Satanás e Os Demônios Na Bíblia

Fazer download em doc, pdf ou txt
Fazer download em doc, pdf ou txt
Você está na página 1de 8

SATANÁS E OS DEMÔNIOS NA BÍBLIA. Ildo Bohn Gass. CEBI.

Jesus o Libertador. Jon Sobrino. Dicionário bíblico. John L. McKenzie


A crença em poderes maléficos, em espíritos malignos é um fenômeno comum a todas as culturas.
São formas de explicar a presença do mal em nossas vidas.
A condição humana como a de toda a natureza é contraditória. Assim como existe o dia, temos a
noite. Há frio e também calor. Assim todo verso tem seu anverso. O mesmo acontece com nossa
experiência a respeito do bem e do mal, do amor e do ódio.
Há o projeto da lógica egoísta do mal, do amor próprio, manifestada nas tentações de Jesus. A busca
do poder, de glória, de riquezas e de satisfação imediata da fome (Lc 4,1-13).
Do outro lado está o caminho da lógica do amor, da solidariedade. Ter compaixão é justamente isso.
É sentir com as pessoas, ser próximo delas (Lc 10,36)
O bem e o mal convivem lado a lado em nosso ser. São duas forças que fazem parte da condição
humana (Rom 7,14-25).
A prática do mal, a negação do amor, também é escolha nossa, é consequência da nossa liberdade.
Nelson Mandela dizia que: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua
origem ou ainda pela sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender. E se podem aprender a
odiar, também podem ser ensinadas a amar”.
Para deixar circular o bem precisamos viver em sintonia com a fonte do amor através da oração.
Deixar-se conduzir pelo amor de Deus é ser radicalmente livre. Por outro lado empoderar o egoísmo
e a cobiça que habitam o coração humano é beber água em outro poço, chamado na tradição
neotestamentária de satanás ou diabo. Beber água dessa fonte é tornar-se escravo da cobiça da
riqueza, da ambição do poder, e do desejo de prestígio a qualquer custo. É um espírito, uma
ideologia, uma mentalidade, uma cultura e comportamentos que encharcam mentes, corações e
estruturas sociais.
Reflexão bíblica. No livro do Gênesis, os primeiros capítulos colocam o ser humano diante de dois
caminhos. Gn 2 o caminho proposto por Deus. Gn 3 a escolha dos nossos primeiros pais que levou à
violência desde a morte de Caim até o dilúvio, “porque os desígnios do coração humano são maus
desde a infância” (Gn 8,21; Mt 7,21-23).
Jesus identificou o espírito do mal presente nos poderes econômicos, políticos e religiosos.
Atribuir nossas más ações a forças externas é não querer assumir a responsabilidade pessoal e
coletiva em nossas decisões e práticas. Continuamos sendo Adão culpando Eva, e esta a serpente.
O Segundo Testamento também expressa a experiência cotidiana com o mal em linguagem
simbólica, usando noções como satanás, diabo ou maligno, de um lado, e, de outro, demônios,
espíritos impuros ou imundos e espírito de doença. São figuras que personificam o mal que
experimentamos na vida. Esta representação sempre está ligada a atores históricos concretos e não a
forças abstratas. Estes agentes históricos do mal se expressam em condições subumanas, como a
fome, ou ainda, doenças físicas e mentais.
Com Jesus aprendemos que o medo é o contrário da fé. Daí a insistência para que creiamos e não
tenhamos medo.
A prática libertadora de Jesus expulsa poderes demoníacos das mentes e dos corações humanos bem
como das instituições. Assim desmascarava pessoas , grupos de pessoas, costumes e regras,
promovendo a prática do discernimento e a conscientização do povo, incentivando a vida e a
solidariedade.
Hoje, poucas pessoas tem opinião própria, os meios de comunicação fazem nossa cabeça. Nós
1
sabemos quanto há de mentira e manipulação na opinião pública. Jesus dizia que o diabo é o pai da
mentira (Jo 8,40.44, At 5,39)
Tem igrejas que ocultam a verdade, falam da teologia da prosperidade. Nela se ensina que a fome, a
pobreza, a doença, e os vícios são frutos do diabo causados por demônios a serviço dele. Assim as
pessoas deixam de ser plenamente responsáveis. Estes demônios devem ser expulsos. Jesus os
libertará se oferecem sacrifícios monetários. Em vez de descobrir as cau-sas socioeconômicas, essa
teologia acaba abençoando uma sociedade baseada na injustiça.
