Psicanalise para Carl Gustav Jung e Donald W Winnicott
Psicanalise para Carl Gustav Jung e Donald W Winnicott
Psicanalise para Carl Gustav Jung e Donald W Winnicott
e Donald W. Winnicott
Brasília-DF.
Elaboração
Produção
Apresentação.................................................................................................................................. 5
Introdução.................................................................................................................................... 8
Unidade I
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG........................................................................... 11
Capítulo 1
História e constituição da psicanálise............................................................................. 11
Capítulo 2
O método psicanalítico.................................................................................................... 23
Capítulo 3
A natureza do inconsciente.............................................................................................. 26
Unidade II
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott.................................................................................... 32
Capítulo 1
Lugar de Winnicott na psicanálise................................................................................... 42
Capítulo 2
As teorias do amadurecimento, a relação mãe-bebê e o brincar............................... 45
Unidade III
Os Aspectos da Prática Clínica...................................................................................................... 51
Capítulo 1
Aparelho psíquico.............................................................................................................. 51
Capítulo 2
As diferentes psicanálises.................................................................................................. 59
Capítulo 3
Teoria da personalidade.................................................................................................... 64
Unidade IV
As diferentes formas de atuação.................................................................................................. 68
Capítulo 1
Como trabalha Jung: entrevista....................................................................................... 68
Capítulo 2
Como trabalha Winnicott: relato e discussão de um caso......................................... 72
Referências................................................................................................................................... 92
Apresentação
Caro aluno
Conselho Editorial
5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Atenção
6
Saiba mais
Sintetizando
7
Introdução
A presente disciplina tem o objetivo de introduzir os fundamentos da psicologia analítica
de Carl Gustav Jung e os fundamentos psicanalíticos de Donald Woods Winnicott.
Para tanto, o estudo da teoria e da técnica psicanalítica sempre nos remete a Sigmund
Freud, inventor da psicanálise e autor sempre referenciado nos diferentes rumos teóricos
que nos propomos a estudar. Cabe, no entanto um breve resumo de seu percurso nesta
introdução e, adiante nos capítulos deste Caderno de Estudos, referências aos principais
marcos teóricos e técnicos de sua produção acadêmica e científica.
Sigmund Freud nasceu em uma família judia na cidade de Friebir na Áustria em 1856.
Viveu grande parte de sua vida em Viena e posteriormente, por conta da II Guerra
Mundial e do Nazismo, mudou-se para Londres, onde veio a falecer em 1939.
Objetivos
»» Introduzir os fundamentos da psicologia analítica de Carl Gustav Jung e
os fundamentos psicanalíticos de Donald Woods Winnicott.
8
»» Compreender a história e a constituição da psicanálise, o método psicanalítico
e a natureza do Inconsciente na perspectiva de Carl Gustav Jung.
»» Compreender como trabalha Jung por meio de uma entrevista com uma
psicóloga junguiana;
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10
FUNDAMENTOS DA
PSICOLOGIA ANALÍTICA Unidade I
DE JUNG
Iniciaremos nossos estudos pela história e constituição da teoria e da técnica psicanalítica
que servirá de base necessária para a compreensão de Jung e Winnicott. Mesmo tendo
havido ruptura teórica e técnica entre Freud e Jung, a base psicanalítica sempre parte
das construções freudianas. Winnicot, por sua vez, partiu de achados freudianos e deu
segmento ao que em sua prática clínica representou a base de sua teoria.
Certamente essa releitura da descoberta da psicanálise ilumina cada vez mais os estudos
psicanalíticos. A obra freudiana, por exemplo, deve ser lida e relida inúmeras vezes, no
intuito de alargar cada vez mais a compreensão teórica e técnica.
Capítulo 1
História e constituição da psicanálise
Iniciamos com algumas considerações acerca do estudo sobre histeria que, de acordo
com o Freud descreveu no artigo Histeria (1888) escrito para a enciclopédia Villaret,
teria sua origem nos primórdios da medicina significando “útero”, dado o preconceito
de que essa patologia estaria vinculada a uma irritação nos genitais femininos. Nesse
mesmo artigo, cita os principais sintomas do transtorno: os ataques convulsivos
epilépticos, a presença de zonas histerógenas (zonas que, pressionadas, produziriam
uma sensação análoga à convulsiva), distúrbios dos órgãos sensitivos, paralisias
e contraturas.
Freud era docente em neuropatologia e estudou em Paris entre 1885 e 1886, com uma
bolsa de estudos da Universidade de Viena, realizando estudos sobre a histeria no
Hospital da Salpêtrière com seu professor Jean-Martin Charcot. Conforme colocado no
“Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim” (1886), Freud revelou sua admiração
pela proposta de Charcot que buscava desconstruir a ideia de que os sintomas histéricos
eram fingimento, de que a origem se dava por uma irritação genital e consideravam
a existência e o tratamento da histeria masculina. Assumia, portanto, o conceito de
etiologia não orgânica, ou de doença sem correspondência orgânica. É também de
11
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG
Charcot que Freud traz a técnica do hipnotismo, que não se tratava de “material raro e
estranho” nem com “fins místicos”, mas terapêuticos.
O primeiro método empregado por Freud na cura da histeria foi a sugestão hipnótica,
descrita no artigo “Hipnotismo”, 1891. Tratava-se de hipnotizar o paciente com o intuito
de rebaixar sua consciência e, durante esse estado, negar queixas apresentadas antes
pelo paciente, assegurar que ele pode fazer algo do qual se sentia inibido ou dar uma
ordem para que execute quando despertar. Em “Um caso de cura pelo hipnotismo”
(1892-1893) Freud sugere a uma paciente que não consegue amamentar, durante a
hipnose, que dali em diante, conseguirá amamentar e que as contraturas e dores que
sentia durante a amamentação desapareceriam. Desse estudo, Freud analisou que as
vontades e contra vontades em conflito naquela paciente deduz que o funcionamento
psíquico neurótico, estando inclusos os histéricos, se dá a partir de um conflito entre
ideias antitéticas.
Sem muito sucesso com as sugestões, Freud então passa a pedir para que as pacientes
se lembrassem do fenômeno que gerou os sintomas. Ao acordarem, não se recordavam
do que haviam dito. Freud então percebe a existência nos indivíduos de uma instância
psíquica onde a memória da origem dos sintomas era armazenada como em uma
consciência dissociada, uma segunda condição paralela à consciência, o que viria a
se formular como Inconsciente. Quando contava às pacientes o que elas lhe disseram
sob hipnose, se dava uma forte resistência e uma repulsa ao conteúdo descobre-se
o conceito de Resistência – aquele conteúdo apresentado se encontrava em outra
instância psíquica justamente por ser incompatível à consciência de vigília.
O segundo método empregado por Freud, ainda nesses primeiros momentos, foi o
Método Catártico. Ele consistia na associação livre de ideias associadas ao trauma
que desencadeou o quadro histérico, conforme proposto nos “Estudos da Histeria”
(1893-1895). Podendo ser útil uma retomada cronológica dos eventos anteriores ao
aparecimento dos sintomas.
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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I
Freud afirmava que a vivência do trauma se tornou patológica pelo fato de o indivíduo
não ter associado o evento traumático a outros contextos, nem esqueceu ou ab-reagiu
a ele, chorando, falando sobre, se vingando etc. Tanto porque não o pôde fazer no
contexto em que ele aconteceu ou porque se encontrava em um estado alterado de
consciência, como no estado hipnoide. O trauma, mesmo estando no passado, ainda
pulsa dentro do indivíduo atuando na formação de sintomas, ou seja, as histéricas
sofriam de reminiscências.
Nesse modelo, os sintomas histéricos crônicos observados nas paralisias, dores sem
etiologia orgânica, alucinações, se dariam pela passagem de material afetivo dessa
segunda consciência para a consciência original – fenômeno da conversão, enquanto
os sintomas agudos da histeria representavam uma consciência sobre o indivíduo.
O método catártico nesses moldes funcionava pela vazão do afeto inconsciente por meio
da fala, sem necessitar recorrer à conversão para tal. O método catártico promovia não
apenas a consciência dos traumas, mas também dos fatores inerentes a ele.
13
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG
Nesse sentido, Freud considerou o inconsciente como uma estrutura psíquica presente
em todos os indivíduos com funcionamento neurótico que teria importância vital na
vida em sociedade. O sujeito freudiano assume nesse momento as características que
terá no restante da sua obra psicanalítica, ou seja, o sujeito tendo seu psiquismo dividido
entre consciente e inconsciente.
O recalque, por sua vez, compõe uma barreira que divide a consciência do inconsciente,
contudo, permite a expressão de um conjunto de operações que se realizam sobre as
pulsões, conforme Freud coloca em seu artigo “Repressão” (1915). O recalque age de
acordo com o princípio do prazer e o princípio da realidade.
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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I
A satisfação da pulsão através do recalque é muitas vezes parcial, ou seja, parte da energia
psíquica original da pulsão permanece no inconsciente na forma de material recalcado e
esse, por sua vez, se expressa por meio dos quatro derivados do inconsciente: sintoma,
sonho, chiste e ato falho. A distorção realizada pelo recalque às pulsões e ao material
recalcado pode ser de dois tipos: deslocamento, mudança do objeto original da pulsão
para outro que esteja permitido pelo princípio de realidade, mas mantenha relação com o
original e condensação que se configura na escolha de um objeto que satisfaça ao máximo
de pulsões possíveis, compondo o que Freud chamou de processos primários.
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UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG
Uma última contribuição importante desse texto, também presente nos artigos sobre a
técnica consiste na diferenciação que Freud faz entre verdade como realidade externa
compartilhada e, realidade psíquica que compõe a forma como sujeito interpreta a
realidade externa. A realidade externa e sua interpretação podem ou não ser tangíveis ou
sobrepostas, dependendo da análise possível, a partir da realidade psíquica do paciente.
A partir dessa diferenciação entre verdade e realidade psíquica, Freud dedica-se ao tema
da fantasia em Lembranças Encobridoras (1896). Para ele as lembranças encobridoras
seriam um derivado do inconsciente como um constructo inconsciente a partir de uma
realidade consciente que compõe a realidade psíquica do sujeito.
Freud desenvolveu o conceito de fantasia para explicar o fato dos indivíduos não se
recordarem com muita certeza os eventos que aconteceram na infância mais remota,
ora não se lembrando de fato, ora se recordando de eventos de forma mista. Trata-se de
uma lembrança que possui um simbolismo suficiente para se manter viva, substituindo
lembranças daquele período que, por algum motivo, são incompatíveis à consciência.
Dentro desse modelo, Freud no texto O Instinto e suas Vicissitudes (1915) comenta
as psicopatologias. Como a pulsão é tanto um objeto/ideia quanto uma pressão/afeto,
quando esse afeto inconsciente passa para a consciência e não se liga a um objeto de
lá, transforma-se em angústia. Porém, quando o afeto liga-se a uma ideia consciente
trata-se de fobia, ansiedade ou obsessão, conforme o tipo de afeto ligante. Quando o
excesso de afeto assume as inervações somáticas, convertendo esse afeto em sintomas,
trata-se então da histeria.
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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I
Freud afirma que no sonho se manifesta pelo conteúdo manifesto, apresentado de forma
explícita, correspondendo a personagens, cenários e narrativas e, pelo conteúdo latente,
que seria um fragmento inconsciente que sofre um trabalho do sonho, transformando-se
em conteúdo manifesto.
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UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG
A fase oral que pode ocorrer entre 0 a 2 anos, teria como objeto de satisfação a boca,
pela necessidade de alimentação, o bebê descobre o seio que, além de objeto para
satisfação do instinto de fome, gera satisfação sensorial. Nessa fase não há um elemento
intermediário entre o indivíduo e os outros. Considera-se que os atos de prazer
envolvendo a oralidade tem sua origem no deslocamento da fase oral, como comer,
beber, fumar e beijar.
A fase anal, que pode ocorrer dos 2 aos 5 anos, se inicia a partir do controle sobre os
esfíncteres e as demandas que os pais fazem a partir disso. As fezes, dessa maneira,
seria um objeto de comunicação entre os indivíduos e seus pais. O controle se torna não
apenas dos esfíncteres, mas também do ambiente e da entrada e ou saída das emoções.
A fase fálica, que pode ocorrer entre os 5 aos 10 anos aproximadamente, é marcada pelo
autoconhecimento corporal, contato erótico com os genitais, satisfação masturbatória.
