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PENAS DE UM PAVÃO:

AUTOFICÇÃO E PERFORMANCE EM JOSÉ CARLOS OLIVEIRA

José Irmo Gonring


Doutorando em Letras – Universidade Federal do Espírito Santo
Bolsista Capes-Reuni

Resumo: Estes apontamentos são uma incursão pelo romance O pavão desiludido, de José Carlos Oliveira
(1934-1986), sob o prisma da escrita de si. Ao abordarmos uma obra cujo autor, narrador e personagem
coincidem, publicada inicialmente como folhetim no principal jornal do Brasil, no início dos anos 70,
buscamos flagrar os primórdios da “espetacularização midiática” do autor brasileiro no seu gesto
performático. O objetivo principal deste trabalho é colocar em cena, no jogo teórico rico e produtivo
sobre o “retorno do autor” que se estabelece nas academias, o nome de um escritor que não pode estar
ausente, como está, do elenco dos ficcionistas que praticam a escrita de si.

Palavras-chave: José Carlos Oliveira – O pavão desiludido. José Carlos Oliveira – Autoficção. O pavão
desiludido – Crítica literária.

Abstract: This paper dwells in the novel O pavão desiludido, by José Carlos Oliveira (1934-1986),
through the perspective of the writing itself. By the means of approaching a work whose author, narrator
and character are the same person, published initially as a daily serial fiction in Brazil's main newspaper,
in the beginning of the 1970s, our aim is to witness the genesis of the “mediatic spectacularization” of the
Brazilian author in his performatic gesture. The main objective of this text is to foreground, within the
rich and productive theoretical game that has been established in Academia, a name that cannot be absent
of the cast of fiction writers that practice the writing of the self.

Keywords: José Carlos Oliveira – O pavão desiludido. José Carlos Oliveira – Self-Fiction. O pavão
desiludido – Literary Criticism.

Sabia-se exatamente o significado da experiência: ela sempre


fora comunicada aos jovens. De forma concisa, com a
autoridade da velhice, em provérbios; de forma prolixa,
com a sua loquacidade, em histórias; muitas vezes como
narrativas de coisas longínquas, diante da lareira, contadas a
pais e netos. Que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda
pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser
contadas? [...] quem tentará, sequer, lidar com a juventude
invocando a sua experiência?

Walter Benjamin

Aprendemos com Walter Benjamin sobre o homem que tem uma experiência para
contar. Seria um idoso, em princípio. Mas essa vivência pode ser adquirida por outras

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formas, principalmente se se trata do Zé Precoce, apelido em Vitória do autor que será
objeto dos apontamentos que traçamos aqui: José Carlos Oliveira (1934-1986).

Também aprendemos com Leonor Arfuch a respeitar e engrandecer a escrita de si nos


blogs e outros meios, como uma atitude de afirmação e não como um exibição narcísica
da intimidade. Com Diana Klinger, observamos como a categoria da autoficção e
performance (2007, p. 51-56) dá conta da análise de obras que se inscrevem – mais
elástica e confortavelmente, do ponto de vista teórico – na escrita de si1. E, ainda,
concordamos com o professor Evando Nascimento:

A força da autoficção é que ela não tem mais compromisso algum com a
autobiografia estrito senso (que ela não promete), nem com a ficção
igualmente estrito senso (com que rompe). Ao fazer coincidir, na maior parte
das vezes, os nomes e as biografias do autor, do narrador e do protagonista, o
valor operatório da autoficção cria um impasse entre o sentido literal (a
referência real da narrativa) e o sentido literário (a referência imaginária). O
literal e o imaginário se contaminam simultaneamente, impedindo uma
decisão simples por um dos polos, com a ultrapassagem da fronteira.
(NASCIMENTO, 2010, p. 195-196).

No que diz respeito ao termo performance, no título deste trabalho, seguimos o


entendimento de Diana Klinger, que considera “enriquecedor pensar o conceito de
autoficção junto com o de performance” (2007, p. 26). Ela argumenta:

A arte da performance supõe uma exposição radical de si mesmo, do sujeito


enunciador assim como do local da enunciação, a exibição dos rituais íntimos,
a encenação de situações autobiográficas, a representação das identidades
como um trabalho de constante restauração sempre inacabado (Ravetti, 2002,
p. 47). Na arte da performance, o paradoxo do teatro persiste, mas ao contrário
deste, o performer está mais presente como pessoa e menos como personagem.
Da mesma forma que na performance, na autoficção convivem o autor (o ator)
e o personagem, de tal forma que não se procura aumentar a verossimilhança,
pois ela, como vimos, aumentaria paradoxalmente o caráter ficcional. No texto
de autoficção, entendido neste sentido, quebra-se o caráter naturalizado da
autobiografia (a correspondência entre a narrativa e a vida do autor, ou, como
prefere Lejeune, a coincidência onomástica somada ao pacto estabelecido pelo
autor) numa forma discursiva que ao mesmo tempo exibe o sujeito e o
questiona, ou seja, que expõe a subjetividade e a escritura como processos em
construção. Assim a obra de autoficção também é comparável à arte da
performance na medida em que ambos se apresentam como textos inacabados,
improvisados, work in progress, como se o leitor assistisse “ao vivo” ao
processo da escrita (KLINGER, 2007, p. 56).

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Cabe lembrar que Diana Klinger já acentuara, no texto citado, que a autoficção, da
forma como a autora a definiria, “surge em sintonia com o narcisismo da sociedade
midiática contemporânea mas, ao mesmo tempo, produz uma reflexão crítica sobre ele”.
(KLINGER, 2007, p. 44). E, mais à frente, resume seu conceito destacando o
hibridismo e a ambivalência da narrativa em questão, pois a ficção de si mantém como
referente o autor, “mas não como pessoa biográfica, e sim o autor como personagem
construído discursivamente. Personagem que se exibe ‘ao vivo’ no momento mesmo da
construção do discurso, ao mesmo tempo indagando sobre sua subjetividade e
posicionando-se de forma crítica perante os seus modos de representação” (p. 62).

Escolhemos o romance O pavão desiludido, obra inaugural do escritor capixaba José


Carlos Oliveira (1934-1986), como corpus a ser analisado sob a perspectiva da
categoria da autoficção e performance.

Autobiografias são, no geral, comportadas. Excluem os dados que comprometem a


imagem do autor ou expõem a intimidade de seus familiares. Não foi isso o que fez José
Carlos Oliveira, em O pavão desiludido. Mas essa não é uma autobiografia, e sim um
romance, pois essa etiqueta está lá, na folha de rosto do livro, em corpo bem destacado.
(Na capa, assinada por Marcos de Vasconcellos, o desenho do rosto crispado e
afrontador de José Carlos Oliveira, em tons psicodélicos, a estética da época.)

José Carlos Oliveira publicou O pavão desiludido em 1972, após vários anos de
atividade como jornalista: como repórter e depois redator da revista Manchete; e como
cronista do então principal veículo de comunicação impressa do país, o Jornal do
Brasil, nos anos 60 e 70. Foi um dos piores períodos de sua vida, em que se afundou
perdidamente na bebida e na depressão. O livro foi escrito no lendário bar e restaurante
Antonio’s e publicado inicialmente como folhetim, no “Caderno B” do Jornal do
Brasil.

Nessa obra, o narrador conta a história de José Carlos Oliveira do nascimento até os 18
anos, de forma linear, em ordem cronológica. Tudo leva a crer que os fatos sejam reais,
que se trata de um relato fidedigno, uma biografia do próprio autor. Seria, então, um
romance, sim, pelo elevado grau estético do tratamento da linguagem, mas um romance
de não ficção. (Uma análise mais detida nos leva a crer que essa obra é, além da forma,

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tributária no conteúdo de um marcante predecessor nessa categoria, A sangue frio, do
americano Truman Capote).

Do ponto de vista da forma, José Carlos Oliveira exercita o tamanho que lhe era
familiar na produção de crônicas diárias, ao formatar cada capítulo. Há até o caso de um
bem curto, dedicado à Rua Gama Rosa, no Centro de Vitória, a capital do Estado do
Espírito Santo, cidade onde se passa toda a história, exceto o seu final, quando a
personagem migra e se estabelece no Rio de Janeiro.

Esse texto sobre a Rua Gama Rosa não ultrapassa uma página.

No geral, são textos de duas e três páginas. E alguns se assemelham muito às crônicas
de jornal, principalmente quando descrevem o espaço em que se desenrola a trama: a
cidade de Vitória com seu mar e porto, as igrejas e palmeiras nas colinas, o familiar
bairro de Jucutuquara.

Fizemos até um exercício com um auditório, quando participamos do Café Literário do


Sesc (Vitória, ES), falando sobre crônica, no dia 30 de novembro de 2010. Destacamos
um capítulo de O pavão desiludido que foi distribuído para todos os participantes. O
texto não foi em fac-símile, mas teclado em uma página, com o título original, “O
embarcadiço”, e sem o número do capítulo, uma marca que poderia trair nossa intenção.

Nisso tivemos sucesso, pois ninguém da plateia suspeitou tratar-se do capítulo do citado
romance – que foi pouco lido e está esgotado há décadas. Ou mesmo apontou algum
estranhamento no texto que o desqualificasse como uma crônica, um texto autônomo;
ou que o inserisse num projeto maior ou diferenciado.

Ainda sem mencionar a procedência do texto, fizemos uma ligeira análise sobre a peça,
produzida com frases curtas e pontuação telegráfica. É o caso do parágrafo inicial, por
exemplo, que descreve o porto de Vitória, onde os navios “mugem”. No mais longo
parágrafo, entretanto, quando é apresentado o embarcadiço que dá título ao texto, ele
está bebendo cachaça em um boteco do bairro Jucutuquara e conversando com o seu
proprietário. O ritmo do texto muda, torna-se tenso, e se desenrola com uma pontuação
destrambelhada. O texto também está embriagado.

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No parágrafo seguinte, o texto assume seu ritmo inicial e nostálgico, para descrever o
menino que observa o embarcadiço que se embriaga e comenta o que ocorre no mar, os
boatos e verdades sobre a Segunda Guerra Mundial. Aqui o narrador se insere na fábula,
para terminar seu estatuto de voyeur contando como o embarcadiço vai ferrar sua
“âncora” numa mulher, enquanto o mar está “grávido” de problemas. (Disse para os
circunstantes do Café Literário que eu os tinha enganado, pois se tratava do capítulo de
um romance, assinalando que a crônica por vezes pode estar embutida numa longa
narrativa de ficção, como uma espécie de dénouement, aqui entendido como um
momento de relaxamento de tensão. Para ilustrar isso, lembramos agora que Truman
Capote, na obra citada, procede assim, como no episódio dos dois gatos que se
esgueiram pela rua até irem comer os pedaços de pássaros que sobraram triturados nos
radiadores dos carros que cruzavam a autoestrada em alta velocidade).

O termo voyeur é apropriado para ancorar esta narrativa, porque era assim que José
Carlos Oliveira se qualificava, como boêmio veterano e profissional que circulava pela
noite carioca. Se ia a uma boate, por exemplo, não dançava, só observava, matéria-
prima para suas crônicas, mesmo que fosse com seu olhar lúbrico de experiente fauno.

Pois é em uma dessas crônicas que José Carlos Oliveira se refere ao ato de tomar
cachaça que observou desde a infância. Fica claro, num confronto dos dois textos – “O
embarcadiço” do romance e a crônica “Sobre a cachaça” do livro O homem na varanda
do Antonio’s (OLIVEIRA, 2004, p. 195-196) –, que o autor trouxe para o seu romance
“autobiográfico” a experiência do menino observador, mas só o que se pode provar é
isso. O tratamento que dá ao texto do romance é de fusão, de imbricação de
circunstâncias memorialísticas num artefato romanesco, onde o que conta é o
componente ficcional. Na crônica, narra o ritual da bebida, numa visada mais
referencial (“Assim procediam os cachaceiros da minha infância” [OLIVEIRA, 2004, p.
196). Mas, no capítulo do romance, descreve a cena de um embarcadiço que se
embriaga, vindo do mar e atracando em um bar, antes do porto do lar, para afogar as
mágoas:

Seu Dudu põe a cachaça no cálice e o embarcadiço segura o cálice em cima


do balcão, ficando assim algum tempo, como quem não faz nenhuma questão
de beber. Fala-se de como está o mar, de como a guerra enfeitiçou o mar [...] e

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como o sangue quente dos homens derrete a neve nos montes italianos, e como
a guerra, esta, igual nunca se viu, e Dona Lili interfere vestida de negro, com
cada seio do tamanho de uma abóbora, e anuncia que está nos livros, é o fim
do mundo, e sendo assim o embarcadiço já entreabre em rosnido o gomo dos
lábios, e a límpida cachaça já se derrama nos límpidos dentes, e ele dá uma
cuspida, e um fio de saliva surge vertical entre os lábios, e Seu Dudu pergunta
se aceita outra, e ele balança a cabeça e lá vai a cachaça outra vez no cálice,
outra vez na língua, é a guerra mundial (OLIVEIRA, 1972, p. 88).

Na verdade, “a crônica” – o capítulo do embarcadiço – cresce em sua voltagem, em


intenção literária, quando o texto é colocado em confronto com os capítulos que o
antecedem e os que lhe são subsequentes. Pois “um” embarcadiço é peça fundamental
de toda a trama. Será esse viajante dos mares, detentor do saber benjaminiano, que irá
fazer o narrador de O pavão desiludido se defrontar com sua realidade dramática, a
tragédia familiar que dali para a frente modificará sua vida. (No livro que analisaremos
em outra oportunidade, Um novo animal na floresta, a revelação que lançará Carlinhos
Oliveira nos braços da culpa virá de um rapaz de 17 anos.)

Tudo, no texto de O pavão..., conflui para caracterizar a mãe do narrador como uma
“megera”, com sua educação rígida para um menino órfão. O mito do pai também se
esfacelará, após a revelação final, feita pelo embarcadiço. O narrador se exacerba em
exemplos de maus-tratos sofridos quando garoto, exaltando assim sua condição de
vítima da família. (Aqui, vale a pena um confronto com a obra A sangue frio, pois
Truman Capote se esmera em arrumar atenuantes para o bárbaro crime de Perry Smith,
ao fazer a arqueologia documentada dos maus-tratos que ele sofrera na infância,
inclusive por parte de freiras. José Carlos Oliveira lista a humilhação que sofreu por
parte de um padre-professor, no colégio dos Salesianos. De um texto do próprio punho
de Perry: “A minha mãe estava sempre bêbada e nunca em condições de tomar conta de
nós. [...] A vigilante do meu pavilhão batia-me furiosamente [...] Depois começou a
achar divertido pôr uma certa pomada no meu pênis e ardia-me de uma maneira quase
intolerável ”) (CAPOTE, [s.d.], p. 294-295).

Temos que levar em conta que o autor, José Carlos Oliveira, renegou essa obra, em
entrevista ao jornal A Gazeta, em Vitória, no segundo semestre de 1985. O fato de ele
desautorizar o romance não exclui seu caráter autobiográfico, apenas marca seu

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arrependimento por difamar pessoas da família num texto; por expor seus dramas e
fazê-las sofrer.

São outros fatores, então, que nos levam a duvidar de um relato fidedigno da vida de
José Carlos Oliveira em O pavão desiludido.

Tudo leva a crer que o autor tenha criado uma obra para justificar sua estroinice, sua
boemia culpada, enquanto, naqueles anos de chumbo dos 60/70, muitos brasileiros, boa
parte seus conhecidos ou amigos ou profissionais da comunicação, iam para o exílio ou
a prisão, alguns chegando a morrer nos cárceres da ditadura, por contestarem com
palavras e ações o regime militar. Também precisava se desvencilhar da condição de
“escritor sem obra”.

Para suportar esse ponto de vista, visitemos um dos capítulos iniciais e o capítulo que
fecha O pavão... No capítulo 4, “O Zepelim”:

Mas voltemos ao morro, que é, sem trocadilho, aquilo que me mata. ‘Quem
teve a desventura de viver no morro devia ser recompensado com o direito de
morrer na vida.’ [...] Todas as vitórias me seduziam, a começar por Vitória, a
própria cidade. [...] Eu contemplava aquilo tudo com indescritível
ressentimento. [...] Eu era um rei destronado. Os usurpadores haveriam de
pagar caro aquele crime [...] Eu desejava, então, uma grande quantidade de
remorso para meus inimigos [...] e uma grande quantidade, a maior possível,
de bens desejáveis para mim. Mas o que são bens desejáveis – perguntava eu,
que andava pelos três ou quatro anos de idade. E respondia: ‘Tudo, menos
aquilo que meus inimigos merecem.’ Ou então passava entre minhas ilusões
e o céu azul alguma coisa branca, lenta e gentil, que seria uma baleia celeste
se houvesse animal desse tipo, e eu deliberava: ‘Quero aquilo.’ Aquilo era o
zepelim (OLIVEIRA, 1972, p. 20-21).

O final do último capítulo (30, “A mãe do bispo”), ou seja, o final do livro, reforça
nosso sentimento de que O pavão desiludido é uma justificativa do autor para seu
hedonismo e seu não engajamento político sob a perspectiva da esquerda. Ele está de
novo no alto de um morro, no Rio de Janeiro:

Como no princípio, cá estou na garupa de um morro, tendo a meus pés, mas


não à minha mercê, uma cidade hostil e desejável. [...] Lenta e solenemente
rasgo a carta (da mãe), o recorte, o envelope, a passagem de volta. [...] Se
quem viveu no morro merece morrer na vida, conforme eu mesmo estabeleci
na primeira infância, quero todas as viagens, todas as mulheres, todos os
desregramentos, quero ser livre por mim e para mim. Que meu corpo

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regresse à terra, quando o tempo for chegado, sem levar um só prazer que
não se tenha esgotado em meu espírito (OLIVEIRA, 1972, p. 129).

Outro elemento a assinalar é o predomínio das metáforas como forma de expressão,


como podemos ver no capítulo “O embarcadiço”, que é uma mostra do procedimento
recorrente em toda a obra. E no final do citado capítulo: baleia = zepelim.

Um dos melhores exemplares do polo metafórico que permeia toda a obra se encontra
no capítulo que trata do assédio sexual ocorrido em sua infância. O fato se dá na escada
de um edifício do centro da cidade (o edifício é real, de seis andares, o mais alto de
Vitória no tempo assinalado na narrativa; fica no pé da Escadaria São Diogo – a que
leva à catedral –, de frente para a praça Costa Pereira). Ali, o sempre menino faminto
José Carlos conseguirá o pão mendigado a outro garoto, o entregador de pães, em troca
de um favor sexual.

O produto de tal ato fica grudado em sua mão, enquanto ele se farta do alimento, mas
lamenta não ter a manteiga.

Esse foco narrativo respaldado nas potencialidades poéticas do texto destitui o estatuto
da verossimilhança como condição fundamental da obra. Assim, seria no mínimo
temerário tomar como verdade um fato que não pode ser checado, ao se usar, numa
possível biografia do autor José Carlos Oliveira, que deve primar pelo aspecto fidedigno
dos fatos, com acurada apuração em fontes que não fosse apenas o autor de um
“romance” (isso caracterizaria o procedimento jornalístico da tarefa de biografar), uma
obra que está catalogada como “romance” na folha de rosto. Os fatos relativos a sua
iniciação sexual colhidos do “romance” são verossímeis, ocorrências comuns na
infância, como o “troca-troca” com o menino Bené e o alumbramento que teve ao tomar
banho de chuveiro com a irmã de seu amigo, nuinha (OLIVEIRA, 1972, p. 38). Mas
isso não está em Manuel Bandeira? Esse apontamento se faz necessário, pois a
performance discursiva de José Carlos Oliveira é convincente a ponto de induzir o leitor
e o pesquisador a equívocos, a tomar por realidade o que é ficção.

É correto que sua família viveu uma situação de penúria, após o falecimento do pai. Isso
nos foi narrado por uma de suas irmãs. É provável que José Carlos Oliveira estivesse

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sempre com fome, pois o assunto “comida” é recorrente na obra. Mas tudo leva a crer se
tratar de uma caricatura, um exagero estético.

Isso não é suficiente para fazer do autor/narrador/personagem (herói?) um real


entregador de marmita que acabará por sempre chupar um pouco dos picolés de
sobremesa que sempre levava para uma idosa, e sim um material que será trabalhado
livremente para se criar a figura do “mar/miteiro”, título de um capítulo.

O “miteiro do mar” não será nada mais nada menos que o reforço antecipado da figura
do narrador benjaminiano, que aparece como o embarcadiço do capítulo 21, e figura
como o “sábio” viajante contador de histórias que será retomado no penúltimo capítulo,
agora como um outro personagem, e cumprindo um outro estágio de sua função
romanesca: a de reconduzir o protagonista à consumação de seu fado.

Toda a arquitetura do romance, alternando capítulos líricos com outros carregados de


pathos, num simétrico jogo de trevas e luz, conduz, num crescendo, o foco da narrativa
para o desenlace dramático.

Há até o comparecimento de um sonho premonitório, uma estranha cena que termina


com uma voz intimando o narrador a abandonar o projeto da obra em curso, que exporia
o drama de toda uma família – a sua família. No capítulo 24, “Uma festa no inferno”:

Serenamente (sua irmã), abrindo os lábios em leve sorriso, pergunta: ‘José,


por que você insiste em me prejudicar?’ Respondo gravemente: ‘Não quero
prejudicar ninguém. Procuro apenas a verdade sobre nosso passado comum,
ou ao menos uma verdade aproximativa. É possível que no fim disto tudo
uma família inteira se veja reabilitada a seus próprios olhos e diante do
mundo. A começar por mim.’ [...] Sorrindo, ela muda de assunto: “... Todo
mundo lá está preocupado, que tudo isso é um escândalo, esse escavar das
profundezas interiores e exposição de vivos e mortos, como no juízo final...’
[...] Acordo banhado em suor, mas devolvido, após tanto tempo, à plenitude
de meu ser (OLIVEIRA, 1972, p. 103-104).

As entrevistas que fiz em Vitória mostram que José Carlos Oliveira não fugiu para o
Rio de Janeiro após descobrir a tragédia que estava nos bastidores de sua família, como
é narrado no livro. Ele buscava novos rumos, e talvez até se sentisse ameaçado em
Vitória, em vista de suas atitudes polêmicas, da acidez de suas crônicas. Era um
deslocado na cidade. Todos seus amigos seguiam a carreira adequada ao perfil pequeno

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burguês do “mundinho”. (Um deles chegaria a governador do Estado e outro, a
ministro.)

Essas observações, se não são suficientes para, além da etiqueta “romance” aposta à
obra, descaracterizar sua validade genuinamente autobiográfica, pelo menos são
necessárias para marcar a inserção do escritor José Carlos Oliveira na categoria de autor
de autoficção, com viés performático, como ensina Diana Klinger. O criador que lança
mão de sua história, ou parte dela, para carnavalizá-la, para dar-se em espetáculo ao
mundo dos leitores, como drama, como tragédia, até, montando um painel de retirante
nos moldes da obra de Portinari. Para, como dissemos acima, justificar uma vida de
dissipação no álcool, quando se esperava dele a consumação de uma obra literária de
vulto, ou a esquerda cobrava de qualquer intelectual o engajamento nas lutas
democráticas.

O importante a assinalar é que o que mais conta para a obra ser caracterizada como
romance (literatura) é o tratamento estético dado ao material, seja ele biográfico ou
pseudobiográfico. Por outro lado, é a fabulação – um termo muito caro a José Carlos
Oliveira, de quem o ouvimos por diversas vezes, como participante de uma oficina para
criação de romance que ele dirigiu na Ufes, no segundo semestre de 1985. Isso inclui a
forma como o material é exposto, em O pavão..., criando-se um clima que conflui, num
crescendo, para o desfecho. Os fios que são espalhados desde o início e se atam ao final.
No fundo, José Carlos Oliveira fez uma obra que denuncia os maus-tratos à infância
desvalida. Assim se justifica o capítulo 12, “A menina sem sol”, que causou
estranhamento ao editor Rubem Braga, um dos motivos de ter recusado a obra, que seria
publicada pelo Bloch, seu ex-patrão na revista Manchete.

José Carlos Oliveira narra os seguidos sustos que “o menino pálido e cruel” dava numa
“aleijada e idiota” de 13 anos. “No segundo patamar, 10 vezes por dia, José Carlos é
aluno e professor, aprendendo e ensinado estoicismo e revolta. Tem oito anos de idade,
tem um olhar perfurante e tem um banjo que lhe foi dado pelo demônio” (OLIVEIRA,
1972, p. 48).

A cena que pinta é dramática, para fechar o capítulo. O pai da menina lhe dá guaraná
com formicida. Em seguida, “a menina sem sol recebeu em cheio o corpo do pai, cujo

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peso era monumental, e cujo orgulho cintilaria sem qualquer dúvida na mão para
sempre fechada em torno da navalha” (OLIVEIRA, 1972, p. 49). (O citado episódio dos
dois gatos que se alimentam dos restos de pássaros grudados nos carros, uma “crônica”,
também sobe de voltagem no contexto da obra A sangue frio, pois emblematiza a frieza
e crueldade de uma sociedade vertiginosa em torno da velocidade de viver a vida de
riqueza (afluência), sem dar a mínima para as questões “menores”, para a ecologia,
enfim, para o destino dos protagonistas que seria selado ali próximo, no fórum da
cidade: descartáveis indo para a condenação à forca).

Verdade ou ficção, na tragédia familiar da menina envenenada por um pai suicida?


Teria um fato assim acontecido em Vitória? José Carlos Oliveira teria publicado essa
notícia, no jornal onde trabalhava, na mocidade? É possível. Ele gostava de colocar
notícias de jornal em suas ficções. Mas o importante a assinalar é que o autor, enquanto
mostra na traquinagem do narrador o potencial de crueldade do sádico José Carlos,
prenuncia o saco de maldades que ele abriria no decorrer da obra; e marca também com
sinete de ferro e fogo o drama da infância nas classes menos favorecidas socialmente.
Ou seja, ao criar uma obra que trata do drama de sua família, o autor faz a denúncia da
pedagogia familiar de uma determinada época, em relação às crianças.

Não é por acaso que no título do livro figura o termo “pavão”. O autor traz para um
capítulo estratégico de sua obra a história do Antoninho, melancólica canção popular
que ficou célebre, no passado. No capítulo 10, “Chorinho para saxofone”:

Havia sempre alguém cantarolando alguma coisa triste e condenada ao


esquecimento, como a história de Antoninho. Roubaram o pavão do mestre,
caindo a suspeita sobre Antoninho. No dia seguinte, caso não fosse devolvido
o pavão, o inocente seria condenado à morte. [...] Desta forma, cantando e
escutando a música do povo, o menino viajava pela mais delicada região de
seu espírito, explorando os austeros cômoros do sofrimento feito arte
(OLIVEIRA, 1972, p. 40).

A obra como autoficção e/ou performance encontra em José Carlos Oliveira um cultor
sempre atento. Ele era seu personagem, tanto que os batizava: Carlinhos, Charlot,
dependendo das circunstâncias. Demos voz ao escritor e jornalista Carlos Heitor Cony:

O texto de Carlinhos (sic) Oliveira, seja ele qual for, é um contexto em si


mesmo. Nesse particular, não tenho nenhuma hesitação em considerá-lo o

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escritor mais autêntico de nosso tempo, a despeito de lhe faltar um livro
específico que justifique a classificação. Lida concomitantemente com sua
vida, ea sua obra, apesar de esparsa e fragmentada, pode ser encarada como o
maior romance contemporâneo (TÉRCIO, 1999, p. 10-11).

É como Carlinhos que ele comparece em outro romance com fortes componentes
autobiográficos: Um novo animal na floresta; e marca presença como Charlot, em
Domingo 22.

No Domingo 22 adquirido em um sebo, com a página da dedicatória arrancada, mas


com três carimbos nas laterais com a grife “Grijó”, José Carlos Oliveira deixou essas
preciosas observações manuscritas:

Aracataca (setinha) Macondo


Jucutuquara (setinha) Maracajaguaçu
Na metamorfose, o mundo real é efetivamente ABOLIDO.
O universo a que Domingo 22 se refere está nas páginas
de “Os Olhos Dourados do Ódio’ – e em nenhum outro lugar.

Assim, o romance Domingo 22 se reporta ao zeitgeist e aos locais – como a boate


Sacha’s – que são o pano de fundo do primeiro livro de José Carlos Oliveira, em 1962,
reunindo uma seleção de suas crônicas publicadas nos anos anteriores, um tempo que
abarca a era dos “cafajestes”. E remete a sua terra natal, como Maracajaguaçu, de onde
procedem personagens fundamentais para o desenvolvimento da trama, um deles,
protagonista de uma tramóia.

Em Terror e êxtase, José Carlos Oliveira não deixa qualquer resquício de sua vida
privada. Essa obra foi um grande sucesso editorial: chegou à quarta edição pela
Codecri; saiu uma com capa dura pelo Círculo do Livro; e virou filme, de Antônio
Calmon. No entanto, o autor, com sua argúcia de jornalista e sua experiência de
comportamentos sociais aurida nos bares da vida, irá tratar, pioneira e
premonitoriamente, do conluio entre a criminalidade dos morros e a sociedade carioca.
E fundamentalmente vai denunciar uma rede maior de poder paralelo, que inclui política
e economia, que dá as cartas nesse jogo perigoso.

O instigante em José Carlos Oliveira é que aparentemente ele trabalha com


verossimilhança total. Não há margem para a ambiguidade, que em algumas obras,

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como Nove noites, de Bernardo Carvalho, potencializa o pathos e o alcance do jogo e
aguça o prazer da leitura. Neste caso, ficamos no campo do indecidível com relação ao
real, à referencialidade, que não pode ser critério para a avaliação de uma obra que é
publicada com o status de literária. Mas cabe ressaltar que José Carlos Oliveira, ao
buscar a verossimilhança total, um “desenho lógico” perfeito, em suas obras
“autobiográficas”, costurando causa e efeito, acaba por nos deixar também ao sabor da
indecidibilidade, e indagamos: “Foi mesmo assim?”.

É o que se dá no “romance bastardo” Um novo animal na floresta (1981), que, no nosso


entender, também pretende justificar, com anos de atraso, o não engajamento político de
“Carlinhos Oliveira”. O autor, José Carlos Oliveira, ao relembrar os fatos relativos ao
sequestro do embaixador americano pela guerrilha urbana brasileira, deixa para o
personagem narrador, Carlinhos, uma tarefa difícil, que acabará por levá-lo à paranóia:
a de guardar em sua casa um dos envolvidos com o sequestro, até ser recambiado para a
clandestinidade, num local seguro.

Mas isso é assunto para outro artigo.

Referências:

ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico na (re)configuração da subjetividade


contemporânea. In: GALLE, Helmut et al. (Org.). Em primeira pessoa: abordagens de
uma teoria da autobiografia. São Paulo: Annablume, 2009. p. 113-121.
BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: ______. Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo
Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 114-119.
CAPOTE, Truman. A sangue frio. Lisboa: Livros do Brasil, [s.d.]. (Col. Dois Mundos,
n. 93).
CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
HOLLANDA, Heloisa Buarque. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 fev. 1982.
Caderno B. Disponível em: <http://www.pacc.ufrj.br/heloisa/sufocados.html>. Acesso
em: 15 jan. 2011.
KLINGER, Diana Irene. A escrita de si: o retorno do autor. In: ______. Escritas de si,
escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica. Rio de Janeiro: 7Letras,
2007. p. 19-47.

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LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico. O pacto autobiográfico (bis). O pacto
autobiográfico, 25 anos depois. In: ______. O pacto autobiográfico: de Rousseau à
Internet. Organização de Jovita Maria Gerheim Noronha. Tradução de Jovita Maria
Gerheim Noronha e Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: UFMG, 2008. p. 13-
85.
NASCIMENTO, Evando. Matérias-primas: da autobiografia à autoficção – ou vice-
versa. In: NASCIF, Rose Mary Abrão; LAGE, Verônica Lucy Coutinho (Org.).
Literatura, crítica, cultura IV: interdisciplinaridade. Juiz de Fora: UFJF, 2010. p. 189-
207.
OLIVEIRA, José Carlos. Os olhos dourados do ódio. Rio de Janeiro: José Álvaro,
1962.
OLIVEIRA, José Carlos. O pavão desiludido. Rio de Janeiro: Bloch, 1972.
OLIVEIRA, José Carlos. Terror e êxtase. Rio de Janeiro: Codecri, 1978.
OLIVEIRA, José Carlos. Um novo animal na floresta. Rio de Janeiro: Codecri, 1981.
OLIVEIRA, José Carlos. Domingo, 22. São Paulo: Ática, 1984.
OLIVEIRA, José Carlos. Diário da Patetocracia – Crônicas brasileiras. 1968. Rio de
Janeiro: Graphia, 1995.
OLIVEIRA, José Carlos. Bravos companheiros e fantasmas. Vitória: Fundação
Ceciliano Abel de Almeida, 1986.
OLIVEIRA, José Carlos. O rebelde precoce: crônicas da adolescência. Seleção, ensaio
biográfico e estudo crítico de Jason Tércio. Vitória: Florecultura, 2003.
OLIVEIRA, José Carlos. O homem na varanda do Antonio’s: crônicas da boemia
carioca nos agitados anos 60/70. Organização de Jason Tércio. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004.
SHOLLHAMMER, Karl Erik. O sujeito em cena. In: ______. Ficção brasileira
contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 105-120.
TÉRCIO, Jason. Órfão da tempestade. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

Recebido em 31/03/2012
Aprovado em 05/07/2012

1
Para Diana Klinger, “O termo autoficção é capaz de dar conta do ‘retorno do autor’, pois ele
problematiza a relação entre as noções de real (ou referencial) e de ficcional, assim como a tensão entre a
presença e a falta – retorno e recalque –, ainda que não necessariamente em relação com o discurso do
trauma” (2007, p. 38). Isso significa ir além da classificação de Philippe Gasparini (autobiografia fictícia,
romance autobiográfico ou ‘ficção autobiográfica’ e autoficção) (KLINGER, 2007, p. 45-46). Pois, para
ela, Gasparini “reduz toda a autoficção à ‘ficção’” e considera: “O meu conceito de autoficção é um
pouco diferente. No meu entender, a categoria de autoficção implica não necessariamente uma corrosão
da verossimilhança interna do romance, e sim um questionamento das noções de verdade e de sujeito”
(KLINGER, 2007, p. 47). Klinger vê também simplicidade na definição de Lecarme para autoficção: um

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discurso em que autor, narrador e protagonista são idênticos, restando a ressalva da etiqueta “romance”
(LECARME, 1994, p. 227). Conceito que coincide com o de Gasparini. “Lembremos que Gasparini
considera que a autoficção é menos ambígua que a ficção autobiográfica porque, ao ser internamente
inverossímil, ela remete somente ao universo ficcional. Porém, na hipótese que sustentamos a seguir,
seguindo a definição de Doubrovsky, a autoficção é um gênero ambivalente, ambíguo, andrógino”
(KLINGER, 2007, p. 47-48). Arrematemos com Karl Erik Shollhammer: “Todavia, no momento em que
se aceita e se assume a ficcionalização da experiência autobiográfica, abre-se mão de um compromisso
implícito do gênero, a sinceridade confessional, e logo a autobiografia se converte em autobiografia
fictícia, em romance autobiográfico, ou simplesmente em autoficção, na qual a matéria autobiográfica
fica de certo modo preservada sob a camada do fazer ficcional e, simultaneamente, se atreve a uma
intervenção na organização do ficcional, em um apagamento consciente dessa fronteira”
(SHOLLHAMMER, 2002, p. 106-107).

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