Maltas de Saia
Maltas de Saia
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MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia
através da Secretaria de Cultura e da Fundação Pedro Calmon (FPC)
(Programa Aldir Blanc) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria
Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.
apresentação
Copyright ®2021 by Franciane Simplicio Figueiredo
Direitos para esta edição Maré Cheia Produções Criativas e Sustentáveis
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Autores como Antonio Liberac, Josivaldo Pires, Adriana Albert, Pedro pelas próprias mestras. Então, é chegado o momento de falar sobre
Abib e estudos mais recentes, como o de Paula Foltran, apontam que essas mulheres, conhecer as histórias de atuação e resistência de cada
os Capoeiras do início do século XX não estavam sozinhos, pois esse uma delas, as quais muito se assemelham às histórias de mulheres de
universo pertencia também às mulheres, as quais disputavam os es- outrora, quando falamos sobre habilidade com os pés, determinação,
paços sociais a golpes de navalhas, cacetetes e pontapés contra quem valentia, coragem e agilidade corporal entre elas, através de muitas
lhes representasse uma ameaça, e muitas vezes atuavam em grupos. proezas e em busca da resistência e reexistências.
Essas mulheres se faziam presentes nas ruas de Salvador, seja traba- Esse livro é resultado de uma gama variada de esforços, fruto de po-
lhando nas feiras, mercados e fontes, ou até mesmo se divertindo em líticas públicas do edital n.º 01/2020 – Premiação Aldir Blanc Bahia/
meio ao samba, batuques, bebedeiras e pernadas. Era desse modo que Prêmio Fundação Pedro Calmon. Agradeço muitíssimo às capoeiristas
elas resistiam e, muitas vezes, precisavam usar da ousadia, malandra- pesquisadoras e às Mestras que aceitaram prontamente o convite e
gem e agilidade para sobreviver. se dispuseram a colaborar. Acredito que, dessa forma, conseguiremos
alcançar um resultado bastante significativo.
Essas histórias, ocultadas ao longo dos anos, aparecem nessa obra com
o compromisso político de rejeitar uma escrita míope e que seja capaz
de trazer à tona as experiências atuais dessas mulheres enquanto Mes-
tras de capoeira. Por essa razão, propus a organização do livro com o Franciane Simplicio²
intuito de contribuir com a disseminação dessas histórias e pretendo
continuar com a inclusão daquelas que, por algum motivo, não fizeram
parte dessa edição.
É importante pontuar que esse livro é organizado e escrito por mulhe- ² Mestra em Educação pela Universidade Federal da Bahia, conhecida na capoeira como professora Bi-
res capoeiristas e pesquisadoras, e baseado em entrevistas concedidas sonha do Grupo de Capoeira Gangara, idealizadora da Maré Cheia Produções Criativas e Sustentáveis.
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MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
A menina Bya teve uma infância um pouco conturbada, haja vista ter
sido abandonada por sua mãe quando tinha um ano e oito meses, fato
que marcou sua vida. Ela foi criada por seu pai, por sua tia e por sua
madrasta. Lembra de ter sido uma criança muito ‘presa’. Com as voltas
da vida, ela, aos 12 anos, conheceu sua mãe, moradora da ilha de Mar
Grande, onde viveu uma “maravilhosa adolescência”.
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seu único filho, Caíque. Hoje, já não estão mais casados e Mestre Care-
ca não integra mais o grupo. Mas Mestra Bya prosseguiu. Foi pioneira
em um época em que poucas mulheres se responsabilizavam por um
grupo de capoeira. Ela recorda:
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gostava de fazer amizade e tinha muitas amigas na escola. Já na adoles-
cência, a vida lhe reservou uma surpresa afetiva, quando conheceu um
rapaz chamado Joilson Silva D’Andrade, com quem começou a namo-
rar. Ele era amigo de sua irmã Kátia D’Ávila e irmão de suas melhores
amigas da escola. Hoje ele é conhecido como Mestre Risadinha, do
Grupo Cordão de Ouro.
E foi com ele que ela voltou a ouvir falar da capoeira. Casou-se, teve
duas filhas, e a cada dia descobria que seu marido era apaixonado pela
capoeira. Ele começou a treinar muito novo, na década de 70, e como
viajava muito, e muitas vezes ela ficava em casa, teve interesse em
acompanhá-lo, assim, aos 24 anos de idade, decidiu que iria treinar,
então, começou a dar seus primeiros passos. Suas duas filhas, Jayan-
ne e Camylla, fizeram capoeira por muito tempo, mas pararam. Mestra
Claudia relata como foi seu início na capoeira:
Muito certa do que queria, junto com seu marido, montou a própria
academia, denominando-a Espaço Alternativo Capoeira Raça. Com
a sua saída do grupo e a ida para o Grupo Cordão de Ouro, esse
espaço passa a ser chamado Raiz da Cordão de Ouro, ou Raiz CDO,
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
Ela nunca ganhou dinheiro com a capoeira, sempre fez trabalho social.
É funcionária pública, professora do estado, assumia como vice-dire-
tora, dava aula pela manhã, e no período da tarde aproveitava para
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ensinar o que aprendeu. Conta que tirava as cadeiras da sala, dava aula, local que eu chego sou sempre bem recebida, com muito respei-
depois colocava as cadeiras todas no lugar, porque à noite tinha aula to, aquela questão das pessoas até estranharem. Ah! você joga,
na escola e isso se repetia toda segunda, quarta e quinta. Esse grupo você canta, você toca, eu digo que de tudo eu faço um pouco,
foi crescendo, crescendo, hoje tem alunos formados e continua com os até escrever um livro”, lembra até uma música.... “eu jogo, mas
trabalhos voluntários. não sou angoleira, eu toco, mas não sou um bom tocador, mas
de tudo você faz um pouco.... então, tudo isso chama atenção
Para realizar as atividades, recebe doações de malhas e ela mesma faz quando viajo. Porque têm mulheres que jogam mas não tocam,
questão de confeccionar as calças, compra com seu próprio provento aí quando me veem falam você é danadinha, faz tudo, porque
e ajuda das/os amigas/os e marido as camisas, tudo isso para colaborar é muito difícil você vê uma mulher que faz um pouco de tudo,
com os/as meninos/as que vivem em situação de risco, que não têm joga, canta e toca. Eu digo para as minhas alunas que não pre-
condições. Em troca recebe carinho dessas crianças e jovens. cisa ser a melhor jogadora, mas fazer o que gosta, da forma que
você consegue, que seu corpo permite.
Em 2006, como resultado do seu trabalho da pós-graduação, publica
o livro Capoeira: de Luta de Negro a Exercício de Branco, o qual está na
segunda edição. Alguns pesquisadores apontam que ela é pioneira por
escrever um livro que conta a história da capoeira de Itabuna, é o pri- Em meio a adversidades, a
meiro da Bahia. Sua formação inicial e pós-graduação é em História.
