano. Se nada for feito, em poucas décadas,
ou seja, vocês ainda estarão por aqui no planeta, teremos florestas tropicais
em poucos lugares e somente nos museus e cartões postais.
– Cartão postal? Tio, que coisa antiga! – manifesta-se Juju.
– Bem, minha linda, o teu tio aqui é bem antigo. No meu tempo, não havia
celular, computador, e a televisão estava engatinhando. A tecnologia mudou
muito rápido e, com ela, a nossa capacidade de destruição.
– Tá bom, tio, já sei tudo isso! – atalhou Juju.
– Vejam a nossa responsabilidade, de brasileiros: entre os duzentos países
que existem na Terra, quase metade possui florestas tropicais, e o Brasil,
sozinho, possui um terço das florestas que sobraram.
– É mui-ta ir-res-pon-sa-bi-li-da-de! – Juju enfatiza – E por que não ensinam
isso para a gente na escola? – Juju revolta-se, lembrando-se do que aprende
na aula de geografia. Sabia todos os rios da Europa de cor. Para quê, mesmo?
– Somos mesmo estouvados...
– Peraí, tio, o que é estouvado? – novamente, Juju, não perdendo uma palavra
daquela conversa...
– Inconsequentes, descuidados, perante o que temos de mais precioso:
nossos recursos naturais vivos, especialmente a Amazônia. E igualmente
irresponsáveis por não reconhecermos a sabedoria de nossos mestres,
indígenas, quilombolas, ribeirinhos, que, somada à ciência, resulta no
conjunto de conhecimentos sobre o acesso a esses recursos. Não é riqueza
para se colocar em cofre, é patrimônio vivo. Pior, pouco aproveitamos do
que destruímos. Diversos estudos mostram que a maior parte das florestas
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– Bem, agora quero contar sobre algo que li outro dia num jornal de Belém,
onde eu vivo. É sobre um pecuarista de Ourilândia do Norte, município do Sul
do Pará. Ele foi multado porque havia desmatado quase nove mil hectares
num único ano.
– Nove mil hectares são noventa quilômetros quadrados! Nossa! – Antônio faz
as contas.
– Inacreditável, não é? É como se andássemos em uma estrada por quarenta
e cinco quilômetros vendo tudo desmatado em um quilômetro de cada
lado! Só que, da outra vez que ele foi multado, ele já havia destruído mais
de dois mil hectares. Quando perguntaram ao filho do fazendeiro por que
estava praticando esse ato, ele disse que sabia que tirar o mato era crime.
E comentou: – Nós fazemos isso porque todo mundo também faz. Isso me
chocou tanto! Eu fiquei pensando no porquê dessa atitude. E concluí que a
maioria dos fazendeiros na Amazônia agiria da mesma maneira. E estamos
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aqueles que realmente não têm acesso à terra e são efetivamente pobres
e miseráveis, os sem-terra, e aqueles grileiros e infratores, que utilizam a
invasão para esquentar dinheiro, roubar madeira, vender terras ilegalmente,
e que veem nisso um bom negócio! Para piorar, muitas indústrias,
especialmente os frigoríficos, não se importam de comprar a carne dos bois
que destroem a Amazônia. Pior, o consumidor não sabe disso. Mas não se
iludam, a maioria dos consumidores que sabem que o boi destrói a Amazônia
não troca o seu bifinho por outro produto, nem exige maior responsabilidade
dos produtores, dos frigoríficos e dos supermercados perante o planeta.
– Que vergonha, tio, vou querer saber de onde vem cada pedaço de carne que
eu como! – disse Antônio.
– E essa é uma das razões por que a maior parte dos ocupantes de terra na
Amazônia, tanto pequenos quanto grandes, tem uma situação fundiária
precária. Assim, são ocupantes, têm a posse, mas não têm a documentação
da terra, o título registrado em cartório, a efetiva propriedade.
– Que coisa louca, tio! Então a Amazônia é uma grande invasão? – Juju pergunta.
– Praticamente sim. Uma pequenina parte refere-se a áreas legalizadas e
reconhecidas por títulos públicos. Nesse cenário, os negócios que mais
convivem com a precariedade da lei são a criação de gado bovino, o
garimpo, o plantio de soja e a venda de madeira ilegal. Quem muitas vezes
financia o desmatamento é a própria venda da madeira que há na área a
ocupar. Em seguida ao desmatamento, a criação de gado é a atividade que
é possível nos primeiros anos, afinal, o boi é rústico e convive com uma
pastagem ainda em formação.
– Que coisa feia... – Juju, sempre indignada.
– Vejam bem, esses produtos serão vendidos a preços baixos. A madeira não
estraga facilmente, e o boi, se preciso, pode até caminhar, ele não apodrece
no caminho. No fim das contas, a região produz carne e madeira baratas, pois
não se pagam diversos custos que, numa região consolidada como o Sudeste
ou o Sul do Brasil, são sempre considerados.
– Como assim, não se pagam diversos custos? – pergunta Antônio.
– Os custos que não estão computados no preço, o que os economistas
chamam de “externalidades”. Há tanto os custos que deveriam ser pagos
em qualquer região, porque há leis em vigor, como é o caso da legislação
trabalhista, ambiental e fiscal, como os custos não considerados,
relacionados à dilapidação dos recursos naturais, entre os quais, por
exemplo, o preço da biodiversidade. Quando substituímos uma floresta
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– Ei, tio, então tem que andar com calculadora no bolso? – pergunta Gabriel,
num tom de brincadeira, mas logo percebendo que a sua proposta poderia
ser uma boa ideia.
– De certa maneira, sim, Gabriel. Se compreendermos o valor de cada
serviço e produto que a Natureza oferece, que a cultura e a sociedade nos
proporcionam, com certeza vamos valorizar o que efetivamente tem que
ser protegido, acalentado, abraçado! Mas, para concluir a nossa conversa,
o que proponho é que encaremos de frente os problemas. Assim, para
os comedores de carne bovina, em cada bifinho que tu comes, é preciso
considerar esses valores!
– Então o tio está querendo dizer que a carne da Amazônia é barata porque não
pagamos as tais das externalidades? – Antônio conclui.
– E-xa-to! Nós, brasileiros, não damos valor algum à Amazônia. Preferimos vê-
la na forma de bife em nossos pratos a vê-la como um ambiente respeitado
e conservado, em que seus povos podem viver em paz e harmonia. Essa
lógica explica por que o rebanho bovino da Amazônia passou de um milhão
de cabeças em 1960 e caminha para cem milhões nos próximos anos.
Vejam só: transferimos metade dos bois do Brasil para a Amazônia! A maior
transferência de animais da história da humanidade, um desastre ecológico
sem precedentes na história do planeta.
– Tio, mas eu não entendi, o que tem de errado em ganhar mais dinheiro? Em
ficar rico criando boi? – Juju entra na conversa.
– Errado é não incluir todos os custos sociais, ambientais e econômicos no
produto. Nós, consumidores, aceitamos que nos entreguem um produto
dessa forma. Desconhecemos o impacto de nosso consumo, deixamos
que uns poucos nos digam que a carne da Amazônia é legal. Na verdade,
é imoral a carne da Amazônia, em alguns anos isso será tão absurdo como
foi a escravização que regeu a história deste país por séculos. Estamos
deixando para as próximas gerações uma fatura muito maior, tanto global,
com o CO2 liberado, quanto local, pela concentração de renda, pelo atraso
na educação, na saúde etc. E pior, perpetuamos a cultura da impunidade, do
“tudo pode”, aceitamos a destruição ambiental e social como a única forma
de “desenvolvimento”. Só que essa cultura da impunidade é o que nos torna
menores, desprezíveis. O mundo nos vê como moleques, irresponsáveis...
– O tio fica vermelho mesmo, hein, indignado! – Antônio percebe.
– E não é para ficar? O que se faz à Amazônia atinge a todos. Não se trata de
nacionalismo, ao afirmar que só o brasileiro pode dizer o que se deve fazer
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Capítulo 3
– Vejam vocês, a parte antiga de São Luís está num promontório, uma posição
estratégica. A paisagem vista daqui é uma das mais lindas do litoral. São Luís
apresenta uma das alterações de maré das mais altas do Brasil, podendo
chegar a seis metros e meio. Ao mesmo tempo, é uma zona de crescente
importância industrial. Na baía de São Marcos, na Ponta da Madeira, está
um dos portos mais profundos do país, por onde sai o minério de ferro de
Carajás, que vem do Pará, a mais de oitocentos quilômetros daqui.
– Mas e aquela história de São Luís ser uma cidade francesa? – questiona Juju.
– A partir de 1594, protestantes franceses passaram a ocupar o litoral
maranhense. Eram apoiados por protestantes holandeses. É importante
lembrar que os ibéricos, portugueses e espanhóis, eram católicos. São Luís
mesmo é de 1612, mas a ocupação francesa durou pouco. Os portugueses
tomaram a região quatro anos depois, partindo, inclusive, para a expulsão
das demais potências europeias do estuário do Amazonas nas décadas
seguintes. As poucas fortificações portuguesas eram distantes umas
das outras. Dominar uma costa tão vasta e evitar que outros europeus
comercializassem com os povos nativos foi difícil. Havia ingleses no rio Xingu
e alemães, irlandeses e holandeses no arquipélago do Marajó; e franceses
comercializavam em diversas partes do megaestuário do Amazonas-Tapajós.
Eram principalmente entrepostos, para trocar quinquilharias por “drogas do
sertão” – temperos considerados exóticos na Europa, peles de animais, além
de cascas de árvore e sementes para tingir tecidos etc.
– Não deve ter sido fácil para os povos nativos tantos invasores! – comenta Juju.
– Exatamente, mas, na disputa entre os países europeus, quem venceu
foram os portugueses, obstinados, pacientes e bem armados. A última
posição não portuguesa da Amazônia foi destruída no final do século XVII,
setenta anos depois da expulsão dos franceses de São Luís. Diferentemente
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– Mais ou menos. Foi esse afã de plantar cana-de-açúcar que levou os portugueses
a plantarem canaviais em Belém e em São Luís, como já vinham realizando
ao longo da costa brasileira. A empresa holandesa Companhia das Índias
Ocidentais faz o mesmo nas Antilhas, no que hoje é o Suriname e no Nordeste
brasileiro, e os ingleses, onde hoje é a Guiana e algumas ilhas do Caribe.
– Então a história da Amazônia tem mais a ver com a cana-de-açúcar que outra
coisa? – continuou Juju.
– Inicialmente, sem dúvida. Entretanto, outras regiões mostraram-se mais
produtivas por questões de solos, chuvas, temperatura etc., principalmente
porque se organizaram de melhor maneira. É importante lembrar que a cana-
de-açúcar era sinônimo de escravidão, tanto de escravos vindos da África,
como de povos originais do Brasil, explorados disfarçadamente. O grande
desenvolvimento de São Luís ocorrerá no século XIX, quando produzia
algodão de boa qualidade, cultura agrícola também baseada na escravidão.
Agora temos que deixar esta linda cidade e tomar um ônibus até Pedreira.
Passaremos por Viana, região com belos lagos. Vamos de carona com um
amigo que colabora em uma associação comunitária de quebradeiras de coco!
– Que coco é esse? É bom de comer? – Gabriel, sempre com fome.
– É o coco de babaçu. Ele tem diversas serventias, muita gente vive dele,
especialmente as mulheres quebradeiras de coco. Elas estão organizadas em
movimentos sociais em diversos estados brasileiros e enfrentam uma vida
dura para ganhar algum trocado por cada coco tirado.
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Capítulo 4
O Nordeste Paraense
– Puxa, a gente olha no mapa e parece tudo pertinho. Mas esta viagem de
catorze horas de ônibus de São Luís pra Castanhal foi mesmo cansativa! –
atalha Antônio.
– E, se fosse para Belém, seriam oitocentos quilômetros! Economizamos
sessenta quilômetros parando aqui. Preparem-se, teremos longas viagens
pela frente. “Te acalma”, como dizem os paraenses. Ah, antes de mais nada,
eu tenho uma pergunta: o que vocês notaram como mais característico ao
longo da estrada aqui no Nordeste Paraense?
– Olha, tio, eu fiquei triste. Pensei que ia entrar no Pará e que veria muita mata,
mas só vi destruição, pasto, pasto, pasto e áreas abandonadas, muita área
abandonada, muita pobreza! – Gabriel comenta, cabisbaixo.
– Realmente, tanto o Nordeste do Pará como o Oeste do Maranhão são regiões
duramente castigadas pelo homem. O desmatamento em larga escala aqui
é mais antigo, vem do século XIX. Hoje são regiões densamente povoadas
e com grande pobreza. Na região litorânea, a pobreza só não é mais grave
porque há alguma pesca. No Maranhão como aqui, há poucas oportunidades
de renda, especialmente para os jovens. Assim, muitos são forçados a
migrar. Os que ficam vivem de bico, pequenos serviços, mas tudo é muito
precário. Emprego formal praticamente só nas prefeituras, e, mesmo assim,
a maioria é de trabalhos pouco qualificados, que raramente permitem o
desenvolvimento pessoal.
– É verdade! Eu vi muita gente mais velha e muita, muita criança nas cidades –
Juju argumenta.
– A renda monetária aqui no Nordeste do Pará é, em média, três vezes e meia
menor que a do Brasil. Mas, no meio rural e para as populações rurais em
geral, ela dificilmente alcança duzentos reais ao mês. E, em alguns lugares
da Amazônia, como no Marajó e na maior parte do Maranhão, a renda mensal
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– Tá, entendi. Mas, o que é bom negócio pra Amazônia? – Gabriel não está
convencido.
***
(Em Curuçá.)
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– Ah, já li sobre este litoral, tem pássaro que vem lá do Canadá, não é? –
Gabriel quer mostrar seu conhecimento.
– Justamente, o Brasil recebe diversas espécies migratórias de aves de regiões
frias, tanto do hemisfério Norte, como da América do Sul. Há também
borboletas, baleias, peixes migratórios... No caso de Curuçá, temos o
pequeno maçarico, esta ave com o bico fino, que corre pela praia e voa mais
de onze mil quilômetros para evitar o inverno na América do Norte. Aqui ele
encontra fartura de moluscos, a base de sua alimentação. Tem até um ritmo
de música, e a dança imita a corridinha do maçarico. É bem fácil dançar.
Vamos lá, aprender com os jovens daqui?
– Grupo de dança, é? – Juju interessa-se.
– Também. O principal é o ecoturismo de base comunitária, a valorização da
cultura, a defesa ambiental, a valorização da pesca e da cultura da maré.
Entre os jovens que desenvolveram a atividade, aqui está o Nelsinho, com o
seu pequeno negócio, um verdadeiro empreendedor local.
– Mas que dança gostosa! Carimbó, facinho de dançar. E que história é essa de
cultura da maré? – Juju continua.
– É o jeito como as pessoas vivem na região, indo com seu casquinho, uma
canoa bem levezinha, todos os dias, buscar o peixe para o almoço, o jeito
de falar, de pensar, de fazer festa, enfim, o conjunto de saberes e fazeres
locais. É isso que se chama “patrimônio imaterial”. O carimbó, por exemplo,
é tombado como patrimônio imaterial e um dos seus berços é Curuçá, assim
como Marapanim, Santarém Novo e outros municípios desta região.
– E o ecoturismo, como funciona? – Gabriel quer saber.
– A proposta do ecoturismo de base comunitária é visitar as diferentes
comunidades e conhecer o seu dia a dia, tal qual ele é, sem enfeitar, sem
preparar cenários. O que interessa é o modo de vida, as histórias do lugar,
as lendas, a música e a culinária. Enfim, o que torna esta cultura peculiar e
distinta das demais. Cada lugar que a gente visita tem mesmo o seu jeito
de ser, ainda mais se a natureza é tão forte, tão determinante do ritmo de
vida das pessoas! Aqui, por exemplo, é preciso respeitar o tempo da maré,
das cheias e secas, das grandes tempestades. A natureza manda, o homem
respeita. A cultura de cada lugar é o aprendizado da convivência harmônica
com as condições naturais, mantendo-as por gerações, para que as próximas
possam usufruir de todos os atributos naturais e culturais que a região possui.
– Tio, olha lá o guará! Opa, tem também um pássaro muito grande,
preto, ah... claro, ihh... foi mal, é um urubu! – Gabriel brinca, entre
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envergonhado e decepcionado.
– Eta, meu, para de ser sabe-tudo, mostrando sua bichologia! – Juju rindo
que só.
– Bi-o-lo-gia! – insiste Gabriel.
– Claro que eu sei, eu tô te zoando. Égua-te! – Juju capricha em mais uma
variação da expressão paraense.
– Gabriel, o urubu tem um papel muito importante no ambiente. Cada
um tem uma função ou mesmo muitas funções, desde os milhões de
microrganismos, os insetos, até os grandes carnívoros, que estão no topo
da cadeia alimentar. É uma disputa incessante para aproveitar qualquer
oportunidade para se nutrir, absorver os poucos elementos minerais
disponíveis e, no caso dos mamíferos, obter as proteínas, gorduras e
carboidratos necessários. As espécies adaptam-se para tirar o máximo de
proveito das chances que têm para se alimentar. E aqui, no mangue, é assim
também. As árvores do mangue estão o tempo todo, por meio de seu sistema
de raízes aéreas, absorvendo os nutrientes das ricas águas carregadas de
matéria orgânica. Observem a altura destes manguezais!
