Huberto Rohden - Por Mundos Ignotos
Huberto Rohden - Por Mundos Ignotos
Huberto Rohden - Por Mundos Ignotos
POR MUNDOS
IGNOTOS
Uma Viagem Fantasticamente Real
Pelos Mistérios da Natureza
UNIVERSALISMO
Sumário
Advertência
Amores Heróicos
À Conquista da Luz
Dispersar!
Núpcias Mortíferas
Ondas do Além
Bandeirante do Infinito
Advertência
A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea nada se aniquila,
tudo se transforma”; se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa, mas se
escrevemos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.
Este livro, para ser compreendido, supõe, portanto, que o leitor tenha certa dose
de noções de história natural; que saiba algo da vida das células, do jogo dos
átomos, dos mistérios da luz, dos prodígios da energia solar, dos processos vitais
do nosso organismo, das silenciosas maravilhas da flora e fauna, dos eventos
pré-históricos do nosso planeta e da raça humana e, sobretudo, da íntima
realidade do seu próprio Eu...
Partia esta vozinha sutil do fundo duma pequena poça d’água, num dos ângulos
do meu jardim. Corri os olhos em derredor, e não consegui descobrir o autor da
inesperada saudação.
– Sou eu.
– Eu, Alu.
– Sou um protozoário, um ser unicelular, uma ameba como dizem vossos livros.
– Por favor, sr. gigante, não me deixe secar ao sol! senão morro! – gritou o
serzinho invisível.
– Que faz você com esse par de olhos enormes? – perguntou, algo irritada, a
ameba. – Eu não tenho olhos e vejo você, e você com esses olhos colossais,
não me enxerga?
– Mais ou menos. Naquele tempo era mais difícil calcular os anos, porque o sol
não aparecia ainda tão visível como hoje. A atmosfera era toda ela um mar de
nuvens que mal deixava coar uns raios solares.
– E você não falou agora mesmo em morrer? tem medo de um pouco de sol, e
afirma que já existe há milhões de anos?
– Você está doido, Alu! um ser primitivo como você seria imortal, quando até o
homem, rei da Natureza, está sujeito à morte?...
– Nós somos imortais, sr. gigante. Você, rei da Natureza, devia saber isto.
Ameba não morre de morte natural. Eu, quando quero um filho, parto-me ao meio
e somos dois – e cada um completa o seu corpo comendo e continua a viver e a
criar filhos. Nada se perde. Nada morre. Assim é que nós somos imortais, meu
gigante de ontem.
– Apanhou? – indaguei.
– Boca? para quê? Nós costumamos comer e engolir tudo sem boca.
– Mas, como?
– Qual, estômago! não precisamos desse luxo. Digerimos com todo o corpo.
– Vi-o com todo o corpo. Vocês, homens, são uns seres tão atrasados que
precisam de milhões de células para tudo que fazem – quantas células tem você
em seu corpo gigantesco?
– Pois eu faço com uma única célula o que você faz com 15.000.000.000. Vocês,
milionários celulares, não são mais felizes do que nós, pobres unicelulares.
Resolvemos perfeitamente os problemas da vida com esta única célula – e não
sucumbimos à morte como vocês, gigantes de ontem.
– Os problemas da vida, Alu? É que vocês não têm problemas a resolver, nessa
sua estupenda simplicidade...
– Inteligência, vontade, ciência, amor, arte, religião, cultura – para resolver esse
mundo de problemas precisamos dum organismo mais complicado, e até duma
coisa que não é célula...
– Assim mesmo.
– Não sei. Ninguém o sabe. Muitos milhões. De um a outro sol, eu faço dezenas
de filhos. Depende do ambiente e também dos infusórios ou outros bocados que
apanho para criar forças.
– Mas, de nós não sabem quase nada. E o pouco que sabem está mal expresso.
Dizem que o nosso corpo unicelular consta de proteína, mas nunca ninguém
disse o que é proteína. Usam umas palavras bonitas, mas não sabem o que elas
significam. Dos nossos sentimentos então não sabem mesmo nada, nada...
Neste teor continuou Alu a falar largo tempo. Senti-me quase humilhado com o
que a ameba dizia, porque via que ela tinha razão. Por fim, perguntei à minúscula
bolinha vítrea por que é que eles, os unicelulares, não haviam acompanhado a
evolução do mundo orgânico, nesses milhões de anos; pois ostentavam ainda
hoje a mesma simplicidade primitiva que tinham no princípio. Perguntei por que
não tinham solucionado, como os outros seres vivos, o problema da vida pela
divisão do trabalho, criando órgãos próprios para cada função: olhos para ver,
ouvidos para ouvir, boca para comer, mãos para apreender, pernas, asas,
barbatanas para se locomover, estômago para digerir, órgãos para a
reprodução, etc. A ameba escutou pacientemente a minha erudita dissertação e,
quando terminei, respondeu-me com ares de mistério:
– Que Inteligência?
– Para que nossos irmãos pudessem viver e progredir. Trabalhamos para o todo.
É ordem da grande Inteligência...
– Explique-se, Alu.
– Nenhum organismo vegetal ou animal pode viver nem evolver sem o nosso
concurso. Os unicelulares ajudam a preparar os alimentos para seus irmãos mais
perfeitos. Mais tarde lhe explicarei isto, meu gigante de ontem, o papel que os
seres mínimos desempenham no plano do universo. Você verá que nós, os
protozoários unicelulares, somos os seres mais necessários ao mundo. Ai da
flora, ai da fauna, se nós não existíssemos, com esta nossa feliz simplicidade! o
mundo seria um deserto...
Vi que Alu estava cansado e por isso o deixei a sós por esse dia, prometendo
voltar em outra ocasião, para ouvir a sua interessante filosofia.
Porque Brigavam Uzu e Ifi
Quando, no dia seguinte, voltei para junto da pequena poça d’água onde deixara
Alu, ouvi perto de mim duas vozinhas agudas em acalorada discussão:
– É mentira. Uzu, você não constrói nada. Você só sabe destruir o que eu
construí...
– Que ignorância, Ifi! Então, você não sabe que nós, as bactérias, somos tão
necessárias como vocês?
– Ora essa, Ifi! quisera ver com que material ia você arquitetar os tecidos
celulares da sua planta se nós, as bactérias e os fungos, não lhe fornecêssemos
material de construção! Só com os seus lindos olhos verdes? Se nós não
reduzíssemos à matéria inorgânica, as substâncias que vocês, verdes
grãozinhos das folhas, converteram em matéria orgânica, dentro em breve,
vocês não encontrariam mais alimento para suas plantas.
– Uzu é invisível – exclamou, de repente, uma vozinha sutil cujo timbre me era
familiar. Depois de algum esforço, descobri, à beira da poça d’água, minha
amiguinha gelatinosa, Alu, a ameba imortal. Cumprimentei-a, satisfeitíssimo.
– É uma bactéria cor de cinza, mas é tão miudinha que você não poderá vê-la,
nem com mais um olho de vidro.
– Que olho?
– Você, com olhos desse tamanho, não pode ver a minha pequenez. Eu não
tenho nem a milésima parte dum milímetro, como vocês chamam o espaço entre
dois riscos pretos das vossas fitas.
– Oh não! tenho muitos primos e parentes bem menores que eu. Minha
amiguinha Afta atravessa brincando os poros de um filtro de porcelana, que
vocês inventaram para barrar a passagem a certos micróbios de que têm medo.
Ao lado de Afta eu sou um gigante. Não consigo passar pelas malhas duma
dessas redes.
– Posso ser visto através dum sistema de vidros, que dão tamanho à minha
pequenez. Amiguinha Afta nunca foi vista, mas parece que já foi fotografada por
um homem de cabelo branco.
– Que jactância, Uzu! que presunção é esta da parte duma bactéria? manter o
equilíbrio do universo?
– Não haveria alimento para as plantas sem o vosso concurso? mas as plantas
sugam da terra substâncias minerais, ferro, nitrato de cálcio, de potássio, de
fosfato, sulfato de magnésio, etc. e destas substâncias está saturado o solo
terrestre. Que é que vocês têm com isto?
– É bem verdade que as plantas tiram do solo esses minerais, que, com o auxílio
da luz solar, transformam em substâncias orgânicas.
– Honra lhe seja – disse Uzu, com ironia. – Mas, se ninguém reconvertesse em
matéria inorgânica essas substâncias orgânicas que sinhá Ifi fabrica nos seus
laboratórios de clorofila, daqui a algum tempo não haveria mais substâncias
minerais que as plantas pudessem assimilar, e elas morreriam de fome. O
mundo todo viraria floresta de fungos e cogumelos, que se alimentam de matéria
orgânica, porque não têm clorofila. Mas aqui estamos nós, a imensa família das
bactérias para impedir a extinção da vida no universo. Apenas morre uma planta
ou um animal, e logo nos apoderamos do seu organismo e decompomos o que
a planta compôs, reconvertendo o orgânico em inorgânico, para que possa
continuar sem estorvo o grande ciclo cósmico. Ao ar entregamos os gases que
a clorofila lhe roubou, e à terra devolvemos os sais que as raízes da planta lhe
arrebataram. E assim está tudo em ordem. Somos ou não somos os
mantenedores do equilíbrio do universo, ó gigante de ontem?
– Assassinos? nós não temos intenção de matar ninguém, mas precisamos viver,
e por isto penetramos no organismo de alguns gigantes, e eles sucumbem. Mas
não é por mal... De resto, eu não mato ninguém. Crio um filho de meia em meia
hora, e deixo viver a quem vive...
– E, quando a bactéria não encontra ambiente para viver, que é que faz? morre?
– Uns dois ou três anos de sono, é coisa normal para muitas bactérias da nossa
família. Mas, em geral, só dormimos quando nos falta o que comer.
– Com Ifi, um grãozinho de clorofila, muito maior que eu. Pensa que é grande
coisa, porque tem casa própria e trabalha num laboratório solar.
– Sim, uma casinha de celulose, com paredes lisas e maciças. Célula, dizem os
homens. No centro dessa casinha está o núcleo celular. Ao redor dele, uma
substância viscosa. Ao longo das paredes internas estão umas pequenas
esferas.
– E dentro de cada uma dessas esferas está um grãozinho de clorofila. Ifi é muito
inteligente. Apodera-se duns sais que as raízes e as fibras da planta veiculam
para o seu verde laboratório; mistura esses sais com luz solar – e sai coisa
diferente, que não é nem sal nem sol, é açúcar, é amido, que sei eu!
– Substância orgânica.
– Ifi é uma feiticeira, como você vê, ó gigante de ontem. O que ela faz é magia.
É só ela que possui o segredo dessa magia. Eu seria amigo de Ifi, se ela não
fosse tão pretensiosa e insolente. É uma criatura graciosa cheia de inteligência
e mistério. Ela não gosta de mim, porque sou cinzento e, quando trabalho, encho
o ar de gases malcheirosos, como ela diz. Que quer? É a profissão das bactérias
decompor o que é composto, e isto não vai sem gases.
– Lá vai o sujalhão – disse uma vozinha simpática. – Boa viagem, Uzu, e bom
proveito!
– Ora, ora! – disse Ifi. – Que havia de ser? não vê você essa frutinha lá no meio
do capim?
– Pois, o Uzu se atirou a ela, esse sujalhão. Só gosta de coisas podres. Milhares
de camaradas dele fizeram a mesma manobra. Daqui a dias, você verá que não
resta nada da frutinha. Eles devoram tudo. Reduzem tudo a terra imunda.
– Terra boa para adubar o pé do seu ingazeiro – observei, carregando de
propósito na palavra “seu”.
– É verdade – concordou Ifi. – É preciso... Mas eu, que sou poetisa por natureza,
pouco simpatizo com a profissão prosaica de Uzu e seus colegas. Sou uma
grande apaixonada do sol, da luz, do calor, de todas as coisas puras e belas...
– Adoro o sol...
Vivo da luz...
