O Paradigma Da Essencialidade - Delma Pires Pinto - 221
O Paradigma Da Essencialidade - Delma Pires Pinto - 221
O Paradigma Da Essencialidade - Delma Pires Pinto - 221
(Jean Cocteau)
RESUMO
1 INTRODUÇÃO 7
2 OS HORIZONTES ABERTOS PELOS NOVOS PARADIGMAS E PELO 9
ESTATUTO JURÍDICO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO – PONTO DE PARTIDA
2.1 Teoria do contrato: novos paradigmas 9
2.2 Estatuto jurídico do patrimônio mínimo 12
3 A TUTELA JURÍDICA DO PATRIMÔNIO MÍNIMO NO DIREITO 15
BRASILEIRO
3.1 A proteção ao patrimônio mínimo como uma das vertentes do direito civil- 15
constitucional
3.2 A tutela do patrimônio mínimo nos diversos ramos do direito e a lacuna no que 22
tange aos contratos
3.2.1 A impenhorabilidade no Código de Processo Civil 22
3.2.2 O salário mínimo na Constituição 24
3.2.3 A essencialidade como critério de tributação 26
3.2.4 O benefício de prestação continuada 29
3.2.5 O bem de família 31
3.2.6 Doação e proibição de autorredução à miséria 33
3.2.7 A cláusula de inalienabilidade testamentária 35
3.3 Da existência de um princípio implícito de tutela do patrimônio mínimo no 36
ordenamento – a situação dos contratos
4 PANORAMA GERAL DOS CONTRATOS NO DIREITO BRASILEIRO 38
4.1 Breve histórico 38
4.2 Novos princípios e pluralidade de valores: a necessidade de novos paradigmas 46
4.3 O direito contratual: a classificação dos bens objetos dos contratos como ponto de 49
equilíbrio entre o intervencionismo estatal e a liberdade individual – os novos
paradigmas
5 O PARADIGMA DA ESSENCIALIDADE 51
5.1 O paradigma da essencialidade e a garantia do mínimo existencial à pessoa 51
5.2 O paradigma da essencialidade como diretriz de aplicação dos princípios 53
contratuais: a intervenção estatal nas relações privadas como forma de assegurar
o mínimo patrimonial
5.3 A classificação dos bens 56
5.3.1 A classificação adotada pelo Código Civil 56
5.3.2 A classificação conforme o grau de necessidade do bem 57
5.4 Aplicação do critério da essencialidade – possibilidades no direito brasileiro de 60
lege lata e de lege ferenda
6 CONCLUSÃO 66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 68
LEGISLAÇÃO 72
7
1 INTRODUÇÃO
A ideia deste trabalho surgiu a partir da leitura da excelente obra “Teoria do contrato:
novos paradigmas”1, de Teresa Negreiros. Nesta, a autora, através de uma leitura constitucional
do direito civil e da conciliação entre os novos princípios contratuais (boa-fé, função social e
equilíbrio das prestações) e os princípios clássicos (autonomia da vontade, relatividade dos
efeitos do contrato, obrigatoriedade contratual), propõe a essencialidade do bem objeto do
contrato como critério para uma nova classificação dos contratos, com diferentes tratamentos
jurídicos. Diante da contribuição desta obra para este trabalho, traçam-se os principais pontos
abordados pela autora.
O ponto de partida para o surgimento do novo paradigma contratual é a emergência
dos novos princípios e o caráter social adquirido pelo direito, inclusive o direito privado,
transparecido na Constituição Federal de 1988. É preciso, portanto, localizar o pensamento da
autora junto à corrente civil-constitucionalista do direito.
É nesta corrente que encontra guarida a classificação dos bens em essenciais, úteis e
supérfluos. Sinteticamente, os civil-constitucionalistas propõem uma leitura do direito civil à luz
do direito constitucional, de forma que o centro do direito privado deixa de ser o Código e passa a
ser a Constituição. Nesse sentido, uma das principais premissas dessa corrente é a de que “os
princípios e valores constitucionais conformam diretamente as relações privadas,
2
funcionalizando-as à proteção e ao desenvolvimento da pessoa Humana” .
O princípio norteador da classificação dos bens é o princípio da dignidade da pessoa
humana. Na busca de um ponto de equilíbrio entre autonomia individual e autoridade estatal,
entre liberdade e solidariedade, desponta a proteção estatal aos interesses existenciais, tidos como
essenciais à dignidade humana, como diretriz de interpretação dos contratos.
1
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 544 p.
2
Ibidem, p. 63.
10
3
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 23.
4
Ibidem, p. 30.
11
Embora o direito civil não disponha de uma cláusula geral neste sentido, sob o influxo
dos princípios constitucionais o intérprete possui elementos suficientes para a construção
do paradigma da essencialidade, à luz do qual a intervenção no domínio contratual seja
seletiva e, portanto, à luz do qual se realize a ponderação, na esfera negocial, entre
liberdade e solidariedade8.
9
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 40.
10
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 326 p.
11
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 1.
12
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 20.
13
[...] o patrimônio não pode ser tomado como a personalidade mesma do homem,
considerada em sua relação com os objetos exteriores. Não seria, portanto, espécie de
recipiente no qual aquelas relações jurídicas (de conteúdo econômico) se encaixariam.13
[...] Assim, seria possível uma pluralidade de patrimônios de titularidade de uma mesma
pessoa. Haveria, pois, um patrimônio geral, em que a coesão dos elementos se dá pela
relação subjetiva comum com a pessoa, e os patrimônios autônomos, especiais ou
separados. Estes podem atender a critérios diversos: especial destinação de certa massa
de bens, administração separada e a responsabilidade por dívidas, na lição de MOTA
PINTO.
Este último critério separa um patrimônio para servir ao fim desejado, qual seja, a
responsabilidade por dívidas. Diz-se, então, que o patrimônio especial está afetado
àquele fim. Rompe-se, pois, com a visão de universalidade vinculada à personalidade, de
modo que, sendo possível a uma pessoa ter mais de um patrimônio, não há que se falar
em atributo ou projeção da personalidade.14
Para ilustrar a coerência de sua tese, bem como a aplicação prática da mesma, Fachin
afirma que seria impossível conceber a existência de um patrimônio de afetação, o qual não
possui um titular exclusivo, negando-se a possibilidade de coexistência entre diversos
patrimônios.15
Um segundo aspecto a ser destacado é a abrangência do conceito de patrimônio
adotado pelo professor. Entendendo, como o faz a doutrina pátria, que a ideia de patrimônio
abrange não os bens em si mesmos, mas os direitos, estariam compreendidos neste conceito os
direitos de apropriação de um modo geral (direitos reais), os direitos de crédito e a herança.16
13
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 40.
14
Ibidem, p. 41.
15
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 42.
16
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 60-
61.
14
Bem se vê que, nessa visão diversa, captada pela lente da pluralidade, o mínimo não é
referido por quantidade, e pode muito além do número ou da cifra mensurável. Tal
mínimo é valor e não metrificação, conceito aberto cuja presença não viola a ideia de
sistema jurídico axiológico. O mínimo não viola a ideia de sistema jurídico axiológico.
O mínimo não é menos nem ínfimo. É um conceito apto à construção do razoável e do
justo ao caso concreto, aberto, plural e poroso ao mundo contemporâneo.19
Assim, o autor encerra sua obra ressaltando o fim último de tutela da dignidade
humana, pretendido por seu estatuto jurídico do patrimônio mínimo.
A obra de Fachin se mostra uma rica fonte para outros estudos, sobretudo aqueles
relacionados ao direito civil-constitucional. A pretensão esboçada de tutela do patrimônio
mínimo, entendido este mínimo em seu aspecto qualitativo, remete à interessante obra de Teresa
Negreiros, Teoria do contrato: novos paradigmas, a qual fornece um meio engenhoso de tutela
deste mínimo necessário à dignidade humana, qual seja, o tratamento jurídico diferenciado aos
bens essenciais e seus reflexos diferenciados na seara contratual.
17
Cf, FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 94-
113.
18
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
118- 119.
19
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 280-
281.
15
3.1 A proteção ao patrimônio mínimo como uma das vertentes do direito civil-
constitucional
20
Cf. MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um direito civil constitucional. Disponível em:
http://www.fae2009.kit.net/CaminhosDireitoCivilConstitucional_-_Maria_Celina_B_Moraes.pdf. Acesso em 08
mar. 2011.
21
Cf. MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um direito civil constitucional. Disponível em:
http://www.fae2009.kit.net/CaminhosDireitoCivilConstitucional_-_Maria_Celina_B_Moraes.pdf. Acesso em 08
mar. 2011.
22
“É que do sujeito medieval remetido somente a uma essência teocêntrica, apta a conferir-lhe universalidade,
instaura a moderna razão da igualdade formal entre todos os seres humanos a partir dos conceitos. O conceito de
sujeito passa a ocupar esse lugar de universal, deixando para o singular o concreto do indivíduo. Liberdade e
igualdade formal, mesmo iluminadas por tal racionalidade, fundam, na associação humana e no exercício das
autonomias individuais, um novo medievo, projetando-se, para o Direito, bases do positivismo jurídico”
(FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 82).
