Tema 1 Matrizes Da Linguagem Na Semiótica
Tema 1 Matrizes Da Linguagem Na Semiótica
Tema 1 Matrizes Da Linguagem Na Semiótica
PROPÓSITO
Compreender as matrizes das linguagens e os modos de hibridização de linguagens para
ampliar o conhecimento sobre a contribuição da semiótica na comunicação.
PREPARAÇÃO
Tenha à disposição dicionários e enciclopédias on-line gratuitos da área de arte, cultura e
estudos linguísticos e literários como a Enciclopédia Itaú Cultural, do Itaú Cultural, o E-
Dicionário de termos literários, de Carlos Ceia, o Dicionário de Cultura Básica, de Salvatore
D’Onofrio, e o Dicionário de Termos Linguísticos, do Portal da Língua Portuguesa.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
MÓDULO 3
MÓDULO 4
INTRODUÇÃO
Foto: Shutterstock.com
Essas são algumas das questões que abordaremos ao tratar das três matrizes da linguagem:
SONORA
VISUAL
VERBAL
Atualmente, quando entramos nas redes, por meio de uma plataforma ou de um aplicativo,
navegamos por arquiteturas de informação compostas por uma multiplicidade de linguagens
sonoras (músicas, sons, ruídos), linguagens visuais, em uma ampla variação, especialmente
porque a navegação depende do agenciamento do usuário entre imagens para seguir pistas e
cascatas de opções. O texto verbal também está presente em uma diversidade de
manifestações. Em suma, tudo isso vem junto e misturado, mas sempre capaz de produzir
sentido.
Diante dessas misturas indissociáveis, surge a pergunta: será que não há matrizes de
linguagem que dão fundamento a essas misturas e que permitem que elas sejam naturalmente
compreensíveis ao leitor?
Para responder essa pergunta, Lucia Santaella (2001) desenvolveu a hipótese de que, por
baixo de tudo isso, só existem três grandes matrizes da linguagem e pensamento:
SONORA
VISUAL
VERBAL
Apesar da variedade de suportes, meios, canais (foto, cinema, televisão, vídeo, jornal, rádio,
computador etc.) em que as linguagens se materializam e são veiculadas, apesar das
diferenças específicas que elas adquirem em cada um dos diferentes meios, subjacentes a
essa variedade e a essas diferenças, temos apenas três matrizes.
Nessa hipótese, está a convicção de que há raízes lógicas e cognitivas específicas que
determinam a constituição do verbal, do visual, do sonoro e de toda a variedade de processos
sígnicos que eles produzem.
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
O alvo que tinha em mente com essa descrição era chegar às categorias mais gerais,
elementares e universais, que tornam a experiência possível.
Vamos lembrar que desse estudo resultaram três categorias, cuja generalidade ficou expressa
na terminologia de:
PRIMEIRIDADE
SECUNDIDADE
TERCEIRIDADE
São categorias muito gerais e universais que, para alcançar a universalidade necessária, foram
despojadas de qualquer conteúdo material, de modo a realçar tão só e apenas sua natureza
lógica. Entretanto, para facilitar o reconhecimento dessa lógica, é necessário indicar as ideias a
que cada uma delas está atada.
PRIMEIRIDADE
SECUNDIDADE
TERCEIRIDADE
PRIMEIRIDADE
Está ligada às ideias de possibilidade, frescor, vida, liberdade, vagos e incertos sentimentos,
indefinição, qualidade.
SECUNDIDADE
Está ligada às ideias de tudo que tem existência real, dualidades, relações entre pares, esforço
e resistência, ação-reação, ego-não ego, sentido de mudança, fato, aquilo que efetivamente
acontece, aqui e agora, determinado, singularidade, descontinuidade, força cega, ruptura,
surpresa, conflito, antagonismo, choque, luta, obstrução, dúvida.
TERCEIRIDADE
Na Física, essas categorias se manifestam como acaso, lei operativa e tendência do universo a
adquirir novos hábitos. Na Psicologia, como sentimento, ação-reação, cognição.
As categorias são onipresentes, mas uma pode dominar sobre as outras. A forma mais simples
de terceiridade corresponde à noção de signo que, em uma definição muito geral, assim se
expressa:
Signo é algo que intenta, com certa capacidade e sob certas circunstâncias, representar algo
que está fora dele de modo a produzir um efeito interpretativo ao encontrar uma mente
interpretadora, efeito este que se constitui em outro signo ao qual Peirce dá o nome de
interpretante.
Bastam uns poucos exemplos para nos darmos conta de como o signo funciona.
Exemplo de signo triádico: consideremos uma petição que um advogado faz a um juiz. A
petição é um signo que representa a causa de um cliente (objeto do signo) para produzir um
interpretante, quer dizer, outro signo que corresponde à interpretação que o juiz dará à petição.
Trata-se aí de um signo verbal e, portanto, genuinamente triádico.
Mas existe a possibilidade, e elas são muitas, de signos diádicos (secundidade) e signos
monádicos (primeiridade):
Exemplo de signo diádico (secundidade): um grito, no seu aqui e agora, é uma ocorrência que
indica ou aponta uma situação de perigo, uma relação dual, portanto.
Exemplo de signo monádico (primeiridade): uma música, sem letra, puro som, apresenta-se
nos seus aspectos de qualidade sonora, deixando em aberto possibilidades que se
assemelham a uma pluralidade de situações sonoras, que podem ser tomadas como objeto
daquela música e, nessa indeterminação, está apta a produzir sentimentos como interpretantes
na mente de quem ouve.