Embora esta teologia da prosperidade esteja presente no Antigo Israel (Dt 28,1-46; Ml 3,8-11),
também havia uma teologia da resistência, para quem o coração humano era a fonte do mal, ela
defendia uma religião da gratuidade, como aparece no livro de Jó.
A teologia de Jesus não é a experiência com um Deus que oferece a prosperidade. Esta ao contrário
é a proposta de satanás, quando oferece propriedades, riqueza, reinos, poder e posição social (Mt 4,
1-11).
O amor de Jesus propunha repartir os bens, partilhar o poder, servir, para que todos tenham vida e
dignidade (Jo10,10). Para Ele só há liberdade quando todas as pessoas tem acesso à cidadania, à
vida em plenitude.
Caminhando com a Bíblia. Visão geral. Vamos acompanhar a evolução da explicação da
presença do mal na vida.
No Primeiro Testamento, nos começos, o mal era atribuído a Deus.
Mais tarde, com a influência cultural da Mesopotâmia, o judaísmo incorporou a demonologia em
sua fé.
Os evangelhos sinóticos diferenciam satanás, maligno e diabo, que agem pela sedução e tentação
(Mt 4,1; Mc 1,13; Lc 4,2), dos demônios, espíritos impuros ou de doença, que agem pela possessão
(Mc 1,23; 5,2)
Jesus agiu combatendo os poderes demoníacos que diminuíam a vida e “passou fazendo o bem e
curando a todos os que estavam dominados pelo diabo, porque Deus estava com ele” (At 10,38)
João se refere ao diabo como pai da mentira e como príncipe deste mundo.
As primeiras comunidades levaram adiante a prática de Jesus no combate ao diabo e aos demônios,
bem como ao dragão, aos poderes e potestades deste mundo.
Hoje “expulsar espíritos impuros” é uma das tarefas que Jesus nos dá para continuar seu projeto de
vida, amor e liberdade.
.- Satanás e os demônios no Antigo Israel.
A teologia israelita atribuía a Deus tanto o bem como o mal, a benção e a maldição, não havia
dualismo. Tudo procedia de Deus (Ex 4,11; Nm 11,1-3 Jz 2,14; 1Rs 22,22; Jó 2,10; Is 45,7; Am
3,6). Até os espíritos maus são tidos como enviados por Jahweh (Jz 9,23, 1Sm 16,14-15), e até os
anjos exterminadores (Gn 19,13-15; Ex 12,23; 2Sm 24,16-17).
Israel também entendia que o coração humano é o lugar de onde vem o mal (Gn 8,21, Rm 7,21-23;
1Cor 15,24, Tg1,13-15).
Essas duas dimensões conviviam na teologia israelita.
.- Os demônios eram culpados daqueles males da vida que não constituem grandes catástrofes
naturais. Estavam ligados aos desertos, lugares onde Deus não exercia sua função de tornar a terra
fecunda. Uns tinham nomes coletivos (até sete diferentes) como: animais do deserto, febre,
epidemia, peste etc.
Para combater a maldade o bruxo na mesopotâmia devia conhecer o nome do demônio. O demônio
2
mau era um utukku. O grupo de sete demônios maus é encontrado frequentemente nos
encantamentos. Quando eles arremetiam contra um homem, o ashakku atacava a cabeça, o namtaru
a garganta, o mau utukku o pescoço, o alu o peito, o etimmu a mão e o gallu o pé.
Mas, havia também nomes individuais como Lilith (Is 34,14); Azazel, derivado de bode (Lev
16,8.10.26); Asmodeu, espírito de violência, demônio persa (Tb 3,8; 6,3, 8,1-3); Beliyáal, desordem
(Jz 19,22; 20,13; 1Rs 21,10-13; Pr 19,28; 2Cor 6,15); Baal Zebub, “senhor das moscas” (2Rs
1.2.3.6.16).
