A Inquisicao Portuguesa e Sociedade Colo
A Inquisicao Portuguesa e Sociedade Colo
A Inquisicao Portuguesa e Sociedade Colo
SoniaA.Siqueira
Prof.a Adjunta de História Ibérica
da Universidade de S. Paulo.
A rNQUr$ÇÃO PORTUGUESA
EASOCIEDADE COLONIAL
CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP
PREFÁCIO 11
INTRODUçÃO 13
PRIMEIRA PARTE
15
DAS CONSCIÊNCIAS NA SOCIEDADE
t.
l7
I
t7
I
26
I
38
44
52
CONCLUSÕES 306
FONTES E BIBLIOGRAFIA 3I3
ANEXOS
. APÊNDICE 1. Homens ligados ao mar presentes em Pernambuco
entre 1591 e 162O 329
I
PREFÁCIO
SoNn A. Steunru
INTRODUçÃO
'
ingerir carne nos dias defesos era culpa heretical, por isso pedia
misericórdia à Inquisição, pois não queria perder sua alma. ó
A existência de um mundo do Bem e outro do Mal, identifi-
cados com Deus e o demônio transparece com muita freqüência
dos processos inquisitoriais, como no de Jorge Dias que, doente
das chagas e dos corrimentos, disse à sua mulher: "se agorâ viera
o diabo e me perguntara qual queria se morrer agora e ir direto ao
Paraíso, se darlhe a ele diabo um membro e Íìcar valente e rijo,
eu tomara antes dar-lhe um membro por ficar são".7 A dualidade
implicava em opção e esta deixava entrever a convicção do livre-
-arbítrio com que tanto se preocupou a espiritualidade do tempo.
A solução católica da liberdade da escolha entre o Bem e o Mal
possuía as mentalidades. Dão testemunho disso as palavras de
Afonso Pereira que arrenegou Deus e disse que não acreditava n'Ele
e chamou os demônios para que o viessem buscar.s Descria de Deus;
t lrqursrçÃo op Lrsnoe. ANTT, proc. n} 2 553.
2 SÃo Pruro, 1." Epístola aos Coríntios. cap. XV, versículo 14.
3 InqursrçÃo oe Lrsnol. ANTT, proc. n." 13250.
a Id., proc. n.' 16895.
s 1d., proc. n." 11208.
6 Id., proc. n." ó343.
1 Id., proc. n.' 1ó895.
I Id., proc. n.' 11068.
22 A srruAçÃo DAs coNscrÉNcrAs ...
tinha que optar pelo diabo. André Fernandes Caldeira num re-
pente afirmara diante de testemunhas "que queria levar boa vida
neste mundo, que no outro o levassem os diabos; que lá não o via
ninguém." 1 Seduzido pelos gozos do mundo tentara libertar-se do
temor da sanção post-mortem afirmando seu desdém. Dias depois
sabemos que foi implorar no confessionário dos jesuítas o perdão
para as suas palavras. Chegada a Visitação a Pernambuco, apre-
sentou-se voluntariamente a Furtado de Mendonça para recontar
o caso. As heresias eram de circunstâncias; enraizadas fundamente
estavam as crenças.
O homem do século XVI cria.2 Inelutavelmente. Angustiada-
mente. Fé inculcada no aconchego familiar, complementada na vida
social, no trabàlho, nas viageÃ, nos bancos àas igrejas ou nos
confessionários. Fé que chegava aos corações através da palavra
ouvida3 e que só excepcionalmente era burilada nas Faculdadçs de
Cânones ou de Teologia. Estavam em começo ainda os Seminários.
Basicamente cristalizavam-se as noções dogmáticas dos mistérios,
eficácia sacramental, imprescindibilidade da graça,interpretação da
morte e idéia da imortalidade, em grau de maior ou menor pro-
fundidade, conforme as possibilidades das mentes ou sua procedên-
cia social. As práticas litúrgicas tornavam-se hábitos quase inamo-
víveis sob a dupla pressão da consciência e da sociedade.
Os extremos próprios do clima do século passavam crenças e
comportamentos éticos por"uma lente de aumento.
Se o principal motivo da vinda para a Colônia era o ganhoa,
trazia o português para cá., no âmago de sua personalidade, os tra-
ços culturais do seu mundo. Mundo cristão, com suas inquietações
e preconceitos. Mundo católico ortodoxo, com suas intolerâncias.
Mundo barroco com seus contrastes, seus exageros, suas hesitações.
Mundo que se modernizava, abalando com as críticas, os valores
tradicionais da autoridade, hierarquia, religião, reformulando-os.
Mundo em que se esboçavam modificações das, estruturas e nas
atitudes em face da vida.
I INqunrçÃo oe LrssoÁ.. ANTT, proc. n." 8 414.
2 Ver Dtrnny, Ìür'ihelm. Hombre y Mundo en los Siglos XVI y XWL México, 19214.
3 Para o homem do século XVI "Fé é audição" escreveu Febvre, ressaltando a me-
mória auditiva, tão grande no tempo. Frnl,nn, Lucien. "O homem do seculo XVI".
Revista de História. São Paulo, V. l: 15-16, 1950.
a Palavras como as de Antônio Gonçalves (ou Monteiro) que declarou ao Visita-
dor ter abandonado o Reino e a família "para granjear a vida e tornar com algum
remédio" explicitam bem os interesses materiais que moviam colonizadores. Itqur-
stçÃo or LrssoA,. ANïï, no proc. n.' 8 480.
rNrENçÃo coLoNrzADoRA E RELrcrÃo 23
I 17 l2l 1551. Cerrs oos h.u,cnos JrsuÍus oo Bnesrr. São Paulo, 1954. t. I, p. 213.
2 Em carta escrita na Bahia ao Dr. Azpilcueta Navarro dizia Nóbrega aos 10/8/1549:
"tienen mucha noticia del demonio y topan con él de noche y han gran miedo del".
Op. cit., t. I, p. 137.
3 "Andan con lumbre de noche por miedo delle, y esta es su defensión". Carta de
Nóbrcga. Op. cit.
4 Aumroe PRADo, J. F. A Bahia e as Capitanías do Cento do Brasil. S. Paulo, 1950.
t. III, p. 51.
Os homens que úviam no mar sentiam grande necessidade de proteção dos céus,
dos quais dependiam o apaziguamento dos ventos e o amainar das procelas. Era
comum expressarem essa necessidade de proteção pondo as naves sob a invocação
de um ou vários oragos, como por exemplo: Nossa Senhora das Neves, Santa Ana
e Santa Isabel; Nossa Senhora do Livramento, e São José; Santo Antonio, São Dio-
go e São Vicente. Anss on A*lúro, Maria Benedita. "A Expansão Portuguesa e
o Sentimento Religioso. Contribuição paÍa seu estudo". ln'. Esíudos Políticos e So-
rrars. Lisboa, 1965. v. III, n." l, p.49-216.
30 A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs ...
infernais. I
Tratava-se de um combate - noção fundamental para
a milícia inaciana - em que se empregava todo um código de es-
tratégia. O prêmio da luta era a Salvação. Deviam agir para pro-
mover a glória de Deus, usando como arÍnas o sacrificio, a humil-
dade, a caridade. E mais: a inteligência e a disciplina. Glória a Deus
nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade. pelo menos
eram essas as intenções iniciais do Instituto, o que estava na letra
de sua regulamentação e no espírito de seus fundadores.
A orientação realista dos inacianos refletia feição profunda-
mente humana de sua maneira de serem cristãos. Suas Constitui-
ções insistiam sobre o espírito de caridade e de amor.2 Amor que
consistia mais nas obras do que nas palavras. Amor verdadeiro
que exigia entre amante e amado comunicações recíprocas de
bens.3 Emergia de sua doutrina espiritual a preocupação de ser
bem concreto e deÍïnido.a Páginas dos "Exercícios" deixavam en-
trever claramente as idéias de adaptação, acomodações, circuns-
pecções, preferências que se deviam respeitar. s Dessa faculdade de
adaptação às circunstâncias, de ajuste a todas as mentalidades, dessa
sua flexibilidade de acomodação, resultou a ação direta dos jesuí-
tas em todas as camadas sociais. Entre o povo também. Princi-
palmente. Um Cristianismo mais fácil de praticar por exigir real-
I Ponto culminante dos "Exercícios" era o quarto dia da segunda sernana, quando
se fazia a meditação sobre os dois estandartes. O estandarte de Cristo com todos
os que o seryem "na grande terra de Jerusalém" defronta-se com o de Lúcifer, que
o comandava "na grande terra da Babilônia", assentado numa especie de grande
cadeira de fogo e fumo". Dois exércitos inimigos. O cristão verdadeiro é o que com-
bate por Cnsto. Apud Rors, Daniel, "Une ère de renouveau. La Réforme Catho-
lique." In: L'Églíse de Ia Rmaissance et de la Réforme. Paris, 1955. p.47.
2 Proêmio e 3.' parte das Co4stituições. Apud DvxÃq Paulo.
"A Espiritualidade
de Santo Inácio." lnl. Brotería. Lisboa, 195ó. V. LXil, n." l. p. 14.
3 Nota preliminar à Contemplaçõo ad atnorem. Id., Ibid., p. 15.
4 DunÃo, Paulo. "O Itinerário Espiritual de Santo Inácio." ln: Broteria. Lisboa,
1956. v. LXII, n.'5, p. 513.
5 DunÂo, Paúo. "A Espiritualidade de Santo Inácio." ln: Broteria. Lisboa, 195
v. LXI, n.o l. "Segundo a disposição das pessoas que querem tomar exercícios es-
pirituais, i.e., segundo a idade, letras ou engenho que tenham, se lhes hão de apli
car os tais exercícios... do mesmo modo conforme se quiserem dispor, e assim se
lhes deve dar a cada um aquilo com que mais se possam ajudar e aproveitar." 18.'
anotação preliminar. Apnd DuxÃo, Paulo, Op. cit., p. 15-17.
Para os religiosos formados impõe-se apeúas um princípio: devem ter adqui-
rido com a total abnegação de si mesmos grande facilidade de encontrar a Deus
em tudo e a Ele se unirem até no meio dos trabalhos mais absorventes. Id. Ibid.
36 A srruAçÃo DAs coNscIÉNcIAs ...
1 Santo Inácio até 1550 não queria que sua Ordem se dedicasse ao ensino, prin-
cipalmente para salvaguardar o ideal de pobreza. Quando a Bula de Julio III (Ex-
poscit debitim) oficializôu o ensino como um dos meios de ação da Companhia,
ioyola incluiu-o na 4." parte das constituições (cap. 13 2Al. Princípios Hucatiuos
doi Colégios da Cia. de Jesas. Roma, l9ó3. Trad. E. Vasconcelos (SJ')' p' 10'24'
2 Breve de clemente vIII de 301811602. lpallrennecunnr, Pe. Inácio (s.I'). IIis'
toria de la Espiritualidad. p. 229.
"DE pRopAGANDA F!DE" 37
t "Nenhum seja recebido nesta Companhia se não for por longo tempo e cuidado-
samente provado e só quando se mostraÍ prudente em Cristo e insigne ou pela ciên-
cia, ou pela pureza da vida cristâ seja finalmente incorporado a esta milicia de Jesus
Cristo". Br;Ja " fugimini Militantis Ecclesiae" . Ápud Lnrr, Pe. SeraÍìm (S.I.). Iíistó-
rio da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa, 1938. t. I, p. 9.
r Ou terá sido pelos favores prestados ao Rei na obtenção da Bula " Meditatia cor-
drs" conseguida por Santo Inácio de Paulo III para estabelecer em Portugal a Inqui-
sirfo nos moldes de Castela?
38 A srruAçÃo DAs coNscrÉNcrAs ...
4. A Conflitualidade Relativa
Assim como a terra brasileira não foi conquistada pelas afinas'
mas simplesmente ocupada, e nenhum estado existia para ser do-
minado, o que permitiu a ereção de estruturas políticas sem maio'
res resistências, o Paganismo não foi, por sua vez' combatido mas
superado.
A ausência de uma religião organicamente constituida, a ine-
xistência da luta pela sobrevivência do animismo e do fetichismo
dos índios e negros, geraram nos brancos atitudes de indulgência
e benignidade.l Esta circunstância explica muitos descuidos e des-
casos.
Não se configurou para os colonizadores a necessidade de ba-
talhar pela própria crença.2 Em meio às agitações das consciências
com a Reforma da Igreja Católica, procurava-se uma especie de
paz to missionarismo. Converter os pagãos não era o mesmo que
1 A-arr, rr, Claude d'. História do Missão dos Padres Capuchinhos na llha do Ma-
ranhão. São Paulo, 3945. p. 323.
' Id. ibid., cap. XII. p. ó5.
3 Id.. ibíd.
A LUTA INÚTIL 53
no Juizo Eclesiástico da cidade por denúncias contra ele feitas ao Bispo, de heresia,
blasfêmia e sodomia. "Confissões da Bahia, (1591)", p. 86. A justiça eclesiástica
movera ainda processo contra o Pe. Frutuoso Alvares por sodomítico (id. p.22) e
contra Gaspar Rodrigues, pelo mesmo motivo (1d. p. 52).
