Guilherme Augusto Correa Rehder - Corrupção, Lavagem de Direito e Organização Criminosa

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Guilherme Augusto Corrêa Rehder

Organizador

Corrupção,
Lavagem De
Dinheiro e
Organização
Criminosa:
Ensaios

AUTORES
Adenor Antônio Pereira
Alinor Furtado Neto
Ana Cristina Sabel
Daiana Marques Molinari
Daniela Lorenço
Eloisa Rodrigues Sales
Guilherme Augusto Corrêa Rehder
Gustavo Nascimento Zhang
Isabela dos Santos
João Victor Linhares
Mariane Alves Romão
Rafaella Silveira

EM EMais
Editora & Livraria Jurídica

Coletânea De Artigos
Guilherme Augusto Corrêa Rehder
Organizador
Copyright© 2019 Guilherme Augusto Corrêa Rehder
Editora-Chefe Fernanda Pacheco Amorim

CORRUPÇÃO, LAVAGEM
Capa e Diagramação Carla Botto de Barros

Aldacy Rachid Coutinho - UFPR


CONSELHO EDITORIAL
Jéssica Gonçalves - UFSC
DE DINHEIRO E
ORGANIZAÇÃO
Alexandre Morais da Rosa – UFSC e Univali Jorge Bheron Roche - Unifor
Alfredo Copetti Neto – Unioeste e Unijuí Juan Carlos Vezzulla – IMAP-PT

Ana Claudia Bastos de Pinho – UFPA Júlio César Marcellino Jr – Unisul

CRIMINOSA:
Claudio Ladeira de Oliveira - UFSC Luiz Henrique Cademartori – UFSC
Claudio Melim - Univali Márcio Ricardo Staffen – Imed-RS
Daniela Villani Bonaccorsi - Imed Maria Claudia da Silva Antunes de Souza – Univali
Denise Schmitt Siqueira Garcia – Univali
Diogo Rudge Malan – Uerj, UFRJ e
Orlando Celso da Silva Neto – UFSC

Pedro Miranda de Oliveira – UFSC


ENSAIOS
FGV DIREITO RIO
Eduardo de Avelar Lamy – UFSC Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino - Imed
Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto –
Roberto Miccu – Universidade de Coimbra-PT
UFSC e Univali
Gabriel Real Ferrer – Univali e Universidad de
Autores
Alicante-ES Thiago Fabres de Carvalho – FDV Adenor Antônio Pereira
Gisela França da Costa – Estácio de Sá-Unesa, Thiago M. Minagé – UFRJ, Unesa e Alinor Furtado Neto
Uerj e Emerj ABDConst-Rio Ana Cristina Sabel
Daiana Marques Molinari
Daniela Lorenço
Eloisa Rodrigues Sales
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Guilherme Augusto Corrêa Rehder
Gustavo Nascimento Zhang
Isabela dos Santos
C85

Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa [recurso eletrônico] : ensaios / João Victor Linhares
Adenor Antônio Pereira ... [et al.] ; organizador Guilherme Augusto Corrêa Rehder. - 1.
ed. - Florianópolis [SC] : EMais, 2019. Mariane Alves Romão
recurso digital ; 2 MB Rafaella Silveira
Formato: ebook
Modo de acesso: world wide web
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-94142-70-2 (recurso eletrônico)

1. Direito penal - Brasil. 2. Crime contra a administração pública - Brasil. 3.


Crime organizado. 4. Corrupção administrativa. 5. Lavagem de dinheiro. 6. Livros
eletrônicos. I. Pereira, Adenor Antônio. II. Rehder, Guilherme Augusto Corrêa.

19-57444
CDU: 343.35(81)

Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644

03/06/2019 04/06/2019
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às ca-
racterísticas gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal,
art. 184 e seus §§ 1º, 2º e 3º, Lei da Lei 10.695 de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e
indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à EMais.


www.emaiseditora.com.br Coletânea de Artigos
[email protected]
Florianópolis/SC
2019
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
PREFÁCIO
Com muita alegria que prefacio a obra Corrupção, Lavagem de
Dinheiro e Organização Criminosa: Ensaios, produzida por alunos de Gra-
duação da UNIVALI em coautoria com o Prof. Me. Guilherme Augusto
Corrêa Rehder, também organizador e produtor do presente livro.
Sob óptica atual, a obra que o leitor tem em mãos versa sobre te-
mática em foco à sociedade brasileira desde os primórdios da operação
lava-jato: A Corrupção. Do aspecto histórico-cultural ao modus operandi
do crime no cenário brasileiro, a obra aborda os diversos vieses da corrup-
ção no Brasil. Ademais, incita o leitor a repensar vieses colaterais à temática,
à exemplo do impacto da corrupção às ideologias políticas.
Não obstante, promove reflexões para solução da problemática,
dentre as quais suscita a cooperação internacional, participação popular,
mudanças procedimentais e maior transparência por parte da máquina
pública, fornecendo alternativa crítica ao senso comum.
O valor da presente obra transcende o conhecimento científico nela
contido, uma vez que resulta da reunião da atividade de pesquisa realizada
em curso de graduação, de realizar reflexão adequada e aprofundada com
acadêmicos – verdadeiro fomento à construção de novos conhecimentos
pelo incentivo à produção científica, tão bem desempenhado pelo desta-
cado professor da Univali, Guilherme Rehder.

Alexandre Morais da Rosa


Juiz de Direito e Professor

5
SUMÁRIO

A DEMOCRACIA E O MINISTÉRIO PÚBLICO: A


INFLUÊNCIA DA CORRUPÇÃO NAS IDEOLOGIAS POLÍTICAS . . . . . . . 9
Isabela dos Santos
Mariane Alves Romão
Guilherme Augusto Corrêa Rehder

A FISCALIZAÇÃO E A REPRESSÃO EM CRIMES DE


LAVAGEM DE CAPITAIS: UM COMPARATIVO COM A
LEGISLAÇÃO NORTE AMERICANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Daiana Marques Molinari
Daniela Lorenço
Guilherme Augusto Corrêa Rehder

A IMPORTÂNCIA DA ADOÇÃO DO WHISTLEBLOWER


COMO INSTRUMENTO DE COMBATE A CORRUPÇÃO NO BRASIL . . . 45
Rafaella Silveira
Guilherme Augusto Corrêa Rehder

A MÁCULA PERSISTENTE DA CORRUPÇÃO NO BRASIL . . . . . . . . . . . 69


Ana Cristina Sabel

BUROCRACIA: O MODUS OPERANDI DA CORRUPÇÃO . . . . . . . . . . . . 85


Alinor Furtado Neto
João Victor Linhares
Guilherme Augusto Corrêa Rehder

FORO POR PRERROGATIVA A SERVIÇO DA CORRUPÇÃO:


UMA FERRAMENTA INVÁLIDA E INJUSTIFICÁVEL . . . . . . . . . . . . . . . 109
João Victor Linhares
Guilherme Augusto Corrêa Rehder

O FORTALECIMENTO DO ACESSO À INFORMAÇÃO


MEDIANTE A COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL . . . . . . . . 131
Ana Cristina Sabel

7
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS

IMPRESCINDIBILIDADE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR


EM CONJUNTO COM A TRANSPARÊNCIA DOS ÓRGÃOS
PÚBLICOS PARA A MITIGAÇÃO DA CORRUPÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Gustavo Nascimento Zhang
Guilherme Augusto Corrêa Rehder

PROPOSTAS DE MUDANÇAS NOS PROCESSOS A DEMOCRACIA E O MINISTÉRIO PÚBLICO:


LICITATÓRIOS COM A FINALIDADE DE SE EVITAR AS FRAUDES . . 173
Eloísa Rodrigues Sales
A INFLUÊNCIA DA CORRUPÇÃO NAS
Guilherme Augusto Corrêa Rehder IDEOLOGIAS POLÍTICAS
REGULAMENTAÇÃO DO LOBBY – FERRAMENTA DE DEMOCRACY AND THE PUBLIC MINISTRY:
COMBATE À CORRUPÇÃO NAS RELAÇÕES ENTRE OS
SETORES PÚBLICO E PRIVADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
CORRUPTION INFLUENCY IN POLITICAL
Adenor Antonio Pereira
IDEOLOGIES
Guilherme Augusto Corrêa Rehder
Isabela dos Santos1
UMA CRÍTICA AO SENSO COMUM: PORQUE A
EDUCAÇÃO NÃO É A SOLUÇÃO DA CORRUPÇÃO BRASILEIRA . . . 209 Mariane Alves Romão2
Alinor Furtado Neto
Guilherme Augusto Corrêa Rehder3

RESUMO: O presente trabalho se propõe a explicar os novos fenômenos


da política e das intituições em face da corrupção, buscando demonstrar
a influência da corrupção sobre a formação das posições políticas atuais.
Salienta-se que o Brasil vive uma grande crise política e econômica, agra-
vada pelos casos de corrupção expostos pela Operação Lava Jato. Dentro
desta nova realidade se destacam a bipartição política entre a direita e a
esquerda, aumentando, consequentemente, a falta de fé nas intituições
públicas e um ansejo por governos mais firmes e com ideais totalitários,
levando a descrédito a forma democrática de governo. Este cenário, tem
exigido uma postura mais firme de instituições, como o Ministério Pú-
blico, para seguir com os preceitos da constituição e garantir o estado
democrático como direito inerente de qualquer cidadão brasileiro
Palavras-chave: Corrupção; Democracia; Ministério Público.

1 Aluna do 4º período de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Email: isabe-


[email protected]; Contato: (47) 996271856.
2 Aluna do 4º período de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Email: maria-
[email protected]; Contato: (47) 997786306.
3 Orientador. Professor e Advogado possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Especialização em Ciências Criminais pena Unama, Mestrado em Ci-
ências Jurídicas pela UNIVALI e cursa Doutorado em Ciência Jurídica da Univali sanduíche com
a Widener University Delaware Law School. E-mail:[email protected].

8 9
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ISABELA DOS SANTOS – MARIANE ALVES ROMÃO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

ABSTRACT: This paper makes a bibliography research for explain the atribuições e funções que recebe, cabe a ele impor à corrupção uma sanção
news phenomena from political and institution in front of corruption, justa e dizimar a ideia de impunidade, uma das maiores críticas ao direito
seeking show the influence of corruption in the formation of the political atual. Baseando-se na Contituição Federal de 1988 e em estudiosos da área,
position currently. Brazil lives a big political and economic crisis worsens
busca-se a conexão entre a corrupção e a posição política das massas, e a
for the corruption cases exposed for the “lava jato” operation. Inside this
new reality stand out the dichotomy between right and left, making worse responsabilidade do Ministério Público no enfrentamento dos problemas
the consequences and lack of faith in public institutions and a desire for políticos que se agravam a cada momento.
hard government with totalitarians ideals, taking for less the democratic
form of government. Since then it’s been necessary that institutions like
public ministry show themselves strong in follow the constitution and
1. A CORRUPÇÃO
guarantee the democratic like a right inherent to every Brazilian citizen.
1.1. SIGNIFICADO E ORIGEM
Keywords: Corruption; Democracy; Public Ministry.
A origem da palavra “corrupção” vem do latim particípio de “cor-
romper”: é o corrompido, o podre, o que se deixou estragar. Tais atos
INTRODUÇÃO podem surgir tanto na vida privada quanto na vida pública sempre na
No Brasil atual, é possível ver em diversas situações cotidianas a idealização de uma conduta contrária as normas e as morais vigentes na
ocorrência das acaloradas discussões de teor político que se desenvolveram sociedade em que se está inserido.4
durante os últimos anos, principalmente, com os escândalos de corrupção
Na Idade Antiga, Platão falava em seu livro “A República”, mais
que se instauraram com a Operação Lava Jato, deixando os eleitores e ci-
precisamente no conto de Giges, sobre o corrompimento da pessoa
dadãos brasileiros indignados com a situação em que o país se encontra.
em torno do poder que a mesma possui. Ainda, mais profundamente,
Neste momento de instabilidade política, começa a despertar na população
Aristóteles falava sobre a corrupção nos Estados e como ela se insere
um sentimento de revolta, reforçando a divisão política entre aqueles que
imperceptivelmente no seio da sociedade até consumi-la por inteiro5.
se consideram de direita ou de esquerda.
Inclusive, Aristóteles dedicou um inteiro estudo às práticas corruptas dos
A partir dessa bipartição de ideologias, as ideias de governos mais seres humanos, aderindo a sua natureza6.
severos começam a se tornar constante como uma forma de solução, im-
Ulteriormente, é possível mencionar filósofos como Maquiavel7,
pondo a culpa da corrupção ao governo democrático e sinalizando-o como
Tocqueville8 e Montesquieu9, “a corrupção de cada governo começa quase
falho. De forma equivocada, pensa-se num governo totalitário como forma
sempre pela corrupção de seus princípios”. Vale ainda mencionar de forma
de solução para os problemas que assolam o país, dentre eles incluindo,
relevante, que para Monstesquieu10 a Democracia se corrompe não quando
principalmente, a corrupção. Não se vê o problema de sua raiz, mas pro-
apenas cessa seu maior ideal de liberdade, mas quando, há também um
cura-se um modo de resolve-lo imediatamente, não calculando as possíveis
excesso do seu próprio princípio, ou seja, quando o povo começa a querer
consequências que podem trazer às liberdades e garantias individuais a
instauração de um governo antidemocrático e radical.
4 ETIMOLÓGICO, Dicionário. Origem das palavras. Disponível em: https://www.diciona-
Dessa forma, faz-se importante compreender como a corrupção rioetimologico.com.br/corrupcao/. Acesso em: 14 out. 2018
5 PLATÂO. A República. 1 ed., São Paulo: Edipro, 2012.
pode fazer com que o governo democrático seja visto como inviável, e 6 ARISTOTELES. Sobre a geração e a corrupção. 1. ed. São Paulo: Impressa nacional – Casa
quais as consequências que trazem a propagação de ideias radicais para a da moeda, 2009.
solução da atual crise política. Assim, trazendo a necessidade de demons- 7 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 6. ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
8 TOCQUEVILLE, A. de . A democracia na América. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005.
trar a importância do Ministério Público como um dos principais atores 9 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do espírito das leis. São Paulo: Martin Claret,
na garantia do estado democrático de direito, pois a Constituição Federal 2010, p.121.
de 1988 lhe dá este papel de protetor da sociedade, e com o poder das 10 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do espírito das leis. São Paulo: Martin Claret,
2010, p. 121 – 122.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ISABELA DOS SANTOS – MARIANE ALVES ROMÃO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

fazer todos os atos sozinho, não havendo mais respeito pelas proferidas nacionais. Os direitos sociais deixam de ser garantias constitucionais para
decisões do governo eleito. Hobbes11 em sua obra faz do homem um ser se transformarem em instrumentos de cooptação, de corrupção e da con-
corrupto por natureza, ou seja, movido por suas paixões tem a tendência à cessão irrestrita de privilégios.15
violência para garantir a sua sobrevivência, o homem é identificado como Lembrando-nos, assim, de caso como o mensalão, um esquema de
o lobo do próprio homem (Lupus est homo homini lúpus). propinas pago à parlamentares, que tornou-se público a partir de 2005, e
Mais contemporaneamente, M.I. Finlley12, faz a ligação entre os que culminou em escandalos agravados, principalmente, pela mídia16. De
políticos e a corrupção com um ideal de enriquecimento, os definindo fato o Brasil tem um histórico de corrupção preocupante, e que após os
como um novo e poderoso grupo da sociedade. O referido autor cita fatos acima, se fez um tempo de isntabilidade até estourar um novo escan-
Henry Kissinger que fala sobre como esse novo grupo, pelo fator do dalo, que se iniciou através das insvestigações dos doleiros numa grande
enriquecimento, conduz seus atos no objetivo de manter-se no poder, operação, culminando na crise politica que o Brasil se encontra hoje.
abandonando medidas necessárias de longa duração, pois não teria futuro
1.2. A CORRUPÇÃO E O BRASIL ATUAL
como forma de novas eleições.
O Brasil 2018 vive uma clara crise política e moral marcada pelos
É importante que se faça a ligação das teorias existentes com o atual
escândalos acontecidos com a Operação Lava Jato, uma operação realizada
estado político do Brasil. Salienta-se que a corrupção do Brasil se faz pre-
pela polícia federal desde 2014, que eclodiu nos últimos anos causando
sente desde o Brasil colônia, começando com os desvios de ouro e riquezas
uma grande comoção geral.17
que eram retiradas do Brasil, inclusive por clérigos13. Com a chegada dos
Portugueses ao Brasil, esses tinham, inicialmente, apenas ideias extrativis- De acordo com as informações disponibilizadas pelo Ministério
tas movidos pela ambição do progresso, inciando a colonização por aqueles Público Federal, a operação Lava Jato é uma gigantesca investigação de
que se encontravam sem perspectivas na antiga terra ou até mesmo aque- corrupção e lavagem de dinheiro. A estimativa do montante desviado dos
les que cometiam crimes e eram sentenciados a deportação para o novo cofres da Petrobras está na casa dos bilhões de reais. Ela iniciou em 2009
mundo14.Com o tempo, estabeleceram-se grandes conglomerados de pessoas com o trabalho conjunto da Polícia Federal e do Ministério Público, que
e iniciou-se as cidades caracterizadas pelo trabalho rural e o comércio de com a investigação de crimes de lavagem de dinheiro e recursos relaciona-
escravos, feito de forma primaríssima na faixa litorânea do país formando-o dos a algumas figuras públicas, doleiros, resultou na identificação de quatro
a partir de vários outros casos de corrupção, perpassando pelas capitanias organizações criminosas.18
hereditárias e os grandes poderes dados aos donatários, a política cafeeira
Em 2014, essas quatro organizações criminosas que foram investi-
que utilizava de seu poder para obter grandes vantagens, sendo o patrimo-
gadas e processadas, eram lideradas por doleiros. Assim, foram cumpridos
nialismo português uma herança que abala até hoje as políticas nacionais.
vários mandatos, até o Ministério Público recolher provas de um gigantesco
As distribuições de privilégios positivos e negativos, conforme o padrão esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras. No qual foi des-
da clientela, comprova a dimensão do Estado patrimonial brasileiro, que
coberto que grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina
consolidou ao longo dos séculos (e assim permanece) as relações políti-
cas, econômicas e sociais, atingindo, evidentemente, as políticas públicas
15 NETO, Afonso Guizzo. Corrupção, Estado Democrático de Direito e Educação. 2008.
Dissertação (Mestrado em direito), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.
11 HOBBES, Thomas. Leviatã. 2 ed. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 30-31. 16 MIGUEL, L. F.; COUTINHO, A. A. A crise e suas fronteiras: oito meses de “mensalão” nos
12 FINLEY, Moses I. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988, p.46-47. editoriais dos jornais. In: Opinião Pública, Campinas, vol. 13, nº1, Junho, 2007.
13 FURTADO, Lucas Rocha. As Raízes da corrupção: estudos de casos e lições para o futuro. 17 CIOCCARI, Deysi. Operação Lava jato: Escândalo, agendamento e enquadramento. Dis-
2012. Dissertação (Mestrado em Direito Administrativo, Financeiro e Processual), Universidade ponível em: http://www.unigran.br/mercado/paginas/arquivos/edicoes/9/6.pdf. Acesso em: 15
de Salamanca, Salamanca, 2012, p. 02. out. 2018.
14 PIMENTEL, Isabela Arruda. A corrupção no Brasil e a atuação do Ministério Público. 18 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Grandes casos: caso Lava Jato. Disponível em: http://
2014. Monografia (Pós Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas), Uni- www.mpf.mp.br/grandes-casos/caso-lava-jato/atuacao-na-1a-instancia/investigacao/historico.
versidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2014, p. 27-28. Acesso em: 15 out. 2018.

12 13
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ISABELA DOS SANTOS – MARIANE ALVES ROMÃO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

para executivos da estatal e dentre outros agentes públicos.19 constituíam os caracteres de uma sociedade racionalmente concebida,
dessa forma podemos atribuir estes ideais com a definição de “esquerda” e
A partir dessa grande operação, com a prisão de vários envolvidos,
“direita” dados por Norberto Bobbio23, e que utilizaremos neste trabalho.
as polêmicas das delações premiadas, as atuações do MP, a ascensão do ju-
diciário como parte importantíssima no futuro político, os criticados “foros Noberto Bobbio24 leciona que “esquerda” e “direita” indicam progra-
privilegiados”, diante da era da informação e uma grande influência das mas contrapostos com relação a diversos problemas e que a loução pertence
mídias sociais, começaram a deflagrar pelas redes um grande número de a ação política, não se tratando apenas de ideias, mas também de interes-
cidadãos descontentes. Gerando brigas imensas e grandes movimentações ses e valorações a respeito da direção a ser seguida pela sociedade. Dessa
(como por exemplo, os protestos pró- impeachment da, agora, ex-presi- forma, não há o que contradizer ao remetermos a ação política como uma
dente Dilma Rouseff). Desde então, com toda a revolta, começaram a se solucionadora, visto que aquele que nos governa deve se adequar e salientar
materializar um grande número de violência, e o favoritismo a políticas o que a sociedade quer, necessita e é.
extremas, subdividindo-se, inicialmente, em Esquerda e Direita.
O grande problema encontra-se no fato de que a sociedade não
pensa de forma igual, o que torna muito mais árduo e dificultoso tentar
2. A DEMOCRACIA E AS IDEOLOGIAS atender ao que todos querem. Bobbio nos diz que somos tão iguais quanto
desiguais, somos iguais em muitos aspectos como a morte por exemplo, e
2.1. DIREITA E ESQUERDA desiguais em outros, como a forma de morrer que acaba por ser diferente
Durante o período da Revolução Francesa, ocorreu o surgimento de para todos25. Ele também nos diz que o critério mais adotado para distin-
grupos que foram imprescindíveis para a conceituação que possuímos hoje guir direita e esquerda é a postura adotada pelos homens organizados em
de certas ideologias seguidas pela sociedade. Dentro dessa revolução, tinha-se sociedade, sobre o que eles consideram o ideal de igualdade26.
os Jacobinos, que eram seguidores de Robespierre que representavam a baixa Para Bobbio, o contraste mais correto para dizer o que é esquerda ou
burguesia, camponeses, produtores, e diferentes camadas de trabalhadores direita, parte do pressuposto de que são chamados de igualitários aqueles
e que também contavam com o apoio dos sans-culottes20. Já, os Girondinos, que “ainda que não ignorando que os homens são tão iguais quanto desi-
provenientes da região de Gironda, representavam a alta burguesia21. guais, apreciam de modo especial e consideram mais importante para a boa
Silvio Costa, cita em sua obra outro doutrinador, Albert Soboul22, convivência tudo aquilo que os une”, e também nos diz que são inigualitá-
o qual menciona que os Girondinos defendiam a propriedade e a liberda- rios aqueles que “ partindo do mesmo juízo de fato, apreciam e consideram
de econômica, que iam contra as limitações impostas pelos sans-culottes, mais importante, para fundar uma boa convivência, a diversidade”.27
por outro lado, os Jacobinos presumiam que a liberdade e a igualdade Dessa forma, seguindo a linha de raciocínio, quando Bobbio
nos fala que “desigualdades naturais existem e se algumas delas podem
19 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Grandes casos: caso Lava Jato. Disponível em: http://
www.mpf.mp.br/grandes-casos/caso-lava-jato/entenda-o-caso. Acesso em: 15 out. 2018.
ser corrigidas, a maior parte não pode ser eliminada” 28, faz parte da
20 Segundo Sílvio Costa, os sans-culottes eram anticlericalistas; desconfiavam do sistema re-
presentativo e de políticos pertencentes à grande burguesia; e reivindicavam o direito à revo- 23 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 2
galidade de mandatos. Inclinavam- se à representação e à democracia direta e sempre se en- ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
contravam dispostos à insurreição contra os inimigos da Revolução. Não possuíam consciência
de classe própria, sendo marcadamente moralistas e defensores de uma sociedade de pequenos 24 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 2
proprietários. Sua orientação política era proporcionada por ex-eclasiáticos, advogados, admi- ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 111.
nistradores, intelectuais e, não raramente, pequenos proprietários. COSTA, Sílvio. Revolução 25 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 2
e contra-revolução na França, vol. 1: revolução burguesa e contra-revolução aristocrática. São ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 119.
Paulo: A. Garibaldi, 1999, p. 120. 26 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 2
21 COSTA, Sílvio. Revolução e contra-revolução na França, vol. 1: revolução burguesa e con- ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 111.
tra-revolução aristocrática. São Paulo: A. Garibaldi, 1999. 27 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 2
22 COSTA, Sílvio. Revolução e contra-revolução na França, vol. 1: revolução burguesa e con- ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 120
tra-revolução aristocrática. 28 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 2

14 15
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ISABELA DOS SANTOS – MARIANE ALVES ROMÃO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

convicção do inigualitário, que por serem naturais não podem ser elimi- proteção a pessoa humana e as reivindicações organizacionais do estado30.
nadas, já quando ele nos fala que “desigualdades sociais também existem
Aristóteles, na Grécia Antiga, ao dividir as formas de governo em
e se algumas delas podem ser corrigidas e mesmo eliminadas – sobretudo
três (aristocracia, monarquia e democracia), afirmou ser a democracia
aquelas pelas quais os próprios indivíduos são responsáveis – podem ser
“governo que deve atender na sociedade aos reclamos de conservação e
apenas desencorajadas” faz parte da convicção do igualitário, que são
observância dos princípios de liberdade e de igualdade”31. Dessa forma,
as desigualdades que mais os indignam e os fazem querer eliminá-las29.
Montesquieu para diferenciar a democracia dos demais governos, a
Partindo dessas informações retiradas da doutrina de Noberto define como aquela que “o corpo do povo tem o poder soberano”, assim
Bobbio, pode-se atribuir ao que chamamos de “esquerda” os que pensam em alguns momentos o povo seria o monarca, já em outros o súdito e,
de forma igualitária, onde as desigualdades sociais vivenciadas na socie- ainda trata como um dos maiores princípios da democracia o espírito
dade os indignam e, dessa forma os fazem querer eliminá-las. Já ao que de igualdade.
chamamos de “direita” podemos atribuir os iniguálitarios, que acreditam
Na antiguidade, até meados do século XIII, a democracia era co-
que essas desigualdades são naturais do meio social, desta forma não sendo
nhecida como uma palavra depreciativa, algo que precisava de aprovação
possível corrigi-las ou eliminá-las, pois elas não vão deixar de existir.
do povo, certamente não era bom ou forte o bastante, tanto que Aristóte-
Se puxarmos estas ideias, que o doutrinador nos mostra, para les e Platão não tinham bons olhos para os governos democráticos. Com o
o contexto atual, podemos identificar a aplicação dessas ideologias em passar do tempo e com as revoluções que foram acontecendo mudou-se o
nossa sociedade, como por exemplo, hoje em dia tem-se uma visão olhar para os estado democráticos, onde a maior parte da sociedade e dos
de “direita” quem possui ideias mais conservadoras e que se prendem estudiosos concordam que é a melhor forma de governo, sendo utilizada
mais aos costumes e a religião. Já a esquerda, podemos atribuir a alguns na maioria dos países.32
grupos ativistas que vêm ganhando grande notoriedade na sociedade
No Brasil atual, com a influência das revoluções liberais33, se instau-
com o ideal de igualdade e obtenção de direitos como os movimentos
rou o estado democrático de direito, estabelecido no art 1º da Constituição
negros e feministas.
Federal de 198834, ou seja, nas palavras de José Afonso da Silva o estado
No entanto, o grande problema que a sociedade no contexto atual democrático de direito:
enfrenta, são os extremismos, visto que ambos os lados possuem aqueles [...] abre as perspectivas de realização social profunda pela pratica dos
com ideias suficientemente radicais a ponto de serem extremos e que vem direitos sociais, que ela inscreve, e pelo exercício dos instrumentos que
praticando atos totalmente antiéticos e criminosos, principalmente após oferece cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um estado
os escândalos de corrupção e a decepção com os partidos de esquerda que de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.35
se encontravam no poder. Esses grandes escândalos corroboraram para
a abertura de uma grande discussão entre a dicotomia que se agravou e 30 DALARI, Dalmo A. Elementos da teoria geral do Estado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 54.
31 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. São Paulo: Malheiros Editora, 2000, p. 249.
materializou a níveis excessivos.
32 FINLEY, Moses I. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988, p. 19.
33 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27 ed. São Paulo: Ma-
2.2. A DEMOCRACIA MODERNA lheiros, 2006, p.117
34 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Haja vista, se ter a experiência da Democracia na Grécia, a Demo- Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
cracia Ocidental, que faz jus até hoje, e apesar de ter raízes próximas as I – a soberania;
vigentes no tempo antigo, teve seu início no séc. XVIII com os ideais de II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.
ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 118. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
29 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 2 ou diretamente, nos termos desta Constituição.
ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 120. 35 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27 ed. São Paulo: Ma-

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ISABELA DOS SANTOS – MARIANE ALVES ROMÃO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Ainda, para o mesmo autor, a democracia se molda ao povo em que possibilidade das democracias diretas mesmo com um grande número
há exerce, por isso se diferencia a democracia ateniense e a democracia de pessoas. Porém, encontraria resistência dos políticos profissionais que
burguesa liberal da democracia moderna, podendo assim, ser atualmente tomam vantagem e preferem manter o povo dependente dos mesmos,
conceituada como “[...] um processo de convivência social em que o poder sendo dessa forma, possível compreender como a atividade política virou
emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e um meio de subsistência pessoal e não de atendimento ao que é público.
em proveito do povo”36.
2.3. O IMPACTO DAS IDEOLOGIAS NO ESTADO DEMO-
Estando claro, que a democracia se faz com o povo, faz-se necessário CRÁTICO
perguntar como ela se exterioriza, principalmente na velocidade do mundo
globalizado, onde tende a ter grandes colégios eleitorais e uma gama inten- Em realidade a democracia brasileira é representativa e, desta forma
sa de interesses públicos a serem deliberados. Dessa forma, vem a ideia de se faz a representação por meios de partidos políticos que são:
democracia direta, tendo a democracia ateniense como exemplo, é possível Uma forma de agremiação de um grupo social que se propões a organi-
defini-la como aquela em que o povo decide diretamente, ou seja, votam zar, coordenar e instrumentar a vontade popular com o fim de assumir o
em seus próprios nomes, poder para realizar seu programa de governo.41

A democracia ateniense era direta.[...] O comparecimento à assembleia Dessa forma, no Brasil a representação política se iniciou com as
era aberto a todo o cidadão e não havia burocracia ou funcionários pú- facções formadas relativas a independência e que foram se transformando
blicos [...] O governo era, assim “pelo povo” no sentido mais literal. A até chegar as uniões partidárias atuais.
assembleia que detinha a palavra final na guerra e na paz, nos tratados,
nas finanças, na legislação, em obras públicas [...] 37. Atualmente, a classificação desses partidos políticos, se faz entre
esquerda42, direita43 e centro44, ainda, podendo serem mistificados como
É possível a existência da democracia semidireta, que é carac-
centro-esquerda por exemplo (num entendimento de Bobbio, equivale-
terizada pela utilização de alguns meios de consulta pública como o
riam à esquerda/direta moderados). Essa gama de partidos formam os
referendum, o plebiscito, a iniciativa, o veto popular, o recall38. Entre-
sistemas partidários que, no Brasil, dado a grande quantidade de partidos
tanto, a mais utilizada e também discutida é a democracia representativa,
se faz o pluripartidarismo como garantido no art. 17 da Constituição
ou seja, aquela em que o povo é soberano, porém faz-se representado por
Federal de 198845.
outrem por meio do voto. É, portanto, uma tipologia que sofre duras crí-
ticas, que na maioria das vezes, com a colocação de obstáculos ao poder No entanto, ainda na atualidade, é possível vermos uma grande
do voto, os representantes não fazem jus ao que realmente exprime a movimentação político partidária no Brasil devido a já falada “Opera-
vontade da maioria, mas sim, as classes dominantes39. ção Lava Jato”, que foi responsável por inúmeras prisões e investigações
que derrubaram grande parte dos políticos brasileiros envolvidos com
No mesmo teor40, faz uma referência ao mundo moderno, com as
maiores possibilidades de discussão com as tecnologias, uma abertura a
41 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27 ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 2006.
42 Ex: PT – Partido dos trabalhadores.
lheiros, 2006, p.120
43 Ex: PSL – Partido Social Liberal
36 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27 ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 2006, p.126. 44 11 Ex: PSL – Partido Social Liberal
37 FINLEY, Moses I. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988, p. 31. 45 13 É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a so-
berania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa
38 DALARI, Dalmo A. Elementos da teoria geral do Estado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, humana e observados os seguintes preceitos:
p.57. I – caráter nacional;
39 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 27 ed., São Paulo: Ma- II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de
lheiros, 2006, p. 137-138. subordinação a estes;
40 DALARI, Dalmo A. Elementos da teoria geral do Estado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;
p.56-57 IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ISABELA DOS SANTOS – MARIANE ALVES ROMÃO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

corrupção. Como consequência deste acontecimento é possível ver o en- 3. MINISTÉRIO PÚBLICO
fraquecimento da democracia representativa, tendo em vista um povo
que não se sente representado pelos seus atuais governantes. 3.1. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O ESTADO
DEMOCRÁTICO
Nesse contexto, começa a nascer no seio da sociedade uma sensação
de revolta contra aqueles que os representam. Como o próprio Montes- O Ministério Público, no Brasil, teve sua primeira menção na cons-
quieu46 já mencionava, a corrupção, ou seja, o fim da democracia não se faz tituição de 1891, onde apenas suscitou que seria um membro do Supremo
apenas quando inexiste seu principal princípio, mas quando este princípio Tribunal Federal o Procurador-Geral da República, porém, anteriormente
(se refere o autor ao princípio de igualdade) se torna exacerbado, de tal em 1890 a lei 1.030 já designava o Ministério Público como uma instituição.
modo, fazendo com que a falta de fé nas instituições brasileiras nos levem A constituição de 1934 definiu o Ministério Público como autônomo, em
a uma crise no Estado Democrático. 1967 foi adicionado ao capítulo do poder judiciário, e após, na emenda 1/69
colocou-o entre os órgãos do poder executivo.50
É impossível também, não relacionar a corrupção com as atuais aca-
loradas brigas políticas que refletem diretamente no Estado democrático, a Na doutrina, é variada a discussão sobre a natureza constitucional
grande ascensão do conservadorismo perante a atual governança do país e do Ministério Público. Alguns consideram como parte do judiciário ou
a decepção com os governos representantes da esquerda. do executivo e há, também, aqueles que devido a sua autonomia frente aos
outros poderes o considere um quarto poder. Nesse passo, explana Alexan-
DALLARI47 expõe sabiamente a linha tênue existente entre um go-
dre de Morais utlizando-se da obervação do ministro Sulpúveda Pertence:
verno democrático e uma ditadura, na qual relata que o Estado, sendo
apenas um Estado enfraquecido, não necessariamente se estabeleceria uma A razão subjacente à crítica contemporânea da integração do Ministério
Público no Poder Executivo ou judiciário esta, na verdade, na postulação
democracia, podendo ser passível de mascarar uma ditadura fazendo com
da independência política e funcional do Ministério Público, pressupos-
que o poder pertença a um só grupo ou a uma só pessoa, fazendo sumir a to da objetividade e da imparcialidade de sua atuação nas suas funções
participação e favorecendo a concentração de poder. Ainda, o mesmo autor sintetizadas na proteção da ordem jurídica.51
ressalta que para a existência de uma democracia é necessária a eliminação
O exímio doutrinador José Afonso da Silva aponta o Ministério
da rigidez formal, assim sendo:
Público como integrante do Poder executivo.
Para que um Estado seja democrático precisa atender à concepção dos va-
lores fundamentais de certo povo numa época determinada. Como essas Ainda assim não é aceitável a tese de alguns que querem ver na instituição
concepções são extremamente variáveis de povo para povo, de época para um quarto poder do estado, porque suas atribuições mesmo ampliadas
época, é evidente que o Estado deve ser flexível, para se adaptar às exigên- aos níveis acima apontados, são ontologicamente de natureza executiva,
cias de cada circunstância.48 sendo, pois uma instituição vinculada ao Poder Executivo [...] 52.

Seria necessário ainda, a supremacia do povo, a preservação da Quando o Brasil saiu do regime ditatorial, e nossa constituição es-
igualdade e da liberdade, sendo muito sensato concluir que “[..] a melhor tabeleceu-se num regime democrático, destinou ao Ministério Público a
ditadura causa mais prejuízos do que a pior democracia”.49 função de guardião deste regime, o qual deve zelar e proteger.
De acordo com a nossa Carta Magna, em seu artigo 127, “O Minis-
46 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do espírito das leis. São Paulo: Martin Claret,
tério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
2010, p. 121-122.
47 DALARI, Dalmo A. Elementos da teoria geral do Estado. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 1998,
p.108. 50 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Martin Cla-
48 DALARI, Dalmo A. Elementos da teoria geral do Estado. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, ret, 2010, p.598.
p.109. 51 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p.619.
49 DALARI, Dalmo A. Elementos da teoria geral do Estado. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, 52 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Martin Cla-
p.109. ret, 2010, p.598

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ISABELA DOS SANTOS – MARIANE ALVES ROMÃO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático que encontra-se a fundamentação legal para o que está sendo dito acima,
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. ou seja, a respeito do papel do Ministério Público para a garantia do
Estado Democrático, bem como suas funções, atribuições e etc. As refe-
Com uma grande área de atuação, o Ministério Público se destaca
ridas normas, inclusive, autorizam o mesmo a proceder com a ação de
pela sua atuação na ação penal e, atualmente, nas investigações que envol-
improbidade administrativa, que deriva da lei 8.429/92, a qual visa que
vem a administração pública e os escândalos recorrentes de corrupção.
quando imposta esta sanção haja um melhor gerenciamento do aparelho
Salienta-se que possui como característica, ser uma instituição estatal juntamente com a administração pública.
permanente, ser essencial a função jurisdicional, defender o ordena-
O Ministério Público tem o dever, e atua de diversas formas no
mento jurídico, guardar o regime democrático e defender os interesses
combate a corrupção, apesar de suas atribuições, a respeito deste fato, não
indisponíveis.
estarem tão bem definidas no texto constitucional, é notório que ele tem
Sabido que, um Ministério Público efetivamente focado nos in- seu papel fundamental neste combate, visto que a Constituição Federal
teresses sociais somente poderá exercer seus propósitos num ambiente de 1988 o deu vários papéis importantes, entre eles, o de garantidor dos
democrático. Nessa perspectiva que o legislador constituinte delibe- direitos fundamentais, sendo dessa forma o defensor da sociedade.
rou em ensejar ao Ministério Público a defesa do estado democrático,
Além destas atribuições supracitadas, o Ministério Público, vem
para ter assim, a possibilidade de ter plena atuação e concretização
desenvolvendo alguns projetos de medidas ao combate a corrupção, po-
do seu objetivo53.
dendo se ter acesso a estas em seu endereço eletrônico (site). Contudo,
3.2. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ATUAÇÃO NO COM- como forma sucinta de exemplificar, algumas das medidas são: Prevenção
BATE A CORRUPÇÃO à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação; Criminali-
zação do enriquecimento ilícito de agentes públicos; Aumento das penas
Sabemos que o Ministério Público é o defensor da sociedade, e crime hediondo para corrupção de altos valores; Aumento da eficiência
cabe a ele zelar pela proteção dos nossos direitos, desta forma, ele tem e da justiça dos recursos no processo penal; Celeridade nas ações de
um papel importante no combate à corrupção, por esta representar uma improbidade administrativa; Reforma no sistema de prescrição penal;
ofensa direta a sociedade. Ajuste nas nulidade penais; Responsabilização dos partidos políticos e
Possui legitimidade para atuar em investigações criminais, porém, criminalização do caixa 2; Prisão preventiva para evitar a dissipação do
o Ministério Público do Estado do Paraná, frisa que o Ministério Público dinheiro desviado; Recuperação do lucro derivado do crime.
não quer substituir os policiais, no trabalho da polícia judiciária, muito Cabe mencionar, que também vem atuando com caráter repressivo
menos competir com a polícia, e sim, atuar em casos como as que envol- por meio da sua força tarefa, já conhecida e vista no início deste trabalho,
vem agentes públicos e agentes políticos, casos de corrupção e de lesão a lava jato, com o qual o Ministério Público e a Polícia Federal trabalham
aos cofres públicos, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, sonegação de modo conjunto. Na qual a Polícia Federal conduziu a investigação
fiscal54, pois, como são casos que ofendem diretamente a sociedade e a inicial e conforme o andamento e a junção das provas, elaborou relatórios
Constituição Federal de 1988, visa assumir seu papel de garantidor do que foram encaminhados para o Ministério Público abrirem a ação penal.
Estado Democrático e da administração pública, tendo o dever de agir. Ambos foram essenciais para a conclusão do caso, visto que tudo foi feito
É na lei complementar nº 75/93, juntamente com a lei nº 8.625/93 com aval e concordância de ambos.55

53 SAUWEN Filho, João Francisco. Ministério Público Brasileiro e o Estado democrático de


direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 55 FEDERAL, Ministério Público. Fluxo da investigação. Disponível em: http://www.mpf.
54 PARANÁ, Ministério Público do. Por que o MP é contra a PEC 37. Disponível em: http:// mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/atuacao-na-1a-instancia/parana/investigacao/fluxo-da-in-
www.mppr.mp.br/pagina-4892.html. Acesso em: 15 out. 2018. vestigacao. Acesso em: 16 out. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ISABELA DOS SANTOS – MARIANE ALVES ROMÃO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

4. CONCLUSÃO imparcialidade e boa fé, intervindo nas violências geradas por teor político
como autor da ação penal e acompanhando de perto o desenvolvimento
O presente trabalho teve o objetivo de apresentar as ideologias das novas políticas.
políticas e a sua influência no cenário político atual brasileiro, com a apre-
sentação do Ministério Público como principal ator da manutenção do
Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS
ARISTOTELES. A Política. 2 ed. São Paulo: Edipro, 2009.
Ressalta-se que a crise política que assola o Brasil se revela em vários ARISTOTELES. Sobre a geração e a corrupção. 1 ed. São Paulo: Impressa nacional –
outros lugares do mundo com a inexpressiva concretização da representação Casa da moeda, 2009.
do povo pela classe de políticos que coloca em risco a ordem democrática. BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção políti-
É possível ver uma crise de ideologias, onde os partidos não seguem seus ca. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
princípios com coligações opositivas para manutenção do seu poder. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. São Paulo: Malheiros Editora, 2000.
É visível como a corrupção institucionalizada na política agrava esse BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasí-
lia, DF: Senado Federal: SEGRAF.
cenário de descontentamento político e enseja ideias radicais em que os
enfrentamentos da dicotomia política estão se materializando em violên- BRASIL. Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp75.htm. Acesso em: 16 out. 2018.
cias reais e no descrédito do modelo democrático. É claro que a direita e
BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.
a esquerda extremas têm em comum a antidemocracia56, acentuada clara- br/ccivil_03/LEIS/L8429.htm. Acesso em: 16 out. 2018.
mente pelas eleições que no primeiro turno já ficou explicita a escolha de
BRASIL. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Disponível em: http://www.planalto.
dois partidos intitulados como os tais, revelando uma certa tendência aos gov.br/ccivil_03/leis/l8625.htm. Acesso em: 16 out. 2018.
governos autoritários/totalitários. COSTA, Sílvio. Revolução e contra-revolução na França, vol. 1: revolução burguesa e
contra-revolução aristocrática. São Paulo: A. Garibaldi, 1999.
Com todo o tumulto provocado pelo atual cenário político, a fra-
queza das instituições perante a pressão social, faz com que se agrave ainda DALARI, Dalmo A. Elementos da teoria geral do Estado. 2 ed. São Paulo: Saraiva,
1998.
mais a situação, com um Supremo Tribunal Federal sendo duramente criti-
FEDERAL, Ministério Público. As 10 Medidas Contra a Corrupção. Disponível em:
cado pela falta de impessoalidade, a própria convergência de ideais dentro http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/. Acesso em: 15 out. 2018.
dos tribunais trazendo uma instabilidade notável ao sistema judiciário.
FEDERAL, Ministério Público. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/para-o- cida-
A corrupção se fez uma grande influenciadora na decadência dao/caso-lava-jato/atuacao-na-1a-instancia/parana/investigacao/fluxo-da-investiga-
cao. Acesso em: 16 out. 2018
político-partidária do país, aumentando claramente a desconfiança nas
FINLEY, Moses I. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
instituições e demandando uma grande instabilidade jurídica e, claramen-
te, política. Além de toda a defesa do Estado democrático pelas instituições GONÇALVES, Janaína Rodrigues. Ministério Público e o Estado Democrático de
Direito: importância de uma instituição autônoma e permanente na defesa da ordem
essenciais à justiça, cabe principalmente ao Ministério Público continuar o jurídica e dos interesses sociais. In: Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de
trabalho de fiscalização do bem público. Franca. Disponível em: https://www.revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/
download/229/193. Acesso em: 16 out. 2018
Por fim, faz-se necessário dentro de todo o sistema atual, que o HOBBES, Thomas. Leviatã. 2 ed. São Paulo: Martin Claret, 2009.
Ministério Público fique responsável, como a própria constituição já lhe
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 6 ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2015.
confere, a defesa do estado democrático e dos direitos fundamentais afir-
MÁRIO, Pimentel Albuquerque. O protagonismo do Ministério Público no Estado
mados pela mesma, seguindo seus preceitos e princípios, agindo com de Direito: a cidadania contra a corrupção. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/
atuacao-tematica/ccr5/noticias-1/eventos/docs-monografias/monografia_1_lugar.pdf.
Acesso em: 15 out. 2018.
56 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 2
ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001. MIGUEL, L. F.; COUTINHO, A. A. A crise e suas fronteiras: oito meses de “mensalão”

24 25
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS

nos editoriais dos jornais. In: Opinião Pública, Campinas, vol. 13, nº1, Junho, 2007.
Ministério Público do Paraná. Por que o MP é contra a PEC 37. Disponível em: http://
www.mppr.mp.br/pagina-4892.html. Acesso em: 15 out. 2018.
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14. ed., São Paulo: Atlas, 2003.
NETO, Afonso Guizzo. Corrupção, Estado Democrático de Direito e Educação.
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2008. Dissertação (Mestrado em direito) Universidade Federal de Santa Catarina, Flo- CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS: UM
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blico. 2014. Monografia (Pós Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas NORTE AMERICANA
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PLATÂO. A República. 1 ed. São Paulo: Edipro, 2012. MONITORING AND REPRESSION IN WASHING
ROCHA FURTADO, Lucas. As Raízes da corrupção: estudos de casos e lições para CRIMES CAPITAL: A COMPARATIVE WITH NORTH
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TOCQUEVILLE, A. de . A democracia na América. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, Guilherme Augusto Corrêa Rehder3
2005.

RESUMO: Tratar-se-á no presente artigo a respeito do delito de lavagem


de dinheiro, prática prejudicial a todo o sistema econômico e financei-
ro do país. Diante disto, primeiramente pretende-se analisar a origem
histórica desta prática, pois a mesma sempre esteve presente no cenário
econômico, e desde então vem sendo aperfeiçoada com métodos elabo-
rados e sofisticados com o intuito de afastar qualquer suspeita, de modo
que são necessários métodos de investigação cada vez mais engenhosos.
Posteriormente, procura-se demonstrar que a lavagem de dinheiro está
diretamente ligada ao crime de organização criminosa, tendo-se que o
crime, na maior parte dos casos demanda a ação de mais de um agente
para se consumar, portanto serão abordados conjuntamente. Por fim,
será abordado ainda, quais os métodos utilizados para combater estes
crimes, a eficácia da implementação da lei penal de lavagem de dinheiro

1 Acadêmica do Curso de Direito, UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí, cursando o 5º


período. E-mail: [email protected]
2 Acadêmica do Curso de Direito, UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí, cursando o 5º
período. E-mail: [email protected]
3 Orientador. Professor e Advogado possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Especialização em Ciências Criminais pena Unama, Mestrado em Ci-
ências Jurídicas pela UNIVALI e cursa Doutorado em Ciência Jurídica da Univali sanduíche com
a Widener University Delaware Law School. E-mail:[email protected].

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS DAIANA MARQUES MOLINARI – DANIELA LORENÇO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

e a comparação com as ferramentas de combate ao crime organizado e Logo após será explanado sobre a ligação existente entre o crime de
lavagem de capitais no sistema americano, fazendo-se um comparativo lavagem de dinheiro e o crime organizado, uma vez que no cometimento
visando elucidar as melhores opções dos meios a serem utilizados para do crime de lavagem de dinheiro, na maioria dos casos, é necessária a
elidir as práticas criminosas. O método utilizado na realização do presente
ação de diversas pessoas para consumá-lo, assim, configurando-se uma
artigo foi o indutivo.
organização criminosa.
Palavras-Chave: Lavagem de Capitais. Organização Criminosa. Combate
à Corrupção. Finalmente, será realizada uma análise em relação a legislação
ABSTRACT: This article will deal with the crime of money laundering, a brasileira e a legislação americana. Se faz mister entender as diversas
practice harmful to the entire economic and financial system of the coun- formas de consumação desses delitos para que se tenham melhores so-
try. In view of this, it is firstly intended to analyze the historical origin of luções para os mesmos. Sendo assim, se fará uma análise comparativa
this practice, since it has always been present in the economic scenario, quanto aos meios utilizados nos Estados Unidos, a fim de compreender
and since then it has been perfected with elaborate and sophisticated os métodos mais eficazes no combate à corrupção existentes nesse país e
methods in order to avoid any suspicion, so that methods of increasin-
gly ingenious research. Subsequently, it seeks to demonstrate that money
que são diferentes dos presentes no Brasil.
laundering is directly linked to the crime of a criminal organization, since É essencial o conhecimento acerca da legislação americana, pelo
the crime, in most cases, requires the action of more than one agent to be fato de que o surgimento de tais delitos, embora iniciados na Itália, pos-
consummated, so they will be dealt with together. Finally, it will be dis-
suíram sua evolução nos Estados Unidos, com a criação de legislações
cussed the methods used to combat these crimes, the effectiveness of the
implementation of the criminal law of money laundering and the compa- em prol de combatê-los. Haja vista que foi da legislação criada nos EUA
rison with the tools to combat organized crime and money laundering in que se basearam os demais países.
the American system, making a comparative in order to elucidate the best
Diante das consequências derivadas do cometimento dos crimes
options of the means to be used to elicit criminal practices. The method
used in the accomplishment of the present article was the inductive one. de lavagem de dinheiro e de organização criminosa, é de suma impor-
tância a realização de políticas a fim de fiscalizar e reprimir tais práticas.
Keywords: Money Laundering. Criminal Organization. Combating
Corruption. O Brasil, portanto, deve se espelhar nas ferramentas utilizadas por países
que obtêm êxito no que tange ao combate a esses crimes, visando aprimo-
rar os métodos utilizados para alcançar melhores resultados.
INTRODUÇÃO
É papel do Estado intervir criando políticas e leis que visam repu-
Com o presente artigo pretende-se analisar o crime de lavagem de diar estes atos criminosos, com a devida fiscalização, a fim de restabelecer
dinheiro, delito esse que causa prejuízos a todo o sistema econômico e a ordem econômica e social do país. Junto a isso, é de extrema impor-
financeiro do país, tendo em vista as grandiosas quantias de dinheiro envol- tância que os países busquem cooperar uns com os outros, através do
vidas nos desvios, além de ocasionar o aumento crescente da criminalidade, cumprimento de tratados internacionais, com o escopo de não expandir
como nos casos de corrupção e crime organizado. tais crimes, assim passariam a ter maior controle de tais delitos sobre seu
Com isso, surge a necessidade da implementação de métodos efi- território, pois tratam-se de crimes transnacionais, envolvendo esquemas
cazes no combate ao crime de lavagem de dinheiro e crime organizado, de lavagem de dinheiro transferido a outros países com o fim de despistar
tendo em vista que são crimes interligados e que vem se aperfeiçoando ao as autoridades e, assim, saírem impunes.
longo do tempo. Este artigo foi desenvolvido com base em conceitos extraídos de
Por esse fato, primeiramente será analisado, como base, o crime de obras dos autores André Luís Callegari, Marcelo Batlouni Mendroni,
lavagem de capitais, pois essa prática é recorrente em nosso país, além de Valdir Melo, entre outros, conforme constam nas referências bibliográficas.
estar presente em todo o mundo. Além disso utilizou-se como estudo as legislações brasileiras e americanas

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS DAIANA MARQUES MOLINARI – DANIELA LORENÇO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

referentes ao tema, afim de compará-las. Decreto-lei nº 59, de 21 de março de 1978, que como ilustra Carla Verís-
simo De Carli:
Por fim, para o desenvolvimento desta pesquisa foi utilizado como
método de abordagem o indutivo. [...] introduziu, no Código Penal Italiano, o artigo 648 bis. Esse artigo
incriminava a substituição de dinheiro ou de valores provenientes de
roubo qualificado, extorsão qualificada ou extorsão mediante sequestro
1. A ORIGEM HISTÓRICA DA LAVAGEM DE CA- por outros valores ou dinheiro. Nove dias após o assassinato de Moro,
PITAIS ocorrido em 9 de maio daquele ano, o decreto foi convertido em lei, com
alterações (através da lei n. 191, de 18 de maio de 1978) sem que houvesse,
A lavagem de dinheiro pode ser definida como o método utilizado entretanto, modificação no texto do art. 3 (que criou o 648 bis)7.
por um indivíduo ou uma organização criminosa que processa os ganhos
Após este marco da tipificação do crime, a prática de substituição
obtidos com atividades ilegais no sistema financeiro, buscando trazer a sua
de dinheiro obtido por meios ilícitos que possui como objetivo extinguir
aparência para aqueles obtidos licitamente4.
os sequestros, foi nos Estados Unidos que se consolidou as mais influentes
A prática do crime de lavagem de dinheiro é prejudicial a todo um medidas contra a lavagem de dinheiro.
país. O dinheiro que deveria possuir finalidade para a melhoria dos seto-
Já em 1920 a expressão (lavagem de dinheiro) surgiu nos Estados
res da sociedade, como saúde, educação, lazer, entre outros, acaba sendo
Unidos, sendo lá o delito chamado de money laundering, pelo fato de na
desviado para fins ilícitos, ocasionando no crescente aumento da crimina-
época os gangsteres utilizarem lavanderias para esconder o dinheiro pro-
lidade e desigualdade social.
vindo da atividade ilícita8.
O processo de lavagem de dinheiro possui basicamente três etapas.
A partir da década de 70, a lavagem de dinheiro tomou maiores
A primeira é a chamada de colocação, que é a inserção de montantes no
proporções, em decorrência disso, os Estado Unidos passaram a investi-
sistema financeiro. Após, é realizada a ocultação, acomodação ou estrati-
gar o tráfico de drogas e o modo que os criminosos lavavam o dinheiro
ficação, também conhecida como layering, onde o agente realiza diversas
obtido por tal meio. Com isso, passou-se a ser reconhecido o crime
transações com a finalidade de dificultar seu rastreamento. Por fim, é efe-
organizado, que ocorreu após a entrada em vigor da Lei Seca. A lei con-
tuada a integração, onde o dinheiro é incorporado na economia5.
denava “a fabricação, a venda, o transporte, a importação e a exportação
Destarte, para entendermos a dimensão dessa problemática que de bebidas alcoólicas em toda a área dos Estados Unidos e dos territórios
afeta todos os âmbitos da sociedade é imprescindível entender como se judicialmente submetidos a eles”9.
originou tal conduta.
Mesmo possuindo como objetivo inicial a proteção dos cidadãos,
Primeiramente, a criminalização da lavagem de dinheiro surgiu na o que realmente aconteceu foi um forte crescimento no crime organizado,
Itália, em 1978. Neste ano o grupo armado denominado como “As Brigadas que se potencializou devido à comercialização ilegal de álcool e com o fim
Vermelhas” fomentaram uma série de atuações com o propósito de desar- da Lei Seca passou-se para o mercado de drogas e outros fins ilícitos.
ticular o poder político estatal6.
Diante dessa situação, em 1986 foi criada nos Estados Unidos a Lei
Como resposta a esses ataques, o governo italiano editou o de Controle de Lavagem de Dinheiro (Money Laundering Control Act), que

4 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006, p. 7. 7 DE CARLI, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do
5 Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul. Lavagem de Dinheiro: Um discurso. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp020509.pdf. Acesso em: 15 set. 2018.
Problema Mundial. Porto Alegre, RS. Maio de 2003. Disponível em: http://www.crcrs.org.br/ar- 8 CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de dinheiro. São Paulo:
quivos/livros/livro_lavagem.PDF. Acesso em: 14 set. 2018. Atlas, 2014, p. 6.
6 DE CARLI, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise 9 Deutsche Welle. 1917: Apresentado o projeto da Lei Seca nos EUA. Disponível em: https://
do discurso. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp020509.pdf. Acesso em: 15 set. www.dw.com/pt-br/1917-apresentado-o-projeto-da-lei-seca-nos-eua/a-319341. Acesso em: 15
2018. set. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS DAIANA MARQUES MOLINARI – DANIELA LORENÇO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

ficou estabelecido a lavagem de dinheiro como crime federal10. Referente a legislação, o Brasil incluiu o tipo penal da lavagem
de dinheiro em uma lei específica, a Lei Nº. 9.613, de 3 de março de
Com essa nova legislação, o combate de tal delito passou a ser aco-
199815. Porém, em seu artigo 1º existia um rol taxativo, onde somente
lhido por outros países e, assim, o crime de lavagem de dinheiro passou
quem praticasse algum dos delitos ali descritos responderia por lavagem
a ser observado em escala global, pois estava se disseminando para todos
de dinheiro, o que acabou deixando algumas brechas, pois praticando
os países. Consequentemente, surgiu a necessidade de maiores formas de
qualquer outra conduta ilícita que não estivesse descrita neste artigo não
combate a nível internacional.
configuraria o crime de lavagem de dinheiro.
Dessa forma, em 1988, a ONU promoveu a Convenção das Nações
Com isso, em 2012 foi editada uma nova lei, a Lei 12.683/1216,
Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópi-
onde ficou estabelecido que a lavagem de dinheiro poderá resultar de
cas, conhecida também como Convenção de Viena de 1988, na qual foram
qualquer infração penal, pois foi retirado seu rol taxativo. Desse modo,
adotadas as primeiras medidas de combate aos crimes de lavagem de di-
tal alteração foi realizada à fim de ampliar a punibilidade dos agentes
nheiro e narcotráfico11.
infratores e prevenir novas práticas desse delito.
A Convenção de Viena apresentou aos Estados que seu objetivo
final era de conscientizar todos de que a criminalidade organizada já estava
2. AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS POR TRÁS
manifestada em todo o sistema econômico dos países e que era fundamen-
DOS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO
tal uma cooperação internacional para combatê-la12.
A Convenção de 1988 tem como objetivo promover a cooperação entre O crime de lavagem de dinheiro, na maioria dos casos é concre-
os Estados para tratar de forma mais eficaz o tráfico de drogas, acabar tizado através da ação de vários agentes, caracterizando a organização
com os lucros de organizações criminosas através da produção de criminosa, de maneira que um conjunto de indivíduos facilita a consu-
drogas ilícitas e do tráfico e fornecer novas ferramentas aos governos. mação do crime, pois o mesmo demanda estratégias elaboradas com o
A Convenção também buscou reduzir o sofrimento humano e pediu fim de ocultação do ato ilícito, normalmente ocorrendo uma divisão de
que os Estados adotassem medidas efetivas nas áreas de prevenção, tra-
tarefas entre os indivíduos que fazem parte da organização.
tamento e reabilitação13.
Em 12 de março de 2004, entrou em vigor no Brasil a Convenção
Desde então, surgiram outros tratados internacionais, e diversos
de Palermo, texto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Or-
países começaram o combate ao crime de lavagem de dinheiro através de
ganizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de
novas legislações. O Brasil assumiu esse compromisso ratificando a Con-
2000. A Convenção tem como objetivo a cooperação entre os países no
venção de Viena e promulgou o Decreto Nº 154 de 26 de junho de 199114.
combate e prevenção à criminalidade organizada transnacional.17