Amo o dia...
Detesto a noite...
Meu corpo é verde...
Meus olhos são claros...
Ressuscito à vida
O que a morte matou...
Cubro de verdores
A face da terra...
Semeio sorrisos
Pelas flores do prado...
Difundo alegria
Por toda a parte...
Cumprindo a ordem
Da Inteligência Suprema...
Aleluia!...
A Sociedade dos Cálices Vivos
– Quando, daí a uma hora, passei pelo jardim, ainda estava Ifi falando ou
cantando. Quando não tinha com quem discutir, falava consigo mesma.
– Que foi? quem falou? – perguntei a Alu, que ainda estava no mesmo lugar.
– Que filosofia atrasada! não creio nessas distinções dos homens. Eu sou uma
célula viva, e basta!
– Para atrair a presa; pois a gente tem de viver. Agito os cílios, produzo um
redemoinho na água, e o incauto freguês que se achar ao meu alcance
desaparece no meu estômago.
– Por quê?
– Do mundo? Oh! a história do mundo está toda dentro de mim, dentro deste
cálice.
– Apanhou?
E ante meu espírito, enquanto Alu falava, rolaram milhares, milhões, bilhões de
anos, de séculos, de milênios. Vi o vácuo primitivo... Vi nascer nesse vácuo algo
de real, algo de tão tênue e sutil que apenas por um triz parecia estar separado
do irreal... Vi esse tenuíssimo algo agitar-se caoticamente – assim me parecia –
à procura dum termo, duma forma, duma razão de ser. Disse-me Alu que aquilo
era a alma do Universo que impelia o corpo sutil desse algo. Essa alma era
inteligente. Penetrava todas as coisas do mundo, e fazia de toda desordem uma
grande ordem, de todo caos um esplêndido cosmos...
Alu falava com arder e entusiasmo e com tão arrebatadora eloquência e poesia
que me esqueci de mim mesmo e me quedei, estupefato ante aquele gruminho
de plasma gelatinoso, em que palpitava uma parcela da alma do Universo, da
grande Inteligência da Natureza...
– Eu estava presente a tudo. Não era ainda esta gota de albumina que agora
sou, mas a minha alma já existia.
– Sim, aquilo que dentro de mim existe de invisível, de vivo, isso já existia nesses
tempos remotos. Minha alma é uma centelha da alma do Universo, uma fagulha
do grande incêndio cósmico, um sopro dessa imensa tempestade que se lança,
perene, indefectível, através de todas as artérias da Natureza, por todas as
latitudes e longitudes, por todas as altitudes e profundidades do Universo. Não
existia este ser unicelular que contemplas ó gigante de ontem, mas existia Alu,
o íntimo quê de meu ser vivo. Quando o Eterno creou o Todo, creou também
esta partícula mínima do Todo. Meu corpo é uma onda minúscula do grande
oceano, onda que hoje emerge das águas, e amanhã submergirá no vasto
elemento – porém minha alma vive sempre por entre os fluxos e refluxos dos
fenômenos transitórios, por entre mil vicissitudes de formas diversas. Morre o ser
vivo – mas não morre a vida. A vida é imortal. Submerge aqui – emerge acolá,
em perene ressurreição. Como as águas que do seio do mar se erguem,
levíssimos vapores, tangidos pelas auras, se difundem pela vastidão da terra,
sobre ela dessem e, céleres, retomam o ponto de partida, para recomeçar a
grande viagem aérea e terrestre – assim são todos os seres do Universo.
Percorrem o seu ciclo, assumindo formas várias, sempre animados pelo sopro
cósmico que os tange e impele para onde quer a grande Inteligência...
– Como quiser. Eu já existia antes de nascer, existia como vida cósmica, vida
amorfa, água geral do grande oceano da vida; mas não era ainda esta onda
concreta que agora sou, não era ainda indivíduo definido e separado do vasto
substrato das outras vidas indefinidas. Eu era vida, mas não era ser vivo,
indivíduo vivente. Quando a grande Inteligência – honra lhe seja! – me deu este
corpinho de plasma, esta célula, como dizem os homens, desde então sou o que
sou – o protozoário, a ameba Alu... E assim viverei, até que minha alma
abandone este corpo e volte ao seio do imenso oceano vital, até que a grande
Inteligência revista minha alma dum novo invólucro individual...
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Depois disto, houve em torno de nós uma quietude imensa, solene... O jardim
em derredor parecia dormir o sono da eternidade... E meu espírito, muito a custo,
conseguiu voltar de regiões longínquas e sagradas para a profana realidade da
vida cotidiana...
Entre Esqueletos Alvos e Negros
Minha irmã veio passar uns dias em minha casa, à beira-mar. Cada manhã, dava
eu uma lição de primeiras letras a meu sobrinho Hélio, que na reabertura do ano
letivo começaria a frequentar escola primária. Traçava-lhe na ardósia, com um
pedacinho de giz, os caracteres do alfabeto, para que essas 25 chaves mágicas
de todo o humano saber lhe fossem menos estranhas quando as visse no
quadro-negro da aula. O garotinho empunhava o giz como quem pega numa faca
ou num espeto e procurava imitar os brancos mistérios que eu desenhara, bem
grandes, sobre o negror da lousa.
– Com nossas ossadas brancas sobre as ossadas pretas das nossas boas
amigas, as algas – acrescentou outra vozinha com discreta risada.
– Quem é Calcal?
– Pés? assim afirmam vocês, mistérios ambulantes; mas nós não temos pés...
– Os braços, então.
– Nem temos braços. Só temos corpo, que derramamos ora por estes ora por
aqueles buraquinhos do nosso invólucro.
– Sei, sei, Calcal. Você é uma gotinha gelatinosa que vive suspensa nas águas
do mar. Quando morre...
– Perdão! Entre nós não se morre. Não existe esse mau costume entre os
foraminíferos. Só morremos quando somos mortos por alguém. A nossa vida
emigra dum corpo velho e imigra para dentro dum corpo novo – é a isto que você
chama morrer?
– Perdão! não tenho pele. Para que esse luxo? Só tenho um arcabouço feito de
cal e sílica, e por sinal que bem bonito. Já viu? Ah, é verdade! Vocês, homens,
com esses olhos tão grandes, não enxergam as coisas pequenas, e nós somos
muito pequeninos...
– Não atinou? não sabe que a ardósia em que você escreve é formada de
ossadas, de resíduos de algas e sargaços?
– E sabe você, mistério ambulante, quanto tempo leva a Natureza para formar
no fundo do mar uma dessas camadas, da espessura dum dedo de homem?
– Tempos enormes.
– Como assim?
– Pois é como digo... Os resíduos dos nossos corpos alvos formam camadas
calcáreas no fundo das águas. Convulsões terrestres fizeram subir muitas
dessas rochas por nós fabricadas. Soterradas debaixo de outros elementos,
foram estas substâncias levadas pelas nascentes e pelas águas pluviais para
outras partes, mescladas com a terra, dissolvidas na água, absorvidas pelas
plantas – e assim vieram a circular, pelas vias do sangue, dentro do organismo
humano – elementos do nosso corpo calcáreo...
– Quer dizer que até os meus ossos e dentes já foram partículas do seu corpo,
amigo Calcal?
– Esses elementos são, pois, como que pedras de alvenaria ou tijolos que entram
hoje nesta, amanhã naquela construção?
– Justamente. Depois da sua “morte” – como vocês chamam essa metamorfose
do ser vivo – esses mesmos elementos, decompostos na terra ou em outra parte,
vão ser novamente absorvidos por outros seres, que deles construirão o seu
edifício orgânico.
– Porque... neste caso... eu não sou propriamente eu... Sou apenas um outro
“tu”, um “tu” número dois, número três, número quatro, número cem, número mil,
número milhão e assim por diante...
Nessa noite, porém, quase nada escrevi. Estava tão cansado que logo adormeci,
enquanto o fogo crepitava alegremente na lareira.
No meio do carvão miúdo que eu lançara ao fogo havia um pedaço maior e mais
duro. Quando o ardor se apoderou dele e lhe penetrou no interior, despertou a
alma dormente do carvão de pedra. Ergueu-se em forma de linguinha rubra e
pôs-se a lamber sofregamente em redor de si, como se estivesse com muita
fome.
– Não sei – segredou outra linguinha de fogo que ao lado da primeira se erguera.
– Está tudo tão mudado...
– Não é como os do nosso tempo, que tinham corpo horizontal e cabeça para o
lado. Este tem a cabeça para cima...
– Parece que foi ele que nos despertou do longo sono. Voltamos a ser luz como
éramos antes que os raios solares nos encarcerassem nos tecidos celulares da
madeira.
– Se foi esse ser vertical que nos despertou do sono deve ser mais inteligente
que todos os seres vivos horizontais do nosso tempo. Será que ele sabe falar?
– Parece que não. Quando, acordei, estava ele se entretendo em lançar uns
rabiscos pretos sobre umas lâminas brancas, sem dizer nada. Depois parou,
fechou os olhos e ficou assim como está agora, meio morto.
– Vou espiar o que esse estranho animal rabiscou nas lâminas brancas que tem
sobre os joelhos.
– Se esse animal tem inteligência, não deve ser grande coisa. Os desenhos que
ele fez na lâmina branca não têm beleza alguma. Você se lembra, Lúcia, dos
desenhos artísticos dos nossos corpos, quando éramos madeira?
– Ah! que maravilha, esses desenhos, Ignis! Tenho saudade daqueles tempos...
Os meus, em parte, ainda persistem no meu corpo de hoje, petrificado em escuro
carvão. Naquele tempo, o meu corpo era cor de ouro e neve com uns traços
longitudinais de sépia. Através das minhas artérias circulavam as seivas da
árvore. Veio então aquele cataclisma que nos soterrou centenas de metros. Morri
sufocada debaixo duma montanha enorme. Morreu-me a alma vegetal que viera
da terra, mas continuou a viver em mim esta alma ígnea que recebi do sol.
– Será que agora a nossa alma ígnea não está morrendo? vejo o meu corpo
negro reduzir-se a cinzas...
– Não, Lúcia, a nossa alma de fogo não pode morrer. Agora, depois de dormir
muito tempo no seio da madeira e do carvão, ela despertou, e alma desperta e
vígil não pode ficar presa dentro desse cárcere material. Tem de ser assim
mesmo como é.
– Volta para os espaços celestes donde veio. E, algum dia, quando o sol quiser,
tornará a entrar dentro da matéria, para dormir mais um grande sono. A nossa
vida é assim, Lúcia, uma eterna circulação, dentro e fora da matéria. Dentro da
matéria dormimos esse sono inconsciente das energias potenciais, e fora da
matéria vivemos essa vida consciente das energias vivas e atualizadas.
– Dorme, sim – respondeu a outra. – Mas, parece que a alma dele está viva
dentro desse corpo. É como nós: dorme, mas vive.
– Vou ver de que são feitas aquelas lâminas brancas que ele tem sobre os
joelhos. Não me parece estranha a substância.
– Desculpe, ilustre animal, o susto que lhe dei e o prejuízo que lhe causei... Não
foi por mal... Eu... eu...
– No nosso tempo não havia sobre a terra esse animal – desculpe! – esse... esse
ser vertical chamado homem...
– E de cabeça para cima, como nós – disse Lúcia, com certo orgulho.
– Sim, minhas amigas ígneas, há uns... 300.000.000 de anos que quase toda a
terra estava coberta de florestas imensas. A atmosfera era tépida e úmida, e
disto gostam as plantas,
– Até nos atuais pólos terrestres não reinava esse frio intenso de hoje. Chovia
muito, porque o ar andava todo saturado de vapores d’água. Desenvolveram-se
então fantasticamente as árvores, formando gigantescas selvas, de pólo a pólo.
