10 Anos Da Politica Nacional de Residuos Solidos
10 Anos Da Politica Nacional de Residuos Solidos
10 Anos Da Politica Nacional de Residuos Solidos
POLÍTICA NACIONAL
DE RESÍDUOS SÓLIDOS:
CAMINHOS E AGENDAS
DA PARA UM FUTURO SUSTENTÁVEL
ORGANIZAÇÃO
GINA RIZPAH BESEN
PEDRO ROBERTO JACOBI
CHRISTIAN LUIZ SILVA
(organizadores)
Gina Rizpah Besen
Pedro Roberto Jacobi
Christian Luiz Silva
DOI 10.11606/9786588109076
Realização
São Paulo
2021
Organizadores As ideias apresentadas nos artigos
Gina Rizpah Besen são de inteira responsabilidade de
Pedro Roberto Jacobi seus respectivos autores, não repre-
Christian Luiz Silva sentando, necessariamente, a visão
dos organizadores.
Revisão de Originais
Giovana Andrade
Imagem de Capa
Madelaine Linden
www.madelaine-linden.com
Ilustrações
Thiago Paz
Ficha Catalográfica
D532 10 anos da Política de Resíduos Sólidos: caminhos e agendas para um futuro sustentável /[Recurso eletrônico]
organizadores: Gina Rizpah Besen, Pedro Roberto Jacobi, Christian Luiz Silva. São Paulo: IEE-USP: OPNRS, 2021
ISBN 978-65-88109-07-6
DOI 10.11606/9786588109076
1. Resíduos sólidos. 2. Monitoramento ambiental. 3. Compostagem. 4. Catadores de material reciclável. I. Besen, Gina. II.
Jacobi, Pedro Roberto. III. Silva, Christian Luiz. IV. Título
CDU 620.92
Elaborado por Maria Penha da Silva Oliveira CRB-8/6961
©2021 IEE-USP Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
“
“
Em memória de Fidelis Junior Martins da Paixão,
ativista, educador ambiental e membro do Obser-
vatório da Política Nacional de Resíduos Sólidos;
vítima da Pandemia da Covid-19 junto a mais de 400
mil brasileiros, a quem também homenageamos.
Capítulos Apresentação
06
Gina Rizpah Besen, Pedro Roberto Jacobi e Christian Luiz da Silva
228
Autores
APRESENTAÇÃO
É
com muita satisfação que o Instituto de Energia e Ambiente
da Universidade de São Paulo (IEA/USP) e o Observatório
da Política Nacional de Resíduos Sólidos (OPNRS) organiza-
ram e apresentam esta publicação por ocasião dos 10 anos
transcorridos da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS).
Cabe, após estes 10 anos de implementação da PNRS, fazer um le-
vantamento da situação atual da gestão de resíduos domiciliares e
urbanos, dos avanços e retrocessos, e dos caminhos e das agendas a
serem implementados para um futuro sustentável.
É importante destacar que no, ano de 2020, a pandemia de COVID-19
afetou todos os países, trouxe a necessidade do isolamento social, do
uso de máscaras e, no Brasil, causou mais de 400.000 óbitos até o
início de maio de 2021, e em meio a crises nas esferas econômica, de
saúde pública, social, ambiental e política.
No entanto, isso não impediu a discussão deste tema tão relevante
para a sociedade e, em 2020, ocorreram vários encontros virtuais so-
bre os 10 anos de implementação da PNRS, nos quais diversos setores
da sociedade e atores da gestão de resíduos sólidos realizaram análi-
ses e avaliações de seus resultados, assim como propostas para a sua
efetiva implementação.
Se houve consenso nestes diálogos, foi o de que os resultados obtidos
nestes 10 anos ficaram aquém do esperado diante das metas e dos
princípios ambiciosos da PNRS e foram insuficientes para mudar uma
realidade que ainda se configura como totalmente inadequada quan-
to à destinação adequada dos resíduos.
Desde 2014, os lixões a céu aberto deveriam ter sido erradicados nos
municípios de todo o país, de acordo com a Política Nacional de Re-
síduos Sólidos (PNRS) instituída pelo governo federal em 2010. Veri-
fica-se que ainda se encontram no país mais de 3.000 lixões, assim
como, nos últimos anos, a produção de resíduos sólidos cresceu três
vezes mais rápido que o número de habitantes e, ainda, que dos 5.570
municípios brasileiros menos de 60% municípios possuem Planos de
Gestão de Resíduos, sobre os quais não existem informações sobre a
efetividade de sua implementação.
A existência de lixões é inaceitável após 10 anos transcorridos da apro-
vação da política tanto do ponto de vista dos danos causados pelo
descarte incorreto em lixões e de seus impactos, pois são vetores que
desencadeiam novos problemas não somente para o meio ambiente e
a saúde da pública, mas também para os cofres públicos municipais,
pois, além da contaminação do solo, do lençol freático, produção de
gases tóxicos, mau cheiro e atração de animais que transmitem do-
enças, ainda são muitas pessoas que sobrevivem de sua catação, com
riscos efetivos de transmissão de doenças.
No intuito de aprofundar o debate sobre os caminhos que se consi-
dera mais consistentes e efetivos para promover ações sustentáveis
pautadas pela inovação e equidade, os 17 artigos publicados neste
livro abordam um conjunto de temas fundamentais que contribuem
para ampliar o debate, mostrando que respostas já implementadas
no país tem plenas condições de serem disseminadas e replicadas.
Apresenta-se, inicialmente, um diagnóstico destes 10 anos de imple-
mentação da PNRS, focado em indicadores de resíduos domiciliares
do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento, e recomen-
dações. Dentre as temáticas, se discute o entendimento das corre-
lações entre a coleta seletiva e a logística reversa e pela análise do
Acordo Setorial de Resíduos Eletroeletrônicos. Apresenta-se uma
reflexão sobre os instrumentos econômicos necessários para a im-
plementação, da PNRS, uma visão crítica dos catadores de materiais
recicláveis sobre os 10 anos de PNRS. Os artigos também mostram
a atuação e perspectivas futuras para a implementação da PNRS na
visão da Aliança Resíduo Zero Brasil, da qual o OPNRS é integrante, e
ainda uma reflexão sobre como o Brasil pós-covid-19 tratará os resí-
duos sólidos urbanos.
A proposta de Plano Nacional de Resíduos Sólidos elaborado pelo Mi-
nistério do Meio Ambiente por meio de uma relação não onerosa com
a ABRELPE, em 2020, é discutido. Mostra-se o exemplo de um estado
como indutor de consórcios e ações públicas voltadas a uma econo-
mia circular, e como é possível mudar a lógica de gestão de resíduos
focada na disposição final para a economia circular, assim como se
analisa as tecnologias e propostas de geração de energia a partir dos
resíduos sólidos. Estudos de caso apresentam o fechamento do maior
lixão do Brasil no Distrito Federal com integração dos catadores de
materiais recicláveis, e a integração de catadores nos Planos munici-
pais do Rio de Janeiro, os avanços e desafios das redes solidárias de
catadores e de sua integração socioprodutiva nas políticas públicas
e na prestação de serviços de coleta seletiva e de logística reversa.
Diante do desastre da presença do plástico nos oceanos e de embala-
gens de uso único, um artigo mostra o que é reciclável e rejeito para o
mercado da reciclagem em cooperativas de reciclagem.
Por fim, e da maior importância, não poderíamos deixar de valori-
zar o papel da educação ambiental como componente essencial para
a corresponsabilização da comunidade na gestão dos resíduos e da
multiplicação de iniciativas que promovem a compostagem como um
caminho inovador para aprendizagem sobre o reaproveitamento de
resíduos orgânicos na perspectiva dos princípios da economia circular.
Esperamos, com esta contribuição, fortalecer o debate e estimular
ações concretas para que o próximo decênio da PNRS possa ser efeti-
vado para termos um país mais justo social e economicamente e que
busca a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental
propícia à vida, como preconiza a Política Nacional do Meio Ambiente.
Neste sentido pode-se observar que ao longo dos capítulos a cor cin-
za e a situação realista da capa quanto aos resíduos vai esverdeando
e trazendo esperança e novos caminhos a serem percorridos.
É com este propósito que desejamos a todos uma boa leitura para
que a reflexão permita avançarmos mais no debate e nas práticas!!
Os organizadores
// PREFÁCIO
POLÍTICA NACIONAL
DE RESÍDUOS SÓLIDOS
NOTAS PARA UM BALANÇO
NADA OTIMISTA 10 ANOS DEPOIS
por Samyra Crespo
A
Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi aprovada
na última sessão do Congresso em dezembro de 2010, no
apagar das luzes do segundo mandato do Presidente Lula.
Ficara adormecida, ou engavetada, por 20 anos. Neste pe-
ríodo, proliferaram os lixões, a fortuna de empreiteiras coletoras de
lixo, e os ganhos das empresas que deixaram ao poder público os cres-
centes gastos com a coleta e a destinação do lixo urbano, ou mesmo
rural, como é o caso das embalagens de fertilizantes e agrotóxicos.
11
aqui lembrados e, por incrível que pareça, boa parte dos empecilhos
vieram justamente do poder público, com governadores e prefeitos
reclamando da inexequibilidade da Lei que previa cinco anos para a
sua execução. Municípios pobres, remotos, pediram mais prazo (aliás
concedido quando Dilma Rousseff foi substituída por Temer). Quando
o próprio poder público sinaliza negativamente, o sinal é interpretado
pelas empresas como “vamos devagar”, e muitos serviços de logísti-
ca reversa foram desativados, recicladoras foram à falência, o apoio
aos catadores foi paulatinamente sendo retirado. Campanhas para a
conscientização do público e consumidores de um modo geral pratica-
mente não foram feitas.
12
Ao lixo já conhecido, desde 2019 adicionaram-se os resíduos da pan-
demia: máscaras, sapatilhas, toucas, luvas, e mais embalagens de de-
sinfetantes e álcool gel. Materiais usados no Planeta todo, com mais
de 7,5 bilhões de pessoas, e alguns deles descartáveis em horas (aos
médicos é recomendado que troquem a máscara a cada 2 horas e, aos
cidadãos comuns, a cada 4 ou 6 horas). A vacinação em massa, já em
curso, implicará bilhões de seringas, agulhas, recipientes plásticos ou
de vidros.
Enfim, com tais cenários, não é possível, neste momento, imaginar so-
luções otimistas e de grande alcance. Não com a recessão econômica
que avança inclemente. Claro que recicláveis têm valor econômico, po-
dem ser (e já são em alguns casos) uma economia promissora. Mas,
por hora, em nosso País, não vemos políticas ambientais ou sanitárias
que favoreçam uma mudança significativa nesse panorama, rapida-
mente aqui esboçado.
Hoje em dia, novos conceitos são colocados para os gestores que têm
o desafio de governar e cuidar das cidades: cidades sustentáveis, eco-
nomia circular, bioeconomia e outros tantos.
13
10 ANOS DA POLÍTICA
NACIONAL DE
RESÍDUOS SÓLIDOS:
indicadores de resíduos
domiciliares
Nas regiões Sul e Centro-Oeste, representam de nais, constata-se que os indicadores médios para
91,7% e 92,5%, respectivamente, valores próxi- as faixas 1 (até 30 mil habitantes) e faixa 2 (po-
mos à média nacional, e na região Sudeste, o in- pulação superior a 30 mil até 100 mil habitantes)
dicador de 96,2%. se situam abaixo da média nacional para o ano
Tabela 2: Atendimento em relação a população de 2019, ou seja, 75,4% e 86,1% respectivamente.
urbana e total (rural + urbana) Esse déficit de atendimento do serviço regular de
coleta domiciliar em relação à população total se
N. de municí- % população % população
justifica pela concentração, nestas duas faixas,
Região pios urbana Total
2010 2019 2010 2019 2010 2019
do maior contingente de população rural do país,
Norte 77 239 96,5 97,5 90,1 84,4 cerca de 86,8%.
Nordeste 395 859 97,1 97,7 91,4 85,9
A tabela 2 apresenta as médias per capita por
Sudeste 795 1304 99,2 99,2 98 96,2
região e o aumento percentual entre 2010 e 2019.
Sul 666 996 98,8 99,3 94,9 91,7
Centro Considerando-se a média per capita de resíduos
137 314 98,6 98,8 95,1 92,5
Oeste coletados, em 2010, foi de 0,93 kg/hab./dia, e de
Total 2.070 3712 98,5 98,8 95,5 92,1 0,99 kg/hab./dia em 2019. Observou-se um au-
Fonte: SNIS-RS – 2010 (Brasil, 2012) e 2019 (Brasil, 2020). mento de 6,5%.
Figura 1 – Despesa per capita com manejo de RSU em relação à população urbana
Tabela 6: Coleta seletiva de RSU nos municípios e A quantidade per capita média coletada seleti-
por região SNIS-2010, e 2019 vamente, nestes 10 anos, não teve aumento, se
mantendo praticamente no mesmo patamar.
Região SNIS 2010 SNIS 2019
Dentre as regiões, a Sul é a que se destaca tan-
Coleta Coleta
Total % Total % to em 2010 quanto em 2019, com um aumento
seletiva seletiva
de 9,8% de seu volume. Seus resultados também
Norte 75 12 16,0 239 29 12,1
Nordeste 387 48 12,4 859 96 11,2 são mais positivos em relação às outras regiões,
Sudeste 791 383 48,4 1304 633 48,5 representando mais do dobro da Sudeste, qua-
Sul 662 333 50,3 996 593 59,5 tro vezes mais do Nordeste e Norte, e quase três
C. oeste 136 25 18,4 314 87 27,7 vezes mais que a região Centro-Oeste (tabela 7).
Total 2.051 801 39,1 3712 1438 38,7
Observa-se que o aumento do número de muni-
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos SNIS-RS,
2010, 2019 (BRASIL, 2012, BRASIL, 2020). cípios com coleta seletiva foi significativo em to-
das as regiões e alcançou em torno de 169% a
A tabela 6 também mostra que as regiões Sul e mais de municípios se comparadas à 2010. Con-
Sudeste continuaram, ao longo dos últimos 10 tudo, o número de municípios com coleta seletiva
anos, bem à frente em ações de coleta seletiva. ainda é de apenas 1438 diante dos 5549 existen-
Massa
Número coletada Evolução 2010 a 2019
Massa per capita
Região de municípios (t/ano)
média (kg/hab./ano) Número de Mu- Massa Coleta- Massa per capi-
ta média
2010 2019 2010 2019 2010 2019 nicípios da/ ano
(kg/ hab./ ano)
Ao analisar a coleta seletiva por executor, em as faixas populacionais. Destaca-se a maior pre-
2010, verifica-se que a maior parte era realiza- sença dos catadores nas faixas populacionais de
da com participação de empresas contratadas 1 a 3 com população total inferior a 250 mil ha-
pelas prefeituras (42,8%), seguida pela partici- bitantes, e de empresas em municípios acima de
pação das organizações de catadores com apoio 250.000 habitantes, em especial nos municípios
da prefeitura (37,3%), e da coleta da própria pre- da Faixa 6 (população total maior do que 4 mi-
feitura de 19,9%. Em 2019, este quadro se altera lhões) (Figura 2).
com relação aos diversos operadores e segundo
Com relação à participação formal de catadores Isto demonstra que, embora ainda haja dificulda-
na coleta seletiva em parceria com o poder públi- des nos municípios para contratarem as organi-
co, estes foram responsáveis por 30,7% do total zações de catadores para executarem o serviço
das toneladas coletadas seletivamente em 2019. de coleta seletiva, a PNRS e suas políticas públi-
Segundo o levantamento, foram identificadas cas subsequentes tiveram resultados positivos em
1.480 organizações de catadores no país, em 994 promover a inclusão social e produtiva de catado-
municípios, e mais de 31 mil catadores vinculados res de materiais recicláveis, e que as organizações
a associações ou cooperativas. Já o Anuário da de catadores estão adquirindo e/ou já têm com-
Reciclagem (MNCR/PRAGMA, 2020) afirma que petência para gestão de coleta seletiva.
existem no Brasil 1829 organizações de catadores.
Total
2018
1.232 100,0 27.063 100,0 22,0
Total
2017
1.153 100,0 28.880 100,0 25,0
O espaço conquistado pelas organizações de catadores na coleta seletiva ao longo dos 10 anos de
vigência da PNRS deve ser destacado como um afirma ainda que “certamente grande parte des-
dos seus importantes resultados. Mostra a sua te fluxo intermunicipal é efetivada para unidades
capacidade de executarem os serviços quando privadas, sobretudo aterros sanitários” (BRASIL,
recebem o devido apoio por parte do governo, da
2020, p.193). Este fluxo é reportado por 2.180
sociedade civil na formação, capacitação e as-
municípios (58,7% da amostra ou 39,1% dos mu-
sessoria e na forma de políticas públicas, quanto
nicípios brasileiros). A região Sul se destaca como
do setor empresarial, a partir de sua responsabi-
lidade pós consumo pelas embalagens em geral, a de maior fluxo intermunicipal de resíduos domi-
mesmo que ainda insatisfatória. ciliares.
cidade de promover mudanças nos padrões de cia, mas ainda carece de adequações quanto aos
produção e consumo de embalagens. A terceira dados informados para dialogar com o SINIR so-
é que a incipiência da compostagem dos resíduos bre indicadores importantes, e maior precisão e
orgânicos apesar de sua importância é inaceitá- confiabilidade nos dados declarados pelas prefei-
uma pobreza que se amplia no país e a necessi- A análise do indicador de recuperação de resí-
dade de alimentar os solos tão usados para pro- duos secos não permite verificar o desempenho
dução de alimentos para consumo interno e para do Acordo Setorial de Embalagens, em geral, em
exportação. vigência no país (SINIR, 2015). Neste sentido, rei-
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Em virtude do crescimento exponencial de resí- (vidro, papel, papelão, plásticos, alumínio), a Lei
duos sólidos, em uma sociedade altamente ur- 12.305/2010, em seus arts. 26, 27, 28 e 30, prevê
banizada e voltada à produção e ao consumo de um quadro de responsabilidades (Tabela 1) que
mercadorias cada vez mais descartáveis, a ges- permite, de forma encadeada, a gestão dos resí-
tão destes resíduos impõe-se como uma tare- duos e dos rejeitos, de tal forma a evitar a ocor-
fa confiada ao Poder Público e à sociedade, por rência de danos ao meio ambiente e ao patrimô-
meio da estrutura da responsabilidade compar- nio público.
Apesar destas definições normativas, a Lei que se relaciona à temática das embalagens em
12.305/2010 não chega a especificar a quota de geral: os fabricantes de insumos de embalagens;
responsabilidade de cada elo da cadeia produti- os fabricantes de produtos que usam as emba-
va, o que reverbera nos custos de recuperação de lagens, os fabricantes de embalagens e os fabri-
cantes de rótulos de embalagens, etc1. Tampou-
embalagens a serem compartilhados entre fa-
bricantes, distribuidores, importadores e comer- 1 - Estas diferenciações foram alegadas por empresas nas
contestações à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público
ciantes. Registra-se que há subcategorias cujas do Estado do Rio Grande do Sul e pelo Município de Porto Ale gre,
em que se busca o ressarcimento dos custos com recuperação de
responsabilidades também são indefinidas no embalagens através da logística reversa.
ser ignorada. Nessa perspectiva, Batista Júnior não especifica qualquer sanção para quem não
e Campos (2014, p.32), com base em Bauman, observar os aspectos mencionados no parágra-
apontam que, em um cenário no qual “o capital fo primeiro deste dispositivo. Lega ao mercado
viaja leve, mas o trabalho permanece tão imobi- a tarefa de se autorregular. Tampouco prevê in-
lizado quanto no passado (...) os governos aca- centivos econômicos para embalagens produzi-
bam por subordinar suas políticas ao propósito das com matéria prima reciclada, apesar de esta
supremo de evitar a ameaça do desinvestimen- possibilidade estar contemplada, em tese, no art.
to”. Disso decorre a necessidade de adaptação 8º, inciso IX, do mesmo diploma legal3.
ao jogo criado pelo capital fluido, que é altamen- Quanto à logística reversa propriamente dita,
te competitivo. Este jogo significa a abertura da não há metas de recuperação de embalagens em
Administração Pública ao diálogo com o capital aterro sanitário na Lei 12.305/2010. O tema foi
e a adoção de um modelo orientado para os re- inteiramente legado à autorregulação por meio
sultados, que pressupõe a adoção de módulos de acordo setorial. O art. 33, §7º, afirma que se
consensuais para a formação da vontade esta- o titular do serviço público de limpeza urbana
tal2, em um esquema caracterizado pelo compar- ou de manejo de resíduos sólidos, por acordo se-
tilhamento da autoridade em uma rede. torial ou termo de compromisso firmado com o
É nesse contexto, então, que a Lei 12.305/2010 setor empresarial, encarregar-se de atividades
lega para a interlocução entre o setor público e de responsabilidade dos fabricantes, importa-
o setor privado a solução para a destinação fi- dores, etc., “as ações do poder público serão de-
nal das embalagens pós-consumo. Ao invés de vidamente remuneradas, na forma previamente
esta lei estabelecer metas de reciclagem e de acordada entre as partes”. No entanto, não há
reciclabilidade, determinar a substituição de em- qualquer determinação legal para a hipótese de
balagens não recicláveis por outras que o sejam o setor privado beneficiar-se da coleta seletiva e
e prazos específicos para o atendimento destas deliberadamente resistir à firmatura de acordo
metas, a exemplo do que ocorre na Comunidade com o Município.
Europeia, que adota o conceito de responsabili- No caso específico das embalagens em geral, o
2 - Os autores citam a obra “Modernidade Líquida”, de Edital 02/12, publicado pelo Ministério do Meio
Zygmunt Bauman, em um diagnóstico correto a respeito das
mutações operadas no Direito Administrativo, no sentido de 3 - Por sua vez, a falta de incentivos econômicos, associada
sua flexibilização para se ajustar à liquidez do capital, mas sua à bitributação para algumas matérias primas, constituem
abordagem não é crítica. Argumentam que o Estado Social se motivos determinantes para que o setor privado permaneça
tornou burocrático e ineficiente, motivo pelo qual precisa adotar inerte em relação ao avanço das iniciativas para recuperação de
um modelo de atuação administrativa negociada. embalagens.
veis recuperados através da coleta seletiva porta Vidros 2.373,5 8,8 3.577 12,7 3.034 14,1
BATISTA JÚNIOR, O.; CAMPOS, S. A administração pública consensual na modernidade líquida. In:
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p. 41;
No que diz respeito ao setor formal de reciclagem • Arrecadação em pontos de entrega voluntária:
de REEE, as empresas devem se regularizar por ocorre em pontos estratégicos das cidades, como
meio de registro no Instituto Brasileiro de Meio prefeituras e secretarias ambientais, redes de va-
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBA- rejo, hospitais, escolas e universidades;
MA) e em instituições estaduais, como a Empre- • Coleta domiciliar e nas empresas: ocorre direta-
sa Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) mente nas residências dos cidadãos ou nas empre-
no estado de São Paulo, por exemplo. sas que descartam seus resíduos. Essa coleta ge-
ralmente é feita pelos caminhões dos recicladores
A entrada de REEE nas empresas recicladoras é
e pode ser cara para os doadores, dependendo da
uma etapa fundamental, visto que esse resíduo
quantidade oferecida;
é a matéria-prima da atividade das plantas de
• A entrega voluntária ao reciclador ocorre direta-
processamento. No Brasil, existem três maneiras
mente nas instalações de reciclagem por cidadãos,
principais de coletar REEE:
empresas ou associações independentes de cata-
dores.
46 O acordo setorial para gestão de Resíduos Eletroeletrônicos: Desafios e possibilidades
Apesar da existência dessas três maneiras dife- chave de fenda, broca, dentre outros. O número
rentes de obter matéria-prima, a coleta de REEE de trabalhadores nesse nível varia de acordo com
representa um dos maiores desafios para a ati- as condições de organização e capitalização da
vidade de reciclagem devido à irregularidade do empresa (MAZON, 2014; GIGANTE, 2016; SAN-
fluxo de entrada. Justamente por isso, parte sig- TOS, 2020). O REEE classificado e desmontado
nificativa dessas empresas recicladoras estabe- prossegue para o Nível 2 do processo de recicla-
lece parcerias para garantir volumes mais altos gem. As empresas que executam apenas o Nível
de REEE em suas plantas de processamento. Es- 1 vendem os REEE desmontados para outras re-
sas parcerias são estabelecidas com governos cicladoras.
municipais, escolas, hospitais e empresas do
No nível 2 do processo de reciclagem, a densida-
setor secundário (especialmente bens interme-
de tecnológica aumenta, de modo que os REEE
diários e bens de consumo duráveis, como auto-
desmontados na etapa anterior passam por
móveis e equipamentos elétricos e eletrônicos) e
máquinas que continuarão com o processo de
terciário (principalmente redes de varejo), sejam
fragmentação física dos resíduos, precisamen-
elas públicas ou privadas (SANTOS, 2020).
te através de sua trituração. Essas máquinas
Após a coleta, começa a reciclagem de REEE pela variam de acordo com o material processado
empresa especializada. De acordo com o manual (plástico, metais ferrosos, metais não ferrosos e
de gestão da United Nations Environmental Pro- metais preciosos). Nessa etapa vêm frações de
gramme (UNEP, 2007), esse processo ocorre por plásticos, metais ferrosos e não ferrosos (como
meio de três níveis de processamento, dotados cobre e alumínio) e preciosos (como ouro, prata e
de densidades tecnológicas distintas. paládio), que serão alocados para o próximo nível
O nível 1 consiste em um conjunto de procedi- (UNEP, 2007; MAZON, 2014). As máquinas pre-
mentos, como a destruição de dados (contido sentes neste nível geralmente são de empresas
em alguns equipamentos, especialmente compu- estrangeiras (alemãs, estadunidenses, japone-
tadores e telefones celulares) e a classificação e sas). As empresas recicladoras fazem a atualiza-
desmontagem dos REEE coletados. Depois que ção tecnológica de gestão de REEE por meio de
os resíduos são classificados de acordo com a feiras nacionais e internacionais sobre o assunto
presença de componentes para reutilização ou (como Waste Expo Brazil e E-Waste Conference
a presença de elementos com substâncias peri- and Expo).
gosas (que exigirão procedimentos específicos
Por questões de capitalização, a reciclagem no
de segurança), a desmontagem pode começar, o
nível 3 não é realizada no Brasil, de modo que
que geralmente ocorre de forma manual. Neste
as frações obtidas na etapa anterior podem ser
nível, plásticos, cabos, placas de circuito impres-
vendidas para:
so e CRT (aparelhos de televisão com cubos) e
outros REEE desmontados são transportados
• Empresas de reciclagem fora do país que pos-
para o segundo nível. Óleos, CFCs, interruptores suem técnicas adequadas para a finalização da
de mercúrio, baterias e capacitores são descar- reciclagem, como: pirometalurgia (uso de altas
tados. As atividades são realizadas nas plantas temperaturas em fornos de fundição), hidrome-
de processamento, onde os trabalhadores utili- talurgia (uso de ácidos e soluções aquosas de
zam alguns instrumentos simples, como martelo, soda cáustica) e eletrometalúrgicas (que usam
Kauê Lopes dos Santos e Pedro Roberto Jacobi 47
corrente elétrica). Esses recicladores estão locali- trica e Eletrônica (ABINEE), a Associação Na-
zados em países como Alemanha, Bélgica, Japão,
cional dos Fabricantes de Produtos Eletroele-
Coreia do Sul, Estados Unidos e Canadá;
trônicos (ELETROS), a Associação Brasileira dos
• Siderúrgicas ou diferentes empresas industriais
Distribuidores de Produtos e Serviços de Tecno-
no Brasil capazes de reutilizar metais ferrosos e
não ferrosos reciclados. logia da Informação (ABRADISTI), a Federação
das Associações das Empresas de Tecnologia da
A ausência de recicladores com tecnologia para
Informação (ASSESPRO NACIONAL), a Gestora
executar o Nível 3 está intimamente relaciona-
da à irregularidade da coleta de REEE. Grande de Resíduos Eletroeletrônicos Nacional (GREEN
parte dessas empresas opera com uma alta ca- ELETRON), dentre outras (BRASIL, 2020).
pacidade ociosa, dado que impacta as suas con-
A proposta de acordo setorial oficialmente assi-
dições de lucro e capitalização (MAZON, 2014),
nada é aderente à Política Nacional de Resíduos
interferindo assim na possibilidade de aquisição
de maquinários mais custosos, especialmente Sólidos, uma vez que estabelece a obrigação de
aqueles relativos ao Nível 3 de reciclagem. Esses reciclar REEE domésticos no sistema de logística
problemas relativos à coleta dos resíduos são reversa (BRASIL, 2010), compartilhando respon-
objeto do acordo setorial aprovado e podem, no sabilidades entre fabricantes, importadores, dis-
médio e longo prazo, ser resolvidos, viabilizando
tribuidores e comerciantes, independentemente
a reciclagem total desse tipo de resíduo em ter-
das autoridades públicas. Além disso, o acordo
ritório nacional.
estabelece uma classificação precisa de quais
O acordo setorial objetos devem ser direcionados pelo sistema, o
No Brasil, a legislação específica sobre recicla- que facilita o entendimento de suas obrigações
gem de REEE foi aprovada em outubro de 2019 ambientais e de segurança do trabalho (BRASIL,
por meio do “Acordo Setorial para Implanta- 2020).
ção de Sistema de Logística Reversa de Produ-
tos Eletroeletrônicos de Uso Doméstico e seus
Componentes”. Esse acordo foi assinado nove Os atores e o financiamento do sistema
anos após a aprovação da Política Nacional de
No modelo de gestão compartilhada, possuem
Resíduos Sólidos. As instituições e entidades sig-
natárias foram o Ministério do Meio Ambiente obrigações: fabricantes, importadores, distribui-
(MMA), a Associação Brasileira da Indústria Elé- dores e comerciantes, como revela o Quadro 2:
Atores Obrigações
Fabricantes e I - dar destinação final ambientalmente adequada, preferencialmente para reciclagem, a cem
importadores por cento dos produtos eletroeletrônicos que forem recebidos pelo sistema;
II - informar ao Grupo de Acompanhamento de Performance os critérios objetivos para a rea-
lização do cálculo do balanço de massa de produtos eletroeletrônicos, observados os parâ-
metros estabelecidos no art. 48, especialmente:
a) a estimativa do peso médio unitário de cada um dos produtos eletroeletrônicos de que tra-
ta este Decreto comercializados no mercado interno no ano-base de 2018; e
b) a atualização periódica das estimativas de que trata a alínea “a” de acordo com a evolu-
ção do peso dos produtos em diferentes anos-base;
III - participar da execução dos planos de comunicação e de educação ambiental não formal;
e
IV - disponibilizar aos órgãos integrantes do Sisnama, quando solicitado, o relatório para veri-
ficação do cumprimento das ações de sua responsabilidade previstas neste Decreto, resguar-
dado o sigilo das informações, mediante solicitação e justificativa.
Distribuidores I - incentivar, por meio de suas entidades representativas ou por meio de acordos ou contra-
tos, a adesão às entidades gestoras ou à participação individual ao sistema de logística re-
versa dos estabelecimentos varejistas que façam parte de sua cadeia comercial;
II - informar aos estabelecimentos varejistas que façam parte de sua cadeia comercial sobre
o processo de operacionalização do sistema de logística reversa;
III - disponibilizar ou custear os espaços físicos para os pontos de consolidação a serem utili-
zados no sistema de logística reversa, observados os requisitos do manual operacional bási-
co; e
IV - disponibilizar, quando solicitado pelos órgãos integrantes do Sisnama, relatório para ve-
rificação do cumprimento das ações de sua responsabilidade previstas neste Decreto,z res-
guardado o sigilo das informações, mediante solicitação e justificativa.
Comerciantes I - informar aos consumidores, nos pontos de recebimento, acerca das suas responsabilida-
des;
II - receber, acondicionar e armazenar temporariamente os produtos eletroeletrônicos des-
cartados pelos consumidores nos pontos de recebimento e efetuar a devolução destes pro-
dutos aos fabricantes e aos importadores, observados os requisitos do manual operacional
básico e do instrumento formal firmado com a entidade gestora ou com a empresa;
III - participar da execução dos planos de comunicação e de educação ambiental não formal;
e,
IV - disponibilizar aos órgãos integrantes do Sisnama, quando solicitado, relatório para verifi-
cação do cumprimento das ações de sua responsabilidade previstas neste Decreto, resguar-
dado o sigilo das informações, mediante solicitação e justificativa.
