Farmacologia e Terapêutica Veterinária Do Sistema Nervoso Central
Farmacologia e Terapêutica Veterinária Do Sistema Nervoso Central
Farmacologia e Terapêutica Veterinária Do Sistema Nervoso Central
Brasília-DF.
Elaboração
Produção
Introdução...................................................................................................................................... 7
Unidade i
FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS............................................. 9
Capítulo 1
Fisiologia do sistema nervoso central (SNC)................................................................... 9
CAPÍTULO 2
Hipnóticos e sedativos ..................................................................................................... 21
CAPÍTULO 3
Ansiolíticos ....................................................................................................................... 33
Unidade iI
TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS.................................................................. 38
CAPÍTULO 1
Terapêutica dos distúrbios afetivos................................................................................. 38
CAPÍTULO 2
Antiepilépticos/Anticonvulsivantes .................................................................................. 43
Unidade iII
ANESTÉSICOS..................................................................................................................................... 50
CAPÍTULO 1
Anestésicos gerais............................................................................................................. 50
CAPÍTULO 2
Anestésicos locais ........................................................................................................... 61
Unidade iV
TRANQUILIZANTES E RELAXANTES MUSCULARES DE AÇÃO CENTRAL, IMOBILIZAÇÃO QUÍMICA,
ESTIMULANTES DO SNC E AGENTES pSICOTRÓPICOS............................................................................. 66
CAPÍTULO 1
Tranquilizantes e relaxantes musculares de ação central.......................................... 66
CAPÍTULO 2
Imobilização química ....................................................................................................... 71
CAPÍTULO 3
Estimulantes do SNC e agentes psicotrópicos ............................................................... 76
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 80
Apresentação
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Praticando
Atenção
6
Saiba mais
Sintetizando
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).
Avaliação Final
7
Introdução
Neste caderno, abordaremos o Sistema Nervoso Central (SNC). Esse complexo, intrigante e fascinante
sistema tido como uma das mais eficientes estratégias evolutivas, capaz de proporcionar vantagens
competitivas inimagináveis aos indivíduos, mesmo que esses disponham de estrutura corporal
muito mais frágil. Essa capacidade de monitorar o ambiente interno e externo ao organismo e de
elaborar as repostas mais apropriadas para todos os eventos em todos os instantes é possível graças
a uma complexidade que foge em muito a nossa compreensão atual. O “pouco” que sabemos desses
processos nos remete a um fascinante mundo de moléculas, interações e mecanismos em que cada
ordenação que conseguimos descobrir nesse aparente “caos” abre caminho para o entendimento e
de possível uso terapêutico desses conhecimentos. Esperamos que você consiga captar, pelo menos
parte dessa motivação que guia a vontade de entender os complexos mecanismos funcionais e a
interferência neste sistema com drogas de função terapêutica. Uma primeira abordagem da fisiologia
básica tem como intuito entender o funcionamento “normal” e os locais possíveis de interferência
dos diversos grupos de fármacos capazes de fazê-lo, valendo-se da máxima de que nenhuma droga
cria novas funções, mas apenas modifica as já existentes. Seguindo-se com o estudo farmacológico
dos principais grupos de drogas acompanhado pelo conhecimento da fisiopatologia das principais
doenças que afetam aquele sistema, teremos subsídios para uma terapêutica confiável e responsável.
Objetivos
»» Desenvolver um entendimento básico da anatomia e fisiologia do sistema nervoso;
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FISIOLOGIA DO
SISTEMA NERVOSO Unidade i
CENTRAL, HIPNÓTICOS
E ANSIOLÍTICOS
Capítulo 1
Fisiologia do sistema nervoso central (SNC)
Você é capaz de encontrar respostas plausíveis para o fato de que os maiores centros
integradores do sistema nervoso, o encéfalo, terem migrado para a cabeça dos
animais? Considere que a cabeça também reúne um conjunto de sistemas de leitura
precisa do ambiente (olhos, ouvidos, olfato, paladar).
