Ensino de Linguas Na Contemporaneidade U

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Debates Contemporâneos em Educação

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Debates Contemporâneos em Educação

Daniel Skrsypcsak
Jenerton Arlan Schütz
Organizadores

DEBATES CONTEMPORÂNEOS EM EDUCAÇÃO

Dialogar
São Paulo – SP
2018

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Debates Contemporâneos em Educação

CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Editor Chefe - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth Teixeira – Brasil

FICHA CATALOGRÁFICA

D350 Debates contemporâneos em educação / Daniel Skrsypcsak,


Jenerton Arlan Schütz (Orgs.). 1.ed. – São Paulo: Dialogar, 2018.

ISBN - 9788593711244

1. Educação. 2. Teorias da educação. I. Skrsypcsak, Daniel. II. Schütz,


Jenerton Arlan. III. Título.

CDD 370.1

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

EDITORA DIALOGAR
[email protected]

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Debates Contemporâneos em Educação

SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................................................................... 6

CAPÍTULO I - Currículo e Formação de Professores

1 - Formação de professores e educação inclusiva: Possibilidades


de pensar para além da mesmidade
Daniel Skrsypcsak, Jenerton Arlan Schütz...........................................................8

2 - Formação inicial de professores de inglês: Prática institucional


do mistério e o caso dos diários de leitura
Fernando Silvério de Lima..................................................................................24

3 - Formação de professores da educação infantil no Rio Grande do


Sul nas estatísticas educacionais
Rafaela da Silva Melo.........................................................................................51

4 - Formação de professores: O papel do ensino e da pesquisa


da história da educação
Simone Burioli Ivashita.......................................................................................68

CAPÍTULO II - Dimensões políticas da educação brasileira

5 - Princípios da gestão democrática para promover uma


convivência democrática na escola
Daniel Skrsypcsak..............................................................................................87

6 - A emenda constitucional 95/2016 e a vinculação constitucional


de recursos: Involução das políticas de financiamento educacional
Ivair Fernandes de Amorim, Eder Aparecido de Carvalho...............................102

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Debates Contemporâneos em Educação

7 - Caminhos e descaminhos das políticas de currículo e


escolarização do programa educacional “escola viva”
Julio César da Silva de Alvarenga, Maria de Fátima Côgo, Marina de Oliveira
Delmondes........................................................................................................123

8 - Avaliação escolar e políticas educacionais: Considerações


e diálogos contemporâneos
Cláudia Fuchs..................................................................................................138

CAPÍTULO III - Educação e Diversidade

9 - A multiplicidade cultural do outro


Luiz Fernando Ferrari.....................................................................................162

10 - Educação, cultura e produção de sujeitos: o papel da


diversidade cultural no relatório cuéllar e a identidade da educação
do e no campo
Camila Maria Bortot,Kethlen Leite de Moura..................................................179

11 - Contribuições da avaliação neuropsicopedagógica para a


inclusão escolar de pessoas com necessidades educacionais
especiais
Eugênia Santana Pereira, Marta Bramuci de Freitas........................................201

12 - Ensino de línguas na contemporaneidade: Uma reflexão


sobre linguagem e identidade
Roma Souza-Dias, Eduardo Dias da Silva......................................................222

CAPÍTULO IV - Inter/transdisciplinaridade na Educação

13 - Pedagogia da interdisciplinaridade
Leandro Renner de Moura...............................................................................239

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Debates Contemporâneos em Educação

14 - Alfabetização midiática e informacional como elementos


fundamentais na formação dos sujeitos contemporâneos
Daniele Prates Pereira, Denise Rosana da Silva Moraes...................................251

15 - O cinema como produtor de conhecimento em sala de aula


Geovanna Coelho dos Santos, Renato de Oliveira Dering..................................270

16 - Estilos de aprendizagem: Uma crítica as suas compreensões e


usos
Rosemary Barbosa da Silva Moura, Luiz Artur dos Santos Cestari.................291

17 - A ecopedagogia e a educação ambiental


Ivan Luís Schwengber, Simone Ruppenthal.......................................................312

18 - Tecnologia e hibridismo no ensino superior:


A contemporaneidade na educação e nos processos de ensino
e aprendizagem
Tarcisio Dorn de Oliveira, Felipe Cavalheiro Zaluski.......................................329

19 - O capitão américa: A arte como produto


Célia Martins da Costa....................................................................................342

20 - Uma breve reflexão sobre as tecnologias educacionais e o papel


da escola diante da cultura digital
Douglas Orestes Franzen, Leandro Mayer, Mariane Jungblut Fiorentin….......360

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Debates Contemporâneos em Educação

PREFÁCIO

“O escrever é o princípio da pesquisa, tanto no sentido de por onde deve ela


iniciar sem perda de tempos, quanto no sentido de que é o escrever que a
desenvolve, conduz, disciplina e faz fecunda” Mario Osorio Marques

A obra “Debates Contemporâneos em Educação”, organizada por


Daniel Skrsypcsak e Jenerton Arlan Schütz, testemunha inúmeras experiências
de escrever na educação, de educar na escrita. Experiências estas que nos
tocam, nos transformam e nos acontecem, como nos lembra Jorge Larrosa.

Movidos por essas experiências e inquietações, a obra, organizada em


quatro sessões e vinte capítulos, aborda inúmeras questões contemporâneas, a
saber, da formação de professores; educação inclusiva; educação ambiental;
tecnologias; ensino e pesquisa; gestão; políticas educacionais; currículo;
avaliação escolar; diversidade cultural; psicopedagogia; ensino de línguas;
alfabetização; interdisciplinaridade, entre outras.

É esse caráter interdisciplinar que testemunha as mais variadas


experiências de escrever e fazer pesquisa. Por isso, esta coletânea não tem
nenhum propósito revelador, doutrinário ou convertedor. O que ela propõe é
convidar o leitor a um gesto simples e milenar: Dar a ler! Um gesto que
possibilita a continuidade e durabilidade do mundo comum.

Desejo aos leitores desta coletânea de textos afastamento, tempo e


pensamento para que possam, na leitura, percorrer caminhos que ajudem a
produzir novas formas de pensar e ser.

Precisamos clamar para que a força do pensamento não nos


abandone e que possamos sempre nos interrogar: Por quem queremos ser
reconhecidos? O que queremos impactar com nossa atividade? Por fim, que
sejamos capazes de nos manter firmes e dispostos a pensar outramente
(Touraine) nestes tempos de ignorância militante, de hábeis polegares e escassa
memória.

Boa leitura!
Jenerton Arlan Schütz
Inverno de 2018

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Debates Contemporâneos em Educação

CAPÍTULO I

Currículo e Formação de Professores

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Debates Contemporâneos em Educação

1 - FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:


POSSIBILIDADES DE PENSAR PARA ALÉM DA MESMIDADE

Daniel Skrsypcsak1
Jenerton Arlan Schütz2

INTRODUÇÃO

Refletir sobre a inclusão na educação escolar leva-nos inevitavelmente


a (re)pensar e (re)significar a relação entre a formação do professor e as
práticas pedagógicas atuais. A elaboração do presente texto objetiva analisar a
formação de professores para atuar em um paradigma de educação que busca a
igualdade de oportunidades e a qualidade nos serviços oferecidos a todos os
alunos. A compreensão da educação como um direito de todos e do processo de
inclusão educacional numa perspectiva coletiva da comunidade escolar, reforça
a necessidade da construção de escolas inclusivas que contam com redes de
apoio a inclusão.

No contexto mundial, a educação caminha na direção de um modelo


escolar que se fundamenta no paradigma da inclusão. Professores e escolas são
chamados frequentemente para enfrentar o grande desafio de oferecer
qualidade a toda a diversidade de alunos. Permitir que os alunos tenham acesso
e permaneçam na escola não é o suficiente, é preciso tornar fundamental que
todos eles, de fato, aprendam. Assim, várias são as exigências e desafios postos
na organização e funcionamento da escola, nas práticas pedagógicas e,
principalmente, na formação dos professores.

1 Doutorando em Educação nas Ciências (UNIJUI); Mestre em Educação (UNESC). Licenciado em


Educação Física (UFSM). Professor da Rede Públic do Estado de Santa Catarina e do Centro
Universitário Fai de Itapiranga-SC. E-mail: [email protected]
2 Doutorando em Educação nas Ciências (UNIJUI), Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUI),

Especialista em Metodologia de Ensino de História (UNIASSELVI), Licenciado em História e Sociologia


(UNIASSELVI), Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

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Debates Contemporâneos em Educação

Nesse sentido, escolas, gestores e professores precisam estar


preparados para enfrentar o desafio, que está para além de acolher os alunos,
pois, estes merecem condições possíveis para aprender, além das mesmas
oportunidades para acessar os conhecimentos historicamente constituídos
(tradição). Contudo, será que os professores estão realmente preparados para
“dar conta” dessa missão? Sabem eles reconhecer as necessidades educacionais
especiais dos alunos? Sabem eles identificar estratégias pedagógicas e utilizar
recursos diferenciados capazes de compensar ou superar as barreiras de
aprendizagem existentes? Será que estão indo para além da mesmidade, para
além de uma pedagogia do apagamento?

Respostas para tais indagações exigem novas posturas frente à


Educação Inclusiva, uma vez que estão diretamente relacionadas com a
formação de professores, a práxis escolar e, principalmente, a aprendizagem de
todos os alunos envolvidos no processo, destarte, consideramos fundamental
abordar a formação inicial, isto é, lá onde se constituem os professores e
demais profissionais da educação.

Ademais, para dar conta das indagações e outros desafios lançados à


Educação Inclusiva, busca-se, num primeiro movimento, apresentar reflexões
acerca dos desafios e dilemas postos à Educação Inclusiva na
contemporaneidade, a fim de argumentar a importância da formação inicial
para uma educação que possibilite a inclusão de todos os alunos e, do mesmo
modo, garanta a aprendizagem de todos; por conseguinte, o texto estabelece
conexões e possibilidades de uma prática inclusiva para a diversidade,
alteridade, para o Outro, enfim, para além da mesmidade.

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Debates Contemporâneos em Educação

Desafios e dilemas para a formação de professores e a educação inclusiva

Um dos desafios fundamentais que emergem da proposta de escola


inclusiva é a formação do professor, que para Fávero (2009) é, justamente, o
de (re)pensar e (re)significar a própria concepção de educador. Isto porque o
processo educativo consiste na criação e no desenvolvimento de contextos
educativos que possibilitem a interação coletiva entre os sujeitos singulares, e
não simplesmente na transmissão e na assimilação disciplinar de conceitos e
comportamentos estereotipados.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº


9.394/1996 de 20 de dezembro de 1996, em seu Título I, que trata da
educação estabelece que:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na


vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil
e nas manifestações culturais.

Nesse contexto, buscar a igualdade de condições para o acesso e


permanência na escola vem sendo um grande desafio para a educação
brasileira, pois, conforme a LDB, a educação, dar-se-á através da interação
com a comunidade e da vida em sociedade. Em seu capítulo V, que trata da
educação especial, a referida Lei estabelece que:

Art. 58 Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a


modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
Art. 59 Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades
especiais: [...] III – professores com especialização adequada em nível
médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores
do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas
classes comuns;

Em conformidade com a Lei, o professor do ensino regular deve ser


capacitado, a fim de que se possam garantir os princípios de uma educação
inclusiva. Cabe aqui analisar quais são as medidas tomadas pelas instituições de
ensino superior para adequar-se a essa nova realidade, educação igual para

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Debates Contemporâneos em Educação

todos. Por isso, “[...] dentre os inúmeros problemas de educação brasileiras que
precisam ser resolvidos nenhum sobreleva o da formação dos professores”
(AZANHA, 1995, p. 193), e a razão é muito simples: a questão da qualidade
educacional não será enfrentada de modo adequado sem que primeiramente se
enfrente a questão da formação dos professores.

Outra preocupação é para a formação continuada dos professores


atuantes. A formação dos profissionais da educação é tarefa, sem dúvida,
essencial para a melhoria do processo de ensino e para o enfrentamento das
diferentes situações que implicam a tarefa de educar. A LDB, em seu Título
VI, que trata dos profissionais da Educação, estabelece que:

Art. 62 A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em


nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação
mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro
primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na
modalidade Normal.

Fazendo uma reflexão sobre a situação atual da formação dos


professores, percebe-se a necessidade de que ela se insira no movimento de
profissionalização fundamentado na concepção de competência profissional.
O desenvolvimento dessa competência exige a articulação da teoria com a
prática, na resolução de situações-problema e na reflexão sobre a atuação
profissional.

Na Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), que


institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, há
referência à inclusão e à formação de professores:

A Educação Básica deve ser inclusiva, no sentido de atender a uma política


de integração dos alunos com necessidades educacionais especiais nas
classes comuns dos sistemas de ensino. Isso exige que a formação dos
professores das diferentes etapas da Educação Básica inclua conhecimentos
relativos à educação desses alunos (BRASIL, 2001, pp. 25-26).

Não obstante, Freitas (2006, p. 168) apresenta a seguinte análise


quanto à formação dos professores, ela deve ser:

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Debates Contemporâneos em Educação

[...] uma análise crítica sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas


atualmente com alunos que possuem necessidades educacionais especiais
nas salas de aula do ensino comum permite-nos concluir que a formação do
professor para a educação geral muito pouco tem contribuído para a
educação desses alunos.

Realmente faz sentido, pois, hodiernamente, um professor está sendo


muito sugado pelos alunos ditos “normais” quanto à questão comportamental,
e será que na própria educação regular não tem alunos excluídos, não há uma
pedagogia do apagamento para parafrasear Skliar (2003a, 2003b)? Com essa
nova situação, faz-se necessário a presença de mais alguém em sala para
atender as necessidades de alguém “especial”. Nesse sentido, “o especial e o
comum são vistos como dois problemas distintos que vêm disputando o
mesmo espaço, o mesmo lugar físico: a escola pública” (KASSAR, 1995, p. 27
apud FREITAS, 2006, p. 164). Não obstante, a formação do professor de
modo geral deve incluir programas/conteúdos que desenvolvam competências
de um profissional intelectual para atuar em situações singulares.

Conforme Mittler (2003, p. 184):

Criar oportunidades para a capacitação não significa, necessariamente,


influenciar o modo como os professores sentem-se em relação à inclusão.
Tais sentimentos são fundamentais e precisam ser levados a sério. Qualquer
dúvida ou quaisquer reservas não devem ser consideradas como
reacionárias ou simplesmente anuladas. Os professores precisam de
oportunidades para refletir sobre as propostas de mudança que mexem com
seus valores e com suas convicções, assim como aquelas que afetam sua
prática profissional cotidiana.

Nesse aspecto é de fundamental importância a formação continuada,


pois, quem já está atuando há anos no ensino regular vai enfrentar certa
dificuldade para se adequar a nova realidade. São situações completamente
diferentes e que o professor deverá estar atento para não criar problemas em
sala, por isso a necessidade de estar com formação correta/concreta/contínua
para saber o que fazer em determinados momentos. Segundo Freitas (2006,
p.167),

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Debates Contemporâneos em Educação

Há na educação inclusiva a introdução de outro olhar. Uma maneira nova


de se ver, ver os outros e ver a educação. Para incluir todas as pessoas, a
sociedade deve ser modificada com base no entendimento de que é ela que
precisa ser capaz de atender às necessidades de seus membros. Assim
sendo, inclusão significa a modificação da sociedade como pré-requisito
para a pessoa com necessidades especiais buscar seu desenvolvimento e
exercer sua cidadania.

O paradigma inclusivo, ao exigir do professor do ensino regular uma


especialização para a sua atuação em sala de aula, também mostra que o
educador da diversidade amplie suas perspectivas, a fim de desempenhar bem
o papel de professor nessa nova realidade, uma vez que a postura do professor
precisa mudar. O futuro professor tem de estar preparado teoricamente, saber
aplicar na prática a teoria conhecida e aprendida, analisando as situações e
melhorando-as.

Hoje, um dos grandes desafios dos cursos que formam professores é a


elaboração de um currículo que venha desenvolver nos acadêmicos
competências, habilidades e conhecimentos para que possam atuar em uma
escola realmente das diferenças que apresentarem, dando-lhes as mesmas
possibilidades de realização humana e social (FREITAS, 2006, p. 176).

Para que a inclusão de alunos com necessidades especiais na rede


regular de ensino seja efetivada, não basta à criação de leis que promulguem a
criação de cursos de capacitação continuada de professores, nem obrigue os
alunos a matricularem-se na rede pública de ensino. Estas são medidas
essenciais, porém, não suficientes.

Para Correia (2008, p. 28), convergindo com a perspectiva formativa,


considera que “[...] os educadores, os professores e os auxiliares de acção
educativa necessitam de formação específica que lhes permita perceber
minimamente as problemáticas que seus alunos apresentam, que tipo de
estratégia devem ser consideradas para lhes dar resposta [...]”.

A política educacional para a inclusão, através da capacitação, deve


ser de forma gradativa e contínua, na perspectiva de beneficiar, alunos,
professores e comunidade escolar. Todavia, vale ressaltar que é de fundamental
importância a interação da criança com necessidades especiais com o meio

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Debates Contemporâneos em Educação

social, desde que sejam respeitadas as suas possibilidades e limites. Caso


contrário, este indivíduo poderá ter sérios problemas emocionais e sociais.

O professor é um agente fundamental no processo da inclusão, nesse


contexto Silva e Reis (2011, p. 11) afirmam que “os aspectos ligados à
formação do professor devem ser especialmente considerados, uma vez que,
este deve estar preparado e seguro para trabalhar com o aluno com
necessidade educacional especial”, o profissional da educação deve estar em
constante formação, para atender as diferentes necessidades educacionais da
atualidade. Além de todos esses aspectos ligados a formação dos professores e
sua importância em tal contexto, vale ressaltar que as escolas também devem
estar preparadas para receber tais alunos.

Nessa direção, conforme Mittler (2003, p. 34) “a inclusão implica


uma reforma radical nas escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e
formas de agrupamento dos alunos nas atividades em sala de aula”. Desta
forma, a inclusão implica também, que todos os professores têm o direito de
receber preparação apropriada na formação inicial em educação e
desenvolvimento profissional contínuo durante sua vida profissional.

A aceitação generalizada da proposta de inclusão, e a reconhecida


necessidade de ampliação do acesso à Educação àqueles que, tradicionalmente,
têm sido excluídos do sistema de ensino, refletem uma tendência atual em se
acreditar no potencial dos alunos com necessidades especiais. A educação
inclusiva, apesar de encontrar, ainda, sérias resistências por parte de muitos
educadores, constitui, sem dúvida, uma proposta que busca resgatar valores
sociais fundamentais, condizentes com a igualdade de direitos e de
oportunidades para todos.

Conexões e possibilidades para pensar uma educação para além da


mesmidade

A partir das reflexões acerca de uma formação de professores que


esteja comprometida com a diversidade presente na escola e em cada sala de

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Debates Contemporâneos em Educação

aula, precisamos considerar que uma formação inicial e continuada de


professores que busca acumular certificados, horas, cursos, técnicas
inovadoras, não dará conta de uma educação que se quer realmente inclusiva,
pois, segundo Nóvoa (1995, p. 25):

A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos


ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica
sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade
pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao
saber da experiência [...]. Práticas de formação que tomem como referência
as dimensões colectivas contribuem para a emancipação profissional e para
a consolidação de uma profissão que é autônoma na produção dos seus
saberes e dos seus valores.

Desse modo, a formação de professores deve ter como foco a


reflexividade das práticas e diferentes situações que constituem a prática
pedagógicas, pois, a reflexão coletiva cria possibilidades de (re)pensar as
soluções para as questões presentes. Não obstante, as constantes reflexões
teórico-práticas possibilitam alicerçar projetos e novas possibilidades
transformadoras para a Educação Inclusiva.

Nesse sentido, Santos (2007) reitera a importância de buscar sinais,


pistas, movimentos, ou seja, o “ainda-não”, aquilo que ainda não foi pensado
ou instituído, mas que, a partir da ação/reflexão coletiva pode emergir e
mostrar rumos, sinais e possibilidades antes não pensadas. Somente assim
teremos uma escola aberta para todos, uma “[...] instituição que tem a
preocupação de não descartar ninguém, de fazer com que se compartilhem os
saberes que ela deve ensinar a todos. Sem nenhuma reserva” (MEIRIEU,
2005, p. 44).

Em consonância, Mittler (2003, p. 20, grifo nosso), considera que a


inclusão depende do trabalho

[...] cotidiano dos professores na sala de aula e do seu sucesso em garantir


que todas as crianças possam participar de cada aula e da vida da escola como
um todo. Os professores, por sua vez, necessitam trabalhar em escolas que
sejam planejadas e administradas de acordo com linhas inclusivas e que

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Debates Contemporâneos em Educação

sejam apoiadas pelos governantes, pela comunidade local, pelas autoridades


educacionais e acima de tudo pelos pais.

Não obstante, podemos considerar que a possibilidade de uma


Educação Inclusiva está para além da sala de aula e não depende apenas do
professor. A Educação Inclusiva deve ser construída diariamente com o auxílio
de todas esferas políticas e sociais. Nesse contexto, a possibilidade de inclusão
não diz respeito a colocar as crianças nas escolas, mas sim em mudar as escolas
a fim de torná-las mais responsivas a todos aqueles que nela adentrarem, dito de
outra forma, é ajudar todos os professores a serem responsáveis pela
aprendizagem de todas as crianças que estão na e fora da escola por qualquer
razão. Isto é, aquelas crianças que não são “beneficiadas” pela escolarização, e
não apenas aquelas rotuladas, geralmente, com o termo de “necessidades
especiais”, essas são possíveis conexões para sonharmos e estabelecermos uma
Educação Inclusiva para todos.

Nessa direção, a escola deve ter por finalidade instituir os cenários


políticos e pedagógicos para possibilitar o acesso universal ao conhecimento,
constituindo esforços contínuos de universalização da cultura (MEIRIEU,
2002). Assim, é preciso buscar a concretude escolar, onde os alunos,
professores, gestores e demais profissionais da educação habitam e atuam sob
o horizonte ético da inclusão escolar, em outras palavras, “todos devem estar
comprometidos com o jogo”.

Neste jogo em que todos jogam, constitui-se um espaço de


diferenças, de qualquer natureza, e é lá onde tais diferenças podem existir, ou
seja, é preciso construir possibilidades, ao invés de mantermos antigos e
ultrapassados estigmas e práticas. Ademais, “[...] descobrir novos meios para
que a educação seja um lugar de partilha e não de exclusão (MEIRIEU, 2002,
p. 34), por isso, mesmo que a escola presentifique tensões e desafios, ela deve
se constituir em um espaço de conhecimento capaz de criar possibilidades e
alternativas para garantir uma proposta de aprendizagem para todos os alunos.

Retomando a passagem de Nóvoa (1995) no início deste item, para


efetivarmos uma proposta para a inclusão, faz-se necessário estabelecer
vínculos de encontros; encontros de reflexões, saberes, fazeres, estratégias,

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Debates Contemporâneos em Educação

recursos, avaliações, metodologias, pois, assim estaremos tornando os sujeitos


responsáveis pela aprendizagem em sujeitos coletivos, interativos agindo no
contexto da diversidade.

Para Santos (2007), estamos vivenciando o tempo da tradução, ou


seja, o momento de criarmos diálogos entre os diferentes conhecimentos e
experiências disponíveis neste mundo que é tão plural e heterogêneo. Por isso
mesmo, a ação educativa deve buscar consolidar a diversidade, a pluralidade, o
Eu, o Outro, os tantos Outros presente em cada sala de aula, de tal modo que,

[...] deve se pautar no respeito e no convívio com as diferenças, preparando


os educandos para uma sociedade mais justa e solidária, contrária a todos os
tipos de discriminação. [...] os professores precisam tratar das relações entre
os alunos. Formar crianças para o convívio com as diferenças (ZOÍA, 2006,
p. 23).

Desse modo, nas experiências escolares estamos constantemente nos


deparando com o Outro, com as diferenças, com encontros, com a alteridade
etc. A questão que levantamos é: quando falamos do Outro nas experiências
da educação escolar, estamos falando, de fato, no/do Outro e na possibilidade
de encontros (todos aqueles que já citamos), ou estamos nos referindo da
redução do outro, assim, sem possibilidade nenhuma de encontro? É possível
encontrar um meio, no qual o Outro não seja esvaziado, excluído e
neutralizado na sua alteridade?

Skliar (2003b, p. 39), nos mostra que tudo é possível com a mudança
na educação escolar, até mesmo,

a insistência em uma única espacialidade e em uma única temporalidade,


mas com outros nomes; a infinita transposição do outro em temporalidades
e espacialidades homogêneas; a aparente magia de alguma palavra que se
instala pela enésima vez, ainda que não nos diga nada; a pedagogia das
supostas diferenças em meio a um terrorismo indiferente; chamar ao outro
para uma relação escolar sem considerar as relações do outro com outros; e
a produção de uma diversidade e uma alteridade que é pura exterioridade de
nós mesmos; uma diversidade que apenas se nota, apenas se entende,
apenas se sente.

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Debates Contemporâneos em Educação

Assim, as mudanças educativas nos pensam agora como uma reforma


do mesmo, como uma reforma para nós mesmos. Elas nos olham agora como
esse rosto que vai despedaçando-se de tanta maquiagem sobre maquiagem. As
mudanças têm sido, então, a burocratização do Outro, sua inclusão curricular,
seu dia no calendário, seu folclore, seu exotismo.

E [...] esquecemos do Outro, agora detestamos sua lembrança, maldizemos


a hora de sua existência, corremos desesperados para aumentar o número
de carteiras das salas de aula, mudamos as capas de livros que publicamos
[...], reuniformizamos o Outro sob a sombra de novas terminologias sem
sujeitos (SKLIAR, 2003a, p. 195).

Cremos que o discurso da “pedagogia do apagamento” (SKLIAR,


2003a, 2003b) está muito presente e próximo de cada um de nós, uma vez que
o “problema” é sempre o Outro, isto é, que seja o Outro que tenha que ficar
nu, que seja o Outro que se distancie de si mesmo, que seja o Outro que negue
sua alteridade, que seja o Outro que fale em nome da igualdade, do respeito, da
aceitação, do reconhecimento, da tolerância, que seja sempre o Outro. Que
relações escolares então queremos? Podemos pensar em uma experiência
escolar para além da mesmidade?

Do mesmo modo, no pensamento de Levinas (1980, 1997, 1998),


pensar as diferenças é abrir-se para (re)pensar a educação escolar, a formação
humana, o conhecimento, as nossas relações e o mundo comum. A
contribuição desse autor para a educação incide na ressignificação de uma
abordagem embasada no ensinamento que provém do Outro, pois seu esforço
teórico abre-se para traçar caminhos que tentam reconstruir um horizonte
alternativo.

Tematizar a educação, na perspectiva de Levinas, é um modo de resgatar e


garantir a humanização do ser humano respeitando-o na sua diferença. O
Outro é deduzido, muitas vezes, a partir do eu, visto como ameaça,
negação, que questiona e se confronta com o poderio do eu. Nesse sentido,
é que emerge a grande virada à capacidade do ser humano de se fazer e
refazer nesse movimento. Uma educação que não trabalha o ato de pensar,
também a partir do Outro, mas que se relega à boa sorte do que encontra
como constituído nas subjetividades totalizadoras dos processos

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Debates Contemporâneos em Educação

educacionais e na perda do sentido do humano, reduzindo a possibilidade


de alteridade (DIEZ; COSTA, 2016, p. 190).

Realizar a experiência educativa como um gesto de acolhimento e


reconhecimento, significa manter uma relação de proximidade e abordar o
Outro na relação face a face. Necessariamente, implica em construir no âmbito
educacional uma relação de proximidade não alérgica à alteridade. Assim, a
relação pedagógica tecida na forma de acolhimento é como a carícia que toca a
pele do Outro sem com isso violentar sua integridade ou ferir sua alteridade
(MIRANDA, 2008).

Portanto, numa educação anônima, isto é, numa educação que não é


inclusiva, não compreende as diversidades, as diferenças, o Outro, a alteridade
etc, não há pessoas que se revelam, nem experiências sobre as quais possamos
pensar e nas quais possamos encontrar algum sentido para a educação e o
Outro. Muitas vezes, há experiências e momentos significativos que surgem, de
modo inesperado, em alguma escola, em alguma sala de aula - algumas luzes.
Assim, quem pensa o Outro e nele sua educação, tem de tomar cuidado para
não apagar essas luzes, pois elas nos lembram a tarefa da educação: cuidar de
um mundo que não dispensa as pessoas (o Outro), mas depende delas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir as questões relativas à função social da escola e à importância


de seu trabalho, considerando a diversidade dos alunos e a complexidade da
prática pedagógica, são dimensões essenciais a serem garantidas na formação
do professor. No entanto, não basta que uma proposta se torne lei para que a
mesma seja imediatamente aplicada.

Inúmeras são as barreiras que impedem que a política de inclusão se


torne realidade na prática cotidiana de nossas escolas. Entre estas, a principal,
sem dúvida, é o despreparo dos professores do ensino regular para receber em
suas salas de aula, geralmente repletas de alunos com problemas de disciplina e
aprendizagem. Portanto, importa, neste momento histórico de educação para

19
Debates Contemporâneos em Educação

todos, que a formação seja de um professor comprometido com sua função


social de educar todos os alunos. Acolher a diversidade de indivíduos e contar
com professores preparados para a escola inclusiva! Eis o grande desafio da
educação na atualidade.

A educação é, necessariamente, um empreendimento coletivo. Para


educar – e para ser educado – é necessário que haja ao menos duas
singularidades em contato. Educar é um encontro de singularidades. O direito
à diferença está baseado na ideia de que todos são diferentes entre si; e,
propriamente, isto é ser humano, em sua singularidade. Para Arendt (2010, p.
8), “Homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo”.

O fato da pluralidade nos leva a agir e a nos relacionar com os Outros


com os quais (con)vivemos. Viver na pluralidade, significa se basear na
igualdade e na diferença3 ao mesmo tempo. O fato de todos sermos seres
humanos é que possibilita nos comunicar. Porém, também somos singulares, o
que significa que com cada novo ser que neste mundo chega, vem também
algo totalmente novo ao mundo. Assim, a pluralidade é formada por
singularidades, e o fato de estarmos entre-outros é o que nos impele a
comunicarmos uns com os outros.

Ademais, nas palavras de Hannah Arendt (2013, p. 247), “a educação


é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos
responsabilidade por ele [...] e [...] onde decidimos se amamos nossas crianças
o bastante para não expulsá-las de nosso mundo”. Uma educação
comprometida com o mundo comum (eu, o Outro, e tantos outros), dá as
boas-vindas a todos na esperança de que possam amá-lo à sua maneira
singular.

Finalmente, gostaríamos de ressaltar que o objetivo de abordar a


educação inclusiva e nela a formação de professores, permanece ainda um
caminho aberto a ser percorrido, por mim, você, nós, o Outro e tantos outros.
É um tema bastante fecundo, que incide na ampliação dos horizontes

3 Todos somos seres humanos, mas de um modo estranho: nenhum dos seres humanos se igualará
(jamais) a Outro que já viveu, vive ou viverá.

20
Debates Contemporâneos em Educação

compreensivos dos sujeitos no âmbito da educação. Temos ciência de que há


muitos aspectos aqui abordados que merecem um maior aprofundamento.
Todavia, o primeiro passo foi dado.

Fica aqui o registro para que as preocupações assumidas neste estudo,


e as inquietações e a ânsia por novos horizontes provocativos, possam levar a
outros caminhos, novas pesquisas, novos problemas e possibilidades.

21
Debates Contemporâneos em Educação

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Revisão e apresentação de Adriano Correia. 11. ed. rev. Rio de Janeiro:
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23
Debates Contemporâneos em Educação

2 - FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE INGLÊS: PRÁTICA


INSTITUCIONAL DO MISTÉRIO E O CASO DOS DIÁRIOS DE LEITURA

Fernando Silvério de Lima4

INTRODUÇÃO

"Não. Não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas.


Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados".
(Clarice Lispector: A Hora da Estrela)

No campo de pesquisas do letramento acadêmico5, Lillis (1999)


problematizou o conjunto de expectativas presentes em atividades escritas,
tendo em vista tanto a perspectiva de quem avalia e decide os critérios que
representam uma produção de qualidade, quanto dos alunos que buscam
desvendar essas expectativas e produzir textos que atendam esses critérios que
nem sempre são explicitados no ensino superior. Essa dimensão ficou
conhecida como prática institucional do mistério. Para este artigo, tomamos como
base diferentes estudos da escrita acadêmica sobre essas lacunas (LILLIS,
1999) bem como dimensões “escondidas” (STREET, 2010) para compreender
em um curso de Letras, quais expectativas em torno da produção de diários de
leitura em língua inglesa podem ser apreendidas como parte daquela prática
institucional do mistério e como essas estudantes lidam com essas lacunas ao
produzir esses diários.

4 Doutor em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP
– São José do Rio Preto. Professor colaborador da UNESPAR de Apucarana. [email protected]
5 Capacidades de leitura e produção textual no contexto acadêmico considerando suas especificidades

(LEA; STREET, 2006; STREET, 2009, 2010). Numa perspectiva etnográfica, atenta ainda para a
compreensão de professores e alunos sobre esse processo.

24
Debates Contemporâneos em Educação

Nossa discussão é iniciada com a retomada desse conceito chave que


foi cunhado por Lillis (1999), e a partir dele buscamos um diálogo com outros
trabalhos sobre escrita acadêmica realizados em diferentes países (FISCHER,
2011, 2012; LEA; STREET, 2006; LILLIS, 1999; RAMIRES, 2007; STREET,
2009) e mais especificamente no contexto do curso de Letras do Brasil (FIAD,
2011; FIAD; SILVA, 2009; FIAD; MIRANDA, 2014). Em seguida,
apresentamos o contexto investigado e os procedimentos de geração de dados.
Posteriormente, analisamos as expectativas acerca da produção dos alunos
com base nas orientações da prática institucional (orientação da atividade) e os
conflitos que as alunas vivenciam ao buscar atender as expectativas da
instituição (representada na figura da avaliadora) e como a atividade é
organizada.

Prática institucional do mistério e a escrita acadêmica

Antes mesmo do despontar das pesquisas sobre letramento


acadêmico no território nacional, os desafios relacionados ao processo de
escrita de alunos universitários já faziam parte das inquietações de linguistas.
Segundo Fiad (2011), nos anos 80 já encontramos discussões acerca dessa
problemática e como podemos observar em trabalhos contemporâneos
(CASTELLÓ et al, 2012; CORRÊA, 2011; FISCHER, 2011, 2012; FISCHER;
DIONÍSIO, 2011; RAMIRES, 2007; KOMESU, 2013), apesar dos avanços
conquistados, o desafio de compreender os problemas dos universitários
persiste e requer novos estudos que se debrucem sobre as complexidades desse
processo.

Com a chegada ao ensino superior, a expectativa inicial é que após


anos de escolarização formal, os universitários seriam capazes de produzir com
confiança os gêneros tradicionais da academia (FIAD; SILVA, 2009) tais como
relatórios, resenhas, relatos, apenas para citar alguns. O evidenciado, na
realidade, foi um cenário oposto. Apesar de dominarem os processos de leitura
e escrita em outras práticas letradas, encontraram nas produções acadêmicas

25
Debates Contemporâneos em Educação

diversas lacunas6 que enfatizaram a não familiaridade com esses novos gêneros
(RAMIRES, 2007).

Apesar de algumas dessas lacunas serem mais claras para quem


produzia os textos escritos (o aluno que sente a dificuldade ao produzir o
texto), várias outras se encontravam em uma dimensão imperceptível, que por
muito tempo era interpretada como senso comum por aqueles já familiarizados
com o contexto acadêmico e suas práticas institucionais (LILLIS, 1999), como
é o caso dos professores (CORRÊA, 2011), investidos de autoridade naquele
contexto. Fazer parte desse senso comum significa dizer que havia um
conjunto de expectativas permeando determinada produção escrita, e que para
os professores essas expectativas seriam de conhecimento dos alunos, sendo
facilmente atendidas ao produzir o texto escrito. No entanto, percebeu-se que
o processo de escrita era prejudicado pelo fato de que essas expectativas não
eram explícitas no conhecimento dos alunos durante o processo da escrita,
como inicialmente suposto.

Esse descompasso entre o que se espera de um determinado texto e


como ele realmente se apresenta, foi denominado como prática institucional do
mistério. Para Lillis (1999), uma prática institucional do mistério atinge ainda uma
dimensão ideológica, concebendo que o professor/avaliador é investido com
voz de autoridade e poder pela instituição. E como impacto significativo, ela
“prejudica aqueles que não estão familiarizados com as convenções que
cercam a escrita acadêmica, limitando a participação deles no ensino superior
[...] (LILLIS, 1999, p.127)”. Nessa relação assimétrica, cabe ao aluno desvendar
quais expectativas seu avaliador ou avaliadora tem sobre a produção escrita que
é solicitada em sua disciplina.

Um paliativo mais significativo para lidar inicialmente com esse


problema veio de uma abordagem prescritiva, em que professores ofereciam
aos seus alunos listas e diretrizes com orientações de como produzir um texto

6Lacunas são entendidas, a partir de Lillis (1999), como a distância entre as convenções de professores
e alunos que regem e organizam as práticas dentro de um contexto, considerando a maneira como elas
são compreendidas e interpretadas por ambos. Quando essas convenções não são negociadas ou
esclarecidas propriamente, ou seja, tratadas como pressupostos, as lacunas tendem a ser bastante
acentuadas.

26
Debates Contemporâneos em Educação

considerado bom. A crítica a esse paliativo, como bem salienta Lillis (1999) é
que além das diretrizes ou moldes não serem suficientes, essa abordagem
tratou das expectativas e convenções com autonomia em relação ao contexto e
aos sujeitos, e não como parte constitutiva da produção textual na
universidade.

Nota-se também, que além das questões de lacunas e expectativas,


outro aspecto importante ao abordarmos uma prática institucional do mistério é a
clareza. Mesmo com a insuficiência da abordagem anterior (prescrição),
percebemos nela a preocupação com a clareza como traço marcante das
produções textuais. No entanto, entendemos ser necessário compreender que
a escrita não envolve apenas uma simples relação sujeito e disciplina, mas
também com gêneros e discursos institucionais mais amplos (LEA; STREET,
2006). Ser explícito vai além de apenas seguir orientações gerais de uma
prescrição e implica “aprender como construir significados, através de uma
gama de convenções inter-relacionadas, resultante do contexto sócio-
discursivo particular da educação superior (LILLIS, 1999, p.131)”, que no caso
deste artigo é o curso de Letras.

Outros trabalhos, como o de Street (2009) contribuem para este


diálogo acerca das convenções e expectativas que permeiam a escrita
acadêmica. O autor propõe o estudo das dimensões “escondidas”7 que
compreendem facetas da produção textual que permanecem desconhecidas
por quem produz o texto e que fazem parte dos critérios elencados pelos
professores no processo de avaliação. Assim como Lillis (1999), Street (2009,
2010) ressaltou o poder institucional investido ao professor, destacando
principalmente como as noções de poder e de autoridade influenciam a escrita
discente.

Sua proposta de análise sinaliza seis aspectos da produção escrita para


o estudo das dimensões “escondidas”: 1) enquadramento (considerando o
contexto de produção, a disciplina e o público alvo); 2) contribuição (o texto
produzido em relação aos outros textos e discursos, propósito); 3) voz do
autor (o sujeito situado e as marcas de sua subjetividade, sua maneira de

7 Outros autores como Corrêa (2011) e Komesu (2013) têm traduzido o termo como aspectos “ocultos”.

27
Debates Contemporâneos em Educação

interpretar o mundo); 4) ponto de vista (sua argumentação e credibilidade


desenvolvida no texto, avaliação e tomada de posição); 5) marcas linguísticas
(organização e construção textual) e 6) estrutura (forma e estrutura concreta do
texto). Nos últimos anos, pesquisadores brasileiros têm dialogado com as
dimensões “escondidas” e a prática institucional do mistério para o estudo de
lacunas e problemas no processo da escrita em relação às convenções não
explícitas. A seguir vamos retomar esses estudos.

Em Fischer (2011, 2012) encontramos dois estudos sobre as


dimensões “escondidas” em relatórios universitários. No primeiro trabalho
(FISCHER, 2011), a autora examinou essas dimensões em relatórios escritos
por alunos de um curso de engenharia têxtil e o posicionamento de
professores e alunos a respeito desse gênero. Dos resultados apresentados, a
autora salienta a presença de expectativas implícitas acerca do gênero relatório
e que muitas vezes os alunos recorrem a modelos prontos como diretrizes de
produção escrita, aspecto corroborado por Castelló et al (2012). Já em Fischer
(2012) ao combinar o estudo das dimensões “escondidas” e da instrução
explícita, a autora analisou os relatórios de alunos de um curso de mestrado em
Engenharia. Dentre os resultados, cabe ressaltar que mesmo com a instrução
explícita os alunos demonstraram dificuldades ao produzir textos condizentes
com as expectativas institucionais, ao passo que assim algumas dimensões
permaneceram ocultas mesmo com transformações.

Komesu (2013), com base em Corrêa (2011), propôs um diálogo no


estudo dos aspectos “ocultos” no ensino da escrita universitária com conceitos
do filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin para o estudo das concepções de
texto de alunos de Pedagogia em curso semipresencial. Seus resultados
mostraram o forte traço tradicional da instituição, tanto nas atividades e
procedimento de realização das mesmas, quanto nos alunos que revelam nas
produções escritas uma concepção tradicional de texto.

Encontramos também trabalhos voltados para o processo da escrita


cursos de formação inicial de professores de línguas. Fiad e Miranda (2014)
analisaram as dimensões “escondidas” e a prática institucional do mistério nas
vozes de alunos de Letras (questionários) acerca das disciplinas do curso. Os

28
Debates Contemporâneos em Educação

resultados corroboraram outras pesquisas como a de Lillis (1999), Street


(2010), Fischer (2011) e Castelló et al (2012), mostrando que poucos
professores esclarecem ou fornecem instruções mais detalhadas dos gêneros
que solicitam para produção escrita, o que favorece para que mais dimensões
permaneçam ocultas (STREET, 2009).

Esses trabalhos e seus resultados reiteram nossa discussão nesta


seção. De maneira geral, atentam para as convenções e expectativas que por
não serem problematizadas, sistematizadas ou esclarecidas aos alunos como
parte necessária do processo, fazem parte de uma prática institucional do mistério
(LILLIS, 1999). Na próxima seção, apresentamos os procedimentos
metodológicos da pesquisa e em seguida nossa análise de dados.

Procedimentos metodológicos

Instrumentos de geração de dados

Os dados que aqui apresentamos foram gerados a partir de narrativas


orais (CZRARNIAWSKA, 2004) registradas em áudio e posteriormente
transcritas para análise qualitativa 8. Essas narrativas foram compartilhadas
pelas participantes em duas sessões de grupos focais. 9Cada grupo focal teve
uma duração média de 90 a 120 minutos em que as participantes eram
incentivadas a compartilhar diferentes experiências no curso de formação. O
foco deste trabalho serão as narrativas das alunas de Letras sobre as
experiências de produzirem e serem avaliadas na disciplina de língua inglesa a
partir do gênero diário de leitura. Consideramos a perspectiva das participantes
para compreender quais lacunas elas percebiam na prática institucional do

8Os critérios de transcrição das narrativas orais seguem algumas convenções metodológicas como a
demarcação de ações no ato da geração de dados que complementam o contexto interacional. Isso
inclui, por exemplo, demarcar nas transcrições momentos de riso e outras reações emocionais, pausas e
interrupções no fluxo narrativo, dentre outras possibilidades.
9Estes dados fazem parte de um corpus longitudinal disponível em Lima (2017). Processo FAPESP –

2013/04431-6 com avaliação do comitê de ética CEP-UNESP/IBILCE parecer nº 392.085.

29
Debates Contemporâneos em Educação

mistério desde a solicitação do trabalho escrito pela professora da disciplina até


a divulgação da nota numérica obtida.

Na análise das narrativas tomamos como referência as quatro


categorias de Connely e Clandinin (1990) para eventos narrativos em contextos
educacionais. Noções de tempo e espaço são consideradas enquanto cenário e
roteiro, ou em outras palavras, o ambiente e a estrutura temporal dos eventos
narrados (neste caso sendo retrospectivo). O outro par de categorias inclui os
personagens e os eventos. Para este estudo, no entanto, optamos pelo uso do
termo sujeitos ao invés de personagens, conservando o caráter biográfico
(histórico) das narrativas. Essas categorias possibilitam a apreensão de
diferentes eventos compartilhados em um contínuo narrativo. Ao demarcar
dentro desse contínuo os eventos relacionados ao processo de produzir diários
de leitura, a análise da narrativa busca nos estudos sobre escrita acadêmica os
subsídios teóricos para compreensão dos relatos.

Considerando que os diários de leitura ganham o foco dos relatos das


alunas de Letras, torna-se necessário também definir sob qual perspectiva esse
instrumento10 era trabalhado no curso de formação. A orientação teórica para
o uso dos diários na disciplina de inglês era o ensino de línguas com base em
gêneros textuais (MACHADO; LOUSADA; ABREU-TARDELLI, 2007;
MACHADO, 2005; BUZZO, 2010). Nessa perspectiva, os diários são
pensados para o ensino e a aprendizagem de línguas tendo em vista uma
otimização do processo de leitura que professores e aprendizes se engajam, ou
em outras palavras, se voltam para “o desenvolvimento de suas capacidades de
leitura quanto para a instauração de novos papéis para o professor e para os
alunos (MACHADO, 2005, p.62)”.

10Na perspectiva dos estudos de gêneros textuais, a noção de instrumento retoma o conceito vigotskiano
de mediação, que explica o desenvolvimento da consciência humana a partir da relação mediatizada de
instrumentos. No plano psicológico, Vygotsky considerou a linguagem e o uso de signos como
transformadores das condições de existência do sujeito sócio-histórico. Os gêneros são considerados
megainstrumentos, pois além de seu potencial de desenvolvimento das capacidades de leitura e escrita,
são constituídos de outras ferramentas psicológicas como palavras e conceitos que operam em um todo
significativo. Para mais detalhes retome Vygotsky (1999).

30
Debates Contemporâneos em Educação

Outros autores definem esse gênero enquanto “um texto de cunho


subjetivo ou íntimo, escrito em primeira pessoa do singular, na medida em que
se lê um texto indicado ou exposto pelo professor ou pelo próprio aluno, a
partir de instruções pré-estabelecidas” (BUZZO, 2010, p.16). De maneira
geral, a ênfase recai no processo dialógico do leitor com o texto (MACHADO,
2005), que registra suas impressões, dúvidas, inquietações e opiniões, como
faria semelhantemente se pudesse ter um encontro face a face com o autor.
Com estes pressupostos teóricos, o trabalho com o gênero diário de leitura foi
proposto em uma turma no segundo ano de Letras, conforme o perfil que será
apresentado a seguir.

As professoras em formação e o curso de letras

O estudo contou com a participação de três estudantes, (Amanda,


Júlia e Sarah11) matriculadas no segundo ano de um curso de Letras com
habilitação dupla (Português e Inglês) de uma universidade estadual brasileira
localizada na região sul do Brasil. Com duração mínima de quatro anos, este
curso atende alunos de mais de vinte municípios vizinhos do pólo
universitário. As três estudantes cursaram a disciplina de Língua Inglesa ao
longo de quatro bimestres, totalizando 144 horas. Nesse curso de licenciatura
em Letras, as estudantes eram avaliadas na disciplina de inglês por meio de
pelo menos quatro instrumentos em cada bimestre, tais como avaliação formal
escrita, exercícios gramaticais, diários de leitura e apresentações orais
(seminários e contação de histórias). Dentre esses instrumentos avaliativos
bimestrais, os diários de leitura tinham o menor valor numérico, sendo a
avaliação formal a de maior valor. Tendo em vista este breve perfil, a análise
das narrativas será apresentada nas próximas seções.

11 Esses pseudônimos foram escolhidos para preservar a identidade das participantes, em acordo
estabelecido no termo de consentimento assinado por elas.

31
Debates Contemporâneos em Educação

Reconstituição narrativa

Práticas institucionais do mistério: Expectativas institucionais e lacuna inicial

A primeira vez que as participantes tiveram contato com um diário de


leitura foi no primeiro ano da faculdade, no entanto, por não produzirem esse
gênero frequentemente, poucos detalhes são recordados sobre aquele período.
No ano seguinte é que as experiências com os diários surgem nas narrativas
compartilhadas durante o grupo focal. Eles foram selecionados pela professora
da disciplina como instrumento de avaliação, que exigia dos acadêmicos a
capacidade de produzir textos em língua estrangeira ao discutir um texto-base.

A orientação preambular sugeria que os alunos iriam realizar ao


menos um diário de leitura por bimestre (totalizando quatro) e que os textos-
base seriam artigos com temática sobre o ensino de línguas. Apenas um deles
envolveria leitura e produção na língua materna. Os demais seriam exigidos em
inglês. Cada diário receberia uma nota numérica12 e faria parte das avaliações
formais bimestrais.

Sem mais instruções detalhadas por parte da professora de língua


inglesa, as três participantes tinham como diretriz o texto-base, um artigo de
Machado (2005) em português que apresentava uma definição de diário de
leitura e discutia em nível teórico sua relevância para a aprendizagem. Dessa
forma, identificamos como primeira expectativa institucional (representada na
figura da professora) que as alunas apreendessem do texto, enquanto liam, e
por elas próprias, aspectos que os seus diários de leitura deveriam apresentar.
Para ilustrar, podemos indicar as seguintes características: a) opinião pessoal
acerca do texto, com exposição de ideias pessoais e apresentação de ponto de
vista com justificativa; b) questionamentos sobre trechos ou informações que
não foram compreendidas no processo de leitura do texto-base; c) o
estabelecimento de relações do tema do texto com a experiência de vida do
leitor e d) observância a respeito de novas informações que o texto traz na
formação acadêmica.

Cada diário equivalia uma média de dois pontos (sendo dez a nota máxima de cada bimestre).
12

32
Debates Contemporâneos em Educação

Considerando que essas características não foram problematizadas na


forma de instruções, ou apresentando um exemplo ou amostra (LILLIS, 1999)
do tipo de texto a ser produzido, entendemos que essas configuram a primeira
expectativa institucional do avaliador (não explicitada) sobre os diários a serem
produzidos, e que caberia às alunas identificarem e seguirem esses passos no
momento de escrita. O trecho a seguir mostra uma primeira reação de uma das
participantes.

Excerto 1

[As alunas comentam sobre o momento em que leram, pela primeira vez, a definição do
conceito de diário de leitura em um texto teórico]

JÚLIA: Mas foi o que... no segundo diário de leitura desse ano que a gente foi
descobrir o que era um diário de leitura. Porque ela deu um diário de leitura
sobre o que era o diário de leitura. Sabe?

Neste excerto, Júlia explica na sessão de grupo focal que a partir da


leitura de um texto que definia o gênero diário de leitura, ela acreditava ter
entendido como seria o texto produzido (da perspectiva da expectativa do
professor, representante da instituição). Contudo, ao receber as primeiras
notas, ela e as demais colegas começaram a questionar se realmente haviam
entendido a proposta, uma vez que não gostaram do resultado. Essa
insatisfação fez surgir nas alunas a sensação de que o que produziam até então
não condizia com o que a professora (voz da prática institucional) esperava, já
que o primeiro parâmetro foi apenas a nota, a qual, na avaliação das alunas,
não foi boa. A este respeito elas comentam:

Excerto 2

[As alunas comentam sobre a experiência de fazer um diário de leitura a partir de um artigo

33
Debates Contemporâneos em Educação

teórico cujo tema era introduzir o conceito de diário de leitura]

JULIA: Era isso que faltava, sabe? [um texto sobre diário de leitura]. E antes
não, antes a gente fazia um resumo com as nossas palavras de boa. Não tinha
essa relação, sabe?

AMANDA: Só que não alterou muito não, porque, chega na hora da avaliação
era a mesma coisa [de quando elas não sabiam o que era um diário de leitura].

JULIA: É, era a mesma coisa. Mas tipo assim, pra gente saber o que era, [até
que] ajudou. Mas não nos dava muita nota.

AMANDA: Não dava pra saber se estava muito certo ou não. (...)

JULIA: Aí esse ano ela passou um artigo sobre o que era o diário de leitura.
Daí que a gente foi cair a ficha do que era um diário de leitura.

PESQUISADOR: E era em Português esse diário que ela passou?

JULIA: Era.

AMANDA: Esse foi do começo do ano.

SARAH: Ah, achei que tivesse falando do...

JULIA: Aí eu ainda comentei com ela: “nossa, esse artigo deveria ser o
primeiro lá do primeiro ano”, sabe? Porque já que é pra trabalhar o diário de
leitura, a gente sabe pelo menos o que é né?

PESQUISADOR: Aham.

JULIA: Igual, por exemplo, diário de leitura... a gente pegava o texto e fazia
um resumo com nossas palavras e tal. Isso era o nosso diário de leitura.

AMANDA: [risos]

JULIA: Aí [risos], com esse artigo a gente ficou sabendo que o diário de leitura
era como se a gente pegasse lá um artigo e eu só escrevesse a minha opinião e

34
Debates Contemporâneos em Educação

relacionasse a minha opinião com a minha realidade.

Ao discutir com as colegas, Júlia reformula sua ideia anterior ao


pensar o que foi apontado neste momento por Amanda, que apesar de
acreditar ter compreendido o que seria um diário de leitura, viu a nota
contrariar sua expectativa. A explicação de Júlia sugere que seu texto
produzido se caracterizava muito mais como um simples resumo. Ainda
assim, ela demonstra sua preocupação maior em mostrar ao avaliador sua
capacidade de sintetizar os pontos centrais da obra mostrando domínio
teórico, evitando assim comprometer sua nota com críticas ou comentários
pessoais sobre a obra que marcassem sua voz, já que os principais gêneros
produzidos nos cursos de Letras (resumos, resenhas, dentre outros), conforme
afirmam Fiad e Silva (2009) focam outros aspectos voltados mais para a
objetividade de sintetizar e reproduzir ideias.

De maneira geral, as primeiras experiências com diários de leitura já


sinalizavam uma lacuna entre o que as alunas efetivamente produziam e o que
era esperado pela professora da disciplina. Apesar de acreditarem que a partir
da leitura o conceito tenha ficado mais claro, como vemos na explicação dada
por Júlia no excerto anterior, ao serem divulgadas as notas, sentiram uma
surpresa. Esse desencontro de expectativas se revela também na maneira como
elas caracterizam a experiência de elaborar diários de leitura, em dois
momentos da discussão:

Excerto 3

PESQUISADOR: Como era fazer esses diários de leitura?

AMANDA: Ai, um trauma.

JULIA: (gargalhadas).

PESQUISADOR: Um trauma?

35
Debates Contemporâneos em Educação

SARAH: Eu queria sair correndo

Excerto 4

[Momentos depois da discussão feita no trecho apresentado acima, Amanda explica, em seu
ponto de vista, porque usou a palavra “trauma”]

AMANDA: E a gente sabia que não gerava nota, então acabou virando um
trauma. A gente tinha que fazer sabendo que precisava. E foi um ano em que
praticamente a sala toda pegou exame.

Amanda preferiu definir sua experiência como trauma, que acabou


gerando o riso de Júlia e em Sarah revelando o desejo de se manter cada vez
mais distante da proposta de fazer os diários (a vontade de sair correndo). Apesar
de outros trabalhos mostrarem que esse desencontro entre o texto produzido e
o que foi solicitado é comum (FISCHER, 2011; CASTELLÓ et al, 2012),
encontramos aqui os primeiros traços de uma prática institucional do mistério
cada vez mais evidente ao longo daquele ano letivo. Esse será o foco da nossa
próxima seção.

Práticas institucionais do mistério: Expectativas e experiências sobre a


própria produção escrita

Após o diário de leitura em língua portuguesa, as participantes


produziram ainda uma média de três diários para o resto do ano letivo,13 todos
em inglês. A prescrição permaneceu a mesma, com a diferença que a turma
questionou a professora sobre um possível feedback das produções individuais,
uma vez que vários estudantes não estavam satisfeitos com as primeiras notas.
Relatos nas narrativas apontam um momento em que uma lista geral foi

13 Sarah não fez um dos diários do terceiro bimestre. No quarto bimestre, fez um diário extra.

36
Debates Contemporâneos em Educação

apresentada, com problemas mais recorrentes (inclusive linguísticos), ainda


assim, a nota permanecia o principal indicativo de qualidade dos diários
produzidos. No entanto, como salientado em outros trabalhos, a própria
instrução explícita (FISCHER, 2012) ou análise de listas com dicas e
problemas (LILLIS, 1999) acaba não sendo suficiente e não garante os
verdadeiros benefícios que o feedback tem na escrita do aluno (LEA; STREET,
2006). Nesta seção, discutiremos outras expectativas no ponto de vista das
alunas (avaliadas) e como elas se relacionavam ou não com as da professora
(avaliadora) e das práticas institucionais daquele curso de Letras.

Em primeiro lugar, as alunas esperavam que os textos-base fossem


previamente discutidos em sala, ou que, apesar de serem tópicos teóricos sobre
ensino e aprendizagem, estivessem relacionados com o que vinham
desenvolvendo na disciplina de língua inglesa. Essa expectativa das alunas está
relacionada a um dos momentos mais propícios do curso de formação do
professor de línguas, a construção de seu saber docente ou seu pensamento
conceitual (LIMA, 2017). A ausência do trabalho de conceitos teóricos
integrados às atividades práticas de ensino permanece como um dos desafios
contemporâneos dos cursos de Letras. Entender os saberes produzidos em
áreas como a Linguística Aplicada pode ser um possível caminho alternativo
para tratar a problemática da incompatibilidade de teoria e prática, argumento
frequente entre alunos em cursos de formação inicial (veja LIMA 2017 para
exemplos no Brasil e KORTHAGEN, 2010 para exemplos no exterior).

Em diferentes momentos, as alunas em formação enfatizaram ainda


que o “problema”14 dos diários era a compreensão do texto-base, pois caso
houvesse uma discussão com o grupo a respeito dos temas desses textos
(alguns dos quais eram novidades para as participantes), as produções escritas

14O uso de aspas se justifica pelo ponto de vista dos novos estudos de Letramentos, atentando para a
diversidade e especificidade das diferentes práticas institucionais (LEA; STREET, 2006) e contextos.
Problemas são entendidos não como falta de competência dos alunos para escrever, mas como o não
engajamento em uma determinada prática de letramento acadêmico. Dessa forma, concordamos com
Komesu (2013) ao argumentar que os “erros” podem ser entendidos a partir da noção dos aspectos
“ocultos” da escrita (cf. STREET, 2009; CORRÊA, 2011) como caminhos a serem desvendados na
prática.

37
Debates Contemporâneos em Educação

se aproximariam mais da expectativa institucional, ou seja, do que a avaliadora


desejava. O excerto a seguir exemplifica a crítica de Amanda:

Excerto 5

[A participante explica ao pesquisador sobre a rotina estabelecida entre a solicitação do


diário, a escrita e a entrega]

AMANDA: Até porque um texto nunca foi... porque assim, se ela pegasse o
texto e discutisse em sala pelo menos.

PESQUISADOR: Não teve as discussões?

AMANDA: Nunca teve isso.

De acordo com Amanda não houve momentos em que o grupo


chegava a discutir os textos que seriam o foco dos diários, nem antes nem
depois de fazê-los. Como salienta Machado (2005), a problematização de
temas é importante, pois permite ao aluno relacionar seus conhecimentos
cotidianos com aqueles apresentados no contexto acadêmico. E neste
momento, Júlia e Sarah não discordaram da colega. Amanda procura
exemplificar mais adiante como a proposta avaliativa dos diários era feita ao
seu grupo de alunos de Letras. O excerto a seguir mostra outros detalhes:

Excerto 6

[O pesquisador pediu que a participante explicasse com suas palavras como eram as
instruções dadas pela professora]

AMANDA: Era uma coisa assim, ela falava que estava postando um trabalho
diferenciado. Porque ela postava no e-mail, mandava a gente fazer o diário e
entregar. Mas igual a gente falou, nunca foi questionado. Nunca ninguém leu
aquele texto, nunca ninguém debateu aquele assunto, pra poder produzir um
texto com a sua opinião. Ou até mesmo poderia aproveitar isso para os testes
orais. Você falar sobre o que você está [estudando]... Mas não, ela

38
Debates Contemporâneos em Educação

simplesmente mandava no e-mail e dava uma data para entregar.

Os trabalhos eram enviados para um e-mail coletivo que o grupo


mantinha, o qual todos os alunos tinham acesso, ou versões impressas eram
deixadas na pasta de turma em uma fotocopiadora. Os e-mails, de acordo com
as alunas, apresentavam breves orientações enfatizando principalmente prazos,
valores e uso da língua-alvo (inglês). No entanto, as alunas sentiam falta de
uma conexão entre as produções anteriores e o que poderia ser melhorado
para as produções futuras do mesmo gênero. Mesmo assim, sem um estímulo
para continuar produzindo esses textos – já que ao mesmo tempo suas
expectativas não eram atendidas e não entendiam o que a professora esperava
dos diários – as alunas relataram que tentavam ao máximo compreender o
artigo teórico (texto-base), salientando informações mais importantes para
retomá-las em seus diários, na tentativa de desvendar as expectativas de quem
avalia e ao mesmo tempo cumprir a tarefa institucional. Os próximos excertos
detalham essa questão.

Excerto 7

PESQUISADOR: Vocês não recebiam os diários de vocês com uma opinião?

SARAH: Não.

AMANDA: Não.

Excerto 8

JULIA: A gente via as notas e o máximo que ela dava era um comentário
breve. Tinha [comentário] linguístico e textual, os dois [tipos]. Só que a parte
textual era mais um comentário, não era tanto sobre o gênero, mas o assunto
[do texto base].

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Debates Contemporâneos em Educação

As três alunas explicam não terem recebido seus diários com


comentários ou detalhes de onde a produção escrita deixou a desejar, ou o que
precisariam atentar mais para a produção escrita seguinte. Sem o ponto de vista
do avaliador, que poderia variar de uma observação escrita até um comentário
informal, as alunas não percebiam o percurso do próprio desenvolvimento ao
longo de suas produções. Esse fator está presente em outros trabalhos,
mostrando que a ausência de feedback é constante. Em Street (2010), vemos nos
relatos de participantes como alguns aspectos da escrita permanecem
implícitos nas expectativas do avaliador e ocultos principalmente para os
alunos. O autor sugere que o desencontro de expectativas entre avaliador e
avaliado prejudica a produção dos alunos, uma vez que eles não compreendem
se o que produzem corresponde ao tipo de texto considerado bom para o
avaliador (maneira de posicionamento e raciocínio do texto, escolhas
linguísticas e de estrutura do gênero, dentre outros exemplos de dimensões
escondidas).

Por fim, as alunas realizavam a tarefa com finalidade exclusiva de


obter nota, relegando para segundo plano o objetivo principal dos diários, de
ser um instrumento mediador e propulsor dos processos de leitura e escrita.
Uma vez que a nota era a única referência que as alunas tinham sobre a
produção escrita, a qualidade das discussões que elas promoviam, ou o quanto
aquela atividade poderia ter contribuído para aquisição de vocabulário ou para
sua formação docente, eram esquecidos. As experiências que prevaleciam eram
voltadas para um instrumento de aprendizagem que não gerava tantos
benefícios como elas esperavam. Elas já haviam lido teorias sobre esses
benefícios, mas ainda esperavam vivenciá-los. Esse aspecto é abordado no
próximo excerto.

Excerto 9

[Sobre as decepções com o gênero, a disciplina e as instruções da professora na disciplina de


língua inglesa]

SARAH: E o que me decepciona com os diários de leitura principalmente (...)


é que a gente nunca vai bem. E a gente nunca sabe onde a gente não foi bem.

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Debates Contemporâneos em Educação

AMANDA: Ela não mostra pra gente...

SARAH: ...porque a gente nunca viu... as correções dela.

JULIA: As correções dela... ela sempre falou que ia postar e ia postar.

SARAH: ...ia postar e ia postar e a gente ia atrás. Tipo assim, porque igual em
Português. A professora corrige e fica lá, né? “Olha, isso aqui você errou. Isso
aqui você tem que melhorar”. Então não é...

AMANDA: A gente não sabe...

SARAH: ...a gente não sabe. Você vai assim meio que...

JULIA: Essa é a diferença.

PESQUISADOR: Vocês não sabiam se estavam conseguindo desenvolver o


que era proposto?

JULIA: E porque que a gente não conseguia saber...

AMANDA: ...qual que era o objetivo.

Apesar de não obter um retorno de como estava produzindo o seu


diário em inglês, Sarah demonstra sua decepção e falta de estímulo com os
seus diários de leitura, pois geravam a sensação de ser avaliada “às cegas”, ou
seja, alguma nota era obtida, mas ela pouco sabia como tinha obtido aquilo.
Apesar do desejo do diálogo através do feedback, percebemos nessa relação
assimétrica que o avaliador concentra toda negociação para si, caracterizada no
que Lillis (1999, p.143) chama de relação monológica. A autora explica que a falta
de negociação implica essencialmente na negação dos alunos no processo de
escrita do qual eles são sujeitos principais. Por mais que um diário de leitura
favoreça um diálogo entre sujeito e interlocutor (MACHADO, 2005) a falta de
um feedback e da possibilidade de recebê-lo resultava em frustração para as

41
Debates Contemporâneos em Educação

participantes que tinham pela frente outros diários de leitura. Produzir textos
nessas condições intensificava ainda mais as “lacunas” encontradas.

A respeito da ausência de um retorno sobre os textos produzidos,


Amanda e Sarah concordam com Júlia, reiterando que também não tiveram
acesso aos diários corrigidos por fatores que também desconheciam. Quando
questionadas se em algum momento elas sentiam que não estavam
conseguindo melhorar a qualidade do gênero solicitado pelo fato de não terem
acesso às correções, Júlia e Amanda complementam a resposta uma da outra,
afirmando que mesmo elaborando os diferentes diários (visando
complementar a nota bimestral), elas ainda não entendiam o real propósito de
fazê-los, já que não os viam posteriormente, acreditando que eles eram usados
pela professora apenas como mais uma alternativa de complementar as
atividades avaliativas do bimestre e apenas isso.

Até aqui, é possível visualizar que o principal motivo para continuar


investindo na elaboração dos diários era a obtenção de uma nota (de
preferência, a considerada “boa” da perspectiva delas). Ao serem questionadas
acerca do motivo pelo qual faziam os diários, elas fazem uma breve pausa
antes de deliberarem, como pode ser observado no excerto a seguir:

Excerto 10

AMANDA: Boa pergunta!

SARAH: Pra tentar ganhar nota.

JULIA: (gargalhada).

SARAH: um fracasso.

JULIA: Tentava ajudar.

PESQUISADOR: Mas pra que vocês acham que servia o diário de leitura?
Assim, não só pra você e pela nota. O que vocês achavam que ela fazia com
isso?

42
Debates Contemporâneos em Educação

SARAH: Eu acho que ela pensava que a gente estava aprendendo muita coisa.

Amanda nos lança a expressão “boa pergunta!” mostrando que ainda


não iria definir um real motivo. Sarah, por sua vez, ressalta que o motivo de
continuar produzindo seus diários reflete sua tentativa de ganhar nota e
acredita que, da expectativa da avaliadora (representante da instituição), algo
estaria sendo aprendido. Sua resposta gera o riso de Júlia, que complementa a
ideia da colega de que o esforço visava a tentativa de complementar a nota
bimestral (advinda dos outros instrumentos avaliativos), mas que segundo
Sarah acabava sendo um fracasso, ou seja, jamais tiravam uma nota que
mostrasse terem produzido o texto que a professora considerava “bom”. No
entanto, ao serem questionadas mais uma vez, Amanda volta a pensar e chega
a uma conclusão, partilhando com todos no grupo focal:

Excerto 11

AMANDA: Pode falar a verdade?

PESQUISADOR: Pode, claro.

AMANDA: Eu li [o texto-base] só pra fazer o trabalho. Era assim mesmo,


aquela coisa justamente para... igual eu estou falando... entregar...

JULIA: Alguns artigos eram bem longos. Teve uns que tinham 50 páginas. Era
um monte e era tudo em inglês.15

SARAH: Esse em inglês eu nem fiz.

Sua resposta confirma mais uma vez a motivação para a elaboração


dos diários visando a nota em detrimento da possibilidade de desenvolver

15O artigo que Júlia menciona tinha, na verdade, trinta e duas páginas; Interpretamos esta estimativa
como uma estratégia de enfatizar o esforço que envolvia a produção do gênero.

43
Debates Contemporâneos em Educação

tanto sua capacidade de leitura quanto de escrita em inglês, propósito original


pensado para esse gênero. No entanto, mesmo que as suas produções escritas
não atendessem ao conjunto de expectativas da instituição e de seus
avaliadores, Sarah, Amanda e Júlia conseguiam ver todo esse potencial na
prática. No entanto, eram essas lacunas entre o que se esperava das produções
e como elas efetivamente se apresentavam que causava a estranheza e o
descontentamento nessa disciplina.

Excerto 12

PESQUISADOR: E os temas discutidos nos diários? Como vocês viam isso?

SARAH: Porque olha... o assunto era interessante, tipo metodologias do


ensino de inglês. É uma coisa que a gente vai precisar. Então os conteúdos
eram interessantes pra nós. Só que a forma como que ela trabalhava com a
gente.

JULIA: Não tinha relação.

SARAH: Não tinha.

JULIA: Por exemplo, a gente estava vendo, por exemplo, o gênero resumo e
fazendo diário de leitura sobre como trabalhar uma metodologia de inglês na
sala de aula, sabe? Ou a importância do diário na sala de aula. Então, não tinha
assim muita relação. É isso que a gente está falando, não tem sequência.

Sarah reconhecia os temas selecionados para o gênero a ser


produzido como algo que a interessava, principalmente por serem textos de
estudos linguísticos. Essas participantes questionavam ainda a falta de relação
entre os temas dos diários e aquilo que trabalhavam nas aulas de inglês – ou
falta de sequência, nos termos das participantes. Julia exemplifica que enquanto
trabalhavam um gênero em sala de aula, eram avaliadas por um diário de
leitura que abordava um tema não diretamente relacionado ao que estudavam
no momento. Em diferentes momentos do grupo focal, as três participantes

44
Debates Contemporâneos em Educação

enfatizam a importância do papel da sequência e da relação de temas como


algo que favorece para elas o aproveitamento da disciplina. Revelando, dessa
forma, mais uma expectativa com relação ao curso, que acabava não sendo
contemplada, pois conforme relatado elas não viam abertura para negociação e
feedback.

Por fim, Júlia se recorda de uma ocasião quando apresentou para a


sala em alguns minutos sua opinião16 do último texto lido para o último diário
do ano. Apesar da aparente predominância monológica daquela atividade, por
ser o último trabalho e estar próxima da aprovação, ela optou por dar sua
opinião sobre o texto lido focalizando principalmente porque discordava de
pontos defendidos pela autora do artigo. Após concluir sua apresentação, a
professora comentou brevemente as críticas que Júlia fez à proposta do artigo
lido.

Excerto 13

[O pesquisador questiona sobre a produção do último diário do ano letivo e o texto que elas
elaboraram]

AMANDA: É igual o meu último [diário]. Eu critiquei o método dela, de certa


forma.

JULIA: Ela perguntou pra mim sobre o meu último. Lembra que eu tinha
colocado a minha opinião? Aí depois que eu terminei de apresentar pra ela, ela
perguntou o que eu achava do método [trabalho com gêneros], se eu achava
que poderia ser aplicado em sala de aula. Nossa, a gente teve uma conversa
boa.

PESQUISADOR: Mas é bom saber mesmo, porque agora que vocês estão
pisando em sala de aula, vocês não falam mais da posição de aluno que acabou

16De acordo com Julia, cada aluno tinha em média cinco minutos para comentar sua opinião acerca do
texto lido para a produção escrita. Nem todos os colegas, inclusive as duas participantes dessa
pesquisa, receberam comentários sobre o diário, como aconteceu com Julia. E nem todos expressaram
seu ponto de vista, ainda que fosse a última vez que fariam um diário de leitura naquele ano.

45
Debates Contemporâneos em Educação

de sair da escola.

JULIA: Não, não é mais de aluno, é uma visão de professor.

O texto final consistia em um artigo sobre o trabalho com gêneros


textuais no ensino de línguas. Depois de produzir outros diários, neste último,
Júlia fez uma breve crítica à proposta baseando-se na experiência que teve
como professora substituta de inglês no mesmo ano17. Este fato chamou a
atenção da professora que comentou com a aluna querendo saber o que ela
realmente achava das dificuldades do trabalho com gêneros textuais na escola
pública. Sendo esta, portanto, a única referência nas narrativas de um
momento de interação e discussão sobre o ponto de vista da aluna também
defendido em seu texto escrito. Com o encerramento do ano letivo, as três
participantes foram aprovadas na disciplina de língua inglesa. Ao
questionarmos sobre o feedback, afirmaram que se cansaram da constante
cobrança feita à avaliadora, e que por não serem atendidas e estarem
finalmente aprovadas, deram o assunto por encerrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, discutimos algumas lacunas encontradas no


processo de escrita de diários de leitura de três alunas de Letras. Baseados no
conceito de prática institucional do mistério (LILLIS, 1999) e das dimensões
“escondidas” na escrita (STREET, 2010), buscamos discutir as expectativas
das alunas sobre os diários produzidos, bem como os desafios que vivenciaram
na prática de produção e avaliação desse gênero.

Observamos a partir das narrativas orais que a primeira lacuna se


estabeleceu pela ausência de uma problematização e negociação mais detalhada

17Neste ano, Julia trabalhou temporariamente como professora substituta de língua inglesa em uma
escola pública. Ela ensinou inglês em turmas do fundamental e utilizou tal experiência como base dos
comentários breves que fez em seu diário.

46
Debates Contemporâneos em Educação

de quais expectativas institucionais deveriam ser consideradas para que um


bom diário fosse produzido. Apenas a leitura do texto teórico não forneceu
subsídio e segurança para as primeiras produções dessas alunas. Com a
chegada das primeiras notas, ficou evidenciado o primeiro desencontro entre
expectativas: as alunas acreditavam ter entendido como era um diário de leitura
e como fazê-lo, porém as notas indicavam o oposto, sugerindo que elas não
haviam atendido ao conjunto de expectativas de seu avaliador, neste caso a
professora da disciplina de inglês. Aparentemente, elas não haviam encontrado
o lugar da própria voz ao produzir o gênero, considerando que oscilavam entre
a objetividade de um resumo com breves comentários pessoais.

Outra lacuna se evidencia nessa questão. A nota numérica é discutida


pelas participantes como o único indício de qualidade das produções escritas.
Apesar de constantes solicitações de orientações sobre como melhorar os
textos, indicam não terem tido oportunidade de feedback e negociação. Ainda
assim, a possibilidade de nota era a única motivação para continuar realizando
os diários. Já a proposta de usar o diário de leitura como instrumento com
potencial para desenvolver os processos de leitura e escrita era esquecida, e o
diário era visto pelas participantes mais como um requisito formal obrigatório.
Produziam seus textos sabendo que atenderiam apenas algumas expectativas,
mas não todas. E segundo elas, se houvesse o feedback (oportunidade para
negociar a atividade ou até mesmo discutir o texto em sala), possivelmente as
produções escritas seriam melhores.

Desse aspecto, percebemos que apesar das expectativas institucionais


permanecerem como parte de um “mistério” no que envolve os diários de
leitura, as alunas eram conscientes de que a situação era problemática. Além
disso, pensavam em alternativas para que o problema pudesse ser revisto.
Contudo, suas alternativas se tornaram expectativas não explícitas, uma vez
que a relação com a avaliadora era monológica e assimétrica, sempre no papel
subordinado de sujeito avaliado, cuja produção escrita acabava sendo
subestimada. E que apesar de produzirem textos em outras disciplinas, no caso
dos diários de leitura permaneciam distantes do conhecimento privilegiado no
ensino superior.

47
Debates Contemporâneos em Educação

Para lidar com esse cenário de lacunas e desencontro de expectativas,


as alternativas podem vir dos alunos, como visto neste trabalho, uma vez que
diversos momentos foram apontados caminhos do que poderia ter sido feito.
Como elas também podem surgir de uma mudança dos próprios avaliadores
que detêm a autoridade e as decisões sobre como os textos devem ser
produzidos. Explorar essas convenções e expectativas emerge como o
caminho para quebrar as duras rochas, retomando a metáfora de Clarice Lispector
para falar sobre o quão difícil é o processo da escrita. Conceber no letramento
acadêmico dos professores em formação mais oportunidades de negociação
das atividades (dentro das práticas institucionais que favoreçam o diálogo e a
construção de sentido nos diferentes gêneros produzidos) abre-se como
possibilidade diante do desafio que vem pela frente.