Mais tarde, em virtude de violentos abalos da crosta terrestre ainda não
suficientemente solidificada, foram soterradas enormes florestas e, cobertas de
montanhas, petrificaram-se aos poucos, no fundo da terra, dando em resultado
o chamado carvão de pedra. Nessas camadas carboníferas ainda hoje se
encontram troncos e galhos de árvores com a sua forma primitiva, mas reduzidos
a pedra inerte, pedra feita de madeira.
– Mais ou menos. Dormiram muito. Sua alma solar ficou como que presa no
castelo encantado da madeira e do carvão. Contam nossos poetas a história
duma princesa que vivia num palácio cercado de muralhas altíssimas e
defendido por feroz dragão. Pelas artes mágicas duma feiticeira foi a jovem
submersa num sono profundo e misterioso, do qual só a poderia despertar um
príncipe que escalasse as muralhas, matasse o dragão e depositasse um beijo
de amor na fronte da princesa encantada. Passou-se um século, século de
inúmeras tentativas infrutíferas para penetrar no misterioso castelo. Potências
sinistras vedavam o ingresso. Até que, finalmente, um corajoso príncipe vindo
de longe, munido de forças secretas, escalou as muralhas, matou o feroz dragão,
depositou um beijo na fronte da princesa dormente – e ela acordou para a grande
alvorada da vida, para a jubilosa primavera do amor.
– E quem foi que nos despertou do sono para a vida real? – perguntou Lúcia.
– No caso presente fui eu. Risquei um fósforo, toquei com a pequena chama a
energia potencial do carvão, e essa energia dormente despertou para a vida da
energia vígil.
Por volta da meia-noite, quando já havia na lareira mais cinzas que carvão,
quando o sono se apoderava de mim e os corpos carbônicos de Ignis e Lúcia
estavam quase consumidos por sua alma flamejante, despedi-me das luminosas
e ardentes amigas, dizendo:
E fez-se grande silêncio, na lareira, na sala, dentro de mim – por toda a parte...
Uma Alma em Quatro Corpos
O colóquio noturno com Ignis e Lúcia me deixara na alma uma aura de suave e
dolente saudade... Percebi com surpresa quanto me afeiçoara a essas amigas
etéreas dos espaços cósmicos, que eu libertara da prisão material de longos
milênios. Dia a dia, andava eu à sua procura. Onde estariam elas? Percorriam
os espaços celestes em forma de raios solares, mas não havia meio de identificá-
las. De mais a mais, as nuvens e os nevoeiros lhes impediam a passagem.
Toda noite, quando era intenso o frio daquele mês de julho, sentava-me eu ao
pé da laranjeira, deitava lenha e carvão ao fogo, contemplava as linguinhas
rubras, e escutava o discreto crepitar da sua alegria – mas não encontrava entre
as numerosas flamas, pequenas e grandes, quem tivesse a alma de Ignis e
Lúcia.
Por que me parecia tão belo e poético o meu primeiro amor? Somente por ser o
primeiro? Adivinhei que esse amor seria também o último, o único...
Ignis era o perfeito ideal duma chama adolescente, duma graciosíssima filha
solar: esbelta, esguia, flexível, ardente, cheia de mistério. Lúcia, com aquele seu
arzinho de menina ingênua, com os seus entusiasmos francos e sinceros,
difundia-me na alma um como que perfume sutil de intata pureza e sagrada
reverência...
Sempre para além dessas nuvens cinzentas que toldavam o espaço e apagavam
todos os sorrisos do sol...
***
– Lalá.
Olhei na direção donde partira o som, e vi uma borboleta com asas cor de tijolo
debruadas de preto. Pousava tranquilamente sobre uma flor de aristolóquia, que,
de contrabando, brotava junto à cerca do meu jardim.
– Como? – estranhei. – Você conhece Ignis e Lúcia? essas lindas filhas do sol?
– Se conheço! Pensa que eu estaria aqui se não fossem elas? Sem luz e calor,
borboleta não voa. Foram também elas que conduziram minha alma, através de
três noites, para este grande dia...
– Três noites? que está dizendo, Lalá? não compreendendo a sua linguagem...
– Sim três noites, meu sonhador, três noites imensas. A noite do ovo, a noite da
larva e a noite da crisálida. Ou melhor, duas pleni-noites, e uma semi-noite...
– Não é isto, meu sonhador! Mística não é mistificação. Mística é uma vida na
mais alta potência. Mística é mistério.
– Mas... diga-me, que vêm a ser essas três noites, essas duas pleni-noites, e
essa semi-noite?
– Já lhe disse, meu sonhador em pleno dia, o que foram essas três noites da
minha vida. Três noites são necessárias, na vida de toda borboleta, para que
nasça o grande dia. Apareci neste mundo luminoso em forma dum minúsculo
ovinho, que minha mãe, num tépido dia de sol, colou debaixo duma folha.
Ovinhos em série, um ao lado do outro, em distância simétrica, lembrando
pequeno favo de abelhas. Eram, todos eles, da cor da luz solar. O sol, que coava
através da folha, envolvia em clarões esverdeados o meu primeiro berço. Mas,
apesar da luz, era noite, porque eu dormia. E não podia acordar. Forças
estranhas impediam que eu despertasse. Passado, porém, o tempo prescrito
pela Natureza, rompi de repente a estreita clausura do ovo – e vi-me num
deslumbrante prado esmeraldino. Era a face inferior desta folha de aristolóquia.
– Porque mamãe borboleta conhece as plantas e sabe que seus filhos não
comem senão folha de aristolóquia. Os homens dizem que é planta venenosa,
porque o sangue dela é um leite pegajoso que os animais desprezam. Se eu
tivesse de procurar este prato saboroso, morreria antes de o encontrar. Mamãe
borboleta, porém, tem asas e encontra tudo que quer. Pôs o meu berço na face
inferior duma folha de aristolóquia, ao abrigo dos ventos e das chuvas, e ao
alcance dos beijos do sol. Mamãe devia ser inteligente e boa; mas eu nunca a
vi. Ao terminar a primeira noite da minha vida, ela, parece, já não existia...
– Fiz o que faz toda lagarta, da manhã até à noite: comer e digerir, digerir e
comer.
– Pois o passado de “é”, segundo sua língua, é “foi”. Fui materialista. Cumpri a
minha missão. A única tarefa da lagarta é comer e digerir, não por amor a essa
ocupação primitiva, mas para armazenar material de construção.
– Que edifício?
– Este corpo de borboleta. Não vê você que é uma maravilha de arte e estética?
O que eu, quando lagarta, fazia com as verdes folhas que comia não era senão
desbastar ligeiramente a matéria-prima para a futura construção – assim como
vocês, homens, arrancam das montanhas ou do fundo da terra blocos de pedra
e os transportam para a oficina de alvenaria. Esses blocos, brutos e informes,
não servem para paredes e colunas dum edifício de estilo e bom gosto; têm de
ser primeiramente trabalhados por instrumentos vários, até que apresentem a
forma desejada. Pois saiba você, meu sonhador, que vida de lagarta é apenas
serviço de pedra bruta, extração de matéria-prima. Para nós, essa matéria-prima
está nos tecidos celulares das folhas que trituramos. São as minas que nos
fornecem material de construção.
– Morrer?
– Que horror, estar suspenso assim debaixo dum galho, de cabeça para baixo,
sem saber o que vai acontecer!...
– Nada acontece o que acontecer não deve... Tudo faz parte dum plano eterno...
Depois de assim suspensa sob o galho da laranjeira, perdi os sentidos. Lembro-
me apenas vagamente que fui encolhendo o corpo até ficar curto e grosso. A
minha pele perdeu a cor amarelo-preta e cedeu a uma tonalidade escura,
uniforme.
– Mas como foi, Lalá, como foi? Ardo de impaciência por saber o que aconteceu,
durante essa misteriosa noite...
– Almocei. E agora tenho forças para contar o que aconteceu naqueles dez dias
da minha última escuridão. No segundo dia após a minha suspensão sob o galho
da laranjeira, saí da pele.
– Saiu da pele?
– Sim, encolhi-me tanto, tanto, fiquei tão curta e grossa que – zás! arrebentou-
me a pele pelas costas. Agitei-me quanto pude naquele estado inconsciente, e
consegui que a delgada película escura se desprendesse e caísse por terra, ao
meio do capim que rodeava a laranjeira.
– Eu? fiquei onde estava, suspensa debaixo do galho, presa por uma hastezinha
preta, que era aquela mesma goma com que me prendera. O que lá ficou
suspenso não era eu, a lagarta. Era um ser infinitamente lindo, gracioso e
artístico...
– A crisálida, não é?
– É assim que está nos livros papiráceos dos homens. Crisálida, pupa, ninfa,
casulo – que sei eu?... O que lá estava, de cabeça para baixo, era uma
bonequinha verde-clara, tendo na parte superior um anel de ouro, e, na parte
inferior, dois pontinhos dourados. A forma era indescritível, meio cilíndrica,
parecida com uma bolota, terminando em cima num gracioso cone cuja ponta
superior se prendia ao galho.
– Você estava lá dentro? com essas asas enormes? com essas pernas
compridas? com essas lindas cores?
– Tudo isto estava dentro da crisálida, mas em outro estado. A matéria e força
de tudo isto. Durante aqueles dez dias, minha alma não teve um momento de
descanso. Foi um trabalho intenso, intenso... Assim que se viu bem isolada e
com todas as portas fechadas, apoderou-se logo da matéria-prima, daquele
verde mingau que eu, quando lagarta, preparara das folhas da aristolóquia, e,
discriminando os diversos elementos de construção, pôs-se a arquitetar o corpo
da borboleta. Dentro do mingau havia de tudo para a construção do meu corpo
definitivo: cabeça, tronco médio e traseiro; seis pernas articuladas; quatro asas
com artísticos desenhos; um par de olhos facetados com milhares de retinas
visuais; uma tromba espiralada atravessada por um canal e com um pequeno
estojo para acondicionamento quando em repouso.
Durante aqueles dez dias, minha alma encerrada na auriverde bonequinha não
fez senão preparar o meu futuro. Selecionou os elementos contidos naquela
massa esverdeada, apurou, aperfeiçoou e distribuiu o material de construção
para o meu corpo – ah, sr. homem! alma de borboleta é coisa inteligente, muito
inteligente!...
– Sei, sei. É a alma da Natureza, a grande Inteligência do Universo. Continue,
Lalá.
– Sim, com estas mesmas asas de seda e veludo; mas elas estavam
cuidadosamente dobradas sobre si mesmas, moles e flexíveis como folhas de
celofane. Assim que me vi fora da clausura, agarrei-me com quantas pernas
tinha ao invólucro vazio e comecei a desdobrar lentamente as quatro asas,
agitando-as ligeiramente para secarem; pois estavam ainda úmidas. Ah! que
momento solene, aquele!... pelos milhares de olhos a dentro me entrou o mundo,
um mundo de luzes e cores, coisas fantásticas que quase me deram vertigens...
Eu não sabia nada disto... Mesmo a minha vida de lagarta não passara dum
cárcere crepuscular... Duas noites e uma semi-noite... E agora esse dia imenso
repleto de infinita claridade... Senti-me feliz, muito feliz... Sabia que estava na
altura da vida, que mais alto não podia subir... Tive uma vontade imensa de
comunicar a alguém a minha grande felicidade, porque ela já não cabia dentro
de mim... Eu era pequenina demais para algo tão grande, como era aquela
felicidade... Era muito maior que eu mesma... Não sei como essa felicidade não
me fez estalar o corpo em mil fragmentos...
Calou-se por instantes Lalá, como que a recordar algo de imensamente querido
e suave. Urna abelha com rebrilhos de ouro passou perto de nós, pousou por
momentos sobre a mesma folha em que estava a borboleta, mas, levada pelo
gênio irrequieto que caracteriza esses fabricantes de mel, logo tornou a
desaparecer com forte zumbido.
Lalá, parecendo antes falar a si mesma do que para ser ouvida por alguém, disse
à meia-voz:
O pomar inteiro parecia repleto dessa estranha chieira, vibrante, estrídula, como
o rufar de mil pequeninos tambores...