16
Luiz Netto Lôbo, que a igualdade (formal) e a liberdade incorporavam o catálogo de direitos da
pessoa humana.23
Por serem livres e iguais, as partes, nas relações jurídicas, eram tidas como detentoras
dos mesmos poderes, contratantes em iguais condições24. O sujeito é encarado, abstratamente,
apenas como uma parte da relação. Qualquer circunstância concreta é renegada, como ensina
Fachin:
interferência do Estado na economia. Maria Celina Bodin de Moraes atribui esta reviravolta a
uma mudança interna ocorrida na própria estrutura do direito privado, mudança esta que
acarretou alterações nas suas relações com o direito público28. Uma das mudanças ocorridas,
neste sentido, foi a substituição da noção de homem individual pela noção de homem inserido em
uma sociedade. O que ocorreu, em síntese, não foi a eliminação da esfera privada da pessoa, mas
sim a sua garantia por meio de mecanismos de direito público:
28
Cf. MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um direito civil constitucional. Disponível em:
http://www.fae2009.kit.net/CaminhosDireitoCivilConstitucional_-_Maria_Celina_B_Moraes.pdf. Acesso em 08
mar. 2011.
29
Cf. MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um direito civil constitucional. Disponível em:
http://www.fae2009.kit.net/CaminhosDireitoCivilConstitucional_-_Maria_Celina_B_Moraes.pdf. Acesso em 08
mar. 2011.
30
Cf. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 18.
18
estes direitos merece destaque a cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III)31.
Além da eficácia direta dos princípios constitucionais, os civil-constitucionalistas
também demonstram uma preocupação em aproximar o direito e a moral no âmbito do direito
privado:
É necessário que, com força, a questão moral, entendida como efetivo respeito à
dignidade da vida de cada homem e, portanto, como superioridade deste valor em
relação a qualquer razão política da organização da vida em comum, seja reposta ao
centro do debate na doutrina e no Foro, como única indicação idônea a impedir a vitória
de um direito sem justiça32.
Assentado que a releitura do direito civil à luz da Constituição traz para o direito
privado toda a carga valorativa presente na Constituição e evidenciada pela corrente
neoconstitucionalista, é de se buscar uma justificativa lógica para tal releitura, além da
justificativa moral,33 já evidenciada.
Maria Celina Bodin de Moraes apresenta, como fundamentos lógicos, a hierarquia das
normas e a coerência do ordenamento. Estando a Constituição no ápice da pirâmide normativa do
ordenamento brasileiro, e sendo o ordenamento um conjunto de normas hierarquicamente
harmônicas, ou cuja harmonia deve ser buscada, haja vista a existência de normas conflitantes, é
de se impor ao intérprete que busque a homogeneização normativa. Explica a autora:
31
Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.1. 22. ed. rev. e atual. por Maria Celina Bodin
de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 240.
32
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 23.
33
Vale dizer, a proteção da pessoa humana em sua dignidade, da vida com ao menos o mínimo de dignidade
necessário.
34
MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um direito civil constitucional. Disponível em:
http://www.fae2009.kit.net/CaminhosDireitoCivilConstitucional_-_Maria_Celina_B_Moraes.pdf. Acesso em 08
mar. 2011.
19
35
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 32.
36
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 155.
37
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 40.
20
como gravame, sustenta-se existir essa imunidade juridicamente inata ao ser humano,
superior aos interesses dos credores38.
Desta distinção entre relações e bens que compõe o próprio ser e aqueles que
simplesmente integram o ter, Perlingieri defende a distinção de tratamento jurídico, no que
concerne à propriedade, conforme o bem qualitativamente e quantitativamente considerado:
Em geral, com base nas razões de ordem qualitativa, propõe-se uma distinção entre os
vários regimes de propriedade em relação ao diverso bem que é seu objeto. Esse é um
perfil que pode ser aceito, mas deve ser correlacionado, integrado com outro de natureza
quantitativa39.
Neste sentido, o autor faz uma crítica à lei Italiana que prevê privilégios para a
propriedade destinada a uso não residencial40, uma vez que o direito à moradia, por ser direito
personalíssimo, aponta, ao contrário, para a concessão de privilégios para a propriedade destinada
a uso residencial.
O fundamento da tutela deste mínimo necessário é a pessoa humana, ou melhor, a
dignidade da pessoa humana. Mas, o que seria esta dignidade da pessoa humana?
Abstratamente considerada, a dignidade da pessoa humana é uma expressão (conceito)
indeterminada. Ao ser inserida como fundamento do Estado Democrático de Direito, configura-se
em norma jurídica da espécie princípio41, a ser concretizada em todo o ordenamento
infraconstitucional.
Segundo Antonio Junqueira de Azevedo, hoje existem duas concepções principais
acerca do conceito de dignidade da pessoa humana. A primeira delas, denominada concepção
insular, funda a dignidade do homem na razão e vontade deste, ou seja, o homem deve ter sua
dignidade preservada porque é um ser dotado de razão e de vontade e é a estas que a tutela da
dignidade humana visa a proteger42. A segunda concepção funda a dignidade humana “na
capacidade do homem de sair de si, reconhecer no outro um igual, usar a linguagem, dialogar e,
38
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 1.
39
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 218.
40
Ibidem, p. 199.
41
Cf. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista
trimestral de direito civil. Rio de Janeiro, v. 9, a. 2, p. 03-24, jan./mar. 2002, p. 3.
42
Fachin localiza a concepção insular do sujeito na ideia do contrato social na Declaração dos Direitos do Homem:
“A observação desse fenômeno pode ter como ponto de partida a compreensão clássica do sujeito no contrato
social e na Declaração dos direitos do homem. Ali está em exposição o produto mais acabado da razão humana,
que se encerra em si mesmo: o sujeito hipoteticamente livre e senhor de sua circunstância goza de formal
dignidade jurídica” (FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 16).
21
ainda, principalmente, na sua vocação para o amor, como entrega espiritual a outrem”43. Em
síntese, a primeira concepção relaciona o conceito de dignidade ao conceito de autonomia
individual, enquanto a segunda a relaciona à qualidade de ser vivo, capaz de dialogar e chamado
à transcendência44.
A concepção insular foi invocada para justificar o liberalismo contratual. Hoje há uma
forte tendência a identificar a dignidade com a tutela de valores éticos, voltados muito mais à
tutela da pessoa em si considerada que à sua liberdade de escolha, sobretudo no que tange ao
direito privado. Antônio Junqueira de Azevedo explica a decadência da concepção insular com
fundamento na biologia, na etologia e na primatologia45.
Além da fragilidade dos fundamentos, a teoria insular também padece de
insuficiências. Antonio Junqueira de Azevedo lembra que:
Cumpre salientar, portanto, que a tutela de um patrimônio mínimo não está atrelada à
tutela exacerbada do indivíduo e de seu direito de propriedade. Muito além, o direito ao
43
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista trimestral de
direito civil. Rio de Janeiro, v. 9, a. 2, p. 03-24, jan./mar. 2002, p. 5.
44
Cf. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista
trimestral de direito civil. Rio de Janeiro, v. 9, a. 2, p. 03-24, jan./mar. 2002, p. 5.
45
Para um melhor aprofundamento do tema, ver AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da
dignidade da pessoa humana. Revista trimestral de direito civil. Rio de Janeiro, v. 9, a. 2, p. 03-24, jan./mar.
2002, p. 8-13.
46
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista trimestral de
direito civil. Rio de Janeiro, v. 9, a. 2, p. 03-24, jan./mar. 2002, p. 6.
47
Ibidem, p. 18.
22
3.2 A tutela do patrimônio mínimo nos diversos ramos do direito e a lacuna no que tange
aos contratos
O artigo 649 do Código de Processo Civil traz um rol de bens não passíveis de
responder pelas dívidas do devedor, ou seja, bens impenhoráveis49.
À exceção do inciso I, que determina a impenhorabilidade de bens em decorrência da
vontade, os demais bens impenhoráveis estão relacionados à manutenção de um mínimo
patrimonial essencial à dignidade da pessoa, como bem pondera Didier Jr.: “O principal
fundamento é, sem dúvida, a proteção da dignidade do executado. Busca-se garantir um
patrimônio mínimo do executado que lhe permita sobreviver com dignidade”50.
Alguns autores colocam o direito à tutela executiva como um direito fundamental do
credor51. Nesta linha, o direito fundamental à execução forçada sofreria limitações políticas em
razão da necessidade de tutela de alguns direitos fundamentais do devedor. Não se deve,
entretanto, confundir direitos patrimoniais, como os direitos do credor, com direitos fundamentais
de ordem existencial, como o direito à saúde, integridade física e dignidade52. Tanto é assim que
48
“A proteção do patrimônio mínimo não está atrelada à exacerbação do indivíduo. Não se prega a volta ao direito
solitário da individualidade suprema, mas sim do respeito ao indivíduo numa concepção solidária e contemporânea
[...]” (FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
167).
49
“A restrição à penhora de certos bens chama-se impenhorabilidade” (DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito
processual civil, v. 5. Salvador: Jus PODIVM, 2009, p. 541).
50
DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil, v. 5. Salvador: Jus PODIVM, 2009, p. 548.
51
Cf. DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil, v. 5. Salvador: Jus PODIVM, 2009, p. 541.
52
Para Fachin, a maior evidência da separação entre pessoa e patrimônio (portanto, da cisão entre patrimônio e
direitos fundamentais existenciais, relacionados à pessoa) é a possibilidade de existência de patrimônio de afetação
(cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
43/44).