QUALI-SIGNOS ICÔNICOS
(ícones)
SIN-SIGNOS INDICIAIS
(índices)
LEGI-SIGNOS SIMBÓLICOS
(símbolos)
ÍCONE
ÍNDICE
SÍMBOLO
ÍCONE
Se o signo se apresentar como mera qualidade, ele só poderá estar em uma relação de
semelhança com seu objeto e será, assim, um ícone.
ÍNDICE
Se o signo for um existente, aqui e agora, ele apontará para o seu referente ou objeto no
universo em que existe e será, assim, um índice.
SÍMBOLO
Se o signo for uma lei, uma palavra, por exemplo, ou uma convenção cultural, ele
necessariamente será um símbolo, representando seu objeto por força da convenção que faz
a ligação entre ambos.
A partir dessa retomada dos conceitos e das explicações da semiótica, não fica difícil perceber
a ligação que as matrizes sonora, visual e verbal estabelecem com as categorias e com as
classes de signos.
Assim, a sonoridade está para a primeiridade do ícone; a visualidade, para a secundidade do
índice; e o discurso verbal para a terceiridade do símbolo.
SONORIDADE
VISUALIDADE
DISCURSOS VERBAIS
SONORIDADE
VISUALIDADE
DISCURSOS VERBAIS
Comparecem relações necessárias, já que conectadas pela mediação da lei, quer dizer, a lei
que rege especialmente, no mundo humano, mediações convencionais.
Infelizmente, essas modalidades não foram capazes de dar conta de variações mais finas que
ocorrem nas manifestações de cada matriz. Assim, a investigação passou por um refinamento,
que levou a 27 modalidades da sonoridade, 27 de visualidade e 27 da discursividade verbal.
Não há necessidade de irmos adiante nas minúcias analíticas que estão implícitas nessas 81
modalidades e em seus possíveis cruzamentos, pois as nove modalidades principais já são
capazes de evidenciar o funcionamento das modalidades. A lógica de distribuição dessas
modalidades baseia-se na reaplicação da lógica das categorias em níveis que vão do macro ao
micro, conforme veremos, a seguir, na explanação da matriz sonora.
Assim, ao trabalhar as modalidades da matriz sonora, a lógica das três categorias e seus
signos correspondentes foi reaplicada em níveis do macro ao micro, à maneira de fractais
(SANTAELLA, 2001).
1. MATRIZ SONORA
1.1 As sintaxes do acaso
SAIBA MAIS
Assim, (1.1), o item relativo às sintaxes do acaso, indica que esses tipos de sintaxe estão sob o
domínio do primeiro do primeiro, (1.2) indica o segundo do primeiro, e assim por diante.
O que essa redistribuição quer dizer, na realidade, é que a sonoridade pode adquirir
características que a aproximam da lógica, essencial à visualidade. Também pode se
aproximar da lógica que é prerrogativa do discurso verbal, a lógica das leis, dos cálculos e
controles, das codificações e convenções dos sistemas. É preciso considerar que as analogias
são lógicas.
O fato de a música se aproximar da lógica da visualidade não quer dizer que ela se torne
visual, mas que ela adquire dominâncias de secundidade. A mesma coisa podemos dizer em
relação à analogia da música com o verbal.
Onde há o número 2, estamos dentro de um universo em que surgem, com mais ou menos
força, as presenças e os fatos aqui e agora, as singularidades, as gestualidades, o improviso
etc. – um universo em que a lógica do visual é capaz de dominar com grande eficácia.
O número 3 indica a soberania da lei em todas as suas manifestações, o mental, o intelectual,
o controle, as invariâncias, os sistemas, de que o discurso verbal é exemplar.
SINTAXES DO ACASO
Prenunciando essa revolução que estava por vir, desde o início do século, principalmente
depois do poeta francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), e desde o movimento Dada, os
artistas fizeram do caos um tema artístico de relevância.
Stéphane Mallarmé como um fauno, na revista literária Les hommes d'aujourd'hui, 1887.
DADA
Dada ou dadaísmo pertence ao contexto das vanguardas europeias, caracterizando-se por ser
um movimento de crítica cultural, de rejeição ao sistema racional e às regras. Também se
caracteriza pela ironia, inconformismo, polêmica e anarquia.
No campo da música, é exemplar a posição assumida pelo compositor norte-americano John
Cage (1912-1992). Para ele, música são sons, sons à nossa volta, estejamos ou não em salas
de concerto.
Para conhecer um pouco do trabalho de John Cage, ouça uma interpretação da música Dream,
do compositor, com síntese sonora e instrumentos digitais.
No interior das sintaxes do acaso existem distinções que permitem redistribuir a lógica das três
categorias no interior dessa modalidade. O resultado leva a um desmembramento em três
submodalidades que assim se expressam:
As modelizações do acaso
São variações baseadas no jogo com os elementos sonoros sem premeditação, ou na busca
pelo acaso empreendida pelo compositor, ou, ainda, na utilização de modelos matemáticos de
formalização do acaso. Tudo isso soando à escuta.
EXEMPLO
Podemos citar o compositor e arquiteto grego, naturalizado francês, Iánnis Xenákis (1922-
2001). Ele foi um compositor considerado pelos fenômenos naturais caóticos, fenômenos
sonoros de complexidade densa, tendo buscado encontrar meios matemáticos de realização
composicional para esses fenômenos.
O contexto da sintaxe dos corpos sonoros é aquele em que a linguagem vernacular da música,
aquela que é baseada em escalas, subordinada à sintaxe das alturas e durações, passou a
representar uma pequena área do universo sonoro.