Procurei localizar os invisíveis autores dessa música isocrônica, mas foi trabalho
difícil, porque eles estavam colocados de tal maneira nos galhos das árvores que
pareciam pedacinhos da casca cinzenta. E, para melhor despistar os seus
numerosos inimigos, sabem modular estranhamente a força dos seus sons,
parecendo estar ora perto, ora longe de quem os escuta e procura.
– Por que é que você canta tão desesperadamente? – perguntei. – Não tem
medo de rachar mais uma vez? não é que deixou a sua primeira pele, rachada
pelas costas, colada nesse tronco?...
– Canto, canto muito, canto sem parar – respondeu a cigarra – porque viver é
cantar. Passei em silêncio 17 anos, no fundo da terra...
– Que está dizendo, Tchi? você passou 17 anos1 no fundo da terra? foi enterrado
vivo e não morreu?...
1. É a ninfa da Cicada septemdecim, que leva 17 anos de vida subterrânea. Outras levam 13,
10 anos ou menos. A vida que lhes conhecemos, à luz solar, é apenas o período final da
evolução, em formas sexuadas, para fim de reprodução. No seu estágio subterrâneo a cigarra é
assexual.
– É como digo...
– Mas... afinal de contas... você não nasceu há pouco mesmo, numa noite de
luar? Que vem a ser esta casquinha? não é o seu berço?...
Isto dizendo, apanhei a levíssima máscara de quitina que estava presa ao tronco
da árvore e tinha exatamente a forma do corpo da cigarra, abstração feita das
asas, que faltavam na máscara. Estava rachada nas costas, por onde saíra Tchi.
– Cigarra como hoje, não. Eu era uma larva ou ninfa. Com as duas pernas
dianteiras, terminadas em pás, abria longos túneis através do solo.
– Sugava a seiva das raízes que encontrava na minha passagem. Esta árvore é
muito suculenta. Minha mãe fez bem em pôr nela os ovinhos...
– Há 17 estios, minha mãe pôs algumas centenas de ovinhos sob a casca dum
dos galhos desta árvore. Para este fim é que há fêmeas entre nós...
– E você, o que é?
– Eu sou macho. Você já ouviu uma cigarra fêmea cantar? Sou macho pela
primeira e única vez na vida.
– Não era macho nem fêmea, era neutro, no fundo da terra. Quando caí das
alturas do galho, em que minha mãe desovara, já tinha forma de larvinha branca.
Caí, enterrei-me logo e comecei a cavar a vida como pude. Somos seres
subterrâneos e não aéreos, como pensam os homens...
– Ora, ora! Eu também vivia nessa ilusão. Pensava que as cigarras fossem os
mais aéreos e diurnos de todos os insetos – e vocês são noturnos e
subterrâneos...
– É como digo. No fundo da terra não podemos casar, porque somos assexuais.
– E fora da terra, quanto tempo vocês vivem?
– Uns 40 a 50 sóis.
– É exato. Nós, quando nascemos para a festa do amor, somos os mais velhos
de todos os insetos da terra. Ao menos, não me consta que outro inseto viva 17
anos como nós.
– E sua companheira?
– Tambores?
– Quase todos os insetos gozaram desses milhares de sóis, menos nós. Não
temos licença de sair dos nossos túneis antes de completar o ciclo que a grande
Inteligência nos marcou...
– E agora?...
– Já lhe disse, agora quero viver algumas semanas de amor, de luz, de música...
– Apenas, apenas... Mas... é bem possível que morra antes, hoje mesmo... Cri,
crii, criii, criiiiiiiiiii...
***
Pouco depois deste diálogo com Tchi, percebi que, num galho vizinho, estava
pousada outra cigarra, ocupada em alojar umas centenas de ovinhos
microscópicos debaixo da casca, servindo-se para isto de um ovipositor em
forma de lança.
– É uma das minhas companheiras – explicou Tchi, numa ligeira pausa da sua
estridente música, acrescentando: – Daqui a pouco vai morrer...
– Porque, depois de pôr o último ovo, estará exausta. E, também, para que viver
ainda, se cumpriu a sua missão?
– Vou viver mais um pouco, mas sinto que não chegarei ao sol de amanhã.
– Ela?
Tchi, quando viu morta a mais querida das suas amigas, deu meia volta sobre o
galho em que pousava, e, reunindo todas as forças, rufou com veemência os
pequeninos tambores, enchendo os ares duma melodia monótona e triste, e
parecia derreter sua alma nas notas plangentes dessa soluçante elegia...
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Ninguém supunha tanta malícia naqueles estames cor de ouro rodeados dum
círculo de alvíssimas pétalas – e, no entanto, foram elas, essas pequeninas
feiticeiras, que me embriagaram e arrebataram ao reino das grandes maravilhas.
Será que a laranjeira sabia dessas artes das suas encantadoras filhinhas cor de
ouro e neve?... Tão ingênuas pareciam elas...
Nesse estado, percebi sobre minha cabeça uma conversa estranha entre um
grupo daquelas florzinhas sedutoras que as noivas põem no cabelo no dia em
que vão à reconquista do paraíso perdido...
– E sabe você, nenezinha – interveio outra flor que, de tão velha, já estava com
as pétalas amarelas, meio murchas e prestes a cair – sabe quanto tempo levou
esta conquista da nossa perfumosa raça?
– Mais ou menos...
– Por que está rindo assim? – perguntou a flor murcha, nervosa e rabugenta.
– Porque... porque... ha, ha, ha!... porque não posso ver aquele espantalho de
flor sem morrer de rir. Então, aquilo é flor?... Como é o nome desse cidadão?
– Milho.
– Somos tidas por um tanto levianas, de pouco recato... Há quem nos julgue
profanas, afrodisíacas, e não sei que mais...
– Isto, que você está dizendo, é coisa ruim, Cassandra?... nunca ouvi esta
palavra: afro... afro... afrodíaco?...
– Por quê?
– Logo vi que você nem olhou para o pé de milho que lhe mostrei. Olhe, aquele
pendão espalhafatoso lá em cima é o macho; e lá embaixo aquele penacho de
cabelos ruivos que sai da cabeça da bonequinha de palha verde, tudo aquilo é a
fêmea. Veja como ficam distante um do outro. Moram na mesma casa, mas só
se namoram de longe, e o esquipático pendão lá em cima manda a sua chuva
de pólen fecundante pelos ares à bonequinha lá no fundo. Não se tocam nunca.
Nem há beija-flor que venha visitar os dois para levar recados de cá para lá,
como entre nós. Tudo é feito a discreta distância.
– Porque essa flor não tem cor, nem cheiro, nem néctar, três coisas
indispensáveis para aliciar os seres volantes.
– E por que ela não se enfeita nem se perfuma?
– Porque a Natureza não lhe deu nada disto Lili. O sistema dessas plantas é
outro. O macho entrega ao vento nuvens brancas de pó para espalhar sobre a
cabeleira ruiva da companheira. Milhares e milhões de germezinhos
microscópicos lá se vão pelos ares, em todas as direções, a grande distância. A
maior parte se perde, mas alguns sempre encontram a cabeça da amiga. Melhor
ainda, se esse pó for de outro pé de milho, porque também para as plantas não
é bom casamento entre irmãos.
– Não é negócio ser milho, Cassandra, não é negócio... Viverem marido e mulher
tão longe um do outro... Dependerem do bom ou mau tempo... Essa planta não
soube arranjar a vida... Parece mesmo inteligência de sabugo... Nem sei como
ainda existe milho no mundo, com esse sistema atrasado...
– Mais respeito, Lili, pelos seres menos felizes que nós! Lembra-te de que
também a nossa espécie teve o seu período de atraso e vida primitiva. Se
soubesses como éramos a uns milhões de primaveras. Mamãe Natura, porém,
nos deu um instinto privilegiado, e assim, em muitos milhões de sóis e de
primaveras; conseguimos, a perfeição de hoje, com esta facilidade de
propagação da nossa espécie.
***
– Que é isto? – perguntou Lili, espiando, a medo, por entre a paliçada das
brancas pétalas, já agora completamente abertas.
– Porque esse gigante vai hoje completar 100 anos de vida e não tem filhos. Vai
morrer sem deixar herdeiro da sua força secular, e isso o entristece.
– Porque o destino lhe foi adverso. Esse pinheiro está sozinho no alto do morro,
sem companheira de sua espécie, e assim não se pôde reproduzir.
– Pois, aquele pé de milho não está sozinho também, e não se reproduz?
– Logo vi, nenezinha, que sua ciência é de hoje. A minha vem de longe, de
tempos remotos... Meia dúzia de sóis já passaram sobre mim e encheram-me de
sabedoria...
– Os pinheiros, Lili, pertencem a uma das mais antigas raças de árvores que há
no mundo. Naquele tempo não se sabia ainda das engenhosas invenções da
maior parte das flores de hoje, que reuniram dentro de cada uma todos os órgãos
necessários para a propagação da espécie. Esta invenção data apenas de
alguns milhões de primaveras. O pinheiro, a despeito de toda a sua força, não
conseguiu libertar-se dos usos e costumes dos seus antepassados. É muito bom
ser tradicionalista e conservar o que os maiores tinham de bom; mas é
necessário também ser evolucionista e adotar o que os modernos descobriram
de valioso. Nós, laranjeiras, e mil outras espécies de plantas, sem sacrificar o
cunho característico da nossa raça, evolvemos, adotando processos melhores e
mais eficientes do que nossos ascendentes. O pinheiro, porém, é o rei dos
caturras emperrados. Seus ancestrais...
– Hããã...
– Pois, como dizia, os ancestrais do pinheiro acharam que deviam criar flores
masculinas e femininas em pés separados. E nisto ficaram seus filhos até hoje.
Para haver fecundação e descendentes, são necessários dois pinheiros de sexo
diverso. Se são todos machos, ou todas fêmeas, não dá nada.
– Quer dizer que não vivem nem sequer na mesma casa, como a raça do milho?
– Puxa! que grande castidade a desses pinheiros! Meus respeitos!... aos olhos
deles, nós as laranjeiras, devemos parecer mesmo uma gente ultraleviana e
perdida, com esta nossa promiscuidade sexual dentro da mesma flor... E esses
pinheiros têm flor?...
Nisto, percebi, vindas não sei donde, umas vozes estranhas e pude distinguir
estas palavras:
– Ora, ora! essas plantas complicadas! Precisam sempre de dois pés, de duas
flores, de dois órgãos diversos para garantir a descendência... Eu não tenho flor
nem coisa alguma, vivo sozinho no meu barranco – e sempre carregado de
filhos. Isto, sim, que é progresso e vida vivida! Não sou macho nem fêmea. Não
preciso de ninguém para me reproduzir e perpetuar até ao fim do mundo. Sou
suficiente a mim mesmo. Viva a independência!...
– Mentirosa, essa figueira. Ela também tem flores, mas estão por dentro.
Ninguém as vê, e essa hipócrita pretende iludir o mundo com a sua neutralidade
sexual!...
O colóquio com o protozoário Calcal, além desse oceano de vibração com que
os outros seres me haviam enchido a alma, deixara-me no espírito um não sei
quê de tristeza e melancolia... O foraminífero, que vivia nas profundezas do mar,
parecia envolto num vasto halo de mistério – e o mistério sempre empolgou mais
o meu espírito do que a realidade conhecida... Não me interessa o que sei –
seduz-me o desconhecido que ignoro... Creio mais no muito que ignoro do que
no pouco que sei... Mais belos são os mundos que, incertos, entrevejo no
invisível do que as coisas que meridianamente enxergo na zona do visível... Mais
se aliciam horizontes ignotos do que realidades palpáveis... Bandeirante do
Além, parece-me insípido o Aquém...
Bem sei que todo o pensar profundo me torna triste – mas prefiro essa tristeza
profunda aos baixios da alegria barata e profana.