3 Processo da justiça eclesiástica contra Baltazar Martins Florença, acusado de
bigamia. "Confissões da Bahia, (1591)." p.27.lóem em relação a Antonia Fogaça
(1d. p. l0l).
a Autos de Pero Teixeira. "Confissões da Bahia. (1591)", p. 28. Certas palavras
irreverentes pronunciadas com leviandade ou por inconsciência também deram pro-
cesso no Juízo Eclesiástico, como as proferidas por Catarina Mendes - ao Agnus
Dei quie trazia no pescoço tinha tanta veneração como a uma hóstia. Acabou senten-
ciada pelo Bispo. Id. p. 35.
5 Processo contra Salvador da Maia. "Denunciações da Bahia, (1591)" p. 278,282
e 286.
6 "...Nos princípios muitas cousas se hão de dissimular que castigar, maiormente
em terra nova como esta." Meuuro Dns, Carlos. História da Colonização Por-
íugu.esa no Brasil. t. III, p. 304.
? Ex. o cônego Jácome de
Queiroz, sacerdote de missa, mameluco, natural do Es-
pírito Santo. "Confissões da Bahia, (1591)", p. 46.
g A srruAçÃo DAs coNscrÊNcrAs...
| "Sentença." .Ibid.
2 Natural de Porto Seguro, filho de Erancisco Martins e de sua escrava brasila Isa-
bel, 38 anos. Casado com Isabel Rodrigues, também mameluca. Lavrador em Ta-
mararia. "INqursrçÃo on Lrsnol". ANTT, proc. n} 12229.
3 "Sentença" no processo citado.
a XV segundo cria. Natural da Bahiai filho de Francisco Estevão Branco, francês,
e de sua mulher Barbara Branca, braslla. Solteiro, 24 anos. Vivia por sua indústria,
sem oficio, em Pirajá. INqursrçÃo or Lrssol. ANTT, no proc. n.o 11072.
s XV natural de Pernambuco, frlho de Diogo Corredeira, homem branco, e de sua
escrava brasila Felipa. 40 anos. Lavrador morador em Pirajá. INqutstçÃo pE LIs-
sol. ANT'T, no proc. n." 17813.
ó Repreendido, loi mandado confessar-se uma vez antes da Quaresma, jejuar uma
quarta-feira e nela rezar o rosário de Nossa Jenhora. Além de pagar as custas do
processo, naturalmente. V. "Sentença", no processo citado.
? "Sentença" no processo citado.
A LUTA INÚTIL 59
1. DemograÍia e Religião
Elementar paÍa a recomposição histórica de uma sociedade,
a fixação do número de seres que viveram em determinada época
dentro de certos marcos geográficos.
Marcos geográficos: a região ocupada no tempo pelas capita-
nias de Pernambuço, Itamaracá, Paraiba, Bahia, Ilhéus e Porto
Seguro, individualizadas do ponto de vista administrativo, cons-
tituindo, no entanto, uma unidade relativamente homogênea do
ponto de vista histórico. Tal unidade, definida em torno da organi-
zação econômica do século XVI, transparece nas atitudes dos ho-
mens, nas suas crenças, nas suas idéias sobre o trabalho, conforto,
posse da terra, na vida cotidiana, nas festas, na alimentação.
Dois núcleos humanos polarizavam a vida dessa região: a ci-
dade de Salvador, da Bahia de Todos os Santos, fundada em 1549
e a Vila de Olinda, fundada em 1537.1
A cidade do Salvador teve em Gabriel Soares o seu biógrafo2:
depois de relatar o quadro geográfico, a fundação da cidade, des-
creve-a, falando do arruamento "por boa ordem com as casas co-
bertas de palma ao modo do gentio", dos "muros de taipa grossa'
com dois baluartes ao longo do mar e quatro da banda da terra",
da fundação de "um colégio dos padres da Companhia e outras
igrejas e grandes casas, para viverem os governadores, casas da
tilidade e das notáveis partes que tem". In: Tratado Descritivo do Brssil em 1587.4."
ed. São Paulo, Ed. Francisco Adolfo Varnhagen, 1971. p.'127-352.
62 coLoNrzADoRES, coloNrzADos E...
I ConrnsÃo, Jaime. "O Mito do rio do Ouro," In: Introdução à História das Bandeiras.
Lisboa, 1964. t. II, p. 213.
2 "Confissões da Bahia, (1591)." p. 53-54.
3 lNqursrçÃo oE Lrseon, ANfi, proc. n." 5 206.
a Id., proc. n." 1491.
A coLoNIzADoREs, coloNlzADos E...
I Desde o começo da tradiçâo rabinica loi estabelecida uma lista clássica de pre-
ceitos, em número de 613:248 positivos e 365 negativos. DÉulN, pa'ul. Os Judeur,
Fé e Destíno. São Paulo, 1962. p. ó4. Trad.
68 coLoNrzADoREs, coLoNIzADos E...
T2 COLONIZADORES, COLONIZADOS E .. .
cendoJhe às ordens e não temendo as penas que por ele lhe tinham
sido postas, levando em sua nave Adrião Francisco, serralheiro, e
uma castelhana Joana Martins. 1 Pelo mesmo motivo foi preso Diogo
de Mozim Soares, escrivão da Alfândega do Rei na Bahia.2
Da cumplicidade dos capitães das urcas que se ofereciam para
desembarcar os réus do Santo Oficio em outros portos europeus
aüsava ao Tribunal de Lisboa Bento Teixeira num de seus Avisos, em-
bora ele mesmo se sentisse descrente da possibilidade de impedir a
açâo dos navegantes das urcas: "E dizem que se S.M. impedir que
não vão lá urcas, que de dentro de Itália e de Veneza hão de mandar
vir vasilhas para se embarcarem".3
Outro atentado à integridade ortodoxa da Colônia era a pre-
sença dos holandeses ou dos corsários luteranos que nas rotas
comerciais do açúcar, do pau-brasil ou das especiarias freqiienta-
vam as Ilhas, África e Brasil, trazendo elementos não católicos que
ilegalmente aqui ficavam e constituíam perigo paÍa a fé da coleti-
vidade. 'As avenças vendidas pelos contratadores de escravos eram
outra via de penetração no Nordeste e no Recôncavo de elementos
de outras crenças. População estante por alguns meses, no decurso
dos quais contactava com os moradores da terra e podia abalar as
já pouco sólidas fidelidades à dogmática cristã.
3. EstratiÍìcação Social e Religião
A presença de acentuações dominantes em toda a sociedade
é um fato inegável da organização social.a De acordo com o que a
sociedade considera valioso, procede ela à hierarquização das
funções sociais desempenhadas pelos seus membros. Os status são
diferenciados a partir de seus papéis.
A estrutura sócio-econômica do Nordeste e do Recôncavo
construiu uma hierarquia sobre base escrava em que se encontra-
vam, de alto para baixo: os grupos ligados à terra e os grandes comer-
ciantes aqui radicados, partícipes da mesma concepção de vida, do-
nos das tendências autoritárias, que transmitiam por herança seus
bens e suas prohssões. Depois, vinham nos incipientes burgos a média
e a pequena burguesias, mal dehnidas, que abrangiam os mercadores,
engenho.....
Senhores de 86
Mercadores..... ........223 309 196e%
Pequcna e Média Burguesía:
Àrfecãnc I ?{
Assalariados 180
Burocratas 133
Pequenos lavradores... 389
I ihcrqis Á,^
Mercadores de lógea . l8
Clero (médio e baixo) 94 1053 67,07%
Povo:
Pequenos oficios 148
Sem oficios ....... 26
Fcravnc 7,4 208 t3,24%
I A diferença de 670 é explicada pelos casos de dupla e até tripla função social.
618 pessoas cujos nomes estão relacionados nos papéis do Santo Oficio não declara-
ram sua condição profissional.
m @rcNtzlooRns, coloNrzADos 8...
l- Artesãos -Fazenda:29
Alfaiates : 44 -Roça:2
- Obreiro de alfaiate : I Mestrede-açúcar : 28
Armador de igreja : 2 - Aprendiz de mestre-de-açú-
Calafate:4' Q&t :2
Calceteiro : I - Purgador : 5
Carpinteiro : 66 Contra-mestrede-nau : 4
- Aprendiz de carpinteiro: I - Guarda de naus : I
Chapineiro : I - Mestrede-nau : ll
Cordoeiro : 3 - Marinheiro : 46
Costureira : 3 - Piloto : 19
Cozinheiro : 2
Cutileiro : I 3. Burocratas
Entalhador : 2 Alcaide-mor: 3
Ferreiro : 14 Almotacel: 3
- Aprendiz de ferreiro : I Almoxarife de cidade : 2
-com tenda: I Almoxarife de capitania : 3
Fiandeiro : I Capitão de capitania : 5
Imaginário : I Carcereiro : 4
Oleiro : l0 Contador da fazenda del-Rei :2
- Aprendiz de oleiro : I Demarcador das terras : I
- Mestre oleiro : I Desembargador :2
Ourives : 5 Escrivão : 12
Serralheiro : 2 - Escrivão da alçada: 2
Tanoeiro : 5 - Escrivão dos defuntos : I
Torneiro : I - Escrivão da câmara do bispo :
Tecedeira : I
_Á
- Escrivão do fisco : 2
2. Assalariados Escrivão dos órÍãos : 2
-
Banqueiro : I - Escrivão dos agravos da Rela-
Barqueiro : 4 ção da Bahia : 2
Caldeireiro : 4 - Escrivão do campo : I
Caixeiro : I - Escrivão dos contos : I
Contador : I - Escrivão da alcaidaria : I
Encaixador: I - Escrivão do eclesiástico : I
Feitor : I - Escrivão do público-eclesiás-
-Engenho:20 tico : I
ESTRATIFTCAçÃO SOCT,C,L n nEr,rCtÃO 81
Costureiras 3
Tecedeira I
Padeira I
Vendeira 2
2
Mulher do mundo ... 7
iii
ern 1551, duzentas casas ficaram arrasadas e duas mil pessoas foram
mortas; em 1597 no alto do Monte de Santa Catarina um tremor des-
truiu três ruas e pôs abaixo cento e dez prédios. Outra grande sangria
populacional era a Índia, que imantizava c. de 8.000 homens válidos
por-ano. Somem-se as demandas feitas pelas feitorias e fortalezas
da Africa, os sete ou oito mil homens mortos em Alcácer mais seus
dezoito mil prisioneiros e compreender-se-á a rarefação de povoa-
mento da Metrópole. 1 Carência de almas que ficou a explicar
no século XVII a lei da "grande tolerância para com toda espécie
de união que resultasse aumento de gente" e a própria atitude da
Igreja no reconhecer o casamento "de juras" quando consumado
pelas relações sexuais.2
Com um pessoal exíguo Portugal iniciou a ocupação da Terra
de Santa Cruz. Talvez por isso tenha o Soberano recorrido às Ilhas:
"Encomendo-vos que este negócio façais como fazeis todas as
outrqs cousas que vos encomendo e na melhor maneira que pu-
derdes provoqueis a gente a folgar de ir viver às ditas partes
do Brasil porque assim receberei disso muito contentamenlo".3
Procedentes das llhas, ou do Reino, o certo foi que um pequeno
número de colonos veio para o Brasil defrontar-se com uma paisagem
em que tudo era superlativo: a vastidão dos horizontes, a extensão
das praias, a largura dos rios, a pluralidade dos perigos . . .
!1Noevo, Pero de Magalhães. Traíado da Terra do Brasil. São paulo, 1964. cap.
lX, p. 94.
3 Cerócnn,ls, J. Pandiá. Op. ait., p.
380-88.
a "Carta do Pe. Inácio de Tolosa de 7l9ll571',.In:
Fnnrns, Felisbelo. História de
Sergipe, Rio de Janeiro, 1891. p. ll.
5 Setveoon, Frei Vicente do. História
do Brasì\.4." ed. l. üI, cap. 20,p. 197.
ó Cerócrus, J. Pandiá. Op. cít., p.
380-88.
7 M,rcu,nÃns, Basílio de. Op.
cit., p. 46.
8 Srrveoon, Frei Vicente do. Hístória do Brasil.
l. III, cap. 20 e 25, p. 197 e 20g res-
poctivamente.
e Id., ibíd.
r0 IuqursrçÃo DE LrsBoA, ANTI, proc. n..
10776.
rr Id., proc. n." 12229.
t2 Id., procs. n.. 17811, 11666 e ll 068.
13 1d.,proc. n.' 10874.
ra 1d, procs. 11072 e 11635.
98 coLoNIzADoREs, coLoNIZADos E...
ao muito alto, ao muito poderoso e soberano rei, o sr. D. João VI, pelo Pe. frei Manoel
Joaquim da Mãe dos Homens, religioso dos Menores Observantes da Província dos
Algarves". RIHGB, t. XIX, 1856. p. 480.
I Talvez para quebráJa um pouco fosse que Nóbrega pedisse esmolas de roupas
"ao menos uma camisa a cada mulher" para que as indias não fossem nuas às igrejas:
"Nâo parece honesto estarem nuas entre os cristãos nas igrejas e quando as ensina-
mos". Carta de Nóbrega ao Pe. Simão Rodrigues. Bahia,91811549. Cartas Jesuíticas.
t. I, p. l19.
2 ". . . onde las mujeres andan desnudas y no se saben negar a ninguno, mas aun ellas
mismas acometen y importunam los hombres echándosse con ellos en las redes,
porque tienen por honrra dormir con christianos . . ." Carta do Irmão José de Anchieta
ao Pe. Inácio de Loyola. Piratininga, julho de 1554. Cartas dos Primeiros Jesuítas.
t. ll, p. 77.
