Artigo MAKARENKO A RAZÃO MATERIALISTA NA CONSTRUÇÃO DA ESCOLA SOCIALISTA DO TRABALHO

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ANTON SEMIÔNOVITCH MAKARENKO: A RAZÃO MATERIALISTA NA


CONSTRUÇÃO DA ESCOLA SOCIALISTA DO TRABALHO

Vanderlei Amboni1
Prof. Dr. Luiz Bezerra Neto2
Profª. Drª Maria Cristina dos Santos Bezerra3

RESUMO: O presente trabalho elege como objeto de estudo o pedagogo soviético Anton
Semiônovich Makarenko e o processo de educação por ele desenvolvido na Colônia de
trabalho Gorki, posto que a sociedade em construção na URSS tinha como fundamento o
modo de produção comunista enquanto processo de organização da vida social. A escola,
nesse sentido, tinha como objetivo forjar o homem do trabalho, criando as bases sociais do
homem socialista. Nosso objetivo é analisar a escola criada por Makarenko no processo de
organização do Estado após 1917, focalizando a obra Poema Pedagógico, onde faz um relato
do trabalho desenvolvido na Colônia de Trabalho Gorki. Nesta obra, aponta a auto-
organização e o coletivo como centralidades de um processo de educação e ensino, pois as
atividades tinham por finalidade a educação de jovens delinquentes, prostitutas, crianças órfãs
e abandonadas. Neste aspecto, a escola de Makarenko tinha uma singularidade, era um
internato e, tinha uma urgência, a formação de um novo homem, de uma nova moral: a
socialista.

Palavras-chave: Colônia de trabalho Gorki. Escola Socialista. Coletivo. Destacamento.

Abstract

1 Professor da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí, doutorando em Educação pela UFSCar, linha de
pesquisa em Educação do Campo.
2 Prof. Doutor do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos.
3 Profa. Doutora do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos.
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INTRODUÇÃO

No presente texto, analisaremos o processo de construção da escola socialista e a


formação do novo homem novo, na URSS, a partir de Anton Semiônovich Makarenko. Para
esse fim, levaremos em conta as obras as obras de Makarenko, suas conferências e artigos.
Essas obras trazem uma narrativa pedagógica fundamentada no trabalho e educação como
processos forjadores do homem socialista, trazem, portanto, a estruturação do pensamento de
Makarenko sobre a educação socialista em curso na URSS. Mas, é uma parte da educação em
fase de experiência educacional realizada na prática, pois outros processos educacionais
estavam em curso na construção da escola socialista do trabalho por Pistrak, Krupskaia e
outros educadores soviéticos. A base para a construção da Escola Socialista foi o materialismo
histórico alicerçado no trabalho coletivo para a produção da vida material e, no trabalho como
princípio educativo.

Nossa premissa parte do pressuposto de que a existência do homem se dá pelo trabalho


em duplo sentido, como criador do homem social, pois ao transformar a natureza exterior
também se transforma e como produtor da existência material, cuja necessidade o impele a
produzir os meios necessários para mantê-lo vivo e abrigado das intempéries, isto é, a
produzir alimento, roupas, casas, cultura, etc. Neste sentido, o trabalho é a base da existência
do homem.

Por isso, Tckeskiss, pontua que:


Para existir, deve o homem desempenhar uma certa atividade em relação á natureza
exterior. Ele deve adaptar-se á natureza para poder viver e não ser por ela
aniquilado. E essa adaptação se realiza graças á atividade do homem. Mas só na
adaptação não poderemos encontrar o conteúdo, o característico da vida social
humana. Uma adaptação á natureza encontramos também nos seres inferiores. Na
simples adaptação há, portanto, pouco de humano, menos ainda de social. Que é
então o que distingue a adaptação humana á natureza? Em primeiro lugar a forma
social. Essa adaptação se realiza não em forma individual; o homem se adapta á
natureza, socialmente. Duas formas de atividade humana estão ligadas á sua
adaptação à natureza: 1º, uma atividade que serve diretamente à satisfação das
necessidades de sua existência (nutrição, reprodução). Para satisfazer suas
necessidades desta natureza precisa o homem exercer certa atividade (por exemplo,
comer, beber, respirar, manter relações sexuais, etc.), mas essas atividades são
provocadas diretamente pelas próprias necessidades de momento. 2º, há uma outra
atividade que serve indiretamente á satisfação das necessidades (cozinhar para
comer, puxar água para beber, colher frutas para comer, etc.). A atividade do homem
na primeira forma, serve-lhe para satisfazer diretamente suas necessidades, só pode
ser útil ao individuo que exerce essa atividade (não se pode comer por outros). A
atividade da segunda forma (satisfazer indiretamente suas necessidades) pode ser
também útil a outros (pode-se colher frutas para outros, pode-se trazer água não só
para si, como também para que outros bebam). Essa atividade do homem, que serve
diretamente a satisfazer suas necessidades, tem uma característica especial, que
consiste na possibilidade de se tornar social. A essa atividade, em geral,
denominamos: trabalho (TCKESKISS, 1934, p. ???).

Não obstante, Gmurman; Korolev (1967, p. 77) acentuam que “os fundadores do
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marxismo chegaram a genial conclusão de que o homem, no processo de gestão ativa da


natureza e da sociedade, muda sua natureza social”. Dessa forma, argumentam eles,

Los fundadores del marxismo descubrieron también muchas leyes y regularidades


importantes de la educación; mostraron que está condicionada por las relaciones
sociales y explicaban la essencia del hombre como un conjunto de relaciones
sociales; fundamentaron la importancia determinante de los vínculos de la educación
con la produción material; mostraron que en la sociedade de clases la educación
toma inevitablemente un caracter de clase (KOROLEV, 1967, p. 77).

Criar, portanto, uma nova escola e um novo processo de ensino-aprendizagem, nas


condições da sociedade socialista era essencial para romper com a escola burguesa, posto que
os homens criam as circunstâncias de sua sociabilidade e de sua organização social. A
educação, neste caso, era a chave que abriria as portas para consolidar o processo posto ao
homem pela Revolução Socialista de 1917, na Rússia. Por isso, os esforços de educadores
comunistas para criar a escola do trabalho e o apelo de Lenin à juventude comunista para
participar do grande desafio a vencer, que era o analfabetismo, a falta de escolas e
universidades, a falta de profissionais voltados à educação comunista.

Esse foi o chamado que Lenin fez à Juventude Comunista soviética no III Congresso
da União das Juventudes Comunistas, realizado em 02 de outubro de1920, quando dizia aos
jovens que era imperativo “aprender”,

É claro que isto não é mais que «uma palavra». E esta palavra não responde às
perguntas principais e mais essenciais: que aprender e como aprender? E o essencial
neste problema é que, com a transformação da velha sociedade capitalista, o ensino,
a educação e a instrução das novas gerações, chamadas a criar a sociedade
comunista, não podem continuar a ser o que eram dantes. O ensino, a educação e a
instrução da juventude devem partir dos materiais que a antiga sociedade nos legou.
Só poderemos edificar o comunismo com a súmula dos conhecimentos,
organizações e instituições, com o acervo de meios e forças humanas que herdámos
da velha sociedade. Só transformando radicalmente o ensino, a organização e a
educação da juventude conseguiremos que os esforços da jovem geração dêem como
resultado a criação de uma sociedade que não se pareça com a antiga, quer dizer, da
sociedade comunista. Por isso, devemos examinar em detalhe o que temos de
ensinar à juventude e como há-de esta aprender se quer merecer realmente o nome
de Juventude Comunista e como é necessário prepará-la para que seja capaz de
preparar e coroar a obra por nós iniciada (LENIN, 2005, p. 8).

Neste processo, é evidente o rompimento com a educação burguesa, conforme se pode


ler também em Gorki (1952), onde este afirma que, "antes... educava-se o homem
individualista. Nós somos inimigos do individualismo burguês. Esforçamo-nos por criar o
homem coletivista”, isto é, o homem do trabalho e da moral comunista, capaz de realizar as
múltiplas tarefas que são imprescindíveis à sociedade socialista.

Por isso, Gmurman; Korolev (1967, p. 85) pontuaram que, “después de Octubre
comienza a construirse a elevados ritmos la nueva cultura, socialista por su orientación
ideológica, se crea la nueva escuela y, en la más estrecha vinculación con estas importantes
tareas vitales, surge y se desarrolla la pedagogia soviética”. Nesse Sentido, cada época
histórica apresenta seus pedagogos e as formas de educar os homens para a vida social. Cada
organização social organiza os homens para determinados fins sociais e a educação
desenvolvida no interior das sociedades corresponde à determinada formação social, pois os
valores morais e o modo de produzir a existência da vida material são determinados pela
práxis humana. A educação, na Rússia revolucionária, para a formação do novo homem, do
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homem do trabalho, necessariamente passa pelo processo pedagógico. Este é o sentido que
Vygotsky emprega, que aqui cito:

A educação deve desempenhar o papel central na transformação do homem, nesta


estrada de formação social consciente de gerações novas, a educação deve ser a base
para alteração do tipo humano histórico. As novas gerações e suas novas formas de
educação representam a rota principal que a história seguirá para criar o novo tipo
de homem. [...] (VYGOTSKY, 1930, p. 9).