23
a tutela do patrimônio mínimo, na verdade, não é ao patrimônio, mas à pessoa, ou seja, é apenas
meio para a tutela de direitos fundamentais existenciais.
Conquanto a premissa seja questionável, a conclusão a que se chega é válida. Segundo
Didier, por ser o direito do credor um direito fundamental, é necessária a ponderação, no caso
concreto, para que se aplique o instituto da impenhorabilidade, ou seja, para se restringir o direito
fundamental. Veja-se a lição do ilustre processualista:
53
DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil, v. 5. Salvador: Jus PODIVM, 2009, p. 541-542.
54
Cf. DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil, v. 5. Salvador: Jus PODIVM, 2009, p. 542.
24
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:[...]
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
Nestes dois dispositivos está consagrado o direito ao salário mínimo legal, que não se
confunde com o salário mínimo profissional, o normativo ou o convencional56.
55
PEREIRA, Alexandre Pimenta Batista. Bens acessórios: acessões, partes integrante e pertenças. Curitiba: Juruá,
2010, p. 199.
56
Para um aprofundamento sobre as diferenças entre os salários mínimos profissional, normativo convencional e
legal, cf. SUSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.
163; NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 29.ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 380;
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 735.
25
O salário mínimo legal, conforme conceito fornecido por Arnaldo Sussekind é aquele
que: “[...] corresponde, assim, ao patamar abaixo do qual não pode prevalecer a vontade dos
contratantes, sendo nula de pleno direito qualquer estipulação em contrário, mesmo advindo de
instrumento da negociação coletiva”.57 Este é nacionalmente unificado e de aplicação cogente.
A principal diferença entre o salário mínimo legal e os demais, além da amplitude de
aplicação, é a finalidade. O objetivo do salário mínimo legal é assegurar um mínimo patrimonial
necessário à satisfação dos direitos básicos do trabalhador e de sua família, como alimentação,
saúde, educação, lazer. Já os demais visam a assegurar um salário mínimo condizente à
“dignidade profissional”, como ensina Amauri Mascaro Nascimento:
Conquanto o autor tenha se referido apenas ao salário profissional, não se pode negar
que a fixação do salário mínimo normativo e do convencional também têm por parâmetro a
“dignidade profissional”.
Os dispositivos constitucional e celetista supracitados referem-se ao salário mínimo
legal. Este é o patamar mínimo salarial geral, irrenunciável e intransacionável. É geral porque se
aplica a toda relação empregatícia, ou seja, é percebido por todo empregado; é irrenunciável
porque é nulo qualquer ato de empregado que implique em renúncia a este direito; é
intransacionável porque nem mesmo o ato bilateral tem força para reduzir o salário mínimo a que
faz jus o trabalhador59.
O constituinte pretendeu que o salário mínimo fosse fixado para atender às
necessidades primárias do trabalhador e de sua família: moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Observa-se que a Constituição
transferiu a obrigação de prover o mínimo patrimonial ao particular empregador. Este tem a
obrigação de fornecer ao trabalhador o capital necessário à aquisição de todos os bens e
57
SUSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 163.
58
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 29. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 380.
59
Ibidem, p. 379.
26
contratação de todos os serviços essenciais60. Não se pode negar, portanto, que a fixação de um
valor salarial mínimo é reflexo da tutela do patrimônio mínimo.
Um dos poderes que o Estado possui como ente supraindividual é o poder de cobrar
tributos do cidadão. O Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º, fornece um conceito
didático do que seja tributo: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Várias são as espécies de tributos cobradas. Entre as mais correntes estão os impostos,
as taxas e as contribuições de melhoria. O artigo 16 do mesmo diploma conceitua imposto:
“Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer
atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.
61
A Constituição Federal, no artigo 145, § 1º , institui o princípio da capacidade
contributiva como norteador do cálculo dos impostos, ou seja, o imposto deve ser cobrado
conforme a capacidade econômica de cada pessoa para suportar o encargo tributário. Carrazza
ensina que o princípio da capacidade contributiva está estreitamente ligado ao princípio da
igualdade (material):
60
“É interessante observar que o texto da nova Constituição parece querer inquestionavelmente incorporar, quanto ao
salário mínimo, a característica da suficiência do salário, que é a qualidade de ser a parcela salarial hábil a atender
a um conjunto de necessidades ou valores tidos como relevantes em certo momento histórico” (DELGADO,
Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 732-733).
61
“Art. 145 [...] § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir
efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
27
deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar
impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza 62.
[...] A lei deve tratar de modo igual os fatos econômicos que exprimem igual capacidade
contributiva e, por oposição, de modo diferençado os que exprimem capacidade
contributiva diversa.
A capacidade contributiva à qual alude a Constituição e que a pessoa política é obrigada
a levar em conta ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência é objetiva, e
não subjetiva. É objetiva porque se refere não às condições econômicas reais de cada
contribuinte, individualmente considerado, mas às suas manifestações objetivas de
riqueza (ter um imóvel, possuir um automóvel, ser proprietário de jóias ou obras de arte,
operar em bolsa, praticar operações mercantis etc.)63 (grifos do autor).
Posto isto, é possível concluir que o princípio da seletividade, previsto nos artigos
153, § 3º, I e 155, § 2º, III da Constituição Federal, guarda estreita relação com o princípio da
capacidade contributiva64.
O artigo 153, §3º, I da Constituição Federal, tratando do IPI, prevê: “Art. 153 [...] § 3º
- O imposto previsto no inciso IV: [...] I - será seletivo, em função da essencialidade do
produto”. No mesmo sentido, dispõe o artigo 48 do CTN: “Art. 48. O imposto é seletivo em
função da essencialidade dos produtos.” Já o artigo 155, § 2º, III determina a seletividade no
ICMS: “Art. 155 [...] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] III - poderá
ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”.
Observe-se que, enquanto na cobrança do IPI o critério da essencialidade foi imposto
pelo constituinte (será), para a cobrança do ICMS a seletividade é critério facultativo (poderá)65.
Não obstante, ressalte-se que há doutrina que defende a obrigatoriedade de utilização do critério
62
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
74.
63
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
77.
64
Cf. LOPES, Mauro Luís Rocha. Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2009, p. 79-80.
65
Neste sentido, cf. BORBA, Cláudio. Direito tributário: teoria e 1000 questões. 17. ed. Rio de Janeiro: Ímpetus,
2004, p. 89.
28
Em relação a estas duas últimas normas constitucionais [artigos 153, § 3º, I e 155, § 2º,
III], temos que elas exigem que as operações com os produtos ou gêneros de primeira
necessidade venham a receber tratamento tributário mais brando do que o dispensado às
operações com produtos ou gêneros menos essenciais [...].
Estamos confirmando, destarte, que o IPI e o ICMS devem ser utilizados como
instrumentos de ordenação político-econômica, estimulando a prática de operações (com
produtos industrializados ou mercadorias) ou serviços havidos por necessários, úteis ou
convenientes à sociedade e, em contranota, onerando outros que não atendam tão de
perto ao interesse coletivo. Exemplificando, é por isso que em algumas operações com
produtos industrializados supérfluos as alíquotas aplicadas ao IPI são extremamente
elevadas, e em outras, com produtos industrializados essenciais, não há incidência da
exação (isenção ou alíquota zero), ou, quando pouco, as alíquotas baixam para
patamares mínimos68.
66
“Portanto, a seletividade, no IPI e no ICMS, é obrigatória. Ou, seguindo a trilha constitucional, estes tributos
devem ser seletivos, em função da essencialidade do produto industrializado (IPI) ou das mercadorias ou serviços
(ICMS)”- Grifos do autor (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 82).
67
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. rev. e atual. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro:
Forense, 1991, p. 206.
68
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
82.
69
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. rev. e atual. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro:
Forense, 1991, p. 206.
29
O benefício de prestação continuada foi instituído pela lei nº 8742 (Lei Orgânica da
Assistência Social – LOAS). Não se trata de um benefício previdenciário, posto que não carece
de qualquer contribuição por parte do beneficiário, ou seja, independe da condição de segurado 70,
muito embora seja concedido e administrado pelo próprio INSS. Assim dispõe o artigo 20 da
LOAS: “O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família”.
Este benefício foi anteriormente previsto na Constituição Federal do 1988:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente
de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
70
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 12.
71
Cf. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 13.
30
com 65 anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção e esta também não possa ser provida por sua família [...] 72
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para
prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício
mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social –
Loas.
29- Para os efeitos do art, 20, § 2º, da Lei n. 8742, de 1993, incapacidade para a vida
independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas
também a impossibilidade de prover ao próprio sustento.
72
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 13.
73
Cf. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 11. ed.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 664.
74
Cf. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 14.
75
Dizia a súmula nº 11 da turma nacional de uniformização dos Juizados Especiais Federais: “A renda mensal, per
capita, familiar, superior a ¼ do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art.
20, § 3°, da lei n. 8742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante”,
31
Por tudo é possível concluir que o beneficio de prestação continuada é uma forma de
assegurar à pessoa que não pode ter meios de providenciar, com seu trabalho, o mínimo
patrimonial necessário à sua dignidade, nem tem quem o providencie. É, em resumo, mais um
reflexo da tutela do mínimo patrimonial existencial no ordenamento.
Anderson Schreiber eleva a habitação a condição do status de pessoa76, uma vez que a
proteção à pessoa depende da proteção aos meios materiais necessários à uma existência digna.
Conquanto tenha um fundo patrimonial, este é apenas meio para se atingir o fim de tutela da
pessoa.
Este fundo patrimonial é mais acentuado no instituto do bem de família voluntário,
instituído pelos artigos 1711 a 1722 do atual Código, sendo que no bem de família legal, regido
pela lei 8.009/90, percebe-se um caráter predominantemente existencial.
A impenhorabilidade, nos termos do artigo 1º, parágrafo único, da lei n. 8.009/90
abrange o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de
qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que
guarnecem a casa, desde que quitados, excluindo-se, nos termos do artigo 2º da mesma lei, os
veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Nota-se que a linha de divisão entre os bens que podem e os que não podem ser
penhorados encontra-se no grau de necessidade do bem para a subsistência dos integrantes da
família. Os móveis que guarnecem a casa são, em regra, indispensáveis. Entretanto, o mesmo não
se pode dizer dos ditos adornos suntuosos, das obras de arte e do veiculo de transporte (em certas
situações), bens de uso dispensável.
Posteriormente, em 2006, esta súmula foi cancelada, permanecendo serias divergências entre os tribunais sobre sua
aplicação.
76
“A não-habitação ou habitação das ruas representa não apenas a perda da moradia, mas a perda da própria
condição de pessoa. De fato, todo indivíduo tende naturalmente a delimitar um espaço de ocupação que lhe possa
servir de referência à sua própria identidade” (SCHREIBER, Anderson. O direito à moradia como fundamento
para a impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor solteiro. In: RAMOS, Carmen Lúcia Silveira et al.
Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 81).
32
Vê-se também, nesta norma, que o objetivo não é prejudicar ao credor, deixando-o
desprotegido legalmente. O objetivo é tão somente não permitir que o devedor perca o mínimo
necessário à sua subsistência na satisfação de um crédito. Por óbvio, o conceito de adorno
suntuoso é aberto, dependendo da análise valorativa do caso concreto, sobretudo porque bens não
essenciais a uma pessoa são essenciais a outras. O conceito de essencialidade também é relativo e
deve ser considerado na valoração do caso concreto.
Para a compreensão do instituto, é necessário entender o que seja a família no atual
contexto jurídico-social. A família do Estado liberal, ou seja, aquela composta por pai, mãe e
filhos, onde a união dos entes é assentada no casamento civil, deixa, cada vez mais, de ser
modelo exclusivo de família. A constitucionalização que atingiu os contratos e a propriedade
atingiu também a família. Vê-se surgirem famílias, juridicamente consideradas, com
arquiteturas77 distintas daquela do modelo clássico, destacando-se a família monoparental e a
união estável: “A Constituição adotou a concepção plural de família, não havendo apenas a
assentada no casamento, mas também reconheceu como família aquela derivada de união estável
e a monoparental, formada por um dos pais e seus filhos”.78
Não bastasse esta interpretação ampliativa do conceito de família, a doutrina e a
jurisprudência vêm estendendo a tutela do instituto às pessoas solteiras79, como preceitua a
sumula 364 do STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o
imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.
Segundo Anderson Schreiber, a proteção ao devedor solteiro é indicativo de que a
jurisprudência busca tutelar a pessoa componente da família, e não propriamente a família como
estrutura social:
O esforço doutrinário é válido pelo seu só intuito de ampliar a proteção conferida pela
lei. Todavia, a questão da impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor solteiro
parece menos relacionada a uma “super-extensão” do conceito de entidade familiar, que
à identificação de um novo fundamento de proteção, de uma nova função para o
instituto. Com efeito, o art. 1º da lei 8009/90 deve ser reinterpretado sob a ótica do
direito constitucional à moradia, expressão e requisito da dignidade humana. Não se trata
mais de proteger a entidade familiar, mas a pessoa, integre ela ou não uma família80.
77
A expressão é de FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 52.
78
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 76.
79
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 145-146.
80
SCHREIBER, Anderson. O direito à moradia como fundamento para a impenhorabilidade do imóvel residencial
do devedor solteiro. In: RAMOS, Carmen Lúcia Silveira et al. Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 93.
33
Fachin salienta que a maior evidência de que a preocupação da norma é com a pessoa
e não com o patrimônio em si encontra-se na parte final do dispositivo: “suficiente para a
subsistência do doador”. Segundo o autor:
81
Sobre a evolução do STJ, cf. SCHREIBER, Anderson. O direito à moradia como fundamento para a
impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor solteiro. In: RAMOS, Carmen Lúcia Silveira et al. Diálogos
sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 88-92.
82
Neste sentido: FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2006, p. 94-95.
83
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 94.
84
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 96.
34
Outro aspecto ainda a sublinhar, denotativo do sentido da norma inserta no artigo 548,
diz respeito ao qualificativo da parte ou renda como “suficiente para a subsistência do
doador”. Fosse essa uma tutela patrimonial, como observa Ronaldo da Cunha CAMPOS,
“o suficiente para a subsistência” não se apresentaria como limite. No direito
patrimonial não há espaço para este tipo de apreciação85.
85
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 99.
86
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 96-
97.
87
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: fontes das obrigações: contratos, v. III. 7. ed. rev. por
José Serpa de Santa Maria. Rio de Janeiro: Freitas Bastos: 2001, p. 399.
88
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. 11. ed. rev. e atual. por Regis Fichtner. Rio de
Janeiro: Forense, 2004, p. 262.
89
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 98.
90
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
105-106.
35
Não se deve confundir a doação universal com a doação inoficiosa91. Esta é prevista
no artigo 549 do Código Civil, que assim dispõe: “Nula é também a doação quanto à parte que
exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”. Para a
doação inoficiosa, a solução jurídica é a redução, ou seja, o “decote” do excesso, consoante
previsto no artigo 2007 do mesmo diploma: “São sujeitas à redução as doações em que se apurar
excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade”. A proibição do
negócio inoficioso ocorre em atenção à tutela patrimonial dos herdeiros, não à pessoa do
proprietário.
A interpretação a contrario do artigo 1848 do atual Código Civil leva a concluir pela
possibilidade de aposição de cláusula de inalienabilidade aos bens deixados em testamento e,
havendo justa causa, esta inalienabilidade pode atingir até mesmo os bens da legítima.
Segundo Fachin, existem duas razões fundamentais que podem levar uma pessoa a
estabelecer cláusula de inalienabilidade sobre um bem: a primeira é impedir que um bem,
adquirido com muito esforço ou de alto valor sentimental para o testador, saia do patrimônio de
sua família. A segunda é a preocupação do testador em deixar ao beneficiário um patrimônio
mínimo ou uma fonte de renda para que possa suprir suas necessidades em caso de perda dos
demais bens de sua propriedade92. Neste último caso, afirma o autor: “há um valor maior a ser
protegido, qual seja, a dignidade da pessoa humana [...]”93. Nesse último caso, é possível
visualizar uma proteção a um patrimônio mínimo capaz de assegurar a dignidade humana.
A interpretação teleológica desta norma leva a concluir que em algumas hipóteses a
cláusula de inalienabilidade pode ser afastada. Desta forma, mesmo quando interposta com o fim
de assegurar ao beneficiário um mínimo patrimonial para a sua subsistência, ou seja, quando
estabelecida em razão da pessoa e não do bem em si mesmo, a cláusula poderá ser afastada para
91
Para um aprofundamento sobre os negócios jurídicos inoficiosos, cf. PEREIRA, Alexandre Pimenta Batista.
Negócio jurídico inoficioso: contributo à teoria da redução do negócio jurídico. São Paulo: Pillares, 2010.
92
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
118-119.
93
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 119.
36
94
Este é o entendimento de FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 124.
95
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 126.
96
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 2007, p. 247.
37
estudados constitui um princípio geral de direito e, assim sendo, apto a atuar sobre o legislador,
na edição de normas, e sobre o intérprete, na aplicação das mesmas.
Como o objeto deste trabalho centra-se nos contratos, antes do estudo específico das
possibilidades de incidência deste princípio na seara contratual, necessário um estudo acerca do
atual modelo.
38
No direito romano, conforme classificação proposta por Justiniano (Institutas, III, 13,
2), o contrato figurava como uma das quatro fontes de obrigações, aparecendo ao lado dos quase-
contratos, dos delitos e dos quase-delitos97 98.
O contrato, fonte que interessa a este trabalho, era marcado pelo formalismo,
característica que se destacou, sobretudo, no período clássico. Assim, o contrato romano era o
acordo de vontades acrescido do elemento objetivo – a formalidade.
Era este elemento objetivo o mais significativo diferencial entre contrato e pacto. O
pacto era o simples acordo de vontades, o qual não exigia, para sua constituição, nenhuma
formalidade, e nem gerava obrigações, embora pudesse ser invocado como exceção (matéria de
defesa). A forma era condição do contrato, como sintetiza José Reinaldo de Lima Lopes: “Seja no
processo, seja nos negócios, a validade dos atos vincula-se ao uso correto da fórmula.”99
No período clássico romano só se reconhecia a existência de alguns tipos específicos
de contratos, os quais possuíam suas respectivas formalidades. Em regra, a vontade não era
suficiente para originar um contrato e, como decorrência, vasto era o número de pactos, os quais
se constituíam com o simples acordo de vontades.100
Ainda no período clássico e, sobretudo, no pós-clássico, a rigidez do formalismo
sofreu algumas atenuações, sendo duas de maior relevância. A primeira delas ocorreu por meio
da atividade do pretor e da jurisprudência, os quais passaram a atribuir actio a alguns pactos,
tornando-os obrigações exigíveis.
97
Cf. ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 29.
98
Além desta classificação de Justiniano, há ainda duas classificações propostas por Gaio. Nas Institutas (III, 88), as
obrigações se classificam em oriundas de contratos ou de delitos. No libro secundus aureorum (D. XLIV, 7,1), as
obrigações são classificadas em originárias de contratos, de delitos ou das várias figuras de causas. Os delitos
capazes de originar obrigações eram aqueles descritos em suas Institutas. As várias figuras de causas eram atos
lícitos ou ilícitos que, não se enquadrando nas demais figuras, originavam obrigações. (Cf. ALVES, José Carlos
Moreira. Direito romano. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 28-29).
99
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 33.
100
Cf. ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Do contrato: teoria geral. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 8.
39
101
Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 40-44.
40
Para que haja segurança é preciso retirar do crédito uma série de variáveis antes aceitas
normalmente na teoria dos contratos. Por exemplo, torna-se necessário que a promessa
não possa ser desfeita. No regime pré-liberal, alguém, por condições adversas, ou por ter
mudado de ideia poderia arrepender-se do negócio e não concluí-lo, ou desfazê-lo, ou
alegar algum motivo justo e razoável. Assim fazendo, o sistema anterior colocava em
perigo a segurança jurídica, esta garantia normativa de que o futuro será como se
prometeu ou se imaginou. O contrato deixa aos poucos de ser um tipo para transformar-
se numa promessa exigível com a coação organizada do Estado102 (grifos do autor).
Neste contexto, o contrato passou a ser máxima da manifestação livre de vontade das
partes. O homem é um ser dotado de racionalidade e, portanto, livre para celebrar os contratos da
forma e com o conteúdo que deseje. A liberdade e o individualismo o impediriam de celebrar um
negócio que o prejudicasse, que fosse injusto para ele mesmo. Disso se concluiu que os contratos
eram naturalmente justos.103
Outra característica do contrato clássico é o afastamento do Estado da regulação dos
negócios privados. O contrato era fruto da vontade de homens livres e racionais, não cabendo ao
Estado interferir no acordo de particulares104. No que se refere às leis, estas visavam tão somente
preencher as lacunas das omissões contratuais e assegurar o fiel cumprimento do pactuado 105. As
102
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.
369.
103
Cf. ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Do contrato: teoria geral. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 31.
104
“A omissão da lei na determinação do conteúdo dos contratos justificava-se diante do princípio que assegurava a
liberdade dos contratantes na sua formação. Partes iguais e livres não precisavam da interferência legislativa para
impedir a estipulação de obrigações onerosas ou vexatórias.” (GOMES, Orlando. Contratos. 7.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1979, p. 30).
105
José Reinaldo de Lima Lopes pondera que, em realidade, o chamado Estado Liberal não se caracterizou pela
intervenção Estatal mínima, mas sim pela intervenção, no sentido de fazer cumprir os pactos, cf. LOPES, José
Reinaldo de Lima. O Direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 369.
41
normas de ordem pública eram poucas e tinham por objetivo exatamente proporcionar a
segurança do cumprimento dos pactos106.
Os únicos óbices à obrigatoriedade dos contratos eram as normas de ordem pública, os
bons costumes107 e os vícios da vontade108; a injustiça do conteúdo do contrato não era óbice à
sua execução109. Na prática, entretanto, estes óbices pouco efeito produziam, uma vez que a
atividade do juiz era muito restrita110, reflexo do afastamento do Estado do conteúdo das relações
privadas.
O contrato, no atual ordenamento, caracteriza-se pela obediência a certos princípios e
valores sociais. Além do intervencionismo estatal por meio de leis de ordem pública, há ainda a
intervenção por meio do Judiciário, uma vez que a este é permitido interferir no conteúdo dos
contratos, até mesmo quando não haja norma específica autorizando, por meio das cláusulas
gerais111 112
, como a da boa-fé objetiva (Código Civil, art. 422) e a da função social do contrato
(Código Civil, art.421). Nestes casos, o juiz pode criar para as partes deveres anexos 113 aos
contratos, cujo desrespeito implica em resposta jurídica, também criada pelo aplicador.
Historicamente, a necessidade de intervenção estatal nas relações privadas está
relacionada à Revolução Industrial e ao surgimento da chamada sociedade de massas.
106
Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 46.
107
Cf. ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Do contrato: teoria geral. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 31-32.
108
Cf. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.
367.
109
Nesse sentido: “Um contrato, desde que livremente aceito, seria válido independentemente das regras de justiça”
(LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.
369).
110
Afirma Bessone que: “Nos dissídios que acaso se formem, a missão do juiz terá de se circunscrever à apuração da
vontade dos contratantes, em um processo de pura reconstituição.” (ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Do
contrato: teoria geral. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 33-34).
111
Cláusula Geral, na definição de Fredie Didier Jr. é: “[...] uma espécie de texto normativo, cujo antecedente
(hipótese fática) é composto por termos vagos e o consequente (efeito jurídico) é indeterminado”. (DIDIER JR.,
Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 14 ª região, Porto Velho,
v.6, n. 1, p. 15-34, jan./jun. 2010. Disponível em: www.trt14.jus.br. Acesso em 13 out. 2010, p. 16).
112
Para um estudo mais aprofundado sobre as cláusulas gerais, indica-se a excelente obra: MARTINS-COSTA,
Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999. 544 p.
113
Sobre os deveres anexos, aduz Couto e Silva, referindo-se à cláusula geral da boa-fé objetiva contida no § 242 do
BGB: “Começava-se a reconhecer no princípio da boa fé uma fonte autônoma de direitos e obrigações;
transforma-se a relação obrigacional manifestando-se no vínculo dialético e polêmico, estabelecido entre devedor e
credor, elementos cooperativos necessários ao correto adimplemento”. (COUTO E SILVA, Clóvis do. O princípio
da boa-fé no direito brasileiro e português. In: COUTO E SILVA, Clóvis do et al. Estudo de direito civil
brasileiro e português. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 47).
42
De outro lado, falso também é o princípio da igualdade de todos na prática dos contratos.
Os contratantes, em grande número de vezes, e até na maioria das vezes, encontram-se
em posições de notório desequilíbrio, seja moral, seja econômico, seja técnico, seja
mesmo de compreensão e discernimento. Soa fictícia, portanto, a afirmação de que é
sempre justo o contrato porque fruto da vontade livre das partes iguais juridicamente.
Não há, realmente, como ignorar os desníveis, não raro absais, entre patrões e
empregados, locadores e inquilinos, estipulantes e aderentes, profissionais e leigos,
aproveitadores e necessitados, fornecedores e consumidores. Não há como recusar, no
plano jurídico e econômico, a existência do forte e do débil.116
Como lembra Carlos Alberto Bittar, esses choques de interesses e esses desníveis
sociais trouxeram situações incômodas até mesmo para os governos, inclusive conflitos
114
ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Do contrato: teoria geral. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 42.
115
“A indignação da maioria foi, aos poucos, sendo exteriorizada, e movimentos reivindicadores dos direitos dos
aderentes e dos menos favorecidos economicamente foram se fortalecendo, influenciando de forma decisiva o
legislador em adotar novos paradigmas e soluções mais eficientes de tutela jurídica dos aderentes dos contratos
padronizados existentes na sociedade da época.” (LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 3. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 67).
116
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias
do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. 6. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2009, p. 10.
43
armados.117 Diante desta situação, o Estado passou a ter uma posição mais ativa perante as
relações privadas. Leis supletivas tornaram-se imperativas; surgem novos princípios
direcionadores da atividade privada ao mesmo passo em que se quebra a rigidez dos princípios
clássicos, enfim, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior: “A justiça contratual deixou de ser
problema apenas da esfera dos próprios contratantes para tornar-se preocupação efetiva também
do direito positivo.”118
Várias alterações ocorreram a fim de socializar o direito privado119, principalmente o
contrato, através do intervencionismo estatal. No Brasil, os novos princípios contratuais – boa-fé
objetiva, função social e equilíbrio das prestações – passam a direcionar a atividade do juiz.
Todas estas alterações tem por objetivo a busca da justiça, a proteção à parte mais fraca da
relação. Os antigos princípios contratuais – autonomia da vontade, obrigatoriedade contratual e
eficácia relativa do contrato – passam a ser relidos na perspectiva social do contrato, como ensina
Darcy Bessone: “Cumpre, portanto, entender os princípios da liberdade e da igualdade em uma
compreensão mais larga das necessidades sociais, certo que é na harmonia entre a autonomia
individual e a solidariedade social que repousa o grande ideal da sociedade humana”.120
A justiça passa a ser buscada, portanto, no equilíbrio, na correta e oportuna aplicação
destes princípios.
Esta passagem do Estado abstencionista ao Estado Social trouxe, além das mudanças
formais, como a criação de novos diplomas legais e a abertura do ordenamento através das
cláusulas gerais, os novos princípios de regência dos negócios jurídicos – equilíbrio das
prestações, boa-fé objetiva e função social dos contratos121.
A evolução contratual culminou com a subdivisão dos contratos em duas espécies: os
civis e os de consumo. Os primeiros são regulamentados, principalmente, pelo Código Civil,
enquanto os contratos de consumo têm no Código de Defesa do Consumidor seu principal
117
Cf. BITTAR, Carlos Alberto. O dirigismo econômico e o direito contratual. Revista de informação legislativa.
Brasília, a. 17, n. 66, p. 240-255, abr./jun. 1980, p. 242.
118
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias
do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. 6. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2009, p. 11.
119
Sobre estas alterações, cf. BITTAR, Carlos Alberto. O dirigismo econômico e o direito contratual. Revista de
informação legislativa. Brasília, a. 17, n. 66, p. 240-255, abr./jun. 1980, p. 245-250.
120
ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Do contrato: teoria geral. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 43.
121
Para um estudo sobre os novos princípios contratuais, ver LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos
contratos no Código de Defesa do Consumidor e no Novo Código Civil. Revista de direito do consumidor, São
Paulo, a. 11, n. 42, p. 187-195, abr./jun. 2002; GOMES, Orlando. Contratos. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979,
p. 45-48.
44
diploma normativo. Quanto aos primeiros, são celebrados presumidamente entre iguais, ou seja,
entre partes com igual poderio econômico, jurídico e cognitivo sobre o contrato e o bem ou
serviço contratado, enquanto os contratos de consumo são, presumidamente, celebrados entre
uma parte vulnerável e outra em superior condição.
O fundamento fático do CDC é a disparidade constantemente verifica entre fornecedor
e consumidor. Com efeito, na grande maioria das relações de consumo, uma das partes mostra-se
em situação de grande desvantagem perante a outra. Desta disparidade surgiria a necessidade de o
Estado atuar protegendo uma das partes, de forma a equilibrar a situação de desigualdade.
Pensando nisto, o legislador criou um modelo de consumidor e um modelo de fornecedor que
representariam as partes em toda relação de consumo. Adalberto Pasqualotto descreve esses
modelos de consumidores e fornecedores:
O CDC é considerado um marco do Estado Social, uma vez que mostra claramente a
preocupação do Estado com a justiça material, o equilíbrio real do contrato. Em verdade, o CDC
proporcionou a criação de duas categorias abstratas de sujeitos contratuais, a de consumidores e a
de fornecedores, contrapondo-se, neste aspecto, ao modelo clássico, onde havia apenas uma
categoria, a de contratantes. Assim, consumidores têm normas específicas de proteção diante dos
fornecedores. O problema desta superproteção surge quando se considera a heterogeneidade entre
os componentes da classe dos consumidores e da classe dos fornecedores. Neste sentido, leciona
Teresa Negreiros:
122
PASQUALOTTO, Adalberto. Conceitos fundamentais do Código de Defesa do Consumidor. Revista dos
Tribunais, São Paulo, a. 80, v. 666, p. 48-53, abr. 1991, p. 49.
45
Com efeito, a doutrina reconhece que nem toda relação de consumo é marcada pela
vulnerabilidade e boa-fé do consumidor124 125
. Assim, pelo fato de proteger um papel social, e
não a pessoa consumidor concretamente considerada126, diz-se que o direito do consumidor,
marco do Estado Social, não pode se opor à teoria clássica do contrato. Assim como no modelo
clássico, o direito, tal qual se apresenta hoje, não é isento das abstrações. Embora não possa se
opor, também não é totalmente compatível com a teoria clássica, na medida em que reconhece
tratamento diferenciado às partes pertencentes às diferentes categorias. Mais uma vez, conclui
corretamente Teresa Negreiros: “Assim, embora o conceito de consumidor, por si só, não se
possa diretamente opor à teoria clássica, a lógica que preside à sua sistematização é, sim,
incompatível com a lógica liberal[...]”.127
Se o problema apresenta-se evidente, nem tão visível é a solução. Com efeito, se é
cediço que a construção de categorias abstratas é passível de gerar injustiças fáticas e jurídicas,
estas últimas considerando-se os princípios jurídicos, sobretudo os de ordem constitucional, nem
tão simples se mostra a solução deste impasse. O CDC foi um avanço em relação à situação
anterior à sua vigência, entretanto, não solucionou por completo o problema das desigualdades,
apenas o minimizou.
Neste contexto surge como proposta inovadora a classificação dos bens objetos dos
contratos segundo o grau de utilidade. O deslocamento do foco dos sujeitos para o objeto do
contrato, como proposto por Teresa Negreiros128, surge como alternativa à classificação dos
contratos, propondo uma nova classificação com os respectivos tratamentos jurídicos, como se
verá em momento oportuno.
123
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 200.
124
Sobre os três tipos de vulnerabilidade que podem atingir o consumidor, ver: CALIXTO, Marcelo Junqueira. O
princípio da vulnerabilidade do consumidor. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito
civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 323-324.
125
Neste sentido, ver: LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 3. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.
76-77 e PASQUALOTTO, Adalberto. Conceitos fundamentais do Código de Defesa do Consumidor. Revista dos
Tribunais, São Paulo, a. 80, v. 666, p. 48-53, abr. 1991, p. 51.
126
Cf. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 327.
127
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 328.
128
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 544.
46
Eleito como ponto de referência para a teoria crítica, o modelo tradicional acaba por
determinar que a metodologia contemporânea padeça das mesmas limitações que
pretende superar. Assim é que em ambos os modelos de contrato – o clássico e o que a
este se contrapõe – há em comum a crença na eficácia de uma teoria geral capaz de, a
partir de um único valor – seja a liberdade, seja a solidariedade, seja o interesse privado,
o interesse público, o indivíduo ou a sociedade –, abarcar indistintamente toda e
qualquer espécie de contrato.129
Diante da extrema abstração do contrato clássico, não havia qualquer distinção entre
os diversos tipos contratuais, seja em relação aos sujeitos contratantes ou em relação ao objeto. A
teoria contratual era única. Ensina a autora que a preocupação, hoje, não deve ser com a
construção de uma teoria contratual, no que se refere aos princípios norteadores das atividades
legislativa e judiciária. A preocupação deve se voltar para a busca de critérios diferenciadores
dos contratos, critérios que permitam aplicar a cada contrato específico os princípios mais
convenientes e condizentes com as diretrizes constitucionais, capazes de realizar os valores
constitucionalmente previstos:
129
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 299.
130
Ibidem, p. 303.
47
131
Cf. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 303-
304.
132
Sobre a tensão entre liberdade individual e solidariedade social na CF/88, ver NEGREIROS, Teresa. Teoria do
contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 286-295.
48
Isto [a sujeição aos princípios éticos da boa-fé e da lealdade], porém, não se deu com o
fito de enfraquecer a força do vínculo contratual nem de eliminar a presença da vontade
individual na sua formação. Apenas se agregou ao princípio da autonomia da vontade a
responsabilidade social traduzida no princípio da boa-fé objetiva. [...]
Ao dar agora mais valor ao exterior da declaração, evitando concentrar-se na pura
indagação da vontade, e ao ensejar enfoque dos elementos éticos do negócio, o novo
instituto do contrato não está, de forma alguma, negando sua função de fonte de direitos
e obrigações com ‘força de lei’ na esfera privada dos contratantes 134.
133
Neste sentido, Cf. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no Código de Defesa do Consumidor
e no Novo Código Civil. Revista de direito do consumidor, São Paulo, a. 11, n. 42, p. 187-195, abr./jun. 2002,
p.189.
134
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias
do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 12-13.
135
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 285-286.
136
Anderson Schreiber critica a posição da atual jurisprudência de utilizar o princípio da boa-fé como meio de
efetivação dos princípios constitucionais: “[...] o que se nota, observando a produção mais recente dos tribunais
brasileiros, é que a boa-fé objetiva vai assumindo, na sua aberta generalidade, a insólita função de veículo de
aplicação dos princípios constitucionais nas relações privadas. Neste sentido, a jurisprudência tem associado, de
forma indevida, a violação à boa-fé objetiva e a lesão à dignidade humana.” (SCHREIBER, Anderson. O princípio
da boa-fé objetiva no direito de família. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito civil
contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 448-449).
49
direito de propriedade e da função social que lhe é acometida propõe a ponderação de interesses
como solução ao impasse de valores pelos mesmos assegurados: “O caminho indicado para a
superação do impasse é a utilização do critério hermenêutico do princípio da proporcionalidade,
largamente adotado pelos teóricos da interpretação constitucional e pelas cortes constitucionais
[...]”137.
Os critérios de classificação de contratos devem, portanto, ser capazes de conciliar a
aplicação destes dois grupos de princípios, atuando como parâmetros para o legislador, o
aplicador e o doutrinador. Neste sentido, cada contrato deve ser regido por um grupo de
princípios próprios, quebrando o mito da existência de um paradigma contratual único.
4.3 O direito contratual: a classificação dos bens objetos dos contratos como ponto de
equilíbrio entre o intervencionismo estatal e a liberdade individual – os novos
paradigmas
Impende reconhecer, depois de tudo o que foi dito, que o direito passou e ainda passa
por grandes transformações, sobretudo na seara contratual e seus “inseparáveis companheiros”,
os bens.
Essas mudanças, ocorridas sobretudo em razão da humanização do direito após a
Segunda Guerra, estão relacionadas a um fato maior: a funcionalização do mercado à dignidade
humana. Pode-se, dessa forma, dizer que se passa a exigir que o mercado mude seu foco da
busca do lucro a qualquer custo para a satisfação das necessidades da pessoa, principalmente as
necessidades primordiais. O centro do ordenamento passa a ser, então a pessoa, como afirma
Mattietto:
Não o mercado, mas a pessoa é o valor de vértice do sistema jurídico. Como expressão
de uma lógica econômica e patrimonial, o mercado deve ficar em posição subordinada e
137
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Revista de informação legislativa, Brasília, a.
36, n. 141, p. 99-109, jan./mar. 1999, p. 106.
50
138
MATTIETTO, Leonardo de Andrade. O papel da vontade nas situações jurídicas patrimoniais: o negócio jurídico
e o novo Código Civil. In: RAMOS, Carmen Lúcia Silveira et al. Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p.31.
139
Segundo o autor: “O princípio da autonomia privada, com as suas variantes de autodeterminação e
autovinculação, cedeu lugar a um novo direito obrigacional, que acolhe no seu próprio âmago os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva.” (MATTIETTO, Leonardo de Andrade. O
papel da vontade nas situações jurídicas patrimoniais: o negócio jurídico e o novo Código Civil. In: RAMOS,
Carmen Lúcia Silveira et al. Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 31).
140
MATTIETTO, Leonardo de Andrade. O papel da vontade nas situações jurídicas patrimoniais: o negócio jurídico
e o novo Código Civil. In: RAMOS, Carmen Lúcia Silveira et al. Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 39.
51
5 O PARADIGMA DA ESSENCIALIDADE
Uma das principais funções do patrimônio na atualidade ainda é servir de garantia aos
créditos de terceiros141. Com vistas à proteção da pessoa titular, a doutrina recente vem
alimentando a tese de que o patrimônio deve servir à pessoa, seu titular, no sentido de assegurar-
lhe os mínimos direitos personalíssimos, tudo com fundamento na cláusula da dignidade da
pessoa humana e em um princípio implícito no ordenamento de não redução da pessoa à miséria
ou de tutela do patrimônio mínimo.
Dessa forma, existe um direito a um patrimônio mínimo, que, embora não seja direito
integrante da personalidade, está no mesmo plano de importância desta, uma vez que os bens
mínimos tutelados por este direito encontram-se funcionalizados à própria personalidade. A
garantia do mínimo patrimonial existencial, portanto, é uma condição para a própria satisfação da
dignidade da pessoa humana.
É de se questionar, então, acerca da relação entre o mínimo existencial patrimonial e a
existência de um paradigma da essencialidade, norteador das relações privadas. E mais, é de se
indagar ainda a respeito da relação entre o paradigma da essencialidade e a relação que este
possui com o moderno direito contratual.
Acerca destas indagações, responde Teresa Negreiros que o paradigma da
essencialidade encontra seu fundamento no princípio constitucional da primazia das situações
existenciais (decorrência da tutela geral da pessoa humana) e nos deveres impostos pelo principio
geral de solidariedade social142. Quanto ao primeiro, pode-se dizer que a proteção à pessoa impõe
uma proteção jurídica especial aos contratos relativos a bens essenciais, ou seja, uma das formas
de se proteger a pessoa é proteger, de forma diferenciada, os contratantes nos contratos
respeitantes a bens essenciais.
141
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
42-43.
142
Cf. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 23-
24.
52
No que tange aos deveres impostos pelo princípio da solidariedade social como
fundamento do paradigma da essencialidade, tem-se uma maior exigência de condutas
compatíveis com os novos princípios contratuais – função social, boa-fé, equilíbrio econômico–,
bem como a maior limitação da autonomia privada, muitas vezes incompatível com a
solidariedade social. Desta forma, o paradigma da essencialidade é o ponto de convergência entre
os princípios constitucionais e a teoria contratual. É a essencialidade como critério de
classificação dos bens e dos correlativos contratos o critério mais apto a concretizar, no direito
privado, os princípios constitucionais. Sintetiza Teresa Negreiros:
143
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 29.
144
Ibidem, p. 388-389.
53
posição financeira, diante da necessidade de um bem ou serviço. Com efeito, quando um bem ou
serviço é essencial à dignidade da pessoa, a sua liberdade de contratar se tolhe de tal forma que
somente lhe resta aceitar qualquer condição, por mais gravosa que seja, para não ver ao chão sua
dignidade. É o que se passa, por exemplo, nos contratos celebrados com hospitais ou
fornecedores de remédios. Também os gêneros alimentícios são passíveis de proporcionar muitos
abusos, diante da sua necessidade vital para o homem. Nestes contratos relativos a bens
essenciais é evidente a situação de fragilidade da parte que deles necessita.
É bem verdade que o CDC, no âmbito dos contratos de consumo, promove uma ampla
proteção ao consumidor. Entretanto, esta proteção é indistinta, baseada na categoria abstrata de
consumidor, o que leva à desnecessária proteção de pessoas que não se encontram em real
situação de vulnerabilidade, muitas vezes em detrimento de um pequeno fornecedor, até mesmo
mais vulnerável que o consumidor. Ademais, também nos contratos civis, onde há uma presunção
de igualdade de condições entre as partes, muitas vezes é necessária uma tutela especial diante da
fragilidade daquele contratante que necessita de um bem, como ocorre, por exemplo, no contrato
de locação celebrado entre o proprietário do imóvel, que conta com a ampla proteção da Lei de
Locações, e o locatário, que necessita do imóvel (bem essencial) para morar.
Conclui-se, portanto, que o paradigma da essencialidade e a consequente tutela
jurídica diferenciada dos contratos relativos a bens essenciais é amplamente apta à tutela da
dignidade humana.
jurídico diferenciado aos diferentes tipos de contratos. Para este trabalho, o qual utiliza o critério
da essencialidade, a diferenciação dos contratos se dá em função dos diferentes bens seus objetos.
Segundo Teresa Negreiros, a heterogeneidade de valores tutelados pelo ordenamento
– e aqui merecem destaque os valores da livre iniciativa e da proteção ao vulnerável – torna
impossível a unificação da teoria contratual. São palavras da autora:
145
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 285-286.
146
“É fundamental não permitir que a invocação da cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana, ao
acentuar a dimensão social dos valores existenciais, ponha em risco a liberdade individual, da qual uma das
expressões é, sem dúvida, a autonomia negocial. A tutela da dignidade da pessoa humana certamente não se basta
com o mero assegurar do livre exercício da prerrogativa de autodeterminação da vontade individual; tampouco,
porém, poderá prescindir da garantia da liberdade, sem o que, afinal, a existência humana carece de sentido.”
(NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 38).
147
“O processo de constitucionalização do direito civil implica a substituição do seu centro valorativo – em lugar do
indivíduo surge a pessoa. E onde dantes reinava, absoluta, a liberdade individual, ganha significado a força jurídica
da solidariedade social” NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 11).
55
patrimônio essencial à pessoa e, ao mesmo tempo, permitir o abuso, sobretudo por parte das
grandes empresas, dos menos favorecidos. Com efeito, impossível seria assegurar a saúde sem a
interferência Estatal nos contratos de plano de saúde, assegurar o direito à alimentação sem a
intervenção nos contratos de consumo de produtos alimentícios, o direito aos serviços essenciais,
sem a intervenção nos contratos de prestação destes serviços.
A solidariedade social impõe condutas de boa-fé, função social e equilíbrio contratual
aos contratantes. A intenção de obter lucro exorbitante em aproveitamento à situação do
contratante menos favorecido na relação, o abuso da boa-fé do contratante, a utilização do
contrato desvinculada da sua função social de circulação de bens e serviços, enfim, práticas
incompatíveis com os mandamentos constitucionais de solidariedade, são fortemente repelidos
pelos princípios sociais dos contratos. Estes princípios sociais objetivam, sobretudo, a proteção
da pessoa, daí poder-se afirmar que são reflexos dos princípios constitucionais. Sobre esta relação
entre a solidariedade social e a dignidade da pessoa humana ensina Teresa Negreiros:
148
Cf. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
19-20.
149
Teresa Negreiros faz um estudo interessante acerca de algumas teorias sobre a intervenção estatal na economia,
concluindo, ao fim, que o Brasil adota a teoria do minimal welfare, segundo a qual ao Estado são atribuídos
deveres relativos ao suprimento de necessidades primárias. Assim, a intervenção estatal é legítima apenas para
assegurar a satisfação de necessidades básicas dos contratantes. (Cf. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato:
novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 413-421).
56
essenciais, e somente destes, deixando aos contratos relativos a bens não essenciais um maior
campo de autonomia.
Destarte, a essencialidade do bem objeto do contrato deve servir de norte para a
aplicação dos princípios contratuais. Não só: a atuação do aplicador e do legislador deve se voltar
à proteção do contratante de serviço ou adquirente de produto essencial. Esta intervenção seletiva
do Estado nestes contratos específicos permite encontrar o ponto de equilíbrio entre liberdade
individual e solidariedade social, consoante assevera nossa brilhante autora:
Embora o direito civil não disponha de uma cláusula geral neste sentido, sob o influxo
dos princípios constitucionais o intérprete possui elementos suficientes para a construção
do paradigma da essencialidade, à luz do qual a intervenção no domínio contratual seja
seletiva e, portanto, à luz do qual se realiza a ponderação, na esfera negocial, entre
liberdade e solidariedade150.