– Como sabes que estou triste, amigo Calcal? – perguntei com viva estranheza.
– É que meu corpo semifluido apanha todas as auras que andam no espaço. Se
isto é saber, então eu sei.
– E pensas tu, mistério ambulante, que, onde terminam os raios violeta, acabam
todos os raios luminosos?
– Sei que para a tua retina os raios ultravioletas são completa escuridão, como
também te são imperceptíveis os raios infravermelhos – aqueles por
excessivamente curtos, estes por demasiadamente grandes.
– Ora, para embelezar a vida. Para cada festa de sentimento acende ele uma
lâmpada especial: uma cor para a alegria, outra para a tristeza, esta para o amor,
aquela para o despeito, e assim por diante.
– Não sei. O que sei é que é luz fria. O mais esquisito é que muitos peixes,
quando se aproximam da gente, não têm luz alguma, nem têm propriamente
olhos luminosos. De repente projetam do interior do corpo, por uns órgãos
especiais, uma substância viscosa, incolor, que só se torna luminosa no
momento em que entra em contato com as águas do mar. É deslumbrante, esse
fenômeno. O peixe envolve-se todo nesses filamentos luminosos, que flutuam
em derredor dele como espirais, serpentinas, bolhas fantásticas, até quando ele
quer.
– Não, é também para seus amores e para as festas núpcias. Com esse jogo de
luzes em série convida as companheiras para se aproximarem dele. A convidada
responde logo com outra pirotécnica, quando pode, e assim celebram eles os
seus himeneus, a milhares de metros de profundidade.
– É justo que tão lindo fenômeno sirva ao amor – mas que seja também
instrumento de vingança... de ódio...
– Que está dizendo, ó homem? Entre nós não há vingança nem ódio. Isto é do
mundo dos homens. Para que uns possam viver outros têm de morrer – é lei da
Natureza. Para que sobreviva o mais forte, tem de ser eliminado o fraco; se assim
não fosse, que seria da evolução e do aperfeiçoamento da espécie? Se dois
machos brigam pela posse da fêmea não é por motivos de ódio ou vingança, é
unicamente por amor a uma prole forte, robusta e sadia, que, para ser o que
deve ser, tem de ter pais vigorosos. Tudo obedece à grande e única lei do amor
e ao desejo da perfeição. As luzes dos peixes também estão ao serviço desta
lei.
Ainda estava o foraminífero discorrendo sobre a sua filosofia vital, quando, pela
primeira vez, percebi – não sei como – que o seu corpo era uma maravilha de
arte e bom gosto. Conhecia eu moluscos aquáticos, como as ostras, que
carregavam consigo as suas casinhas feitas de um par de biombos nacarados,
devidamente articuladas no fundo e suscetíveis de se abrirem e fecharem
silenciosamente. Sabia também que certos moluscos terrestres, como os
caracóis, levavam nas costas, nos seus vagarosos passeios, a sua vivenda
graciosamente espiralada, para dentro da qual se refugiavam ao pressentirem
qualquer perigo. Mas o que eu nunca vira era uma casinha feita quase só de
janelas e pouquíssima parede, como a do meu amiguinho Calcal. Quando ele
quer dar um passeio, mudar de ambiente, derrama por todas as janelinhas do
seu fantástico chalé calcáreo o corpinho gelatinoso, estendendo uma trama de
fiozinhos vítreos, que lhe servem de outros tantos remos para se locomover na
água salgada.
– Que está dizendo, Calcal? Você está digerindo a alga? Mas, se ela ainda está
na rua, fora de sua casa e do seu corpo?... será que você suspendeu o estômago
por cima da rua, através da janela?...
– Digiro onde quero e como quero. Já lhe disse que sou uma única célula...
Depois de algum tempo, vi que o foraminífero “desembrulhava” a pobre alga – e
da alga nada ficara senão uns restinhos indigestos, que o protozoário jogou fora,
e recolheu-se para o interior da sua casinha de mil janelas e pouca parede...
Num desses últimos dias, passando à margem dum pequeno lago de água doce,
assisti a uma tragédia passional, que acabou em suicídio premeditado da parte
de uma pequena.
Mas, com o advento da puberdade, começaram a soprar dentro dos seus tecidos
celulares tempestades violentas. Chegando o dia solene das núpcias, desperta
o botão feminino para mundos desconhecidos. Quer amar e ser amada a linda
Valisnéria. Quer transfundir em seres inexistentes o excesso de energia e
felicidade que já não cabe no próprio coração. Quer imortalizar-se na eterna
juventude de um novo ser, duma infinita cadeia de seres.
Dito e feito.
Tamanho foi o horror que se apoderou da alma da flor lá em cima que, por um
triz, desmaiara de dor e tristeza. Quis fechar as pétalas e afogar-se nas águas
profundas, mas não conseguiu realizar o seu intento. As pétalas não obedeciam,
não se fechavam, à espera da grande alvorada da vida.
Nisto soprou do oriente uma aura mais forte e desprendeu uma chuvinha de
pólen das douradas anteras do arrojado suicida e jogou os invisíveis germes
vitais sobre o estigma da gentil companheira, que recebeu em silêncio o
suspirado ósculo de amor. Ainda um grupo de insetos pequeninos e de formas
esquisitas fez uma visita às duas flores para ver se havia provisão de néctar, e
foram-se embora, decepcionados. Nem são flores, disse um dos visitantes,
contrariado. São espectros do fundo do lago, observou outro tido por espirituoso.
– Adeus, meu amor! – respondeu o outro lá no alto, enquanto deixava cair sobre
as águas as pétalas agonizantes. – Minha morte é alvorada de vida, porque filha
dum grande amor... Ressuscitaremos, tu e eu, em nossos filhos...
– Adeus...
– Adeus...
Lorantácea Fraudulenta e
Samambaia sem Amor
– Do solo, não, basta a conquista do sol – retificou, com insolência, uma planta
sem raízes, chumbada diretamente ao galho duma laranjeira meio decrépita, de
cuja altura pendiam os ramos da “insolente” como flexíveis cipós.
– Ó creatura perversa!...
– Não posso fazer dois trabalhos ao mesmo tempo, duas corridas em sentido
contrário: afundar raízes na escuridão da terra e demandar as luminosas alturas
do céu. Minhas forças são limitadas. Meu corpo é frágil. Limito-me à corrida rumo
à luz.
– Que é que fizestes, diletas filhas – perguntou com voz carinhosa – nesses
últimos milhões de anos, em benefício da nossa raça? que meios engendrastes
para conseguir a perpetuação e ulterior aperfeiçoamento da espécie?
– Esporos – disse este, gaguejante – es... espo... poros... esporos são a ge...
ge... gênese biológica...
– Esporos são uns grãozinhos escuros que criei na face inferior das minhas
folhas.
– Esses esporos são sua prole?
– Como é isto?
– Os esporos não são, propriamente, filhos meus, Majestade. Do esporo não sai
samambaia. O esporo é uma célula, que se desprende da face inferior da folha,
cai por terra e se transforma numa pequena placa verde, achatada, que, vai
criando raízes. Vai crescendo, crescendo, ate... até...
– Quer dizer que o protalo – é assim que os homens chamam essa placa verde
– atinge, por vezes, a uns dois centímetros de diâmetro. E depois?
– Depois é que vem o mistério. Esse protalo, como você diz, cria na face inferior
duas espécies de órgãos. Uns têm forma de pequenos tubos e no fundo de cada
um está colado um óvulo. Os outros são uma espécie de tecido celular
esponjoso, do qual se destacam umas bexiguinhas ocas munidas de cauda em
forma de espiral. Quando uma dessas bolinhas, que têm movimento próprio,
consegue penetrar num dos tubos e atingir o óvulo, nasce outra planta igual a
mim. Foi esta a invenção que fiz nesses últimos milhões de anos.
– Entretanto, Majestade, o ser mais inteligente que sobre a terra existe gosta de
mim e dá-me lugar de honra nas varandas das suas casas, e até no interior das
mesmas. À sombra das minhas frondes se tem forjado o destino de muitos
homens e de países inteiros. Tenho assistido às mais lindas conversas de almas
que sonham com mundos encantados e trocam beijos, que parecem dar direito
de entrada nesse mundo...
– Tens razão, minha filha. Teu corpo é dos mais elegantes e estéticos. É por isto
que os homens, te dão lugar de honra em suas casas, sem indagarem dos teus
mistérios biológicos.
Estava eu escutando ainda o colóquio da rainha Flora com suas filhas, quando
percebi, na vizinhança, diversas vozes a altercarem furiosamente.
– O sol nasce para todos – interveio outra voz, um pouco mais calma – e esse
gigante pretende monopolizar a luz, como se fosse só dele.
– Não adianta berrar – acudiu mais outra vozinha, tão serena e tranquila que,
parecia ter cursado escola de perfeito estoicismo. – O que vale é crescermos
também e procurarmos contornar jeitosamente essas folhas enormes que nos
abafam e roubam a luz. Depressa, amigas, alongai os pescoços rumo às alturas,
antes que essa maldita prímula se apodere de todo o sol e do mundo inteiro!
– Por que tanto espaço, sinhá Prímula? – perguntei àquela roda verde
desdobrada no chão. Ela não me respondeu, mas continuou, surda a gritos e
protestos, a estender vagarosamente as suas folhas sobrepondo-lhes outras,
menores, que em breve atingiriam o tamanho das primeiras, forrando de telhas
verdes o solo em derredor.
– Por que faço isto – disse, enfim, sem me olhar. – Para garantir o meu espaço
vital...
– Mas desculpe, sinhá Prímula, a Sra. precisa de tanto espaço, ao que sei, as
flores que vai criar são pequeninas e se erguerão em linha vertical às alturas,
onde há espaço de sobra?...
– Logo vi que você, homem sapiente, não entende nada dos mistérios da nossa
raça. Se eu não impedir o desenvolvimento das concorrentes ao redor de mim,
amanhã me tomarão a dianteira na conquista das alturas, roubando-me a
claridade solar, e meus filhinhos acabarão morrendo ou definhando por falta de
luz e calor. Não posso expor-me a semelhante perigo. Sou pequena, e tenho de
tomar providências enérgicas de início, antes que seja tarde. É questão de ser
ou não ser, problema de vida ou de morte, ou matar ou ser morta – compreende
você, gigante de ontem?
– De ontem?
– Compreendo, compreendo...
– Então? Boa mãe que sou para com meus filhos nascituros, não posso ter
considerações para com estranhos. Viver é lutar...
– Por que esse espalhafatoso cartaz – perguntou alguém, que não consegui
identificar.
– Ora, ora! para lhes servir uma gota de néctar que preparei no fundo do meu
cálice.
– Meu Deus! disse eu de mim para mim. Que alma mercantilista nessa
graciosíssima creatura... Miss Morning Glory adivinhou o meu pensamento, e
disse:
– Negócio de companhia – murmurei, mais para mim do que para ser ouvido. –
Sociedade de auxílios mútuos... Planta & Insetos Cia. Limitada...
– Então?...
– Para nós, o vento não entra em questão. O milho, que não tem néctar nem cor,
conta com as boas graças do vento. Nós temos negócio de companhia com os
insetos. O que eles querem é alimento, iguaria sadia e saborosa, e isto lhes
fornecemos sem cessar, em abundância, e da melhor qualidade. Para que
nossos amigos volantes saibam onde está armazenado esse delicioso licor é
que suspendemos no ar cartazes de cores vivas – não alguma tabuleta grosseira
e banal, como se vêem sobre as lojas dos homens, mas um reclame artístico,
obra-prima de estética e bom gosto, como você vê.
– Assim somos nós – disse ela, orgulhosa – isto é que é arte, beleza, suprema
perfeição. Ponha debaixo do microscópio o meu tecido celular e verá maravilhas
de harmonia e precisão. O que os homens fabricam é tanto mais perfeito quanto
menos visível – o que nós produzimos é tanto mais artístico quanto mais
minuciosamente examinado.