Em 2017, recebeu sua graduação de Mestra no Grupo Cordão de Ouro,
Mestra Claudia segue, com sua
e em 2018 foi confirmada. Em 2019, aconteceu o Capoeirando - festa história, ensinando e
internacional realizada pelo Mestre Suassuna para consagrar todos/as os inspirando outras mulheres,
mestres/as – e participaram quatorze homens e ela era a única mulher. afinal, quando a vida dá um nó,
Em sua trajetória, teve a oportunidade de conhecer a Itália, Portu- a capoeira desfaz!
gal, França, Espanha, além de ser convidada para ministrar oficinas, Viva Mestra Claudia!
workshops, com despesas custeadas e recebimento de cachê em forma
de reconhecimento, assim como os mestres. Além disso, realiza anu-
almente batizado, recebe muitos capoeiristas oriundos de diferentes
grupos e lugares. A Mestra Claudia diz que a capoeira abre muitas por-
tas para quem abre as portas também.
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MESTRA DANDARA
Aurelice dos Santos Bispo
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tinuar no universo da capoeira aumentava. Assim, diante do comporta- E o seu potencial enquanto ser humano consciente de sua relação com
mento da filha, sua mãe viu que não tinha jeito, então a entregou aos a africanidade a projetou para ocupar os devidos espaços, abrindo no-
cuidados do Mestre Angola, permitindo que ela realizasse o seu sonho; vos horizontes e fomentando novas relações pela arte.
vindo sua mãe a falecer anos depois, Mestre Angola fez jus ao seu pe-
dido de cuidar de Mestra Dandara e protegê-la. Contudo, ainda existem muitos desafios relacionados ao patriarcado
na sociedade, oprimindo mulheres e homens nas rodas da vida. Nes-
A relação de unicidade entre mestre e discípulo foi se fortalecendo, se sentido, o percentual de pessoas do sexo feminino que consegue a
chegando a ponto da Mestra Dandara receber convites de viagem para mestria na capoeira ainda é muito reduzido, e um dos motivos desse
o exterior, contudo, o seu mestre, entendendo que ainda não era o mo- quantitativo se deve, dentre outros fatores, às desigualdades.
mento, não concedeu a permissão e lhe ensinou que ainda precisava
amadurecer dentro da ritualística da capoeira, para depois poder trilhar Nesse sentido, o balanço da ginga dita um compasso que ainda é mar-
o seu destino, fato muito importante para o crescimento da mestra. cado pela desigualdade de gênero. E apesar da capoeira ter surgido no
processo de diáspora, como forma de resistência, ainda assim ocorre
Por volta de 5 anos de comprometimento com a capoeira, Mestra Dan- uma grande perda de pessoas que frequentam esse espaço, fato que
dara, que nessa época ainda era aluna, pôde ministrar aulas com a su- a Mestra Dandara conseguiu “negacear” com muita habilidade, pois as
pervisão do Mestre Angola. Dessa forma, para cada movimento falho dificuldades foram superadas e ela se colocou com respeitabilidade no
e/ou mal executado, ele fazia as devidas considerações, porém, espe- “hall” da capoeiragem baiana, a “meca” da arte no planeta.
rava o momento em que os dois estivessem a sós para aprimorar o
conhecimento dela, não a advertindo em público. Atualmente, a capoeira também revela uma questão mercadológica,
em que o título de mestre vem agregado ao serviço que é oferecido
Mestra Dandara ministrou aulas de capoeira, na década de 90, na Vila pelo grupo ao qual se pertence, entre outras formas de negociação
Militar dos Dendezeiros - Bonfim, na Fundação Cidade Mãe, e em di-
com a arte capoeira. De acordo com a mestra, não cabe a ela julgar o
versos bairros. Lecionou na Escola Vitor de Soares, na Ribeira, e parti-
cipou de vários projetos sociais ao longo de sua formação e construção mérito ou direito a quem o título foi concedido, pois a capoeira se trata
para se tornar mestra. de uma arte digna e pode, de forma positiva, estar associada a fins lu-
crativos, podendo ser uma fonte de renda para muitas pessoas. Assim,
Ao longo desses mais de 30 anos dedicados à capoeira, participou de sua crítica está relacionada especificamente às pessoas que só usam a
inúmeros batizados, rodas, oficinas, palestras e encontros. Com o pas- capoeira e não agregam valores a essa cultura ancestral.
sar dos anos, deu continuidade às participações nos eventos de capo-
eira, sempre adequando sua rotina de trabalho, de forma harmoniosa. Apesar de se ver muitas mulheres nas rodas de capoeira, ainda assim
Realizou oficinas de movimentos, musicalidades, confecção de instru-
não está em consonância com a quantidade feminina que assume li-
mentos, fundamentos, ritualística da capoeira e afins. Atualmente, re-
cebe convites para palestrar sobre a capoeira na Bahia e em outros deranças. Contudo, a própria trajetória da mestra se configura como
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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não seja vista apenas como um sexo frágil, e sim como uma protagonis-
ta de sua história; que os espaços das rodas sejam reconstruídos cole-
tivamente, considerando a participação de homens e mulheres harmo-
nizados em prol da emancipação feminina na sociedade.
Aprendeu capoeira ainda criança, aos sete anos, quando sua mãe teve
a iniciativa de matriculá-la no projeto “Meninos de rua”, tendo como
responsável o Mestre Zé Maria.
Era muito assídua aos treinos com seu professor Zé Baixinho, com
quem criou laços fraternos. Com o passar dos anos, ela foi contempla-
da com uma bolsa que dava direito a participar dos treinos na sede da
Associação Mestre Zé Maria, e nesse local só treinavam os melhores
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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que vinha executando, mas encontrou muitas dificuldades e falta de
apoio, o que a levou a migrar para a Associação de Capoeira Cultura
Brasil, tornando-se discípula do Mestre Dino, do Rio de Janeiro.
Por duas vezes pensou em abandonar essa arte, mas sua filha, que fale-
ceu e era especial, foi quem não permitiu que ela desistisse, dando-lhe
força para que ela continuasse. Para a sua felicidade, em 2000, surgiu
a oportunidade de viajar, saindo de Barreiras, a sua terra natal, e pôde
desbravar outras regiões.
Nas voltas que o mundo dá, o Mestre Zé Maria reconhece o seu arre-
pendimento de não ter concedido o título de mestra à Esperança. Mas,
no dia da sua formatura, ele se fez presente para compartilhar essa
felicidade e dar o seu devido reconhecimento, pois, para Esperança, a
presença do Mestre Zé Maria era de muito valor, afinal estava se tor-
nando a primeira mestra formada no oeste da Bahia.
De todas as liberdades que teve, a de ser feliz ao lado das filhas trouxe
um enorme contentamento. Segundo ela, a esperança de que tudo vai
ficar bem é inerente ao ser maternal, e toda vez que algo a abalava, já
sabia que tudo ficaria bem novamente em sua vida. Precisava trabalhar,
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dar conta dos afazeres domésticos e cuidar das filhas; e ainda conseguir
um tempo extra para se dedicar aos treinos e estar presente nas rodas.
Ser mãe e capoeirista era algo desafiador, e ela transbordava essa feli-
cidade através de uma realização pessoal.
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Nas palavras dela, “Ao longo do tempo, fui evoluindo, a responsabilida-
de vindo e o amor pela capoeira crescendo”. Assim, passou a dar aulas
em diversos espaços como escolas, uma pousada, e até em Amaralina,
na academia do irmão do campeão Popó. Seu primeiro apelido na ca-
poeira, anterior ao atual Fafá, foi dado por um mestre de seu grupo, o
Mestre Val e, por ser brava e não levar desaforo para casa, foi conheci-
da, por muito tempo, como Capeta.