A serpente, o Leviatã e os serafins.
A serpente é um dos símbolos mais difundidos na mitologia ao redor do mundo. Podendo significar
desde o poder destruidor das águas o Leviatã (Jó 3,8, 40,25), como Raab (Is 51,9); ou Tannin, “o
dragão” (Is 27,1); assumindo os traços do crocodilo (Ez 29,3-5); que virará dragão na Apocalipse
(Ap 12,3).
A serpente também está ligada à sabedoria, à fertilidade, ela detém o enigma da vida e da morte
(Nm 21,1-9; Ex 7,9-13; Gn 3,1-6) e é até cultuada (2Rs 18,4).
Os judeus só identificarão a serpente com satanás no tempo da dominação romana.
Os serafins começaram sendo cobras venenosas (Nm 21,6.8) Depois serpentes voadoras (Is 14, 29;
30,6), terminarão sendo criaturas celestes a serviço de Deus (Is 6,2.6).
Satanás: adversário, inimigo, acusador, promotor celeste, cuja função é questionar e testar a
genuidade da virtude humana (Jo 1,6ss; 2,1ss; Zac 3,1-2). Satan é o promotor nas portas das aldeias.
Usada para adversários (1Sm 29,4; 2sm 19,22-23) 1Reis 11,14 “Jahweh suscitou contra Salomão um
satanás”
Israel incorpora e aplica a Jahweh traços de seus grupos culturais, como – no caso de Jacob - o
espírito maligno do rio Jaboc , que à noite atacava os viajantes (Gen 32,23-33). Javé, uma divindade
do deserto ataca Moisés, era uma divindade madianita (Ex 4, 24-26). Em Ex 12,21-23, Javé assume
os traços do demônio exterminador dos pastores, para proteger os primogênitos no Egito. Em Nm
22,22-35 Javé é um satanás para Balão “eu saí como o teu satanás (adversário)” (v. 32).
Um mau espírito da parte de Deus atacava Saul (1 Sm 16,14.15.16.23)
Na literatura apócrifa, Satã ou o diabo, adquire uma forma mai definida. Ele é agente da maldade, os
males que Satã, tem o poder de infligir são causados pelo seu ódio aos homens. Ele não se identifica
com a serpente, mas fala através dela.
Evolução. Em Jó 1-2 e Zc 3,1-4, satanás é o acusador. Em Jó 1,6 satanás é um entre os filhos de
Deus. É uma tentativa de não colocar a origem do mal diretamente em Deus. Em Jó 24,1-12 se
afirma que a pobreza é fruto da injustiça humana e não castigo de Deus. Jó reage à teologia da
retribuição e defende uma relação gratuita com o sagrado.
1Cr 21,1 satanás é responsável por um castigo que em 2Sm 24,1 é atribuído diretamente a Deus. Em
2Sm 24, 10 se afirma que Davi foi o culpado.
Satanizar é odiar “passou Esaú e satanizar (odiar) Jacó por causa da benção” (Gn 24, 41).
O Primeiro Testamento não conhece um poder do mal absoluto e contrário a Deus antes do século
VI. A Bíblia hebraica não conhece exorcismos.
.- Foram os persas, a partir de Zoroastro, os que elaboraram uma demonologia. (558-330). Há uma
luta constante entre o bem e o mal, ao final o bem vencerá. Zoroastro dizia: “Age como gostaria que
agissem contigo”
Os persas creditavam os males da vida (desgraças, doenças, tentações, morte) a demônios maléficos,
assim como (Mc 5,15; 9,17-24). Havia multidão de demônios. Havia também demônios bons, como
3
os querubins que guardavam os templos e palácios.
O judaísmo no período entre os dois testamentos tem uma fé muito viva nos demônios que deriva
tanto da demonologia mesopotâmica como da grega.
.- Com os gregos, a partir do 332, a demonologia teve um novo impulso. O livro de Tobias (ano
200) nos conta um exorcismo (Tb 3,8; 6,3; 8,1-3).