– Matéria orgânica, tio, dá pra explicar? – Juju pede, com jeitinho.
– A matéria orgânica é o conjunto de seres vegetais e animais que estão
na água e no solo, seres vivos ou em decomposição. Observemos o solo
dos mangues. Do ponto de vista físico, abaixo desta lama, em geral, há
areia, pobre em qualquer matéria orgânica. Os seres em decomposição
transformam-se numa sopa de nutrientes que será reabsorvida pelos seres
vivos, a começar pelas próprias árvores, altamente interessadas nestes
minerais trazidos, literalmente, a seus pés. Agora pensemos na floresta e na
diversidade de solos que se encontra na região. Como os solos da Amazônia,
em sua maioria, são pobres em nutrientes, é preciso retirar os nutrientes de
outros lugares, ou seja, reciclando o que está disponível na própria floresta
ou é trazido pela água, como é o caso de manguezais e da vegetação das
várzeas e dos igapós. Daí que as espécies da floresta tropical adaptaram-
se para capturar o máximo e em pouquíssimo tempo todos os nutrientes
disponíveis. Nas florestas de terra firme, a camada de folhas, galhos e
animais em putrefação, que se chama “liteira”, desempenha um papel
essencial na reciclagem dos minerais.
– Nossa, nunca tinha reparado nisto! – Gabriel, o biólogo.
– Eu gostaria de chamar a atenção para as alterações dos manguezais. É gente
aterrando o mangue para fazer casas, abrir ruas e estradas, derrubando
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árvores para lenha, jogando lixo, esgotos... Será que essas pessoas acham
que o mangue aguenta tanto desaforo? O mangue, como os demais sistemas
naturais, tem limitada capacidade de resistir aos ataques do homem. O
mangue tem baixa resiliência, ou seja, sua habilidade de voltar ao que era
exige bastante tempo. Assim, se a velocidade da destruição for maior que a
capacidade natural de recuperação, teremos um ambiente degradado.
– E é o que estamos vendo aqui, perto da cidade, tio? – Antônio argumenta.
– Exato, aqui o mangue está protegido por uma unidade de conservação
federal, no caso, a Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá,
também conhecida como Resex Curuçá.
– Que nome bonito: Mãe Grande! – Juju sorri.
– O mangue é aquela mãe que tudo provê: garante alimento, protege a cidade
da erosão. Vocês estão vendo este porto aqui, ao lado da igreja?
– Porto? – Gabriel procura algo parecido a um lugar onde barcos encostam.
– Pois bem. Aqui, há uns cinquenta anos, paravam os barcos. Mas, com
o desmatamento, tanto das florestas do entorno do mangue, como do
próprio mangue, a areia entupiu as áreas onde era água e mangue, e o porto
assoreou, ou seja, encheu-se de terra. Agora é isto: um prédio abandonado
no meio do campo. Não é mais um porto! Triste, não é? Pois eu acho que
isso deve servir como um monumento para lembrar a todos que a natureza
tem limite. Imaginem isto em grande escala: o homem intervindo em
milhares de lugares ao mesmo tempo! É por isso que os mangues estão
entre os ambientes mais ameaçados do planeta. Temos exemplos de
desaparecimento de mangues em todo o litoral brasileiro, é casa de praia
em cima de mangue, são as cidades crescendo, bois e búfalos destruindo
mangues, como no Marajó, a agricultura, as fazendas de camarão totalmente
ilegais no Nordeste.... E, com as mudanças climáticas, isso tende a piorar, pois
o mar, mesmo que suba alguns centímetros, muda a paisagem rapidamente.
– Então, quando eu for maior, terei que enfrentar o aumento do nível do mar? –
Antônio preocupa-se.
– Isso já está ocorrendo, não se trata de um fenômeno a ocorrer, é um
fato medido cientificamente. Em média, o mar já subiu mais de vinte
centímetros e, em alguns locais, em função de correntes marítimas e de
outras condições, subiu até cinquenta centímetros! E, entre as regiões
mais impactadas, estão os manguezais do Norte do Brasil. É importante
considerar que a maior parte das espécies de peixes marinhos depende,
de alguma forma, dos manguezais para a sua procriação ou alimentação.
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– Tio, que música mais louca. Olha como a mulher canta com voz esganiçada.
Ela grita. Isso não combina com procissão! – Juju comenta.
– É o brega. É um ritmo bem paraense. Desenvolvido a partir das influências
do Caribe e de ritmos daqui mesmo. Há diversas variantes, bregapop,
tecnobrega, tecnopop, melody, tecnomelody e até o chamegado, como o
da dona Onete! Vocês precisam ir a uma festa de aparelhagem, o som no
volume máximo, para ver o chão tremer, é o treme-treme.
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Capítulo 5
– Círio, tio, explica tudo! Quanta multidão na rua. Acho que nos últimos dias
vimos pouca gente e tou até assustado! – diz Antônio.
– O Círio de Nazaré é esta festa da Igreja católica, com mais de duzentos
anos de tradição. Belém enfeita-se toda. É o momento de pintar as casas,
da faxina geral. Durante a procissão, as famílias vão para as ruas, enfeitam
as sacadas e janelas com toalhas brancas, réplicas da Nossa Senhora
por todos os lados, na portaria dos prédios, nas casas... Os parentes vêm
do interior, é uma festança. Para os católicos, é o grande momento do
ano, até mais importante que o Natal. As pessoas usam roupas brancas,
especialmente as camisetas com a imagem da Santa. Para os católicos,
Nossa Senhora, a mãe de Jesus Cristo, aqui carinhosamente recebe
diversos apelidos: Santinha, Santa, Naza, Nazinha, Nazica... A festa
dura mais de quinze dias. São diversas homenagens e um conjunto de
procissões – de motociclistas, a trasladação, a fluvial... Gosto da fluvial,
quando dezenas de barcos vêm de Icoaraci, distrito de Belém, aqui para a
Escadinha, ao lado da Estação das Docas.
– Mas não é perigoso, tanta gente na rua? – Juju está preocupada.
– É uma festa bem familiar. Famílias inteiras, grupos de amigos, seja para
participar da procissão, seja para ver as manifestações de fé, organizam-se
e fazem a sua festa dentro da grande festa. Se comparada a outras festas
populares – o carnaval, as festas juninas –, pode-se dizer que é bastante
tranquila, mas, claro, onde há multidão...
– E o que quer dizer “Círio”? – Antônio questiona.
– É sinônimo de vela. A Igreja católica utiliza a vela como símbolo de fé. Em
muitas procissões, há religiosos portando velas, antecedendo a imagem
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(Retorno a Belém.)
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Capítulo 6
O arquipélago do Marajó
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infraclasse de mamíferos, que não têm placenta; eles têm uma bolsa na
barriga, onde ficam os filhotes ainda imaturos. São diversas as espécies e
são bem comuns em todo o Brasil, mesmo em áreas urbanas, próximas às
matas. Os espanhóis chamaram o gambá de “animal monstruoso”!
– Mas por que os espanhóis não seguraram a Amazônia pra eles? – insiste Juju.
– Boa pergunta. A partir da viagem de Colombo e do Tratado de Tordesilhas,
dois anos depois, os espanhóis decidiram explorar a região que lhes
caberia pelo tratado, mas não encontraram nada de interesse imediato.
Nas primeiras décadas do século XVI, tanto a Espanha como Portugal
estiveram mais focados nas rentáveis rotas para o Oriente e mesmo para
a África. Essa situação mudou radicalmente com a descoberta das minas
e dos tesouros em ouro, prata, esmeraldas e outras pedras do Caribe,
México e Peru. Trinta e dois anos depois dessa viagem de Lepe e Pinzón,
o primeiro europeu a descer o rio Amazonas, saindo de Quito, no atual
Equador, até o Atlântico, também foi um espanhol, Francisco de Orellana.
Orelllana e seus colegas participavam de uma expedição espanhola que
deixara Quito para explorar a cordilheira dos Andes. Não conseguindo
regressar, optaram por seguir a corrente do rio em uma dura viagem de
oito meses que os levou ao megadelta do Amazonas-Tocantins e, na
sequência, para a costa da Venezuela. Ao retornar à Espanha, Orellana
organizou uma expedição para tomar posse da Amazônia para a Coroa
espanhola. Mas naufragou no megadelta do Amazonas-Tocantins, que os
espanhóis chamavam de Marañon.
– Nossa, que aventura, tio! Conta mais, e aí? – Gabriel comenta.
– Essa expedição de Quito até o megadelta foi conhecida graças ao relato
de seu cronista, Frei Gaspar de Carvajal. É nessa viagem que os espanhóis
descreveram as corajosas guerreiras, as amazonas. “Amazona” origina-se
do grego e quer dizer guerreira. O que devemos considerar é o tremendo
medo por que passou esse pequeno grupo de homens, diante de centenas
de aldeias indígenas ao longo da calha do Amazonas. Os soldados
espanhóis estavam doentes, famintos e viam inimigos em toda parte. A
presença de mulheres nuas que guerreavam de maneira tão aguerrida,
entre aqueles que os hostilizavam, certamente os impressionou muito.
Esse delírio garantirá ao rio este nome fantasioso – Rio de las Amazonas –
e, depois, “Amazonas” para a região, nome que carrega até hoje. Assim, o
nome da região é uma interpretação europeia fantasiosa, e não um nome
escolhido por suas populações. Mais de duzentos anos depois de Orellana,
um cientista francês, Charles Marie de La Condamine, ainda procurará
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pelas amazonas! O mito persistiu pelo menos até o final do século XVIII.
E sempre tem algum doido querendo encontrar as cidades perdidas do
Eldorado ou a tribo das amazonas.
– Quem foi esse Condamine? – Gabriel pergunta.
– Em 1743, ele foi o primeiro cientista a visitar o rio Amazonas. Até então
só religiosos, colonos, mercenários, militares e administradores europeus
perambularam por lá. Ele participa de uma expedição franco-espanhola
para a medição da linha do Equador. Depois do trabalho, com o seu colega, o
equatoriano Pedro Vicente Maldonado, desce o Napo e, a seguir, o Solimões
e o Amazonas para realizar diferentes medições e observações científicas.
Condamine contribuirá para a escolha das variedades de quinina que seriam
mais efetivas contra a malária, a base do remédio tão comentado hoje, a
cloroquina, atualmente um produto químico sintetizado a partir da planta
amazônica. Embora a quinina tenha sido levada para a Europa pelos jesuítas,
pouco se conhecia, do ponto de vista científico, sobre as suas propriedades.
É importante lembrar que, na época, a malária não escolhia reis ou plebeus,
numa Europa ainda assolada por grandes pestes, e quase nada se sabia
sobre a sua transmissão. Condamine ainda descreverá as propriedades da
seringueira para a produção de borracha e dedicará atenção ao curare, uma
pasta de diferentes plantas maceradas e aplicadas nas flechas ou jogadas
na água para imobilizar peixes e animais de caça. Naquela época, Portugal
tratava como espiões e inimigos todos aqueles que tentassem pesquisar
sobre a região. É surpreendente que essa viagem tenha ocorrido sem
problemas. Meio século depois, em 1800, um jovem alemão, Alexander von
Humboldt, visitará a América do Sul e será tratado como inimigo do reino
português, não recebendo autorização para visitar o Brasil. Essa miopia
portuguesa levará Portugal a perder, uma vez mais, o bonde da história.
Humboldt se tornará um dos maiores cientistas de todos os tempos, e as
suas observações de viagens são úteis até hoje. Para o cientista Cândido de
Mello Leitão, esta foi a maior expedição científica que jamais veio ao Brasil.
– Nossa, que coisa! Esses portugueses eram mesmo estranhos! – Gabriel comenta.
– Pois é. Apesar de se vangloriarem tanto de suas descobertas no campo da
navegação, eram bem atrasados quando se tratava da filosofia, do exercício
das liberdades individuais. Aqui no Brasil não se imprimiu um livro até
a fuga da família real portuguesa para o Brasil em 1808, tal o medo que
tinham das ideias novas! Eu diria que viviam no obscurantismo! Mas essa
situação começou a mudar com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil e
o casamento de Dom Pedro I com Maria Leopoldina da Áustria. Cientistas
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como Johann Baptist von Spix, Carl Friedrich Philipp von Martius e Johann
Natterer foram então convidados a percorrer o Brasil.
– Égua do rio grande! – Gabriel anima-se ao deparar-se com a baía do Marajó, o
grande canal do rio Pará.
– A imensa balsa agora pulava sobre as imensas ondas que vinham do mar.
– Ah, agora tou gostando do meu paraense! Mas, lembrem-se, tão importante
quanto as águas superficiais são as águas subterrâneas e os rios voadores.
– O tio está brincando, que história é essa de “rios voadores”? – prossegue
Gabriel, curioso.
– É um nome bonito, não é? Toda ciência precisa de muita poesia. Os rios
voadores são os ventos carregados de umidade que vão do Atlântico em
direção aos Andes e depois distribuem umidade para todo o Centro-Sul do
Brasil, inclusive o Paraguai e o Norte da Argentina. O cientista Antonio Nobre
tem diversos estudos sobre o assunto. Vocês podem visitar o site do projeto
Rios Voadores, de Gérard e Margi Moss, para conhecer mais sobre isso.
– E essas águas subterrâneas? São muito profundas? São sempre de água
doce? – Gabriel continua.
– Sim. E, em sua maior parte, são potáveis. Não há nada mais seguro para
o consumo humano que essas águas subterrâneas. É bem estranho que
sempre pensemos na água dos rios e dos lagos e de outros corpos de
água superficiais, sujeitos à poluição e mesmo à contaminação natural por
bactérias e vírus, e nos esqueçamos das águas entranhadas no interior
da Terra. Esses depósitos são os aquíferos, formações com milhares de
quilômetros quadrados, que chegam a mais de quatrocentos metros de
profundidade. Na Amazônia, há pelo menos dois grandes aquíferos: o de
Alter do Chão e o Amazonas-Solimões. Há mais água embaixo da terra
que no próprio rio Amazonas. Os reservatórios ultrapassam as fronteiras
do Brasil e estão sob cinco países amazônicos – Equador, Venezuela,
Bolívia, Colômbia e Peru. Calcula-se que seriam mais de quatro milhões de
quilômetros quadrados, do Equador ao Marajó. Em termos práticos, três
vezes o aquífero Guarani, até há pouco tido como o maior, que se estende
pelo Sudeste e pelo Sul do Brasil, alcançando a Argentina e o Paraguai. É
importante lembrar que os rios dependem dessas águas subterrâneas e
interagem com elas. Estudos apontam que cerca de metade das águas dos
rios viriam das águas subterrâneas.
– E elas também correm perigo? – Gabriel preocupa-se.
– Claro, como se comunicam com as águas superficiais, estão sujeitas à
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protegeu os índios, pelo menos por um tempo, e garantiu algum espaço para
o trabalho missionário. Antônio, leia, por favor, o trecho de uma carta de seu
xará, o Antônio Vieira:
– Bem, aqui vai: [...] o Estado do Maranhão, porque com os nheengaíbas por
inimigos seria o Pará de qualquer nação estrangeira que se confederasse com
eles; e com os nheengaíbas por vassalos e por amigos, fica o Pará seguro, e
impenetrável a todo o poder estranho. As missões jesuítas definirão, a favor
dos portugueses, a posse da terra. [...] todos os anos carregam de peixe-
boi mais de vinte navios de Holanda. E entendendo as pessoas do governo
do Pará, que, unindo-se aos holandeses com os nheengaíbas, seriam uns e
outros senhores dessas capitanias, sem haver forças no Estado (ainda que se
ajuntassem todas) para lhes resistir.
– Tio, explica pra gente. Os padres eram contra ou a favor dos índios? Nunca
entendi direito – comenta Gabriel.
– Temos que olhar a situação dos religiosos na perspectiva do século XVIII.
Corajosos, seguiam sozinhos, sem falar as línguas locais, para missionar em
regiões desconhecidas e sem apoio. Vieira professava que não se deveriam
escravizar os índios, mas aceitava a escravização de africanos... Bem
contraditório, não é? E, assim como as demais ordens religiosas católicas,
valiam-se de diversos serviçais, praticamente escravos, como seus remeiros,
agricultores, carregadores, cozinheiros, caçadores etc.
– Complicada essa posição, hein! Eu diria: in-sus-ten-tá-vel! – Juju reclama.
– Se serve de consolação, de qualquer maneira, os jesuítas foram importantes
para dificultar que colonos, militares e burocratas portugueses e espanhóis
ampliassem a escravização dos nativos. Mas evitar a escravidão e a
aniquilação dos índios, de fato, não conseguiram.
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estar alertas a essa questão o tempo todo. Desse jeito, ninguém quer mais
ser pescador, trabalhar na roça, manter as tradições econômicas, culturais...