V. ConrnsÃo, Jaime. "O português, Ibérico Amoroso". In: Introduçõo à História das
Bandeiras. Lisboa, 1964. t. I, p. 153.
3 "Nesta terra há um grande pecado que é terem os homens suas negras por mancebas,
e outras livres que pedem aos negros por mulheres, segundo o costume da terra que é
terem muitas mulheres. E estas deixam-nas quando lhes apraz o que é grande escândalo
para a nova lgreja que o Senhor quer fundar." Carta de Nóbrega ao Pe. Simão Rodri-
gues. Bahia, 91811549. Cartas Jesuíticas, t. I, p. ll9.
a "Confissões da Bahia, (1591)." p. a6.
s Id. p. 46.
DISPERSÃO DEMOGRÁFICA E... 103
*'t:*
SEGUNDAP\RTE
A Inquisicão na Colônia
A ADMTNTSTRAçÃO DO SANrO OFíCrO... lr5
B. OS ORGÃOS INSTITUCIONAIS
1. O Tribunal de Lisboa
A peça mais importante da máquina inquisitorial portuguesa
foi, certamente, o Tribunal de Lisboa. Liana de mil ramificações,
prendeu ao tronco do Santo Oficio primeiro as províncias da Extre-
madura e parte da Beira. Depois, enleou-se em todas as conquistas
até o Cabo da Boa Esperança, 1 Madeira,2 todas as outras Ilhas3
e finalmente amarrou o Brasil.a
Prolongava-se, naturalmente, sobre a espiritualidade da Colônia,
a vigilância da Metrópole. Através do controle inquisitorial também,
exercia o Rei sua autoridade sobre a Terra de Santa Cruz. Buscava
realizar um ideal missionário católico-português. Tentava afirmar
no Novo Mundo, sobre a unidade da crença, o Império Português,
nos mesmos moldes do Hispânico de Carlos I. s
O sentido do universal, que maÍcava a mentalidade ibérica,
permitia a expansão dos dois países além das fronteiras geogra-
ficas, e exigira, sob o aspecto administrativo e institucional, que o
Ultramar prolongasse o solo ibérico. A legislação da Colônia devia
ser - teoricamente - a mesma da Metrópole. Vigiar a unidade
das consciências não era um dever essencial da realeza? Não era
praticar um ato moral, na concepção vitoriana, então em voga,
de homenagem a Deus?
Além de um imperativo de consciência, vigiar os hereges do
Ultramar era uma imposição da Coroa, pois era garantir a nacio-
1MoNtrno, Frei Pedro. "Notícia Geral da Santa Inquisição deste Reino-" ln: Do-
cumentos, Estatuíos e Memórias da Atudemia Real de História Portuguesa (Col.).
Lisboa, 1723. t. III, p. 1.
2 Cotr,ttssÃo oo Clnoelt INneNrn D. Heì,lntQur on 221711550. Corpo Cronológico.
doc. n.'67. ANTT.
3 Corr.rrssÃo oo C,lnotlr D. HnNntQur on 41811551. Id., doc. n." 23.
a Corr,rrssÃo Do CARDEAL D. HElntQur on 121211579. Id., doc. n." 52.
s O Império de Carlos de Áustria arÍancara ao poeta Fernández de Oviedo os sig-
nificativos versos: "santiago con su lança/seguirá dando lugar/y la tierra con la mar/
en vuestra buena ventura:/todo 1o quêl sol mesura/Espaãa lo mandará".
126 os óRGÃos rNsrrrucroNArs
2. Os Agentes no Brasil
a. O Bispo e seus Assessores
A necessidade de combater a heresia e a apostasia, e de cris-
tianizar os homens, era problema da Igreja tridentina e do Trono
absoluto. Era de mister manter a Cristandade e a unidade do Im-
pério Ultramarino.
Autoridades civis e autoridades religiosas empenharam-se, nos
primeiros tempos da vida brasileira, em zelar pela ortodoxia da
crenç4.
Do problema dos hereges e apóstatas e dos cristãos que se
tornavam judeus, ocupavam-se as Ordenações Filipinas no seu
Livro V, tit. 1."; dos que arrenegassem ou blasfemassem de Deus e
dos Santos, tit. II; dos feiticeiros, tit. III; dos sodomíticos, tit. XIII;
dos bígamos, tit. XIX.2 O direito canônico ocupava-se dos mes-
mos delitos nos cânones 2356, 2323, 2314 a 2316 e 2314, respectiva-
mente.3
Das provisões dos vigários das vilas recém-criadas ou das
cidades acabadas de fundar, deviam constar instruções especí-
ficas para a manutenção da integridade da fé. Resguardava-se à au-
I Cf. idéias de Frei Bartolomeu dos Mártires, vigentes no tempo. Ror-ro, p. Frei
Raul de Almeida (A.P.). L'êveque de la Réforme Tridentine. Lisboa, 1965, p. 15 e segs.
'z Clérigo do tlibito de S. Pedro. ConÍìrmado no Bispado da Bahia aos 2313/1558
pela Bula de Paulo IV "Gratiae divinae praemium" publ. no Conpo DprouÁrrco,
VIII, p. 49. Chegou à Bahia aos 411211559, tomando posse do bispado no dia 9. V.
sobre D. Pedro Leitão, principalmente. VAscoNcnros, Pe. Simão de (S.I). Crônica
da Companhia de fesus no Brasil. cit. p. 146; Accrolr, Ignácio, e A_rrr,m,u., Braz. op.
cit.,t.lY, p. 3; Ar-mro,l, C. Mendes. op. cit.,t.l,parte2.,,ps. 530-l; Aznvnoo, pedro
de..Os antepassados do marquês de Pombal. In: Arquivo Histórico Português. Lis-
boa, 1903. III, p. 325.
3 Prior da Ordem Militar de Avis, provido no bispado em 1575 ou 1576.
Faleceu c.
1596. Souse, Antonio Caetano. op. cit. loc. cit.; Acclrorr, Ignacio. op. cit., t. IV p. 4.
Mnxons or Aurctoe, C. op. cit. p. 531"
a Clérigo d!' hábito de S. Pedro e lente de Teologia na Universidade de Coimbra.
Confirmado bispo da Bahia aos 231911602. Morreu a l/1 l/1618. Accrolr, t. e op. cií. ;
Mnxons on Aumroe, Iôrd.
s Lente de Cânones da Univ. de Coimbra. Morreu aos 81L011624. Acctor,r, op. cit.,
loc. cit; SousA, Antonio Caetano de. op. cit. MENDES pn Ar,rmroe, C. op. cit. loc.
cit.
ó Ceu.lnco, Monsenhor Paulo Plorêncio da Silveira. História Eclesüstica do Brasil.
Petrópolis, 1955. p. 84 e segs.
148 os óncÃos INSTITUcIoNAIS
1 Id. p. 187.
2 "Confissões da Bahia (1591)" p. 27.
3 lbid.
4 Notes sonnp Auros oe FÉ, fol. 54 v. ANfi.
5 lNqumçÃo or Ltsro,t, proc. 5.206. ANTT' Denunciação que se fez diante do Bispo
deste Estado contra Bento Teixeira.
ó Auto que o juiz Gaspar Francisco mandou Íazer de Bento Teixeira a requerimento
do Lic. Tristão Barbosa de Carvalho. INQuIstçÃo oE Lnrol' proc' 5.206 cit.
ANTT.
OS AGENTES NO BRASIL 151
Brasil. Devia ele agir em relação aos índios convertidos "com pru-
dência cristã, moderação e respeito, para não se intimidarem os
outros, vendo que se usa de todo rigor do direito com os já conver-
tidos".l Inquisição para índios recém-convertidos? Índio con-
vertido não é o mesmo que muçulmano, judeu ou brâmane. O atraso
cultural dos nativos do Brasil não era desconhecido na Metrópole.2
Os jesuítas encarregavam-se de repetir insistentemente nas suas
caftas quem eram os silvícolas e a precariedade de sua conversão.3
Como pretender policiar a crença dessas pessoas, se para com-
preenderem rudimentarmente os princípios do Cristianismo era
de mister o auxílio de línguas, primeiro, depois, que os padres apren-
dessem sua fala? Policiar os índios aldeados pelos jesuítas? A
Comissão passada ao Bispo poderia ser uma forma de atenuar o
poder da Companhia no Brasil, embora no documento fossem os
jesuitas apontados como naturais assessores do Prelado.
"E quanto a mais gente assim dos cristãos velhos como os
que forem da nação dos cristãos novos se guardará o que o direito
dispõe e não terá o dito Bispo mais jurisdição que a que tem como
prelado e remeterá os casos que dele sucederem à Inquisição da
cidade de Lisboa como até agora se fez".a A Comissão dada pelo
Rei D. Henrique seria fruto de pressões exercidas sobre o Inquisidor
D. Henrique? Ao Rei interessava zelar pela unidade da fé, mas
não de forma tão obsessiva em relação ao Ultramar, que se pudesse
dali afastar os capitais judaicos que estavam sendo carreados para
tino Barradas foram realmente ganhos pela Companhia. Veja-se a maneira pela qual
são tratados nas Cartas Jesuiticas.
3Cod. 323, fl. 9?. (Ms. da Col. Egertoniana)' British Museum.2011011622.
OS AGENTES NO BRASIL 153
1 O estudo sobre cargos e funções foi por nós longamente feito em nossa
primeira tese, O momento da Inquisíção. 2.^ parte. As Estruturas.
2 Posteriormente, quando o mundo colonial fabricou o mulato e o mameluco, o
Santo Oficio aumentou suas exigências, fechando o ingtesso de seus quadros aos
mestiços.
158 os óRGÃos rNsrIrucIoNAIS
Comissdrios
Séc. XVll
Região Séc. XVIII Séc. XIX Totais
t.^ ll2 2., tl2
Baiana 5 36 2 44
Pernambucana 2 3l 3 36
Total Geral 80
I Rlcncr+ro ooo CoussÁnros r EscnrvÃrs ,{ szu C,lnco. cit.
2 lbid.
3 Regimento cit., loc. cit.
! Ibid.
5 Nasceu em 1555 em Pinheiro de Azere (comarca de Santa Comba do Dão). Entrou
na Companhia em Évora, com ló anos, em 1571. Veio para o Brasil em 1587 com o
Provincial Marçal Beliarte que o propôs, em 1591, para Reitor em Pernambuco. Ali
fez a profissão solene a lllll593. Veio a ocupar depois os cargos de Proüncial, Visi-
tador Geral e Procurador em Roma (1617). Morreu na Bahia aos 18/8/1622. Lure,
Pe. Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. VlI, p. 268.
lg os óncÃos rNsrrrucroNArs
Notários
Tanto podem proúr dos Notários ou Tabeliães instituídos
em Portugal desde o século XIII com o direito Justinianeu, postos
pelo Rei paÍa a redação de atos públicos, quanto daqueles noüí-
rios apostólicos designados pelo Núncio, aos quais não consen-
tia D. João I, mas que acabaram por eústir com seus sucessores no
século XV. Desde o inicio do século XIV, em 1305 e depois em 1340
tiveram regimento os tabeliães do Rei.1
Por regimento, os escrivães não podiam ser clérigos, mas
tinham de ser leigos, no século XIII, em razão de proibição canô-
nica e dos priülégios da clerezia,2 disposição final esquecida.
Correspondem os notários do Santo OÍïcio ao que as Orde-
nações chamavam tabeliães do judicial3 para escreverem todos
os autos que passassem perante os juízes, e mais os que a bem da
justiça fossem necessários, escrevendo os termos dos feitos.
Ou aos escrivães dantes desembargadores e conegedores
- escrivães que deüam ser fiéis e entendidos, sabendo ler e notar
como convém a homens de bom juízo e entendimento, providos no
oficio pelo Rei. a
Deviam os notários do Santo Oficio ser clérigos, de boa cons-
ciência e costumes. s Efetivamente, ocuparam o cargo de notário
da Inquisição pessoas eclesiásticas, muitas delas ligadas à famí-
lia real, como Diogo Travassos, capelão da Rainha, investido
nesse cargo por frei Diogo da Silva, aos l0 de outubro de 1536;6
Antonio Rodrigues, capelão do Cardeal Infante, T Paulo da Costa, s
Domingos Simões,e Luís Salgado,lo Braz Afonso da Cos-
1 Gtrrr BARRos, Henrique. História da Administração Pública em Portugal dos
séculotXII a XY. Lisboa, 1949. t. VIII, caps. 2 e 3, p. 3ó1 e segs.
2 Id. p. 300
3 Onorxeçõns FrprNes. Liv. I, tit. 89.
a Id., liv. l, tit. 24.
s "No Saato OÍicio da Inquisição haverá dois notários, os quais serão clérigos de
boa consciência e costumes porque assim o requer a qualidade do oficio e dos negócios
que tratam. . ." RscrlíExro os 1552. cap. 80, p. 289. Rncnmxro on 1613. tit. YIII,
cap. I, p. 54.
ó I\,ÍoNrElRo, Frei Pedro. CerÁloco oos NorÁnros oe SrNre lrqursrçÀo. (Col.
dos Documentos, Estatutos e Memórias da Academia Real da História Portuguesa).
Lisboa. 1721. t. lll.
p. :Í66
i PnovsÀo oe NorÁnro. 261911540. Ibid.
I rbid. 301t011544.
e rbid. 4121t566.
to lbid. 4121t566
OS AGENTES NO BRASIL 165
I lbíd. 181911566.
