A Casa Do Incesto - Anais Nin

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ANA|S NIN

A Casa do Incesto

A CASA DO INCEStO

tradu|�o

ISABEL HUB FARIA

ass�rio & alvim

Tudo o gue sei


est� contido neste livro escrito sem testemunbo,
edi|cio sem dimen.r�o, cidadz suspensa no ar.

Na manh� em que me levantei para come�ar este livro tossi. Algo estava a sair-me da
garganta, a estrangular-
-me. Rasguei o cord�o que o retinha e arranquei-o. Voltei para a cama e disse:
Acabo de
cuspir o cora��o.

Existe um instrumento chamado quena que � feito de ossos humanos. Tem origem no
culto
que um �ndio dedicou � sua amante. Quando ela morreu ele fez dos seus ossos uma
flauta. A
quena tem um som mais penetrante, mais persistente do que a flauta vulgar.
Aqueles que escrevem sabem o processo. Pensei nisto

enquanto cuspla o cora��o.

S� que n�o estou � espera da morte do meu amor

A minha primeira vis�o da terra foi atrav�s da �gua. Penen�o � ra�a de homens e
mulheres que
olham todas as coisas atrav�s desta cortina de mar e os meus olhos s�o a cor da
�gua.

Olhava com olhos de camale�o a Face mut�vel do mundo e considerava anonimamente o


meu
ser incompleto.

Lembro o meu primeiro nascimento na �gua. � minha volta a transpar�ncia sulfurosa e


os
meus ossos moviam-se como se fossem de borracha. Oscilo e flutuo nas pontas sem
ossos dos
meus p�s atenta aos sons distantes, sons para al�m do alcance de ouvidos humanos,
vejo
coisas que s�o para al�m do alcance dos olhos. Nas�o cheia das mem�rias dos sinos
da
Atl�ntida. Sempre � espera de sons perdidos e � procura de perdidas cores,
permanecendo
para sempre no limiar como algu�m perturbado por recorda��es, corto o ar a passo
largo com
largos golpes de

II

barbatana e nado atrav�s de quartos sem paredes. Expul- sadas de um para�so de


aus�ncia de
som, catedrais ondulam � passagem de um corpo, como m�sica sem som.

Esta Atl�ntida s� podia ser novamente encontrada � noite pelo caminho do sonho.
I,ogo que o
sono cobria a r�gida cidade nova e a rigidez do novo mundo, abriam-se os portais
mais
pesados deslizando em gonzos oleados e entrava-se na aus�ncia de voz que pertence
ao
sonho. Era o terror e a alegria de homic�dios conseguidos em sil�ncio, um sil�ncio
de calhas e
de escovas. O len�ol de �gua cobrindo tudo e abafando a voz. E um monstro trouxe-
me, por
acaso, � superf�cie.

Perdida dentro das cores da Atl�ntida, cores que v�o dar a outras e se misturam sem
fronteiras. Peixes feitos de veludo, de organdi com dentes de rendas, feitos de
tafet�,
recamados de lantejoulas, peixes de seda e penas e plumas, com flancos lacados e
olhos de
cristal de rocha, peixes de couro cunido com olhos de groselha, olhos como o branco
de um
ovo. Flores palpitando-Ihes nas hastes como cora��es de mar. Nenhum deles sentindo
o seu
pr�prio peso, o cavalo-marinho movendo-se como uma pena. . .

Era como um longo bocejo. Eu amava a facilidade e

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a cegueira e as mansas viagens na �gua transportando-nos atrav�s de obst�culos. A


�gua
estava ali para nos transportar como um abra�o gigante; havia sempre a �gua para
nos
repousar, e que nos transmitia as vidas e os amores, as palavras e os pensamentos.

Eu dormia muito abaixo do n�vel das tempestades. Movia-me dentro da cor e da m�sica
como
dentro de um diamante-mar. N�o havia correntes de pensamentos, apenas a
car�cia-fluxo-desejo misturando-se, tocando, afastando, vagueando - no abismo
infinito da P||

N�o me lembro de ali estar frio, nem calor. Nenhuma dor provocada pelo frio ou pelo
calor. A
temperatura do sono, sem febre e sem arrepio. N�o me lembro de ter tido fome. Era-
se
alimentado atrav�s de poros invis�veis. N�o me lembro de ter chorado.

I Sentia apenas a car�cia de mover-me - de passar ; para um outro corpo - absorvida


e perdida
dentro da � carne de outrem, embalada pelo ritmo da �gua, pela lenta
palpita��o dos sentidos, pelo deslizar de seda.

Amando sem consci�ncia, movendo-me sem esfor�o,

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numa corrente branda de �gua e de desejo, respirando num �xtase de dissolu��o.

Acordei de madrugada, atirada para uma rocha, esqueleto de um barco sufocado nas
suas
pr�prias velas.
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A noite envolvia-me como uma fotografa descolada da moldura. O forro de um casaco


aberto
como duas conchas de uma ostra. O dia descolado da noite, comigo a eair entre eles
sem saber
em que lado me encontrava, se era � mais alta folha cinzenta fria do amanhecer ou �
folha
escura da noite.

O rosto de Sabina estava suspenso na escurid�o do jardim. Dos olhos um vento quente
des�rtico secava as folhas e voltava a terra do avesso; tudo o que tinha at� ent�o
seguido um
percurso vertical rodava agora em c�rculos, � volta do rosto, � volta do rosto
DE|.A. Ela
olhava com olhar fixo c�o antigo, s�culos luxuriantes e pesados vacilavam em
cortejos
profundos. Da pele nacarada subiam perFumes em espiral como incenso. Cada gesto seu
acelerava o ritmo do sangue e incitava a um canto batido como o bater do cora��o do
deserto,
um canto que era o som dos seus p�s pisando no sangue a marca do seu rosto.

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Uma voz que atravessava s�culos, t�o pesada que quebrava o que tocava, t�o funda
que
suspeitei que soasse em mim com resson�ncia eterna; uma voz enferrujada com o som
de
pragas e dos gritos �speros que brotam do delta no �ltimo paroxismo do orgasmo.

Uma capa preta que lhe pendia dos ombros como cabelos negros, meio drapeada meio
flutuante � volta do corpo. O tecido de um fato que se move num momento antes de
ela
mesma se mover, como se tivesse consci�ncia dos seus impulsos, e se agita ainda
muito depois
de ela ficar quieta, como ondas que voltam ao mar na mar� baixa. As mangas cai|
como um
suspiro e a bainha do vestido dan�ava-lhe � volta dos p�s.

O colar de a�o brilhava na garganta como luz de ver�o e o som do a�o era como o
tinir de
espadas. . . le pa.s d�cier. . . O a�o esqueleto de Nova Iorque, amortalhado em
granito,
sepultado em p�. Le pas d�cier. . . notas marteladas em guitarras de cordas de a�o
dos
ciganos, nos bra�os de a�o de cadeiras vergadas pelo seu sopro; cortinas de malha
de a�o
caindo como granizo, barras e barragens de a�o rebentando com estrondo. Colar
indissol�vel,
posto � volta do pesco�o do mundo. Transportado por ela como um trof�u extra�do de
m�quinas roncantes para ir ao encontro do ritmo desumano da sua marcha.

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A queda das palavras como folhas, os gritos-vitrais dos seus humores, a ferrugem da
voz, o
fumo na boca, o seu sopro no meu rosto como bafo humano embaciando um espelho.