BALDÉ, C. P. et. al. 2015. The Global e-waste monitor – 2014: Bonn/Geneva/Vienna: United Nations
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Arnaldo Jardim
Francisco Luiz Biazini Filho
Ivan de Oliveira Mello
José Valverde Machado Filho
Marcos Rodrigues Penido
54 Reflexões sobre os instrumentos econômicos da Política Nacional de Resíduos Sólidos decorridos 10 anos da sua implementação
O
s dez anos de vigência da Lei nº 12.305, -pagador, que incentiva o uso racional dos recur-
de 2 de agosto de 2010, que institui a sos naturais ou do protetor-recebedor, que com-
Política Nacional de Resíduos Sólidos pensa recursos privados em benefício do meio
(PNRS), apresentam um quadro po- ambiente (MOURA, 2006), contando apenas
sitivo do marco legal no que tange à segurança com o princípio poluidor-pagador para promo-
jurídica, à clareza de diretrizes e à vitalidade do ver a internalização das externalidades ambien-
conjunto de seus conceitos, princípios, objetivos tais negativas causadas no processo produtivo
e instrumentos de planejamento e gestão. Com- e avançar na introdução da Economia Circular,
pletada uma década, o Brasil sabe para qual transformando resíduos sólidos em novos produ-
direção seguir e os meios para uma moderna e tos para reinserção na própria cadeia ou na de
sustentável gestão e gerenciamento de resíduos terceiros.
sólidos. Este artigo pretende não se limitar a apontar o
Esta afirmativa não deve ser compreendida que não funcionou, mas propor reflexões e ca-
como abrangência ou exequibilidade integral da minhos para que os instrumentos econômicos
legislação, mas no sentido de o país contar com evoluam e se tornem uma realidade aplicada. A
um marco legal capaz de promover novos pa- PNRS e seu Decreto regulamentador elencam
radigmas e a transição necessária para o reco- claramente os caminhos para a introdução de
nhecimento dos resíduos sólidos, reutilizáveis ou instrumentos econômicos, financeiros e credití-
recicláveis técnicos ou biológicos, como um bem cios que possibilitariam que se aplicasse o que
econômico, de valor social, gerador de trabalho e nela se previu como cenário desejado. Inclusive
renda e promotor de cidadania. identificando atores e agentes que viabilizariam
o que se propôs, trazendo à luz o necessário e
Vale sempre lembrar que nossa legislação am-
esperado viés econômico nos resíduos sólidos já
biental é uma das mais recentes no mundo, o que
implementado em centenas de países.
nos permitiu incorporar os aprendizados de ou-
tros países e considerar os parâmetros mais rea-
Instrumentos Econômicos
listas quando de sua implementação, tornando-
-a uma das melhores do mundo; mesmo assim, O art. 225 da Constituição Federal já fornecia
a reciclagem no País ainda é incipiente. É senti- subsídios para definir quem pode figurar como
mento quase unânime, entre diferentes atores passivo em uma demanda ambiental ao expres-
do setor, de que os instrumentos econômicos não sar que “é dever do Poder Público e da Coletivida-
tiveram aplicabilidade prática em quase nenhu- de preservar e defender o meio ambiente”, nomi-
nando assim ambos como possíveis poluidores.
ma seara, sejam elas públicas ou privadas e que,
A PNRS então insere o inovador princípio do
para colocar em prática essa agenda ambiental,
protetor-recebedor como o alicerce para os ins-
é imprescindível a definição e materialização de
trumentos econômicos, sobre o citado instituto,
instrumentos econômicos, financeiros e credití-
Machado (2012 ) esclarece:
cios, para ampliar o parque reciclador nacional e
consequentemente aumentar os índices de reci- A denominação do princípio leva a
clagem técnica ou biológica. uma relação entre proteção ambiental
e recebimento da coletividade e do
Também não se avançou no princípio do usuário- poder público. A defesa ambiental,
Arnaldo Jardim, Francisco Luiz Biazini Filho, Ivan de Oliveira Mello, José Valverde Machado Filho e Marcos Rodrigues Penido 55
antes de ser legal, é uma tarefa ética. PNRS: a Visão Sistêmica (dentro do viés econômi-
A relação proteger-receber visa assim
co), o Triple Bottom Line (que remete diretamen-
incentivar a proteção, sem ser injusta
nos gravames ao protetor-recebedor, te ao desenvolvimento socioambiental sustentá-
ao mesmo tempo que não pode induzir vel) e a Ecoeficiência (introdução da Economia
esse protetor a um comportamento
egoístico ou antissocial, levando-se a Circular preservando recursos ambientais direta-
proteger somente o meio ambiente mente).
quando se recebe uma recompensa. O
princípio deve levar a retribuições ou O modelo hierárquico proposto para a gestão e
compensações econômicas quando a
gerenciamento adequados dos resíduos sólidos
sociedade e o poder público estiverem
em condições de fazê-lo, mediante foi estabelecido no art. 9º da PNRS, que expres-
legislação específica (art. 44 da Lei n. sa, em ordem de prioridade, as ações que deve-
12,305/2010), incentivando assim a
adoção de comportamentos perenes rão ser aplicadas, a saber: não geração, redução,
da defesa no meio ambiente. reutilização, reciclagem (de secos e de úmidos), o
correto tratamento dos resíduos sólidos e dispo-
Outra análise que pode ser feita concerne os sição final ambientalmente adequada somente
outros princípios inovadores introduzidos pela dos rejeitos.
56 Reflexões sobre os instrumentos econômicos da Política Nacional de Resíduos Sólidos decorridos 10 anos da sua implementação
Aplicar a Economia Circular com o redesenho de uma estratégia complementar à legislação de
processos e inserção de novos modelos de negó- comando e controle, haja vista que a preservação
cio possibilitará o desenvolvimento de produtos e ambiental terá maior eficácia quando se utilizar
serviços economicamente viáveis, ecologicamen- políticas de incentivo – o princípio do “protetor-
te eficientes e socialmente adequados, radicados -recebedor”. Mecanismos como o Ressarcimento
em ciclos perpétuos de reutilização e reinserção da Coleta Seletiva (MELLO, 2012) podem e de-
nas cadeias de produção como um insumo. vem ser aplicados para valorizar os recicláveis na
A criação de incentivos à produção sustentável fonte, estimulando a correta segregação e tra-
caracteriza-se como um tipo de solução positi- tamento e proporcionando a geração de renda
va – tipo “incentivo-premiação” –, que pretende para quem precisa.
induzir a tomada de decisões social e ecologica- Jardim (2020) enfatiza nesse sentido:
mente sustentáveis pela indicação de benefícios
No Brasil não há linhas de crédito nem
diretos. É dessa forma que a utilização de incen-
instrumentos fiscais para o fomento
tivos à indústria ecológica, ou aos seus produtos em inovações que reduzam a geração
e serviços, transforma-se em um mecanismo de dos resíduos. A adoção de novas
tecnologias não será atingida por
proteção ao meio ambiente (JARDIM, 2020). obra do acaso, mas como resultado de
estímulos bem direcionados. É dessa
A indústria que não investir na viabilização da forma que o Estado pode incentivar
reciclagem do seu próprio produto não merece a mudança de comportamento de
produtores e consumidores.
ser beneficiada com incentivos fiscais para fazê-
-lo. Se o Estado assim o fizer, estará não apenas
A presença expressa e nominada de instrumen-
descumprindo a Constituição, mas também pre-
tos econômicos, financeiros e creditícios como
miando a ineficiência econômica com os já escas-
um capítulo da PNRS, com dispositivos que des-
sos recursos públicos.
tacam seu viés econômico, obedecendo a princí-
Segundo Jardim (2019), pios preestabelecidos em nossa Carta Magna,
não foi capaz de promover avanços. Mas, segun-
O Pagamento por Serviços Ambientais
(PSA) está previsto em legislação e do Valverde (2016), as transformações pretendi-
abre caminho para que se reconheçam das pela PNRS são passíveis de serem colocadas
boas práticas ambientais e que sejam
assim remuneradas. É importante em prática, desde que sejam priorizados e im-
observar que a legislação ambiental plementados os princípios e instrumentos, se-
brasileira é detalhada, abrangente
e rigorosa, sendo orientada por uma jam considerados desafios e potencialidades nos
concepção de comando e controle que âmbitos local e regional e exista apoio efetivo da
visa reduzir os impactos negativos
da ação humana por meio de União.
penalizações, multas – é o princípio do
“poluidor-pagador. Um detalhe muito importante deve ser aprecia-
do: no capítulo V da PNRS, art. 42 ao art. 46, os
A Política Nacional de Pagamento por Serviços instrumentos econômicos, financeiros e credití-
Ambientais, ao contrário, busca inserir o princí- cios são expressamente apresentados, mas no
pio do estímulo e indução como forma de mudar texto final aprovado substitui-se o “deverá” pelo
comportamentos nocivos ao meio ambiente por “poderá”, o que extraiu o aspecto de aplicabili-
meio da recompensa. O PSA constitui, assim, dade compulsória e resultou na inoperância dos
Arnaldo Jardim, Francisco Luiz Biazini Filho, Ivan de Oliveira Mello, José Valverde Machado Filho e Marcos Rodrigues Penido 57
referidos instrumentos. Assim, as medidas indu- los empresários e pela própria população, pois é
toras e linhas de financiamento trazidas no art. uma efetiva ferramenta para promover a transi-
42 ainda não são colocadas em prática, nem o ção para uma economia circular e integrativa.
fomento ou a concessão de incentivos creditícios. Além disso, é importante reconhecer que as
Por esse motivo, a União, Estados, Distrito Fe- transformações determinadas pelo marco legal
deral e os Municípios, ainda não disciplinam no em relação aos resíduos sólidos urbanos serão
âmbito de suas competências a prática de incen- aplicadas por etapas – desde que haja integra-
tivos fiscais, financeiros ou creditícios. ção e cooperação de esforços entre os municí-
A implementação total da PNRS deve ser esten- pios e demais entes federados, incluindo não só a
dida para além das ações estritas da gestão e União, os Estados e o Distrito Federal, mas tam-
do gerenciamento dos resíduos, sendo percebida bém arranjos regionais com essa finalidade.
então como um instrumento eficaz e eficiente Pequenas alterações começam a ser percebidas.
que auxiliará o Brasil a migrar para uma econo- Movimentos do Congresso Nacional conseguem
mia em bases muito mais sustentáveis. hoje estabelecer maior autonomia a instituições,
Conceitualmente a Política está correta e a luta como os consórcios intermunicipais, possibilitan-
sempre foi por sua total implementação, mas do a captação de recursos e a aplicação de me-
faltaram instrumentos econômicos, financeiros lhores práticas para o tratamento dos Resíduos
e creditícios para estimular o empresariado a Sólidos, preservando assim nosso meio ambien-
realizar as mudanças necessárias dentro de suas te e consequentemente diminuindo os passivos
cadeias produtivas, internalizando com isso os ambientais e os riscos administrativos com que
custos ambientais e sociais. nossos gestores municipais arcam, como respon-
sáveis diretos pelo tratamento desses resíduos.
Uma lei inovadora, moderna e realmente revolucio-
nária, embrionada por 21 anos e que, em seu Decreto O PSA poderia ser estendido para remunerar o
, acaba não aprofundando os conceitos nem trabalho de catadores e catadoras de materiais
promovendo os avanços esperados e expressa- recicláveis, pois é uma atividade econômica que
mente definidos no título XI, relativos aos ins- gera emprego e renda para as camadas sociais
trumentos econômicos que, nos artigos 80 e 81 mais vulneráveis economicamente, utilizando
, trazem a incorporação de várias medidas posi- como referência o valor pago pelos municípios
tivas, mas que no final não foram colocadas em para a coleta e destinação de resíduos sólidos,
prática exatamente por não dar força suficiente com previsão legal para permitir o repasse para
ao instrumento legal. catadores por volume efetivamente comerciali-
zado.
Os Instrumentos econômicos, financeiros e credi-
Considerações finais
tícios, marcadamente extrafiscais, devem ser uti-
A PNRS até o momento não promoveu mudanças lizados pelo Estado para incentivar e promover a
significativas na gestão de resíduos sólidos urba- educação ambiental das cadeias de produção e de
nos, e também não foi objeto de adesão plena consumo, estabelecendo modelos claros de apli-
por estados e municípios. Deveria ser mais bem cação da responsabilidade compartilhada dentro
percebida e aplicada pelos gestores públicos, pe- de todo o ciclo de vida dos produtos e serviços.
58 Reflexões sobre os instrumentos econômicos da Política Nacional de Resíduos Sólidos decorridos 10 anos da sua implementação
A busca por padrões sustentáveis de desenvolvi- dução, passando pelo consumo e encerrando na
mento depende da incorporação de valores am- gestão dos resíduos e sua reinserção nos mode-
bientais que permitam reeducar e transformar a los de economia circular. Reconhecemos assim a
sociedade, as empresas e as pessoas. Na figura importância de focar nas primeiras camadas da
2, exemplificamos ações de prevenção para cada pirâmide da hierarquia, que promovem a preven-
ator, durante todo o ciclo de vida, desde a pro- ção.
Para induzir estas atividades preventivas, defen- Economia Circular, tema tão estratégico na mo-
demos que instrumentos econômicos e o direito derna administração pública e privada.
tributário sejam utilizados pelo Estado para in- Esse movimento tão necessário, de valorização
centivar condutas que estejam sintonizadas com efetiva dos Resíduos Sólidos, tem agora uma
práticas ambientalmente adequadas, compati- oportunidade única de aplicação prática em um
bilizando-as com o desenvolvimento econômico momento que discutimos as reformas tributá-
sustentável e aplicando assim os princípios da rias no Congresso Nacional ao mesmo tempo
Arnaldo Jardim, Francisco Luiz Biazini Filho, Ivan de Oliveira Mello, José Valverde Machado Filho e Marcos Rodrigues Penido 59
que um Marco Regulatório do Saneamento Bási- propulsor desta nova economia.
co, que se regra pela eficiência e pela concorrên- Assim, aplicar a PNRS é uma obrigação de todos
cia de mercado, entra em vigência, focando na os gestores, públicos e privados, em todas as es-
universalização dos quatro eixos do saneamento, feras, e servirá para promover a tão necessária
os cuidados com a água, com o esgoto, com a sustentabilidade socioambiental, bandeira que é
drenagem urbana e com os resíduos sólidos. hoje a base para todas as empresas e que acaba
É preciso entender o resíduo sólido como um bem tendo poucas ferramentas para sua implemen-
econômico, de alto valor social, gerador de em- tação. Tratar os resíduos sólidos é uma obriga-
prego e renda, promovendo a cidadania e melho- ção de todos, mas, antes disso, uma oportuni-
rando a qualidade de vida de todos – o valor do dade única de deixar um legado para todas as
resíduo deve ser preservado e utilizado como o próximas gerações.
60 Reflexões sobre os instrumentos econômicos da Política Nacional de Resíduos Sólidos decorridos 10 anos da sua implementação
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Arnaldo Jardim, Francisco Luiz Biazini Filho, Ivan de Oliveira Mello, José Valverde Machado Filho e Marcos Rodrigues Penido 61
A [I]MATURIDADE DA
POLÍTICA NACIONAL
DE EDUCAÇÃO
AMBIENTAL NO BRASIL
E SEUS REFLEXOS NA
IMPLEMENTAÇÃO DA
POLÍTICA NACIONAL DE
RESÍDUOS SÓLIDOS
Arlinda Cézar-Matos
62 A [i]maturidade da Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil e seus reflexos na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos
O
Brasil está há 10 anos em meio à im- sentido de garantir que as políticas públicas con-
plantação da Política Nacional de Re- duzam a uma mudança não apenas de nossas
síduos Sólidos – PNRS, que estabele- percepções e maneiras de pensar, mas também
ceu metas previstas para 2012 e 2014 de nossos valores. Já em 1992, a Agenda 21, no
que ainda não foram cumpridas em sua totalida- seu capítulo 36, tratava da Promoção do ensino,
de. Já a Política Nacional de Educação Ambiental da conscientização e do treinamento, deixando
– PNEA, que há 21 anos propõe-se a estabelecer claro que o ensino formal é indispensável para
os “processos por meio dos quais o indivíduo e a modificar a atitude das pessoas.
coletividade constroem valores sociais, conheci-
O ensino, inclusive o ensino formal, a
mentos, habilidades, atitudes e competências consciência pública e o treinamento
devem ser reconhecidos como um
voltadas para a conservação do meio ambiente,
processo pelo qual os seres humanos
bem de uso comum do povo, essencial à sadia e as sociedades podem desenvolver
qualidade de vida e sua sustentabilidade”(BRA- plenamente suas potencialidades. O
ensino tem fundamental importância
SIL, 1999, p. 1) segundo seus próprios termos e na promoção do desenvolvimento
definições, apesar de avanços no campo não sustentável e para aumentar a
capacidade do povo para abordar
formal, apresenta um retardo comprometedor questões de meio ambiente e
quanto a sua presença no currículo da educação desenvolvimento. Ainda que o ensino
básico sirva de fundamento para o
básica. ensino em matéria de ambiente e
desenvolvimento, este último deve ser
Por um eixo, estas políticas públicas buscam a so- incorporado como parte essencial do
lução do que fazer com os resíduos, numa pers- aprendizado (...) (CNUMD, 1997, Cap.
36-item 36.3, pg. 533).
pectiva que abrange desde sua geração até sua
destinação final, passando nesse entremeio pelas
etapas consagradas em princípios da produção e
consumo sustentáveis. Já pelo outro eixo, da edu- Segundo Sauvé (1999), mesmo que se tenha uma
cação ambiental, tratam do que pode ser chama- preocupação comum com o meio ambiente e
do de cidadania na sociedade de risco, lidando com com sua importância na educação, percebe-se
a ameaça de rompimento do equilíbrio ecológico que diferentes autores possuem diferentes dis-
do Planeta (BECK, 2010). Têm a tarefa de incen- cursos sobre Educação Ambiental e propõem di-
tivar a “participação individual e coletiva, perma- ferentes maneiras de conceber e praticar a ação
nente e responsável, na preservação do equilíbrio pedagógica.
[...] Educação Ambiental não é uma
do meio ambiente, entendendo-se a defesa da ‘disciplina’ e não ‘foca primeiramente
qualidade ambiental como um valor inseparável no meio ambiente’: é uma dimensão
essencial da educação fundamental
do exercício da cidadania” (BRASIL, 1999, p. 2). cujo objeto é a reconstrução da
complexa rede de relacionamentos
Não erra-se ao dizer que tais políticas, em que entre pessoas, grupos sociais e o
pese a existência de metas de curto, médio e lon- meio ambiente (SAUVÉ, 1999, p. 29,
tradução livre).1
go prazos, envolvem aspectos cujos resultados
mais apreciáveis são geracionais, o que passa ne- 1 - “Finally, environmental education is not a ‘discipline’ and does
not ‘focus primarily on the environment’: it is an essential dimension
cessariamente pela construção do conhecimento. of fundamental education whose object is the reconstruction of
the complex web of relationships between persons, social groups
Muitas recomendações já foram apontadas no and the environment” (SAUVÉ, 1999, p. 29).
Arlinda Cézar-Matos 63
Um dos maiores problemas que limita a inserção síduos sólidos urbanos das capitais brasileiras,
da Educação Ambiental na escola é a falta de antes da PNRS e após a sua instituição, no perío-
professores capacitados. Propiciar aos professo- do de 2008 a 2014, apontou que “sua efetivação,
res uma compreensão abrangente dos problemas ainda carece de alguns instrumentos propostos
e potencialidades socioambientais e educativos, para sua concretude” (SILVA et al., 2017, pg. 38).
de sua complexidade estrutural e da dinâmica de Com relação à dimensão reciclagem, os indica-
suas inter-relações tem demonstrado ser o cami- dores de percentual de resíduo coletado para re-
nho certo para uma abordagem didático-peda- ciclagem mostraram que entre as capitais a taxa
gógica da gestão dos resíduos. média de coleta para reciclagem variou de 0,7%
A formação de professores-multiplicadores em a 1,6% do resíduo coletado no período do estudo.
educação ambiental por meio do método de par- O que expressa uma taxa muito baixa, implican-
ticipação-ação para construção do conhecimen- do para os municípios em perdas financeiras pelo
to, visando a inserção transversal dos conteúdos custo da tonelada de resíduo aterrado e de ren-
de educação ambiental nos currículos do ensino da, uma vez que o resíduo passível de reciclagem
fundamental e médio da rede pública do muni- não foi comercializado (SILVA et al., 2017).
cípio de Crateús (CE), entre 2013 e 2014, como Mesmo quando nos referimos a dados mais
parte das estratégias de implantação do Plano atuais, verificamos que os resultados continuam
Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Só- sendo pífios. Em 2018, os brasileiros geraram 79
lidos, tem demonstrado até os dias atuais ser milhões de toneladas de resíduos sólidos urba-
uma resposta inteligente à coleta seletiva muni- nos, mas apenas 43,3 milhões de toneladas tive-
cipal (CÉZAR-MATOS, 2017). ram destinação adequada em aterros sanitários,
Não resta dúvidas que a Política Nacional de 29,5 milhões de toneladas foram despejadas em
Resíduos Sólidos – PNRS foi um marco regula- locais inadequados por 3.001 municípios, colo-
tório importante e bastante esperado para que cando em risco a saúde das pessoas e o meio am-
a gestão de resíduos nos municípios começasse biente (ABRELPE, 2019). Já o Panorama de 2020
a entrar nas agendas política e técnica dos go- relata que em 10 anos a geração de resíduos
vernos. No entanto, apesar da grande expectati- cresceu 19% e que o custo da destinação ina-
va, os indicadores de reciclagem dos últimos dez dequada dos resíduos é da ordem de um bilhão
anos têm mostrado pouco avanço, um reflexo de de dólares por ano (ABRELPE, 2020). De acordo
que mesmo que os números da coleta seletiva com o Anuário da Reciclagem de 2018, produzido
tenham tido significativos crescimentos, o índice pela Associação Nacional dos Catadores e Ca-
de reciclagem ainda é muito baixo. Em 2019, a tadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), foram
massa recuperada de resíduos sólidos recicláveis coletadas e comercializadas pelas cooperativas
por habitante urbano foi de 7,5 Kg/ano. Menor e associações de catadores 67.048 toneladas de
que a do ano anterior que registrou 7,6 kg/ano resíduos recicláveis, o que representou uma que-
(SNIS, 2019. pg. 136). da de 20,5% quando comparado ao ano anterior
Um estudo que avaliou os indicadores multidi- (2017), cuja coleta e venda fechou em 84.303 to-
mensionais para compreensão da evolução das neladas (Ancat, 2018).
políticas municipais da gestão integrada de re- É quase uma unanimidade reconhecer que trata-
64 A [i]maturidade da Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil e seus reflexos na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos
se de uma equação complexa de ser resolvida, a serem fomentadas pelo Estado,
sobretudo na implementação dos
que o modelo atual é insustentável e que a Polí-
objetivos e direitos fundamentais
tica Nacional de Resíduos Sólidos ainda não teve dispostos na Constituição (SILVA,
seus princípios e objetivos refletidos no mundo 2008, pg. 73).
real. Nas publicações consultadas para este ar- As políticas têm suas trajetórias e seus tempos
tigo (Anuário, 2017-2018; Diagnóstico, 2019; Pa- de construção. Nesse contexto, as políticas de
norama 2018-2019, 2020), dentre os muitos de- educação ambiental e de resíduos sólidos per-
safios colocados para a Implantação da mesma, correram um longo caminho até serem promul-
nenhum fez referência ao instrumento da Edu- gadas. Suas formulações são frutos de muitos
cação Ambiental. Fala-se em maior esforço da movimentos e discussões ao longo do tempo,
administração pública, organização da cadeia de culminando em acúmulo de experiências que em-
resíduos, superar déficits consideráveis na coleta basam a prospecção do futuro no Brasil.
seletiva, recuperação de materiais, disposição fi-
Apesar do governo federal ter criado o Programa
nal, custo alto das operações de limpeza urbana,
Nacional de Educação Ambiental – PRONEA em
entre tantos.
1994, a Política Nacional de Educação Ambiental
Para resolver essa equação complexa é preciso – PNEA foi instituída somente em 1999, pela Lei
considerar que nela existe uma “variável incon- Federal nº 9.795, e teve seu Decreto regulamen-
trolável” que são as pessoas. Não se pode pensar tador publicado em 2002 (Decreto nº 4.281/02).
nas questões de gestão de resíduos que carac- Como conceito norteador, a referida norma traz
terizam a comunidade sem integrar a escola a em seu bojo:
qual ela atende por meio da Educação Ambiental
Art. 1o Entendem-se por educação
Formal. ambiental os processos por meio
dos quais o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes
Políticas Públicas de Educação Ambiental e de e competências voltadas para a
Resíduos Sólidos conservação do meio ambiente, bem
de uso comum do povo, essencial
à sadia qualidade de vida e sua
As políticas públicas têm a função de promover
sustentabilidade.
o bem-estar da sociedade, a partir da estrutu-
ração do Estado, proporcionando ações de me- Esta Política impõe às instituições de ensino a
lhorias nos âmbitos da saúde, cultura, educação, tarefa de desenvolverem de forma permanen-
ambiente, entre outros. Estas são estruturan- te a Educação Ambiental em todos os níveis e
tes quando organizam elementos isolados para modalidades do processo educativo, em caráter
compor um todo orgânico e coerente. formal. A lei reafirma o direito à Educação Am-
De acordo com a visão de Silva, as políticas pú- biental a todo cidadão brasileiro comprometen-
blicas do os sistemas de ensino a provê-lo no âmbito do
ensino formal. Em outras palavras, poderíamos
Podem ser entendidas como um
conjunto de planos e programas dizer que todo(a) aluno(a) na escola brasileira
de ação governamental destinado tem garantido esse direito, durante todo o seu
a intervenção no domínio
social, por meio dos quais são período de escolaridade. Mas a lei, por si mesma,
delineadas as diretrizes e metas não produz adesão e eficácia. Somente quando
Arlinda Cézar-Matos 65
se compreende a importância do que ela tutela ção Ambiental, o Artigo 5º (BRASIL, 1999) os traz
ou disciplina, captando seu sentido educativo, é elencados conforme abaixo:
que ela pode ser transformadora de valores, ati-
tudes e das relações sociais. I - o desenvolvimento de uma
compreensão integrada do meio
A Educação Ambiental, bem ambiente em suas múltiplas e
compreendida, deverá construir uma complexas relações, envolvendo
educação geral permanente que reaja aspectos ecológicos, psicológicos,
às mudanças produzidas num mundo legais, políticos, sociais, econômicos,
em rápida evolução. Essa educação científicos, culturais e éticos;
deverá preparar o indivíduo através
da compreensão dos principais II - a garantia de democratização das
problemas do mundo contemporâneo, informações ambientais;
proporcionando-lhe os conhecimentos
técnicos e as qualidades necessárias
para desempenhar uma função III - o estímulo e o fortalecimento
produtiva que vise melhorar a vida de uma consciência crítica sobre a
e proteger o ambiente, valorizando problemática ambiental e social;
os aspectos éticos (DECLARAÇÃO
TBILISI, 1977, p. 1). IV - o incentivo à participação individual
e coletiva, permanente e responsável,
na preservação do equilíbrio do meio
Enquanto as outras instituições devem executar
ambiente, entendendo-se a defesa da
Educação Ambiental Não-Formal, assim, pode- qualidade ambiental como um valor
inseparável do exercício da cidadania;
mos considerar que a Lei traz em seu bojo a dis-
tinção de dois grandes públicos: 1) Instituições de V - o estímulo à cooperação entre as
Ensino e 2) Todas as outras Instituições. diversas regiões do País, em níveis
micro e macrorregionais, com vistas
Dentre os princípios básicos da Educação Am- à construção de uma sociedade
ambientalmente equilibrada,
biental instituídos pela norma no seu Artigo 4º, fundada nos princípios da liberdade,
tem-se: igualdade, solidariedade, democracia,
justiça social, responsabilidade e
I - o enfoque humanista, holístico, sustentabilidade;
democrático e participativo; II -
a concepção do meio ambiente VI - o fomento e o fortalecimento
em sua totalidade, considerando da integração com a ciência e a
a interdependência entre o meio tecnologia;
natural, o socioeconômico e o cultural,
sob o enfoque da sustentabilidade; III
- o pluralismo de ideias e concepções VII - o fortalecimento da cidadania,
pedagógicas, na perspectiva da inter, autodeterminação dos povos e
multi e transdisciplinaridade; IV - a solidariedade como fundamentos
vinculação entre a ética, a educação, para o futuro da humanidade.
o trabalho e as práticas sociais;
V - a garantia de continuidade e Vale ressaltar que a Educação Ambiental não é
permanência do processo educativo;
VI - a permanente avaliação crítica do
uma área de conhecimento e atuação isolada. O
processo educativo; VII - a abordagem contexto em que surgiu deixa claro seu propósi-
articulada das questões ambientais
to de formar agentes capazes de compreender
locais, regionais, nacionais e globais;
VIII - o reconhecimento e o respeito à a interdependência dos vários elementos que
pluralidade e à diversidade individual
compõem a cadeia de sustentação da vida, as
e cultural (BRASIL, 1999).
relações de causa e efeito da intervenção huma-
Quanto aos objetivos fundamentais da Educa- na nessa cadeia, de se engajar na prevenção e
66 A [i]maturidade da Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil e seus reflexos na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos
solução de problemas socioambientais e de criar Ambiental (CGEA/MEC) representava o Ministé-
formas de existência mais justas e sintonizadas rio da Educação e passou, então, a fazer parte
com o equilíbrio do planeta. da grande força-tarefa para convocação da co-
munidade escolar e sociedade como um todo na
A PNRS guarda estreita relação com o importan-
disseminação dos conceitos e construção de co-
te eixo da educação ambiental, trazendo expres-
nhecimentos em Educação Ambiental Formal e
sa diretriz em tal sentido no seu art. 5º, ao dispor
Não Formal.
que a
Sabendo que a introdução da dimensão ambien-
Política Nacional de Resíduos Sólidos
integra a Política Nacional do Meio tal iria exigir um novo modelo de professor, a
Ambiente e articula-se com a Política
Coordenadoria de Educação Ambiental do MEC
Nacional de Educação Ambiental,
regulada pela Lei no 9.795, de 27 de nos anos de 1996 e 1997 realizou três cursos de
abril de 1999, com a Política Federal capacitação para técnicos e professores das se-
de Saneamento Básico, regulada
pela Lei nº 11.445, de 2007, e com cretarias de educação e delegacias de ensino dos
a Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005 estados, visando com isso orientar as ações dos
(BRASIL, 2010, p. 3).
professores no atendimento aos novos Parâme-
A Lei traz ainda, no seu bojo, a Educação Am- tros Curriculares Nacionais
biental como um de seus instrumentos de imple- Em 2019, a 1ª Conferência Internacional de Edu-
mentação: “Art. 8º São instrumentos da Política cação Ambiental, realizada pelo Instituto Venturi
Nacional de Resíduos Sólidos, entre outros: (…) Para Estudos Ambientais, em Bento Gonçalves,
VIII - a educação ambiental; (...)”. no Rio Grande do Sul, reuniu especialistas e in-
Os princípios da PNRS vão traçados no art. 6º. teressados para discutir e analisar os avanços
da Lei nº. 12.305/10, sendo aqui salientados ele- e retrocessos da Educação Ambiental no Brasil
mentos que reforçam “(...) a visão sistêmica, na (CIEDUCA, 2019). O resultado dessa reflexão
gestão dos resíduos sólidos, que considere as foi publicado num documento intitulado “Carta
variáveis ambiental, social, cultural, econômica, de Bento Gonçalves” (CIEDUCA, 2019), que teve
tecnológica e de saúde pública; (inciso III)”, ainda, como referência o documento “Declaração de
o “reconhecimento do resíduo sólido reutilizável Brasília para a Educação Ambiental”, elaborado
e reciclável como um bem econômico e de valor na I Conferência Nacional de Educação Ambien-
social, gerador de trabalho e renda e promotor tal em 1997, documento que apontou a criação
de cidadania” com previsão no seu inciso VI, tudo de um marco de referência para a concepção de
a determinar a adoção dos princípios da susten- políticas e instrumentos dirigidos para a constru-
tabilidade em todas as suas variáveis. ção de uma “nova ética ambiental”.
Este documento reconhece a “necessidade de
ruptura com o paradigma positivista pela Edu-
O Ministério da Educação e a Educação Ambiental
cação Ambiental contrária, portanto, à fragmen-
No ano seguinte à regulamentação da PNEA, tação temática adotada pelos modelos pedagó-
em 2003, foi criado o seu Órgão Gestor, com- gicos tradicionais” e que a
posto à época pelos Ministérios da Educação e
Educação Ambiental precisa voltar a
do Meio Ambiente. A Coordenação de Educação ter no currículo a representatividade
Arlinda Cézar-Matos 67
em sua composição em Áreas do cumentos da segunda e terceira BNCC, apontam
Conhecimento e Temas Transversais,
preconizada pelos Parâmetros
para um apagamento da Educação Ambiental
Curriculares Nacionais, não como a no currículo escolar, que, na visão das autoras,
redução de um tema apontado na
Base Nacional Comum Curricular
representaria:
(CIEDUCA, 2019).
O descumprimento de pressupostos
legais que estipulam a obrigatoriedade
da EA no currículo escolar, como:
Base Nacional Comum Curricular – BNCC (i) a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de
1981, que estabeleceu como um dos
Nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional princípios da Política Nacional de Meio
Ambiente, no seu Art.2º (BRASIL,
existem poucas menções à educação ambiental. 1981); (ii) a Constituição Federal
A referência é feita no artigo 32, inciso II, segun- de 5 de outubro de 1988 reafirma
o princípio da Política Nacional de
do o qual se exige, para o Ensino Fundamental, Meio Ambiente (BRASIL, 1988); (iii)
a “compreensão ambiental natural e social do a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999
dispõe sobre a Política Nacional de
sistema político, da tecnologia, das artes e dos
Educação Ambiental (BRASIL, 1999);
valores em que se fundamenta a sociedade”; e no e a regulamentação da Lei nº 9.795,
de 1999, via Decreto nº 4.281 de 25
artigo 36, § 1º, segundo o qual os currículos do
de junho de 2002 (BRASIL, 2002);
ensino fundamental e médio “devem abranger, Diretrizes Curriculares Nacionais
(MEC. CNE, 2012); PLS nº221, de 2015,
obrigatoriamente, (...) o conhecimento do mun-
em tramitação, que vai ao encontro
do físico e natural e da realidade social e política, das legislações anteriores e altera a
especialmente do Brasil” (BRASIL, 1996). Lei nº 9.795 (BRASIL, 2015, p. 3).
Arlinda Cézar-Matos 71
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74 A [i]maturidade da Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil e seus reflexos na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos
COMO O BRASIL PÓS-
COVID-19 TRATARÁ OS
RESÍDUOS SÓLIDOS
URBANOS?
Elisabeth Grimberg
Elisabeth Grimberg 75
A
crise do coronavírus vem nos mos- leta de recicláveis nas ruas das cidades. Eram e
trando que certas atitudes, políticas continuam sendo praticamente os únicos atores
e práticas devem ser abandonadas da sociedade que garantem o retorno dos pro-
se quisermos ter um outro futuro so- dutos pós-consumo para a cadeia da reciclagem,
cialmente e, também, ambientalmente. Porém, ciclo virtuoso dos resíduos urbanos.
a responsabilidade não é apenas individual. Para Outra aposta, considerada fundamental pela
falar do futuro dos resíduos nas cidades é preciso sociedade à época, era a responsabilização do
jogar luz no fio da história recente, a construção setor produtivo pelos resíduos gerados. E assim,
da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS consequentemente deixar claras as atribuições
(BRASIL, 2010a), aprovada em 2010, e nos desa- do setor público municipal e do setor empresa-
fios para sua implementação. rial pelo manejo dos diferentes tipos de resíduos
A partir de agora, ao invés de usar a palavra “lixo”, e também pelo ciclo de vida do produto.
vamos preferir “resíduos”. Afinal, lixo é aquilo que Durante a construção da PNRS, também era im-
não serve para mais nada, e muita coisa que é portante garantir mecanismos legais para uma
descartada poderia sim, ter outro destino. mudança na lógica de manejo dos resíduos ge-
rados nos domicílios. Isso significa estabelecer
rotas tecnológicas de tratamento que definitiva-
Breve histórico da Política Nacional de Resíduos
mente valorizem a função regenerativa dos re-
Sólidos - PNRS
síduos urbanos. Compostagem e/ou biodigestão
Durante quase 20 anos, muitas instituições e dos resíduos orgânicos (sobras de alimentos e
articulações da sociedade se mobilizaram para poda) que assim voltam para a terra, sob forma
construir um marco regulatório para o manejo de composto e reciclagem dos materiais reciclá-
dos resíduos sólidos que contemplasse as dimen- veis (papel/papelão, metais, vidros, plásticos),
sões sociais, ambientais, econômicas e culturais. que, por sua vez, voltam para a cadeia produtiva
Destacamos aqui a importante atuação do Mo- e tornam-se novos produtos. Para isso, é neces-
vimento Nacional de Catadores de Materiais Re- sário estabelecer também as responsabilidades
cicláveis – MNCR (MNCR, 2020). pela coleta e tratamento de cada tipo de resíduo.