, Ibid. 12111t570.
3 rbid. t913lts'il.
4 rbid, 13lt2lt57t.
s lbid. t81511575.
6 rbid. tslslts7s.
1 rbid. 19181t552.
I rbíd. zltlt570.
e Slvro OrÍoo. ANTT. Maço 9, proc. n.o 89.
10 Capitão Domingos Soares de Amorim, homem que tratou de negócios; Pe. Manoel
Pereira de Lima, da freguesia da Sé; José de Sá Rosa, homem de negocios' familiar
do Santo Oficio; cap. Henrique Martins, professo da Ordem de Cristo, familiar da
Inquisição, sargento-mor Miguel Alvares Lima, negociante no Recife. Homens de
posição, muitos de limpeza de sangue comprovada. Suas InformaÇões foram selo de
fidedignidade à pureza da crença e dos costumes do habilitando. Proc. cit.
11 Proc. cit.
12 Por exemplo, a habilitação de Alexandre Costa Aguiar hcou em 4$630.
16 os óncÃos rNsrrrucroNAls
Qualificadores e Reyedares
Com o encargo especial de revisão dos livros e censura de
proposições, estavam os Qualificadores diretamente ligados à
Mesa do Tribunal ou ao Conselho Geral, conforme o determinava
o Regimento de 1613.3
A origem dos Qualificadores é o Concílio Romano celebra-
do ao tempo do Papa Gelásio I, em 494, quando um decreto decla-
rou que havia livros que seriam recebidos pela Igreja e livros que
seriam recusados.a QualificáJos passou a ser tarefa de teólogos
recrutados entre os mais sábios e esclarecidos guardiães da or-
todoxia. Para evidenciar a heresia contida nas proposições que che-
gavam à ciência do Santo Oficio, recorreu o Tribunal a homens
solidamente dotados dos princípios doutrinários, que qualificavam
pensamentos, fatos e escritos.
Condições essenciais para o desempenho de tais funções
eram, além das comumente pedidas a todos os oficiais da Inquisição,
que fossem pessoas eclesiásticas, de letras e virtudes conhecidas.
I Rscrì,GNro on 1613. tit. YIII, cap. 9, p. 55
Baiana l6 l7
Pernambucana 40 J 43
Total Geral 60
I Souse, D. Antonio Caetano de. "Catâlogo histórico dos sumos pontifices, car-
deais, arcebispos e bispos portugueses que tiveram dioceses ou titulos de igrejas
fora de Portugal e suas Conquistas, com a noticia topográÍìca das cidades de que
foram prelados". Documentos e Memórias da Academia Real de Hístória Poiluguesa.
(Col.). Lisboa, 1725. t.y, n.'XXXIII, p. 154. fu.r,coA, Forrunato de. flistória da
Igreja em Portugal. t. III 2.' parte, p. 673.
2 Sousr, D. Antonio Caetano de. Op. cit., loc. cit. p. 54ó e segs. Cmrno, P. José de.
Poruqal no Concilio de Trento. Lisboa, 1934. vol. II p. 71,16, ll3, 137, 143, 192-93,
m2-M, 2tt, 285, 321, 326, 330-3r, 354, 378-79,38?, 391, 393, 410412, 416-18.
3 Morsr'erno, Frei Pedro. "Catálogo dos revedores de livros." Documentos, Estatutos
e Memórias fu Academia Real da Histótio Portuguesa (Col.). cit. p. 7.
4 Ibü.
5 A necegsidade da reúsão dos livros no seculo XVI tornava-se imperiosa, pois
aumentavam em múto os livros impressos, e haüa geral impossibilidade de se afe-
rirem pclos titulos as heresias neles contidas. No Côdigo do Direito Canônico, a le-
gislaçao sobre os liwos proibidos ocupava o L IIL parte IV, tit. XXn, cap. II.
ó Rsc. Dos
Qulr,mcloonrs oo Slvro OrÍclo. (Col. Moreira). Bibl. Nacional de
Lisboa. Reservados. t. I. (FG 8ó7), p. 32.
170 os óncÃos rNsrrrucroNArs
rar, findo seu exame, que nada haúa que merecesse ser anotado.
Caso contrário, as passagens menos ortodoxas eram. copiadas e cen-
suradas em papel à parte e remetidas junto com a obra ao Conselho
Geral. Exigia o Santo Oficio que os Qualificadores fossem impes-
soais, apenas inteligências objetivas e frias.
Além do crivo que eram para as proposi@es, cabia aos Qua-
lificadores visitar periodicamente as livrarias, apartando os li-
wos considerados atentatórios à fé ou aos costumes. Cabia-lhes
também a inspeção das bibliotecas dos que morriam. Não podiam, no
entanto, apossar-se de quaisquer volumes ou aceitá-los de presen-
I
te. Uma cousa era ler heresias por dever de oÍïcio, outra seria
relê-las pelo gosto das idéias. Intelectuais, poderiam ceder às
tentações. O Tribunal exercia também intramuros a eterna vigi-
lância.
rndice da fraca densidade da vida intelectual na Colônia
o eúguo número de Qualificadores e Revedores que ali apare-
ce: 33. No seculo XVII, surge o nome do Pe. Mestre Frei Roberto
de Jesus, no Recife, com patente de 30 de janeiro de 1697.2 No
seculo XVIII, a Bahia contava com 18 Qualificadores, e Pernambuco
com 9. Apenas. Os liwos que tivessem escapado à vigilância no Rei-
no, e aqui chegassem subrepticiamente misturados às mercadorias, ti-
nham ainda para apreendêJos os Visitadores das Naus. As Inquiri-
ções sobre a heresia e apostasia que se faziam fora das Visita@es
eram entregues aos jesuítas, que remetiam-nas depois à apreciação
do Tribunal de Lisboa. Não haüa, portanto, grande necessidade de
muitos qualificadores. Somem-se a isto os muitos requisitos que o
cargo exigia e compreender-se-á facilmente o pequeno número de
tais oficiais no Brasil.
Visitadores das Naus
Com o desenvolümento da navegação e do comércio exter-
no durante o seculo XVI, multiplicavam-se os contactos com outros
povos, que teriam outras crenças e que por certo poderiam contra-
bandear, através de liwos, ou gÍavuras, ou agentes, doutrinas contrá-
rias ao Catolicismo, em época de intensa fermentação religiosa. O
mal podia entrar pelos portos, trazido pelos navios que de contí-
nuo chegavam pelo Atlântico.
I RrcnrsNro oc Qulr,mceoonrs oo S^mlo @cto. (Col. Moreira). Biblioteca
Nacional de Lisboa. Reservados. t. I, FG 867, p.3|.
2 Ser.no OrÍcn. Maço 4, proc. n.' 303.
OS AGENTES NO BRASIL I7I
Fez-se necesúria, ante o problema novo, a criação de um
novo sistema de úgilância: foram os Visitadores das Naus, obvia-
mente inexistentes em legislação anterior.
O Regimento da Inquisição de 1613 r fala explicitamente no
cargo, que já fora anteriormente regulado: Regimento dos Visi-
tadores das Naus, de 27 de setembro de 1606.2
A existência desses oficiais prendeu-se, pois, à consciên-
cia do perigo que o contacto com os estrangeiros podia signiÍì-
car para a integridade da fé católica. Prevenia-se a infiltração dos -
erros.
A serviço do Visitador das Naus estava um Escrivão e um
Familiar.3
Aportados os navios, cabia ao Visitador apresentar-se ao
seu capitão, a quem solicitava a entrega dos livros considerados
defesos que porventura existissem nas embarcações, para a cen-
sura do revedor, pedindo que antes disso se cumprir, não os vendes-
se, desse ou entregasse a outrem, ou sequer os tirasse do naüo.
Advertência preliminar, acompanhada de sanções: o procedimento
rigoroso da justiça para com os culpados.
Indagava também o Visitador sobre a presença de estran-
geiros não católicos, mormente mestres e ministros, que, com "a cor
e capa de comércio" pudessem semear heterodoxias e difundir li-
vros heréticos. Indagaria também da presença de clérigos ou frades
desconhecidos que viessem residir na terra. Estes deveriam logo se
apresentar à Mesa do Santo Oficio se a cidade fosse sede do Tribu-
nal, ou do Ordinário, caso não. Do mesmo modo, informava-se das
pessoas que no Reino viessem residir, anotando seus nomes, motivos
e residências futuras. De todas essas perguntas e das respostas rece-
bidas ficava lavrado pelo Escrivão o auto, que era remetido aos
Inquisidores. Os procedimentos seguintes eram de sua alçada. a
Dessas visitas e dos perigos que podiam acarretar para in-
gleses, holandeses, alemães, huguenotes ou mercadores judeus, re-
sultava um temor, ou pelo menos uma reserva desses estrangeiros em
r "...
e nos lugares marítimos haverá um Visitador das velas estrangeiras, que
com o Escrivão de seu cargo, terá cuidado de saber se trazem livros de hereges, ou
outros defesos pelo Catálogo . . ." Rrcnr,c'vro oe 1613. tit. I, cap. 2, p. 24.
2 Axonlo.r, e Snve, I.J. Coleção Cronológica da kgislação Portuguesa (1603-14.
p. l8l-82.
3 lbid.
o
lhid.
172 os óncÃos rNsrrrucroNArs
C. OS PROCEDIMENTOS
l. As Visitações
a. Origem e Finalidade
Da tradição medieval, tanto no plano da jurisdição eclesiástica
dos prelados quanto no plano da jurisdição régia, provinha a pú-
tica, associada em certo momento à idéia de correição judiciária
e administrativa, de uma justiça ambulante. Se não ünham os
povos buscar seus juízes, deüam estes sair ao encontro deles, para
acudir ao bem de cada súdito. A progressiva c,entralização do poder
na cúria régia, transferindo a justiça maior para a corte dos reis,
I Id. maço 3, n.o 105.
Id. ANTT. maço I, n.o 27. No seu pedido justificava: ". . . quer ser fa-
'z
miliar por ir todos os anos às ditas partes da Guiné Cabo Verde e Brasil, donde
sc podem oferecer muitas ocasiões de diügências destâ santa caga . . ."
3 RIHGB. CXCI, 19,16, 19.
lg2 osPRocEDrMENros
I
188 os PRocEDrMENros
Reyno sem irdes visitar S. Tomé e Cabo Verde como levastes por
instrução São Paulo esperou inutilmente sua visita desde
1593. A 3 de novembro, os oficiais da Câmara, discutindo a con-
veniência de entrada ao sertão, decidiram adiáJa por ser tempo de
águas, haver notícias de próximo ataque dos ingleses e "se esperar
o senhor inquisidor e o senhor ouvidor-geral".2 Tampouco tem-se
atê agora notícia da presença de D. Marcos Teixeira em Angola.
à razão alegada para o encurtamento da primeira visitação
foi a econômica: "porque se faz muita despesa e estão ainda por
pagar as letras que tem mandadas e vai-se impossibilitando o Santo
Oficio para as poder satisfazer porque tem pouca renda" escrevia
o Conselho a Furtado de Mendonça aos 27 de março de 1594.3
Teria sido apenas essa a razã,o? Ou teriam influído também certos
descompassos da ação do Visitador em relação àquilo que dele
esperavam as altas esleras inquisitoriais, como o deixa entrever a
correspondência trocada entre ele e o Conselho?
A jurisdição do Visitador estava determinada na sua Comis-
são: "... e lhe damos per auctoridade apostólica poder e facul-
dade pera que possa inquirir e inquira contra todas e quaisquer
pessoas assim homens como mulheres, vivos e defuntos, presentes
e ausentes, de qualquer estado e condição, prerrogativa, preemi-
nência, e dignidade que sejam, isentos e não isentos, vizinhos e
moradores, ou que per qualquer íia residirem ou estiverem nas
cidades, vilas, e lugares, culpadas, suspeitas ou infamadas no delito
e crime de heresia e apostasia ou em outro qualquer que pertença
ao Santo Oficio da Inquisição, e tomar contra elas todas e quais-
quer denunciações, informações e testemunhos e assim contra os
fautores, receptadores e defensores delas, e pera que se possa fazer
e faça contra os culpados e cada um deles processos, em forma
devida de direito sendo necessário segundo a forma da Bula da
Inquisição e Breves concedidos ao Sto. Oficio e para que possa
prender os ditos culpados e sentenciá-los em final conforme ao Re-
gimento e instrução que leva per nós assinados . . ."a
A competência do Visitador era, porém, limitada aos casos
mais simples, porque os mais graves eram reservados ao Tribunal
de Lisboa. Por uma carta do Conselho a Heitor. de Mendonça, em
I "Carta do Conselho ao Visitador". ln: Brasilia. cit., p.547.
2 Atrs or CÂlrml ol Vtra on SÃo Pluro. São Paulo. v. l, p. 472, 550.
3 lbid.
a Op. cit. p. l.