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MESTRA JANJA
Rosangela Janja Costa Araújo
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lia sempre foi muito festeira, buscando um motivo para comemorar e próprio GCAP. Também trabalhou com crianças no Centro Social
celebrar a vida. Urbano de Pernambués, e com os meninos e as meninas do Pro-
jeto Axé. Assim a mestra relata:
Filha de um casal inter-racial, teve mais contato com sua família mater-
na: “...dentro dessa família posso dizer que sou a primeira neta negra “[...] dava aula de capoeira, mas a gente não se via como profes-
da minha avó”. Apesar de todas as dificuldades da época, a infância foi sora de capoeira, e sim com nossa formação de capoeira. Não
marcada por práticas muito criativas, inventivas, sobretudo do ponto sei, acho que desde 87, por aí, já dava aula de capoeira dentro
de vista da atividade física, corporal, de brincar de subir em cavalo, an- do nosso próprio grupo, uma vez que os mestres viajavam muito
dar a cavalo. São várias lembranças: e a gente compartilhava o que tinha aprendido. Isto a gente faz
inclusive até hoje quando chega alguém novo, então um vai ali
“[...] fazia muitas estripulias de criança, éramos muito musicais, para o canto, começa a treinar aquela pessoa, enfim, quando
queria imitar o Michael Jackson, os Jackson’s Five, criamos os você vê já está dando aula para o grupo inteiro”.
Araújo’s Five, e uma infância sem muitos bens materiais, mas
sem também muitos tropeços, fora quando chovia tinha trovão, Quanto à sua mestria em capoeira, ela responde: “Eu não sei quando me
ficávamos com medo da chuva derrubar a casa”. tornei mestra não, mas sei que chegou uma hora que eu não pude mais
impedir que as pessoas me chamassem de mestra”. Seu nome, Janja, é de
Sua introdução na capoeira se deu aos 21 anos, no início da década de família, embora religioso também. Sobre apelidos, ela explica:
80, no Grupo de Capoeira Angola Pelourinho -GCAP, no Forte Santo
Antônio Além do Carmo, quando já estava terminando a faculdade de “Dentro do meu universo de capoeira, dentro do meu grupo, a
educação física, iniciada no final dos anos 70, época quando não se via gente não tem batizado para receber o nome, então não ganha
a presença de muitas mulheres na capoeira. Mais tarde graduou-se em apelido. Os que têm apelido são os apelidos de “gastação”, ou
História pela Universidade Federal da Bahia - UFBA e permaneceu no afetivos, mas são apelidos que surgem na convivência”.
GCAP até 1994, quando foi morar em São Paulo.
Quando retorna para Salvador, passa a atuar como coordenadora de
Mestra Janja conta que, na trajetória do grupo, teve três mestres: Mo- Políticas para as Mulheres, da Secretaria de Promoção da Igualdade
raes, Cobra Mansa, que, na época, embora não fosse mestre ainda, era do Estado da Bahia. Um tempo depois, assume o cargo de professo-
assim que já o consideravam, e depois de um tempo veio o Mestre João ra de concurso para docente na UFBA, atualmente no Departamento
Grande se juntar ao grupo, quando “conseguimos que ele deixasse o de Estudos de Gênero e Feminismo, da Faculdade de Filosofia e Ci-
posto de gasolina onde trabalhava e se dedicasse totalmente à capoei- ências Humanas. A capoeira também proporcionou à mestra transitar
ra”. Ela teve a experiência fantástica de conviver com três gerações de por muitos lugares, cidades, estados e países, inclusive o próprio gru-
mestres ao mesmo tempo, e isso durou alguns anos, até Mestre João po desenvolve trabalhos e tem núcleos internacionais. Viaja realizando
Grande ir embora para os Estados Unidos. palestras, seminários, cursos e oficinas, além de workshops, levando a
capoeira mundo afora.
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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livro É Preta Kalunga: A Capoeira Angola como Prática Política entre os
Angoleiros Baianos – Anos 80-90. Sua trajetória é também marcada
pela luta pelo fim da violência de gênero.
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gia, mas com tudo que hoje falta para que as crianças possam ser mais
crianças do que elas já são. E a vida foi assim”.
Foi casada por 21 anos, companheira do Mestre Curió, com quem teve
dois filhos, José Carlos e Luís Carlos, também conhecidos como Papa-
-capim e Besourinho. Apesar de jovem, ela é avó e tem um casal de ne-
ta/o, e não esquece de sua primeira netinha que faleceu. O apelido tão
peculiar de Mestra Jararaca lhe foi dado por Mestre Curió, “[...] devido
a observações dele quando eu vadiava”.
A mestra nos conta que não agredia ninguém, mas era perigosa e, se-
gundo a avaliação de seu mestre, prepara e solta seus movimentos
como o bote de uma cobra, e é muito perigosa. Uma das características
marcantes de Mestra Jararaca é a sua boa autoestima, desse modo,
ela se autoreconhece e adora ser chamada de Jararaca: “Eu sou muito
perigosa na roda de capoeira, no sentido de ser ágil como uma cobra. E
a cobra escolhida é a jararaca, justamente por ser uma das cobras mais
perigosa que tem”.
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Na ECAIG, ela também passou a dar aulas em breve período de tempo: jogar, cantar e conversar. Isso mexe muito comigo. Eu sinto pro-
fundamente a falta da capoeira na minha vida, a falta de treinar,
“Saindo de lá, fui treinar com o Mestre Curió, e comecei tam- a falta de tocar, de cantar, de ouvir as músicas da capoeira na
bém, depois de estar desenvolvida na técnica dele, a dar aula, voz de outras pessoas, de ouvir uma bateria de capoeira Angola.
e ele ia me corrigindo, pois os mestres antigamente tinham Isso me faz feliz, me faz muito mais jovem. Então a capoeira an-
esse hábito de colocar as pessoas pra ir dando aula e ir orien- gola pra mim é vida. É o ar que eu respiro. É a boca que eu como,
tando também. Algumas pessoas, vindas desses mestres, têm os olhos que eu enxergo. É tudo pra mim. Até o dia que eu estiver
esse hábito ainda.” viva, eu vou levar comigo esse amor pela capoeira angola. Por
toda a vida e eternidade”.
Em janeiro de 2001, Mestre Curió a reconhece mestra, assim, ela relata
que se tornou a primeira mestra formada em capoeira angola na Bahia, O desejo dela é que suas palavras e história tenham um efeito de con-
no Brasil e no mundo, pois, nessa época, a capoeira já era expandida tribuição. E espera que sua biografia contribua muito para as pessoas
para os ‘quatro cantos’ da Terra. que estão na capoeira angola agora e “também para outras pessoas
que estão vindo, que ainda virão para a capoeira. Que essas palavras
A capoeira angola já levou a Mestra Jararaca para alguns lugares: cheguem muito mais longe que nós podemos imaginar!”.