Não estou dizendo que é para achar bom manter as pessoas na extrema
pobreza, ou na roça, seguindo os métodos antiquados de agricultura, que
exigem esforços desnecessários... Uma vez que a ciência e a tecnologia
nos oferecem mais informações, é possível casar a cultura local à nova
tecnologia. O que estou comentando representa uma grande preocupação
dos mais velhos: a transmissão dos conhecimentos de geração a geração.
Para muitos grupos sociais tradicionais, o conhecimento é transmitido,
principalmente, de forma oral, de pai para filho, e, também, na prática. É o
velho e bom “aprender fazendo”. Se os filhos são levados a acreditar que os
conhecimentos dos pais, dos avós etc. não têm utilidade alguma e se eles
não se apropriam desses conhecimentos, há uma quebra cultural, um fosso
enorme que se abre e se perde o conhecimento, muitas vezes para sempre.
– Ah, entendi, então, se os filhos não aprendem, os netos jamais saberão como
era a vida de seus avós! – Gabriel raciocina.
– Exatamente, não é para ficar parado no tempo. É para saber como
seus antepassados enfrentavam os seus desafios de sobrevivência, de
manifestação cultural. Isso permite uma enorme reflexão sobre a relação
do homem com a natureza. Deve-se perguntar por que se procede de tal
maneira diante de uma dada situação. Manter essa cultura ancestral é
garantir o patrimônio, a identidade cultural. Uma vez que se domina essa
cultura, um grupo social pode decidir o que é melhor para si, sem perder a
sua identidade, o que une seus membros, o que dá sentido a sua vida.
– Então o que se deve fazer? – Juju preocupa-se.
– Em primeiro lugar, vamos lá para Cachoeira do Arari. No caminho,
conversaremos sobre este importante tema da identidade cultural.
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– Mas... Como é que se pode manter um museu num lugar tão pobre? –
Antônio pergunta.
– São estas regiões, as mais carentes, com limitado acesso a equipamentos
culturais – bibliotecas, centros culturais, cinema etc. –, as que mais precisam
de museus! Esses espaços geram discussões, provocam, e podem ser
os centros de encontro que juntam as pessoas para a formação cultural,
principalmente onde os jovens não têm opções de lazer, de educação de
qualidade. Mais que um museu, apenas com peças antigas, é preciso que
organizações dessa natureza se dediquem a eventos para discutir o passado,
o presente e o futuro. Esses espaços são fundamentais para o fortalecimento
da identidade cultural. Aqui, em Cachoeira, como em Santa Cruz do Arari,
em Afuá, enfim, no Marajó, a realidade é que a região é uma das que mais
padecem de exclusão no Brasil. Mais de noventa por cento da população
é pobre. A maioria vive da economia informal e a renda, mesmo com a
chegada do açaí, ainda é insignificante. Some-se a isso o grande isolamento, a
dificuldade de mobilização social e o baixo grau de acesso a serviços públicos
essenciais – educação, saúde etc. Sempre foi uma economia dominada
por poucos, altamente injusta, na pecuária, na madeira e, agora, no açaí.
O resultado é a forte migração de jovens, o aumento da violência contra a
mulher e a criança. Uma calamidade quando se trata de prostituição infantil.
– Nossa, que horror! Deve haver saída! – angustia-se Juju.
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(Chegada a Afuá.)
– Vejam que pôr do sol maravilhoso! Daqui a pouco, o barco nos leva a
produtores de açaí das ilhas do Pará. Venham aqui, montem a sua rede
também, façam como eu...
– Tomo açaí quase todo dia, com granola é muito bom... – Gabriel lambe os beiços.
– Eu também, prefiro batido, com mamão e kiwi. Melhor naquele copão, um
shake, engrossado com banana e xarope de guaraná – Juju completa.
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– O tio deve estar brincando que eu vou passar por cima deste tronco, liso que
só! Vou é subir neste barquinho, que mais parece uma tábua velha boiando,
ai! – reclama Gabriel.
– E tem outro jeito? Tem outra maneira de chegar ao açaizal? Só nadando.
Como são três casquinhos, vamos dois em cada um, certo? Quem não remar,
não almoça!
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– Tio, é muita palmeira. Cadê o Zezinho, que tava aqui conosco indagorinha? –
Juju procura o menino entre as copas das árvores.
Quando o encontra, grita:
– Égua! Tu não cai daí não?
– Tá acostumado, dona. Desde jitinho, é igual um macaquinho pra subir – Zé da
Ilha, o pai dele, comenta, soltando uma risada gostosa, mostrando como o
marajoara chama tudo que é pequenino de jitinho.
– É assim todos os dias na safra do açaí. A safra é no verão amazônico, de julho
a dezembro. O peconheiro, como se chama quem colhe o açaí, prepara uma
alça, a peconha, também chamada de “embira”. Ela é como uma cinta, feita
tanto da própria folha do açaí como de outras fibras vegetais, daí o nome de
embira. Tem gente que usa sacos de plástico trançados. O peconheiro sobe
rápido, saltando com os pés juntos e ajudando a se equilibrar com as mãos. O
facão, que aqui chamam de “terçado”, está na boca ou amarrado na cintura.
E ele sobe em árvores a mais de vinte metros de altura. Às vezes, é preciso
pular para outra árvore, mesmo com um cacho de açaí na mão. O peconheiro
tem que ser leve, ligeiro e experiente. Na volta, o peconheiro desce
deslizando, trazendo, além do terçado, um, dois, três cachos de açaí. O cacho
cheio de frutinhos é bem pesado. E ainda tem que desviar de outras árvores,
e não pode bater o cacho, senão os frutos se desprendem da “vassoura”.
– Mas, sem proteção alguma, seu Zezinho? Sem luva, sem capacete, joelheira?
Sem corda de segurança? – Gabriel preocupa-se – Quando fiz rapel, estava
mais que protegido. Isso não é perigoso? – pergunta ao pai do menino.
– Nada, nadinha. Todo mundo faz assim, cair é difícil... – Zé da Ilha acalma o povo.
– Desculpe falar, seu Zé, mas claro que é perigoso! O risco de ser atacado por
abelha, vespa, tomar ferroada de escorpião, aranha ou de despencar lá de
cima, existe, sim. E ainda pode acontecer de escorregar num pedaço de
tronco com limo, de se machucar com uma farpa do tronco, e a palmeira
pode quebrar, pois é um ser vivo e, à medida que se sobe, ela fica mais fina.
Na pesquisa de que eu participei, lá para as bandas de Curralinho, difícil foi
encontrar peconheiro que não teve acidente.
– Proteja-me, minha Santinha... – o pai do Zezinho falou, fazendo o sinal da
cruz, como a afastar algum mau pensamento.
– Nossa, agora tou entendendo por que o açaí é tão caro – Antônio comenta.
– Caro, dona? Não é não, é baratinho! – o pai do Zezinho ri de novo.
– Olha, o açaí é caro para gente, lá na cidade, mas, aqui para o peconheiro, o
que ele coletar, tem que vender, senão estraga, perde tudo. O problema é
na hora de fechar o preço. O que fica mesmo para o coletor do açaí ainda é
pouco, especialmente diante dos muitos riscos que corre.
– Como assim, problema? – Antônio pergunta.
– O ribeirinho é quem assume todos os riscos, tanto de algum acidente,
quanto de perder o produto se não comprarem. O atravessador vem aqui,
compra e logo adiante vende para outro atravessador. Esse segundo
atravessador leva para o mercado ou já envia direto para alguma batedeira
ou uma indústria. E tudo isso tem que acontecer bem rápido, porque em
dois dias o produto estraga.
– Difícil, hein! – Gabriel comenta.
– O lado bom é que o açaí gera uma renda razoável para a família, algo que
não se conseguia garantir com as outras atividades agrícolas e extrativistas.
Temos que ficar atentos para o trabalho infantil. Geralmente são os jovens,
como o Zezinho, que sobem nas palmeiras, que assumem risco de vida ou de
ficar paralítico. Além disso, na safra do açaí, é difícil ver menino frequentando
a escola como deve ser. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe
que menores de dezesseis anos trabalhem. Abaixo dessa idade, só se forem
aprendizes e, mesmo assim, em condições especiais.
– Nossa, tio, eu só vi jovens trabalhando por aqui! – Juju assusta-se.
– Pois é, esta é a realidade. O jovem, desde os seus sete, oito anos, aprende
as tradições locais, transmitidas de pai para filho, para garantir a sua
sobrevivência e a de sua família. Aprende a pescar, a caçar, a subir na
palmeira, a preparar a roça. Temos que compreender que isso faz parte do
aprendizado para a vida, é a reprodução do modo de vida tradicional. Agora,
quando o mercado pede mais e mais açaí, e aquele jovem, que subia uma a
duas vezes na palmeira para buscar os frutos que seriam consumidos no dia
pela família, é levado a subir vinte, trinta vezes, isso não é algo tradicional, é
trabalho infantil. E imaginem como os riscos aumentam.
– Nossa, aumenta muito o perigo, mesmo! – Gabriel suspira.
– Certíssimo. É a pressão do consumo que cria isso. Nós, consumidores,
não temos a informação sobre a fábrica que envia o açaí para diversas
partes do país e mesmo do exterior, não divulgam essa situação. E mais:
os riscos não estão apenas no subir nas finas palmeiras. Estão no chão, na
água. Podem ser mordidos por uma cobra, um escorpião, enfiar o pé em
um espinho, num buraco... Na hora de empurrar o barco, se entrarem no
território de um poraquê enfezado, o peixe-elétrico, podem receber uma
– Quer dizer então que, daqui, da geleira, o açaí vai direto pra fábrica, pra
ser batido e pra separar a polpa do caroço? – Gabriel pergunta ao dono da
geleira, que observava o fim do carregamento de açaí.
– Justo, se a gente sair agora, lá para o fim da tarde, a gente chega a Macapá.
– Tio, e pra onde vai este açaí? – Antônio quer saber mais.
– Uma pequena parte, menos de dez por cento, é consumida pelos próprios
coletores, suas famílias e vizinhos, ali na comunidade. Em verdade, Belém,
Macapá e os municípios próximos ao megadelta do Amazonas-Tocantins
ainda respondem por cerca de metade do consumo. Para o exterior, vai uma
pequena parte. O grande consumo é mesmo para o Sudeste e as outras
regiões do Brasil. São Paulo e Rio são as cidades que consomem mais
açaí no mundo, depois de Belém, é claro! E tem mais: se o açaí realmente
se tornar um genuíno produto da floresta, ele pode abrir caminho para
apresentar as outras frutas daqui. Temos outras palmeiras com polpas
deliciosas, como é o caso da bacaba, do buriti. Sem falar em outras árvores
que têm frutas muito boas, como o taperebá, conhecido como cajá no
Nordeste, o bacuri, o cupuaçu e o próprio cacau, que tem uma polpa que dá
um suco maravilhoso, é o meu preferido. Só na Amazônia, são mais de cento
e cinquenta espécies de palmeiras, das quais pelo menos dez ofereceriam
um produto de interesse, tanto regional como nacional. Algumas delas, como
a pupunha, têm frutos carnosos que, cozidos, são muito apreciados, sem
falar no tucumã, muito consumido em Manaus, como comentamos antes.
– Mas lá no Sul tem também açaí, não é, tio? – pergunta Juju.
– Sim, é uma outra espécie, conhecida como juçara, Euterpe edulis. É uma
palmeira de um tronco só, muito procurada pela qualidade de seu palmito,
por isso, já esteve à beira de desaparecer em muitos lugares. Na Amazônia,
há duas espécies de açaí, o Euterpe precatoria, também de um tronco só
(monoestirpe), presente nas regiões mais secas, de terra firme, bem comum
no Maranhão, Acre, Mato Grosso; e o açaí-de-touceira, com uma touceira de
muitos troncos (multiestirpe), o Euterpe oleracea, típico das várzeas, como
aqui, que são as regiões mais úmidas e alagadas.
– E estes açaís daqui também dão palmito? – continua Juju.
– Boa parte do palmito produzido no Brasil vem desta região do Marajó e do
Amapá, tanto do açaí-de-touceira, como do açaí manejado, como se diz.
Porém, o plantio de outras palmeiras exóticas, como a palmeira-real, avança.
A pupunha, originária da Amazônia peruana, que foi domesticada há milhares
de anos por indígenas, é plantada no Sudeste do Brasil e em outras regiões
tropicais. Aliás, é considerada a única palmeira domesticada das Américas.
O açaizeiro está neste caminho, de domesticação. Nesse caso, os seus frutos
são mais abundantes nos troncos mais jovens; para retirar o palmito, o que
exige derrubar o tronco, buscam-se sempre os mais velhos e grossos, que
produzem menos frutos ou se tornaram muito altos.
– Que legal, tio, então não precisa desmatar pra produzir açaí! – Gabriel comenta.
– Gabriel, este é um tema importante: o desmatamento e a sua relação com
a sustentabilidade. A Amazônia sustentável será aquela que soubermos
respeitar e cuidar. A regra é simples, precisamos deixar a Amazônia em
melhor estado do que a recebemos, e isso vale em todos os sentidos,
***
***
Capítulo 7
(Chegada a Macapá.)
***
– Que coisa doida! Esta fábrica veio mesmo do Japão? – Gabriel pergunta.
– Foi durante a ditadura brasileira, época em que as decisões eram tomadas de
cima para baixo e a portas fechadas. Cada decisão maluca para a Amazônia:
construir estradas sem sentido, como a Transamazônica, levar centenas
de milhares de famílias para assentamentos no meio da floresta e apoiar
empresários inescrupulosos como este, que pensava que aqui era o reino dele!
– Bem, as coisas não mudaram tanto assim, não é, tio? – Gabriel pontua, com
segurança de quem aprendeu bem.
– Exato, é o caso recente da Usina de Belo Monte e de tantos outros projetos
faraônicos. Em 67, aqui, no Jari, Daniel Ludwig, um excêntrico milionário
norte-americano, conseguiu comprar por uma ninharia uma área enorme,
de mais de um milhão de hectares, do tamanho de um país pequeno. O
problema é que o governo militar nem se deu ao trabalho de verificar se
na área viviam comunidades tradicionais, como de fato havia, o que gera
conflito até hoje. A intenção era implantar diversos projetos: mineração de
caulim, reflorestamento, criação de búfalo e plantio de arroz. Não se discute
a importância dessas atividades econômicas, a questão é: destruir a floresta
mais complexa e rica do planeta para isso! Não faz sentido.
– Caulim, o que é, tio? – Antônio.
– É um mineral branco, abundante nesta região da Amazônia. Uma argila
muito usada na fabricação de porcelana, no branqueamento de papel, na
construção civil e até em cosméticos e produtos farmacêuticos. Dizem que
esse empresário queria também explorar alumínio, mas não conseguiu. De
cara, foram desmatados mais de cem mil hectares e plantadas espécies
exóticas de árvores, como o pinheiro, o eucalipto e uma outra árvore, a
gmelina, para fornecer madeira para a fábrica de celulose. Boa parte da
madeira do desmatamento perdeu-se, apodreceu no mato, foi queimada,
porque não havia comprador. Aos poucos, Ludwig percebeu que não teria
o retorno tão grande e tão rápido e, quinze anos depois de iniciado o
empreendimento, abandonou-o. Mas o sonho maluco do empresário tornou-
se uma grande dor de cabeça para o governo brasileiro.
– Tio, por quê? – Juju perguntou.
– Porque Ludwig deu calote no banco que financiava seu empreendimento, e o
governo brasileiro, o Banco do Brasil, na verdade, era o avalista, o garantidor
do empréstimo. Assim teve que honrar o compromisso. Na verdade, mais
uma vez, quem pagou a conta foi o povo brasileiro. Aqueles que tinham
feito o negócio em nome do Brasil, o presidente, os ministros e seus
Capítulo 8
De Abaetetuba a Tucuruí
– Ô, seu Menino! O senhor me dê sua licença. Mas eu tenho que entregar
uma farinha pro primo da minha namorada! – o piloto do barco,
Genivaldo, meio que encabulado, pedindo desculpas nos solicita – Vocês
se importam? É rapidim...
Um olhou para o outro, sem falar nada, querendo dizer: – Fazer o quê, não é?
– Vejam aqui, meus sobrinhos. Este belo livro do Raymundo Moraes, O meu
dicionário de coisas da Amazônia. Leia para nós, Juju, por favor, o trecho
sobre os pratos à base de mandioca.
– Beiju-assu, o beiju-puqueca, o beiju curuíba, o beiju-cica e o beiju-membeca.
O beiju-assu é fino como um disco, branco como a lua; torrado ao forno,
com manteiga, supera qualquer bolacha de água e sal das mais finas. O
beiju-puqueca, mais grosso e mais úmido, é sempre envolto em folhas de
bananeira, e o beiju-curuba recebe sempre da castanha-de-caju, um sabor
novo e esquisito. O beiju-cica é delgado, seco e quebradiço, e o membeca,
como o nome indica, é fofo e mole... – Juju lê.
– Beiju, não é mesmo? É esta massa do polvilho da mandioca. A mandioca é
o pão da Amazônia, não pode faltar em refeição alguma. Como já vimos, é a
principal fonte de energia, de carboidrato, consumida o ano todo.