<http://www.cerebromente.org.br/n17/history/neurons1_p.htm>
O sistema nervoso compreende o Sistema Nervoso Central (SNC) e o Sistema Nervoso Periférico
(SNP). Essas divisões são contíguas anatômica e funcionalmente. O SNP compreende os troncos
nervosos que estão entre o SNC e a periferia, e as redes de células nervosas e células da glia em
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
órgãos por todo o corpo. É dividido funcionalmente em sistema nervoso autônomo (involuntário) e
sistema nervoso sensorial e somático (voluntário).
O SNC inclui o encéfalo e a medula espinhal. Esse complexo sistema recebe, processa e transmite
sinais provenientes do SNP e, quando processados, esses sinais voltam à periferia como respostas
do SNC àqueles estímulos. Funções muito nobres são desempenhadas pelo SNC como a percepção
auditiva, tátil e visual, o estado de vigília, a linguagem e a consciência.
Desde os seres vivos mais primitivos, a principal função de todo o sistema nervoso é permitir a
adaptação do indivíduo ao meio ambiente. Um ser unicelular é capaz de afastar-se ao ser estimulado,
mostrando que o seu sistema nervoso corresponde às próprias estruturas da sua superfície. Com
a evolução, as funções desempenhadas pelo sistema nervoso tornaram-se mais complexas, com
células especializando-se para determinadas funções ao mesmo tempo em que se desenvolveu
grande poder de coordenação entre os meios externo e interno dos organismos. Esse sistema de
coordenação difuso tornou-se agrupado a partir dos platelmintos e nematelmintos, dando início
à centralização do sistema nervoso, o que diminuiu a vulnerabilidade das estruturas superficiais
e melhorou a coordenação de respostas mais complexas. Neurônios de associação surgiram mais
à frente na evolução. Esses neurônios viabilizaram a interação entre segmentos do corpo, cujas
adaptações culminaram com o surgimento da medula espinhal, tendo desenvolvido no seu topo
centros nervosos encarregados de controlar o funcionamento do corpo e as reações ao meio externo.
Esses grupamentos neuronais passaram a constituir os equivalentes do que viria a ser o tronco
encefálico e o hipotálamo que, com a medula espinhal, formaram o SNC básico já existente nos
primeiros animais vertebrados, os peixes primitivos.
Nos vertebrados superiores, o sistema nervoso, de forma geral, é constituído por encéfalo, medula
espinhal e nervos periféricos.
Hemisférios cerebrais
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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
têm funções específicas. Do ponto de vista farmacológico, o córtex cerebral é o local de ação de
muitas drogas, tanto como o alvo do efeito terapêutico quanto de efeitos adversos. Os barbitúricos e
os benzodiazepínicos são fármacos comumente prescritos que têm função sobre a neurotransmissão
no córtex.
A substância branca cerebral, que inclui o corpo caloso, transmite informações entre áreas corticais
e outras áreas do SNC, e de uma área cortical para outra. Formada primariamente de axônios
mielinizados, a substância branca tem uma rede vascular associada de pequenas artérias, veia e
capilares, e essas pequenas arteríolas são especialmente afetadas pela hipertensão sistêmica.
Os núcleos da base são constituídos pelos núcleos caudado, putamên e globo pálido. Formados de
matéria cinzenta, estão imersos no seio dos hemisférios cerebrais e fazem conexão entre o córtex
motor e outras regiões do córtex cerebral. Os núcleos caudado e putamên desenvolveram-se a
partir de uma mesma estrutura telencefálica e têm tipos celulares muito parecidos e são fundidos
anteriormente. Por isso, são comumente referidos como estriado. Ligados às zonas associativas
do córtex cerebral, ao tálamo e ao cerebelo, os núcleos da base participam do planejamento e
da programação dos movimentos intencionais, e à medida que se consolida a aprendizagem, os
pormenores da execução dos movimentos tornam-se automáticos, não necessitando do esforço
consciente das fases iniciais de sua execução.
O sistema límbico é como um aro em torno do córtex e com funções antigas e mais básicas.