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Debates Contemporâneos em Educação

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50
Debates Contemporâneos em Educação

3 - FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO RIO


GRANDE DO SUL NAS ESTATÍSTICAS EDUCACIONAIS

Rafaela da Silva Melo18

INTRODUÇÃO

Os debates e os movimentos em defesa da garantia do direito à


educação das crianças de 0 a 6 anos contribuiram para a discussão sobre a
formação dos profissionais que atuam em instituições como as creches e a pré-
escola. A grande reivindicação por parte dos acadêmicos, entidades da
sociedade civil e também de organismos internacionais apontam que a maioria
das instituições que ofertam a Educação Infantil não contam com docentes
que possuem a formação exigida para o exercício de suas funções, o que se
reflete na ausência de propostas e/ou projetos pedagógicos, nas condições
precárias de trabalho, na ausência de concursos públicos, planos de carreira,
salários que respeitem o piso nacional do magistério, especialmente nas
instituições que atendem crianças de 0 a 3 anos (BRASIL, 2001).

A discussão sobre a necessidade de uma formação adequada para os


profissionais que atuam com crianças de 0 a 6 anos é resultante de mudanças
sociais (especialmente no papel da mulher na sociedade contemporânea e,
consequentemente, das transformações nos arranjos familiares que envolvem a
proteção, o cuidado e a educação dos filhos), na legislação (no reconhecimento
das crianças como sujeitos de direitos e a Educação Infantil como direito da
criança, das famílias e dever do Estado). Soma-se à isso aos debates teóricos

18Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do


Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] Este artigo é resultante do meu trabalho de conclusão
do curso de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2015.

51
Debates Contemporâneos em Educação

sobre o que é ser criança, como estas vivem suas infâncias e sobre a
indissociabilidade do cuidado e educação destas.

Esses movimentos contribuíam para mudanças significativas na


organização dos espaços, tanto públicos quanto privados, que oferecem vagas
na Educação Infantil. Estes espaços normativamente devem ter uma proposta
pedagógica que deve ser construída a partir de proposições teóricas claras,
conceito de currículo, planejamento e avaliação, especificidades que estão
explicitadas nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil, instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 5, de dezembro de 2009.
Portanto se discute aqui a necessidade de um maior comprometimento público
com a melhoria da formação para todos as/os profissionais que atuam nas
creches e nas pré-escolas, em especial no que se refere ao exercício da
docência. Deste modo, este artigo tem por objetivo apresentar dados sobre a
formação dos professores que atuam na educação infantil no Rio Grande do
Sul, a fim de discutir estratégias para a melhoria da oferta de formação inicial
ou continuada.

Educação infantil e formação dos professores: Aspectos teóricos e legais

A Educação Infantil como conhecemos hoje é resultante do


reconhecimento social das crianças como cidadãs e sujeitos de direitos, sendo
um deles a educação. Essa concepção é fruto de mudanças e discussões
históricas, especialmente no reconhecimento da infância como uma categoria
social, concepção esta apresentada pelo historiador francês Philippe Ariès
(1986) que fez importantes contribuições para o estudo das imagens e debates
sobre as concepções da infância ao longo da história reconhecendo a infância
como uma construção da modernidade. Embora tenha feito importantes
constribuições em seu tempo este autor vem sendo criticado por muitos
autores e pesquisadores em razão da sua concepção de história linear e
limitações metodológicas.

A partir das contribuições dos estudos de Sandra Corazza (2002,


p.81) entende-se que a história da infância se caracteriza por uma ausência de

52
Debates Contemporâneos em Educação

problematização sobre essa categoria social, não porque as crianças não


existissem, mas porque, historicamente da Antiguidade à Idade Moderna, não
existia este objeto discursivo a que hoje chamamos infância, nem esta figura
social e cultural chamada “criança”.

Sobre a construção da categoria infância, Barbosa (2009) argumenta


que sempre houve crianças, mas elas não eram reconhecidas como grupo
social com especificidades próprias e foi ao longo dos séculos que a ideia de
infância como período separado e diferenciado da idade adulta emergiu. De
acordo com esta autora, essa separação entre infância e vida adulta
contribuiram com a valorização do pensamento de proteção das crianças, a
defesa contra a exploração pelo trabalho ou o abuso sexual e reconhecimento
das crianças como sujeitos de direitos presentes nos documentos legais e em
muitos estudos e debates acadêmicos.

O atendimento às crianças de 0 a 6 anos se iniciou no Brasil entre o


final do século XIX e o início do século XX e, neste período, as instituições
que surgiram tinham caráter filantrópico e partindo de entidades particulares
voltadas para o atendimento das crianças da elite. Estas instituições receberam
influência das ideias dos médicos higienistas e de estudos da psicologia e da
patologia, pois havia nesta época uma preocupação com os altos índices de
mortalidade infantil (KRAMER, 2003, p.48).

Nas décadas do século XIX e início do século XX, o Estado


começou a dar uma maior atenção para as instituições de atendimento as
crianças atuando como agente fiscalizador e regulamentador dos serviços
prestados pelas entidades filantrópicas e assistenciais. A partir de 1930, o
Estado assumiu o papel de buscar financiamento de órgãos privados, que
viriam a colaborar com a proteção da infância. Diversos órgãos foram criados
voltados à assistência infantil como Ministério da Saúde; Ministério da Justiça e
Negócios Interiores, Previdência Social e Assistência social, Ministério da
Educação e também a iniciativa privada.

De acordo com o estudo de Andrade (2010) as políticas públicas


deste período, foram resultantes de interesses distintos da burguesia, dos
trabalhadores e também do Estado “paternalista”. Tais políticas priorizavam a

53
Debates Contemporâneos em Educação

alimentação e a higiene das mulheres trabalhadoras e de seus filhos e tinha


preocupação com a sobrevivência das crianças das classes trabalhadoras,
enquanto mão de obra futura.

Conforme Kramer (1995, p. 65) em 1940 surgiu o departamento


Nacional da Criança, cuja finalidade era a ordenação das atividades dirigidas à
infância, maternidade e adolescência, administrados pelo Ministério da Saúde.
Por volta de 1950 disseminou-se a tendência médico-higiênica do
Departamento Nacional da Criança, desenvolvendo vários programas e
campanhas visando o combate à desnutrição, vacinação e diversos estudos e
pesquisas de cunho médico realizadas no Instituto Fernandes Figueira 19. Era
também fornecido auxílio técnico para a criação, ampliação ou reformas de
obras de proteção materno-infantil do país, basicamente hospitais e
maternidades (KRAMER, 1995, p.65).

A década de 1970 constitui-se como o marco legal para Educação


Infantil, pois até esse período da história havia uma ausência de discussão e
proteção juridica para as crianças brasileiras. A Lei nº 5.692, de 11 de agosto de
1971, faz referência à educação infantil, dirigindo-a como ser conveniente à
educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes.
Em outro artigo, é sugerido que as empresas particulares, as quais têm
mulheres com filhos menores de sete anos, ofereçam atendimento á estas
crianças, podendo ser auxiliadas pelo poder público.

No final dos anos 70 e, sobretudo na década de 80, surgiu em São


Paulo o “Movimento de Luta por Creches” que partiu inicialmente das
mulheres da periferia, em geral donas de casas e domésticas, organizada através
do clube das mães. Posteriormente, operárias, grupos feministas e intelectuais
aderiram ao movimento que apresentava suas reivindicações aos poderes
públicos no contexto por direitos sociais e da cidadania, modificando os
significados à creche enquanto instituição de cuidado e educação das crianças
brasileiras (ANDRADE, 2010).

19Instituição uma fundada em 1924 que atualmente é uma unidade de assistência, ensino, pesquisa e
desenvolvimento tecnológico da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

54
Debates Contemporâneos em Educação

A Constituição Federal de 1988 representou o reconhecimento legal


da instituição como direito da criança à educação. Conforme o Art. 208, o
dever do Estado com à educação será efetivado mediante a garantia de: “IV -
atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
(BRASIL, 1988). Deste modo, no Texto Constitucional, a educação infantil
recebeu o expresso reconhecimento de sua condição de direito público
subjetivo, legitimada como extensão do direito universal à educação das
crianças de 0 a 6 anos, espaço de educação infantil, complementar à educação
familiar.

Uma conquista importante da Lei de Bases da Educação Nacional


9.394/96 para a Educação Infantil e esta possui uma grande relevância para
este trabalho, diz respeito aos requisitos exigidos para a formação dos
profissionais que atuam na Educação Infantil em todos os sistemas de ensino,
questão até então negligenciada na História da Educação Infantil, pois o foco
das discussões centrava-se em questões como a garantia do acesso e em
questões estruturais e financeiras das instituições das atendimento.

O artigo 87 da LDBEN 9.394 reconhece todos que exercem a


docência com crianças de 0 a 6 anos como docente de educação infantil,
devendo estes/estas terem formação em nível superior de licenciatura, de
graduação plena oferecido por um Instituto Superior de Educação (ISE)
reconhecido pelo Ministério de Educação.

De acordo com a LDBEN 9.394/96 aos Institutos Superiores de


Educação cabe oferecer:

I - cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o


curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação
infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;
II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de
educação superior que queiram se dedicar à educação básica;
III - programas de educação continuada para os profissionais de educação
dos diversos níveis. (BRASIL, 1996).

A formação no nível médio para os/as docente que trabalham com


crianças de 0 a 6 anos foi admitida até 2007, porém, considerando as

55
Debates Contemporâneos em Educação

controvérsias instaladas sobre as condições para ampliação da formação do


grande contingente de docentes da Educação Infantil, a Resolução CNE/CEB
01, de 20 de agosto de 2003, define que “Os sistemas de ensino, de acordo
com o quadro legal de referência, devem respeitar em todos os atos praticados
os direitos adquiridos e as prerrogativas profissionais conferidas por
credenciais válidas para o magistério na Educação Infantil” (BRASIL, 2003b).

A obrigatoriedade da formação superior para todas docentes que


trabalham com crianças de 0 a 6 anos, apresenta um grande desafio às esferas
governamentais na oferta com qualidade de cursos de formação necessário
para que estes profissionais tenham condições para obter a formação exigida
pela legislação para exercício da função.

A partir deste breve histórico da Educação Infantil, constata-se que a


formação dos/as docentes é um tema que começou a se intensificar nas
políticas educacionais e nos debates acadêmicos nacionais da área a partir da
década de 1990, sobretudo com o desdobramento da LDBEN 9.394/96 que
institui a carreira profissional para todas que trabalham na educação infantil.

As discussões recentes sobre à obrigatoriedade do ensino superior


para o exercício da docência na educação infantil deu origem a políticas
voltadas em atender as demandas para a melhoria e a valorização destes
profissionais no cenário nacional com desdobramentos no Estado do RS. Este
artigo tem por objetivo apresentar dados sobre a formação dos professores
que atuam na educação infantil no Rio Grande do Sul, com intuito de discutir
estratégias para a melhoria da oferta de formação inicial ou continuada.

Metodologia

Esta pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa que segundo


Bogdan e Biklen (1994) é prioritariamente descritiva, o que torna a fonte e os
dados, em sua maioria composta por descrições e imagens. Para estes autores
em uma pesquisa qualitativa busca-se analisar os dados (imagens, textos,
documentos de origem legal, normativa, estastística, páginas da internet de

56
Debates Contemporâneos em Educação

órgãos públicos, instituições públicas, privadas e outros) em toda a sua riqueza,


respeitando tanto quando possível, a forma como estes foram registrados ou
transcritos. Esta pesquisa contempla a dimensão quantitativa e qualitativa
entendendo-as como complementares, pois segundo Gatti:

Precisamos considerar que os conceitos de quantidade e qualidade não


dissociados, na medida em que, de um lado a quantidade é uma
interpretação, uma tradução, um significado atribuído à grandeza com que
um fenômeno se manifesta e, de outro modo, ela requer ser interpretada
qualitativamente, pois, em si, seu significado é restrito. De outro modo, nas
abordagens qualitativas, o evento, o fato, deve se manifestar em uma
grandeza suficiente para a sua detectação, ou seja, há uma quantidade
associada aí (GATTI, 2005, p.12).

O entendimento desta complementaridade quanto à abordagem é


fundamental para atender os objetivos desta pesquisa baseada fortemente em
dados estastísticos. Para Dillius (2007) a discussão acerca das estastísticas vem
ganhando na sociedade contemporânea em todos os setores, de forma especial
das últimas décadas e tornou-se parte integrante da vida cotidiana (pesquisas
eleitorais, infográficos, notícias jornalísticas, etc).

Dillius (2007, p.25) considera à estastística como muito mais do que


um conjunto de técnicas ou uma linguagem de expresão em forma de gráficos,
tabelas e índices, mas como uma forma de refletir sobre o mundo, sobre suas
formas de interação e identificação e também para a verificação de ideias
desenvolvidas durante a investigação. Os dados estastísticos coletados para
esta pesquisa são de grande relevância e interesse público por apresentar
subsídios e argumentos para a tomada de decisões e para garantir que a
sociedade cívil tenha acesso as informações que permitam a estes discutir
sobre a efetividade das leis, normas, políticas e programas e outros.

Os dados de maior relevância para esse trabalho são os do


Educacenso (conhecido como Censo Escolar) um levantamento de dados
estatístico-educacionais de âmbito nacional realizado todos os anos e
coordenado pelo INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira feito com a colaboração das secretarias estaduais
e municipais de educação e com a participação de todas as escolas públicas e

57
Debates Contemporâneos em Educação

privadas do país. O Educacenso coleta anualmente dados sobre instituições,


matrículas, funções docentes, movimento e rendimento escolar em âmbito
nacional e disponibiliza os dados on-line em estado bruto, ou seja, em formato
de microdados.

No Brasil o INEP é o maior produtor de microdados relativos a


educação: Censo Escolar, Censo da Educação Superior, Prova Brasil, Saeb,
Enem são algumas das principais bases de microdados do Inep. Com base nos
dados do Educacenso é calculado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB) e planejada a distribuição de recursos para alimentação, transporte
escolar e livros didáticos, entre outros.

Estes dados foram coletados pelo INEP por meio de um sistema


eletrônico de coleta de informações educacionais composto por um aplicativo
web que deve ser respondido por pessoas designadas para o fornecimento das
informações (geralmente técnicos educacionais e secretários(as) escolares). No
caso das escolas que não possuem internet, o levantamento é realizado
mediante o preenchimento manual de um formulário que é enviado pelos
correios para a secretaria de educação na qual a instituição está credenciada.

Para esta pesquisa, os dados coletados a seguir apresentam o perfil da


formação dos docentes que atuam na Educação Infantil no RS (formação
inicial, especialização e formação continuada - referente aos cursos realizados
acima de 80 horas).

A formação de professores da educação infantil no Rio Grande do Sul nas


estatísticas educacionais

Com relação a formação inicial, ou seja, a escolaridade básica que um


docente possui para o ingresso na profissão as variáveis que compõe este perfil
abrangem 7 categorias: Ensino Fundamental Incompleto, Ensino Fundamental
Completo, Ensino Médio Normal/Magistério, Ensino Médio Indigena, Ensino
Médio, Superior Incompleto e Superior Completo. Como parâmetro para a
análise considera-se a obrigatoriedade presente no artigo 87 da LDBEN

58
Debates Contemporâneos em Educação

9.394/96 de que todos que exercem a docência com crianças de 0 a 6 anos


tenham formação em nível superior de licenciatura, com intuito de verificar a
conformidade do atendimento da obrigatoriedade legal para os docentes em
exercício que atuam na educação infantil.

Figura 1: A Formação Inicial dos docentes da Educação Infantil com base no ano de 2016.

Fonte: INEP, 2018.

Das 31.546 docentes20 em exercício que atuam na educação infantil


58,1% possuem o Ensino Superior completo, 30,2% possuem E.M
Normal/Magistério, 10,2% Superior Incompleto, 0,2% com E.F Incompleto e
1,3% com E.F Completo. Considerando a obrigatoriedade legal do ensino
superior como parâmetro para análise, ter 466 docentes em exercício apenas
com o ensino fundamental atuando na educação infantil é um quadro
preocupante e merece maior atenção dos formuladores de políticas públicas
para educação infantil e gestores que executam e fiscalizam o cumprimento das
demandas legais.

Saliento que no ensino superior, os cursos de formação de


professores costumam abordar mais gerais da educação sendo que os estudos

20A opção de me referir aos docentes que atuam na Educação Infantil no Rio Grande do Sul no feminino
se deu em razão do percentual elevado de mulheres (96,8%) exercendo a profissão nesta etapa da
educação básica. Com relação aos anos anteriores houve uma redução de 3,2% o que aponta o
crescimento no ingresso de docentes do sexo masculino na educação infantil.

59
Debates Contemporâneos em Educação

teóricos e práticos com relação à educação infantil não ocupam um papel


preponderante no currículo da maioria dos cursos, ficando restrito à apenas
duas ou três disciplinas. Em alguns cursos, o espaço dado à educação infantil
nos currículos dos cursos de pedagogia é inferior à de um curso
profissionalizante de 60 horas.

Se consideramos como prioridade estabelecida pelo PNE e a Base


Nacional Curricular o atendimento e a oferta obrigatória de vagas para crianças
de 0 à 5 anos, estes dados permitem como desdobramento possível uma
análise da qualidade dos cursos oferecidos considerando as demandas
específicas para educação infantil em termos da qualidade dos aspectos
teóricos e práticos e a necessidade de atendimento à população.

A meta 15 do PNE (2011-2020) estabelece que no prazo de (um ano)


desde a aprovação do documento em 2014 seja assegurado que todos os
docentes da educação básica possuam formação específica de nível superior,
obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

Para atingir esta meta o documento apresenta um conjunto de


estratégias dentre as quais: a implementação pelos entes federativos de
programas específicos para os/as docentes com formação de nível médio na
modalidade normal, não licenciados ou em área diversa da atuação docente e
em efetivo exercício; a promoção da reforma curricular dos cursos de
licenciatura (Estratégia 15.6); implantação de programas para a formação
dos/as docentes para as populações do campo, comunidades quilombolas e
povos indígenas e prevê ainda a ampliação de programa permanente de
iniciação à docência a estudantes matriculados em cursos de licenciatura para a
concretização.

60
Debates Contemporâneos em Educação

Figura 2: A Pós-Graduação dos docentes da Educação Infantil com base no ano de 2016.

Fonte: INEP, 2018.

Dos/as 18.343 docentes da Educação Infantil em exercício no RS


que responderam a esta questão, 50,1% não possuem nenhum tipo de Pós
Graduação e 48,7% possuem algum tipo de especialização, considerando os
cursos de Especialização (Lato Sensu) abertos a candidatos diplomados nos
cursos superiores e que atendam às exigências das instituições de ensino como
disposto no Art. 44, III, LBDEN 9.394/1996 e Mestrado e Doutorado (Stricto
Sensu) programas de pesquisa abertos a candidatos diplomados nos cursos
superiores de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino
e ao edital de seleção dos alunos. Com relação aos cursos de Stricto Sensu,
1,2% declararam ter concluído o mestrado e apenas 0,1% o doutorado.

Uma das limitações do Educacenso com relação aos dados referente


aos cursos de Pós-Graduação dos docentes da Educação Infantil é a não
disponibilização de informações sobre a área/temática específica em que a
docente realizou estes cursos. Considerando que há inúmeros cursos de
especialização oferecidos para as docentes da educação básica (supervisão,
educação especial, gestão educacional, psicopedagogia, alfabetização e
letramento, mídias na educação e outros) é importante salientar que estes
cursos que podem não ser direcionados para o atendimento das especificidades
das crianças de 0 até os 6 anos.

A meta 16 do PNE estipula que até o último ano de vigência do


plano formar, em nível de Pós Graduação 50% dos docentes da Educação

61
Debates Contemporâneos em Educação

Básica e para o cumprimento desta meta os entes federativos implementar


ações articuladas entre os sistemas de ensino e os programas de pós-graduação
das universidades públicas, bem como assegurar a implantação de planos de
carreira e remuneração para os professores da educação básica, de modo a
garantir condições para a realização satisfatória dessa formação, objetivando
alcançar a cobertura dos 50% dos professores da educação básica com
mestrado ou doutorado. Agências como a CAPES, o CNPq e outras agências
de fomento poderão investir neste nível de formação (BRASIL, 2014).

Figura 3: Formação Continuada dos docentes da Educação Infantil com base no ano de 2016.

Fonte: INEP, 2018.

Esta sessão apresenta a distribuição dos docentes por dependência


administrativa de acordo com as variáveis referente aos cursos para docentes
com Superior Completo com a carga horária de 80 horas ou mais.

As variáveis para a formação continuada contemplam 14 categorias


de cursos: Creche, Pré-escola, Anos iniciais, Anos finais, Ensino Médio, EJA,
Necessidades Especiais21, Educação Indígena, Educação no Campo, Educação
Ambiental, Direitos Humanos, Diversidade Sexual, Direito da criança e

21Esta é a nomenclatura utilizada pela equipe técnica que elaborou o instrumento de coleta de dados do
Educacenso.

62
Debates Contemporâneos em Educação

adolescentes, Educação para as relações etnicorraciais e história e cultura afro-


brasileira e africana e também a opção outros.

Algumas destas categorias como por exemplo (Educação no Campo,


Ambiental, Direitos Humanos e Diversidade Sexual) foram incorporadas ao
Educacenso a partir de 2012 por solicitação da SECADI - Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério de
Educação, visando por meio dos dados coletados no censo avaliar os efeitos
das políticas públicas criadas e executadas por esta secretaria.

Na distribuição geral dos docentes da Educação Infantil do RS que


declararam ter realizado algum tipo de formação continuada em 2014, 59% das
docentes não realizaram nenhum tipo de curso de formação continuada,
33,5% realizaram algum dos 15 cursos mapeados pelo censo e disponíveis no
instrumento de coleta já apresentados aqui e 12,4% possuem outros tipos de
cursos não mapeados pela equipe técnica do censo que elaborou o
questionário.

Figura 4: Formação Continuada dos docentes da Educação Infantil – por tipo de curso realizado
com mais de 80 horas com base no ano de 2016.

Fonte: INEP, 2018.

63
Debates Contemporâneos em Educação

Considerando os 10.620 docentes que atuam responderam a este


item, constata-se que um percentual razoável destes realizaram alguns dos 14
cursos mapeados pelo censo em 2016, salientando que são considerados
válidos apenas os cursos com carga horária superior a 80 horas. Deste modo a
distribuição das docentes quanto a formação continuada apresenta o seguinte
quadro: 56,10% dos docentes realizaram cursos voltados para a Pré-escola
(atendimento de crianças de 4 e 5 anos), 53.59% Creches (atendimento de
crianças de 0 a 3 anos), 22,70% referente ao ensino fundamental (anos iniciais)
e 15,09% Necessidades Especiais. Os demais cursos apresentam pouca
representatividade em termos de amostragem.

Uma limitação da base de dados do educacenso é a impossibilidade


de sabermos, por exemplo, quantos docentes da Educação Infantil atuam na
Creche e na Pré-Escola separadamente. O acesso à esta informação nos
permite saber se o alto percentual de docentes que realizaram cursos de
formação continuada voltados para Creche está relacionado com o número de
docentes que atuam com crianças de 0 a 3 anos considerando todas as
dependendências administrativas.

Sobre a formação continuada a meta 16 do PNE também busca


garantir a todos(as) profissionais de educação básica formação continuada em
sua área de atuação considerando as necessidades, demandas e
contextualização dos sistemas de ensino até o último ano de vigência do plano.
Para o cumprimento desta meta os entes federativos devem se articular para
promover a respectiva oferta por parte das instituições públicas, consolidando
a política nacional de formação dos professores da Educação Básica, com a
definição de diretrizes curriculares, áreas prioritárias (as quais já foram
apontadas neste estudo), instituições formadoras e processos de certificação
das atividades formativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo analisar a formação dos professores


que atuam na educação infantil no Rio Grande do Sul a partir da obtenção e

64
Debates Contemporâneos em Educação

análise dos dados estatísticos com intuito de contribuir com a melhoria das
políticas públicas para a formação docente, em especial, para os professores
que atuam nas instituições públicas e creches conveniadas e/ou instituições
filantrópicas que oferecem atendimento para crianças de 0 a 3 anos com
auxílio do Estado.

No contexto geral, o Rio Grande do Sul apresenta demandas


urgentes para assegurar a formação inicial para as docentes em exercício na
Educação Infantil em especial nas redes privada, conveniada e também a não
conveniada (creches sem vínculos com o poder público e sem autorização de
funcionamento que funcionam em casas residenciais e outros espaços
informais), a ampliação da oferta por meio de parcerias entre os entes
federativos e as Instituições de Ensino Superior de cursos de Pós Graduação e
Formação Continuada voltada para atender as especificidades dos/as docentes
que atuam com crianças 0 até 6 anos, bem como a disponibilização de recursos
orçamentários que viabilize estas demandas.

Outro desafio consiste na realização de levantamentos estastísticos


sobre o número de creches informais no Rio Grande do Sul que funcionam na
clandestinidade, sem registros e sem qualquer aproximação com o poder
público como é o caso de alguns das “casas de mães crecheiras” existentes em
áreas empobrecidas do Estado que possuem um modo específico de
atendimento a da criança pequena, no qual “uma mulher toma contra em sua
própria casa, mediante pagamento, de filhos de outras famílias enquanto os
pais trabalham fora” e consequentemente investigar as condições de trabalho,
estruturais e o perfil de formação dos/as profissionais que atuam nestes
espaços.

Os dados apresentados apontam ainda a necessidade de pesquisas


futuras que investiguem as condições salariais e de trabalho destes docentes
que possuem o ensino fundamental completo/incompleto, analisando as
possíveis relações entre à escolarização, a baixa remuneração/precarização do
trabalho docente na educação infantil pública e privada.

65
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

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66
Debates Contemporâneos em Educação

_______. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de


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KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo:


Cortez, 2003.

67
Debates Contemporâneos em Educação

4 - FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O PAPEL DO ENSINO E DA PESQUISA


DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Simone Burioli Ivashita22

INTRODUÇÃO

A discussão que norteia este texto é acerca do ensino e da pesquisa da


História da Educação, entendendo-a como campo disciplinar e também como
espaço para a produção de conhecimento, prioritariamente por meio da
pesquisa.

O ensino da História da Educação já vem sendo mote de investigação


de diversos autores (NUNES, 1996, 2003; BORGES e GATTI JUNIOR,
2010; FAVARO, 2011, 2015) dentre outros que apontam para a pouca
visibilidade que as questões referentes ao ensino de História da Educação têm
tido no âmbito nacional e internacional (NOVOA, 1996).

Inversamente proporcional temos um aumento significativo de


pesquisas no campo da História da Educação e para verificar tal amplitude
citamos autores como Vidal e Faria Filho (2003), Monarcha e Gatti Junior
(2013), Gondra (2005), dentre outros.

Entender o percurso disciplinar da História da Educação no Brasil


implica problematizar uma nova prática acadêmico-universitária que articule,
com efeito, os recentes ganhos da pesquisa no campo da História da Educação
com a realidade do ensino da disciplina nos cursos de formação de professores
(GATTI JUNIOR, 2007). A realidade do ensino no Brasil precisa ser
esmiuçada em muitos vieses, levando em consideração a crise da profissão
docente, as condições humanas e materiais de trabalho nas universidades, a

22Doutora em Educação, Professora Adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual


de Londrina -UEL. ([email protected])

68
Debates Contemporâneos em Educação

situação do aluno-trabalhador23 que adentra o ensino superior, dentre outros


fatores que nos auxiliam a pensar as questões que implicam direta ou
indiretamente na formação de professores.

Nosso recorte temático neste texto circunscreve-se à História da


Educação, disciplina fundante do curso de Pedagogia, que dentre os caminhos
percorridos tem se mantido nos cursos de formação de professores.

Os dados do censo da Educação Superior de 2015, elaborado pelo


Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC) apontam que o curso
de pedagogia está entre os vinte maiores cursos de graduação em número de
matrículas, ocupando o terceiro lugar, com participação percentual de 92,8%
de matrículas do sexo feminino e 7,2% do sexo masculino (BRASIL, 2018).

Há no Brasil a oferta de 1.646 cursos de Pedagogia, sendo 502


ofertados na rede pública e 1.144 ofertados na rede privada de ensino. Olhar
para a formação de professores, especificamente no curso de pedagogia, por
meio destes dados indica que ela advém em grande parte da rede privada de
ensino, concentrando dois terços dos cursos oferecidos atualmente no país.
Sabemos que a rede privada de ensino tem pouco interesse na pesquisa e por
consequência, na articulação entre pesquisa e ensino, uma das hipóteses que
este texto levanta para pensar o papel do ensino e da pesquisa da História da
Educação.

No Estado no Paraná temos um total de 118 cursos de Pedagogia,


dos quais 35 em instituições públicas e 83 em instituições privadas (BRASIL,
2018). Importante apresentar estes dados, pois o curso de Pedagogia é o
espaço onde a disciplina História da Educação tem sido trabalhada em menor
ou maior medida. Advertimos que nem todos os cursos oferecem a disciplina
no currículo e também que ela pode ser ofertada em outros cursos de
licenciaturas.

23 Termo utilizado e desenvolvido por Nunes (2003) e Gatti Junior e Nascimento (2004).

69
Debates Contemporâneos em Educação

Neste sentido, o presente estudo está constituído em torno dos


seguintes pontos: o ensino e a pesquisa da História da Educação;
aprofundando a discussão apresentamos os cursos de Pedagogia nas
Universidades Estaduais do Paraná com ênfase na disciplina de História da
Educação presente nos currículos.

O Ensino e a pesquisa da História da Educação

Para discutir a trajetória disciplinar da História da Educação,


recorremos ao precursor da discussão sobre disciplinas escolares, André
Chervel (1990) que refuta a ideia de que os saberes que compõem determinada
disciplina são simples adaptações ou transposições do saber de referência para
a disciplina escolar. A disciplina pode ser entendida como aquele tipo de
instrução que o aluno recebe do mestre, “[...] um modo de disciplinar o
espírito, dar métodos e regras para abordar os diferentes domínios do
pensamento, do conhecimento e da arte” (CHERVEL, 1990, p. 180).

Ainda para este autor, a disciplina escolar pode ser definida como
sendo:

[...] constituída por uma combinação, em proporções variáveis, conforme o


caso, de vários constituintes: um ensino de exposição, os exercícios, as
práticas de incitação e de motivação e de um aparelho docimológico, os
quais a cada estado da disciplina, funcionam em estreita colaboração, do
mesmo modo que cada um deles está, à sua maneira, em ligação direta com
as finalidades. (CHERVEL, 1990, p. 207)

A história das disciplinas escolares nos auxilia no entendimento do


percurso da disciplina História da Educação, porquanto sua composição e
disseminação no domínio escolar antecedem o processo de consolidação e
solidificação da área no campo de pesquisa científica. É Clarice Nunes que nos
inquire: “o que faz um professor quando ensina?” e ela mesma nos ajuda a
responder: “[...] convida alguém a aprender algo sobre alguma coisa a partir do
repertório que ele mesmo forjou de conteúdos, abordagens, ferramentas,

70
Debates Contemporâneos em Educação

materiais, técnicas, enfim, tudo que faz parte de sua cultura profissional, dos
seus modos de fazer” (NUNES, 2003, p. 117).

Foi no currículo dos cursos de formação de professores que a


disciplina apareceu a princípio e, portanto, vinculada à docência, como
confirmam as pesquisas de Kuhlmann Junior (1999); Vidal e Faria Filho (2005)
e Vieira (2011). A História da Educação, como disciplina, surgiu no final do
século XIX, nos Cursos Normais e de Formação de Professores e, com isso,
relacionada à área de Pedagogia e Filosofia (LOPES; GALVÃO, 2001), em
termos ideais nasceu sob a influência do Positivismo, e “no bojo de um
movimento de reação contra a metafísica” (LOPES, 1986, p. 18). Nas palavras
de Vidal e Faria Filho (2003):

Em 1928, era introduzida a disciplina História da Educação no currículo da


Escola Normal do Rio de Janeiro. A reorganização do curso de formação
para o magistério integrava o conjunto de ações promovidas por Fernando
de Azevedo na reformulação da instrução pública do Distrito Federal
iniciada em 1927. A disciplina surgia no contexto das reformas que, nos
anos 1920, pretendiam modificar a educação nacional, introduzindo
princípios da escola ativa, posteriormente aglutinados em torno do ideal da
escola nova no ensino primário, e elevando o preparo docente pela
ampliação e especialização do curso normal (VIDAL, FARIA FILHO,
2003, p. 46).

Uma das implicações deste início próximo à Pedagogia foi a


dificuldade em se constituir como uma área de pesquisa, pois não era
reconhecida pela história, por não ter nascido a partir dela e sim próxima da
Educação. A Pedagogia e a Filosofia como norte da relação com a História da
Educação direcionaram as pesquisas para a história das ideias pedagógicas e a
fonte investigada, na maioria das vezes, era a obra de grandes pensadores.
Segundo os mesmos autores, por ser instituída como disciplina escolar, nos
mesmos contornos da Filosofia da Educação, esteve carregada de uma postura
salvacionista e se voltou para a função de tribuna de defesa de um ideal de
educação popular. Segundo Vidal e Faria Filho (2003, p. 51):

A presença desse etos religioso, em geral católico, na elaboração de manuais


de História da Educação é uma marca até hoje na área, impregnando-a de

71
Debates Contemporâneos em Educação

uma postura salvacionista, que confere à história da educação não apenas o


lugar de compreensão da realidade, mas do desejo de transformá-la.

No Brasil, este modelo é alentado pela criação do curso de Pedagogia,


em 1939, na Faculdade Nacional de Filosofia. (TANURI, 2000).

Conforme Lopes e Galvão (2001), outro destaque para a constituição


histórica da disciplina é que a educação não era foco de interesse para os
historiadores de ofício. Um bom exemplo disso, segundo Neves e Costa
(2012) é o livro intitulado “Domínios da história: ensaios de teoria e
metodologia” organizado pelos historiadores Ciro Flamarion Cardoso e
Ronaldo Vainfas (1997), onde 19 profissionais da área discutem sobre os
diversos tipos de histórias (econômica, social , cultural, agrária, urbana, da
família, das mentalidades, das mulheres, das religiões) mas não abordam em
nenhum capítulo a História da Educação.

No caso de Portugal, a disciplina assumiu diversas configurações ao


longo do século XIX e início do século XX, e pode ser entendida, segundo
Antonio Nóvoa, a partir de três processos simultâneos “[...] a estatização do
ensino, a institucionalização da formação de professores e a cientificização da
pedagogia” (NOVOA, 1996, p. 4).

A experiência da disciplina no caso brasileiro, compõe e se organiza,


de acordo com Warde (2000), amparada na Filosofia e na Sociologia como
áreas de conhecimento. E por isso a autora denomina-a de:

[...] filha tardia da idéia de abordagens múltiplas em educação; não é


incluída, entre as ciências auxiliares com o mesmo escopo das matriciais,
quais sejam, Psicologia, Sociologia e Biologia. Assim como a Filosofia não
poderia ser denominada apropriadamente de ciência, a História também
não a poderia. Assim, a Filosofia e a História da Educação foram
incorporadas não exatamente como ciências, mas como disc iplinas
formadoras. (WARDE, 2000, p. 91)

Para Vidal e Faria Filho (2003) a História da Educação como campo


independente, separado da Filosofia da Educação, é fenômeno recente e não
de todo concretizado no seio da Pedagogia.

72
Debates Contemporâneos em Educação

Podemos apontar três consequências que esta configuração da


disciplina próxima a Filosofia da Educação acarretaram para a História da
Educação: as pesquisas em História da Educação expunham o que devia ter
acontecido e não o que havia acontecido efetivamente; um número
significativo de pesquisadores com formação bastante diversificada e a História
da Educação ensinada no curso de Pedagogia era restrita à História Geral da
Educação.

Havia uma tendência em se pensar naquilo que deveria ser a realidade


educacional e não naquilo que ela era, ficando restrito ao plano das ideias.
Focava-se nas leis, reformas e regulamentos do ensino, tomando como fonte
de análise apenas documentos oficiais, e afastava-se do cotidiano da escola.
Priorizavam-se as macrorrelações estabelecidas entre o contexto
socioeconômico e político de uma determinada época e deixavam de lado as
questões relativas à realidade escolar. Segundo Lopes e Galvão, (2001, p. 30):

Tratava-se muito pouco das práticas escolares, os alunos e as alunas, os


professores e as professoras. Dessa forma, muitas vezes a História da
Educação, que tinha como principais objetos as mudanças ocorridas
sucessivamente nos sistemas de ensino na perspectiva da ação do Estado,
de um lado, e o pensamento pedagógico, de outro, trata(va) de um passado
educacional que expressa(va) um desejo mas não uma realidade ou um
aspecto dela.

A heterogeneidade na produção da área advém do perfil daqueles que


pesquisam o passado educacional sucedeu de horizontes muito diversificados:
pedagogos, historiadores propriamente ditos e professores especialistas em
suas disciplinas que “movidos por uma curiosidade ou por um espanto que o
presente educacional lhes provoca, buscam na pesquisa em História da
Educação parte das respostas para suas inquietações” (LOPES; GALVÃO,
2001, p. 31). As autoras indicam a facilidade de acesso ao campo da História da
Educação, tornando-se um espaço fértil para amadores.

Os perfis dos intelectuais abarcados com a constituição inicial da


disciplina também eram bastante diversificados. O ensino se dava por meio de

73
Debates Contemporâneos em Educação

conteúdos advindos de compêndios ou de manuais didáticos 24 escritos por


intelectuais das diferentes áreas do conhecimento: médicos, advogados e
religiosos católicos. Segundo Neves e Costa (2012, p. 116) tais intelectuais
“construíram uma tendência historiográfica de larga tradição que acabou por
conformar uma determinada memória nacional, na qual se destacam ou
priorizam determinados temas em detrimento de outros”.

Os contornos assumidos pela disciplina, durante boa parte de sua


trajetória, apontam que a História da Educação ensinada nos cursos de
formação de professores era restrita à História Geral da Educação (LOPES;
GALVÃO, 2001). Isso implica dizer que não haviam investigações sobre a
história da educação brasileira e os manuais utilizados na disciplina se
baseavam em outros livros, compilações ou resumo de outras obras, e não no
trabalho de pesquisa. Este panorama só muda a partir de 1970 com a inserção
nos cursos de Pedagogia de uma disciplina específica que trata da História da
Educação.

No Brasil, principalmente a partir dos anos de 1980, a História da


Educação passa por um processo de renovação. Para Lopes e Galvão (2001, p.
34) “[...] nas últimas duas décadas, a área de História da Educação sofreu uma
verdadeira revolução, seja em seus contornos teórico-metodológicos, seja no
alargamento de seus objetos e de suas fontes”.

As mudanças não foram apenas em termos qualitativos, mas também


no volume das produções e isso se deve ao surgimento de espaços destinados
à discussão e análise do campo da História da Educação, tais como
Associações científicas, eventos e periódicos especializados.

No Brasil, o Grupo de Trabalho de História da Educação da Associação


Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), por
exemplo, vem-se constituindo como um dos principais fóruns acadêmicos
da área. Mais recentemente, foram criados o grupo de estudos e pesquisas

24Tais como Noções de História da Educação (1933) de Júlio Afrânio Peixoto, História da Educação:
evolução do pensamento educacional (1946) de Raul Briquet, A instrução e o Império: subsídios para a
história da educação no Brasil (1936) escrito por Primitivo Moacyr, A cultura brasileira (1943) de
Fernando de Azevedo e Noções de história da Educação (1945) escrito por Theobaldo Miranda Santos.

74
Debates Contemporâneos em Educação

“História, Sociedade e Educação no Brasil” (em 199125) e a Sociedade


Brasileira de História da Educação (em 1999). Além dessas associações,
destacamos também a realização de eventos como os seminários ibero-
americano e luso-brasileiros de História da Educação. Esses espaços de
intercâmbio têm auxiliado no processo de constituição e consolidação da
pesquisa na área. (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 35).

Além das associações, grupos de trabalhos e eventos, cabe um


destaque para os Programas de Pós-Graduação em Educação no país, que
surgiram a partir dos anos de 1960, o da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, em 1965 e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
em 1969 são os pioneiros.

No auge da fase de implantação, criam-se programas na Universidade


de São Paulo (USP) -1971, na Universidade Federal Fluminense (UFF) – 1971,
na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – 1972, na Universidade
Federal da Bahia (UFBA) – 1972, na Universidade Metodista de Piracicaba
(UNIMEP) – 1972, na Universidade de Brasília (UnB), na Federal do Paraná
(UFPR), e na Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1974, na
Universidade (UNICAMP) – 1975, Universidade Federal de São Carlos
(UFSCAR) – 1976, em 1977 na Federal do Ceará (UFC) e na da Paraíba
(UFPB). Em 1978, na Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE) e na Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES), dentre outros. (SAVIANI, 2002).

A junção desses movimentos fez crescer substancialmente a


produção de trabalhos em História da Educação no Brasil, criando espaços
para a divulgação e discussão das pesquisas, “ao mesmo tempo foi-se
constituindo uma certa identidade ainda que multifacetada e plural do
historiador da educação”, conforme Vidal e Faria Filho (2003, p. 37).
Entendemos que a construção desta identidade é um processo complexo, que
não se caracteriza como propriedade, não é um produto, mas sim um espaço
de construção de maneiras de ser e estar na profissão.

25 Vidal e Faria Filho (2003, p. 37) indicam que o grupo nasceu em 1986.

75
Debates Contemporâneos em Educação

Podemos afirmar que, nas ultimas décadas, sobressaíram duas


grandes tendências que influenciaram o campo da História da Educação
colaborando para o processo de renovação: o Marxismo e a Nova História
(LOPES; GALVÃO, 2001, p.35).

A primeira tendência, segundo a autora, teve uma incorporação


apressada e pouco profunda e por isso, incorreu em alguns problemas:
justapor o fenômeno educativo ao que ocorria na sociedade do ponto de vista
econômico; os pesquisadores buscavam nas fontes apenas aquilo que poderia
corroborar seus pontos de partida; se estendiam longamente na construção de
um “contexto” que explorava os aspectos econômicos e políticos, mas que se
referiam pouco à educação; narravam a história que pesquisavam de um modo
linear, progressivo, apagando as possíveis descontinuidades, retrocessos,
ambiguidades e contradições, davam a impressão de que “o processo histórico,
cronologicamente delimitado por marcos políticos ou econômicos, caminha,
necessariamente, em direção ao progresso” (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 38).

Já a segunda tendência tem procurado alargar seus temas, objetos 26,


fontes e abordagens nas investigações pertinentes à História da Educação.
Conforme afirmam as autoras, aconteceu uma verdadeira revolução no campo:

Temas como a cultura e o cotidiano escolares, a organização e o


funcionamento interno das escolas, a construção do conhecimento escolar,
o currículo e as disciplinas, os agentes educacionais (professores,
professoras, mas também os alunos e alunas), a imprensa pedagógica, os
livros didáticos etc. têm sido crescentemente estudados e valorizados.
Desloca-se, crescentemente, o interesse dos pesquisadores da investigação
das ideias e da legislação educacionais para as práticas, os usos e as
apropriações dos diferentes objetos educacionais. (LOPES; GALVÃO,
2001, p. 40).

Este movimento de renovação, chamado Annales, nasceu na França,


liderado por Lucien Febvre e Marc Bloch. Febvre postulava “um novo tipo de
história”, uma história voltada para problemas. Na defesa de Burke (1997, p.

26 Para Nunes e Carvalho (2005, p. 45) “[...] os novos objetos da chamada nova história são novos na
medida em que são objetos cuja historicidade adquire visibilidade, fazendo com que estudos sobre sua
história passem a ser pensados como possíveis e relevantes”.

76
Debates Contemporâneos em Educação

126), a maior contribuição do grupo dos Annales foi ampliar o campo da


história por diversas áreas, abarcando áreas impensadas do comportamento
humano e dirigindo o olhar para grupos sociais até então negligenciados pelos
historiadores tradicionais. Esses alargamentos do “território histórico estão
vinculados à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento de novos
métodos para explorá-las. Estão também associados à colaboração com outras
ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à linguística, da
economia à psicologia”.

No Brasil, ao menos três características parecem delinear os trabalhos


que adotam essa segunda tendência historiográfica, a Nova História Cultural:
novas fontes de pesquisa, estudos mais localizados e periodização voltada ao
objeto de análise.

Nunes e Carvalho (2005) discutem a importância das fontes para a


pesquisa histórica, por que:

Os historiadores da educação dependem, nas suas investigações, não apenas


das questões formuladas dentro de certas matrizes teóricas, mas também
dos materiais históricos com que podem contar. Não fazemos bons
trabalhos na área sem respeitar a empiria contra a qual lutamos; e todos já
nos deparamos com a dificuldade de recolher fontes impressas e
arquivísticas, geralmente lacunares, parcelares e residuais. Apesar dessas
dificuldades, é justamente no manuseio crítico das fontes que o pedagogo
ganha a distância necessária para olhar de uma nova maneira a pedagogia,
tornando-se, pela sua prática e pelo seu projeto, um historiador (NUNES e
CARVALHO, 2005, p. 29).

Junto das novas fontes (pintura, fotografia, literatura, estatística


escolar, imprensa, arquivos), a História da Educação tem agregado novas
categorias de análise, tais como gênero, etnia, geração, representação, questões
fundamentais para compreender o que foi a educação brasileira e que até então
não apareciam na esteira das discussões.

Para aprofundar certos temas que, antes, eram considerados apenas


panoramicamente, começou-se a realizar estudos mais localizados,
preocupados com realidades mais específicas, e também que analisem períodos
mais curtos de tempo, sem a necessidade de iniciar a contextualização, quase

77
Debates Contemporâneos em Educação

sempre, pela Grécia. Levando em consideração a grandeza geográfica do país,


são necessárias análises mais pontuais das múltiplas realidades educacionais
que são, em sua maioria, desconhecidas. Diante desse cenário a História
Comparada27 tem auxiliado bastante na troca entre os diversos pesquisadores,
das mais diferentes regiões. (LOPES; GALVÃO, 2001).

As autoras alertam para o risco da extrema especialização, pois muitas


vezes existe a tendência de analisar objetos tão recortados e tão particulares,
que não explicam quase nada, resultando em uma análise aparente e superficial.

A questão de periodização voltada ao objeto de análise refere-se ao


estabelecimento de marcos temporais que estejam atrelados ao próprio objeto
que se está pesquisando e não mais amparados por marcos políticos ou
econômicos, como acontecia anteriormente. O tempo não é mais algo externo
ao objeto, deve permeá-lo e explicá-lo (LOPES; GALVÃO, 2001).

Os cursos de Pedagogia nas Universidades Estaduais do Paraná: ênfase na


disciplina de História da Educação

No Estado do Paraná temos 118 cursos de Pedagogia, dos quais 35


ofertados em instituições públicas. Por amostragem selecionamos os cursos
oferecidos em instituições estaduais no estado, quais sejam: Universidade
Estadual de Londrina (UEL); Universidade Estadual de Maringá (UEM);
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (Unioeste); Universidade Estadual do Centro Oeste
(Unicentro); Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) e
Universidade Estadual do Paraná (Unespar).

Importante a triagem sobre o ensino de História da Educação no


Estado para verificar se se confirma o fato da diminuição da disciplina nos
cursos Borges e Gatti Junior (2010, p. 33) suscitam que, por experiências em

27 Para maiores informações ler: NOVOA, Antonio. Modelos de análise de educação comparada: o
campo e o mapa. In: SOUZA, Donaldo B.; MARTINEZ, Silvia A. (orgs.). Educação comparada: rotas de
além-mar. São Paulo: Xamã, 2009.

78
Debates Contemporâneos em Educação

locais nos quais a disciplina passa por momento de descredenciamento dos


currículos, assumindo, “quando muito, o seu oferecimento optativo, como é
paradigmático o caso europeu que, a partir do Tratado de Bolonha (afeto aos
países membros da Comunidade Européia), relegou a História da Educação ao
caráter de disciplina optativa”.

Com estes apontamentos é possível verificar o que temos ensinado


em termos de História da Educação, o que precisa modificar e quais os
desafios que os professores e pesquisadores da área vêm enfrentando.

Se, por um lado, é preciso fazer a crítica da nossa tradição disciplinar e dos
problemas que essa trouxe para o ensino, é preciso, também, considerar que
somente se inova verdadeiramente se conhece aquilo que se quer superar. É
por isso que desde muito se sabe que o movimento do ensino é o oposto
daquele da pesquisa: enquanto este visa ao desconhecido, aquele pretende
ensinar o que já se conhece, aquilo que, pela tradição, veio tornando-se a
cultura da área. Mas, hoje, qual a cultura histórica em educação temos para
ensinar? Qual História da Educação temos ensinado? (FARIA FILHO;
RODRIGUES, 2003, p.173)

Para Nunes (2003, p. 135-136), ocorre que, com exceção de poucas


instituições, na discussão das reformulações curriculares, a História da
Educação tem perdido espaço para outras disciplinas, cujos “professores
asseguram trabalhar seus temas a partir de uma perspectiva histórica, como se
isso suprisse as necessidades do aluno na construção do raciocínio histórico”.
No discurso que caracteriza esse movimento, a História da Educação tem sua
finalidade e necessidade questionada, o que “[...] revela a existência de um
sentimento difuso de que essa disciplina está muito distante do que os
educadores estão fazendo e experimentando no presente” (idem).

Portanto, a História da Educação, não escapa aos questionamentos de


“utilidade, finalidade e necessidade que podem frequentar os debates em orno
de uma proposta ou reforma curricular, marcadas pela existência de um
movimento crescente de afirmação, ocupação e consolidação de novos
campos, ou recortes temáticos [...]”, conforme afirmam Borges e Gatti Junior
(2010, p. 43).

79
Debates Contemporâneos em Educação

Instituição Série Disciplina Carga


Horária

UEL 1ª História da Educação: surgimento da escola 60


moderna

2ª História da Educação brasileira: século XVIII 60


e XIX

3ª História da Educação brasileira: século XX 60

5ª Tópicos Especiais em História da Educação 60

UEM 1ª História da Educação e da Pedagogia 34

2ª História da Educação do Brasil: colônia 34

2ª História da Educação do Brasil: Império 34

3ª História da Educação do Brasil: República 68

3ª História da Educação Pública 34

UEPG 1ª História da Educação 68

2ª História da Educação Brasileira 102

UNIOESTE 1ª História da Educação I 136

2ª História da Educação II 136

UNICENTRO 1ª Fundamentos da Educação I 170

2ª Fundamentos da Educação II 102

3ª Fundamentos da Educação III 102

4ª Fundamentos da Educação IV 170

80
Debates Contemporâneos em Educação

UENP 1ª História da Educação 72

2ª História da Educação Brasileira 144

UNESPAR 1ª Fundamentos da História da Educação 60

1ª História da Educação no Brasil 60

Por meio do quadro construído percebe-se que os cursos de


Pedagogia das Universidades Estaduais do Paraná apresentam carga horária da
disciplina de História da Educação bastante variada, bem como os nomes das
disciplinas. Cabe um destaque para Universidade Estadual do Centro Oeste
que, apesar de uma carga horária considerável, ainda apresenta como disciplina
Fundamentos da Educação, que indica a união com a Filosofia e não permite saber
em que medida a História da Educação é trabalhada no curso. Lopes e Galvão
(2001, p. 27) apontam que na configuração da disciplina História da Educação
“por muito tempo, não havia uma distinção nítida entre as duas disciplinas
que, em alguns cursos, chegavam a se chamar Fundamentos da Educação”.

No cenário paranaense a disciplina de História da Educação


permanece sendo ofertada nos cursos proporcionados pelas Universidades
Estaduais, guardando suas particularidades e abarcando denominações
diversas. Um fator importante para a permanência da disciplina nos currículos
da Pedagogia pode estar associado ao surgimento e consolidação dos
Programas de Pós-Graduação em Educação, com linhas de pesquisa ligadas à
História da Educação, este é um ponto que favorece o interesse acadêmico dos
estudos na área. Caberia aprofundar a pesquisa nos Programas de Pós-
Graduação no Paraná e verificar esta hipótese.

O quadro acima provoca muitas outras questões que podem ser


respondidas com o aprofundamento das pesquisas, por meio da análise dos
programas das disciplinas.

81
Debates Contemporâneos em Educação

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um docente de História da Educação soma em sua atividade


profissional, dois elementos importantes, conforme ressalta Nóvoa (1996): a
função de historiador e concomitantemente a de professor, o que permite a
este profissional transitar pelas conquistas de ambas as áreas, a História e a
Educação.

Para o autor “o mínimo que se exige de um historiador é que seja


capaz de refletir sobre a história da sua disciplina, de interrogar os sentidos
vários do trabalho histórico”, de compreender as razões que conduziram à
profissionalização do seu campo acadêmico. “O mínimo que se exige de um
educador é que seja capaz de sentir os desafios do tempo presente, de pensar a
sua ação nas continuidades e mudanças do trabalho pedagógico, de participar
criticamente na construção de uma escola mais atenta às realidades dos
diversos grupos sociais” (NÓVOA, 1996, p. 417).

O conteúdo ministrado na disciplina de História da Educação é visto,


muitas vezes, como denso, fastidioso, enciclopédico, o que leva ao
questionamento do sentido e da utilidade em se aprender História da
Educação. Quanto a isso, Nunes (2003) aponta alguns dos problemas
pertinentes ao ensino de História da Educação, principalmente, aqueles ligados
ao reconhecimento do saber histórico-educacional como contribuidor para a
formação.

Pensando ainda na formação de professores, a disciplina ganha muito


quando se aproxima e dialoga com os outros componentes do currículo. Um
passo importante, segundo Borges e Gatti Junior (2010), é trazer a atividade de
pesquisa que tanto colabora para o campo da História da Educação para a
graduação, manifestada em estímulos por meio da iniciação científica e do
estabelecimento de uma estreita relação entre a graduação e pós-graduação.

82
Debates Contemporâneos em Educação

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85
Debates Contemporâneos em Educação

CAPÍTULO II

Dimensões Políticas da Educação Brasileira

86
Debates Contemporâneos em Educação

5 - PRINCÍPIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA PARA PROMOVER UMA


CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA NA ESCOLA

Daniel Skrsypcsak28

INTRODUÇÃO

O objetivo desse texto é refletir sobre a importância do


estabelecimento de uma convivência democrática nas instituições de educação
básica com base nos valores sociomorais. Procuramos apontar alguns
princípios da gestão democrática como possibilidade de implementação de um
projeto institucional com foco de promover uma convivência baseada em
valores como o respeito, cooperação, solidariedade e diálogo.

Torna-se cada vez mais importante que a escola possibilite a


construção de referenciais axiológicos que possibilitem a resolução de dilemas
éticos de forma positiva e que ao longa da vida serão confrontados. Se
consideramos que educar é influenciar o outro isso implica a transmissão de
valores e a ausência de aplicação pedagógica dessa atitude coloca a escola no
risco de ficar à margem dos valores (PEDRO, 2002).

Dessa forma, interessa-nos aqui recuperar alguns princípios legais


relacionados a gestão democrática e alguns de seus conceitos e características,
como também discutir possíveis estratégias que envolvem a gestão para
promover uma convivência democrática com base em alguns valores
sociomorais.

Doutorando em Educação nas Ciências (UNIJUÍ); Mestre em Educação (UNESC); Professor da rede
28

estadual de Santa Catarina e do curso de Pedagogia do Centro Universitário Fai - Uceff de Itapiranga.
E-mail: [email protected].

87
Debates Contemporâneos em Educação

A gestão democrática como política educacional

Diante das inúmeras discussões e paradigmas do cenário educacional,


a partir do conceito de gestão escolar, apontamos a necessidade de dar ênfase
para a gestão democrática. A mesma é considerada como peça chave na
organização da educação e apesar do tema ser foco de muitas discussões ainda
se percebe a falta de um maior entendimento em relação a sua concretização
nos espaços escolares.

Atualmente, deparamo-nos com mudanças e inovações que surgem


em vários segmentos da sociedade. Esta evolução interfere significativamente
nas relações familiares, na escola, no trabalho e na sociedade em si. As novas
formas de viver moldadas pelo pós-modernismo estão diretamente ligadas ao
capitalismo. A escola, estando atrelada à sociedade capitalista, modifica-se
conforme a sociedade evolui e neste tempo incerto que a educação vive hoje, a
democracia é fundamental no meio social e, consequentemente, no espaço
escolar (CAMPOS, 2010).

O termo gestão democrática é contemplada na Constituição Federal


de 1998 no inciso VI do artigo 206 que prevê “gestão democrática do ensino
público, na forma da lei”. Perante a lei maior, professores, gestores e alunos
puderam assegurar melhorias na educação, voltadas para a igualdade,
qualidade, valorização e democracia. Nesse sentido, consideramos um aspecto
crucial a garantia da participação da comunidade escolar nas tomadas de
decisão e aperfeiçoar o processo educativo. “A participação é um direito e um
dever de todos que integram uma sociedade democrática, ou seja, participação
e democracia são dois conceitos estreitamente associados.” (HORA, 2012,
p.55).

A Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996


reforça esse princípio no inciso VIII do artigo 3º. Posteriormente no artigo 14
da referida lei aponta que

os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino


público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e

88
Debates Contemporâneos em Educação

conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da


educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação
das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

A LDB fornece pressupostos legais que norteiam as ações da escola.


É uma base comum que serve como guia das instituições brasileiras, tornando
o ensino homogêneo em questões que cabem a cada instituição, respeitando as
realidades em que se encontram.

No Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) a gestão


democrática novamente é contemplada na meta 19:

assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão


democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e
desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das
escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da união para tanto

O PNE retoma algumas questões-chave da gestão democrática para a


política educacional, mas é possível afirmar que não houve modificações no
marco regulatório da função de diretor nos últimos dez anos. Também nosso
foco aqui não será na direção de discutir os processos de escolha dos gestores
escolares, o que muitas vezes centraliza o debate em relação ao tema. Embora
a gestão democrática da escola pública no Brasil se faça presente nos
documentos legais citados anteriormente entendemos que houve pouco
avanço em termos conceituais e de estabelecer atribuições e competências para
os gestores escolares.

Interessa-nos aqui retomar alguns conceitos em relação ao tema e


posteriormente discutir como o mesmo pode favorecer uma educação em
valores sociomorais contribuindo para a convivência democrática nos espaços
escolares. Para Dourado (2006, p. 58) “a gestão democrática, no sentido lato,
pode ser entendida como espaço de participação, de descentralização do poder
e de exercício de cidadania”. A gestão democrática possibilita a participação e
interação dos sujeitos no processo educacional, contribui para a construção da
autonomia da escola e dos seus educandos.

89
Debates Contemporâneos em Educação

A efetivação desse processo de democratização da gestão da escola pública


implica, portanto, a partilha do poder, a sensibilidade para conduzir a
escola, a partir das demandas da comunidade escolar, e a tomada de
decisões e escolhas responsáveis e coletivas. (DOURADO, 2006, p. 46).

Neste sentido a gestão democrática surge como mecanismo sucessor


ao desenvolvimento da democracia, uma vez que a “democracia não pode ser
vista apenas como um sistema de organização do Estado ou de um sistema,
mas como um processo interativo vinculado à vida cotidiana de todos nós,
possibilitando a nossa participação efetiva nas decisões de forma colaborativa.”
(BARRETA, 2012, p.18). Em nossas discussões o termo se refere a ampliar as
formas de participação dos envolvidos, direta e indiretamente, dos espaços
escolares nas discussões de questões importantes que interferem na qualidade
das relações e dos processos pedagógicos.

Portanto, destaca-se que a gestão democrática promove a


descentralização do trabalho da gestão e também promove a ação conjunta
pensada e elaborada a partir da visão da equipe. Acredita-se que a legislação
educacional tem a pretensão de contribuir para que a gestão democrática se
desenvolva nos âmbitos escolares, dando suporte legal e autonomia às
instituições. “A democracia se sustenta a partir do respeito de todos ao
cumprimento dos princípios emanados pela carta magna constitucional e das
leis regulares instituídas pala Constituição para organização do Estado e da
vida em sociedade.” (CAMPOS, 2010, p. 95).

Necessitamos refletir sobre a importância da gestão democrática, uma


vez que ela “implica, portanto, a efetivação de novos processos de organização
e gestão, baseados em uma dinâmica que favoreça os processos coletivos e
participativos de decisão” (DOURADO, 2006, p.59). Desse modo, a gestão
democrática se concretiza no momento em que os sujeitos envolvidos com o
processo educacional tomam consciência de que eles são os autores das
relações democráticas.

Assim sendo, Dourado (2006, p. 80) expressa que

90
Debates Contemporâneos em Educação

A gestão democrática é entendida como a participação efetiva dos vários


segmentos da comunidade escolar, pais, professores, estudantes e
funcionários na organização, na construção e avaliação dos projetos
pedagógicos, na administração dos recursos da escola, enfim, nos processos
decisórios da escola.

É a partir dessa relação dinâmica entre escola e sociedade que a


gestão democrática se firma. A democratização das relações existentes na
escola implica na democratização do saber e, consequentemente, na
construção da autonomia e da identidade da escola, pautada na transformação
social. A gestão democrática possibilita a participação e interação dos sujeitos
no processo educacional, contribui para a construção da autonomia da escola e
dos seus educandos.

Gestão democrática como princípio de luta em prol da efetiva autonomia,


compreendida como capacidade de cada povo de autogovernar-se. A
efetivação desse processo de democratização da gestão da escola pública
implica, portanto, a partilha do poder, a sensibilidade para conduzir a
escola, a partir das demandas da comunidade escolar, e a tomada de
decisões e escolhas responsáveis e coletivas. (DOURADO, 2006, p. 46).

Para Libâneo, Oliveira e Tochi (2009, p. 333) autonomia

É definida como a faculdade das pessoas de autogovernar-se, de decidir


sobre o próprio destino. Instituição autônoma é a que tem poder de decisão
sobre seus objetivos e sobre suas formas de organização, que se mantém
relativamente independente do poder central e administra livremente
recursos financeiros. Assim, as escolas podem traçar o próprio caminho,
envolvendo professores, alunos, funcionários, pais e comunidade próxima,
que se tornam co-responsáveis pelo êxito da instituição.

Portanto, destaca-se que a gestão democrática promove a


descentralização do trabalho da gestão e também promove a ação conjunta
pensada e elaborada a partir da visão da equipe, tanto dentro da escola como
com os sistemas de educação nos diversos âmbitos escolares. Assim, Lück
(2011, p. 36) afirma que

[...] quando se fala em participação, pensa-se em processo a ser realizado na


escola, deixando-se de abranger o segmento de maior impacto sobre o

91
Debates Contemporâneos em Educação

sistema de ensino como um todo: a gestão de sistema, realizada por


organismos centrais – as secretarias de Educação – e respectivos órgãos
regionais.

Neste sentido a gestão democrática surge como mecanismo sucessor


ao desenvolvimento da democracia, uma vez que a “democracia não pode ser
vista apenas como um sistema de organização do Estado ou de um sistema,
mas como um processo interativo vinculado à vida cotidiana de todos nós,
possibilitando a nossa participação efetiva nas decisões de forma colaborativa.”
(BARRETA, 2012, p.18).

Essa participação exige dos envolvidos uma tomada de posição em


relação aos aspectos pertinentes de cada comunidade escolar, sejam de ordem
pedagógica, financeira, administrativa ou de recursos humanos. Interessa-nos
aqui focar prioritariamente nos aspectos pedagógicos, especificamente, nas
estratégias que a gestão democrática pode desenvolver para a educação em
valores sociomorais, que discutiremos a seguir.

Gestão democrática como estratégia para uma educação sociomoral

Anteriormente em pensar a gestão democrática como estratégia para


a educação sociomoral precisamos retomar um princípio básico da
Constituição Federal e da LDB: visar o pleno desenvolvimento do educando.
Esse princípio nos remete para a educação integral onde todos os aspectos
devem ser considerados, e não somente os aspectos cognitivos que muitas
vezes se é dado ênfase. A constituição ainda aborda a necessidade do PNE nos
conduzir para uma formação humanística. A LDB também contempla ainda
que a educação como dever do Estado e da família deve estar inspirada nos
ideais de solidariedade além dos princípios do respeito a liberdade, apreço a
tolerância e pluralismo de ideias.

O documento ainda ressalta a cidadania e a formação de atitudes e


valores fundamentais aos interesses sociais. Outro documento importância que

92
Debates Contemporâneos em Educação

merece destaque são os Parâmetro Curriculares Nacionais 29 (PCN, 1997) que


trazem diretrizes que deveriam orientar a educação apontando valores centrais
para os princípios da dignidade humana: respeito mútuo, justiça, solidariedade
e o diálogo. Esse documento apresenta a ética como um tema transversal a ser
desenvolvido nas escolas públicas brasileira.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) também defende


o compromisso da educação integral visando uma sociedade justa, democrática
e inclusiva. Entende-se que uma educação em valores é parte do
desenvolvimento integral do sujeito. A preocupação com a educação moral é
necessária para não simplesmente entender a formação pautada no acúmulo de
aquisições intelectuais. Se entendermos educação integral como a forma de
cuidar de todas as capacidades humanas precisamos nos preocupar com uma
educação em valores morais.

Nas competências gerais apresentadas pelo documento várias são as


referências encontradas que nos remetem a discussão e necessidade dos
valores sociomorais: posicionamento e princípios éticos democráticos,
exercício da empatia e diálogo para resolução de conflitos, trabalho
cooperativo, respeito mútuo, acolher e valorizar a diversidade, autonomia na
tomada de decisões, princípios inclusivos, sustentáveis e solidários.

A intencionalidade de recuperar algumas disposições contidas em


alguns dos principais documentos da educação brasileira nos auxilia para
atestar a necessidade e relevância de buscarmos um ambiente favorável para o
exercício dessas disposições. E para concretizar esses princípios diversas são as
possibilidades sendo que uma delas passa pelo modelo de gestão escolar que
está permeando os espaços escolares. Conforme Vinha et al (2017) precisamos
de um modelo dinâmico de gestão para possibilitar uma convivência

29 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), publicados em 1997, apresentavam como um dos


temas transversais o ensino da Ética. Para tal propunha como conteúdo o diálogo, justiça, solidariedade
e respeito mútuo. O documento faz alusão a não exitosa experiência do ensino obrigatório da moral e do
civismo por meio da disciplina Educação Moral e Cívica, deixando claro que o documento se afasta
dessa concepção. O tema da ética no PCN foi abordado do ponto de vista da Psicologia, com base no
construtivismo.

93
Debates Contemporâneos em Educação

democrática que se constitui num terreno fértil para proporcionar crescimento,


criar condições e oportunidades para uma transformação, tornando-se um
valor presente nas relações estabelecidas nas escolas.

Para as autoras a gestão democrática não precisa necessariamente


buscar consensos a todo custo, e sim, propiciar processos que oportunizam a
negociação de interesses, ideias e pontos de vista diferentes. Entendem que
facilmente se encontra discursos de democracia por parte dos gestores
escolares, porém, na prática a dinâmica é centralizadora, individualista e
meritocrática. Para tanto, são necessárias mudanças organizacionais que
exigem uma liderança empreendedora que não se impões de forma autoritária.

Uma questão central para promover uma convivência democrática é a


participação dos profissionais da escola no planejamento das ações voltadas
aos aspectos sociomorais. Também cabe destacar nesse ponto, a necessidade
de uma sólida formação desses profissionais que possibilitarão a construção de
um projeto bem elaborado que servirá de sustentação para as ações do cotiado
escolar em todos os seus espaços. Necessário oportunizar momentos de
formação continuada em relação ao tema para dar embasamento que favorece
um exercício contínuo de cooperação, envolvimento e corresponsabilidade.
Nesse sentido deve-se zelar por uma gestão voltada para o coletivo, no qual o
espaço é estruturado com respeito mútuo nas relações onde todos os
integrantes possam se manifestar e expor suas ideias e necessidade (VINHA et
al, 2017).

A convivência nos espaços educativos deve possibilitar o


desenvolvimento de valores sociomorais que favoreçam as relações
interpessoais. Valores morais são construídos tanto na escola como fora dela a
todo momento, sendo assim, a escola precisa possibilitar constantemente
situações que tematizem os aspectos morais para que aumente a possibilidade
que determinados valores sejam construídos ou assumidos pelos participantes
daquele espaço educativo. Para isso, é necessário que o sujeito cujos valores
estão em construção se torne ativo participando de forma intensa e reflexiva
nas aulas bem como nas demais situações vivenciadas por ele no ambiente
escolar. Esse sujeito precisa estar em constante troca e diálogo com seus

94
Debates Contemporâneos em Educação

professores, colegas, funcionários, família, ou seja, na sua realidade cotidiana


(ARAÚJO, 2007).

Experiências educacionais são realizadas por intermédio de projetos


nas escolas, porém, na maioria das vezes não se tratam de projetos
institucionalizados, ou seja, são pontuais, momentâneos e não tem
continuidade. Muitas vezes são temporais ou não apresentam uma base
conceitual e uma verdadeira intencionalidade de discussão nesse campo.
Entendemos que não existe uma educação sem valores e que a mesma precisa
ser consciente, intencional e sistemática.

Para tanto precisa ser discutida no âmbito educativo com todos os


professores caso a escola queira dar uma intencionalidade para a educação em
valores morais. Dessa forma as instituições precisam ter claro quais são os
valores fundamentais e relevantes a serem desenvolvidos na e pela escola em
conjunto com a comunidade e com a família. Entendemos que a escola
necessita de estratégias e ações que levem em consideração a sua própria
cultura e buscar seu próprio caminho em relação aos valores universalmente
desejáveis.

Para Vinha et al (2017, p. 215): “As iniciativas nas escolas brasileiras


que apresentam maior eficácia podem ser consideradas ainda como
experiências isoladas, quase artesanais”. Defendemos e concordamos com uma
educação moral no âmbito institucional, onde “[...] a instituição escolar, como
um todo, deve ser um espaço democrático, onde os valores morais estejam
presentes: nas aulas, nos trabalhos cooperativos, nos projetos, na organização
de festas e eventos culturais esportivas, entre outros”. (ALENCAR; MÜLLER,
2017, p. 19).

Como uma alternativa para possibilitar essa discussão em nível


institucional, Vinha et al (2017) apontam para uma experiência desenvolvida na
Espanha, inserida na legislação do referido País, que trata da necessidade de

95
Debates Contemporâneos em Educação

elaboração de um projeto que vise a busca pela convivência democrática que


pode ser denominado de Plano de Convivência30. Para a autoras

É preciso também ter claro que não existem receitas prontas, sendo
necessário criar respostas próprias e ter conhecimento de algumas
estratégias que irão promover o desenvolvimento de competências pessoais,
sociais e valores. São planejadas ações preventivas, curativas e de fomento.
Atua-se na implantação de um ambiente cooperativo, implementação de
valores democráticos no currículo espaços sistematizados para a reflexão de
valores, sentimentos e atitudes. (VINHA et al, 2017, p. 219).

A partir dessa experiência precisamos pensar em projetos para a


nossa realidade que possibilitam o desenvolvimento de atitudes capazes de
favorecer a reflexão ética a partir da análise de nossa conduta, convivência e
tomada de decisões (NAVAS, 2015). O autor continua dizendo que

[...] talvez, o projeto mais inteligente dos seres humanos seja o projeto ético,
o projeto de dotar-nos de valores que nos façam plenamente humanos e
nos permitam viver/conviver com sentido e com os demais, porque, ao
fim, a característica fundamental da inteligência é sai capacidade de criar
fins, de inventar e alcançar objetivos, de idealizar e assumir valores. Daí que
devemos defender plenamente que a escola [...] do futuro seja
necessariamente ética em todos os seus elementos funcionais, materiais e
pessoais, porque a ética é, sem dúvida, a forma mais suprema de inteligência
e o modo mais inteligente de resolver problemas e satisfazer necessidades
(NAVAS, 2015, p. 135).

Dessa forma, entendemos se tratar de uma proposta institucional que


olhe para a própria realidade de cada escola envolvendo todos os responsáveis,
onde a equipe gestora tem o papel fundamental de conduzir esse processo.
Buscar uma convivência democrática torna-se um valor institucional que pode
ser perseguida.

No momento em que a escola opte por um projeto institucional é


necessário que o mesmo seja elaborado de forma colaborativa a partir dos

30Na Espanha, desde 2007, as escolas devem elaborar seu Plano Institucional de Convivência que
constitui um aspecto do projeto educativo. O mesmo define o que é convivência e até onde se pretende
avançar nessa área conscientizando e sensibilizando a comunidade educativa para a importância de
uma convivência escolar positiva (VINHA et al, 2017).

96
Debates Contemporâneos em Educação

interesses, necessidades, características no contexto local. Nesse sentido


concordamos com Cortina (2003, p. 71) quando afirma que “na educação
moral não se trata de mostrar modelos, porque a reprodução, a cópia e a
fotocópia matam a vida”. Esse argumento auxilia na opção em para implantar
num projeto educativo sobre o tema é necessário a discussão e estudo de
forma colaborativa, para que o coletivo de professores possa se sentir como
autores dessa intencionalidade. A gestão escolar deve assegurar em seus
planejamentos tempo para discutir o assunto, bem como adequar ao seu
Projeto Político Pedagógico.

Entendemos que a gestão escolar atuando de forma democrática


possibilita a mobilização dos docentes, discentes bem como da comunidade
em torno de um projeto comum que atenda as demandas e as expectativas de
todos. Pensar num convívio democrático perpassa pelo favorecimento do
diálogo, cabendo ao gestor a promoção do mesmo de forma coesa entre todos
os atores pertencentes a comunidade escolar. Respeitar ideias e opiniões se
torne um princípio fundamental para dividir as responsabilidades levando a
uma autonomia. O apoio aos professores de modo que possa incentivar e
influenciar para que os mesmos reflitam sobre suas práticas e reconheçam os
seus limites em relação ao exercício democrático em suas aulas também é
tarefa essencial do gestor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão ética-moral não é uma problemática recente e sempre


ocupou dedicação por diversos pensadores. Essa problemática em torno dos
valores assume contornos diferentes em consoante com o contexto histórico
em que se insere. Um denominador em comum é possível destacar: “todas são
unânimes em considerar que não existe uma educação para os valores em
particular, mas que a educação é, no seu todo, educação em valores” (PEDRO,
2002, p. 59). Todas as escolhas e opções que realizamos são axiológicas, não
podendo a educação ser neutra. Disso, alguns questionamentos são postos:
com quais critérios essas escolhas são feitas? Quem decide sobre quais valores
desenvolver na escola? Qual o papel e a função da educação em valores?

97
Debates Contemporâneos em Educação

Entendemos que as instituições escolares a fim de alcançarem seus


objetivos, tanto pedagógicos, administrativos, culturais e sociais que visam
atingir os aspectos relacionados aos processos de ensino-aprendizagem, a
formação da cidadania e da autonomia, podem através da gestão escolar
encontrar mecanismos para a efetivação dos mesmos.

Neste sentido a gestão escolar tem como finalidade mobilizar


recursos, materiais, pessoas, princípios, entidades, entre outros, capazes de
promover o sucesso educacional e a formação pautada na cidadania, em
valores e atitudes que possam concretizar os objetivos da educação. Para que
de fato a gestão escolar se torne democrática e atinja com êxito seus objetivos,
ela deve contar com a participação de toda a comunidade escolar.

Partindo desse pressuposto, acreditamos que a gestão democrática é


fundamental para a realização de uma gestão compromissada com a qualidade
educacional. Percebemos que alguns dispositivos legais referenciam a
necessidade que práticas democráticas se concretizem nas escolas,
ultrapassando modelos estáticos, tradicionais e hierárquicos. A gestão
democrática contribui para que a comunidade escolar (pais, professores,
alunos, funcionários) participem das tomadas de decisões, nas definições dos
objetivos, no funcionamento da unidade escolar. Para que se obtenha a efetiva
participação de todos os membros da comunidade escolar, é necessário que se
estabeleça mecanismos que asseguram a participação.

Nosso foco foi discutir que essa participação aconteça na definição de


ações e estratégias que possam favorecer uma convivência democrática nos
espaços escolares. Entendemos que a escola precisa desenvolver uma educação
sociomoral de forma intencional implicando um planejamento coletivo de
modo que se torne meta de todos os profissionais envolvidos em cada
contexto escolar.

Uma escola que tem a preocupação com a educação em valores


precisa pensar e assumir novas perspectivas em termos de relações de
convivência interna e com relação a comunidade. As propostas educacionais
com esses objetivos devem almejar uma reorganização de espaços, tempos e
relações escolares. Concordamos com Marques, Tavares e Menin (2017, p.

98
Debates Contemporâneos em Educação

131) sobre a importância de termos “[...] um contexto educativo mais


cooperativo, em que os procedimentos pedagógicos que incluam a convivência
entre os pares sejam efetivamente vivenciados e efetivados”. E para que esse
ambiente se torne realidade em nossas escolas precisamos que a gestão das
mesmas, assumam verdadeiramente os princípios democráticos em todos os
seus aspectos.

