Psicanalise para Carl Gustav Jung e Donald W Winnicott

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Psicanálise para Carl Gustav Jung

e Donald W. Winnicott

Brasília-DF.
Elaboração

Adriana Barbosa Sócrates

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 5

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 6

Introdução.................................................................................................................................... 8

Unidade I
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG........................................................................... 11

Capítulo 1
História e constituição da psicanálise............................................................................. 11

Capítulo 2
O método psicanalítico.................................................................................................... 23

Capítulo 3
A natureza do inconsciente.............................................................................................. 26

Unidade II
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott.................................................................................... 32

Capítulo 1
Lugar de Winnicott na psicanálise................................................................................... 42

Capítulo 2
As teorias do amadurecimento, a relação mãe-bebê e o brincar............................... 45

Unidade III
Os Aspectos da Prática Clínica...................................................................................................... 51

Capítulo 1
Aparelho psíquico.............................................................................................................. 51

Capítulo 2
As diferentes psicanálises.................................................................................................. 59

Capítulo 3
Teoria da personalidade.................................................................................................... 64

Unidade IV
As diferentes formas de atuação.................................................................................................. 68

Capítulo 1
Como trabalha Jung: entrevista....................................................................................... 68
Capítulo 2
Como trabalha Winnicott: relato e discussão de um caso......................................... 72

Para não Finalizar........................................................................................................................ 76

Referências................................................................................................................................... 92
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da
área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que
busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica
impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
A presente disciplina tem o objetivo de introduzir os fundamentos da psicologia analítica
de Carl Gustav Jung e os fundamentos psicanalíticos de Donald Woods Winnicott.

Para compreender Carl Gustav Jung revisaremos a história e a constituição da psicanálise,


o método psicanalítico e a natureza do Inconsciente. E para compreender Donald
Woods Winnicott, discutiremos o lugar de Winnicott na Psicanálise, as teorias do
amadurecimento, a relação mãe-bebê e o brincar, considerados pontos fundantes de
sua teoria.

Discutiremos também os aspectos da prática clínica a partir da concepção teórica


do aparelho psíquico, das diferentes psicanálises e das teorias da personalidade.
Neste cenário abordaremos como trabalha Jung por meio de uma entrevista com uma
psicóloga junguiana. E como trabalha Winnicott por meio de um caso clínico atendido
por ele.

Para tanto, o estudo da teoria e da técnica psicanalítica sempre nos remete a Sigmund
Freud, inventor da psicanálise e autor sempre referenciado nos diferentes rumos teóricos
que nos propomos a estudar. Cabe, no entanto um breve resumo de seu percurso nesta
introdução e, adiante nos capítulos deste Caderno de Estudos, referências aos principais
marcos teóricos e técnicos de sua produção acadêmica e científica.

Sigmund Freud nasceu em uma família judia na cidade de Friebir na Áustria em 1856.
Viveu grande parte de sua vida em Viena e posteriormente, por conta da II Guerra
Mundial e do Nazismo, mudou-se para Londres, onde veio a falecer em 1939.

Freud formou-se em medicina, trabalhou com neurologia, especializando-se em


Psicopatologias. Em sua época, a grande questão da psicopatologia era a histeria,
levando-o a estudá-la em Paris entre 1885 e 1886. Desse estudo, Freud traz conceitos
importantes para as estruturas da teoria (a qual Freud lutou para que fosse reconhecida
como ciência) que nomeou de psicanálise. O interesse pelos fatores psíquicos que
estavam representados nos sintomas histéricos moveu o instinto investigativo de Freud
à descoberta da psicanálise.

Objetivos
»» Introduzir os fundamentos da psicologia analítica de Carl Gustav Jung e
os fundamentos psicanalíticos de Donald Woods Winnicott.
8
»» Compreender a história e a constituição da psicanálise, o método psicanalítico
e a natureza do Inconsciente na perspectiva de Carl Gustav Jung.

»» Compreender o lugar de Winnicott na psicanálise, as teorias do


amadurecimento, a relação mãe-bebê e o brincar, considerados pontos
fundantes da teoria de Donald Woods Winnicott.

»» Discutir os aspectos da prática clínica a partir da concepção teórica


do aparelho psíquico, das diferentes psicanálises e das teorias da
personalidade.

»» Compreender como trabalha Jung por meio de uma entrevista com uma
psicóloga junguiana;

»» Compreender como trabalha Winnicott por meio de um caso clínico


atendido por ele.

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FUNDAMENTOS DA
PSICOLOGIA ANALÍTICA Unidade I
DE JUNG
Iniciaremos nossos estudos pela história e constituição da teoria e da técnica psicanalítica
que servirá de base necessária para a compreensão de Jung e Winnicott. Mesmo tendo
havido ruptura teórica e técnica entre Freud e Jung, a base psicanalítica sempre parte
das construções freudianas. Winnicot, por sua vez, partiu de achados freudianos e deu
segmento ao que em sua prática clínica representou a base de sua teoria.

Certamente essa releitura da descoberta da psicanálise ilumina cada vez mais os estudos
psicanalíticos. A obra freudiana, por exemplo, deve ser lida e relida inúmeras vezes, no
intuito de alargar cada vez mais a compreensão teórica e técnica.

Capítulo 1
História e constituição da psicanálise

Iniciamos com algumas considerações acerca do estudo sobre histeria que, de acordo
com o Freud descreveu no artigo Histeria (1888) escrito para a enciclopédia Villaret,
teria sua origem nos primórdios da medicina significando “útero”, dado o preconceito
de que essa patologia estaria vinculada a uma irritação nos genitais femininos. Nesse
mesmo artigo, cita os principais sintomas do transtorno: os ataques convulsivos
epilépticos, a presença de zonas histerógenas (zonas que, pressionadas, produziriam
uma sensação análoga à convulsiva), distúrbios dos órgãos sensitivos, paralisias
e contraturas.

Freud era docente em neuropatologia e estudou em Paris entre 1885 e 1886, com uma
bolsa de estudos da Universidade de Viena, realizando estudos sobre a histeria no
Hospital da Salpêtrière com seu professor Jean-Martin Charcot. Conforme colocado no
“Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim” (1886), Freud revelou sua admiração
pela proposta de Charcot que buscava desconstruir a ideia de que os sintomas histéricos
eram fingimento, de que a origem se dava por uma irritação genital e consideravam
a existência e o tratamento da histeria masculina. Assumia, portanto, o conceito de
etiologia não orgânica, ou de doença sem correspondência orgânica. É também de

11
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

Charcot que Freud traz a técnica do hipnotismo, que não se tratava de “material raro e
estranho” nem com “fins místicos”, mas terapêuticos.

O primeiro método empregado por Freud na cura da histeria foi a sugestão hipnótica,
descrita no artigo “Hipnotismo”, 1891. Tratava-se de hipnotizar o paciente com o intuito
de rebaixar sua consciência e, durante esse estado, negar queixas apresentadas antes
pelo paciente, assegurar que ele pode fazer algo do qual se sentia inibido ou dar uma
ordem para que execute quando despertar. Em “Um caso de cura pelo hipnotismo”
(1892-1893) Freud sugere a uma paciente que não consegue amamentar, durante a
hipnose, que dali em diante, conseguirá amamentar e que as contraturas e dores que
sentia durante a amamentação desapareceriam. Desse estudo, Freud analisou que as
vontades e contra vontades em conflito naquela paciente deduz que o funcionamento
psíquico neurótico, estando inclusos os histéricos, se dá a partir de um conflito entre
ideias antitéticas.

Sem muito sucesso com as sugestões, Freud então passa a pedir para que as pacientes
se lembrassem do fenômeno que gerou os sintomas. Ao acordarem, não se recordavam
do que haviam dito. Freud então percebe a existência nos indivíduos de uma instância
psíquica onde a memória da origem dos sintomas era armazenada como em uma
consciência dissociada, uma segunda condição paralela à consciência, o que viria a
se formular como Inconsciente. Quando contava às pacientes o que elas lhe disseram
sob hipnose, se dava uma forte resistência e uma repulsa ao conteúdo descobre-se
o conceito de Resistência – aquele conteúdo apresentado se encontrava em outra
instância psíquica justamente por ser incompatível à consciência de vigília.

Apesar de representar o início da investigação psicanalítica, o método hipnótico era difícil


de ser aplicado pelos médicos e nem todos os pacientes eram passíveis de hipnotização
ou apresentavam melhora. Os que apresentavam melhora nos sintomas regressavam em
curto prazo.

O segundo método empregado por Freud, ainda nesses primeiros momentos, foi o
Método Catártico. Ele consistia na associação livre de ideias associadas ao trauma
que desencadeou o quadro histérico, conforme proposto nos “Estudos da Histeria”
(1893-1895). Podendo ser útil uma retomada cronológica dos eventos anteriores ao
aparecimento dos sintomas.

Em “Comunicação Preliminar” (1893), Introdução aos Estudos, Freud, que já reconhecia


uma etiologia não orgânica à histeria e propõe causas externas aos indivíduos e se dá
na forma de vivência de um trauma psíquico. Nesse sentido, considerou a consciência
dissociada como uma consequência do trauma-histeria traumática – ou como uma
pré-disposição herdada dos pais – histeria disposicional. No caso da histeria traumática,

12
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I

Freud afirmava que a vivência do trauma se tornou patológica pelo fato de o indivíduo
não ter associado o evento traumático a outros contextos, nem esqueceu ou ab-reagiu
a ele, chorando, falando sobre, se vingando etc. Tanto porque não o pôde fazer no
contexto em que ele aconteceu ou porque se encontrava em um estado alterado de
consciência, como no estado hipnoide. O trauma, mesmo estando no passado, ainda
pulsa dentro do indivíduo atuando na formação de sintomas, ou seja, as histéricas
sofriam de reminiscências.

Nesse modelo, os sintomas histéricos crônicos observados nas paralisias, dores sem
etiologia orgânica, alucinações, se dariam pela passagem de material afetivo dessa
segunda consciência para a consciência original – fenômeno da conversão, enquanto
os sintomas agudos da histeria representavam uma consciência sobre o indivíduo.
O método catártico nesses moldes funcionava pela vazão do afeto inconsciente por meio
da fala, sem necessitar recorrer à conversão para tal. O método catártico promovia não
apenas a consciência dos traumas, mas também dos fatores inerentes a ele.

Freud, neste período apostava na divisão da consciência como patológica. Em “Neuropsicoses


de Defesa” (1894), assume como pressuposto para classificar a histeria como fenômeno
da conversão, mas passa a diferenciar os tipos de histeria de acordo com a forma como
a consciência foi dividida. A histeria hipnoide corresponde à divisão pelo trauma, já a
histeria de defesa, a divisão se daria por uma força de vontade do indivíduo em tirar
da consciência o material traumático e, por fim, na histeria de retenção não ocorreu
divisão da consciência, mas o afeto não foi ab-reagido. De uma forma mais clara, nesse
texto, Freud diferencia a ideia de afeto em ideia traumática situada no inconsciente e o
afeto poderia transitar entre a consciência e a inconsciência.

Em relação ao método utilizado na psicanálise, formulou-se o método interpretativo


pautado pelo método da livre-associação, reconhecido como a Regra de Ouro da
Psicanálise. Neste método, o paciente deve dizer tudo o que lhe vier à mente sem pensar
muito sobre o que irá dizer. A aposta reside na percepção de que tudo o que o paciente
disser estará relacionado a conteúdos latentes. Por meio da análise dessas falas, é possível
chegar ao conteúdo do material traumático, inclusive com emersão das lembranças
traumáticas. A livre-associação do método interpretativo passou a ser reconhecido como
possibilidade de acessar o inconsciente ao longo do processo de análise.

Na evolução teórica e técnica de Freud, a interpretação dos sonhos (1900) também


representou acesso ao inconsciente ou manifestação inconscientes de conteúdos
presentes na inconsciência. A interpretação psicanalítica, portanto, não ocorria apenas
através fala, mas também por meio dos sonhos, atos falhos e chistes, além dos próprios
sintomas queixados pelo paciente.

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UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

A primeira tentativa de Freud mapear o funcionamento do psiquismo afirmou-se


como primeira tópica do aparelho psíquico, em que considerou as pulsões, o recalque,
e o inconsciente pela organização de três instâncias: consciente, pré-consciente
e inconsciente.

Baseando-se no repertório de estudos sobre a histeria e nos estudos sobre os sonhos,


a psicopatologia da vida cotidiana, os chistes e os atos falhos elaboram formalmente,
em 1915, a primeira teoria do aparelho psíquico, ou primeira tópica, mesmo já tendo na
“Interpretação dos Sonhos” lançado as bases de toda a teoria.

Nesse sentido, Freud considerou o inconsciente como uma estrutura psíquica presente
em todos os indivíduos com funcionamento neurótico que teria importância vital na
vida em sociedade. O sujeito freudiano assume nesse momento as características que
terá no restante da sua obra psicanalítica, ou seja, o sujeito tendo seu psiquismo dividido
entre consciente e inconsciente.

No artigo “O instinto e suas vicissitudes” (1915) houve uma problemática na tradução


dos textos em alemão para o inglês e, consequentemente, da tradução inglesa para a
portuguesa. A psicanálise portuguesa e a brasileira, contudo, preferem traduzir trieb
por pulsão e instinkt por instinto. O instinto seria uma energia interna com a finalidade
de sobrevivência relacionada a um regime de necessidade por autoconservação do
organismo, ou melhor, uma resposta homeostática do indivíduo, aceitando apenas uma
classe de objetos para sua satisfação, como fome que requer comida, sede que requer
líquido, por exemplo. A pulsão, por sua vez, seria também uma energia interna, mas
relacionada a um desejo tendo origem nele, sendo de ordem psíquica e se encontrando
no circuito inconsciente.

A pulsão possui caráter psicossexual e de autopreservação, caracterizando uma nova


classe de pulsões, as pulsões de vida e as pulsões de morte. A pulsão, de uma forma
geral, se constitui pela energia psíquica, pelo instinto, pela homeostase, como forma de
direcionar e descarregar energia psíquica. A pulsão orienta-se pelo princípio da constância
com finalidade de satisfação, de acordo com o princípio do prazer. Neste sentido a pulsão
em busca de um objeto de satisfação, apresenta um espectro maior de possibilidades em
relação ao instinto, podendo focar-se em qualquer objeto, na medida em que se relacione
e satisfaça ao menos de forma parcial a pulsão, enquanto afeto ou pressão no aparelho
psíquico, na forma de energia psíquica.

O recalque, por sua vez, compõe uma barreira que divide a consciência do inconsciente,
contudo, permite a expressão de um conjunto de operações que se realizam sobre as
pulsões, conforme Freud coloca em seu artigo “Repressão” (1915). O recalque age de
acordo com o princípio do prazer e o princípio da realidade.

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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I

As vicissitudes como destinos da pulsão operam-se de três formas:

1. realizando a pulsão sem ceder ao princípio da realidade, sendo que a


pulsão pode estar avessa ou de acordo como nas pulsões estritamente
sexuais/genitais fala-se em perversão, ou seja, a execução de uma pulsão
de forma integral, em desacordo ou não com o princípio da realidade;

2. sublimação, ou seja, realização de uma pulsão com o objeto deslocado


para algo socialmente aceitável, realizar o princípio do prazer por meio
do princípio da realidade, permitindo uma satisfação parcial, gerando
material recalcado; ou

3. um bloqueio total da pulsão, gerando insatisfação e um grande acúmulo


de material recalcado.

A satisfação da pulsão através do recalque é muitas vezes parcial, ou seja, parte da energia
psíquica original da pulsão permanece no inconsciente na forma de material recalcado e
esse, por sua vez, se expressa por meio dos quatro derivados do inconsciente: sintoma,
sonho, chiste e ato falho. A distorção realizada pelo recalque às pulsões e ao material
recalcado pode ser de dois tipos: deslocamento, mudança do objeto original da pulsão
para outro que esteja permitido pelo princípio de realidade, mas mantenha relação com o
original e condensação que se configura na escolha de um objeto que satisfaça ao máximo
de pulsões possíveis, compondo o que Freud chamou de processos primários.

Em meio ao recalque primário pode haver um extravasamento de afeto inconsciente


que resultar no recalque secundário ou repressão. Ao contrário do recalque que atua na
pulsão e no recalcado, a repressão atua no derivado do recalcado presente na consciência.

No texto O Inconsciente (1915), Freud avança para além da abstração teórica


metapsicológica. E a análise do inconsciente passa a ser feita de três formas:

1. Topográfica que representa a localização e de onde advêm os materiais


recalcados, as formações, os afetos, entre outros.

2. Dinâmica que denota a movimentação dos materiais psíquicos.

3. Econômico no nível de gasto e conteúdo energético das pulsões.

A análise dinâmica do funcionamento do inconsciente origina-se o pré-consciente que


seria o estado de afetos ou ideias que estão na instância consciente, mas em situação
inconsciente, ou seja, acessíveis pelo sujeito, apesar de não estar pensando nelas naquele
momento. Por exemplo, estudando para uma disciplina, o sujeito não está pensando no
que comeu na última refeição, mas tem acesso a essa informação.

15
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

O inconsciente possui características relevantes, como a isenção de contradição mútua,


o que significa dizer que, por não ser regido por uma lógica consciente, pode haver
pulsões contraditórias no inconsciente, como o sentimento de amor e de ódio pelo
pai no complexo de Édipo, por exemplo. A atemporalidade do conteúdo inconsciente
invoca diferentes vivências presentes ou passadas, como a reconstrução de um evento
traumático da infância.

O aparelho psíquico regido pelo inconsciente, pré-consciente e consciente conserva as


duas primeiras instâncias separadas pelo recalque e as duas últimas pela repressão.
A livre-associação, portanto, seria uma tentativa de suspensão da repressão, permitindo
a expressão livre de um conteúdo do pré-consciente tendo em vista uma distorção direta
do conteúdo latente do inconsciente. Em outras palavras, o conteúdo inconsciente
sofreria uma ação dos processos primários do recalque, alcançaria o pré-consciente,
que sob livre-associação, poderia ser dito sem maiores reflexões, permitindo que, de
alguma forma, o analista possa tentar realizar o caminho de volta para entender o
material recalcado de origem.

Uma última contribuição importante desse texto, também presente nos artigos sobre a
técnica consiste na diferenciação que Freud faz entre verdade como realidade externa
compartilhada e, realidade psíquica que compõe a forma como sujeito interpreta a
realidade externa. A realidade externa e sua interpretação podem ou não ser tangíveis ou
sobrepostas, dependendo da análise possível, a partir da realidade psíquica do paciente.

A partir dessa diferenciação entre verdade e realidade psíquica, Freud dedica-se ao tema
da fantasia em Lembranças Encobridoras (1896). Para ele as lembranças encobridoras
seriam um derivado do inconsciente como um constructo inconsciente a partir de uma
realidade consciente que compõe a realidade psíquica do sujeito.

Freud desenvolveu o conceito de fantasia para explicar o fato dos indivíduos não se
recordarem com muita certeza os eventos que aconteceram na infância mais remota,
ora não se lembrando de fato, ora se recordando de eventos de forma mista. Trata-se de
uma lembrança que possui um simbolismo suficiente para se manter viva, substituindo
lembranças daquele período que, por algum motivo, são incompatíveis à consciência.

Dentro desse modelo, Freud no texto O Instinto e suas Vicissitudes (1915) comenta
as psicopatologias. Como a pulsão é tanto um objeto/ideia quanto uma pressão/afeto,
quando esse afeto inconsciente passa para a consciência e não se liga a um objeto de
lá, transforma-se em angústia. Porém, quando o afeto liga-se a uma ideia consciente
trata-se de fobia, ansiedade ou obsessão, conforme o tipo de afeto ligante. Quando o
excesso de afeto assume as inervações somáticas, convertendo esse afeto em sintomas,
trata-se então da histeria.

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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I

Em A Interpretação dos Sonhos (1900) e no artigo-síntese de suas análises, Sobre os


Sonhos (1901), Freud descreve sobre o mecanismo onírico e qual sua função psíquica,
diferentemente das visões filosóficas que consideram o sonho como libertador da
alma, da visão médica em que os sonhos seriam consequências inúteis de processos
fisiológicos e das visões populares, o sonho como predição do futuro.

Freud afirma que no sonho se manifesta pelo conteúdo manifesto, apresentado de forma
explícita, correspondendo a personagens, cenários e narrativas e, pelo conteúdo latente,
que seria um fragmento inconsciente que sofre um trabalho do sonho, transformando-se
em conteúdo manifesto.

O trabalho do sonho prioriza a expressão inconsciente sem comprometer seu conteúdo


por uma interpretação consciente. Ou melhor, corresponde aos processos de:

1. deslocamento: substituição de um objeto latente por outro manifesto que


mantenham relações entre si;

2. condensação: deslocamento e substituição de objetos latentes por um


objeto manifesto que, em alguma medida, represente cada um dos objetos
latentes;

3. disposição pictórica: fornece a escolha dos objetos do sonho a partir de


restos diurnos recordação de vivências importantes; e

4. composição: após a formação do conteúdo, o sonho é recoberto por uma


fachada narrativa, como uma amarração lógica.

A interpretação dos sonhos na perspectiva psicanalítica é um rico instrumento de


trabalho no decorrer das sessões por representar o acesso ao inconsciente. As sensações
emocionais após o sonho consistem em nortes importantes para sua análise, já que o
conteúdo mostra-se bastante variável e com muitos elementos.

Ao discorrer acerca da sexualidade infantil, nos Três Ensaios sobre a Sexualidade


(1905), Freud indica envolver processos primários e desenvolve a teoria a partir do
estudo da sexualidade infantil, incluindo as lembranças encobridoras que perpassam
as fantasias como projeções a partir de um lugar vazio, poderiam muitas delas estar
encobrindo lembranças de ordem sexual, o que causou espanto nos leitores de Freud
ao debater o tema, nos primórdios da psicanálise. O assunto em questão precisaria
estar relacionado ao movimento pulsional denominado sexual, o que ficou mais claro
na medida em que Freud desenvolvia sua teoria.

Em seguimento a isso, Freud propôs o desenvolvimento da libido em fases, onde há


ênfase em uma zona erógena em detrimento das demais para satisfação da pulsão.

17
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

A fase oral que pode ocorrer entre 0 a 2 anos, teria como objeto de satisfação a boca,
pela necessidade de alimentação, o bebê descobre o seio que, além de objeto para
satisfação do instinto de fome, gera satisfação sensorial. Nessa fase não há um elemento
intermediário entre o indivíduo e os outros. Considera-se que os atos de prazer
envolvendo a oralidade tem sua origem no deslocamento da fase oral, como comer,
beber, fumar e beijar.

A fase anal, que pode ocorrer dos 2 aos 5 anos, se inicia a partir do controle sobre os
esfíncteres e as demandas que os pais fazem a partir disso. As fezes, dessa maneira,
seria um objeto de comunicação entre os indivíduos e seus pais. O controle se torna não
apenas dos esfíncteres, mas também do ambiente e da entrada e ou saída das emoções.

A fase fálica, que pode ocorrer entre os 5 aos 10 anos aproximadamente, é marcada pelo
autoconhecimento corporal, contato erótico com os genitais, satisfação masturbatória.
No início, não há a necessidade de controle sobre o outro e a saída dessa fase é
determinada pelo deslocamento da autossatisfação por algum objeto.

A passagem pelas fases psicossexuais resultam no complexo de Édipo que possui papel
estruturante e organizador psíquico e emocional para todo ser humano.

A resolução edipiana acontece de forma distinta para o menino e para a menina. No caso
do menino, a autossatisfação é acompanhada por uma identificação com o desejo
do pai pela mãe. Havia previamente uma premissa fálica de que todos os indivíduos
possuíssem pênis, que é quebrada pela observação das diferenças anatômicas entre os
sexos. Nesse ponto, o objeto de desejo é deslocado de si para a mãe. Contudo, entra em
jogo a figura do pai, que interdita o objeto libidinal de seu filho. O filho então vive uma
relação de ambiguidade por seu pai, expressando um amor decorrente, entre outros, da
identificação do filho com seu pai, mas também de ódio pelo fato de ambos competem
pela mesma mulher. Na interdição da mãe, o filho cede ao complexo de castração
representado pelo medo de ter o pênis castrado pelo pai e está então livre para deslocar
seu desejo sexual para outro objeto ou outra mulher, ingressando na fase de latência.
É por meio da interdição da mãe pelo pai que se funda o recalque, na teoria freudiana.
E é por meio da resolução do complexo de Édipo que se funda a instância do superego,
na segunda tópica, que consiste na segunda proposta acerca do funcionamento do
aparelho psíquico elaborada por Freud. O superego é o herdeiro do complexo de Édipo.