Formado pelo giro do cíngulo, formação hipocampal (incluindo o hipocampo e estruturas em volta),
e a amígdala, esse sistema é considerado o substrato anatômico das emoções. Poucos fármacos que
afetam especificamente o sistema límbico estão disponíveis atualmente, embora muitos agentes
estejam em desenvolvimento.
<http://www.cerebromente.org.br/n02/historia/phineas_p.htm>
Diencéfalo
<http://www.medclip.com/index.php?page=videos§ion=view&vid_id=
108840>
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
O hipotálamo constitui menos que 1% do volume total do encéfalo e está situado ventralmente ao
tálamo. Possui grande número de circuitos neurais relacionados às funções vitais que incluem aqueles
que regulam a temperatura corporal, a frequência cardíaca, a pressão arterial, a osmolaridade sanguínea
e a ingestão de alimentos e água. Esses mecanismos hipotalâmicos agem no sentido de preservar a
homeostasia. O hipotálamo exerce influência sobre os meios interno e externo ao organismo por meio
de três sistemas: o sistema endócrino (exercendo controle sobre as funções da hipófise); o sistema
nervoso autônomo (dando origem aos sistemas simpático e parassimpático) e o sistema motivacional
(por meio de conexões com outras estruturas que constituem o sistema límbico).
Cerebelo
Tronco encefálico
O que é conhecido coletivamente como o tronco encefálico envolve o mesencéfalo, a ponte e o bulbo.
Essa estrutura liga a medula espinhal ao tálamo e ao córtex cerebral. Vias de substância branca
interligando medula espinhal, cerebelo, tálamo, gânglios basais e córtex cerebral cursam por essa
pequena estrutura. Não obstante, é no tronco encefálico que têm origem a maior parte dos nervos
craniais. Entre esses nervos estão aqueles responsáveis pela informação sensorial da cabeça e do
rosto, incluindo audição, equilíbrio e paladar. Os nervos cranianos também controlam as eferências
para a musculatura esquelética da mastigação, expressão facial, deglutição e movimento dos olhos,
além de regular a descarga parassimpática para as glândulas salivares e para a íris.
O bulbo é uma estrutura contígua à medula espinhal e difere-se dela quanto à sua organização
morfológica. Essa estrutura contém vários centros de controle que são essenciais à vida, incluindo
os centros que regulam a frequência cardíaca, a respiração, a tosse e o vômito.
O mesencéfalo é a porção mais cranial do tronco encefálico. Nessa região, encontram-se núcleos
importantes como a substância negra. Em função de sua conexão recíproca com os núcleos da base,
tem sido considerada funcionalmente a eles relacionada e como tal está envolvida no controle da
atividade dos músculos esqueléticos; o colículo superior, que está criticamente envolvido no controle
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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
dos movimentos oculares; o colículo inferior que contém relês importantes das vias auditivas.
A substância cinzenta periaquedutal que, pela sua parte dorsal, é responsável pela integração de
comportamentos defensivos, e pela parte ventral participa dos mecanismos de controle da dor.
Ainda se destacam na linha média do mesencéfalo ventral os núcleos da rafe, onde tem origem
a inervação serotoninérgica do SNC. As vias serotoninérgicas participam de inúmeros processos
comportamentais importantes; as vias ascendentes atuam na regulação do sono, comportamento
emocional e alimentar e as vias descendentes estão envolvidas na regulação da dor.
Medula espinhal
A medula espinhal é a divisão mais caudal da SNC. Como ocorre no encéfalo, a medula espinhal
é organizada em tratos de substância branca que conectam a periferia e a medula a divisões mais
rostrais do SNC; e regiões de substância cinzenta que formam colunas nucleares que se encontram
em forma de H no centro da medula espinhal. Os neurônios sensoriais estão localizados no corno
dorsal do H medular e transmitem informações da periferia para divisões mais rostrais do SNC, e os
neurônios motores estão no corno ventral e transmitem os comandos que surgem em áreas motoras
centrais e descem pelo trato corticoespinal para os músculos periféricos. Interneurônios conectam
neurônios sensoriais e motores e são responsáveis pela mediação de reflexos, tais como reflexos
tendinais profundos, por coordenar a ação de grupos musculares opostos. Pelo fato de a medula
espinhal transportar sinais sensoriais, incluindo as sensações de dor para o SNC, é um importante
alvo para a ação de drogas analgésicas, tais como os opioides.
