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ETNOMATEMÁTICAS

EM VÁRIOS CONTEXTOS
Conselho Editorial do IFAP

Titulares

Alexandre Rufino Cunha


Ivan Gomes Pereira
Jéssica de Oliveira Pontes Nóbrega
Nilvan Carvalho Melo
Larrisa Duarte Araujo Pereira
Marlon de Oliveira do Nascimento
Leila Cristina Nunes Ribeiro
Marialva do Socorro Ramalho de Oliveira de Almeida
Victor Hugo Gomes Sales
Themístocles Raphael Gomes Sobrinho
Romaro Antonio Silva

Suplentes

Jefferson de Souza Souza


José Rodrigo Sousa de Lima Deniur
Cleber Macedo de Oliveira
Joadson Rodrigues da Silva Freitas
Adrielma Nunes Ferreira Bronze
Johnny Gilberto Moraes Coelho
Karine Campos Ribeiro
Larissa Pinheiro de Melo
Suany Rodrigues da Cunha
Erika da Costa Bezerra
JOSÉ ROBERTO LINHARES DE MATTOS
ROMARO ANTONIO SILVA
Organizadores

ETNOMATEMÁTICAS
EM VÁRIOS CONTEXTOS

Editora do Instituto Federal do


oAAmapá
mapá

Macapá
2020
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

510.7
E84e Etnomatemáticas em vários contextos / José Roberto Linhares de
Mattos, Romaro Antonio Silva (organizadores). Macapá:
EDIFAP, 2020.
268f. : il.

ISBN.: 978-65-00-04778-3

1. Etnomatemática. 2. Formação de professores. 3. Educação


indígena. I. Mattos, José Roberto Linhares de (org.).
II. Silva, Romaro Antonio (org.). III. Título.
Dedicamos essa obra às pessoas que

perderam suas vidas para a Covid-19,

e à reflexão sobre os ataques sofridos

pelos mais diversos grupos socioculturais,

no Brasil e no mundo, nos últimos anos.

Que sejamos resilientes

na busca por dias melhores.


AGRADECIMENTOS

O Livro “ETNOMATEMÁTICAS EM VÁ-


RIOS CONTEXTOS” surge do sonho de centralizar as
principais pesquisas em Etnomatemática dos docentes
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Amapá. Nesta perspectiva, direcionamos, primei-
ramente, nossos agradecimentos a todos os docentes
da área de matemática e educação do IFAP, que con-
tribuíram para que este sonho se tornasse realidade e
contribuem cotidianamente com fortalecimento das
pesquisas na área.

Agradecemos a todos os autores dos capítulos,


que aceitaram o convite de compor o rol de pesquisas
aqui publicadas.

Agradecemos aos grupos sociais constituintes


de algumas das pesquisas aqui apresentadas: Comu-
nidades Quilombolas, Povos Indígenas e Agricultores.
Reiteramos nosso respeito e admiração pelo modo de
vida de cada um desses povos.

Agradecemos à Reitoria do IFAP, em nome da


Magnífica Reitora Marialva Almeida; agradecemos o
apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Pós-Gra-
duação – Propesq; da Diretoria de Desenvolvimento
Institucional – DINST; da Coordenação de Pesquisa e
Pós-Graduação; e da Coordenação da Edifap, por abraçar
conosco este sonho, auxiliando na busca de possibilida-
des para que se tornasse realidade.

Agradecemos à pesquisadora do grupo inter-


nacional de pesquisa Educação em Fronteiras – EmF,
Sandra Mattos, que aceitou gentilmente o convite para
fazer o prefácio do livro.

Por fim, agradecemos o apoio das pesquisas


oriundas do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção Agrícola da Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro – PPGEA/UFRRJ, um programa que tem
contribuído para divulgação de resultados em Etnoma-
temática no país e que gera reflexões sobre as práticas
docentes, especialmente no que tange à valorização
dos aspectos socioculturais de cada povo.
PREFÁCIO

É com grande satisfação que escrevo esse


prefácio. Entretanto, afirmo que não é uma tarefa
fácil, tampouco torna-se difícil quando temos va-
riados textos em diversas pesquisas, todas com o
viés etnomatemático. Muito agrada-me a vertente
do Programa Etnomatemática, pois dá um olhar di-
ferente para o ensino e a aprendizagem, que a muito
tempo carrega um padrão hegemônico, saturado e
fragmentado, desvinculado da realidade brasileira
que se apresenta nas instituições de ensino.
Desde a criação do Programa etnomatemáti-
ca, vários textos já foram escritos pelos mais dife-
rentes pesquisadores. Tenho a compreensão de que
a Etnomatemática, programa proposto por Ubiratan
D’Ambrosio, tem características fortemente ligadas
à grupos socioculturais, invisibilizados e deixados
à margem de todo o processo de constituição do
conhecimento acadêmico e escolar. Considero es-
sencial esse entendimento para desenvolver inves-
tigações com o viés etnomatemático.

É visível a inter-relação da Etnomatemática


com a interdisciplinaridade e com a contextualização.
Ambas baseadas na cultura de cada grupo sociocultural
que, presente em salas de aulas brasileiras, suporta
apagamento deliberado pelas políticas públicas impostas
por um currículo fora do contexto da grande maioria
de nossos alunos. Sem dúvida a etnomatemática traz as
diferentes manifestações culturais para o interior das
salas de aula.

Foi com essa perspectiva que o livro Etnomate-


máticas em vários contextos surgiu, trazendo pesquisas
que contribuem para a formação de professores que
procuram inovar, buscando em seus alunos o conhe-
cimento latente, neles existentes. Digo latente devido
ser saberes e fazeres tradicionais ou que eles praticam
cotidianamente nas suas atividades. Afirmo, ainda,
latente por estar ancorado na estrutura cognitiva de
cada aluno. Assim, é evidente que esse livro aborda
estratégias docentes de professores que se fazem pes-
quisadores na tentativa de modificar o que está posto
nas salas de aula.

Devo ressaltar que pese o esforço, o interesse


e a insubordinação criativa (D’AMBROSIO; LOPES,
2015) de cada pesquisador aqui apresentado, no sentido
de organizar, estruturar e criar possibilidades

Agradeço aos organizadores a oportunidade


de compartilhar a difusão de conhecimentos, que
gravitam em torno da etnomatemática. Possibilida-
de única, mas não de finalização, de compreender a
importância do Programa Etnomatemática. Reflito
sobre a organização desse livro como abordagens
de interesses sobre o ensino e a aprendizagem que
perpassam as instituições de ensino. Afirmo que
esses interesses são coletivos, pois reúnem oportu-
nidades, por intermédios dos textos apresentados,
para os leitores apreenderem a etnomatemática em
suas mais variadas demonstrações de que muitos
autores dialogam com ela.
Finalizo afirmando que a leitura é propícia e
útil para os estudantes ou quaisquer outros leitores
que queiram aprender a respeito de se trabalhar com
a etnomatemática. Observei que cada um dos autores
expôs seus argumentos e buscou em seus alunos um
diálogo para compartilhar conhecimentos. Assim, re-
porto-me a cada texto na tentativa de agradecer a cada
um dos autores. Nessa perspectiva, trago o primeiro e
quarto textos apresentados nesse livro como marcos
teóricos que podem contribuir para os outros seguintes.
São textos que favorecem um melhor entendimento de
como buscar, pela etnomatemática, os aportes teóricos
que embasaram futuros textos e pesquisas.

O segundo, quinto e sétimo textos dialogam


entre si, trazendo distintas possibilidades de con-
textualizar a matemática escolar com as diferentes
manifestações matemáticas existentes e desenvol-
vidas cotidianamente em cada um dos grupos so-
cioculturais apresentados. Essa preocupação dos
autores comprova que muito se pode fazer quando
abordamos a cultura dos alunos em sala de aula.
Ainda mais, quando esses grupos fazem parte da-
queles que sofreram tentativas de apagamento de sua
identidade e marcos culturais tradicionais.
Os textos dos capítulos três, seis e oito abor-
dam a formação de professores, trabalhada com o
viés etnomatemático para fortalecer a profissiona-
lização dos professores de matemática. Tratam da
produção e difusão de conhecimentos para grupos
socioculturais invisibilizados ou não. Todos apontam
caminhos que podem permitir chegar à resultados
satisfatórios para futuros professores e professores
que já estão atuando, no que diz respeito ao ensino
e a aprendizagem.

Em suma, reafirmo que os textos aqui apre-


sentados dialogam entre si, utilizando-se de alguma
ou mais de uma das dimensões, as quais são apre-
sentadas no Programa Etnomatemática por Ubiratan
D’Ambrosio. Ressalto, ainda, a importância de utilizar
a cultura de quaisquer grupos sociais em sala de aula
para que o ensino tenha significado e a aprendizagem
seja significativa.

Sandra Mattos

Rio de Janeiro, outubro de 2019


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO......................................................... 21

CAPÍTULO 1

TICAS DE MATEMA NA CULTURA INDÍGENA WAJÃPI.... 29

José Roberto Linhares de Mattos

CAPÍTULO 2

ETNOMATEMÁTICA NA CULTURA DO ABACAXI....... 59

Márcio Getúlio Prado de Castro

Sandra Maria Nascimento de Mattos

Eulina Coutinho Silva do Nascimento

CAPÍTULO 3

INTEGRAÇÃO E DIVERSIDADE: CONTRIBUIÇÕES

DA ETNOMATEMÁTICA PARA A FORMAÇÃO DO

EDUCADOR.................................................................. 89

Francisco Jeovane do Nascimento

Romaro Antonio Silva

Maria Socorro Lucena Lima


CAPÍTULO 4

PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE ENSINO

E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA NA

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: TESES E

DISSERTAÇÕES BRASILEIRAS (2007-2016)........ 117

José Sávio Bicho

CAPÍTULO 5

PROBLEMAS MATEMÁTICOS APLICADOS A ALUNOS

AGRICULTORES E NÃO AGRICULTORES............. 149

Dejildo Roque de Brito

José Roberto Linhares de Mattos

CAPÍTULO 6

PEDAGOGIA DO CONHECIMENTO INDÍGENA E OS

CAMINHOS QUE LEVAM À EDUCAÇÃO ESCOLAR

INDÍGENA NA ESCOLA JORGE IAPARRÁ............ 175

Mário Rodrigues da Silva

Eulina Coutinho Silva do Nascimento

Edmilsan de Jesus Cardoso


CAPÍTULO 7

ETNOMATEMÁTICA E PRÁTICAS CULTURAIS

EM UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA........ 209

Romaro Antonio Silva

José Roberto Linhares de Mattos

CAPÍTULO 8

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE

MATEMÁTICA: ECOS EM PAULO FREIRE E NO

PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA..................... 237

Sandra Maria Nascimento de Mattos

SOBRE OS AUTORES................................................ 265


APRESENTAÇÃO

Neste livro, publicado pela Editora do Insti-


tuto Federal do Amapá (IFAP), reunimos algumas
pesquisas em etnomatemáticas, realizadas nas re-
giões Norte e Nordeste do Brasil, que envolvem o
contexto indígena, o contexto agrícola, a educação
quilombola e a formação de professores. Os au-
tores dos capítulos são pesquisadores experientes
que atuam com esses temas já há algum tempo, e a
maioria são professores ou ex-alunos do Programa
de Pós-graduação em Educação Agrícola da Uni-
versidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGEA/
UFRRJ) e alguns são professores do IFAP.
O objetivo foi dar uma amostra de pesqui-
sas realizadas na área, que contribuem tanto para
um esclarecimento e divulgação sobre o assunto,
como para uma orientação na educação escolar
dos mais diversos grupos socioculturais. Para isso,
os autores contaram com um referencial teórico/
metodológico que os permitem apontar resultados
e concluir sobre a importância de ações desenvol-
vidas nesses contextos.

No primeiro capítulo, o autor apresenta um


trabalho sobre alguns aspectos socioculturais e et-
nomatemáticos do povo indígena Wajãpi do esta-
do do Amapá. Informações sobre pintura corporal,
vestimenta, artesanato, caça, pesca, alimentação e
costumes culturais são descritas, e a etnomatemática
é abordada relacionada com a cultura desse povo.

No segundo capítulo, os autores trazem uma


pesquisa, realizada com agricultores na Colônia Agrí-
cola do Matapi no município de Porto Grande, no es-
tado do Amapá. Eles buscaram entender as estratégias
matemáticas usadas por esses agricultores em seus tra-
balhos, e que podem subsidiar o ensino de matemática
em escolas rurais, por meio de situações-problemas
que envolvam um contexto real.

22
No capítulo seguinte, os autores tratam sobre
as contribuições do Programa Etnomatemática na
integração e diversidade cultural para a construção
do conhecimento na formação de professores do
curso de Licenciatura em Matemática da Univer-
sidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira – UNILAB.

No quarto capítulo, o autor apresenta um


panorama das pesquisas realizadas no Brasil, que
envolvem o ensino e a aprendizagem da matemática
escolar na educação escolar indígena. Foi feito um
levantamento no Banco de Teses da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) com o objetivo de selecionar pesquisas
cujo tema envolvesse etnomatemática e educação
escolar indígena.

No capítulo cinco, os autores apresentam


resultados de uma pesquisa em etnomatemática rea-
lizada com alunos de escolas públicas do município
de Porto Grande – AP. O objetivo foi verificar a
importância da valorização dos conhecimentos pró-
prios dos agricultores de uma Colônia Agrícola da
região, no ensino e na aprendizagem da matemática
escolar. Os resultados indicam que os saberes não

23
escolarizados dos agricultores podem favorecer a
aprendizagem matemática escolar dos alunos.

No capítulo seis, os autores tratam sobre a pe-


dagogia do conhecimento indígena e os caminhos que
levam à educação escolar indígena em uma escola
indígena estadual na aldeia do Manga da etnia Karipu-
na no município do Oiapoque, no Amapá. Os autores
buscam, por meio de relatos, apresentar o caminho a
ser seguido para a construção de uma educação escolar
do indígena para o indígena.

No sétimo capítulo, os autores tratam da et-


nomatemática e as práticas culturais na escola da
Comunidade Quilombola “Distrito do Coração”,
em Macapá – AP. O objetivo é aproximar os sabe-
res tradicionais das práticas pedagógicas na escola
por meio de uma abordagem metodológica na et-
nomatemática, valorizando a cultura dos membros
da comunidade quilombola e empoderando-os com
ações presentes nas dimensões política e pedagógica
do Programa Etnomatemática.

No último capítulo, a autora encerra o livro com


um belo trabalho teórico sobre a formação de profes-
sores de matemática, em uma visão em Paulo Freire
e no Programa Etnomatemática. A autora perpassa as

24
preocupações que envolvem tal formação, convidando
os leitores a novos olhares sobre a educação no Brasil,
com ênfase na insubordinação criativa e na dimensão
afetiva da etnomatemática.

Dessa forma, o livro é voltado a pesquisadores


nas áreas de abrangência dos capítulos, que poderão
conhecer e se beneficiar das pesquisas apresentadas
aqui. A professores de qualquer segmento, das mais
diversas áreas do conhecimento, os quais poderão
repensar suas práticas. A alunos de graduação e pós-
-graduação que desejem aprender ou aprofundar seus
conhecimentos sobre os assuntos abordados pelos au-
tores. E a quaisquer outras pessoas que se interessem
por etnomatemática ou queiram conhecer um pouco
sobre algumas de suas ações.

Organizadores

25
CAPÍTULO 1
TICAS DE MATEMA
NA CULTURA
INDÍGENA WAJÃPI
SUMÁRIO
TICAS DE MATEMA
NA CULTURA
INDÍGENA WAJÃPI

José Roberto Linhares de Mattos

Introdução

Wajãpi (ou Waiãpi) é uma etnia indígena que


habita tanto o território brasileiro no estado do Ama-
pá quanto o território da Guiana Francesa, no alto rio
Oiapoque. No lado brasileiro, eles ocupam a Terra
Indígena Wajãpi demarcada, homologada no DOU de
24/05/1996, conforme (Brasil, 1996), com aproxima-
damente 607.000 ha, em uma região de floresta tropi-
cal, delimitada pelos rios Oiapoque, Jari e Amapari,
nos municípios de Laranjal do Jari e Pedra Branca do
Amapari, no estado do Amapá, conforme Figura 1.

SUMÁRIO
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

A etnia tem pouco mais de 1.000 habitantes,


segundo dados de 2016, distribuídos em 49 aldeias na
Amazônia brasileira. Falam o idioma indígena Wajãpi,
da família linguística Tupi-Guarani e é o único povo in-
dígena do estado do Amapá pertencente ao tronco Tupi.
Figura 1: Localização da Terra Indígena Wajãpi.

Fonte: Google maps.

Eles também são divididos em grupos políticos.


Em Gallois (2011, p. 18), encontramos que

30 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

A Terra Indígena Wajãpi é dividida


em vários grupos políticos chamados
“wanã”. Esses grupos são maiores
do que os grupos familiares que
formam as aldeias. Uma pessoa de
um “wanã” só pode morar na região
de outro “wanã” se casar com uma
mulher desse grupo. (grifos do autor).

Em 2016 participamos, como professor, de um


Curso de Formação de Professores Wajãpi e nível médio
concomitante, por meio da Secretaria de Estado de Edu-
cação do Amapá, na Escola Indígena Estadual Aramirã,
na aldeia Aramirã I. Esta aldeia fica dentro da floresta
amazônica, ao final da BR 210, a cerca de 200 km do mu-
nicípio de Pedra Branca do Amaparí, no estado do Amapá.

O curso era destinado a formar professores


Wajãpi que atuariam no primeiro segmento do ensino
fundamental, nas escolas das suas respectivas aldeias.
Foi o primeiro curso de magistério Wajãpi, oferecido
pelo Estado do Amapá, com duas turmas de 20 alunos
Wajãpi cada uma, e a disciplina lecionada foi Metodo-
logia do Ensino da Matemática.

O que trazemos aqui neste texto é um relato de


experiência durante o período que passamos na aldeia

SUMÁRIO 31
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

atuando nesse Curso de Formação. A produção dos


dados foi obtida por meio de observação participante
dentro e fora da sala de aula, conversas com os alunos
indígenas fora do horário de aula e, especialmente, rela-
tos espontâneos de algumas lideranças indígenas Wajãpi.

Os resultados mostram que este povo tem uma


característica de identidade forte com suas crenças e
com ações sustentáveis de preservação ambiental, e que
buscam por meio da interculturalidade a melhoria da
educação da etnia, mas sempre preservando sua cultura
e se preocupando com os problemas que o convívio
com os não indígenas podem trazer.

O povo Wajãpi do Amapá

O povo Wajãpi é um dos povos indígenas bra-


sileiros que pouco mudaram seus hábitos ao longo do
tempo, pela influência do não indígena. Eles vestem
apenas kamisa pirã, uma espécie de tanga vermelha
confeccionada com algodão, em que os homens usam
caídas até os pés, tanto na frente quanto atrás, e as
mulheres enrolam na cintura como se fosse uma saia.
A parte de cima do corpo fica nua.

32 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Esse povo é muito consciente dos direitos dos


povos indígenas e lutam, permanentemente, por esses
direitos. Em 2015, participamos da I Conferência Na-
cional de Política Indigenista – Funai, realizada em
Macapá, no estado do Amapá. Nesse contato com os
Wajãpi ficou claro o espírito de luta, liderança e os
aspectos identitários desse povo.

Eles pintam o corpo com urucum (de cor ver-


melha) e jenipapo (de cor azul escuro) para ficarem
bonitos. Eles misturam o urucum com óleo de copaíba
ou andiroba para que a pintura fique lisa. O urucum
serve também como repelente para se protegerem dos
insetos, dos maus espíritos da floresta e também como
camuflagem na mata. Geralmente, são as mulheres que
pintam os homens. A pintura com jenipapo leva mais
tempo para desaparecer do corpo do que o urucum, mas
ambas as pinturas somem entre uma a três semanas.

Os Wajãpi confeccionam artesanatos, como


colar, cocar, coroa, pulseira, maraka, cestos, redes,
tipoias, entre outros. A coroa é um adorno usado
na cabeça, feito das plumas do papo do tucano. É
preciso vários tucanos para fazer uma coroa, por
isso não é muito fácil confeccionar este artesanato.

SUMÁRIO 33
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

Segundo os Wajãpi, é difícil caçar tucano e eles o


procuram nos pés de açaí, em geral no inverno, pois
nessa época tem mais açaí.

Já o maraka é um chocalho enfeitado com penas


de arara ou tucano e tem um tipo de maraka que só o
Pajé pode usar. Segundo um indígena Waiãpi:
A gente faz maraka para usar nas
festas. Tem um outro tipo de maraka
que só pajé usa. Quando a gente
faz festa, todo mundo usa. A gente
coloca as sementes dentro de uma
cuia pequena. O nome desta planta é
ma’y ra’y e a gente planta na roça. A
gente coloca também um pedaço de
flecha com fio de algodão e amarra
penas de arara na ponta. As penas
podem ser de tucano também. Pajé
usa também, quando cura paciente
(Brasil, 1999, p. 53, grifos do autor).

Muitos de seus artesanatos eles só fazem para


uso próprio, mas não para vender, trocar e nem pre-
sentear karaikõ (não indígena). Um dos motivos é o
fato de muitos destes artesanatos utilizarem penas de
tucano, dentes de macaco, de onça, entre outros ani-
mais silvestres, que é proibido o uso fora das terras
indígenas. Eles também fazem artesanatos que não são
produzidos com penas ou dentes de animais silvestres,
como colares de missangas. Estes artesanatos eles ven-

34 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

dem quando vão à cidade participar de algum evento,


pois precisam de dinheiro para custear as despesas dos
participantes. Mas não é só isso que os torna um povo
com pouca mudança de hábitos.

Alimentação Wajãpi: caça, pesca e kasiri

Na cultura Wajãpi, é o homem que faz a roça


(prepara a terra) e a mulher planta e colhe. Observamos,
na aldeia, que para pegar goiabas, eram as meninas
que subiam nas goiabeiras. Para fazer a roça, eles
escolhem um local onde derrubem o mínimo possível
de árvores. Também, não fazem roça grande, preparam
um pedaço de terra que seja suficiente para o plantio e
sustento da família.

Alguns indígenas Wajãpi têm que caminhar


até 12 dias na mata para chegar à aldeia Aramirã I,
onde fica a escola de ensino fundamental II, formação
de professores e ensino médio. Estes indígenas que
caminham vários dias na mata têm outra roça próxi-
ma da aldeia Aramirã I, onde estudam. Neste caso,
eles permanecem na aldeia da escola, com a família,

SUMÁRIO 35
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

durante todo o período dos módulos escolares, pois é


muito sacrificante o trajeto da escola até as suas casas,
tendo que carregar os filhos pelo caminho, caçar e fazer
tãpainã (pequena cabana provisória, coberta de palha)
a cada noite passada na mata.

É importante frisar que eles levam a família


junto com eles. Aqueles que têm mais de uma mu-
lher, normalmente levam uma com os filhos, para
cuidar da roça e deixam as outras cuidando da roça
lá da aldeia onde moram. Também, é a mulher que
carrega nas costas, durante todo o trajeto até a aldeia
da escola, a saca de farinha que será consumida, que
pesa cerca de 50kg.

A farinha é carregada em um artesanato cha-


mado panaku, feito de folhas de uma palmeira, en-
trelaçadas, uma espécie de cesto de carga, feito por
eles, e que é usado como uma mochila para carregar
alimentos nas costas, como farinha, peixe, caça etc
e que suporta até 70Kg. Quando estão na mata, se
pescam um peixe ou pegam uma caça, eles fazem
um panaku para carregar. As mulheres são treinadas
desde criança a carregarem peso. Segundo um pro-
fessor Wajãpi, uma criança de 12 anos já consegue
carregar 20kg nas costas.

36 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

A alimentação dos Wajãpi é baseada, princi-


palmente, em beiju e carne de caça, como anta, paca,
veado, tucano, macaco, tatu, preguiça, cutia entre ou-
tros animais. Sempre acompanhada da farinha de
mandioca. Os Wajãpi gostam muito de comer tucano
com tucupi, que é um tempero indígena bastante con-
sumido na região norte do Brasil. O tucupi é produzido
fervendo um líquido amarelo extraído da mandioca
(também conhecida como mandioca brava) ralada e
espremida em um artesanato de origem indígena, feito
de palha trançada, chamado tipiti. A fervura é para re-
tirar o veneno que a mandioca tem. Antes da fervura,
este sumo é tão venenoso que alguns indígenas usam
como inseticida para matar formigas.

Eles só matam onça (jaguatirica ou gato-ma-


racaja) se for por motivo de segurança, se forem
ameaçados por ela e não houver outro jeito, mas,
não comem a carne da onça. Eles criam filhotes de
jaguatirica como animal de estimação na aldeia.

Como qualquer outro povo indígena, os Wajãpi


também pescam e comem peixes. Entretanto, há falta
de peixes em alguns rios da região e algumas aldeias
estão próximas a cabeceira do rio, o que dificulta a

SUMÁRIO 37
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

pesca. Desta forma, a caça acaba sendo a principal


fonte de alimentação deles.

A pesca é realizada tanto pelo homem quanto


pela mulher Wajãpi seja na sua forma tradicional
ou, como atualmente, usando, vara de pescar. O
comprimento da vara de pescar depende da largura
do rio, ou seja, o rio é uma forma deles medirem
sua vara de pescar.

Já quem caça é sempre o homem. Um menino


com 12 anos já pode caçar sozinho. Mas, nem todos
os homens são caçadores. Em uma conversa com um
Wajãpi, aluno da turma de formação de professores, e
sua esposa, cacique de uma aldeia, ele disse:
Tem caçador, como o genro dela, é
um caçador, ele caça bem. Como eu
agora, eu caço, sou caçador também.
Todos, alguns não jovens. Hoje, agora,
recentemente, os jovens não interessa,
por causa de equipamentos, celulares,
tv, notebook, só pai que cuida, caça pra
ele, pesca, faz roça, só o pai, jovens
não, não querem, não interessa, eles
esqueceram, não faz artesanato, fio,
depende só do pai, com a mãe. Eles,
esses jovens, eles o pai que compra
celular pra eles, ele não sente nem
fome, só celular, todo dia, até 8h da
noite, que vai parar, dormi, de manhã
só assistindo só aquele coisa ruim, faz
besteira só aprende, aí não é bom.

38 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

A cacique completou: “pra Wajãpi não é bom...


Pra cacique não é bom...». Quando perguntada se caci-
que proibia disse: “Proíbe. Aí vão escondido”.

Este casal Wajãpi são de uma aldeia chamada


Aramirã II, que fica próxima à aldeia Aramirã I. A aldeia
Aramirã I é onde fica a escola, o posto de saúde e um
laboratório. O posto de saúde e o laboratório foram cons-
truídos por uma organização não governamental (ONG),
por isso há energia elétrica alimentada por placas solares
e um ponto de conexão internet por rádio. Mas isso não
acontece nas outras aldeias que não têm sequer energia
elétrica, nem por placas solares. Eles usam o fogo como
fonte de energia para clarear suas casas à noite.

O uso de equipamentos como celular e notebook


por indígenas, são apropriações de elementos de uma
outra cultura. Se por um lado isso não é bom, segundo
relato do casal Wajãpi, pelos prejuízos que podem trazer
aos saberes e fazeres próprios da cultura, como deixar
de caçar e pescar, por outro, são importantes como ele-
mentos de informações sobre a cultura não indígena,
sobre a política e os direitos dos povos indígenas, além
de poder ser usados, no ensino e na aprendizagem da
matemática escolar nas aldeias da etnia.

SUMÁRIO 39
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

Também, de acordo com este casal, é proibido,


nas aldeias, bebida alcoólica de karaikõ. Entretanto,
alguns indígenas levam escondido para a aldeia e isso
é preocupante, segundo relatou um Wajãpi: “Eles hoje,
jovens, que traz bebida de alcóolico, bebe escondido
também, que faz briga também. Isso que acontece, isso
que prejudica os jovens”.

Uma outra preocupação grande é com res-


peito ao uso da maconha. Segundo eles, essa droga
está começando a ser usada por alguns Wajãpi que
compram na cidade. Eles disseram que os Wajãpi
não têm e nem cultivam nenhum tipo de erva para
fumar, que tenha efeito alucinógeno, como a maco-
nha. Só fazem uso do makure (tabaco), que é feito
da casca da tawa’ri1, e que, segundo eles, não faz
mal à saúde como o cigarro do karaikõ.

Eles tomam muito uma bebida fermentada (al-


coólica) feita da mandioca ou pupunha, chamada kasiri
(ou caxiri). Essa bebida, é feita pelas mulheres, que
mascam a mandioca ou a pupunha e depois cospem
dentro da panela para que fermente mais rápido. O
período de fermentação é de cerca de três dias. Existem
três tipos de kasiri, dependendo do tempo de fermen-
1 Nome em Tupi de uma árvore nativa da floresta amazônica.

40 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

tação. Um com teor alcoólico mais fraco, cujo sabor é


adocicado, um médio e um bem forte.

Nas aldeias existe sempre kasiri em panelas


grandes ou pequenas pelo chão, embaixo das casas ou
nos tãpainã, pois esta bebida é considerada um alimento
que, quando sem teor alcoólico, pode ser consumido até
pelas crianças. As panelas onde são feitas o kasiri, para
as festas, são muito grandes, como aquelas da cozinha
de uma escola. Se eles resolvem fazer uma festa, ela é
regada com muito kasiri. É uma bebida importante para
a preservação da cultura, já que sem kasiri não há dança
e não aproxima as pessoas em reuniões.

Quando te oferecem o kasiri, colocam-no em


uma cuia grande e te dão. Então você dá um (ou mais)
gole e passa a cuia para quem estiver ao seu lado. Isso
se repete até acabar o kasiri da cuia. Quando acaba,
eles enfiam a cuia no recipiente e enchem novamente.
Nas festas, muitos bebem kasiri até ficarem bêbados.
Porém, a embriaguez algumas vezes é desejada, pois
faz com que eles fiquem alegres e isso é um sinal de
saúde na cultura Wajãpi.