A ideia de Platão (429-347) sobre os demônios influenciará os gregos:
O mundo está cheio de demônios que vivem no ar. Eram seres intermediários entre a divindade e as
pessoas. Podiam ser bons e maus. Seriam imortais, mas sujeitos às paixões. Quem morria podia se
tornar um demônio.
Os judeus personificaram cada vez mais a figura de satanás. Ele será o príncipe dos espíritos maus.
Na Sabedoria, escrito no ano 50, satanás é o diabo (Sb 2,24), assim como na tradução dos setenta.
A satanização da mulher. Começou por Eclo 25,24 “Foi pela mulher que o pecado começou”. A
primeira Timóteo faz a releitura de Gn 3 “foi a mulher que enganada, incorreu em transgressão”.
Tertuliano (155-220) “A mulher é a porta do inferno. É por meio da mulher que o diabo atinge o
homem”.
A satanização da mulher chegou ao auge nos séculos XV e XVI, durante a inquisição, em torno de
100 mil mulheres foram queimadas vivas, acusadas de serem agentes do demônio.
Mas atitude de Jesus não é sexista, mas de acolhida, de diálogo (Lc 13,10-17).
Quando Jesus acusa as pessoas de estarem possessas por satanás/diabo, sempre são homens. (Mc
8,33; Lc 22,3; Jo 6,70; 13,2.27)
A origem do mal. O livro apócrifo de Henoc (século II a. de C.) explica a origem do mal a partir
dos anjos rebelados e expulso do céu.
A opressão imperialista, desde a dominação grega, era vista pela resistência judaica como
personificação dos poderes do diabo, do dragão. A crueldade dos romanos contribuiu ainda mais,
para que os judeus vissem satanás e seus demônios agindo nas forças do reino do mal que vinha de
Roma.
Jesus comungava com seu povo a crença nessas forças destruidoras que se apoderavam das pessoas.
Na mentalidade judaica e também na de Jesus, doença e ação demoníaca andam juntas. Até uma
simples febre podia ser considerada uma possessão (Lc 4, 38,39).
No tempo de Jesus acreditava-se que houvesse em Israel em torno de 300 demônios. Seu chefe seria
Beelzebu (Mc 3,22).
Diabo e demônios nos evangelhos sinóticos.
Entre os nomes dados aos poderes malignos estão:
Satanás: (Hebraico: satan) adversário, inimigo, acusador, promotor (Mc 4,15; Mt13,19; Lc 8,12).
Aparece 36 vezes no Segundo Testamento; é sinônimo de Beelzebu, diabo, dragão e maligno,
representando o poder contrário a Deus.
Diabo: (grego: diabolos) o que separa, divide, faz tropeçar e cair (Mt 4.1.5.8.11) É o contrário de
símbolo. Aparece 37 vezes no Segundo Testamento. Ao seu serviço estão os
anjos caído e os demônios. É o tentador.
Maligno: (Grego: ponerós) mesmo que diabo e satanás.
Beelzebu (Hebraico: Ba´al Zebub). Significa príncipe. Igual que satanás/diabo. Aparece 7 vezes nos
sinóticos. (Mt 10,25). Caluniaram Jesus com este nome (Lc 11,15).
Dragão: (Grego: drákon) Identifica satanás, diabo ou a antiga serpente (Ap 12,9; 20,2).
Os antigos imaginavam o reinado de satanás como um príncipe, em seu trono, com os seus servos,
4
seus anjos (Ap 13,2)
Demônio: (Grego: daimónion) aparece 63 vezes no Segundo Testamento. Desde o século VIII
(Homero), os demônios eram, para os gregos, espíritos divinos intermediários, eram neutros tanto
para o bem como para o mal. Demônio é gênio, esperto. Para os judeus os demônios eram só
espíritos maus ao serviço do diabo, causando todo tipo de males físicos e psíquicos, desgraças e
sofrimentos.
Nos evangelhos recebem outros nomes como espírito mudo, surdo, impuro, de doença (Mc 9,17.25;
Lc 4,33; 13,11; Mt 10,1)
Lucifer: (Latim: Lucem ferre) é o portador da luz. Equivalente da deusa grega Fósforo, a estrela d
´alva. São Jerônimo (347-420) foi associado aos anjos caídos.