A nossa aposta era a de transformar radicalmen- Por fim, buscou-se assegurar que a lei trouxesse
te o sistema existente de manejo de resíduos do- dispositivos para garantir a ordem de prioridade
miciliares. Por um lado, terminar com o desperdí- da “não geração, redução, reutilização, recicla-
cio de matérias primas pela sua destinação para gem, tratamento dos resíduos sólidos e dispo-
aterros sanitários e lixões, verdadeiros depósitos sição final ambientalmente adequada dos rejei-
a céu aberto de resíduos feitos de forma ilegal e tos”, e isso consta no o Art. 9º da PNRS. Mas esse
irregular, ato considerado crime ambiental por lei mesmo artigo também autoriza utilização de
em 1998. E, por outro lado, a aposta era a implan- “tecnologias de recuperação energética”, ou seja,
tação de um sistema que valorizasse o trabalho a incineração dos resíduos sólidos. O que isso sig-
informal das catadoras e catadores que naquele nifica? Ao final deste artigo retomaremos essa
momento já atuavam há mais de 50 anos na co- questão.
Elisabeth Grimberg 77
Deduz-se desse conteúdo da PNRS que, se as çar neste sentido, ou seja, na coleta e tratamento
prefeituras assumirem os serviços de coleta e o diferenciado dos resíduos orgânicos. Muito pouco
pagamento dos serviços de triagem realizados, se andou, salvo algumas poucas iniciativas do se-
no caso, pelas cooperativas de catadores, o po- tor público no país, tais como a compostagem de
der público deve ser ressarcido pelo setor em- 20% dos resíduos orgânicos das feiras da cidade
presarial. E mais, se a integração dos catadores de São Paulo, e o conjunto das escolas do municí-
e sua contratação está prevista em leis (Lei Nº pio de Ilhabela (litoral paulista). Os avanços mais
12.305/2010 e Lei Nº 11.445/2007), por que as expressivos de práticas de compostagem em es-
prefeituras não se articulam e exigem o devido cala vêm do setor privado, da agroindústria, de-
ressarcimento? monstrando a viabilidade do ponto de vista eco-
Os resíduos recicláveis são cerca de 35% do total nômico, técnico e ambiental. Exemplos disso são
dos resíduos gerados pela população. E apenas as empresas Tera Ambiental (SP), Ecomark (SP),
cerca de 3% do total gerado pelas residências é AgroDKV (SP), Ecocitrus (RS).
recuperado pelo trabalho dos 800 mil catado- Ou seja, constata-se um desperdício enorme do
res que atuam há mais de 60 anos nas ruas das ponto de vista da economia circular, além de per-
cidades. Sua auto-organização ao longo desses da de oportunidades para ampliação de postos
anos provou que são profissionais plenamente de trabalho!
capazes de fazerem a classificação dos mate-
riais atendendo as exigências do mercado da re-
ciclagem. Sempre e quando apoiados por investi- Quais são os desafios da gestão dos RSU para o
mentos públicos federais, estaduais e municipais período Pós-Pandemia?
para terem condições de trabalho seguro, com
A pandemia de COVID-19 desvelou as condições
equipamentos adequados e espaços de opera-
precárias estruturais de trabalho das coopera-
ção estruturados, desempenham de maneira efi-
tivas de catadores. Dada a ameaça de serem
ciente e eficaz os serviços que prestam à cidade.
infectados pelo vírus, pela falta de condições
Outro ponto central que a lei contemplou é a dignas e adequadas de trabalho, essas trabalha-
determinação de que apenas rejeitos devem ir doras e trabalhadores viram-se em situação de
para aterros sanitários (cerca de 15%). Ou seja, extrema vulnerabilidade e fragilidade e a coleta
a fração orgânica, 50% do total gerados nos do- seletiva operada pelo poder público foi suspen-
micílios deve ser coletada separadamente dos sa na grande maioria dos municípios. 80% dos
recicláveis e destinada para compostagem e/ou catadores pararam suas atividades. Um grande
biodigestão. número de catadores avulsos continuou a coletar
A PNRS também definiu que “cabe ao titular dos materiais nas ruas, correndo sérios riscos de con-
serviços públicos de limpeza urbana e de mane- taminação, por necessidade absoluta de sobrevi-
jo de resíduos sólidos (...) implantar sistema de vência. Essa população, por sua vez, não teve até
compostagem para resíduos sólidos orgânicos hoje programas públicos que promovessem sua
e articular com os agentes econômicos e sociais integração em cooperativas estruturadas.
formas de utilização do composto produzido”. A aposta para o futuro de curto e médio prazo é
Até o momento, as prefeituras resistem em avan- de que o poder público invista definitivamente na
78 Como o Brasil pós-COVID-19 tratará os resíduos sólidos urbanos?
estruturação do trabalho das cooperativas (para tano, produzido pela degradação da matéria
permitir sua ampliação) e promova a inclusão dos orgânica em aterros e lixões (esse gás é mais
catadores avulsos, garantindo equipamentos de impactante que o CO²); (f) geração de postos
proteção individual (EPIs) e instalações adequa- de trabalho.
das. E, também, que o setor produtivo assuma Mas o país enfrenta um grande desafio com
sua responsabilidade pós-consumo, como deter- a investida das empresas de incineração. Os
mina a lei, e passe a custear a coleta seletiva e municípios precisam acordar para a janela de
a remuneração justa pelos serviços prestados oportunidades que se abre ao recuperarem os
pelas cooperativas. Isso irá viabilizar a amplia- recicláveis e compostáveis, cerca de 85% de
ção da rede de cooperativas que assim poderão tudo que é gerado nas residências: geração de
atender as cidades como um todo. Campanhas trabalho e renda, benefícios para o equilíbrio
de informação e educação ambiental também climático e para o meio ambiente, entre ou-
devem ser promovidas pelo setor empresarial em tros.
conjunto com o poder público.
Com a pandemia de COVID-19, a ABREN – As-
Outra aposta é que as prefeituras passem a im- sociação Nacional de Recuperação Energética,
plementar imediatamente nos 5.570 municípios representante institucional das empresas de
brasileiros o circuito virtuoso do reaproveita- queima de resíduos, tem desenvolvido a nar-
mento dos resíduos orgânicos: por meio da com- rativa de que a destruição dos resíduos sóli-
postagem e/ou biodigestão. Especialmente nos dos urbanos junto com os resíduos de serviços
4.900 municípios com até 50 mil habitantes, há a de saúde protegeria mais a sociedade face a
oportunidade de se avançar nesse sentido. essa pandemia e outras que puderem aconte-
A área rural desses pequenos municípios está cer. Sabe-se que esse argumento é uma falá-
muito próxima da área urbana, havendo a pos- cia e tenta manipular a realidade para ganhar
sibilidade concreta de compartilhamento de ser- incentivos do governo federal para financia-
viços entre municípios vizinhos, otimizando desta mento dessas instalações que são extrema-
forma o uso dos recursos de infraestrutura e ope- damente caras.
ração. Além disso, a compostagem promoverá a Os incineradores, além de interromperem o ci-
agricultura regenerativa nos empreendimentos clo de vida dos produtos e destruírem uma ma-
agroecológicos de pequenos e médios produto- téria preciosa como é o resíduo orgânico, lan-
res rurais. çam Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs)
Vale ressaltar que os benefícios da fertilização na atmosfera, geram cinzas com alto teor de
natural do solo pelo uso de composto orgânico contaminação por metais pesados e emitem
são diversos, destacando-se: (a) uso de insumos GEE (Gases de Efeito Estufa). Cabe salientar
orgânicos capazes de suprirem os solos com nu- que os resíduos de saúde que necessitam de
trientes essenciais; (b) promoção de sistemas tratamento são na sua maioria compostos de
agrícolas de base ecológica; (c) redução de im- plásticos que, quando incinerados, também li-
portação de fertilizantes químicos; (d) potencial beram os POPs, principalmente dioxinas e fu-
captura de CO² pela disposição de composto em ranos (substâncias altamente cancerígenas)
solos de pastagem; (e) não emissão de gás me- (CONNECT, 2020), sendo que existem tec-
Elisabeth Grimberg 79
nologias de tratamento dos mesmos mais ami- Artigo originalmente publicado no website do ArchDaily
gáveis ao meio ambiente, como tratamento por Brasil, em 5 de junho de 2020.
vapor (autoclavação), e que são recomendadas
pela OMS e também na Convenção de Estocolmo
(ARZB, 2020).
A sociedade quer exercer seu direito de viver
em cidades inclusivas, justas e ambientalmente
equilibradas e estará mobilizada por garanti-lo
no pós-pandemia.
BRASIL. Lei Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Presidência
da República, Casa Civil, Brasília – DF, 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l9605.htm>. Acesso em: 9 mar. 2021.
______. Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei
no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil,
Brasília – DF, 2010a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/
l12305.htm>. Acesso em: 9 mar. 2021.
_
_____. Decreto Nº 7.405, de 3 de dezembro de 2010. Institui o Programa Pró-Catador, denomina Co-
mitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e
Recicláveis o Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de Lixo criado pelo Decreto de
11 de setembro de 2003, dispõe sobre sua organização e funcionamento, e dá outras providências.
Presidência da República, Secretaria-Geral, Brasília – DF, 2010b. Disponível em: <http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7405.htm>. Acesso em: 9 mar. 2021.
CONNECT, P. Why incineration is a very bad idea in the Twenty First Century. Disponível em: <https://
www.no-burn.org/why-incineration-is-a-very-bad-idea-in-the-twenty-first-century/>. Acesso em: 9
mar. 2021.
GRIMBERG, Elisabeth. Coleta seletiva com inclusão dos catadores – Fórum lixo e cidadania da cidade
de Pão Paulo: experiência e desafios. Publicação Nº 49, p. 148. São Paulo: Instituto Pólis, 2007
Elisabeth Grimberg 81
PLANO NACIONAL DE
RESÍDUOS SÓLIDOS –
PLANARES
que plano é este? A quem ele
deve servir?
84 Plano Nacional de Resíduos Sólidos – Planares – que plano é este? A quem ele deve servir?
A coordenação geral e técnica é atribuída ao Manejo dos Resíduos Sólidos para elaboração de
MMA e, como equipe técnica, são listados nomes um Plano a ser cumprido pelo Poder Público Local
de profissionais do MMA e da ABRELPE. Esta foi (municípios e o Distrito Federal). Futuros contra-
fundada em 1976 por um grupo de empresários tados elaborando o Plano e definindo o que deve
pioneiros nas atividades de coleta e transporte ser a responsabilidade dos contratantes é no mí-
de resíduos sólidos, voltada à criação, à amplia- nimo surreal.
ção, ao desenvolvimento e ao fortalecimento do
Além disso, o interesse explícito da entidade que
mercado de gestão de resíduos, em colaboração
elabora o Plano em criar mercado para tecnolo-
com os setores público e privado, em busca de
gias de recuperação energética de resíduos em
condições adequadas à atuação das empresas .
detrimento de tecnologias mais apropriadas à
Portanto, claro está que seu interesse é na me-
realidade brasileira também é muito questioná-
lhoria das condições de atuação do setor privado.
vel.
Além disso, é uma das quatro associações seto-
riais que compõem a frente empresarial FBRER Por fim, cabe destacar que as formas de parti-
(Frente Brasil de Recuperação Energética de Resí- cipação da sociedade por meio eletrônico neste
duos), criada em junho deste ano, com o objetivo período de pandemia têm se mostrado extrema-
de criar mercado para este setor no Brasil. mente eficientes, democráticas e têm, inclusive,
propiciado um aumento exponencial na participa-
Fica evidente que não se trata, portanto, de uma
ção de interessados nos processos de discussão.
instituição que representa a sociedade brasileira
Um exemplo é o extraordinário número de encon-
em suas diversas facetas e áreas de atuação, cuja
tros em rede (webinar) realizados pela ABES e ou-
colaboração com o poder público deve se dar na
tras entidades, abordando os avanços e desafios
busca do interesse público e não de um setor pri-
nesses 10 anos da Política Nacional de Resíduos
vado específico. A elaboração do Plano Nacional
Sólidos e a Lei 14.026 que altera o marco legal do
dos Resíduos, ao contrário, deve ser conduzida
saneamento; encontros que, em curto período,
pelo próprio governo com o apoio de instituição
já tiveram mais de 115 mil participantes. Outro
neutra e imparcial, com ampla participação so-
exemplo vem do próprio MMA que tem realizado
cial, que busque viabilizar a universalização dos
as reuniões do CONAMA por meio eletrônico sem
serviços de limpeza urbana e o manejo dos re-
prejuízo da participação de seus membros.
síduos com o uso de tecnologias consolidadas e
adequadas a cada realidade e de modelos de ges- A pandemia, portanto, não justifica a exclusão da
tão apropriados, no sentido de melhorar a quali- participação social na elaboração da versão do
dade de vida e de saúde da população brasileira PLANARES publicada no site do MMA. A ausência
e do meio ambiente, além de adequar os custos da sociedade é constatada desde o início do pro-
dos serviços à realidade e condições econômico- cesso, na formulação do modelo do plano, na ela-
-financeiras da população. boração do diagnóstico, dos cenários, das metas,
diretrizes, programas e normas.
É difícil entender o que levou o MMA a assinar
um Termo de Cooperação sem ônus financeiro Nesse contexto, pergunta-se, o que se poderia es-
com uma associação de empresas privadas, perar do conteúdo desse Plano? É o que veremos
prestadoras de serviços de Limpeza Urbana e de a seguir.
Heliana Kátia Tavares Campos, Maria de Fátima Abreu, Andrea Pereira Froes e Verônica L. F. L. Castro Caia 85
A REPRESENTAÇÃO DE 73 ENTIDADES SOBRE A litaram a manifestação com críticas ao modelo
ELABORAÇÃO DO PLANARES de realização do Plano e das próprias audiências.
Como a maior parte do tempo foi dedicada à
Considerando o vício do processo com a ausência apresentação do conteúdo do Plano, com pou-
de participação social desde a formulação dos co tempo destinado para o debate, cada parti-
conceitos, as inconsistências apontadas e ainda cipante tinha um minuto para contextualizar o
a ausência de temas da maior relevância para o problema, analisar e dar suas contribuições, que
setor de resíduos sólidos, 73 entidades protocola- em geral eram seguidas de justificativas por par-
ram, em 18 de setembro de 2020, junto ao MPF te do Secretário de Qualidade Ambiental ou do
uma REPRESENTAÇÃO para a impugnação do representante da ABRELPE, em um efeito pingue
processo por desconsiderar a constituição brasi- pongue que deixava pouca margem a uma efeti-
leira, ferindo a Política Nacional de Resíduos Só- va participação social.
lidos e os princípios do Estado Democrático de
De representantes de um governo que, por meio
Direito.
do Decreto 10.179 publicado em 18 de dezembro
Nessa REPRESENTAÇÃO, protocolada na 4ª Câ- de 2019, revoga todos os decretos ou artigos de
mara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural decretos que detalhavam as formas de partici-
ao Exmo. Sr. Procurador da República Dr. Juliano pação social e que somente chamou as audiên-
Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, as 73 entidades cias públicas após a REPRESENTAÇÃO das 73
solicitam providências para que essas irregulari- entidades, obviamente não se poderia esperar
dades possam ser sanadas, para que haja o cum- algo diferente.
primento da legislação pertinente com os ritos
Há uma distância estratosférica entre realizar
necessários à efetiva participação e colaboração
uma audiência pública sob pressão, por imposi-
dos diversos segmentos da sociedade na elabo-
ção legal, com o mínimo de abertura ao debate e
ração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Re-
constrangimento aos participantes e fazer uma
presentação junto ao MPF, assinada por 73 enti-
busca ativa de contribuições do leque de repre-
dades, 2020).
sentantes dos diferentes segmentos sociais que
Após a REPRESENTAÇÃO junto ao MPF, o MMA conhecem profundamente cada área que com-
anunciou a postergação do prazo da consulta pú- põe a gestão sustentável dos resíduos sólidos.
blica e a realização de 5 audiências públicas nas
Portanto, considerando que os passos seguintes
5 regiões do Brasil com avisos publicados no Diá-
do MMA para a finalização do Processo de elabo-
rio Oficial da União (Porto Velho – 14/10, Campo
ração do PLANARES ainda não são conhecidos,
Grande – 16/10, Curitiba – 19/10, Belo Horizonte
há que se buscar apoio do MPF para garantir o
– 21/10 e Maceió – 23/10). Em 13/11, foi realizada
aprofundamento da participação social no cum-
uma audiência final em Brasília – DF concluindo
primento da definição da Constituição Cidadã
os processos de audiência pública. As audiências
de 1988, que determina que a Gestão Pública
foram divulgadas por meio de avisos individuais
obedecerá aos princípios da legalidade, impes-
publicados no Diário Oficial da União. soalidade, moralidade, publicidade e eficiência e
No entanto, as audiências públicas foram condu- destaca o chamado direito à participação, a ser
zidas pelo MMA e pela ABRELPE, que não faci- regulamentado por meio de lei.
86 Plano Nacional de Resíduos Sólidos – Planares – que plano é este? A quem ele deve servir?
Este é o papel da sociedade civil organizada na posta de participação e controle social na imple-
fiscalização dos direitos e deveres tanto do es- mentação do Plano. Limitou-se, conforme dispos-
tado como dos cidadãos e de fazer valer o que to no Capítulo 8, a uma página com informações
determina, até o momento, o arcabouço legal do SINIR (Sistema Nacional de Informações so-
brasileiro. bre a Gestão dos Resíduos Sólidos). Excluiu-se do
Além disso, considera-se pertinente ampliar o plano a participação do cidadão, que é o principal
ator na gestão dos resíduos sólidos, de quem de-
questionamento da representação feita junto ao
pende a manutenção da limpeza urbana, a sepa-
MP, considerando a evidente parcialidade da en-
ração e a disposição adequada dos resíduos para
tidade responsável pela condução do processo,
que o serviço disponibilizado pelo poder público
com interesses claros defendidos no documento
possa funcionar bem.
proposto por ela (PLANARES).
Educação Ambiental: ausência total – O Plano
não se refere em nenhum momento aos necessá-
SOBRE O CONTEÚDO DO PLANARES PUBLICA- rios e fundamentais processos de educação am-
DO PELO MMA biental e mobilização social. Considerando que a
prioridade da política nacional de resíduos sólidos
A Câmara Temática de Resíduos Sólidos da As-
é a não geração, a reutilização e a reciclagem,
sociação Brasileira de Engenharia Sanitária e
desconsiderar a importância de um programa de
Ambiental – ABES, por meio de seu Grupo de
educação ambiental e mobilização social intenso,
Trabalho para a análise do PLANARES, com a
perene e robusto para a gestão de resíduos só-
contribuição de outras instituições, identificou,
lidos é inaceitável e impede que o Brasil alcance
além deste que é o mais relevante problema – a
esses preceitos da PNRS.
forma de condução do processo para a sua ela-
boração –, outros aspectos muito importantes. Responsabilidade pública maximizada e privada
reduzida – Em algumas passagens no documen-
Há, na versão publicada do PLANARES, uma ní-
to, o município é responsabilizado pelo serviço
tida priorização de interesses privados em detri-
público e pelo privado. Fica totalmente relegado
mento dos públicos, algumas ausências de con-
o compromisso da iniciativa privada com os resí-
teúdos que são basilares e de natureza essencial
duos por eles gerados ou sob sua responsabilida-
para as melhorias necessárias para a gestão
de, como os resíduos pós-consumo. O Plano não
adequada dos resíduos sólidos no Brasil, além de
aborda a responsabilidade dos grandes gerado-
um forte e nítido viés de tratamento dos resíduos
res, dos geradores e transportadores de resíduos
de forma a priorizar a valorização energética de-
da construção civil e dos fabricantes de resíduos
fendida sobretudo pela iniciativa privada. pós-consumo e das embalagens em geral, objeto
A seguir são registrados alguns destes conteúdos da Logística Reversa, em especial para elaborar
que foram “esquecidos” ou tratados de forma seus Planos de Gerenciamento e remunerar o po-
muito superficial. der público quando este se encarregar de prestar
Participação e Controle social: ausência total – atividades de responsabilidade privada.
Da leitura do texto publicado no site do MMA, Tratamento dos resíduos orgânicos – Conside-
identificou-se total e completa ausência de pro- rando o amadurecimento sobre a prestação re-
Heliana Kátia Tavares Campos, Maria de Fátima Abreu, Andrea Pereira Froes e Verônica L. F. L. Castro Caia 87
gionalizada dos serviços de manejo dos resíduos para o tema e incorpora o que o MMA considera
e, em especial, a crescente e virtuosa disposição um Programa Nacional Lixão Zero. No entanto,
de rejeitos em aterros sanitários regionalizados esse Programa não tem as características míni-
de maior porte, torna-se estratégico buscar for- mas de um Programa Federal. De acordo com a
mas de reduzir a quantidade a serem transpor- metodologia para a elaboração de Plano Pluria-
tados para outros municípios, com a valorização nual – PPA, os Programas são os instrumentos de
dos resíduos localmente. Ademais é importan- organização para a universalização dos serviços,
te considerar a grande quantidade de água na com objetivos, indicadores, metas, recursos orça-
composição dos resíduos orgânicos e a redução mentários e com indicadores de desempenho, o
do custo com transporte e a redução da geração que não está apresentado nesse programa que,
de chorume e de gases efeito estufa no Aterro portanto, não se enquadra no que está definido
Sanitário que poderiam ocorrer com a valoriza- pelo PPA.
ção e aproveitamento local desses resíduos como Coleta Seletiva de recicláveis secos e catadores
composto condicionador do solo. A vinculação – Não há diagnóstico nem análise das razões que
do composto à agricultura urbana em hortas determinam os índices tão baixos de coleta se-
nos domicílios, em escolas, em espaços comuni- letiva e de reciclagem no país. O Plano estabe-
tários, ou para paisagismo de praças e cantei- lece que os cenários foram orientados por qua-
ros é uma demonstração de como um resíduo tro diretrizes, sendo a primeira delas “estruturar
pode se transformar em recurso valioso. No en- sistemas viáveis para aumentar a quantidade
tanto, o Plano aborda esta questão de maneira de resíduos recuperados”, que não menciona o
superficial, não apresentando um diagnóstico fortalecimento de organizações de catadores,
a respeito das boas práticas de compostagem principais agentes da recuperação de recicláveis.
descentralizada (comunitária e domiciliar) que A diretriz que menciona catadores refere-se à
vêm se disseminando em municípios pequenos e disposição final ambientalmente adequada, que
também em capitais brasileiras, como Florianó- trata do encerramento de lixões e aterros contro-
polis e São Paulo. Em suma, não apresenta uma lados e dos catadores que atuam nesses locais.
proposta de como os governos municipais e o Estes são considerados como objeto de “inclusão
Distrito Federal podem enfrentar os desafios re- social e emancipação econômica”. O enfoque é
lacionados aos resíduos orgânicos, que represen- muito mais de assistência social do que de reco-
tam cerca de 50% da composição dos resíduos nhecimento profissional da categoria, definida
sólidos urbanos do Brasil. na PNRS como prioritária na cadeia de recicla-
Fechamento dos cerca de 3 mil lixões existentes - gem e que, portanto, deve ser tratada como tal
O Plano não apresenta uma proposta para este no Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Ao longo
que é considerado um dos maiores problemas, se do Plano, não há vinculação de metas de coleta
não o maior, do setor de resíduos, uma vez que a seletiva nem de recuperação de recicláveis com
coleta regular tem aumentado e já possui um ra- o fortalecimento de organizações de catadores.
zoável índice de cobertura, com carências maio- Ao contrário, há uma vinculação maior com a
res nas cidades menores das regiões Nordeste e implantação de Unidades de Tratamento Mecâ-
Norte do país. O Plano não traz uma proposta nico-Biológico (TMB), mais uma vez priorizando
88 Plano Nacional de Resíduos Sólidos – Planares – que plano é este? A quem ele deve servir?
interesses privados, contrariando a PNRS. São alternativa preponderante para a destinação de
colocadas metas de contratação de serviços dos resíduos, que foi incluída em duas das 4 diretri-
catadores para as prefeituras, mas sem explicar zes propostas para orientar os cenários previstos
de que forma isso ocorrerá, na medida em que no prognóstico do Plano. Ou seja, metade dessas
no âmbito do Acordo Setorial de Embalagens as diretrizes refere-se a esse setor, mesmo reconhe-
prefeituras não estão diretamente envolvidas. cendo que há apenas iniciativas muito pontuais,
Durante as audiências públicas, o Secretário do no Brasil, com poucos municípios com captação
MMA justificou mais de uma vez que não havia de biogás de aterros para geração de energia.
sentido em questionar a pouca relevância dada Não há, portanto, comprovação de viabilidade
aos catadores no PLANARES, uma vez que a pa- técnica, econômica e ambiental da recuperação
lavra catadores foi mencionada uma centena de energética de resíduos para a realidade brasilei-
vezes no documento. Entretanto, no Capítulo 5. ra. O documento comenta que as iniciativas de
Programas, Projetos e Ações para atendimento aproveitamento energético de resíduos ainda são
das metas previstas, que o próprio Secretário muito tímidas no Brasil, sendo “fundamental”
apresentou como sendo o mais importante para fortalecê-las. Cabe perguntar para quem esse
garantir que as metas seriam implementadas, a fortalecimento é fundamental ou a quem inte-
palavra “catador” não é citada uma única vez se- ressa fortalecer esse setor? Assim, a recuperação
quer. Não há menção à participação dessa cate- energética é considerada como a panaceia para
goria de trabalhadores nos Programas, Projetos solução de todos os problemas de baixíssima re-
e Ações do PLANARES. Nesse sentido, foi suge- cuperação e disposição inadequada de resíduos,
rido na Audiência Final do PLANARES, por uma mas o Plano não apresenta estudos de custos
das autoras deste Artigo, que seja estruturado para os cidadãos com a implantação da recupe-
no PLANARES um Programa de Coleta Seletiva ração energética e não menciona os custos am-
com a participação prioritária de organizações bientais decorrentes.
de catadores. O manejo dos resíduos sólidos nas áreas rurais
Acordo setorial de embalagens em geral e logís- – Este relevante tema não foi tratado na versão
tica reversa – A versão do Plano apresentada apresentada do PLANARES que deve prever as
pelo MMA apenas apresenta, mas não analisa de metas para o seu alcance e, ainda mais conside-
forma crítica, os resultados da primeira fase do rando a significativa quantidade de municípios
Acordo Setorial de Embalagens e não recomen- de pequeno porte, este trabalho deve ser realiza-
da ações de adequação da segunda fase para o do de forma integrada (urbano e rural) de acor-
cumprimento das metas colocadas no Plano. Me- do com as proposições do Programa Nacional de
tas estas que remetem apenas ao ano de 2040 Saneamento Rural do PLANSAB.
o recolhimento total de 20% dos resíduos secos, Proteção ao Clima e redução de emissões de GEE
deixando o custo e a responsabilidade aos mu- – É muito superficial o tratamento dado à pro-
nicípios e atribuindo responsabilidades aos cata- teção ao clima no PLANARES. A gestão adequa-
dores. da dos resíduos gera importante impacto na re-
Ênfase à recuperação energética – O documen- dução da emissão de Gás Efeito Estufa – GEE
to busca impor a recuperação energética como pois reduz as emissões de metano (GEE). Para
Heliana Kátia Tavares Campos, Maria de Fátima Abreu, Andrea Pereira Froes e Verônica L. F. L. Castro Caia 89
atingir as metas dos Acordos Internacionais nas O termo controle/participação social é registrado
suas Contribuições Nacionalmente Determina- 26 vezes no documento e perpassa todo seu con-
das (NDCs) junto ao Acordo de Paris é importan- teúdo aparecendo no diagnóstico, nos cenários,
te em especial a recuperação dos resíduos orgâ- no capítulo de educação ambiental, nas diretri-
nicos e o aproveitamento do biogás dos aterros, zes e estratégias, para finalizar com um capítulo
além de promover a utilização de tecnologias exclusivo sobre o tema onde é apresentado um
limpas e de baixas emissões. conjunto de instrumentos para dar efetividade
Desconsideração de documento anterior – Em ao controle social na PNRS. O PLANARES, apre-
sentado pelo MMA em 2020, por sua vez, con-
2012, foi apresentado à sociedade o Plano Na-
forme mencionado, não considera a educação
cional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2012), que,
ambiental como elemento imprescindível para a
mesmo não tendo sido oficialmente publicado
construção de uma política pública para resíduos
por não ter sido apreciado em conselho do Minis-
sólidos, e o termo “controle social” aparece uma
tério da Agricultura, passou a ser adotado pelo
única vez em todo o documento.
MMA para orientar a implementação da PNRS.
Estes são alguns tópicos que o Plano deixou de
Para o grupo de profissionais que elaborou o
abordar ou o fez de forma muito superficial ou, o
PLANARES, esse documento parece não ter exis-
que seria ainda pior, tenha propositalmente dei-
tido, uma vez que o plano de 2012 não é citado
xado de lado de forma tendenciosa e parcial. Fica
em momento algum no documento de 2020.
claro que a abertura do diálogo com a socieda-
Cabe destacar que, diferentemente do Plana-
de desde a formulação dos conteúdos a serem
res, a construção do Plano 2012, respeitando as
abordados, colhendo contribuições de diferentes
orientações legais, foi efetivamente coordenada
atores sociais só pode vir a acrescentar para que
pelo MMA, no âmbito do Comitê Interministerial,
o Brasil tenha um plano apropriado e que con-
com a colaboração do IPEA (Instituto Econômi-
temple, de forma efetiva, a cobertura de todos
co de Pesquisas Aplicadas) para a elaboração do
os aspectos da gestão dos resíduos e ainda re-
diagnóstico, e, ainda, no Comitê, foram definidas
presente as necessidades e desejos da socieda-
metas, programas e ações necessárias. Em sua
de que em última análise é a grande responsável
introdução, o Plano 2012 registra que foi
pela sua implementação, seu fracasso ou suces-
construído com as contribuições so.
do processo de consulta pública Portanto, parafraseando o jornalista Mino Car-
e audiências públicas regionais
e nacional, junto aos setores ta, até o reino mineral poderia entender que não
especializados (prestadores privados é possível delegar a uma entidade representante
de serviços, academia, empresas
privadas que atuam na área), ao
da iniciativa privada, com interesses diretos so-
setor público e à sociedade em geral, bre o tema, a elaboração de um plano definindo
englobando ações e procedimentos
que irão orientar a política de resíduos
as obrigações e compromissos do setor público.
sólidos no País (BRASIL, 2012). Se assim for, o Estado cedeu seu lugar de coman-
do, repassando-o à iniciativa privada, abrindo
mão da prerrogativa de governar.
90 Plano Nacional de Resíduos Sólidos – Planares – que plano é este? A quem ele deve servir?
Referências
BRASIL. Lei 11.445, de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis
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nal de Resíduos Sólidos - 2020 pelo Ministério do Meio Ambiente. Assinado por 73 entidades e proto-
colado na 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural ao Exmo. Sr. Procurador da República
Dr. Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho em 18/09/2020.
Heliana Kátia Tavares Campos, Maria de Fátima Abreu, Andrea Pereira Froes e Verônica L. F. L. Castro Caia 91
ALIANÇA RESÍDUO
ZERO BRASIL:
ações e perspectivas para a
implementação da Política
Nacional de Resíduos Sólidos
Clauber Leite
Elisabeth Grimberg
Felipe Torres
Nina Orlow
92 ARZB
Logística Reversa de embalagens em geral e a Coleta Seletiva:: uma correlação necessária
A complexidade do tema resíduos sólidos traz nha emblemática “Criança no Lixo Nunca Mais”
desafios que se relacionam com a forma de pro- com o foco na erradicação do trabalho infantil e
dução e consumo ao longo da história recente e dos adolescentes nos lixões e nas ruas das cida-
com as diversas rotas tecnológicas desde a ex- des e na estruturação de condições de trabalho
tração da matéria prima, à produção, ao consu- dignas para os adultos, seus familiares. Essa
mo e ao descarte. iniciativa foi liderada por UNICEF e contou com
Esta problemática impulsionou, em 2014, ativis- o apoio de Conselhos Comunitários, CEB, o Mi-
tas, catadoras e catadores organizados, redes da nistério Público, prefeituras municipais, ONGs e
temática, estudantes e ONGs a se unirem para outras organizações. Desse processo decorreu a
constituir uma aliança, dedicando seu tempo na criação de mais de 20 fóruns estaduais e munici-
busca de estratégias e soluções coletivas para pais (ABES, 2021).
minimizar impactos sobre o meio ambiente e Membros da ARZB participaram no processo de
a saúde de todos os seres. Um esforço coletivo formulação e aprovação da Política Nacional de
para também reverter a crescente precarização Resíduos Sólidos (PNRS), que demorou cerca de
da vida e a desigualdade social. 21 anos para ser aprovada no Congresso Nacio-
Essa articulação que resultou na criação da nal, cercada de muitos conflitos de interesses
Aliança Resíduo Zero Brasil - ARZB (ARZB, 2014), (BESEN; FRACALANZA, 2016). Por sua vez, a len-
que foi mobilizada pela certeza de que somen- tidão na implementação da PNRS gerou muita
te com apoio mútuo e com a complementação indignação e a necessidade premente de uma ar-
de saberes, torna-se possível atingir resultados ticulação coletiva para pressionar ações efetivas
crescentes no cumprimento das leis que garan- dos poderes públicos e do setor empresarial.
tam a gestão sustentável dos resíduos sólidos Este artigo aborda o conceito Resíduo Zero, que
urbanos. pauta a atuação da Aliança Resíduo Zero Brasil,
Destaca-se nesse processo o papel importante suas estratégias de atuação e apresenta um bre-
de GAIA - Aliança Global por Alternativas à Inci- ve histórico com as ações realizadas ao longo do
neração (GAIA, 2021), que impulsionou e contri- período de 2014 a 2020, assim como os princi-
buiu na formação da ARZB, a qual passou a inte- pais desafios e perspectivas de implementação
grar a articulação da América Latina, formando da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
uma ampla rede de fortalecimento internacional,
composta de grupos de base, como as coopera-
tivas de catadores, organizações não governa- O conceito Resíduo Zero
mentais e indivíduos.