“Tá sendo difícil na pandemia, pra mim, porque não tenho meu
espaço. Não tenho meu espaço ainda! Não tenho como ir olhar
uma academia, ou estar lá, limpando, varrendo, organizando,
ou estar indo ver uma roda de capoeira, encontrar os mestres,
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MESTRA LENE
Lucilene Lopes da Silva
Quando havia eventos de capoeira nesse espaço, que ficava num bair-
ro distante da casa dela, os seus irmãos iam bem cedo para ajudar nos
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afazeres, e ela só ia mais tarde, acompanhada de suas irmãs, porque o mestre. Nunca teve medo de jogar capoeira e sempre aceitou os golpes
trajeto era perigoso e sua mãe temia que o pior acontecesse. Ela teve e as rasteiras, só que, no momento oportuno, procurava revidar. Para a
dois filhos, Leandro, hoje com 32 anos, e Leonardo, com 30 anos. É avó mestra, o capoeirista precisa encarar o jogo de “cabeça fria”, aguardan-
de Fernanda, Lívia e Maria Letícia. Mesmo com os filhos ainda peque- do “a hora certa”.
nos, conseguia se esquivar dos afazeres domésticos e seguia gingando
na roda da vida. Nas rodas de capoeira que aconteciam na Associação Brasileira de Ca-
poeira Angola (ABCA), na qual também assume a vice-presidência, ela
Mestra Lene ministrou aula de capoeira com mais dois monitores, Adal- sempre procurava jogar, cantar e tocar. E é nesse gingado da vida que
berto e Adailton, no Colégio Estadual Erotildes Frota Aguiar, no Pará. E consegue ser mãe, capoeirista e empreendedora, buscando sempre a
foi nesse local que a adquiriu autonomia, passando a ensinar em perí- sua valorização e reconhecimento.
odos diferentes, em diversas turmas. Suas irmãs são professoras, e ela
seguiu a área da saúde, chegando a cursar enfermagem, porém, não Mestra Lene também é uma grande artesã, faz toucas de crochê,
deu seguimento à profissão, dedicando-se exclusivamente à capoeira. roupas, entre outros adereços, servindo de inspiração para outras
mulheres que passam pelo Pelourinho e valorizam suas artes. Du-
Participou de um campeonato pela Federação de Capoeira, à qual a rante sua trajetória, observava muitas mulheres “levando o côro” e
Associação de Capoeira Senzala era filiada. Foi preciso disputar esse batendo palmas, ela ia tentando se doar para a capoeira, buscando
campeonato no estado do Pará para, em seguida, poder participar do melhorar a cada dia. Pelo fato de ouvir mensagens negativas sobre
Campeonato Brasileiro, em Brasília, quando obteve o 1º lugar. o posicionamento da mulher na capoeira, era aí que procurava o seu
empoderamento; chegou a comprar os seus instrumentos e come-
Foi nesse evento que ela conheceu Mestre Pelé da Bomba, seu atual ma- çou a treinar os toques e cantos.
rido. Com isso, foi morar em Salvador com seu companheiro e passou
a fazer parte da Associação de Capoeira Angola Mestre Pelé da Bomba, Hoje, possui uma turma de capoeira no bairro Valéria, em Salvador.
ocupando atualmente o cargo de vice-presidente. No auge dos seus 52 Trata-se de um projeto que acolhe crianças e adolescentes que passam
anos, em 2017, Mestre Pelé da Bomba concedeu-lhe o título de mestra por situações de vulnerabilidade social. Sua proposta é reduzir o tempo
e, nesse mesmo ano, ela viajou para o Pará, onde o seu irmão, o Mestre ocioso de seus alunos através da prática da capoeira, levando a cultura
Walcir, tornou a reconhecê-la como mestra. Apesar da sua trajetória nas para quem mais necessita. Com isso, a capoeira vai tomando o conceito
rodas de capoeira, relata que nunca teve o devido valor: familiar, e os alunos serão os mestres no futuro e darão continuida-
de ao seu trabalho. Os integrantes desse projeto constantemente es-
“Quando eu era contramestra as pessoas contratavam o mestre tão no Pelourinho, participando de forma ativa dos eventos da ABCA,
Pelé da Bomba para viajar e eu ia como acompanhante, rece- como o desfile do Dois de Julho, o aniversário do Mestre Pastinha,
bendo uma ajuda de custo, porque você sabe que a nossa cultu- entre outros.
ra não é valorizada”.
Em seu percurso, ministrou oficina de capoeira angola em diversos es-
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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Mestra Lene agradece ao seu companheiro Mestre Pelé da Bomba por
mostrar que a vida é um dom divino, que ao cantar produz encanto, e
que ao ensinar a capoeira se ensina para a vida, e quando toca o berim-
bau, toca o coração.
MESTRA NANI DE
Uma história merecedora de ser
conhecida e respeitada.
Viva Mestra Lene!
JOÃO PEQUENO
Cristiane Santos Miranda
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Contudo, quando, em 1995, o Mestre João Pequeno inaugura seu espaço
em Fazenda Coutos (pois já liderava a academia no Forte de Santo Antô-
nio), ela percebe uma oportunidade de estar perto de seu avô, pois este
era um homem que viajava muito, mas era muito carinhoso em casa.
Assim que iniciou as aulas de capoeira angola, Nani, aos 12 anos, de-
cidida a praticar, aproveitou o conhecimento de seus irmãos mais no-
vos, que treinavam com maior frequência, para aprender rápido e com
muita dedicação as sequências de movimentos ensinadas pelo mestre:
“Em seis meses treinando capoeira angola, eu já reproduzia certinho a
sequência de movimentos. Eu queria aprender logo”.
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“[...] a capoeira é uma filosofia de vida, ela me completa, me a partilha de seus conhecimentos com praticantes de capoeira angola
orienta, me instrumentalizou para ter direito de fala, de forma- de Portugal e da França, convites que recebeu e aceitou sempre com
ção, ter direito a ser cidadã, mulher, capaz e capacitada, poden- alegria e responsabilidade.
do trabalhar com a educação dentro e fora de casa”.
Mestra Nani enxerga a grandeza do legado que hoje cuida e lidera,
A capoeira deu à Mestra Nani dignidade, autonomia e formação. Ela assim como foi cuidada e preparada pelo grande líder que foi seu João
prossegue dando lição, como herdeira de quem é: “Ninguém pagou mi- Pequeno de Pastinha. Hoje, seus irmãos já não praticam mais a capoei-
nha formação. A capoeira angola me deu. A oportunidade que a vida ra, mas ela segue atuante, afirmando o seguinte:
me deu de ter sido criada por um mestre”. Sempre que possível, busca
dizer às crianças, jovens e alunos/as que teve a felicidade de ter um/a “[...] sou uma educadora com a consciência que minhas alunas
mestre/a em sua casa e que eles também precisam reconhecer os/as e meus alunos precisam ter dignidade, ser cidadãs e cidadãos,
mestres/as que têm em seus lares. Dessa maneira, valoriza a possibili- ser ouvidas/os. O que mais vale pra mim foi o que meu mestre
dade de ter passado a conhecer os/as mais velhos/as a partir da roda conseguiu me dar: a oportunidade de estar com os mais velhos
de capoeira angola. e as mais velhas, a oportunidade de ter conhecido e conhecer.
Aproveito a oportunidade de ser neta dele para aprender, de ter
Nesse espaço, ela entendeu que “[...] pra eu estar aqui, eles tiveram que acesso aos mestres através do meu mestre, estar com os/as mais
construir, tiveram que estar aqui primeiro”. Mestra Nani chama atenção velhos/velhas e aprender. Mas a minha realidade é como a de
ao fato de não ter escolhido ser neta de um mestre. Entende que isso muitas jovens que vêm da periferia: uma realidade social difícil”.
foi algo que a vida lhe deu, e quanta oportunidade ela enxerga nisso:
“Eu poderia ser simplesmente uma jovem sem estudo, cheia Grandes histórias devem ser
de filhos, trazendo dificuldades para minha vida, o que mui-
tas vezes é a realidade aqui. Eu luto muito pra mudar essa
exemplo. Esta é uma delas!
realidade da minha comunidade. A gente precisa fazer valer a Viva Mestra Nani de João Pe-
oportunidade de ter sido filho/a, neto/a de alguém”. queno!
