Cremeretal 2020
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net/publication/340299152
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5 authors, including:
Daphne Goldberg
Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos
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All content following this page was uploaded by Marta Cremer on 30 June 2020.
Marta Jussara Cremer 1, Thiago Felipe de Souza 1, Isabela Guarnier Domiciano 2, Daphne
1 Laboratório de Ecologia e Conservação de Tetrápodes Marinhos e Costeiros, Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, CP.
110, CEP - 89240-000, São Francisco do Sul, SC, Brasil, [email protected], [email protected];
2 Universidade
Estadual de Londrina - UEL, , Rua Rodovia Celso Garcia Cid, PR 445, km 380, Caixa Postal 10.011, CEP - 86057-970,
Campus Universitário, Londrina, PR, Brasil, [email protected];
3 Fundação Centro Brasileiro de Proteção e Pesquisa das Tartarugas Marinhas - Fundação Pró TAMAR, Rua Professor Ademir
Francisco, CEP - 88061-160, Barra da Lagoa, Florianópolis, SC, Brasil, [email protected], [email protected].
Resumo. O litoral de Santa Catarina constitui uma importante área de alimentação para
tartarugas marinhas na costa do Brasil. Há poucas informações sobre esses quelônios na
região, principalmente no litoral norte do Estado, que compreende o trecho entre os municí-
pios de Itapoá e Barra do Sul, incluindo o estuário da Baía Babitonga. Oito estudos foram
identificados na revisão realizada, sendo que a grande maioria constitui trabalhos acadêmi-
cos. Cinco espécies foram registradas: a tartaruga-verde (Chelonia mydas), a tartaruga-
cabeçuda (Caretta caretta), a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), a tartaruga-
oliva (Lepidochelys olivacea) e a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea). Chelonia
mydas é a espécie mais abundante e para a qual há mais informações, incluindo dados sobre
dieta, ingestão de lixo, prevalência de fibropapilomatose e contaminação. Esta também é a
única espécie que ocorre no interior da Baía Babitonga. Caretta caretta é a segunda espécie
com maior número de encalhes. Eretmochelys imbricata, L. olivacea e D. coriacea têm pou-
cos registros na região, o que sugere que este não constitui habitat característico para estas
espécies. A conservação destas espécies na região depende da preservação dos habitats de
alimentação e da implementação de medidas que reduzam os efeitos diretos e indiretos de
atividades de dragagem, assim como os de outras ameaças antrópicas, incluindo a poluição e
interação com diferentes pescarias.
Palavras-chave: Chelonia mydas, Caretta caretta, encalhe, dieta, ameaças.
Abstract. Sea turtles in the northern coast of Santa Catarina and in the Babiton-
ga Bay. The coast of Santa Catarina is an important foraging ground for sea turtles along
the southern Brazilian coastline. Information about these reptiles is relatively scarce for the
area, especially on the northern coast of the State, between the municipalities of Itapoá and
Barra do Sul, where the Babitonga Bay estuary is located. In the present review, eight stud-
ies on sea turtles conducted in the area, were identified. Five species were recorded: the
green (Chelonia mydas), the loggerhead (Caretta caretta), the hawksbill (Eretmochelys im-
bricata), the olive (Lepidochelys olivacea) and the leatherback turtles (Dermochelys coria-
cea). Since green turtles were the most frequently stranded species, more information on
their diet, the ingestion of marine debris, contamination and the prevalence of fibropapillo-
matosis within the aggregations is available. This is the only species that occur inside the
Babitonga Bay. Caretta caretta is the second species with the highest number of strandings.
Hawksbills, olive ridleys and leatherbacks are the rarest sea turtle species found in the area,
since the northern coast of Santa Catarina is not a typical habitat for these animals. The con-
servation of sea turtles in the region is directly linked to the protection of their foraging
grounds as well as on establishing measures that reduce the threats related to dredging pro-
cedures and other anthropogenic threats, including water pollution and bycatch in fishing
activities.