– Senhora Morning Glory, faça favor – corrigiu ela. – Estou sendo mãe de três
filhinhos gêmeos, desde a visita das abelhinhas pretas.
– Obrigada. Nós criamos sempre três filhos paralelos, porque cada uma das
nossas cápsulas contém três sementinhas. Quanto às cores, algumas das
nossas amigas preferem aliciar os insetos por meio de perfumes que espalham
no ar. São reclamos odoríferos. A grande Inteligência distribuiu sabiamente os
dons da sua liberalidade. As flores que não herdaram cores vistosas possuem
aromas para aliciar os amigos e intermediários da vida futura. Algumas há que
só florescem de noite, e têm geralmente perfume inebriante e cores claras para
romper a escuridão e chamar falenas e mariposas. Uma ou outra, como a
oenithera, levam a indústria ao ponto de criarem flores fosforescentes, cuja luz
não escapa aos noturnos lambiscadores de néctar. Nós, da família das
convolvuláceas e gênero das ipoméias, não temos luz nem perfume. Há quem
diga que somos flores sem alma. Será que a alma está no perfume?
– Não sei Senhora Morning Glory. Mas, afinal de contas, não me disse ainda
porque é que, apesar de hermafroditas, as suas flores não se fecundam a si
mesmas com os órgãos da mesma flor. Não seria processo muito mais simples
e independente de seres estranhos?
A linda flor demorou em responder à minha pergunta, porque uma grande abelha
dourada, das que fabricam mel para os homens, vinha saber se havia néctar à
disposição em troca dum carregamento de pólen colhido de passagem numa das
flores vizinhas. Encafuou-se profundamente no cálice, e voltou decepcionada,
porque não encontrou vestígio do delicioso licor.
– Por que não lhe disse que não havia nada, Dona Morning Glory?
– Porque não adiantaria dizer. Ver para crer, é a filosofia desse povinho armado
de ferrão venenoso.
– Diga-me, pois, porque prefere a fecundação exogâmica à endogâmica...
– Porque é tal a disposição das anteras e dos estigmas que outros seres menos
volumosos e de feitio diferente não tocariam nesses órgãos e, portanto, não
fariam a desejada fecundação, como a planta quer. As orquídeas também
pertencem à “companhia limitada”, mas os seus fregueses são outros.
Quando voltei da minha excursão vespertina pelos campos, verifiquei que muitos
pega-pegas, picões e alguns carrapichos se me haviam apegado à roupa. Tirei
os hóspedes indesejáveis e joguei-os ao barranco dum ribeirão próximo.
– Muito obrigado!
Olhei em derredor, e não vi ninguém que pudesse ser autor desse inesperado
agradecimento.
– Pelos modos, vocês não gostam de casa? – observei – brigaram com suas
famílias?
– Não, não, não! – bradaram todos a uma. – Somos muito amigos das nossas
famílias. Mas esta dispersão – prosseguiu o mais encorpado dos pega-pegas –
é para nós uma questão de vida. Viver é dispersa-se! Não temos pernas, como
você; nem asas como os insetos e as aves; nem barbatanas como os peixes.
Imóveis, temos de contar com os seres que se movem.
– Sem bastante solo, não teríamos matéria-prima a elaborar; sem sol suficiente,
nos faltaria a clorofila indispensável para prepararmos a nossa comida
orgânica...
– Todas. Cada qual conforme a sua natureza e o grau das suas possibilidades.
Nós, a grande família dos pega-pegas, dos picões e dos carrapichos, não somos
dos mais atrasados, nem dos mais adiantados, verdade se diga. Inventamos este
sistema de farpas com que nos prendemos à roupa ou ao pêlo dos transeuntes,
que nos levam ao longe.
– E, se não há transeuntes?...
– Não deixa de haver, em muitos casos ao menos. Ainda que muitos falhem,
alguns acertam e a nossa produção é grande. Como você sabe – observou um
pega-pega – crescemos de preferência à beira dos caminhos, nos gramados ou
nas pastagens de gado, onde, como nos ensinou experiência multimilenar,
costuma haver movimento de animais.
– Plim!
– Não foi nada. É um pé de mamona que joga aos ares os seus pimpolhos.
Atenção, daqui a pouco vem outro disparo.
– Plim, plim!
– Eu também vou subir, adeus, adeus! – bradou outra pluma branca que acabava
de se desprender da verde e flexível bainha dum arbusto venenoso de seiva
leitosa, que crescia num cercado próximo. E lá se foi também essa aviadora
pára-quedista, seguida logo de uma revoada de colegas soltas da vagem do
mesmo arbusto.
– São bem mais felizes que nós, essas sementes aladas – suspirou um tomateiro
que crescia ao pé duma velha amoreira toda carregadinha de amoras vermelhas
e pretas.
– Ora – respondeu a amoreira – então não sabes que nossos filhos dormentes,
meus, do tomateiro e de muitas outras plantas, são devorados pelas aves,
passando, de um a outro sol, nos intestinos delas, a fim de poderem continuar
alhures a sua vida?
– Mas é necessário para a dispersão das nossas sementes. Não temos farpas,
nem asas, nem molas.
– Como assim?
– Por quê?
– É o homem.
– Pois esse ser vertical, que apareceu há pouco tempo, usa de processos
estranhos para desenvolver as carnes saborosas do nosso corpo. Ele come essa
carne e joga fora os nossos germes, que para ele não vale nada. Assim, por
intermédio dele, conquistamos todos os continentes do globo e vivemos às mil
maravilhas. O homem gosta até das nossas flores, não para comer, mas olha
para elas, leva-as ao nariz e diz umas coisas bonitas, sobretudo em presença de
pessoas de rosto liso e cabelo mais comprido. Nós, pessegueiros, temos o
costume de fazer brotar primeiro as nossas flores, antes de qualquer folha, a fim
de nos tornarmos mais visíveis aos insetos nossos amigos; e o homem, parece,
gosta deste nosso costume.
De repente, percebi um gemido, que vinha de uma planta mirrada, que não quis
dizer seu nome. Escutando bem, percebi estas palavras:
– Eu quisera ser um cactos, que bebe pouco e nunca tem sede, porque não exala
água.
– Eu mesmo...
– Quem, eu?
– Conheço.
– Viver é lutar. Não há progresso sem luta e sofrimento. Quando vivíamos vida
fácil perto d’água, quase que não progredíamos. Com a invasão da terra, dos
vastos continentes, das montanhas, dos rochedos e dos desertos áridos, é que
começou a nossa evolução em linha ascensional. Criamos esplêndidas folhas
de todos os feitios. Inventamos engenhosos processos de reprodução.
Engendramos essa maravilha de cores e delícias que é a especialização de
certas células em órgãos masculinos e femininos. A princípio, localizamos em
dois pés diversos esses órgãos, como ainda fazem os pinheiros, abetos e
algumas outras plantas arcaicas. Depois, achamos mais prático e seguro fazer
crescer os dois órgãos num único pé, como acontece no milho. Só muito mais
tarde, premidas pela veemente luta da existência e pela crescente necessidade
de adaptação a ambientes vários, conseguimos reunir dentro do pequeno
espaço duma única flor todos os órgãos de reprodução e quase todas as plantas
modernas adotaram esta última conquista biológica.
Numa daquelas tardes cheias de sol e de paz, estava o pequeno Hélio deitado
à sombra dum arbusto a que o povo chama assobieira. Ao lado do menino
achava-se sentada sua irmã e lia-lhe, dum volume ilustrado, as mirabolantes
histórias que Sherazada contou ao príncipe oriental em mil e uma noites.
– Uma bruxa! uma bruxa! – gritou Hélio, apontando para uma pequena vespa ou
mariposa que saía lentamente do interior duma esfera que tinha uma portinhola
ao lado. A esfera era do tamanho duma bolinha de gude, e estava presa num
dos galhos da assobieira.
– Silêncio, menino! – ordenei. – Deixe Ceci falar!
– Meu nome é Ceci – repetiu a tal bruxinha cinzenta, no limiar da porta única do
seu castelo, agitando ligeiramente as asas como que a treiná-las para um grande
vôo. A luz da tarde, embora pouco intensa, parecia ofender os olhos do estranho
inseto; que procurava uma réstea de sombra projetada por uma das folhas
próximas. Depois. voltando-se para nós, disse: – Cecidosis eremita, é o nome
que me dão os homens que escrevem livros; foi o que me disse minha alma de
existência anterior.
– Como? – perguntou Ilka – você já teve outra existência? não nasceu agora
mesmo?
– Nasci agora para o mundo da luz; mas já vivi no mundo das trevas. Ah! que
coisa boa é a luz!...
– É.
– Não, foi esta planta e minha mãe que a fizeram para mim.
– Duvana dependens, lhe chamam os homens dos livros; mas o povo diz
assobieira, porque da minha casa vazia se fazem assobios.
– E foi esta planta que lhe construiu a casa? estou sem nada compreender,
Ceci...
O inseto vibrou as frágeis asinhas, ergueu-se aos ares e veio pousar bem perto
de nós.
– Alto lá! – bradou Ilka, recuando instintivamente. – Você tem ferrão, vespinha?
– Tenho, mas não é para ferir gente. É só para pôr ovinhos na casca das árvores.
– Será que estou sonhando? – disse Ilka, passando a mão repetidas vezes pelo
rosto.
– Conte-nos a sua história, Ceci! – exclamou Hélio, fechando o livro de mil e uma
noites.
– Não conheço Sherazada. O que sei é que é bem misterioso e terrível o castelo
em que eu nasci, Escutem. Numa dessas tardes de verão foi minha mãe pôr na
casca desta árvore uma série de ovinhos, menores que minha cabeça. É para
isto que serve a poedeira que temos. Um desses ovinhos fez o meu castelo.
– Juntamente com o ovo, injetou minha mãe na cortiça do galho um líquido, que
irritou os tecidos celulares da planta, mundificou-lhes a estrutura natural,
fazendo-os inchar cada vez mais em forma esférica e acabando por formar esta
galha, ou bugalho, como dizem os homens. O interior é oco, e lá dentro estava
eu, pequenina larva branca.
– Muito tempo, não sei, porque lá dentro não há dia e noite, e por isto não se
sabe do tempo.
– Justamente. Eu tinha saído da pele. Tinha asas, pernas, olhos, tudo. Por um
momento, se apoderou de mim uma sensação de angústia, porque ainda estava
presa naquela cadeia escura. As paredes, antes moles e comestíveis, haviam
endurecido durante o meu longo sono. Comecei a andar às apalpadelas ao longo
das paredes, empurrando, calcando por toda a parte, porque não podia crer que
a Natureza me tivesse pregado uma peça de mau gosto e quisesse matar-me
naquela sinistra solidão, precisamente quando eu tinha uma vontade imensa de
viver e ser feliz. De improviso, a parede cedeu em um ponto lateral do castelo.
Mais um empurrão – e uma onda de luz e de ar invadiu o meu cárcere...
– Está aqui a portinha que você empurrou para fora – exclamou Hélio, mostrando
a minúscula tampinha redonda de forma cônica.
– Foi.
– Pisou?
– Mas, diga-me, Ceci – observei – como foi que se abriu a portinhola secreta do
seu castelo precisamente quando você tinha de sair? ela não estava concrescida
com a parede até esse dia?
– Ah! isto é segredo da Natureza, grande segredo... O que sei é que aquela
ferroada que minha mãe deu na cortiça da planta quando nela depositou o ovo
foi acompanhada dum líquido que, como já disse, provocou uma irritação dos
tecidos celulares em derredor, modificando-Ihes a estrutura; mas não abriu
porta. O efeito dessa irritação veio muito mais tarde, quando a galha secou e
expirou o prazo do meu grande sono.
– Imagine – disse Ilka – se se tivesse aberto a portinhola logo a princípio!
entravam as formigas e comiam você...