– Nossa, que delícia, nunca comi isto! – Juju comenta, a boca cheia de farinha,
feliz da vida.
– Pois é, minha filha, a vida é cheia de misteriosidades, de caneta japonesa! –
explica dona Cota.
– Caneta japonesa? – pergunta Juju, sem entender.
– Novidades, minha filha! Novidades! A vida é cheia de imprevistos, de
novidades! A gente tem que deixar o barco correr, a água levar, assim a
gente é mais feliz... – argumenta dona Cota, em sua simplicidade, enquanto
mastiga mais gostosamente um pedacinho de beiju, aquela sobra crocante,
a raspa do tacho.
– Mas, tia Cota, posso chamar assim a senhora? Como é que produz uma
***
– Olhem lá, olhem lá, o que é aquilo? Nossa, quanta fumaça! – Gabriel,
quase gritando.
– São os fornos de carvão. Essa é uma das atividades que os assentados e
pequenos agricultores fazem para sobreviver, fazer carvão do que sobra de
madeira e de galhos da área desmatada.
– E isso é normal, tio? – Gabriel continua espantado.
– Que nada, isso é atividade irregular, clandestina. Mas, com a pobreza na
porta, faz-se de tudo para sobreviver, vender carvão, caçar para vender
a carne no mercado, explorar a madeira de qualidade... A maior parte do
carvão usado para churrasco, em padarias, pizzarias aqui na região é ilegal.
Nem é difícil encontrar no comércio, nos mercadinhos, na beira das estradas,
enfim, todo mundo acha “normal” a mata virar cinza e, depois, churrasco!
– Acho que as pessoas nem pensam nisso. As conexões, não é, tio?
– Exatamente, Juju, nossos atos têm consequências diretas no meio ambiente.
A carne, o carvão, enfim, tudo o que consumimos produz um impacto social e
ambiental. A questão é a escala desse impacto, se é de alto ou baixo impacto.
Isso também é um indicador da pobreza de uma sociedade. Da pobreza no
sentido de amor à natureza, de compreensão do papel do ser humano neste
planeta, de respeito aos povos ancestrais, da valorização do patrimônio comum
de um povo, o bem comum. Enfim, é uma crise de identidade da civilização
humana, que consome mais do que o planeta suporta. É muito mais do que
uma crítica ao consumo desenfreado, é sobre o desrespeito às leis, é quebrar
o compromisso com as gerações futuras, com vocês, que ainda são crianças e
jovens. É a falta de sensibilidade para essas questões, tão urgentes e graves.
Transformar uma floresta em carvão ou pasto é dizer: eu não te respeito,
floresta. Eu não te quero! Eu prefiro que tu vires um bifinho e vou fazer um
churrasquinho com isso! Depois eu vou pensar para que tu me serves!
– Nossa, tio, não seja tão cruel – reclama Juju.
– E que jeito? Vamos ser bonzinhos com a destruição do teu futuro, Gabriel? Teu
futuro, Juju, teu futuro, Antônio. Ao ser bonzinho, não sobrará nada para vocês
e muito menos para os filhos e netos de vocês. Haverá só carvão, e depois vem
o pasto e acabou-se tudo. Bem, voltando ao carvão. Ele também é utilizado na
indústria. O carvão vegetal pode abastecer diversas indústrias que queimam
matéria vegetal, a chamada biomassa. Há os secadores de grãos, as olarias,
as fábricas de cimento e as gusarias. As gusarias transformam o minério
de ferro em ferro-gusa, reduzindo o minério, como se diz. Aqui, para cada
tonelada de minério, consomem-se quase três toneladas de carvão vegetal.
– Puxa, tio, é mesmo muito desmatamento, muito fogo e pouco boi. E toda esta
terra tem dono? – Gabriel pergunta.
– Vamos dizer que tem um ocupante, gente que se diz dono, ou seja, há
pessoas ocupando a terra, que é pública, de todos os brasileiros. Perante
Capítulo 9
De Tucuruí a Carajás
– Em muitos casos, cerca de quarenta por cento dos custos do alumínio vêm
da energia. Em contraste, enquanto as fábricas e metrópoles, como Belém,
receberam essa energia, as comunidades rurais pobres, como Boa Vista
do Acará, defronte a Belém, viveram sem energia elétrica por mais de duas
décadas, mesmo com o linhão passando em cima de suas cabeças. No
caso de Tucuruí, cerca de vinte mil pessoas sofreram impactos diretos com
a instalação da usina, e três áreas indígenas foram afetadas. E diversas
demandas sociais não foram completamente resolvidas. O desafio é olhar
para os planos de grandes obras na Amazônia. Só em usinas hidrelétricas
para as próximas décadas, há propostas para centenas de usinas de
pequeno a grande porte, incluindo algumas nos países vizinhos, como a
Bolívia e o Peru, de onde vêm alguns rios amazônicos, como o rio Madeira
e seus formadores. O caso mais recente, e altamente escandaloso, é o
da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Novamente, é preciso
perguntar o que é mais importante: oferecer energia barata ao restante do
Brasil, custe o que custar, ou priorizar os direitos dos povos tradicionais do
lugar e as questões ambientais e sociais.
– Eita conversa difícil, tio! – Gabriel reclama.
– E tem outro jeito? A Amazônia é de vocês, jovens, a nossa geração cometeu
todos essas barbaridades, invadindo terras de povos tradicionais, rasgando
a floresta, varrendo os rios com uma pesca cada vez mais predatória. E eu
pergunto: o que aprendemos com tudo isso? Temos que discutir a fundo
cada questão, senão, cometeremos os mesmos erros. Aliás, se formos
indiferentes a tudo isso, jamais formaremos as nossas próprias opiniões,
vamos deixar que os outros decidam por nós!
– Está certo, tio, desculpa! – Gabriel completa.
– Gabriel, estamos aqui todos juntos neste barco, aliás, nesta Espaçonave
Terra (Spaceship Earth), como gostava de comentar o arquiteto norte-
americano Buckminster Fuller. Ele dizia que a Terra seria um veículo
mecânico que necessita de manutenção. Se não fizermos a manutenção, ou
seja, se não dermos atenção à vida, ele para de funcionar. Simples assim!
– Tio, qual seria o maior erro que vocês, digo, a geração de vocês acha que
cometeu? – Antônio faz essa superpergunta, que exige um tempo em silêncio.
– Nada fácil, mas, se for para escolher uma única resposta, o nosso maior erro
é delegar a dirigentes despreparados as decisões que cabem à sociedade
como um todo assumir! Ou seja, primeiro temos que respeitar os direitos das
pessoas do lugar, elas têm que ser ouvidas, e há direitos que são superiores
– Aqui é Serra Pelada – disse um menino que estava ali tomando banho.
Todos olharam para os lados e não viram garimpo algum.
– Ué, não é aqui que milhares de homens carregavam sacos de terra para
encontrar ouro? – Gabriel fala, decepcionado, lembrando-se da foto de
Paulo Santos.
– Verdade, Gabriel. Na década de 80, descobriu-se ouro em grande
quantidade, o que atraiu garimpeiros do Brasil todo. E havia muita gente
aqui até a área ser naturalmente inundada, pois a mina se tornou bastante
profunda. Imaginem vocês oitenta mil garimpeiros vieram para cá! É
como se um estádio inteiro de futebol, num pequeno espaço, estivesse
disputando cada centímetro para encontrar ouro! Foi a maior corrida
do ouro de que se tem notícia na história deste nosso planetinha. O
governo militar controlava a entrada e a saída do ouro. Os bancos oficiais
compravam uma boa parte. Mesmo assim, houve muito contrabando.
Atualmente, diferentes grupos e os antigos garimpeiros seguem buscando
maneiras de explorar o ouro e os outros metais que ainda há por aqui. Mas,
agora, isso terá que ser feito de forma industrial... Vamos seguir viagem, a
nossa próxima parada é a serra de Carajás.
– Ah, já sei, Carajás, onde tem muito ferro! – Antônio comenta.
– Sim, aqui na serra de Carajás, estão algumas das maiores jazidas de ferro
do globo. As minas distribuem-se por diversos municípios, com destaque
para as duas serras, a serra Norte, em Parauapebas, e a serra Sul, em
Canaã dos Carajás. O minério daqui tem alto teor de ferro, por isso é tão
valorizado. Carajás é o que os geólogos chamam de uma província mineral,
afinal, além do ferro, do ouro de Serra Pelada, há manganês, cobre e
muito mais. Na Amazônia, há outras províncias minerais, e esta é uma
Capítulo 10
– Nossa, tio, nesta viagem pra cá, eu só vi pasto, pasto, pasto. Cadê a floresta?
Isto aqui é o que chamam de progresso? – Juju fica preocupada.
– E pasto sujo, pouco boi, diga-se de passagem! E pobreza, muita pobreza! –
Antônio complementa.
– Muito bem, Antônio, agora compreendes que tirar a mata para colocar boi não
gera riqueza, é esta destruição total. Somos a sociedade da destruição, do fogo,
do desperdício. Imaginem que os povos tradicionais conseguem tirar mais quilos
de carne por hectare de floresta por meio da caça que esta pecuária chinfrim,
de baixa produtividade, que vemos aqui. Isto aqui é especulação de terra, estão
só preparando para vender e atacar a floresta mais para diante. Em termos
de aproveitamento econômico, pouca coisa deu certo. A Transamazônica é a
estrada da ilusão. Mais de meio século e, que vergonha, isto!
– Mas, tio, até agora não entendi: por que resolveram construir a
Transamazônica? – Gabriel coça a cabeça.
– Mais uma decisão tomada a portas fechadas durante a ditadura. Vocês
lembram o que falamos antes, do governo militar distribuir terras aqui
na Transamazônica: Terra sem homens para homens sem terra... E quem
veio para cá? Tanto famílias de nordestinos pobres – afinal, o Nordeste
passava por grave seca –, como colonos da região Sul do Brasil, de áreas
de minifúndios, ou seja, onde havia, o que se justificava, pouca terra
para muita gente. Só que, como já falamos, a instalação dos migrantes
não foi acompanhada do necessário apoio em manutenção de estradas,
infraestrutura, educação, assistência técnica, crédito, sementes e mudas...
Vieram sem saber o que significava a floresta, os povos tradicionais, a
biodiversidade, os serviços ambientais! Foram abandonados pelos militares
desde o primeiro momento!
– Que absurdo! – protesta Juju.
– E a Transamazônica não foi a única a rasgar a Amazônia sem qualquer
planejamento e respeito a quem já morava aqui há séculos. Um pouco antes,
em 65, iniciou-se a BR-364, que vai de Cuiabá a Porto Velho, sobre o traçado
da linha telegráfica construída pelo marechal Cândido Rondon. Em 69, foi a
vez de asfaltar a rodovia Belém–Brasília, construída no governo democrático
de Juscelino Kubitschek. Na década de 70, já no regime militar, abriu-se a
Cuiabá–Santarém (BR-163) e estendeu-se a Cuiabá–Porto Velho até Rio
Branco, no Acre.
– Insano, cruel – Antônio não acredita em tamanha incompetência.
– Muita estrada, hein! Presente pra invasão, não é, tio? – Juju conclui.
– Isso mesmo, desde a década de 60, o governo federal criou centenas
de assentamentos. Eles já nasceram abandonados, nem o governo sabe
direito a real situação deles. São mais de três mil assentamentos, uma área
de trinta e seis milhões de hectares, mais ou menos o tamanho de Santa
Catarina e do Rio Grande do Sul juntos. Ao mesmo tempo, estimulou grandes
fazendas de pecuária. Muitas dessas fazendas de boi promoveram imensos
desmatamentos com incentivos fiscais, ou seja, o dinheiro que deveria
ser usado para educação, saúde, saneamento foi dado de presente para
grandes empreendimentos que nem precisavam de dinheiro. Dinheiro que
foi transformado em floresta queimada e pasto para bois. Dinheiro público
beneficiando fins privados.
– E quem se beneficiou com isso, tio? – perguntou Gabriel.
– Pois é, sempre a mesma coisa. Uns poucos, com bom acesso ao governo e
com impostos a pagar, aproveitaram. Pior ainda, esses projetos de pecuária
abriram caminho para centenas e até milhares de madeireiros, grileiros e
outros fazendeiros. Aquele pecuarista tradicional do Sudeste e do Centro-
Oeste veio para a Amazônia para “abrir fazenda”, porque encontrou estradas
abertas, terras baratas, apoio do governo em crédito barato. Vejam que esta
é a mesma história que destruiu as matas do Espírito Santo, do Sul da Bahia,
do Mato Grosso do Sul...
– Então esta é a história do Brasil? Que vergonha! – Gabriel, indignado.
– E muitos fazendeiros quase nem investiram, entraram na área, tiraram
a madeira de valor e venderam essa madeira. Assim, financiaram o
desmatamento, as queimadas e o plantio de pastos. Praticamente tudo pode
ser considerado como desmatamento ilegal. Para piorar, as condições dos
trabalhadores que faziam o desmatamento e as queimadas eram as piores
possíveis. Eram pessoas que ingenuamente caíram na conversa de “gatos”,
como se chamam esses empreiteiros. O filme Pureza, em que atua a brava
atriz paraense Dira Paes, conta bem essa história. É o que chamamos hoje de
trabalho análogo à escravidão!
– Vergonha, vergonha, vergonha! – Juju faz coro com Gabriel.
– Para piorar, muitos desses fazendeiros ocuparam terras públicas, ou seja,
invadiram a terra. É o que vemos em muitas partes – grilagem! Patrimônio
que é nosso, da nação brasileira, a terra, a madeira, os rios... Enfim,
aceitamos que roubem o nosso futuro! E, à luz do dia, na nossa cara!
– Isso mesmo tio: roubaram o nosso futuro! – Antônio concorda.
– Nos últimos cinquenta anos, os bancos oficiais, como o Banco da Amazônia,
o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), financiaram mais de dois bilhões de reais para a pecuária
na Amazônia. E, notem bem, não estamos mais no período da ditadura há
mais de três décadas. Se consultarmos como se usa o recurso federal para
a Amazônia, veremos que a pecuária bovina, de longe, está em primeiro
lugar. Mais de oitenta por cento do desmatamento está associado à pecuária
bovina. O boi é para dizer “aqui tem dono”, é o boi como poupança, é o boi
para render dinheiro. É o boi o motor da destruição do Brasil.
– Então o governo do Brasil financia a destruição da Amazônia! – Antônio não
precisa muito para confirmar.
– Hoje, além de financiar o pasto, financia os frigoríficos. O BNDES é sócio
de frigoríficos na Amazônia, com investimentos de algumas centenas de
– E quem morava aqui antes? Eu ouvi que os índios foram contra – Antônio pergunta.
– Claro, imaginem que, um dia, mudam o rio que passa em frente de sua casa,
aparecem milhares de pessoas caçando, roubando madeira, invadindo a sua
terra. É para achar bom?
– Ah, tô lembrando aquela índia, como é mesmo o nome dela, com o facão na
mão. Ela é minha heroína – completa Juju.
– É a Tuíra Kayapó, ela é muito corajosa! Um símbolo da resistência da mulher
na Amazônia. Estão defendendo seus filhos, sua terra, sua gente, sua
história, sua vida.
– A Tuíra mereceria mesmo um prêmio! – empolga-se Antônio.
– Ela e muitas lideranças indígenas, de ribeirinhos e tanta gente que quer
primeiro discutir, não aceitam que decidam sozinhos o destino de suas
vidas. Voltemos ao impacto das hidrelétricas. Elas são importantes se
considerarmos que substituem o uso de combustíveis fósseis – petróleo,
gás natural e carvão – pela produção de energia elétrica, evitando a enorme
emissão de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera. No entanto, as
hidrelétricas produzem quantidades astronômicas de metano (CH4), um
gás muito mais prejudicial para o aquecimento global, vinte e cinco vezes
mais danoso que o CO2. No caso de Belo Monte, temos que incluir na conta
o tanto de desmatamento que a usina estimulou. Não estou falando do
impacto da construção da obra e, sim, do acesso agora facilitado a diversas
áreas de terra antes dificilmente alcançáveis; com isso, retiram mais
madeira, desmatam mais...
– Tio, num caso assim, a gente sabe que vai dar em tragédia, não teria algum
jeito de evitar? Sei lá, controlar a migração, o desmatamento? – Gabriel
pergunta, inquieto.
– A história do Brasil tem mostrado que os governos e as empresas envolvidas
raramente estão preparados para enfrentar os impactos das grandes obras.
Em quase todos os casos, mesmo quando houve estudos e planos, eles
foram elaborados de cima para baixo, a portas fechadas, sem consultar
para valer a população local, ou seja, sem a participação da parte mais
diretamente afetada. É difícil apontar empreendimentos de grande
porte na Amazônia que não tenham gerado alto impacto socioambiental
– especulação de terra, expulsão de indígenas e ribeirinhos de seus
territórios, coleta ilegal de madeira, desmatamento, pesca e caça excessivas,
concentração de renda, violência contra a mulher, jovens e a criança...
– Eu não entendo, tio, por que tem que ser assim? – é a vez de Antônio coçar a cabeça.