99
Debates Contemporâneos em Educação

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100
Debates Contemporâneos em Educação

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VINHA, Telma Pilleggi et al. Da escola para a vida em sociedade: o valor da


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101
Debates Contemporâneos em Educação

6 - A EMENDA CONSTITUCIONAL 95/2016 E A VINCULAÇÃO


CONSTITUCIONAL DE RECURSOS: INVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS DE
FINANCIAMENTO EDUCACIONAL

Ivair Fernandes de Amorim31


Eder Aparecido de Carvalho32

INTRODUÇÃO

A proposição de políticas públicas para a área Educacional,


costumeiramente, é acompanhada por questões complexas e socialmente
determinadas por uma diversidade de fatores fortemente enraizados nos
contextos histórico, político e cultural.

Tema peculiar dentro desta importante área da gestão pública é a do


Financiamento Educacional. Ao abordar o custo do oferecimento de formação
às novas gerações adentra-se em uma arena de fortes embates onde uma
variedade de interesses se digladiam com ferocidade. Os referidos embates
poderiam ser sintetizados na seguinte questão: quanto uma sociedade está
disposta a pagar pela educação?

Partimos da premissa que por se tratar de área essencial ao


desenvolvimento e manutenção das sociedades modernas, a educação assume
caráter estratégico no âmbito político, fato esse que exige clareza nas políticas
estatais que a viabilizam. Dito de outra forma, acreditamos que nenhuma
sociedade pode almejar um desenvolvimento efetivo e duradouro que
prescinda de uma política pública para área educacional.

31 Professor do Instituto Federal de São Paulo – Área: Educação/Pedagogia - Câmpus Votuporanga.


Mestre e Doutor em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista (UNESP - Câmpus de
Araraquara). E-mail: [email protected].
32 Professor do Instituto Federal Catarinense – Área: Sociologia (Câmpus Brusque). É pesquisador no

Grupo de Pesquisa “Ciências e Desenvolvimento Social” (CDS/IFC/CNPq). Também é Doutorando em


Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP - Câmpus Araraquara) e Mestre em
Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. E-mail: [email protected].

102
Debates Contemporâneos em Educação

No momento atual, com o enraizamento estrutural da “Crise


Institucional” que afeta em especial os âmbitos político e econômico no nosso
país, estamos presenciando uma série de reformas no âmbito das políticas
públicas que surtirão um efeito duradouro na sociedade brasileira, afetando a
médio e longo prazo a organização e o desenvolvimento do nosso país.

Dentre as reformas realizadas ganha destaque a Emenda


Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, que ao estabelecer um novo
regime fiscal estabelece um teto aos gastos públicos para o próximo vintênio e
que, apresenta um impacto, especial, para as áreas de educação e saúde.

Contudo, antes de adentrar na análise dessa nova cena delineada no


cenário nacional faz se necessário uma breve incursão no histórico do
financiamento educacional no Brasil e, consequentemente, uma análise crítica
da política de financiamento educacional implementada até o presente
momento em território nacional.

A histórica resistência em efetivar políticas públicas educacionais: O caso do


financiamento do ensino

Partiremos, sem juízo inicial de valor, do postulado que nossa


configuração político-econômica-social teve sua gênese com a chegada dos
portugueses em terras brasileiras a partir do ano de mil e quinhentos.

Produzir uma análise de política pública de financiamento


educacional a partir deste marco temporal tem um significado peculiar devido
a atenção que a coroa portuguesa dispensou às atividades educacionais em
terra coloniais.

Pesquisadores educacionais e até mesmo materiais produzidos pelo


governo federal – BRASIL/MEC (2010); FONSECA e MENARDI (2010) –
registram total desinteresse da corte portuguesa pela implantação de iniciativas
educacionais.

103
Debates Contemporâneos em Educação

O período colonial, para fins de entendimento das políticas públicas


educacionais, pode ser subdividido em três períodos. O primeiro dataria da
chegada dos portugueses até o ano de 1549. Neste interstício que durou,
praticamente, cinquenta anos, o Estado português é totalmente ausente na
colônia, ou seja, não há infraestrutura ou qualquer tipo de organização advinda
da coroa no intuito de prover práticas institucionalizadas (direito, saúde,
educação, saneamento básico, etc) em terras brasileiras.

Transcorrido esta metade de século surge a primeira inciativa


educacional da colônia com a chegada da Companhia de Jesus. Os jesuítas
serão os responsáveis pelas iniciativas educacionais até o ano de 1759, ocasião
de sua proscrição pelo Marquês de Pombal. Interessante ressaltar que a
primeira empreitada educacional engendrada na colônia não foi de iniciativa do
Estado, mas sim da Igreja Católica. Ao conceder carta branca aos Jesuítas a
Coroa Portuguesa omitiu-se de legislar, organizar e financiar a educação
colonial. Em decorrência desse fato a educação desenvolvida no Brasil-colônia,
durante o período jesuíta, esteve sobre as regras e provisões da Igreja, o que
culminou em uma educação aquém das demandas populares, servindo
prioritariamente a catequese dos nativos e a educação das elites portuguesas.

O terceiro período do Brasil colônia é inaugurado com as reformas


pombalinas, a partir da proscrição da Companhia de Jesus em 1759 e perdura
até 1822 com a independência política em relação a Portugal.

No período pombalino são instituídas as aulas régias e a


descentralização da responsabilidade educacional. Incumbidas da educação
pública, somente as províncias privilegiadas economicamente puderam
prosperar em termos de educação (ainda restrita a uma seleta elite). Para
subsidiar as aulas régias é instituído, neste período, o primeiro imposto
destinado ao financiamento da Educação: o Subsídio Literário.

Somente em 1772, foi criado o Subsídio Literário, imposto que incidia


sobre a produção do vinho, da cachaça e da carne verde, destinado a
manutenção dessas aulas isoladas. Na prática, o sistema de aulas régias
provocou poucas modificações no quadro educacional no Brasil Colônia,
ficando restrito a elites locais. (FONSECA; MENARDI, 2010, p. 45).

104
Debates Contemporâneos em Educação

Cabe-nos ressaltar para uma peculiaridade do Subsídio Literário, sua


incidência sobre a “produção do vinho, da cachaça e da carne verde”. Em um
momento de intenso extrativismo vegetal e mineral, determinar a arrecadação
destinada à Educação a partir do consumo de gêneros alimentícios de
consumo cotidiano denota no mínimo um flagrante descaso com a demanda
por escolarização.

Depreendemos do exposto que no período colonial o Estado


Português alheou-se das questões educacionais que, relegada as iniciativas
clericais, mostrou-se incipiente e destinada exclusivamente a catequese e a
educação das elites portuguesas. Podemos então afirmar que neste período de
nossa história as políticas públicas educacionais foram inexistentes. Mesmo
com a proscrição dos jesuítas as iniciativas da coroa portuguesa
demonstraram-se insignificantes e o Subsídio Literário um imposto irrisório.

Não obstante a estas constatações, é importante ressaltar que a vinda


da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, proporcionou mudanças
importantes para educação. Entretanto, tais mudanças não alteraram o cenário
da educação popular, haja vista, que tais mudanças atendiam

[...] prioritariamente as famílias lusitanas, e também gerou o fortalecimento


da elite brasileira (minoria social prestigiada e dominante) que passou a
deter além do poder econômico, o poder intelectual. Neste período os
investimentos na área educacional eram efetuados pelo governo português,
radicalizado no Brasil até 1821 e eram obtidos com a cobrança de vários
impostos sobre a população brasileira. (BRASIL/MEC, 2010, p.23)

Por ocasião da independência política nosso país recebeu como


legado educacional da coroa portuguesa uma rede educacional elitista e
incipiente. Inclusive, a literatura especializada – CHIZZOTTI (2005);
SUCUPIRA (2005) – nos fornece elementos que demonstram que no período
imperial a herança educacional portuguesa permanece inalterada.

Numa sociedade patriarcal, escravagista como a brasileira do Império, num


Estado patrimonialista dominado pelas grandes oligarquias do patriciado
rural, as classes dirigentes não se sensibilizavam com imperativo
democrático da universalização da Educação Básica. Para elas o mais
importante era uma escola de nível superior em estreita consonância com a

105
Debates Contemporâneos em Educação

ideologia política e social do Estado, de modo a garantir a “construção da


ordem”, a estabilidade das instituições monárquicas e a preservação do
regime oligárquico. (SUCUPIRA, 2005 p.67)

No âmbito legal, destacam-se a Constituição do Império (outorgada),


data de 1824, sucedida pela Lei da Instrução Pública de 1827 e pelo Ato
Adicional de 1834. A Carta Magna de 1824, por exemplo, determina a
gratuidade da Instrução Primária como uma das garantias de inviolabilidade
dos direitos civis, no entanto, o faz por meio de menções genéricas sem
precisar as fontes de recursos para consecução. A Lei da Instrução pública de
1827, perfaz o mesmo percurso da Constituição, com texto genérico sem
esclarecer os mecanismos para efetivação do ensino público. Chizzoti (2005)
assevera que a gratuidade preconizada nos textos legais do Império brasileiro é
a proclamação de um ideal liberal, mas que não é implementado como
obrigação estatal.

Por sua vez, o Ato Adicional de 1834, institui a descentralização da


responsabilidade educacional às províncias, sem esclarecer a origem e a
administração dos recursos financeiros para este fim.

O Segundo Reinado embora tenha sido palco de duas reformas


educacionais (Reforma Couto Ferraz e Reforma Leôncio de Carvalho) que
buscavam amenizar o caos da educacional nacional, não trouxe inovações,
permanecendo a indefinição sobre a obtenção e a administração de recursos à
área educacional.

Podemos afirmar que durante o período colonial e imperial as


políticas públicas educacionais, em específico as voltadas a questão do
financiamento, foram praticamente inexistentes devido a incipiência de fontes
de recursos e ao descaso governamental com a educação pública e gratuita.

Com a proclamação da República e o advento do regime republicano


inaugura-se uma nova cena política. Na instauração dessa nova ordem a
educação é tomada como principal viabilizadora desse processo de mudança.

106
Debates Contemporâneos em Educação

Uma variedade de autores33, demonstram que neste novo cenário a


importância de questões como gratuidade e laicidade são retomadas com
bastante vigor. E é nesse cenário que surge um dos principais mecanismos
legais que visam a consecução de uma educação pública, laica e gratuita: a
vinculação constitucional de recursos.

Tal dispositivo prevê que um montante da arrecadação pública seja


obrigatoriamente aplicado (por força de regra constitucional) em uma
determinada área, considerada de grande importância para o desenvolvimento
de um país.

No caso específico da vinculação constitucional de recursos à


educação, as discussões iniciadas ainda no período do Império, tomam um
corpo sistematizado com a publicação do Manifesto dos Pioneiros.

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova pode, pois, ser considerado


um importante legado que nos é deixado pelo século XX. É um marco de
referência que inspirou as gerações seguintes, tendo influenciado, a partir de
seu lançamento, a teoria da educação, a política educacional, assim como a
prática pedagógica em todo o país. (SAVIANI, 2004, p.35)

Devido ao objetivo deste texto, e aos numerosos detalhes suscitados


no percurso histórico brasileiro, nos atentaremos de agora em diante no
percurso da vinculação constitucional de recursos na legislação brasileira,
tomando este dispositivo como índice das intenções governamentais de
efetivamente realizar uma educação pública gratuita.

O Manifesto dos Pioneiros de Educação Nova alertava para a


necessidade da reorganização da política educacional de nosso país, por meio
de uma organicidade viabilizada por um Sistema Nacional de Educação, que
teria como aporte a segurança jurídica financeira assegurada por um montante
mínimo de investimentos que seriam geridos e administrados por um fundo
específico para tal finalidade. Realidade esta que possibilitaria uma efetiva
política de Estado para a área educacional, retirando nosso país das vicissitudes

33Conferir: Penteado e Neto (2010); Horta (1998); Cury (2005 e 2007); Brasil/MEC (2010); Andreotti
(2010); Saviani (2004) e Oliveira (2002).

107
Debates Contemporâneos em Educação

de programas fragmentários que refletiam interesses meramente


governamentais.

Tal premissa encorpou-se e influenciou de maneira decisiva a


elaboração e a Promulgação da Constituição de 1934, que determinava:

Art. 156 - A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por


cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento,
da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos
sistemas educativos.
Parágrafo único - Para a realização do ensino nas zonas rurais, a União
reservará no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no
respectivo orçamento anual. (BRASIL - CF, 1934)

No entanto, a vida curta da Constituição de 1934, em virtude do


Golpe de 1937, faria com que o dispositivo da vinculação constitucional de
recursos não viesse a surtir efeito a essa época e “Depois de 1934, a vinculação
aparece e desaparece sistematicamente nos sucessivos textos constitucionais e
na legislação educacional decorrente.” (OLIVEIRA, 2002, p.97).

Sintetizemos da seguinte maneira: A vinculação constitucional de


recursos aparece pela primeira vez na legislação brasileira na Constituição de
1934, em virtude da influência do Manifesto dos Pioneiro, porém sua vida
curta e sua revogação logo após o golpe de 1937, quando é outorgada nova
Constituição, faz com que esta prerrogativa seja retirada do texto
constitucional. Neste momento o Brasil vive um interstício de governo militar
ditatorial que dura de 1937 a 1945, conhecido como “Estado Novo”. Findo
este período a Constituição de 1946 retoma os princípios democráticos
proclamados pela Constituição de 1934. Dentre eles, a obrigatoriedade e a
gratuidade da educação pública e a vinculação constitucional de recursos.
Neste período é possibilitada a aprovação de nossa primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional - Lei 4024/1961. No entanto, a retomada da
implementação de uma educação pública, obrigatória e gratuita não é efetivada
devida a uma nova ruptura democrática ocasionada pelo Golpe Militar de
1964. Que deixou marcas profundas no histórico educacional brasileiro.

108
Debates Contemporâneos em Educação

Em relação a Educação, de maneira geral, os governos militares dentre


outras ações:
a) Revogaram as vinculações de porcentagens de arrecadação de impostos,
forçando o crescimento da oferta complementar de ensino privado. A
vinculação de recurso perdeu o status constitucional e ficou limitada aos
munícipios.
b) Instituíram, pela Lei 4.440, de 27 de outubro de 1964 o “salário
educação”, uma contribuição social recolhida pelas empresas, que passou a
constituir uma fonte adicional de financiamento da expansão do ensino
primário/fundamental. A legislação referente a esta contribuição sofreu
alterações durante os anos da ditadura militar.
c) Aprovaram a Constituição de 1967, devidamente emendada em 1969.
Declarava que a “educação era um direito de todos e dever do Estado”.
d) Reformaram o ensino superior (Lei nº 5.540/68) com o objetivo de
atender às exigências, tanto dos professores e estudantes quanto as dos
empresários ligados ao regime militar, que viam a educação superior como
um comércio.
e) assinaram os acordos MEC/USAID
f) aprovaram a Lei 5692/71, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que fixou as bases para o ensino de 1º e 2º graus, baseadas nos
acordos MEC/USAID. Os técnicos americanos efetuaram a reforma da
educação pública, em que os cursos primários (5 anos) e ginasial (4 anos)
foram fundidos, sendo chamados de primeiro grau, com 8 anos de duração
e o curso científico fundido com o clássico passou a ser denominado
segundo grau, com 3 anos de duração. O curso universitário passou a ser
denominado terceiro grau.
g) demonstraram o predomínio da percepção “economicista” sobre a
educação, que defendia relação direta entre a produção e a educação.
(BRASIL/MEC, 2010, p. 31)

Após vinte longos anos de ditadura o processo de reabertura


democrática culminou na instalação da Assembleia Constituinte em 1987 e na
consequente promulgação da Constituição de 1988 (CF 1988), vigente até os
dias atuais.

Marco democrático de nossa história, a CF 1988 foi considerada a


culminância do intento de se efetivar uma educação pública gratuita e de
qualidade, estabelecendo de forma definitiva as bases legais para tal processo.

“A constituição de 1988 fecha o círculo em relação ao direito à


educação e à obrigatoriedade escolar na legislação educacional brasileira,

109
Debates Contemporâneos em Educação

recuperando o conceito de educação como direito público subjetivo,


abandonado desde a década de 30”. (HORTA, 1998, p. 25).

A afirmação de Horta sintetiza a crença de legisladores e acadêmicos


de que a CF 1988 ao estabelecer a Educação como um direito público
subjetivo, estabelecendo como mecanismos para sua consecução a vinculação
constitucional de Recursos; a criação de um fundo para manutenção e
desenvolvimento do ensino e valorização dos profissionais do magistério e,
determinando a Elaboração de um Plano Nacional de Educação como
garantidor de uma política de Estado; havia definitivamente estabelecido os
alicerces para construção da Escola Brasileira.

Tal crença tem sido abalada pelos recentes acontecimentos.

No texto da CF 1988 a vinculação constitucional de recursos está


posta da seguinte maneira:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os


Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no
mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. (BRASIL -
CF, 1988)

Sob o signo da CF 1988, e da retomada da vinculação constitucional


de Recursos, é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
9394/1996 e neste mesmo ano o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).

Foram as bases legais (CF 1988 e LDBEN 9394/96) juntamente com


o aporte financeiro do FUNDEF que possibilitaram a democratização do
Ensino Fundamental no final da década de 1990. Oportuno esclarecer que
com esta afirmação não pretendemos postular que o FUNDEF tenha
possibilitado uma efetivação da qualidade e da gratuidade da educação pública
brasileira. Postulamos apenas que esta iniciativa, realizou uma redistribuição de
verbas públicas de tal forma que viabilizou o ingresso, na escola, de camadas
historicamente marginalizadas da escolarização.

110
Debates Contemporâneos em Educação

Fato é (apesar da evolução) que o FUNDEF apresentava grandes


limitações. Pinto (1998), ironicamente, diz que se trata de um fundinho
chamado fundão e, complementa:

Inicialmente é preciso ficar claro que o FUNDEF não traz recursos novos
para a educação: o que ele faz é criar uma subvinculação para o ensino
fundamental dos recursos já existentes. [...]
E aqui se coloca o segundo motivo de o FUNDEF ser um Fundinho: ele é
um cobertor (curto) que cobre apenas o ensino fundamental regular (30,5
milhões de alunos em 1998). E, mesmo aí, cobre mal, porque este nível de
ensino atinge 70% das matrículas públicas e, via FUNDEF, recebe menos
de 60% dos gastos com ensino dos estados e municípios e menos de 10%
dos Gastos da União. Nem aí a aritmética bate. (PINTO, 1998, p.90)
Em virtude da exclusão, levando-se em conta a abrangência do
FUNDEF, da Educação Infantil e do Ensino Médio, em 2006, é criado o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização
dos Profissionais do Magistério (FUNDEB). O FUNDEB, repete a fórmula
do FUNDEF, só que desta vez com maior abrangência.

A que se ressaltar que a política de fundos para educação pública


potencializou a redistribuição de verbas entre os Estados da Federação,
possibilitando um crescente movimento de democratização do ensino.

Não obstante a estes avanços, é importante ressaltar que tanto


FUNDEF quanto FUNDEB não foram suficientes para sanar o histórico
nacional de resistência em implementar efetivamente políticas públicas
educacionais. Diante desta situação, criou-se num passado, extremamente
recente, uma grande perspectiva sobre o Plano Nacional de Educação (PNE).

Em suma, para enfrentar os problemas que foram acumulando-se, os


recursos orçamentários regulares não são suficientes. Impõe-se um plano de
emergência que permita investir maciçamente, elevando-se
substancialmente e em termos imediatos o percentual do PIB destinado à
educação. Esta há de ser a ideia-força, o eixo central do PNE que devemos
propor. (SAVIANI, 2008, p.232)

O primeiro PNE, aprovado no Brasil, teve vigência de 2001 a 2010,


sendo que no ano de 2011 deveria ter sido aprovado o plano subsequente com
vigência de 2011 a 2020. No entanto, repetindo traços comuns à política

111
Debates Contemporâneos em Educação

brasileira, a tramitação do novo PNE sofre com a protelação e somente foi


aprovado em 2014 sob o número de Lei 13.005. Relevante lembrar que muitas
expectativas se criaram em torno deste plano e a maioria delas pode ser
sintetizada na meta 20.

Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública de forma a


atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno
Bruto - PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo,
o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.

A possibilidade de ampliação do investimento educacional em relação


ao PIB, tornou-se uma bandeira de luta para acadêmicos e uma fonte de
esperança para os profissionais da educação de todo país.

Conforme exposto até o momento, o histórico brasileiro é de descaso


com a causa da educação, o que tem se materializado em fragrante
descumprimento das leis nacionais e no sub-financiamento educacional,
gerando um quadro onde a escola pública não somente deixa a desejar no
atendimento de toda a demanda educacional como também na oferta de
educação de qualidade para os quadros atendidos.

Neste cenário, o PNE 2014-2024, apresentou-se como uma


possibilidade concreta de mudança de rota. O otimismo causado pela
aprovação da lei esvaiu-se, no entanto, com o cenário desenhado a partir de
2016.

As causas dessa situação serão expostas a seguir.

A Emenda Constitucional 95, de 15 de Dezembro de 2016: Um reforço à


histórica resistência em efetivar políticas públicas educacionais

Em 15 de dezembro de 2016 (consequência da PEC 241 na Câmara e


55 no Senado), foi promulgada a Emenda Constitucional 95 - sendo instituído
um Novo Regime Fiscal que vai ter duração de 20 longos anos. Qual seria a
abrangência e os impactos desta nova norma constitucional? É possível dizer

112
Debates Contemporâneos em Educação

que o orçamento da União passa a ser dividido em frações independentes e a


partir daí se estabelece limites individualizados de despesas, no que tange a
máquina e serviços públicos. Lembrando que a Emenda Constitucional limita
despesas primárias do Orçamento Fiscal e do Orçamento da Seguridade Social
da União 34. De maneira didática é possível dizer que os limites de gastos,
aplicável nos poderes e organismos autônomos35, em determinado exercício,
passam a corresponder ao do exercício imediatamente anterior - acrescido da
inflação (medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo –
IPCA36).

Neste cenário como ficam os gastos com a educação e saúde? Na


educação e saúde não se usou (em 2017) indicadores de 2016 - com reajuste de
7,2%. Na verdade, acabou-se por usar os próprios dados da Lei Orçamentária
de 2017 (respeitando-se o corrente ano). Essa é a diferença. E, apenas, a partir

34 Da maneira que foi disposto, o Novo Regime Fiscal não abrange o orçamento de investimentos.
Também não abarca despesas financeiras dentro Orçamento Fiscal e do Orçamento da Seguridade
Social. Quanto a isso colocou Amaral (2016, p. 655): “para as despesas relacionadas à dívida pública
não há o estabelecimento de nenhum patamar limítrofe – os `jogadores´ financistas estarão protegidos
nesses 20 anos de validade de `congelamento´ orçamentário para as despesas primárias”. Importante
esclarecer que algumas despesas primárias da União também não sofrerão impactos da EC 95/2016: 1)
transferências constitucionais (repasse da União para Estados e Municípios), mesmo se tratando de
despesas primárias, visto que não se aplica o disposto na citada EC às demais esferas – somente à
União. 2) As despesas extraordinárias (fruto de imprevisibilidade) também não estão sujeitas ao teto de
gasto e 3) Despesas não recorrentes. Exemplo: gastos da Justiça Eleitoral é maior em anos de pleito.
Ou seja, o ano anterior (sem eleição) não pode servir de referência.
35 O Novo Regime Fiscal abarca os poderes ou órgãos individualizados. São 15 partes independentes:

Poder Executivo; Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Conselho
Nacional de Justiça, Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Justiça Militar da União, Justiça Eleitoral,
Justiça do Distrito Federal e Territórios), no âmbito do Poder Judiciário); Poder Legislativo (Senado
Federal, Câmara dos Deputados e Tribunal de Contas da União); Ministério Público da União (Ministério
Público da União e Conselho Nacional do Ministério Público) e Defensoria Pública da União. Isso
significa dizer, já frisado por Amaral (2016), que mesmo existindo “sobras” em um organismo, não
poderá ocorrer transferências para outros órgãos ou poderes (da Justiça Federal para o Poder Executivo
- por exemplo). O que se vê são espécies de “caixinhas” orçamentárias autônomas e a inexistência de
Orçamento no âmbito Nacional (AMARAL, 2016).
36 A partir do décimo exercício financeiro deste Novo Regime Fiscal será possível alterar o instrumento

de correção (via Lei Complementar), não podendo exceder uma alteração por mandato presidencial.
Lembrando que para cálculo das despesas primárias do Orçamento Fiscal e do Orçamento da
Seguridade Social da União em 2017 (Ano 1), levou-se em conta as despesas empenhadas e pagas em
2016 e também os restos a pagar em 2016. Em cima deste montante foi aplicado acréscimo de 7,2%.
Estava dado o ponto de partida, e em cima destes valores se tem as bases para correções do Ano 2 ao
20 – via IPCA, salvo alterações a partir do 10º Ano.

113
Debates Contemporâneos em Educação

do Ano 2 (2018) se adota o valor do período anterior (como referência)


corrigido pela inflação – IPCA. Aqui “inicia” alguns problemas. Em 2018,
quando começa a validade da EC 95/2016 para educação (e também para
saúde) considerou-se reajuste de 2,95% a partir dos valores adotados em 2017.
Percentual bem abaixo dos 6,29% considerados em 2016 (referência para
reajustes daquilo que já passou a valer em 2017). Ou seja, o marco referencial,
no que se refere a educação (e saúde), não favoreceu, e isso já impacta nos
próximos 19 anos (até 2036).

O necessário destaque à saúde e educação se deve a própria gênese da


EC 95/2016. Por ocasião de sua tramitação veiculou-se uma “Exposição de
Motivos Interministerial” (nº 83/2016), esse documento assinado,
conjuntamente, pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e
Gestão, deixa claro o foco na limitação do orçamento em saúde e educação. O
referido texto afirma:

21. Um desafio que se precisa enfrentar é que, para sair do viés procíclico
da despesa pública, é essencial alterarmos a regra de fixação do gasto
mínimo em algumas áreas. Isso porque a Constituição estabelece que as
despesas com saúde e educação devem ter um piso, fixado como proporção
da receita fiscal. É preciso alterar esse sistema, justamente para evitar que
nos momentos de forte expansão econômica seja obrigatório o aumento de
gastos nessas áreas e, quando da reversão do ciclo econômico, os gastos
tenham que desacelerar bruscamente. Esse tipo de vinculação cria
problemas fiscais e é fonte de ineficiência na aplicação de recursos públicos.
Note-se que estamos tratando aqui de limite mínimo de gastos, o que não
impede a sociedade, por meio de seus representantes, de definir despesa
mais elevada para saúde e educação; desde que consistentes com o limite
total de gastos. (BRASIL/MF/MPDG, 2016)

Dessa forma o argumento erigido pelo governo é de que a fixação de


mínimos constitucionais às referidas áreas é um dispositivo danoso ao
equilíbrio fiscal. Oportuno também lembrar que, se por um lado, a Emenda
Constitucional aparece como providência para o ajuste fiscal, por outro, vai de
encontro ao desenvolvimento social. Aqui não se nega a necessidade de um
ajuste fiscal, mas fazê-lo, da maneira que foi posta, implica mais desigualdade
social. Como atingir, a partir de aprovação e implementação da “Emenda
Constitucional do Teto” (gastos públicos limitados aos reajustes da inflação e

114
Debates Contemporâneos em Educação

não indexada às necessidades e urgências da população), as metas estabelecidas


pelo Plano Nacional de Educação? Como trazer para escolas milhões de
crianças e adolescentes que estão fora das instituições de ensino – visto que os
recursos já eram escassos e agora tendem ser ainda mais? A dívida pública que
precisa ser equacionada, não precisa (necessariamente) ser orquestrada às
custas dos investimentos em educação e saúde. Uma prática (medidas para
pagar a dívida pública), não precisa obrigatoriamente excluir a outra (gastos
públicos nas áreas sociais – especialmente educação e saúde). Na pior das
hipóteses, na busca pelo desenvolvimento econômico, não se deveria
sobrecarregar alguns setores como educação e saúde (acrescenta-se demais
programas sociais como Bolsa Família, PROUNI, etc). Haja vista, que a meta
de investimentos na proporção de 10% do PIB, em gastos com educação para
2024, não será atingida. Ou seja, seria necessário encontrar maneiras de dividir
o “fardo” e não, simplesmente, cortar os gastos sociais. Não caberia, por
exemplo, maior tributação em cima dos maiores salários, ao invés de
estabelecer um teto que na melhor das hipóteses congela os gastos sociais?
Basta observar que os gastos com educação e saúde não poderão exceder (ser
reajustados acima) a inflação. Ou seja, a “possibilidade” de educação ou saúde
ter reajustes superiores à inflação, está condicionada a outros setores (dentro
do executivo) terem reajustes abaixo da inflação – o que na prática não deverá
acontecer. Infelizmente, não é de hoje que a chamada disciplina fiscal surge
como sinônimo de redução de gastos públicos (leia-se contenção de gastos na
educação, saúde e demais políticas de distribuição de renda). “Estarão,
portanto, limitadas as possibilidades da implementação de novas políticas
públicas que objetivem diminuir a enorme desigualdade brasileira” (AMARAL,
2017, p. 6). A contradição é tamanha que a Emenda Constitucional (já tratado
anteriormente) disciplina apenas as despesas primárias do Orçamento Fiscal e
do Orçamento da Seguridade Social da União. Muito bem esclareceu Amaral
(2017, p. 6):

Despesas primárias são aquelas que ocorrem com o pagamento de pessoal e


encargos sociais, água, luz, telefone, limpeza, vigilância, pessoal terceirizado,
material de consumo, aquisição de equipamentos, material permanente,
construções, aquisição de imóveis etc.
Entretanto, ficam fora das despesas primárias as despesas com o
pagamento de juros, encargos e amortização da dívida; ou seja, para essas

115
Debates Contemporâneos em Educação

despesas não há nenhuma limitação, podendo, é claro, ultrapassar o limite


imposto pelo IPCA para as despesas primárias.

Nota-se que se os dispêndios (gastos) da União corresponde às


despesas primárias somadas às expensas com juros, encargos e amortização das
dívidas internas e externas, mas apenas as primeiras estarão sob efeito do
congelamento - durante dois decênios. Ou seja, tendo a União arrecadação
acima da inflação (no exercício anterior), tem-se apenas dois caminhos:
direcionar os recursos “excedentes” para pagamento de juros, encargos e
amortizações de dívidas ou deixar guardado nos cofres públicos - sem prestar
atendimento aos interesses e urgências da população nos setores da educação,
saúde, previdência social e assistência social (AMARAL, 2016).

Outro ponto preocupante imposto pela “Emenda Constitucional do


Teto de Gastos” (EC 95/2016), no campo educacional, trata-se da imposição
de “limitação” no que concerne à vinculação constitucional de recursos. Ou
seja, a citada Emenda Constitucional não suprimi (oficialmente) os valores
financeiros referente à Manutenção e Desenvolvimento da Educação – visto
que continua em vigor o caput do art. 212 da Constituição Federal (CF):

A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o


Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da
receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL –
CF, 1988).

No entanto, apesar do disposto no art. 212 da CF, a EC 95/2016


criou um dispositivo que foi inovador: a partir do momento que se estabelece
um teto de gastos, os 18% (nunca menos de dezoito segundo art. 212 da Carta
Magna) ficam comprometidos. Ou seja, se tem um mínimo, mas também um
teto, e se esse mínimo possibilitar estourar o teto, os recursos direcionados
para educação (via União) podem ser inferiores a 18%, visto que o que vai
nortear os gastos é o exercício anterior acrescido da inflação – IPCA. Em
outras palavras, o mencionado mínimo (estabelecido no art. 212 da
Constituição), pode não ser levado em conta – na prática vai ser desprezado,
visto que houve muitos momentos que o PIB cresceu mais que a inflação. Para
se ter ideia (inspirado em dados da Câmara de Deputados), a projeção de

116
Debates Contemporâneos em Educação

crescimento do PIB nos próximos 7 anos (2018 – 2024) corresponde a


aproximadamente 55,5%. Enquanto a projeção da inflação (via IPCA) está na
casa de 31,5%. Levando-se em conta que nos períodos anteriores houve
momentos que a União aplicou percentual superior a 18% na educação, a
conjuntura atual se torna ainda mais complexa (AMARAL, 2016).

Diante da “Emenda Constitucional do Teto”, não se estaria dando


cabo ao Plano Nacional da Educação (aprovado pela Lei nº 13.005, de 24 de
junho de 2014)? Como cumprir, por exemplo, a Meta 6 do PNE?: “oferecer
educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas,
de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação
básica” ou a Meta 9?: “[...] erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50%
(cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional”. Isso, sem falar da Meta 11:
“triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a
qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento
público”.

Enfim, a chamada Pátria Educadora de outrora, não passaria de mero


slogan? Estaria, já apontado por Amaral (2016), decretada a “morte” do PNE
(não apenas o de 2014-2014, mas também o próximo: 2025-2035)? Haja vista
que as 20 metas do PNE exigem aporte de recursos acima da inflação, e não o
que propõe a Emenda Constitucional 95/2016: menos recursos, ou na melhor
das hipóteses (o que é improvável), manutenção do volume existente. Aliás,
uma pena não estar estipulado sanções nos casos de não cumprimento das
metas. Fosse assim, a “Emenda Constitucional do Teto” não colocaria em
xeque o Plano Nacional da Educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no exposto podemos, à guisa de conclusão, realizar


algumas considerações: 1) a primeira constatação é a de que nossa história
política remete a um recorrente descaso com a área educacional, traduzido (via
de regra) na insuficiência de recursos financeiros para a consecução de uma
educação de qualidade. 2) Em meio a este histórico de resistência em se

117
Debates Contemporâneos em Educação

efetivar a educação nacional, a vinculação constitucional de recursos, ora


constante e ora extirpada da legislação educacional, traduziu-se na
possibilidade mais concreta já experienciada em nosso país de garantia de uma
política de financiamento educacional. 3) Embora a vinculação constitucional
de recursos e a política de fundos para educação, realizadas após a CF 1988 e a
LDBEN 9394/96, tenha sido pontos fundamentais na história educacional
recente, possibilitando significativa democratização do acesso à escola, não
foram suficientes para sanar a demanda educacional.

Dessa forma, retomando às ideias de Saviani 2008, acreditamos que


se faz necessário um plano emergencial, operado por uma nova política de
financiamento educacional e que ampliasse drasticamente o investimento
educacional possibilitando sanar o histórico déficit educacional.

O PNE 2014-2024 apresentava-se como uma alternativa concreta


para realização da necessária e tão almejada nova política de financiamento. No
entanto, a aprovação da EC 95/2016 frustrou esta possibilidade.

A dúvida é se a conjuntura atual nos fará retroceder aos patamares


das épocas colonial, imperial e dos primeiros anos de república ou se as
consequências serão ainda mais nefastas.

118
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

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122
Debates Contemporâneos em Educação

7 - CAMINHOS E DESCAMINHOS DAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO E


ESCOLARIZAÇÃO DO PROGRAMA EDUCACIONAL “ESCOLA VIVA”

Julio César da Silva de Alvarenga37


Maria de Fátima Côgo38
Marina de Oliveira Delmondes39

INTRODUÇÃO

A fim de problematizar as políticas curriculares do programa “Escola


Viva” implementado pelo Governo do Estado do Espírito Santo na Escola de
Ensino Fundamental e Médio “Washington Pinheiro Meirelles” localizada no
município de Itapemirim, indaga-se as prescrições curriculares do programa
em frente as experiências vividas e praticadas no cotidiano desse município.
Por experiência, entende-se

[...] algo que (nos) acontece e que às vezes treme, ou vibra, algo que nos faz
pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo que luta pela expressão, e que
às vezes, algumas vezes, quando cai em mãos de alguém capaz de dar forma
a esse tremor, então, somente então, se converte em canto. E esse canto
atravessa o tempo e o espaço. E ressoa em outras experiências e em outros
tremores e em outros cantos (LARROSA, 2015, p. 10).

37 Mestre em Ciência da Informação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Licenciado em


Pedagogia e História. Secretário Municipal de Educação de Itapemirim. Membro do Grupo de Pesquisa
CNPq: Currículos, Culturas, Cotidianos e Redes de Conhecimentos, coordenado pelo Prof. Dr. Carlos
Eduardo Ferraço, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito
Santo. E-mail: [email protected]
38 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Jornalista com atuação em jornais

e em empresas de rádio e televisão no Espírito Santo. Membro do Grupo de Pesquisa CNPq:


Currículos, Culturas, Cotidianos e Redes de Conhecimentos, coordenado pelo Prof. Dr. Carlos Eduardo
Ferraço, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. E-
mail: [email protected]
39 Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Membro do Grupo de Pesquisa

CNPq: Currículos, Culturas, Cotidianos e Redes de Conhecimentos, coordenado pelo Prof. Dr. Carlos
Eduardo Ferraço, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito
Santo. E-mail: [email protected]

123
Debates Contemporâneos em Educação

Portanto, pretende-se ressaltar a importância das experiências – o que


se passou- passa, o que aconteceu- acontece no cotidiano escolar -, que
permeiam as relações de afetos que se entrecruzaram na vida da juventude de
Itapemirim. Imersos na realidade efetiva da implementação do Programa
“Escola Viva” destaca-se os momentos-ações de resistência. No primeiro
momento, busca-se apresentar o Programa “Escola Viva” e o contexto de sua
implementação no município e no segundo momento, assume-se a perspectiva
do currículo em redes (FERRAÇO, 2002; 2016) e aposta-se nas pesquisas com os
cotidianos para pensar sobre as políticas curriculares do cotidiano de
Itapemirim.

O programa “Escola Viva” implementado no ano de 2017 no


município de Itapemirim afetou as relações de saberes-fazeres40 da
comunidade escolar acarretando reações de contestação no município. A
escola, em sua rede de cotidianidades, viu-se atingida pelo Programa
implantado pelo Governo Paulo Hartung, por meio da Secretaria Estadual de
Educação, que interferiu arbitrariamente na vivência do cotidiano escolar e na
participação de diferentes agentes sociais que contribuíram e ainda contribuem
para a melhoria direta ou indireta das condições de vida de indivíduos e
populações (CARVALHO, 2009), principalmente, no que concerne as políticas
curriculares.

Em nossos caminhos investigativos seguimos perspectivas do


currículo escolar enquanto rede de conversações, potencialidades e
protagonismos dialógicos (FREIRE, 1997; 2011), percorrendo pistas no
sentido de compreender como o Programa "Escola Viva", implantado pelo
Governo do Estado do Espírito Santo na escola de Ensino Fundamental e
Médio “Washington Pinheiro Meirelles”, localizada no município de
Itapemirim, tornou-se um lugar de dicotomia materializado por resistência e
enfrentamentos. Desse modo, os movimentos teórico-metodológicos deste
estudo buscam compreender atravessamentos entre ações curriculares
prescritivas e a rede de cotidianidades escolares (FERRAÇO, 2008; 2011;

40FERRAÇO, Carlos Eduardo. Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas. Petrópolis: DP et


Alii, 2008.

124
Debates Contemporâneos em Educação

CARVALHO, 2009) com o propósito de entender como o Programa abordou


algumas questões constitutivas dos contextos em que a escola pesquisada está
inserida.

Buscamos, nessa trajetória, atribuir sentidos à nossa própria


experiência enquanto pesquisadores que fazem escolhas não fortuitas e que
vão sendo desveladas diante das inquietações em torno dos discursos
produzidos pelo governo, enquanto gestor do Programa, e das narratividades
de estudantes atingidos em seu percurso escolar. Necessário dizer, também,
que trazemos aqui as primeiras impressões de uma pesquisa em construção e
que se propõe a buscar, em outros momentos, novas compreensões sobre o
"Escola Viva" em suas manifestações na vivência da comunidade escolar.

Desacertos do programa "Escola Viva" em suas prescrições oficiais e a falta


de sensibilização do espaço escolar com alto índice de estagiários

Uma das questões polêmicas que envolve o Programa "Escola Viva"


está relacionada à forma como ele vem atingindo o modelo de organização da
escola em sua autonomia (FREIRE, 1997; 2011), afetando relações de
saberes/fazeres da comunidade escolar (FERRAÇO, 2008) e gerando, em
consequência, reações de contestação em alguns municípios capixabas. A
escola, em sua rede de cotidianidades, viu-se atingida pelo currículo prescrito
pelo Programa implantado pelo Governo Paulo Hartung, por meio da
Secretaria Estadual de Educação, que interferiu arbitrariamente na vivência do
cotidiano escolar e na participação de diferentes agentes sociais que
contribuem para a melhoria direta ou indireta das condições de vida de
indivíduos e populações, conforme defende CARVALHO (2009) ao tratar do
cotidiano escolar e a participação da comunidade escolar nas relações, escola,
família e agentes externos. Na esteira desse pensamento e considerando o
impacto junto aos estudantes, consideramos pertinente tematizar neste estudo
alguns aspectos do Programa, procurando fazer uma reflexão epistemológica
(CARVALHO, 2009; FERRAÇO, 2011) a partir da implantação da jornada
integral, de nove horas e trinta minutos, na escola escolhida como cenário
desta investigação. Entendemos que a modalidade de ensino proposta traz

125
Debates Contemporâneos em Educação

prejuízos à escola enquanto espaço de saberes (FREIRE, 2011) e de


aprendizagens e ignora possibilidades de diálogo. Em consequência, houve
grande rejeição ao Programa e à política imposta por meio de paralisações,
fechamento de avenidas e manifestação em frente à Câmara Municipal de
Itapemirim, conforme divulgou o site Século Diário (2017):

Os alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM)


Washington Pinheiro Meirelles, em Itapemirim, no sul do Estado
protestaram nesta segunda-feira (28) contra a implementação de uma nova
unidade da Escola Viva na cidade. Com mais de 60 anos de existência, a
unidade que acolhe o Escola Viva, além de ensino fundamental e médio,
oferecia cursos técnicos. O protesto [...] se deu pela falta de transparência
nas tratativas para a implantação do projeto, que ainda não foi confirmado,
e pela impossibilidade de diversos alunos em permanecerem na escola
depois que foi implementado o tempo integral, em função do trabalho ou
estágio.

A escola atendia, até o final de 2017, cerca de mil estudantes e boa


parte, após a implementação da política do governo estadual, viu seu cotidiano
de estudo e de estágio desrespeitado pelas prescrições arbitrárias. Um aluno de
dezoito anos disse, em entrevista formal, que eles foram totalmente “ignorados
e desprezados” pelo governo, indiferente às necessidades apresentadas, apesar
das manifestações por parte da comunidade escolar.

O Programa "Escola Viva", oficialmente denominado Programa de


Escolas Estaduais de Ensino Médio em Turno Único, foi instituído pela Lei
Complementar n.º 799, de 2015, e é meta do Governo Paulo Hartung que
esteja implantado em trinta escolas da rede pública no decorrer de 2018. Suas
diretrizes objetivam ações de planejamento voltadas à execução e avaliação em
torno de conteúdo, método e gestão direcionados à melhoria da oferta e da
qualidade do ensino médio na rede pública do estado e foi apresentado com
propósitos inovadores pelo governo.

O programa Escola Viva nasceu para ser uma escola de educação integral,
com experiências educacionais amplas e profundas. Formar jovens capazes
de realizar sonhos, competentes no que fazem e solidários com o mundo

126
Debates Contemporâneos em Educação

em que vivem. É com esses objetivos que o programa Escola Viva foi
implantado e está sendo ampliado na rede pública estadual. 41

As narrativas buscaram legitimar o Programa por meio de uma


linguagem simbólica incapazes de refletir os conflitos políticos que estavam
por vir. Seguindo Freire (1997), arriscamo-nos a dizer que entrava em cena
uma orientação política baseada nos interesses dos que detém o poder a fim de
convencer seu público.

O lançamento do Programa foi envolto em forte apelo publicitário no


qual foram investidos milhões de reais. Para Freire (1997, p. 142),

A capacidade de penumbrar a realidade, de nos “miopizar”, de nos


ensurdecer que nem a ideologia faz, por exemplo, a muitos de nós, aceitar
docilmente o discurso cinicamente fatalista neoliberal que proclama ser o
desemprego no mundo uma desgraça de fim de século. Ou que os sonhos
morreram e o válido hoje é o “pragmatismo”.

Na propaganda oficial, também chama atenção a defesa do governo


sobre a formação de “jovens capazes de realizar sonhos, competentes no que
fazem e solidários com o mundo em que vivem”. Destacamos e estranhamos
tal concepção arguindo o sentido, nem um pouco sutil da mensagem, e
questionando, inicialmente, se, afinal, as demais escolas que não integram o
Programa "Escola Viva" estariam formando alunos “sem vida escolar” e,
portanto, incapazes de realizar sonhos e de ter competência em seus fazeres.
Entendemos que o discurso institucional autoritário do Programa descredencia
as demais escolas estaduais, menospreza os saberes constitutivos das
comunidades escolares e ignora as complexidades do espaço escolar em seus
contornos pedagógicos e sociais. Em outro momento, a propaganda acenou
para o caráter inovador da "Escola Viva".

[...] O programa Escola Viva possui um conjunto de inovações:


acolhimento aos estudantes, às equipes escolares e às famílias; avaliação
diagnóstica/nivelamento; disciplinas eletivas; salas temáticas; ênfase prática
em laboratórios; tecnologia de gestão educacional; tutoria; aulas de projeto
de vida; aulas de práticas e vivências em protagonismo; aula de estudo

41 Disponível em: <http://www.sedu.es.gov.br/escola-viva>. Acesso em: 25 out. 2017.

127
Debates Contemporâneos em Educação

orientado; e aprofundamento de estudo (preparação acadêmica/mundo do


trabalho).42

Para além do caráter "inovador", prevaleceu a verticalização do


currículo (CARVALHO, 2009) com sua atmosfera de imposições e de
propostas prontas e hierarquizadas, contrapondo-se fortemente à perspectiva
freiriana (FREIRE, 1997; 2011) em sua defesa da construção epistemológica
do saber, sendo esse o principal problema identificado nesse momento de
implantação, uma vez que na escola fruto da pesquisa, o programa ainda está
em seu primeiro ano. O Programa fica muito distante, também, do sentido
atribuído por Ferraço (2011) à força inventiva da escola e “[...] às tensões
vividas na/da sociedade contemporânea e inserida na tessitura social que acena
com outras possibilidades de vida para todos aqueles que a frequentam” (p. 11-
12).

Os sujeitos da escola são autores e protagonistas de políticas


inventivas de currículo e de alternativas às propostas oficiais (FERRAÇO,
2011), ainda que a escola possuía um modelo curricular sem possibilidades de
alternância, não identifica-se uma ideia de mudança tendo em vista que o
programa Escola Viva não mostra um currículo inovador, como pudemos
observar, as ações arbitrárias governamentais moldadas por velhas
modalidades autoritárias jogaram por terra o próprio discurso de inovação.
Mais que isso, o governo desprezou o diálogo como prática de vida e de
processos educativos que enredam e tecem afetividade em relação ao currículo
em seus variados contextos, ignorando as diferentes instâncias de produção do
conhecimento que se enredam ao currículo escolar e “[...] atravessam o chão
da escola, mantendo com ela, direta ou indiretamente, conversações e ações
complexas” (CARVALHO, 2009).

Ainda no âmbito das perspectivas curriculares apresentadas pelo site


oficial da Secretaria Estadual de Educação, registra-se a predominância de
conceitos como estrutura diferenciada e o trabalho de profissionais com dedicação
integral, todavia a estrutura em nada foi alterada em primeiro momento, pelo
contrário, as reformas ainda estão acontecendo lentamente e quase nada se tem

42 Disponível em: <http://www.sedu.es.gov.br/escola-viva>. Acesso em: 25 out. 2017.

128
Debates Contemporâneos em Educação

para as disciplinas que proporcionariam a prática dos alunos matriculados em


uma escola do programa Escola Viva e ainda preocupou-nos a forma de
concentrar professores por carga-horária visando preencher as 40 horas de
dedicação exclusiva e não preocupar-se primeiramente com as competências,
ao menos na escola foco da pesquisa e, aqui registra-se que o objetivo é
pesquisar uma escola com alto índice de alunos estagiários, o que, no entanto,
diverge sobremaneira de práticas do currículo praticado em suas compreensões
sobre o saber e o fazer educativo como forças integradas e inseparáveis, como
defende Carvalho (2009). A nosso ver, os fundamentos curriculares do
Programa deixam tais práticas muito distantes dos sentidos da escola, como
também são atribuídos por Figueiredo e Schuchter (2014), parafraseando
Lopes e Macedo (2011, p. 161-162):

[...] os conhecimentos em sentido amplo, são tecidos [...] na inter-relação


complexa de diferentes contextos. Qualquer acontecimento que se passe na
escola, e os eventos curriculares são alguns deles, não é produzido apenas
na escola nem fica a ela restrito.
Ele intercepta um enorme contingente de contextos trazidos para a escola
pelos diferentes sujeitos que a frequentam e passa a fazer parte dos outros
contextos em que esses sujeitos se constituem. Nesse sentido [...] vivemos
dentro fora das escolas ao mesmo tempo. Em outras palavras [...] não (existe)
dentro e fora [...] o currículo é aquilo que é praticado [...] nos espaços
tempos em que [...] os sujeitos são constituídos como redes de
subjetividades [...].

À medida que o Programa "Escola Viva" ia sendo implantado eram


organizadas ações de contestação por parte de diferentes comunidades, como
se observou nos municípios de Cariacica e de Afonso Cláudio, onde os
motivos estavam relacionados à imposição de uma modalidade que contraria a
realidade vivida pelos estudantes e suas famílias, o que não significa que tais
problemas ocorrem em todas as 30 escolas implantadas até o momento, mas
que precisa ser evidenciado no sentido do governo permitir que a comunidade
escolar possa ser ouvida e a forma autoritária de implantação dê lugar ao
diálogo.

Na região de Afonso Cláudio, os pais questionaram as longas


distâncias que seus filhos teriam que enfrentar para estudar na escola, que fica

129
Debates Contemporâneos em Educação

no centro do município. Com cartazes, pais, alunos e professores caminharam


por várias ruas do centro da cidade, procurando sensibilizar os agentes
públicos para que as unidades do interior não deixem de funcionar, obrigando,
dessa forma, os estudantes a ingressarem no Programa "Escola Viva", iniciado
em 2017.

Pais, alunos e professores protestaram na tarde desta quinta-feira (25), no


centro de Afonso Cláudio, região Serrana do Estado, para que três escolas
estaduais, que funcionavam na zona rural do município, não sejam
fechadas. Segundo professores, essas unidades parariam de funcionar com a
abertura da Escola Viva na cidade (GAZETA ONLINE, 2018).

Denota-se, pela ação da comunidade, que não houve diálogo com o


governo. Professores, pais e alunos, em consequência, acabaram assumindo
posições contrárias à implantação do Programa como se veria, também, por
parte de estudantes da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio "José
Leão Nunes", localizada no bairro Vale Esperança, em Cariacica, que não
queriam a transformação da unidade em uma "Escola Viva".

Tendo em vista o cenário demarcado pelo Governo Paulo Hartung,


entendemos estar em curso um erro epistemológico (FREIRE, 2011) do
Programa que tenta deformar a capacidade criativa da comunidade escolar e
sua produção de saberes em suas múltiplas dimensões. A prevalência do
discurso científico e de seus enunciados arbitrários mostra a imposição do
currículo como norma que ignora os atores sociais como produtores de
conhecimento em suas singularidades e modos próprios de sentir e de viver o
ato educativo na perspectiva freiriana. Daí, nossa inquietação e a
impossibilidade de nos conformar com um programa imposto como porta-voz
de práticas que procuram deslegitimar diferentes contextos e cotidianidades em
que a escola está inserida (FERRAÇO, 2008; CARVALHO, 2009).

Entendemos que o espaço escolar é um lócus de produção de


conhecimentos em que o ato educativo se constitui no entrelace entre saberes
fundamentais dos alunos e as experiências que eles carregam enquanto
indivíduos (FREIRE, 2011). O problema que se coloca, portanto, para nossa
reflexão, enreda-se à concretude cognitiva e afetiva da comunidade escolar em
suas experiências e realidades epistemológicas que se fundam em cenários

130
Debates Contemporâneos em Educação

muito diferentes do que apregoam o monólogo e as normas prescritivas do


Governo em relação ao Programa "Escola Viva" nas escolas de cidades com
alto índice de alunos estagiários e ainda nas escolas de cidades com um grande
número de escolas na zona rural, como é o caso já citado da cidade de Afonso
Cláudio.

Ações de resistência e de rejeição ao programa "Escola Viva" em Itapemirim,


município com alto índice de estagiários

Ao deixar os estudantes sem alternativas face à implantação da


jornada integral, o Governo Paulo Hartung viu o Programa "Escola Viva"
enfrentar contestações no município de Itapemirim, onde centenas de
estudantes da escola de Ensino Fundamental e Médio “Washington Pinheiro
Meirelles” fizeram protestos e paralisações em agosto de 2017. São alunos e
alunas que contribuem, decisivamente, com o orçamento de suas famílias,
alternando-se entre a escola e os estágios nos diversos órgãos e secretarias
ligados à Prefeitura Municipal de Itapemirim e ao próprio governo do estado,
recebendo uma bolsa no valor de aproximadamente R$565,00 (quinhentos e
sessenta e cinco reais).

Nossos caminhos investigativos nos permitiram perceber que a


imposição do Programa acarretou prejuízos individuais e coletivos, atingindo
estudantes sem condições de conciliar estágio e estudo. Os alunos com quem
dialogamos43 escolheram como ponto de partida o protagonismo estudantil em
defesa da escola e de suas experiências sociais (FREIRE, 2011). Desse modo,
procuramos capturar cenas subjacentes à vivência individual e concernentes a
aspectos cotidianos no sentido de conhecer pistas em relação às prescrições do
Programa e às reações que desencadeou. Definimos, como objeto de
investigação no diálogo com os estudantes, questões em torno da percepção sobre
o movimento enquanto manifestação, motivação dos protestos e ações em busca de diálogo com
representantes do governo, temas que consideramos inerentes às suas experiências

43 Recorremos ao uso de questionários e optamos por não divulgar o nome dos estudantes.

131
Debates Contemporâneos em Educação

de criticidade (FREIRE, 2011) e que apontaram expectativas, incertezas e


inquietudes que atravessaram os movimentos de protesto. São eles:

Aluna, 16 anos: a maioria ajudava a colocar comida dentro de casa com


esse salário! O governo não nos deu alternativas, simplesmente implantou a
Escola Viva sem olhar o lado dos alunos.
Aluna, 16 anos: nunca tentaram ouvir nossos problemas e a situação do
estágio. Mas não é só o estágio. Por exemplo, alunos que ajudam em casa
ou no comércio da família. Uma amiga fazia intensivo de inglês à tarde
pensando em fazer intercâmbio. Com nada disso a Escola Viva se
preocupou.
Aluno, 18 anos: muitos dependiam de estágios para ajudar a família. Com a
Escola Viva fomos obrigados a ir para escolas distantes.

Como pudemos perceber a partir dos depoimentos, tais percepções


mostram o Programa como portador de uma verdade única, a do governo,
engessou o processo de formação, ignorou a realidade concreta dos estudantes
e de suas famílias e colocou-se no lugar do dominante, com suas concepções
pragmáticas (FREIRE, 2011). Outra manifestação presente na argumentação
dos estudantes se referiu à tentativa de diálogo com o governo e com a
Secretaria de Educação durante a implantação do Programa. Nosso interesse
era saber se tinham sido ouvidos:

Aluna, 16 anos: Não. Eles fizeram uma reunião na escola com o conselho
de pais e todos foram CONTRA. E mesmo assim foi implantado.
Aluna, 17 anos: Houve, sim, momentos em que fomos ouvidos, porém,
não de forma coerente. Era como se as opiniões ali expostas não tivessem
importância.

Na rede de afetos e de construção coletiva dialógica (FREIRE, 2011),


pudemos observar, também pelos depoimentos, o protagonismo da
comunidade, de professores e de pais de estudantes em sua busca de um canal
de interseção com o governo. Em momentos de narratividades expressas na
ocupação de lugares de contradição e de ação, vimos que houve respaldo e
apoio da comunidade escolar e de moradores da cidade, como nos contou
outra aluna de dezessete anos. Tal fato nos leva a afirmar, seguindo Carvalho
(2009), que as ações curriculares atravessam diferentes atores sociais

132
Debates Contemporâneos em Educação

localizados em esferas interpenetradas da ação educativa curricular envolvendo


diferentes instâncias enredadas ao currículo escolar.

Um dos pontos positivos destacados pelos estudantes foi a realização


do movimento enquanto força de mobilização que "incomodou a Secretaria de
Educação", segundo considerou uma aluna de dezesseis anos. Conforme
observou outra aluna, de mesma idade, o movimento teve muita visibilidade.
Entretanto, as conversas mostraram a prevalência de um sentimento de
desalento, pois, mesmo tendo recebido apoio, como reconheceram em suas
considerações, os estudantes acham que não foram exitosos já que o Programa
acabou sendo implantado. Faltou, à política governamental, respeito à
comunidade escolar.

O que devo pretender não é a neutralidade da educação, mas o respeito, a


toda prova aos educandos, aos educadores e às educadoras. O respeito aos
educadores e educadoras por parte da administração pública ou privada das
escolas; o respeito aos educandos assumido e praticado pelos educadores
não importa de que escola, particular ou pública. É por isso que devo lutar
sem cansaço. Lutar pelo direito que tenho a ser respeitado e pelo dever que
tenho a reagir a que me destratem (FREIRE, 2001, p. 109).

Como pudemos ver, o governo preferiu seguir práticas educativas que


ignoram os anseios e singularidades dos sujeitos, de seus saberes/fazeres por
meio de redes coletivas que têm implicado na elaboração de outros discursos
em relação à dimensão do conhecimento,

[...] Nossa inserção na realidade nos revelou que, se pudermos conhecer a


escola um pouco melhor, aprender fragmentos de como ela realmente é e
não de como pensa que ela é, teremos melhores condições de falar sobre
suas potencialidades, que tantas críticas injustas e pejorativas têm recebido
por parte do Governo. O Governo que se limita a punir é o mesmo que
propõe projetos idealizados que visam reforçar suas próprias críticas. Se
conhecermos a escola um pouco melhor, também contribuiremos com
aqueles que, ao contrário das ações governamentais, se preocupam com os
que estão na escola, os quais têm um compromisso sério com melhores
perspectivas de vida e escolarização para a população brasileira
(FERRAÇO, 2008, p. 112).

133
Debates Contemporâneos em Educação

Nenhum dos alunos que participou da pesquisa de campo continua


frequentando a "Escola Viva", uma questão que, por si só, mostra uma das
consequências da falta de diálogo e de alternativas em relação a políticas de
currículo e de escolarização no cotidiano escolar. Mais uma vez, registramos a
arbitrária implantação do Programa "Escola Viva"por parte do Governo Paulo
Hartung é contraditória aos contextos e cotidianidades da escola, como nos
aponta Ferraço (2005) ao se referir às relações entre os sujeitos das escolas e
diferentes contextos vividos e expressos por meio de crenças, valores, desejos,
estéticas, linguagens e projetos de vida.

[...] fomos nos dando conta de que, de fato, quanto ao conhecimento e, por
consequência, quanto ao currículo, não se trata de defesa de se buscar
resolver as dificuldades ou problemas de aprendizagem, mas, sobretudo, de
ampliar as possibilidades de conhecimento, o que significa ampliar as redes de saberes
fazeres existentes. Para nós, aí reside a função social e política da escola
(FERRAÇO, 2005, p. 20-21).

A escola, como argumenta ainda o autor, é um espaço/tempo de


produções e enredamentos de saberes onde se produzem alternativas para
evitar retrocessos implantados por projetos/programas que não consideram o
cerne do espaço escolar em sua rede de relacionamentos criada cotidianamente
(FERRAÇO, 2005). Em nosso entender, o Programa é indiferente às Políticas
de Currículo e Escolarização (CARVALHO, 2009) e segue um caminho de
velhas e conhecidas prescrições oficiais para a escola, mostrando falta de
sensibilizações com a comunidade escolar e seus rizomas, e ferindo princípios
da Pedagogia da Autonomia freiriana (FREIRE, 1997, 2011).

PÓS-ESCRITO

Nossas primeiras leituras sobre o Programa "Escola Viva" nos


permitiram compreender que os discursos produzidos pelo governo por meio
de seus gestores em educação caminham na contramão do sentido atribuído
por Freire (1997; 2011). Portanto, não consideram o processo educativo
dialógico, que entende a vida das pessoas como referência para o trabalho
pedagógico e para a educação como um ato político-pedagógico.

134
Debates Contemporâneos em Educação

De acordo com as narrativas dos estudantes que buscaram se colocar


como sujeitos de suas cotidianidades, seja na dimensão escolar, seja na
arquitetura de sua própria existência, sujeitos críticos se reconhecem como
arquitetos de sua própria prática cognoscitiva, buscando caminhos autônomos
fundados na resistência, na solidariedade e no diálogo (FREIRE, 1997; 2011)
enquanto elemento fundador do ato político educativo.

Os discursos do governo, por sua vez, demonstram retrocesso nos


processos de educação, (re)escolarização e ensino-aprendizagem que os
coletivos diversos buscam na defesa de uma pedagogia menos opressora, que
ofereça alternativas para estreitar o abismo que ainda impera entre as políticas
de currículo e escolarização (FERRAÇO, 2008; 2011; CARVALHO, 2009).

Entendemos que o desenvolvimento do "Escola Viva" requer a


articulação de novas discussões que procurem olhar como outros atores, tais
como professores, diretores de escolas, pais de estudantes e a própria
comunidade se colocam diante do Programa, principalmente em regiões onde
as cidades possuem grande área territorial rural e as escolas do Programa
Escola Viva são instaladas nas áreas urbanas acarretando ainda o fechamento
das “escolas rurais”, ou ainda em situações como a de Itapemirim, onde grande
parte dos alunos da única escola estadual, eram alunos/estagiários e
consequentemente foram obrigados e escolher entre o Programa Escola Viva
ou se transferirem para estudar em escolas vizinhas. Acreditamos que, na arena
de sentidos que constitui e perpassa uma pesquisa, as múltiplas construções
narrativas em torno dos espaços e das práticas escolares possibilitarão produzir
novas problematizações com o intuito de colocar em foco outras questões
políticas e epistemológicas envolvendo o Programa e os impasses criados junto
à comunidade escolar em suas cotidianidades.

135
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Janete M. Cotidiano Escolar como Comunidade de Afetos.


Petrópolis, RJ: Petrópolis: DP et Alii, 2009

ESCOLA NOVA. Governo do Espírito Santo. Secretaria de Estado da


Educação. Disponível em: <http://www.sedu.es.gov.br/escola-viva>. Acesso
em: 19 nov. 2017.

FERRAÇO, Carlos Eduardo. Ensaio de uma metodologia efêmera: ou sobre


as várias maneiras de se sentir ou inventar o cotidiano escolar. In: ALVES,
Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das
escolas. Petrópolis: DP et Alii, 2008.

_______. Currículo e educação básica: por entre redes de conhecimentos,


imagens, narrativas, experiências e devires. Rio de Janeiro: Rovelle, 2011.

FIGUEIREDO, Ricardo; SCHUCHTER Terezinha M. Políticas curriculares


para o ensino fundamental: entre formas, forças e modos de constituição. In:
CARVALHO, Janete Magalhães. Movimentos curriculares: um estudo de caso
sobre políticas de currículo em ação. Vitória: EDUFES, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.


São Paulo: Paz e Terra, 2011.

GAZETA ONLINE. Protesto em Afonso Cláudio contra fechamento de


escolas. Disponível em:
<https://www.gazetaonline.com.br/noticias/sul/2018/01/protesto-em-
afonso-claudio-contra-fechamento-de-escolas-1014116473.html>. Acesso em:
16 fev. 2018.

LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiências. 1 ed.; 2ª reimp, --


Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2015.

136
Debates Contemporâneos em Educação

SÉCULO DIÁRIO. Alunos de Itapemirim protestam contra implantação de


Escola Viva no município. Disponível em:
<http://seculodiario.com.br/35509/16/alunos-de-itapemirim-protestam-
contra-implantacao-de-escola-viva-em-unidade-do-municipio>. Acesso em: 13
jan. 2018.

137
Debates Contemporâneos em Educação

8 - AVALIAÇÃO ESCOLAR E POLÍTICAS EDUCACIONAIS: CONSIDERAÇÕES


E DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS

Cláudia Fuchs44

INTRODUÇÃO

Escrever sobre avaliação exige uma reflexão sobre as várias


possibilidades de realizá-la. Sabe-se que a avaliação escolar é um tema muito
complexo e, desse modo, em função da expressiva carga de significados que o
conceito carrega, constitui-se num grande desafio discutir sua aplicação na
contemporaneidade. Nesse sentido, faz-se necessário delimitar a abrangência
do assunto, diminuindo as possibilidades de pesquisa sobre o tema abordado.

O tema avaliação tem sido discutido com intensidade nos meios


educacionais durante as últimas décadas. É necessário entender, contudo,
como o tema se apresenta nas políticas educacionais brasileiras e, para efetivar
esse movimento, parte-se do pressuposto de que a avaliação não é um fim e
sim um meio, cabendo aos educadores refletir sobre as práticas realizadas nas
escolas.

Nessa direção, a partir das múltiplas interpretações, significados e


modelos de avaliação presentes no meio educacional, sentiu-se a necessidade
de refletir sobre os mesmos e analisar as propostas e métodos de avaliação
presentes no âmbito educacional. A sociedade está em constante
transformação e desenvolvimento, o que acaba por influenciar, também, a
escola, a formação dos professores, as tecnologias e o modo de avaliar. Com o

44 Mestranda em Educação nas Ciências (Unijuí), Especialista em Gestão Escolar (Uniasselvi),


Licenciada em Pedagogia (Centro Universitário FAI – Itapiranga). Professora na Rede Municipal de
Ensino de Ijuí/RS. E-mail: [email protected]

138
Debates Contemporâneos em Educação

avanço das tecnologias e dos novos métodos de ensino, os processos


educativos e avaliativos passam a ser configurados e modificados.

Para fundamentar esta pesquisa discorre-se sobre algumas


concepções de avaliação, com vistas a entender os receios e impasses
provocados no âmbito educacional, bem como, analisa-se a concepção de
avaliação presente nos documentos que normatizam a educação brasileira,
entre eles: a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/1996 (LDBEN) e
o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. Por fim, consideramos que
este movimento objetiva compreender o lugar e as transformações ocorridas
na concepção avaliativa no conjunto das tramas que envolvem a educação
brasileira.

Conceituando a avaliação

São inúmeras as definições que a avaliação educacional pode conter.


Assim, a avaliação é considerada por alguns autores, como, por exemplo,
Luckesi (2010), Vasconcellos (2000), Libâneo (1994), Perrenoud (1999), entre
outros, como a temática que se apresenta mais complexa e, ao mesmo tempo,
polêmica. Em primeiro lugar ela remete a um juízo de valor que, segundo
Luckesi (2010, p. 33), “[...] significa uma afirmação qualitativa sobre um dado
objeto, a partir de critérios pré-estabelecidos, [...] o juízo de valor dependerá da
finalidade a que se destina o objeto a ser avaliado”. Nessa direção, a avaliação
necessita de uma tomada de posição diante do objeto que é analisado.
Conforme Demo (2005), os resultados da avaliação sempre estão subordinados
aos fins e objetivos pré-estabelecidos para qualquer prática, seja ela educativa,
social, política ou outra.

Os autores atribuem sentido à avaliação de acordo com a importância


que a mesma possui no espaço escolar, não podendo ser apenas um mero
“medidor” ou resultar em um “valor” que corresponde ao ensino e
aprendizagem dos alunos. A avaliação deve englobar um conhecimento
construído ao longo de uma trajetória, deve reconhecer o conhecimento prévio

139
Debates Contemporâneos em Educação

de cada aluno, os avanços, erros, dificuldades e problemas em cada etapa de


ensino. Como ressaltam os autores supracitados, essa perspectiva sempre vai
depender dos critérios pré- estabelecidos e da finalidade a que se destina o
objeto a ser avaliado.

A polêmica da avaliação está no fato de não se conseguir desvinculá-


la da prática social e pedagógica. Não se pode discuti-la de forma isolada,
desconsiderando a sua complexidade. Qualquer interrogação sobre o termo
avaliação leva ao complexo, por exemplo: o que é avaliação? Não é possível
apenas se dirigir ao termo sem mostrar a sua aplicabilidade ou finalidade,
portanto, há necessidade da complexidade e da inter-relação do termo com as
articulações preexistentes.

Nesse mesmo contexto, Santos (2005, p. 22) reitera que a avaliação


“[...] não é um episódio ou fato isolado, mas sempre um processo; não é um
fim em si mesmo, [...] [uma] missão”. Na avaliação pedagógica não há exceção,
todos são avaliados – o professor, aluno, prática, teoria, escola, enfim, todas as
condições que geram a prática do professor. Assim, é importante destacar que
a avaliação necessita de reflexão, de diálogo intersubjetivo, ou seja, uma
constante relação entre as ideias dos avaliadores e avaliados.

Não obstante, na perspectiva de Sant’Anna (2009, p. 31-32), avaliação


é, “um processo pelo qual se procura identificar, aferir, investigar e analisar as
modificações do comportamento e rendimento do aluno, do educador, do
sistema, confirmando se a construção do conhecimento se processou, seja este
teórico (mental) ou prático”. Nessa direção, a avaliação não consiste em avaliar
apenas o aluno, mas sim todo o processo da ação educativa, constituindo-se
num conjunto de ações que precisa ser pensado.

Dessa forma, percebe-se a importância que a avaliação possui, pois é


a partir dela que se consegue diagnosticar se os objetivos propostos foram ou
não alcançados. Pode-se perguntar então: está a escola preparada para avaliar
seus alunos? Como esse processo acontece na prática? Essas questões visam
entender o processo avaliativo e as práticas decorrentes após a mediação dos
conteúdos e o conhecimento por parte do professor.

140
Debates Contemporâneos em Educação

Dada a importância da avaliação, considera-se que ela é

[...] uma tarefa didática necessária e permanente do trabalho docente, que


deve acompanhar passo a passo o processo de ensino e aprendizagem. Com
ela, os resultados são obtidos no decorrer do trabalho conjunto do
professor e dos alunos são comparados com os objetivos propostos, a fim
de constatar progressos, dificuldades, e reorientar o trabalho para as
correções necessárias. (LIBÂNEO, 1994, p. 195).

A avaliação deve ser uma tomada de decisões, é a partir dela que o


docente vai constatar as dificuldades e os avanços dos alunos e tomar a decisão
cabível às necessidades de cada educando. Nesse sentido, Luckesi (2010, p. 33)
alega que “o julgamento de valor, [...] desemboca num posicionamento de
‘não-indiferença’, o que significa obrigatoriamente uma tomada de posição
sobre o objeto avaliado [...]”. Essa tomada de decisão acontece quando se
aborda um processo como, por exemplo, a aprendizagem.

Desse modo, para abordar o processo de aprendizagem, a avaliação


pode ser compreendida a partir de três concepções: classificatória, formativa e
diagnóstica. O presente estudo se decompõe nesta ordem, iniciando pela
abordagem da avaliação classificatória, a fim de entender a sua funcionalidade e
aplicabilidade para, num segundo momento, analisar, do mesmo modo, a
concepção de avaliação formativa e, por fim, a avaliação diagnóstica.

Nesse contexto tem-se ainda muito presente nas práticas avaliativas


atuais, uma avaliação escolar com a função de classificar. O aluno, por sua vez,
é classificado como: inferior, médio ou superior. Essas classificações, na
maioria das vezes, são transformadas em números e, por fim, em médias.
Nesse contexto, Luckesi (2010, p. 35) afirma que, “com a função
classificatória, a avaliação constitui-se num instrumento estático e frenador do
processo de crescimento”. Não há um crescimento do aluno e do professor,
ou seja, a avaliação se resume apenas no controle dos educandos, realizando
provas/testes e atribuindo notas. Se poderia arriscar e afirmar que diversos
professores se vangloriam pois possuem o poder de aprovar ou reprovar os
educandos a partir de notas ou critérios fixos. Essas ações descaracterizam a
experiência da aprendizagem e, muitas vezes, o educando não consegue nem
mesmo interpretar seus erros.

141
Debates Contemporâneos em Educação

Será que nesse momento se estaria apontando uma das falhas da


educação no século XXI? Acredita-se que sim, pois se desconsidera a
experiência adquirida ao longo da aprendizagem, simplesmente se ignora o
diagnóstico inicial de cada aluno que adentra à escola. O conhecimento prévio
é anulado, e todas as perspectivas de avaliação recaem apenas sobre o
professor, sujeito central de todo processo avaliativo, preocupado em seguir o
sistema (“dar conta dos conteúdos”) e possuir um número mínimo de notas
(que nem sempre resultam apenas de atividades, trabalhos). Quando não
consegue “dar conta” dos conteúdos, inventa trabalhos e maneiras de avaliar
os alunos a fim de garantir notas exigidas pelo sistema. Nesse sentido, percebe-
se que o próprio sistema não dá suporte mínimo para que possa considerar a
avaliação como um caminho, uma trajetória de aprendizagem mas apenas uma
etapa a partir de um exame ou de uma prova e, respectivamente, uma nota.

A partir disso, pode-se perceber que, para Libâneo (1994, p. 198),


“[...] a atribuição de notas visa apenas ao controle formal, com objetivo
classificatório”. O autor segue afirmando que “[...] essa atitude ignora a
complexidade de fatores que envolvem o ensino, tais como os objetivos de
formação, [...] a situação social dos alunos”, além dos conhecimentos ou
requisitos prévios que os alunos têm para assimilar a matéria nova, as
singularidades. Nesse sentido, desconsideram-se as condições de ensino e os
fatores externos e internos que podem interferir no rendimento dos alunos.

As críticas de Libâneo (1994) não cessam por aí. Para ele, muitos
professores utilizam a avaliação para recompensar os bons alunos e punir
aqueles que estão desinteressados. Percebe-se que as boas notas se
transformam em armas para intimidar e ameaçar alguns e premiar outros.
Dessa forma, o professor deixa de cumprir o seu papel de docente, isto é, de
responsável por assegurar as condições e meios pedagógicos-didáticos, e
estimular os alunos a aprenderem sem a necessidade de intimação. Inicia-se,
nesse momento, um processo inverso do que se espera do educar.

Nesse sentido, o aluno avaliado de forma classificatória tem um


objetivo: passar de ano. Assim, a necessidade é obter uma nota “boa”, para
alcançar o objetivo supremo. Sobre essa atribuição de notas, Perrenoud (1999,

142
Debates Contemporâneos em Educação

p. 12) afirma que se trata de “[...] uma mensagem que não diz de início ao
aluno o que ele sabe, mas o que pode lhe acontecer se continuar assim até o
final do ano. Mensagem tranquilizadora para uns, inquietante para outros, que
visa também aos pais, com a demanda implícita ou explicita de intervir antes
que seja tarde demais”. Percebe-se, neste momento, a importância da
consciência que os pais precisam ter da avaliação de seus filhos, pois muitas
vezes estes se preocupam apenas com as notas.

Pode-se afirmar, então, que a avaliação classificatória inverte a lógica


educacional, isto é, a avaliação deveria acompanhar todo o processo
educacional, porém, acaba se tornando apenas um objetivo, em que a
preocupação dos alunos é estudar para passar de ano. Salienta-se que esta
pesquisa observa o todo, sem generalizar, pois acredita na educação e nas
formas efetivas de avaliar. A preocupação central da escola e do professor,
portanto, passa a ser a avaliação ao invés da formação e do desenvolvimento
de competências e habilidades, isto é, o conhecimento do aluno. Segundo
Perrenoud (1999, p. 30), “competência é a faculdade de mobilizar um conjunto
de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.) para solucionar
com pertinência e eficácia uma série de situações”. Nessa perspectiva,
considera-se de suma importância diferenciar competência de habilidade.

De forma simplificada, a competência orquestra um conjunto de


esquemas de percepção, pensamento, avaliação e ação, enquanto a habilidade é
menos ampla e pode servir a várias competências. Perrenoud (1999, p.7)
afirma que “para enfrentar uma situação da melhor maneira possível deve-se,
de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos
complementares, entre os quais estão os conhecimentos”. Para Vasconcellos
(2000, p. 40-41), “a prática da avaliação escolar chega a um grau assustador de
pressão sobre os alunos, levando a distúrbios físicos e emocionais [...]”. O
autor complementa afirmando que “uma escola que precisa recorrer à pressão
da nota, é, certamente, uma triste escola e não está educando; é uma escola
fracassada”.

Cabe lembrar que o papel do professor está justamente na


responsabilidade frente aos alunos e na perspectiva de que possa haver um

143
Debates Contemporâneos em Educação

desenvolvimento em sua consciência para se tornar um agente de contribuição.