– Graças à grande Inteligência, porém, nada disto aconteceu – disse Ceci com
ar pensativo. – A portinhola obedece às ordens da grande Inteligência, abre do
lado e só de dentro para fora, porque a beirada externa é mais larga que a
interna. E destacou-se das paredes da galha precisamente no fim da minha
metamorfose. Adeus!
– Agora não quero mais ouvir histórias de livro. A história de Ceci é mais
interessante. E até é verdadeira. Se ela voltar um dia, nos contará mais histórias
do outro mundo, não é?
Núpcias Mortíferas
– disse Ilka.
– Quem diz que não tem? Olhem aqui, uma bruxinha morrendo! – gritou, de
súbito o traquinas apontando para um ser dificilmente definível, colado a um pé
de junco, pouco acima da superfície d’água, tremendo em todo o corpo como se
estivesse prestes a estourar...
Ia eu explicando aos dois o que era uma ninfa e uma efemérida, quando a
estranha creatura estourou pelas costas, sacudiu de si a finíssima casquinha
vazia e transparente como celofane, abriu um par de asas infinitamente delgadas
e ergueu-se aos ares, qual sopro etéreo cor de ouro e neve. Arrastava após si,
presos na extremidade do abdome, três fiozinhos compridos e finíssimos
semelhando três cabelinhos.
– Foi-se – disse Hélio, batendo palmas. – Nem nos deu tempo para falar. Não é
como Ceci, esse bichinho...
– Não adiantava mesmo travar conversa com ele – observei – porque ele não
tem boca.
– Não come.
Ilka e Hélio trocaram uns olhares brejeiros e engoliram uns sorrisos maliciosos.
– Desculpe, Potoxu, quero dizer Xo-to-pu. Mas é verdade mesmo que sua linda
e querida amiga nasceu 21 vezes?
– Não compreendo o que está dizendo, Xotopu – disse Ilka, arregalando uns
olhos enormes.
Xotopu deu duas voltas em torno de si mesmo, sem explicar a razão desta
manobra, e prosseguiu:
– Lá no fundo das águas, cada larva vive solitária, suficiente a si mesma. Não
precisa de ninguém. Mas, assim que cria asas, é louca por se unir a outro ser da
nossa espécie. Ninguém sabe explicar esse mistério. A grande Inteligência é que
sabe. Sabe tudo mesmo. E assim que duas efeméridas se unem, morrem,
porque acham que não vale mais a pena viver depois de gostarem uma da outra.
Ninguém as mata. Elas é que morrem porque querem morrer mesmo. É um pacto
de morte, parece... Olhem, olhem!...
– Não chores, menina! – disse ainda o inseto antes de nascer sem boca. – Nada
vale a minha vida. O que vale é a nossa raça, e esta viverá sempre sobre os
nossos cadáveres...
– Por favor, Xotopu, deixa-me como lembrança da tua festa nupcial o lindo
vestidinho cor de ouro e neve que vais receber.
Este pedido de Ilka ficou sem resposta, porque a larva deixara de existir, existia
a ninfa, e em breve existiria para poucas horas de amor a efemérida.
– Que é isto? – perguntei a um dos barqueiros que trocara a sua carga azul pela
vermelha. Não tive resposta. Que é que vocês estão fazendo? – perguntei a um
grupo maior que acabava de chegar com a misteriosa carga azul. Nem eles
ligaram importância à minha interrogação.
– Eles? quem?
– Glóbulos? o que eu vejo são uns discos vermelhos, reforçados nas bordas e
com o centro ligeiramente amolgado.
– Exatamente. Assim são essas células a que os livros humanos chamam
glóbulos.
– Sim, uma célula, isolada e solta dentro do corpo a fim de poder cumprir a sua
grande missão de mensageira.
– Mas... não vejo núcleo celular, como aliás costumam ter as células.
– Dizes que a célula do sangue vermelho não se reproduz – será que ela vive
enquanto vive o organismo a que serve?
– E depois?...
– Estranho!... meu sangue nasce dentro dos ossos... assim como as águas
nascem no seio dos rochedos...
– Uma parte forma-se também no baço, porque o trabalho é muito. Como a célula
sanguínea não vive senão poucas semanas, é necessário que a medula e o baço
trabalhem de comum acordo para fornecer suficiente quantidade desses
veículos da vida; 5 litros de sangue contêm muitos bilhões de células, que têm
de ser fabricadas periodicamente.
– É absorvido pelo fígado e eliminado por meio da bílis, quando não entra em
combinação com outras substâncias para prestar serviço em outro setor do
organismo. Mas não torna a ser célula sanguínea. Não aceitamos células
reformadas. Só nos servem células novas e jovens, assim como vêm das
grandes fontes.
– É tão pequenina para que nela possa caber maior quantidade de oxigênio.
– Como? que está dizendo? a célula é tão pequena para ter maior capacidade?
– Perfeitamente.
– Admiro a tua sabedoria, ó grande Inteligência. Mas... que é isto?... que essa
carga azul que as células entregam ao ar, no interior dos pulmões...
– Lixo, não é?
– Como quiser.
– É oxigênio, que vão distribuir às células e tecidos do corpo à medida que vão
passando.
– Isto mesmo, desde a vigorosa aorta até à mais delgada veiazinha capilar.
– Se assim quiser...
– É isto mesmo, na ida são carros de provisão e na volta são carros de lixo.
– Pois bem. Para que esses cinco litros de glóbulos vermelhos entrassem cada
minuto em contato com a atmosfera e recebessem a competente carga de
oxigênio, quanto tempo levaria?
O movimento respiratório, como é sabido, é bem mais vagaroso; em estado de repouso normal,
cerca de 15 inalações por minuto, quer dizer, quatro vezes menos que as pulsações do coração.
Sendo que, de minuto em minuto, todo o sangue do organismo passa pelos pulmões, segue-se
que em cada inalação são arejadas cerca de 340 gramas de sangue. Se a superfície interna dos
pulmões fosse lisa, teria a área apenas de 2 a 3 metros quadrados, espaço insuficiente para pôr
todo o sangue em contato com o ar, de minuto em minuto. O interior dos pulmões, porém, tem
uma superfície de 200 metros quadrados, devido a essa infinidade de cachinhos e vesículas que
a cobrem e facultam um contato aéreo muitíssimo maior. Assim, de minuto em minuto, todos os
cinco litros de sangue são arejados, libertos da sua carga de elementos gastos e providos de
substâncias úteis.
– Pois bem, nesse lapso de tempo, ainda que fosse apenas de cinco ou dez
minutos, sucumbiria o organismo à sobrecarga venenosa do carbono e de outros
elementos nocivos, e à míngua de alimento, se não houvesse um largo e rápido
contato entre o sangue e o ar. O homem, em estado de repouso normal, inala
cerca de 15 a 16 vezes por minuto. Para que nesse breve espaço de tempo
quase todo o seu sangue ficasse arejado construí os pulmões desta forma. Em
vez duma superfície lisa de poucos metros quadrados de área, dei-lhe uma
superfície interna granulosa que tem mais de 200 metros quadrados. O total da
superfície dos glóbulos vermelhos é de mais de 3.000 metros quadrados. Assim
consigo arejar em poucos minutos o organismo todo, de uma a outra fronteira e
nos seus mais recônditos penetrais.
– Que está dizendo, ó grande Inteligência? Então a superfície interna dos meus
pulmões é de uns 200 metros quadrados? e a área total dos glóbulos vermelhos
passa de 3 quilômetros quadrados? É espantoso!
Neste momento percebi enorme rebuliço num dos ângulos do pulmão direito.
– Inimigos? polícia?
– Sim, entraram umas bactérias veiculadas pelo ar, tentando burlar a vigilância
da minha polícia.
– Dever cotidiano? – perguntei, a ver se conseguia abrir brecha por este lado.
– Sim, o nosso dever cotidiano – resmungou uma das células brancas que
parecia uma simples gotinha de clara de ovo. – O dever cotidiano dos leucócitos,
compreendeu?
– Quer dizer que, dia a dia, há tentativa de invasão hostil no corpo humano?
– Dia a dia, ora de dentro, ora de fora. Inimigos tanto mais perigosos quanto mais
pequeninos. Os grandes não são perigosos.
– Pois saiba que nós, os leucócitos, de farda branca, somos a polícia especial
do corpo. Mas deve você saber que os outros cidadãos do reino, os de farda
vermelha, cooperam fielmente conosco.
– Isto mesmo. São muito mais numerosos do que nós, os policiais, mas não
possuem armas tão perfeitas como nós, os mantenedores oficiais da ordem
pública e segurança nacional do reino.
– Diga-me, sr. Leuco, que foi que provocou aquela enorme celeuma que, há
pouco, agitou os arredores do grande empório pulmonar, onde os barqueiros
descarregam carbono e carregam oxigênio?
– Enorme celeuma? você chama aquilo enorme celeuma?... Ah! é verdade, você
é jornalista, está claro, está certo, desculpe... Aquilo não foi senão uma
brincadeira de mau gosto. Uns estúpidos bacilos de Koch, como dizem vossos
livros, andavam dispersos no ar e foram inalados por aquele homem. Assim que
encontraram o maravilhoso terreno das delicadas vesículas pulmonares,
procuraram logo estabelecer-se nelas, devorá-las e destruir tudo que a grande
Inteligência havia construído em alguns decênios. Não contavam, naturalmente,
com a nossa presença. Um, dois, três – e estavam todos os bacilos desarmados
e devorados. Eu engoli dois deles e já digeri.
– Quando são tragáveis. Alguns são intragáveis. Não acha prático este sistema?
– Que foi?
– Quantos?
– Dois ou três.
– Fossem apenas essas poucas bactérias, nada aconteceria. Mas é que esses
insolentes intrusos, assim que se sentem à vontade dentro do sangue ou dos
tecidos celulares, multiplicam-se espantosamente. Dentro de uns minutos
lançam à luta milhares de invasores e procuram logo ocupar os pontos
estratégicos da monarquia para garantir a sua permanência na mesma.
– Nervogramas?
– Perfeitamente. Continue.
– O organismo, como você deve saber, está todo entretecido dessas linhas
brancas, que, do lado de fora, terminam em aparelhos receptores, ou papilas
sensitivas, como vocês dizem. Recebem e transmitem instantaneamente toda e
qualquer impressão recebida:
– Estava passeando no interior desta mesma artéria onde estou. Assim que
recebi o brado de alarma, fui em linha reta ao cenário da luta.
– Deve você saber, ó homo sapiens, que nós, os policiais do reino, temos a
faculdade de penetrar todos os tecidos celulares do corpo, sem excetuar as
paredes compactas das artérias.
– Que está fazendo, Leuco? pode atravessar a parede desta artéria? como?
O pequenino glóbulo branco, em vez de atender aos meus gritos, projetou do
seu interior um fiozinho delgado, ou melhor, ele mesmo, de redondo que era, se
transformou num fiozinho mais fino que uma teia de aranha, e com a pontinha
sutil da extremidade perfurou, num instante, o tecido da parede arterial e
apareceu do lado de fora; e logo o resto da célula gelatinosa foi seguindo o
mesmo caminho, derramando-se célere pelo invisível orifício. Mais um segundo,
e o leucócito estava do lado de fora do vaso sanguíneo e retomou prontamente
a sua forma esférica.
– Que foi?
– Que é isto?
– É inteligente combater igual com igual, lançar bactéria contra bactéria, rechaçar
o inimigo por meio de seus próprios irmãos e camaradas – mas perfeito será este
processo somente no dia em que ele for feito de dentro para fora, e não de fora
para dentro, como agora. Se a Natureza produz forças destruidoras, produz
também forças construtoras e reconstrutoras.
Mas estas forças reconstrutoras devem vir de dentro – como de dentro vieram
as forças construtoras.
Quem construiu o corpo não foi matéria de fora – foi uma energia de dentro.