Dentre os pedagogos que se destacaram na construção da escola socialista se encontra


Makarenko. É sobre esse homem e sua pedagogia que escreveremos.

2. MAKARENKO, O HOMEM, SUA VIDA, SUA OBRA.

Farei um breve relato de minha biografia pedagógica e literária. Sou


filho de um operário ferroviário, que trabalhou mais de quarenta anos
numa fábrica de vagões. Eu também trabalhei nessa fábrica desde
1905, mas como professor, depois de ter obtido a mais rudimentar
formação pedagógica: terminei os cursos de um ano numa escola
pedagógica primária. Tenho a impressão de que atualmente nem existe
uma formação tão primária como essa. Era uma formação tão pobre
que só pude assumir o cargo de professor na escola primária de
categoria menor, com um salário de 25 rublos por mês.
(MAKARENKO, 2010, p. 115)

Anton Semiônovich Makarenko nasceu na cidade de Bielopólie, na Província de


Járkov, sudeste da Ucrânia, em 13 de março de 1888. Filho de Semión Grigórievich, um
operário ferroviário, um pintor que trabalhava na fábrica de vagões no subúrbio de Kriukov,
na cidade de Kremenchug e de Tatiana Mijáilovna Dergachova, uma dona de casa. Makarenko
viveu sua infância e adolescência anterior à Revolução Russa de 1917. Apesar de viver com
dificuldades materiais, Anton teve uma vida dedicada aos estudos, pois seus pais conseguiram
mantê-lo em uma escola urbana até que terminasse os estudos de seis anos. Mais tarde, fez um
curso de caráter pedagógico, com duração de um ano na mesma escola, capacitando-o para o
exercício do magistério. Oliveira (2012, p. 33) afirma que, da mãe, herdou o otimismo e a
alegria, pois ela era uma excelente contadora de histórias e é dela que nasceu a confiança no
homem.

De acordo com Oliveira (2012, p. 33), Makarenko, aos cinco anos de idade já sabia ler
e preferia livros aos jogos infantis. Sendo um aluno brilhante e com grande conhecimento dos
clássicos russos e estrangeiros, além de filosofia, astronomia e ciências naturais. Assim, o
desenvolvimento intelectual de Makarenko teve uma boa dose de literatura, tendo como aliada
as histórias contadas por sua mãe. A educação para a felicidade, nesse sentido, tinha por base
a experiência de seu próprio lar, o que marcou a vida de Anton.

Em 1905, Makarenko tornou-se professor de crianças na fábrica onde seu pai


trabalhava, tomando contato com os trabalhadores e, nessa relação, compreendeu o processo
de exploração capitalista do trabalho. O educador Makarenko, neste aspecto, nasceu com a
primeira Revolução Russa de 1905. E foi nesta escola que o ideário pedagógico de
Makarenko desenvolveu através da atividade prática da docência. Era em uma escola para
filhos de operário que Makarenko iniciaria a carreira de educador.
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Não obstante, Aranski; Piskunov pontuam que:

[...] A partir de 1905, empezo a ejercer de maestro en una escuela primaria de


ensinanza general, em Kriúkov, enseñando ruso y dibujo lineal y artístico. Desde los
primeiros años de su labor pedagógico, el joven maestro se esforzó por que la labor
de la escuela estuviese em estrecho contacto com las famílias de los alumnos y se
rebasase el marco de la labor escolar ordinária (PISKUNOV, s/d, p. 4).

Esse foi o sentido que Makarenko procurou imprimir em suas atividades educacionais.
A formação do novo homem precisava da formação da nova família, isto é, da família com a
espiritualidade focada nos interesses coletivos e uma nova relação família-escola, pois a
centralidade de uma parte da natureza da educação é o coletivo familiar.

O período de vivência pedagógica de Makarenko, na escola ferroviária durou seis


anos. Assim, de 1905 a 1911 Makarenko foi um professor político e inovador. Político,
segundo Capriles (2007, p. 54), pois “participou ativamente na organização de um congresso
de jovens professores, na vizinha cidade de Krementchug”. Além disso, contribuiu para a
organização política e revolucionária dos ferroviários, realizando reuniões revolucionárias na
escola. Com estas ações, estabeleceu contatos e participou de um circulo de estudo, que se
reuniam para ler e debater os materiais produzidos pelos revolucionários através da imprensa.
Nestes encontros liam textos dos bolcheviques, dentre os quais, de Lenin, além de textos
culturais. Assim, as atividades políticas de Makarenko foram intensas nos anos de agitação
revolucionária de 1905 a 1917.

Na formação, tanto política, quando pedagógica, os textos de Lenin contribuíram para


a formação do pensamento revolucionário e marxista de Makarenko. Não é por acaso que
Leudemann afirma que:

Desde o tempo de estudante, em Krementchug, Makarenko acompanhou as


polêmicas estabelecidas pela social-democracia russa, sintetizadas por Vladimir Ilich
Ulianov (Lênin), líder bolchevique no livro Que Fazer. Lênin se referia ao período
de desmobilização da social-democracia, com o refluxo dos movimentos grevistas e
criticava duramente os militantes social-democratas, que concentraram suas ações na
luta econômica. Lênin defendeu, nesse período, a necessidade de o militante
marxista atuar, como intelectual, fora do movimento operário, trazendo propostas de
organização revolucionária, passando da denúncia econômica para a luta geral,
política.
Makarenko esforçou-se para entender o que significava a valorização do
espontaneísmo e quais seriam as conseqüências para a luta da classe trabalhadora.
Lênin apontava para o perigo de se ater aos movimentos organizados pelos próprios
operários, quando se organizavam para fazer greves, lutar pelo aumento dos salários,
sem conseguir se organizar para lutas mais gerais e políticas (LEUDEMANN,
2002, p. 73).
No sentido inovador, Capriles (2007, p. 55), pontua que “no terceiro ano da sua vida
como professor, aconteceu um incidente que abalaria profundamente seu sensível espírito e
provocaria uma catarse na sua prática pedagógica”, pois resolveu “realizar uma experiência
singular: avaliar a capacidade de assimilação de cada um dos seus alunos, mediante um
sistema de pontuação elaborado por ele”. Neste processo, Makarenko não levou em
consideração as circunstancias de aprendizagem dos alunos e causou um mal estar quando
divulgou os resultados aos alunos. Dentre estes, Alexei, que ao ser “informado de que era ‘o
pior a turma’, teve de pronto um ataque de depressão, que se manifestou, também numa crise
nervosa e num violento acesso de tosse, levando-o a vomitar sangue” CAPRILES, 2007, p.
55). Este incidente fez o jovem educador pensar em práticas alternativas, como por exemplo,
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analisar os casos dentro de cada particularidade existente.

Em 1911 foi destacado para assumir a direção da escola primária na Estação


Dolinskaya e, neste novo posto de trabalho revelou as qualidades de organizador de trabalhos,
tanto pedagógico, quanto político. Diante do pedagogo inquieto e decidido, a escola ia
ganhando ares democráticos, com a participação de pai junto à mesma. Por isso, Rodrigues
(2004, p. 314), em relação às primeiras atividades de Makarenko, como diretor, se manifestou
dessa forma:

Durante sua direção, esta escola realizou muitas atividades, que contava com a
cooperação de toda a comunidade. Organizaram-se festas escolares e uma colônia de
férias para os alunos. Estas tarefas aproximavam os professores das famílias
proletárias. Também foi organizada, pelo Pedagogo, uma comissão de pais
constituída pelos operários mais progressistas, na qual eram discutidos assuntos
escolares e planejadas as atividades revolucionárias (RODRIGUES, 2004, p.
314).

Esse caráter refletia o pulsar dos acontecimentos pré-revolucionários. Segundo


Makarenko, nas Palavras de Medinski (1965, p. 9) apud Rodrigues (2004, p. 314), “A
compreensão da história nos chegou através da educação bolchevique e os eventos
revolucionários [...] A atmosfera na escola da ferrovia, onde eu ensinava, era infinitamente
mais pura que em outros lados, a comunidade proletária, conservava firmemente a escola em
suas mãos”. Está presente, neste caso, a ocupação da escola por parte do proletariado.