No momento em que o professor, a partir da mediação e da avaliação,
construir saberes com seus alunos, ele passa a emancipá-los. Não longe da
avaliação classificatória, a avaliação formativa se apresenta com uma nova
lógica avaliativa, dando menos importância à classificação. Passa, porém, a
enfatizar a regulação das aprendizagens, com práticas inovadoras. Para que isso
de fato ocorra é preciso muita pesquisa e diálogo a fim de que o professor
consiga direcionar as suas intencionalidades e construir aprendizagens a partir
da avaliação de seus alunos.

Para que a compreensão se concretize, faz-se necessário apresentar as


perspectivas e reflexões de Perrenoud (1999, p. 78): “Proponho considerar
como formativa toda prática de avaliação contínua que pretenda contribuir
para melhorar as aprendizagens em curso, qualquer que seja o quadro e
qualquer que seja a extensão concreta da diferenciação do ensino”. Nessa
direção, a avaliação formativa busca localizar as dificuldades no processo de
ensino-aprendizagem e contribuir para melhorar e alcançar o objetivo
proposto. É realizada para indicar ao professor e aluno como está sendo o
caminho em direção aos objetivos. Percebe-se, neste momento, que o
professor dá continuidade à sua avaliação, pois ela não é estanque e a partir
dela se constroem os saberes.

Para Sant’Anna (2009), a avaliação formativa deve considerar a


seleção dos objetivos e conteúdos, a elaboração de um quadro que possibilite a
identificação das áreas de maior dificuldade, a correção de erros e
insuficiências, a utilização de estudos dirigidos que propiciam revisão de pré-
requisitos, bem como a organização dos grupos de atividades de reforço.

Assim, é possível compreender que a avaliação formativa deve


especificar o que o professor deseja avaliar, além de determinar um objetivo a
ser alcançado. Para isso, necessita a construção de instrumentos que
possibilitem a obtenção das informações a respeito dos critérios estabelecidos.
A grosso modo, “[...] esse tipo de avaliação procura identificar as insuficiências
na aprendizagem durante o processo, com a função do controle da qualidade
do trabalho escolar” (SANTOS, 2005, p. 23). A avaliação formativa

144
Debates Contemporâneos em Educação

acompanha o aluno durante o processo de ensino-aprendizagem para que o(s)


objetivo(s) estabelecidos sejam alcançados. Por isso, as dificuldades dos alunos
devem ser compreendidas e trabalhadas, pois o controle sobre os conteúdos,
objetivos, professores e alunos demonstra o interesse da avaliação formativa,
isto é, a qualidade do trabalho.

Diante do caminho já percorrido, é necessário falar também sobre a


avaliação diagnóstica. Sua função é perceber o que o aluno aprendeu durante
os períodos anteriores, considerando sua bagagem de conhecimentos e
habilidades45. Para Santos (2005, p. 24), “ela ocorre antes do começo do
processo e tem como objetivo estabelecer as necessidades iniciais e subsidiar o
planejamento das ações”. Dessa forma, o docente planeja suas ações a partir
do que o aluno já sabe e conhece. Nesse sentindo, Luckesi (2010, p. 43) reitera
que,

Para não ser autoritária e conservadora, a avaliação terá de ser diagnóstica,


ou seja, deverá ser o instrumento dialético do avanço, terá de ter o
instrumento de identificação de novos rumos. Enfim, terá de ser o
instrumento do reconhecimento dos caminhos percorridos e da
identificação dos caminhos a serem perseguidos.

A avaliação diagnóstica, portanto, deve ser vista como uma


ferramenta de avanço. Para Sant’Anna (2009), é a partir da avaliação
diagnóstica que o professor vai elaborar estratégias de reforço, realizando um
feedback46. A partir disso o professor consegue perceber as causas de repetidas
dificuldades de aprendizagem para, então, estabelecer novos objetivos e
realizar a retomada dos objetivos não alcançados. O diagnóstico precisa ser
observado e reavaliado pelo professor em diferentes momentos,
oportunizando ao educando sua constante evolução e construção do
conhecimento.

45 A avaliação diagnóstica aqui compreendida tem intrínseca relação com a concepção de leitura de
mundo do aluno por parte do educador. Do mesmo modo, a avaliação diagnóstica parte do mundo, das
relações e da bagagem já constituída pelo educando: “a leitura de mundo revela, evidentemente, a
inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo” (FREIRE, 2013a, p. 121).
46 Conforme Sant’Anna (2009), o feedback tem por objetivo verificar em que medida os conhecimentos

anteriores aconteceram e o que é necessário planejar para solucionar as dificuldades encontradas.

145
Debates Contemporâneos em Educação

Não obstante, para Souza (1991, p. 37), a avaliação diagnóstica “visa à


caracterização do aluno no que diz respeito a interesses, necessidades,
conhecimentos e ou habilidades, previstos pelos objetivos educacionais
propostos, e à identificação [...] [das] dificuldades de aprendizagem”. Mais uma
vez observa-se que diagnosticar permite avaliar de forma clara o processo
educacional, permitindo um replanejamento do professor. Desse modo, a
avaliação diagnóstica acontece durante todo o processo pedagógico didático,
ou seja, no início, durante e também no final do desenvolvimento das aulas e
das aprendizagens.

Além disso, o professor fica a par de todo o processo de seu trabalho,


isto é, da disciplina, do conteúdo, da sua metodologia, da relação aluno-
professor e, inclusive, se a sua linguagem é compreensível. Nesse sentido, se a
avaliação diagnóstica não estiver voltada à função pedagógica-didática e não se
basear no feedback, ela se torna desnecessária. Por fim, “a avaliação diagnóstica
será, com certeza, um instrumento fundamental para auxiliar cada educando
no seu processo de competência e crescimento para a autonomia” (LUCKESI,
2010, p. 44). Salienta-se que essa forma de avaliar ocorre durante a trajetória do
educar.

A partir do enfoque dado às três concepções avaliativas percebe-se


que a avaliação se faz necessária no âmbito educacional. Cabe, porém, ressaltar
que a avaliação classificatória, que tem como objetivo julgar e classificar o
aluno, deve ser repensada pelos docentes, pois, muitas vezes, a incompetência
e/ou competência do aluno é reflexo da competência e/ou incompetência da
escola. Seria, desta forma, esse um dos princípios da falta de motivação do
aluno para com a educação?

Considera-se que sim, que se trata de um processo complexo e,


dificilmente, a incompetência recai aos professores, gestores e estrutura
escolar. O que se presencia são alunos cada vez menos motivados a estudar,
ler, compreender o passado, as tradições que podem dar luz aos caminhos
futuros. Tem-se, contudo, professores desmotivados, meros transmissores de
conhecimento/conteúdos, que não sabem interagir com as tecnologias
presentes no cotidiano dos alunos – ou, quando consideram estar integrando

146
Debates Contemporâneos em Educação

as tecnologias, estão apenas enfeitando as aulas, achando que inovaram a


aprendizagem.

Além disso, existem aqueles que reclamam da falta de


reconhecimento, mas mesmo assim continuam acomodados, sem interesse de
continuar os estudos, engessados nas práticas tradicionais ou, então, jamais
produziram conhecimento científico (artigos, resenhas, publicações em geral).
Se poderia afirmar, inclusive, que nem sempre a causa do não aprender é um
“problema de aprendizagem” e, quem sabe, seja um “problema de ensinagem”,
ou falta de motivação, dedicação e amor pela profissão.

Por isso, é de suma importância que o professor, primeiramente, se


constitua num eterno aprendiz, num amante da profissão, que busque
formação continuada, passe a discutir e analisar as aprendizagens, os métodos
avaliativos, a analisar todo o processo de ensino e aprendizagem, a
acompanhar o progresso dos alunos, os resultados, as falhas, as dúvidas, a fim
de corrigir, esclarecer e estimulá-los a alcançar resultados positivos durante o
processo avaliativo. E, ao docente, a reflexão dos objetivos pré-estabelecidos,
dos conteúdos e métodos para que possa desenvolver novas capacidades e
habilidades que contribuam para a melhora do processo educativo.

A legislação brasileira e a concepção de avaliação

Antes de iniciar a análise dos documentos que regulam a educação


brasileira e a presença da concepção de avaliação nesses documentos, cabe
ressaltar que a Constituição Federal de 1988 não apresenta considerações sobre
o termo avaliação escolar. Ela apenas abrange a educação em seu sentido geral,
porém, de modo indireto percebe-se a preocupação com a avaliação
educacional.

Inicia-se esta análise pela Constituição Federal de 1988,


principalmente pelo fato de ser o documento menos recente entre os três
escolhidos. Como ressaltado anteriormente, o documento não apresenta
concepção de avaliação educacional, mas legalidade no sentido pleno da

147
Debates Contemporâneos em Educação

educação. Nesse sentido, interessam os arts. 205 e 206, que apresentam


aspectos reflexivos sobre a prática avaliativa.

O art. 205 define a educação como um “[...] direito de todos e dever


do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Percebe-se que uma
das preocupações do artigo é o pleno desenvolvimento da pessoa, ou seja, do
aluno. Diante disso, pode-se indagar: o que seria esse pleno desenvolvimento e
como ele poderia ser alcançado pelo aluno? Ademais, qual a concepção de
avaliação que deveria ser utilizada para o aluno ter êxito em seu
desenvolvimento educacional?

Nessa direção, o art. 206, inciso VII, complementa e reitera que a


educação deve estabelecer a “garantia de padrão de qualidade”. Nesse
momento, percebe-se que os artigos estão em sintonia, possibilitando a
compreensão, de certo modo, do que se refere o pleno desenvolvimento do
educando, ou seja, a avaliação deve ser pensada para que o pleno
desenvolvimento do aluno seja possível de ser alcançado. A partir das
oportunidades oferecidas, a avaliação torna-se o alicerce para que o
desenvolvimento seja de fato concretizado. Em consonância, Morin (2012)
considera que quanto mais desenvolvida a inteligência geral, maior é a sua
capacidade de tratar problemas especiais. A educação deve favorecer a aptidão
natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente,
estimular o pleno emprego da inteligência geral.

Para Hoffmann (2014, p. 35), a “[...] qualidade de avaliação é


sinônimo de desenvolvimento máximo possível de cada um dos alunos,
visando a um permanente ‘vir a ser’, sem limites preestabelecidos, embora com
objetivos claramente delineados e desencadeadores da ação educativa”. Freire
(1992, p. 70-71), por sua vez, afirma que é preciso um movimento, e ressalta
que buscar o desenvolvimento pleno dos alunos significa “[...] pôr-se a
caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e não ficar, permanecer”.

No mesmo sentido, pode-se considerar que não há desenvolvimento


pleno se não houver qualidade. Para Demo (2005, p. 13), “na qualidade não

148
Debates Contemporâneos em Educação

vale o maior, mas o melhor, não o extenso mas o intenso; não o violento, mas
o envolvente, não a pressão, mas a impregnação”. Assim, percebe-se que o
pleno desenvolvimento do aluno e a garantia de uma educação de qualidade
requerem o resgate do humano em sua totalidade, nas dimensões física,
intelectual, emocional, espiritual, e este participa de outras dimensões, como
por exemplo, a dimensão social. Desse modo, Morin (2012, p. 56) considera
que “convém fazer a convergência de diversos ensinamentos, mobilizar
diversas ciências e disciplinas, para ensinar a enfrentar a incerteza”.

A avaliação que preza o desenvolvimento pleno e ensina a enfrentar


as incertezas visa

[...] o crescimento gradativo e respeita o aluno como pessoa em suas


inteligências múltiplas, com seus limites e suas qualidades. O processo
avaliativo está a serviço da construção do conhecimento, da harmonia da
conciliação, da aceitação dos diferentes, tendo como premissa uma melhor
qualidade de vida [e da educação] (BEHRENS, 2013, p. 68).

Para que o pleno desenvolvimento realmente seja alcançado, a


avaliação deve estar presente em todo o processo, não se limitando apenas à
classificação do aluno, segundo o seu aproveitamento específico, seja em uma
prova ou no final de uma etapa. Busca-se, aqui, criar um elo entre a avaliação,
desenvolvimento pleno e qualidade, pois o termo “qualidade” presente na
Constituição Federal de 1988 não estabelece como ela deveria ser alcançada,
além de não demonstrar o método avaliativo a ser contemplado. Para tanto,
inicia-se a análise da concepção de avaliação na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), a fim de compreender as relações existentes
entre a Constituição Federal de 1988 e a LDBEN no que se refere à avaliação.

O documento apresenta, primeiramente, no art. 7º, inc. II, que o


ensino terá “avaliação de qualidade pelo Poder Público”. Do mesmo modo, no
art. 9º, inc. VI, a União é responsável por: “assegurar processo nacional de
avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em
colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades
e melhoria da qualidade do ensino”. Percebe-se, desse modo, que os
documentos estão em sintonia, pois, ambos têm o objetivo de fornecer um

149
Debates Contemporâneos em Educação

ensino de qualidade, por isso o rendimento escolar (fundamental, médio e


superior) deve ser submetido à avaliação.

É de responsabilidade dos estabelecimentos de ensino, conforme o


art. 12, respeitar “as normas comuns e as do sistema de ensino [...]”; inc. V,
“promover meios para recuperação dos alunos de menor rendimento”; e inc.
VII, “informar os pais e responsáveis sobre a frequência e o rendimento dos
alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica”. Nesse
sentido, reforça a responsabilidade da escola e dos pais frente ao rendimento
do educando.

Não obstante, a LDBEN/96 cita também a responsabilidade dos


docentes frente ao ensino e aprendizagem. Desse modo, o art. 13, inc. IV,
estabelece “estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento”.
Todavia, no inc. V, consta que é responsabilidade dos docentes “ministrar os
dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos
períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento
profissional”, incumbindo o docente de participar de todo o processo de
ensino e aprendizagem, com a atenção voltada para os alunos de menor
rendimento.

No art. 24 da LDBEN/96 consta que:

A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de


acordo com as seguintes regras comuns: [Inciso II] c) independentemente
de escolarização anterior, mediante avaliação feita na escola, que defina o
grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição
na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo
sistema de ensino.

A avaliação do rendimento escolar deverá ser, conforme o art. 13, inc.


V: “a) [...] contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência
dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do
período sobre os de eventuais provas finais”. Assim, segundo Santos (2005, p.
24), a avaliação cumulativa pode ser compreendida como “[...] um tipo de
avaliação que permite a estocagem de dados obtidos por meio do
acompanhamento sistemático da aprendizagem”.

150
Debates Contemporâneos em Educação

Do mesmo modo, para Behrens (2013, p. 92), uma avaliação contínua


e cumulativa, “[...] perde o sentido de sanção, de autoritarismo e de poder, e
adquire a garantia de avaliar o envolvimento, a participação, a produção do
conhecimento, o progresso, a caminhada, enfim, a qualidade do processo
educativo”. Com isso, percebe-se a importância da presença contínua do
professor no processo educativo, em que a avaliação está para além de uma
simples nota, pois os resultados serão percebidos ao longo do período e não
somente no final de uma etapa do ensino, seja ela um bimestre, trimestre ou
semestre. Em outras palavras, uma educação que se apresente contrária à
relação vertical ou à “educação bancária” criticada por Freire (2013b).

Dessa forma, uma avaliação que desconsidera o todo não tem


condições de observar e sanar as dificuldades apresentadas pelos educandos
em todas as atividades realizadas e, consequentemente, deixa de cumprir a
função de avaliar a qualidade do trabalho escolar. Espera-se muito do aluno,
mas o professor precisa, por intermédio do seu planejamento, convidá-lo para
a ação, pois a visão que o planejamento tem para a educação de hoje é que ele
deixou de ser um documento burocrático e meramente opcional, mesmo que
ainda em alguns sistemas de ensino sirva como uma ferramenta de controle da
ação pedagógica do professor. O planejamento passou a ser um fator central e
organizacional do desenvolvimento e andamento das escolas tanto em relação
à previsão da ação do professor em sala de aula e fora dela como na previsão
da escola, para que seus objetivos de ensino possam ser transformados em
realidade, levando em consideração a iniciativa dos estudantes.

Nesse sentido, pode-se observar que o termo aparece novamente no


art. 36, inc. II, a ser adotado pelo currículo do ensino médio, como já se referiu
anteriormente: “metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a
inciativa dos estudantes”. Neste contexto, para Behrens (2013, p. 83),

Ao tornar-se dinâmico, articulador, mediador, crítico e criativo, o docente


provoca uma prática pedagógica que instiga o posicionamento, a
autonomia, a tomada de decisões, a reflexão, a decisão e a construção do
conhecimento, atuando como parceiro experiente no processo educativo.

151
Debates Contemporâneos em Educação

Cabe ressaltar, porém, que de nada adianta a escola e os professores


propiciarem um ambiente dinâmico, capaz da produção de conhecimento, se o
aluno não se tornar um sujeito desse processo, ou seja, o aluno deve ser um
constante questionador, ser criativo, saber conviver e adquirir autonomia para
ser capaz de refletir sobre a produção do conhecimento. Conforme Savater
(2012, p. 142), é necessário que o aluno “[...] esteja convicto que é socialmente
desejável formar indivíduos autônomos capazes de participar em comunidades
que saibam transformar-se sem renegar a si mesmas, que se abram e se
ampliem sem perecer [...]”. Nesse momento, encontra-se um grande desafio do
século XXI e da geração que se apresenta, cujas vontades e ambições de
aprender estão escondidas. Cabe, então, ao professor, buscar motivar seus
alunos, transformando-os em indivíduos autônomos e capazes.

A análise da LDBEN/96 propiciou apresentar diversas reflexões


sobre a concepção avaliativa durante o processo educacional, primeiramente,
preocupada com a qualidade de ensino e, posteriormente, incumbindo as
escolas, professores e alunos na constante tarefa de aprender a aprender, de
possibilitar, a partir de metodologias e práticas avaliativas inovadoras, a
possibilidade da produção do conhecimento, da reflexão, da autonomia, da
responsabilidade e, por parte do professor, construir o sentido do
conhecimento em mediação constante com o educando, deixando de ser uma
relação vertical para ser um alargamento de horizontes.

Em suma, “o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria,


sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos
às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado
em sua experiência cotidiana com os alunos” (TARDIF, 2012, p. 39). Ou,
ainda, segundo Condorcet (2008, p. 120), o professor “[...] precisa saber
resolver e prever de antemão as dificuldades que podem surgir [...] de seus
discípulos. A arte de instruir só se adquire com o costume, só se aperfeiçoa
com a experiência”, pois “[...] trata-se, de uma das profissões que exigem que
um homem a ela dedique a vida inteira ou uma grande parte de sua vida, com
gosto, doçura e firmeza de caráter, paciência e zelo, simplicidade, dignidade,
flexibilidade e método” (CONDORCET, 2008, p. 119).

152
Debates Contemporâneos em Educação

Por fim, analisa-se o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024,


com o objetivo de compreender a utilização e o significado do termo avaliação
presente em suas metas e estratégias educacionais. Novamente, percebe-se a
relação entre os documentos já analisados, pois o PNE 2014- 2024 estabelece
no art. 2º, inc. IV, a “melhoria da qualidade da educação”, que será
comprovada conforme estabelecido no art. 11, pelo

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), coordenado


pela União em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, constituirá fonte de informação para avaliação da qualidade da
educação básica e para a orientação das políticas públicas desse nível de
ensino.

O objetivo de avaliar a qualidade de ensino refere-se à divulgação dos


indicadores de rendimento escolar, que poderão ser resultantes de outros tipos
de exames nacionais de avaliação (IDEB, ENEM...), que constam na meta 3,
estratégia 3.6:

Universalizar o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM,


fundamentado em matriz de referência do conteúdo curricular do ensino
médio e em técnicas estatísticas e psicométricas que permitam
comparabilidade de resultados, articulando-o com o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica – SAEB, e promover sua utilização como
instrumento de avaliação sistêmica, para subsidiar políticas públicas para a
educação básica, de avaliação certificadora, possibilitando aferição de
conhecimentos e habilidades adquiridos dentro e fora da escola, e de
avaliação classificatória, como critério de acesso à educação superior.

Percebe-se, assim, que a preocupação do sistema de avaliação do


rendimento escolar não está voltada apenas às aprendizagens escolares
(internas) mas, também, à aprendizagem da vida, com a sociedade, com o
homem e/ou sujeito que pretende educar. Mas, em contrapartida, o acesso à
educação superior dar-se-á por meio de critérios classificatórios. Segundo
Santos (2005), a classificação é utilizada com a finalidade de atribuir notas, de
classificar os resultados obtidos pelo educando ao final de um semestre ou
ano, e resulta na tomada de decisões sobre a interrupção ou continuidade do
processo educacional.

153
Debates Contemporâneos em Educação

Conforme a meta 7, estratégia 7.7, o sistema deve “aprimorar


continuamente os instrumentos de avaliação da qualidade do ensino
fundamental e médio, [...] bem como apoiar o uso dos resultados das
avaliações nacionais pelas escolas e redes de ensino para a melhoria de seus
processos e práticas pedagógicas”. Do mesmo modo, a estratégia 7.11 refere
que é necessário “melhorar o desempenho dos alunos da educação básica nas
avaliações da aprendizagem no Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (PISA), tomado como instrumento externo de referência,
internacionalmente reconhecido”. Nota-se a preocupação do PNE em
universalizar os exames nacionais, com o objetivo de torná-los referência.

Além disso, a meta 9, que se refere à erradicação do analfabetismo,


apresenta a estratégia 9.6: “realizar a avaliação por meio de exames específicos,
que permita aferir o grau de alfabetização de jovens e adultos com mais de 15
(quinze) anos de idade”. Com a obtenção dos resultados será possível executar
ações para erradicar o analfabetismo, como consta na meta 10, estratégia 10.7:
“fomentar a produção de material didático, o desenvolvimento de currículos e
metodologias específicas [e dos] instrumentos de avaliação [...]”.

Diante das análises realizadas, portanto, percebe-se a constante


preocupação do PNE em objetivar a melhoria da qualidade de ensino por
meio de exames nacionais. Além disso, busca também a participação da
comunidade em geral na autoavaliação da instituição escolar, dos gestores e
também dos professores, conforme consta na meta 13, estratégia 13.3. Em
suma, pode-se considerar que a Constituição Federal de 1988 se preocupa
somente em avaliar a qualidade de ensino. Reforça, também, em alguns artigos,
a LDBEN/96, enquanto o PNE, a partir de seus programas e exames, busca
avaliar a qualidade de ensino, que é preocupação central dos arts. 205 e 206 da
Constituição Federal de 1988. Além disso, pode-se notar que somente a
LDBEN/96 aproxima, em alguns artigos (13, 24, 36), práticas que se referem
ao espaço escolar, à prática do professor e à relação professor-aluno.

Ademais, é importante destacar a preocupação em relacionar a


qualidade de ensino com os exames nacionais e/ou programas que “medem” o
rendimento dos educandos e, enfim, questionar: uma escola que esteja

154
Debates Contemporâneos em Educação

preocupada apenas em apresentar bom rendimento nos exames e/ou


programas tem a preocupação em avaliar o aluno em um diagnóstico, ou em
avaliações contínuas ou cumulativas que refletem as condições de
aprendizagem e posterior inibição das dificuldades apresentadas? Ou, então,
até que ponto os resultados/índices resultantes dos programas avaliativos
refletem, verdadeiramente, a realidade e aprendizagem dos alunos? Uma
avaliação que se baseia em dados e índices preza realmente pelo
desenvolvimento dos educandos? Há uma transformação efetiva na
aprendizagem ou métodos avaliativos após a presença de índices baixos?

Essas inquietações revelam que o problema da avaliação, ou de como


e o que avaliar, vão para além da sala de aula. Nem sempre, contudo, estes
índices condizem com a realidade escolar, pois em várias escolas, por exemplo,
o ENEM (e outros exames nacionais) é realizado de modo classificatório, isto
é, selecionam-se apenas os melhores alunos para que as notas sejam “boas” de
modo a servir de modelo para as demais. Nesse sentido, a realidade está
obscurecida e não condiz com a situação, diferente de outras escolas, onde a
maioria dos alunos presta os exames nacionais. O que chama a atenção ainda, é
que após os exames nem sempre são realizadas mudanças nas escolas. Os
professores até conferem os dados das escolas, mas não discutem os
problemas e as possíveis soluções para resolvê-los. Continuam a “dar aula”, a
seguir os conteúdos, a avaliar da mesma maneira (inclusiva, daí sim), utiliza-se
a nota como parâmetro para o sucesso ou fracasso escolar (reprovação).
Quando, porém, é necessário analisar os motivos dos índices baixos em áreas
específicas (Linguagens, Ciências da Natureza, Ciências Humanas...), o silêncio
toma conta das discussões e dos profissionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dar sentido a um tema tão polêmico como a avaliação, com certeza,


foi um dos grandes desafios desta pesquisa. O tema avaliação, pela sua
importância e relevância no atual contexto escolar, deve ser debatido com
frequência no âmbito educacional, bem como nas graduações de licenciaturas.

155
Debates Contemporâneos em Educação

A pesquisa permitiu, de fato, compreender melhor o que significa


avaliar no contexto educativo. Buscar compreender a trajetória das concepções
avaliativas possibilitou mostrar as fissuras presentes nas formas de avaliar, cuja
prática deveria ser um ato amoroso, como considera Luckesi (2010). Do
mesmo modo, o estudo possibilitou refletir sobre as práticas avaliativas ainda
presentes na educação contemporânea. Por conseguinte, a análise dos
documentos que regulam a educação brasileira possibilitaram compreender o
suporte legal estabelecido para o ato de avaliar, além de refletir sobre as
práticas avaliativas.

Podemos considerar que faz-se necessária uma avaliação que não se


transforme em medo, em impasse, fetiche, peso, fracasso ou em monstro para
os educandos, mas que tenha em vista a aprendizagem contínua e a melhoria
da ação pedagógica, onde o professor/avaliador assume o papel de
investigador, companheiro e organizador das experiências que possam ser
significativas para a aprendizagem dos educandos.

O compromisso do professor/avaliador é agir de modo reflexivo,


(re)criando sugestões e alternativas pedagógicas a partir da observação e do
conhecimento de cada aluno – respeitando a diversidade presente em cada sala
de aula –, sem se tornar solitário, buscando discutir e promover práticas e
ações interativas com todos os docentes. Cabe destacar que avaliar não é
observar apenas se o aluno aprende, essa resposta já se tem, pois todos
aprendem sempre, senão não estariam sequer vivos, uma vez que, enquanto se
respira, se aprende. A ênfase, porém, recai no sentido de se aprender melhor
com outro, com o diferente, com o apoio e desafios, esse é o papel que deve
ser assumido em conjunto.

As concepções aqui delineadas são princípios norteadores da


avaliação nos diferentes segmentos de ensino. E, toda vez que os estudos
tratam da avaliação, parecem mexer com as estruturas, diretores,
coordenadores, professores, funcionários, pais e até mesmo alunos.
Dificilmente se assume o compromisso em mudar, já que desestabiliza práticas
“engessadas”, e interfere nas diferentes relações que se estabelecem entre os

156
Debates Contemporâneos em Educação

elementos da prática educativa. Há de se destacar, contudo, que existem


escolas que vêm apresentando experiências importantes na avaliação.

É necessário, entretanto, que essas experiências ultrapassem os


“muros” da escola, e que sejam divulgadas sem o temor das inseguranças, as
quais devem nutrir os debates de maneira a alcançar as metas da qualidade em
educação. Finalmente, que as preocupações assumidas neste estudo, as
inquietações e a ânsia por novos horizontes provocativos, possam levar a
outros caminhos, novas pesquisas, novos problemas e possibilidades. E, juntos
com Mario Osorio, conclui-se este estudo, mesmo sabendo que ele não
terminou...

E esta não é uma mera conclusão a que chegamos; é um convite que, mais
uma vez, fazemos extensivo aos colegas, profissionais da educação, no
sentido de aprofundarmos nossa reflexão sobre as responsabilidades que
nos cabem, e às nossas escolas, nesta busca, com nossos alunos, das novas
aprendizagens exigidas pelos tempos neomodernos. (MARQUES, 1993, p.
112).

Nós aceitamos...

157
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

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pedagógica. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

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______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 20
maio 2018.

______. Plano Nacional de Educação 2014-2024. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: 20 maio 2018.

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memórias sobre a instrução pública. Tradução de Maria das Graças de Souza.
São Paulo: Ed. Unesp, 2008.

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(Coleção Polêmicas do Nosso Tempo).

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro:


Vozes, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do


oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

_____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 45.


ed. Rio de

158
Debates Contemporâneos em Educação

Janeiro: Paz e Terra, 2013a.

_____. Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013b.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: uma prática em construção da


pré-escola à universidade. 33. ed. Porto Alegre: Mediação, 2014.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994 (Coleção


Magistério. 2º grau. Série Formação do Professor).

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e


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MARQUES, Mario Osorio. Conhecimento e Modernidade em Reconstrução.


Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1993.

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.


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159
Debates Contemporâneos em Educação

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Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação: concepção dialética-


libertadora do processo de avaliação escolar. 11. ed. São Paulo: Libertad, 2000.

160
Debates Contemporâneos em Educação

CAPÍTULO III

Educação e Diversidade

161
Debates Contemporâneos em Educação

9 - MULTIPLICIDADE CULTURAL DO OUTRO

Luiz Fernando Ferrari 47

INTRODUÇÃO

Os discursos sobre a cultura enquanto concepção sócio-histórica


proporciona inúmeros debates na educação. A temática permite navegar por
vários espaços midiáticos, sociais, culturais com manifestações de flexibilização
e confrontamentos com o “outro”, ou seja, a busca pela afirmação de direitos
de identificação e o respeito à tolerância.

Nesse processo, a educação surge com um sistema de propagação e


de multiplicação do conhecimento, pois exerce um papel fundamental na
socialização dos recursos e das informações sobre as temáticas da diversidade
vivenciadas em sociedade.

Discorrer sobre a diversidade cultural na escola é essencial para


reconhecer as identidades, além de difundir a tolerância e a diversidade.

Trabalhar na ótica do reconhecimento das diferenças e das múltiplas


perspectivas das diversidades (sociais, raciais, econômicas, culturais) permite
analisar determinados valores morais e sociais consolidados culturalmente.

Dentro dessa ótica, a diversidade cultural como princípio educativo


extrapola a noção de identidade nacional e se concretiza por meio das
experiências e vivências sociais e culturais que envolvem os indivíduos na
sociedade.

47
Doutorando em História Regional pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Professor da rede
estadual de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

162
Debates Contemporâneos em Educação

Neste sentido, o artigo tece algumas peculiaridades sobre a


diversidade cultural, relacionada às situações de aprendizagem no âmbito da
educação escolar. Compreender o papel do outro, da escola e dos educadores
em relação à multidimensionalidade cultural presente na sociedade é
imprescindível.

Diante disso, o objetivo deste artigo é descrever, analisar e ponderar


sobre a diversidade cultural e não apenas reconhecer o outro como diferente,
mas, considerar a relação entre o “eu e o outro”.

Nessa conjuntura, a escola se torna um ambiente sociocultural em


que as diferenças se manifestam e se confrontam. O reconhecimento e a
valorização à diversidade cultural propicia ferramentas para a compreensão
dessa diversidade.

A experiência como metodologia educativa para a multiplicidade cultiral

O ensinar parte das experiências dos alunos, da sociedade, da família


e propõe uma perspectiva teórico-metodológica que manifesta o cotidiano de
grupos, das memórias e das lembranças dos sujeitos de todos os segmentos
sociais.

Para tanto, a escola passa a fornecer condições para que o aluno


participe do processo de socialização e compreensão dessa diversidade cultural,
particularmente da valorização dessa diversidade e sob os vários pontos de
vista. Há que se considerar em conformidade com Brodbeck (2012) que,

É através da percepção de suas experiências de vida que o aluno pode


incorporar com maior propriedade os saberes escolares de forma crítica e
contínua, melhorando sua compreensão do mundo e ampliando sua ação e
interação [...] O conhecimento da experiência humana no tempo, através da
capacidade de análise, interpretação crítica, síntese e manejo de fontes
informativas (p. 15)

Nesse contexto, a multiplicidade cultural viabiliza a construção de


uma problematização, a configuração de inúmeras histórias baseadas em

163
Debates Contemporâneos em Educação

sujeitos distintos, além de oportunizar o aparecimento de outras visões que


estavam silenciadas, não institucionalizadas. Essa metodologia enaltece as
experiências individuais e coletivas e acarreta na construção de outras
realidades históricas e sociais.

A experiência se constitui numa tentativa de compreender a


configuração de uma complexa rede, na qual se apresentam grupos que se
mesclam, disputam, atacam, e mobilizam todas as forças para ter a sua
representatividade.

A multiplicidade cultural, as memórias e as experiências podem


expressar elementos da cultura local, os costumes e as regras de convivência
com um determinado grupo. As lembranças reproduzem comportamentos.

Abordar multiplicidade cultural é uma temática complexa e


desafiadora, pois os alunos dialogam com experiências e memórias pautadas
numa subjetividade, ou seja, pelo meio em que se relacionam ou por seus
valores e perspectivas. Para esse fim, há necessidade de se
problematizar/contextualizar as temáticas abordadas. Dessa forma, pode-se
trazer para o debate várias questões relacionadas ao cotidiano, como a
contextualização do local a ser trabalhado.

A coletivização da multiplicidade cultural está inserida nos grupos,


nas representações sociais, nos fatos marcantes, nas etnias. Processa-se numa
ótica do mundo visual, como um campo imagético, ritualístico ou simbólico.

Nesse sentido, conduz a uma criação testemunhal, que produz uma


matéria da experiência, um vestígio. Mesmo que seja fixa, é algo dinâmico, que
traduz movimento, inserida numa conexão entre o visível e o invisível, o que
se imagina, o transtemporal, a presença dos ausentes, a verdade visual com a
realidade social.

Esses elementos que norteiam a memória coletiva de um


determinado período, podem servir de subsídio para obter uma compreensão
de um período histórico abordado em sala de aula.

164
Debates Contemporâneos em Educação

Essa compreensão pode ser considerada uma fonte histórica como


toda produção humana. Através da análise das memórias é possível ter uma
percepção do contexto que está colocado/proposto/estabelecido.

Por conseqüência, pode-se denominar os objetivos das propostas


apresentadas, a estruturação de uma síntese dos diversos momentos, bem
como destacar os fatos mais expressivos nos aspectos sociais, políticos,
econômicos e culturais.

Tendo em vista as especificidades de aquisição da multiplicidade


cultural, o professor é peça fundamental para criar momentos/situações de
trocas de informações, estimulando a construção de relações das experiências,
confrontação, possibilidades e de metamorfismo e concepções históricas. As
temáticas ocupam um papel importante no processo ensino-aprendizagem, nos
critérios, na distinção, na consonância e no contexto histórico em que as
problemáticas sociais se inserem.

Nessa perspectiva, as temáticas concomitantemente não contemplam


a organização dos fenômenos sociais historicamente estabelecidos, mas
abrangem situações inerentes aos valores culturais, socioeconômicos e
políticos.

Dessa maneira, a multiplicidade cultural aprofunda-se no âmbito


escolar às experiências individuais e coletivas. Dentro desta ótica, as
experiências cotidianas tornam-se cruciais para um possível entendimento das
vivências do dia a dia individual e coletivo.

A diversidade adentra num cenário de eventos que se sucedem, da


incorporação do passado como fonte de orientação, atribuindo um sentido de
identificação/significação e na mediação do quadro social/cultural, que produz
uma continuidade na sedimentação da experiência humana.

Portanto, pode ser mensurada como uma fonte de padronização,


como um ponto de referência, que passa a exercer uma força reguladora da
vida coletiva, que indica condutas e produz uma representação às formas de
organização social.

165
Debates Contemporâneos em Educação

A fim de compreender como esses elementos podem estar


relacionados e identificados à diversidade cultural, ressalta-se seu papel na
ordenação do que pode aparentar uma realidade com o poder, a construção de
suas representações, com as simbologias materializadas em seus rituais, em
seus signos, nos aspectos políticos/econômico-sociais/culturais, com imagens,
nas suas ideologias e no processo de uma coletivização, nas crenças e no
consenso social, e nas suas manifestações/representações.

As representações promovidas historicamente pressupõem que o


imaginário coletivo e o real percorrem para uma simbologia e significações
contidas nos mitos, no poder e no pertencimento cultural, que está ligada à
memória coletiva. Isso porque, o imaginário produz significações que
necessitam do passado como as tradições, crenças, identidades, cultura, valores
e imagens que estão interligadas.

Igualmente, há que se considerar, portanto, que o passado sofre uma


rejeição de sua simbologia, quando os grupos sociais perdem o sentido de sua
significação (TEDESCO, 2011).

Com o propósito de compreender como essas temáticas estão


relacionadas com as experiências, Bosi ressalta que “A lembrança é a
sobrevivência do passado. O passado, conservando-se no espírito de cada ser
humano, aflora à consciência na forma de imagens-lembrança. A sua forma
pura seria a imagem presente nos sonhos e nos devaneios” (2010, p. 53).

A partir de convergências e divergências de ideias da diversidade


cultural e os conflitos e as contradições que a envolvem, não é incomum, pois
a modernidade e a tradição podem coexistir num cenário em que a velocidade
das informações transcende o passado.

166
Debates Contemporâneos em Educação

A escola e seu papel com a multiplicidade cultural

O princípio educativo, sob a perspectiva da diversidade cultural


permite acreditar que os valores sociais e culturais frutificam no currículo
formal no âmbito escolar.

O papel da escola, através de procedimentos educativos, está em


difundir as contribuições socioeconômicas e culturais de múltiplos grupos.
Assim, torna-se vital uma relação entre cultura e educação, para que se produza
uma aprendizagem sob aspecto cultural. Compreender os valores
socioculturais por meio de atividades pedagógicas permite perspectivas de uma
educação mais democrática. Para tanto, [...], a escola deve ser local de
aprendizagem de que as regras do espaço público democrático garantem a
igualdade, do ponto de vista da cidadania, e ao mesmo tempo a diversidade
como direito (BRASIL, 1998, p. 69).

Nesse sentido, a prática pedagógica tem o papel de desempenhar e


valorizar a pluralidade cultural, além de contribuir para uma convivência
simétrica e pacífica entre os sujeitos que compõem os grupos sociais. Assim,
trabalhar com diversidade cultural em sala de aula fomenta inúmeras
indagações e provocações e ao mesmo tempo promove uma discussão de
saberes sociais e culturais, que contribuem para a formação do cidadão. Dentro
desta ótica,

A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à


valorização de características étnicas e culturais dos diferentes grupos
sociais que convivem no território nacional, às desigualdades
socioeconômicas e à crítica às relações sociais a possibilidade de conhecer o
Brasil complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal (BRASIL, 1998,
p. 121)

Quando temas como a escola e a diversidade cultural são abordados,


sinaliza-se para o reconhecimento das multiplicidades, das diversidades, das
heterogeneidades e das peculiaridades que no Brasil abre um leque do
multifacetamento de contradições de diferentes grupos.

167
Debates Contemporâneos em Educação

Nesse contexto, aceitá-las considerá-las, ou mesmo tolerá-las, se torna


um processo essencial no interior do sistema educacional. Esse
reconhecimento muitas vezes não é nada fácil, pois, o novo, o diferente, os
múltiplos, o diferenciado, o divergente nem sempre fascina, cativa, encanta.

Dentro desta ótica, a diversidade cultural pode assustar, instigar,


provocar, estimular novos olhares e até rever as práticas, ações, metodologias,
opções, enfim, valores e a forma de compreender e entender a diversidade
cultural de um determinado lugar.

Mas o fato de ocorrer um reconhecimento pode provocar e acarretar


um rompimento com preceitos, mesmo sem superar velhas opiniões ou estar
em contato com culturas diferenciadas.

A promoção de projetos educacionais que trabalham com as


diversidades culturais nas escolas, desafiam a interpretar e reinterpretar os
valores socioculturais e que foram sócio-históricos e culturalmente aprendidos.

Os procedimentos pedagógicos produzidos permitiriam atingir frutos


relevantes na vida social, intelectual, política e cultural das pessoas. A escola
tende a ser uma porta de acesso a essa valorização social, cultural, identitária e
de uma política cultural.

A abordagem sobre a diversidade cultural associa-se a uma


perspectiva complexa, multifacetada, que se movimenta em direção à formação
e recriação dos métodos pedagógicos que ocorrem com base na vinculação
educativa, estabelecida entre os sujeitos de aquisição.

Possivelmente, uma das grandes dificuldades da escola é promover o


“reconhecimento” de uma diversidade cultural, como parte inerente de sua
identificação e como forma de pertencimento diante da riqueza cultural, e de
sua representatividade. Nesse aspecto, a escola tem o papel de promover o
debate e procurar superar quaisquer formas de discriminação, além de valorizar
a trajetória de cada grupo.

168
Debates Contemporâneos em Educação

Nesse aspecto, compreender as teorias e as políticas de educação é


pressuposto para entender aprender e conceber sobre o papel da escola e dos
educadores, em relação à pluralidade cultural presente na sociedade.

Todavia, torna-se fundamental que a escola seja a interlocutora e


permita que o aluno perceba a existência de diferentes interpretações do
passado, de culturas, que estão em constante movimentação em detrimento do
lugar e do momento em que estão inseridos. Este processo qualifica a forma
de interação de como se compreende o mundo social da atualidade (GIL;
VARGAS, 2012, p. 115). Nesse âmbito, Nemi; Martins; Escanhuela (2009)
sinalizam que,

O professor é fundamental na organização dos assuntos significativos e na


criação de atividades complementares, que têm por meta favorecer a
liberdade de expressão e a iniciativa dos alunos. O objetivo de um educador
é ajudar o aluno a desenvolver sua autonomia e iniciativa. Para tanto,
seleciona os objetos de estudo que os alunos vão organizar e processar (p.
88-89)

Nesse sentido, torna-se inevitável que a escola siga para uma


educação que promova um espaço que oportunize um debate sobre as
diversidades culturais, o desenvolvimento das habilidades, condições de leitura,
escrita e a problematização. E por último mensurar as informações e
transformá-las em conhecimento.

Assim, “Não cabe ao professor fornecer conhecimento pronto para


ser consumido mecanicamente pelos alunos. A ele cabe incentivar a
curiosidade dos alunos para que adquiram um bom instrumental de análise
histórico-social e ampliem sua visão de mundo” (NEMI; MARTINS;
ESCANHUELA, 2009, p. 88).

O professor é uma ferramenta para o qual o aluno, através de sua


vivência de experiências, construa seu conhecimento e assim formule seus
próprios questionamentos sobre as diversidades.

No universo escolar se estabelece relações afetivas e sociais que têm


contribuído para a formação dos cidadãos. Nessa perspectiva, existe uma forte

169
Debates Contemporâneos em Educação

apreensão dos educadores para assegurar um ambiente que permita uma


socialização do conhecimento.

Gadotti (1992) conjectura que, a escola tem dificuldade em


equacionar a relação entre a identidade cultural e o percurso educativo dos
alunos, principalmente das camadas populares. Nesse contexto Gadotti,
considera que,

A teoria de uma educação multicultural visa a responder adequadamente a


essa questão, levando em conta a diversidade cultural e social dos alunos. A
primeira regra dessa teoria da educação é o pluralismo e o respeito à cultura
do aluno. Ela tem, portanto, como valor básico a democracia. Propõe-se
instaurar a equidade e respeito mútuo, superando preconceitos de toda a
espécie, principalmente os preconceitos de raça e de pobreza (os excluídos
da escola são principalmente os negros e pobres). Sem esses princípios não
se pode falar em educação para todos ou de melhora da qualidade de ensino
(1992, p. 20-21)

A educação com um olhar multicultural, pluricultural, enfrenta o


desafio de manter a paridade entre uma cultura local, regional ou de uma
localidade específica. Esse processo se manifesta e se contrapõe com a cultural
eurocêntrica. Diante disso, nota-se a centralidade e superioridade da visão
europeia sobre as outras visões de mundo.

A escola nesse processo tem o papel de abrir horizontes, para


promover o entendimento de múltiplas culturas, habilidades, aptidões,
capacidades, saberes, competências, linguagens, expressões. São
multifacetamentos de situações de possibilidades que a escola pode
proporcionar, mediar/intermediar, interpor-se sobre sociedade pluralista e
interdependente.

Esse processo de entendimento implica na isonomia de


oportunidades, principalmente, das camadas menos favorecidas. Ainda dentro
dessa ótica, Gadotti menciona que a educação multicultural deve promover um
debate sobre a complexidade gerada pela diversidade cultural, além da
necessidade do Estado viabilizar uma educação igualitária, que aponta
estratégias para superar essa lacuna (1992, p. 22).

170
Debates Contemporâneos em Educação

O outro na multiplicidade cultural

Os múltiplos estudos da multiplicidade cultural permitem a


construção de uma identificação individual e coletiva, à medida que se inserem
diferentes conhecimentos sob a dimensão do “outro”, ou de “outras”
culturas/valores em diferentes momentos históricos.

A diversidade cultural pode abordar temas complexos, que podem


estar inseridos em aspectos de intolerância. Nesse âmbito, a diversidade
propõe refletir sobre as diferenças, a variedade, a divergência, a discordância de
temas distintos. Assim, a convivência e a interação com diferentes culturas
permitem e viabilizam a expansão de conhecimentos e de valores culturais de
outros grupos além de tolerância perante a essas diferenças.

Para tanto, o grande desafio da escola é trabalhar com o


reconhecimento da diversidade como parte de representatividade social,
conferindo na superação de qualquer tipo de distinção de grupos que
compõem a sociedade.

A escola transforma-se num local onde a pluralidade cultural deva


trabalhar com a coexistência, em igualdade dos diferentes. Essa coexistência
baseada na tolerância, no respeito a essas diferenças permite que o outro seja
aceito pela sua diferença.

Dessa forma e sob tal complexidade, a diversidade cultural percorre


através de períodos históricos os elementos coercitivos do Estado, a
idealização e a realização de projetos ideológicos, os confrontos hegemônicos,
a utilização midiática das informações, as organizações sociais que se
manifestam sobre o diferente ou do “outro”. Essa conjuntura se fez presente
no processo de desenvolvimento e de reconhecimento dessas diferenças. Em
face dessa contingência,

Reconhecer essa complexidade que envolve a problemática social, cultural e


étnica é o primeiro passo. A escola tem um papel fundamental a
desempenhar nesse processo. Em primeiro lugar, porque é um espaço em
que pode se dar a convivência entre estudantes de diferentes origens, com
costumes e dogmas religiosos diferentes daqueles que cada um conhece,

171
Debates Contemporâneos em Educação

com visões de mundo diversas daquelas que compartilha em família. Nesse


contexto, ao analisar os fatos e as relações entre eles, a presença do passado
no presente, no que se refere às diversas fontes de que se alimenta a
identidade – ou as identidades, seria melhor dizer – é imprescindível esse
recurso ao Outro, a valorização da alteridade como elemento constituído
do Eu, com o qual experimentamos melhor quem somos e quem podemos
ser. Em segundo, porque é um dos lugares onde são ensinadas as regras do
espaço público para o convívio democrático com a diferença. Em terceiro
lugar, porque a escola apresenta à criança conhecimentos sistematizados
sobre o país e o mundo, e aí a realidade plural de um país como o Brasil
fornece subsídios para debates e discussões em torno de questões sociais
(BRASIL, 1998, p. 123)

A compreensão dos elementos da diversidade cultural como princípio


educativo leva, portanto, a aquisição de valores sociais e culturais do “outro”,
não de forma classificativa, mas de relação social e convivência social. Nesse
âmbito, soa como algo provocativo que vai além do discernimento de inserção
de integração, mas, novos conceitos, novas práticas pedagógicas que permitem
novas percepções de relações sociais, de maneira que haja clareza dos temas
abordados.

Essas premissas apontam para a necessidade de haver um diálogo


para pensar no outro, na distinção e nas multiplicidades que possibilitam
fomentar aprendizagens mútuas de desconstrução/reconstrução, promovendo
diversos campos de saberes. Esses processos acarretam possibilidade de
mudanças e aceitação. Em conformidade com Trevisan (2014), à necessidade
de reconhecer,

[...] o reconhecimento implica, portanto, entender a ausência da aceitação,


respeito e acolhimento à voz e ao olhar do outro, naquilo está sendo
planejado ou idealizado no plano das relações sociais. Mas a concordância
não se restringe ao aspecto cognitivo, atinente apenas à sua posição teórica,
ideológica ou epistemológica (p. 18)

As dificuldades em reconhecer o outro como igual são de tal


dimensão, que passam pela premissa a ausência ou a aceitação, a questão do
reconhecimento recíproco, dos indivíduos ou dos grupos, de suas relações
sociais.

172
Debates Contemporâneos em Educação

A idealização e a interpretação levam a considerar uma perceptível


visão no âmbito de repensar o outro como um aspecto de uma nova
configuração social. Nesse aspecto, Trevisan (2014) considera que o,

O entrecruzamento de ideias e noções, pelo ângulo crítico e interpretativo,


é um ponto de passagem importante para repensar a emergência do outro
na configuração da nova esfera do ordenamento social. A partir da elevação
do “outro” à categoria central para pensar os procedimentos pedagógicos, é
redimensionado o tratamento dado à história do conhecimento, tornando
mais sensíveis as experiências de não reconhecimento e contribuindo,
assim, para abordar a crise da ideia de formação, como algo que não mais se
sustenta por si só, porque perdeu as suas referências fixas (p. 21)

Trevisan (2014) entende que a eminência do outro, o promova à


categoria central, numa metamorfose, receptiva aos ensaios de experiências de
não reconhecimento, tendo assim, uma instabilidade na formação de suas
convicções.

Essa diversidade de ideias culturais não faz referência somente ao


outro, mas também entre as individualidades e o outro.

Em face dessa contingência, a premissa está na discussão, na


controvérsia, no debate, nos elementos que contribuem para a discussão sobre
a riqueza da diversidade cultural. Mas, há que se considerar a todo o momento
as semelhanças e diferenças culturais no quesito de comparação individual e de
grupos.

Outro detalhe importante relativo as diferenças /semelhanças e


comparações é o fato de padronização ou de preceitos vigentes por
proximidade dos grupos ou pela aproximação de um cenário mundial. Nesse
contexto, a análise da diversidade cultural permeia as relações estabelecidas
entre os grupos sociais e as relações de poder. Isso pressupõe que os padrões e
os valores são reguladores dessas relações.

Tendo em vista às especificidades, essa identificação não pode ser


considerada um princípio racional autônomo, pois engloba elementos,
sentimentos, das múltiplas identidades culturais. Elementos esses que dividem,

173
Debates Contemporâneos em Educação

integram e que interagem uns com os outros, mas com um princípio de


interação e reconhecimento cultural.

Convém ressaltar, que a partir de concepções simbólicas, sociais,


econômicas, culturais do outro, nota-se a diferença. Isso pode ser atribuído a
uma construção sócio-histórica mergulhada no prisma cultural.

Dentro desse contexto, e sob o ponto de vista cultural, incide o


desafio de exercer a prática de mediar, respeitar e de reconhecer o outro.
Consequentemente, questiona-se a dificuldade de lidar com as diferenças. É
necessário promover um exercício de tolerância e compreender que as
diferenças também ocorrem com a convivência com o diferente.

Um componente para se ter uma convivência tolerante sobre a


diversidade cultural, é a educação. A educação está particularmente vinculada
às relações e com as ações socioculturais que fazem com os sujeitos sejam
sociais.

A educação torna-se portanto, uma ferramenta crucial para exercer a


mediação da aprendizagem de sistemas simbólicos, sócio-históricos e culturais,
por meio das relações sociais. Da mesma forma que a diversidade cultural é
multifacetada, a educação passa pela premissa que também é cultura. Frisa-se
assim, a necessidade de compreender a riqueza da multidimensionalidade da
cultura.

A centralização de princípios sociais, políticos, econômicos e culturais


no desenvolvimento dos sujeitos são preceitos que presidem a relação entre a
educação e a cultura. As construções de uma identidade baseada na tolerância
às diferenças na equidade de oportunidade devem simbolizar, representar,
revelar e integrar sendo a gênese de uma educação pedagógica que prima o
enfrentamento e o combate das desigualdades.

A fim de compreender como esses elementos podem estar


relacionados com a tolerância e as diferenças na equidade de oportunidade,
ressalta-se que a movimentação e a mobilização de grupos sociais têm se
constituído como um manancial capaz de reinventar ou mesmo de conservar o

174
Debates Contemporâneos em Educação

entendimento por meio de experiências e pelas lutas democráticas de


afirmação. Em face dessa contingência,

As culturas são produzidas pelos grupos sociais ao longo das suas histórias,
na construção de suas formas de subsistência, na organização da vida social
e política, nas suas relações com o meio e com outros grupos, na produção
de conhecimentos etc. A diferença entre culturas é fruto da singularidade
desses processos em cada grupo social (BRASIL, 1998, p. 121)

O que é preciso sublinhar, é que ao longo da história os sujeitos


produzem suas competências, conhecimentos, experiência, seus saberes e suas
habilidades, e muitas vezes reinventa suas relações. A especificidade desses
grupos, sujeitos sociais, talvez seja resultado da diferença da diversidade
cultural.

Essa concomitância, permite compreender e entender que existe uma


diversidade cultural muito grande, com características regionais muito
marcantes. As variações de uma diversidade cultural norteiam padrões e
cadências de uma sociedade. A partir destas,

A diversidade marca a vida social brasileira. Diferentes características


regionais e manifestações de cosmologias ordenam de maneiras
diferenciadas a apreensão do mundo, a organização social nos grupos e
regiões, os modos de relação com a natureza, a vivência do sagrado e sua
relação com o profano. O campo e a cidade propiciam às suas populações
vivências e respostas culturais diversas, que implicam ritmos de vida,
ensinamentos de valores e formas de solidariedade distintas. Os processos
migratórios colocam em contato grupos sociais com diferenças de fala, de
costumes, de valores, de projetos de vida (BRASIL, 1998, p. 125)

Há que se considerar, portanto, que o convívio com uma diversidade


cultural, pelo multifacetamento remete à uma gama de fatores como a etnia,
povo, identidade, subjetividade e representação.

A diversidade está interligada e é intrínseca, sendo essencial por


permitir que as diferentes formas de pensamento promovem uma pluralidade.
A diversidade cultural versa sob paradigmas, ou seja, sabe lidar e aceitar a
diversidade, a diferença do outro. Dessa maneira, a sociedade cria mitos de

175
Debates Contemporâneos em Educação

como lidar e aceitar as diferenças, pois é marcada por uma ligação ou uma
sensação de intolerância em relação ao outro.

Pensar na diversidade implica em aceitá-la a partir de uma intervenção


cultural, no plano do simbólico e da representação. Assim, as políticas de
diversidade devem ser a essência para uma metamorfose sociocultural e uma
possibilidade de coexistência simétrica, com respeito à diversidade.

Refletir sobre a diversidade cultural e inserir o outro nesse processo,


implica em suplantar as divisas da tolerância e construir relações sociais
norteadas no respeito ao outro e no entendimento de que o divergente. O
múltiplo, o diversificado é fundamental e necessário.

A diversidade cultural e o multifacetamento do outro decorrem de


uma afirmação como sujeito num espaço social, e sua não aceitação promove
uma discriminação, uma hostilidade e uma intolerância ao diferente.

PARA ENCERRAR...

Lidar com um tema tão complexo como a diversidade cultural,


cercada por paixões ideológicas, permite frequentemente, ponderar os valores
políticos, sociais e culturais de compreensão do “outro”.

O não entendimento desse princípio exprime, ao mesmo tempo,


compreender os saberes e a cultura como segmentos da produção sócio-
histórica em determinada sociedade. Do mesmo modo, a complexidade dos
valores sociais e culturais.

A assimilação, o entendimento, a multiplicidade e a diversidade de


culturas, provocam um incitamento à compreensão do saber, do poder e da
identificação, bem difundidos e empreendidos no âmbito escolar.

Nesse contexto, a escola insere práticas pedagógicas que permitem a


abertura para uma discussão relativa aos elementos da diversidade cultural, dos
valores sócio-históricos, políticos e culturais das relações sociais. A

176
Debates Contemporâneos em Educação

aprendizagem através de diferentes elementos culturais estabelece, então, uma


postura ética, moral e educativa diante do diferente, do “outro”.

Em vista disso, necessita-se de uma educação que não privilegie


apenas os sujeitos devido as suas diferenças, mas que permita reflexões e
práticas e que contemple o outro em sua diversidade.

Dessa forma e sob tal complexidade, a escola exerce um papel crucial


nesse processo. A escola como uma instituição, promove, produz e reproduz a
cultura ocidental mercantilista, baseada no individualismo e também na
negação do outro, ou seja, da diversidade.

Para que o outro se revele é preciso indentificá-lo e ressignificá-lo,


além de superar a lógica da exclusão. Nesse sentido, necessita-se quebrar
paradigma que são impostos e que impedem as relações com o outro e com a
diversidade.

Enfim, convém ressaltar a importância de valorizar a diversidade


cultural, de desenvolver atitudes de respeito para com às pessoas e grupos que
a compõem. É necessário reconhecer diversidade cultural como um direito, e
entender que cada grupo contribuiu no processo de construção de
identificação. Portanto, promover uma simetria sem discriminação às
diversidades culturais.

177
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

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Companhia das Letras, 2010.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. Campinas: Mercado de


Letras, 2002.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:


terceiro e quarto ciclos: apresentação de transversais. Brasília: MEC/SEF,
1998.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Introdução aos parâmetros


curriculares nacionais: pluralidade cultural. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRODBECK, Marta de Souza Lima. Vivenciando a História: metodologia do


ensino da História. Curitiba: Base Editorial, 2012.

CANO, Márcio Rogério de Oliveira (Coord.); OLIVEIRA, Regina Soares de;


ALMEIDA, Vanusia Lopes de Almeida; FONSECA, Vitória Azevedo. A
reflexão e a prática no ensino. História. São Paulo: Blucher, 2012.

GADOTTI, Moacir. Diversidade Cultural. Rio de Janeiro: Graal, 1992.

GIL, Carmem Zeli de Vargas. VARGAS, Dóris Bittencourt. Práticas pedagógicas


em História: espaço, tempo e corporeidade. Erechim: Edelbra, 2012.

NEMI, Ana; MARTINS, João Carlos; ESCANHUELA, Diego Luiz. Ensino de


História e Experiências: o tempo vivido. São Paulo: FTD, 2009.

TEDESCO, João Carlos. Passado e presente em interfaces. Introdução a uma


análise sócio-histórica da memória. Porto Alegre: Suliani Letras & Vida, 2011.

TREVISAN, Amarildo. Reconhecimento do outro: teorias filosóficas e formação


docente. Campinas: Mercado de Letras, 2014.

178
Debates Contemporâneos em Educação

10 - EDUCAÇÃO, CULTURA E PRODUÇÃO DE SUJEITOS: O PAPEL DA


DIVERSIDADE CULTURAL NO RELATÓRIO CUÉLLAR E A IDENTIDADE DA
EDUCAÇÃO DO E NO CAMPO

Camila Maria Bortot48


Kethlen Leite de Moura49

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo analisar a relação entre Educação,


Cultura e Produção de Sujeitos, a fim de apreender o papel da diversidade
cultural e do papel da educação do e no campo50 por meio dos fundamentos e
as diretrizes apresentadas pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como forma de planificar as
políticas educativas que se direcionam aos países signatários a partir dos anos
de 1990.

A diversidade cultural se apresenta no contexto de reformulações do


capitalismo, em que a orientação dos organismos internacionais,
especificamente em relação à educação e a defesa do discurso multicultural nas
políticas sociais, destacou fundamentos da diversidade para o apaziguamento
das relações sociais e dos conflitos.

48 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Educação e


Pedagoga pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior. Orientadora de Especialização em Políticas Educacionais na UFPR. E-
mail: [email protected]
49 Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação e

Pedagoga pela mesma Universidade. Professora Assistente do Departamento de Fundamentos da


Educação na UEM. E-mail: [email protected]
50 “Do campo porque ―[...] o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com sua

participação, vinculada à sua cultura e às necessidades humanas e sociais; [no campo porque] [...] o
povo tem direito de ser educado no lugar onde vive” (CALDART, 2002, p. 26).

179
Debates Contemporâneos em Educação

A compreensão das orientações da UNESCO, Banco Mundial e de


seus enfoques para as políticas direcionadas a educação, são importantes para
compreender as demandas da realidade do sistema capitalista. Ao analisar a
política da diversidade cultural, verificamos, a priori, ações focalizadas,
voltadas para o atendimento dos diversos grupos sociais étnico-raciais
(indígenas, mulheres, negros, faxinalenses, quilombolas, homossexuais). Estes
elementos estão presentes nos documentos da educação, e, entendê-los é um
desafio necessário para compreensão dessas políticas sobre o que busca a
cultura e produção de sujeitos.

A investigação a ser realizada está ancorada nos documentos


propostos pela UNESCO, buscou-se estabelecer um diálogo crítico com as
fontes históricas e na problematização dos resultados obtidos à luz da literatura
pertinente. Optou-se por textos que possibilitaram o acesso aos discursos
propostos por essa organização que compõe o Conselho Econômico e Social
do Sistema ONU, pois o acesso aos documentos permite uma interpretação
coerente, ao mesmo tempo que subsidia a apreensão de elementos que fazem
parte da agenda globalmente estruturada para a educação pois, contém:
diagnóstico, prognóstico e a terapêutica referentes a educação, cultura,
produção de sujeitos e diversidade cultural.

Refletindo sobre tais apontamentos, a partir da teoria histórica,


problematizamos: Qual importância da UNESCO, desde 1990, apontar a
necessidade de os países focarem as relações de cultura, educação e produção
de sujeitos, sobretudo em grupos minoritários, refletindo sobre as formas
identitárias por meio da Educação do e no Campo?

Para responder à problemática, o artigo foi estruturado em duas


partes: a primeira intitulada A valorização da Diversidade Cultural no documento da
UNESCO para a educação, com a análise do Relatório Cuéllar e suas
intencionalidades sobre a ênfase na Educação e Cultura, bem como em qual
Sujeito buscou produzir desde 1990; e, a segunda, intitulada A promoção da
Diversidade Cultural e Identidade da Educação do e no Campo, apreendendo as bases
legais para a educação no campo e suas relações com as orientações

180
Debates Contemporâneos em Educação

internacionais, buscando relacionar a suas concepções identitárias ligadas a


educação, cultura e produção de sujeitos.

A valorização da diversidade cultural no documento da UNESCO para a


educação

Neste momento tratamos de apresentar e apreender elementos no


documento proposto pela UNESCO Nossa Diversidade Criadora: relatório da
Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, proposto por Javier Pérez Cuéllar,
recomendado para o contexto dos anos de 1990, denominado de Decênio
Mundial para a Cultura e o Desenvolvimento (1988-1997). O Relatório
intitulado sintomaticamente de Nossa Diversidade Criadora expande suas
concepções de cultura, não mais como uma forma de compreender a
viabilização do desenvolvimento social, político e econômico, mas sobretudo
como uma atividade-fim.

De acordo com o Relatório Cuéllar (1997) a cultura não pode mais


ser considerada um fim em si mesma, algo desejável para as nações, a cultura
significa um progresso material da existência humana, no caso ela é “[...] a
finalidade última do desenvolvimento definido como florescimento da
existência humana em seu conjunto em todas as formas” (CUELLAR, 1997, p.
33). Nesse contexto, de acordo com o documento, o intuito é ampliar as
questões de desenvolvimento de forma a contribuir para que os países possam
construir um processo de desenvolvimento que esteja em concordância com a
identidade cultural dos sujeitos.

De acordo com a Comissão, presidida por Cuéllar, o Relatório Nossa


Diversidade Criadora, proporciona elementos edificantes para expandir a noção
de desenvolvimento, o que contribuiria significativamente para que os diversos
países, principalmente os considerados em desenvolvimento, construam seu
processo de desenvolvimento, especialmente o econômico, de acordo com a
sua identidade cultural. O Relatório defende que as discussões entre
desenvolvimento e cultura são extremamente importantes e busca estruturar

181
Debates Contemporâneos em Educação

uma agenda política globalmente estruturada que aprofunde as discussões


sobre essa temática.

Em meio a um processo de flutuação conceitual, a locução cultura


ganhou uma maior proeminência, nas últimas três décadas tornando-se o cerne
de diversos organismos internacionais, o que resultou em inúmeros fóruns,
congressos e estudos sobre as políticas para a educação e diversidade cultural.
De acordo com Pitombo (s/d) mais do que sobrepujar as fronteiras da
concepção de cultura “[...] as agências multilaterais assumiram posição decisiva
na edificação de um novo modo de compreensão, a saber: o princípio de
indissociabilidade entre cultura e desenvolvimento” (PITOMBO, s/d, p. 8).
Portanto, o Estado não pode determinar a cultura de seu povo, mas pode
gerenciá-la, garantindo o desenvolvimento do país, sem que isso interfira no
modo de vida e nas relações sociais (OLIVEIRA; MOURA; SILVA, 2010).

Assim, não é de se estranhar, que os debates sobre diversidade


cultural passem a ganhar uma maior centralidade nos discursos das agências
internacionais, então, orientados pelo ideário da interculturalidade em âmbito
global. A busca por aprofundar esses discursos locuciona-se com a
reestruturação produtiva do capital e as recomendações da conveniência de
uma educação para a diversidade.

Segundo Carvalho e Faustino (2010), dentre os mecanismos para


recomposição do capitalismo, fazem parte a globalização, a financeirização da
economia e a reestruturação produtiva. Na globalização temos uma inter-
relação econômica, política que se dá principalmente por meio de fusão, um
processo de unificação, uma interdependência cultural e de comunicação com
predomínio no capital financeiro.

Verificamos que esta reestruturação do capital ocorre no âmbito


econômico, político e cultural. Refletimos que nesta política busca a
diferenciação dos grupos para legitimar o atendimento de determinados
grupos, promove um discurso de criação de políticas contra a pobreza, de
compensação e políticas de ação afirmativas, e, não de política universal.

182
Debates Contemporâneos em Educação

A identidade cultural nesses documentos é apresentada como forma


de romper com as práticas uniformizadoras e homogeneizantes. Portanto, a
valorização de mudanças culturais leva a novas formas de pertencimento
realizando novas formas de sociabilidade por meio da cultura, a fim de
produzir novos sujeitos para exercer funções voltadas para a reestruturação
produtiva e a globalização, buscando soluções para os problemas acerca da
pobreza e dos diferentes grupos étnicos-raciais.

Neste sentido, no capitalismo as estratégias se voltam para solucionar


apenas os problemas de ordem política, deixando preservados os problemas
econômicos cuja base está na propriedade privada dos meios de produção que
geram a miséria e exclusão de bilhões de pessoas no mundo. Compactuando
da defesa da diversidade a partir do reconhecimento da tolerância e da
igualdade política, “[...] encobrem-se as desigualdades econômicas e
administram-se os conflitos delas decorrentes” (FAUSTINO; CARVALHO,
2015, p.77). Ao encontro de tais afirmações, o Relatório Cuéllar (1997) aponta
elementos da relação entre educação, cultura, produção de sujeitos e
diversidade cultural, que visa apontar as necessidades dos países aprofundarem
suas relações de cultura e desenvolvimento sustentável como um dos fatores
econômicos, dando grande importância para as interações culturais, além de
destacar o respeito aos direitos humanos e a cultura das minorias.

De acordo com Noma e Lara (2009) o Relatório Cuéllar direciona-se


para agentes comunitários, profissionais de campos, artistas acadêmicos,
autoridades governamentais e políticas, além das gerações presentes e futuras.
O documento traz que “[...] o desenvolvimento econômico, em sua plena
realização, constitui parte da cultura de um povo” (CUÉLLAR, 1997, p. 21),
assim a Comissão destaca que os investimentos econômicos com um fim em si
mesmo são insuficientes para que o verdadeiro desenvolvimento aconteça e
que privilegie o bem-estar e a dignidade humana.

A relevância da temática da diversidade cultural ganha espaço nas


agendas globalmente estruturadas a partir do momento que a crise estrutural
do capital decorre em todas as áreas da sociedade. Esta gerou o aumento do
desemprego e da exclusão social, fazendo com que as economias centrais

183
Debates Contemporâneos em Educação

afirmassem o discurso de inclusão e elaborassem políticas de reconhecimento e


tolerância, sobretudo, visando atingir a coesão social e a paz internacional entre
países, por meio da interculturalidade. Isso por que, a expansão global de
oportunidades, o discurso da diversidade cultural torna-se emergencial, pois
esta pode converter-se em ameaça, provocando aquilo que Canclini (2006)
denomina de aculturação.

O documento ainda defende que por meio da diversidade cultural


“[...] o desenvolvimento compreende não apenas o acesso a bens e serviços,
mas também a possibilidade de escolher um estilo de coexistência satisfatório,
pleno e agradável” (CUÉLLAR, 1997, p. 43). Nesse caso, ressaltamos que a
rogada do Relatório é fazer prosperar o respeito à pluralidade cultural,
considerando que a pluralidade levaria a oportunidade de crescimento, os
elementos culturais que devem ser preservados, mas, que em hipótese alguma
deve se tornar uma barreira para o crescimento da economia de um país
(CUÉLLAR, 1997). A acentuada desigualdade social e econômica que paira
sobre a América Latina faz com que o custo social se revele cada vez mais,
pois a falta de investimento em educação, saúde e saneamento aprofundam a
vulnerabilidade social.

O Relatório fornece direcionamentos e diretrizes para o planejamento


das políticas educativas que atendam à diversidade cultural dos países
signatários51 da UNESCO, “[...] estabelecendo um núcleo de valores e
princípios éticos comuns para se viver em um mundo composto por

51 A análise do documento deu-nos suportes para analisar a década de 1990 no Brasil, cujo país
adentrou nas convenções internacionais, assumindo compromissos em prol da promoção e proteção da
diversidade cultural e participando de agendas internacionais do Sistema ONU. Ademais, o Brasil tornou
o campo da educação em um cenário de formulações de Leis, Planos, Diretrizes e entre outros que
foram definidos pelas agências internacionais, entre os tais estão: Lei de Diretrizes e Bases (LDB) Lei n.
9.394/1996; Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (1997); Diretrizes Curriculares Nacionais para o
ensino fundamental (BRASIL, 1998); Diretrizes Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e
para o ensino de História e Cultura afro-brasileira e africana (BRASIL, 2004); Lei n. 10.639/2003, a qual
torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino;
Diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas (BRASIL, 1999); Diretrizes
operacionais para a educação básica do campo (BRASIL, 2002) e Plano nacional de educação (BRASIL,
2001; 2014). Esses documentos são os norteadores do aparato legal da “década da educação”, a qual
prioriza “[...] a democratização e universalização da Educação Básica, inclusão de todos a partir da
tolerância e do respeito à diversidade” (COMAR, 2009, p. 65).

184
Debates Contemporâneos em Educação

indivíduos diferentes, porém com direitos e deveres iguais, seja qual for a
cultura” (NOMA; LARA, 2009, p. 53).

Neste cenário, a educação vem como espaço para resolver os


problemas e discutir tais apontamentos sobre as diferenças. Por meio dela,
precisamos ensinar os valores, o respeito as diferenças, tolerar o próximo e sua
cultura, para buscar a paz e a coesão social, a fim de ter uma convivência
harmoniosa e sem conflitos, que são evidenciados por problemas de ordem
econômica. Nesse sentido, afigura-se que um dos grandes reptos da educação é
lidar com a profusão de culturas.

Os desafios imperiosos do mundo contemporâneo e do sistema


capitalista conduzem a uma hegemonia que nada mais é, do que o resultado de
uma engrenagem de relações desiguais. Os Relatórios, Declarações e
Documentos promulgados pela UNESCO, endereçado as políticas
educacionais dos países considerados em desenvolvimento, demonstram que
não há uma neutralidade em seus discursos, e que a instituição internacional
serve a determinados interesses da ideologia dominante.

O Relatório Cuéllar ao tratar da questão da educação, principalmente


no que tange a educação de massas, nos países considerados em
desenvolvimento, os princípios da diversidade cultural aliado ao processo
educacional promoverá: a) acesso ao conhecimento; b) produtividade, no caso
uma mão-de-obra mais adequada aos parâmetros mercadológicos; c) investir
em educação também contribui para o baixo índice de natalidade e mortalidade
infantil; d) o ensino contribui para amenizar o trabalho infantil e as
desigualdades sociais; e) a questão ambiental também se beneficia, pois a partir
do momento que a população pobre tem conhecimento acaba contribuindo
para amenizar a degradação ambiental; f) promove a estabilidade social e a
formação de capital social. Assim, promover estabilidade política por meio da
diversidade e da educação gera “[...] oferta de empregos satisfatórios,
produtivos e remunerativos para a população instruída, livrando-a da condição
de desempregados qualificados, que tendem a ser um foco de
descontentamento” (CUÉLLAR, 1997, p. 203).

185
Debates Contemporâneos em Educação

Por meio da educação é que se alcançará um novo humanismo


universal, embasado no desenvolvimento do ser humano, produzindo uma
nova cultura voltada para a tolerância e o reconhecimento da diferença, ao
produzir novos sujeitos conforme as necessidades do capital. Em consonância,
a cultura é a finalidade última do desenvolvimento “[...] assim sendo,
desenvolvimento não pode ser concebido dissociado de seu contexto humano
e cultural”. (NOMA; LARA, 2009, p. 53), visto que, de acordo com o
Relatório Cuéllar, o desenvolvimento e a economia são, pois, aspectos da
liberdade cultural de um povo.

A educação é quem promove o crescimento econômico e tem um


valor instrumental, ao mesmo tempo se constitui como parte essencial do
desenvolvimento cultural, dotada de valor intrínseco, e o Relatório Cuéllar
(1997) enfatiza que a educação é um direito cultural, e a cultura uma
mercadoria distinta. De acordo com o relatório, o conceito de
desenvolvimento e cultura são vistos de duas formas como será explanado no
Mapa Conceitual52 ilustrado pelas figuras 1 e 2:

52Elaborado com o auxílio do software Cmap Tools, que é uma ferramenta distribuída gratuitamente pelo
Institute for Human Machine Cognition da University of West Florida – IHMC. O software encontra-se
disponível para download por meio do hiperlink https://cmap.ihmc.us/cmaptools/

186
Debates Contemporâneos em Educação

Figura 1 – Relatório Cuéllar acerca do conceito do desenvolvimento

Fonte: elaborado a partir do Relatório Cuéllar (1997).

187
Debates Contemporâneos em Educação

Figura 2 – Relatório Cuéllar acerca do conceito da cultura

Fonte: elaborado a partir do Relatório Cuéllar (1997).

A partir das figura 1 e 2, observamos a contradição do Relatório, por


meio da dualidade entre desenvolvimento e cultura, o fomento à cultura está,
em muitas vezes, ligado ao desenvolvimento econômico, nos deixando claro o
viés capitalista sobre a apreensão do conceito de cultura e o papel do
desenvolvimento na administração da diversidade. A cultura e a produção de
sujeitos se dão por meio da prática educativa, mas, voltada, em sua maioria,
para o desenvolvimento econômico. Consideramos essas ações uma estratégia

188
Debates Contemporâneos em Educação

para a liberdade cultural na perspectiva da produtividade para a produção


contínua e dinâmica para a acumulação flexível e um reforço à cooperação
internacional.

Verifica-se que o Relatório amplia a noção de desenvolvimento,


orientando formulações de políticas na área da educação de maneira que os
países possam forjar uma versão de desenvolvimento que seja condizente com
a identidade cultural dos países periféricos. O Relatório, ainda, caracteriza a
diversidade cultural como expressão de aspectos como: valores culturais,
tradições, formas de pensamento e comportamento, religião, etnia, política,
gênero, raça e classes sociais. Nota-se que a valorização e reconhecimento da
diversidade cultural tornam-se fator importante para sustentar a democracia, os
direitos humanos e a coesão social, formas de construir uma agenda educativa
que respeite e valorize as diferenças.

A partir da análise do documento observamos que o conceito de


diversidade cultural é amplo e não abarca as questões de tradições e costumes
culturais que foram historicamente construídos. A definição de diversidade
cultural, para os documentos, é enfatizar o individualismo, elemento que não
se associa a uma tradição socialmente construída. A retórica neoliberal enfatiza
a política de identidade como forma de proporcionar tratamento diferente às
diferenças, uma maneira democrática de atender os diferentes grupos “[...] essa
política, ao se voltar para os interesses particulares, cultiva uma possibilidade
de ação limitada, pois se desvincula da crítica à forma coletiva com que os
homens organizam a vida” (CARVALHO, 2012, p. 49). Nesse sentido, a
concepção de cultura, em sentido ontológico, compreende o homem como um
ser social e histórico, como porção de um todo social que é diverso e universal
ao mesmo tempo, logo essa perspectiva aborda as características sociais do
homem a partir do trabalho que é ato fundante do ser social.