Se eles te oferecem algo, como kasiri, por exem-


plo, três vezes e você recusa, eles não te oferecem mais,

SUMÁRIO 41
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

mas não ficam chateados por isso. Apenas acham que


estão te constrangendo. Porém, se te dão alguma coisa
e você aceita e joga fora, qualquer que seja o motivo,
nunca mais te dão algo.

Em uma conversa noturna, na hora da janta,


enquanto preparávamos uma caça, um dos indígenas
contou-nos a seguinte história sobre um mutum2 que
deu de presente a um professor não indígena, que aqui
chamaremos de “professor P”:
Cacei mutum e dei pra professor
P. Mas, professor P não sabe faze
mutum. Botou mutum num panela
desse. Não pode faze mutum assim.
Mutum ficou duro, professor P não
conseguiu morde carne mutum.
Professor P jogou mutum na mata,
na entrada aldeia, para Wajãpi não
vê. Mas, cachorro trouxe mutum
pra aldeia. Um monte carne mutum
assim... Nunca mais Wajãpi dá nada
professor P. (Indígena Wajãpi).

Elementos culturais e etnomatemática

Alguns Wajãpi são pesquisadores socioam-


bientais ou na língua, que fazem registros de seu
2 Ave grande encontrada na floresta amazônica, no estado do Ama-
pá, muito consumida pelos Wajãpi.

42 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

patrimônio cultural e de seus saberes, como o manejo


das roças e os recursos da floresta. Entretanto, um
Wajãpi só se considera professor quando termina o
Curso de Formação para o Magistério. Eles querem
ser professores, pois dizem que a população Wajãpi
vai crescer muito no futuro e será preciso mais pro-
fessores. Não sabemos se acham que a população vai
crescer muito porque eles têm muitos filhos ou se,
ao contrário, têm muitos filhos exatamente para que
a população Wajãpi cresça muito. Há um professor
Wajãpi que tem doze filhos com uma única mulher.

A educação escolar indígena Wajãpi é bilín-


gue e alguns indígenas estudam no ensino fundamen-
tal II, na escola indígena, apenas para aprender o por-
tuguês. Com este segundo idioma eles conseguem se
comunicar não só com um karaikõ, mas também com
outros indígenas de famílias linguísticas diferentes.
Por exemplo, segundo eles, quando se comunicam
com os Karipuna do Oiapoque eles falam na língua
de karaikõ (português), já que os Wajãpi não com-
preendem o patois (idioma dos Karipuna) e nem os
Karipuna compreendem o idioma Wajãpi.

SUMÁRIO 43
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

Os caciques das aldeias é que escolhem e indi-


cam aqueles que devem estudar para serem professores.
Normalmente, orientam seus filhos e outros membros
Wajãpi que consideram responsáveis, a estudarem para
serem professores. Atualmente, as mulheres Wajãpi
também são permitidas e até incentivadas pelos caciques
a estudarem e serem professoras, pois consideram que
elas são mais responsáveis e atenciosas com as crianças.

Muitos conceitos da matemática escolar po-


dem ser ancorados em conhecimentos tradicionais
dos indígenas, por meio de atividades dentro ou fora
da escola. O professor na educação escolar indígena
deve relacionar elementos da cultura a conteúdos es-
colarizados, e reciprocamente, fundamentando-se no
Programa Etnomatemática.

Muitas das formas de medir e inferir dos in-


dígenas vêm de uma relação de comparação com o
seu corpo. Palma, meia palma (medida entre os dedos
indicador e mínimo abertos, que é, aproximadamen-
te, a metade do palmo), passo, medida da altura do
peito ou a sua própria altura são algumas formas de
medidas lineares.

44 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Em Mattos (2018b), vemos que os Wajãpi uti-


lizam a palma como referência para a altura que eles
devem atirar, deitados no chão, para que atinjam uma
paca na mata. Já os Paiter Surui de Rondônia utilizam a
medida da altura do peito (medida do chão até o peito)
para confeccionar suas flechas.

Em Domite (2009) vemos, no relato de um pro-


fessor indígena Guarani, que o seu povo constrói suas
casas usando a altura do morador. A parte mais alta, no
centro, a altura do telhado é a altura do morador mais a
metade da distância do chão ao umbigo do Guarani. Já
os cantos da casa têm a altura do Guarani, o que possi-
bilita que ele consiga andar por todo o interior da casa.

Da mesma forma, em Mattos e Ferreira Neto


(2016), vemos que os Paiter Suruí de Rondônia utilizavam
as suas redes como uma forma de medir a área do interior
das suas malocas. O espaço no interior das moradias era
estimado pela quantidade de redes, correspondente a
quantidade de membros da família, que seriam colocadas
tanto na largura como no comprimento da maloca.

Com relação as construções das moradias Wa-


jãpi, elas são bem tradicionais. As casas são feitas com
madeiras muito comuns na mata e que não causam

SUMÁRIO 45
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

danos ambientais. As madeiras, ainda hoje, são todas


apenas amarradas com cipó, sem usar nenhum outro
tipo de material fora da sua cultura. As casas Wajãpi
sempre foram feitas como a casa na Figura 4, com a
estrutura em forma de triângulo, para que elas não
entortem com a ação do tempo e do vento.

Esse saber/fazer, proveniente da cultura reflete


um conhecimento matemático próprio, de congruência de
triângulos, que se traduz na rigidez de um triângulo. Isso
faz parte de um sistema de conhecimentos que podem, e
devem ser utilizados na contextualização dos conteúdos
no ensino da matemática nas salas de aulas das escolas da
comunidade. De acordo com D’Ambrosio (2011), “Siste-
mas de conhecimento são conjuntos de respostas que um
grupo dá às pulsões de sobrevivência e de transcendência,
inerentes à espécie humana. São os fazeres e os saberes
de uma cultura” (D’ambrosio, 2011, p. 37).

Este modo de construção das moradias Wajãpi


não é exclusividade desta etnia. Em (Mattos; Ferreira
Neto, 2016) vemos que os Paiter Suruí também, cons-
truíam suas casas com estruturas formando triângulos.
Nas construções originais das malocas
dos Suruí, as colunas feitas de troncos

46 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

de árvores não são perpendiculares ao


solo e nem formam um retângulo com
as vigas de madeira presas à estas
colunas. Os troncos de árvores que
servem de colunas nessas construções
são colocados formando triângulos
com os troncos que são amarrados
a eles, na parte superior da maloca
[...]. Segundo os próprios Suruí, essa
forma de construção não permite
que a maloca se entorte com o vento
ou com o passar do tempo. (Mattos;
Ferreira Neto, 2016, p. 98).

São saberes gerados e difundidos por um grupo


sociocultural, no caso, indígena, que vêm da experiên-
cia e necessidade de sobrevivência. Nessa direção, de
acordo com Scandiuzzi (2009),
Podemos – visto que concebemos
que o saber vem da experiência feita,
construída e acumulada por meio da
teoria elaborada por um grupo de
humanos e da prática vivenciada por
eles – afirmar que os povos indígenas
têm elaborado um saber construído,
um saber matemático diferenciado e
diversificado, sistematizado por um
grupo de pessoas que estabeleceu os
critérios para tal saber. (Scandiuzzi,
2009, p.17).

Após a estrutura da casa Wajãpi (jura3) es-


tar pronta, é feito o telhado, coberto com palha preta
3 Nome das moradias no idioma Wajãpi.

SUMÁRIO 47
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

(ubim). Uma casa Wajãpi pode durar 20 anos. Devido a


quantidade grande de extração de madeira e palha para
as construções, há escassez desses materiais, próximo
da aldeia. Fica difícil ir longe para pegar palha para
construir uma casa.

Para contornar essa situação, os Wajãpi se


mudam. Eles constroem outra aldeia, que chamam
de aldeia nova, em um local onde haja esses mate-
riais. A outra aldeia velha continua lá. Quando co-
meçar a faltar os materiais próximo da aldeia nova,
eles se mudam novamente, podendo voltar para o
local da aldeia velha, pois com o passar dos anos, os
materiais naturais já voltaram a crescer novamente.
É uma atitude de conscientização, sustentabilidade
e preservação ambiental.

A jura tem dois andares, sendo a parte de cima


onde os Wajãpi dormem e a parte de baixo com múltiplas
utilidades. Serve como sala de estar, local para sentar e
conversar, tomar kasiri e, se for a casa de um professor
da aldeia, como sala de aula do Ensino Fundamental I.

Há uma casa de um professor que tem uma lousa


branca embaixo da casa (Figura 2). Ali é onde o professor

48 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Wajãpi formado em licenciatura intercultural pela Unifap,


dono da casa, dá as suas aulas do Ensino Fundamental I.
Esta parte da casa do professor é o ambiente de ensino e
de aprendizagem formal, ou seja, a escola naquela aldeia.
Os alunos buscam alguma coisa que sirva de banquinho
para sentarem, ou sentam no chão mesmo e colocam o
caderno sobre as pernas para escrever. Portanto, “se o
caderno não for de capa dura, há uma dificuldade grande
para o aluno escrever”, informa o professor Wajãpi.
Figura 2: Casa Wajãpi.

Fonte: Autor.

Um outro professor Wajãpi, também formado


em licenciatura intercultural, relatou que já deu aula

SUMÁRIO 49
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

próximo ao forno, em um tãpainã onde eles torram


a farinha, e que além da quentura, a fumaça entra-
va nos olhos dos pequenos alunos que acabavam
saindo correndo chorando com os olhos ardendo.
A aula então era interrompida e continuava quando
as crianças voltavam ou somente no dia seguinte.

Isso lembra uma experiência, no Projeto


Fronteiras Urbanas, da Fundação para a Ciência
e Tecnologia de Portugal, em uma comunidade
de bairro da Costa da Caparica em Lisboa, onde
improvisávamos uma escola colocando uma lona
para nos abrigar da chuva, uma mesa e bancos.
Não havia escola oficial, com educação formal. O
Projeto Fronteiras Urbanas implantou uma escola
comunitária, chamada “escola do bairro”, onde
ensinávamos o que sabíamos e aprendíamos o que
não sabíamos (Mattos, 2018a).

Considerações Finais

Wajãpi do Amapá é um povo indígena com


uma característica forte de preservação da identida-

50 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

de e dos costumes, que valoriza muito a educação.


Os Wajãpi são muito conscientes dos seus direitos,
por isso lutam pelas escolas nas suas aldeias e pela
manutenção do Curso de Formação de Professores
Wajãpi, ofertado pela Secretaria de Estado de Edu-
cação do Amapá. Eles veem na escola um espaço de
reafirmação da identidade, de preservação da auto-
nomia, por meio do convívio com o outro, indígena
e não indígena.

Eles valorizam muito o magistério, e alguns


indígenas que realizavam o Curso de Formação de
Professores Wajãpi, mesmo sendo pesquisadores
socioambientais na cultura, disseram que só dariam
aula na escola da sua aldeia depois que terminassem
o curso. Isso mostra uma responsabilidade grande
com a educação, com o conhecimento escolarizado
das futuras gerações de Wajãpi, que terão de en-
frentar políticas que não valorizam as diversidades
e ameaçam a sua existência. Segundo um aluno
Wajãpi do Curso de Formação de Professores:
Eu sou chamado agente de saúde,
né, o meu pai como cacique grande
dúvida, tem demanda muito grande,
eu digo assim né, porque nós tem
algumas pessoa que não respeitam
as comunidade, não dá aula pro

SUMÁRIO 51
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

seus alunos, né, e por isso que o


cacique escolheram a gente, vê se
nós dois, eu e meu irmão que agora
estamos participando da formação,
vê se nós consegue ser professor
bom, pra que a gente educa as
comunidade [...], por isso que a
gente tem que ter responsabilidade,
ser professor grande, né, é por isso,
porque tem um problema, tem
algumas criança prejudicado sem
educação. (Indígena Wajãpi).

A fala do indígena mostra a preocupação e a


responsabilidade das lideranças Wajãpi com a edu-
cação das suas crianças. Os professores irão levar o
conhecimento escolarizado que aprendem no curso
para as suas aldeias, e esse conhecimento deve estar
voltado para a preservação da cultura, da identidade
e do ambiente.

Dessa forma, os professores não indígenas


devem estar preparados para atuarem na formação
dos futuros professores indígenas. Nessa direção, o
Programa Etnomatemática pode minimizar conflitos
culturais que possam ocorrer na educação escolar
indígena, ancorando conceitos escolarizados na cul-
tura da etnia.

52 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Referências

BRASIL. Livro do artesanato Waiãpi. Centro de


Trabalho Indigenista. Brasilia: MEC, Secretaria de
Educação Fundamental, 1999.

BRASIL. Homologa a demarcação administrativa


da Terra Indígena Waiãpí, localizada nos Muni-
cipios de Laranjal do Jari e Amapari, Estado do
Amapá. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 24 maio
1996. Seção 1, p. 9029, 1996.

D’AMBROSIO, U. Etnomatemática: Elo Entre as


Tradições e a Modernidade. Belo Horizonte: Au-
têntica, 2011.

DOMITE, M. C. S. Perspectivas e Desafios da


Formação do Professor Indígena: o formador ex-
terno à cultura no centro das atenções. In: FANTI-
NATO, M. C. C. B. (org.), Etnomatemática: novos
desafios teóricos e pedagógicos. Niterói: Editora
da Universidade Federal Fluminense, 2009. p.
181-192.

SUMÁRIO 53
Ticas de Matema na Cultura Indígena Wajãpi

GALLOIS, D. T. Terra Indígena Wajãpi: da de-


marcação às experiências de gestão territorial. São
Paulo: Iepé, 2011.

MATTOS, J. R. L. Knowledge from / for life. In:


MESQUITA, M. M. B. (org.). Political Flow in
the Communitarian Education: Topological Onto-
logy in the Urban Boundaries. Lisboa: Anonyma-
ge, 2018a.

MATTOS, J. R. L.; FERREIRA NETO, A. O Povo


Paiter Suruí e a Etnomatemática. In: BANDEIRA,
F. A.; GONÇALVES, P. G. F. (org.). Etnomatemá-
ticas pelo Brasil: aspectos teóricos, ticas de mate-
ma e práticas escolares. São Paulo: Editora CRV,
2016.

MATTOS, J. R. L. Matemática e cultura em ação na


educação escolar indígena. In: MATTOS, J. R. L. e
MATTOS, S. M. N. (org.). Etnomatemática e práticas
docentes indígenas. Jundiaí: Paco Editorial, 2018b.

MUNDURUKU, D. Karu Taru: o pequeno pajé.


Porto Alegre: EDELBRA, 2013.

SCANDIUZZI, P. P. Educação indígena x educa-

54 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

ção escolar indígena: uma relação etnocida em


uma pesquisa etnomatemática. São Paulo: Editora
UNESP, 2009.

UN General Assembly. United Nations Declara-


tion on the Rights of Indigenous Peoples. United
Nations, 2007.

SUMÁRIO 55
CAPÍTULO 2
ETNOMATEMÁTICA
NA CULTURA DO ABACAXI
SUMÁRIO
ETNOMATEMÁTICA NA
CULTURA DO ABACAXI

Márcio Getúlio Prado de Castro


Sandra Maria Nascimento de Mattos
Eulina Coutinho Silva do Nascimento

Introdução

A Matemática como área do conhecimento é


essencial ao contexto tecnológico no qual estamos in-
seridos, pois está intimamente ligada às ações diárias
de todo indivíduo:
A Matemática é componente
importante na construção da
cidadania, na medida em que a
sociedade se utiliza, cada vez mais,
de conhecimentos científicos e re-
cursos tecnológicos, dos quais os
cidadãos devem se apropriar. (Bra-
sil, 1997, p. 19).

SUMÁRIO
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

Mas para que isso aconteça é preciso redimen-


sionar a prática educativa que se ressente de problemá-
ticas como: de que forma planejar o ensino de Mate-
mática para garantir que haja a aprendizagem? Como
apropriar-se de conceitos e conteúdos curriculares, sem
a sistemática da “decoreba” e da repetição de fórmulas
e cálculos? Como desenvolver habilidades e compe-
tências capazes de fazer com que o aluno se aproprie
do conhecimento para intervir satisfatoriamente na
sociedade em que vive?

Uma das alternativas que surge como resposta


a essas inquietações para o ensino da Matemática em
cursos técnicos agrícolas é o Programa Etnomatemá-
tica, o qual busca compreender as práticas sociais
de grupos culturais não hegemônicos e os saberes
matemáticos nelas envolvidos. De acordo com D’Am-
brosio (2011, p. 22),
o cotidiano está impregnado
dos saberes e fazeres próprios da
cultura. A todo instante, os indivíduos
estão comparando, classificando,
quantificando, medindo, explicando,
generalizando, inferindo e, de
algum modo, avaliando, usando os
instrumentos materiais e intelectuais
que são próprios à sua cultura.

60 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Esses conhecimentos, passados de pai para fi-


lho, são gerados e difundidos com a cultura e podem ser
utilizados no ensino e na aprendizagem da matemática
em sala de aula de uma escola da comunidade.

Nos cursos técnicos é comum o aluno deparar-


-se com muita informação técnica e específica e fazer a
aplicação dos conhecimentos teóricos na prática cons-
titui um grande desafio. Isso requer novos caminhos,
novas metodologias.

A matemática que é ensinada nas escolas pas-


sa inúmeras vezes por fórmulas e propriedades que
para os alunos, na maioria dos casos, parece sem
sentido algum. Segundo D’Ambrosio (2011, p. 80),
“A matemática contextualizada se mostra como mais
um recurso para solucionar problemas novos que
se originam em outras culturas [...]”. O trabalho no
campo está impregnado de saberes matemáticos, que
são heranças culturais e atendem às necessidades
daqueles que deles se utilizam.

É preciso oportunizar às nossas crianças “ins-


trumentos comunicativos, analíticos e materiais para
que elas possam viver, com capacidade de crítica,
numa sociedade multicultural e impregnada de tec-

SUMÁRIO 61
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

nologia” (D’Ambrosio, 2011, p. 46). Isso significa


considerar, nos contextos de aprendizagem, as vi-
vências e as experiências dentro e fora da sala de
aula, para que se tenha uma educação mais eficiente.

Com uma abordagem etnomatemática, o en-


sino ganha nova roupagem, fazendo com que a Ma-
temática escolar deixe de ser abstrata, teórica, para
ser elemento de compreensão de mundo e de inserção
social: “A aprendizagem em Matemática está ligada à
compreensão, isto é, à apreensão do significado [...]”
(Brasil, 1997, p.19).

Assim sendo, os saberes matemáticos utilizados


na agricultura familiar constituem rico material de
pesquisa, pois embora muitos agricultores possuam
pouca ou nenhuma escolaridade conseguem resolver,
com propriedade, problemas complexos, relativos às
suas necessidades de trabalho, baseados em unidades
de medidas não convencionais.

Neste contexto buscou-se compreender a par-


tir dos agricultores familiares da Colônia Agrícola
do Matapi, situada no município de Porto Grande,
Estado do Amapá, Brasil, as estratégias matemáticas
utilizadas em seu trabalho, como forma de subsidiar o
ensino da Matemática na escola, visando desenvolver

62 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

habilidades que favoreçam a operacionalização de


cálculos e a resolução de situações-problemas a partir
de um contexto real.

Para isso, é necessário identificar os saberes


matemáticos utilizados pelos agricultores; conhecer a
práxis social do grupo em relação ao uso destes saberes
matemáticos; compreender as relações que estabele-
cem entre as medidas oficiais e as não convencionais;
reconhecer as (re)significações culturais que esse co-
nhecimento representa para o grupo.

Esses estudos têm respaldo na Etnomatemáti-


ca, um Programa de Pesquisa que se identifica com o
pensamento contemporâneo e, por isso, não se limita
somente ao registro de fatos e práticas históricas.
O conhecimento matemático é fruto
de um processo que fazem parte a
imaginação, os contraexemplos, as
conjecturas, as críticas, os erros e
os acertos. Mas ele é apresentado de
forma descontextualizada, atemporal
e geral, porque é preocupação do
matemático comunicar resultados e
não o processo pelo qual os produziu.
(Brasil, 1997, p. 24).

A Etnomatemática valoriza a cultura no ensinar


e aprender. Para D’Ambrosio (2011):

SUMÁRIO 63
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

Um enfoque Etnomatemático sempre


está ligado a uma questão maior, de
natureza ambiental ou de produção,
e a Etnomatemática raramente se
apresenta desvinculada de outras
manifestações culturais, tais como
arte e religião. A Etnomatemática
se enquadra perfeitamente numa
concepção multicultural e holística
da educação. (D’Ambrosio, 2011,
p. 44-45)

Isso significa que o pensamento matemático


não é produto nem exclusividade de um grupo social
apenas, mas permeia práticas que se transformam e
se consolidam como “verdades” e que, por assim
serem entendidas, precisam ser valorizadas, afim de
que a escola possa interagir com saberes diversos,
principalmente aqueles ditos tradicionais, e rumar ao
que se espera de uma educação para a diversidade.

A abordagem às distintas formas de conhecer


é a essência da Etnomatemática, que tem como ob-
jetivo procurar
[...] entender como os grupos
culturalmente diferenciados usam
estratégias de natureza matemática,
como comparar, classificar, ordenar,
quantificar e medir, com a finalidade
de lidar com situações e problemas
encontrados em seu cotidiano.
(D’Ambrosio, 2016, p. 7).

64 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Dessa forma, foram feitas visitas à Colônia Agrí-


cola do Matapi e entrevistados agricultores para o levan-
tamento de dados. A escolha do local justifica-se por ser
esta região uma das maiores produtoras de alimentos, em
especial, hortifrutigranjeiros e cuja produção ser majori-
tariamente oriunda da agricultura familiar, sendo consi-
derado principal polo produtivo do Estado.

Nesse contexto, as visitas à Colônia Agrícola do


Matapi foram muito pertinentes e proveitosas, visto que
se percebeu quão valiosas e diferentes são as práticas,
referentes à matemática, utilizadas pelos agricultores
da região na cultura do abacaxi.

Constatou-se que os agricultores dessa colônia


estão desenvolvendo técnicas baseados no tempo em
que estão na atividade agrícola e na quantidade de áreas
de produção de abacaxi, que em alguns casos ocorre
com um aproveitamento bastante significativo e com
redução no tempo de colheita de até 33% em relação
ao tempo normal.

Essas técnicas revelam conhecimentos matemá-


ticos que estão presentes em toda a cadeia de produção
agrícola do abacaxi naquela comunidade, como, por
exemplo, determinação da área, método de plantio,

SUMÁRIO 65
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

tempo e forma de cultivo, colheita e venda. Isso denota


que a relação homem, natureza e trabalho é estabele-
cida por processos matemáticos. Porém, os resultados
não se atêm apenas a valores numéricos, mas, princi-
palmente, culturais.

Conhecimentos matemáticos no cultivo de abacaxi

Em visitas à comunidade agrícola do Ma-


tapí, em Porto Grande no Amapá e a alguns agri-
cultores do interior de Pedra Branca do Amaparí,
percebeu-se a imensa importância da matemática
para as tarefas diárias dos agricultores da região.
Há relatos de que eles não poderiam nem começar
a plantar se não fizessem algumas contas e racio-
cínios matemáticos. Alguns agricultores afirmam
ainda que já houve casos de empregados que fo-
ram demitidos porque não sabiam contas básicas.
Portanto, saber matemática não é um capricho de
poucos e, como será visto, tampouco é uma exclu-
sividade de quem vai à escola ou de grupos mais
urbanizados. É uma forma constante de interagir
com o mundo.

66 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

A forma como cada grupo social utiliza e opera as


habilidades matemáticas é de grande valia para entender
as relações entre o homem e o meio sociocultural. A cul-
tura serve, portanto, como pano de fundo para um estudo
mais completo a cerca de como a matemática é utilizada,
representada e informada em cada um desses grupos.

Segundo Mattos e Brito:


A matemática do cotidiano serve
ao homem do campo, porque suas
estimativas são bem aproximadas [...].
Nessa interação, os dois conhecimentos
(a cultura do Agricultor e a matemática
tradicional) são importantes e se
completam, podendo ajudar muito
a professores e alunos, se forem
observados os princípios ideológicos
da Etnomatemática no ensino da
matemática. (MATTOS; BRITO,
2012, p. 978).

A unidade tradicional de medida de área


utilizada pelos agricultores é a tarefa. Esta unidade
é usada na cubagem (cálculo de áreas) dos terre-
nos onde se cultiva o abacaxi. Alguns utilizam o
hectare, mas sempre relacionado à ideia de tarefa.
Uma tarefa no Amapá 1 é uma região com 2.500
1 Em outras regiões como no Ceará, por exemplo, uma tarefa mede
3.025 m2, a qual os agricultores se referem a uma região de 55m x
55m. Na verdade, uma tarefa é 625 braças quadradas. Em alguns lo-
cais utiliza-se a braça como sendo 2m e em outros como sendo 2,2m.

SUMÁRIO 67
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

m 2 de área e um hectare é uma região com 10.000


m 2. Porém, os agricultores costumam se referir à
tarefa como uma região quadrada de 50m x 50m
e ao hectare como uma região quadrada de 100m
x 100m.

Um dos aspectos que é desenvolvido pela


Matemática é o raciocínio lógico. Esse tipo de ra-
ciocínio é usado, na prática, em cálculos mentais e é
percebido durante as conversas com os interioranos,
que mostram uma habilidade invejável em fazer cál-
culos “de cabeça”.

Era incrível a velocidade do raciocínio de


alguns agricultores, principalmente quando se per-
guntava sobre o que utilizavam de matemática na
plantação de abacaxi e sobre como ele sabia a quanti-
dade de abacaxi que seria plantado. Entre a pergunta
e a resposta, acontecia apenas uma pequena pausa e
a resposta vinha muito naturalmente. Tem-se como
exemplo a fala de um agricultor, que será identifi-
cado como Agricultor A:
Na área do abacaxi nós fazemos o
plantio, eu coloco duas tarefas de
abacaxi que a gente chama aqui,

68 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

plantado no padrão ela pega 10.000


abacaxis. Se for 4 tarefas, que é uma
hectare, eu vou plantar 20.000 pés,
é quanto pega no tipo do padrão
manual. (Agricultor A).

Note que o agricultor utiliza o conceito mate-


mático de proporção ao se referir a tarefa, ao hectare
e a quantidade de abacaxis produzidos nessas duas
áreas. Ele usa esse conhecimento para estabelecer
uma proporção entre a tarefa e o hectare, e faz uma
relação direta com a produção de pés de abacaxis,
através de um raciocínio cognitivo. Conforme relata o
agricultor, quatro tarefas correspondem a um hectare,
onde se podem cultivar vinte mil pés de abacaxis,
obedecendo ao padrão manual. Esse tipo de cálculo
mental é realizado graças à experiência do agricultor
e apresenta um fator relativo para a quantidade de pés
de abacaxi plantada: o padrão manual, que seria uma
forma mais rudimentar de plantio.

Em alguns tipos de medições, as unidades uti-


lizadas pelos agricultores da região, são as convencio-
nais, utilizam o metro e seus múltiplos e submúltiplos,
como o centímetro. O metro e o centímetro são usados
para a distância de uma “lera” - linha de plantação de
abacaxi - para outra e no intervalo entre uma muda de

SUMÁRIO 69
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

abacaxi e outra. Esse detalhe foi bastante enfatizado e


coerente entre as falas dos agricultores: “1,60 m entre
duas leras e de 40 cm de uma muda para outra”. Já para
medidas de áreas, a unidade utilizada nessa região,
além da tarefa, é o hectare, para áreas maiores a serem
plantadas, conforme foi relatado pelo agricultor A.

Através dos relatos e durante a investigação


na colônia, percebeu-se que os agricultores realizam
com muita naturalidade cálculos com a multiplicação
de elementos. Comparado com a realidade dos alunos
do ensino médio que muitas vezes têm dificuldades
para realizar operações de multiplicação, num primeiro
momento, pode parecer surpreendente.

Em geral, se espera que um indivíduo escola-


rizado tenha maior habilidade em realizar cálculos,
já que aprendeu na escola e além do que seu tempo
de escolarização, em média, ser bem maior do que o
tempo de escolarização daqueles que estão no campo.
Porém, isso não é necessariamente verdade. Em Mattos
(2017), por exemplo, vemos pessoas sem nenhuma, ou
quase nenhuma, escolarização e que fazem cálculos
“de cabeça” utilizando um algoritmo mental próprio,
o que mostra que essa habilidade não tem uma relação
com o conhecimento escolarizado.

70 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Naturalmente surge a pergunta: por que então


os agricultores realizam mentalmente contas com tanta
propriedade e a maioria dos estudantes de ensino mé-
dio tem tanta dificuldade? Pode-se responder a esta
pergunta possivelmente refletindo sobre a influência
da prática do dia a dia, na contramão da educação que
se tem nas escolas.

Um relato interessante foi dado por outro agri-


cultor, que chamaremos Agricultor B que disse usar
uma maneira diferente de plantar abacaxi em parte de
suas terras. A técnica foi relatada da seguinte forma:
Você planta a 1ª linha de mudas de
abacaxi e puxa 60 cm e planta outra
linha aí fica uma fila dupla, dessa fila
dupla você puxa 2 metros pra não
ficar muito fechado, pra não impedir
de a gente trabalhar a vontade, pra
não cortar a perna, duas filas é o ideal
para essa técnica porque uma planta
segura a outra pra não tombar os pés.
[...]. Eu já ouvi falar que tem gente
que faz assim, aqui acolá faz e eu não
sei se eles aprenderam com a gente
também, eu faço isso há bastante
tempo. (Agricultor B).

O Agricultor B dizia, de maneira bem convin-


cente, que essa técnica reaproveitava a planta cujo
fruto já havia sido colhido e que o tempo de colheita

SUMÁRIO 71
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

do novo fruto reduzia-se para 8 a 9 meses; que o


abacaxi da segunda colheita é “muito mais bonito e
maior que o da primeira”. Relatou, ainda, que isso
poderia ser feito por duas vezes na mesma muda “que
sempre dava abacaxi e retirava-se no mínimo 5 mudas
de abacaxi por planta”.