No caso da menina, a diferença anatômica entre os sexos é percebida e cria-se uma


identificação com a mãe. Tendo sido castrada, ela passa a invejar o falo e observa como
sua mãe lidou com a falta do mesmo, dirigindo-se ao seu objeto de desejo para o pai,
detentor do falo, identificando-se com o objeto de desejo da mãe. A mãe realiza uma
tentativa de interdição do pai, mas que não funciona como formação de recalque,

18
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I

apenas como ponto de rivalidade entre ambas. É a partir do não paterno que a menina,
então, desloca o objeto do pai para outro homem e entra na fase de latência.

Por fim, na fase genital, o prazer é deslocado da masturbação para o interesse na relação
sexual com o outro. No garoto, pela busca da penetração em uma cavidade corporal
que, friccionada com seu pênis ereto, gere prazer.

Como forma de ilustrar suas teorias sobre a sexualidade, Freud estuda o caso do
pequeno Hans, na descrição de caso Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco
Anos (1909). Uma grande importância é dada a esse caso por ter sido o primeiro
momento de intervenção psicanalítica sobre uma sintomatologia infantil. Hans foi
aconselhado por seus pais, que liam e se interessava pela psicanálise, supervisionados
por Freud posteriormente, pelo fenômeno da transferência, talvez Freud tivesse
recriminado essa prática.

Em Além do Princípio do Prazer (1920), Freud retoma as conceituações que fez


anteriormente acerca das pulsões sexuais ou pulsões de vida, como uma resposta
homeostática frente a uma excitação psíquica. O alívio dessa excitação gera prazer,
portanto as pulsões sexuais são determinadas pelo princípio do prazer. Contudo, dada
a existência do princípio da realidade, nem todas as pulsões podem ser atendidas e
poucas podem ser atendidas de forma plena. A não satisfação e/ou a não satisfação
plena de uma pulsão geram desprazer.

Freud indicou, contudo, que existe um tipo de desprazer que não tem origem na privação
de um prazer, mas constitui um desprazer em si, como um grupo de artistas encenando
um drama de traição, morte ou abandono, sendo regidos por um princípio diferente do
princípio da realidade. Esse desprazer tem origem na pulsão de morte.

A pulsão de morte segue o princípio da compulsão à repetição, que consiste em uma


tendência de seus pacientes repetirem os mesmos eventos traumáticos e a quebra dessa
dinâmica é recebida com resistência.

Nas pulsões de morte, se dá uma nova explicação. Há uma substância inerte e inorgânica
que sofre uma força de forma a tornar-se viva e orgânica – Freud afirma que a psicanálise
não consegue explicar as características dessa força criadora. A partir dessa ação, existe
uma força de reação contrária, de forma a transformar essa substância viva e orgânica
em inerte e inorgânica, de volta ao estado inicial, através da morte do organismo.
Por isso que, para descrever as pulsões de morte, Freud retoma Schopenhauer em
sua constatação de que o sentido da vida é a morte. Em termos de funcionamento,
as pulsões sexuais teriam como objetivo a autoconservação e desenvolvimento do
indivíduo, enquanto que as pulsões de morte teriam como objetivo a autodestruição.
19
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

Freud afirma, contudo, que em termos estéticos, não há oposição entre as pulsões de
vida e as pulsões de morte, mas convergência. Portanto, em toda ação pulsional estão
atuando ambas as pulsões, integradas – em todas as ações pulsionais há sadismo e/ou
masoquismo, que tanto se caracteriza por seguir o princípio de compulsão à repetição e
de destruição, ou autodestruição, quanto ao princípio do prazer.

No texto O Ego e o Id (1923), Freud propõe a Segunda Tópica do Aparelho Psíquico,


já tendo estudado a dicotomia pulsional: pulsões de vida-morte, compreendendo as
instâncias id, ego e superego ou ideal de ego.

O id seria o motor do aparelho psíquico, que o movimenta e contém os instintos de vida


e de morte, enviando uma integração deles para o ego. Por conta disso, o id seria uma
instância puramente inconsciente e impulsiva.

O superego tem sua origem na resolução do complexo de Édipo. Por meio de identificação
que o menino realiza com seu pai, e a menina com sua mãe, há introjeção de
valores familiares e sociais. O superego seria uma instância modelo/espelho do ego,
orientando-o, como o eixo condutor do aparelho psíquico. O superego, em outras
palavras, assume a função do princípio de realidade por herança edípica. Essa instância
possui porções conscientes e inconscientes.

O ego, por sua vez, seria a instância reguladora do aparelho psíquico, regulando as
demandas do id com as ponderações e imposições do superego e, a realidade externa,
portanto, também sendo orientado pelo princípio de realidade. O superego possui
porções conscientes e inconscientes e essa regulação pode ser sintônica, havendo pouco
ou nenhum endividamento do ego com as outras instâncias psíquicas, ou dissintônica.

Tendo em mente a disseminação do movimento psicanalítico pelo mundo, em termos


acadêmicos e na prática médica e temendo a desvirtualização da teoria, Freud escreve
uma série de artigos sobre a técnica psicanalítica entre 1911 e 1915 visando orientar os
profissionais da área da saúde que aplicavam o método interpretativo psicanalítico.
Inclusive naquele momento, apenas os médicos podiam aplicar a psicanálise.

Segue um breve relato de seis dos artigos de técnica trabalhados em aula e as principais
contribuições de cada um deles:

“O Manejo da Interpretação dos Sonhos em Psicanálise” (1911): não se deve “escavar” o


sonho em cada um de seus elementos mínimos, mas buscar pontos centrais e favorecer
a livre-associação do paciente, para que o paciente possa realizar conexões, favorecendo
o trabalho analítico. Dentro disso, falar sobre os aspectos periféricos dos sonhos podem
favorecer uma resistência ao tratamento.

20
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I

“Recomendação aos Médicos que exercem Psicanálise” (1912): não se deve ater à
reconstrução histórica dos eventos traumáticos do paciente, como se fazia no método
Catártico, mas favorecer a livre-associação e buscar interpretar o paciente a partir
disso. Deve-se ater também, não à realidade externa ao paciente, mas sua realidade
interna. Nesse artigo, Freud trabalha também a Regra Fundamental da Psicanálise: o
analista deve se abster da análise, servindo como uma tela em branco que chamou de
“Atenção Flutuante”.

Quanto à formação em psicanálise, os profissionais deveriam passar por uma análise


durante sua formação, realizar análises didáticas supervisionadas por um psicanalista
formado, além de estudar a teoria. Freud também afirma a necessidade de se criar e
manter regulamentado um instituto para formação em psicanálise, sendo o primeiro
fundado em Viena em 1910.

Quanto ao setting analítico, ou seja, todo o enquadramento presente na relação


médico-paciente: as sessões deveriam ser de 50 minutos, o paciente deveria estar
deitado, relaxado, pois assim o paciente estaria em estado mais próximo ao onírico,
favorecendo a livre-associação. E sem contato visual com o analista, o que auxilia a
introspecção. As anotações do caso deveriam ser feitas após a sessão, pois a escrita na
sessão interrompe a “atenção flutuante”.

“A Dinâmica Transferencial” (1912) e “Observações sobre o Amor Transferencial” (1915):


a transferência seria o deslocamento provisório de afetos que um paciente tem em relação
a figuras importantes de sua história para a figura do analista. Essa transferência pode
ser positiva ou erotizada ou pode ser negativa. Nos casos de transferência, Freud afirma
ser necessário que o analista o explicite ao paciente. Muitas vezes, por conta disso, o
paciente pede conselhos ao analista, mas Freud afirma que eles não devam ser dados,
ou seja, o analista deve apenas auxiliar o paciente a tomar suas próprias decisões.
Nessa dinâmica transferencial, a “atenção flutuante” do analista também serviria para
impedir a contratransferência, que seria o processo transferencial do analista pelo
paciente que, para Freud, simplesmente não deveria existir. A regra geral, portanto,
deveria ser a frustração da transferência.

“Sobre o Início do Tratamento” (1913): nesse momento, Freud acredita que a psicanálise
deveria se voltar para o tratamento e a cura, só após 1930 considera que pode servir
também para autoconhecimento. Nas primeiras sessões, o terapeuta deve estudar
se há possibilidade de cura. Quanto ao pagamento, o analista não deve trabalhar de
forma gratuita e, mesmo na falta do paciente, a consulta deve ser cobrada porque
seria uma forma de combater a resistência e a transferência. Freud também afirma
que os pacientes não devem comentar o seu tratamento com outras pessoas, porque
prejudicaria a análise delas.
21
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

“Recordar, Repetir e Elaborar” (1914): trabalha os conceitos de repetição da transferência,


dos sonhos e das ações pulsionais, mesmo ainda não tendo elaborado o conceito de
compulsão à repetição e as pulsões de morte. Freud considerava que a repetição era
uma forma de resistência atuante. Essa repetição deve ser explicitada ao analisando.

22
Capítulo 2
O método psicanalítico

Após uma breve passagem pelos principais achados de Sigmund Freud, precursor da
psicanálise, neste capítulo trataremos do método psicanalítico empregado por Carl
Gustav Jung, ao passo que discutiremos suas principais contribuições.

“A minha história é a história de um inconsciente que se realizou”.

Carl Gustav Jung (1875-1961) era médico psiquiatra, foi um dos mais fecundos e
importantes pensadores da psicologia contemporânea. Fortemente influenciado pela
mitologia, filosofia e antropologia, desenvolveu, a partir da psicanálise freudiana,
novos rumos, desviando o foco essencialmente psicossexual para uma visão mais geral,
intuitiva e espiritual.

Jung sempre trabalhou a partir da sua intuição. Desde cedo, com seus sonhos e seu
isolamento, demonstrava um profundo desejo de compreender-se e à Humanidade.
Sua vasta obra de valor inestimável e sua própria vida evidenciam a sua busca pelo seu
“eu”, ou como ele chamava, a sua individuação.

Sua teoria começa junto à psicanálise, adotando o modelo topográfico de psique freudiano.
Em contato constante com o mestre, Jung logo passou a discordar das ideias deste,
embora tenha tido dificuldade para desligar-se completamente.

Apenas com a confecção do último capítulo do livro Metamorfoses e Símbolos da


Libido, de 1912, ele teve coragem de expor suas ideias a respeito do inconsciente, libido
e papel da sexualidade. Para ele, o inconsciente não é apenas um depositário de velhas
lembranças, traumas e experiências.

Traz também algo novo, algo desconhecido e não vivido, que remonta à gênese da
Humanidade, o que ele chamou de Inconsciente Coletivo. Ali, existiriam impressões
trazidas da nossa história genética, do nosso passado. Todas as representações
universais, mitológicas, os Arquétipos. A mãe, o pai, o herói, o mártir, Deus, e muitas
outras manifestações humanas seriam considerados arquétipos, e estes arquétipos
surgiriam, na análise, após o tratamento dos traumas considerados “normais”.

A análise, para Jung, não termina com a resolução dos traumas de infância e vida adulta.
Na verdade, ela começa quando o paciente entra em contato com seus arquétipos, onde
ocorre o seu “despertar” existencial. Os sonhos, que foram o seu material de estudo
para a elaboração de sua teoria do Inconsciente, são, para ele, processos normais da

23
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

economia psíquica, agindo como norteadores das atitudes, como a consciência no


sentido de consciência moral.

Embora os arquétipos sejam representações individuais e que não se manifestam todos


numa mesma pessoa, existem alguns que são universais, e que são o caminho para a
individuação. São eles a persona, a Sombra, a Anima, o Animus e o Self. A persona é um
estado do Eu relativo aos papéis sociais, as convenções, e comportamentos construídos
com o intuito de adaptar-se às normas da sociedade.

Para que possamos nos desenvolver, é preciso que saibamos nos diferenciar dessa
máscara construída desde a infância, saber equilibrar suas atitudes individuais e as
necessidades do papel social.

A Sombra começa a surgir à medida que nos distanciamos da persona. Ela corresponde
aos nossos complexos reprimidos, ou seja, as nossas fraquezas, defeitos, aspectos em
nós mesmos que não gostamos, enfim, à parte do nosso Eu que fica escondida sobre a
máscara social. Fácil fica perceber que ela é correspondente ao inconsciente psicanalítico,
e que o desenvolvimento do indivíduo consiste em superar esses complexos, evoluir as
qualidades que ficaram reprimidas por tanto tempo.

Anima e Animus são os arquétipos dos gêneros. Anima é a parte feminina presente em
todos os homens, enquanto que Animus é a parte masculina das mulheres. São atitudes
predominantes de um sexo que estão presentes no outro, e que, em maior ou menor
grau, influenciam nas atitudes. O desenvolvimento consiste em saber diferenciar esse
lado para que ele melhor se manifeste, seja consciente ou inconscientemente. O Self
é o arquétipo central. Ele organiza e rege o organismo psíquico. À medida em que
nos desenvolvemos, ou “individuamos”, o centro controlador da personalidade passa
do Ego para o Self. Jung pesquisou representações simbólicas do Self em inúmeras
culturas, em todos os continentes.

Na sua obra Tipos Psicológicos (1920), Jung relaciona as duas principais atitudes
presentes no sujeito. A Introversão e a Extroversão. São como “formas de encarar o
mundo”, atitudes perante as coisas e à vida em geral. Os introvertidos agem de forma mais
contida, “como se obedecessem a um ‘Não’ inaudível”, como dizia o próprio Jung. São
mais contidos e pensam antes de agir. Já os extrovertidos têm uma atitude mais imediata,
como se estivessem convencidos de que a sua primeira atitude é sempre a correta.

Porém, mesmo entre uma mesma atitude, existem diferenças de comportamento e


perspectiva. Jung postulou então, que deveria haver outros fatores, mais específicos, do
que as duas atitudes principais, para nortear as relações das pessoas. Desenvolveu então
as funções psíquicas. São elas o sentimento, a sensação, o pensamento e a intuição.

24
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I

Cada pessoa tende a reagir de acordo com a função que for mais desenvolvida em si,
como um hábito forjado tanto pela hereditariedade quanto pelo meio social.

Muito embora essa visão pareça, à primeira vista, redutiva e classificatória, Jung sempre
deixou claro que ela é apenas descritiva, e que não encerra nenhuma verdade absoluta
aplicável a todos os seres humanos. Pensamento e Sentimento são opostos entre si; são
funções racionais, pois se relacionam a julgamentos e análises do objeto em questão.
Sensação e Intuição são também opostas entre si; porém, são funções irracionais, pois
não envolvem julgamento ou análise do objeto. Dessa relação entre as funções e as
atitudes primárias, temos oito tipos psicológicos básicos: o pensamento extrovertido,
pensamento introvertido, sentimento extrovertido, sentimento introvertido, sensação
extrovertida, sensação introvertida, intuição extrovertida e intuição introvertida.
Cada um possui características comuns e próprias, que o definem, mas não o limitam,
como Jung sempre deixa claro.

Enfim, tal como qualquer pensador, seja moderno ou antigo, Jung não tem começo e
nem fim. É um fluxo constante de conhecimento, uma tentativa solitária mais belíssima
de livrar-se da castração pseudo-místico-científica que se tornou a psicanálise. Pena é
que seus discípulos parecem seguir o mesmo caminho dos de Freud.

Figura 1. Carl Gustav Jung.

Fonte: <http://pedagogiaaopedaletra.com/resenha-carl-gustav-jung/>

25
Capítulo 3
A natureza do inconsciente

Serão definidos neste capítulo alguns conceitos da teoria analítica junguiana evocando
a natureza do inconsciente na psicologia analítica de Carl Gustav Jung (JUNG, 1964,
1975, 1991, 2000, 2012).

A consciência pode ser definida como função ou atividade que mantém a relação
entre os conteúdos psíquicos e o ego, enquanto puderem assim ser entendidas pelo
ego. Relações com o ego, porém não percebidas pelo mesmo, são inconscientes.
Jung distingue conceitualmente consciência de psique, sendo que esta engloba tanto
a consciência quanto o inconsciente:

Consciência não é a mesma coisa que psique, pois a psique representa


o conjunto de todos os conteúdos psíquicos; estes não estão todos
necessariamente vinculados ao eu (ego), isto é, relacionados de tal
forma com o eu que lhes caiba a qualidade de conscientes. Existe uma
boa quantidade de complexos psíquicos que não estão necessariamente
vinculados ao eu (JUNG, 2000).

Na concepção junguiana da psique, a consciência individual é uma superestrutura que


tem por base e origem o inconsciente. Além disso, não há consciência sem discriminação
de opostos.

O ego é o centro da consciência, ou o complexo central no campo da consciência, como


afirma JUNG (1991),

Entendo o “eu” como um complexo de representações que constitui para


mim o centro de meu campo de consciência e que me parece ter grande
continuidade e identidade consigo mesmo. Por isso, falo também de
complexo do eu. O complexo do eu é tanto um conteúdo quanto uma
condição da consciência, pois um elemento psíquico me é consciente
enquanto estiver relacionado com o complexo do eu. Enquanto eu
for apenas o centro do meu campo consciente, não é idêntico ao todo
da minha psique, mas apenas um complexo entre outros complexos.
Por isso distingo entre eu e si-mesmo. O eu é o sujeito apenas da minha
consciência, mas o si-mesmo é o sujeito do meu todo, também da psique
inconsciente. Neste sentido o si-mesmo seria uma grandeza (ideal) que
encerraria dentro dele o eu (p.406).

26
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I

Jung observou ainda que o conhecimento da personalidade egoica, muitas vezes,


confunde-se com o conhecimento do self (si-mesmo). Dessa forma, uma pessoa que
possua alguma consciência de sua identidade de ego, pode achar que conhece a si
mesma de maneira completa, quando na verdade, o ego conhece apenas seus próprios
conteúdos, e não o material psíquico real provindo do inconsciente, desconhecido pelo
sujeito (SHARP, 1991).

Em relação ao inconsciente, Jung considera que se trata da totalidade dos


fenômenos psíquicos, destituídos da qualidade de consciência. Teoricamente é
impossível fixar limites no campo da consciência, uma vez que ela pode estender-se
indefinidamente. Empiricamente, o inconsciente sempre atinge seus limites, ao
atingir o desconhecido. Este último é constituído por tudo aquilo que ignoramos,
por aquilo que não tem qualquer relação com o eu, centro dos campos de consciência
(JUNG, 1975).

O inconsciente é, ao mesmo tempo, vasto e inexaurível. De fato vai além do


desconhecido ou de um depósito de pensamentos e emoções conscientes que foram
reprimidos. Inclui os conteúdos que podem ou que irão se tornar conscientes.
Ou melhor, o inconsciente é a fonte de todas as forças instintivas da psique e encerra
as formas ou categorias que as regulam, quais sejam precisamente os arquétipos
(JUNG, 2000; SHARP, 1991).

Além disso, Jung aponta a necessidade de se acrescentar ao conceito de inconsciente


o sistema psicoide, que não é capaz de se tornar consciente, e do qual apenas temos
algum conhecimento indireto, quando por exemplo, pesquisamos o relacionamento
entre matéria e espírito.

Como afirma Jung (2000),

Assim definido, o inconsciente retrata um estado de coisas extremamente


fluido: tudo o que eu sei, mas em que não estou pensando no momento;
tudo aquilo que um dia eu estava consciente, mas de que atualmente
estou esquecido; tudo o que meus sentidos percebem, mas minha mente
consciente não considera; tudo o que sinto, penso, recordo, desejo e faço
involuntariamente e sem prestar atenção; todas as coisas futuras que se
formam dentro de mim e somente mais tarde chegarão à consciência;
tudo isto são conteúdos do inconsciente (p. 123).

Tal como Freud, Jung usa o termo inconsciente tanto para descrever conteúdos
psíquicos que estão fora do campo de acesso do ego, como para delimitar um lugar
psíquico com seu caráter, suas leis e funções próprias (SAMUELS, 1998).

27
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

Jung (2000) define a existência de um relacionamento funcional compensatório entre


a consciência e o inconsciente ao afirmar que

De acordo com a experiência, o processo inconsciente traz à luz material


subliminal constelado pela situação da consciência, portanto todos
aqueles conteúdos que não poderiam faltar no cenário consciente,
se tudo fosse consciente. A função compensatória do inconsciente se
manifesta com tanto maior clareza quanto mais unilateral for a atitude
consciente; e disso dá muitos exemplos a patologia (p.426).

Com relação à natureza dos conteúdos do inconsciente, Jung propôs uma classificação
geral que distingue um inconsciente pessoal que engloba todas as aquisições da
existência pessoal, denominado como “o esquecido”, “o reprimido”, “o subliminalmente
percebido”, “pensado e sentido”, e ao lado desses, a existências de outros conteúdos que
não provêm das aquisições pessoais, mas da possibilidade hereditária do funcionamento
psíquico em geral. Ou seja, conteúdos que provém da estrutura cerebral herdada que são
as conexões mitológicas, os motivos e imagens que podem nascer de novo, a qualquer
tempo e lugar, sem tradição ou migração históricas. Jung denominou esses conteúdos
como pertencentes ao inconsciente coletivo (JUNG, 2000), uma camada mais profunda
da psique, onde encontramos os instintos e os arquétipos.

Se por um lado, essa divisão é válida teoricamente, por outro lado essas duas camadas
do inconsciente não devem ser entendidas como divisões estanques. Como os conteúdos
do inconsciente coletivo exigem o envolvimento de elementos do inconsciente pessoal
para sua manifestação no comportamento, os dois tipos de inconscientes são, portanto,
indivisíveis (SAMUELS, 1998). No entanto, são conceitos funcionais na prática.
Vale acrescentar a essa discussão mais alguns pontos acerca do inconsciente pessoal
e do inconsciente coletivo.

O inconsciente pessoal é a camada pessoal ou individual do inconsciente que contém


memórias perdidas, ideias dolorosas reprimidas, percepções subliminares consideradas
percepções dos sentidos que não são suficientemente fortes a ponto de atingir a
consciência. Além de conteúdos que ainda não estão maduros para a consciência
(SHARP, 1991). Também é considerada como psique subjetiva.

O inconsciente coletivo é uma camada estrutural da psique humana, mais profunda do


que o inconsciente pessoal, que contém elementos herdados, ou seja, os instintos e os
arquétipos. Também é considerada como psique objetiva.

Sobre o inconsciente, Jung (1975) afirma que os conteúdos do inconsciente pessoal


são parte integrante da personalidade individual e poderiam, pois, ser conscientes.
Os conteúdos do inconsciente coletivo constituem como uma condição ou base da
28
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I

psique em si mesma, condição onipresente, imutável, idêntica a si própria em toda


parte (JUNG, 1975).

Neste sentido, Sharp (1991) adiciona que

Encontramos também no inconsciente propriedades que não foram


adquiridas individualmente; foram herdadas, assim como os instintos
e os impulsos que levam à execução de ações comandadas por uma
necessidade, mas não por uma motivação consciente. Nesta camada
“mais profunda” da psique encontramos os arquétipos. Os instintos e
os arquétipos constituem, juntos, o inconsciente coletivo. Eu o chamo
coletivo porque, ao contrário do inconsciente pessoal, não é constituído
de conteúdos individuais, mais ou menos únicos e que não se repetem,
mas de conteúdos que são universais e aparecem regularmente (p.89).

Jung define a psique como uma totalidade de todos os processos psicológicos, tanto
conscientes quanto inconscientes. E arquétipos como padrões potenciais inatos de
imaginação, pensamento ou comportamento que podem ser encontrados nos seres
humanos em todos os tempos e lugares, e constituem junto com os instintos, os
elementos primordiais e estruturais da psique (STEIN, 1998; SHARP, 1991).

Conforme, a concepção junguiana, os arquétipos são sistemas de prontidão para a


ação e, ao mesmo tempo, imagens e emoções (SHARP, 1991). São herdados junto com
a estrutura cerebral por constituírem, de fato, o seu aspecto psíquico. Não se tratam
de “ideias herdadas”, mas da “possibilidade” herdada das mesmas. Os arquétipos se
apresentam como ideias e imagens, da mesma forma que tudo o que se torna conteúdo
da consciência. Sobre isso, JUNG (1975) esclarece que,

É muito comum o mal-entendido de considerar o arquétipo como


algo que possui um conteúdo determinado; em outros termos, faz-se
dele uma espécie de “representação” inconsciente, se assim se pode
dizer. É necessário sublinhar o fato de que os arquétipos não têm
conteúdo determinado; eles só são determinados em sua forma e
assim mesmo em grau limitado. Uma imagem primordial só tem um
conteúdo determinado a partir do momento em que se torna consciente
e é, portanto, preenchida pelo material da experiência consciente.
Poder-se-ia talvez comparar sua forma ao sistema axial de um cristal
que preconfigura, de algum modo, a estrutura cristalina na água-mãe,
se bem que não tenha por si mesmo qualquer existência material.
Esta só se verifica quando os íons e moléculas se agrupam de uma
suposta maneira. O arquétipo em si mesmo é vazio; é um elemento

29
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG

puramente formal, apenas uma facultas praeformandi (possibilidade


de preformação), forma de representação dada a priori. As representações
não são herdadas; apenas suas formas o são (p.76).