Keywords. Chelonia mydas, Caretta caretta, stranding, diet, threats.
mos marinhos e trazendo grandes riscos ambi- cionados ao tema, foram considerados, para o
entais, como é o caso da exploração e produção presente estudo, informações contidas em arti-
de petróleo e gás natural (Nelms et al., 2016) e gos científicos, livros e trabalhos acadêmicos
da instalação de grandes complexos portuários (teses, dissertações e monografias). Utilizou-se
(Goldberg et al., 2015). No entanto, a interação como critério de busca o uso de palavras-chave
com diferentes artes de pesca, em escala arte- ou expressões como: “tartarugas marinhas”,
sanal e industrial, continua a configurar como “Chelonia mydas”, “Caretta caretta”,
a principal causa de mortalidade de juvenis e “Eretmochelys imbricata”, “Dermochelys cori-
adultos de tartarugas marinhas em todo o acea”, Lepidochelys olivacea e “Baía Babiton-
mundo (Kotas et al., 2004, Lewison et al., ga”. A busca foi realizada utilizando os termos
2004, Wallace et al., 2010), principalmente em português e inglês. As pesquisas de artigos
devido a sobreposição das áreas usadas por foram realizadas utilizando bases de dados co-
esses quelônios com as áreas de atuação de di- mo o “Google acadêmico” (scholar google.com)
versos tipos de pescarias, tanto costeiras quan- e o “Scientific Electronic Library Online – Sci-
to oceânicas (Gallo et al., 2006, Sales et al., ELO” (scielo.org). A busca por teses e disserta-
2008, Fiedler et al., 2012). ções foi realizada no banco de dados da Capes
(capes.gov.br) e a busca por monografias foi
Apesar do litoral sul do Brasil ser classi-
realizada no banco de dados da Universidade
ficado como área de extrema importância eco-
da Região de Joinville – UNIVILLE
lógica para várias espécies de tartarugas mari-
(www.univille.br).
nhas, o conhecimento acerca da ocorrência,
uso da área e mortalidade ainda é incipiente. Ainda, para avaliar as espécies de ocor-
De fato, há poucos estudos realizados na regi- rência na região, foi realizado um levantamen-
ão. Nesse sentido, o registro sistemático de en- to no banco de dados do SIMBA (Sistema de
calhes de tartarugas pode ajudar a elucidar la- Monitoramento de Biota Aquática; http://
cunas importantes, uma vez que permite con- simba.petrobras.com.br), que reúne as infor-
solidar séries históricas de dados sobre a mor- mações obtidas por meio do Projeto de Monito-
talidade destes quelônios, além de agregar in- ramento de Praias da Bacia de Santos. Estes
formações sobre alimentação, áreas de uso, dados, por ainda não terem sido publicados,
faixa etária e deslocamentos (Goldberg et al., serão mencionados aqui como “dados não pu-
2013). blicados – PMP Bacia de Santos”.
O presente estudo apresenta uma revi-
são do conhecimento sobre tartarugas mari-
Resultados e discussão
nhas no litoral norte de Santa Catarina, inclu-
indo informações sobre as espécies presentes, Ao todo foram encontradas três (3) mo-
o padrão de encalhes, a dieta e ameaças, tanto nografias de bacharelado, uma (1) dissertação
naturais quanto antrópicas, que as atingem na de mestrado, duas (2) teses de doutorado, um
região. Os resultados obtidos poderão ser usa- (1) resumo expandido e um (1) artigo científico
dos para subsidiar estratégias de conservação para a região (Tabela 1).
para esses animais. As informações existentes estão relacio-
nadas, principalmente, ao registro de animais
encontrados mortos nas praias da região, que
Metodologia
gerou dados relacionados à biometria, ocorrên-
Foi realizada uma revisão sistemática cia sazonal e análise de conteúdo gastrointesti-
do estado da arte das tartarugas marinhas no nal (dieta e ingestão de resíduos de origem an-
litoral norte de Santa Catarina, compreenden- trópica). A principal espécie estudada foi C.
do a área entre o limite norte do município de mydas, que foi incluída em todos os estudos
Itapoá e o limite sul do município de Barra do realizados, uma vez que é a tartaruga com mai-
Sul, incluindo o estuário da Baía Babitonga. or número de encalhes na região, o que prova-
Devido ao reduzido número de trabalhos rela- velmente é reflexo de sua abundância na área
Tabela 1. Relação dos trabalhos que abordaram as tartarugas marinhas do litoral norte de Santa Catarina.
UNIVILLE = Universidade da Região de Joinville; UEL – Universidade Estadual de Londrina; UERJ = Uni-
versidade Estadual do Rio de Janeiro. A referência completa de cada trabalho consta no item “Referências”
ao final do artigo.
Tabela 2. Relação das espécies de tartarugas marinhas registradas no litoral norte de Santa Catarina.
(SITAMAR – dados não publicados). al., 2017). Esta espécie é frequentemente im-
pactada pela ingestão de lixo, sendo que 66,9%
Encalhes de tartarugas mortas foram
dos indivíduos analisados por Bezerra (2016)
registrados ao longo de todo o ano, mas parece
tinham resíduos de origem antrópica no trato
haver um aumento entre o inverno e a prima-
gastrointestinal, caracterizados principalmente
vera (Cremer & Sartori, 2009, Souza, 2016). Há
por plástico e artefatos de pesca. Quando passa
ainda casos de tartarugas que encalham vivas
a ocupar zonas costeiras e altera sua dieta, a
na região, sempre muito debilitadas (M. Cre-
espécie fica mais exposta a ameaças antrópicas,
mer, comunicação pessoal).
incluindo a ingestão de resíduos sólidos carrea-
dos dos continentes e rios (Schuyler et al.,
Tartaruga-verde, Chelonia mydas 2012).
para a espécie foram identificadas tanto fora testinal, o que também foi documentado para
como dentro do estuário da Baía Babitonga jovens e subadultos da espécie (Bezerra, 2016).
(Souza, 2016). A dieta incluiu também propá- No entanto, raramente indivíduos dessa espé-
gulos de mangue (Avicennia schaueriana) e cie são levados a óbito pela ingestão de lixo,
gramíneas, embora tenham sido pouco repre- pois não ingerem quantidades tão expressivas,
sentativos (Souza, 2016). como ocorre com juvenis de C. mydas, o que
possivelmente esteja relacionado a diferenças
A análise sobre a prevalência da fibro-
na dieta destas espécies (Schuyler et al., 2012,
papilomatose, assim como a avaliação macros-
Schuyler et al., 2014). A presença de resíduos
cópica e histopatológica dos tumores e a detec-
em filhotes e jovens indica que nessa fase de
ção do possível agente viral associado à doença
vida, quando habitam zonas oceânicas, tam-
Chelonid herpesvirus 5 (Jones et al., 2016), foi
bém estão sujeitos a essa ameaça, uma vez que
realizada para C. mydas confirmando a presen-
costumam se alimentar nos cinco primeiros
ça da doença em espécimes da Baía Babitonga
metros da coluna d’água (Bolten, 2003), onde
e entorno (Domiciano, 2016). Essa neoplasia é
grande parte do lixo se acumula (Pham et al.,
considerada benigna, porém quando nas pálpe-
2017).
bras, região axilar e inguinal, boca ou órgãos
internos, pode comprometer a saúde, compor- Durante os primeiros anos de vida, as
tamento e hábitos alimentares dos indivíduos, tartarugas-cabeçudas se alimentam em áreas
levando-os a óbito (Herbst, 1994). pelágicas, frequentemente em associação com
bancos de algas (Bolten & Balazs, 1995, Bolten,
2003, Santos et al., 2011). Ao atingirem a fase
Tartaruga-cabeçuda, Caretta caretta nerítica, passam a ocupar áreas mais rasas,
Caretta caretta é a segunda espécie passando a se alimentar de organismos bentô-
mais abundante na região. Cruz et al. (2011) nicos. De acordo com Shoop & Kenney (1992),
reportaram a ocorrência de seis encalhes de indivíduos nessa fase de vida tendem a perma-
tartarugas-cabeçudas juvenis nas praias de Ita- necer em profundidades inferiores a 200 m,
poá. De acordo com Marcovaldi & Chaloupka sendo comumente observadas a 60 m. Os itens
(2007), o sul do Brasil é um importante ponto alimentares incluem peixes, crustáceos, molus-
de alimentação para juvenis/subadultos dessa cos, águas-vivas, ovos de peixes e cefalópodes,
espécie. Na área de estudo, o comprimento cur- entre outros (Bjorndal, 1997, Tomas et al.,
vilíneo médio de carapaça (CCC) foi de 79,2± 2001). Na região os indivíduos se alimentaram
7,3 cm e o CCC máximo foi de 86 cm (Cremer & principalmente de peixes teleósteos, mas tam-
Sartori, 2009). A linha de corte usada para dis- bém foram encontrados moluscos (bivalves e
tinguir indivíduos juvenis/subadultos dos adul- gastrópodes) e crustáceos (Flach, 2010).
tos baseia-se no tamanho mínimo de fêmeas
adultas em atividade reprodutiva nas praias
Tartaruga-de-pente, Eretmochelys im-
brasileiras, que corresponde a 82 cm de CCC
bricata
(Marcovaldi & Chaloupka, 2007, Lima et al.,
2012, Goldberg et al., 2015). Há poucos registros da espécie na regi-
ão de estudo, sendo todos de indivíduos jovens,
Em 2016 foi registrada a presença de
que encalharam mortos no outono e inverno
um único filhote de C. caretta (CCC = 9,5 cm)
(Bezerra, 2016). As áreas de alimentação de E.
na região (Bezerra, 2016). Apesar das desovas
imbricata na costa brasileira incluem as ilhas
para a espécie se concentrarem entre o norte
oceânicas de Fernando de Noronha/PE e Atol
do Rio de Janeiro e o estado de Sergipe
das Rocas/RN e, mais recentemente, o banco
(Marcovaldi & Chaloupka, 2007; Santos et al.,
dos Abrolhos/BA (Pedrosa & Verissimo, 2006).
2011, Lima et al., 2012), há ocorrências ocasio-
A tartaruga-de-pente é tipicamente tropical e a
nais de ninhos por toda a costa (Santos et al.,
região sul do Brasil não constitui uma área de
2011). O filhote, encontrado morto, apresenta-
ocorrência regular da espécie (Reisser et al.,
va resíduos sólidos ao longo do trato gastroin-
2008, Marcovaldi et al., 2011). Apesar disso, há zar mergulhos profundos durante o forrageio e
ocorrência da espécie na Reserva Biológica Ma- migrações (Polovina et al., 2004), o que as tor-
rinha do Arvoredo, em Santa Catarina (Reisser na vulneráveis à pesca de profundidade
et al., 2008). Apesar de onívoras, tartarugas- (Spotila, 2004), arrasto (Silva et al., 2010) e
de-pente apresentam maior seletividade para pesca oceânica, como por exemplo, o espinhel
invertebrados em sua dieta, alimentando-se de fundo (Sales et al., 2008). Estes incidentes
preferencialmente de esponjas marinhas já foram observados do norte a sul do litoral
(Meylan 1988, Leon & Bjorndal, 2002). No en- brasileiro, sendo os mais frequentes na pesca
tanto, outros itens podem ser encontrados com costeira nos estados do Rio Grande do Norte,
frequência em seu trato gastrointestinal, como Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia,
cnidários, gastrópodes, moluscos bivalves, Espírito Santo e Rio de Janeiro (Sales et al.,
crustáceos, ascídias e peixes teleósteos 2008). Registros de encalhe de animais vivos e
(Stampar et al., 2007). Não há informações mortos foram realizados em menor número
sobre sua dieta na região, porém diferentes re- nas praias dos estados de São Paulo (SITAMAR
síduos de origem antrópica foram encontrados – dados não publicados), Paraná (D’Amato
no conteúdo gastrointestinal dos três espéci- 1992), Santa Catarina (Marcovaldi et al., 2000)
mes analisados, incluindo artefatos de pesca, e Rio Grande do Sul (Soto & Beheregaray,
peças de plástico e detritos diversos (Bezerra, 1997, Pinedo et al., 1998, Monteiro, 2004). Le-
2016). pidochelys olivacea é vulnerável aos mesmos
impactos de origem antrópica descritos anteri-
ormente para as outras espécies de tartarugas
Tartaruga-oliva, Lepidochelys olivacea marinhas, incluindo a captura incidental na
Os primeiros registros da espécie na pesca, a poluição marinha, a ocupação desor-
região, incluindo um indivíduo vivo, foram rea- denada do litoral e as alterações climáticas
lizados por meio do Programa de Monitora- (Poloczanska et al., 2009, Castilhos et al.,
mento de Praias da Bacia de Santos, que teve 2011).
início em setembro de 2015. Entre a primavera
de 2017 e o verão de 2018, 24 indivíduos adul-
Tartaruga-de-couro, Dermochelys coria-
tos foram registrados nas praias da região, em
cea
diferentes estágios de decomposição (PMP-BS
dados não publicados). A espécie geralmente No sul do Brasil, encalhes desta espécie
ocorre em áreas costeiras e oceânicas (Abreu- já foram documentados no Paraná (D’Amato,
Grobois & Plotkin, 2008, Castilhos et al., 2011). 1991) e Rio Grande do Sul (Pinedo et al., 1998),
É considerada carnívora e pode se alimentar de sendo poucos os registros desta espécie em
peixes, moluscos, crustáceos e algas (Spotila, Santa Catarina. Um grande número de indiví-
2004). Possuem ciclo reprodutivo longo duos foi registrado em avançado estado de de-
(Meylan & Donnelly, 1999) e as áreas de repro- composição, o que dificultou a obtenção de
dução, consideradas prioritárias, estão distri- amostras e medidas. A espécie vive a maior
buídas entre os litorais do Sergipe, Alagoas, parte de sua vida na zona oceânica (Almeida et
Bahia e, em menor densidade, no litoral do Es- al., 2011a), o que provavelmente influenciou no
pírito Santo (Marcovaldi & Marcovaldi 1999, reduzido número de animais encalhados e na
Castilhos & Tiwari 2006, Silva et al., 2007). condição das carcaças, sempre em avançado
Desovas ocasionais foram registradas nos esta- estado de decomposição. Por este motivo, não
dos do Ceará por Lima et al. (2003), Rio de há dados adicionais sobre a espécie na região.
Janeiro e Rio Grande do Norte (SITAMAR -
Vale ressaltar, no entanto, que o au-
dados não publicados). Realizam extensas mi-
mento da atividade pesqueira nos últimos anos
grações, com movimentações complexas e rotas
é considerada a principal ameaça para as popu-
variadas em regiões com temperaturas acima
lações de tartarugas-de-couro (Sales et al.,
de 20C° (Márquez, 1990, Morreale et al., 2007,
2008). Há captura incidental nas pescarias
Marcovaldi et al., 2008). São capazes de reali-
costeiras, principalmente nas redes de emalhe, quáticas. Este tipo de ruído pode gerar quadros
e nas oceânicas, que envolvem redes de deriva, de estresse agudo, com alterações na fisiologia
espinhéis e arrasto (Marcovaldi et al., 2006). e comportamento das tartarugas (Weir, 2007),
As redes de emalhe de deriva, direcionadas à além de danos físicos temporários ou perma-
captura do gênero Sphyrna (tubarão-martelo) nentes às estruturas auditivas, com redução
constituem uma grande ameaça para tartaru- significativa na percepção de sons por esses
gas-de-couro. Esse tipo de pesca está presente animais (McCauley et al., 2000, Viada et al.,
ao longo do litoral sudeste/sul, desde São Pau- 2008).
lo ao Rio Grande do Sul, e é realizada por em-
A presença de fibropapilomatose já foi
barcações oriundas dos portos de São Paulo e
registrada para C. mydas dentro da Baía Babi-
Santa Catarina (Sales et al., 2008, Fiedler,
tonga (Cremer & Sartori, 2009), e apresenta
2009).