As vrsrrAçõEs lD
1592, 1 conhecemos-lhes as atribuições em concreto, glosando-se
o Regimento e as instruções que recebia o Visitador. Podia julgar
em última instância os casos de bigamia, blasfêmia e culpas meno-
res, até "a pena de abjuração de levi. Os culpados de judaísmo e
luteranismo, acompanhados de provas suficientes e testemunhos
ratificados, deviam ser remetidos presos ao Reino na primeira em-
barcação segura, para serem julgados. Expiicava-se: O Conselho
tinha confiança no Visitador - mas seus assessores eram teólogos
e não conheciam as cousas do Santo OÍïcio. Essa confiança, de
resto, não era muito grande, pois aquele Visitador se excedeu, seja
promovendo um precipitado Auto-de-Fé, seja remetendo a Lisboa
processos mal inòtruídos, de que resultou a absolvição in limine
de Salvador da Maia e Luis Alvares "por não serem as culpas bas-
tantes" e depois de julgado Gaspar Afonso Castanho, pela mesma
razão, e por serem as testemunhas ouvidas inimigas do réu.z Fur-
tado de Mendonça foi então severamente advertido.3 Em relação,
pois, aos casos mais sérios, o Visitador funcionava como um juiz
de instrução que pudesse pronunciar o indiciado e decretar sua pri-
são preventiva e expedição para o Tribunal lisboeta.
Na realidade, Furtado de Mendonça e o Conselho não pen-
savam muito harmonicamente. Além dessas visíveis discordâncias
que transparecem na correspondência entre o Visitador, o Conselho
e o Inquisidor-Geral, depois, finda a Visitação, recolhidos a Lisboa
os processos no Brasil instaurados, pronunciou-se o Conselho,
de modo diferente, na maioria deles. Encontramos observações
divergentes do procedimento de Mendonça nos processos de João
Freire: "êste delito merece pena de morteo''4 Salvador Barbosa:
"o edito da graça não ha lugar neste delito do pecado nefando
senão somente nos da fé e o direito põe pena de morte";s Antonio
Gonçalves: "este processo não parece que estava em estado de se po-
As vrsrrAçõEs 203
Senhor de engenho .5
Dono de Fazenda 4
Dono de Trapiche a
Caixeiro 2
Lavrador 64
Mestre de açúcâr 2
Trabalhador de enxada e foice I
Vaqueiro 3
Carreiro de bois J
Trabalhador de naüo I
Mestre de nau I
Marinheiro 4
Mercador 29
Vendeiro 2
Estalajadeiro )
Tratante 5
Adela I
Sapateiro 4
Alfaiate 9
Carpinteiro 2
Correeiro )
Oleiro I
Costureira I
Padres 6
Porteiro da Relação I
Desembargador do Cível I
Tabelião do Público Judicial I
Escrivão da Câmara do Bispo I
Escrivão da Fazenda do Rei I
Escrivão dos Defuntos e Ausentes I
Meirinho da Vila I
Vedor I
Pajem do Governador I
Capitão I
Soldado I
Criado I
Estudante 5
Bombardeiro I
Pedreiro I
Cirurgião I
Torneiro I
Sem OÍicio t
Não declarados 26
TOTAL 204
214 os PRocEDIMENToS
I
I
216 os PRocEDTMENToS
XV 82 )t 42
XN 22 20 8
parte de XN 5
'7 6
Não declarados 12 5 l0
Total t2l 65 66
I Id., p. 354.
2 lNqusrçÃo or Lrssoe. ANTT. Proc. n.' 12.937.
3 Id., proc. n.o 2.552.
a Id., proc. n.' 8.473.
s A maneira com que foi cometida
a heresia classifica o herege em oculto ou público,
conforme tenha manifestado seu erro diante de muitas pessoas ou não. CHoupIN, L.,
verbete "Heresia". In: Dictíonnaire Apologetíque de la Foi Catholique. Paris, 1939.
ll, col. 442-57.
AS vrsrrAçõEs 221
i
I
I
I para indicar o judaísmo: a gaarda aos sábados, por exemplo, revela-
I va-se através do trajar roupas limpas ou enfeitarem-se as pessoas
com jóias, nesse dia, ou no preparar a casa de véspera, limpan-
do-a e cozendo os alimentos, acendendo candeeiros limpos com me-
chas novas, para que não houvesse necessidade de trabalhar na-
quele dia.
Talvez porque sabedor do interesse do Santo Oficio por pes-
soas que faziam tais cousas, tenha-se apresentado ao Inquisidor
Marcos Teixeira, Fernando da Costa Solazar, meio cristão-novo,
acusando-se de vestir algumas vezes camisa lavada aos sâbados,
embora apresentasse logo a justificação de seus atos: "por ser homem
que ganha a sua vida em tratar as galinhas e papagaios e em outras
cousas da terra e vir muito suado quando vem de fora". r
O judaísmo podia ainda transparecer através de hábitos ali-
mentares: o modo de degolar animais, atravessando-lhes a gargan-
ta, provando primeiro o cutelo na unha do dedo da mão, e cobrindo
o sangue com terra; a abstenção de certos alimentos, como o tou-
cinho, lebre, coelho, aves afogadas, enguia, polvo, congro, arraia,
pescado sem escamas. A cristã-nova dona Leonor, mulher de Hen-
rique Monis, confessou a Furtado de Mendonça, em 1591 "que
haverá dois ou três anos veio a sua casa uma lampreia que veio do
Reino, em conserva, e ela não a qttiz comer" . . . "e que haverá um
ano pouco mais ou menos que uma sua escrava degolou uma galinha
de frente de sua porta, e que ela mandou lançar em cima do sangue
que estava derramado no chão um pouco de serradura de madeira
que se havia serrado".2 Desculpava-se de ambas as ações: o peixe
não o comera porque tivera nojo pelo seu mau cheiro; o sangue fora
coberto para que um porco, que pelos arredores andava, não o
comesse e assim se interessasse depois pelos seus pintos.3
Os jejuns eram uma constante naqueles que seguiam oculta-
mente a religião de Moisés: quer o grande jejum de setembro, quer
o da Rainha Ester, quer o das segundas e quintas, todas as sema-
nas. Observavam-nos os israelitas, privando-se todo o dia de alimen-
tos, só ingerindo-os à noite (de preferência carne e tijeladas), pas-
sando tais dias descalços, pedindo perdão uns aos outros. A ce-
lebração das Páscoas também, quer fosse a do pão âzimo, dos cornos
ou das cabanas, quando se comia pão âzimo e se recitavam orações
r "Confissões da Bahia (1618)." p. 386.
2 luqusrçÃo on Lrssol. ANTT. Proc. n." l0 710.
3 lbid.
222 osPRocEDrMENros
Antonio Dias confessou ter dito que não se devia adorar a hóstia,
que era uma pouca de farinha; Cosmo Martins comungou sem guar-
dar o jejum eucarístico. Ambos foram examinados e penitenciados
pela Inquisição, embora ficasse provado que no primeiro ditara tais
palavras uma irritação momentânea,l e, no segundo, houvera es-
quecimento.2
Luis Mendes de Thoar aÍìrmara publicamente a ordem errada
das pessoas da Santíssima Trindade, o que levou o Inquisidor a du-
vidar de sua aceitação dos Mistérios da Fé.3 O Pe. Francisco Pinto
Doutel também foi objeto da atenção especial do Santo Oficio quando
confessou ter dito em sermão que oferecia-se mirra a Cristo porque
ele havia de ser mirrado e consumido na sepultura. Estaria o sacer-
dote duvidando da nafixeza divina e imortal de Jesus?a
E Pero Cárdigo, que ousara proclamar sua descrença aos santos,
não estaria também penetrado de idéias protestantes? s Mais sério pa-
recia ser o caso de Cristovão da Costa, que afirmara para alguns
amigos que a sua fé bastava para o salvar.6 Cousa idêntica fizera Ber-
nardo Ribeiro. T A heresia era mal de fácil contágio. Os confitentes
que apareceram à Mesa para contar terem estado na companhia de
luteranos ingleses ou holandeses, no mar, ou presos por eles em suas
cidades, foram pelos ministros do Santo Oficio examinados acurada-
mente, nâo fossem eles ter aderido ao protestantismo às escondidas.
Não fossem eles, por ignorância, acatat proposições condenadas.
Neste zelo inquisitorial originaram-se os processos de Baltazar André,
Antonio Maciel, Cosmo Gonçalves, Francisco Pires, Gonçalo Yaz
e João Bono, e as investigações feitas em torno da confissão de
Antonio Guedes.8
A bigamia era culpa que poderia conter concepções heréticas
sobre o sacramento do matrimônio, que punha em dúvida. Por
isso, os Inquisidores interessaram-se pelas confissões dos bígamos,
tais como Antonio Gonçalves (ou Monteiro),e Antonio do Vale,ro
1 Id., proc. n." 8.478.
2 Id., proc. n." 5.534.
3 Id., proc. n.' 11.063.
a Id., proc. n.' 10.838.
5 Id., proc. n.' 12.957.
6 Id., proc. n.' 7.951.
1 Id., proc. n.' 13.957.
8 Id, procs. r.'7.953,6.39,7.952, 17.811, 4.309, 2.558 e "Confissões da Bahia
(1591)." p. 51, respectivamente.
e Id., proc. n." 8 480.
10 Id., proc. n! 8.4'76.
AS vrsrrAçõEs 2j25
QUADRO N." I
1591-1620
Judaísmo 22 7,77
Luteranismo 19. 6,71
BlasÍêmias 68 24,02
Sodomia M 15,54
Molície I 0,35
Bestialidade I 0,35
Solicitação 2 0,70
Bigamia 8 2,82
Gentilidades l6 5,65
Liwos Defesos 5 1,76
Feitiçarias 6 2,12
Superstições 4 l,4l
Adivinhações 2 0,70
Pactos com o Diabo 5 1,76
Ficar excomungado 8 2,82
Quebrar segredo do Santo Oficio 2 0,70
Impedir apresentação ao Santo Oficio I 0,35
Denunciar falsamente ao Santo Oficio 3 1,06
Palavras contra o Santo Oficio I 0,35
Jurar falso I 0,35
Distorção e omissão de práticas religiosas
e litúrgicas 26 9,18
Estado dos casados melhor que dos reli-
giosos 2t 7,42
Armas aos índios I 0,35
Impedir Ação anti-herética 2 0,70
Defender fornicação 7 2,47
Palavras contra o clero 7 2,47
QUADRO N," 2
Brhir
Culpas coúessadas l.'Visitação 2.r Visitação Total /o
N.. N.o
;11
Um cristão-novo não nomeado teria exclamado: "o diabo
.i trouxe a esta teÍÍa a Inquisição". r
Se foram tais palavras pronunciadas num momento de raiva,
de provação do equilíbrio mental, apenas por leüandade, ou num
desabafo em momento de intimidade, o Santo Oficio se encaÍïega-
ria depois de esclarecer. Por zelo ou indiscrição, era tudo - ou
quase tudo - delatado à Mesa da Inquisição. Eram, inclusive, de-
vassados segredos.
O prestígio do Papado ainda não fora de todo recuperado.
As denunciações do Brasil freqüentemente mostram opiniões pouco
corretas sobre o poder do sucessor de São Pedro, como a de João
Nunes, que, segundo João Rosa, teria declarado que todos roubam,
do porteiro ao Papa.2
Denunciavam-se também as magias, ou bruxedos, e contactos
com o diabo. Indícios de persistências medievais, de um clima de re-
ligiosidade deturpada, que se agravou nos anos modernos, paralela-
mente à intensificação da vontade de crer. Isabel Antunes contou ao
Visitante de Pernambuco que, "estando ela parida de uma menina
que tinha, nascida de seis dias, e estando ela na cama e tendo na mes-
ma cama junto de si a dita criança pagã e além da dita criança, na
mesma cama uma menina escrava de três anos, entrou pela porta da
dita casa onde ela estava na dita cama, que era de sua mãe, nesta vila
na rua de São Pedro, uma mulher torta de um olho cujo nome lhe
parece ser Ana Jácome, mulher que não tem marido, com a qual ela
denunciante nunca tinha falado nem tratado e somente de vista a
conhecia e tinha ouvido dizer dela geralmente a bons e a maus que era
feiticeira. E entrando a dita Ana Jácome pela porta disse estas pa-
lavras: se quereis que não vos venham as bruxas à casa, tomai uma
mesa e ponde-a com os pés ürados para cima e uma trempe também
l
li, virada com os pés para cima, e com sua vassoura em cima de tudo,
il, detrás da porta, e desta maneira não vos virão as bruxas à casa. E di-
zendo isto se chegou à cama, pela banda donde estava a dita menina
escrava mulatinha, e disse estas palavras - vós afilhada viveste e a
minha filha morreu - e acabando estas palavras cospiu três vezes
com a boca lançando cospinho fora por cima da dita mulatinha e
por cima da cama toda, e acabando de cospir disse - ora ficai-vos -
e se saiu pela porta fora. E logo, em se ela saindo pela porta fóra,
1 Id., p. 412.
2 "Denunciações de Pernambuco." p. 41.