Considera-se na teoria junguiana que os arquétipos são, por definição, fatores e motivos
que ordenam os elementos psíquicos em determinadas imagens, caracterizadas como
arquetípicas, mas de tal modo que podem ser reconhecidas somente pelos efeitos que
produzem. Jung (1975) afirma que

O conceito de arquétipo deriva da observação reiterada de que os mitos


e os contos da literatura universal encerram temas bem definidos que
reaparecem sempre e por toda parte. Encontramos esses mesmos temas
nas fantasias, nos sonhos, nas ideias delirantes e ilusões dos indivíduos
que vivem atualmente. A essas imagens e correspondências típicas,
denomino representações arquetípicas. Quanto mais nítidas, mais são
acompanhadas de tonalidades afetivas vívidas. Elas nos impressionam,
nos influenciam, nos fascinam. Têm sua origem no arquétipo que, em
si mesmo, escapa à representação, forma preexistente e inconsciente
que parece fazer parte da estrutura psíquica herdada e pode, portanto,
manifestar-se espontaneamente sempre e por toda parte (p.79).

Jung observa que não devemos entregar-nos à ilusão de que finalmente poderemos
explicar um arquétipo e assim “liquidá-lo”. A melhor tentativa de explicação não será
mais do que uma tradução relativamente bem-sucedida, num outro sistema de imagens
(JUNG, 1975).

Para psicologia junguinana, de uma maneira geral, destaca-se o equilíbrio entre os


processos conscientes e inconscientes, além do aperfeiçoamento constante entre eles.
Utiliza o termo individuação para definir o processo de desenvolvimento pessoal que
inclui o estabelecimento de uma conexão entre o ego enquanto centro da consciência e
self, centro da psique total (FADIMAN; FRAGER, 1986).

O Self é o arquétipo central da ordem, da totalidade do homem. É o centro regulador


da psique, e ao mesmo tempo o poder transpessoal que transcende o ego. Como
conceito empírico designa o âmbito total de todos os fenômenos psíquicos no homem.
Expressa a unidade e totalidade da personalidade global. Mas devido à sua participação
inconsciente, só pode ser consciente em parte, razão pela qual o conceito de si-mesmo
engloba o experimentável e o ainda não experimentado.

Para Jung (1991), o si-mesmo é uma realidade “sobreordenada” ao eu consciente.


Abrange a psique consciente e a inconsciente, constituindo por esse fato uma personalidade
mais ampla, que também somos. Por mais consideráveis e extensas que sejam as

30
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I

paisagens interiores e os setores apreendidos pela consciência, não desaparecerá a


massa imprecisa e uma soma desconhecida de inconsciência, que também faz parte
integrante da totalidade do si-mesmo.

Outro ponto relevante refere-se à interpretação dos sonhos, Jung discordou da forma
como Freud os interpretava, apesar de reconhecer seu mérito pela eficiência científica
das descobertas da abertura do inconsciente presente no conteúdo onírico.

O papel e a importância do sonho enfatizado por Freud conduziu Jung ao estudo do


sonho a um nível mais alto. Para ele, o sonho é sempre um despertar do inconsciente
em que formas que não foram conscientes acabam por emergir. Freud dizia que essas
imagens eram “resíduos arcaicos”, porém Jung rejeitava essa expressão. Para ele, essas
imagens primitivas tinham muita importância uma vez que podiam ser observadas
em todas as partes do mundo. Não eram “resíduos”, mas tinham conteúdos valiosos.
Jung não se surpreendeu quando via a reação de pacientes europeus e esclarecidos
ficarem assustados com o aparecimento dessas formas primitivas enquanto que para
um homem “primitivo”, com que ele conviveu na África, esse fenômeno era algo comum.

Para Jung, o sonho era “um sopro da natureza” que tinha uma função compensadora. A
mente não é no pensamento junguiano uma “folha em branco”, mas sim um reservatório
de imagens coletivas que o homem acumulou desde eras primitivas quando a psique do
homem e do animal andavam juntas.

Pelo fato de o arquétipo não ter origem conhecida, por meio da análise dos sonhos
de alguns pacientes angustiados com essas imagens primitivas, Jung os tranquilizava
mostrando a eles como seus sonhos nada mais eram que uma ocorrência no mundo
atual de imagens arquetípicas de tempos imemoriais. Jung acreditava e defendia que os
antigos espíritos que tomavam posse do homem primitivo ainda existem. Essas forças
do irracional ainda não estão sob o controle da consciência e o homem moderno não
consegue controlá-las. Jung considera que o verdadeiro perigo está na presença de
muitos elementos do consciente apresentarem-se como inconscientes. Isso se deve,
segundo ele, ao fato de esses elementos terem sido reprimidos.

Em relação à prática clínica junguiana, cabe ao psicólogo descobrir o que o paciente


gosta ou teme.

Um último ponto relevante para a compreensão da perspectiva junguiana reside no


ponto em que se contrapõe a teoria freudiana. A concepção de Freud acerca da origem
da repressão residir em traumas sexuais e o interesse pelos fenômenos mitológicos,
espirituais e ocultos, os fizeram romper definitivamente em 1912, quando Jung publicou
seu estudo sobre a transformação dos símbolos (FADIMAN; FRAGER, 1986).

31
Fundamentos da
Psicanálise de Unidade II
Winnicott
Nesta Unidade trataremos do percurso pessoal e profissional de Donald Woods
Winnicott, bem como sues principais conceitos e contribuições à Psicanálise.

Figura 2. Donald Woods Winnicott.

Fonte: <http://psicologandonanet.blogspot.com.br/2008/03/teorias-de-desenvolvimento-winnicott.html>

Donald Woods Winnicott, nasceu em 7 de abril de 1896, em uma família metodista em


Plymounth, na Inglaterra. Graduou-se em medicina, especializou-se em pediatria, e
mais tarde, em psicanálise, ele desenvolveu o interesse entre a relação entre mãe e filho.

Por ter o dom de falar bem, ele realizou incontáveis palestras e aulas, sendo convidado
para expor suas ideias em público frequentemente, além de passar horas no trabalho
clínico. No fim da Segunda Guerra Mundial, suas palestras foram transformadas
em folhetos.

Entre 1939 e 1962, Winnicott participou de cerca de 50 programas de rádio, convidado


pela BBC, para falar com pais e mães sobre diversos assuntos, como conselhos, adoção,
ciúmes, filho único e presença do pai na educação dos filhos. Até hoje, muitas pessoas
ficam maravilhadas de ver a capacidade que o psicanalista tinha em compreender
as crianças.

Além de escrever muitos livros, Winnicott tinha uma mania na qual não conseguiu se
libertar: escrever cartas. Ele escrevia cartas para tudo e para todos. Todas as palestras
que seus colegas de trabalho ministravam, escrevia uma carta de congratulações.
Quando faleceu, sua esposa divulgou muitas cartas inéditas que podem ser lidas em
português no livro “O Gesto Espontâneo”.
32
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II

Neste livro, aliás, consta uma preocupação de Winnicott referente à política de conciliação
da Inglaterra com a Alemanha de Hitler. Winnicott interpelava o Primeiro Ministro da
Inglaterra sobre suas posições democráticas.

No seu percurso profissional e acadêmico, Winnicott foi, por duas vezes, presidente da
Sociedade Britânica de Psicanálise.

Para compreender a rica contribuição do autor à teoria e técnica psicanalítica,


percorreremos seus conceitos fundamentais de forma analítica.

Com foco na constituição psíquica, o ser humano, ao nascer, depende totalmente do cuidado
do outro para se desenvolver e construir sua existência no mundo. As aprendizagens
e vivências primordiais modelam a forma de ser e existir do ser humano como sujeito
que, em diferentes contextos, absorve e é absorvido por experiências e vivências que
favorecem ou não sua constituição como sujeito e sua diferenciação frente aos outros
(WINNICOTT, 1990).

O sujeito para se constituir necessita da presença de outro ser humano já constituído,


para se desenvolver a partir dessas relações primordiais. Pensar o sujeito nessa
perspectiva nos impõe pensar em alguém instituído em uma família representada pelas
funções materna e paterna, ordem primordial da organização social. Porém, para que
o sujeito seja representado e represente sua família, existem mecanismos psíquicos
e emocionais reguladores e possibilitadores dessa condição, tanto individual quanto
socialmente instituídos (WINNICOTT, 1999).

O sujeito, desde seu nascimento, estabelece relações afetivas e sociais essenciais para
o seu desenvolvimento. As condições internas e externas ao sujeito para lidar com
as situações da vida remetem-nos à sua constituição orgânica, psíquica, emocional
e social, inerente a todos os seres humanos. Winnicott (1999) defende que, quando
o estabelecimento dessas relações é satisfatório, ou seja, ocorreu em um ambiente
familiar e social favorável, o sujeito passa a desenvolver suas principais capacidades
emocionais, determinando, assim, a forma de lidar com diversas circunstâncias no
decorrer de sua vida.

Essas capacidades proporcionam o sentimento de confiança e pertencimento e instauram


referências internas dessas relações, possibilitando o desenvolvimento de espaço
interno e diferentes formas de lidar também com frustrações ou sentimentos
adversos, resultado de um desenvolvimento favorável e satisfatório. No entanto, a
impossibilidade do desenvolvimento favorável, quando existem dificuldades psíquicas
e emocionais desde a relação mãe e bebê, pode instaurar o que Winnicott denominou
como tendências antissociais, que assumem esse lugar, impossibilitando o sujeito de

33
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott

lançar mão de outras formas de lidar com sentimentos e emoções advindos de situações
vivenciadas, por não possuírem internamente espaço para isso.

As tendências antissociais, nas palavras de Winnicott (1999), permeiam atos delinquentes


nos adolescentes e possíveis crimes na idade adulta, advindos do desenvolvimento
desfavorável, ou seja, em ambiente familiar e social insuficiente. Essa tendência é observada
quando ocorrem dificuldades psíquicas e emocionais nas relações primordiais que
obstruem o crescimento e o desenvolvimento de condições para vivenciar sentimentos
e emoções, restando à atuação disso em detrimento de pensamentos. Nesse sentido,
sustenta-se a intolerância frente a sentimentos adversos como angústia, segurança,
medo, sentimento de culpa, o que culmina na atuação dos mesmos, por não haver
recursos para vivenciá-los e tolerá-los internamente como pensamento (BION, 1991).

A tendência antissocial apresenta-se em sua funcionalidade análoga à ausência de


abstração e representação mental proposta por Bion (1991), que inviabiliza o pensar,
os pensamentos e o aprender com a experiência. Além disso, pode estar presente na
conjugação psíquica e emocional que elegem inconscientemente o uso de drogas como
resolução externa de conteúdos internos.

Por outro lado, a tendência antissocial, ao passo que indica desenvolvimento desfavorável,
apresenta-se como possibilidade de restauração, representando a esperança em obter
do meio externo a continência de pulsões. Indica, a partir disso, invocar possíveis
caminhos para alguma reversão da mesma, mas para isso é necessário ser devidamente
reconhecida pelo contexto (KLEIN, 1996).

A recusa da percepção desses aspectos pode inviabilizar uma forma mais adequada de
acolhimento, principalmente quando é delegada em dicotomia ao sujeito e ao social.
Em relação ao sujeito envolvido com a Justiça por uso de drogas, o olhar que circula
suas experiências pode ampliar a forma como ele é percebido e se percebe nesse cenário,
ainda mais quando invoca questões emocionais implicadas individual e socialmente.
Winnicott (1999) aponta a tendência antissocial como indicadora de uma esperança e
considera que a não percepção dessa esperança e o manejo inadequado dessa situação
perpassam as intolerâncias humanas, sendo esse momento, muitas vezes, desperdiçado
e esvaziado.

Dessa forma, há uma relação direta entre a privação emocional de certas características
essenciais das relações primordiais e a tendência antissocial, sendo algumas atitudes de
tendência antissocial, uma tentativa de restauração, desvendando a esperança expressa
em atos. Assinalamos, nesse sentido, a importância das relações primordiais de todo ser
humano, por um lado, por influenciar as principais capacidades humanas, e, por outro lado,
por instaurar vivências basilares que demarcam as relações sociais e afetivas do sujeito.

34
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II

Retomando as relações primordiais, em especial as presentes na privação, faz-se


necessário que haja entre a mãe e o bebê uma relação que proporcione adequadamente
a privação e a satisfação, atendendo as necessidades do bebê e permitindo que possa
conseguir aturar certa privação, cabendo então à mãe adaptar-se a essa flexibilidade e
conduzi-la. Ou seja, ser a mãe suficientemente boa indicada pela teoria winnicottiana,
que sustenta a frustração tanto quanto ensina seu bebê a sustentá-la. Essa mãe
necessariamente reúne internamente essas vivências e poderá operacionalizá-las na
relação com seu bebê. Caso contrário, empenhando-se em atender as demandas do
bebê, sem proporcionar condições para lidar com a frustração, poderá incitar desajustes
e sofrimentos psíquicos e emocionais, além da impossibilidade de aprender a lidar com
a frustração ao longo da vida (WINNICOTT, 2001, 2002).

A importância desse período inicial das relações humanas deve ser sempre destacada
e tida como fundante e constitutiva do sujeito. A vivência de acolhimento em tenra
idade institui possibilidades constitutivas do sujeito. A ausência ou insuficiência dessa
vivência impõe um trânsito de sentimento desgovernado, gerando a voracidade como
resposta ao vivenciado. Essa voracidade é a precursora de uma busca desenfreada
daquilo que não fora internalizado e atualizado nas relações sociais, o que não fora
acolhido apropriadamente. A voracidade, a desarrumação, a enurese e a destrutividade
compulsiva podem ser manifestações da reação à privação e de uma tendência antissocial
(WINNICOTT, 1999).

Entretanto, de acordo com Winnicott (1999), na base da tendência antissocial, está uma
experiência inicial boa que fora perdida. Num ambiente favorável, a criança produz
tentativas de amar, percebe a situação externa a ela e testa o ambiente de diversas
formas, buscando fornecer e preservar o objeto que deve ser buscado e encontrado.
Por meio da percepção de uma nova situação de elementos confiáveis, experimentando o
impulso de busca do objeto, incentiva o ambiente a se organizar para tolerar a frustração
e ainda testa a capacidade do ambiente de suportar a agressão e impedir ou reparar a
destruição. A criança pode se situar de forma diferenciada ou pode continuar sua busca
por objetos substitutos em lugar do vivenciado como ausente, mediante rupturas das
normas sociais, ou até mesmo de atos de destruição (KLEIN, 1996; FERRO, 2005).

O reconhecimento do elemento positivo da tendência antissocial visa fornecer e preservar


o objeto que deve ser buscado e encontrado e consiste na percepção da esperança que
se instala nesse momento, quando há o manejo adequado dessa situação por parte
dos pais, das autoridades, do Estado e da sociedade. A percepção do que um indivíduo
pretende dizer com uma ação, que muitas vezes é interpelada de forma violenta e obscura
pelo social, poderia revelar um convite a um caminho a ser trilhado em conjunto, para
resgatar o sujeito que dali tenta se sobressair (WINNICOTT, 1999).

35
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott

Para o autor a criança percebe de maneira desorganizada os diferentes estímulos


provenientes do exterior e necessita de apoio emocional para compreendê-los. O bebê
nasce com uma tendência para o desenvolvimento e a tarefa da mãe é oferecer um suporte
adequado para que as condições inatas alcancem um desenvolvimento satisfatório.

Figura 3. Holding.

Fonte: <http://www.lussuosissimo.com/tag/festa-della-mamma/>

Para Winnicott (2001) a sustentação ou holding protege contra a afronta fisiológica


presente nos primeiros meses de vida. O holding deve levar em consideração a sensibilidade
epidérmica da criança, presente no tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade
visual, sensibilidade às quedas. Assim como o fato de que a criança desconhece a
existência de tudo o que não seja ela própria. Inclui toda a rotina de cuidados ao longo
do dia e da noite. A sustentação compreende não apenas o fato físico de sustentar a
criança nos braços e os cuidados essenciais, mas principalmente emocionalmente que
constitui uma forma de amar. A mãe funciona como um ego auxiliar.

O autor (1998) propõe que, durante os últimos meses de gestação e primeiras semanas
posteriores ao parto, produz-se na mãe um estado psicológico especial, ao qual chamou
de “preocupação materna primária”. A mãe adquire graças a esta sensibilização, uma
capacidade particular para se identificar com as necessidades do bebê e atendê-las.

O holding efetuado pela mãe é o fator que decide a passagem do estado de não integração,
que caracteriza o recém-nascido, para a integração posterior. O vínculo entre a mãe e
o bebê assentará as bases para o desenvolvimento saudável das capacidades inatas do
indivíduo (WINNICOTT, 2001, 1998).

36
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II

O ser humano, para Winnicott (1983, 1990, 1998) nasce como um conjunto
desorganizado de pulsões, instintos, capacidades perceptivas e motoras que conforme
progride o desenvolvimento vão se integrando, até alcançar uma imagem unificada de
si e do mundo externo. O papel da mãe é prover o bebê de um ego auxiliar que lhe
permita integrar suas sensações corporais, os estímulos ambientais e suas capacidades
motoras nascentes.

Neste sentido, quando a mãe não fornece a proteção necessária ao frágil ego do
recém-nascido, a criança perceberá esta falha ambiental como uma ameaça à sua
continuidade existencial, a qual, por sua vez, provocará nela a vivência subjetiva de
que todas as suas percepções e atividades motoras são apenas uma resposta diante do
perigo a que se vê exposta. Pouco a pouco, procura substituir a proteção que lhe falta
por uma “fabricada” por ela. O sujeito vai se envolvendo em uma casca, à custa da qual
cresce e se desenvolve o self. O indivíduo vai se desenvolvendo como uma extensão da
casca, como uma extensão do meio atacante, através de um falso self protetivo.

Winnicoot (1998, 2001) afirma que a “mãe suficientemente boa” é a que responde a
onipotência do lactante e, de certo modo, dá-lhe sentido. O “self verdadeiro” começa
a adquirir vida, por meio da força que a mãe, ao cumprir as expressões da onipotência
infantil, dá ao ego incipiente da criança. A mãe que “não é suficientemente boa” é incapaz
de cumprir a onipotência da criança, pelo que repentinamente deixa de responder ao
gesto da mesma, em seu lugar coloca o seu próprio gesto, cujo sentido depende da
submissão ou acatamento do mesmo por parte da criança. Esta submissão constitui
a primeira fase do self falso e é própria da incapacidade materna para interpretar as
necessidades da criança.

O falso self age como uma defesa ao verdadeiro self, a quem protege sem substituir.
Nos casos mais graves, o self falso substitui o real e o indivíduo. Winnicott (1998, 2001)
afirma que o falso self pode se encontrar representado por toda a organização da atitude
social cortês e bem educada. Produziu-se um aumento da capacidade do indivíduo para
renunciar a onipotência e ao processo primário, em geral, ganhando assim um lugar na
sociedade que jamais se pode conseguir manter mediante unicamente o verdadeiro self.
O falso self, especialmente quando se encontra no extremo mais patológico da escala, é
acompanhado geralmente por uma sensação subjetiva de vazio, futilidade e irrealidade.

Outro conceito importante é o objeto transicional que representa a primeira posse


“não-ego” da criança, têm um caráter de intermediação entre o seu mundo interno e
externo. Winnicott (1999, 2000) aponta que o conceito de objeto ou fenômeno transicional
recebe três usos diferentes: um processo evolutivo, como etapa do desenvolvimento;
vinculada às angústias de separação e às defesas contra elas; representando um espaço

37
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott

dentro da mente do indivíduo. Ele propõe ainda que em determinadas condições, o


fenômeno ou objeto transicional pode ter uma evolução patológica, ou mesmo se associar
a certas condições insatisfatórias.

O objeto transicional é algo que não está definitivamente nem dentro nem fora da
criança. Poderá servir para que o sujeito possa experimentar com essas situações, e
para ir demarcando seus próprios limites mentais em relação ao externo e ao interno.
Como se o objeto transicional estivesse situado em uma zona intermediária, na qual
a criança se exercita na experimentação com objetos, mesmo que estejam fora, sente
como parte de si mesma (BLEICHMAR; BLEICHAMAR, 1992).

Para explicar a constituição do objeto transicional, Winnicott (1998, 2000, 2001)


remonta ao primeiro vínculo da criança com o mundo externo, a relação com o seio
materno. No princípio, a criança tem uma ilusão de onipotência, vivenciando o seio
como sendo parte do seu próprio corpo. Mas, uma vez alcançada esta onipotência
ilusória, a mãe deve idealmente, ir desiludindo a criança, pouco a pouco, fazendo com
que o bebê adquira a noção de que o seio é uma “possessão”, no sentido de um objeto,
mas que não é ele, “pertence-me, mas não sou eu”, papel da mãe suficientemente boa.

O objeto transicional ocupa para um lugar que Winnicott (2000) denomina como ilusão.
Ao contrário do seio, que não está disponível constantemente, o objeto transicional
é conservado pela criança e quem decide a distância entre ela e tal objeto. Como os
fenômenos transacionais “representam” a mãe, torna-se essencial que ela seja vivenciada
como um objeto bom. Bleichmar e Bleichamar (1992) relatam que, quando dentro da
criança, o objeto materno está danificado, é pouco provável que ela recorra, de maneira
constante, a um fenômeno transicional.

Winnicott propõe que a maturação emocional se dê em três etapas sucessivas: a da integração


e personalização, a da adaptação à realidade e a de pré-inquietude ou crueldade primitiva.

Para o autor (1990, 1998, 1999, 2000, 2001) as experiências iniciais são estruturantes
do psiquismo, participam da organização da personalidade e dos sintomas. O bebê
nasce em um estado de não integração em que os núcleos do ego estão dispersos e,
para o bebê, estes núcleos estão incluídos em uma unidade que ele forma com o meio
ambiente. A meta desta etapa é a integração dos núcleos do ego e a personalização, ou
seja, adquirir a sensação de que o corpo aloja o verdadeiro self. O objeto unificador do
ego inicial não integrado da criança é a mãe e sua atenção pelo holding.

Na etapa inicial de desenvolvimento a questão primordial é a presença de uma


mãe-ambiente confiável que se adapte às suas necessidades de maneira virtualmente
perfeita. Winnicott inclui entre as “necessidades do ego” tanto os cuidados físicos

38
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II

quanto os psíquicos. Nem a realização mecânica das tarefas físicas ligadas ao lidar
com o bebê, e nem a resposta imediata às suas demandas pulsionais de forma isolada,
implicam a satisfação das necessidades do ego (WINNICOTT, 1990, 1998, 2001, 2002).

A integração é obtida a partir de duas séries de experiências. Por um lado tem especial
importância a sustentação exercida pela mãe, que “recolhe os pedacinhos do ego”,
permitindo que a criança se sinta integrada dentro dela. Por outro lado há um tipo
de experiência que tende a reunir a personalidade em um todo, a partir da atividade
mental do bebê. Chega um período em que a criança, graças às experiências citadas,
consegue reunir os núcleos do seu ego, adquirindo a noção de que ela é diferente do
mundo que a rodeia. Esse momento de diferenciação entre “eu” e “não-eu” pode ser
perigoso para o bebê, pois o exterior pode ser sentido como perseguidor e ameaçador.
Essas ameaças são neutralizadas, dentro do desenvolvimento sadio, pela existência do
cuidado amoroso por parte da mãe (WINNICOTT, 1990, 1998, 2001, 2002).

A personalização é definida por Winnicott (1990, 1998, 2001, 2002) como o sentimento
de que a de que a pessoa de alguém se encontra no próprio corpo. O autor propõe
que o desenvolvimento normal levaria a alcançar um esquema corporal, chamando-o
de unidade psique-soma que forma o esquema corporal de todo indivíduo que se
interpenetram e desenvolvem-se em uma relação dialética.

Para Winnicott (1990) mente e psique são conceitos diferentes, pois se trata de registros
relacionados, mas heterogêneos. A psique é a elaboração imaginativa das partes, sentimentos
e funções somáticas e não se separa, nem se divide do soma. A mente, no desenvolvimento
saudável, não é nada mais do que um caso particular do funcionamento do psicossoma,
surgindo como uma especialidade a partir da parte psíquica do psicossoma.