– Pois é, eu me pergunto isso mesmo o tempo todo! Não quero aceitar uma
explicação fácil. Mas, no frigir dos ovos, a mentalidade dominante é de
uma pequena elite econômica e política, que toma a maioria das decisões,
controla boa parte dos organismos públicos e privados, que entende
progresso como sinônimo de desmatamento, migração em grande escala,
boi no pasto. A floresta, o rio, os povos tradicionais são vistos como atraso,
são coisas que atrapalham. Mas, como vocês estão vendo, a Amazônia é
frágil, seus povos tradicionais estão acuados, seus rios estão poluídos, a
biodiversidade corre sério risco, as mudanças climáticas vieram para piorar
ainda mais a situação, a região dificilmente resistirá se não agirmos com
energia e rapidamente.
– Nossa, tio, acho que não aguenta mesmo. E pior, o abacaxi vai ficar pra nós,
os jovens, pra nossa geração resolver! – Juju suspira fundo, com raiva.
– Teremos que mudar um pouco os nossos planos. Inicialmente, seguiríamos
de carro até Itaituba, mas isso atrasará muito nossa viagem. Não poderemos
visitar Anapu...
– Ah, Anapu, tio, mas não foi aqui que mataram aquela missionária, a irmã
Dorothy? – recorda-se a antenada Juju.
– Certíssimo! Em 2005, essa brava religiosa católica, que dedicou a sua vida
aos mais pobres, foi mais uma vítima da intolerância, da disputa por terras.
Foi morta por pistoleiros contratados por grileiros, que buscavam ocupar
a terra pública cedida pelo governo para os pequenos agricultores. Pela
primeira vez na Amazônia, o julgamento dos criminosos ocorreu com certa
rapidez. Bem, nem tanto, apesar de começarem um ano depois do crime,
foram cinco anos, imaginem, cinco anos, para o fazendeiro ser condenado.
E, mesmo assim, o mandante do crime estava solto e só foi preso em
2017. Vejam só que absurdo: doze anos depois desse crime bárbaro, tanto
os mandantes quanto os assassinos foram condenados. Na maioria dos
crimes, no entanto, espera-se por anos e mesmo décadas, e, em diversos
casos, mesmo com tantas evidências, os criminosos se safam – as provas
se perdem, as pessoas fogem... Há processos que demoraram tanto
que as pessoas envolvidas já haviam morrido. O caso Dorothy só andou
rapidamente porque a imprensa do mundo todo noticiou o fato e porque
ela era estrangeira, norte-americana. Agora faremos uma breve viagem a
Medicilândia e depois pegaremos uma carona de avião até o Parque Indígena
do Xingu, no Mato Grosso. Esse imenso parque fica mais para o sul, nas
cabeceiras dos formadores do grande rio Xingu, no alto rio Xingu como se
costuma dizer, no Mato Grosso. É longe, mas vale a pena.
Capítulo 11
– Ah, isso é demais, tio! Deste tamanhinho! Parece aquela história do beija-flor
salvando a floresta do incêndio – Gabriel intervém.
– E como uma abelhinha vai fazer isso? – Antônio reforça a pergunta.
– Muito simples, na medida em que a fumaça das queimadas atrapalha a
criação de abelhas e que o desmatamento elimina os lugares onde as
abelhas colhem pólen, os agricultores percebem que vale a pena evitar o
fogo e o desmatamento.
– Gabriel, que história é esta do beija-flor? Conta pra gente, vai! – solicita Juju.
– O beija-flor vê o incêndio e começa a voar, desesperado, levando água do
rio mais próximo pra floresta em chamas. O macaco pergunta, morrendo de
preguiça: Ei, maninho, pra que tu tás fazendo isto, beija-flor? Deixa disto! E o
beija-flor, sorridente, responde: Estou fazendo a minha parte! O macaco ficou
quieto, os olhos esbugalhados e resolveu colaborar. E, num mutirão muito
louco, foi juntando bicho e mais bicho, até que o fogo foi apagado! – falou
Gabriel, todo pimposo.
– Legal, Gabriel, as abelhas estão fazendo a parte delas! E nós, hein? –
conclui Juju.
– Pena que nossa visita foi bem curta, mas temos que aproveitar esta equipe
de reportagem, que veio de Altamira para cá e que também segue para
Itaituba. Estão a produzir uma série sobre as novas usinas hidrelétricas da
Amazônia. E em Itaituba as corredeiras de São Luís do Tapajós correm o risco
de desaparecer e de dar lugar a outra grande usina hidrelétrica.
Capítulo 12
– O que se faz é derrubar as árvores de uma determinada área no fim das
chuvas. Durante a estiagem, a vegetação seca, juntam-se os paus para
queimar melhor e, no fim do verão amazônico, ateia-se fogo, para se plantar
em seguida, enquanto o mato não cresce de novo. Só assim o que se plantou
tem chance de vencer, seja o capim, seja a roça, de milho, mandioca, arroz
ou, como muitas vezes se faz, plantam-se juntos diversos tipos de grãos,
tubérculos como a mandioca e a batata-doce... Depois de dois a quatro
anos, depende do lugar, do tipo de solo, essa área é abandonada, para se
buscar uma nova área ainda não explorada. Está certo que esse sistema é
rudimentar, ou seja, utiliza técnicas visando apenas o sustento da família. É
uma agricultura itinerante. Nos dias de hoje, com a definição de quem é dono
do quê, está cada vez mais difícil adotar esse sistema. O perigo é o fogo...
– Fogo? Mas o fogo é sempre perigoso, não é, tio? – Gabriel quer saber.
– Nesse sistema de coivara, ele é parte do processo. E há pouco risco de
escapar para outras áreas, como as pastagens, outras áreas agrícolas etc.
Mas, se a floresta é bastante alterada, quando se retira muita madeira ou se
deixa que o fogo penetre nela muitos anos, ela vai se fragilizando, tornando-
se cada vez mais pobre. O que acontece hoje na Amazônia é que todos os
fazendeiros que têm pastagens não querem investir num manejo sem fogo,
ou seja, controlando o mato por diferentes métodos. Claro que o fogo é mais
barato que qualquer outra opção. Por isso, no Brasil, o costume é colocar
fogo na pastagem ou em alguma área “abandonada” para mantê-la limpa.
Mas tudo tem o seu preço! Como vimos, o fogo queima a matéria orgânica,
seca muito o solo. Tem até uma parte boa, porque a queimada libera uma
quantidade razoável de determinados minerais, como o potássio e o cálcio.
– Puxa, estou confuso, queimar é bom ou ruim? – Antônio está um pouco perdido.
– Como estou dizendo, tem os seus prós e contras. Pode até ser positivo e mais
barato a curto prazo, mas, ao longo do tempo, o solo se empobrece, a erosão
carrega a parte boa do solo, é o que se chama de lixiviação. E hoje é possível
manejar os solos e realizar agricultura sem fogo. Exige mais cuidados, mais
planejamento e mais conhecimento, mas é possível.
– Tio, tio, que barco diferente é aquele? – Juju pergunta.
– É o Abaré, um navio-escola-hospital, resultado de uma iniciativa de uma
organização da sociedade civil, o Projeto Saúde e Alegria. Agora virou política
pública e está aos cuidados da Universidade Federal do Oeste do Pará
(Ufopa). A iniciativa deu tão certo que diversas prefeituras e instituições
públicas têm barcos desse tipo na região, contando com o apoio do
Ministério da Saúde. Foi tratando, há mais de trinta anos, da saúde dos povos
ribeirinhos que o Saúde e Alegria desenvolveu, sempre em parceria com
as comunidades locais, medidas bem simples e eficazes de acesso à água,
saneamento, melhores práticas de agricultura, alimentação e muito mais.
– Que coisa bacana, este é o Brasil que dá certo! – entusiasma-se Antônio.
– Os médicos daqui me informaram que a taxa de mortalidade infantil caiu
quase três vezes. Agora temos o mesmo índice de mortalidade infantil das
regiões mais desenvolvidas do Brasil, como o interior do estado de São Paulo.
– Nossa, tio, se uma ONG, com pouco dinheiro, pode ter resultados assim, por
que as prefeituras e os governos estaduais não fazem algo? – Juju comenta.
– Ótima pergunta. Porque a saúde das pessoas, especialmente dos excluídos,
não é prioridade. E, também, há a questão da qualidade da água e do
saneamento. Nem as grandes cidades têm saneamento, Belém e Manaus
não têm sequer dez por cento de seus esgotos tratados, o que se dirá dos
outros locais. Há outros indicadores preocupantes, como a gravidez na
adolescência na região Norte: um terço dos nascimentos é de mães com
menos de catorze anos! A região é campeã em mortes de mães no momento
do parto. Há maior descaso que esse? Cerca de um quinto das mulheres
não realiza uma única consulta durante a gravidez. No restante do país,
principalmente no Sul e no Sudeste, isso é praticamente inconcebível. Vamos
ouvir o Doutor aqui, o que ele tem a nos dizer.
– Na Amazônia, os postos de saúde estão sempre distantes, são insuficientes
em número, além de estarem lotados quando há um médico, e neles faltam
as condições de atendimento e de medicação básica. As pessoas viajam
horas e mesmo dias para uma consulta e não recebem a atenção devida. Os
agentes comunitários de saúde, os ACS, que poderiam resolver boa parte
dos problemas, são em número insuficiente e, muitas vezes, são pouco
preparados e não dispõem de transporte. E não é por culpa deles, é pela falta
de atenção, de apoio e de capacitação. São heróis, os únicos contatos das
comunidades com o sistema de saúde pública.
– E, com o Bolsa-Família, melhorou? – Antônio quer saber.
– Para quem vive na miséria absoluta, vinte, cinquenta, até duzentos reais faz
diferença. Mas o Bolsa-Família não é um mecanismo para tirar as pessoas da
miséria, é um socorro. A média de renda de quem recebe o Bolsa Família é
próxima de setecentos reais por pessoa por ano.
– Nossa, sessenta reais por mês é o que lá em casa a gente gasta pra comprar
pãozinho pro café da manhã por uns dez dias. Como é que alguém vive com
Diário da Juju: Valeu a pena vir até aqui. Foi muito legal subir
a serra do Ererê, conhecer aquela vista do rio Amazonas. Aliás,
é dos únicos lugares na beira do Amazonas de onde se pode ver
o Cerrado, a várzea, a floresta e o grande rio, fantástico! À noite
ficamos passeando pela praça, esperando a hora de ir para o
barco pra Manaus. Muitas estrelas. Como o céu daqui é bonito!
Capítulo 13
– Nossa, que barranco, como é que a gente chega à cidade? – Antônio pergunta.
– Veja bem ali, a rua entre o trapiche e o forte de Pauxis – informou-lhe o
marinheiro apontando o caminho. – Aqui é o lugar mais fundo em todo o rio
Amazonas, cem metros de profundidade.
– Bem lembrado, seu Tico. É também onde ele é mais estreito, dizem que
não passa de mil e quinhentos metros de largura. Por isso, a sua velocidade
aumenta dos usuais cinco a seis quilômetros por hora para sete quilômetros
por hora. A próxima parada será Oriximiná, no rio Trombetas. Suas águas
escuras são bem diferentes destas barrentas do Amazonas. Daqui saem
dezenas de navios carregados de minério de bauxita, matéria-prima do
alumínio. Parte vai para Barcarena, perto de Belém, no Pará, e parte para São
Luís, no Maranhão. A mina de Oriximiná é uma das maiores do mundo.
– E aquilo o que é, tio? – Antônio está curioso agora que estamos no trapiche de
Oriximiná. Um entra e sai de gente, e muitos sacos esperando pelo embarque.
– Castanha, castanha-do-pará ou, como se quer chamar, castanha-da-
amazônia. Provavelmente vem do alto rio Trombetas, região famosa por
seus castanhais e onde há diversos grupos quilombolas. Aqui eles se
organizaram e estão comercializando diretamente com os compradores,
evitando os atravessadores...
Capítulo 14
– Viva, aqui é a Ponta Negra, vejam a nova ponte sobre o rio Negro. Com a
construção da ponte, o desmatamento explodiu na outra margem do rio. Não
se espantem se, em alguns anos, surgirem bairros ou mesmo outra cidade do
outro lado, tão caótica, como ocorreu em outras partes do Brasil. Até onde
crescerá Manaus? Com raras exceções, quem quer ensino, saúde e outros
serviços públicos ou privados de qualidade aqui no Amazonas vê-se obrigado
a vir para Manaus. O interior recebe pouca atenção!
– Ah, entendi, as capitais concentram tudo! Mas tem alguma saída, alguma
chance de fazer algo diferente, tio? – Juju está curiosa.
– Bem, tudo tem jeito. A questão é haver um pacto em prol do aproveitamento
dos recursos para construir uma sociedade mais justa. Por exemplo, um
dos caminhos para avançar em direção à bioindustrialização, à bioeconomia
seria a substituição do petróleo pelo gás natural. Ainda que seja uma fonte
energética fóssil, o gás natural é menos poluente que o petróleo. Pela
primeira vez no Brasil, construiu-se um gasoduto com todos os cuidados
ambientais, evitando-se a invasão de terras de uma extensa área e a
***
– Mas a gente precisa mudar isso! – revoltam-se, ao mesmo tempo, Juju e Gabriel.
– Claro, eis o grande desafio! O que entendemos por civilização? O que faz sentido
para nós, brasileiros, ou para os demais povos amazônidas? O que significa a
Amazônia para nós? Afinal, o que estamos fazendo aqui nesta viagem?
– Já sei, tio. Estamos tentando entender que país é este. Que Brasil somos nós?
– Muito bem! Muito bem! Nós somos o Brasil, nós somos a Amazônia. É nossa a
decisão. Não podemos delegar a decisão a outros, a governantes incapazes,
a tecnocratas incompetentes, a quem quer que seja, que se vale da
corrupção e da esperteza para destruir o que é patrimônio público. Ninguém
tem esse direito. Não dá para aceitar este sistema perverso de criação de
valor. Os derrotados, os que destroem o planeta simplesmente dizem: “foi
sempre assim” ou “todo mundo faz assim, e eu também vou fazer, senão fico
para trás”. São eles que vão nos levar ao colapso ambiental, à pobreza, ao
aumento da injustiça social. O nosso drama atual é que esse pensamento é
dominante no meio empresarial, no meio político, e boa parte da população
acredita que só se cria valor destruindo!
– Que absurdo! Não dá pra aceitar! – Juju reclama energicamente.
– O escritor Werner Zotz tem uma ótima explicação para esse tipo de gente.
Entre os passarinhos, há os chupins e os tico-ticos. Os chupins são os
aproveitadores, os que invadem o ninho do tico-tico e jogam seus ovos para
fora e ali depositam os seus ovos. Os tico-ticos não percebem e, quando
os ovos são chocados, saem imensos chupins atrás daqueles frágeis tico-
ticos. O mundo tem muitos chupins, é importante que saibamos distinguir os
chupins dos tico-ticos.
– Mas, tio, tem também os tico-ticos. Tem muita gente boa... – Juju comenta.
– Ainda bem, né, Juju, senão estaríamos perdidos! – exalta-se Gabriel.
– Vamos entender um pouco melhor a indústria da madeira, afinal, a madeira
é o principal produto florestal da Amazônia. Mesmo em crise, e serrando-se
muito menos do que se produzia nas décadas passadas, a madeira gerou
centenas de milhões de dólares nos últimos anos e emprega muita gente.
– Importante é avaliar como somos seletivos em termos de madeira: somente
uma de cada dez, das três mil e cem espécies de madeira, é utilizada
comercialmente. Das cerca de trezentas espécies de madeiras exploradas,
somente dez por cento, ou seja, cerca de trinta espécies, são responsáveis
por dois terços do mercado.
– Como assim? – Juju está indignada, quase chorando.
Capítulo 15
– O contato com os Waimiri-Atroari foi desastroso. Por pouco eles não
foram complemente dizimados. Na década de 70, sofreram duros golpes.
Primeiro, foi a construção da rodovia de Manaus a Boa Vista, a BR-174,
quando a ditadura utiliza o Exército para expulsar o povo Kinja (como se
autodenominam os Waimiri-Atroari) de suas próprias terras. Na década de
80, uma mineradora conseguiu do governo militar a extinção da Reserva
Indígena Waimiri-Atroari, criada em 1971, para implementar a mineração
de cassiterita (estanho) de Pitinga. A seguir, a Eletronorte construiu a Usina
Hidrelétrica de Balbina, inundando trinta mil hectares do território indígena.
Somente em 86, quando os Waimiri-Atroari contavam com pouco mais de mil
***
– Cem por cento certo. Não se pode perdoar quando a saúde humana está em
jogo! – Juju bufa, decidida.
– Agora olhem para o outro lado, em direção ao Parque Nacional do Monte
Roraima, divisa entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana. Se fossemos no
sentido noroeste, chegaríamos à Terra Indígena Ianomami, um grande e
importante parque que inclui áreas de Roraima e do Amazonas, no Brasil, e
segue adiante na Venezuela. Para os Ianomami, seu espaço vital é mais que
um território. Em sua cultura, em sua visão mito-poética, o seu território é
um ente vivo – “Urihi”, o que poderia ser traduzido aproximadamente por
Terra-Floresta. A história de invasão dessa terra indígena por garimpeiros,
usando estradas como a Perimetral Norte, é uma rotina. Mesmo com a
Polícia Federal regularmente destruindo as pistas de pouso clandestinas, os
garimpos retornam.