2Y osPRocEDrMENros
LrcnunctaE
Juda.lsmo 2W 2t,7ü
LutêratrfuDo n \73
Muçrrlnanismo I 0,t0
Dictorçeo ou onissõcs dc práticâs religiosas ou
litúrgicas 48 5,05
Solicitrgão 0,Io
PalavÍas cotrtta a lgrsjs c o clefo l,s9
PalavÍas contra o Santo (Ìlcio 1,26
Sodomia N 4,21
Biramia 17 4,95
FcitiçaÍiag 33 3,47
Adivinhações 3 0,3t
Supcntições 7 0,14
Curandeirismo 0,10
Fornicação 3l 3,26
Grntilidade3 6 4,E4
!l
I
;
zffi osPRocEDrMENros
Lawadores 80
Senhores de engenho. 15
Donos de fazenda 6
Feitores...... ll
Mestres de açúcar 3
Mestres de engenho I
Trabalhador de engenho 2
Encaixador de açúcar I
Purgador de açúcar 2
Demarcador de terras I
Carreiro 3
Vaqueiro I
Vinhateiro I
Mercador 49
Senhorio de nau....... 2
Marinheiro 3
Tratante 6
Padres .................. 37
Governança da cidade 16
Solicitador I
Juiz dos Órãos I
Meirinho da Correição Eclesiástica ............. I
Meirinho da Correição ........... I
Meirinho da Cidade I
Tabelião do Público Judicial 4
Tesoureiro de Defuntos e Ausentes I
Provedor de Defuntos e Ausentes I
Procurador do número I
Inquisidor do Eclesiástico ... I
Escrivão da Chancelaria ........... I
Juiz de ver-o-peso I
Juiz ... I
Capitão de Capitania ... ... I
Tesoureiro I
Juiz da Vila........... 1
Licenciados 6
Mestre de moços 4
Advogados 3
Cirurgião 3
Boticário 2
2g osPRocEDIMENros
Estudante r.............. n
Rendeiro I
Vive de sua fazenda 3
Soldado...... 8
Barbeiro 2
Cozinheiro I
Calafate I
Alfaiate..... 7
Torneiro I
Ferreiro...... 5
Carpinteiro 9
Sapateiro 8
Padeiro 1
Pedreiro 5
Vendeiro 2
Correeiro
Pintor e imaginário
Sirgueiro
Oleiro 2
Ourives da prata I
Pescador 7
Serve de soldada 4
Criado 4
Escravo 3
Índio......... I
Sem oÍicio 9
Não especificado ... 4
TOTAL. 419
vezes, as acusações não terão sido por muitos encaradas como pro-
f' vações? Se as denúncias podem ser testemunhos da fragilidade hu-
mana, podem, de outro ângulo, e para outras pessoas, significar até
o aniquilamento da dignidade pessoal em nome de um dever maior
que o humano. Extremos de um mesmo fato, a abrigar uma larga
faixa de medianeidade integrada pelos homens comuns, que agiam,
consciente ou inconscientemente, de acordo com as solicitações
circundantes. A faixa dos homens comuns - nem dos heróis nem
dos santos, nem dos celerados ou dos ignóbeis - cujo comporta-
mento era o resultado de um feixe de motivações, que abarcava
a ordem espiritual e as solicitações mais ou menos imperiosas da
vida cotidiana.
Assistiam sempre às denúncias e às confltssões pessoas doutas
e religiosas. Delas dependia, preliminarmente, a aceitação dos
testemunhos e das auto-acusações. Saido o denunciante ou o con-
fitente, era a essas pessoas perguntado se ele merecia crédito. A
opinião emitida constava de termo que fìcava registrado logo após
as denúncias ou confissões, e era assinado pelo Inquisidor, pelo
Notário, além dos Assessores. Sugestivo o apelo que se fazia ao
elemento psicológico, quando, ido o depoente, consultavam-se aos
vogais da Mesa se lhes parecia que tinham eles falado a verdade.
Uma espécie de teste de credibilidade que o escrivão anotava'
Eventualmente, os Assessores negavam crédito a denuncian-
tes e confitentes, quando sabiam da fama da pessoa, como foi o
caso de Domingos Alvares Serpa, em que os padres presentes de-
clararam duvidar ser sua confissão boa "pela má fama que o con-
fitente tem nesta terra, e que é fama pública que lhe queimaram sua
mãe". r No caso, a opinião pública era carregada pela condição de
ser filho de herege, o que levava a Mesa a intuir a existência de uma
predisposição atíxíca para o erro.
Em alguns casos, ainda, o crédito era dado apenas a parte da
matéria relatada. Foi o que sucedeu com Cristóvão da Costa Solazar,
que foi acreditado no que confessou sobre palavras irreverentes
pronunciadas sobre a Cruz, mas desacreditado quando disse não
conhecer as testemunhas de seus ditos, nem saber se eram da na-
ção dos cristãos-novos.2 Os padres assessores parece que se dei-
xavam guiar pela razáo,ou talvez apelassem também para o conheci-
Ratificações
As auto-acusações, como as denúncias, reclamavam ratifica-
ções. Eram operações formais para confirmação do depoimento.
Eram os confitentes ou denunciantes chamados a repetir suas de-
clarações, com intervalo de tempo variável. Horas, dias, semanas e
até meses. A forma de ratificar era preestabelecida.l
Em muitos casos, o critério das ratificações devia ser válido
para aferição da veracidade das informações. Muitos concordavam
plenamente com as declarações anteriores. Até nos mais insignifi-
cantes detalhes coincidiam. Podia ficar, por isso mesmo, a sus-
peita de cousa muito bem arquitelada. Talvez.aí residâ-a explica-
ção da necessidade da presença de assessores da Mesa para as ra-
tificações serem consideradas válidas. Os Inquisidores repartiam as
responsabilidades.
2. Os Visitadores
Os Visitadores viajavam para cumprir suas missões. Expu-
nham-se a todos os desconfortos que os deslocamentos então acar-
retavam. Mau estado dos caminhos, onde nem sempre encontra-
vam casas religiosas para se abrigarem. Inclemências do tempo.
Inseguranças pessoais, num tempo em que a miséria e a fome fa-
ziam proliferar os delinqüentes e os salteadores, emboscando-os ao
longo das estradas. Muitas vezes atravessaram o Oceano para che-
gar às Ilhas, ao Brasil, ou às partes da África. E sofreram todos os
incômodos de tais viagens, a começar pela precariedade das embar-
cações, entregues à imensidade das águas atlânticas. Angústias ín-
timas que o medo devia gerar. Consciência da insignificância do
homem diante da grandiosidade da natureza - idéia que não
cessava no momento da aportação, antes, pelo contrário, tomava
novo incremento, ao contacto das terras ásperas da Colônia. Os
Visitadores deviam sofrer. Males fisicos, como Heitor Furtado de
Mendonça, que chegou fortemente enfermo ao Brasil, só podendo
começar sua tarefa três meses depois.2 Pressões mentais. podiam
I Como documentos, as ratificações são pouco expressivas, pois apenas repetem
qualificações já feitas, e muito raramente apresentam dados novos.
2 Frn VrcnNrn. História do Brasí\.
cap. 23, p. 283.
AS vrsrrAçõEs 267
3. Os Processos Ordinários
O Tribunal Inquisitorial de Lisboa processava os moradores
do Brasil que fugissem clamorosamente aos procedimentos dese-
jáveis em bons cristãos. Atuação lenta e dificultosa essa do Santo
Oficio lisboeta, desatada só quando ao Reino chegavam informações
sobre comportamentos pouco ortodoxos dos colonos, pois os ofi-
ciais do Tribunal da Fé aqui residentes não podiam iniciar por
determinação própria sequer a averiguação do que a fama tornava
público. O rumor ditava informações para o Reino. De lá ünha a
ordem paÍa a perquirição.
O processo instaurado na Colônia tem um sentido de estra-
têgia: a unidade religiosa era a base de ligação da Colônia com a
Metrópole. No entanto, a luta aqui contra a heterodoxia não era e
não podia ser mui acirrada, dado o desmesuramento geográfico' os
problemas e perigos comuns e a menor pressão social.
Realizadas as investigações, o resultado era enviado a Lisboa'
Qualihcada a matéria, podia vir a ordem de prisão e remessa do
culpado para os cárceres do Reino. Lá então o processo tinha seu
curso normal.
Podia ocorrer fosse alguém vítima de informações detur-
padas, e chegasse a Portugal Para ser processado alguém injusta-
mente preso. Foi o que aconteceu a Maria Barbosa, que foi solta
e remetida de novo ao Brasil.
Relativamente, poucas foram as pessoas processadas no Brasil
entre l59l e 1620, fora das Visitações feitas pelo Tribunal. Na
Colônia, a unidade religiosa tinha sua importância, sim, cimento
que era a uni-la ao Reino. Mas a tolerância havia se imposto como
condição de sua própria existência. No interregno entre as Visita-
ções de 1591 e 1618 foram enviados à Metrópole para serem pro-
cessados.
Dificil era manter no Brasil um certo tipo de coerção psicoló-
gica. O medo ao processo inquisitorial era menor, na medida em
que a própria Inquisição não merecia muito respeito; a julgar as
palavras de Anchieta:
"Outro irmão do mesmo mqmeluco advertindo-se que se tivesse
cuidado com q Santa Inquisição por seguir alguns costumes
gentílicos, respondeu que vararia com flechas duas inquisições.
E são cristãos, nascidos de pai cristão, que sendo espinho não
pode produzir Lnas".1
Prisão e envio paÍa a Metrópole eram cousas mais ou menos
longínquas que podiam ser anuladas pela fuga para outra proún-
cia da Colônia. O segredo das informações trocadas sobre os pre-
tensos réus era de extrema facilidade de ruptura, numa terra onde
se liam desembaraçadamente cartas alheias. Era muita a distância a
vencer, e mui dilatado o tempo entre as primeiras informações e a
prisão do culpado, para que este pudesse ser colhido de surpresa
com a sua detenção. De outro lado, espaço havia de sobra para
refúgio, neste país de cenários desmesurados e parcamente habitado'
A instabilidade da vida do branco num habitat eivado de pro-
blemas e perigos, assolado por mil dificuldades, diminuía a im-
portância de certos valores sociais. A infâmia, por exemplo, que
marcava aos autuados pelo Santo OÍïcio, não adquiria dimensões
tão catastróficas na vida social da província quanto teria em Por-
tugal. A marginalização que poderia acarretar aqui era susceptível
de ser rompida, ou mesmo esquecida, diante de um dos inúmeros
problemas coletivos, como uma algara índia ou a ancoragem de
velas inimigas. Nesses momentos, todos os braços válidos eram
indispensáveis. Passado o perigo, muito provavelmente algum ato
1 Carta do Irmão José de Anchieta ao Pe. Inácio de Loyola. Piratininga, ll9ll554.
Cmus pos PnruBrnos Jnsurus. II, p. ll5.
278 os pRocEDrMENros
1 Catarina Nunes, por exemplo, foi contar ao Visitador da Bahia que um seu üzinho,
Pero de Vila Nova, dissera que conhecia um cristão-novo que cuspia e escarrava na
imagem do Crucificado. "Denunciações da Bahia (L591)." p. 241.
2 "Os Inquisidores receberão as denunciâções e testemunhas de ouvida e escreverão
no Livro das Denúncias para averiguar a verdade acerca das culpas que tocam os seus
referimentos. Depois se perguntarão os referidos. Quando necessário, confrontar as
testemunhas de rosto a rosto..." RpctrrtrNro oE 1613. tit. IV, $6, p. 31.
3 Id., tit. W, $ 5, p. 31.
4 lNqusrçÃo pn Lrsrol. ANTT. Proc. n." 11063.
s Id., proc. n." 17 809.
OS PROCESSOS ORDINÁRIOS 28I
1 lbid.
2 lbid.
3 RÊcruENro oe 1613. tit. IV, $ 10, p. 31.
a A prisão era acompanhada de seq.iiestro dos bens, quando seu motivo houvesse
sido a heresia, mas só a condenação implicava em conÍìsco dcfinitivo. Essa era a lei,
pelo menos.
5 RBcnmNro ors Cornsclçõns (1620) no seu cap. 16 ordenava a remessa do rol
das dividas ao Juiz do Fisco. ANoneol n Su,ve, J. J. Coleção uonológica da legislaçíio
portuguêsa (1620-1627). p. 17.
zffi ospRocEDrMnNros
Blasfêmias 31
Irreverências (atos e palavras) t9
Melhor o estado dos casados que dos religiosos 18
Judaísmo t7
Sodomia l6
Fornicação não ser pecado t4
Gentilidades t2
Luteranismo (crença e práticas) t2
Comer carne em dias defesos 9
Erros sobre dogmas 5
Bigamia 5
Deixar de denunciar ao Sto. Ofïcio 5
Manter-se excomungado.............. J
Ajudar fugitivos da Inquisição . . ......... 2
Invocar o diabo 2
Estar a serviço do Prior do Crato I
Aceitar peita de cristão-novo I
Fingir-se oficial da Inquisição ..................... I
Aprovar fuga à Inquisição I
Jurar falso I
Falar mal da Inquisição 1
otal ...
dade que constaria de suas cartas que ele declarante tinha enviado
por Antonio Rodrigues seu criado a Pernambuco. O mesmo Felipe
Dias lhe devia de empréstimo 600.000 reis pouco mais ou menos
que sendo ele declarante solteiro lhe emprestou e devem constar
das ditas cartas. 2 mercadores que lhe parece que são naturais de
Lisboa e um se chama João Fernandes Anio e o outro João Fer-
nandes Cartagena moradores que foram em Pernambuco e ora es-
tantes segundo lhe parece nesta cidade deviam à sua mulher Maria
Cardosa e a seu marido que foi Pero Dias Sanches cousa de 3 mil
cruzados, um 500$000 e outro 700$000 e estava ora condenados
e tirados dois mandados de solvendo que ele declarante entregou
ao dito seu criado para que se os achasse em Pernambuco para
cobrar deles porque lhe pertence a ele declarante e a sua mulher a
metade" Disse que não se lembrava em particular dos devedores
todos e da conta que cada um devia que se lhe desse uma folha de
papel e que declararia o que lhe lembrasse. O senhor Inquisidor
mandou que assim o fizesse e declarou mais que tinha em casa um
gato de algaloa muito com o melhor que haúa naquela cidade e
que em Angola custou 24$000. Tinha mais umas 30 pipas de algabia
que valerão a 2 cruzados e são quase de um dedo polegar de marfim
e todas estavam cheias".1
CONCLUSÕES
1. Fontes
a. Manuscritas
1 .Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Bulas - Coleção de Bulas da Inquisição. maço 9
Cartas Missivas - Cartas e Portarias del Rei. Caixa 12 docs. n.o 34 e 125.