Em relação à integração e personalização, podemos concluir que a medida que o


desenvolvimento progride, a criança tem um ego relativamente integrado, e com a
sensação de que o núcleo do si-próprio habita o seu corpo. Ela e o mundo são duas
coisas separadas. A etapa seguinte é conseguir alcançar uma adaptação à realidade.

Figura 4. Adaptação à realidade.

Fonte: <http://institutogamaliel.wixsite.com/psicanalise/single-post/5715b4bb0cf2b05e61f4bda2>

39
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott

Tratando-se de adaptação à realidade, a mãe ou a função materna, tem o papel de prover


a criança com os elementos da realidade com que irá construir a imagem psíquica do
mundo externo. A adaptação absoluta do meio ao bebê se torna adaptação relativa, por
meio de um delicado processo gradual de falhas em pequenas doses.

Winnicott (1998, 2001) afirma que a fantasia precede a objetividade, e o seu enriquecimento
com aspectos da realidade depende da ilusão criada pela mãe, ou seja, tudo repousa no
vínculo precoce da criança com sua mãe. Mas o acoplamento entre alucinação infantil e
os elementos da realidade fornecidos pela mãe nunca poderá ser perfeito. No entanto, o
lactante pode vivê-lo como quase ótimo, graças a uma parte de sua personalidade, que
procura preencher o vazio entre alucinação e realidade, constituindo a mente.

Winnicott considera que a atividade mental da criança faz com que um meio ambiente
suficiente se transforme em um perfeito, converte o relativo fracasso da adaptação em
um sucesso adaptativo. O autor fala que o que libera a mãe de ser quase perfeita é a
compreensão da criança.

A mente se desenvolve por meio da capacidade de compreender e compensar as falhas,


como uma função do ambiente à medida que ele começa a falhar. É apenas à medida que
o ambiente falha que ele começa a existir para o bebê enquanto realidade. Portanto, se
no início, a tarefa da mãe é adaptar-se de maneira absoluta às necessidades do bebê, em
seguida, será de fundamental importância que ela possa fornecer um fracasso gradual
da adaptação para que a função mental do bebê se desenvolva satisfatoriamente.
O resultado disto será a emergência da capacidade do próprio sujeito de cuidar de seu
self, atingindo um estágio de dependência madura.

Quando o ambiente não proporciona os cuidados que o psicossoma considera como


elementares, a mente se vê obrigada a uma hiperatividade, o pensamento do indivíduo
começa a assumir o controle e a organizar o cuidado ao psique-soma, podendo ocasionar
uma oposição entre mente e psicossoma, ocasionado um distanciamento do verdadeiro
self. Em contraponto ao fato da a mente não usurpar as funções do meio, mas possibilitar
uma compreensão e eventual aproveitamento de sua falha relativa.

Depois de a criança ter alcançado a diferenciação entre ela e o meio circundante e se


adaptar em certa medida à realidade, pela modificação de suas fantasias, o último
passo que deve ser dado pela perspectiva winnicottinana é a integração em um todo das
diferentes imagens que tem de sua mãe e do mundo.

Winnicott (1998, 2001) assinala que a criança pequena tem uma cota inata de agressividade,
que se exprime em determinadas condutas autodestrutivas. O bebê volta seu ódio sobre
si mesmo para proteger o objeto externo, mesmo esta manobra não sendo suficiente e
em sua fantasia a mãe pode ficar intensamente danificada.
40
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II

A mãe é, além do objeto que recebe, em certos momentos, a agressão da criança, é


também aquela que cuida dela e a protege. Quando a criança exprime raiva e recebe
amor, a criança confirma que a mãe sobreviveu e é um ser separado dela. O bebê adquire
a noção de que suas próprias pulsões não são tão danosas e pode, pouco a pouco, aceitar
a responsabilidade que possui sobre elas.

Neste sentido, simultaneamente a mãe que é agredida e a mãe que cuida vão se
aproximando na mente do indivíduo, que assim adquire a capacidade de se preocupar
com seu bem-estar, como objeto total. Isto constitui o grande sucesso identificado por
Winnicott como a última das etapas do desenvolvimento emocional primitivo.

41
Capítulo 1
Lugar de Winnicott na psicanálise

Retomamos aqui o percurso pessoal e profissional de Donald Woods Winnicott para


situá-lo no contexto psicanalítico a partir de suas expressivas contribuições, especialmente
no que tange a relação entre mãe e bebê interagindo com o ambiente.

Exercendo a função de pediatra, Donald Woods Winnicott desenvolveu sua psicanálise


com base nas relações familiares entre a criança e o ambiente. Todo ser humano, de
acordo com Winnicott, tem um potencial para o desenvolvimento. Entretanto, para
tornar esse potencial como algo real, o ambiente se faz necessário. Inicialmente, esse
ambiente é a mãe, ou alguém que exerça a função materna com apoio especialmente do
pai, ou de quem exerce a função paterna.

Para se chegar ao desenvolvimento completo, a criança passa por fases de dependência


rumo à independência, até chegar à fase adulta e estabelecer um padrão que seja uma
junção desafiadora entre copiar os pais e formar uma identidade pessoal.

A esse respeito, psicanalistas consideram que a orientação principal da psicanálise


winnicottiana sobre a formação do “eu” se apoiar na família consiste na disposição e
condição maior de favorecer o desenvolvimento psíquico e emocional. A constância
e coerência familiar oferecendo uma condição maior de tolerância para lidar com
períodos em que o ambiente é testado, em que a criança precisa experimentar algum
tipo de confronto compõe a atuação da mãe suficientemente boa, ou até mesmo, do
ambiente suficientemente bom.

O ambiente suficientemente bom é capaz de operar a ilusão que só é criada quando a


mãe se adapta às necessidades do bebê e este projeta o que ele mesmo criou daquilo de
que ele necessita. Aliás, o bebê percebe a mãe dele como sendo parte sua, o que sustenta
o pensamento de dependência para com a mãe.

Winnicott (1975) afirma que a mãe, no começo, por meio da adaptação quase completa,
propicia ao bebê, a oportunidade para a ilusão de que o seio dela faz parte do bebê, de que
está, por assim dizer, sob o controle mágico do bebê. É este o período de dependência
absoluta, que vai de 4 a 6 meses. É importante notar que o bebê não tem percepção
dessa situação, mas adquire uma sensação de onipotência.

Logo após esse período, é tarefa da mãe desiludir a criança, não atendendo tudo tão
prontamente. Ou seja, a mãe, progressivamente, começa a fazer com que a criança
suporte algumas frustrações. De confrontos em confrontos, o desenvolvimento do ego
42
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II

da criança será facilitado e ela passa a esperar certas atitudes que anteriormente queria
na hora. E na desilusão, os objetos transicionais são fundamentais, como primeira
possessão não-eu.

Estas construções teóricas e clínicas de Winnicott foram de extrema importância


para a psicanálise com crianças e inspirou inúmeros psicanalistas no manejo clínico e
condução teórica dos casos atendidos.

A possessão não-eu compõe estados psíquicos transicionais, pois estariam no espaço


entre o mundo interno e o externo. Consiste em uma etapa importante, pois indica que
o bebê está lidando com a separação da mãe, saindo de um estado uno em relação a ela
e percebendo o mundo de fora, sem deixar de manter um elo entre os dois mundos.
O objeto transicional é tão importante, que quando os pais vem a saber de seu valor,
até levam consigo em viagens. É o caso, por exemplo, de um ursinho de pelúcia. A mãe
permite que fique sujo e até mesmo malcheiroso, pois sabe que se lavá-lo pode destruir
o significado e o valor do objeto para a criança, especialmente pelo fato de representar
esse elo entre o eu e não-eu.

O apego a esses objetos é notado, também, em momentos de solidão. Winnicott (1975)


afirma que os padrões estabelecidos na tenra infância podem persistir na infância
propriamente dita, de modo que o objeto macio original continua a ser absolutamente
necessário na hora de dormir, em momentos de solidão, ou quando um humor
depressivo ameaça manifestar-se. Não há diferença, segundo Winnicott, no uso de
objetos transicionais entre meninos e meninas.

Quando a fase de frustrações não foi devidamente proporcionada ao desenvolvimento


infantil, na adolescência pode ser reativadas reivindicações ou testes do ambiente,
como se fosse solicitado aquilo que o ambiente não fizera anteriormente e essa seria a
origem da tendência antissocial como sinal de esperança (WNNICOTT, 1999).

Figura 5. Tendência antissocial.

Fonte: <http://amorsubjetivo.blogspot.com.br/2013_05_01_archive.html>

A tendência antissocial pode ser manifestada por roubos, furtos, envolvimento com
drogas na adolescência, com o propósito de recobrir internamente o que se encontra
43
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott

descoberto pela inabilidade funcional do ambiente maturacional na primeira infância.


Lança-se um desafio aos pais e agentes jurídicos para que consigam perceber este nível
de pedido ou reivindicação nos atos infracionais, por exemplo. O olhar que reconhece
a falha e compromete-se em repará-la, lançado na adolescência que se manifesta dessa
forma, pode transformá-lo em suas experiências e aquisições psíquicas e emocionais. Na
adolescência muitas questões essenciais da primeira infância solicitam ser atualizadas
e resignificadas.

No aspecto da prática clínica, vale ressaltar que, para Winnicott (1998) somente o
ambiente familiar é o responsável por formar um ser humano que sinta que a vida vale
a pena ser vivida. Os problemas psíquicos seriam, portanto, resultados de falhas graves
nas etapas iniciais do desenvolvimento.

O papel do psicanalista nesse contexto, em que falhas iniciais de grande significado


ocorreram na vida do analisando, é o da recriação de um processo inicial da vida,
para que o paciente se sinta em um ambiente terapêutico especial e consiga regredir a
fases iniciais de dependência, possibilitando que seu desenvolvimento emocional seja,
finalmente, completado. Para o analista, é uma situação de muita vulnerabilidade e só
se recomenda, segundo Winnicott, que aconteça com psicoterapeutas experientes e já
bastante treinados em situações mais comuns de análise. E que necessariamente tenha
vivenciado um processo de análise que abarque essas vivências.

Para se regressar à fase do desenvolvimento inicial do analisando, o analista necessariamente


representa funções importantes relacionados com as relações primordiais do sujeito.

44
Capítulo 2
As teorias do amadurecimento, a
relação mãe-bebê e o brincar

Neste Capítulo estudaremos as teorias do desenvolvimento enquanto premissa da


teoria winnicottinana, além de pontos importantes da relação mãe-bebê e a importância
do brincar.

Para Winnicott (1983), cada ser humano traz um potencial inato para amadurecer, para
se integrar, porém, o fato de essa tendência ser inata não garante que ela realmente vá
ocorrer. Como já discutimos, dependerá de um ambiente facilitador que forneça cuidados
suficientemente bons. É importante ressaltar que os cuidados primordiais dependem
da necessidade de cada criança, pois cada ser humano responderá ao ambiente de
forma singular, apresentando, a cada momento, condições, potencialidades, demandas
e dificuldades diferentes.

Neste sentido, se amadurecer significa alcançar o desenvolvimento do que é potencialmente


intrínseco, possíveis dificuldades da mãe em olhar para o filho como diferente dela, com
capacidade de alcançar certa autonomia, podem tornar o ambiente não suficientemente
bom para aquela criança amadurecer. Como vimos, não basta que a mãe olhe para o
seu filho com o intuito de realizar atividades de cuidado que supram as necessidades
dele, mas é necessário que ela perceba como fazer para satisfazê-lo, reconhecendo-o em
suas particularidades.

Em um artigo intitulado A Mãe Dedicada Comum, escrito em 1966 e publicado numa


coletânea de conferências e palestras radiofónicas, Winnicott descreveu um estado
psicológico especial, um modo típico que acomete as mulheres gestantes no final da
gestação e nas semanas que sucedem o parto. Nessa palestra, o autor nos conta como, em
1949, surgiu quase que por acaso a expressão “mãe dedicada comum”, que serviu para
designar a mãe capaz de vivenciar esse estado, voltando-se naturalmente para as tarefas
da maternidade, temporariamente alienada de outras funções, sociais e profissionais.

Trata-se, pois, de uma condição psicológica muito especial, de sensibilidade aumentada,


que Winnicott chega a comparar a uma doença, uma dissociação, um estado esquizoide,
que, no entanto, é considerado normal durante esse período.

Winnicott (1998) afirma que, na base do complexo de sensações e sentimentos peculiares


dessa fase, está um movimento regressivo da mãe na direção de suas próprias experiências
enquanto bebê e das memórias acumuladas ao longo da vida, concernentes ao cuidado
e proteção de crianças.
45
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott

Tão gradualmente como se instala, em condições normais, o estado de “preocupação


materna primária” deve dissipar-se. Essas condições incluem a saúde física do bebê e da
mãe, após um parto não traumático, uma amamentação tranquila e pouca interferência
de elementos estressantes.

Após algumas semanas de intensa adaptação às necessidades do recém–nascido, este


sinaliza que seu amadurecimento já o torna apto a suportar as falhas maternas. A mãe
suficientemente boa deve compreender esse movimento do bebê rumo à dependência
relativa e a ele corresponder, permitindo-se falhas que abrirão espaço ao desenvolvimento.

Na obra de Winnicott (1983, 2002) encontramos que a capacidade das mães em


dedicar a seus filhos toda a atenção de que precisam, atendendo suas necessidades de
alimentação, higiene, acalento ou no simples contato sem atividades, cria condições
para a manifestação do sentimento de unidade entre duas pessoas. Da relação saudável
que ocorre entre a mãe e o bebê, emergem os fundamentos da constituição da pessoa e
do desenvolvimento emocional-afetivo da criança.

A capacidade da mãe em se identificar com seu filho permite-lhe satisfazer a função


sintetizada por Winnicott na expressão holding. Ela é a base para o que gradativamente
se transforma em um ser que experimenta a si mesmo. A função do holding em termos
psicológicos é fornecer apoio egoico, em particular na fase de dependência absoluta
antes do aparecimento da integração do ego. O holding inclui principalmente o segurar
fisicamente o bebê, que é uma forma de amar; contudo, também se amplia a ponto de
incluir a provisão ambiental total anterior ao conceito de viver com, isto é, da emergência
do bebê como uma pessoa separada que se relaciona com outras pessoas separadas dele
(WINNICOTT, 2001).

Winnicott (1983) também coloca que a mãe, ao tocar seu bebê, manipulá-lo,
aconchegá-lo, falar com ele, acaba promovendo um arranjo entre soma, representada
pelo organismo físico e a psique, principalmente ao olhá-lo, se oferece como espelho no
qual o bebê pode se ver.

Na visão winnicottiana, já nos primórdios da existência, é fundamental para a constituição


do self o modo como a mãe coloca o bebê no colo e o carrega, operando a continuidade
entre inato, realidade psíquica e esquema corporal pessoal.

O holding é necessário desde a dependência absoluta até a autonomia do bebê, ou seja,


quando os espaços psíquicos entre este e sua mãe já estão perfeitamente distintos.
Winnicott (1983), visando mostrar a pais leigos a importância do que eles faziam
naturalmente, traz uma descrição mais concreta do que está envolvido no holding.
Ou seja, protege da agressão fisiológica, leva em conta a sensibilidade cutânea do lactente

46
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II

por meio do tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade


à queda e a falta de conhecimento do lactente da existência de qualquer coisa que não
seja ele mesmo.

Em sua teoria, conforme colocado anteriormente, afirma que o “estado de preocupação


materna primária” implica em uma regressão parcial por parte da mãe, para que se
identifique com o bebê e intuir o que ele precisa, mas, ao mesmo tempo, ela mantém o
seu lugar de adulta. É, ainda, um estado temporário, pois o bebê naturalmente passará
da “dependência absoluta” para a “dependência relativa”, o que é essencial para o seu
amadurecimento.

A dependência absoluta refere-se ao fato de o bebê depender inteiramente da


mãe para ser e para realizar sua tendência inata à integração em uma unidade.
À medida que a integração torna-se mais consistente, o amadurecimento exige que,
vagarosamente, algo do mundo externo se misture à área de onipotência do bebê.
Ser capaz de adotar um objeto transacional já anuncia que esse processo está em curso e,
a partir daí, algumas mudanças se insinuam. O bebê está passando para a dependência
relativa e pode se tornar consciente da necessidade dos detalhes do cuidado maternal
e relacioná-los, numa dimensão crescente, a impulsos pessoais (WINNICOTT,
2002).

No início da passagem da dependência absoluta para a dependência relativa, os objetos


transacionais exercem a indispensável função de amparo, por substituírem a mãe que se
desadapta e desilude o bebê. A transacionalidade marca o início da quebra da unidade
mãe-bebê.

Na progressão da dependência absoluta até a relativa, Winnicott (2002) definiu três


realizações principais: integração, personificação e início das relações objetivas.
É nesse período de dependência relativa que o bebê vive estados de integração e
não integração, forma conceitos de eu e não-eu, mundo externo e interno, estágio
de concernimento, podendo então seguir em seu amadurecimento, no que o autor
denomina independência relativa ou rumo à independência. Neste ponto, o bebê
desenvolve meios para poder prescindir do cuidado maternal. Isto é conseguido
mediante a acumulação de memórias de maternagem, da projeção de necessidades
pessoais e da introjeção dos detalhes do cuidado maternal, com o desenvolvimento
da confiança no ambiente.

É importante ressaltar que, segundo Winnicott, a independência nunca é absoluta.


O indivíduo sadio não se torna isolado, mas se relaciona com o ambiente de tal modo
que pode se dizer que ambos se tornam interdependentes.

47
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott

Quadro 1. As teorias do amadurecimento e a relação mãe-bebê.

As três funções maternas A adaptação da mãe a essas necessidades do bebê concretiza-se por meio do emprego de três
funções maternas:
Nos primórdios da vida, as necessidades
do bebê por certo são de ordem corporal, A apresentação do objeto
mas há também necessidades ligadas ao
O holding
desenvolvimento psíquico emocional.
O handling

O self verdadeiro O gesto verdadeiro espontâneo é o self verdadeiro em ação. Só o verdadeiro self pode ser criador e
só o verdadeiro self pode ser sentido como real.

A mãe suficientemente boa Pode corresponder a uma mãe real ou a uma situação. Não é um nome dado a uma pessoa, mas à
ausência de alguém cujo apego à criança seja simplesmente comum.

Fase da Dependência Absoluta Total dependência do meio – Primeiros 6 meses


»» O bebê desconhece seu estado de dependência.
»» “Mãe dedicada comum” – Um estado psicológico.

Fase da Dependência Absoluta Efeitos causados pela mãe insuficientemente boa.


(Distúrbios psíquicos)
Patologias da personalidade:
»» esquizofrenia infantil ou autismo;
»» esquizofrenia;
»» latente;
»» estado limítrofe;
»» construção da personalidade com base num falso self;
»» personalidade esquizoide.
“Mãe dedicada comum” – Um estado psicológico.
Possibilidade de cura: redirecionamento dos processos de maturação da primeira infância.

Fase da dependência relativa Compreende de 6 meses a 2 anos.


Trata-se de uma fase na qual a mãe intervém de uma maneira frequente na vida da criança.
Nesta fase começa a reconhecer objetos e passos. Porém percebe a mãe de uma maneira unificada,
pensa que está relacionando com duas mães.
»» mãe suficientemente boa;
»» mãe insuficientemente boa.
Durante essa fase, a mãe suficientemente boa, é a mãe que sobrevive.

Os fenômenos transicionais »» Ocorre no segundo semestre da vida Quando após a fase de ilusão, enfrenta a desilusão.
»» Após a difícil experiência geradora de angustia, a criança desenvolve algumas atividades
observadas por Winnicott na vida cotidiana dos bebês.
»» O bebê leva a boca junto com algum objeto externo. Segura um pedaço de tecido. Surgem
algumas atividades bucais sons, ruídos e balbucios.
Essas atividades tem uma característica comum, de uma importância vital para a criança.
Vem alojar-se num espaço intermediário entre a realidade interna e externa.

Fonte: Winnicott (1983, 1998, 2001,2001).

Diante do descrito acerca das teorias do amadurecimento e da mãe


suficientemente boa sobre, vamos refletir sobre a importância desses dois
importantes conceitos para o desenvolvimento psíquico e emocional do bebê?

48
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II

Outro conceito extremamente importante na teoria winnicottiana recobre a questão do


brincar na clínica psicanalítica. Winnicott mudou a noção de sessão analítica quando
aproximou a sessão de psicanálise à noção do brincar. Para ele, a sessão se dá mediante
a sobreposição de duas áreas do brincar, a do analisando e a do analista. Se o analisando
não pode brincar, o trabalho do analista é ajudá-lo a sair desta impossibilidade para a
situação do brincar. Se o analista, ele mesmo não pode brincar, neste caso simplesmente
não serve para o ofício (WINNICOTT, 1975).

Winnicott (1975) pretende com o brincar ampliar o leque de recursos do analista,


e não diminuí-lo mediante uma caricatura. Faz-se necessário entender o que pensa
Winnicott sobre o brincar e a sessão analítica, evocar o enquadre da psicopatologia
fundamental, refletir.

Na história da psicanálise há relação entre a brincadeira infantil com a sublimação.


A brincadeira se sustenta a partir de uma fantasia que se oculta dentro de si e é tarefa
do analista de crianças interpretar esta fantasia. Tal visão talvez tenha tornado a
brincadeira em si uma coisa sem importância para a psicanálise. Porém, o que propõe
Winnicott é algo diferente, ele olha para o brincar em si como um objeto de estudo.

Melaine Klein, psicanalista winnicottiana concebe a brincadeira como uma forma de


comunicação extremamente importante para a sessão com crianças. E concorda com
Winnicott quando este se volta para o brincar como uma coisa a ser olhada em sua
potencialidade própria. O brincar como o concebe Winnicott não se limita às crianças
apenas, mas se estende aos adultos também. O brincar de Winnicott em crianças e adultos
só pode ser plenamente entendido com a concorrência de sua noção de transicionalidade.

Freud estabelecera dois campos da experiência dos indivíduos. Por um lado, ele falava na
realidade psíquica, desde a Interpretação dos Sonhos, em que se referia à experiência
psíquica, pessoal e interna de cada um. Também falava da realidade externa e compartilhada
socialmente, da qual a realidade psíquica se distingue ou até se opõe.

O autor, por sua vez, propõe um campo intermediário, que faz a transição entre os polos
freudianos. Trata-se de fato de uma área intermediária da experiência humana entre o
erotismo oral e a verdadeira relação de objeto (WINNICOTT, 1975). A transicionalidade
está no encontro entre o mundo psíquico e o mundo socialmente construído. Este campo
intermediário constituído tanto pela realidade interna quanto pela realidade externa é
fundamental para entender o brincar de Winnicott. Esta área intermediária tem a ver com
a crescente capacidade do bebê de perceber e aceitar a realidade socialmente construída.

Trata-se de uma transição que começa com a ilusão do bebê, que se percebe como
potente e criador do mundo que o circunscreve, passa pela desilusão quanto à sua

49
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott

onipotência e chega a certa aceitação da realidade construída pelo social. Na vida adulta
esta área intermediária está expressa nas artes, religião e cultura em geral. Em crianças
e adultos a experiência ilusória não desaparece por completo. O brincar winnicottiano
tem uma topologia e uma temporalidade. O espaço que o brincar ocupa não fica dentro
nem tampouco fora da subjetividade, fica na fronteira. O brincar não está no espaço
repudiado pelo bebê que constitui o não-eu, nem está inteiramente dentro de sua
subjetividade e corpo. Este espaço de brincar Winnicott chamou de espaço potencial e
é de início pensado como um espaço que se forma entre a mãe e o bebê.

O modo como Winnicott concebe o brincar tem a ver com vários tempos do bebê.
No primeiro tempo, o bebê e o objeto estão fundidos. A visão que o bebê tem do objeto é
subjetiva. A mãe suficientemente boa se orienta para concretizar aquilo que o bebê está
pronto a encontrar. A isto Winnicott chama de criatividade primária em que só é possível
mediante uma ação da mãe na direção de seu bebê, que aos poucos vai se desfazendo.

No segundo tempo, o objeto é repudiado como não-eu, aceito de novo e objetivamente


percebido. Neste tempo, a mãe devolve ao bebê o objeto que ele repudiou. A mãe oscila
entre ser o que o bebê tem capacidade de encontrar e ser ela própria, aguardando ser
encontrada. Se a mãe tem razoável sucesso no exercício destes papéis, então o bebê tem
a experiência mágica da onipotência, o que o prepara para a futura desilusão necessária.
Quando a mãe tem uma relação de sintonia inicial com o bebê, estabelece-se um ambiente
de confiança e o bebê brinca com a realidade.