Jesus e o diabo/satanás/maligno. Jesus e as comunidades cristãs estavam influenciados pela
demonologia persa.
Jesus diz que sua missão é amarrar satanás, o forte (Mc 3,2.- O diabo/satanás/maligno tem como
função seduzir, tentar e induzir ao pecado, a tudo o que escraviza e impede a liberdade. São as
forças contrárias a Deus. Está em relação a um projeto de vida e não a doenças (Mt 4, 1-11; Lc 4.1-
13). Diante da fome, o diabo apresenta uma solução mágica que independe de uma sociedade justa.
Depois é o poder centralizado, poder sobre, é opressão. O poder deve ser participativo, horizontal,
comunhão. “O poder absoluto corrompe absolutamente” E.E. Dalberg Acton, sir Lord Acton (1834-
1902). O poder dos sumos sacerdotes é o poder do príncipe das trevas (Lc 22,53)
Diabólica é a riqueza acumulada. O dinheiro pode exercer domínio sobre nós, tornando-nos seus
escravos. A riqueza idolatrada é o verdadeiro satanás que seduz, que tenta e que induz a toda ordem
de injustiças. Riqueza partilhada é divina.
.- O demônio ou espírito impuro tem como função infligir males físicos ou psíquicos às pessoas. (Mt
4,1.3; 6,13; Mc 1,13; Lc 4,29). Agem pela possessão ou invasão (Mc 1,23; 3,30; 5,2)
Os poderes malignos estão sendo derrotados pelas forças de Deus (Lc 11,20). O poder dos demônios
se submete às forças do reinado de Deus (Lc 10,17-18)
Exorcismos. A prática exorcista existe em todas as culturas em que foi desenvolvida a crença na
possessão de espíritos malignos. Estar possuído de espíritos demoníacos é estar a sua disposição, é
deixar que dirijam nossos desejos e nossas palavras, ao ponto de perdermos nossa própria
identidade.
Na cosmovisão da época, os espíritos malignos são os agentes que provocam as doenças sem causas
conhecidas, febre, cegueira, mudez, surdez, epilepsia, doenças mentais (Lc 4,38-39).
No tempo de Jesus havia outros exorcistas, discípulos dos fariseus (Mt 12, 27; Lc 11,19)
Jesus via tudo invadido pelo espírito das forças do mal, que nascem nos corações humanos e se
materializam nas instituições da sociedade, costumes e leis, em tudo o que submete e desumaniza,
destrói e diminui a vida.
Jesus agiu combatendo os poderes demoníacos que diminuíam a vida, libertando de todas as formas
de males (Mc 1,9-11). Sua atuação recuperava a dignidade das pessoas e manifestava a compaixão
do Pai.
Na prática libertadora de Jesus, cura e exorcismo se equivalem “Jesus curava todos os oprimidos
pelo diabo” (Mt 6,18)
Há elementos especiais nesta cura (Mc 5,1-20), é um excluído, em Gerasa havia uma guarnição
romana, seu emblema era o javali, o porco selvagem, se fala de correntes e algemas, é usado o nome
de “legião”.
5
Tal como os demônios tomavam posse das pessoas, da mesma forma os romanos tomaram posse da
Palestina.
Jesus pergunta pela fé das pessoas. O agir divino não produz magia. Deus opera em quem deixa que
sua graça o transforme. A teologia do medo é a negação da fé: “não tenhais medo” (Mt 10,26.28.31)
A oração é o caminho para colocar nossas vidas a disposição do Espírito (Lc 4,18-19).
Príncipe deste mundo e demônios em João. Para ele, também, diabo, satanás e maligno são a
mesma coisa. Ele acrescenta “príncipe deste mundo”. Príncipe deste mundo aparece três vezes (Jo
12,31; 14,30; 16,11). O mundo está sob o poder do maligno que se manifesta em pessoas e
organizações bem reais, políticas ou religiosas (1Jo 5,19).
João, porém, faz uma abordagem diferente dos sinóticos: Jesus não expulsa demônios.
Em João fica claro que a figura do maligno remete aos poderes romanos e a autoridade do sinédrio.