Resíduo Zero é um conceito que surgiu na década
Membros da ARZB inspiraram-se nos resultados de 70, inspirado nos ciclos naturais de vida, que
de mobilizações coletivas, como a dos Fóruns são circulares e sustentáveis, onde tudo é trans-
Lixo e Cidadania (GRIMBERG, 2007), com en- formado em outros recursos, sem desperdício e
volvimento de diversos atores na formulação e sem “sobras”, o que significa:
implementação de políticas públicas socioam-
bientais voltadas à coleta seletiva e integração • minimizar os impactos no solo, na água, no ar e
dos catadores. Uma das referências foi a campa- nos ecossistemas em geral, que podem ser no-
Nina Orlow, Clauber Leite, Elisabeth Grimberg e Felipe Torres (ARZB) 93
civos ou ameaçar a saúde planetária – humana, talmente sustentável e responsável, que não gere
animal e vegetal – e provocar irreversíveis altera- resíduos;
ções climáticas; • - acelerar a implementação da Política Nacional
• projetar e gerenciar produtos e processos para re- de Resíduos Sólidos, com articulação dos três se-
duzir o volume e a toxicidade dos resíduos e ma- tores – público, privado e da sociedade civil;
teriais e promover sua reutilização; • - pressionar o poder público para coordenar a im-
• conservar e recuperar recursos naturais; plementação de todo o sistema de reaproveita-
mento de resíduos, assumindo sua atribuição na
• não queimar ou enterrar resíduos;
coleta e tratamento da fração orgânica;
• incentivar a produção e o consumo de produtos e
• - promover a igualdade na cadeia de reciclagem,
serviços com esse conceito.
fazendo com que as organizações autogestioná-
rias ocupem todos os elos do ciclo produtivo, va-
Como afirma Paul Connnett, Resíduo Zero é o lorizando os catadores e reconhecendo suas coo-
perativas como prestadoras de serviços a serem
mais benéfico modelo de gestão para resíduos
remunerados com recursos do setor privado;
sólidos urbanos, dado que projeta e gerencia
produtos e processos para reduzir o volume e a • - pressionar o setor privado a se responsabilizar
toxicidade dos resíduos e materiais, minimizando pelo custeio da logística reversa;
os impactos no solo, na água, no ar e nos ecossis- • - ampliar, fortalecer iniciativas e consolidar po-
temas. O autor defende essa visão ao comparar líticas públicas em favor da biodigestão e/ou da
custos entre a queima e destruição de resíduos compostagem, visando a regeneração ou manu-
recicláveis e os custos das rotas tecnológicas que tenção da qualidade biológica, química e física
dos solos.
buscam conservar e recuperar recursos naturais.
(CONNETT, 2013).
10. Participação no Comitê Municipal de Mudanças do proibição do envio de matéria orgânica aos ater-
Clima e Ecoeconomia de São Paulo e no Conselho ros sanitários, para evitar a geração crescente de
11. Incidência em projetos de lei; Ainda em 2015, foi organizado o Seminário “Re-
12. Participação nas mídias. síduo Zero: é possível?” com a presença da Coor-
denadora Latino-americana da Aliança Global
Nina Orlow, Clauber Leite, Elisabeth Grimberg e Felipe Torres (ARZB) 95
para Alternativas à Incineração - GAIA América externalidades positivas, como os benefícios de
Latina. Nesse evento, foi lançado o site da rede e não ter áreas devastadas, os benefícios ambien-
se abordou a importância de as políticas públicas tais, sociais e de saúde pública, na geração de
de resíduos sólidos serem voltadas para a não empregos e investir na prevenção.
geração, redução, reutilização, à coleta seletiva
3 - A comparação que tem como referência os
e à reciclagem, o que resulta em geração de tra-
incineradores em outros países não é fundamen-
balho e renda para as catadoras e catadores e
tada, pois é preciso ter em conta as diferenças
dinamização da economia nesse setor. O concei-
existentes de clima, dimensões territoriais, maior
to Resíduo Zero integra e empodera a população
teor de umidade dos resíduos no nosso país,
em geral na solução de problemas (ARZB, 2015).
além de que muitos países estão revendo suas
Também foi abordado o desafio de enfrentar a opções, pois acabam queimado também os re-
destruição de matérias primas, através da quei- cicláveis, gerando cinzas com características ex-
ma em fornos de cimenteiras ou incineradores, o tremamente poluentes e no controle de emissões
que aumenta o desequilíbrio do clima, gerando podem gerar efluentes contaminantes. A incine-
impactos no meio ambiente e na saúde huma- ração desvia materiais recicláveis de uma rota
na. Foi fundamental a palestra de GAIA para en- tecnológica que gera trabalho e renda para os
tender as fontes de recursos e de financiamen- catadores, fazendo a matéria prima voltar para
tos tais como as NAMAS (Ações Nacionalmente a cadeia produtiva, além de reduzir a extração de
Apropriadas de Mitigação) e o Fundo Verde para recursos naturais.
o Clima (FVC).
4 - Sendo o Brasil signatário da Convenção de
Durante o evento, a representante do Ministé- Estocolmo, que no Artigo 5° estabelece medidas
rio Público de São Paulo destacou questões para para reduzir ou eliminar as emissões de produção
melhor compreensão do que está em jogo quan- não intencional de POPs, (dibenzo-p-dioxinas po-
to à incineração de resíduos tais como: licloradas e dibenzofuranos policlorados PCDD/
PCDF, hexaclorobenzeno-HCB e bifenilas policlo-
1 - O princípio da prevenção e precaução e a hie- radas-PCB) (IBAMA, 2017).
rarquia privilegiando a não geração, redução,
reutilização, reciclagem de resíduos, o que impli- Durante o ano de 2015, diversas atividades fo-
ca no uso de materiais com maior durabilidade, ram realizadas em parceria com instituições e
eliminação de materiais contaminantes, produ- redes: Fórum da Cidadania de Santos, Obser-
ção de bens com base no ciclo de vida do pro- vatório Litoral Sustentável, SESC. Vale ressaltar
duto e reaproveitamento integral nas cadeias a participação na VI Conferência de Segurança
da reciclagem dos resíduos secos e orgânicos. A Alimentar e Nutricional, onde foi incluído o tema
promotora foi enfática ao afirmar que o artigo da compostagem no documento final e a elabo-
9º da PNRS é uma norma impositiva em relação ração de propostas para a Conferência da De-
às prioridades, portanto, não pode ser posta em fensoria Pública, Pré-Conferência da Defensoria
prática sem obedecer a hierarquia de priorida- Pública na Regional Sul da cidade de São Paulo,
des. entre outras intervenções. Em âmbito interna-
2 - Devem ser consideradas nos custos todas as cional, a ARZB na 21ª Conferência das Partes da
96 Logística Reversa de embalagens em geral e a Coleta Seletiva:: uma correlação necessária
Convenção-Quadro das Nações Unidas, conhe- sião em que foi lançado o livro “Política Nacional
cida como COP 21, realizada em Paris, na qual de Resíduos Sólidos: implementação e monitora-
foi representada pelo Instituto Pólis, enquanto mento de resíduos urbanos”, publicação do IEE/
membro de GAIA (POLIS, 2015). USP e do Observatório da Política Nacional de
Resíduos Sólidos – OPNRS.
Em 2016, a Aliança participa no encontro inter-
nacional do Plastics Movement Alignment Pro- Em 2018, a ARZB recebe novamente Kevin Drew
ject, nas Filipinas, assim como de duas iniciativas para dois diálogos em Santos (SP) e na cidade de
para o envolvimento da sociedade na compreen- São Paulo: Resíduo Zero Pode Recuperar o Solo,
são e prática dos conceitos de Resíduo Zero: Capturar Carbono e Equilibrar o Clima? Essa re-
flexão trouxe inspiração aos membros da ARZB
para avançar em estratégias de mitigação dos
a - A Campanha Resíduo Zero foi lançada no con-
gases de efeito estufa (GEE) no âmbito dos re-
texto do Programa de Formação Geral – Jovem
síduos sólidos, que constam na Política Nacional
Monitor/a Cultural, uma iniciativa do Instituto
de Mudanças Climáticas (PNMC, 2009).
Pólis.
A convite do Programa das Nações Unidas para
b - Seis Ciclos de Diálogos Resíduo Zero em par-
o Desenvolvimento (PNUD) e da UGT, represen-
ceria com UMAPAZ - Secretaria do Verde e Meio
tantes da ARZB participaram do Evento “Plane-
Ambiente/SP (POLIS,2016);
ta ODS”, com o tema Água, Ciência e sua relação
com os Objetivos do Desenvolvimento Susten-
No ano de 2017, se destaca o engajamento da tável, no painel “Resíduos e Água”, ressaltando
Aliança nas campanhas Break Free From Plastic como a gestão sustentável de resíduos sólidos e
(BFFP, 2017), movimento de combate à poluição a aplicação do conceito Resíduo Zero trazem re-
dos rios, mares, oceanos, solos e ar pelos plásti- flexos positivos na água, no solo e na saúde am-
cos e de defesa do banimento de produtos e em- biental.
balagens descartáveis e na Campanha Objetivos
Em 2018 foi eleita a Elisabeth Grimberg, co-
da Compostagem.
-promotora da ARZB, para representar a Amé-
A Aliança participa junto a avaliação e acom- rica Latina no Global Advisory Hub - GAIA, junto
panhamento do Programa de Metas (CIDADES com representantes dos outros quatro continen-
SUSTENTÁVEIS, 2017) do governo municipal elei- tes. Também teve a sua participação no painel
to em 2016 na cidade de São Paulo, assim como Resíduo Zero e Transição Justa, realizado pela
tem incidência na implementação do seu Plano Sol2Sol (Solidarity to Solutions), no contexto do
Gestão Integrada de Resíduos Sólidos - PGIRS, Global Climate Actions Summit, em São Francis-
(PGIRS), na defesa da Agenda 2030 e nos Ob- co, Califórnia sobre a temática das alternativas
jetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS à incineração.
(PNUD, 2015).
Ainda em 2018, a ARZB participou do Seminário
A participação em espaço acadêmico ocorreu no parte da programação do evento “Grande Ação:
Seminário Política Nacional de Resíduos Sólidos: Oceanos Livres de Plásticos”, organizado pelo
Avanços e Desafios de Implementação e Monito- Instituto Pólis e o Fórum da Cidadania de San-
ramento de Resíduos Urbanos – IEE/USP, oca- tos, com a palestra PNRS, a Responsabilidade
Nina Orlow, Clauber Leite, Elisabeth Grimberg e Felipe Torres (ARZB) 97
Estendida do Produtor na Coleta e Tratamen- Também foram realizadas atividades em par-
to dos Resíduos Recicláveis. O Seminário resul- ceria com a Universidade Federal do ABC, pro-
tou em maior engajamento e compromisso para movendo cinco Ciclos de Diálogos UFABC/ARZB
avançar com o movimento Break Free From Plas- para sensibilização e mobilização dos alunos e
tic, e o lançamento do vídeo: Movimento Livre-se demais interessados na concepção do Resíduo
de Plásticos no Brasil. Zero e seus desdobramentos (UFABC, 2019).
A ARZB também se engajou na iniciativa do Dia Os membros da ARZB, observando a gravidade
Mundial de Limpeza com a metodologia Audito- da pressão crescente de governos e empresas em
ria de Marcas, produzida pelo Movimento Break buscar soluções lucrativas com materiais diver-
Free From Plastic em parceria com o MNCR, oca- sos com falso apelo de sustentabilidade (IDEC,
sião em que foram coletados os resíduos reciclá- 2019), propondo rotas não eficientes e eficazes
veis, analisados de forma a servir de referência para os resíduos urbanos, promoveram, junta-
em outras auditorias com participação dos ca- mente com o Movimento Nacional de Catadores
tadores. de Materiais Recicláveis (MNCR), o Encontro La-
Em 2019, houve o Seminário “Desperdício Zero, tino Americano Contra a Destruição de Resíduos
sequestro de carbono e clima” com palestra de Sólidos Urbanos: caminhos para desperdício zero
Kevin Drew, que expôs as declarações do Global no Brasil, apoiado pela GAIA e pela Escola da De-
Climate Action Summit (GCAS) sobre a urgên- fensoria Pública do Estado de São Paulo – EDE-
cia de reduções drásticas de resíduos em aterros PE.
sanitários (50% até 2030), assim como redução Este Encontro produziu coletivamente Ações e
progressiva do consumo/geração até 2030. Es- Estratégias por Desperdício Zero no Brasil, com
sas metas foram adotadas por 15 cidades glo- a participação de representantes das Defenso-
bais e estão sendo ativamente promovidas pela
rias Públicas do Estado de São Paulo e da União,
rede C40, entre outras. Ressaltou que São Fran-
da Promotoria do Ministério Público do Estado
cisco definiu metas ousadas de sequestro de
de São Paulo - Abrampa; da Promotoria do Mi-
carbono no solo, incentivando práticas agrícolas
nistério Público do Trabalho e da Coordenadora
regenerativas que promovam um sistema econô-
de GAIA América. Nessa ocasião, também foi
mico circular e local para os resíduos orgânicos,
lançado o Manifesto Contra a Destruição de Re-
chamado “Campo-Mesa-Campo” (Farm to Table
síduos Sólidos Urbanos no Brasil: Por Desperdício
to Farm), que se baseia nos 20 anos de experiên-
Zero (ARZB, 2019). O Manifesto foi dinamizado
cia da cidade coletando, processando orgânicos,
na campanha contra a incineração desencadea-
produzindo e fornecendo adubo para vinhedos
da pela Frente Ambientalista da Baixada Santis-
locais e regionais, pomares, fazendas orgânicas
ta, com grande repercussão na mídia e junto à
no norte da Califórnia. Com sua vasta experiên-
população da região da Baixada Santista.
cia, o palestrante considerou que há potencial de
todas as cidades usarem o sistema de coleta se- Em novembro, a ARZB organizou o Seminário
letiva de matéria orgânica para reduzir efetiva- Resíduo Zero X Incineração Tendências Interna-
mente sua pegada de carbono, capturando CO2 cionais com a participação da coordenadora in-
da atmosfera e assim atingir as metas de neu- ternacional da GAIA Christie Keith, que comparti-
tralidade de carbono (GAMA, 2019). lhou as estratégias implementadas globalmente
98 Logística Reversa de embalagens em geral e a Coleta Seletiva:: uma correlação necessária
na defesa da agenda Resíduo Zero com inclusão cineração em cimenteiras, com formação de lob-
dos catadores e suas organizações. Ainda em no- bies em favor dessa tecnologia junto a governos.
vembro foi organizada, em parceria com o Movi- A ARZB também participou do Seminário Deus
mento Mundo Sem Bitucas, a Roda de Conversa Recicla, o Diabo Incinera, organizado pelo MNCR
em defesa da responsabilidade compartilhada para fazer face às ameaças de implantação des-
do pós-consumo do cigarro. ta tecnologia de destruição de materiais, pro-
No ano de 2020, marcado pela pandemia, a ARZB vocando sérios impactos ao meio ambiente e à
passou a executar grande parte dos trabalhos de cadeia produtiva da reciclagem com inclusão da
forma virtual. Por ser ano de eleições municipais, categoria das catadoras e catadores.
promoveu muitas atividades de sensibilização Ainda neste ano, realizou-se o Seminário Cami-
dos eleitores e buscou compromisso dos candi- nhos para Implementação Efetiva da PNRS nos
datos ao executivo e legislativo para cumprimen- próximos 10 anos, promovido pela Frente Parla-
to da PNRS, do Plano de Gestão Integrado de mentar Ambientalista Mista do Congresso Na-
Resíduos Sólidos, da coleta em três frações e da cional, Frente Parlamentar Ambientalista pela
aplicação dos preceitos Resíduo Zero. Defesa das Águas e do Saneamento do Estado
Em seguida, o Grupo de Trabalho de Meio Am- de São Paulo, Mandato Deputada Estadual Ma-
biente da Rede Nossa São Paulo – RNSP pro- rina Helou, com apoio da ARZB, OPNRS, ABRAM-
moveu um encontro com a participação da PA, MNCR.
ARZB, abordando o tema Futuro dos Resíduos A ARZB, junto com sua rede de parceiros, orga-
Sólidos no Brasil Pós-Covid-19, que deu base a nizou o Encontro Vida Saudável Sem Incineração
um artigo de autoria de Elisabeth Grimberg, o no Século 21: ciclo da compostagem com foco na
qual integra esta publicação. valorização da reciclagem dos resíduos orgânicos
(ARZB, 2020).
A ARZB iniciou uma série de Encontros virtuais
Vida Saudável sem incineração: hoje e sem- Dando sequência ao debate sobre os resíduos or-
pre, com o propósito de trazer reflexões e propos- gânicos, a ARZB organizou um segundo Encontro
tas que contribuam para a formação do público Vida Saudável Sem Incineração no século 21: ciclo
(ARZB, 2020). Nessa ocasião, foi lançada a Mo- da compostagem, sendo que nesse foi lançada a
ção pelo Fortalecimento da Coleta Seletiva com Campanha São Paulo Composta, Cultiva (INS-
Integração dos Catadores Contra a Incineração TITUTO POLIS, 2020). Também foi organizado
de Resíduos Sólidos Domiciliares. O documento um encontro com o tema Como São Paulo pode
ratificou as análises balizadas por especialistas, avançar para reciclar os resíduos orgânicos ur-
inclusive no âmbito internacional, que compro- banos da cidade? (POLIS, 2020), no qual foram
vam os graves danos provocados em processos apresentadas experiências sobre o sistema de
de queima de resíduos sólidos urbanos: impactos gestão de resíduos orgânicos, desafios e medi-
na saúde humana e no meio ambiente, emissões das implantadas em cidades referência como Mi-
de GEE, interrupção do ciclo de vida do produto, lão, Parma (Itália) e São Francisco (CA, Estados
gerando perdas de matérias primas passíveis de Unidos).
reciclagem e compostagem, destruição de pos- Em novembro de 2020, a ARZB participou do
tos de trabalho e o avanço das propostas de in- evento de lançamento do Atlas do Plástico -
Nina Orlow, Clauber Leite, Elisabeth Grimberg e Felipe Torres (ARZB) 99
Fatos e números sobre o mundo dos polímeros des estabelecidas no Art. 9º da PNRS, juntamen-
(FUNDAÇÃO HEINRICH BÖLL BRASIL, 2020). te com a coleta dos resíduos em três frações,
Cabe destacar que o Brasil é o quarto maior pro- com valorização do trabalho dos catadores e da
dutor de lixo plástico do mundo, com 11,3 milhões reciclagem, ampliação da compostagem e elimi-
de toneladas de plástico produzidas por ano, e nação gradual do rejeito, será um grande avanço
apenas 1,28% do plástico é reciclado, sendo que rumo à gestão sustentável de resíduos urbanos.
no contexto da pandemia de covid-19, o volume Soma-se a isso o desafio de criar uma política
de resíduos tem aumentado, incluindo o descarte de produção de bens duráveis e passíveis de re-
inadequado de máscaras de proteção. paros, a eliminação de plásticos de uso único e
demais objetos com obsolescência programada
e demais produtos que sejam socialmente ne-
Conclusão cessários e ambientalmente sustentáveis para o
bem viver.
Passados mais de 10 anos da aprovação da
PNRS, pouco temos a comemorar, embo-
ra se observe uma ampliação da consciên-
Agradecimentos
cia cidadã e maior mobilização da sociedade.
A ausência de um Plano Nacional de Resíduos Só- Agradecemos a todos os parceiros, citados e
lidos, que deveria ser elaborado a partir de diag- não citados, que cooperam para que a ARZB se
nóstico preciso da situação dos resíduos no Bra- fortaleça. Especialmente às catadoras e aos
sil, a falta de dados confiáveis sobre a situação catadores, pela perseverança na coleta seleti-
de todos os 5.570 municípios do Brasil, a inope- va, e pelo papel central na efetivação da PNRS.
rância do Governo Federal no estabelecimento Queremos também agradecer e fazer uma
de diretrizes, metas, indicadores, falta de trans- merecida homenagem póstuma a quatro pes-
parência e investimentos, fiscalização inexisten- soas muito queridas, participantes da ARZB.
te, sem controle social, tudo isso sobrecarrega a Eram pessoas de muita Luz, muito presentes,
atuação dos grupos engajados na melhoria da com incansável ativismo e dedicação exemplar.
qualidade de vida e justiça social. Muita gratidão e saudades! Patricia Blauth –
Apesar da extrema dificuldade de o país avançar educadora (29/08/2017), Dona Selma Maria de
neste contexto político em nível nacional, os go- Jesus – catadora (1/6/2015), Armando Octavia-
vernos municipais e estaduais, bem como o setor no Junior – catador (3/2/2018) e Vanda Bacelar
privado podem desenvolver, desde já, programas dos Reis, a Vandinha – catadora (19/4/2020).
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Nina Orlow, Clauber Leite, Elisabeth Grimberg e Felipe Torres (ARZB) 103
O ESTADO COMO
INDUTOR DO AVANÇO
MUNICIPAL NA GESTÃO
DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
balho de educação ambiental com enfoque nas A partir deste levantamento de dados, novas
coletas seletivas múltiplas, que serão desenvol- constatações foram observadas para o direcio-
vidas, e no público-alvo a ser instruído. Quanto à namento das abordagens. Destaca-se que: i) a
geração de agentes multiplicadores e ao fomen- estratégia desenvolvida desde 2012, centrada na
to da mudança comportamental da sociedade, implantação dos aterros sanitários, conduziu os
a operacionalização dos trabalhos tem por prio- municípios a uma situação de paralisia institu-
ridade a formação nas escolas, com o desenvol- cional; ii) a curto prazo, não há perspectivas para
106 O Estado como indutor do avanço municipal na gestão dos resíduos sólidos
novos aterros sanitários no Ceará, afora as so- No processo desenvolvido, foi essencial a per-
luções já viabilizadas em duas de 14 regiões, pela cepção de que as diretrizes do Art. 36 da Política
dimensão dos recursos para isso requeridos, e Nacional de Resíduos Sólidos, em sua totalida-
pelo fato de que estes recursos não estão atual- de, são praticamente inaplicáveis por pequenos
mente disponíveis; iii) a curto prazo, não há como municípios isolados, dada a ausência de escala
interromper o uso dos lixões na maioria dos mu- para soluções mínimas e os altos custos decor-
nicípios; e iv) para o enfrentamento da questão rentes, o que coloca a necessidade de constru-
dos lixões, soluções provisórias de convivência ção de arranjos regionais para gestão associada,
são necessárias e, dentre elas, a estratégia de “ir para avanço na gestão. Foi estabelecido então,
menos aos lixões”, em um processo paulatino de com os municípios, um sistema local e regional de
construção de novos caminhos. áreas de manejo que possibilite a todos migrar
Também foram definidas as diretrizes a serem de uma situação de descarte de resíduos em seus
adotadas no planejamento de soluções, conside- lixões para uma situação de entrega de resíduos
rando-se que: v) o caminho anterior precisa ser segregados em áreas locais operadas e geridas
invertido, adequando a direção à ordem de priori- pelo Consórcio Público. Esta migração passa a
dades definida em lei (Art. 9o da Lei 12.305/2010) ser, para os municípios, uma exigência atingível.
e ao menor investimento, compatível com o pe- Mas este processo de migração, a cargo dos mu-
ríodo de crise econômica; vi) a capacidade de nicípios com seus serviços de coleta e sustenta-
gestão dos municípios tem que ser ampliada e do pelo Consórcio enquanto operador das novas
qualificada, com incremento na escala, redu- áreas de destinação, exige a imediata alteração
ção de custeio, compartilhamento de equipes e nos procedimentos de coleta, avançando-se com
equipamentos, para que todos, por menores que soluções simples para a coleta em três frações:
sejam, possam realizar tudo que é exigido na lei orgânicos, embalagens e rejeitos.
por meio dos consórcios públicos; e vii) o Esta- Na metodologia, foi considerada ainda a extre-
do do Ceará, cumprindo um papel inédito, pode ma necessidade de mudança comportamental
alavancar o avanço dos municípios, viabilizando dos geradores, desenvolvendo-se soluções para
recursos financeiros e disponibilizando capaci- mudanças imediatas, atuando em cada domicí-
tação para técnicos dos consórcios ou alocando lio por meio das equipes de agentes comunitários
gestores ambientais na região para o forta- de saúde e controle de endemias, e para mudan-
lecimento da capacidade gestora dos consórcios ças futuras, com a exigência de desenvolvimento
públicos. do gerenciamento de resíduos em toda a rede es-
Reconhecidas as fragilidades de gestão, foram colar, vinculando-o ao sistema de áreas definido
lançadas as bases de conversação para cons- no planejamento.
trução de Consórcios Públicos que possibilitem Estas mudanças, em sistemas de coleta e no
escala adequada de manejo, no sentido de que comportamento dos geradores, embora realiza-
todos os municípios possam usufruir de soluções das em âmbito local, precisam ser orientadas e
coletivas para todos os problemas encontrados, assistidas pelos Consórcios Públicos. Assim, no
compartilhando capacidade gerencial, equipa- desenvolvimento dos Planos, os Consórcios Pú-
mentos, instalações, e políticas uniformes em blicos foram concebidos como autarquias inter-
todo o território regional. municipais operadoras de vários serviços públi-
Artur José Vieira Bruno, Maria Dias Cavalcante, Francisco Leorne de Sousa Cavalcante, Celiane Freire Martins, Luana Karla Bezerra Ferreira,
107
Renata do Nascimento Martins, Keroliny Maria Perdigão Honorato, Antônia Massília Santos Silva Albano e Tarcísio de Paula Pinto
cos, ajustando-se os consórcios existentes que se FUNASA) para organização dos Serviços Munici-
estruturaram apenas como “ajuntado” de mu- pais de Saneamento (os SAAE, SEMAE ou equi-
nicípios para gerenciamento de um empreendi- valentes), alocando nos municípios, por todo o
mento de destinação. A postura da Secretaria do país, seus engenheiros residentes. Transportada
Meio Ambiente no desenvolvimento dos traba- para o Ceará, esta estratégia significará con-
lhos foi de compromisso com o diálogo e a parti- tratar e sustentar alguns poucos profissionais
cipação efetiva – por mais frágeis que sejam as incumbidos do suporte à região demandante e
administrações locais, devem ter seu protagonis- capacitados continuamente por um conjunto de
mo preservado. instituições: a própria SEMA, as associações de
E o elemento final desta metodologia foi a defi- municípios e de gestores ambientais, as organi-
nição, de forma inédita, do papel indutor do Es- zações setoriais como a ABES e a ASSEMAE, as
tado do Ceará como alavancador do avanço dos universidades, e o Tribunal de Contas e Ministério
municípios, viabilizando recursos financeiros do Público, para que absorvam conhecimento e ex-
próprio Estado e disponibilizando capacitação periência técnica e os difundam em suas regiões
para técnicos dos consórcios ou a alocação de de atuação.
Gestor Ambiental Residente, do quadro do Esta-
do, para construção da capacidade gestora dos
consórcios públicos.
RESULTADOS ALCANÇADOS NO PERÍODO DE
2017 A 2019
Priorizando soluções técnicas simples, experi-
mentadas e de baixo custo, em detrimento do Entre os resultados esperados do trabalho, foram
desafio imediato de construção de aterros, o Es- desenvolvidos e implantados 14 planos regionais
tado do Ceará objetivou uma solução de finan- de coletas seletivas múltiplas, com as equipes
ciamento no próprio Estado, com redução da gestoras locais, que permitissem a inversão de
dependência de recursos da União ou recursos caminhos, com menores investimentos para re-
externos retornáveis. Em consequência, a análise sultados mais rápidos, adequados às diretrizes
do potencial de uso dos recursos já alocados no da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Estes
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Ser- planos permitem “ir menos aos lixões”, por meio
viços (ICMS Socioambiental) apontou um cami- de estratégias de “coletas seletivas múltiplas”
nho promissor. direcionadas aos resíduos de responsabilidade
Complementando o papel indutor do Estado, pública e mais presentes nos chamados resíduos
além dos recursos necessários, foi estruturada sólidos urbanos, priorizando-se, pela ordem, os
uma solução para que os Consórcios Públicos resíduos orgânicos, os resíduos da construção ci-
se organizem apoiados por técnicos locais ou vil, os resíduos volumosos, os resíduos verdes, os
continuamente pela SEMA nos aspectos técni- mente, os resíduos de logística reversa: eletroele-
cos, administrativos e jurídicos. O recurso aos trônicos, lâmpadas, pneus, pilhas e baterias.
gestores residentes vem do conhecimento his- Compuseram parte essencial nestes planos a
tórico do processo desenvolvido, em décadas definição de endereços em cada município que
passadas, pela antiga Fundação SESP (atual permitam solução de entrega voluntária adequa-
108 O Estado como indutor do avanço municipal na gestão dos resíduos sólidos
da aos munícipes, e solução de destinação local, Figura 1 – Alguns dos Planos Regionais de Cole-
com máxima proximidade da zona geradora e tas Seletivas Múltiplas no Ceará
que possibilitem aos municípios autossuficiência
em alguns dos aspectos da gestão. Para susten-
tação da nova estratégia de destinação, deter-
minou-se como fundamental o estabelecimento
de um processo de mudança comportamental,
principalmente nos domicílios e no ambiente es-
colar.
A concretização destes resultados foi avaliada
como de difícil realização pelos municípios e, em
função disso, o trabalho dispensou especial aten-
ção à necessidade de constituição de consórcios
públicos para a gestão de resíduos sólidos, crian-
do-se a estabilidade institucional e, portanto, ge-
rencial, para a sustentação de novos processos
de manejo e destinação.
E, por final, o Estado do Ceará definiu para si os
mecanismos de indução que possibilitem a rup-
tura da paralisia pelos municípios e concretiza-
ção das ações programadas, expressos em so-
lução técnica para apoio ao processo de gestão
integrada dos resíduos em âmbito regional e em
soluções para o financiamento dos investimen-
tos resultantes do planejamento. Fonte: Planos de Coletas Seletivas Múltiplas (CEARÁ,
2019).
Ao término dos trabalhos, os planos desenvolvi-
dos para 14 regiões de gestão, com 184 municí-
Estes planos revelam as atuais condições de ges-
pios (Planos de Coletas Seletivas Múltiplas) fo-
tão verificadas nos municípios, com toda a sua
ram organizados em projetos descritivos de todo
fragilidade. Apenas alguns dos municípios conse-
o diagnóstico e planejamento desenvolvidos com
guiram avançar para a disposição final em ater-
profunda interação com equipes locais (CEARÁ,
ros sanitários, e convivem com as soluções pos-
2019).
síveis que, sistematicamente, como revelado no
Gráfico 1, são tanto mais custosas quanto meno-
res são os municípios. Esta constatação desven-
da para os gestores locais a conveniência da ges-
tão associada de âmbito regional, por Consórcio
Público, como incentivada pela Lei Federal de
Saneamento e a Política Nacional de Resíduos.
Os valores médios dos dispêndios com o geren-
Artur José Vieira Bruno, Maria Dias Cavalcante, Francisco Leorne de Sousa Cavalcante, Celiane Freire Martins, Luana Karla Bezerra Ferreira,
109
Renata do Nascimento Martins, Keroliny Maria Perdigão Honorato, Antônia Massília Santos Silva Albano e Tarcísio de Paula Pinto
ciamento de resíduos são da ordem de R$ 6,50 A Figura 2 apresenta a solução padronizada ado-
mensais per capita em municípios maiores (Grá- tada para as CMR, a ser adequada ao dimensio-
fico 1), e se elevam, na média a R$ 12,00 men- namento da geração em cada município. Incor-
sais per capita nos municípios menores (CEARÁ, pora dois galpões de manejo segregado, um para
2019). a compostagem coberta com aeração forçada e
Os 14 planos de coletas seletivas múltiplas incor- outro para a estocagem ou manejo das emba-
poraram a definição das instalações necessárias lagens (resíduo seco), um pátio exclusivo para
à adequada gestão e manejo dos resíduos objeti- o manejo e recuperação do RCC, outro para o
vados. Foram definidas 164 instalações denomi- manejo e recuperação de resíduos verdes, inclu-
nadas de Centrais Municipais de Resíduos e 709 so madeira industrializada e material de capina
Ecopontos. As Centrais Municipais de Resíduos e roçada, um terceiro pátio dedicado à recepção
(CMR) constituem em cada município o sucedâ- de material que demande triagem e, por final,
neo ao lixão, possibilitando o manejo integrado instalações de apoio para uso compartilhado e
de todos os resíduos, com compartilhamento de suporte a toda a equipe local.
equipes operacionais e equipamentos diversos, As CMR, conforme apresentadas, demandaram
compartilhamento de instalações e controles. áreas entre 7.500 e 20.000 metros quadrados,
e passaram em cada município, por processo de
Gráfico 1 – Despesa parcial mensal per capita afetação de uso, para que se propicie o investi-
com serviços de manejo de resíduos sólidos e lim- mento necessário. São aplicadas três soluções
peza urbana na Região Cariri (análise de tendên- para os resíduos: i) processamento local, sem
cia). custo de deslocamento – é o que se aplica aos or-
gânicos e resíduos verdes, ii) processamento lo-
cal com uso de equipamento móvel do consórcio,
usado em rodízio pelos municípios – é o que se
aplica ao resíduo da construção civil e às madei-
ras, e iii) transferência para processamento em
escala nos municípios maiores – é o que se apli-
ca às embalagens. A preocupação central é reter
localmente o máximo de resíduos, para evitar-se
custos de transporte e as decorrentes emissões
de gases de efeito estufa (GEE).
110 O Estado como indutor do avanço municipal na gestão dos resíduos sólidos
Figura 2 – Projeto padronizado das CMR – Centrais Municipais de Resíduos
Tabela 1 – Custos operacionais e investimentos em novos sistemas regionais de manejo e destinação no Ceará
Custo adminis-tra- Custo operacional
Total de Total de Investimento
Região tivo consórcio total
CMR Ecopontos per capita (R$)
(R$/hab.urb.mês) (R$/hab.urb.mês)
Sertão Centro Sul 2,12 7,82 9 31 131,10
Sertão de Crateús 1,95 5,24 9 25 102,51
Sertão de Crateús 2 2,54 7,61 5 44 134,51
Maciço de Baturité 2,23 7,89 12 29 148,58
Litoral Leste 1,59 5,31 8 36 94,42
Metropolitana B 1,25 3,37 6 12 56,22
Litoral Oeste 1,42 5,66 8 51 113,06
Litoral Norte 1,40 5,71 15 53 122,10
Chapada da Ibiapaba 1,52 6,02 10 54 124,31
Artur José Vieira Bruno, Maria Dias Cavalcante, Francisco Leorne de Sousa Cavalcante, Celiane Freire Martins, Luana Karla Bezerra Ferreira,
111
Renata do Nascimento Martins, Keroliny Maria Perdigão Honorato, Antônia Massília Santos Silva Albano e Tarcísio de Paula Pinto
Cariri Oeste 3,48 10,07 7 29 187,53
Vale do Jaguaribe 2 4,80 10,41 4 21 162,36
Sertão Central 1,78 5,19 6 36 88,78
Sertão Central 2 2,02 6,49 6 29 96,7
Sertão dos Inhamuns 3,57 10,72 5 43 186,62
Cariri Centro 0,15 2,31 10 57 51,49
Cariri Oriental 3,48 6,75 9 20 109,83
Vale do Curu 2,17 7,82 8 40 145,13
Sertão Centro Sul 1 1,86 5,98 6 27 90,70
Sertão Centro Sul 2 2,10 7,36 8 30 116,79
Fonte: Planos de Coletas Seletivas Múltiplas (CEARÁ, 2019).