Uma etapa mais avançada fala da experiência de ficar sozinho na presença de alguém.
A criança brinca confiante de que a pessoa a quem ama está lá, disponível, sustentando
o brincar. A mãe é deixada de lado esquecida, porém é tudo como alguém que merece
confiança e pode ser facilmente acessada. Desse modo, a criança torna-se pronta para a
experiência de desfrutar de uma área de superposição de duas áreas do brincar.

O brincar é universal, saudável e de todo desejável, inclusive na sessão de análise.


O brincar facilita a comunicação consigo e com os outros, propiciando experiências
inéditas de desintegração e integração do paciente. A sessão de psicanálise pode ser
pensada como uma manifestação sofisticada e contemporânea da experiência de brincar.
A sessão se funda em um espaço e temporalidade próprios que têm semelhanças com o
espaço e a temporalidade das relações iniciais mãe-bebê (WINNICOTT, 1975).

O brincar é, resumindo, excitante e precário ao mesmo tempo. A excitação e a angústia


devem ser mantidas em níveis tais que não destruam pela sua intensidade a possibilidade
sempre precária de brincar – uma possibilidade delicada de jogar com os universos
todos da experiência do indivíduo.

50
Os Aspectos da Unidade III
Prática Clínica

Nesta Unidade vamos estudar os aspectos da prática clínica considerados na teoria e


técnica psicanalítica de Winnicott e analítica de Jung. Para tanto, iniciamos com os
pressupostos acerca da formulação do aparelho psíquico e seguimos com as diferentes
psicanálises e as teorias da personalidade para estes autores. Retomamos de forma
sintética alguns conceitos já discutidos neste Caderno de Estudos.

Optamos por discutir estes aspectos da psicanálise pela visão de Winnicott e Jung,
destacados nesta disciplina, trazendo as postulações freudianas como embasamento
teórico. Consiste em uma organização didática para facilitar a compreensão e apreensão
das contribuições destes autores ao cenário psicanalítico.

Capítulo 1
Aparelho psíquico

Ao pensarmos no funcionamento do psiquismo pela leitura psicanalítica, necessariamente


devemos iniciar pelas tentativas de Freud em observar e descrever esse funcionamento.
Freud se referiu ao termo aparelho psíquico a uma organização psíquica divida em
instâncias (ou sistemas) psíquicas, com funções específicas e que estão interligadas entre
si. Nesse sentido, Freud descreveu dois modelos, sendo eles o topográfico e o estrutural.

Segundo (LAPLANCHE, 2001) o aparelho psíquico seria: Expressão que ressalta certas
características que a teoria freudiana atribui ao psiquismo: a sua capacidade de transmitir
e transformar uma energia determinada e a sua diferenciação em sistemas ou instâncias.

Ao falar de aparelho psíquico Freud sugere a ideia de certa organização, de uma disposição
interna, mas faz mais do que ligar diferentes funções a lugares psíquicos específicos,
atribui a estes uma dada ordem que acarreta uma sucessão temporal determinada. A
coexistência dos diferentes sistemas que compõem o aparelho psíquico não deve ser
tomando no sentido anatômico que lhe seria atribuído por uma teoria das localizações
cerebrais. Implica apenas que as excitações devem seguir uma ordem em que fica o
lugar dos diversos sistemas. (LAPLANCHE, 2001)

51
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica

Conforme Pervin (2004), o conceito de inconsciente sugere que existem aspectos


do nosso funcionamento do qual não estamos cientes, e que grande parte de nossos
comportamentos são determinados por ele. Nesse sentido a vida psíquica pode ser
descrita em grau que estarmos conscientes com o fenômeno: o consciente que se relaciona
com fenômenos dos quais estamos conscientes em dado momento, o pré-consciente
que podemos estar conscientes se prestarmos a atenção a eles e o inconsciente que não
estamos conscientes e dos quais não podemos estar conscientes.

Segundo Hall, Lindzey e Campbell (2000) a personalidade é constituída por três grandes
sistemas: id, ego e superego. O id é o sistema original da personalidade, a matriz do
qual surge o ego e o superego. Freud chamou de verdadeira realidade psíquica porque
representa o mundo interno da experiência subjetiva e não tem nenhum conhecimento
da realidade objetiva. Opera pelo princípio de prazer que seria uma redução da tensão.
Já o ego é segundo Pervin (2004), expressar e satisfazer os desejos do id de acordo com
a realidade e as demandas do superego. Enquanto o id opera pelo princípio de prazer, o
ego opera pelo princípio da realidade. E por último o superego, que representa o ramo
da moral do nosso funcionamento, ideais que lutamos e a culpa que esperamos quando
violamos nossa moral.

Nasio (1999) afirma que “No id, encontramos não só representações inconscientes de coisas
gravadas no psiquismo sob o impacto do desejo dos outros, mas também representações
inatas, próprias da espécie humana, inscritas e transmitidas filogeneticamente.” (NASIO,
1999, p. 75)

No texto O Ego e o Id, Freud considera que o Eu advém do Id, por um processo de
diferenciação, por exemplo, quando diz que “um indivíduo é, portanto, para nós, um
isso (Id) psíquico, não conhecido e inconsciente, sobre ele se encontra colocado na sua
superfície o eu (Ego), desenvolvido a partir do sistema-Pcs como um núcleo” e continua,
mais à frente. A esse respeito Fulgêncio (2012) aponta que

É fácil de perceber que o eu (Ego) é a parte modificada do isso (Id) sob


a influência direta do mundo exterior por intermédio do Pc-Cs, de certa
maneira é uma continuação da diferenciação de superfície” e, ainda,
neste mesmo texto, ele expressa sinteticamente sua posição afirmando
que o eu surge dessa diferenciação, marcando um limite entre um
dentro e um fora, limite que em última instância é identificável com
os limites que o corpo dá marcando um dentro e um fora, ao dizer
que “o eu (ego) é antes de tudo um eu corporal, não é somente um ser
de superfície, mas ele mesmo a projeção de uma superfície [nota de
Freud: quer dizer: o eu é finalmente derivado das sensações corporais,
principalmente aquelas que têm sua fonte na superfície do corpo.

52
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III

Ele pode, assim, ser considerado como uma projeção mental da


superfície do corpo, mais ainda, como já vimos antes, ele representa a
superfície do aparelho mental” (pp. 105-106).

O superego será concebido como uma instância responsável, ao mesmo tempo, por
diversas funções e é em seu seio que Freud vai tentar integrar as várias dimensões
que balizara anteriormente. Vai terminar por atribuir ao superego três funções: a
auto-observação, a consciência moral e a “base de apoio” dos ideais. (FREUD apud
CARDOSO, 2000).

A dimensão persecutória do superego, dimensão que nos parece central no funcionamento


dessa instância, está nitidamente indicada por Freud. Na apresentação formal do
superego, este será concebido como uma instância de observação, como uma parte
separada do ego, que exerce vigilância sobre a outra. (CARDOSO, 2000).

Para Laplanche, tratar-se-ia da “pulsão sexual de morte” (des-ligação), que se opõe à


“pulsão sexual de vida” (ligação): “Trata-se, no entanto, de uma distinção no regime
econômico das pulsões, em sua maneira de trabalhar; somente a partir daí é que é
possível conceber-se uma única e mesma libido em ação nos dois tipos de pulsões”
(LAPLANCHE, 2001; p. 259).

Winnicott conserva a tradição de maneira curiosa, em grande parte distorcendo-a.


A sua interpretação dos conceitos freudianos e kleinianos é tão idiossincrática e tão
pouco representativa da formulação e intenção originais deles a ponto de torná-las, às
vezes, irreconhecíveis. (WINNICOTT apud FULGÊNCIO, 2000).

Para Winnicott é nos primeiros seis meses de vida, aproximadamente, que o ser humano
bebê acha-se num estado de total dependência do meio, representado, nessa época, pela
mão ou por um seu substituo. O bebê depende inteiramente do que lhe é oferecido pela
mãe, porém o mais importante, e que constitui a base da teoria, é o desconhecimento de
seu estado de dependência por parte do bebê. Na mente do bebê, ele e o meio são uma
coisa só. Ora, idealmente, seria uma perfeita adaptação às necessidades do bebê que a
mãe permitiria o livre desenrolar dos processos de manutenção (NASIO, 1995).

Winnicott afirma que o inconsciente (Id) só pode existir depois que houver um Eu
(ego) que possa constituí-lo como reprimido, para ele nos estágios mais precoces do
desenvolvimento da criança, portanto, o funcionamento do ego deve ser considerado
um conceito inseparável daquele da existência da criança como pessoa. Não há id antes
do ego (FULGÊNCIO, 2000).

O aparelho psíquico, ou somente psique, é o nome dado ao método estrutural proposto


por Freud. Primeiramente foi dividido em inconsciente, pré-consciente e consciente, o

53
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica

que posteriormente foi modificado e dividido em três elementos que unidos trabalham
nas ações e reações, o Id, Ego e Superego.

Freud alterou o modo de pensar a vida psíquica estudando de maneira cientifica os


processos misteriosos do psiquismo e suas regiões obscuras, criando a psicanálise.

A psicanálise é uma teoria, um método de investigação e uma prática profissional.


Enquanto teoria caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre
o funcionamento da vida psíquica; como método de investigação, caracteriza-se pelo
método interpretativo que busca o significado oculto daquilo que é manifesto por meio
de ações e palavras ou pelas produções imaginárias (sonhos, delírios, as associações
livres, os atos falhos); enquanto prática profissional refere-se à forma de tratamento
que busca o autoconhecimento ou a cura.

Freud cria uma teoria sobre três sistemas ou instâncias psíquicas no intuito de situá-las
no aparelho psíquico: inconsciente, pré-consciente e consciente.

»» O inconsciente exprime o conjunto de conteúdos não presentes no campo


atual da consciência, conteúdos reprimidos que pela ação das censuras
internas não tem acesso aos sistemas pré-consciente e consciente.

»» O pré-consciente é o sistema onde permanecem aqueles conteúdos


acessíveis à consciência.

»» O consciente é o sistema do aparelho psíquico que recebe ao mesmo


tempo as informações do mundo exterior e as do mundo interior.
Na consciência destacam-se a percepção, a atenção e o raciocínio.

Freud em suas investigações na prática clínica descobriu que a maioria dos pensamentos
e desejos reprimidos referia-se a conflitos de ordem sexual localizados na vida infantil,
colocando a sexualidade no centro a vida psíquica. Percebeu que as ocorrências desse
período da vida deixam marcas profundas na estruturação da pessoa.

Os principais aspectos dessas descobertas foram que a função sexual existe desde o
princípio da vida; o período de desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até
chegar à sexualidade adulta.

Freud postulou as fases do desenvolvimento sexual em:

»» Fase oral – zona de erotização é a boca.

»» Fase anal – zona de erotização é o ânus.

»» Fase fálica – zona de erotização é o órgão sexual.

54
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III

»» Latência – caracteriza por uma diminuição das atividades sexuais, um


intervalo na evolução da sexualidade.

»» Fase genital – quando o objeto de erotização ou de desejo não está mais


no próprio corpo, mas em um objeto externo ao indivíduo, o outro.

No decorrer dessas fases vários processos e ocorrências acontecem, eventos como o


complexo de Édipo onde a mãe é objeto de desejo do menino e o pai é o rival que impede
seu acesso ao objeto desejado.

Freud construiu vários conceitos; para ele inicialmente todas as cenas relatadas pelos
pacientes tinham de fato ocorrido, posteriormente descobriu que essas informações
poderiam ter sido imaginadas, denominou de realidade psíquica onde o que importa é
aquilo que para o indivíduo assume o valor de realidade mesmo que não corresponda
à realidade objetiva. Freud concebeu para o funcionamento psíquico três pontos de
vista: o econômico onde existe uma quantidade de energia que alimenta os processos
psíquicos, o tópico, considerado como lugar psíquico onde existe um número de
sistemas que são diferenciados quanto a sua natureza e modo de funcionamento, e o
dinâmico onde no interior do psiquismo existem forças que entram em conflito onde a
origem dessas forças é a pulsão.

A pulsão é um estado de tensão que busca por meio de um objeto a supressão desse
estado. O sintoma na psicanálise é uma produção, resultante de um conflito psíquico
entre o desejo e os mecanismos de defesa, é ou pode ser o ponto de partida da
investigação psicanalítica na tentativa de descobrir os processos psíquicos encobertos
que determinam sua formação.

Freud em 1920 e 1923 remodela a teoria do aparelho psíquico, introduzindo os conceitos


de id, ego e superego, os três sistemas da personalidade.

O id é o reservatório da energia psíquica é onde se localizam as pulsões de vida e de


morte e é regido pelo princípio do prazer.

O ego estabelece o equilíbrio entre as exigências do id e as exigências da realidade e as


ordens do superego, é regido pelo princípio da realidade, é um regulador que leva em
conta as condições objetivas da realidade. As funções básicas do ego são: percepção,
memória, sentimentos, pensamento.

O superego tem origem no complexo de Édipo, a partir da internalização das proibições,


dos limites e da autoridade o conteúdo do superego refere-se a exigências sociais e
culturais. A função de autoridade sobre o indivíduo será realizada permanentemente
pelo superego. É importante dizer que para a psicanálise os sentimentos de culpa
originam-se na passagem pelo complexo de Édipo.
55
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica

O Id, instinto primitivo, bastante destacado em crianças é a forma irracional da mente


que faz as pessoas agirem de forma impulsiva e irracional, ou seja, é a forma de ação e
reação na qual a pessoa se expressa sem ao menos pensar. Como dito anteriormente,
o Id é bastante visto em crianças porque essas agem irracionalmente, por exemplo,
quando uma criança deseja um brinquedo não pensa duas vezes antes de cair no chão e
espernear até que o responsável faça sua vontade. É a manifestação do Id.

O Ego, denominado equilibrador das forças irracionais e racionais, age sempre pressionado
pelo Id e pelo Superego cabendo a ele a dosagem entre as vontades liberadas pelo Id e
entre as limitações liberadas pelo Superego. É a parte consciente do aparelho psíquico
que faz com que um indivíduo consiga regular suas ações e reações.

O Superego, denominado repressor do Id, atua influenciado por regras, crenças, leis
morais, ética e outros métodos que nos são ensinadas no decorrer da vida e limitam
as ações e reações, fazendo com que pensemos nas consequências. A partir de suas
influências, busca através do Ego reprimir o Id para que nenhuma ação e reação sejam
realizadas irracionalmente.

Tal divisão acima citada foi uma remodelação feita entre 1920 e 1923 para distinguir o
inconsciente do consciente.
Figura 6. Aparelho psíquico.

Fonte:<http://taresumido.blogspot.com.br/2008_11_01_archive.html>

Para Jung a psique é definida pela descrição dos lugares psíquicos e pela descrição dos
processos que religam permanentemente esses lugares. Além disso, a psique é uma
realidade viva e dinâmica que inclui tanto o eu quanto seus parceiros. Todas essas
manifestações psíquicas se inscrevem dentro de uma concepção de totalidade.

Os lugares psíquicos seriam: a consciência, o inconsciente pessoal e o inconsciente


coletivo. A consciência é entendida pela relação de conteúdos psíquicos com o eu, sendo
que esta relação é percebida por este. O eu é o centro da consciência, apesar de suas bases
inconscientes. Ele se constitui de duas bases (somática e psíquica) e parece resultar do
entrechoque com o mundo exterior e, posteriormente, com o mundo interior também.
56
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III

O inconsciente pessoal é exclusivo de uma psique individual, ou seja, todos os seus


conteúdos pertencem ao próprio sujeito. Muitos desses conteúdos podem ser acessados
pelo eu consciente, já que existem vários níveis de inconsciência. Geralmente, o
inconsciente pessoal é chamado de sombra (que é um dos parceiros do eu), já que
esta personifica tudo aquilo que o sujeito recusa conhecer ou admitir em si próprio.
A despeito disso, a integração da sombra se faz muito necessária ao processo de
alargamento da consciência.

O inconsciente coletivo seria aquilo que o indivíduo possui de universal e humano em si


mesmo, tratando-se, assim, de uma estrutura aparentemente universal. No inconsciente
coletivo existem os arquétipos e as imagens arquetípicas, que são a base para os complexos
do inconsciente pessoal.

O inconsciente, de uma maneira geral, tem a grande função de compensação em relação


à consciência. Ou seja, na medida em que a realidade exterior provoca uma reação
qualquer no indivíduo, imediatamente seu inconsciente reage, emanando de suas
profundezas uma resposta adequada e em conformidade com a totalidade da psique.
Sendo assim, a psique total seria regulada por um centro – si-mesmo – que estaria em
constante diálogo com o centro da consciência que é o eu.

O eixo eu-si-mesmo, portanto, teria a função de conduzir o processo de individuação,


que é a realização do si-mesmo. O objetivo do processo de individuação seria o próprio
si-mesmo, que é o arquétipo que promove as grandes transformações individuais, além
de ser o ponto central de todo o indivíduo. O si-mesmo abraça todo o sistema psíquico
pela força de sua numinosidade.

Com o propósito de fortalecer o eu, existem mediadores nesse processo, que são chamados
de parceiros do eu. Esses parceiros são a Persona, a Sombra, a Ânima e o Ânimus.

A persona se caracteriza pelas atitudes conscientes em relação ao mundo externo.


O complexo da persona é constituído por forças que podem ser organizadas na consciência.
Além disso, a persona sugere um sistema de adaptação e compromisso do indivíduo
com o social, já que está voltada para o mundo exterior e servindo de mediadora entre
o eu e este mundo externo.

A sombra representa as exigências e os desejos mais fracos e menos adaptados que


ficam fora do campo da consciência. A sombra seria uma espécie de anti-eu que se
forma em oposição tanto ao eu quanto à persona, constituindo-se, portanto, do que é
reprimido pela persona por ter sido considerado negativo.

A ânima e o ânimus são mediadores junto aos conteúdos mais profundos da psique.
São uma ponte entre a singularidade concreta do indivíduo e o inconsciente coletivo.

57
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica

A ânima é o arquétipo sexual feminino no homem, enquanto o ânimus é o arquétipo


sexual masculino na mulher.

Figura 7. Aparelho psíquico.

Fonte: <http://silenciosaviani.blogspot.com.br/2012/05/o-aparelho-psiquico-de-acordo-com.html>

58
Capítulo 2
As diferentes psicanálises

Freud desenvolve a psicanálise não a partir de abstrações, como na escola alemã de


psicologia, mas a partir de sua clínica médica, especialmente intrigado por doenças nas
quais não se verificava uma etiologia orgânica. A psicanálise, contudo, não se confunde
com a medicina nem com a psicologia, mas pode-se dizer tratar-se de três ferramentas
diversas que visam à cura dos pacientes.

A psicanálise é dividida em três dimensões complementares: a pesquisa, a teoria e a


clínica psicanalítica. A clínica seria o ponto de partida e de chegada desse conhecimento
produzido. A pesquisa seria o método de investigação, e se daria já em Freud pelo seu
desejo de não apenas aliviar os sintomas dos pacientes, mas entender os fenômenos
aos quais estava sendo exposto em seu funcionamento e estrutura. A partir dessa
pesquisa, Freud tenta elaborar uma teoria que a explique, por isso é típico de sua obra
a reconstrução de conceitos e explicações, inclusive porque estava no contexto das
ciências positivas nas quais os cientistas se colocavam na posição de descobrir uma
verdade que estava oculta, entendê-la e trazê-la à tona.

Ainda quanto às mudanças em sua teoria, deve-se assumir dois momentos importantes
de virada: 1900, em que Freud estuda “A Interpretação dos Sonhos” e propõe a partir
daí a primeira teoria do aparelho psíquicos, e 1920, em que escreve “Além do Princípio
do Prazer” no qual propõe um novo grupo de pulsões e lança bases para a segunda
teoria do aparelho psíquico.

De forma genérica, a Psicanálise assume a existência de uma instância psíquica a qual os


sujeitos não possuem acesso e que, de acordo com o Axioma da Psicanálise, determina os
comportamentos humanos: o Inconsciente. O sujeito psicanalítico, portanto, é dividido
em Consciente e Inconsciente (tanto na primeira tópica quanto na segunda, em que se
torna mais complexa a explicação). Por isso, nesse ponto, Lacan diz que Freud realizou
uma “Virada Cartesiana” porque se antes o indivíduo pensava e logo existia enquanto
Freud propõe que existe uma parte do indivíduo onde o pensamento não alcança.

Para exercer a psicanálise de forma competente e em profundidade se faz necessário


possuir uma visão holística de sua evolução, procurando identificar e entender os
pontos de convergência e divergência entre as diferentes escolas.

De acordo com Zimerman (2010), esta forma de pensamento é válida e altamente


benéfica para a psicanálise, pois permite uma práxis muito mais abrangente e completa.

59
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica

Embora ainda persistam manifestas querelas narcisistas entre os


seguidores das distintas correntes psicanalíticas, em que cada uma
delas arvora-se como representante da “verdadeira psicanálise” e luta
por excluir as demais, a nítida tendência atual consiste em evitar as
posições polarizadas, promover uma formação pluralista de cada analista
praticante e aproveitar as vantagens de pensarmos analiticamente a
partir de uma multiplicidade e diversidade de vértices, muitas vezes
convergentes, outras vezes divergentes e até contraditórias, porém
até certo ponto possíveis de serem integradas e reversíveis entre si.
(ZIMERMAN, 2010, p. 41).

Para permitir uma melhor compreensão desta evolução, a psicanálise pode ser dividida
nas suas diversas escolas, nas quais podem ser identificados alguns paradigmas
característicos relacionados com os caminhos a serem percorridos para obter a cura
dos pacientes. Somente depois de ter uma visão sobre as mudanças conceituais e as
novas descobertas que aconteceram nesses períodos, o analista estará fundamentado
e suficientemente aprofundado no seu conhecimento teórico e técnico, fato que
lhe permitirá ter uma definição clara dos rumos de sua própria práxis, aumentando
as possibilidades de obter uma melhor compreensão de si mesmo, através de uma
autoanálise muito mais abrangente e completa.

Partindo da base de pensamento considerada ortodoxa, desenvolvida por Freud, a


corrente psicanalítica se diversifica na sua etapa clássica, ocorrendo algumas dissidências
e afastamentos que resultam em novas escolas, as quais na sua divergência dariam
continuidade ao movimento psicanalítico, com algumas transformações e colaborações,
sendo muitas delas mantidas até nossos dias, na psicanálise contemporânea.

As principais linhas de evolução da prática psicanalítica podem ser agrupadas a partir


dos trabalhos dos seus principais autores, em sete escolas:

1. Freudiana; (S. Freud).

2. Teóricos das Relações Objetais; (M. Klein).

3. Psicologia do Ego (Hartman – M. Mahler).

4. Psicologia do Self (Kohut).

5. Francesa de Psicanálise (Lacan).

6. Winnicott.

7. Bion.

60
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III

O desenvolvimento destas diferentes escolas está intimamente relacionado com os


psicanalistas que, de uma forma ou de outra, aceitaram os postulados metapsicológicos,
teóricos e técnicos elaborados por Freud e legados a seus imediatos seguidores.

A fim de ilustrar, descreveremos a escola de Winnicott por meio de uma breve explanação
de seus principais conceitos e publicações.

Donald Woods Winnicott era Pediatra e psicanalista, nasceu numa próspera família
de Plymouth, na Grã- Bretanha, em 7 de abril de 1896, e morreu em Londres, em 25
de janeiro de 1971. Donald tinha duas irmãs mais velhas e aos 14 anos foi para um
internato. Posteriormente ingressou na Universidade de Cambridge onde estudou
biologia e depois medicina.

Entretanto, irrompeu a guerra de 1914-18, o que o levou a servir como estagiário de


cirurgia e oficial médico em um destróier. Em 1923, foi indicado para o The Queen’s
Hospital for Children e também para o Paddington Green Hospital for Children, onde
permaneceu pelos 40 anos seguintes, trabalhando como pediatra, psiquiatra infantil
e psicanalista.

Foi um colaborador de jornais médicos, psiquiátricos e psicanalíticos, e também escreveu


para revistas destinadas ao público em geral, nas quais discutia problemas das crianças
e das famílias.

Sua extensa obra foi dedicada à construção da teoria do amadurecimento pessoal (um
caminho a ser percorrido partindo da dependência absoluta e dependência relativa
rumo à independência relativa), que, além de constituir uma teoria da saúde, com
descrição das tarefas impostas, desde o início da vida, pelo próprio amadurecimento,
configura também o horizonte teórico necessário para a compreensão da natureza e
etiologia dos distúrbios psíquicos.

A distinção de seu trabalho, metodologicamente, em relação a Freud e outros, foi a


decisão de estudar o bebê e sua mãe como uma “unidade psíquica”, o que lhe permitia
observar a sucessão de mães e bebês e obter conhecimento referente à constelação
mãe-bebê, e não como dois seres puramente distintos.