baixa prevalência em relação a outras regiões
do Brasil (Domiciano, 2016). Considerada uma
epizootia, a fibropapilomatose foi descrita no
Ações relacionadas às tartarugas mari-
Brasil pela primeira vez em 1986, no Espírito
nhas na região
Santo e, desde então, o número de casos vem
Não há nenhum projeto específico sobre aumentando gradativamente ao longo da costa,
tartarugas marinhas em andamento na região. acometendo principalmente C. mydas
Contudo, esta área insere-se no escopo do Pro- (Baptistotte, 2007). É uma doença debilitante,
jeto de Monitoramento de Praias da Bacia de caracterizada pela presença de múltiplos tumo-
Santos (PMP – Bacia de Santos), que vem rea- res cutâneos e/ou viscerais (Herbst, 1994) e,
lizando o monitoramento diário das praias ao apesar de apresentar curso benigno, a fibropa-
longo dos Estados de Santa Catarina, Paraná e pilomatose é considerada potencialmente fatal,
São Paulo em busca de animais marinhos vivos uma vez que os tumores podem interferir na
ou mortos desde setembro de 2015. Este proje- hidrodinâmica e alimentação dos animais
to é uma condicionante estabelecida pelo IBA- (Adnyana et al., 1997). Pesquisas indicam o
MA no licenciamento ambiental do polo pré-sal envolvimento de um herpesvírus associado a
pela Petrobras. No litoral norte de Santa Cata- fatores genéticos e ambientais, considerados
rina este monitoramento vem sendo realizado predisponentes à ocorrência da enfermidade
pela Universidade da Região de Joinville – (Herbst et al., 1998, Foley et al., 2005).
UNIVILLE. Atividades de sensibilização ambi-
O descarte inadequado de resíduos sóli-
ental são desenvolvidas no Espaço Ambiental
dos, principalmente plásticos, vem se tornando
Babitonga, da UNIVILLE, em São Francisco do
uma importante ameaça para os organismos
Sul, que funciona desde 2007 e inclui em seu
marinhos, incluindo as tartarugas marinhas
acervo de visitação as tartarugas marinhas.
(Nelms et al., 2016, Pham et al., 2017). No pre-
Além disso, a coleção herpetológica do Acervo
sente estudo, a frequência de ocorrência de re-
Biológico Iperoba, também da UNIVILLE,
síduos sólidos no trato gastrointestinal de tar-
abriga um importante acervo sobre as tartaru-
tarugas marinhas variou de 33,3% para E. im-
gas marinhas da região.
bricata, a 45,4% para C. caretta e 66,9% para
tartarugas-verdes, incluindo principalmente
Ameaças e conservação peças de plástico e artefatos de pesca, ao longo
do trato gastrointestinal, sendo C. mydas a es-
Explosões subaquáticas para derroca- pécie mais impactada (Flach, 2010, Bezerra,
gem das lajes do porto de São Francisco do Sul 2016, Souza, 2016). Esse fato está provavel-
foram mencionadas por Cremer & Sartori mente relacionado ao hábito alimentar predo-
(2009) como um potencial impacto para as tar- minantemente herbívoro desta espécie e ao
tarugas no interior da Baía Babitonga, uma vez fato desses animais ingerirem os resíduos pas-
que indivíduos foram encontrados mortos nas sivamente, junto a seus itens alimentares, ou
proximidades do porto após detonações suba- ativamente devido à semelhança da forma com
itens da dieta (ex. plástico mole e cnidários) ou tas, provocadas pela interação das tartarugas
ao gosto e cheiro devido à formação de biofil- com o equipamento, tais como hemorragias,
mes nos resíduos (Márquez, 1990, Bugoni et fraturas extensas, dilacerações, com elevado
al., 2003, Nelms et al., 2016). A ingestão de índice de mortalidade, os impactos indiretos
lixo pode ter efeitos letais sobre as tartarugas, também ameaçam a sobrevivência dos animais.