Caixa 13 doc. n.o 37.
Cartório do Convento de Cristo - cod. n.o 26
Cartório dos Jesuítas - caixa 12 doc. n.. 35
Corpo Cronológico - l.' parte maço 75, doc. n.. 75
l.n parte maço 80, doc. n.o 67
1." parte maço 65, doc. n.o 52
Inquisição
Cadernos das culpas que não bastam - E 138, p. 5
Caderno do Promotor n.o 29
Cartas do Conselho Geral - E 155, maço !1, p. 7
Cartas do Conselho e Inquisidor Geral - E UA, p. 4
Notícias sobre Autos-de-Fé - E 144, p. 2
11035, 11036, ll05l, 11061, 1062, 11063, 1068, 11069, 11070, ll07l,
n072, 11073, 11075, 11030, 1103,lllll, ll12, lll16, 11206, 11208,
1t209, tt2t0, ttzlt, n2t2, 1628, 11633, 1634, 11636, tr666, r2t42,
12222, 12228, 12229, 12230, 12231, 12232, 12527, 127 54, 12927, 12934,
12935, 12936, t2937, t2957, 12967, t3085, 13090, 13091, 13092, 13098,
13157, 13167, t3196, 13250, 13278, 13342, 13957, 14326, 15563, 16797,
16894, 16895, 16897, 16898, 17037,17065, 17762, t7807, 17809, 17810,
l78tt, 17812, 17813.
maço l, n.o 9; maço 2, n.' 36; maço 4, n." 303; maço 6, n.o 275; maço 9,
n.o 89; maço 10, n." 307; maço 31, n.o l;
maço 135, n.o 39; maço 42, n.o
68; maço 176, n." 88 e 4l; maço 178, n." 4215.
a Casa de Cadaval
b. Impressas
HuEncr, Alvaro (O.P.). "L4 vida cristiana en los siglos XV-XVI." ln: Historia
de la Espiritualidad. Barwlona, 1969. v. II: "Espiritualidad católica."
Ipmnlcurnnn, Pe. Ignacio (S.I.). "Orientaciones bibliográficas sobre S. Ina-
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FONTES E BIBLIOGRAFIA 323
Tomë Pires - XV, natural da Vila do Aveiro. Filho de Tomé pires, mari-
úeiro, e de sua mulher, Maria Antonia. Solteiro, estante em Salvador
para ir para Angola. (Id. p. 569).
APÊNDICE 2
ANT[).
! Díogo Martins Seixas - XV, natural de Viana, filho de Francisco Alvares
Seixas, defunto, tratante no tnar, e sua mulher Janewa Martins. Casado
I
u
W ANExos
Pero tAguiar Daltero XV, casado com Custodia de Faria, XV. Pais de
-
SÉbastião d'Aguiar, Antonio d'Aguiar e Cristoval d'Aguiar, moradores
em Matoim, na sua fazeÍlda, 48 anos. ("Denunciações da Bahia (1591)."
p. 340, 411,248).
Pero dAlbuqtetque - XV, natural da cidade do Porto, filho de Pero Lopes
d'Albuquerque, dos nobres e da governança da dita cidade, e de sua
mulher, Maria Antonia dâlmeida,48 anos, casado com Catarina d'Arau-
jo Pacheco, XV, morador na sua fazenda de Igarassu. ("Denunciações
de Pernambuco." p. 168).
Pero Bastardos - natural de Ilhéus, estante na capitania de Pernambuco, dono
de fazenda mameluco, solteiro. ("Denunciações de Pernambuco." p. 135).
Pero Cárdigo - XV, natural de Sardoal, bispado da Guarda, filho de Fernão
Garcia e sua mulher Felipa Cardigan, defuntos, que üúam de sua fa-
zenda. Teve duas Íìlhas, uma casada com Frutuoso Barbosa, e outra com
Pero Coelho de Sousa, morador em suÍr fazenda e engenho de Capiba-
ribe, freguesia daYârzea. Possui mais 2 engenhos,60 anos, casado com
Isabel Mendes, XN. ("Denuncia@es da Bahia (1591)." p. 514-ó0. IN-
qumçÃo DE LrsBoA, proc. 12.967. ANTI).
Pero Coelho dc Souza - XV, dono de fazenda na Paraíba, casado com d.
Tomasia, filha de Pero Cárdigo, natural da Ilha de S. Miguel. ("Denun-
ciações de Pernambuco." p. 26).
Pero Dias da Fonseca - XV, natural da Vila de Azurar, bispado do Porto;
dono de faznnda na freguesia de Pojuca, 60 anos, casado com D. Maria
Pereira. ("Denunciações de Pernambuco." p. 256,239, 450. "Confis-
sões de Pernambuco." p. 50 e l,16).
Pero Lopes Carnelo - XN, lawador mór na üla de Olinda, dono de fazenda
na Barreta, dono de engenho no Cabo. INeusçÃo DË LIsBoA, proc.
6.3ó3. ANTT.
Sebastíão Coelho (alcunha o Boas Noites) - dono de fazenda em Pernam-
buco, morador em termo da cidade do Porto, viúvo de Isabel Fernandes,
dono de trapiche e fazenda em Pojuca, freguesia de S. Miguel. ("De-
nunciações de Pernambuco." p. 294 e 523).
Sintão Mtnes de Matos - XN, natural de Lisboa, Senhor de engeúo de açú-
car em Salvador (Mag, e de fazenda de lenbas no rio de Jacuruna, ca-
sado e morador no enganho. ("Denunciações da Bahia (1591)." p. l0l-14).
Sintão Pires Tavares- XV, com alguma raça de XN, natural desta capitania,
filho de João Pires, XV, dos da governança da tera e de sua mulher
Felipa Tavares, a qual, pela parte de sua mãe é XN, 27 anos, solteiro,
morador na casa de seus pais na fazenda dos Guararapes, freguesia..de
Sto. Amaro. ("Confissões de Pernambuco." p. 27).
Tristõo Ribeiro - XN, segundo dizern, dono da fazenda em Passé, senhor
de um engenho de bois, natural do Porto. ("Denunciagões da Búia
(1591)." p. 256).
3ó0 ANExos
APÊNDICE 5
Processoo do Brasil
Yisitação de Penrambuco
Alvaro Velho Barreto - XV, natural de Vila Viana de Foz de Lima, Arcebis:
pado de Braga. Filho de Tristão Velho e de sua mulher Isabel Pais, de-
funtos. 47 anos. Casado com Lúsa Nunes. Dos da goveÍnança da terra,
morador na Yârzea do Capibaribe. Senhor de faee,nda.
Culpa - BlasÍêmias.
Sentmça - Visto qualidade do réu e sua abonação, ewumdo de peni-
tência pública. Abjuração de leü na Mesa. Confesse-se de confissão geral
e dçois no prazo de I ano, todo o mês, comungando a conselho de seu
confessor. Em cada mês, reza urna vez os saknos penitenciais. Pague
10 çruzados para despesas do Santo Oflcio e as custas: 4$105. INqu-
uçÃo on Lsnol proc. 8.475. ANTT.
Ana da Costa de Atuda - meia XN, Íilha de Pero da Costa, XV, lawador
e dono de engenho e de Felipa daPaz, XN, natural e moradora na vila de
Olinda. Solteira.
Culpa - Judaísmo.
Sentença - Prova da justiça não é bastante para condenação. Vá ao
auto público da fé com vela acesa na mão e abjure de levi suspeita na fé.
Pague as custas: 2$317.
André Fenwtdes Caldeira - XV, natural da Ilha Terceira, filho de André
Fernandes Caldeira, guarda da AlÍÌindega de Angra, e de zua mulher
Francisca Martins, lá moradora. 22 anos. Solteiro.
Culpa - Palawas heréticas sobre a üda transcendente.
Sentença - Ir ao auto de fé com vela acesa na mão, descalço, desbar-
retado, em corpo. No ano seguinte, confessar nas quatro festas e comun-
gar a conselho do confessor. Custas: 3M34. INqusçÃo DB LIsBoA. proc.
8.414.ANTr.
Ánhé Pinto - )O{, natural de S. Gonçalo de Amarante, do Arcebispado
de Braga. Filho de Duarte Rodrigues Pinto, XN, não sabe s€ todo ou
€m paÍte, e sua amiga., cujo nome não sabe, defunta. 32 anos. Casado
com Maria Quaresma, XV. Lavrador, morador nafaz,eÃda de Francisco
Fernandes Porto, no cabo de Sto. Agostinho.
362 ANEXoS
Culpa - Ter dito que o estado dos casados era melhor que o dos re-
ligiosos.
Smtença - abjuração de leü na mesa. ConÍissão geral de toda sua
vida. Confessar-s€ nas quatro festas, comungando a conselho do confes-
sor. Rezar os salmos penitenciais de David de joelhos, freqii,urtar missa
e pregações. Custas: 2V4 rs.
IuqumçÃo on Lnnol. proc. 6.354. ANTT.
Antonio Trevisan - grego de nação. Natural de Candeaque, ilha sujeita ao
senhorio de Yeneza. Filho de Jorge Trevisan, boticário, defunto, e de
zua mulher Lambri Fimena, viúva na dita Candia. 23 anos. Solteiro.
Católico.
Culpa - Ter declarado, e crer, que a fornicação com mulher negra e
solteira não era pecado.
Sentença - um domingo ou dia santo na igreja, enquanto se celebarar
o oflcio divino, esteja em pé, descalço, desbarretado, em co{po, cingido
com urna corda, com uma vela ac€sa na mão, e faça abjuração de leü
suspeita na fe. ConfessaÍ-se nas quatro festas, comungando a conselho
do confessor. Jejum duas quartas-feiras. Pagar as custas. Usaram mise-
riórdia por ser pobre e estrangeiro, relevando a pena que por direito
merecia.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 6.351. ANïT.
Baltazar André - XV, natural do Porto, filho de Cristovão Fernandes, pes-
cador e lavrador, e de sua mulher Maria André. Morador ora na barra
do Jaguaripe. 23 anos. Casado com Maria dos Reis, XV. Mercador.
Culpas - preso por luteranos, fez com eles orações, embora no íntimo
não tivesse aderido à seitâ.
Seníença - escusado da penitência pública. Repreendido na Mesa e
admoestado. Confessar nas quatro festas do ano, comungando a con-
selho do confessor. Jejuar três sextas-feiras, ern cada uma rezando o
roúrio de N. Senhora. Mandado freqiientar conltssões e oÍÍcios divinos
e pregações. Por ser pobre, relevada a p€Íla pecuniária. Pagas as custas
de l$137.
INqusrçÃo DE LIsBoA. proc. 7.953. ANTT.
hltazar Dias XV, 30 anos. Cuteleiro. Natural e morador do Porto, estan-
-
te em Pernambuco. Filho de Cristovão Dias, lawador, defunto, e de sua
múher Isabel Anes, lá moradora. Casado com Maria André, XV, no
Porto.
Culpas - invocar os diabos e arreÍlegar os óleos.
Sentença - ir
descalço, em corpo, com a cabeça desbarretada, vela
ÍÌcesa na mão e vara atravessada na boca, ao auto público da fé, e nele
fazer abjuração de levi suspeita na fé. Degredado por um ano pa.ra Angola.
No dito ano se confesse e comungue a conselho do confessor, cinco vezes
3@ ANExos
Culpas -
nefando e molície.
Sentença - respeitando ser menor, confessar e não estar convicto, de-
gredado para gales do Reino para nelas rernar sem soldo. Custas l$4ó0.
Em dois anos confessar-se quatro vezes fora da obrigação da Quares-
ma. Afastar-se da conversação danosa para sua ahna.
IxqursrçÀo DE LrsBoA. proc. 2.557. ANTT.
João Nwes - XN, mercador em Pernambuco. Natural de Castro Dairo, bis-
pado de Lamego, Íïlho de Manoel Nunes, mercador e lawador e de Lu-
crecia Rodrigues, XN. Solteiro, 45 anos.
Culpas -
desrespeito ao Crucihxo, viver amancebado.
Sentmça -
Absolüdo por falta de prova suhciente, e que fosse em paz.
INqusçÃo DE LrsBoÀ. proc. l49l e 885. ANTT.
João Rodrigues Marinho -
XV, natural da Ilha da Madeira, hlho de Fernão
Alvares, clérigo, e Leonor Mendes, defuntos. 48 anos. Casado com
Francisca de Brito, em Lisboa. Solicitador da vila de Olinda.
Culpas -dizer que o estado dos casados era melhor que o dos religiosos.
Sentmça Repreendido na Mesa, por não constar nela mais do que
-
sua conÍìssão feita na Graça. Abjuração de levi suspeita na fé. Confes-
sar-se de confissão geral de toda sua vida. Confessar-se nas quatro festas
e comungar a conselho do confessor. Quando comunga.r, rezar os sal-
mos penitenciais três vezes, com suas litanias e pr@es.
IxqunçÃo DE LtriBoA. proc. n.o 2.560. ANTI.