ATONALIDADE
Trata-se de som em estado nativo, o som em si mesmo, nas suas vibrações e cores, tal como
pode ser percebido independentemente de qualquer sistema musical e de qualquer notação
em particular, assim como de qualquer referência ao modo como foi produzido (CHION, 1991).
No nível do terceiro do primeiro, o exemplo mais próximo é o da música tonal, regida pelos
parâmetros do ritmo, melodia e harmonia (MARTINEZ, 1991), que são interdependentes e
quase sempre inseparáveis. Assim como o ritmo está presente na melodia e harmonia, estas
também colaboram na definição rítmica da música, havendo a possibilidade até mesmo de se
falar de um tipo de harmonia própria do ritmo e da melodia.
Embora inseparáveis, esses três componentes da música são inconfundíveis, o que permite o
artifício de sua separação para fins de análise. Pode-se definir e explicar o ritmo na sua
autonomia e a mesma coisa pode ser feita com relação à melodia e à harmonia.
Vejamos:
RITMO
Padrões rítmicos regulares criam expectativas cujo preenchimento funciona como uma fonte de
prazer para o ouvinte, gerando um estado de bem-estar físico inerente ao movimento regular
do corpo. Entretanto, no século XIX, cansados dos metros padronizados, os compositores
começaram a experimentar novos ritmos, tais como ritmos cruzados que trocam os acentos
dentro da medida, de modo que uma passagem escrita em tempo ternário brevemente assume
o caráter de tempo binário ou vice-versa.
Na música popular, os ritmos, mesmo quando originais, não entram em combinatórias muito
complexas, como ocorre em composições de música erudita de que a Sagração da Primavera,
de Stravinsky, é um exemplo.
MELODIA
A melodia tem uma grande diversidade de caracteres. Em função disso, é necessário tomar
como ponto de partida uma definição bem ampla. Segundo Miller (1978, p. 25), a melodia se
constitui de sons consecutivos que variam em altura e duração. É muito comum a analogia
da melodia com as palavras de uma sentença. A sucessividade das diferentes alturas e
durações das vogais constitui-se na primeira forma melódica produzida pelo humano.
HARMONIA
O papel da harmonia pode ser o de uma simples acompanhante da melodia, mas ela também
pode se transformar em uma cúmplice, sustentando, guiando e até mesmo desafiando a
melodia. Historicamente, houve uma evolução gradativa na participação da harmonia junto à
melodia. Partindo da função de suporte da melodia, a harmonia, no período clássico-
romântico, acabou por dar forma à melodia, conduzindo o desenho de suas curvas (MACHLIS,
1963, p. 637).
Sem entrarmos nos detalhes mais minuciosos dessas explicitações que pertencem à teoria
musical, basta dizer que o ritmo está cifrado no nível do primeiro, a melodia no nível do
segundo e a harmonia no nível do terceiro. Todos eles sob a égide da terceiridade no universo
da primeiridade em que a sonoridade reina.
No vídeo a seguir, o professor Rafael Iorio apresenta o conceito de matrizes da linguagem, com
ênfase na matriz sonora da linguagem e suas modalidades, destacando implicações na
música. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
A VISUALIDADE
Quando se fala em visualidade, logo se pensa em imagem.
Entretanto, quando nos referimos à matriz visual, ela engloba outras realidades visuais que
nem sempre podem ser chamadas de imagens, como são os diagramas, os gráficos, as
tabelas, os sinais de trânsito etc.
A matriz visual é uma dentre as três matrizes da linguagem e pensamento desenvolvidas por
Santaella (2001), baseadas nas três categorias e nas correspondentes três classes de signos
desenvolvidas na semiótica de C. S. Peirce, como vimos no Módulo 1.
RELEMBRANDO
A categoria da primeiridade e a classe dos quali-signos icônicos se reportam aos seus
objetos por similaridade. A categoria da secundidade e a classe dos sin-signos indiciais se
reportam aos seus objetos porque apontam direta ou indiretamente para eles. A categoria da
terceiridade e a classe dos legi-signos simbólicos representam seus objetos por convenção.
A sonoridade situa-se na primeira categoria, a visualidade na segunda e o discurso verbal na
terceira.
Diferentemente da norma, com base em princípios semióticos mais precisos, Santaella (2001)
argumenta que a referencialidade que é própria da visualidade está sob o domínio da
secundidade e da indexicalidade.
Isso é elevado às últimas consequências na fotografia que, embora seja imagem, fica mais
proeminentemente sob o domínio do índice. Aquela imagem que aparece na foto indica, de
fato, algo da realidade que foi capturado existencialmente na foto.
Mas para que isso se torne mais claro, é preciso retomar alguns conceitos. O primeiro deles, o
conceito de signo.
O quali-signo icônico remático só pode funcionar como signo por meio da semelhança entre
as propriedades qualitativas exibidas pelo signo e as propriedades do objeto. Nesse caso, o
signo produz interpretantes hipotéticos ou remáticos.
O sin-signo indicial dicente só funciona como signo porque está existencialmente conectado
àquilo que indica e, portanto, produz como interpretante uma constatação: isto está ligado
àquilo.
O termo sin-signo designa o signo que em si mesmo tem existência. O prefixo sin está
relacionado à ideia de algo único, singular, ao aqui e agora. Está relacionado à constatação de
que os signos podem ser um fato. O adjetivo indicial corresponde ao índice, que tem uma
relação direta com seu objeto. O adjetivo dicente corresponde à relação didática na qual o sin-
signo se situa.