Ela prossegue consciente de seu caminho e plena de gratidão: “Eu agra-
deço muito a meu avô a oportunidade de ser uma educadora, antes de
qualquer título”. Sua mestria na capoeira ocorreu em 2018, e quem faz
o reconhecimento é o discípulo do Mestre João Pequeno, o Mestre
Ciro Lima, na presença do Mestre Roberval.
Quanto a seu apelido, este vem de seu nome Cristiane/Nani. Todavia, ela
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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MESTRA NENA
Luciene Maria de Lima da Silva
Nesse dia, a aula foi ministrada pelo Mestre Keu, sendo bastante pro-
veitosa, a ponto da capoeira passar a fazer parte da vida dela. Nessa
época, Mestre Nonato - Raimundo Nonato Barbosa (in memorian) - era
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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considera apenas a nomenclatura capoeira. O seu mestre costumava do. Não desistam dos seus sonhos em relação à capoeira, pois ela é real
usar o termo anglonal ou angloregional, e praticava os dois estilos de e todas podem alcançar o seu objetivo. Basta lutar para sentir o sabor
capoeira. da conquista”.
Ela começou a dar aulas na sua maioridade, pois no seu grupo a for-
matura se dá somente após os 18 anos. Como Mestre Nonato tinha
dificuldade de movimentação por conta de um problema de saúde, ela Belo exemplo de consciência,
sempre o acompanhou durante as aulas para realizar a demonstração
dos movimentos, assim, sentia-se muito grata por poder ajudá-lo.
responsabilidade e amor à
capoeira!
Ministrou aula no Grupo São Francisco e no Centro de Cultura Amélia Viva Mestra Nena!
Morim, onde realiza esse trabalho até hoje. A sua mestria foi concedi-
da no dia 23 de maio de 2011. No balanço da ginga e na cadência do
atabaque, a mestra pôde expandir essa arte cultural para outros esta-
dos, como Espírito Santo, Goiânia e Brasília. Também recebeu o convite
para divulgar a capoeira fora do Brasil, porém foi em um momento que
ela estava estudando e deixou essa viagem para uma outra ocasião.
Para além das aulas de capoeira, Mestra Nena também realiza oficinas,
com seriedade nos seus posicionamentos e compromisso com o tra-
balho que desenvolve, pois para ela “[..] aquilo que a gente recebeu,
a gente dá, e a gente só dá o que tem”. Em Feira de Santana existem
muitas mulheres difundindo a capoeira de forma esplêndida, “[...] mas
enquanto mestra só tem eu. Espero que em breve chegue outras para
somar”, relata a mestra Nena.
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MESTRA PATRÍCIA
Patrícia Mascarenhas Fernandes
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dos Meninos da Ilha no Mercado de Mar Grande (Mestre Medicina), Como aluna formada, começou a se interessar em dar aula para crian-
roda do Mestre Virgílio da Fazenda Grande, Mercado Modelo, Terreiro ças, uma vez que seu Mestre Ferreira tinha como foco adultos e adoles-
de Jesus, entre outras. centes. Assistia às aulas de Mestre Daltro, ficava lá no cantinho obser-
vando tudo. E logo começou a colocar em prática com as crianças nas
Em casa, escutava histórias de seu pai, que foi aluno de Lourimbau, o escolas. Mais tarde, passou a ensinar a adultos em um clube da cidade,
Homem Mau. Na ocasião, as histórias pareciam mais lendas que re- esse foi um momento muito importante para ela, foi quando assumiu
alidade, e só anos mais tarde comprovou a existência do mestre. A um espaço sozinha, além das escolas. Ela conta que era comum che-
mestra lembra que, no final da década de 80 e início da década de 90, garem pessoas procurando quem era o professor e se surpreendiam
passou a frequentar as casas de show folclórico de Salvador, entre elas, quando ela se apresentava, isso em 1992, quando não era comum ter
Moenda, na Boca do Rio, Solar do Unhão, com Mestre Dinho, Tenda mulheres liderando turmas de capoeira. Nesse processo, ela realizou
dos Milagres, em Amaralina, e no Alto de Ondina. Havia um momen- seu primeiro batizado em 1994.
to do show que a adolescente Patrícia aguardava ansiosa, era quando
eles convidavam a plateia para jogar. Ela subia e jogava, às vezes, o Através da Bahiatursa, fez uma turnê de capoeira em 1995, pelo Reino
pau quebrava ali no palco, achavam de resolver desvantagens de ou- Unido, quando conheceu várias cidades por meio de uma companhia
tras rodas, era quando o show deixava seu lado ensaiado e passava a de dança. A turnê durou vinte dias, e essa foi uma experiência que tam-
realidade da capoeira. bém marcou sua vida. Mais tarde, viajou para Barcelona, passou um
tempo por lá, com intuito de estudar, já que sua formação inicial era em
Nesse momento, a capoeirista Patrícia conhece Mestre João Grande, turismo, mas também daria aula de capoeira. Conseguiu se estabelecer,
na Moenda, onde ele fazia show. Durante o dia ele trabalhava no posto apesar das dificuldades, e logo começou a ministrar aulas para crianças
de gasolina em Ondina, perto de onde ela estudava, e no final da tarde, e adultos, em 1998. Ao retornar de Barcelona, estava um pouco afasta-
quando ia embora, muitas vezes pegava o ônibus com ele. Ela recorda da do seu mestre, consequentemente, afastou-se um pouco do cenário
que ele andava com o berimbau cheio de fita do Senhor do Bonfim, da capoeira. Mais tarde, Patrícia se torna mãe, além de fazer uma nova
todo colorido, era o berimbau que ele usava no show. Tinha uma rotina graduação, dessa vez em psicologia.
de sair do posto e já ia direto para a Moenda, emendava um trabalho no
outro. Ela observava que ele era um senhor e ficava até a madrugada, e Ela cria a OCA - Oficina de Cultura e Arte - e passa a desenvolver
como ele era a grande atração, praticamente fazia o show todo: jogava um trabalho com crianças, utilizando a capoeira como uma das fer-
capoeira, dança dos orixás, sambava e dançava Omolu lindamente. Ela ramentas propulsoras do desenvolvimento e da formação. Fora do
relata que, quando ele foi para os Estados Unidos, foi um descanso cenário da capoeira, sem frequentar as rodas, deu espaço a comen-
para ele, além de um reconhecimento. tários de que ela tinha parado a capoeira por não estar presente no
circuito convencional de rodas e batizados, no entanto, ela conti-
Mestra Patrícia lembra que, em sua época de aluna formada, em 1991, nuava trabalhando com a capoeira em outra perspectiva, estando
o aluno formado tinha uma importância muito grande, hoje, infelizmen- muito contente com seu trabalho e seus resultados.
te, essa graduação se perdeu. A sua formatura foi um evento muito
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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tra se diz defensora da capoeira na escola, afirmando, ainda, que ela é
resultado desse processo.