Jorge de Sowa XN, natural de Olinda. 17 anos, solteiro, filho de Fernão
-
de Sousa e de sua mulher Andreza Jorge, XN.
Culpas -nefando.
-
Sentmça respeitando-se réu ser menor de fraca compleição e de pou-
cas cames, e não servir para galés, tome disciplinas secretas com o psalmo
"Miserere mei Deus" no cárcere. Degredado 5 anos para Angola. Grs-
tas l$391. Confessar-se de confissão geral de toda sua üda. Num ano,
confesse nas quatro festas principais e comungue a conselho de seu con-
fessor. Em cada dia que confessar, rezar os salmos penitenciais de Davi.
No tempo do degredo seja doutrinado pelos jesuítas que lhe serão no-
meados.
INquuçÃo DE LrsBoÂ. proc. 2.552. ANTT.
José, mulato esuavo Natural de Beja. 30 anos, hlho de Garcia de San-
-
tilhano, alcaide da dita cidade, que o houve numa negra chamada Ca-
tarina, escrava de Alvaro Fernandes, da dita cidade, defunta.
Culpas -aÍrenegar a Deus duas vezes, depois de ter sido penitenciado
pelo Santo Ofïcio.
Sentmça - Considerando não ter tenção contra fé, e ser escravo esteja
o réu na Igreja enquanto se disser missa, com uma vela acesa na mão,
descalço, despido da cinta para cima, com braço ao pescoço, vara atra-
vessada na boca, carocha de infame na cabeça. Açoitado pelas ruas de
Olinda. Abjuração de leü suspeita na fé. Degredado por 4 anos para
370 ANEXos
Sentença - Respeitando vir confessar o réu sua culpa antes de ser de-
nunciado, ao auto público da fé em corpo, desbarretado, com vela
ac€sa na mão. Abjuração de levi suspeita na fé. Pague as custas. Con-
fesse de confïssão geral de toda sua üda. Num ano confesse nas quatro
festas principais, comungando a conselho do confessor. Relevam-no das
mais penas do direito, usando com ele de misericordia.
INqunçÃo DE LIsBoA. proc. 12.222. ANïT.
- XV, natural de Sardoal, bispado da Guarda. Filho de Fer'
Pero Cárdigo
não Garcia e de sua mulher Felipa Cárdiga, defuntos, que üüam de
sua fazenda. 60 anos, casado com Isabel Mendes, XN.
Culpa -blasÍêmias.
Sentença por estar em foro nobre e ser capitão dos da ordenança da
-
vila de Olinda, não vai a público. Repreendido na Mesa. Por espaço de
15 dias, ir ao mosteiro para ser doutrinado. Pagar 100 cruzados para
as despesas do Santo Oficio. Num ano, confessar-se nas quatro festas,
e comungar a conselho de seu confessor. Rezar uma vez os salmos pe-
nitenciais de Daú. Pagar as custas.
INqunrçÃo DE LrsBoA. proc. 12.967. ANTI.
Paulo de Brito - mourisco natural de Argel, hlho de turco e de moura. 40
anos, cristão desde os 20. Casado com uma índia brasila, Vitoria, es-
crava de Antonio Fernandes de Barros, morador na freguesia de S. Lou-
renço.
Culpas -palawas blasfemas contra santos,
Sentença presunção má por ser mourisco, respeitando-se porém que
-
disse as palawas com agastamento, e ter-se vindo de Argel por sua von-
tade fazer-se cristão, vá descalço, em corpo, desbarretado cingido com
uma corda, com uma vara atravessada na boca, e vela acesa na mão,
ao auto público da fé. Abjure de leü e se lhe imponham penitências es-
pirituais. Instruído por um religioso letrado. Pague as custas l$6ó3.
No ano seguinte confessar-se cada mês ecomungar a conselho doconfessor.
INeusrçÃo DE LISBoA. proc. ll.ll3. ANTI.
Pero Dias da Fonseca.- XV, natural de Azurar, bispado do Porto. Filho
de Gonçalo Martins caixeiro e de sua mulher Catarina Gonçalves, de-
funtos.
Culpa - deixando-se ficar excomungado.
Sentmça - Bispo e assessores consideram-no virtuoso, e têm dele boa
presunção. Escusado de penitência pública e de fazer abjuração. Re-
preendido na Mesa e admoestado. Mandado trazer certidão do Ordi-
nário de estar absolvido da excomunhão. Pagar l0 cruzados para as
despesas do Santo Oficio, e as custas. Em um ano confessar nas quatro
festas principais, comungando a conselho do confessor'
Ir.rqustçÃo DE LIsBoA. proc. 13.085. ANTT.
Pero Gonçalves - XV, oatural de junto de Arrifana de Sousa, termo da ci-
dade do Porto, filho de Pero Dias, lawador, defunto, e de sua mulher
ÀPÊNDICE 5 373
hocessos da Bahia
Smtença -
6.' abjuração em forma por Judaísmo, no auto da Ribeira,
31811ffi3. Cárccre perpétuo sem remissão.
INquuçÃo ne LrssoÁ,. proc. 5.391. ANTT.
André Sodré -XV, natural de Vila de Guimarães, filho de Domingos Mar-
tins Fernandes, carpinteiro e de sua mulher Isabel Pires. 39 anos. Ca-
sado com Agueda da Costa XV, vive de tresladas e escrever papéis.
-
Culpa dúvidas sobre ünda do AntiCristo. Sodomia
Smtença Considerando ter o réu enfermidade em s€u miolo, e de-
-
pois de sua prisão estar como alienado, sendo penitenciado em público
poderá cair em doidice prefeita, condenado a ïaznr abjuração de levi
suspeita na fé, pagar 20 cruzados para as despesas do Santo Oficio e
cumprir as penitências espirituais de jejuar 4 quartas-feiras que não
sejam de jejum, e nelas rezar os salmos penitenciais com suas preces e
ladainhas, de joelhos. No ano seguinte, confessar-se nas quatro festas
principais, comungando a conselho do confessor. Pagas as custas l$311.
IrqusçÃo on L$soA,. proc. 8.472. ANTI.
Antonia de Oliveira - XN, mulher de Pedro Fernandes XN, filha de Gaspar
da Vidigueira e de sua mulher Ana Rodrigues. 30 anos, morador em Por-
to Seguro.
Culpa - atos de Judaísmo.
Sentença - üsto os atol de judaísmo confessados contenham má ten-
ção, como a ré confessou-se espontaneamente, antes da Graça, e não
haver outra denúncia contra ela; visto ter apenas 16 anos, e a terra em
que úve "é pequena e sem policia" não teria entendido o que seu primo
a fez fazer. Portanto, foiJhe permitida gozar a graçr. Abjuração de leü
na Mesa. Admoestada. Confessar-se nas quatro festas principais, comun-
gando a conselho do confessor. Rezar 15 vezes o Credo. Pagar as custas,
725 rs.
INquuçÃo DE LrsBoA, procs. 15.563 e 14.627. ANTL
Antonio de Aguiar - XV, natural da Bahia, filho de Pedro de Aguiar d'Altero
e de sua mulher Custodia de Faria. Morador com os pais ern Matoim.
20 anos, solteiro.
Culpa - nefando.
Sentença - Repreendido, admoestado na Mesa, mandando não mais
reincidir no tal pecado sob pena de ser grandissimamente castigado. Num
ano se confesse cinco vezes, jejue, tome disciplina secreta, reze os salmos
penitenciais. Pague as custas.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 6.358. ANTI.
Antonio Castanheira - XV, natural de Esparis, termo de Coia, bispado de
Coimbra. Filho de Braz Castanheira, inquiridos, contador e distribuidor
das ülas de Sinde, Taboa, Cáceres, e de llena Miguel, já defuntos. 29
anos. Solteiro, lawador e morador em Passe.
Culpa - palawas irreverentes.
APÊNDrcE 6 319
sertão.
Smtença - por ter ündo à Mesa confessar suas culpas na Graça, e ter
feito larga e boa confissão, grandemente repreendido. Abjure de levi,
e na Quaresma confesse ao padre que lhe for nomeado de confissão
geral. Nos seis próximos meses, confesse-se ao padre que lhe for no-
meado uma vez por mês, comungando a conselho do confessor, cum-
prindo as penitências que o confessor lhe der. Seja doutrinado runa vez
por sernana. Jejue cinco quartas-feiras depois da Páscoa. Nunca mais
em toda zua vida torne ao sertão. Pague 5$000 para as despesas do Santo
Oficio e as custas 3$418.
IrquuçÃo on Lrsnol. proc. 10.776. ANTI.
Dtnrte Alvares Ribeiro - XN, natural de Setúbal. Casado, morador na
Búia.
Culpa - zombar hguras de Cristo e dos Apóstolos. Juramentos torpes.
Sentmça - auto público da fé, abjurando de levi. kve vela aoesa na
mão. Resguarde-se em suas palawas. Instruído na fé. Pague as custas
3$21 l.
INquuçÃo DB LtrtsoA. proc. 1.010. ANTT.
Duarte Nunes Nogueira - meio XN, Íilho de Ambrosio Nunes XV, segundo
lhe parece, e de sua mulher Ilena Dias XN, 50 anos. Natural de Bra-
gança. Solteiro.
Culpa - desrespeito à Cruz.
Sentença -
respeitando suas desculpas e as testemunhas serern suas ini-
migas, repreendido na Mesa, confessar-se cinco vezes em um ano, r@e-
bendo a comunhão a çonselho do confessor, rezar cinco vezes os salmos
penitenciais, pagar seis mil réis para as despesas do Santo Oficio, e as
custas 742 rs.
INqunrçÃo nn Lrssol. proc. 10.875. ANTT.
Felipe Tomaz - XN, advogado natural de Lisboa, morador no Brasil. Ca-
sado com Maria Cardosa.
Culpa - judaísmo.
Sentença - abjuração de leü no auto da sala do Santo OÍIcio por judaís-
mo, aos 17 1121162l. Pagou lü)$0ü)para o Santo OÍício. Confisco de bens.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc.7.467. ANTT.
Fernão Cabral de Ataide -XV, natural da cidade de Silves, no Algarve, fi-
lho de Diogo Fernandes Cabral e de sua mulher dona Ana d'Almada
defuntos. Casado com dona Margarida da Costa. 50 anos. Morador na
sua fazenda de Jaguaripe, na Capitania da Bahia.
Culpa ter acolhido os indios da santidade, e ter dela participado dando
-
grande escândalo público. Perjúrios.
APÊNDICE 6 385
ld
386 ANExos
pena de açoites e degredo para galés. Pague as custas. 491 rs. No ano
confessar-se nas quatro festas principais, comungando a conselho do con-
fessor. Aprenda a doutrina.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 11.070. ANTT.
Ieonor Velha - XV, natural da Ilha de Sta. Maria, fìlha de Lopo Fernan-
des, lawador e de sua mulher Catarina Gonçalves, defuntos. 42 anos.
Casado com Antonio de Miranda, carpinteiro.
Culpa - ter dito que mais podia o diabo que Deus.
Sentença - considerando o modo por que disse tais palavras, ser XV,
mulher de boa üda e logo ter-se arrependido, repreendida na Mesa, e
que num ano confesse cada mês, e tome a comunhão a conselho do con-
fessor. Pague as custas, 712 rs,
INqumçÃo DE LrsBoA. proc. 10.715. ANTT.
Doru l*onor - XV, mulher de Henrique Monis Teles, moradora em Ma-
toim. Filha de Ana Rodrigues e Heitor Antunes.
Culpa - Judaísmo.
Sentmça - 6." abjuração em forma no auto de 3/3/1603 em Lisboa. Crír-
cere e hábito perpétuos com fogos, sem remissão.
INqumçÃo DE LrsBoA. proc. 10.716. ANTI.
Ittis Alvares - XN, natural de Fronteira, coÍnarca da cidade de Évora, hlho
de Manoel Gonçalves e de sua mulher Beatiz Alvares, XN, ora mora-
dores em Benavente, 5l anos, solteiro.
Culpa - judaísmo.
Sentença - Remetido a Lisboa em setembro de 1591. pagar as custas
de l$971.
INqusçÃo DE LrsBoA. proc. 11.073. ANTI.
Ittis Fernandes - XN, natural de Bom Barsal, termo de óbidos. Filho de
Alvaro Fernandes e de Madalena Luis, lawadores. Casado com Suzana
da Fonsea XV, 25 anos. Sapateiro.
Culpa - ter dito publicamente que não podia adorar o Cruxifixo.
Smtença - por ter dito tais palawas por ódio de Belchior Lús, e não
ter sido contumaz, vá a Sé, ao auto, onde estará em S em corpo, desbar-
retado, com vela acesa na mão. Num ano, confesse nas 4 festas, comun-
gando a conselho do confessor. Reze 5 vezes o padre Nosso e o Credo
em honra das chagas de Cristo. Pague as custas, 744 rs.
INquuçÃo DE LrsBoA. proc. 11.032. ANT[.
bisa de Melo - XV, natural da Ilha da Madeira, filha de Troylos de Vas-
concelos e de sua mulher dona lria de Melo, já defuntos. Viúva de Anto-
nio de Oliveira do Carvalhal, XV, 65 anos.
Culpa - palawas blasfemas.
Smtença - ústo zua idade e qualidade, e muito agastamento, seja re-
preendida na Mesa, e nela lhe seja lida sua sentença. Três dias vá visitar
392 ANExos