A organização neuronal de trato longo envolve vias neurais que conectam áreas distantes do sistema
nervoso. Essa organização usada pelo SNP é importante para o SNP devido à transmissão de sinais
de uma região para outra; esses sinais são transmitidos com pouca modificação; o sistema nervoso
autônomo geralmente não modifica de modo significativo os sinais neurais. Por outro lado, os
neurônios nos sistemas de tratos longos do SNC não apenas transmitem sinais, mas, também, os
integram e modificam.
Os neurônios de tratos longos do SNC exibem uma sinalização divergente, como os neurônios
autônomos, mas, também, recebem conexões sinápticas de muitos neurônios proximais (sinalização
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
Também designada como sistema difuso de organização, este padrão de organização neuronal
ocorre quando neurônios originam-se em um núcleo e inervam numerosas células-alvo, como
ocorre nos núcleos do tronco encefálico, no hipotálamo e no prosencéfalo basal. Esses neurônios
divergentes exercem influência típica moduladora ao utilizar neurotransmissores (em geral, aminas
biogênicas) que atuam sobre receptores nas células-alvo. Os neurônios desses circuitos geralmente
não possuem bainha de mielina (suas influências moduladoras variam no decorrer de minutos
ou horas), e seus axônios são altamente ramificados, permitindo conexões sinápticas com grande
número de neurônios-alvo.
Neurotransmissores
A função-chave de um neurônio é comunicar-se com outros neurônios ou com outras células-alvo.
Esta comunicação é mediada eletricamente ou quimicamente. Sinapses elétricas são bastante
estereotipadas. Em contraste, a transmissão química é bastante complexa, com mais de 100
diferentes agentes servindo como neurotransmissores. Esse grande número de transmissores permite
uma diversidade na sinalização química no sistema nervoso. Esses neurotransmissores podem ser
organizados em várias categorias amplas, com base na sua estrutura e função, como segue:
<http://www.cerebromente.org.br/n12/fundamentos/neurotransmissores/
neurotransmitters2_p.html>
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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
Em 1921, o farmacologista alemão Otto Loewi demonstrou que os neurônios comunicam-se pela
liberação de substâncias química. O experimento muito curioso feito por Loewi usou dois corações
de rã.
<http://faculty.washington.edu/chudler/chnt1.html>
Neurotransmissores de aminoácidos
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
de receptores de GABA, GABAC, também são ionotrópicos e estão sendo agora considerados
subconjunto dos receptores GABAA). Diferenças na estrutura, função e localização desses receptores
permitem fino ajuste da sinalização e resposta gabaérgicas.
Aminas biogênicas
As aminas biogênicas (juntamente com a acetilcolina) são utilizadas para modular funções complexas
do SNC, como o estado de alerta e a consciência. Todas as aminas biogênicas são sintetizadas a
partir de precursores de aminoácidos. Com base nesses precursores, as aminas biogênicas podem
ser divididas em três categorias:
Catecolamina
As catecolaminas (dopamina, norepinefrina e epinefrina) são derivadas da tirosina por uma série
de reações bioquímicas e contêm o grupamento aromático catecol em suas moléculas. Em primeiro
lugar, a tirosina é oxidada a L-diidroxifenilalanina (L-DOPA). A seguir, a L-DOPA é descarboxilada
a dopamina. Nos neurônios dopaminérgicos, a dopamina contida nas vesículas sinápticas é liberada
como neurotransmissor. Nos neurônios adrenérgicos e noradrenérgicos, a dopamina é convertida
em norepinefrina no interior das vesículas. Em pequeno número de neurônios e na medula ad-
renal, a norepinefrina é transportada de volta ao citoplasma, onde é metilada a epinefrina. Os
receptores dopaminérgicos (todos ligados à proteína G) centrais têm sido alvo de ampla variedade de
agentes terapêuticos (tanto os precursores da dopamina quanto os agonistas diretos dos receptores
dopaminérgicos) como aqueles usados no tratamento da doença de Parkinson e no tratamento
dos sintomas psicóticos da esquizofrenia. Certas drogas de abuso, como a cocaína e a anfetamina,
podem ativar vias de recompensa no encéfalo que dependem da neurotransmissão dopaminérgica.
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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
tipo diferente de canais de K+. Existem três subtipos de receptores β-adrenérgicos, dois dos quais
são expressos em muitos tipos de neurônios. Agonistas e antagonistas de receptores adrenérgicos
são usados clinicamente para uma variedade de condições, desde arritmias cardíacas à enxaqueca.
Várias classes de agentes terapêuticos atuam sobre os receptores adrenérgicos centrais e são usados,
por exemplo, para o tratamento da depressão. No entanto, a maioria das ações dessas drogas é sobre
receptores no músculo liso, em particular nos sistemas cardiovascular e respiratório.
Indolamina (serotonina)
A 5-hidroxitriptamina (5-HT, também conhecida como serotonina) é uma indolamina por que
mantém o grupamento aromático indol em sua molécula. Esse neurotransmissor aparece muito
cedo no processo evolutivo das espécies animais. É formado a partir do aminoácido triptofano.
A neurotransmissão serotoninérgica serve de alvo para diversas classes de fármacos utilizados
terapeuticamente em distúrbios do humor, ansiedade, depressão, obesidade, enxaqueca,
esquizofrenia, dor crônica e outros. No encéfalo de mamíferos, a serotonina é encontrada,
primariamente, em grupos de neurônios na região da rafe no tronco encefálico que se projeta
profusamente, adentrando o SNC, onde contribui na regulação dos ritmos circadianos, sono e vigília,
temperatura corporal, apetite, ingestão alimentar, comportamento sexual e reprodutivo, agressão,
cognição, humor, ansiedade, aprendizado, memória e atividade motora. Grande número de
receptores serotoninérgicos (14 subtipos) tem sido identificado, mas, desses, o 5HT-3 é ionotrópico
(permeável ao Na+ e K+) e todos os outros são metabotrópicos, acoplados à proteína G.
Etilamina (histamina)
Acetilcolina
Considerando tudo que se sabe das funções da transmissão colinérgica nas junções neuromusculares
e sinapses ganglionares, as ações da acetilcolina no SNC, não são tão bem compreendidas.
No SNC, a acetilcolina atua como neurotransmissor de sistema difuso. À semelhança das aminas
biogênicas, acredita-se que a acetilcolina regula o sono e o estado de vigília. A acetilcolina é
sintetizada num único passo enzimático. A enzima, colina acetiltransferase catalisa a esterificação
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
Neurotransmissores purinérgicos
Nesse caso, os receptores de adenosina, que estão localizados em neurônios noradrenérgicos pré-
sinápticos, atuam para inibir a liberação de norepinefrina.
É interessante notar que todas as vesículas sinápticas contêm ATP, que é colibertada com um ou
mais neurotransmissores clássicos. Essa observação levantou a possibilidade de que o ATP possa
atuar como um cotransmissor. Essa ideia de que algumas purinas (compostos que contêm o anel de
purina) também são neurotransmissores já recebeu considerável apoio experimental. ATP atua como
neurotransmissor excitatório nos neurônios motores da medula espinhal, bem como nos gânglios
sensorial e autonômico. No SNC foram descritas ações do ATP especificamente em neurônios do
corno dorsal da medula espinhal e em neurônios hipocampais. A adenosina, no entanto, não pode ser
considerada um neurotransmissor clássico porque não é armazenada nas vesículas sinápticas nem é
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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
liberada de forma dependente de Ca2+. Pelo contrário, é gerada a partir de ATP pela ação de enzimas
extracelulares. Uma série de enzimas está envolvida no catabolismo e rápida remoção das purinas de
locais extracelulares. Sugere-se que a transmissão por meio de sinapses excitatórias purinérgicas seja
comum no encéfalo de mamíferos. Receptores para ATP e adenosina são amplamente distribuídos no
sistema nervoso, bem como em muitos outros tecidos. Três classes desses receptores são conhecidas:
uma delas são canais iônicos ativados por ligante e os outros dois são metabotrópicos ligados à proteína
G. Os receptores purinérgicos ionotrópicos são amplamente distribuído nos neurônios centrais e
periféricos. Os dois tipos de receptores metabotrópicos diferem na sua sensibilidade a agonistas: um
tipo é preferencialmente ativado pela adenosina, enquanto o outro é preferencialmente ativado pelo
ATP, sendo ambos encontrados em todo o encéfalo, bem como em vários tecidos periféricos. Xantinas
tais como a cafeína e a teofilina bloqueiam os receptores de adenosina, e essa atividade é considerada
responsável pelos efeitos estimulantes desses agentes.
Óxido nítrico
O óxido nítrico (NO), que despertou grande interesse como vasodilatador periférico, atua no SNC
como neurotransmissor. Ao contrário dos outros neurotransmissores de pequenas moléculas, o NO
difunde-se por meio da membrana neuronal e liga-se a seus receptores no interior da célula-alvo.
Acredita-se que os receptores de NO residam em neurônios pré-sinápticos, permitindo que o NO atue
como mensageiro retrógrado. Enquanto os efeitos vasodilatadores periféricos do NO constituem um
alvo para muitos agentes terapêuticos, nenhum deles exerce ações como neurotransmissor central.
Neuropeptídeos
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
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CAPÍTULO 2
Hipnóticos e sedativos
Introdução
Vários agentes podem deprimir a função do SNC e produzir ação calmante ou sonolência (sedação).
Os depressores do SNC discutidos neste capítulo incluem os benzodiazepínicos, outros agonistas dos
receptores de benzodiazepínicos (os compostos Z), barbitúricos, e agentes hipnótico-sedativos de
estrutura química diversa. Os sedativos-hipnóticos mais antigos deprimem o SNC de uma maneira
dose-dependente, produzindo progressivamente um espectro de respostas desde a sedação leve,
coma e morte.
Apesar dos milhares de artigos publicados sobre os efeitos dos benzodiazepínicos em animais e de
estudos clínicos envolvendo o homem, poucos estudos clínicos ou relatos de casos têm sido descritos
nos animais.
A sedação é um efeito colateral de muitas drogas que não são depressoras do SNC (por exemplo,
os anti-histamínicos e agentes antipsicóticos). Embora esses agentes possam intensificar
os efeitos dos depressores do SNC, eles normalmente produzem mais efeitos terapêuticos
específicos em concentrações muito menores do que aquelas que causam substancial depressão
do SNC (por exemplo, eles não induzem anestesia cirúrgica na ausência de outros agentes). Os
sedativo-hipnóticos benzodiazepínicos assemelham-se a tais agentes; embora o coma possa
ocorrer em doses muito elevadas, anestesia cirúrgica e intoxicação fatal não são produzidas pelos
benzodiazepínicos na ausência de outros medicamentos com ação depressora do SNC; uma exceção
importante é o midazolam, que tem sido associado à diminuição do volume tidal e à diminuição da
frequência respiratória. Além disso, existem antagonistas específicos dos benzodiazepínicos. Essa
constelação de propriedades define os agonistas dos receptores de benzodiazepínicos em separado
de outros sedativo-hipnóticos e transmite segurança de tal modo que os benzodiazepínicos e os
compostos Z mais recentes têm substituído os agentes mais antigos no tratamento da insônia
e ansiedade.
21
UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
Apenas duas características da depressão do SNC produzida pelo aumento da concentração desses
agentes podem ser definidas com um grau razoável de precisão: a anestesia cirúrgica, estado no
qual estímulos dolorosos não desencadeiam resposta comportamental ou autonômica, e morte,
resultando de depressão suficiente dos neurônios bulbares a ponto de perturbar a coordenação das
funções cardiovascular e respiratória.
Desde a antiguidade, bebidas alcoólicas e poções contendo láudano e várias ervas têm sido usadas
para induzir o sono. Em meados do século XIX, o brometo foi o primeiro agente a ser introduzido
especificamente como sedativo-hipnótico. O hidrato de cloral, paraldeído, uretano, e sulfonal
entraram em uso antes da introdução do barbital, em 1903, e do fenobarbital, em 1912. O sucesso
desses agentes gerou a síntese e teste de mais de 2.500 barbitúricos, dos quais aproximadamente 50
foram distribuídos comercialmente. Os barbitúricos eram tão dominantes que menos de uma dúzia
de outros sedativos hipnóticos foram comercializados com sucesso antes de 1960.
Benzodiazepínicos
Todos os benzodiazepínicos em uso clínico promovem a ligação do neurotransmissor GABA ao
receptor GABAa, aumentando as correntes iônicas desses canais. Essas drogas podem ser pré-
medicações úteis em animais idosos e debilitados, epilépticos, ou antes, de procedimentos tais como
a mielografia que pode induzir ataques epileptiformes. Também são usadas no tratamento intensivo,
em conjunto com analgésicos opioides, para sedar animais que requerem monitoramento invasivo.
A sedação para tratamento intensivo (controle da inquietação e procedimentos de enfermaria)
em combinação com analgesia suficiente pode ser provido pelo diazepam. A analgesia pode ser
provida pela morfina ou qualquer opioide em doses de rotina. A administração intravenosa de
benzodiazepínicos para animais saudáveis pode resultar em grande excitação.
22
FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
Em doses clínicas, os efeitos cardiovasculares são mínimos como o são os efeitos respiratórios em
animais saudáveis. Em animais debilitados, a depressão respiratória pode tornar-se clinicamente
significativa e necessitar de suporte. O relaxamento muscular pode ser intenso e é provavelmente de
origem central. Em cavalos conscientes, essa propriedade resulta em ataxia e pode causar reações
de pânico. Em cães e gatos, o relaxamento muscular não é problema. Em combinação com o fentanil
ou a morfina, ocorre sedação profunda com mínimas consequências cardiovasculares e permite
doses menores do agente. Isso pode ser de importância considerável em animais com o sistema
circulatório comprometido.
Os benzodiazepínicos provavelmente exercem a maioria dos seus efeitos ao interagir com receptores
inibitórios gabaérgicos GABAA (ionotrópico), mas não sobre o GABAB (metabotrópico), ligando-se
a um local específico que é distinto daquele em que o GABA se liga. Diferente dos barbitúricos, os
benzodiazepínicos não ativam o receptor GABAA diretamente, mas requerem a ligação do GABA
para exercer seus efeitos, isto é, somente modulam os efeitos do GABA. Os benzodiazepínicos e
compostos correlatos podem agir como agonistas, antagonistas ou agonistas inversos no local de
ação sobre o receptor GABAA. Quando a ação é agonista, os benzodiazepínicos deslocam a curva
dose-resposta do GABA para a esquerda, aumentando a quantidade de corrente de cloreto gerada
pela ativação do receptor; quando se comporta como agonista inverso, desloca a curva para a
direita, reduzindo o efeito de determinada concentração de GABA. Ambos os efeitos são bloqueados
por antagonistas do sítio de ligação dos benzodiazepínicos. Um antagonista puro (por exemplo, o
flumazil), agindo sozinho nesse sítio de ligação, não afeta a função do receptor GABAA, mas pode
reverter os efeitos dos benzodiazepínicos. Como é de se esperar, os efeitos dos benzodiazepínicos
também podem ser reduzidos ou prevenidos pelo pré-tratamento com antagonistas do sítio de
ligação do GABA (bicuculina).
A considerável segurança que existe com o uso de benzodiazepínicos está provavelmente relacionada
ao fato de que seus efeitos in vivo dependem da liberação pré-sináptica do GABA. Na ausência
desse neurotransmissor os benzodiazepínicos não têm efeitos sobre a função do receptor GABAA.
Embora os barbitúricos, em baixas concentrações, também aumentem os efeitos do GABA, em altas
concentrações eles ativam diretamente o receptor GABAA, o que pode levar à depressão profunda
do SNC.