No início, não há a necessidade de controle sobre o outro e a saída dessa fase é
determinada pelo deslocamento da autossatisfação por algum objeto.
A passagem pelas fases psicossexuais resultam no complexo de Édipo que possui papel
estruturante e organizador psíquico e emocional para todo ser humano.
A resolução edipiana acontece de forma distinta para o menino e para a menina. No caso
do menino, a autossatisfação é acompanhada por uma identificação com o desejo
do pai pela mãe. Havia previamente uma premissa fálica de que todos os indivíduos
possuíssem pênis, que é quebrada pela observação das diferenças anatômicas entre os
sexos. Nesse ponto, o objeto de desejo é deslocado de si para a mãe. Contudo, entra em
jogo a figura do pai, que interdita o objeto libidinal de seu filho. O filho então vive uma
relação de ambiguidade por seu pai, expressando um amor decorrente, entre outros, da
identificação do filho com seu pai, mas também de ódio pelo fato de ambos competem
pela mesma mulher. Na interdição da mãe, o filho cede ao complexo de castração
representado pelo medo de ter o pênis castrado pelo pai e está então livre para deslocar
seu desejo sexual para outro objeto ou outra mulher, ingressando na fase de latência.
É por meio da interdição da mãe pelo pai que se funda o recalque, na teoria freudiana.
E é por meio da resolução do complexo de Édipo que se funda a instância do superego,
na segunda tópica, que consiste na segunda proposta acerca do funcionamento do
aparelho psíquico elaborada por Freud. O superego é o herdeiro do complexo de Édipo.
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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I
apenas como ponto de rivalidade entre ambas. É a partir do não paterno que a menina,
então, desloca o objeto do pai para outro homem e entra na fase de latência.
Por fim, na fase genital, o prazer é deslocado da masturbação para o interesse na relação
sexual com o outro. No garoto, pela busca da penetração em uma cavidade corporal
que, friccionada com seu pênis ereto, gere prazer.
Como forma de ilustrar suas teorias sobre a sexualidade, Freud estuda o caso do
pequeno Hans, na descrição de caso Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco
Anos (1909). Uma grande importância é dada a esse caso por ter sido o primeiro
momento de intervenção psicanalítica sobre uma sintomatologia infantil. Hans foi
aconselhado por seus pais, que liam e se interessava pela psicanálise, supervisionados
por Freud posteriormente, pelo fenômeno da transferência, talvez Freud tivesse
recriminado essa prática.
Freud indicou, contudo, que existe um tipo de desprazer que não tem origem na privação
de um prazer, mas constitui um desprazer em si, como um grupo de artistas encenando
um drama de traição, morte ou abandono, sendo regidos por um princípio diferente do
princípio da realidade. Esse desprazer tem origem na pulsão de morte.
Nas pulsões de morte, se dá uma nova explicação. Há uma substância inerte e inorgânica
que sofre uma força de forma a tornar-se viva e orgânica – Freud afirma que a psicanálise
não consegue explicar as características dessa força criadora. A partir dessa ação, existe
uma força de reação contrária, de forma a transformar essa substância viva e orgânica
em inerte e inorgânica, de volta ao estado inicial, através da morte do organismo.
Por isso que, para descrever as pulsões de morte, Freud retoma Schopenhauer em
sua constatação de que o sentido da vida é a morte. Em termos de funcionamento,
as pulsões sexuais teriam como objetivo a autoconservação e desenvolvimento do
indivíduo, enquanto que as pulsões de morte teriam como objetivo a autodestruição.
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UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG
Freud afirma, contudo, que em termos estéticos, não há oposição entre as pulsões de
vida e as pulsões de morte, mas convergência. Portanto, em toda ação pulsional estão
atuando ambas as pulsões, integradas – em todas as ações pulsionais há sadismo e/ou
masoquismo, que tanto se caracteriza por seguir o princípio de compulsão à repetição e
de destruição, ou autodestruição, quanto ao princípio do prazer.
O superego tem sua origem na resolução do complexo de Édipo. Por meio de identificação
que o menino realiza com seu pai, e a menina com sua mãe, há introjeção de
valores familiares e sociais. O superego seria uma instância modelo/espelho do ego,
orientando-o, como o eixo condutor do aparelho psíquico. O superego, em outras
palavras, assume a função do princípio de realidade por herança edípica. Essa instância
possui porções conscientes e inconscientes.
O ego, por sua vez, seria a instância reguladora do aparelho psíquico, regulando as
demandas do id com as ponderações e imposições do superego e, a realidade externa,
portanto, também sendo orientado pelo princípio de realidade. O superego possui
porções conscientes e inconscientes e essa regulação pode ser sintônica, havendo pouco
ou nenhum endividamento do ego com as outras instâncias psíquicas, ou dissintônica.
Segue um breve relato de seis dos artigos de técnica trabalhados em aula e as principais
contribuições de cada um deles:
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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I
“Recomendação aos Médicos que exercem Psicanálise” (1912): não se deve ater à
reconstrução histórica dos eventos traumáticos do paciente, como se fazia no método
Catártico, mas favorecer a livre-associação e buscar interpretar o paciente a partir
disso. Deve-se ater também, não à realidade externa ao paciente, mas sua realidade
interna. Nesse artigo, Freud trabalha também a Regra Fundamental da Psicanálise: o
analista deve se abster da análise, servindo como uma tela em branco que chamou de
“Atenção Flutuante”.
“Sobre o Início do Tratamento” (1913): nesse momento, Freud acredita que a psicanálise
deveria se voltar para o tratamento e a cura, só após 1930 considera que pode servir
também para autoconhecimento. Nas primeiras sessões, o terapeuta deve estudar
se há possibilidade de cura. Quanto ao pagamento, o analista não deve trabalhar de
forma gratuita e, mesmo na falta do paciente, a consulta deve ser cobrada porque
seria uma forma de combater a resistência e a transferência. Freud também afirma
que os pacientes não devem comentar o seu tratamento com outras pessoas, porque
prejudicaria a análise delas.
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UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG
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Capítulo 2
O método psicanalítico
Após uma breve passagem pelos principais achados de Sigmund Freud, precursor da
psicanálise, neste capítulo trataremos do método psicanalítico empregado por Carl
Gustav Jung, ao passo que discutiremos suas principais contribuições.
Carl Gustav Jung (1875-1961) era médico psiquiatra, foi um dos mais fecundos e
importantes pensadores da psicologia contemporânea. Fortemente influenciado pela
mitologia, filosofia e antropologia, desenvolveu, a partir da psicanálise freudiana,
novos rumos, desviando o foco essencialmente psicossexual para uma visão mais geral,
intuitiva e espiritual.
Jung sempre trabalhou a partir da sua intuição. Desde cedo, com seus sonhos e seu
isolamento, demonstrava um profundo desejo de compreender-se e à Humanidade.
Sua vasta obra de valor inestimável e sua própria vida evidenciam a sua busca pelo seu
“eu”, ou como ele chamava, a sua individuação.
Sua teoria começa junto à psicanálise, adotando o modelo topográfico de psique freudiano.
Em contato constante com o mestre, Jung logo passou a discordar das ideias deste,
embora tenha tido dificuldade para desligar-se completamente.
Traz também algo novo, algo desconhecido e não vivido, que remonta à gênese da
Humanidade, o que ele chamou de Inconsciente Coletivo. Ali, existiriam impressões
trazidas da nossa história genética, do nosso passado. Todas as representações
universais, mitológicas, os Arquétipos. A mãe, o pai, o herói, o mártir, Deus, e muitas
outras manifestações humanas seriam considerados arquétipos, e estes arquétipos
surgiriam, na análise, após o tratamento dos traumas considerados “normais”.
A análise, para Jung, não termina com a resolução dos traumas de infância e vida adulta.
Na verdade, ela começa quando o paciente entra em contato com seus arquétipos, onde
ocorre o seu “despertar” existencial. Os sonhos, que foram o seu material de estudo
para a elaboração de sua teoria do Inconsciente, são, para ele, processos normais da
23
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG
Para que possamos nos desenvolver, é preciso que saibamos nos diferenciar dessa
máscara construída desde a infância, saber equilibrar suas atitudes individuais e as
necessidades do papel social.
A Sombra começa a surgir à medida que nos distanciamos da persona. Ela corresponde
aos nossos complexos reprimidos, ou seja, as nossas fraquezas, defeitos, aspectos em
nós mesmos que não gostamos, enfim, à parte do nosso Eu que fica escondida sobre a
máscara social. Fácil fica perceber que ela é correspondente ao inconsciente psicanalítico,
e que o desenvolvimento do indivíduo consiste em superar esses complexos, evoluir as
qualidades que ficaram reprimidas por tanto tempo.
Anima e Animus são os arquétipos dos gêneros. Anima é a parte feminina presente em
todos os homens, enquanto que Animus é a parte masculina das mulheres. São atitudes
predominantes de um sexo que estão presentes no outro, e que, em maior ou menor
grau, influenciam nas atitudes. O desenvolvimento consiste em saber diferenciar esse
lado para que ele melhor se manifeste, seja consciente ou inconscientemente. O Self
é o arquétipo central. Ele organiza e rege o organismo psíquico. À medida em que
nos desenvolvemos, ou “individuamos”, o centro controlador da personalidade passa
do Ego para o Self. Jung pesquisou representações simbólicas do Self em inúmeras
culturas, em todos os continentes.
Na sua obra Tipos Psicológicos (1920), Jung relaciona as duas principais atitudes
presentes no sujeito. A Introversão e a Extroversão. São como “formas de encarar o
mundo”, atitudes perante as coisas e à vida em geral. Os introvertidos agem de forma mais
contida, “como se obedecessem a um ‘Não’ inaudível”, como dizia o próprio Jung. São
mais contidos e pensam antes de agir. Já os extrovertidos têm uma atitude mais imediata,
como se estivessem convencidos de que a sua primeira atitude é sempre a correta.
24
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I
Cada pessoa tende a reagir de acordo com a função que for mais desenvolvida em si,
como um hábito forjado tanto pela hereditariedade quanto pelo meio social.
Muito embora essa visão pareça, à primeira vista, redutiva e classificatória, Jung sempre
deixou claro que ela é apenas descritiva, e que não encerra nenhuma verdade absoluta
aplicável a todos os seres humanos. Pensamento e Sentimento são opostos entre si; são
funções racionais, pois se relacionam a julgamentos e análises do objeto em questão.
Sensação e Intuição são também opostas entre si; porém, são funções irracionais, pois
não envolvem julgamento ou análise do objeto. Dessa relação entre as funções e as
atitudes primárias, temos oito tipos psicológicos básicos: o pensamento extrovertido,
pensamento introvertido, sentimento extrovertido, sentimento introvertido, sensação
extrovertida, sensação introvertida, intuição extrovertida e intuição introvertida.
Cada um possui características comuns e próprias, que o definem, mas não o limitam,
como Jung sempre deixa claro.
Enfim, tal como qualquer pensador, seja moderno ou antigo, Jung não tem começo e
nem fim. É um fluxo constante de conhecimento, uma tentativa solitária mais belíssima
de livrar-se da castração pseudo-místico-científica que se tornou a psicanálise. Pena é
que seus discípulos parecem seguir o mesmo caminho dos de Freud.
Fonte: <http://pedagogiaaopedaletra.com/resenha-carl-gustav-jung/>
25
Capítulo 3
A natureza do inconsciente
Serão definidos neste capítulo alguns conceitos da teoria analítica junguiana evocando
a natureza do inconsciente na psicologia analítica de Carl Gustav Jung (JUNG, 1964,
1975, 1991, 2000, 2012).
A consciência pode ser definida como função ou atividade que mantém a relação
entre os conteúdos psíquicos e o ego, enquanto puderem assim ser entendidas pelo
ego. Relações com o ego, porém não percebidas pelo mesmo, são inconscientes.
Jung distingue conceitualmente consciência de psique, sendo que esta engloba tanto
a consciência quanto o inconsciente:
26
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I
Tal como Freud, Jung usa o termo inconsciente tanto para descrever conteúdos
psíquicos que estão fora do campo de acesso do ego, como para delimitar um lugar
psíquico com seu caráter, suas leis e funções próprias (SAMUELS, 1998).