10 FINANCIAL CRIMES ENFORCEMENT NETWORK. History of Anti-Money Launde- Conforme o artigo 2º da Convenção de Palermo, entende-se por
ring Laws. Disponível em: https://www.fincen.gov/history-anti-money-laundering-laws. Acesso
em: 18 set. 2018.
11 TRF2. Habeas Data Especial – Lavagem de Dinheiro e Crime Organizado. Disponível 15 BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou
em: https://www10.trf2.jus.br/portal/wp-content/uploads/sites/28/2015/10/habeas-data-espe- ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os
cial-lavagem-dinheiro-crime-organizado.pdf. Acesso em: 15 set. 2018. ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e
12 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Atlas, dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9613.htm.
2006, p. 15. Acesso em: 09 jan. 2019.
13 NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Convenção da ONU contra tráfico de entorpecentes 16 BRASIL. Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. Altera a Lei no 9.613, de 3 de março de
e substâncias psicotrópicas faz 25 anos. Disponível em: https://nacoesunidas.org/convencao- 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Dispo-
daonu-contra-trafico-de-entorpecentes-e-substancias-psicotropicas-faz-25-anos/. Acesso em: 03 nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm. Acesso
out. 2018. em: 09 jan. 2018.
14 BRASIL. Decreto no 154 de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção Contra o Tráfico 17 TRF2. Habeas Data Especial – Lavagem de Dinheiro e Crime Organizado. Disponível
Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ em: https://www10.trf2.jus.br/portal/wp-content/uploads/sites/28/2015/10/habeas-data-espe-
ccivil_03/decreto/1990-1994/d0154.htm. Acesso em: 09 jan. 2019. cial-lavagem-dinheiro-crime-organizado.pdf. Acesso em: 15 set. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS DAIANA MARQUES MOLINARI – DANIELA LORENÇO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

grupo criminoso organizado: de substituir o legislador, que não se expressou nesse sentido”20.
“Grupo criminoso organizado” – grupo estruturado de três ou mais Fica clara a ausência de conceito legal da tipificação do crime. Há,
pessoas, existente há algum tempo e atuando concentradamente com o
portanto, a necessidade da implementação de conceito que melhor defina
propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na
presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, esta conduta, permitindo a melhor aplicabilidade da lei, suprindo a lacuna
um benefício econômico ou outro benefício material18. presente na legislação brasileira e impedindo qualquer impunidade dos
membros do crime organizado.
Convém ressaltar, que devido à internacionalização dos crimes de
lavagem de dinheiro executados pelas organizações criminosas houve a De acordo com o que descreve MELO, “usualmente, o objetivo
necessidade de criar a Convenção com o intuito de unir as nações em prol mais amplo de uma organização criminosa é ganho econômico ou ganho
do combate à criminalidade. de poder”21. Para tal, os grupos criminosos criaram esquemas de desvio
de dinheiro mais elaborados com o intuito de burlar o sistema, despis-
Porém, há discussão quanto ao conceito do crime, tendo em vista tando qualquer suspeita.
que a legislação específica sobre o tema no ordenamento brasileiro (Lei nº
12.850/13) determina a organização criminosa da seguinte forma: Há de se observar que atualmente grande parte destes esque-
Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais
mas incluem o desvio de capitais para outros países, adquirindo caráter
pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, transnacional visando dificultar o rastreamento das atividades pelas au-
ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, toridades fiscalizadoras, além do que normalmente os desvios são feitos
vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais em países com a legislação mais branda a respeito do tema. Conforme
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam preceitua Franco:
de caráter transnacional19.
O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacio-
A jurisprudência acerca do tema, adota o que consta na legislação nal na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta
específica brasileira, sob a ótica de que deve se prevalecer o regramento características assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder
com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe
interno do país, sendo que a Convenção Internacional não poderá suprir
permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca
a falta de conceito do crime. danosidade social de alto vulto; tem grande força de expansão; com-
Em decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal preendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com
vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia;
(STF) em pedido de Habeas Corpus (HC 96007), a ministra Cármen Lúcia
apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos ofi-
ressaltou a atipicidade do crime de organização criminosa, salientando ciais da vida social, econômica e política da comunidade; origina atos
que o delito não consta na legislação penal brasileira, foi então concluído de extrema violência, exibe um poder de corrupção e difícil visibilidade;
de acordo com o voto do ministro Marco Aurélio no ref. Habeas Corpus urde mil disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de inerciar ou
que “a definição emprestada de organização criminosa seria acrescentar à fragilizar os Poderes do próprio Estado22.
norma penal elementos inexistentes, o que seria uma intolerável tentativa
A peculiaridade da forma como são realizados os desvios de capitais
pela criminalização organizada exige dos órgãos de investigação métodos
cada vez mais modernos, de modo a acompanhar a evolução das técnicas
18 BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm. Acesso em: 09 jan. 2019. 20 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma concede HC para encerrar ação penal con-
19 BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe tra líderes da Igreja Renascer. Disponível em: http://m.stf.gov.br/portal/noticia/verNoticiaDeta-
sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o lhe.asp?idConteudo=209617. Acesso em: 21 out. 2018.
procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); 21 MELO, Valdir. Crime Organizado: Uma Concepção Introdutória. Ipea: Brasília. 2015.
revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em: http://www. 22 FRANCO, Alberto Silva; GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raul. Crime Organizado: enfo-
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm. Acesso em: 09 jan. 2019. ques criminológicos, jurídico (Lei 9.034/95) e político-criminal. São Paulo: RT, 1997.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS DAIANA MARQUES MOLINARI – DANIELA LORENÇO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

adotadas pelos criminosos, que se modernizam e renovam a cada instante. todo o mundo, por esta razão foram criados diversos tratados internacio-
De acordo com Oneto: nais com este objetivo.
Desde a Antiguidade que se conhecem formas de crime organizado – As investigações são meios essenciais para a descoberta de crimes
o seu grau de complexidade foi aumentando de forma proporcional ao
complexos como a lavagem de dinheiro. O maior vazamento sobre esque-
desenvolvimento atingido pela estrutura societária em que se insere, im-
pondo uma permanente adaptação da política criminal23. mas de corrupção da história foi revelado pelo International Consortium of
Investigative Journalists (ICIJ)24 nos EUA, intitulado de Panama Papers, que
Portanto, os crimes organizados poderão ser detectados através da expôs esquemas elaborados por chefes de Estado e figuras públicas popula-
cooperação internacional e métodos modernos de investigação, para tanto res, contando com a disponibilização de 11,5 milhões de arquivos secretos.
o Estado deve se ater à questão do texto legal a respeito do tema, tipificando
de maneira esclarecedora a organização criminosa e investindo em tecnolo- Diante desse ocorrido, os Estados começaram a exigir maior transpa-
gia para a realização de operações investigatórias, assim proporcionar-se-á rência nas relações bancárias e, assim o Governo dos Estados Unidos aplicou
melhor eficácia no combate à corrupção. algumas regras aos bancos com o intuito de diminuir a prática de crimes.
As instituições financeiras terão agora que fazer uma “diligência de seus
clientes”, para descobrir quem são os beneficiários finais de contas ou
3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E NORTE AMERICA- lucros de aplicações financeiras. A regra se aplica a bancos, corretoras e
NA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA QUANTO À EFI- fundos de investimentos25.
CÁCIA
Assim sendo, verifica-se a importância das investigações no des-
Há evidentes diferenças entre o direito brasileiro e o americano, a cobrimento desses crimes, sendo que as mesmas impulsionam a criação
começar pelo próprio modelo utilizado para a aplicabilidade da lei, o Brasil de maiores e mais eficazes métodos de combate e prevenção a prática de
adotando a Civil Law, dando ênfase à legislação positivada e normatizada, novos delitos.
ou seja, seguindo estritamente o texto da lei, enquanto os EUA adotam o
As principais leis referentes ao tema começaram a surgir nos Estados
modelo da Common Law, realizando a aplicação do direito por intermédio
Unidos a partir de 1970, com a Lei do Sigilo Bancário, onde foi estabelecido
dos costumes e jurisprudências pertencentes à sociedade americana de
diversos requisitos para as empresas bancárias seguirem, a fim de detectar
forma particular em cada Estado.
o percurso dos crimes de lavagem de dinheiro e seus agentes26.
Embora sejam perceptíveis as diferenças nas normas e na forma de
Após isso, criou-se a Lei de Controle de Lavagem de Dinheiro,
aplicação jurídica, não apenas entre Brasil e Estados Unidos, mas entre a
já aludida anteriormente, que foi a lei que tipificou este crime como um
maioria dos países do globo, a prática desses crimes ocorre da mesma ma-
crime federal. Um período após, veio a Lei Anti-Lavagem de Dinheiro
neira independente do local onde são consumadas. Porém, cabe ressaltar
de Annunzio-Wylie, de 1992. Já, em 1994, foi criada a Lei de Supressão
que as legislações referentes a punibilidade destes são aplicadas de forma
do Branqueamento de Capitais, onde foi criada as Forças-Tarefa da Área
particular em cada país.
de Crimes Financeiros de Alta Intensidade e Combate à Criminalidade
Os crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa ultra-
passam fronteiras, assumindo a característica de transnacional. Portanto, é 24 INTERNATIONAL CONSORTIUM OF INVESTIGATIVE JOURNALISTS. About the in-
vestigation. Disponível em: https://www.icij.org/investigations/panama-papers/pages/panama-
de suma importância que se tomem medidas com o fim de elidir tais con- -papers-about-theinvestigation/. Acesso em: 20 out. 2018.
dutas criminosas, fazendo cada país a sua parte no combate à corrupção, 25 ESTADÃO. EUA anunciam medidas para combater lavagem de dinheiro, evasão fiscal e
corrupção. Disponível em: https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,eua-anuncia-pa-
além de colaborar com as demais nações para que se realize o mesmo por cotede-medidas-contra-lavagem-de-dinheiro—evasao-fiscal-e-corrupcao,1865391. Acesso em:
23 out. 2018.
26 FINANCIAL CRIMES ENFORCEMENT NETWORK. History of Anti-Money Launde-
23 ONETO, Isabel. O Agente Infiltrado: Contributo para a compreensão do regime jurídico ring Laws. Disponível em: https://www.fincen.gov/history-anti-money-laundering-laws. Acesso
das ações encobertas. 7 ed. Coimbra Editora. 2005. em: 18 set. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS DAIANA MARQUES MOLINARI – DANIELA LORENÇO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Financeira (HIFCA)27. combatê-lo foi criada em 1970, denominada Racketeer Influenced and
Corrupt Organizaton Act (RICO), que se refere a acusação e defesa dos
A cada nova legislação criada, o combate à lavagem de dinheiro
envolvidos em crime de organizações criminosas31.
foi sendo mais eficaz e os infratores condenados. Como por exemplo,
a seção 1956 da Lei de Antiterrorismo e Pena de Morte dos EUA28 que Entre as principais punições previstas estava a prisão, não superior a 20
anos para cada infração cometida, podendo ser perpétua dependendo
prevê três tipos de crime relacionados à lavagem de dinheiro, sendo elas
de algumas infrações que fossem praticadas, além do confisco de todos
as transações domésticas de lavagem de dinheiro, operações internacio- os ganhos e propriedades ou direitos contratuais obtidos através da em-
nais de lavagem de dinheiro e operações secretas de lavagem de dinheiro, presa, que passavam a ser considerados como obtidos ilegalmente, da
sendo que em todos deve haver a efetiva comprovação do dolo do agente possibilidade de uma ação civil que poderia recobrar até o triplo do que
para tipificar o crime. foi auferido e comprovado pela empresa de fachada criminosamente uti-
lizada para atividades ilegais. O fim desta lei era de erradicar a utilização
A violação ao disposto na seção 1956 da referida Lei prevê uma pena de empresas constituídas para fins ilícitos32.
máxima de 20 anos de prisão, e multa de até U$500.000,00 ou o dobro do
valor envolvido na transação criminosa.29 Com isso, verificamos que nos EUA a punição de quem comete o
crime de lavagem de dinheiro é aplicada de forma eficaz e, ainda, se con-
Com sanções como estas verifica-se que a punibilidade para quem figurando uma organização criminosa, possui condição agravante. Além
praticasse delitos de lavagem de dinheiro já era bem mais rigorosa naquele disso, a prevenção desses crimes ocorre também pelo fato das punições
período nos Estados Unidos em comparação ao Brasil. advindas dos mesmos, que são muito mais rigorosas em comparação
Contudo, com o acontecimento do ataque terrorista de 11 de se- com as brasileiras.
tembro de 2001, o crime de lavagem de dinheiro sofreu maiores alterações. No Brasil, as evoluções legislativas ocorreram de forma bem di-
Após constatado a participação de redes internacionais de lavagem de di- ferente, se classificando em três gerações de leis. A primeira geração
nheiro, os Estados Unidos tomaram a frente e intensificaram seus esforços considera como crime antecedente apenas o tráfico ilícito de drogas,
para realizar o combate a esse crime juntamente com o crime de terrorismo entorpecentes e afins. A segunda geração já foi introduzida com a Lei
e organizações criminosas. 9.613/1998 pelo fato de em seu artigo 1º já existir um rol taxativo de
Assim sendo, em 04 de outubro de 2001 foi aprovada a Lei para a crimes basilares da lavagem de dinheiro. Por fim, a terceira geração
Supressão Internacional da Lavagem de Dinheiro e do Financiamento de veio com a Lei 12.683/2012, onde o rol taxativo de crimes foi retirado,
Atividades Terroristas, que teve como grande mudança o corte de negocia- passando a configurar o crime de lavagem de dinheiro a ocultação ou
ções com bancos estrangeiros e aumentou as penalidades civis e criminais dissimulação de valores provenientes de qualquer tipo de crime.
por lavagem de dinheiro30. Esta última geração, portanto, é considerada a mais eficaz de todas
No tocante ao crime organizado, a primeira legislação em prol de no combate à lavagem de dinheiro, pois não é necessária uma ligação com
crimes antecedentes.
27 FINANCIAL CRIMES ENFORCEMENT NETWORK. History of Anti-Money Launde- Na legislação vigente sobre lavagem de dinheiro, as pessoas jurídicas
ring Laws. Disponível em: https://www.fincen.gov/history-anti-money-laundering-laws. Acesso
em: 18 set. 2018. de diversos setores econômicos e financeiros têm obrigações relacio-
28 USA. Antiterrorism and Effective Death Penalty Act of 1996. EUA, abril de 1996. Dispo- nadas à identificação de seus clientes, registrando e monitorando suas
nível em https://www.gpo.gov/fdsys/pkg/PLAW-104publ132/content-detail.html. Acesso em: 18
out. 2018.
29 DEPARTMENT OF JUSTICE. 2101. MONEY LAUNDERING OVERVIEW. Disponível 31 DOM TOTAL. A Lei Americana no Combate ao Crime Organizado. Disponível em:
em: https://www.justice.gov/jm/criminal-resource-manual-2101-money-laundering-overview. http://domtotal.com/direito/pagina/detalhe/32315/a-lei-americana-no-combate-ao-crime-orga-
Acesso em: 22 out. 2018. nizado. Acesso em: 22 out. 2018.
30 JUS.COM.BR. O crime de lavagem de dinheiro no Brasil e em diversos países. Disponível 32 DOM TOTAL. A Lei Americana no Combate ao Crime Organizado. Disponível em:
em: https://jus.com.br/artigos/7424/o-crime-de-lavagem-de-dinheiro-no-brasil-e-em-diversos- http://domtotal.com/direito/pagina/detalhe/32315/a-lei-americana-no-combate-ao-crime-orga-
-paises/1. Acesso em: 20 out. 2018. nizado. Acesso em: 22 out. 2018.

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movimentações financeiras. Todas as operações suspeitas devem ser co- é em relação a pena entre a legislação brasileira e norte americana na
municadas. As instituições devem implementar procedimentos internos tipificação desses crimes, sendo a diferença de tempo de pena, onde no
que visem o controle e o treinamento de funcionários para atuarem na Brasil o período de cumprimento de pena é muito inferior comparado a
prevenção e combate ao crime de lavagem de dinheiro33.
pena aplicada nos Estados Unidos.
Pelo fato de a maioria dos casos de crimes de lavagem de dinheiro
Outro ponto a ser destacado é a demora em apurar casos como
existir mais de um agente, é imprescindível também a observação das le-
esses no Brasil, pelo fato de que existe uma grande protelação dos pro-
gislações referentes ao crime organizado.
cessos, como forma de alcançar a prescrição.
A legislação brasileira definiu o crime de organização criminosa
Sendo assim, a legislação brasileira deve se espelhar nos métodos
através da Lei nº. 12.850/2013, como já aludido no tópico 2 desse artigo.
de combate a esses crimes da legislação americana. Mesmo atualmente
Essa nova lei transformou as condutas de crimes de organização crimi-
já possuindo melhores métodos, ainda é necessária uma maior eficácia
nosa modificando-as para crimes autônomos e trouxe novos métodos de
em sua aplicabilidade.
combate a este crime, como a colaboração premiada, a interceptação de
comunicações telefônicas e telemáticas, a cooperação entre instituições e
órgãos na busca de provas e informações, entre outros métodos que possi- 4. CONCLUSÃO
bilitaram uma melhor investigação desses crimes. O crime de lavagem de dinheiro está diretamente ligado ao crime
No Brasil, uma das operações de maiores destaques foi a Lava Jato, de organização criminosa, tendo em vista a sua complexidade, exigindo-se
que foi nomeada assim pelo fato de que a organização criminosa utilizava a conduta e a divisão de tarefas entre mais agentes para a consolidação do
uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para mo- ato criminal. Tais crimes estão presentes em todo o mundo, inclusive pos-
vimentar recursos ilícitos34. suindo caráter transnacional, evidente a dissolução do crime para outros
[...] a Lava Jato é um extraordinário trabalho de equipe que conseguiu
países para despistar as autoridades de fiscalização.
sobretudo provar com fatos e documentos a inescapável realidade de A legislação acerca do tema diverge de país para país, diferindo
que a Petrobras foi saqueada e os saqueadores levaram os recursos para
entre as penas e até mesmo na caracterização do crime, porém através
fora do país35.
de Tratados Internacionais e a cooperação entre as nações é possível que
O fato de tão grande repercussão é devido principalmente pelos o crime seja combatido a nível internacional, estabelecendo uma ação
personagens presentes neste esquema. Doleiros, empreiteiras, empresários conjunta entre os estados.
e até mesmo o Presidente da República brasileira, na época envolvidos no
O comparativo entre as legislações brasileira e americana se deu de
caso. Atualmente, tal investigação ainda está longe de acabar, sendo assim,
modo a demonstrar os resultados obtidos em uma e outra, os EUA foram
é mister a aplicação e eficácia das leis pertinentes ao caso.
os responsáveis pela tipificação do crime de lavagem de dinheiro, que se
Tais legislações trouxeram grandes avanços nas investigações e consolidou nas mais influentes medidas contra a prática do crime, os re-
descobertas desses crimes, porém uma das maiores diferenças presentes sultados apontados demonstram que a legislação americana possui sanções
mais rigorosas do que as impostas pelo Brasil, intensificando seus esforços
para realizar o combate à lavagem de dinheiro juntamente com o crime de
33 ANDRADE. Rosane Maria Scuzziatto De. Crime de lavagem de dinheiro e o proble-
ma da prova do delito prévio. Disponível em: http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima8/ terrorismo e organizações criminosas, por tratar-se de crime transnacional.
10-Crime-de-Lavagemde-Dinheiro-e-o-Problema-da-Prova-do-Delito-Previo.pdf. Acesso
em: 15 out. 2018. O Brasil possui previsão legal específica a respeito do tema, porém
34 MPF. Entenda o Caso: Caso Lava Jato. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/para-ocida- sancionando o crime de maneira mais branda em relação aos Estados
dao/caso-lava-jato/entenda-o-caso. Acesso em 18 out. 2018.
35 Netto, Vladimir. Lava Jato: O Juiz Sergio Moro e Os Bastidores da Operação Que Abalou o Unidos, alguns dos métodos adotados na investigação dos crimes são a
Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Primeira Pessoa, 2016.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS DAIANA MARQUES MOLINARI – DANIELA LORENÇO – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

colaboração premiada, a interceptação telefônica, a cooperação entre ins- Um Problema Mundial. Porto Alegre, RS. Maio de 2003. Disponível em: http://www.
crcrs.org.br/arquivos/livros/livro_lavagem.PDF. Acesso em: 14 set. 2018.
tituições na busca de informações. Estas ferramentas auxiliam na obtenção
de informações para a acusação e sanção ao responsável. DE CARLI, Carla Verissimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e
análise do discurso. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp020509.pdf.
Tem-se, portanto, que os meios para se conseguir informações a Acesso em: 15 set. 2018.
respeito do crime em ambos os países são eficazes, porém a penalidade DEPARTMENT OF JUSTICE. 2101. Money Laundering Overview. Disponível em:
https://www.justice.gov/jm/criminal-resource-manual-2101-money-launderingover-
para os mesmos se dá de maneira diversa, sendo que os EUA aplicam a lei view. Acesso em: 22 out. 2018.
com mais rigor que o Brasil.
DEUTSCHE WELLE. 1917: Apresentado o projeto da Lei Seca nos EUA. Disponí-
Necessita-se assim, para melhorar a eficácia do combate aos crimes vel em: https://www.dw.com/pt-br/1917-apresentado-o-projeto-da-lei-seca-nos-eua/
a319341. Acesso em: 15 set. 2018.
de lavagem de dinheiro e organização criminosa, que haja a imposição de
DOM TOTAL. A Lei Americana no Combate ao Crime Organizado. Disponível em:
penas mais rigorosas, tendo em vista que se trata de um crime de natureza http://domtotal.com/direito/pagina/detalhe/32315/a-lei-americana-no-combate-ao-
internacional, devendo ser tratado de forma mais severa. -crime-organizado. Acesso em: 22 out. 2018.
ESTADÃO. EUA anunciam medidas para combater lavagem de dinheiro, evasão
fiscal e corrupção. Disponível em: https://internacional.estadao.com.br/noticias/ge-
REFERÊNCIAS ral,eua-anuncia-pacote-de-medidascontra-lavagem-de-dinheiro—evasao-fiscal-e-cor-
ANDRADE. Rosane Maria Scuzziatto De. Crime de lavagem de dinheiro e o proble- rupcao,1865391. Acesso em: 23 out. 2018.
ma da prova do delito prévio. Disponível em: http://www.animaopet.com.br/pdf/ani-
ma8/10-Crime-de-Lavagem-de-Dinheiro-e-o-Problema-da-Provado-Delito-Previo. FINANCIAL CRIMES ENFORCEMENT NETWORK. History of Anti-Money Laun-
pdf. Acesso em: 15 out. 2018. dering Laws. Disponível em: https://www.fincen.gov/history-anti-money-laundering-
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BRASIL. Decreto nº 154 de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção Contra o Trá-
fico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas. Disponível em: http://www. FRANCO, Alberto Silva; GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raul. Crime Organizado:
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MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Atlas,
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põe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais tes e substâncias psicotrópicas faz 25 anos. Disponível em: https://nacoesunidas.org/
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CALLEGARI, André Luis; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. Editora
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Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul. Lavagem de Dinheiro:
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma concede HC para encerrar ação penal

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS

contra líderes da Igreja Renascer. Disponível em: http://m.stf.gov.br/portal/noticia/


verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=209617. Acesso em: 21 out. 2018.
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nível em: https://www10.trf2.jus.br/portal/wp-content/uploads/sites/28/2015/10/
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Disponível em: https://www.gpo.gov/fdsys/pkg/PLAW-104publ132/contentdetail.
A IMPORTÂNCIA DA ADOÇÃO DO
html. Acesso em: 18 out. 2018. WHISTLEBLOWER COMO INSTRUMENTO DE
COMBATE A CORRUPÇÃO NO BRASIL
THE IMPORTANCE OF ADOPTING
WHISTLEBLOWER AS TOOL TO COMBAT
CORRUPTION IN BRAZIL

Rafaella Silveira1
Guilherme Augusto Corrêa Rehder2

RESUMO: O presente artigo científico tem como escopo apresentar o


instituto do whistleblower como instrumento que auxilia o Estado no
combate à corrupção. Para tal será apresentado breve discussão de cunho
sociológico e filosófico sobre a corrupção penetrada no dia a dia dos
brasileiros. Apresentar-se-á como surgiu o sistema de whistleblowing nos
Estados Unidos e como este funciona, a fim de possibilitar melhor com-
preensão sobre o tema. Versará sobre a legislação que ficara conhecida
como legislação de whistleblowing no Brasil, a Lei 13.608/18. Será exposto
também as principais diferenças entre o instituto da delação premiada
e o do whistleblower. A finalidade da pesquisa é apurar se uma legisla-
ção como esta tem possibilidades de ser efetiva no ordenamento jurídico
brasileiro, comparado aos resultados desta em países que já a adotam. O
presente estudo não tem a pretensão de esgotar a matéria.
PALAVRAS-CHAVE: Whistleblower; Combate à Corrupção; Dela-
ção Premiada.
ABSTRACT: The present Scientific Article has the purpose to present

1 Acadêmica do 4º período do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí. E-mail:


[email protected].
2 Orientador. Professor e Advogado possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Especialização em Ciências Criminais pena Unama, Mestrado em Ci-
ências Jurídicas pela UNIVALI e cursa Doutorado em Ciência Jurídica da Univali sanduíche com
a Widener University Delaware Law School. E-mail:[email protected].

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS RAFAELLA SILVEIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

the Whistleblower Institute as an instrument that assists the State in the um país melhor e sem corrupção, sem ter que sair de seu próprio, o que
battle against corruption. A brief discussion about the corruption that a fez perder qualquer sentimento de patriotismo. É imprescindível que
penetrates the daily lives of Brazilians will be presented, with an emphasis a população volte a acreditar no seu país, e sinta que pode contribuir de
on the philosophical and sociological aspects. The Whistleblower System,
alguma forma, exercendo cidadania em prol do combate à esta enfermi-
originated in the United States, will be presented in order to enable a
better understanding of the subject. It will examine the minutiae of the dade que parece não ter cura.
Whistleblower legislation in Brazil, Law 3.608/18. It will also expose the Tendo em vista o histórico de corrupção do Brasil, e sua atual
main differences between delation with reduction of sentence and the
situação, é evidente a necessidade de implantação de mecanismos/instru-
Whistleblower. The objective of the research was to investigate if this kind
of legislation can be effective in the Brazilian legal order as it is compared mentos que visem auxiliar no combate à corrupção. E é sobre um desses
to the results of the countries that already adopted this system. The pre- instrumentos que o artigo irá tratar. A Lei 13.6086 de 10 de janeiro de
sent study does not intend to exhaust the matter. 2018 trouxera ao ordenamento jurídico brasileiro uma possibilidade de
KEY WORDS: Whistleblower; Battle against corruption; Delation with “recompensa” ao denunciante, a característica mais forte desta legislação.
reduction of sentence. Esta nova possibilidade fora importada dos Estados Unidos, por esse
motivo, tal lei ficou conhecida como “Legislação de Whitleblowing” ou
“Legislação do Whistleblower”, porém, apesar disto, tecnicamente ainda
INTRODUÇÃO
não se pode chama-la assim, pois será necessário devida regulamentação.
O combate à corrupção é um assunto que pode ser estudado por Mas, o que vem a ser uma legislação de whistleblowing e quais são as
diversas áreas do conhecimento, como a sociologia e filosofia jurídica, a vantagens de se ter uma legislação como esta no ordenamento jurídico
antropologia e a própria ciência jurídica, de fato, trata-se de um assunto que brasileiro? Este instrumento, de fato, tem chances de ser efetivo, e se for,
interessa a todos, o que não é nenhuma novidade, afinal o país se encontra a “premiação” prevista nele prejudicará a economia brasileira? É possível
na pior situação dos últimos cinco anos3, sendo que, “Na escala que vai comparar o whitleblower com o delator da delação premiada? Estas são
de zero (mais corrupto) a 100 (menos corrupto), o Brasil aparece com 37 as principais questões que o artigo buscará responder.
pontos, três a menos que em 2016”4.
Os métodos escolhidos para abordar o tema, foram os métodos
No Brasil parte considerável de seus governantes estão sendo inves- científico e o hipotético-dedutivo, com base em todo o levantamento bi-
tigados por esquemas de corrupção, o país já presidiu diferentes operações bliográfico. O objetivo do presente estudo é interpretar a implementação
tendo como escopo descobrir envolvidos com esta. A maior e mais famosa do whistleblower no ordenamento jurídico brasileiro como instrumento
da história do Brasil, em termos de valores, fora a Operação Lava Jato, ao de combate à corrupção, explicar de forma clara o que é este instrumento
todo R$ 37,6 bilhões em pedidos de ressarcimento. À frente da operação, e como o mesmo funciona, para que os cidadãos tenham ciência desta
a maior força tarefa já montada pela Polícia Federal5. nova lei que apesar de apresentar muitas lacunas a serem supridas, já está
A população brasileira já está desacreditada que se possa viver em em vigor, no entanto, ainda é desconhecida e pouco comentada no país.
Destarte, o presente artigo científico fora estruturado em três seções, por
3 MENDONÇA, HeloÍsa. Brasil piora 17 posições no ranking de corrupção da Transparência intermédio da pesquisa teórica e descritiva, buscou-se alcançar a com-
Internacional: Forte recuo acende alerta para a falta de resposta às causas estruturais da corrup- preensão do leitor sobre o tema proposto a partir de exposição de dados
ção no país, segundo entidade. In: El País, São Paulo, 21 fev. 2018. Disponível em: https://brasil.
elpais.com/brasil/2018/02/20/politica/1519152680_008147.html. Acesso em: 21 ago. 2018. e embasamento teórico.
4 MENDONÇA, HeloÍsa. Brasil piora 17 posições no ranking de corrupção da Transparência
Internacional: Forte recuo acende alerta para a falta de resposta às causas estruturais da corrup- A primeira seção do artigo expõe o conceito de corrupção, faz
ção no país, segundo entidade. In: El País, São Paulo, 21 fev. 2018. Disponível em: https://brasil.
elpais.com/brasil/2018/02/20/politica/1519152680_008147.html. Acesso em: 21 ago. 2018.
5 HERMES, Felippe. Os 10 maiores casos de corrupção da história do Brasil. In: Spotniks. 6 BRASIL. Lei nº 13.608, de 10 de janeiro de 2018. Brasília, DF, 10 jan. 2018. Disponível em:
2016. Disponível em: https://spotniks.com/os-10-maiores-casos-de-corrupcao-da-historia-do- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13608.htm. Acesso em: 16 ago.
-brasil/. Acesso em: 16 ago. 2018. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS RAFAELLA SILVEIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

ainda uma breve discussão de cunho filosófico e sociológico sobre o “jei- o particular8, pois, o indivíduo põe seu interesse privado acima do inte-
tinho brasileiro”, o qual está enraizado no cotidiano dos brasileiros e é resse da sociedade. Isso quando se trata da corrupção envolvendo órgão
reiterado de forma que as pessoas muitas vezes nem se dão conta que públicos, funcionários públicos ou governantes, em conformidade com
estão o colocando em prática. conceitos que tratam da corrupção como: “utilização do poder ou autori-
dade para conseguir obter vantagens e fazer uso do dinheiro público para
A fim de possibilitar a compreensão do leitor no tocante ao tema
o seu próprio interesse, de um integrante da família ou amigo”9. Mas, é
deste estudo, a segunda seção será bem explicativa, comportará desde
de suma importância advertir ao leitor que corrupção não se limita a este
o que consiste o whistleblower até como surgiu este termo, trazendo
conceito, pois, ela pode ser exercida por pessoas comuns, que não estão
também casos de whistleblowers famosos que ajudaram os EUA a recu-
ligadas ao governo ou ao dinheiro público.
perar grandes valores. Dentro desta segunda seção, há duas subdivisões,
a primeira explica como funciona o instituto do whistleblower nos Esta- A corrupção é um meio ilegal de conseguir algo10. Logo, ela pode
dos Unidos da América, e a segunda explana brevemente a discussão de ser praticada por qualquer pessoa independente do meio em que se encon-
uma legislação de whistleblowing no país como a recente promulgação tre, por exemplo: você vai ao supermercado e suas compras dão um total
da Lei 13.608/18. de X reais, você paga com uma nota superior a X, e o operador de caixa
lhe volta o troco errado, lhe retorna um valor a mais do que deveria ser
Enquanto a terceira seção tem como fim explicar as principais di-
retornado, ao invés de você devolver o valor que fora acrescentado, – afinal,
ferenças entre o delator da colaboração premida e o chamado “reportante
este não é seu – você comemora o ganho. A questão é: se valer de um erro
do bem”, o whistleblower. Irá também de forma breve explicar se o dever
de cálculo de outra pessoa, para obter vantagem, recebendo quantia inde-
de denunciar da pessoa jurídica no acordo de leniência da LACE, está mais
vida, é um meio ilegal de conseguir algo? Se sim, trata-se de ato corrupto.
ligado ao delator ou ao whitleblower.
Com esse exemplo em vista, é possível observar o quanto a corrup-
O presente artigo não esgota de maneira alguma o tema, pelo con-
ção é comum no dia a dia dos brasileiros, porém, pouco percebido como
trário, por se tratar de um instituto relativamente novo para o Brasil e expor
tal. Pois, quando se fala nesta, parece algo que vem de cima, do sistema,
uma legislação muito recente no ordenamento jurídico brasileiro e desco-
sendo que, o fato de “dar-se um jeito para tudo”, na maioria das vezes, este
nhecida pela maioria da população, ele objetiva contribuir na compreensão
jeito lesa o direito de alguém, ou simplesmente desrespeita o outro.
sobre o tema e a interpretação desta nova legislação como um instrumento
de uso comum, capaz de auxiliar no combate à corrupção no país. Este “jeito” é popularmente chamado de “jeitinho brasileiro”, e as
pessoas o repetem sem ao menos perceber. Vivemos num país onde quem
1. CONCEITO DE CORRUPÇÃO E COMO O “JEITI- domina esse “jeitinho” é visto como esperto, é o sujeito que consegue algo
NHO BRASILEIRO” PODE SER UMA FORMA SÚTIL mais rápido e/ou mais fácil burlando processos burocráticos que seriam
necessários para tal aquisição, é aquele que se vê no direito de “furar” uma
DO INDIVÍDUO SE CORROMPER
fila, pois, pensa que o seu problema é algo mais rápido de se resolver e
Corrupção, palavra repetidamente comentada na realidade atual,
mas afinal, o que é corrupção? Pois bem, dar-se-á início, pela etimologia
8 Para Celso Antônio Bandeira de Mello o princípio da Supremacia do Interesse Público sobre
da palavra, corrupção, vem do latim corruptus, tendo como significado “ato o Prividado, “proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele
de quebrar aos pedaços”, ou seja, decompor e deteriorar algo7. A corrupção sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último.
É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos
é ato que fere um dos princípios mais importantes e básicos do Direito e resguardados”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed.
Administrativo, que é o princípio da supremacia do interesse público sobre São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2014. 1147 p.70.
9 FREITAS, Eduardo de. O que é corrupção? Disponível em: https://mundoeducacao.bol.uol.
com.br/geografia/o-que-corrupcao.htm. Acesso em: 20 ago. 2018.
7 Significado de Corrupção: O Que É Corrupção. Significados. Disponível em: https://www. 10 Significado de Corrupção: O Que É Corrupção. Significados. Disponível em: https://www.
significados.com.br/corrupcao/. Acesso em: 16 ago. 2018. significados.com.br/corrupcao/. Acesso em: 16 ago. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS RAFAELLA SILVEIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

o problema de quem chegou primeiro pode esperar. De outra forma, as sempre, o jeito mais fácil ou rápido de conseguir algo, é o correto, para
pessoas que respeitam os direitos das outras e cumprem com seus deveres que futuramente não seja necessária a atuação do controle social formal.
para poder pleitear seus direitos, tendem a ser vistas por grande parte da É necessário incentivar a sociedade a exercer sua cidadania e não tolerar
sociedade como “tolas”, pois, pagam os impostos quando poderiam sonegar nenhum tipo de corrupção e denunciar para os órgão competentes, afinal,
com chances mínimas da fraude ser descoberta, passam por todas as fases a corrupção não fere diretamente um único indivíduo, pois, a vítima da
burocráticas prescritas como necessárias para se ter o que deseja, quando corrupção é a sociedade inteira14.
tivera a chance de “pular” uma delas por meio ilegal.
Adverte-se que o objetivo do presente estudo é apresentar o instituto
É evidente que se tem aqui uma grande inversão de valores, no do whitleblower como instrumento de combate à corrupção, tal introdução
qual o cidadão correto é incentivado a se corromper e o corrupto é visto sobre esta se faz necessária para possibilitar melhor compreensão ao tema
como alguém a se alcançar, alguém para “imitar”. É relevante lembrar que abordado. Salienta-se que o que fora brevemente desenvolvido acima, é
os governantes desse país, vieram desta sociedade, da sociedade do “jeiti- apenas uma introdução, e exige aprofundamento em estudo apartado.
nho”, e não de algum planeta alienígena, sendo assim, fica difícil esperar
das pessoas que se corrompem no cotidiano com tão pouco, ao lidarem 2. O QUE É O WHISTLEBLOWER E COMO SURGIU
com quantias muito maiores, que elas não ficarão tentadas a corromper-se ESTE TERMO
ainda mais. Palavras do professor Luiz Flávio Gomes: “É preciso pôr um
fim na crença bestial de que ser honesto seria coisa de ‘otário’, ou nunca Whistleblower em sua tradução literal, significa “soprador de apto”, é
deixaremos nosso estágio de país subdesenvolvido”11. o termo atribuído à quem denuncia um ato ilícito. A palavra em si, sofrera
três alterações ao longo do tempo, no século XIX se tinha “whistle blower”,
A famosa frase de Aristóteles sobre a excelência apesar de pa- no século XX “whistle-blower” e o termo atual que unificou as duas palavras
recer clichê citá-la, permite certa reflexão que cabe muito bem com o “whistleblower”. A primeira profissão que fora rotulada como whistleblower
tema: Somos o que repetidamente fazemos, excelência, portanto, não é fora a polícia dos Estados Unidos, que soprava um apito para atrair a aten-
um ato, mas sim, um hábito12. Bem, se somos o que repetidamente faze- ção para um delito15. O ato de soprar um apito, subentende-se que o sujeito
mos, e se repetidamente praticamos atos corruptos, é possível chegar a quer chamar atenção para algo, este ato está presente nas regras de trânsito
uma conclusão pouco querida. Sendo assim, é necessária uma mudança e até mesmo quando o juiz de futebol quer chamar atenção para alguma
de hábito urgente! Somente uma mudança na educação irá acarretar a regra do jogo infringida, sendo assim, o termo é muitíssimo adequado,
índices baixos de corrupção no futuro, afinal, costuma-se dizer que as por isso, sugere-se que este, não seja traduzido. E é por este motivo que
crianças são o futuro da nação. associa-se o ato de soprar o apito com o ato de denunciar. Whistleblowers
Rosseau proferiu que o homem nasce bom e a sociedade que o cor- são pessoas que tentam chamar a atenção de seus superiores para algo que
rompe , seguindo esta corrente, pode se entender que, seria mais fácil
13 acreditam estar errado, e se falharem nessa tentativa e se sentirem suficien-
desconstruir o hábito da corrupção começando pelas crianças, afinal, elas temente seguros sobre o assunto, vão ao público16. De Grandis conceitua
nascem sem vícios, o controle social informal, deve dar o exemplo, educar
as crianças e ensiná-las a reprovar qualquer tipo de corrupção e que nem
14 GALVÃO DE CARVALHO, Paulo Roberto. Legislação Anticorrupção no Mundo: análise
comparativa entre a Lei Anticorrupção Brasileira, o Foreign Corrupt- Pratices Act Norte-Ame-
11 GOMES, Luiz Flávio. República dos delatores (mas falta a lei do Whistleblower). In: O Es- ricano e o Bribery Act do Reino Unido. In: MUNHOSSOUZA, Jorge; PINHEIRO DE QUEI-
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delatores-mas-falta-a-lei-do-whistleblower/. Acesso em: 27 ago. 2018. 15 The Meaning and Origin of The Expression: Whistle-blower. The Phrase Finder. Disponí-
12 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. 4. ed. vel em: https://www.phrases.org.uk/meanings/whistle-blower.html. Acesso em: 18 ago. 2018.
São Paulo: Nova Cultural, 1991. Disponível em: http://portalgens.com.br/portal/images/stories/ 16 “Denunciantes” são pessoas que tentam chamar a atenção de seus superiores para algo que
pdf/aristoteles_etica_a_nicomaco_poetica.pdf. Acesso em: 19 ago. 2018. acreditam estar errado e, se falharem nessa tentativa e se sentirem suficientemente fortes sobre o
13 ROSSEAU. Jean-Jacques. Discurso sobre a Origem da Desigualdade (1754); tradução: Ma- assunto, levam a conhecimento público”. Disponível em: https://www.phrases.org.uk/meanings/
ria Lacerda de Moura. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Mores. whistle-blower.html. Acesso em: 18 ago. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS RAFAELLA SILVEIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

whistleblower como: SEC Whistleblower Program, e o IRS Whistleblower Program. Todas elas
Aquele que, ao tomar conhecimento de uma irregularidade ou de um são leis federais, a mais antiga é a primeira que fora sancionada pelo
crime concretizado no âmbito de sua atividade profissional, “toca o ex-presidente Abraham Lincoln no ano de 1863. O programa de recom-
apito”, ou seja, comunica a ocorrência às autoridades competentes, como pensa fora criado com fim de possibilitar que os cidadãos pudessem
a polícia ou o Ministério Público, embora não tenha nenhuma obrigação denunciar empresas ou indivíduos que estivessem defraudando o gover-
legal nesse sentido.17
no. Funcionando assim: o whistleblower faz a denúncia à FCA por meio
Embora nesse conceito foram colocados como exemplos de autori- de seu advogado, quando isso acontece, é chamado de casos qui tam19.
dades competentes para recebimento das denúncias os órgãos públicos, não O governo tem a opção de participar ou não das investigações do caso,
significa que necessariamente tenha que ser um. Em tese o whistleblower quando o governo não participa, o whistleblower, por meio de seus ad-
poderá destinar a denúncia de práticas ilícitas no seu local de trabalho para vogados, poderá dar continuidade as investigações no tribunal, se assim
o seu superior, para que este, tome as medidas cabíveis. fizer, e tiver êxito, sua recompensa poderá ser bem maior20.
A princípio, a ideia é que, o whistleblower não esteja envolvido com Vale dizer também, que as investigações são sigilosas e as empresas
a prática criminosa, em tese, ele é um cidadão comum e honesto, inco- alvo, não tem conhecimento de que estão sendo investigadas. O segundo,
modado com a prática de atividades ilegais e antiéticas que presencia ou Programa de Denúncias da SEC, é um programa que protege, concede
presenciou dentro de uma organização pública ou privada. Este, então, re- anonimato e recompensas àqueles que se apresentam para expor fraudes
solve denunciar para as autoridades competentes a fim de se investigar tais financeiras e de segurança.21 Já o terceiro, Programa de Denúncias da Re-
atos. A investigação tendo êxito e tendo o governo recuperado valores e/ou ceita Federal (IRS), fora criado visando combater fraude e evasão fiscal, e
multado o infrator, o whistleblower receberá uma porcentagem estipulada até o momento, o escritório de denúncias da Receita Federal pagou mais
por lei em cima desses valores. de US $ 315 milhões em prêmios aos bravos relatores que ajudaram as
autoridades a recuperar fundos ocultos ilegalmente22.
Apesar deste instituto ser demasiadamente novo para o Brasil, a
história relata que, ele já estava presente em determinados lugares na data O instituto do whistleblower apresenta ótimos resultados para os
de 695, numa declaração do Rei Withtred, de Kent, “Se um livre trabalhar Estados Unidos desde a sua implantação no ordenamento jurídico esta-
durante [o sábado], ele perderá seus [lucros], e o homem que informar duniense. O FCA fora criado durante a Guerra Civil, pois, especulações
contra ele terá metade da multa e [os lucros] do trabalho”18. Obviamente na guerra e fraude direta enfraqueceram o exército da União e também
não havia legislação de whitleblowing nesta época, porém, é possível a per- os Confederados. Contratantes corruptos de defesa vendiam as mulas do
cepção de tal instituto dentro da declaração do Rei, pois, previu premiação exército da União, munição e rifles defeituosos e estragavam rações, o que
ao indivíduo que denunciasse atos que ferissem a legislação do país. levou os soldados a desenvolverem doenças como escorbuto e disenteria.
19 Qui tam é o processo legal em que um denunciante individual processa em nome do gover-
2.1. O WHISTLEBLOWER NOS ESTADOS UNIDOS DA no e compartilha os resultados de qualquer litígio ou acordo bem sucedido. Disponível: https://
AMÉRICA www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistleblowing/what-is-a-qui-tam/. Acesso em:
18 ago. 2018.
Nos Estados Unidos as três principais leis que preveem recompen- 20 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. Filing A Claim Under The False Claims Act
(FCA). Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistleblowing/
sa para quem sopra o apito, o whistleblower, são: False Claims Act (FCA), how-to-become-a-whistleblower/. Acesso em: 19 ago. 2018.
21 “O Escritório de Denúncias da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC)
é um programa que protege e concede anonimato e recompensas àqueles que se apresentam
17 GRANDIS, Rodrigo de. Whistleblowing e Direito Penal: A quebra de sigilo bancário do para expor fraudes financeiras e de segurança.” WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. SEC
HSBC na Suíça. In: Jota. Brasília, p. 1-4. 12 fev. 2015. Disponível em: https://www.jota.info/opi- Whistleblower Program. Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/laws-
niao-e-analise/artigos/coluna-rodrigo-de-grandis-12022015. Acesso em: 27 ago. 2018. -and-programs/securities-fraud-sec/. Acesso em: 19 ago. 2018.
18 “Se um livre trabalhar durante [o sábado], ele perderá seus [lucros], e o homem que se ma- 22 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. IRS Tax Whistleblower Program. Disponível
nifestar contra ele terá metade da multa e [os lucros] do trabalho”. Disponível em: https://www. em: https://www.whistleblowersinternational.com/laws-and-programs/irs-tax/. Acesso em: 19
whistleblowersinternational.com/what-is-whistleblowing/history/. Acesso em: 18 ago. 2018. ago. 2018.

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Com a aprovação da False Claims Act, permitiu-se que os cidadãos que governo US $ 345 bilhões por ano27. Considerando que a FCA proíbe as
tivessem conhecimento pessoal da fraude pudessem processar em nome denúncias relativas a fraude fiscal, se fez necessário uma lei que regula-
do Estado os contratantes corruptos, tendo êxito, receberiam metade do mentasse essas denúncias. Com isso em vista, no ano de 2006 fora criada a
dinheiro recuperado pelo governo23. Tax Relief and Healthcare Act.28, e em 2007 fora aberto oficialmente o IRS
Whistleblower Office29, as recompensas para quem denunciasse neste escri-
“A decisão original provou ser eficaz para proteger os interesses do
tório, variavam de 15% a 30% calculados em cima do valor da recuperação
país, e era um método barato para responsabilizar aqueles que roubaram
total, a lei inclui proteções adicionais, como a possibilidade de denunciar
do Departamento do Tesouro dos EUA por seus crimes.”24
anonimamente neste caso30.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o FCA tivera um declíneo, Embora ainda esteja em sua infância, o Escritório de denúncias da Receita
pois, nesta época o governo dos Estados Unidos criou o Departamento Federal recuperou bilhões de dólares ilícitos em sua primeira década de
de Justiça que tinha como competência, investigar e processar os apro- existência. O maior prêmio individual de denúncia até o momento foi
veitadores da Guerra, contudo, o que estava acontecendo, é que cidadãos pago por este programa a Bradley Birkenfeld, que recebeu US $ 104 mi-
que visavam apenas lucro, esperavam em tribunais federais para engressar lhões por seu papel em reportar grande evasão fiscal nos EUA, auxiliado
pelo Swiss Bank UBS. Desde 2008, o Escritório pagou uma média de mais
com uma ação sempre que o Departamento de Justiça providenciasse uma
de 100 prêmios anualmente aos relatores que apresentaram uma queixa.31
acusação criminal. Isso fez com que o Congresso, por intermédio de um
pedido do procurador-geral da época, chamado Francis Biddle, abolisse a Vale lembrar que foi o sucesso do FCA que influenciou na criação
recompensa e proibisse o engresso de novas ações, quando as autoridades da SEC, e que apesar da mudança de foco dos denunciantes que acontecera
já tinham conhecimento da fraude, o que resultou num desaparecimento durante a Segunda Guerra Mundial, no qual estes estavam ingressando com
de denúncias pelos próximos quarentas anos25. processos visando apenas pecúnia, comportamento este que resultou na
abolição da recompensa aos whitleblowers na época. Alguns anos depois, o
Em 1986, como resultado de novas praticas de corrupção em larga
legislador percebeu o papel do whistleblower como necessário para o com-
escala, o Congresso decidiu emendar a FCA, fora restaurado o sistemas de
bate à corrupção no país, o que levou o Congresso a emendar a lei, repondo
recompensas e também criadas novas formas de proteção ao whistleblower
a “premiação” e ainda fortificando a proteção para quem denunciasse.
e aumentadas as penalidades para empresas que defraudavam o governo
acrescentada de uma multa de $5.000,00 podendo chegar a $10.000,00 para A “premiação” ao whistleblower, entre aspas, pois, não deve ser visto
cada falso pedido que apresentassem26. como uma premiação, uma vez que, este está exercendo sua cidadania, e
poderá sofrer danos com isso. Ele não tem dever legal de fazer a denúncia,
A fraude fiscal também era um grande problema no país, tendo
porém, atos de corrupção, mesmo que indiretamente, prejudicam toda uma
em vista dados de uma estimativa feita pelo Internal Revenue Service, que
sociedade, a qual o referido whistleblower está também inserido. Sendo
a evasão fiscal e fraude cometidas por grandes corporações custam ao
assim, a ideia da recompensa nada mais é que, uma forma de compensação
que o Estado destina ao denunciante pelas possíveis retaliações que este
23 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. The origins of the False Claims Act during Ci-
vil War. Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistleblowing/ 27 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. The 2006 Tax Relief and Healthcare Act to
history/. Acesso em:19 ago. 2018. fight Tax Fraud. Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistle-
24 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. The origins of the False Claims Act during Ci- blowing/history/. Acesso em:19 ago. 2018.
vil War. Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistleblowing/ 28 Lei de Assistência Fiscal e Assistência Médica.
history/. 29 Escritório de Denúncia do IRS.
25 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. World War II: Whistleblowing Declines. 30 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. The 2006 Tax Relief and Healthcare Act to
Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistleblowing/history/. fight Tax Fraud. Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistle-
Acesso em:19 ago. 2018. blowing/history/. Acesso em: 19 ago. 2018.
26 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. The 1986 Amendments: The Return of Whis- 31 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. The 2006 Tax Relief and Healthcare Act to
tleblower Cases. Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistle- fight Tax Fraud. Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistle-
blowing/history/. Acesso em:19 ago. 2018. blowing/history/. Acesso em: 19 ago. 2018.

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possa sofrer por sua denúncia, já que, alguém que presencia prática de atos whistleblower, por soar como alguém desleal, nas palavras dele:
corruptos pode ser alguém de confiança do corrompido ou corruptor. Uma A palavra whistleblower sugere que você é um mexerico ou que você é
vez que o whistleblower relata a prática ilícita, ele provavelmente será visto de alguma forma desleal, diz ele. Mas eu não fui desleal nem um pouco.
como “dedo duro” ou até mesmo “traidor”, podendo, ainda pôr em risco Pessoas estavam morrendo. Eu era fiel a uma ordem mais elevada de
sua carreira e em alguns casos até sua própria vida, como será exposto responsabilidade ética34.
mais adiante. A ideia é fazer com que os cidadãos não sejam coniventes Este famoso whistleblower arcou com as consequências de sua de-
com a corrupção, pois, uma vez que são, a tendência é esta se perpetrar. núncia, sofreu inúmeras retaliações, era constantemente ameaçado de
Destaca-se que a recompensa só é concedida ao whistleblower, quando o morte, chegaram a enviar balas de revólver para a sua caixa de correio e
Estado descobre a prática da corrupção e recupera o valor perdido pelo ato ameaçaram machucar suas duas filhas35. Sob a grande pressão que passou
fraudulento, e que sem a denúncia não seria capaz de descobrir, visto que, a viver, Wigand começou a beber demais, se tornou alcoólatra, teve proble-
muitas fraudes são de difícil descoberta, como a sonegação de impostos. mas familiares que o levou ao divórcio e também problemas com a justiça.
Os fatores para estipular o valor que será repassado ao whistleblower, As ameaças de morte eram tão frequentes que ele sentiu necessida-
variam de programa para programa, sendo que, alguns eles compartilham de de abandonar sua casa e viver secretamente em diversos hotéis com um
e outros são mais específicos. São alguns fatores a serem analisados: o fato guarda-costas em tempo integral36, uma vez que, ele poderia evitar todo esse
do relator estar envolvido com a fraude, o fará ganhar uma porcentagem incomodo, não relatar e apenas alertar seus próximos para não comprarem
menor, porém, não poderá ser inferior ao mínimo previsto na lei específi- cigarro da indústria fraudulenta. Porém, ao relatar, Wigand pôs sua segu-
ca; o grau de exatidão e utilidade da informação, quanto maior este grau, rança e sua vida em jogo, para exercer sua cidadania em prol da saúde da
maior será a recompensa; quando o whistleblower juntamente com seu ad- sociedade, o que fora uma atitude muito digna. Tal caso reforça a tese de
vogado trabalham em conjunto com o procurador na investigação, quando que a recompensa que o whistleblower recebe, não é uma premiação e sim,
isso ocorre, a possibilidade de um prêmio maior ser concedido, aumenta; uma forma de tentar suprir retaliações como estas, muitas vezes, irreparáveis.
a rapidez com que o whistleblower relata a fraude também influencia no
valor da recompensa, pois, quanto mais cedo a atividade fraudulenta for Outro caso semelhante em que a figura do whistleblower fora de
descoberta, menos prejuízos causará32 para o Estado e para a sociedade. suma importância para os Estados Unidos, aconteceu no ano de 2010,
quando Cheryl Eckard, uma gerente global de qualidade, relatou as irre-
Um caso polêmico que ficou extremamente famoso em 1996 e que gularidades na produção de produtos farmacêuticos da empresa Gualaxo
fortifica a tese de que o whistleblower é uma figura importante a se adotar Smith Kline (GSK) – entres estes, pomada antibiótica para bebês, e remédios
no ordenamento jurídico de um país, é o caso relatado por Jeffrey Wigand: para tratar náusea, depressão e diabetes – ao órgão público competente,
Ex-executivo do setor de tabaco, Wigand afirmou no “60 Minutes” que porém, antes de levar aos órgão públicos, ela avisara os superiores da em-
as empresas de cigarros estavam intencionalmente embalando produtos presa sobre as irregularidades, sem sucesso, fora ainda, demitida. Então,
com níveis viciantes de nicotina. Sua história foi adaptada para o filme de decidiu relatar o caso, o que resultou a GSK pagar a quantia de US $ 750
1999 The Insider. Ele continuou expondo irregularidades corporativas e
milhões para liquidar as acusações37, sendo que, desta, Cheryl recebera
enganos, apesar das ameaças de morte que recebeu. Graças a sua coragem,
em 1997 a indústria do tabaco decidiu pagar US $ 368 bilhões.33
34 SALTER, Chuck. Wigand: The Whistle-Blower. In: Fast Company. 30 abr. 2002. Disponível
Em uma entrevista Wigand afirmou degostar de ser chamado de em: https://www.fastcompany.com/65027/jeffrey-wigand-whistle-blower. Acesso em: 24 ago. 2018.
35 Bioquímico americano acusa indústria do cigarro de ter ameaçado suas filhas. In: Folha de
32 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. Factors that affect the whistleblower reward São Paulo. São Paulo. 03 mar. 2008. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/
percentage. Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistle- ff0303200807.htm. Acesso em: 24 ago. 2018.
blowing/rewards/. Acesso em: 19 ago. 2018. 36 BIOGRAPHY.COM, Editores da. Jeffrey Wigand Biography. Disponível em: https://www.
33 WHISTLEBLOWERS INTERNATIONAL. Famous American Whistleblowers: Jeffrey biography.com/people/jeffrey-wigand-17176428. Acesso em: 24 ago. 2018.
Wigand, 1996. Disponível em: https://www.whistleblowersinternational.com/what-is-whistle- 37 WEARDEN, Graeme. Money Markets Project Syndicate B2B GlaxoSmithKline GlaxoSmi-
blowing/famous-personalities/. Acesso em: 26 ago. 2018. thKline whistleblower awarded $96m payout: Whistleblower who exposed contamination pro-

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como recompensa US $ 96 milhões. A Convenção Interamericana contra a Corrupção da Organização


dos Estados Americanos da OEA, em seu artigo III, 1, traz a necessidade
Os casos acima expostos, tem como finalidade, ajudar o leitor a
de exigir do funcionário público que denuncie os atos de corrupção que
interpretar o whistleblower como instrumento essencial para descoberta
tiver conhecimento, nas seguintes palavras:
de atos fraudulentos, que afetam tanto o governo como a sociedade, assim
como ocorre nos casos específicos que foram relatados. É válido lembrar [...] os Estados Partes convêm em considerar a aplicabilidade de medi-
das, em seus próprios sistemas institucionais destinadas a criar, manter
que, o whistleblower, tem a opção de se manter no anonimato, para evitar
e fortalecer:
retaliações como as narradas acima, desta forma, somente o judiciário e
1. Normas de conduta para o desempenho correto, honrado e adequado
a autoridade policial conhecerão sua identidade o que não impedirá de
das funções públicas. Estas normas deverão ter por finalidade prevenir
receber a recompensa. conflitos de interesses, assegurar a guarda e uso adequado dos recursos
É possível perceber que o Estado não tira diretamente dos cofres confiados aos funcionários públicos no desempenho de suas funções e
públicos a quantia que ele direciona ao whistleblower, além de ter um limite estabelecer medidas e sistemas para exigir dos funcionários públicos
que informem as autoridades competentes dos atos de corrupção nas
máximo para o reportante receber. Esta quantia será sempre uma porcen- funções públicas de que tenham conhecimento. Tais medidas ajudarão
tagem, calculada em cima do que fora recuperado ou da multa aplicada ao a preservar a confiança na integridade dos funcionários públicos e na
infrator denunciado pelo whistleblower, figura esta, que se mostrou essen- gestão pública.39
cial para a recuperação dos valores, sem o qual, talvez as autoridades nunca
No Brasil, vem se discutindo a implantação de uma legislação do
descobririam a fraude, e sendo assim, nunca conseguiriam recuperar valor
whistleblower desde 2011 em vários projetos de lei, porém, além de não
algum. Economicamente, um Estado, em tese, só tem a ganhar com tal
terem sido sancionados, nenhum deles cumpre os requisitos para a devida
legislação, pois, a porcentagem que vai para o whistleblower é infinitamente
proteção do denunciante que deveria conter em uma legislação desta es-
inferior à que vai para o Estado, somado ao fato de que tais valores pode-
pécie. Alguns dos PLs apresentados sobre o tema foram:
riam nunca entrar aos cofres públicos sem a denúncia do whistleblower.
(a) PLS 664/2011, de autoria do Sen. Walter Pinheiro, que tem por finali-
2.2. A FIGURA DO WHISTLEBLOWER NO BRASIL E A LEI dade alterar o “§ 3º do art. 5º do Código de Processo Penal para garantir
13.608/18 retribuição pecuniária à pessoa que dá notícia de crime contra a Admi-
nistração, de cujo processo resulte recuperação de valores”;
A orientação para que os Estados tenham uma legislação de whis- (b) PL 1.701/2011, de autoria do Dep. Manato, que pretende instituir o
tleblowing, vem de grandes organizações internacionais, como a ONU, que Programa Federal de Recompensa e Combate à Corrupção;
aconselha em seu art. 33, por exemplo, que seus Estados membros adotem (c) PL 3.506/2012, de autoria do Dep. João Campos, que busca estabele-
uma legislação que proteja o denunciante de possíveis retaliações. A Conven- cer o programa de recompensa a delatores de crimes cometidos contra a
ção das Nações Unidas Contra Corrupção – UNCAC, traz a seguinte redação: Administração Pública;
Cada Estado Parte considerará a possibilidade de incorporar em seu orde- (d) PLS 362/2015, de autoria do Se. Aloysio Nunes Ferreira, que dispõe
namento jurídico interno medidas apropriadas para proporcionar proteção sobre medidas de proteção e de incentivo a trabalhadores que denunciem
contra todo trato injusto às pessoas que denunciem ante as autoridades a prática de crime, ato de improbidade, violação de direitos trabalhistas
competentes, de boa-fé e com motivos razoáveis, quaisquer feitos relacio- ou qualquer outro ilícito verificado no âmbito da relação de trabalho;
nados com os delitos qualificados de acordo com a presente Convenção.38
(e) PL 3.165/2015, de autoria do Dep. Onyx Lorenzoni, que preten-
de instituir “o Programa de Incentivo à Revelação de Informações de
blems at Glaxo plant in Puerto Rico receives $96m. In: The Guardian. 27 out. 2010. Disponível
em: https://www.theguardian.com/business/2010/oct/27/glaxosmithkline-whistleblower-awar-
ded-96m-payout. Acesso em: 28 ago. 2018.
38 NAÇÕES UNIDAS (Brasil). CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A COR- 39 CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA A CORRUPÇÃO. Disponível em:
RUPÇÃO. Brasília. 2007. 72pgs p.31. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpo- http://www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-oea/documentos-rele-
-brazil//Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf. Acesso em: 19 ago. 2018. vantes/arquivos/convencao-oea. Acesso em: 02 set. 2018.

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Interesse Público“.40 o Brasil regulamente esta legislação para melhor efetividade.


Apesar destes projetos não terem sido sancionados, o que levou a uma Mas que base usar para regulamentar tal legislação? A organização
discussão sobre o Brasil ter homologado uma lei de whistleblowing, fora a global da sociedade civil que lidera a luta contra corrupção que é a ONG
previsão de possíveis recompensas prevista no art. 4° da Lei 13.608 que fora Transparência Internacional tem uma espécie de guia, onde ela expõe reco-
publicada e já entrara em vigor na data de sua publicação em janeiro de 2018: mendações do que deve conter uma legislação de whistleblowing, o guia fora
Art. 4º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no intitulado de “Recommended draft principles for whistleblowing legislation”43.
âmbito de suas competências, poderão estabelecer formas de re-
Nela é possível encontrar os itens principais que devem constar
compensa pelo oferecimento de informações que sejam úteis para a
prevenção, a repressão ou a apuração de crimes ou ilícitos administrativos. na lei, dentre eles devem ser assegurados: a Protection against retribution,
Parágrafo único. Entre as recompensas a serem estabelecidas, poderá ser quer dizer que a lei deverá proteger o denunciante de qualquer dano even-
instituído o pagamento de valores em espécie.41 tual, seja demissões, sanções trabalhistas, transferências punitivas, assédio,
Em apertada síntese, a lei brasileira autoriza os Estados a criarem ou perda de status, etc; Reversed burden of proof, o ônus da prova deverá ser
designarem um serviço telefônico para o recebimento de denúncias e o invertido, ou seja, se o empregado sofrer algum desses danos, caberá ao
estabelecimento pelos entes federativos, no âmbito de suas competências, empregador provar que fora por outro motivo e não pela denúncia; No
das formas de recompensas pelo oferecimento de informações que con- sanctions for misguided reporting, a lei deverá proteger o denunciante que
tribuam com as investigações policiais e para a prevenção, repressão ou denunciou de boa-fé, porém se equivocou na denúncia, um erro honesto,
apuração de crimes ou ilícitos administrativos.42
sendo assim, não deverá haver sanção para este whistleblower; No circum-
A Lei 13.608/2018 também alterou a Lei 10.201/2001, e acrescentou vention, a lei invalidará qualquer tipo de acordo privado que obstrua os
em seu art. 4° mais dois incisos, colocando a responsabilidade de apoiar o efeitos da legislação que protege os denunciantes; Penalty for retaliation
serviço telefônico para recebimento de denúncias, com garantia de sigilo and interference, os atos de retaliações praticados contra os whistleblowers
para o usuário e a premiação, em dinheiro, para informações que levem à estarão sujeitos a responsabilidade pessoal e disciplina; Dedicated legisla-
resolução de crimes, para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). tion, é preferível uma legislação autonoma44.
Pode se entender que sim, é um início de uma legislação de whsitle- Como é perceptivel há muitas lacunas a serem calafetadas na lei
blowing. Ela previu também de forma expressa que o denunciante que se 13.608/2018. Ao contrário do que se vê na legislação dos Estados Unidos,
identificar terá seus dados mantidos em sigilo, evitando retaliações, no en- não há um limite minímo nem máximo para a recompensa a ser recebida
tanto, a Lei ainda é extremamente vaga se comparada à legislações de outros pelo whistleblower. O primeiro passo já fora dado, todavia, para garantir
países, como por exemplo, não há previsão de proteção ao whistleblower, o efetividade é necessário uma regulamentação que pode-se usar como base
que é considerado um dos pontos mais importantes deste tipo de legislação, a legislação de países que tem bons resultados com o instituto, contudo, é
um ponto expresso na Convenção das Nações Unidas Contra Corrupção claro, trazendo para a realidade brasileira e de seus cidadãos.
supracitada. Uma legislação de whistleblowing é complexa, há alguns re-
quisitos que deve conter para que seja considerada uma. É necessário que
3. O INSTITUTO DO WHISTLEBLOWER X O INSTI-
TUTO DA DELAÇÃO PREMIADA
40 MILANEZ, Bruno. Anotações sobre as propostas legislativas a respeito do whistleblowing
no Brasil. Cana Ciências Criminais. 22 mar. 2017. Disponível em: https://canalcienciascrimi- Ao ler sobre o instituto do whistleblower é possível que muitas
nais.com.br/propostas-legislativas-whistleblowing/. Acesso em: 05 set. 2018.
41 BRASIL. Lei nº 13.608, de 10 de janeiro de 2018. Brasília, DF, 10 jan. 2018. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13608.htm. Acesso em: 16 ago. 43 Princípios Preliminares para uma Legislação de Denúncia.
2018. 44 TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Recommended draft principles for whistle-
42 ARCOS, Victoria. Whistleblower: um termo em alta no cenário norte-americano e no bra- blowing legislation. Berlim. 2009. 4 p. Disponível em: https://www.right2info.org/resources/pu-
sileiro. In: Consultor Jurídico. p. 1-4, 01 set. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/ blications/publications/09_12_02%20ti-draft%20principles%20WB%20legislation.pdf. Acesso
2018-set-01/victoria-arcos-whistleblower-brasil-estados-unidos. Acesso em: 04 set. 2018. em: 23 ago. 2018.