Conversa - meias-palavras, frases que n�o precisavam ser completas, abstrac��es,


campainhas
chinesas que tocam com badalos envoltos em algod�o, floresc�ncias de laranjas
simuladas na
pintura de porcelana. As meias palavras, cerradas, encobertas das mulheres de carne
macia. Os
homens que tinham beijado, e as mulheres; todos se purificando na resson�ncia da
minha
mem�ria. Som dentro do som, cena dentro da cena, mulher dentro de mulher - como
�cido
revelador de uma escrita invis�vel. Uma mulher dentro de outra eternamente, num
longo
cortejo, dividindo-me o pensamento em fragmentos, em quartos de tom que nenhuma
batuta
de orquestra pode voltar a reunir.

A m�scara luminosa do seu rosto, como feito de cera, im�vel, olhos sentinelas. Ela,
observando o meu passo de sibarita, eu, atenta � sibila��o da sua l�ngua. Os nossos
olhos
prostitutos postos fundo uma na outra. Ela, era um �dolo em Biz�ncio, um �dolo a
dan�ar, de
pernas afastadas; e eu escrevia com p�len e mel. O doce segredo manso de mulher que
eu
esculpi nos c�rebros dos homens, com

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palavras de cobre; imagem tatuada nos olhos deles. Consumia-os a febre das suas
entranhas, o
indissol�vel veneno das lendas. Se esta torrente deixava de os devorar, ou se eles
se
libertavam por si pr�prios, eu povoava a sua mem�ria com a hist�ria que eles
queriam
esquecer. Tudo o que h� de �gil e malevolente numa mulher podia ser destru�do sem
compaix�o, mas quem poderia destruir a ilus�o em que, para dormir, a deitei todas
as noites?
Vivemos em Biz�ncio, Sabina e eu, at� os nossos cora��es sangrarem das pedras
preciosas
das nossas frontes, os nossos corpos cansarem do peso de brocados, as narinas
saturarem do
fumo dos perfumes; e logo que pass�mos para outros s�culos encerraram-nos em
molduras de
cobre. Os homens reconheciam-na sempre: o mesmo rosto resplandecente, a mesma voz
ferrugenta. E eu e ela reconhec�amo-nos mutuamente; eu reconhecia-lhe o rosto, ela,
reconhecia a minha lenda.

Colocou-me no pulso uma pulseira de a�o, lisa, e o pulso passou a bater como ela
quis,
perdendo a cad�ncia humana, acelerado como um selvagem em frenesim orgi�stico. As
lamenta��es de plantas, o canto duplo do vento nos nossos ossos fr�geis, o estalar
dos ossos
remetia para a lembran�a long�nqua de quando, em camas de penas, o culto que
inspir�mos se
tornou prazer.

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� medida que and�vamos foguetes lan�avam-se dos candeeiros de rua; com um rugido de
selva engol�amos a rua de asfalto, e as casas de olhos fechados e pestanas de
ger�nios;
engol�amos os postes de tel�grafo trementes de mensagens; engol�amos os gatos
errantes, as
�rvores, as colinas, as sebes, e o sorriso labir�ntico de Sabina no buraco da
fechadura. O
lamento da porta a abrir-se. O sorriso dela fechado. Um rouxinol debicando suaves
madressilvas. Mel-sugado. Dedos plantas. A casa abria o port�o-boca verde e
engolia-nos. A
cama flutuava.

Estava riscado o disco, quebrada a melodia. Os bocados conavam-nos os p�s. Era


manh� e ela
era perdida. Repus as casas sobre a rua, voltei a alinhar os postes telegr '|rcos
ao longo do rio
e devolvi os gatos errantes ao meio da rua. Pus as colinas no s�tio. A rua saiu-me
da boca
como uma fita de veludo, e deixou-se ficar qual serpentina. As casas abriram os
olhos. O
buraco da fechadura mostrou uma curva ir�nica como um ponto de interroga��o. A boca
da
mulher.

Eu transponava os seus fetiches, as marionetas, as suas cartas de ler o futuro


desgastadas nos
cantos como a crista de uma onda. As janelas da cidade estavam manchadas e
pulverizadas
com a luz da chuva e com o sangue que ela extra�a de mim a cada mentira e a cada

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decep��o. Por debaixo da pele das suas faces eu reco- nhecia cinzas: iria ela
morrer antes que
nos junt�ssemos em p�rfida uni�o? Olhos e m�os sentidos que s� as mulheres t�m.

N�o existe tro�a entre mulheres. Cada uma se deita


em paz como no seu pr�prio peito.

Sabina j� n�o beijava nem homens nem mulheres. Dentro da febre da sua ansiedade, o
mundo
ia perdendo a sua forma humana. Estava a perder o poder humano de articular o corpo
noutro
corpo em plenitude humana. Ela delimitava horizontes, afogando-se em planetas sem
eixo,
perdendo a sua polaridade e o seu saber divino de integra��o, fus�o. Propagava-se
como a
noite se propaga no universo e n�o encontrou nenhum deus com quem repousasse. A
outra
metade pertencia ao sol e ela estava em guerra com o sol e com a luz. N�o podia
suportar
tra�os de luz em livros abertos, nem a orquestra��o de ideias tricotadas num �nico
tema; n�o
seria coberta pelo sol e no entanto metade do universo pertencia ao sol; ela
voltaria a serpente
apenas para aquele que pudesse cobrir-lhe o corpo com a sua sombra dando-lhe a
alegria da
fecunda��o.

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Vem comigo, Sabina, vem para a minha ilha. Vem para a minha ilha de piment�es que
crepitam em lentos braseiros, de potes de cer�mica mourisca guardando a �gua
dourada, de
palmeiras, de gatos bravos em luta, de um burro que solu�a na alvorada, os p�s
entre os
recifes de coral e an�monas-marinhas, o corpo coberto de algas longas, cabeleira de
Melisande
sobre o varandim da Op�ra Comique, diamante inexor�vel de luz do dia, horas pesadas
e
fl�cidas nas sombras-violeta, rochas cor de cinza e oliveiras, limoeiros de lim�es
suspensos
como lampi�es num garden party, rebentos de bambu em constante vibra��o, som macio
das
alpergatas, rom�s explodindo sangue, o canto-flauta mouro, longo e persistente dos
homens
que lavram a terra, trinando, balsfemando, louvando e injuriando, lan�ando na terra
o suor e as

sementes

A tua beleza submerge-me, submerge o mais fundo de mim. E quando a tua beleza me
queima,
dissolvo-me como nunca, perante um homem, me dissolvera. De entre os homens eu era
a
diferente, era eu pr�pria, mas em ti vejo a parte de mim que �s tu. Sinto-te em
mim. Sinto a
minha pr�pria voz tornar-se mais grave como se te tivesse bebido, como se cada
parcela da
nossa semelhan�a estivesse soldada pelo fogo e a fissura n�o fosse detect�vel.
21

As tuas mentiras, n�o s�o mentiras, Sabina. S�o flechas lan�adas para fora da tua
�rbita pela
for�a da tua fantasia. Para alimentar a ilus�o. Para destruir a realidade. Vou
ajudar-te: sou eu
quem inventar� para ti as mentiras e com elas iremos atravessar o mundo. Atr�s das
nossas
mentiras desenrolo o fio de ouro de Ariana - porque de todas as alegrias a maior �
a de voltar
pelo percurso das mentiras, chegar novamente ao ponto de partida e dormir uma vez
por ano
livre de todas as estruturas de superf�cie.

Tu deixaste a tua marca no mundo, Sabina. Eu apenas o atravessei como um fantasma.


Ser�
que � noite algu�m d� pelo mocho na �rvore, ou pelo morcego que vem contra a janela
enquanto os outros falam, ou pelos olhos que reflectem como �gua e bebem como
mata-borr�o, ou pela piedade que vacila como luz de vela, ou pelo conhecimento
seguro sobre
o qual as pessoas adormecem?

SER� QUE ALGU�M SABE QUEM EU SOU?