O termo legi-signo designa a relação do signo consigo mesmo, a partir da natureza de leis ou
hábitos. O termo simbólico remete a símbolo e designa a conexão do signo com os objetos, a
partir de hábitos ou usos. O adjetivo argumental remete a argumento e designa a relação do
signo com seu interpretante, ou seja, os signos sendo leis, vão se apresentar ao seu
interpretante como argumentos.
Diante disso, por que os signos visuais estão dominantemente na matriz da secundidade,
indicial?
Antes de tudo, a prevalência da secundidade sin-sígnica (índice) no visual já nasce sob efeito
do próprio sentido da visão.
Não são poucos os teóricos que têm apontado para o coeficiente de facticidade com que o
sentido da vista se apresenta. A visão é direcional, visa a um objetivo. O olhar é guiado para o
objeto da atenção. O campo visual define um contorno, para além do qual tudo se apaga. O
visível tem bordas que só não são rigidamente demarcadas devido aos limites imprecisos da
visão periférica, que nos alerta para o perigo daquilo que se move ao nosso redor.
Diferentemente do som, que inevitavelmente passa sem deixar outro rastro a não ser uma
suave impressão na memória, o visível tem algo de estável, destaca-se de um fundo amorfo,
adquire a compleição de um objeto.
Os objetos visuais não são fontes de luz, mas luz refletida em uma superfície. Quando o objeto
é ele mesmo luminoso, fonte de luz, ele perde o contorno, deixando de ser um objeto, para
adquirir características alteráveis, matizadas.
Para a visão, algo se apresenta aqui e agora e insiste na sua alteridade, em algo fora de nós,
com uma definitude que lhe é própria, algo concreto, físico, palpável, oferecendo-se à
identificação e reconhecimento. Se não fosse por essa fisicalidade, por esse senso de
externalidade que acompanha a percepção visual, não teríamos meios de distinguir entre o
visível e aquilo que é alucinado, devaneado ou sonhado. Por isso mesmo, estes últimos
começam a perder os traços de secundidade, que são próprios do visual para adquirir traços
de primeiridade.
ATENÇÃO
É certo que "imagem" e "forma" podem ser intercambiadas em muitos contextos, tanto que, nos
casos em que funcionam como sinônimas, as duas palavras podem ser empregadas
indiscriminadamente.
A partir do eixo da forma como estruturador, temos a seguinte redistribuição das categorias e
classes de signos sobre esse eixo:
2. MATRIZ VISUAL
2.1 Formas não representativas
São relações visuais intrínsecas que não estão a serviço de qualquer ilustração. São
propriedades sensíveis da luz, do pigmento, da forma e do volume que se estruturam em uma
unidade qualitativa autônoma e independente. Ou melhor: são formas que carecem material,
estrutural e iconograficamente de qualquer referência ao exterior. Não são figurativas, nem
simbólicas, não indicam nada, não representam nada. São o que são e não outra coisa.
São qualidades sensíveis presentificadas na sua talidade, criando a visão de formas nunca
vistas anteriormente. São efeitos de formas, qualidades de linha e superfície, combinações de
massas e volumes, tanto quanto possível libertos de esquemas, diagramas ou de
composições.
View of handyman drip art wall painting closeup on section, Tomwsulcer, 2010.
Nada se lhes assemelha e, por isso mesmo, tudo pode se lhes assemelhar, pois, lembrando o
que nos sugere o escritor russo Vladimir Nabokov (1899-1977) no seu romance Fogo Pálido,
pessoas diferentes podem ver semelhanças de modos diferentes e perceber diferenças de
modos semelhantes. A arte visual pictórica e mesmo a escultura apresentam uma abundância
de exemplos de formas não representativas despojadas de qualquer tipo de referencialidade.
Fica claro, a partir disso, por que a expressão "marca do gesto" é utilizada em um sentido
muito liberal e extensivo. Não se trata apenas do gesto corporal-humano, mas do gesto
produtor em geral, ou seja, de marcas físicas imprimidas na qualidade das formas e dos
suportes dessas formas.
Exemplo clássico desse tipo de modalidade encontra-se nas obras do pintor norte-americano
Jackson Pollock (1912-1956), um dos criadores do expressionismo abstrato e que valorizava o
movimento corporal e os gestos na criação artística.
O que são formas figurativas? São imagens que funcionam como duplos, isto é, transpõem
para o plano bidimensional ou criam no espaço tridimensional réplicas de objetos
preexistentes e, muitas vezes, visíveis no mundo externo.
São formas referenciais que, de um modo ou de outro, com maior ou menor ambiguidade,
apontam para objetos ou situações em maior ou menor medida reconhecíveis fora daquela
imagem.
Por isso mesmo, nas formas figurativas, é grande o papel desempenhado pelo reconhecimento
e pela identificação, que pressupõem a memória e a antecipação no processo perceptivo.
Nessas formas, que buscam reproduzir o aspecto exterior das coisas, os elementos visuais são
postos a serviço da vocação mimética, ou seja, produzir a ilusão de que a imagem figurada
é igual ou semelhante ao objeto real (DONDIS, 1976).
É a figura posta em relevo. Não em todos os seus aspectos, mas apenas no seu aspecto
qualitativo. Trata-se de atentar para aquilo que a figura tem de primeiro, suas qualidades. Não
apenas as qualidades em si (dimensão, volume, cor, textura, traço etc.), mas a qualidade da
figura como figura, no sentido que aqui está sendo dado para a figura: referencial, denotativa,
figurativa e indicial, pois se trata de uma figura que indica algo que está fora dela. Como
indica? Com que tipo de qualidade?