provocando sua morte por obstrução do trato Entre eles destaca-se a alteração ou destruição
gastrointestinal, com redução do estímulo à das áreas de forrageamento e a redisponibiliza-
alimentação, levando o indivíduo a um quadro ção de poluentes tóxicos até então aprisionados
de caquexia (magreza extrema, com esgota- no sedimento do fundo (Dickerson et al., 2004,
mento da reserva adiposa e atrofia muscular) Goldberg et al., 2015).
ou infecção sistêmica secundária (Stahelin et
De forma indireta, o aumento das ativi-
al., 2012b, Domiciano et al., 2017). Além disso,
dades portuárias também leva a uma redução
os animais ficam expostos à contaminação crô-
da área disponível para organismos mais sensí-
nica, que traz impactos significativos em longo
veis e para as atividades pesqueiras. Como con-
prazo para as populações (Bjorndal et al., 1994;
sequência, há uma sobreposição entre as áreas
Tourinho et al., 2010).
de uso pelos animais e o esforço pesqueiro, le-
De forma geral, as atividades portuárias vando a um aumento na ocorrência de capturas
trazem uma série de impactos para o meio am- incidentais (Tomaszewicz et al., 2018).
biente, que se acentuam significativamente nos
A Baía Babitonga abriga atualmente
estuários. Dentre eles podemos destacar a con-
três terminais portuários com relevante impor-
taminação das águas, o aumento nos níveis de
tância socioeconômica para a região. No entan-
poluição sonora subaquática, o aumento no
to, é necessária uma análise crítica que avalie a
tráfego de embarcações, a perda de habitat e os
capacidade de suporte deste ecossistema em
efeitos decorrentes das dragagens, necessárias
relação à implantação de novos terminais a fim
para o aprofundamento e manutenção dos ca-
de se evitar o colapso ambiental, com compro-
nais de navegação (Goldberg et al., 2015, Do-
metimento de suas funções ecológicas.
miciano et al., 2017). A dragagem de sedimento
marinho para a instalação e manutenção de Todas as espécies de tartarugas mari-
estruturas portuárias é reconhecida mundial- nhas estão ameaçadas de extinção no Brasil
mente por gerar grande impacto à fauna mari- (MMA, 2014). As principais medidas de prote-
nha (Dickerson et al., 2004). A movimentação ção estão associadas às áreas reprodutivas, lo-
do equipamento no fundo muitas vezes é im- calizadas majoritariamente nas regiões sudeste
perceptível às tartarugas, que acabam sendo e nordeste, ao passo que em áreas de alimenta-
sugadas junto com o sedimento, principalmen- ção as principais medidas de conservação estão
te em áreas de agregação (Dickerson et al., associadas à educação ambiental (Marcovaldi
2004, Goldberg et al., 2015). Nos EUA e na et al., 2006, Stahelin et al., 2012a) e à mitiga-
Austrália, a maior parte dos incidentes foi re- ção das capturas incidentais em petrechos de
portada para dragas “Hopper” (Dickerson et pesca (Marcovaldi et al., 2006, Sales et al.,
al., 2004). Esse tipo de draga vem sendo utili- 2010). No litoral norte de Santa Catarina a úni-
zada na maior parte dos empreendimentos no ca área legalmente protegida, com potencial
Brasil, como no Superporto do Açu, na Bacia de para contribuir com a conservação das espé-
Campos - RJ, onde 112 tartarugas vieram a óbi- cies, é o Parque Estadual do Acaraí, que inclui
to, entre 2008 e 2012, ao interagirem com a as ilhas do Arquipélago dos Tamboretes. Con-
cabeça de dragagem (Goldberg et al., 2015). De tudo, o ambiente marinho não está inserido na
acordo com Dickerson et al. (2004), tais dragas área do parque e as medidas de conservação
operam com maior velocidade, em maiores devem ser propostas no plano de manejo da
profundidades e com menores custos, sendo as unidade, que poderia contemplar áreas mari-
mais utilizadas para instalação e manutenção nhas de entorno (zona de amortecimento) des-
de estruturas portuárias. Além das lesões dire- te arquipélago. De qualquer forma, podemos
considerar que esta área é muito limitada no estudos para caracterizar o uso de habitat,
sentido de contribuir com a conservação das principalmente nas ilhas costeiras da região
tartarugas marinhas e seus habitats na região. (Arquipélago das Graças, Arquipélago dos
Tamboretes e Arquipélago dos Remédios), que
Há mais de dez anos tramita no Minis-
constituem importantes locais de alimentação
tério do Meio Ambiente uma proposta para a
para estas espécies.