Neste contexto, a formação dos sujeitos alia-se a uma reestruturação


produtiva do trabalho. Precisamos, nesta lógica, que o Relatório Cuéllar (1997)
além de vincular o discurso da diversidade cultural à questão econômica, busca
regular a indústria cultural à lógica produtiva, ampliando a oferta dos bens de
consumo cultural no mercado. De acordo com Adorno (2004) a produção e o

189
Debates Contemporâneos em Educação

consumo da cultura têm uma relação imbricada com a vida material, portanto,
a produção da vida material fundamenta-se no consumo peculiar do atual
estágio do capitalismo globalizado.

Fica evidente que o eixo que gravita à volta da discussão da cultura e


do desenvolvimento, fomentado por meio de conferências e fóruns
internacionais que são impulsionados por agências multilaterais, diz respeito,
ao consenso e a hegemonia, reconhecendo que somente os aspectos
econômicos não podem avaliar o crescimento de um país e nem torná-lo
referência no campo internacional, por meio de uma agenda globalmente
estruturada para a educação, que, busca criar políticas redistributivas para os
pobres. Constituindo, o destino inexorável das minorias e das diferentes
culturas e sujeitos, Moraes (2001) nos esclarece que as políticas redistributivas
tornam-se a forma “[...]urgente de barrar a vulnerabilidade do mundo político à
influência perniciosa das massas pobres, incompetentes e malsucedidas”
(MORAES, 2001, p. 35).

Em nossas considerações finais desta seção, embasados em Paulo


Netto (2001), Shiroma, Moraes e Evangelista (2000) e Campos e Shiroma
(1999), podemos apreender três críticas sobre o Relatório Cuéllar: 1) no que se
refere à naturalização do social, como, por exemplo, temos o ser humano
posto como uma mercadoria pela mídia de todos os gêneros; prática que tem
sido ‘naturalizada’, ou seja, é normal, no final dos anos 1990 e início do anos
2000; 2) articulações praticadas com aportes voltados para a moral, ou seja, os
relatórios são perfeitos no papel, mas na práxis a aplicação das teorias não se
encaixam com as belas palavras contidas nos relatórios; 3) A questão da
equidade social vislumbrada pelos relatórios da UNESCO.

Observamos que os relatórios orientadores da UNESCO, como é o


caso do documento em questão, denunciam somente as consequências e, para
sanar estas, o Estado promove ações remediadoras, soluções temporárias. Os
relatórios ainda trazem contidos em seu viés moralista, a “política dos bons
sentimentos” que nada mais seria do que o Estado continuando a exercer suas
funções neoliberalistas e se mantendo como “Estado mínimo” fazendo

190
Debates Contemporâneos em Educação

parcerias com órgãos privados e solicitando à sociedade civil em participar de


ações de regulação e execução de serviços.

A promoção da diversidade cultural e identidade da educação do e no campo

Pensando sobre a análise do Relatório Cuéllar e suas orientações para


a produção de sujeitos, cultura e diversidade, trataremos acerca da situação das
bases legais para a educação do campo, principalmente por seus usos e
costumes, assim como pela influência da sociedade externa. Estudar esta
relação implica considerar, sobretudo, a organização política que começaram a
desenvolver neste ideário Neoliberal, tanto internamente e em instâncias
internacionais.

Evidencia-se que a discussão identidade, aqui tratada pelo grupo que


se insere no campo, se amplia nas pesquisas e discussões acadêmicas, a partir
das décadas de 1970 e 1980, impulsionadas pelas políticas internacionais de
diversidade cultural, pela redemocratização política dos países da América
Latina e pelos movimentos sociais da época (FAUSTINO; NOVAK; LANÇA
2010, p. 345). A implantação das políticas neoliberais no campo social,
caracterizadas pela redução do Estado e da criação de mercados nesse setor
contou com a participação efetiva de agências internacionais. No que tange à
educação há uma ampla “[...] subordinação das políticas de educação a uma
lógica estritamente econômica (globalização); na importação de valores
(competição, concorrência, excelência) e modelos de gestão empresarial como
referentes para a modernização do serviço público de educação [...]”
(BARROSO, 2005, p. 741). Nesse contexto as políticas educacionais passaram
a focalizar o atendimento de populações marginalizadas, havendo uma ampla
disseminação de políticas compensatórias e de alívio a pobreza.

A luta pela elaboração e concretização de uma política pública para


educação do campo no Brasil, é algo que vem sendo discutido há muito
tempo, e que, no entanto, ganha evidência a partir da década de 1990, período
no qual a educação passa a ser o centro dos debates. Nesse sentido o contexto
dos anos de 1990 é marcado por acontecimentos que impulsionaram a

191
Debates Contemporâneos em Educação

elaboração de uma legislação nacional que garantisse o atendimento de todas


as populações, e consequentemente da população campesina, em seu direito a
educação. A saber, a exposição dos conflitos que vinham ocorrendo no
campo, à criação do Movimento Sem Terra (MST), a reestruturação do Estado
brasileiro, incentivou os movimentos sociais, e em particular a população
campesina53, na luta em prol de seus direitos sociais.

Em 1988 com a elaboração da Constituição Federal (CF), a educação


passa a ser direito de todos e dever do Estado. Mesmo sendo o Brasil um país
com características agrárias, as constituições que antecedem a CF de 1988, não
mencionam a questão da educação do campo, até então chamada de educação
rural. Essa ausência de arcabouço legal para com a educação do campo
representa “[...] de um lado o descaso dos dirigentes com a educação do
campo, e de outro, os resquícios de matrizes culturais vinculadas a uma
economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho escravo” (BRASIL, 2001,
p. 3). Conforme Arroyo, Caldart e Molina (2004) os movimentos sociais
tiveram papel determinante no curso das políticas educacionais, no caso, da
educação do campo, isto porque “[...] no vazio e na ausência dos governos os
próprios movimentos tentam ocupar esses espaços, cada vez mais cresce a
consciência do direito e a luta pela Educação do Campo como política
pública” (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 14).

Apesar de a Constituição de 1988 não dispor diretamente sobre a


Educação do Campo, ao garantir o direito de todos à educação, independente
de residirem na zona urbana ou rural, conforme apresenta no início dos anos
2000, em que “[...] os princípios e preceitos legais da educação abrangem todos
os níveis e modalidades de ensino ministrado em qualquer parte do país [...]”
(BRASIL, 2001, p. 10), o que indiretamente abrange a educação do campo. As
articulações dos movimentos sociais, em destaque o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), foram decisivas para colocar a
Educação do Campo em pauta no debate dos direitos sociais.

53Entende-se por população campesina, “[...] posseiros, boias-frias, ribeirinhos, ilhéus, atingidos por
barragens, assentados, acampados, arrendatários, pequenos proprietários ou colonos ou sitiantes –
dependendo da região do Brasil em que estejam – caboclos dos faxinais, comunidades negras rurais,
quilombolas e, também, as etnias indígenas [...]” (PARANÁ, 2006, p. 24-25).

192
Debates Contemporâneos em Educação

O corpo legal da Constituição de 1998 possibilitou que em 1996 com


a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº9394/1996, um agrupado
de questões que até aquele período não tinham sido objeto das políticas
educacionais no Brasil, e a educação rural ganhou destaque, sendo garantida no
artigo 28 da referida lei, ao apregoar que “[...] na oferta da educação básica
rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias para sua
adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região [...]” (BRASIL,
1996). Os dispositivos seguem no sentido de elaborar o currículo e a
metodologia conforme as necessidades e os interesses dos alunos, assim como
adequação do calendário escolar ao contexto agrícola (BRASIL, 1996).

Apesar de a LDB de 1996, deixar a desejar quanto às especificidades


do campo, uma vez que essa ainda se refere a uma educação rural, é a partir
dela que os movimentos sociais têm a possibilidade de reivindicarem seus
direitos, evidenciando a urgência de incorporar a Educação do Campo nos
aportes legais do sistema nacional de ensino. Mesmo com a correlação de
forças presente na elaboração da LDB, a lei educacional contemplou as
dimensões da diversidade socioeconômica e étnico-cultural, reconhecendo a
diversidade do campo. Essa legitimação segue os preceitos da Constituição de
1988 que assentiu formalmente a pluralidade do país, tanto étnica quanto
cultural.

Os espaços de debates possibilitados pela LDB resultaram na


expressão de diretrizes curriculares específicas para a educação de grupos
étnico-cultuais, como é o caso de afrodescendentes, quilombolas, indígenas,
camponeses, faxinalenses entre outros. Assim, em 2001 é elaborada as
Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo, parecer
n° 36/2001, as Diretrizes apresentam o contexto histórico do caminho
percorrido pela educação do campo, dando ênfase a dívida histórica que o país
tem para com a população do campo, que ao longo da história ficou à margem
da sociedade.

A concepção de educação do campo proposta pelas diretrizes vai


além da concepção de educação rural que se tinha, a saber, uma educação que
considerava apenas a dimensão econômica. Se retomarmos a concepção de

193
Debates Contemporâneos em Educação

diversidade cultural no relatório anteriormente analisado, que emprega o


reconhecimento da diversidade e formas indenitárias, mas deve estar em
sintonia com o desenvolvimento econômico, visto que, a liberdade cultural
remete a produção econômica, entendemos a dimensão econômica que
empregou a educação rural. O atendimento as especificidades do campo,
levando em consideração aspectos da cultura campesina, da identidade dos
sujeitos em questão, às relações socioambientais e também as organizações
políticas conforme também emprega o Relatório Cuéllar, quando retoma as
ações do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Na perspectiva de Guhur e Silva (2009) o traça de nomenclatura de


educação rural para educação no e do campo é dotada de significados, a
educação rural era entendida pelo Estado como uma forma de educação para
os trabalhadores, a fim de instrumentalizar mão-de-obra qualificada, nesse
sentido a educação rural era pensada para atender aos interesses do capital,
conforme a perspectiva de Desenvolvimento dos relatórios internacionais. A
concepção de educação do campo nasce da luta dos movimentos sociais, e, em
contrapartida, essa mesma educação rural se inclui em um projeto maior que
inclui aspectos políticos, econômicos e sociais.

Assim, podemos ponderar que essa política de diversidade cultural


não é capaz de solucionar as discriminações e muito menos reaver os direitos
dos grupos discriminados, pois, ao contrário, a política da desigualdade vem
legitimar e manter estas relações. Os documentos ao apontarem para a
diversidade, substituem o foco da diferença econômica, classista, para a
diferença cultural, que acreditamos já ser base para o individualismo como valor
moral radical, estratégia de autonomia e interdependência dos sujeitos em favor
do capital.

Ao retomarmos o relatório Cuéllar (1997) da UNESCO para analisar


a diversidade cultural e a produção de sujeitos dentro da cultura e suas relações
com a educação, materializadas por meio da discussão da Educação do e no
Campo enquanto uma forte forma de diversidade e identidade no Brasil
apreendemos que as orientações asseguram as diferenças e auxiliam na
produção de cultura, sujeitos e identidade, mas, analisam, sobretudo, a

194
Debates Contemporâneos em Educação

produção da força de trabalho, a tolerância às diferenças como estratégia de


manutenção do capital para assegurar a coesão.

Se pensarmos na função da educação, na conceituação da formação


integral do ser humano, formulada por Marx e desenvolvida por outros
pensadores marxistas como Gramsci, se tornou uma impossibilidade absoluta
na forma de sociabilidade regida pelo capital que faça de uma educação
emancipatória e integral, de respeito as identidades de fato. Porém, tal forma
de sociedade requer, necessariamente, um tipo de trabalho que tenha
suprimido a exploração e a dominação do homem pelo homem. Somente uma
sociabilidade baseada nessa forma de trabalho poderá garantir membros plenos
do gênero humano emancipados (TONET, 2008) Tais preceitos não são
claramente propalados pelos documentos da UNESCO, conforme estudado
anteriormente, afinal, não há educação para além do capital no capital, que
respeite as diferenças de forma desvinculada da produção de sujeitos que
envolve desenvolvimento econômico e cultura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos que a educação surge como um recurso indispensável à


humanidade na construção dos ideais da paz, da liberdade, identidade e da
justiça social. A educação é vinculada ao desenvolvimento humano mais
harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão
social, as incompreensões, as opressões, as guerras, para que cada indivíduo
contribua para o progresso da sociedade em que vive, baseando o
desenvolvimento na participação responsável, ou seja, a produção de uma
cultura e de um sujeito engajado que respeite e tolere e que produza para o
desenvolvimento econômico.

Na interface educação, cultura e produção de sujeitos, a diversidade


cultural se apresenta como estratégia de fomento ao individualismo e ao
desenvolvimento econômico. Embora a escola seja o lócus das discussões sobre
diversidade cultural, esta reproduz o modo de produção da sociedade
capitalista, somente denunciando as consequências e não as causas, e,

195
Debates Contemporâneos em Educação

consequentemente, naturalizando as desigualdades sociais, a “tolerância” à


diversidade cultural, a evasão escolar, a “política dos bons sentimentos” e
tantos outros problemas que a educação vem enfrentando. Ao mesmo tempo,
considerando a complexidade educacional decorrente da adoção da perspectiva
da diversidade cultural e produção de sujeitos, buscamos abrir novas
perspectivas de análise e de enriquecimento do debate, somando forças no
enfrentamento do desafio de se repensar teorias e práticas educativas,
sobretudo, ao abordar a educação do e no campo como uma das ramificações
da diversidade cultural.

Ao adentrar nas questões relativas a Educação do e no campo,


abordando a diversidade e a produção de sujeitos nesta forma identitária,
percebe-se como se produz o que chamamos de cultura voltada para o
desenvolvimento econômico, pois ao pensarmos nas especificidades da
educação no campo, na interface entre educação, cultura e produção de
sujeitos, nossas conclusões assentam-se na confluência entre as orientações
produzidas internacionalmente e nacionalmente a fim de disseminar políticas
culturais que legitimam a hegemonia discursiva de manutenção e reprodução
da ordem capitalista.

196
Debates Contemporâneos em Educação

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200
Debates Contemporâneos em Educação

11 - CONTRIBUIÇÕES DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOPEDAGÓGICA


PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DE PESSOAS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS

Eugênia Santana Pereira54


Marta Bramuci de Freitas55

INTRODUÇÃO

As reflexões apresentadas neste artigo são oriundas de uma pesquisa efetivada


por duas autoras, uma como pós graduanda, e a segunda autora como
orientadora do trabalho de conclusão do curso de pós-graduação lato sensu em
Neuropsicopedagogia no ano de 2017. Tem como finalidade analisar de qual
maneira a avaliação neuropsicopedagógica pode contribuir na elaboração do
Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) e, consequentemente, para a
inclusão de alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) na rede
regular de ensino, numa escola estadual no interior do estado da Bahia. Para
tanto foi realizada uma pesquisa-intervenção, que se constituiu em um

54 Especialista em Neuropsicopedagogia, pela Universidade Leonardo da Vinci (UNIASSELVI);


Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e em Psicologia pela
Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC); Especialista em Psicologia da Educação pela Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); em Educação Especial, pelas Faculdades Integradas de
Jacarepaguá (FIJ - RJ); e em Terapia Cognitiva Processual pelas Faculdades Integradas de Taquara
(FACCAT-RS). Professora da Rede Estadual de Educação, atuando no Atendimento Educacional
Especializado (AEE), em Sala de Recursos Multifuncional, e como revisora da Comissão Permanente de
Avaliação (CPA). E-mail: [email protected].
55 Mestranda em Estado, Governo e Políticas Públicas pela Fundação Perseu Abramo (FPA); Pós

graduanda em Gestão de Saúde pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Mestre em
Memória: Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Graduada
em Serviço Social pelas Faculdades Integradas de Caratinga (FIC); Especialista em Docência em
Ensino Superior com Ênfase em Gestão Sócio Educacional pela Faculdade DOCTUM; em Educação a
Distância pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) e em Educação a Distância - Gestão de
Tutoria, pela Universidade Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Assistente Social do Conjunto Penal
Advogado Nilton Gonçalves. E-mail: [email protected].

201
Debates Contemporâneos em Educação

protocolo breve de avaliação de uma Sala de Recursos, cujos resultados são


analisados numa perspectiva qualitativa, à luz da teoria das neurociências, da
psicologia e da Educação Especial Inclusiva. Constatou-se que os alunos com
Necessidades Educacionais Especiais enfrentam aspectos neurobiológicos e
psicossociais que, se não identificados adequadamente, são potencialmente
limitadores para seu êxito acadêmico e social.

A inclusão de pessoas com NEE na rede de ensino regular tornou-se


não só uma realidade, mas, sobretudo, um desafio, para os atores envolvidos
diretamente nela. Entre as demandas para a efetivação dessa inclusão, situa-se
a avaliação individual do aluno, proporcionando uma compreensão mais clara
de suas necessidades específicas, forças e fraquezas, a fim de se construir um
PDI coerente com o seu perfil. Nesse contexto, cabe à equipe de Atendimento
Educacional Especializado (AEE) realizar tal avaliação. Contudo, essa equipe é
formada por professores, cuja capacitação não lhes assegura a prerrogativa de
aprofundar-se na avaliação individual do aluno com NEE, ao passo que, a esse
aluno, ainda que tenha laudo médico, informando sobre a sua condição, não é
ofertada a avaliação psicopedagógica, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que
o assiste. Então, pautada numa avaliação das habilidades que o aluno já
demonstra ter ou não, é que a equipe de AEE busca construir o PDI, visto que
este se torna limitado para atender as reais necessidades de cada aluno.

Esse problema suscitou o interesse de uma das pesquisadoras, como


professora de Sala de Recursos Multifuncional (SRM) e psicóloga da educação
por aprofundamento na avaliação individual, por meio de instrumentos de
avaliação psicopedagógica e neuropsicológica.

Para tanto, optou-se por uma pesquisa-intervenção com cunho


analítico, tendo estudo de natureza qualitativa e de caráter exploratório e
instrumental. Realizou-se uma avaliação neuropsicopedagógica breve, cujo
protocolo constituiu-se de quatro encontros individuais com cinco alunos da
SRM. Os instrumentos utilizados foram o Teste de Desempenho Escolar
(TDE), o qual avalia o nível de conhecimento do aluno em escrita, leitura e
aritmética, no ensino fundamental; o WISC IV (Escala de Inteligência
Wechsler para Crianças – 4ª Edição) e o WAIS III (Escala de Inteligência

202
Debates Contemporâneos em Educação

Wechsler para Adultos – 3ª Edição), que avaliam as habilidades cognitivas,


respectivamente, de crianças e adolescentes até 16 anos e de adolescentes,
acima de 16 anos e adultos; além de entrevista de anamnese, com os
responsáveis pelos alunos. Os dados levantados com esses instrumentos foram
utilizados na elaboração dos PDI’s de cada aluno, conforme descrito adiante.
Em consequência foi gerada a caracterização do perfil dos alunos avaliados,
concluindo com o resumo das informações que foram utilizadas no Plano de
Desenvolvimento Individual.

Inicialmente, apresentaram-se algumas considerações sobre a inter-


relação entre a inclusão escolar e a neuropsicopedagogia, que serão abordadas
juntamente com os achados dessa pesquisa e a descrição do protocolo de
avaliação aplicado.

Inter-relação entre inclusão escolar e neuropsicopedagogia

A Educação Especial Inclusiva (EEI) é uma modalidade, dentro da educação


escolar, voltada para o atendimento das necessidades educacionais específicas,
com o objetivo de promover o acesso de alunos com tais necessidades ao
ensino regular, fruto de um longo período de práticas pautadas em políticas
públicas, que vão desde o reconhecimento das necessidades, inicialmente
atendidas em espaços exclusivos, escolas especiais, passando à proposta de
integração, a qual preconizava a redução da prática restritiva de educação
especial56 apenas em instituições especializadas, até chegar à inclusão, em que o
aluno deve frequentar instituições de ensino regular. (MANTOAN, 2004).

De acordo com Mendes (2006), nos últimos trinta anos, tem-se


debatido acerca das vantagens e desvantagens da integração e, mais
recentemente, da inclusão. Esse debate se mantém na pauta da educação ainda

56 Considera-se como um marco histórico decisivo no Brasil a criação do Centro Nacional de Educação
Especial (CENESP), em 1973, que institucionalizou a Educação Especial em termos do planejamento de
políticas públicas, paralelo ao início da implantação de subsistemas de Educação Especial nas diversas
redes públicas de ensino, por meio da criação de escolas e classes especiais, bem como de projetos de
formação de recursos humanos especializados, inclusive no exterior. (FERREIRA, 2003).

203
Debates Contemporâneos em Educação

hoje e haverá de provocar mudanças significativas nas práticas de inclusão.


Desse modo, busca-se uma melhor compreensão do que seja a EEI e do que
se entende por AEE. De acordo com as Diretrizes da Educação Inclusiva 57 no
estado da Bahia:

O atendimento educacional especializado caracteriza-se como a intervenção


pedagógica que propicia ao estudante público-alvo da Educação
Especial/inclusiva à aquisição de conhecimentos específicos para que ele
possa acompanhar o currículo comum da escola regular. Essa ação é
possível e profícua nos espaços das Salas de Recursos Multifuncionais, nos
Centros de Apoio Pedagógicos Especializados, nas instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos,
especializadas em Educação Especial. (CRUZ e ANDRADE, 2017, p. 48).

Interessa-nos, dentre esses espaços, o da Sala de Recursos, lócus


dessa intervenção:

Trata-se de um espaço localizado em unidade de ensino regular da


Educação Básica, organizado com equipamentos de informática, tecnologia
assistiva ou ajuda técnica, materiais pedagógicos e mobiliário adaptado, que
oferece atendimento educacional especializado para estudantes com
significativas diferenças físicas, sensoriais, intelectuais ou comportamentais,
em turno oposto à frequência deles a classe comum. O atendimento tem
caráter complementar ou suplementar, ministrado por professor com
formação na área da necessidade educacional específica do estudante e não
se configura como reforço escolar (CRUZ e ANDRADE, 2017, p. 36).

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação


Básica (DNEEEB), citando o Conselho de Educação do estado de São Paulo,
descrevem alunos com Necessidades Educacionais Especiais como aqueles
que:

[...] apresentam altas habilidades, precocidade, superdotação; condutas


típicas de síndromes/quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos;
portadores de deficiências, ou seja, alunos que apresentam significativas
diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais, decorrentes de fatores

57Educação Inclusiva foi uma expressão divulgada a partir da Declaração de Salamanca, documento
resultante da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, promovida pela UNESCO,
do qual o Brasil é signatário, e que lançou os princípios fundamentais da Educação Inclusiva. (UNESCO,
1994).

204
Debates Contemporâneos em Educação

genéticos, inatos ou ambientais, de caráter temporário ou permanente e


que, em interação dinâmica com fatores sócio ambientais, resultam em
necessidades muito diferenciadas da maioria das pessoas. (DNEEEB, 2001,
p. 22).

Compreende-se, assim, que o AEE e a Sala de Recursos são


elementos essenciais à inclusão do aluno com NEE no ensino regular. E, para
a efetivação dessa inclusão, esse AEE necessita considerar o diagnóstico
individual como o primeiro passo desse processo:

[...] o ensino nas salas de recursos multifuncionais não pode ser


homogeneizador. Ao contrário, é necessário que se faça um diagnóstico a
respeito da situação cognitiva, sensorial, comportamental, física, motora e
escolar de cada aluno atendido, por meio de uma avaliação pedagógica
diferencial e, a partir desse trabalho, seja elaborado um plano de ensino
individualizado que considere as suas limitações, suas dificuldades e valorize
as suas capacidades e potencialidades. (POKER, 2013, p. 05).

É o PDI o instrumento norteador dessa prática. É por meio dele que


a equipe de AEE pode efetivar sua pauta de inclusão, instrumentalizando seus
alunos para o acesso ao currículo, conforme suas condições individuais.

Nesta perspectiva, pensar em aprendizagem, e em como cada sujeito


aprende, ou mesmo por que não aprende, nos remete à noção de dois eixos
essenciais ao aprender, definidos como biológico e social. "Certamente eles
têm uma carga afetiva, cognitiva e psicológica que assegura e configura cada
pessoa, pois somos construídos pelas experiências que tivemos ao longo de
nossas vidas". (MICHELLI, 2012, p. 19).

A relevância da base neurobiológica da aprendizagem se revela,


sobretudo, a partir dos estudos de psicogenética, de um dos pioneiros, Jean
Piaget. É a neurociência o ramo da biologia interessada no funcionamento
cerebral:

Através da neurociência, é possível entender as razões fisiológicas


relacionadas ao sujeito e possíveis lesões que causam ou podem causar
problemas no seu desenvolvimento e na aprendizagem. É através da
neurociência que poderemos compreender como se dá o processo de
aprendizagem para qualquer pessoa e, então, através da contextualização,

205
Debates Contemporâneos em Educação

compreender como o sujeito específico aprende. Pois a estrutura cerebral


entre os sujeitos pode ser semelhante, mas os caminhos para a
aprendizagem consolidar-se é construído de forma singular. (MICHELLI,
2012, p. 20).

Dificuldades no processo de aprender, bem como formas de


funcionamento específicas das diferentes deficiências e dos transtornos de
aprendizagem são situações que remetem à necessidade de avaliação e
acompanhamento psicopedagógicos. É a psicopedagogia que une
conhecimentos sobre o funcionamento psíquico na aprendizagem e sobre a
pedagogia, para avaliar e acompanhar cada sujeito, com suas necessidades
específicas. A neuropsicopedagogia, por sua vez, aproxima-se ainda mais de
uma abordagem biopsicossocial desse sujeito aprendente, pois, por meio de
instrumentos diversos, permite uma visão ampla, não só de limitações, mas de
potenciais da pessoa avaliada.

Diante do exposto, compreende-se que a neuropsicopedagogia e a


inclusão escolar de pessoas com NEE se inter-relacionam intimamente, a
partir da necessidade de avaliação e acompanhamento individuais e mais
profundos. Para exemplificar, saber que um aluno tem autismo não é suficiente
para a construção de um plano de ação. É a investigação de todas as suas
peculiaridades, não enquanto autista, mas como pessoa única, com história,
dentro de um contexto familiar e social, que permitirá uma abordagem mais
significativa para sua inclusão escolar.

Com o propósito de compreender tal realidade, a intervenção


realizada nessa pesquisa se deu pela investigação, por meio de instrumentos de
avaliação do desenvolvimento global, do desempenho escolar e das funções
cognitivas, como norteadores do planejamento para a inclusão escolar de
alunos já inseridos no ensino regular. Por meio do contato com os
responsáveis pelos alunos, iniciou-se uma “transformação” referida abaixo,
pela mudança no olhar para tais alunos e seus contextos familiares. Não se
trata de uma pessoa com NEE apenas, mas de um sujeito, com história ímpar.
Compreender seu contexto de vida revelou-se valioso instrumento, assim
como os demais, para a construção do PDI.

206
Debates Contemporâneos em Educação

De acordo com Aguiar e Rocha (2007, p. 655) a pesquisa-intervenção


“enquanto proposta de atuação (trans)formadora, [...] aprofunda a ruptura com
os enfoques tradicionais e amplia as bases teórico-metodológicas das pesquisas
participativas”. Assim, a atuação em pesquisa-intervenção requer compreender
que uma ressignificação se dá por meio dessa interação entre o pesquisador e o
contexto investigado. Para Paulon (2005, p. 21) a pesquisa-intervenção, “ao
operar no plano dos acontecimentos, deve guardar sempre a possibilidade do
ineditismo da experiência humana, e o pesquisador a disposição para
acompanhá-la e surpreender-se com ela”.

Dessa forma, utilizou-se como técnica de pesquisa a História de


vida58 ou Anamnese Psicopedagógica, que é instrumento essencial para a
obtenção e análise de dados, desde a concepção até o momento atual da vida
do aluno, pois proporciona ao investigador identificar as possíveis causas das
dificuldades de aprendizagem do sujeito Porto (2009).

Identificou-se, por meio da anamnese, que as famílias dos alunos


participantes da pesquisa são de baixa renda; obtiveram acompanhamento pré-
natal básico, dentro do proposto pelo SUS; os partos foram naturais, em
hospital, nasceram a termo59; entretanto, apresentaram atrasos no
desenvolvimento já nos primeiros meses de vida, como dificuldades no
desenvolvimento motor, no ganho de peso, na linguagem, dentre outras.
Todos apresentaram dificuldades no percurso escolar, sobretudo, no processo
de aquisição de leitura e escrita. Três deles foram medicados com
neurolépticos por três anos em média, ainda na primeira infância, devido a
alterações no comportamento, como agitação, irritabilidade e dificuldades no
sono. Três alunos possuem laudos de deficiência mental, de leve a moderada,

58 Segundo Pollak (1989, p. 13), as histórias de vida devem ser consideradas como instrumentos de
reconstrução da identidade, e não apenas como relatos factuais. Por definição reconstrução a posteriori,
a história de vida ordena acontecimentos que balizaram uma existência. Além disso, ao contarmos
nossa vida, em geral, tentamos estabelecer uma certa coerência por meio de laços lógicos entre os
acontecimentos-chaves (que aparecem então de uma forma cada vez mais solidificada e estereotipada),
e de uma continuidade, resultante da ordenação cronológica. Através desse trabalho de reconstrução de
si o indivíduo tende a definir seu lugar social e suas relações com os outros.
59 Nascido a termo é o nascido de 37 semanas a menos de 42 semanas completas (259 a 293 dias) de

gestação, de acordo com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS,


2008).

207
Debates Contemporâneos em Educação

não compatíveis com habilidades cognitivas apresentadas atualmente. Uma


aluna possui laudo recente de deficiência auditiva (baixíssima audição) e
paralisia cerebral, tendo sido acompanhada em escola especial, como deficiente
intelectual, por cerca de dez anos. Um aluno não possui nenhum laudo, tendo
apresentado sintomas de paralisia cerebral, com prejuízos motores, como
sustentar o pescoço e sentar-se apenas com quatro anos de idade.

Em seguida, para investigação dos aspectos pedagógicos essenciais,


foi aplicado o Teste de Desempenho Escolar (TDE), que “é um instrumento
psicométrico que busca oferecer de forma objetiva uma avaliação das
capacidades fundamentais para o desempenho escolar, mais especificamente da
escrita, aritmética e leitura” (STEIN, 2011, p. 01). Os dados levantados com o
TDE permitiram constatar significativas dificuldades nas três capacidades
avaliadas. Apenas um aluno obteve escores dentro da média em duas
capacidades, de leitura e escrita; e inferior em aritmética. Os demais
apresentaram escores inferiores à média nas três capacidades.

Por meio das escalas Wechsler de Inteligência para Crianças - 4ª


edição (WISC-IV) e Escala de Inteligência Wechsler para Adultos - 3ª Edição
(WAIS-III), foi possível levantar o perfil de desenvolvimento (neuro) cognitivo
de cada aluno avaliado. Vale ressaltar que tais perfis são indicativos da
condição atual de cada aluno e não são estáticos, pois o desenvolvimento é
dinâmico e pode sofrer influências diversas. As Escalas de Inteligência
Wechsler são escalas psicométricas consideradas “valiosos recursos para a
investigação das habilidades cognitivas, sendo reconhecidas mundialmente e
estando entre as mais investigadas internacionalmente”. (NASCIMENTO,
2004, p. 07). De acordo com o Manual Técnico do WISC IV:

Entre suas principais aplicações estão a estimativa cognitiva na avaliação


psicológica, neuropsicológica e psicoeducacional; no diagnóstico diferencial
de desordens neurológicas e psiquiátricas e no planejamento de programas
de reabilitação (neuro) cognitiva. (WECHSLER, 2014, p.29).

Do mesmo modo, a WAIS III abrange as mesmas aplicações. Para


uma melhor compreensão da estrutura de cada escala, descreve-se,
sucintamente, cada uma. Sobre a Escala WAIS III:

208
Debates Contemporâneos em Educação

É composta por 14 subtestes e sua indicação é para avaliar pessoas de 16 a


89 anos de idade [...] O instrumento se divide em Escala Verbal, Escala de
Execução e Escala Total, além dos Índices Fatoriais: Índice de
Compreensão Verbal, Índice de Organização Perceptual, Índice de
Memória Operacional e Índice de Velocidade de Processamento.
(NASCIMENTO, 2004).

A WISC IV, por sua vez, compõe-se de 15 subtestes e é indicada para


avaliar crianças de 06 a 16 anos de idade. Divide-se nos Índices Fatoriais de
Compreensão Verbal, Organização Perceptual, Memória Operacional e
Velocidade de Processamento, além da Escala Total. (Wechsler, 2014).

Assim, apresenta-se um panorama dos perfis neurocognitivos


encontrados na elaboração do PDI de cada aluno e sua aplicação na elaboração
dos Planos de Desenvolvimento Individual, conforme pode ser observado no
quadro a seguir:

QUADRO 1 - Aluno 1

17 anos: TDAH; gagueira, epilepsia; vítima de Bullying; bom suporte


familiar; episódio recente de ouvir vozes.

Perfil neurocognitivo Áreas a estimular

 Compreensão verbal: média, com Cognitiva


prejuízo na compreensão leitora; Desenvolvimento de
estratégias de
 Organização perceptual: média; automonitoramento e
autoinstrução; jogos
 Memória operacional: média inferior, para estimulação de
com prejuízos em raciocínio lógico- memória e atenção,
matemático; organização e
planejamento.
 Funções executivas: déficits em
Pedagógica
organização, planejamento, atenção,
Jogos e atividades para
memória;
ampliação de

209
Debates Contemporâneos em Educação

vocabulário; exercícios
 Velocidade de processamento: de compreensão textual,
limítrofe; com gêneros textuais
diversos; uso de vídeo
 Apresenta impulsividade, agitação aulas; mediação
psicomotora e ansiedade. pedagógica nas
atividades escolares.

Obs.: Recebe acompanhamento com Afetivo-social


neurologista e psiquiatra. Em uso de Psicoeducação sobre o
anticonvulsivante e antipsicótico. transtorno hipercinético
e a ansiedade;
orientação
comportamental para
lidar com impulsividade,
gagueira e ansiedade;
fortalecimento da
autoestima.

Psicomotora
Exercícios de
respiração, relaxamento
e fala; estratégias de
automonitoramento
psicomotor.

Fonte: Dados coletados por meio da avaliação neurocognitiva e áreas a estimular; ano/2017;
Elaboração: PEREIRA, Eugênia Santana; FREITAS, Marta Bramuci.

QUADRO 2 - Aluno 2

19 anos: TDAH, nutrição deficiente; laudo de deficiência intelectual


leve, na infância; suporte familiar deficiente; mãe alcoolista; não

210
Debates Contemporâneos em Educação

conhece o pai.

Perfil neurocognitivo Áreas a estimular

 Compreensão verbal: média; com Cognitiva


prejuízos na compreensão leitora; Desenvolvimento de
 Organização perceptual: média; estratégias de
 Memória operacional: embotada; com automonitoramento
prejuízos em raciocínio lógico-matemático; e autoinstrução;
jogos para
 Funções executivas: déficits em
estimulação de
organização, planejamento, atenção,
memória e atenção,
memória;
organização e
 Velocidade de processamento: embotada; planejamento.
 Apresenta impulsividade e agitação
psicomotora. Pedagógica
Obs.:Sem acompanhamento médico desde Jogos e atividades
2013. Não faz uso de medicamento. Fez uso para ampliação de
de neuroléptico na infância. vocabulário;
exercícios de
compreensão
textual, com gêneros
textuais diversos;
uso de videoaulas;
mediação
pedagógica nas
atividades escolares.

Afetivo-social
Psicoeducação sobre
o TDAH; orientação
comportamental
para impulsividade e
envolvimento com
comportamentos de
risco (uso de bebidas
alcoólicas).

211
Debates Contemporâneos em Educação

Psicomotora
Estratégias de
automonitoramento
psicomotor para
agitação.

Obs. Encaminhar
para médico
neurologista.
Fonte: Dados coletados por meio da avaliação neurocognitiva e áreas a estimular; ano/2017;
Elaboração: PEREIRA, Eugênia Santana; FREITAS, Marta Bramuci.

QUADRO 3 - Aluno 3

17 anos: Paralisia cerebral; baixa audição; (laudo recente); bom


suporte familiar.

Perfil neurocognitivo Áreas a estimular

 Compreensão verbal: média; Cognitiva


organização Perceptual: média
inferior; Jogos para estimulação de
percepção, memória, atenção
 Memória operacional: média
e ritmo de processamento.
inferior; funções executivas: boa
capacidade de organização e Pedagógica
planejamento; prejuízos leves na
atenção e na memória; Jogos e atividades para
 Velocidade de processamento: ampliação de vocabulário;
deficiente; exercícios de compreensão
 Apresenta distúrbio motor: textual, com gêneros textuais
hipertonia (rigidez muscular), diversos; uso de vídeo aulas;
postura, marcha, membros mediação pedagógica nas
superiores; dificuldades de audição, atividades escolares,
visão e fala; conforme dificuldades

212
Debates Contemporâneos em Educação

específicas.
Obs.: Acompanhamento em escola
especial por 10 anos. Não faz uso Afetivo-social
de medicamento. Fez uso de
Psicoeducação sobre a
neuroléptico na infância.
paralisia cerebral e a baixa
audição; fortalecimento da
autoestima.

Psicomotora

Estimulação motora;
estratégias de relaxamento
muscular, Orientações aos
pais e professor de educação
física.

Fonte: Dados coletados por meio da avaliação neurocognitiva e áreas a estimular; ano/2017;
Elaboração: PEREIRA, Eugênia Santana; FREITAS, Marta Bramuci.

QUADRO 4 - Aluno 4

16 anos: Suspeita de paralisia cerebral (sem laudo); ansiedade fobia


específica; vítima de Bullying; suporte familiar regular.

Perfil neurocognitivo Áreas a estimular

 Compreensão verbal: média, com Cognitiva


prejuízos na compreensão leitora;
Jogos e estratégias para
 Organização perceptual: superior, estimulação de memória,
com habilidades musicais; atenção e ritmo de
processamento.
 Memória operacional: média
inferior, com prejuízos no raciocínio Pedagógica

213
Debates Contemporâneos em Educação

lógico-matemático; Jogos e atividades para


ampliação de vocabulário;
 Funções executivas: boa exercícios de compreensão
capacidade de organização e textual, com gêneros
planejamento; prejuízos leves na textuais diversos; uso de
atenção e na memória, secundários, vídeo aulas; mediação
devidos à ansiedade; pedagógica nas atividades
escolares, conforme
 Velocidade de processamento: dificuldades específicas.
limítrofe;
Afetivo-social
 Apresenta distúrbio motor:
musculatura frágil, postura, marcha, Psicoeducação sobre a
membros inferiores; dificuldades de paralisia cerebral, ou outra
visão. condição (após diagnóstico
médico) e ansiedade,
Obs.: Não faz uso de medicamento. fortalecimento da
autoestima.

Psicomotora

Estimulação motora;
fortalecimento muscular,
conforme orientação de
especialistas; estratégias de
respiração e relaxamento;
orientações aos pais e
professor de educação
física.

Fonte: Dados coletados por meio da avaliação neurocognitiva e áreas a estimular; ano/2017;
Elaboração: PEREIRA, Eugênia Santana; FREITAS, Marta Bramuci.

214
Debates Contemporâneos em Educação

QUADRO 5 - Aluno 5

15 anos: Dislexia; disgrafia; Déficit de atenção (sem laudo); bom


suporte familiar.

Perfil neurocognitivo Áreas a estimular

 Compreensão verbal: média, com Cognitiva


significativos prejuízos na leitura;
ótima compreensão do texto oral. Desenvolvimento de
estratégias de
 Organização perceptual: superior,
automonitoramento e
com habilidades em artes visuais;
autoinstrução; jogos para
 Memória operacional: média
estimulação da atenção e
inferior;
ritmo de processamento.
 Funções executivas: leve
dificuldade em organização e Pedagógica
planejamento; prejuízo maior na
atenção; boa memória; Jogos e atividades para
 Velocidade de processamento: ampliação de vocabulário;
limítrofe; exercícios de leitura e
escrita, com ênfase em
 Dificuldades na escrita: consciência fonológica; uso
organização, dimensão da letra, de videoaulas; ledor e
ortografia. mediação pedagógica nas
atividades escolares,
 Obs.: Não faz uso de conforme dificuldades
medicamento. específicas.

Afetivo-social

Psicoeducação sobre a
dislexia e o Déficit de
Atenção; incentivo à
produção artística visual;
fortalecimento da

215
Debates Contemporâneos em Educação

autoestima.

Psicomotora

Uso de recursos para


sistematização da escrita.

Fonte: Dados coletados por meio da avaliação neurocognitiva e áreas a estimular; ano/2017;
Elaboração: PEREIRA, Eugênia Santana; FREITAS, Marta Bramuci.

Dessa forma apresentou-se um resumo do perfil neurocognitivo e


áreas a estimular de cada aluno, assim como das possibilidades de intervenção
nas quatro áreas principais do desenvolvimento e da aprendizagem.

Constatou-se, por meio dos instrumentos de avaliação


neuropsicológicos, que nenhum dos alunos avaliados apresenta quadro de
deficiência intelectual, embora tenham sido matriculados como tal, seja a partir
dos laudos apresentados, dos relatórios escolares, ou até mesmo da descrição
dos familiares.

O que se observou entre o desempenho de todos os alunos avaliados


é que obtiveram escore limítrofe no índice fatorial de Velocidade de
Processamento, o que se revela muito comum em diversas desordens
neuropsicológicas, como as apresentadas acima. Esse dado se revela
importante para o trabalho de adaptação, que envolve aspectos como o tempo
e o espaço individualizados, assim como tarefas reduzidas ou transformadas
em linguagem objetiva, conforme o ritmo de cada aluno.

CONCLUSÃO

A experiência de avaliar um grupo de alunos em seus aspectos


biopsicossociais, bem como registrar essa experiência, tendo como referencial
teórico-metodológico a pesquisa intervenção, tornou possível articular

216
Debates Contemporâneos em Educação

intervenção e pesquisa, teoria e prática, produzindo algumas análises


reveladoras sobre o como avaliar e pensar a intervenção posterior, no
cotidiano de uma Sala de Recursos, para a inclusão desses alunos numa escola
pública da rede regular de ensino.

A intervenção pela avaliação neuropsicopedagógica permitiu construir


um perfil neurocognitivo que contribuiu para a elaboração do Plano de
Desenvolvimento Individual desses alunos, considerando-se não só limites,
mas também potenciais. Tal avaliação demonstrou proporcionar, assim,
condições para uma intervenção psicopedagógica voltada para necessidades
específicas e, consequentemente, para maior efetividade das ações da equipe de
Atendimento Educacional Especializado na inclusão escolar desse grupo.

Um estudo dessa natureza não tem como fim oferecer conclusões,


mas contribuir para o enriquecimento das discussões a respeito das
neurociências e da inclusão escolar. É sabido que a compreensão sobre
quaisquer fenômenos deve considerar diversos fatores. Assim, realizar uma
intervenção num contexto de Sala de Recursos permitiu compreender o que há
entre as políticas de inclusão e sua prática.

A pesquisa realizada evidenciou, também, que o processo de


produção do trabalho em educação especial inclusiva vai além da inserção do
aluno na sala de aula regular, como também da mediação pedagógica e da
adaptação de material e currículos. Requer a presença de especialistas, como o
psicopedagogo e o neuropsicólogo, para uma investigação mais aprofundada
sobre as necessidades individuais e, consequentemente, para a efetiva inclusão
desses alunos.

Outros fatores, de ordem socioeconômica e política, que se traduzem


em entraves ao pleno oferecimento do apoio especializado, requerem um
posicionamento ativo dos atores envolvidos, pois, sabe-se que a educação se
constitui cotidianamente, por meio de lutas constantes e permanentes desafios.

A academia é lugar privilegiado para a reflexão sobre essas questões,


porém, os espaços para essas práticas devem ser ampliados. Faz-se necessário
investir nos cursos de licenciatura e pedagogia, nos programas de capacitação e

217
Debates Contemporâneos em Educação

especialização, assim como na promoção de debates com diversos segmentos


da sociedade, com esse fim. O psicólogo da educação pode e deve ter
participação direta nessas ações. Dessa forma abrem-se possibilidades para
outros estudos, que ampliem a discussão sobre a presença do especialista e a
intervenção, analisando os efeitos desta pós-avaliação, num espaço médio de
um ano letivo, no mínimo.

218
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

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Debates Contemporâneos em Educação

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Debates Contemporâneos em Educação

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221
Debates Contemporâneos em Educação

12 - ENSINO DE LÍNGUAS NA CONTEMPORANEIDADE:UMA REFLEXÃO


SOBRE LINGUAGEM E IDENTIDADE

Roma Souza-Dias60
Eduardo Dias da Silva61

INTRODUÇÃO

Pretende-se neste trabalho discutir como a globalização tem afetado


diretamente a vida dos cidadãos do mundo bem como o modo de produzir
conhecimento. Essa pesquisa almeja abordar a questão de linguagem como
prática social, constitutiva de identidades dos sujeitos. Dessa forma, cai por
terra a concepção de língua como um corpo homogêneo, fixo, imune às
mudanças sociais e aos anseios linguísticos: conceito que tem dominado por
décadas a ciência.

Este estudo contempla a questão de identidade caracterizada como


fragmentada, fluida, cambiante e sinaliza a necessidade de uma reflexão sobre
como o processo de ensino e aprendizagem de línguas passa a ser produzido
na contemporaneidade tendo por base a concepção de linguagem como prática
social. Está havendo uma verdadeira explosão de pesquisas em linguagem e
identidade nas últimas décadas. Muitas críticas têm surgido em relação a uma
identidade unificada, estável, essencialista.

O período pós-moderno62 tem sido palco de entraves calorosos sobre


estudos que questionam a maneira positivista de produzir conhecimento. As

60 Doutorando em Linguística e Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB).


Professor da Universidade do Estado da Bahia no curso de Letras/Inglês e Literaturas. Pesquisador do
Grupo de pesquisa CNPq Língua, Discurso e Representações da Universidade de Brasília – UnB.
Contato: [email protected]
61 Doutorando em Literatura e Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB).

Professor de Educação Básica na Secretaria de Estado de Educação do Distrito


FedEral(SEEDF).Pesquisador nos Grupos CNPq FORPROLL e GIEL.Contato:
[email protected]

222
Debates Contemporâneos em Educação

diversas áreas do conhecimento, por exemplo, a Filosofia, a Educação, a


Literatura, a Psicologia, etc. têm focado pesquisas que objetivam uma completa
desconstrução das perspectivas positivistas de identidade. Dentre essas críticas,
observa-se o papel do inconsciente na formação da identidade bem como o
caráter essencialista de concepções étnicas, raciais, nacionais de identidade
cultural e de política de representação. Pois, almejamos e entendemos, com
esse trabalho que

[...] a prática precisa ser entendida como fonte de conhecimento, assim, a


reflexão ficará além da simples forma de construção de novos saberes.
Portanto, a reflexão acontece quando ocorre relação entre o pensamento e
a ação, permitindo interferências nas práticas visando reconstruí-las.
[Assim,] A reflexão possibilita que os conhecimentos sejam reorganizados
(SILVA, 2018, p. 137) (Acréscimos nossos).

No que se refere à linguagem, essa deixa de ser considerada como um


mero instrumento de comunicação e passa a ser entendida como (inter)ação.
Ela molda o nosso pensamento, as nossas (inter)ações. O conceito de
linguagem homogeneizada, enclausurada em si mesma e unificada que
dominara as pesquisas em tempos anteriores passam a ser fortemente
questionado neste período contemporâneo. Sendo assim, indo em sentido
oposto, entendemos a linguagem,

[...] como um processo de interação entre sujeitos sócio-historicamente


situados, e não mais a língua isolada do contexto em que é produzida, [...],
ou seja, uma linguagem que desempenhe um papel primordialmente social.
Desta forma, o uso da linguagem está ligado aos diversos campos da
atividade humana e pode ser historicamente construído em torno das trocas
nas interações sociais. Alicerçado neste pressuposto da linguagem e para se
evitar a prática de ensino que tenha como foco meramente as acomodações
de trocas linguísticas (SILVA, 2017a, p. 30).

Este artigo tem como objetivo trazer algumas discussões importantes


sobre linguagem e identidade, abordando este tema sob uma visão pós-
positivista de conhecimento, dentre outros vieses. Primeiramente,

62 Neste estudo, os termos pós-moderno (SANTOS, 2006), modernidade tardia (HALL, 2006) ou
modernidade líquida (BAUMAN, 2001) são usados indistintamente, pois se referem ao atual período de
tempo onde nos situamos.

223
Debates Contemporâneos em Educação

apresentaremos um breve conceito de globalização na visão de alguns autores


como Bauman (1999; 2001), Hall (2006), Rajagopalan (2002a; 2002b; 2003),
Rushdie (1991), Santos (1995), dentre outros estudiosos que tratam da questão
da pós-modernidade. Discutiremos a forma como a globalização tem
influenciado a vida das pessoas no globo terrestre. Em seguida,
argumentaremos sobre a relação existente entre linguagem e identidade,
culminado na questão de ensino e aprendizagem de línguas na
contemporaneidade.

Dessa forma, esperamos que esta investigação contribua para o


desenvolvimento das pesquisas ligadas à Linguística Aplicada, à Educação:
linguagem, identidade e ensino-aprendizagem de línguas, em virtude das
exigências das transformações educacionais e a necessidade de pesquisas no
campo destas ciências, ainda poucos difundidas nos cursos de licenciatura do
país.

Caracterização do período pós-moderno

De acordo com Robins (1991), o processo de globalização nada mais


é do que a comercialização dos produtos do ocidente ao resto do mundo.
Segundo o pesquisador, sempre houve entre as sociedades relações de poder
onde o subalterno é dominado pelo colonizador. Os países ricos do ocidente,
aproveitando a política criada por eles mesmos, o chamado neoliberalismo,
fazem com que os países menos desenvolvidos, especialmente aqueles em
desenvolvimento sejam seus clientes. Robins (1991) assevera, também, que
está havendo uma exportação de mercadorias, de valores, de prioridades de
formas de vida ocidental dos países mais bens sucedidos economicamente para
a periferia global: o chamado processo de ocidentalização. Sem restrição de
mercado interno, os países pobres não têm forças de competir em pé de
igualdade com as grandes potências. Hall (2006) ratifica o comentário de
Robins (1991) ao dizer que as sociedades pobres sempre estiveram abertas às
influências ocidentais, mas agora essa influência tem atingido o seu clímax.

224
Debates Contemporâneos em Educação

Santos (1995, p. 87), por sua vez, assevera que o atual momento
representa uma “fase de transição que cria o tempo e o espaço para uma nova
forma de organização”. Conforme afirma Harvey (1989, p. 205), citado por
Hall (2006, p. 73), “o tempo reclama a sua posição em confronto com o
espaço. O primeiro, cansado de acompanhar os passos lentos do último, tenta
aprisioná-lo através da dominação e subjugação, tendo o tempo poder de
destruição sobre o espaço”.

Vale ressaltar que todo esse processo de ebulição efervescente é


atribuído à globalização, empurrada pelas inovações científicas e tecnológicas.
A globalização tem sido o pivô das transformações e desestruturação de uma
sociedade até então. Ela (a globalização) é um processo de intersecção entre os
povos que afeta diretamente a vida de todos os cidadãos do planeta, dirimindo
tempo, espaço através da demolição de fronteiras tanto literais quanto
simbólicas. É um processo de contato direto e interdependência entre as
nações do mundo onde o local é afetado pelo global e vice-versa. As culturas
locais são influenciadas pela cultura global. Aos poucos, as imagens ideológicas
entram sorrateiramente em nossos lares, em nossa cultura, influenciando e
colocando em xeque modelos de instituição que outrora controlavam a
sociedade dando a ela uma estabilidade e ordem social.

Globalização e identidades nacionais

A noção de nacionalidade não é inerente aos seres humanos. Nós não


nascemos com ela, mas pensamos nela como se fizesse parte de nossa essência,
nossa natureza. Hoje em dia, pensar a questão do pertencimento a uma nação
é imprescindível para a autonomia dos cidadãos. É esse pertencimento que
caracteriza o sujeito como um ser constituído de determinados valores sociais,
culturais e linguísticos. Esse pertencimento o faz singular e ao mesmo tempo
plural. De acordo com Hall (2006),

[...] a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz
sentidos – um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas
cidadãos e cidadãs legais de uma nação; elas participam da ideia tal como
representada em sua cultura nacional. [...] A formação de uma cultura

225
Debates Contemporâneos em Educação

nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização universais,


generalizou uma única língua vernacular como meio dominante de
comunicação em toda nação, criou uma cultura homogênea e manteve
instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional
de nação (HALL, 2006, p.49, grifo do autor).

Assim, nacionalidade é um conjunto de símbolos e representações


que nos moldam, nos lapidam e nos dão forma. Somos constituídos dentro de
determinada sociedade, absorvendo esses valores culturais, políticos e
ideológicos que formam a nossa identidade. Hoje em dia, podemos afirmar
que pertencer a uma nação é questão de prestígio, pois um homem sem pátria
é um sujeito quase desprovido de sua subjetividade e identidade.

Parece improvável que a globalização vai simplesmente destruir as


identidades nacionais. Ao contrário, este fenômeno pode trazer benefícios,
contribuindo para a produção de novas identificações locais e globais. O
sujeito, em contato com as diferenças culturais, pode aumentar a sua
percepção de mundo e consequentemente sua percepção cultural. Neste
sentido, não podemos mais pensar em raças puras, identidades únicas e fixas,
pessoas vivendo como um único povo sem mescla racial (RAJAGOPALAN,
2003), pois está havendo uma miscigenação entre os povos através de uma
migração paralela entre as nações. Podemos ver isso em vários países do
mundo onde existem comunidades estrangeiras que trazem consigo seus
valores, crenças e costumes.

Esta miscigenação em massa faz com que haja uma formação de


enclaves étnicos minoritários no interior de estados-nação, propiciando assim
uma pluralização de culturas e identidades nacionais (HALL, 2006). As
identidades nacionais até então intactas e fixas, ao entrar em contatos com
outras culturas, valores e costumes, culminam em uma espécie de embate
cultural, pois aquele sentimento de pertencimento local, regional ou nacional é
influenciado pelo contato alheio. Sobre isso, Rajagopalan (2003) afirma que a
questão da identidade nacional é colocada em xeque devido à presença do
outro, da diferença.

De acordo com esse pesquisador, é inadmissível, hoje em dia, pensar


em identidades inalteradas. As identidades se tornam questionadas pelo

226
Debates Contemporâneos em Educação

confronto global e local. Autores como Bauman (1999; 2001), Santos (1995),
Hall (2006), dentre outros estudiosos, afirmam que o efeito da globalização
tem gerado certa noção de desconfiança entre as pessoas, pois estas
demonstram, ás vezes, um apego às identidades locais, evitando uma abertura
para o que é estrangeiro, e, ao mesmo tempo, este processo gera, pelo contado
entre as diversas culturas, identidades fluidas, múltiplas, ou como diz muito
bem Rushdie (1991), identidades hibridas ou traduzidas.

Essas identidades híbridas ou traduzidas se referem a pessoas que


são atravessadas por diferentes visões de mundo e carregam consigo marcas de
vários traços culturais, pois se adaptam facilmente às novas realidades culturais.
Por outro lado, essa interseção entre as diferentes culturas, valores e crenças
afetam diretamente as pessoas no mundo, gerando uma crise de identidade,
conforme veremos a seguir.

A globalização como fator gerador das mudanças sociais

As sociedades atuais estão em um constante processo de mudança. O


que diferencia essa sociedade moderna das tradicionais são exatamente essas
transformações. Giddens (1990) enfoca que:

[...] nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são


valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A
tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer
atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e
futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais
recorrentes (GIDDENS, 1990, p. 37-38 apud HALL, 2006, p. 15).

Um ponto que merece destaque é o desalojamento, deslocamento das


interações sociais entre os sujeitos. Este deslocamento parte de esferas reais,
concretas para esferas artificiais de interação. Vale a pena mencionar que essas
interações se constroem devido á compressão de espaço e tempo. Segundo
Laclau (1990), as sociedades modernas não têm nenhum centro, nenhum
princípio articulador único e não se desenvolvem de acordo com o
desdobramento de uma única causa.

227
Debates Contemporâneos em Educação

As sociedades, assim como os sujeitos, estão sendo constantemente


descentrados, deslocados. Esse descentramento coloca em xeque as
identidades do passado, mas ao mesmo tempo, abre possibilidades de novas
articulações para as novas identidades que estão em processo de mutação. Essa
crise de identidade que o sujeito pós-moderno experimenta é uma forma de
rompimento e de transição de um passado estável, tranquilo, onde as
identidades eram facilmente identificadas no seu também contexto estável e
permanente, para um contexto instável que não pode ser mapeado com
precisão e certeza.

Hall (2006), ao citar Giddens (1990), chama esse processo de transição


atual de descontinuidades. Ele afirma que

[...] os modos de vida colocados em ação pela modernidade nos livraram, de


uma forma bastante inédita, de todos os tipos tradicionais de ordem social.
Tanto em extensão, quanto em intensidade, as transformações envolvidas
na modernidade são mais profundas do que a maioria das mudanças,
características dos períodos anteriores. No plano da extensão, elas serviram
para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo; em
termos de intensidade, elas alteraram algumas das características mais
íntimas e pessoais de nossa existência cotidiana (GIDDENS, 1990, p. 12
apud HALL, 2006, p. 16).

A sociedade atual deixa de ser pensada nos moldes positivistas. Não é


mais concebida como um todo unificado, bem delimitado, uma totalidade que
se evolui de maneira ordenada, a partir de seu centro. Forças externas à esfera
social fazem com que a sociedade seja deslocada e descentrada. Os indivíduos,
como seres sociais, não deixam de ser afetados por essas mudanças. Logo,
cabe ao conhecimento científico o papel ético de analisar essas transformações
sociais com o objetivo de entender a intrínseca relação entre discurso e
sociedade. Para tanto, é necessário conceber linguagem como prática social.
Isso, na visão de Fairclough [1991 (2001)], significa que os efeitos constitutivos
do discurso é responsável pela produção da realidade social e de identidades
sociais. Na seção seguinte, abordaremos o segundo ponto.

228
Debates Contemporâneos em Educação

Concepção de linguagem e identidade no período contemporâneo

A transição da modernidade para a pós-modernidade tem sido um


período de rupturas, já que ainda encontramos vestígios da modernidade no
atual período contemporâneo. No período moderno, o homem foi concebido
como o centro do universo, dotado de razão e que, através do conhecimento
científico, podia entender a si mesmo e as leis que regem o universo. O
conhecimento de si mesmo era fator chave para a compreensão do universo.
Esse autoconhecimento surgiria através do estudo da própria linguagem que
foi assim concebido sem qualquer verificação empírica. Os estudos sobre a
linguagem a postularam como um sistema autossuficiente, totalizado e fechado
em si mesmo tal como era também concebido o indivíduo moderno.

Essas concepções de linguagem são encontradas nos estudos de


Saussure (1959) citado por Rajagopalan (2003, p. 22) como o pai da linguística
moderna. Saussure descreve a língua como “um todo autocontido e um
princípio de classificação”. O conceito de sujeito é, nessa vertente,
essencialista, totalizado. Dessa forma, a identidade do sujeito ocupa uma
posição central na produção do conhecimento.

Esse olhar sobre a língua dominou por muito tempo o fazer científico,
porém, esses conceitos de sujeito e linguagem não estão tendo mais lugar
privilegiado em pesquisas contemporâneas. As investigações científicas na
atualidade estão revendo muitas dessas concepções e categorias que têm
dominado a ciência com o escopo de torná-los mais adequados às mudanças
sociais, culturais e linguísticas, já que os conceitos positivistas,

[...] estão se mostrando cada vez mais incapazes de corresponder à realidade


vivida neste novo milênio, realidade marcada de forma acentuada por
novos fenômenos e tendências irreversíveis como a globalização e a
interação entre culturas, com consequências diretas sobre a vida e o
comportamento cotidiano dos povos, inclusive no que diz respeito a
hábitos e costumes linguísticos (RAJAGOPALAN, 2003, p. 25).

O mundo contemporâneo se caracteriza por uma miscigenação de


povos e culturas, não havendo mais espaço para uma teorização que postula
língua como um sistema homogêneo e único, pois “as línguas vivem em

229
Debates Contemporâneos em Educação

constante contato umas com as outras e se contaminam mutuamente,


constantemente, criando possibilidades novas e nunca sonhadas”
(RAJAGOPALAN, 2002a, p. 39). As línguas inglesa, francesa e espanhola, a
exemplo, estão se tornando línguas francas para a comunicação internacional,
o que ocasiona a perda paulatina de suas restrições identitárias e locais.

No que diz respeito à língua inglesa, mais especificamente, é um


idioma que já perdeu aquela essência identitária que fazia com que ela
pertencesse exclusivamente a este ou àquele lugar [Estados Unidos e
Inglaterra, a exemplo]. O inglês é um exemplo de uma língua que possui uma
identidade múltipla, proteiforme, responsável pela sua sobrevivência como
língua internacional.

Os estudos pós-modernos postulam a existência de uma intrínseca


relação entre sujeito e língua, uma relação muito íntima, já que o falante é
constituído pela linguagem. Dessa forma, a linguagem passa a ser pensada
como heterogênea, carregada da visão cultural e social de cada indivíduo. Uma
vez que os sujeitos são constituídos na e pela linguagem, ela faz parte da
criação e da personalidade desses indivíduos. A última seção deste trabalho
traz argumentos importantes sobre como devemos pensar essa concepção da
linguagem e identidade dentro do processo de ensino e aprendizagem de
línguas.

Linguagem e identidade: Implicações para o processo de ensino e


aprendizagem de línguas

O objetivo desta seção é apresentar uma discussão sobre linguagem e


identidade na pós-modernidade e algumas de suas implicações para o processo
de ensino-aprendizagem de línguas. Para tanto, apresentamos a influência de
algumas teorias sobre linguagem no processo de ensino e aprendizagem de
línguas, para, a partir daí, mostrarmos como a concepção de linguagem como
constitutiva de sujeitos sociais tem influenciado a sala de aula que, por sua vez,
passa a ser entendida como um lugar de construção identitária.

230
Debates Contemporâneos em Educação

Vale ressaltar que o objetivo dessa seção não é aprofundar em teorias


de linguagem, mas mostrar de forma breve como os anos 1950 e 1960
marcaram de maneira contundente o ensino de línguas, baseado em
descobertas científicas sobre a linguagem e como esta concepção não está
tendo mais lugar privilegiado neste processo, devido às mudanças sociais que
fazem com que essas velhas concepções sejam questionadas veementemente
pela ciência pós-moderna.

O ensino de línguas sempre foi marcado por teorizações


concernentes à linguagem. Nos anos 1950, a linguagem, influenciada pelas
ideias saussureanas e skinneanas, era entendida como um sistema de signos
autocontido, único e fechado em si mesmo. No início dos anos 1960, a
linguagem ganha uma nova concepção científica baseada na ideia inatista de
Chomsky (1965), porém continuou tendo a mesma essência da época anterior.
Essas concepções científicas influenciaram direta e profundamente a
metodologia de ensino de línguas e têm dominado até então o processo de
ensino e aprendizagem de línguas, apesar dos muitos estudos científicos
posteriores que postulam a linguagem como performativa, constitutiva do
sujeito e como prática social (AUSTIN, 1962; CANALE & SWAIN, 1980;
HYMES, 1973; SEARLE, 1970).

Portanto, até quando essas concepções científicas positivistas sobre a


linguagem influenciariam os métodos de ensino de línguas? Pelo que parece, a
resposta a essa pergunta já pode ser vislumbrada agora. A globalização, assunto
já discutido anteriormente, é um processo de interconexão entre os povos,
línguas e culturas onde o discurso desempenha um papel primordial na
comunicação entre os povos. Ao conceber linguagem como constitutiva dos
sujeitos, afirmamos também que a identidade na pós-modernidade é
caracterizada como fluida, fragmentada e proteiforme.

Retomamos essas questões sobre linguagem e identidade com a


finalidade de apresentar algumas implicações ainda vigentes na metodologia de
ensino de línguas e como podemos problematizá-las em vez de concebê-las
como algo natural. No processo de ensino e aprendizagem de línguas, se

231
Debates Contemporâneos em Educação

linguagem for concebida como algo fixo, fechado em si mesmo,


essencializado, esse processo passa a ser visto como,

[...] algo ideal, controlável tanto mais controlável quanto maior for o grau
de consciência do aprendiz, também idealizado. Constroem-se modelos do
“bom aluno”, do “bom leitor”, do “bom produtor de textos” enfim, “do
bom aprendiz de língua estrangeira”, que exclui ou (des)qualifica todo
aquele que não se comportar em conformidade aos padrões (CORACINI,
2003, p. 143, grifo da autora).

O comentário acima mostra que a categorização em bons ou maus


alunos (des)qualifica os discentes como seres destituídos de seu conhecimento
de mundo e não leva em conta as diferenças individuais de aprendizagem, pois
há “uma homogeneização, fazendo tábula rasa das diferenças e, sobretudo, da
história que cada um inevitavelmente traz consigo (CORACINI, 2003, p. 143).

Na atualidade, o discurso é entendido como linguagem em uso onde


os indivíduos constroem e reconstroem as suas identidades e subjetividades.
As diferentes nações e povos se apropriam de uma determinada LE e a
moldam, a fim de, através de seu uso, construir e marcar as suas identidades
dentro da aldeia contemporânea local e global. O papel da linguagem como
constituinte da identidade do indivíduo dentro de determinado contexto social
é um ponto importante, propagado pelas inovações científicas.
Pesquisas que ligam teoria da identidade com práticas em sala de aula
concebem identidade como algo construído na e pela linguagem.

Portanto, como professores pesquisadores, devemos fazer com que


os discentes entendam o poder da linguagem na interação social. O aluno
precisa ter consciência de que falar uma LE não é apenas reproduzir
mecanicamente palavras, ou emitir sons descontextualizados, significa produzir
sentido através da história de vida que cada um traz consigo ao ser
influenciados pelos diversos discursos que, aos poucos, vão alterando a sua
subjetividade.

Da mesma forma, o professor precisa entender que ensinar uma LE


não é se limitar em transmitir conhecimentos linguísticos, descrevendo a língua
como um sistema de signos que deve ser aprendido através de exercícios e

232
Debates Contemporâneos em Educação

repetições mecânicas. O aluno deve ser incentivado a produzir sentidos na LE,


dando vazão ao seu pensamento e as suas emoções pela interação em sala de
aula e fora dela, concebendo o outro como alguém importante na constituição
e definição de sua própria identidade, de acordo com Silva & Souza-Dias
(2017), Silva (2014) e Souza-Dias (2013).

Desta forma, o aluno vai ser capaz de (res)significar-se na língua alvo,


e, (res)significando-se, passa a ficar mais consciente do papel da linguagem e o
poder que esta desempenha na sua formação dentro de determinado contexto
social, impregnado por relações desiguais de poder. Imbuídos desse
conhecimento, devemos todos nós, professores e alunos, refletir
conscientemente sobre como a linguagem está associada a relações desiguais
de poder, tendo sempre um olhar crítico para teorizações que tratam das
relações humanas de maneira natural e/ou homogeneizante.

233
Debates Contemporâneos em Educação

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A linguagem desenvolve um papel fundamental na vida dos


indivíduos, já que esses são atravessados por discursos, crenças e ideologias.
No emaranhado das representações simbólicas, veiculadas pelo discurso, o
sujeito constrói e reconstrói a sua visão de mundo na e pela linguagem. A
interação verbal em contextos diferentes e adequados dá ao sujeito várias
possibilidades de ser proteiforme, ou seja, ele se ancora no aqui e no agora
dentro do discurso.

As transformações sociais na contemporaneidade têm focalizado a


linguagem como prática social. As várias pesquisas tentam explicar quais
processos psicológicos, culturais e sociais estão embutidos na interação verbal,
pois objetivam uma linguagem que faz parte da vida de cidadãos reais e
concretos (RAJAGOPALAN, 2003). A linguagem, na atualidade, passa a ser
pensada como heterogênea carregada da visão cultural, social e de mundo de
cada indivíduo. Neste trabalho apresentamos uma pequena análise da atual
situação contemporânea, quais têm sido algumas implicações da globalização
na vida das pessoas e como este processo de globalização tem influenciado a
maneira como o conhecimento passa a ser produzido. Abordamos um pouco
sobre como a concepção de linguagem e identidade tem mudado a forma de
ensinar e aprender línguas.

Este trabalho trata apenas de alguns pontos importantes dentro da


vasta área que a Linguística Aplicada contempla. Os pontos que foram
discutidos aqui não são entendidos, de forma alguma, como questões acabadas,
e, sim, como questões abertas a críticas que sejam capazes de gerar novos
debates sobre o assunto.

234
Debates Contemporâneos em Educação

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237
Debates Contemporâneos em Educação

CAPÍTULO IV

Inter/transdisciplinaridade na Educação

238
Debates Contemporâneos em Educação

13 - PEDAGOGIA DA INTERDISCIPLINARIDADE

Leandro Renner de Moura63

INTRODUÇÃO

Em Pedagogia da Interdisciplinaridade reservamos um lugar substantivo à


linguagem e ao diálogo para enfatizar o sentido hermenêutico do ato
pedagógico. Partimos da consideração que a Interdisciplinaridade (ID)
configura uma postura intelectual apropriada para que se (re)considere, em
primeiro plano, os limites da disciplinarização do conhecimento e, em
segundo, a função dialogante da pedagogia.

Sabe-se que a temática da Interdisciplinaridade na educação tem


ganhado múltiplas retóricas. A da “solução dos problemas do ensino” é a
principal delas, tendo em vista que se apoia na busca pela “unidade do
conhecimento”, através da qual os objetos científicos viveriam em uma
interdependência. Nisso, o isolamento das disciplinas e os efeitos da
fragmentação acabariam, na medida que pontos de engate fossem
estabelecidos entre componentes de uma mesma área, por exemplo.

Entretanto, e sem desprestigiar essa retórica, suspeitamos que a


tentativa de reunir o conjunto do conhecimento humano em um sistema único
esbarra em alguns aspectos. O receio pela perda de perspectiva interna, a
hiperespecialização dos cientistas e os jargões próprios das disciplinas são
alguns deles, somados a uma aparente vaidade teórica que tem alimentado
muito mais a concorrência entre as mesmas. Ingredientes nada favoráveis ao
encontro verdadeiro entre intelectuais que pensamos ser a ID.

63Doutorando em Educação nas Ciências pela Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul – UNIJUÍ. E-mail para contato: [email protected]

239
Debates Contemporâneos em Educação

Na legislação educacional (PCNS; DCNS; LDB) ganha forte apelo e


mostra o caráter político da sua inserção nos currículos, fazendo operar uma
nova (outra) condição pedagógica. Apesar disso, não há um diagnóstico de
elevação da qualidade de ensino nas escolas brasileiras associado a ID, uma vez
que suas prescrições encontram-se ainda pautadas na pretensão de objetividade
das metodologias científicas e, a nosso ver, esta não é a racionalidade
apropriada para tal concepção.

Em contrapartida, acreditamos que a busca do sentido autêntico do


trabalho interdisciplinar na educação escolar passa pela observação
epistemológica de estruturas subjacentes, como a tradição, o pertencimento e a
condição da linguagem, as quais não encontram-se presentes nas metodologias
científicas. Envolve ainda a responsabilidade com o outro e o exercício da
escuta como experiência autorreflexiva da docência, anterior à execução
pedagógica, que se firma no exercício hermenêutico de pergunta e resposta e
de cooperação e intercâmbio entre os seres das disciplinas.

Nesse sentido, temos como sustentação teórica a hermenêutica


filosófica de Hans-Georg-Gadamer, em função da sua profunda reflexão sobre
a experiência do diálogo e por suspender a hegemonia da equação sujeito-
objeto no comportamento científico das humanidades.

Linguagem e diálogo em Gadamer: Um breve gesto de leitura

No projeto filosófico de Hans-Georg-Gadamer, tradição,


preconceitos, história e a fusão de horizontes constituem a base da
hermenêutica filosófica64 e, consequentemente, da crítica à racionalidade
instrumental nas ciências humanas. Em sua explicitação, o espírito de
dominação da ciência moderna absolutiza conceitos, estabiliza as
epistemologias e determina os sentidos da interpretação. Essa pretensão
provocou ao exercício da pesquisa principalmente, uma cegueira que não

64Na filosofia de Hans-Georg Gadamer, a hermenêutica é a teoria da verdade e o método que expressa
a universalização do fenômeno interpretativo a partir da historicidade concreta e pessoal (GEDRAT,
2008, p. 65).

240
Debates Contemporâneos em Educação

condiz com a realidade mesma das coisas com a história da humanidade


(GADAMER, 2002). A noção “ser que pode ser compreendido é linguagem”
marca uma das oposições de Gadamer às concepções tradicionais de
linguagem e diálogo e, simultaneamente, encaminha a mudança de objetivos da
própria hermenêutica.

Gadamer leva-nos a pensar de um outro modo. Argumenta que a


experiência humana está fundada no consenso entre interlocutores que se
realiza na e pela linguagem, no diálogo, e não através de métodos. Também
considera que a atividade do “conhecer” um objeto, um fenômeno ou uma
obra, nessa perspectiva, teria uma qualidade infinita. Com isso, defende que a
hermenêutica precisa ser concebida como uma abordagem filosófica não
absoluta, mas fundada na ilimitada possibilidade de produzir sentidos. Para
Flickinger (2010, p. 51) “a experiência dialógica reveladora da verdade em
Gadamer caracteriza-se essencialmente socrática e questiona diretamente a
perspectiva epistemológica moderna, a qual acredita chegar à verdade última
por meios objetivos e controladores”.

Gadamer chama a atenção, especialmente em Verdade e Método II65,


para a influência negativa da ciência em questões voltadas à vida humana
concreta. Mostra que nossas relações com a história, com a política, com as
crenças, com a arte, com os textos e a consciência da finitude, por exemplo,
não são compatíveis com o método das ciências da natureza e dos modelos
matemáticos da relação sujeito-objeto. Na sua visão, esse modelo de verdade
fracassa na medida que interrompe nossa experiência com o objeto científico
em função de um critério, eliminando, também, a liberdade de atuação e
compreensão que nos é constitutiva.

Entretanto, há um fenômeno hermenêutico importante para a


sustentação dessa crítica, que são os preconceitos ou os conhecimentos
prévios, pois segundo Gadamer não funcionam como metodologias. Eles
estariam na base sob a qual avaliamos e compreendemos algo, porém, sempre

65Verdade e Método II reúne textos ligados aos estágios preliminares de 'Verdade e Método'. Nos
ensaios predominam as questões da estrutura dialógica de linguagem concebida como orientador de
mundo e da relação entre pensamento e linguagem.

241
Debates Contemporâneos em Educação

razoáveis e temporários, jamais absolutos. De outro modo, seria o mesmo que


afirmar que os preconceitos estão sempre presentificados, como tradição, às
nossas costas, e sob o constante risco de serem abandonados e reformulados
conforme surja uma nova expectativa de sentido.

Nesse contexto, Gadamer considera que história e linguagem têm um


caráter ontológico – uma representação dessa existência prévia – que precede o
agir no mundo. Suas manifestações só são possíveis na medida em que há
determinado um mundo comum. Por isso, conforme o autor, a própria
subjetividade do homem está enfronhada neste estar sendo, não podendo
reduzir-se em objeto da razão, visto que sua determinação escapa do domínio
e manipulação.

Dessa forma, a concepção gadameriana “ser é linguagem” permite


inferir que somente compreendemos porque já estamos na linguagem e o fruto
dessa compreensão também pode ser entendido como linguagem. Para
Gadamer (2002, p. 176) “a linguagem é, pois, o centro do ser humano, quando
considerada no âmbito que só ela consegue preencher: o âmbito da
convivência humana, o âmbito do entendimento, do consenso crescente, tão
indispensável à vida humana [...].

Se não há linguagem não pode haver compreensão. Ela permite que


ser humano e mundo possuam suas correlações, algo em comum. Para o
pensador, sem linguagem não há sentidos a serem compreendidos. Para
Berticelli (2004, p. 89)

Entende-se que compreensão, entendimento, interpretação e conhecimento


sempre se ancoram na linguisticidade do conhecer. [...] Entendo, também,
que não se faria nenhuma epistemologia do processo do educar sem o
recurso à linguagem, porque todos os fenômenos do educar se manifestam
por meio de sua linguisticidade. A experiência do mundo se traduz como
linguagem.

Deve-se considerar a partir disso que a filosofia hermenêutica de


Gadamer promove uma apologia ao “caráter dialógico” da linguagem na
experiência humana. Para o pensador o diálogo é a engrenagem do
entendimento hermenêutico, diferente da perspectiva metafísica de um diálogo

242
Debates Contemporâneos em Educação

com os deuses, mas a “autêntica conversação entre homens”. Porém, é


precisamente esta afirmação que muda radicalmente a impressão instrumental
do diálogo como um jogo de interesses, onde o sentido é dado a priori e que os
interlocutores dirigem a compreensão através da vontade própria.