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pessoas o associem com a famosa delação premiada, porém, são institutos exigências da Lei, nesta não há possibilidade do criminoso sair impune,
distintos. A delação premiada, que o professor Cezar Roberto Bitencourt mas sim, de sua sanção abrandar, esse acordo é uma forma de delação pre-
chama de “traição bonificada”45, necessariamente o sujeito que delata está miada, pois aqui, o colaborador está envolvido com a prática criminosa,
envolvido com a prática criminosa, visando uma diminuição de pena, ele nesse caso, se trata de pessoa jurídica.
delata os outros participantes da organização criminosa. Compreende o abrandamento da punição a ser imposta pelo Estado que,
diante da colaboração dada pela pessoa jurídica, em contrapartida lhe
Nos moldes do art 4º da Lei 12.850/2013, a premiação concedida
flexibiliza diminui-lhe as penalidades do ilícito praticado. O instituto
ao delator tem uma série de condições, e caso cumpra-se essas condições, é uma forma de atrair aquele que se arrepende do ato ilícito, ou que
o criminoso será premiado por colaborar com a justiça, podendo o juiz constata na empresa indícios da sua prática ou que numa investigação
conceder a ele, redução de 2/3 da pena, substituição da pena privativa de li- foi identificado como infrator, por colaborar na fase inquisitiva, levando
berdade por restritiva de direitos. O juiz poderá também conceder o perdão à identificação de outros agentes envolvidos, recebe do Estado redução
judicial e até mesmo, se ele não for o líder da organização ou for o primeiro nas sanções que lhe seriam aplicadas se o acordo não fosse celebrado.
a prestar uma colaboração efetiva, o Ministério Público poderá deixar de Seu conteúdo está abarcado pela natureza de consenso da Adminis-
tração Pública, da qual também se origina o regramento da delação
oferecer a denúncia contra o delator46, nesse caso sim, é considerado uma premiada, aplicado na esfera criminal.47
premiação, afinal, além do sujeito cometer um crime, ele trai os “colegas”
e por tal traição, ganha benefícios. Estes institutos se diferem também no que diz respeito a suas maté-
rias, a delação premiada em si, é instrumento utilizado pelo direito penal. O
Já o instituto do whistleblower, como já fora citado neste artigo, em acordo de leniência diz respeito à matéria de Direito administrativo, tanto
tese, o sujeito que denuncia não visa premiação, é uma pessoa honesta que fora criado pelo fato do Direito Penal não suprir a necessidade de punir
que por estar em posição privilegiada comparado aos órgão públicos a pessoa jurídica envolvida em atos de corrupção48. Já o whistleblower pode
competentes para investigações de ilícitos, traz a denúncia até eles para denunciar tanto ilícitos civis até práticas de crimes tipificadas no Código
que a prática de corrupção seja interrompida. Ele está exercendo sua Penal, pois ele não está ligado diretamente com uma esfera, ele age em prol
cidadania, ajudando o governo a recuperar valores que sem a denúncia do combate à corrupção e fraudes independentes de sua natureza.
talvez nunca chegassem a recuperar, para isso ele se coloca em situação
de risco em prol da honestidade e do bem comum. O Estado concede a Reafirmando o que fora exposto acima, Luiz Flávio Gomes e Mar-
ele não uma premiação, mas sim uma recompensa, uma parte do que fora celo Rodrigues da Silva orientam:
recuperado pelo governo com a ajuda do whistleblower para que supra É pressuposto da colaboração premiada a confissão do agente, conforme já
eventuais retaliações que ele poderá sofrer. E além disso, o whistleblower decidiu o Superior Tribunal de Justiça. Aquele que simplesmente aponta a
fica protegido pela lei específica e não é obrigado a divulgar sua identi- responsabilidade de terceiros é um informante ou testemunha, mas não
um investigado ou réu colaborador.49
dade, a não ser para as autoridades competentes, como o Delegado de
Polícia, o juíz competente ou o Ministério Público. 47 ANDRADE, Jackeline Póvoas Santos de. O combate à corrupção no Brasil e a Lei n.
12.846/2013:a busca pela efetividade da lei e celeridade do processo de responsabilização atra-
A Lei 12.846/2013 – Lei Anticorrupção Empresarial, traz em seu vés do Acordo de Leniência. In: Revista Digital de Direito Administrativo. p.1-34. p.17. Dez.
capítulo V o acordo de leniência, que só será celebrado cumpridas algumas 2016. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/120090/122698. Acesso em:
16 ago. 2018.
48 ANDRADE, Jackeline Póvoas Santos de. O combate à corrupção no Brasil e a Lei n.
12.846/2013:a busca pela efetividade da lei e celeridade do processo de responsabilização atra-
45 BITENCOURT, Cezar Roberto. TRAIÇÃO BONIFICADA: Delação premiada na “lava jato” vés do Acordo de Leniência. In: Revista Digital de Direito Administrativo. p.1-34. p.15. Dez.
está eivada de inconstitucionalidades. In: Consultor Jurídico. 04 dez. 2014. Disponível em: ht- 2016. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/120090/122698. Acesso em:
tps://www.conjur.com.br/2014-dez-04/cezar-bitencourt-nulidades-delacao-premiada-lava-jato. 16 ago. 2018.
Acesso em: 24 ago. 2018. 49 NUNES, Leandro Bastos. A Lei n.º 13.608, de 10 de janeiro de 2018, criou o instituto do
46 BRASIL. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Brasília, DF, 02 ago. 2013. Disponível “Whistleblower”? In: Jusbrasil. jan. 2018. Disponível em: https://leompf.jusbrasil.com.br/arti-
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2018. Acesso em: 24 ago. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS RAFAELLA SILVEIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

É possível perceber que apesar de se parecerem, estes institutos são além de que, se trata de um instrumento barato, pois, o único “paga-
muito diferentes do whistleblower, uma vez que este não praticara nenhum mento” que o denunciante recebe, só lhe é dado após a recuperação
ato de corrupção, como explica o desembargador Márcio Antônio Rocha do governo. Este instituto permite que os cidadãos possam combater a
ao ser questionado sobre a diferença destes três institutos: corrupção juntamente com os órgãos competentes e não apenas esperar
A figura do whistleblower, ou do reportante, é o sujeito que não cometeu que estes o façam sozinhos. O incentivo à denúncia visa o bem comum,
irregularidade nenhuma. Ele não está em busca de nenhuma vantagem afinal como já fora citado, a corrupção atinge a todos que estão dentro
de natureza criminal. Este agente está participando de uma ação de do sistema que fora corrompido, é preciso um incentivo às pessoas para
cidadania. Então, com a aprovação desta lei, estaremos criando uma que façam as coisas da forma correta e deixem o “jeitinho” de lado. Uma
cultura de cidadania.50
legislação de whistleblowing incentiva também as pessoas a não serem
coniventes com a corrupção, pois muitas vezes veem e se calam. Sendo
4. CONCLUSÃO assim, possibilita o desenvolvimento de outro viés cultural, desconstruin-
do aos poucos a corrupção enraizada no cotidiano dos brasileiros.
Ao longo desse estudo objetivou-se explicar o instituto do whistle-
blower, como também, possibilitar a interpretação deste como instrumento Está claro a necessidade de regulamentação desta Lei, afinal, ela
essencial de auxílio no combate à corrupção usado pelo Estado. parece muito avulsa e solta no ordenamento. Feitas as alterações legislativas
necessárias, incluindo a previsão da proteção ao whistleblower, com base na
O fato do Estado ter implementado a delação premiada como ins-
pesquisa feita e no estudo apresentado, é possível dizer que é uma legislação
trumento de combate à corrupção, abrandar sanções à criminosos para
que tem grandes chances de dar certo, e é necessária para este país, que é
que tenham a possibilidade de chegar nos outros envolvidos, é o Estado
conhecido pela sua cultura do “jeitinho”.
admitindo sua falta de recursos para, por si só, conduzir as investigações e
encontrar os culpados pelo crime. Sendo assim, por que não incentivar os Como já afirmara o professor Luiz Flávio Gomes: “A corrupção tem
cidadãos honestos que presenciam fraudes a denunciarem? que ser afugentada da nossa cultura para que possamos superar nossa etapa
de país subdesenvolvido.”51
Seguindo este viés, entende-se que, apesar de algumas críticas a
legislação de whistleblowing, a maioria delas relacionadas ao possível
desfoque do verdadeiro sentido da lei, como o whistleblower visar enri- REFERÊNCIAS
quecimento e não o tão repetido neste artigo, exercício da cidadania. É ANDRADE, Jackeline Póvoas Santos de. O combate à corrupção no Brasil e a Lei n.
12.846/2013: a busca pela efetividade da lei e celeridade do processo de responsabi-
claro que esta possibilidade não deve ser descartada, porém, levando em lização através do Acordo de Leniência. In: Revista Digital de Direito Administra-
conta o que acontecera durante a Segunda Guerra nos EUA, quando o Con- tivo. p.1-34. p.15. Dez. 2016. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rdda/article/
gresso retirou a recompensa da FCA, justamente, por motivos de desfoque. view/120090/122698. Acesso em: 16 ago. 2018.
Anos depois, pelo crescimento da corrupção, a Lei além de ser emendada ARCOS, Victoria. Whistleblower: um termo em alta no cenário norte-americano e no
brasileiro. In: Consultor Jurídico. p. 1-4, 01 set. 2018. Disponível em: https://www.
trazendo a recompensa de volta, trouxe ainda proteção mais forte para o conjur.com.br/2018-set-01/victoria-arcos-whistleblower-brasil-estados-unidos. Aces-
whistleblower. Ou seja, se ele não fosse necessário ou importante, não teria so em: 04 set. 2018.
motivos para trazer de volta ao ordenamento artigos revogados, e talvez BIOGRAPHY.COM, Editores da. Jeffrey Wigand Biography. Disponível em: https://
não estaria vigente até os dias de hoje. www.biography.com/people/jeffrey-wigand-17176428. Acesso em: 24 ago. 2018.
Bioquímico americano acusa indústria do cigarro de ter ameaçado suas filhas. Fo-
As quantias recuperadas pelo governo dos Estados Unidos por lha de São Paulo. São Paulo. 03 mar. 2008 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.
meio das denúncias oferecidas pelos whistleblowers são significativas, br/fsp/cotidian/ff0303200807.htm. Acesso em: 24 ago. 2018.

50 MARTINS, Jomar. “Whistleblower é um aliado do Estado no combate à corrupção”. In: 51 GOMES, Luiz Flávio. República dos delatores (mas falta a lei do Whistleblower). In: Es-
Consultor Jurídico. p.1-4, 20 set. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-set-20/ tadão, p.1-2, 09 abr. 2015. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/
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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS RAFAELLA SILVEIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

BITENCOURT, Cezar Roberto. TRAIÇÃO BONIFICADA: Delação premiada na “lava canalcienciascriminais.com.br/propostas-legislativas-whistleblowing/. Acesso em: 05
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RESUMO: O presente artigo visa analisar a origem da corrupção no
Brasil através do aspecto histórico e cultural, abordando especificamente
o Período Colonial e a formação da identidade brasileira, assim como
apresentar os motivos para a corrupção ganhar cada vez mais terreno na
política e sua intensificação nos últimos anos. Pretende-se dessa forma,
discutir as falhas estruturais do Estado e do ordenamento jurídico in-
terno, a política de carreira e a frágil democracia, tendo como marco
da corrupção as características relacionadas ao clientelismo, nepotismo
e oligarquismo, práticas ainda não superadas no Brasil. Concluiremos,
através do método histórico, que a corrupção está enraizada em nossa
cultura, sendo intrínseca do ser humano, logo não será praticada apenas
por aqueles que possuem o poder, porém causará maiores danos quando
exercida pelos líderes políticos.
PALAVRAS-CHAVE: Corrupção; Período Colonial; Democracia.
ABSTRACT: This article aims to analyze the origin of corruption in
Brazil through the historical and cultural aspect, specifically addressing
the Colonial Period and the formation of the Brazilian identity, as well
as presenting the reasons for corruption to gain more ground in politics
and its intensification in recent years. The aim is to discuss the structural
failures of the State and the internal juridical system, career politics and
fragile democracy, with the characteristics of clientelism, nepotism and
oligarchy as the cornerstone of corruption, practices not yet overcome in
Brazil. We will conclude that corruption is rooted in our culture, being
intrinsic to the human being, so it will not be practiced only by those

1 Acadêmica do 5º período do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí. E-mail:


[email protected]

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

who have the power, but will cause greater damage when exercised by do cidadão, sendo dessa forma, também estudado pela filosofia.
political leaders.
A corrupção não é exclusiva do ser humano, tendo em vista que essa
KEYWORDS: Corruption; Colonial period; Democracy.
conduta já foi observada em outros animais. Bem como, também não per-
tence unicamente ao poder político e empresarial, mas à sociedade como
INTRODUÇÃO um todo, que pode exercer ou tolerar. Dessa forma, podemos salientar que
A corrupção atrelada à nossa sociedade não é um problema atual. Mediante o estudo de nosso comportamento evolutivo e a resolução de
Intrínseca ao ser humano, historiadores identificam este ato em diversos dilemas morais, foi observado que não importam a cultura, idade, classe
social e religião, o homem é corrupto por natureza: pensa primeiro no
momentos de nossa história encontrando traços desde o princípio. Par-
bem próprio e depois considera regras morais e sociais; suas punições e
tindo desta ideia, o presente artigo abordará especificamente o período suas percepções.3
colonial no Brasil, a formação da identidade brasileira e a corrupção como
um fator enraizado culturalmente em nossa sociedade até os dias atuais. Conforme os ensinamentos de Dawkins, os genes que tendem a
fazer com que os indivíduos trapaceiem têm vantagem no “fundo”, tendo
Tendo em vista os efeitos calamitosos da corrupção e a necessida- em vista que “indivíduos egoístas prosperam à curto prazo às custas dos
de de combate-la, abordaremos esse fenômeno como sendo intrínseco da altruístas”. A seleção natural tenderá a favorecer os que efetivamente agem
sociedade, não sendo um crime exercido apenas por aqueles que detêm o de forma a mentir, trapacear, enganar. Destaca-se que, se há uma moral
poder. Analisaremos as características do clientelismo, nepotismo e oligar- humana a ser estabelecida, seria o ensinamento do altruísmo, pois não
quismo presentes no berço da elite colonial brasileira e a forma constante podemos esperar que ele seja parte de sua natureza biológica.4
que a corrupção seguiu mantendo-se intacta durante os séculos, juntamente
com as características patriarcais que ainda fazem parte do poder político. Consequentemente, podemos afirmar que a corrupção é um pro-
blema encontrado em todas as nações, tendo em vista que está relacionada
Em suma, discorreremos sobre as relações e reflexos que podem ser ao caráter do indivíduo. É, portanto, algo antiético e imoral.
encontrados na colonização do Brasil e que se fazem presente no quadro
de corrupção política atual. Além disso, a influência de nossa cultura e No âmbito jurídico, Rogério Greco afirma que “o corrupto é insaciá-
aspectos morais que intensificaram a corrupção. vel, ou seja, nunca se satisfaz com um único ato de corrupção. Parece que
o crescimento de sua fortuna pessoal o impulsiona, e ele busca acumular o
O presente artigo discutirá os impasses do tema por meio da que nunca conseguirá gastar, em toda a sua existência”5. A ganância está
problematização, e de forma clara examinará as hipóteses que serão interligada à corrupção, e a busca pelo poder se torna incessante mesmo
apresentadas baseadas em referências bibliográficas e documentais. Será que seja em detrimento de indivíduos ou da sociedade em geral.
utilizada a pesquisa de caráter descritivo e qualitativo de forma a analisar
e interpretar os fatos histórico. Homo homini lúpus. Com essa afirmação, Thomas Hobbes diz que o
próprio mal e as causas pela degradação humana estão no próprio homem,
que é inimigo de si mesmo. Para ele, a natureza humana é regida pelo
1. ORIGEM DA CORRUPÇÃO egoísmo e autopreservação, tomando suas decisões com base no interesse
A corrupção é um fenômeno intrigante, que tenta ser explicado por pessoal para a sua própria satisfação. Dessa forma, o individualismo seria
diversas áreas da ciência como a jurídica, psicológica, biológica e antropoló-
gica. O seu significado pode ser definido como a ação ou efeito de corromper;
3 MANES, Facundo. O cérebro corrupto. In: El País. 2016. Disponível em https://brasil.elpais.
devassidão; desmoralização2. Compreende-se como um desvio de conduta com/brasil/2016/05/03/ciencia/1462289605_959427.html. Acesso em: 01 out. 2018.
4 DAWKINS, Richard. O gene egoísta. p. 83. Disponível em http://www2.unifap.br/alexan-
dresantiago/files/2014/05/Richard_Dawkins_O_Gene_Egoista.pdf. Acesso em: 01 out. 2018.
2 FIGUEIREDO, Candido de. Novo Diccionário da Língua Portuguesa. 1913. p. 513. Dispo- 5 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 6 ed. Rio de Janeiro: Impetus,
nível em: http://dicionario-aberto.net/dict.pdf Acesso em 19 dez. 2018. 2010. p. 408.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

uma barreira para o desenvolvimento do ideal de coletividade da socieda- Brasil, somente no caso da Petrobras, o custo da corrupção foi estipulado
de, tendo em vista que colocaria seus próprios anseios acima do que seria em R$ 6 bilhões8. Além disso, um estudo realizado pela Federação das
melhor para todos.6 Indústrias do Estado de São Paulo projetou que até 2,3% do PIB nacional
são perdidos com a prática da corrupção anualmente9.
Todos os países têm corrupção e seres humanos corruptos. A dife-
rença, em parte, está quando a corrupção é tolerada nessa sociedade. Em si, a desigualdade trata-se de um problema enfrentado glo-
O relatório Mente, Sociedade e Conduta elaborado pelo Banco Mundial balmente, o que a corrupção torna ainda mais grave, devido à grande
menciona que nesses países nos quais a corrupção é uma norma aceita e concentração de renda ser direcionada para poucos indivíduos da socie-
não existe punição e sanção social para tal conduta, é possível se chegar dade. Conforme afirma Brandão,
ao extremo de que parte da sociedade não respeite e até mesmo caçoe
O esquema da Petrobras reproduz um padrão que é sistêmico na relação
do funcionário honesto. Por sua parte, muitas dessas pessoas que no
entre setor privado e poder público no Brasil. Através do suborno, são
privado criticam a corrupção não se rebelam contra o sistema para não
criados ambientes de negócios que privilegiam certos grupos e não são
ficarem isoladas e tachadas como “diferentes”. Existem situações nas
favoráveis ao interesse público e da economia em geral. Isso gera grandes
quais até mesmo policiais foram punidos (por seus colegas e por seu
distorções e desigualdades.10
entorno social) por não aceitarem subornos, serem honestos e violarem
a norma estabelecida. O mesmo relatório descreve como pessoas de Na medida em que recursos destinados à programas sociais são des-
países com alto índice de corrupção que têm imunidade diplomática viados, toda população é atingida, porém, as mais carentes, que necessitam
em Nova York e, por conta disso, não precisam pagar por multas de
do amparo do Estado, se tornam as mais afetadas.11 Estudos realizados pela
trânsito, têm mais infrações do que diplomatas que vêm de países com
menor índice. Isso traz evidências à ideia de que a corrupção, em parte, CNI, apontam que a cada R$1,00 desviado em corrupção correspondem a
é influenciada por normas sociais internalizadas.7 um dano de R$3,00 para a sociedade.12

Destarte, a corrupção se tornou uma “doença” crônica, inclusive no No Brasil é notável essa realidade, um país em desenvolvimento
Brasil, onde as condições são propícias para a proliferação desse fenômeno. econômico e democrático à mercê de políticos corruptos “que protagoni-
O ambiente favorece a natureza humana corrupta. Consequentemente, os zam escândalos e efetuam despesas particulares a serem pagas pelo erário
indivíduos se tornam potentes para essas condutas, principalmente aqueles público evidenciando a supervalorização dos interesses individuais em
que possuem poder. consequência da marginalização dos interesses coletivos”13.

A corrupção além de causar impactos na moral social, quando pra- 8 NEHER, Clarissa. Esquemas de corrupção reforçam desigualdade no Brasil, diz Trans-
ticada por indivíduos que detêm esse poder ou, o abuso dele, acarretam parência Internacional. 2017. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38721706
Acesso em 19 dez. 2018.
consequências inúmeras vezes mais danosas à sociedade, tendo em vista a
9 SEIXAS, Beatriz. Saiba qual o preço da corrupção no Brasil. 2017. Disponível em https://
quantidade de pessoas que são atingidas pela conduta corrupta. www.gazetaonline.com.br/noticias/economia/2017/05/saiba-qual-e-o-preco-da-corrupcao-no-
-brasil-1014059906.html Acesso em 19 dez. 2018.
Um dos efeitos mais evidentes para a economia e os níveis de qua- 10 NEHER, Clarissa. Esquemas de corrupção reforçam desigualdade no Brasil, diz Trans-
parência Internacional. 2017. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38721706
lidade de vida é a desigualdade na distribuição de renda. De acordo com Acesso em 19 dez. 2018.
Bruno Brandão, representante da ONG Transparência Internacional no 11 ROCHA, Lucas Furtado. Raízes da corrupção: estudos de caos e lições para no futuro. Tese
(Doutorado em Direito Administrativo). Universidad de Salamanca. Salamanca, 2012.
12 SEIXAS, Beatriz. Saiba qual é o preço da corrupção no Brasil. 2017. Disponível em: https://
6 MORAIS, José Victor Ibiapina Cunha.; FILHO, Sidney Soares. O homem é o lobo do www.gazetaonline.com.br/noticias/economia/2017/05/saiba-qual-e-o-preco-da-corrupcao-no-
próprio homem: a corrupção no Brasil e a construção da cidadania brasileira sob a perspectiva brasil-1014059906.html. Acesso em: 06 out. 2018.
de Thomas Hobbes. 2017. Disponível em http://flucianofeijao.com.br/novo/wp-content/uplo- 13 MORAIS, José Victor Ibiapina Cunha.; FILHO, Sidney Soares. O homem é o lobo do
ads/2018/02/O_homem_e_o_lobo_do_proprio_homem_a_corrupcao_no_Brasil_e_a_cons- próprio homem: a corrupção no Brasil e a construção da cidadania brasileira sob a perspectiva
trucao_da_cidadania_brasileira_sob_a_perspectiva_de_Thomas_Hobbes.pdf Acesso em: 01 de Thomas Hobbes. 2017. Disponível em http://flucianofeijao.com.br/novo/wp-content/uplo-
out. 2018. ads/2018/02/O_homem_e_o_lobo_do_proprio_homem_a_corrupcao_no_Brasil_e_a_cons-
7 MANES, Facundo. O cérebro corrupto. In: El País. 2016. Disponível em https://brasil.elpais. trucao_da_cidadania_brasileira_sob_a_perspectiva_de_Thomas_Hobbes.pdf Acesso em: 06
com/brasil/2016/05/03/ciencia/1462289605_959427.html Acesso em: 01 out. 2018. out. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

Contudo, a corrupção não é um problema atual. Toda a conjuntura Para garantir o domínio sobre a colônia, Portugal concedia cargos
histórica, social e política influenciou no cenário que hoje presenciamos. com vantagens econômicas e prestígio social. Ao ganhar o cargo público
Além disso, essas características podem ser encontradas em toda a his- do rei, os beneficiários utilizavam para favorecimento próprio e de fami-
tória do Brasil. Não se trata apenas de uma colonização exploratória, são liares. Dessa forma, institucionalizou na sociedade a percepção do bem
atos putrefatos que estão culturalmente inseridos na sociedade brasileira e público como privado.17 O pagamento de propinas a governantes e fun-
também, no poder político, onde a corrupção sempre ganhou terreno para cionários reais era até mesmo prevista em leis. De acordo com Adriana
se manter fértil. Assim, em seguida, iremos analisar brevemente o período Romeiro, no Brasil a impunidade era um privilégio concedido pelo rei,
colonial, o momento histórico que notoriamente deu o primeiro passo para desde que prestassem serviços como participar de obras da colonização,
a instalação da corrupção no Brasil. de estradas e ajudar no comércio local.18
Alvo de corrupção logo em 1549, foi a construção da primeira
2. DESENCADEAMENTO DA CORRUPÇÃO NO capital, sede da Coroa portuguesa nas américas, Salvador. As licitações
BRASIL já eram arranjadas, “estimam que a obra custou o equivalente a um terço
Desde a “descoberta” do Brasil por Portugal, se constitui uma re- das receitas do reino”.19
lação de dependência, onde o Brasil era visto apenas como terras coberta
A construção do Brasil não tinha nenhum compromisso social.
por riquezas que, de maneira parasitaria, gerariam lucros e fundos para a
De acordo com Laurentino Gomes em seu livro 1808, Portugal era
Corte de Portugal.
preso ao sistema mercantilista e extrativista e “baseava-se na explora-
Contudo, devido a distância entre metrópole e colônia, a vigilância ção pura e simples das colônias, sem que nelas fosse necessário investir
perante o Brasil era “muito frágil e precária”14. A terra de oportunidades em infraestrutura, educação ou melhoria de qualquer espécie.”20 Ainda,
recebia diversas navegações além das portuguesas, em busca do enriqueci- conforme Sérgio Buarque de Holanda “O que o português vinha buscar
mento pessoal. A fraude mais comum na jovem colônia estava relacionada era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza
ao contrabando de mercadorias. Ao longo dos três séculos que se seguiram, que custa trabalho.”21
casos de corrupção foram crescendo no território15 e a Coroa fazia “vista
O Pacto Colonial teve fim em 1808 com a chegada da Coroa por-
grossa” para as práticas ilícitas. Segundo os estudos da historiadora Adriana
tuguesa no Brasil, onde houve a abertura dos portos para a Inglaterra,
Romeiro, a corrupção sempre esteve presente no Brasil.
grande aliada de Portugal. Antes da chegada da corte portuguesa ao Rio
Mem de Sá (governador-geral do Brasil entre 1558 e 1572), por exemplo, de Janeiro, o Brasil era um amontoado de regiões pouco autônomas, sem
já era acusado de enriquecimento ilícito. No Rio de Janeiro, dizia-se que
os mercadores de escravos que saíam da África e seguiam para o Rio da
Prata e tinham que parar no Rio para abastecer já sabiam que tinham que 17 NEHER, Clarissa. Análise histórica mostra que corrupção no Brasil persiste desde o perí-
pagar propina ao governador da capitania. Para que essas embarcações odo colonial. In: G1. 2017. Disponível em https://g1.globo.com/educacao/noticia/analise-his-
torica-mostra-que-corrupcao-no-brasil-persiste-desde-o-periodo-colonial.ghtml Acesso em:
parassem na costa era exigido algum tipo de contribuição ilícita, como o 07 out. 2018.
direito de subir a bordo e escolher os melhores escravos.16 18 AYER, Flávia. Corrupção está enraizada no Brasil desde o período colonial, revela historia-
dora. In: EM. 2017. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2017/08/13/in-
14 AYER, Flávia. Corrupção está enraizada no Brasil desde o período colonial, revela historia- terna_politica,891482/corrupcao-esta-enraizada-no-brasil-desde-o-periodo-colonial-revela-hi.
dora. In: EM. 2017. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2017/08/13/in- shtml. Acesso em: 06 out. 2018.
terna_politica,891482/corrupcao-esta-enraizada-no-brasil-desde-o-periodo-colonial-revela-hi. 19 MARTINS, Fernando. Pequena história da corrupção no Brasil. In: Gazeta do Povo. 2016.
shtml Acesso em: 06 out. 2018. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/pequena-historia-da-corrupcao-
15 ROCHA, Lucas Furtado. Raízes da corrupção: estudos de caos e lições para no futuro. Tese -no-brasil-9y0cqugk561vl4rrhkgaz4fqo/. Acesso em: 07 out. 2018.
(Doutorado em Direito Administrativo). Universidad de Salamanca. Salamanca, 2012. 20 GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte
16 AYER, Flávia. Corrupção está enraizada no Brasil desde o período colonial, revela historia- corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. n. 3. São Paulo:
dora. In: EM. 2017. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2017/08/13/in- Planeta do Brasil, 2009. p. 58.
terna_politica,891482/corrupcao-esta-enraizada-no-brasil-desde-o-periodo-colonial-revela-hi. 21 HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. n. 26. São Paulo: Companhia das Letras,
shtml Acesso em: 06 out. 2018. 1995. p. 49.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

comércio ou qualquer outra forma de relacionamento, distante e estra- e também, criar um banco estatal para emitir moeda. O Banco do Brasil
nhas entre si, ou seja, sem nenhuma identidade de nação. Tinham apenas foi um exemplo do “compadrio que se estabeleceu entre a monarquia
o idioma português e a Coroa como referência. Era uma população anal- e uma casta de privilegiados negociantes, fazendeiros e traficantes de
fabeta, pobre e carente de tudo. Totalmente isolada e sem comunicação, escravos a partir de 1808”. Os acionistas do banco eram recompensados
com o objetivo de manter as riquezas longe dos olhos estrangeiros. Apesar com títulos de nobreza e nomeação para cargos de deputados da Real
da política de controle, a colônia ainda era mais dinâmica e criativa que Junta do Comércio.26
a estagnada metrópole.22 No Rio de Janeiro, a corte portuguesa estava organizada em seis grandes
setores administrativos – chamados repartições. [...] Os responsáveis por
Ao analisar o processo de colonização e a formação da sociedade
essas repartições passariam para a história como símbolos de maracutaia
brasileira, Sérgio Buarque de Holanda articula e enriquecimento ilícito.27
A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território,
dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua Pela corrupção, homens comuns participaram do jogo político e
tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato mais mar- ascenderam socialmente, tornando-se a elite brasileira. Além das riquezas,
cante e mais rico em consequências. Trazendo de países distantes nossas o Brasil detinha grande comércio de escravos. Os traficantes eram empre-
formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em sários respeitados e tinham influências nos negócios do governo.
manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos
ainda hoje uns desterrados em nossa terra.23 Após treze anos, D. João VI deixa o Brasil para retornar à Portugal.
Antes de embarcar, a realeza que viveu na corrupção, saqueou os cofres do
D. João VI e a corte chegaram à colônia empobrecidos, trazendo
Banco do Brasil, assim como fizeram em Portugal, levando embora o que
entre 10.000 e 15.000 portugueses e pouco se interessavam pela prosperi-
restava do tesouro real trazido em 1808. Contudo, foi neste período que
dade do Brasil. Além disso, outro problema seria em encontrar moradia
vivenciamos as mudanças mais profundas e decisivas, deixamos de ser uma
para os novos hóspedes. Os endereços escolhidos para acolher a corte eram
colônia para nos tornar um país independente.
marcados na porta com as letras PR – Príncipe Regente. Logo, a população
começou a interpretar como “Ponha-se na rua”. Ademais, muitos possuí- No entanto, não houve uma ruptura significativa com as práticas
ram-se de casas, escravos e nunca pagaram alugueis.24 patrimonialistas e clientelistas. Na República os mesmos atos continua-
ram, porém com uma percepção diferente. O favorecimento dos amigos à
A corte bancava todos, sem se preocupar com a origem dos recur-
margem da lei, era visto como indispensável para o apoio político, porém o
sos. Cerca de 276 fidalgos e dignitários régios recebiam verba anual paga
pagamento de propina tolerado no período colonial passou a ser conside-
em moedas de ouro e prata retiradas do tesouro real do Rio de Janeiro. Um
rado corrupção. Em 1880, o Império passa a sofrer as primeiras acusações
dos padres recebia um salário fixo anual de 250.000 réis só para confessar
de corrupção ligadas ao sistema, “na visão de quem denunciava a prática,
a rainha. O déficit crescia sem parar.25
a monarquia ou a república eram corruptas por não promoverem o bem
Consequentemente, foi necessário obter empréstimo da Inglaterra público e serem consideradas despóticas e oligárquicas”.28

22 GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte
corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. n. 3. São Paulo: 26 GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte
Planeta do Brasil, 2009. p. 110-121. corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. n. 3. São Paulo:
23 HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. n. 26. São Paulo: Companhia das Letras, Planeta do Brasil, 2009. p. 171.
1995. p. 31 27 GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte
24 GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. n. 3. São Paulo:
corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. n. 3. São Paulo: Planeta do Brasil, 2009. p. 173.
Planeta do Brasil, 2009. p. 135. 28 NEHER, Clarissa. Análise histórica mostra que corrupção no Brasil persiste desde o perí-
25 GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte odo colonial. In: G1. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/analise-his-
corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. n. 3. São Paulo: torica-mostra-que-corrupcao-no-brasil-persiste-desde-o-periodo-colonial.ghtml. Acesso em:
Planeta do Brasil, 2009. p. 169-170. 07 out. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

Em suma, o Brasil iniciou como um local propício para ser explo- presidência do Brasil em 2018, Ciro Gomes. Apesar de possuir um dis-
rado e roubado, de fácil enriquecimento próprio. Porém, não podemos curso de suposto enfrentamento às oligarquias, a família Ferreira Gomes
justificar a dificuldade atual em combater a corrupção unicamente pelo está no poder desde 1890 quando Vicente César Ferreira Gomes se tornou
âmbito histórico, tendo em vista que mesmo com as mudanças de per- prefeito de Sobral no Ceará.32
cepções durante os séculos, a impunidade foi sempre um dos principais
Ainda podemos citar José Sarney tendo ingressado na política
problemas. Com a impunidades dos violares, a corrupção foi ganhando
em meados de 1959, passando por debutado, governador, presidente e
cada vez mais espaço para manter-se na sociedade e também, no poder
senador, sendo sua família muito influente na política do Maranhão per-
político até hoje.
dendo apenas nas eleições de 201433; em Alagoas. A família Calheiros
tem domínio, desde 1978 na política34 com Renan Calheiros, e agora,
3. A MÁCULA DA CORRUPÇÃO NO BRASIL ATUAL Renan Filho reeleito governador do estado35. E também, Leonel Brizola,
A colonização exploratória do Brasil pode ser considerada um que ingressou no Partido Trabalhista Brasileiro em 1945 rompeu com
agente importante para explicar as mazelas sociais, porém não podemos a política apenas em 2003, um ano antes de seu falecimento.36 Diversos
apontar como a causa dominante para a corrupção ainda existente no exemplos fazem parte da gama de políticos que favoreceram a si e suas
Brasil. Podemos encontrar no sistema atual as características do clien- famílias com o poder, tendo participado de práticas corruptas como as
telismo, nepotismo e oligarquismo influentes no período colonial e que comissões, propinas e desvios de verbas públicas para obter apoio.
auxiliam nos elevados números de corrupção. O favorecimento, em conjunto com o abuso de poder, desvio de
De modo geral, o clientelismo pode ser tratado como a relação de finalidade pública e uso do público para interesse privado, fazem com
políticos que concedem benefícios públicos, na forma de empregos, bene- que a corrupção se propague de forma quase inevitável. Todo o arranjo
fícios fiscais e isenções, em troca do apoio político.29 O nepotismo, apesar político e as falhas nas estruturas administrativas e no sistema judiciário
de semelhante, refere-se ao favorecimento de parentes em detrimento de são causas da crescente corrupção.
pessoas mais qualificadas afim de resguardar os interesses, sendo comum Conforme afirma o Procurador da República Deltan Dallagnol,
na nomeação de cargos públicos. Desta forma, se torna uma tarefa árdua a corrupção no Brasil é “histórica, endêmica, sistemática e se arrasta
não permitir que “sentimentos de ordem pessoal contaminem e des- ao longo das últimas décadas”37. Podemos completar com a tradição da
virtuem a atividade pública que se propuseram a desempenhar”.30 Já o impunidade, sendo que vários privilégios protegem os poderosos, como
oligarquismo é considerado como o governo dos poucos, onde o poder
encontra-se concentrado em uma minoria que governa de acordo com
32 FOLHA DE SÃO PAULO. Família Gomes disputa poder desde 1890. São Paulo, 2002.
seus interesses próprios, podendo ser do mesmo partido político, família Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2608200229.htm. Acesso em: 11 out.
ou setor econômico.31 2018.
33 TODA MATÉRIA. José Sarney. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/jose-sar-
Nesse sistema de favorecimentos, políticos brasileiros fazem da po- ney/. Acesso em: 11 out. 2018.
34 SENADO. Alagoas reelege Renan Calheiros e tem Rodrigo Cunha como novidade. 2018.
lítica uma profissão e carreira, permanecendo durante anos ou até mesmo Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/10/07/alagoas-reelege-re-
séculos no poder. Como exemplo, podemos citar um dos candidatos à nan-calheiros-e-tem-rodrigo-cunha-como-novidade. Acesso em: 11 out. 2018.
35 O ANTAGONISTA. Família Calheiros continua mandando em Alagoas. 2018. Disponível
em: https://www.oantagonista.com/brasil/familia-calheiros-continua-mandando-em-alagoas/.
29 CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão Acesso em: 11 out. 2018.
conceitual. In: Scielo. vol. 40. n. 2. Rio de Janeiro, 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/ 36 MEMORIAS DA DITADURA. Leonel Brizola. Disponível em: http://memoriasdaditadura.
scielo.php?pid=S0011-52581997000200003&script=sci_arttext. Acesso em: 11 out. 2018. org.br/biografias-da-resistencia/leonel-brizola/index.html. Acesso em: 11 out. 2018.
30 GARCIA, Emerson. O nepotismo. Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/de- 37 GONÇALVES, Carolina. Dallagnol: corrupção no país não é exclusiva de governos ou parti-
fault/files/anexos/14574-14575-1-PB.pdf Acesso em: 11 out. 2018. dos específicos. In: Agência Brasil. Brasília, 2018. Disponpivel em: http://agenciabrasil.ebc.com.
31 TODA POLÍTICA. Oligarquia: o governo de poucos. Disponível em https://www.todapo- br/politica/noticia/2016-06/dallagnou-corrupcao-no-pais-nao-e-exclusiva-de-governos-ou-par-
litica.com/oligarquia/. Acesso em: 11 out. 2018. tidos. Acesso em: 12 out. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

o foro privilegiado. Dessa forma, deve ser dado maior atenção às normas reestruturação.
existente e efetiva aplicação. A legislação de combate à corrupção neces-
Contudo, além dessa reestruturação política, é necessário “criar uma
sita ser aprimorada com o aumento de penas, a recuperação de ativos e
cultura pública de controle que gere um novo padrão de ação e de controle
medidas de celeridade, principalmente em crimes relacionados a impro-
democrático no país”41, ou seja, exigir do cidadão maior controle e partici-
bidade administrativa.
pação social na tomada de decisões. A história do Brasil foi marcada pela
A alta impunidade dos casos de corrupção, no Brasil, provoca uma visão ausência de participação popular. O povo brasileiro não possui grandes
distorcida no âmbito da opinião pública brasileira. Do ponto de vista
revoltas em sua história, sem muito patriotismo e um país tão grande e
da percepção dos brasileiros, 65% concordam que se as leis que existem
fossem cumpridas e não existisse a impunidade, a corrupção diminuiria. diversificado culturalmente não conseguiu ainda formar sua identidade
A par disso, 66% concordam que o controle da corrupção exige leis novas, como nação, para reconhecer e defender.
com penas mais duras e maiores. Esse processo de criminalização da cor-
A prática da corrupção se torna tolerável quando grande parte da
rupção estabelece uma contradição no seio da cidadania. O brasileiro
deseja leis mais duras, criando uma espécie de cultura penal que resulta sociedade usufrui dela. Está enraizada no Brasil devido ao conjunto po-
na expansão das instituições de vigilância. Quando a criminalização da lítico, econômico e especialmente, cultural, não sendo somente culpa da
corrupção e a consequente expansão dos instrumentos de vigilância das “herança portuguesa”. Aqueles que possuem o poder obtém excesso de
instituições judiciais sobre a política e sobre a Administração Pública se oportunidades com o predomínio das vontades particulares e a certeza da
revelam incapazes de oferecer respostas definitivas ao problema, cria-se impunidade, beneficiando-se das falhas no ordenamento jurídico brasi-
um processo de deslegitimação da política e de naturalização da corrup- leiro. Em suma, a corrupção decorre da democracia fragilizada, as falhas
ção na dimensão do Estado brasileiro. Este último é visto como o lugar
na administração e carência de organização, porém também implica em
dos vícios, representando para a cidadania um fardo a ser carregado me-
diante a cobrança de impostos e taxas, que não se revertem para o bem mudanças culturais e morais.
comum, mas são indevidamente apropriados por políticos e burocratas. 38

Ademais, são sabidas as consequências da corrupção nos setores 4. CONCLUSÃO


econômicos, no aumento das desigualdades e principalmente, para a le- No presente artigo buscamos sustentar a origem da corrupção como
gitimidade da democracia. A onda de denúncias espalhadas pela mídia um aspecto enraizado no ser humano, especificamente na cultura brasilei-
nos últimos anos envolvendo líderes políticos, a sensação de insegurança, ra. Perpassamos brevemente pelo Período Colonial mostrando o início de
a instabilidade econômica são elementos que formam o pessimismo da práticas corruptas desde os primórdios da história e que se intensificaram
população brasileira e afasta, ainda mais, a participação social.39 com a chegada da Coroa portuguesa no território brasileiro.
Além da mancha corrupta nos poderes Legislativo e Executivo, o Analisamos as características patriarcais ainda existente no Brasil,
Judiciário é lento e omisso, tendo um dos salários mais elevados da Repú- como o clientelismo, nepotismo e oligarquismo marcantes na colonização
blica, e ainda há juízes e desembargadores que vendem suas sentenças.40 e que não conseguimos superar, fazendo parte, atualmente, do quadro de
Apesar de casos raros, mostra que todos os três poderes necessitam de corrupção política. Apontamos os favorecimentos obtidos através dessas
características, os excessos de oportunidades e ainda, abordamos a im-
38 AVRITZER, Leonardo.; FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção e controles democráticos no punidade como uma das principais causas para os grandes índices de
Brasil. Brasília, DF: CEPAL. 2011. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/hand- corrupção no Brasil.
le/11362/28145/S2011964_pt.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 14 out. 2018
39 KINZO, Maria D’Alva G. A democracia brasileira: um balanço do processo político desde Destarte, cabe ressaltar as mudanças jurídicas para penalizar
a transição. In: Scielo. v. 15. n. 4. São Paulo, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0102-88392001000400002&script=sci_arttext&tlng=es. Acesso em: 12 out. 2018.
40 FILHO, Rafael Moura. Com os três poderes corrompidos, o país perdeu o rumo! In: JCNET. 41 AVRITZER, Leonardo.; FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção e controles democráticos no
2017. Disponível em: https://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=246595. Acesso Brasil. Brasília, DF: CEPAL. 2011. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/hand-
em: 13 out. 2018. le/11362/28145/S2011964_pt.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 14 out. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

devidamente aqueles que cometem crimes administrativos relacionados GONÇALVES, Carolina. Dallagnol: corrupção no país não é exclusiva de governos ou
partidos específicos. In: Agência Brasil. Brasília, 2018. Disponível em: http://agencia-
à corrupção. O ordenamento jurídico brasileiro é extenso, porém deve brasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-06/dallagnou-corrupcao-no-pais-nao-e-exclu-
ser colocado em prática em conjunto com a aprimoração dos dispositivos siva-de-governos-ou-partidos. Acesso em: 12 out. 2018.
e uma eficiente fiscalização. O sistema brasileiro favorece o sucesso dos GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 6 ed. Rio de Janeiro: Impetus,
corruptos. As falhas normativas, estruturais e a pouca participação social 2010.
formam um conjunto propício para proliferação da corrupção, sendo HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. n. 26. São Paulo: Companhia das
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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS

da-corrupcao-no-brasil-1014059906.html. Acesso em 19 dez. 2018.


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BUROCRACIA: O MODUS OPERANDI DA


CORRUPÇÃO
BUROCRACY: THE OPERATIONALIZATION
OF CORRUPTION

Alinor Furtado Neto1


João Victor Linhares2
Guilherme Augusto Corrêa Rehder3

RESUMO: O presente trabalho propõe-se a denunciar as falhas advindas


do método burocrático, de forma apriorística, bem como, esclarecer que
seu modo de organização e gestão da esfera pública pautam-se em contra-
dições com o Estado democrático de Direito. Denunciar o amplo espaço
à maleabilidade de decisões concernentes às diversas esferas do Estado,
que em geral, servem em prol de interesses privados cunhados sobre uma
ótica coronelista. O uso indevido da res pública não é descoberta recente
da literatura científica. Contudo, o modus operandi de tal prática ainda
é uma incógnita para os sociólogos e juristas da contemporaneidade, o
artigo em questão logra trazer à luz alguns dos mecanismos que podem
ser extraídos e deduzidos de uma análise crítica fundada sobre a ótica
constitucional, sociológica e histórica.
Palavras-chave: Corrupção. Sociologia. Direito. Burocracia.
ABSTRACT: The present work proposes to denounce the failures of the
bureaucratic method, in an a priori way, as well as to clarify that its mode

1 Acadêmico do 6º período de Direito da Universidade do Vale de Itajaí; alinorfurtadoneto@


gmail.com.
2 Acadêmico do 6º período de Direito e 4º período de Psicologia da Universidade do Vale de
Itajaí [email protected]
3 Guilherme Augusto Corrêa Rehder. Professor e Advogado possui graduação em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialização em Ciências Criminais pena
Unama, Mestrado em Ciências Jurídicas pela UNIVALI e cursa Doutorado em Ciência Jurídica
da Univali sanduíche com a Widener University Delaware Law School. E-mail:rehder.guilher-
[email protected].

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ALINOR FURTADO NETO – JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

of organization and management of the public sphere are based on con- reformulação conceitual e ideal sobre os meios de organização e gerencia
tradictions with the democratic State of Law. To deny the wide scope to do Estado; para adequar-se à satisfação das garantias da sociedade. A dis-
the malleability of decisions concerning the various spheres of the State, sonância entre a visão constitucional e a conjuntura atual pode engendrar
which generally serve private interests coined on an ophthalmologist.
efeitos ainda mais desastrosos do que os já sentidos até então. O uso inde-
Particularly in the area of Fundamental
​​ Rights. The misuse of the public
domain is not a recent discovery of the scientific literature, but the modus vido da coisa pública é resultado da interação entre política, burocracia e
operandi of such a practice is still unknown to contemporary sociologists poder. A consequência destes elementos estarem presentes na formação da
and jurists. The article in question is able to bring to light some of the me- relação e diálogo entre povo e sociedade constitui fator basilar para uma
chanisms that can be extracted and deduced of a critical analysis founded atomização da corrupção por meio de diversos entes (privados ou públicos)
on the constitutional, sociological and historical view. e órgãos estatais que, consequentemente, refletem na esfera pública.
Key-Words: Corruption. Sociology. Rights. Bureaucracy.

1. BUROCRACIA E CORRUPÇÃO: CONCEITOS IN-


INTRODUÇÃO TERDEPENDENTES?
A burocracia é um fenômeno conhecido pela população brasileira A palavra corrupção sofreu diversas acepções ao longo do trans-
desde os tempos da administração colonial, esta ensejou nocivas consequên- correr histórico tendo seu conceito evoluído até o presente contexto social
cias à formação crítica e ideológica da gente brasileira, desde o século XVI como uma disfunção ou um (des)uso do patrimônio público para fins
e ainda surtindo efeitos hoje, inclusive, na concepção das autoridades res- privados. A literatura científica atual vem prestigiando o campo de apro-
ponsáveis pela proteção de direitos individuais e sociais de toda uma nação. fundamento das relações entre política e corrupção. Melhor expressão dos
O presente artigo logra entender o fenômeno burocrático e demons- frutos de tais pesquisas são encontrados no trabalho de Adriana Romeiro
trar que em lugar de servir como instrumento de auxílio para as demandas em que, traçando a história do uso do conceito explica:
e pressões de uma sociedade emergente, tal aparato mostrou-se mais Derivada do latim corruptione, que significa putrefação, decomposição
idôneo para prestigiar relações extraoficiais entre funcionários públicos e e adulteração, a palavra conservou nas línguas vernáculas a acepção ori-
ginal latina [...]
agentes governamentais, principalmente para favorecer interesses de ordem
pessoal e classista. É imprescindível que a literatura sociológica e jurídica [...] É, sobretudo, no sentido de corrupção física – como degeneração
física – que ele emprega o termo aplicado ao corpo político, enten-
venha a debruçar-se sobre tal problemática, pois, mostra-se necessária para
dendo-a, como resultado da subversão da função por excelência do
a compreensão da sociedade moderna e do lugar do Direito nesta. No governante: assim, se a este cabe distribuir a justiça, de sorte a dar a cada
transformismo da conjuntura política atual, em que urgem diversos escân- um o que é seu, concorrendo assim para o bem público – o verdadeiro
dalos de corrupção dentro ou em conluio da esfera pública – questionar e objetivo do governo político – , a degradação da justiça, viciada pelos
analisar são as únicas armas do jurista. interesses particulares, leva à degradação da República4.

O artigo é munido de suporte material histórico, sociológico e ju- Percebe-se que o conceito de corrupção é inseparável do concei-
rídico – os resultados a auferir estão situados no problema de convivência to de corpo político, um sistema concebido como um todo. Tal sistema,
entre um modelo de Estado essencialmente burocrático e fundado sobre a estruturado sobre a teoria da tripartição dos poderes, bem como da repre-
racionalização e aprimoramento técnico, previsto pelo constituinte – , mas sentatividade política.
que vem demonstrando-se deficiente para satisfazer às demandas sociais e Para fins pragmáticos, em termos ‘’foucaultianos’’, coloca-se do se-
insuficiente como estrutura institucional. guinte modo o percurso da informação no aparelho burocrático:
Por meio do método dedutivo e, utilizando recursos de analogia,
procura-se extrair proposições que comprovem a necessidade de uma 4 ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI A XVIII.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017, p. 19-20.

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1) Quando se trata de analisar governança e política entende-se que Por outro lado, Arendt imprime na expressão o princípio de condu-
há um saber, este compreende uma aptidão no exercício da con- ção à liberdade por meio do próprio povo. Eis a concepção de um governo
vergência e condução dos valores trazidos à pauta pela sociedade, democrático. Um governo em sintonia com o povo.8
2) Os valores são resultados da interpretação da leitura das in-
Apesar da divergência entre os filósofos em questão, a imprescindi-
formações (informações estas coletadas por diversos órgãos
bilidade de usar o conceito exprimindo a arte de governar proporciona à
diferentes), para que sejam levados em consideração pelo go-
ciência política uma abordagem mais próxima da sentida pela conjuntura
verno ao conduzir seus cidadãos para o fim que almejam
do atual cenário político brasileiro e principalmente para os fins desta pes-
3) Fórmula: o político servindo como mediador entre o querer e quisa. A priori por que:
poder, estipulando os meios, por tratar-se de sua atribuição:
1) A arte de governar pressupõe um agir perlocucionário9 –
O próprio termo governar dispensa a ciência. Se etimologicamente o termo estratégico – por parte do governante, isto é, ao conduzir a
governar vem do latim gubernare, ele também é ligado ao grego kybernê-
convergência dos interesses do povo para o fim em questão, deve
tikê (termo que faz parte de uma família de palavras que designa as artes.)
Platão as vezes usa esta última palavra para significar a arte de conduzir os o representante eleito colocar-se em uma posição cujo pressu-
homens, mais frequentemente para designar a arte de pilotar um barco.5 posto é o de servir à nação, atuando de forma transparente com
o povo. Contudo ele situa-se em um plano em que, serve-se da
Decorre de tal conceito que o representante político é o ‘’homem-
nação para ser eleito, o que por si só, traz grandes estímulos para
meio’’ para os fins visados pela sociedade. É interessante atentar para
que a perspectiva sobre seu cargo seja um servir-se de e não um
tal definição de Política, pois diferentemente de outros autores como
servir para . Um paradoxo.
Hannah Arendt:
2) A arte de governar pode vir a transformar-se em um fim em
É, sem dúvida, a ideia da liberdade. O fato de a política e a liberdade
si mesmo, ou seja, governa-se unicamente para governar, en-
serem ligadas e de a tirania ser a pior de todas as formas de Estado – ser
na prática antipolítica – entende-se como a diretriz através do pensar gendrando um movimento tautegórico dentro da governança
e agir da humanidade até os tempos mais recentes. O verdadeiro novo que começa e acaba nela mesma sem jamais fazer jus ao seu
e assustador desse empreendimento não é a negação da liberdade ou a pressuposto de servir.
afirmação de que a liberdade não é boa nem necessária para o homem,
e sim a concepção segundo a qual a liberdade dos homens precisa ser É por meio desse significado de política que diversas práticas e atos
sacrificada para o desenvolvimento histórico, cujo processo só pode ser revestidos de corrupção se instalam na conjuntura atual. Mas por meio do
impedido pelo homem quando este age e se move em Liberdade.6 que ocorre essa integração? A tese do presente artigo reside no plano da
burocracia como modus operandi da corrupção.
Pode-se perceber que, para Platão o termo designava uma arte, isto
é, um domínio sobre o saber político, à ser usado em favor dos gover- A definição trazida pelo dicionário pode ser útil nessa empreitada,
nantes. Se o filósofo vivesse hoje na modernidade, certamente seria um apesar de um tanto reducionista. Tem-se por burocracia a ‘’administração
árduo defensor da burocracia. Platão acreditava que a sociedade deveria da coisa pública por funcionário sujeito a hierarquia e regulamentos rígidos,
ser guiada pelos filósofos, o que, de certa forma, recai na ideia de especia- e a uma rotina inflexível.10’’, mais completa é a definição trazida por Motta:
lização, método presente na gestão burocrática7.