No tocante à classificação dos bens tal como proposta pelo legislador de 2002, Caio
Mário a distribui em três grupos: a) bens considerados “em si mesmos” (móveis e imóveis;
fungíveis e infungíveis; consumíveis e inconsumíveis; divisíveis e indivisíveis; singulares e
150
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 39.
151
Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.1. 22. ed. rev. e atual. por Maria Celina Bodin
de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 405.
57
Contudo, a divisão básica dos bens não é jurídica, e sim econômica. O jurídico apenas
comparece para dar cobertura aos bens de produção, de uso e de consumo, de acordo
com concepção política, e para se estabelecer o regime dos mesmos 154.
152
Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.1. 22. ed. rev. e atual. por Maria Celina Bodin
de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 409.
153
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 166-167.
154
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 168.
155
JEAN CARBONIER apud NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p.32-33.
58
um prédio serviente (artigo 1285, Código Civil)156. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao
estado de necessidade, cláusula geral constante no artigo 188, II do Código Civil, que afasta a
ilicitude de um ato em razão da necessidade de sua prática.
Alain Sayag defende a teoria de que a satisfação de certas necessidades constitui uma
categoria de direito subjetivo, sendo uma fonte criadora destes direitos, independentemente de
previsões legais157.
A ideia de essencialidade não é estranha ao direito civil pátrio158. Conquanto a
classificação dos bens não considere a essencialidade como critério, o Código Civil dele se
utilizou na classificação das benfeitorias. Os artigos 1219 e 1220 conferem tratamento
diferenciado às benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias. Segundo a doutrina, as benfeitorias
necessárias são aquelas essenciais, que visam à conservação da coisa principal; as benfeitorias
úteis são aquelas que aumentam ou facilitam o uso da coisa principal; as voluptuárias são as de
mero luxo ou deleite159.
Assentada a necessidade de tutela diferenciada aos bens essenciais como forma de se
assegurar a cada pessoa o essencial à manutenção de sua dignidade humana, impõe-se a pergunta:
o que seriam, ou quais seriam os bens essenciais? Existe um critério objetivo apto a demarcar a
essencialidade do bem?
A ideia de bem essencial está correlacionada à de mínimo existencial ou essencial à
tutela da dignidade humana. Bem essencial é, portanto, aquele bem imprescindível e em
quantidade imprescindível à tutela da dignidade da pessoa concretamente considerada.
Para Fachin, a noção de mínimo não está ligado à noção de quantidade, como extremo
– mínimo e máximo – mas, sim, à noção de qualidade:
“Mínimo” e “máximo” podem não ser duas espécies do gênero “extremo”. São as
barreiras que fixam a essência de cada coisa e delimitam o seu poder e as propriedades.
A sustentação do mínimo não quantifica e sim qualifica o objeto.160
Segundo o autor, a noção de mínimo não está, portanto, ligada à noção de extremo,
mas sim à noção de razoável, de justo. Apesar desta concepção, o autor reconhece que os textos
156
Cf. NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 34.
157
ALAIN SAYAG apud NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 33.
158
A classificação dos bens segundo sua utilidade é comum na ciência econômica. Cf. NEGREIROS, Teresa. Teoria
do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 393-400.
159
Cf. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2011, p. 774.
160
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 271.
59
Bem se vê que, nessa visão diversa, captada pela lente da pluralidade, o mínimo não é
referido por quantidade, e pode muito além do número ou da cifra mensurável. Tal
mínimo é valor e não metrificação, conceito aberto cuja presença não viola a ideia de
sistema jurídico axiológico. O mínimo não é menos nem é ínfimo. É um conceito apto à
construção do razoável e do justo ao caso concreto, aberto, plural e poroso ao mundo
contemporâneo162.
161
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
274-275.
162
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 280-
281
163
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 401.
164
Ibidem, p. 342.
60
165
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 345.
61
personalidade humana mais do que a propriedade, o ser mais do que o ter, os valores
existenciais mais do que os patrimoniais. 166
Também Luiz Edson Fachin tece severa crítica ao Código Civil de 2002, sobretudo
por seu caráter individualista, reminiscência do antigo Código de 1916:
Disto não discrepa, todavia, o novo CCB de 2002, também assentado num contexto que
não o atual, mas sim nos valores imanentes do passado e alguns do começo desse século;
é, pois, um Código coerente com o sentido do individualismo jurídico, ou seja, um tipo
cuja preocupação é a de dar conta do indivíduo, ou ainda, do sujeito de direito em
relação a cada um desses três pilares [o contrato, a família, o patrimônio] 167.
Do Presidente da República espera-se o gesto nobre, que o fará entrar para a História
como um grande estadista: o veto integral ao projeto. Se isto não acontecer, ao Judiciário
166
TEPEDINO, Gustavo. O novo Código Civil: duro golpe na recente experiência constitucional brasileira
(editorial). Revista trimestral de direito civil, Rio de Janeiro, a. 2, v. 7, p. III-V, jul./set. 2001, p. III-IV.
167
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 81.
168
A ideia de sujeito abstratamente considerado é característica do Estado Liberal, no qual se situa o sistema clássico
de Direito Civil. Cf. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 59.
169
Cf. TEPEDINO, Gustavo. Do sujeito de direito à pessoa humana (editorial). Revista trimestral de direito civil,
Rio de Janeiro, a. 1,v. 2, p. V-VI, abr./jun. 2000, p. VI.
170
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 18.
171
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 32.
62
O Código não sofreu o veto integral. Portanto, é de se dizer que, de lege lata, ou seja,
no ordenamento tal como se apresenta hoje, o aplicador possui importante papel na interpretação/
aplicação da lei. É por isto que se pode dizer que o tratamento diferenciado dado pela
jurisprudência, mesmo na ausência de norma específica, aos contratos que tenham por objetos
bens essenciais, muito ao contrário de ferir o ordenamento, concretiza os preceitos fundamentais
constitucionais.
O importante papel da jurisprudência está ainda relacionado ao caráter histórico do
direito e, principalmente, à crise do reducionismo conceitual.
Uma das maiores contribuições Neoconstitucionalistas ao direito civil é o
reconhecimento do caráter histórico do direito, da necessidade que este tem de se aproximar das
exigências sociais dos casos concretos, impondo uma solução conforme suas necessidades. É este
reconhecimento, aliado à necessidade de tutela de certos valores supraindividuais, o responsável
pela queda do modelo tradicional de direito privado, assentado no contrato, na família e na
propriedade, muitas vezes, se esquecendo da pessoa humana. Afirma Fachin que:
A crise do sistema antigo do Direito Civil suscita, antes de mais nada, questões
concernentes à sua historicidade, à análise da inter-relação entre Direito e Sociedade, e
ao princípio de dinamismo que impinge ao Direito seu eterno diálogo com o meio social,
seu tempo e seu espaço. Tampouco se distancia da análise dos conceitos frente à
concretude dos fatos que a eles se apresentam173.
Neste aspecto, é possível fazer uma crítica ao reducionismo conceitual, que, muitas
vezes, homogeneíza situações concretamente distintas porque estas apresentam pólos
conceitualmente idênticos. É o caso do igual tratamento dispensado a todos os consumidores, a
todos os fornecedores, a todos os credores, a todos os devedores....sem se ater ao caso concreto. É
neste sentido que Fachin busca, para seu estudo,
172
TEPEDINO, Gustavo. O novo Código Civil: duro golpe na recente experiência constitucional brasileira
(editorial). Revista trimestral de direito civil, Rio de Janeiro, a. 2, v. 7, p. III-V, jul./set. 2001, p. V.
173
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 26.
63
174
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 32.
175
Ibidem, p. 19.
176
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
169.
177
Segundo Fachin, a dignidade humana condiciona a ordem econômica: cf. FACHIN, Luiz Edson Estatuto
jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 182.
64
178
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
176-177.
179
Cf. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
176.
180
Sobre a relação entre as cláusulas gerais e a efetivação dos valores constitucionais, ver ALBUQUERQUE,
Ronaldo Gatti de. Construção e codificação: a dinâmica atual do binômio. In: MARTINS-COSTA, Judith (org.). A
reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 81.
65
Portanto, de lege lata, considerando a inexistência de uma norma legal apta a tutelar a
diferenciação de regime jurídico entre contratos conforme o bem contratado, tem importância
fundamental a atividade jurisprudencial. De lege ferenda, acreditando que referida diferenciação
não encontra óbice jurídico, vê-se a necessidade de criação de institutos jurídicos diferenciados
para reger os contratos relativos a bens essenciais, permitindo nestes uma maior intervenção
Estatal. Lado outro, os contratos relativos a bens supérfluos prescindem desta proteção, podendo-
se deixar maior espaço de atuação para a autonomia privada.
181
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 3. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 78.
66
6 CONCLUSÃO
uma maior proteção à uma das partes contratantes, quando o bem objeto do contrato for essencial.
Para o ordenamento futuro, espera-se do legislador que, revendo os institutos do contrato e da
classificação dos bens, conceda uma tutela especial ao contratante de bem essencial,
concretizando e compatibilizando, desta forma, alguns dos mais importantes preceitos
constitucionais: a tutela da pessoa humana, no âmbito da solidariedade social, sem descuidar da
autonomia privada, força motriz da economia.
68
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