No outono de 1914, Makarenko já possuía nove anos de experiências pedagógicas e


ingressou no Instituto do Magistério, de Poltava, para aprofundar seus estudos em áreas mais
complexas da cultura pedagógica. Foi um aluno de destaque, pois recebeu a medalha de ouro
como distinção. O Instituto formava professores para o exercício do magistério. Sobre o aluno
Anton Makarenko, o Diretor do Instituto do Magistério, Professor A. K. Volnin apud
Medinski (1965, p. 11) apud Rodrigues (2004, p. 315), assim se manifestou:
Nas conferências de professores realizadas no Instituto, S. Makarenko era um dos
mais ativos participantes. Seus discursos se distinguiam não só por sua profunda
argumentação e sua lógica, eram excepcionalmente bons também quanto à forma.
Makarenko possuía uma rara fluidez ao falar e, o que era mais surpreendente num
ucraniano, um dom para a elocução sutil e equilibrada na linguagem puramente
literária ─ coisa que jamais achei entre os ucranianos. Era um dom único. Podia dar
uma conferencia de duas ou três horas de duração em perfeito russo literário,
intercalando expressões humorísticas ucranianas que mantinham viva a atenção dos
ouvintes (VOLNIN, apud MEDINSKI, 1965p. 11, apud RODRIGUES
2004, p. 315).

No ano de 1917, com o diploma nas mãos, retorna a Kriukov, onde 12 anos antes
iniciou suas atividades pedagógicas para viver com sua mãe, que havia enviuvado. Depois da
Revolução, Makarenko foi posto à prova pelo Governo Revolucionário, pois:

[...] Los órganos de Instrucción Pública soviética, le confiaron la dirección de una


gran escuela en la eu habia cerca de 1.000 alumnos. Makarenko, fue uno de lo
primero que assimilo las ideas de la nueva pedagogia, e sumó a luta activa por la
escuela de trabajo soviética, y utilizó en el proceso de ensiñana y educación mucho
métodos nuevos. A fin de cohesionar a los alumnos intento, por primera vez,
organizar el trabajo de los niños, dividiéndolos em grupos-brigadas. También fue
excelentemente organizado el trabajo fuera de clase, presentando con sus alumnos
espectaculos de aficionados en los que también participaban los maestros y padres,
organizando además cursillos nocturnos pro liquidación del analfabetismo entre los
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obreros (ARANSKI; PISKUNOV (s/d, p. 6).

As atividades que Makarenko desenvolveu nesta escola foram muitas e importantes


para o combate ao analfabetismo crônico existente na Rússia. Mas não durou muito. Durante
a guerra civil, crianças abandonadas ou, muitas vezes órfãs, aliadas à delinquência juvenil,
pululavam pela jovem nação socialista. No outono de 1920, por encargo dos órgãos de
Instrução Publica, Makarenko foi chamado para organizar e dirigir uma colônia infantil
próxima a Poltava, que receberia os jovens infratores delinqüentes) vagabundos, menores
abandonados e órfãos. A colônia era o espaço a ser organizado para trabalhar a sociabilidade
socialista vinculado ao trabalho produtivo. Recuperar essa juventude para o trabalho e para a
vida social era imprescindível na consolidação do socialismo.

Em 1921, organizada e em pleno funcionamento, a colônia-escola recebeu o nome de


Colônia de Trabalho Gorki, em homenagem ao grande escritor russo Máximo Gorki. O local
de existência da Colônia Gorki, durante a direção de Makarenko mudou duas vezes. Em 3 e
de outubro de 1923, a colônia se transferiu toda para as terras da antiga fazenda Trepke, que
os colonistas, uma vez recuperada a estrutura física, a fizeram progredir e torná-la produtiva
materialmente, conforme afirma Kumarin, apud Boleiz Junior, que citamos:

Graças à inteligente organização da economia agropecuária e ao perseverante e


harmônico trabalho dos colonistas, a situação material da colônia Gorki era
próspera: o campo lhes dava trigo e hortaliças em quantidades suficientes; tinham
vacas de raça, porcos, uma grande horta de frutas; administravam um moinho que
não somente atendia às necessidades da colônia, mas também das aldeias
circunvizinhas (KUMARIN, 1975, p. 17 apud BOLEIZ JUNIOR, 2008,
p. 118).

Sempre inquieto e disposto a encarar qualquer desafio, Makarenko se põe a procurar


novo lugar para estabelecer a colônia Gorki. Os pedagogos do Comitê de Ajuda à Infância, de
Khárkov, convidam Makarenko para assumir a colônia de Kuriáj, local degradado
ambientalmente, com suas estruturas físicas comprometidas e abandonado pedagogicamente.
Seria necessário reconstruir o ambiente para dar condições de trabalho ao corpo docente. Em
sua visita a Kuriáj, Makarenko sentiu a angustia e um pedido silencioso de ajuda por parte das
crianças que ali habitavam, pois tinham que conviver com os adolescentes que praticavam
roubos e brigas entre si. Também sentiu o medo estampado nas meninas que viviam acuadas e
sem perspectivas de futuro. Kuriáj era um mosteiro transformado em colônia, que necessitava
ser adequado às funções pedagógicas. Makarenko soube jogar com o Comitê de Ajuda à
Infância e pediu 20 mil rublos para recuperar o ambiente degradado.

Como medida administrativa, Makarenko impôs condições para assumir a colônia de


Kuriáj, dentre elas, destacamos: A demissão de todo o pessoal; Contratação de 15 pedagogos;
o pagamento de 80 rublos por mês aos educadores e, por fim, todo o corpo pedagógico
deveria ser admitido por ele. Condições aceitas, a Colônia Gorki transferiu-se de Poltava para
Khárkov e ocupou a colônia de Kuriáj.

Para esse fim Kuramin afirmou que,

Antón Semiónivich elaboró un plan detallado, pensado hasta sus pormenores más
nímios, para la ‘toma de Kuriazh’. El 9 de mayo de 1926, junto con cuatro
educadores y once educandos llega a Kuriazh. En nel plazo de una semana, con las
fuerzas de esto pequeno destacamento fueron reparados algunos locales y realizado
un trabajo preparatorio serio, en primer lugar, de carácter sicológico. El 15 de mayo
la colonia de Poltava en pleno entró en Kuriazh. Ciento veinte gorkiano,
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cohsionados por complejísimos vínculos de organización en un organismo


monolítico y encaminhado a un fin, resstructuraram con rapidez y sin
contemplaciones la vida de los kuriazhanos (KURAMIN, 1975, p. 25).

Laudemann, destaca que os gorkiano,

Marcharam da estação até a colônia em coluna de seis, com quatro corneteiros e oito
tambores e atrás Makarenko e a brigada do estandarte. Os garotos marchavam com
camisas brancas e bermudas e as meninas com saias azuis, com jovialidade e alegria.
Mas, ao se aproximar da colônia, todos pareciam tensos, os corações batiam mais
rápido seguindo o rufar dos tambores. Ao entrar em Podvorki, o coletivo chamou
atenção dos moradores curiosos atrás das cercas e porteiras com seus cães raivosos.
Ali a vida custa a se desfazer do passado do monastério. A população é composta de
ex-popes, irmãos leigos, cavalariços e agregados, cozinheiros do convento,
jardineiros e prostitutas (LAUDEMANN, 2002, p. 200).

Entraram triunfantes e conquistaram Kuriáj. A colônia recebeu em 1928 a visita de seu


patrono, Máximo Gorki, que foi celebrado com alegria pelos gorkiano. No mesmo ano,
Makarenko deixava definitivamente a Colônia Gorki e assumia a Comuna Dzerjinski com
dedicação integral. Ai é outra história a ser escrita.

3. COLÔNIA GORKI: O COLETIVO E A OGANIZAÇÃO DO TRABLHO


PEDAGÓGICO

— Camarada! — eu disse. — A partir deste minuto, todos nós,


quatrocentas pessoas, constituímos um só coletivo, que se chama:
Colônia de Trabalho Gorki. Cada um de vocês tem de lembrar isso
sempre, cada um deve saber que ele é um gorkiano e tem de encarar o
outro gorkiano como o seu companheiro mais chegado e principal
amigo, tem a obrigação de respeitá-lo, defendê-lo, ajudá-lo em tudo se
ele precisar de ajuda, e corrigi-lo se ele errar. Teremos uma disciplina
severa. Precisamos da disciplina porque a nossa tarefa é difícil e temos
muito que fazer. E não a cumpriremos bem, se não tivermos disciplina
(MAKARENKO, 1991, p. 127-128).