criação de uma unidade de conservação na Baía
Babitonga e litoral adjacente. Esta é uma im- Atividades portuárias desenvolvidas em
portante estratégia para o uso sustentável e áreas prioritárias para as tartarugas marinhas
conservação dos recursos naturais da região, possuem elevado potencial de impacto sobre
incluindo as tartarugas, dada a sua relevância esses animais, em especial no que se refere à
para a produtividade e biodiversidade mari- poluição química, dragagens de aprofunda-
nhas. mento e manutenção de canais de navegação,
tráfego de embarcações, entre outros. Nesse
contexto, a análise e monitoramento regular
Contribuições ao monitoramento ambi- dessas atividades torna-se imprescindível para
ental na região a criação e implementação de medidas mitiga-
O monitoramento de encalhes de tarta- doras efetivas que integrem o desenvolvimento
rugas marinhas vivas e mortas é uma impor- socioeconômico com a conservação das espé-
tante ferramenta para a gestão, pois permite cies.
avaliar continuamente o panorama de mortali- A interação com diferentes artes de pes-
dade das espécies, mensurar os impactos e ana- ca, em escala artesanal e industrial, é conside-
lisar aspectos relacionados à sua história de rada a principal causa de mortalidade de juve-
vida. Levando-se em conta os diferentes impac- nis e adultos de tartarugas marinhas em todo o
tos antrópicos a que esses animais estão expos- mundo (Kotas et al., 2004, Lewison et al.,
tos, o registro sistemático dos encalhes vem 2004, Wallace et al., 2010). Como a área de
permitindo monitorar a condição de saúde dos estudo apresenta intensa atividade pesqueira
indivíduos, determinar as concentrações de artesanal, incluindo as pescarias com redes de
contaminantes em diferentes tecidos, avaliar a emalhe e arrasto (IBAMA, 1998, Pinheiro &
mortalidade associada à atividade pesqueira, Cremer, 2003), torna-se necessária uma me-
caracterizar patologias antigas e emergentes, lhor caracterização dos impactos desta ativida-
além de muitos outros aspectos. de sobre as populações de tartarugas marinhas
Devido à importância do estuário da na região. Somente dessa forma será possível
Baía Babitonga para a fase de recrutamento de gerar subsídios para a elaboração de estraté-
C. mydas neríticas, estudos direcionados a esta gias de mitigação que reduzam a captura inci-
espécie são de grande importância, incluindo a dental desses quelônios.
análise dos padrões de uso de habitat e a iden-
tificação das áreas de alimentação e de descan-
Agradecimentos
so. Para a obtenção destas informações é im-
prescindível o uso de tecnologias de rastrea- Os autores agradecem ao Fundo de
mento dos indivíduos, como os transmissores Apoio à Pesquisa da UNIVILLE pelo apoio fi-
satelitais, que permitem caracterizar os movi- nanceiro para o desenvolvimento de pesquisas
mentos e identificar as áreas de uso e as de com a fauna marinha da região. M. J. Cremer
maior concentração (Seney et al., 2010). A co- agradece ao CNPq (processo NO 310477/2017-
leta de dados a partir de observações visuais na 4).
superfície não é viável para a região, uma vez
que a visibilidade marinha é comprometida
pela elevada turbidez da água. Para C. caretta e Referências Bibliográficas
C. mydas é importante também a realização de ABREU-GROBOIS, A. & PLOTKIN, P. 2008.
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