Essa técnica de replantio do abacaxi mostra-


va-se bem proveitosa como, por exemplo, no rea-
proveitamento do solo, economia na despesa com
plantio de novas mudas; maior qualidade da fruta
que aumentava em tamanho na segunda e terceira
colheita, tornando-se uma mercadoria de maior valor
no mercado e principalmente, o que foi bem ressal-
tado pelo agricultor, o tempo de colheita que reduzia
de 3 a 4 meses da primeira colheita, que são exatos
12 meses para colher, o que é uma redução de cerca
33% de tempo e implica num ganho razoável, entre
uma colheita e outra.

Em conversa com outros dois agricultores


foi questionado se conheciam essa técnica de rea-
proveitamento da mesma muda e a resposta foi que
sim, mas ainda não tinham realizado isso em suas
propriedades. Eles, porém, fizeram apenas uma ob-
servação: às vezes, com o segundo ou terceiro fruto

72 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

da mesma muda, o abacaxi pode tombar para o lado


e o sol queimá-lo, ficando um abacaxi queimado e
as pessoas pensam que está passado do ponto ou
até mesmo estragado, mas todos confirmaram que
a segunda e a terceira colheita são mais rápidas sim
e o fruto vem maior e mais bonito.

Essas observações são importantes porque


podem ajudar a verificar até que ponto esses conheci-
mentos podem contribuir para a melhoria do processo
de produção do abacaxi e proporcionar, assim, uma
boa qualidade de vida para o agricultor. Percebeu-se
que os agricultores foram adquirindo conhecimentos
com a experiência e numa relação de análise, experi-
mentos, cálculos e problematizações de suas práticas,
foram aperfeiçoando técnicas que vinham atender
suas necessidades econômicas e sociais. De acordo
com D’Ambrosio (2011):
O conhecimento é o gerador do
saber, decisivo para a ação e por
conseguinte é no comportamento,
n a p r á t i c a , n o f a z e r, q u e s e
avalia, redefine e reconstrói o
conhecimento. A consciência é o
impulsionador da ação do homem
em direção à sobrevivência e à
transcendência, ao saber fazendo
e fazer sabendo. O processo de
aquisição do conhecimento é,

SUMÁRIO 73
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

portanto, essa relação dialética


saber/fazer, impulsionado pela
consciência, e se realiza em
várias dimensões. (D’Ambrosio,
2011, p. 53-54).

É importante ter relatos desses conhecimen-


tos que são feitos longe do ensino dito “tradicio-
nal”, pois tais vivências levam a repensar o papel
da educação institucionalizada. “[...] Sentimo-nos
convocadas a entrar no jogo para disputar o sentido
que vamos dar à Matemática Escolar, para proble-
matizar o que tem sido chamado de Matemática”
(Knijnik et al, 2012, p. 82). Ainda segundo Knijnik
et al. (2012, p. 26 grifo do autor)
as práticas matemáticas são
entendidas não como um conjunto
de conhecimentos que seria
transmitido como uma “bagagem”,
mas que estão constantemente
reatualizando-se e adquirindo
n o v o s significados, ou seja, são
produtos e produtores da cultura.

É preciso problematizar as questões que en-


volvem o ensino da Matemática, revirar as verdades
camufladas, questioná-las, reinventar-se e abrir possi-
bilidade de ir além do previsível. Abrir caminhos para
um modo diferente de significar a própria existência.

74 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

O Ensino da matemática escolar a partir dos saberes


dos agricultores

Os relatos dos agricultores são ricos em co-


nhecimentos matemáticos adquiridos ora por uma
educação básica, ora pela vivência de décadas na
atividade agrícola. Trazer esses conhecimentos para
sala de aula acarreta avanços para o aprendizado de
matemática, pois agrega saberes tradicionais à ma-
temática que é ensinada nas escolas e, juntos, saber
tradicional e acadêmico, podem trazer novos cami-
nhos para a educação.

Relações matemáticas como a transformação


de medidas de hectares para tarefas, espaçamentos e
áreas, percebidas durante as conversas com os agricul-
tores, podem ser trabalhadas em um ambiente escolar,
principalmente nas escolas da região dos agricultores.
Essa proximidade de assuntos da matemática escolar
com a matemática que os agricultores utilizam traz um
ganho real bastante significativo na educação, no que
diz respeito à compreensão do conteúdo ministrado
na sala de aula.

Para Mattos e Brito (2012, p. 968),


a aprendizagem da matemática na
sala de aula passa por um momento

SUMÁRIO 75
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

de interação entre a matemática


organizada pela comunidade
científica, conhecida como
matemática formal, e a matemática
como atividade humana.

Essa interface é necessária porque vem ao


encontro dos anseios sociais e individuais que mar-
cam a contemporaneidade. O homem não busca mais
somente conhecer o saber institucionalizado, busca
compreender-se, interpretar-se, conhecer-se para
compreender o mundo. Procura meios para se pro-
pagar em uma sociedade cada vez mais competitiva,
que busca a ideia de equilíbrio com as outras esferas
da natureza.

Aulas de Matemática, nas quais os profes-


sores juntos com o agricultor de abacaxi possam
interagir, tanto no campo quanto na sala de aula,
valorizam a cultura, os agricultores, a escola e os
alunos, já que eles fazem parte dessa comunidade.
Todos ganham nesses processos de ensino e apren-
dizagem da matemática, inserida no nosso dia a dia.
Principalmente, se for em uma turma de Educação
de Jovens e Adultos (EJA).
Considerando a importância dos
conhecimentos matemáticos do
cotidiano e a relevância das propostas
da Etnomatemática e da Educação

76 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

do Campo, sem ser ingenuamente


utilitarista, destacamos o fato de
que o educador da EJA precisa
elaborar metodologias de ensino
que valorizem as experiências dos
educandos. Dessa forma, o saber
docente passa a ser o resultado
de uma realização de formação e
formação na ação, uma vez que
o saber escolar é interligado com a
realidade, firmando suas raízes nas
práticas do dia a dia. (PERGHER;
MORAES, 2014, p. 74).

As visitas às comunidades agrícolas de Porto


Grande e Pedra Branca do Amaparí e as conversas
com os agricultores, serviram como cenário de in-
vestigação de saberes matemáticos tradicionais, os
quais puderam ser percebidos dentro de um contexto
amplo que envolve cultura, hábitos, costumes e va-
lores socioculturais.

Chama-se a atenção para as habilidades ma-


temáticas como medir, calcular, estabelecer relações,
problematizar, raciocinar logicamente e ao mesmo
tempo utilizar números, relacionando-os a contextos
diferenciados, sejam econômicos, sociais e culturais.
Isto revela que os agricultores têm em suas práticas
conceitos matemáticos que muitas vezes não são en-
sinados nem apreendidos na escola pelos alunos.

SUMÁRIO 77
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

Essas habilidades nem sempre são fruto de um


conhecimento escolarizado, mas constituem-se heranças
de antepassados que são difundidas e (re)significadas a
partir das vivências. Os agricultores não se limitam a
repetir seus conhecimentos, mas através da observação e
da análise, modificam os conhecimentos tomados como
verdades e transformam, ainda que pragmaticamente,
em algo mais positivo, mais produtivo.

O homem está numa constante ação de ver, re-


fletir, analisar e transformar o mundo, buscando sempre
o aperfeiçoamento e, consequentemente, a realização
plena de suas necessidades individuais e coletivas.
Nessa constante busca, os agricultores lançam mão
não somente de saberes tradicionais, mas também de
nuances modernas e tecnológicas, que venham atender
seus interesses.

Para isso, estabelecem um constante diálogo


entre o rural e o urbano, entre o antigo e o moderno,
entre o tradicional e o acadêmico, motivados pela
necessidade de conquista de novos espaços sociais,
novas realidades, como não aceitar o tipo de plantio
(fila dupla ou simples) imposto por técnicos agrícolas,
adequando sim a sua realidade, ao que fica melhor
para ele enquanto agricultor. Será que muitas vezes

78 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

não deveríamos ter essa atitude, enquanto professor,


de buscar novas realidades, novos mundos que são
totalmente diferentes daquele que insistimos em ficar,
em sala de aula.

Para os alunos, que estão cansados, en-


tediados desse formato de aula, de ensino que
se conhece há décadas, seria interessante que se
buscasse outras realidades, as quais, quase sempre
estão bem ao lado da escola. E é aí que o papel
do professor se intensifica, devendo guiá-lo nes-
se caminho. Consoante a isso, não poderia ser
diferente o tratamento da educação matemática:
é preciso educar para o futuro. E interagir com
práticas diferentes, variadas, é uma necessidade.

Nenhuma fórmula ou regra pode vir descon-


textualizada se a ideia for garantir que as gerações
futuras possam ser mais tolerantes, mais inteligentes,
mais intuitivas, mais emotivas, mais afetivas e mais
racionais, buscando a equidade entre os povos e entre
o homem e a natureza.

Não se pensa mais em um homem egocêntrico,


nem na natureza como fonte inesgotável de recursos.

SUMÁRIO 79
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

É preciso que a educação, em especial a matemática,


não seja “um instrumento selecionador de elites” como
salienta D’Ambrosio (2011, p. 77) e que se acabe com
os estereótipos de que uma cultura possa ser melhor
do que outra.

Considerações finais

A busca de práticas educativas para compor


estratégias de ensino para real aprendizagem é neces-
sária para àqueles que se dispõem a ensinar. É muito
comum para quem está em sala de aula ensinando
matemática se deparar com questionamentos dos dis-
centes sobre o motivo de estarem estudando matemá-
tica. Afinal, são tantas fórmulas, contas e expressões
matemáticas tão distantes do seu cotidiano que tais
questionamentos são bem pertinentes.

Esta pesquisa ofereceu a possibilidade de co-


nhecer um pouco mais dos saberes práticos de agri-
cultores da Colônia Agrícola Matapi, no estado do
Amapá que cultivam o abacaxi. Como foi dito e visto
ao longo do texto, o trabalho de campo está repleto de

80 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

saberes matemáticos, identificá-los e divulgá-los é de


suma importância tanto para quem leciona em escolas
agrícolas como para os estudantes das mesmas. Neste
processo o homem do campo se vê reconhecido e
valorizado quando seus filhos também estudam suas
práticas.

Durante a pesquisa teve-se a oportunidade de


averiguar a riqueza de conhecimento matemático e,
também, a parte cultural dos agricultores pesquisados.
Vincula-se ao programa etnomatemática entre outras
coisas, por tratar de manifestações culturais do plantio
e tradições.

As visitas à Colônia foram enriquecedoras


sendo possível confrontar práticas diferenciadas. Foi
muito prazeroso constatar o quanto suas atividades
estão impregnadas de matemática. Pode-se averiguar
que muitos agricultores utilizam o cálculo mental com
muita propriedade e rapidez. Sendo que muitos nunca
sentaram num banco de escola ou o fizeram por muito
pouco tempo. Isto só vem reforçar o quão importante
é a prática diária. Muito já foi dito sobre o confronto
do ensino acadêmico versus o ensino prático e pode-se
atribuir a esse exemplo, a prática como uma excelente
forma de aprendizado.

SUMÁRIO 81
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

O cálculo de área usando a tarefa como unidade


medida é uma prática muito utilizada no Amapá, onde
uma tarefa corresponde a uma região de 2500m2, me-
dida esta que muda em função da região do Brasil. O
interessante é como se referem à tarefa, sempre medindo
uma região de 50m x 50m, ou seja, a cada quadrado
de 50m de lado eles associam a uma tarefa, da mesma
forma, um hectare é medido em um quadrado de 100m
x 100m. Quando o agricultor relacionou corretamente
que um hectare corresponde a 4 tarefas e fez a projeção
do número de pés de abacaxi medidos em tarefa para a
quantidade em hectare, o fez corretamente utilizando o
conceito de proporção, mesmo, possivelmente, sem o
conceito escolar de proporcionalidade. Sua experiência
certamente foi a responsável por este cálculo. Foi possí-
vel observar a rapidez com que muitos realizam opera-
ções de multiplicação. Se a prática, em situações do dia a
dia tem ajudado tanto os agricultores a realizar cálculos,
por que não utilizar estes exemplos em situações de uma
sala de aula? A escola formal e descontextualizada não
está contribuindo muito para o aprendizado. O fazer
agrega muito mais do que o decorar, como acontece em
muitos casos na sala de aula.

A técnica desenvolvida pelo agricultor B, cha-


ma a atenção pelo fato deles não se limitarem a repetir o

82 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

que aprenderam na vida, bem como mostra que através


de observação, cálculos e experimentação, transfor-
mam e ressignificam os conhecimentos. Dessa forma,
percebe-se que as habilidades não são consequências
exclusivas da escolarização. Consequentemente, volta-
-se a questão sobre a postura do professor que por vezes
não se arrisca, não inova, apesar de ter a oportunidade
para mudar.

O professor deve ter em mente que o ensino


não pode estar desconectado do cotidiano e da con-
textualização. Mais do que nunca, há a necessidade de
que o ensino de matemática escolar seja não só eficaz
sob o ponto de vista da matemática acadêmica, mas
que venha agregar conhecimentos de sua cultura, por
reconhecer o valor do outro. Entender como foram
gerados estes conhecimentos, possibilita acrescentar
significado ao mesmo e contribuir para a compreensão
das gerações futuras.

Desta forma, é importante identificar como


os saberes matemáticos são gerados e difundidos por
um grupo sociocultural e usados no seu dia a dia, em
suas atividades tradicionais. Nessa perspectiva, o
Instituto Federal do Amapá - IFAP pode e deve levar
seus alunos a se apropriar tanto dos conhecimentos

SUMÁRIO 83
Etnomatemática na Cultura do Abacaxi

técnicos quanto dos conhecimentos dos agricultores


familiares dessas duas localidades.

Referências

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ma-


temática. Brasília: MEC/SEF. 1997

D’AMBROSIO, U. Etnomatemática - elo entre as


tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autênti-
ca, 2011
D’AMBROSIO, U. Prefácio. In: MATTOS, J.R.L.
(Org.). Etnomatemática: saberes do campo. Curitiba:
CRV, 2016.

KNIJNIK, G. et al. Etnomatemática em movimento.


Belo Horizonte: Autêntica editora, 2012.

MATTOS, J.R.L. Knowledge from / for life. In:


MESQUITA, M. M. B. Political Flow in the
Communitarian Education: Topological Ontology in
the Urban Boundaries. Lisboa: Anonymage, 2018.

84 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

MATTOS, J.R.L.; BRITO, M.L.B. Agentes rurais e


suas práticas profissionais: elo entre matemática e
Etnomatemática. Ciência & Educação, v. 18, n. 4,
Bauru, p. 965-980, 2012.

PERGHER, S.; MORAES, V. Contribuições da ma-


temática na perspectiva da Etnomatemática da edu-
cação do campo nas aulas do EJA. Analecta, v. 12,
n. 1, Guarapuava, p. 71 – 91, jan./jun 2014.

SUMÁRIO 85
CAPÍTULO 3
INTEGRAÇÃO E DIVERSIDADE
CONTRIBUIÇÕES DA
ETNOMATEMÁTICA PARA A
FORMAÇÃO DO EDUCADOR
SUMÁRIO
INTEGRAÇÃO E
DIVERSIDADE:
CONTRIBUIÇÕES DA
ETNOMATEMÁTICA
PARA A FORMAÇÃO
DO EDUCADOR

Francisco Jeovane do Nascimento


Romaro Antonio Silva
Maria Socorro Lucena Lima

Introdução

Olhar para o aluno da Licenciatura em Ma-


temática no contexto da Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNI-
LAB – requer o esforço de procurar respostas para

SUMÁRIO
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

a indagação: o que há de integrador na Universida-


de da Integração? Conscientes de que a formação
docente envolve propósitos intimamente ligados à
educação e considerando a docência uma prática
continuamente coletiva, buscamos neste texto, en-
contrar pistas de integração e interação nas reflexões
trazidas pela etnomatemática como mediadoras do
conhecimento da diversidade cultural na constru-
ção dos conhecimentos que se agregam à formação
do professor de Matemática. O desafio de viven-
ciar a experiência do convívio social diversificado,
presente na atuação profissional dos docentes da
UNILAB merece ser discutido, no sentido de que
sejam encontrados formas e modos de promoção
e efetivação da aprendizagem acerca dos conheci-
mentos trazidos, tanto dos alunos brasileiros como
pelos africanos, sobre cultura das sociedades e das
instituições de ensino, onde estudaram, antes de
chegarem na citada instituição de ensino, bem como
as perspectivas colocadas no curso de Matemática
onde estão matriculados.

Para viabilizarmos esta reflexão trazemos o


referencial teórico da Etnomatemática, por consi-
derar que o mesmo possui um viés político e ético,
com objetivo de valorização da cultura que perpassa

90 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

as crenças e tradições de determinado grupo. Nesse


aspecto, vislumbram-se e são enaltecidas formas
diversificadas de produção de saberes matemáticos,
adequados as peculiaridades de cada contexto e
superando uma visão reducionista e discriminatória
imbuída por uma sociedade dominante que explicita
padrões específicos a serem seguidos como modelos
válidos na construção e sistematização de conheci-
mentos científicos.

Apresentamos, ainda, neste trabalho à pers-


pectiva da “escrita de si” como possibilidade meto-
dológica de que os sujeitos se vejam e façam seus
registros sobre sua trajetória, no intuito de repensar
seu processo formativo.

Acreditamos na relevância do trabalho apre-


sentado pela possibilidade da abrangência de es-
tudos que abarcam esta questão. Dessa forma,
esperamos estar contribuindo no processo forma-
tivo de profissionais do ensino de Matemática,
que consigam superar as atitudes conteudistas,
descortinando possibilidades de uma educação
matemática voltada para a emancipação humana,
em que a Etnomatemática se constitua como uma
via profícua de auxílio a ação docente.

SUMÁRIO 91
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

Sobre a Universidade da Integração Internacional


da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB

A UNILAB (Universidade da Integração Inter-


nacional da Lusofonia Afro-Brasileira) é uma instituição
pública de ensino superior, sob a jurisdição do Ministério
da Educação (MEC). Sua sede localiza-se na cidade de
Redenção, em uma região denominada Maciço de Baturi-
té, no interior do Ceará. A escolha da referida cidade para
constituir-se como sede da universidade remete ao fato de
a mesma ter sido a primeira cidade brasileira a libertar os
povos escravizados, em 1883. A referida universidade
foi criada mediante a promulgação do decreto de lei
nº 12.289, de 20 de julho de 2010, com o objetivo de
contribuir no conhecimento e valorização das dife-
rentes culturas inerentes as nações que compõem a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP):
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambi-
que, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, bem
como fomentar a colaboração internacional em aspec-
tos científicos e vinculados a educação (Brasil, 2010).
O ato inaugurativo oficial ocorreu em 25 de maio de
2011, no campus da Liberdade, em Redenção-Ceará,
coincidindo com o dia da África.

92 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Conforme Melo (2018) caracteriza-se pela in-


ternacionalização e busca por melhorias sociais no
interior nordestino, bem como oportunizou a troca de
saberes e o contato com práticas culturais diversifica-
das, oriundas da frequência de alunos africanos nos
cursos de graduação da referida universidade, no qual
Freire et al (2017) explicita que
Emergia, assim, o sonho de erguer entre
a serra e o mar, no estado do Ceará, no
Nordeste do Brasil, uma universidade
referenciada na integração internacional
e cooperação solidária (...).

Mediante a presença de estudantes oriundos de


outras nações, principalmente africanas, é pertinente o
entrelaçamento cultural, a promoção da integração entre
os acadêmicos e o estabelecimento de um ambiente coo-
perativo e de respeito mútuo, possibilitando conhecer as
experiências, vivências e modos específicos de interpre-
tação da realidade, de forma a utilizar tal aspecto como
aporte teórico e metodológico no delineamento de ações
inerentes ao processo formativo no âmbito universitário.

Atualmente, a UNILAB oferece um total de


17 cursos de graduação, sendo 16 na modalidade
presencial e um a distância, dentre eles o curso de
licenciatura em Matemática.

SUMÁRIO 93
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

Contribuições da Etnomatemática para a formação


do educador

Conforme D’Ambrosio (2007) a Etnomatemá-


tica se constitui como a arte ou técnica de entender e
explicar a realidade em um determinado contexto, seja
este natural, cultural ou social. Evoca-se o princípio
de que todos somos matemáticos e praticamos ma-
temática, de forma consciente ou não, nas ações que
permeiam nosso cotidiano, desde a tomada de decisões
sobre qual percurso mais favorável para percorrer um
determinado trajeto até a compra diária do pão na
padaria da esquina (Devlin, 2006).

Nesse sentido, ao chegar à escola, o indivíduo


traz consigo seu conhecimento e vivência de mundo
através das situações que perpassam seu cotidiano, em
que tais fatores podem ser atrelados ao delineamento dos
saberes curriculares trabalhados pelo professor, perpas-
sando aspectos culturais que envolvem o contexto com
o qual interagem e não o mero trabalho com um conhe-
cimento matemático estanque e acabado, sem relações
com a vida dos educandos, que poderá culminar em de-
sinteresse e a não aprendizagem, constituindo-se como
entrave que irá repercutir em toda a vida do indivíduo.

94 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Não se trata de reduzir o saber matemático,


mas de articulá-lo as situações cotidianas vivencia-
das pelos seres humanos, em uma perspectiva de
transformação do saber espontâneo em saber siste-
matizado, vislumbrando possibilidades de utilização
do conhecimento na vida prática/cotidiana e não
como algo estático e difícil, no qual apenas alguns
indivíduos podem compreender.

O conhecimento matemático, fruto de necessi-


dades históricas e culturais que permearam determina-
dos contextos e épocas, evoluindo em decorrência de
transformações que permeiam a sociedade, não pode
ser utilizado como instrumento de exclusão e margi-
nalização social. Sua aquisição deve ser utilizada na
aprendizagem/aperfeiçoamento de habilidades e com-
petências que auxiliem os indivíduos na resolução de
situações que permeiam a sua vida prática/cotidiana,
visto que a existência da matemática no currículo é
decorrente da sua presença e relevância no âmbito
social (Nascimento, 2016).

Por intermédio do trabalho com a tendência da


Etnomatemática, aos docentes é possibilitado o desen-
volvimento de competências e habilidades específicas
para a pesquisa acerca de concepções, estratégias e

SUMÁRIO 95
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

procedimentos matemáticos que se delineiam no con-


texto que circunda a escola, de forma a se constituírem
em objeto de estudo e inferências conducentes a um
planejamento direcionado e gradual, em conformidade
com anseios dos estudantes e da instituição escolar,
intermediado por atividades contextualizadas, sem
perder de vista o rigor matemático (Rosa e Orey, 2013).

Assim, torna-se necessária a formação do pro-


fessor de Matemática voltada para a busca por formas
diversificadas e adequadas na sistematização dos co-
nhecimentos matemáticos, em que estes possam ser
vislumbrados com um sentido e um valor na vida dos
educandos, no qual a Etnomatemática torna-se uma
perspectiva viável de trabalho com a matemática esco-
lar, relacionando-a com a cultura e especificidades do
contexto, propiciando um processo de ensino voltado
para a efetivação da aprendizagem como instrumento
de inserção e promoção social.

D’Ambrosio (1990) também traz à baila o de-


bate acerca da necessidade de rediscutir o papel da ma-
temática no âmbito escolar e social, explicitando que
A superioridade de quem atingiu
um nível mais alto em matemática
é reconhecida por todos, sendo a
habilidade matemática uma mar-

96 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

ca do gênio. A abordagem crítica


à cognição, à estrutura social e
à independência do Estado, isto
é, à organização geral do mun-
do, nos coloca numa posição de
necessidade urgente de examinar
o papel da matemática no nosso
sistema educacional, partindo de
uma perspectiva nova (...) (D’Am-
brosio, 1990, p. 24-25).

A Etnomatemática surge como reposta a ne-


cessidades equitativas entre o conhecimento social e
escolar, remetendo a aspectos culturais que permeiam
determinado contexto, vislumbrando novas possibi-
lidades de auxílios aos professores em sua ação co-
tidiana, em uma visão de sistematização de saberes
que propicie uma melhor aprendizagem dos conteúdos
trabalhados no currículo escolar.

Por intermédio das singularidades cultu-


rais inerentes a um determinado povo, emergem
questões éticas de respeito e reconhecimento da
diversidade, objetivando conhecer para interpretar,
instaurando um ambiente harmônico em que todos
possam conviver de forma pacífica, sob a premissa
dialógica defendida por Freire (2015), em que a lei-
tura das linhas seja acompanhada da interpretação
da realidade, no qual Pimenta (2012) complementa,

SUMÁRIO 97
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

afirmando que o conhecimento não se reduz a infor-


mação, mas implica um trabalho com esta, em uma
visão analítica, interpretativa e ressignificadora, de
maneira a utilizar tal conhecimento como forma de
apreensão da realidade.

A mera sistematização dos conhecimentos


matemáticos sem considerar sua relação com o con-
texto pode se tornar um instrumento seletivo e exclu-
dente, sem propiciar conexões entre o conhecimento
escolar e social, uma vez que tais saberes podem ser
utilizados na resolução de situações práticas/coti-
dianas, propiciando desenvolvimento/aperfeiçoa-
mento do raciocínio lógico/abstrativo, tendo como
ponto de partida as experiências, vivências e aspec-
tos cognitivos espontaneizados que podem auxiliar
no delineamento e sistematização da Matemática
abordada na escola, relacionando-a com a cultura
do contexto, ressignificando o processo de ensino,
desenvolvendo-o como condutor a aprendizagem
qualificada e instrumento de exercício da cidadania,
além do seu uso como elemento de compreensão e
intervenção na realidade inerente ao ambiente social
do indivíduo e do seu grupo.

98 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Revisão teórica sobre a “escrita de si” na


formação docente

O pensamento de Paín (2009, p. 16) nos ensina


que educadores estão situados entre as duas formas de
construção de pensamento, “um sujeito que tem que
aprender e, através do aprender, se constitui como
sujeito”. Para esta discussão, surge a possibilidade
de investigar as formas e os modos de como ocorre
o processo de formação do professor de Matemática
através da escrita.

Para Alves, Carvalho e Dias (2011) esse tipo


de escrita é exercício de liberdade, à medida que gera
um movimento sobre nós mesmos, com o intuito não
só de produzir desvios diante dos formatos vigentes
que as estruturas da escrita acadêmica prescrevem para
a produção dos trabalhos científicos, como artigos ou
trabalhos monográficos, dissertativos e de tese, mas
também liberdade de estilização da nossa própria exis-
tência e compreensão do momento histórico. Isso evi-
dencia a necessidade de buscar enfoques epistêmicos
que dê conta de discutir a relação entre subjetividade e
conhecimento que deve estar presente na autobiografia
do professor ou do aluno do Curso de Matemática.

SUMÁRIO 99
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

A “escrita de si” contribui para entender que a


formação do professor de Matemática, carece do enten-
dimento de que o curso faz do aluno um aprendiz de uma
profissão e ali se estabelecem ressonâncias afetivas, que
podem transformar conhecimentos em oportunidades de
um trabalho educacional significativo.

Desse modo, articulam-se possibilidades de


planejamento e execução de ações formativas que
relacionem a vida e a cultura dos professores em for-
mação com conhecimentos, práticas e saberes que irão
permear sua atividade profissional cotidiana, em que
a Etnomatemática possa se constituir como um elo de
integração e interação entre saberes teóricos e práticos
que permeiam o trabalho do professor de Matemática,
evidenciando novos enfoques epistêmicos que con-
templem as discussões concernentes a relação entre
subjetividade e conhecimento que se fazem presentes
na história de vida dos educandos, professores em
exercício e docentes em formação.

Alves, Carvalho e Dias (2011, p. 247) ex-


plicitam que
Através da “escrita de
s i ” é possível reunir, na forma
de relatos, informações objetivas
e i m p r e s sões furtivas. Estas
impressões não forjam um texto

100 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

interpretativo e a presença de dados


objetivos, também não constituem
uma análise objetiva. Entre a
objetividade e a subjetividade, o
relato se mantém suspenso, atento
à captação daquilo que se dá no
plano intensivo das forças: espaço
potencial onde o encontro se instala.

Deste modo, observamos que através da “escrita


de si” o sujeito expressa seus traços subjetivos, onde pode
relatar sobre suas experiências de vida possibilitando
uma melhor compreensão do escrito e do vivido na qual
se estabelece essa relação do objetivo com o subjetivo.
Sendo importante para compreendermos de que forma
o sujeito percebe a realidade de uma formação docente
inicial que atente para os conhecimentos psicológicos
e a prática pedagógica, como possibilidade de atuação
profissional, frente às dificuldades e manifestações
subjetivas dos alunos no cotidiano educacional.
Entretanto, por conta dessas mudanças, vivemos em
uma época em que se espera dos educadores, de forma
geral, respostas e do professor de Matemática, em
específico, uma postura profissional articulada, que
supere as posturas tecnicistas. Os alunos, os pais e
a sociedade atual como um todo, tem expectativa de
mais competência e compromisso do professor, no que

SUMÁRIO 101
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

se refere à capacidade de lidar com problemas da vida


moderna e com as demandas no contexto sociocultural.

Deste modo, é de fundamental importância


ressaltar que este professor contemporâneo deve
materializar a união entre a teoria e a prática, promovendo
a práxis pedagógica. Pimenta (2012) define o conceito
de práxis, definindo-a como uma prática que se faz pela
a atividade humana de transformação da natureza e da
sociedade, consolidando-se, assim, em uma práxis, em
uma atitude humana diante do mundo, da sociedade e
do próprio homem.

Desta forma, compreendemos que o processo


formativo influencia na constituição da identidade
profissional. Imbernón (2010, p.78) afirma que

[...] a formação pode ajudar a


definir esse significado daquilo
que se faz na prática em situações
concretas e, para se alcançar
novos saberes, também permite
mudar a identidade e o eu de
forma individual e coletiva.