At� a minha voz veio do outro mundo. Fui embalsamada nas minhas mais secretas
vertigens.
Estive suspensa sobre o mundo escolhendo o caminho a percorrer

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de modo a n�o pisar nem a terra nem a relva. O meu passo era um passo cauteloso; o
m�nimo
ru�do do cascalho fazia que parasse.

Quando te vi, Sabina, escolhi o meu corpo.

Vou deixar-te levar-me at� � fecundidade da destrui��o. Por isso me atribuo um


corpo, um
rosto e uma voz. Eu sou-te como tu me �s. Cala o fluxo sensacional do teu corpo e
encontrar�s em mim, intactos, os teus medos e as tuas penas. Descobrir�s o amor
separado
das paix�es e eu descobrirei as paix�es privadas de amor. Sai do papel que te
atribuis e
descansa no centro dos teus verdadeiros desejos. Por um momento deixa as tuas
explos�es de
viol�ncia. Renuncia � tens�o furiosa e indom�vel. Eu passarei a assumi-las.

P�ra de tremer, de te agitar, de sufocar, de amaldi�oar, e reencontra o teu fundo


que eu sou.
Descansa das complica��es, destorces e deforma��es. Por uma hora ser�s eu; ou
antes, a
outra metade de ti pr�pria. Aquela parte de ti que tu perdeste. O que queimaste,
partiste,
estragaste encontra-se entre as minhas m�os. Eu sou guarda de coisas fr�geis e
preservei de ti
o que h� de indissol�vel.

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Nem o mundo, nem mesmo o sol podem mostrar

simultaneamente ambas as faces.

Estamos portanto ligadas inextricavelmente. Apanhei e juntei todos os fragmentos.


Devolvo-tos. Correste com o vento, dispersando-te e dissolvendo-te. Eu corri atr�s
de ti como
tua sombra, recuperando tudo quanto semeaste no fundo dos cofres.

EU SOU A TUA OUTflA FACE

Os nossos rostos soldaram-se na do�ura dos nossos cabelos, fundiram-se mostrando os


dois
perfis de uma mesma alma. Mesmo quando atravessava uma sala como um sopro, tornava
os
outros inseguros ao darem-se conta de que eu tinha passado.

Eu era a chama incolor do teu sopro, o teu sopro revolvendo o mundo. Adoptei a tua
apar�ncia vis�vel e atrav�s de ti deixei a minha marca no mundo. Glorifiquei

a minha chama em ti.

ESTE � O LIVRO QUE TU ESCREVES|I|E

E TU �S A MULHER QUE F,U SOU

S� que os nossos rostos brilham duplos - tal como

2|

o dia e a noite - sempre separados pelo espa�o e pela passagem do tempo.

O fumo atirou-me a cabe�a contra o tecto e a� ficou suspensa olhando com olhos de
r�, cabelo
de palha, boca de couro, espelhos de cabe�as lisas sem cabelo, m�os peludas de
macaco de
palmas cor-de-rosa. A m�sica fez sair o passado do t�mulo e as m�mias flagelaram-me
a
mem�ria.
Se Sabina n�o fosse agora mais do que uma ideia, se eu me sentasse aqui e ela nunca
mais
voltasse! Se eu a tivesse imaginado numa noite, s� porque a droga conseguia operar
pequeninas incis�es e dispusera o meu corpo em fatias sobre redes de balou�o persas
feitas de
seda e rematava a algod�o cada um dos meus nervos e me trespassava por setas de
r�dio da
fantasia.

Estou gelada e a cabe�a cai-me atrav�s de uma ftn�ssima pel�cula de fumo. Em grande
ang�stia
procuro novamente Sabina por entre a multid�o sem rosto.

Estou doente da persist�ncia de imagens, reflexos e espelhos. Eu sou uma mulher com
olhos
de gato siam�s que por detr�s das palavras mais s�rias sorri sempre tro�ando da
minha pr�pria
intensidade. Sorrio porque

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presto aten��o ao OUTRO e acredito no OUTRO. Sou


marioneta movida por dedos inexperientes, desmantelada, deslocada sem harmonia; um
bra�o
inerte, outro remexendo-se a meia altura. Rio-me, n�o quando o riso se adapta ao
meu
discurso, mas porque ele se implica nas correntes subjacentes do que eu digo.

Quero conhecer o que l� corre em baixo assim pontuado por convuls�es amargas. As
duas
correntes n�o se encontram. Vejo em mim duas mulheres bizarramente ligadas uma �
outra
como g�meos de circo. Vejo-as arrancarem-se uma da outra. Consigo mesmo ouvir o
rasg�o,
a ira e o amor, a paix�o e o sofrimento. Quando esse acto-desloca��o de repente
p�ra - ou
quando deixo de ter consci�ncia do som - o sil�ncio torna-se ent�o ainda mais
terr�vel uma vez
que � minha volta n�o h� sen�o loucura, a loucura das coisas que atraem coisas de
dentro de
cada um, ra�zes que se afastam para crescerem separadamente, tens�o provocada para
atingir a
unidade.

Uma barra de m�sica chega para fazer parar a desloca��o por um instante; mas eis
que o
sorriso volta e eu percebo que ambas saltamos para dentro da coes�o.

Cinzento que n�o � um cinzento vulgar, mas um

26

tecto de chumbo cobrindo o mundo como uma tampa de uma panela de sopa.
Respira��o dos seres humanos que � como o vapor de �gua de uma lavandaria. O fumo
de
cigarros como uma chuva de cinzas de Ves�vio, luzes que sabem a enxofre. Cada rosto
que te
encara na imensidade dos seus defeicos. A pequenez de um quarto � como uma cela de
ferro
onde n�o � poss�vel algu�m sentar-se ou deitar-se. A amplitude de outros quartos �
como um
perigo de morte que estivesse sempre � espreita, � espera de um momento de alegria
teu para
te apanhar. O riso e as l�grimas n�o s�o experi�ncias desligadas por intervalos de
tempo:
surgem juntos e � como se andasses com uma espada entre as pernas. A chuva n�o te
molha o
cabelo mas pinga-te nas celas do c�rebro com a obstina��o de uma fuga de �gua. A
neve n�o
gela as m�os, mas, como o �ter, distende os pulm�es at� que eles se queimem.

Todos os navios se afundam com fogo nos por�es e h� fogos que crepitam nas
arrecada��es
de cada casa. A mais branca carne do ser que se ama � a que o vidro pattido ir�
cortar e a que
a roda ir� esmagar. Os longos uivos na noite s�o uivos de morte. A noite � o
assessor dos
carrascos. O dia � a luz das descobertas estridentes. Se um c�o ladra

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� porque o homem que ama feridas profundas salta pela janela. O riso precede a
histeria. Eu
espero a grande queda com a espuma na boca.

Um quarto cujo tecto me amea�a como um par de tesouras abertas. Janelas de �guas-
furtadas.
Estou na cama deitada como cascalho. Todas as conex�es se v�o partindo. Deixo
vagarosamente cada ser que amo, vagarosa, cuidadosa, completamente. Digo-Ihes o que
Ihes
devo e o que me devem. Guardo-lhes os �ltimos olhares e o �ltimo orgasmo. A minha
casa
est� vazia, inundada de sol, viva de reflexos, o seu sil�ncio cheio de implica��es,
imagens
secretas que um qualquer dia me enlouquecer�o na altura em que deterei de p� frente
�s
paredes brancas, ouvindo mais do que � poss�vel e vendo mais do que � humanamente
toler�vel. Deixo-os a todos. Morro num quarto-tesoura despossu�da de amores e de
perten�as,
nem sequer constando do livro de registos do hotel. Neste mesmo instante sei que se
ficasse
alguns dias neste quarto uma vida completamente nova poderia come�ar - como a
cicatriza��o
da carne depois de uma opera��o. Mas mais do que o terror da morte � o receio desta
vida
nova que me mant�m acordada. Salto da cama e saio deste quarto que me envolve como
uma
t�nica envenenada, apoderando-se da minha imagina��o, corroendo-me a
28

mem�ria de tal modo que em sete tempos terei esquecido quem sou e quem amei.