As colônias de trabalho, criadas na Rússia após a revolução socialista tinham por


objetivos a criação de uma nova sociabilidade para os jovens delinquentes, pautadas nos
valores socialistas do trabalho e da coletividade social. Oliveira destaca que,

Após a Revolução de Outubro, a luta contra a delinquência juvenil teve dois


componentes intimamente ligados: o futuro de centenas de milhares de crianças e
um problema educacional que exigia uma resposta rápida, prática. Para os
bolcheviques era uma responsabilidade social. Todas as instituições estavam
superlotadas, faltavam recursos e alimentos e bens industriais de todo tipo. No
entanto, o Comissariado do Povo de Saúde Pública criou, em 1918, sucessivos
decretos para garantir alimentação infantil em cada território. A distribuição e a luta
para tirar as crianças da fome e da miséria foram ordenadas à Vetcheká ou Tcheká, e,
como o tempo era o inimigo principal, Felix Dzerzhinsky foi responsável pela
criação do "Detkomissia", ou Comissão para as crianças (OLIVEIRA, 2012, p.
36).
Nem tudo são flores na construção do socialismo na URSS. Em recente estudo,
Oliveira (2012, p. 36) pontua que, “em 1920, 300 mil jovens foram retirados das ruas; outros
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350 mil entre 1921-1922. Nessa tarefa, participaram, efetivamente, o Exército Vermelho, os
sindicatos e as organizações camponesas. Em 1923, já havia sido alojado um milhão de
desabrigados, a maioria formada por crianças”, o que demonstra o envolvimento da
sociedade, de forma coletiva, para a superação do quadro agravado pela guerra civil. Esta
situação de calamidades também e apontada por Boleiz Júnior, que aqui citamos:

[…] três anos haviam se passado desde a revolução bolchevique e a União Soviética,
ainda em formação, continuava em guerra civil. Pelas ruas das cidades e pelos
campos, multiplicavam-se os menores delinqüentes que, órfãos ou separados de seus
pais pelas conseqüências nefastas da guerra, das epidemias e da fome, lutavam pela
sobrevivência, entregues à própria sorte (BOLEIZ JÚNIOR, 2008, p. 89).

Manifestando preocupação social com a crescente delinquência juvenil e, ao mesmo


tempo, reconhecendo a urgência de apontar caminhos para a reintegração social das crianças e
adolescentes, pois o isolamento seria a negação do socialismo e o reconhecimento do fracasso
da sociedade em resolver seus problemas, o poeta Gorki apud Capriles (2007, p. 79), escreveu
uma carta a Lenin, com o seguinte teor:

[...] chamo a sua atenção para a necessidade de tomar medidas decisivas acerca da
luta contra a delinqüência infantil. Agora que estou informado do estado deste
problema, sei com que apavorante rapidez o contágio da delinqüência progride. Em
Petrogrado contam-se mais de 6.000 crianças criminosas, dos 9 aos 15 anos, todas
reincidentes e, entre elas, um bom número de assassinos. Há garotos de 12 anos,
cada um deles com três mortes nos seus antecedentes. Isolá-los não seria uma
solução. Impõem-se outras medidas; proponho, portanto, criar uma liga para a luta
contra a delinqüência infantil, na qual incluirei as personalidades mais competentes
em matéria de educação da infância deficiente e da luta contra a delinqüência
infantil (CAPRILES, 2007, p. 79).

De pronto Lenin reconheceu as preocupações de Gorki sobre o crescente aumento da


delinquência juvenil e era imprescindível atacar esse grave problema social que estava se
instalando na sociedade soviética. Neste sentido, Lenin criou a “Comissão para a Luta contra
a Delinqüência Infantil, durante o verão do mesmo ano, sob presidência do próprio Máximo
Gorki e com ativa participação de Lunatchárski e Krúpskaia” (BOLIEZ JUNIOR, 2008, p.
89). A palavra de ordem era a reintegração social dos jovens, tornando-os homens livres e
socialistas.

De acordo com Boliez Junior,

Organicamente, o problema das crianças delinqüentes era tratado, desde os tempos da


Rússia pré-revolucionária, no âmbito da justiça comum. De pronto, a nova Comissão
transferiu esse âmbito para a Educação. Até então os menores infratores eram
internados em reformatórios correcionais, onde simplesmente eram isolados da
sociedade. Sob planejamento da Comissão Gorki, estabeleceu-se que era momento de
se modificar o modelo de funcionamento do tratamento das crianças delinqüentes.
Passou-se a exigir que se realizasse um trabalho efetivo de readaptação desses
menores, transformando-os em cidadãos integrados na produção social (BOLIEZ
JUNIOR, 2008, p. 89).

Diante deste fato, os órgãos de Instrução Pública criaram colônias educacionais


associadas ao trabalho para formar e recuperar a juventude abandonada e, assim, reeduca-las
de uma nova maneira, isto é, reeduca-la para que se tornasse um ativista na nova sociedade,
conforme nos ensinou Makarenko, tornando-os homens sociais, de caráter socialista. Dentre
os que foram chamados, o Estado pos, sobre os ombros de Makarenko a responsabilidade de
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gestar uma colônia e assegurar pedagogicamente a reintegração social dos jovens


delinquentes, tornando-os homens do trabalho soviético. Tudo estava para ser reconstruído.
Tanto o local quando o método de trabalho pedagógico. Só se tinha uma certeza, que deveria
combinar trabalho produtivo com educação, tanto de conteúdos como de valores sociais e de
uma nova moral, a comunista.

Eis como Makarenko, no Poema Pedagógico expôs a situação da colônia a ele


destinada.

Antes da revolução, ali se encontrava uma colônia penal para menores. Dispersou-se
em 1917, deixando apenas fracos vestígios da sua ação educadora. A julgar pelo que
se conservaram nos seus registros deteriorados, os vigilantes, decerto escolhidos
entre os oficiais subalternos na reserva, desempenhavam as principais funções
pedagógicas. Consistiam elas em não tirar os olhos dos pupilos, quer durante as
horas de trabalho, quer durante as de descanso, e em passar as noites num quarto
vizinho dos dormitórios. Também se ficava a saber do que os camponeses da
vizinhança contavam, que os métodos a que aqueles vigilante recorriam para formar
os seus alunos não se distinguiam por uma excessiva compilação. O seu símbolo
exterior era um simples cassetete. Os vestígios materiais desta colônia eram ainda
mais insignificantes. A gente da região tinha levado às costas ou em carros, para os
seus próprios celeiros, tudo o que se podia contabilizar em unidades materiais: o
conteúdo das oficinas e dos armazéns, o mobiliário. Além disso, tudo o que havia
sido despejado, até o pomar. Nada nesta historia tinha, alias que ver com as proezas
de vândalos. As arvores de fruto não tinham sido cortadas, mas desenterradas e
transplantadas para outro sitio. Não havia cacos de vidros, porque os tinham
deslocado segundo as regras. Ninguém tinha com furiosas machadadas feito saltar as
portas, cuidadosamente retiradas dos gonzos. Os fogões haviam sido desmontados
tijolo por tijolo. Só restava um aparador na antiga residência do diretor
(MAKARENKO, 1987, pp. 15-16).

A situação encontrada na colônia, por Makarenko, não o fez desistir do trabalho


pedagógico. Fez o que deveria ser feito: reconstruir para construir um novo homem. O
trabalho na colônia seria imenso, pois a mesma ficava a seis quilômetros de Poltava, próxima
à estrada Khárkov e ocupava uma área de 40 hectares de terras férteis. Makarenko (1987),
narra que, “num dos seus cantos foram colocados cinco estruturas de tijolos em forma de
caixote, geograficamente corretos, compondo todos juntos um quadrado perfeito. Isto que é a
nova colônia para infratores da lei”. Eis o espaço de trabalho que Makarenko tinha para
desenvolver suas funções de diretor e de educador.

Inspirado no Poeta Máximo Gorki, autor de obras que mostravam o universo real de
vida dos jovens delinquentes e de crianças abandonadas em virtude da guerra civil
desencadeada na Rússia revolucionária, Makarenko prestou uma homenagem ao poeta e deu o
nome de Colônia Gorki ao estabelecimento sob sua responsabilidade, pois, segundo Radice
(2007, p. 88) “os rapazes tinham um prazer especial em ouvir os relatos autobiográficos de
Máximo Gorki: Minha Infância (1913) e Pelo Mundo (1918)”, pois Gorki seria um
“bezprizorni”. Neste sentido, “os educandos se manifestavam com alegria: ─ Então Gorki é
um dos nossos camaradas, é uma pessoa que sofreu como todos nós? Isto é formidável!! Por
se reconhecerem em Gorki, os educandos passaram a autodenominar-se de “Gorkianos”.