O visual hermenêutico de Gadamer é outro. Para ele, dentro do


diálogo não há controle de nenhuma das partes, mas uma mera expectativa de
sentidos entre os interlocutores. Isso, no entanto, expõe uma fragilidade
quanto aos rumos da conversa ou aos fins previstos. Para Gadamer essa é uma
condição básica.

A hermenêutica é a arte do entendimento. Parece especialmente difícil


entender-se sobre os problemas da hermenêutica, pelo menos enquanto
conceitos não claros de ciência, de crítica e de reflexão dominarem a
discussão. E isso porque vivemos numa era em que a ciência exerce um
domínio cada vez maior sobre a natureza e rege a administração da
convivência humana, e esse orgulho de nossa civilização, que corrige
incansavelmente as faltas de êxito e produz constantemente novas tarefas
de investigação científica, onde se fundamentam novamente o progresso, o
planejamento e a remoção de danos, desenvolve o poder de uma verdadeira
cegueira. No enrijecimento desse caminho rumo a uma configuração
progressiva do mundo pela ciência, perpetua-se um sistema no qual a
consciência prática do indivíduo se submete resignada e cegamente ou
então se rebela revoltosa, e isso significa não menos cega. (GADAMER,
2002, p. 292).

Entendendo Gadamer, Lawn (1997, p. 97) salienta que “o verdadeiro


nascimento da verdade é o que acontece no diálogo genuíno”. Partindo dessa
definição, a verdade passa a estar associada ao diálogo, e, para Gadamer é
possível encontrar a verdade só por “meio” do diálogo e não pela sua
pretensão teleológica, que antecipa os sentidos e controla o outro.

A verdadeira realidade da comunicação humana é o fato de o diálogo não


ser nem a contraposição de um contra a opinião do outro e nem o
aditamento ou soma de uma opinião à outra. O diálogo transforma a
ambos. O êxito de um diálogo dá-se quando já não se pode recair no
dissenso que lhe deu origem. Uma solidariedade ética e social só pode
acontecer na comunhão de opiniões, que é tão comum que já não é nem
minha nem tua opinião, mas uma interpretação comum do mundo
(GADAMER, 20012, p. 141).

243
Debates Contemporâneos em Educação

Por essa razão, no diálogo não há tão somente o encontro entre


pessoas, mas o encontro entre dois mundos, duas visões e imagens de mundo.
A partir disso, o diálogo foi pensado por Gadamer como um “processo” entre
pessoas. É através do falar com os outros que expandimos nossos
pensamentos, tomamos consciência daquilo que pensamos e damos forma a
isso. Assim, o pano de fundo de um diálogo hermenêutico é, além de tudo,
buscar coletivamente entender e construir uma concepção de mundo.

Ancorados nessa perspectiva, pensamos em uma pedagogia da


interdisciplinaridade enquanto experiência dialógica. Nossa reflexão sobre isso
caminha na direção de superar interpretações manchadas por reducionismos
que dão à ID um falso caráter metodológico. Portanto, os pressupostos da
hermenêutica filosófica posicionam essa experiência numa filosofia de
educação, dentro da qual professores e agentes educacionais são orientandos
pelo princípio da intersubjetividade, pelo encontro com o outro da disciplina,
no terreno comum sobre o qual nos entendemos, na e pela linguagem. Esta
nos parece ser a pré-condição fundamental da pedagogia.

A pedagogia da interdisciplinaridade na perspectiva do diálogo hermenêutico

Entendemos que todos estes conceitos remetem necessariamente a


um diálogo intelectual que pressupõe o fazer da pedagogia. Nele, professores,
auxiliares e agentes de ensino caminham em busca de novos conhecimentos e
do aprimoramento dos saberes já existentes. Nesse horizonte, o diálogo deve
ter espaço, para que a sua experiência venha se transformar num agir
verdadeiramente pedagógico. Essa interação traz um caráter problematizador,
inerente a toda ação com o outro, e, consequentemente, de reflexão quanto
aos diversos caminhos que podem ser tomados no trabalho didático com o
conhecimento.

Podemos inferir diante disso, que a pedagogia da interdisciplinaridade


é essencialmente um diálogo, pois conforme Fávero (2002, p.114)

244
Debates Contemporâneos em Educação

O diálogo é a relação de um “eu” frente a um “tu”. Pressupõe, portanto, a


existência de saberes nos dois sujeitos que compõe os polos da relação. O
confronto de saberes, porém, requer dos sujeitos a partilha da palavra e a
concessão de que seus saberes não são absolutos.

Entre os sujeitos da conversação há uma responsabilidade mútua em


que a palavra é proferida em condições de igualdade, mesmo que os sujeitos
tenham posições distintas dentro de uma mesma área, por exemplo. Exige
humildade para que, enquanto seres humanos, se percebam inacabados, ou
seja, que aprendam a admitir que seu conhecimento não é o último, nem o
melhor ou mais importante. Isso vale também à hierarquia que impõe níveis de
importância entre as disciplinas científicas e sobretudo escolares.

Dentro dessa concepção vemos que a Interdidisciplinaridade (ID)


pode ser entendida como uma interação entre intelectuais docentes no
aprimoramento da condição de escuta, pois sem ela, não há diálogo que se
efetive. Gadamer (2002, p. 247) reforça essa noção ao considerar que “o que
faz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado algo de novo, mas
termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em
nossa própria experiência de mundo”. Por esta razão dizemos que a relação
dialógica entre intelectuais pode configurar a “pré-condição” do ato educativo,
porque invoca a tarefa de ir ao encontro do outro, aceitando conversar e,
sobretudo, ouvir. Nessa experiência possivelmente aflora-se o caráter de
solidariedade e cooperação da docência e, em certa medida, se supera o
predomínio do egoísmo, tão marcante na tradição do conhecimento científico.

A partir da hermenêutica filosófica de Gadamer, Hans-Georg


Flickinger, na obra A caminho de uma pedagogia hermenêutica (2010), orienta-nos
nessa reflexão. Defende que os desafios atuais da pedagogia passam por uma
retomada crítica dos paradigmas do conhecimento e junto dessa reconstituição
teórica, investigar a crescente adoção ao discurso da ID na educação e sua
necessidade de fundamentação.

“O fundamento hermenêutico da Interdisciplinaridade”, como o


próprio autor escreve, está na relação entre filosofia e educação. Segundo
Flickinger é esta relação que permite indagar o sentido da educação, contudo,

245
Debates Contemporâneos em Educação

alerta sobre a tentativa ingênua de reunir o saber construído pela humanidade


numa visão de totalidade.

Em vez de insistir nesse objetivo não mais viável, está intensificando-se o


debate em torno da possível reconstrução de pontes entre as disciplinas, no
intuito de fazer jus à complexidade crescente dos problemas que se nos
colocam e que uma só perspectiva de questionamento não consegue mais
abarcar. Sem dúvida, é esse o enfoque principal que está sendo visado na
busca por modelos novos de cooperação e diálogo científico; modelos que
receberam a denominação de “interdisciplinaridade”,
“transdisciplinaridade” ou “multidisciplinaridade” (FLICKINGER, 2010, p.
46).

A emergência de novos modelos não decorre da pretensão de unir o


conhecimento. A proposta de Flickinger situa-se na construção de pontes
entre as disciplinas, o que não deve representar uma regra ou configurar uma
epistemologia, mas uma condição de enfrentamento coletivo das
transformações a que passam sociedade e conhecimento. O que está na pauta
é, de um lado, o questionamento quanto às abordagens totalizadoras e, de
outro, o risco da perda de perspectiva comum entre as áreas.

Neste quadro, a abordagem hermenêutica aponta para o sentido ético


da pedagogia, para a aceitação do ser diferente de cada disciplina. Também
desvela o caráter dialógico como o sentido verdadeiro da cooperação
interdisciplinar e não prevê a eliminação de perspectivas conceituais e
temáticas comuns. Pelo contrário, as pontes significam o acesso ao saber do
outro como um modo construtivo de reavaliar os próprios pressupostos.
Segundo Flickinger (2010, p. 47),

Em outras palavras, o relacionamento entre disciplinas parece-me ser


marcado por uma estrutura que permite não apenas descobrir o
entendimento específico de cada um quanto ao tema a ser tratado, mas
também motivar a autorreflexão sobre os próprios olhares restritos que
delimitam seu questionamento. O que está em jogo, nessa referência mútua
das disciplinas, remete a um seu fundamento hermenêutico implícito;
fundamento este que nos faz entender os pressupostos imprescindíveis para
qualquer cooperação interdisciplinar eficiente.

246
Debates Contemporâneos em Educação

A experiência proposta por Flickinger pode parecer ambígua.


Quando fala do relacionamento entre disciplinas não defende que programas
curriculares, conceitos e procedimentos específicos sejam misturados, nem
mesmo recusados. Também não sugere que os envolvidos numa ação
interdisciplinar sejam postos em situação constrangedora através da cobrança
de um nível intelectual por ora exigido. Essa atitude, por sua vez, é tarefa de
cada um, de questionar-se quanto à qualidade da sua contribuição. No entanto,
o que parece estar em jogo na elaboração de Flickinger é a experiência do
encontro. O próprio autor nos explica.

[...] o encontro interdisciplinar pressupõe a disposição dos participantes de


aceitar a vir ao encontro do outro, ou seja, de abrir-se em direção de
interesses e questionamentos que não encontram respaldo e menos ainda
base legítima no próprio horizonte temático. Levar o outro a sério significa,
antes de tudo, entregar-se à perspectiva por ele defendida, a fim de
compreender o porquê dessa sua concepção e avalia-la quanto à sua
autenticidade. Somente assim parece ser possível evitar o julgamento
precoce e aquela postura dominadora que iria impedir qualquer diálogo
interdisciplinar verdadeiro. (FLICKINGER, 2010, p. 52).

Como se vê, algumas exigências se colocam nesse encontro. No


diálogo compartilhado com o outro haverá uma troca de opiniões, ora
havendo concordância, ora não. Independente disso, não se pode ignorar o
que o outro diz, ou, o que a experiência contada de dentro de uma disciplina
possa revelar de interessante. Talvez necessitamos pensar mais a fundo o que
acreditamos ser um diálogo autêntico e como está associado à pedagogia. Eis a
sugestão do autor sobre isso.

Nenhuma disciplina pode impor à outra, de modo unilateral, a sua própria


perspectiva. Antes disso, ao invés de desafiar as outras disciplinas, “cada
uma se vê obrigada a expor sua própria perspectiva ao risco de ser
contestada à base de argumentos bem fundamentados (FLICKINGER,
2010, p. 51).

Nesta abordagem, o diálogo significa abertura aos questionamentos, à


pergunta do outro, à sua retórica e à autenticidade da sua contribuição. Toda
vez que nos empenhamos em buscar a aceitação do outro, temos a
oportunidade de revisar os pressupostos norteadores de nossa própria

247
Debates Contemporâneos em Educação

disciplina. Por isso, o diálogo interdisciplinar, segundo Flickinger (2010, p. 53),


“não nos abre os olhos para enxergar melhor o que se passa em outras áreas,
senão nos torna cada vez mais especialistas em nossa disciplina de origem.
Somente assim se abre um leque mais amplo de conhecimentos, capaz de
integrar os mais diversos acessos ao mundo”.

Desta forma, o “fundamento hermenêutico da interdisciplinaridade”


proposto por Flickinger reforça nossa investida por uma pedagogia da
interdisciplinaridade. A conversação, o respeito e a aceitação entre os
diferentes seres das disciplinas – tanto na pesquisa quanto na docência – põe
em foco a verdadeira experiência do diálogo, visto que não há outro modo de
o ser humano abrir-se ao outro e aprender com ele. A própria noção de
diálogo precisa carregar um sentido hermenêutico diferente de um
procedimento racional, mas como elemento constitutivo da condição humana,
dentro do qual nos reconhecemos historicamente. Do contrário, conforme
Gadamer (2002, p. 244) “a incapacidade para o diálogo refere-se, antes, à
impossibilidade de alguém abrir-se para o outro e encontrar nesse outro uma
abertura para que o fio da conversa possa fluir livremente.

A partir dos esclarecimentos de Flickinger e da filosofia hermenêutica


de Gadamer percebemos que o diálogo pressupõe a retomada ética de
preocupação com o bem comum. Por isso, renunciar as certezas é abrir mão
de uma posição, permitir que seja ultrapassada ou provada do contrário.
Mesmo assim, se chegará ao acordo até que se estabeleça posições iguais no
diálogo. Disso decorre, possíveis mudanças de opiniões, mudanças de lados, o
firmamento de uma ideia e o esquecimento de outra, ou, que os
posicionamentos continuem vivos e firmados. Esses pontos, conduzidos pela
linguagem, trazem o diálogo e consequentemente o entendimento. Nessa
leitura, entendimento é a palavra chave para a compreensão que se faz
dialógica e, também, é o sentido buscado por àqueles que conduzem a
pedagogia e podem, especialmente, garantir o acontecimento da
Interdisciplinaridade.

248
Debates Contemporâneos em Educação

CONCLUSÃO

Sabemos que a mera intenção de diálogo entre disciplinas e o


compartilhamento de conhecimentos produzidos não oferecem alcance
suficiente para resolver as preocupações mais diretas da educação,
principalmente no que diz respeito à qualidade de ensino. Logo no início deste
breve escrito chamamos a atenção para isso e de fato não oferecemos soluções
práticas ao trabalho da pedagogia. Organizamos aqui uma reflexão ancorada
nos pressupostos da hermenêutica a nível de pensar teoricamente as condições
de possibilidade e os horizontes de sentido de uma pedagogia de caráter
interdisciplinar.

Dentro desse objetivo, sem dúvidas, rompemos com o simplismo e


um certo pessimismo da reflexão cartesiana quanto à improbabilidade do
projeto da Interdisciplinaridade. Discordamos que seja a panaceia 66 que
resolveria definitivamente nossas maiores dificuldades. Por outro lado,
entendemos que é nosso papel enfrentar este tema como atitude crítica e
reflexiva em torno da questão do conhecimento e da própria docência.

Não havendo portanto única forma de acesso à verdade e ao


conhecimento, o diálogo passa a ser o horizonte de encontro entre as
diferentes interpretações e visões de mundo, estando na base de abordagens
igualmente importantes. Dessa forma, vemos nessa ilustração a pedagogia da
Interdisciplinaridade, pela unidade da vida que nos une outra vez, no tronco
comum do qual emergimos e fazemos mundo, na e pela linguagem.

66A expressão é uma metáfora usada neste contexto de discussão para comparar a Interdisciplinaridade
a um conjunto de medicamentos que, de forma urgente, cura patologias de um sistema.

249
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

BERTICELLI, Ireno Antônio. A origem normativa da prática educacional na


linguagem. Ed. Unijuí, 2004.

FLICKINGER, H. G. A caminho de uma pedagogia hermenêutica. Campinas:


Autores Associados, 2010

GEDRAT, C. O conceito de verdade a partir da hermenêutica filosófica de


Hans-Georg-Gadamer. Disponível em: http/: www12.senado.leg.br. Acesso
em 03 jun. 2018.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e índice.


Tradução de Enio Paulo Giachini; revisão da tradução de Maria de Sá
Calvacante-Schuback. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

LAWN, Cris. Compreender Gadamer. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 1997.

PAVIANI, J. INTERDISCIPLINARIDADE OU UMA NOVA


DISCIPLINA. 1993. Disponível em:
www.cursos.unipampa.edu.br/cursos/ppge. Acesso em: 03 jun. 2018.

250
Debates Contemporâneos em Educação

14 - ALFABETIZAÇÃO MIDIÁTICA E INFORMACIONAL COMO ELEMENTOS


FUNDAMENTAIS NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS CONTEMPORÂNEOS

Daniele Prates Pereira67


Denise Rosana da Silva Moraes68

INTRODUÇÃO

A educação como processo de formação dos sujeitos é um sistema


complexo, no qual se relacionam as dimensões sociais dos indivíduos – família,
sociedade, espaços de convivência, processos identitários. Partindo desta
perspectiva, a presente construção teórica tem como objetivo discutir a
alfabetização midiática e informacional e a possibilidade de inserção deste
conteúdo no currículo da educação formal básica, como um tema
interdisciplinar que se move num currículo redimensionado.

O estudo é relevante por estarmos inseridos em uma realidade social


em que os instrumentos midiáticos e informacionais tornaram-se parte do
cotidiano e das relações pessoais, laborais, bem como, do ambiente escolar.
Não há como ignorar o fato de que a sociedade, e a escola como parte do
tecido social, estão imersas em teias de significação midiática, urge
compreendê-las.

A investigação apresentará uma conceituação acerca da alfabetização


midiática e informacional com base nas disposições da UNESCO

67 Bacharel Direito UEPG/PR, Mestre Ciências Sociais UEPG/PR, Pesquisadora e Professora na


Instituição de Ensino Superior - Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE – campus de
Francisco Beltrão/PR; Doutoranda Programa Sociedade, Cultura e Fronteiras Unioeste/PR campus Foz
do Iguaçu. E-mail: [email protected].
68 Pesquisadora e professora da Instituição de Ensino Superior - Universidade Estadual do Oeste do

Paraná - UNIOESTE – campus de Foz do Iguaçu e do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar


Mestrado e Doutorado em Sociedade, Cultura e Fronteiras (PPGSCF). Mestrado e Doutora em
Educação pela Universidade Estadual de Maringá – UEM/PR. Líder do Grupo de pesquisa: Avaliação,
Mídias e Formação de Professores (PAMFOR), cadastrado no CNPQ. E-mail:
[email protected].

251
Debates Contemporâneos em Educação

(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), e na


sequência, tratará sobre os instrumentos formais que possibilitam a inserção da
alfabetização midiática na formação básica.

Educação e Cibercultura

O processo de educação é um processo que envolve ensinar e


aprender, e em seu centro está o ser humano, mulheres e homens. Desde
criança aprendemos, por meio de nossas experiências afetivas, sensoriais, pelas
práticas familiares, entre outras formas de aprender, e a essa aprendizagem
envolve um processo educativo que, conseqüentemente denota
comportamentos e valores.

Como os comportamentos e valores mudam ao longo do tempo, bem


como são diferentes entre grupos distintos, a educação é sempre uma
construção. Por força disso, a função do educador é também um papel ético,
político, que não forma apenas pessoas aptas para a escrita, leitura, cálculo,
mas que prepara o sujeito para sua atuação cidadã em sua realidade social. Por
outro lado, os sujeitos não aprendem apenas mediados por membros das
comunidades escolares, mas mediados pela família, associações, partidos
políticos, grupos sociais dos quais fazem parte, noticiários, produtos culturais
que consomem, entre outros.

Dessa forma, pensar a educação significa pensar também a realidade


em que os indivíduos se inserem, as maneiras de interlocução, como
constroem suas experiências enquanto sujeitos no mundo. Conectando a
experiência social com as identidades, Santinello (2011, p. 155) aponta que
estas são construídas pela necessidade de sobrevivência no contexto das
variações das relações sociais do espaço/tempo em que o sujeito está inserido.
Assim, na experiência social dos indivíduos, a sociabilidade faz parte de sua
sobrevivência – as pessoas socializam por necessidade de negociações, para
definir seus lugares, para buscar ascensão, para comunicarem-se, para
estabelecer sentidos.

252
Debates Contemporâneos em Educação

Essa necessidade de estabelecer sentidos perpassa inexoravelmente à


formação das identidades, entendida como uma operação fundamental nas
vivências escolares, que consiste em disputa de espaços com estruturas muitas
vezes estranhas em si e com histórias de culturas e poder complexas
(Helfenbein Jr., 2011, p.49). Autores dos Estudos Culturais reconhecem como
a realidade material afeta o mundo social, em que se vive, e neste caso,
especialmente os(as) alunos(as) e professores(as) nas escolas, que ali vivem,
trabalham e pensam.

A necessidade de interação e sociabilidade que sempre acompanhou


os sujeitos nas mais variadas formas de conjuntura social permanece válida na
realidade contemporânea, por meio desses novos ambientes de sociabilidade e
formas de interação. Os ambientes não são apenas físicos - as mídias,
especialmente a tecnologia digital proporcionaram interações que
reconstruíram as concepções de espaço e tempo. Santaella (2008, p.119)
descreve que a maioria das interações no ciberespaço deve-se a atividades
socializantes, por meio dos instrumentos comunitários presentes no
ciberespaço (como as redes sociais, por exemplo). Estas formas de interação
dos sujeitos que transformam os sujeitos em pessoas/avatares cujas práticas
sociais transitam entre redes de interação presenciais e virtuais é a
cibercultura.Santaella (2008) ainda acrescenta que as mídias são meios, pelos
quais as linguagens e mensagens se materializam e transicionam. A interação
ainda é realizada pelos sujeitos, eles estão presentes nestas práticas realizadas
no ciberespaço:

[...] nome genérico para se referir a um conjunto de tecnologias diferentes,


algumas familiares, outras só recentemente disponíveis, algumas sendo
desenvolvidas e outras ainda ficcionais. Todos têm em comum a habilidade
para simular ambientes dentro dos quais os humanos podem interagir.
Alguns usam a expressão “comunicação mediada por computador” para
designar o mesmo conjunto de fenômenos. Outros tomam ciberespaço
como sinônimo de realidade virtual (RV) (SANTAELLA, 2008, p. 97).

Thompson (2014) defende que o desenvolvimento dos meios de


comunicação criou novas formas de ação e de interação e novos tipos de
relacionamentos sociais. O autor classifica as novas formas de interação em

253
Debates Contemporâneos em Educação

três categorias: interação face a face, interação mediada e quase interação


mediada.

As interações face a face acontecem num contexto de co-presença, os


participantes estão em um mesmo sistema referencial de espaço e de tempo,
sendo possível a interação através de um discurso repleto de deixas simbólicas.
As interações mediadas se estendem em um espaço e tempo não
compartilhados, e não podem presumir que o outro entenderá as expressões
denotativas, estreitando o uso de deixas simbólicas - ex: a mediação por cartas.
Contudo, as interações quase mediadas são as relações sociais possíveis pelos
meios de comunicação de massa, implicando uma grande disponibilidade de
informação e conteúdo simbólico disseminada no espaço e no tempo – ex:
livros, televisão ou outras mídias - as formas simbólicas são produzidas para
um número indefinido de receptores potenciais (THOMPSON, 2014, p. 120-
122).

Assim, os ambientes de cultura, também são dispostos no tempo e


espaço das mídias, uma nova relação não mais do tipo face a face e como o
autor preconiza, umdesenvolvimento dos meios de comunicação que afetou os
padrões tradicionais de interação social (Thompson, 2014), sem precedentes.

Santaella, em consonância com Thompson, apresenta as novas


possibilidades no ciberespaço:

[...] as novas espécies de associações fluidas e flexíveis de pessoas, ligadas


através dos fios invisíveis das redes que cruzam pelos quatro cantos do
globo, permitindo que os usuários se organizem espontaneamente [...] A
efemeridade tende a se intensificar ainda mais nas configurações recentes
que o ciberespaço vem adquirindo através da multiplicação das pequenas
janelas digitais, bem menores do que as dos computadores, mas, ao mesmo
tempo, bem mais voláteis e evanescentes: os visores dos celulares, os
palmtops, terminais eletrônicos em shoppings e aeroportos (SANTAELLA,
2008, p. 123).

A autora pontua que os sujeitos têm interagido no ciberespaço em


arenas de trabalho virtual corporativo, de brinquedos e de consumo, trazendo
para os sujeitos uma realidade que se apropria das linguagens pré-existentes
tornando-as algo novo, configurando-se em uma ordem simbólica específica

254
Debates Contemporâneos em Educação

que afeta nossa constituição como sujeitos e os laços sociais que passamos a
estabelecer (SANTAELLA, 2008, p. 125).

Fantin (2007) dialoga com os autores apresentados, com foco na


educação, acenando que este cotidiano redimensionado, pelas possíveis
interlocuções midiáticas e pleno de acesso a informações, ainda guarda uma
realidade fragmentada.

Estamos sendo educados por imagens e sons, e muitos outros meios


provindos da cultura de mídias e da comunicação, o que torna os
audiovisuais um dos protagonistas dos processos culturais e educativos.
Afinal, as mídias não só asseguram formas de socialização e transmissão
simbólica, mas também participam como elementos importantes da nossa
prática sócio-cultural na construção de significados da nossa inteligibilidade
do mundo e apesar de estas mediações culturais ocorrerem de qualquer
maneira, tal fato implica a necessidade de mediações pedagógicas.
(FANTIN, 2007, p. 02).

Para a autora, a escola precisa pensar a relação da criança com as


tecnologias, redimensionando seus usos e suas interações.

Williams, um dos precursores dos estudos culturais, assevera que os


aspectos materiais das escolas e a ideologia que lhes dá vida têm um impacto
direto na vida dos alunos e dos trabalhadores das escolas. Já Paulo Freire
(1998, p.69) expressa “que a identidade cultural, não pode alegar que esgota
todo o significado do sinônimo de identidade. [e]... na verdade, não somos
apenas o que herdamos nem apenas o que adquirimos, pelo contrário, somos o
resultado da relação dinâmica entre o que herdamos e o que adquirimos”.

Para Helfenbein Jr. (2011,p.55), “as culturas dos jovens escolares e o


tratamento acadêmico que delas é feito ocupam um lugar marginal na
educação”. Esse espaço, da escola, ainda está ancorado na educação definida
por adultos, estudos indicam a necessidade de criação de lugares para as
crianças e jovens interagirem. Essa necessidade de interação faz com que exista
um tencionamento, um modo de luta por um espaço próprio, daí a resistência
e negociação, que são características no cotidiano das escolas, onde há um
espaço cindido. Esse espaço da escola exige um currículo vivo permeado de

255
Debates Contemporâneos em Educação

criação que descreva e compreenda as experiências dos alunos e alunas que o


frequentam. Fantin concorda com o posicionamento do autor:

[...] não basta assegurar a participação e a autoria de crianças apenas no


âmbito do uso e apropriação da cultura, sendo necessário pensarmos que
para haver significação na cultura, as crianças teriam que interagir de forma
relevante com os objetos que alimentam o pensar e o fazer, [...]. Ao fazer
isso, é possível ampliar e atualizar os repertórios além de trazer aos espaços
formadores referências culturais de vários lugares, países e tempos
históricos [...]. Se nos interessa ampliar o repertório cultural das crianças é
importante problematizar seu consumo cultural, e, sabendo que a maior
parte consome aquilo que vem da cultura das mídias, não podemos abrir
mão de discutir a complexa questão da qualidade, da construção do gosto e
do que essas produções significam na sociedade contemporânea. [...].
(FANTIN, 2007, p. 04).

Assim, em uma sociedade cibercultural, é fundamental que a escola


aproxime-se das práticas sociais das crianças e adolescentes que a frequentam.

Castels (2002, p.57) indica que no processo de transformação da


sociedade e da realidade material das mulheres e homens, a informação passou
a ser uma peça fundamental e estruturante para tais desígnios. [e] Portanto,
para este teórico, “graças aos avanços tecnológicos do século XX e à sua
plasticidade de se reinventar, a informação tornou-se mais desatacada do
objeto físico do que nas décadas anteriores”.

Autores como Veiga Lopes, Wortmann (2001) e Moraes (2016),


postulam que os estudos de Mídia e educação oferecem e promovem novas
formas de interpretação do mundo. Para Moraes (2016, p.76),

Entre outras coisas, esses estudos poderão orientar professores e


professoras para não postularem as possibilidades da ciência e da tecnologia
em dimensões nem derrotistas e nem laudatória, para que se possa trabalhar
com o caráter material do conhecimento científico, bem como as mediações
culturais, econômicas e éticas que ocorrem nas relações entre ciência e
sociedade.

Isso para a autora significa que os estudos acerca da mídia e seu uso
no espaço escolar e social só podem coexistir com práticas democráticas, para
estabelecer um fecundo diálogo que é formativo e emancipatório.

256
Debates Contemporâneos em Educação

Necessidade de alfabetização midiática e informacional

Gusmão (2016) traça um panorama histórico sobre os processos de


alfabetização. Para o autor, a partir do século XX, com o surgimento de um
modelo de desenvolvimento informacional (trabalho criativo e a inovação
como formas de produtividade e valorização econômica), e com a emergência
das TIC (tecnologias de informação e comunicação incluindo aqui a
microeletrônica, computação, telecomunicações, nanotecnologia, engenharia
genética etc.), houve uma transformação da sociedade para um modelo global
em rede, centrado no uso e aplicação da informação.

Nesse contexto, faz-se necessário uma educação de qualidade que


possibilite que as pessoastenham a capacidade de processar informações,
resolver problemas do cotidiano, pensar criticamente, trabalhar
colaborativamente e ter domínio efetivo da tecnologia disponível. Paraque,
dessa forma, possa conciliar o constante econtínuo avanço científico e
tecnológico com as novas formas de aprendizagem disponíveis,
nasociedade em rede. (GUSMÃO, 2016, p. 127)

O autor define que este momento marca uma reorganização social,


política, cultural, econômica e educacional, sendo importante uma base sólida
em educação escolar que possibilite o desenvolvimento de habilidades e
competências fundamentais para a interação na realidade cibercultural.

Em uma sociedade mediada pela informação e pela tecnologia, a


qualidade da informação que recebemos tem grande importância na formação,
e na determinação das escolhas. Torna-se relevante também que os sujeitos
possam avaliar a confiabilidade das informações. De acordo com Gomes e
Pereira (2017, online), um estudo realizado pela agência Advice Comunicação
Corporativa, por meio do aplicativo BonusQuest, em novembro do ano de
2016 apurou que 78% dos brasileiros se informam pelas redes sociais e que,
destes, a) 42% admitem já ter compartilhado notícias falsas; e b) apenas 39%
conferema informação antes de divulgá-las. Com base em levantamentos como
este, é perceptível a necessidade de uma compreensão, por parte dos sujeitos
que interagem por estes canais, acerca deste acesso a este oceano
informacional. Para Wilson et. al.,a educação para a mídia e a rede global de

257
Debates Contemporâneos em Educação

informações (internet) “[...] incorpora os professores como os principais


agentes de mudança.” (2013, p. 11).

A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,


Ciência e Cultura) defende a necessidade de integrar à escola e à formação
docente, conteúdos relacionados à construção cidadã na realidade cibercultural,
a partir de um conceito unificado - a alfabetização midiática e informacional.

Por um lado, a alfabetização informacional enfatiza a importância do acesso


à informaçãoe a avaliação do uso ético dessa informação. Por outro, a
alfabetização midiática enfatizaa capacidade de compreender as funções da
mídia, de avaliar como essas funções são desempenhadase de engajar-se
racionalmente junto às mídias com vistas à autoexpressão. A Matriz
Curricular e de Competências em AMI para formação de professores
incorpora ambasas ideias. Diversas definições ou conceitos de educação em
alfabetização midiática e alfabetizaçãoinformacional apontam para
competências que enfatizam o desenvolvimento de habilidadesa partir de
investigações e a capacidade de engajamento significativo junto às mídiase
aos canais de informação independentemente das tecnologias usadas.
(WILSON et. al., 2013, p. 18).

Gusmão colabora com a compreensão desta proposta como uma


‘alfabetização’, pois a alfabetização na realidade contemporânea não poderia
tratar apenas da decodificação, da tradução do oral para o escrito e vice-versa;
a presença massiva das TICs tornam necessária uma alfabetização midiática e
informacional, que incorpore conhecimentos essenciais sobre as funções da
mídia, das bibliotecas, dos arquivos e de outros provedores de informação.
(GUSMÃO, 2016, p. 133).

As discussões acerca da alfabetização midiática e informacional


ganharam fôlego no Brasil a partir do ano de 2016. A Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e parceiros
promoveram de 01 a05 de novembro em São Paulo a Semana Global da
Alfabetização Midiática e Informacional 2016, cujo objetivo foi abordar a troca
de informação e de conhecimentos por meio das novas plataformas digitais.
Em 07 de novembro de 2016 foi realizado um Seminário no Senado, pelo
Conselho de Comunicação, que pautou a utilização das tecnologias numa
perspectiva crítica, bem como para a autoria na produção do conteúdo.

258
Debates Contemporâneos em Educação

O jamaicano Alton Grizzle, da Divisão de Liberdade de Expressão e de


Desenvolvimento da Mídia da Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura (Unesco), defendeu, nesta segunda-feira (7), a
capacitação dos jovens para o uso crítico de novas tecnologias e para a
produção de conteúdo.Segundo Grizzle, esse é um caminho necessário ao
uso livre e democrático da mídia. O representante da Unesco participou de
seminário promovido pelo Conselho de Comunicação do Senado.Segundo
Grizzle, todos os cidadãos precisam desenvolver habilidades e
competências para entender o papel da mídia e ser capaz de utilizar
ferramentas de comunicação para articular processos de desenvolvimento e
mudança social. A Unesco recomenda que a Alfabetização Midiática e
Informacional (AMI) seja incorporada nas escolas."Não podemos somente
proteger as crianças, é preciso dar a elas as ferramentas para analisar de
forma crítica os conteúdos. A ênfase da educação deve ser em dar os meios
para que as pessoas sejam críticas e independentes frente a todas as mídias”,
disse Grizzle. (GESTÃO UNIVERSITÁRIA, 2016, online).

Em 08 de maio de 2018, foi realizada a 12ª Conferência Legislativa


sobre Liberdade de Expressão, na Câmara dos Deputados, em Brasília, cujo
tema foi a Importância da Educação Midiática na formação da cidadania e no
combate às notícias falsas. Hobbs, em entrevista a Lisboa (2018, online),
defende a importância da AMI:

A primeira é que a alfabetização está mudando e, agora, não basta apenas


falar, ouvir, ler e escrever bem, já que vivemos num mundo digital. O
segundo motivo é que, infelizmente, a comunicação de massa nos treinou
para sermos consumidores passivos — sabe quando chegamos em casa
após um longo dia, nos sentamos e apenas assistimos à TV? E existem
perigos envolvidos nisso, já que há pessoas que não são capazes de
identificar quando algo é propaganda. Ser um telespectador passivo
contribui para que você absorva estereótipos e mal-entendidos que limitam
seu conhecimento sobre o mundo. A terceira razão: alfabetização midiática
contribui para o exercício da cidadania. A partir disso, podemos pensar em
nós mesmos não apenas como consumidores, mas também como
produtores de mídia, compartilhando e criando nossas próprias histórias. E
a internet — por meio de ferramentas como o YouTube — torna isso
possível para qualquer um. Se pensarmos a partir de uma perspectiva
humanística, o YouTube contribui para promover entendimento cultural,
tolerância e respeito à diversidade, algo muito importante para viver numa
sociedade democrática.

259
Debates Contemporâneos em Educação

O objetivo da alfabetização midiática e informacional é possibilitar


que os sujeitos tenham acesso à informação e que saibam conferir sua
idoneidade, que possam criar conteúdos éticos, que usem de sua liberdade de
expressão com responsabilidade tornando assim a sociedade mais humana.

Rivoltella (2012) apresenta quatro paradigmas teóricos acerca da


mídia e da educação, que nos auxiliam a pensar as experiências vinculadas a
este eixo curricular, por exemplo. Segundo ele, o primeiro paradigma trata do
paradigma inoculatório, influenciado pelas teorias de comunicação americanas.
Para essas teorias, a comunicação produz efeitos, independente do receptor.
Assim, em resposta a elas, “a mídia-educação é uma intervenção de proteção
do sujeito baseada na conceitualização da criança como um sujeito “frágil”,
que precisa de outros para se proteger e defender”. (RIVOLTELLA, 2012,
p.21).

Rivoltella refere-se ao segundo paradigma como aquele que


denomina-se “Imagesandconsciousness” no qual existe uma alteração da teoria
orientadora, aqui há uma forte representação da escola de Frankfurt. “Muda a
ideia de educação: ela é um dispositivo de ideologização, de desconstrução
cultural”. (RIVOLTELLA, 2012, p.21). O trabalho coma mídia na escola seria
então crítico, com o objetivo de desconstruir e desarrumar, para desvelar o que
está atrás da tela, filme, jornal, etc.

O terceiro paradigma é aquele vinculado à educação popular, muito


influenciado pela Pedagogia Ativa, com Freinet e Paulo Freire. “Essa
perspectiva pensa a mídia e a educação como contracultura, como um espaço
de democratização”. (Rivoltella, 2012, p.22). Neste ideário está contido um
conceito mais politico, e engajado da mídia na educação.

E, finalmente o último paradigma explicitado pelo autor é o mais


usado na contemporaneidade, o paradigma do pensamento crítico. Fazem
parte as teorias da semiótica, os estudos culturais. “Nessa perspectiva pensa-se
a mídia-educação como uma ferramenta para desenvolver a consciência e a
autonomia crítica dos sujeitos”. (RIVOLTELLA, 2012, p.22).

260
Debates Contemporâneos em Educação

Se existe a necessidade de uma alternativa que prevê a alfabetização


midiática e informacional, esta preconiza a ideia dos estudos culturais (EC)
como marco axiológico que orienta as práticas pedagógicas que conduzem
para o redimensionamento do trabalho pedagógico escolar, com repercussão
social. A centralidade é a escola como um espaço educativo eivado de
significação social, que partindo dos EC, deve priorizar a relação educação-
mídia como uma ferramenta de aproximação e compreensão sócio- cultural,
que não treina, como apregoa Canclini (2007) peritos disciplinados.

Projeto político pedagógico como instrumento formal que possibilita a


alfabetização midiática e informacional na educação básica

Os princípios e fins da educação brasileira estão definidos no título II


- Dos Princípios e Fins da Educação Nacional, nos artigos 2º e 3º, da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei nº. 9.394/96. O artigo 2º
afirma que “a educação é dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

A educação básica no Brasil é a soma da educação infantil (crianças


de zero a cinco anos de idade), com o ensino fundamental (crianças e
adolescentes de seis a catorze anos) e o ensino médio (adolescentes de quinze a
dezessete anos).

A Constituição Federal garante o direito à educação, e a legislação


obriga que a educação seja realizada por vias formais, institucionalizadas, de
acordo com as disposições da Lei de Diretrizes e Bases.

O Ministério de Educação (2013, p. 24) dispõe que toda política


curricular é uma política cultural, já que o currículo é proveniente de uma
seleção de saberes; por tal razão, as políticas curriculares não são consideradas
apenas propostas em documentos escritos, mas processos de planejamento por
múltiplas singularidades no corpo social da educação.

261
Debates Contemporâneos em Educação

A educação básica é um período de formação do sujeito, da transição


da criança em adolescente, da ancoragem dos valores sociais e do
conhecimento. Estes elementos pressupõem ir além do rito escolar de
aprendizagem de conteúdos.

[...] é preciso fazer da escola a instituição acolhedora, inclusiva, pois essa é


uma opção “transgressora”, porque rompe com a ilusão da homogeneidade
e provoca, quase sempre, uma espécie de crise de identidade institucional. A
escola é, ainda, espaço em que se abrigam desencontros de expectativas,
mas também acordos solidários, norteados por princípios e valores
educativos pactuados por meio do projeto político-pedagógico concebido
segundo as demandas sociais e aprovado pela comunidade educativa. Por
outro lado, enquanto a escola se prende às características de metodologias
tradicionais, com relação ao ensino e à aprendizagem como ações
concebidas separadamente, as características de seus estudantes requerem
outros processos e procedimentos, em que aprender, ensinar, pesquisar,
investigar, avaliar ocorrem de modo indissociável. Os estudantes, entre
outras características, aprendem a receber informação com rapidez, gostam
do processo paralelo, de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, preferem
fazer seus gráficos antes de ler o texto, enquanto os docentes creem que
acompanham a era digital apenas porque digitam e imprimem textos, têm e-
mail, não percebendo que os estudantes nasceram na era digital. As
tecnologias da informação e comunicação constituem uma parte de um
contínuo desenvolvimento de tecnologias, a começar pelo giz e os livros,
todos podendo apoiar e enriquecer as aprendizagens. [...] (MINISTÉRIO
DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 25).

É possível se perceber pelas descrições do Ministério da Educação


que as mídias e as tecnologias têm sido encaradas como instrumentos
pedagógicos, como o giz e os livros, e que este é um viés importante. Contudo,
se faz necessário pensar também como as TICs proporcionam uma nova
forma de organização social, a realidade cibercultural.

Os sujeitos já nascem inseridos em um sistema de interação


midiatizado, e precisam saber como sua atuação enquanto sujeito acontece
neste processo. A alfabetização midiática vai além da compreensão dos
instrumentos de mídia e informação como apoios pedagógicos – preocupa-se
com o mundo da vida em permanente tangente com o ciberespaço. Por força
disto, é importante que também as tecnologias de informação e comunicação

262
Debates Contemporâneos em Educação

façam parte da proposta curricular da educação básica, a partir dos projetos


político-pedagógicos.

O projeto político-pedagógico, nomeado na LDB como proposta ou


projeto pedagógico, representa mais do que um documento. É um dos
meios de viabilizar a escola democrática e autônoma para todos, com
qualidade social. Autonomia pressupõe liberdade e capacidade de decidir a
partir de regras relacionais. O exercício da autonomia administrativa e
pedagógica da escola pode ser traduzido como a capacidade de governar a
si mesmo, por meio de normas próprias.[...] Na elaboração do projeto
político-pedagógico, a concepção de currículo e de conhecimento escolar
deve ser enriquecida pela compreensão de como lidar com temas
significativos que se relacionem com problemas e fatos culturais relevantes
da realidade em que a escola se inscreve(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2013, p. 47-48).

Bem, se o projeto político-pedagógico é o exercício da autonomia


administrativa e pedagógica da escola, e, já que por meio deste instrumento a
escola deve priorizar temas significativos relacionadas aos elementos culturais
relevantes à realidade da mesma, isto possibilita que as escolas em geral
estabeleçam a alfabetização midiática e informacional como parte de seus
objetivos, mesmo que transversalmente.

O Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos


estabelece que “Todo ser humanotem direito à liberdade de opinião e
expressão; esse direito inclui a liberdade deopinar livremente e de procurar,
receber e transmitir informações e ideias por quaisquermeios,
independentemente de fronteiras”.

A alfabetização midiática e informacional (AMI) proporciona aos cidadãos


as competências necessárias para buscar e usufruir plenamentedos
benefícios desse direito humano fundamental. Esse direito é reforçado pela
Declaração de Grünwald, de 1982, que reconhece a necessidadede os
sistemas políticos e educacionais promoverem a compreensão crítica, pelos
cidadãos, dos “fenômenos da comunicação” e sua participação nas (novas e
antigas) mídias. O direito também é reforçado pela Declaração de
Alexandria, de 2005, que coloca a alfabetização midiáticae informacional no
centro da educação continuada. Ela reconhece como a AMI empodera as
pessoas de todos os estilos de vida a procurar, avaliar, usare criar a
informação de forma efetiva para atingirem suas metas pessoais,sociais,

263
Debates Contemporâneos em Educação

ocupacionais e educacionais. Trata-se de um direito humanobásico em um


mundo digital que promove a inclusão social em todas as Nações.
(WILSON et. al., 2013, p 16).

Para que a AMI possa ser aplicada efetivamente, será necessário um


engajamento integral – Estado, sociedade, professores e gestores da educação.
Mesmo que não esteja previsto de forma literal nos projetos político-
pedagógicos, mas deve estar, é fundamental que os educadores se envolvam na
formação de sujeitos que possam se inserir nestas relações sociais
contemporâneas de forma mais consciente. Interagir no ciberespaço não se
trata apenas de dominar a técnica da navegação online, mas de compreender
suas consequências sociais.

As tendências da mídia e educação são segundo Rivoltella (2012,


p.24) aquelas que apontam para novos cenários de comportamentos, com a
mídia digital, a difusão das lógicas que significam “desmediação e
desprofissionalização”. Isto significa dizer que as mudanças nos aparatos tais
como conhecemos mudou drasticamente seu uso, não há mais necessidade de
mediação, os jovens estão interagindo nas redes sociais, tais como youtube,
blogs etc. Quanto à desprofissionalização o autor expressa que há mais
possibilidades de publicação dos conteúdos, por exemplos os serviços de
microblogs e twitter. Isso também apresenta alguns problemas ligados a
questões deontológicas que devem ser enfrentadas e consideradas.

A escola é um campo aberto a mudanças, há novas convergências que


as mídias e seus artefatos de cultura apresentam, existem várias formas de
aprendizagem que extrapolam os muros escolares, porque presentes na
sociedade e em rede de novas significações. Isto exige um redimensionamento
curricular e interdisciplinar, que previsto no Projeto Político-Pedagógico,
elemento fundante do trabalho pedagógico, pode florescer, este é o desafio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletir questões acerca da mídia e da escola nos traz várias


sensações, de esperança e de conflitos geracionais, porque a escola é um

264
Debates Contemporâneos em Educação

espaço repleto de possibilidades, entretanto ainda bastante arraigado aos


moldes do ensino e da aprendizagem calcado no professor e na professora. A
defesa e a ideia de uma alfabetização midática e informacional perpassa o
deslocamento do trabalho pedagógico para um trabalho cooperativo, no qual
as crianças e jovens vinculados a contextos específicos culturais, são
produtores de conteúdo com o auxilio do(a) professor(a).

Não existe uma literacy para o uso dos meios de comunicação, existem
convergências que definem qual projeto político-pedagógico institucional pode
ser evidenciado no espaço educativo que deve reverberar socialmente.

Mais do que preparar as escolas para receber os aparatos midiáticos, é


necessário estabelecer um vinculo com a produção de conhecimento que vá
além de mero treinamento, é preciso preparar as crianças, alfabetizá-las para o
mundo em profundo movimento, para que possam imprimir suas próprias
pegadas neste ciberespaço de forma criativa, mas também ética.

Integrar essas máquinas tecnológicas e suas possibilidades ao


cotidiano escolar como apoio pedagógico e partilhar as descobertas possíveis
com as crianças e jovens escolares que já vivem, cada qual a sua maneira, o
pleno uso desses aparelhos é a alternativa possível em tempos de mudanças e
alteração de tempo e espaço. A integração das mídias ao campo escolar pode
contribuir para forjar novos e necessários cenários intra e extra escola.

A formação de professores e professoras para a inserção das mídias


ao cotidiano do trabalho escolar e prática pedagógica exige continuidade e não
ruptura, como expressa Silverstone (2002) é preciso conhecer amídia para fazer
uso dela a nosso favor.

Contudo, mais do que utilizar as mídias como instrumentos


pedagógicos, é fundamental que se perceba que as práticas sociais
contemporâneas são ciberculturais, e que a atuação cidadã dos sujeitos
acontece em tempo e espaço transfronteiriços. A atuação dos sujeitos como
divulgadores de informação, criadores e compartilhadores de conteúdos,
debatedores de esferas políticas públicas virtuais é real, crianças e adolescentes
precisam compreender esta cenário e a responsabilidade que suas atuações

265
Debates Contemporâneos em Educação

nesta realidade podem ter – como por exemplo casos de bullying na internet ou
de propagação de fake news (notícias falsas).

A alfabetização midática e informacional é parte da esfera de


formação política, cívica e cidadã dos sujeitos contemporâneos. A partir deste
estudo, entendemos desnecessária a criação de novos instrumentos
regulatórios para que esta perspectiva seja discutida e trabalhada nas escolas na
formação básica. O projeto político-pedagógico é instrumento suficiente para
sua inclusão como objetivo institucional, e, partindo deste, é importante que
escola, agentes da educação e sociedade estejam engajados neste objetivo, que
pode colaborar com a formação de sujeitos mais preparados para atuar no
ciberespaço.

266
Debates Contemporâneos em Educação

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Debates Contemporâneos em Educação

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269
Debates Contemporâneos em Educação

15 - O CINEMA COMO PRODUTOR DE CONHECIMENTO EM SALA DE AULA

Geovanna Coelho dos Santos69


Renato de Oliveira Dering70

INTRODUÇÃO

A inserção do cinema nas escolas ainda é encarada de forma a passar


tempo, cobrir lacunas em salas de aula. No entanto, pode-se buscar novas
perspectivas, como sua capacidade de despertar nos educandos a imaginação e
criatividade, bem como suas relações sociais entre conhecimento escolar e
prático. Reconhecendo estes pontos, a respectiva pesquisa pretende refletir
sobre a relação entre cinema e educação nas escolas, por meio de uma revisão
bibliográfica que perpassa estudos sobre a indústria cultural e sujeito e a análise
de um projeto de cinema voltado às escolas de periferia na cidade de Goiânia -
Goiás.

Nota-se que, a partir do momento que despertamos o aluno para as


possibilidades do aprender, o cinema cumpre a função de proporcionar
ferramentas para a potencialização do processo de aprendizagem. “Vale
lembrar que tomar filmes como objeto de estudo não implica negar a magia e
o encantamento que eles provocam em seus espectadores.” (DUARTE, 2009,
p. 92) e sim garantir que ela promova novos saberes. “Ver e interpretar filmes
implica, acima de tudo, perceber o significado que ele tem no contexto social
do qual participam” (DUARTE, 2009, p.92). Sendo assim, ensinar a ler
audiovisual é fundamental dentro de sala de aula; destrinchar os fragmentos na

69 Graduanda em Pedagogia pelo Centro Universitário de Goiás–Uni-ANHANGUERA. Estudante-


pesquisadora do grupo FORPROLL/UFVJM/CNPq.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6620930512824804 E-mail: [email protected]
70 Professor Assistente no Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA. Doutorando em Letras e

Linguística pela Universidade Federal de Goiás (UFG), mestre em Letras pela Universidade Federal de
Viçosa (UFV) e Licenciado em Letras – Português pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Líder
pesquisador do grupo FORPROLL/UFVJM/CNPq e pesquisador no grupo INTERARTES/UFG/CNPq.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7891833942208165 E-mail: [email protected]

270
Debates Contemporâneos em Educação

sua totalidade traz aos educandos uma nova forma de encantamento e de


aprendizagem.

Desenvolvimento

Um panorama sobre a história do cinema

A história do cinema passou, e ainda passa, por transformações,


sendo, portanto, difícil diagnosticar quem inventou o cinema por uma
perspectiva unívoca. Uma das teorias mais aceitas entre os historiadores do
cinema, data de 1984, pelo inventor Thomas Alva Edson, quando apresentou
o cinematógrafo. Em 1895, os irmãos Louis e August Lumière, em Paris, no
salão Indiano do Gran Café, exibiram para 33 espectadores as primeiras
projeções do cinema, cenas com cerca de 50 segundos que exibiam o dia-a-dia
da cidade de Paris (DERING, 2013; DUARTE, 2009).

Embora a estreia dos filmes dos irmãos Lumière tenha provocado aos
curiosos a chance de ver fotografias animadas, “Os inventores não quiseram
comercializar o aparelho e decidiram explorá-lo eles mesmos” (DUARTE,
2009, p. 21). Foi a partir desse momento que recrutaram pessoas para que
fossem a diversas partes do mundo recolhendo o cotidiano por meio de
fotografias, despertando, nos expectadores, a fascínio e motivando pessoas a
conhecer essa nova arte. Logo após as diversas apresentações do cinema, este
acabou por se configurar de diferentes modos, a informação tomava conta das
telas por via de documentários sobre a vida, cultura e sociedade das diversas
partes do mundo.

No entanto, essas transformações não foram de imediato, ainda que


rápidas, se analisarmos a invenção das projeções e divulgação do cinema
enquanto arte. Será ainda no início do século XX que surgiria, por meio de um
acidente, uma nova forma de filmar. Georges Méliès escrevia, filmava, dirigia e
distribuía seus filmes de forma autônoma. Filmando as ruas da cidade
parisiense, percebeu que uma película havia se prendido. Ao revelá-la, notou
que os planos que havia filmado tomavam outra proporção (DUARTE, 2009,

271
Debates Contemporâneos em Educação

p.23). Encantado com a descoberta, Méliès tornou a filmar da mesma forma,


dando origem a 500 filmes de diversos gêneros: comédia, drama e atualidades,
com os truques descobertos por meio de seu acidente. Sobre o cinema e
interação, Duarte (2009, p. 23) comenta que:

Tratava-se, então, não apenas de tentar captar o “real” como ele acontece,
mas de inventar uma realidade a partir da escolha da forma de filmar e da
seleção dos planos a serem utilizados na montagem do filme, criando a
ilusão de realidade que é própria do cinema. Desse modo, o aparato técnico
inventado para registrar o mundo passaria, também, a recriá-lo, segundo
novas regras e artifícios ou, ainda, a criar outros mundos, mais ou menos
semelhantes àquele. Ao invés de apenas registrarem imagens hábitos e
costumes de povos distintos, os filmes de ficção passariam a inventar
costumes, criar modas e difundir hábitos, tornando-se entretenimento
número um de milhões de pessoas em todo o mundo.

Em virtude desse conhecimento que o cinema transpassa em forma


de audiovisual e observando o “acidente” de Méliès, observamos que a
“imaginação é fator preponderante no cinema”. (DERING, 2013, p. 249).

Conceber o audiovisual, trata-se de ilustrar, de forma atraente, a


diversão, uma vez que, assim como a literatura, o cinema inspira a criação pela
mente do leitor/espectador. O cinema explora a capacidade de interação com a
criatividade, estimulando e agraciando a arte como parte do próprio sujeito.
No filme Viagem à Lua de Georges Méliès (1902), considerado o primeiro
filme de ficção cientifica, ainda na época do cinema mudo ele nos faz imaginar
as falas dos personagens, nos transportando ao imaginário. A arte grotesca que
na época era de novidade fazia com que os espectadores se sentissem indo a
lua, conhecer um universo que era improvável acontecer na realidade da época.

Neste mesmo período, o cinema foi tomando proporções gigantescas


e as películas estavam “Apoiadas em recursos técnicos cada vez mais
sofisticadas e produzidas em escala industrial”. (DUARTE, 2009, p. 25),
tornando-se cinema em uma grande indústria cultural. Nos Estados Unidos,
por exemplo, cresceram as ênfases em finais felizes, histórias com começo,
meio e fim. É desse modo que o cinema expandiu, levando para todos os
países formas de criação épica conquistando o público.

272
Debates Contemporâneos em Educação

Indústria Cultural, Cinema e Educação

O cinema, com suas mil facetas, inseriu-se com forte impacto nas
teias da indústria cultural, tomando conta da realidade da sociedade e entrando
nas esferas escolares, incluindo, por sua vez, discussões sobre as definições de
arte. Ocorre, isso, devido a uma recorrente crítica na estreita relação entre
cinema e indústria cultural, é que os filmes estão perdendo sua essência quanto
artístico, estando voltados, como foco, para a rentabilidade financeira. “A
indústria cultural pode se vangloriar de haver atuado com energia e de ter
erigido em princípio a transposição – tantas vezes grosseira – da arte para a
esfera de consumo, de haver liberado a diversão da sua ingenuidade mais
desagradável e de haver melhorado a confecção das mercadorias” (ADORNO,
2002, p.28). Com isso, os meios de comunicação de massa – o cinema, rádio,
televisão e a internet – estão voltados para fins lucrativos, ativando a base da
chamada indústria cultural, logo, perdendo a essência da narrativa enquanto
arte.

Vale ressaltar que, desde seu surgimento, perpassando a própria


massificação da arte, “O cinema ainda não compreendeu seu verdadeiro
sentido, suas verdadeiras possibilidades... Seu sentido está na sua facilidade
característica de exprimir, por meios naturais e com uma incomparável força
de persuasão, a dimensão do fantástico do miraculoso e do sobrenatural”.
(BENJAMIM, 1955, p. 6). O mesmo acontece na intersecção entre cinema e
educação, em que percebemos um certo distanciamento quando se pensa nessa
relação como provedora de múltiplas possibilidades e permissora de
emancipação do sujeito.

Um dos ferrenhos pontos que a crítica aponta é que, com o


crescimento em massa da indústria cultural cinematográfica, a arte perde a sua
originalidade. O que podemos destacar é que a sociedade hoje tem mais acesso
a arte, sem dúvida, porém desenvolve pouco o senso-crítico em relação ao que
consome como cultura. Como corrobora Adorno (2002, p.9), “A racionalidade
técnica hoje é a racionalidade da própria dominação, é o caráter repressivo da
sociedade que se auto aliena”. Assim, a sociedade deixa de lado o “degustar”
da arte, para iniciar e permanecer apenas na visualização dela, portanto,

273
Debates Contemporâneos em Educação

alienando-se. O cômodo e o de fácil entendimento é mais rápido e melhor,


nessa perspectiva de retrocessão.

É interessante perceber que o surgimento do eventual lucro dos


filmes fez também surgir mudanças nas histórias, como os chamados finais
felizes que o público sempre espera nos filmes. A indústria cultural,
percebendo os fins lucrativos, aprimoraram-se na ênfase em músicas, locação,
figurino, roteiros repletos de personagens que traziam neles a ideia de
cotidiano, entre tantos outros fatores perceptíveis hoje. Os espectadores
projetam-se nas películas e, neste sentido, criando a empatia entre espectador e
filme e, automaticamente, possibilitando recordes nos números de bilheteria.
Sobre realidade e ficção, Adorno (2002, p. 16) assinala que:

A vida não deve mais, tendencialmente poder se distinguir do filme sonoro.


Superando de longe o teatro ilusionista, o filme não deixa fantasia e ao
pensamento dos espectadores qualquer dimensão na qual possam – sempre
em âmbito de obra cinematográfica, mas desvinculados de seus dados puros
– se mover e se ampliar por conta própria sem que percam o fio. Ao
mesmo tempo, o filme exercita as próprias vítimas em identificá-los com a
realidade.

O cinema atual é uma arte tanto visual como oral, a sociedade não
pretende entender os filmes, em seu sentido mais estético, mas sim apreciar
suas imagens e seus efeitos especiais. O público busca nos audiovisuais,
portanto, um certo teor de comodidade, aceitando de forma passiva a arte
cinematográfica, por isso ir ao cinema assistir a uma película e ver as imagens e
sons retratados é bem mais divertido do que uma tarde compreendendo e
analisando o enredo e a história por trás dos filmes. Essa ideia da arte pelo
prazer é concebível, evidentemente, no entanto, tornar dela a única
possibilidade é que surge o problema.

Ao falarmos de indústria cultural e educação, logo nos transportamos,


também, para as questões de diversão e entretenimento, porém a indústria
cultural hoje ganha força nas salas de aula seja por meio dos aparelhos
telefônicos, acesso interminável a series, curtas e filmes a todo momento. “A
mídia seria capaz de transformar as relações de tempo/espaço e interferir tanto
nas relações sociais como na construção de auto-identidade.” (FERREIRA,

274
Debates Contemporâneos em Educação

2009 p. 23). Sendo assim, a construção em massa desses aparatos de


informação faz uso também dentro das salas de aula, levando informação e
construção do conhecimento social de cada educando.

É inegável, então, afirmar que a cultura de massa cresceu não apenas


fora, mas também dentro das salas de aulas. A influência da indústria cultural
na educação se inicia, talvez, com o cinema sendo algo palpável e palatável aos
estudantes, não apenas isso, como ainda surge, para alguns, como uma
possibilidade de se transpor de uma dada realidade, a qual chamamos de
identidade. Quando falamos em construção de identidade, por exemplo, é
importante entendermos que ela não e algo que podemos ressaltar como
definido e definitivo. Sobre cultura e identidade, Gustavo de Castro e Florence
Dravet (2004, p. 66 - 67) comenta que:

Os benefícios do multiculturalismo são em função do reconhecimento da


pluralidade de atribuições e identidades que se põem em jogo numa
sociedade complexa. Esses benefícios viriam abaixo se o multiculturalismo
não fosse entendido como um mostruário de diferenças irredutíveis, de
identidades enfáticas e procedências determinantes. A cultura não
representa uma unidade fechada, algo fundamentalmente próprio estaria
enfrentando perigo de desfazer-se em suas margens pela modernização e
imigração. Um sistema cultural é uma realidade móvel porosa, cuja
vitalidade depende de que se saiba gerenciar sua pluralidade interna e
dialogar com a estranheza exterior.

Logo, ao falar de identidade, ressalta-se que ela é embasada na criação


de culturas da sociedade em que se vive. “Nossa pedagogia deve ser capaz de
apresentar um mostruário das diferenças articular experiências de contraste,
assinalar a arbitrariedade das convenções sociais, contingencias dos hábitos e
estilos de vida, pôr-se no lugar dos outros.” (CASTRO; DRAVET. 2004, p.
68-69) e não servir de matéria de comodismo e/ou alienação.

Cinema e Educação: Perspectivas para um diálogo fecundo

A inserção do cinema na educação vem sendo discutida ao longo de


muitos anos, contudo, ainda, não foi encontrada uma forma de percebê-lo

275
Debates Contemporâneos em Educação

como fornecedor de conhecimentos na formação geral dos educandos. Visto


que “a mídia [logo, o cinema] seria capaz de transformar as relações
tempo/espaço e interferir tanto nas relações sociais como na construção de
auto identidade”, o que se vê ainda está longe dessa perspectiva (FERREIRA,
2009, p.23). Como resultado, então, temos a problemática de como a escola
poderia trazer o audiovisual como recurso didático na construção do educativa
e social dos sujeitos.

Ultrapassar os muros escolares com o cinema é estabelecer


parâmetros pedagógicos com fins educativos, nos quais permitirá educandos e
educador conhecerem o mundo que os cerca por novas perspectivas e, desse
modo, promovendo não apenas a interação como a interdisciplinaridade.
Películas não são métodos de passar tempo, visto que por trás de todo
audiovisual há algo a ser descoberto e entendido. “Narrativas fílmicas falam,
descrevem, formam e informam. Para fazer uso delas é preciso saber como
elas fazem isso” (DUARTE, 2009, p.76) por outras palavras, a magia que a
mídia transmite é desmembrar a trama na sua totalidade vislumbrando o
espectador com suas facetas e encantamentos.

O audiovisual é um método valioso de ensino presente em nossa


sociedade de maneira fácil e eficaz para ser utilizada, que, em educação, visa o
“respeito aos valores, crenças e visões de mundo que orientam as práticas dos
diferentes grupos sociais que integram as sociedades complexas” (DUARTE,
2009, p73). Transmitir ao educando essas novas formas de aprendizagem é
essencial, pois é um ponto para desenvolver o autoconhecimento, curiosidade,
e cooperação por meio de linguagens criativas.

O ambiente escolar permite aos educandos a liberdade de criar,


imaginar e se descobrir um ser ativo da sociedade e o cinema pode ser um dos
mecanismos que pode potencializar tudo isso. O que se tem, portanto, é que
“educar pelo cinema ou utilizar o cinema no processo escolar é ensinar a ver
diferente. É educar o olhar. É decifrar os enigmas da modernidade na moldura
de espaço imagético” (LOPES, 2017, p.7). Sendo assim, ensinar por meios da
arte é promover a aprendizagem e o senso crítico, ensinando um olhar
contextualizado e participativo, permitindo perceber o invisível e o indizível.

276
Debates Contemporâneos em Educação

Embora o cinema seja valorizado pela sociedade como arte, dentro


das salas de aula existe uma barreira a ser quebrada, pois o cinema ainda é visto
como mero entretenimento e não provedor de conhecimentos e
aprendizagens. Quando usamos livros literários em ambiente escolar, por
exemplo, é necessário que o educador tenha conhecimento literário e faça
leituras; trabalhar com cinema segue o mesmo padrão.

Para que as películas façam parte do cotidiano escolar, é de extrema


importância que o educador conheça ao filme que irão trabalhar, bem como
suas mensagens, para que, assim, haja uma boa prática. No entanto, as escolhas
fílmicas para a educação, geralmente, estão ligadas a conteúdos pragmáticos, e
não permite maior espaço à importância cinematográfica (DUARTE, 2009).
Com isso, a praticidade tomou conta das salas de aula, o cinema o filme não e
visto mais por seu enredo ou pela sua história e sim para seu lado de deixar
passar o tempo.

Conduzir o cinema para as salas vai além de mostrar apenas a beleza


estética, visto que cabe ao professor realizar este diálogo cultural em sala.
Transmitir conhecimentos de cultura, por meio do cinema, corrobora para
além da simples leitura visual, possibilitando e potencializando o crescimento
individual de cada sujeito, ampliando, inclusive, as visões de mundo. É a
didática do professor que vai canalizar estas discussões em sala, modificando o
sujeito.

A importância da formação do leitor audiovisual

A educação procura por anos diversificar suas práticas educativas e os


modos de conceber o ensino, visando diversas estratégias: de leitura, ensinos
lúdicos, letramentos em áreas, interdisciplinaridade, etc. Acerca da
problemática, Dering e Filetti (2013, p.247) salientam que:

Antes de quaisquer inferências [...] talvez não seja o ensino que se encontre
defasado, como o senso comum costuma dizer, mas as práticas de ensino
que não acompanham os inúmeros avanços do atual contexto social. Esse
distanciamento se torna mais claro, por exemplo, quando observamos as

277
Debates Contemporâneos em Educação

maneiras como são realizadas as leituras de livros literários nas escolas, ou


na identificação e produção de textos, sejam atividades realizadas em
escolas públicas ou privadas.

Observando esse apontamento, temos que por meio do ensino das


artes visuais, podemos promover esta ponte do conhecimento, tornando
possível pensar nas relações entre cinema e demais áreas de estudos dos
componentes curriculares básicos. Ocorre que “a educação em arte propicia o
desenvolvimento do pensamento artístico, que caracteriza um modo particular
de dar sentido às experiências das pessoas: por meio dele, o aluno amplia a
sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação. (BRASIL, 1997, p.15).
Quando falamos em educação visual, estendemos para as grandes mídias que
presenciamos na vida das crianças hoje, ferramentas como a internet, teatro,
música e todas as esferas audiovisuais - séries, novelas, curtas, etc. – fazem
parte do atual processo de ensino-aprendizagem.

Ao falar sobre educar para a arte existe barreiras de ensinamentos


conservadoras. O ensino praticado em salas de aulas vem de uma educação
engessada, mecanizada e que se faz uso a vários séculos. Presenciasse uma
educação de transmissão, regrada por determinações, respostas prontas e
conservadoras. “Todos os instrumentos de uma vida prática parecem imunes
as livres reproduções de valores, ideias e ideais. Havendo apenas uma
repetição, não há espaço para os sonhos, fantasias e experimentação” (LOPES,
2017, p.3).

A arte propicia no aluno a construção de um ser social critico,


participativo e uma busca por um cidadão capaz de dialogar sobre a realidade.
Logo, temos que “A evidência parece ser clara: o cinema é o meio de
comunicação que mais atraiu pessoas desde seu surgimento” (DERING,
FILETTI, 2013, p.248) e um ponto chave para perceber sua importância
dentro do ambiente escolar.

A educação pode ser realizada de forma a trazer reflexão para o


sujeito-leitor. Quando falamos na arte do cinema, o audiovisual parece estar
inserido, em sala de aula, apenas como um método rápido de explicação do
filme, geralmente passado nas aulas de história ou geografia. Trata-se, na

278
Debates Contemporâneos em Educação

verdade, de uma visão equivocada da arte. Logo, “O que se percebe na


Educação, em linhas gerais, é que a escola ou algumas perspectivas de ensino
equivocadas tratam tais linguagens/artes como ‘tapa buracos’ para preencher
espaços vagos na escola” (DERING, FILETTI, 2013, p.250). No entanto,
pensar em audiovisual na educação é muito mais do que esse reducionismo, é
promover um olhar diferenciado, um desenvolvimento de experiências
humanas.

Aprender arte é se autoconhecer, logo, criar identidade. Infelizmente,


no atual contexto educacional brasileiro, o ensino de artes ainda é banalizado e,
conhecer a si por essa esfera não parece mais fundamental na formação do
sujeito para a sociedade. A arte proporciona a interação significativa desse
conhecimento exterior com o interior. Com isso, as várias formas de ensino-
aprendizagem da educação em arte – educação fílmica –, dentro da sala de
aula, devem ser minuciosamente estudadas pelo docente e transposta aos
educandos de forma que os façam compreender e construir o seu senso crítico
e social, dialogando com seus conhecimentos prévios, evidentemente.

Estudar audiovisual, por essa perspectiva, vai além de visualizar o


filme, é preciso compreender todo o roteiro, mensagem, músicas, imagens,
vozes, entonação e demais recursos que essa arte se utiliza. Não afirmamos que
seja necessário ser, no entanto, um profissional de cinema, mas torna-se
necessário ser um curioso por sua composição. “Nesse ponto, cabe ao
professor ser o mediador entre a relação do aluno com o conhecimento. Assim
como o docente não é um palestrante, no sentido restrito da palavra, o aluno
não é um espectador, que digere seco o que lhe é passado” (DERING,
FILETTI, 2013, p.251). Compreender a mensagem audiovisual, assim, é como
descobrir a interação em sala de aula, pontos de vistas diferentes de cada
educando e suas intersecções. A educação visual requer um trabalho contínuo,
no qual os conteúdos apresentados devem ser/estar voltados para as novas
experiências, técnicas e formas de apresentação e representação.

279
Debates Contemporâneos em Educação

As possibilidades do cinema

Educar para o cinema é ir além dos conceitos formais/tradicionais de


ensino-aprendizagem. O ensino das artes visuais possibilita uma experiência
nova para o educando, o conhecimento pessoal e social. Ensinar o não visível
aos olhos, fazendo uso das mídias digitais – celular, a internet, a televisão,
rádio, etc. – é pensar nesses meios como transmissores de conhecimento. A
sala de aula é um ambiente fecundo de discussão e reflexão sobre a
importância e utilização das mídias digitais, logo, também do cinema.

O cinema como produtor de conhecimento vai além da simples


exibição fílmica em seus diferentes suportes. Na prática pedagógica, o filme
também deve ser visto como força motriz para o conhecimento. No entanto,
isso demanda tempo, conhecimento e construção de uma nova educação, ao
menos no sentido de processos de ensino. Acontece que “filmes são uma
fonte muito rica de pesquisa sobre temas e problemas que interessem aos
pesquisadores da área de educação” (DUARTE, 2009, p. 91). Dessa forma, o
educando e educador trabalharão de forma conjunta para a construção,
conexão e mediação de práticas educativas.

Ao falar de educar para a sociedade, pode-se considerar o audiovisual


como fundamental para as práticas educativas, principalmente se observarmos
a multiplicidade nas formas de aprender dos educandos. A industrialização em
massa do cinema foi uma forma de alienar e podar o senso crítico. Sua
inserção em sociedade no final do século XX foi esmagadora.

Na década de 1980, cerca de 80% de um país como o Brasil tinha acesso à


televisão. Isso é mais surpreendente que o fato de nos EUA o novo veículo
ter substituído tanto o rádio quanto o cinema como a forma padrão de
diversão popular na década de 1950, e na próspera Grã-Bretanha na década
de 1960. Sua demanda de massa era esmagadora (HOBSBAWM, 1995,
p.484 apud DERING, 2012, p.14).

No entanto, essa alienação só ocorre pela má apropriação dessa arte


no ambiente escolar. É necessário pensar que “educar pelo cinema ou utilizar o
cinema no processo escolar é ensinar a ver diferente. É educar o olhar. É
decifrar os enigmas da modernidade na moldura do espaço imagético.

280
Debates Contemporâneos em Educação

(LOPES, 2017, p.7). Sendo assim, ensinar pelo cinema é a construção da visão
de mundo, de cada sujeito. “Tomamos a partir desse ponto, que é na interação
do sujeito com o meio que se projetam e promovem todos os discursos e
práticas que tangem uma sociedade, ocorrendo que, ao mesmo tempo em que
o meio lhe impõe, o sujeito também impõe ao meio, em uma relação constante
de troca”. (DERING, 2012, p.13).

Assim, quando falamos em cinema como produtor de conhecimento


vamos além de conhecimento formal adentarmos a educação informal. “Tudo
depende dos objetivos que orientam a escolha dos conteúdos com os quais se
deseja trabalhar – relação professor/aluno, currículo, imagens de professores,
pratica pedagógica, conflitos etc. - e da forma de abordá-los.” (DUARTE,
2009, p.73).

Raramente os filmes nas escolas são usados como produtor de


conhecimento, essa realidade demanda de vários fatores: o desinteresse dos
alunos ao ver filmes, a orientação do professor perante ao cinema até a mesma
forma como eles estão inseridos nos projetos ou planos pedagógicos. Educar
pelo cinema, então, é vislumbrar a arte em seu âmbito de entretenimento,
discursivo e estético. Sobre o processo escolar, Jose de Souza Miguel Lopes
(2017, p.8) argumenta que:

Em muitos filmes, vemos que o cinema pode cumprir um papel saudável e


esclarecedor no processo de escolarização e no campo educacional como
um todo. Não há como compreender a comunicação imagética sem o
pensamento, sem o esforço intelectual. O acesso fácil às imagens não quer
dizer um fácil entendimento de suas formas.

Se a escola é um espaço de desenvolver diálogos, pensamentos,


reflexões, discussões, sem dúvida, o cinema torna-se forte aliado dessas
realizações, visto que por ele se cria um espaço discursivo de diferentes visões,
interpretações e sensações. Por isso, as práticas educacionais com cinema
devem ser pensadas como um processo educacional de descoberta, no qual os
educandos têm acesso todos os dias e de diferentes modos. Desse modo, “A
sala de aula cinematográfica deve oportunizar que os alunos tenham uma
cosmovisão do mundo, da sociedade em que vivemos, e entender que as

281
Debates Contemporâneos em Educação

relações de produção de nossa época informam sobre o sentido e significado


do nosso presente.” (LOPES, 2017, p.7).

A adequação dos métodos de ensino pelo cinema perpassa todo um


processo em que educando e educador percorrem juntos. Ao falar em cinema
na sala de aula, atribui-se, à sala de aula, alunos assistindo a um filme sem
algum tipo de orientação, explicação e, então, pensa-se na falta de
conhecimento.

A ideia de trabalhar cinema nas salas de aula, no entanto, deve partir


de como os estudantes entendem o cinema. Por isso, torna-se de extrema
importância saber “como eles veem filmes, quantos veem, quando, com quem,
do que gostam, do que não, gostam e por que; como analisam e compreendem
os filmes, que critérios utilizam para avaliar a qualidade desses e assim por
diante” (DUARTE, 2009, p.78). O intuito é fazer com que os educandos se
disponham a conhecer e se interessar pelo cinema por um novo prisma de
possibilidades. Duarte (2009, p. 76) pontua:

Insisto que o uso do cinema com fins pedagógicos exige que se conheça
pelo menos um pouco da história e teoria do cinema. Filmes não são
decalques ou ilustrações para “acoplarmos” aos textos escritos nem, muito
menos, um recurso que utilizamos quando não podemos ou não queremos
dar aula. Narrativas fílmicas, falam, descrevem, formam e informam. Para
fazer uso delas é preciso saber como elas fazem isso.

A ideia em se trabalhar cinema como uma metodologia de práticas


pedagógicas deve partir do princípio de mostrar que ele é constituinte do
processo educacional, complementando o ensino dos educandos – nota-se,
assim, que o papel da escola e do educador é formar sujeitos críticos, não
estanques e cômodos ao seu processo de aprendizagem.

A relação entre Cinema e Educação através do Projeto FAVERA

Para realizar esse trabalho da inserção do cinema na educação e como


ele está sendo realizado nas salas de aula, realizamos uma entrevista com os

282
Debates Contemporâneos em Educação

diretores Rafael Gustavo da Silva e Rochelle da Silva, idealizadores do projeto


FAVERA (Festival Audiovisual Vera Cruz). O FAVERA é um festival que
dialoga com várias linguagens artísticas, porém o foco é o audiovisual com
filmes em curta-metragens.

O projeto iniciou-se em 2013, na cidade de Goiânia - Goiás, e foi


advindo de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) dos diretores, mas a
aplicação ocorreu apenas um ano depois, em 2014. A data marco para a
primeira edição do FAVERA então se dá após a ideia ser concebida enquanto
trabalho acadêmico. Inicialmente, o foco era com produções periféricas,
fazendo um paralelo intertextual ao nome FAVERA, assim
FAVERA/FAVELA.

Desse modo, o público-alvo, nesse momento, circundava a região do


conjunto Vera Cruz, sendo este uma das regiões mais habitadas e um dos
bairros mais distantes do centro da capital goiana. Não apenas isso, como o
bairro em questão é considerado com um alto índice de violência (RAFAEL,
2017). Ainda segundo Rafael, o projeto trabalha com amostras fílmicas
competitivas, sendo todas dentro da programação pré-estabelecida. O ano de
2017 contou com 4 mostras:

 “É nóis Goiás” - Destinada a filmes produzidos por


realizadores goianos. Essa não tem tema definido, qualquer tipo de temática de
curta pode ser aceita pela curadoria
 “Nóis Brasil” – Voltada para filmes do Brasil todo, desde
que tenha relação com alguma periferia
 “Infantil” – O interessante dessa mostra com temática
infantil, é que há um júri popular preenchido por crianças, que votam nos
filmes de suas preferências.
 “Escolar” – Primeiro ano dessa mostra. São os núcleos de
produção audiovisual, realizados em 6 escolas públicas do bairro Vera Cruz, e
cada uma dessas escolas tem 2 monitores alunos do curso de Cinema e
Audiovisual da UEG/Laranjeiras (Universidade Estadual de Goiás – Campus
Laranjeiras). Os monitores dão aulas para as crianças, ajudando na construção

283
Debates Contemporâneos em Educação

dos filmes. Cada colégio vai ter um filme pronto que vai ser exibido nessa
amostra escolar, competindo entre eles.