27
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG
Com relação à natureza dos conteúdos do inconsciente, Jung propôs uma classificação
geral que distingue um inconsciente pessoal que engloba todas as aquisições da
existência pessoal, denominado como “o esquecido”, “o reprimido”, “o subliminalmente
percebido”, “pensado e sentido”, e ao lado desses, a existências de outros conteúdos que
não provêm das aquisições pessoais, mas da possibilidade hereditária do funcionamento
psíquico em geral. Ou seja, conteúdos que provém da estrutura cerebral herdada que são
as conexões mitológicas, os motivos e imagens que podem nascer de novo, a qualquer
tempo e lugar, sem tradição ou migração históricas. Jung denominou esses conteúdos
como pertencentes ao inconsciente coletivo (JUNG, 2000), uma camada mais profunda
da psique, onde encontramos os instintos e os arquétipos.
Se por um lado, essa divisão é válida teoricamente, por outro lado essas duas camadas
do inconsciente não devem ser entendidas como divisões estanques. Como os conteúdos
do inconsciente coletivo exigem o envolvimento de elementos do inconsciente pessoal
para sua manifestação no comportamento, os dois tipos de inconscientes são, portanto,
indivisíveis (SAMUELS, 1998). No entanto, são conceitos funcionais na prática.
Vale acrescentar a essa discussão mais alguns pontos acerca do inconsciente pessoal
e do inconsciente coletivo.
Jung define a psique como uma totalidade de todos os processos psicológicos, tanto
conscientes quanto inconscientes. E arquétipos como padrões potenciais inatos de
imaginação, pensamento ou comportamento que podem ser encontrados nos seres
humanos em todos os tempos e lugares, e constituem junto com os instintos, os
elementos primordiais e estruturais da psique (STEIN, 1998; SHARP, 1991).
29
UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG
Considera-se na teoria junguiana que os arquétipos são, por definição, fatores e motivos
que ordenam os elementos psíquicos em determinadas imagens, caracterizadas como
arquetípicas, mas de tal modo que podem ser reconhecidas somente pelos efeitos que
produzem. Jung (1975) afirma que
Jung observa que não devemos entregar-nos à ilusão de que finalmente poderemos
explicar um arquétipo e assim “liquidá-lo”. A melhor tentativa de explicação não será
mais do que uma tradução relativamente bem-sucedida, num outro sistema de imagens
(JUNG, 1975).
30
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I
Outro ponto relevante refere-se à interpretação dos sonhos, Jung discordou da forma
como Freud os interpretava, apesar de reconhecer seu mérito pela eficiência científica
das descobertas da abertura do inconsciente presente no conteúdo onírico.
Para Jung, o sonho era “um sopro da natureza” que tinha uma função compensadora. A
mente não é no pensamento junguiano uma “folha em branco”, mas sim um reservatório
de imagens coletivas que o homem acumulou desde eras primitivas quando a psique do
homem e do animal andavam juntas.
Pelo fato de o arquétipo não ter origem conhecida, por meio da análise dos sonhos
de alguns pacientes angustiados com essas imagens primitivas, Jung os tranquilizava
mostrando a eles como seus sonhos nada mais eram que uma ocorrência no mundo
atual de imagens arquetípicas de tempos imemoriais. Jung acreditava e defendia que os
antigos espíritos que tomavam posse do homem primitivo ainda existem. Essas forças
do irracional ainda não estão sob o controle da consciência e o homem moderno não
consegue controlá-las. Jung considera que o verdadeiro perigo está na presença de
muitos elementos do consciente apresentarem-se como inconscientes. Isso se deve,
segundo ele, ao fato de esses elementos terem sido reprimidos.
31
Fundamentos da
Psicanálise de Unidade II
Winnicott
Nesta Unidade trataremos do percurso pessoal e profissional de Donald Woods
Winnicott, bem como sues principais conceitos e contribuições à Psicanálise.
Fonte: <http://psicologandonanet.blogspot.com.br/2008/03/teorias-de-desenvolvimento-winnicott.html>
Por ter o dom de falar bem, ele realizou incontáveis palestras e aulas, sendo convidado
para expor suas ideias em público frequentemente, além de passar horas no trabalho
clínico. No fim da Segunda Guerra Mundial, suas palestras foram transformadas
em folhetos.
Além de escrever muitos livros, Winnicott tinha uma mania na qual não conseguiu se
libertar: escrever cartas. Ele escrevia cartas para tudo e para todos. Todas as palestras
que seus colegas de trabalho ministravam, escrevia uma carta de congratulações.
Quando faleceu, sua esposa divulgou muitas cartas inéditas que podem ser lidas em
português no livro “O Gesto Espontâneo”.
32
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II
Neste livro, aliás, consta uma preocupação de Winnicott referente à política de conciliação
da Inglaterra com a Alemanha de Hitler. Winnicott interpelava o Primeiro Ministro da
Inglaterra sobre suas posições democráticas.
No seu percurso profissional e acadêmico, Winnicott foi, por duas vezes, presidente da
Sociedade Britânica de Psicanálise.
Com foco na constituição psíquica, o ser humano, ao nascer, depende totalmente do cuidado
do outro para se desenvolver e construir sua existência no mundo. As aprendizagens
e vivências primordiais modelam a forma de ser e existir do ser humano como sujeito
que, em diferentes contextos, absorve e é absorvido por experiências e vivências que
favorecem ou não sua constituição como sujeito e sua diferenciação frente aos outros
(WINNICOTT, 1990).
O sujeito, desde seu nascimento, estabelece relações afetivas e sociais essenciais para
o seu desenvolvimento. As condições internas e externas ao sujeito para lidar com
as situações da vida remetem-nos à sua constituição orgânica, psíquica, emocional
e social, inerente a todos os seres humanos. Winnicott (1999) defende que, quando
o estabelecimento dessas relações é satisfatório, ou seja, ocorreu em um ambiente
familiar e social favorável, o sujeito passa a desenvolver suas principais capacidades
emocionais, determinando, assim, a forma de lidar com diversas circunstâncias no
decorrer de sua vida.
33
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott
lançar mão de outras formas de lidar com sentimentos e emoções advindos de situações
vivenciadas, por não possuírem internamente espaço para isso.
Por outro lado, a tendência antissocial, ao passo que indica desenvolvimento desfavorável,
apresenta-se como possibilidade de restauração, representando a esperança em obter
do meio externo a continência de pulsões. Indica, a partir disso, invocar possíveis
caminhos para alguma reversão da mesma, mas para isso é necessário ser devidamente
reconhecida pelo contexto (KLEIN, 1996).
A recusa da percepção desses aspectos pode inviabilizar uma forma mais adequada de
acolhimento, principalmente quando é delegada em dicotomia ao sujeito e ao social.
Em relação ao sujeito envolvido com a Justiça por uso de drogas, o olhar que circula
suas experiências pode ampliar a forma como ele é percebido e se percebe nesse cenário,
ainda mais quando invoca questões emocionais implicadas individual e socialmente.
Winnicott (1999) aponta a tendência antissocial como indicadora de uma esperança e
considera que a não percepção dessa esperança e o manejo inadequado dessa situação
perpassam as intolerâncias humanas, sendo esse momento, muitas vezes, desperdiçado
e esvaziado.
Dessa forma, há uma relação direta entre a privação emocional de certas características
essenciais das relações primordiais e a tendência antissocial, sendo algumas atitudes de
tendência antissocial, uma tentativa de restauração, desvendando a esperança expressa
em atos. Assinalamos, nesse sentido, a importância das relações primordiais de todo ser
humano, por um lado, por influenciar as principais capacidades humanas, e, por outro lado,
por instaurar vivências basilares que demarcam as relações sociais e afetivas do sujeito.
34
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II
A importância desse período inicial das relações humanas deve ser sempre destacada
e tida como fundante e constitutiva do sujeito. A vivência de acolhimento em tenra
idade institui possibilidades constitutivas do sujeito. A ausência ou insuficiência dessa
vivência impõe um trânsito de sentimento desgovernado, gerando a voracidade como
resposta ao vivenciado. Essa voracidade é a precursora de uma busca desenfreada
daquilo que não fora internalizado e atualizado nas relações sociais, o que não fora
acolhido apropriadamente. A voracidade, a desarrumação, a enurese e a destrutividade
compulsiva podem ser manifestações da reação à privação e de uma tendência antissocial
(WINNICOTT, 1999).
Entretanto, de acordo com Winnicott (1999), na base da tendência antissocial, está uma
experiência inicial boa que fora perdida. Num ambiente favorável, a criança produz
tentativas de amar, percebe a situação externa a ela e testa o ambiente de diversas
formas, buscando fornecer e preservar o objeto que deve ser buscado e encontrado.
Por meio da percepção de uma nova situação de elementos confiáveis, experimentando o
impulso de busca do objeto, incentiva o ambiente a se organizar para tolerar a frustração
e ainda testa a capacidade do ambiente de suportar a agressão e impedir ou reparar a
destruição. A criança pode se situar de forma diferenciada ou pode continuar sua busca
por objetos substitutos em lugar do vivenciado como ausente, mediante rupturas das
normas sociais, ou até mesmo de atos de destruição (KLEIN, 1996; FERRO, 2005).
35
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott
Figura 3. Holding.
Fonte: <http://www.lussuosissimo.com/tag/festa-della-mamma/>
O autor (1998) propõe que, durante os últimos meses de gestação e primeiras semanas
posteriores ao parto, produz-se na mãe um estado psicológico especial, ao qual chamou
de “preocupação materna primária”. A mãe adquire graças a esta sensibilização, uma
capacidade particular para se identificar com as necessidades do bebê e atendê-las.
O holding efetuado pela mãe é o fator que decide a passagem do estado de não integração,
que caracteriza o recém-nascido, para a integração posterior. O vínculo entre a mãe e
o bebê assentará as bases para o desenvolvimento saudável das capacidades inatas do
indivíduo (WINNICOTT, 2001, 1998).
36
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II
O ser humano, para Winnicott (1983, 1990, 1998) nasce como um conjunto
desorganizado de pulsões, instintos, capacidades perceptivas e motoras que conforme
progride o desenvolvimento vão se integrando, até alcançar uma imagem unificada de
si e do mundo externo. O papel da mãe é prover o bebê de um ego auxiliar que lhe
permita integrar suas sensações corporais, os estímulos ambientais e suas capacidades
motoras nascentes.
Neste sentido, quando a mãe não fornece a proteção necessária ao frágil ego do
recém-nascido, a criança perceberá esta falha ambiental como uma ameaça à sua
continuidade existencial, a qual, por sua vez, provocará nela a vivência subjetiva de
que todas as suas percepções e atividades motoras são apenas uma resposta diante do
perigo a que se vê exposta. Pouco a pouco, procura substituir a proteção que lhe falta
por uma “fabricada” por ela. O sujeito vai se envolvendo em uma casca, à custa da qual
cresce e se desenvolve o self. O indivíduo vai se desenvolvendo como uma extensão da
casca, como uma extensão do meio atacante, através de um falso self protetivo.
Winnicoot (1998, 2001) afirma que a “mãe suficientemente boa” é a que responde a
onipotência do lactante e, de certo modo, dá-lhe sentido. O “self verdadeiro” começa
a adquirir vida, por meio da força que a mãe, ao cumprir as expressões da onipotência
infantil, dá ao ego incipiente da criança. A mãe que “não é suficientemente boa” é incapaz
de cumprir a onipotência da criança, pelo que repentinamente deixa de responder ao
gesto da mesma, em seu lugar coloca o seu próprio gesto, cujo sentido depende da
submissão ou acatamento do mesmo por parte da criança. Esta submissão constitui
a primeira fase do self falso e é própria da incapacidade materna para interpretar as
necessidades da criança.
O falso self age como uma defesa ao verdadeiro self, a quem protege sem substituir.
Nos casos mais graves, o self falso substitui o real e o indivíduo. Winnicott (1998, 2001)
afirma que o falso self pode se encontrar representado por toda a organização da atitude
social cortês e bem educada. Produziu-se um aumento da capacidade do indivíduo para
renunciar a onipotência e ao processo primário, em geral, ganhando assim um lugar na
sociedade que jamais se pode conseguir manter mediante unicamente o verdadeiro self.
O falso self, especialmente quando se encontra no extremo mais patológico da escala, é
acompanhado geralmente por uma sensação subjetiva de vazio, futilidade e irrealidade.