– Iche, este povo não toma jeito! – Juju imita a sua mãe, irmã do tio.
– E, do lado noroeste, está a região consagrada como a Terra Indígena Raposa
Serra do Sol. Recentemente, um grupo de plantadores de arroz quis usurpar
os territórios indígenas, mas o Supremo Tribunal Federal confirmou que os
não índios precisavam sair da Terra Indígena, como manda a lei. E, mais
adiante, bem lá na pontinha nordeste, na serra de Pacaraima, está o monte
Roraima, “Roroima”, “mãe das águas”. Esse belíssimo monte, ou tepui, é um
monumento natural visível de bem longe. Aqui estão as nascentes de rios
que contribuem tanto para as bacias do rio Orinoco, que cruza a Venezuela,
como para a do rio Branco, afluente do rio Negro. O monte Caburaí, no
mesmo Parque Nacional, é o ponto mais setentrional do Brasil. Novamente,
garimpos ilegais, inclusive em terras indígenas. Como é final de tarde, vamos
retornar para a pousada.
– Tio, o que é aquilo voando a esta hora da noite? – espanta-se Gabriel,
fechando os olhos.
– Um morcego. Vejam que lindo! Observem o tamanho das asas dele, quase um
metro de uma ponta à outra, de envergadura, como se diz. O biólogo Enrico
Bernard encontrou setenta e duas espécies de morcego numa única área no
baixo rio Tapajós. Nos Estados Unidos, há apenas quarenta e cinco espécies.
– E este grandão o que come? Sangue? – Gabriel interessa-se.
– Não, no Brasil, entre mais de cento e sessenta espécies, há apenas duas que
são hematófagas, que se alimentam de sangue. Usualmente, comem frutas,
insetos, sementes. São importantes polinizadores, além de dispersores de
sementes. Assim, quando comem a fruta, a semente é lançada em áreas
Capítulo 16
– É verdade, mas a vida deles não é tão fácil. Somente nos últimos anos é
que os índios passaram a receber um pouquinho de atenção. Até há pouco,
eram tratados como escravos pelos seringalistas e pelos fazendeiros.
Sempre foram explorados, mesmo que de forma disfarçada. Os missionários
tratavam-nos como almas a serem salvas; os garimpeiros e traficantes, como
carregadores; os barqueiros, como cargas e os fazendeiros como mão de
obra barata. Imaginem que, neste município de São Gabriel da Cachoeira,
noventa por cento da população é formada por indígenas. São trinta e sete
etnias diferentes para menos de cinquenta mil habitantes, cada qual com a
sua cultura, as suas tradições, as suas línguas... Não é impressionante?
– Verdade, muita cultura tio, muita cultura! – Antônio está feliz com esta
oportunidade de vida.
– No Brasil, considera-se índio aquele que se declara como tal. Um dos
maiores antropólogos, Eduardo Viveiros de Castro, assim diz: “No Brasil,
todo mundo é índio, exceto quem não é”.
– Não entendi! – Antônio reclama.
– Ser índio depende de uma autodeclaração. O IBGE observa que a população
indígena do Brasil cresceu muito a partir do censo de 1990. No censo de
2010, havia mais de oitocentos mil índios! Mas muitos índios, especialmente
aqueles que vivem nas cidades, não gostam de se declarar índios. O fato é
que temos muito ainda a avançar, para reconhecer os direitos destes povos,
os povos originários.
– Isto é bonito: ter ainda tanto índio no Brasil, não é, tio? – Juju comenta.
– Claro! É um indicador de que ser índio é menos vergonhoso. Na Amazônia,
estão seis de cada dez indígenas do Brasil, mais de meio milhão de pessoas.
Mas, se comparada à população da Amazônia brasileira, a população
indígena representa meros dois por cento. E, em relação ao Brasil, os índios
estão próximos de meio porcento da população. Incluam-se aí os índios
vivendo em áreas urbanas, que devem corresponder a mais de um terço da
população indígena.
– Nossa, é muito índio morando na cidade! – Antônio comenta.
– E isso não quer dizer que estejam vivendo bem. A maioria mora nas
periferias, desassistidos, com baixo acesso a serviços públicos e num
processo acelerado de perda de identidade. O seu atendimento de saúde é
precário, a educação em suas línguas nem sempre está disponível e, mesmo
assim, é bastante limitada. Na Amazônia, há mais de cento e cinquenta
povos distintos, de um total de cento e oitenta povos para o Brasil. A maior
– Que legal! Daqui pra frente quero muito visitar a Amazônia, mais e mais! –
empolga-se Juju.
– Daqui vamos a Manaus, e dali partimos para subir o rio Solimões.
Capítulo 17
***
– Todos prontos? As redes estão armadas, vamos navegar por muitas horas
subindo o rio Solimões. Por um tempo, será dia e ainda poderemos ver
um pouco das margens deste grande rio, que depois troca de nome para
Amazonas quando recebe o rio Negro. Observem que árvore espetacular
é aquela. Um colosso sobressaindo na floresta! As grandes árvores da
Amazônia em geral alcançam cinquenta metros de altura, o que equivale
a um edifício de vinte andares, e pesam algumas centenas de toneladas. A
maior de todas é um angelim-vermelho com oitenta e oito metros, entre o
Pará e o Amapá. Numa grande árvore como esta sumaumeira que estamos
admirando, pode-se encontrar mais de uma centena de espécies de
samambaias, bromélias, cactos, aráceas e outras formas de vida vegetal.
Se contarmos as bactérias, os vírus e os fungos, chegaremos a dezenas de
milhares de espécies. E isso sem falar nos animais, as milhares de espécies
de insetos, os mamíferos, as aves... Quando um gigante destes cai na mata,
uma comunidade inteira de vida, que levou centenas de anos para alcançar
aquele estágio, encerra-se abruptamente.
– Que dó, tio! – Juju lamenta.
– Bem, é o ciclo da vida. É uma luta incessante pela sobrevivência. Algumas
árvores chegam a mais de quinhentos anos. Porém, a maioria tem uma vida
mais breve do que se imagina, menos de um século, devido aos fortes ventos
e ao trabalho incessante de cupins devorando-as vivas!
– Ai, que horror, tio! – Juju completa.
– Bem, para se proteger dos ventos, muitas árvores que alcançam o dossel,
que é a parte superior da floresta, possuem sistemas de troncos que se
abrem próximos ao solo, como se fossem asas laterais. São as raízes
tabulares, as sapopemas. Além disso, as copas das árvores apoiam-se umas
nas outras, e há também cipós e lianas, que fazem o papel de amarras, como
***
– Vejam como navegamos muito! Quase três dias para chegar a Coari. Vocês
devem estar cansados de tanto balançar na rede e jogar conversa fora! Aqui
é a região em que a Petrobras explora o gás natural. São dois gasodutos,
longos tubulões de metal com mais de quatrocentos quilômetros cada,
enterrados, por onde o gás natural é levado. O primeiro de oeste a leste,
acompanhando o Amazonas, de Coari a Manaus, e o segundo de Coari a
Porto Velho. Ontem passamos por Tefé, mas vocês dormiam, e aqui estamos
nós na fronteira do Brasil com a Colômbia. Tabatinga do lado brasileiro e
Letícia, na Colômbia. A quase quatrocentos quilômetros rio acima, está
Iquitos, no Peru.
– Nossa, tio, é muita informação, como é que eu vou guardar isso tudo? –
Antônio reclama.
– Pois é, se tu fizesses um diário como eu, estarias bem! Mas não, fica aí,
dormindo o tempo todo! – Juju não perde a chance de provocá-lo.
– Na fronteira entre o Brasil e a Colômbia, o rio Solimões muda de nome para
Marañon. Em verdade, o Amazonas troca sete vezes de nome. No Brasil,
são dois nomes: Solimões, de Tabatinga ao Negro, e Amazonas, até a foz.
Da nascente à foz, ele desce mais de quatro mil e setecentos metros, quase
tudo em território peruano. Dentro do Brasil, de Tabatinga à foz, desce meros
sessenta metros em três mil e quinhentos quilômetros, uma média quase
imperceptível de um centímetro e sete milímetros por quilômetro!
– Tá entendido por que se chama planície amazônica! – Antônio brinca.
– Além disso, estamos falando do rio mais longo do planeta.
– Ué – Juju abriu a boca – a minha professora disse que era o Nilo, na África!
– Ela está desatualizada. Quando ela estudou, o Nilo, de fato, era o mais longo.
Hoje, com o uso de satélites e de aparelhos de medição mais precisos, como
o GPS, diversos mitos da geografia estão sendo esclarecidos. O Amazonas,
segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), possui cerca
de seis mil e seiscentos quilômetros por um critério de medida e quase sete
mil quilômetros por outro. E tem mais: é o rio de maior volume de água e
com a maior foz no mundo. Na verdade, trata-se de um delta, um megadelta,
se considerarmos que no mesmo delta está o delta do rio Tocantins e de
outros menores, como o Guamá, que nem é um rio tão pequeno assim.
– Mas o rio aqui é muito barrento! Que água suja! – reclama Antônio. – Como
vou nadar?
– A água é barrenta, pois todos os rios que vêm dos Andes carregam muitos
sedimentos. São os Andes em decomposição. É a terra dos depósitos dos
períodos glaciais que caracterizam o Amazonas e seus formadores. Por isso,
nos Andes os deslizamentos de terra são frequentes. Mas vamos falar dos
desafios desta fronteira. Se antes portugueses e espanhóis se temiam, agora
os problemas são de outra natureza. O narcotráfico é um dos principais
desafios. E com o narcotráfico vem o tráfico de armas, de animais, de
plantas e de madeiras nobres, a prostituição, a exploração infantil, além do
contrabando de produtos importados, vendidos por camelôs nas ruas das
cidades do Brasil.
– Nossa, tio, então muito do que parece legal é ilegal? – preocupa-se Juju.
– Sim. Nestas regiões de fronteira, aqui nos rios Javari, Juruá e Solimões, a
o homem não aprendeu que lugar de bicho é na natureza? Que coisa obsoleta!
– É esse o problema. No Brasil, há milhões de papagaios, periquitos, curiós,
sabiás, além de macacos, tartarugas e outros bichos silvestres que estão
presos. Pela legislação, é proibido, a não ser que o animal venha de um
criador registrado no Sistema Nacional de Gestão de Fauna Silvestre
(Sisfauna), do Ibama, mas são pouquíssimos os animais regularizados.
– Pra mim, é o homem dizendo pro bicho: eu sou forte, tu és besta! Eu te ponho
na gaiola. Eu mando e tu cantas pra mim! – Juju espuma de raiva.
– E tem ainda o tráfico de aranhas, cobras, sapos, borboletas, peixes
ornamentais, a lista é enorme... Até em websites de venda de mercadorias,
tu encontras gente vendendo animais vivos, além de artefatos com peles,
penas e partes de animais. Prestem atenção, meninos, porque no Brasil
é proibido vender qualquer objeto com penas, pele ou parte de animais
silvestres! Mesmo os índios não podem vender. Podem preparar para si
próprios, para o seu grupo, mas não para comercializar.
– Mas eu li na internet que há um criadouro legal de jacaré para tirar o couro,
de tartaruga... – Gabriel comenta.
– Verdade, novamente são os criadouros legais, registrados no Ibama. Há
de outros animais, os mais comuns são aqueles para peles, como os de
jacaré, e para a produção de carne, como os de tartarugas, porcos do
mato e capivaras. A legislação brasileira proíbe a caça, com exceções para
as populações tradicionais em determinadas condições, como reservas
extrativistas ou terras indígenas e, mesmo assim, sob determinados limites.
– Mas, tio, é um ato muito violento contra os animais – manifesta-se Juju.
– Concordo, milhões de pessoas no mundo todo entendem as coisas dessa
maneira. No entanto, para alguns, a caça é uma questão de sobrevivência;
para outros, um rito cultural relevante. As presentes e próximas gerações
terão que discutir o que é eticamente aceitável e o que garante a
conservação das espécies caçadas. Bom, nossa viagem prossegue. Daqui
vamos voar para Lábrea, no sul do Amazonas, preparem-se.
Capítulo 18
***
– No fim do século XIX, o que hoje é o estado do Acre foi palco de disputas
entre o Brasil, o Peru e a Bolívia, por causa da coleta de borracha na mata.
Ao longo do século XIX, a borracha foi-se tornando um item de primeira
necessidade para as sociedades cada vez mais industrializadas da Europa
e dos Estados Unidos. Nações indígenas da América tropical utilizavam
diferentes espécies de borracha como impermeabilizantes. Os jesuítas
foram os primeiros a levar a informação para a Europa nos primeiros
séculos de contato, mas, somente em 1742, o francês Charles Marie
de La Condamine descreveu para a ciência as propriedades do látex, o
líquido extraído da seringueira. Falamos dele como o primeiro cientista na
Amazônia, vocês se lembram?
– Sim, sim – Gabriel faz sinal para continuar a história.
– Um século depois, descobertas, como a de Charles Goodyear,
revolucionariam o seu uso, tornando-a mais estável. Assim, a borracha
passou a ser amplamente usada em calçados, capas de chuva, artigos de uso
doméstico, equipamentos farmacêuticos e para diversos usos industriais.
Mas foram o automóvel e seus pneus que transformaram a borracha em
commodity, ou seja, em um produto de grande demanda, exigindo a sua
Capítulo 19
– Aqui estamos, em plena friagem, com este vento frio dos Andes, quando
a temperatura baixa para quinze graus centígrados no Acre, em plena
Amazônia. Hoje vamos ouvir o chefe Joaquim Tashka Yawanawá. Mas antes
preciso contar a vocês a importância deste lugar.
– Tio, eu vi quando tu saíste da mata com os olhos vermelhos. Tu estavas
chorando? – Juju pergunta, com carinho.
– É verdade, aqui é um lugar simbólico na história da luta pela conservação da
Amazônia e de seus povos. Foi aqui que aconteceu o primeiro empate.
– O que é empate? – Antônio reclama, coçando a orelha.
– Empate é o processo de empatar, impedir que os grileiros ocupem uma terra
que não é deles para desmatar, tirar e vender a madeira e colocar pasto
e gado. Foi aqui, no final da década de 70, que, a mando de grileiros e de
fazendeiros vindos de outras partes do país, jagunços, capangas, pistoleiros,
o nome que vocês queiram dar, enfrentaram os seringueiros em diversas
áreas de Brasileia, Xapuri e Rio Branco. Imaginem um pequeno grupo
de seringueiros, desarmados, colocando o que mais amam, seus filhos e
parentes mais velhos, na frente dos tratores e motosserras, como uma
barreira humana, e dizendo aos jagunços para que fossem embora, porque ali
ninguém iria derrubar a floresta. Enfrentaram os mandantes dos fazendeiros
só na conversa, ali, no meio do mato, sem apoio de governo, um ato pacífico.
Poderiam ter sido massacrados, mas o diálogo venceu. Isso foi de muita
coragem e bravura, como em poucos momentos na história da Amazônia.
– Tio, tô sentindo mesmo um friozinho na barriga. Toda arrepiada. É
emocionante! – Juju emociona-se.
– E as conquistas foram lentas. Vieram de muita discussão e negociação,
procurando organizar centenas, milhares de seringueiros e de outras
comunidades tradicionais, em sua maioria, comunidades isoladas e
acuadas, os castanheiros, os pescadores artesanais e tantos outros. Em
plena ditadura, os seringueiros contavam com o apoio de poucos setores
da sociedade, entre os quais parte da Igreja católica e alguns movimentos
sociais e sindicais. Em 1985, aconteceu em Brasília o Primeiro Encontro
Nacional dos Seringueiros, quando surgiu a proposta de criação de áreas
de reforma agrária para os extrativistas. Foi só no Segundo Encontro
Nacional dos Seringueiros, em 89, que se avançou com o conceito de
Reserva Extrativista como uma modalidade de assentamento extrativista.
Nesse momento, nasceu a Aliança dos Povos da Floresta, e pela primeira
vez seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco, índios e quilombolas
uniram-se para defender os seus próprios direitos.
– Viva, vitória! – empolga-se Juju.
– O decreto da criação das primeiras dez reservas extrativistas, entre as
quais a Reserva Extrativista de Cachoeira, esta aqui onde estamos, foi
assinado somente em 1990, ou seja, mais de quinze anos depois do primeiro
empate! Para isso, muitos sindicalistas e seringueiros morreram, inclusive
Chico Mendes, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapuri,
assassinado por grileiros em 88, no quintal de sua casa, pelas costas, nas
vésperas do Natal, época de celebração da paz! Infelizmente, muito da ação
de Chico Mendes e de seus companheiros foi reconhecida somente após
o seu assassinato. Hoje a organização federal, subordinada ao Ministério
do Meio Ambiente, que cuida dos parques e reservas extrativistas e da
proteção da biodiversidade no Brasil chama-se Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em homenagem a esse guerreiro.