Fugindo do Estigma de orfanato ou casas de reclusão para delinquentes juvenis,


característica da sociedade burguesa que traz a exclusão e marginalização social dos jovens
abandonados, as colônias eram de trabalho produtivo e educação. Por isso, na sociedade
socialista, os ambientes de reintegração social passaram a denominar-se colônias, com foco
no trabalho, arte e educação, pois a produção da vida material passou a ser organizada no
11

trabalho coletivo dos homens. Isto é, na sociedade do trabalho. A coletividade foi, portanto, a
revolução pedagógica de Makarenko. Podemos dizer que foi a centralidade do processo de
ensino e de aprendizagem, pois contemplariam todas as personalidades, dentro da
individualidade do jovem em formação. Por isso, Bauer; Buffa (2010, p. 31) afirmam que

A dúvida: como educar para as necessidades da sociedade sem cair na educação


massificada? Como respeitar o indivíduo e responder ao princípio das exigências
sociais? A hipótese de Makarenko é a chave de todo seu sistema educacional. A
única saída para este problema é deixar de considerar a ‘criança’, ser genérico,
abstrato, como objeto da educação e tomar a ‘coletividade’ como novo objeto da
educação comunista. Aí, sim, todas as diferentes personalidades estariam
contempladas, sem que se buscasse uma personalidade ideal, anulando as demais,
como nos moldes da educação jesuítica e espartana.
A coletividade como objeto da educação: esta é a grande revolução da pedagogia de
Makarenko. A escola deixa de ter a sala de aula como centro. O centro é a
autogestão da coletividade, assegurada por uma direção única, o pedagogo
responsável (BAUER; BUFFA, 2010, p. 31).

Mas o que é um coletivo? Cambi (1999, p. 560) nos responde com a seguinte
definição, “O ‘coletivo’ é um ‘organismo social vivo’ colocado, ao mesmo tempo, como meio
e fim da educação. É um conjunto finalizado de indivíduos ‘ligados entre si’ mediante a
comum responsabilidade sobre o trabalho e a comum participação no trabalho coletivo”.

Por isso, muitos acusam Makarenko de impor um regime severo de controle


pedagógico, submetendo os “educandos” a uma disciplina militar, de caserna através de
coletivos primários organizados na forma de destacamentos. A experiência pedagógica
aplicada na Colônia Gorki traduziu, nesse sentido, um espírito de caserna sem dúvida. Mas
uma caserna baseada em princípios coletivos de gestão em cada grupo de jovens, na forma de
destacamento, tendo à frente um “chefe” como líder. Acima do chefe havia o Conselho de
Chefes, que deliberavam sobre as atividades de trabalho e sobre punições, mas a palavra final
ficava a carga da Assembleia Geral dos Gorkianos. Havia, portanto, uma hierarquia
democrática baseada na disciplina interna e na organização do trabalho, tanto para produzir a
vida material, quanto o pedagógico.

Nas palavras de Radice,

[...] O fato de na colônia dirigida por Makarenko terem sido utilizados termos
militares (destacamento", "chefes”, "conselhos de chefes") para indicar a forma
organizativa do coletivo, ou usar-se o toque de corneta como sinal para as diversas
tarefas, não significa de modo algum que existisse "espírito de caserna", "disciplina
militar", mas simplesmente regularidade e vivacidade no ritmo de uma coletividade
laboriosa. [...] (RADICE, 1956, p. 9-19).

Marcadamente, a Colônia Gorki foi resultado da organização social da escola do


trabalho e ensino de Anton Makarenko e a disciplina foi a chave mestra do coletivo, posto que
havia um sentimento de pertencimento às organizações internas da colônia e de
responsabilidade sobre as atividades do trabalho e no trato do patrimônio como um bem
coletivo.

Não obstante, Radice pontua que,


[...] Na colônia de Makarenko, a disciplina surge da necessidade vital de
desenvolvimento da coletividade, do objetivo a que esta se propõe, objetivo que se
torna próprio de cada membro, dia a dia, porque, dia a dia, compreende que seu
futuro está intimamente ligado ao desenvolvimento da coletividade. E uma
12

disciplina democrática, que também se torna enérgica, e não exclui nem a crítica
nem os castigos (RADICE, 1956, p. 10).

No Poema Pedagógico, Makarenko (1987) pontuou que um castigo só era benéfico


quando urgia das fileiras dos próprios companheiros e se apoiava em um julgamento correto e
justo da coletividade, sem a interferência do Diretor.

Nesse sentido, Radice traz que,


vemos que os castigos mais duros para o castigado e pedagogicamente mais eficazes
são os decretados pelo próprio coletivo de colonos, reunidos em assembleias gerais,
quando o coletivo em seu conjunto já é sólido e consciente e sua ‘opinião pública’ se
tornou uma tradição. Trata-se de uma disciplina democrática que significa
capacidade de obedecer e de dirigir, de ser organizado e organizador (RADICE,
1956, p. 10).

Dessa forma, segundo Makarenko (1987), o aluno deve ser capaz de subordinar-se ao
companheiro, mas também deve ser capaz de dar-lhe ordens, deve saber dominar-se e
influenciar os demais politicamente. Mas, o ato da democracia do coletivo não é uma
brincadeira e nem são meros exercicios “puros e artificiais”. Quando são convocados, é para
deliberar sobre determinados assuntos e os resultados são aplicados na prática. Isto é, o
exercício, uma vez deliberado pelo coletivo, é cumprido pelos colonistas. Esse coletivo tem
sempre um líder, um “diretor”, onde todas as regras devem ser discutidas e resolvidas em
assembléias e uma vez deliberadas, deveriam ser cumpridas pelos membro da comunidade.

Por isso, Radice afirma que,

O coletivo está sempre no centro da experiência e do pensamento de Makarenko. O


coletivo não é um conjunto de pessoas, mas um organismo complexo, que possui sua
personalidade, sua tradição, sua história; que tem suas próprias leis de formação e de
desenvolvimento. O objetivo imediato da ação educativa não é o indivíduo em
particular, mas o coletivo, tenha este o nome de colônia ou de classe escolar. Cada
indivíduo é educado com o coletivo e através dele. A relação entre o indivíduo e a
coletividade, entre o coletivo e seu núcleo central — composto pelos elementos mais
ativos, capazes e tenazes, — a relação entre o coletivo e o adulto (professor, capataz,
administrador, etc.): eis alguns dos problemas fundamentais que Makarenko enfrenta
e resolve, expondo-os com maravilhosa vivacidade em suas narrativas pedagógicas e
com clareza científica nos estudos e artigos dos seus últimos anos de vida. É matéria
por demais rica para poder ser comprimida em uma intervenção deste Encontro;
limitar-nos-emos, portanto, a indicar dois únicos pontos: Um é a necessidade de
perspectivas amplas e felizes para o coletivo e para todos os seus membros. O outro
é a necessidade de caminhar sempre, de não se conformar com o que já se obteve, de
fixar continuamente novas exigências: isto é, o perene movimento para frente, como
lei fundamental do desenvolvimento do coletivo (RADICE, 1956, p. 11).

Nesse sentido, para Makarenko, educar é socializar o homem pelo trabalho coletivo
em função da vida comunitária. Para ele, uma verdadeira coletividade não despersonaliza o
homem frente ao trabalho, antes cria novas condições para o desenvolvimento da
personalidade, posto que a educação do coletivo está em constante movimento e alternância,
pois a vida não é estatica e, neste sentido, o trabalho é a marca da mudaça social e cutural dos
homens. É nele que as manifestações deixam sua marca indelével da cultura material. O
coletivo também é a mola que impulsiona o homem ao trabalho. Ele traz a emulação e cria os
vinculos de afetividade e de responsabilidade para com os seus e com a comunidade que os
cerca. Neste sentido, viver o coletivo é viver para os outros. É um processo de formação
humana, cuja centralidade é a disciplina. Disso Makarenko tinha certeza.
13

Este é o sentido que Krupskaia dá à coletividade para a formação da personalidade


da criança dentro da educação soviética, que aqui citamos:

La educación soviética está orientada a desarrollar las aptitudes de todos los niños, a
elevar su actividad, su conciencia y a robustecer su personalidad, su individualidad.
Por eso, nuestros métodos de educación son distintos que los de la escuela nacional
burguesa, y se diferencian radicalmente de los métodos de educación de los hijos de
la burguesía. La burguesia procura hacer de sus hijos individualistas que ponen su
“yo” por encima de todo y se contraponen a la masa. Nosotros procuramos hacer de
nuestros hijos personas multifacéticamente desarrolladas, conscientes y sanas de
cuerpo, que no sean individualistas, sino colectivistas, que no se contrapongan a la
colectividad, sino que constituyen su fuerza y acrecienten su importancia. La
educación comunista emplea otros métodos. Estimamos que la personalidad del niño
sólo puede desarrollarse plena y multifacéticamente em la colectividad. La
colectividad no absorbe La personalidad del niño, pero influye en la calidad y el
contenido de La educación (KRUPSKAIA, 1978, p. 31).