Em relação aos investimentos para equaciona- A análise efetuada nos Planos de Coletas Seleti-
mento de todos os resíduos citados, os Planos vas Múltiplas mostrou compatibilidade entre as
demandam valores em patamar bastante infe- necessidades de investimento e a utilização dos
rior ao investimento projetado para a implan- recursos do chamado ICMS Socioambiental (de-
tação de aterro sanitário regional e sistema de nominado em outros estados como ICMS Ecoló-
transbordo, que se situa em torno de R$ 280 per gico, ou ICMS Verde), repassado aos municípios
capita (impossível de se realizar no atual qua- com uma alíquota de até 2%, no caso do Estado
dro econômico). A inversão de rota, buscando-se do Ceará. Até o ano de 2017, o Ceará repassava
um caminho adequado à ordem de prioridades recursos aos municípios em função de pontuação
imposta pelo Artigo 9o da Lei 12.305/2010, sur- decorrente do cumprimento de quesitos preesta-
belecidos, com resultados bem pouco significa-
preendeu com custos significativamente baixos,
tivos, dada a paralisia dos municípios no tema
ao alcance dos recursos municipais e estaduais,
(CEARÁ, 2019 ). A análise indicou que os valores
entre 33 e 82% inferiores ao investimento em
repassados eram, na maior parte das regiões,
aterros, mas que podem ocorrer de forma pro-
suficientes para equacionamento das necessida-
gressiva, de curto a médio prazo.
des de investimento na primeira etapa (compos-
Os planos demonstram que uma grande gama tagem, resíduos verdes, madeiras e resíduos da
de estabelecimentos e cadeias produtivas são construção civil), na estratégia estabelecida de
favorecidas com a valorização de resíduos, incen- investimentos progressivos permitindo resulta-
tivando a economia circular, tais como os estabe- dos imediatos.
lecimentos dedicados ao comércio e reciclagem Estabeleceu-se nos planos que, a partir de 2018,
de embalagens e materiais assemelhados (188 todas as regiões detentoras de Planos de Cole-
em todo o Estado), estabelecimentos agrícolas tas Seletivas Múltiplas receberiam, se cumpridos
que fazem uso de adubação orgânica (quase 58 determinados requisitos, os recursos do ICMS
mil no Estado) e estabelecimentos industriais Socioambiental na integralidade, impondo-se
com capacidade de consumo de madeira urbana uma ampliação significativa dos valores de re-
residual, na forma de biomassa para geração de passe de anos anteriores, de forma a possibilitar
energia e vapor (mais de 3.300 no Ceará) (IBGE, que, nos próximos anos, todos os investimentos
2017; RAIS, 2018). programados estejam equacionados.
112 O Estado como indutor do avanço municipal na gestão dos resíduos sólidos
Entre as obrigações municipais, estará o investi- cessos, a SEMA assumiu o desenvolvimento de
mento em mudança comportamental, condição peças orientativas às escolas e agentes de saú-
imprescindível para a efetividade das ações por de. Na Tabela 2, constam os números relativos a
estabelecer de público a responsabilidade com- estas escolas e agentes, e também os relativos
partilhada, um dos conceitos centrais da Políti- aos catadores e suas organizações, dado o com-
ca Nacional de Resíduos Sólidos. Em paralelo à promisso, nos planos, em promover a inclusão
obrigação dos municípios de ativarem estes pro- destes agentes.
Artur José Vieira Bruno, Maria Dias Cavalcante, Francisco Leorne de Sousa Cavalcante, Celiane Freire Martins, Luana Karla Bezerra Ferreira,
113
Renata do Nascimento Martins, Keroliny Maria Perdigão Honorato, Antônia Massília Santos Silva Albano e Tarcísio de Paula Pinto
Uma decorrência da rota adotada nos Planos de da disposição final de grande parte dos resíduos
Coletas Seletivas Múltiplas será a sensível alte- que são responsáveis pelas emissões, e a drás-
ração no volume de emissões cearenses de Gases tica redução dos eventos de transporte de resí-
de Efeito Estufa (GEE), originadas no manejo de duos, por meio de sua retenção nos municípios e
resíduos – principalmente dos aterros sanitá- adoção de soluções adequadas de coleta.
rios, do tratamento das águas residuárias e do
Para uma simulação comparativa das emissões
transporte de materiais. Os aterros sanitários
que seriam provocadas com a disposição de to-
emitem o gás metano que é 21 vezes mais nocivo
dos os resíduos em aterros, a partir de 2021, e
à atmosfera do que o gás carbônico. A rota tec-
nológica do Plano de Coletas Seletivas Múltiplas com a implementação da rota tecnológica ado-
responde à urgência de ações para controle de tada nos Planos de Coletas Seletivas Múltiplas,
emissões de GEE oriundas do manejo dos resí- foi aplicada uma ferramenta de cálculo de emis-
duos, promovendo a oferta de endereços para a sões, adotada pelo IPCC (IPCC, 2006), com os
entrega voluntária de resíduos e minoração dos resultados apresentados nos Gráficos 2 e 3 res-
episódios de queima descontrolada, a eliminação pectivamente.
Gráfico 2 – Emissões por tipo de resíduo urbano em aterros sanitários, a partir de 2021
114 O Estado como indutor do avanço municipal na gestão dos resíduos sólidos
Gráfico 3 – Emissões por tipo de resíduo com o Plano de Coletas Seletivas, a partir de 2021
Artur José Vieira Bruno, Maria Dias Cavalcante, Francisco Leorne de Sousa Cavalcante, Celiane Freire Martins, Luana Karla Bezerra Ferreira,
115
Renata do Nascimento Martins, Keroliny Maria Perdigão Honorato, Antônia Massília Santos Silva Albano e Tarcísio de Paula Pinto
Figura 3 – Organização física dos Consórcios Públicos no Estado do Ceará
116 O Estado como indutor do avanço municipal na gestão dos resíduos sólidos
Ainda no período de desenvolvimento dos tra- gânicos e secos, resíduos da construção civil, resí-
balhos, o Governo do Estado alterou o Decreto duos verdes e resíduos volumosos, aprovado pelo
Estadual regulamentador do repasse de recur- Consórcio Público;
sos pelo ICMS Socioambiental de forma a apoiar • apresentar documento que comprove a afetação
fortemente os municípios aderentes à gestão do uso da área da Central Municipal de Resíduos
associada para aplicação de coletas seletivas de cada município.
múltiplas que permitam alívio aos dispendiosos
Para os anos seguintes, até o máximo de 5 anos,
aterros sanitários ou possibilitem aos municípios
os repasses prosseguirão com valores integrais
interioranos “ir menos aos lixões”. O Decreto Es-
dos 2% possíveis, se cumpridos o “cronograma
tadual no 32.483 (CEARÁ, 2017), para repasse de
de implementação das iniciativas e implantação
valores integrais dos 2% possíveis, prevê que no
das instalações físicas definidas pelo Plano Re-
primeiro ano os municípios atendam, minima-
gionalizado de Coletas Seletivas Múltiplas, com
mente, os requisitos listados a seguir:
priorização das ações voltadas aos resíduos or-
gânicos”. Garante-se, com estes mecanismos,
• apresentar a Lei de constituição do Consórcio Pú-
solução para todos os investimentos planejados.
blico para Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
incluindo a Legislação Uniforme pertinente, bem A implementação do Decreto Estadual, com re-
como a ata de formação da primeira diretoria; passes a partir de janeiro de 2019, vem mostran-
• apresentar a Lei de criação de Fundo Específico do a correção da estratégia, com os consórcios
de Meio Ambiente, o qual recepcionará o recurso públicos recebendo recursos em volumes condi-
(do ICMS Socioambiental); zentes com as estimativas de investimento da
• apresentar o Plano Regionalizado de Coletas 1ª etapa, como apresentados na Tabela 3, com
Seletivas Múltiplas de todos os resíduos sólidos a complementação dos investimentos nos próxi-
urbanos, notadamente: resíduos domiciliares or- mos anos.
Tabela 3 – Repasses do ICMS Socioambiental para consórcios públicos formados em 2018 e 2019
Artur José Vieira Bruno, Maria Dias Cavalcante, Francisco Leorne de Sousa Cavalcante, Celiane Freire Martins, Luana Karla Bezerra Ferreira,
117
Renata do Nascimento Martins, Keroliny Maria Perdigão Honorato, Antônia Massília Santos Silva Albano e Tarcísio de Paula Pinto
Sertão dos Inha-
5 355 2.053
muns
Cariri Centro 10 2.486 4.274
Cariri Oriental 9 3.054 3.714
Vale do Curu 8 1.776 3.242
Sertão Centro Sul 1 6 2.131 2.751
Sertão Centro Sul 2 8 2.841 3.150
Fonte: Ceará, 2017.
(*) Consórcio formado em 2009, mas readequado em 2018 às exigências do Decreto 32.483/2017.
118 O Estado como indutor do avanço municipal na gestão dos resíduos sólidos
ciando a mudança pela iniciativa mais custosa ção de um processo qualificado de recuperação
(a implantação de aterros para toda a massa de de resíduos, em que inevitavelmente estará pre-
resíduos), sem a construção simultânea da ca- sente a convivência com os lixões, encerrando
pacidade de gestão. Esta dedução não reduz a -os pouco a pouco, na medida em que se deixa
correção doutrinária da Política Nacional de Re- de conduzir resíduos para este destino.
síduos Sólidos, e sim a revalida, reconhecendo a
E, para esse avanço efetivo, passo a passo, com
importância do cumprimento de seu Artigo 9o, de
priorizar as iniciativas de redução e valorização tecnologias simples e experimentadas, de baixo
de resíduos em relação às soluções de disposição custo, com instauração e qualificação da ges-
final. Não há saltos à vista – o que é possível, e tão, pode ser de enorme valia o papel indutor
exigível dos municípios, é um avanço progressivo, dos Estados, como demonstra o exemplo do Es-
passo a passo (que podem ser largos!), na dire- tado do Ceará.
Artur José Vieira Bruno, Maria Dias Cavalcante, Francisco Leorne de Sousa Cavalcante, Celiane Freire Martins, Luana Karla Bezerra Ferreira,
119
Renata do Nascimento Martins, Keroliny Maria Perdigão Honorato, Antônia Massília Santos Silva Albano e Tarcísio de Paula Pinto
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n.º 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Poder
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________. Secretaria do Meio Ambiente. Planos de Coletas Seletivas Múltiplas. Projeto de Implementa-
ção das Coletas Seletivas Múltiplas, 2019. Disponível em: https://www.sema.ce.gov.br/residuos-soli-
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http://www.lixoes.cnm.org.br/. Acesso em 30 de outubro de 2020.
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tegies,2006. Disponível em https://www.ipcc- nggip.iges.or.jp/public /2006gl/pdf/0_Overview/V0_1_
Overview.pdf. Acesso em 30 de outubro de 2020.
120 O Estado como indutor do avanço municipal na gestão dos resíduos sólidos
REDUZINDO ATERROS,
SEM LIXÕES, RESÍDUOS
DEVEM GERAR
TRABALHO E RENDA
COM RECUPERAÇÃO
DE MATERIAIS PARA A
ECONOMIA CIRCULAR
Gráfico 1 – Número de municípios usuários de aterros sanitários por região do país, no período 2009-2018
Fonte: Elaboração do autor a partir do Panorama dos Resíduos Sólidos, ABRELPE, 2009 a 2018.
122 Reduzindo aterros, sem lixões, resíduos devem gerar trabalho e renda com recuperação de materiais para a Economia Circular
Tabela 1 – Massa de resíduos per capita recuperada, por região, no período 2009-2018
Também neste tema, os avanços pretendidos e demandas de aproximação dos serviços públi-
necessários não ocorreram. Pela massa média cos de saúde, educação, saneamento, e outros,
recuperada no último ano (2018), pouco diferen- à uma população mais concentrada, não raro lo-
ciada dos anos recentes, recupera-se pouco mais calizada a grande distância das sedes originais.
que 2% dos 350 kg anuais gerados per capita, em São pouco detalhadas as características dos re-
média. síduos gerados nestas cidades de menor porte,
A ausência de avanços demonstra que as barrei- mesmo sendo o perfil dominante de nossas cida-
ras existentes – em parte as mesmas que alon- des. Há, porém, estudos compilados pelo IPEA,
garam por 20 anos a definição de uma política em suporte à versão preliminar do Plano Nacio-
nacional para resíduos – não foram superadas na nal de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2011), com in-
primeira década de vigência da PNRS. dicação de 22 estudos gravimétricos de resíduos
Um olhar mais apurado sobre as características em cidades menores que 30 mil habitantes totais
populacionais dos municípios brasileiros e sobre que apontam para uma composição média de
a quantidade e tipologia de resíduos urbanos ge- 51% de orgânicos, 31% de resíduos secos e 18% de
rados elucida a origem deste contínuo imobilis- rejeitos. A composição é referenciada na geração
mo. Conforme as projeções da população pelo anunciada de 0,86 kg/dia per capita, em cidades
IBGE em 2020, quase 80% dos nossos municí- com população total menor que 30 mil habitan-
pios têm população abaixo dos 30 mil habitantes tes e que pesam os resíduos gerados, constante
totais, com provável população urbana em torno da última edição do SNIS (SNIS, 2018).
de 70%, não mais que 21 mil habitantes. Muitos A partir destes dados, interessa destacar que,
têm origem na última grande expansão no núme- neste porte de cidade, 18% dos resíduos – os re-
ro de municípios (incremento em torno de 35%) jeitos – deveriam ser encaminhados a uma solu-
ocorrida nos anos 90, após o estabelecimento de ção de disposição final, 51% deles – os orgânicos
regras do pacto federativo na Constituição de – deveriam ser tratados em processos seguros
1988. Mas este processo foi também reflexo da como os de compostagem coberta e a fração
crescente movimentação da população para as seca, em torno de 31% do total deveria passar
áreas urbanas, inclusive como consequência da por processo de triagem e condução às instala-
eliminação de postos de trabalho no campo. A ções recicladoras. O que se pode notar é que, ao
emancipação de distritos e localidades traduziu lado da perda de conhecimento dos processos de
Tarcísio de Paula Pinto 123
compostagem ocorrida nas últimas décadas, o dro real na gestão dos resíduos urbanos, mas
que afasta o uso da mais simples solução para que é claramente desfavorável a soluções isola-
os resíduos orgânicos, ocorre uma nítida ausên- das. E, mais de duas décadas após o boom da
cia de escala para o manejo dos resíduos secos. criação de municípios, muitos deles continuarão
Mesmo que se considere reciclável toda a fração convivendo com a mesma deficiência de servi-
seca, o volume de embalagens gerado nos muni- ços que muitas vezes motivou sua emancipação.
cípios com menos de 30 mil habitantes é insufi- Muitos demonstram significativa fragilidade na
ciente para a sustentação de um processo mini- resposta aos desafios da gestão municipal. Com
mamente gerenciável. Tornam mais aguda esta poucos recursos, sem equipes, sem assistência,
situação o fato de que os volumes caem, porque não avançam em alguns dos serviços, apesar de,
vários tipos de embalagens plenamente reciclá- em outros temas – as relações de vizinhança, a
veis, como as de vidro e alguns plásticos, não vem zeladoria dos espaços –, serem exemplo de con-
sendo reabsorvidas pelo setor produtivo, e ainda vivência saudável.
o fato de os processos de implantação terem que E, assim, dívidas da nação se acumulam – com
respeitar etapas, sendo iniciados com volumes a reforma urbana, com a universalização do sa-
menores. Com isso, municípios deste porte não neamento, com o direito à moradia e de acesso
têm como alavancar o processo com envolvimen- à terra – e a concentração da população nas ci-
to apenas de um ou dois triadores, manejando dades continua avançando, só que agora mais
materiais que ocorrem em grande diversidade . 1
idosa e com maior dependência da eficiência dos
Esta situação real – desconhecimento das téc- serviços públicos.
nicas para o manejo seguro de orgânicos e, prin-
cipalmente, ausência de escala para o manejo Lei virtuosa e estratégia desastrosa
dos resíduos secos – expõe, em parte, o motivo
para a não ocorrência de avanços nesta primeira Entre 2005 e 2010, o Brasil alinhou suas políti-
década de vigência da Política Nacional de Resí- cas públicas às de países mais avançados, es-
duos Sólidos. Junte-se a isto a típica fragilidade truturando a legislação para consórcios públicos
gerencial dos municípios de menor porte, a con- (BRASIL, 2005), que fortalecesse a capacidade
tínua redução dos orçamentos municipais, e a gestora dos municípios, adequando-a às escalas
ausência da União e da maioria dos Estados na regionais; a legislação para o saneamento bási-
provisão de apoio financeiro e técnico a estas pe- co (BRASIL, 2007), superando as deficiências da
quenas cidades. política pública formulada autoritariamente nos
anos 70; e a legislação para os resíduos sólidos
Com isso, quase 80% dos municípios brasilei-
(BRASIL, 2010), em resposta às dificuldades de
ros estarão, na próxima década, condenados ao
gestão em cidades que hospedam mais de 85%
mesmo percurso, com seus gestores cada vez
da população brasileira.
mais ameaçados quanto à mudança de um qua-
A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos é
1 - A triagem eficiente de embalagens e resíduos assemelhados
virtuosa por um lado e, por outro, definiu estraté-
acarreta a distinção de 16 ou mais subtipos de materiais, po-
dendo considerar-se como referência a capacidade produtiva gia que se mostrou ineficaz nos últimos 10 anos.
de 378 kg diários por operador (ECOEMBES, 2012). Impôs aos municípios um prazo de 4 anos para
124 Reduzindo aterros, sem lixões, resíduos devem gerar trabalho e renda com recuperação de materiais para a Economia Circular
encerramento dos lixões e abertura ou adesão do negócios locais geradores de trabalho, renda,
a aterros sanitários, mas não cuidou do essen- arrecadação de tributos, em processos de econo-
cial – impor metas para a recuperação de resí- mia circular. Na estratégia do Artigo 54 de nossa
duos, materiais valorizáveis, muitos oriundos de política nacional, tudo isso se atropela em prol de
recursos não renováveis. Como demonstrado, a implantar os aterros sanitários em um prazo de
estratégia adotada para avanço dos aterros se 4 anos, há muito tempo ultrapassado.
mostrou inócua, dada a ausência dos governos A estratégia pró-aterro que encerra o texto da
estaduais e federal no suporte aos elevados in- Lei 12.305/2010 incorpora fragilidades expressi-
vestimentos necessários para implantação des- vas quando coloca os municípios em uma rota
tas unidades. Onde ocorreu evolução, o resultado tecnológica que, comparativamente a estraté-
foi a imposição aos municípios de custeio eleva- gias para a valorização de resíduos por meio de
do para suportar os custos de transporte e de coletas seletivas, implica em: i) investimentos
disposição final em aterros regionais, em grande muito mais elevados (duas vezes mais); ii) cus-
parte empreendimentos privados. tos operacionais bem mais significativos; iii) de-
pendência dos municípios a um projeto e obra de
O quadro geral é de paralisia, tanto em estados
longa maturação (de 6 a 8 anos para um aterro);
com políticas mais avançadas, como naqueles
iv) renúncia às possibilidades de expressiva gera-
com políticas mais frágeis. Em alguns, os municí-
ção de renda, ocupações e tributos em processos
pios são reféns dos custos elevados, em breve in-
de economia circular local; v) adoção de solução
sustentáveis, abastecendo negócios privados; em
altamente impactante quanto à intensidade de
outros, os municípios são reféns dos persistentes
emissão de Gases de Efeito Estufa, GEE (IPCC,
lixões e sofrem pressão contínua de órgãos de
2006).
controle para que avancem, como os anteriores,
para uma direção que já se mostrou infrutífera. Houve, por outro lado, uma abordagem prati-
camente exclusiva da questão dos catadores,
O encerramento dos lixões adquiriu uma cen-
quando muitos outros segmentos precisavam e
tralidade indevida que desviou as iniciativas dos
precisam ser incluídos nos fluxos econômicos de-
municípios de rumos muito mais eficazes, como rivados do manejo dos resíduos. Não removendo
a priorização do desvio dos resíduos sólidos da a importância das ações sociais de apoio aos ca-
disposição final, ativando mecanismos locais de tadores para a gestão de resíduos, tanto quanto
recuperação de materiais e do seu valor econômi- é importante a inclusão das suas organizações
co, reduzindo impactos e impulsionando cadeias em novos fluxos, também é a das atividades de
produtivas locais e regionais. A estratégia defini- agricultura familiar como consumidoras de com-
da no Artigo 54 da Lei 12.305, por um lado, impõe posto gerado a partir dos resíduos orgânicos, e a
custos dificilmente suportáveis pelos municípios de estabelecimentos de pequeno porte que co-
e, por outro, os afasta das benesses da sequên- mercializam materiais recuperados.
cia de ações definidas no Artigo 9º. O histórico
de todos os países que colhem sucesso na gestão
de seus resíduos está assentado no respeito à or-
dem de prioridades definida: não gerar, reduzir,
reutilizar, reciclar e tratar os resíduos, alavancan-
Tarcísio de Paula Pinto 125
Os lixões são degradantes, mas os aterros são muito menores que os aventados em campanhas
mais impactantes – e ambos não resolvem o que mais fazem abrir caminho para operações
que importa privadas, do que atender aos reais interesses pú-
blicos e ambientais.
A atenção exacerbada à transição para os ater-
Os degradantes lixões têm que ser encerrados
ros gerou duas consequências. A primeira, uma
o quanto antes, mas não há racionalidade que
conotação técnica inadequada tanto para os li-
justifique a migração de toda a massa de resí-
xões, quanto para os aterros. Aos lixões, desti-
duos urbanos para aterros sanitários, como vem
nação degradante de resíduos que tem que ser
ocorrendo país afora. Apesar de degradantes, os
extinta, passaram a ser atribuídos impactos que,
lixões resultam em impactos limitados, pela pre-
em grande parte dos casos não se verificam na
dominância de processos aeróbios; já os aterros,
realidade; por outro lado, dos aterros sanitários
pela própria característica de obra de engenha-
são sistematicamente omitidas características
ria para o confinamento de resíduos, são, sabida-
impactantes que ocorrem tanto em aterros sim-
ples como nas mais sofisticadas instalações de mente, reatores anaeróbios, verdadeiras – bom-
países desenvolvidos, pela própria natureza da bas geradoras – de metano4 e outros gases de
operação. A segunda consequência, que tem ra- efeito estufa (os sistemas de captura superficial
zoáveis ligações com esta primeira, diz respeito e tratamento dos gases têm eficiência muito li-
ao resultado das ações neste primeiro decênio mitada, predominando as chamadas emissões
da Política Nacional de Resíduos Sólidos – vem fugidias).
ocorrendo uma crescente apropriação privada Nesta nossa era, já designada como Antropo-
das operações, sem que disto decorra a obten- ceno, em que o Humano impõe sua marca na
ção dos resultados determinados na diretriz cen- Natureza, não há como aceitar como racional a
tral da política nacional, em seu artigo 9º. migração de lixões degradantes, mas pouco im-
A imensa maioria dos lixões ocorre nos municípios pactantes, para aterros sanitários muito impac-
de pequeno e médio porte, sem grande geração tantes, empreendimentos sustentados por des-
de resíduos. Trabalho extenso de caracterização cargas de resíduos recuperáveis, transportadas
de 81 lixões detectou o predomínio de depósitos
2
por longas distâncias, em processos geradores
em camadas pouco espessas (média de 73 cen- de grandes emissões gasosas, contribuintes da
tímetros), o que determina processos de degra- crise climática já instalada.
dação aeróbios e baixa emissão de gases de efei-
A presença de aterros privados avançou significa-
to estufa (gases detectados apenas em 7% das
verificações). A contaminação comprovada dos www.researchgate.net/publication/240771106_Acumulo_de_
metais_pesados_e_capacidade_de_impermeabilizacao_do_
solos locais pela deposição de resíduos ocorreu solo_imediatamente_abaixo_de_uma_celula_de_um_aterro_
de_residuos_solidos) e em aterros de vala no Estado de São
em apenas 25% dos casos, com uma profundida- Paulo (https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6134/tde-
de média de 116 centímetros3. Os impactos são 24042012-092035/pt-br.php). A capacidade de atenuação dos
solos é um dos parâmetros utilizados pela NBR 15.849:2010,
referente aos Aterros Sanitários de Pequeno Porte (ABNT, 2010).
2 - Plano de Recuperação de Áreas Degradadas por Lixão – PRAD 4 - O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(CEARÁ, 2018). (IPCC) considera entre lixões, aterros controlados e aterros
3 - Estes resultados são coerentes com trabalhos acadêmicos sanitários, estes últimos como os responsáveis pelo maior fator
que constatam a capacidade atenuadora dos solos de base, de emissão de gases de efeito estufa, 2,5 vezes mais emissores de
em investigações realizadas no Lixão de Muribeca (https:// GEE que os condenados lixões (IPCC,2006).
126 Reduzindo aterros, sem lixões, resíduos devem gerar trabalho e renda com recuperação de materiais para a Economia Circular
tivamente no último período, ocorrendo em mui- O movimento que não foi feito ainda é o movi-
tas regiões a abertura de negócios, por interesse mento necessário
privado, à revelia do traçado de políticas públicas
A efetiva qualificação da gestão de resíduos ur-
locais. Um caso emblemático é o de Juazeiro do
banos nas cidades brasileiras não se dará pela in-
Norte/CE, onde dois aterros sanitários privados corporação de processos economicamente insus-
concorrentes estão instalados frontalmente, na tentáveis, pelos elevados custos de investimento
mesma via, ao lado de um lixão transbordante, e de operacionalização, e ambientalmente insus-
que continua em operação. Em várias regiões tentáveis pelas elevadas emissões de GEE que
brasileiras, os gestores municipais vão sendo provocam. Ela se dará pelo respeito integral ao
pressionados a aderir a estes empreendimentos, princípio que é central na Política Nacional de
tornando-se reféns dos preços arbitrados pelos Resíduos Sólidos – o reconhecimento do resíduo
operadores e dos custos elevados de transporte. como um “bem econômico e de valor social, gera-
Há casos extremos, como o dos municípios pau- dor de trabalho e renda e promotor de cidadania
listas Mirandópolis e Itaporanga, que destinam (BRASIL, 2010).
respectivamente a aterros em Catanduva/SP e Quer fazendo a disposição final em aterros sani-
Piratininga/SP, transportando seus resíduos por tários, quer ainda mantendo os lixões, os avan-
quase 300 km de rotas que passam por vários ços dos municípios só poderão decorrer de uma
aterros mais próximos. Não há atendimento do ousada e radical adesão à máxima reciclagem
interesse público quando o transporte passa a e valorização de resíduos e dos materiais neles
custar mais que a disposição e as elevadas emis- contidos. É o caminho lógico, do menor custo, do
sões de ambos não são consideradas no custo da menor impacto, ativador de cadeias produtivas
operação. Exemplos de "adequação" como estes locais, fazendo a economia circular, propiciando
ocorrem país afora, como nos mais de 120 muni- práticas de inclusão social, solidariedade e cida-
cípios vinculados ao Aterro de Minas do Leão, no dania.
Rio Grande do Sul.
O movimento realmente necessário se traduz na
Os aterros operados por privados, tanto quanto incorporação de três passos nos planos locais:
são sorvedouros de recursos públicos, se trans- 1) promover a intensa retenção dos resíduos na
formaram em negócios de elevada rentabilidade, cidade, para recuperá-los em instalações locais
e, com seus longos contratos, passam a oferecer para manejo diferenciado após as coletas se-
resistência a qualquer transformação de cenário, letivas; 2) articular a solidariedade regional e a
como a redução dos volumes aterrados, para im- gestão associada com os municípios vizinhos,
plantação das diretrizes da Política Nacional. para ampliar a escala operacional e estabilizar a
A resultante deste primeiro decênio da PNRS gestão técnica em todos, por meio de consórcio
aponta para uma continuidade da paralisia dos público; 3) ativar cadeias produtivas locais e re-
municípios, porém os lixões degradantes têm que gionais, negócios urbanos e rurais já existentes,
ser encerrados e os impactantes aterros sanitá- receptores dos diversos resíduos – geradores de
rios têm que ser urgentemente evitados – há so- trabalho, renda e tributos – fazendo a economia
lução para este falso impasse. circular.
Esse é o caminho mais imediato e eficaz para o
Tarcísio de Paula Pinto 127
cumprimento das diretrizes da PNRS, incorpo- A retenção dos resíduos nas proximidades das
rando ainda a possibilidade de o setor responder atividades geradoras, com autossuficiência no
eficientemente aos desafios de enfrentamento seu manejo e tratamento é o princípio basilar de
da crise climática. Este último aspecto, cada vez países europeus com sucesso na gestão e é ple-
mais importante em nossa era, diante da velo- namente alcançável pelos municípios brasileiros
cidade como as mudanças ocorrem, não pode no nosso estágio de conhecimento. Resíduos re-
mais ser secundarizado pelos gestores públicos. tidos e valorizados podem gerar dezenas de ve-
Nossas cidades terão que ser adaptadas para zes mais oportunidades de trabalho e renda que
suportar as consequências deste novo período, resíduos sepultados em aterros, e podem favo-
e a estratégia realmente adequada de gestão recer estabelecimentos locais, ampliando a arre-
de resíduos urbanos pode ofertar-se como su- cadação pública em tributos quando inseridos na
midouro para 10 a 15% das emissões totais, em economia formal. Na Tabela 2, apontam-se, para
nível muito superior aos prováveis 3% das emis- três estados da federação, os estabelecimentos
sões antropogênicos geradas no manejo de resí- existentes (e seus vínculos empregatícios) que,
duos (JANSSEN, 2017). em parte, poderiam ser incorporados em novos
fluxos para avanço da economia circular.
Fonte: (1) IBGE, 2017; (2) RAIS, 2018. Elaboração I&T Gestão de Resíduos.
Os gestores públicos deverão estar atentos àque- irregulares; e os resíduos volumosos, móveis e
les cinco grupos de resíduos definidos como de utensílios inservíveis.
responsabilidade pública: os resíduos secos (em-
A abordagem dos resíduos orgânicos e verdes
balagens) de origem domiciliar ou assemelhada;
deve ser privilegiada pela sua predominância na
os resíduos orgânicos, com mesma origem; os re-
síduos verdes da manutenção urbana, incluídos composição dos resíduos gerados e pelo seu alto
os de capina e roçada; os resíduos da construção potencial gerador de gases de efeito estufa; as
civil oriundos da limpeza corretiva de deposições análises regionais têm mostrado que a produ-
128 Reduzindo aterros, sem lixões, resíduos devem gerar trabalho e renda com recuperação de materiais para a Economia Circular
ção de composto orgânico com estes resíduos perspectiva da gestão associada de serviços pú-
dificilmente demanda o uso de mais do que 5% blicos, que foi efetivada pela Lei 11.107/2005 – a
da área agricultável local (lavouras temporárias Lei dos Consórcios Públicos (as Parcerias Públi-
e permanentes) adotando-o como fertilizante. co-Público). Aos pequenos municípios, mesmo
com ausência de apoio da União e dos Estados,
A adoção desta estratégia pelos gestores per-
é estratégica a perspectiva de apoios recíprocos
mitirá, de curto a médio prazo, a redução para
por meio dos consórcios públicos. Consórcios pú-
30% ou até 20% dos volumes deslocados para
blicos são o instrumento de excelência para a su-
disposição em aterros sanitários, já na forma de
peração de fragilidades regionais, sem perda de
rejeitos, como exige a lei.
identidades locais. Neste sentido, há exemplos
Para a efetividade da adoção destes novos pro- exitosos de municípios que cumprem a missão de
cessos, os gestores terão que alterar rápida e prover a infraestrutura de serviços necessária à
progressivamente os procedimentos de coleta vida urbana.
domiciliar, adotando a coleta em 3 frações (se-
No Rio Grande de Sul, 31 municípios, com popu-
cos, orgânicos e rejeitos), e os procedimentos de
lação total de 170 mil habitantes, compartilham
limpeza urbana, com recolhimento seletivo dos
uma solução centralizada para destinação de
resíduos manejados. As coletas tal como ocorrem
seus resíduos (CIGRES, Consórcio instalado em
hoje na maioria dos municípios, só são adequa-
2007). Quinze dos municípios consorciados têm
das para o despejo indiscriminado dos resíduos
população urbana inferior a 1.290 habitantes
em lixões ou para sua perda, como bem econô-
(IBGE, 2010). O Consórcio Público lhes permite o
mico, gerando impactos ambientais nos aterros.
cumprimento das obrigações municipais no tema
Por fim, como aspecto fundamental – a par- gestão de resíduos. Em São Paulo, 9 municípios
tir do reconhecimento de que grande parte dos na região de Campinas, a maioria de pequeno
problemas urbanos advém da incapacidade de porte, organizaram o Consórcio Intermunicipal
gestão –, é essencial a construção de uma capa- de Saneamento Ambiental (CONSAB), instala-
cidade gestora, que só pode ocorrer se atingida do em 2009, que dá escala para organização de
uma escala operacional adequada. Para isso, se serviços relativos aos resíduos urbanos, à utiliza-
impõe a discussão da gestão associada dos ser- ção de resíduos de construção na recuperação de
viços públicos com outros municípios da região, estradas rurais e aos serviços de iluminação pú-
constituindo Consórcios Públicos operadores de blica. Em ambas as experiências, o avanço con-
ações regionais para garantia da estabilidade e quistado é certamente muito além do que seria
perpetuação da gestão técnica de novos proces- possível aos municípios isolados.
sos, e qualificação da gestão pública. Além da
No Ceará, o Governo fomenta o consorciamento
estabilidade de gestão, este caminho permitirá o
voluntário dos municípios, como política de es-
menor investimento, pelo compartilhamento de
tado para que avancem na gestão de resíduos e
instalações, equipamentos e equipes, para que
apoia o desenvolvimento dos planos para retirar
os municípios, por menores que sejam, possam,
os resíduos dos lixões e conduzi-los às cadeias
por meio dos consórcios públicos, realizar o que
produtivas locais, em processos de economia cir-
lhes é exigido. cular. O Estado garante o repasse continuado
A Constituição de 88, no Artigo 241, introduziu a de recursos vinculados do Imposto sobre Circu-
Tarcísio de Paula Pinto 129
lação de Mercadorias (ICMS) para implantação de espaço, equipes, equipamentos e controles;
de instalações de manejo e mais de 80% dos mu- • Implantação de rede local com uma instalação
nicípios está inserida em 18 consórcios públicos central, denominada de Central Municipal de Re-
para gestão de resíduos. Alguns deles já ampliam cuperação de Resíduos, para os vários processa-
perspectivas constituindo equipe técnica única mentos, e com Ecopontos Urbanos e Rurais, para
para o licenciamento ambiental regional. organizar a captação de – RCC, Verdes, Volumo-
sos, Embalagens, Resíduos de Logística Reversa –
Organizar consórcios públicos para a coopera-
em pequenas quantidades, nos bairros e distritos
ção na gestão é o caminho mais promissor para mais longínquos e populosos.
a evolução das políticas públicas nacionais traça-
das na primeira década deste século. A retenção dos resíduos na cidade precisa estar
ancorada em processos simples, seguros e de
baixo custo para a recuperação dos materiais de
Adoção de soluções simples e seguras para
responsabilidade pública e posterior inserção nas
processamento dos resíduos
cadeias produtivas locais e regionais.