Era o quarto n�mero 35 onde na manh� seguinte poderia ter acordado louca ou puta.

Parte-se o desejo que tinha esticado os nervos e cada nervo parece partir-se um por
um, em
cadeia, provocando incis�es, onde �cido corria em vez de sangue. Tor�o-me dentro da
minha
pr�pria vida, � procura de um caminho livre para as l�grimas fundidas, para
dissolver o
sofrimento num caldeir�o de palavras onde todos os que procuram nomes para o seu
pr�prio
sofrimento pudessem cair. Que enorme caldeir�o estou nesta altura a mexer; grandes
bocarras
estou agora a alimentar de �cido, palavras suficientemente amargas para queimarem
toda a
amargura.

Quebre-se a crosta amarela da terra e o mar levantar-se-�. An�monas do mar voar�o


sobre o
meu leito e os navios j� mortos acabar�o as suas travessias no meu jardim.
Exorcisme-se os
dem�nios que d�o horas � noite na minha cabe�a quando tudo o que se conta deveria
ser
suspenso; se d�o horas � porque sabem que nos meus sonhos fa�o batota com os
s�culos.

29

Deve-me ser contada uma hora em desfavor

Ouvi os ala�des trazidos da Ar�bia e senti nos seios correntes do fogo l�quido que
corre nos
quartos do Alhambra e me repousam das �guas demasiado l�mpi

A cor demasiado l�mpida do amor dividido, amordividido...

Eu estava num navio de safras e navegava em mares de coral. De p�, na proa,


cantava. O meu
canto insuflava as velas e rasgava-as e onde se via o rasg�o notava-se que tinha
sido
queimado, e as nuvens tornavam-se tamb�m farrapos com a minha voz.

Vi uma cidade onde cada casa se erguia na rocha entre mares negros que serpentes-
violeta
enchiam de alarmes sibilantes lambendo rochas e olhando com olhos de bolbo por
sobre os
muros do jardim.

Vi a palmeira de vidro balan�ar a meus olhos; na minha ilha as palmeiras eram


est�ticas e
poeirentas quando as vi mortas de dor. Folhas verdes murcharam por mim e todas as
�rvores
pareciam de uma irresponsabilidade v�trea, somente a palmeira de vidro fizera cres

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cer uma folha nova no ponto mais alto, cl�max da sua cabe�a.

O carreiro branco brotava do cora��o da casa branca ladeada de cactos eri�ados


longos-dedos
peludos im�veis ao vento e sem idade. Por cima destes cactos sem idade, tremiam
rebentos de
bambu, que muito juntos eram perpetuamente movidos pelo vento.

A casa tinha a forma de um ovo, o ch�o estava coberto de algod�o e n�o havia
janelas;
dormia-se no andar de baixo e ouv�amos atrav�s da concha o som do realejo e do
vendedor de
ma��s que n�o conseguia encontrar a campainha.

Imagens - que trazem a dissolu��o da alma no corpo como a ruptura o �cido-doce do


orgasmo. Imagens que sacodem o sangue e formam in�teis a futura vigil�ncia do
esp�rito e a
desconfian�a face aos �xtases perigosos. A realidade afogara-se e a fantasia
sufocava cada
uma das horas do dia.

Agora nada parece verdadeiro a n�o ser a morte do peixe dourado que costumava fazer
amor
na piscina a noventa kms � hora. A criada deu-lhe sepultura crist�. Entregou-o aos
vermes.
Aos vermes!

3I

Flutuo novamente. Todos os factos, as palavras, todas as imagens, os press�gios me


sobrevoam e tro�am uns dos outros. O sonho! O sonho! Sempre que pretendo tra�-lo o
sonho
atravessa-me como o som de um sino gigante de cobre. Ro�a-me como asas de morcego
assim que abro os olhos humanos e procuro viver fora do sonho. Sempre que o
sofrimento
humano me atinge e a raiva me corroi, necessito, necessito sempre depois de
crucificada, no
terror da minha ascens�o. A QuEBRA No R|At. A partida divina. A queda. Depois do
choque
doloroso a queda no escuro e depois do sofrimento a partida divina.
O peso, oh o tremendo peso da cab�a puxada pelas nuvens e balan�ada no espa�o, o
corpo
como um punhado de palha, o cabelo arrastado pelas nuvens como uma �charpe apanhada
numa roda de charrette, corpo oscilante, esbarrando contra estrelas-lanternas,
nuvens que me
arrastam pelo mundo.

33

N�o paro nem consigo descer

Ou�o o rebentar das ondas, dos c�us e das cortinas, ou�o o quebrar de folhas, a
respira��o do
ar, o choro dos rec�m-nascidos, a press�o do vento.

Ou�o o movimento das estrelas e dos planetas, o mais leve rangido de ferrugem,
sempre que
mudam de posi��o. A passagem sedosa das radia��es o sopro de c�rculos rodando.

Ou�o o passar de mist�rios e o respirar de monstros. S� acordes perfeitos ou


sussurros. O
choque com a realidade obscurece-me a vis�o e submerge-me no sonho. Sinto a
dist�ncia
como uma ferida. A dist�ncia desenrola-se diante de mim como um tapete, posto antes
dos
degraus da catedral por casamento ou enterro. Desenrola-se como uma noiva vermelha
entre
os outros e eu, mas n�o consigo pis�-la sem um sentimento de desconforto como o que
se tem
nas cerim�nias. A cerim�nia de pisar a carpete desenrolada at� ao interior da
catedral onde
t�m lugar os ritos a que sou estranha. N�o caso nem morro. E a dist�ncia da
multid�o entre os
outros e eu, n�o p�ra

de aumentar

34

Dist�ncia. Nunca avancei pelo tapete at� �s cerim�nias. At� � plenitude da vida da
multid�o,
at� � m�sica aut�ntica e at� ao cheiro dos homens. Nunca assisti a casamentos nem a
enterros.
Para mim tudo teve lugar na solid�o do campan�rio com o som ensurdecedor dos sinos
apelando com vozes de ferro, ou na cave onde ro�a juntamente com os ratos as velas
e o
incenso armazenados.

N�o posso cer a certeza de nenhum acontecimento ou lugar a n�o ser da minha
solid�o.
Diz-me pois o que as estrelas contam de mim. Ser� que Saturno tem olhos de cebola
que n�o
param de chorar? Merc�rio tem penas de galinha nos calcanhares? Marte usa uma
m�scara de
g�s? Os G�meos, g�meos desdobrados, ser� que se desdobram continuamente ao rolarem
num
espeto, G�meos � la broche?

H� no meu olhar uma ruptura por onde a loucura

sempre escoa.

Debru�a-te sobre mim na cabeceira da minha dem�ncia e depois deixa-me de p� sem


muletas.

Sou uma mulher louca a quem as casas piscam o olho e oferecem a hospitalidade dos
seus
ventres.

35

De todos os lados o sentido das coisas abre um olhar sobre mim, como um ente
fant�stico
enorme e subjacente. O sentido emerge de caminhos h�midos e de faces sombrias,
debru�a-se
nas janelas de casas estranhas. Reconstruo constantemente a imagem de uma coisa que
perdi
para sempre e que n�o posso esquecer. Agarro nas esquinas os cheiros do passado e
tenho
consci�ncia dos homens que v�o nascer amanh�. Por detr�s das janelas ou h� inimigos
ou
adoradores. Nunca neutralidade ou passividade. Sempre a inten��o e a premedita��o.
At� as
pedras t�m para mim linguagem dru�dica.