No estudo do Poema Pedagogico, Radice nos traz a seguinte observação sobre o que
é viver de forma coletiva:
Quando o coletivo da Colônia Górki se firmou e tornou-se consciente, disciplinado e
laborioso, Makarenko não se deteve nos resultados obtidos. Expõe a seus colonos a
exigência de dar o máximo esforço para o desenvolvimento e a difusão da cultura
entre os habitantes da cidade vizinha, e indica o meio: o teatro. Renunciando ao
descanso dominical, renunciando todas as noites a algumas horas de sono, os jovens
gorkianos se transformaram em atores, cenógrafos, eletricistas, carpinteiros e
costureiros do teatro da Colônia Górki. Todos os domingos, durante meses e meses,
diante de um atento público de aldeões muitos dos quais vinham de longe, ávidos de
horizontes mais amplos, de uma vida civilizada e culta, — Makarenko e seus
colonos ofereciam os espetáculos teatrais, renovando as representações cada semana,
porque o público queria sempre coisas novas. Apresentavam ora obras dos clássicos
do teatro russo democrático do século XIX, ora dramas e comédias escritos pelo
próprio Makarenko, nos seus pequenos intervalos livres. É uma nova tarefa, um
pesado compromisso que o coletivo assume. Mas também é um novo passo para a
frente, uma nova e importantíssima etapa do ‘caminho para a vida’ que transformará
os meninos recolhidos na rua — pequenos ladrões, desordeiros, salteadores — em
laboriosos cidadãos de vanguarda (RADICE, 1956, pp. 12-13).

Assim sendo, Rodriguez afirma que:

O método de ensino usado nas colônias de baseava na organização de atividades,


que deveriam ser executados satisfatoriamente e contava com a responsabilidade dos
indivíduos para o bem coletivo. Makarenko acreditava na necessidade de acostumar
as crianças a cumprir com suas obrigações, e exigir delas grandes responsabilidades
[...]. O professor tinha um papel político importante na organização do trabalho
escolar, ele era responsável pela formação do cidadão russo, do homem que deveria
ser modelo para o mundo. O trabalho educativo exige dedicação e responsabilidade
social, e não permitia equívoco [...], dado que a pedagogia era uma obra social, o
educador (seja a família ou professor) devia tomar todos os cuidados elaborando
projetos prévios ou planos de trabalho que definam exatamente que tipo de homem
queria formar (RODRIGUEZ, 2004, pp. 321-322).

Isto é, a educação escolar cumpre um papel político no desenvolvimento da pessoa.


Ela é um processo pedagógico que atende a determinados interesses, portanto, não há
neutralidade na formação escolar da pessoa, pois a escola é uma escola com fins práticos e a
pedagogia, no interior de determinada sociedade também tem um caráter prático, pois cumpre
com uma determinada finalidade, é que nos diz Makarenko (s/d, p. 27), que, ao mesmo tempo
traz uma crítica ao que encontra na sociedade soviética, ao afirmar que:
14

[...] La pedagogia, especialmente la teoria de la educación, es ante todo una ciencia


de utilidad práctica. No podemos dedicarnos a educar simplesmente a la persona, no
tenemos derecho a realizar un trabajo educador, sin platenarnos un determinado fin
político. La labor educativa que no está dotada de un fin claro, explanado, conocido
al detalle, será un trabajo de educación apolítica, lo que nos confirman las pruebas
que a cada paso encontramos en nuestra vida social soviética (MAKARENKO,
s/d, p. 27).

Em Gmurman; Korolev (1967, p. 95) diz que a pedagogia de Makarenko é um campo


de luta e de afirmação do homem soviético como homem disciplinado, criador e com
iniciativas individuais. Para ele,

La pedagogia de Makarenko es la pedagogia de la acción colectiva e individual, la


pedagogia de la lucha y la armonia, la lucha contra los prejuicios del egoismo, el
individualismo y a anarquia; la armonia de lo social y lo personal, de la liberdad y la
necessidade, de la disciplina y la iniciativa. Su principio fundamental es la
combinación del respeto con la exigência hacia los hombres. Su principal objetivo,
la felicidade del individuo en una sociedade feliz. [...] ( KOROLEV, 1967, p.
95).
A pedagogia cumpre, assim, uma ação prática por uma prática do pedagogo e tem, por
objetivos, a busca da felicidade do individuo e esta felicidade se realiza no trabalho e na
coletividade social. Mas, para essa ação, se faz necessário uma determinada finalidade
educacional para a formação da personalidade do homem comunista. Para esse fim,
Makarenko pontua que,

Por finalidad educativa, entiendo un programa para el individuo, un programa del


carácter humano, incluyendo, ademas, en la noción carácter, todo el contenido de la
personalidad, es decir, tambiém el carácter de las manifestaciones externas, de la
convicción interior, de la educación politica y de los conocimientos; en una palavra,
incluyo decididamente todo el cuadro de la personalidade humana, pues considero
que los pedagogos debemos poseer este programa de la persanalidad del individuo y
esforzarmos por conseguirlo (MAKARENKO, s/d, p. 32).

Cumprindo com essas finalidades, Makarenko afirmou que,

La educación adecuada soviética debe ser organizada sobre a base de crear


colectividades unificadas, fuertes, influyentes. La escuela debe ser una colectividad
única, en la que estén organizados todos los procesos educativos y en la que cada
membro sienta su dependencia de ella, sea fiel a los interesses de ésta, defienda esos
intereses y, em primer término, los salvaguarde. Cuando a un individuo se le brinda
la possibilidade de buscar a personas que le son más agradables y utiles y no utiliza
para ellos las fuerzas y médios de su colectividad, esta actitud la considero
injusta.[...] (MAKARENKO, s/d, p. 37)

Fruto da coletividade, a escola se apresenta para Makarenko como um processo em


construção. Assim, forjar o homem do trabalho, com a moral comunista, era fundamental
desenvolver o espírito do coletivo e fundir trabalho e educação. Neste aspecto, a Colônia
Gorki foi fundamental para se realizar, no campo da experiência pedagógica, as lições e as
intenções políticas de Makarenko, que tinha, na prática, a vivência da nova escola. A escola
do trabalho se desenvolvia e os resultados iam sendo colhidos etapa por etapa. Makarenko
soube projetar a escola do trabalho-ensino através do desenvolvimento dos coletivos
primários, isto é, os destacamentos, dentro de uma hierarquia e um processo democrático de
tomadas de decisões, inserindo entre os colonistas membros do Komsomol, órgãos da
juventude comunista, além de desenvolver o sentimento de pertencimento como “colonistas”,
15

através de uma rígida disciplina e o comprometimento com o trabalho como produção da vida
material. O colonista não é um mero termo. “O título de colonista só era dado àquelas que
realmente prezavam a colônia e se dispunham a melhorá-la. Mas aquele que se arrasta na
ribeira, resmunga, se lamenta e ‘tira o corpo’ como quem não quer nada, era apenas
educando” (MAKARENKO, 1986, p. 65).

4. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E A PRODUÇÃO DA VIDA MATERIAL NA


COLÔNIA GORKI

E ergueremos sobre a terra o estandarte vermelho do trabalho


(MAKARENKO, 1991, p. 195).

O que procura Makarenko? Dar um sentido à organização do espaço de produção e de


ensino para criar as condições necessárias à formação do novo homem. Para isso era preciso
vencer as barreiras que impediam os “jovens delinquentes” a terem uma sociabilidade
centrada no socialismo. As condições materiais para o exercício do trabalho pedagógico, neste
caso, teriam que conciliar trabalho e educação em um mesmo processo de formação, pois o
jovem que vivia na delinquência estava afastado tanto do trabalho, quanto da escola. A
Colônia Gorki, assim como as demais colônias, eram unidades de produção, portanto de
trabalho e de desenvolvimento da educação em sentido amplo. O desenvolvimento
pedagógico era alicerçado no trabalho como princípio educativo, socializador e
emancipatório, pois o homem necessita produzir sua vida material pelo trabalho, posto que, “o
trabalho não tem apenas importância social e produtiva, tem grande importância também na
vida individual” (MAKARENKO, 1956, p. 79). O sentido do trabalho ganha, portanto,
dimensões educacionais na sociedade soviética, cuja centralidade é o coletivo.