5 ARAÚJO, José Newton Garcia; SOUKI, Leá Guimarães; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. 8 ARENDT, HANNAH. O que é política? 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrandt Brasil, 2017.
In: Figura paterna e ordem social: tutela, autoridade e legitimidade nas sociedades contem- 9 Termo utilizado por Habermas para designar uma omissão por parte do orador no que diz
porâneas. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p. 28. respeito aos motivos ou a finalidade de seu discurso com intuito de auferir algo distinto daquele
6 ARENDT, HANNAH. O que é política? 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrandt Brasil, 2017. sobre o qual o ouvinte pressupõe ser, pois encontra-se induzido em erro, divorciado da real in-
7 ENRIQUEZ, EUGÈNE. A ARTE DE GOVERNAR. In: (ORG.) ARAÚJO, José Newton Gar- tenção do orador. HABERMAS, Jurgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e
cia; SOUKI, Léa Guimarães; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Figura Paterna e ordem social racionalização social. São Paulo: Editor WMF Martin Fontes, 2012.
– tutela, autoridade e legitimidade nas sociedades contemporâneas. Belo Horizonte: Autêntica, 10 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4 ed., In: Re-
PUC de Minas 2001. pag. 113 vista pela nova ortografia. Rio de Janeiro Lexikon, 2010.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ALINOR FURTADO NETO – JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Burocracia é uma estrutura social na qual a direção das atividades coleti- na problemática, bem como a que se presta o método histórico dedutivo.
vas fica a cargo de um aparelho impessoal hierarquicamente organizado,
que deve agir segundo critérios impessoais e métodos racionais. Esse apa- Ora, a história, mais do que simples relato com amparo em uma
relho dirigente, isto é, esse conjunto de burocratas, é economicamente linha cronológica, é um imenso acervo fático, que fornece os elementos
privilegiado e seus membros são recrutados de acordo com regras que o indicadores de tendências convergentes para determinado marco/acon-
próprio grupo adota e aplica11. tecimento, servindo de suporte para uma visão crítica sobre o presente e
Ora, partindo das conceituações apresentadas sobre política e buro- perspectivas ao futuro dentro de sua demarcada limitação.13
cracia que servirão de norte para o trabalho, procura-se responder à pergunta Weber foi, dentre os sociólogos, o pioneiro em traçar a idealiza-
do título do capítulo: Burocracia e corrupção são conceitos interdepen- ção do aparato burocrático; tendo como sustentação para sua tese a noção
dentes? Em regra não, pois pode um existir sem outro, isto é, pode haver de racionalização, isto é, um saber-instrumental fundamentado no plano
corrupção sem que haja um aparato burocrático. Seu inverso também se teórico e em uma cientifização acentuada que obedecesse a princípios di-
mostra possível: pode existir burocracia sem corrupção, pois, esta última é, retores do conhecimento para limitar dinamicidade da conduta em prol
antes de tudo, uma estrutura organizacional, não sendo, por si, boa ou ruim. de uma efetividade técnica14.
A problemática apontada por este artigo reside, justamente, no fato O saber burocrático aparece nas marcas da história como sistema
de que esses dois elementos, quando mediados por um terceiro – no caso polarizado (no sentido de poderes residuais que surgem e são suprimidos
o poder – , pode vir a sedimentar um aparelho perverso dentro do Estado conforme a norma prescritiva em pauta, norma esta advinda de uma
Democrático de Direito fazendo com que, conceitos precipuamente autô- instância maior), mas que integra um corpo poderio. Sua concepção é
nomos venham a constituir um corpo rígido, cuja consequência lógica é o fruto de uma visão que aproxima o caráter orgânico do funcionamento
fortalecimento de uma relação de domínio (leia-se: corrupção) que, apesar do corpo estatal.
de inferir e surtir efeitos dentro da sociedade, é constituída sobre uma ótica
exógena, isto é, como se fosse independente da sociedade, divorciado desta. Em síntese três verbos marcam a relação triangular burocrática:
Tal ideia traduz a noção de territorialidade do poder: 1) Regular (poder advindo da instancia maior, que controla e de-
termina o know-how)
O príncipe está em relação de singularidade, de exterioridade, de trans-
cendência em relação ao seu principado; recebe o seu principado por 2) Obedecer (órgãos administrativos de instância inferior, respon-
herança, por aquisição, por conquista, mas não faz parte dele, lhe é ex- sáveis por disseminar a apropriação técnica prescrita) e;
terior os laços que o unem ao principado, são de violência, de tradição, 3) Circunscrever (o saber tem espaço e tempo para ser exercido de
estabelecidos por tratado com a cumplicidade ou aliança de outros prín- maneira correta, não podendo atravessar as fronteiras de deter-
cipes, laços puramente sintéticos, sem ligação fundamental, essencial, minada repartição). Eis que:
natural e jurídica, entre o príncipe e seu principado. [...] o objetivo do
exercício do poder será manter, reforçar e proteger seu principado, en- Conforme esse pensador, a burocracia é dotada de feições legais fixas,
tendido não como o conjunto constituído pelos súditos e o território [...] regidas por leis ou normas administrativas; apresenta-se revestida de
mas como relação do príncipe com o que ele possui.12 ocupantes de cargos imbuídos de know-how para realização de tarefas
pré-determinadas e que atendam a procedimentos padrões; o treinamento
A relação angular entre poder, burocracia e corrupção será mais especializado é um pressuposto; a ocupação do cargo está vinculada à
bem aprofundada no próximo tópico – quando o campo jurídico apresenta plena capacidade de trabalho do funcionário; o desempenho no cargo
suas bases e finalidade – , porém, para compreendê-la na dimensão até aqui obedece a regras gerais; a relação entre as pessoas deve se dar entre
cargos; a meritocracia deve ser respeitada; e os atos devem ser passíveis de
apreendida, é necessário ter em questão o contexto e os ideais inseridos
13 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de COUTINHO, Carlos Nelson. 26 ed.
11 MOTTA, Fernando Cláudio Prestes. O que é burocracia?. 3 ed. São Paulo Brasiliense, 1981, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 68.
p. 113. 14 HABERMAS, Jurgen, 1: Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização
12 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017, p. 320. sofial. Trad: SOETHE, Paulo Astor. Sao paulo: WMF Martins Fontes, 2012. Pag. 263-320

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registros, prestigiando, dessa forma, o caráter formal das comunicações.15 querer exagerar, mas fazendo uma radiografia dos efeitos gerados por de-
terminados crimes praticados contra a Administração Pública, podemos
Contudo, determinados agentes e sujeitos políticos fazem-se valer afirmar que o homicida pode causar a morte de uma ou mesmo algumas
dessa organização, que tem como pressuposto de existência uma mão de pessoas, enquanto o autor de determinados crimes contra a Administração
obra técnica e específica, para ceder cargos da estrutura burocrática, bem Pública, a exemplo do que ocorre com o crime de corrupção, é um verdadei-
como fornecer e criar funções desvestidas de utilidade – com profissionais ro ‘exterminador’, uma vez que seu comportamento pode produzir a morte
sem capacitação alguma. Destarte, se em princípio a burocracia era uma de centenas de pessoas, pois não permite ao Estado cumprir com funções
sociais que lhe são constitucionalmente atribuídas.17
estrutura engendrada pela aplicabilidade dos direitos e garantias destas
pessoas de forma concrescível, isto é, por meio de instituições, sua relação Esta intrincada e organizada forma de administração, deve ser cons-
deixou de ser simbiótica e tornou-se parasitária. tantemente submetida a perquirições e questionamentos razoáveis quando
Deste modo, atos corruptos podem ser praticados tanto da zona a variável da interferência política age sobre os elementos constituintes do
endógena (dentro da própria repartição, ou seja, os funcionários que ali funcionamento idealista que traça as bases da burocracia.
exercem seu ofício) como na exógena (associação com outras partes da Ad-
ministração pública, geralmente com agentes cujas relações são marcadas 2. O DIREITO CONSTITUCIONAL X BUROCRACIA
por uma verticalidade).
Antes de adentrar no presente título seria interessante fazer uma
A crítica à postura weberiana reside no fato de que, só se terá um ressalva quanto à nomenclatura utilizada supra: Direito Constitucional.
campo fértil para o exercício burocrático – isto é: com diversos funcioná- Não se quer com isso dizer que tratar-se da perspectiva unicamente cons-
rios integrados e capazes de articular o seu saber técnico com um serviço titucional, pois o Direito é um só; o fenômeno da constitucionalização dos
legítimo se as condições assim favorecerem – , o fornecimento de um apa- diversos ramos propicia ao cientista jurídico uma análise mais integrada
rato tanto intelectual como material aos funcionários e, anexado a isso, dos ideais perseguidos pelo Direito – possibilitando compreendê-lo como
o controle de gastos e verbas necessárias para o correto desempenho da um todo integrado e articulado.
função é mero pressuposto para concretização.
Os denominados direitos à prestação surgem na modernidade
Contudo, ocorre justamente o contrário: uma corrupção atomiza- como um contraponto aos direitos de defesa – estes visam justamente
da, mas articulada entre si, que marca a consciência coletiva do povo desde uma posição negativa, uma abstenção por parte do Estado para assegurar
os tempos coloniais, com funcionários agindo sobre externalidades que os a autonomia e liberdade dos cidadãos sem a interferência estatal: são armas
propiciassem maximizar ganhos e lucros. Tal atomização é visível quando se que tomaram a forma de garantias contra o abuso arbitrário do poder,
logra estudar o Título XI do CP16, no qual localiza-se uma gama de crimes resquícios dos ideais incorporados à noção liberal de Estado.
próprios – cujo o agente ativo, na grande maioria das vezes, é o funcionário
Contudo, o transcorrer do tempo houve por suscitar um movi-
público, os chamados crimes funcionais. Greco é pontual ao colocar que
mento de reinvindicação da qualidade absoluta dos direitos de defesa,
Na maioria das vezes, a sociedade não tem ideia dos estragos causados construindo assim a visão moderna de que não basta o Estado abster-se
quando um funcionário público lesa o erário. Imagine-se, tão somente para
de criar empecilhos na vida privada para que isso seja suficiente ao gozo
efeitos de raciocínio, os danos causados por um superfaturamento de uma
obra pública. O dinheiro gasto desnecessariamente na obra impede que de uma vida digna e feliz, deve a instituição estatal servir e prestar-se ao
outros recursos sejam empregados em setores vitais da sociedade [...] sem e para o indivíduo; em suma pode-se dizer que a percepção sobre a razão
de ser do Estado foi ampliada, atribuindo-lhe, também, um caráter social.
15 CORDEIROS, Wagner Marques. Burocracia na construção da administração público do
século XXI: uma reflexão teórica. Disponível em: www.ufpb.br/ebap/contents/documentos/ Porém, como se pode constatar ao longo dos trinta anos desde a
0851-867-burocracia-na-construcao-da.pdf. Acesso em: 21 set. 2018.
16 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da 17 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 15 ed. Rio de Janeiro:
União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Impetus, 2018, p. 709.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ALINOR FURTADO NETO – JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

promulgação da Constituição cidadã de 1988 não basta enunciação de di- O poder descrito por Cordeiros é refratado pelas autoridades buro-
reitos, garantias e deveres para que estes se efetivem e passem a adentrar cráticas, ensejando um temor advindo de uma relação autoritária. Trata-se de
na esfera social. É por essa razão que Martins refere-se aos direitos funda- um sentimento antigo do povo em relação aos seus governantes – há inclusi-
mentais como direitos de prateleira18, quando analisados sobre a ótica de ve um brocardo que expressa tal estado de espírito: metus publicae potestatis.21
efetividade no tocante à proteção e satisfação. É extremamente pontual a Ora, a relação conturbada entre agentes burocratas e sujeitos de direitos não
colocação de Gilmar Mendes quando explica que: é um fenômeno estritamente moderno nem exclusivamente brasileiro.
Os direitos de prestação material têm a sua efetivação sujeita a condições, Os direitos de prestação – essenciais para o desenvolvimento digno
em cada momento, da riqueza nacional. Por isso mesmo, não seria factível
e saudável dos cidadãos, cujo meio de resguardo recai sobre leis infracons-
que o constituinte dispusesse em minúcias, de uma só vez, sobre todos os
seus aspectos. [...] notabilizam-se por uma decisiva dimensão econômica. titucionais que se articulam juntamente com as instituições governamentais
São satisfeitos segundo as conjunturas econômicas, de acordo com as – estas, as que resguardam os direitos constitucionalmente assegurados, para
disponibilidades do momento.19 que sejam atendidos – ficam em suspenso, pelo menos no que diz respeito,
à sua aplicação imediata, sujeitos à deliberação burocrática que, por sua vez,
Levando-se em conta tais apontamentos, é possível agora estabelecer
também deliberam sobre os recursos necessários à efetivação destes direitos.
a relação conflitante entre a estrutura burocrática – no campo teórico e práti-
co – entrando em choque com a visão constitucional de dever de prestar do As decisões tomadas por agentes políticos, das esferas tanto federais
Estado, bem como o direito do cidadão a essa prestação. É interessante, antes quanto estaduais que, – interessante ressaltar, tais decisões estão sujeitas à
de destrinchar a presente tese, a colocação de Cordeiros sobre as perspectivas inferência de diversas variáveis dentro do cenário político22 – ensejam uma
da burocracia de acordo com a área em que se encontra (para os pressupostos perceptível omissão por parte do Estado no que diz respeito a tais políticas.
deste capitulo investiga-se a burocratização na esfera pública): A organização dos poderes (art.44 – 145 da CF/88) é antes de tudo
A burocracia eleita e/ou propriamente política atende no plano federal uma organização burocrática, isto é, pressupõe o constituinte a segmenta-
pelo Presidente da República, ministros ou dirigentes nomeados dos de- ção dos poderes em diversos entes, devendo estes, articularem suas atuações
partamentos, bem como dos titulares de funções de variada sorte. Já no
plano estadual e municipal, o governador e o prefeito, e as autoridades
e serem fiscalizados de forma rígida. Contudo, espanta a notícia veiculada
político-administrativas que lhe são subordinadas, formam esse escalão em 2017 que aponta dados de que 4 membros do TCU e 37 dos T.C.E eram
burocrático. São autoridades expostas à influência e ao controle público. investigados por vender decisões, contratação de empregados ‘’fantasmas’’ e
Portadores diretos do poder e que fazem da administração instrumento outras irregularidades23. A inquirição de Bobbio ‘’Quem vigia os vigias?24’’
de seus propósitos [...] A burocracia diretorial e quase política não está permanece extremamente contemporânea e, ainda, sem resposta.
sujeita à “derrubada” do chefe do executivo. Fazem parte desse estrato os
servidores públicos das diversas categorias e profissões que, ou por força A ineficiência e retardo que advém de um sistema burocrático co-
de competência específica, ou de alianças informais, mantêm-se perma- berto por um invólucro de corrupção e nepotismo não escapa aos olhares
nentemente no exercício de altos cargos e funções e assim participam da
liderança dos negócios da administração. Geralmente, esses servidores do século XXI: uma reflexão teórica. Disponível em: www.ufpb.br/ebap/contents/documentos/
estão encarregados de funções de chefias de seções, divisões ou depar- 0851-867-burocracia-na-construcao-da.pdf. Acesso em: 21 set. 2018.
tamentos. Nenhuma alta autoridade os pode dispensar ou substituí-los 21 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 15 ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2018, p. 753.
como conjunto, porque, sem eles, expõem-se a incorrer em erros ou a 22 A ‘’Teoria dos jogos aplicada ao processo penal’’, difundida por Alexandre Morais, oferece
tomar decisões desastradas20. uma perspectiva ampla desses fatores (principalmente sob a ótica custo x benefício da conduta de
agentes estatais, ver em: ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria
dos jogos. 4 ed. rev. atual. e ampl. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
18 MARTINS, Ives Gandra. Uma breve teoria do poder. São Paulo: Editora Revista dos Tribu- 23 CARVALHO, Cleide; SCHMITT, Gustavo. ‘’TCU e TCEs tem 41 integrantes investigados’’.
nais, 2009, p. 150. In: O Globo, 26/06/2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/tcu-tces-tem-41-inte-
19 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucio- grantes-investigados-21518437. Acesso em: 13 jun. 2018.
nal. 13 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 159. 24 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. De
20 CORDEIROS, Wagner Marques. Burocracia na construção da administração público NOUGUEIRA, Marco Aurélio. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018, p. 55.

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dos órgãos fiscalizadores da União, tanto é que consta no relatório de públicos, mas pessoas que, quase sempre, se servem do público27
2017 do TCU, resquícios de certa dose de esforços para formular as se- O Tribunal de Contas, órgão fiscalizador da União, está longe de
guintes diretrizes: mostrar-se idôneo para o resguardo de orçamentos e gestões abusivas,
Para a atual gestão, os objetivos estratégicos da perspectiva resultados do tal como demonstrado acima, por uma razão peculiar: os amigos do rei.
Plano Estratégico do Tribunal (PET 2015-2021) foram traduzidos em Entretanto, atribuir a este órgão toda a responsabilidade pelos desvios e
quatro diretrizes da gestão: a. Diretriz I: combate à fraude e corrupção a.
Diretriz II: avaliação da eficiência e da qualidade dos serviços públicos b.
excessos seria, no mínimo, ingênuo. Os órgãos fiscalizadores estão fadados
Diretriz III: avaliação de resultados de políticas e programas públicos c. à ineficiência, justamente, devido à sua organização burocrática: não há
Diretriz IV: Promoção da transparência na administração pública federal.25 diálogos, mas intercâmbio e contrabando de informações. Entende-se a
anatomia, mas não a fisiologia do sistema.
É que, a racionalização exacerbada possui como corolário lógico
um seccionamento da informação, de forma que, estando desintegrada/ Não deveria, mas, inevitavelmente, a burocracia dá ensejo a práticas
desconexa não é sujeita a só um funcionário. Utilizam-se muitas cabeças de nepotismo e elitização dos cargos, engendrando um comportamento por
pensantes para problemas nem tão complexos, ensejando maior utilização parte dos funcionários que pode ser traduzido por uma lógica de ganhos e
de recursos para sustentar tal estrutura. Morais da Rosa exemplifica da perdas futuros. Sendo o ganho assegurado sempre, independente de produ-
seguinte forma tal lógica perversa: tividade e/ou eficácia – bem como a facilidade para extrair oportunidades
A tragédia dos comuns é um tipo de armadilha social de fundo econômi- de caráter reprovável que tais serviços estão propensos a oferecer – isto é,
co, a qual envolve o paradoxo entre os interesses individuais ilimitados e o não se leva em conta o servir que é inerente ao oficio, mas os elementos
uso de recursos finitos. Por ela, se declara que o livre acesso e a demanda acidentais que circundam tais cargos:
irrestrita de um recursos finito terminam por condenar estruturalmente Os burocratas unem-se de tal forma aos políticos [...] os políticos passam,
o recuso por conta da super exploração.26 mas os burocratas ficam mantendo parcela de poder, muitas vezes superior
Em suma, pode-se colocar o problema da seguinte maneira: uma àquela que os políticos assumem, nas democracias, pois dela desfrutam
por muito mais tempo [...] nas ditaduras, os burocratas são integrados
superestrutura que não entende a si mesma conseguiria entender os an-
pelos detentores de poder. Nas democracias, são integradores do poder
seios do povo? A pergunta também pode ser posta de modo diferente: a e, muitas vezes, decidem e dirigem mais que seus próprios detentores28.
superestrutura deve priorizar a sua própria existência ou do povo, sobre
quais critérios? O dilema de seccionar a prestação social de serviços é que Tentativas foram feitas para mudar a mentalidade dos agentes
propicia uma noção de divórcio entre órgãos públicos e sociedade. Daí públicos, tal como a lei de desburocratização29 e o Estatuto da desburo-
decorre as mais diversas afrontas aos princípios da Administração Pública, cratização, expedido pelo Ministério da Justiça, porém as leis redundam
podendo-se perceber tal distância quando: em opacidade uma vez que, pela leitura dos dispositivos, parece indicar que
razão de ineficiência dos órgãos públicos reside nas técnicas empregadas,
Exemplo típico, tivemos, no Brasil, no ano de 2008. O orçamento apro-
vado destinou, para a remuneração de menos de 2 milhões de servidores isto é, o legislador se encontra ainda atrelado a cientifização e instrumenta-
públicos ativos e inativos, a importância de 126,9 bilhões de reais. Só de lidade que Weber idealizara. Porém, o calcanhar de Aquiles da burocracia
mão-de-obra! O mesmo orçamento destinou ao Bolsa Família, programa latino-americana não repousa grosseiramente na escassez de aptidão e
de maior visibilidade social do governo para atender 11 milhões e meio
de famílias, apenas 9,6 bilhões de reais, ou seja, quase 13 vezes menos que 27 MARTINS, Ives Gandra. Uma breve teoria do poder. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-
nais,2009, p. 93.
para os detentores do poder [...] os detentores do poder não são servidores
28 MARTINS, Ives Gandra. Uma breve teoria do poder. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-
nais,2009, p. 111.
29 BRASIL. Decreto 9094, de 17 de Julho de 2017. Dispõe sobre a simplificação do atendimen-
25 RELATORIO ANUAL DE ATIVIDADE DO TCU 2017. Brasília: Tribunal de Contas da to prestado aos usuários dos serviços públicos, ratifica a dispensa do reconhecimento de firma
União, 2018. e da autenticação em documentos produzidos no País e institui a Carta de Serviços ao Usuário.
26 ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 4 ed. Brasilia, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Decre-
rev. atual. e ampl. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 116. to/D9094.htm. Acesso em: 21 set. 2018.

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idoneidade, mas na mina de ouro que políticos enxergaram nestas insti- de racionalidade, meramente abstrato. Neste sentido as lições de Habermas:
tuições para desviar recursos e favorecer seus próximos. Se a luta entre carisma criador e burocracia que restringe a liberdade deve
ser vencida em detrimento de uma marcha aparentemente ‘’insofreável’’
É fundamentalmente o exercício arbitrário do poder que não vai
da racionalização, isso só poderá ocorrer no modelo organizacional do
de encontro aos fins propostos pelas próprias instituições democráticas, ‘líder que dispõe da máquina’. No campo da economia, isso equivale ao
fazendo com que estas sejam utilizadas como fonte para obtenção de pri- voluntarismo de líderes econômicos autoritários no campo político, a
vilégios – trata-se de um paradoxo que redunda em contradição. uma democracia plebiscitária conduzida por lideranças; e em ambos os
campos à melhor seleção possível desses líderes [...] o máximo de liber-
Eis a casuística que melhor explana nossa tese do princípio da efi- dade com o máximo de dominação33
ciência elencado no art. 37 da CF/8830, percebendo a nocividade relativa
à própria organização conjuntural política e administrativa, concluíram Levando-se em conta a assertiva de Mendes, em cotejo com a de
diversos juristas pela extração de um novo princípio e meta, o princípio Habermas – em que o primeiro subordina a aplicabilidade dos direitos à
da desburocratização31. prestação ao contexto econômico em questão. Como efetivar então, tais
direitos quando há rombos e desvios de verbas com uma frequência ina-
Em outras palavras, o sistema de organização do Estado fundado creditável e que, ironicamente, é consequência de uma disfunção do uso de
na burocracia – não no sentido pejorativo, mas estrito – deduziu, com base uma burocracia que se permite/possibilita ser usada com fins arbitrários
hermenêutica da leitura de dispositivos da Constituição – lei suprema que para escusar o Estado da responsabilidade que ele mesmo assumiu? As
reafirma essa organização – o princípio da desburocratização através do consequências são denunciadas por Habermas, isto é, um rigor técnico
cotejo com a referida lei (decreto 9094/17) e as garantias de acesso à justiça. que encerra em si mesmo sua função e uma população atuando como mera
Tal interpretação não é lógico-gramatical, de forma direta, extraída espectadora de um sistema imensamente complexo. Em outras palavras,
das palavras da lei, mas da própria noção cotidiana, fruto de prática foren- para assegurar os direitos do povo, o Estado engendrou uma máquina que
se, que diversos juristas, recorrentemente, se apercebem dos reflexos de consome mais da metade dos recursos, para cujo fim se presta (servir), para
uma administração pública cercada de mentes capciosas. Eis que, não basta alimentar a si mesma, pervertendo a sua finalidade e razão de ser.
entender a vontade constituinte de construção burocrática, mas é preciso Desta forma, o Estado reclama mais responsabilidades para si, tão
conciliá-la com a realidade que vem sendo enfrentada. só, para poder sustentar os meios de servir (mas não o servir em si); fami-
De encontro com a tese de Bobbio de que: ‘’todo direito advém de gerada retroalimentação: a política atual se caracteriza por um mutualismo
uma negação deste mesmo direito em um determinado contexto histórico, entre governo e os órgãos responsáveis por cumprir o que o próprio gover-
social e jurídico’’32, referido princípio encontrar-se-ia então em vias de no promete, sem jamais, efetivar coisa alguma.
amadurecimento, tal qual na forma de uma reação ao distanciamento entre Para corroborar tal análise, é crucial oferecer espaço para uma
população e governança. perspectiva histórica deste distanciamento entre população e governança
Os direitos de prestação exigem a eficiência como um pressuposto – que será traçado de forma aprofundada no capitulo procedente. Con-
do núcleo de proteção desses direitos, sob pena de não se configurar garan- tudo, mostra-se inegavelmente condizente assentar neste capítulo, cujo
tia ou direito algum, mas tão somente um ideal teórico vestido do critério escopo é o de utilizar de lentes constitucionais para entender a vontade
do poder constituinte em relação à organização e disposição administra-
30 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível tiva, sobretudo, em paralelo com o princípio da eficiência dentro de um
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 24 set. 2018. enquadramento burocrático.
31 SENADO NOTÍCIAS. Brasília: Senado Federal. Julho de 2016. Disponível em: https://
www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/08/12/anteprojeto-da-desburocratizacao-tera-co-
mo-principio-a-boa-fe-dos-cidadaos-dizem-juristas. Acesso em: 24 set. 2018.
32 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de COUTINHO, Carlos Nelson. 26 ed. 33 HABERMAS, Jurgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização
Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 90. social. São Paulo: Editor WMF Martin Fontes, 2012, p. 605.

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Como bem demonstra Romeiro, o uso da coisa pública por fun- Capitalismo de compadrio (crony capitalism) é um termo que descre-
cionários com a intenção de perverter o sistema democrático – mais do ve uma economia em que o sucesso nos negócios depende de relações
que simples anomalia – é uma manifestação crua do desuso e descaso dos estreitas entre empresários e o governo. O compadrio pode ocorrer atra-
vés do favoritismo nas licitações, concessões, empréstimos, subsídios do
deveres que o Estado se incumbiu de prestar, utilizando a política como
governo, isenções fiscais ou outras formas de intervencionismo estatal.
arte da alienação: Neste ponto, não haveria maior ícone para o capitalismo clientelista que
A generalização da corrupção nos negócios coloniais, em praticamente a relação Odebrecht-Brasília.35
todas as esferas da administração colonial, indica que não se tratava de
um mero desvio ou uma aberração, mas sim de um componente essencial Desta forma, Sérgio Buarque de Holanda em seu magno opus Raízes
de seu funcionamento [...] para viabilizar seus planos de ascensão eco- do Brasil, mostra por meio da trajetória do período colonial, que os portu-
nômica e social, os funcionários tiveram de negociar com as elites locais, gueses que vieram para as “terras onde cantam o sabiá”, trouxeram, além
cedendo-lhes uma parte de suas atribuições, de acordo com o princípio da riquíssima cultura que possibilitou o sucesso da colonização, também
do ou des, isto é, uma troca de favores. As demandas dessas elites – nem resquícios da burocracia medieval.
sempre incorporadas à legislação e a política colonial – encontram na
burocracia um meio eficiente de negociação34. No Brasil, a organização dos ofícios segundos moldes trazidos do reino
teve seus efeitos perturbados pelas condições dominantes: preponderân-
cia absorvente do trabalho escravo, indústria caseira, capaz de garantir
3. O CAPITALISMO DE COMPADRIO E A BURO- relativa independência aos ricos, entravando, por outro lado o comércio, e,
CRACIA: A HISTÓRIA BRASILEIRA finalmente, escassez de artífice livres na maior parte das vilas e cidades.36

Mediante uma minuciosa análise histórica da corrupção brasileira, No parágrafo seguinte, completa.
do Brasil Colônia aos dias atuais, é perceptível que o mutualismo entre a São frequentes, em velhos documentos municipais, as queixas contra me-
Burocracia e a Corrupção, não somente ocorre hoje em demasia, como cânicos que, ou transgridem impunimente regimentos de seu ofício, ou
se esquivam aos exames prescritos, contando para isso com a proteção
possui também uma promissora história em detrimento do país – e prin-
de juízes benévolos. Uma simples licença com fiador era, em casos tais, o
cipalmente, da liberdade do indivíduo, conforme se tornará explícito ao bastante para o exercício de qualquer profissão, e desse modo se abriam
decorrer deste tópico. malhas numerosas na disciplina só aparentemente rígida das posturas.37
Ainda assim, é através do passado desta ambígua relação entre buro- Contudo, como bem observa Sergio Buarque de Holanda, por mais
cracia e corrupção, que podemos categorizar um perfil psicológico peculiar que ainda houvesse as guildas na teoria, na prática não funcionavam pelos
do brasileiro, que pode ser encontrado, precisamente, no médio e grande devidos pontos citados. Todavia, o que não pode passar despercebido é
empresário, no que tange à relação de mercado e seus concorrentes. a insistência das queixas – que eram feitas pelos concorrentes que não
Não seria de todo errado afirmar que o Brasil nunca viveu uma ode conseguiam fazer frente aos empreendimentos rivais, tal como ocorre hoje
capitalista. O brasileiro, avesso à inovação e tecnologia, que branda aos – contra aqueles que optavam por burlar o sistema.
quatro cantos a fobia de uma nova concorrência, quase sempre caracteri- As guildas detinham o monopólio do ensino e prática da função e,
zada como “concorrência desleal”, e por tal alegação, busca vantagens lícitas desta forma, elitizavam e aristocratizavam determinado serviço, tornando
e ilícitas por meio do Estado – fruto de uma perversão da econômica em
prol de interesses de sujeitos e agentes políticos. 35 FRANÇA, Felipe Melo. Capitalismo de Compadrio: Enquanto a República não cai, Odebre-
cht lidera com 41% os empréstimos do BNDES. Mercado Popular, 21 de junho de 2015. Dispo-
Não raro, aparece em nossa história sinais de um capitalismo de nível em: http://mercadopopular.org/2015/06/capitalismo-de-compadrio-enquanto-a-republica-
compadrio, que de acordo com França é: -nao-cai-odebecht-lidera-com-41-os-emprestimos-do-bndes/. Acesso em: 14 out. 2018.
36 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 6 ed. Rio de Janeiro: Companhia das
Letras, 2017, p. 67.
34 ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI A XVIII. 37 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 6 ed. Rio de Janeiro: Companhia das
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017, p. 58. Letras, 2017, p. 67.

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impossível uma ascensão social daqueles que não possuíam meios para interesses da coroa imperial. Desta forma, Dom Pedro II exerceu semelhante
usufruir da guilda. papel político que o personagem antagonista de A Revolta de Atlas, freando
os avanços de Mauá. Estes mecanismos de compra e venda de influências
Este meio, verdadeiramente “desleal”, que utiliza de forma atroz a
apenas se tornam possíveis devido à expansão do poder burocrático – ou seja,
burocracia e sua influência política e/ou econômica – seja com a finalidade
quando a burocracia rompe a sua competência originária e adquire poder
de obter vantagens ilícitas ou criar dificuldades para seus concorrentes –
para influenciar o mercado e cercear a soberania da escolha do cidadão.
enseja um ambiente insalubre à boa governança. Como bem demonstra
o artigo38: Bueno também ilustra a famosa rivalidade entre o barão de Mauá
[..] o trabalho de Schleifer e Vishny (1993) atribui a corrupção à estrutura e o imperador:
de mercado dos bens públicos. Segundo os autores, os burocratas res- O imperador e o barão jamais tiveram uma discussão pública, mas,
pondem aos mesmos incentivos de produtores de quaisquer outros bens embora fossem vizinhos, sua incompatibilidade de gênios era notória.
disponíveis no mercado. Quando os servidores possuem o monopólio dos Mauá cometia o supremo pecado de ser devotado ao lucro – e isso o
bens públicos, eles impõem barreiras à oferta para arrancarem propina arqueólogo diletante, o aprendiz de linguística e filólogo, astrônomo
dos demandantes. É a mesma lógica de mercado, diminuindo a oferta, o amador, botânico de fim de semana e antropólogo iniciante D. Pedro
preço aumenta, porém, neste caso, a diferença do preço fica integralmente II não podia tolerar. E o torpedeamento contínuo de seus projetos feito
com os burocratas. pelos políticos fiéis a ao imperador – se configura como um dos mais
lamentáveis episódios da história econômica do Brasil.42
Ao analisar novamente a história brasileira, pode-se esmiuçar o con-
texto através da obra de Irineu Evangelista de Souza, conhecido também Indubitavelmente, a trajetória de Irineu Evangelista de Souza sin-
como o Barão de Mauá, que conforme as palavras de Eduardo Bueno, em tetiza o espírito da burocracia e a onipotência estatal em detrimento ao
seu livro Brasil – Uma História39 desenvolvimento brasileiro. É perceptível então, a partir desta análise, que
Irineu Evangelista de Souza, barão e visconde de Mauá, foi o primeiro quanto maior o poder burocrático – aquele mesmo poder que outorga,
self-made man urbano do Brasil. Tentou introduzir a nação no mundo do permite e abençoa – dos políticos, maior a chance de grupos de interesse,
capitalismo moderno, promover a indústria pesada, estabelecer de vez o ou, se não o próprio governo, usar para cercear a liberdade econômica, e,
trabalho assalariado, a economia de mercado e o liberalismo. Foi incom- com isso, a liberdade de escolha do povo.
preendido, perseguido, humilhado, ofendido – e faliu. Mauá fez quase
tudo certo: apenas esqueceu que vivia num país ruralista, escravocrata e Não é uma mera coincidência que a “corrupção sistemática”, cujo a
latifundiário, cujo a economia era controlada pelo Estado.40 Operação Lava Jato vem investigando, descobriu, por meio da delação de
Ayn Rand, filósofa e autora do clássico A Revolta de Atlas41, não po- Emílio Odebrecht43 – o patriarca da empreiteira Odebrecht – , que os laços
deria ter escrito uma distopia com aspectos tão singelos sobre a perda de de sua empresa com o governo começaram desde a redemocratização44.
direitos individuais – sobretudo o direito de empreender – , como foi a odis- Contudo, o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, defende em
seia empreendedora de Mauá, que além de enfrentar os opositores de suas entrevista à BBC45 que grande parte das empreiteiras, ou seja, aquelas que
ideias empreendedoras, teve também, o encargo de confrontar os próprios
42 BUENO, Eduardo. Brasil: uma história: cinco séculos de um país em construção. Rio de
Janeiro: Leya, 2012, p. 213
38 CARRARO, André; DAMÉ, Otávio Menezes. EDUCAÇÃO E CORRUPÇÃO: A BUSCA DE 43 SOUZA, Josias. Corrupção ronda a Odebrecht desde a ditadura. UOL Notícias, 22 de Abril
UMA EVIDÊNCIA EMPÍRICA. California Digital Library University of California. 05 de janei- de 2017. Disponível em: https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2017/04/22/corrupcao-ron-
ro de 2001. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/42v1j573. Acesso em: 14 out. 2018. da-a-odebrecht-desde-a-ditadura/. Acesso em: 14 out. 2018.
39 BUENO, Eduardo. Brasil: uma história: cinco séculos de um país em construção. Rio de 44 ROSSI, Marina. “O Vídeo em que Emílio Odebrecht diz que esquema tem 30 anos e culpa
Janeiro: Leya, 2012, p. 210 a imprensa e os Poderes’’. El País, 17 de abril de 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/
40 BUENO, Eduardo. Brasil: uma história: cinco séculos de um país em construção. Rio de brasil/2017/04/14/politica/1492192630_931956.html. Acesso em: 14 out. 2018.
Janeiro: Leya, 2012, p. 210 45 SCHREIBER, Marina. Pagamento de propinas por empreiteiras se consolidou durante a di-
41 RAND, Ayna. A revolta de Atlas. Tradução de BRITTO, Paulo Henrique. São Paulo: Ar- tadura, diz historiador. BBC Brasil. Brasília, 16 de dezembro de 2016. Disponível em: https://
queiro, 2017. www.bbc.com/portuguese/brasil-38337544. Acesso em: 14 out. 2018.

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eram consideradas “amigos do rei”, possuíam benefícios especiais entre as maior à complexidade tributária – possuem, como qualquer grupo de inte-
décadas de 30 e 50, sendo, no regime militar o período em que o pagamento resse, influências dentro do governo. Seus laços nunca foram tão evidentes
de propinas se consolidou. como quando surgiu o projeto de regulamentação do Uber. O Projeto de
Lei nº 28/2017 foi originalmente escrito por Fabio Godoy50, que já havia
Tais argumentos se concretizam ao analisarmos os escandalosos
representado o Sindicato de Taxistas de São Paulo, e também, de acordo
esquemas de corrupção durante a ditadura militar – e assim como todo
com André Spigariol51, “Godoy se identificou como consultor jurídico da
regime ditatorial, as investigações foram sufocadas, bem como a imprensa.
Associação Brasileira das Associações e Cooperativas de Motoristas de Taxi
Todavia, Elio Gaspari, considerado um dos maiores nomes nos estudos
(Abracomtaxi) em uma audiência no Senado Federal”. Em outro ponto,
sobre a ditadura militar (1964-1985), nos mostra que velhas figuras co-
Spigariol lista os quatro coautores, sendo que apenas um deles não participa
nhecidas dos brasileiros já permeavam a política nesta época, como por
da Frente Parlamentar em Defesa dos Interesses das Classes dos Taxistas.
exemplo, o ex-presidente José Sarney e Paulo Malluf. Maluff, dois anos
antes de assumir o cargo de governador do estado de São Paulo, protago- A desastrosa política econômica dos campeões nacionais52, outra
nizou O Caso Lutfalla, que, de acordo com a reportagem do UOL casuística da burocracia, implementada em 2008, anunciam figuras como o
Outro governador envolvido em denúncias foi o paulista Paulo Maluf. empresário Eike Batista e Marcelo Odebrecht, atualmente presos em decor-
Dois anos antes de assumir o Estado, em 1979, ele foi acusado de cor- rência da Operação Lava Jato, conseguiram por meio do BNDES, crédito
rupção no caso conhecido como Lutfalla – empresa têxtil de sua mulher, subsidiado. Conforme França corrobora.
Sylvia, que recebeu empréstimos do BNDE (Banco Nacional de Desenvol-
Entre 2009 e 2014, a Odebrecht recebeu US$ 5 bilhões para financiar suas
vimento) quando estava em processo de falência. As denúncias envolviam
exportações (“pós-embarque”) a governos e empresas estrangeiras. Este
também o ministro do Planejamento Reis Velloso, que negou as irregula-
valor corresponde a 41% de todos os empréstimos do período e apenas é
ridades, e terminou sem punições.46
comparável aos empréstimos à Embraer, com US$ 4,9 bilhões (40%). Logo
Atualmente, apesar de a Constituição de 1988 assegurar a ordem de- depois, três outras construtoras: Andrade Gutierrez (US$ 802 milhões,
mocrática, que possui como influência fundamental a filosofia iluminista ou 7%), Queiroz Galvão (US$ 254 milhões, ou 2,1%) e Camargo Corrêa
– que respalda nos direitos fundamentais de primeira geração, isto é, da esfera (US$ 216 milhões, ou 1,8%).53
individual, os chamados direitos de defesa – , constantemente deparamos Não é preciso exemplificar o fracasso de tal política, pois devido aos
com um lodo burocrático movido por vários grupos de interesses avessos fatos apresentados seria uma redundância. Menos ainda, deduzir as inten-
a concorrência, uma vez que põe em risco seus privilégios e o status quo. ções intrínsecas de quais eram seus reais objetivos. Todavia, tal política
A atual guerra entre Uber47 VS Taxi, e a política econômica dos
50 SPIGARIOL, André. Projeto de lei que regulamenta o Uber no Brasil foi redigido no Sindi-
campeões nacionais, infelizmente, sintetizam todos os erros da nação na cato de Taxistas de São Paulo, Spotniks. 15 de outubro de 2017. Disponível em: https://spotniks.
com/exclusivo-projeto-de-lei-que-regulamenta-o-uber-no-brasil-foi-redigido-no-sindicato-de-
história econômica brasileira. -taxistas-de-sao-paulo/. Acesso em: 15 out. 2018.
51 SPIGARIOL, André. Projeto de lei que regulamenta o Uber no Brasil foi redigido no Sin-
No primeiro caso, além dos taxistas receberem benefícios fiscais dicato de Taxistas de São Paulo, 15 de outubro de 2017. Disponível em: https://spotniks.com/
– como o IPI e o IOF48 – e subsídios49 no combustível – tornando ainda exclusivo-projeto-de-lei-que-regulamenta-o-uber-no-brasil-foi-redigido-no-sindicato-de-taxis-
tas-de-sao-paulo/. Acesso em: 15 out. 2018.
52 A política de campeões nacionais tinha como objetivo selecionar algumas empresas em
46 FREIRE, Marcelo. Conheça dez histórias de corrupção durante a Ditadura Militar. UOL diferentes ramos do mercado para torna-las globalizadas. Tinha como maior meio os créditos
Notícias. São Paulo, 01 de abril de 2015. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ulti- subsidiados do BNDES. Apenas em 2013, o gasto via BNDES já rompia a marca de 40 bilhões,
mas-noticias/2015/04/01/conheca-dez-historias-de-corrupcao-durante-a-ditadura-militar.htm. de acordo com a matéria da revista Exame. NAPOLITANO, Giuliana; VILARDAGA, Vicente.
Acesso em: 15 out. 2018. A política de Campeões Nacionais naufragou Veja porquê, Exame, 08 de novembro de 2013.
47 E aplicativos de taxi no geral, como o também conhecido 99taxi Disponível em:, https://exame.abril.com.br/revista-exame/um-modelo-que-fracassou/. Acesso
48 Disponível em: http://taxista.com.br/legislacao/beneficios-fiscais-taxistas em: 15 out. 2018.
49 Câmara Notícias. Brasília, 06 de novembro de 2015 . Disponível em: http://www2.cama- 53 FRANÇA, Felipe Melo. Capitalismo de Compadrio: Enquanto a República não cai, Odebre-
ra.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/499479-COMISSAO-APROVA-DESCONTO- cht lidera com 41% os empréstimos do BNDES. Mercado Popular, 21 de junho de 2015. Dispo-
-EM-COMBUSTIVEL-PARA-TAXISTAS-E-CAMINHONEIROS-AUTONOMOS.html. Aces- nível em: http://mercadopopular.org/2015/06/capitalismo-de-compadrio-enquanto-a-republica-
so em: 15 out. 2018. -nao-cai-odebecht-lidera-com-41-os-emprestimos-do-bndes/. Acesso em: 14 out. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ALINOR FURTADO NETO – JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

econômica, assim como a guerra contra as novas tecnologias e os novos ARENDT, HANNAH. O que é política? 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrandt Brasil, 2017.
competidores no mercado – como bem observamos na questão da regula- BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de COUTINHO, Carlos Nelson. 26
mentação do Uber – , nos levam inevitavelmente há um atraso, não só nos ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
seus respectivos setores afetados, mas a própria liberdade. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Dispo-
nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso
em: 21 set. 2018.
4. CONCLUSÃO BRASIL. Decreto 9094, de 17 de Julho de 2017. Dispõe sobre a simplificação do aten-
dimento prestado aos usuários dos serviços públicos, ratifica a dispensa do reconhe-
Conforme exposto ao longo do presente trabalho, é nítido que o cimento de firma e da autenticação em documentos produzidos no País e institui a
aparato burocrático da Administração Pública não tem se mostrado idôneo Carta de Serviços ao Usuário. Brasília, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Decreto/D9094.htm. Acesso em: 21 set. 2018.
para garantir a eficiência e a moralidade da gestão da res pública – pelo
contrário: tem-se apresentado como forma de operar da corrupção siste- BUENO, Eduardo. Brasil: uma história – Cinco séculos de um país em construção. 1
ed. Rio de Janeiro: Leya, 2012.
mática na história brasileira.
Câmara Notícias. Brasília, 06 de novembro de 2015. Disponível em: http://www2.
A idealização de Weber de uma máquina orgânica fundada no camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/499479-COMISSAO-APROVA-
-DESCONTO-EM-COMBUSTIVEL-PARA-TAXISTAS-E-CAMINHONEIROS-AU-
aprimoramento técnico e científico apresenta consequências imensuráveis: TONOMOS.html. Acesso em: 15 out. 2018.
favorece grupos de interesse, perturba a ordem democrática, perverte a CARRARO, André; DAMÉ, Otávio Menezes. Educação e corrupção: A busca de uma
economia e cria uma relação de dependência e submissão por parte da po- evidência empírica. In: California Digital Library University of California. 05 de ja-
pulação para com o aparelho burocrático. É incontestável que, os poderes neiro de 2001. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/42v1j573. Acesso em:
14 out. 2018.
de influência e autoritarismo de tal modelo de funcionamento do Estado,
superam e se sobressaem aos pressupostos que legitimam tal organização: CARVALHO, Cleide; SCHMITT, Gustavo. ‘’TCU e TCEs tem 41 integrantes investiga-
dos’’. In: O Globo, 26/06/2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/tcu-t-
não há uma disposição de servir à população, mas tão somente de ludi- ces-tem-41-integrantes-investigados-21518437. Acesso em: 13 jun. 2018.
bria-la por meio de uma estrutura complexa e rígida de funcionamento. A CORDEIROS, Wagner Marques. Burocracia na construção da administração públi-
corrupção é a consequência natural advinda do fenômeno da burocratiza- co do século XXI: uma reflexão teórica. Disponível em: www.ufpb.br/ebap/contents/
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ção e a história reafirma tal consequência.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4 ed.
O Direito Constitucional é competente para fornecer ferramentas revista pela nova ortografia. Rio de Janeiro Lexikon, 2010.
que possam desmantelar tal assentamento, contudo os direitos fundamentais FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.
devem ser sobrepesados para auferir-se uma interpretação condizente com o FRANÇA, Felipe Melo. Capitalismo de Compadrio: Enquanto a República não cai,
Estado Democrático de Direito que a CF/88 logra instituir na Sociedade Bra- Odebrecht lidera com 41% os empréstimos do BNDES. In: Mercado Popular, 21 de
sileira, isto é, os princípios que assentam a organização do Estado não podem junho de 2015. Disponível em: http://mercadopopular.org/2015/06/capitalismo-de-
-compadrio-enquanto-a-republica-nao-cai-odebecht-lidera-com-41-os-emprestimos-
ser dissociados das garantias fundamentais da pessoa humana; a Constitui- -do-bndes/. Acesso em: 14 out. 2018.
ção da República não é um fim em si mesma, mas sim, a principal carta de FREIRE, Marcelo. Conheça dez histórias de corrupção durante a Ditadura Militar. In:
direitos dos cidadãos. As guildas e grupos de interesse estão incutidos no UOL Notícias. São Paulo, 01 de abril de 2015. Disponível em: https://noticias.uol.com.
aparato burocrático, por isso é mais do que necessário repensar a forma de br/politica/ultimas-noticias/2015/04/01/conheca-dez-historias-de-corrupcao-duran-
te-a-ditadura-militar.htm JOSIAS DE SOUZA. Corrupção ronda a odebrecht desde a
gestão dos recursos públicos, antes que o dano venha ser irreparável. ditadura. Disponível em: https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2017/04/22/cor-
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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS

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Rand, Ayn. A Revolta de Atlas. Tradução de BRITTO, Paulo Henrique. São Paulo: FORUM FOR PRIVILEGE OF FUNCTION FOR THE
Arqueiro, 2017. SERVICE OF CORRUPTION: AN INVALID AND
RELATORIO ANUAL DE ATIVIDADE DO TCU 2017. Brasília: Tribunal de Contas UNJUSTIFIED TOOL
da União, 2018.
ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI A
XVIII. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. João Victor Linhares1
ROSSI, Marina. “O Vídeo em que Emílio Odebrecht diz que esquema tem 30 anos e Guilherme Augusto Corrêa Rehder2
culpa a imprensa e os Poderes’’. In: El País, 17 de abril de 2017. Disponível em: https://
brasil.elpais.com/brasil/2017/04/14/politica/1492192630_931956.html. Acesso em: 14
out. 2018.
RESUMO: O presente artigo logra entender o foro por prerrogativa de
SCHREIBER, Marina. Pagamento de propinas por empreiteiras se consolidou durante
a ditadura, diz historiador. In: BBC Brasil. Brasília, 16 de dezembro de 2016. Dispo- função no contexto atual de crise do Estado Democrático de Direito
nível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38337544. Acesso em: 14 out. 2018. procurando demonstrar que tal ferramenta visa apenas acalentar um
SENADO NOTÍCIAS. Brasília: Senado Federal. Julho de 2016. Disponível em: ht-
exercício arbitrário do poder por parte dos que detém tal prerrogativa,
tps://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/08/12/anteprojeto-da-desburocra- de forma que, tal instrumento apresenta uma premente necessidade de
tizacao-tera-como-principio-a-boa-fe-dos-cidadaos-dizem-juristas. Acesso em: 24 set ser reavaliado da perspectiva histórico-jurídica para não ensejar prece-
2018. dentes que possam vir a deturpar ainda mais o plano jurídico na esfera
SPIGARIOL, André. Projeto de lei que regulamenta o Uber no Brasil foi redigido no social – tal como apontam os dados no presente. Com isso, pretende-se
Sindicato de Taxistas de São Paulo, In: Spotniks. 15 de outubro de 2017. Disponível demonstrar através dos instrumentos de análise de discursos, dentro do
em: https://spotniks.com/exclusivo-projeto-de-lei-que-regulamenta-o-uber-no-brasil- plano da validade e legitimidade, as condições a que o foro por prerroga-
foi-redigido-no-sindicato-de-taxistas-de-sao-paulo/. Acesso em: 15 out. 2018. tiva está subordinado para que possa existir dentro da ótica democrática
TAXISTA.COM.BR. Benefícios fiscais para taxistas. Disponível em: http://taxista. bem como os resultados passíveis de serem auferidos sob uma perspectiva
com.br/legislacao/beneficios-fiscais-taxistas. Acesso em: 15 set. 2018. princípio-lógica que rege a estrutura do foro por prerrogativa de função –
denunciando a tendência predominante advinda de tal prática.
Palavras-chave: Corrupção. Foro por prerrogativa. Ferramentas sociais.
ABSTRACT: The present article manages to understand the forum by

1 Acadêmico do 4º período de Psicologia e 6º período de Direito pela Universidade do Vale de


Itajaí.
2 Advogado e professor universitário, com graduação em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Especialização em Ciências Criminais pela Unama, Mestrado em Ci-
ências Jurídicas pela UNIVALI e Doutorando em Ciência Jurídica da Univali com dupla titulação
na Widener University Delaware Law School, EUA. E-mail:[email protected].

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

virtue of its function in the current context of the crisis of the democratic Antes de prosseguir, todavia, faz-se mister explicitar o arco de racio-
State of Law, seeking to demonstrate that such a tool is only intended to cínio que visa conduzir o presente trabalho. Precipuamente, explanar-se-á
encourage an arbitrary exercise of power by those who have such a prero- o conceito de foro privilegiado para em seguida aprofundar-se nos ‘’corpos
gative, so that this instrument presents a pressing need to be reassessed in
celestes’’ que circundam a esfera gravitacional deste instituto (a priori) e,
order not to create precedents that might further distort the legal sphere in
the social sphere – as has been shown to occur. The aim is to demonstrate posteriormente, demonstrar a relação existente entre o foro ratione perso-
through the instruments of discourse analysis, within the framework of nae, poder e corrupção (empírico).
validity and legitimacy, the conditions to which the forum by prerogative
is subordinate so that it can exist within the democratic perspective as well
as the results that can be obtained under a principle-logic perspective that
1. O INSTITUTO DO FORO RATIONE PERSONAE
governs the structure of the forum by function prerogative – denouncing O estudo acerca do foro ratione personae redunda em duas teses:
the predominant tendency derived from such practice.
1) Uma primeira, que afirma ser o Foro por Prerrogativa cons-
Key-words: Corruption. Forum by virtue of its function. Social tools. titucional, tendo como suporte de validade e legitimidade à
vontade do poder constituinte que por si só basta para justificar
INTRODUÇÃO sua existência e;
2) Uma segunda corrente, que percebe o foro a partir de uma
O foro por prerrogativa de função está contido nos estudos do
lente política e histórica, sendo que pretende atenuar o seu rol,
Direito penal quando se logra estudar Competência – o instituto ulterior-
mas que, contudo, preceitua sua existência como derivado das
mente citado é usualmente denominado pela doutrina como foro ratione
atribuições de seletas autoridades. Logo, o foro teria por fim le-
personae. A literatura científica esgotou exaustivamente diversas formula-
gitimar o julgamento de pessoas que exercem cargos de renome.
ções e hipóteses que buscassem justificar o foro através de uma ótica que
fosse apta a conciliar o Estado Democrático de Direito com os inevitáveis Pretende-se, portanto, demonstrar ao longo do texto que nenhuma
efeitos contingenciais que tal instituto traz em seu teor. Interessante notar das duas correntes é idônea para justificar tal instituto jurídico, princi-
que, quando analisado sobre o plano prático e instrumental (isto é, sua palmente, devido ao fato de seu uso apresentar-se como meio de controle
aplicação), apresenta falhas principiológicas, resultantes de uma teoria ter- social com escopo de legitimar ações arbitrárias por parte das autorida-
giversatória que não se sustenta. des que o detém. Inevitavelmente, servindo como território prolífero para
instalação das mais diversas relações corruptas – fator que é vivenciado
Para tanto, o presente artigo percorre dois caminhos visando sus-
na história do Brasil desde a invenção de seu descobrimento. Tanto é que
tentar a análise em pauta: uma abordagem a priori, por meio do método
em seu artigo 1º, do caderno processual penal, o inciso II já ressalta que o
dedutivo e, também de uma leitura empírica dos dados. Teoria e aplicabili-
CPP não será aplicado aos detentores do foro por prerrogativa, acentuando
dade são dois planos diferentes de um objeto de estudo, contudo deveriam,
ainda mais a discrepância existente entre a aplicação da lei penal quando se
no mínimo, se não correspondentes, ser complementares.
trata de um sujeito passivo detentor do foro por prerrogativa3.
A questão, contudo, é que o foro ratione personae está fadado a
Através da obra de Habermas, é no campo da linguística, por meio
ameaçar a ordem social: apresentando-se como um problema-sintoma
da obra ‘’teoria do agir comunicativo’’, que se têm os moldes para um diá-
da corrupção no contexto atual jurídico, político e social, merecendo ser
logo estritamente democrático e instrumental, servindo a uma análise
analisado em sua totalidade. A filosofia, história e, bem como a própria
adequada e crítica a respeito do tema em questão. Sendo certo que quan-
doutrina, têm muito a contribuir para que este artigo sirva ao seu propósito:
tidade considerável da doutrina sofre de uma miopia seletiva, fechando os
demonstrar a invalidade do instituto do foro por prerrogativa através de
uma análise que proporcione denunciar as falhas princípio-lógicas e seus
reflexos no corpo jurídico da contemporaneidade. 3 BRASIL. Presidência da República Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em: 10 out. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

olhos ao verdadeiro problema do foro ratione personae, por introduzir de autoridades, que lhes vale um tratamento distinto daquele reservado aos
maneira acrítica a justificativa do poder constituinte. demais cidadãos brasileiros.6

Pode-se extrair de tal conceito a crítica contumaz de Renato Bra-


1.1. CONCEITO DE FORO RATIONE PERSONAE E INFE- sileiro, tal como apontado ulteriormente. Pois, o foro é estabelecido em
RÊNCIAS CONSTITUCIONAIS
razão do cargo, mas inevitavelmente recai sobre a pessoa que detém o foro
A doutrina tradicional conceitua o foro por prerrogativa de função por prerrogativa de função, alterando os limites estabelecidos pela com-
como Ratione personae, sendo que, o doutrinador que melhor expressa crí- petência e, inclusive, atribuindo jurisdição, em alguns casos, a órgãos que
ticas a tal nomenclatura é a de Renato Brasileiro quando leciona o seguinte: não integram o judiciário:
‘’Esse foro por prerrogativa de função é estabelecido em decorrência das Tal como o Senado Federal que processa e julga o Presidente da Repú-
funções desempenhadas pelo agente, e não em razão da pessoa’’4. blica, o Vice-Presidente, os Ministros do STF, o Procurador-Geral Da
República, o Advogado-Geral da União, membros do CNJ, membros do
Para uma melhor compreensão do conceito é imprescindível re- Conselho do Ministério Público, Ministros de Estado e comandantes da
cordar que este está atrelado ao de competência – mas, tão somente da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes de responsabilidade.7
competência penal. Competência, esta, que é o limite da jurisdição. Pode-se
perceber que o poder de ‘’dizer o direito’’ – jurisdição – e a circunscri- Os problemas de tal assertiva é que ao proteger o cargo, protege-se,
ção desse poder, fornecida pela competência, restringem o uso arbitrário consequentemente, a pessoa detentora do cargo. Grande parte da doutrina
e nocivo que possa vir a ferir os princípios constitucionais, tais como: o critica o foro privilegiado por infringir o princípio do juiz natural, mas eis
do juiz natural – art. 5º, LIII, ou do juiz imparcial – art. 5º, XXXVII, bem que, por meio de uma análise mais apurada, constata-se que os princípios
como o da inafastabilidade da tutela jurisdicional, tal qual consta no art. do juiz natural e do juiz imparcial são componentes de um princípio maior,
5º, inciso XXV, elencados na CF/885. a inafastabilidade da prestação jurisdicional. Ora, ferindo-se o referido
pressuposto constitucional, atinge-se todas as bases constitucionais.
Diz-se que a competência é absoluta quando não pode ser afastada,
isto é, fica impossibilitada sua prorrogação. A competência em razão da Contudo, conferir razão constitucional ao Senado, para julgar seus
matéria e da função são inderrogáveis. Percebe-se com isso a imprescindi- respectivos membros da casa e entre outras autoridades, não é consequên-
bilidade do estudo sobre tal núcleo, pois é sobre os pilares deste que o Juiz cia do princípio de fiscalização dos poderes, mas de matreira usurpação de
da causa proverá a sentença. suas atribuições; em suma: Ao retirar-se a competência do próprio poder
judiciário de julgar determinadas autoridades, não se pode mais falar em
Ademais, é de suma importância, – uma vez superada a relevância juiz natural ou imparcial, pois corolário destes princípios seria um Tribunal
de estudo sobre a circunscrição da competência – entender e delimitar ou Juiz julgarem, o que, de fato não ocorre.
o conceito do foro; servindo como norte um estudo realizado em 2016
pela câmara dos deputados em que o conceito de foro por prerrogativa é 1.1.1. PERSPECTIVAS DOUTRINÁRIAS A RESPEITO
construído como:
O foro por prerrogativa de função é assunto de grande divergên-
O foro especial por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, é um cia na Doutrina, principalmente no que diz respeito a sua legalidade e
instituto pelo qual se atribui a tribunais específicos da estrutura judiciá-
legitimidade. Guilherme de Souza Nucci, por exemplo, manifesta-se
ria brasileira o poder de processar e julgar determinadas pessoas. Sua
razão de ser é a especial posição política ou funcional ocupada por certas
6 FILHO, Newton Tavares. Foro Privilegiado: Pontos positivos e negativos. Brasilia, 2016.
4 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal: Volume único. 6 ed. rev., ampl. e atual. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-
Salvador: juspPODIVM, 2018, p. 494. -tecnicas/areas-da-conle/tema6/2016_10290_foro-privilegiado-pontos-positivos-e-negativos.
5 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível Acesso em: 04 out. 2018.
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 10 set. 7 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 16 ed. rev., atual. e
2018. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 295.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

contrariamente quando discorre: apresenta como sinônimo de juízo de valor, mas como o a pedra de toque
A doutrina de maneira geral, justifica a existência do foro privilegiado que potencializa o processo dentro da esfera social.
como maneira de dar especial relevo ao cargo ocupado pelo agente do
Em dissonância com a tese apresentada por Nucci, Renato Brasileiro
delito e jamais pensando em estabelecer desigualdades entre os cidadãos.
Entretanto, não estamos convencidos disso. Se todos são iguais perante a oferece outra perspectiva sobre o assunto:
lei, seria preciso uma particular e relevante razão para afastar o criminoso Essa excepcionalidade do foro por prerrogativa de função em face de
do seu juiz natural, entendido este como competente para julgar todos preceitos sensíveis da Constituição Federal, como o da isonomia e o do
os casos semelhantes ao que foi praticado. Não vemos motivo suficiente juiz natural, possui uma razão de ser própria, específica, justificável, que
para que o Prefeito seja julgado na Capital do Estado, nem que o juiz transmuda sua conotação de privilégio, no sentido pejorativo da palavra,
somente possa sê-lo pelo Tribunal de Justiça ou o desembargador pelo para prerrogativa essencial ao bom exercício da função. Por tal motivo,
Superior Tribunal de Justiça e assim por diante. Se à Justiça cível todos em uma Constituição Federal que pretende tratar igualmente os cidadãos
prestam contas igualmente, sem qualquer distinção natural seria que a comuns, as hipóteses de prerrogativa de foro, pelo privilégio que de certa
regra valesse também para a justiça criminal. O fato de se dizer que não forma conferem, devem ser interpretadas restritivamente.10
teria cabimento um juiz de primeiro grau julgar um Ministro de Estado
que cometa um delito, pois seria uma ‘subversão hierárquica’ não é con- A perspectiva de Brasileiro mostra-se, certamente, garantista, en-
vincente, visto que os magistrados são todos independentes e, no exercício contrando seu respaldo na Constituição Federal de 1988. Outros juristas
de suas funções jurisdicionais, não se submetem a ninguém, nem há hie- – tal como Tourinho Filho – compartilham desta mesma visão. Mostrare-
rarquia para controlar o mérito de suas decisões.8 mos nos capítulos que se seguem a problemática que urge de tal perspectiva
A crítica do eminente jurista é deveras pontual, pois recai justamen- semi-constitucional. Eis o que diz um dos Ministros do STF sobre o foro
te sobre a tese de que a capacidade do juiz para a causa não é afetada pela privilegiado que corroboram com a visão de Nucci:
pessoa sobre a qual recai a acusação ou sua função, tanto é que, o foro não O atual modelo de foro por prerrogativa de função acarreta duas conse-
se estende nos casos de processos que tramitam na esfera cível. quências graves e indesejáveis para a justiça e para o Supremo Tribunal
Federal. A primeira delas é a de afastar o Tribunal do seu verdadeiro
Ora, a jurisdição é una e indivisível – não sendo passível de mitiga- papel, que é o de suprema corte, e não o de tribunal criminal de primeiro
ção por tal justificativa. Ao juiz cabe a aplicar o direito, essa é sua função grau. Como é de conhecimento amplo, o julgamento da Ação Penal 470
precípua. Não obstante, como nos relembra Humberto Theodoro Junior (conhecida como Mensalão) ocupou o 11STF por 69 sessões. Tribunais
superiores, como o STF, foram concebidos para serem tribunais de teses
ao traçar a teoria geral do processo: tal atribuição do juiz não se expressa
jurídicas, e não para o julgamento de fatos e provas. Como regra, o juízo
somente como poder, mas encontra-se sobre o binômio poder-dever, isto de primeiro grau tem melhores condições para conduzir a instrução pro-
é, uma função essencial ‘’e como tal, o que caracteriza a função jurisdicio- cessual, tanto por estar mais próximo dos fatos e das provas, quanto por
nal é o papel da justiça prestadora da tutela (defesa) ao direito material, ser mais bem aparelhado para processar tais demandas com a devida
que hoje não pode ser senão efetiva e justa’’. Tal critica, assenta-se sobre o celeridade, conduzindo ordinariamente a realização de interrogatórios,
princípio da indelegabilidade, isto é, ‘’não pode o juiz ou qualquer órgão depoimentos, produção de provas periciais, etc. 12
jurisdicional delegar a outro o exercício da função que a lei lhes conferiu, A crítica de Nucci é digna de nota, pois abarca aspectos do âmbito
conservando-se sempre as causas sobre sob o comando e controle do juiz ontológico e social – bem como a importância que o voto do Ministro
natural’’9. O jurista ressalta em breves palavras a consideração a priori Barroso representa, com argumentos empíricos. Contudo, parte consi-
que legitima o processo dentro de uma sociedade fundada sobre a égide derável da doutrina entende como uma afronta aos ideais previstos pelo
do Estado Democrático de Direto. A justiça, a que se refere Junior, não se

8 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 16 ed. rev., atual. e 10 LIMA, Renato Brsaileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6 ed. rev., ampl. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 291-292. atual. Salvador: JusPODIVM, 2018, p. 494.
9 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito Processual Civil. 59 ed. rev. atual. e ampl. 11
Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 532. 12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

constituinte àqueles que advogam pela supressão ou, ao menos, uma limi- a mais alta instancia do poder judiciário – era o órgão competente para
tação significativa da extensão do foro ratione personae, porém trata-se de julgar e conhecer dos delitos individuais cometidos pelos membros da fa-
um descuido hermenêutico. mília real, Ministros do Estado, Conselheiros do Estado e Senadores e, bem
como dos crimes cometidos por deputados no período de sua legislatura,
O Direito deve adequar-se à sociedade e não o seu inverso – sob
caracterizando, assim, no Brasil o foro ratione personae15.
pena do instrumento de justiça reconfigurar-se como instrumento de con-
trole social, tal como alegam os abolicionistas13. É interessante notar que, mesmo no contexto em que a referida
constituição é outorgada, com todos os excessos e irregularidades pre-
O cenário atual da conjuntura constitucional acaba por transferir
sentes na transição do Brasil colonial para Império, mesmo assim, o
instituições essenciais à sociedade para um cenário político inescru-
foro não apresentava a extensão do rol tal qual nos moldes que possui
puloso. Já diz um ilustre provérbio do Direito ‘’onde está a sociedade
na atualidade.
aí encontra-se o Direito’’. O constituinte não pretendia sobrecarregar o
pretório excelso tal como vem se demonstrando ocorrer, contudo, é indu- Sua origem histórica está enraizada na Roma antiga, assim: ‘’O
bitável que, uma das consequências do referido instituto venha a ser um início do foro por prerrogativa de função, no direito processual penal,
afastamento das causas constitucionais para um escopo pretensamente emerge como manifestação do processo penal romano’’16. Uma ótima
político. A ‘’dilatação’’ da competência do STF – bem como a do Senado analogia, apesar da inferência em anacronismo, permite um cotejo entre
– para julgar réus detentores de tal foro exacerba o propósito democrático a competência do Senado de Roma, que julgava seus próprios senado-
das referidas instituições. res, com o atual STF e seus Ministros nos crimes comuns – bem como o
Senado. Porém, a própria civilização romana deduziu os problemas ine-
A seguinte reportagem exemplifica com maior clareza:
rentes a tal feito, pois o caminho que um cidadão deveria percorrer para
Cabe destacar, inicialmente, a excessiva amplitude que assumiu esse
atingir a titularidade de um cargo de Senador era, certamente, contrário
instituto sob a Constituição de 1988. Com efeito, o procurador da Re-
pública Deltan Dallagnol aponta que há mais de 22.000 pessoas com
aos ideais de justiça:
o benefício do foro privilegiado no Brasil atualmente. Semelhante si- Dependia de muita coisa: do nascimento, das conquistas dos ances-
tuação representa um grave atentado à noção de igualdade entre os trais, do mérito pessoal, dos modos, das liberalidades, do número de
cidadãos e vai de encontro ao ideal republicano de responsabilidade partidários. Os eleitores votavam nos candidatos que seus protetores ou
dos governantes perante os governados.14 seus amigos haviam lhes pedido para votar, como se fosse um serviço
pessoal, respeitosos das autoridades naturais, eles escolhiam o homem
A apropriação política das instituições democráticas representa que membros eminentes do Senado se esforçavam para recomendar [...]
gravíssimo desvio de propósitos do Estado de Direito. Em suma: a abor- eles atribuíam seu sufrágio àquele que uma impressionante sucessão de
dagem hermenêutica de direitos que, em essência, demanda constantes partidários e clientes seguiam por todos os lugares para honrar.17
atualizações (papel maior do STF), cede espaço aos entraves políticos de
Desse modo, o Senado arquitetava sua perpetuação no poder atra-
um poder polarizado.
vés de interferências na liberalidade dos eleitores, situando nos cargos de
maior relevância e prestigio aqueles que, de alguma forma, mantinham
1.1.2. ORIGEM HISTÓRICA DO FORO
Remontando à Constituição de 1824, o Senado Imperial – até então,
15 BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil. Disponível em:
http://www.monarquia.org.br/PDFs/CONSTITUICAODOIMPERIO.pdf. Acesso em: 11 set 2018.
13 ZAFARONNI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do 16 ARBAGE, Lucas Andres. Evolução história do foro por prerrogativa de função junto ao
sistema penal. 5 ed., Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 114. ordenamento jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIX, n. 154, nov. 2016.
14 AFFONSO, Julia; MACEDO, Fausto; BRANDT, Ricardo. “22 mil pessoas têm foro privile- Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&arti-
giado no Brasil, aponta Lava Jato”. In: O Estado de S. Paulo. 20/05/2015. Disponível em: http:// go_id=18211&revista_caderno=22. Acesso em: 11 set 2018.
politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/22-mil-pessoas-tem-foro-privilegiado-no-bra- 17 VEYNE, Paul. Tradução de MARTINS, Lineimar Pereira. Pão e circo: sociologia histórica
silaponta-lava-jato. Acesso em: 11 set 2018. de um pluralismo político. São Paulo: Editora UNESP, 2015, p. 424.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

relações com os antigos membros do Pleito, tecendo uma rede de relações 2. CORRUPÇÃO E FORO POR PRERROGATIVA: UM
intrincada de poder, delimitando seu exercício arbitrário longe dos olhos COTEJO NECESSÁRIO
da população.
Compreende-se do termo corrupção uma conduta que, dentro de
Semelhante lógica permeia o Senado brasileiro na modernidade; um sistema fechado e organizado, atua em dissonância com as regras le-
nas eleições fraudadas de Renan Calheiros, para votação do presidente do galmente instituídas, isto é, regras que marcam condutas para um pleno e
Senado Federal, tem-se um exemplo claro18. legítimo funcionamento do corpo, atuando a corrupção, para a deficiência
Tal feito só mostrava-se auferível através de um distanciamento sim- do sistema. Este corpo é a representação do funcionamento da esfera po-
bólico entre os representantes e o povo, sendo que, uma das ferramentas lítica, isto é, os limites e entraves do exercício do poder. Tal concatenação
para essa institucionalização seria o foro por prerrogativa de função.19 advém do próprio contexto de que a palavra corrupção emerge. Adriana
Desta forma, tornava-se concrescível o distanciamento institucional. Romeiro é pontual ao traçar o histórico semântico da categoria:
Derivada do latim, corruptione, que significa putrefação, decomposição
É imprescindível, para uma profunda compreensão sobre os pro- e adulteração [...] o termo aplicado ao corpo político, [...] como resultado
blemas do foro privilegiado, – principalmente quando analisados sobre a da subversão da função por excelência do governante;21
lente histórica – entender o contexto em que este surgiu. A esfera social
é inseparável do Direito. Com isso, não se quer dizer que o presente tra- Ora, é justamente na subversão dos ideais dos representantes do
balho irá esgotar a origem do instituto, no contexto dos seus primórdios. povo que se localiza a cerne da corrupção. Por isso, é fundamental que se
O escopo da discussão está em refletir acerca dos efeitos de apregoar tal entenda o exercício do cargo público não como um status ou sinônimo de
instituto no sistema atual. privilégios, mas sim, como função de servir à convergência de interesses
da sociedade para que esta possa alcançar os interesses postos em pauta.
Porém, é contundente anotar a semelhança entre a prática de ‘’in- Desta forma explica Martins que:
centivo’’ dos Senadores e a condição de alienação do público eleitor de Nem sempre há a necessária compatibilização entre o exercício do poder
Roma, tal qual como se dá no Brasil, através de coligações políticas que e a obrigação de servir. O pressuposto é de que quem tem o poder deve
demandam esforços recíprocos. O mesmo historiador narra o seguinte servir. A conquista do poder só se justifica pela razão de servir [..] Na
sobre o círculo despótico que tomava conta do cenário político de Roma: teoria do Estado, o poder político, principalmente, é um meio de servir à
O verdadeiro objeto das eleições não dizia respeito aos eleitores, que ge- sociedade, que escolhe seus governos, objetivando que estes lhe sirvam.22
ralmente viam nelas apenas uma farsa da qual esperavam, no máximo, Ocorre que, em decorrência de anos de subversão de valores intrín-
algumas pequenas vantagens, mas dizia respeito à oligarquia, que dis-
secos a um sistema democrático adequado, a noção dos cidadãos-eleitores
putava ali suas honras em uma sociedade na qual a dignidade política
não era uma carreira como as outras, mas a única carreira digna de uma sobre a própria finalidade da existência de um Estado-Governo vem a ser
oligarquia.20 concebida sobre formas estranhas ao seu pressuposto.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. Como casuística pode-se citar o fato de funcionários públicos,
eleitos pelo rei no período do século XVI do Brasil, que tinham como
obrigação o depósito de quantia significativa à coroa, bem como o en-
18 GARCIA, Gustavo. ‘’Corregedor recebe imagens para apurar suspeita de fraude em volvimento desses mesmos funcionários em entrada e saída de produtos
eleição do Senado’’. In: G1. 08/02/2019. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noti-
cia/2019/02/08/corregedor-recebe-imagens-para-apurar-suspeita-de-fraude-em-eleicao-do-se- oriundos de contrabando. A mesma autora afirma que ‘’A generalização
nado.ghtml, Acesso em: 10 fev. 2019.
19 Apesar do Foro por Prerrogativa não ser a única ferramenta, no contexto atual, ela é decor-
rente de uma mesma lógica subversiva, sendo, contudo, um dos Castelos deste tipo de raciocínio 21 ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI A XVIII.
tergiversatório. Belo Horizonte. Autêntica Editora. 2017, p. 58.
20 VEYNE, Paul. Tradução de Lineimar Pereira Martins. Pão e circo: sociologia histórica de 22 MARTINS, Ives Gandra. Uma breve teoria do poder. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-
um pluralismo político. São Paulo: Editora UNESP, 2015, p. 422. nais, 2009, p. 76.

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da corrupção nos negócios coloniais, em praticamente todas as esferas da Para dissecar as assertivas supra (‘’1’’ e ‘’2’’) faz-se necessário primei-
administração colonial, indica que não se tratava de mero desvio ou uma ro conceituar a palavra discurso que doravante estará presente ao decorrer
aberração, mas sim de um componente essencial ao seu funcionamento’’.23 da análise. A categoria em questão é intimamente conexa ao conceito de
racionalização, que por sua vez designa a qualidade de um esforço refle-
O trecho demonstra com propriedade uma das principais preocu-
xivo sobre valores dentro de um contexto; por conseguinte, discurso quer
pações deste artigo: demonstrar como determinados mecanismos jurídicos
imprimir a reunião organizada e sistematizada de argumentos que visam
– no caso, o foro por prerrogativa de função – necessitam que, dentro do
atingir pretensões de validade para determinada situação-problema, sendo
funcionamento regrado do corpo jurídico e político, haja um vácuo semân-
comumente atrelada a relação de causa e efeito de determinado fenômeno
tico, pronto a ser preenchido por uma dogmática política.
com a finalidade de convencimento do ouvinte. 24
Esse componente essencial, citado por Romeiro no trecho supra,
O item um (1), diz respeito à elaboração de um discurso-jurídico
pode ser traduzido da seguinte forma: dentro da própria lei deve haver sua
que verse um sistema abstrato apto a permear o imaginário da sociedade
própria contradição, de forma que, o irregular – o indesejado pela norma
por meio de uma inversão de valores, este sistema abstrato encontra-se
– componha a realidade fática, mas não jurídica daqueles que integram
regido pelo binômio dever ser e o ser que é, explica Zaffaroni sobre o tema:
a complexa rede de poderes. Tal lógica jamais pode ser aplicada ao cida-
dão-eleitor que não contribui para esse desvio. O resultado é a redução do O discurso jurídico-penal não pode desentender-se do ‘ser’ e refugiar-se
ou isolar-se no ‘dever ser’ porque para que esse ‘dever ser’ seja um ‘ser que
princípio basilar da igualdade e um povo distante dos próprios direitos.
ainda não é’ deve considerar o vir-a-ser possível do ser, pois, do contrário,
converte-a em um ser que jamais será, isto é, num embuste. Portanto o
2.1. CORRUPÇÃO, INVALIDADE E DOMÍNIO: EFEITOS discurso jurídico-penal socialmente falso também é perverso: torce-se
JURÍDICOS-SOCIAIS e retorce-se, tornando alucinado um exercício de poder que oculta ou
Diante do exposto, pode-se afirmar com propriedade que a corrup- perturba a percepção do verdadeiro exercício do poder.25
ção encontra seu suporte dentro do corpo jurídico-político. O discurso jurídico-penal polarizado pelo constituinte, legitimador
A maneira com que opera essa bifurcação conflituosa, isto é: fins vi- de práticas inversoras dos valores da ordem democrática, está revestido
sados pela sociedade para atingir seu ideal de bem comum em atrito com o de uma intenção perlocucionária26, esta sendo: a qualidade do agente que
escopo dos detentores do poder político para afastar qualquer possibilidade discursa de omitir motivos, finalidade ou intenções do receptor da mensa-
de constrição ao seu exercício arbitrário, requer uma análise apurada. Pois, gem, colocando este em erro. O ouvinte encontra-se situado em um plano
diferentemente do que ocorre com as ditaduras, em que o simples querer ideal, induzido pelo próprio agente ativo do discurso, mas, que na verdade,
do governante é suficiente, para que isso ocorra em um Estado de Direito é divorciado da realidade por razões que só aquele que discursa o sabe.
é necessário que, a priori: Tal condição não possibilita ao ouvinte formar um juízo claro a respeito
1) O poder político arbitrário não esbarre diretamente no poder da ação comunicativa performativa (o embasamento teórico e a coesão de
social, isto é, não há subordinação política à vontade social, en- discurso), pois não possui meios de avaliar as proposições, não estando
gendrando assim diversas áreas propícias para que haja exercício ciente dos fins visados pelo emissor (leia-se: discurso embasado na vontade
arbitrário do poder, de forma verticalizada. constituinte acerca do foro privilegiado).
2) Deve haver um interesse em tais práticas e, para que isso ocorra,
a consequência lógica é um involucro que proteja e retarde o 24 HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização
andamento idôneo de quaisquer instrumentos hábeis para social. São Paulo: Editor WMF Martin Fontes, 2012, p. 554.
25 ZAFARONNI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do
refreá-los. sistema penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 163.
26 Sobre o agir perlocucionário ver: HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: ra-
23 ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI A XVIII. cionalidade da ação e racionalização social. Tradução de SOETHE, Paulo Astor. São Paulo: WMF
Belo Horizonte. Autêntica Editora. 2017, p. 80. Martin Fontes, 2012, p. 812.

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O destinatário da mensagem é sujeito passivo de uma norma im- Logo, percebe-se uma incongruência entre a finalidade do instituto
perativa, isto é, que visa modular um comportamento x – por parte do e sua real aplicação, porém, mesmo tendo os operadores e cientistas do
aplicador da lei e o consenso – por parte do cidadão, fica em segundo direito conhecimento de tal fato não relutam em recorrer a um reprodu-
plano. Trata-se mais de imperativo categórico (norma de si para si) do que cionismo doutrinário cego para justificar sua existência constitucional.30
heterogêneo, isto é, os governantes fazem a lei para si.27 O destinatário – Que fique claro: não se pretende atacar a teoria constitucional, porém, é
na ótica da ação comunicativa – é sujeito passivo de um discurso e possui crucial que se perceba as limitações que este método hermenêutico pode
pretensão de validar ou concordar no que toca ao conteúdo da mensagem vir a trazer para a realidade social no contexto brasileiro, não podendo
emitida, contudo não consegue nem um nem outro, pois está, aonde Zaf- servir para justificar discursos idealistas sem nenhuma viabilidade prática.
faroni denomina, no plano do deve ser, mas não é.28 Tem razão o jurista Ives Gandra quando afirma sua visão sobre as teorias
constitucionais e sua aplicabilidade na proteção de direitos fundamentais:
Não se questiona aqui a intenção do legislador quando elencou
taxativamente os cargos que possuem tal foro, pois sua intenção fora São uma classificação da história política juridicizada dos diversos povos;
[...] Decorrem de processos históricos e pouco os influenciam, servindo
assegurar a legitimidade do julgamento. Contudo, suprimir o poder do
de mero ‘estoque de prateleira’, à disposição dos movimentos políticos,
juiz analisar o caso concreto e remeter o processo, sem mais nem menos em permanente mudança [...] são permanentes, em todos os textos mo-
ao foro previsto, ainda poderia ser considerado uma prática válida após dernos, os direitos fundamentais do ser humano – a meu ver direitos
tantos escândalos e descréditos de tal instituto? Não se pode negar que tal inatos e imodificáveis – que conformam o regime democrático [...] vale
prática engendrou diversas situações não previstas pelo legislador. Basta seu referencial, menos para orientar os processos políticos geradores do
atentar ao voto do Ministro Barroso da AP 937. Não obstante a CF/88 direito constitucional de um povo ou de uma comunidade de nações, e
é, na história brasileira constitucional, a que possui maior extensão do mais para permitir aos não-políticos – juristas e operadores do direito – a
percepção do fenômeno social, individual e coletivo, ao longo da história,
instituto, até agora já observada. Como casuística de efeitos não previstos ajudando-o a conviver, na sociedade democrática.31
pelo constituinte tem-se um abarrotamento de processos, as metas do
CNJ apenas enxugam gelo, por falta de melhor expressão, isto é, tenta-se O item dois (2), que diz respeito ao interesse institucionalizado nas
incentivar a celeridade em um sistema programado para ser lento e acu- práticas corruptas, sua razão de ser está no tratamento diferenciado aos
rado, o resultado é incoerência e ineficiência: agentes públicos, que não repousa somente no juízo especial em que será
Em segundo lugar, é patente a inadequação das altas instâncias do Poder julgado, mas também infere na esfera da polícia administrativa, ou seja, no
Judiciário para processar e julgar feitos de natureza penal. Os tribunais, próprio inquérito policial preliminar. A problemática não reside só no foro,
como órgãos colegiados, distantes do local do delito, têm pouca agilidade mas em todos os elementos contingenciais, isto é tanto as ações típicas que,
e decidem com lentidão, retardando sensivelmente o desenrolar da instru- geralmente são as condutas criminosas praticadas pelos detentores do foro,
ção criminal. Múltiplas solicitações das partes com frequência tumultuam quanto os pressupostos para que haja uma acusação formal e materialmen-
o andamento do processo, adiando indefinidamente a decisão sobre o te válida e, por fim, a execução penal:
feito. De 2001 até agora, o Supremo Tribunal Federal recebeu cerca de 560
casos. Em 2003, o Tribunal levava em média 277 dias para julgar ações
I) Grande parte dos crimes cometidos por agentes políticos en-
penais contra autoridades detentoras de foro privilegiado. Em 2016, esse quadram-se no Título XI do CP, isto é, nos Crimes contra a
prazo ultrapassa 1.200 dias, num aumento de 346%.29 Administração Pública. A problemática reside no fato que as
penas cominadas neste capítulo são ínfimas, sendo incompa-
27 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Tradução de SUDATTI, Ariani Bueno; tíveis com o princípio da lesividade do Direito Penal (quanto
BAPTISTA, Fernando Pavan. 6 ed. São Paulo: EDIPRO, 2016, p. 26.
28 ZAFARONNI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do
sistema penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 163.
29 FILHO, Newton Tavares. Foro Privilegiado: pontos positivos e negativos. Consultoria 30 Sem embasamento algum nos fins constitucionais, mas tão só numa idealista vontade do
Legislativa. Estudo técnico. Jul. 2016, Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/do- constituinte.
cumentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema6/2016_10290_foro-privile- 31 MARTINS, Ives Gandra. Uma breve teoria do poder. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-
giado-pontos-positivos-e-negativos. Acesso em: 04 out. 2018. nais, 2009, p. 77.

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mais importante o bem jurídico, maior deve ser a pena). Por do STJ, estendeu a garantia ao âmbito das sanções administrativas.36
exemplo: Art. 319 (Prevaricação: 03 meses a 1 ano), art. 320 A ocorrência de diversas interpretações (ditas) constitucionais, que
(Condescendência criminosa: 15 dias a 1 mês), art. 323 (Aban- não se atém às próprias garantias constitucionais, reside não na eficácia ou
dono de Função: 15 dias a 1 mês).32 em garantias constitucionais expressamente consagradas pelo constituinte
II) Crimes como Corrupção passiva (art. 317)33 são extremamente – ao menos na conjuntura atual – mas, antes de tudo, visam fecundar e criar
difíceis de serem flagrados, razão pela qual, hodiernamente, só paulatinamente uma relação de domínio sobre o cidadão/homem comum,
vem a conhecimento do titular da ação penal por meio dos sintonizando uma indiferença perante autoridades que detém o foro espe-
próprios agentes envolvidos; são crimes que ficam entre quatro cial. Utiliza-se o conceito de domínio e não de poder, pois, poder todos os
paredes, mas os resultados não são tão taciturnos ,razão pela qual, cidadãos tem, afinal, se trata de uma capacidade para fazer ou deixar de
a dificuldade de instauração de inquérito, bem como entraves fazer alguma coisa, contudo aquela outra categoria exprime:
que impossibilitem um julgamento eficiente contribuem para
‘’dominação’’ é definida como uma relação entre pessoas, entre grupos, ou
propagação de tais práticas. entre pessoas e grupos, através da qual uma das partes expropria, rouba,
Tais práticas só podem redundar em um excessivo apadrinhamento apodera-se do poder (capacidade) de outros. Por extensão, dominação é
dos detentores do foro, ensejando uma ‘’seletividade penal’’, nos termos de uma relação onde alguém, a pretexto de outro de o outro possuir determi-
nadas qualidades ou características (como o fato de ser mulher, de fazer
Zaffaroni34. Não poderia ser diferente, eis que os dados apresentam:
parte de determinada etnia ou raça, de ser jovem etc.) apropria-se de seus
A morosidade advinda do julgamento em instância privilegiada tem como poderes (capacidades) e passa a trata-lo de maneira desigual. Dominação,
resultado a impunidade dos agentes públicos responsáveis por crimes das portanto, é uma relação assimétrica, desigual, injusta, se quiser.37
mais variadas espécies, normalmente com graves danos para o Erário e
para o patrimônio público. Um levantamento feito em 2007 pela Associa- Tal conceituação reflete posição comum assumida por meio de
ção dos Magistrados Brasileiros (AMB) aponta que, de 1988 até maio de interpretações antidemocráticas por parte dos juristas no que diz respei-
2006, nenhuma autoridade foi condenada no Supremo Tribunal Federal to a corromper o conteúdo da Constituição – entendida como fonte de
(STF). Apenas cinco de um total de 333 processos sofreram condenação direitos fundamentais e norte para uma sociedade fundada no Estado
no STJ, o que equivale a apenas 1,5% de autoridades punidas.35 de Direito sobre os pilares de igualdade entre cidadãos – para favorecer
Outro efeito decorrente da tolerância constitucional de práticas po- interesses pessoais.
líticas arbitrárias repousa sobre métodos hermenêuticos, aparentemente Parece, mormente, um corolário lógico da adoção de práticas
inconciliáveis com os interesses sociais e direitos fundamentais, tal como: contrárias ao espírito democrático pelo constituinte e pela hermenêutica
[...] pela evolução que se observa no direito à não receber pena de cará- tendenciosa que vem se firmando na jurisprudência, recipiente de tudo que
ter perpétuo. Tanto a Constituição atual como a anterior estabeleceram foi dito até aqui. Eis que a finalidade de um discurso jurídico-penal ilegí-
vedações à pena de caráter perpétuo. Esse direito, que antes de 1988 se cir-
timo por natureza e vontade de ser própria, encerrando em si mesmo sua
cunscrevia à esfera das reprimendas penais, passou a ser também aplicável
a outras espécies de sanções. Em fins de 1998, o STF, confirmando acórdão finalidade – inevitavelmente acarretará em consequências imensuráveis.
Vejamos algumas delas:
32 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da 1) 40% dos presos do Brasil são provisórios sendo que a população
União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Carcerária dobrou em 10 anos no Brasil38
33 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da
União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
34 ZAFARONNI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do 36 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucio-
sistema penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 38. nal. 13 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 554.
35 FILHO, Newton Tavares. Foro Privilegiado: pontos positivos e negativos. Consultoria 37 CAMPOS, Regina Helena de Freitas (org.). 20 ed. Psicologia social comunitária. Rio de
Legislativa. Estudo técnico. Jul. 2016, Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/do- Janeiro: Vozes, 2015, p. 67.
cumentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema6/2016_10290_foro-privile- 38 MARTINS, Helena. ‘’População carcerária quase dobrou em 10 anos.’’ In: Agencia Brasil,
giado-pontos-positivos-e-negativos. Acesso em: 04 out. 2018. Brasília publicado em 23 de Junho de 2018. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

2) O Brasil é o país que tem o maior número de população prática; subvertendo a ordem jurídica e política. De indubitável tergiver-
carcerária.39 sação é o conteúdo da justificativa daqueles que afirmam ser o foro ratione
3) Há em média 22.000 pessoas com foro por prerrogativa de personae pressuposto para legitimidade do julgamento. Ora, o conceito de
função no Brasil, sendo que até 2010 tramitavam no STF 477 legitimidade pressupõe justamente que haja consenso entre as partes, isto
processos, 102 ações penais – que envolviam deputados e Sena- é, estabelecer os critérios que serão utilizados, em outros termos: legitimo
dores – e 377 inquéritos policiais.40 é aquilo que democraticamente se estabelece, nada é legítimo por si só, tal
4) Em 1964 o STF anulou a súmula que estendia o foro para crimes qual doutrinadores contemporâneos vêm utilizando o termo.
cometidos no exercício do cargo mesmo que o beneficiado não É resultado de uma relação de domínio que assevera a polari-
ocupasse mais a função visando reduzir a quantidade de pro- zação de atos corruptos advindo da própria Lei Suprema. Em diversas
cessos. O Número de ações, todavia, subiu em 132% em 2016.41 ocasiões, lamentavelmente, a Constituição apresenta institutos que se
5) Do histórico do STF depreendeu-se que a média de tempo que fundam sobre essa lógica discursista, os freios do poder (leia-se domínio)
leva o julgamento de uma ação penal – em que o acusado tenha estão cada vez mais emperrados: as garantias mostram-se inócuas por
foro privilegiado – é de 277 dias42. tantas vezes. Bobbio exemplifica de forma inigualável o dilema a que este
É curioso que, à partir da análise de tão somente um único institu- artigo se propõe a dissecar:
to, – cuja validade está submetida sobre a pretensão de dar legitimidade Quem vigia os vigilantes? – hoje pode ser repetida com esta outra fór-
ao julgamento de pessoas que exercem um determinado cargo público mula: ‘quem controla os controladores?’ Se não conseguir encontrar uma
– possa ter respaldo em diversas outras práticas que, em contramão a resposta adequada para esta pergunta, a democracia, como advento do
governo visível, está perdida. Mais que de uma promessa não cumprida,
sua finalidade, engendra efeitos práticos extravagantes que não foram
estaríamos aqui diretamente diante de uma tendência contrária às premis-
estudados apropriadamente ou, sequer, cogitados. O foro ratione personae sas: tendência não ao máximo controle do poder por parte dos cidadãos,
é inválido e ilegítimo, porque aniquila toda a base imprescindível para mas ao máximo controle dos súditos por parte do poder.43
um Estado Democrático de Direito, pois o instituto é fundado sobre as
orientações de um discurso. E, como todo discurso, não leva em conta a À resposta de Bobbio, infelizmente, deve-se responder com outra
dignidade ou a humanidade do ouvinte, mas unicamente pretende que pergunta: como se julga aqueles que estabelecem as regras do julgamento
sua fala tenha aceitação e aplicabilidade. e por quem são julgados? Ou também: como se julga aqueles que, sequer,
respondem a um poder judiciário? Ou ainda: qual razão assiste para julgar
Não é uma relação dialógica – como compete a toda democracia aqueles que julgam, com normas diferenciadas?
cumprir ser – é tão só um estratagema que possibilita ao discursista obter
êxito no plano teórico sem necessariamente conciliar seu discurso com a
3. CONCLUSÃO
noticia/2018-06/populacao-carceraria-quase-dobrou-em-dez-anos. Acesso em: 12 set. 2018. Após, vestirmos as lentes doutrinárias, históricas, idealistas e empi-
39 VERDÉLIO, Andréia. “Com 726 mil presos Brasil tem a terceira maior população car-
cerária do mundo”. Brasília, 08 de Dezembro de 2017. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc. ristas para a compreensão do tema tratado atesta-se aos seguintes pontos:
com.br/geral/noticia/2018-06/populacao-carceraria-quase-dobrou-em-dez-anos. Acesso em: 12 o foro por prerrogativa de função não torna determinada julgamento mais
set. 2018.
40 FILHO, Newton Tavares. Foro Privilegiado: pontos positivos e negativos. Consultoria
ou menos legítimo, sua função aqui é outra: distanciar de forma simbólica
Legislativa. Estudo técnico. Jul. 2016. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/do- e material o ideal de justiça na sociedade, acentuar a disparidade e carência
cumentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema6/2016_10290_foro-privile-
giado-pontos-positivos-e-negativos. Acesso em: 12 set. 2018. de igualdade entre direitos e obrigações na relação cidadão e representante,
41 FILHO, Newton Tavares. Foro Privilegiado: pontos positivos e negativos. Consultoria aplicando de maneira assimétrica, uma justiça torta e questionável.
Legislativa. Estudo técnico. Jul. 2016. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/do-
cumentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema6/2016_10290_foro-privile-
giado-pontos-positivos-e-negativos. Acesso em: 12 set. 2018. 43 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. De
42 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso NOUGUEIRA, Marco Aurélio. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018, p. 55.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS JOÃO VICTOR LINHARES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Sua utilidade em prol da população é quase nula, servindo somen- Ora, a democracia é, por essência, incompatível com o escândalo
te tal instituto para um uso desarrazoado por parte de seus detentores, generalizado de corrupção que vem sendo denunciado em nossa sociedade;
como instrumento de manipulação, isto é um Direito Processual Penal a dignidade da pessoa humana sequer existe dentro do contexto que aden-
pervertido, tal qual o brasileiro se apresenta não poderia, senão, em suas tramos, pois a ela cabe apenas flexionar-se perante a aceitação ou rejeição
últimas consequências, transformar-se em um aparato seletivo de punição do discurso exortado pela instituição suprema. Não há meios hábeis para
aos desfavorecidos e uma garantia para os Estadistas, peremptoriamente resguardar e proteger os valores supremos de seu núcleo essencial, sendo
fundada na utilidade de manutenção do poder. que é ameaçada pela mesma ordem jurídica que assegura seu valor, no caso,
um poder constituinte idealista que situa-se distante da realidade enfrenta-
A casuística de tal fato enseja perplexidade: enquanto 40% dos
da pela sociedade brasileira. O foro ratione personae é um ponto-cego, entre
presos do Brasil são provisórios, grande parte dos detentores do foro pri-
muitos outros, que o constitucionalismo seletivo não consegue enxergar.
vilegiado sequer vem a responder pelos respectivos processos.
Diversas correntes filosóficas e jurisprudenciais empreenderam na
REFERÊNCIAS
árdua tarefa de legitimá-lo – seja sob o viés do constituinte, da legitimi-
ARBAGE, Lucas Andres. Evolução história do foro por prerrogativa de função junto
dade do julgamento ou de garantia ao exercício – contudo, todas essas ao ordenamento jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIX, n. 154, nov
possibilidades podem ser afastadas quando enxerga-se de forma crítica o 2016. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_arti-
gos_leitura&artigo_id=18211&revista_caderno=22. Acesso em: 11 ago. 2018.
premente instituto e suas consequências lógicas sob uma análise de discur-
so chegando-se à seguinte conclusão: não é possível legitimar um instituto BRASIL. Constituição (1824). Rio de Janeiro. 25 de março. Disponível em: http://www.
monarquia.org.br/PDFs/CONSTITUICAODOIMPERIO.pdf. Acesso em: 11 set 2018.
que favorece a corrupção. Procuramos demonstrar através dos exemplos
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial
supracitados a nocividade às garantias e direitos fundamentais do cidadão da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
de tal prerrogativa. Do histórico do STF depreendeu-se que a média de
BRASIL. Presidência da República. Código de Processo Penal. Disponível em: http://
tempo que leva o julgamento de uma ação penal – em que o acusado tenha www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em: 10 out.
foro privilegiado – é de 277 dias. 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso.
Da leitura dos dados apresentados ao final do capitulo precedente,
faz tão somente com que, tal como exposto no começo deste trabalho, CAMPOS, Regina Helena de Freitas (org.). 20 ed., Psicologia social comunitária. Rio
de Janeiro: Vozes, 2015.
admita-se ser o instituto em tese urgentemente revisitado, para que se pos-
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. De
sibilite um pleno exercício democrático no Brasil. Há anos que as garantias NOUGUEIRA, Marco Aurélio. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.
da população são suprimidas e cerceadas em detrimento ao aumento – e
FILHO, Newton Tavares. Foro Privilegiado: pontos positivos e negativos. Consul-
acúmulo – de privilégios em dissonância com os fundamentos prescritos toria Legislativa. Estudo técnico. Jul. 2016. Disponível em: http://www2.camara.
no art. 1º da Constituição Federal de 1988, fundamentos estes que consti- leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/
tema6/2016_10290_foro-privilegiado-pontos-positivos-e-negativos. Acesso em 04 out.
tuem as bases e sustentações de qualquer Estado democrático: 2018.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel GARCIA, Gustavo. ‘’ Corregedor recebe imagens para apurar suspeita de fraude em
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado eleição do Senado’’. In: G1, Brasília. Publicado em 08/02/2019. Disponível em: https://
democrático de direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II – a g1.globo.com/politica/noticia/2019/02/08/corregedor-recebe-imagens-para-apurar-
cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do suspeita-de-fraude-em-eleicao-do-senado.ghtml, Acesso em: 10 fev. 2019.
trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. GODOY, Miguel Gualano de. O STF e o foro por prerrogativa de função (foro privile-
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes giado). In: Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 129, novem-
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.44 bro de 2017, disponível em: http://www.justen.com.br/pdfs/IE129/IE129-Miguel-STF-

em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 14 de no-


44 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível vembro de 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS

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cional entre os Estados como um meio de intensificação do intercâmbio
ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI A
XVIII. Belo Horizonte. Autêntica Editora. 2017. de informações para o combate e prevenção da corrupção através da par-
ticipação do Brasil em Convenções Internacionais, assim como a tentativa
VERDÉLIO, Andréia. “Com 726 mil presos Brasil tem a terceira maior população de implementação de uma política de informação entre os Estados e a
carcerária do mundo”. Brasília, 08 de Dezembro de 2017. Disponível em: http://agen-
ciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-06/populacao-carceraria-quase-dobrou-em- sociedade, com a finalidade de obter maior transparência sobre o governo
-dez-anos. Acesso em: 12 set. 2018. e fortalecer o Estado Democrático de Direito. Com a criação da Lei de
Acesso à Informação é possível alcançar uma participação social efetiva,
VEYNE, Paul. Tradução de Lineimar Pereira Martins. Pão e circo: sociologia histórica
de um pluralismo político. São Paulo: Editora UNESP, 2015. desde que a referida lei seja efetiva e devidamente fiscalizada. Pretende-
se, dessa forma, através do método dedutivo, discutir a significância da
ZAFARONNI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade
do sistema penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
cooperação jurídica internacional, assim como os alcances e limitações
da Lei de Acesso à Informação, normatização decorrente da Convenção
Interamericana e a Convenção das Nações Unidas contra à Corrupção.
PALAVRA-CHAVE: Cooperação Internacional; Acesso à Informação;
Corrupção.
ABSTRACT: This article aims at analyzing international legal coopera-
tion among states as a means of intensifying the exchange of information
to combat and prevent corruption through Brazil’s participation in inter-
national conventions, as well as the attempt to implement an information
policy among States and society, with the purpose of obtaining greater
transparency on the government and strengthening the Democratic State

1 Acadêmica do 5º período do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí. Email:


[email protected]

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

of Right. With the creation of the Access to Information Act, it is pos- 1. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL NA
sible to achieve effective social participation, provided that said law is
PREVENÇÃO À CORRUPÇÃO
effective and duly supervised. In this way, it is intended to discuss the
significance of international legal cooperation, as well as the scope and A corrupção, tão bem conhecida no Brasil, é um crime que perpassa
limitations of the Access to Information Law, regulations resulting from as fronteiras dos países. Dessa forma, tornou-se um assunto emergencial
the Inter-American Convention and the United Nations Convention
dadas as consequências negativas em todos os ramos dos Estados, espe-
against Corruption.
cialmente naqueles em desenvolvimento.
KEYWORDS: International cooperation; Access to information;
Corruption. Decorrente do processo de globalização, as relações sociais, cultu-
rais e políticas se intensificaram, assim como a circulação de pessoas, bens
INTRODUÇÃO e capitais. Destarte, o auxílio mútuo entre os Estados se tornou necessário
A corrupção está entranhada em nossa sociedade desde os primór- para prevenir e combater a criminalidade, que também ganhou terreno no
dios, sendo dessa forma, um tema, frequentemente, discutido em diversas âmbito internacional.
nações. Diante da precariedade do sistema interno brasileiro em prevenir A Cooperação Jurídica Internacional se tornou uma das maneiras
e penalizar a corrupção foi, e ainda é, necessário a reunião com a socie- mais viáveis para a efetivação da justiça, podendo ser conceituada como “o
dade internacional com a finalidade de criar regras harmônicas e eficazes. instrumento por meio da qual um Estado, para fins de procedimento no
Firmada em 2003, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção é âmbito da sua jurisdição, solicita outro Estado medidas administrativas ou
o principal instrumento jurídico internacional ratificado no Brasil. Assim, judiciais que tenham caráter judicial em pelo menos um desses Estados.2
como a Convenção Interamericana Contra a Corrupção, ela promove o
No entanto, questões burocráticas acabam retardando a cooperação,
desenvolvimento de mecanismos necessários para o combate da mesma.
onde a diversidade de normas jurídicas entre os países envolvidos dificulta
Ambas trouxeram novos meios e métodos que intensificaram a cooperação
esse auxílio. Ademais, a recusa da assistência também baseia-se na proteção
jurídica entre os países membros.
da soberania e da ordem pública.3
Portanto, o presente artigo visa estabelecer de qual forma a intensi-
Principalmente na cooperação internacional em matéria penal, ao
ficação da cooperação internacional fortaleceu, via acesso à informação, o
que se refere a garantia dos direitos fundamentais, os Estados encontram-se
combate à corrupção globalmente. Para tanto, abordará o intercâmbio de
em conflito entre as obrigações internacionais e o exposto em seu regi-
informações entre os Estados que aprimoram cada vez mais os mecanismos
mento interno. Adda Pellegrini Grinover em seu livro “O processo em
para prevenir, detectar e punir a corrupção, comprometendo-os a prestar
evolução” constata que
ampla cooperação. Em seguida, analisará a Lei de Acesso à Informação
como um dos efeitos das Convenções Internacionais, discutindo a trans- Dois valores relevantes, de certo modo antagônicos, ou pelo menos dia-
leticamente opostos, têm emergido recentemente em sede de cooperação
parência do governo brasileiro em conjunto com os benefícios da Lei como
internacional em matéria penal: de um lado, a necessidade de intensifi-
um instrumento que fortalece a democracia. Contudo, ainda não possui car a referida cooperação na luta contra o crime; de outro, a consciência
um alcance efetivo, sendo um avanço significante, porém falho. cada vez mais profunda de que os direitos fundamentais devem colocar-
se como termo de referência nessa matéria e, consequentemente, como
A pesquisa realizada neste artigo irá esclarecer e analisar os prin-
cipais pontos sobre as políticas de informação e cooperação, discutir os
impasses existentes e tentar encontrar soluções adequadas através de hipó- 2 BRASIL. Ministério da Justiça. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal. Bra-
teses, utilizando a pesquisa descritiva para interpretar os fatos, assim como sília, DF, p. 9. 2014. Disponível em: http://www.justica.gov.br/sua-protecao/lavagem-de-dinhei-
ro/institucional-2/publicacoes/arquivos/cartilha-penal-09-10-14-1.pdf Acesso em: 23 ago. 2018.
a pesquisa qualitativa. Para a consecução do presente artigo, será adotada 3 LOPES, Sarah Maria Veloso Freire Lopes. O princípio da eficiência e a cooperação jurí-
a bibliografia com referências excepcionalmente de livros, artigos e leis. dica penal internacional. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=968b-
15768f3d1977. Acesso em: 23 ago. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

limite à cooperação internacional em matéria penal.4 âmbito da Organização dos Estados Americanos foi pioneira na interna-
É importante frisar que, deve haver um equilíbrio entre os acordos, cionalização da corrupção. Firmada em 29 de março de 1996, teve sua
tratados e convenções internacionais assinados pelos Estados e seus regi- promulgação no Brasil através do decreto presidencial nº 4.410 de 7 de ou-
mentos jurídicos para justamente não ocorrer a violação desses direitos tubro de 2002.7 A partir da ratificação, ela é incorporada ao ordenamento
fundamentais, e ainda, garantir o contraditório, valorizando o princípio non jurídico brasileiro como lei ordinária.
bis in idem. Em consequência, tendo atividade estatal sobre os direitos dos A Convenção da OEA visa principalmente a prevenção da corrup-
indivíduos, deverá se proceder pelo princípio do devido processo legal.5 ção em seus artigos, em virtude de estabelecer que o problema não poderá
Dessa forma, será indispensável a confiança e boa-fé entre os ser solucionado apenas com ações repressivas e punitivas.
Estados para garantir a mais ampla assistência recíproca. Além disso, Dentre a medidas de prevenção, algumas delas são:
a harmonização de uma normatização de procedimentos que possam • A criação, manutenção e fortalecimento de normas de conduta para
integrar a legislação interna das nações, conferindo maior organicidade, o adequado desempenho das funções públicas;
tratando o problema em conjunto. Conforme Ilana Muller, em defende
• fortalecimento de mecanismos que estimulem a participação da so-
em sua tese de doutorado
ciedade civil e de organizações não-governamentais nos esforços para
Como é cediço, os mecanismos de cooperação jurídica internacional de- prevenir a corrupção;
senvolvem-se em uma sociedade caracterizada pelo pluralismo cultural
e encontram entraves na grande diversidade de sistemas jurídicos exis- • A criação e fortalecimento de órgãos de controle que tenham por
tentes, cuja harmonização se torna necessária como forma de propiciar competência o desenvolvimento de mecanismos modernos de pre-
a eficiência da cooperação jurídica internacional e a eficácia da prova venção, detecção, punição e erradicação de práticas corruptas;8
produzida no exterior.6 (grifo nosso)

No Brasil, o assunto ainda é embrionário devido à cultura da coo- A Convenção abrange o tema amplamente, tratando da corrupção
peração que encontra-se em construção dentre os operadores do direito. ativa e passiva. Ademais, os propósitos são relacionados ao desenvolvi-
Contudo, tornou extremamente necessário e obrigatório sua participação mento dos mecanismos de combate à corrupção e a cooperação entre os
na sociedade internacional para combater a criminalidade, principalmente Estados Partes a fim de assegurar a eficácia das medidas e ações adotadas
os crimes referentes à corrupção. para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das
funções públicas, bem como os atos de corrupção especificamente vin-
A importância e dimensão global do tema, acarretou diversas con- culados a seu exercício.9
venções internacionais com a finalidade de criar mecanismos jurídicos no
campo normativo para combater, prevenir e punir à corrupção, conforme Dessa forma, requer dos países membros a tipificação do crime de
será explicitado a seguir. suborno transnacional (artigo VII) com enfoque na proibição e punição,
e o enriquecimento ilícito (artigo IX) ligado à prevenção.10 No artigo XI,
1.1. CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA A COR-
RUPÇÃO 7 ASCOM. Controladoria Geral da União. Convenção da OEA. Brasília, DF, 2014. Disponível
em: http://www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-oea. Acesso em: 25
A Convenção Interamericana Contra a Corrupção aprovada no ago. 2018.
8 ASCOM. Controladoria Geral da União. Convenção da OEA. Brasília, DF, 2014. Disponível
em: http://www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-oea/principais-te-
4 GRINOVER, Adda Pellegrini. O Processo em evolução. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Uni- mas. Acesso em: 25 ago. 2018.
versitária, 1998. p. 156. 9 BRASIL. Decreto nº 4.410, de 7 de outubro 2002. Promulga a Convenção Interamericana
5 GRINOVER, Adda Pellegrini. O Processo em evolução. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Uni- contra a Corrupção. Brasília, DF, 2002.
versitária, 1998. 10 ASCOM. Controladoria Geral da União. Convenção da OEA. Brasília, DF, 2014. Disponível
6 MULLER, Ilana. Cooperação Jurídica Internacional em matéria penal e seus reflexos no em: http://www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-oea/principais-te-
Direito à prova no Processo Penal brasileiro. São Paulo, 2013. p. 5. mas. Acesso em: 25 ago. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

titulado como “Desenvolvimento Progressivo”, considera a tipificação de Como recomendações podemos citar a criação de ouvidorias para
diversos atos cometidos por funcionário públicos e, ainda, no artigo XII alguns órgãos e a aprimoração das já existentes, o que de fato foi implanta-
considera que não será exigido que os atos de corrupção descritos na con- do; manter atualizadas páginas de informações e cadastros públicos, sendo
venção produzam prejuízo patrimonial ao Estado.11 Os membros que não que alguns se encontram desatualizados, e também aprimorar as infor-
tenham tipificado esses delitos acima poderão utilizar a assistência e coo- mações estatísticas sobre as investigações; criar o Conselho Nacional dos
peração prevista na convenção na medida em que suas leis permitirem, Tribunais de Contas, ainda em trâmite a PEC 146/07; criar o Serviço de
frisando aqui o limite da cooperação jurídica citada por Grinover. Repressão a Desvios de Recursos Públicos da Polícia Federal, já inserido;
aumentar a capacidade técnica e institucional do DPF, e o poder punitivo
Ademais, a Convenção da OEA prevê ampla assistência entre os
do TCU, dentre outros. Em relação ao STF, é importante destacar a possi-
Estados Partes para facilitar diligências, investigações ou a persecução
bilidade de criação e alteração de instrumentos para agilizar os processos e
penal dos atos de corrupção; não poderá ser negado o intercâmbio de in-
principalmente, que o “foro por prerrogativa de função” não seja utilizado
formações sob alegação de sigilo bancário – artigo XVI; servirá como base
para que agentes políticos supostamente responsáveis por atos de corrup-
jurídica para a extradição – artigo XIII; sequestro de bens – artigo XV;
ção se esquivem da ação da justiça.15
assistência e cooperação – artigo XIV.12
Além disso, foi criado o Portal da Transparência e o programa
Para acompanhar a eficácia da implementação das medidas pro-
Olho Vivo no Dinheiro Público, frisando a transparência governamental e
postas pela Convenção Interamericana e assinada pelos Estados Partes
a maior participação popular.
foi criado o Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da
Convenção Interamericana contra a Corrupção – Mesicic. O mecanismo Portanto, nota-se que os diversos métodos anticorrupção encon-
criado irá fiscalizar as medidas anticorrupção e, ainda, “facilitar a execu- tram-se à disposição dos Estados Partes da Convenção Interamericana,
ção das atividades de cooperação técnica, o intercâmbio de informações, além da avaliação da eficácia dos instrumentos já existentes no país. Con-
experiências e melhores práticas, bem como a harmonização da legislação tudo, convém salientar que apesar de o Brasil estar em conformidade com
dos Estados Partes”.13 a convenção, ainda há a falta de aplicação da devida legislação. Anali-
sando os relatórios de avaliação e a íntegra do texto normativo, pode-se
De modo geral, o Brasil se destacou pela adequação de seu regi-
afirmar que o Brasil possui em suas mãos os mecanismos necessários
mento interno com os parâmetros da convenção. Foi apontada as possíveis
para combater a corrupção e deverá implementa-los em todos os setores
alteração no Código Penal relativas ao suborno transnacional, assim como
governamentais e políticos.
a prevenção de suborno de funcionários públicos. Outro alvo foi a falta de
tipificação do crime de enriquecimento ilícito, constatado na avaliação de 1.2. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A
2011 pela convenção, e ainda ausente em nosso Código. Outrossim, a con- CORRUPÇÃO
venção avaliou os órgãos de controle superior como a Controladoria-geral
da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), o Departamento Após 1996, inúmeras convenções, tratados e acordos bilaterais e
de Polícia Federal (DPF), o Ministério Público Federal (MPF) e o Supremo multilaterais começaram a surgir no âmbito internacional devido a suma
Tribunal Federal (STF).14 importância do tema corrupção. Por conseguinte, surgiu um acordo
englobando verdadeiramente diversas regiões do mundo, nascendo
11 BRASIL. Decreto nº 4.410, de 7 de outubro 2002. Promulga a Convenção Interamericana assim a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Dado sua
contra a Corrupção. Brasília, DF, 2002.
12 BRASIL. Decreto nº 4.410, de 7 de outubro 2002. Promulga a Convenção Interamericana
contra a Corrupção. Brasília, DF, 2002. em: http://www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-oea/mecanismo-
13 ASCOM. Controladoria Geral da União. Convenção da OEA. Brasília, DF, 2014. Disponível -de-avaliacao/avaliacao-do-brasil. Acesso em: 25 ago. 2018.
em: http://www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-oea/mecanismo- 15 MESICIC. Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Intera-
-de-avaliacao. Acesso em: 25 ago. 2018. mericana Contra a Corrupção. Washington, DC, 2012. Disponível em: http://www.oas.org/
14 ASCOM. Controladoria Geral da União. Convenção da OEA. Brasília, DF, 2014. Disponível juridico/PDFs/mesicic4_bra_por.pdf. Acesso em: 26 ago. 2018

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

abrangência, a Convenção “obriga os Estados Partes que a ratificaram a prevenção e a independência do Poder Judiciário e do Ministério Público.
cumprir os seus dispositivos, sob pena de serem pressionados pela comu-
No tocante à penalização e aplicação da lei (capítulo III), o Brasil
nidade internacional”.16
ainda se encontra na falta da tipificação dos crimes de corrupção ativa a
Foi promulgada no Brasil em 2006 através do decreto nº 5.687, oficiais estrangeiros e obstrução da justiça, indicados como obrigatórios
tendo como principais capítulos os que tratam sobre prevenção, penaliza- pela Convenção e, de forma optativa, os crimes de enriquecimento ilícito
ção, recuperação de ativos e cooperação internacional. Cabe ressaltar, que e corrupção passiva a oficiais estrangeiros. Nota-se que a CNUCC não
há disposições normativas em comum entre a Convenção Interamericana e abrange apenas a corrupção simples, mas também atos que contribuem
a Convenção das Nações Unidas, porém esta é mais abrangente e detalhada, para a corrupção.20
principalmente ao que se refere à cooperação internacional.
A cooperação internacional (capítulo IV) será prestada na mais
Conforme constata o MPF em Breves Comentários sobre a Con- ampla assistência judicial recíproca relativa a investigações, processos e
venção das Nações Unidas Contra a Corrupção17, a legislação brasileira é ações judicias relacionados aos delitos presentes na Convenção. Em seu
volumosa sendo suficiente nessa matéria, porém “o que se nota é a neces- artigo 44, houve inovação na prática da extradição, permitindo a assistên-
sidade de se verificar se essas normas legais – que estão de acordo com as cia legal mútua mesmo na ausência da dupla incriminação, salvo quando
disposições da convenção – têm sido aplicadas de forma efetiva e eficiente”. envolver medidas coercitivas.21 A extradição é uma das formas mais buro-
cráticas de cooperação devido aos diversos pressupostos e a lentidão para
No que se refere a prevenção da corrupção (capítulo II), a CNUCC
sua concessão e assim, mesmo que timidamente, a Convenção das Nações
adota em seu texto a necessidade de transparência na administração
Unidas tornou esses requisitos mais maleáveis.
pública dos Estados Partes e, ainda, “aumentar a transparência relativa
ao financiamento de candidaturas a cargos públicos eletivos e, quando A transmissão de informações relativas as questões penais, também
proceder, relativa ao financiamento de partidos políticos”.18 No Brasil, é regulamentada na CNUCC através de autoridades competentes em cada
podemos citar a implementação da Lei de Acesso à Informação em vigor Estado Parte. Como na Convenção Interamericana, a CNUCC veda a
desde 2012 e o sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais recusa de assistência legal mútua com base no sigilo bancário. Além disso,
(DivulgaCand19) que informa detalhadamente as contas eleitorais dos segundo a United Nations Office on Drugs and Crime22
candidatos e seus partidos políticos. Estados Partes deverão cooperar entre si para aumentar a eficácia da
aplicação da lei e estabelecer canais de comunicação para assegurar o
Além do setor público, aponta também medidas para o setor
intercâmbio rápido de informações sobre todos os aspectos dos crimes
privado como a proibição do “caixa dois” em empresas. Contempla exclu- abrangidos pela convenção. Também devem considerar a celebração de
sivamente em seu artigo 14, medidas para prevenir a lavagem de dinheiro, acordos bilaterais ou multilaterais que permitam a criação de órgãos
no qual podemos mencionar o ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate mistos de investigação em relação às matérias que são objeto de inves-
à Corrupção e à Lavagem de dinheiro) criado pelo Ministério da Justiça em tigações, processos ou ações judiciais em um ou mais Estados. Além
2003. Ademais, sublinha a participação da sociedade como mecanismo de disso, os Estados devem permitir a utilização de técnicas especiais de
investigação, tais como a vigilância eletrônica e outras formas de ope-
16 ASCOM. Controladoria Geral da União. Convenção da OEA. Brasília, DF, 2014. Disponível
rações sigilosas, além de permitir a admissibilidade das provas obtidas
em: http://www.cgu.gov.br/sobre/perguntas-frequentes/articulacao-internacional/convencao- por meio dessas técnicas nos tribunais.
-da-onu. Acesso em: 27 ago. 2018.
17 BRASIL. Ministério Público Federal. Breves comentários sobre a Convenção das Nações
Unidas Contra a Corrupção. Disponível em: https://www.mpma.mp.br/arquivos/caopproad/ 20 UNODC. Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Disponível em: https://
informativos/6549_comentario_a_convencao_contra_corrupcao.pdf. Acesso em: 27 ago. 2018. www.unodc.org/lpo-brazil/pt/corrupcao/convencao.html. Acesso em: 25 ago. 2018.
18 BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações 21 BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações
Unidas Contra a Corrupção. Brasília, DF, 2006. Unidas Contra a Corrupção. Brasília, DF, 2006.
19 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Divulgação de candidaturas e contas eleitorais. Dis- 22 UNODC. Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Disponível em: https://
ponível em: http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/. Acesso em: 27 ago. 2018. www.unodc.org/lpo-brazil/pt/corrupcao/convencao.html. Acesso em: 27 ago. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

Por fim, prevê a Recuperação de Ativos (Capítulo V) como um prin- É possível visualizar essa cooperação no Brasil através da Operação
cípio fundamental, apresentando a prevenção e detecção, medidas para Lava Jato, que obteve 570 pedidos de cooperação internacional formali-
recuperação direta de bens e mecanismos de recuperação de bens mediante zados, totalizando 53 países alcançados pela investigação.26 Referente a
a cooperação internacional para fins de confisco. legislação, após as convenções, foi encaminhado o projeto de inclusão do
art. 317 – A ao Código Penal, tipificando o crime de Enriquecimento Ilícito
É evidente os efeitos positivos do confisco de valores obtidos inde-
e, a atual Lei de Acesso à Informação em vigor desde 16 de maio de 2012.
vidamente, tendo em vista que, além das prisões, a recuperação de ativos
enfraquece ou mesmo acaba com organizações criminosas e esquemas de
corrupção. Contudo, num mundo capitalista minado por paraísos fiscais, essa 2. A TROCA DE INFORMAÇÕES E ASSISTÊNCIA
medida se torna um desafio para os países, sendo necessário o apoio técnico ENTRE OS ESTADOS
e melhorias na comunicação, investigação e rastreamento desses valores.23 A cooperação jurídica internacional possui um significado parti-
Cabe ressaltar as consequências decorrentes da Convenção das cular, abrangendo além da cooperação jurisdicional, a administrativa que
Nações Unidas Contra a Corrupção no Brasil, como por exemplo a par- igualmente produzem efeitos jurídicos entre órgãos investigatórios.27 A
ceria com a Controladoria Geral da União afim de transforma-la em uma cooperação entre os Estados além de sua importância, tornou-se necessá-
agência de referência internacional contra a corrupção; parcerias com o ria, tendo como instrumentos principais o auxílio direto, carta rogatória,
Poder Judiciário como condição indispensável para a construção da demo- homologação de sentença estrangeira e extradição.
cracia e o exercício pleno do Estado de Direito; e parcerias com instituições Dentre os maiores parceiros do Brasil se destacam, os Estados Unidos,
acadêmicas e setor privado, desenvolvendo estudos sobre a corrupção.24 Uruguai, Paraguai e Argentina. O Ministério da Justiça desempenha o papel
As convenções são instrumentos fundamentais para compreen- de Autoridade Central responsável pela boa condução da cooperação jurídica
der o fenômeno da corrupção e criar mecanismo para o a prevenção e entre os Estados, que é exercida através de acordos bilaterais, tratados regio-
punição, não somente da corrupção simples, porém de todos os crimes nais e multilaterais. Além disso, o Brasil é predominantemente requerente,
também relacionados a ela. O combate deixou de ser facultativo e se ou seja, demandamos mais do que somos demandados.28
tornou obrigatório para os Estados, o que fortaleceu a cooperação jurí- Especialmente na via passiva, ou seja, no que se refere aos pedidos de
dica e técnica internacional. O poderoso instrumento é capaz de roborar assistência que chegam ao País, a atuação da Secretaria de Cooperação In-
com melhorias nas técnicas de investigação e fiscalização, facilitando a ternacional do MPF tem sido primordial para colocar o Brasil em posição
troca de dados e informações e ainda, realizar mudanças nos sistemas confortável para seguir na missão de mobilização da comunidade inter-
nacional na defesa de canais de cooperação mais fluidos e consolidados.29
burocráticos. Nunes em seu artigo, frisa que
Quanto mais o Estado cooperar, mais ele resgatará os seus ativos e re- A necessidade de cooperação é um fator incipiente na história
cuperará as suas riquezas desviadas para outros países; quanto mais
cooperar, mais ele ganhará confiança e a credibilidade no cenário inter- 26 BRASIL. Assessoria de Comunicação Social. Combate à corrupção amplia cooperação
com países considerados paraísos fiscais. Brasília, DF, 2018. Disponível em: http://www.justica.
nacional; e, por fim, quanto mais eficientemente ele cooperar, mais ele gov.br/news/combate-a-corrupcao-amplia-cooperacao-com-paises-considerados-paraisos-fis-
contribuirá para a segurança internacional, para a estabilidade e para cais. Acesso em: 28 ago. 2018.
a paz entre os povos.25 27 BECHARA, Fábio Ramazzini. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal: efi-
cácia da prova produzida no exterior. São Paulo, 2009.
28 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recupera-
ção de Ativos e Cooperação Jurídica Interacional. In: Cartilha Cooperação Jurídica Internacio-
23 NUNES, Antonio Carlos Ozório. A cooperação internacional como instrumento jurídico nal em matéria penal. Brasília, DF, 2014. Disponível em: http://www.justica.gov.br/sua-protecao/
de prevenção e combate à corrupção. São Paulo, 2008. lavagem-de-dinheiro/institucional-2/publicacoes/arquivos/cartilha-penal-09-10-14-1.pdf. Aces-
24 UNODC. Corrupção: ações. Disponível em: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/corrup- so em: 28 ago. 2018.
cao/acoes.html. Acesso em: 28 ago. 2018. 29 BRASIL. Ministério Público Federal. Temas de Cooperação Internacional. Brasília, DF,
25 NUNES, Antonio Carlos Ozório. A cooperação internacional como instrumento jurídico 2015. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/publicaco-
de prevenção e combate à corrupção. São Paulo, 2008, p. 13-111. es/docs/temas_cooperacao_internacional_versao_online.pdf. Acesso em: 01 set. 2018

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

contemporânea, assim como as consequências internacionais dos grandes contas e os extratos que demonstravam o percurso do dinheiro da pro-
crimes, visto que não há mais limites geográficos para a criminalidade, pina. Os suíços encontraram esses documentos e pediram aos brasileiros
como é o caso da corrupção. As investigações criaram um grau de com- apenas algumas diligências aqui para completar a investigação que estava
sendo feita por lá.32
plexidade maior e as dificuldades ocorrem em todos os setores devido aos
fatores burocráticos.30 Nesse mesmo esquema, a Suíça auxiliou o Brasil na prisão do ex-
-deputado Eduardo Cunha, tendo em vista que ele teria aberto contas em
As convenções internacionais muito contribuíram para a inova-
bancos do país. Em 2015, Paulo Galvão, procurador geral da Suíça esteve
ção e eficácia da cooperação internacional, levando em conta que tratam
no Brasil e relatou que “[...] a Suíça mantém no momento 1 mil contas
diretamente da obrigação do auxílio mútuo entre os Estados em seus
bloqueadas de brasileiros investigados pela Lava Jato”.33
textos normativos. Entretanto, deverá haver esforço e dinamismo de
ambas as partes. A Suíça, em 2014 foi o primeiro país a trocar informações com o
Brasil referente ao esquema de corrupção na Petrobras, possuindo 60 in-
Dessa forma, é necessário o comprometimento para identificar, lo-
quéritos sobre a Lava Jato, sendo também, 55% dos pedidos às autoridades
calizar, bloquear, apreender e confiscar bens obtidos ou provenientes da
brasileiras vindo de países europeus. A América do Sul está em segundo
prática dos delitos, assim como compartilhar as formas e métodos mais efe-
lugar com 30%, a Central com 11% e os Estados Unidos, 4%. Em relação
tivo para o combate da corrupção, ou seja, o intercâmbio de informações,
aos pedidos feitos pelo Brasil, 65% foram aos europeus, 30% pela América
dados e conhecimento entre os Estados. Como relata Alves e Obregon,
e 10% na Ásia com requisições a China e Rússia.34
Com o avanço das investigações e a incessante troca de informações entre
os países signatários dos acordos de colaboração jurídica, o Ministério Pú- É possível visualizar através dos exemplos, o conceito de coopera-
blico Federal passou a dispor de provas cada vez mais robustas acerca dos ção ativa e passiva. A ativa se refere a Autoridade Central requerente que
ilícitos praticados, como por exemplo, ter acesso a depósitos realizados no formula o pedido para o Estado requerido; a passiva, quando o Estado
exterior, bem como sendo possível rastrear a origem de tais recursos.31 recebe de outro um pedido de cooperação. No Brasil, a cooperação passiva
Nesse âmbito, o principal exemplo de cooperação atual é a Operação é prestada pelo auxílio direto e a carta rogatória.35
Lava Jato, o maior esquema de corrupção detectado no Brasil sofreu uma O auxílio direto é uma forma de cooperação mais versátil e arroja-
enorme expansão internacional com diversos pedidos de cooperação in- do. Ao contrário dos meios tradicionais cuja competência é atribuída ao
ternacional, envolvendo países de todo o mundo conforme já mencionado. Supremo Tribunal de Justiça, o auxílio direto compete ao juiz de primeira
No livro de Vladimir Netto, titulado “Lavo Jato: o Juiz Sergio Moro instância. Os pedidos de auxílio direto, em regra, estão fundamentados em
e os bastidores da Operação que abalou o Brasil” é relatado um fato envol- tratados e acordos bilaterais, porém também pode ser realizado com base
vendo contratos da Petrobras, em que a Odebrecht teria pago propina para na reciprocidade dos Estados. No âmbito da matéria penal, é frequente
os diretores e gerentes da estatal, sendo que a referida propina era entregue
32 NETTO, Vladimir. Lava Jato: o juiz Sergio Moro e os bastidores da Operação que abalou o
em contas secretas descobertas pelo Ministério Público Federal. A prova Brasil. Rio de Janeiro: Primeira Pessoa, 2016. p. 175.
material dependia de uma documentação que viria da Suíça. 33 ODILA, Fernanda. Lava Jato: MPF recupera R$ 11,9 bi com acordos, mas devolver todo
dinheiro às vítimas pode levar décadas. Londres, 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/
Os procuradores brasileiros estavam preparando a denúncia quando che- portuguese/brasil-43432053. Acesso em: 01 set. 2018
garam os documentos pedidos em cooperação internacional. Eram as 34 BRITO, Ricardo. Delações da Odebrecht e Santana inauguram ‘nova onda’ de pedidos de
cooperação internacional ao MP. Brasília. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/
delacoes-da-odebrecht-santana-inauguram-nova-onda-de-pedidos-de-cooperacao-internacio-
30 NUNES, Antônio Carlos Ozório. A cooperação internacional como instrumento jurídico nal-ao-mp-21236825. Acesso em: 01 set. 2018
de prevenção e combate a corrupção. São Paulo, 2008, p. 13-111. 35 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recupera-
31 ALVES, Wilson Mendonça.; OBREGON, Marcelo Fernando Quiroga. Os acordos interna- ção de Ativos e Cooperação Jurídica Interacional. In: Cartilha Cooperação Jurídica Internacio-
cionais de cooperação no combate à corrupção no âmbito da operação Lava Jato. Disponível nal em matéria penal. Brasília, DF, 2014. Disponível em: http://www.justica.gov.br/sua-protecao/
em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_ lavagem-de-dinheiro/institucional-2/publicacoes/arquivos/cartilha-penal-09-10-14-1.pdf. Aces-
id=19158&revista_caderno=3. Acesso em: 01 set. 2018 so em: 28 ago. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

em crimes como o de lavagem de dinheiro a necessidade de provas teste- realidade demandará meios de caráter menos burocráticos e cada vez mais
munhais e documentais em outros países diferente daquele que está sendo dinâmicos e flexíveis.
julgado e processado. Medidas como o sequestro de bens e congelamento
É dever das nações buscarem padronizações em seus sistemas ju-
de depósitos bancários também são efetivadas através desse instrumento36,
rídicos quanto aos procedimentos, respeitando as diversidades sociais e
assim como o exemplo anteriormente mencionado envolvendo a Suíça.
culturais. Criar acordos multilaterais e bilaterais para facilitar o auxílio
Na América Latina, o caso Odebrecht envolveu nomes como Ale- entre os Estados, e conforme demanda as Convenções Internacionais, criar
jandro Toledo, ex-presidente do Peru e Juan Manuel Santos, presidente normas que sejam devidamente fiscalizadas e cumpridas. Sem a violação
colombiano, além dos US$98 milhões pagos em propina na Venezuela.37 dos regimentos internos, informações deverão ser transmitidas quando
Representantes do Ministério Público e da Polícia desses países, como necessárias para a conclusão de processos penais sempre respeitando o
também da Argentina e Chile, tem trocado informações com investigadores princípio da ampla defesa e o contraditório. Canais de comunicação deve-
brasileiros por meio dos acordos de cooperação internacional, apurando rão ser estabelecidos para facilitar a rapidez no intercâmbio de informações,
esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro, fraude em contratos e doa- além de técnicas de investigação.
ções irregulares de campanha.38
O intercâmbio de informações permitiu a repatriação de grandes va- 3. TRANSPARÊNCIA E ACESSO À INFORMAÇÃO
lores na operação Lava Jato. Graças ao apoio das instituições internacionais, NO BRASIL
foi possível ter as provas necessárias para a punição de criminosos, além Estamos vivendo a era da informação. Somos cercados todos os
do envolvimento do país sobre alternativas de enfrentamento à corrupção, dias por diversas manchetes, notícias e podemos acessá-las a qualquer
lavagem de dinheiro e ao crime organizado transnacional. Nessas opor- momento facilmente. Dessa forma, não pode ser diferente com o acesso
tunidades, criou meios alternativos efetivos para combater esses crimes. à informação pública.
A força-tarefa da Lava Jato no Rio recuperou, até o momento, R$ 451,5
milhões em 16 acordos de colaboração já homologados. Deste total, R$ Em um Estado, que se intitula Estado Democrático de Direito, a
250 milhões já foram devolvidos ao governo do Estado em março de participação popular é de demasiado valor. Contudo, o interesse público
2017 e permitiram o pagamento do 13º salário atrasado de cerca de 146 é um objetivo a ser alcançado. Para isso é necessário a criação de rela-
mil aposentados.39 ções de confiança e transparência entre Estado e sociedade, a assimetria
As repercussões negativas da corrupção para sociedade com mi- de informações.
lhões de recursos desviados para oásis financeiros, obriga os Estados a Essa assimetria “precisa ser progressivamente superada para poder
fortalecer a cooperação internacional e os mecanismos necessários para tornar visível o que está oculto nas ações governamentais”. É notável que
combatê-la. O sistema brasileiro favorece o sucesso dos corruptos e essa países onde há menos transparência pública, costumam ter um índice de
corrupção mais elevados em comparação aos países com assimetria de
36 TOFFOLI, José Antonio Dias.; CESTARI, Virgínia Charpinel Junger. Mecanismos de coo- informações menos intensa.40
peração jurídica internacional no Brasil. In: Manual de Cooperação Jurídica Internacional e
Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Penal. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, Destarte, deverá ser promovido maior estímulo para a transparência
2008. p. 1-13.
do setor público. Nesse âmbito, o direito ao acesso à informação vem ga-
37 FOLHA DE SÃO PAULO. Reação em Cadeia. São Paulo, 2017. Disponível em: http://arte.
folha.uol.com.br/poder/operacao-lava-jato/reacao-em-cadeia/. Acesso em: 01 set. 2018 nhando crescente aceitação pelo mundo, refletindo uma tendência global
38 BBC. Lava Jato avança no exterior e coloca governos da América Latina sob suspeita.
2017. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/lava-jato-avanca-no-exterior-e-colo-
ca-governos-da-america-latina-sob-suspeita.ghtml. Acesso em: 01 set. 2018 40 LOPES, Cristiano Aguiar. Acesso à informação pública para a melhoria da qualidade dos
39 ODILA, Fernanda. Lava Jato: MPF recupera R$ 11,9 bi com acordos, mas devolver todo gastos público – literatura, evidencias empíricas e o caso brasileiro. Brasília, n.8, p. 5-40, 2007.
dinheiro às vítimas pode levar décadas. Londres, 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/ Disponível em: http://www.esaf.fazenda.gov.br/assuntos/biblioteca/cadernos-de-financas-publi-
portuguese/brasil-43432053. Acesso em: 08 set. 2018. cas-1/arquivo.2013-04-18.4951615613. Acesso em: 08 set. 2018.

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maciça, principalmente nas transições democráticas de diversos países, sociedade brasileira. Porém, os mecanismos de controle social e a partici-
garantindo este direito em suas constituições e leis específicas.41 pação popular ainda são fracos; os índices de corrupção continuam altos; e
a lei não alcança o seu objetivo. A normatização já está vigente, no entanto,
Nas convenções internacionais, o direito à informação é frequente-
sua aplicação e fiscalização continuam falhas.
mente mencionado, estando presente na Declaração Universal dos Direitos
Humano (1948), Pacto de São José da Costa Rica (1969), e também, nas Destaca-se que, ao longo da história do Brasil a nação foi marcada
Convenções tratadas anteriormente, a Interamericana e das Nações Unidas pela ausência de participação popular. Práticas paternalistas, clientelistas,
Contra à Corrupção. burocráticas e a utilização de bens públicos para interesses particulares
sempre se mantiveram presentes, ao lado da pouca transparência nos atos
Leis com esse objetivo existem há mais de 200 anos, porém no
da administração. Dessa forma, o Brasil se tornou um país propício para
Brasil, apenas com a Constituição Federal de 1988 houve a viabilização
as práticas da corrupção.
dessa garantia no art. 5º, XXXIII “todos têm direito a receber dos órgãos
públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo De acordo com o Transparency Internacional em dados obtidos
ou geral [...]42”, além do art. 37, § 3º, II e recentemente, a Lei 12.527 que através do Corruption Perceptions Index 2017, em uma escala de 0 (highly
regimentou o acesso à informação especificamente. corruption) a 100 (very clean), o Brasil obteve um índice de 37, sendo o 96º
país mais corrupto dentro os 180 avaliados.45
Vale ressaltar que, dentro do MERCOSUL, o Brasil é um dos países
que mais tardiamente regulamentou o acesso à informação, sendo “[...] Durante anos, o combate contra essa “doença” se tornou uma tarefa
longos anos de embate até que a Constituição (1988), o projeto de Lei cada vez mais árdua e a almejada democracia, um anseio constante. De fato,
(2003) e a Lei (2011), concretizassem as ações de democratização iniciadas é um desafio para os países obter uma implementação efetiva de acesso à
logo após o fim da ditadura militar, em 1985”.43 informação pública.
A Lei de Acesso à Informação (LAI) do Brasil foi sancionada em O Brasil segue enfrentando problemas básicos com a Lei de Acesso à
2011 e entrou em vigor em 2012. Estabelece a divulgação máxima, sendo Informação, como por exemplo a grande quantidade de documentos públi-
o acesso à informação a regra, e o sigilo, a exceção. Os pedidos não exigem cos em formato físico que ainda não foram digitalizados. A inclusão digital
motivação e são gratuitos. Abrange todos os órgãos federais, estaduais, dis- é indispensável para uma lei que prioriza o fácil e rápido acesso. O artigo
tritais e municipais, todas as entidades da administração direta e indireta, 8º, § 2º da referida lei, explicita a obrigação de divulgação pela internet.
entidades sem fins lucrativos e os três poderes.44 Atualmente, está ligado à
Cabe ressaltar que, no Brasil, em 2016, 116 milhões de pessoas esta-
noção de necessidade, é um direito difuso, pertencente à coletividade. De
vam conectadas à internet e 63,3% possuía acesso em suas casas.46 Apesar
fato, o direito ao acesso à informação confere maior poder público sobre
da expansão nos últimos anos, o nível continua baixo em comparação à
governo, amplia a participação social e eleva a accountability, consequen-
países desenvolvidos que alcançam o índice de 83,8%47.
temente, enaltece a democracia e diminui os índices de corrupção.
Além disso, no § 4º do mesmo artigo 8º, a lei estabelece que os
A Lei 12.527/2011 foi, claramente, de grande importância para a
Municípios com população de até 10.000 habitantes ficam dispensados da

41 MENDEL, Toby. Freedon of information: a comparative legal survey. 2003. Disponível em: 45 TRANSPARENCY INTERNACIONAL. Corruption Perceptions Index 2017. 2017. Dis-
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001341/134191E.pdf. Acesso em: 08 set. 2018. ponível em https://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_index_2017.
42 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Acesso em: 15 set. 2018
Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. p. 10, 46 GOMES, Helton Simões. Brasil tem 116 milhões de pessoas conectadas à internet, diz
43 EIRÃO, Thiago Gomes.; SILVA, Terezinha Elisabeth da.; CAVALCANTE, Raphael da Silva. IBGE. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/brasil-tem-
Para além do mercado comum do Sul: estabelecendo relações entre as leis de acesso à informa- -116-milhoes-de-pessoas-conectadas-a-internet-diz-ibge.ghtml. Acesso em: 15 set. 2018
ção dos países do MERCOSUL. Brasília, n. 16, p. 43-55, jan-abr. 2015. 47 SANTOS, Bárbara Ferreira. Apesar de expansão, acesso à internet no Brasil ainda é baixo.
44 BRASIL. Acesso à Informação. Disponível em: http://www.acessoainformacao.gov.br/as- São Paulo, 2016. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/apesar-de-expansao-acesso-a-
suntos/conheca-seu-direito/principais-aspectos/principais-aspectos. Acesso em: 15 set. 2018. -internet-no-brasil-ainda-e-baixo/. Acesso em: 16 set. 2018

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

divulgação obrigatória na internet, mantida a obrigatoriedade de divulgação, exemplo, o envio de diversos documentos para a concessão da infor-
em tempo real de informações relativas à execução orçamentária e financeira. mação, sendo que a lei prevê que é apenas necessária a identificação do
requente. Outro problema, por parte dos órgãos que disponibilizaram a
Nota-se que parte da população dificilmente terá como acessar
informação, foi o formato em que dificultava a análise dos dados encami-
informações públicas, o que limita, excessivamente, o alcance da Lei
nhados. Alguns órgãos pediram a presença física do requente para obter
12.527/2011. Contudo, ainda é possível obter informações através de órgãos
a informação, e um deles – a Câmara Municipal de Teresina – sequer foi
e entidade que possam viabilizar o pedido, conforme o artigo 10, § 2º.
possível solicitar o pedido.50
Outra análise que podemos trazer, está logo no artigo 1º referente
Um dos dados mais inesperados do relatório está relacionado a taxa
à abrangência, indicando quem está subordinado ao regime da lei, dentre
de resposta, sendo o pior resultado o do Poder Legislativo com 67% de
eles as empresas públicas que reclamam seu direito à privacidade.
pedidos ignorados. Nessa mesma porcentagem se encontra o Tribunal de
As estatais, com o argumento de que precisam se proteger dentro de um
Contas, porém ao inverso, com 67% dos pedidos respondidos. Em relação
mercado competitivo, mobilizaram-se para que não tivessem de estar sob
o mesmo rigor da lei de transparência que os outros órgãos públicos.
aos Ministérios Públicos, 80% indeferiram e apenas 7% deferiram os pedi-
Assim sendo, receberam do governo “a autorização” para classificar, elas dos51, sendo que esses órgãos em específico, deveriam ser os fiscalizadores
próprias, as informações que seriam ou não estratégicas e definir, assim, e garantidores da eficácia ampla da LAI.
o que divulgar para o cidadão.48
O fracasso da lei é explícito. Mesmo após 6 anos de vigência, os
Ademais, um relatório emitido pelo Transparência Brasil informa órgãos públicos de todos os setores ainda não estão preparados para aplicá-
que quase metade dos órgãos públicos brasileiros descumprem a Lei de -la, alguns parecem até mesmo desconhecer a lei. Servidores despreparados
Acesso à Informação e ignoram os pedidos encaminhados. O relatório para atender aos pedidos, a falta de uma padronização na disponibilização
foi divulgado em 2017 com os 5 anos de vigência da lei e mostra a total da informação para que possa ser acessada facilmente e o total descaso do
desestrutura organizacional e descaso para atender à população. Ao todo Estado brasileiro para com a sociedade e seus direitos.
foram enviados pedidos a 206 órgãos, sendo que
De acordo com o ENCCLA, no lançamento da Lei de Acesso à in-
[...] 93 (45%) simplesmente ignoraram a solicitação, em grave descum- formação no Brasil
primento à LAI. Outros 36 (17%) negaram acesso à informação, 47 (23%)
concederam parcialmente e apenas 30 (15%) concederam integralmente o [...] o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, sintetizou o que significava a
acesso à informação solicitada. Dentre os órgãos que atenderam ou aten- chegada dessa nova lei ao ordenamento jurídico brasileiro: “é o primeiro
deram parcialmente nosso pedido, 73% compartilharam indevidamente passo de uma revolução na relação entre a sociedade e o setor público”.
dados pessoais de requerentes.49 Trata-se de um instrumento fundamental para a consolidação da de-
mocracia no País, pois a nova lei regulamenta princípio constitucional
Os dados pessoais são um exemplo das exceções à regra que a lei segundo o qual o cidadão é o verdadeiro senhor da informação públi-
descreve como informação sigilosa, estando sob a guarda do Estado e ca, cabendo a administração Pública custodiá-la com zelo, mas ofertá-la
não podendo ser compartilhada de nenhuma forma. Porém, esse ponto sempre que for esse o interesse público.
também foi desrespeitado. O primeiro passo para essa revolução citada foi tomado, porém
Obstáculos burocráticos também foram relatados como por caminha lentamente para o seu objetivo, sendo que a transparência

48 FERREIRA, Emanuelle Geórgia Amaral.; SANTOS, Elisete Sousa.; MACHADO, Miriam 50 SAKAI, Juliana.; GALF, Renata. Quase metade dos principais órgãos públicos brasileiros
Novaes. Política de informação no Brasil: a lei de acesso à informação em foco. In: Múltiplos descumprem a Lei de Acesso à Informação. 2017. Disponível em: https://www.transparencia.
Olhares em Ciência da Informação. v.2, n.1, 2012. org.br/downloads/publicacoes/Relat%C3%B3rio_LAI_16022018.pdf. Acesso em: 15 set. 2018
49 SAKAI, Juliana.; GALF, Renata. Quase metade dos principais órgãos públicos brasileiros 51 SAKAI, Juliana.; GALF, Renata. Quase metade dos principais órgãos públicos brasileiros
descumprem a Lei de Acesso à Informação. 2017. Disponível em: https://www.transparencia. descumprem a Lei de Acesso à Informação. 2017. Disponível em: https://www.transparencia.
org.br/downloads/publicacoes/Relat%C3%B3rio_LAI_16022018.pdf. Acesso em: 15 set. 2018 org.br/downloads/publicacoes/Relat%C3%B3rio_LAI_16022018.pdf. Acesso em: 15 set. 2018

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

governamental segue ofuscada. É notável a falta de regulamentação da re- pública como sistema de saúde, transporte, segurança pública, indicadores
ferida lei e a resistência na disponibilização de informações. de educação, gastos governamentais, dentre outros.
Além disso, outro meio de transparência implantado no Brasil em Além do mais, podemos citar o Observatório Social do Brasil, uma
2004 se tornou omisso. O Portal da Transparência consta em seu site a instituição não governamental que monitora as compras públicas em nível
atualização mensal de informações públicas, no entanto manchetes de municipal, de modo a agir preventivamente no controle social dos gastos
março de 2018 mostravam que o Governo não atualizava os dados desde públicos. Estão presentes em 134 cidades de 16 estados brasileiros, porém
novembro do ano anterior.52 Atualmente, grande parte das informações 74 são no Sul do país, restando apenas 60 criados nos demais estados.57
foram recentemente atualizadas.
Conforme afirma Stiglitz
De acordo com Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Eco- Em sociedades democráticas, cidadãos têm o direito básico de saber, de
nomia em 2001, “existe uma natural assimetria de informação entre aqueles se expressarem, de serem informados sobre o que o governo está fazen-
que governam e aqueles a quem o governo supostamente deve servir”53. No do, por que motivo isso está sendo feito e debater o assunto. Sociedades
entanto, é necessário combater essa natural assimetria entre o governo bra- democráticas pressupõem de forma vigorosa a transparência e abertura
por parte dos governos. No entanto, há também o reconhecimento de
sileiro e a população. A formação democrática em nosso país, em conjunto
que, em proveito próprio, governos e seus líderes não incentivam a re-
com fatores enraizados, como os “poucos mecanismos de controle da ativi- velação, e a consequente disseminação, de informações contrárias a seus
dade governamental, poucas políticas de accountability e poucas iniciativas interesses.58 [Tradução nossa]
de promoção do acesso à informação pública”54, dificulta a transparência ne-
cessária e por consequência, torna mais fácil a implementação da corrupção. A transparência pública reflete na exigência de garantias e regras
claras e contudo, além de prover o acesso à informação, é necessário esti-
Analisando a Lei de Acesso à Informação, ficou evidente que seu ob- mular a participação do cidadão na tomada de decisões e na formulação
jetivo principal não é o combate à corrupção, visto que não possui nenhum de políticas.59 Como já frisado, o Brasil pouco teve participação social nas
artigo tratando do assunto especificamente.55 Porém, se aplicada correta- decisões públicas. Mesmo com diversos sites disponíveis, aqueles que pos-
mente terá essa finalidade também, porquanto o acesso à informação é um suem acesso à internet pouco utilizam desses meios para obter informações
tema frequente na agenda internacional como meio de desenvolvimento sobre os órgãos e gastos públicos, sem contar que grande parte da popula-
da boa governança. ção desconhece essas ferramentas, justamente por não ocorrer o incentivo
Outro meio decorrente da LAI para obter informações, é através do Estado. Consequentemente, por não haver uma cobrança por parte da
do Portal Brasileiro de Dados Abertos56, contendo dados da administração população, bem como, com a falta de fiscalização de órgãos específicos,
leis como a do Acesso à Informação quando descumpridas, não geram
nenhuma punição perante os violadores.
52 ROSSI, Marina. Portal de Transparência do Governo não atualiza dados desde no-
vembro. São Paulo, 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/02/politi- Observa-se que a corrupção está enraizada no Brasil devido a
ca/1520016131_284875.html. Acesso em: 15 set. 2018
53 STIGLITZ, Joseph. The Right to Tell: The Role of Mass Media in Economic Development. Wa-
todo o arranjo político propício, tornando-se um fenômeno generalizado
shington, DC, 2002. p. 27. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=56punueI7G0C&p-
g=PA22&hl=ptBR&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 22 set. 2018. 57 OBSERVATÓRIO SOCIAL DO BRASIL. Disponível em: http://osbrasil.org.br/. Acesso em:
54 LOPES, Cristiano Aguiar. Acesso à informação pública para a melhoria da qualidade dos 27 set. 2018.
gastos público – literatura, evidencias empíricas e o caso brasileiro. Brasília, n.8, p. 5-40, 2007. 58 STIGLITZ, Joseph. The Right to Tell: The Role of Mass Media in Economic Development.
Disponível em: http://www.esaf.fazenda.gov.br/assuntos/biblioteca/cadernos-de-financas-publi- Washington, DC, 2002. p. 29. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=56punueI-
cas-1/arquivo.2013-04-18.4951615613. Acesso em: 22 set. 2018. 7G0C&pg=PA22&hl=ptBR&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 22
55 MEDEIROS, Simone Assis.; MAGALHÃES, Roberto.; PEREIRA, José Roberto. Lei de Aces- set. 2018.
so à Informação: em busca da transparência e do combate à corrupção. Londrina, v. 19, n. 1, p. 59 LOPES, Cristiano Aguiar. Acesso à informação pública para a melhoria da qualidade dos
55 – 75, jan-abr. 2014. gastos público – literatura, evidencias empíricas e o caso brasileiro. Brasília, n.8, p. 5-40, 2007.
56 BRASIL. Portal Brasileiro de Dados Abertos. Disponível em: http://dados.gov.br/. Acesso Disponível em: http://www.esaf.fazenda.gov.br/assuntos/biblioteca/cadernos-de-financas-publi-
em: 27 set. 2018. cas-1/arquivo.2013-04-18.4951615613. Acesso em: 23 set. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Ana Cristina Sabel

e dominante. tecnológica e mais dinâmica.


Devido a essa percepção de que a corrupção é um poderoso desestímulo Além de uma maior abertura para a cooperação internacional, as
ao desenvolvimento, seu combate é um tema que jamais perde a atualida-
Convenções Internacionais contribuíram para a normatização interna do
de, principalmente em países nos quais temos instituições públicas fracas,
tradição democrática em formação, poucos mecanismos de controle da acesso à informação com a Lei 12.527 de 2011. De fato, foi um avanço para
atividade governamental, bem como ambientes políticos ainda em con- a sociedade brasileira, porém ainda enfrenta diversos obstáculos em sua
turbado período de formação de forças políticas democráticas – em suma, aplicação e fiscalização. Dessa forma, seria necessária uma padronização na
ambientes propícios à existência de comportamentos pouco éticos por disponibilização das informações em todos os sites dos respectivos órgãos
parte dos governantes.60 públicos e na linguagem de fácil entendimento para toda a população, evi-
A transparência pública e o acesso à informação são certamente tando termos técnicos. Um órgão central e independente especializado
mecanismos para o combate à corrupção. No Brasil, se tornará efetivo em acesso à informação para conduzir a lei efetivamente, bem como para
mediante diversas mudanças no governo e sociedade. Temos legislação acompanhar as atualizações de dados e gastos englobando todos os po-
específica e meios para a disponibilização de informação, porém é neces- deres. As mudanças apenas ocorrerão com autoridades que pressionem a
sário colocar em prática o que, atualmente, encontra-se apenas no papel. aplicação da lei e penalizem aqueles que a violarem.
Trata-se de um direito constitucional, porém, a sociedade pouco
4. CONCLUSÃO participa e muitos desconhecem a lei, o que, consequentemente, facilita
muito para o governo burlar as regras da transparência. No sistema de
No presente artigo procuramos sustentar a necessidade da coo-
freios e contrapesos, é indispensável o acesso à informação, sendo que
peração internacional, principalmente a jurídica, como um meio efetivo
quanto mais amplamente disponibilizarem informações, mais eficiente se
para garantir aos Estados instrumentos maciços e dinâmicos que faci-
tornarão. A população pode e deve fiscalizar o que está sendo divulgado e
litem a prevenção e punição dos crimes de corrupção, assim como a
participar da tomada de decisões. O direito ao acesso à informação disponi-
recuperação de ativos.
biliza maior poder público e exige uma política de accountability por parte
Essa tarefa se torna árdua no mundo capitalista, onde diversos do poder público. Dessa forma, fortaleceria nossa democracia fragilizada
indivíduos sobrevivem às custas de verbas ilícitas. Contudo, há uma preo- e, além disso, a corrupção restaria enfraquecida.
cupação por parte das nações com as repercussões negativas nascidas da
Em suma, a política de informações entre Estado e sociedade – a
corrupção. Os efeitos transnacionais trazem a obrigatoriedade dos Estados
transparência – não é um meio direto para combater a corrupção, no en-
cooperarem em busca de novos métodos, investigações e informações para
tanto, indiretamente, previne que crimes relacionados à esse fenômeno se
a penalização dos violadores.
tornem crescentes perante aqueles que detém o poder público. Em relação
No Brasil, a cooperação jurídica internacional ainda é limitada, ao intercâmbio de informações entre as nações, atualmente, é indispensável
porém é possível visualizar suas vantagens através da Operação Lava Jato, o fortalecimento da cooperação jurídica internacional, sendo um instru-
conforme já demonstrado. É indispensável a aprimoração e a desburocrati- mento garantidor do combate à corrupção.
zação dessa cooperação, como também uma maior abrangência das normas
contidas nas Convenções Internacionais. A legislação interna deverá har- REFERÊNCIAS
monizar-se com as normas internacionais para uma cooperação ampla, ALVES, Wilson Mendonça.; OBREGON, Marcelo Fernando Quiroga. Os acordos in-
ternacionais de cooperação no combate à corrupção no âmbito da operação Lava
Jato. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revis-
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Gustavo Nascimento Zhang1


Guilherme Augusto Corrêa Rehder2

RESUMO: A corrupção afeta não somente as instituições públicas, mas


toda a sociedade. Há várias maneiras de combatê-la e o presente artigo
mostrará dois meios para que se consiga mitigar a corrupção que é a
transparência dos órgãos públicos e o controle social. Nosso ordenamento
jurídico carecia de normas a respeito da transparência dos órgãos públi-
cos, contudo, após o regime militar, novas leis foram criadas a respeito
disso. Além das leis, que são importantes para garantir os direitos dos
cidadãos, é necessário a participação popular para que haja o controle
social nos órgãos públicos a fim de mitigarmos a corrupção assim como
os países que estão no topo do ranking da Transparência Internacional.
Palavras-chave: Acesso à Informação; Participação popular;
Transparência.
ABSTRACT: Corruption affects not only public institutions but society.
There are so many ways to fight against corruption and this scientific arti-
cle are going to show two ways to mitigate the corruption: transparency of

1 Acadêmico do curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí, 4º período.


2 Orientador. Professor e Advogado possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Especialização em Ciências Criminais pena Unama, Mestrado em Ci-
ências Jurídicas pela UNIVALI e cursa Doutorado em Ciência Jurídica da Univali sanduíche com
a Widener University Delaware Law School. E-mail:[email protected].

156 157
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS GUSTAVO NASCIMENTO ZHANG – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

the public bodies and social control. The Brazilian legal system was weak Para a elaboração dessa pesquisa, será adotado o método deduti-
in laws regulating the transparency of public bodies, although, after the vo, em que a produção do conhecimento será fundamentada na crítica e
Brazilian Military Regime new laws were created to deal with this issue. opinião de doutrinadores constitucionalistas; autores de filosofia, ciência
In addition to the laws that are important to guarantee the citizens’ rights,
política, sociologia. Para garantir o correto estudo do tema, esta pesqui-
popular participation is necessary for social control in public bodies to
mitigate corruption, as well as countries that are at the top of the Trans- sa será baseada na Constituição Federal e leis infraconstitucionais que
parency International ranking. versem a respeito a transparência dos órgãos públicos, além da extração
Keywords: Access to information; Popular participation; Transparency. de ideias de autores e artigos que serão devidamente expostos nas refe-
rências bibliográficas.

INTRODUÇÃO
1. DEMOCRACIA PÓS-REGIME MILITAR E LEI DE
A presente pesquisa tem o objetivo de demonstrar a importância da ACESSO A INFORMAÇÃO
participação popular em conjunto com a transparência dos órgãos públicos
para o combate da corrupção por meio do controle social. O Brasil passou por um regime militar que durou de 1964 até 1985,
havia no final desse período um anseio pela liberdade, participação popu-
Primeiramente, haverá uma breve explicação da democracia pós lar na política e um maior exercício da cidadania assim como diz Paulo
regime militar, posto que naquela época era escasso o acesso às informa- Gustavo Gonet Branco3
ções e documentos a respeito dos órgãos públicos. Em seguida o objeto
Em 27 de novembro de 1985, foi promulgada a Emenda a Constitui-
de estudo será as leis que garantem o nosso acesso à informação, consa- ção n. 26, que deu forma jurídico-constitucional à exaustão do regime.
grando direitos aos cidadãos e deveres aos órgãos públicos. Sendo que um A Emenda convocou uma Assembleia Nacional Constituinte “livre e
dos pilares desse artigo é a transparência dos órgãos públicos, o qual será soberana”. Os anseios de liberdade, participação política de toda a cida-
demosntrado a sua importância para que possamos diminuir a corrupção dania, pacificação e integração social ganharam preponderância sobre
com essa ferramenta chave. inquietações ligadas a conflitos sociopolíticos, que marcaram o período
histórico que se encerrava.
Em seguida o objeto de estudo será os governos autocráticos, como
esse tipo de regime de governo afeta a transparência dos órgãos públicos. Sendo o regime militar o período histórico que estava acaban-
Logo após o capítulo a respeito de governos autocráticos, será demonstrado do, e as inquietações sociopolíticas eram influenciadas pelo contexto da
dados referentee aos países com maior índice de transparência e sua relação Guerra Fria, de um lado temos os apoiadores dos Estados Unidos – bloco
com o baixo índice de percepção da corrupção, os dados foram extraídos capitalista – e do outro os apoiadores da URSS – bloco socialista. Outro
do site da Transparência Internacional. Será explicado como a transparên- problema era a falta de acesso às informações, a regra adotada atual-
cia dos órgãos públicos afetam o índice de percepção e haverá uma ligação mente é “publicidade como preceito geral e sigilo como exceção”, isso
entre governos autocráticos e dados da Transparência Internacional, posto era diferente naquela época em que o sigilo era regra geral. Deste modo,
que países ditatoriais estão nos últimos lugares do ranking, bem como os a Constituição de 1998 traz como direito fundamental o acesso à infor-
países autocráticos usam a transparência como exceção e não regra geral. mação no art. 5º, inciso XXXIII:
todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu inte-
Por fim, procurar-se-á conceituar corrupção, e como ela é prejudi- resse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no
cial para nossa sociedade, diminuindo a participação popular, e com isso, prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo
aumentando a corrupção no setor público, sendo negativo para um regime seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
democrático. O objeto de estudo é a sociedade brasileira, enfatizando a
participação popular e como o controle social é importante em conjunto
com a transparência dos órgãos públicos para o combate a corrupção. 3 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO GONET, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitu-
cional. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 100.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS GUSTAVO NASCIMENTO ZHANG – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Além do art. 37, § 3º, inciso II e § 2º do art. 216 da Constitui- Outrossim, o Decreto 5.4826 de junho de 2005 foi introduzido em nosso
ção Federal. Além dela trazer essas novidades Paulo Gustavo Gonet ordenamento jurídico para estabelecer o Portal de Transparência do Poder
Branco4 diz que Executivo Federal que, no art. 1º do Decreto 5.482 estabelece que esse sítio
A Constituição, que, significativamente, pela primeira vez na História do eletrônico estará a disposição na internet, ficando incumbida a Controla-
nosso constitucionalismo, apresentava o princípio do respeito à dignidade doria-Geral da União a gestão do Portal da Transparência. É estabelecido
da pessoa humana e o Título dos direitos fundamentais logo no início também que os órgãos e entidades da administração pública deverão, por
das suas disposições, antes das normas de organização do Estado, estava meio de atalho inserido na página inicial do sítio eletrônico dos respec-
mesmo disposta a acolher o adjetivo cidadã, que lhe fora predicado pelo
tivos órgãos ou entidades, dar acesso à pagina da Transparência Pública,
Presidente da Assembleia Constituinte no discurso da promulgação.
proporcionando a experimentação social entre a relação cidadão – Estado
Apenas esses direitos ali consagrados não bastava, como citado na e o exercício do controle social dos gastos públicos7.
introdução, houve também a necessidade de criar uma lei específica para
Além desses dois instrumentos normativos, que de certa forma
dar mais efetividade a esse direito garantido pela Constituição.
asseguravam o direito constitucional de acesso à informação dos órgãos
Em maio de 2000 foi introduzido no ordenamento jurídico bra- públicos e suas entidades, foi-se necessário introduzir outro dispositivo
sileiro a Lei Complementar Nº 1015 que estabelece normas de finanças legal para regular o acesso a informações previstos no inciso XXXIII do
públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras provi- art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constitui-
dências, no Capítulo IX da respectiva lei versa sobre transparência, controle ção Federal. Sendo assim, a Lei nº 12.527 de novembro de 20118 – mais
e fiscalização. No art. 48 da Lei Complementar fala quais são os instru- conhecida como Lei de Acesso à Informação – foi criada para tal intuito.
mentos de transparência da gestão fiscal que são: os planos, orçamentos
Já, no art. 1º dessa lei dispõe que ela visa garantir o acesso à in-
e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo
formações, previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do
parecer prévio; relatório resumido da Execução Orçamentária e o rela-
art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal de 1988. E determina
tório de Gestão Fiscal e versões simplificadas desses documentos para o
também, no parágrafo único do art. 1º, os órgão públicos subordinados a
melhor entendimento do público leigo. Nesse mesmo artigo é estabelecido
essa lei que são: integrantes da administração direta dos Poderes Executivo,
que esses instrumentos serão amplamente divulgados, inclusive em meios
Legislativo, incluindo as Cortes de conta (TCU por exemplo), Judiciário
eletrônicos de acesso público. No art. 48 § 1º, incisos I e II dispõe que a
e do Ministério Público. No art. 3º, aponta os princípios básicos da admi-
transparência será assegurada também mediante incentivo da participa-
nistração pública e as diretrizes que é a publicidade como preceito geral e
ção popular e a realização de audiências públicas, durante os processos de
sigilo como exceção; divulgação de informações de interesse público, faci-
elaboração e discussão dos planos, leis de diretrizes orçamentárias e o orça-
litando assim a vida do cidadão; uso de meios de comunicação viabilizados
mento do poder público. Além disso, deve ser assegurado o conhecimento
pela tecnologia da informação, como o uso da internet ou redes sociais na
e acompanhamento da sociedade, em tempo real, sobre essas informações
qual órgãos públicos interagem com os internautas por meio dessas redes
em meios eletrônicos de acesso ao público.
sociais. Outro principio que é consagrado, é o fomento ao desenvolvimento
Entretanto, mesmo havendo parte do dispositivo legal citado no da cultura da transparência na administração pública, isso é importante
parágrafo anterior que versava sobre a transparência, havia a necessida- para que estimule o controle social nas coisas públicas.
de de estabelecer onde essas informações deveriam ser disponibilizadas.
6 PLANALTO. Decreto nº 5.482, de 30 de junho de 2005. Disponível em: http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5482.htm. Acesso em: 15 out. 2018.
4 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO GONET, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitu- 7 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO GONET, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitu-
cional. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 100. cional. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 899.
5 PLANALTO. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em: http://www. 8 PLANALTO. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.pla-
planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm. Acesso em: 15 out. 2018. nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 15 out. 2018.

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Essa respectiva lei apresenta no art. 5º que “É dever do Estado ga- de informações, assim como a internet. Como sabemos, a internet e outros
rantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante meios tecnológicos expandiram-se e são intrínsecos as nossas vidas de
procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em lin- modo a oportunizar e viabilizar o nosso acesso a tais informações assim
guagem de fácil compreensão.”, essa linguagem de fácil compreensão é como diz Gilmar Ferreira Mendes12
interessante para que não haja uma linguagem técnica, robusta, para a os novos processos tecnológicos oportunizaram um aumento gradativo
difícil compreensão por parte do indivíduo, vale ressaltar que a taxa de e impressionante da informatização e compartilhamento de informações
escolarização no Brasil é 98,6% entre pessoas de 6 a 14 anos e a taxa de dos órgãos estatais, que passaram, em grande medida, a ser divulgados na
analfabetização é de 7% entre as pessoas com mais de 15 anos segundo as Internet, não só como meio de concretização das determinações consti-
tucionais de publicidade, informação e transparência, mas também como
pesquisas do IBGE9. Além de garantir uma linguagem acessível, os órgãos
propulsão de maior eficiência administrativa no atendimento aos cida-
e entidades públicas devem assegurar a gestão transparente da informação, dãos e de diminuição dos custos na prestação de serviços.
propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação, também proteger a infor-
mação, garantindo sua autenticidade, integridade e disponibilidade (art. 6º, Outrossim, ao analisar o ponto de vista do autor, percebe-se que é
incisos I e II da Lei 12. 527/11). desnecessário a faculdade da divulgação obrigatória na internet por mu-
nicípios com até dez mil habitantes, o tratamento da lei deve ser igual e
Entretanto, além de estabelecer direitos ao cidadão, a lei estabe- obrigatório a todos os entes federados. Houve também, a diminuição de
lece os deveres dos órgãos e entidades publicas assim como está previsto custos na prestação de serviços graças a tecnologia, há gastos apenas para
no art. 8º do § 1º até o §4º. Os órgãos devem promover a divulgação das a manutenção e com os programadores, sendo desnecessário a publicação
informações em locais de fácil acesso, locais públicos ou na internet, as em jornais, editais e outros meios físicos onerosos e pouco sustentáveis.
informações devem constar no mínimo o registro de competências e estru-
tura organizacional, endereços e telefones para o atendimento ao público.
Se versar sobre despesas públicas como o Tribunal de Contas da União10 2. GOVERNOS AUTOCRÁTICOS
(requerendo as informações) ou o Portal da Transparência11, deve constar Filomeno em seu célebre livro “Manual de teoria geral do Estado e
os registros de quaisquer repasses, transferência de recursos financeiros, ciência política” explica que na democracia existe a participação do povo
registro de despesas. Além de tudo isso, dispõe que é dever também a di- tanto na escolha de seus representantes como nas coisas públicas, em
vulgação de informações concernentes a processos licitatórios, dados gerais descompasso disso, é inexistente tal participação popular em um regime
para o acompanhamento de programas, ações, projetos dos órgãos públi- autocrático13, sendo assim, a representatividade desaparece e o povo fica
cos. E para haver uma maior participação entre sociedade civil e Estado, submisso ao governante, ou intitulado líder supremo, Führer como no
o art. 8º, §1º, inciso VI estabelece que devem ser respondidas também as caso de Hitler, ou Duce na Itália fascista de Benito Mussolini. Além de
dúvidas mais frequentes da sociedade. dar essa breve explicação, o autor dispõe três características de um estado
Não obstante, no § 4º desse artigo dispõe que municípios com popu- autocrático: concentração do poder político nas mãos de um homem; de-
lação de até dez mil habitantes ficam dispensados da divulgação obrigatória sacolhimento do Direito Público subjetivo; inexistência do princípio da
na internet, no que se refere o § 2º do art. 8º, órgãos e entidades públicas legalidade na qual todos são obrigados a fazer ou deixar de fazer aquilo
deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos para a divulgação que é outorgado pelo poder absoluto (algo que fere o direito fundamen-
tal garantido pela Constituição Federal de 1988 no art. 5º, II); ausência
de participação dos governados, assim como foi citado anteriormente, é
9 IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/por-cidade-estado-
-estatisticas.html. Acesso em: 15 out. 2018.
10 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/inicio/. 12 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO GONET, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitu-
ACESSO EM: 15 OUT. 2018. cional. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.899.
11 PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.br/. 13 FILOMENO, José Geraldo. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 9.ed. Rio
Acesso em: 16 set. 2018. de Janeiro: Forense, 2015, p. 120.

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inexistente as eleições, não havendo o exercício da soberania popular. quanto menor for a posição do país no ranking (pontuação baixa), maior
será o índice de percepção da corrupção, sendo que a pontuação 0 é
Além disso, ele aponta os instrumentos garantidores da autocracia, e
extremamente corrupto e 100 é muito transparente. O Brasil caiu no
um desses instrumentos é pertinente ao trabalho, que é o controle absoluto
ranking, foi de 79º para 96º, mostrando que os esforços para o combate
dos meios de comunicação de massa, “a doutrinação do povo é certamente
a corrupção no país está em risco.
essencial para que aceite passivamente as diretrizes do grupo ou partido
dominante”14. Destarte, não apenas o controle dos meios de comunicação, Ao analisar o ranking, veremos também que países desenvolvidos,
mas também da censura ou sigilo de informações que poderiam acabar na qual a liberdade de expressão e o acesso a informação são respeitadas,
com o regime autocrático, a exemplo disso temos a República Popular são os que estão com pontuação alta e, consequentemente, estão no topo
Democrática da Coreia (Coreia do Norte), na qual o governo restringe o da tabela. Alguns exemplos desses países são: Nova Zelândia; Dinamarca;
acesso da população a internet, canais de televisão e informações do Estado, Finlândia; Noruega; Suíça; Cingapura; Suécia; Canadá e outros países
com isso, acontece o monopólio dos meios de comunicação por parte do desenvolvidos, aqueles na qual há um grande investimento na educação,
Estado norte coreano, a justificativa do líder supremo Kim Jon-Un é pro- na participação popular e respeito a liberdade do cidadão. A exemplo
teger a população da funesta influência inimiga15. disso, temos a Finlândia, além de ser o “país mais feliz do mundo”, é
o que tem o sistema mais eficiente de educação, o que facilita muito a
O regime autocrático é penoso no que tange a transparência, posto
transparência, posto que os cidadãos desse país utilizam as ferramentas
que o mesmo adota o sigilo como regra geral, diferentemente do que dispõe
de acesso a informação para avalia, monitorar seus gestores e ter acesso
o art. 3º, inciso I da Lei 12.527/11. Sendo assim, esse sigilo é funesto para
aos gastos governamentais17.
sociedade, limitando drasticamente o acesso as informações dos órgãos
públicos que deveriam ser disponibilizados para cidadãos, facilitando Entretanto, ao analisar os países com baixa pontuação no ranking,
também o controle do Estado sobre a sociedade civil. veremos que a maioria são países autocráticos, nas quais a liberdade de ex-
pressão é baixa ou é quase inexistente a transparência dos órgãos públicos.
2.1. TRANSPARÊNCIA E BAIXO ÍNDICE DE CORRUP- Como citado no Capítulo 2, a Coreia do Norte tem um regime autocrático
ÇÃO e ocupa a posição 171 no ranking com 17 pontos, sendo assim, o indíce
O segredo dos países desenvolvidos, de preferência os países es- de percepção da corrupção nesse país é alto. Vale ressaltar também que
candinavos que lideram o ranking da Transparência Internacional16, é a alguns países com baixa pontuação estão em guerra civil, que além de ter
transparência dos órgãos públicos, obviamente que em conjunto com a um governo autoritário, há conflito entre rebeldes e Estado, a exemplo disso
seriedade das instituições, alto índice de desenvolvimento humano e a edu- temos a Síria que ocupa a posição 178 com 14 pontos.
cação. Com o acesso as informações e a transparência dos órgãos públicos,
é facilitado a fiscalização da sociedade civil, isso facilita para a escolha dos 3. CORRUPÇÃO NO BRASIL, NECESSIDADE DE
novos representantes e a pressão popular sobre o Estado. PARTICIPAÇÃO POPULAR EM CONJUNTO COM A
A Transparência Internacional mede o índice de percepção da TRANSPARÊNCIA DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS
corrupção no setor público em todo o mundo, são 180 países avaliados, O que é corrupção? No sentido literal, ao ler o dicionário, corrup-
ção é putrefação; deteriorização. Para Mario Sergio Cortella18, corrupção
14 FILOMENO, José Geraldo. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 9.ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2015, p.121
15 Trevisan, Cláudia. O mundo, segundo a propaganda da Coreia do Norte. Estadão, 25 de 17 CORDEIRO, Tiago. O segredo dos países mais honestos do mundo. Gazeta do Povo, 2018.
abril de 2013. Disponível em: https://internacional.estadao.com.br/blogs/claudia-trevisan/o- Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/o-segredo-dos-paises-mais-hones-
-mundo-segundo-a-propaganda-da-coreia-do-norte/. Acesso em: 15 out. 2018. tos-do- mundo-46ahc398rewn4doybhflmwh20/. Acesso em: 15 set. 2018.
16 TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL. Disponível em: https://transparenciainternacio- 18 CULTURA. Disponível em: http://tvcultura.com.br/videos/15744_mario-sergio-cortella-
nal.org.br/home/destaques. Acesso em: 15 set. 2018. -explica-o-que-e-corrupcao.html. Acesso em: 15 out. 2018.

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é a degradação daquilo que é decente, aquilo que deveria ser, decente é vivo. Então, caso o coração pare de funcionar, esse corpo político morre23, a
um conceito amplo que gera muitas discussões, então consideraremos degradação do legislativo leva ao ataque cardíaco, por isso faz-se necessário
corrupção aquilo que acarreta a desmoralização. Moral para Cortella é a participação da sociedade civil.
a prática das três perguntas “Quero? Devo? Posso?”, essas três perguntas
Para obter o acesso a informação, pode-se usar o site “Unidos
é aquilo que se considera a ética, o conjunto de princípios e valores da
contra a corrupção” por exemplo, site que mostra os candidatos, como foi
nossa conduta na vida conjunta (sociedade)19.
o compromisso deles com a democracia, mostra também se tiveram um
No Brasil, a corrupção está impregnada tanto na sociedade como passado “limpo”, tudo isso para o cidadão ver a idoneidade do candidato
nos órgãos públicos, isso causa a falta de interesse por parte da população antes de votar nele. Sendo assim, a sociedade civil tem uma culpa indireta
nas coisas públicas gerando a falta de representatividade, assim como diz na degradação do legislativo, já que segundo o art. 14 da Constituição
Flávio Gordon20 Federal de 1988, a soberania popular é exercida pelo sufrágio universal
[…] é perfeitamente compreensível e justificada a descrença generalizada e pelo voto direto e secreto.
que os brasileiros exibimos hoje em face das instituições, e não apenas
A sociedade é o coração do corpo político, o Poder Legislativo são
as do Estado. A crise de representatividade é ampla, geral e irrestrita,
e a população parece haver notado, no mínimo intuitivamente, a exis- as artérias que levam o sangue que é bombardeado e impulsionado pelo
tência de um pacto firmado nas altas esferas, um pacto sinistro entre as coração (impulsão seria o voto e a participação popular), e por fim, o cére-
nossas “elites” política (governo, base aliada e até mesmo setores da dita bro é o Poder Executivo. A morte do corpo político pode ser causada tanto
oposição), econômica (bancos e empreiteiras) e cultural (intelligentsia, por uma hemorragia ou a podridão do coração.
imprensa, show business) para a manutenção do status quo.
Além de falar o quão importante é a participação popular, o acesso
Remetendo também ao que Rousseau21 considera penoso na demo- às informações deve ser eficaz sendo inescusável a procrastinação dos
cracia – o que pode dar de errado – é a influência dos interesses particulares órgãos públicos para a divulgação das informações ou para fornecer do-
nos negócios públicos, ignorando assim a vontade geral e havendo o saque cumentos para o indivíduo. Montesquieu24 considera importante a virtude
daquilo que pertence a todos e não de um homem só ou um grupo seleto, em um estado democrático, fala que isso é uma mola a mais que ajuda a
como infelizmente vemos no cenário político brasileiro. impulsionar esse regime. Destarte, ele considera que aquele que cria a lei,
As situações citadas acima, gerou aquilo que considera-se um fato deve submeter-se a ela assim como todos os cidadãos, não havendo um ser
social, que para Durkheim, fato social22 é o fenômeno que acontece no supra-legal. Sendo assim, os servidores públicos representantes do Estado
interior da sociedade, coisas externas que influenciam o indivíduo. O devem obedecer os prazos estabelecidos pela Lei de Acesso à Informação,
desinteresse da sociedade civil tornou-se um fato social uma vez que o além de divulgar os gastos públicos, salário dos servidores, como o dinheiro
exercício de “votar” é uma tortura para o brasileiro, por exemplo. A des- da população está sendo administrado.
preocupação pelas coisas públicas é degradante para nossa sociedade, uma Desse modo, Aristóteles, em seu livro “Política”25, faz uma crítica
vez que isso possa também influenciar as próximas gerações. sobre a admissibilidade dos homens livres na coisa pública, ele diz que era
Rousseau considera o Poder Legislativo como o coração do Estado necessário ter uma renda para estabelecer-se na Assembléia, e isso estava
e o Poder Executivo é o cérebro. Segundo ele, pode ocorrer a paralisia do previsto pelas leis. Aristoteles explica que se excluir esses homens livres
cérebro e o indivíduo continua a viver, em estado vegetativo, mas ainda está que não tem renda necessária para ser admitido, isso viraria uma oligar-
quia, por outro lado, se não se tem nenhuma renda, dificilmente terá o

19 CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra?. 25.ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 104. 23 ROUSSEAU, J.J. Do Contrato Social. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 153.
20 GORDON, Flávio. A Corrupção da Inteligência. 7.ed. Rio de Janeiro: Record, 2017, p. 21. 24 MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2015, p.70.
21 ROUSSEAU, J.J. Do Contrato Social. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 117. 25 ARISTÓTELES. A Política. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/mar-
22 DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Edipro, 2012, p. 32. cos/hdh_aristoteles_a_politica.pdf. Acesso em: 15 out. 2018, p. 85.

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lazer suficiente para se ocupar da coisa pública. Então para evitar uma Para Dallari, além da opinião dos especialistas, cujas observações críticas
oligarquia escancarada, cria-se uma lei para dificultar a entrada de pessoas devem ser respeitadas porque são importantes ao Estado, o próprio povo
com baixa renda segundo o que dispõe a lei, excluindo-as não de modo deve ter assegurada a possibilidade de livre expressão e ser ouvido, pois
arbitrário, mas de forma prevista na lei. Fazendo uma analogia com isso, ele é o coração ou o senhor de seus interesses no Estado Democrático, os
podemos comparar a renda desses homens livres com a escolaridade do cidadãos bem informados e com senso crítico fortalece o controle social.
cidadão brasileiro, não se pode privar o acesso à informação do cidadão
Entende-se que o controle social31 é a participação do cidadão na
brasileiro, é um direito fundamental, e é mediocre também fornecer tais
gestão pública, na fiscalização, e no monitoramento e no controle da Ad-
informações com linguagem técnica de difícil compreensão para grande
ministração Pública, isso é um mecanismo importante para a prevenção
parte da população, para que não seja utilizado por muitos.
da corrupção e o fortalecimento da democracia, “o controle social, além de
Segundo os dados da Pnad Contínua, metade da população bra- validar o Estado perante seus cidadãos, valida também, no caso brasileiro,
sileira de 25 anos ou mais não completou o ensino médio, isso equivale a forma de governo escolhida para este.”32 (TCU). A participação popular
a 66,3 milhões de pessoas26, lembrando que a população atual do Brasil é e a transparência dos órgãos públicos enriquecem o controle social, como
de quase 210 milhões de pessoas27. Se for comparar a população brasileira citado anteriormente sobre a mistura daquilo que é público e aquilo é pri-
com os 66,3 milhões que não completaram o ensino médio e adicionar os vado, com o efetivo controle social poderemos fiscalizar a gestão pública
11,8 milhões de analfabetos28, teremos um número chocante que deve ser para que nossos recursos não sejam destinados a particulares como vemos
observado pelo Estado, devendo diminuir a analfabetização e aumentar atualmente. Usando uma analogia ao que Edmund Burke (1857) diz: “Tudo
a escolaridade (o índice atual de escolarização de jovens de 6 a 14 anos o que é preciso para o triunfo do mal é que nada façam os homens de
no Brasil é de 98,6%). bem.”33, sendo assim, o tudo o que é preciso para o triunfo da corrupção é
que nada façam os homens de bem e que não haja transparência.
Sendo assim, não adianta a Lei dispor o acesso à informação aos
cidadãos, os órgãos públicos devem garantir também a qualidade dessas
informações para que seja de fácil compreensão e acesso para todos. Vale 4. CONCLUSÃO
ressaltar que cresceu para 70,5% o percentual de domicílios brasileiros Tendo em vista que a transparência dos órgãos públicos é impor-
com acesso a internet, esse processo pode demorar para que quase todos os tante tanto para a democracia como para o combate a corrupção, os países
brasileiros tenham acesso a internet, meio mais utilizado para a divulgação democráticos e desenvolvidos obtém um índice de transparência é alto.
das informações. Além do indivíduo ficar mais informado, aumentar-se- Entretanto, nos países onde há a escasses disso, o índice de corrupção é
-á o senso crítico dele, não ficando refém daquilo que Bobbio considera maior, seja por causa do clientelismo, lavagem de dinheiro, nepotismo,
“maîtres à penser”29 que são pensadores que, com seus textos e pensamen- corrupção ativa e outros meios degradantes que são funestos a sociedade.
tos, orientam o modo de pensar de um grupo ou sociedade, e que para A transparência dos órgãos públicos permite uma maior fiscalização dos
Flávio Gordon isso seria o intelligentsia30, termo russo para intelectuais. cidadãos na gestão pública, o que diminui as chances de atos corruptos
dos funcionários públicos, sendo assim, o dinheiro público será melhor
26 VILLAS BÔAS, Bruno. IBGE: Brasil tem 11,8 milhões de analfabetos; metade está no Nor-
deste. In: Valor Econômico, 2017. Disponível em: https://www.valor.com.br/brasil/5234641/ib- utilizado em pról da sociedade.
ge-brasil-tem-118-milhoes-de-analfabetos-metade-esta-no-nordeste. Acesso em: 04 fev. 2019.
27 IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados.html. Acesso em: 04 fev. Como analisamos, a lei é fundamental como uma garantia positivada
2019.
28 FERREIRA, Paula. Brasil ainda tem 11,8 milhões de analfabetos, segundo IBGE. In: O 31 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Controle Social: orientações aos cidadãos para
Globo, 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/brasil-ainda-tem- participação. Brasília: Gráfica Positiva, 2012, p. 16.
-118-milhoes-de-analfabetos-segundo-ibge-22211755. Acesso em: 04 fev. 2019. 32 CONCEIÇÃO, Antônio Cesar. “Controle Social da Administração Pública: Informação e
29 BOBBIO, Noberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. conhecimento – interação para a efetiva participação popular nos orçamentos públicos”. 2010, p. 14.
3.ed. São Paulo: Unesp, 2011, p. 67. 33 Edmund Burke (1857) apud GORDON, Flávio. A Corrupção da Inteligência. 7.ed. Rio de
30 GORDON, Flávio. A Corrupção da Inteligência. 7.ed. Rio de Janeiro: Record, 2017, p. 19. Janeiro: Record, 2017, p. 20.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS GUSTAVO NASCIMENTO ZHANG – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

do cidadão de cobrar do Estado, exercer sobre ele o controle social, é um 3.ed. São Paulo: Unesp, 2011.
direito do indivíduo de saber como está sendo utilizado os recursos públi- BRASIL. Decreto nº 5.482, de 30 de junho de 2005. Disponível em: http://www.pla-
cos. Além disso, é imprescindível a participação popular, o controle social nalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5482.htm. Acesso em: 15 out.
2018.
é importante para fiscalizarmos, monitorarmos e até mesmo participarmos
BRASIL. LEI Nº 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990. Disponível em: http://www.
na gestão pública, aproximando o Estado do cidadão, fortalecendo mais planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm. Acesso em: 15 out. 2018.
a democracia assim como explica o programa da Controladoria Geral da
BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.pla-
União (CGU) “Controle Social Orientações aos cidadãos para participação nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 15 out. 2018.
na gestão pública e exercício do controle social”. BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm. Acesso em: 15 out. 2018.
Uma das maneiras em que se pode haver a participação do cidadão
é aquela prevista pela Lei nº 8.142/9034, na qual dispõe a participação da Trevisan, Cláudia. O mundo, segundo a propaganda da Coreia do Norte. Estadão,
25 de abril de 2013. Disponível em: https://internacional.estadao.com.br/blogs/clau-
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), havendo reuniões dia-trevisan/o-mundo-segundo-a-propaganda-da-coreia-do-norte/. Acesso em: 15
a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais para out. 2018.
avaliar a situação de saúde e propor diretrizes para formulação da política CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
de saúde. Sendo assim, um cidadão bem informado, com o acesso as in- Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 15 out. 2018.
formações disponibilizadas e podendo requerer outras se quiser, poderá CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Controle Social: orientações aos cidadãos
para participação. Brasília: Gráfica Positiva, 2012.
contribuir nos debates, pedir melhorias e cobrá-las do Estado.
CONCEIÇÃO,Antônio Cesar. “Controle Social da Administração Pública: Informa-
O Brasil é um país grande, estamos ainda no processo de desen- ção e conhecimento – interação para a efetiva participação popular nos orçamentos
volvimento, o que contribui para que os países que lideram o ranking da públicos”. 2010. 35 f. Monografia (Especialização em Orçamentos Públicos) – Instituto
Serzedello Corrêa. Distrito Federal, 2010.
Transparência Internacional é o IDH35 elevado que é importante para o
CORDEIRO, Tiago. O segredo dos países mais honestos do mundo. Gazeta do Povo,
controle social, instituições públicas mais fortes, e maior transparência 22 de fevereiro de 2018. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/o-se-
dos órgãos públicos assim como ocorre na Dinamarca, é um processo que gredo-dos-paises-mais-honestos-do-mundo-46ahc398rewn4doybhflmwh20/. Acesso
requer tempo36. Portanto, não devemos cair naquilo que Mario Sergio Cor- em: 15 set. 2018.
tella considera como “Síndrome Rocky Balboa”, as coisas não acontecem CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra?. 25.ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
instantaneamente, tudo tem seu processo para chegar ao fim destinado, CULTURA. Disponível em: http://tvcultura.com.br/videos/15744_mario-sergio-cor-
ainda estamos na jornada do herói37. tella-explica-o-que-e-corrupcao.html. Acesso em: 15 out. 2018.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33.ed. São Paulo:
Saraiva, 2016.
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anthist/marcos/hdh_aristoteles_a_politica.pdf. Acesso em: 15 out. 2018. da-tem-118-milhoes-de-analfabetos-segundo-ibge-22211755. Acesso em: 04 fev. 2019.
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34 PLANALTO. LEI Nº 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm. Acesso em: 15 out. 2018. GARCIA, Euclides Lucas. Falta de transparência facilita a corrupção. In: Gazeta do Povo,
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35 PNDU BRASIL. Disponível em: http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/
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36 MILHORANCE, Flávia. Oito lições de combate à corrupção que a Dinamarca pode dar GORDON, Flávio. A Corrupção da Inteligência. 7.ed. Rio de Janeiro: Record, 2017.
ao Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160126_dinamar-
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37 CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra?. 25.ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 39.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS

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ca pode dar ao Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noti-
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ROUSSEAU, J.J. Do Contrato Social. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. RESUMO: Através do método indutivo de pesquisa, o presente artigo
TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL. Disponível em: https://transparenciainterna- científico apresenta o estudo dos crimes de corrupção ativa e de corrupção
cional.org.br/home/destaques. Acesso em: 15 set. 2018. passiva, intercala os mesmos com o estudo sobre licitação pública e suas
modalidades, apresentando os crimes que afrontam a Lei de Licitação nº.
TRANSPARENCY INTERNACIONAL. Disponível em: https://www.transparency.org/
news/feature/corruption_perceptions_index_2017. Acesso em: 13 jan. 2019. 8.666/93 com o objetivo apresentar através destas análises possibilidades
de mudança nas modalidades de licitação para evitar os crimes de licita-
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/inicio/. ção e consequentemente os crimes de corrupção ativa e passiva.
Acesso em: 15 out. 2018.
UNIDOS CONTRA A CORRUPÇÃO. Disponível em: https://unidoscontraacorrup-
PALAVRAS-CHAVE: Corrupção. Licitação. Crimes de licitação. Contra-
cao.org.br/. Acesso em: 15 out. 2018. tação Pública. Administração Pública.
VILLAS BÔAS, Bruno. IBGE: Brasil tem 11,8 milhões de analfabetos; metade está no ABSTRACT: Through the inductive method of research, the present
Nordeste. In: Valor Econômico, 2017. Disponível em: https://www.valor.com.br/bra- scientific article presents the study of the crimes of active corruption and
sil/5234641/ibge-brasil-tem-118-milhoes-de-analfabetos-metade-esta-no-nordeste. passive corruption, intersperses them with the study on public bidding
Acesso em: 04 fev. 2019. and its modalities, presenting the crimes that face the Bidding Law nº.
8.666/93 with the objective of presenting through these analyzes possibi-
lities of change in the bidding modalities to avoid the crimes of bidding
and consequently the crimes of active and passive corruption.

1 Eloísa Rodrigues Sales Graduanda do 6º período do Curso de Direito da Universidade do


Vale do Itajaí – UNIVALI, autora, e-mail: [email protected].
2 Orientador. Professor e Advogado possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Especialização em Ciências Criminais pena Unama, Mestrado em Ci-
ências Jurídicas pela UNIVALI e cursa Doutorado em Ciência Jurídica da Univali sanduíche com
a Widener University Delaware Law School. E-mail:[email protected].

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ELOÍSA RODRIGUES SALES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

KEY WORDS: Corruption. Bidding. Crimes of licitation. Public Procu- meio de negociação para que ocorram os crimes de corrupção.
rement. Public administration.
É importante destacar que a vantagem não necessariamente é atri-
buída ao agente do ato corrupto, pode ser uma vantagem para terceiros
INTRODUÇÃO (filho, cônjuge, pais e outros). Também não se deve pensar apenas no
O presente artigo científico, através do método indutivo de pes- valor pecuniário, porque há divergência na doutrina quanto a natureza de
quisa, busca abordar o conceito de corrupção, apresentar a diferença e as tais vantagens, sendo para alguns doutrinadores de natureza patrimonial
características do crime de corrupção ativa e de corrupção passiva. Ana- e para outros de qualquer natureza que caracterize algum tipo de lucro
lisar o procedimento administrativo chamado de licitação e encontrar as ou ganho, como a contratação em cargos comissionados e vantagens em
singularidades de cada uma de suas modalidades que estão presentes no negociação com o ente público.
ordenamento jurídico brasileiro. Deve-se destacar que a corrupção passiva é bilateral ou de concurso
Este trabalho também analisa os crimes de licitação previstos na necessário à corrupção ativa, mas a corrupção ativa é crime independente
Lei nº 8.666/93, tendo como objetivo principal trazer sugestões de mu- da corrupção passiva.
dança nas modalidades de licitação para que evite a fraude e a prática de
tais crimes no procedimento administrativo, visando sempre atender os 1.1. CORRUPÇÃO PASSIVA
princípios que norteiam a Administração Pública. Este crime está definido no artigo 317 do Código Penal Brasileiro,
conceituado como “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
1. CORRUPÇÃO indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”4.
De início, ao se fazer uma pesquisa simples aos sinônimos da pa-
lavra “corrupção” se variam os vocábulos sendo os principais adulteração, O bem jurídico protegido neste dispositivo é a Administração Públi-
desvirtuação e deturpação. Tais palavras já remete a ideia central do con- ca, também a integridade dos funcionários públicos e sua respeitabilidade.
ceito de corrupção que se trata, portando, do ato de corromper algo ou Uma vez que, o sujeito ativo deste crime é somente o funcionário público,
alguém que decorre do intuito de obter vantagem, benefício ou privilégio aquele que se deturpa de sua função ou de sua atuação ética e correta para
sob determinada situação. beneficiar algo ou alguém com o objetivo de, em troca, receber vantagem
indevida por esse ato. Já, quem entra no sujeito passivo deste crime é o
A corrupção aumentará entre os corruptores e também entre os que já
estão corrompidos. O povo distribuirá entre si todos os dinheiros públi- Estado-Administração, ou seja, a entidade que foi lesada pelo ato corrupto
cos e, como terá juntado à sua preguiça a gestão dos negócios, também de seu funcionário. Também pode se considerar sujeito passivo deste crime
vai querer juntar à sua pobreza os divertimentos do luxo. Mas, com sua o eventual particular que tenha sido lesado por tal ato do sujeito ativo, haja
preguiça e seu luxo, só o tesouro público poderá ser para ele um objetivo. vista que a vantagem indevida acarreta consequências a todos os cidadãos.
Não devemos ficar surpresos ao vermos que os sufrágios são dados em A corrupção, como a violência, ocorre quando a ausência de oportu-
troca de dinheiro. Não se pode dar muito ao povo sem tirar ainda mais nidades de mobilidade fora da política se combina com a existência de
dele; mas, para tirar dele, deve-se derrubar o Estado3. instituições frágeis e inflexíveis, canalizando energias para o comporta-
mento político desviante5.
Em ambas as modalidades do crime de corrupção (ativa e passi-
va) fala-se em vantagem indevida, pode-se conceituar vantagem indevida Como já mencionado a corrupção passiva, para existir, necessita
como lucro ou ganho impróprio de algum valor. Tal vantagem se trata do
4 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da
União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
3 MONTESQUIEU, Charles de Decondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação de Re- 5 HUNTINGTON, Samuel P. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo:
nato Janine Ribeiro e tradução de Cristina Murachco. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Editora da Universidade de São Paulo, 1975, p. 80.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ELOÍSA RODRIGUES SALES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

de sua relação bilateral com a corrupção ativa, uma vez que para o fun- Este sujeito é, portanto, aquele que entrega, promete ou oferece
cionário público deturpar-se e privilegiar algo ou alguém, é necessário vantagem indevida para que o funcionário público se corrompa, pratique
que este também se corrompa. o crime do artigo 317 do código penal e deixe de realizar algum ato de
ofício ou o realize para beneficiar algo ou alguém, podendo também apenas
Não se pode falar em crime de corrupção passiva uma vez que
retardar para realizar assim beneficiando outrem.
não exista a relação do sujeito ativo com a função pública, é necessário
que exista motivação e interesse por esta função que o agente exerça ou A pena para o crime de corrupção ativa é de reclusão de dois a doze
exercerá futuramente. anos e multa. A ação penal também é pública incondicionada.
O artigo utiliza os verbos “solicitar”, “receber” e “aceitar”, ou seja,
a conduta típica do funcionário público deve se adequar às atividades de 2. LICITAÇÃO
tais verbos, sendo “solicitar” atribuído a conduta de manifestar desejo de A licitação é um procedimento administrativo público que visa ana-
querer algo, “receber” se adequa a conduta de obter algo e “aceitar” se torna lisar as propostas de serviços, prestações de serviços e produtos, os quais a
da mesma forma uma conduta de obter algo, mas que lhe é prometido, ou entidade necessita, para assim realizar a melhor contratação para os órgãos
seja, concordar com o recebimento de algo no futuro. públicos. Melhor contratação em qualidade e em preço.
A pena para tal crime é de reclusão de dois a doze anos e multa, e a Pode-se definir licitação como o procedimento administrativo pelo qual
ação penal é pública incondicionada, ou seja, incondicionada a represen- um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos
tação, uma vez que o Ministério Público com toda sua atribuição de defesa os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento
da ordem jurídica, dos direitos sociais e do regime democrático, tem total convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais
selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato.7
autonomia para ingressar com tal ação.
A licitação, portanto, serve para que, seja realizada a contratação
1.2. CORRUPÇÃO ATIVA com a entidade pública de forma a respeitar a isonomia da concorrência,
O Código Penal Brasileiro assim conceitua corrupção ativa em seu para que a entidade realize contrato com uma empresa que seja séria e que
artigo 333 “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, esteja funcionando legalmente, e acima de tudo, que seja a melhor nego-
para determina-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”6. ciação para a entidade pública de forma mais econômica e vantajosa para
tal entidade, no sentido de economia financeira.
O bem jurídico tutelado neste dispositivo também é a Administra-
ção Pública, da mesma forma que na corrupção passiva, juntamente com A Constituição Federal de 1988, vigente em nosso ordenamento
a integridade de seus funcionários. jurídico, torna, através do artigo 37, XXI, obrigatória a licitação para o
contrato de obras, serviços, compras e alienação, assim como para a con-
Dentre as diferenças do crime de corrupção passiva e o crime de cessão e permissão de serviços públicos, através do artigo 175 da mesma. 8
corrupção ativa, se destaca o sujeito ativo, que na corrupção ativa não
necessita de qualidade especial de funcionário público como na corrup- A Lei Federal nº 8.666/939, é a lei que estabelece normas gerais
ção passiva. Aqui, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa independente sobre licitação e contratos administrativos pertinentes conforme a
de condição ou qualidade. Há que se destacar que este pode, por vez, ser
funcionário público, mas para se caracterizar neste crime em específico o 7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2007,
sujeito ativo não deve agir em razão dos exercícios de sua função. p.462.
8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de
1988, Brasília.
9 BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
6 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá
União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ELOÍSA RODRIGUES SALES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Constituição Federal de 1988 no âmbito da administração direta: da União, compreende as fases de edital, habilitação, classificação, homologação
dos Estados, Municípios e Distrito Federal. Se subordinam também a esta e adjudicação11.
lei as entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados,
O edital é chamado de lei da licitação e do contrato, é o ato pelo qual
Municípios e Distrito Federal, como por exemplo as autarquias, empresas
a Administração divulga a abertura da concorrência do certame, também
públicas e fundações públicas, entre outras.
é nele que se contém as exigências para a contratação, as quais devem
2.1. MODALIDADES DE LICITAÇÃO ser rigorosamente cumpridas, dessa forma, ele estabelece e nada pode ser
acrescentado ou excluído.
É necessário estudar os procedimentos de cada modalidade de lici-
tação vigentes em nosso ordenamento jurídico para que se possa ter maior Na fase chamada habilitação ocorre a abertura dos envelopes de
amplitude da compreensão do objetivo deste artigo. documentação, onde se ocorre a conferência de cada um dos licitantes, do-
cumentos estes que já foram informados no edital da licitação. Estes devem
As modalidades de licitação estão previstas no artigo 22, da Lei estar assinados pelos licitantes presentes e devem ser assinadas naquele
8.666/93 e são: concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão e momento pela Comissão de Licitação, visando assim impedir a substituição
pregão.10 Estas modalidades determinarão o procedimento que a licitação irá posterior visando evitar o prejuízo ou benefício de algum participante12.
ocorrer, ou seja, cada modalidade tem uma particularidade no procedimento
como os tipos de serviços, da forma habilitação e do valor do contrato. A fase classificação é subdividida em duas etapas, sendo que a pri-
meira consiste na abertura do envelope de propostas dos concorrentes
2.1.1. DA CONCORRÊNCIA já habilitados, os envelopes são abertos em ato público, e é lavrada ata
circunstanciada, assinada pelos licitantes presentes e pela comissão. Já, a
A modalidade de licitação chamada Concorrência se realiza com segunda etapa é onde ocorre o julgamento das propostas, que deve ser
ampla publicidade para assegurar a participação de qualquer um que tenha julgada conforme o tipo de licitação que está sendo realizada e os critérios
interesse e que preencha os requisitos previstos no edital da licitação. Sendo do ato convocatório (edital)13.
as características básicas a publicidade e a universalidade.
Não se pode confundir, aqui, a modalidade de licitação com o tipo
Tal publicidade que deve ser ampla, portanto, deve ser divulgada de licitação, a modalidade de licitação como já relatado são seis e que estão
no mínimo uma vez, com o local em que os interessados podem ler e obter previstas no artigo 22 da Lei 8.666/93. Os tipos de licitação estão previstos
o texto integral com as informações principais do certame. Se, por exem- no artigo 45 em seu parágrafo primeiro e devem ser previamente estabeleci-
plo, for uma entidade da Administração Pública Federal, tais informações dos no ato convocatório para determinar o critério de seleção das propostas
devem ser divulgadas no Diário Oficial da União, se for uma entidade do do certame, sendo estes: de menor preço; a de melhor técnica; a de técnica
estado deve-se divulgar no Diário Oficial da unidade federativa e dos mu- e preço e a de maior lance ou oferta.
nicípios em seus respectivos meios de divulgação oficiais que costumam
ser os sítios online das prefeituras. A próxima fase após a classificação é a homologação, a delibera-
ção é da autoridade competente quanto à homologação. A homologação
Já a característica da universalidade significa que há possibilidade equivale à provação do procedimento podendo, se houver algum vício de
de participação de qualquer interessado desde que apresente os requisitos ilegalidade, anular o procedimento ou determinará seu saneamento. Sendo
mínimos de qualificação exigidos no edital de divulgação. possível, por razões de interesse público realizar a revogação da licitação14.
O procedimento da licitação de modalidade concorrência
11 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 505.
12 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 506.
10 BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da 13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 511.
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá 14 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993. 514-515.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ELOÍSA RODRIGUES SALES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

A revogação de licitação está prevista no artigo 49, da Lei n. O procedimento da tomada de preços é semelhante com o proce-
8.666/93 que prevê: dimento da modalidade de concorrência, diferenciada daquele quanto ao
a autoridade competente para a aprovação do procedimento somente prazo de antecedência na publicação do edital, que deve ser de quinze dias,
poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente segundo o artigo 21, §2º, III, da Lei 8.666/93. Quanto ao mais, nada muda
de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente comparado as fases da concorrência.
para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício
ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente 2.1.3. DO CONVITE
fundamentado.15
A modalidade de licitação chamada convite é entre, no mínimo, três
É por meio da instauração de um processo administrativo que interessados da escolha da unidade administrativa, sendo cadastrados ou
ocorre a revogação da licitação, garantindo assim o direito de contraditó- não, podem participar também aqueles que não foram convidados, mas
rio e ampla defesa previstos no §3º do mesmo artigo. que estejam cadastrados na referida modalidade da licitação e que mani-
E caso não seja revogada por fim ocorre a fase da adjudicação, que se festarem seu interesse em no mínimo vinte quatro horas de antecedência
trata do ato declaratório para atribuir ao vencedor o objeto da licitação. Não da apresentação das propostas.
se deve confundir com a celebração do contrato pois este só será assinado Alguns doutrinadores denominam o procedimento do convite de
posteriormente uma vez que que a Administração irá convocá-lo para tal. “simplificado”, pois a convocação dos concorrentes é feita por escrito,
mediante carta-convite dirigida a pelo menos três interessados, com no
2.1.2. DA TOMADA DE PREÇOS mínimo cinco dias úteis de antecedência. Estes interessados são esco-
A qualificação da tomada de preços encontra-se prevista no artigo lhidos pela unidade administrativa e, é necessário, a fixação, em local
22, §2º da Lei n. 8.666/93, que assim estabelece: apropriado, da cópia do instrumento convocatório, a publicação no diário
Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devi- oficial facultativa. A lei não exige publicação de edital uma vez que já é
damente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas enviada a carta-convite aos convidados.
para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das Após recebidos os envelopes com as propostas, seguem-se para a
propostas, observada a necessária qualificação.16
classificação, homologação e adjudicação.
A principal característica desta modalidade é quanto à sua fase Tal modalidade de licitação está prevista na Lei de Licitação, Lei n.
de habilitação, que é feita antes do procedimento da licitação para os 8.666 de 1993, artigo 22, §3º:
inscritos no registro cadastral e para os que apresentam documentação
Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo perti-
necessária para o cadastramento, com três dias de antecedência da data nente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em
do recebimento das propostas. número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará,
em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá
Este registro chamado de “registro cadastral” deve ser mantido
aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifes-
por órgãos que realizem licitações frequentes, devendo este registro ser tarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas
atualizado anualmente e deixa-se claro que a pessoa cadastrada recebe um da apresentação das propostas.17
“certificado de registro cadastral” com validade de mesmo tempo.
2.1.4. DO CONCURSO
15 BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá A modalidade de licitação chamada concurso está prescrita no
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993.
16 BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da 17 BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993. outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ELOÍSA RODRIGUES SALES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

artigo 22, §4º da Lei de Licitação: No artigo 53, §4º, da reeferida Lei, consta que o edital do leilão
Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para deve ser amplamente divulgado principalmente no município em que irá
escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição ocorrer. No edital deve conter a forma de pagamento do bem, sendo, pre-
de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constan- ferencialmente, à vista ou preestabelecido no mesmo o percentual à vista,
tes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de sendo obrigatoriamente não menor que 5% do valor. Este pode ser feito
45 (quarenta e cinco) dias.18
por servidor designado pela própria administração ou por leiloeiro oficial.
O concurso é cabível apenas na escolha de trabalho técnico, científi-
co ou artístico, como por exemplo na contratação de prestação de serviços 2.1.6. DO PREGÃO
de médicos, arquitetos, engenheiros. Para a prestação de tais serviços Tal modalidade de licitação está prevista na Lei n. 10.520/2002, com-
especializados deve ser a modalidade preferencialmente escolhida, com posta por 13 artigos os quais institui o pregão e dá providencias ao mesmo.
estipulação prévia de remuneração.
Para aquisição de bens e serviços comuns é adequada a modalidade
Quanto ao procedimento desta modalidade, em lei consta que o de licitação chamada pregão sendo sua disputa pelo fornecimento simples,
edital deve ser publicado com antecedência de quarenta e cinco dias e que o pois uma vez que é realizada por meio de propostas e lances em sessão
regulamento deverá indicar: a qualificação exigida do licitante, as diretrizes pública, qualquer que seja o valor estimado para a contratação.
e forma de apresentação do trabalho, as condições de realização do con-
curso e os prêmios ou remuneração a serem concedidos. Verifica-se nesta É um procedimento que se transcorre por meio de vários atos, prin-
modalidade que, a escolha não leva em consideração o valor, uma vez que cipalmente, da administração e dos licitantes. É realizado em duas etapas,
já consta no edital o prêmio ou remuneração. Também não é considerado das quais, a etapa preparatória, que precede a abertura do procedimento ao
qualquer equivalência quanto à qualidade do trabalho do licitante. público, que exige basicamente a justificativa da necessidade de contrata-
ção, definição do objeto, exigências para a habilitação, critérios de aceitação
2.1.5. DO LEILÃO da proposta, cláusulas do contrato e sansões por inadimplemento20.

O leilão é comumente utilizado a venda de bens móveis, conforme Quanto à segunda etapa, a etapa externa, que compreende as fases
artigo 22 § 5º Lei n. 8.666/93 de edital, julgamento e classificação, habilitação, adjudicação e homo-
Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a
logação, sendo que nesta fase que também será a cargo do pregoeiro e
venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos respectiva Comissão de Licitação21.
legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imó- Percebe-se que são as mesmas fases da concorrência, tendo a parti-
veis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior
ao valor da avaliação19.
cularidade de conter uma inversão das fases de classificação e habilitação.

Mas, para a alienação de imóveis da Administração Pública, oriun-


dos de procedimentos judiciais ou de ação de pagamento conforme traz o
3. DOS CRIMES NOS PROCEDIMENTOS LICITATÓ-
artigo 19 da mesma Lei, pode-se utilizar a modalidade leilão uma vez que
RIOS
ele prevê em seu inciso III que deve ser adotado o mesmo ou a modalidade Nesta seção analisar-se-ão os crimes de licitação previstos na Lei
de concorrência somente, sendo regras para tal tipo de alienação. de Licitação, qual seja, a n. 8.666/93, seção III, compreendendo os arti-
gos 89 a 98.
18 BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993. 20 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.
19 BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da 518-522.
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá 21 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993. 518-522.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ELOÍSA RODRIGUES SALES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

O artigo 89, prevê a punição para o funcionário público que dis- a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover
pensar a licitação ou deixar de exigir a mesma quando se encontra em indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro de
condições de assim fazê-la, podendo ser o responsável pela comissão lici- inscrito22.
tante ou até mesmo o chefe do Poder Executivo²¹.
O artigo 90, traz a sanção para aquele que, fraudar ou frustrar o 4. COMO AJUSTAR AS MODALIDADES DE LICITA-
caráter competitivo do procedimento licitatório, com o objetivo de obter ÇÃO PARA EVITAR OS CRIMES E FRAUDES
vantagem decorrente de combinação no certame para a determinar que Para evitar os crimes previstos na Lei de Licitação n. 8.666/93 e,
uma pessoa específica se encaixe na adjudicação²¹. consecutivamente, a corrupção ativa e a corrupção passiva, pode-se reali-
O artigo 91, determina como crime o ato de patrocinar o interesse zar ajustes nas próprias modalidades de licitação para que assim dificulte
privado perante a administração, dando condição e causa para a instau- a realização de fraudes.
ração de licitação e celebração de contrato cujo era inválido, sendo tal De início, para evitar o crime do artigo 90, a fraude do caráter
invalidade decretada pelo poder judiciário²¹. competitivo do procedimento de licitação, propõe-se rever as modalida-
No artigo 92, é determinado como crime o ato de dar causa a qual- des que permitem que os licitantes fiquem em contato momentos antes
quer modificação ou vantagem, como por exemplo, prorrogação contratual, da habilitação, na hora desta e até mesmo no momento de abertura dos
em favor do adjudicatário, sem autorização em lei, no ato convocatório da envelopes de propostas. Prevenindo uma possível combinação de valores,
licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais²¹. troca de envelopes e possíveis negociações futuras, evitar que tais práti-
cas ocorram entre os licitantes preserva uma melhor contratação para a
Nesse passo, o artigo 93, prevê crime o fato de impedir, perturbar ou
administração pública.
fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório²¹.
Seria uma solução para isso realizar a definição de horários para
O artigo 94, traz crime a quebra de sigilo de proposta apresentada
que cada licitante apresente sua documentação de habilitação separado
em processo licitatório ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassa-lo²¹.
dos outros, nas modalidades de pregão, tomada de preço e concorrência,
O artigo 95, prevê crime afastar ou procurar afastar licitante, por por exemplo.
meio de ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo²¹.
A exigência de editais mais claros e elaborados com mais atenção
Já, o artigo 96, determina como crime fraudar em prejuízo da fa- pelos funcionários públicos seria mais vantajoso para a administração,
zenda pública, licitação instaurada para aquisição de bens mercadorias pois muitas vezes editais são copiados modificando apenas o objeto da
ou contrato dela decorrente, podendo ser de forma a elevar os preços licitação. Com essa exigência, as modalidades de licitação seriam utiliza-
arbitrariamente, vendendo mercadoria como perfeita, mas sendo ela das de forma mais adequada promovendo a vantagem que cada uma tem
falsificada ou deteriorada, entregando uma mercadoria por outra, al- em sua determinada função.
terando substancia, qualidade ou quantidade de mercadoria fornecida,
tornar, de qualquer modo, injustamente, a proposta mais onerosa ou a 4.1. DA PROPOSTA PARA A MODALIDADE CONCOR-
execução do contrato²¹. RÊNCIA
O artigo 97, prevê como crime a celebração de contrato e admis- Apesar da concorrência ser uma modalidade que pode abranger
são de licitação com empresa ou profissional inidôneo, aquele que não qualquer valor de contrato, há prestações de serviços para a administração
é adequado²¹.
22 BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
O artigo 98, traz como crime o impedimento ou ato de dificultar Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ELOÍSA RODRIGUES SALES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

pública que a legislação exige que a modalidade de licitação seja a con- processo licitatório. Infringindo assim o artigo 97 que prevê como crime a
corrência, como por exemplo serviços de engenharia e construção civil celebração de contrato com empresa ou profissional inidôneo.
com valor certo do contrato entre seiscentos e cinquenta mil reais e um
Apresenta-se como proposta a conferência pelos órgãos públicos
milhão e meio de reais23.
dos documentos da empresa em um tempo menor que um ano, sendo
Se sabe que mesmo sabendo que tal modalidade é exigida para que se não atualizado ou conferido, a empresa ficaria suspensa de licitar
alguns tipos de contrato, essa modalidade pode ser utilizada para outras com a entidade.
contratações que visem a ampla concorrência para a melhor contratação
com o órgão licitante. 4.3. DA PROPOSTA PARA A MODALIDADE CONVITE
A habilitação desta modalidade é na fase preliminar e mesmo Para realizar tal modalidade é necessário enviar cartas-convite para
assim há a ocorrência do crime do artigo 97 que visa a não contratação no mínimo três empresas que são qualificadas para realizar tal contratação
com empresas idôneas. com a entidade pública.

Propõe-se, portanto, fiscalizar a habilitação das empresas que Sugere-se que o número mínimo de cartas-convite sejam maiores,
estão participando do certame no momento da abertura dos envelopes, que este número suba para cinco e que se a cidade for de uma população
emitir nos sites oficiais as certidões negativas de débitos das mesmas maior que quinhentos mil habitantes para cada cem mil a mais esse número
com o Estado, a União e o Município, para evitar que a empresa tenha se aumente uma empresa que seria convidada.
tornado inidônea no espaço de tempo em que a certidão foi emitida até E, claramente, a publicidade deve continuar para que empresas que
o momento da licitação. não são convidadas possam também saber do certame e assim participar.
Propõe-se também que a empresa apresente a comprovação da pres-
tação de serviços com outra entidade, não necessariamente pública, mas 4.4. DA PROPOSTA PARA A MODALIDADE CONCURSO
um contrato ou uma nota fiscal recente para comprovar o funcionamento A modalidade de licitação chamada concurso visa a contratação de
da empresa. Com essa exigência evitar-se-ia a contratação com empresas um serviço ou prestação de serviços técnica, científica ou artística.
abertas previamente com a finalidade apenas de realizar contração com
A proposta para tal modalidade é a ampla divulgação do concurso
órgãos públicos, sendo estas sem funcionários, sem histórico de funciona-
dentro dos conselhos regionais de cada especialidade, como por exemplo,
mento que não tem estrutura para cumprir com o contrato realizado com
se a contratação fosse para médicos, seria pertinente que a entidade pública
a administração e acaba, por fim, prejudicando os cofres públicos.
enviasse ao Conselho Regional de Medicina um ofício informando sobre
4.2. DA PROPOSTA PARA A MODALIDADE TOMADA DE a abertura da contratação por concurso de tal especialidade e solicitando
PREÇOS que repasse a mesma para todos os membros Dessa forma, permitiria que
maior amplitude de concorrência no concurso e consecutivamente maior
Na modalidade de tomada de preços, o registro cadastral das em- chances de uma contratação mais vantajosa para o órgão público.
presas é de certificação de um ano. Propõe-se para a administração pública
que diminuísse tal tempo de validade deste certificado, uma vez que neste 4.5. DA PROPOSTA PARA A MODALIDADE LEILÃO
período de tempo que é muito longo, uma empresa já cadastrada, pode
se tornar inidônea e mesmo assim, com este certificado, participar de um A modalidade de leilão, da forma como já é realizada, deve ser
muito bem divulgada, porém propõe-se que tenha uma meta de divulga-
ção, como por exemplo, ter um número mínimo para realizar a divulgação
23 BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da antes de realizar o certame. Sendo exigido que seja publicado nos veículos
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993. de informação com maior publicidade da localidade.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ELOÍSA RODRIGUES SALES – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Propõe-se também que as prefeituras municipais, unidades federa- Espera-se que as modalidades de licitação sejam adequadas as mo-
tivas, Estado e entidades públicas tenham em seus sítios online uma aba dificações que a sociedade tem apresentado, que não somente as propostas
obrigatória para a divulgação deste tipo de licitação, visto que, tem muita trazidas neste artigo sejam, no futuro, incorporadas ao Ordenamento Ju-
chance de aumentar a vantagem no certame para o ente, municipalidade rídico, mas também outras que dificultem cada vez mais a corrupção nos
ou Estado quanto maior é a publicação. processos licitatórios. Entende-se que conforme muda o sistema a endêmi-
ca massa corrupta se adequa a ele, portanto é importante que aquele esteja
4.6. DA PROPOSTA PARA A MODALIDADE PREGÃO em constante manutenção. Dificultar a ocorrência dos crimes que afrontam
O pregão é a única modalidade de licitação que não está disposto na a Lei de Licitação n. 8.666/93, é também dificultar a ocorrência do crime
Lei de Licitação n. 8.666/93, e sim na Lei n. 10.520/02, por ser uma licitação de corrupção passiva e do crime de corrupção ativa, consecutivamente.
de bens e serviços comuns e poder abranger qualquer valor de contratação. Por fim, este estudo teve a finalidade de gerar incentivo para a atua-
Por caracterizar contratações comuns, essa licitação é muito fre- lização na forma de contratação pública, visando a manutenção para evitar
quente na administração pública, uma vez que a aquisição de materiais as fraudes e crimes no âmbito da Administração Pública.
de trabalho e de rotina tem grande rotatividade. Essa modalidade tem a
possibilidade de ser realizada eletronicamente, tem sido muito frequente REFERÊNCIAS
inclusive a realização peça forma digital. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 5: parte especial: dos cri-
mes contra a administração pública e dos crimes praticados por prefeitos. 9. ed. rev.,
O procedimento comum desta modalidade é primeiramente a aná- ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.
lise de propostas de contratação e depois a análise da documentação. Em BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outu-
algumas entidades já se adota a forma como é nas outras modalidades, bro de 1988, Brasília.
primeiramente a análise de documentação e depois de propostas, sugere-se BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial
que esta inversão ocorra no dispositivo legal para que todas as modalidades da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
de licitação sejam padronizadas para esse procedimento. BRASIL. Decreto-Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso
XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Adminis-
tração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993.
5. CONCLUSÃO BRASIL. Decreto-Lei 10.520, 17 de junho de 2002. Institui, no âmbito da União, Esta-
dos, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição
O processo licitatório é um dos meios mais importantes para trazer Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços
a diminuição de gastos públicos. É um procedimento que, se utilizado da comuns, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 18 jul. 2002.
forma correta, gera inúmeros benefícios para a população. Mas muitas D’ ANGELO, Élcio. Aspectos Constitucionais da Administração Pública. Leme/SP:
vezes parte desta mesma população que ao desejar tirar vantagem em cima Independente Editora, 2010.
de um contrato público lesa inúmeros outros cidadãos. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Atlas,
2007.
A saturação de casos de corrupção no Brasil tem sido, sem dúvidas, HUNTINGTON, Samuel P. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo:
exaustiva e vergonhosa, não sendo mais possível aguentar tamanha quan- Editora da Universidade de São Paulo, 1975.
tidade de casos dessa natureza em qualquer esfera de poder. Não se é mais MATOS, João Carvalho de. Direito Penal: Parte Geral e Especial – Doutrina – Prática.
possível aguentar qualquer outra fraude em nenhum processo de licitação. Leme/SP: Mundo Jurídico, 2012.
MONTESQUIEU, Charles de Decondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação
É necessário que se faça um maior esforço para evitar que a cor- de Renato Janine Ribeiro e tradução de Cristina Murachco. 2. ed. São Paulo: Martins
rupção se torne cada vez mais sistêmica e se enraíze ainda mais. É com o Fontes, 1996.
objetivo de dificultar a fraude nos processos licitatórios que foi analisado
e apresentado tais propostas nas modalidades de licitação neste trabalho.

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REGULAMENTAÇÃO DO LOBBY –
FERRAMENTA DE COMBATE À CORRUPÇÃO
NAS RELAÇÕES ENTRE OS SETORES
PÚBLICO E PRIVADO
LOBBY REGULATION – FIGHTING TOOL AGAINST
CORRUPTION IN RELATIONS BETWEEN PUBLIC
AND PRIVATE SECTORS

Adenor Antonio Pereira 1


Guilherme Augusto Corrêa Rehder2

Resumo: A corrupção transcende qualquer mal natural para, assim,


incorporar-se nas relações humanas, especificamente entre os setores
público e privado. Diante disto, tem-se que a não regulamentação das
atividades de representação de interesses perante a Administração Pú-
blica ocasiona a incapacidade de fiscalização e controle deste exercício.
Constituindo uma problemática relevante e ensejadora da análise acerca
da Proposta de Emenda à Constituição nº 47/2016 e o Projeto de Lei nº
1202/2007, que pretendem regulamentar o exercício do lobby no Brasil.
O objetivo derradeiro da presente pesquisa é o cumprimento do requi-
sito necessário à aprovação da matéria de Direito Penal, do Curso de
Direito, com a defesa pública deste trabalho. Para o relato utilizou-se o
método indutivo.
Palavras-chave: Corrupção. Grupos de interesses. Lobby.
ABSTRACT: Corruption transcends any natural evil and thus incor-
porates itself into human relations, specifically between the public and
private sectors. In view of this, the non-regulation of the activities of

1 Acadêmico do Curso de Direito, na UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí.


2 Orientador. Professor e Advogado possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Especialização em Ciências Criminais pena Unama, Mestrado em Ci-
ências Jurídicas pela UNIVALI e cursa Doutorado em Ciência Jurídica da Univali sanduíche com
a Widener University Delaware Law School. E-mail:[email protected].

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ADENOR ANTONIO PEREIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

representation of interests before the Public Administration causes the da dificuldade de se obedecer às leis sem receber presentes e que a ambição
incapacity to supervise and control this exercise, constituting a relevant era a principal causa da corrupção [...]”.6.
problem and provoking the analysis about the Proposal of Amendment to
the Constitution nº 47/2016 and Bill 1202/2007, which intend to regulate Para Aristóteles7, a palavra geração é ligada à palavra corrupção,
the exercise of the lobby in Brazil. The ultimate objective of this research is pois ambas designam os aspectos extremos da “evolução” cíclica da ma-
the fulfillment of the necessary requirement for the approval of the subject téria viva. Isto é: “geração é a passagem da potência ao ato, é a criação; a
of Criminal Law, of the Law Course, with the public defense of this work. corrupção é a passagem inversa, é a destruição.”.
For the report the inductive method was used.
Keywords: Corruption. Interest Groups. Lobby. Uma definição científica aceita internacionalmente afirma que
“[...] corrupção é o comportamento que se desvia dos deveres de uma
função pública devido a interesses privados (pessoais, familiares, de
INTRODUÇÃO grupo fechado) [...].”8.
O presente artigo científico tem como objeto abordar o que é o Heloisa Starling (2014)9, analisando a origem da corrupção,
crime de corrupção, destacando-se o tratamento que este instituto recebe afirma que:
no ordenamento jurídico penal brasileiro, a partir de uma leitura à luz da
Na sua origem grega, a palavra corrupção aponta para dois movimentos:
Constituição Federal do Brasil de 19883, do Código Penal Brasileiro – algo que se quebra em um vínculo; algo se degrada no momento da ruptu-
Decreto-Lei n. 2.848/19404, bem como as demais legislações esparsas. ra. As consequências são consideráveis. De um lado, quebra-se o princípio
De igual forma, far-se-á um estudo acerca da Proposta de Emenda da confiança, o elo que permite ao cidadão associar-se para interferir na
vida de seu país. De outro, degrada-se o sentido público. Por conta disso,
à Constituição n. 47/2016, que tramita no Senado Federal e o Projeto de
nas ditaduras, a corrupção tem funcionalidade: serve para garantir a dis-
Lei n. 1202/2007, que tramita na Câmara dos Deputados, ambas propostas sipação da vida pública. Nas democracias – e diante da República – seu
que pretendem regulamentar as atividades de representação de interesses efeito é outro: serve para dissolver os princípios políticos que sustentam
perante a Administração Pública. as condições para o exercício da virtude do cidadão.

Na hipótese de uma eventual regulamentação das atividades de re- Sob uma análise de construção de caráter do homem, Antenor Ba-
presentação de interesses perante a Administração Pública, pretende-se tista (2000)10 entende que a corrupção ou a inclinação para ser corrupto
alcançar a resposta para o que será resguardado e se haverá uma possível ou corruptor é um dos ingredientes da natureza humana, sendo que tal
diminuição dos casos de corrupção entre os setores privado e público. comportamento pode aumentar ou diminuir, segundo as regras estatais.
Neste sentido, afirma que o Estado deve ser forte, cabendo-lhe coibir
1. CORRUPÇÃO – CONCEITO E LEGISLAÇÃO BRA-
SILEIRA 6 BACELAR, Lucidalva Pereira; CAMO, Lindalva Pereira. Projeto Político-Pedagógico
(PPP): função social da escola e gestão do PPP. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha/UANE/
A palavra corrupção provém do latim corruptione, significando
5 Instituto Albanisa Sarasate, 2016. Disponível em: https://www.tce.ce.gov.br/downloads/Contro-
le_Cidadao/gestao_publica/fasciculo_1_.pdf. Acesso em: 06 out. 2018.
degradação, transformação em coisa pútrida, depravação. 7 JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro:
2001. Jorge Zahar Editor.
Pensadores clássicos da filosofia, como Platão e Aristóteles, “[...] 8 BACELAR, Lucidalva Pereira; CAMO, Lindalva Pereira. Projeto Político-Pedagógico
abordavam o tema corrupção no período antes de Cristo, quando tratavam (PPP): função social da escola e gestão do PPP. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha/UANE/
Instituto Albanisa Sarasate, 2016. Disponível em: https://www.tce.ce.gov.br/downloads/Contro-
le_Cidadao/gestao_publica/fasciculo_1_.pdf. Acesso em: 06 out. 2018.
3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro 9 STARLING, Heloisa Maria Murgel. Ditadura Militar. In: AVRITZER, Leonardo (Org.).
de 1988. Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: UFMG, 2008, p. 259.
4 BRASIL, Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da 10 BATISTA, Antenor. Corrupção: fator de progresso?. 5 ed. São Paulo, Letras & Letras,
União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. 2018. Disponível em: http://www.letraseletras.com.br/home/pdf/corrupcao.pdf. Acesso em: 06
5 OXFORD, Dicionário de português. out. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ADENOR ANTONIO PEREIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

exemplarmente e, caso seja necessário, punir severamente os corruptos. Capítulo II – Dos Crimes Praticados Por Particular Contra a Administração
Em Geral, no artigo 332 – denominado “Tráfico de Influência”, dispõe que:
No mesmo caminho, Leonardo Avritzer (2008) leciona que: 11

Art. 332 – Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, van-
A ideia de tratar a corrupção a partir do regime político vai ao longo
tagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado
do século 19 perdendo força, para dar lugar à noção de corrupção dos
por funcionário público no exercício da função: Pena – reclusão, de 2
atores políticos. O pensamento liberal dos últimos dois séculos baseou
(dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único – A pena é aumenta-
suas formulações na ideia de que a associação da virtude à política é uma
da da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também
obra da Antiguidade, que não tem mais lugar nas sociedades modernas.
destinada ao funcionário.
Os homens agem sempre por interesse e, por isso, não há como ligar
diretamente suas ações a um conjunto de valores associados à tradição Na sequência, o artigo 333 – denominado “Corrupção Ativa”,
republicana. dispõe que:
Pois bem. Analisando-se a realidade política brasileira, o renomado Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para de-
jurista Ives Gandra da Silva Martins12 compreende que a corrupção encon- terminá-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de
tra-se na grandeza da estrutura burocrática, desde o pequeno até o mais 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único – A pena é aumentada
de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda
alto escalão. Para tanto, afirma que a Operação Lava Jato13 representou um
ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
marco na história política brasileira, tendo em vista ter estabelecido um
novo padrão moral de comportamento para os futuros políticos nacionais. Adiante, no mesmo diploma legal, o Capítulo II – A – Dos Crimes
Praticados Por Particular Contra A Administração Pública Estrangeira,
No ordenamento jurídico brasileiro, é possível afirmar que leis para
no artigo 337 – B, denominado “Corrupção ativa em transação comercial
o combate da corrupção não faltam. Isto porque, o país já possui um corpo
internacional”, dispõe que:
relevante de normas e mecanismos para confrontar este mal através das
Prometer, oferecer ou dar, direta e indiretamente, vantagem indevida a
vias administrativa e judicial.
funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a
O Código Penal – Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 194014, praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial
aplicável a indivíduos, prevê uma série de crimes relacionados à corrupção. internacional: Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. Parágra-
Inicialmente, no Título IX – Dos Crimes Contra a Paz Pública, no artigo fo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem
ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de
288 – denominado “Associação Criminosa”, dispõe que: ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico
de cometer crimes: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo Na Lei de Ação Civil Pública n. 7.347, de 24 de julho de 198515,
único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se aplicável a indivíduos e empresas, por intermédio de Ação Civil Pública, o
houver a participação de criança ou adolescente. Ministério Público possui legitimidade, a fim de exigir que os acusados de
No Título XI – Dos Crimes Contra a Administração Pública, corrupção sejam condenados a pagar indenização pecuniária pelos danos
coletivos causados à sociedade.

11 AVRITZER, Leonardo. Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte : Editora UFMG,


Na Lei dos Crimes Econômicos n. 8.137, de 27 de dezembro de
2008. p.107. 199016, aplicável a indivíduos, configurada a conduta criminosa de cor-
12 ZAMBELLI, Carla. Corrupção no Brasil por Ives Gandra Martins. 2012. (08:55). Disponí- rupção aliada a prejuízo à ordem econômica, sendo a título de exemplo a
vel em: https://www.youtube.com/watch?v=ixZHTqHcBuA. Acesso em: 06 out. 2018.
13 A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil formação de cartel de empresas com o fim de angariar vantagens ilícitas,
já teve. Retirado de: BRASIL. Ministério Público Federal. Para o cidadão. Caso lava-jato: enten- contando com a contribuição de servidor público, esta lei será aplicada.
da o caso. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/entenda-o-caso.
Acesso em: 29 out. 2018.
14 BRASIL, Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da 15 BRASIL, Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Diário Oficial da União, 25 jul 1985.
União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. 16 BRASIL, Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Diário Oficial da União, 28 dez 1990.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ADENOR ANTONIO PEREIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Na Lei de Improbidade Administrativa n. 8.429, de 2 de junho de de forma sistemática, podem ser condenados a penas de 3 (três) a 10
199217, aplicável a indivíduos e empresas, dispõe sobre as sanções aplicá- (dez) anos de prisão.
veis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício
Destacadas as legislações que estabelecem previsão acerca das puni-
de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta,
ções sobre as condutas de corrupção, passa-se a expor o conceito de lobby.
indireta ou fundacional.
Na Lei das Licitações n. 8.666, de 21 de junho de 199318, aplicável a 2. LOBBY: O QUE É? QUEM FAZ? ONDE SE FAZ?
indivíduos e empresas, tem a finalidade de reprimir fraudes em contratos
de prestação de serviços a entes públicos – licitações e contratos da Ad- 2.1. O QUE É LOBBY?
ministração Pública. Às empresas, a pena pela configuração de conduta
ilegal é a proibição do direito de licitar pelo período de até 2 (dois) anos e A história do lobby, segundo Saïd Farhat22, começou na Inglaterra,
multa que varia de 2 a 5% do valor do contrato firmado e tiver sido fruto onde o uso desta palavra generalizou-se. Os lobistas permaneciam nas an-
de corrupção. Aos indivíduos, pode ser aplicada a pena que varia de 6 (seis) tessalas da Câmara Comum, à espera de membros do Parlamento, a fim de
meses a 6 (seis) anos de prisão, além de multa. abordá-los e intentar expor os interesses que defendiam. A palavra lobby,
sob o ponto de vista do mesmo autor, teve igual conotação nos Estados
Na Lei de Lavagem de Dinheiro n. 9.613, de 3 de março de 199819, Unidos da América, porquanto, as práticas dos lobistas eram as mesmas.
aplicável a indivíduos e empresas, dispõe-se sobre os crimes de “lavagem”
ou ocultação de bens, direitos e valores, e a prevenção da utilização do Ocorre que, não somente na Inglaterra e Estados Unidos da Améri-
sistema financeiro para condutas ilícitas. Esta lei prevê a prisão de 3 (três) ca existe a prática do lobby. O autor Roberto Jenkins Lemos23 aponta este
a 10 (dez) anos e multa, além de outras sanções, aos indivíduos. Já para exercício uma realidade universal:
as empresas, pode ser aplicada multa igual ao dobro do valor do contrato [...] na Grã-Bretanha, [...] o lobby, ali, existe desde o século XVIII,
utilizado para lavar o dinheiro ou igual ou dobro do lucro obtido na ope- bastando lembrar as várias organizações que se bateram pela reforma
parlamentar de 1760-1790, e eram numerosos, maciços, bem organizados
ração de lavagem de dinheiro.
e altamente eficientes; isto desloca a origem do lobby dos Estados Unidos
Na Lei Anticorrupção n. 12.846, de 1º de agosto de 201320, aplicável da América para a Inglaterra.
a empresas, dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil das pes- Quanto à definição da palavra lobby, tem-se que:
soas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional
“LOBBY”. S. m. (Ing) Pessoa ou grupo que, junto a órgãos decisórios (p.
ou estrangeira. A empresa que estiver envolvida com atos de corrupção, ex., o Parlamento), procura influenciar os que tomam decisão, no sen-
deve, de acordo com esta lei, ressarcir os cofres públicos pela vantagens tido de que essa seja favorável aos interesses que representa. O instituto
ilegais contraídas e, ainda, sujeita a condenar o pagamento de multa entre derivado dessa prática: lobbying. Cognato: lobista (Brasil.), pessoa que
0,1 a 20% do valor do seu faturamento bruto no ano anterior ao do início exercita “lobby”.24.
do processo contra ela. Sob o ponto de vista de João Bosco Lodi25, “[...] lobby é a ação
Por fim, a Lei das Organizações Criminosas n. 12.850, de 2 de de influenciar sobre o tomador de decisão na esfera do poder público. A
agosto de 201321, aplicável a indivíduos, dispõe acerca dos casos de agen- atuação persuasória sobre o poder público.”.
tes articulam grupos com a finalidade de cometer condutas de corrupção
22 FARHAT, Saïd. Lobby: O que é. Como se faz. Ética e transparência na representação junto a
17 BRASIL, Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Diário Oficial da União, 3 jun 1992. governos. São Paulo: Aberje Editorial, 2007. p. 50.
18 BRASIL, Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial da União, 6 jul 1994. 23 LEMOS, Roberto Jenkins de. Lobby: direito democrático. Porto Alegre: Sagra, 1986. p. 22.
19 BRASIL, Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. Diário Oficial da União, 4 mar 1998. 24 SIDOU, J. M. Othon ...[et.al]. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
20 BRASIL, Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Diário Oficial da União, 2 ago 2016. 11 ed., rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 382.
21 BRASIL, Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013. Diário Oficial da União, 5 ago 2013. 25 LODI, João Bosco. Lobby, os grupos de pressão. São Paulo: Pioneira, 1986. p. 3.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ADENOR ANTONIO PEREIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Já para Roberto Martins Ferreira26, “[...] lobby é a defesa de interes- 2.2. QUEM FAZ LOBBY?
ses junto a políticos. Ela é feita por profissionais especializados que usam
Nagib Slaibi Filho30 define que participam do processo legislativo
diferentes estratégias para fazer com que os políticos apoiem o projeto que
tanto os agentes legislativos, como também há a participação, à pedido
interessa ao grupo que o lobista representa.”.
destes, de pessoas – lobistas – que possam agregar para o aprofundamento
Até o exposto, todas as definições da palavra lobby levam à ideia de um projeto de lei.
de se tratar de atividade de representação de interesses, com o desejo de
Do ponto de vista de Cláudio Lembo31, lobista “[...] é a pessoa que
influenciar decisões dos membros do poder público.
busca persuadir legisladores para aprovar leis que são favoráveis a seus
Entretanto, em contraposição à isto, o autor Saïd Farhat27 elucida clientes ou rejeitar as que forem desfavoráveis. O lobista é, portanto, pro-
o que não é lobby: fissional do lobby.”.
[...] tráfico de influência ou intercâmbio de interesses; jogadas escusas,
Em conformidade com a ideia supramencionada, Saïd Farhat32
“por baixo do pano”; uso de dinheiro para obter favores, “tratamento
especial”, exceções às regras gerais; também não é tudo aquilo que mais agrega que “[...] o lobista precisa conviver confortavelmente com todos os
bem caracterizado e entendimento, sob a rubrica própria, pelo nome certo agentes do poder que disponham da capacidade de decidir e/ou de influen-
de corrupção. ciar a tomada de decisões de seu interesse.”.
No mesmo sentido, Roberto Martins Ferreira28 entende que “[...] Para tanto, Roberto Martins Ferreira33 expõe que o lobista deve ter
lobby não significa compra de favor ou tráfico de influência. Em tese, nada amplo conhecimento daquilo que pretende defender e, ainda, “[...] deve
há de ilegal nesta atividade. Ela é apenas uma forma de representação de conhecer pessoas que ocupem postos-chaves no governo ou que tenham
interesses.”. capacidade de influenciar em grande número de políticos no Parlamento.”.
Ainda, para corroborar à ideia do que não é lobby, a relatora do Neste sentido, os autores Otis Baskin, Suzette T. Heiman, Dan
Projeto de Lei n. 1202/07, na Comissão de Constituição e Justiça e de Ci- Lattimore, e Elizabeth L. Toth34 acrescentam que “a honestidade é es-
dadania, Deputada Federal Cristiane Brasil (PTB-RJ), argumentou, em sencial, já que a credibilidade é o bem mais importante dos lobistas. Os
audiência pública sobre o tema, que: que adquiriram credibilidade têm a confiança dos senadores, deputados
Operar propina não pode. Muitas vezes, a imprensa mistura e diz que e suas equipes.”.
lobista é operador de propina. Lobista é o cara que está defendendo um Noutro ponto, utilizando-se a ideia de Nagib Slaibi Filho acerca de
interesse. Ele pode representar, por exemplo, uma associação de mulheres
pessoas convidadas pelos agentes legislativos, pode-se adentrar a explica-
que lutam contra o câncer de mama e quer aprovar uma legislação de
proteção a esse público. Onde isso é crime?29 ção sobre grupos de pressão, que, segundo as palavras de Norberto Bobbio,
Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino35 definem:
Compreendida a definição do que é lobby, passa-se a esclarecer os
Grupo de interesse é qualquer grupo que, à base de um ou vários
agentes praticantes desta atividade.

26 FERREIRA, Roberto Martins. Sociedade e empresa: sociologia aplicada à administração. 30 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 487-488.
São Paulo: Saraiva, 2016. p. 200. 31 LEMBO, Cláudio. A pessoa: seus direitos. Barueri, SP: Manole, 2007. p. 206.
27 FARHAT, Saïd. Lobby: O que é. Como se faz. Ética e transparência na representação junto a 32 FARHAT, Saïd. Lobby: O que é. Como se faz. Ética e transparência na representação junto a
governos. São Paulo: Aberje Editorial, 2007. p. 71-72. governos. São Paulo: Aberje Editorial, 2007. p. 70.
28 FERREIRA, Roberto Martins. Sociedade e empresa: sociologia aplicada à administração. 33 FERREIRA, Roberto Martins. Sociedade e empresa: sociologia aplicada à administração.
São Paulo: Saraiva, 2016. p. 200. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 200.
29 WETERMAN, DANEL. Ministro da transparência defende regulamentação de lo- 34 BASKIN, Otis; HEIMAN, Suzette T.; LATTIMORE, Dan; TOTH, Elizabeth L. Relações pú-
bby no país. In: Estadão, 2002. Disponível em: http://www.jb.com.br/informe-cnc/noti- blicas: profissão e prática. Porto Alegre: AMGH Editora Ltda., 2012. p. 304.
cias/2016/07/14/ministro-da-transparencia-defende-regulamentacao-do-lobby-no-brasil/. 35 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de políti-
Acesso em: 29 set. 2018. ca. 1. ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 511.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ADENOR ANTONIO PEREIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

comportamentos de participação, leva adiante certas reivindicações em requerer tudo o que parecer justo – sem exceção ou condicionamentos.”40.
relação a outros grupos sociais, com o fim de instaurar, manter ou ampliar
formas de comportamento que são inerentes às atitudes condivididas. Na sequência, abordar-se-á acerca de onde se faz lobby.

Ocorre que Paulo Bonavides36 explica que os grupos de interes-


se “[...] podem existir organizados e ativos sem, contudo, exercerem a 2.3. ONDE SE FAZ LOBBY?
pressão política.”. O âmbito de atuação do lobby, de acordo com Samantha Meyer-
Isto significa, segundo Reinaldo Dias37, que os grupos de interesse Plug41 pode ser pública, institucional, classista ou privada.
passam a ter relevância “[...] quando utilizam mecanismos de pressão para O lobby público “[...] refere-se à atuação de Ministérios, Agências
obter o que desejam, [...] contato diretamente com suas lideranças para per- Reguladoras, Autarquias ou outros órgãos estatais.”.
suadir a autoridade pública respectiva sobre a importância da demanda.”.
O lobby institucional diz respeito “[...] à atuação dos departamentos
Ou seja, o grupo de interesse se transformará em um grupo de pres- de assuntos corporativos ou institucionais das empresas privadas, os quais
são, na medida em que se organiza para alcançar o objetivo de influenciar se relacionam com diversos níveis e esferas governamentais.”.
os membros do poder político a tomarem decisões provenientes de seu
O lobby classista, por sua vez, é aquele cujo exercício se dá entre “[...]
poder de persuasão.
entidades de classe como, por exemplo, a CNI (Confederação Nacional da
Paulo Bonavides38 expõe que a democracia social hodierna não Indústria), com o fim de pressionar os Poderes Públicos e para defender
exterioriza a vontade do homem como indivíduo singular, razão pela qual seus interesses e de seus filiados.”.
há tendência de formação de agregação humana para este fim.
Já o lobby privado “[...] refere-se aos escritórios de consultoria, que
Diante disto, a expressão “grupos de pressão” será adotada para apesar de exercerem a atividade, geralmente não se assumem como tal
os fins deste trabalho, no sentido de elucidar os agentes efetivamente en- devido ao estigma carregado pela expressão e ausência de regulação.”
volvidos na prática da atividade de representação de interesses perante a
Para os fins desta pesquisa, o foco estará no exercício do lobby públi-
Administração Pública, ou seja, a prática do lobby.
co. Tem-se que o lobby público pode acontecer no âmbito dos três Poderes,
Independentemente, seja profissional com experiência na prática do conforme explica Samantha Meyer-Plug42:
lobby (lobista) ou representante de grupos de pressão, Saïd Farhat entende
Os profissionais do lobby atuam durante o processo decisório do
ser possível defender, com fulcro no artigo 5º, caput, da Constituição da
país, portanto, são atuantes no três Poderes. No âmbito do Poder Legisla-
República Federativa do Brasil de 198839, a isonomia de todos os cidadãos
tivo, por exemplo, os lobistas atuam durante todo o processo de produção
perante a lei, e que em razão disto, possuem legitimidade para postular e
normativa, desde as proposições parlamentares, passando pela negociação
fazer valer direitos perante os agentes que detém o poder decisório.
e até a aprovação dos projetos de Lei. [...] Todos têm direito de fazer lobby:
Ou seja, todos têm direito “[...] ao seu dia na Corte: dizer o que falar e convencer. O convencimento faz parte do processo. O Congresso tra-
pensam, defender aquilo em que acreditam, informar, esclarecer, pleitear, balha com verdades relativas e não absolutas, assim cabe o convencimento.

36 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10 ed., 9. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 558. 40 FARHAT, Saïd. Lobby: O que é. Como se faz. Ética e transparência na representação junto a
37 DIAS, Reinaldo. Ciência Política. 2. ed., São Paulo: Atlas, 2013. p. 270. governos. São Paulo: Aberje Editorial, 2007. p. 70.
38 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed., 9. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2000. 41 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Série Pensando o Direito.
p. 557. In: Grupos de interesse (lobby). Brasília, nº 8, p. 21-22., 2009. Disponível em: http://pensando.
39 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos mj.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/08Pensando_Direito1.pdf. Acesso em: 06 out. 2018.
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à 42 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Série Pensando o Direito.
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”. BRASIL. Constituição da Repú- In: Grupos de interesse (lobby). Brasília, nº 8, p. 21-22., 2009. Disponível em: http://pensando.
blica Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Diário oficial da União. 5 de outubro de 1988. mj.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/08Pensando_Direito1.pdf. Acesso em: 06 out. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ADENOR ANTONIO PEREIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

Já no Poder Executivo sua atuação se dá na ocasião das execuções de políti- discussão do tema pela via regimental do Senado Federal, sob o argumen-
cas públicas e no Poder Judiciário quando das decisões de temas relevantes. to de que constitui prerrogativa institucional desta casa a organização de
suas atividades. Todavia, a proposição teve sua tramitação finalizada pelo
Explicada os cenários em que é possível se exercer o lobby, passa-se
decurso de legislatura.
a discorrer acerca da regulamentação desta atividade.
A seguir, analisar-se-á acerca da Proposta de Emenda à Constituição
3. ANÁLISE DA PROPOSTA DE EMENDA À CONS- n. 47/2016.
TITUIÇÃO N. 47/2016 E PROJETO DE LEI N. 1202/2007 3.1. PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.
Há mais de 20 anos que se pretende a regulamentação das atividades 47/2016
de representação de interesses perante os órgãos públicos, ou seja, o lobby. A Proposta de Emenda à Constituição n. 47/2016, que tramita no
O então Senador Marco Maciel apresentou, em 1984, o Projeto de Senado Federal, é de autoria de diversos senadores, configurando como
Lei do Senado n. 2543, cuja ementa dispôs “Sobre o registro de pessoas signatário o Senador Romero Jucá (PMDB/RR).
físicas ou jurídicas junto as Casas do Congresso Nacional”. A proposta intenta acrescentar à Seção I, do Capítulo VII, do Título
A tramitação do projeto durou pouco mais de 3 anos e acabou sendo III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, uma Sub-
arquivado, em 20 de abril de 1988, nos termos do artigo 367 do Regimento seção inteiramente voltada ao exercício do lobby.
Interno do Senado Federal44. Levando em consideração a ideia de Romeu Tuma Junior e Claudio
Ocorre que o projeto arquivado foi recuperado pela apresentação de Tognolli47, que afirmam ser “[...] senso comum que, no Brasil, o lobby, ou
novo projeto, de autoria do mesmo Senador, em 02 de agosto de 1989, agora grupo de pressão, é sinônimo de crime.”, a proposta traz previsão legal de
sob o n. 203/89, cujo teor era idêntico àquele inicialmente apresentado. obediência aos princípios a seguir destacados, para a atividade de repre-
sentação de interesses: I – moralidade; II – publicidade; III – legalidade;
O projeto foi aprovado no Senado Federal e remetido, em 17 de IV – supremacia e indisponibilidade do interesse público; V – finalidade;
dezembro de 1990, à Câmara dos Deputados, onde tramita como Projeto VI – razoabilidade; VII – proporcionalidade.
de Lei n. 6132/199045 e aguarda, desde 08 de janeiro de 2007, decisão
desta Casa. Ainda, nas palavras dos mesmos autores:
O que torna os interesses legítimos ou não, claro, supondo-se o razoável,
No ano de 1995, o então Senador Lúcio Costa propôs, em 12 de é a maneira de buscar atingi-los, a disposição de mantê-los nos estritos
junho de 1995, através do Projeto de Resolução do Senado n. 72/9546 a limites da ética e da legitimidade – e, quando envolver a coisa pública,
obrigatório que atendam aos princípios da Legalidade, Impessoalidade,
43 BRASIL. Senado. Projeto de Lei Complementar PLS 25/1984. Dispõe sobre o registro de Moralidade, Publicidade e da Eficiência.
pessoas fisicas ou juridicas junto as casas do congresso nacional, para os fins que especifica, e
da outras providencias. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/ Durante o 3º Seminário Internacional de Boas Práticas Legislati-
materia/24805 Acesso em: 30 set. 2018.
44 Art. 367. Considera-se proposta nova o substitutivo da Câmara a proposta de inicia-
vas Brasil/Reino Unido48, realizado na Câmara dos Deputados, no dia 09
tiva do Senado de acordo com o regimento: BRASIL. Senado Federal. Regimento interno:
Resolução nº 93, de 1970, Brasília: 2019. . Disponível em: http://www25.senado.leg.br/docu- FINS QUE ESPECIFICA, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS. Disponível em: https://www25.
ments/12427/45868/RISFCompilado.pdf/cd5769c8-46c5-4c8a-9af7-99be436b89c4. Acesso em: senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/24805. Acesso em: 30 set. 2018.
30 set. 2018. 47 JUNIOR, Romeu Tuma; TOGNOLLI, Claudio. Assassinato de Reputações II: muito além
45 BRASIL. Senado. Projeto de Lei Complementar PLS 25/1984. Dispõe sobre o registro de da Lava Jato. São Paulo: Matrix, 2016. p. 58.
pessoas fisicas ou juridicas junto as casas do congresso nacional, para os fins que especifica, e 48 3º Seminário Internacional de Boas Práticas Legislativas Brasil/Reino Unido, organizado
da outras providencias. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/ pela Embaixada Britânica com apoio do Centro de Formação da Câmara dos Deputados (CE-
materia/24805. Acesso em: 30 set. 2018. FOR) e das Consultorias Legislativas da Câmara e do Senado. Disponível em: https://www12.
46 BRASIL. Senado. Projeto de Resolução do Senado PRS 72/1995. DISPÕE SOBRE O RE- senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/09/transparencia-deve-ser-a-chave-para-regulamen-
GISTRO DE PESSOAS FISICAS OU JURIDICAS JUNTO AO SENADO FEDERAL, PARA OS tar-o-lobby-aponta-debate. Acesso em: 30 set. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ADENOR ANTONIO PEREIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

de novembro de 2016, debateu-se acerca da “[...] transparência como a recebeu o Projeto de Lei n. 1202/07 no dia 15 de junho de 2007, sendo
principal base para disciplinar as relações entre congressistas e aqueles designado, em 26 de junho de 2007, o Deputado Federal Milton Monti
encarregados de fazer a defesa de interesses privados.”. (PR-SP) como relator.
Estavam presentes, naquela oportunidade, três parlamentares britâ- O Deputado Federal Milton Monti (PR-SP), apresentou Parecer do
nicos, Graham Brady, Laurence Robertson e Dave Watts, que contribuíram Relator n. 1, em se posicionou favorável ao Projeto de Lei n. 1202/2007.
positivamente para a discussão sobre a regulamentação do lobby no Brasil. Em seu voto, o Deputado Federal Milton Monti (PR-SP) levantou diversas
considerações, destacando-se o seguinte trecho:
O político Dave Watts, defensor da atividade de representação de
interesses, declarou que, “não há nada errado em fazer lobby, mas preci- E por que esse sentido negativo à palavra lobby? Porque a ela se asso-
ciou a prática de procedimentos no mundo da política que nada têm
samos garantir que não haja corrupção nem sejam adotadas na defesa de
de legítimo nem de legal: favorecimento, corrupção, tráfico de influên-
interesses métodos injustos em relação a outros grupos sociais”. cia, advocacia administrativa, gestão temerária, conflito de interesses
Sobre esta ideia, Roberto Jenkins de Lemos49 dispõe que: e outros crimes. Numa democracia saudável, assim como ocorre em
países desenvolvidos, o exercício do lobby honesto, transparente, com
A hipótese de ser um canal de privilegiamento nunca poderá ser afastada informação confiável e representação qualificada ajuda a aperfeiçoar as
e não seria lícito se assegurar que o lobby seja vacina contra a corrupção políticas públicas adotadas pelo Estado.52.
(mas reduz a impropriedade das “decisões de gabinete”). Só que a cor-
rupção não é uma consequência sua e existirá, independentemente da No início deste subcapítulo foi mencionado que na Câmara dos
adoção do lobby; com sua formalização, entretanto, sempre será mais fácil Deputados tramitava o Projeto de Lei n. 1961/2015, em que se pretendia a
o exercício da nossa fiscalização contra indesejável anomalia do compor- regulamentação do lobby, de autoria do Deputado Federal Rogério Rosso
tamento humano.
(PSD-DF). Tal projeto foi apensado ao Projeto de Lei n. 1202/07 em estudo,
Diante disto, apesar das vulnerabilidades do lobby50, o Senador no dia 30 de junho de 2015, pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Romero Jucá (PMDB/RR) conclui que a regulamentação de seu exercício
Analisando-se os artigos que compõe o projeto de lei em questão,
é “promissora vereda para o tratamento normativo eficaz e moderno da
o artigo 9º estabelece que constitui ato de improbidade, a percepção, por
atividade de representação de interesses perante o Poder Público.”51.
servidor público ou agente político, de qualquer “[...] vantagem, doação,
benefício, cortesia ou presente com valor econômico [...].
3.2. PROJETO DE LEI N. 1202/2007
O Deputado Federal Carlos Zarattini (PT-SP), autor do projeto,
Existe, atualmente, em tramitação na Câmara dos Deputados, o
justificou sua intenção nos seguintes termos:
Projeto de Lei n. 6132/90 e o Projeto de Lei n. 1961/15, que foi apensado
ao Projeto de Lei n. 1202/07, e que será o objeto de estudo. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, inúmeras
proposições têm tentado regulamentar a atuação dos “lobbies” na Admi-
A tramitação legislativa do Projeto de Lei n. 1202/07, de autoria do nistração Federal. A proposição que mais perto chegou desse propósito
Deputado Federal Carlos Zarattini (PT-SP), iniciou em 30 de maio de 2007, foi o Projeto de Lei nº 6.132, de 1990, de autoria do então Senador
quando foi apresentado e recebido pelo Plenário da Câmara dos Deputa- Marco Maciel, que chegou a ser aprovado pelo Senado Federal, mas
que, na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara
dos. Inicialmente, o projeto de lei passou por algumas comissões dentro
dos Deputados, recebeu parecer pela sua inconstitucionalidade em face
da Câmara dos Deputados. dos art. 51, III e IV e 52, XII e XIII da Constituição. [...] oportuno que
A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público se volte a este assunto propondo iniciativa legislativa que afaste o óbice

49 LEMOS, Roberto Jenkins de. Lobby: direito democrático. Porto Alegre: Sagra, 1986. p. 103. 52 Íntegra do voto disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostra-
50 LEMOS, Roberto Jenkins de. Lobby: direito democrático. Porto Alegre: Sagra, 1986. p. 104. rintegra?codteor=534739&filename=PRL+1+CTASP+%3D%3E+PL+1202/2007. Acesso em: 30
51 Trecho do último parágrafo da PEC nº 47/2016. out. 2018.

204 205
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS ADENOR ANTONIO PEREIRA – GUILHERME AUGUSTO CORRÊA REHDER

apontado, mas conduza a um resultado suficiente no plano jurídico para REFERÊNCIAS


disciplinar a conduta e atuação de pessoas físicas e jurídicas voltadas a AVRITZER, Leonardo. Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG,
influenciar o processo legislativo. 2008.
Neste sentido, indica que o lobby é a essência da democracia, sob a BASKIN, Otis; HEIMAN, Suzette T.; LATTIMORE, Dan; TOTH, Elizabeth L. Relações
públicas: profissão e prática. Porto Alegre: AMGH Editora Ltda., 2012.
justificativa de que:
BATISTA, Antenor. Corrupção: fator de progresso?. 5 ed. São Paulo, Letras & Letras,
Com transparência, os grupos de pressão e de interesse possam atuar 2018.
organizadamente, e que, com menores custos, todos os setores da socie-
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
dade possam fazer uso de estruturas profissionais destinadas a levar suas
política. 1. ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1998.
opiniões e posicionamentos aos Congressistas, em benefício do processo
legislativo e de sua segurança. BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10 ed., 9 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2000.
BRASIL, Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Ofi-
Adiante, o deputado federal acrescenta que a regulamentação das cial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
atividades de representação de interesses está intimamente atrelada à pos- BRASIL, Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Diário Oficial da União, 2 ago 2016.
sibilidade de se barrar relações corrompidas entre representantes do setor
BRASIL, Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013. Diário Oficial da União, 5 ago 2013.
privado e do setor público, ao passo que estas relações seriam fiscalizadas
através dos instrumentos de controles. BRASIL, Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Diário Oficial da União, 25 jul. 1985.
BRASIL, Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Diário Oficial da União, 28 dez
Por fim, conclui-se que a regulamentação poderá ser um meio de 1990.
evitar a corrupção, na medida em que as relações entre os representantes BRASIL, Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Diário Oficial da União, 3 jun. 1992.
do setor privado e do setor público comprometam-se com a idoneidade do
BRASIL, Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial da União, 6 jul. 1994.
processo decisório, buscando transparência.
BRASIL, Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. Diário Oficial da União, 4 mar 1998.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília. 5 de ou-
4. CONCLUSÃO tubro de 1988.

O presente artigo teve como objetivo analisar a Proposta de Emenda BRASIL. Senado. Projeto de Lei Complementar PLS 25/1984. Dispõe sobre o registro
de pessoas físicas ou jurídicas junto as casas do congresso nacional, para os fins que
à Constituição n. 47/2016, que tramita no Senado Federal e o Projeto de Lei especifica, e da outras providencias. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/
n. 1202/2007, que tramita na Câmara dos Deputados, ambas a respeito da atividade/materias/-/materia/24805. Acesso em: 30 set. 2018.
pretensão de regulamentar-se a atividade de representação de interesses pe- BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Série Pensando o
rante a Administração Pública, de modo a trazer transparência nas relações Direito. In: Grupos de interesse (lobby). Brasília, nº 8, p. 21-22., 2009. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/08Pensando_Direito1.pdf.
entre os setores público e privado e evitar-se possíveis crimes de corrupção. Acesso em: 06 out. 2018.
A divisão do estudo deu-se através de três capítulos, sendo no pri- BRASIL. Senado. Projeto de Resolução do Senado PRS 72/1995. DISPÕE SOBRE O
REGISTRO DE PESSOAS FISICAS OU JURIDICAS JUNTO AO SENADO FEDE-
meiro tratado o conceito e previsão legal na legislação brasileira acerca do RAL, PARA OS FINS QUE ESPECIFICA, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS. Disponí-
instituto da corrupção; no segundo esclareceu-se o que é, quem faz e onde se vel em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/24805. Acesso
exercita a atividade do lobby e, por fim, no terceiro analisou-se as duas princi- em: 30 set. 2018.
pais intenções de regulamentar a atividade do lobby, no Congresso Nacional. BRASIL. Senado Federal. Regimento interno: Resolução nº 93, de 1970, Brasília:
2019. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/documents/12427/45868/RISF-
Diante de todo o estudo, pode-se concluir que sancionadas quaisquer Compilado.pdf/cd5769c8-46c5-4c8a-9af7-99be436b89c4. Acesso em: 30 set. 2018.
das duas intenções de regulamentar a atividade do lobby, estar-se-á resguar- BRASIL. Ministério Público Federal. Para o cidadão. Caso lava-jato: entenda o caso.
dando a transparência entre os setores público e privado, através de um meio Disponível em: http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/entenda-o-caso.
Acesso em: 29 set. 2018.
de fiscalização e evitando-se, consequentemente, as práticas de corrupção.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS

DIAS, Reinaldo. Ciência Política. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2013.


FARHAT, Saïd. Lobby: O que é. Como se faz. Ética e transparência na representação
junto a governos. São Paulo: Aberje Editorial, 2007
FERREIRA, Roberto Martins. Sociedade e empresa: sociologia aplicada à administra-
ção. São Paulo: Saraiva, 2016.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar Editor, 2001. UMA CRÍTICA AO SENSO COMUM: PORQUE
JUNIOR, Romeu Tuma; TOGNOLLI, Claudio. Assassinato de Reputações II: muito A EDUCAÇÃO NÃO É A SOLUÇÃO DA
além da Lava Jato. São Paulo: Matrix, 2016.
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LEMBO, Cláudio. A pessoa: seus direitos. Barueri, SP: Manole, 2007.
LEMOS, Roberto Jenkins de. Lobby: direito democrático. Porto Alegre: Sagra, 1986. A CRITICISM TO THE COMMON SENSE: WHY
LODI, João Bosco. Lobby, os grupos de pressão. São Paulo: Pioneira, 1986. EDUCATION IS NOT THE SOLUTION OF BRAZILIAN
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bby, aponta debate. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/
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aponta-debate. Acesso em: 29 set. 2018. Alinor Furtado Neto1
SIDOU, J. M. Othon ...[et.al]. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurí-
dicas. 11. ed., rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2016.
SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2009. RESUMO: Este artigo possui a finalidade de responder há duas hipóteses:
STARLING, Heloisa Maria Murgel. Ditadura Militar. In: AVRITZER, Leonardo se realmente é a educação que combate a corrupção, e, se é a teoria da
(Org.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: UFMG, 2008, p. 259. Escolha Pública, que é realmente eficaz em tal combate. Analisaremos
estas questões utilizando primeiramente o método histórico-filosófico,
WETERMAN, Daniel. Ministro da transparência defende regulamentação de lo-
bby no país. Estadão, 2002. Disponível em: http://www.jb.com.br/informe-cnc/ cujo objetivo será investigar as origens do discurso, assim como as con-
noticias/2016/07/14/ministro-da-transparencia-defende-regulamentacao-do-lobby- sequências para o debate político e também, os efeitos no homem-massa,
no-brasil/. Acesso em: 29 set. 2018. e, posteriormente, utilizar o método empírico-analítico ao verificar os
ZAMBELLI, Carla. Corrupção no Brasil por Ives Gandra Martins. 2012. (08:55). dados disponíveis pelo IPC assim como o PISA. Desta forma, se conclui
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ixZHTqHcBuA. Acesso em: 06 que há um equívoco na análise do senso-comum quando afirmam que há
out. 2018. relação entre a educação e o combate à corrupção, pois além de ignorarem
os efeitos do rent-seeking, o combate à corrupção está intrinsicamente
ligado a eficiência e liberdades das instituições.
Palavras-chave: Educação. Corrupção. Debate Político. Homem-Massa.
Instituições.
ABSTRACT: This article has the purpose of answering both hypotheses:
if it is education that fights corruption, and if it is the theory of Public
Choice, it is really effective in such combat. We will analyze these ques-
tions using first the historical-philosophical method, whose objective will
be to investigate the origins of the discourse as well as the consequences
for the political debate and also the effects in the man-mass, and later, to
use the empirico-analytic method when verifying the data available by

1 Acadêmico do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI. Itajaí, Santa


Catarina, Brasil. E-mail: [email protected].

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

the CPI as well as PISA. In this way, it is concluded that there is a misun- de forma mística ela se tornasse a panaceia de todos os problemas
derstanding in the analysis of the common sense when they affirm that políticos socioeconômicos, desde aqueles que envolvem problemas es-
there is a relationship between education and the fight against corruption, truturais da Previdência, aos casos endêmicos de corrupção; cujo é o
besides ignoring the effects of rent-seeking, the fight against corruption is
ponto preponderante deste artigo. É necessário também realçar que o
intrinsically linked to efficiency and freedoms of institutions.
homem-massa2 não reflete sobre o próprio raciocínio, desta forma, mo-
Keywords: Education. Corruption. Political Debate. Mass-man.
tivado pelo comportamento de manada, acaba não questionando seus
Institutions.
próprios fundamentos, por tê-los como verdadeiros dogmas, pois sua
fonte de confiabilidade é o senso comum. Um desses exemplos seria a
INTRODUÇÃO ignorância acerca do rent-seeking, conforme sintetiza o artigo “Educa-
Nos últimos tempos, houve uma crescente tendência sobre o tema ção e corrupção: a busca de uma evidência empírica”3:
da corrupção, seja na internet, nos jornais ou até mesmo em filmes e seria- [...], considera-se que o aumento do nível de educação da população em
dos. Ainda assim, a constante sensação de impunidade, e as intermináveis geral faria com que as pessoas fiscalizassem mais as ações da adminis-
investigações da Operação Lava Jato em pleno período das eleições 2018, tração pública, impedido os atos corruptos. É mais difícil enganar um
povo mais bem instruído que está por dentro do processo democrático e
tal tema se tornou onipresente no debate político. No entanto, as diversas institucional. Além do mais, educação traz consigo noções de ética, que
soluções e os mecanismos que são apresentadas para amenizar ou extin- dentro desta linha de raciocínio, é fundamental ao combate à corrup-
guir a corrupção – independente da ideologia do partido político, ou, da ção. Deste modo, o investimento em educação seria uma boa maneira
competência do órgão público – , que podendo apresentar pontos diver- de diminuir a corrupção do país [...]. No entanto, em contrapartida, é
gentes, utilizam o pressuposto de que a Educação, per se, é um mecanismo possível construir-se um raciocínio que contraria a afirmação anterior.
fundamental para o combate à corrupção. Desta forma, este artigo possui Paolo Mauro [...] ressalta que um dos grandes malefícios trazidos pela
corrupção é a má alocação de talentos, ou seja, os indivíduos mais ins-
a finalidade de analisar se a premissa que adota “a idealização da educa-
truídos seriam incentivados financeiramente a praticarem atividades de
ção como forma de combate à corrupção”, é verdadeira, ou, precipitada ao rent-seeking ao invés de exercerem trabalhos produtivos. Dessa forma,
compararmos com a teoria da Escolha Pública (Public Choice). o simples aumento do nível geral de educação, simplesmente eleva as
atividades de rent-seeking, potencializando a existência de corrupção ao
Mediante o cenário descrito, o presente artigo utilizará dois mé-
gerar as oportunidades necessárias. Assim, as pessoas não estariam preo-
todos científicos distintos: a) o método histórico-filosófico, que auxiliará cupadas em combater as ações corruptas em nome da ética e dos bons
na busca pela origem da idealização da educação, assim como também costumes, mas procurariam se aproveitar ao máximo da situação usando
abordando as influências nas instituições, e, por último, analisando as con- todo conhecimento que obtiveram durante o processo educacional. Logo,
sequências deste pensamento no debate político atual, assim como sua o problema seria institucional. A educação só ajudaria os indivíduos a se
relação com o conceito de homem-massa; b) após abordar estas análises, adaptarem melhor ao jogo burocrático.
este artigo utilizará o método empírico-analítico, afim de encontrar respal- Ainda, contra o ideal dogmático da Educação, Karl Popper4 nos
dos – que comprovem ou não, a teoria de que a educação é um mecanismo ensina a sermos céticos em relação as ideias tidas como “inquestionáveis”,
de combate à corrupção – através dos dados do PISA (que avalia e classifica conforme escreveu sobre a Escola Pitagórica e a Escola de Mileto5. Desta
as educações nos países), e, do Índice de Percepção da Corrupção (IPC,
que classifica e avalia os índices de corrupção). 2 O conceito “homem-massa” é devidamente explicado no tópico “O Homem-massa e o De-
bate Político Brasileiro”
3 CARRARO, André; DAMÉ, Otavio Menezes. Educação e corrupção: a busca de uma evi-
1. UMA ANÁLISE GERAL SOBRE O PROBLEMA dência empírica. UC Berkeley: Berkeley Program in Law and Economics, 01/05/2007. Disponível
em: https://escholarship.org/uc/item/42v1j573. Acesso em: 07 set. 2018.
Diante dos debates e conversas acadêmicas se torna – no mínimo 4 POPPER, Karl. O Mundo de Parmênides: ensaios sobre o iluminismo pré-socráticos. São
Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 39-40.
– questionável a idealização do emprego que se dá a “Educação”, como 5 A Escola Pitagórica, como trata Popper, possuía dogmas feitas pelos mestres, cujos os dis-

210 211
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

forma, o ceticismo de Popper e os pontos abordados pelo artigo de Carraro No mesmo sentido, é perceptível em seu magnum opus, “A Repú-
e Damé, conversam com o historiador Sérgio Buarque de Holanda, que se blica8”, no Livro VII, a singular e antológica analogia do Mito da Caverna,
demonstra cético e preciso no final de sua obra Raízes do Brasil: onde poderemos extrair o seguinte diálogo entre Sócrates e Glaúcon.
Não tem conta entre nós e os pedagogos da prosperidade que, apegando-se Entretanto, se uma natureza desse tipo houvesse sido forjada, trabalhada
a certas soluções onde, na melhor hipótese se obrigam verdades parciais, continuamente desde a infância e libertada dos grilões da afinidade com
transformam-nas em requisitos obrigatórios e únicos de todo o progresso. [a geração e] o devir, que a ela foram vinculados pela glutonice, a avidez
[...]. Quanta inútil retórica se tem esperdiçado para provar que todos os e os demais prazeres similares e que, como pesos de chumbo, levam sua
nossos males ficariam resolvidos de um momento para outro se estivessem visão para baixo – se, sendo libertada de tudo isso, sofresse uma conversão
amplamente difundidas as escolas primárias e o conhecimento do abc. [...]. para que contemplasse as coisas verdadeiras e reais – , então afirmo que
A muitos desses pregoeiros do progresso seria difícil convencer de que a essa mesma alma da mesma pessoa veria essas coisas com o máximo de
alfabetização em massa não é condição obrigatória nem sequer para o tipo nitidez, tal como acontece com as coisas para as quais está agora voltada.9
de cultura técnica e capitalista que admiram e cujo modelo mais completo
vemos na América do Norte. E de que, com seus 6 milhões de adultos Para reafirmar tal visão, é possível utilizar a interpretação do artigo
analfabetos, os Estados Unidos, nesse ponto, comparam-se desfavoravel- “A Importância da Educação na Formação do Indivíduo em Platão”, que
mente a outros países menos “progressistas”. [...]. Cabe acrescentar que, de forma concisa, afirma:
mesmo independentemente desse ideal de cultura, a simples alfabetização Platão compara o mundo sensível a uma caverna em que homens se
em massa não constitui talvez um benefício sem-par.6 encontravam acorrentados e obrigados a contemplarem as sombras
Após uma análise geral sobre o problema abordado, se torna ne- como sendo a verdadeira realidade. As sombras projetadas na parede
da caverna representavam [...] o mundo das aparências [...]. Os objetos
cessária uma investigação histórica-filosófica com o intuito de captar a
verdadeiros, situados no exterior da caverna e, iluminados pelo sol,
essência deste pensamento, pois será por meio desta, que se tornará per- simbolizavam o [...] mundo das Ideias [...]. O homem no interior da
ceptível as possíveis falhas ou acertos. caverna simboliza, pois, o seu próprio estado de ignorância. No entan-
to, se um destes conseguir esquivar e atingir a verdadeira realidade, a
educação, que consiste em aplicar todos os meios possíveis para dar
2. UMA ANÁLISE HISTÓRICA DAS INFLUÊNCIAS boa direção à alma do homem, tem o dever de regressar para instruir
FILOSÓFICAS ÀS INSTITUIÇÕES os seus antigos companheiros, sobre a existência de um mundo superior
Conforme a história se apresenta, e neste caso principalmente a àquela realidade.10 [Grifo nosso]
filosofia, encontramos o conceito idealizado – sendo este precipitado ou Se constata assim que a educação idealizada por Platão, um dos
não – de educação, tal como uma entidade onipotente, ao pai da filoso- primeiros filósofos a se importar com a política, se torna não só uma ins-
fia ocidental, como categoriza a filosofa Hannah Arendt7. Platão utiliza tituição de ensino, mas um mecanismo doutrinário fundamental para a
como fundamentos de uma Polis Ideal, que pode ser interpretado como um harmonia – e a hegemonia – da sociedade e do Estado, visto que a Polis
“Estado Justo”, três pilares fundamentais: educação, política e ética, sendo Ideal requer um ser humano coletivizado, sem qualquer resquício de indi-
que a educação deve vir como principal meio de elevar o ‘ser’ à ética e, pos- vidualidade, como fica ainda mais evidente na releitura de “A Utopia”11, de
teriormente, à vida pública (a política). Dessa forma, podemos constatar a Thomas More. Portanto, se torna constatável a influência de Platão no que
importância atribuída à educação. tange aos filósofos sobre o tema da educação, como podemos ver na obra

cípulos deveriam somente aceitar e só poderiam elaborar “novos conhecimentos” a partir destes
dogmas, todavia os discípulos que ousassem questionar eram tidos como “heréticos”; A Escola 8 PLATÃO. A República. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014.
de Mileto tinha uma metodologia diferente, os discípulos eram incentivados a questionar os pró- 9 PLATÃO. A República. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014, p. 294-295.
prios mestres, assim como e criar novas ideias. 10 LASCH, Rudinei; SANTOS, Marcos André Dos; SOMAVILLA, Luciano. A importancia
6 HOLANDA, Sérgio Buarque De. Raízes do brasil. 27 ed. São Paulo: Companhia das Letras, sa educação na formação do indivíduo em Platão. Santa Maria, v. 9, jan. 2012. Disponível em:
2014, p. 198-199. http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/pdf/033e4.pdf. Acesso em: 14 set. 2018.
7 ARENDT, Hannah. O Que é Política? 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017. 11 MORE, Thomas. A Utopia. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2013.

212 213
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

“A Metafísica dos Costumes”12, de Immanuel Kant. Ainda assim, adentrando aos motivos da fertilidade do positivismo,
o artigo O Positivismo no Brasil, ilustra:
Todavia, como esses e outros autores foram responsáveis por in-
fluenciar a ideia de educação e o debate político do senso comum? Tal No período monárquico a situação conseguira gerar insatisfação entre os
políticos e intelectuais. A política adotada pelo Imperador D. Pedro II era
questionamento é deveras pertinente, pois de acordo com os dados ob-
de tal ordem que o poder estava sempre em suas mãos. Mesmo sendo o
tidos da pesquisa Leituras no Brasil (4º edição), mostram que 44% da Brasil uma monarquia constitucional representativa e hereditária, isto é,
população brasileira não lê e – com um dado mais alarmante – 30% nunca existindo uma Constituição e um regime parlamentar, o Imperador era o
comprou um livro13. Portanto, é necessário revermos em qual momen- árbitro de partidos e de estadistas, podendo fazer e desfazer ministérios e
to histórico o povo, ou melhor, as instituições brasileiras, sofreram tais ministros. Opor-se ao poder da coroa era o mesmo que candidatar-se ao
influências. Durante toda a história brasileira, ocorreram episódios que ostracismo político. O Imperador conseguia sempre neutralizar a oposi-
radicalizaram o cenário político do país, dentre tantos golpes nas cons- ção, pois, a luta política realizava-se entre dois partidos, o Conservador e
o Liberal, que se revezavam no poder, sendo os membros do Parlamento
tituições, há um específico14, que trouxe para as terras tupiniquins uma Imperial representantes da classe ruralista e eleitos por ela, ou seja, repre-
nova concepção sobre a educação e governo. sentantes da única aristocracia que o Brasil conheceu.19
Após o fim da Guerra do Paraguai (1864 – 1870), o exército bra- Tal escola filosófica detinha – como observa Bueno20 – em meio
sileiro, até então sem prestígio comparada a longa tradição da marinha a uma série de teorias pontuadas na “filosofia da história” e na sua “clas-
brasileira que mantinham ações políticas junto com o imperador Dom sificação da ciências”, fez com que Comte fundasse uma nova religião – a
Pedro II, e que também, de acordo com o historiador Eduardo Bueno, o religião da humanidade – , que teoricamente, era um culto não de uma en-
Exército “sofria constantes adiamentos de promoções, baixos soldos, trans- tidade divina, mas sim de toda a “humanidade racional e evoluída”. Comte
ferências e punições”15. Com tal desprestígio; com a Questão Militar16 e ainda defendia que a mesma chegaria a um estágio “mais elevado”, assim
as influências republicanas que a Tríplice Aliança forneceram, a filosofia que “homens mais esclarecidos” fossem conduzidos por ela21. Se torna
fundada por Auguste Comte (1798 – 1857) – o positivismo – , obteve um fundamental pontuar que para Comte, a melhor forma de governo era a
solo fértil no meio militar17. Corroborando com tal ideia, Bueno descreve ditadura republicana, com o objetivo de exercer a vontade do povo, mesmo
em seu livro, que uma das grandes consequências da guerra: podendo se afastar dos anseios populares caso os mesmos comprometes-
[...] foi depois da guerra contra López que o Exército adquiriu uma iden- sem a República. Em outras palavras, a visão política positivista poderia se
tidade institucional e um orgulho “classista” até então desconhecidos. resumir em “homens de maior visão” ditassem/comandassem os “homens
Depois de lutar no Chaco, os militares sentiram-se preparados para os de menor visão”, do que deveriam fazer.
lodaçais da política.18
No mesmo sentido o artigo “O Positivismo no Brasil” complementa:
12 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2013
A formulação de uma plataforma doutrinária que sintetizasse as ideias
13 RODRIGUES, Maria Fernanda. 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou
um livro, aponta pesquisa Retratos da Leitura. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/ do Republicanismo Autoritário corresponde a um período relativamente
blogs/babel/44-da-populacao-brasileira-nao-le-e-30-nunca-comprou-um-livro-aponta-pesqui- longo. No início do período republicano a maior preocupação era com
sa-retratos-da-leitura/. Acesso em: 14 set. 2018. a crítica do sistema monárquico ou com o que se entendia como seus
14 O golpe militar republicano de 1889.
remanescentes. A necessidade de se fazer uma obra afirmativa decorreu
15 BUENO, Eduardo. Brasil: uma história: Cinco séculos de um país em construção. 1 ed. Rio
de Janeiro: Leya, 2012, p. 254 da própria prática republicana. No período de crítica ao passado, ou seja,
16 De acordo com Bueno, a Questão Militar foi uma série de eventos entre 1883 e 1887 que
colocou em divergências os oficiais do Exército brasileiro e os políticos monarquistas. O estopim
foi o fato dos militares estarem proibidos por lei de se pronunciar sobre assuntos políticos. 19 SILVA, Nady Moreira Domingues Da. Positivismo no Brasil. In: Revista Filosofia, n. 85,
17 É um fato a influência positivista no meio militar cujo maior símbolo da influência se en- ago. 2017. Disponível em: http://www.ceap.br/material/MAT21082013195530.pdf. Acesso em:
contrava nos próprios alunos da Escola Militar da Praia Vermelha – que era conhecida como 13 set. 2018.
“tubérculo da ciência”. 20 BUENO, Eduardo. Brasil: uma história: Cinco séculos de um país em construção. 1 ed. Rio
18 BUENO, Eduardo. Brasil: uma história: Cinco séculos de um país em construção. 1 ed. Rio de Janeiro: Leya, 2012, p. 254.
de Janeiro: Leya, 2012, p. 255. 21 Fica evidente a semelhança

214 215
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

ao Império, predominaram os panfletários como Silva Jardim, Annibal esses que, quando chegam ao poder, retiram os filhos aos pais e, muito
Falcão, Demétrio Ribeiro, etc., pois a obra efetivamente duradoura resul- simplesmente, tratam de os endoutrinar.25
tou do denominado castilhismo.22
Como verificado, as origens do pensamento de que a educação é
E em outro ponto, continua: o cerne para resolver todos os problemas, e que apenas ela pode resolver
Inspirados na filosofia de Auguste Comte e na sua Teoria dos Três Es- desde problemas sociais mais simples até os mais complexos, ao ponto
tados ou Estágios de Civilização (o teológico, o metafísico e o científico de criar e manter a ordem e o progresso, seja num regime republicano ou
ou positivo), os republicanistas que se opunham aos democratas defen- num comunismo primitivo26, nos levam da Antiguidade com Platão até o
diam uma república provisória com meio para alcançarmos a ordem e
período contemporâneo com Comte. Não é singular que os pilares destas
o progresso. Segundo eles, somente numa ditadura sociocrática, nos
moldes positivistas, poderiam ser resolvidos os nossos problemas;
ideias promovem, além da educação, regimes que centralizam o Poder – no
para atingirmos esse objetivo tornava-se necessária a instauração desse e para o Estado. Todavia, ideias como essas, não apenas entram em conflito
regime ditatorial e, ao combaterem então a monarquia esses políticos com os riscos de uma engenharia social feita por um governo tirano, como
defendiam o republicanismo.23 também e justamente, enfrentam o problema da natureza humana.
Fica tangente a comparação, nesse aspecto político, das ideias posi-
tivistas e platônicas de uma república guiada rigidamente e coletivamente, 3. A NATUREZA HUMANA: UM CONCEITO
seja por um governante esclarecido de Comte, ou, um rei-filósofo de Platão, Dentre tantos questionamentos que a nossa vã filosofia contempla,
mas principalmente ambos necessitam e trabalham a educação24 como um a reflexão sobre a natureza humana – hoje vista como antropologia filosó-
ser onipotente que, por si só, giraria as engrenagens de ambas as sociedades: fica – está entre um dos temas mais abrangentes e estudados na história
a República positivista e a Polis Ideal. da própria filosofia – como a indagação inicial dos pré-socráticos27, acom-
Desta forma, Hannah Arendt, em seu artigo A Crise na Educação panhando o avançar da filosofia até os dias atuais – sempre abordando
é cirúrgica. princípios, sejam eles morais ou éticos, que ultrapassam barreiras socioe-
O papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas, conômicas e culturais. Desta forma, simplifica o economista Ludwig von
desde a Antiguidade até aos nossos dias, mostra bem como pode pa- Mises: “Durante muito tempo os filósofos ansiaram por identificar os fins
recer natural querer começar um mundo novo com aqueles que são que Deus ou a Natureza estariam procurando atingir no curso da história
novos por nascimento e por natureza. No que diz respeito à política há humana. Tentaram descobrir a lei que governa o destino e a evolução do
aqui, obviamente, uma grave incompreensão: em vez de um indivíduo gênero humano”28.
se juntar aos seus semelhantes assumindo o esforço de os persuadir e
correndo o risco de falhar, opta por uma intervenção ditatorial, baseada No entanto, como bem desenvolve Camponico29 no artigo Philo-
na superioridade do adulto, procurando produzir o novo como um fait sophical Anthropology facing Aquinas’ Concept of Human Nature, o autor
accompli, quer dizer, como se o novo já existisse. É por esta razão que, elabora o seguinte conceito:
na Europa, a crença de que é necessário começar pelas crianças se se pre-
tendem produzir novas condições tem sido monopólio principalmente
dos movimentos revolucionários com tendências tirânicas, movimentos 25 Arendt, Hannah. A Crise na Educação. Partisan Review,. 25, 4 (1957), pp. 493-513. Dis-
ponível em: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/otp/hanna_arendt_crise_
22 SILVA, Nady Moreira Domingues Da. Positivismo no Brasil. In: Revista Filosofia, n. 85, educacao.pdf. Acesso em:09 set. 2018
ago. 2017. Disponível em: http://www.ceap.br/material/MAT21082013195530.pdf. Acesso em: 26 A ideia de Polis Ideal, principalmente pela visão de Thomas More, corrobora que Platão se-
13 set. 2018. ria, respeitando os limites do anacronismo histórico, um dos pais do comunismo (o comunismo
23 SILVA, Nady Moreira Domingues Da. Positivismo no Brasil. In: Revista Filosofia, n. 85, primitivo); da mesma forma que Aristóteles foi o seu primeiro crítico.
ago. 2017. Disponível em: http://www.ceap.br/material/MAT21082013195530.pdf. Acesso em: 27 Como por exemplo, Heráclito de Éfeso que observava características intrínsecas ao homem.
13 set. 2018. 28 MISES, Ludwig Von. Ação Humana. 1 ed. São Paulo: Mises Brasil, 2010, p. 21.
24 Deve-se entender que a religião criada por Comte possui um caráter totalmente voltada 29 CAMPONICO, Angelo. Philosophical Anthropology facing Aquinas’ Concept of Human
à ciência e principalmente à educação. Assim para Platão, Comte também acreditava que para Nature. The University of Notre Dame Thomistic Institute, Jul. 2001. Disponível em: https://
manter sua república positivista funcionando, a educação era essencial para o sistema. maritain.nd.edu/jmc/ti01/campodon.htm. Acesso em: 15 set. 2018.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

A natureza humana é basicamente o próprio fundamento de todo de- seus próprios interesses, seus meios independentemente de serem imo-
senvolvimento do homem. Natural no homem é tudo o que existe em rais e mesmo podendo prejudicar alguém, podem ser justificados por seu
nós, que descobrimos em nós mesmos (embora nunca possamos co- objetivo almejado. Para os contratualistas, Hobbes35 e Rousseau36 que se
nhecê-lo de maneira completa), mas não podemos escolher e mudar.30
destacam, de acordo com o primeiro, este alega que o homem é mal e sem
[Tradução nossa]
um poder concentrado nas mãos de um soberano, a sociedade viveria em
Sendo assim, será por meio deste conceito que nos aprofundare- um “eterno estado de guerra”, ao passo que para o segundo, o homem é
mos na análise sobre a Natureza Humana e no que ela tange à política e intrinsecamente bom, porém é corrompido pela sociedade.
a educação.
No entanto, Mises analisa criticamente a forma reducionista, cujo os
3.1. A NATURA HUMANA: POLÍTICA E A EDUCAÇÃO filósofos tentaram sintetizar a natureza humana como algo intrinsicamente
bom ou mau, como é observável.
Como já exposto, a percepção de características inatas ao ser
Aprendendo estupefatas que existe outro aspecto, diferente do bom e do
humano é datada desde os pré-socráticos (VII a.C. – V a.C.), no entanto, mau, do justo e do injusto, segundo o qual a ação humana poderia ser con-
não havia um termo que englobasse estas características em uma categoria. siderada. Na ocorrência de fenômenos sociais prevalecem regularidades
Foi através do douto São Tomas de Aquino (1225 – 1274), devido aos seus as quais o homem tem de ajustar suas ações, se deseja ser bem-sucedido.
estudos sobre os clássicos, atingiu a proeza de categorizar o conceito de É inútil abordar fatos sociais com a postura de um censor que os aprova
natureza humana como nos mostra Camponico31. ou desaprova segundo padrões bastante arbitrários e julgamentos de valor
subjetivos. Devemos estudar as leis da ação humana e da cooperação
De acordo com Tomas, a natureza é a substância ou, melhor, a forma
social como um físico estuda as leis da natureza.37
daqueles seres que têm em si mesmos o princípio de sua ação. Aristó-
teles e Tomas não têm um conceito estático de essência. A natureza é o Ludwig von Mises, ainda em seu tratado de economia38, funda a
princípio do movimento. A natureza tem um caráter disposicional. A ciência da praxelogia, que embora pouco conhecida, tem por finalidade
natureza sempre tende à unidade (ad unum), quando não há obstáculos. analisar a ação humana em seus diversos campos, tendo como cerne de pes-
Isso significa que onde existe a natureza, há também um fim (finis) que
significa autopreservação e realização.32 [Tradução nossa]
quisa toda ação – envolvendo o ser humano – que visa um fim39, este sendo
premeditado ou não, logo, engloba também a ideia de natureza humana.
Consequentemente, filósofos, principalmente, aqueles que visavam Como é possível notar.
construir um novo sistema de governo, ou, legitimar o seu já existente, Durante muito tempo os homens não foram capazes de perceber que a
abordam se essa natureza é boa ou ruim; se tomamos decisões antiéticas transação da teoria clássica de valor para a teoria objetiva de valor era
por desconhecimento do bem-comum, ou, pelo fato de sermos guiados por muito mais do que uma substituição de uma teoria de mercado menos
nossos próprios interesses. Neste caso, Platão defendia que o homem só satisfatória por outra mais satisfatória. A teoria geral da escolha e prefe-
era mal por desconhecer o bem33. Para Maquiavel, como é perceptível ao rência vai muito além dos limites que cingiam o campo dos problemas
decorrer de sua obra atemporal – O Príncipe34 – , o homem é movido por econômicos estudados pelos economistas, de Cantillon, Hume e Adam
Smith até John Stuart Mill. É muito mais do que simplesmente do “aspecto
30 CAMPONICO, Angelo. Philosophical Anthropology facing Aquinas’ Concept of Human
Nature. The University of Notre Dame Thomistic Institute, jul. 2001. Disponível em: https:// 35 HOBBES, Thomas. Leviatã: Ou a Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil.
maritain.nd.edu/jmc/ti01/campodon.htm. Acesso em: 15 set. 2018. 3 ed. São Paulo: Ícone, 2014
31 CAMPONICO, Angelo. Philosophical Anthropology facing Aquinas’ Concept of Human 36 ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: princípios de direito político. 4 ed. São Paulo: Editora
Nature. The University of Notre Dame Thomistic Institute, jul. 2001. Disponível em: https:// Revista dos Tribunais, 2014
maritain.nd.edu/jmc/ti01/campodon.htm. Acesso em: 15 set. 2018. 37 MISES, Ludwig Von. Ação Humana. 1 ed. São Paulo: Mises Brasil, 2010, p. 22.
32 CAMPONICO, Angelo. Philosophical Anthropology facing Aquinas’ Concept of Human 38 MISES, Ludwig Von. Ação Humana. 1 ed. São Paulo: Mises Brasil, 2010.
Nature. The University of Notre Dame Thomistic Institute, jul. 2001. Disponível em: https:// 39 Não confundir a praxelogia com a ideia do homo economicus, difundida pelos economistas
maritain.nd.edu/jmc/ti01/campodon.htm. Acesso em: 15 set. 2018. clássicos. Mises não só admitia a influência de agentes externos (como a cultura que envolve o
33 PLATÃO. Diálogos: Volume II. 2 ed. Rio de Janeiro: EDIPRO, 2016 indivíduo a ser analisado) e internos (como a biologia e a psicologia), como fazia questão alertar o
34 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 1 ed. São Paulo: Pinguim Companhia, 2017. leitor. Ou seja, em hipótese alguma deve-se confundi-lo com um simplista da escola racionalista.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

econômico” do esforço humano e da luta para a melhoria do seu bem-es- persiste incessantemente o homem – massa – corrigir os problemas es-
tar material. É a ciência de todo tipo de ação humana. [...]. Ao fazer sua truturais políticos?43
escolha, o homem escolhe não apenas entre bens materiais e serviços.
Todos os valores humanos são oferecidos para opção. Todos os fins e Consagrar-se-ia o debate político se, ao invés de nossa precipita-
todos os meios, tanto os resultados materiais como os ideais, o sublime e da solução que fornecêssemos a tal pergunta, parássemos para analisar
o básico, o nobre e o ignóbil, são ordenados numa sequência e submetidos a origem e função de nossa própria resposta. Como observado no início
a uma decisão que escolhe um e rejeita o outro. [...]. A moderna teoria deste artigo, foi Platão, o primeiro engenheiro social a idealizar a Polis
de valoro horizonte científico e amplia o campo de estudo econômicos.
Ideal, tendo a educação como uma manutenção deste sistema. Tal pensa-
Da economia política da escola clássica emerge a teoria geral da ação
humana, a praxelogia.40 mento pode ser sintetizado na forma de como era seu entendimento sobre
a natureza humana: “homem apenas era mal porque desconhecia o bem”.
Mises defende a tese que os seres humanos possuem uma nature-
za intrinsicamente individualizada e racional, e dentro de um contexto, Todavia, ao substituirmos o pensamento de que a corrupção é
tomamos decisões de forma lógica41. É interessante observar que Mises fruto44 de uma série de fatores como instituições fracas, demasiado poder
abandona toda a tese de que a natureza humana é inerentemente boa ou político nas mãos de burocratas e da falta de transparência na coisa pública
má, como foi devidamente mostrado. Sendo assim, numa ação corrupta – em resumo, pressupostos da teoria da Escolha Pública, por, uma solução
de um indivíduo, o que influenciará de fato, para Mises, é – o que este a margem do misticismo, a Educação, cujo a eficiência seria sentida se não
artigo tomará a liberdade de nomear – os vetores a sua volta. Os vetores, fosse “a vontade política”45 e a ausência de investimentos.
assim como na física, nada mais são do que as forças que nos influenciam; Contudo, é compreensível que uma ideia enraizada há mais de dois
num exemplo de um indivíduo que está prestes a tomar alguma medida milênios, e também como se trata de questão de cunho emocional – pois,
corrupta, o mesmo está a sofrer influências de vetores negativos e positivos. é uma das primeiras concepções ideológicas que ganhamos ao frequentar
Os negativos levariam o indivíduo a tomar tal medida ilícita; eles podem ser a escola46 – , se torna compreensível a resistência a tal mudança. Toda-
vistos na forma de ausência de punição, instituições defasadas, ausência de via, os efeitos de tais consequências seriam as velhas ideias brasileiras, que
uma fiscalização efetiva, ou seja, podem-se resumir em um grande benefí- visam apenas o homem (o indivíduo corrupto e corruptor), e não o sistema.
cio para um pequeno risco; em contrapartida, os vetores positivos seriam a Tratam uma crise institucional como uma “crise moral e ética de questão
antítese dos negativos – aqueles vetores que visam evitar a corrupção – que nacional”. Ignoram os incentivos e o poder, para utilizar o vago termo “jei-
podem ser resumidas em “riscos suficientemente altos para descompensar tinho brasileiro”. Corroborando está análise, Mises nos mostra.
o benefício da corrupção”. [...]. Todos estavam convencidos de que no curso de eventos sociais não
Sendo assim, analisando a natureza humana e adotando a pri- existiam regularidades, e invariância de fenômenos, [...]. Não tentavam
descobrir as leis da cooperação social, porque pensavam que os homens
mazia da realidade, ou seja, admitir que a educação não é o Geist de
podiam organizar a sociedade como quisessem. Se as condições sociais
Hegel42, indagamos: seria realmente de competência da educação – como não preenchessem os desejos dos reformadores, se suas utopias se
mostrassem irrealizáveis, a culpa era atribuída à deficiência moral
40 MISES, Ludwig Von. Ação Humana. 1 ed. São Paulo: Mises Brasil, 2010, p. 23.
41 Para Mises, mesmo uma ação influenciada pelo meio interno ou externo, ou, causada por dos homens, meros seres mortais”. – Ação Humana, p. 105.
um evento não premeditado (reagir a um assalto, por exemplo); ainda assim, mesmo em uma
ação ilógica, há uma lógica nesta ação. Ou seja, por menor que estejamos conscientes em qual 43 Que são, diretamente ou indiretamente, os meios para a corrupção.
decisão tomar, ainda haverá uma lógica. 44 Dentro do conceito de causalidade, e, conforme defendido a teoria da Escolha Pública neste
42 Conforme crítica Mises em seu tratado. “Com base no misticismo dialético de Hegel, Marx, artigo, a corrupção não seria a “causa” das mazelas brasileiras, mas sim o “efeito”.
tranquilamente, arrogou-se a capacidade de predizer o futuro. Hegel pretendia saber que Geist, 45 De todos os fatores que podem arruinar uma política pública, tornando-a demasiada cus-
ao criar o universo, desejava instaurar a monarquia de Frederico Guilherme III. Mas Marx estava tosa aos cofres públicos, e, sem o retorno social devido é: 1- A ideia esdrúxula que uma política
mais bem informado dos planos de Geist: havia descoberto que a evolução histórica nos con- social, independentemente da área de atuação, falha somente por não haver uma “vontade po-
duziria, inevitavelmente, ao estabelecimento do milênio socialista. [...]. Assim sendo, resultava lítica”; 2- Defender uma política pública visando somente sua intenção, ignorando assim, seus
inútil a discussão dos detalhes do funcionamento de uma comunidade socialista. A história, no resultados e críticas.
devido tempo, disporia todas as coisas da melhor maneira; e para isso não necessitava da ajuda 46 A importância do professor.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

do homem. Problemas sociais eram considerados problemas éticos. Ortega y Gasset após apresentar as evoluções históricas, o autor, imerso
O que era necessário para construir a sociedade ideal, pensavam eles, de ironia e sagacidade, analisa a falta de nobreza desta espécie – que não
eram bons princípios e cidadãos virtuosos. Com homens honrados, se deve confundir – apesar de ter referência – num sentido aristocrático
qualquer utopia podia ser realizada.47 [Grifo nosso]
ou medievo, mas sim, sobre a ganancia de ser diferente, de buscar a sua
Sendo assim, fica demonstrado que a ideia da natureza humana é própria superação. Desta forma, é constatável que o homem-massa não
demasiadamente complexa, que o simplismo entre o ser humano ter uma é, de forma alguma, uma classe social, pois este estado psicológico está
definição intrinsicamente boa ou má inconsistente com a realidade. No presente a todas as classes sociais. Desde um operário fabril, ao panteão
entanto, também fica evidente os diferentes estímulos para a ação humana, da elite intelectual da academia brasileira.
independentemente de sua natureza, bem como as consequências nefastas
Todavia, o real problema que se pode encontrar na Rebelião das
para o debate político (e também para a solução dos problemas), caso o
Massas, que, de acordo com o autor, é a consequência inevitável da subida
homem-massa continuar em seu estado natural.
ao poder político do homem-massa e a decadência que resulta para so-
ciedade ocidental.
4. O HOMEM-MASSA E O DEBATE POLÍTICO Era necessária esta descrição para obviar as lucubrações sobre decadên-
O Homem-Massa foi um conceito utilizado pelo filósofo e jorna- cia, e, em espécie, sobre decadência ocidental que pulularam no ar do
último decênio. Recorde-se o raciocínio que eu fazia, e que me parece
lista Jose Ortega y Gasset em sua grande obra A Rebelião das Massas48,
tão simples como evidente. Não vale falar de decadência sem precisar
no qual identificava a ascensão das massas ao poder social no turbulento que é o que decai. Refere-se o pessimista vocábulo à cultura? Há uma
início do século XX na Europa. Para Ortega y Gasset, não se deve con- decadência da cultura europeia? Há somente uma decadência das organi-
fundir “a massa” como uma classe social, mas um padrão psicológico, zações nacionais europeias? Suponhamos que sim. Bastaria isso para falar
como o mesmo exemplifica em sua definição, no primeiro pomo de seu da decadência ocidental? De modo algum. Porque são estas decadências
livro apresentado. diminuições parciais, relativas a elementos secundários da história — cul-
tura e nações —. Só há uma decadência absoluta: a que consiste numa
A rigor, a massa pode definir-se, como fato psicológico, sem necessidade vitalidade minguante; e esta só existe quando se sente. Por esta razão me
de esperar que apareçam os indivíduos em aglomeração. Diante de uma só detive a considerar um fenômeno que sói desatender-se: a consciência ou
pessoa podemos saber se é massa ou não. Massa é todo aquele que não se sensação que toda época tem de sua altitude vital.52
valoriza a si mesmo — no bem ou no mal — por razões especiais, mas que
se sente “como todo o mundo”, e, entretanto, não se angustia, sente-se à E continua.
vontade ao sentir-se idêntico aos demais. Imagine-se um homem humilde Isto nos leva a falar da “plenitude” que sentiram alguns séculos diante de
que ao tentar valorizar-se por razões especiais — ao perguntar de si para outros que, inversamente, se viam a si mesmos como decaídos de maiores
si se tem talento para isto ou para aquilo, se sobressai em alguma ordem alturas, de antigas e deslumbrantes idades de ouro. E concluía eu fazendo
— adverte que não possui nenhuma qualidade excelente. Este homem notar o fato evidentíssimo de que nosso tempo se caracteriza por uma
sentir-se-á medíocre e vulgar, e mal dotado; mas não se sentirá “massa”.49 estranha presunção de ser mais que todo o tempo passado; mais ainda:
Ou seja, o autor é preciso quando analisa que o homem-massa por desentender-se de todo pretérito, não reconhecer épocas clássicas
e normativas, senão ver-se a si mesmo como uma vida nova superior a
não necessita estar em seu habitat natural50 para possuir as características
todas as antigas e irredutível a elas.53
que evidenciem o seu estado de espírito51, por assim dizer. Em sua obra,
Explicado assim, o conceito de homem-massa e suas consequências
– que de acordo com o próprio Ortega y Gasset, como foi visto anteriormen-
47 MISES, Ludwig Von. Ação Humana. 1 ed. São Paulo: Mises Brasil, 2010, p. 22.
48 ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. 1 ed. São Paulo: Vide Editorial, 2016.
te, levam a decadência institucional, cultural, cujo sustento é prescindível
49 ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. 1 ed. São Paulo: Vide Editorial, 2016, p. 60.
50 Ou seja, não é necessário estar em massa. 52 ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. 1 ed. São Paulo: Vide Editorial, 2016, p. 63.
51 Uma “classe mental”. 53 ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. 1 ed. São Paulo: Vide Editorial, 2016, p. 63-64.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

a base da própria civilização – , por mais que esta classificação tenha sido Programme for International Student Assessment (PISA)58, referente aos
fruto de tempos conturbados do início do século XX, e ainda, com um dados de 2015, coordenado pela Organização para Cooperação e Desen-
objeto de análise centrado na Espanha, é inevitável nós não enxergarmos volvimento Econômico (OCDE).59
certas semelhanças com o debate político atual, ainda mais no que tange a
Autoridades no assunto sobre educação, como o doutor Janguiê
educação como a panaceia da corrupção.
Diniz60, expressam sua opinião utilizando os dados coletados do IPC.
Sendo assim, pode-se conversar entre A rebelião das Massas54, A [...]. Não dá para desassociar a educação da corrupção. Os dados do Índice
Crise na Educação55, com a realidade brasileira. O homem-massa brasilei- de Percepção de Corrupção Mundial são claros em afirmar que os países
ro do século XXI, que prefere partir das ideias comuns (o senso-comum); com menores índices de educação e igualdade tendem a ter menores taxas
que aceita as ideias já apresentadas; que não busca dados ou novos fun- de corrupção. Além disso, tudo o que é construído culturalmente e não é
da condição humana, como a corrupção, pode ser desconstruído e essa é
damentos que contrariam ou reafirmam sua tese; que se quer cogita a
uma das missões mais importantes da educação.61
possibilidade de estar errado, pois, no seu subconsciente, pensa: “como
tal ideia poderia estar errada se todos acreditam nela”? Na realidade, De natureza igual se destaca a reportagem de 2013 da Folha de São
o homem-massa nunca chegou a tal questionamento, pois na própria Paulo, “Países com melhor educação tendem a ser menos corruptos”62, cuja
escola, a mesma que teria por função primordial ser o berço das ideias, a autora é Sabine Righetti63. A reportagem também foi auxiliada pelo o
cujo o objetivo central deveria ser incentivar a pluralidade de pensamen- promotor de Justiça de São Paulo, Roberto Livianu, assim como o especia-
tos e soluções embasadas, se distancia cada vez mais utilizando métodos lista em organizações da FGV-SP, Rafael Alcadipani. Na entrevista, ambos
prussianos, tornando então, o ambiente escolar mais hostil. corroboram com a opinião de Diniz, ao analisar os dados disponíveis pelo
IPC e pelo Pisa, que desta forma conclui.
Chegamos então a uma conclusão desconcertante, desagradável e
Os países com melhores índices de educação tendem a ter menores taxas
embaraçosa. Se a educação faz parte do problema, como corrigirá os pro- de corrupção. É isso que mostra um cruzamento feito pela Folha entre os
blemas políticos como a corrupção? “Mais verbas para educação!”, bradam dados do Índice de Percepção de Corrupção Mundial e do Pisa, exame
os progressistas; “salários dignos para os professores!”, clamam os professo- internacional que avalia estudantes de 15 e 16 anos em matemática, leitura
res. No entanto, as máximas citadas continuam ricas de informações vazias, e ciência (ensino médio)64
e o debate político, pobre como sempre foi. Ainda assim, Righetti questiona um dos notáveis pontos fora
da curva nesta linha de raciocínio – a China. Conforme a reportagem,
5. UMA BUSCA EMPÍRICA “liderava as análises de matemática, ciências e literatura”65, mas que se
Como devidamente observado, foi investigado através de uma
tions_index_2017. Acesso em: 18 set. 2018.
análise histórico-filosófica a idealização da educação, assim, como as con- 58 Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes
sequências negativas ao debate político e sua relação com o homem-massa. 59 OECD. What is PISA? Disponível em: http://www.oecd.org/pisa/. Acesso em: 16.set.2018.
Contudo, buscaremos neste tópico as devidas evidências empíricas, que 60 Mestre e doutor em Direito, Fundador e Presidente do Conselho de Administração do Gru-
po Ser Educacional.
corroboram ou não, com a tese deste artigo. Para tanto, usaremos os 61 DINIZ, Janguiê. Falta de educação resulta em corrupção. Disponível em: http://www.joa-
dados fornecidos pelo Corruption Perceptions Index (CPI)56, referente quimnabuco.edu.br/noticias/falta-de-educacao-resulta-em-corrupcao. Acesso em: 17. set. 2018.
aos dados de 2017, compilados pela Transparência Internacional57 e o 62 RICHETTI, Sabine. Países com melhor educação tendem a ser menos corruptos. Dispo-
nível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2013/12/1391533-paises-com-melhor-edu-
cacao-tendem-a-ser-menos-corruptos.shtml. Acesso em: 16.set. 2018.
54 ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. 1 ed. São Paulo: Vide Editorial, 2016 63 Professora doutora do Departamento de Gestão Pública da FGV-SP e pesquisadora associa-
55 Arendt, Hannah. A Crise na Educação. Disponível em http://www.gestaoescolar.diaadia. da à Unicamp na área de avaliação de ensino superior e de cultura científica
pr.gov.br/arquivos/File/otp/hanna_arendt_crise_educacao.pdf. Acesso em: 18 set. 2018. 64 RICHETTI, Sabine. Países com melhor educação tendem a ser menos corruptos. Dispo-
56 Índice de Percepção da Corrupção (IPC) nível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2013/12/1391533-paises-com-melhor-edu-
57 MOREIRA, Patrícia. CORRUPTION PERCEPTIONS INDEX 2017. In: Transparency cacao-tendem-a-ser-menos-corruptos.shtml. Acesso em: 16.set. 2018.
Internacional. Disponível em: https://www.transparency.org/news/feature/corruption_percep- 65 E ainda está entre a liderança os melhores índices de educação, de acordo com o PISA.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

mantinha no 80º lugar na classificação de países corruptos, uma posição b) Ao compararmos a educação da Argentina e da Costa Rica,
pior do que a brasileira”66. Ainda, na matéria, Livianu é certeiro quando percebemos que ambas possuem níveis semelhantes, apesar da
alega que “a China não é um país democrático. A sociedade não tem Argentina se sobressair, todavia, o nível de corrupção da argen-
tina é alarmante comparado ao da Costa Rica;
instrumentos para cobrar o governo”.
c) Costa Rica apresenta uma classificação educacional semelhante à
Dessa forma, este artigo partilha do pressuposto de que a realidade do Brasil, Colômbia e México, e ainda, Trindade e Tobago detêm
é demasiadamente complexa e, portanto, seria aceitável alguns pontos uma educação melhor. Todavia há uma gigantesca disparidade
fora da curva, todavia, boa parte das comparações que utilizam os dados no índice de percepção da corrupção.
do PISA e do IPC, não adotam critérios comparativos razoáveis67 e, por
tal meio indevido, resultam em uma conclusão precipitada. No intuito de
5.2. EUROPA
evitar uma análise-comparativa simplicista, separaremos os países ana- Comparemos os seguintes países: Suíça, Estônia, Holanda, Di-
lisados em: América do Sul e Central; Europa; Ásia; Países com grandes namarca, Finlândia, Eslovênia, Bélgica, Alemanha, Polônia, Irlanda,
extensões territoriais. Noruega, Áustria, Rússia, Portugal, Espanha, Croácia, Reino Unido, Itália
e República Checa.
5.1. AMÉRICA DO SUL E CENTRAL
Países Matemática Ciências Leitura IPC
Por meio dos dados disponíveis pelo IPC e o PISA, segue a classifi-
Suíça 8º 18º 28º 3º
cação dos seguintes países que utilizaremos nesta análise: Uruguai; Chile;
Estônia 9º 3º 6º 21º
Costa Rica; Trindade e Tobago; Argentina; Brasil; Colômbia; México.
Holanda 11º 17º 15º 8º
Países Matemática Ciências Leitura IPC Dinamarca 12º 21º 18º 2º
Uruguai 52º 48º 45º 23º Finlândia 13º 5º 4º 3º
Chile 49º 44º 41º 26º Eslovênia 14º 13º 14º 34º
Bélgica 15º 20º 20º 16º
Costa Rica 61º 57º 51º 38º
Alemanha 16º 16º 11º 12º
Trindade e Tobago 54º 55º 52º 77º
Polônia 17º 22º 13º 36º
Argentina 57º 51º 55º 85º
Irlanda 18º 19º 5º 19º
Brasil 67º 65º 61º 96º Noruega 19º 24º 9º 3º
Colômbia 63º 59º 56º 96º Áustria 20º 26º 33º 16º
México 58º 60º 57º 135º Rússia 23º 32º 26º 135º
Portugal 29º 23º 21º 29º
Desta forma, concluímos que:
a) Chile e Uruguai lideram com as melhores pontuações nas áreas Espanha 32º 30º 25º 42º
da educação, e também, possuem os menores índices de percep- Croácia 41º 37º 31º 57º
ção de corrupção; Reino Unido 27º 15º 22º 8º
Itália 30º 34º 34º 54º
66 Os dados atualizados (2017) nos mostram a China em 77º lugar na classificação, de acordo
com o IPC. Rep. Checa 28º 29º 30º 42º
67 Seria anticientífico compararmos livremente países que possuem características – tais como
dimensões territoriais, história, governos – contrarias, como se torna observável nas vagas com- Podemos concluir que:
parações do Brasil aos países nórdicos.

226 227
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

a) Estônia possui uma educação dentre as melhores do mundo, pos- corrupção;


suindo uma classificação geral maior do que a Suíça e a Suécia, b) O Japão possui um nível de educação superior ao da Nova Zelân-
todavia, ao analisarmos o IPC destas duas nações encontraremos dia, contudo é a Nova Zelândia que lidera o ranking do Índice de
uma boa disparidade no ranking; Percepção da Corrupção.
b) Finlândia, Suécia e Dinamarca possuem uma visível disparidade c) Vietnam detém o 8º lugar do melhor ensino à ciência do mundo,
no que tange a classificação da ciência, entretanto, a Dinamarca se conforme os dados do PISA; ao ponto em que a Turquia ocupa
mantem em 2º lugar no IPC e a Suécia empata junto a Finlândia o 54º lugar. Ao compararmos o nível de corrupção de ambos,
no 3º lugar; percebemos as disparidades dos resultados.
c) Eslovênia, Bélgica e Alemanha: Eslovênia lidera com sua educa- d) Fenômeno semelhante acontece no “item C”, ao compararmos
ção, todavia, no IPC ocupa o 34º lugar; Qatar e Cazaquistão, sendo a disparidade maior de corrupção,
d) A Rússia se destaca: possui excelentes níveis de educação, mas é conforme fornecesse o IPC.
classificada em 135º lugar no IPC;
e) Itália e Reino Unido possuem níveis semelhantes de educação68, 5.4. PAÍSES DE GRANDE EXTENSÃO TERRITORIAL
mas se destacam equidistância das suas classificações no IPC.
Verifiquemos os cinco maiores países: Estados Unidos, Rússia,
Canadá, China e Brasil.
5.3. ÁSIA, ORIENTE MÉDIO E OCEANIA
Países Matemática Ciências Leitura IPC
Analisemos os seguintes países: Singapura, Hong Kong, Taiwan, Rússia 23º 32º 26º 135º
Japão, China, Coréia do Sul, Nova Zelândia, Vietnam, Turquia, Cazaquis-
Canadá 10º 7º 3º 8º
tão e Qatar.
China 6º 10º 27º 77º
Países Matemática Ciências Leitura IPC EUA 40º 25º 24º 16º
Singapura 1º 1º 1º 6º Brasil 67º 65º 61º 96º
Hong Kong 2º 9º 2º 13º
Portanto, concluímos que:
Taiwan 4º 4º 23º 29º
a) Analisando apenas o Canadá e o Brasil, percebemos que os dados
Japão 5º 2º 8º 20º condizem com a lógica utilizada pelo homem-massa;
China 6º 10º 27º 77º b) No entanto, ao analisarmos a China, Rússia e os Estados Unidos,
Coréia do Sul 7º 11º 7º 51º concluiremos que a análise feita no “item a” é precipitada. Se ana-
lisarmos apenas estes três países – assim como feito nas demais
Nova Zelândia 21º 12º 10º 1º
análises – , chegaremos à conclusão de que a educação, apesar de
Vietnam 22º 8º 32º 107º sua importância, não tem como função o combate à corrupção.
Turquia 50º 54º 50º 81º
Cazaquistão 42º 42º 53º 122º 6. CONCLUSÃO
Qatar 60º 58º 63º 29º
Contudo, este artigo conclui por meio da análise histórico-filosó-
Assim, concluímos que: fica que, a idealização de transformar a educação em Educação; como um
a) China, Coréia do Sul e Vietnam se destacam por possuírem alto ser onipotente que com apenas um toque de mágica poderá resolver todas
índice de educação, assim como também possuem alto níveis de as mazelas brasileiras, principalmente a corrupção; possui origens autori-
tárias e despóticas, conforme a visão de Platão, assim como a de Comte,
68 Há diferença na educação, mas conforme concluímos na letra “b”, ela não possui uma rele- que acreditavam na ideia de que a natureza humana pode ser controlada,
vante influência no IPC.

228 229
CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS Alinor Furtado Neto

e a sociedade conduzida. Dessa forma, a afirmação de Mises se torna REFERÊNCIAS


certeira quando o autor disserta sobre o tratamento indevido, apontado Arendt, Hannah. A Crise na Educação. Partisan Review, 25, 4 (1957), pp. 493-513.
pelo homem-massa, tornando ilegítima a complexidade dos problemas Disponível em: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/otp/hanna_
arendt_crise_educacao.pdf. Acesso em:18 set. 2018.
estruturais políticos, pois, para o homem-massa de Ortega y Gasset, a
corrupção é uma “terrível questão moral”. Nesse passo, como uma avalan- ARENDT, Hannah. O Que é Política? 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017.
che de neve69, foram identificadas e analisadas as consequências negativas BUENO, Eduardo. Brasil: uma história: Cinco séculos de um país em construção. 1 ed.
Rio de Janeiro: Leya, 2012.
ao debate político brasileiro e, principalmente, as influências sofridas
pelas instituições democráticas. CAMPONICO, Angelo. Philosophical Anthropology facing Aquinas’ Concept of
Human Nature. The University of Notre Dame Thomistic Institute, Jul. 2001. Dispo-
Portanto, de acordo com a análise feita até aqui, pode “combater” nível em: https://maritain.nd.edu/jmc/ti01/campodon.htm. Acesso em: 15 set. 2018.
a corrupção de fato: instituições fortes, diminuição do poder político CARRARO, André; DAMÉ, Otavio Menezes. Educação e corrupção: EM BUSCA DE
UMA EVIDENCIA EMPÍRICA. UC Berkeley: Berkeley Program in Law and Econo-
aos burocratas e a transparência na coisa pública. Ou seja, mantivemos a mics, maio 2007. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/42v1j573. Acesso
teoria da Escolha Pública defendida por Carraro e Damé em seu artigo. em: 07 set. 2018.
Com este intuito, buscamos no método empírico-analítico comprovar ESTADÃO CULTURA. 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou
estas duas teses de que: 1 – a educação não combate à corrupção; e 2 – a um livro, aponta pesquisa retratos da leitura. Disponível em: https://cultura.estadao.
com.br/blogs/babel/44-da-populacao-brasileira-nao-le-e-30-nunca-comprou-um-li-
teoria da Escolha Pública combate à corrupção. vro-aponta-pesquisa-retratos-da-leitura/. Acesso em: 15 set. 2018.
Foi através dos dados disponíveis pelo IPC e pelo PISA, assim FOLHA DE S. PAULO. Países com melhor educação tendem a ser menos corrup-
tos. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2013/12/1391533-pai-
como a escolha de não consultar a classificação geral do PISA, mas sim ses-com-melhor-educacao-tendem-a-ser-menos-corruptos.shtml. Acesso em: 17 set.
subdividir a classificação nos seus três requisitos: matemática, ciências e 2018.
leitura; no intuito de obter dados mais precisos do que geralmente usados, HOBBES, Thomas. Leviatã: Ou a Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e
da mesma forma em que optamos em subdividir os países em continentes Civil. 3 ed. São Paulo: Ícone, 2014.
– com exceção do tópico 5.4 que mistura a Ásia, Oriente Médio e Ocea- HOLANDA, Sérgio Buarque De. Raízes do brasil. 27 ed. São Paulo: Companhia das
nia. Sendo assim, este artigo atingiu o objetivo almejado ao provar que a Letras, 2014.
educação não é o que define se um país é corrupto ou não. KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. 1 ed. Rio de Janeiro: EDITORA VO-
ZES, 2013.
Todavia, há o fato de que países que tendem a ter uma educa- LASCH, Rudinei; SANTOS, Marcos André Dos; SOMAVILLA, Luciano. A importân-
ção melhor, possuem uma tendência singular a ter menores índices de cia da educação na formação do indivíduo em Platão. Santa Maria, v. 9, jan. 2012.
corrupção. No entanto, é extremamente precipitado alegar o efeito de Disponível em: http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/pdf/033e4.pdf. Acesso em: 14
set. 2018.
causalidade entre educação e corrupção, pois, no mesmo sentido em que
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 1 ed. São Paulo: Pinguim Companhia, 2017.
os dados apresentados nos mostram alguns países que legitimam tal nar-
rativa, outros tantos países sinalizam o oposto. Contudo, ao analisarmos MISES, Ludwig Von. Ação Humana. 1 ed. São Paulo: Mises Brasil, 2010.
então, não a educação como um mecanismo de combate à corrupção, MORE, Thomas. A Utopia. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2013.
mas sim, as instituições que se baseiam, diretamente ou indiretamente, na OECD. Programme for international student assessment. Disponível em: http://
teoria da Escolha Pública, possuem uma tendência maior a se aproximar www.oecd.org/pisa/. Acesso em: 16 set. 2018.
com a realidade. ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. 1 ed. São Paulo: Vide Editorial,
2016.
PLATÃO. A República. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014.

69 Problemas: 1 – a identificação precipitada do avanço galopante da corrupção; 2 – tratar os PLATÃO. Diálogos: Volume II. 2. ed. Rio de Janeiro: EDIPRO, 2016.
sintomas como se fossem a própria doença; 3 – utilizar placebos como uma “cura”, defendendo
uma tese dogmática e emotiva.
POPPER, Karl. O Mundo de Parmênides: ensaios sobre o iluminismo pré-socráticos.

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CORRUPÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: ENSAIOS

1 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014.


ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: princípios de direito político. 4 ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2014.
SILVA, Nady Moreira Domingues Da. Positivismo no Brasil. Revista Filosofia, n. 85,
ago. 2017. Disponível em: http://www.ceap.br/material/MAT21082013195530.pdf.
Acesso em: 13 set. 2018.
TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Corruption Perceptions Index 2017. Dis-
ponível em: https://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_in-
dex_2017. Acesso em: 15 set. 2018.
UNINABUCO. Falta de educação resulta em corrupção. Disponível em: http://www.
joaquimnabuco.edu.br/noticias/falta-de-educacao-resulta-em-corrupcao. Acesso em:
17 set. 2018.

Coletânea de Artigos
232
O estudo sobre crimes de colarinho branco está
cada vez mais em voga, diante das notícias de
prisões, operações e condenações de políticos e
empresários envolvidos nesse tipo de crime.

A novidade não está na prática do delito, que


remota bem antes do descobrimento do brasil,
mas sim nas condenações, prisões e a repatria-
ção do dinheiro desviado.

Desta forma, a presente obra instiga o leitor


a conhecer a origem, modus operandi , e a conse-
quência do crime, bem como as atuais ferramen-
tas de combate a uma das maiores mazelas que a
sociedade pode sofrer.

AUTORES
Adenor Antônio Pereira
Alinor Furtado Neto
Ana Cristina Sabel
Daiana Marques Molinari
Daniela Lorenço
Eloisa Rodrigues Sales
Guilherme Augusto Corrêa Rehder
Gustavo Nascimento Zhang
Isabela dos Santos
João Victor Linhares
Mariane Alves Romão
Rafaella Silveira

Guilherme Augusto Corrêa Rehder


Organizador

EM EMais
Editora & Livraria Jurídica

Coletânea de Artigos

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