37
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott
O objeto transicional é algo que não está definitivamente nem dentro nem fora da
criança. Poderá servir para que o sujeito possa experimentar com essas situações, e
para ir demarcando seus próprios limites mentais em relação ao externo e ao interno.
Como se o objeto transicional estivesse situado em uma zona intermediária, na qual
a criança se exercita na experimentação com objetos, mesmo que estejam fora, sente
como parte de si mesma (BLEICHMAR; BLEICHAMAR, 1992).
O objeto transicional ocupa para um lugar que Winnicott (2000) denomina como ilusão.
Ao contrário do seio, que não está disponível constantemente, o objeto transicional
é conservado pela criança e quem decide a distância entre ela e tal objeto. Como os
fenômenos transacionais “representam” a mãe, torna-se essencial que ela seja vivenciada
como um objeto bom. Bleichmar e Bleichamar (1992) relatam que, quando dentro da
criança, o objeto materno está danificado, é pouco provável que ela recorra, de maneira
constante, a um fenômeno transicional.
Para o autor (1990, 1998, 1999, 2000, 2001) as experiências iniciais são estruturantes
do psiquismo, participam da organização da personalidade e dos sintomas. O bebê
nasce em um estado de não integração em que os núcleos do ego estão dispersos e,
para o bebê, estes núcleos estão incluídos em uma unidade que ele forma com o meio
ambiente. A meta desta etapa é a integração dos núcleos do ego e a personalização, ou
seja, adquirir a sensação de que o corpo aloja o verdadeiro self. O objeto unificador do
ego inicial não integrado da criança é a mãe e sua atenção pelo holding.
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Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II
quanto os psíquicos. Nem a realização mecânica das tarefas físicas ligadas ao lidar
com o bebê, e nem a resposta imediata às suas demandas pulsionais de forma isolada,
implicam a satisfação das necessidades do ego (WINNICOTT, 1990, 1998, 2001, 2002).
A integração é obtida a partir de duas séries de experiências. Por um lado tem especial
importância a sustentação exercida pela mãe, que “recolhe os pedacinhos do ego”,
permitindo que a criança se sinta integrada dentro dela. Por outro lado há um tipo
de experiência que tende a reunir a personalidade em um todo, a partir da atividade
mental do bebê. Chega um período em que a criança, graças às experiências citadas,
consegue reunir os núcleos do seu ego, adquirindo a noção de que ela é diferente do
mundo que a rodeia. Esse momento de diferenciação entre “eu” e “não-eu” pode ser
perigoso para o bebê, pois o exterior pode ser sentido como perseguidor e ameaçador.
Essas ameaças são neutralizadas, dentro do desenvolvimento sadio, pela existência do
cuidado amoroso por parte da mãe (WINNICOTT, 1990, 1998, 2001, 2002).
A personalização é definida por Winnicott (1990, 1998, 2001, 2002) como o sentimento
de que a de que a pessoa de alguém se encontra no próprio corpo. O autor propõe
que o desenvolvimento normal levaria a alcançar um esquema corporal, chamando-o
de unidade psique-soma que forma o esquema corporal de todo indivíduo que se
interpenetram e desenvolvem-se em uma relação dialética.
Para Winnicott (1990) mente e psique são conceitos diferentes, pois se trata de registros
relacionados, mas heterogêneos. A psique é a elaboração imaginativa das partes, sentimentos
e funções somáticas e não se separa, nem se divide do soma. A mente, no desenvolvimento
saudável, não é nada mais do que um caso particular do funcionamento do psicossoma,
surgindo como uma especialidade a partir da parte psíquica do psicossoma.
Fonte: <http://institutogamaliel.wixsite.com/psicanalise/single-post/5715b4bb0cf2b05e61f4bda2>
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UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott
Winnicott (1998, 2001) afirma que a fantasia precede a objetividade, e o seu enriquecimento
com aspectos da realidade depende da ilusão criada pela mãe, ou seja, tudo repousa no
vínculo precoce da criança com sua mãe. Mas o acoplamento entre alucinação infantil e
os elementos da realidade fornecidos pela mãe nunca poderá ser perfeito. No entanto, o
lactante pode vivê-lo como quase ótimo, graças a uma parte de sua personalidade, que
procura preencher o vazio entre alucinação e realidade, constituindo a mente.
Winnicott considera que a atividade mental da criança faz com que um meio ambiente
suficiente se transforme em um perfeito, converte o relativo fracasso da adaptação em
um sucesso adaptativo. O autor fala que o que libera a mãe de ser quase perfeita é a
compreensão da criança.
Winnicott (1998, 2001) assinala que a criança pequena tem uma cota inata de agressividade,
que se exprime em determinadas condutas autodestrutivas. O bebê volta seu ódio sobre
si mesmo para proteger o objeto externo, mesmo esta manobra não sendo suficiente e
em sua fantasia a mãe pode ficar intensamente danificada.
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Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II
Neste sentido, simultaneamente a mãe que é agredida e a mãe que cuida vão se
aproximando na mente do indivíduo, que assim adquire a capacidade de se preocupar
com seu bem-estar, como objeto total. Isto constitui o grande sucesso identificado por
Winnicott como a última das etapas do desenvolvimento emocional primitivo.
41
Capítulo 1
Lugar de Winnicott na psicanálise
Winnicott (1975) afirma que a mãe, no começo, por meio da adaptação quase completa,
propicia ao bebê, a oportunidade para a ilusão de que o seio dela faz parte do bebê, de que
está, por assim dizer, sob o controle mágico do bebê. É este o período de dependência
absoluta, que vai de 4 a 6 meses. É importante notar que o bebê não tem percepção
dessa situação, mas adquire uma sensação de onipotência.
Logo após esse período, é tarefa da mãe desiludir a criança, não atendendo tudo tão
prontamente. Ou seja, a mãe, progressivamente, começa a fazer com que a criança
suporte algumas frustrações. De confrontos em confrontos, o desenvolvimento do ego
42
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II
da criança será facilitado e ela passa a esperar certas atitudes que anteriormente queria
na hora. E na desilusão, os objetos transicionais são fundamentais, como primeira
possessão não-eu.
Fonte: <http://amorsubjetivo.blogspot.com.br/2013_05_01_archive.html>
A tendência antissocial pode ser manifestada por roubos, furtos, envolvimento com
drogas na adolescência, com o propósito de recobrir internamente o que se encontra
43
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott
No aspecto da prática clínica, vale ressaltar que, para Winnicott (1998) somente o
ambiente familiar é o responsável por formar um ser humano que sinta que a vida vale
a pena ser vivida. Os problemas psíquicos seriam, portanto, resultados de falhas graves
nas etapas iniciais do desenvolvimento.
44
Capítulo 2
As teorias do amadurecimento, a
relação mãe-bebê e o brincar
Para Winnicott (1983), cada ser humano traz um potencial inato para amadurecer, para
se integrar, porém, o fato de essa tendência ser inata não garante que ela realmente vá
ocorrer. Como já discutimos, dependerá de um ambiente facilitador que forneça cuidados
suficientemente bons. É importante ressaltar que os cuidados primordiais dependem
da necessidade de cada criança, pois cada ser humano responderá ao ambiente de
forma singular, apresentando, a cada momento, condições, potencialidades, demandas
e dificuldades diferentes.
Winnicott (1983) também coloca que a mãe, ao tocar seu bebê, manipulá-lo,
aconchegá-lo, falar com ele, acaba promovendo um arranjo entre soma, representada
pelo organismo físico e a psique, principalmente ao olhá-lo, se oferece como espelho no
qual o bebê pode se ver.
46
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II
47
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott
As três funções maternas A adaptação da mãe a essas necessidades do bebê concretiza-se por meio do emprego de três
funções maternas:
Nos primórdios da vida, as necessidades
do bebê por certo são de ordem corporal, A apresentação do objeto
mas há também necessidades ligadas ao
O holding
desenvolvimento psíquico emocional.
O handling
O self verdadeiro O gesto verdadeiro espontâneo é o self verdadeiro em ação. Só o verdadeiro self pode ser criador e
só o verdadeiro self pode ser sentido como real.
A mãe suficientemente boa Pode corresponder a uma mãe real ou a uma situação. Não é um nome dado a uma pessoa, mas à
ausência de alguém cujo apego à criança seja simplesmente comum.
Os fenômenos transicionais »» Ocorre no segundo semestre da vida Quando após a fase de ilusão, enfrenta a desilusão.
»» Após a difícil experiência geradora de angustia, a criança desenvolve algumas atividades
observadas por Winnicott na vida cotidiana dos bebês.
»» O bebê leva a boca junto com algum objeto externo. Segura um pedaço de tecido. Surgem
algumas atividades bucais sons, ruídos e balbucios.
Essas atividades tem uma característica comum, de uma importância vital para a criança.
Vem alojar-se num espaço intermediário entre a realidade interna e externa.
48
Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ UNIDADE II
Freud estabelecera dois campos da experiência dos indivíduos. Por um lado, ele falava na
realidade psíquica, desde a Interpretação dos Sonhos, em que se referia à experiência
psíquica, pessoal e interna de cada um. Também falava da realidade externa e compartilhada
socialmente, da qual a realidade psíquica se distingue ou até se opõe.
O autor, por sua vez, propõe um campo intermediário, que faz a transição entre os polos
freudianos. Trata-se de fato de uma área intermediária da experiência humana entre o
erotismo oral e a verdadeira relação de objeto (WINNICOTT, 1975). A transicionalidade
está no encontro entre o mundo psíquico e o mundo socialmente construído. Este campo
intermediário constituído tanto pela realidade interna quanto pela realidade externa é
fundamental para entender o brincar de Winnicott. Esta área intermediária tem a ver com
a crescente capacidade do bebê de perceber e aceitar a realidade socialmente construída.
Trata-se de uma transição que começa com a ilusão do bebê, que se percebe como
potente e criador do mundo que o circunscreve, passa pela desilusão quanto à sua
49
UNIDADE II │ Fundamentos da Psicanálise de Winnicott
onipotência e chega a certa aceitação da realidade construída pelo social. Na vida adulta
esta área intermediária está expressa nas artes, religião e cultura em geral. Em crianças
e adultos a experiência ilusória não desaparece por completo. O brincar winnicottiano
tem uma topologia e uma temporalidade. O espaço que o brincar ocupa não fica dentro
nem tampouco fora da subjetividade, fica na fronteira. O brincar não está no espaço
repudiado pelo bebê que constitui o não-eu, nem está inteiramente dentro de sua
subjetividade e corpo. Este espaço de brincar Winnicott chamou de espaço potencial e
é de início pensado como um espaço que se forma entre a mãe e o bebê.
O modo como Winnicott concebe o brincar tem a ver com vários tempos do bebê.
No primeiro tempo, o bebê e o objeto estão fundidos. A visão que o bebê tem do objeto é
subjetiva. A mãe suficientemente boa se orienta para concretizar aquilo que o bebê está
pronto a encontrar. A isto Winnicott chama de criatividade primária em que só é possível
mediante uma ação da mãe na direção de seu bebê, que aos poucos vai se desfazendo.
Uma etapa mais avançada fala da experiência de ficar sozinho na presença de alguém.
A criança brinca confiante de que a pessoa a quem ama está lá, disponível, sustentando
o brincar. A mãe é deixada de lado esquecida, porém é tudo como alguém que merece
confiança e pode ser facilmente acessada. Desse modo, a criança torna-se pronta para a
experiência de desfrutar de uma área de superposição de duas áreas do brincar.
50
Os Aspectos da Unidade III
Prática Clínica
Optamos por discutir estes aspectos da psicanálise pela visão de Winnicott e Jung,
destacados nesta disciplina, trazendo as postulações freudianas como embasamento
teórico. Consiste em uma organização didática para facilitar a compreensão e apreensão
das contribuições destes autores ao cenário psicanalítico.
Capítulo 1
Aparelho psíquico
Segundo (LAPLANCHE, 2001) o aparelho psíquico seria: Expressão que ressalta certas
características que a teoria freudiana atribui ao psiquismo: a sua capacidade de transmitir
e transformar uma energia determinada e a sua diferenciação em sistemas ou instâncias.