Criar o sentido do trabalho socialista se faz necessário para criar o homem socialista.
Esse homem não nasce pronto e acabado para a vida social. O processo de formação do
homem é dado pelo modo de produção material. Makarenko conhece o processo de formação
do homem sobre a individualidade burguesa, pois estudou “Emílio” de Rousseau, dentre
outros pedagogos burgueses. Este processo de formação ele rejeita para os educandos postos
sob seu “cuidado”. Educar jovens delinquentes era como tirar leite das pedras nas
circunstâncias do método pedagógico tradicional. Por isso, Makarenko procurou desenvolver
e aplicar a pedagogia da construção coletiva, orientando para a responsabilidade do coletivo
os atos do indivíduo. O homem é um indivíduo, mas a vida social é coletiva, portanto, o
indivíduo deve se submeter ao coletivo e este passa a ser o método de organização da vida
social na colônia de trabalho e de ensino de Makarenko. Cuidar do indivíduo passou a ser
responsabilidade do coletivo enquanto organização social da vida na colônia. Os colonistas
passam a assumir responsabilidades de organização da vida produtiva vinculadas ao processo
de formação do caráter e da moral do homem socialista, partes constitutivas do processo de
formação. Nesse sentido, Makarenko criou, através do movimento pedagógico, a emulação
para o trabalho socialista.

Neste aspecto, o trabalho produtivo estava intimamente ligado ao ensino e à educação


política, enquanto processo de formação do homem socialista, por isso, Aranski; Piskunov
(s/d, p. 6), afirmam que,

El trabajo productivo de los colonos, a la sazón basado en la agricultura y en talleres


16

artesanales (ebanesteria, zapateria, herreria, etc.), se ligaba con una sistemática labor
instructiva y de educación política, con una educación física y estética multiples. El
trabajo, introducido en un principio con un fin utilitário, se hizo pronto, para
Makarenko, el fundamento de todo el proceso educativo y se transformo en la razón
de existencia de todos los colonos (ARANSKI; PISKUNOV, (s/d, p. 6).

Makarenko, no entanto, não foi um teórico da educação. Viveu da prática pedagógica e


construiu uma racionalidade na organização da Colônia de Trabalho Gorki através de
coletivos de trabalho sob o estandarte de Gorki, cuja disciplina, permitiu aos educandos um
processo de autoorganização, cujo órgão máximo era a assembleia geral. Internamente, o
Komsomol e o Conselho de Comandantes tinham expressão política e deliberavam sobre os
problemas internos à colônia. Como organização interna, a Colônia Gorki era composta por
destacamentos e, cada destacamento, tinha um comandante que organizava seu coletivo para o
trabalho no cotidiano da colônia. Para Makarenko (1991, p. 52), “a palavra ‘destacamento’ era
um termo da época da revolução, aquele período quando as ondas revolucionárias ainda não
tinham tido tempo de se organizar em harmoniosas colunas de regimentos e divisões” Estes
destacamentos, Makakenko denominava-os de “coletividades primarias”, pois era “um
coletivo de contato principal, que não satisfazia unicamente os interesses da aula, nem os da
escola, nem apenas os interesses da produção”, por isso ressalta Laudemann (2002, p. 136),
que “a coletividade primária era a principal instância de organização da coletividade geral, era
uma célula na qual tanto os interesses escolares quanto os da produção provinham de
diferentes grupos”. Nestes destacamentos — coletividades primárias —, a organização
contava com um planejamento minucioso e detalhado das atividades de trabalho. Nele, os
educandos eram mesclados, pois havia educandos de várias idades, para que os mais velhos se
responsabilizassem pelos mais novos e assim, desenvolviam a vida produtiva na comunidade
primária em harmonia e quaisquer problemas individuais eram resolvidos internamente no
próprio destacamento. Ou seja, foi desenvolvida uma “pedagogia de comandantes” para que
os objetivos e as determinações do trabalho coletivo não fossem prejudicados por problemas
individuais.

Nesse sentido, a organização do trabalho traz a racionalidade socialista centrada na


coletividade e na divisão social do trabalho, sob a coordenação e trabalho dos destacamentos.
Na história dos homens, Makarenko (1956, p. 78) afirmou que “pode-se trabalhar por
necessidade vital”. Assim, continua Makarenko,

[...] Na história da humanidade o trabalho teve quase sempre um caráter coercitivo,


de esforço penoso, necessário para não se morrer de fome. Mas, desde os tempos
antigos, os homens procuravam não ser apenas força de trabalho, mas uma força
criadora. Nem sempre isto lhes foi possível, nas condições de desigualdade e de
exploração de classe (MAKARENKO, 1956, p. 78).

Pensar a sociedade soviética no processo de construção socialista é pensar uma


sociedade do trabalho onde os meios de produção são sociais e o trabalho se reveste de força
criadora, pois “todo ele se volta para a criação de riquezas sociais e culturais. Ensinar a
trabalhar criadoramente é tarefa particular do educador” (MAKARENKO, 1956, p. 78).
Investir, portanto, no homem é um processo vital para a consolidação da nova ordem social. O
novo tipo humano requer uma base de participação social coletiva em todos os níveis de
trabalho material e imaterial. Formar esse homem para o trabalho é necessário, formar um
homem politécnico, com novos valores do trabalho. Formar, portanto, um homem que possa
assumir quaisquer postos e níveis de trabalho para a produção da vida material na sociedade
soviética.
17

Nesse sentido, o trabalho é, para Makarenko, partes constitutivas do processo


educacional desse novo homem. Portanto, toda atividade de educação só faz sentido se estiver
associada ao trabalho produtivo, onde a divisão social do trabalho se dá dentro dos coletivos
do trabalho em cada unidade de trabalho, para que as partes se somem em uma totalidade e a
dependência entre as partes deixem de existir. O que implica em dizer que a prática social do
trabalho diminua o homem na vida social. Todo trabalho tem uma função social para a
reprodução da vida material da sociedade. Isto implica dizer que as formas de produção
determinam a produção da vida espiritual da sociedade.

Por isso, Makarenko expressa o sentido do trabalho criador no socialismo e, ao mesmo


tempo, traz um discurso carregado de emulação, ao dizer que:
O trabalho criador só é possível quando o homem trabalha com amor, quando o
homem sente real prazer em seu trabalho e compreende a utilidade e a necessidade
desse trabalho, quando este se torna para ele uma forma fundamental de expressão
de sua personalidade e de seu talento. Somente quando se formou profundo hábito
de esforço de trabalho é possível esta atitude relativamente ao trabalho; nesse caso,
nenhuma tarefa se torna difícil quando possui um sentido (MAKARENKO,
1956, p. 78).
A escola é, neste caso, um espaço de produção dos sentimentos coletivos gerados por
uma nova sociabilidade e formas de gerir a vida dos homens. Por compreender a escola como
um processo de formação integral do homem, Makarenko não hesita em assumir a direção de
uma escola dos “abandonados socialmente”. O que Gorki manifestou de preocupação em
carta à Lenin, Makarenko transformou em ação. Mas a escola de Makarenko não era uma
escola qualquer. Não era uma escola para educar os filhos de famílias constituídas nos traços
da normalidade. A escola de Makarenko era uma escola que necessitava ser criada como
forma de inserção social da delinquência juvenil e dos “filhos da guerra”, isto é, uma
juventude abandonada que o Estado Soviético não poderia virar-lhes as costas, conforme
pedido de Gorki a Lenin.

Neste caso, Makarenko sabia que havia diferença entre ensino e educação. Nestas,
“Enseñanza es la transmisión de conocimientos ya definidos por el maestro al alumno. La
educación es un proceso creador. Durante toda la vida la personalidad del hombre se "educa",
se extiende, se enriquece, se afirma y se perfecciona” (LUNATCHARSKI, 1917). Makarenko
sabia e tinha consciência dos problemas a serem enfrentados na edificação da escola para
crianças e jovens que a sociedade os negava, por cometerem atos de vandalismos, roubos,
prostituição e até assassinatos. Portanto era uma juventude que negava o trabalho e só
conheciam atos de sociabilidades ligados, de certa maneira, à dilinquência. Esse foi o quadro
de educandos que Makarenko encontrou para dirigir e transformá-los em homens do trabalho
na sociedade soviética. Formar, portanto o novo homem, nestas circunstâncias, exigiria muito
mais do que simples atos pedagógicos. Exigiria fundir ensino, instrução e educação em um
mesmo processo de formação do homem soviético, pois a essência desse processo se
concentrava no trabalho.

Em seu momento de solidão, no poema pedagógico, Makarenko recordava que,

[...] todos nós sabemos perfeitamente que tipo de ser humano devemos educar, isto
qualquer trabalhador informado e consciente e, também sabe muito bem qualquer
membro do Partido. Portanto, a dificuldade não reside no problema do que fazer,
mas de como fazê-lo. E isto é um problema de técnica pedagógica. Uma técnica só
pode ser extraída da experiência. As leis da metalurgia jamais poderiam ser
descobertas, se na experiência do homem nunca ninguém tivesse trabalhado com
18

metais. Somente quando existe a experiência técnica são possíveis as invenções, os


aperfeiçoamentos, a seleção e o controle de qualidade (MAKARENKO, 1991,
p. 167).