Vivia em Vitória da Conquista com sua mãe, Sebastiana, sua avó, Es-
ther, e com duas irmãs, Celeste e Lourdes, e em contato com tias e
primas da família de sua mãe. Dona Nininha, como era conhecida, era
uma mulher pobre, com pouca instrução, parda, e o seu pai, José, era
um homem branco, farmacêutico, 30 anos mais velho que ela, cuja fa-
mília era de classe média e alta, residente em Salvador.
Quando Paulinha e sua irmã mais velha estavam em idade escolar, seu
pai as trouxe para morar com ele em Salvador, para estudar em um co-
légio particular de propriedade de alguns de seus familiares. Ela come-
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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No final da década de 1990, Mestra Paulinha foi residir em São Paulo
por quatro anos, enquanto cursava o doutorado na Universidade de
São Paulo - USP, e Mestre Poloca a acompanhou. Nesse período, aju-
daram a consolidar o Grupo Nzinga, em São Paulo, fundado em 1995
por Mestra Janja.
Seu apelido (Paulinha) surgiu por ser muito magra, quando era jovem e
já discípula de capoeira. Começou a dar aulas quando estava no GCAP.
E, mais tarde, continuou a dar aulas no Grupo Nzinga, à medida que os
diversos núcleos foram criados. Mestra Paulinha já visitou muitas cida-
des e países para participar de eventos de capoeira, ou outros eventos
que tratavam do tema. A sua primeira viagem internacional, em 1995,
foi para os Estados Unidos, quando fez parte da comitiva de integran-
tes do GCAP, liderada por Mestre Moraes. E não parou mais...
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MESTRA PEQUENA RASTA Sueli Merice dos Santos
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uma excelente representante do que podemos aprender com e admirar
em uma mulher do interior, preta e capoeirista.
Mestra Pequena Rasta compartilha seu ponto de vista e afirma, a partir Sempre foi praticante de capoeira regional, tendo iniciado a prática em
da observação do seu dia a dia, que a capoeira é um esporte e cultura 1987, aos 11 anos, com Mestre Bozó, com quem treinou até 1989.
que muda vidas. A partir de 1990, passa a ser discípula de Mestre Nenel, e integrante
ativa da Filhos de Bimba, escola onde, também, começou a dar aulas
em 1994. Ela é mãe de dois filhos e seu companheiro é Manoel Nasci-
mento Machado.
Ela é uma fonte de inspiração e
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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Dentre tantas boas memórias, ela destaca as férias na Ilha de Itaparica,
onde ia com o pai, e comenta que aquela era uma época bem diferente
da atual, pois “[...] nem tínhamos acesso à internet e grande parte dos
nossos brinquedos eram construídos por nós mesmos”.
Ela entrou em contato com a capoeira no início dos anos 80, por volta
dos dezessete, dezoito anos, quando trabalhava na Secretaria de Turis-
mo da cidade e conheceu seu mestre e companheiro de vida, Josafá Al-
ves de Oliveira, o Mestre Fazinho. Ele é pai de seus quatro filhos, Ravi,
Mahatma Indiane, Indira e Bianca Saíra. Ele havia chegado de Santo
Amaro e defendia a capoeira de modo firme, buscando abrir caminhos
para estabelecer seu trabalho, numa época em que a capoeira era mui-
to marginalizada ainda.
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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temente a esse local de fé. Assim, transgredindo a expectativa da Com esse posicionamento, Mestra Raquel despertou essa consciência
sociedade vigente na época, com poucas companheiras, ela iniciou em muitos grupos que hoje a agradecem por ela ter ajudado a tirar
sua prática. A mestra lembra que elas foram muitas vezes tachadas esse véu de não perceber que homens líderes de grupos de capoeira,
de ‘piriguetes’. na maioria das vezes, não davam visibilidade para suas atuantes com-
panheiras.
Ao se envolver com o Mestre Fazinho, a relação com sua família se
tornou conflituosa e, ao engravidar de seu primeiro filho, Ravi, hoje Sua associação e parceiros de grupos realizaram muitos eventos pionei-
contramestre de capoeira, partiu sozinha para Santo Amaro em busca ros em Bom Jesus da Lapa. Fizeram 24 horas de capoeira e depois 12
de maior dignidade para suas escolhas. No entanto, a vida no local era horas de capoeira na cidade. Os primeiros eventos ocorreram em 1987
difícil, e a jovem Raquel retornou a Bom Jesus da Lapa para se unir de e 1990. Realizaram eventos nos quais aconteciam batizados na praça e
vez a Fazinho e, juntos, com espírito de companheirismo, enfrentaram também a inclusão de outros grupos culturais. Ela tem consciência de
muitos desafios. que sua atuação e a de Mestre Fazinho serviram como inspiração para
muitos grupos.
Uma das fontes de renda do casal era realizar rodas de capoeira em fei-
ras, em regiões vizinhas, onde arrecadavam dinheiro a partir do público Hoje, Mestra Raquel já está prestes a realizar a segunda edição do Iê
que assistia; outra fonte foi a habilidade de fazer berimbaus para ven- Capoeira, uma proposta que une mulheres capoeiristas em Bom Jesus
der nas lojas de artesanato e lembranças locais que recebiam turistas, da Lapa para, juntas, jogarem, tocarem, se conhecerem e aprenderem
principalmente em épocas de romaria. suas histórias, criando empatia por suas dificuldades e conquistas. A
primeira edição do Iê foi contemplada no primeiro edital estadual ex-
Aos poucos, a família de Raquel foi compreendendo sua opção e as re- clusivo para a capoeira, realizado pela Secult, em 2016. Mais um feito
lações começaram a se refazer. A mestra já não era mãe apenas de Ravi histórico da atuação relevante da Mestra Raquel. Sobre seu reconhe-
quando, em determinado momento, receberam uma ação de despejo cimento como mestra de capoeira, em 2015, revela que ficou preocu-
para desocupar o espaço público onde moravam e desenvolviam o tra- pada e não foi simples, mesmo sabendo que muitos/as alunos/as já a
balho com a capoeira. Depois de certa luta na justiça, eles conseguiram chamavam de mestra:
um terreno, iniciaram a construção do ponto de cultura que hoje lide-
ram através da Associação Lapense Ginga Bahia, idealizada por esse “Eu fiquei preocupada, porque era muita responsabilidade pra
casal companheiro. Nada foi fácil, mas tudo valeu a pena, na avaliação mim. O que eu queria mesmo, como capoeirista, era ajudar na
da mestra. mudança de mentalidade. Eu reflito muito sobre isso de você ter
sua história, de ter um caminhar. E as coisas não são fáceis, mas
Ela começou a dar aula na academia e criou gosto pelo ofício, a partir alcançar o objetivo faz ver que valeu a pena”.
do recebimento do cordão de monitora que recebeu no início dos anos
90. Sobre aquele momento, ela afirma: Quando recorda as oportunidades que recebeu da capoeira, ela lembra:
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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Ela percebe hoje a grandeza do trabalho social que realiza há muito
tempo: “Eu terminei agora a faculdade de serviço social e isso me aju-
dou muito a perceber que eu faço um trabalho social de muita grande-
za, eu sou uma agente cultural”. A mestra avança a cada dia na consci-
ência sobre a luta contra uma sociedade machista: “Na universidade,
MESTRA SONINHA
eu comecei a buscar mais os meus direitos de mulher, de não baixar a
cabeça, de falar não e de não me omitir”. A mestra continua:
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por isso tinha tantos amigos. Como morava em frente ao clube, os ami-
gos passavam por lá e a chamavam “Bora, Soninha! Tá na hora!