Ao falar de aparelho psíquico Freud sugere a ideia de certa organização, de uma disposição
interna, mas faz mais do que ligar diferentes funções a lugares psíquicos específicos,
atribui a estes uma dada ordem que acarreta uma sucessão temporal determinada. A
coexistência dos diferentes sistemas que compõem o aparelho psíquico não deve ser
tomando no sentido anatômico que lhe seria atribuído por uma teoria das localizações
cerebrais. Implica apenas que as excitações devem seguir uma ordem em que fica o
lugar dos diversos sistemas. (LAPLANCHE, 2001)
51
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica
Segundo Hall, Lindzey e Campbell (2000) a personalidade é constituída por três grandes
sistemas: id, ego e superego. O id é o sistema original da personalidade, a matriz do
qual surge o ego e o superego. Freud chamou de verdadeira realidade psíquica porque
representa o mundo interno da experiência subjetiva e não tem nenhum conhecimento
da realidade objetiva. Opera pelo princípio de prazer que seria uma redução da tensão.
Já o ego é segundo Pervin (2004), expressar e satisfazer os desejos do id de acordo com
a realidade e as demandas do superego. Enquanto o id opera pelo princípio de prazer, o
ego opera pelo princípio da realidade. E por último o superego, que representa o ramo
da moral do nosso funcionamento, ideais que lutamos e a culpa que esperamos quando
violamos nossa moral.
Nasio (1999) afirma que “No id, encontramos não só representações inconscientes de coisas
gravadas no psiquismo sob o impacto do desejo dos outros, mas também representações
inatas, próprias da espécie humana, inscritas e transmitidas filogeneticamente.” (NASIO,
1999, p. 75)
No texto O Ego e o Id, Freud considera que o Eu advém do Id, por um processo de
diferenciação, por exemplo, quando diz que “um indivíduo é, portanto, para nós, um
isso (Id) psíquico, não conhecido e inconsciente, sobre ele se encontra colocado na sua
superfície o eu (Ego), desenvolvido a partir do sistema-Pcs como um núcleo” e continua,
mais à frente. A esse respeito Fulgêncio (2012) aponta que
52
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III
O superego será concebido como uma instância responsável, ao mesmo tempo, por
diversas funções e é em seu seio que Freud vai tentar integrar as várias dimensões
que balizara anteriormente. Vai terminar por atribuir ao superego três funções: a
auto-observação, a consciência moral e a “base de apoio” dos ideais. (FREUD apud
CARDOSO, 2000).
Para Winnicott é nos primeiros seis meses de vida, aproximadamente, que o ser humano
bebê acha-se num estado de total dependência do meio, representado, nessa época, pela
mão ou por um seu substituo. O bebê depende inteiramente do que lhe é oferecido pela
mãe, porém o mais importante, e que constitui a base da teoria, é o desconhecimento de
seu estado de dependência por parte do bebê. Na mente do bebê, ele e o meio são uma
coisa só. Ora, idealmente, seria uma perfeita adaptação às necessidades do bebê que a
mãe permitiria o livre desenrolar dos processos de manutenção (NASIO, 1995).
Winnicott afirma que o inconsciente (Id) só pode existir depois que houver um Eu
(ego) que possa constituí-lo como reprimido, para ele nos estágios mais precoces do
desenvolvimento da criança, portanto, o funcionamento do ego deve ser considerado
um conceito inseparável daquele da existência da criança como pessoa. Não há id antes
do ego (FULGÊNCIO, 2000).
53
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica
que posteriormente foi modificado e dividido em três elementos que unidos trabalham
nas ações e reações, o Id, Ego e Superego.
Freud cria uma teoria sobre três sistemas ou instâncias psíquicas no intuito de situá-las
no aparelho psíquico: inconsciente, pré-consciente e consciente.
Freud em suas investigações na prática clínica descobriu que a maioria dos pensamentos
e desejos reprimidos referia-se a conflitos de ordem sexual localizados na vida infantil,
colocando a sexualidade no centro a vida psíquica. Percebeu que as ocorrências desse
período da vida deixam marcas profundas na estruturação da pessoa.
Os principais aspectos dessas descobertas foram que a função sexual existe desde o
princípio da vida; o período de desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até
chegar à sexualidade adulta.
54
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III
Freud construiu vários conceitos; para ele inicialmente todas as cenas relatadas pelos
pacientes tinham de fato ocorrido, posteriormente descobriu que essas informações
poderiam ter sido imaginadas, denominou de realidade psíquica onde o que importa é
aquilo que para o indivíduo assume o valor de realidade mesmo que não corresponda
à realidade objetiva. Freud concebeu para o funcionamento psíquico três pontos de
vista: o econômico onde existe uma quantidade de energia que alimenta os processos
psíquicos, o tópico, considerado como lugar psíquico onde existe um número de
sistemas que são diferenciados quanto a sua natureza e modo de funcionamento, e o
dinâmico onde no interior do psiquismo existem forças que entram em conflito onde a
origem dessas forças é a pulsão.
A pulsão é um estado de tensão que busca por meio de um objeto a supressão desse
estado. O sintoma na psicanálise é uma produção, resultante de um conflito psíquico
entre o desejo e os mecanismos de defesa, é ou pode ser o ponto de partida da
investigação psicanalítica na tentativa de descobrir os processos psíquicos encobertos
que determinam sua formação.
O Ego, denominado equilibrador das forças irracionais e racionais, age sempre pressionado
pelo Id e pelo Superego cabendo a ele a dosagem entre as vontades liberadas pelo Id e
entre as limitações liberadas pelo Superego. É a parte consciente do aparelho psíquico
que faz com que um indivíduo consiga regular suas ações e reações.
O Superego, denominado repressor do Id, atua influenciado por regras, crenças, leis
morais, ética e outros métodos que nos são ensinadas no decorrer da vida e limitam
as ações e reações, fazendo com que pensemos nas consequências. A partir de suas
influências, busca através do Ego reprimir o Id para que nenhuma ação e reação sejam
realizadas irracionalmente.
Tal divisão acima citada foi uma remodelação feita entre 1920 e 1923 para distinguir o
inconsciente do consciente.
Figura 6. Aparelho psíquico.
Fonte:<http://taresumido.blogspot.com.br/2008_11_01_archive.html>
Para Jung a psique é definida pela descrição dos lugares psíquicos e pela descrição dos
processos que religam permanentemente esses lugares. Além disso, a psique é uma
realidade viva e dinâmica que inclui tanto o eu quanto seus parceiros. Todas essas
manifestações psíquicas se inscrevem dentro de uma concepção de totalidade.
Com o propósito de fortalecer o eu, existem mediadores nesse processo, que são chamados
de parceiros do eu. Esses parceiros são a Persona, a Sombra, a Ânima e o Ânimus.
A ânima e o ânimus são mediadores junto aos conteúdos mais profundos da psique.
São uma ponte entre a singularidade concreta do indivíduo e o inconsciente coletivo.
57
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica
Fonte: <http://silenciosaviani.blogspot.com.br/2012/05/o-aparelho-psiquico-de-acordo-com.html>
58
Capítulo 2
As diferentes psicanálises
Ainda quanto às mudanças em sua teoria, deve-se assumir dois momentos importantes
de virada: 1900, em que Freud estuda “A Interpretação dos Sonhos” e propõe a partir
daí a primeira teoria do aparelho psíquicos, e 1920, em que escreve “Além do Princípio
do Prazer” no qual propõe um novo grupo de pulsões e lança bases para a segunda
teoria do aparelho psíquico.
59
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica
Para permitir uma melhor compreensão desta evolução, a psicanálise pode ser dividida
nas suas diversas escolas, nas quais podem ser identificados alguns paradigmas
característicos relacionados com os caminhos a serem percorridos para obter a cura
dos pacientes. Somente depois de ter uma visão sobre as mudanças conceituais e as
novas descobertas que aconteceram nesses períodos, o analista estará fundamentado
e suficientemente aprofundado no seu conhecimento teórico e técnico, fato que
lhe permitirá ter uma definição clara dos rumos de sua própria práxis, aumentando
as possibilidades de obter uma melhor compreensão de si mesmo, através de uma
autoanálise muito mais abrangente e completa.
6. Winnicott.
7. Bion.
60
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III
A fim de ilustrar, descreveremos a escola de Winnicott por meio de uma breve explanação
de seus principais conceitos e publicações.
Donald Woods Winnicott era Pediatra e psicanalista, nasceu numa próspera família
de Plymouth, na Grã- Bretanha, em 7 de abril de 1896, e morreu em Londres, em 25
de janeiro de 1971. Donald tinha duas irmãs mais velhas e aos 14 anos foi para um
internato. Posteriormente ingressou na Universidade de Cambridge onde estudou
biologia e depois medicina.
Sua extensa obra foi dedicada à construção da teoria do amadurecimento pessoal (um
caminho a ser percorrido partindo da dependência absoluta e dependência relativa
rumo à independência relativa), que, além de constituir uma teoria da saúde, com
descrição das tarefas impostas, desde o início da vida, pelo próprio amadurecimento,
configura também o horizonte teórico necessário para a compreensão da natureza e
etiologia dos distúrbios psíquicos.
Assim, não há como descrever um bebê sem falar de sua mãe, pois, no início, o ambiente é
a mãe e apenas gradualmente vai se transformando em algo externo e separado do bebê.
O ambiente facilitador é a mãe suficientemente boa, porque atende ao bebê na medida
exata das necessidades deste, e não de suas próprias necessidades. Esta adaptação da
mãe torna o bebê capaz de ter uma experiência de onipotência e cria a ilusão necessária
a um desenvolvimento saudável.
61
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica
A teoria de Winnicott baseia-se no fato de que a psique não é uma estrutura pré-existente
e sim algo que vai se constituindo a partir da elaboração imaginativa do corpo e de
suas funções – o que constitui o binômio psique-soma. Essa elaboração se faz a partir
da possibilidade materna de exercer funções primordiais como o holding (permite a
integração no tempo e no espaço), handling (permite o alojamento da psique no corpo)
e a apresentação de objetos (permite o contato com a realidade).
62
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III
63
Capítulo 3
Teoria da personalidade
Como vimos, Freud inicia seu pensamento com a ideia de que nada existe ao acaso,
há uma causa para todo tipo de pensamento, ideia similar a da ação e da reação, todo
pensamento é fruto de uma ação anterior, nenhum pensamento surge sem houver
um processo motivacional. Tanto o consciente quanto o inconsciente podem levar à
elaboração e desenvolvimento de um determinado processo mental.
Sigmund acreditava que havia durante os primeiros cinco anos de vida, o fato de o indivíduo
ficar sujeito a diferentes estágios de desenvolvimentos fisiológicos, os quais influem na
dinâmica do desenvolvimento da personalidade humana. A partir daí ele fundamentou
uma ampla definição de sexualidade e a existência de períodos de desenvolvimento
psicossexual. Essas fases são determinadas, pelo fato de os impulsos provenientes do Id, os
quais se encontram em processo de busca do prazer sexual, acabam por se concentrarem
em determinadas áreas do corpo humano e em continua atividade.
Na próxima fase, denominada por Freud como fálica é a em que as crianças começam a
acariciar seus genitais, com o objetivo de sentirem prazer. Elas começam a observar as
diferenças entre o sexo masculino e o feminino, ao ponto de dirigir seus impulsos sexuais
ao genitor de sexo oposto, entretanto quando tal impulso extravasa seus limites, ocorre
um problema conceituado por Freud como complexo de Édipo. Nele ocorre um conflito
de interesses entre a criança e o genitor se seu mesmo sexo, ou até mesmo ao de sexo
oposto. Posteriormente ocorre um período denominado de latência, o qual vai dos 7 aos
12 anos, nele as crianças ficam cada vez mais preocupadas com o meio externo e com os
seus corpos. A partir da adolescência, no início do período denominado puberdade vem
à tona uma fase conhecida como genital, esta é a ultima fase, a da maturação sexual.
Freud acreditava que qualquer problema em alguma dessas fases ocasionaria o surgimento
de um posterior problema de personalidade em alguma pessoa, durante sua fase adulta.
Por tal motivo, as ocorrências adequadas de fatos ao longo das fases do desenvolvimento
sexual ser primordiais para determinar uma boa relação na personalidade de um dado
indivíduo. Uma pessoa que tem o desenvolvimento da fase oral prejudicada por algum
fato, no futuro será uma pessoa que tem prazer oral.