Vale observar que a categoria de Reserva Extrativista (Resex) é algo inédito
no panorama mundial de unidades de conservação, tanto por reconhecer
a presença de populações tradicionais nesse tipo de reserva, como por
definir uma nova categoria de conservação que considera as populações ali
E Tashka continuava:
– Eu fui aprender, já bem mais velho, o que eram as expressões culturais
do nosso povo. A história do povo é a história de minha vida. Agora vou
falar para vocês do primeiro festival Yawanawá. Ali eu vi o que nossos
antepassados tinham guardado por muitos anos. Nosso povo tinha vergonha
de seus cantos. Eu chorava de alegria de ouvir os cantos. A primeira
filmagem que fizemos na aldeia foi muito emocionante. Assim que filmamos,
mostramos para todos, no telão. E a tribo não acreditava que eram eles
que estavam lá. E isso foi muito bom. E as diversas tradições voltaram. Se
aparecia a pintura feia na tela, cada um ia e se esforçava por fazer melhor.
Orgulho de se pintar melhor. Pela primeira vez, as mulheres tiraram a
máscara de vergonha, puderam andar como faziam antes, sem camisa. Foi
um renascimento cultural e espiritual do povo Yawanawá.
– Viva! – Agora era Antônio, empolgado, observando os olhos de todos,
que brilhavam como estrelas, emocionados, muito atentos ao relato do
parente Tashka.
Pois sim:
– E isso nos deu força para solicitar à Funai a revisão de limites. Isso porque,
quando a terra foi demarcada, em 64, muitos cemitérios sagrados, lagos e
outras áreas importantes para nosso povo estavam de fora da Terra Indígena.
Assim, em 2005, conseguimos a revisão. Foi uma vitória grande.
– E agora, qual é o problema para seu povo? – veio uma pergunta da plateia.
E Tashka respondeu, calmamente, com grande segurança:
– Agora a ameaça são os vizinhos madeireiros. São os grandes grupos se
preparando para retirar grandes quantidades de madeira para exportação. A
terra é muito rica em mogno, ipê e diversas madeiras. Só que isso vai interferir
no rio, na floresta, na qualidade de vida da gente.
– Pelo que eu vejo, Tashka, isso interfere em muita gente, não apenas nos
Yawanawá – questiono.
Tashka:
– É verdade, tem outros povos indígenas vivendo no rio Gregório. Pra muita gente,
quando se fala em desenvolvimento, parece que os índios são um empecilho.
E dizem: não, os índios não têm desenvolvimento, eles vivem no tempo das
pedras. O povo indígena usa aquilo de que precisa, tanto é que o conceito de
permacultura, que surge como solução para os problemas da área agrícola,
da construção, é um conceito que vem do povo indígena. Mas os povos
indígenas são os povos que mais vivem em harmonia com o meio ambiente.
Tem que ser mais humano, mais social, mais ambiental. Temos que trabalhar
juntos para atravessar este século, o século XXI. E aí a gente faz a pergunta: o
que vocês estão construindo para as futuras gerações?
– Muito obrigado, muito obrigado! – Gabriel não se conteve.
Aquela pergunta ficou no ar, calada. As palmas demoraram a arrebentar o
silêncio. Ninguém ousou comentar. As palavras simples e diretas de Tashka
mudaram aquela plateia para sempre.
Capítulo 20
– O importante aqui, meus sobrinhos, é que vocês percebam como esta região
mudou com a colonização oficial, ou seja, com a vinda de colonos do Sul
do Brasil para cá a partir dos anos 70 do século XX. A intenção era que os
colonos viessem para realizar uma agricultura como era praticada no Sul,
mas que aproveitassem as condições climáticas favoráveis e plantassem
produtos de alto valor, como café, cacau, seringueira, pimenta-do-reino e
culturas capazes de garantir uma vida confortável, além de grãos para o
consumo – arroz, feijão, milho, mandioca. Deu tudo errado. Hoje Rondônia, o
Acre e o norte de Mato Grosso são imensos pastos para a pecuária extensiva.
Nas áreas em que houve muita destruição e queimadas por diversos anos,
e em que o relevo permite, introduziu-se a soja e outras culturas agrícolas
mecanizadas, que modificam muito o solo.
– Nossa, tio, esta história de fracasso tá ficando chata. Parece que a história da
Amazônia é só fracasso! Em algum lugar deu certo? – Gabriel quer saber.
– Entre os raríssimos exemplos, e, mesmo assim, depois de muitos esforços
e de um trabalho de grupo, estão as agroflorestas da Cooperativa Agrícola
Mista de Tomé-Açu (Camta), no Pará, e o Projeto Reflorestamento Econômico
Consorciado e Adensado, mais conhecido como Reca.
– Ah, eu quero conhecer! A gente fica aqui só vendo queimada, boi, pasto sujo,
miséria, abandono, roubo de madeira... Que viagem mais doida esta! Puxa
vida, tio! – Antônio desabafa.
– Pois aqui estamos nós! Desde 88, aqui em Nova Califórnia, já em Rondônia,
este grupo de pequenos agricultores luta para estabelecer um projeto de
baixo impacto de agricultura a partir da agrofloresta. O que era para ser um
assentamento do Incra com setecentas famílias fracassou, e ficaram pouco
mais de oitenta famílias. Com a ajuda da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
da Igreja católica, iniciou-se um projeto de agricultura baseado em espécies
***
levou o telégrafo com fio de Cuiabá a Porto Velho, na época Santo Antônio
do Madeira. Rondon e seus colegas engenheiros não se encarregaram
apenas de levantamentos geográficos, mapeando rios, serras e fronteiras. A
Comissão Telegráfica levava geólogos, etnólogos, para conhecer a situação
dos índios, e naturalistas, para identificar a fauna e a flora. Em duas décadas,
a Comissão produziu dezenas de relatórios, mudando a maneira de o Brasil
ver a região.
– Nossa, tio, que história! – Juju comenta.
– Diferentemente das frentes militares anteriores, Rondon evitava o conflito
com os índios. Ele os via como trabalhadores e os incorporava à equipe que
cuidava dos dois mil e seiscentos quilômetros de linha telegráfica. Aos olhos
dos antropólogos e índios de hoje, muitos dos métodos de Rondon estariam
ultrapassados, mas na época sua atuação representou uma mudança de
postura que precisava ser respeitada. Em sua homenagem, o território
de Guaporé passou a se chamar Rondônia, depois elevado a estado. Em
verdade, é o único estado brasileiro com o nome de uma pessoa.
Capítulo 21
– Então, tio, pra resumir: a maior ameaça pra Amazônia é o gado, certo? –
Juju pergunta.
– Errado, Juju. A maior ameaça à Amazônia somos nós mesmos! O gado está
lá porque o colocamos! Nossa maneira de pensar é a verdadeira ameaça.
Queremos tudo para agora, e bem barato, sem medir as consequências. É
assim que tratamos a Amazônia. É assim que tratamos o Brasil. Estamos
mais preocupados com o índice anual de desmatamento e o mapa de
queimadas, se aumentou ou se diminuiu, como se fosse uma cotação
da bolsa de valores. Continuamos a discutir os efeitos e não as causas.
Brigamos para baixar o índice de desmatamento, para punir este ou aquele
(O grupo entrou num silêncio profundo. Ficou longo tempo a pensar em tudo
aquilo... E a suportar o sacolejo em mais um trecho de estrada federal
malcuidada, passando por Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal. Pastos, pastos e às
vezes alguma agricultura, a mata estava distante, raramente aparecia...).
– Puxa, que bom, uma floresta na beira da estrada. Isto está ficando mesmo
raro! – Gabriel alegra-se em ver um pedaço de mato.
– Alto lá! Dificilmente se trata de uma floresta preservada. Provavelmente, a
madeira mais nobre foi retirada e ficou esta floresta, mais pobre. O Imazon,
a ONG de Belém que pesquisa a região, alerta que temos que parar de
pensar a Amazônia como um binômio: terra preservada de um lado e área
desmatada de outro. Para o Imazon, é preciso incluir outra categoria, a das
áreas sob pressão humana. Assim, a Amazônia seria dividida em três blocos:
os ambientes sem sinal de pressão (menos de metade da Amazônia), aqueles
com pressão humana consolidada (área desmatada, cerca de vinte por cento
da região) e a nova categoria, aquelas áreas com pressão humana incipiente,
mas que cresce e que representa cerca de trinta por cento da região.
– Nossa, deste jeito, se somarmos a área de pressão consolidada e a de
pressão incipiente, temos metade da Amazônia ameaçada! – Gabriel conclui.
– Brilhante, Gabriel. Esta é a realidade que temos que enfrentar. Ou cuidamos
destes trinta por cento sob pressão humana incipiente agora, ou cinquenta
por cento da Amazônia estará desmatada em algumas décadas, ou seja, em
menos de uma geração! A geração de vocês!
– Tio, que responsabilidade! – Juju comenta.
– É por isso que a gente tem discutido nesta viagem um conjunto de ações,
entre as quais a valorização da floresta em pé, a restauração florestal, o
– Eu não quero ser responsável por isso! Não quero ser cobrado por
transformar a Amazônia em bife! Quando eu tiver filhos, não quero ouvir
deles: vocês destruíram a Amazônia pra vender uns bifinhos por aí! – Gabriel
protesta novamente.
– Bom, então, tratemos de nos organizar, de propor alternativas de renda para
a região, de valorizar a floresta. Toda ação tem três momentos: primeiro,
a gente descobre que o problema existe – se considerarmos apenas os
moradores da Amazônia, a maioria nem sequer está nesse estágio; depois a
gente discute, planeja, o segundo momento; finalmente, no terceiro, a gente
age, muda, muda a história, tira a história do Brasil deste trilho da destruição.
Não podemos demorar para agir! Não somos obrigados a destruir o Brasil
porque os nossos antepassados o fizeram! Ah, a primeira questão que temos
que discutir é: qual a nossa postura como consumidores perante a Amazônia?
– Como assim, tio, não estou entendendo – Antônio protesta.
– Olhem para seus próprios estômagos, para os seus pratos. Qual o impacto
do que vocês comem na região? Qual é o impacto do que vocês compram
no supermercado, na lanchonete, na cantina da escola? Afinal, de cada três
bifinhos, pelo menos um vem da Amazônia. Vocês já viram umas carretas
imensas que vão para o frigorífico?
– Ah, sim, cada caminhão, hein! – Gabriel concorda.
– Pois é, no Brasil, quem come carne, vamos dizer, se tu fores um brasileiro
médio, tu comerás uma carreta dessas com dezoito bois ao longo de tua
vida. Dessa carreta, pelo menos seis a oito bois virão da Amazônia.
– Nossa, tio, para de assustar a gente! Como é que um carretão desses cabe na
minha barriga? – Gabriel pula da cadeira e olha sua barriga.
– Eu tou é desanimado. Isso tudo é muito grande, muito difícil, como é que eu,
um simples jovem que mora numa cidade grande lá no Sul Maravilha, vou
mudar alguma coisa? – Antônio posiciona-se.
– Só temos este planeta em que vivemos! Não precisamos seguir as escolhas
de nossos antepassados, nem mesmo de quem hoje está definindo para
nós qual é o nosso cardápio, o que vamos consumir! Temos que tomar as
decisões nas quais acreditamos, temos que ser realistas. Há os que se
preocupam, que votam conscientemente, que respeitam as leis, que são
cidadãos, que respeitam o meio ambiente, estes são os que lutam. E há os
outros, os que fingem que não é com eles, que estão parados, que jogam o
problema para debaixo do tapete, para as próximas gerações resolverem.
Como é mesmo a história do tico-tico e do chupim de que tratamos antes?
***
– Agora vamos parar um pouquinho esta conversa para visitar uma fazenda de
gado. Aqui vocês verão uma pequena amostra do que se passa em dezenas
de milhares de fazendas na região. Para começar, a pecuária gera pouco
emprego. Uma área de bom porte, digamos, de mil hectares, equivalente a
dez quilômetros quadrados, ou seja, um retângulo de dois quilômetros por
cinco quilômetros, provavelmente gerará somente três a cinco empregos. Na
mesma área de soja, no máximo dez empregos serão criados. A agricultura
familiar, por sua vez, pode garantir emprego para vinte a duzentas pessoas,
conforme a tecnologia adotada. E a palma (dendê), uma cultura permanente,
gera pelo menos cem empregos, e só na parte agrícola, principalmente se for
com a participação da agricultura familiar.
– Nossa, muita diferença entre a pecuária e a agricultura familiar! – Gabriel constata.
– Diversos estudos científicos apontam a baixa rentabilidade da pecuária. Em
termos práticos, se o dinheiro fosse aplicado no mercado financeiro, e em
uma aplicação segura, renderia mais que criando boi. Criar boi rende tanto
quanto uma caderneta de poupança.
– Então é melhor deixar na poupança! – diz Antônio.
– Justo. Esta aqui é uma fazenda pequena. Como este produtor não dispõe de
muitos recursos, ele é obrigado a vender os bezerros assim que desmamam.
Isso é o que se chama de cria, e ele é um criador. O comprador é quem
recria, quem compra bezerros de diversos pequenos criadores como este.
Em geral, é um fazendeiro de porte médio, que tem algum dinheiro para esta
compra e para recriar o boi. Daí o médio produtor venderá o boi magro ao
invernista, o grande produtor, que fará a engorda final do boi para levá-lo ao
abate. O grande também comprará de diversos produtores de médio porte
para formar o seu lote. Quanto maior o criador, de mais dinheiro ele precisa.
Nessa cadeia de valor, que ainda envolve os frigoríficos, os distribuidores, os
atacadistas e os varejistas, como os açougues e supermercados, em geral, a
maior parte dos ganhos fica com quem dispõe de capital, como é o caso dos
grandes produtores, frigoríficos e alguns varejistas
– Tá bem mais claro agora, tio – Juju respira fundo.
– Assim, o Brasil tem centenas de milhares de pecuaristas pobres na Amazônia
e mais de um milhão de famílias de pecuaristas pobres no resto do Brasil.
Atualmente, os supermercados respondem por metade da carne consumida,
e a outra metade vem de açougues, mercadinhos, feiras etc. Só que boa
parte da carne consumida na Amazônia é produzida e abatida de forma
clandestina, ou seja, representa graves riscos para a saúde humana. Essa
carne ilegal, além de não pagar impostos, põe em risco a saúde humana.
– Eu não entendo, tio, se não dá tanto dinheiro assim, como é que tem tanto
pecuarista por aí? – Juju quer saber.
– Porque o pecuarista não faz as contas, não avalia que é um negócio de baixa
rentabilidade. O pecuarista está deixando para os seus filhos um péssimo
negócio. Pior, ele não sabe que é um negócio ruim! A única razão para essa
insistência na pecuária talvez seja de fundo cultural, ou seja, muitos dizem
que só sabem cuidar de boi, nasceram fazendo isso e assim levam a vida.
Outra razão importante, e na Amazônia isso é bastante evidente, é o fracasso
de outros negócios, o que leva a pecuária a ser a única renda para a maior
parte das propriedades rurais. As estradas são ruins, a assistência técnica,
bastante rara, o acesso a crédito, limitado, e daí por diante. Além disso,
no Brasil, culturalmente, o boi sempre foi visto como uma segurança, uma
espécie de poupança, que está ali para o momento em que se precisa de
dinheiro. É negócio seguro, de baixo risco, mas de baixa rentabilidade.
– Então, como é que a gente faz para que os pecuaristas percebam que estão
numa enrascada? – Antônio quer saber.
– Só tem um jeito: mostrando que há outros negócios mais interessantes.
Para isso, é preciso muito diálogo. O melhor é oferecer aos filhos e netos
desses fazendeiros as informações para que eles se convençam de que o
seu futuro está ameaçado e de que é preciso estudar alternativas. Cada
caso será um caso diferente, não há uma receita igual para todos. Com
informações com base científica, os filhos e netos de pecuaristas podem
tomar decisões racionais e objetivas, que protegerão o seu futuro e que
certamente influenciarão seus pais e avós. Essa transição para uma
economia sustentável, uma desintoxicação do Brasil-pecuária, exige muitos
vídeos, livros, eventos, aulas, cursos...
– Ah, agora estou entendendo – anima-se Antônio.
Capítulo 22
“amém” para a opinião dos outros, sem avaliar as consequências. Mas, vejam
bem, vida de cientista não é lá muito fácil, especialmente na Amazônia.
– Por quê, tio? – Gabriel também tem interesse.
– O governo diz que prioriza a ciência, mas ainda não vimos a tal da prioridade.
O pessoal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vive
dizendo que o governo federal investe na Amazônia menos de dez por cento
do orçamento para a Ciência & Tecnologia. O mais importante é refletir sobre
a velocidade da destruição dos ambientes naturais, muitas vezes superior
à capacidade da ciência para pesquisar. Pior, essas pesquisas demandam
muito tempo para serem aplicadas como tecnologias socioeconômicas
destinadas a melhorar a qualidade de vida da população da região. E
muitas pesquisas são consideradas ciência básica, ou seja, não têm uma
aplicação imediata, só possibilitam uma maior compreensão deste nosso
planeta! Talvez seja um contrassenso, pois, se a população, principalmente
a rural, dispusesse de mais acesso a informações científicas e tecnológicas,
certamente, o impacto de suas atividades seria menor. Explorar a
biodiversidade exige tecnologia, educação, conhecimento, investimentos
representativos e, principalmente, cientistas preparados.