Em João “mundo” é a sociedade injusta que não acolheu Jesus e decretou sua morte. (Jo 17,6). Ser
do mundo é não ter o amor de Deus, mas os desejos da carne e dos olhos, o orgulho da vida (1Jo
2,15-17)
Em relação a Judas, Jesus diz :“um de vós é um diabo” (Jo 6,70-71) porque está comprome-tido
com seu projeto homicida. A comunidade tinha acusado Judas de ladrão (Jo 12,6). Os autores de
João viram na atitude de Judas a ação de satanás, unida ao desejo de ter. Também no horto das
oliveiras ele vem chegando com Judas, os soldados romanos e a policia do sinédrio (Jo 14,30; 18,2-
3). Também para Paulo os romanos “os príncipes deste mundo mataram o Senhor da glória” !Cor
2,6-8)
“O diabo é homicida e pai da mentira” (Jo 8,44). “Quem não pratica a justiça, isto é, que não ama
ao seu irmão não é de Deus” (1Jo 3,10).
Jesus é acusado de possesso (Jo 8,48. 52), por sua interpretação diferente da lei, por curar em dia de
sábado, por ameaçar a ordem estabelecida pelo sistema do templo.
A Páscoa de Jesus foi o verdadeiro exorcismo, a vitória sobre os poderes satânicos, sobre o príncipe
deste mundo. “Agora o príncipe deste mundo será jogado fora. E quando eu for levantado da terra
atrairei todas as pessoas a mim” (Jo 12,31-32).
No Apocalipse. Este livro segue a mesma linha de Jesus e de Paulo. Os poderes satânicos são algo
real e concreto. O diabo está encarnado na besta que representa o império romano ou o emperador.
Os demônios são o espírito, isto é, a mentalidade, a cultura e o comportamento, que anima os
governantes e estruturas imperiais (Ap 17-18).
O Apocalipse revela o poder libertador de Deus em seu Cordeiro e a luta do diabo contra ele e seus
seguidores. Desmascara a dominação. Satanás aparece oito vezes (Ap 2,9.13.24; 3,9;12,9; 20,2.79
Em Pérgamo está o “trono de satanás”, o altar de Zeus ou do imperador. (Ap 2,13).
Diabo é sinônimo de satanás e aparece cinco vezes (Ap 2,10;12.9.12; 20,2.20) Uma referência ça
perseguição romana como encarnação do diabo (Ap 2,10)
Demônios e espíritos impuros se equiparam. Adorar divindades imperiais é o mesmo que prestar
culto aos demônios. (Ap 9,20)
O Apocalipse para se referir a satanás usa a palavra dragão. Dragão, satanás e diabo é a antiga
serpente (Ap 12,9). Para quem o encarna usa a palavra besta.
A besta do mar representa o império, o imperador com todos seus poderes (econômico, político,
militar, religioso) que garantem sua dominação. É a encarnação do dragão (Ap 13,1-2.4)
A besta da terra é o espírito do dragão, o falso profeta que seduz e engana o povo (Ap13,11-17;
16,13).
6
O espírito da besta é o sonho consumista e individualista. Seu objetivo é ter sempre mais, não se
importando com a dignidade da vida, da criação e das pessoas. Por ser sedutor e encantador é o
diabo mais difícil de exorcizar.
Diabo e demônios nas comunidades cristãs. No livro dos Atos e em Paulo.
Satanás é associado à mentira. “Disse-lhe então Pedro: Ananias, por que Satanás encheu o teu
coração para mentires ao Espírito Santo, retendo parte do preço do terreno?” (At 5,3). Para Paulo o
diabo é inimigo de toda justiça e o associa às trevas, a todo engano e a toda maldade, Paulo diz a ao
mago Elimas: “Homem cheio de falsidade e de toda malícia, filho do diabo e inimigo de toda
justiça” (Atos 3,10). Um exorcismo de Paulo numa jovem escrava sensitiva, está em Atos 16, 16-18.
Paulo e sua equipe usam as palavras satanás, maligno, diabo e demônios como sinônimos. O diabo
era realidade bem concreta, contrária a Deus e uma ameaça para as pessoas.