Não é por acaso que essa figura se apresenta sob a numeração 2.2.2. Ela representa o cerne
da visualidade na sua característica de secundidade, figuratividade e indexicalidade.
Nas formas figurativas, o caráter indicial, que sempre espreita as formas visuais, acentua-se,
visto que aí a função significativa do ícone fica sempre subjugada à função denotativa do
índice.
A figura como registro: a conexão dinâmica ocupa o ponto central, o coração de toda a
classificação, pois comprova que as formas de representação visuais têm sua matriz na
indexicalidade.
Neste caso, entram em cena os sistemas de convenções gráficas utilizados para reproduzir o
visível.
ATENÇÃO
Uma vez que o termo "convenção" é utilizado abusiva e imprecisamente, para evitar mal-
entendidos, seu emprego deve ser limitado às relações semióticas colocadas por uma
comunidade humana entre um signo e o que ele transmite, sem que o signo e o seu objeto
sejam ligados de outra maneira a não ser por essa convenção.
Parece evidente que, nas formas visuais figurativas, não é só a convenção que liga o signo, no
caso a figura, àquilo que ele denota, visto que os aspectos icônicos e indexicais não deixam de
atuar com relevância.
A convenção implica sistemas de codificação que devem ser aprendidos e que se transformam
historicamente (ARNHEIM, 1976). Entram nessa categoria todas as imagens que seguem o
sistema de codificação visual da perspectiva monocular.
As formas representativas, também chamadas de simbólicas, são aquelas que, mesmo quando
reproduzem a aparência das coisas visíveis, essa aparência é utilizada apenas como meio
para representar algo que não está visivelmente acessível e que, geralmente, tem um caráter
abstrato e geral.
Sua capacidade de representar depende do fato de que a relação que o símbolo mantém com
o objeto representado se dá em virtude de uma lei, normalmente uma associação de ideias,
que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo àquele
objeto.
ATENÇÃO
Embora essas formas se estruturem em sistemas e representem seus objetos por meio de leis
gerais, estabelecidas por hábito ou convenção, há entre ambos (signo e objeto) uma relação de
analogia, que se caracteriza por certo teor de semelhança aparente ou diagramática.
Essa modalidade das formas visuais quer se referir às figuras que não guardam mais qualquer
analogia com o objeto representado, de modo que essas figuras adquirem uma natureza
hermética e críptica.
Trata-se de figuras individuais aparentemente singulares. No entanto, elas não se referem nem
às coisas singulares, nem à generalização do singular que as figuras poderiam indicar, mas a
ideias gerais enigmáticas.
EXEMPLO
É o caso do sonho, das imagens surrealistas e das alegorias nas quais as figuras parecem ser
indicativas, mas na realidade não se referem aos aspectos individuais para os quais elas
aparentemente apontam, visto que funcionam como símbolos de ideias gerais e abstratas, que
só podem ser entendidas depois de decifradas.
Não é difícil constatar que "formas representativas por convenção: o sistema" têm seu protótipo
na escrita alfabética, prolongando-se nos sistemas culturalmente convencionais como:
NOTAÇÃO MUSICAL
SÍMBOLOS QUÍMICOS
SÍMBOLOS LÓGICOS
SÍMBOLOS MATEMÁTICOS
Todos eles apresentam analogias com os sistemas convencionais de escrita, pois são
precisamente codificados, e neles cada elemento cumpre sua função significativa pela posição
que ocupa em relação ao sistema inteiro.
COMENTÁRIO
No estudo desenvolvido por Santaella (2001), essas nove modalidades não esgotam todas as
variações das linguagens visuais. Na realidade, nesse estudo, elas se estendem por 27
modalidades, sempre seguindo a mesma lógica fractal de se reintroduzir as três categorias
repetidamente dentro de cada modalidade. A passagem das nove para as vinte sete permite
caracterizar formas visuais como mapas, sistemas de trânsito etc. Entretanto, a explicitação
das nove modalidades aqui desenvolvida já dá uma ideia de que a lógica semiótica é capaz de
dar conta com coerência dos modos variados com que a visualidade se expressa.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
A QUALIDADE E O SENTIMENTO
O FATO ATUAL
A ABSTRAÇÃO DO PENSAMENTO
Dessas três categorias são extraídos três universos representativos básicos, ou melhor,
universos semióticos que estão nos fundamentos das linguagens possíveis:
No universo das ocorrências ou dos fatos, daquilo que efetivamente acontece, encontram-
se os sin-signos indiciais, que se reportam aos seus objetos referenciados porque são partes
deles e os indicam.
O universo das leis ou das ideias, de que o universo humano é pródigo, é o universo das
convenções, em que, por meio de convenções socioculturais, os signos denotam seus objetos.
Essas três camadas sígnicas, que não são excludentes, mas complementares, aplicam-se ao
campo das linguagens que partem de três grandes matrizes (SANTAELLA, 2001):
Sonora
Visual
Verbal
Na base de todas as variações discursivas, existem três tipos de discursos sobre os quais há
um certo consenso entre os estudiosos. O exame do modo como esses discursos se
organizam, como eles se referem aos seus objetos de referência e os tipos de interpretação
que estão aptos a produzir nos permite identificar, conforme Santaella (2001), o seguinte:
Discurso descritivo
Discurso narrativo
Discurso dissertativo
DESCREVER
NARRAR
DISSERTAR
Colocamos ênfase no sequencial porque, quando se fala ou se escreve, os signos verbais são
colocados em sequência, uma palavra depois da outra.