Além das 4 mostras, o FAVERA ainda mantém uma quinta, que


ocorre desde o primeiro ano do projeto.

 “Vera Cruz na tela” – Essa mostra audiovisual acontece


desde o primeiro ano do projeto FAVERA. Ela é realizada no/para o bairro
Vera Cruz, por pessoas do próprio bairro ou que mantenham alguma relação
próxima com o setor.

Quando foi perguntado sobre como foi a inserção e a aceitação da


produção de curtas dentro das escolas, foi relatado que no primeiro contato
houve uma grande abertura em algumas escolas, porque os diretores já
conheciam o projeto. No entanto, nas instituições de ensino básico que
desconheciam o projeto, houve certa dúvida acerca de sua eficácia,
ponderando-se o efeito que poderia ou não ocorrer (ROCHELLE, 2017).

Um apontamento interessante de Rafael, encontra-se no modo de


conceber a educação. Segundo o diretor, uma grande dificuldade encontrada
foi o fato de a rotina nas escolas ser bem corrida, devido ao cumprimento do
calendário escolar. Os componentes curriculares engessados não permitiam a
introdução do cinema como prática educativa diferenciada. Sobre isso, Adriana
Marques Ferreira (2009, p.23) salienta que:

Na esfera educacional não poderia ser diferente. Essas inovações também


geraram – e ainda geram – grandes transformações que, por consequência,
geram uma grande desconfiança sobre o alcance e sobre as possibilidades
dos usos do audiovisual como recurso didático e como um modo de
ressignificação dos pensamentos e atitudes que regem a educação. E talvez,
seja esse um dos grandes motivos da dificuldade de inclusão das mídias
como uma forma de linguagem diferenciada a ser trabalhada pelas
instituições educativas.

De acordo com Rochelle (2017), outro ponto a se destacar está na


questão de que cada escola tem sua característica. Por essa razão, o projeto
deixou que os discentes ficassem livres para as escolhas. Algumas escolas, no

284
Debates Contemporâneos em Educação

entanto, fecharam turmas fixas, outras selecionaram os alunos que iriam


participar, e assim as remodelações foram acontecendo. “No mundo atual, a
nova geração de individuas já nasce imersa em um meio impregnado por toda
essa tecnologia” (FERREIRA, 2009, p.31), mas perceber isso em projetos que
fujam ao tradicionalismo educacional ainda é uma barreira.

A metodologia proposta pelo FAVERA procurou aproximar o


audiovisual da realidade da escola e dos educandos. Assim, propuseram-se a
passar pela iniciação, com estudos de fotografia, desde a forma mais
rudimentar da capitação de imagem, que foi o que deu início ao cinema, até ao
ponto de construção do produto mais aprimorado (RAFAEL,2017). Essa
iniciação dialoga com o proposto de afastar a ideia pré-concebida de cinema
como “lacuna escolar”.

Justificando a iniciação e seu desenvolvimento, no processo de


criação da narrativa, os diretores propuseram a seguinte temática: “O que você
espera para o futuro?”. A partir desse ponto, vislumbrou-se, então, que cada
turma escrevesse sobre o assunto e foi selecionada uma carta para a construção
do curta. Essa intersecção do projeto é o que discutimos sobre perceber o
sujeito em seu meio e em seu diálogo com a sociedade.

O projeto FAVERA foi inserido nas escolas e recebido pelos alunos e


professores, de forma a diversificar a forma de ensino. “Ensinar/aprender
partir do e para o cinema é uma excelente forma de aprendizagem porque
auxilia o aluno, futuro educador, a vincular novos conteúdos a outros
fortemente enraizados trazidos de sua vivencia.” (FERREIRA, 2009, 97).

De acordo com Rafael (2017), diversificar a forma de ensino, sair


daquela coisa quadrada que é a escola tradicional e ter acesso a uma educação
mais dinâmica e visual. “Isso acaba resgatando o interesse” – relata ele – “não
apenas pelas questões ligadas ao audiovisual, mas também nas questões
relativas ao cotidiano em geral”. Assim, “precisamos lembrar, portanto, que é
inerente ao sujeito suas posições ideológicas e são estas que o permitem ir além
da passividade, seja na literatura de massa ou em qualquer outro tipo de arte”
(DERING, 2012, p.5), principalmente em sua formação, na educação/escola.

285
Debates Contemporâneos em Educação

O educando sabe que se ele quiser se aprofundar na área do


audiovisual, ele vai precisar da matemática, do português e de outras
ferramentas para somar no desemprenho dele e isso é que faz com o que o
projeto ganhe ainda mais força, mostrar que a arte está intermitentemente
ligada a todo o processo de formação desse sujeito. (RAFAEL,2017). “É
preciso que saibamos, antes de qualquer pontuação, que as relações entre
cultura e sociedade, estão intimamente ligadas às representações do sujeito
perante a história, por conseguinte, a literatura [ao cinema e todas as artes]”.
(DERING, 2012, p.12)

Certamente, então, o cinema proporciona ganhos a esses educadores


e educandos, a transmissão de valores e crenças e outros pontos para o
processo educativo de todos os sujeitos envolvidos. O olhar cinematográfico
enriquece o ambiente escolar, traz e propaga novas metodologias, potencializa
o lúdico no contato com o conhecimento formal e informal. Segundo Lopes
(2017, p. 6), acerca do papel do educador na construção e renovação
pedagógica:

Muitos educadores se esforçam para a construção de um olhar


cinematográfico que possibilite a renovação de práticas pedagógicas.
Ciência artística ou arte científica, conjugação da razão e da imaginação, do
rigor e da intuição, o cinema deve ser o agente de uma nova educação que
dote o sujeito de uma razão sensual, isto é, de uma razão estética que saiba
debruçar sobre si mesma e saiba explorar as possibilidades de um mundo
melhor, de uma sociedade de não-excluídos.

Segundo Rafael (2017), o principal ganho do projeto é mudar a


cabeça dos educandos, contribuir não apenas com possíveis pessoas que
possam trabalhar com o audiovisual, mas também com cidadania. Pessoas que,
através de um projeto pequeno e com poucos encontros, tenham a
possibilidade de entender aquilo que os cerca de uma forma diferente.
Perceber-se enquanto sujeito e perceber-se enquanto sujeito inserido em uma
sociedade. “O indivíduo é o formador de opiniões através de referências, sejam
elas positivas ou negativas, que vão sendo adquiridas e experienciadas ao longo
da vida” (LOPES, 2017, p. 6). A forma de pensamento, de sair daquilo que os
estudantes estão acostumados e ter outras influências, sem dúvida, abre, amplia

286
Debates Contemporâneos em Educação

e propaga ideias e ideais. Isso é o fundamental para que as pessoas tenham a


vontade de buscar mais conhecimento e possam sair da alienação.

Portanto, inserir cinema em sala de aula não é uma tarefa fácil, é


árdua mesmo, sendo necessário muita labuta dos envolvidos e dos que
encabeçam o projeto. Todavia, não se trata de algo impossível, cabe a escola, o
educador e o educando caminharem juntos ao ganho desses conhecimentos.
“Devemos saber dos acontecimentos como possibilidade, mas nunca como
limites definitivos ou intransponíveis” (LOPES, 2017, p. 11). Todos devemos
ser sujeitos de nossas ações, transformar a educação.

Segundo relatos de Rochelle (2017), o projeto contribuiu para que


vários educandos e pessoas da comunidade enxergassem o audiovisual como
profissão e, por se tratar de um bairro e escolas periféricas, envoltos de toda
uma realidade contextualizadas e vivenciadas pelos sujeitos ali inseridos, o
fruto é ainda mais rico. O projeto surgiu também para contribuir com a
realidade desses educandos, pequenas ações que podem influenciar no futuro
“a experiência da arte só permite ao indivíduo encontrar-se como ser social,
como também ao nível pedagógico, visto que é uma ótima fonte de
conhecimento, permitindo maior facilidade de aquisição de saberes” (LOPES,
2017, p.5).

A experiência de se inserir construção de audiovisual em sala de aula,


propicia a satisfação e encantamento dos educandos. Transmitir o significado
de atividade artística, desde a escrita a criação “é interessante notar que
nenhuma outra forma de arte conseguiu, até agora, representar tão bem o
ponto de vista da criança” (DUARTE, 2009. p.36). Conforme Rochelle (2017),
é uma metodologia inovada que está mostrando que funciona, e surge efeitos.
Aproxima o educando a arte, educando e educador e educando da sociedade,
proporcionando a promoção de conhecimentos e instigando a pesquisa e
expressão artística como conhecimentos, através do audiovisual.

287
Debates Contemporâneos em Educação

CONCLUSÃO

Pensar em inserir o cinema no ambiente educacional ainda é algo


aquém da realidade na educação brasileira. Não, pelo menos, como projeto a
ser destrinchado e desdobrado em atividades de recepção fílmica e estética.
Ainda se vê o filme, em sala de aula, como possibilidade de preencher lacunas
educacionais, não sendo bem aproveitado por nenhum dos sujeitos envolvidos
nesse processo: gestão, docentes e discentes.

O grande problema dessa negação da arte é podar a capacidade de


criar, criticar e dialogar junto à sétima arte. Ao perceber que os filmes, nas
instituições de educação básica, ainda, não passam de alicerce para outras
disciplinas, tem-se um abismo sobre sua potencialidade. Os projetos
pedagógicos com os filmes podem ser produtores de conhecimentos, ainda
que a indústria cultural que assolou o século XX venha tentar o contrário.
Portanto, a presente pesquisa buscou apresentar o cinema como possibilidades
de melhoria no processo ensino-aprendizagem, visando despertar a apreciação
pelo conhecimento, por intermédio das telas e filmes nos sujeitos envolvidos
no processo de ensino e de aprendizagem.

O diálogo interdisciplinar do audiovisual requer conhecimento dos


envolvidos, assim, é importante compreender a importância do cinema como
fonte de conhecimento e criatividade, e não apenas como um suporte para as
aulas do componente curricular. Refletir sobre essa importância, sem dúvida, é
perceber e assinalar que há métodos alternativos tão (ou mais) eficazes quanto
os já tradicionais. Sair do mero entretenimento e vislumbrar a apreciação em
outras esferas é necessária no processo formativo dos sujeitos, e, não apenas
isso, é preciso acabar com falácias acerca do cinema em sala de aula,
banalizado-o e banalizando o ensino por esse viés.

O projeto FAVERA, por sua vez, é apresentado para esclarecer a


importância da inserção do cinema dentro da sala de aula, visto que ele se
tornou eficaz processo de ensino, intervindo na função de apresentar o cinema
como produtor de conhecimento. Assim, quando o cinema é inserido em sala
de aula, faz com que todo o âmbito educacional se transforme, auxiliando a

288
Debates Contemporâneos em Educação

compreender que o audiovisual é uma fonte produtiva do conhecimento do


eu, do outro e da sociedade.

O cinema deve perder o estereótipo de passar tempo e cobrir


lacunas e ser visto como produtor capaz de modificar o sujeito por meio do
ensino-aprendizagem. Logo, assim como ler um livro, escrever e ler um texto,
ouvir e tocar uma música, assistir a filmes e curtas é uma metodologia válida de
ensino e importante para a aprendizagem. De modo que, também, exige-se
conhecimento ampliado de todo o conteúdo a ser ministrado em sala de aula.
As películas contribuem ativamente para a arrecadação e ganho de
conhecimento, facilita na concentração na interação, desenvolvimento criativo
e artístico no educando.

Introduzir a arte visual – cinema – na educação é necessária, pois


garante uma aprendizagem lúdica, divertida e participativa. Os sujeitos
envolvidos tornam-se capazes de pensar, dialogar, compreender e analisar o
seu contexto e o contexto do cinema na educação. O desenvolvimento do
presente estudo de caso possibilitou, ainda, a descoberta da importância do
cinema como propagador de conhecimentos múltiplos, inclusive, deixando
espaço para pesquisas futuras acerca do letramento social através do
audiovisual.

289
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

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http://revista.uemg.br/index.php/SCIAS/article/viewFile/405/276 > Acesso
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290
Debates Contemporâneos em Educação

16 - ESTILOS DE APRENDIZAGEM: UMA CRÍTICA AS SUAS COMPREENSÕES


E USOS

Rosemary Barbosa da Silva Moura71


Luiz Artur dos Santos Cestari72

INTRODUÇÃO

Existe uma vasta bibliografia sobre a aprendizagem e seus estilos, por


serem temas amplamente discutidos pela comunidade científica sob diferentes
prismas há algumas décadas. Alguns pesquisadores mais tradicionais têm
buscado em seus trabalhos validar os inventários de estilos de aprendizagem;
outros investigam os impactos dos estilos de aprendizagem no desempenho
acadêmico dos discentes e suas contribuições para alavancar o processo de
ensino e aprendizagem e, por fim, existem estudiosos que se dedicam a
relacionar os estilos de aprendizagem à metodologia ou técnicas de ensino.

Nessa coleção de produções acadêmicas, percebemos uma limitação


quanto à abordagem dada aos estilos de aprendizagem e seus instrumentos de
avaliação, devido ao fato de muitos pesquisadores tratá-los como uma espécie
de diagnóstico padrão a ser aplicado para os diferentes sujeitos,
desconsiderando completamente as potencialidades inerentes a cada ser. Ou
seja, há um reducionismo dos indivíduos às classificações categóricas dos seus
estilos específicos de aprendizagem.

71 Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)- Campus Vitória da
Conquista. Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Eixo Gestão e Negócios do Instituto
Federal do Norte de Minas Gerais – IFNMG- Campus Pirapora. Contato: [email protected]
72 Doutor em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor adjunto da

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)- Campus Vitória da Conquista. Contato:


[email protected]

291
Debates Contemporâneos em Educação

Tal reducionismo se evidencia quando a pesquisa se ocupa em


mapear os estilos de aprendizagem dos discentes com a alegação de buscar
estratégias para o exercício da docência. Essa realidade se apresenta de forma
clara quando, por exemplo, utiliza-se na pesquisa o “Inventário de Estilos de
Aprendizagem” de David Kolb (Learning Styles Inventory – LSI) e, por meio
desse, classificam-se os indivíduos em quatro modalidades de aprendizagem:
divergentes, convergentes, assimiladores e acomodadores.

Outro agravante é o fato de muitas produções associarem os estilos


de aprendizagem aos resultados de fracasso escolar, ou seja, segundo essas,
quando o professor não considera os estilos presentes em sala de aula e trata
seus discentes de forma homogênea, isto é, querendo que todos aprendam as
mesmas coisas e da mesma maneira, os resultados obtidos não são positivos.
Esse aspecto, para nós, revela uma percepção equivocada no campo
educacional por fazer a distinção entre ensino e aprendizagem como dois
processos distintos, mas que, em nosso entendimento, tomando como base a
filosofia de Gilles Deleuze, fazem parte de um mesmo processo para os
sujeitos: o aprender.

Entendemos os estilos de aprendizagem como ferramenta que torna


singular e potencializa a forma de aprender de cada aluno e, assim, conduz a
Educação a um horizonte de caminhos múltiplos. Em sua obra Diferença e
Repetição, Deleuze (2006, p. 159) assegura que “nunca se sabe de antemão
como alguém vai aprender - que amores tornam alguém bom em Latim, por
meio de que encontros se é filósofo, em que dicionários se aprende a pensar.”
Ou seja, não se ensina ninguém a pensar, esse atributo é inerente ao sujeito; é
natural ao ser humano pensar. Ninguém poderá ensinar-lhe ou mesmo lhe
tomar o conhecimento.

Discutiremos nesse capítulo os estilos de aprendizagem relacionados


às literaturas oriundas de estudos sobre o domínio da gestão das organizações
que têm particularmente abordado questões sobre aprendizagem no contexto
das ciências sociais aplicadas, diferentemente de como isso tem acontecido no
contexto educacional. Nesse domínio, os autores têm operacionalizado a
aproximação entre as noções de “estilo” e “aprendizagem” conduzidos,

292
Debates Contemporâneos em Educação

inicialmente, pela dicotomia entre os conceitos correspondentes de “ensinar” e


“aprender”, de modo que boa parte da literatura se origina do domínio da
Psicologia Educacional, abordando o fenômeno do aprender pelo conceito de
“ensino-aprendizagem”.

Sabemos que, embora a constituição dessa dicotomia seja resultado


de um processo histórico no ocidente que envolve experiências na educação e
na pedagogia, é na modernidade que essas ganham status de discurso científico
influenciadas por uma das nascentes ciências humanas modernas. Foucault, no
livro As palavras e as coisas, ao fazer uma arqueologia das ciências humanas,
mostra que a constituição dessas ciências se estabeleceram ao longo da
modernidade por uma exigência de ordem teórico-prática, pois ao mesmo
tempo em que há um movimento no domínio da compreensão do humano
que caminha para a especialização do saber (as formas pelas quais os homens
se tornam sujeitos dos saberes modernos), também somos historicamente
tomados por instituições modernas que vão regular as ações desses sujeitos em
seus espaços sociais, um deles é a escola.

É nesse lugar que o “aprender” vai estar cada vez mais dependente
do “ensinar” porque a escola moderna é, ao mesmo tempo, o resultado da
consolidação dos estados nacionais na Europa e da emergência de um discurso
educacional inspirado nos ideais liberais de cidadania, consolidados no termo
emblemático “educação para todos”. É no contexto do fim de século XIX e
início de século XX que as emergentes ciências modernas começam a lançar
suas abordagens discursivas sobre o papel da escola e da educação na
sociedade; dentre as ciências que exerceram forte influência nesse momento
para a consolidação de um discurso educacional estão a Psicologia e a
Sociologia.

Como os estudos sociológicos estiveram sempre relacionados à


preocupação com o papel da educação em relação à sociedade, a psicologia
educacional se tornou o lugar de produção do conhecimento para
compreender a relação entre professor e aluno e o processo de
desenvolvimento e construção de conhecimento pelo sujeito. Logo, o ensino-

293
Debates Contemporâneos em Educação

aprendizagem se tornou um conceito de muitas abordagens psicológicas no


campo da educação e objeto indispensável da psicologia educacional.

Esse breve histórico mostra que, inicialmente, precisamos entender


que a noção de aprendizagem vai se aproximar da noção de estilo, trazendo o
signo da dicotomia “ensino-aprendizagem”, conduzido pelo sentido de que o
aprender se dá necessariamente na relação com aquele que ensina e, para isso,
há, consequentemente, o entendimento de que o signo do ensinar é uma
reprodução do signo do aprender e vice-e-versa.

A noção de “estilo de aprendizagem” no âmbito das organizações


tem trazido esse forte signo moderno, de modo que as formas de compreensão
dos estilos dos sujeitos em geral se tratam de classificação desses em acordo
com critérios extrínsecos, em função do acento de uma determinada habilidade
em detrimento de outras.

Assim, nesse trabalho fazemos uma crítica as compreensões da noção


de “estilo de aprendizagem” para mostrar que o sentido do aprender nesse traz
o signo dessa dicotomia e que busca bem mais construir uma representação
desses sujeitos nos critérios pré-estabelecidos do que visualizar formas
inerentes a cada um.

Aprendizagem: Da evolução a criação dos estilos

Não temos a intensão de elaborar uma revisão que tenha a pretensão


de completude quanto a expor os mais variados conceitos de aprendizagem no
domínio da Psicologia Educacional. Aqui se tem por objetivo mostrar as
concepções de aprendizagem mais comumente apropriadas pelos autores que
estudam a noção de “estilos de aprendizagem”, por isso, nós seguiremos pistas
deixadas por esses autores para indicar as mais correntes em suas elaborações
teóricas para a definição de “estilos de aprendizagem”.

Nesse trabalho apontamos as imagens do “ensinar” e “aprender”


produzidas pela Psicologia Educacional sobre o ensino-aprendizagem e que

294
Debates Contemporâneos em Educação

vão tomar parte da noção de “estilo de aprendizagem”, no contexto de


produção dos autores que tentam introduzir o tema do aprender no plano das
organizações, de modo específico em estudos sobre a aprendizagem no ensino
superior. Aqui as imagens do aprender trazem historicamente o sentido das
teorias pedagógicas e psicológicas modernas. Essas imagens vão estabelecendo
os arranjos significativos necessários para o estabelecimento da própria noção
de “estilo de aprendizagem”.

O interesse em aprofundar os conhecimentos sobre os estilos de


aprendizagem para Felder (1988) se justifica pela necessidade de conhecer os
estilos de aprendizagem dos alunos e o estilo de ensinar dos professores. Pois,
segundo esses autores, é preciso haver compatibilidade entre os estilos de
aprendizagem dos alunos, pelo menos em sua maioria, e o estilo de ensino do
professor; caso contrário, os alunos podem-se tornar desinteressados e
desatentos com o conteúdo, causando um déficit de aprendizagem,
desinteresse pelo curso, obtenção de resultados negativos nos testes de
verificação da aprendizagem e possíveis evasões.

Eis aqui um primeiro problema associado à noção de aprender como


“estilos de aprendizagem”. Seguindo os passos de Gallo (2012), essa
concepção parece estar ainda bastante influenciada pelas teorias pedagógicas
do século XX que introduziram nos processos educativos a noção de “ensino-
aprendizagem” de modo indissolúvel, entendendo que o processo para
conhecer os estilos de aprendizagem dos alunos não se faz sem pôr em
questão, e como modelo, o modo de ensinar dos professores, trazendo para a
relação dos alunos com o saber a condição inevitável da reprodução do que é
ensinado pelo professor. Nesse caso, ao sair do modelo dado pelo professor,
os alunos são lançados num conjunto de sentidos inevitáveis, estigmatizados
da seguinte forma: “desinteressados”, “desatentos”, “deficitários”
“reprovados” e “evadidos”.

Para facilitar a compreensão da temática que esta pesquisa aborda é


importante haver uma prévia definição de aprendizagem que, de acordo com o
dicionário enciclopédico, a etimologia dessa palavra refere-se à aquisição de
conhecimento e de habilidade. Origina-se do termo aprender, do latim

295
Debates Contemporâneos em Educação

apprehendere, apoderar-se. Para Cerqueira (2000, p. 27-28) a aprendizagem é uma


busca para a vida inteira, e aprender é um processo pessoal e natural que exige
mudanças, pois se trata de algo processado internamente em cada um,
enquanto o aprender está vinculado ao desenvolvimento humano; a
aprendizagem está relacionada às experiências vividas.

Seguindo esse enfoque, Cerqueira (2000, p. 28) afirma que


aprendizagem “é um processo pessoal, que implica mudanças e que dura toda
a vida, merece ser melhor conhecida e estudada”. Para Kuethe (1978, p. 6), a
aprendizagem “é o processo pelo qual a conduta se modifica em resultado da
experiência”. Bransford, Brown e Cocking (2007) ampliam esse conceito,
sustentando que esse processo se estabelece por meio de conexões entre
estímulos e reações, reforçando a relação da aprendizagem com a experiência.

Esses conceitos de aprendizagem são resultados de uma trajetória


histórica e bastante significativa de investigações de vários pesquisadores. E,
para melhor entendermos os avanços dos estudos sobre o que é aprendizagem,
Barros de Oliveira e Barros de Oliveira (1996) asseguram que, especificamente
no século XX, o estudo da aprendizagem evoluiu em três momentos distintos:

1º) Até a metade do referido século sob a influência do behaviorismo


entendeu-se a aprendizagem basicamente como aquisição de respostas. Ou
seja, condicionado pelas recompensas e punições advindas do seu
comportamento, o aprendiz reagia de forma passiva aos estímulos do
seu meio exterior. Diante dessa percepção, o ensino era
compreendido como atividade destinada a aumentar a quantidade de
respostas corretas. Assim sendo, aprender equivalia a responder bem.
Nesse cenário, o papel do professor consistia em garantir que os
alunos não cometessem erros e cumprissem as tarefas de
aprendizagem de forma assertiva e em curto espaço de tempo. O
resultado desejado nessa concepção de ensino era o saber fazer.

2º) As décadas de 50 e 60 são consideradas como uma segunda fase


da aprendizagem, agora sob influência do cognitivismo. Essa é
concebida como aquisição do conhecimento e o aprendiz é visto como

296
Debates Contemporâneos em Educação

alguém capaz de adquirir, armazenar e recuperar informações. No


ambiente do ensino escolar tem o objetivo de aumentar a porção de
conhecimento do sujeito. A função do professor é contribuir para
que o aluno melhore seus processos cognitivos, suas capacidades de
memorização e o nível de domínio das informações acadêmicas. A
meta é o alcance do saber.

3º) Após a década de 60, inaugura-se o terceiro momento


influenciado pelo cognitivismo e pelas correntes ambientais e
ecológicas, e ainda com uma visão modificada do ser humano, alguém
capaz de dar sentido às suas experiências, superando o mero reagir ao
seu meio externo e o armazenar informações, aqui a aprendizagem é
concebida como a construção do conhecimento. O aprendiz eleva-se ao status
de construtor do conhecimento, com habilidades para aprender a
aprender, interpretar o seu meio e a si, estabelecendo relações
satisfatórias sujeito-mundo. A nova perspectiva do ensino é
preocupar-se com o saber aprender.

Entendemos o conceito de aprendizagem, tivemos uma mostra das


perspectivas evolutivas pelas quais sua concepção passou e ainda sua trajetória
dentro da instituição de ensino. Desvelando assim qual era o lugar da
aprendizagem no campo educacional e quais os resultados que se esperava
obter a partir da concepção behaviorista, cognitivista e cognitivista versus
correntes ambientais e ecológicas.

Quanto a estilos devemos considerar que essa palavra, desde o século


XX, sofre certa banalização e tem sido usada em apropriações diversas. Dessa
forma, esse termo vai contemplar elementos estéticos e subjetivos que, de
maneira ímpar, reúne variáveis de naturezas diversas adjetivando assim
movimento, agrupamento, um modo de escrever, de aprender, de se expressar,
entre outras manifestações.

Garcia Cué (2007) explica que a expressão “estilos” começou a ser


utilizada a partir do século XX por investigadores que buscavam distinguir as
diferenças entre as pessoas da área da psicologia e da educação. Garcia Cué,

297
Debates Contemporâneos em Educação

Rincon e Garcia (2009) definem estilos como sendo uma série de


competências, aptidões, estratégias e atitudes que uma pessoa possui,
habilitando-a para desempenhar certas atividades e que se explicitam por um
modo de comportamento e habilidades distintas que a diferenciam de outras
pessoas, sob o prisma de como ela dirige, se veste, fala, pensa, aprende,
conhece e é ensinado.

O termo estilo de aprendizagem surgiu no ano de 1970, distinguindo-


se do estilo cognitivo no cenário acadêmico; enquanto a expressão estilo
cognitivo referia-se às descrições teóricas e acadêmicas, estilo de aprendizagem
era empregado para aplicações práticas. Segundo a compreensão de Riding e
Cheema (1991), os criadores dos estilos de aprendizagem estavam interessados
em práticas educacionais e de treinamento fundamentadas nas teorias sobre
estilos cognitivos. Portanto, a diferença entre esses não se excluem
mutuamente, mas se complementam.

Para Felder (1988), as pesquisas sobre os estilos de aprendizagem


evocam a atenção dos educadores para as diferenças individuais dos alunos,
sinalizam quais são as preferências de aprendizagem dos discentes e catalisam
discussões sobre as melhores estratégias didáticas.

Segundo Alonso, Gallego e Honey (2002), estilos de aprendizagem


“são recursos cognitivos, afetivos e fisiológicos, que servem como indicadores,
relativamente estáveis, de como os alunos percebem, interagem e respondem a
seus ambientes de aprendizagem.” Os autores Barros e Amaral (2007) ampliam
esse conceito ao afirmarem que “os estilos de aprendizagem se referem a
preferências e tendências altamente individualizadas de uma pessoa, que
influenciam em sua maneira de aprender um conteúdo”.

Alguns autores, dentre eles Lopes (2002), resgata as concepções de


Fuhrman And Grasha (1972), abordando os estilos de aprendizagem como
uma interação social necessária aos processos de ensino-aprendizagem como
forma de integrar o conteúdo, o aluno, o professor e a escola, favorecendo ao
professor e ao aluno discutir e experimentar formas alternativas de ensinar e
aprender. Cabendo à escola o papel de provedora dessa discussão e
experiência.

298
Debates Contemporâneos em Educação

A importância dessa prática, conforme asseguram Cathólico e


Oliveira Neto (2008), é que o conhecimento dos estilos de aprendizagem dos
alunos intensifica a compreensão das formas como eles preferem aprender.
Esses autores sugerem que para se conhecerem os estilos de aprendizagem é
preciso mapeá-los utilizando instrumentos padrões. O professor, de posse do
perfil mapeado dos seus alunos, poderá desenvolver novas formas de ensino e
se capacitar para atingir as diferentes necessidades de aprendizagem.

O mapeamento dos estilos de aprendizagem se faz necessário devido


à existência de diferentes tipos com classificações e abordagens, cujos
pesquisadores, principalmente das áreas como a Educação e a Psicologia,
entenderam de organizá-los em categorias ou inventários. Esses inventários
são instrumentos de diagnóstico que, na maioria das vezes, aparecem em
forma de questionários ou testes, baseados em estilos de aprendizagem
predefinidos, que costumam ser aplicados em diversas situações de
aprendizagem, independentemente da área ou conteúdo a ser desenvolvido.

Acreditamos que muitas contribuições foram dadas ao campo


educacional pelos estudos dos estilos de aprendizagem, tratando-se de um
avanço e revelando uma preocupação com a qualidade do ensino, o que
mostra um desejo de ajudar o aluno a aperfeiçoar seu aprendizado e o
professor a alavancar sua didática e metodologia. O fato é que a educação urge
por tais iniciativas e avanços. Porém, entendemos que essas pesquisas não
foram suficientes para responder como o indivíduo aprende.

A Teoria da aprendizagem experimental de David Kolb

Dentre as várias teorias dos estilos de aprendizagem e seus


instrumentos de avaliação, escolhemos aprofundar a Teoria da Aprendizagem
Experimental de David Kolb desenvolvida em 1984, cujo objetivo é identificar
as características de cada indivíduo como aprendiz e como ele aprende. Nossa
escolha se justifica devido a essa ter sido a mais adotada nas pesquisas
brasileiras.

299
Debates Contemporâneos em Educação

Investigações sobre aprendizagem experiencial são tecidas, há


milênios, alimentando numerosas teorias a respeito dessa temática ao longo
dos séculos (CLAXTON; MURRELL, 1987). Tais abordagens contribuíram
com definições específicas de aprendizagem, baseadas em discussões tanto
pedagógicas, quanto psicológicas (BRANSFORD, BROWN; COCKING,
2007). Aprender pela experiência não equivale dizer que toda e qualquer
vivência resulta em aprendizagem. Essa aprendizagem é, sobretudo, mental;
portanto, apropriar-se dos saberes procedentes da experiência demanda
processos contínuos de ação e reflexão.

Mesmo com as diversas abordagens sobre a aprendizagem


experiencial, para autores como Mainemelis, Boyatzis e Kolb (2002) e Corbett
(2005), é a teoria de David Kolb que tem o melhor ponto referencial para as
discussões sobre a aprendizagem experiencial. Acredita-se que por essa razão,
haja vista o aumento de produções acadêmicas relacionadas à aprendizagem
experiencial após o surgimento da teoria de Kolb, que segundo Marsick e
O’Neil (1999), tornou-se conhecida como aprendizado por meio da ação e
fundamentando os estudos de modos de aprendizagens individuais.

Os estudos sobre estilos de aprendizagem de Kolb tiveram início em


1971, direcionados a pesquisar o “como se aprende, como se assimila a
informação, como soluciona problema e como se toma decisão”. Esses
questionamentos alicerçaram a construção do modelo experimental, que visava
conhecer o processo de aprendizagem a partir da própria experiência.

O público escolhido para as investigações de Kolb foi o universitário,


por acreditar que esse era dependente do sucesso permanente num mundo em
constantes mudanças e seu êxito estaria condicionado às habilidades de
examinar oportunidades e aprender com sucessos e fracassos. A experiência
condiciona ou altera acontecimentos gerando assim novas experiências. Em
relação a tais experiências, Kolb (1976) desenvolveu um instrumento de
mensuração denominado Inventário de Estilos de Aprendizagem (Learning Style
Inventory / LSI).

Após anos de investigação, no início da década de 80, David Kolb


apresentou sua teoria sobre os estilos de aprendizagem experimental

300
Debates Contemporâneos em Educação

afirmando que a efetividade da aprendizagem de adultos aumentaria se o


objeto de aprendizagem fosse vivenciado de forma mais direta e profunda. Ele
definiu aprendizagem como “o processo pelo qual o conhecimento é criado
através da transformação da experiência”. (KOLB, 1984, p.41). Segundo ele,
mais que resultado, a aprendizagem é processo holístico de adaptação ao
mundo. Portanto, aprender requer a solução de conflitos entre modos
dialeticamente opostos de adaptação para, assim, a partir dessa experiência,
construir o conhecimento, ou seja, o aprender.

A teoria da aprendizagem experiencial de Kolb respalda-se em


abordagens psicológicas, fundamentando-se em três estudiosos da psicologia
experimental e da aprendizagem: Piaget, Dewey e Lewin (KOLB, 1984;
HINTON, 1998). Essa teoria se aproxima dos princípios das teorias de
aprendizagem de Vygotsky. Pimentel (2007, p. 160) afirma que “a teoria
kolbiana tem no postulado histórico-cultural (Vygotsky e seguidores) uma
fonte de inspiração”.

Explicando como se aprende pela experiência, Kolb (1984, 1999)


criou o “ciclo de aprendizagem experimental”, que consiste em quatro modos
de aprendizagem. No começo do processo de aprendizagem, o indivíduo deve
escolher a forma mais confortável de aprender dando início ao seu ciclo de
aprendizagem experimental. Por exemplo, quando o indivíduo decide iniciar
pela Experimentação Ativa (EA), ou seja, fazendo isso, ele sentirá o que foi
produzido e realizará um feedback próprio. Logo após, ele prossegue o ciclo
criando generalizações sobre a experiência adquirida e seus vínculos com a
realidade, via Experiência Concreta (EC). Os modos de aprendizagem de Kolb
são:

1) Modo Experiência Concreta (EC) – se caracteriza pela


aprendizagem relacionada às situações práticas, analogia a momentos
concretos e à troca de informações com outros indivíduos;
2) Modo Observação Reflexiva (OR) – consiste na
aprendizagem relacionada à observação de situações, à necessidade de refletir o
objeto de estudo sob vários ângulos e à correlação de informações com fatos
cotidianos;

301
Debates Contemporâneos em Educação

3) Modo Conceituação Abstrata (CA) – trata da


aprendizagem relacionada à produção de conceitos, análise da realidade e
criação de hipóteses sob a perspectiva lógica;
4) Modo Experimentação Ativa (EA) – é a aprendizagem
relacionada à execução de conhecimentos, à experimentação de conhecimentos
obtidos por meio de reflexões e à resolução de problemas com rápida tomada
de decisão.

A compreensão de Kolb ao desenvolver seu ciclo de aprendizagem


idealizou duas dimensões de aprendizagem distintas: “percepção” e
“processamento”. A dimensão da percepção refere-se à forma como se
percebe a informação e o processamento é o jeito de processar a informação.
Assim sendo, entende-se que algumas pessoas percebem melhor a informação
por meio de experiências concretas (tocar, ver, ouvir), enquanto outras
percebem melhor a informação de maneira abstrata, utilizando conceitos
mentais ou visuais.

Na dimensão da percepção temos a oposição: Concreto versus


Abstrato (EC - CA). Após a informação ser percepcionada, passa-se a
dimensão do processamento, nessa dimensão, encontram-se as pessoas que
processam melhor a informação por meio de experimentação ativa (fazendo
alguma coisa com a informação) e outras processam melhor pela observação
reflexiva (pensando sobre as coisas). Aqui, o sistema de opostos é a Ação versus
Reflexão (EA - OR).

Para Kolb (1984; 1999), quando combinados dois dos modos de


aprendizagem pelo indivíduo, surge um estilo de aprendizagem. Esses são uma
matriz dois por dois dos modos de aprendizagem, pelo qual, Kolb (1984, 1999)
utiliza para eles os termos: Divergente (EC/OR), Assimilador (CA/OR),
Convergente (CA/EA) e Acomodador (EC/EA).

O estilo de aprendizagem Divergente tem origem na Experiência


Concreta (EC) e continua o processo de aprendizagem por meio da
Observação Reflexiva (OR). De acordo com Kolb (1999, p. 5), o indivíduo
divergente tende por “afastar-se das soluções convencionais, e optar por
possibilidades alternativas”, destacando-se por sua habilidade de analisar as

302
Debates Contemporâneos em Educação

situações por diferentes perspectivas e de organizar diversas relações em um


todo significativo. É chamado de divergente porque atua bem nas situações
que pedem novas ideias. É um perfil questionador, criativo, produtor de
alternativas, identificador de problemas, busca significados pessoais sobre o
que está aprendendo e possui habilidade no trato com pessoas, por isso,
interage bem com seus professores e colegas. Seu jeito de trabalhar inclui
discussões, tempestades de ideias e atividades em equipe. As profissões
preferidas por ele são as voltadas ao entretenimento, a serviços ou à arte
(KOLB, 1999; KOLB, BOYATZIS; MAINEMELIS, 2000; VALENTE et al.,
2008).

O indivíduo com estilo Assimilador aprende por Conceituação


Abstrata (CA) e Observação Reflexiva (OR). Comumente prioriza a teoria,
incorporando “a experiência de aprendizagem numa estrutura de ideias mais
ampla” (Kolb, 1999, p. 5). Esse estilo emprega o raciocínio indutivo,
caracteriza-se pela facilidade de criação de modelos teóricos e utiliza-se de
pedaços de informações, analisa, organiza e os assimilam como um todo. Não
se preocupa com o uso prático das teorias. Prefere as ideias ao invés das
pessoas. São perfis comuns entre os professores, escritores, advogados,
bibliotecários, matemático e biólogos.

Valente et al. (2008, p. 59) afirmam que os indivíduos Convergentes


“são exatamente o oposto dos divergentes”. Desenvolvem o raciocínio
dedutivo, com aplicação prática das ideias, testam as informações,
experimentam coisas novas, veem como elas funcionam de fato, aprendem
fazendo por tentativa e erro; são hábeis para resolver problemas e tomar
decisões. Averiguam integralmente a viabilidade e utilidade das informações e
apreciam analisar exemplos e casos. Eles iniciam sua experiência na
Conceituação Abstrata (CA) e, por meio de conceitos, transformam-na pela
Experimentação Ativa (EA), preferindo a aplicação prática de teorias.
Consideram o trabalho em grupo e as discussões como perda de tempo,
porque entendem que podem fazer o trabalho mais rapidamente de forma
individual. As profissões demandadas por esse estilo são os tecnólogos,
economistas, engenheiros, médicos, físicos, inclinando-se a lidar com

303
Debates Contemporâneos em Educação

atividades técnicas ou práticas, como experimentar simulações ou tarefas de


laboratório (KOLB, 1999, p. 5).

Encerrando, tem-se o estilo Acomodador, que parte da Experiência


Concreta (EC) e a transforma por meio da Experimentação Ativa (EA);
prefere atividades intuitivas, como trabalhos em grupo ou em campo
aprendem por meio de descobertas próprias. “É provável que sua tendência
seja atuar com base em seus sentimentos em vez de analisar logicamente a
situação” (Kolb, 1999, p. 7). Aplica as informações obtidas em novas situações
para resolver problemas reais, está disposto a assumir riscos, aprendendo com
seus erros. Os indivíduos do estilo Acomodador, segundo Kolb (1984),
encontram-se com frequência inseridos nos quadros das organizações e nos
negócios como bancários, administradores, políticos, gerentes, especialistas em
relações públicas, vendedores etc.

O ciclo de aprendizagem e os estilos de ensino

Qual é a relação existente entre os estilos de aprendizagem e os estilos


de ensino é o que muitos pesquisadores vêm analisando. Segundo esses, a
Teoria dos Estilos de Aprendizagem devem influenciar diretamente nas formas
de ensinar. Lockhart e Schmeck (1983) defendem a importância de se
conhecer e se basear nos estilos de aprendizagem para elaborar métodos mais
adequados para a aprendizagem de cada aluno.

Segundo Alonso, Gallego e Honey (1994), é comprovado que o


rendimento acadêmico está intimamente relacionado com os processos de
aprendizagem. Eles enumeraram os trabalhos que foram desenvolvidos com o
objetivo de fundamentar essa relação: Cafferty (1980) e Lynck (1981)
analisaram o rendimento acadêmico e sua relação com os estilos de
aprendizagem; Pizzo (1981) e Krimsky (1982) centraram sua investigação nos
estilos de aprendizagem e rendimento na aprendizagem da leitura; White
(1979) e Gardner (1990) relacionaram estilos de aprendizagem, estratégias
docentes, métodos e rendimento acadêmico.

304
Debates Contemporâneos em Educação

Na busca por traçar o papel do professor e seu estilo de ensino de


acordo com o diagnóstico feito do estilo de aprendizagem do aluno, Harb et al.
(1995) sugerem que o ciclo de aprendizagem de Kolb seja usado como base
estratégica para o planejamento do processo de ensino. Para tal, o ciclo de
ensino deve seguir as mesmas fases do ciclo de aprendizagem, no qual, cada
estilo de aprendizagem corresponda a um estilo de ensino. Corroborando com
essa teoria, Valente, Abib e Kusnik (2007) desenvolveram um quadro
relacional evidenciando o perfil adequado de professor a cada situação, para
que se possam alcançar os resultados adequados de aprendizagem, conforme
veremos no quadro 1.

Estilos de Estilos de Ensino/ Papel do professor


Aprendizagem

O docente deve atuar como motivador, visando ao


Divergente desenvolvimento pessoal dos seus alunos; tecendo um bom
relacionamento com esses e sendo capaz de desenvolver a
cooperação e discussão de valores e significados. A estratégia
de ensino requer questionamento e discussão.
O professor comporta-se como um especialista, dedicando
Assimilador à transmissão de conhecimentos, exercendo o papel de
autoridade em sala de aula, seguindo rigorosamente o material
didático indicado. A estratégia de ensino é tradicional
predominando aulas expositivas.
O educador procede como um técnico, perseguindo a
produtividade e a competência. São profissionais
Convergente independentes e deseja que seus alunos desenvolvam esse
mesmo perfil. A estratégia de ensino combina aula formal
com laboratório e atividade extraclasse.
O docente é uma espécie de avaliador ou revisor, provendo
feedback que permita aos alunos fazerem descobertas por
Acomodador conta própria. Incentivando a aprendizagem experimental e a
autodescoberta. Buscam expandir a intelectualidade em seus
alunos. A estratégia de ensino contempla variados métodos e
técnicas, de acordo com as necessidades.

Quadro 1. Fonte: Adaptação desta pesquisadora, baseada em Valente, Abid e Kusnik (2007, p.
65)

305
Debates Contemporâneos em Educação

Crítica a teoria da aprendizagem experimental de David Kolb

Criticamos a maneira como tem sido empregada por muitos


pesquisadores a Teoria da Aprendizagem Experimental de David Kolb
reduzindo os estilos de aprendizagem a uma espécie de diagnóstico padrão a
ser obtido dos mais diferentes indivíduos, desconsiderando completamente as
potencialidades inerentes a cada ser e esperando obter sempre os mesmos
resultados, ou seja, há um reducionismo dos indivíduos às classificações
categóricas dos seus estilos específicos de aprendizagem.

Esse reducionismo se evidencia quando a pesquisa se ocupa em


mapear os estilos de aprendizagem dos discentes com a alegação de buscar
estratégias para o exercício da docência ou como identificar o que caracteriza o
indivíduo aprendiz desconsiderando a sua subjetividade. Essa realidade se
apresenta de forma clara no instrumento “Inventário de Estilos de
Aprendizagem” de David Kolb (Learning Styles Inventory – LSI) que, conforme
mostramos, classifica os indivíduos em quatro modalidades de aprendizagem:
divergentes, convergentes, assimiladores e acomodadores.

Apontamos também a maneira descontextualizada de abordagem do


processo de ensino-aprendizagem, destacando a experiência individual, à custa
dos aspectos psicodinâmicos, sociais e institucionais. Somando-se a isso,
muitos pesquisadores consideram problemático depender de instrumentos de
diagnóstico autorreferenciados, respondidos pelo próprio indivíduo analisado,
para identificação dos estilos. E os resultados identificados, na maioria das
vezes, não passam de mera rotulagem, pura e simples, sem maiores implicações
para a prática educacional.

306
Debates Contemporâneos em Educação

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311
Debates Contemporâneos em Educação

17 - A ECOPEDAGOGIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Ivan Luís Schwengber73


Simone Ruppenthal74

INTRODUÇÃO

Há algum tempo a Educação Ambiental vem sendo tema de debates


e investigações das mais diversas áreas. Em diversos setores da sociedade
surgem sujeitos ambientais, e é quase um consenso a urgência e a necessidade
de se trabalhar a educação ambiental com nossas crianças e nossos jovens. As
escolas sofrem constantemente intervenções dos setores da sociedade buscam
desenvolver atividades relacionadas à temática. Em sua grande maioria
desenvolvem atividades significativas, muito embora as escolas estão atentas e
compreendem que estas atividades ocorrem de modo isolado, haja vista que na
maioria das vezes estão atreladas a alguma exigência legal. Condição a coloca
em um lugar privilegiado, podendo desenvolver discussões, e promover
práticas reflexivas de modo a potencializar a criticidade e autonomia dos
sujeitos.

Tais ambientes educativos desenvolvem de forma muito espacejada


modelos ou tipos de educação ambiental muito ligado práxis e iniciativas dos
“sujeitos ambientais” (CARVALHO, 2001) que nela estão inseridas. Esta
característica fragmentada e personalizada que se estende à Educação
Ambiental é acrescida de uma intrínseca noção de educação que nomeio na
função da educação formal em nossa sociedade, condensados no caso
brasileiro em torno da complexidade da Cultura, Ciência, Tecnologia e
Trabalho. Estas diferentes concepções do papel da educação na dialética com a
sociedade têm influenciado os modelos de Educação Ambiental que são
desenvolvidas.

73 Mestre em Educação, Unochapeco – E-mail: ivan.s@unochapecó.edu.br


74 Mestre em Educação no PPGE da Unochapecó. E-mail: [email protected]

312
Debates Contemporâneos em Educação

A complexidade75 da relação que contemporaneamente a pessoas


estabelecem com o ambiente, é complexificado pelos avanços tecnológicos,
principalmente mediados pelas TICs76, que tem alterado nossa experiência de
realidade, nossa visão de mundo.

Num quadro geral educacional Larossa (2016, p. 15) divide o discurso


pedagógico entre dois grupos, que serve para balizar a situação da Educação
Ambiental. De um lado a educação filiada a relação entre a “ciência e a
técnica” e do outro lado a educação filiada ao conceito práxis e noção de
educação crítica. Genericamente, tem-se uma iniciativa entre os experts que
parte da “legitimidade da ciência” e os críticos que tem a legitimação em
“certos ideais como a liberdade, a igualdade e a cidadania.” (LARROSA, 2016,
p. 36).

Este texto parte da tentativa de ampliar o diálogo pedagógico com a


Educação Ambiental a pedagogia de Paulo Freire, como propunha Gadotti
(2010) e que nomeadamente é a chamada de Ecopedagogia por Francisco
Guitierrez (2013). O que diferencia a Ecopedagogia da Educação Ambiental
crítica? A tese de fundo que nos move é de que a Ecopedagogia é uma modelo
de Educação Ambiental que propõe uma educação para a cidadania planetária.
Pela qual, implica uma reorientação de nossa visão de mundo, promovendo
uma educação emancipadora do sujeito, a partir rastros filosóficos e
pedagógicos de Paulo Freire, aspectos que considera o local e o global
simultaneamente.

Para responder a pergunta amos situar a origem da Ecopedagogia e


sua ligação com Paulo Freire. E depois inserir-nos debates da Ecopedagogia na
esteira de Moacir Gadotti, e discutir os conceitos de vida cotidiana e cidadania
planetária. Os livros que abordaremos para esta discussão é Ecopedagogia e
cidadania planetária (2013), de Francisco Gutiérrez e Cruz Prado, da Pedagogia da

75 Aqui tratamos complexidade, na qualidade de complicado, pelo qual as relações de interdependência


são incompreensíveis.
76 Tecnologia de Informação e Comunicação.

313
Debates Contemporâneos em Educação

Terra (2009) de Moacir Gadotti77 sob o aparato da educação libertária de Paulo


Freire78.

As origens da ecopedagogia

Foi justamente durante a realização do Fórum Global 92, que se


percebeu a importância de uma pedagogia do desenvolvimento sustentável e
de uma Ecopedagogia que tem a ver com a noção de cidadania planetária,
visão holística de planeta e de sociedade (GADOTTI, 2009). É a compreensão
ecopedagógica que percebe assim como Freire, que a natureza leva as marcas
do ser humano, da sua história, da sua cultura e, portanto, nunca é uma relação
passiva.

A Ecopedagogia que era um projeto de Paulo Freire em seus últimos


anos de vida: “Um tema que Paulo Freire estava desenvolvendo nos últimos
tempos era o que chamamos no instituto de Ecopedagogia” (GADOTTI,
1998, p. 32). Uma Ecopedagogia libertadora: “Uma pedagogia libertadora
precisa criar novas vivência solidárias, precisa criar novas relações sociais e
humanas, não só transmitir conteúdo” (GADOTTI, 1998, p. 33). Assim, o
criador do termo foi Francisco Gutiérrez, um dos cofundadores do Instituto
Paulo Freire, com uma filiação intelectual a teoria da complexidade
(GADOTTI, 2010).

A humanidade pelos seus modos de existir, de produzir cultura tem


alterados profundamente a nossa relação com o planeta. Sob o prisma da
natureza, do ecossistema, do ambiente, esta alteração tem causado danos
profundos. Este é o horizonte comum entre todos os educadores ou sujeitos
ambientais, a necessidade de repensar a relação do homem com a natureza.

Tanto o homem e mundo levam as marcas da relação, da cultura, que


assume contornos dramáticos, tanto para o homem como para a natureza.

77 Outros textos de Gadotti Educar para a Sustentabilidade (2018) A carta da Terra na Educação (2010),
A boniteza de um sonho (2011) e outros.
78 Considero em especial Educação como prática da liberdade (1967) e Pedagogia do oprimido (1969).

314
Debates Contemporâneos em Educação

Homem e mundo da natureza estão separados e mutilados, e nossa


fundamentação obra de Freire, é por que acredita na educação que transforam
a realidade:

De uma educação que levasse o homem a uma nova postura diante dos
problemas de seu tempo e de seu espaço. A da intimidade com eles. A da
pesquisa ao invés da mera, perigosa e enfadonha repetição de trechos e de
afirmações desconectadas das suas condições mesmas de vida. A educação
do “eu me maravilho” e não apenas do “eu fabrico” (FREIRE, 1967, p. 93).

A educação ambiental é talvez a forma mais rigorosa de conexão com


vida no sentido amplo, com a vida no planeta. A atualização da filosofia-
pedagogia de Paulo Freire a partir da Educação como Prática da Liberdade (1967) é
esta esperança na capacidade de transformação a partir da educação. Este
projeto é ratificado e reorganizado na Pedagogia do Oprimido (1969), o
protagonismo do homem no processo de libertação, de si e do mundo, que é o
mesmo processo - libertação, portanto, “Mais uma vez os homens, desafiados
pela dramaticidade da hora atual, se propõem, a si mesmos, como problema.
Descobrem que pouco sabem de si, de seu ‘posto no cosmos’, e se inquietam
por saber mais.” (FREIRE, 2016, p. 39).

Por outro lado, a ideia de uma Ecopedagogia nasce de um encontro


entre Francisco Gutierrez, Paulo Freire e Moacir Gadotti, em 1972. O livro
Ecopedagogia e Cidadania Planetária Francisco Guttierrez e Cruz e Prado, tratando
da “importância e necessidade de investigar e promover uma pedagogia em
concordância com o novo paradigma científico e com os valores inerentes à
ecologia profunda” (GUTIÉRREZ e PRADO, 2013, p. 11), relacionado com
o desenvolvimento das ciências.

O vocabulário paradigma79 provém de Thomas Kuhn, a partir da


origem das ciências da natureza, está associada a uma nova visão de mundo
(Weltanchaung), que está na origem da reflexão filosófica, nas cosmologias e
cosmogonias jônicas: “isto é, como uma visão, uma descrição e uma

79 Consideramos ‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante


algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma
ciência. (KUHN, 1998, p. 13)

315
Debates Contemporâneos em Educação

interpretação do mundo, dos seus fenômenos, de suas forças, e de suas


origens” (SELVAGGI, 1988, p. 7-8). Estas concepções de mundo que já
existiam anterior à chamada revolução científica, permitem compreender
profundamente as cosmologias enquanto visão de mundo, da relação do
homem com seu mundo.

Nas questões ambientais o que Ecopedagogia quer nos alertar é que


não podemos nos relacionar com o mundo da natureza, sem considerar os
avanços científicos e a complexidade planetária das relações humanas; sem,
portanto, reduzir nossas visões a exclusividade de “elementos científicos e
técnicos” e nem a ingenuidade de descartar o conhecimento científico:

Todavia, ninguém pode deixar-se levar pela ilusão de que essas nefastas
consequências possam ser superadas pela eliminação da ciência e da técnica
e como um retorno à civilização e cultura pré-científicas, que hoje seriam
anticientíficas. O único meio de salvar a humanidade do suicídio e da
autodestruição é a reconstrução de um humanismo integra, para o qual
concorram positivamente todos os fatores humanos, psicológicos morais,
religiosos, sociais, mas juntamente com eles também os científicos e
técnicos. (SELVAGGI, 1988, p. 9).

Assim, a proposta de reconstrução do um humanismo integral passa


pela compreensão, a assimilação das ciências enquanto estruturantes em nossa
visão de mundo. Esta é a chamada mudança de paradigma80 que tem como
modelo a física newtoniana e causou efeitos destruidores no mundo. A
Ecopedagogia se estrutura na esteira de três conceitos emergentes, que são: a
ecologia profunda, a pedagogia e a política planetária:

 A ecologia profunda não separa seres humanos e mundo, tendo


como referência Frijjof Capra (CAPRA, 1995), sustentando a analiticidade
de princípios comuns a todos os seres vivos, princípios estes que
garantiriam sociedades mais sustentáveis.

80 A terceira transição também está relacionada com valores culturais. Envolve o que hoje é
frequentemente é chamado de ‘mudança de paradigma'’ - uma mudança profunda no pensamento,
percepção e valores que formam uma determinada visão da realidade. O paradigma ora em
transformação dominou nossa cultura durante muitas centenas de anos, ao longo dos quais modelou
nossa moderna sociedade ocidental e influenciou significativamente o resto do mundo. (CAPRA, 1994.p
28)

316
Debates Contemporâneos em Educação

 A pedagogia enquanto a promoção da aprendizagem e da


educação nos diversos aspectos da vida, partindo das teorias cognitivas,
ainda na esteira das ciências, chega ao conceito de Autopoesi81, de Maturana
e Varela, em que os seres vivos se autocriam. Mas, não somente um
espontaneísmo natural, mas como algo a ser desenvolvido a partir das
“próprias capacidades como potencial para a plena sustentabilidade do eu
ao nível pessoal e social” (GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 16).
 E o terceiro aspecto é a política planetária, em que os seres
humanos se reconhecem como “partes integrantes do imenso cosmos”
provocando uma noção de cidadania planetária. A Ecopedagogia possui
alguma relação com no paradigma emergente82: “As propostas que nos
interessam na Ecopedagogia são as diretamente relacionadas ao
desenvolvimento sustentável, a formação da cidadania planetária e, por
conseguinte, a criação e a promoção da cultura da sustentabilidade’
(GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 32).

A humanidade necessita integrar-se à natureza, uma harmonia


ambiental. Há aqui a responsabilidade da recuperação desta harmonia por
parte dos seres humanos, que devem a partir de “comportamentos concretos”,
restaurar esta harmonia. Uma pedagogia que busca na cotidianidade a
compreensão do problema ambiental e ações concretas.

Essa necessidade harmônica do indivíduo com a realidade natural leva


consigo a formação e a conformação de espaços que em consonância com
as exigências da sociedade planetária sejam trabalhadas pedagogicamente a
partir da vida cotidiana” (GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 34);

E a ecologia profunda da qual fala Gutiérrez necessariamente precisa


desembocar numa sociedade sustentável. O que o autor reconhece é este
compromisso ético do “ser humano no ecossistema planetário”

81 O significado etimológico classifica este novo conceito ‘auto’ significa ‘si mesmo’ e se refere à
autonomia dos sistemas auto-organizadores: ‘poesis’ que tem a mesma raiz grega de ‘poesia’, significa
criação”. (GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 15)
82 A justificativa deste paradigma emergente está assentada em quatro teses: 1) “Todo conhecimento

científico-natural é científico-social” (SANTOS, 2008, p. 61) “Todo conhecimento é local e total” (Ibidem,
p. 73); 3) “Todo o conhecimento é o autoconhecimento” (Ibidem, p. 80) e; 4) “Todo o conhecimento
científico visa construir-se em senso comum” (Ibidem, p. 88).

317
Debates Contemporâneos em Educação

(GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 35) deve influenciar nas relações culturais e


sociais. Diminuir as diferenças de Norte e Sul, a lógica da exclusão e
principalmente o profundo respeito as etnias e culturas diferentes, garantindo a
autonomia dos povos: “Cada cultura e cada povo deveria buscar seu próprio
confronto para resolver um desenvolvimento ecologicamente sustentável”
(GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 36), e cada pessoa em seu cotidiano
aumentar a tolerância com planeta e com os outros humanos.

Assim desenvolver “novas formas de ser e estar no mundo”


(GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 37), parar que possamos despertar a
sensibilidade de “ser e viver o fato de que fazemos parte constitutiva da Terra”
(GUTIÉRREZ;PRADO, 2013, p. 40). A Ecopedagogia é um processo de
aprendizagem continuamente que parte da vida cotidiana. A Ecopedagogia é
pensada a “partir da vida cotidiana” (GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 63), e
prossegue:

[...] a vida cotidiana é o lugar do sentido de das práticas de aprendizagem


produtiva. É por esta razão pela qual neste livro, conscientemente, falamos
de Ecopedagogia. Sabemos, como demonstrar a experiência, que em muitos
sistemas e projetos educativos a pedagogia brilha justamente por sua
ausência. (GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 64).

A pedagogia compreendida como a “promoção da aprendizagem a


partir da vida cotidiana” (GUTIÉRREZ; PRADO, 2013, p. 64). O trabalho
pedagógico não pode ser distinto do cotidiano das pessoas. O que todas as
dimensões do mundo fazem parte do trabalho pedagógico, das mídias
eletrônicas a noção de cidadania planetária. Esta fusão entre história e
cotidiano83, em Freire, os “excessos de tempo” (FREIRE, 1967, p. 41). A
caracterização da Ecopedagogia é uma pedagogia de processo ou do
movimento, e não dada de forma estanque, são chaves ou princípios
pedagógicos: i) “fazer-se caminho ao andar”; ii) “caminhar com sentido”; iii)
caminhar com atitude de aprendizagem; iv) caminhar em diálogo com o
ambiente; v) caminhar intuitivamente; vi) caminhar como processo produtiva;
vii) caminhar e recriar o mundo e; viii) caminhar avaliando o processo
(GUTIÉRREZ e PRADO, 2013).

83 Ver Gadotti (2009).

318
Debates Contemporâneos em Educação

Uma ecopedagogia e educação ambiental crítica

O que pretendemos é tratar de alguns aspectos em que a


ecopedagogia se diferenciaria de outras formas de Educação Ambiental, para
esta orientação seguimos as reflexões de Moacir Gadotti.

A primeira observação é que a Ecopedagogia é uma espécie de


Educação Ambiental crítica: “A ecopedagogia não se opõe a educação
ambiental. Ao contrário, para a ecopedagogia, a educação ambiental é
pressuposto básico” (GADOTTI, 2010, p. 43). Isto significa que a
Ecopedagogia incorpora aspectos da Educação Ambiental.

A ecopedagogia está ligada a polissemia do termo Ecologia, que


apesar de um termo antigo, sua história é recentíssima data da década de 60
(SOUZA, 2000, p. 76). O surgimento da ecologia é um movimento interno das
ciências contra alguns aspectos da modernidade e está sustentada no princípio
holístico. Mais precisamente, é um movimento interno que se origina com a
Biologia. Nesta esteira, a Ecologia é compreendida contraditoriamente como
uma “parte especializada da biologia” (SOUZA, 2000, p. 81). Assim, não tinha
conotação social, estava ocupada com a dinâmica física-natural e o equilíbrio
da vida nesta perspectiva. Exposta à ingenuidade do positivismo na ordem e
progresso natural, ao lamarckismo e à noção de desenvolvimento, abraçado pela
indústria, causou um impacto forte no discurso ecológico.

Por outro lado, os educadores ambientais compreenderam que fazer


ciência não era o suficiente, impregnaram-se num ativismo; atabalhoadamente
praticou-se ações localizas e específicas, que se justificavam nos argumentos de
que já era alguma coisa, no sentido de preservação meio ambiente, de tentar
corrigir alguns aspectos. Esta noção de sanar alguns aspectos que causam
desgaste ao meio ambiente acaba sendo “um gesto vazio, a corrigir aqui e hoje
o que se romperá ali e amanhã” (SOUZA, 2000, p. 84): E prossegue:

Para a perspectiva ecológica, a redução ambientalista é insuficiente, porque


não se trata apenas de corrigir ações, melhorar sintomas, consertar
equívocos mas de entender as origens sócias que os produzem, a única
forma de eventualmente eliminá-los” (SOUZA, 2000, p. 84).

319
Debates Contemporâneos em Educação

Alguns ativistas desataram nas críticas sociais e políticas, perdendo os


nexos com o holismo, sob a égide de práticas ambientais ignoraram os avanços
da ciência rumo ao holismo, alguns “voltaram-se para o preservacionismo”
(SOUZA, 2000, p. 84), e outros para a militância. A ecologia evita a “redução
ambientalista” de cuidar dos efeitos, irá as causas chegando a “uma nova fora
de pedagogia ecológica” (SOUZA, 2000, p. 84).

O segundo aspecto é que a Ecopedagogia é uma superação da


educação ambiental por que está atenta ao movimento holístico que se
desenvolve no ventre das ciências biológicas. Nas palavras de Gadotti:

[...] um novo modelo de civilização sustentável do ponto de vista ecológico


(ecologia integrada) que implica nas mudanças das estruturas econômicas,
sociais e culturais. Ela está ligada, portanto, a um projeto utópico: de mudar as
relações humanas, sociais e ambientais que temos hoje. (GADOTTI, 2010,
p. 42)

Este projeto utópico é uma mudança radical: “O radical, pelo


contrário, rejeita o ativismo e submete sempre sua ação à reflexão.” (FREIRE,
1967, p. 50). A radicalidade surge em várias frentes desde mudança de
paradigma científico, a mudança de episteme, que em termos ecológicos
sustado numa filosofia é a mudança cosmológica. Sem discutir todo o impacto
disto, voltemos aos reflexos disto na educação: ecopedagogia: uma educação
ambiental profunda, uma ecologia profunda, que esta atenta as mudanças da
política planetárias, especialmente o processo de mundialização, como os
novos sistemas tecnológicos. Os três princípios da Ecopedagogia política
planetária, ecologia profunda e pedagogia, ultrapassa, assim ambientalismo e
ambientalismo crítico social, para adentrar na ecologia integral, enquanto
mudança de paradigma, mudando radicalmente a forma de ser e de estar do
homem no mundo: este é o novo modelo utópico.

Os dois conceitos chaves para uma Ecopedagogia são, o conceito de


sustentabilidade e conceito de cidadania planetária.

Este novo modelo é um modelo em torno da sustentabilidade:

320
Debates Contemporâneos em Educação

A sustentabilidade surge originariamente com o conceito de


desenvolvimento sustentável, e que trouxe prejuízos a educação ambiental e a
ecologia, uma conexão como mundo: “A educação sustentável não se
preocupa apenas com uma relação saudável com o meio ambiente, mas com o
sentido mais profundo do que fazemos com nossa existência, a partir da vida
cotidiana.” (GADOTTI, 2010, p. 44). Esta noção está ligada a visão holística,
com que ações ambientais localizadas e desconexas, mas ligadas à noção
profunda, com suas raízes no mundo.

Esta noção que profunda, holística, deve partir do cotidiano do


estudante, de ações simples, mas que promovem uma alteração em nossa
forma de sentir-se ser humano, de ser um animal consciente, um “caniço
pensante” como dizia Blaise Pascal. A aproximação com o cotidiano do aluno,
em que cultura é dele: “Que cultura é a poesia dos poetas letrados de seu País,
como também a poesia de seu cancioneiro popular. Que cultura é toda criação
humana.” (FREIRE, 1967, p. 109), uma cultura que cotidiana, fazedor do
mundo, este ponto de partida é feito através da linguagem “Levantamento do
universo vocabular”, que resulta nas “palavras geradoras” ou os temas
geradores, que são abstraídos da realidade:

É na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos educadores


e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação.
O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como
prática da liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que
chamamos de universo temático do povoou o conjunto de seus temas geradores.
(FREIRE, 2016, p. 121).

Assim, nos aproximando da cultura iletrada pois temos dificuldade de


pertencer ao uma cidadania planetária e ambiental. Ler o mundo, compreender
a sua situação existencial. Mas uma alfabetização que a longa dada deixa de ser
mecânica: “Implica numa autoformação de que possa resultar uma postura
interferente do homem sobre seu contexto.” (FREIRE, 1967, p. 110). Esta
noção de historicidade, temporalidade, de culturalidade da ação ecológica, leva
a ciência dialogar com as teorias que pretendem fazer uma crítica social, numa
perspetiva de desigualdade social, de sofrimento, que sujestivamente adotamos
a filosofia e pedagogia da libertação de Paulo Freire.

321
Debates Contemporâneos em Educação

O segundo conceito é o de cidadania planetária. Para fazer uma


Educação Ambinetal Crítica no sentido da Ecopedagogia, a humanidade deve
desenvolver um tipo de consciência cosmopolíta. A leitura de mundialização,
de planetarização do nosso “Circulo de Cultura”.

Educar para uma cidadania planetária supõe o reconhecimento de uma


comunidade global, de uma sociedade civil planetária.
As exigências da sociedade planetária devem ser trabalhadas
pedagogicamente a partir da vida cotidiana, a partir da necessidade dos
interesses das pessoas. [...] (GADOTTI, 2009, p. 65).

Uma forma de pedagogia que não pode estar limitada a escolarização,


porque o horizonte do mundo de vida cotidiana está alargado pela noção de
planetariedade. Assim, na concepção de que Souza (2000) educação ambiental
precisa se conectar com a Ecologia, numa visão holística, para Gadotti, a
noção cidadania planetária da Ecopedagogia supera a noção de cidadania
ambiental: “uma cidadania planetária que vai além da cidadania ambiental”
(GADOTTI, 2010, p. 41). Esta afirmação somente faz sentido se tomarmos
educação ambiental em: a) não crítica, um tipo de educação ambiental ingênuo
quanto aos interesses, as ideologias que compõe o discurso ambiental fatalistas
e corretivos, e; b) não planetário, uma noção socioambiental que não
compreende o processo de mundialização, compreendendo as ações
ambientais encerradas em num espaço e tempo localizado.

A noção de cidadania planetária sustenta-se na visão unificadora do


planeta e de uma sociedade mundial. Ela se manifesta em diferentes
expressões: nossa humanidade comum, nosso futuro comum, nossa pátria comum.
Cidadania planetária é uma expressão adotada para expressar um conjunto de
princípios, valores, atitudes e comportamentos, que demonstra uma nova
percepção da Terra. Trata-se e um ponto de referência ético indissociável da
civilização do planeta. (GADOTTI, 2010, p. 45).

Este compromisso ético com o planeta, esta noção cosmopolita de


cidadania, numa polis mundial, a visão holística é uma das grandes dificuldades
que a Ecopedagogia. O discurso e as ações fragmentadas são mais imediatistas,
atendendo as necessidades da sociedade contemporânea.

322
Debates Contemporâneos em Educação

Ecopedagogia com a noção bancária de Freire, para dar de sentido de


aprendizagem que precisa, “impregnar sentido as práticas da vida cotidiana e
compreender o sem-sentido (non-sense) de muitas outras práticas que aberta ou
sorrateiramente tentam se impor” (GUTIÉRREZ e PRADO, 2013, p. 67),
como “ato de depositar” (FREIRE, 2016, p. 82)84.

Daí que, para esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade
comece, não quando o educador-educando se encontra com os educandos-
educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se
pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em
torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo
programático da educação. (FREIRE, 2016, p. 116).

Esta Ecopedagogia mantém uma conexão com o problema da


opressão de Freire, “como um grande capítulo da pedagogia do oprimido”
(GADOTTI, 2010, p. 43), e postula, consequentemente a libertação. Se Freire
parte do universo comum do estudante, a partir dos temas geradores, a
questão é que os problemas ambientais não são sempre problemas imediatos.
Isto significa que nem todos os problemas ecológicos são de imediato, é
perceptível pelos educandos, ou quando muito, são de vistos como problemas
da ecologia natural. Esta expansão da noção de mundo, que é a consciência
planetária, implica segundo Gadotti numa mudança em nossos currículos:

A educação para a cidadania planetária implica uma revisão dos nossos


currículos, uma reorientação de nossa visão de mundo da educação como
espaço de inserção do indivíduo não numa comunidade local, mas numa
comunidade que é local e global ao mesmo tempo. (GADOTTI, 2010, p.
44)

Esta mudança é filosófica porque compromete a concepção de


mundo, mas uma concepção livre, consciente deve ser intencional 85, pois os

84 Em outro livro Gadotti afirma:“Consideramos hoje a Terra como também um oprimido; por isso,
precisamos também de uma pedagogia desse oprimido que é a Terra”(GADOTTI, 2010, p. 43)
85 Os homens, pelo contrário, ao terem consciência de sua atividade e do mundo em que estão, ao

atuarem em função de finalidades que propõem e se propõem, ao terem o ponto de decisão de sua
busca em si e em suas relações com mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua
presença criadora através da transformação que realizam nele, na medida em que dele podem separar-
se e, separando-se, podem com ele ficar, os homens, ao contrário do animal, não somente vivem, mas
existem, e sua existência é histórica. (FREIRE, 2016, p. 43)

323
Debates Contemporâneos em Educação

seres humanos têm a capacidade de compreender que sua existência que “o


aqui não é somente um espaço físico, mas também um espaço histórico”
(FREIRE, 2016, p. 124). Homens que são capazes de assumir a vida em todos
seus aspectos.

Paulo Freire foi um educador da esperança, a Ecopedagogia reflete a


esperança de querer compreender radicalmente a relação de sustentabilidade
do homem como situação limite, ser enfrentado histórica e pedagogicamente:

Esta superação, que não existe fora das relações homens-mundo, somente
pode verificar-se através da ação dos homens sobre a realidade concreta em
que se dão as ‘situações-limites’.
Superadas estas, com a transformação da realidade, novas surgirão,
provocando outros ‘atos-limites’ dos homens.
Desta forma, o próprio dos homens é estar, como consciência de si e do
mundo, em relação de enfrentamento com sua realidade em que,
historicamente, se dão as ‘situações-limites. E este enfrentamento com a
realidade para a superação dos obstáculos só pode ser feito historicamente,
como historicamente se objetivam as situações-limites. (FREIRE, 2016, p.
126)

Esta relação de “no mundo e com o mundo” (FREIRE, 1967, p. 108),


implica em não mais ver o mundo como suporte, a terra como conteúdo:
“Sem uma educação sustentável, a Terra continuará apenas sendo um espaço
de sustento e de domínio” (GADOTTI, 2010, p. 46). E nunca poderemos
superar uma situação limite das questões ambientais de forma individual,
sempre é uma ação política.

CONCLUSÃO

Neste ensaio tratamos de investigar a relação entre a Educação


Ambiental e a Ecopedagogia. O núcleo central do argumento está no espectro
da filosofia e pedagogia da libertação de Paulo Freire, em sua noção de
educação crítica. Grande parte das pesquisas em Educação Ambiental a luz da
obra de Paulo Freire tem adentrado numa perspectiva socioambiental, com

324
Debates Contemporâneos em Educação

exceção de Moacir Gadotti e grupo ligado ao Instituto Paulo Freire, que


defendido a necessidade de uma Ecopedagogia.

Ao colocarmos o problema sob a tradição educacional a partir de


Larossa, ensaiamos uma Ecopedagogia em diálogo entre a tradição científica
no campo educativo, que legitima a Educação Ambiental a partir da ciência e a
tradição crítica no campo educativo, que legitima a Educação Ambiental a
partir da relação com a sociedade em que está inserida.

Para justificar a relação buscamos dialogar com a origem e os


fundamentos da Ecopedagogia: a ecologia profunda e a cidadania planetária
sob a ótica da pedagogia, ensaiada pelo fundador da Ecopedagogia. Num
segundo momento tratamos de ensaiar por que a Ecopedagogia atende melhor
as necessidades de uma Educação Ambiental, sob o argumento da Ecologia.

A Educação Ambiental surge como uma preocupação das ciências


biológicas, na esteira da Ecologia, que enquanto ações ambientais caiu em
ações corretivas do desgaste do meio ambiente e ao fatalismo da naturalização
dos problemas ambientais, que poderiam ingenuamente, sem participação
humana, reencontrar seu equilíbrio ou fadada a catástrofe da destruição. Tais
práticas ambientais se desconectaram da visão holística da ecologia, e se
perceberam como um discurso ideológico do predatório sistema capitalista.

Por outro lado, a Educação Ambiental crítica que surge, para dar
conta da ideologia do discurso ambiental, convertendo as ações ambientais em
práxis socioambientais. A Educação Ambiental Crítica deve assimilar ao
conceito de ambiente a noção de ecologia em sua visão holística e científica,
para evitar o discurso pré-científico e ingênuo. E a ecopedagogia propõe desta
forma uma complexificação da noção de mundo para a noção de cosmos, de
cidadania planetária tanto em horizontalidade como em profundidade. Desta
forma faz sentido falar que a Ecopedagogia supera a Educação Ambiental
crítica.

325
Debates Contemporâneos em Educação

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328
Debates Contemporâneos em Educação

18 - TECNOLOGIA E HIBRIDISMO NO ENSINO SUPERIOR:


A CONTEMPORANEIDADE NA EDUCAÇÃO E NOS PROCESSOS DE ENSINO E
APRENDIZAGEM

Tarcisio Dorn de Oliveira86


Felipe Cavalheiro Zaluski87

INTRODUÇÃO

Observa-se que nos últimos tempos o perfil do acadêmico mudou


severamente e a universidade também mudou propiciando ao acadêmico uma
desenvoltura e segurança em um mundo cada vez mais dinâmico, complexo e
repleto de novas tecnologias. Como destaca Delors (1999), a educação deve
organizar-se à volta de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de
toda a vida, serão de algum modo, para cada indivíduo, os quatro pilares do
conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da
compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente;
aprender a conviver, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as
atividades humanas e, finalmente, aprender a ser, via essencial que integra os
três precedentes.

Então, uma característica predominante nos diversos atores do


contexto educacional é a expectativa crescente de mudanças, onde Barbosa e

86 Doutorando em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul - UNIJUÍ. Mestre em Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Santa Maria -
UFSM. Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Cruz Alta - UNICRUZ. Docente dos
Cursos de Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo da UNIJUÍ. Coordenador do Grupo de Pesquisa
Grupo de Pesquisa Espaço Construído, Sustentabilidade e Tecnologias - GTEC (DCEENG/UNIJUÍ). E-
mail: [email protected].
87 Mestrando em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio

Grande do Sul - UNIJUÍ. Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior em Administração pela


Faculdade Venda Nova do Imigrante - FAVENI. Bacharel em Administração pela Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Integrante do Grupo de Pesquisa Espaço
Construído, Sustentabilidade e Tecnologias - GTEC (DCEENG/UNIJUÍ). Bolsista PROSUC/CAPES. E-
mail: [email protected].

329
Debates Contemporâneos em Educação

Moura (2013) observam que pode ser resumida em duas palavras: ansiedade
indefinida. Mesmo sem saber exatamente o que está por vir no cenário
educacional, a expectativa geral é de ocorrer mudanças que façam alguma
diferença na educação dos estudantes.

Freire (1987; 1994) sinaliza que a educação libertadora é uma prática


política, reflexiva e capaz de produzir uma nova lógica na compreensão do
mundo: crítica, criativa, responsável e comprometida. Consoante a esse
contexto, é estabelecer posturas mais democráticas nas relações entre docentes
e discentes, desestabiliza-se o modelo tradicional e, consequentemente, se
provoca a introdução de outras mudanças fundamentais.