Fonte: <https://br.pinterest.com/pin/283375001528607987/>
65
UNIDADE III │ Os Aspectos da Prática Clínica
Carl Gustav Jung (1875-1961) morou, em sua vida toda, na Suíça. Estudou psiquiatria
em Zurique. Foi o mais famoso estudioso que rompeu com Freud, inicialmente ele
foi um dos seguidores mais dedicados do último, porém com o passar dos tempos,
Jung passou a discordar das ideias e algumas teorias Freudianas, assim fundou sua
própria escola de psicologia. Esta denominada de psicologia analítica. Ele defendia que
a introspecção ativa seria um meio para haver uma mudança psíquica no indivíduo.
Ele estava preocupado era com a parte imersa do grande iceberg, que compreendia a
mente humana, ou seja, o inconsciente.
Como Isaac Newton já afirmara anteriormente, toda ação possui uma reação de igual
intensidade, tudo com o objetivo de haver um equilíbrio de forças. De maneira similar,
Jung afirmava que para qualquer atitude consciente, há uma compensação inconsciente
sempre igual a primeira. Daí, Jung ao buscar a interpretação de sonhos ocorridos no
inconsciente, entendeu que estes serviam para compensar alguma coisa ocorrida no
consciente, tudo para manter o equilíbrio e a harmonia.
Algumas coisas em que as pessoas acreditam ser possessões, imagens que aparecem
em sonhos, personalidade separada como nos casos de personalidades múltiplas,
alucinações; conforme Carl Jung tais fatos consistem em manifestações provenientes
da luta entre o Ego e alguns complexos emocionais sobrecarregados. Estes da mesma
maneira que algum líquido no interior de uma garrafa agitada estar a pressionando
para escapar do referido recipiente, assim estar tais complexos em conflito com a
parte racional. Por isso quando eles extravasam o recipiente mental, ocorrem algumas
anomalias psíquicas.
66
Os Aspectos da Prática Clínica │ UNIDADE III
Para Jung para que o nosso complexo psíquico se desenvolva é necessário haver
o conflito entre o consciente e o inconsciente, tudo com o objetivo de fazer com que
nossa personalidade se desenvolva completamente. Ocorrendo, assim um processo
denominado individuação. “é o velho jogo do martelo e da bigorna: entre os dois,
o homem, como o ferro, é forjado num todo indestrutível, num indivíduo. Isso, em
termos toscos, é o que eu entendo por processo de individuação» (Jung). Tal processo
consiste na criação de um novo centro psíquico, o qual se chama self, este será o centro
da personalidade total, assim como o ego é o centro do consciente.
Fonte: <http://www.psicosmica.com/2015/01/principais-arquetipos-jung.html>
67
As diferentes formas Unidade IV
de atuação
Nesta Unidade, nos propomos a estudar como trabalham Jung e Winnicott após a leitura
da contribuição teórica e técnica de ambos com o objetivo de conhecer aplicabilidade de
suas técnicas no contexto clínico.
Capítulo 1
Como trabalha Jung: entrevista
O que mais me fascina na proposta de Jung é a forma como ele conseguiu amplificar
o aspecto universal da psique. O conceito de inconsciente coletivo e arquétipos nos
68
As diferentes formas de atuação │ UNIDADE IV
mostra que existe uma conexão entre os seres humanos, mesmo em épocas em que não
existia essa facilidade de comunicação entre as diferentes culturas.
Não há nenhum ponto que eu discorde. Acho que Jung fez um aprofundamento admirável
e foi extremamente exigente e rigoroso para formular sua teoria. Atualmente percebo
que os estudiosos pós-junguianos estão conseguindo atualizar alguns conceitos, como
por exemplo a anima e o animus, o trabalho grupal (e não apenas a individuação) etc.
Sim. Em alguns momentos podemos perceber, por exemplo, que o arquétipo do herói está
sendo acionado no cliente. Percebo isso em clientes de todas as idades. Ele pode ser
percebido nas imagens do inconsciente, nos sonhos e recursos expressivos (caixa de
areia, desenho, argila, atividades lúdicas etc.). Quando este material é identificado,
costumo fazer amplificações, ou seja, associo com histórias míticas semelhantes as que
o cliente está vivenciando, valorizando os símbolos que apareceram durante o processo.
Por exemplo, às vezes os homens chegam angustiados por estarem envolvidos com
mulheres que os fazem «perder a cabeça». Muitos deles entram em crise e acabam
mergulhando no álcool. Em alguns casos eu conto uma parte da história da Odisseia de
Ulisses, em que o herói tem que enfrentar o canto da sereia, senão pode ser seduzido
para o fundo do mar e se afogar. É impressionante como estas amplificações acabam
sendo úteis para que o cliente compreenda o seu processo. O mesmo se dá com as
crianças que elaboram suas angústias identificando-se com alguns contos de fadas.
69
UNIDADE IV │ As diferentes formas de atuação
Assim como na questão 4 dos arquétipos, o inconsciente coletivo pode ser abordado no
sentido de amplificar o processo psicoterapêutico. O que eu acho interessante é que quanto
mais nos aprofundamos em nós mesmos, mais entramos em contato com o inconsciente
coletivo, e consequentemente vamos tendo mais consciência do coletivo/humanidade.
Jung queria apenas estudar esses fenômenos. O fato é que eles realmente acabam
surpreendendo as pessoas. A Sincronicidade, por exemplo, é um fenômeno muito
comum e os clientes trazem conteúdo desta natureza constantemente no consultório.
O perigo é quando estes fenômenos são vistos como «mágicos/místicos», pois desta
forma podem ser direcionados a contextos fora da realidade, e a pessoa pode se perder.
A Sincronicidade pode auxiliar o cliente em alguns momentos para reafirmar uma
ideia/caminho, e isso acontece desde os primórdios de nossa existência. Na história
da humanidade temos conhecimento do quanto os oráculos antigos acabaram
influenciando no destino de cidades e pessoas. Lembro-me do Prof. Antônio Maspoli
(psicólogo junguiano) dizer em um Congresso a seguinte frase: «ao psicólogo não cabe
descobrir se o duende existe ou não, mas sim, analisar como a crença em duendes
afeta o comportamento humano». E creio que Jung também tinha interesse apenas em
estudar estas influências na psique humana.
Sim. O trabalho com os sonhos são importantíssimos para o processo. Eles mostram
um caminho, organizam a psique, identificam aspectos da sombra e as possibilidades
de transformação. Mas às vezes o cliente tem dificuldade de sonhar/lembrar dos
sonhos, e nestes casos acabo explorando os símbolos através de recursos expressivos
como desenhos, argila, caixa de areia etc. De qualquer forma o universo simbólico é o
instrumento mais valioso desta abordagem.
Creio que não é por acaso que a Psicologia Junguiana também é conhecida como
Psicologia Profunda. O que percebo nesta abordagem é que o processo de individuação
70
As diferentes formas de atuação │ UNIDADE IV
Entrevista realizada com uma psicóloga de Juiz de Fora por um aluno de psicologia. Fonte:
<http://www.psicoterapiajunguiana.com.br/interna.asp?id=9&t=c>
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Capítulo 2
Como trabalha Winnicott: relato e
discussão de um caso
Piggle é o apelido de Gabrielle, uma menina que, aos dois anos e quatro meses, começou
a apresentar dificuldades de sono e de relacionamento e foi atendida por Winnicott.
Tudo o que ocorreu nessas sessões, bem como as sensações e reflexões deste analista,
foi publicado postumamente em The Piggle. Poucas vezes nos foi dada a oportunidade
de observar Winnicott em ação, como nesta obra. No entanto, muitos dos que se
debruçaram sobre ela sentiram alguma dificuldade, pois não se trata de um texto didático
ou autoexplicativo. Neste sentido o curso de Gilberto Safra sobre o caso da menina Piggle
é de enorme utilidade para estudantes e mesmo para psicanalistas experientes.
Por meio de Safra, a condução de Winnicott ganha para nós sentidos mais precisos,
à medida que se vai percebendo em cada momento qual o lugar que o psicanalista
precisava ocupar para que a Piggle pudesse agir, integrar e colocar sob domínio do
eu as experiências e as emoções, a fim de poder retomar o seu processo maturacional.
Em alguns momentos a leitura deste livro nos permite observar a interlocução de dois
grandes clínicos em ação, quando Gilberto posiciona-se frente às intervenções clínicas
de Winnicott, ora concordando ou discordando das mesmas. Depois de revisitado com
Gilberto Safra, o processo analítico da Piggle jamais será o mesmo para quem sobre ele
queira refletir.
Fonte:<http://sobornost.sitepx.com/livros/revisitando-piggle-psicanalise-de-
riancas1361503847.html>
Este caso foi considerado por Safra como um exemplo clássico do que Winnicott chamou
de Psicanálise Segundo a Demanda. As potencialidades, os limites e as condições para
que esse método possa ser escolhido como modalidade terapêutica ficam em destaque.
Este livro merece ser lido por todos que desejam compreender o que seja a clínica
winnicottiana, pois seu alcance ultrapassa o âmbito da análise de crianças. Nele se
tem explicitada com clareza esta abordagem pouco usual para terapeutas e analistas
tradicionais: como criar o espaço potencial através do jogo, como propiciar o gesto do
paciente através do posicionamento preciso do terapeuta no diálogo e, enfim, como
72
As diferentes formas de atuação │ UNIDADE IV
Essa larga penetração no universo das ideias se deve ao caráter pouco hermético das
formulações de Winnicott, sempre comunicadas em estilo simples e direto, e que
refletiam seu interesse pela constituição da pessoa humana, tanto do ponto de vista das
condições que favoreciam que fosse ela mesma, como do que a fazia adoecer. A partir
daí, é decorrência natural que tenha se dedicado à compreensão das funções ambientais
e das maneiras pelas quais apreendemos e nos relacionamos com os objetos da cultura,
o que explica a abrangência das formulações que criou. Já especificamente no campo
psicanalítico. A obra winnicottiana é de fundamental importância na lapidação de
um psicanalista rigoroso e minucioso, intensamente envolvido com a necessidade de
seus pacientes.
Podemos dizer que Gilberto Safra, profundo conhecedor da obra winnicottiana, foi feliz
em sua escolha: Winnicott publicou muito, mas são poucos os textos em que temos a
oportunidade de vê-lo em atuação clínica, acompanhá-lo em seus deslocamentos em
direção aos pacientes, compartilhar suas anotações e a maneira como foi criando uma
nova modalidade de atendimento analítico, a Psicanálise de acordo com a Demanda.
E é isso que encontramos no caso Piggle, que se torna ainda mais rico com o olhar
minucioso de Safra, constituindo-se em uma experiência rara para os estudiosos
da psicanálise.
Piggle é uma garotinha de dois anos e meio, cujos pais procuraram Winnicott porque
ela se encontrava muito ansiosa com o nascimento da irmã. Eles não moravam em
Londres, onde se localizava o consultório de Winnicott, e dada as dificuldades de
deslocamento, este criou então uma maneira de atender Piggle de acordo com as suas
necessidades. Mas é importante ressaltar que esse tipo de tratamento só foi possível
por se tratar de uma família em condições de absorver os conflitos e tolerar os sinais
que indicavam a tensão emocional da menina durante o intervalo entre os encontros
com seu analista.
73
UNIDADE IV │ As diferentes formas de atuação
O trabalho de Winnicott na análise de Piggle durou dois anos e meio, sendo realizadas
catorze sessões. Safra (2005) escolhe sete delas, descritas no texto original, e passa a
analisá-las, chamando a atenção para os princípios que organizam a clínica winnicottiana,
bastante diferentes daqueles que constituem a clínica tradicional psicanalítica.
Como bem salienta Safra (2005), esse aspecto se expressa no caso Piggle, particularmente,
no cuidado de Winnicott em constituir com sua pequena paciente um espaço onde a
subjetividade dela pudesse ser temporalizada, ou seja, procurava criar condições para
que ela vivesse experiências significativas, para que comunicasse suas questões de
modo cada vez mais preciso, uma vez que se sentisse compreendida por ele.
Winnicott afirmava que somente após a constituição desse espaço, denominado espaço
potencial, é que as intervenções eram feitas, sempre no intuito de procurar compreender
a angústia de Piggle para favorecer que esse sentimento fosse colocado em experiência
compartilhada. Com isso, as inquietações da paciente ganhavam um sentido humano e
passível de análise.