Caminho � frente de mim pr�pria na espera perp�tua de milagres.

Estou presa na engrenagem das minhas mentiras, e quero absolvi��o. N�o posso dizer
a
verdade por ter sentido as cabe�as de homens no meu peito. A verdade seria condi��o
de
morte e eu prefiro os contos de fadas. Estou embrulhada em mentiras que n�o me
penetram a
alma. Como se as mentiras que digo fossem vestes. A concha-mist�rio pode durante a
noite
quebrar e crescer novamente. Mas no momento em que entro na conversa das minhas
mentiras
caio na escurid�o. Vejo um rosto que me olha com olhar vesgo.

36

Lembro o frio que em J�piter faria gelar o amon�aco e os cristais de am�nia de que
sa�ram
anjos. An�is de amon�aco e metano circundando Urano. Lembro os tornados de metano
inflam�vel em Saturno. Em Marte lembro a vegeta��o parecida com os arbustos do Peru
e da
Patag�nia, vegeta��o vermelho-ocre, f�rrea, musgo e l�quenes. Ferro suportando
argila e
rochas de areia vermelhas. A luz tinha som e o sol era uma orquestra.

37

Olhos dilatados, nobre perl de ra�a, boca voluntariosa. Jeanne, toda coberta de
peles, fartas
pestanas, caminhando de cabe�a alta, nariz no ar, olhos nas estrelas, avan�ando
qual
imperatriz arrastando a sua perna coxa. Os olhos acima do n�vel dos homens,
enquanto arrasta
atr�s do corpo alto a perna inerte como uma esfera agrilhoada de um prisioneiro.

Prisioneira na terra, apesar do seu desejo de morrer.

Uma perna que se arrasta de modo a permanecer na terra, uma pesad�ssima perna sem
vida
transportada por ela como uma esfera de ferro de um prisioneiro. Enquanto a sua voz
baixa
cantava os dedos p�lidos, sombreados por nervos, torturam a guitarra, castigam e
torcem as
cordas na sua timidez; por detr�s do canto, a sede, a fome, os medos. Ao afnar a
guitarra, nas
contors�es das chaves, uma corda quebra-se e os olhos enchem-se de horror como se
fosse o
universo que quebrasse.

39

Cantou e riu: Amo o meu irm�o. Amo o meu irm�o. Quero cruzadas e mart�rio. O mundo

demasiado pequeno para mim.

L�grimas salgadas de derrota cristalizaram nos cantos dos olhos inquietos.

S� que eu nunca choro.

Agarrou num espelho e olhou-se com amor

Narciso contemplando-se em espelhos Lanvin. Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, a


cavalo,
atravessando o bosque. Trag�dia que rola sobre pneus de cordas.

O mundo � pequeno demais. Estou cansada de tocar guitarra, fazer malha, passear,
parir
crian�as. Os homens s�o pequenos e as paix�es s�o curtas. Irritam-me as escadas, as
portas, as
paredes, irrita-me o dia a dia que interfere na continuidade do �xtase.

Existe pois o mart�rio - tens�o, febre, da continuidade da vida - firmamento em


perp�tuo
movimento e brilho total.

40

Nunca se viram estrelas empalidecer ou cair. Nunca adormecem.

Sentou-se e olhava-se num espelho de m�o procurando uma pestana que lhe tinha
entrado
para o olho.

Casei com um homem que nunca tinha visto ', uns olhos pintados a chorar - disse
Jeanne -
acontece que chorei no dia do casamento. Ele olhou para mim e viu uma mulher que
vertia
enormes l�grimas pretas, verdadeiras l�grimas pretas. Assustou-o ver-me chorar
l�grimas
pretas na noite do casamento. Quando ouvi os sinos tocar acheio-os excessivamente
baruIhentos, ensurdeciam-me. Senti que iria come�ar a chorar sangue, tanto os meus
ouvidos
me do�am. Tossi porque o barulho era enorme e terr�vel como no tempo em que me
encontrava perto dos sinos de Chartres. Ele dizia que os sinos n�o tocavam t�o
alto, mas eu
ouvia-os t�o perto que n�o podia ouvir-lhe a voz e o barulho parecia martelar-me a
carne.
Pensei que os ouvidos iam rebentar. Uma a uma, cada c�lula do meu corpo se p�e a
explodir,
dentro do enorme estrondo a que n�o conseguia escapar. Tentei fugir dos sinos.
Gritei: n�o
deixem os sinos tocar! S� que eu n�o conseguia fugir porque o som me envolvia e
penetrava,
o cora��o pulsando como enormes batentes de ferro, as art�rias batendo como

41

c�mbalos, a cabe�a batendo contra o granito, e um martelo atingindo a veia nas


minhas
t�mporas. Explos�es de som sem percurs�o que faziam explodir-me as c�lulas, o eco,
o som e
a quebra desdobravam-se em eco, atingiam-me mais e mais at� que os nervos se
torceram e
crisparam dentro de mim, se quebraram e rasgaram no gongo, at� que a carne se
contraiu e
crispou de dor e o sangue brotou dos meus ouvidos e n�o pude suportar mais. . . N�o
pude
suportar mais estar no meu pr�prio casamento, n�o pude suportar mais ser casada com
um
homem porque

AMO O MEU IRM�O|

Chocalhou as pesadas pulseiras indianas; acariciou as garrafas azuis do oriente e


estendeu-se
de novo.

Sou a mulher mais cansada do mundo. Fico cansada assim que me levanto. A vida
requer um
esfor�o de que me sinto incapaz. Por favor passa-me esse livro pesado. Preciso de
p�r
qualquer coisa pesada sobre a cabe�a. Necessito constantemente de p�r os meus p�s
sob
almofadas para que consiga continuar na terra. De outro modo sinto-me partir,
partir a uma
velocidade tremenda, t�o leve me sinto. Sei que estou morta. I,ogo que pronuncio

42

uma frase a sinceridade morre e torna-se numa mentira cuja frieza me gela. N�o me
digas
nada, vejo que me entendes, mas tenho receio dessa compreens�o, tenho medo de
encontrar
algu�m semelhante a mim e ao mesmo tempo desejo-o. Sinto-me t�o defini�vamente s�,
mas
tenho tanto medo que o isolamento seja violado e eu n�o seja mais o c�rebro e a lei
do meu
universo. Sinto-me no grande terror do teu entendimento, meio por que penetras no
meu
mundo; e que, sem v�us, tenha ent�o que partilhar o meu reino.

Mas o medo da loucura, Jeanne, s� o medo da loucura nos levar� a ultrapassar as


fronteiras
inviol�veis da nossa solid�o. O medo da loucura destruir� os muros da nossa casa
secreta e
projectar-nos-� no mundo � procura de contactos ardentes.

Os mundos autoconstru�dos e alimentados em si pr�prios est�o cheios de fantasmas e


de
monstros.

Conhe�o apenas o medo, � verdade, tanto medo que me sufoca, que me deixa a boca
abena
mas sem f�lego, como algu�m a quem falta o ar; ou noutras alturas, deixo de ouvir e
fico
subitamente surda para o mundo. Bato os p�s e n�o ou�o nada. Grito e n�o percebo
nem
mesmo um pouco do meu grito. E tamb�m �s vezes, quando estou

43

deitada o medo volta a assaltar-me, o terror profundo do sil�ncio e do que poder�


sair desse
sil�ncio para me atingir e bata nas paredes das minhas t�mporas, um grande,
sufocante pavor.
Eu ent�o bato nas paredes, no ch�o, para acabar com o sil�ncio. Bato, canto,
assobio com
persist�ncia at� mandar o medo embora.