Paulo diz que nos cultos pagãos os sacrifícios são imolados aos demônios (1Cor 10,14-22). Ele sabe
que a maioria dos cultos, na cidade sob a dominação romana, era manipulada em favor da
legitimação do poder imperial.
Na 1Cor 5,5 e em 1Tm 1,19-20, Paulo propõe que membros da comunidade devam ser afastado e
entregues a satanás, ao mundo dominado pelos poderes hostis ao evangelho. Os conflitos na
comunidade também são obra de satanás (2Cor 1,12,13 + 7,5-16). Foi satanás quem o impediu de
voltar a Tessalônica (1Ts 2,18). As comunidades não podem reproduzir em seu interior as
desigualdades do mundo (Rm 12,2)
Jesus... destruiu o dominador da morte, isto é o diabo” (Hb 2,14). Portanto não há mais razão para
ter medo do diabo. O medo é o contrário da fe.Todo podemos naquele que nos fortalece (Fl 4,13).
Para Paulo, principados, potestades e dominações eram a personificação dos poderes supraterrestres,
relacionados com o diabo (Ef 6,11-12)
Na segunda geração (70-100) estão presentes os conflitos e demônios (2Ts 2,9-10a). Em Efésios e
Colossenses, - quando as comunidades estavam se amoldando aos esquemas deste mundo
-diferentemente que nas cartas autênticas, os poderes opressores são transferidos para a esfera
celestial, atenuando os conflitos com os poderes deste mundo como fizera o livro de Atos (Ef 6,12,
Cl1,13,16), amenizando a dimensão profética e evangélica do projeto de Jesus.
Também na terceira (100-130) ver 1Tm 3,6-7, 11; 5,3,15 e 2Tm 2,25-26.
Paulo nos estimula a deixar que nossas vidas sejam guiadas pelo Espírito de Deus e não pelos
desejos egoístas (Gal 5, 16-24)
Nas outras cartas do N.T. “Os demônios também creem e tremem” (Tg 2,19) .“O adversário, o
diabo, como um leão que ruge, anda rondando a procura de quem devorar” (1Ped 5,8-9).
Seguir expulsando demônios. A prática exorcista hoje, televisionada ou não, em vez de desmas-
carar a sociedade injusta, acaba confirmando o sistema de opressão em que o mundo está
mergulhado.
Sabemos que a luta contra satanás e seus demônios não é fácil. Foi na cruz que o príncipe deste
mundo foi lançado fora (Jo 12, 31-32).
Jesus libertava as pessoas de toda enfermidade de toda influência do mal. Jesus também denunciava
os agentes do mal, bem como as estruturas que eles mantinham. Eram duas frentes de combate ao
mal. No amor fiel e incondicional de Jesus está a raiz e a fonte da vitória sobre o mal.
****************************************************************************
Jesus Libertador. Jon Sobrino. Pg 144.
7
No mundo antigo no AT e no tempo de Jesus existia a convicção de que o mundo estava povoado
por forças desconhecidas que estavam muito presentes na vida das pessoas e que lhes eram
prejudiciais. Estas forças agiam, sobretudo através das enfermidades e especialmente as
psicológicas. As enfermidades não eram só um mal, mas uma escravidão da qual era preciso se
libertar. Jesus faz sua aparição nesse mundo escravizado pelos demônios. Jesus afirma que estas
forças, superiores ao homem, não são superiores a Deus nem mais fortes que Ele. Jesus “vem com
a autoridade de Deus não só para exercer a misericórdia, mas também, e principalmente, para
empreender a luta contra o Maligno” Jeremias.
Jesus não é um taumaturgo nem um exorcista profissional, sua atuação é um sinal de que chegou o
Reino de Deus (Mt 12,18). A chegada do Reino é benéfica e libertadora.
O que a expulsão de demônios esclarece é que a vinda do reino é tudo, menos pacífica e ingênua.
Acontece na luta contra o anti-reino e por isso, seu advento é vitória.

(“Pobres são os que têm todos os poderes deste mundo contra si: oligarquias, governo, forças
armadas, partidos políticos e, às vezes, igrejas, instituições culturais”. Jon Sobrino)
Polícia, médicos

Você também pode gostar