Safra (2005) destaca, ainda, que, nesse modo de proceder, o analista é criado e usado
pelo paciente, e com ele vive uma experiência completa, essencial no modo pelo
qual Winnicott construiu todas as suas formulações clínicas. Assim, Piggle inicia o
tratamento um tanto hesitante em relação à possibilidade de, realmente, ser ajudada
naquilo que necessitava. Encontra, então, um analista que, antes de se apressar com
interpretações usuais, compreende essa hesitação e procura se aproximar dela com
muito cuidado, para que uma relação de confiança pudesse ser estabelecida, o que se
torna fundamental no manejo clínico de Winnicott.
74
As diferentes formas de atuação │ UNIDADE IV
do desenvolvimento pessoal. E foi assim que ocorreu com Piggle: ela pôde alcançar a
integração das partes dissociadas de seu self, e a tarefa de seu analista foi então concluída.
Fonte: <http://sobornost.sitepx.com/livros/revisitando-piggle-psicanalise-de-criancas1361503847.html>
75
Para não Finalizar
76
para (não) finalizar
Da mesma forma, a expressão de Jung “personalidade no 2”, que designa a sua personalidade
introvertida, o si-mesmo defendido, sem contato com o mundo externo, mas vivido como
real e verdadeiro, não pode ser vertida, na linguagem do paradigma winnicottiano, pela
expressão “verdadeiro si-mesmo” (p. 488; tr. p. 371). A divisão entre introvertidos e
extrovertidos será abandonada por Winnicott, em prol de uma teoria do espaço potencial,
no qual o que é pessoal entra em contato com o objetivamente percebido, enriquece este e
se apoia sobre ele assim modificado (WINNICOTT, 1971a, p. 127; tr. p. 150).
Winnicott reconhecerá, contudo, que Jung, mesmo sem seguir um projeto de pesquisa
científico, fez uma descoberta essencial para todos os estudiosos da natureza humana:
a de uma vida subjetiva vivida na forma de um retraimento, mas que, cabe acrescentar,
não era meramente patológico, pois tinha algo de uma autocomunicação central sadia,
77
Para (Não) Finalizar
e que dava acesso a uma área do existir humano permanentemente fora de contato
com o instinto e o relacionamento objetal, a não ser com objetos subjetivos (o que não
é relacionamento objetal propriamente falando, pois não implica a diferenciação entre
o indivíduo e o objeto).
“Isso nos leva”, continua Winnicott, “aos escritos dos autores que foram reconhecidos
como pensadores do mundo”. Entendo que pela expressão “pensadores do mundo”
(world’s thinkers) Winnicott se refere aqueles que pensam o mundo e o homem no
seu todo, ou, como Winnicott diz, a “verdade poética”, holística, e não a “verdade
científica”, sempre parcial. Logo em seguida encontramos uma enfática homenagem
a Jung: “Incidentalmente, quero me referir à revisão muito interessante de Michael
Fordham do conceito de si-mesmo [the Self] como aparece nos trabalhos de Jung.
Fordham escreve: “O fato geral permanece, que a experiência primordial acontece na
solidão” (WINNICOTT, 1965b, p. 190; tr. p. 174).
78
para (não) finalizar
Nessa nota está formulada, possivelmente pela primeira vez num texto publicado por
Winnicott, a tarefa de elaborar um quadro teórico ou, ainda, uma linguagem comum
capaz de expressar o que há de essencial nas contribuições de Freud e Jung. Poderia
surpreender o fato de Winnicott deixar esse assunto tão importante para uma nota de
rodapé. Uma explicação possível é a seguinte: ele ainda não sabia como tratar dele no
corpo do texto, ou seja, ainda não havia lugar para esse assunto no paradigma nascente
de Winnicott.
Com efeito, a ideia de que o objeto ou, alternativamente, o ambiente são parte do si-mesmo
ou, como Winnicott se expressa em outras ocasiões, do ego – que é, conforme vimos,
uma das primeiras tarefas de unificação enunciada por Winnicott ainda em 1945 –,
só receberá formulação madura na obra de Winnicott no final dos anos 1960, com o
desenvolvimento da teoria da identificação primária, não baseada em instintos, e do
tema do lugar em que vivemos criativamente, temos experiências culturais e passamos
pelo processo de socialização sem sermos impulsionados pelos instintos, e que Winnicott
chamará de espaço potencial. Em suma, o projeto de revisão da psicologia analítica só
poderá ser realizado no quadro de uma teoria geral do desenvolvimento emocional de
um indivíduo humano, que abranja tanto a área de insanidade, na qual o problema é a
ameaça da aniquilação, como a da sanidade, na qual os problemas dizem respeito aos
conflitos instintuais.
Essa revisão envolveria, entre outras tarefas, a de unificar, se não a totalidade, pelo
menos partes significativas dos vocabulários dos freudianos e dos junguianos. Na obra
de Winnicott, encontram-se vários exemplos desse exercício de criação de um novo
léxico que permitisse a tradução da psicologia analítica para a linguagem da teoria do
amadurecimento. Num texto de 1949, Winnicott retoma a tese de Phyllis Greenacre,
segundo a qual Freud relacionou “a angústia com o nascimento por meio de um tipo de
teoria do inconsciente coletivo” (1958a, p. 175; tr. p. 256). Winnicott acrescenta: “com
o nascimento [entendido] como uma experiência arquetípica” (os itálicos são meus),
explicando que está usando deliberadamente as expressões de Jung, pois parece que elas
79
Para (Não) Finalizar
Uma postura semelhante – que consiste na recepção das teses de Jung seguida de sua
modificação – é tomada por Winnicott no artigo “Posição depressiva no desenvolvimento
emocional normal”, terminado em 1955, que trata da constituição do mundo interno
na fase do concernimento. Esse processo acontece, em primeiro lugar, em virtude
de experiências instintuais do tipo digestivo elaboradas imaginativamente, que são
“fundamentais a todos os seres humanos em toda parte e sempre serão” (1958a, p.
273; tr. p. 368). Ele repousa, em segundo lugar, sobre materiais incorporados, retidos
ou eliminados, o que implica a existência de um mundo interno ao corpo integrado
pelo psiquismo, chamado por Freud, Jung e muitos outros, sob influência da filosofia
moderna, de mundo interno. Esses fenômenos são também similares entre os bebês
onde quer que vivam, embora, decerto, os observadores possam encontrar diferenças
nos costumes que prevalecem em determinada cultura em certa época. Em terceiro lugar,
inclui os relacionamentos totais ou situações ambientais magicamente introjetadas e
fatores pessoais projetados (1958a, p. 272; tr. p. 368).
O que acontece aqui pertence à humanidade como um todo, e propicia as bases de tudo
aquilo que é comum aos sonhos, à arte, à religião e aos mitos do mundo, independentemente
do tempo. É dessa matéria que é feita a natureza humana. (WINNICOTT, 1958a, p. 273;
tr. p. 369)
Duas crianças, diz Winnicott num texto de 1968, podem “construir casas semelhantes
por causa do denominador comum existente nos materiais de construção e também
por causa dos elementos arquetípicos do sonhar” (1989a, p. 204; tr. p. 161). Os sonhos,
80
para (não) finalizar
Winnicott não opta pela linguagem de Freud como sendo a única, nem considera
que a sua própria pode dizer tudo. Na palestra já mencionada para a Associação de
Psicologia e Psiquiatria Infantil, de 1967, ele recomenda o uso, ao lado de seus termos
unintegration e desintegration, do termo deintegration de M. Fordham, por entender
que ele tem “valor na descrição da ideia de anulação da integração, como na cisão como
defesa” (1996a, p. 237; tr. p. 207).
com uma mente cindida; ao invés disso, o que se encontra é a dissociação. (1989a, pp.
488-9; tr. p. 370; os itálicos são meus)
Nesse trecho, temos indicada a chave do procedimento que Winnicott usa para avançar na
tentativa de estabelecer, se não a união, pelo menos a comunicação entre os freudianos
e os junguianos:
Aos resultados das organizações defensivas de Jung que revelariam o todo do ser
humano, o núcleo do si-mesmo e o sentido profundo da vida, podemos preferir, observa
Winnicott, os tateios de Freud e [mesmo] o seu fracasso gradual em finalizar qualquer
coisa, exceto que ele pôs em movimento um processo, que nós – e todas as gerações
futuras – podemos utilizar para a terapia, que é uma pesquisa da natureza do homem, e
para a pesquisa, que é uma terapia do homem. (WINNICOTT, 1989, p. 483; tr. p. 366)
Contudo, Winnicott assinala, como vimos, que o cientista precisa poder alucinar, falar
como um louco na clínica, relacionar-se com os pacientes, quando necessário, em
formas pré-verbais e tirar lições teóricas de efeitos terapêuticos desse modo de falar e
de se portar.
82
para (não) finalizar
pré-verbal, mas sempre com base na experiência efetiva clínica ou do cotidiano, sem
ceder à tentação de atribuir, a essa experiência, sentidos retirados do pensamento
não científico – em particular, o caráter de manifestação do divino no humano – e
de proceder sem método algum, guiados unicamente, como aconselha Jung, pela
experiência do numinoso.
Por que essa posição privilegiada concedida ao grupo psicanalítico? Winnicott argumenta
dizendo recear que nenhum outro grupo de psicoterapeutas tenha capacidade para se
desenvolver do modo a incluir todos os outros, em particular, para absorver o grupo
freudiano. A única exceção seriam, talvez, os junguianos. Contudo, na opinião pessoal
de Winnicott, a comunidade dos junguianos não tem uma base doutrinal comum
suficientemente bem estruturada para impedir a entrada de psicoterapeutas que,
apesar de talentosos e até mesmo brilhantes, carecem da experiência de “disciplina
psiquiátrica” (p. 20; tr. p. 18). Tais membros – esse é o pensamento subjacente à reserva
de Winnicott em relação ao junguianos – tornariam impossível o trabalho coletivo
numa eventual sociedade unificada de terapia psicológica de cunho científico.
Winnicott defende uma tese parecida sobre a sociedade dos junguianos em uma carta a
Oliver H. Lowry, de 1956, que trata da proposta de uma cátedra de psiquiatria infantil.
Winnicott escreve: “Em minha opinião, deveríamos procurar [formar] um pediatra que
tenha recebido um treinamento pediátrico reconhecido, ao qual se acrescentaria um
treinamento psicanalítico reconhecido” (1987b, p. 101; tr. p. 88), ou seja, aquele que
tem o aval da BPS (e, portanto, da IPA). Ele acrescenta um porém:
83
Para (Não) Finalizar
Tarefa impossível?
3. inserção dos resultados dos dois primeiros passos num único quadro
teórico, do qual faria parte a teoria winnicottiana do amadurecimento.
Winnicott jamais tentou realizar esse programa. Ele nem ao menos explicitou o que
está antecipado, ainda que de uma forma bastante vaga e apenas indicativa, na sua
resenha de Jung. Talvez porque não tinha ilusões quanto às dificuldades de realização
da tarefa de unificação doutrinal e institucional do campo da psicoterapia. No discurso
já mencionado diante da Associação de Psicologia e Psiquiatria Infantil, composta
de membros de diferentes áreas (psicanalistas, junguianos, psiquiatras, educadores,
assistentes sociais etc.), ele se pergunta se uma associação desse tipo poderá ter
uma “identidade” de grupo, algo que “a faça ser e mantenha a continuidade da sua
existência” (1996a, p. 235). Preocupava-se com a formação e a estabilidade de grupos
de psicoterapeutas, isto é, com a possibilidade de se elaborar um programa diretor
para essa associação, levando em conta os antagonismos potenciais que ela continha
“embaixo da sua pele”.
84
para (não) finalizar
E comenta:
Lacan não poderá aderir, por várias razões, entre elas, por excluir da psicanálise as
relações objetais duais e as relações ambientais, traço central do exemplar winnicottiano,
insistir sobre o caráter essencial das relações triangulares e considerar que o ser
humano, o “sujeito”, é constituído de fora para dentro, pela imagem e pelo símbolo,
isto é, pelo outro, e não pelo seu próprio gesto criador, facilitado, mas não produzido,
pela provisão ambiental.