Essa reflexão que o autor faz, apontando


que o técnico adestra os alunos, é algo comum no
cotidiano docente, visto que na maioria das vezes os

102 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

professores passam uma atividade, da qual eles não


sabem a real proposta e procuram corrigir só gestos
técnicos, deixando de lado sua função de professor
que perpassa as correções de gestos e se preocupa
nos aspetos cognitivos, sociais e morais dos alunos
que estão formando. Destacamos que este professor,
ao invés de exercer a função de educador, na maioria
das vezes se deixa levar pelo tecnicismo, virando
um repetidor de informações.

“A escrita de si”: registro de experiência de Educação


Matemática

Escrever sobre si mesmo se constitui uma ex-


periência significativa no sentido de expressar os pró-
prios pensamentos e experiências. Na tentativa de uma
aproximação com a “escrita de si” trazemos três alunos
do curso de graduação em Matemática para ilustrar a
presente reflexão.

Indagados sobre o que significa ser aluno da


UNILAB, os registros revelaram importantes pontos
de reflexão, na construção da identidade docente, tais

SUMÁRIO 103
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

como a alegria de se sentir partícipe do processo de


integração desde o seu início.
Considerando o contexto que a
UNILAB está localizada no interior
do Ceará, com foco na integração
com os países de língua portuguesa
e alavancar a “qualidade” do Maciço
de Baturité. Ser aluno da UNILAB se
torna algo peculiar, principalmente
participando do início e da construção
da universidade. Ter a oportunidade
de conhecer colegas de outros países
era uma realidade então que eu
achava distante e esta oportunidade
de contato com eles, estreita nossas
relações humanas e serve como
meio de desmistificar e acabar
com estigmas e preconceitos que
tínhamos, significa participar de uma
realidade que há 10 anos atrás seria
inviável para nossa região. Ser aluno
da UNILAB é se tornar mais humano
frente as questões das relações com
nossas raízes. (Luis)

É muito gratificante, considerando a


questão da localização da UNILAB, ao
relacionamento aluno e professores.
(Pedro)

Ser aluno da UNILAB é muito


importante porque abarca conhe-
cimentos diferenciados, cultura e

104 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

modo de vida diferenciado, que


dão ensino do conhecimento mul-
ticultural. (Manuel).

Destacam ainda a oportunidade de desmistificar


estigmas e preconceitos, que favorece o estabeleci-
mento de relações humanizadas, diante das questões
alusivas às raízes de cada um. Tais registros nos reme-
tem a D´Ambrósio (2007) quando fala sobre a busca
de explicação de um contato social de interpretação da
realidade dos grupos no espaço da Etnomatemática por
intermédio da “escrita de si”.

As respostas anotadas nos escritos dos alunos


a respeito do Curso de Matemática, em que estão ma-
triculados, vêm nos mostrar uma longa caminhada de
superações pedagógicas, evidenciada na pergunta: o
que representa para você o curso de licenciatura?

Quando entrei para o curso de


licenciatura sempre ouvi que ser
professor não dá dinheiro e que eu
deveria mudar de curso. Mas ao longo
desses quase três anos de Universidade,
compreendi que trabalhar como
professor é algo que envolve o
profissional, envolve o humano, pois
o professor acaba assumindo o papel
de pai/mãe do aluno muitas vezes e ser
um conselheiro. (Luis)

SUMÁRIO 105
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

É, ser professor, aquela pessoa que


transmite seu conhecimento para os
alunos, um licenciando vai ser como
orientador para os alunos, ou seja, o
professor é um exemplo. (Pedro)

É um curso direcionado para docên-


cia, que busca direcionar o aluno no
caminho da prática docente. (Manuel)

É possível verificar que a formação do professor


ainda carrega as marcas do herói vocacionado, no entanto,
a “escrita de si” já mostra a evidência da docência como
profissão. Assim, nos cabe reconhecer nas questões
inerentes a identidade profissional, como categoria de
análise a ser assumida pelos formadores. Concordamos
com Pimenta e Anastasiou (2002, p. 77) quando afirmam
que a identidade profissional se constrói

[...] pelo significado que cada professor,


enquanto ator e autor, confere à
atividade docente no seu cotidiano,
com base em seus valores, em seu modo
de situar-se no mundo, em sua história
de vida, em suas representações, em
seus saberes, em suas angústias e
anseios, no sentido que tem em sua
vida o ser professor.

“A partir da contribuição dos autores


supracitados” percebemos que a identidade é constituída

106 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

a partir dos traços históricos, das vivências de cada


sujeito. Neste caso, os estudos da Etnomatemática
estariam contribuindo para uma mudança de
sentido no campo da formação docente.

O reconhecimento dos problemas que precisam


ser enfrentados diante da pergunta: Quais os desafios de
ser aluno da UNILAB? deixa em evidência três aspectos
a serem considerados: os problemas da sociedade atual,
a auto-formação e as questões pedagógicas.
Por ser uma universidade em
construção, enfrentamos muitos
percalços. E quando consideramos os
tempos de crises que estamos vivendo,
se torna bem mais “penosa” essa
caminhada, os tempos não são fáceis,
com a tentativa do “sucateamento” da
educação. (Luis)

Estudar muito, ser humilde, ter


paciência, criativo, participante. (Pedro)

Ser aluno da UNILAB é um desafio


porque os alunos da licenciatura
deveriam ter professores com
perfil da formação docente para o
licenciado, ou seja, as características
que lhe permite ter uma característica
pedagógica de compreender o ensino
e a aprendizagem. (Manuel)

Os alunos reconhecem que a formação pro-

SUMÁRIO 107
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

fissional do professor de Matemática precisa passar


por mudanças que acompanhem os avanços da so-
ciedade contemporânea. Charlot (2013, p.46) con-
tribui para a discussão, ao definir globalização nos
seguintes termos: “[...] é a crescente integração das
economias e das sociedades no mundo devido aos
fluxos maiores de bens, de serviços, de capital, de
tecnologia e de ideias”.

Os alunos, os pais e a sociedade atual como


um todo, tem expectativa de mais competência e
compromisso do professor, no que se refere à capaci-
dade de lidar com problemas da vida moderna e com
as demandas no contexto sociocultural. Nesse aspec-
to, essa tendência da Educação Matemática reconhe-
ce a conhecimento produzido por grupos culturais
específicos, mediante sua visão de mundo peculiar,
em que a Matemática supera uma visão antiquada de
ciência estática e de difícil compreensão, mas sim
presente a atuante na sociedade e em diversas etnias,
embora receba críticas, no qual D’Ambrosio (2007,
p. 10) afirma que “a grande meta é a manutenção do
status quo, maquiado com o discurso enganador da
mesmice com qualidade”.

108 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Considerações finais

A nossa contribuição para o presente debate se


constitui o desafio de olhar a questão da formação do
professor de Matemática, situado em questões inter e
transdisciplinares, que envolvem desde o contexto em
que estamos inseridos, até os aspectos subjetivos dos
sujeitos nele envolvidos.

Tivemos como proposta metodológica a “es-


crita de si” como exercício de liberdade em busca de
discutir a relação entre subjetividade e conhecimento.
Tivemos como base teórica os estudos ligados a Etno-
matemática e a formação de professores.

Nessa busca, vivenciamos a oportunidade de


fazer um trabalho de construção textual, com a qual
esperamos estar contribuindo no processo de formação
do professor de Matemática e dessa forma, trazemos
os achados descritos a seguir.

Ao problematizar a formação do profissional de


Matemática da UNILAB, em particular, na busca de
contribuir para o debate sobre a formação docente, em
um contexto de uma proposta educacional de integração
tentamos fazer uma junção conceitual, na qual a” escrita
de si” serve de caminho para a compreensão do pensa-

SUMÁRIO 109
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

mento do aluno sobre as questões de integração no espaço


da aprendizagem da profissão docente.

Os estudos da Etnomatemática oferecem a pos-


sibilidade de compreensão dos problemas pedagógicos,
presentes na sociedade e em diversas etnias, como
reposta a necessidades equitativas entre o conheci-
mento social e escola, bem como os aspectos culturais
existentes em determinado contexto.

O processo formativo da “escrita de si” pode


contribuir na compreensão do contexto sócio cul-
tural e na subjetividade dos alunos, fornecendo
aspectos significativos a respeito da percepção da
realidade dos mesmos.

A tentativa de agregar os estudos aqui apresen-


tados, tivemos a oportunidade de aprender no percurso
de produzir o presente texto, acreditando que nossa
contribuição para este debate pode abrir caminhos
para novos estudos sobre o aluno e o professor de
Matemática em seu contexto social, bem como os
compromissos, conhecimentos e posturas inerentes a
aprendizagem da profissão docente.

Há, portanto, um espaço de debate sobre diver-


sidade e integração na formação docente, no âmbito

110 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

da Universidade da Integração Internacional da Lu-


sofonia Afro-Brasileira – UNILAB. Esperamos que
essa aproximação com os estudos aqui delineados nos
permitam caminhar por propostas de ensino e pesquisa,
que venham a acrescentar maior compreensão sobre
os fenômenos do ensinar e do aprender a respeito da
formação de professores.

Referências

ALVES, F. S.; CARVALHO, Y. M.; DIAS, R. A “es-


crita de si” na formação em Educação Física. Movi-
mento: Revista de Educação Física da UFRGS, Porto
Alegre, v. 17, n. 2, p. 239-258, abr./jun. 2011.

BRASIL. Lei Nº 12.289, de 20 de julho de 2010,


Criação da Universidade da Integração Internacional
da Lusofonia Afro-Brasileira. Brasília, 2010.

CHARLOT, B. Da relação com o saber ás práticas


educativas. São Paulo: Cortez, 2013.

D’AMBROSIO, U. Etnomatemática: arte ou técnica de


explicar e conhecer. São Paulo: Editora Ática, 1990.

SUMÁRIO 111
Integração e Diversidade: contribuições da Etnomatemática para a
Formação do Educador

D’AMBROSIO, U. Etnomatemática – elo entre as


tradições e a modernidade. 2. ed. 3ª reimp. Belo Ho-
rizonte: Autêntica, 2007.

DEVLIN, K. J. O gene da Matemática. Tradução de


Sergio Moraes Rego. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.

FREIRE, J. C. S. et al. UNILAB: Universidade da In-


tegração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.
Educação Superior, Desenvolvimento e Cooperação
Sul-Sul. Belém: UFPA, 2017.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 1.


ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

IMBERNÓN, F. Formação continuada de professo-


res. Tradução Juliana dos Santos Padilha. Porto Ale-
gre: Artmed, 2010.

MELO, B. R. S. de. A teoria da Atividade: con-


tribuições para a formação de professores de
matemática. Tese (Doutorado em Educação) –
Centro de Educação, Universidade Estadual do
Ceará, Fortaleza, 2018.

112 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

NASCIMENTO, F. J. do. Professores de Matemáti-


ca iniciantes: um estudo sobre seu desenvolvimento
profissional. 2016. Dissertação (Mestrado em Edu-
cação) – Centro de Educação, Universidade Estadual
do Ceará, Fortaleza, 2016.

PAIN, S. Subjetividade e Objetividade: Relação entre


Desejo e Conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. Docên-


cia no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.

PIMENTA, S. G. O Estágio na Formação de Profes-


sores – unidade teoria e prática?. 11. ed. São Paulo:
Cortez, 2012.

ROSA, M; OREY, D. C. A etnomatemática como uma


perspectiva metodológica para o ambiente virtual de
aprendizagem a distância nos cursos de formação de
professores. Revista Brasileira de Aprendizagem Aber-
ta e a Distância, São Paulo, v. 12, p. 27-46, 2013.

SUMÁRIO 113
CAPÍTULO 4
PANORAMA DAS PESQUISAS
SOBRE ENSINO E APRENDIZAGEM
DE MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA: TESES E
DISSERTAÇÕES BRASILEIRAS
(2007-2016)
SUMÁRIO
PANORAMA DAS
PESQUISAS SOBRE
ENSINO E APRENDIZAGEM
DE MATEMÁTICA NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA: TESES
E DISSERTAÇÕES
BRASILEIRAS (2007-2016)
José Sávio Bicho

Introdução

A promulgação da Constituição da República Fede-


rativa do Brasil de 1988 é um marco na luta pelos direitos
indígenas brasileiros, uma vez que respalda a valorização
e utilização das línguas e culturas indígenas nas escolas
indígenas do nosso país. Neste ensejo, as necessidades e
anseios da educação escolar e da formação de professores
indígenas pautam-se emergenciais nesse processo de
reconstrução da luta e autonomia dos povos originários.

SUMÁRIO
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

Neste cenário, a pesquisa científica tem con-


tribuído com o debate no que se refere à orientação
e problematização das práticas pedagógicas desen-
volvidas nas escolas indígenas, como desafio de im-
plementação do que está garantido em legislações
nacionais. Assim, a investigação acadêmica nos/sobre
os contextos escolares e de formação de professores,
expressa sentidos de reorientação dos modos de fazer,
dos currículos e da mobilização das culturas indígenas
no ambiente escolar.

De certo, o professor indígena passou a assu-


mir importante papel político na reivindicação dos
direitos dos povos indígenas, a partir de uma postura
epistêmica gerada pelos próprios indígenas, quer seja
no fazer pedagógico em sala de aula, na gestão escolar,
na reorganização curricular ou nas lutas e conquistas
educacionais, embora reconheçamos que muito ainda
precisa ser conquistado e realizado em prol da educa-
ção escolar indígena.

Imbuídos dessa importante função na socie-


dade e na escolarização do seu povo, os professores
indígenas tornam-se cada vez mais mediadores entre a
tradição indígena e as novas relações com a sociedade
não indígena. Nesse contexto, a prática pedagógica dos

118 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

professores indígenas caracteriza-se a partir desses


diálogos e caminha cada vez mais rumo à efetivação
da educação escolar indígena intercultural, bilíngue,
específica e diferenciada. Isto tem sido desafiador, pois
ainda se trata de um processo de reconstrução, tendo
em vista a diversidade dos povos indígenas brasileiros
em termos históricos, culturais, linguísticos e educa-
cionais, portanto, não há um modelo ou solução única.

No que concerne à educação matemática nos


contextos indígenas, ganham força as propostas pe-
dagógicas de valorização dos saberes e fazeres das
culturas indígenas e suas relações com a matemática
escolar. Assim, a Etnomatemática é pautada como
uma alternativa epistemológica e pedagogicamente
(D’AMBROSIO, 2011) coerente com as demandas
da Educação Escolar Indígena. Neste trabalho, bus-
camos investigar o que emerge da produção cien-
tífica sobre Etnomatemática e Educação Escolar
Indígena, de acordo com a produção científica bra-
sileira. Assim, o objetivo deste capítulo é identifi-
car e analisar pesquisas produzidas no Brasil sobre
práticas pedagógicas em matemática na educação
escolar indígena, e indicar as principais tendências
nelas presentes. Desse modo, analisamos uma amos-

SUMÁRIO 119
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

tra de teses e dissertações sobre etnomatemática


e educação escolar indígena defendidas no Brasil
entre 2007 e 2016 para conhecermos as experiências
pedagógicas desenvolvidas nessas pesquisas.

O mapeamento das teses e dissertações

Para o levantamento da produção científica


relacionada com a temática em estudo, realizamos
pesquisa no Banco de Teses da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CA-
PES), com busca pela palavra-chave “etnomatemá-
tica”, retornando 410 pesquisas, depois delimitamos
o período de 2007 a 20161, e fizemos o refinamento
pela palavra “indígena”.

Após esse levantamento, realizamos buscas nos


currículos dos autores e de seus orientadores na Plata-
forma Lattes, com finalidade de verificar a existência
de outras pesquisas (tese ou dissertação) realizadas ou
orientadas, de modo a saber se, por exemplo, o autor de
uma pesquisa de mestrado fez pesquisa de doutorado
sobre a temática, e vice-versa, bem como saber se o
autor fez orientação ou o orientador supervisionou

120 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

outra pesquisa stricto sensu cujo tema tivesse o foco


de interesse pesquisado.

Com este trabalho de busca, localizamos


45 pesquisas acadêmicas. Após o levantamento,
optamos por ler os resumos da produção científica
encontrada com objetivo de identificar uma com-
preensão geral, no sentido de identificar elementos
importantes das pesquisas, como objetivos, traços
metodológicos e resultados. Conrado (2005) desen-
volveu sua dissertação sobre a produção científica
brasileira em etnomatemática no período de 1985
a 2003, a qual comenta sua experiência com a lei-
tura de resumos: “Se por um lado, resumos omitem
dados significativos ao nosso trabalho, por outro,
carregam alguma capacidade de traduzir e eviden-
ciar aspectos considerados valiosos pelo autor que
o elaborou, ainda que em um momento localizado”
(Conrado, 2005, p.70).

De acordo com esta autora, o resumo apre-


senta aspectos importantes de cada pesquisa, os
quais o autor do mesmo julga necessário para o
entendimento da produção elaborada. Assim, a par-
tir da leitura dos resumos das 45 teses e dissertações,
buscamos identificar alguns elementos considerados

SUMÁRIO 121
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

básicos: problema de pesquisa, objetivo, quadro teó-


rico, metodologia, e principais resultados/conclusões.
Nas teses e dissertações que não localizamos esses
aspectos, buscamos localizar em outras partes do cor-
po do texto, como na introdução, metodologia e/ou
consideWrações finais.

Matemática e cultura em contextos indígenas:


reflexões iniciais

A partir da coleta das 45 pesquisas, identifi-


camos que 15 são teses e 30 são dissertações. Dos
trabalhos, 38 foram desenvolvidos em universidades
públicas e 7 em instituições privadas.

Em nossa análise, buscamos identificar a lo-


calização geográfica dos programas de pós-gradua-
ção em que as teses e dissertações foram produzidas.
Verificamos que 49% da produção científica foi
realizada em programas de pós-graduação da região
Sudeste, nas seguintes universidades: UFRRJ (5
pesquisas), USP (3 pesquisas), UFMG (3 pesquisas),
UNIAN/UNIBAN (3 pesquisas), UNESP (3 pes-
quisas), UFES (2 pesquisas), PUC/SP (1 pesquisa),

122 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

PUC/MG (1 pesquisa) e UNICAMP (1 pesquisa).


Na região Centro-Oeste, as pesquisas representam
18% da produção nacional no período, sendo pro-
duzidas na UFG (4 pesquisas), UFMS (2 pesquisas),
UFMT/REAMEC (1 pesquisa) e UNEMAT (1 pes-
quisa). 16% das pesquisas foram desenvolvidas em
programas de pós-graduação da região Sul, sendo:
UFSC (3 pesquisas), ULBRA (1 pesquisa), UNI-
JUÍ (1 pesquisa), UFPR (1 pesquisa) e PUC/RS
(1 pesquisa). Na região Norte, 3 pesquisas foram
desenvolvidas na UEA e outras 3, na UFPA. Já a
região Nordeste apresentou 2 pesquisas, sendo 1 na
UFRN e 1 na UESB.

Do levantamento e análise da produção cien-


tífica, observamos que os enfoques buscam discutir
os processos de apropriação de conhecimentos mate-
máticos por professores e estudantes indígenas, bem
como evidenciam as práticas formativas em contex-
tos indígenas, as práticas pedagógicas de professores
indígenas que ensinam matemática e a formação
superior em matemática de acadêmicos indígenas;
destaca-se a relação dos saberes e fazeres indígenas
com a matemática escolar, como essa relação se dá
no processo formativo de professores indígenas e

SUMÁRIO 123
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

como pensá-la na prática do professor indígena na


educação escolar indígena.

Em continuidade, organizamos as teses e dis-


sertações em três grandes eixos: E1- Etnomatemática
e cultura indígena; E2- Ensino e aprendizagem de
matemática na educação escolar indígena; E3- Et-
nomatemática e formação de professores indígenas.
Das 45 teses e dissertações encontradas, 9 foram
agrupadas em E1, 22 foram organizadas em E2 e
14 foram agrupadas em E3.

As pesquisas agrupadas em E1 discorrem


sobre os conhecimentos etnomatemáticos indígenas,
mas não abordam sobre o ensino de matemática.
Embora haja trabalhos que foram desenvolvidos com
professores indígenas, o foco estava em registrar os
conhecimentos etnomatemáticos, sem indicar, abor-
dar ou investigar questões relacionadas a educação
escolar indígena, pois este foi o foco do E2.

O eixo de análise E2 discorre sobre Etnoma-


temática e educação escolar indígena, organizando
as pesquisas cujos focos são o processo de ensino e
aprendizagem de matemática nas escolas indígenas.
Tabela 01: Teses e dissertações sobre ensino e aprendizagem

124 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

de matemática na educação escolar indígena, defendidas no


Brasil entre 2007 e 2016.

E2- Etnomatemática e educação escolar indígena Subtotais

Análise das ações/práticas pedagógicas de professores


11
indígenas

Indicação de possibilidades pedagógicas para a


06
educação escolar indígena

Relações de saberes indígenas e a matemática


04
escolar
Língua indígena e linguagem matemática escolar 01
Total 22

Ensino e aprendizagem de matemática na educação


escolar indígena: teses e dissertações brasileiras

Os trabalhos que fizeram análise das ações/


práticas pedagógicas de professores indígenas que
ensinam matemática são: Mendonça (2007); Silva,
C. (2011); Pinheiro (2012); Santos (2012); Ribei-
ro (2012); Oliveira (2013); Leite (2014); Marcilino
(2014); Reis (2015); Amador (2015); Saraiva (2016).

Mendonça (2007) realizou sua pesquisa de mes-

SUMÁRIO 125
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

trado sobre as práticas pedagógicas de professores


indígenas que ensinam matemática nas escolas Xa-
criabá. Suas descrições e análises envolvem a obser-
vação de aulas dos professores, entrevistas e análises
de documentos. Teve interesse em investigar a relação
da escola com a aldeia, a participação nas aulas de
matemática e as escolhas pedagógicas dos professores.
Concluiu que há relações de poder entre conhecimentos
matemáticos acadêmicos e conhecimentos matemá-
ticos locais no âmbito das práticas pedagógicas dos
professores indígenas.

Silva, C. (2011) descreve e discute as prá-


ticas de um professor da etnia Guarani que ensina
matemática em uma escola indígena no Sul de Mato
Grosso do Sul. Analisa as práticas desse professor
no ensino dos números e operações, com foco nos
procedimentos metodológicos e conceituais nos anos
iniciais do ensino fundamental. O referencial teórico
empregado foi a Teoria Antropológica do Didático,
de Yves Chevallard, para interpretar a matemática
a partir de um olhar antropológico. As análises in-
dicam que: algumas práticas do professor indígena
estão impregnadas da cultura escolar; contextualiza
os conteúdos escolares para que os alunos possam

126 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

aplicar no cotidiano; destaca a forte influência da


língua Guarani.

Pinheiro (2012) discorre sobre a importância da


práxis dos professores indígenas no processo de (re)
construção da escola Apyāwa/Tapirapé. Esta pesquisa
visou compreender a atuação política dos professores
em formação na Licenciatura Intercultural Indígena da
Universidade Federal de Goiás (UFG), a partir de seus (e
da comunidade) medos, anseios, vontades, dificuldades e
perspectivas quanto à (re)construção da escola indígena.
Em suas análises diz que a escola indígena age como
sistematizadora dos anseios da comunidade e respeito
ao contexto indígena.

Santos (2012) analisou as ações pedagógi-


cas que os professores indígenas Apyāwa/Tapirapé
vem desenvolvendo na escola indígena, a partir da
formação do curso de Licenciatura Intercultural In-
dígena da UFG. A discussão teórica desse trabalho
está alicerçada nas discussões das epistemologias do
sul, por meio dos autores Paulo Freire, Boaventura
de Souza Santos e Ubiratan D’Ambrosio. A pes-
quisa aponta que a escola assume papel na cultura
indígena e que o professor indígena assume papel
político na comunidade. Diz que as ações que os

SUMÁRIO 127
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

professores indígenas desenvolvem durante estágio


supervisionado da licenciatura promovem revitali-
zação e fortalecimento da cultura.

Ribeiro (2012) investigou os instrumentos me-


todológicos, as práticas pedagógicas e a formação de
professores indígenas para o ensino de aprendizagem
de matemática e as relações com a cultura do povo Ma-
cuxi, em Roraima. Esta pesquisa investigou as ações
dos professores de ensino e aprendizagem do saber/
fazer matemático no ambiente escolar, no sentido da
formação crítica do cidadão indígena e na valorização
cultural.

A pesquisa de Oliveira (2013) buscou com-


preender “como sistematizar uma epistemologia da
prática dos educadores indígenas Apinayé, englobando
conhecimentos socioculturais relacionados ao saber/
fazer/ser e conviver desses educadores?” (p. 26). Com
fundamentação na Etnomatemática, na Teoria da Com-
plexidade e na Educação Escolar Indígena, problema-
tizou a epistemologia de professores indígenas sobre
o fazer pedagógico articulado com as práticas socio-
culturais da etnia Apinayé, do estado do Tocantins.

O estudo de Leite (2014) foi norteado pela


problemática de pesquisa interessada em investigar as

128 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

motivações e ideias de professores Paiter ao adotarem


práticas pedagógicas de revitalização de saberes e fa-
zeres do seu povo, e como isso ressignifica as práticas
institucionalizadas de ensino que priorizam a matemá-
tica escolar em detrimento dos saberes tradicionais. O
estudo revela que a introdução de saberes matemáticos
deste povo na escola visa a diversidade cultural na
educação e marca posição de oposição/diferenciação
em relação à matemática escolar.

Marcilino (2014) investigou as relações


entre interculturalidade, a práxis pedagógica e a
educação escolar indígena Tupinikin e Guarani, no
município de Aracruz, estado do Espírito Santo.
O principal objetivo desta pesquisa foi anali-
sar a práxis intercultural na educação escolar
indígena como forma de revitalização cultural
desses povos. A partir das análises da prática
intercultural nos espaços de educação escolar
indígena, informa que a escola possibilita vi-
vências e encontros interculturais forjando elos
entre as formas tradicionais de vida e as formas
contemporâneas. Embora o foco principal dessa
pesquisa seja interculturalidade e educação es-
colar indígena, a autora trabalha com a educação

SUMÁRIO 129
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

matemática e a etnomatemática no que tange a


práxis dos professores indígenas nesse contexto.

Reis (2015) analisou a prática docente na edu-


cação escolar Karajá/Iny e sua relação com a for-
mação oportunizada na licenciatura específica para
professores indígenas da UFG. A produção de registro
foi realizada por meio de observação participante e
entrevistas semiestruturadas, onde os professores in-
dígenas relataram suas experiências, angústias, desejos
e desafios. Este estudo focou a atuação de professores
indígenas, verificando a relação dos saberes culturais
com o conhecimento escolar não indígena.

Amador (2015) analisou aspectos geomé-


tricos da pintura corporal Assuriní e o seu uso no
ensino de geometria a partir da prática pedagógica
de duas professoras indígenas da própria aldeia. A
partir das práticas das professoras, verificou dois
percursos didáticos: um que valoriza os aspectos
geométricos da pintura corporal indígena na escola;
outro que dissocia as relações entre esses aspectos
e o ensino de geometria.

Saraiva (2016), em seu trabalho de mestrado,


investigou o processo de ensino e aprendizagem de
matemática e sua relação com o cotidiano de uma

130 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

aldeia da etnia Sateré-Mawé, da Terra Indígena An-


dirá-Marau, no município de Maués-AM. Apoiada na
Etnomatemática, a pesquisadora realizou entrevistas e
observações da prática pedagógica dos professores da
escola. A pesquisa destaca as ferramentas didáticas dos
professores e a presença da interdisciplinaridade e da
transdisciplinaridade no desenvolvimento de atividades
curriculares de ensino e aprendizagem. Conclui-se que
a Educação Indígena contribui com a educação escolar
indígena deste povo.

Em relação aos trabalhos que fizeram Indica-


ção de possibilidades pedagógicas para a educação
escolar indígena, destacam-se: Melo (2007); Silva,
S. (2011); Freitas (2011); Silva, T. (2011); Polegatti
(2013); Silva, R. (2016).

Melo (2007) desenvolveu sua dissertação de


mestrado sobre as práticas dos indígenas Xerente,
na aldeia Porteira (estado do Tocantins), visando
colaborar com a formação conceitual e na reorien-
tação da prática pedagógica dos professores da refe-
rida aldeia, por meio da contextualização do ensino
de matemática, sob um prisma mais transversal e
dialogante. A autora considera que os professores
indígenas reconhecem suas limitações quanto aos

SUMÁRIO 131
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

conhecimentos da matemática escolar, mas que estão


engajados na busca por melhores práticas de ensino
na escola indígena. Ressalta ainda que as tradições
culturais da comunidade podem subsidiar a educa-
ção escolar, a formação de professores e a prática
docente dos professores Xerente.

Silva, S. (2011) investigou os conhecimentos


matemáticos dos indígenas Guarani, das Aldeias do
Morro do Cavalo e M’Biguaçu, do estado de Santa
Catarina, e apresentou uma proposta pedagógica de
educação matemática na educação escolar indígena.
O aporte teórico foi o Programa Etnomatemática. A
temática de estudo foi o que denominou de “sistema
de numeração guarani”, apresentando uma proposta de
ensino que leve em consideração a matemática institu-
cionalizada e a etnomatemática deste povo.

Freitas (2011) desenvolveu um trabalho sobre o


ensino de sistemas numéricos junto aos povos indíge-
nas do alto Rio Negro. Fez um estudo teórico sobre os
sistemas numéricos indígenas e não indígenas, identifi-
cando que, dentre os conhecimentos matemáticos dos
povos analisados, apresentam sistemas numéricos com
base dois, base cinco, base dez e base vinte. Considera
que as influências e transformações na língua original

132 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

dificulta a coleta de informações sobre os sistemas nu-


méricos indígenas. O trabalho metodológico inspirado
na hermenêutica e na análise de conteúdo, resultou
que os indígenas possuem maneira própria de saber/
fazer, e de ensinar e aprender matemática. Por se tratar
de um mestrado profissional, apresentou um produto
educacional que possibilita a relação intercultural no
ensino de sistemas numéricos nas escolas indígenas e
não indígenas.