Criar, portanto, uma pedagogia do trabalho-educação como processo de ensino e


formas de enfrentamento à delinqüência juvenil passou a ser a emergência do educador Anton
Makarenko, posto que em toda a literatura existente no campo da educação nada havia sido
escrito a respeito. E Makarenko tinha consciência disso, pois a sociedade soviética era a
primeira a criar uma base de produção da vida material socialista e, portanto, a escola
socialista estava em gestação. Os passos para sua construção estavam dados por Marx na base
trabalho produtivo-educação, conforme escreveu no Manifesto Comunista, de 1848,
“unificação do ensino com a produção material” e nas instruções aos delegados da
Internacional, conforme se lê:

Por ensino entendemos três coisas:


Primeira: ensino intelectual;
Segunda: educação física, dada nas escolas e através de exercícios militares;
Terceira: adestramento tecnológico, que transmita os fundamentos científicos gerais
de todos os processos de produção e que, ao mesmo tempo, introduza a criança e o
adolescente no uso prático e na capacidade de manejar os instrumentos elementares
de todos os ofícios. Com a divisão das crianças e dos adolescentes dos 9 aos 17 anos
em três classes deveria estar vinculado um programa gradual e progressivo de ensino
intelectual, físico e tecnológico...

A união do trabalho produtivo remunerado, ensino intelectual, exercício físico e


adestramento politécnico elevará a classe operária acima das classes superiores e
médias (MARX, 1975, pp. 26-27).

Os passos e a racionalidade marxista que Makarenko empreendeu, foi apontar o


caminho do trabalho e educação, tendo como alicerce o trabalho produtivo para desenvolver o
espírito de coletividade entre os jovens delinquentes encaminhados à colônia por órgãos
estatais. A aliança trabalho-educação foi potencializada com a criação de coletivos na forma
de destacamento. E o que é um destacamento? Para Makarenko (1991, pp. 175-176), “um
destacamento é um coletivo que possui suas próprias tradições, sua história, seus méritos, sua
fama”, por isso se faz necessário um coletivo duradouro, com pequenas mudanças na
composição dos mesmos. Por isso, Makarenko (1991) afirma que a coletividade é um
complexo de indivíduos que tem um objetivo determinado, estão organizados e possuem
organismos coletivos. São conscientes, devem discutir esses projetos e se responsabilizar por
ele, passo a passo. Expressam, portanto, o sentido da democracia socialista aplicada à vida
material em uma nova forma de produzir a existência da vida material.

Por isso, Makarenko estabeleceu cuidados com a formação do coletivo, que aqui
citamos:
Ao organizar a coletividade básica segundo o critério da produção, convém
necessariamente levar em consideração as diferenças etárias. Nas instituições onde
não exista uma coletividade sólida e bem organizada e onde ainda não tenha sido
criada uma disciplina correta, é absolutamente necessário que as coletividades
básicas — destacamentos para as crianças mais novas, entre 10 e 14 anos — se
organizem à parte; só como exceção se pode admitir que crianças pequenas sejam
incluídas nos destacamentos dos mais velhos, mas, neste caso, é necessário verificar
do modo mais escrupuloso possível as particularidades individuais; levar em conta
que tipo de influência afetará o aluno, a maneira de ele ser aceito no destacamento,
responsável pessoal pela sua vida no destacamento e no trabalho e a pessoa
encarregada de ocupar-se dele de um modo especial (MAKARENKO, 2010, p.
19

51).

Cada destacamento possuía de 07 a 15 jovens de ambos os sexos, sob o comando de


um chefe eleito em assembleia geral de colonistas. Dentre os destacamentos fixos, Makarenko
(1986, p. 117) apontou 11 destacamentos na Colônia Gorki, em Poltova, a saber: dos
sapateiros, dos cocheiros, dos vaqueiros, carpinteiros, das meninas, dos ferreiros, dos
moleiros e dos pequenos. Sobre dois não há referência. Apontava também três quadros para os
seguintes trabalhos: Encarregado do moinho, despenseiro e assistente de agronomia. Mas
havia também os destacamentos mistos, para cumprir determinadas tarefas de caráter sazonal.
Nestes, também, havia um chefe para organizar o trabalho no interior do destacamento e,
assim, manter a disciplina e a alegria no trabalho.

Cada destacamento ficava encarregado por um determinado tipo de trabalho a ser


desenvolvido na colônia, como forma de trabalho produtivo e de ensino. O trabalho produtivo
era realizado na prática diária da vida dos colonistas. Portanto trabalho real para produção da
vida real e não simulado de trabalho. “Quem não trabalha não come”. Essa máxima marxista
foi levada a sério entre os educandos da colônia, pois exerciam o trabalho e o controle da
produção de forma coletiva e se constituíam em sujeitos de sua própria história conforme se lê
nos poemas pedagógicos de Makarenko. A vida material dos colonos era suprida com o
trabalho produtivo no processo de formação do novo homem, isto é, do homem coletivo, sem
perder as dimensões da singularidade do indivíduo, que busca se realizar na vida como sujeito
social. Essa realização era, para Makarenko, sinônimo de felicidade.

Por isso, Aranski; Piskunov acentuam que,


La educación por el trabajo es el segundo rasgo fundamental del sistema pedagógico
de Makarenko, si consideramos como el primero el problema de la educación en la
colectividad. Sólo en el trabajo productivo conjunto y de utilidad social ─ dicia el
pedagogo ─, es posible educar verdaderos ciudadanos soviéticos. El esfuerzo laboral
y su dependência mutua y constante en el trabajo puedem crear una actitud justa de
unos para con otros, despertar un cariño familiar y amistad en relación con cualquier
trabajador e indignación y condena con el perezoso, con la persona que huye del
trabajo. Gracias a los esfuerzos laborales, el hombre se prepara para la actividad
productora y se forma en él una actitud correcta para con las demas personas. En el
trabajo, la persona adquire seguridade en sus fuerzas y se siente muy satisfecha y
feliz (ARANSKI; PISKUNOV (s/d, pp. 15-16).

A sociedade do trabalho tem, portanto, como premissa básica, uma determinada forma
de produzir as riquezas sociais e culturais. Dentre elas, podemos destacar a educação
enquanto formação intelectual e o trabalho como moral social. Para produzir uma nova escola
e organizar o espaço de sociabilidade escolar se faz necessário um novo método pedagógico,
que atenda as exigências do novo modo de produzir a vida material da sociedade. A
organização do processo pedagógico na URSS se fez com experiências centradas no coletivo,
tendo o trabalho como princípio educativo, pois “nada ensina mais o homem do que a
experiência” (MAKARENKO, s/d, p. 32).

Por isso, Makarenko (1956, p. 77), em uma de suas conferências, abriu o discurso com
as seguintes palavras, “Não se pode conceber uma educação soviética correta que não seja
uma educação dos hábitos de trabalho. O trabalho sempre foi fundamental na vida do homem
para assegurar seu bem-estar e sua cultura” e, neste processo, a formação da personalidade do
individuo, pois o homem se fortalece e adquire as potencialidades para produzir a vida
material da sociedade e satisfazer suas necessidades individuais.
20

CONCLUSÃO

As ações desencadeadas por Makarenko, no sentido do forjar o novo homem, permitiu


que em circunstância totalmente desfavoráveis à educação, ele construísse uma nova escola,
centrada na figura do diretor. Ao criar o coletivo primário, criou uma rede democrática que
marcou a historia da educação. A figura central do coletivo era o destacamento, que tinha, na
liderança democrática, um chefe, que mantinha contato direto com o diretor e se submetia ao
conselho de chefes. Ou seja, na colônia, o princípio básico era “saber mandar e saber
obedecer”. Essa regra era assegurada por um principio de disciplina e organização dos
coletivos.

Mas foi, de fato no trabalho prático que Makarenko criou seus métodos de organização
e de educação, garantindo, com isso, a formação do homem socialista. Portanto, a Colônia
Gorki foi um grande laboratório para Makarenko, que soube explorar suas potencialidades
criadoras e transformou em ações as esperanças que Gorki, Lenin e outros educadores tinham
no futuro da sociedade. Mostrou com ações que nada é perdido ao homem, que era possível
transformar jovens delinquentes em homens do trabalho. Através de sua experiência,
demonstrou sua firme convicção no trabalho produtivo como a força mais poderosa da
educação, quando tem um caráter social e é realizado pelas crianças no processo de formação.

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21

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