Por outro lado, as cartas de Winnicott revelam que a sua confiança na postura científica
dos psicanalistas da BPS nunca foi muito forte. Ele jamais aceitou a divisão oficial da
BPS em kleinianos e annafreudianos, que refletia, como bem observa Roudinesco, a
incompatibilidade total entre as leituras de Freud praticadas por esses grupos e, embora
evitasse cisão, condenava a BPS à esterilidade intelectual (ROUDINESCO, 1993, p. 262).
Em 1954, Winnicott dirigiu uma carta a Anna Freud e M. Klein na qual fez um pedido
veemente pela abolição de dois grupos em nome da “causa da ciência” (1987b, carta 43).
Ambas rejeitaram a proposta. A esperança de Winnicott de ver a BPS funcionar como
uma sociedade científica foi progressivamente abalada com o decorrer do tempo, em
particular, devido às reações dos kleinianos diante das suas próprias contribuições, que
começavam a aparecer com força precisamente no final dos anos 1950. A caracterização
de Winnicott na breve biografia escrita por Pearl King mostra bem o ambiente que
cercava Winnicott na BPS. Segundo King, nos anos 1930, Winnicott era considerado
um kleiniano. Nos anos 1940, Klein e Winnicott começaram a ter problemas, por ele
ser “um individualista” e não aceitar de “submeter, com a devida antecedência, suas
85
Para (Não) Finalizar
contribuições a ela e ao grupo dela para serem inspecionadas”. Isso se fazia necessário,
visto que Winnicott estava cometendo uma quantidade de “erros crassos”. Nos anos
1950, Winnicott já não era mais considerado como kleiniano, mas “independente”,
embora, anota King, odiasse ser rotulado por quem que seja (KING; STEINER, 1991,
p. XXIV). Mas isso não é o pior. Na mesma época, Klein e Rivière, não só negavam que
a obra de Winnicott tivesse qualquer valor, como viam nela o resultado da doença dele
(GROTSTEIN, 1992, p. 14).
Uma prova adicional de que Winnicott tinha perfeita consciência das dificuldades em
conseguir o reconhecimento do valor de suas ideias está na queixa amarga relativa às
resistências persistentes entre os psicanalistas em absorverem até mesmo uma das
suas contribuições mais significativas (e mais badaladas), a teoria dos objetos e dos
fenômenos transicionais. Em 1971, poucos dias antes de morrer, no prefácio de O
brincar e a realidade, Winnicott escreve:
Quando volto o olhar para a última década, fico cada vez mais
impressionado pela maneira como essa área de conceitualização tem
sido negligenciada não só na conversação analítica, que está sempre
se efetuando entre os próprios analistas, como também na literatura
especializada. (WINNICOTT, 1971a, p. XI; tr. p. 9)
Mesmo assim, creio que ao fazer, poucos dias antes de morrer, a chamada por uma
revolução na psicanálise, mencionada anteriormente, Winnicott, certamente cansado
e doente, não fazia um grito de desesperançado. Ele tinha algumas boas razões de
acreditar numa revolução que garantisse o futuro da psicanálise. Não apenas por ter
fé no valor da sua própria obra, imensa, como pontapé inicial dessa revolução, mas
também porque não estava completamente só. Penso nos seus contemporâneos que
acreditaram nele e o apreciaram, entre eles S. Isaacs, John Rickman, Marion Milner,
Margeret Little, Masud Khan, Michael Fordham e Harry Guntrip.
86
para (não) finalizar
Balint era posto de lado certamente por ter sido o depositário da herança literária
subversiva de Ferenczi, cuja publicação foi bloqueada pela IPA. Contudo, havia outros
motivos. Desde os anos 1930, Balint firmou-se como crítico agudo do conceito freudiano
de narcisismo primário. Além disso, sob a influência de Ferenczi, iniciou, e continuou
durante a vida toda, o estudo dos relacionamentos duais, pré-genitais (do “amor objetal
primário”). Concebeu as psicoses, os distúrbios de caráter e vários outros distúrbios,
tradicionalmente excluídos do campo da psicanálise, como patologias que se originam,
nessa área pré-edípica, da falta de “encaixe” (lack of “fit”) entre a mãe o bebê ou, como
Balint passou a dizer na fase tardia, quando já falava a linguagem de Winnicott, das
deficiências de manejo (mismanagment). De acordo com esse diagnóstico, Balint
propôs uma terapia não freudiana para o tratamento dos distúrbios mencionados,
baseada na ideia de “encaixe” e, ainda, na de manejo da regressão.
Nos final dos anos 1960, Balint já tem bem claro que nenhuma das duas principais
escolas da psicanálise tradicional, a freudiana e a kleiniana, têm recursos teóricos
e clínicos necessários para entender e tratar adequadamente da relação dual
analisando-analista, em particular do hiato (gulf, gap) que separa “o bebê no paciente
do analista adulto” (1992, pp. 90 e 182), hiato que pode ter existido já entre o paciente
enquanto bebê e a mãe, devido à ocorrência da “falta básica” ou, nas palavras de
Winnicott, da falha de manejo. Os freudianos não podem avançar nas questões dos
relacionamentos duais por serem presos à área de relacionamentos triangulares
edípicos e por falarem a linguagem de adultos (BALINT, 1992, p. 99), os kleinianos,
pela mesma razão, pois “não vão além do alcance da linguagem convencional” edipiana,
apesar de “estenderem constantemente a [sua] semântica” (pp. 104-105)
87
Para (Não) Finalizar
É bem verdade, a escola do “manejo” mal pode ser chamada de escola, por contraste
às duas outras previamente mencionadas, pois lhe falta organização ou coesão e, por
conseguinte, ela não desenvolveu uma linguagem própria, embora existam sinais de que
isso possa acontecer sob a influência das ideias de Winnicott. (BALINT, 1992, p. 116)
A sua linguagem, contudo, não foi aceita universalmente, pior, passou a ser usada nos
exercícios intertextuais, que tiveram sua origem na psicanálise lacaniana, práticas de
discursos meramente retóricos, a retoricação fazendo as vezes da descrição, teorização
e argumentação. Por outro lado, há grupos em vários países que declaradamente
optaram por falar a linguagem da psicanálise winnicottiana, sem acalentar – seguindo
nisso Winnicott e Balint – qualquer pretensão de chegar um dia a falar uma linguagem
unificada da psicanálise e, menos ainda, de toda a área da psicoterapia. Alguns desses
grupos foram devidamente institucionalizados. Um deles, reunido na Sociedade
Brasileira de Psicanálise Winnicottiana, com seus diferentes Centros, abriu, ainda em
2003, uma Escola Winnicottiana de Psicanálise, a qual oferece, assim como o Grupo
Winnicott da SPF, de Paris, formação em psicanálise winnicottiana. Em maio de 2013,
foi fundada em São Paulo a International Winnicott Association (IWA), que conta
como membros 15 Grupos Winnicott de 9 países diferentes, com centenas de membros
individuais. As palavras de Balint sobre a possível constituição futura de uma “escola
do manejo” baseada nas ideias de Winnicott talvez soassem, em 1968, ainda uma
exortação; hoje, elas podem ser escutadas como proféticas.
Ver, ainda, Jung 1963, pp. 3, 72, 84, 144, 185, 192, 299, 304 e 322.
Sobre a recusa de Winnicott dos estudos da alquimia, cf. Winnicott, 1996a, p. 237; tr.
p. 206.
Sobre esse ponto, veja, ainda, Winnicott, 1965b, p. 187; tr. p. 170.
88
para (não) finalizar
Em outubro de 1970, poucos meses antes de morrer, Winnicott escreveu: “No entanto,
como pensadores, não estamos exonerados de tentar uma abordagem holística” (1986b,
p. 133; tr. p. 88).
Sobre sonhos do tipo junguiano e freudiano, cf. Winnicott, 1958a, p. 96; tr. p. 162. Nos
dois casos, trata-se de sonhos que não são pessoais, criativos (cf. 1989a, p. 204; tr. p. 161).
Sobre esse ponto, no qual Jung, leitor de Freud, se aproxima de Popper, enquanto
Winnicott e Freud parecem tomar o lado de Kuhn, veja Winnicott, 1989a, p. 194; tr. p.
152. Para uma leitura kuhniana de Freud, cf. Loparic, 1985.
O livro já citado de Michael Fordham (1969) apresenta claras aberturas para a teoria
winnicottiana do amadurecimento.
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Para (Não) Finalizar
A minha expressão “para serem inspecionadas” traduz o verbo to vet de King, cujo significado
original é “fazer o serviço de veterinário”, “examinar assim como faz um veterinário”
Infelizmente, esse não é nem de longe o único caso de uso do diagnóstico psicanalítico
para fins políticos. Na mesma época, Ernest Jones, ao escrever a sua biografia de Freud,
atribui a Ferenczi “inclinações psicóticas latentes”, que se teriam revelado, entre outras
maneiras, “por um afastamento de Freud e de suas doutrinas” (DIAS, 2011, p. 266).
O notável relato de M. Little sobre a sua análise com Winnicott – que põe a nu a ineficácia
da psicanálise freudiana, centrada no complexo de Édipo, para o tratamento de estados
regressivos relacionados à psicose, ao mesmo tempo que ilustra o poder terapêutico do
manejo praticado por Winnicott –, texto recusado para publicação pelo International
Journal of Psychoanalysis, mas em seguida editado pela Free Association Books, foi
recentemente desqualificado mais uma vez, como peça na qual “a patologia espirra por
toda parte” (CALDWELL, 2007, p. 160).
Entendo que tem sido de pouco consolo para Winnicott ter notícia, em 1960, do interesse
de Lacan pelo seu conceito de objeto transicional (veja a carta de Lacan a Winnicott de
agosto desse ano, Natureza humana, v. 7, no 2, p. 474). As referências a esse conceito
em Écrits (1966), se Winnicott as leu – uma que acopla de forma incisiva o conceito de
objeto transicional ao conceito de fetiche e a outra que o insere na “dialética do desejo”
– dificilmente lhe levantariam o ânimo. A notícia de que o mesmo conceito serviu de
inspiração a Lacan para a introdução, no Seminário de 1962/1963, na época ainda não
publicado, do conceito de objeto pequeno a, só pioraria as coisas, pois Lacan se serve de
argumentação totalmente alheia às ideias de Winnicott.
Cf. Balint, 1992, p. 110. Veja, por exemplo, Balint, 1952, cap. 5 e 14, bem como Balint,
1992, caps. 7-13 e 14-18.
Pode não ser sem interesse notar que Lacan exclui categoricamente da psicanálise as
relações duais em geral, tanto as entre a mãe e o bebê, como a entre o analisando e o
analista (LACAN, 1975, caps. I.2, XVI e XVII, e Lacan, 1994, cap. IV.1.
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para (não) finalizar
A prova disso são os escritos de Adam Phillips, Christopher Reeves e Jan Abram,
na Inglaterra, Dodi Goldman, Heinz Kohut, Jay R. Greenberg, Stephen A. Mitchell
e Thomas H. Ogden, nos EUA, André Green, Jean-Bertrand Pontalis, Jean-Pierre
Lehmann, Laura Dethiville e René Roussillon, na França, Axel Honneth e Caroline
Neubaur, na Alemanha, Vincenzo Bonaminio, na Itália, Ofra Eshel, em Israel, para citar
apenas alguns entre muitos nomes de estudiosos estrangeiros que se envolveram com a
discussão das ideias de Winnicott. A eles convém acrescentar nomes de pesquisadores
winnicottianos no Brasil, tais como Elsa Oliveira Dias, Gilberto Safra, José Outeiral e
Júlio de Melo, para mencionar apenas alguns.
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Referências
CARON, Nara Amália (org). A relação pais-bebê: da observação à clínica. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2000.
92
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HAWKING, Stephen. O universo numa casca de noz. 6. ed. São Paulo: Arx, 2002.
KLAUS M.; KENNEL, J. Pais/bebê: a formação do apego. Porto Alegre: ArtMed, 1993.
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Zahar, 2007.
NASIO, J.D. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1999.
Nasio, Juan David. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott,
Dolto, Lacan. In: Winnicott. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995. p.177-201.
PESSOA, Adalberto Ricardo. A quinta força: uma nova visão da alma humana. São
Paulo: DPL, 2003.
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Referências
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SPITZ, Renné. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
STEIN, Murray. Jung: o mapa da alma – uma introdução. São Paulo: Cultrix, 1998.
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Referências
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872008000100010&lng=pt
&nrm=iso>. Acessos em 05 jan. 2017.
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