O trabalho de Silva, T. (2011) trata dos saberes


da matemática indígena percebidos no cotidiano da co-
munidade de Terra Preta, no Amazonas, e dos saberes
escolares dos anos iniciais. A partir da canoa indígena
desenvolveu uma proposta pedagógica pautada nas
intermediações de ensino e aprendizagem das práticas
matemáticas com relação aos elementos culturais. Seu
trabalho buscou alternativas para a reivindicação do
povo indígena pela efetivação da educação escolar
indígena diferenciada na comunidade.

Polegatti (2013) desenvolveu uma pesquisa


de mestrado apresentando elementos da cultura ma-
temática dos Rikbaktsa como possibilidades para o
professor indígena explorar em suas aulas. Assim,
trabalha com a maneira peculiar de nomenclatura

SUMÁRIO 133
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

decimal pelos dedos das mãos, na construção de suas


canoas, flautas e moradias, pela feitura de suas roças
e no cocar de sua arte plumária. Coaduna que a con-
textualização a partir desses saberes indígenas pode
despertar a curiosidade dos estudantes indígenas na
aprendizagem dos conteúdos da matemática escolar,
uma vez que “A função afim se torna a ‘função das
flautas’ e a função quadrática se transforma em a
‘função da canoa’ ” (p. 6).

Silva, R. C. (2016) conduziu seu estudo a partir


do desenvolvimento de estratégias didáticas para o
ensino e aprendizagem de Geometria para alunos do
curso técnico em Agropecuária, a partir de relações
com padrões geométricos observados na confecção e
nos artesanatos da etnia Ticuna. Desenvolveu oficinas
de confecção de artesanatos com o intuito de explorar
os conhecimentos geométricos presentes nestes. Con-
cluiu que a utilização dos artesanatos indígenas facilita
as aprendizagens dos conteúdos básicos de geometria,
uma vez que faz parte do cotidiano dos alunos.

Já as pesquisas sobre Relações de saberes in-


dígenas e a matemática escolar são as de: Silva, M.
(2013); Sufiatti (2014); Ramos (2016); Silva, W. (2016).
134 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Silva, M. (2013) fez um estudo sobre a relação da


cultura dos Paresi com o conhecimento matemático. Por
meio de uma abordagem etnomatemática, busca entender
as dificuldades enfrentadas por estudantes indígenas que
são alfabetizados na escola bilíngue da aldeia, e depois
continuam seus estudos na cidade. A pesquisa apresenta
conhecimentos matemáticos da cultura Paresi, e proble-
matiza sua inserção na educação escolar.

Sufiatti (2014) analisou o currículo de matemá-


tica na constituição do sujeito indígena Kaingang da
Terra Indígena Xapecó - Santa Catarina na contempo-
raneidade. Dessa forma, a análise desse trabalho esteve
em torno da escola indígena e do currículo escolar,
tendo em vista as relações de poder estabelecidas na
constituição de identidades culturais indígenas na atua-
lidade. Caraterizada como pesquisa qualitativa e inspira-
ção etnográfica, cujos instrumentos de produção de dados
foram a análise documental e entrevistas semiestruturadas
com professores Kaingang que ensinam matemática.
Destacou a importância da matemática escolar como
ferramenta para os alunos indígenas compreenderem
o mundo não indígena, nas relações fora da aldeia.
Também observou que os conhecimentos indígenas e
os conhecimentos escolares convivem com tensões, e
ambos são importantes para a vida indígena, assim, os

SUMÁRIO 135
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

professores indígenas trabalham com a valorização dos


conhecimentos culturais em suas aulas.

Ramos (2016) compreendeu e sistematizou


conhecimentos etnomatemáticos Javaé e promoveu
reflexões sobre a inserção destes na escola indígena na
perspectiva dos professores indígenas. A partir do diá-
logo com professores em grupo focal e da observação
da dinâmica cultural na aldeia e na escola, verificou
que os conhecimentos relacionados ao sistema de nu-
meração e às pinturas corporais Javaé são importantes
na educação escolar indígena desse povo.

Silva, W. (2016) realizou uma pesquisa sobre os


sentidos atribuídos por estudantes Pataxó da EJA aos
conhecimentos matemáticos em suas vidas. O trabalho
mostra que: os saberes matemáticos estavam presentes
nas vidas dos estudantes indígenas antes do processo
de escolarização; eles mobilizam saberes matemáticos
no dia a dia; eles possuem expectativas quanto à mate-
mática aprendida na escola. Assim, os conhecimentos
matemáticos escolares assumem diferentes sentidos,
de acordo com as vivências sociais e necessidades
econômicas dos estudantes.

Sobre Língua indígena e linguagem matemática


escolar, inscreve-se a pesquisa de doutorado desenvolvida

136 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

por Monteiro (2016), cujo foco pautou a tradução e criação


de novos termos para a língua indígena, no que se refere
à transferência ou não de significados e aprendizagem do
conhecimento matemático tido como referência. O estudo
foi desenvolvido com indígenas dos povos Xerente e Ka-
rajá, do Tocantins. Este pesquisador esteve interessado em
verificar se/e como os professores indígenas lidam com
a criação e tradução de novas terminologias na língua
indígena para termos da linguagem matemática. Nesta
pesquisa, o autor mostra que a tradução e criação de no-
vas terminologias na língua indígena para a linguagem
matemática escolar são possibilidades no contexto da
Educação Intercultural Bilíngue, deixando explícito que a
língua portuguesa não pode ser tomada como referencial
a ser seguido e que a matemática escolar não pode ser
tomada como verdade única, absoluta e inquestionável a
ser ensinada na escola indígena.

Considerações Finais

Este estudo teve objetivo de identificar e anali-


sar teses e dissertações defendidas no Brasil entre 2007
e 2016 sobre o ensino e aprendizagem de matemática

SUMÁRIO 137
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

na educação escolar indígena, e indicar as principais


tendências nelas presentes. Das 45 pesquisas encon-
tradas, selecionamos 22 teses e dissertações sobre a
temática em estudo.

Verificamos que poucos trabalhos foram defendi-


dos em instituições das regiões Norte e Nordeste, sendo
3 e 2, respectivamente. A maioria dos trabalhos foram
publicados na região Sudeste, porém, com a leitura dos
resumos, constatamos que muitos trabalhos foram de-
senvolvidos na região Norte por pesquisadores oriundos
de outras regiões, ou ainda pesquisadores do Norte, mas
que fizeram pesquisa vinculados a instituições de outras
regiões. Este dado é evidenciado pela carência de progra-
mas de pós-graduação na área da Educação Matemática
no Norte do país.

A Etnomatemática aparece como uma vertente


teórica e de problematização metodológica contri-
butiva aos processos de ensino e aprendizagem de
matemática na educação escolar indígena, tanto para
a análise de práticas pedagógicas de professores indí-
genas e currículos escolares, quanto na formulação de
propostas pedagógicas para o ensino de matemática
escolar em escolas indígenas. Ademais, foi possível
identificar uma tendência de utilizar a Etnomatemáti-

138 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

ca como aporte teórico-epistemológico de reflexão e


problematização da educação escolar indígena.

As pesquisas mostram-se preocupadas com


a valorização e respeitos aos saberes indígenas a
partir de possibilidades de contextualização dos
saberes escolares como exercício de reorientação
das práticas de ensino dos professores indígenas,
tendo em vista as aprendizagens matemáticas dos
estudantes indígenas.

Este panorama de teses e dissertações sobre


ensino e aprendizagem de matemática na educação
escolar indígena acena às abordagens das pesquisas que
vem sendo desenvolvidas no Brasil e indica como os
pesquisadores vem pensando, problematizando, orien-
tando, contribuindo e propondo ações na/para a/junto a
educação escolar indígena, embora consideramos que
ainda há muito o que se fazer diante da diversidade de
povos indígenas.

Referências

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Indígena Warara-Awa Assuriní, Tucuruí, PA 2015.

SUMÁRIO 139
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
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140 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

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SUMÁRIO 141
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

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142 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

(Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) –


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matemática na educação escolar indígena da etnia

SUMÁRIO 143
Panorama das Pesquisas sobre Ensino e Aprendizagem
de Matemática na Educação Escolar Indígena: Teses e
Dissertações Brasileiras (2007-2016)

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Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2016.

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caminhos para a prática pedagógica. 2011. 254f.
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144 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Tecnológica) – Universidade Federal de Santa Cata-


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escola da comunidade indígena de Terra Preta no Baixo
Rio Negro. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação
e Ensino de Ciências na Amazônia) – Universidade do
Estado do Amazonas, Manaus, 2011.

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da EJA conferem aos conhecimentos matemáti-
cos para as suas vidas. 2016. 105 f. Dissertação
(Mestrado em Educação Científica e Formação de
Professores) – Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia, Jequié, 2016.

SUFIATTI, T. O currículo de matemática como


dispositivo na constituição do sujeito indígena Kain-
gang contemporâneo da Terra Indígena Xapecó.
2014. 201f. Dissertação (Mestrado em Educação
Científica e Tecnológica) – Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2014.

SUMÁRIO 145
CAPÍTULO 5
PROBLEMAS MATEMÁTICOS
APLICADOS A ALUNOS
AGRICULTORES E NÃO
AGRICULTORES
SUMÁRIO
PROBLEMAS
MATEMÁTICOS
APLICADOS A ALUNOS
AGRICULTORES E NÃO
AGRICULTORES

Dejildo Roque de Brito


José Roberto Linhares de Mattos

Introdução

Alguns grupos socioculturais, como os


agricultores, utilizam conceitos matemáticos em
suas vivências que poderiam contribuir para a
aprendizagem significativa (AUSUBEL, 2000) da
Matemática escolar em sala de aula, diminuindo
assim as crenças sobre a complexidade em torno desta
disciplina. Para D’Ambrosio (2011) a busca pela

SUMÁRIO
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

compreensão das práticas sociais de grupos culturais


não hegemônicos e os saberes matemáticos neles
envolvidos promovem o significado indispensável
ao aprendizado eficaz.
O cotidiano está impregnado dos
saberes e fazeres próprios da cultura.
A todo instante, os indivíduos
estão comparando, classificando,
quantificando, medindo, (...) e, de
algum modo, avaliando, usando os
instrumentos materiais e intelectuais
que são próprios à sua cultura.
(D’AMBROSIO, 2011, p. 22)

Assim, o ensino da Matemática torna-se


significativo e, portanto, atrativo para os estudantes,
pois deixa de ser somente do mundo da abstração
e teoria, para ser perceptível nas interações sociais.
Como consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais
- PCN “A aprendizagem em Matemática está ligada à
compreensão, isto é, à apreensão do significado [...]”
(BRASIL, 1998, p. 19).

A distância entre os conceitos matemáticos e a


aplicação prática desses conteúdos deixa, em muitos
casos, os alunos desnorteados pedagogicamente.
Devido a essa dificuldade, torna-se importante a
investigação de saberes matemáticos produzidos e

150 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

praticados por grupos sociais como os agricultores da


Colônia Agrícola do Matapi, município de Porto Grande
– AP. Esses saberes certamente podem contribuir para
a diminuição da distância entre os polos teoria e prática
da aprendizagem matemática.

Os agricultores transmitem diariamente em


suas atividades agrícolas, ensinamentos para seus filhos
que geram ainda hoje, mesmo na realidade de jovens
essencialmente mergulhados em tecnologias eletrônicas,
contribuições para o desenvolvimento do raciocínio
lógico que ajudam os filhos/alunos a resolverem situações
matemáticas na teoria ou na prática.

A pesquisa realizada se referencia na seara da


Etnomatemática, já que ela propõe o reconhecimento e
valorização dos conhecimentos culturais que se adquire
ao longo da vida social do indivíduo. D’Ambrosio
(2011, p. 35) acredita que:
A cultura, que é o conjunto de
comportamentos compatibilizados
e de conhecimentos compartilhados,
inclui valores. Numa mesma cultura,
os indivíduos dão as mesmas
explicações e utilizam os mesmos
instrumentos materiais e intelectuais
no seu dia-a-dia.

SUMÁRIO 151
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

Entende-se que o estudo desses saberes


matemáticos não escolarizados que são produzidos e
utilizados por agricultores, é de grande relevância para
o ensino e a aprendizagem em uma escola que atenda
aos filhos destes trabalhadores, visto que é oportunidade
para desenvolver metodologias que possibilitem ao
aluno o desenvolvimento cognitivo e social através da
interação com a realidade, permitindo o desenvolvimento
de habilidades e competências para a compreensão da
disciplina de Matemática. De acordo com Mattos e Brito:
O trabalho do campo é repleto de
saber matemático, dando-nos
a oportunidade de atravessarmos
as fronteiras da sala de aula, para
conhecermos a realidade do nosso
aluno e, assim, compreendermos
as dificuldades que eles enfrentam
na escola, quando da aplicação
dos conteúdos distanciados de
seu contexto. (MATTOS; BRITO,
2012, p. 969-970)

Muitas técnicas desenvolvidas e aplicadas


pelos agricultores não são reconhecidas por parte
dos educandos e educadores matemáticos. Formas
não escolarizadas da matemática, apresentadas
de maneira simples e desprovidas de formalização,
mas carregadas de sentido prático, poderiam, sem

152 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

prejuízos dos conceitos tecnicamente formalizados nas


escolas, promover uma aprendizagem significativa
(AUSUBEL, 2000) para os estudantes.

Buscou-se apresentar os saberes desenvolvidos


pelos agricultores a alguns alunos de escolas públicas
da região, com o objetivo de verificar a eficácia dessas
técnicas como uma possível metodologia de ensino da
matemática escolarizada. Valorizar esses procedimentos
referenciados pelos conceitos da etnomatemática
promove entre os alunos, mesmo os da zona urbana, uma
aprendizagem significativa dessa disciplina.

De acordo com o exposto buscou-se responder


ao seguinte questionamento: Os saberes não
escolarizados dos agricultores podem ser utilizados
em sala de aula como facilitadores da aprendizagem
matemática escolar?

O município de Porto Grande no estado do Amapá

O Município de Porto Grande está localizado a


105 km da capital Macapá e tem como principal acesso

SUMÁRIO 153
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

à sua sede a rodovia federal do Estado, a BR 156, o meio


fluvial pelo rio Araguari, além de uma pista para pouso
de pequenas aeronaves, mas pelo processo de habitação
na área não tem recebido pousos nem decolagens.

Na área educacional do município, a rede


de escolas de Porto Grande dispõe, atualmente, da
educação infantil, Ensino Fundamental e Médio,
distribuídos conforme Quadro 1.

Em 2015, o município recebeu um campus


do Instituto Federal do Amapá – IFAP, e o cenário do
número de escolas em atividade, nas zonas urbana e
rural do município de Porto Grande, no ano de 2016,
está descrito no Quadro 1:
Quadro 1: Número de escolas no município de
Porto Grande

Zona Federal Municipal Estadual Privada


Urbana 1 5 3 2
Rural - 12 12 -
Total 1 17 15 2
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais-INEP

O campus Porto Grande do Instituto Federal


do Amapá oferece para a comunidade portograndense o
curso de Técnico em Agropecuária e o curso Técnico
em Agronegócio.

154 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

O número de alunos matriculados por etapa


de ensino em Porto Grande no ano de 2016 foi
o maior da história do município. O Quadro 2
apresenta os números de alunos matriculados nas
escolas municipais, estaduais e federal no município
de Porto Grande.
Quadro 2: Número de matrículas em Porto Grande
Escolas Federal Municipal Estadual Privada
Educação Infantil - 920 2326 120
E. Fundamental - - 1743 -
Ensino Médio 360 - 915 -
Profissionalizante - - -
Jovens e adultos - 271 295 -
Total 360 1191 5279 120
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais-INEP

Visão da matemática de alguns alunos agricultores


e não agricultores do município de Porto Grande

Os alunos oriundos da colônia agrícola do


Matapi têm como possibilidade de estudo, as escolas
da própria comunidade, que atendem apenas aos
alunos do Ensino Fundamental I. Para cursar o Ensino
Fundamental II, o Ensino Médio ou a Educação de

SUMÁRIO 155
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

Jovens e Adultos – EJA, eles precisam se deslocar até


a sede do município de Porto Grande distante cerca de
20 km da colônia agrícola.

Suas vivencias práticas e experimentais


depreendidas do convívio na agricultura familiar,
promovem a esses jovens estudantes uma oportunidade
de correlacionar saberes inerentes de sua prática laboral
com os conhecimentos produzidos e compartilhados
entre indivíduos em ambiente não menos importante
que o seu, a sala de aula. Essa interação social é um
forte propulsor da aprendizagem que é enfatizada por
Oliveira quando diz que:
Aprendizado ou aprendizagem é
o processo pelo qual o indivíduo
adquire informações, habilidades,
atitudes, valores, etc. a partir de seu
contato direto com a realidade, com
o meio ambiente e com as outras
pessoas. [...] Em Vygotsky, justamente
por sua ênfase nos processos sócio-
históricos, a ideia de aprendizado
inclui a interdependência dos
indivíduos envolvidos no processo.
(OLIVEIRA, 2009b, p. 59)

Nesse sentido, percebe-se nos estudantes da


colônia agrícola do Matapi uma interação social

156 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

fluente, seja na escola da própria comunidade,


ou nas instituições de ensino localizadas na sede
do município, posto que se relacionam com outros
estudantes, inclusive não agricultores, e se apropriam
dos assuntos, conteúdos e métodos aplicados no
ambiente escolar.

O aluno A, de 13 anos, da escola municipal Acre


é morador da colônia agrícola do Matapi e trabalha
na lavoura ajudando seus pais. Ao ser perguntado
sobre a matemática utilizada por ele e por seus pais no
ambiente de trabalho respondeu que percebe a presença
dela nos espaçamentos das plantas, nos estoques da
mercadoria e na comercialização dos produtos na
feira dos agricultores. Quando perguntado sobre essa
relação em sala de aula, respondeu que as vezes
percebe que a matéria está presente em tudo o que
se faz, inclusive na lavoura. Segundo o referido
aluno, as aulas de geometria lembram, e muito, o
trabalho da família na roça. Gerdes (2002) reforça
a importância desse processo ao afirmar:
O processo de estudar as suas
ideias em contextos culturais
diversos permite aprofundar o
entendimento do que constitui
a atividade matemática. O
pensamento matemático só
é inteligível ao adotarmos

SUMÁRIO 157
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

uma perspectiva intercultural.


(GERDES, 2002, p. 222)

O aluno B, da mesma escola municipal Acre,


afirmou que sua matéria preferida é matemática, pois
consegue usar a disciplina para resolver algumas
situações do dia a dia. Sabe que seus pais trabalham
com medidas de terra chamada tarefa, e que essa é
uma medida de tamanho de uma região. E isso já teria
estudado em sala de aula quando o professor falou de
um conteúdo chamado geometria. Ainda segundo o
aluno B, esse conteúdo pode ser visto também dentro
de casa, pois o formato das coisas lembra muito as
figuras apresentadas pelo professor em sala de aula.
A reflexão do aluno recebe referência teórica, pois
para Machado (2003, p. 85) “a geometria tem grande
utilidade prática e está presente em muitos aspectos
da nossa vida cotidiana, a começar por nossa casa e o
que há dentro dela”. Isso reforça o elo existente entre
matemática e a vida prática dos indivíduos.

O distanciamento da realidade torna a


compreensão da Matemática totalmente comprometida,
impregnada de erros viciantes de aprender por repetição
apenas para decorar um método, mas desprovido de
formulações, generalizações tão importantes para a

158 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

percepção da geometria, por exemplo. Esse destaque


é ampliado por Ponte quando afirma que:
A exploração geométrica pode
também contribuir para concretizar a
relação entre situações da realidade e
situações matemáticas, desenvolver
capacidades, tais como a visualização
espacial e o uso de diferentes
formas de representação, evidenciar
conexões matemáticas e ilustrar
aspectos interessantes da história e da
evolução da Matemática. (PONTE;
BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p.71) 

A aluna E, de 18 anos, mora na colônia agrícola


do Matapi, viaja todos os dias de sua comunidade na
zona rural até a sede do município para frequentar as
aulas na escola Estadual Elias Trajano de Souza, onde
cursa o 3º ano do Ensino Médio. O desejo de aprender
foi uma das principais características observadas nessa
aluna. Para ela, quanto mais aprende matemática, mais
pode contribuir com o trabalho na agricultura de sua
família. Ela entende que a Matemática pode ajudar as
pessoas a construírem casas, a vender seus produtos,
plantar roças, se formar e ter um emprego para ter
sucesso na vida. Ainda segunda a referida aluna, para
resolver os problemas como a quantidade de pés de
abacaxi que se deve plantar numa certa área, depende
e muito da Matemática; o preço que se deve aplicar a

SUMÁRIO 159
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

esse produto para que possa pagar o que foi investido


também depende da matemática. “Sem ela nós não
temos como saber por quanto devemos vender nosso
produto pra poder ter lucro e sustentar nossa família”.
Quando perguntada sobre a relação entre a matemática
que estuda na escola e aquela utilizada no seu trabalho,
afirmou categoricamente que os conteúdos matemáticos
que mais tem lembrança de usar no seu dia a dia são: a
porcentagem, quando precisa dar desconto para venda
em atacado; as divisões de fração, quando precisa
separar quantidade de farinha em metade de uma saca,
ou um quarto e também o cálculo de área nas vezes
que precisa determinar as tarefas de roça e o quanto
de terra dispõe para fazer o plantio.

Para o aluno F de 17 anos, da mesma escola


e morador da sede do município, a matemática está
presente em tudo, mas encontra dificuldade em realizar
cálculos mentais e aplicar os conteúdos estudados em
sala de aula com alguma área do dia a dia. Segundo ele,
embora não consiga perceber, sozinho, essa presença
marcante da matemática, sempre que o professor
relaciona algum conteúdo com a prática cotidiana
desperta sua percepção como quando “o professor
de matemática mostrou como tem matemática na
160 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

rabióla1. Eu nem tinha me tocado que a rabióla tem


retas, quadrados, retângulos e tals”2. Esse pensamento
evidencia a importância de se relacionar os conteúdos
com os interesses dos estudantes, com os saberes
que promovem sensações de satisfação. Vê-se essa
importância na fala de Melo que diz:
Para ser ensinado/aprendido,
o conhecimento precisa ser
interessante; e ser interessante é
necessariamente ser articulado,
estar sintonizado com o outro,
fazer eco nos projetos de vida
e nas motivações do outro. Ser
simplesmente exato não dá a
garantia de um conhecimento
interessante. (MELO, 2010
p.102)

G de 16 anos é aluno agricultor da comunidade


agrícola do Matapi, e frequenta as aulas na escola estadual
Maria Cristina Botelho, localizada na sede do município.
Ao ajudar os pais no cultivo de abacaxi, no uso proporcional
dos defensivos agrícolas e espaçamento entre as plantas,
ele apresenta possibilidades de aplicação e utilização
da matemática em sua prática laboral quando diz: “nós
mistura as quantidade de adubo, calcário, fertilizante e
inseticida. Dependendo de como tá a terra é que a gente
1 Nome dado no Amapá para pipa.
2 Gíria local.

SUMÁRIO 161
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

vê quanto de cada um que se coloca” (fala do aluno G). Já


as alunas H e I, de 16 anos e estudantes da mesma turma
que o aluno G, são filhas de agricultores, mas moram
na cidade, e mesmo passando as férias com os pais na
colônia, disseram não ver qualquer relação da matemática
com o trabalho na roça mas afirmaram que seus pais
conseguem resolver alguns problemas matematicamente
e com grande habilidade.

Os problemas dos agricultores na visão dos alunos


das escolas da região

Foram apresentados alguns problemas propostos


aos agricultores da colônia agrícola do Matapi com o
intuito de perceber suas observações a respeitos dos saberes
e conteúdos matemáticos envolvidos em tais problemas.
Esses problemas propostos aos agricultores podem ser
vistos em (BRITO; MATTOS, 2016).

Problema 1: Quantas tarefas cabem em um


terreno de 20m de frente por 30m de fundo?

Para os estudantes que não sabiam as medidas


de uma tarefa foi explicado que, no Amapá, se trata

162 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

de uma medida de área de 2500m² que, em geral,


os agricultores consideram como um quadrado de
50m x 50m.

Apenas os alunos E e G responderam à


pergunta argumentando. A aluna E afirmou não haver
uma tarefa nesse terreno já que as medidas de seus
lados são menores do que os lados do quadrado de
uma tarefa, não sabendo precisar o quanto era menor
do que uma tarefa. Já o aluno G concluiu da mesma
forma, mas usou o seguinte argumento: “se fizer a
frente vezes o fundo dá menos de 2500”. Percebe-
se assim a matematização de seu raciocínio ao criar
métodos e estratégias para resolver o problema.
Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação
Básica do Estado do Paraná (PARANÁ, 2008, p. 45):
“a criação de estratégias que façam com que o aluno
atribua um significado aos conteúdos matemáticos,
sistematizar justificadamente essa relação amplia o
ensino baseado em memorização”.

Problema 2: Um terreno tem 30m de frente


por 200m de fundo (30m x 200m), conforme Figura
1. Como se pode fazer para plantar apenas uma tarefa
de abacaxi nessa região?

SUMÁRIO 163
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

Figura 1: Exemplo apresentado pelo pesquisador

30

200
Fonte: banco de dados do pesquisador

Para a maioria dos alunos entrevistados o


problema se resolve adicionando os 20 metros que
faltam na largura (30m) para os 50m de uma tarefa, no
comprimento do terreno, formando assim uma região
de 30m x 70m, o que, segundo eles, daria uma região
correspondente a uma tarefa.

No entanto, o aluno G argumentou que em


uma tarefa de terra com espaçamento de 1m, seu pai
consegue plantar mais de 2000 pés de abacaxi (não
soube precisar quantos), e completou dizendo: “aí é
só ir plantando e quando chegar em 2000 pés é por
que deu uma tarefa”. Neste instante foi indagado se
ele teria que contar um a um os pés de abacaxi para
se chegar ao número exato de fruto plantado em uma
tarefa, e ele respondeu: “é só vê quantas fileiras pega
de frente e quantas de fundo. Aí é só multiplicar”. Ao
ser solicitado, representou através da Figura 2.

164 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Figura 2: Representação feita pelo aluno G

Fonte: banco de dados do pesquisador

Considerando que cada pontinho preto


localizado no encontro das retas pontilhadas na
figura acima fosse uma muda de abacaxi, concluiu,
generalizando, que multiplicando a quantidade
de fileiras da largura pelas do comprimento daria a
quantidade plantada em uma tarefa.

Foi perguntado ao aluno H se ele conseguiria


plantar num terreno de 30m x 70m, conforme a
representação na Figura 2, a mesma quantidade de
planta com mesmo espaçamento. Após longa pausa

SUMÁRIO 165
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

para refletir, afirmou: “espera aí! Acho que não dá não”.


Olhando para o esquema representado pela figura 2,
reconheceu que conseguiria plantar menos no terreno
de 30m x 70m do que numa tarefa de 50m x 50m, mas
afirmou ser pequena tal diferença.

Problema 3: Um litro de farinha custa R$ 2,50,


e o quilograma da mesma farinha, R$ 3,00. Sendo que
1 quilograma de farinha corresponde a 1 litro mais 300
gramas, em qual das duas situações um consumidor
teria mais vantagem na compra da farinha, se no litro
ou no quilo?

Nenhum aluno não agricultor conseguiu


formalizar uma resposta para o problema, mas o aluno
K morador da linha H do Matapi, estudante da 3ª série
do Ensino Médio da escola Estadual Elias Trajano de
Souza, afirmou que é mais vantagem comprar um quilo
de farinha, pois “a diferença é só de R$ 0,50 e 300
gramas de farinha é mais da metade de meio quilo. Tu
não compra 300 gramas de farinha por R$ 0,50”. Ele
concluiu ser mais vantagem comprar a farinha no quilo,
mas ao ser indagado sobre o conteúdo matemático que
utilizou para chegar a essa conclusão, afirmou lembrar
apenas do estudo das frações no Ensino Fundamental
quando tratou de metade e metade da metade.

166 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Após ouvir o argumento do aluno K a aluna


E complementou: “depois que a gente vende os
produtos na feira, vamos pro mercado fazer compras
pra trazer pra colônia. A gente sempre faz essas
contas pra saber o que é melhor de comprar”. Foi
solicitado à aluna que desse um exemplo e após
alguns segundos, relatou:
por exemplo, um pote de manteiga
pequeno de 200g é R$2,50 e o da
grande, de 500g, é R$5,50. Duas da
pequena é mais barato que a grande
mas dá menos manteiga também, e
com mais R$0,50 eu levo mais 100g
de manteiga. Vale a pena. (fala da
aluna E)

Considerações finais

A realização desta pesquisa permitiu constatar


a presença da Etnomatemática na prática diária dos
alunos agricultores e não agricultores da Colônia
Agrícola do Matapi. Reconheceu-se as técnicas
matemáticas aplicadas por esses trabalhadores rurais
como coerentes cientificamente para o processo
educacional e pôde-se perceber essa coerência
durante as visitas às escolas da comunidade.

SUMÁRIO 167
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

Destaca-se, portanto, a importância da relação


entre a educação que valorize os saberes matemáticos
tradicionais e a matemática formal, considerando a
garantia do equilíbrio social. Isso corrobora D’Ambrosio
(2011, p. 76) quando afirma que “se quisermos atingir
uma sociedade com equidade e justiça social, a
contextualização é essencial para qualquer programa
de educação de populações nativas e marginais, mas
não menos necessária para as populações dos setores
dominantes”. Encontra-se essa contextualização
presente na comunidade agrícola visitada.

Esta pesquisa leva, ainda, a reconhecer que


os métodos praticados pelos agricultores do Matapi,
os quais recebem destaque de Knijnik (1996) ao
apresentar os modos de calcular, medir, estimar, inferir
e raciocinar, podem ser utilizados como ferramenta
de ensino da Matemática. Essa conclusão encontra
apoio em (MATTOS; BRITO, 2012) quando defendem
o saber matemático nas atividades do campo como
oportunidade de atravessarmos as fronteiras da
sala de aula, conhecendo a realidade do aluno para
compreendermos as dificuldades que eles enfrentam na
escola e as potencialidades geradas por esses saberes
tradicionais adquiridos do seu contexto.

168 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Conclui-se através de alguns problemas


propostos aos alunos dessas escolas, que os
métodos desenvolvidos pelos agricultores, são
preponderantes para tornar a aprendizagem
significativa. Mesmo os alunos da cidade, que
não possuem a prática da agricultura, conseguiram
um melhor desempenho a partir das técnicas
desenvolvidas pelos agricultores do Matapi.

Conclui-se, portanto, que os saberes matemáticos


produzidos e praticados pelos agricultores da
Colônia Agrícola do Matapi, podem contribuir
para o processo de aprendizagem da matemática
em escolas das zonas urbana e rural, fornecendo aos
professores elementos e ferramentas pedagógicas
para se alcançar esse objetivo de ensino tão esperado
pelos educadores matemáticos.

Referências

AUSUBEL, D. P. Aquisição e Retenção de


Conhecimentos: Uma Perspectiva Cognitiva. Lisboa:
Plátano Edições Técnicas, 2000.

SUMÁRIO 169
Problemas Matemáticos Aplicados a Alunos Agricultores e
não Agricultores

BRASIL/MEC. Secretaria de Educação


Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
matemática. Brasília: MEC, 1998.

BRITO, D. R.; MATTOS, J. R. L. Saberes


Matemáticos dos Agricultores. In: MATTOS, J.
R. L (Org.). Etnomatemática: saberes do campo. –
Curitiba: CRV, 2016. p. 13-38.

D’AMBROSIO, U. Etnomatemática: Elo entre


as tradições e a modernidade. Belo Horizonte:
Autêntica, 2011.

GERDES, P. Aritmética e ornamentação geométrica:


a análise de alguns cestos de índios do Brasil. In:
LEAL FERREIRA, Mariana Kawall. (Org.). Ideias
matemáticas de povos culturalmente distintos. São
Paulo: Global, 2002. (Série antropologia e educação).

KNIJNIK, G. As novas modalidades de exclusão


social. In: XIX Reunião Anual da ANPEd,
Caxambu, 1996. p. 35-42.

MATTOS, J. R. L.; BRITO, M. L. B. Agentes rurais


e suas práticas profissionais: elo entre matemática e

170 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Etnomatemática. Ciência & Educação, v. 18, n. 4,


2012. p. 965-980.

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Bá-


sica. Matemática, Secretaria de Estado da Educação
do Paraná, Paraná, 2008.

SUMÁRIO 171
CAPÍTULO 6
PEDAGOGIA DO
CONHECIMENTO
INDÍGENA E OS
CAMINHOS QUE LEVAM
À EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA NA ESCOLA
JORGE IAPARRÁ
SUMÁRIO
PEDAGOGIA DO
CONHECIMENTO
INDÍGENA E OS
CAMINHOS QUE
LEVAM À EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA
NA ESCOLA JORGE
IAPARRÁ
Mário Rodrigues da Silva
Eulina Coutinho Silva do Nascimento
Edmilsan de Jesus Cardoso

Introdução

O presente trabalho trata do processo educa-


cional desenvolvido pela Escola Indígena Estadual
(E.I.E.) Jorge Iaparrá na Aldeia do Manga. Os relatos
apresentados na pesquisa apresentam o caminho

SUMÁRIO
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

seguido para construção de uma educação escolar


do indígena para o indígena.

Para alcançarmos este entendimento pes-


quisamos inicialmente informações sobre o Sistema
Escolar Indígena no Oiapoque, em que realizamos
uma análise dos instrumentos legais procurando
sempre relacionar as normativas de responsabili-
dades do governo federal, do estado e município,
até chegarmos propriamente no principal documento
produzido pela escola em estudo: o Projeto Político
Pedagógico – PPP.

Para entender a construção do PPP da escola


procuramos saber a forma de participação da co-
munidade e a inserção dos saberes na construção
das diretrizes educacionais nos processos de ensino
e de aprendizagem na E.I.E. Jorge Iaparrá. Enfo-
camos ainda, na construção do PPP, a questão da
educação inclusiva dentro da perspectiva da edu-
cação escolar indígena. Reforça nessa abordagem
o relato e experiência de dois sábios indígenas e
de uma docente da aldeia do Manga. A educação
indígena está impregnada de saberes diversos,
dentre eles os saberes matemáticos próprios, sa-
beres etnomatemáticos.

176 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

O Sistema Escolar Indígena no Oiapoque: norma-


tivas nos níveis federal, estadual e local

O Sistema Escolar Indígena tem como base


legal um rol de normativas dispostas nos níveis fe-
deral, estadual, municipal e local. Em nível federal
temos a Constituição Federal de 1988, que recheada
de justificativas, finalmente os legisladores percebe-
ram as profundas injustiças praticadas pelo Estado
Brasileiro aos indígenas, hoje reconhecidos por “[...]
sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições [...]”. (BRASIL, 1988, art. 231). Com esse
reconhecimento demorado, porém com grande signi-
ficado para o empoderamento, ficou estabelecido que
o “Ensino Fundamental regular será ministrado em
língua portuguesa, assegurada às comunidades indí-
genas também a utilização de suas línguas maternas
e processos próprios de aprendizagem.” (BRASIL,
1988, art. 210, § 2º).

A Lei de Diretrizes e Base da Educação –


9.394/96 determina em seu art. 78, que “O Sistema de
Ensino da União, com a colaboração das agências fe-
derais de fomento à cultura e de assistência aos índios,
desenvolverá programas integrantes de ensino e pes-

SUMÁRIO 177
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

quisa, para a oferta de educação bilíngue intercultural


aos povos indígenas”(BRASIL, 1996, art. 78). A partir
daí a União tira de sua esfera a obrigatoriedade do ge-
renciamento direto dos programas de ensino e pesquisa,
buscando tão somente o fomento das agências federais,
ficando aos estados e municípios a responsabilidade
de traçarem suas diretrizes operacionais e estruturais
do ensino educacional indígena.

No Referencial Curricular Nacional para as Es-


colas Indígenas – RCNEI, a normativa diferencia as
escolas indígenas das demais escolas do sistema de en-
sino pelo “bilinguismo e o multiculturalismo”. A partir
da Resolução n. 3/CEB, de 10 de dezembro de 1999, as
escolas indígenas passam a ter o seu “modelo de organi-
zação e gestão escolar”(BRASIL, 1999b). E com Parecer
do CNE nº 14/1999 (BRASIL, 1999a), aprovado em
14 de setembro de 1999, propõe ações concretas em
prol da educação escolar indígena. Na esfera Estadual,
existe um vasto repertório de tratativas legais que se
emaranham por caminhos longos e tortuosos, dentro do
próprio executivo e do legislativo no direcionamento da
construção de uma modelo de ensino indígena.

O atendimento das normativas federais sobre a


educação indígena em nível local o Governo do Estado

178 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

do Amapá destina através da Portaria 278/2007 – Seed/


GEA, o Sistema de Organização Modular de Ensino
Indígena – SOMEI, às Escolas Indígenas Estaduais,
com o objetivo de:
Ofertar a Educação Básica, nos
níveis de Ensino Fundamental
de 5ª a 8ª séries e Ensino Médio,
o qual terá sua estrutura e
organização curricular específica,
garantindo a execução do que
preconiza a legislação da educação
escolar indígena, diferenciada,
multicultural, bilíngue e
comunitária, onde acima de tudo se
oferte educação escolar, respeitando
as diferenças. (AMAPÁ, 2007).

Com a implantação do SOMEI, no mesmo


momento, são autorizadas as Escolas Indígenas Es-
taduais que se encontram em terras indígenas no
Estado do Amapá e Norte do Pará a ofertarem o
referido sistema de ensino. Nesse ato autorizativo,
além de outras escolas, encontra-se a Escola Indígena
Estadual Jorge Iaparrá, na aldeia Manga - Portaria
275/2007 – SEED. Já no Parecer 013/2008 do Conse-
lho Estadual de Educação do Amapá que “Autoriza o
Funcionamento do Sistema de Organização Modular
de Ensino Indígena” trata da metodologia do projeto
estabelecendo que:

SUMÁRIO 179
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

As aulas serão ministradas através de


módulos, com duração de no mínimo
50 dias letivos, estabelecidos em
calendários próprios e específicos.
[Onde] cada aula terá de 50 minutos.
Os professores terão encontros
para capacitação sempre antes de
entrarem na área indígena, inclusive
com planejamento direcionado
à determinada clientela (com
calendário e horário de aula) pois
cada aldeia tem sua especificidade
[...]. (AMAPÁ, 2008)

Assim, o projeto SOMEI passou atender 11


(onze) escolas polo, sendo que a cada 50 dias letivos
é feito o rodízio dos professores para uma dessas es-
colas. O corpo docente do projeto SOMEI, na época
da pesquisa em 2016, de acordo com informações do
Núcleo de Educação Indígena do Amapá (NEI) era
constituído por 13 professores indígenas e 36 professo-
res não indígenas. Com a Lei 1.483 (AMAPÁ, 2010b)
configuram-se as boas intenções pela valorização da
multiculturalidade indígena, dentro e fora das escolas
com a instituição do “Programa de Fortalecimento, Pre-
servação e Recuperação de línguas Indígenas Tradicio-
nais do Estado”. Contudo, a forma, a sua abrangência
e os procedimentos estabelecidos para o cumprimento
dos termos da referida lei, comprometem o seu pro-

180 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

pósito, pois de acordo com o texto do artigo 2º, já se


demonstra a inconstância da lei quando determina que:
Dentro das áreas municipais ou
regiões onde são faladas as línguas
indígenas ficam obrigadas suas
respectivas divulgações nos meios
de comunicação local e por outros
mecanismos a serem criados de acordo
com as especificidades de cada área.
(AMAPÁ, 2010b, art. 2º)

Ora, como? Para quem? E qual seria o real


objetivo dessa divulgação? Visto que existe quase uma
dezena de línguas faladas entre as quatro etnias.

No artigo 3º, da referida lei que trata da exe-


cução do “Fortalecimento, Preservação das Línguas
Tradicionais”, extraímos 4 incisos dos 13 dispostos na
lei, que mostram a pouca ou nenhuma garantia de que
sejam cumpridos, face à fragilidade jurídica quanto à
determinação do cumprindo dos dispositivos previstos
nessa Lei, conforme percebemos a seguir:
III – Sinalizações urbanas e rurais,
grafadas de forma bilíngue ou mul-
tilíngue;

IV – Designações em estabelecimen-
tos comerciais, nos municípios onde se
localizam áreas indígenas, grafadas de
forma bilíngue ou multilíngue;

VII- Cursos livres de línguas indíge-

SUMÁRIO 181
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

nas, nas escolas estaduais de Ensino


Médio, sendo que a escola deverá
verificar a que língua indígena, den-
tre as existentes no Estado, que de-
verá ser ofertada;

VIII- Garantir que cada estabeleci-


mento de Ensino Médio, tenha em
seu quadro de servidores, o pro-
fessor de língua indígena, sendo
facultada ao (a) aluno (a), fazer o
Curso Livre de Língua Indígena, de
acordo com o seu interesse. (AMA-
PÁ, 2010b, art. 3).

No fundo, a Lei está mais para o reconhe-


cimento das intenções não das políticas públicas,
mas partidárias, e pessoais pois não há registro da
execução dessas ações em nenhuma área da região.
Acompanhando o processo de criação das esco-
las indígenas, o Governo Municipal de Oiapoque
publica o Decreto n. 110/2012, de 09 de julho de
2012, Oiapoque (2012) dispondo “sobre a criação
da Escola Municipal Indígena de Oiapoque e dá
outras providências”. Ao mesmo tempo em que
o Governo Municipal cria 15 Escolas Indígenas
Municipais através desse ato, também assume o
financiamento e a definição das diretrizes locais
para execução do sistema municipal do ensino
indígena.
182 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Nesse processo, a nomenclatura “Escola In-


dígena Estadual” que era utilizada desde a criação e
implantação do projeto SOMEI, em 2007, somente 8
(oito) anos após deste feito, é que se tem o seu reco-
nhecimento estabelecido pela Resolução n. 091/14-
CEE/AP, de 17 de dezembro de 2014. E por outro
lado, está distante há 15 anos do Parecer 14/1999 do
Conselho Nacional de Educação quando criou a cate-
goria “Escola Indígena”, demonstrando claramente a
desarticulação entre os poderes e a morosidade quanto
à decisão política pela educação indígena. Na Resolu-
ção 091/2014, são fixadas as “normas para criação e
funcionamento das Instituições de Educação Indígena,
no âmbito da Educação Básica no Estado do Amapá.”
(AMAPÁ, 2014). Assim, com a referida resolução,
fica estabelecido o novo ordenamento jurídico para as
Escolas Indígenas, conforme prevê os artigos a seguir:
Art. 1º. Estabelecer, no âmbito da
Educação Básica a estrutura e o
funcionamento das instituições de
ensino indígena.

Art. 2º. O estabelecimento de ensino,


localizado em terras indígenas, deverá
ser frequentado por índios e será
reconhecido como Escola Indígena.

§ 1º. A Escola do que trata o caput


do artigo será designada pela
nomenclatura Escola Indígena

SUMÁRIO 183
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

Estadual, seguida do nome que lhe for


atribuído, significando sua vinculação
ao Sistema Estadual de Educação.

§ 2º. As Escolas Indígenas mantidas


pelos Sistemas Municipais de
Educação, terão o termo Municipal
em sua nomenclatura, seguida
do nome que lhe for atribuído.
(AMAPÁ, 2014. Grifo nosso)

Por esse instrumento legal, ordenam-se as no-


menclaturas e os níveis de gerenciamento de projetos
e sistemas, mantendo-se os elementos básicos de or-
ganização, estrutura, funcionamento e concepções do
ensino indígena. Ou seja, as
As escolas devem se localizar em
terras indígenas; o ensino escolar
deve ser ministrado na língua
materna e na língua portuguesa; os
professores indígenas devem ser
bilíngues, falantes da língua materna
de sua etnia e/ou comunidade e do
português. (AMAPÁ, 2014).

Os governos estadual e municipal, em suas ins-


tâncias, são responsáveis pelo direcionamento das di-
retrizes especificas do ensino, respeitando o modelo de
organização e gestão escolar estabelecido com a efetiva
participação da comunidade indígena. O reconhecimento
dos processos próprios de aprendizagem, do multicultu-
ralismo, da participação da comunidade na construção

184 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

do processo pedagógico e ensino escolar, constante no


Projeto Político e Pedagógico de cada escola.

Também, a Resolução 56/2015, do Conselho


Estadual de Educação do Amapá que “estabelece normas
para Educação Básica, de acordo com a Lei 9.394/96 e
legislação subsequente, no Sistema de Ensino do Estado
do Amapá e revoga as Resoluções n. 083/2002, 35/07 e
28/2013, do Conselho de Educação do Amapá”, reforça
na alínea “b” do artigo 23 que o componente curricular
obrigatório do Ensino Fundamental para as áreas indí-
genas é a “língua materna” e no art. 24, ao que já estava
estabelecido na Constituição Federal, Brasil (1988,
art. 210, § 2º), de que “o ensino Fundamental deve ser
ministrado em língua portuguesa, assegurada também
às comunidades indígenas a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem”.

De acordo com o estudo realizado, identifica-


mos que o sistema educacional indígena do Oiapoque
possui docentes indígenas e não indígenas nas esferas
administrativas municipal e estadual. Na categoria
docentes indígenas o estudo aponta 21 professores
na esfera municipal e 34 contratados pelo estado,
totalizando 55 docentes indígenas. No que concerne
aos professores não indígenas atuantes na área de es-

SUMÁRIO 185
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

tudo, 7 pertencem ao quadro da Prefeitura Municipal


do Oiapoque e 52 ao Governo do Estado do Amapá,
totalizando 59. Este último dado corresponde aos
professores do SOMEI.

O aparente equilíbrio no quadro funcional gera


dois impactos. O primeiro é que há mais professores
não indígenas do que professores indígenas gerando
desconforto na interação docente-aluno pela cultura,
na linguagem e no comportamento. O segundo pro-
blema é gerado pela ausência dos docentes não indí-
genas na comunidade quando se retiram do ambiente
escolar para retornarem a suas casas por um período
de trinta a quarenta e cinco dias, quebrando a sequên-
cia dos estudos. Ao retornarem às aldeias depois desse
período distante das escolas, os professores sempre
fazem a recapitulação dos conteúdos trabalhados, cau-
sando desinteresse por parte dos alunos. Esta situação
faz em muitos casos com que haja o prolongamento
de conclusão do curso, em até dois anos do período
previsto para o ensino fundamental e médio.

No Relatório do Processo de Implantação do


Ensino Fundamental de Nove Anos em Escolas Indí-
genas (AMAPÁ, 2010a, p.10) identificamos o registro
dos anseios, questionamentos e as reivindicações das

186 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

comunidades indígenas, nos quais destacamos: “[...]


a necessidade de apoio na produção e publicação de
material didático pedagógico”; e “[...] a necessidade de
mediação para os problemas de distorção idade/série e
a falta de estrutura nas aldeias e nas escolas indígenas”.

O avanço do sistema educacional indígena no


Oiapoque tem sido comedido e ainda não acompanha
muitas das exigências legais. Os espaços físicos das
escolas indígenas nem sempre são apropriados à forma
diferenciada de ensino.

As escolas que oferecem o ensino fundamental


regular do 1º ao 5º ano são de responsabilidade da
Prefeitura Municipal de Oiapoque e as escolas que ofe-
recem o ensino fundamental do 6ª ao 9ª ano na forma
de “alternância regular de períodos de estudos” pelo
Sistema Modular de Ensino Indígena (SOMEI), nem
sempre atendem às necessidades indígenas. Sobre esse
enfoque Mattos e Ferreira Neto (2016) deixam claro
o panorama em que se encontra a educação indígena
no Brasil ao afirmarem que:
Apesar dos avanços já conquistados,
o país parece ainda estar longe de ter
um ensino adequado para os povos
indígenas. Um ensino que esteja,
de fato, nos moldes da educação
escolar indígena. São inúmeras as

SUMÁRIO 187
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

dificuldades encontradas [...]. A


falta de escolas nas aldeias, pouca
organização da comunidade escolar
para melhor o que implica na
problemática educacional indígena
e a falta de professores indígenas
qualificados, para construir o
conhecimento dentro da comunidade
[...]. (MATTOS; FERREIRA NETO,
2016, p. 79)

Nessa linha, os autores em questão expressam


o pensamento quanto ao panorama da organização do
ensino escolar indígena e pelo longo e confuso trajeto
da discussão sobre o tema.

A Escola Indígena Estadual Jorge Iaparrá

No Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola


Indígena Estadual Jorge Iaparrá analisamos o modelo de
ensino e a forma de gestão comunitária, procedimentos
esses assegurados por lei. De acordo com o PPP (2015)
a escola foi fundada em 1975, pelo primeiro cacique da
aldeia, o indígena Henrique dos Santos. Em 1977, com
a construção de um prédio em madeira pela Prefeitura
Municipal de Oiapoque, passou a ser reconhecida ofi-
188 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

cialmente como escola em 2000, através da Portaria


234/2000/SEED, a partir daí foi transformada em Escola
Indígena Estadual Jorge Iaparrá, tendo como entidade
mantenedora o Governo do Estado do Amapá. O Projeto
Político Pedagógico da Escola apresenta em seu bojo
fundamentos que buscam:
O respeito à diversidade étnica
e cultural, valorização da vida,
ensino bilíngue, valorização da
cultura indígena nas suas diversas
manifestações como arte, música,
conhecimento, linguagem, histórias,
reflexão, criatividade, concepções
de mundo, saberes, criações
inteligência, sensibilidade, modos
de produzir, o sobrenatural e suas
ciências. (E.I.E. JORGE IAPARRÁ,
2015, p. 5. Grifo nosso)

A linha do encaminhamento que sustenta o


referido PPP da escola, vai além do que prevê toda
a legislação, pois inclui dispositivos próprios de
suas observações e necessidades da comunidade.
Os seus idealizadores justificam que a proposta de
ensino da Escola está:
Fundamentada em uma pedagogia
transdisciplinar, organizada através
de ciclos de estudos, conforme
compreensão da comunidade sobre
o desenvolvimento da criança. [Onde]
para cada ciclo foram construídos

SUMÁRIO 189
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

objetivos que estabelecem as


habilidades, critérios de avaliação e
conteúdos necessários para a passagem
de um ciclo para o outro. (E.I.E.
JORGE IAPARRÁ, 2015, p. 5).

O respeito e a valorização da participação da


comunidade na concepção e construção do PPP da
E.I.E Jorge Iaparrá estão balizados a partir dos seguin-
tes objetivos:
Construir uma educação escolar
indígena pautada nos princípios
teóricos e práticos da cultura
indígena, tendo como eixo norteador
do processo pedagógico o Currículo
Karipuna, o Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas,
literaturas baseadas na cultura
indígena e, principalmente, a realidade
sociocultural da comunidade do
Manga, buscando construir uma
escola pública de qualidade;

Efetivar no contexto escolar uma


educação com princípios da gestão
democrática com a instituição do
Conselho Escolar;

Trabalhar na construção de materiais


didáticos específicos na língua Kheoul
e na cultura indígena para fortalecer a
identidade do povo Karipuna;

Viabilizar no contexto escolar o


processo de avaliação permanente,

190 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

visando a conservação da educação


escolar indígena, de acordo com seus
princípios de intertransculturalidade,
especificidade, diferença e o senso
comunitário. (E.I.E JORGE
IAPARRÁ, 2015).

Com esses objetivos estabelecendo as linhas


de ação voltadas para participação comunitária e a
organização da gestão compartilhada, configura-se
neste parâmetro a concepção dos princípios pedagó-
gicos da escola indígena dos indígenas. Diante de toda
normativa sobre a educação escolar indígena estuda-
da, inclusive o Projeto Político Pedagógico da E.I. E.
Jorge Iaparrá, um dos poucos aspectos não abordados
neste documento versa sobre a educação inclusiva
indígena. Sobre este enfoque o cenário da educação
indígena e educação escolar indígena na atualidade
dentro da perspectiva inclusiva, evidencia processos
educacionais importantes que solidifica o conheci-
mento da comunidade indígena dentro do ambiente
escolar e além dele. Referente a estes conhecimentos,
ambos veem se complementando e valorizando na
sua essência os saberes e os fazeres que enriquecem o
horizonte deste público.

Para a educação inclusiva, proposta que ainda


se constrói de forma tímida dentro da aldeia do Manga

SUMÁRIO 191
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

é comum o conflito de ideias inclusivas decorrentes das


barreiras culturais existentes nessa área. O pensamento
cultural de que indígenas com necessidades especiais
“são inválidos e incapazes”, não podem realizar ativi-
dades cotidianas, poderão ser desmistificados quando
a proposta de um ensino inclusivo se tornar possível e
concreto de acontecer no espaço estudado.

Desta forma, trabalhar concepções novas e não


conflitar diretamente com as tradicionais é complexo,
mas inserindo o artifício do diálogo para discussões
abertas poderá tornar o caminho indicado para que a
inclusão seja visualizada através da sua essência. Vale
ressaltar que apresentar as concepções de um ensino
inclusivo é desafiador, mas ao mesmo tempo necessário
visto que alguns indígenas, da aldeia do Manga, Santa
Izabel e outras visitadas, no município de Oiapoque
(AP), apresentam características perceptíveis de pes-
soas com necessidades especiais e que se encontram
fora do ambiente escolar.

Sobre essa questão a Constituição Federal


(BRASIL,1988, art. 205) estabelece que a educação
além de outras competências é “direito de todos”, e
para efetivar esta determinação, o Inciso III, do artigo
208, diz que torna-se necessário que o Estado ga-

192 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

ranta o “atendimento educacional especializado aos


portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino”(BRASIL, 1988). No que concerne
ao atendimento educacional especializado previsto na
Constituição Federal aonde está inserida educação in-
clusiva entendemos que a população indígena também
está envolvida neste contexto, no entanto na prática a
realidade é outra.

Nesta conjuntura que envolve o viés da edu-


cação inclusiva, ela possui grande importância
no ambiente escolar por trabalhar a inclusão de
pessoas com necessidades especiais, porém, ainda
existem lacunas que merecem ser corrigidas me-
diante pesquisas aprofundadas sobre o assunto.
Trata-se de uma discussão a ser travada com a
escola, professores, sábios e lideranças, de forma
bastante cautelosa e serena pois não podemos im-
por nada nem tão pouco sobrepor nossa visão de
mundo sobre suas convicções e tradições. Lembre-
mos que a construção do PPP perpassa pela valo-
rização da cultura indígena e pelo reconhecimento
das experiências dos mais antigos, os sábios, que
são os portadores da história oral. Estes represen-
tam, em sua maioria, as principais testemunhas
e atores do processo histórico de seu povo. São

SUMÁRIO 193
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

incluídos, também, na construção do PPP os pajés,


caciques, professores, alunos, líderes e a própria
comunidade indígena.

Na relação com o saber e o fazer indígena, as-


sunto que é tratado na escola, recorremos às entrevistas
concedidas pelos sábios Teodoro dos Santos Karipuna e
sua Esposa Constância dos Santos Karipuna e o senhor
Abel dos Santos Karipuna, recolhendo alguns recortes
necessários ao complemento do nosso objeto da pesquisa
que configuram ao processo da educação indígena no com-
portamento sociocultural da comunidade da aldeia Manga.

Entrevista com o sábio indígena Teodoro dos Santos


Karipuna – 75 anos e sua Esposa Constância dos
Santos Karipuna – 72 anos.

Entrevistador – De que forma vocês participam das


atividades escolares em apoio à construção dos projetos
da Escola?

C. S. K – Nós somos chamados para ensinar as crian-


ças a fazerem diversas coisas.

194 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Entrevistador – Como é feita essa demonstração?

C. S. K – (pausa) A filha interfere na entrevista, per-


guntando a mãe em Kheoul: Como se faz na prática
essa atividade na escola?

(Resposta da mãe traduzida pela filha A. S. K.) – a


gente chega na escola e faz as atividades junto com as
crianças ensinando como enfiar as frutinhas no fio que
a gente junta no mato. E assim, eles vão aprendendo
como fazer diversos colares indígenas.

Entrevistador – A senhora acha importante esse tipo


de ensinamento na escola?

C. S. K – Sim. Porque é para mostrar para o branco


que a gente sabe fazer peneira, trabalhar com pena,
fazer cuia, colares. Tudo o que a gente ensina porque
eles gostam de levar. É assim. (tradução da filha).

Entrevista com o sábio indígena A. S. K.

Entrevistador – O senhor poderia nos informar como


os seus filhos aprenderam a fazer as atividades indí-
genas do dia-a-dia?

SUMÁRIO 195
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

A. S. K. – Quando a gente fazia as nossas coisas os


nossos filhos estavam sempre juntos. Para fazer uma
canoa a gente bate um cordô1 [sic]. Então a gente
talha a canoa, depois a gente lavra tudo com o ma-
chado. E para terminar de fazer, a gente cava o pau,
depois furamos a canoa para medir a grossura. A
partir daí, viramos a canoa de peito para cima com
fogo embaixo. Colocamos uns paus, como se fossem
uma tesoura, e puxamos com uma corda devagar que
ela vai se abrindo. A abertura vai até aonde a gente
quiser. Neste momento, apagamos o fogo deixando a
canoa esfriar. É assim que a gente trabalha. O remo a
gente vai no mato e tira uma sapopema2, do tamanho
desejado. O pau é talhado, lavrado até ficar bem fino
mesmo. Nessa hora, as crianças estão observando e
aprendendo. Quando a gente faz uma peneira, um arco,
uma flecha, um botoque, eles estão juntos e observando
como se faz essas coisas. Durante o seu relato, o senhor
A.S.K. faz uma análise da realidade atual do processo
de educação indígena com o passado: os filhos de an-
1 Cordô – fio usado para tirar as medidas da tora de madeira
para lavrar a canoa e outros artefatos culturais.
2 Sapopema – angios árvore (Aspidosperma excelsum) da família
das apocináceas, nativa das Guianas e Amazônia. Madeira usada
na fabricação de remos e outros artefatos culturais.

196 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

tigamente gostavam de fazer essas coisas. Mas hoje,


eles não querem aprender e nem entender isso. Eles
estão em outra escola de atividades do branco. Com
isso, não estão mais participando dos conhecimentos
dos nossos antepassados. Eles não querem mais sa-
ber disso. Há crianças que não sabem nem fazer uma
flecha. Os nossos filhos mais velhos sabem fazer uma
flecha, um arco e um remo. Porque eles aprenderam,
eles estavam comigo. Mas os filhos deles não sabem
porque vivem de outro trabalho. Referindo-se aos tra-
balhos dos brancos.

Entrevistador – O que o senhor acha desses conheci-


mentos trabalhados dentro da escola?

Senhor A.S.K. – Eu vou lhe explicar algumas coisas


para o senhor professor. A nossa escola que nós tí-
nhamos é melhor que essa do branco. Referindo-se ao
conhecimento adquirido no dia-a-dia indígena. Porque
a nossa cultura tem muito valor. O trabalho do branco
é tudo pela máquina. O nosso trabalho é pela nossa
mão. A nossa cultura é nossa mão. Por isso, o trabalho
do branco é diferente do nosso. Nós damos valor para
o nosso trabalho, eles dão valor para o trabalho deles.

SUMÁRIO 197
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

Entrevistador – Então para o senhor a escola do dia-


-a-dia é o lugar aonde o indígena aprende muito mais?

Senhor A.S.K. – Sim. Daqui a um tempo, professor não


mais vai ter (referindo-se aos sábios indígenas). Este
velho (apontando para o seu peito e com o olhar distante,
parecendo um pouco emocionado, continua em seu rela-
to) que sabe desse negócio de contar história, de como
trabalhar, está acabando. Não vai ter mais. Esses jovens
de agora não sabem nada e nós sabemos.

Entrevistador – Essas coisas que o senhor tem nos


falado, acha importante que sejam discutidas dentro
das escolas indígenas?

Senhor A.S.K. – Isso é muito importante porque a


nossa cultura tem muito valor e através dos estudos é
que a gente aprende também as coisas.

Nessa entrevista foi possível perceber o


valor que os ansiões dão aos marcos de sua história e
cultura. Os processos de construção de artefatos como
peneiras, arcos, flechas, canoas, remos, utensílios, entre
outros, além de serem representativos de sua cultura
também trazem embutidos a sua etnomatemática. A
preocupação dos sábios com a preservação da cultura

198 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

do seu povo é bastante pertinente, uma vez que a cultura


do não-indígena tem se sobreposto a cultura deles. Neste
sentido, a entrevista com o professor Erlis a seguir nos
enche de esperanças quanto ao resgate cultural na edu-
cação escolar indígena da aldeia do Manga no Oiapoque.

Entrevista com o professor e líder indígena Erlis


dos Santos Karipuna3.

Entrevistador – Como o senhor vê a construção do


processo pedagógico dentro da escola indígena?

Professor Erlis - A construção do processo pedagógico


dentro da escola começa pelo conhecimento da cultura
indígena, a partir daí montamos o nosso plano de aula.
De acordo com o tema que vamos trabalhar recorre-
mos aos recursos necessários para desenvolver a nossa
atividade escolar. Por exemplo, vamos trabalhar com o
artesanato, fazemos o nosso planejamento, depois con-
vidamos pessoas mais idosas, no caso um artesão ou
artesã que tem o domínio do assunto para nos ensinar as
suas técnicas aos alunos numa oficina dentro da escola.
Então, de acordo com o material coletado que trazemos
3 Lider indígena, professor e vice-prefeito do município de
Oiapoque eleito pra o interstício 2017-2020.

SUMÁRIO 199
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

para a escola, trabalhamos as disciplinas. Por exemplo:


com as sementes que construímos um colar, trabalhamos
a matemática fazendo contas. Com as talas do guarumã4
e o cipó fazemos os cálculos matemáticos. Quando vamos
fazer uma peneira, precisamos saber quantas talas serão
necessárias para aguentar o peso referente ao seu tama-
nho. Nesse mesmo procedimento, trabalhamos outras
disciplinas como a Geografia, estudando a área, o clima,
o espaço, tipo de vegetação. Estudamos ainda a História,
a língua Portuguesa e a nossa própria língua o patuá.

O processo pedagógico da E.I.E. Jorge Iaparrá con-


forme relatou o professor Erlis está em consonância
com o que o afirma D’Ambrosio,
Admitindo que a fonte primeira de
conhecimentos é a realidade na qual
estamos imersos, o conhecimento
se manifesta de maneira total,
holisticamente e não segundo
qualquer diferenciação disciplinar.
(D’AMBROSIO, 1998, p.8).

A valorização de elementos da cultura na edu-


cação escolar indígena e o desenvolvimento de novos
conteúdos a partir de elementos significativos para
a cultura além de facilitarem a aprendizagem fazem
dessa educação realmente diferenciada.
4 Guarumã – planta de onde se extrai talas para o artesanato em
cestaria.

200 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Considerações Finais

Nesta pesquisa tratamos sobre a contextualiza-


ção da pedagogia do conhecimento indígena e os proces-
sos de construção da educação escolar desenvolvida na
Escola Indígena Estadual Jorge Iaparrá. Para chegarmos
a este enfoque, analisamos o sistema educacional indíge-
na contextualizando a questão das normativas sobre as
competências e atribuições federal, estadual e municipal.

Os problemas sentidos pela aldeia do Manga


são os mesmos das de outras aldeias quando estão
relacionados aos reflexos das decisões governamen-
tais no que concerne às políticas públicas volta-
das para educação escolar indígena. Dentro desses
problemas identificamos através do Relatório do
Processo de Implantação do Ensino Fundamental de
Nove Anos em Escolas Indígenas (AMAPÁ, 2010a,
p.10) o registro dos anseios, questionamentos e as
reivindicações das comunidades indígenas, nos quais
destacamos: “[...] a necessidade de apoio à produ-
ção e publicação de material didático pedagógico; e
“[...] a necessidade de mediação para os problemas

SUMÁRIO 201
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

de distorção idade/série e a falta de estrutura nas


aldeias e nas escolas indígenas”.

Por outro lado, a pesquisa também apontou o


longo tempo de ausência dos professores não indígenas da
sala de aula provocando o prolongamento do tempo para
conclusão do curso e, consequentemente a desmotivação e
a evasão escolar. Se observamos as intenções das leis que
tratam sobre a educação indígena, as funções dos sistemas
de educação, principalmente os que estão voltados para
as áreas indígenas, podemos inferir que ainda há muito o
que se fazer no aprimoramento da educação.

Os relatos apresentados apontam que além dos


professores da E.I.E. Jorge Iaparrá, os sábios da aldeia do
Manga, têm tido participação na educação escolar indígena,
tendo coco forte ferramenta o etnoconhecimento. O ensino
de matemática por exemplo, é realizado a partir da etno-
matemática da comunidade, utilizando-se de elementos do
cotidiano e da cultura. Este tipo de ensino, é o caminho a
ser seguido para construção de uma educação escolar do
indígena para o indígena e, caso seja melhor concebida pelo
os educadores não indígenas, este procedimento poderá
ser o norte para o exercício da construção de um processo
dialógico com a educação escolar não indígena.

202 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Referências

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de 2007. Diário Oficial [do] Amapá, AP, de 24 de
setembro de 2007.

AMAPÁ (Estado). Portaria 278, de 14 de setembro


de 2007. Diário Oficial [do] Amapá, AP, de 24 de
setembro de 2007.

AMAPÁ (Estado). Parecer 013, de 11 de maio 2008,


Diário Oficial [do] Amapá, Ap, de 17 de setembro
de 2008. CEE. Macapá. 2008.

AMAPÁ (Estado). Relatório do Processo de Implan-


tação do Ensino Fundamental de Nove Anos em Es-
colas Indígenas do Oiapoque. SEED. Macapá. 2010a.

AMAPÁ (Estado). Lei 1.483, de 06 de maio de


2010, Diário Oficial [do] Amapá, AP, 2010b.

SUMÁRIO 203
Pedagogia do Conhecimento Indígena e os Caminhos que
Levam à Educação Escolar Indígena na Escola Jorge Iaparrá

AMAPÁ (Estado) Resolução 091, de 17 de dezem-


bro de 2014, Diário Oficial [do] Amapá, Ap, de 10
de janeiro de 2015.

AMAPÁ (Estado) Resolução 56, de 17 de dezembro


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Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
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204 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

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SUMÁRIO 205
CAPÍTULO 7
ETNOMATEMÁTICA E
PRÁTICAS CULTURAIS EM
UMA COMUNIDADE
QUILOMBOLA
SUMÁRIO
ETNOMATEMÁTICA
E PRÁTICAS
CULTURAIS EM
UMA COMUNIDADE
QUILOMBOLA

Romaro Antonio Silva


José Roberto Linhares de Mattos

Introdução

O estado do Amapá é uma das 27 (vinte e sete)


unidades federativas do Brasil, onde existem, atual-
mente, mais de 138 (cento e trinta e oito) comunidades
remanescentes de quilombos. Uma destas comunidades
está localizada no município de Mazagão, interior do
Amapá, registrada como Mazagão Velho e teve sua
origem em dois principais movimentos de ocupação do

SUMÁRIO
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

território. São eles: a fuga da escravidão e a migração


de núcleos familiares em busca de novas áreas para
agricultura e trabalho.

Os quilombos ou comunidades quilombolas


são conceitos que têm sido discutidos na contempo-
raneidade e, consequentemente, abordam diferentes
interpretações. Segundo Santos (2010), esses termos
trazem definições de grupos étnicos constituídos por
população eminentemente negra, neste sentido, estão,
em linhas gerais, relacionados à cultura e espaço ter-
ritorial afro-brasileiro.

De acordo com Schmitt, Turatti e Carvalho


(2002), os grupos considerados remanescentes de
quilombos foram constituídos por diversas formas.
Especificamente no caso do Amapá, este movimento
se pautou na fuga do trabalho escravo na construção
do Forte de São José, e na ocupação de terras livres
e em sua maioria isoladas, e isso se dá até os dias
de hoje, especialmente em virtude dos programas
da Reforma Agrária.

De acordo com Guimarães, (1988), as comu-


nidades quilombolas estão relacionadas à cultura e
espaços territoriais afro-brasileiros. A terminologia é
oriunda do “ochilombo”, que representa núcleos que

210 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

são símbolos de resistência, luta e resiliência. Foram


fundados a partir de movimentos, tais como, fuga da
escravidão, ocupação de áreas da reforma agrária e
outros, caracterizado como o maior movimento de
negação ao modelo escravocrata implantado no Brasil
durante a colonização.

Vale mencionar que o período de escravidão


no Brasil, teve um marco temporal de 400 (quatro-
centos) anos. Consequentemente, até os dias de hoje,
padecemos da falta de políticas públicas concretas,
que garantam uma autonomia que diminua essa dívida
histórica do país para com a população negra e propicie
uma situação de equidade econômica e que valorize o
papel do negro na construção do país.

As comunidades remanescentes de quilombos


no estado do Amapá, adotam técnicas matemáticas no
cultivo e produção do açaí, difundidas de geração em
geração e diferentes do modelo acadêmico apresen-
tado nas escolas. Paralelo a isso, essas comunidades
possuem identidades culturais registradas apenas na
região, tais como o “Marabaixo”.

Dentro da conjuntura da agricultura familiar,


o fruto do açaí, tipicamente amazônico, é a principal
fonte de renda para este grupo social, representado

SUMÁRIO 211
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

em sua maioria por pessoas com baixa escolaridade,


que traz consigo saberes e fazeres adquiridos ao
longo do tempo.

A Etnomatemática surgiu como uma alter-


nativa pedagógica para o ensino de matemática,
confrontando-se com o ensino convencional. Dessa
forma, ela abarca uma ideia interdisciplinar com
outras ciências, como a da cognição, história e so-
ciologia. Ela leva em consideração as estratégias de
natureza matemática utilizadas pelos mais diversos
grupos socioculturais, e está inserida dentro das
temáticas da Educação Matemática.

De acordo com D’Ambrosio (2011), Etnoma-


temática é a matemática gerada e difundida por grupos
socioculturais, como produtores rurais, etnias indíge-
nas, grupos de trabalhadores urbanos entre outros que
se identificam por saberes e fazeres comuns.

Já, segundo Knijnik (1996):


A investigação das tradições, práticas
e concepções matemáticas de um
grupo social subordinado (quanto ao
volume do capital social, cultural e
econômico) e o trabalho pedagógico
que se desenvolve com o objetivo de
que o grupo interprete e decodifique
seu conhecimento; adquira

212 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

o conhecimento produzido pela


Matemática acadêmica, estabeleça
comparações entre seu conhecimento
e o conhecimento acadêmico,
analisando as relações de poder
envolvidas no uso destes dois saberes.
(KNIJNIK, 1996, p. 110).

Dessa forma, uma abordagem etnomatemática


pode ser caracterizada como uma relação da matemáti-
ca, que é produzida e transmitida por um grupo social,
e suas práticas culturais.

Neste trabalho, procuramos aproximar os sabe-


res culturais na Comunidade Quilombola “Distrito do
Coração”, em Macapá – AP, das práticas pedagógicas
na escola da comunidade. Esta aproximação tem uma
abordagem etnomatemática que procura não só va-
lorizar a cultura desse grupo, como empoderá-lo por
meio de ações docentes, presentes nas atividades da
escola, com vistas às dimensões política e pedagógica
do Programa Etnomatemática.

Além disso, o texto abarca os quilombos


como símbolo de luta e resistência, colocando o
negro no cenário de construção e fortificação do
estado do Amapá. Desta forma, buscamos romper
com ideias preconcebidas que envolvem a partici-
pação dos negros na construção do conhecimento,

SUMÁRIO 213
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

para que a questão racial se torne um conhecimento


real e transformador.

Caracterização do ambiente e método da pesquisa

Este estudo foi realizado na Escola Munici-


pal Goiás, pertence à rede municipal de ensino de
Macapá – AP, a qual foi instituída, no ano de 1967,
no Distrito do Coração, pertencente ao Município
de Macapá, sendo considerada escola rural e es-
tando no limite geográfico entre os municípios
de Macapá, Santana e Mazagão Velho (Figura 1).
Como toda escola quilombola de direito, o corpo
discente da instituição é composto em sua maioria
por negras e negros, oriundos da própria vila e de
localidades próximas, como Porto do Céu, Nossa
Senhora dos Remédios, km 09 e km 13 da Rodovia
Duque de Caxias.

Vale mencionar que, muito embora o estado


do Amapá possua mais de 138 comunidades remanes-
centes de quilombos, apenas uma pequena parcela das
escolas está registrada como quilombola, a maioria,
se credencia como escola rural, o que é um aspecto

214 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

negativo no que tange à garantia de direitos adquiridos


pelas escolas quilombolas.
Figura 1 – Localização Escola Municipal Goiás – AP.

Fonte.: Google Maps – 2019.

A economia do Distrito é baseada principal-


mente na Agricultura Familiar, especialmente no cul-
tivo e produção do açaí e produtos como mandioca,
verduras e pesca. A comunidade se mantém viva, e

SUMÁRIO 215
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

com grande força nos movimentos culturais, alguns,


encontrados apenas no Amapá, como as tradições que
envolvem o Marabaixo, através da realização do ciclo
do Marabaixo que ocorre uma vez ao ano e engloba a
maior parte das comunidades quilombolas.

De acordo com Machado, (2014, p. 1):


O ciclo do Marabaixo é uma
festa religiosa, característica das
populações negras do Amapá. Com
rezas, ladainhas, danças, batuques
oferendas e alegria os marabaixeiros,
louvam o Divino Espírito Santo e a
Santíssima Trindade [...]. O Marabaixo
é reconhecido nacionalmente e
internacionalmente pela sua fé, mas
também, pela sua dança e batuque.

Nesta perspectiva, as escolas quilombolas,


em sua maioria de direito e não de fato, encon-
tram-se cercadas por riquezas de saberes e fazeres,
que podem ser associados aos conteúdos escola-
rizados, com o intuito de auxiliar, nas práticas
de ensino, com a aprendizagem dos alunos nas
escolas das comunidades e, também, de propagar
essa cultura histórica.

A metodologia utilizada na realização deste tra-


balho foi pesquisa de campo, qualitativa, com natureza
descritiva, pois procuramos o aprofundamento de uma

216 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

realidade específica. A produção dos dados foi realiza-


da por meio da observação participante das atividades
do grupo pesquisado, diário de campo, questionários
abertos e fechados, e entrevistas com informantes, para
captar as explicações e interpretações do que ocorre
dentro desta sociedade cultural.

A pesquisa de campo foi conduzida, de acordo


com Marconi e Lakatos (1996), de natureza explorató-
ria, com finalidade de aprofundar o conhecimento do
pesquisador sobre o assunto estudado.

Elo entre o saber empírico e o escolarizado

As atividades apresentadas a seguir com-


põem os resultados da observação de práticas peda-
gógicas e de processos de ensino e aprendizagem da
matemática, que ocorrem na escola municipal Goiás.
O foco da observação direcionou-se a entrevistas
aos professores de matemática, com o objetivo de
compreender a forma como correlacionam a realida-
de social dos alunos ao conhecimento escolarizado,
no preparo dos educandos como agentes críticos e
reflexivos da sociedade.

SUMÁRIO 217
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

Foram entrevistados docentes da área de mate-


mática e ciências, aos quais foram realizadas perguntas
sobre as suas práticas pedagógicas:

(1) De que forma sua prática pedagógica dialoga


com a realidade social dos alunos?

(2) Observa-se uma maior dedicação dos educan-


dos quando as atividades escolares dialogam com ati-
vidades cotidianas da comunidade?

(3) A realização de projetos interdisciplinares na


escola é uma evidência, visto que, a escola é modelo
na adoção de tais práticas. Como a Matemática atua
nos projetos?

(4) Existe um viés etnomatemático em sua prática


pedagógica?

(5) Se sim, existe um trabalho investigativo nessa


linha antecedendo as atividades?

(6) Qual a sensação de pertencimento com os


membros da comunidade do Coração?

(7) A avaliação leva em consideração aspectos


com a comunidade?

Nos resultados, foi possível identificar que a


realização dos projetos é o maior elo da escola com

218 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

as práticas que valorizam a realidade social e cultural


dos alunos. A localização entre as duas maiores cidades
do estado e a possibilidade de parcerias com órgãos
públicos, são fatores que favorecem a realização de
projetos na escola. Como podemos observar na fala
do professor R:

Professor R: “Quando estou trabalhando com


geometria, utilizo a horta comunitária como exemplo
(Figura 2), aí os alunos lembram do que vivenciam em
casa com os pais, avós e vizinhos no cultivo, na maioria
dos casos as analogias estão em coisas comuns, objetos
utilizados no Marabaixo entre outros”.

Figura 2 – Horta Comunitária na Escola Municipal Goiás.

Fonte: Acervo da escola.

SUMÁRIO 219
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

Neste sentindo, observa-se as contribuições de


Knijnik et al. (2012), acerca da Educação Matemática,
onde relata a importância de trazer a realidade do aluno
para a aula de matemática e como deve acontecer essa
prática de ensinar e aprender matemática nas escolas.
De acordo com essas autoras,
Apontar para a complexidade
da operação de transferência de
significados implica no enunciado que
diz ser importante trazer a “realidade”
para o espaço escolar para possibilitar
que os conteúdos matemáticos ganhem
significado permite-nos problematizar
a vontade de “realidade” que habita
cada um de nós, ou seja, a busca
pela harmonia e pela sintonia com a
“realidade” traduzida pela necessidade
de estabelecer ligações entre a
matemática escolar e a ”vida real”.
(KNIJNIK et al., p. 71, grifos das
autoras).

Frente aos desafios da escola, as práticas têm


mostrado resultados positivos, o que fortalece a con-
cepção dos professores de que estão atuando na direção
certa, com a metodologia mais adequada. Como é o
caso do projeto cultural com a valorização do Mara-
baixo, segundo as falas dos professores.

Professor R: “Nossos projetos têm colocado os


alunos em uma posição de destaque, ganhamos com o pro-

220 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

jeto de música em 2016 o Festival do Marabaixo (Figura


3), a matemática está em tudo, e como professora preciso
ajudar os alunos, aí sempre discutimos e exemplificamos
situações do mundo fora das cercas da escola”.

Figura 3 – Projeto de Música Marabaixo na Escola Municipal Góias.

Fonte: Acervo da escola.

Professor X: “É inevitável não vivenciar a rea-


lidade dos alunos aqui na comunidade, é enraizado
em todos eles o desejo pelo Marabaixo, as histórias
de lutas para o direito a terra, e hoje isso tudo está
sendo ocupado por pessoas que não lutaram, como
professores de matemática o uso da etnomatemática foi

SUMÁRIO 221
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

algo que surgiu como ferramenta de podermos ajudar


a fortalecer esta cultura, que vem sendo perdida ao
longo do tempo”.

Professor K: Em nosso caso, não é difícil con-


textualizar a realidade dos alunos, o Amapá é um
estado relativamente pequeno, assim, sempre conhe-
cemos um pouco sobre tudo no estado, a exemplo do
Marabaixo, um movimento fortemente valorizado pela
UNA - União dos Negros do Amapá, aplicado aqui na
escola como resgate cultural.

Nesta análise, identifica-se a Etnomatemática,


pois nos deparamos com ações de ensino que vão ao
encontro da realidade social e cultural dos alunos, que
fortalecem e se correlacionam com o saber escolarizado,
pois cada povo tem sua própria maneira de matematizar
seus conhecimentos visando atender aos anseios e neces-
sidades a partir de uma cultura matemática construída em
cima de muita de luta, considerando a individualidade em
favor do engrandecimento coletivo, ou seja, a valorização
da cultura que o identifica.

Por outro lado, quando questionados sobre as


concepções etnomatemáticas, percebemos que nenhum
dos docentes possuía um conhecimento claro e objetivo.
A maioria adotava a metodologia de atuação em projetos

222 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

e identidades culturais nas salas de aula, mas sem um


conhecimento da ramificação da Educação Matemática
que estava adotando como metodologia. Neste contexto,
apontamos a necessidade do fortalecimento da Educação
Matemática nos cursos de formação inicial e continuada
de professores pelo país.

Nesta concepção da valorização cultural, em


especial, frente às novas políticas que questionam um
ensino pautado em questões sociais, culturais e re-
gionais, a escola traz números sobre melhorias nos
indicadores, considerando as avaliações externas, após
a valorização cultural e social dos alunos. De fato,
em 2016 a escola atingiu a meta de 4,6 no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), ano em
que a meta esperada era de 4,2 pontos, e em 2017
atingiu 5,4 pontos, índice este esperado para a escola
apenas em 2021.

Nesta percepção, e considerando a apresenta-


ção da escola no Encontro de Gestores Quilombolas
do Amapá, o dirigente pontuou que esse resultado se
dá especialmente em relação a potencialização dos
projetos interdisciplinares, especialmente com o apoio
dos familiares e da comunidade externa em projetos
de sustentabilidade e culturais.

SUMÁRIO 223
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

É o caso do projeto de música Marabaixo, de-


senvolvido na escola pelos professores e alunos, que
venceu o festival “Cantando Marabaixo nas Escolas”
(Figura 4). Dessa forma, segundo o gestor, frente aos
desafios da escola, essas práticas têm mostrado resul-
tados muito bons, o que ratifica o entendimento dos
docentes de que estão trabalhando na direção certa.

Segundo os professores, os projetos desenvol-


vidos na escola com os alunos, são muito importantes
para o ensino e aprendizagem dos conteúdos escolares,
pois elevam a autoestima dos alunos ao colocá-los em
posição de destaque.
Figura 4 - Escola Municipal Goiás vence o Festival Cantando
Marabaixo nas Escolas.

Fonte.: Acervo da Escola.

A etnomatemática, ingressa nesse cenário

224 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

com a valorização dos docentes ao potencializar


na sala de aula atividades e aplicabilidades que
levem em consideração as questões que envolvem
esta realidade. Uma realidade pautada na cultura
quilombola, como o Projeto Marabaixo, pautada
no cultivo e produção do açaí e especialmente na
comunicação com a comunidade externa. De acordo
com um professor de matemática “o uso da etnoma-
temática foi algo que surgiu como ferramenta de
podermos ajudar a fortalecer esta cultura, que vem
sendo perdida ao longo do tempo”.

Os resultados obtidos no Ideb, nos leva a refletir


sobre a relevância de um ensino de matemática escolar
que envolva as especificidades regionais, de forma que
possibilita esses sujeitos desenvolverem seus próprios
métodos de ensino e aprendizagem, por meio das suas
vivências de mundo. De acordo com Ferreira (1997):
Como produto cultural, a matemática
tem sua história. Ela nasceu sob
determinadas condições econômicas,
sociais e culturais e desenvolveu-se
em determinadas direções; nascida
noutras condições, ela desenvolve-se
noutras direções. Em outras palavras,
o desenvolvimento da matemática não
é linear. (FERREIRA, 1997, p. 17).

SUMÁRIO 225
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

Diante disso, e considerando especialmente a


atuação dos professores de ciências e matemática na
escola, observa-se uma matemática construída com
base na cultura, em aspectos sociais e econômicos na
localidade, os mesmos trazem ao cenário principal as
discussões que reforçam a importância e relevância
da etnomatemática, onde os educandos são agentes
produtores do seu conhecimento, com base no som do
batuque do marabaixo, na dimensão de espaçamento
para o plantio das mudas do açaí, ou no valor a ser co-
brado pelo litro desse produto, com base na produção
e na lei da oferta e da procura.

Conforme pôde-se observar, o cotidiano da co-


munidade está́ sempre impregnado de saberes e fazeres
da própria vivência. Os principais alimentos presentes
na mesa dos ribeirinhos é o açaí, os produtos oriundos
da macaxeira e o pescado. Dessa forma, intrinseca-
mente, sempre pode existir um conceito matemático
presente na produção da principal fonte de renda da
comunidade, que pode ser explorado pelo professor,
em sala de aula.

Neste formato, além dos aspectos culturais à


base do Marabaixo, podemos e devemos mencionar
o potencial da agricultura familiar que traz exemplos

226 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

de conhecimentos empíricos, transmitidos de pai para


filho que fortalecem a identidade social da comunidade,
como um jeito único de cultivar o açaí, de processar a
mandioca e de pescar o camarão.

Os docentes que atuam na escola Goiás têm


uma visão clara da importância de uma abordagem
etnomatemática para o fortalecimento da cultura qui-
lombola. Verificamos que, na prática, a realidade so-
ciocultural dos alunos da escola Goiás vem sendo
abordada de forma objetiva e intensiva na sala de aula.

Considerações Finais

Ao analisarmos a forma e o meio em que se dá


a relação entre o ensino e a aprendizagem na comuni-
dade remanescente de quilombo, no âmbito da Escola
Municipal Goiás, verificamos como as atividades da
escola estão atreladas ao fortalecimento da valorização
da cultura local, dos ritos e dos conhecimentos histó-
ricos repassados de geração em geração.

Estes fatos são observados por meio das ati-


vidades festivas, dos projetos desenvolvidos na ins-
tituição e no envolvimento dos discentes, docentes

SUMÁRIO 227
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

e da comunidade com a música e com o Marabaixo.


Observa-se ainda, a não aceitação da concepção ban-
cária criticada por Freire (2014), na qual a sociedade
opressora pratica sobre o oprimido a cultura do silêncio
e enfraquecendo suas raízes e suas origens.
E esta luta somente tem sentido
quando os oprimidos, ao busca-
rem recuperar sua humanidade,
que é uma forma de criá-la, não
se sentem idealistas opressores,
nem se tornam, de fato, opresso-
res dos opressores, mas restaura-
dores da humanidade em ambos.
E aí está a grande tarefa huma-
nista e histórica dos oprimidos
– libertar-se a si e aos opressores.
(FREIRE, 2014, p. 41).

A adoção de práticas pedagógicas por meio de


projetos, que fortaleçam ações interdisciplinares, pro-
picia aos docentes da instituição atuar com os aspectos
etnomatemáticos como potencializadores da relação
entre ensino e aprendizagem. Dessa forma, observa-se
que a escola tem conseguido atender as metas do Plano
Nacional de Educação.

Sobre as metodologias docentes e administrati-


vas utilizadas pelos professores, pedagogos e gestores
na Escola Municipal Goiás, observa-se a resolução de
situações problemas e os projetos interdisciplinares

228 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

como norteadores, modo prático e técnico, vislum-


brando a realidade social do aluno, como ponte para o
ensino da matemática no caso da área de exatas, consi-
derando o sujeito como fator fundamental do processo.

Podemos destacar que os professores usam


métodos mais participativos, pois se exige a integração
e participação ativa do aluno para que haja a aprendi-
zagem. Os projetos envolvem outras áreas do conhe-
cimento e valorizam a cultura da localidade, onde a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade estão
bem presentes e como fortes ferramentas para superar
as problemáticas do trabalho.

Nessa relação da Matemática com a diversidade


de culturas, a Etnomatemática pode ser um caminho
para uma ressignificação dos conteúdos curriculares,
uma aproximação dos conhecimentos escolarizados e
culturais. Uma valorização da história baseada na luta e
em fugas por melhores condições de vida, eliminando
a diferença entre culturas e incorporando outras formas
de fazer matemática, respeitando o diferente e interli-
gando os saberes que lhe são expostos. Apesar de todo
empenho de pesquisadores em torno de uma Educação
Matemática que busque a valorização e elevação das
mais diversas culturas, ainda há muito que se fazer.

SUMÁRIO 229
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

Espera-se que este trabalho venha contribuir


com a comunidade acadêmica em relação a divulga-
ção da relevância do negro na formação do Estado
do Amapá, suas principais lutas e sua história de
fuga por liberdade e melhores condições de vida.
Que fortaleça a concepção da importância da etno-
matemática como alternativa escolar para o ensino
da Matemática.

Também, precisamos destacar o papel inter-


mediador dos professores que atuam nos extremos
desse país, principalmente devido ao fato observado
que a maioria não são oriundos desse espaço. O saber
fazer, explicar e ensinar, precisam sempre respeitar
e valorizar as realidades socioculturais distintas, a
fim de que elas possam se perpetuar pelo tempo. É
preciso potencializar a divulgação histórica e social
de um povo, no caso em questão, especificamente,
sobre um triste período da nossa história, conhecido
como período escravocrata.

Da mesma forma, mencionamos que esta


pesquisa, nos mostra que é necessário oportunizar
a compreensão da apropriação do saber dito não
escolarizado, em um diálogo constante com os co-
nhecimentos escolares, a fim de que propicie ao

230 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

educando um conhecimento crítico e reflexivo do


saber matemático, que fortaleça a história da sua
própria identidade. Além disso, outras dimensões,
em especial a política, também são integrantes da
Etnomatemática, conforme aponta D’Ambrosio
(2011), e neste contexto não se pode obstruir ou
negar a história de um educando.

Também, considerando, em especial, que exis-


tem poucas produções científicas que contextualizam
as características do estado do Amapá – AP, esperamos
contribuir e incentivar novas pesquisas em etnomate-
mática, com foco na cultura das comunidades quilom-
bolas do Amapá. Ao mesmo tempo, divulgar os espaços
destinados à história de luta e guerra pelo qual os
principais monumentos do estado foram construídos,
que fortalecem a história dos negros na construção da
identidade do Brasil.

Por fim, que possibilite reflexões sobre a


formação de professores e em especial, sobre a
prática de ensino em espaços sociais onde existem
valores e saberes que precisam compor a forma-
ção de um currículo dinâmico e ao mesmo tempo
agregador dos aspectos que fazem parte das origens
desses povos.

SUMÁRIO 231
Etnomatemática e Práticas Culturais em uma Comunidade Quilombola

Referências

D’AMBROSIO, U. Etnomatemática – elo entre as


tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica,
2011. (Coleção em Educação Matemática, vol. 1).

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 58. ed. Rio de


Janeiro: Editora Paz e Terra, 2014.

GUIMARÃES, C. M. A Negação da ordem escra-


vista: quilombos em Minas Gerais no século XVII.
São Paulo: Ícone, 1988.

KNIJNIK, G. Exclusão e Resistência, Educação


Matemática e Legitimidade Cultural. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1996.

KNIJNIK, G. et al. Etnomatemática em Movimento.


Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.

MACHADO, S. C. S. O Marabaixo o PDSA de João


Alberto Capiberibe. In: ENCONTRO ESTADUAL
DA ANPUH-AP, 1., 2014, Macapá. Anais [...]. Ma-
capá, 2014. p. 1-16.

232 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

MARCONI, M. D. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas


de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas,
amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração,
análise e interpretação de dados. 3.ed. São Paulo:
Atlas, 1996.

SANTOS, I. A. A. Direitos humanos e as práticas


de racismo. Brasília: Centro de Informação e Docu-
mentação (Cedi), 2010.

SCHMITT, A.; TURATTI, M. C.; CARVALHO, M.


C. A Atualização do Conceito de Quilombo: Identi-
dade e Território nas definições teóricas. Ambiente e
Sociedade, n. 10, p. 129-136, 2002.

SUMÁRIO 233
CAPÍTULO 8
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
MATEMÁTICA: ECOS EM PAULO
FREIRE E NO PROGRAMA
ETNOMATEMÁTICA
SUMÁRIO
FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE
MATEMÁTICA: ECOS
EM PAULO FREIRE
E NO PROGRAMA
ETNOMATEMÁTICA
Sandra Maria Nascimento de Mattos

Introdução

Revisitar a formação de professores, em espe-


cial de matemática, é um aspecto imprescindível na
atualidade. É importante haver uma modificação do
que está posto nas instituições escolares e nos afas-
tarmos das mesmices que imperam nas salas de aula,
quando a disciplina é a matemática escolar. Temos que
compreender que existem diferentes manifestações
matemáticas que envolvem diversos grupos sociocul-
turais, silenciados ao longo dos tempos.

SUMÁRIO
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

Há uma matemática hegemônica que controla e


perpetua a seletividade entre os alunos, provocada pela
competição desenfreada e por avaliações de larga escala
que conspiram contra um ensino para a equidade, dificul-
tando assim, a aprendizagem significativa (AUSUBEL,
2000). Buscamos nesse texto trazer as ideias de Paulo
Freire (1987, 2003, 2019) e de Ubiratan D’Ambrosio
(2018, 2019) para nos apoiarmos e demonstrar a neces-
sidade de um novo olhar sobre a educação brasileira.

Trazemos a escuta sensível e o programa Et-


nomatemática para consubstanciar nosso pensamento
sobre o homem novo e a mulher nova, exigência da
atualidade, para transformarmos nosso entendimento
sobre o ensino, a aprendizagem e o conhecimento ge-
rado e difundido por diferentes grupos socioculturais.

A formação continuada de professores de matemática

As preocupações que envolvem a formação


continuada de professores de matemática, por parte

238 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

dos governantes e das instituições, têm a ver com os


resultados do Índice de Desenvolvimento da Educa-
ção Básica (Ideb), com Olimpíadas de matemática,
com o Sistema de Avaliação da Educação do Estado
do Rio de Janeiro (SAERJ), ou seja, com avaliações
em grandes escalas. Entretanto, os aspectos princi-
pais são sempre deixados de lado, que são os alunos
e o próprio professor de matemática. Que formação
inicial estamos concedendo a esses futuros profes-
sores que atuarão em salas de aulas, repletas de alu-
nos que são inferiorizados por seus fracassos nessa
disciplina? Qual aprendizagem estamos propondo a
esses alunos, tão descrentes do ensino desenvolvido
nesta área de saber?

Ambas perguntas, ainda sem respostas, ou


talvez com solução não condizente com a atual situa-
ção brasileira, empurra tanto professor como alunos
para fora da sala de aula. Um aspecto está atrelado
ao outro e não há como desvinculá-los, a menos que
queiramos continuar perpetuando o que está posto
em nosso sistema educativo. Nessa perspectiva, a

SUMÁRIO 239
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

formação de professores, tanto a inicial como a


continuada, principalmente para os de matemática,
urge uma transformação.

Se a formação inicial se preocupa em dar


uma bagagem de conhecimentos matemáticos aca-
dêmicos para os futuros professores de matemática,
a formação continuada tenta sanar as lacunas que
ocorreram na formação inicial. Como percebemos
ambas caminham de mãos dadas para um saber dis-
ciplinar (TARDIF, 2002), que é aquele reconhecido
e pertencente a área de saber, ou seja, a matemática
acadêmica. Entretanto, sabemos que existem outros
saberes tão necessários a formação inicial e conti-
nuada dos professores.

Dentre esses saberes alertamos que os didáti-


copedagógicos são os mais relegados. Saberes esses
que envolvem o saber ensinar. Alguns professores
acreditam que é muito simples saber ensinar. Basta
ter o saber disciplinar e tudo sai as mil maravilhas.
Como se fosse simplesmente isso! É claro que sabe-

240 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

mos que ao longo da escolarização o futuro professor


aprende variadas formas de ensinar, tomando como
referência àquele professor que mais se identificou.
Entretanto, ensinar não é só isso.

Habituamo-nos em afirmar que deve haver


ensinagem (ANASTASIOU, 1998) ao invés de en-
sino. Isso, para nós, é devido que ensinagem resulta
em aprendizagem de fato. Portanto, estamos mais
interessados no saber-fazer, ou seja, no saber como
ensinar para que resulte em aprendizagem. Esses
saberes estão relacionados às estratégias didáticope-
dagógicas de ensino que perpassam a comunicação,
a escolha do material, o relacionamento professor-
-alunos, as tarefas propostas que levarão a efetiva
atividade dos alunos e o comprometimento com a
aprendizagem significativa (AUSUBEL, 2000).

Para desenvolver as estratégias didáticopeda-


gógicas de ensinagem e de aprendizagem o professor
deve focar em tarefas inovadoras. De acordo com
Mattos (2018, p. 28):

SUMÁRIO 241
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

Entendemos que o desenvolvimento


de estratégias didáticopedagógicas
inovadoras é um caminho não muito
fácil para alguns professores. Esse
desenvolvimento exige preparo,
bem como o conhecimento do
conteúdo em variadas vertentes e
acima de tudo, exige o conhecimento
dos alunos.

Dessa forma, ressaltamos que os professo-


res, principalmente os de matemática, precisam pôr
ênfase nos alunos, nas experiências e nas vivências
que eles trazem; na cultura deles. Reiteramos que:
[...] ser de suma importância
o planejamento da aula, nos
mínimos detalhes que se façam
necessários para promover o
resultado satisfatório dos alunos.
Salientamos reiteradamente
q u e c a b e a o p r o f e s s o r, n o
desenvolvimento de sua profissão,
primar por resultados satisfatórios,
tanto dos alunos como o seu próprio.
Nesta perspectiva, afirmamos
que se um falhar o outro também
falhará, pois compreendem-se em
um ciclo pedagógico que envolve
professor, alunos e o conhecimento
(MATTOS, 2018, p. 34).

Assim sendo, nosso olhar volta-se tanto para


o professor como para os alunos. Entretanto, estamos

242 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

preocupados com a formação continuada, com o


que podemos propor para melhorar o caos existente
quando se trata da matemática escolar. Por conse-
guinte, nos leva a mirar o professor mais especifi-
camente. É claro que um professor comprometido
com seus alunos e com uma base didáticopedagógica
poderá obter resultados satisfatórios.

Corroboramos Mattos e Mattos (2018, p. 50,


grifos dos autores) quando afirmam que:
É um desafio para os professores
de matemática refletir sobre sua
formação e sua prática como forma
de gerar a autonomia dos alunos.
Esta reflexão deve ser crítica e fazer
uma análise criteriosa - ratificando
saberes e competências e, ao
mesmo tempo, retificando outros
- como exigência de um modelo
educativo centrado na qualificação
profissional do professor e na
melhoria da aprendizagem dos
alunos. Tardif (2002, p. 230) afirma
que “um professor de profissão
não é somente alguém que aplica
conhecimentos produzidos por
outros”, mas, é antes, “um sujeito
que assume sua prática a partir
dos significados que ele mesmo
lhe dá”.

SUMÁRIO 243
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

Constatamos assim, que não basta ao pro-


fessor somente ter o saber acadêmico. É necessário
antever, ou seja, prever o que pode ocorrer quando
faz aulas. Para isso, precisa revisitar os caminhos
percorridos pelos alunos para chegar à solução de
uma tarefa. E, quando um professor tem esse alcance
em suas aulas, ele consegue se pôr no lugar do aluno
e compreendê-lo em suas dúvidas e incertezas. Po-
demos inferir que ele consegue se revisitar também.

Queremos, dessa forma, que o professor se


olhe, que re-flita sobre si, no sentido de dobrar-se
sobre si, de voltar-se para si, deixando fluir a afeti-
vidade que o fez ser professor de matemática. O que
fez com que ele se aproximasse dessa área de saber.
Somente com essa reflexão crítica e com esse olhar
fletido é que o professor entenderá seus alunos e
passará a fazer aulas junto com eles e não para eles.
Já alertávamos para essa re-flexão em 2007:
A educação escolar leva à reflexão,
leva ao “re-fletir” sobre si e sobre
suas ações. Essa reflexão faz o
ser humano perceber-se inacabado.
Conseqüentemente, é pelo inacabamento
que o ser humano reflete sobre si

244 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

mesmo, na busca de ser mais, fazendo


uma auto-reflexão, na procura
permanente de si mesmo, tornando-
se sujeito de sua própria educação
(MATTOS, 2007, p. 19).

Sabemos que não é simples, mas é possível.


O importante é começar e ser comprometido com a
educação brasileira. Somente assim conseguiremos
uma sociedade mais justa e com equidade.

Paulo Freire: a escuta sensível para o homem


novo e a mulher nova

Paulo Freire foi um grande incentivador da trans-


formação da educação brasileira, de ensinar com os alu-
nos, de olhar a cultura dos alunos, de trazer para sala de
aula a amorosidade, de mostrar nosso inacabamento frente
ao mundo e a imensidão de conhecimento que ainda há
por ser descoberto. Seus ensinamentos, muitos até hoje
não assimilados, são como águas divisoras em um mar
de desastres educativos que ocorrem atualmente.

SUMÁRIO 245
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

Podemos, com essa colocação, estarmos sendo


poéticos, mas a ideia é poetizar-se e afetivar-se. Es-
tamos, também, buscando os processos autopoéticos
(MATURANA; VARELA, 1995) e socioculturais do
ser, que se faz continuamente em um espaço-tem-
po planetário. É, dessa maneira, que buscamos Paulo
Freire. Devemos, consequentemente, mostrar o quão
importante é saber escutar, quer sejam os silêncios,
quer sejam os ruídos, ambos nos atordoam.

Primeiro precisamos entender como falar, para


compreendermos como escutar. Parece simples, mas não
é. Se falarmos aos outros, estamos perpetuando uma comu-
nicação ideológica, em que divulgamos verdades absolutas
e que nos entendemos como os portadores do conhecimento
que deve ser transmitido aos demais e estes, o recebem
passivamente. É uma comunicação de cima para baixo
e, em sendo assim, compreendemos nossos alunos como
inferiores e que carecem dos nossos conhecimentos.

Freire nos alerta que:


[...] é escutando que aprendemos
a falar com eles. Somente quem

246 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

escuta paciente e criticamente o


outro, fala com ele, mesmo que,
em certas condições, precisa falar a
ele. O que jamais faz quem aprende
a escutar para poder falar como
é falar impositivamente (FREIRE,
2003, p. 113, grifos do autor).

É essa escuta sensível que permite ao pro-


fessor transformar seu discurso para uma fala com
os alunos. Barbier (1998) trouxe a noção de escuta
sensível, dando pistas para um relacionamento mais
afetivo entre professor e alunos, mais empático. É
uma relação poético-existencial que conta com o im-
previsível e investe no outro. É na intencionalidade
da escuta sensível que o professor ouve as dúvidas
e dificuldades de seus alunos.

Barbier (1998, p. 172) nos alerta que: “a


escuta sensível é o modo de tomar consciência e
de interferir próprio do pesquisador ou educador
que adote essa lógica de abordagem transversal”. É
a liberdade criativa pela aventura de aprendermos
enquanto ensinamos e ensinarmos enquanto damos
possibilidades para que eles aprendam conosco.

SUMÁRIO 247
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

Portanto, a escuta sensível preocupa-se com a tota-


lidade do ser humano, aceitando-o surpreendente e
desconhecido.

Com essa visão de escuta sensível, voltamos


ao professor re-fletir sobre si e, como afirma Freire
(2019, p. 98) é uma reflexão do professor “em suas
relações com o mundo” e com o outro. Em uma re-
lação dinâmica, libertadora e capaz de se dirigir “[..]
ao ser mais, à humanização dos homens” (FREIRE,
2019, p. 104). É essa a sua vocação histórica, isto é, o
professor tem de viabilizar o buscar-se, o mostrar-se
como ser humano pensante, que produz e difunde
conhecimentos.

Essa busca do ser mais evidencia um novo


homem e uma nova mulher, professores de matemá-
tica, inovadores em seu tempo. Esse homem novo e
essa mulher nova se faz no coletivo em um processo
revolucionário de insubordinação criativa (D’AM-
BROSIO; LOPES, 2015). Em que sua “atuação do-
cente dependerá de sua sensibilidade para perceber e

248 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

respeitar o processo de desenvolvimento intelectual


e emocional dos alunos” (D’AMBROSIO; LOPES,
2015, p. 4).

A escuta sensível nos traz para a afetivida-


de, para a amorosidade, mas que, “permanecendo e
amorosamente cumprindo seu dever, não deixe de
lutar politicamente” (FREIRE, 2003, p. 142) para
que seus alunos aprendam e apreendam o mundo em
que vivem para transformá-lo. Essa luta constante
envolve o respeito à profissão, à dignidade do pro-
fessor e dos alunos. Se o momento requer a prática
política, “[...] esta se fará autêntica práxis se o saber
dela resultante se faz objeto da reflexão crítica”
(FREIRE, 2019, p. 73). É nesse sentido que busca-
mos o homem novo e a mulher nova, com olhares
diferentes, mas que trabalhem coletivamente para a
melhoria da educação brasileira.

Para essa escuta sensível desse homem novo


e dessa mulher nova é necessário pensar certo. A
ideia é buscar o diálogo com uma ação cultural de

SUMÁRIO 249
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

fundo. E que essa ação seja propicia ao meio socio-


cultural que se destina. Cabe ao professor buscar
métodos de ensinagem que tragam ou tenham res-
paldo em pesquisa. É a intencionalidade do professor
em permitir aos seus alunos aprenderem pela troca
incansável, pelo diálogo saudável e pela pesquisa
constante.

Recorremos a Freire (2019) quando afirma


que a tarefa do professor não é “[...] “encher” os
educandos dos conteúdos de sua narração” (FREI-
RE, 2019, p. 79, grifo do autor), pois esses são
apenas “[...] retalhos da realidade desconectados
da totalidade em que se engendram e em cuja visão
ganhariam significação” (FREIRE, 2019, p. 80). O
que queremos significar é a aprendizagem dos alu-
nos. Para tanto, é imprescindível contextualização
dos conceitos matemáticos escolares por intermédio
da cultura dos alunos, dialogar juntos com eles e
deixá-los argumentar e explicar caminhos tomados
para resolver a tarefa proposta.

250 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

Queremos ratificar que esses retalhos, quando


são ligados coletivamente por meio do diálogo e em-
basam-se em aspectos criteriosos para a apreensão
do mundo, promovem a leitura desse e estabelecem
o reconhecimento que os saberes são diferentes, en-
tretanto, nenhum é superior ao outro. Diferenças que
convergem para semelhanças e que distinguem tanto
a figura do professor como a do aluno. Ambos são
essenciais para que haja ensinagem e aprendizagem.

A escuta sensível deve estar atenta aos silên-


cios. Sejam eles por meditação daqueles que buscam
afastar-se do que está ouvindo para contemplá-lo e
assim usufruir de sua magnitude, banhando-se e ab-
sorvendo-se de um mundo pronunciado. Sejam eles
silêncios ocasionados pelo desprezo ao que se ouve,
desenvolvendo uma fuga incontrolável, fazendo da
palavra anunciada algo ruim e lamentável.

Ressaltamos que nos silêncios há muitos as-


pectos, que mesmo não pronunciados, são ditos. Em
alguns casos, os silêncios são essenciais, em outros

SUMÁRIO 251
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

são lamentáveis. Se o silêncio se faz autoritariamente


é deplorável, já que é negado o direito da fala. Se o
silêncio é recolhimento ou reflexão, é grandeza, pois
explora a magnitude da reflexão crítica a respeito do
que se fala. Em sala de aula, principalmente de mate-
mática, necessário se faz que haja pronunciamentos,
anunciando ou denunciando um diálogo que deve se
impor pelo debate prazeroso. Freire nos afirma que:
Não há diálogo, porém, se não há
um profundo amor ao mundo e aos
homens. Não é possível a pronúncia
do mundo, que é um ato de criação
e recriação, se não há amor que
a infunda. Sendo fundamento do
diálogo, o amor é, também diálogo
(FREIRE, 2019, p. 110).

Nessa perspectiva, a ação de um professor


revolucionário, que desenvolve a insubordinação
criativa, orienta-o para a educação libertadora. Dessa
maneira, o professor consegue colocar-se no lugar
de seus alunos. Olhar com seus olhos as dificulda-
des por eles enfrentadas e empaticamente conseguir
fazer aulas com eles, falar com eles e construírem
coletivamente o conhecimento. É esse homem novo

252 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

e essa mulher nova que se faz no coletivo nas salas


de aula dentro das instituições escolares.

Etnomatemática: novos olhares para os alunos


em sala de aula

Em seu texto “Como foi gerado o nome Etno-


matemática ou Alustapasivistykselitys” D’Ambrosio
(2018) afirma que a Etnomatemática é uma área
emergente. Em sendo emergente suscita controvér-
sias por alguns pesquisadores. O que se torna óbvio
devido a sua natureza própria de produzir novos
conhecimentos e gerar novas práticas docente. Tudo
isso por meio da busca sobre os conhecimentos pro-
duzidos e difundidos ao longo do tempo e da história.

Segundo o autor (2018), não se trata somente


de um estudo etnográfico da disciplina matemática.
Não se trata, também, de uma visão folclórica das
diversas manifestações culturais e suas formas de

SUMÁRIO 253
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

desenvolver uma matemática própria. Trata, pois,


de compreender a natureza do conhecimento, mais
precisamente do conhecimento matemático em suas
mais variadas manifestações. O autor afirma que:

Eu ainda não tinha formulado


o programa de pesquisa com
foco na geração, na organização
intelectual e social, e na difusão
do conhecimento, que se tornaria
a espinha dorsal do Programa
Etnomatemática (D’AMBROSIO,
2018, p. 25).

Entretanto, diversos pesquisadores apropria-


ram-se de suas ideias e foram em busca das mais
diferentes atuações do Programa Etnomatemática,
tanto dentro como fora da sala de aula. Vemos, as-
sim, inúmeras pesquisas, estudos que utilizando o
Programa Etnomatemática conseguiram desenvolver
a aprendizagem em seus alunos, de forma contex-
tualizada e interdisciplinarmente.

Frequentemente, esses professores pesqui-


sadores estavam incomodados com o rumo que a

254 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

matemática acadêmica propunha para o ensino e a


aprendizagem dos conceitos matemáticos escolares.
Dessa maneira, agarrando-se em uma proposta ino-
vadora, esses professores tomaram posição e tenta-
ram modificar o que estava posto em sala de aula.
Começam-se a considerar outras formas de produzir
conhecimento nos variados grupos socioculturais
existentes no mundo. Grupos invisibilizados ao lon-
go dos tempos e seus conhecimentos menosprezados
em prol de um conhecimento hegemônico e opressor.

O grande avanço que se alcançou por meio do


Programa Etnomatemática levou esses professores
pesquisadores divulgarem seus estudos de sucesso.
As reações foram diversas e divergentes. Alguns
apoiavam incondicionalmente, outros reprovavam
diretamente. Como confirma D’Ambrosio:
As reações foram diversificadas,
distribuídas em um grupo que estava
em pleno acordo com meus pontos
de vista e propostas, e outro grupo de
pessoas que as rejeitava inteiramente.
O cenário não é significativamente
diferente do que acontece hoje em
dia (D’AMBROSIO, 2018, p. 25).

SUMÁRIO 255
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

O que percebemos dessas posições tão con-


troversas? Que alguns estão dispostos a modificar
sua maneira de atuar em sala de aula, pois eles
próprios ficam constrangidos pelos fiascos dos re-
sultados alcançados por seus alunos. Que outros
estão tão acomodados que não veem possibilidade
alguma de ocorrer mudança nas suas práticas e que,
talvez, acreditem que o fracasso é tão somente de
seus alunos. Há, ainda, outros, que têm absoluta
certeza que não se pode modificar algo que não tem
modificação, já que a matemática é composta por
verdades absolutas.

Acreditamos que cada qual tem direito a


opinião. Entretanto, queremos crer que é possível
haver transformações e que essas transformações
continuarão a acontecer, independente das opiniões
que surjam. O que não queremos é impor a nossa
opinião, pois se assim fizermos iremos contra o que
acreditamos. Sendo assim, o que importa são os
novos olhares para a sala de aula, auxiliados pelo
Programa Etnomatemática.

256 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

É imprescindível demonstrar que o Programa


Etnomatemática deu um novo impulso para as ativi-
dades desenvolvidas em sala de aula. Os professores
comprometidos com uma aprendizagem significativa
(AUSUBEL, 2000) buscam na cultura dos alunos os
aspectos necessários para ensinar contextualizada-
mente os conceitos matemáticos escolares.

Além disso, há a possibilidade de trabalhar


interdisciplinarmente, mostrando que não há frag-
mentação entre as áreas de conhecimento. Essa frag-
mentação foi criada com a intenção de facilitar ou
dificultar o estudo e a pesquisa dessas disciplinas,
mas entendemos que as partes não representam o
todo. De acordo com D’Ambrosio acreditamos que:
É necessária uma educação que
promova o desenvolvimento de
criatividade desinibida, gratuita, sem
visar recompensas, e que leve a novas
formas de relações interculturais,
propondo uma nova organização da
sociedade. Essas relações devem
caracterizar a educação de massa
e ao mesmo tempo proporcionar
espaço adequado para preservar a
diversidade, o que terá como
consequência a eliminação da

SUMÁRIO 257
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

desigualdade discriminatória, que


é responsável por intolerância e
fanatismo (D’AMBROSIO, 2019,
p. 24).

Como isso, estamos defendemos uma for-


mação continuada que leve os professores a uma
reflexão crítica, que olhe o que acontece com seus
alunos, que se envolva politicamente e acredite em
seus alunos. D’Ambrosio e Lopes defendem
[...] a formação de um profissio-
nal participante, ativo, crítico e
responsável, disposto a colaborar
com seus pares e a buscar, coletiva-
mente, soluções para os problemas
educacionais que emergem em seus
espaços pedagógicos (D’AMBRO-
SIO; LOPES, 2015, p. 4).

Nós, como formadores de professores, desejamos


que o processo reflexivo crítico impulsione os professores
à mudança. Que esses professores fiquem incomodados
com a situação da educação brasileira e que se transfor-
mem por uma insubordinação criativa. Que haja leitura de
mundo, mas que essa seja crítica, criteriosa e provocante.
Crítica no sentido de perceber que nossos alunos precisam
mais, mais afetividade, mais trocas, mais diálogo. Crite-

258 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

riosa no sentido de ser rigorosa, tendo um planejamento,


uma meta a alcançar e um alvo para chegar. Provocante
no sentido de incomodar, de ir além do que está posto,
de sair do cômodo, do seguro.

É esse olhar que levamos para as salas de aula. É


um convite ao novo. É a tentativa de nos reinventarmos
cotidiana e constantemente. Quem se acomoda, admite a
morte da criação. Portanto, que sejamos criativos, ativos
e reflexivos sobre o que fazemos em nossas aulas. É nos
reexaminarmos de acordo com a forma que pronunciamos
em sala de aula, compreendendo os fatores que emperram
ou dificultam a aprendizagem significativa.

Considerações Finais

Convidamos, com o texto, aos professores,


problematizar o futuro que nos aguarda, se não fi-
zermos uma transformação de nossas atividades
docentes. E esse convite é um chamado para uma

SUMÁRIO 259
Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
Freire e no Programa Etnomatemática

tomada de posição reflexiva e crítica. Entendemos


que um dos caminhos seja o Programa Etnomatemá-
tica, pois nos possibilita olhar outros conhecimentos
desenvolvidos por diferentes grupos socioculturais.

Por meio do programa vamos conseguir dar vez


e voz a tantos povos que foram subjugados e invisibi-
lizados durante muito tempo. Consequentemente, urge
que eles sejam empoderados e que se percebam como
produtores e difusores de conhecimentos. Que aquilo
que eles sabem pode ser um fator essencial para que
os alunos aprendam com sentido e com significado,
se esse conhecimento é parte da cultura desses alunos.

Este é um problema que não termina em um


texto, mas que abre possibilidades de obter novas
contribuições e melhorar a educação brasileira.
Entendemos, também, que os ecos expostos nesse
texto vão propiciar, aos professores, uma releitura
daquilo que desenvolvem em sala de aula. É parte
essencial buscar a dimensão afetiva para que seus
alunos consigam se expor e trazer suas dúvidas e

260 SUMÁRIO
Etnomatemáticas em Vários Contextos

dificuldades. É prazeroso ter um trabalho coletivo


em que se aprende enquanto se ensina.

Saber escutar requer sensibilidade. Requer


compreender que cada um desenvolve suas fugas
ou suas interações, de acordo com a abertura ou
com o fechamento que o professor propõe. Estamos
diante de um novo olhar na formação de um homem
novo e de uma mulher nova que farão a diferença
nesse novo milênio que se inicia. Que possamos ser
insubordinados criativamente!

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conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Trad.
Ligia Teopisto. Lisboa: Paralelo, 2000.

ANASTASIOU, L. G.C. Metodologia do Ensino


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Formação de Professores de Matemática: Ecos em Paulo
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Curitiba: Appris, 2018.

MATTOS, S. M. N. O educador oculto: em busca


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Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade
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MATURANA, H.; VARELA, F. A árvore do


conhecimento: as bases biológicas do entendimento
humano. São Paulo: Editorial PSY, 1995.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação


profissional. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

SUMÁRIO 263
SUMÁRIO
SOBRE OS AUTORES
José Roberto Linhares de Mattos
Pós-doutor pelo Instituto de Edu-
cação da Universidade de Lisboa.
Professor da Universidade Federal
Fluminense e dos Programas de
Pós-Graduação PPGEA/UFRRJ e PPGECEM/UFMT.
E-mail: [email protected]

Romaro Antonio Silva


Doutorando em Educação Ma-
temática pela Universidade do
Minho (UMinho) – Portugal. Pro-
fessor do Instituto Federal de Edu-
cação, Ciência e Tecnologia do Amapá – IFAP.
E-mail: [email protected]

SUMÁRIO
Dejildo Roque de Brito
Mestre em Educação Agrícola pela
Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro – PPGEA/UFRRJ.
Professor do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá – IFAP.
E-mail: [email protected]

Edmilsan de Jesus Cardoso


Especialista em Práticas Pedagó-
gicas para o Ensino de Pessoas
com Necessidades Educativas
Especiais pela Faculdade Atual.
Professora da Universidade Federal do Amapá.
E-mail: [email protected]

Eulina Coutinho Silva do Nascimento


Doutora em Ciências pela Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro.
Professora do Departamento de
Matemática e do Programa de Pós-
-Graduação em Educação Agrícola da UFRRJ.
E-mail: [email protected]

266 SUMÁRIO
Francisco Jeovane do Nascimento
Mestre e Doutorando em Educação
pela Universidade Estadual do
Ceará. Professor da Rede Estadual
de Ensino do Ceará (SEDUC/CE).
E-mail: [email protected]

José Sávio Bicho


Doutor pela Universidade Fede-
ral do Mato Grosso (UFMT). Professor
da Licenciatura em Educação
do Campo da U n i v e r s i d a -
d e Federal do Sul e Sudeste do Pará.
E-mail: [email protected]

Márcio Getúlio Prado de Castro


Mestre em Educação pelo Progra-
ma de Pós-Graduação em Educa-
ção Agrícola da UFRRJ. Diretor do
Campus Macapá do Instituto Fede-
ral de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá.
E-mail:[email protected]

SUMÁRIO 267
Maria Socorro Lucena Lima
Pós-Doutora pela Faculdade de
Educação da USP. Pesquisadora
do PPGE/UECE e professora visi-
tante da Universidade da Integra-
ção Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.
E-mail: [email protected]

Mário Rodrigues da Silva


Mestre em Educação pelo Pro-
grama de Pós-Graduação em
Educação Agrícola da UFRRJ. Pro-
fessor do Instituto Federal de Edu-
cação, Ciência e Tecnologia do Amapá – IFAP.
E-mail: [email protected]

Sandra Maria Nascimento de Mattos


Doutora em Educação pela
PUC-SP / Universidade Cató-
lica Portuguesa. Professora
e orientadora no Programa de Pós-
-Graduação em Educação Agrícola PPGEA/UFRRJ.
E-mail: [email protected]

268 SUMÁRIO

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