Quando é afirmado que o discurso encontra as leis que governam seus níveis de complexidade
organizacional ou seus princípios de sequência na descrição, narração e dissertação, isso quer
dizer que o discurso exibe invariantes organizacionais, regularidades de estruturação e
significação que se agrupam e se distinguem de acordo com três grandes classes de
representação:
DESCRIÇÃO
NARRAÇÃO
DISSERTAÇÃO
O que importa, agora, é perceber quais são as modalidades em que cada um desses tipos de
discursos se distribui. Afinal, nem todas as descrições são iguais e a mesma coisa pode-se
dizer da narrativa e da dissertação.
3. MATRIZ VERBAL
3. 1 Discurso descritivo
Nas teorias do discurso, a descrição costuma ser definida como uma forma não narrativa de
discurso.
Toda vez que, no discurso narrativo, o desenvolvimento de uma ação é interrompido para a
apresentação do cenário, dos caracteres físicos de uma personagem, entre outros, aí se
encontra a descrição.
Descrição
Tempo contínuo
Narrativa
A descrição não é suficiente para criar uma narrativa, mas esta não exclui a primeira.
Descrever é traduzir para a linguagem verbal a apreensão que temos das qualidades das
coisas, ambientes, pessoas e situações. Essa apreensão se dá por meio dos nossos sentidos,
não apenas visão, audição, tato, paladar e olfato, mas também a imaginação, como uma
espécie de sentido interior.
Desse modo, a descrição se define como um processo de tradução das apreensões sensórias
para a linguagem verbal.
Se aquilo que os sentidos primeiramente apreendem são as qualidades positivas dos objetos,
então, a descrição resulta da tentativa de se traduzir, pelo verbal, caracteres qualitativos que
os sentidos captam. Consequentemente, a descrição pressupõe a percepção, a atenção e a
observação, tanto a observação que se volta para fora quanto a observação abstrativa,
voltada para dentro da imaginação
Nem seria preciso evidenciar o quanto a linguagem visual é muito mais hábil para descrever do
que a linguagem verbal. E essa habilidade não é evidenciada apenas em imagens, mas
também em gráficos, infográficos, audiovisuais etc.
Descrição qualitativa
Apresenta-se no âmbito do ícone, aquele tipo de signo que, por ser mera qualidade, só pode se
referir ao seu objeto por semelhança.
As hesitações entre o som e o sentido, as palavras que ecoam palavras vão gastando o
significado até o ponto em que o amor se exaure morto no motor da saudade. Não há um
afastamento entre o modo como se diz e aquilo que se diz, mistério da poesia.
Descrição indicial
É aquela que quebra o objeto descrito em partes e vai recompondo o todo do objeto nas
relações entre suas partes. Esse é o tipo de descrição mais comum, pois a linguagem verbal
não tem a mesma capacidade da imagem de captar o todo de uma só olhada. Vem daí a
dificuldade de se descrever verbalmente. Nossos sentidos vão explorando pouco a pouco o
objeto e traduzindo essa gradativa exploração sensória em palavras.
Descrição conceitual
Você saberia dizer quais são os ingredientes de uma narrativa? De que esse tipo de discurso
consiste?
Para Bremond (1971, p. 113), toda narrativa consiste em um discurso que integra uma
sucessão de acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação. Onde
não há sucessão, não há narrativa. Onde não há integração na unidade de uma ação, não
há narrativa, mas somente cronologia, enunciação de uma sucessão de fatos não
coordenados.
Essa mesma posição é defendida por Todorov (1979, p. 124, 247), para quem a simples
relação de fatos sucessivos não constitui uma narrativa:
Para Todorov, o núcleo narrativo está na intriga. A intriga mínima completa consiste na
passagem de um equilíbrio a um outro. Uma narrativa ideal começa por uma situação
estável que uma força qualquer vem perturbar, do que resulta um estado de desequilíbrio. Uma
força dirigida no sentido inverso restabelece o equilíbrio. O segundo equilíbrio é semelhante ao
primeiro, mas ambos nunca são idênticos.
NARRATIVA ESPACIAL
NARRATIVA SUCESSIVA
NARRATIVA CAUSAL
NARRATIVA ESPACIAL
Organiza a temporalidade de uma história de maneira não linear, portanto, fazendo uso
criativo da temporalidade, em movimentos para frente e para trás que dão ao leitor a tarefa
lúdica da montagem da história.
NARRATIVA SUCESSIVA
Ao contrário da narrativa espacial, a narrativa sucessiva conta a história obedecendo com tanta
precisão quanto possível o tempo em que ela transcorreu. Notícias de jornal costumam se
estruturar desse modo para facilitar ao leitor a compreensão do acontecimento na
temporalidade em que se desenrolou.
NARRATIVA CAUSAL
Sem excluir esses significados já sedimentados pelo uso da palavra “dissertação”, para
compreendê-la na ciência de dados, é preciso ir além do significado meramente didático da
dissertação.
DISSERTAÇÃO HIPOTÉTICA
DISSERTAÇÃO RELACIONAL
DISSERTAÇÃO ARGUMENTATIVA
DISSERTAÇÃO HIPOTÉTICA
Expõe hipóteses, sugestões e conjecturas, portanto, quase conceitos acerca dos fenômenos e
ocorrências da vida. São textos inconclusivos, que ensaiam pensamentos sem dar a eles um
ponto de resolução.
DISSERTAÇÃO RELACIONAL
É a que costuma ser mais lembrada. Enquanto a dissertação relacional tem na sua base o
raciocínio indutivo, a argumentativa sustenta-se no raciocínio dedutivo. Quer dizer, parte de
premissas e tece as relações entre elas para alcançar uma conclusão convincente.