Mestra Soninha desejava fazer uma luta e, nesse mesmo clube, tinha
caratê, mas ela achou muito sério. Bonito, mas sério. Em determinado
momento de sua adolescência, em 1987, foi até Salvador para o apar-
tamento que a família tinha, e onde estavam morando suas irmãs mais
velhas, para receber parentes que vinham de Brasília. Nessa época, em
Amaralina, existia uma churrascaria, Roda Viva, onde foram almoçar, e
estava acontecendo uma apresentação de capoeira. Ela lembra:
Pouco tempo depois, uma amiga lhe avisou que haveria uma turma de
capoeira em Cachoeira, cidade bem próxima de Muritiba. Essa amiga
perguntou se ela não gostaria de participar, e Soninha, imediatamen-
te, se animou: “Era tudo que eu queria!”. Contudo, precisou enfrentar
a dificuldade de aceitação dessa decisão por parte de seu pai e mãe,
pois, como recorda, “não era todo mundo que aceitava mulher jogando
capoeira”. Mesmo assim, insistiu com a mãe e afirmou: “minha mãe, eu
vou fazer capoeira!”.
Seu grupo de capoeira sempre foi o Grupo Raça, e seu mestre sem-
pre foi Luís Medicina, que a reconheceu como mestra de capoeira em
2010. Quando perguntamos que tipo de capoeira Mestra Soninha pra-
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tica, ela responde imediatamente: “Sou capoeira. Porque, na verdade, no que vai dar, de roda, de jogo, de conhecer pessoas, de co-
ela é um todo. Eu acho que não dá pra definir estilos. Eu sou capoeira!”. meçar a me soltar pra falar...a capoeira fez isso comigo! Porque
mesmo sendo professora de educação física, eu sou tímida. En-
No início dos anos 90, Soninha já ensinava e entendeu que deveria tão a capoeira me ajudou muito.”
formar uma turma de capoeira para mulheres. A turma encheu, foi um
sucesso. E, aos poucos, essa turma foi se tornando mista e perdura até Mestra Soninha deseja que sua vivência e exemplo na capoeira
hoje. Mestra Soninha tem um irmão, mais velho que ela, que é também sejam fatores motivadores para que outras pessoas possam prosseguir.
praticante de capoeira e iniciou a prática sob a sua orientação. Mais uma vez, declara uma sábia opinião:
A mestra é professora de educação física e também dá aulas de ca- “A gente precisa ter coragem pra enfrentar os problemas, não
poeira na cidade onde permaneceu, Muritiba. Teve oportunidade de desistir. A gente tá aqui pra enfrentar. Se acontecer uma coi-
viajar pelo exterior e outros estados do Brasil através da capoeira, mas sa que pareça às vezes ruim, será que é ruim completamente?
valoriza também as várias visitas que pôde fazer aos interiores onde Então, a gente tem que saber tirar proveito das coisas. Seja pa-
esteve abrilhantando eventos, dando aulas, participando ativamente e recendo bom ou ruim. Não importa. Aprender a ver, a observar
inspirando muita gente. criticamente e a tomar a sua própria decisão. E assumir, né?!
“[...] capoeira para mim, eu posso falar, é minha vida. Eu fiz edu-
cação física por causa da capoeira. A capoeira me ajudou muito.
Foi o que me manteve, inclusive, financeiramente, e me manteve
muito bem emocionalmente, pra conseguir passar pelos proble-
mas. Então, a capoeira é minha vida! Nunca deixei de jogar ca-
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
“Todo momento que te faz meter a cara num problema pra ver
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MESTRA TAÍZA Taísa da Silva
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construir aos poucos. Viemos passar uma festa de São João aqui vidados especiais que celebraram durante vários dias (01 de agosto de
e acabamos não voltando mais. Eu passei por vários trabalhos, 2019 a 31). A celebração de sua mestria a marcou muito, motivando-a
porque meu pai não tinha condição de suprir minha vida finan- a continuar seu sonho: a construção de seu espaço e maior poder fi-
ceira e eu tinha vontade de construir algo, de poder ajudar meus nanceiro para alavancar seus projetos com capoeira-educação.
familiares, meus pais. Graças a Deus, meu trabalho me deu essa
oportunidade. Então, não foi a vida que eu esperava, mas foi a Durante seu percurso na capoeira, Mestra Taíza conheceu cidades
vida que meu pai pôde me dar, e eu dou graças a Deus por ele e estados, tais como Rio e Espírito Santo. Tudo foi proporcionado
ter me mostrado o caminho. E por esse caminho, me encontrei pela capoeira, algo que ela nunca poderia imaginar. Em breve, está
na capoeira, ela me abriu espaços e me preparou pra vida, me programada uma viagem internacional, adiada por causa da pande-
deu formação intelectual. A capoeira é um divisor fundamental mia. Ela é mais uma mestra que considera a capoeira ‘sua vida’, para
na minha vida”. além de ela ser uma “manifestação de apoio, uma cultura que eleva
a autoestima, traz transformação de vida e cidadania”. Acredita que,
No início, era difícil conciliar a capoeira, o trabalho de cuidadora e o se as pessoas soubessem sobre toda essa potência da capoeira, o
estudo, assim, levava a criança para capoeira, o primeiro horário era um mundo estaria mudado.
treino especifico para as crianças, logo em seguida a deixava em casa e
voltava novamente para participar do treino com os adultos. Oriunda Mestra Taíza, enquanto mulher, não pensa apenas em ‘ser mulher’,
da escola ACARBO, continuou sendo discípula do Mestre Macaco, mas porque, segundo ela, a capoeira pede união entre todos. Além disso, a
acredita que é necessário criar seu próprio espaço de atuação, “até por- mestra acredita que a luta deve ser assumida por todos e não apenas
que, pra chegar a uma certa graduação, você tem que passar por essa uma luta feminina, ou seja, no dizer dela, “Fazer o bem sem olhar a
trajetória, ter seu espaço e dar sua aula”. Hoje, integra a escola ACISSA, quem”. Acredita, também, que podemos fazer mais dessa forma, pois a
a Associação Cultural Sementes de Santo Amaro e é parceira do Mestre capoeira ‘não pode ser só individual’.
Bendengó. Em sua concepção, o mais importante é afirmar-se como
capoeirista, sem necessariamente se preocupar com as diferenças en- E, assim, essa santamarense ocupa o espaço de mais uma ilustre mes-
tre as práticas. Desse modo, ela afirma: tra do Recôncavo Baiano, e que tem sua história de vida entrelaçada a
tudo que hoje em dia busca fazer, por meio da capoeira, para a capoeira
“[...] eu me considero capoeira, porque se for angola, eu vou e seus e suas praticantes. Uma fruta boa da capoeira!
jogar, na medida do possível, se for regional, eu vou jogar, na
medida do possível...Então, eu sou capoeira de Santo Amaro!
Sou capoeira!”.
A mestra finaliza dizendo
Mestra Taíza começou a dar aula de capoeira em um espaço no Natal/ que “a capoeira é história de
DERBA, ainda quando era cordel azul e amarelo (sua caminhada passa um povo e o povo sem história
por mais de 6 cordéis), por volta de 1995. Com essa experiência, en- não existe”.