Assim, não há como descrever um bebê sem falar de sua mãe, pois, no início, o ambiente é
a mãe e apenas gradualmente vai se transformando em algo externo e separado do bebê.
O ambiente facilitador é a mãe suficientemente boa, porque atende ao bebê na medida
exata das necessidades deste, e não de suas próprias necessidades. Esta adaptação da
mãe torna o bebê capaz de ter uma experiência de onipotência e cria a ilusão necessária
a um desenvolvimento saudável.

61
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica

O conceito de “Preocupação Materna Primária” pode ser comparado a um estado de


retraimento da mãe e é necessário para que ela possa estar envolvida emocionalmente
com seu bebê. Uma grande contribuição do autor refere-se ao conceito dos objetos
transicionais e fenômenos transicionais que surgem na superação do estágio de
dependência absoluta em direção à dependência relativa, sendo que não é importante
o objeto que está sendo utilizado, mas sim, o uso que a criança faz desse objeto. Ele se
coloca na zona intermediária, na separação entre a mãe e o bebê, ajudando a tolerar a
angústia de separação e ausência materna.

Para Winnicott, o potencial inato de crescimento num bebê se expressava em gestos


espontâneos. Se a mãe responde apropriadamente a esses gestos, a qualidade da
adaptação proporciona um núcleo crescente de experiência para o bebê, o qual resulta
num senso de completude, força e confiança, que ele chama de “verdadeiro self”.
A sua crescente força permite ao bebê lidar com posteriores frustrações e fracassos
relativos por parte da mãe, sem perder sua vivacidade. Se a mãe é incapaz de responder
adequadamente aos gestos do bebê, este desenvolve a capacidade de adaptar-se
e submeter-se às “invasões” da mãe, isto é, às iniciativas e exigências dela, e sua
espontaneidade é gradualmente perdida.

Winnicott chamou este desenvolvimento defensivo de “falso self”. Quanto maior o


“desajuste” entre mãe e o bebê, maior a distorção e interrupção no desenvolvimento
da personalidade deste. Para Winnicott, a psicopatia ou tendência antissocial
caracteriza-se como um transtorno no qual a falha ambiental tem um importante
papel. O jogo da espátula teve sua origem na clínica diagnóstica de mães e bebês e o
jogo dos rabiscos surgiu de sua prática psiquiátrica com crianças.

A teoria de Winnicott baseia-se no fato de que a psique não é uma estrutura pré-existente
e sim algo que vai se constituindo a partir da elaboração imaginativa do corpo e de
suas funções – o que constitui o binômio psique-soma. Essa elaboração se faz a partir
da possibilidade materna de exercer funções primordiais como o holding (permite a
integração no tempo e no espaço), handling (permite o alojamento da psique no corpo)
e a apresentação de objetos (permite o contato com a realidade).

O psique-soma inicial prossegue ao longo de uma linha de desenvolvimento desde que


sua continuidade de existência não seja perturbada, e para que isso ocorra, é necessário
um ambiente suficientemente bom onde as necessidades do bebê sejam satisfeitas.
Um ambiente “mau” é sentido como uma invasão à qual o psicossoma (o bebê) precisa
reagir e esta reação perturba a continuidade de existência do bebê.

O adoecimento, então, se dá devido a perturbações na relação mãe-bebê que provocam


falhas no desenvolvimento do indivíduo. Tais perturbações criam uma sensação de

62
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III

falta de fronteiras no corpo, ameaças de despersonalização, angústias impensáveis,


ameaças de desintegração e despedaçamento, de cair para sempre, e falta de coesão
psicossomática.

Principais obras de Winnicott:

»» 1958: Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

»» 1964: A criança e seu mundo. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

»» 1965: A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins


Fontes, 2005.

»» 1965: O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria


do desenvolvimento emocional. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.

»» 1971: O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

»» 1971: Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. Rio de Janeiro:


Imago, 1984.

»» 1977: The Piggle: o relato do tratamento psicanalítico de uma menina.


Rio de Janeiro: Imago, 1979.

»» 1984: Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

»» 1986: Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

»» 1986: Holding e interpretação. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

»» 1987: Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

»» 1987: O gesto espontâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

»» 1988: Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

»» 1989: Explorações psicanalíticas. C. Winnicott, R. Shepperd e M. Davis


(orgs). 2ª reimpressão. Porto Alegre: Artes Médicas, 2005.

»» 1993: Conversando sobre crianças [com os pais]. São Paulo: Martins


Fontes, 1999.

»» 1996: Pensando sobre crianças. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

63
Capítulo 3
Teoria da personalidade

A personalidade e suas inúmeras propostas teóricas e teorias a respeito de seu


surgimento tornam-se restringidas e limitadas a determinadas correntes de
pensamentos. Geralmente são correntes de pensamentos que ora são tradicionalistas
ora radicais. O que sugere, em um primeiro momento, a definição do que vem a ser
personalidade, o que requer um rigoroso e exigente estudo.

Como vimos, Freud inicia seu pensamento com a ideia de que nada existe ao acaso,
há uma causa para todo tipo de pensamento, ideia similar a da ação e da reação, todo
pensamento é fruto de uma ação anterior, nenhum pensamento surge sem houver
um processo motivacional. Tanto o consciente quanto o inconsciente podem levar à
elaboração e desenvolvimento de um determinado processo mental.

O determinismo psicológico era uma grande marca presente no pensamento de Freud,


para ele todos os pensamentos, emoções, ações, ideias tem uma causa, nada vem ao acaso
e de modo indeterminado. Os impulsos insatisfeitos e os provenientes do inconsciente
causam a maioria dos determinados eventos psicológicos. Daí a personalidade ser uma
força resultante de diversos vetores psicossociais sexuais.

A personalidade humana é dividida em três grandes superestruturas, estas compreendem


os seguintes complexos psicológicos: Ego, Id e Superego. O Ego é a parte da personalidade
que toma as decisões a respeito de que impulsos do Id deverão ser satisfeitos e de que
modo. O Id é a parte inicial da personalidade, é a partir dela em que o Ego e o Superego se
desenvolvem, ele é responsável pela concretização dos impulsos biológicos mais básicos
inerentes a pessoa humana. Porquanto o Superego é a parte cognitiva da personalidade que
está encarregada de julgar e distinguir o que é certo e o que está errado, de uma maneira
geral, ele é a reprodução dos valores e costumes internacionalizados pelo indivíduo.

Sigmund acreditava que havia durante os primeiros cinco anos de vida, o fato de o indivíduo
ficar sujeito a diferentes estágios de desenvolvimentos fisiológicos, os quais influem na
dinâmica do desenvolvimento da personalidade humana. A partir daí ele fundamentou
uma ampla definição de sexualidade e a existência de períodos de desenvolvimento
psicossexual. Essas fases são determinadas, pelo fato de os impulsos provenientes do Id, os
quais se encontram em processo de busca do prazer sexual, acabam por se concentrarem
em determinadas áreas do corpo humano e em continua atividade.

O primeiro ano de vida do homem, Freud o denominou de fase oral do desenvolvimento


psicossocial. Nela os bebês obtém prazer no entorno de suas bocas, situação principalmente
64
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III

observável durante a sensação de prazer deles durante os atos de amamentação e sucção,


assim eles começam a colocar tudo o que veem em suas bocas, a fim de obterem prazer.
No segundo ano de vida, ocorre uma fase denominada fase anal, nela acreditava-se que o
prazer é verificado na região anal, principalmente no instante em que as crianças retêm
e/ou expelem fezes, no entanto nessa fase ocorre um conflito, em que os agentes são os
pais, estes buscam impor aos filhos ou tutelados uma educação sanitária adequada.

Na próxima fase, denominada por Freud como fálica é a em que as crianças começam a
acariciar seus genitais, com o objetivo de sentirem prazer. Elas começam a observar as
diferenças entre o sexo masculino e o feminino, ao ponto de dirigir seus impulsos sexuais
ao genitor de sexo oposto, entretanto quando tal impulso extravasa seus limites, ocorre
um problema conceituado por Freud como complexo de Édipo. Nele ocorre um conflito
de interesses entre a criança e o genitor se seu mesmo sexo, ou até mesmo ao de sexo
oposto. Posteriormente ocorre um período denominado de latência, o qual vai dos 7 aos
12 anos, nele as crianças ficam cada vez mais preocupadas com o meio externo e com os
seus corpos. A partir da adolescência, no início do período denominado puberdade vem
à tona uma fase conhecida como genital, esta é a ultima fase, a da maturação sexual.

Freud acreditava que qualquer problema em alguma dessas fases ocasionaria o surgimento
de um posterior problema de personalidade em alguma pessoa, durante sua fase adulta.
Por tal motivo, as ocorrências adequadas de fatos ao longo das fases do desenvolvimento
sexual ser primordiais para determinar uma boa relação na personalidade de um dado
indivíduo. Uma pessoa que tem o desenvolvimento da fase oral prejudicada por algum
fato, no futuro será uma pessoa que tem prazer oral.

Figura 8. Teoria da personalidade de Freud.

Fonte: <https://br.pinterest.com/pin/283375001528607987/>

65
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica

Carl Gustav Jung (1875-1961) morou, em sua vida toda, na Suíça. Estudou psiquiatria
em Zurique. Foi o mais famoso estudioso que rompeu com Freud, inicialmente ele
foi um dos seguidores mais dedicados do último, porém com o passar dos tempos,
Jung passou a discordar das ideias e algumas teorias Freudianas, assim fundou sua
própria escola de psicologia. Esta denominada de psicologia analítica. Ele defendia que
a introspecção ativa seria um meio para haver uma mudança psíquica no indivíduo.
Ele estava preocupado era com a parte imersa do grande iceberg, que compreendia a
mente humana, ou seja, o inconsciente.

Jung desenvolveu uma metapsicologia bastante aprimorada e elaborada. Ele acreditava


que, além de haver o inconsciente pessoal descrito por Freud, existe inclusive um
inconsciente coletivo, ou melhor, dizendo uma parte que compreende uma considerável
parte da mente que é comum a todos os seres humanos. Tal inconsciente consiste de
imagens fundamentais e peculiares herdadas de nossos antepassados. Jung examinou
algumas pessoas que relataram em seus sonhos, coisas comuns à maioria das pessoas
como, por exemplo, sonho com imagens de abutres, estas aparecem em escritos
religiosos, mitologias mesmo desconhecidos pela pessoa que sonhou.

Como Isaac Newton já afirmara anteriormente, toda ação possui uma reação de igual
intensidade, tudo com o objetivo de haver um equilíbrio de forças. De maneira similar,
Jung afirmava que para qualquer atitude consciente, há uma compensação inconsciente
sempre igual a primeira. Daí, Jung ao buscar a interpretação de sonhos ocorridos no
inconsciente, entendeu que estes serviam para compensar alguma coisa ocorrida no
consciente, tudo para manter o equilíbrio e a harmonia.

Em sua teoria da personalidade, assim como a de Freud a parte do aparelho psíquico


chamado ego é também um complexo, possui a mesma função que o ego freudiano,
o qual tem como função proporcionar o fator necessário para ocorrer a adaptação
psicológica do individuo com a realidade. Assim o mesmo poder interagir perfeitamente
o seu microcosmo intrapsíquico com o mundo externo e poder manter uma harmonia
adequada com o id e o superego em seu complexo psíquico.

Algumas coisas em que as pessoas acreditam ser possessões, imagens que aparecem
em sonhos, personalidade separada como nos casos de personalidades múltiplas,
alucinações; conforme Carl Jung tais fatos consistem em manifestações provenientes
da luta entre o Ego e alguns complexos emocionais sobrecarregados. Estes da mesma
maneira que algum líquido no interior de uma garrafa agitada estar a pressionando
para escapar do referido recipiente, assim estar tais complexos em conflito com a
parte racional. Por isso quando eles extravasam o recipiente mental, ocorrem algumas
anomalias psíquicas.

66
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III

A personalidade humana estava dividida em complexos interligados parcialmente,


contudo no centro de tudo estava o ego, sendo assim, diversos outros complexos servem
como auxílio ao ego. Para Jung a sombra é a imagem inversa da personalidade de um
dado indivíduo, ela é o inverso de toda a manifestação psicológica do mesmo, ou seja, é
a oposição corrente aos valores interiorizados no complexo psíquico geral estabelecido
pelo ego na concretização das relações externas.

Jung estabeleceu alguns conceitos como anima e ânimos, o primeiro corresponde à


deposição das experiências femininas na herança psíquica de um homem; porquanto a
segunda corresponde ao inverso da anterior. Ambos possuem a capacidade de conectar
o ego ao mundo introspectivo e, assim ser o mesmo projetado sobre as relações sociais.
Quando algum daqueles está conectado à sombra, a mulher, por exemplo, pode ver os
atributos interiores de homem como indesejáveis a si e quando encontra esses atributos
em si, sente-se culpada e com grande remoço.

Para Jung para que o nosso complexo psíquico se desenvolva é necessário haver
o conflito entre o consciente e o inconsciente, tudo com o objetivo de fazer com que
nossa personalidade se desenvolva completamente. Ocorrendo, assim um processo
denominado individuação. “é o velho jogo do martelo e da bigorna: entre os dois,
o homem, como o ferro, é forjado num todo indestrutível, num indivíduo. Isso, em
termos toscos, é o que eu entendo por processo de individuação» (Jung). Tal processo
consiste na criação de um novo centro psíquico, o qual se chama self, este será o centro
da personalidade total, assim como o ego é o centro do consciente.

Figura 9. Teoria da personalidade Jung.

Fonte: <http://www.psicosmica.com/2015/01/principais-arquetipos-jung.html>

67
As diferentes formas Unidade IV
de atuação
Nesta Unidade, nos propomos a estudar como trabalham Jung e Winnicott após a leitura
da contribuição teórica e técnica de ambos com o objetivo de conhecer aplicabilidade de
suas técnicas no contexto clínico.

A perspectiva de Carl Gustav Jung se apresenta pela reprodução de uma entrevista


concedida por uma psicóloga junguiana que, respondendo a perguntas, esclarece questões
da clínica junguiana extremamente relevantes para a compreensão da prática clínica.

E o relato e discussão de um caso clínico, na perspectiva de Donald Woods Wunnicott


e pela interpretação de Gilberto Safra (2005), traduz sua técnica e manejo clínico,
essenciais para compreender a especificidade de sua clínica.

Capítulo 1
Como trabalha Jung: entrevista

Elegemos apresentar a reprodução de uma entrevista concedida por uma psicóloga


junguiana que esclarece questões da clínica junguiana extremamente relevantes para a
compreensão da prática clínica.

O que a levou a optar pela linha Junguiana de terapia?

Em 1997 tive minha primeira experiência como paciente em um processo psicoterapêutico,


e meu psicólogo era junguiano. Senti os benefícios da psicoterapia e da abordagem, e
decidi fazer a faculdade de Psicologia. Durante o curso entrei em contato com várias
abordagens, mas percebi que existia uma identificação muito grande com as ideias de
Jung, principalmente porque ele explorou o universo simbólico e manteve um diálogo
com o mundo oriental.

O que mais lhe chama a atenção dentre os diversos aspectos teóricos


propostos por Jung?

O que mais me fascina na proposta de Jung é a forma como ele conseguiu amplificar
o aspecto universal da psique. O conceito de inconsciente coletivo e arquétipos nos
68
As diferentes formas de atuação │ UNIDADE IV

mostra que existe uma conexão entre os seres humanos, mesmo em épocas em que não
existia essa facilidade de comunicação entre as diferentes culturas.

Existe algum ponto da teoria Junguiana que você discorde?

Não há nenhum ponto que eu discorde. Acho que Jung fez um aprofundamento admirável
e foi extremamente exigente e rigoroso para formular sua teoria. Atualmente percebo
que os estudiosos pós-junguianos estão conseguindo atualizar alguns conceitos, como
por exemplo a anima e o animus, o trabalho grupal (e não apenas a individuação) etc.

Em um campo prático, os arquétipos são abordados, de alguma forma,


durante a terapia? Se sim, como e quais?

Sim. Em alguns momentos podemos perceber, por exemplo, que o arquétipo do herói está
sendo acionado no cliente. Percebo isso em clientes de todas as idades. Ele pode ser
percebido nas imagens do inconsciente, nos sonhos e recursos expressivos (caixa de
areia, desenho, argila, atividades lúdicas etc.). Quando este material é identificado,
costumo fazer amplificações, ou seja, associo com histórias míticas semelhantes as que
o cliente está vivenciando, valorizando os símbolos que apareceram durante o processo.
Por exemplo, às vezes os homens chegam angustiados por estarem envolvidos com
mulheres que os fazem «perder a cabeça». Muitos deles entram em crise e acabam
mergulhando no álcool. Em alguns casos eu conto uma parte da história da Odisseia de
Ulisses, em que o herói tem que enfrentar o canto da sereia, senão pode ser seduzido
para o fundo do mar e se afogar. É impressionante como estas amplificações acabam
sendo úteis para que o cliente compreenda o seu processo. O mesmo se dá com as
crianças que elaboram suas angústias identificando-se com alguns contos de fadas.

O processo de individuação é um ponto chave na teoria. Como funciona a


sua abordagem na prática?

Na prática procuro auxiliar meu cliente a Individuar-se o conscientizando de seu


caminho único. A pessoa vai tomando consciência da sua história, da sua personalidade,
de seus desejos, de sua vida. Quanto mais o indivíduo se aprofunda em si mesmo, mais
ele se fortalece para continuar o seu caminho.

Os tipos psicológicos tem alguma influência durante o tratamento?

Durante o processo de autoconhecimento é importante mostrar ao cliente que existem


vários tipos de pessoas e personalidades, e que elas podem interagir entre si. Às vezes
uma pessoa introvertida sente-se diminuída porque não consegue ser igual ao seu irmão
que é extrovertido. Tento mostrar os benefícios em respeitar cada tipo psicológico.
Os tipos intuitivos, por exemplo, geralmente trazem sonhos com mais frequência; já

69
UNIDADE IV │ As diferentes formas de atuação

os do tipo pensamento acabam muitas vezes sendo mais resistentes a participar de


atividades lúdicas/expressivas, racionalizando o processo.

Como o inconsciente coletivo pode ser abordado durante o tratamento?

Assim como na questão 4 dos arquétipos, o inconsciente coletivo pode ser abordado no
sentido de amplificar o processo psicoterapêutico. O que eu acho interessante é que quanto
mais nos aprofundamos em nós mesmos, mais entramos em contato com o inconsciente
coletivo, e consequentemente vamos tendo mais consciência do coletivo/humanidade.

Um dos pontos mais criticados da obra Junguiana é a paranormalidade (telecinesia,


combustão espontânea, sincronicidade, visão áurica). Como você vê este ponto, de
forma geral?

Jung queria apenas estudar esses fenômenos. O fato é que eles realmente acabam
surpreendendo as pessoas. A Sincronicidade, por exemplo, é um fenômeno muito
comum e os clientes trazem conteúdo desta natureza constantemente no consultório.
O perigo é quando estes fenômenos são vistos como «mágicos/místicos», pois desta
forma podem ser direcionados a contextos fora da realidade, e a pessoa pode se perder.
A Sincronicidade pode auxiliar o cliente em alguns momentos para reafirmar uma
ideia/caminho, e isso acontece desde os primórdios de nossa existência. Na história
da humanidade temos conhecimento do quanto os oráculos antigos acabaram
influenciando no destino de cidades e pessoas. Lembro-me do Prof. Antônio Maspoli
(psicólogo junguiano) dizer em um Congresso a seguinte frase: «ao psicólogo não cabe
descobrir se o duende existe ou não, mas sim, analisar como a crença em duendes
afeta o comportamento humano». E creio que Jung também tinha interesse apenas em
estudar estas influências na psique humana.

A interpretação dos sonhos pode ser considerada um ponto chave no


tratamento?

Sim. O trabalho com os sonhos são importantíssimos para o processo. Eles mostram
um caminho, organizam a psique, identificam aspectos da sombra e as possibilidades
de transformação. Mas às vezes o cliente tem dificuldade de sonhar/lembrar dos
sonhos, e nestes casos acabo explorando os símbolos através de recursos expressivos
como desenhos, argila, caixa de areia etc. De qualquer forma o universo simbólico é o
instrumento mais valioso desta abordagem.

Qual a principal diferença, para você, do método de tratamento da psicologia


analítica em relação aos outros métodos de tratamento psicoterapêuticos?

Creio que não é por acaso que a Psicologia Junguiana também é conhecida como
Psicologia Profunda. O que percebo nesta abordagem é que o processo de individuação
70
As diferentes formas de atuação │ UNIDADE IV

acaba despertando o cliente para novas formas de olhar-se. Os símbolos acabam


conduzindo-os a partes profundas da psique, fornecendo respostas únicas para cada
processo. Apesar da densa teoria formulada por Jung, ele se preocupava em não
intelectualizar sua proposta.

O que percebo comparativamente do pouco que conheço sobre a Psicologia Cognitiva


Comportamental ou Behaviorista, por exemplo, é que eles focam na eliminação do
sintoma. Por isso a Medicina Tradicional se identifica tanto com esta abordagem. Já
os junguianos veem o sintoma como um símbolo, e assim usa este aspecto como base
para aprofundar e transformar a doença. A depressão torna-se, por exemplo, uma
oportunidade de olhar-se, de analisar os aspectos da vida que precisam ser reavaliados,
e não apenas uma doença que precisa ser medicada/exterminada. Mas de qualquer
forma o fato de existirem tantas abordagens na Psicologia mostra que existem várias
formas de ver estes seres humanos complexos e diferentes. Cada abordagem tem o seu
valor, e eu teria que ser uma profunda conhecedora de todas as teorias para conseguir
compará-las com a Junguiana.

Entrevista realizada com uma psicóloga de Juiz de Fora por um aluno de psicologia. Fonte:
<http://www.psicoterapiajunguiana.com.br/interna.asp?id=9&t=c>

71
Capítulo 2
Como trabalha Winnicott: relato e
discussão de um caso

Com o propósito de ilustrar como trabalha Winnicott elegemos o relato e a discussão


de um caso clínico atendido por ele, publicado em livro intitulado Revisitando Piggle –
Um caso de Psicanálise Segundo a Demanda, textualizado no curso sobre Winnicott e
a Psicanálise sob Demanda, ministrado pelo Prof. Dr. Gilberto Safra na pós-graduação
da PUC-SP no segundo semestre de 2002.

Piggle é o apelido de Gabrielle, uma menina que, aos dois anos e quatro meses, começou
a apresentar dificuldades de sono e de relacionamento e foi atendida por Winnicott.
Tudo o que ocorreu nessas sessões, bem como as sensações e reflexões deste analista,
foi publicado postumamente em The Piggle. Poucas vezes nos foi dada a oportunidade
de observar Winnicott em ação, como nesta obra. No entanto, muitos dos que se
debruçaram sobre ela sentiram alguma dificuldade, pois não se trata de um texto didático
ou autoexplicativo. Neste sentido o curso de Gilberto Safra sobre o caso da menina Piggle
é de enorme utilidade para estudantes e mesmo para psicanalistas experientes.

Por meio de Safra, a condução de Winnicott ganha para nós sentidos mais precisos,
à medida que se vai percebendo em cada momento qual o lugar que o psicanalista
precisava ocupar para que a Piggle pudesse agir, integrar e colocar sob domínio do
eu as experiências e as emoções, a fim de poder retomar o seu processo maturacional.
Em alguns momentos a leitura deste livro nos permite observar a interlocução de dois
grandes clínicos em ação, quando Gilberto posiciona-se frente às intervenções clínicas
de Winnicott, ora concordando ou discordando das mesmas. Depois de revisitado com
Gilberto Safra, o processo analítico da Piggle jamais será o mesmo para quem sobre ele
queira refletir.
Fonte:<http://sobornost.sitepx.com/livros/revisitando-piggle-psicanalise-de-
riancas1361503847.html>

Este caso foi considerado por Safra como um exemplo clássico do que Winnicott chamou
de Psicanálise Segundo a Demanda. As potencialidades, os limites e as condições para
que esse método possa ser escolhido como modalidade terapêutica ficam em destaque.
Este livro merece ser lido por todos que desejam compreender o que seja a clínica
winnicottiana, pois seu alcance ultrapassa o âmbito da análise de crianças. Nele se
tem explicitada com clareza esta abordagem pouco usual para terapeutas e analistas
tradicionais: como criar o espaço potencial através do jogo, como propiciar o gesto do
paciente através do posicionamento preciso do terapeuta no diálogo e, enfim, como
72
As diferentes formas de atuação │ UNIDADE IV

escapar da interpretação e seus perigos, para ver o paciente se colocar em caminho,


colocando sua questão em percurso.