Resumindo:
Descrição
Registro verbal das impressões de qualidade que as coisas despertam em nossos sentidos.
Narração
Dissertação
Uma realidade que tem um modo de expressão puramente intelectiva, racional, e, como tal, de
natureza geral, exigindo familiaridade e hábito.
A linguagem verbal é, em si, convencional, baseada em regras e leis que o falante absorve
pelo contato social e que incrementa pela formação educacional. Não é por acaso que a
Matemática, a Lógica e a Estatística desenvolvem não apenas um vocabulário, mas também
linguagens constituídas de símbolos próprios, cuja decodificação é quase inacessível aos
leigos.
A narrativa, ao contrário, embora seja também verbal, oral ou escrita, é o tipo de discurso mais
acessível, não exigindo formação específica para ser compreendida. Isso não é fruto de
qualquer milagre, mas apenas do fato de que a narrativa trata de situações vividas, um tipo de
experiência que todos os humanos compartilham e com a qual se identificam porque estão
vivos.
Fica claro por que as narrativas sempre produziram, desde os tempos mais ancestrais, e
continuam produzindo, a adesão dos sentimentos humanos, por meio:
Sereia
DOS MITOS
Estátua de Teseu lutando contra o Minotauro.
No vídeo a seguir, o professor Luís Dallier comenta sobre as modalidades da matriz verbal da
linguagem, destacando aspectos da descrição, narração e dissertação. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 4
LINGUAGEM E HIBRIDIZAÇÃO
Se não estivermos presos a uma visão de que a linguagem se restringe à linguagem verbal, as
linguagens são muitas. Desde a revolução industrial e a revolução eletrônica, seguidas pela
revolução informática e digital, o poder multiplicador e o efeito proliferativo das linguagens
estão se ampliando de modo crescente.
O exemplo da invasão das imagens é, por si só, bastante significativo. Tanto é que, para
muitos, estamos na era da imagem. Entretanto, já passou essa era dominante de registro físico
de fragmentos do mundo, iniciada com a fotografia e seguida por cinema, TV, vídeo e
holografia, pois estamos instalados agora em plena efervescência da era pós-fotográfica, de
geração sintética das imagens e principalmente da hipermídia, que é a linguagem própria das
redes.
Não há quase nada de natureza real, artificial, simulada ou fictícia que o imaginário numérico
não dê conta de colocar nas telas dos computadores e dos smartphones. Isso não é menos
verdadeiro no universo sonoro. Com o advento do sintetizador e do controle por meio do
computador, não há parâmetro sonoro dotado de uma significação física que não possa ser
manipulado eletronicamente, em um grande número de combinações e variações praticamente
infinitas (CHION, 1997).
Além de crescerem na medida exata em que cada nova mídia é inventada, as linguagens
também crescem com o casamento entre meios.
EXEMPLO
O jornal está hoje transmutado nas plataformas e nos aplicativos das redes interativas de
comunicação. A foto e o cinema expandiram-se para além das suas fronteiras tradicionais. A
escrita se modificou, não se limitando mais ao espaço gráfico, mas se manifestando no
ambiente eletrônico ou digital.
Enfim, o universo midiático nos fornece uma fartura de exemplos de hibridização de meios,
códigos e sistemas.
São esses processos de hibridização que atuam como propulsores para o crescimento das
linguagens.
Não é à toa que as linguagens já tomaram literalmente conta do mundo. Estejamos ou não
atentos a isso, estamos dia e noite, em qualquer rincão do planeta, com maior ou menor
intensidade, imersos em signos e linguagens, rodeados de livros, que o Kindle carrega com
leveza, de jornais e revistas on-line, de sons variados no Spotify, e de mensagens instantâneas
trocadas nas redes sociais.
Além disso, somos bombardeados por imagens, palavras, música, sons e ruídos vindos da
televisão, de filmes e séries em streaming na rede das redes, em que podemos navegar pela
informação e nos conectar com qualquer parte do mundo em frações de segundos.
Não há nenhum indicador de que as linguagens deverão parar de crescer. Ao contrário, com
sua diversificação no planeta, a tendência é que elas busquem novos habitats no espaço
celeste.
O termo matriz é derivado da Matemática. Deslocado para o contexto das linguagens significa
trazer para esse universo a ideia de princípios basilares, abstratos que norteiam as formas de
organização que caracterizam a sonoridade, a visualidade e a discursividade verbal. Como
matrizes, esses sistemas de signos estão na base de todas as misturas e hibridizações das
linguagens, com as quais convivemos cotidianamente.
ATENÇÃO
Como se não bastasse, é preciso considerar que não há linguagens puras. Todas as
linguagens são híbridas. E isso já começa nas matrizes. Apenas a sonoridade alcançaria
certo grau de pureza se o ouvido não fosse tátil e se não se ouvisse com o corpo todo. A
visualidade, mesmo nas imagens fixas, também é tátil, além de absorver a lógica da sintaxe,
que vem do domínio do sonoro. A escrita absorve o eixo da sintaxe do domínio sonoro e o eixo
da forma do domínio visual.
Evidenciada essa lógica de intercâmbios, como ficam as linguagens em relação aos meios ou
mídias?
A profusão de mídias é atualmente de uma tal dimensão, sua participação na vida social é
tamanha que, frente às mídias, tudo o mais parece se apagar até o ponto do esquecimento de
que dentro das mídias correm linguagens que se misturam, se cruzam e se complementam.
Por explorarem as raízes sígnicas que estão subjacentes às mídias particulares, a teoria das
matrizes de linguagem e pensamento, antes de tudo, permite-nos escapar de uma visão
instrumental das mídias, na medida em que nos coloca em diálogo com aquilo que
efetivamente nos constitui como humanos, o nosso ser de linguagem.
MODOS DE HIBRIDIZAÇÃO DE
LINGUAGENS
Para que nos livremos de uma fixação exclusiva nas mídias, que leva ao esquecimento das
linguagens que por elas transitam, vejamos uma cartografia básica dos modos como as
linguagens se misturam.
No cruzamento do som com o verbo, encontra-se a linguagem da canção. Tem-se aí a fala que
se engendra em música ou a música engendrando-se na fala. Inseparável da letra, o som
limita-se a acompanhar o potencial sonoro da fala: suas durações, articulações, entonações e
ritmos.
Os papéis desempenhados pela letra e pelo som evidenciam que suas inter-relações variam
enormemente, desde o nível em que o som simplesmente cumpre o papel de mero
acompanhante da letra até o nível em que a letra não passa de subsídio ou trampolim para a
exploração timbrística da voz como instrumento.
LINGUAGENS SONORO-VISUAIS
A música contemporânea tem sido pródiga nos cruzamentos do sonoro com o visual. As
apresentações públicas das composições eletroacústicas fazem uso da disposição espacial
das caixas de som criando uma verdadeira arquitetura sonora, por vezes de grandes
dimensões.
A primeira linguagem a se inserir nesse cruzamento é, sem dúvida, a arquitetura. Ficou famosa
a observação do escritor alemão J. W. Goethe (1749-1832) de que a arquitetura é a música
congelada, o que foi rebatido pelo compositor e engenheiro francês Pierre Schaeffer (1910-
1995) ao argumentar que a arquitetura, na verdade, é a música que fala.
De fato, a arquitetura replica no plano visual uma característica fundamental da música que
está nas suas relações de iconicidade interna: paralelismos, hierarquias icônicas, repetições,
contrastes, movimentos ascendentes, descendentes, variações sobre um mesmo tema,
inversões, retrogradações etc.
Outra linguagem cuja chave semiótica se encontra na interseção do visual com o sonoro é a
dança. Isso se dá, evidentemente, quando a dança não é narrativa, pois se o for, como
acontece na maioria do balé clássico, além do visual e sonoro, o verbal, no seu aspecto
narrativo, também entra na composição da dança como linguagem.
LINGUAGENS VISUAIS-VERBAIS
Vejamos:
LINGUAGENS VERBO-SONORAS
LINGUAGENS VERBO-VISUAIS
Não foram poucos os estudiosos da poesia que apontaram para a natureza híbrida entre a
sonoridade e a visualidade. Essas misturas comparecem também nos vídeos narrativos que
contam histórias. Mas os casos mais típicos das misturas entre o verbal, o visual e o sonoro
são o cinema e a televisão. De fato, são áudio, no som em geral, na música, no ruído e na fala
dos diálogos. São também visuais, nas imagens.
ATENÇÃO
É necessário repetir que cinema, vídeo e TV têm também caráter discursivo, verbal, na medida
em que são necessariamente narrativos ou descritivos.
Por fim, as misturas mais fortemente engendradas entre várias formas textuais, sonoras e
visuais comparecem na hipermídia, essa linguagem com a qual convivemos no universo digital
e que se constitui na linguagem mais característica do nosso tempo: a linguagem das mídias
digitais.
No vídeo a seguir, o artista e pesquisador Domingos Guimaraens fala sobre a diversidade de
linguagens e os modos de hibridização das linguagens. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudamos as diversas formas de linguagens, a partir das três grandes matrizes da linguagem:
a sonora, a visual e a verbal.
Verificamos que cada matriz da linguagem tem suas modalidades, relacionam-se com as
categorias e as classes de signos, conforme a semiótica peirciana.
PODCAST
Agora com a palavra os professores Luís Dallier, Rafael Iorio e Catharina Epprecht,
relembrando tópicos abordados em nosso estudo. Vamos ouvir!
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ARNHEIM. Rudolf. Arte y percepción visual. Buenos Aires: Universitária, 1976.
BREMOND, Claude. A lógica dos possíveis narrativos. In: BARTHES, R. et al. Análise
Estrutural da Narrativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1971.
CHION, Michel. L’art des sons fixés, ou, La musique concrètement. Lormont: Metamkine,
1991.
GIMENES, Roseli. Literatura Brasileira: do átomo ao bit. Orientador: Winfried North. 2016.
245 f. Dissertação (Doutorado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital) – Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 2016.
MACHLIS, Joseph. Introduction to contemporary music. New York: Norton & Comp., 1963.
MILLER, H. M. Introduction to music: a guide to good listening. 2. ed. New York: Harper &
Row, 1978.
SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal. São Paulo:
Iluminuras, 2001.
Leia o artigo Por uma metodologia de análise dos aspectos simbólicos e comunicacionais
do design das cidades digitais, de Frederico Braida e Vera Nojima, publicado pela UFJF,
para conferir uma aplicação das matrizes da linguagem na análise do design de cidades
digitais.
Confira uma análise sobre um gênero das mídias digitais, o blog, a partir das matrizes da
linguagem, lendo o artigo A multimodalidades em blogs educacionais para o ensino-
aprendizagem de língua portuguesa, de Geovan Macedo e Naziozênio Lacerda,
publicado na Revista Travessias da UFS.
Conheça um pouco mais sobre a vida e a obra da conteudista deste material lendo o
verbete “Lucia Santaella” na Enciclopédia Itaú Cultural.
Nota
CONTEUDISTA
Lucia Santaella
CURRÍCULO LATTES