Depois de muito estudo, descobri que o fígado era uma verdadeira cidade de
laboratórios químicos, cada um dos quais neutralizava, por meio de engenhosas
combinações com outros elementos, os venenos que recebia sem cessar,
tornando-os assim inofensivos, e até úteis ao organismo. Em alguns casos,
quando não era possível essa transformação, devido à natureza da toxina ou à
carência de substâncias combináveis, os invisíveis químicos do laboratório
hepático despachavam os venenos, via bílis, para os intestinos com ordem
expressa de abandonar o reino, com as fezes.
– Donde vem esse amoníaco? – perguntei a um dos químicos que não fazia
senão lidar, dia e noite, com este veneno que extraía do sangue enviado pelos
intestinos.
– Vem das albuminas – respondeu ele, sem abrir mão do seu trabalho. Depois
de algum tempo, compadecido da minha ignorância, explicou: – Das albuminas
que o homem ingere com diversos alimentos e de que necessita para o seu
organismo. O albume, como você sabe, é uma substância complicadíssima.
Para poder ser assimilado tem de ser primeiramente decomposto e libertado de
outros elementos. Desse processo de decomposição resultam pequenas
quantidades de amoníaco que são arrastadas pelos sucos nutritivos, mas não
devem girar através do corpo. Nos intestinos não há químico idôneo para fazer
a análise e competente separação; eu e meus irmãos somos especialistas na
matéria.
– Mas diga-me, meu pequenino especialista, como é que você neutraliza esse
veneno?
– Sim, você sabe que o sangue velho, gasto, que vem do interior do reino, está
sobrecarregado de dióxido de carbono, ao ponto de ficar todo azul. Combino os
dois, e o amoníaco fica inofensivo.
– Uréia.
– E esta?
– Como assim?
– Formamos em torno deles uma membrana forte e impermeável, isolando assim
esses desordeiros do resto da sociedade do reino orgânico.
– Isto mesmo.
– Por via de regra, sim. Infelizmente, nestes últimos tempos, o homem ocidental
nos tem criado dificuldades enormes. Olhe aqui esta devastação...
– O homem ocidental, que quer dizer com isto?... explique-se, por favor...
– Você sabe que o homem ocidental é, mais ou menos civilizado, como ele diz,
aprendeu a viver de um modo inteiramente contrário às leis da natureza. As
nossas leis são eternas, imutáveis. Podemos, sim, adaptar-nos a diversos
ambientes e circunstâncias várias, mas não podemos modificar o íntimo quê da
nossa natureza. O homem ocidental, porém, exige de nós que, dentro de poucos
séculos, usemos de processos completamente diversos e, não raro,
diametralmente contrários aos que usamos há milhares de anos. Ingere
substâncias que nunca vimos. Vive em cavernas e espeluncas sem oxigênio nem
luz natural, muito piores que as dos trogloditas de tempos pré-históricos. Nós, os
químicos do grande laboratório hepático, sucumbimos em parte ao excesso do
trabalho ou somos prematuramente inutilizados com a sobrecarga de venenos
de que vem saturado o sangue do homem civilizado, sangue que não
conseguimos neutralizar devidamente. O organismo adoece, intoxicado. E então
tem o homem a lembrança infeliz de nos mandar verdadeiros batalhões de
“aliados”, como ele pensa, a que chama “remédios”, em quantidades tão
fantásticas e tão desnaturais que os nossos especialistas, em vez de serem
auxiliados por esses “aliados”, sucumbem atordoados ao ímpeto da carga com
que eles invadem o corpo. O homem não compreendeu ainda que nós não
trabalhamos, propriamente, com matéria, e, sim, com forças sutis, energias
dinâmicas que fornecemos à mais dinâmica das energias, a que vocês chamam
“princípio vital”. É assim que nós trabalhamos, sob a direção da grande
Inteligência. A pequena inteligência do homem não poderá nunca rivalizar com
a grande Inteligência da Natureza...
***
Desde que, pela vez primeira, me encontrei com a grande Inteligência, tive a
impressão de ficar mais divino que antes. E esta impressão se repetia e
reforçava todas as vezes que com ela defrontava. Não eram, propriamente, as
suas palavras, as suas sábias lições, que tanto bem me faziam – estas só
iluminavam a minha inteligência – era ela mesma, essa misteriosa entidade
cósmica, esse Algo indefinível, que com sua simples presença e realidade me
enchia de suave plenitude e luminosa tranquilidade. Atuava, tão apenas sobre
uma ou outra das minhas faculdades, mas sobre o meu próprio ser humano,
sobre o meu Eu tomado em toda a sua panorâmica totalidade.
Creio que foi este um dos grandes dias da minha vida, talvez a maior solenidade
espiritual do meu Eu. Ondas do Infinito me embalaram...
Adivinhei aquilo que nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais
penetrou em coração humano, mas que é real, mais real que todas as realidades
do mundo visível...
Se, nestas palidíssimas linhas, tento reproduzir a grande festa d’alma a que
assisti, não pense o leitor que seja apenas isto que vi, ouvi e vivi. Multiplique pelo
fator “Infinito” o que vai ler – e saiba que não é exagero...
– Grande Inteligência – disse eu, naquele dia eterno – toda vez que me falas ou
estás presente, sinto-me convalescer duma longa enfermidade... Invisíveis
torrentes de vigorosa saúde me percorrem as artérias do espírito... Sinto-me
intensamente divino, e, por isto mesmo, plenamente humano, por mais
paradoxal que isto talvez pareça. Digo o que sinto e vivo, e não o que penso.
Não quero saber se é razoável e lógico o que estou dizendo, quero ser apenas
sincero e dizer o que sinto e vivo...
– Tens razão, ó homem. Melhor que pensar é ser pensado. Nos melhores
momentos da tua vida tu és nascente, mas arroio... Não és canal, és fonte...
– Que fazes com teu rádio quando queres atrair os pensamentos e a música que
andam no espaço?
Estas idéias vindas de além do mundo pessoal é que são a base e o segredo
último de todas as grandes realizações sobre a face da terra.
– Quando ouço tudo isto, ó grande Inteligência, lembro-me do que disse e fez o
divino profeta de Nazaré...
– Se tão grande é o que, por dizível, foi dito pelos videntes, quão sublime deve
ser o que, por indizível, não foi dito! Lê e vive o que está nas linhas dos sacros
fragmentos – e lê e vive ainda mais o que está nas entrelinhas. Mais eloquentes
que as palavras são as reticências do Evangelho. Estupendo é o Sermão da
Montanha – assombroso o sermão do silêncio...
– Calemo-nos, grande Inteligência, para que o silêncio nos diga o que palavra
alguma pode dizer...
...............................................................................................................................
***
Inerente e imanente ao Universo vive algo que é como que a alma do cosmos.
Esse algo não é a face visível e tangível do cosmos – que não passa duma
sombra vaga – mas é uma realidade dentro do cosmos, ou, talvez melhor, é esse
mesmo cosmos, invisível e intangível, em sua mais pura acepção espiritual.
– Só terás paz de espírito se creres mais na tua ignorância que na tua sapiência.
– É este o caminho da paz interior. Existe um único Ser que pode crer
integralmente no seu saber, porque nele não há ignorância alguma.
– Todos os que querem ter a paz da alma devem crer nele e descrer de si
mesmos, porque assim se afastam da vacuidade e se aproximam da plenitude.
– Depois de tudo que te disse e mostrei, ó homem, depois de tudo que viste e
ouviste, estás no ocidente do teu não-saber e no oriente do teu saber. Podes dar
o primeiro passo para a sapiência, já que deste o último da tua insipiência. No
princípio está o alfa, e no fim o ômega – mas os extremos se tocam. Fechaste
todas as portas da ciência – podes abrir o portal da sabedoria. A ciência é a
miragem das coisas periféricas – a sabedoria é a realidade da grande coisa
central. E ainda que por milhares de anos e de séculos absorvesses com os teus
sentidos e a tua inteligência essas miragens que vêm de fora – que saberias tu
da eterna e profunda realidade que vem de dentro?
Tua pupila é uma pequenina janela para o Universo, do qual apanha diminuta
parcela, porque tua retina visual reage apenas a uns poucos raios luminosos,
deixando passar despercebido muito mais do que apanha – e assim é também
a tua inteligência: um postigo apenas para o mundo da realidade integral.
– É bem verdade, grande Inteligência. É bem pouco o que vemos e sabemos.
Mas... a nossa ciência e técnica não tardarão a desvendar-nos grandes
mistérios. O microscópio e o telescópio já alargaram notavelmente os nossos
horizontes...
Homem, vai às praias do mar e colhe na ponta do dedo uma gotinha d’água –
essa gota é o conjunto da sapiência humana de todos os tempos e países, e o
oceano é o que os homens ignoram e sempre ignorarão.
– As tuas palavras, ó grande Inteligência, me enchem de tristeza, porque sei que
são verdadeiras. Nasci para o saber – mas nunca saberei o que valha a pena.
Sempre clamarei no deserto árido da minha insatisfeita sede de saber... O meu
não-saber será sempre um oceano imenso – e o meu saber não passará nunca
de uma desprezível gotinha...
– Deus...
– E teu espírito...
– Meu espírito?
– Sei que viverei eternamente. Isto me diz meu íntimo ser. Tentei, um dia, provar
com silogismos a minha imortalidade, mas a minha torre de Babel não atingiu as
nuvens do céu. Hoje, sem nada provar, sei mais do que naquele tempo, e mais
firmemente estou convencido da vida imortal.
Bandeirante do Infinito – que glorioso destino o teu! Ainda que milhares e milhões
de anos, de séculos, de milênios se sumam na voragem do pretérito; ainda que
terminem todos os mundos do Universo, ainda-que se apaguem e reacendam
em novas alvoradas cósmicas todos os planetas, astros, vias-lácteas e galáxias
do espaço; ainda que infinitas eternidades rolem sobre mundos extintos e
universos em formação – o teu espírito estará sempre a caminho. Mas esse
eterno evolver é um eterno fruir, é uma visão beatífica em Deus, porque Ele, o
Eterno, está em ti e tu estás nele... A tua vida eterna é a tua eterna compreensão
e o teu amor eterno. Num ser consciente e finito, a vida eterna não pode consistir
numa eterna estagnação, mas, sim, numa evolução eterna. É este o teu grande
destino, ó homem. É esta a paz eterna, o descanso perpetuo...
– Por mundos ignotos andarás a vida inteira, por todo o sempre. No dia em que
diante de teus passos deixasse de haver mundos ignotos, no dia em que
atingisses a extrema fronteira de todos os mundos materiais e espirituais,
deixarias de ser homem – serias Deus. Mas, como nunca serás Deus, por mais
divino que sejas, andarás sempre por mundos ignotos...
Huberto Rohden
Nasceu na antiga região de Tubarão, hoje São Ludgero, Santa Catarina, Brasil
em 1893. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia
e Teologia em universidades da Europa – Innsbruck (Áustria), Valkenburg
(Holanda) e Nápoles (Itália).
Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e
dirigiu o movimento filosófico e espiritual Alvorada.
Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o Golden
Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya-yoga por Swami Premananda, diretor
hindu desse ashram.
Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado
para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University
(ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e
Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coréia, a universidade
japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi
nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não
tomou posse.
Nos últimos anos, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia
alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos
definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com
a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo.
Maravilhas do Universo
Alegorias
Ísis
Por mundos ignotos
Coleção Biografias
Paulo de Tarso
Agostinho
Por um ideal – 2 vols. autobiografia
Mahatma Gandhi
Jesus Nazareno
Einstein – o enigma do Universo
Pascal
Myriam
Coleção Opúsculos
Catecismo da filosofia
Saúde e felicidade pela cosmo-meditação
Assim dizia Mahatma Gandhi (100 pensamentos)
Aconteceu entre 2000 e 3000
Ciência, milagre e oração são compatíveis?
Autoiniciação e cosmo-meditação
Filosofia univérsica – sua origem sua natureza e sua finalidade