Sempre que me sento em frente de um espelho tro�o de mim pr�pria. Escovo o cabelo.
Vejo
dois olhos, duas longas tran�as, dois p�s. Olho-os como se fossem dados num copo, �
espera
de que os sacuda, para que ao sa�rem

se tornem EU

N�o sei dizer como todas essas pe�as separadas conseguem ser EU. Eu n�o existo. N�o
sou
um corpo. Quando estendo a m�o a algu�m, sinto que a outra pessoa est� longe, como
se
estivesse noutro quarto, e que a minha m�o tamb�m l� est�. E quando me assoo receio
que o
meu nariz fique no len�o.

Voz-melro cantante. Sombra da mone correndo atr�s de cada palavra para as fazer
secar antes
que as acabe de dizer.

Quando o meu irm�o se sentou ao sol e a sombra do seu rosto ftcou projectada nas
costas da
cadeira, beijei a sua sombra. Beijei a sua sombra e esse beijo n�o o tocou, beijo
perdido no ar,
fundido na sombra.

O amor de um pelo outro � como uma extensa sombra que se beija, sem qualquer
esperan�a
de realidade.
|5

Ela levou-me � casa do incesto. Era a �nica casa que n�o estava inclu�da entre as
12 casas do
Zod�aco. N�o se podia atingi-la nem pela via l�ctea nem pelo barco de vidro cujo
casco
transparente permite seguir os contornos dos continentes perdidos, nem seguindo as
setas que
apontam a direc��o do vento, nem seguindo a voz dos ecos das montanhas.

Os quartos estavam encadeados por degraus - nenhum quarto estava ao mesmo n�vel que
outro - e os degraus estavam profundamente desgastados. Havia janelas entre os
quartos -
pequenas janelas - olhos de espi�o. Podia-se assim falar no escuro de quarto para
quarto, sem
que visse o rosto da outra pessoa. Os quartos estavam cheios de um ritmo ondulante
de mar
que vinha de in�meras conchas. As janelas davam para um mar inerte onde tinham
colado
peixes im�veis. ; Tudo na casa do incesto tinha sido feito para ser im�vel,
uma vez que todos tinham medo do movimento e do

47

calor e receio de que o amor e a vida desaparecessem e se perdessem.

Tudo tinha sido feito para ser im�vel e tudo se decompunha. O sol pregava-se no
tecto do c�u
e a lua fora colocada no seu nicho oriental.

Na casa do incesto existia um quarto que ningu�m conseguia encontrar, um quarto sem
janela,
fonaleza dos seus amores, um quarto sem janela onde o esp�rito e o sangue se
misturavam
numa uni�o sem orgasmo e sem ra�zes como a dos peixes. Numa promiscuidade de
olhares e
de palavras, encontrando-se como fa�scas no espa�o. Choque entre semelhantes,
espalhando o
seu odor de tamariz e areia, de conchas em decomposi��o e algas moribundas, amor-
tinta de
polvo, festim de venenos.

Trope�ando de quarto em quarto cheguei � sala das pinturas onde encontrei Lot
acariciando
os seios de sua filha enquanto atr�s deles a cidade se consumia em chamas, se abria
e ca�a no
mar. Ali onde estava sentado com a sua filha o tapete oriental era vermelho e duro,
mas o
tormento que os agitava exprimia-se nas imagens das rochas que abriam � sua volta,
na terra
rugindo debaixo dos p�s, nas �rvores que ardiam como tochas, no c�u-fumo e tornado

48

vermelho, tudo ruindo no prazer e no terror do seu amor. Prazer de m�o de um pai no
seio de
filha, prazer medo que a atingia. Um fato t�o estreitamente cingido � volta do
corpo que os
seus seios se erguem e aumentam sob os dedos, enquanto a cidade se rende aos
clar�es e
fa�sca sob dentes de fogo, enormes blocos de uma cidade afundando-se no horror da
obscenidade, atirados ao mar com a urg�ncia dos para sempre condenados. Nem um s�
grito
de horror veio de Lot ou de sua filha mas da cidade em chamas, de um desejo
insatisfeito de
pai e filha, de irm�o e irm�, de m�e e de filho.

Olhei para um rel�gio de modo a encontrar a verdade. As horas passavam como pe�as
de
xadrez feitas de marfm, estridentes notas de piano, minutos correndo a fio como
soldadinhos
de chumbo. Horas feitas mulheres-�bano como gongos entre as pernas, soando t�o
continuamente que as n�o podia contar. Ouvi soar o bater do cora��o. Ouvi os passos
dos
meus sonhos no meio dos quais se vinham dissolver os movimentos r�tmicos do tempo,
como
a pr�pria face da verdade.

Cheguei atrav�s de uma floresta de �rvores decapitadas, mulheres esculpidas em


bambu,
carnes flageladas como a dos escravos numa escravid�o sem prazer, faces

divididas em duas pela faca do escultor, mostrando duas faces para sempre
separadas,
eternamente duas, e tive eu que deslocar-me para descobrir a mulher completa.

Figuras truncadas, onze faces, onze �ngulos, de madeira fr�gil e venal, fragmentos
de corpos,
sem bra�os e sem cabe�as. Um torso-tub�rculo, calcanhar de Aquiles, tub�rculos e
excresc�ncias, p� de m�mia de madeira podre, madeira d�cil e venal esculpidas em
contors�es
humanas. � preciso que a floresta chore e se dobre como ombros de homem, figuras
mortas
dentro de �rvores vivas. Floresta agora animada de rostos - intelecto, contors�es
de esp�rito.
�rvores desviando em homem e mulher, bi-faces, tornando-se nost�lgicas ao mexer das
folhas.
�rvores que se deitam, troncos luzentes, floresta sacudida de uma revolta t�o
amarga que eu
ouvia gemer dentro da sua mais profunda consci�ncia vegetal.

Chorando a perca das folhas e o fracasso da sua transmuta��o.

Mais longe h� uma floresta de gesso branco, ovos de gesso branco. Grandes ovos
brancos
servidos em discos de prata, elegia ao nascimento, cada ovo uma promessa,

50

cada nascen�a ainda imprecisa de um meio-forma de homem ou mulher ou animal.


Matriz-semente-ovo, come�o h�mido que mais do que ser flor � objecto de culto. Ovos
t�o
brancos, t�o tranquilos, deram origem a uma esperan�a sem quebra, mas o tronco de
�rvore,
que ali jazia, produziu um ramo verde e vivo que tro�ou do escultor.

51

Jeanne abriu todas as portas e procurou em todos os quartos. Em cada quarto, o


h�spede,
apanhado de surpresa, abria os olhos espantado. Ela pedia-lhes: ||Por favor
pendurem qualquer
coisa � janela, um xaile, ou um len�o de cor, ou um tapete. Vou at� ao jardim.
Quero ver
quantas janelas podem ser notadas. Com alguma sorte poderei encontrar o quarto onde
o meu
irm�o se esconde de mim. Perdi o meu irm�o. Pe�o-vos, ajudem-me cada um de v�s."
Retirou
cobertas das mesas, uma cortina vermelha, uma colcha coral, um painel chin�s e ela
pr�pria os
pendurou � janela.

Depois correu para o jardim de �rvores mortas pelos caminhos de lava e mica e todos
os
minerais se queimaram � passagem, a moscovite, l�mpida como uma noiva, a pirite,
s�lica de
�gua, cin�brio, a azurite, fragmento do ben�fico J�piter, a malaquite, todos uns
contra os
outros amalgamados, j�ias que se misturam, planetas que se fundem, alterados pelo
ar e sol,
tempo e espa�o, misturados

53

em imobilidade mineral, que � a imobilidade do medo da morte e do medo da vida.

Secaram as sementes no sil�ncio da rocha e mineral. As palavras que n�o chegamos a


gritar, as
l�grimas retidas, as pragas que se engolem, a frase que se encurta, o amor que
matamos, tudo
isso transformado em min�rio magn�tico, em turmalina, em �gata, o sangue congelado
em
cin�brio, sangue calcinado tornado galena, oxidado, aluminizado, sulfatado,
calcinado, o
brilho mineral de meteoros mortos e s�is exaustos numa floresta de �rvores secas e
desejos
mortos.

De p� numa colina de feldspato com n�doas de top�zio e de prata nas m�os, ela olhou
a
fachada da casa do incesto, essa fachada ferrugenta da casa de incesto e reparou
que havia
uma janela com persianas bem fechadas e ferrugentas, uma janela sem luz como um
olho
mono, preenchida pelo longo bra�o peludo de uma hera velha.

O desejo de n�o gritar f�-la tremer, esfor�o t�o imenso que a manteve est�tica, o
sangue
impercept�vel na palidez dourada do seu rosto.

5|

Lutou contra a chegada da morte: n�o amo ningu�m; n�o amo ningu�m, nem sequer o meu
irm�o. N�o amo nada para al�m desta aus�ncia de dor, neutra e fria aus�ncia de dor.

Im�vel por muitos anos, entre o momento em que perdera o irm�o e o momento em que
olhava a fachada da casa do incesto, movendo-se em c�rculos infind�veis pelas
esquinas dos
sonhos, nunca chegando ao fim de uma viagem, s� morrendo, apreendeu o maravilhoso
na
rocha-sem tempo da dor.

E encontrou o irm�o adormecido entre os quadros.

Adormeci entre os quadros, Jeanne, onde por muitos dias poderia sentar-me a adorar
o teu
retrato. Jeanne, eu apaixonei-me pelo teu retrato porque ele n�o iria nunca mudar.
Jeanne, eu
tenho medo de te ver envelhecer; eu apaixonei-me por um tu inalter�vel que nunca me
poder�
ser retirado. Desejei que morresses para que ningu�m te pudesse tirar de mim e eu
amaria o
teu retrato, imagem que ter�s eternamente.

Inclinaram-se diante de apenas parte deles pr�prios - a semelhan�a.

55

Boa noite irm�o!

Boa noite Jeanne!

Com ela caminhavam sombras esguias, estigmatizadas pelo medo. Transportavam o seu
pacto
como uma j�ia sobre o peito; usavam-na com o mesmo orgulho com
que se usa um bras�o.
56

Reentrei no meu pr�prio livro � procura de paz.

Era noite e fiz um movimento descuidado dencro do sonho; virei bruscamente de mais
a
esquina e choquei contra a minha loucura.

Foi uma vis�o demasiada, isto de ver desenrolar uma trag�dia num abrir e fechar de
olhos,
constituindo um crime no quarto cont�guo, homens e mulheres que antes de mim tinham
amado na mesma cama de hotel.

Passo as esponjas brancas do conhecimento sobre as cordas dos meus nervos.

� medida que passo para dentro do meu livro sou cortada por estilha�os, dentes de
vidro e
garrafas partidas, onde ainda h� vest�gios de cheiros de espuma e de perfume.

57

Mais p�ginas foram acrescentadas ao livro, p�ginas que lembram o vaiv�m de um


prisioneiro
num espa�o fechado. O que � que me � restrito dizer? Apenas a verdade disfar�ada de
conto
de fadas e este � o conto onde todas as verdades t�m olhar fixo como se estivessem
por detr�s
de janelas de grades de um mosteiro. Com v�us. Assim que pisei a caverna das minhas
mentiras entrei nas trevas e o que vejo � uma m�scara que me olha com o olhar de um
vesgo;
estou no entanto envolta em mentiras que me n�o penetram a alma como se as mentiras
que eu
digo me servissem de veste.

AS MENTIRAS CRIAM SOLID�O

Saio do meu livro e passo ao quarto do paral�tico.

Ele estava sentado, rodeado de in�meros objectos protegido por uma redoma de vidro
como
num museu. Tinha consigo uma caixa de tintas que nunca encetara e milhares de
livros por
abrir cobertos de p�. A capa pousada nos ombros de um manequim, a,|iola deixada com
as
cordas partidas como cabelo em desordem. Estava diante de um caderno de folhas
brancas e
dizia:
Engulo as minhas pr�prias palavras. Rumino e rumino tudo at� que se deteriore. Cada
pensamento e

58

cada impulso � mastigado at� que se transforme em nada. Quero controlar todos os
meus
pensamentos de uma vez, mas eles fogem em todas as direc��es. Se o conseguisse
seria capaz
de capturar os esp�ritos mais subtis, como um cardume de pequenos peixes de �gua
doce.
Poderia revelar inoc�ncia e duplicidade, generosidade e c�lculo, medo, cobardia e
coragem.
Pretendo dizer toda a verdade e n�o consigo dizer toda a verdade porque, para isso,
teria de
ser capaz de escrever quatro p�ginas simultaneamente, quatro longas colunas
simult�neas,
quatro p�ginas resultando numa, e essa � a raz�o porque n�o escrevo nada. Teria
para isso de
escrever em reverso, voltar atr�s constantemente para agarrar os ecos e os acordes.

A pele dele era transparente como a de um rec�m-nascido e os olhos eram verdes-


musgo.

Curvou-se perante Sabina, perante Jeanne e perante mim; conhe�am o novo Cristo,
crucificado nos seus pr�prios nervos, por todos os nossos pecados neur�ticos.

O novo Cristo limpou o suor que lhe corria no rosto, como se, ali sencado,
estivesse na agonia
de uma torcura secreta, tra�os marcados de dor. Olhos demasiado abertos, dilatados
por cenas
de terror. P�lpebras pesadas de uma

59

fadiga pesada como o mundo. Sentado na cadeira como se fantasmas estivessem a seu
lado.
Sorriso lan�ado insulto. L�bios afados e ressequidos pela espuma negra da droga.
Corpo tenso
como arame.

Eu disse: - naquilo que escrevemos somos irm�os. A velocidade da vertigem � a mesma


para
ambos. Chegamos ao mesmo tempo ao mesmo ponto, coisa que n�o acontece aos
pensamentos dos outros. A linguagem-nervos de que fazemos uso torna-nos irm�os na
escrita.

O novo Cristo declarou: nasci sem pele. Um dia sonhei que estava nu num jardim e
que
cuidadosa e completamente me tiravam a pele como a um fruto. N�o ficou nem um resto
de
pele no meu corpo. Foi toda mas toda retirada com cuidado e s� depois me disseram
para
andar, viver e correr. A princ�pio movimentei-me devagar, o jardim era
tremendamente macio
e eu sentia de uma forma precisa o jardim-do�ura, n�o na superf�cie do corpo, mas
atravessando-me o ar doce e os perfumes, como agtzlhas penetrando todos os meus
poros em
sangue. Todos os poros estavam abertos e respiravam calor, do�ura e cheiros. O
corpo
totalmente invadido, penetrado, reagindo, a mais pequena c�lula e poros vivos
respirando e
tremendo com prazer. Gritei de dor. Corri. E ao correr

60

o vento chicoteava-me e as vozes das pessoas eram chicotes dirigidos a mim. Ser
tocado!
Acaso sabem voc�s o que � ser tocado por um ser humano?

Ele limpou a cara com o len�o.

O paral�tico quedou-se a um canto do quarto.

Tens sorte, disse este, por sentires tanto; eu desejaria sentir tudo isso. Est�s
pelo menos vivo
para a dor enquanto eu. . .

Virou a cara, e neste momento reparei nas veias que Ihe vibravam na testa,
vibra��es-esfor�o,
esfor�o interior a que nem a sua l�ngua nem o seu corpo nem mesmo os seus
pensamentos
obedeceriam.

Se ao menos todos pud�ssemos fugir desta casa do incesto onde mais n�o faz�amos do
que
amarmo-nos no outro, se ao menos eu vos pudesse salvar de v�s pr�prios, disse o
novo
Cristo.

Mas nenhum de n�s aguentava passar pelo t�nel que ligava a casa ao resto do mundo,
no
outro lado dos muros, a� onde existiam folhas nas �rvores, onde h� �gua correndo �
beira dos
caminhos, a� onde h� luz e alegria.

61

N�o pod�amos acreditar que aquele t�nel desembocasse na luz; ter�amos de ficar
presos
novamente nas trevas; ter�amos de voltar para onde part�ramos, vindos da escurid�o
e da
morte.
O t�nel tornar-se-ia estreico e baixo � medida que progredir�amos; fechar-se-ia �
nossa volta,
apertar-nos-ia mais e mais at� nos sufocar. Tornar-se-ia pesado e estreito
e acabaria por nos esmagar

Sab�amos contudo que para l� da casa do incesto reinava a claridade do dia mas
nenhum de
n�s poderia

atravess�-la.

Olhav�mos agora a dan�arina que ocupava o centro da sala numa dan�a de mulher sem
bra�os. Dan�ava como se fosse surda e n�o pudesse seguir o ritmo da m�sica. Dan�ava
como
se n�o pudesse ouvir o som das castanholas. Dan�a isolada e separada da m�sica, de
n�s, da
sala, da vida. As castanholas soavam como passos de fantasmas.

Ela dan�ava, rindo e suspirando e respirando tudo a seu favor. Dan�ava os seus
medos,
parando no meio de cada dan�a para atender a cr�ticas que n�o podia ouvir ou para
se entregar
ao aplauso que n�o t�nhamos feito. Ouvia

62

m�sica que n�o pod�amos ouvir movida por alucina��es que n�o t�nhamos.

Os bra�os foram-me tirados, cantava. Fui punida por abra�ar. Abracei. Prendi todos
os que
amei. Prendi nos momentos mais belos da minha vida. Fechei nas m�os a plenitude de
cada
hora. Os bra�os apertados no desejo de abra�ar. Quis abra�ar a luz, o vento, o sol,
a noite, o
mundo inteiro e quis ret�-los. Quis acariciar, curar, embalar, aclamar, envolver,
cercar.

Forcei-os e prendi de tal modo que se partiram; partiram de mim. Tudo passou ent�o
a
evitar-me. Estava condenada a n�o prender.

A tremer agitada ficou a olhar para os bra�os agora estendidos diante dela.

Olhou as m�os t�o apertadas e abriu-as devagar, t�o completamente como Cristo;
abriu-as
num gesto de abandono e de d�diva; era a ren�ncia, o perd�o, abrir os bra�os, abrir
as m�os,
deixando as coisas seguirem o seu curso.

Eu n�o soube suportar a passagem das coisas. Tudo


63

o que flui, tudo o que passa, tudo o que mexe sufoca e enche-me de ang�stia.

E ela dan�ava; dan�ava na m�sica com o ritmo dos ciclos da Terra, voltava-se ao
voltar-se a
Terra, disco, virando toclas as faces, ora para a luz ora para o escuro, dan�ando
em direc��o �
luz do dia.

BREVE NOTA BIOBIBLIOGR�FICA

An�is Nin nasceu em 1903 em Neully-sur-Seine, filha do pianista espanhol nascido em


Cuba,
Joaqu�n Nin y Castellanos e da cantora dinamarquesa Rosa Culmell. Desde os onze
anos que
escreveu continuadamente o seu di�rio at� I 977.
Em 1932 conhece Henry Miller em Paris. Desse encontro nascer� uma c�lebre rela��o
amorosa (parcialmente descrita em Henry eJune) e intelectual. Anais Nin esceve o
pref�cio
para o livro de Miller Tr�pico de C�ncer e ambos escrevem Contos Er�ticos. Alguns
aspectos
da intensa vida da escritora americana acabam por ser revelados em 1992, pela
edi��o do
volumoso ||di�rio inexpurgado" referente a 1932-1934 editado sob o t�tulo Incesto
(Ed.
Presen�a, 1993). De facto, os textos anteriormente publicados, os do Di�rio de
1966, haviam
sido expurgados de nomes de personagens vivos e de certas intimidades,
privilegiando a
est�tica liter�ria.
Para al�m dos referidos volumes diar�sticos a que agora se promete juntar mais
p�ginas antes
omitidas, An�is Nin publicou em 1944 Debaixo de Uma Redoma,

Os Espelhos no Jardim, em 1946, Uma Espia na Casa do Amor (1954) e Sedu|�o do


Minotauro (1961). A Casa do Incesto foi primeiramente editado em 1936. O tema do
incesto
� neste livro, como no atr�s referido ||di�rio inexpurgado|| sob o sugestivo t�tulo
Incesto, uma
das principais obsess�es de An�is Nin. Era muito nova quando seu pai Joaqu�n Nin,
um Don
Juan e excelente pianista, deixou a sua m�e e casou com uma das suas alunas. Anais
Nin
acusou particularmente esta separa��o como o demonstram as primeiras cartas do
di�rio de I
914, sob a forma de cartas suplieantes de uma menina de onze anos que pede ao pai
que
regresse a casa. No entanto, e ao contr�rio da restante fam�lia, nunca condenar� o
pai, mant�m
antes com ele uma rela��o ambivalente conforme � demonstrado no livro Incesto. O
pai
procurou seduzir a filha como c�mulo do seu marialvismo. E ela exerce a sua sedu��o
sobre o
pai para deix�-lo depois, vingando-se por ter sido abandonada aos 9 anos. An�is Nin
morreu
em Los Angeles em 1977.
70

GATO MALTES

1. TFATRO, EMMA SANTOS


2. A CASA DO INCESTO, ANAYS NIN 3. C�NTICO ESPIRITUAL F OUTROS
POEMAS, S. JO�O DA CRUZ
4. HlST6RlA UNIVERSAL DA lNF�MlA, JORGE LUIS RORGES 5. PRIMEIRO LIVRO
DE URIZEN, WILLIAM BLAKE
i G. DO CAOS � ORDEM, EZRA POUND 7. MOCIDADF, JOSEPH CONRAD 8.
CALAMO, WALT WHITMAN 9. A PRlNCFSA, D.H. LAWRENCE
I0. A CAN�|�O DEAMOR DFJ. ALFRED PRUFROCK, T.S. �LIOT I1. LUNAR
CAUSTIC, MALCOLM LOWRY

I Z. DE TRFS EM PIPA, l..F. C�LINE


13. O GOSTO SOLlT�RIO DO ORVALHO, MATSUO BASH6 I4. A FFRA NA SEL VA,
HENRYJAMES

I5. "FRAGMFNTOSu, NOVALlS


lG. A.SENHORA DA NOITE, TEIXEIRA DE PASCOAES I7. "8 lCONESu, ARSENII
TARKOVSKII

I8. POFMAS, W.B. YEATS


19. BARTLFBY, H. MELVILLE 20. HlNOS � NOITE, NOVALIS
21. AS MACIAS, veusoes nc HELBERTO HELDER 33. A VOZ HUMANA, JEAN
COCTEAU
23. .SETA DE FOGO, SANTA TERESA DE �VILA 24. A M�O AO ASSlNAR FSTE
PAPEl., DYLAN THOMAS

25. PELA �GUA, SYLVIA PLATH


2G. FIC�|�O,SllPREMA, WALLACE STEVENS 27. XlX POFMA.S, E.E. CUMMINGS
28. O TEMPO APRAZADO, INGEBORG BACHMANN 29. AOS MORTOS DA UNI�O E
OUTROS POEMAS, ROBERT LOWELL

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