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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MESTRA TEKKA FOGUETE Tereza das Candeias dos Santos
Os seus passos foram lentos, porém contínuos, até que surgiu a opor-
tunidade de trabalhar em um restaurante bastante conhecido, o Maria
de São Pedro, e em seguida ela buscou ajuda para abrir seu próprio ne-
gócio no Mercado Modelo, em Salvador, com peças exclusivas, sendo
algumas de sua própria criação, e foi nesse local que ela teve o primeiro
contato com a capoeira, ficando muito encantada.
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em 1988, ela passa a ser aluna do Mestre Vermelho 27, na Associação espaços por onde passa. A capoeira promove situações que vão para
de Capoeira Mestre Bimba, no Pelourinho. além da roda, e que são basilares para uma boa convivência em socie-
dade. Como relata: “Para além de uma atividade física, a capoeira une
Naquele momento, o medo uniu-se à insegurança, pois ali só treinava muitos amigos, é um processo de aprendizagem constante e também
quem tinha “farinha no saco”, como dizia o Mestre Vermelho 27, só que uma forma de terapia”.
a sua coragem sobressaiu e até hoje ela está lá. Um outro mestre muito
importante e decisivo em sua trajetória é Rubens Costa Silva, o “Mestre
Bamba”, a quem tanto ela tem admiração e respeito. Enfrentou muitos
obstáculos para continuar treinando, como o preconceito e machismo.
Belo exemplo de determinação
E assim ela foi gingando e superando todos os desafios, podendo afir- e coragem, além de consciência
mar que é uma satisfação permanecer e criar laços na capoeira. da função social da capoeira.
Viva Mestra Tekka Foguete!
É mãe de duas garotas, Pola e Paloma, que são muito focadas e dedicadas
aos estudos. Nem mesmo durante a gravidez ela parou por um instante,
com oito meses de gestação continuava assídua aos treinos. Diante do
sentimento materno, a Associação de Capoeira, da qual ela faz parte, tor-
nou-se a sua segunda casa, devido ao imenso amor a essa arte.
Mas, é nos golpes e esquivas que a Mestra Tekka Foguete vai assu-
mindo o seu papel, dedicando-se à cultura popular e reconstruindo os
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MESTRA TISZA
Tisza de Oliveira Coelho
Uma pessoa importante para sua formação foi sua bisavó, com quem
aprendeu a costurar. Desde a infância se interessou por música, pois
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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guardadas a partir da mesada recebida em um momento no qual seu referência de mulher tocadora para a grande comunidade de capoeira.
pai ensinava aos filhos certa educação financeira. Tornou-se autodidata Com 10 anos de prática de capoeira, ganhou o mundo a partir da sua
sobre a música e os/as compositores/as brasileiros/as, e se envolveu arte. Como afirma:
com a cultura afro-brasileira em rodas de choro e samba frequentadas
por influência de um amigo de infância, aos 11 ou 12 anos de idade. “[...] nos anos 1991 a 1993 a capoeira me levou a morar e tra-
balhar em Paris e Amsterdã. Trabalhei na Alemanha em muitas
Além da música, a capoeira tornou-se sua outra paixão, iniciando seus cidades; Bélgica, França, Finlândia, Suécia, Portugal, Itália, anti-
estudos e prática em 1981, aos 14 anos, porque duas amigas estavam ga Tchecoslováquia, dentre muitos outros países europeus. Essa
praticando e a incentivaram a ‘entrar’. Então, no Rio de Janeiro, com poderosa capoeirista, literalmente, deu volta ao mundo. Esteve
Mestre Garrincha, integrando o Grupo de Capoeira Senzala, deu início também na América, Ásia e na Oceania: “fui trabalhar em todo
à sua formação. Tisza começou a dar aulas e ter alunos em 1987, mas EUA, Canadá, México, Córsega, Colômbia, Austrália, Nova Ze-
desde 1986 dava aulas como substituta do mestre, no grupo. lândia, Caribe, Hong Kong, Japão, Coréia. Participei de diversos
eventos de capoeira e cultura brasileira nos EUA, fazendo parte
Mesmo sendo comuns os apelidos no meio capoeirístico, o único também de grupos musicais, performáticos e folclóricos (Urban
que recebeu foi logo no início da sua prática: Atiça (do verbo atiçar). Tap, Beat The Donkey, Roots of Brazil, Ornette Coleman Ensem-
Algumas pessoas achavam que seu nome era Patrícia, pois ficou co- ble, Capoeira Foundation, Ginga Brasileira são alguns deles)”.
nhecida por Tiça, naquele momento. Hoje é conhecida apenas como
Mestra Tisza. Em 1992, iniciou seus estudos de capoeira com Mestre João Grande,
em Nova Iorque, tornando-se sua discípula e aluna. Tisza tem o com-
Seguindo sua trajetória, lecionou em escolas construtivistas no Rio, promisso com a cultura oral e a capoeira angola de realizar o resgate e a
participando do processo histórico de inserção da capoeira nas escolas perpetuação da linguagem do seu mestre no Brasil. Assim, retornando
públicas e particulares cariocas. Na década de 80, participou de reuni- ao Brasil e se estabelecendo na Bahia, fundou, em 2004, o Centro de
ões sobre capoeira no Ministério da Cultura e Educação, tornando-se Capoeira Angola Ouro Verde, em parceria com o Mestre Cabello Cao-
atuante na área. Como ela afirma, “Nos anos 80 a capoeira me levou bijubá. Lá, ela leciona na área rural e no povoado de Serra Grande. Suas
para muitas esquinas e quebradas da minha cidade e município”. Desde iniciativas já receberam reconhecimento e prêmios locais e nacionais.
então, as viagens e intercâmbios tornaram-se frequentes em sua vida: Em meio a tanta movimentação, ela também é mãe. Mãezona. E tem
duas filhas da barriga, e um filho do coração, declara.
“[...] também nos 80, viajei atrás de capoeira para São Paulo,
capital, São José dos Campos, Guaratinguetá e outros interiores Mestra Tisza não é apegada a datas, mas guarda com imenso amor e or-
paulistas. Em Curitiba, em 1989, joguei com Mestre João Pe- gulho os reconhecimentos (entregas de diplomas) como contramestra
queno pela primeira vez”. e mestra, pelo Mestre João Grande. Nos conta, também, que antes dos
diplomas, já era chamada mestra nos EUA, Rio, Maranhão e em outros
Também esteve em Belo Horizonte, Petrópolis, Teresópolis, Vitória, São lugares, e temia que seu mestre se ‘arretasse’ com isso. No entanto, ela
MALTAS DE SAIA - Histórias das mestras de capoeira da Bahia
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coordenadora
cipação especial (instrumentista/cantora): CD Mágica (New York 1999),
CD Rogério Bicudo Ensemble (Amsterdã 1992), CD Nestor Capoeira e
Mestre Toni Vargas (RJ 1987), Beat The Donkey (NY 2000), CD Grupo
Senzala (RJ 1986) e em 2018, gravou, com outras mulheres capoeiris-
tas um CD. Em 2020, foi contemplada com o prêmio Emília Biancardi,
pela Secult/BA, algo que lhe deixou muito feliz, pois tem Emília Bian-
cardi como sua mestra e referência principal, e também como uma sá-
bia amiga pessoal.
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pesquisadoras
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Maristela Carvalho de Souza
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Apoio financeiro: