Paixão de Perpétua

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“A Paixão de Santa Perpétua e Santa Felicidade” (Passio Sanctarum Perpetuae et

Felicitatis): tradução anotada

Aline Montesine Fávaro*, Tiago Augusto Nápoli**, Ricardo da Cunha Lima***


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RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo traduzir e anotar o texto latino
Passio Sanctarum Perpetuae et Felicitatis (“A Paixão de Santa Perpétua e Santa
Felicidade”), do séc. III d.C., que versa sobre parte das comunidades cristãs norte-
africanas à época dos Severos, em especial sobre o martírio infligido às personagens que
dão título à obra. Para tanto, é utilizada a edição crítica de Heffernan (2012), cotejada,
quando necessário, com a versão grega do texto, como se encontra em Amat (1996).
Palavras-chave: Passio Perpetuae; Literatura cristã; Século III d.C.; Africa Proconsularis; Latim.

The Passion of Saint Perpetua and Saint Felicity (Passio Sanctarum Perpetuae et
Felicitatis): An Annotated Translation

ABSTRACT: In this study, we present an annotated translation of the Third-century


Latin text named Passio Sanctarum Perpetuae et Felicitatis (“The Passion of Saints
Perpetua and Felicity”), which deals with the Christian communities in North Africa
under the Severan dynasty, more specifically, with the martyrdom inflicted on the two
women named in the work’s title. To this purpose, the translation follows Heffernan’s
critical edition (2012), collated, when necessary, with the Greek version of the text, as it
appears in Amat (1996).

Keywords: Passio Perpetuae, Christian Literature, Third Century A.D., Africa Proconsularis, Latin.

Nota introdutória

Apresentada em parte como relato autobiográfico, a “Paixão de Santa Perpétua e


Santa Felicidade” (Passio Sanctarum Perpetuae et Felicitatis)1, do séc. III d.C, suscitou

*
Aline Montesine Fávaro é bacharel em Letras (Latim – Português), pela Universidade de São Paulo.
**
Tiago Augusto Nápoli é doutorando em Letras Clássicas, pelaUniversidade de São Paulo.
***
Ricardo da Cunha Lima é Professor Doutor de Língua e Literatura Latina da Universidade de São
Paulo.
1
Doravante apenas Passio. Para a datação do texto, seguiu-se Heffernan (2012, p. 65-78), onde são
propostos dois termini à obra, a saber, 7 de março de 203, suposta data da morte das respectivas mártires;
e os anos de 206-209, hipótese baseada na primeira alusão ao martírio, feita por Tertuliano (c. 160 – c.
225), e na ascensão de Geta (189 – 211) ao poder.
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ao longo dos séculos uma série de questionamentos acerca de seus aspectos literários 2,
históricos3, teológicos4, dentre outros.
Nesta obra, Víbia Perpétua, uma jovem cristã da província romana da Africa
Proconsularis, narra os principais eventos que culminariam em seu martírio.5 Fala-se ali
de seu julgamento (VI), da relação mantida com seu pai (III, V, IX) e com a
comunidade de fiéis que a cerca (III, VII, XVII), de suas visões (IV, VII-VIII, X), assim
como da pena capital à qual se vê submetida no anfiteatro cartaginense (XVIII-XXI).
De resto, dois outros núcleos narrativos compõem o escrito, ambos não menos
importantes e atribuídos a autores diversos: no primeiro, depara-se com aquela que é
conhecida como a visão de Sátiro, indispensável aos estudos da representação do Outro
Mundo em princípios do cristianismo (LE GOFF, 1981, p. 76); no segundo, é proposta
uma moldura ao escrito, em que se busca valorizar as experiências revelatórias
contemporâneas6, frente àquelas do cânone escritural.
Neste sentido, afirma Gold (2018, p. 15):

Como nos chegou, o texto aparenta ter sido redigido por ao menos três
diferentes mãos: um editor (1-2, 11.1, 14-21), Perpétua (3-10) e Sátiro
(11.2-13). Ademais, o editor nos informa que os dois últimos escreveram
de próprio punho suas seções (2.3, 11.1). No entanto, não é algo
desconhecido ou incomum em escritos antigos que alguém escreva um
texto sob o nome de outro indivíduo. [...] O consenso atual mais razoável
é de que Perpétua teria ditado na prisão suas visões e pensamentos a um
visitante, o qual reescreveu e modificou as seções autônomas da Passio,
acrescentando uma narrativa-moldura e unindo as partes no todo de que
dispomos hoje.7

2
A título de exemplo, Ciccarese (1987), Gonzales (2013) e Perkins (2007).
3
O aproveitamento é extenso também neste domínio, compreendendo tópicos como a jurisprudência
romana face às primeiras comunidades cristãs (DE STE. CROIX, 2006; JONES, 1968); os munera,
enquanto espetáculo recreativo e punitivo (ROBERT, 1982); ou ainda, a própria cristandade, entendida
como identidade coletiva, cujas práticas religiosas ora antagonizariam cultos locais – oficializados ou não
– ora os assimilariam, dando-lhes nova significação (GOLD, 2018; CADOTTE, 2007).
4
Muito se falou, por exemplo, sobre a vertente escatológica da Passio. Para um cotejo entre as
representações do Além nesta e em obras afins, vide Bremmer (2004) e Potthoff (2017, p. 7-49). No caso
de Moss (2010), aborda-se ali o martírio – seu aspecto salvífico e socialmente relevante –, à luz da
imitatio Christi.
5
Embora escassas as evidências tanto intra quanto extratextuais relativas a Perpétua, sua existência é tida
como inconteste por alguns estudiosos: “That the martyrs did in reality exist has been proven by
archaeological and epigraphical finds, [...]. Furthermore, the text of the Passio Perpetuae was known to
Tertullian only a few years after the event itself, and was read out as part of the church liturgy on the
martyrs’ feast day” (KITZLER, 2015, p. 23). No que tange às descobertas referidas, vide Kitzler (ibid., p.
74-76). No entanto, cf. Gold (2018, p. 104-105) e Heffernan (2012).
6
O que teria permitido apontar um possível viés montanista da narrativa, em especial, haja vista sua
influência no norte da África e, particularmente, na obra de Tertuliano. Vide n. 20.
7
“The text, as it has come down to us, seems to be written by at least three different hands: I will posit an
editor (1-2, 11.1, 14-21), Perpetua (3-10), and Saturus (11.2-13). We are told by the editor that Perpetua
and Saturus wrote their sections themselves, in their own hands (2.3, 11.1). It is not, however, unknown
or unusual in ancient writings for someone to write a text under the name of another person, […]. The
most reasonable current consensus is that Perpetua dictated her visions and thoughts to a visitor in prison,
who then rewrote and modified the separate sections of the Passio, added a framing narrative, and wove
together the parts into the integrated whole we have today”.
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A despeito de tais dificuldades, a obra acabaria por exercer um influxo duplo.
Por um lado, passará a gozar direta ou indiretamente8 de prestígio não apenas junto às
comunidades locais de modo geral, mas também a figuras como Tertuliano – outrora
crido seu redator/editor –, Agostinho de Hipona (354 – 430) ou ainda Quodvultdeus (†
c. 453).9 Por outro, a mesma se transformaria numa espécie de modelo a passiones
posteriores, entre elas, a Passio Mariani et Iacobi (séc. III) e a Passio Montani et Lucii
(ibid.), ambas ecoando parte de sua dicção e temática.10
Enfim, no que tange ao leitor moderno, a Passio Sanctarum Perpetuae et
Felicitatis tampouco deixará de produzir um efeito similar. Tomadas de empréstimo as
ponderações de Farrell (2012, p. 320), a impressão que a obra causa é indelével, não
obstante as tentativas de circunscrevê-la sob categorias aquém de sua complexidade. “É
exatamente essa impressão” – complementa o autor – “que faz da Passio um texto que
mereça ser lido o mais amplamente possível, decerto por classicistas e medievalistas,
mas também por estudantes de religião e de estudos da mulher, além de acadêmicos de
outras disciplinas”.11

Sobre a tradução

A tradução ora proposta baseia-se na edição crítica latina de Heffernan (2012),


cotejada, quando se julgou necessário, com a versão grega12 do relato fornecida por
Amat (1996). No que tange às notas explicativas que a acompanham, três obras de
referência se mostraram imprescindíveis ao longo dos trabalhos, a saber, Formisano
(2008) e os já mencionados estudos de Heffernan e Amat. Quanto às citações bíblicas
observáveis na Passio, utilizou-se como referência a edição sinóptica de Sabatier (1743-
1751), em que se colocam lado a lado os textos da Vetus Latina, base das citações aqui
contidas, e aquele da Vulgata. Neste âmbito, sempre que não houve maiores
discrepâncias entre as diferentes versões bíblicas, empregou-se como ponto de partida a
tradução de Figueiredo (1867), em cotejo com Almeida (2009 [1898]; 2017 [1959]).
Nos demais casos, os tradutores optaram por apresentar traduções de sua lavra. Ao cabo,
como critério para a tradução dos nomes próprios, seguiram-se comumente as soluções
listadas por Machado (2003), em seu Dicionário Onomástico da Língua Portuguesa.
No mais, os autores se guiaram por dois critérios tradutológicos: ao verter para o
português o exórdio da obra, optou-se pela manutenção parcial de seu registro, mais
rebuscado que nos demais passos, de modo a não o descaracterizar;13 no que se refere ao
restante do texto, privilegiou-se, por sua vez, a inteligibilidade, em detrimento de
escolhas léxico-sintáticas que poderiam dificultá-la.14
8
E.g., com os Acta que levam o nome de Perpétua. Cf. Gold (2018, p. 143-147) e o supracitado estudo de
Kitzler (2015).
9
Arrolam-se a seguir alguns passos em que a Passio ou seus partícipes são referidos: Tert. An. 55.4; Aug.
Serm. CCLXXX-CCLXXXII; Nat. et or. 1.10.12; Quodvultdeus De temp. barb. I.V.2-9. Quase que em
sua totalidade as abreviações do presente trabalho provêm de Hornblower & Spawforth (2012 [1949]),
Blaise (1954) e Lampe (1961).
10
Vide Bremmer (2004), Heffernan (2012, p. 161 n. iii.6; p. 213 n. vii.1; p. 235 n. viii.3, etc…).
11
“But it is just that impression which makes this a text that deserves to be as widely read as possible,
certainly by classicists as well as medievalists, students of religion and of women’s studies, and scholars
of other disciplines”.
12
Outrora motivo de debate, há hoje certo consenso de que o idioma original da Passio seja o latim. Neste
sentido, vide Duchesne (1891, p. 51) e Heffernan (2012, p. 60-61, n. 3).
13
Por exemplo, através do não desmembramento dos longos períodos (e.g. I.3, I.6 e, parcialmente, I.5)
que o compõem.
14
No âmbito lexical, pela escolha de vocábulos ou expressões correntes em Língua Portuguesa, sempre
indicadas as especificidades do original latino, via aparato crítico – vide notas 47, 93, 96, entre outras. Por
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Três docentes foram determinantes para a realização deste trabalho. No caso dos
dois primeiros, Prof. Marcelo Vieira Fernandes (FFLCH – USP) e Prof. Adriano
Scatolin (FFLCH – USP), sua solicitude habitual e sugestões mostraram-se de enorme
valia à tradução; quanto ao terceiro, Prof. Julio Cesar Magalhães de Oliveira (FFLCH –
USP), o projeto que aqui se propõe nunca teria sido iniciado sem ele. A eles nossa
profunda gratidão.

1. Passio Sanctarum Perpetuae et Felicitatis

I
1. Si uetera fidei exempla, et Dei gratiam testificantia et aedificationem hominis
operantia, propterea in litteris sunt digesta, ut lectione eorum quasi repensatione rerum
et Deus honoretur et homo confortetur, cur non et noua documenta aeque utrique
causae conuenientia et digerantur? 2. Vel quia proinde et haec uetera futura
quandoque sunt et necessaria posteris, si in praesenti suo tempore minori deputantur
auctoritati, propter praesumptam uenerationem antiquitatis. 3. Sed uiderint qui unam
uirtutem Spiritus unius Sancti pro aetatibus iudicent temporum, cum maiora reputanda
sunt nouitiora quaeque, ut nouissimiora, secundum exuperationem gratiae in ultima
saeculi spatia decretam. 4. In nouissimis enim diebus, dicit Dominus, effundam de
Spiritu meo super omnem carnem, et prophetabunt filii filiaeque eorum; et super seruos
et ancillas meas de meo Spiritu effundam; et iuuenes uisiones uidebunt, et senes somnia
somniabunt. 5. Itaque et nos, qui sicut prophetias ita et uisiones nouas pariter
repromissas et agnoscimus et honoramus, ceterasque uirtutes Spiritus Sancti ad
instrumentum Ecclesiae deputamus (cui et missus est idem omnia donatiua
administrans in omnibus, prout unicuique distribuit Dominus) necessario et digerimus
[ea] et ad gloriam Dei lectione celebramus, ut ne qua aut imbecillitas aut desperatio
fidei apud ueteres tantum aestimet gratiam diuinitatis conuersatam, siue [in] martyrum
siue in reuelationum dignatione, cum semper Deus operetur quae repromisit, non
credentibus in testimonium, credentibus in beneficium. 6. Et nos itaque quod audiuimus
et uidimus et contrectauimus, annuntiamus et uobis, fratres et filioli uti et uos qui
interfuistis rememoremini gloriae Domini, et qui nunc cognoscitis per auditum
communionem habeatis cum sanctis mart[y]ribus, et per illos cum Domino nostro Iesu
Christo, cui est claritas et honor in saecula saeculorum. Amen.

II
1. Apprehensi sunt adolescentes catechumeni: Reuocatus et Felicitas, conserua eius,
Saturninus et Secundulus; inter hos et Vibia Perpetua, honeste nata, liberaliter
instituta, matronaliter nupta. 2. Habens patrem et matrem et fratres duos, alterum
aeque catechumenum, et filium infantem ad ubera. 3. Erat autem ipsa circiter annorum
uiginti duorum. Haec ordinem totum martyrii sui iam hinc ipsa narrauit, sicut
conscriptum manu sua et suo sensu reliquit.

III
1. Cum adhuc, inquit, cum prosecutoribus essemus et me pater uerbis euertere cupiret
et deicere pro sua affectione perseueraret: “Pater,” inquam “uides uerbi gratia uas
hoc iacens, urceolum siue aliud?” Et dixit “uideo.” 2. Et ego dixi ei: “Numquid alio

outro lado, no que tange ao aspecto sintático do texto, procurou-se preservar as muitas orações
coordenadas existentes nele, ora as mantendo por meio de conjunções coordenativas (e.g. X.11), ora
lançando mão de orações justapostas (e.g. VII.4).
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nomine uocari potest quam quod est?” Et ait “non.” “Sic et ego aliud me dicere non
possum nisi quod sum, Christiana.” 3. Tunc pater motus hoc uerbo mittit se in me, ut
oculos mihi erueret, sed uexauit tantum, et profectus est uictus cum argumentis diaboli.
4. Tunc paucis diebus quod caruissem patrem Domino gratias egi et refrigeraui
absentia illius. 5. In ipso spatio paucorum dierum baptizati sumus; et mihi Spiritus
dictauit nihil aliud petendum ab aqua nisi sufferentiam carnis. Post paucos dies
recipimur in carcerem: et expaui, quia numquam experta eram tales tenebras. 6. O
diem asperum! [A]estus ualidus turbarum beneficio, concussur[a]e militum. Nouissime
macerabar sollicitudine infantis ibi. 7. Tunc Tertius et Pomponius, benedicti diaconi qui
nobis ministrabant, constituerunt praemio, uti paucis horis emissi in meliorem locum
carceris refrigeraremus. 8. Tunc exeuntes de carcere uniuersi sibi uacabant: ego
infantem lactabam iam inedia defectum; sollicita pro eo adloquebar matrem et
confortabam fratrem, commendabam filium; tabescebam ideo quod illos tabescere
uideram mei beneficio. 9. Tales sollicitudines multis diebus passa sum; et usurpaui ut
mecum infans in carcere maneret; et statim conualui et releuata sum a labore et
sollicitudine infantis, et factus est mihi carcer subito praetorium, ut ibi mallem esse
quam alicubi.

IV
1. Tunc dixit mihi frater meus: “Domina soror, iam in magna dignatione es; tanta es ut
postules uisionem et ostendatur tibi an passio sit an commeatus.” 2. Et ego quae me
sciebam fabulari cum Domino, cuius beneficia tanta experta eram, fidenter repromisi ei
dicens: “crastina die tibi renuntiabo.” Et postulaui, et ostensum est mihi hoc: 3. Video
scalam aeream mirae longitudinis, pertingentem usque ad caelum, et angustam, per
quam nonnisi singuli ascendere possent, et in lateribus scalae omne genus
ferramentorum infixum. Erant ibi gladii, lanceae, [h]ami, macherae, uerruta, ut si quis
neglegenter aut non sursum adtendens ascenderet, laniaretur et carnes eius inhaererent
ferramentis. 4. Et erat sub ipsa scala draco cubans mirae magnitudinis, qui
ascendentibus insidias praestabat et exterrebat ne ascenderent. 5. Ascendit autem
Saturus prior, qui postea se propter nos ultro tradiderat (quia ipse nos aedificauerat),
et tunc cum adducti sumus, praesens non fuerat. 6. Et peruenit in caput scalae, et
conuertit se et dixit mihi: “Perpetua, sustineo te; sed uide ne te mordeat draco ille.” Et
dixi ego: “Non me nocebit, in nomine Iesu Christi.” 7. Et desub ipsa scala, quasi timens
me, lente eiecit caput; et quasi primum gradum calcarem, calcaui illi caput, et ascendi.
8. Et uidi spatium immensum horti et in medio sedentem hominem canum, in habitu
pastoris, grandem, oues mulgentem; et circumstantes candidati milia multa. 9. Et
leuauit caput et aspexit me et dixit mihi: “Bene uenisti, tegnon.” Et clamauit me et de
caseo quod mulgebat dedit mihi quasi buccellam; et ego accepi iunctis manibus et
manducaui; et uniuersi circumstantes dixerunt: “Amen.” 10. Et ad sonum uocis experta
sum, commanducans adhuc dulce nescio quid. Et retuli statim fratri meo; et
intelleximus passionem esse futuram, et coepimus nullam iam spem in saeculo habere.

V
1. Post paucos dies rumor cucurrit ut audiremur. Superuenit autem de ciuitate pater
meus, consumptus taedio, et ascendit ad me, ut me deiceret, dicens: 2. “Miserere, filia,
canis meis; miserere patri, si dignus sum a te pater uocari; si his te manibus ad hunc
florem aetatis prouexi, si te praeposui omnibus fratribus tuis: ne me dederis in dedecus
hominum. 3. Aspice fratres tuos, aspice matrem tuam et materteram, aspice filium tuum,
qui post te uiuere non poterit. 4. Depone animos; ne uniuersos nos extermines: nemo
enim nostrum libere loquetur, si tu aliquid passa fueris.” 5. Haec dicebat quasi pater
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pro sua pietate, basians mihi manus, et se ad pedes meos iactans et lacrimans me iam
non filiam nominabat, sed dominam. 6. Et ego dolebam casum patris mei, quod solus de
passione mea gauisurus non esset de toto genere meo, et confortaui eum dicens: “Hoc
fiet in illa catasta quod Deus uoluerit; scito enim nos non in nostra esse potestate
futuros, sed in Dei.” Et recessit a me contristatus.

VI
1. Alio die cum pranderemus, subito rapti sumus ut audiremur. Et peruenimus ad forum.
Rumor statim per uicinas fori partes cucurrit, et factus est populus immensus. 2.
Ascendimus in catastam. Interrogati ceteri confessi sunt. Ventum est ad me. Et apparuit
pater ilico cum filio meo, et extraxit me de gradu, dicens: “Supplica; misere[re]
infanti.” 3. Et Hilarianus procurator, qui tunc loco proconsulis Minuci Timiniani
defuncti ius gladii acceperat: “Parce,” inquit, “canis patris tui, parce infantiae pueri.
Fac sacrum pro salute imperatorum. 4. Et ego respondi: “Non faciam.” Et Hilarianus:
“Christianus es?” inquit. Et ego respondi: “Christiana sum.” 5. Et cum staret pater ad
me deiciendam, iussus est ab Hilariano proici, et uirga percussus est. Et doluit mihi
casus patris mei, quasi ego fuissem percussa: sic dolui pro senecta eius misera. 6. Tunc
nos uniuersos pronuntiat et damnat ad bestias; et hilares descendimus ad carcerem. 7
Tunc quia consueuerat a me infans mammas accipere et mecum in carcere manere,
statim mitto ad patrem Pomponium diaconum, postulans infantem. 8. Sed pater dare
noluit. Et quomodo Deus uoluit, neque ille amplius mammas desiderauit, neque mihi
feruorem fecerunt, ne sollicitudine infantis et dolore mamarum macerarer.

VII
1. Post dies paucos, dum uniuersi oramus, subito media oratione profecta est mihi uox
et nominaui Dinocraten. Et obstipui quod numquam mihi in mentem uenisset nisi tunc,
et dolui commemorata casus eius. 2. Et cognoui me statim dignam esse et pro eo petere
debere. Et coepi de ipso orationem facere multum et ingemescere ad Dominum. 3.
Continuo ipsa nocte ostensum est mihi hoc: 4. Video Dinocratem exeuntem de loco
tenebroso, ubi et conplures erant, aestuantem ualde et sitientem, sordido uultu et colore
pallido; et uulnus in facie eius, quod cum moreretur habuit. 5. Hic Dinocrates fuerat
frater meus carnalis, annorum septem, qui per infirmitatem facie cancerata male obiit,
ita ut mors eius odio fuerit omnibus hominibus. 6. Pro hoc ergo orationem feceram; et
inter me et illum grande erat diastema, ita ut uterque ad inuicem accedere non
possemus. 7. Erat deinde in illo loco, ubi Dinocrates erat, piscina plena aqua, altiorem
marginem habens quam erat statura pueri; et extendebat se Dinocrates quasi bibiturus.
8. Ego dolebam, quod et piscina illa aquam habebat, et tamen propter altitudinem
marginis bibiturus non esset. 9. Et experta sum, et cognovui fratrem meum laborare;
sed fidebam me profuturam labori eius. Et orabam pro eo omnibus diebus quousque
transiuimus in carcerem castrensem; munere enim castrensi eramus pugnaturi: natale
tunc Getae Caesaris. 10. Et feci pro illo orationem die et nocte gemens et lacrimans, ut
mihi donaretur.

VIII
1. Die autem quo in neruo mansimus, ostensum est mihi hoc: uideo locum illum quem
retro uideram, et Dinocraten mundo corpore, bene uestitum, refrigerantem; et ubi erat
uulnus, uideo cicatricem; 2. et piscinam illam, quam retro uideram, summisso margine
usque ad umbilicum pueri; et aquam de ea trahebat sine cessatione. 3. Et super
margine fiala aurea plena aqua. Et accessit Dinocrates et de ea bibere coepit; quae

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fiala non deficiebat. 4. Et satiatus, accesit de aqua ludere more infantium gaudens. Et
experta sum. Tunc intellexi translatum eum esse de poena.

IX
1. Deinde post dies paucos Pudens miles optio, praepositus carceris, qui nos
magnificare coepit intellegens magnam uirtutem esse in nobis; qui multos ad nos
admittebat ut et nos et illi inuicem refrigeraremus. 2. Ut autem proximauit dies muneris,
intrauit ad me pater meus consumptus taedio, et coepit barbam suam euellere et in
terram mittere et prosternere se in faciem, et inproperare annis suis et dicere tanta
uerba quae mouerent uniuersam creaturam. 3. Ego dolebam pro infelici senecta eius.

X
1. Pridie quam pugnaremus, uideo in horomate hoc: uenisse Pomponium diaconum ad
ostium carceris et pulsare uehementer. 2. Et exiui ad eum et aperui ei; qui erat uestitus
discincta candida, habens multiplices galliculas. 3. Et dixit mihi: “Perpetua, te
expectamus: ueni.” Et tenuit mihi manum, et coepimus ire per aspera loca et flexuosa.
4. Et uix tandem peruenimus anhelantes ad amphitheatrum, et induxit me in media
arena, et dixit mihi: “Noli expauescere: hic sum tecum et conlaboro tecum. Et abiit. 5.
Et aspicio populum ingentem adtonitum; et quia sciebam me ad bestias damnatam esse,
mirabar quod non mitterentur mihi bestiae. 6. Et exiuit quidam contra me Egyptius
foedus specie cum adiutoribus suis, pugnaturus mecum. Veniunt et ad me adolescentes
decori, adiutores et fautores mei. 7. Et expoliata sum, et facta sum masculus, et
coeperunt me fauisores mei oleo defricare, quomodo solent in agone; et illum contra
Egyptium uideo in afa uolutantem. 8. Et exiuit uir quidam mirae magnitudinis, ut etiam
excederet fastigium amphit[h]eatri, discinctatus, purpuram inter duos clauos per
medium pectus habens, et galliculas multiformes ex auro et argento factas, et ferens
uirgam quasi lanista, et ramum uiridem in quo erant mala aurea. 9. Et petiit silentium
et dixit: ‘Hic Aegyptius, si hanc uicerit, occidet illam gladio; haec, si hunc uicerit,
accipiet ramum istum.’ Et recessit. 10. Et accessimus ad inuicem et coepimus mittere
pugnos; ille mihi pedes apprehendere uolebat, ego autem illi calcibus faciem caedebam.
11. Et sublata sum in aere, et coepi eum sic caedere quasi terram non calcans. At ubi
uidi moram fieri, iunxi manus, ut digitos in digitos mitterem, et apprehendi illi caput, et
cedidit in faciem, et calcaui illi caput. 12. Et coepit populus clamare et fautores mei
psallere. Et accessi ad lanistam et accepi. 13. Et osculatus est me et dixit mihi: ‘Filia,
pax tecum.’ Et coepi ire cum gloria ad portam Sanauiuariam. 14. Et experta sum. Et
intellexi me non ad bestias sed contra diabolum esse pugnaturam; sed sciebam mihi
esse uictoria[m]. 15. Ho[c] usque in pridie muneris egi; ipsius autem muneris actum, si
quis uoluerit, scribat.”

XI
1. Visio Saturi: Sed et Saturus benedictus hanc uisionem suam edidit, quam ipse
conscripsit. 2. “Passi” inquit “eramus, et exiuimus de carne, et coepimus ferri a
quattuor angelis in orientem, quorum manus nos non tangebant. 3. Ibamus autem non
supini sursum uersi, sed quasi mollem cliuum ascendentes. 4. Et liberat[i] primo mundo
uidimus lucem immensam, et dixi Perpetuae (erat enim haec in latere meo): “Hoc est
quod nobis Dominus promittebat: percepimus promissionem.” 5. Et dum gestamur ab
ipsis quattuor angelis, factum est nobis spatium grande, quod tale fuit quasi
uiridiarium, arbores habens rosae et omne genus flores. 6. Altitudo arborum erat in
modum cipressi, quarum folia cadebant sine cessatione. 7. Ibi autem in uiridiario alii
quattuor angeli fuerunt clariores ceteris: qui, ubi uiderunt nos, honorem nobis
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43
dederunt, et dixerunt ceteris angelis: “Ecce sunt, ecce sunt,” cum admiratione. Et
expauescentes quattuor illi angeli, qui gestabant nos, deposuerunt nos. 8. Et pedibus
nostris transiuimus stadium uia lata. 9. Ibi inuenimus Iocundum et Saturninum et
Artaxium, qui eadem persecutione uiui arserunt, et Quintum, qui et ipse martyr in
carcere exierat. Et quaerebamus de illis, ubi essent ceteri. 10. Angeli dixerunt nobis:
“Venite prius, introite, et salutate Dominum.”

XII
1. Et uenimus prope locum, cuius loci parietes tales erant quasi de luce aedificati; et
ante ostium loci illius angeli quattuor stabant, qui introeuntes uestierunt stolas
candidas. 2. Et introiuimus, et audiuimus uocem unitam dicentem: “Agios, agios,
agios,” sine cessatione. 3. Et uidimus in eodem loco sedentem quasi hominem canum,
niueos habentem capillos et uultu iuuenili, cuius pedes non uidimus. 4. Et in dextera et
in sinistra seniores quattuor, et post illos ceteri seniores conplures stabant. 5. Et
introeuntes cum admiratione stetimus ante thronum, et quattuor angeli subleuauerunt
nos, et osculati sumus illum, et de manu sua traiecit nobis in faciem. 6. Et ceteri
seniores dixerunt nobis: “Stemus”; et stetimus et pacem fecimus. Et dixerunt nobis
seniores: “Ite et ludite.” 7. Et dixi Perpetuae: “Habes quod uis.” Et dixit mihi: “Deo
gratias, ut, quomodo in carne hilaris fui, hilarior sim et hic modo.”

XIII
1. Et exiuimus et uidimus ante fores Optatum episcopum ad dexteram et Aspasium
presbyterum doctorem ad sinistram, separatos et tristes. 2. Et miserunt se ad pedes
nobis, et dixerunt: “Componite inter nos, quia existis, et sic nos reliquistis.” 3. Et
diximus illis: “Non tu es papa noster, et tu presbyter? Ut uos ad pedes nobis mittatis?”
Et moti sumus et conplexi illos sumus. 4. Et coepit Perpetua Graece cum illis loqui, et
segregauimus eos in uiridiarium sub arbore rosae. 5. Et dum loquimur cum eis,
dixerunt illis angeli: “Sinite illos refrigerent; et si quas habetis inter uos dissensiones,
dimittite uobis inuicem.” 6. Et conturbauerunt eos, et dixerunt Optato: “Corrige
plebem tuam, quia sic ad te conueniunt quasi de circo redeuntes et de factionibus
certantes.” 7. Et sic nobis uisum est quasi uellent claudere portas. 8. Et coepimus illic
multos fratres cognoscere, sed et martiras. Uniuersi odore inerrabili alebamur, qui nos
satiabat. Tunc gaudens expertus sum.

XIV
1. Hae uisiones insigniores ipsorum martirum beatissimorum Saturi et Perpetuae, quas
ipsi conscripserunt. 2. Secundulum uero Deus maturiore exitu de saeculo adhuc in
carcere euocauit, non sine gratia, ut bestias lucraretur. 3. Gladium tamen etsi non
anima, certe caro eius agnouit.

XV
1. Circa Felicitatem uero, et illi gratia Domini eiusmodi contigit: 2. Cum octo iam
mensium uentrem haberet (nam pregnans fuerat adprehensa), instante spectaculi die in
magno erat luctu, ne propter uentrem differretur (quia non licet pregnantes poenae
repraesentari) et ne inter alios postea sceleratos sanctum et innocentem sanguinem
funderet. 3. Sed et conmartyres grauiter contristabantur, ne tam bonam sociam quasi
comitem solam in uia eiusdem spei relinquerent. 4. Coniuncto itaque unito gemitu ad
Dominum orationem fuderunt ante tertium diem muneris. 5. Statim post orationem
dolores eam inuaserunt. Et cum pro naturali difficultate octaui mensis in partu laborans
doleret, ait illi quidam ex ministris cataractariorum: “Quae sic modo doles, quid facies
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obiecta bestiis, quas contempsisti cum sacrificare noluisti?” 6. Et illa respondit: “Modo
ego patior quod patior; illic autem alius erit in me qui patietur pro me, quia et ego pro
illo passura sum.” 7. Ita enixa est puellam, quam sibi quaedam soror in filiam educauit.

XVI
1. Quoniam ergo permisit et permittendo uoluit Spiritus Sanctus ordinem ipsius muneris
conscribi, etsi indigni ad supplementum tantae gloriae describendae, tamen quasi
mandatum sanctissimae Perpetuae, immo fideicommissum eius exequimur, unum
adicientes documentum de ipsius constantia et animi sublimitate. 2. Cum tribunus
castigatius eos castigaret, quia ex admonitionibus hominum uanissimorum uerebatur ne
subtraherentur de carcere incantationibus aliquibus magicis, in faciem ei Perpetua
respondit: 3. “Quid utique non permittis nobis refrigerare noxiis nobilissimis, Caesaris
scilicet, et natali eiusdem pugnaturis? Aut non tua gloria est, si pinguiores illo
producamur?” 4. Horruit et erubuit tribunus; et ita iussit illos humanius haberi, ut
fratribus eius et ceteris facultas fieret introeundi et refrigerandi cum eis, iam et ipso
optione carceris credente.

XVII
1. Pridie quoque cum illam cenam ultimam, quam liberam uocant — quantum in ipsis
erat, non cenam liberam sed agapem —, cenarent, eadem constantia ad populum uerba
iactabant, comminantes iudicium Dei, contestantes passionis suae felicitatem,
inridentes concurrentium curiositatem, dicente Saturo: 2. “Crastinus dies satis uobis
non est? Quid libenter uidetis quod odistis? Hodie amici, cras inimici. Notate tamen
uobis facies nostras diligenter, ut recognoscatis nos in illo die. 3. Ita omnes inde
adtoniti discedebant, ex quibus multi crediderunt.

XVIII
1. Illuxit dies uictoriae illorum, et processerunt de carcere in amphitheatrum, quasi in
caelum, hilares, uultu decori, si forte gaudio pauentes non timore. 2. Sequebatur
Perpetua lucido uultu et placido incessu, ut matrona Christi, ut Dei delicata, uigore
oculorum deiciens omnium conspectum. 3. Item Felicitas, saluam se peperisse gaudens
ut ad bestias pugnaret, a sanguine ad sanguinem, ab obstetrice ad retiarium, lotura
post partum baptismo secundo. 4. Et cum ducti essent in portam et cogerentur habitum
induere, uiri quidem sacerdotum Saturni, feminae uero sacratarum Cereri, generosa
illa in finem usque constantia repugnauit. 5. Dicebat enim: “Ideo ad hoc sponte
peruenimus, ne libertas nostra obduceretur; ideo animam nostram addiximus, ne tale
aliquid faceremus; hoc uobiscum pacti sumus.” 6. Agnouit iniustitia iustitiam: concessit
tribunus, quomodo erant, simpliciter inducerentur. 7. Perpetua psallebat, caput iam
Aegyptii calcans; Reuocatus et Saturninus et Saturus populo spectanti comminabantur.
8. Dehinc ut sub conspectu Hilariani peruenerunt, gestu et nutu coeperunt Hilariano
dicere: “tu nos,” inquiunt, “te autem Deus.” 9. Ad hoc populus exasperatus flagellis
eos uexari per ordinem uenatorum postulauit; et utique gratulati sunt quod aliquid et de
dominicis passionibus essent consecuti.

XIX
1. Sed qui dixerat: “Petite et accipietis,” petentibus dederat eum exitum quem quis
desiderauerat. 2. Nam si quando inter se de martyrii sui uoto sermocinabantur,
Saturninus quidem omnibus bestiis uelle se obici profitebatur, ut scilicet glorio[s]iorem
gestaret coronam. 3. Itaque in commissione spectaculi ipse et Reuocatus leopardum
experti etiam super pulpitum ab urso uexati sunt. 4. Saturus autem nihil magis quam
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ursum abominabatur; sed uno morsu leopardi confici se iam praesumebat. 5. Itaque
cum apro subministraretur, uenator potius qui illum apro subligauerat, subfossus ab
eadem bestia post dies muneris obiit; Saturus solummodo tractus est. 6. Et cum ad
ursum substrictus esset in ponte, ursus de cauea prodire noluit. Itaque secundo Saturus
inlaesus reuocatur.

XX
1. Puellis autem ferocissimam uaccam, ideoque praeter consuetudinem conparatam,
diabolus praeparauit, sexui earum etiam de bestia [a]emulatus. 2. Itaque dispoliata[e]
et reticulis indutae producebantur. Horruit populus alteram respiciens puellam
delicatam, alteram a partu recentem stillantibus mammis. 3. Ita reuocatae et discinctis
indutae. Prior Perpetua iactata est, et concidit in lumbos. 4. Et ubi sedit, tunicam a
latere discissam ad uelamentum femoris reduxit, pudoris potius memor quam doloris. 5.
Dehinc, [acu] requisita, et dispersos capillos infibulauit; non enim decebat martyram
sparsis capillis pati, ne in sua gloria plangere uideretur. 6. Ita surrexit, et elisam
Felicitatem cum uidisset, accessit et manum ei tradidit et suscitauit illam. 7. Et ambae
pariter steterunt. Et populi duritia deuicta, reuocatae sunt in portam Sanauiuariam. 8.
Illic Perpetua a quodam tunc cathecum[e]no, Rustico nomine, qui ei adh[a]erebat,
suscepta et quasi a somno expergita (adeo in spiritu et in extasi fuerat) circumspicere
coepit, et stupentibus omnibus ait: “Quando,” inquit, “producimur ad uaccam illam
nescio [quam]?” 9. Et cum audisset quod iam euenerat, non prius credidit nisi quasdam
notas uexationis in corpore et habitu suo recognouisset. 10. Exinde accersitum fratrem
suum, et illum cathecum[e]num, adlocuta est dicens: “In fide state et inuicem omnes
diligite, et passionibus nostris ne scandalizemini.”

XXI
1. Item Saturus in alia porta [Pudentem] militem exhortabatur dicens: “Ad summam,”
inquit, “certe, sicut presumpsi et predixi, nullam usque adhuc bestiam sensi. Et nunc de
toto corde credas; ecce prodeo illo, et ab uno morsu leopardi consumor.” 2. Et statim
in fine spectaculi leopardo eiecto de uno morsu tanto perfusus est sanguine, ut populus
reuertenti illi secundi baptismatis testimonium reclamauerit: “Saluum lotum, saluum
lotum.” 3. Plane utique saluus erat qui hoc modo lauerat. 4. Tunc Pudenti militi inquit:
“Vale,” inquit, “et memento fidei et mei; et haec te non conturbent, sed confirment.” 5.
Simulque ansulam de digito eius petiit, et uulneri suo mersam reddidit ei hereditatem,
pignus relinquens illi et memoriam sanguinis. 6. Exinde iam exanimis prosternitur cum
ceteris ad iugulationem solito loco. 7. Et cum populus illos in medio postularet, ut
gladio penetranti in eorum corpore oculos suos comites homicidii adiungerent, ultro
surrexerunt et se quo uolebat populus transtulerunt, ante iam osculati inuicem ut
martyrium per sollemnia pacis consummarent. 8. Ceteri quidem immobiles et cum
silentio ferrum receperunt: multo magis Saturus, qui et prior scalam ascenderat, prior
reddidit spiritum; nam et Perpetuam sustinebat. 9. Perpetua autem, ut aliquid doloris
gustaret, inter ossa conpuncta exululauit, et errantem dexteram tirunculi gladiatoris
ipsa in iugulum suum transtulit. 10. Fortasse tanta femina aliter non potuisset occidi,
quae ab immundo spiritu timebatur, nisi ipsa uoluisset.
11. O fortissimi ac beatissimi martyres! O uere uocati, et electi in gloriam
Domini nostri Iesu Christi! Quam qui magnificat et honorificat et adorat, utique et haec
non minora ueteribus exempla in aedificationem Ecclesiae legere debet, ut nouae
quoque uirtutes unum et eundem semper Spiritum Sanctum usque adhuc operari
testificentur, [et] omnipotentem Deum patrem et filium eius Iesum Christum Dominum
nostrum, cui est claritas et inmensa potestas in saecula saeculorum. Amen.
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46
2. A Paixão de Santa Perpétua e Santa Felicidade

I
1. Se os antigos exemplos da fé15, que atestam a graça de Deus e levam à edificação do
homem, foram postos por escrito, para que sua leitura, como que evocando16 o passado,
honrasse a Deus e reconfortasse o homem, por que não registrar novos testemunhos,
igualmente adequados a ambos os fins? 2. Ora, tais exemplos serão um dia eles mesmos
antigos e úteis aos que virão, embora sejam reputados hoje como de menor autoridade
por uma pressuposta veneração ao passado. 3. Ademais, pouco importam17 aqueles que
julgam segundo as épocas o poder unívoco do também unívoco Espírito Santo18, quando
em verdade os testemunhos mais recentes, por serem os últimos, devem ser tidos como
de maior importância, conforme a profusão da graça fixada para o fim dos tempos. 4.
Com efeito, diz o Senhor: “Nos últimos dias, derramarei do Meu Espírito sobre toda a
carne; seus filhos e filhas farão profecias; derramarei do Meu Espírito sobre meus
servos e servas; os jovens terão visões; e os velhos, sonhos”19. 5. Destarte, também nós,
que reconhecemos e honramos as novas profecias e visões20 que nos foram igualmente
prometidas, aplicamos os demais poderes do Espírito Santo para a instrução da
comunidade eclesiástica, à qual o mesmo Espírito foi enviado para repartir todas as suas
graças entre todos, segundo o Senhor as distribui a cada um. Outrossim, somos
compelidos, para a glória de Deus, a registrar [tais exemplos] e os celebrar por meio da
leitura, a fim de que a tibieza ou desesperança na fé não suponha que a graça divina –
seja pela dádiva do martírio ou pela das revelações – tenha sido reservada apenas aos
mais antigos, pois Deus sempre cumpre o que prometeu, fornecendo testemunhos aos
descrentes e benesses aos fiéis. 6. E assim, aquilo que ouvimos, vimos e tocamos,
anunciamos a vocês, irmãos e filhos, para que os que estavam presentes se recordem da
glória de Deus; e para que aqueles que ouvirem agora esse testemunho comunguem com
os santos mártires e, através deles, com o Nosso Senhor Jesus Cristo, glorioso e honrado
pelos séculos dos séculos. Amém.

15
I. e. aqueles bíblicos em contraposição, por exemplo, à Passio. No tocante aos primeiros, vide Gn 18.1-
5; Nm 12.5-6; Is 66; Dn 7; At 7.55-56; Ap 1.9-19.
16
Seguiu-se aqui a lição repensitatione, de Ruinart (1689, p. 85), em detrimento de repensatione, como
consta de Heffernan (2012, p. 104).
17
uiderint. Sobre o uso da expressão – especialmente em Tertuliano –, vide Amat (1996, p. 189) e
Waszink & Van Winden (1987, p. 143).
18
qui unam uirtutem Spiritus unius Sancti pro aetatibus iudicent temporum. A leitura adotada é análoga à
de Heffernan (2012, p. 125) e Amat (1996, p. 101). Não é a única, no entanto. Para outra, cf. Formisano
(2008, p. 79).
19
At 2.17; Jl 2.28.
20
A passagem seria vista por alguns como concernente à Nova Profecia, movimento cristão surgido na
metade do século II na Ásia Menor, cuja ênfase recaía sobre a centralidade das experiências proféticas
vivenciadas por parte de seus adeptos: “The New Prophecy believed in the outpouring of the Spirit and
the appearance of a new, authoritative prophecy which brought fresh disciplinary demands to the
churches. Women were prominent as leaders and the Prophets clashed with catholic representatives on
matters such as the nature of prophecy, the exercise of authority, the interpretation of Christian writings
and the significance of the phenomenon for salvation-history. The New Prophecy – later Montanism [i.e.
a partir de um de seus líderes, Montano] – spread and diversified, despite some catholic success in
countering it” (TREVETT, 2002, p. 3). Os ecos montanistas do preâmbulo – ou ainda em toda a Passio,
de acordo com autores como Trevett (ibid.) – concorreriam para sua atribuição a Tertuliano, seu mais
célebre representante e uma das principais fontes históricas do movimento.
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47
II
1. Alguns jovens catecúmenos21 foram presos: Revocato e Felicidade22, sua
companheira de servidão23, Saturnino e Secúndulo24. Entre eles, também estava Víbia
Perpétua, mulher de origem nobre, educação privilegiada25 e honrosamente casada26, 2.
que tinha pai, mãe e dois irmãos – um deles também catecúmeno –, além de um bebê
ainda em fase de amamentação.27 3. Víbia tinha cerca de vinte e dois anos de idade. A
partir daqui, ela mesma narrou, de próprio punho e conforme sua opinião, todos os
eventos de seu martírio.

III
1. Eis o seu relato: Quando ainda estávamos sob vigilância28 e meu pai desejava com
suas palavras que eu abandonasse minha fé, insistindo para que a renegasse em nome de
sua afeição, eu lhe perguntei: “Pai, você está vendo, por exemplo, este vaso que está
aqui, um pequeno jarro ou o que quer que seja?”. E ele respondeu: “Vejo”. 2. Então eu
lhe disse: “Pode ele ser chamado por um nome diverso do que é?”. E ele falou: “Não”.
“Logo, também não posso afirmar ser senão aquilo que sou, uma cristã”. 3. Então meu
pai, irritado com tais palavras, lançou-se contra mim, para me arrancar os olhos. No
entanto, conseguiu apenas me afligir e acabou partindo, derrotado junto aos argumentos
do Diabo. 4. Nos poucos dias em que fiquei livre dele, dei graças ao Senhor e me
recuperei com sua ausência. 5. Nesse ínterim, fomos batizados29, e o Espírito Santo
recomendou-me que não buscasse na água [batismal]30 nada, exceto suportar o

21
catechumeni (gr. κατηχούμενοι, part. de κατηχεῖν, “ensinar”). Sc. os fiéis que, por meio da instrução
religiosa, preparam-se para receber o batismo. Cf. Isid. Etym. VII.14.7.
22
Reuocatus et Felicitas. Nada se sabe a respeito das personagens, exceto sua possível condição de
escravos (vide nota abaixo).
23
conserua. O vocábulo pode indicar tanto um companheiro de escravidão, quanto indivíduos associados
no serviço de Deus. Para diferentes entendimentos sobre o termo, bem como sua acepção no léxico
cristão, cf. Heffernan (2012, p. 19-20; 149), Gold (2018, p. 166) e Blaise (1954, s.v. conseruus)
respectivamente.
24
Assim como no caso de Revocato e Felicidade, não se tem notícia sobre as personagens.
25
honeste nata, liberaliter instructa, isto é, indícios do estrato social a que pertenceria Perpétua. Todavia,
cf. Cooper (2011, p. 688-689).
26
Diferentemente do que ocorre nos Acta, o marido de Perpétua não figura entre as personagens da
Passio.
27
Ainda que inconclusiva, Perkins (2007, p. 323) lança a hipótese de que os atributos maternos de
Perpétua e Felicidade descritos na narrativa devam ser analisados não como pormenores historicamente
fidedignos, mas enquanto construções, cujo objetivo seja valorizar a corporeidade de ambas, sobretudo,
face à natureza humana de Cristo: “The Passion, like the works [e.g. Aduersus Marcionem] of Tertullian,
affirms the material body even in its most flagrant animal manifestations – giving birth and nursing. The
descriptions of Perpetua and Felicitas are indeed so pertinent to the discussions around the body during
this period as to intimate that rhetoric rather than historical veracity may underlie the emphasis on nursing
and birth in their depictions”.
28
Literalmente, na companhia dos prosecutores, isto é, os oficiais encarregados de segui-los.
29
baptizati sumus (gr. ἐβαπτίσθημεν). Embora o Novo Testamento não ofereça uma descrição detalhada
da liturgia que acompanhava o batismo, podemos encontrá-la em autores como Tertuliano (e.g. De
Corona) e Hipólito (Traditio Apostolica, originalmente em grego). De acordo com o primeiro: “No
mesmo local, quando estamos prestes a entrar na água, declaramos renunciar o Diabo, sua pompa e anjos,
na presença da congregação e sob a mão do superior. Em seguida, somos imersos três vezes [...]” ([...]
aquam adituri, ibidem, sed et aliquanto prius in Ecclesia sub antistitis manu contestamur nos renuntiare
diabolo, et pompae, et angelis ejus: dehinc ter mergitamur [...]) (De Cor. 3). Devidamente purificado, o
fiel estaria então apto a ingressar na comunidade. Cf. De Baptismo IV-VIII.
30
O qualificador é explicitado na versão grega do texto: ἀπò τοῦ ὕδατος τοῦ βαπτίσματος. (3.5). Os grifos
são nossos.
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48
sofrimento corpóreo31. Poucos dias depois, fomos levados às masmorras. Fiquei
aterrorizada, porque nunca conhecera tais trevas. 6. Oh, dia duro! O calor era sufocante
devido à aglomeração; os soldados nos extorquiam. De resto, torturava-me a
preocupação com meu bebê naquele lugar. 7. Então Tércio e Pompônio, os abençoados
diáconos32 que cuidavam de nós, conseguiram, graças a um suborno, que fôssemos
levados, por algumas poucas horas, a um local melhor da prisão, para nos recuperarmos.
8. Ao sair da masmorra, enquanto todos se dedicavam a seus próprios afazeres, eu
amamentava meu bebê, já fraco pela fome; preocupada com ele, falava com minha mãe
e confortava meu irmão, confiando-lhes a criança; consumia-me de tristeza vê-los do
mesmo modo por minha causa. 9. Suportei tais preocupações por muitos dias,
conseguindo que meu bebê permanecesse comigo na prisão. Logo me restabeleci e,
aliviada do sofrimento e da preocupação com meu filho, a prisão tornou-se de repente
um palácio para mim, preferindo eu estar lá a permanecer em qualquer outro lugar.

IV
1. Então meu irmão me disse: “Senhora, minha irmã, você desfruta de tamanho respeito
de Deus, que, caso peça uma visão, lhe será revelado se seremos martirizados ou
libertados”. 2. E eu, que sabia ser capaz de conversar com o Senhor, cujas enormes
benesses experimentara, prometi confiante, dizendo: “Amanhã lhe contarei”. E pedi
[uma visão], e me foi revelado o seguinte: 3. vejo uma escada33 de bronze,

31
O liame entre o batismo e a morte/ressurreição com Cristo consta de Rm 6.3-6: “Ou não sabeis que
todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? Porque fomos sepultados
com Ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim
também nós andemos em novidade de vida. Porque, se fomos plantados juntamente com Ele à
semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição; sabendo isto: que o nosso velho
homem foi crucificado com Ele, para que seja destruído o corpo do pecado, e não sirvamos mais ao
pecado” (An ignoratis quia quicunque baptizati sumus in Christo Jesu, in morte ipsius baptizati sumus?/
Consepulti enim sumus cum illo per baptismum in mortem: ut quomodo surrexit Christus a mortuis per
gloriam Patris, ita & nos in nouitate uitae ambulemus/ Si enim complantati facti sumus similitudini
mortis ejus: simul & resurrectionis erimus/ Hoc scientes, quia uetus homo noster simul crucifixus est, ut
destruatur corpus peccati, ut ultra non seruiamus peccato). Ademais, cf. Cl. 2.12.
32
diaconi (gr. διάκονοι). São múltiplas suas funções nos primeiros séculos do cristianismo, não
obrigatoriamente vinculadas a um posto eclesiástico específico. De acordo com Ferguson (2010, s.v.):
“Although nearly all religious and social groups have subordinate officials to assist the leaders, the
principal non-Christian functionary who has been considered comparable with the Christian deacon is the
chazan in the Jewish synagogue. The servant of the synagogue at different times and places was assigned
a variety of tasks: assisting in the worship, caring for the building, executing punishment on offenders,
and teaching children. In classical Greek, the diakonia [gr. διακονεῖν, “servir”] family of words was used
for intermediaries of various kinds – an agent performing an errand or a task for another person, such as
delivering messages or sometimes serving tables – associations that continued in Christian sources. [...]
Whatever his background, the deacon had a distinctive development in Christianity. Diakonos (‘deacon’)
is used in the New Testament in a nontechnical sense for a variety of persons: waiters (John 2:5),
government officials (Rom. 13:4), servants of Satan (2 Cor. 11:15), a disciple (Matt. 23:11), a messenger
(Col. 4:7; 1 Thess. 3:2), evangelists and missionaries (1 Tim. 4:6; 2 Cor. 11:23), apostles (Matt. 20:26; 2
Cor. 3:6), Christ (Rom. 15:8). ‘Deacon’ as a technical term for a recognized ministry in the church with
set qualifications is also attested in the New Testament (Phil. 1:1; 1 Tim. 3:8-13). The association of the
deacons with bishops in these passages continued to be normal in Christian usage [...], but there are also
passages where deacons are paired with presbyters [...]. The deacons were the assistants of the spiritual
leaders in the church, performing various services on behalf of the people. The deacons could, therefore,
be seen as in a special way representing the serving attitude and work of Jesus”. Para dois comentários em
algum grau discordantes a respeito do diaconato em sua vertente neotestamentária, cf. Coogan (2010
[1973], p. 2062, n. 1.1-2) e Lampe (1961, s.v. διάκονος ii.b).
33
Lê-se em Gn 28.11-12: “E chegou a um lugar onde dormiu, pois o sol se pusera; tomou algumas pedras
do local e as colocou junto à cabeça e lá dormiu; e teve um sonho: eis que havia uma escada sobre a terra,
cujo topo tocava o céu; por ela, os anjos de Deus subiam e desciam” (Et deuenit in locum, & dormiuit ibi,
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49
espantosamente alta, que alcançava o céu. Era estreita; apenas uma pessoa por vez
conseguia subir por ela34; em suas laterais, havia todo tipo de flagelos. Ali, espadas,
lanças, ganchos, cutelos e hastes estavam distribuídos de tal maneira, que, se alguém
subisse desatento ou não olhasse para cima, seria mutilado, e seu corpo ficaria preso aos
flagelos. 4. Ao pé da escada, estendia-se uma gigantesca serpente35, preparando
emboscadas aos que subiam e aterrorizando-os para que não o fizessem. 5. O primeiro a
subir foi Sátiro36, que se entregou depois espontaneamente por nós, pois fora nosso
mestre e não estava presente, quando fomos presos. 6. Ao chegar ao topo da escada,
virou-se e me disse: “Perpétua, estou esperando por você; mas tome cuidado para que a
serpente não a morda”. E eu lhe falei: “Em nome de Jesus Cristo, ela não me fará mal”.
7. Como que com medo de mim, a serpente levantou hesitante a cabeça de sob a escada.
E assim, como se pisasse no primeiro degrau, pisei em sua cabeça e subi.37 8. Vi então
um imenso jardim38 e, sentado no meio dele, um homem grande de cabelos brancos,
vestido de pastor, que ordenhava as ovelhas;39 ao seu redor, estavam muitos milhares de
pessoas vestidas de branco40. 9. Ele levantou a cabeça, olhou para mim e disse: “Seja
bem-vinda41, minha criança42”. Chamou-me para perto e me deu uma porção do queijo
[produzido com o leite] da ordenha43. Com as mãos juntas, recebi o alimento e comi. E

occiderat enim sol: & sumpsit ex lapidibus loci, & posuit ad caput suum, & dormiuit in loco illo./ Et
somniauit: & ecce scala stabilita super terram, cujus caput pertingebat ad coelum: & Angeli Dei
ascendebant, & descendebant per illam).
34
A dificuldade do caminho à bem-aventurança é expressa, por exemplo, em Mt 7.13-14: “Entrai pela
porta estreita, porque larga e espaçosa é a via que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela.
Quão estreita é a porta e exígua a via que conduz à vida, e poucos são os que a encontram” (Intrate per
angustam portam quia lata, & spatiosa uia est, quae ducit ad perditionem & multi sunt, qui intrant per
eam/ quam angusta porta et arcta uia est, quae ducit ad uitam: & pauci sunt, qui inueniunt eam).
35
Ou seja, uma das representações bíblicas do mal. No “Apocalipse de João”, é o próprio Diabo: “E foi
lançado o dragão, a grande e antiga serpente que se chama Diabo e Satanás, que engana todo o mundo”
(Et missus est ille draco, serpens magnus, & antiquus, qui dicitur diabolus, & sathanas, qui seducit
uniuersum orbem terrarum) (Ap 12.9). Evidentemente, há outras passagens neo e veterotestamentárias
em que a imagem reaparece, entre elas, Gn 3.1-15 e Is 27.1.
36
À parte sua posição de preceptor evidenciada pelo verbo aedificauerat, a personagem ainda carece de
identificação.
37
A ação de Perpétua adquire um matiz profético, a partir das palavras de Deus, no Gênesis: “E porei
inimizade entre ti [sc. a serpente] e a mulher e entre a tua semente e a semente dela; esta ficara à espreita
pela tua cabeça [...]” (Et inimicitas ponam inter te & inter mulierem, & inter semen tuum & semen illius:
ipsa tibi seruabit caput, [...]) (Gn 3.15).
38
Entenda-se, o jardim edênico de que fala Gn 2.8. Para uma análise detalhada acerca do significado do
termo παράδεισος na Septuaginta, vide Bremmer (1999, p. 18).
39
A compleição do homem é em larga medida a do Deus Pai e de Cristo, em Dn 7.9 e Ap 1.14
respectivamente. No que tange ao hábito de pastor, a imagem não deixa de ecoar o Salmo 23 ou ainda o
evangelho joanino: “Eu sou o bom Pastor; o bom pastor dá a própria vida pelas suas ovelhas” (Ego sum
pastor bonus. Pastor bonus animam suam dat pro ouibus) (Jo 10, 11). Cf. Hb 13.20; Is 63.11; 1 Enoch
LXXXIX.22-59; Herm. 25.1-5, 61.5-6, 62.1-5, 63.2.
40
Em Ap 4.4, a indumentária de cor branca é um dos atributos dos vinte quatro anciãos em redor de
Deus: “E à volta do trono havia vinte e quatro assentos; neles, sentavam-se vinte e quatro anciãos vestidos
de branco; e nas suas cabeças, coroas de ouro” (et in circuitu throni sedilia uiginti quattuor: in quibus
seniores sedentes erant uiginti quattuor, circumamicti uestimentis albis, & in capitibus eorum coronae
aureae). Cf. 1 Enoch LXXI.1 e Herm. 68.1-4.
41
bene uenisti. Para outros exemplos da expressão, vide Plummer (1896, p. 219) e Blaise (1954, s.v.
bene).
42
No original, tegnon (gr. τέκνον), um dos muitos helenismos presentes ao longo do texto.
43
Embora o leite e, por conseguinte, o queijo sejam alimentos por vezes associados à Eucaristia e ao
Batismo, McGowan (1999, p. 103) acredita que ambos assumam aqui um papel sobremaneira antitético:
“Thus the Martyrdom of Perpetua and Felicitas may not really be a witness to the actual use of milk or
cheese in ritual meals, [...] but the oppositions presented in the account, between bloodshed, meat-eating,
RÓNAI: REVISTA DE ESTUDOS CLÁSSICOS E TRADUTÓRIOS – 2019 V.7 N.2 – p. 37-68 – UFJF – JUIZ DE FORA

50
todos à volta disseram: “Amém”. 10. Então despertei ao som daquelas vozes, sentindo
ainda algo de doce na boca. Imediatamente contei a visão a meu irmão. Deste modo,
compreendemos que receberíamos o martírio e perdemos a esperança nesta vida.

V
1. Poucos dias depois, circulou o rumor de que seríamos interrogados. Tomado de
tristeza, meu pai chegou da cidade e veio até mim, para que eu renegasse minha fé.
Dizia: 2. “Filha, tenha piedade de meus cabelos brancos; tenha piedade de seu pai, caso
eu seja digno de ser chamado assim por você. Se com estas mãos a criei até a flor da
idade, se preferi você a todos os seus irmãos, não me entregue ao opróbrio dos homens.
3. Pense em seus irmãos, pense em sua mãe e sua tia, pense em seu filho, que não
sobreviverá sem você. 4. Não seja orgulhosa; não destrua a todos nós. Ora, nenhum de
nós poderá falar sem restrição, caso você seja punida!”. 5. Como um pai, dizia tais
palavras por compaixão, beijando minhas mãos, jogando-se aos meus pés e chorando.
Não mais me chamava de filha, mas de senhora. 6. Doía-me ver o infortúnio de meu pai,
pois apenas ele de toda minha família estava infeliz com meu martírio. 44 Eu então o
consolei, dizendo: “Acontecerá naquele estrado o que Deus quiser. Saiba que não
estaremos mais em nossas mãos, mas nas de Deus”. E ele, angustiado, deixou-me.

VI
1. Noutra ocasião, enquanto comíamos, fomos bruscamente levados à audiência. Ao
chegarmos ao fórum, a notícia correu rapidamente pelas redondezas, e uma grande
aglomeração se formou. 2. Subimos no estrado. Interrogados, os outros confessaram
[sua fé]. Chegou a minha vez. Meu pai surgiu com meu filho, puxou-me dos degraus e
disse: “Faça a oferenda!45 Tenha piedade de seu bebê!”. 3. Em seguida, Hilariano46, o
procurador que ocupava à época o posto de juiz supremo47 no lugar do finado procônsul

and sacrifice on the one hand, and idyllic peace and avoidance of meat on the other, are a valuable and
enlightening source for comparison”. Enfim, reiteradamente no Antigo Testamento, a Terra Prometida
será apresentada como um espaço de fartura de leite e mel: “e desci para livrá-los das mãos dos egípcios e
levá-los daquela terra a uma terra boa e vasta, terra onde correm leite e mel [...]” ([...] & descendi liberare
eos de manibus Aegyptorum, & educere illos de terra illa in terram bonam, & multam, in terram fluentem
lac & mel [...]) (Êx 3.8). Dentre seus muitos exemplos, cf. Nm 13.27 e Dt 26.9.
44
Isto é, o martírio entendido não apenas em chave positiva, mas cujos efeitos promoveriam uma
mudança na vida terrena e no porvir dos que o praticam: “The presentation of martyrs as ‘other Christs’
[alter Christus] was transformative for the status of the martyrs in their own communities. Whereas
previously they had been slaves, women, artisans, bishops, deacons, aristocrats, and foreigners, they had
ascended – through Christly death – to the upper ranks of the Christian hierarchy. The benefits of this
kind of Christian social climbing are most discernible in portrayals of martyrs in heaven. The activities,
roles, and functions of the martyrs in heaven suggest that they occupied a privileged position there”
(MOSS, 2010, p. 7).
45
Sc. aos deuses e, por conseguinte, ao imperador deificado: “Dès l’époque classique, le verbe a le sens
courant d’« offrir des prières » ou un « sacrifice » aux dieux [...]. Le sacrifice permettait d’éprouver les
chrétiens de façon indubitable [...]: en aucun cas, les véritables chrétiens ne devaient accepter de sacrifier
aux idoles, c’est-à-dire aux démons” (AMAT, 1996, p. 211). Sobre a prática em si, vide Gradel (2002, p.
15).
46
Segundo Rives (1996, p. 6-10), provavelmente P. Aélio Hilariano, procurator que teria dedicado, entre
os anos de 189 e 192, dois altares na cidade de Asturica (mod. Astorga), na Hispania Tarraconensis.
47
ius gladii (lit. “o direito da espada”), isto é, a prerrogativa legal de julgar e aplicar a pena capital. Diz
Rives (ibid., p. 4-5) acerca do expediente, bem como de sua cessão a Hilariano: “The description of
Hilarianus’ position given in the Passio Perpetuae is historically plausible. It was by no means unknown
in emergencies to allow a procurator to act in the place of a governor, vice praesidis. The practice seems
to have begun as early as the reign of Domitian, and started to become fairly regular under the Severans;
between the reigns of Septimius Severus and Gallienus we know of some twenty examples. The
attribution to Hilarianus of the power of the sword, ius gladii, fits well with this position, since ius gladii
RÓNAI: REVISTA DE ESTUDOS CLÁSSICOS E TRADUTÓRIOS – 2019 V.7 N.2 – p. 37-68 – UFJF – JUIZ DE FORA

51
Minúcio Timiniano48, falou: “Poupe os brancos cabelos de seu pai! Poupe sua criança!
Ofereça um sacrifício à saúde dos imperadores!”49 4. E eu respondi: “Não o farei”50. E
Hilariano perguntou: “Você é cristã?”. Ao que eu disse: “Sou”. 5. Vendo que meu pai
continuava tentando me demover, Hilariano ordenou que ele fosse jogado ao chão e
fustigado com uma vara.51 Doía-me [observar] seu infortúnio, como se eu mesma
tivesse sido golpeada; doía-me sua deplorável velhice. 6. Hilariano pronuncia então a
sentença de todos nós, condenando-nos às feras.52 E assim, descemos jubilosos à
masmorra. 7. Como minha criança estava acostumada a mamar em meu peito na prisão,
sem demora envio Pompônio a meu pai, para pedi-la de volta. 8. Mas meu pai não quis
devolvê-la. Pela vontade de Deus, porém, meu bebê não quis mais mamar, nem meus
seios permaneceram inchados e, deste modo, não mais me torturavam a preocupação
com meu filho ou a dor em minhas mamas.

VII
1. Poucos dias depois enquanto todos orávamos, veio-me uma voz de repente no meio
da oração, e então proferi o nome de Dinócrates53. Fiquei perplexa, pois nunca antes ele
me viera à mente, senão naquele instante. Condoí-me recordando seu infortúnio. 2. No
entanto, entendi, por esse sinal, que eu merecia a graça de Deus e deveria orar por ele.
Comecei então a rezar intensamente, lamentando-me ao Senhor. 3. Depois disso,
naquela mesma noite, tive esta revelação: 4. vejo Dinócrates saindo de uma paragem
escura54 onde havia muitos outros; ele sentia muito calor55 e sede56; seu rosto estava

was in essence the power to inflict capital punishments that the emperor delegated to this
representatives”.
48
De acordo com diversos comentadores, Minício Opimiano, governador da província romana da Africa
Proconsularis, cuja sede do poder situava-se em Cartago. A grafia Minuti Timiniani seria uma corruptela.
Na versão grega, lê-se Μινουκίου Ὀππιανοῦ.
49
Septímio Severo (146 – 211) e seus filhos Caracala (188 – 217) e Geta (189 – 211).
50
Como sublinha Amat (1996, p. 212), a recusa constituiria crime de lesa-majestade. Ademais, diz
Heffernan (2012, p. 195): “The ritual of sacrifice to both the dead and the living emperors was, in
practice, the recognition of a social contract between the ruler and the ruled. There were mutual
obligations on the ruler and ruled: the ruler must be just, pious, and virtuous, and must defend the Empire;
the ruled, in recognition of the benefits bestowed upon them as members of the state, were obliged to bind
themselves through the ritual of sacrifice and respect (pietas), a respect for the governing norms of the
social, political, and religious order. Christians’ refusal to sacrifice was an acknowledgment that they
were outside this compact”.
51
Ou seja, procedimento em princípio incompatível com o status social de Perpétua e de seus familiares.
Vide n. 25.
52
Aplicada a desertores e escravos no período republicano, a damnatio ad bestias figura na longa série de
punições romanas, cuja posterior assimilação nos jogos viria a incluir as comunidades cristãs: “With the
institutionalization of conglomerate spectacles came variations on ritualized public executions of
criminals (and in time Christians). Rome did not execute everyone the same way. Quick and
unaggravated, decapitation at the edge of town was the most discreet form of execution, a privilege for
citizens of status. For a host of crimes Rome punished criminals of low status with aggravated or ultimate
punishments (summa supplicia), which included exposure to wild beasts, crucifixion, and burning alive.
One could also be condemned to become a gladiator, or sent for life to the mines (metallum) or public
works (opus publicum). From the time of Augustus on, various forms of executions were performed on an
increasingly spectacular basis in the arena. The victim’s lasting agony and death provided a terrifying and
exemplary public spectacle. Some of the punishments have precedents under the Republic, but under the
Empire the torture and aggravated death of criminals became a standard part of munera” (KYLE, 1998, p.
52-53).
53
Sc. um dos irmãos de Perpétua, segundo informado logo abaixo no próprio texto.
54
A ausência de luz, ora reforçada por outros traços, é uma constante nas descrições da morada dos
mortos, tanto na literatura greco-romana, como nas Escrituras. Em Hesíodo, fala-se dos Titãs “sob a treva
espessa [do Tártaro]” (ὑπὸ ζόφῳ ἠερόεντι) (Theog. 729), caracterização que se repete na κατάβασις de
Odisseu (Hom. Od. 11.155). No Antigo Testamento, Jó pede por alento antes de dirigir-se “à terra de
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52
sujo; sua tez, pálida; tinha uma ferida na face, a mesma de quando morrera. 5.
Dinócrates era meu irmão de sangue. Aos sete anos, morrera enfermo com um cancro
no rosto. A maneira como morreu provocou a revolta de todos.57 6. Eu rezara por ele.
Separava-nos uma grande distância, que nos impedia de nos aproximarmos. 7. Onde
Dinócrates estava, havia um tanque cheio de água58, cuja borda era mais alta que o
menino. Dinócrates se esticava como que para beber. 8. Eu sentia tristeza, pois o tanque
tinha água, mas sua altura não permitia que Dinócrates bebesse. 9. Então despertei e
soube que meu irmão sofria. No entanto, tinha esperança de poder ajudá-lo em seu
sofrimento. Orei por ele todos os dias até irmos para uma prisão militar59, pois
lutaríamos nos jogos. Era o aniversário de Geta César60. 10. Eu rezava por Dinócrates
dia e noite. Lamentava-me e chorava, para obter [sua salvação].

VIII
1. Certo dia em que estávamos presos, foi-me revelado o seguinte: vejo o local que
antes observara; Dinócrates, porém, estava limpo, bem vestido e jubiloso. Onde havia a
ferida, vejo uma cicatriz; 2. o tanque que eu divisara tocava agora o umbigo do menino;
Dinócrates tirava-lhe água sem cessar. 3. Sobre a borda, encontrava-se uma taça de ouro
cheia de água. Dinócrates aproximou-se e começou a beber. A taça nunca se esvaziava.
4. Saciado, ele começou a brincar com a água, alegre como uma criança. Então
despertei. Soube assim que meu irmão fora liberado da pena.

IX
1. Alguns dias depois, Pudêncio, o sentinela61 encarregado da prisão, começou a nos ter
em grande estima, porque notara um grande destemor em nós. Permitia que muitos nos
visitassem, para que nos consolássemos uns aos outros. 2. No entanto, com a chegada
dos jogos, meu pai veio até mim e, tomado de tristeza, começou a arrancar a própria
barba e lançá-la ao chão. Prostrava-se à minha frente, amaldiçoando seus anos e
proferindo palavras que teriam comovido toda a criação. 3. Doía-me [observar] sua
triste velhice.

escuridão e de brumas;/ terra da noite eterna, onde não há luz” ([...] in terram tenebrosam, &
caliginosam;/ in terram noctis aeternae, ubi non est lux [...]) (Jó 10. 21-22). Enfim, no texto grego de II
Pe 2.4, tampouco a descrição do castigo aos anjos pecadores deixa de registrar tal elemento: “[Deus]
entregou-os às correntes da escuridão, tendo-os lançado no Inferno” ([...] σειραῖς ζόφου ταρταρώσας
παρέδωκεν).
55
Assim como a escuridão (vide nota acima), a presença do fogo – e, consequentemente, de paragens
tórridas no porvir – acabaria por exacerbar sua faceta punitiva: “[...] melhor é para ti entrares aleijado na
vida eterna do que, tendo dois pés, seres lançado na geena do fogo inextinguível” ([...] bonum enim est
tibi claudum introire in uitam aeternam, quam duos pedes habentem mitti in gehennam ignis
inextinguibilis) (Mc 9.44). Cf. Lc 16.24; Mt 18.8; 1 Enoch XVII.6-7, XXII.2, XCII.5 e CIII.7-8. Ademais,
como bem lembra Heffernan (2012, p. 217), a simples existência do Flegetonte na hidrografia do Outro
Mundo pagão promoveria a ideia de um local de temperatura elevada. Neste último aspecto, cf. 1 Enoch
XVII.3-5.
56
De modo geral, o suplício é reminiscente da parábola do rico e Lázaro. Cf. Lc 16.24.
57
Para outra leitura da expressão male obiit, vide Amat (1996, p. 216).
58
Cf. Jo 4, 11-14 e 7, 37-39. Dito isso, Ciccarese (1987, p. 81) acredita tratar-se de uma referência
específica às águas milagrosas de Betesda (Jo 5.2-3).
59
in carcerem castrensem. Cf. Blaise (1954, s.v. castrensis).
60
Getae Caesaris. Como indicado acima, Públio Septímio Geta, filho mais jovem do imperador Septímio
Severo. Nascido em 7 de março de 189, foi assassinado pelo irmão Caracala, em 211. Embora conste
apenas de um dos manuscritos da Passio, a referência é fundamental às tentativas de datação do martírio.
Vide Heffernan (2012, p. 317-318).
61
miles optio. Sobre as especificidades da patente militar em questão, vide Heffernan (2012, p. 243).
RÓNAI: REVISTA DE ESTUDOS CLÁSSICOS E TRADUTÓRIOS – 2019 V.7 N.2 – p. 37-68 – UFJF – JUIZ DE FORA

53
X
1. Na véspera de nosso combate, tive a seguinte visão62: Pompônio, o diácono, viera à
porta da prisão e batia com força. 2. Fui até ele e a abri. Pompônio vestia uma túnica63
branca e calçava sandálias elaboradas64. 3. Disse-me: “Perpétua, estamos à sua espera.
Venha”. Ele me pegou pela mão, e começamos a cruzar um caminho árduo e tortuoso.
4. Finalmente, com dificuldade, chegamos ofegantes ao anfiteatro, e Pompônio
conduziu-me ao centro da arena. Ele falou: “Não tenha medo. Estou aqui com você.
Sofreremos juntos”. E se afastou. 5. Contemplo então uma gigantesca multidão
eufórica. Eu estranhava que as feras não fossem lançadas contra mim, pois sabia que tal
era a minha pena. 6. Então, um repulsivo egípcio65 surgiu com seus lacaios, para
lutarmos. Ao mesmo tempo, belos jovens vêm para junto de mim, como meus ajudantes
e intercessores. 7. Primeiro, fui despida; depois, fizeram-me homem;66 em seguida,
meus protetores começaram a untar-me de óleo, como é costume nos combates. Do
outro lado, vejo o egípcio rolando na poeira.67 8. Neste instante, eis que surge um

62
horomate, outro termo tomado ao grego.
63
No original, discincta, isto é, por metonímia, a túnica usada solta, sem cinto. Na Eneida, é-lhe feita uma
alusão como veste típica dos “africanos”: “Vêm depois desfilando em longa série/ As vencidas nações,
nos idiomas/ Tão várias, quanto em usos, trajes e armas/ Aqui Nômadas e Afros descingidos [discinctos]”
(incedunt uictae longo ordine gentes,/ quam uariae linguis, habitu tam uestis et armis./ hic Nomadum
genus et discinctos Mulciber Afros) (8.726). Tradução de José Victorino Barreto Feio. De resto,
compunha o código vestuário de diferentes grupos, incluídas as comunidades cristãs: “The tunic was a
basic item of dress and was typically worn under the toga by upper-class Roman men; it also served as the
outer garment for the less well off and as an item of dress for the military. Pomponius’s white robe is a
complex image. Its color suggests purity. The tunic is not described as having any stripes, and this
indicates it is a simple garment worn by someone not from the equestrian or senatorial classes. Otherwise
it would have colored, vertical-striped bars of varying breadth running from the shoulders down the front
and back. Images from Christian iconography often depict Christ as wearing a plain, unbelted tunic. […]
The unbelted tunic is also represented in the female figure of the orans, common in North African
funerary mosaics” (HEFFERNAN, 2012, p. 256).
64
“Sandálias elaboradas” procura traduzir a expressão multiplices galliculas, cujo adjetivo pode se referir
tanto à confecção do calçado em si, quanto, como imagina Heffernan (2012, p. 257), à sua intricada
amarração na parte inferior da perna.
65
Melhor dizendo, outra representação bíblica do mal, a um só tempo, vetero e neotestamentária:
“L’egiziano qui descritto rappresenta il diavolo, così come il serpente ai piedi della scala nella prima
visione. La carnagione scura degli africani viene solitamente associata al male, ma in particolare gli
egiziani, in quanto ricordano la persecuzione del popolo di Dio, così come la figura faraone di memoria
biblica rappresenta simbolicamente il demonio” (FORMISANO, 2008, p. 103). Ao cabo, note-se que a
imagem do “dragão” [draco] e do faraó serão equiparadas em Ez 29.3: “Eis que venho a ti, faraó, rei do
Egito, grande dragão, que te deitas no meio dos teus rios” (ecce ego ad te Pharao rex Aegypti, draco
magne, qui cubas in medio fluminum tuorum). Cf. n. 35.
66
Ora entendida em chave literal, ora interpretada a partir das implicações de um pressuposto ethos
masculino, a transformação de Perpétua possivelmente faria confluir ambos os aspectos, indissociáveis,
aliás, no vocábulo masculus: “The culture in which Perpetua lived and which she inherited had long
offered the superiority of the male as the overriding model to be followed, and biblical metaphors were
likewise full of masculine images that underlined male superiority. Male and female had, since classical
times, become metaphors for moral qualities (where male equals strong, superior, and good, and female
equals weak, inferior, and bad). A woman like Perpetua, who bore up bravely under torture and could
fight with an opponent like the Egyptian, would be thought to be masculine./ The identifiers ‘male’ and
‘female’ became, as time went on, terms that indicated both sexes; either sex could be described by either
term. Sex was transcended, and sexuality became fluid and temporary and could refer to a common
human nature. The two terms came to describe less a static state or a sexualized category than a moral
category. To ‘become female’ was to become morally weak or degenerate; to ‘become male’ was to attain
a state of higher moral perfection (that is, the vir perfectus or teleios anêr)” (GOLD, 2018, p. 36). Nas
páginas seguintes, Gold ainda discute a recepção do episódio por Agostinho de Hipona e Quodvultdeus.
67
in afa (gr. ἐν τῷ κονιορτῷ). Ou seja, uma das etapas na preparação dos atletas, a qual consistia na
aplicação de óleo no corpo, após o que, passava-se poeira no mesmo, dificultando assim os ataques do
RÓNAI: REVISTA DE ESTUDOS CLÁSSICOS E TRADUTÓRIOS – 2019 V.7 N.2 – p. 37-68 – UFJF – JUIZ DE FORA

54
gigantesco homem, cujo tamanho era tão espantoso, que ultrapassava a altura do
anfiteatro. Vestia uma túnica com duas listras púrpuras que lhe desciam pelo meio do
peito. Nos pés, calçava sandálias confeccionadas em ouro e prata. Como um mestre de
gladiadores68, portava um bastão em uma das mãos, levando na outra um ramo
verdejante, de onde pendiam maçãs de ouro.69 9. Ele pediu silêncio e disse: “Caso este
egípcio vença a mulher, ele a matará com a espada. Se vencê-lo, ela receberá este
ramo”. E recuou. 10. Assim, eu e o egípcio investimos um contra o outro e começamos
a trocar golpes. Ele queria agarrar meus pés, mas eu chutava seu rosto. 11. Fui levantada
no ar e comecei a golpeá-lo sem tocar o chão. Quando percebi que o egípcio hesitava,
juntei as mãos e, entrelaçando os dedos, agarrei sua cabeça. E assim, ele tombou de face
na arena, e eu pisei em seu rosto.70 12. A multidão começou a gritar; os meus
intercessores, a cantar hinos. Aproximei-me então do mestre dos gladiadores e lhe pedi
o ramo. 13. Ele me beijou e disse: “Filha, a paz esteja com você”. E comecei a caminhar
triunfante à Porta Sanavivaria71. 14. Então despertei. Assim, compreendi que lutaria
não contra bestas, mas contra o Diabo. Mas eu sabia que sairia vitoriosa. 15. Tudo isso
foi o que fiz até a véspera dos jogos. Quanto aos jogos em si, se alguém quiser, que
escreva.

oponente. A prática era tão corriqueira, que no gymnasium grego (sécs. III e IV a.C.) havia aposentos
(konisteria) reservados a sua aplicação (REMIJSEN, 2015, p. 259). No mais, escreve Luciano (c. 120
d.C.), em seu Anacharsis: “Nós consideramos que tal pó [κόνιν] é útil para o fim oposto, impedir que
consigam escapar quando estiverem imobilizados. [...]. Além disso, acredita-se que, uma vez espalhado
[na pele], interrompa a profusão de suor, prolongue em muito a força e impeça que sejam fustigados pelo
vento que sopra sobre seus corpos delicados e expostos. Em especial, remove a sujeira, deixando o
homem mais limpo” (τὴν μέντοι κόνιν ἐπὶ τὸ ἐναντίον χρησίμην οἰόμεθα εἶναι, ὡς μὴ διολισθάνοιεν
συμπλεκόμενοι. [...] καὶ μὴν καὶ τὸν ἱδρῶτα συνέχειν δοκεῖ ἡ κόνις ἀθρόον ἐκχεόμενον ἐπιπαττομένη, καὶ
ἐπὶ πολὺ διαρκεῖν ποιεῖ τὴν δύναμιν, καὶ κώλυμα γίγνεται μὴ βλάπτεσθαι ὑπὸ τῶν ἀνέμων ἀραιοῖς τότε
καὶ ἀνεῳγόσιν τοῖς σώμασιν ἐμπιπτόντων. ἄλλως τε καὶ τὸν ῥύπον ἀποσμᾷ καὶ στιλπνότερον ποιεῖ τὸν
ἄνδρα) (29). Para uma descrição pormenorizada dos vários usos da kónis, vide Philostr. Gym. 56.
68
lanista. Um sucinto comentário sobre seu ofício é fornecido por Robert (1982, p. 262): “Or qu’est le
laniste? C’est le commerçant de la gladiature; des glossaires donnent pour traduction λουδοτρόφος,
μονομαχοτρόφος. Il fournit des gladiateurs à ceux qui doivent donner un munus; il entretient un ludus,
recrutant les gladiateurs et les entretenant; il est clair qu’il a des connaissances techniques sur ces homes
et ces combats. Considéré comme infamis, il n’est naturellement pas le président, le juge du spectacle; il
n’apparaît pas parmi les dignitaires; c’est le munerarius, editor muneris, qui accorde la victoire ou, pour
le vaincu, la grâce”. Por seu turno, Amat (1996, p. 227) acrescenta a possibilidade de tratar-se também do
árbitro dos combates.
69
Diversas são as possíveis alusões do ramum uiridem in quo erant mala aurea. No “Pastor de Hermas”,
é franqueado o acesso à torre, alegoria da Igreja, aos que portam “ramos verdes e germinantes [...] como
que com frutos” (τὰς ῥάβδους χλωρὰς καὶ παραφυάδας ἐχούσας [...] ὡσεὶ καρπόν τινα εἶχον) (67.18);
conforme explicitado logo adiante, trata-se ali dos bem-aventurados “que lutaram contra o diabo e o
venceram” (οἱ μετὰ τοῦ διαβόλου παλαίσαντες καὶ νικήσαντες αὐτόν) (69.6). Por sua vez, na literatura
clássica, Héracles toma tais frutos às “Hespérides, zelosas com as belas maçãs de ouro, para além do
insigne Oceano [...]” (Ἑσπερίδας θ’, αἷς μῆλα πέρην κλυτοῦ Ὠκεανοῖο χρύσεα καλὰ μέλουσιν φέροντά τε
δένδρεα καρπόν) (Hes. Theog. 215-216); no caso de Hipómenes, o filho de Megareu se faz valer das mala
aurea para vencer Atalanta, podendo então desposá-la: “Esse [sc. Hipómenes] aceitara de Vênus três
maçãs de singular beleza, instruído na maneira de utilizá-las. Lançando-as à menina na disputa, deteve
seu ímpeto, pois ela, ao apanhá-las e admirar seu ouro, curvou-se, dando a vitória ao jovem” (Hic enim a
Venere mala tria insignis formae acceperat, edoctus quis usus in eis esset. qui in ipso certamine iactando
puellae impetum alligauit. illa enim dum colligit et ammiratur aurum, declinauit et iuueni uictoriam
tradidit) (Hyg. Fab. CLXXXV.11-15). Enfim, não menos importante é o emprego de maçãs como prêmio
nos jogos píticos em Delfos. Sobre este último aspecto, vide Robert (1982, p. 266-272).
70
Cf. Tert. De spect. XVIII.
71
Sc. a “Porta da Vida”, pela qual saíam os vitoriosos na arena. Neste sentido, opunha-se à Porta
Libitinensis (“Porta da Morte”), nomeada a partir da deusa romana dos ritos fúnebres Libitina.
RÓNAI: REVISTA DE ESTUDOS CLÁSSICOS E TRADUTÓRIOS – 2019 V.7 N.2 – p. 37-68 – UFJF – JUIZ DE FORA

55
XI
A visão de Sátiro

1. Também o abençoado Sátiro relatou sua visão, que deixou por escrito. Eis o seu
relato: 2. Depois de sofrermos o martírio, partimos de nossos corpos. Éramos levados ao
Oriente72 por quatro anjos73, cujas mãos não nos tocavam. 3. Não subíamos de costas
para o céu, mas nos alçávamos de frente como se por um suave declive. 4. E assim,
libertos deste mundo, vimos uma luz fortíssima74, e eu disse a Perpétua, que estava ao
meu lado: “É o que o Senhor nos prometia. Recebemos Sua promessa”. 5. Levados
pelos quatro anjos, eis que uma imensa paragem75 despontou à nossa frente. Semelhante
a um jardim76, possuía roseiras e flores de toda espécie.77 6. A altura de suas árvores era
como a dos ciprestes78, e suas folhas caíam sem cessar. 7. Naquele jardim, havia quatro
anjos, mais radiantes que os outros. Quando nos viram, fizeram honrarias e, com
admiração, disseram aos anjos: “Estão aqui! Estão aqui!”. Receosos, os quatro anjos que
nos levavam nos colocaram no chão. 8. Em seguida, atravessamos com os nossos
próprios pés o jardim por um largo caminho. 9. Lá encontramos Jocundo, Saturnino e

72
i.e. a posição tradicional do Paraíso, segundo uma das possíveis leituras a partir do Pentateuco. Sobre as
dificuldades advindas da tradução do versículo de Gênesis, escreve Scafi (2006, p. 35): “The translation
of the word Eden as a place inevitably invoked in due course the question: where was this garden?
Further confusion resulted from the translation of other words in the text that could be interpreted as
relating to its geographical location. The Hebrew qualifiesְּ‫( גַּן־בְּעְּדֶ ן‬gan-beEden), ‘a garden in Eden’, with
the term ‫( ִמ ְֶּק ְֶּדם‬miqedem) (2. 8), a word that has two quite different meanings, one referring to space, the
other to time. Faced with the ambiguity of the words, translators had to choose between rendering the
Hebrew spatially – ‘away to the east’ – or temporally – ‘from before the beginning’. Jerome adopted the
latter for the Vulgate, translating miqedem as a principio, to convey the idea that the earthly paradise had
been an integral part of God’s primordial creation. In contrast, the translators of the Septuagint, the Vetus
Latina and the English Authorized Version all chose to give the expression a spatial meaning: κατὰ
ἀνατολὰς (kata anatolas) in the Greek, in oriente in the Latin, and ‘eastward’ in the English versions
respectively”.
73
O anjo ou anjos-guia, espécie de psicopompo cristão a quem caberá a proteção e, por vezes, exegese do
Outro Mundo aos fiéis: “sucedeu morrer o mendigo Lázaro e ser levado pelos anjos para o seio de
Abraão” (factum est autem ut moreretur Eleazarus mendicus, & portaretur ab angelis in sinus Abrahae)
(Lc 16.22). O número em que se acham também possui base testamentária, embora em passos de temática
diversa, e.g., Ap 7.1. Cf. também 1 Enoch I.1-2, XL.1-8, LX.11, LXXI.3, LXXII.1, LXXX.1 e XCIII.19;
Herm. 25.1-5; Ascens. Is. [etiópico] VIII.23-25.
74
A luz celeste, indício da presença de Deus e de seus anjos, bem como de sua morada: “[Ele] que
sozinho possui imortalidade e que habita em luz inacessível, a quem nenhum dos homens viu, nem é
capaz de ver. A Ele honra e poder pelos séculos dos séculos. Amém!” (qui solus habet immortalitatem, &
lucem habitat inaccessibilem: quem uidit nemo hominum, nec uidere potest: cui honor, & potestas in
saecula. Amen) (1 Tm 6.16). Cf. Ap 10.1 e 21.22-25; 1 Enoch LVIII.3, LVIII.6, XCII.4, XCI.16, XCVI.3
e CIV.2; Ascens. Is. [etiópico] VIII.20-21, VIII.25 e IX.6; Visio Pauli 21.13-17.
75
Vide n. 38.
76
uiridiarium, termo latino que, para além de seus ecos bíblicos, designava os jardins ornamentais
cultivados ao redor de quintas e templos na Antiguidade. Vide Potthoff (2017, p. 47-48).
77
A flora exuberante é distintiva, por exemplo, da bem-aventurança do Elísio virgiliano: “Eis já que a
outros sinistra discerne e destra a deitarem/ na relva mãos a manjares, ledo peã a entoarem/ de louro basto
odorado entre arvoredo, volvendo/ donde entre as selvas ascende, vasto caudal, o Erídano” (Conspicit
ecce alios dextra laeuaque per herbam/ uescentis laetumque choro paeana canentis/ inter odoratum lauri
nemus, unde superne/ plurimus Eridani per siluam uoluitur amnis) (Verg. A. 6. 656-659). Tradução de
Adriano Aprigliano (VIRGÍLIO, 2019). Na literatura judaico-cristã, cf. 1 Enoch XXIV.3-6, XXV.1-4,
XXVIII-XXXI e XXXII.3-6; Prudent. Cath. 109-136. Por seu turno, cf. em âmbito pagão Hes. Op. 169-
173; Hom. Od. IV.563-568; Pl. Phd. 110d-111b, entre outros.
78
Assim como a rosa, trata-se de outro símbolo funerário: “[...] la rosa era il fiore dei defunti nelle feste
dei Rosalia [i.e. festividades onde se costumava dedicar tal flor aos que partiram]; i cipressi, sacri a Dite,
erano piantati davanti alle tombe” (CICCARESE, 1987, p. 82-83).
RÓNAI: REVISTA DE ESTUDOS CLÁSSICOS E TRADUTÓRIOS – 2019 V.7 N.2 – p. 37-68 – UFJF – JUIZ DE FORA

56
Artáxio79, que foram queimados vivos na mesma perseguição; e também Quinto80, ele
próprio um mártir, morto na prisão. Perguntávamos a eles onde estavam os outros. 10.
Os anjos nos responderam: “Antes se aproximem, entrem e saúdem ao Senhor”.

XII
1. E assim, aproximamo-nos de um recinto cujas paredes pareciam feitas de luz.81
Diante da entrada, postavam-se quatro anjos, que nos vestiram com estolas brancas82. 2.
Quando entramos, ouvimos vozes em uníssono que diziam sem parar: “Santo! Santo!
Santo!”83. 3. E vimos sentado nesse lugar o que parecia ser um homem velho e que,
embora tivesse cabelos brancos84, possuía um semblante juvenil.85 Do homem não

79
Como ocorre com muitas das personagens acima, nada é sabido ao certo dos três.
80
Ibid.
81
Cf. 1 Enoch XIV.15-22 e LXXI.5-8.
82
stolas candidas. A vestimenta litúrgica que, somada à cor branca, serve de símbolo aos mártires: “E
quando abriu o quinto selo, vi sob o altar de Deus as almas dos que morreram por causa da palavra de
Deus e de seu testemunho,/ E clamaram em alta voz, dizendo: ‘até quando, Senhor, santo e verdadeiro,
não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?’./ E foram dadas a cada um estolas
brancas [...]” (Et cum aperuisset quintum signum, uidi sub ara Dei animas occisorum propter uerbum
Dei, & martyrium suum,/ & clamauerunt uoce magna, dicentes: quousque Domine, (sanctus, & uerus)
non judicas, & uindicas sanguinem nostrum de his, qui in terris habitant?/ Et datae sunt eis singulis
stolae albae [...]) (Ap 6.9-11). Cf. também Ap 4.4 e 7.13-14.
83
agios, agios, agios. Doxológica em essência, a fórmula é utilizada pelos serafins em Is 6.1-3: “No ano
em que o rei Uzias morreu, vi o Senhor Sabaoth sentado em um alto e sublime trono; e plena de Sua
glória estava a morada. Os serafins colocavam-se à Sua volta; [...] E clamavam uns para os outros,
dizendo: ‘Santo, Santo, Santo é o Senhor Sabaoth; toda a terra está cheia da Sua glória” (Et factum est
anno, quo mortuus est Ozias rex, uidi Dominum Sabaoth sedentem super thronum altum & eleuatum: &
plena domus gloria ejus./ Et seraphim stabant in circuitu ejus: [...] Et clamabant alterutrum, & dicebant:
Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Sabaoth, plena est omnis terra ejus). Cf. Ap 4.8; 1 Enoch LXI.8-11 e
LXXI.5-8; Ascens. Is. [etiópico] VIII.16-19.
84
Lê-se em Ap 1, 14, em franco diálogo com Dn 7,9: “Sua cabeça e cabelos eram brancos como a lã ou a
neve” (caput autem, & capilli ejus erant albi uelut lana, aut nix [...]). Cf. 1 Enoch XLVI.1 e LXXI.10.
85
Ao lugar-comum do puer senex Curtius (1996, p. 144-152) dedica um longo comentário em que
ressalta suas origens, bem como a relação que estabelece com o texto bíblico: “Nasceu este topos [sc. do
menino ancião] do estado de espírito do fim da Antiguidade. Todos os períodos primitivos e elevados de
uma cultura louvam o jovem e respeitam o velho. Só mais tarde, todavia, se desenvolve um ideal humano
em que o contraste da juventude e da velhice tende a equilibrar-se. Cícero (Cato maior, 11, 38) explica:
Ut enim adolescentem, in quo senile aliquid, sic senem, in quo est aliquid adolescentis, probo [‘Pois,
assim como tenho apreço pelo jovem em que se encontra algo do ancião, também o faço pelo ancião em
que se encontra algo do jovem’]./ Virgílio (Eneida, IX, 311) louvara o juízo maduro do jovem Ascânio.
[...] Ovídio considera a união da maturidade e da juventude um presente divino, só outorgado a
imperadores e a semideuses (Ars I, 185 e s.). Valério Máximo louva Catão (III, 1, 2) por ter possuído,
ainda em verdes anos, um gravidade digna do Senado. Homenageando um rapaz falecido
prematuramente, conta Estácio (Silvae, II, 1, 40) que chegara a um estágio moral acima de sua tenra
idade. [...]. De um menino refere Sílio Itálico (VIII, 464): ‘Em que perspicácia chegou a assemelhar-se
aos velhos’. Plínio, o Moço, lamenta a morte de uma menina de treze anos: ‘Nela se uniam a afabilidade
da donzela com a prudência de uma anciã e o recato da matrona’ (suauitas puellaris, anilis prudentia,
matronalis grauitas; Ep., V, 16,2). Da mesma forma se refere Apuleio a um jovem (senilis in iuvene
prudentia [‘no jovem há a prudência do velho’]; Florida, IX , 38). [...] O puer senilis ou puer senex é,
pois, criação do fim da Antiguidade pagã. E adquiriu mais importância por sua correlação com certos
passos da Bíblia. De Tobias se diz que fora o mais jovem, mas nunca procedera puerilmente: cumque
esset junior omnibus..., nihil tamen puerile gessit in opere [‘apesar de ser mais jovem que todos... nada
fez de pueril em suas obras’] (1: 4). A Sabedoria de Salomão (4:8 e ss.) declara a velhice digna; não deve,
porém, ser aquilatada pelos anos: ‘As verdadeiras cãs são a prudência entre os homens’ (Lutero). A
Vulgata diz: cani sunt sensus hominis [‘o discernimento são os {verdadeiros} cabelos brancos de um
homem’; Sap 4, 8]. Os cabelos brancos do ancião servem aqui, portanto, de expressão figurada para a
sabedoria que a velhice deve dar. Mas a homens jovens também pode caber a sabedoria da velhice. Isso
aqui vale ao puer senex da Bíblia”. Tradução de Teodoro Cabral e Paulo Rónai, com acréscimos nossos.
RÓNAI: REVISTA DE ESTUDOS CLÁSSICOS E TRADUTÓRIOS – 2019 V.7 N.2 – p. 37-68 – UFJF – JUIZ DE FORA

57
víamos os pés. 4. À sua direita e esquerda havia quatro anciãos86, e atrás deles muitos
mais. 5. Ao entrarmos, postamo-nos admirados diante do trono. Quatro anjos então nos
levantaram, e nós O beijamos, e com Sua mão Ele acariciou nossos rostos. 6. Os demais
anciãos disseram: “Fiquemos de pé”. E nos levantamos e demos o beijo da paz87. Em
seguida, falaram-nos: “Vão e brinquem”. 7. E eu disse a Perpétua: “Você obteve o que
desejava”. E ela respondeu: “Agradeço a Deus, pois, assim como fui feliz em vida,
ainda mais feliz sou agora aqui”.

XIII
1. Ao sairmos, vimos à direita da entrada o bispo Optato e à esquerda o presbítero e
mentor Aspásio88, separados e amargurados. 2. Ambos se lançaram aos nossos pés e
disseram: “Reconciliem-nos, pois vocês se foram e nos deixaram neste estado”. 3. Então
lhes dissemos: “Acaso você não é nosso pai [em Cristo]89, e você nosso presbítero?
Como podem se lançar aos nossos pés?”. Ficamos comovidos e os abraçamos. 4.
Perpétua começou a lhes falar em grego, enquanto nos retirávamos para debaixo de uma
roseira. 5. Durante a conversa, os anjos falaram aos dois: “Deixem que eles descansem.
Se há algum desentendimento entre vocês, perdoem-se um ao outro”. 6. E tendo-os
turbado, disseram a Optato: “Repreenda os seus fiéis, pois se reúnem à sua volta como
se viessem das corridas e discutissem sobre seus participantes”. 7. Em seguida, tivemos
a impressão de que desejavam fechar as portas. Começamos a reconhecer ali muitos de
nossos irmãos, além de mártires. Alimentava-nos uma fragrância indescritível que nos
saciava.90 Então, alegre, acordei.

XIV
1. Essas são as muito gloriosas visões dos bem-aventuradíssimos mártires Sátiro e
Perpétua, segundo eles mesmos deixaram por escrito. 2. Quanto a Secúndulo, Deus o
chamou mais cedo deste mundo enquanto ainda estava na prisão, concedendo-lhe a
graça de escapar das bestas. 3. Ainda assim, embora não sua alma, decerto seu corpo
conheceu a espada.

XV
1. Quanto a Felicidade, também ela foi tocada pela graça do Senhor. 2. No oitavo mês
de gestação – pois estava grávida quando fora presa –, Felicidade encontrava-se
mergulhada em grande tristeza com a iminência dos jogos, receando que a gravidez
adiasse [seu martírio] – já que não era permitido punir mulheres grávidas – e que, por

86
No apocalipse joanino, são em número de 24 – provável referência às doze tribos de Israel e aos doze
apóstolos – os anciãos que circundam o trono de Deus.
87
I.e. a saudação praticada entre os primeiros cristãos. Em âmbito litúrgico, precedia a Eucaristia,
segundo se lê em São Justino, Mártir (c. 100 – c. 165): “Ao terminar as preces, nós nos saudamos com um
beijo. Em seguida, pão e um recipiente com água e vinho são trazidos àquele que preside aos irmãos.
Tomando-os, ele louva e glorifica o Pai do Universo, através do nome do Filho e do Espírito Santo [...]”
(Ἀλλήλους φιλήματι ἀσπαζόμεθα παυσάμενοι τῶν εὐχῶν. Ἔπειτα προσφέρεται τῷ προεστῶτι τῶν
ἀδελφῶν ἄρτος καὶ ποτήριον ὕδατος καὶ χράματος, καὶ οὗτος λαβὼν αἶνον καὶ δόξαν τῷ πατρὶ τῶν ὃλων
διὰ τοῦ ὀνόματος τοῦ υἱοῦ καὶ τοῦ πνεύματος τοῦ ἁγίου ἀναπέμπει [...]) (Apol. 1.65.15-20). Cf. Rm
16.16; 1 Co 16.20; 1 Ts 5.26; 1 Pe 5.14.
88
Optatum... Aspasium. Não há notícia sobre a identidade de ambas as personagens.
89
papa (gr. πάπας). Forma de tratamento afetiva (e.g. Od. 6.57) que, em âmbito cristão, passaria a
designar o cargo de bispo entre os séculos II e III. Vide Lampe (1961, s.v. πάπας a2) e Cross (1997
[1957], s.v. pope).
90
Vinculado à própria divindade (e.g. 2 Co 2.15), o bom aroma soma-se a outros elementos do porvir na
descrição das regiões paradisíacas. Neste aspecto, cf. o apócrifo Apc. Pt. [etiópico] 16 ou ainda 1 Enoch
24.3-5; 31.2-3 dentre outros.
RÓNAI: REVISTA DE ESTUDOS CLÁSSICOS E TRADUTÓRIOS – 2019 V.7 N.2 – p. 37-68 – UFJF – JUIZ DE FORA

58
isso, seu sangue sagrado e inocente fosse derramado depois entre criminosos. 3. De
resto, seus companheiros mártires se consternavam profundamente em ter de abandonar
uma amiga tão boa, uma colega, sozinha no caminho da esperança. 4. Assim, numa
lamúria uníssona de todos, oraram ao Senhor dois dias antes dos jogos. 5.
Imediatamente Felicidade sentiu as dores do parto. Um dos guardas, vendo seu
sofrimento ao parir no oitavo mês, disse a ela: “Se você sofre tanto agora, o que fará
quando lançada às bestas que você desdenhou, quando se recusou a oferecer o
sacrifício?”. 6. E ela respondeu: “Agora, sou eu que padeço minhas dores; mas lá outro
estará dentro de mim, e Ele padecerá por mim, pois hei de padecer por Ele”. 7. E deu à
luz uma menina, que foi criada por uma irmã [em Cristo], como se fosse sua própria
filha.

XVI
1. Porque o Espírito Santo permitiu e, ao fazê-lo, quis que fosse registrado o que
ocorrera nos jogos, seguimos a prescrição, ou melhor, a determinação da santíssima
Perpétua, incluindo um testemunho acerca de sua tenacidade e grandeza de espírito,
embora indignos de acrescentar algo a tão gloriosas palavras. 2. Quando o tribuno
começou a castigá-los com maior inclemência, temendo, sob o conselho de homens
muito desleais, que fugissem da prisão com feitiçarias, Perpétua lhe respondeu face a
face: 3. “Por que você não permite que nos recuperemos; nós, os mais nobres
condenados de César, que lutaremos em seu aniversário?91 Acaso não será honroso a
você, caso nos apresente bem alimentados?”. 4. O tribuno ficou surpreso e enrubesceu.
E assim, ordenou que fossem tratados com mais civilidade, permitindo que os irmãos de
Perpétua – e os demais – pudessem visitá-los e se reconfortar juntos. Naquele momento,
nosso sentinela já se convertera.

XVII
1. Durante a última refeição, na véspera dos jogos – refeição que, embora fosse
chamada de banquete público92, era para eles uma confraternização93 –, bradavam à
turba com a habitual firmeza, ameaçando-a com o juízo de Deus, reafirmando a bem-
aventurança de seu martírio e escarnecendo a curiosidade da multidão. Dizia Sátiro: 2.
“O dia de amanhã não é o bastante para vocês? Por que lhes agrada observar o que
odeiam? Os amigos de hoje são os inimigos de amanhã. Mas guardem bem nossos
rostos, para que nos reconheçam no porvir94”. 3. E assim, todos partiram aturdidos e
muitos deles se converteram.

91
Vide n. 60.
92
No original, cena libera, isto é, o repasto concedido aos combatentes, na véspera dos jogos. Acerca
dele e de suas implicações, afirma Ville (1981, p. 365-366): “Avant le munus, on sert aux gladiateurs un
repas soigné. [...] De même, la Pas. SS Perp. et Fel., XVII, 1, nous apprend que ce repas est offert aussi
aux damnati; [...] le public était admis à voir les dîneurs (d’où l’épithète de libera). [...] La cena libera est
d’abord une compensation symbolique que le munéraire offre aux hommes qui vont mourir pour lui;
ultime préliminaire, elle porte à son comble l’exspectatio du public; elle participe à la dégradation du
munus par l’intrusion du pathétique et du sadisme; en dévisageant ces hommes, attablés devant un
plantureux repas, qui n’avaient que quelques heures à vivre, le public préparait sa sensibilité au spectacle
du lendemain”. Cf. também Futrell (2006, p. 86-87 e p. 242, n. 33). Enfim, para uma leitura diversa do
adjetivo libera na expressão, vide Formisano (2008, p. 118, n. 163).
93
Literalmente, o “ágape” (lat. agapem/ gr. ἀγάπην), uma das refeições comunitárias ou mesmo a ocasião
onde eram distribuídos alimentos aos fiéis. Seu vínculo com a Eucaristia, ora estreito ora ainda indistinto,
mostra-se plural nos primeiros séculos do cristianismo. Vide Lampe (1961, s.v. ἀγάπη e).
94
Literalmente, “naquele dia” (in illo die), referência implícita ao fim dos tempos, mas também ao dia do
martírio.
RÓNAI: REVISTA DE ESTUDOS CLÁSSICOS E TRADUTÓRIOS – 2019 V.7 N.2 – p. 37-68 – UFJF – JUIZ DE FORA

59
XVIII
1. Amanheceu o dia de sua vitória. Avançaram da prisão ao anfiteatro, como se fossem
ao céu; alegres, os rostos gloriosos. Se tremiam, era de alegria e não de medo. 2.
Perpétua vinha atrás com a face radiante e passo calmo, como a esposa de Cristo e a
amada95 de Deus. A força de seu olhar fazia desviar os rostos de todos. 3. O mesmo
ocorria com Felicidade, alegre por ter dado à luz em segurança, podendo, assim,
combater as bestas; [ia] do sangue ao sangue, da parteira ao gladiador96, prestes a lavar-
se após o parto, neste segundo batismo97. 4. E quando foram levados à entrada [do
anfiteatro] e forçados a colocar vestes – os homens, de sacerdotes de Saturno; as
mulheres, de sacerdotisas de Ceres98 –, aquela nobre [mulher] resistiu com firmeza até o
fim, 5. dizendo: “Viemos até aqui voluntariamente, para que não nos fosse tolhida nossa
liberdade! Entregamos nossa vida, para que não tivéssemos de fazer algo assim! Tal foi
o nosso acordo!”. 6. Deste modo, a injustiça reconheceu a justiça, e o tribuno permitiu
que se apresentassem tal como estavam. 7. Perpétua se pôs a cantar hinos, já pisoteando
a cabeça do egípcio. Revocato, Saturnino e Sátiro faziam ameaças aos espectadores; 8.
e, quando passaram sob o olhar de Hilariano, começaram a dizer-lhe com gestos e
meneios: “Você nos [julgou], mas Deus [julgará] você!”. 9. Irritado com a atitude, o
povo demandou que fossem chicoteados por uma fileira de gladiadores99. E assim, os
mártires regozijaram muitíssimo, pois haviam compartilhado um pouco da Paixão do
Senhor.100

XIX
1. Mas Ele, que dissera: “Peçam e receberão”101, deu a cada suplicante a morte desejada.
2. Ora, sempre que conversavam sobre a promessa de se martirizar, Saturnino
confessava que queria ser lançado a todo tipo de bestas, a fim de portar a mui gloriosa
coroa. 3. Assim, no início do espetáculo, ele e Revocato, depois de lutar com um
leopardo, foram assolados sobre o cadafalso também por um urso. 4. Quanto a Sátiro,
embora nenhum outro animal lhe causasse mais medo do que este, [o mártir] acreditava

95
delicata. Embora pertencente ao vocabulário erótico latino (e.g. Cic. N. D. i.xl.111), talvez mais
profícua aqui seja sua acepção enquanto índice de um servo cuja predileção por parte do amo não
obrigatoriamente se daria sob o aspecto carnal. Neste sentido, Orelli (1828, p. 490) é bastante taxativo em
sua seleta de inscrições que contém o termo: “Delicatorum nomen in inscriptionibus obscoeni amoris
significationem non uidetur habere”. No entanto, cf. Tert. Vx. 1.IV.4.
96
ad retiarium (“ao retiário”). Trata-se do gladiador cujas principais armas eram a rede (rete) – daí seu
nome –, um tridente (fuscina ou tridens) e uma adaga longa (pugio). De resto, distinguia-se dos demais
combatentes por não usar capacete, grevas ou escudo. Para outros detalhes, vide Ewigleben & Köhne
(2000, p. 59-61).
97
Vale dizer, o martírio, conforme entendido pelos primeiros cristãos.
98
Nas palavras de Amat (1996, p. 251): “Les cultes de Saturne et de Cérès étaient particulièrement
répandus en Afrique; ces divinités étaient assimilées aux anciennes divinités carthaginoises Baal
[Hammon] et Tanit, elle-même assimilée à Isis ou à la Dea Caelestis, comme chez Apulée. Les prêtres de
Saturne portaient des manteaux rouges [...]; les prêtresses de Cérès étaient vêtues de blanc et portaient au
front des bandelettes sacrées. [...]. Ce déguisement voulait manifestement représenter un sacrifice aux
deux divinités africaines invoquées ‘pour le salut des empereurs’. On peut noter également que d’après la
loi des XII tables, les enchanteurs devaient être dévoués à Cérès. On a pu soutenir qu’une telle cérémonie
renouait avec les sacrifices humains offerts à Baal”.
99
No original, uma fileira de uenatores, isto é, combatentes que, à maneira de uma caça, lutavam contra
animais selvagens durante os jogos.
100
Em outras palavras, o “sofrimento mimético” (mimetic suffering), sobre o qual discorre Moss (2010, p.
20): “Patient endurance and righteous suffering became part of a set of Christly moral virtues that early
Christians were exhorted to emulate. Suffering as Christological imitation was not just a passive
interpretative move; it was an active practice to which Christians were constantly encouraged”.
101
Jo 16.24.
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60
que seria morto por uma única mordida do leopardo. 5. Sendo, porém, entregue a um
javali, foi o gladiador102 que o prendera à besta – e não ele – que seria traspassado pelo
animal, vindo a morrer alguns dias depois. Sátiro foi apenas arrastado. 6. Enfim, preso
na plataforma103 à espera do urso, este não quis sair da jaula. E assim, Sátiro foi retirado
ileso pela segunda vez.

XX
1. Às jovens, porém, o Diabo preparou uma ferocíssima vaca – algo em desacordo com
o costume104 –, fazendo coincidir o sexo da besta com o das mulheres. 2. Foram levadas
à frente despidas e cobertas com redes. O povo estremeceu diante de ambas: a primeira,
uma jovem graciosa; a outra, há pouco grávida, os seios ainda lactantes. 3. Chamadas
então de volta, vestiram-nas com túnicas105. Perpétua foi a primeira a ser golpeada,
caindo de costas. 4. Ao sentar-se, puxou a túnica, rasgada na lateral, para cobrir a coxa,
pensando mais em sua honra do que na dor. 5. Em seguida, procurou por um alfinete106
e prendeu os cabelos desgrenhados: não era decoroso a uma mártir padecer de cabelos
despenteados, para que não aparentasse sofrer em meio à glória. 6. Levantou-se então e,
quando viu Felicidade prostrada, foi até ela, estendeu-lhe a mão e a ergueu. 7. Juntas
colocaram-se de pé uma ao lado da outra. Assim, venceram a rudeza do povo e foram
chamadas de volta à Porta Sanavivaria107. 8. Lá Perpétua foi amparada por um
catecúmeno chamado Rústico108, que se pôs a seu lado. Como que arrancada do sono –
tal era seu estado de arrebatamento e estupor –, começou a olhar em volta, dizendo para
o espanto de todos: “Quando seremos levadas à [feroz] vaca?”. 9. Ao ouvir que aquilo
já ocorrera, apenas acreditou quando examinou as marcas de violência no corpo e na
roupa. 10. Em seguida, dirigiu-se ao irmão, que fora chamado, bem como ao
catecúmeno, dizendo: “Permaneçam firmes na fé e amem-se uns aos outros!109 Não
titubeiem110 ante nosso martírio!”.

102
uenator. Vide n. 99.
103
in ponte [lit. “na ponte”]. Sobre o artefato, escrevem Ewigleben & Köhne (2000, p. 61): “The names of
the platform (pons, ‘bridge’) and of the gladiators who fought on it (pontiarii) suggest that it was
sometimes constructed above water. There were already basins of water in some arenas, and in others a
small-scale version could be improvised with the aid of wooden tubs”.
104
O costume, presume-se, seria expô-las a um touro. Neste sentido, Shaw (1993, p. 7) observa o caráter
degradante por detrás do expediente: “The choice of the animal was unusual, but was a deliberate one on
the part of the authorities: they wished to mock the sex of the condemned women by using one of their
own, a wild cow, to destroy them. The significance of the choice is made clear only if we understand the
normal message imparted to crowds and to the condemned by the use of the usual wild beast, the bull, in
this type of punishment [e.g. Euseb. Hist. Eccl. 5.1.53-56]: it signalled utter sexual dishonor, usually the
display of the woman as a known adulteress. Full exposure of the female to the bull by entirely stripping
her of all clothing was merely part of the process of shaming. […] These two aspects, sexual shaming and
physical punishment, were integrally interrelated”. Entre as representações do suplício, cf. a estatueta de
terracota (Louvre, CA 2613) reproduzida por Wiedemann (1995, p. 101e, fig. 7).
105
discinctis. Vide n. 63.
106
acu. Em Heffernan (2012, p. 122), trata-se de um acréscimo.
107
Vide n. 71.
108
A personagem ainda carece de identificação.
109
Ou seja, o mandamento de Cristo conforme Jo 13.34 e 15.12: “Um novo preceito vos dou: que vos
ameis uns aos outros, assim como eu vos amei” (Præceptum nouum do vobis: Vt diligatis inuicem, sicut
dilexi uos) (13.34). Cf. 1 Jo 4.7.
110
scandalizemini (gr. σκανδαλισθῶσιν). A forma latinizada do verbo é encontrada, por exemplo, em Rm
14.21 e Mc 6.3;
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61
XXI
1. Em outra entrada, Sátiro exortava o soldado Pudêncio, com estas palavras: “Bem
como eu imaginava e cheguei a predizer, nenhuma besta ainda me tocou. Acredite de
todo o coração agora. Eis que irei até lá e serei morto com uma única mordida do
leopardo”. 2. E, logo ao fim do espetáculo, tal fera foi lançada contra Sátiro, e tanto
sangue jorrou de uma única mordida do animal, que o povo, testemunha daquele
segundo batismo, lhe teria gritado enquanto era removido: “Está de alma lavada! Está
de alma lavada!”111. 3. Em todo caso, estava de fato salva a alma de quem assim se
lavasse. 4. Sátiro falou então ao soldado Pudêncio: “Adeus. Lembre-se da fé e de mim.
Que estes acontecimentos não o perturbem, mas fortaleçam [a sua fé]”. 5. Ao mesmo
tempo, pediu o anel que Pudêncio tinha no dedo e, colocando-o na ferida, devolveu-lhe
como herança. Deixava-o como símbolo e memória de seu sangue. 6. E então, já
inconsciente, foi jogado no local costumeiro112, para ser degolado com os outros. 7. O
povo, porém, demandava que fossem levados ao centro [da arena], para que visse com
seus próprios olhos, cúmplices daquele homicídio, a espada penetrar nos corpos dos
mártires.113 Espontaneamente os feridos se levantaram e dirigiram-se ao lugar desejado
pelo povo. Já haviam se beijado114, a fim de consumar o martírio com o rito da paz. 8.
Eles receberam a espada imóveis e em silêncio: em especial, Sátiro, o primeiro a subir a
escada, o primeiro a entregar a vida. Ele esperava por Perpétua. 9. Para sentir um pouco
da dor, Perpétua, traspassada entre os ossos, soltou um grito e guiou a vacilante destra
do inexperiente gladiador até sua garganta. 10. É possível que uma mulher tão valorosa,
temida pelo Espírito Imundo, não pudesse ser morta, exceto por vontade própria.
11. Ó, muitíssimo valentes e bem-aventurados mártires! Ó, verdadeiramente
chamados e eleitos à glória de Nosso Senhor Jesus Cristo! Todos que a exultam, honram
e veneram devem decerto ler estes exemplos não menos importantes que os mais
antigos para a edificação da Igreja, para que as mais recentes mostras de coragem
atestem que o Espírito Santo, uno e sempre o mesmo, ainda opera; assim como Deus,
Pai Todo-Poderoso, e Seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, glorioso e de infinito poder
pelos séculos dos séculos. Amém.

111
Saluum lotum, saluum lotum. Irônica na passagem, trata-se da forma abreviada da expressão saluum
lotum te esse optamus (“desejamos que você esteja bem e limpo”), achada à saída de certos banhos
romanos. Para suas variantes e respectivos sítios arqueológicos, vide Russell (1974, p. 100-101).
112
Presumivelmente o spoliarium, recinto da arena no qual os gladiadores mortos tinham seu
equipamento removido. No mais, servia à execução de combatentes e condenados de modo geral: “Pensas
que é mais feliz o gladiador morto no último minuto dos jogos do que o que caiu a meio do espetáculo?
Achas que estes homens são tão estupidamente apegados à vida que prefiram ser degolados no espoliário
a sê-lo na arena?” (Numquid feliciorem iudicas eum, qui summo die muneris, quam eum, qui medio
occiditur? Numquid aliquem stulte cupidum esse uitae putas, ut iugulari in spoliario quam in arena
malit?) (Sen. Ep. 93.12). Tradução de J. A. Segurado e Campos (SÉNECA, 2004).
113
A atuação do público, já censurada por autores como Sêneca (e.g. Ep. 7.3-4), desempenha um papel ao
mesmo tempo passivo e ativo, potencialmente crítico ou elogioso ao realizador dos jogos e, em
consequência, aos valores por ele representados. Neste aspecto, diz Toner (2014, p. 75), ao comentar o
martírio de Policarpo: “When the Christian Polycarp was martyred in the 150s in Smyrna, in the Asia
Minor, the crowd was vitriolic in its contempt for him. Once the herald had announced that he was a self-
confessed Christian, the whole crowd cried out with uncontrollable fury. Here was someone who sought
to overthrow their gods, who had been teaching people not to sacrifice to them and not to worship them. It
would have risked offending the gods not to have punished such a man severely. The prominent role the
spectators played in the drama of his martyrdom is striking. They shouted out for the governor to set a
lion on him. But the governor replied that this would be illegal, because the wild beast hunts were by then
finished. So they demanded that he be burned alive. When the governor approved this punishment, the
crowd actually went out and gathered wood for the bonfire. And when the funeral pyre had been built, the
crowd surrounded Polycarp in order to nail him to it”. Vide M. Polyc. XII-XIII.
114
Cf. n. 87.
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Data de envio: 16-08-2019


Data de aprovação: 26-11-2019
Data de publicação: 11-12-2019

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