Para conhecimento e informação teórica, o livro Revisitando Piggle: um caso de


Psicanálise Segundo a Demanda, inicia uma série de publicações de Gilberto Safra,
autor sobre a prática clínica de Winnicott, psicanalista inglês cuja obra vem sendo
cada vez mais discutida em diversas áreas de conhecimento e campos de atividade,
ultrapassando por completo o domínio específico da Psicanálise.

Essa larga penetração no universo das ideias se deve ao caráter pouco hermético das
formulações de Winnicott, sempre comunicadas em estilo simples e direto, e que
refletiam seu interesse pela constituição da pessoa humana, tanto do ponto de vista das
condições que favoreciam que fosse ela mesma, como do que a fazia adoecer. A partir
daí, é decorrência natural que tenha se dedicado à compreensão das funções ambientais
e das maneiras pelas quais apreendemos e nos relacionamos com os objetos da cultura,
o que explica a abrangência das formulações que criou. Já especificamente no campo
psicanalítico. A obra winnicottiana é de fundamental importância na lapidação de
um psicanalista rigoroso e minucioso, intensamente envolvido com a necessidade de
seus pacientes.

Podemos dizer que Gilberto Safra, profundo conhecedor da obra winnicottiana, foi feliz
em sua escolha: Winnicott publicou muito, mas são poucos os textos em que temos a
oportunidade de vê-lo em atuação clínica, acompanhá-lo em seus deslocamentos em
direção aos pacientes, compartilhar suas anotações e a maneira como foi criando uma
nova modalidade de atendimento analítico, a Psicanálise de acordo com a Demanda.
E é isso que encontramos no caso Piggle, que se torna ainda mais rico com o olhar
minucioso de Safra, constituindo-se em uma experiência rara para os estudiosos
da psicanálise.

Piggle é uma garotinha de dois anos e meio, cujos pais procuraram Winnicott porque
ela se encontrava muito ansiosa com o nascimento da irmã. Eles não moravam em
Londres, onde se localizava o consultório de Winnicott, e dada as dificuldades de
deslocamento, este criou então uma maneira de atender Piggle de acordo com as suas
necessidades. Mas é importante ressaltar que esse tipo de tratamento só foi possível
por se tratar de uma família em condições de absorver os conflitos e tolerar os sinais
que indicavam a tensão emocional da menina durante o intervalo entre os encontros
com seu analista.

O papel extensivo dos pais na análise de crianças é fundamental para o processo


analítico especialmente pelo fato de a psicanálise compreender os conflitos psíquicos
infantis remetidos à dinâmica familiar e aos conflitos subjacentes.

73
UNIDADE IV │ As diferentes formas de atuação

O trabalho de Winnicott na análise de Piggle durou dois anos e meio, sendo realizadas
catorze sessões. Safra (2005) escolhe sete delas, descritas no texto original, e passa a
analisá-las, chamando a atenção para os princípios que organizam a clínica winnicottiana,
bastante diferentes daqueles que constituem a clínica tradicional psicanalítica.

A clínica tradicional psicanalítica, comumente é solicitada ao paciente que realize,


assiduamente, mais de duas sessões por semana, com o intuito de, assim, favorecer o
deslocamento de questões originárias para a relação com o analista, permitindo que
este as interprete na transferência.

Para Winnicott, porém, o sentido de tempo e espaço é de natureza bastante diversa,


pois sua grande preocupação era com a organização do self do paciente, o que constitui
toda uma ética no trato com este.

Como bem salienta Safra (2005), esse aspecto se expressa no caso Piggle, particularmente,
no cuidado de Winnicott em constituir com sua pequena paciente um espaço onde a
subjetividade dela pudesse ser temporalizada, ou seja, procurava criar condições para
que ela vivesse experiências significativas, para que comunicasse suas questões de
modo cada vez mais preciso, uma vez que se sentisse compreendida por ele.

Winnicott afirmava que somente após a constituição desse espaço, denominado espaço
potencial, é que as intervenções eram feitas, sempre no intuito de procurar compreender
a angústia de Piggle para favorecer que esse sentimento fosse colocado em experiência
compartilhada. Com isso, as inquietações da paciente ganhavam um sentido humano e
passível de análise.

Safra (2005) destaca, ainda, que, nesse modo de proceder, o analista é criado e usado
pelo paciente, e com ele vive uma experiência completa, essencial no modo pelo
qual Winnicott construiu todas as suas formulações clínicas. Assim, Piggle inicia o
tratamento um tanto hesitante em relação à possibilidade de, realmente, ser ajudada
naquilo que necessitava. Encontra, então, um analista que, antes de se apressar com
interpretações usuais, compreende essa hesitação e procura se aproximar dela com
muito cuidado, para que uma relação de confiança pudesse ser estabelecida, o que se
torna fundamental no manejo clínico de Winnicott.

É interessante observar, também, como o momento de finalização da análise é


compreendido por Winnicott, que em toda a sua obra ressalta a importância de o
analista perceber quando deixa de ser necessário para o paciente, que Piggle pode então
colocar em marcha o seu processo maturacional.

Principalmente em se tratando de crianças, Winnicott só interferia nas situações em


que o ambiente não estivesse dando conta de auxiliar no favorecimento da continuidade

74
As diferentes formas de atuação │ UNIDADE IV

do desenvolvimento pessoal. E foi assim que ocorreu com Piggle: ela pôde alcançar a
integração das partes dissociadas de seu self, e a tarefa de seu analista foi então concluída.

Figura 10. Piggle.

Fonte: <http://sobornost.sitepx.com/livros/revisitando-piggle-psicanalise-de-criancas1361503847.html>

75
Para não Finalizar

Utilizamos a reprodução literal de um recorte do artigo ‘Winnicott e Jung’ de Zeljko


Loparic da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Pontifícia Universidade
Católica do Paraná – PUCPR, publicado pela revista Winnicott e-pritts da Sociedade
Brasileira de Psicanálise Winnicottiana para inspirar reflexões e não finalizar o estudo
desses autores.

Este artigo reconstrói a recepção winnicottiana da psicologia analítica e da autobiografia


de Jung, explicitando a maneira como Winnicott concebeu a oposição entre Jung a
Freud, tanto em termos pessoais como teóricos. Prossegue mostrando que Winnicott
afirma a complementaridade entre Freud e Jung, e propõe a tese de que a sua teoria
do amadurecimento pode servir como quadro de referência para a unificação da
psicanálise freudiana com a psicologia analítica. Na sequência, estuda os pressupostos
dessa tese: execução de uma mudança revolucionária do paradigma freudiano, crítica da
linguagem e do modo de teorização da psicologia analítica e reconstrução de elementos
da psicologia analítica no paradigma winnicottiano. Por fim, o trabalho examina as
possíveis consequências institucionais das propostas de Winnicott.

A impossibilidade de comunicação entre Freud e Jung foi herdada pelos grupos de


psicoterapeutas que seguiram cada um deles. As diferenças entre a linguagem de um e
a de outro foram perpetuadas e mesmo aprofundadas pelos profissionais de ambas as
vertentes. Winnicott constata:

Não podemos deixar de notar que quando nos encontramos para


examinar a natureza humana tendemos [nós, freudianos e junguianos]
a utilizar os mesmos termos, com significados que não são apenas
diferentes uns dos outros, mas que parecem irreconciliáveis
(WINNICOTT, 1989a, p. 488; tr. p. 369; o grifo é meu).

Winnicott expressou, em várias oportunidades, a sua dificuldade em entender o que


dizem os junguianos. Ao discutir, durante um simpósio realizado em 1959, na BPS, o
conceito de contratransferência, ele se distanciou, de modo claro, da tese, atribuída
a Jung por Michael Fordham, de que a transferência não é um produto da técnica
psicanalítica, mas “um fenômeno geral transpessoal ou social” (1965b/1965, p.158; tr.
p. 149). Depois de observar que não entende o que significa o termo “transpessoal”
dos junguianos, Winnicott explicou que a transferência não é apenas uma questão de
relacionamento, mas um modo pelo qual “um fenômeno altamente subjetivo aparece

76
para (não) finalizar

repetidamente na análise”, consistindo em “propiciar condições para o desenvolvimento


desses fenômenos” (1965b, p. 158; tr. p. 149). Na sequência, ele relaciona outros termos
de Jung que diz não saber usar:

A propósito, permitam-me lembrar ao Dr. Fordham que alguns dos


termos que ele usa não têm nenhum valor para mim, por pertencerem
ao jargão da conversação junguiana. Em contrapartida, ele pode me
dizer quais das minhas palavras são inúteis para ele. Eu me refiro a:
transpessoal, inconsciente transpessoal, ideal transpessoal analítico,
arquetípico, componentes contrassexuais da psique, ânimo e ânima,
conjunção ânimo-ânima. (1965b, p. 159; tr. p. 146)

Winnicott tira a conclusão inevitável: “É impossível comunicar-se comigo nessa linguagem.


Para alguns nesta sala estas palavras são caseiras e, para o resto dos presentes, elas não
têm sentido preciso” (1965b, p. 159; tr. p. 146). Há, decerto, termos que são usados,
nos dois campos, mas em sentido diferentes: “Devemos também ter cuidado”, escreve
Winnicott, antecipando o que dirá de novo na resenha, “com as palavras que são usadas
de modo diferente por vários grupos de profissionais: ego, inconsciente, ilusório,
sintônico (reagir sintonicamente), análise etc.” (1965b, p. 159; tr. p. 146).

Da mesma forma, a expressão de Jung “personalidade no 2”, que designa a sua personalidade
introvertida, o si-mesmo defendido, sem contato com o mundo externo, mas vivido como
real e verdadeiro, não pode ser vertida, na linguagem do paradigma winnicottiano, pela
expressão “verdadeiro si-mesmo” (p. 488; tr. p. 371). A divisão entre introvertidos e
extrovertidos será abandonada por Winnicott, em prol de uma teoria do espaço potencial,
no qual o que é pessoal entra em contato com o objetivamente percebido, enriquece este e
se apoia sobre ele assim modificado (WINNICOTT, 1971a, p. 127; tr. p. 150).

Quando aos procedimentos da psicologia analítica de Jung, muitos deles precisariam


ser abandonados ou reavaliados, a saber: o significado e o uso de sonhos e visões, o
inconsciente coletivo (já toquei nesse ponto), o uso dos mitos como protociência (JUNG,
1963, pp. XI), o recurso às religiões (p. 200) e à alquimia (p. 202). Em particular, não
é admissível – voltarei a esse ponto no que segue – comunicar-se com o paciente sem
método algum, com base meramente na experiência do numinoso. A experiência de
comunicação deverá ser guiada por uma compressão teórica formulada como uma
hipótese de trabalho (working theory), não como um mito.

Winnicott reconhecerá, contudo, que Jung, mesmo sem seguir um projeto de pesquisa
científico, fez uma descoberta essencial para todos os estudiosos da natureza humana:
a de uma vida subjetiva vivida na forma de um retraimento, mas que, cabe acrescentar,
não era meramente patológico, pois tinha algo de uma autocomunicação central sadia,

77
Para (Não) Finalizar

e que dava acesso a uma área do existir humano permanentemente fora de contato
com o instinto e o relacionamento objetal, a não ser com objetos subjetivos (o que não
é relacionamento objetal propriamente falando, pois não implica a diferenciação entre
o indivíduo e o objeto).

No seu famoso artigo sobre a comunicação e a falta de comunicação, Winnicott observa:


“Estou expondo e ressaltando a importância da ideia de isolamento permanente do
indivíduo e sustentando que no núcleo do indivíduo não há comunicação com o mundo
não-eu, nem numa direção nem na oposta. Aqui a quietude está ligada ao silêncio”
(1965b, pp. 189-190; tr. p. 172). A expressão “núcleo do indivíduo” refere-se ao centro
do si-mesmo saudável e integrado na personalidade – aquilo que, em cada um de nós,
é “permanentemente sem comunicação, permanentemente desconhecido, na realidade
nunca encontrado”, e que precisa e deve ser defendido contra a comunicação – e não
deve ser confundida com “centro do si-mesmo” de Jung, que designa o si-mesmo de
personalidade cindida e expressa, segundo Winnicott, um conceito relativamente inútil.
Esse “incomunicado” antecede, precede, como traço inerente e inalterável da natureza
humana e como condição de possibilidade, toda comunicação e relacionamento, sendo,
por isso mesmo, “sagrado” e “mais merecedor de ser preservado”, como tal, do que todo
o resto que acabamos de ser e de ter uma vez acontecidos no mundo.

“Isso nos leva”, continua Winnicott, “aos escritos dos autores que foram reconhecidos
como pensadores do mundo”. Entendo que pela expressão “pensadores do mundo”
(world’s thinkers) Winnicott se refere aqueles que pensam o mundo e o homem no
seu todo, ou, como Winnicott diz, a “verdade poética”, holística, e não a “verdade
científica”, sempre parcial. Logo em seguida encontramos uma enfática homenagem
a Jung: “Incidentalmente, quero me referir à revisão muito interessante de Michael
Fordham do conceito de si-mesmo [the Self] como aparece nos trabalhos de Jung.
Fordham escreve: “O fato geral permanece, que a experiência primordial acontece na
solidão” (WINNICOTT, 1965b, p. 190; tr. p. 174).

Elementos da psicologia analítica refeitos no


quadro do paradigma winnicottiano
Winnicott não se limitou a criticar a linguagem e o modo de teorização de Jung e dos
junguianos; ele ofereceu alternativas positivas nos dois casos. Num artigo decisivo do
início da sua fase madura, “Desenvolvimento emocional primitivo”, de 1945, Winnicott
“postula” a existência de um estágio em que “o objeto, ou o ambiente, é tanto parte do
si-mesmo quanto o instinto que clama por este” (1958a, p. 155; tr. p. 231). Na nota de
rodapé anexada, ele faz a seguinte observação complementar:

78
para (não) finalizar

Trata-se de um ponto importante, tendo em vista o nosso relacionamento com a psicologia


analítica de Jung. Nós [psicanalistas de linhagem freudiana] tentamos reduzir tudo ao
instinto, e os psicólogos analíticos reduzem tudo a essa parte do si-mesmo primitivo,
que se parece com um ambiente, mas que surge a partir do instinto (arquétipos).
Nós devemos modificar as nossas ideias a fim de abarcar os dois pontos de vista,
para podermos ver, desta forma, que (se isto for verdade), no estágio teoricamente
mais primitivo, o si-mesmo tem o seu próprio ambiente, criado por ele mesmo, o qual
é tanto o si-mesmo quanto os instintos que lhe dão origem. É preciso estudar mais
profundamente esta questão. (1958a, p. 155; tr. p. 231; os itálicos são meus)

Nessa nota está formulada, possivelmente pela primeira vez num texto publicado por
Winnicott, a tarefa de elaborar um quadro teórico ou, ainda, uma linguagem comum
capaz de expressar o que há de essencial nas contribuições de Freud e Jung. Poderia
surpreender o fato de Winnicott deixar esse assunto tão importante para uma nota de
rodapé. Uma explicação possível é a seguinte: ele ainda não sabia como tratar dele no
corpo do texto, ou seja, ainda não havia lugar para esse assunto no paradigma nascente
de Winnicott.

Com efeito, a ideia de que o objeto ou, alternativamente, o ambiente são parte do si-mesmo
ou, como Winnicott se expressa em outras ocasiões, do ego – que é, conforme vimos,
uma das primeiras tarefas de unificação enunciada por Winnicott ainda em 1945 –,
só receberá formulação madura na obra de Winnicott no final dos anos 1960, com o
desenvolvimento da teoria da identificação primária, não baseada em instintos, e do
tema do lugar em que vivemos criativamente, temos experiências culturais e passamos
pelo processo de socialização sem sermos impulsionados pelos instintos, e que Winnicott
chamará de espaço potencial. Em suma, o projeto de revisão da psicologia analítica só
poderá ser realizado no quadro de uma teoria geral do desenvolvimento emocional de
um indivíduo humano, que abranja tanto a área de insanidade, na qual o problema é a
ameaça da aniquilação, como a da sanidade, na qual os problemas dizem respeito aos
conflitos instintuais.

Essa revisão envolveria, entre outras tarefas, a de unificar, se não a totalidade, pelo
menos partes significativas dos vocabulários dos freudianos e dos junguianos. Na obra
de Winnicott, encontram-se vários exemplos desse exercício de criação de um novo
léxico que permitisse a tradução da psicologia analítica para a linguagem da teoria do
amadurecimento. Num texto de 1949, Winnicott retoma a tese de Phyllis Greenacre,
segundo a qual Freud relacionou “a angústia com o nascimento por meio de um tipo de
teoria do inconsciente coletivo” (1958a, p. 175; tr. p. 256). Winnicott acrescenta: “com
o nascimento [entendido] como uma experiência arquetípica” (os itálicos são meus),
explicando que está usando deliberadamente as expressões de Jung, pois parece que elas

79
Para (Não) Finalizar

se aplicam à experiência do nascimento. Aqui está em curso a substituição de termos da


linguagem de Jung por termos de uma linguagem alternativa, que já se encontram na
parte não especulativa da psicanálise freudiana e que serão particularmente valorizados
por Winnicott: o nascimento não é visto como a manifestação importante de um
“arquétipo transcendente”, mas um acontecimento somático experienciado por todos
os seres humanos e, por isso, arquetípico.

Já na sinopse para o livro Natureza Humana, de 1954, encontramos mais uma


aproximação de linguagens: “O falso si-mesmo: normal e anormal, o si-mesmo cuidador,
a persona (cf. Jung)” (Winnicott, 1988, p. 166; tr. p. 188). Na resenha, Winnicott
propõe a tradução da expressão junguiana “personalidade no 1” – usada para designar
a persona, a personalidade extrovertida, que está colada ao mundo externo de modo
impessoal – pela expressão “falso si-mesmo” da sua linguagem (p. 488; tr. p. 369).

Uma postura semelhante – que consiste na recepção das teses de Jung seguida de sua
modificação – é tomada por Winnicott no artigo “Posição depressiva no desenvolvimento
emocional normal”, terminado em 1955, que trata da constituição do mundo interno
na fase do concernimento. Esse processo acontece, em primeiro lugar, em virtude
de experiências instintuais do tipo digestivo elaboradas imaginativamente, que são
“fundamentais a todos os seres humanos em toda parte e sempre serão” (1958a, p.
273; tr. p. 368). Ele repousa, em segundo lugar, sobre materiais incorporados, retidos
ou eliminados, o que implica a existência de um mundo interno ao corpo integrado
pelo psiquismo, chamado por Freud, Jung e muitos outros, sob influência da filosofia
moderna, de mundo interno. Esses fenômenos são também similares entre os bebês
onde quer que vivam, embora, decerto, os observadores possam encontrar diferenças
nos costumes que prevalecem em determinada cultura em certa época. Em terceiro lugar,
inclui os relacionamentos totais ou situações ambientais magicamente introjetadas e
fatores pessoais projetados (1958a, p. 272; tr. p. 368).

O primeiro grupo de fenômenos, o de experiências instintuais satisfatórias, pode ser


referido pela expressão “experiências arquetípicas” e proveitosamente relacionado ao
trabalho de Jung e dos psicólogos analíticos sobre arquétipos:

O que acontece aqui pertence à humanidade como um todo, e propicia as bases de tudo
aquilo que é comum aos sonhos, à arte, à religião e aos mitos do mundo, independentemente
do tempo. É dessa matéria que é feita a natureza humana. (WINNICOTT, 1958a, p. 273;
tr. p. 369)

Duas crianças, diz Winnicott num texto de 1968, podem “construir casas semelhantes
por causa do denominador comum existente nos materiais de construção e também
por causa dos elementos arquetípicos do sonhar” (1989a, p. 204; tr. p. 161). Os sonhos,

80
para (não) finalizar

a arte, a religião e os mitos do tipo junguiano são resultado da elaboração imaginativa


das funções corpóreas, em particular, das do tipo digestivo, que possuem certos traços
invariantes. Aqui o vínculo com Jung termina, pois Winnicott recorre à sua teoria do
amadurecimento para dizer que esses invariantes estão presentes na natureza humana
“somente nos casos em que o indivíduo alcançou a posição depressiva”, ou seja,
quando já está estabelecida a divisão entre o interno e o externo, e não, como diz a
teoria junguiana do inconsciente coletivo, pois os seres humanos, em todos os tempos e
lugares, seriam constituídos pelas mensagens vindas do além-mundo.

Na resenha, encontramos outras reinterpretações de Jung. A fim de se defender da


depressão materna, Jung teria feito uso de diferentes mulheres e “uma dessas
mulheres constituiu a base para a sua concepção de sua própria anima” (1989a, p. tr.
p. 367). Winnicott prossegue: “(Para mim, a anima é aquela parte de qualquer homem
que pudesse dizer: ‘Sempre soube que era uma mulher’)” (1989a, p. tr. p. 367). No
mesmo estilo de releitura, Winnicott observa: “(para mim), seu [de Jung] conceito de
inconsciente coletivo fez parte da sua tentativa de lidar com sua falta de contato com
o que poderia agora ser chamado de o-inconsciente-segundo-Freud” (1989a, p. 488;
tr. p. 369). Ou ainda: “a mandala, do meu ponto de vista, é construção defensiva, uma
defesa contra aquela espontaneidade que tem a destrutividade como seu vizinho de
porta” (1989a, p. 491; tr. p. 371).

Winnicott não opta pela linguagem de Freud como sendo a única, nem considera
que a sua própria pode dizer tudo. Na palestra já mencionada para a Associação de
Psicologia e Psiquiatria Infantil, de 1967, ele recomenda o uso, ao lado de seus termos
unintegration e desintegration, do termo deintegration de M. Fordham, por entender
que ele tem “valor na descrição da ideia de anulação da integração, como na cisão como
defesa” (1996a, p. 237; tr. p. 207).

Ainda na resenha, Winnicott ressalta, no mesmo espírito, a importância dos dois


conceitos de inconsciente, o freudiano e o junguiano. Os estudiosos de natureza
humana perderiam algo essencial se sacrificassem o inconsciente reprimido de Freud.
Ao mesmo tempo, eles ganhariam muito ao aprenderem a apreciar o inconsciente tal
como descrito por Jung:

Se o significado especial de Jung para a palavra “inconsciente” for entendido e mantido


separado dos vários empregos que Freud deu ao termo, é então possível ao psicanalista
unir-se àqueles que, muito numerosos, encontram nos textos de Jung uma contribuição
tremenda para o estudo das pessoas e para a correlação de fatos coletados de toda parte.
Mas [vale lembrar que] o psicanalista sacrificaria valores essenciais se abandonasse
os variados sentidos de Freud para a palavra “inconsciente”, inclusive o conceito do
inconsciente reprimido. Não é possível [, contudo,] conceber um inconsciente reprimido
81
Para (Não) Finalizar

com uma mente cindida; ao invés disso, o que se encontra é a dissociação. (1989a, pp.
488-9; tr. p. 370; os itálicos são meus)

Nesse trecho, temos indicada a chave do procedimento que Winnicott usa para avançar na
tentativa de estabelecer, se não a união, pelo menos a comunicação entre os freudianos
e os junguianos:

a. tentar entender o significado específico de termos usados por cada autor


ou grupo;

b. não misturar os sentidos e empregos distintos;

c. fazer isso identificando o domínio de aplicação de cada palavra no


processo de amadurecimento ou nos distúrbios desse processo.

Quanto ao modo de teorização, Winnicott jamais deixará de pedir o “exame objetivo”


dos dados relativos à natureza humana que considera incompatível com o recurso ao
mito, à religião etc. Tampouco aceitará a crítica de que Freud traiu a ciência e elevou
a sua teoria da sexualidade a um dogma. Ao lado de hipóteses “adequadas apenas
para um momento”, isto é, à espera de serem testadas – o único tipo de hipóteses
científicas que parece ter sido considerado por Jung –, Winnicott admitirá, com Freud,
a necessidade de “hipóteses de trabalho”, cuja “adequação” não é momentânea, nem
é objeto de testes diretos, mas advém da sua fertilidade, do fato de serem úteis como
guias na pesquisa científica que visa à produção de hipóteses, estas sim, pelo menos
em princípio, diretamente testáveis por confrontação com os fatos num processo que
nunca chega a um resultado final.

Aos resultados das organizações defensivas de Jung que revelariam o todo do ser
humano, o núcleo do si-mesmo e o sentido profundo da vida, podemos preferir, observa
Winnicott, os tateios de Freud e [mesmo] o seu fracasso gradual em finalizar qualquer
coisa, exceto que ele pôs em movimento um processo, que nós – e todas as gerações
futuras – podemos utilizar para a terapia, que é uma pesquisa da natureza do homem, e
para a pesquisa, que é uma terapia do homem. (WINNICOTT, 1989, p. 483; tr. p. 366)

Contudo, Winnicott assinala, como vimos, que o cientista precisa poder alucinar, falar
como um louco na clínica, relacionar-se com os pacientes, quando necessário, em
formas pré-verbais e tirar lições teóricas de efeitos terapêuticos desse modo de falar e
de se portar.

Winnicott procede como Freud ao estudar o inconsciente cindido dos psicóticos.


Ao mesmo tempo, ele faz uma concessão a Jung: para entrar em contato com pessoas
cindidas, precisamos ser capazes de usar símbolos e nos comunicar em linguagem

82
para (não) finalizar

pré-verbal, mas sempre com base na experiência efetiva clínica ou do cotidiano, sem
ceder à tentação de atribuir, a essa experiência, sentidos retirados do pensamento
não científico – em particular, o caráter de manifestação do divino no humano – e
de proceder sem método algum, guiados unicamente, como aconselha Jung, pela
experiência do numinoso.

Possíveis consequências institucionais


Interessando em compreender, integrar e mesmo desenvolver a contribuição de Jung,
Winnicott mantinha contatos com alguns junguianos, por exemplo, com Michael Fordham.
Ele se posicionou, repetidas vezes, sobre o relacionamento entre o grupo dos junguianos e o
dos freudianos. Numa carta de 1950, dirigida a Otto W. S. Fitzgerald, que lhe havia solicitado
sugestões para reunir, na Grã Bretanha, psiquiatras, psicoterapeutas e psicanalistas, tal
como acontecia nos EUA, Winnicott observa que seria uma “perda de tempo ficar sentado
planejando comitês para a organização de algum tipo de ensino que fosse um meio-termo
entre aquilo que costumamos chamar de várias escolas de pensamento” (1987b, p. 19; tr.
p. 18). Mesmo assim, ele prevê a possibilidade de uma unificação dessas várias escolas e
atribui essa tarefa ao grupo dos psicanalistas que, pensando no futuro, “deverá finalmente
incluir o que há de bom em todos os outros grupos” (1987b, p. 19; tr. p. 18).

Por que essa posição privilegiada concedida ao grupo psicanalítico? Winnicott argumenta
dizendo recear que nenhum outro grupo de psicoterapeutas tenha capacidade para se
desenvolver do modo a incluir todos os outros, em particular, para absorver o grupo
freudiano. A única exceção seriam, talvez, os junguianos. Contudo, na opinião pessoal
de Winnicott, a comunidade dos junguianos não tem uma base doutrinal comum
suficientemente bem estruturada para impedir a entrada de psicoterapeutas que,
apesar de talentosos e até mesmo brilhantes, carecem da experiência de “disciplina
psiquiátrica” (p. 20; tr. p. 18). Tais membros – esse é o pensamento subjacente à reserva
de Winnicott em relação ao junguianos – tornariam impossível o trabalho coletivo
numa eventual sociedade unificada de terapia psicológica de cunho científico.

Winnicott defende uma tese parecida sobre a sociedade dos junguianos em uma carta a
Oliver H. Lowry, de 1956, que trata da proposta de uma cátedra de psiquiatria infantil.
Winnicott escreve: “Em minha opinião, deveríamos procurar [formar] um pediatra que
tenha recebido um treinamento pediátrico reconhecido, ao qual se acrescentaria um
treinamento psicanalítico reconhecido” (1987b, p. 101; tr. p. 88), ou seja, aquele que
tem o aval da BPS (e, portanto, da IPA). Ele acrescenta um porém:

Se for levantada essa questão no país, haverá protestos da parte dos


junguianos, dentre os quais há alguns profissionais destacados. E também

83
Para (Não) Finalizar

da parte de alguns dos ecléticos. Acho que você concordará comigo,


entretanto, que devemos apresentar a exigência da formação psicanalítica,
a qual, de qualquer modo, neste país, é bem melhor do que qualquer outro
programa de formação comparável. (1987b, p. 101; tr. p. 88)

Como se vê, além de se posicionar do lado dos “freudianos”, Winnicott reafirma a


sua filiação à BPS também em termos sociológicos, mostrando-se confiante de que os
psicanalistas reunidos na BPS são um “grupo científico consolidado” (1987b, p. 19; tr.
p. 17), com a capacidade de desenvolver e, caso necessário, ampliar e mesmo mudar a
psicanálise freudiana e basear nela, devidamente refeita, um esquema sólido de ensino,
aberto para futuros desenvolvimentos.

Tarefa impossível?

Conforme foi visto, o estabelecimento de termos de acordo entre a psicanálise e a


psicologia analítica, vislumbrado e talvez mesmo almejado por Winnicott, não poderá
ser realizado como uma simples justaposição ou por um exercício de intertextualidade
entre a psicanálise freudiana e a psicologia de Jung. Exige-se, sobretudo, a superação
das limitações teóricas de cada uma dessas disciplinas. As condições mínimas para o
êxito são as seguintes:

1. Transformação do paradigma instintual de Freud em uma parte do


paradigma mais amplo que pudesse acomodar os insights decisivos de Jung;

2. reelaboração do “saber” junguiano na forma de uma teoria científica;

3. inserção dos resultados dos dois primeiros passos num único quadro
teórico, do qual faria parte a teoria winnicottiana do amadurecimento.

Winnicott jamais tentou realizar esse programa. Ele nem ao menos explicitou o que
está antecipado, ainda que de uma forma bastante vaga e apenas indicativa, na sua
resenha de Jung. Talvez porque não tinha ilusões quanto às dificuldades de realização
da tarefa de unificação doutrinal e institucional do campo da psicoterapia. No discurso
já mencionado diante da Associação de Psicologia e Psiquiatria Infantil, composta
de membros de diferentes áreas (psicanalistas, junguianos, psiquiatras, educadores,
assistentes sociais etc.), ele se pergunta se uma associação desse tipo poderá ter
uma “identidade” de grupo, algo que “a faça ser e mantenha a continuidade da sua
existência” (1996a, p. 235). Preocupava-se com a formação e a estabilidade de grupos
de psicoterapeutas, isto é, com a possibilidade de se elaborar um programa diretor
para essa associação, levando em conta os antagonismos potenciais que ela continha
“embaixo da sua pele”.

84
para (não) finalizar

E comenta:

Eu me preocupo com tudo o que age contra a coesão. Às vezes, parece


um milagre um grupo afirmar que é um grupo. Se existe desconfiança
mútua, vamos examinar a desconfiança mútua. Temos de correr o risco
de desintegração, ao examinar a nós mesmos. Mas se não assumirmos
esse risco, estaremos ligados pelo medo da desunião, que é um fator de
negação. (1996a, pp. 237-238; tr. p. 207)

Não sei o que poderiam pensar os junguianos da proposta de Winnicott de se chegar a


um acordo entre a psicanálise e a psicologia analítica. Os que estão familiarizados com o
uso de Winnicott por parte de M. Fordham poderiam talvez ter alguma simpatia com a
proposta. Mas posso dizer, com bastante certeza, que ela não é aceitável, sem mais nem
menos, para os psicanalistas. Os freudianos dificilmente aceitariam as mudanças no
paradigma original freudiano introduzidas por Winnicott e elencadas anteriormente.
Os kleinianos não poderão participar do acerto enquanto continuarem a trabalhar com
o Édipo precoce, com as pulsões de vida e de morte e com a suposição da existência de
processos mentais sofisticados nos bebês recém-nascidos.

Lacan não poderá aderir, por várias razões, entre elas, por excluir da psicanálise as
relações objetais duais e as relações ambientais, traço central do exemplar winnicottiano,
insistir sobre o caráter essencial das relações triangulares e considerar que o ser
humano, o “sujeito”, é constituído de fora para dentro, pela imagem e pelo símbolo,
isto é, pelo outro, e não pelo seu próprio gesto criador, facilitado, mas não produzido,
pela provisão ambiental.

Por outro lado, as cartas de Winnicott revelam que a sua confiança na postura científica
dos psicanalistas da BPS nunca foi muito forte. Ele jamais aceitou a divisão oficial da
BPS em kleinianos e annafreudianos, que refletia, como bem observa Roudinesco, a
incompatibilidade total entre as leituras de Freud praticadas por esses grupos e, embora
evitasse cisão, condenava a BPS à esterilidade intelectual (ROUDINESCO, 1993, p. 262).
Em 1954, Winnicott dirigiu uma carta a Anna Freud e M. Klein na qual fez um pedido
veemente pela abolição de dois grupos em nome da “causa da ciência” (1987b, carta 43).
Ambas rejeitaram a proposta. A esperança de Winnicott de ver a BPS funcionar como
uma sociedade científica foi progressivamente abalada com o decorrer do tempo, em
particular, devido às reações dos kleinianos diante das suas próprias contribuições, que
começavam a aparecer com força precisamente no final dos anos 1950. A caracterização
de Winnicott na breve biografia escrita por Pearl King mostra bem o ambiente que
cercava Winnicott na BPS. Segundo King, nos anos 1930, Winnicott era considerado
um kleiniano. Nos anos 1940, Klein e Winnicott começaram a ter problemas, por ele
ser “um individualista” e não aceitar de “submeter, com a devida antecedência, suas

85
Para (Não) Finalizar

contribuições a ela e ao grupo dela para serem inspecionadas”. Isso se fazia necessário,
visto que Winnicott estava cometendo uma quantidade de “erros crassos”. Nos anos
1950, Winnicott já não era mais considerado como kleiniano, mas “independente”,
embora, anota King, odiasse ser rotulado por quem que seja (KING; STEINER, 1991,
p. XXIV). Mas isso não é o pior. Na mesma época, Klein e Rivière, não só negavam que
a obra de Winnicott tivesse qualquer valor, como viam nela o resultado da doença dele
(GROTSTEIN, 1992, p. 14).

Os ataques continuaram, mesmo fora da Inglaterra. O artigo de Winnicott sobre o uso


de objeto, hoje um clássico da literatura psicanalítica, apresentado em 1968 na New
York Psychoanalytic Society, foi recebido pelos kleinianos locais com uma hostilidade
violenta, fato que suscitou o seguinte comentário de M. Little: “O efeito foi extremamente
nocivo, e persiste em certas áreas até hoje. A hostilidade ainda continuará durante
muito tempo, até que um número maior de pessoas compreenda a sua intenção [...]”
(1992, p. 111)

Uma prova adicional de que Winnicott tinha perfeita consciência das dificuldades em
conseguir o reconhecimento do valor de suas ideias está na queixa amarga relativa às
resistências persistentes entre os psicanalistas em absorverem até mesmo uma das
suas contribuições mais significativas (e mais badaladas), a teoria dos objetos e dos
fenômenos transicionais. Em 1971, poucos dias antes de morrer, no prefácio de O
brincar e a realidade, Winnicott escreve:

Quando volto o olhar para a última década, fico cada vez mais
impressionado pela maneira como essa área de conceitualização tem
sido negligenciada não só na conversação analítica, que está sempre
se efetuando entre os próprios analistas, como também na literatura
especializada. (WINNICOTT, 1971a, p. XI; tr. p. 9)

Mesmo assim, creio que ao fazer, poucos dias antes de morrer, a chamada por uma
revolução na psicanálise, mencionada anteriormente, Winnicott, certamente cansado
e doente, não fazia um grito de desesperançado. Ele tinha algumas boas razões de
acreditar numa revolução que garantisse o futuro da psicanálise. Não apenas por ter
fé no valor da sua própria obra, imensa, como pontapé inicial dessa revolução, mas
também porque não estava completamente só. Penso nos seus contemporâneos que
acreditaram nele e o apreciaram, entre eles S. Isaacs, John Rickman, Marion Milner,
Margeret Little, Masud Khan, Michael Fordham e Harry Guntrip.

Michael Balint, sucessor de Winnicott na presidência da BPS (1968 a 1970), merece


um destaque especial. Rotulado de independente, Balint foi usado, como vários outros
“independentes”, Winnicott no meio, para ocupar cargos e funções oficiais, a fim de

86
para (não) finalizar

amenizar conflitos entre os kleinianos e os annafreudianos internos à BPS ou mesmo


externos, que envolviam a IPA. Há outro paralelo entre os dois: assim como Winnicott,
Balint não era levado em conta, em especial pelo kleinianos, como teórico da psicanálise.

Balint era posto de lado certamente por ter sido o depositário da herança literária
subversiva de Ferenczi, cuja publicação foi bloqueada pela IPA. Contudo, havia outros
motivos. Desde os anos 1930, Balint firmou-se como crítico agudo do conceito freudiano
de narcisismo primário. Além disso, sob a influência de Ferenczi, iniciou, e continuou
durante a vida toda, o estudo dos relacionamentos duais, pré-genitais (do “amor objetal
primário”). Concebeu as psicoses, os distúrbios de caráter e vários outros distúrbios,
tradicionalmente excluídos do campo da psicanálise, como patologias que se originam,
nessa área pré-edípica, da falta de “encaixe” (lack of “fit”) entre a mãe o bebê ou, como
Balint passou a dizer na fase tardia, quando já falava a linguagem de Winnicott, das
deficiências de manejo (mismanagment). De acordo com esse diagnóstico, Balint
propôs uma terapia não freudiana para o tratamento dos distúrbios mencionados,
baseada na ideia de “encaixe” e, ainda, na de manejo da regressão.

Nos final dos anos 1960, Balint já tem bem claro que nenhuma das duas principais
escolas da psicanálise tradicional, a freudiana e a kleiniana, têm recursos teóricos
e clínicos necessários para entender e tratar adequadamente da relação dual
analisando-analista, em particular do hiato (gulf, gap) que separa “o bebê no paciente
do analista adulto” (1992, pp. 90 e 182), hiato que pode ter existido já entre o paciente
enquanto bebê e a mãe, devido à ocorrência da “falta básica” ou, nas palavras de
Winnicott, da falha de manejo. Os freudianos não podem avançar nas questões dos
relacionamentos duais por serem presos à área de relacionamentos triangulares
edípicos e por falarem a linguagem de adultos (BALINT, 1992, p. 99), os kleinianos,
pela mesma razão, pois “não vão além do alcance da linguagem convencional” edipiana,
apesar de “estenderem constantemente a [sua] semântica” (pp. 104-105)

Ao mesmo tempo, Balint constata a existência de um terceiro grupo de psicanalistas,


muito menos organizados que os dois anteriores e espalhados pelo mundo analítico
afora, os quais, sem negar a eficácia dos procedimentos convencionais na área edípica,
ampliaram o alcance teórico e clínico da psicanálise por não usarem apenas a linguagem
dos adultos, mas também a linguagem que possa ser entendida também pelos “bebês
nos pacientes” regredidos, e tratarem as consequências das falhas ambientais e a
regressão desses pacientes lançando mão de manejo. Winnicott teria sido “o mais
versátil inventor” de palavras psicanalíticas e de modos de falar que podem ser usados
na comunicação desse tipo (BALINT, 1992, p. 168). Com base nessas considerações,
Balint observa:

87
Para (Não) Finalizar

É bem verdade, a escola do “manejo” mal pode ser chamada de escola, por contraste
às duas outras previamente mencionadas, pois lhe falta organização ou coesão e, por
conseguinte, ela não desenvolveu uma linguagem própria, embora existam sinais de que
isso possa acontecer sob a influência das ideias de Winnicott. (BALINT, 1992, p. 116)

De 1968 para cá, a posição de Winnicott no campo psicanalítico mudou radicalmente,


em parte além das expectativas de Balint. Winnicott foi reconhecido pela maioria de
psicanalistas atuantes como uma das maiores figuras da história da psicanálise e a sua
obra tornou-se objeto de estudos tanto nas sociedades tradicionais de psicanálise como
nas instituições universitárias, no Brasil e no exterior.

A sua linguagem, contudo, não foi aceita universalmente, pior, passou a ser usada nos
exercícios intertextuais, que tiveram sua origem na psicanálise lacaniana, práticas de
discursos meramente retóricos, a retoricação fazendo as vezes da descrição, teorização
e argumentação. Por outro lado, há grupos em vários países que declaradamente
optaram por falar a linguagem da psicanálise winnicottiana, sem acalentar – seguindo
nisso Winnicott e Balint – qualquer pretensão de chegar um dia a falar uma linguagem
unificada da psicanálise e, menos ainda, de toda a área da psicoterapia. Alguns desses
grupos foram devidamente institucionalizados. Um deles, reunido na Sociedade
Brasileira de Psicanálise Winnicottiana, com seus diferentes Centros, abriu, ainda em
2003, uma Escola Winnicottiana de Psicanálise, a qual oferece, assim como o Grupo
Winnicott da SPF, de Paris, formação em psicanálise winnicottiana. Em maio de 2013,
foi fundada em São Paulo a International Winnicott Association (IWA), que conta
como membros 15 Grupos Winnicott de 9 países diferentes, com centenas de membros
individuais. As palavras de Balint sobre a possível constituição futura de uma “escola
do manejo” baseada nas ideias de Winnicott talvez soassem, em 1968, ainda uma
exortação; hoje, elas podem ser escutadas como proféticas.

A essa lista, poder-se-ia acrescentar outros termos junguianos, por exemplo,


“individuação”, cujo significado é assunto de um texto póstumo de Winnicott, datado
de 1970 (1989a, cap. 38).

Ver, ainda, Jung 1963, pp. 3, 72, 84, 144, 185, 192, 299, 304 e 322.

Sobre a recusa de Winnicott dos estudos da alquimia, cf. Winnicott, 1996a, p. 237; tr.
p. 206.

A distinção entre o retraimento patológico e a autocomunicação central sadia foi feita


por R. D. Lang; veja Winnicott, 1965b, p. 190.

Sobre esse ponto, veja, ainda, Winnicott, 1965b, p. 187; tr. p. 170.

88
para (não) finalizar

A precedência do núcleo do si-mesmo a todo relacionamento, inerente ao indivíduo,


mas constantemente ameaçado pela comunicação que, para Winnicott, se constitui no
pior dos pecados, pode ser vista como a versão winnicottiana da tese heideggeriana
da transcendência, enunciada em ser e tempo, que diz que o ser-o-aí no homem se
transcendente a si mesmo pela possibilidade inerente de não-mais-ser-o-aí e, portanto,
não-mais-estar-aí. A diferença reside no fato de Winnicott pensar o além-ser a partir do
passado, isto é, da origem, alcançável pacificamente, serenamente, por uma regressão
extrema (WINNICOTT, 1988, p. 132; tr. p. 154), e Heidegger, de ser e tempo, a partir do
futuro, do fim, «aberto» para uma progressão extrema, um «precursar» antecipatório
angustiado (parágrafo 53). Observa-se que o Heidegger tardio também passará a
pensar a «transcendência» a partir da origem, de uma maneira que pode ser posta em
paralelo com a concepção winnicottiana de antecedência ou precedência, no homem,
do nada (vazio, não relacionamento, quietude, não diferenciado, pura simplicidade,
não dependência) ao ser (expectativas preenchidas, relacionamento ativo com o mundo
e as coisas, diferenciação de relacionamentos, dependência). Esse tema é abordado em
Loparic, 2007.

Em outubro de 1970, poucos meses antes de morrer, Winnicott escreveu: “No entanto,
como pensadores, não estamos exonerados de tentar uma abordagem holística” (1986b,
p. 133; tr. p. 88).

Observações relevantes de Winnicott sobre esse assunto encontram-se em Winnicott,


1965b, p. 24; tr. p. 27, e 1971a, p. 122; tr. p. 145

Sobre sonhos do tipo junguiano e freudiano, cf. Winnicott, 1958a, p. 96; tr. p. 162. Nos
dois casos, trata-se de sonhos que não são pessoais, criativos (cf. 1989a, p. 204; tr. p. 161).

Apontamentos que abordam esses mesmos assuntos e vão na mesma direção


encontram-se em Sedgwick, 2010.

Sobre o significado do termo “deintegration” em Fordham, veja Fordham, 1969, p. 113.

Sobre esse ponto, no qual Jung, leitor de Freud, se aproxima de Popper, enquanto
Winnicott e Freud parecem tomar o lado de Kuhn, veja Winnicott, 1989a, p. 194; tr. p.
152. Para uma leitura kuhniana de Freud, cf. Loparic, 1985.

O exemplo clássico de uma fala “louca” de Winnicott é dado no caso FM (WINNICOTT,


1989a, cap. 28).

O livro já citado de Michael Fordham (1969) apresenta claras aberturas para a teoria
winnicottiana do amadurecimento.

89
Para (Não) Finalizar

A minha expressão “para serem inspecionadas” traduz o verbo to vet de King, cujo significado
original é “fazer o serviço de veterinário”, “examinar assim como faz um veterinário”

Infelizmente, esse não é nem de longe o único caso de uso do diagnóstico psicanalítico
para fins políticos. Na mesma época, Ernest Jones, ao escrever a sua biografia de Freud,
atribui a Ferenczi “inclinações psicóticas latentes”, que se teriam revelado, entre outras
maneiras, “por um afastamento de Freud e de suas doutrinas” (DIAS, 2011, p. 266).
O notável relato de M. Little sobre a sua análise com Winnicott – que põe a nu a ineficácia
da psicanálise freudiana, centrada no complexo de Édipo, para o tratamento de estados
regressivos relacionados à psicose, ao mesmo tempo que ilustra o poder terapêutico do
manejo praticado por Winnicott –, texto recusado para publicação pelo International
Journal of Psychoanalysis, mas em seguida editado pela Free Association Books, foi
recentemente desqualificado mais uma vez, como peça na qual “a patologia espirra por
toda parte” (CALDWELL, 2007, p. 160).

Entendo que tem sido de pouco consolo para Winnicott ter notícia, em 1960, do interesse
de Lacan pelo seu conceito de objeto transicional (veja a carta de Lacan a Winnicott de
agosto desse ano, Natureza humana, v. 7, no 2, p. 474). As referências a esse conceito
em Écrits (1966), se Winnicott as leu – uma que acopla de forma incisiva o conceito de
objeto transicional ao conceito de fetiche e a outra que o insere na “dialética do desejo”
– dificilmente lhe levantariam o ânimo. A notícia de que o mesmo conceito serviu de
inspiração a Lacan para a introdução, no Seminário de 1962/1963, na época ainda não
publicado, do conceito de objeto pequeno a, só pioraria as coisas, pois Lacan se serve de
argumentação totalmente alheia às ideias de Winnicott.

Em 1953, Winnicott presidiu a comissão da IPA, fortemente influenciada por Anna


Freud, a qual não autorizou, por motivos doutrinários, a filiação de Lacan e Dolto
(ROUDINESCO, 1993, pp. 324-325).

Numa carta a Meltzer, um kleiniano, de 1966, Winnicott lamenta o fato de que, na


BPS, todos tendem a negligenciar a obra de Balint, que desenvolveu trabalho teórico
construtivo durante 40 anos (WINNICOTT, 1987b, p. 161).

Sobre esse assunto, veja Dias, 2011, texto 9.

Cf. Balint, 1992, p. 110. Veja, por exemplo, Balint, 1952, cap. 5 e 14, bem como Balint,
1992, caps. 7-13 e 14-18.

Pode não ser sem interesse notar que Lacan exclui categoricamente da psicanálise as
relações duais em geral, tanto as entre a mãe e o bebê, como a entre o analisando e o
analista (LACAN, 1975, caps. I.2, XVI e XVII, e Lacan, 1994, cap. IV.1.

90
para (não) finalizar

A prova disso são os escritos de Adam Phillips, Christopher Reeves e Jan Abram,
na Inglaterra, Dodi Goldman, Heinz Kohut, Jay R. Greenberg, Stephen A. Mitchell
e Thomas H. Ogden, nos EUA, André Green, Jean-Bertrand Pontalis, Jean-Pierre
Lehmann, Laura Dethiville e René Roussillon, na França, Axel Honneth e Caroline
Neubaur, na Alemanha, Vincenzo Bonaminio, na Itália, Ofra Eshel, em Israel, para citar
apenas alguns entre muitos nomes de estudiosos estrangeiros que se envolveram com a
discussão das ideias de Winnicott. A eles convém acrescentar nomes de pesquisadores
winnicottianos no Brasil, tais como Elsa Oliveira Dias, Gilberto Safra, José Outeiral e
Júlio de Melo, para mencionar apenas alguns.

O abandono de uma linguagem única para a psicanálise considerada ao longo da sua


história é uma consequência direta da tese, defendida pela escola Winnicottiana de São
Paulo, de que Winnicott mudou o paradigma da psicanálise criado por Freud. Novo
paradigma implica nova linguagem e, por isso mesmo, nova edição de mundo.

Fonte: LOPARIC, Zeljko. Winnicott e Jung. Winnicott e-prints, São Paulo , v. 7, no 2,


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