Atualmente não há como pensar a educação sem vinculá-la a ideia de


troca, de co-criação. As metodologias ativas e o hibridismo possibilitam
configurar espaços de aprendizagem, nos quais o conhecimento é construído
coletivamente através da interatividade e também do uso das diversas e
diferentes tecnologias. Assim, a interação e a integração surgem como papeis
centrais na educação, haja visto, que cada vez mais, torna-se fundamental
trazer o mundo (através dos ambientes virtuais) para dentro da sala de aula.

Conforme aponta Morán (2015) a maior parte do tempo (tanto na


educação presencial quanto à distância) ensina-se com materiais e
comunicações escritos, orais e audiovisuais, previamente selecionados ou
elaborados. São extremamente importantes, é verdade, mas a melhor forma de
aprender é combinar equilibradamente atividades, desafios e informação
contextualizada. O autor faz uma analogia ao ato de dirigir: para aprender a
dirigir um carro, não basta ler muito sobre esse tema; tem que experimentar,
rodar com o ele em diversas situações com supervisão, para depois poder
assumir o comando do veículo sem riscos.

Em relação à inserção das tecnologias e dispositivos digitais no


processo educacional, Silva Neta e Capuchinho (2017) percebem que é um
fenômeno em crescimento de aceitação por muitos educadores, pois entende-
se que amplia o acesso à educação de qualidade. Entretanto, as autoras
destacam a necessidade de conhecer a real capacidade que as tecnologias
digitais favorecem a educação a fim de poder usufruir todo o seu potencial.

330
Debates Contemporâneos em Educação

Dentre as possibilidades de contribuição das tecnologias digitais da informação


e comunicação para a educação, destaca-se a expansão das possibilidades de
pesquisa, discussão coletiva, produção colaborativa, criada em parceria entre os
membros, pois se dá por meio da interação e criação de novas perspectivas.

Bacich e Morán (2015) consideram que o híbrido/hibridismo


significa misturado, mesclado, blended. Entendem que a educação sempre foi
misturada, híbrida, combinando vários espaços, tempos, atividades,
metodologias e públicos. Agora esse processo, com a mobilidade e a
conectividade, é muito mais perceptível, amplo e profundo, pois trata-se de um
ecossistema mais aberto e criativo. Os autores reforçam que o ensino também
é híbrido, uma vez que não se reduz ao planejado institucionalmente,
intencionalmente, pois aprende-se através de processos organizados, processos
abertos, processos informais. Ou seja, o aprendizado se efetua quando estamos
com o professor, sozinhos, com colegas, com desconhecidos. Aprende-se
intencionalmente e aprende-se espontaneamente.

O trabalho colaborativo é fundamental com a utilização das


tecnologias digitais, pois, conforme Silva e Claro (2007) a educação é sinônimo
de troca, de interatividade e deve possibilitar a construção do conhecimento
com a participação efetiva de todos os envolvidos neste processo, mas tendo o
aluno como protagonista do seu aprendizado. Nesse sentido, Morán (2015)
observa que os ambientes de ensino estão mudando para modelos centrados
em aprender ativamente com problemas, desafios relevantes, jogos, atividades
e leituras, combinando tempos individuais e tempos coletivos; projetos
pessoais e projetos de grupo. Isso exige uma mudança de configuração do
currículo, da participação dos professores, da organização das atividades
didáticas, da organização dos espaços e tempos.

No entanto, Silva Neta e Capuchinho (2017) observam que o


professor precisa ter um bom planejamento, com objetivos bem claros,
metodologias diferenciadas e que possibilitem a evolução dos alunos por meio
de técnicas escolhidas segundo o que se espera que eles aprendam e
desenvolvam. Para tanto, percebe-se a necessidade de oportunizar aos
estudantes técnicas que proporcionem o diálogo, o debate e a pesquisa

331
Debates Contemporâneos em Educação

incentivando a produção do conhecimento, do trabalho em equipe, da


participação e a interação todos. Dessa forma, as metodologias ativas e o
hibridismo fundem-se e o aprendizado dá-se partir de problemas e situações
reais; os mesmos ou muito próximos dos quais os acadêmicos vivenciarão na
vida profissional, de forma antecipada, durante o curso.

Dessa forma, a presente investigação teórica88 objetiva-se ponderar


questões sobre a contemporaneidade na educação, partindo do pressuposto
das novas abordagens propostas pelo uso de metodologias ativas e do
hibridismo no ensino e aprendizagem. Assim, foi realizado um levantamento
bibliográfico desenvolvido com base em material já elaborado, constituído de
livros e artigos científicos. A partir dos dados coletados, realizou-se a análise e
interpretação das informações, mesclando-as de maneira a conseguir uma
maior compreensão e aprofundamento sobre o tema abordado, buscando
promover uma leitura teórica para auxiliar docentes na prática pedagógica do
ensino básico ao superior.

A contemporaneidade na educação através do uso de metodologias ativas e


do hibridismo no processo de ensino e aprendizagem

A partir dos autores consultados, as reflexões propostas, tornam-se


possíveis no sentido de avançar e promover a percepção, apreensão e
compreensão da educação na contemporaneidade, relacionando os novos
métodos de ensino e aprendizagem com a prática pedagógica, haja visto, que a
educação deve ser capaz de possibilitar a construção de redes de mudanças
sociais, com a consequente expansão da consciência individual e coletiva
procurando formar cidadãos aptos a desempenhar suas atividades profissionais
que atendam aos interesses do meio que estão inseridos.

Desenvolvida no grupo de pesquisa Espaço Construído, Sustentabilidade e Tecnologias – Gtec da


88

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.

332
Debates Contemporâneos em Educação

A contemporaneidade na educação

Conforme aponta Blikstein (2010) o grande potencial de


aprendizagem que é desperdiçado nos espaços de ensino, diária e
sistematicamente, em nome de ideias educacionais obsoletas, haja visto, que é
uma tragédia ver, a cada dia, milhares de alunos sendo convencidos de que são
incapazes e pouco inteligentes simplesmente porque não conseguem se adaptar
a um sistema equivocado.

Vale ressaltar, conforme apontam Barbosa e Moura (2013) que o


Brasil apresenta contextos educacionais tão diversificados que vão desde
espaços onde os alunos ocupam grande parte de seu tempo copiando textos
passados no quadro até locais que disponibilizam para alunos e professores os
recursos mais modernos da informação e comunicação. Entre esses extremos
de diversidade, tanto no contexto público ou privado, encontramos
universidades que estão no século XIX, com professores do século XX,
formando sujeitos para o mundo do século XXI.

Como destacam Komatzu, Zanolli e Lima (1998) e Santos (2005), o


estudante precisa assumir um papel cada vez mais ativo, “descondicionando-
se” da atitude de mero receptor de conteúdo, buscando efetivamente
conhecimentos relevantes aos problemas e aos objetivos da aprendizagem.
Iniciativa criadora, curiosidade científica, espírito crítico e reflexivo, capacidade
para auto avaliação, cooperação para o trabalho em equipe, senso de
responsabilidade, ética e sensibilidade na assistência são características
fundamentais a serem desenvolvidas em seu perfil. Nota-se que a educação
formal está num impasse diante de tantas mudanças na sociedade no sentido
de como evoluir para tornar-se relevante e conseguir que todos aprendam de
forma competente a conhecer, a construir seus projetos de vida e a conviver
com os demais. O autor enfatiza que os processos de organizar o currículo, as
metodologias, os tempos e os espaços precisam ser revistos (MORÁN, 2015).

Ao resumir a situação atual, Araújo (2009) a define como uma


necessidade de reinventar a educação, tendo em vista que o modelo tradicional,
consolidado no século XIX, tem agora, também, de dar conta das demandas e
necessidades de uma sociedade democrática, inclusiva, permeada pelas

333
Debates Contemporâneos em Educação

diferenças e pautada no conhecimento inter, multi e transdisciplinar. Neste


contexto, Morán (2015) constata que as instituições padronizadas, que ensina e
avalia a todos de forma igual e exige resultados previsíveis, ignora que a
sociedade do conhecimento é baseada em competências cognitivas, pessoais e
sociais, que não se adquirem da forma convencional e que exigem
proatividade, colaboração, personalização e visão empreendedora.

Ao reforçar que os registros, a auto avaliação e o diálogo têm sido


utilizados como estratégias norteadoras desse processo, Mitre et al. (2008)
explana que o docente pode registrar o desenvolvimento do discente no que se
refere à autonomia, à criatividade, à capacidade de organização, à sua
participação e a condições de elaboração, bem como ao seu relacionamento
com o grupo e sua comunicação. Nesse entendimento, complementa-se que
esses requisitos de aprendizagem (mesmo que o sistema educacional forme
indivíduos tecnicamente muito bem preparados), é indispensável que eles
sejam capazes de exercer valores e condições de formação humana,
considerados essenciais no mundo do trabalho contemporâneo, tais como:
conduta ética, capacidade de iniciativa, criatividade, flexibilidade, autocontrole,
comunicação, dentre outros (BARBOSA; MOURA, 2013).

Assim, destaca-se que a tecnologia traz hoje uma integração de todos


os espaços e tempos, onde o ensinar e aprender acontece numa interligação
simbiótica, profunda, constante entre o que chamamos mundo físico e mundo
digital. Reforça que não são dois mundos ou espaços, mas um espaço
estendido, uma sala de aula ampliada, que se mescla, hibridiza constantemente
(MORÁN, 2015). Várias novas perspectivas devem guiar o futuro da educação
e dos métodos de ensino ao longo do século XXI. Certamente mudanças
profundas serão necessárias na organização e funções dos ambientes de
ensino, pois diversas reflexões emergirão na relação: alunos, professores e
sociedade. Os fundamentos da educação deverão calcar-se nas práticas de
solução de problemas, estímulo à imaginação, inovação e capacitação dos
acadêmicos para aprendizagem ao longo da vida.

Desta forma, os currículos deverão fundamentarem-se em projetos e


propostas de intervenção adaptados às necessidades da efetiva prática

334
Debates Contemporâneos em Educação

educativa, perfil profissional, propostas individuais utilizando infinitas


maneiras de modo a integrar as unidades de aprendizagem construídas pelos
professores. Dessa forma, as alterações curriculares presumem a passagem da
disciplinaridade para a interdisciplinaridade, além de expor novas ferramentas
de ensino e de aprendizagem, como as metodologias ativas, consideradas uma
provocação para a formação de professores do futuro.

Metodologias ativas e o hibridismo no ensino e na aprendizagem

Os tradicionais métodos de ensino, que se baseavam principalmente


na transmissão de informações pelos discentes, faziam sentido quando o
acesso à informação era difícil. Entretanto, com a internet e a possibilidade de
acesso a diversos cursos e materiais on-line, o aprendizado é possível em
qualquer lugar, a qualquer hora e com muitas pessoas diferentes. Este processo
é complexo, mas ao mesmo tempo necessário, onde as metodologias precisam
acompanhar os objetivos pretendidos enquanto prática pedagógica.

Nessa perspectiva, Mitre et al. (2008) observam que as metodologias


ativas utilizam a problematização como um recurso didático de ensino e
aprendizagem, objetivando engajar e motivar o estudante, pois a
problematização, quando colocado dentro do contexto de ensino e
aprendizagem, promove uma reflexão, contextualização do aluno perante esse
problema, ressignificando suas descobertas.

Falar em educação híbrida significa partir do pressuposto de que não


há uma única forma de aprender e, por consequência, não há uma única forma
de ensinar. Bacich e Morán (2015) constatam a existência de diferentes
maneiras de aprender e ensinar, onde o trabalho colaborativo pode estar aliado
ao uso das tecnologias digitais e propiciar momentos de aprendizagem e troca
que ultrapassam as barreiras da sala de aula.

Então, aprender com os pares torna-se ainda mais significativo


quando há um objetivo comum a ser alcançado pelo grupo. Alguns
componentes são fundamentais para o sucesso da aprendizagem, Morán

335
Debates Contemporâneos em Educação

(2015) elenca a criação de desafios, atividades, jogos que realmente trazem as


competências necessárias para cada etapa, que solicitam informações
pertinentes, que oferecem recompensas estimulantes, que combinam percursos
pessoais com participação significativa em grupos, que se inserem em
plataformas adaptativas, que reconhecem cada aluno e ao mesmo tempo
aprendem com a interação, tudo isso utilizando as tecnologias adequadas.

Morán (2015) destaca que as metodologias e o hibridismo na


educação precisam acompanhar os objetivos pretendidos. Para que os alunos
sejam proativos, é necessário adotar metodologias em que os alunos se
envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que tenham que tomar
decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Ainda o
autor enfatiza que os desafios e atividades podem ser dosados, planejados e
acompanhados e avaliados com apoio das tecnologias. Logo, desafios bem
delineados colaboram para mobilizar as competências desejadas, intelectuais,
emocionais, pessoais e comunicacionais. Demandam pesquisar, avaliar
situações, pontos de vista diferentes, fazer escolhas, assumir alguns riscos,
aprender pela descoberta, caminhar do primário para o complicado.

Pecotche (2011) aponta que independentemente do método ou da


estratégia usada para promover a aprendizagem ativa, é essencial que o aluno
faça uso de suas funções mentais de pensar, raciocinar, observar, refletir,
entender, combinar, dentre outras que, em conjunto, formam a inteligência.
Ou seja, a diferença principal de um ambiente de aprendizagem ativa
(metodologias ativas e hibridismo) é a atitude ativa da inteligência, em
contraposição à atitude passiva geralmente associada aos métodos tradicionais
de ensino.

Nesse viés, Silva Neta e Capuchinho (2017) consideram que dialogar


sobre tecnologia e educação torna-se complexo ao passo que descobre o
processo de aprendizagem, pois, mesmo com todo o seu potencial e sendo um
instrumento significativo para favorecer a aprendizagem dos alunos, a
tecnologia, por si só, não solucionará as deficiências da educação brasileira, que
necessita refletir sobre os elementos desse processo, como o papel do aluno e

336
Debates Contemporâneos em Educação

do professor, o uso das tecnologias digitais e até mesmo os objetivos de


aprendizagem, bem como os conceitos e modos de aprender.

As instituições mais inovadoras propõem modelos educacionais mais


integrados, Bacich e Morán (2015) sinalizam que tais instituições organizam
seus projetos pedagógicos a partir de valores, competências amplas, problemas
e projetos, equilibrando a aprendizagem individualizada com a colaborativa;
redesenham os espaços físicos, combinando-os aos virtuais com o apoio de
tecnologias digitais. Assim, as atividades podem ser muito mais diversificadas,
com metodologias mais ativas, que combinem o melhor do percurso
individual, grupal e tecnológico.

Entretanto, Barreto (2001) salienta que a questão não é somente


introduzir várias mídias, linguagens e textos que emergem do digital. O autor
afirma que é preciso, acima de tudo, criar condições para formas de leitura
plurais e para concepções de ensino e aprendizagem que considerem o
aprendiz como protagonista, a fim de diminuir a distância entre as leituras e as
práticas que se desenvolvem fora da universidade e aquelas que são
privilegiadas por ela.

337
Debates Contemporâneos em Educação

CONCLUSÃO

Portanto, conclui-se que a tendência contemporânea evidencia uma


prática educativa implicada em mudança nos conteúdos e no modo de avaliar,
ao considerar as finalidades do ensino, de acordo com um modelo centrado na
formação integral do estudante. Vale ressaltar que o professor deverá ser o
promotor de uma prática educacional viva, agradável, afetuosa, com precisão
científica e conhecimento técnico, mas sempre à cata da transformação.

O professor é o tutor articulador de todas as etapas em sala de aula,


sejam elas individuais ou grupais, pois com sua habilidade, deve acompanhar,
mediar e analisar resultados, lacunas e necessidades, a partir do percurso
realizado pela turma. Nesse processo espera-se que o aluno adquira habilidades
educacionais, profissionais, analíticas e de trabalho, sabendo utilizar o
pensamento científico, onde a avaliação deve ter como premissa básica ajudar
o estudante a amadurecer e melhorar de maneira permanente.

Então o método de avaliação deve obedecer uma sistemática para o


fortalecimento do diálogo, da inclusão, da autonomia, de reflexões e de
entendimentos coletivos na busca de respostas e caminhos para os problemas
detectados. Não deve ser punitiva, ao contrário, deve ser inovadora no sentido
de instigar e fornecer diretrizes para a tomada de decisões. O espaço físico das
salas de aula e da universidade devem ser repensados dentro dessa nova
concepção mais ativa. Ambientes adaptados para uso de tecnologias
multifuncionais combinando e mesclando atividades de grupo, de plenário e
individuais.

A inclusão de metodologias ativas e do hibridismo na educação do


ensino superior mostram que existem várias possibilidades nos processos
educacionais. Entretanto, tanto para a universidade como para o professor,
usar as novas tecnologias nos processos de ensino e de aprendizagem ainda é
um grande desafio, haja visto, que o próprio futuro da pedagogia e dos
métodos de ensino relacionados com a utilização das tecnologias da
informação e comunicação é uma questão ainda sem resposta e não muito
clara. Os avanços tecnológicos, a mudanças no perfil dos estudantes e busca
por novas possibilidades de ensino apontam para novos métodos de formação,

338
Debates Contemporâneos em Educação

onde no ensino híbrido encontra-se uma propensão de respeitar as


necessidades dos acadêmicos e oportunizar variadas formas de ensino sob
medida a fim de responder às necessidades destes estudantes.

É necessário apreender uma nova forma de ensino, que determine


novas formas de aprender e de ensinar, pois com o surgimento de novos
cenários educacionais, de sujeitos com novos perfis e modos de aprendizado, a
educação deve ser misturada, híbrida, combinando várias possibilidades de
mobilidade e conectividade. Perante a isso, conclui-se que diante dos novos
rumos da pedagogia, surgem as metodologias ativas de ensino e aprendizagem
que são entendidas como um meio que proporciona o aprender a aprender,
centrando-se nos princípios de uma pedagogia crítica, reflexiva e interativa.

Então, o conceito de aprender fazendo, baseia-se na produção do


conhecimento através da ação-reflexão-ação, reafirmando a premissa de que o
processo de ensino e de aprendizagem precisa estar vinculado ao contexto
prático presente ao longo de toda a carreira do estudante. Dessa forma,
apropriar-se desse novo paradigma na formação dos acadêmicos implica no
confronto de novos desafios, como a construção de um currículo integrado,
em que o eixo da formação articule a tríade prática-trabalho-entendimento.

As metodologias ativas aliadas com o hibridismo na educação do


ensino superior é um fazer docente rico e múltiplo, tendo em vista, que tudo
pode ser misturado, combinado, onde o ato de ensinar e aprender pode
estabelecer-se de variadas maneiras, em todos os momentos e em múltiplos
espaços.

339
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

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Paulo: Summus, 2009.

BACICH, L.; MORÁN, J. Aprender e ensinar com foco na educação híbrida.


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Logosófica, 2011.

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Graduação em Medicina: uma resistência exemplar. Rio de Janeiro: Papel &
Virtual; Teresópolis: FESO; 2005.

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reflexões e possibilidades do ensino personalizado. In: Congresso sobre
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341
Debates Contemporâneos em Educação

19 - O CAPITÃO AMÉRICA: A ARTE COMO PRODUTO

Célia Martins da Costa89

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem a função de abordar o uso das artes visuais nos
ambientes midiáticos, em que a arte é transformada em produto. A indústria
cultural, o conceito cunhado por Adorno e Horkheimer, que se refere à
submissão da massa, ou seja, de todos os povos, a uma única nação
dominadora, a saber, os Estados Unidos da América.

Desse modo, analisaremos a imagem patriótica proferida e fixada


através do personagem da Marvel: o Capitão América, que inicia sua trajetória
nos quadrinhos, mas que tem sua imagem suplantada nas telas de cinema e em
produtos destinados a todas as idades. Assim, analisaremos sua produção a
partir da filmografia, sem o uso dos quadrinhos, propriamente dito, porém sob
recurso de cinco longa-metragens, sendo três do Capitão América, um dos
Vingadores e um do Thor que menciona o Capitão América, além disso
utilizaremos o livro de Bruno Andreotti: Os dois lados da Guerra Civil, obra de
cunho histórico e filosófico faz apontamentos a historiografia real realizando
inúmeras referências fundamentais à reflexão presente na obra O Iluminismo
como Mistificação das Massas escrito por Horkheimer e Adorno, tendo em vista
que os conceitos “indústria cultural” e “massa”, trabalhados pelos dois

89Mestra em Filosofia pela Faculdade de São Bento. Bacharel e licenciada em Filosofia pela Mackenzie
– SP. Licenciada em Pedagogia pela FALC – Carapicuíba – SP. Estudante de Artes Visuais pela FAEP –
SP. Intercâmbio de seis meses na FLUC em Coimbra – PT, apresentação da pesquisa do Mestrado na
Universidade do Porto – PT. Docente das redes públicas da Prefeitura Municipal de São Paulo, no CEU
Jaçanã e do Governo do Estado de São Paulo, escola estadual José do Amaral Mello. Currículo
completo pode ser consultado emhttp://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4240552J6
e E-mail: [email protected]

342
Debates Contemporâneos em Educação

filósofos, pode-se verificar na obra de Bruno Andreotti, de modo que,


tentaremos abranger a imagem absorvida pela grande massa que consome a
imagem do herói com grande velocidade, sem realizar sobre esta, certas
reflexões fundamentais.

Dessa forma, conforme os filósofos da escola de Frankfurt, Adorno e


Horkheimer, sua utilização possui um viés ideológico que conduz o desejo do
sujeito, dado que o filme, mais do que os quadrinhos, seduz quando sugere
uma realidade cotidiana prazerosa acerca da sua realidade problemática,
fragmentada e sem emoção, que cria a ilusão deste personagem como o
salvador mundial, imagem esta que transcende as telas de cinema, levando as
pessoas a crer neste salvador em sua realidade cotidiana, as pessoas comparam,
inconscientemente, a ação deste salvador nas histórias as ações dos Estados
Unidos da América na América Latina. Isto pode ser explicado ao analisar o
conceito de indústria cultural, a ser analisado neste artigo.

O Capitão América é um herói criado pela ciência a partir do


programa governamental Operação Renascimento (Arma Extra) que conta
como primeiro e único experimento bem sucedido a aplicação do Soro do
super-soldado em Steve Rogers a fim de transformá-lo em um Soldado
Perfeito. A aplicação do soro amplia as habilidades humanas. O objetivo desta
operação é salvar o mundo dos nazistas, que na história são exaltadas pela
personagem Caveira Vermelha e sua organização “a Hidra”, esta organização
se personifica em sua imagem o ideário de todo o mal existente no mundo,
deixando claro ao espectador que o nazismo não é tão perigoso e poderoso
quanto a Hidra, que sobrevive da ciência e sem a presença de seu criador, o
Caveira, dado que seu princípio é a continuidade do mal a partir da pulsão
pensada pelo filósofo alemão Nietzsche por meio do conceito de “vontade de
poder”90 existente no homem, desta forma qualquer um pode dar vida a Hidra.

Nesta disputa maniqueísta entre o bem e o mal está presente a ciência


com poderes inimagináveis, seja ampliando poderes, mantendo cérebros ativos
após a morte do corpo, como acontece com o doutor Zola, entre outras

90Vontade de poder é um conceito Nietzschiano que não é racional, desenvolve-se no ambiente íntimo,
profundo e particular do homem, em que este vislumbra para si o poder.

343
Debates Contemporâneos em Educação

artimanhas. A ciência nesta história tudo pode, criando ou transformando


pessoas com o intuito de criar seres perfeitos a fim de manter ideologias.

A hipótese defendida neste artigo é a utilização da imagem do herói


como artifício para dominar o sujeito. Este ato de dominação e controle sobre
todos pode ser analisado na fala do roteirista dos quadrinhos Mark Millar:

As pessoas pensavam que eles eram perigosos, mas não queriam a


proibição deles. O que elas queriam era super-heróis pagos pelo governo
federal, como policiais. Foi a solução perfeita e ninguém, até onde eu saiba,
tinha feito isso antes. (...) Além disso, é uma história onde um cara
envolvido na bandeira americana está questionando: “como o povo pode
querer trocar liberdade por segurança? (ANDREOTTI, 2016, p. 15.)

Numa transposição destes personagens para a realidade do planeta, O


Capitão América é um mito simbólico que se refere ao poder proferido pelos
Estados Unidos da América (EUA) sobre as outras nações e seu inimigo, o
Caveira Vermelha e a Hidra, representa tudo que subjuga a humanidade, dando
origem às crises e as guerras, que pretendem tirar da humanidade a tão
sonhada liberdade presente do “american way of life” 91 (estilo de vida
americano), ou seja, o sonho americano. Sob essa ótica, os EUA são os
grandes salvadores do tempo atual, protegendo os fracos e oprimidos do
ocidente. Assim, o Capitão América, bem como os EUA, buscam a partir do
discurso da liberdade conduzir as escolhas que melhor se adéquam as suas
ideologias.

Para tanto, os EUA se utilizam de mecanismos das artes visuais para


conduzir pensamentos, ideologias, percepções e juízos. Este artigo se dedica a
estes argumentos expostos de forma critica e pontual a fim de questionar este
imaginário, posto que passa a ser vislumbrado como uma verdade universal e
incontestável pela massa sobre a necessidade de um salvador externo a cultura
presente nas nações ocidentais.

91“American way of life” foi desenvolvido em 1920, conceito que se amparou no bem estar econômico da
nação estadunidense que valorizava o consumismo exagerado. Este alto consumismo trazia a ilusão
que manteria o desenvolvimento do país.

344
Debates Contemporâneos em Educação

O referencial teórico deste artigo é baseado nas pesquisas de Adorno


e Horkheimer acerca do conceito da indústria cultural. Serão abordados esses
conceitos e sua importância ao pensar o cinema não mais como obra de arte,
mas como mercadoria consumida pela massa e utilizada como massa de
manobra para a dominação dos Estados Unidos da América.

As artes a serviço da indústria cultural

O conceito de indústria cultural é usado pela Escola de Frankfurt a


fim de explicar o uso dos meios de comunicação para aludir à manifestação das
massas inconscientemente, neste momento a técnica nivela a produção de
produtos à produção artística num artefato da produção em série na sociedade
consumista, que transforma a arte em produto. Adorno e Horkheimer,
membros da Escola de Frankfurt, no texto O Iluminismo com mistificação das
massas comparam as manifestações artísticas ao escopo social e econômico
presentes na sociedade de 1931. Este conceito de indústria cultural pode ser
visualizado também no livro Os dois lados da Guerra Civil:

(...) a Guerra Civil extrapolou o limite de uma saga de quadrinhos para


transformar-se em uma franquia, indo muito além das páginas dos
quadrinhos, adaptada para as mais variadas mídias e, agora, voltando para a
mídia de onde saiu, fechando assim um ciclo, que pode ser, quem sabe, o
início de outro. (ANDREOTTI, 2016, p. 32)

A Indústria Cultural transforma a arte em produto a ser consumido


pela massa. O sujeito pensa possuir liberdade quanto à escolha de um produto,
porém sua liberdade é suprimida pela indução do consumir, e caso não o faça é
isolado social e culturalmente do meio de convívio, assim cito trecho do texto:

Hoje, o enigma está revelado. Mesmo se a planificação do mecanismo por


parte daqueles que manipulam os dados da indústria cultural seja imposta
em virtude da própria força de uma sociedade que, não obstante toda
racionalização, se mantém irracional, essa tendência fatal, passando pelas
agências da indústria, transforma-se na intencionalidade astuta da própria
indústria. Para o consumidor, não há mais nada a classificar que o
esquematismo da produção já não tenha antecipadamente classificado.
(HORKHEIMER; ADORNO, 2009, p. 9).

345
Debates Contemporâneos em Educação

Dessa maneira, a indústria cultural classifica o consumo da massa, dos


produtos e da arte a ser consumida, tudo é visto como mercadoria. O
liberalismo econômico é a força propulsora do capitalismo. A massa nesse
processo é seduzida a consumir inúmeros produtos provenientes de uma
determinada linguagem artística, mas que perde seu caráter de arte após sua
produção em série e a banalização de suas imagens pela mídia, como
mercadoria a ser consumida sem questionamento. As lojas de departamentos,
os programas de TV e a internet bombardeiam seus telespectadores com
produtos que prometem prazer, juventude e perfeição. A imagem do Capitão
América está nestas propagandas e produtos, que não faz distinção entre os
gêneros e faixas etárias, desta forma os produtos apresentam a foto do Capitão
América, o capacete com “A” ou o escudo; citamos alguns destes produtos:
mochilas, malas, capas de cadernos, roupas, DVDs, brinquedos, cofres,
salgadinhos de milho, livros, aventais, almofadas, capachos, galochas, meias,
saboneteiras, estátuas, canecas, jogos de vídeo-game e de tabuleiros, entre
outras mercadorias que fascinam os apaixonados pelo personagem e sua
bravura.

O cinema aproxima a ficção da realidade fazendo a massa não


distinguir realidade e ficção. A indústria cultural tem a função de romper o laço
que separa ficção com a realidade fora da tela. A massa de espectadores que se
encontra envolta nessa dúvida leva o conteúdo da tela para o cotidiano
Adorno e Horkheimer afirmam que:

O mundo inteiro é forçado a passar pelo crivo da indústria cultural. A velha


experiência do espectador cinematográfico, para quem a rua lá de fora
parece a continuação do espetáculo que acabou de ver – pois este quer
precisamente reproduzir de modo exato o mundo percebido
cotidianamente – tornou-se o critério da produção. Quanto mais densa e
integral a duplicação dos objetos empíricos por parte de suas técnicas, tanto
mais fácil fazer crer que o mundo de fora é o simples prolongamento
daquele que se acaba de ver no cinema. Desde a brusca introdução da trilha
sonora o processo de reprodução mecânica passou inteiramente ao serviço
desse desígnio. A vida não deve mais, tendencialmente, poder se distinguir
do filme sonoro. Superando de longe o teatro ilusionista, o filme não deixa
à fantasia e ao pensamento dos espectadores qualquer dimensão na qual
possam – sempre no âmbito da obra cinematográfica, mas desvinculados de
seus dados puros – se mover e se ampliar por conta própria sem que

346
Debates Contemporâneos em Educação

percam o fio. Ao mesmo tempo, o filme exercita as próprias vítimas em


identificá-lo com a realidade. A atrofia da imaginação e da espontaneidade
do consumidor cultural de hoje não tem necessidade de ser explicada em
termos psicológicos. Os próprios produtos, desde o mais típico, o filme
sonoro, paralisam aquelas capacidades pela sua própria constituição objetiva
(HORKHEIMER; ADORNO, 2009, p. 10).

A indústria cultura tem influência sobre a arte que é oferecida a


massa, e essa não permite a ação da razão, deixando-a fascinada pelos sons e
imagens proferidas na película, que no mundo real são mimetizadas.

A atrofia citada pelos filósofos ocorre no âmbito do inconsciente


coletivo e não nas particularidades do ser, por esta razão é retirado do campo
psicológico. A partir na análise do conceito de indústria cultural trazemos um
trecho de Andreotti para relacionar a questão da arte como produto:

O sucesso dos filmes de seus principais títulos chamou a atenção da Marvel


para um mercado global de potencial explosivo que ela não tinha como
explorar, já que havia vendido os direitos de suas criações. Seria preciso
inverter o jogo, trazer para o primeiro escalão da empresa seus personagens
menores. Os Vingadores como equipe e seus membros, individualmente,
tinham potencial, mas precisavam, antes de tudo, chamar a atenção, vender
mais que os X-Men e o Homem-Aranha. A saga Vingadores: A Queda (2004) e
a Dinastia M (2005), ambas de Bendis, viraram a mesa trazendo os
Vingadores para o centro do universo Marvel e reorganizando a franquia
dos X-Men. Como escritor regular da série mensal dos Vingadores e uma
série de outros títulos derivados, Bendis vai aos poucos ligando o grupo de
heróis com o resto do universo Marvel, incluindo personagens do segundo e
terceiro escalão em suas fileiras. Todo esse movimento chegou a seu ápice
com a Guerra Civil de Mark Millar, que é posteriormente seguida por mais
sagas escritas por Bendis, como Invasão Secreta (2008), Reinado Sombrio (2009)
e O Cerco (2009). (ANDREOTTI, 2016, p. 17)

Neste trecho pode-se averiguar que a filmagem dos longa-metragens


visa tão somente um mercado consumidor, como pontuado anteriormente por
Adorno e Horkheimer. A arte cinematográfica é usada como mercadoria, pois
trata-se de uma produção em série que visa atingir todo o planeta. Outro
elemento importante em pontuar é a facilidade como os filmes prendem a
atenção do sujeito, uma vez que utilizam amarras imperceptíveis a este na
condição de massa. Para tanto, os filmes possuem uma história central que

347
Debates Contemporâneos em Educação

aborda todos os heróis e várias histórias secundárias que interlassão com a


história central, mas que abordam particularmente apenas a história de um
herói especifico, levando o sujeito a acompanhar obrigatoriamente a história
central e as histórias secundárias. Assim, a imagem visual do Capitão América,
dado seus símbolos, é instrumento da indústria cultural para obter poder sobre
as massas pelos Estados Unidos da América, abaixo vamos abordar esta nação
e seu patriotismo.

As artes como produto dos Estados Unidos da América

Os Estados Unidos da América é uma nação caracterizada pelo


patriotismo exagerado, onde as pessoas hasteiam a bandeira em todos os
lugares. Os filmes também apresentam este patriotismo seja através da
bandeira que aparece nas películas, seja pelo uso de suas cores: vermelho, azul
e branco em inúmeros personagens. O Capitão América é um desses, que é
apresentado com as cores e outros símbolos.

Desse modo, os Estados Unidos se utilizam de mecanismos visuais


para impor sua supremacia sobre as outras nações, se impondo como potência
imperialista. Nos filmes, o personagem é chamado a todo o tempo de Capitão,
mesmo não sendo. Além disso, é ele quem cria as estratégias de ataque e
defesa, fazendo alusão à forma como os Estados Unidos ostentam seu poder
de cooperação ou veto as outras nações, visando apenas seus próprios
interesses, tendo em vista seu poder econômico e principalmente bélico.

Apesar dos Estados Unidos se considerarem uma grande potência


econômica e bélica pode-se verificar que nele está a morada da maioria dos
super-heróis motivo atribuído ao sentimento de conspiração que permeia esta
nação.

As histórias em quadrinhos e filmes de heróis trazem inúmeras


alegorias referente as guerras investidas e financiadas por esta nação. Esta ação
de trazer a vida real à ficção pode ser explicada por meio da imposição de sua
opinião e posição imperialista.

348
Debates Contemporâneos em Educação

Em 11 de Setembro de 2001, dia do ataque ao World Trade Center,


em Nova Iorque, é uma dessas passagens históricas, em que o mundo se
solidarizou aos Estados Unidos apoiando suas ações imperialistas e
esquecendo todos os outros países que sofrem com o terrorismo e com as
ações protecionistas estadunidense. Não pretendemos aqui defender a ação
terrorista, porém afirmar que nenhuma nação é superior as demais, desta
forma todos os ataques e ações que ferem civis devem ser reprimidas em
qualquer país.

Entretanto, o ataque às torres gêmeas, do World Trade Center, teve


uma repercussão descomunal iniciando a invasão dos Estados Unidos ao
Afeganistão e matando 109 mil pessoas no Iraque, seria algo em torno de 68
civis mortos no Iraque para cada morto estadunidense no 11 de Setembro.
Contudo, uma visão paralela defende que o ataque ao World Trade Center
tratava-se de uma ação do próprio governo. Cito trecho de Andreotti sobre
esta hipótese paralela:

Imediatamente após os ataques de 11 de Setembro, hipóteses conspiratórias


se espalharam com força pela internet, que naquele momento já era parte
importante das comunicações e troca de informações. A hipótese de que o
próprio governo dos Estados Unidos tenha planejado e executado o
atentado às Torres Gêmeas para assim criar a ilusão de um inimigo externo,
alimentaram a desconfiança dos cidadãos, levando a uma narrativa paralela
de indivíduo contra o sistema, de relativismo e afirmação das liberdades
individuais em oposição ao controle e à proteção do Estado.
(ANDREOTTI, 2016, p. 14.)

Este pensamento de desconfiança da população ultrapassou a internet


e pode ser visualizado em dois documentários: Loose Change (Um Golpe
Americano) e o Fahrenheit 9/11 (Fahrenheit 11 de Setembro) que argumentam a
partir de análises técnicas, documentos, diálogos, entrevistas, discursos e
depoimentos que o referido ataque se deu pelo próprio governo estadunidense
e não por Osama Bin Laden e sua Al-Qaeda, como se procurou culpar por
meio das mídias.

Mas por que um governo criaria o caos em seu país? Os


documentários, filmes e quadrinhos respondem, foi por meio deste suposto

349
Debates Contemporâneos em Educação

ataque que os Estados Unidos conseguiram o aval da população estadunidense


para atacar o Afeganistão e originou a invasão ao Iraque, dizendo haver armas
químicas que posteriormente verificou ser mentira.

A proximidade do real com a ficção pode ser vislumbrada na história


Civil War, onde o 11 de Setembro é representado através do incidente de
Stamford; o USA Patriot Act com o Ato de Registro de Super-humanos e a
prisão de Guantánamo com o Complexo 42. Para apresentar esta aproximação
cito Andreotti:

Basicamente, o USA Patriot Act modificou uma série de leis anteriores


concedendo amplos poderes ao governo dos EUA por meio de suas
agências de segurança como a CIA, a NSA e o FBI para investigar, deter e
interrogar suspeitos de terrorismo, colocando em xeque e cerceando os
direitos civis dos cidadãos estadunidenses. (ANDREOTTI, 2016, p. 44)

A história tem como tema central a identidade secreta dos super-


humanos, uma vez que ela pode representar subjetivamente perigo ou
salvação, pois está a mercê um cérebro humano com altas habilidades, assim
sendo o governo intervém burocraticamente a fim de controlar estes corpos,
por meio do registro destes. Entretanto, é normal questionar a razão que leva o
Capitão América a posicionar-se contra esta ação governamental e inclusive
adentrar a clandestinidade, pois seu posicionamento sempre é pró Estados
Unidos.

Contudo, temos dois motivos que podem afirmar este


posicionamento, o primeiro é a vivência do herói quando se depara com o
laboratório do Dr. Zola, onde o Estado que visa seus próprios interesses e não
o interesse coletivo que se refere a segurança e liberdade das pessoas que dele
fazem parte. O segundo, está relacionado a Declaração de Independência dos
Estados Unidos de 1776, pontuado por Andreotti:

Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os


homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos
inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da
felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos
entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos
governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne

350
Debates Contemporâneos em Educação

destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-lo ou aboli-lo.


(DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS,
1776). (ANDREOTTI, 2016, p. 45)

No texto da Declaração, Steve Rogers, o Capitão América, encontra


subsídios para sua posição contrária, pois ela garante como direito inalienável a
vida, a liberdade, a busca pela felicidade, a justiça a partir da aceitação das
pessoas que por estes governantes são submetidas. Assim, Steve Rogers é
contra as medidas governamentais restritivas e preconceituosas que há nos
Estados Unidos após o fatídico dia 11 de Setembro e não ao ato de registro
que lhe é imposto.

Desse modo, o herói questiona a burocratização estatal, pois é um ser


justo e realizador do bem coletivo.

O Capitão América traz consigo a exaltação patriótica por meio do


fraco que quer vencer o forte a qualquer custo e é representado no visual de
sua vestimenta e nos artefatos que carrega. A nação estadunidense nasceu
como uma nação protestante e fraca que inicia seu legado com treze colônias,
mas que a partir da marcha para o oeste transforma-se em uma potência
imperialista que dizimou povos primitivos em prol de uma nação cristã,
manchando nas telas de cinema a imagem do indígena, visto como um vilão
que é morto pelo mocinho pistoleiro, quando este salva a cidade do velho-
oeste.

Steve Rogers: O Capitão América

O personagem Capitão América é criado por Jack Kirby e Joe Simon


em 1941 pela Timely Comics como uma resposta a moral ao nazismo no
contexto histórico da Segunda Guerra Mundial.

Os Estados Unidos da América possuem senso de conspiração. Por


esta razão, a maioria dos heróis ocidentais mora e serve a este país. O Capitão
América não é diferente, trata-se de morador do bairro do Brooklin, que
possuí um agravante, motivo da escolha dele neste artigo, seu estremo

351
Debates Contemporâneos em Educação

patriotismo e elevação de seu país, inclusive a partir de sua vestimenta e que


possui símbolos de exaltação. Dois pontos são fundamentais na escrita de
Andreotti acerca do ideário que permeia a criação do heróis o primeiro é que
“as narrativas épicas de heróis que defendem a pátria são bússolas morais que
cristalizam posturas e valores, criam identidade e senso de propósito coletivo”
(ANDREOTTI, 2016, p. 14) e a segunda na mesma obra pontua duas formas
diferentes de visualizar a essência do sujeito-herói pelos roteiristas: Mark Millar
e Grant Morrison presente neste mundo dos quadrinhos:

Posteriormente, os dois romperiam devido a visões díspares do que seria


um super-herói. Para Morrison, super-heróis são deuses, utopias, energias
que nos guiam, enquanto para Millar eles são armas de destruição em
massa, a extrapolação do egoísmo e cinismo humanos. Morrison seguiu por
seus multiversos cheios de referências e filosofias transcendentais, enquanto
Millar construiu seu caminho de crítica política, desconstrução e sátira.
(ANDREOTTI, 2016, p. 18).

Desse modo, o conceito que permeia a ideia do heroísmo molda-se


de acordo com seu criador. Nos Vingadores há uma mescla entre estas duas
concepções de herói. A concepção de Millar refere-se ao personagem o
Homem de Ferro. Thor está relacionado a definição dada por Morrison. A
concepção idearia do Capitão América está ligada a definição de Millar, haja
vista que esta personagem heroica é o resultado de uma transformação
genética realizada através da ciência, que demonstra por suas habilidades pela
extrapolação do egoísmo pátrio, uma vez que se percebem a inferiorização das
outras nações perante a sua estadunidense.

A primeira aparição do Capitão América, ocorre em 1941 pela Timely


Comics, criação de Jack Kirby e Joe Simon, em que o herói aparece socando
Hitler, trata-se de uma oposição a moral nazista. Em 1960, a Marvel cria heróis
atômicos e científicos, acerca da paranoia conspiratória, em que os Estados
Unidos da América divulgam os inimigos estadunidenses como inimigos
mundiais, conciliando momento histórico real a ficção heroica. Assim, o
comunismo soviético é chamado de “medo vermelho”, esta alusão é feita por
meio do rosto da personagem Caveira Vermelha.

352
Debates Contemporâneos em Educação

Steve Rogers nasceu em 1918, ano do término da primeira Guerra


Mundial. Assim como seus pais, Rogers deseja servir ao seu país. Seu pai
pertenceu à 107ª infantaria do regimento da primeira Guerra Mundial.
Enquanto servia ao exército foi acometido pelo gás de mostarda92 o que o
levou a morte. Sua mãe, enfermeira de área hospitalar, também morreu,
infectada por tuberculose. Dessa forma, Rogers se compreende como um o
rapaz do Brooklin que deve matar tiranos, não como forma de vingar seus
pais, mas como salvador do povo americano.

Por essas razões, se alista várias vezes ao exército estadunidense


sendo, porém quatro vezes recusado por apresentar inúmeras patologias,
dentre elas: asma, escarlatina, febre reumática, sinusite, pressão alta, problemas
no coração apresentando palpitação ou batimentos irregulares, fadiga,
problemas nervosos de qualquer tipo, contato em casa com pessoa com
tuberculose e frio crônico e freqüente. Em sua quinta tentativa mente quanto a
sua situação física. No entanto, é um homem fraco, que pesa quarenta quilos, o
que também o levaria a recusa, se não fosse o cientista alemão Dr. Erskine
verificar nele qualidades e esforços que transcendiam suas habilidades físicas.
Então, Rogers é admitido em um programa de experimento deste cientista, a
pesquisa do Soro do Super-soldado.

O objetivo do Soro do Super-soldado é ampliar tudo que há dentro


do homem, razão pela qual, o Dr. Erskine não está em busca de um soldado
completo, e sim de um homem bom: “o homem fraco conhece o valor da
força e da compaixão, o soro não quer o soldado perfeito e sim um homem
bom”93 no fronte de batalha. (Capitão América: O primeiro Vingado).

O experimento a partir de Rogers dá-se com sucesso. Porém o Dr.


Erskine é morto por nazistas ainda dentro de seu laboratório o que implica na
não formação do exército de super-soldados, somente Steve Rogers então
recebeu o soro do super-soldado, o que aumentou suas habilidades.

92 O gás de Mostarda trata-se de uma arma química. (http://www.protecaorespiratoria.com/gas-cloro-cl2/


pesquisado em 27/05/2018).
93 CAPTAIN América: The First Avenger (Capitão América: O Primeiro Vingador). 2011.

353
Debates Contemporâneos em Educação

Apesar dos resultados demonstrarem eficiência quanto ao uso da


ciência, nos filmes analisados ela não é respeitada frente ao exército e por esta
razão Rogers continua não sendo aceito pelo exército. Entretanto, esta
desaprovação quanto a ser integrante dessas forças estadunidenses não o
paralisa quanto ao seu objetivo principal que é defender a liberdade do povo
americano. Seu nome passa a ser Capitão América e ele almeja usar suas altas
habilidades para salvar inocentes. Sua roupa traz consigo o patriotismo de
outrora, na qual as cores da bandeira estadunidense são exaltadas; em sua testa
a letra “A” simbolizando a América; as asas no capacete representam sua
agilidade, fazendo alusão ao Deus grego Hermes, o mensageiro do Olimpo.
Seu escudo é forjado de uma liga com dois metais que só existem no universo
da Marvel: adamantium e vibranium: onde um não permite que nada o
ultrapasse e o outro absorve energia e qualquer impacto respectivamente, o
que o torna indestrutível.

Sua vestimenta é alvo de inúmeras piadas pelos outros personagens


da Marvel. O Homem de Ferro, classifica sua vestimenta como reluzente. E
Loki a descreve como exagerada, apertada e incomoda, além disso, debocha de
sua fala em que sempre exalta o seu patriotismo estadunidense. 94

Contudo, o Capitão América acredita na humanidade, e é essa


confiança que dá origem ao herói, mas também retrata seu desespero, quando
se percebe como objeto, sendo usado como instrumento que transmite
segurança e por isso é peça fundamental à dominação de toda a humanidade
que salvou, isto pode ser percebido no filme Capitão América 2: O Soldado
Invernal.

A Hidra como o mal absoluto e atemporal

O mal pontuado pela história é um mal atemporal e onipresente pois


pode ser demonstrado em qualquer ser humano que deseje o poder. A ideia

94THOR: The Dark World (Thor: O Mundo Sombrio). Direção: Alan Taylor. Autor da Obra Original: Stan
Lee, Larry Lieber e Jack Kirby. EUA: Marvel Films, 2013.

354
Debates Contemporâneos em Educação

maniqueísta pode ser questionada quando pensamos o mal, inclusive no filme


Capitão América: A Guerra Civil, visto que neste filme verifica-se o confronto
entre os heróis a partir do sentimento de vingança. Desta forma, é possível
questionar o quanto um herói é bom e mau ao mesmo tempo, dado que um
herói é um ser humano com altas habilidades, mas também um ser humano,
com características egoístas e dotado de paixões, vícios e fraquezas que
demonstram sua imperfeição.

A seguir iremos analisar a organização da Hidra, segundo a história,


iniciada com o advento do nazismo, expandindo-se em uma corporação sem
espaço geográfico fixado, alojando-se como parasita em organizações que
imperam a “vontade de poder” proveniente de homens imperfeitos mas que
desejam dominar a humanidade, inclusive órgãos governamentais, por
exemplo a SHIELD (Superintendência Humana de Intervenção, Espionagem,
Logística e Dissuasão), agência secreta estadunidense de inteligência,
espionagem e logística que opera assuntos de valor estratégico e militar no
filme, criada por Stan Lee e Jack Kirby. A SHIELD tanto nos quadrinhos,
quanto nos filmes tem uma conduta estranha condizente apenas aos interesses
dominadores da nação estadunidense, condutas éticas como se espera de um
órgão governamental, como é o caso da SHIELD. No filme Capitão América 2:
O Soldado Invernal, com o fim da segunda guerra mundial, a agência secreta
estadunidense contrata o Dr. Zola, cientista e co-fundador da Hidra, para
realizar nos avanços científicos, modernizando belicamente a SHIELD para
garantir a segurança dos Estados Unidos da América. Contudo, a Hidra por
meio do Dr. Zola torna-se um parasita da SHIELD e continua suas atividades
na clandestinidade por anos. Nos quadrinhos também há esta imparcialidade
cientifica frente aos heróis, tendo em vista que na quinta edição dos
quadrinhos da Guerra Civil com o advento do ato de registro dos super-heróis a
SHIELD cadastra e confia nos vilões para atuar como guardiões da nação
estadunidense, havendo algo completamente inusitado causado pelo Ato de
Registro dos Super-humanos, isto porque a função deste registro é o governo
ter domínio, controle e localização acerca dos super-humanos, razão que
conduz a uma nova reformulação sobre os bons e maus heróis, onde o bem e
a justiça estão relacionados a burocratização em ser herói registrado pelo
governo, verifica-se uma inversão nesta proteção, em que super-humanos

355
Debates Contemporâneos em Educação

protetores relacionam-se a burocratização e não a ética. Estes vilões são


guardiões da população e cassação dos heróis ilegais a burocratização realizada
pelo ato de registro.

Segundo a história do Capitão América, a Hidra nasce na Alemanha


com o advento do Nazismo e perpassa o tempo estando presente em todas as
guerras. Na película é utilizado o princípio da mitologia grega, a saber, “se
cortarem uma cabeça mais duas cabeças nasceram”.

Esta figura mitológica, a Hidra, é posta nos longa-mentragens do


Capitão América como o mau atemporal que se faz presente nos seres
humanos, e que se exterioriza nas guerras, provocadas pelas crises, em que se
busca poder e dominação sobre a humanidade.

O objetivo principal da Hidra é a purificação, a dominação e o


aniquilamento da liberdade dos homens a partir da ideia de insegurança, ou
seja, num ambiente desequilibrado, tomado por crises, guerras, medo,
insegurança e caos, os seres humanos abstêm-se de suas liberdades e aceitam
as ordens daquele que lhes apresentam como salvador. Neste caso, há a
utilização da imagem do herói, como salvador, para posteriormente ser
descartado.

Dessa maneira, observa-se que o autor dos quadrinhos dá uma


reviravolta na história colocando o herói como co-autor e incentivador da
dominação pensada e idealizada pelos fundadores da Hidra, sendo sem saber
seu principal aliado.

356
Debates Contemporâneos em Educação

CONCLUSÃO

O ponto principal deste artigo é a transformação da arte em produto.


Desta forma, o Capitão América é posto como um produto a ser consumido,
seja como salvador, seja como bem vendável, nutrindo a ideologia capitalista
em que tudo é posto como mercadoria, seu uso traz um problema na formação
do sujeito, que finda por ser reificado pelas relações sociais, políticas e
culturais.

Outro ponto intrigante é a proximidade que o filme realiza entre a


ficção e a realidade, segundo o conceito de indústria cultural, isso ocorre com
o intuito de ofuscar a mente do sujeito, fazendo-o não discernir entre um e
outro misturando a ficção vista no filme com a sua realidade cotidiana, esta
ação deixa o sujeito vulnerável a ser dominado enquanto sujeito sujeitado às
imagens proferidas na película e nos meios de comunicação de massa. O
sujeito ocidental vive culturalmente dentro de uma sistemática maniqueísta,
que outrora defendia Cristo como o salvador dentro de um discurso cristão,
mas que na atualidade, há outros personagens que vem garantir esta salvação, a
saber, os heróis que assim como Cristo primam pela ética do bem e da justiça.
Assim, como o sujeito se percebe imperfeito, fraco e solitário precisa transferir
a tarefa para um terceiro, o herói.

Os governantes estadunidenses percebem estas deficiências em outras


nações e como possuem alto poder econômico que se revela na forma de
persuasão, esta potência imperialista dita as regras internacionais, interfere nas
questões econômicas mundiais e impõe aos povos que seus inimigos são
malfeitores do mundo.

Contudo, agilmente o autor dos filmes inverte a atividade do herói


quando o coloca na posição de colaborador com o malfeitor, resta saber se sua
intenção é somente confundir o herói ou se seu objetivo vai além da tela e
tenta trazer a dúvida para o sujeito. Seguindo os argumentos presentes neste
artigo, defendemos a ideia que o autor pretende provar que não somos só
maus ou bons, mas que temos virtudes, vícios, paixões que nos corrompem e
que nos compadecem ao bem ou ao mal e a justiça ou a injustiça.

357
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. [Tradução: Ivone Castilho


Benedetti]. 6ª Edição. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. p. 1205.

ANDREOTTI [et al.]. Os dois lados da guerra civil. São Paulo: Criativo, 2016.

MATTIUZZI, Alexandre A. A Mitologia ao Alcance de Todos: Os deuses da Grécia e


Roma Antigas. São Paulo: Hélade, 2005. p. 156-170.

HORKHEIMER, Max e ADORNO, Theodor W. O Iluminismo como Mistificação


das Massas. In: ADORNO, Theodor W. Indústria Cultural e Sociedade. [Tradução:
Juba Elisabeth Levy]. 5ª Edição. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

Filmes:

CAPTAIN América: The First Avenger (Capitão América: O Primeiro Vingador).


Direção: Joe Johnston. Produção: Kevin Feige. Coprodução: Victoria Alonso.
Intérpretes: Chris Evans; Stanley Tucci; Hugo Weaving; Tommy Lee Jones;
Hayley Atwell e outros. Roteiro: Christopher Markus e Stephen McFeely.
EUA: Marvel Films, 2011. Longa-metragem (125 min.), color.

CAPTAIN América 2: The Winter Soldier (Capitão América 2: O Soldado


Invernal). Direção: Joe Russo e Anthony Russo. Produção: Kevin Feige.
Produção de Set: Victoria Alonso, Stan Lee e Louis D’Esposito. Intérpretes:
Chris Evans; Scarlett Johansson; Samuel L. Jackson; Frank Grillo; Hayley
Atwell e outros. Roteiro: Christopher Markus e Stephen McFeely. EUA:
Marvel Films, 2013. Longa-metragem (136 min.), color.

CAPTAIN América: Civil War (Capitão América: Guerra Civil). Direção: Joe
Russo e Anthony Russo. Produção: Kevin Feige. Intérpretes: Chris Evans;
Scarlett Johansson; Robert Downey Jr. e outros. Roteiro: Christopher Markus,
Jack Kirby e Stephen McFeely. EUA: Marvel Films, 2016. Longa-metragem
(146 min.), color.

The Avengers (Os Vingadores). Direção: Joss Whedon. Autor da Obra Original:
Stan Lee e Jack Kirby. Produção: Kevin Feige. Produção Executiva: Victoria

358
Debates Contemporâneos em Educação

Alonso, Louis D’Esposito, Jon Favreau e Jeremy Latcham. Intérpretes: Chris


Evans; Robert Downey Jr.; Mark Ruffalo; Scarlett Johansson; Chris
Hemsworth; Tom Hiddleston e outros. Roteiro: Joss Whedon e Zak Penn.
EUA: Marvel Films, 2012. Longa-metragem (143 min.), color.

Documentário: Fahrenheit 9/11 (Fahrenheit 11 de Setembro). Direção: Michael


Moore. Produção: Michael Moore e Jim Czarnecki. Produção Executiva:
Harvey Weinstein e Bob Weinstein. Intérpretes: Michael Moore; Donald
Rumsfeld; Britney Spears e outros. Roteiro: Michael Moore. EUA: Europa
Filmes, 2004. Longa-metragem 35mm (116 min.), color.

Documentário: Loose Change 9/11: An American Coup (Loose Change: Um Golpe


Americano). Direção: Dylan Avery. Produção: Korey Rowe. Produção
Executiva: Matthew Brown. Narração: Daniel Sunjata. Roteiro: Dylan Avery.
USA: Joel S. Bachar & Patrick Kwiatkowski, 2007. (53 min.), color.

THOR: The Dark World (Thor: O Mundo Sombrio). Direção: Alan Taylor.
Autor da Obra Original: Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby. Produção: Kevin
Feige. Produção Executiva: Victoria Alonso. Produtor de Set: Stan Lee, Craig
Kyle e Louis D’Esposito. Intérpretes: Chris Hemsworth; Tom Hiddleston;
Natalie Portman; Stellan Skarsgard e outros. Roteiro: Christopher Yost;
Christopher Markus e Stephen McFeely. EUA: Marvel Films, 2013. Longa-
metragem (112 min.), color.

359
Debates Contemporâneos em Educação

20 - UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE AS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS E O


PAPEL DA ESCOLA DIANTE DA CULTURA DIGITAL

Douglas Orestes Franzen95


Leandro Mayer96
Mariane Jungblut Fiorentin97

INTRODUÇÃO

Este artigo procura refletir sobre a relação entre as tecnologias


educacionais e o papel da escola diante da cultura digital, partindo do princípio
que usar tecnologias na escola significa aprimorar o processo de ensino-
aprendizagem. A reflexão ocorre a partir das impressões dos multiplicadores
do NTE - Núcleo de Tecnologias Educacionais de Itapiranga/SC, partindo do
princípio de que as tecnologias educacionais ainda possuem um significado
demasiadamente instrumental para muitos professores, não se tendo decifrado
pela maioria deles, o potencial destes meios na sala de aula como recurso
pedagógico.

A mobilidade e o acesso à informação é uma condição para as


sociedades contemporâneas. Como a escola abarca em torno de si o conjunto
da sociedade, pode-se concluir que os avanços tecnológicos passaram a fazer
parte do cotidiano escolar. O mundo tem oferecido uma grande gama de
possibilidades de comunicação, informação, aquisição de produtos, entre
outros, nunca antes vistos na história da humanidade. As formas de
comunicação têm mudado e hoje é perfeitamente possível comunicar-se em

95 Professor do Centro Universitário Uceff. [email protected].


96 Doutorando em História (UPF), bolsista UNIEDU/FUMDES. Multiplicador no NTE, na Unidade de
Atendimento de Itapiranga/SC – da Agência de Desenvolvimento Regional de São Miguel do Oeste/SC.
[email protected].
97 Graduada em Geografia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC,

Especialista em Estudos Sociais: História e Geografia pela SEI-FAI. E Pós-Graduada pela UFSC (2016)
em: Educação na Cultura Digital. Atualmente multiplicadora no NTE, na Unidade de Atendimento de
Itapiranga/SC – da Agência de Desenvolvimento Regional de São Miguel do Oeste/SC.
[email protected].

360
Debates Contemporâneos em Educação

tempo real com pessoas de qualquer lugar do mundo, bem como obter
notícias de fatos de forma instantânea. O espaço e a distância entre as coisas e
as pessoas têm diminuído acentuadamente. A tecnologia tem evoluído
vertiginosamente. As crianças, jovens e adultos sentem-se fascinados, atraídos
e encantados com todas essas possibilidades tecnológicas. Descobrem as coisas
de uma maneira mais rápida, atraente e divertida, buscam o que realmente é de
seu interesse, contudo, o descompasso tecnológico entre professor e aluno, em
se tratando de práticas pedagógicas, distancia-se da realidade da escola
almejada, uma vez que a maioria dos professores é analógica e os alunos são
“nativos digitais”, exigindo do professor uma adaptação constante ao novo.

A escola é um dos primeiros espaços de convivência e troca de


experiências. As práticas pedagógicas mediadas através do uso das TDIC –
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação – contribuem para
estimular os sentidos em todos os aspectos no processo de ensino-
aprendizagem. Cabe ao professor o papel de ensinar os conteúdos mínimos
necessários contidos no currículo escolar e aos pais o papel de educadores.
Apesar de muitos professores não dominarem completamente as tecnologias
educacionais, elas tem acima de tudo, potencial significativo para melhor a
qualidade na educação. Nesse sentido,

o clamor é por qualidade na educação para todos, dialogando com as


vozes/perspectivas dos sujeitos envolvidos. A apropriação dos
conhecimentos tecnológicos se coloca no bojo da apropriação dos
conhecimentos acumulados ao longo da história da humanidade. O
desejado é que os educandos conheçam e se relacionem criticamente com
os fundamentos científicos que perpassam os diversos fenômenos naturais,
históricos e sociais a serem estudados e que as TIC permeiem, apoiem,
alavanquem tal processo de aprendizagem (FERNANDES, 2014, p. 121).

As pessoas de diferentes idades reconhecem que não podem “se


isolar” de todo esse aparato tecnológico, pois acabam recebendo influências de
forma direta ou indireta pela tecnologia, seja na tomada de decisões ou ações
do seu dia-a-dia. Os recursos tecnológicos têm facilitado a vida, gerando
fascínio, principalmente nas crianças e jovens. As formas de brincar e aprender
tem mudado substancialmente, bem como as relações familiares e isso tem
trazidos reflexos também para a escola.

361
Debates Contemporâneos em Educação

A escola e o aprendizado colaborativo

Hoje, com todos os avanços que existem, principalmente


tecnológicos, há a necessidade de o professor adaptar-se, dar abertura para o
novo, tornando as aulas mais atraentes, participativas, dinâmicas e envolventes.
A ideia não é abandonar por completo os antigos recursos tecnológicos que a
escola dispunha, como o quadro e o canetão, mas usar as novas tecnologias em
sala de aula, possibilitando que a escola comece a vivenciar uma cultura digital,
que cative e motive os alunos. As possibilidades de integração das TDIC na
escola são diversificadas, cabendo ao docente encontrar maneiras de incluí-las
em sala de aula. Ter a tecnologia, por apenas tê-la, não significa que a escola
esteja vivenciando a inclusão e a cultura digital.

Assim sendo, se a cultura é um reflexo da ação humana, a cultura se


constitui de ação do homem, na sociedade; criando formas, objetos, dando
vida e significação a tudo o que o cerca. É essa ação humana que permitiu o
surgimento do computador e por conseguinte, o surgimento da cultura
digital. E esta passa, em seguida, a fazer parte de vários aspectos da vida
humana, na aprendizagem pedagógica, na vida afetiva, na vida profissional,
na simbologia da comunicação humana. Desse modo, vimos surgir uma
nova estruturação de pensamentos, práticas e conceitos. Cabe ressaltar aqui,
que a cultura não se transforma em digital, mas sim, ela busca se adequar ao
cenário digital, ao mundo virtual (BARATTO E CRESPO, p. 17, 2013).

O professor cada vez mais vem tendo necessidade de se adequar ao


cenário atual onde a cultura digital impera. É através do domínio técnico das
tecnologias e das ferramentas disponíveis, que o educador pode e deve fazer o
planejamento de suas aulas, com atividades que façam sentido para o aluno, a
partir de uma proposta que vai além dos muros do educandário, integrando a
escola e seus arredores como espaços de aprendizagem, tornando o
conhecimento significativo. “Refletir sobre a escola, ensino e conteúdo
curricular escolar reporta a reconhecer que a configuração do mundo atual na
sociedade da informação apresenta novas formas de compreender os tempos e
os espaços sob o signo da globalização [...]” (CALLAI, 2011, p.18). Num
contexto onde as tecnologias estão se tornando cada vez mais interativas e
dinâmicas, o professor tem o importante papel de orientador e mediador do
processo de ensino-aprendizagem, na medida em que se torna necessário fazer

362
Debates Contemporâneos em Educação

constantemente o diagnóstico, intervenção e replanejamento, conforme aponta


a Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina (2014):

Dado seu caráter formativo contempla pelo menos três etapas: a de


diagnóstico, a de intervenção e a de replanejamento. O trabalho de
diagnóstico ocorre quando o professor verifica a aprendizagem que o
estudante realizou ou não, compreendendo as possibilidades e as
dificuldades do processo, no momento. A intervenção se dá quando o
professor retoma o percurso formativo, após constatar que não houve
suficiente elaboração conceitual, e, por isso, reorganiza o processo de
ensino possibilitando ao sujeito novas oportunidades de aprendizagem. O
replanejamento é uma tarefa que se faz necessária sempre que as atividades,
estratégias de ensino e seus respectivos resultados não se evidenciarem
suficientes. (PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SANTA
CATARINA, 2014, p. 47).

Ao preservar o percurso formativo do aluno e avaliar


constantemente o desenvolvimento da prática pedagógica, o professor pode
fazer uso das tecnologias educacionais com mais segurança. As TDIC
possibilitam um dinamismo e interatividade entre seus usuários, contribuindo
para a construção individual e coletiva do conhecimento, desafiando
professores e alunos, fugindo do óbvio e do previsível. Neste mundo de
mudanças, novas interfaces fazem parte da dinâmica da sociedade de
informação. A inclusão digital, cada vez mais se dissemina e a troca de
informações é um componente cada vez mais importante na maioria das
atividades de trabalho, incluindo-se nesta perspectiva, a escola.

A cultura digital propicia novas formas de ver o mundo e,


consequentemente de representá-lo por meio da linguagem. A evolução dos
sistemas digitais promove mudanças na relação que estabelecemos com eles e
com os indivíduos. Infinitas formas e diferentes segmentos, pessoas, culturas,
utilizam o potencial das TDIC para se comunicar, realizar negócios e
aproximar as pessoas. A tecnologia vem oferecendo novas possibilidades de
motivar os alunos e assegura inúmeras oportunidades de promover a
criatividade e inovação no ambiente escolar. Na incorporação de novas
tecnologias no âmbito escolar ou fora dela, costumam surgir rumores, sejam
eles positivos ou negativos. Um exemplo que podemos citar é do uso de filmes
e da própria televisão na educação, como um novo recurso para motivar e

363
Debates Contemporâneos em Educação

efetivar a aprendizagem, que com o tempo se mostrou um recurso eficaz e que


trouxe mudanças significativas na aprendizagem dos alunos.

A cultura pode ser considerada como um conjunto de pensamentos,


ações, costumes, formas, práticas e hábitos de um grupo, baseados em valores
relevantes para determinada organização, que foram desenvolvidas ao longo
do tempo, se tornando um hábito enraizado historicamente.

A cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, dos conhecimentos e


dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em uma
outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é
herança transmitida de uma geração a outra. Ela tem suas raízes num
passado longínquo, que mergulha no território onde seus mortos são
enterrados e onde seus deuses se manifestaram. Não é, portanto, um
conjunto fechado e imutável de técnicas e de comportamentos. Os contatos
entre povos de diferentes culturas são algumas vezes conflitantes, mas
constituem uma fonte de enriquecimento mútuo. A cultura transforma-se,
também, sob o efeito das iniciativas ou das inovações que florescem no seu
seio (CLAVAL, p. 65, 2007).

No entanto, cultura digital é no momento histórico atual que estamos


vivendo, onde as TDIC estão fazendo parte do cotidiano das pessoas,
principalmente das crianças e jovens. As TDIC mudaram a forma de interagir
com o mundo, contribuíram para encurtar distâncias, mudaram a forma de se
relacionar com as pessoas, trabalhar, comercializar e negociar mercadorias,
obter e acessar informações, aprender, entre outras. Sem nos dar conta já
estamos inseridos na cultura digital. Nesta perspectiva,

as arquiteturas pedagógicas são, antes de tudo, estruturas de aprendizagem


realizadas a partir da conjunção de diferentes componentes: softwares
pedagógicos, uso de computadores, internet, inteligência artificial, educação
a distância, concepção de tempo e espaço, pressupostos pedagógicos e
curriculares e didáticas específicas [...] O caráter destas arquiteturas
pedagógicas é pensar a aprendizagem como um trabalho artesanal,
construído na vivência de experiências e na demanda de ação, interação e
meta-reflexão do sujeito sobre os fatos, os objetos e o meio ambiente sócio-
ecológico. Seus pressupostos curriculares compreendem pedagogias abertas
capazes de acolher didáticas flexíveis, maleáveis, adaptáveis a diferentes
enfoques temáticos. (CARVALHO, NEVADA, MENESES, p. 39, 2005).

364
Debates Contemporâneos em Educação

Um exemplo são os alunos que estão constantemente conectados a


internet, procurando informações, notícias, contatos, vídeos, músicas, entre
outros. As crianças e jovens não perdem tempo com coisas que não lhes
interessam e o que não os atrai. Nesse sentido a escola precisa se tornar um
espaço que seja atraente e motivador para essas novas gerações que vêm vindo
até ela e já estão vivenciando a cultura digital plenamente, com propostas que
integrem e agreguem as tecnologias no intuito de promover e produzir
conhecimento pleno. Hoje as possibilidades de aprender são infinitas e as
ferramentas usadas para isso também. Nunca se viu em nenhum momento
histórico tantas informações circulando, não faltam livros, jornais revistas e
além de tudo isso, a internet que possibilita o rápido e fácil acesso a
informações. Os professores ainda não se deram conta da preciosidade da
internet e das possibilidades de aprender de forma colaborativa nos ambientes
virtuais de aprendizagem para a produção do conhecimento. Contudo,
acreditamos que aos poucos ocorrerá essa mudança, pois não há mais espaço
para aulas onde o professor detém o conhecimento. Hoje o papel do professor
vai muito além, ele precisa ser um mediador possibilitando que os alunos
saibam a diferença entre obter informações e ter o conhecimento
propriamente dito.

O papel da escola na cultura digital

Estamos vivenciando um momento histórico diferenciado, permeado


pelo uso maciço das TDIC no cotidiano das pessoas. Hoje não há como negar
ou desviar-se da tecnologia, ela está presente em nossos lares, nos aparelhos
eletrodomésticos, no trabalho, no transito, em clubes e associações, mercados,
lojas, bancos, escolas, enfim em tudo que frequentamos. É natural que nesse
contexto a infância e a juventude também ganhem novos significados e
agreguem novos valores. Hoje podemos dizer que os jovens possuem uma
gama de possibilidades muito maiores que as gerações que os antecederam. As
evoluções tecnológicas fazem parte do ser humano e é uma constante em sua
existência, elas vêm para atender e suprir velhas e novas necessidades. A cada
dia, somos surpreendidos com novas invenções e aperfeiçoamento de outras.

365
Debates Contemporâneos em Educação

Vivemos num mosaico de possibilidades únicas, nunca antes vistas na


história da humanidade. O contato com as TDIC têm ampliado horizontes,
possibilitando e contribuindo para a construção do conhecimento. O acesso à
internet proporciona comunicação, realizar pesquisas, acessar bibliotecas
virtuais, visitar museus, pesquisar e trocar experiências, estudar línguas
estrangeiras, além de outras infinitas possibilidades. É notório que esse rol de
possibilidades de informações vem alterando o comportamento humano, e as
crianças e jovens não fogem a essa realidade, exigindo da escola e dos
professores uma nova postura na forma de educar e ensinar.

As crianças e jovens já nascem e vem crescendo dentro da cultura


digital, a tecnologia para eles é algo muito natural, lidando com elas com
grande facilidade, sem embaraço ou desconforto algum. Não se intimidam ou
a temem, mexem, procuram, instalam programas e aplicativos, não tem medo
como as gerações anteriores. As crianças e jovens fazem uso das TDIC e as
tornam suas aliadas no dia-a-dia, procurando facilitar tarefas e suas vidas. Hoje
crianças e jovens passam muitas horas conectadas à internet, possuem perfis
em redes sociais, acessam e-mails, jogam games, ouvem músicas, assistem
vídeos, entre outros:

ademais, quando as redes se difundem, seu crescimento se torna


exponencial, pois as vantagens de estar na rede crescem exponencialmente,
graças ao número maior de conexões, e o custo cresce em padrão linear.
Além disso, a penalidade por estar fora da rede aumenta com o crescimento
da rede em razão do número em declínio de oportunidades de alcançar
outros elementos fora da rede (CASTELLS, p. 108, 1999).

As mudanças provocadas pelo advento das TDIC são inegáveis, basta


observar o entorno e perceber o quanto as tecnologias fazem parte e estão
integradas nas tarefas mais simples às mais complexas do dia a dia, tornando-se
imperceptíveis. Se em sociedade as TDIC já estão consolidadas, na escola elas
também precisam ser integradas ao currículo, usando novas metodologias e
estratégias para ministrar as aulas. Diante dessa realidade, o papel da escola é
fundamental, é preciso capacitar os profissionais da educação e prepará-los
para utilizar as TDIC como aliadas no processo ensino-aprendizagem. No
entanto torna-se necessário equipar as salas de aulas com equipamentos
modernos e na quantidade adequada para o número de alunos, além de

366
Debates Contemporâneos em Educação

oferecer uma internet de boa qualidade que permita professores e alunos a


desenvolver atividades diferenciadas de fato.

Estamos vivenciando um novo tempo, onde a cultura digital vigora e


novos tempos precisam de novas estratégias, precisam estar baseadas nas
relações historicamente construídas, assim como a atualização das tecnologias
é resultado do melhoramento e aperfeiçoamento das tecnologias anteriores.
Não há como construir uma nova história sem se basear no contexto anterior.
Hoje a sociedade, as famílias, a educação, as escolas, professores e alunos estão
diante de novos tempos e novos desafios. Para tanto se torna necessário que
os profissionais da educação estejam preparados e motivados, procurando
integrar e mediar o uso das TDIC em sala de aula, fazendo com que a escola
também vivencie a cultura digital na prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar em educação nos dias atuais é também repensar sobre o papel


da escola como instituição social responsável pela formação de crianças e
jovens. A escola precisa ser um ambiente acolhedor, que estimule os alunos a
buscar e a produzir conhecimento. A escola em seu bojo acaba conectando
pessoas, ideias, projetos e movimentos através de sua prática, porém, ainda
carrega regras que não se adaptam à era digital, proibindo, por exemplo, o uso
do celular98, do acesso ao Youtube, redes sociais e adota práticas pedagógicas
enraizadas na metodologia tradicional, onde o professor ainda é o centro do
processo de ensino-aprendizagem, um sujeito que apenas transfere o
conhecimento.

Segundo FANTIN (2012) existe uma urgência das escolas e os


sistemas educativos prestarem atenção às transformações dos modos de ler,
interpretar e produzir cultura propiciadas pelas mídias, buscando superar “o
descompasso entre a forte presença das mídias no cotidiano e na cultura das

98Atualmente a LEI Nº 14.363, de 25 de janeiro de 2008 proíbe o uso do telefone celular nas escolas
estaduais do Estado de Santa Catarina.

367
Debates Contemporâneos em Educação

crianças e dos jovens e sua quase ausência na formação de professores e no


currículo escolar.” (FANTIN, 2012, p. 437). Especialmente nas escolas
públicas, observa-se que existe um despreparo para lidar com as tecnologias,
onde poucas compreendem o seu papel e potencial educativo. Embora
timidamente se faça do uso das TDIC na escola, essa geralmente ainda é usada
para buscar informações na rede.

Por fim, acreditamos que há um claro desafio posto: fazer o professor


superar o medo tecnológico para depois começar a compreender e visualizar
caminhos que contribuam para que haja de fato uma abordagem pedagógica
baseada na investigação, assumindo o papel de mediador, aquele que orienta a
investigação, articula os trabalhos e estimula a produção de novos
questionamentos, sempre levando em conta que a aprendizagem é o ponto
chave, e sendo o ponto de partida, a curiosidade do aluno. As ferramentas
tecnológicas por si só, não trazem avanços educacionais, elas devem servir de
base e apoio para (re)significar o conhecimento, através das orientações dadas
pelo professor. Cabe ao educador ir além, desafiar a si mesmo e aos alunos,
sair da mesmice, do domínio do controle das situações e propor desafios
novos que possam contribuir para a construção do conhecimento. Falar em
um currículo com base na investigação acaba desestabilizando a prática
pedagógica baseada na transmissão de informações.

Diante deste cenário posto, ressaltamos a importância dos trabalhos


desenvolvidos pelos Núcleos de Tecnologias do Estado de Santa Catarina, cuja
atribuição principal é fomentar, motivar e disseminar o uso das Tecnologias de
Informação e Comunicação junto aos profissionais de Educação, cujo
princípio fim, é fortalecimento do processo de ensino-aprendizagem “no chão
da sala de aula”. O Estado de Santa Catarina através da Secretaria de Estado da
Educação deu um importante passo em 2017 com a reestruturação e
fortalecimento dos 36 Núcleos de Tecnologias Educacionais.

368
Debates Contemporâneos em Educação

REFERÊNCIAS

BARATTO, Silvana Simão e CRESPO, Luís Fernando. Cultura digital ou


cibercultura: definições e elementos constituintes da cultura digital, a relação
com aspectos históricos e educacionais. Rev. Científica Eletrônica UNISEB,
Ribeirão Preto, v.1, n.2, p. 16-25, ag/dez.2013.

CARVALHO, Marie Janes Soares; NEVADO, Rosane Aragon de,


MENEZES, Crediné Silva. Arquiteturas pedagógicas Arquiteturas pedagógicas
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