– Difícil hein, tio! – Antônio solidariza-se com o grupo.
– Exige, principalmente, apoio político, verbas de longo prazo para pesquisas de
muitos anos ou mesmo décadas, instituições com equipamentos e salários em
dia, verbas para a capacitação contínua. Enquanto a profissão de pesquisador
for pouco valorizada, a Amazônia terá poucas chances de sobreviver.
Capítulo 23
– Bom, aqui estamos nós em Palmas e daqui vamos a um sítio nas margens do
rio Tocantins para a gente concluir nossa viagem com chave de ouro.
– Como assim, tio? – Antônio está curioso.
– Vamos fazer uma avaliação de nossa viagem. Será que podemos concluir algo
de tudo isso?
– Tio, o que você recomenda que eu faça pela Amazônia agora? – Gabriel
apresenta-se primeiramente.
– Bom. Vocês viram como o desafio é imenso e complexo...
– Iche, agora complicou! – Antônio protesta.
– Temos que construir um novo modo de conceber a Amazônia. Não podemos
continuar a ver a região como um lugar qualquer, como a fronteira da
destruição, a continuidade de um processo de ocupação irresponsável e
maluco, como foi a história do Brasil até agora. Vocês lembram que, quando
tratamos da cultura, da biodiversidade, da restauração dos ambientes, vimos
que cada detalhe é importante? Lembram lá no Seringal Cachoeira, aquela
montanha de madeira passando no caminhão e nós todos sentados em
desconfortáveis cadeiras de plástico?
– E aquela garrafinha de plástico que veio de Belém pro Acre, tio! Eu não
acreditei quando percebi! – Gabriel complementa.
– É. Acho que muita coisa mudou pra mim. Eu até vou olhar cada bifinho dum
jeito diferente de agora em diante – confessa Antônio.
– O caminho é este! Esta viagem foi mesmo uma verdadeira “viagem
filosófica”. Vocês se lembram do Alexandre Rodrigues Ferreira, que ficou
nove anos pesquisando a Amazônia? E isso em 1790!
– Puxa, tio, gostei. Adoro filosofia. Agora percebo, estamos é filosofando,
obrigadinha, tio! – Juju alegra-se.
– Se tu decidires tomar aquela garrafinha de água que andou quatro mil
quilômetros para saciar a tua sede e significou um gasto enorme de energia
para ser transportada e armazenada e, ainda, produziu um lixo de plástico, tu
terás um tipo de planeta para cuidar. Por outro lado, se tu preferires o suco
feito pela dona Maria das Neves, aquela que mora aqui na frente do hotel,
com o cupuaçu que ela colheu em seu próprio quintal e, claro, filtrando bem
a água e lavando bem a fruta, é outro tipo de planeta que tu estás dizendo
que preferes. É um produto com nome e sobrenome, sabemos de onde vem,
a quem beneficia e, ainda, é um produto quilômetro zero, ou seja, não exigiu
milhares de quilômetros de combustível fóssil para chegar aqui.
– Puxa, tio, então são decisões bem simples que temos que tomar! – Antônio
está mais aliviado.
– Esta é a beleza da história. São as decisões invisíveis que tomamos a todo
momento que movem o planeta – a economia e a cultura –, que fazem a
civilização prosperar ou se autodestruir... É o cotidiano que importa. Não é
a decisão de um político qualquer lá em Brasília que, sozinha, vai decidir o
futuro da Amazônia. Claro que isso influencia, dá um norte, mas é a pressão
pelo consumo, a atividade econômica para responder a esse consumo
que importa. A Amazônia está nesta encruzilhada: devoramos a Amazônia
comendo os seus bifes e produtos de alto impacto, como a soja, ou a
conservamos para todas as gerações e produzimos água, floresta, produtos
agroflorestais...
– Viva, tio, a Amazônia é vida! – Gabriel bate palmas.
– E, se há minérios nos solos da Amazônia, é preciso que se definam maneiras
de beneficiar as populações locais e de evitar que sejam altamente
impactadas como até hoje ocorreu. Não dá para pensar um mundo sem ferro,
alumínio e outros metais, então vamos fazer que a renda gerada por essas
atividades seja em favor da Amazônia! Bem, diante desta celebração da vida,
o que ela, a Amazônia, representa para vocês? Eu separei algumas frases de
pensadores, tanto da Amazônia como de quem se dedica à sustentabilidade.
Rita Mendonça e Zysman Neiman, que analisam a relação do homem e
da natureza, perguntam-se em um de seus livros, quando se referem à
importância da floresta. Leia, aqui, por favor, Antônio.
– Que seria de nós se não a tivéssemos perto ou longe, para nos dar a
esperança de um dia nos tornarmos dignos de nossa rica experiência
humana? A floresta simboliza o próprio processo de aprendizado da vida.
Ela dá sentido às atividades humanas. Ou melhor, ela nos faz questionar
o sentido do que fazemos. Quando entramos em uma área natural quase
sempre nos sentimos bem, percebemos que alguma coisa muda. Quanto
mais nos aprofundamos nessa relação, nessa intimidade com os elementos
naturais, percebemos que ali há uma grande escola que nos proporciona uma
das raras oportunidades que temos para realmente evoluir. – Antônio lê e fica
satisfeito, todos sorriem.
– Agora vou ler algumas palavras do filósofo australiano Peter Singer, extraídas
de seu livro Ética prática. Ouçam lá: Uma nova metáfora é apropriada: o
que restou das verdadeiras florestas assemelha-se a ilhas em meio a um
oceano de atividade humana que ameaça destruí-las. Isto confere às regiões
selvagens e incultas um valor de raridade que constitui a base de um forte
argumento em favor da preservação.
– Nossa, quanta coisa bonita. Bem profundo e simples. Deixa eu copiar pro
meu diário – Juju, com lápis na boca, puxa as minhas anotações.
– Ah, então eu posso interferir no destino da Amazônia? – Gabriel entra na
conversa depois de longo silêncio.
– Claro que sim. Não só pode, como deve. Se não interferirmos, vai virar tudo
bife e soja. Todos podemos, todos devemos. Somos cidadãos brasileiros,
com direitos iguais. E, se olharmos para os nossos vizinhos, dos outros oito
países amazônicos, temos que fazer tudo juntos. Aliás, o mundo espera
de nós exatamente isto: que façamos uma intervenção em prol da vida,
do cuidado, do bem, que protejamos os mais frágeis, que ofereçamos
oportunidades aos excluídos. Não podemos ser os meninos da porteira, que
ficam pendurados nos palanques esperando um trocadinho e vendo a vida
ser destruída!
***
– A diferença entre vocês que viajaram comigo e você, leitor, que chegou até
aqui é que agora as informações estão aí, na mesa, claras para todos. Cada
um como indivíduo pode tomar decisões com maior propriedade, pode seguir
o seu caminho e informar-se ainda mais sobre a Amazônia.
– O que o tio está querendo é que a gente se posicione! Defina em que time
estamos jogando! – Antônio apresenta-se.
– Tu entendeste bem. Ou tu és pelo planeta, pelas sete próximas gerações,
pelo socioambiental, pela restauração ambiental, pela economia
sustentável, ou tu és um gastão, um chupim, tu te achas o tal, só pensas
– Tem outra coisa, tio. A gente poderia desenvolver uma “pegada amazônica”.
Não tem aí o site da “pegada ecológica”? Aí a gente ia medir o impacto da
gente na Amazônia! – Gabriel, propõe, feliz da vida.
– Uau, genial, Gabriel. Vamos pensar nisso juntos? Aliás, nós poderíamos
desenvolver um aplicativo, um app, convidando diversas pessoas que vocês
visitaram nesta viagem, que tal? A gente tem que associar nossos atos
cotidianos ao que se passa na Amazônia.
– Tio, tenho mais uma proposta: a gente tem de ler notícias sobre a Amazônia
toda semana, pra não ficar longe daqui. É fácil entrar no site das Manchetes
Socioambientais do Instituto Socioambiental, o ISA. Tem aquele também da
Amazônia Real, da Envolverde, da Página 22... – Juju acrescenta.
– De agora em diante vocês, meus sobrinhos, são cidadãos amazônicos, que
beberam da água de muitos rios – brancos, azuis e pretos. Vocês tiveram
o privilégio de conversar com tanta gente, ouvir tantas opiniões que não
podem ficar indiferentes.
– É mesmo, a mosquinha da Amazônia nos picou. Tamos contaminados
pra sempre! E felizes com isso! Quando alguém falar a palavra mágica
“Amazônia”, pronto, a gente tem uma opinião! – Juju posiciona-se.
– Eu gostaria que vocês diariamente se perguntassem: o que hoje eu vou fazer
em prol da Amazônia?
– Puxa, tio, legal, muito obrigado, e a próxima viagem, pra onde vai ser?
Pantanal, Mata Atlântica, Cerrado? – pergunta Juju.
– Nas próximas férias, a gente deveria vir pra cá. Chamar todo mundo, os amigos,
os primos... pra tomar um banho de Amazônia! – Juju sorri com a ideia.
– Eu topo! – Antônio dá o seu veredicto de maneira prática e direta.
– Conhecer para valorizar. Só se conserva o que se conhece, não é? A gente tem
que provar pro tal do Mário de Andrade que “o brasileiro vive o Brasil e, sim, o
descobre” – Gabriel filosofa, modificando a famosa frase do escritor paulista.
O autor
Recomendação de leitura
BECKER, Bertha K. As Amazônias de Bertha K. Becker: ensaios sobre geografia e sociedade na Região
Amazônica. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2015. 3 v. ISBN 978-8576174295. A autora é
uma estudiosa da região, com vasta obra, da qual se destacam A urbe amazônida (2005) e Amazônia:
geopolítica na virada do III milênio (2004).
CALLADO, Antônio. Quarup. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 1.ª edição em 1967. Ficção. ISBN
9798522005337. Uma crítica mordaz ao choque de civilizações na ditadura militar, ambientado no
Parque do Xingu. Ler também o romance A expedição Montaigne (2014). ISBN 978-85-0301-212-6.
CUNHA, Euclides da. Produziu diferentes textos, reunidos nos livros Contrastes e confrontos, Peru versus
Bolívia, À margem da história. Acredita-se que o autor organizaria uma nova obra, tal como Os Sertões,
sob o título de Paraíso perdido. Há diferentes edições, inclusive de acesso eletrônico.
DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. 600
p. ISBN 85-85910-54-2. Escrito no cárcere entre 1757 e 1783, publicado em partes no século XIX.
HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Ficção. Ver também outras obras
de ficção do autor, como Relato de um certo Oriente (1989), Cinzas do Norte (2005) e Órfãos do Eldorado
(2008).
HEMMING, John. Árvores de rios: a história da Amazônia. São Paulo: SENAC, 2011. Título original: Tree
of Rivers, the story of the Amazon. ISBN 9780500288207. John Hemming conhece bem a questão
indígena e é autor também de Ouro vermelho: a conquista dos índios brasileiros (2007), publicado na
versão original em 1978 e 1985, sob o título Red Gold: the Conquest of the Brazilian Indians. ISBN
978-85-314-0960-8.
JURANDIR, Dalcídio. Marajó. Belém: Edufpa. ISBN: 9788524704499. Essa obra é parte de um conjunto
de dez romances. A primeira edição é de 1947. Destacam-se ainda: Chove nos campos do Cachoeira
(1.ª ed. em 1938) e Ponte do Galo (recém-lançado em segunda edição revisada). Dalcídio Jurandir,
originário da ilha do Marajó, é um dos melhores ficcionistas paraenses.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015. ISBN 978-85-359-2620-0.
MEDEIROS, Sérgio (org.). Makunaíma e Jurupari: cosmogonias ameríndias. São Paulo: Perspectiva, 2002.
ISBN 85-2733-0301-9.
MELLO, Thiago de. Amazonas: pátria da água. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1.ª ed. em 1987. ISBN
8528608689. Ver também sua poesia e outros ensaios, como Amazonas: no coração encantado da
floresta (2003).
MINDLIN, Betty. Diários da floresta. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2006. Mencionem-se igualmente:
Nós Paiter: os Suruí de Rondônia (1985), Moqueca de maridos (1997), Mitos indígenas (2000), O
primeiro homem e outros mitos dos índios brasileiros (2001). A antropóloga sempre procura escrever
com narradores indígenas como coautores.
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno.
São Paulo: Global. 1.a ed. em 1982. ISBN 978-85-260-2366-6. Um dos mais abrangentes sobre a
temática, assim como outras obras de Darcy Ribeiro.
SOUZA, Márcio. Amazônia indígena. Rio de Janeiro: Record, 2015. ISBN 9788501103161. Cabe citar
também História da Amazônia. Rio de Janeiro: Record, 2015. ISBN 978-8501114662. As duas
obras oferecem uma visão geral e mais atualizada sobre essas questões. Márcio é também autor de
importantes livros de ficção, como Galvez, Imperador do Acre (1976) e Mad Maria (1980), e de não
ficção, entre os quais A expressão amazonense (2004).
VILLAS BÔAS, Orlando; VILLAS BÔAS, Cláudio. A Marcha para o Oeste: a epopeia da Expedição Roncador-
Xingu. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ISBN 9788535919295. Os irmãos Villas Bôas
escreveram contos indígenas, como os reunidos em Xingu: os índios, seus mitos (1.a ed. em 1970), e
outras obras.
Filmes
AGUIRRE, a cólera dos deuses (AGUIRRE, Der Zorn Gottes). Direção: Werner Herzog. Alemanha, México
e Peru, 1973. Procura retratar a insana viagem do facínora Aguirre, interpretado por Klaus Kinski.
Também é de Herzog o filme Fitzcarraldo (1982), ambientado no Peru: acompanha o trágico desfecho
da transposição de uma embarcação para o transporte da borracha entre os rios Ucayali e Pachitea, na
Amazônia peruana, no fim do século XIX. Também com a participação de Klaus Kinski.
BYE BYE Brasil. Direção: Cacá Diegues. 1979. Uma viagem pelo interior do Brasil na ditadura militar, um
dos mais importantes filmes brasileiros.
IRACEMA, uma trama amazônica. Direção: Jorge Bodanski e Orlando Senna. 1974. Uma jovem prostituta
e um caminhoneiro pelas estradas de terra da Amazônia. Proibido pela censura até 1980. Em 2004,
Bodansky preparou um documentário sobre o tema Era uma vez Iracema, além de outros trabalhos
sobre a Amazônia.
O ABRAÇO da serpente (EL ABRAZO de la serpiente). Direção: Ciro Guerra. Colômbia, Venezuela e
Argentina, 2016.
PUREZA. Direção: Renato Barbieri. 2019. Um drama baseado na biografia de Pureza Lopes Loyola, de
Marabá, que busca seu filho, escravizado por pecuaristas no Pará. A personagem Pureza é interpretada
pela atriz paraense Dira Paes.
RIBEIRINHOS do asfalto. Direção: Jorane Castro. 2011. Curta-metragem sobre mãe e filha que moram
em uma ilha na frente de Belém. A filha sonha em morar na cidade.
Amazônia Real. Disponível em: https://amazoniareal.com.br. Website que trata de diversas questões
regionais, especialmente as relacionadas ao estado do Amazonas.
Lúcio Flávio Pinto: A Agenda Amazônica de um jornalismo de combate. Disponivel em: https://
lucioflaviopinto.wordpress.com.
Movimento das Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB). Disponível em: https://www.facebook.com/
mmibcotijuba
Museu Paraense Emílio Goeldi. Disponível em: https://www.museu-goeldi.br. O mais antigo órgão federal
de pesquisa e ensino, além de museu. Referência internacional para a região.
Página 22. Disponível em: https://pagina22.com.br. Website dedicado à sustentabilidade, com muitas
matérias sobre a Amazônia.
Referências
AGASSIZ, Louis; AGASSIZ, Elizabeth Cabot Caree Louis. Uma viagem ao Brasil: 1865-1866. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. Disponível em: https://bdor.sibi.ufrj.br/bitstream/
doc/177/1/95%20PDF%20-%20OCR%20-%20RED.pdf.
BATES, Henry Walter. Um naturalista no rio Amazonas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944.
Disponível em: https://bdor.sibi.ufrj.br/bitstream/doc/323/1/237%20T1%20PDF%20-%20OCR%20
-%20RED.pdf.
DARWIN, Charles. A origem das espécies. São Paulo: Martin Claret, 2020.
DÓRIA, Carlos Alberto. Formação da culinária brasileira. São Paulo: Três Estrelas, 2014.
KIDDER, Daniel Parish. O Brasil e os brasileiros: esboço histórico e descritivo. São Paulo: Companhia
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LOVELOCK, James. Gaia: um novo olhar sobre a vida na Terra. Lisboa: Edições Setenta, 2020. E-book.
MORAIS, Raimundo. O meu dicionário das cousas da Amazônia. Brasília, DF: Senado Federal, 2013.
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