Sendo essenciais a busca dos menores custos de Para os resíduos orgânicos, o tratamento deve
investimento e operacionais, a busca de redução ocorrer em galpões cobertos, em processos com
de emissões, de geração de trabalho, renda e ne- pilhas estáticas e ventilação forçada, que permi-
gócios pela ativação de cadeias produtivas lo- tem muito controle e garantem a decomposição
cais, articuladas todas em soluções de coopera- em 45 dias. Municípios com até 30 mil habitantes,
ção regional por meio de consórcio público, serão 80% das nossas cidades, não precisam mais que
decisivas as estratégias a adotar para a constru- 1.300 metros quadrados para equacionar seus
ção destes resultados. O aprendizado obtido em resíduos orgânicos e gerar composto de qualida-
muitos anos de elaboração e implementação de de para estabelecimentos agrícolas locais.
planos e projetos em várias regiões do país per-
mite ressaltar a importância das seguintes es- Figura 1 – Galpões de compostagem mais sim-
ples ou mais sofisticados, pilhas padronizadas
tratégias:
Nos resíduos secos, o fundamental será articu- Os resíduos verdes passam a ser úteis se tratado
lar os municípios para estabelecer a escala que o material mais fino por decomposição natural,
viabiliza o processamento eficiente. Para os mu- gerando insumo útil à agricultura, e o material
nicípios menores, devem ser previstos galpões grosso, picado ou não, sendo utilizado como bio-
simples, em torno de 80 metros quadrados, que massa, geradora de energia em estabelecimen-
permitam a acumulação e a transferência para a tos regionais.
triagem em galpões implantados nos municípios
maiores. Figuras 3 e 4 – Decomposição de material fino
em grandes pilhas e picador móvel para material
Figura 2 – Galpões de acumulação e galpões de grosso
triagem na escala adequada
erro no arquivo
Devem compor também a estratégia iniciativas ou coletiva em condomínios e praças, com hortas
que ofertem canais para que os cidadãos pos- comunitárias em bairros e a entrega responsável
sam exercer a sua responsabilidade pessoal com de cada resíduo nas coletas seletivas e nas novas
a cidade, satisfazer o anseio para colaborar nos
instalações introduzidas na cidade.
avanços, por meio da compostagem individual
134 Reduzindo aterros, sem lixões, resíduos devem gerar trabalho e renda com recuperação de materiais para a Economia Circular
Figura 13 e Gráfico 10 – Compostagem domiciliar incumbirá o gerenciamento das atividades inter-
e condominial nas nas instalações5.
A correção desta ilegalidade gera uma receita O custo de tratamento local, após as coletas se-
nova, pela aplicação de preço público para a pres- letivas, é o resultado de diversos condicionantes:
tação do serviço, que pode suprir a necessidade quantidades manejadas, escala da operação, dis-
136 Reduzindo aterros, sem lixões, resíduos devem gerar trabalho e renda com recuperação de materiais para a Economia Circular
tâncias entre distritos e sedes municipais, distân- finalidade de proteção e preservação do meio am-
cias entre municípios para atingir a escala neces- biente; b) regulamentando o cadastro regional dos
sária para triagem das embalagens; mas é sempre grandes geradores de resíduos sólidos e os preços
significativamente inferior ao praticado nas solu- públicos concernentes aos serviços a eles presta-
ções com transbordo e disposição final de toda a dos; c) instituindo o fundo de financiamento do
massa de resíduos gerada nas regiões. E traz uma manejo diferenciado de resíduos sólidos.
significativa vantagem que é a de liberar os muni- O consórcio público e o fundo regional de financia-
cípios da longa espera pela concretização de uma mento do manejo diferenciado gerido por ele se-
obra complexa, o aterro sanitário, com seu pesado rão instrumentos fundamentais para o suporte às
investimento. novas práticas e novos fluxos de materiais para a
As estratégias para sustentação dos custos ope- economia circular. O fundo regional deve recepcio-
racionais deverão considerar: a realização do má- nar os recursos relativos às operações em gestão
ximo de receitas possível com o volume elevado associada: os oriundos do rateio entre municípios,
de materiais que serão recuperados; a criação da os relativos aos preços públicos, os provenientes
base legal necessária e implementação de solução da arrecadação de taxas de manejo de resíduos,
para comercialização ágil de materiais recupera- as receitas realizadas com a comercialização de
dos e em valorização; a regulamentação dos pre- materiais, aquelas provenientes de créditos por
ços públicos para prestação de serviços aos gran- logística reversa de produtos e outras que se es-
des geradores; e a constituição de fundo regional tabeleçam.
que hospede os diversos recursos, vinculando-os O fundo regional de financiamento, gerido pelo
aos investimentos necessários e permitindo o con- consórcio público e operado com controle social
trole social. e dos gestores dos municípios, será instrumento
A inserção progressiva dos materiais nas cadeias de excelência para a redução de desigualdades e
produtivas locais e regionais requer uma solução privilégios, favorecimento das economias locais e
ágil para a comercialização dos materiais e conse- ativação da solidariedade regional necessária ao
quente recuperação de parte dos custos. A solução, avanço das pequenas e médias cidades.
novamente, se dará por meio do consórcio público Em uma consideração final, é nítido que a PNRS,
operando como autarquia de todos e cada um dos por si só, não conduziu nossas cidades para o mo-
municípios associados – já existem modelagens ju- vimento que era necessário, recuperando resíduos
rídicas, apoiadas na Lei Federal 13.019/2014 (BRA- e alavancando processos econômicos inclusivos,
SIL, 2014), para o estabelecimento de contratos de em economia circular, robustecendo a economia e
gestão com organizações da sociedade civil, que gerando trabalho e renda. Corrigir o rumo e rom-
permitam que estas assumam a necessária co- per a paralisia, evitando a inadequação das so-
mercialização cotidiana dos resíduos recuperados. luções impactantes que vem sendo impostas em
Haverá a necessidade de estabelecer em cada muitas regiões, só depende de decisão local – quer
município os instrumentos jurídicos que permitam dos gestores públicos, quer de grupos e agentes
estes avanços: a) autorizando o Poder Executivo, locais – mas compromissada com a perspectiva
por meio do consórcio público, a celebrar contrato de avanço até cidades mais saudáveis e inclusivas,
de gestão com organização da sociedade civil com ancoradas na solidariedade regional.
Tarcísio de Paula Pinto 137
Referências
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Brasil. 23 de Novembro de 2017. São Paulo.
90%
• Maiores custos de capital e operacio-
• Tecnologia de expansão fácil nais
• Pode ser usado para todos os tipos de • Tecnologia imatura e inflexível com ris-
resíduos co de falha
• Corrosão de tubos de metal durante a
reação
144 Análise da recuperação energética a partir de resíduos urbanos na Macrometrópole Paulista: desafios e perspectivas
• Produz combustível de alta qualidade • Produtos líquidos oleosos têm alto teor
(carvão, gás de síntese) de água devido à umidade na matéria-
-prima
• Reduz o tratamento de gases de com-
bustão • Formação de coque a partir de produ-
tos líquidos
• Adequado para resíduos carbonosos
• Alta viscosidade de pirólise
• Taxa de recuperação de energia de até
80% • Alto custo operacional, de manutenção
Pirólise
e de capital
• Emissões menores de NOx e SO2
• Lavagem de gás de síntese antes da
combustão
• Resíduos sólidos de melhor qualidade;
produtos de alto valor calorífico (∼38MJ
/ kg)
• Facilidade no transporte de combustível
líquido
Fonte: DOS SANTOS et. al. (2020) e KUMAR; SAMADDER (2017).
Lira Luz Benites Lazaro, Bruno Alves Pereira, Arthur Mendonça Quinhones Siqueira e Gina Rizpah Besen 149
Afirma-se no Plano de Resíduos do estado de É importante a busca de soluções regionalizadas
São Paulo (ESTADO DE SÃO PAULO, 2020), re- e, no caso do estado de São Paulo, os consórcios
visado e publicado dezembro de 2020, que es- existentes e aqueles apresentados pelos municí-
tão sendo utilizadas no tratamento de resíduos pios serão incorporados. A Secretaria de Infraes-
as seguintes tecnologias: compostagem; produ- trutura e Meio Ambiente (SIMA) se compromete
ção de combustível derivado de resíduos (CDR); no Plano, seja por intermédio de financiamentos
tratamento mecânico biológico (TMB); e uso de e/ou apoio para a captação de recursos, no intui-
combustível derivado de resíduo urbano (CDRU) to de articular e viabilizar a elaboração de Planos
e pneumáticos em substituição energética para Regionais de Resíduos Sólidos, que a partir de um
produção de clínquer. diagnóstico regional, aponte, por meio de estu-
Ainda no Plano, é destacado que, apesar do per- dos de viabilidade técnica e econômica, alterna-
centual de mais de 50% de resíduos orgânicos tivas e soluções para melhor gestão e gerencia-
em muitos municípios, são poucas as unidades mento dos resíduos gerados (ESTADO DE SÃO
de compostagem oriundas da coleta pública hoje PAULO, 2020, p. 214)
em operação no estado, o que implica no encami-
nhamento da maior parte desses para os ater-
O aproveitamento energético de RSU na MMP
ros. Se atribui ainda esta constatação a fatores
que vão da falta ou falha na separação na fonte A Agência Nacional de Energia Elétrica prevê três
e de coleta seletiva, que resulta na baixa qualida- formas para o aproveitamento energético dos re-
de da matéria prima, passando por dificuldades síduos sólidos urbanos. Os três são o Biogás – RU,
desde a operação e manutenção, até as de colo- Carvão – RU e Resíduos Sólidos Urbanos – RSU.
cação do composto no mercado. Atualmente, na MMP a maioria dos empreendi-
mentos são a Biogás, há um a Carvão e nenhum a
Entretanto, apesar dessas iniciativas,
há que se reconhecer a necessidade Resíduos Sólidos Urbanos.
do avanço nas diferentes formas
de tratamento da fração orgânica A MMP tem uma capacidade de geração de ener-
dos RSU, seja por meio da expansão gia de 4.064MW (COLLAÇO et al., 2020) e, sob
das unidades de compostagem,
seja por meio de outras soluções o ponto de vista do uso dos resíduos sólidos e do
tecnológicas como a Biodigestão ou
biogás proveniente dos aterros, a capacidade ins-
Digestão Anaeróbia, o Tratamento
Mecânico Biológico – TMB ou outras talada atualmente é de apenas 77MW, distribuí-
possibilidades ambientalmente
adequadas (ESTADO DE SÃO PAULO,
das em nove usinas, conforme mostra a tabela 1.
2020, p. 91).
150 Análise da recuperação energética a partir de resíduos urbanos na Macrometrópole Paulista: desafios e perspectivas
Tabela 1– Plantas de geração de energia elétrica a partir dos RSU na Macrometrópole Paulista
Total 77,4
Fonte: ANEEL, 2020
Complementarmente à capacidade já instalada, tos e Barueri (Tabela 2), somando ao todo mais
há três novos projetos em processo de licencia- 144MW de potência a partir do processamento
mento para a recuperação energética dos resí- de quase 6000 toneladas por dia, conforme ta-
duos sólidos urbanos nas cidades de Mauá, San- bela.
Lira Luz Benites Lazaro, Bruno Alves Pereira, Arthur Mendonça Quinhones Siqueira e Gina Rizpah Besen 151
O aproveitamento energético dos RSU nestas Considerações Finais
plantas se dará através do tratamento térmico
Definir rotas tecnológicas de redução e reapro-
pela tecnologia mass burning, que oferece uma
veitamento de resíduos e de destinação final de
capacidade de redução do volume de resíduos
rejeitos é uma meta urgente a ser atingida no
entre 85% e 90%, operando em média 8000 ho-
país e na Macrometrópole Paulista. No entanto,
ras por ano.
constata-se que a coleta seletiva de materiais
A título de análise comparativa, o custo do inves- recicláveis, a compostagem/aproveitamento de
timento para uma estação de tratamento térmi- resíduos orgânicos e a logística reversa de emba-
co com capacidade de 650t/dia é de R$280 mi- lagens pós-consumo não têm tido o enforcement
lhões, enquanto que para uma com capacidade necessário ao longo dos 10 anos de vigência da
de 1300t/dia é de R$480 milhões. Complemen- Política Nacional de Resíduos Sólidos.
tarmente, os custos anuais de operação e manu-
Observa-se no Plano Estadual de Resíduos de
tenção de uma estação de 650t/dia são de R$23
São Paulo um esforço no sentido de apoiar os
milhões, enquanto que de uma de 1300t/dia são
municípios na direção dos consórcios e da via-
de R$40,3 milhões (ABRELPE, 2015).
bilização de seus planos municipais e regionais,
Segundo o Programa Estadual de Valorização no entanto, apesar de apresentar algumas ro-
Energética de Resíduos Sólidos apresentado pelo tas tecnológicas como mais adequadas, as rotas
Governo do Estado de São Paulo ao Consema tecnológicas baseadas na queima de CDR estão
em 27 de maio de 2020, o piso do valor por MWh sendo estimuladas e em processo de licencia-
para viabilizar de empreendimentos de aprovei- mento/licenciadas na CETESB.
tamento energético dos RSU está entre R$250
Diante do quadro exposto no capítulo, fica evi-
e R$300 por MWh. Salienta-se que, segundo a
dente que a queima de resíduos não contribui sig-
Selur (2019), o custo de disposição final dos re-
nificativamente para o atendimento da demanda
síduos em aterros sanitários variam entre R$85/
de energia da MMP, e provoca impactos econô-
ton. e R$269/ton., a depender do tamanho.
micos, sociais e ambientais. Ainda como sistema
Portanto, levando em conta todos os valores de tratamento, não é eficiente pois gera rejeitos
apresentados, pode-se estimar que os três em- que são resíduos perigosos, além de outros im-
preendimentos, que incrementarão em 3,5% a pactos, principalmente com relação às mudan-
potência total instalada da MMP, terão um inves- ças do clima. Por fim, atende a uma demanda
timento da ordem de R$2,3 bilhões e um custo do setor empresarial em detrimento da deman-
operacional anual da ordem de R$200 milhões. da da sociedade civil organizada e da população
Estima-se ainda que o faturamento anual, con- atingida pelos projetos, não contribui com uma
siderando a venda da energia ao valor do piso e economia circular, baseada na maior reciclabili-
a redução de custos com a disposição dos RSU dade dos produtos e embalagens, da produção
em aterros, seja da ordem de R$600 milhões por de embalagens ambientalmente amigáveis e no
ano, oferecendo um payback simples entre 5 e 6 estímulo a cadeia de pequenos e grandes negó-
anos. cios da compostagem.
152 Análise da recuperação energética a partir de resíduos urbanos na Macrometrópole Paulista: desafios e perspectivas
Para uma gestão de resíduos do século XXI, re- Agradecimentos
comenda-se rotas tecnológicas sustentáveis,
Os autores agradecem o apoio da Fundação
eficientes, descentralizadas, que reduzam a ge-
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
ração de resíduos na fonte e o transporte dos re-
(FAPESP), processo no 15/03804- 9. Lira Luz Be-
síduos a longas distâncias, ampliem seu reapro-
veitamento e reciclagem, e que de fato tenham nites Lazaro, agradece também à FAPESP pro-
Lira Luz Benites Lazaro, Bruno Alves Pereira, Arthur Mendonça Quinhones Siqueira e Gina Rizpah Besen 153
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156 Análise da recuperação energética a partir de resíduos urbanos na Macrometrópole Paulista: desafios e perspectivas
EXPERIÊNCIAS
EXITOSAS DE
COMPOSTAGEM NO
BRASIL
Apoio à cidade de São Paulo foi sendo reduzindo a quantidade de ratos signifi-
cativamente, lembrando de que eles estão ao lado
A experiência de Florianópolis contribuiu di- do Rio Tietê.
retamente junto à gestão de Fernando Had-
dad(2013-2017) no município de São Paulo, com
dados concretos para as audiências públicas que Experiência na Costa do Sauipe/BA
discutiram o Plano de Gestão Integrada dos Resí-
Na cooperativa Verde Coop, situada na Costa do
duos Sólidos, além de assessorar tecnicamente os
Sauípe – Bahia, coordenada por Samuel Barreto
debates das metas da compostagem.
Gomes, que é catador associado, onde são cole-
A implementação das centrais de compostagem tados os resíduos secos e orgânicos, estes sendo
na cidade de São Paulo utilizando os resíduos or- tratados e transformados em adubo. Desde 2003,
gânicos provenientes das feiras livres e de podas, a cooperativa Verde Coop atuou no segmento de
tiveram um do suporte técnico imprescindível da compostagem e reciclagem dos secos, recolhendo
equipe da CEPAGRO (Centro de Promoção e Es- principalmente os resíduos de grandes geradores,
tudos da Agricultura de Grupo), que conta com no caso, dos hotéis da Costa do Sauípe, porém,
pesquisadores, técnicos responsáveis pelo desen- devido à pandemia, ocorreu uma redução signifi-
volvimento do projeto “A Revolução dos Baldinhos” cativa e até uma parada no volume de resíduos
e da equipe técnica especializada em composta- desses geradores, mas a cooperativa buscou ou-
gem, contratada na época pela AMLURB - Autori- tros parceiros e atualmente recebem os resíduos
dade Municipal de Limpeza Urbana de SP. de Camaçari. A compostagem nesse projeto é um
A escolha desses resíduos orgânicos, proveniente processo totalmente natural, ou seja, os resíduos
das feiras livres e utilizando as podas de árvores são dispostos em camadas que ficam no pátio en-
dos parques e praças da cidade, teve sua 1ª central tre 60 e 90 dias e depois vão para o galpão para
inaugurada em 15 de dezembro de 2015 no bairro ficar maturando por mais 30 dias, até que esse
da Lapa, e em 2021 já existem mais cinco centrais composto vai para a ensacadeira e o resultado fi-
Mônica Pilz Borba 163
nal é destinado à venda para agricultores vizinhos Considerações Finais
e para a cooperativa de agricultores, que vendem
seus produtos para a rede hoteleira, fechando um Como podemos observar, os projetos de compos-
círculo virtuoso. Vendem o adubo a granel a 70 tagem exitosos no Brasil trazem uma nova lógica
centavos o quilo, e, em sacos de 25kg e 50kg, um de pensamento dentro de uma visão sistêmica,
pouco mais caro. Já chegaram a vender 3 tonela- onde nada se perde e tudo se transforma, assim
das para um projeto de reflorestamento a 500km como são os sistemas naturais.
de distância do local, na Chapada da Diamantina.
Outro ponto de relevância nesses processos é o
A cooperativa processa uma média de 16 tonela- reforço do sentido da corresponsabilização apon-
das/dia e tem licença ambiental e todas as demais tada na PNRS, com forte envolvimento dos gover-
licenças para funcionar. Antes da pandemia, eram nos, empresas e sociedade, visando gerar o bem
33 cooperados, mas atualmente são apenas 8 na comum por meio da gestão integrada e sustentá-
operação, pois ocorreu um incêndio numa parte do vel dos resíduos, ou seja, completar seu ciclo per-
galpão devido a um acidente na parte elétrica que
manente de produção e consumo locais evitando
processa os secos, mas ainda é possível utilizar as
ao máximo a emissão de gases de efeito estufa.
prensas para dar continuidade ao trabalho, num
espaço mais reduzido. Os catadores brasileiros Os arranjos e soluções para a efetivação da com-
vêm passando por uma enorme desativação com postagem são múltiplos, com diversidade nas tec-
a pandemia, mas esse é um serviço prioritário de nologias, considerando, em seu cerne, a participa-
tantos anos numa luta permanente. Atualmente, ção e controle na gestão dos resíduos por parte
trabalham dois dias por semana, coletando em da população, estimulando a autonomia e a res-
torno de 45 toneladas de secos e orgânicos. Néia, ponsabilidade individual e coletiva de todos nesses
que trabalha na cooperativa há mais de 5 anos, processos emancipatórios.
acompanha e monitora a qualidade do composto Mas é preciso dar muito mais visibilidade aos re-
e todo o processo. Em 2006, a cooperativa rece- sultados econômicos, sociais e ambientais desses
beu apoio financeiro da Fundação Banco do Brasil projetos para que eles possam ser multiplicados e,
para as construções dos hotéis na região, que, em de fato, se tornarem referência para gestão dos
seu plano de negócios, apontavam a necessidade
resíduos no século 21 no Brasil.
da compostagem para tratamento desse tipo de
resíduo, dado o tamanho das áreas de jardins. Conhecer processos de ações que acontecem no
Brasil em prol da compostagem, que é o tratamen-
A cooperada destaca que no início ninguém nem
to adequado e sustentável dos resíduos orgânicos,
sabia o que era composto, porém, com a divulga-
é de grande importância. Essas experiências pre-
ção e resultados crescentes, a procura por insu-
cisam se exponenciar nos próximos anos e mudar
mos orgânicos para as lavouras tem crescido ano
a mentalidade dos gestores públicos em relação
a ano, e a produção de alimentos orgânicos tam-
à forma como lidam com os resíduos orgânicos,
bém tem aumentado.
criando uma gestão de resíduos sistêmica, indo ao
encontro da economia circular e dos princípios bá-
sicos da Política Nacional dos Resíduos Sólidos.
ALIANÇA RESÍDUO ZERO BRASIL. Site Aliança Resíduo Zero Brasil [s.d.]. Disponível em: <https://
residuozero.org.br/>. Acesso em 01 mar. 2021.
______. Webinar Vida Saudável sem incineração no século 21: ciclo dos orgânicos. Perfil da Alian-
ça Resíduo Zero Brasil no Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/watch/live/?-
v=341781700194776&ref=watch_permalink>. Acesso em: 01 mar. 2021.
CEPAGRO. Revolução dos Baldinhos chega a Taubaté (SP). Site CEPAGRO. Mar. 2018. Disponível
em: <https://cepagroagroecologia.wordpress.com/2018/03/10/revolucao-dos-baldinhos-chega-a-
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ECEL AMBIENTAL. Parecer Técnico – Análise do EIA da URE VALORIZA SANTOS – Aterro Sanitário
Sítio das Neves – Santos. Emitido em 05/08/2020.
INSTITUTO FORMAÇÃO. Agricultura Orgânica. Técnico em Agricultura. 2013. Disponível em: <http://
www.ifcursos.com.br/sistema/admin/arquivos/13-37-03-agricultura0rganicaaposti..pdf>. Acesso
em: 01 mar. 2021.
Alexandro Cardoso
“Os bons eu enalteço, os maus eu e categoria, interligadas e mediadas pelos resí-
critico. Devo reservar as palavras
suaves para os operários, para os duos sólidos, tão caros à sociedade e principal-
mendigos, que são escravos da miséria”. mente à natureza quando fora desta conexão,
Carolina Maria de Jesus
mas tão rico e gerador de vida quando conecta-
do com as mãos das(os) catadoras(es).
Neste texto, apresentamos um capítulo no qual
reforçamos a importância das lutas das(os) cata- Os resíduos geram trabalho, renda, inclusão so-
doras(es)1 de materiais recicláveis, nas disputas e cial, proteção da natureza e o fortalecimento da
na construção de uma outra sociedade baseada solidariedade e a empatia humana. Sem dúvida,
na profunda transformação do sistema capitalis- seres humanos que reciclam se diferenciam den-
ta através da economia solidária2 antes que seja tre os demais, enquanto melhores pessoas.
tarde e irreversível ao planeta, bem como sobre
os desdobramentos sócio ambientais e políticos
Construção e materialização da PNRS, um so-
com foco no olhar da categoria junto aos outros
nho coletivo
importantes atores nestas disputas sobre a exe-
cução e implementação da Política Nacional de Depois de 20 anos de tramitação na Câmara Fe-
Resíduos Sólidos (PNRS). deral, com muitos acordos e ampla participação,
Posso afirmar que a estagnação da PNRS não é principalmente de lideranças catadoras ligadas
causada pelos pobres, pelos ditos “ignorantes”, ao MNCR – as(os) que tinham ligação próxima
aqueles aos quais faltam conhecimentos técni- com o ex-presidente da república, Luiz Inácio
cos, ou seja, pelas catadoras e catadores, e sim Lula da Silva, e a Secretaria Geral da Presidên-
por aqueles que concentram poder, informação e cia, através de seu Ministro Gilberto Carvalho e
falta de sensibilidade. O problema reside princi- equipe. A PNRS foi aprovada no Brasil e foi mo-
palmente naqueles que acumulam cada vez mais tivo de grandes comemorações em vários seto-
riquezas, os quais têm o poder da decisão. res, desde os serviços – empresas capitalistas e
cooperativas solidárias, ambientalistas –, agen-
Entretanto, neste artigo destacamos a impor-
tes e organizações sociais que se mobilizam em
tância das lutas, da organização social e política,
defesa da natureza, além de inúmeras pessoas
dos gritos e das palavras de ordem que rompam
e instituições que lutavam por soluções susten-
a apatia, a morosidade, o descompromisso ou
táveis (ambientalmente adequadas, socialmente
ainda os objetivos mesquinhos da busca do po-
justas e economicamente viáveis) para a gestão,
der sem povo e da riqueza sem distribuição, per-
passando pelas relações sociais entre sociedade gerenciamento e reaproveitamento dos resíduos
urbanos.
1 - Optei por utilizar o gênero textual prioritariamente no feminino,
buscando dar maior visibilidade às mulheres que são maioria na O reconhecimento e a valorização das(os) cata-
minha profissão. O mesmo modelo é utilizado pelo Movimento
Nacional das Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis doras(es) foi um dos pontos fortes dessas con-
(MNCR) como forma de reconhecer, incentivar e fortalecer a luta
e o protagonismo das companheiras mulheres catadoras.
quistas, principalmente por parte da categoria
2 - Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, “Economia e do Presidente Lula, quando declarou que “o
Solidária (EcoSol) é um jeito diferente de produzir, vender, comprar
e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem maior mérito desta lei é a inclusão social de tra-
querer levar vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, balhadoras e trabalhadores que por muitos anos
fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no
próprio bem” <https://www.ecosolbasebrasilia.com.br/>. foram esquecidos e maltratados pelo Poder Pú-
Alexandro Cardoso 167
blico” sancionando a lei no dia 02 de agosto de A reciclagem, de algo esquecido e desvaloriza-
2010, na ocasião, ao lado de um catador de ma- do, passa a representar uma inovação na gestão
teriais recicláveis representante do MNCR. pública, estabelecendo uma linha divisória entre
A lei desenhava outra lógica para os resíduos, um governos que reciclam – aqueles que implemen-
deslocamento de sentidos e saberes, responsa- tam coleta seletiva com a participação de cata-
bilizando geradores, distribuindo tarefas na ges- doras(es) daqueles que não implantam. Os que
tão de resíduos, grandes investimentos na cadeia não têm políticas adequadas sentem a pressão
produtiva, fortalecendo a organização da cate- popular, questionamentos na justiça, e precisam
goria em coletivos solidários, executando pro- responder pelos problemas com o destino inade-
gramas de estruturação e desenvolvimento de quado dos resíduos, sendo visto como uma situa-
tecnologias sociais, ancoradas nos serviços rea- ção imoral. Onde já se viu não ter coleta seletiva?
lizados prioritariamente pelas(os) catadoras(es) Destinar resíduos ao lixão? Como ainda não têm
que deixariam a condição de indigentes relega- plano de gerenciamento integrado de resíduos?
dos da sociedade, individualmente imersos em E as empresas privadas, quando pagarão pela
lixões e lixeiras, reflexo da sociedade capitalista, sua poluição? E a Logística Reversa, quando será
garantindo assim cidadania, reconhecimento e implantada? Perguntas e pressões dominavam e
valorização. inquietavam as pautas no início da década ime-
diatamente após aprovação da PNRS. Por mais
Imediatamente após a aprovação da PNRS, os
que os resíduos não fossem reciclados e os go-
resíduos passam de uma agenda esquecida pela
vernos pouco investissem nessa forma de gerir
sociedade, pela administração pública e priva-
os resíduos, todos passaram a usar a reciclagem
da para se tornarem uma das mais importantes
e a inclusão de catadoras(es) em associações e
pautas da década, realizando e mobilizando atra-
cooperativas de trabalho como um importante
vés de milhares de reuniões, eventos, atividades,
símbolo de cuidado com a natureza, inteligên-
divulgadas em páginas de jornais, revistas, canais
cia, status social, cultural e político, tornando-se
e programas de tv, cursos técnicos nas universida-
então uma grande disputa o cumprimento da
des e palestras. As catadoras(es) passaram a ser
PNRS.
protagonistas, em um cenário no qual coletiva-
mente a sociedade, em seus vários grupos sociais
concordavam que a PNRS trazia importantes mu- Lógicas em disputa, uma imposição do sistema
danças. O principal debate gerou transformação capitalista
na compreensão sobre o que são os resíduos, não
apenas simbólicos, os quais perderam sua no- Comemoramos a aprovação de uma Política Na-
menclatura pejorativa “lixo”, ligado ao desperdí- cional de Resíduos Sólidos apartada da realidade
cio, sujo, mundano, imundo, poluidor, doente, feio, de um sistema capitalista, não nos dando conta
passando a ser denominado como resíduos sóli- de que ela existe dentro e não fora dele; comemo-
dos, mudando de uma concepção negativa, para ramos os acordos e não as disputas, a unidade e
positiva, como algo reaproveitável, reciclável, lim- não nos demos conta da concorrência. Qualquer
po, sagrado, sadio, belo, um bem com valor eco- lei de resíduos e de organização social, que possa
nômico, social e produtivo gerador de trabalho e romper as lógicas deste sistema, “não pega”. Mu-
renda e promotor de cidadania. da-se a lei (como estamos vendo acontecer) para
168 A luta dos (in)visíveis que (r)existem
seguir o rito sistemático, mesmo que possamos do sistema capitalista, principalmente por polí-
olhar para o destino horrendo que se aproxima, ticos liberais, neoliberais, pós-liberais, por políti-
afinal, se objetiva cada vez mais a acumulação cos que, ao se denominarem “não políticos”, são
de riquezas acima da sua distribuição (nem me os que querem administrar a coisa pública como
arrisco a discutir equidade aqui) nos afastando privada, numa ótica tecnocrática a serviço do do
cada vez mais do caminho de preservar recursos próprio sistema.
naturais e reduzir a desigualdade econômica.
O resultado, apesar de alguns avanços, se con-
A PNRS é intimamente ligada com os setores siderarmos as nossas expectativas diante da
mais capitalistas e suas bases produtivas, es- aprovação em 2010 são, então, desastrosos.
tas que transformam a natureza em produtos, As(os) catadoras(res) ainda são excluídos, lixões
as que concentram grandes capitais, localizadas ainda ativos e em quantidades similares como
no Norte Global e com presença dominante em antes, na promulgação da PNRS – se previa o
todo o planeta. Este sistema gera cada vez mais fechamento de 1800 lixões e, atualmente, con-
produtos, que rapidamente se transformam em forme da Confederação Nacional dos Municípios,
resíduos, além das próprias embalagens e sobras ainda estão ativos 2402 lixões no País3. Além do
da produção. mais, houve a ampliação de sistemas e circuitos
Podemos analisar e perceber que quando par- fechados de gerenciamento de resíduos que in-
ticipamos da construção e da aprovação da lei viabilizam o trabalho das(os) catadoras(res), a
há dez anos atrás, pensamos ser algo externo exemplo da implantação de contêineres – que
ao sistema, pois focamos na valorização dos parecem mais mini lixões4, cadeados em lixeiras e
resíduos, na responsabilização dos geradores, caminhões altamente tecnológicos, os quais dis-
o pagamento por parte dos poluidores e o re- pensam o trabalho dos garis e da coleta seletiva
cebimento por parte dos protetores, na logís- mecanizada até a instalação das mega plantas
tica reversa. Pensamos no final dos lixões, nos de triagem sob controle de poucos chegando
planos de gerenciamento de resíduos (nacional, ainda ao cúmulo da implantação de sistemas de
estaduais e municipais/regionais) altamente queima de resíduos urbanos em incineradores5
participativos e democráticos. Mas também na para produção de combustível derivado de resí-
educação ambiental como currículo escolar, no duos (CDR).
reaproveitamento de 90% dos resíduos gerados As Unidades de Recuperação de Energia (URE)
com a implantação de coletas seletiva solidá- são denominadas enganosamente, pois são
rias - recicláveis orgânicos e secos com inclusão, nada mais nada menos que incineradores, des-
reconhecimento e valorização de catadoras (es) truidores altamente tecnológicos de matérias
individuais e coletivos, o avanço da categoria na primas, excludentes e caros, os quais competem
cadeia produtiva dos recicláveis, fim dos resíduos com os recursos aplicados na gestão de resíduos,
lançados ao mar, do desperdício.
3 - <http://www.lixoes.cnm.org.br/>.
Pensamos então na materialidade de uma outra 4 - <https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2018/11/os-
cultura, na transição para um sistema econômi- mini-lixoes-por-alex-cardoso/>.
5 - <https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2020/07/
co mais distributivo e justo; entretanto, a PNRS residuo-zero-e-a-luta-contra-a-incineracao-por-alex-
assim como outras políticas, são geridas dentro cardoso/>.
Por fim, afirmo sem medo de errar: se a nature- um destino que passam pelas nossas mãos, pe-
za pudesse ter a chance de aplaudir alguém, um las mãos das da categoria, evitando a destruição
trabalho, ela dificilmente aplaudiria o ministro de da natureza. Venha conosco nesta luta de reciclar,
meio ambiente, o presidente da república, o dou- senão os resíduos, a sociedade, o sistema, a cultu-
tor diplomado, o empresário da empresa de lim- ra, a história.
peza, o empresário reciclador, mas certamente Vamos reciclar e não incinerar, não ao desperdício,
iria aclamar uma catadora(or) de materiais reci- à exclusão social, ao lixão.
cláveis que, no peso de seus materiais recicláveis
178 A luta dos (in)visíveis que (r)existem
Referências
CARDOSO, A. Os mini-lixões! Sul 21. Opinião Pública, nov. 2018. Disponível em: <https://www.sul21.
com.br/opiniaopublica/2018/11/os-mini-lixoes-por-alex-cardoso/>. Acesso em 26 fev. 2021.
______. Resíduo zero e a luta contra a incineração. Sul 21. Opinião Pública, jul. 2020. Disponível em:
<https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2020/07/residuo-zero-e-a-luta-contra-a-incineracao-
-por-alex-cardoso/>. Acesso em 26 fev. 2021.
______. Dia mundial da reciclagem. Sul 21. Opinião Pública, mai. 2019. Disponível em: <https://www.
sul21.com.br/opiniaopublica/2019/05/dia-mundial-da-reciclagem-por-alex-cardoso/>. Acesso em 04
out. 2020.
NAÇÕES UNIDAS. Banco Mundial estima que 4 milhões de latino-americanos vivem do lixo reciclado.
Disponível em: <https://nacoesunidas.org/banco-mundial-estima-que-4-milhoes-de-latino-america-
nos-vivem-do-lixo-reciclado/>. Acesso em 04 out 2020.
OBSERVATÓRIO DOS LIXÕES. Diagnóstico Municipal para a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Disponível em: <http://www.lixoes.cnm.org.br/>. Acesso em 26 de fev. de 2021.
tação destes empreendimentos para prestação do serviço nicas e das entrevistas teve como objetivo, em
de triagem dos materiais recicláveis e, quando poss ível, conjunto com a revisão bibliográfica, possibilitar
também a contratação para a realização da coleta seletiva. a construção de um panorama sobre como ocor-
A partir do exposto, o presente artigo tem por ob- reu a inauguração do ASB, o fechamento do ACJ
jetivo analisar a forma como se deu a transição do fecha- e a transição dos catadores(as) de materiais re-
mento do Aterro Controlado do Jóquei (Lixão da Estrutu- cicláveis para os galpões sedes das cooperativas
ral) para o Aterro Sanitário de Brasília no Distrito Federal, e associações por eles formadas.
sob a perspectiva da inclusão dos Empreendimentos Eco- Realizaram-se trabalhos de campo e visitas téc-
nômicos Solidários de catadores de materiais recicláveis, nicas: 1) ao Aterro Sanitário de Brasília; 2) ao
considerando quais foram os pontos positivos e quais são Aterro Controlado do Jóquei (Lixão da Estrutu-
os principais desafios enfrentados por que estes trabalha- ral), transformado em Unidade de Recebimento
dores. de Entulho (URE); 3) às instalações de funciona-
mento provisório de duas cooperativas de cata-
Procedimentos Metodológicos: os caminhos trilhados dores de materiais recicláveis do DF (localizadas
na Vila Estrutural): Cooperativa de Reciclagem,
Os procedimentos metodológicos consistiram Trabalho e Produção (CORTRAP) e, à Cooperati-
nas seguintes etapas: i) revisão bibliográfica, ii) va de Trabalho de Reciclagem Ambiental (CONS-
análise documental e de bancos de dados ofi- TRUIR); e 4) à Instalação de Recuperação de
ciais, e iii) realização de trabalhos de campo, visi- Resíduos (IRR), em Ceilândia, que é um Centro
tas técnicas e entrevistas. de Triagem, construído para sediar dois EES: a
Para averiguar o número de Empreendimentos Cooperativa de Trabalho de Catadores de Mate-
Econômicos Solidários (EES) de catadores(as) riais Recicláveis e Reutilizáveis Ambiental (COO-
ao longo dos anos, utilizou-se como base os da- PERE) e a Cooperativa de Reciclagem Ambiental
dos públicos do Cadastro Nacional de Pessoas (Plasferro).
182 ENCERRAMENTO DE LIXÕES E ATERROS CONTROLADOS COM INCLUSÃO DE CATADORES DE RECICLÁVEIS: ESTUDO DE CASO DO DISTRITO FEDERAL - BRASIL
As entrevistas semiestruturadas foram realiza- utiliza de alguns princípios de engenharia para
das em 2018, consistindo em, três entrevistas confiná-los, cobrindo-os com uma camada de
formais individuais, que foram gravadas e auto- material inerte ao final de cada jornada de tra-
rizadas pelos entrevistados. Sendo dois funcio-
1
balho. Apesar de diferenciarem-se positivamen-
nários do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) DF te em relação aos lixões devido a fatores como
referenciados como: [E1] e [E2] e, um catador de aspectos paisagísticos e diminuição da atração
materiais recicláveis do DF, referenciado como de vetores, estes aterros em sua maioria não dis-
[E3]. Em 2020, foi realizada, por meio remoto, põem de infraestruturas como impermeabiliza-
entrevista com uma catadora representante da ção de base, sistemas de tratamento do percola-
Central das Cooperativas de Materiais Reciclá- do ou do biogás (VILHENA, 2018).
veis do Distrito Federal (CENTCOOP), referen-
Já os aterros sanitários são fundamentados em
ciada como [E4].
critérios de engenharia e consistem em um modo
disposição final dos RSU “[...] no solo mediante
confinamento em camadas cobertas com ma-
Panorama da Disposição Final dos Resíduos Só-
terial inerte, geralmente solo, segundo normas
lidos e Rejeitos no Brasil
operacionais específicas de modo a evitar danos
Com base no Plano Nacional de Resíduos Sóli- ou riscos à saúde pública e à segurança, minimi-
dos, as principais formas de disposição final de zando os impactos ambientais” (VILHENA, 2018,
Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) e rejeitos no p. 244).
solo realizados no Brasil são em: lixões, aterros Com relação à situação de como ocorre a dispo-
controlados e aterros sanitários (BRASIL, 2012). sição final no Brasil, tem-se que, segundo dados
Os lixões consistem em um modo inadequado de da Associação Brasileira de Empresas de Limpe-
disposição final, pois caracterizam-se pela sim- za Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), em
ples descarga dos RSU sobre o solo, desconsi- 2019, foram geradas cerca de 79 milhões de tone-
derando medidas de proteção ao ambiente ou à ladas de RSU. Deste montante, 72,7 milhões de
saúde pública. Neles não existe qualquer controle toneladas (92%) foram coletadas pelos Serviços
em relação às tipologias de resíduos recebidos – de Limpeza Pública, enquanto as outras 6,3 mi-
domiciliares, industriais, de serviços de saúde etc. lhões de toneladas (8%), receberam outro desti-
Além disso, constituem-se em um problema social no podendo terem sido queimadas, depositadas
pelo fato de serem locais propícios tanto para a em terrenos baldios ou despejadas em córregos
proliferação de vetores de doenças, quanto para e rios (ABRELPE, 2020).
existência de famílias residindo e utilizando-se Ainda sobre o ano de 2019, 43,3 milhões de to-
destes locais para a criação de animais e/ou para neladas (59,5%) dos RSU coletados foram desti-
catação de materiais recicláveis (ZVEIBIL, 2001; nadas para aterros sanitários. Enquanto as ou-
ALBUQUERQUE, 2012; VILHENA, 2018). tras 29,5 milhões de toneladas coletadas (40,5%)
Os aterros controlados são uma técnica de dis- foram depositadas em aterros controlados ou
posição de resíduos sólidos e rejeitos no solo que lixões. Destaca-se o fato de que este segun-
do modo de disposição foi realizado por 3.001
1 - Os sujeitos que participaram consentiram mediante assinatura
de “Termo de Autorização de Uso de Imagem e Depoimentos”. (53,8%) dos 5.570 municípios brasileiros. O que
Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti, Fernanda Regina Fuzzi e Aurélio Bandeira Amaro 183
possibilita concluir que, apesar das imposições municípios em adequarem-se às suas normas.
realizadas pela PNRS, mais da metade dos mu-
nicípios realizavam a disposição final de modo
Disposição Final dos Resíduos Sólidos e Rejei-
inadequado ao imposto pela legislação (BRASIL,
tos no Distrito Federal
2010; ABRELPE, 2020).
Tal situação de ilegalidade foi alterada No Distrito Federal, desde a década de 1960, o
recentemente pela Lei Federal nº 14.026/2020, Aterro Controlado do Jóquei (ACJ), antigo Lixão
a qual, como supracitado, conforme as classes da Estrutural, localizado na Vila Estrutural, faz
de municípios, redefine o prazo para adoção de parte da Região Administrativa denominada Se-
aterros legislações vigentes. Isso porque, mes- tor Complementar de Indústria e Abastecimento
mo passando anos após a aprovação da Lei (SCIA) (Figura 1) e foi utilizado como área para
12.305/2010, Amaro (2018) demonstrou a persis- disposição final dos resíduos domiciliares (SER-
tência de uma série de dificuldades por parte dos VIÇO DE LIMPEZA URBANA, [2018]).
184 ENCERRAMENTO DE LIXÕES E ATERROS CONTROLADOS COM INCLUSÃO DE CATADORES DE RECICLÁVEIS: ESTUDO DE CASO DO DISTRITO FEDERAL - BRASIL
Os potenciais impactos ambientais que se dão Licença de Operação (LO).
no âmbito da gestão dos resíduos sólidos foram Com a inauguração do ASB, os resíduos domici-
classificados pelo Plano Distrital de Gestão In-
liares e os rejeitos passaram a ser dispostos tan-
tegrada de Resíduos Sólidos (PDGIRS) em dois
to nele quanto no ACJ. No ano de 2018, este se-
grupos: os pontuais e os difusos. Ao se referir
gundo foi fechado para o recebimento de RSU. E,
especificamente aos impactos ambientais pon-
no local, foi inaugurada uma Unidade de Recebi-
tuais, foi ressaltado que o ponto com maior rele-
mento de Entulho (URE) (SERVIÇO DE LIMPEZA
vância no DF compreendia o ACJ. Fato este que
URBANA, 2018).
se deu em decorrência de terem sido dispostos a
céu aberto, ao longo de mais de cinco décadas, O fechamento do ACJ e a inauguração do ASB,
mais de 35 milhões de toneladas de resíduos de legalmente representou um avanço na gestão e
diferentes origens. Situação agravada pela ine- no gerenciamento dos RSU no DF. Por outro lado,
xistência de infraestrutura de impermeabiliza- o Governo Distrital precisava superar outros de-
ção de base, potencializando efeitos nocivos ao safios, como o da inclusão dos(as) catadores(as)
solo e aos recursos hídricos. E pela existência de de materiais recicláveis.
catadores(as) de materiais recicláveis (DISTRITO
FEDERAL, 2018).
Catadores de Materiais Recicláveis: da proibição
De modo que, encerrar as atividades de disposi- do trabalho no ACJ à transição para os Em-
ção final de resíduos domiciliares no ACJ consis- preendimentos Econômicos Solidários
tia em algo imprescindível para a construção de
uma solução para o manejo destes resíduos no No ano de 2015, foi elaborado um Diagnóstico do
DF. Sendo assim, em vias de adequar-se a PNRS, Lixão no qual verificou-se que o seu fechamento
como parte da solução para a disposição final consistia em uma tarefa complexa. Para tanto,
dos resíduos domiciliares e dos rejeitos, o Gover- foi montado um Grupo de Trabalho (GT) envol-
no do DF, por meio do SLU, mobilizou-se para a vendo diversos órgãos administrativos do DF
construção de um aterro sanitário, possibilitando (Entrevistado [E1]).
no ano de 2017 a inauguração do Aterro Sanitá- De acordo com o [E1], o fechamento do lixão foi
rio de Brasília (ASB) situado na Região Adminis- realizado em etapas, com o intuito de se evitar
trativa de Samambaia (Figura 1) (DISTRITO FE- um confronto simultâneo com todos que o utili-
DERAL, 2018; SERVIÇO DE LIMPEZA URBANA, zavam. A primeira delas, realizada em 2015, con-
2018). sistiu no fechamento do “Carrefa”2 com o obje-
Segundo o funcionário do Serviço de Limpeza tivo de acabar com as práticas ilegais que eram
Urbana (SLU) [E1], em entrevista realizada em realizadas nesse ponto, o que gerou desconten-
2018, o Projeto para construção do ASB foi fi- tamento dos(as) catadores(as) que atuavam
nanciado pelo Banco Mundial. Sua implantação nesta frente de trabalho (SERVIÇO DE LIMPEZA
se deu em terreno público através de obras públi-
2 - “Carrefa”: “área interna ao Lixão do Jóquei onde havia
cas e foi contratada por meio de processo de lici- a disposição final de resíduos de alimentos vencidos de
supermercados e shoppings (praças de alimentação) sem a
tação uma empresa privada para sua operacio- descaracterização prevista em lei federal” (SERVIÇO DE LIMPEZA
nalização. O ASB possui as licenças ambientais: URBANA, 2016, p. 91). Alimentos estes que eram consumidos pelos
catadores(as), ou tinham os lacres e as datas de vencimentos
Licença Prévia (LP); Licença de Instalação (LI) e adulterados e eram revendidos em mercados e feiras.
Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti, Fernanda Regina Fuzzi e Aurélio Bandeira Amaro 185
URBANA, 2016). dos benefícios sociais direcionados aos catado-
janeiro de 2017, em que foram realizadas ações Em relação ao segundo grupo, o [E1] mencionou
para controlar o acesso à área. Ocorreu o cer- que foram apresentadas várias propostas para
camento e a construção de vala no entorno do o fechamento do ACJ, em contrapartida, a única
lixão, com vistas a promover maior controle de colocada pelo Movimento Nacional de Catadores
entrada no local [E1]. – representado pela Central das Cooperativas de
Materiais Recicláveis do Distrito Federal (CEN-
Todavia, segundo o catador de materiais reci-
TCOOP) – era transformar o ACJ em uma área
cláveis entrevistado em 2018 [E3], o maior pro-
de transbordo com instalação de infraestrutura
blema foi “[...] que simplesmente eles proibiram
para triagem dos materiais recicláveis. Tratan-
o trabalho dos catadores no lixão, mas mesmo
do-se, como enfatizou o [E1], de propostas in-
assim […] grande parte ainda entrava escondida
compatíveis.
dentro do lixão para trabalhar”.
Quanto à transformação do ACJ em local de
Em relação aos procedimentos para inclusão
transbordo, [E1] mencionou a elaboração de
dos(as) catadores(as) de materiais recicláveis, o
uma nota técnica onde demonstrou-se que isto
[E1] mencionou que, em conjunto com o Institui o
acarretaria um custo anual de aproximadamen-
Comitê Gestor Intersetorial para a Inclusão So-
te R$20.000.000,00. Em vez disso, seria melhor
cial e Econômica de Catadores de Materiais Reu-
realizar um projeto em que esse valor fosse pago
tilizáveis e Recicláveis do Distrito Federal (CIISC/
em bolsas e equipamentos para os(as) catado-
DF)3, foi reativada uma instância de mediação,
res(as).
existente desde 2013, visando ser uma fonte de
diálogo com estes trabalhadores(as). Este canal A proposta do SLU foi de alugar galpões para os
ficou aberto durante o processo de transição e cooperados e associados dos EES trabalharem
foram realizadas aproximadamente trezentas enquanto as Instalações de Recuperação de Re-
reuniões, denominadas de “Rodas de Conversa”. síduos (IRR) fossem construídas. Para tanto, fo-
Estas contaram com um facilitador com vistas a ram realizadas as modificações – orçamentárias
auxiliar, por meio de ilustrações gráficas, na com- e legislativas – necessárias para alugá-los e para
contratação destes empreendimentos. Após as
preensão das questões nelas abordadas.
referidas adequações por parte do SLU e, tam-
No CIISC/DF, foram montados dois grupos para
bém, a formalização dos EES de catadores(as),
discutir como se daria o processo de transição por meio do Cadastro Nacional de Pessoa Jurí-
para o fechamento do lixão: o primeiro para as dica (CNPJ), foi possível a formalização de con-
questões referentes aos benefícios sociais e o tratos com estes empreendimentos, realizados a
segundo para discutir o encerramento do ACJ partir de agosto de 2017 (Entrevistado [E1]).
– denominado de Técnico Ambiental. O primeiro
Segundo o entrevistado [E1], foram alugados
grupo não encontrou problemas em relação aos
cinco galpões e contratados dezessete EES para
acordos referentes às propostas e aceitações
realização da triagem e onze deles para fazer a
3 - Comitê criado pelo Decreto Distrital nº 34.329, de 30 de abril coleta seletiva. Esta diferenciação entre os con-
de 2013, atualizado pelo Decreto Distrital nº 40.609, de 08 de
abril de 2020 (DISTRITO FEDERAL, 2013; 2020). tratos se deu pelo fato de alguns disporem de
186 ENCERRAMENTO DE LIXÕES E ATERROS CONTROLADOS COM INCLUSÃO DE CATADORES DE RECICLÁVEIS: ESTUDO DE CASO DO DISTRITO FEDERAL - BRASIL
veículo(s) e, portanto, poderem prestar o servi- uma “re-triagem” para aproveitá-los, havendo
ço de coleta seletiva. “[...] Os contratos têm uma EES que concordaram com tal empreitada [E1].
base de medição da coleta seletiva, é por qui- Sampaio (2020), menciona que a quantidade de
lometragem, por rota realizada, não é por peso catadores(as) de materiais recicláveis que atua-
coletado e o da triagem é por peso de material vam no ACJ, anteriormente ao seu encerramen-
vendido”[E1]. to, era bem variável. Em relação aos números
Entretanto, conforme exposto por [E3], o ideal deles que inicialmente foram incluídos nos gal-
seria primeiro a construção do que se denomi- pões, o[E1] mencionou que, de acordo com lista
nou de Unidades de Triagem, pois, ao mudarem – enviada para o Governo do DF, para o SLU, e
para os galpões alugados não teriam a garantia para a SEDESTMIDH –, havia o nome de um mil
de que estas seriam de fato construídas. Além de e trezentos catadores(as) que declararam tra-
que o pagamento deveria ser de acordo com o balhar no lixão. Para tanto, foram alugados gal-
total de toneladas recebidas e não pela comer- pões que possibilitariam a instalação de tal nú-
cializada. Isso porque, segundo ele, o trabalho mero de trabalhadores(as), dividindo-os em dois
não se dá apenas sobre os resíduos triados e co- turnos. Porém, [E1] salienta que nesta mudança
mercializados, mas inclui também o manuseio para os galpões “[...] só foram entre setecentos
dos rejeitos. Deste modo, haveria melhores con- e oitocentos catadores, não foram os um mil e
dições de renda. trezentos [...], a gente conseguiu fazer a inclusão
tes trabalhadores estavam acostumados a triar quinhentos não foi feito essa inclusão, eles opta-
apenas os materiais que lhes forneciam melho- ram por não ir por diversos motivos.
res retornos financeiros, algo que fazia sentido Durante o período de transição (fechamento do
pelas condições precárias do ambiente ao qual ACJ início dos trabalhos nos galpões alugados),
estavam submetidos. Porém, dentro dos EES era foram criados: o Programa de Compensação Fi-
necessário que fosse modificada tal concepção, nanceira Temporária que estipulava o pagamen-
pois existiam melhores condições de trabalho e o to de R$360,00 mensais por catador(a) que tra-
serviço deveria ser prestado com maior eficiên- balhava no ACJ. Para ter direito, era necessário:
cia. estar inscrito e atender aos critérios estabeleci-
Ressalta-se que o SLU pagaria por tonelada dos pelo CadastroÚnico para Programas Sociais
material. Deste modo, a garantia de melhores galpões; e participar de doze horas semanais de
rendimentos estava atrelada a diminuição dos cursos de capacitação [E1]. E o Programa Agen-
resíduos a serem dispostos como rejeitos. A título tes de Cidadania Ambiental, que estipulava o
de exemplo, o [E1] relatou que por volta de 30% pagamento de uma bolsa mensal de R$300,00,
a 50% dos materiais proveniente da coleta sele- para os(as) catadores(as) que frequentassem
tiva estava sendo triado, o restante considerado 75% das capacitações (SAMPAIO, 2020).
como “rejeito”. Porém, nestes “rejeitos” verifica- No ano de 2018, iniciou-se a mudança do galpão
va-se a presença de muitos materiais recicláveis, alugado para a sede da primeira IRR inaugurada.
sendo colocada a importância de ser realizada Em 2020, segundo a catadora [E4], tem-se duas
Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti, Fernanda Regina Fuzzi e Aurélio Bandeira Amaro 187
IRR em funcionamento e duas a serem inaugura- 10 anos da PNRS: os Empreendimentos de cata-
das. A transição dos EES de catadores de mate- dores(as) de materiais recicláveis e a situação
riais recicláveis do ACJ para os galpões e para as atual no DF
IRR resultou em mudanças na rotina de realiza-
ção e organização do trabalho. Dentre as quais Os dados públicos sobre o CNPJ, disponibilizados
ressalta-se: o cumprimento de horários; a proibi- pela Receita Federal do Brasil, demonstram um
ção de crianças e animais; a necessidade de ma- expressivo aumento no número de EES de cata-
nutenção e limpeza do ambiente; o uso de EPIs; dores(as) ao longo das últimas três décadas. A
os materiais serem oriundos da coleta seletiva; lei que institui a PNRS foi aprovada em 2010, po-
o trabalho e os rendimentos coletivos (rateio de rém o aumento mais expressivo se deu durante o
ganhos); a renda mensal (e não diária), com tra- decênio anterior à sua aprovação. Como mostra
tativas para que fossem ao menos semanais; e o a Figura 2, houve um salto de 142 para 1078 EES
recolhimento dos encargos com o Instituto Na- durante este período, representando aumento
cional do Seguro Social (INSS) [E1 e E2]. de 759%. Já ao longo dos dez anos após a PNRS,
apesar de terem sido registradas 669 novos EES,
Em relação a gestão dos galpões, o GDF optou
em termos percentuais, o aumento foi considera-
pela gestão compartilhada. O Governo, atra-
velmente mais discreto (162%).
vés do SLU, ficou responsável pelos custos refe-
rentes à operação e a manutenção dos galpões Figura 2 - Evolução do número de EES de cata-
(aluguel; vigilância; água; energia elétrica; manu- dores(as) de materiais recicláveis no Brasil no pe-
tenções dos prédios e equipamentos). Quanto à ríodo de 1980 a 2020
infraestrutura, estes possuem: área coberta; sa-
nitários; cozinha e escritório. E contam com equi-
pamentos, tais como: esteiras; contenedores;
equipamentos de transporte horizontal (carro
cuba, carrinho plataforma, etc.) [E1 e E2].
O aprendizado de trabalhar conforme os moldes
do cooperativismo e do associativismo está sen-
do construído nos EES do DF. Estes empreendi-
mentos possibilitaram a inclusão socioprodutiva
de centenas de catadores(as), porém centenas
deles, pelos mais diversos motivos, não puderam, Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados da
RFB, 2020.
ou não aceitaram ou se adaptaram ao trabalho
nos EES, tratando-se de um desafio a ser supe-
rado na busca pelo fortalecimento destes e pela Apesar do crescimento ser menor no decênio
inclusão dos(as) catadores(as), conforme as di- posterior à aprovação da PNRS, é preciso ressal-
retrizes da PNRS. tar que também houve significativo aumento no
número de EES nesse período. Além de que tal
política contribuiu para o fortalecimento desses
empreendimentos. Anteriormente a PNRS, eram
poucos os municípios que dispunham de coleta
188 ENCERRAMENTO DE LIXÕES E ATERROS CONTROLADOS COM INCLUSÃO DE CATADORES DE RECICLÁVEIS: ESTUDO DE CASO DO DISTRITO FEDERAL - BRASIL
seletiva dos resíduos secos. Após sua aprovação, recicláveis, buscando contemplar os EES que ain-
o avanço foi considerável. Em 2010, apenas 443 da não possuem contratos firmado com o SLU,
(8%) municípios haviam implantado programas e alcançar a universalização da prestação deste
de coleta seletiva de resíduos sólidos secos, já em serviço de coleta seletiva no DF.
2018, havia 1.227 (22%) que contavam com estes
No DF, houve também outras mudanças signifi-
programas (CEMPRE, 2020).
cativas. Conforme demonstra a Figura 3, no ACJ,
O aumento dos programas de coleta seletiva é os catadores(as) estavam sujeitos a intempéries
relevante, dentre outras questões, pelo fato de climáticas; submetidos a posições ergonômicas
que após legalizados, os EES podem assinar con- inadequadas durante a catação dos materiais
tratos – com entidades públicas e/ou privadas – recicláveis, estes estavam misturados com ou-
para participarem desses programas, prestando tras tipologias de resíduos; e havia riscos de fe-
o serviço de coleta seletiva e/ou triagem dos ma- rimentos por objetos perfuro-cortantes. Atual-
teriais recicláveis nos municípios e Regiões Admi- mente, aqueles que trabalham nas IRRs contam
nistrativas do País. A formalização também au- com condições de trabalho e sanitárias ade-
menta o poder de pleito por melhores ambientes quadas. Recebem os materiais, pré-seleciona-
de trabalho, fatores estes que contribuem para dos pela população, que são triados em esteiras
melhorias nas condições e no ambiente de tra- automáticas e transportados em carrinhos. E
balho. Isto porque, quando os(as) catadores(as) dispõem de treinamentos e de EPIs que previnem
deixam as ruas e lixões para trabalharem nos acidentes de trabalho (Figura 3).
EES e na coleta seletiva, passam a ter ambiente
com: maior conforto térmico; mesas e/ou estei- Figura 3 - Panorama das condições de trabalho no
ras para triagem; menores riscos de acidentes de ACJ versus na Instalação de Recuperação de Resí-
duos – IRR -PSUL - Ceilândia, no Distrito Federal
trabalho; uso de EPIs.
No caso do DF, os EES foram contratados para
prestação do serviço de coleta seletiva. Basean-
do-se em Sampaio (2020), pode-se dizer que
houve uma mudança estrutural deste serviço,
que antes era realizado apenas por empresas
privadas, e que, com a implementação do Pro-
grama de Coleta Seletiva Inclusiva, passa a ser
realizado também por organizações de catado-
res(as) de materiais recicláveis. De acordo com a Fonte: (A) Distrito Federal (2018). B) e C) Fontes: Foto-
grafia de autoria de Fuzzi, F. R. (jul. 2018).
referida autora, este serviço não é universalizado
em todo o DF, atendendo somente 51% da popu-
lação. Sendo 17% atendida por EES, enquanto os Conforme demonstrado em Sampaio (2020),
outros 34% são atendidos por empresas priva- houve redução no número de acidentes de tra-
das. Também ressalta que o principal desafio é balho. Isso porque, no ano de 2017 no ACJ, foram
a continuação de ações afirmativas que tornem registrados 25 acidentes envolvendo três óbitos,
os EES de catadores(as) como entes prestado- enquanto em 2018, nos galpões alugados e nas
res de serviços de coleta e triagem de materiais IRRs, registrou-se somente três acidentes, sem
Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti, Fernanda Regina Fuzzi e Aurélio Bandeira Amaro 189
óbitos. analisar o processo de transição que envolveu a
Apesar das melhorias apresentadas, tal mudan- implantação do ASB e o fechamento do ACJ, foi
ça também teve seus pontos negativos, visto possível observar sua complexidade, que envolveu
que não foi possível realizar a locação de todos uma série de desafios. Dentre eles, o da inclusão
os EES do ACJ interessados em ser incluídos nas dos(as) catadores(as). Com vistas a superá-lo,
IRRs, além de fazer-se necessário ampliar a par- foram alugados galpões e construídas IRRs para
ticipação da população nos programas de coleta sediar os EES formados pelos(as) catadores(as)
seletiva [E4]. do lixão. E trabalhou-se na formalização destes
empreendimentos para possibilitar que fossem
Com vistas a aumentar a quantidade de ma-
contratados para os serviços de triagem e/ou da
teriais recicláveis para comercialização e a ren-
coleta seletiva.
da dos EES, também foi ressaltado pela [E4] o
interesse que estes EES possuem em receber, A mudança do ACJ para galpões alugados ou para
previamente segregados na fonte, os materiais as IRRs resultou em modificações no ambiente e
recicláveis oriundos da construção civil e que na rotina e organização de trabalho destes(as)
atualmente estão sendo dispostos na Unidade catadores(as). No ambiente de trabalho, elas fo-
Recebimento de Entulhos (URE). ram positivas por proporcionarem maior seguran-
ça e condições sanitárias adequadas. Na rotina e
No ano de 2020, os catadores estavam inscritos
organização do trabalho, as principais mudanças
para receber do governo o Auxílio Calamidade e o
foram as relacionadas ao modo de realização do
Auxílio de Vulnerabilidade Social, ambos no valor
trabalho e à renda, havendo consequências distin-
de R$408,00. Porém, muitos(as) catadores(as)
tas. A atividade laboral deixa de ser individual e
ainda não tiveram estas solicitações aprovadas
passa a ser coletiva, tendo alguns trabalhadores
[E4].
que não conseguiram se adaptar a esse novo for-
A partir do exposto, verifica-se que, por um lado, mato de organização. Sobre a questão da renda, o
tem-se o conhecimento das dificuldades de ganho referente à comercialização dos materiais
adaptação às rotinas laborais nos EES, e que não recicláveis passa a ser rateado, de modo igualitá-
foram todos que aceitaram e/ou se adaptaram rio, entre os cooperados e associados.
ao trabalho nestes empreendimentos. Por outro
A questão dos rendimentos financeiros também
lado, ainda existem desafios em relação à inclu-
foi alterada por questões como: a proibição de
são socioprodutiva daqueles(as) catadores(as)
trabalhar no ACJ; os limites no horário de traba-
que, apesar do interesse, estão a depender de
lho; a diminuição na quantidade de resíduos que
adequações por parte de seus empreendimen-
chegavam nos galpões e nas IRRs, oriundos da
tos, e/ou de ações por parte do Governo do DF.
coleta seletiva. Configurando-se em uma situa-
ção de ganhos em condições sócio-trabalhistas,
Considerações Finais porém com perdas nos rendimentos, além de que
não foram todos os(as) catadores(as) que foram
A construção do ASB e o encerramento do ACJ
consistiram em um avanço na gestão e no geren- incluídos nos EES, ficando estes sem fonte de ren-
cumprimento de normas impostas pela PNRS. Ao De modo que, para os que ainda não estão nos
190 ENCERRAMENTO DE LIXÕES E ATERROS CONTROLADOS COM INCLUSÃO DE CATADORES DE RECICLÁVEIS: ESTUDO DE CASO DO DISTRITO FEDERAL - BRASIL
galpões ou IRRs, continua a ser um desafio in- que o ato de separar e entregar os resíduos se-
cluí-los. E para aqueles que já estão, mas que cos para a coleta seletiva não se trata apenas de
tiveram perdas nos rendimentos, torna-se ne- menores impactos ao ambiente, mas, também,
cessário melhorar este quesito. A ampliação e de um ato que tem grande valia para a melhoria
melhoria dos contratos e da coleta seletiva são de vida das dezenas de milhares de famílias de
alternativas. Para esta última, a educação am- catadores(as) do Brasil.
biental possui papel fundamental ao demonstrar
Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti, Fernanda Regina Fuzzi e Aurélio Bandeira Amaro 191
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Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti, Fernanda Regina Fuzzi e Aurélio Bandeira Amaro 193
A INTEGRAÇÃO DOS
CATADORES NOS
PLANOS MUNICIPAIS DE
GESTÃO DE RESÍDUOS
SÓLIDOS NO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO
Estado de Meio Ambiente e o Governo Federal Entre as diretrizes do PERS-RJ que merecem ser
em 2012, dentro das inciativas do evento interna- mencionadas, estão: fomento à organizações de
cional da Rio+20. O documento destaca também catadores por meio do Programa Coleta Seletiva
o papel vital das cooperativas de catadores na Solidária – PCSS; parcerias para o fortalecimen-
reciclagem, por qualificarem os materiais recu- to de associações e cooperativas de catadores;
perados, afirmando que “as políticas estaduais ações de apoio aos catadores na agregação de
deverão estar concentradas no reforço dos pro- valor e comercialização de resíduos recicláveis;
gramas e ações existentes para o aumento da encaminhamento dos recicláveis da coleta sele-
abrangência da coleta seletiva (…)” (ERJ, 2013). tiva aos catadores.
O PERS-RJ determina que os municípios sejam Além de leis Estaduais relacionadas aos resíduos,
obrigados a elaborar seus Planos Municipais de como a Lei 8151/2018, que trata da Logística Re-
Gestão Integrada de Resíduos Sólidos – PMGIRS, versa (ERJ, 2018), o Estado conta também, des-
ressaltando o apoio aos municípios pelo ERJ de 2007, com a Lei Estadual n° 5.100 (ERJ, 2007),
para a elaboração dos planos que deveriam ficar que implanta o ICMS Verde, interessante instru-
prontos até o final de 2014. E ainda que os mu- mento legal de incentivo às políticas ambientais.
nicípios deverão disponibilizar informações sobre A partir de 2019, o Decreto nº 46.645 (ERJ, 2019)
os volumes de resíduos sólidos gerados. estabelece as definições técnicas para a aloca-
A meta mais relevante do PERS-RJ referente à ção do percentual do ICMS Ecológico a ser dis-
erradicação total dos lixões no ERJ deveria ter tribuído aos municípios. Em seu Anexo V, detalha
sido atingida em 2014, ano no qual todos os mu- como o Índice de Qualidade do Sistema Munici-
nicípios do ERJ deveriam ter organizado sistemas pal de Meio Ambiente (IQSMMA) contempla o
de coleta seletiva com a meta de coleta de 10% munícipio que possui Plano Municipal de Gestão
do total gerado, assim como ter realizado a meta Integrada de Resíduos Sólidos. Assim, esse indi-
de 50% dos catadores organizados em coopera- cador passa a ser uma referência formal e po-
tivas e incorporados aos sistemas municipais de tencialmente confiável da existência de um plano
196 A integração dos catadores nos Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos no Estado do Rio de Janeiro
municipal. desconsidera os 20 anos que o país precisou para
Considerando que cabe ao município a efetiva aprovar uma Lei capaz de enfrentar a comple-
xidade do desafio que os resíduos sólidos repre-
implementação da PNRS, entendemos que, para
sentam para a sociedade.
o Estado atingir as metas que forem estabeleci-
das no PERS-RJ, dependerá das políticas imple- Para tal, utilizou-se uma Análise de Conteúdo,
mentadas pelos municípios. Quantos municípios metodologia da área de Ciências Sociais que
têm e implantaram o PMGIRS? Quantas são as tem sido utilizada, mais recentemente por outros
cooperativas e quantos são os catadores con- campos do conhecimento, quando é necessário
templados pelas políticas públicas municipais? analisar determinado problema que dificilmente
Como é garantida a participação social na ela- pode ser quantificado.
boração e acompanhamento dos PMGIRS? As Nesse estudo, a Análise de Conteúdo tem como
respostas a essas perguntas dependem da aná- objetivo avaliar a inserção dos catadores e coo-
lise dos dados sobre as políticas que são de fato perativas de catadores e a participação social
implementadas e devem estar detalhadas nos nos planos de gestão de resíduos sólidos do Es-
planos municipais. tado e dos municípios do Estado do Rio de Janei-
ro. A Análise de Conteúdo é definida por Bardin
(1977) como
Metodologia
técnicas de análise das comunicações
A pesquisa procurou identificar junto aos 92 mu- visando obter, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição
nicípios do Estado do Rio de Janeiro quantos se- do conteúdo das mensagens,
guem as orientações da PNRS em relação à in- indicadores (quantitativos ou não)
que permitam a inferência de
clusão dos catadores. O levantamento do IBGE conhecimentos relativos às condições
indica que, em 2013, somente 39 municípios flu- de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens.
minenses elaboraram o Plano Municipal de Ges-
tão de Resíduos Sólidos. Destes, menos da meta- Para Minayo (2001), a Análise de Conteúdo
de possibilitaram acesso fácil ao público a esses tem duas funções: verificação de hipóteses e/ou
planos na internet. Os planos municipais foram questões e descoberta do que está por trás dos
pesquisados ao longo dos meses de agosto e se- conteúdos manifestos. Bengtsson (2016) denota
tembro de 2020 nos sites da Prefeituras munici- que cinco itens têm que ser estabelecidos no pla-
pais e outras fontes na internet. Foram obtidos nejamento da pesquisa: o objetivo, a amostra, o
somente 13 PMGIRS dos 93 municípios do ERJ. método de coleta de dados, a escolha do método
Consideramos que o Plano de Saneamento Bá- de análise e as implicações práticas.
sico (PNSB) que contenha um capítulo sobre re- Considerando que a destinação final dos resí-
síduos não pode ser aceito como substituto do duos é responsabilidade do município, o objetivo
Plano Municipal de Gestão de Resíduos. Se já não da pesquisa é entender o grau de formalização
fosse pela exigência da Lei da PNRS, a diversida- do relacionamento dos catadores e das coopera-
de e complexidade da temática dos resíduos não tivas com a estrutura de gestão de resíduos sóli-
tem como ser tratada como um tema secundá- dos nos municípios do Estado do Rio de Janeiro.
rio do PMSB. Ao tomar essa decisão, o município Entretanto, essa relação é difícil de ser medida
Marcelo Guimarães Araújo, Lucas Oliveira e Antônio Oscar Vieira 197
quantitativamente e, por tanto, para realizar que pode ser composta pelos seguintes itens:
essa avaliação utiliza-se de uma metodologia codificação e a classificação. Nessa fase, é rea-
qualitativa a partir da leitura dos documentos lizada a definição das categorias e identificação
oficiais dos municípios. Dados qualitativos são das unidades de registro, seguida da contagem
obtidos a partir de palavras, extraídas de entre- da frequência.
vistas, documentos, comunicações formais e ou-
tros textos (BENGTSSON, 2016).
1 – Unidade de registro Palavras-chave: catado-
Devido à característica do objeto da pesquisa, res, “coleta seletiva”, participação;
foi escolhido o método de análise tipo manifesto,
2 – Contagem do número de palavras-chave nos
no qual o pesquisador deve transcrever as pala-
documentos;
vras citadas e se manter consciente em se referir
sempre ao texto original. A análise tipo manifes- 3 – Classificação de acordo com os resultados
to é mais superficial e procura identificar o que dos itens anteriores.
foi dito (BENGTSSON, 2016).
A estrutura adotada nesse estudo se organiza Na fase de Exploração do Material, a quantifi-
em três fases, a partir de Bardin (1997): 1) pré-a- cação dos códigos foi realizada através das pa-
nálise, 2) exploração do material e 3) tratamento lavras chaves: coleta seletiva, catadores e par-
dos resultados, inferência e interpretação. ticipação social. Esse procedimento é facilitado
pela funcionalidade da ferramenta “Localizar”
no software Adobe. Uma primeira contagem foi
I - Pré-análise
realizada por um dos autores, posteriormente
Na pré-análise ou descontextualização, inicial- confirmada ou não por um segundo autor, e um
mente os documentos são analisados antes dos terceiro autor julgou a pertinência ou não das
trechos mais importantes serem extraídos. De- discordâncias entre os dois primeiros autores.
senvolve-se a primeira impressão do texto. Uma Essa triangulação minimiza possíveis erros de in-
lista de códigos é preparada para a realização da terpretação.
análise. Os códigos podem ser indutivos ou dedu-
tivos. O desenho metodológico desse estudo no III – Interpretação
qual se busca identificar a real intenção de inclu-
Nessa fase, ocorre a interpretação ou re-
são dos catadores na gestão integrada dos resí-
contextualização dos trechos definidos no
duos sólidos sugere que os códigos sejam deduti-
item anterior. Podem ser feitas inferências e a
vos, criados previamente em consonância com o
categorização dos dados a partir de critérios de
objetivo do estudo. Para esse estudo, foram es-
homogeneização e outros.
tabelecidos como instrumentos metodológicos
Uma categorização pode ser realizada,
os PMGIRS e PMSB dos municípios do ERJ.
dentro de regras ou critérios: exclusão mútua,
homogeneidade, pertinência e objetividade. Nessa
II - Exploração do material
fase, as inferências devem ser confrontadas com
Na fase de exploração do material ou re-contex- o contexto em que ocorre o objeto da pesquisa.
tualização, se realiza uma descrição analítica, Para esse estudo, três eixos de categorias foram
198 A integração dos catadores nos Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos no Estado do Rio de Janeiro
criados: participação social, coleta seletiva geral
Niterói 494.200
e coleta seletiva com catadores. A partir das
Paracambi 48.705
diferenças entre esses eixos, são apresentadas
Paraty 39.434
inferências sobre como os catadores estão
Petrópolis 297.888
incluídos nos planos municipais dos municípios
Pinheiral 23.488
com acesso público pela internet.
Piraí 27.311
Porto Real 17.663
Resultados
Rio Claro 17.709
Cabo Frio 3 2 1 0 4 2
Casimiro de Abreu 21 5 8 0 4 6
Macaé 10 4 7 1 4 1
Mangaratiba 2 1 4 0 2 8
Natividade 0 2 0 0 11 10
Niterói 22 12 6 3 2 18
Petrópolis 21 3 5 0 8 7
Pinheiral 3 0 1 0 0 0
Resende 25 6 4 1 15 10
Rio de Janeiro 5 3 2 0 1 11
Teresópolis 21 7 8 2 18 11
Volta Redonda 29 12 1 0 10 7
Elaborada pelos autores.
O Código de maior frequência é o CSG que trata a inclusão dos catadores em um processo parti-
da coleta seletiva em geral, tendo sido aponta- cipativo. Efetivamente, o código PSC, que reme-
do em quase todos os municípios analisados pela te aos conteúdos referentes à inclusão dos cata-
metodologia, exceto Natividade. dores nos processos de participação social, é o
A participação social (código PSG) tem uma que tem menor frequência.
frequência menor, tendo sido citada em todos Finalmente os códigos referentes aos incentivos
os municípios exceto Natividade. Note-se que a a coleta seletiva – CTG – e aos catadores especi-
maior parte dos municípios não se preocupa com ficamente – CTE – foram identificados em qua-
200 A integração dos catadores nos Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos no Estado do Rio de Janeiro
se todos os municípios, exceto Pinheiral, sempre riamente garante que ocorrerá a implementação
com uma frequência menor no código dos cata- das ações nele estabelecidas, particularmente
dores. em relação aos catadores. Entretanto, deve-se
Através da análise da Tabela 2 pode ser criada incentivar e aprimorar a inclusão detalhada de
uma tipologia dos municípios: programas e ações na elaboração dos novos pla-
nos e revisão de planos antigos. Isso permitirá
não só a inclusão formal dos catadores no pla-
A – Não consideram catadores em nenhuma for- nejamento do município, mas também aportar
ma nos planos: Pinheiral; a relevante contribuição desse grupo social nas
B – Há várias menções aos catadores, através metas municipais relativas ao meio ambiente.
dos códigos CSC, mas não há menções específi- Na amostra analisada, nenhum município apre-
cas em quantidade relevante. O plano é vago no sentou propostas concretas de criação e/ou apri-
apoio aos catadores: Cabo Frio, Macaé e todos moramento da coleta seletiva, com apoio formal
os outros não classificados em A ou C; aos catadores, como um plano financeiro, no
qual fiquem claras as receitas e despesas com a
C – O plano considera explicitamente os catado-
coleta seletiva.
res especificamente nos Códigos PSC e CTE: Ni-
terói, Rio de Janeiro, Teresópolis e Volta Redonda.
Considerações finais
Para tal, o uso de metodologias qualitativas do Estado do Rio de Janeiro não serão atingidas
de análise do setor deve ser incentivado. Essas enquanto não ocorrer um esforço concentrado e
planejado no nível municipal que aporte o traba-
análises poderão apoiar os atores sociais e po-
lho dos catadores e das cooperativas. Ao avaliar-
líticos na revisão dos atuais planos municipais e
mos os dez anos da PNRS e dos subsequentes
no desenvolvimento de programas e ações que
planos nos outros níveis federativos, particular-
venham a contribuir para reduzir a degradação
mente no Estado do Rio de Janeiro, podemos
ambiental gerada pelo consumo antropogênico.
inferir que ocorreram poucos avanços e que há
Mais do que uma exigência legal, o PMGIRS deve
muito o que fazer nos próximos anos para evitar
ser compreendido como uma ferramenta para os impactos ambientais e sociais causados pela
direcionar a implementação da política pública ineficaz gestão dos resíduos sólidos.
de destinação final de resíduos. O PMGIRS não
é uma varinha mágica que garante a implemen-
tação automática das diretrizes da PNRS. Ele Agradecimentos
precisa, de forma participativa, a partir de um
diagnóstico que identifica os diferentes tipos de Lucas Oliveira é graduando de engenharia am-
resíduos, definir prioridades, planejar, definir me- biental e Bolsista do PROFAEX/UFRJ.
tas e prazos para implementar as políticas de
adequada destinação final.
202 A integração dos catadores nos Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos no Estado do Rio de Janeiro
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204 A integração dos catadores nos Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos no Estado do Rio de Janeiro
REDES SOLIDÁRIAS DE
CATADORES:
avanços e desafios frente à Política
Nacional de Resíduos Sólidos no
Estado da Paraíba
206 Redes Solidárias de catadores: avanços e desafios frente à Política Nacional de Resíduos Sólidos no Estado da Paraíba
ços significativos no apoio e na estruturação e de 56.469,778 km² e população de 3.914.418 ha-
implementação da Política Nacional de Resíduos bitantes, ocupando no ano de 2013 a 13a posição
Sólidos (PNRS – Lei Nº 12.305), por meio da arti- como Estado mais populoso do Brasil. O estado
culação dos órgãos e entidades governamentais, é formado por 223 municípios, caracterizados em
de modo a possibilitar o cumprimento das deter- 4 mesorregiões físico climáticas, denominadas:
minações e metas previstas na referida lei. O Co- Agreste, Sertão, Zona da Mata e Curimataú e 14
mitê Interministerial criou cinco grupos de traba- regiões geo-administrativas.
lho: GT01 – Implementação e acompanhamento
As regiões do Estado apresentam característi-
dos Planos de Resíduos Sólidos e elaboração do
cas bem distintas, conforme descritas a seguir:
SINIR – Sistema Nacional de Informações sobre
o Agreste Paraibano tem uma população esti-
a Gestão dos Resíduos Sólidos; GT02 – Recupe-
mada em 1,2 milhões de habitantes, distribuídos
ração Energética dos Resíduos Sólidos Urbanos;
em 66 municípios, entre eles, Campina Grande, a
GT03 – Linhas de financiamento, creditícias e de-
segunda mais importante cidade do Estado. As
soneração tributária de produtos recicláveis e reu-
principais vocações econômicas da região são:
tilizáveis; GT04 – Resíduos Perigosos - Plano de
comércio, serviços, mineração e agropecuária em
Gerenciamento de Resíduos Perigosos e descon-
propriedades de pequeno e médio porte; o Sertão
taminação de Áreas Órfãs; e GT05 – Educação
Paraibano é formado por 83 municípios que, em
Ambiental . O CIISC instituiu o Programa Pró-Ca-
2014, somavam uma população de 893.108 habi-
tador, com a finalidade de integrar e articular as
tantes, a cidade de Patos é o centro urbano mais
ações do Governo Federal voltadas ao apoio e ao
importante desta área, com uma população de
fomento à organização produtiva dos catadores
105.531 habitantes (IBGE, 2014). A principal ati-
de materiais reutilizáveis e recicláveis, à melhoria
vidade econômica do Sertão é a agropecuária;
das condições de trabalho, à ampliação das opor-
tunidades de inclusão social e econômica e à ex- a Zona da Mata possui 30 municípios e cerca de
pansão da coleta seletiva de resíduos sólidos, da 1,5 milhões de habitantes. Destacam-se como vo-
reutilização e da reciclagem por meio da atuação cações econômicas: turismo, serviços, indústria e
desse segmento (VELOSO, 2014). cultivo da cana de açúcar.
O processo formativo do CATAFORTE teve como Promoveu atividades de mobilização, visando en-
princípio a valorização dos saberes dos/as cata- volver regionalmente os catadores/as no proces-
dores/as, seus limites, expectativas e desejos, so. Para estimular a prática da atuação em rede
para não dissociar o processo formativo do coti- entre os empreendimentos, foi construído o Pla-
diano desses/as trabalhadores/as. A proposta de no de Atuação em Rede (PAR), a partir da reali-
construção do conhecimento se baseou nas expe- zação de estudos e análises de viabilidade, do le-
riências vivenciadas no dia a dia das pessoas en- vantamento de indicadores sociais e econômicos,
volvidas, promovendo a interação entre trabalho, da identificação de termos de referências oficiais
Luiza Eugênia da Mota Rocha Cirne, Ana Virginia Rocha de Almeida Guimaraes 209
Luciene Martins Ferreira da Silva, Veronica Barros Viana, Ilza Mendonça e Maria Eugenia da Rocha Cirne
e de mercado, bem como da realização de ativi- No CATAFORTE II, buscou-se estratégias de su-
dades de consultas aos empreendimentos econô- peração dos limites identificados na fase anterior,
micos solidários, beneficiários do projeto. A partir articulando-se com outras ações para garantir a
de discussões na Rede Lixo e Cidadania, foi defi- continuidade do processo, bem como formar ges-
nido que o Plano de Atuação em Rede, na Paraí- tores e lideranças na linha do empreendedorismo,
ba, teria uma abrangência regional, definindo-se focado na atuação em rede, na logística e no uso
a Região do Agreste como experiência piloto para de caminhões, sem desrespeitar os princípios da
aplicação do Plano. A metodologia de elaboração autogestão, para dar conta da sustentabilidade
do PAR seguiu orientações técnicas pesquisadas dessas iniciativas.
em materiais bibliográficos referentes ao tema, Na fase inicial, foi realizada a formação básica
bem como na metodologia adotada pelo Banco em logística solidária para os empreendimentos
do Brasil, no Desenvolvimento Regional Sustentá- participantes do CATAFORTE I; e 02 seminários
vel – DRS, além de ter se baseado nas práticas temáticos.
profissionais já incorporadas pela equipe de Con-
Foram abordados os seguintes temas: Logística
sultores do Instituto de Desenvolvimento Social e
Solidária: um Instrumento de Apoio e Melhoria
Econômico do Instituto Cidades.
dos Processos Produtivos dos Empreendimentos
O PAR foi idealizado para o período de dois anos, de Catadores/as e Redes; Logística Solidária para
a partir do início do ano de 2012, e teve como ob- Prestação de Serviços Públicos de Coleta Seleti-
jetivo orientar o desenvolvimento de ações para va; Mercado e Estratégias de Negócio em Rede;
a organização, desenvolvimento e sedimentação Construção de um Plano de Logística Solidária
de uma Rede de Comercialização de Produtos para Uso de Caminhões para Coleta Seletiva e
Recicláveis nos Municípios de Campina Grande e Rede de Comercialização.
Itabaiana do Agreste Paraibano. Portanto, o PAR Nessa etapa do CATAFORTE, inscreveram-se 214
teve como propósito orientar as práticas, os pas- catadores/as, dos/as quais apenas 67 participa-
sos e as estratégias de implantação da Rede, de- ram das duas fases do projeto. Os/as demais (147)
vendo ser avaliado e devidamente atualizado a tiveram participação somente no CATAFORTE II -
cada seis meses, com a finalidade de se adequar Logística Solidária. Os/as 214 catadores/as inscri-
à realidade. tos/as foram distribuídos/as em seis turmas, das
A alternativa de atuação em rede como uma es- quais três eram do Sertão, duas do Agreste e uma
tratégia de melhoria da renda e das condições de da Zona da Mata. Foram realizados dois seminá-
trabalho, apontada pelo CATAFORTE, instigou rios temáticos que se constituíram em espaço de
os empreendimentos de catadores/as e as enti- formação, trocas de experiências, discussão e en-
dades de apoio e fomento a ampliar parcerias e caminhamentos de propostas entre os catadores/
dar prosseguimento por meio do CATAFORTE II as dos empreendimentos envolvidos e ainda entre
– Logística Solidária, que consistiu em aquisição entidades de apoio e fomento.
de caminhões para o fortalecimento das redes de Os eventos tiveram como objetivo articular os/as
empreendimentos de catadores, processos for- catadores/as para definir e planejar estratégias
mativos em logística, seminários e elaboração do de atuação em rede e de prestação de serviço pú-
Plano de Logística Solidária (PLS). blico de coleta seletiva. Os temas apresentados e
210 Redes Solidárias de catadores: avanços e desafios frente à Política Nacional de Resíduos Sólidos no Estado da Paraíba
discutidos foram: Atuação em Rede: importância, que aconteceu paralelamente ao processo de for-
perspectivas e desafios para os empreendimentos mação e de forma integrada.
de catadores; Relato de experiência em comercia-
Concluído o Plano, foi realizado um seminário para
lização solidária; PNRS – instrumento para im-
discussão e validação do Plano de Logística Soli-
plementação da logística reversa e da prestação
dária, prioritariamente voltado para os empreen-
de serviço público de coleta seletiva; e Prestação
dimentos da Rede Cata PB. Visando à divulgação
de serviço público de coleta seletiva realizada por
da Rede Cata PB e à sensibilização para adesão
empreendimentos autogestionários de catado-
de novas associações/cooperativas, participaram
res, no município de Canoas/RS. Também foram
também representantes de organizações que não
formados grupos de trabalho (GT) para identifi-
estavam ainda inseridas na Rede.
cação de potencialidades e desafio e definição de
estratégias visando a implementação da presta- A partir do Seminário de Validação do PLS, a Rede
ção de serviço público de coleta seletiva e para co- Cata-PB contou com novos empreendimentos
mercialização em rede. O Seminário contou com ampliando sua composição. No entanto, apesar
a participação de 130 catadores/as de 14 em- da aprovação de comercialização em rede, entre
preendimentos oriundos de 10 municípios, além os empreendimentos de catadores, a efetivação
de 02 catadores convidados – um representante dessa atuação só foi possível em 2014, a partir da
do Movimento Nacional de Catadores (MNCR) e aquisição de dois caminhões, por meio do CATA-
um representante da Cooperativa de Catadores FORTE II – Logística Solidária. A Rede Cata-PB
de Material Reciclável de Canoas. iniciou com 13 organizações, distribuídas em 08
municípios do Estado, contando com uma adesão
Dando continuidade ao processo formativo, foi
realizada, em 2013, formação em Logística e aproximada de 240 catadores. A princípio, optou-
Atuação em Rede, com carga horária de 80 horas, -se por iniciar essa experiência na região do Agres-
cujos temas abordados consistiram em 03 eixos te, envolvendo 04 empreendimentos.
prioritários: Atuação em Redes; Logística; e Utili- Em 2014, foram entregues 02 caminhões à Rede
zação dos Caminhões. Cata-PB, ficando 01 no município de Campina
Participaram dessa etapa 03 catadores dos 04 Grande e o outro atendendo a 02 municípios do
empreendimentos integrantes da rede Cata PB, Sertão. Os 02 caminhões apoiaram a coleta se-
além de representantes de duas associações do letiva, realizada por 06 empreendimentos e a
Sertão, totalizando 16 participantes. Esses cata- comercialização em rede, prevista para agosto
dores foram reconhecidos e indicados por suas de 2014 que envolveria mais 03 organizações de
respectivas associações/cooperativas como lide- catadores da Zona da Mata. Os trabalhos da co-
ranças com potencialidades para assumir a ges- mercialização em rede não foram efetivados por
tão de seu empreendimento. diversos motivos, conjuntura e interrupção de en-
volvimento dos grupos participes do PLS.
Este procedimento teve como objetivo investir na
formação de capital humano, identificar novos ta- Os dados apresentados no quadro 1 apresentam
lentos, formar gestores e apostar na renovação/ a caracterização das cooperativas, associações
ampliação das lideranças, especialmente para a e grupos informalizados que participaram das
construção do Plano de Logística Solidária (PLS) ações dos projetos CATAFORTE, anos 2010 a 2017.
Luiza Eugênia da Mota Rocha Cirne, Ana Virginia Rocha de Almeida Guimaraes 211
Luciene Martins Ferreira da Silva, Veronica Barros Viana, Ilza Mendonça e Maria Eugenia da Rocha Cirne
Quadro 1 - Caracterização da rede Cata Paraíba
Empreendimentos econômicos solidários
212 Redes Solidárias de catadores: avanços e desafios frente à Política Nacional de Resíduos Sólidos no Estado da Paraíba
O quadro 2 apresenta os dados referentes a in- pios, número de doadores e nível de articulação
fraestrutura das cooperativas e associações e dos catadores/as junto aos espaços geradores
do grupo informal, verificando-se a ausência de de resíduos.
apoio de infraestrutura operacional por parte
dos gestores municipais, auferindo ineficiência Quadro 3 - Renda média dos catadores(as) or-
na geração de renda e condições de trabalho dos ganizados e do grupo informal
catadores/as. Cooperativa, Quantidade Município de Retira-
associação ou de coopera- atuação da mé-
grupo infor- dos/ asso- dia por
Quadro 2 - Infraestrutura dos empreendimentos mal. ciados catador
e da Rede Cata PB
Equipamentos Situação dos empreendimentos e da CATAJAMPA 16 João Pessoa 200,00
Rede Cata PB ASCARE JP. 16 João Pessoa 500,00
Dos 14 empreendimentos participantes
COOREMM 18 Santa Rita 400,00
da Rede, apenas 03 possuem galpão
próprio; 10 dispõem de galpão cedido e/ ASSCAPFI 39 Pedras de 120,00
Galpão ou locado por prefeituras municipais e Fogo
Governo de Estado, mas que, em geral,
necessitam de melhorias nas instala- COTRAMARE 22 Campina 600,00
ções. Grande
214 Redes Solidárias de catadores: avanços e desafios frente à Política Nacional de Resíduos Sólidos no Estado da Paraíba
Referências
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216 Redes Solidárias de catadores: avanços e desafios frente à Política Nacional de Resíduos Sólidos no Estado da Paraíba
PLÁSTICOS E SUAS
EMBALAGENS, O QUE É
RECICLÁVEL E REJEITO
PARA O MERCADO
DA RECICLAGEM EM
COOPERATIVAS DE
RECICLAGEM
Propriedades Gerais
Descrição Características Aplicação
(composição e Densidade)
Cristalino, impermeá-
Frascos e garrafas para uso
vel à água e ao CO2,
alimentício, hospitalar, cos-
mas um pouco de
Polietileno teref- méticos, bandejas para mi- (CO-(C6H4)-CO-O-(-
oxigênio é absorvido.
1 talato - PET cro-ondas, filmes para áudio CH2)2-O)n
Resistente, forte, fácil
e vídeo, fibras têxteis, etc. 1,29e3 - 1,4e3 kg/m^3
de moldar, unir e es-
terilizar permitindo a
reutilização.
Inerte e extrema- Embalagens de detergentes
mente resistente à e óleo automotivo, sacolas de
(-CH2-CH2-)n
Polietileno de alta água doce e salgada, supermercados, garrafeiras,
2 939 - 960 kg/m^31
densidade – PEAD alimentos e à maioria tampas, tambores para tin-
das soluções à base tas, potes, utilidades domés-
de água. ticas.
Embalagens para água mi-
neral, óleos comestíveis,
Rígido, transparente
maioneses, sucos. Perfis
(se desejável), imper-
Policloreto de vini- para janelas, tubulações de (CH2CHCl)n
3 meável, resistente à
la – PVC água e esgotos, mangueiras, 1,3e3 - 1,58e3 kg/m^3
temperatura e inque-
embalagens para remédios,
brável.
brinquedos, bolsas de sangue,
material hospitalar.
Sacolas de supermercado e
lojas, filmes para embalar lei-
Polietileno de
te e outros alimentos, sacaria
baixa densidade – Obtido a partir do industrial, filme para fraldas (-CH2-CH2-)n
PEBD petróleo ou de fontes descartáveis, bolsa para soro 939 - 960 kg/m^32
vegetais, é um plás- medicinal, sacos de lixo, etc.
4 tico muito flexível,
Polietileno linear leve, transparente e Alimentos, fraldas, absorven-
de baixa densida- impermeável. tes higiênicos e sacaria indus-
de – PELBD trial.
As principais aplicações e consumidores de re- cas (28%); PEAD PCR – construção civil (42%);
sinas pós-consumo recicladas (PCR) em volume PEBD/ L PCR – Sacos de lixo, sacolas e plástico
(%) no Brasil são: o PET PCR – higiene e limpeza bolha (25%); PS PCR – Eletrodoméstico e ele-
doméstica (29%); PP PCR – utilidades domésti- troeletrônico (23%); EPS PCR – Construção civil
222 Plásticos e suas embalagens, o que é reciclável e rejeito para o mercado da reciclagem em cooperativas de reciclagem
(82%); e o PVC PCR Construção civil (49%) (PRE- crição de cada tipo de resina plásticas confor-
VIEW ABIPLAST, 2019). me a NBR 13.230:2008 e se a UTR comercializa
o material, encaminha para aterro, lixões ou não
Quanto ao cenário internacional de recuperação
recebem esses tipos de resíduos. Para cada sim-
e reciclagem de plásticos, é necessária uma vi-
bologia dos tipos de polímeros, foram descritos
são sistêmica de redução na fonte, ou seja com
exemplos de embalagens plásticas pós-consumo
aplicação dos fundamentos de economia circular,
que chegam através da coleta seletiva nas UTR.
dentre estes fundamentos. A New Plastics Eco-
Ao total, foram identificados 19 tipos de mate-
nomy, desenvolvida pela Fundação Ellen Macar-
riais (resíduos/embalagens) nas UTRs.
thur como o caminho para uma economia circular
na produção de embalagens plásticas, prioriza a
redução do uso de recursos finitos (fósseis), pri-
RESULTADOS
meiramente com a redução de consumo e segun-
do com a utilização de matérias primas prove- Ao total, conforme o Gráfico 1, participaram do
nientes de embalagens recicladas. Outro fator levantamento vinte e duas (22) UTR, sendo, de-
importante é a crescente demanda por parte dos zesseis (16) cooperativas e seis (6) associações.
consumidores para que as embalagens sejam
Gráfico 1 - Forma de Organização
mais sustentáveis, fazendo com que as marcas
implementem a logística reversa e reciclem suas
embalagens, o que torna necessário o uso de ma-
térias primas possíveis de serem recicladas.
METODOLOGIA
Vale destacar que outros tipos de polímeros (resíduos/embalagens), a exemplo do PEBD, PVC
e PET – bandeja ovos e verduras, possuem algum percentual de rejeito e são encaminhados a
aterros sanitários (Gráfico 3).
224 Plásticos e suas embalagens, o que é reciclável e rejeito para o mercado da reciclagem em cooperativas de reciclagem
Tal constatação reforça o argumento que, mes- O ecodesign tem sido um dos grandes obstácu-
mo possuindo simbologia de reciclável, alguns los para a reciclagem de produtos e embalagens
polímeros não são efetivamente reciclados ou plásticas, pois cada empresa quer inserir sua
recuperados e possuem como destinação final marca, cor, com a justificativa que o consumidor
atualmente, em Porto Alegre e região metropoli- é atraído pela beleza das embalagens, além do
tana, os aterros sanitários. uso de mais de uma resina no produto, rótulo e
No caso de PS e PET, estes foram identificados lacre, o que dificulta ainda mais a triagem.
como rejeitos destinados para lixões a céu aber- A reciclagem de plástico no Brasil está passando
to, no entanto, esses casos devem ser considera- por uma grande mudança no setor, consequên-
dos como destinação a aterros sanitários, uma cia da destinação final inadequada desses ma-
vez que na região metropolitana de Porto Alegre teriais, além dos grandes impactos que eles têm
não é permitido o envio de rejeitos por cooperati- causado aos ecossistemas marinhos. Como a in-
vas para lixões, e que a maioria das UTRs possui dústria do plástico não atuou antes, hoje tem de
contratos com a gestão pública. atuar corretivamente.
Entre as principais barreiras enfrentadas sobre
ALGUNS APONTAMENTOS a responsabilidade compartilhada e solidária
pelo ciclo de vida de produtos em atendimento
Os resíduos e embalagens de resina de PP, PS à PNRS estão: a atuação do poder público para
e Outros possuem dificuldades de retorno para melhorar o retorno de embalagens plásticas via
a cadeia produtiva da reciclagem. Isso ocorre pontos de entrega voluntária e incentivo a coo-
devido ao baixo valor desses materiais no mer- perativas de reciclagem; a falha da população
cado, que varia entre R$1,00 a R$1,07 (ANCAT, em minimizar o consumo de embalagens descar-
2018-2019). Além de outros fatores como a cor táveis e seu desconhecimento de que esse tipo
do material, sujeira e mistura que desvalorizam de embalagem não é reciclada ao final do seu ci-
o material para a reciclagem, uma vez que não é clo de vida; o não incentivo à reciclagem através
possível transformá-los no mesmo produto. da desoneração fiscal e tributária; e a falta de
As embalagens aluminizadas (BOPP) e outras instrumentos legais que proíbam a produção de
embalagens, por exemplo, possuem tecnologia embalagens plásticas com resinas que não pos-
para reciclagem, no entanto, ela é muito incipien- suem viabilidade técnica e econômica de serem
te no Brasil, a exemplo da Erema Plastic Recycling recicladas.
Systems da Áustria que dispõe de equipamentos No Brasil, há em torno de 1,5 milhões de catado-
para reciclagem de bobinas, aparas, ráfia e fi- res/as e menos de 10% estão formalizados em
bras em PEBD, PEAD, PP e plásticos de engenha- associações e cooperativas em atendimento a
ria, Poliamidas (Nylon) e filmes, além de outras PNRS, bem como ao cenário nacional, portanto,
soluções para outros tipos de resina a exemplo deve-se em primeiro lugar priorizar a reciclagem
do BOPP, mais ainda a custos muito elevados de mecânica, posteriormente a química e por último
seus equipamentos. a energética.
Joice Pinho Maciel, Daniel Vieira Reis, Andriele Brizolla Bueno, Andressa Soares Barrozo e Carlos Alberto Mendes Moraes 225
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Joice Pinho Maciel, Daniel Vieira Reis, Andriele Brizolla Bueno, Andressa Soares Barrozo e Carlos Alberto Mendes Moraes 227
AUTORES
Alexandro Cardoso como técnica na Secretaria do Meio Ambiente
é catador de materiais recicláveis, cooperado da do Estado do Ceará – SEMA.
ASCAT e Rede Catapoa, membro do Movimento
Nacional dos Catadores de Materiais Reciclá- Antonio Oscar Peixoto Vieira
veis. Formado em Gestão de Resíduos pelo Ins- é Jornalista e Mestre em Desenvolvimento Social
tituto Tecnológico Brasileiro, Gerenciamento de (2018). Pesquisador do NIDES – Núcleo Interdis-
Resíduos pelo Instituto Federal (RS) e Cientista ciplinar para o Desenvolvimento Social/ UFRJ e
Social em formação na UFRGS. Coordenador da RIPeR – Rede de Informação e
Pesquisa em Resíduos do SOLTEC/ UFRJ.
Ana Virginia Rocha de Almeida Guimaraes
é Professora aposentada do Departamento de Arlinda Cézar-Matos
Engenharia Agrícola da UFCG. Publicou 20 tra- é Presidente e Consultora de Educação Ambien-
balhos de pesquisa e extensão na área de resí- tal e Produção Mais Limpa do Instituto Venturi
duos sólidos e implantou o Sistema de Coleta para Estudos Ambientais. Possui experiência no
Seletiva na UFCG. Magistério das disciplinas de Temática Ambien-
tal, Planejamento Ambiental e Gestão de Resí-
Andressa Soares Barrozo duos sólidos e publicações voltadas principal-
é Graduada em Engenharia Ambiental pela Uni- mente a educação ambiental formal.
versidade do Vale do Rio dos Sinos (2019). For-
mação técnica em Meio Ambiente pelo Instituto Arnaldo Jardim
Pró-Universidade Canoense - IPUC (2011). Atua é Engenheiro civil pela Escola Politécnica da USP.
em projetos de educação ambiental e gestão de É Deputado Federal, foi o relator da Política Na-
resíduos – NucMat/Unisinos cional de Resíduos Sólidos e preside a Frente
Parlamentar pela Economia Verde. Como Depu-
Andrea Pereira Froes tado Estadual, foi o autor da Política Estadual
é Formada em Ciências Biológicas pela PUC/ de Resíduos Sólidos.
MG, atua na área de Gestão de Resíduos Sóli-
dos há 29 anos na SLU/Prefeitura de Belo Hori- Arthur Mendonça Quinhones Siqueira
zonte. Ocupa o cargo de Diretora Operacional. é Mestrando no programa de Pós-Graduação
Membro da Câmara Técnica de Resíduos Sólidos em energia do Instituto de Energia e Ambiente
da ABES/MG e da de Controle e Qualidade Am- da USP, Engenheiro eletricista pela Universidade
biental e Gestão T erritorial – CONAMA. Federal de Santa Catarina e membro do Grupo
de Pesquisa em Governança Energética.
Andriele Brizolla Bueno
é Bolsista de Iniciação Científica CNPQ no Nú- Artur José Vieira Bruno
cleo de Caracterização de Materiais (NUCMat), é Pedagogo, Secretário de Meio Ambiente do
graduanda do curso de Engenharia Ambiental Estado do Ceará e responsável pelos planos e
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Uni- ações da secretaria em desenvolvimento no Es-
sinos). tado.
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Gina Rizpah
Besen
Pedro Roberto
Jacobi
Christian Luiz
Silva