23
UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
Alguns dados são difíceis de conciliar com a hipótese de que as ações nos receptores GABAA mediam
todos os efeitos dos benzodiazepínicos. Em altas concentrações (hipnótico/amnésicas), as ações
dos benzodiazepínicos podem envolver outros mecanismos, incluindo a inibição da captação de
adenosina (e, como resultado, a potenciação da sua ação como depressora neuronal), a inibição de
correntes de Ca2+ independentes de GABA, inibição da liberação de neurotransmissores dependente
de Ca2+ e a inibição de correntes de Na+ sensíveis à tetrodotoxina.
Esse complexo macromolecular contendo canais de cloreto regulados por GABA também pode ser
o local de ação de anestésicos gerais, etanol, drogas de abuso inalatórias e certos metabólitos de
esteroides endógenos.
Os benzodiazepínicos são potencialmente úteis para todos os problemas que envolvem ansiedade,
medo ou fobias em que um rápido início de ação seja desejado. A sua eficácia imediata e discreta
torna particularmente útil para os casos de medos induzidos por estímulos específicos que podem
ser previstos antecipadamente. Exemplos do uso apropriado dessas substâncias incluem a micção
submissa, marcação urinária, os casos de fobia de tempestade ou ansiedade de separação com
pânico, e medo das pessoas (sem agressão) em cães; bicamento das penas e medo das pessoas
em aves; e, em éguas, rejeição do potro devido ao medo; marcação urinária, fobia de tempestade,
ansiedade de separação, e timidez extrema em gatos. Em humanos, os benzodiazepínicos reduzem
os sintomas somáticos do transtorno de ansiedade generalizada, mas não reduzem os sintomas
cognitivos, isto é, a preocupação crônica. Assim, eles provavelmente não são as drogas ideais para
pacientes veterinários que apresentam ansiedade crônica independente de estímulos externos. Os
benzodiazepínicos, especialmente o diazepam, deverá ser utilizado com precaução em gatos devido
à possibilidade rara de necrose hepática. O uso de benzodiazepínicos em casos envolvendo agressão
é controverso. Os efeitos sobre a agressão variam entre espécies e entre indivíduos e depende
do tipo de agressão e como ela é provocada, o benzodiazepínico específico, a dose e se a dose é
única ou repetida ao longo de um período. Embora os benzodiazepínicos, por vezes, diminuam
a agressividade, o seu uso também pode resultar em aumento da agressão. O alívio da ansiedade
pode resultar na perda da inibição do comportamento, o que pode gerar ambivalência no uso dessas
drogas no tratamento de agressão em animais.
Todas as benzodiazepinas são metabolizadas no fígado e excretadas pelos rins. Portanto, a avaliação
da função desses órgãos é recomendada.
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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
Compostos Z
Os hipnóticos nesta classe são incluem o zolpidem, o zaleplon, zopiclone, e o eszopiclona, que é o
enantiômero S(+) do zopiclone. Embora os compostos Z não sejam estruturalmente relacionados uns
com os outros e com os benzodiazepínicos, a sua eficácia terapêutica como um hipnótico é devido ao
efeito agonista sobre o sítio de ligação dos benzodiazepínicos no receptor GABAA. Em comparação
com os benzodiazepínicos os compostos Z são menos eficazes como anticonvulsivos e relaxantes
musculares, o que pode estar relacionado com a sua relativa seletividade aos receptores GABAA
que contêm a subunidade α1. Durante a última década, os compostos Z substituíram, em grande
parte, os benzodiazepínicos para o tratamento da insônia e foram inicialmente promovidos como
tendo menor potencial de dependência e abuso que os benzodiazepínicos tradicionais. No entanto,
a experiência clínica pós-comercialização com o zopiclone e o zolpidem mostrou que a tolerância
e a dependência podem ser esperadas durante a utilização por longos períodos, especialmente
com doses mais elevadas. A apresentação clínica da sobredosagem com compostos Z é semelhante
ao de uma sobredosagem com benzodiazepínicos e podem ser tratadas com o antagonista de
benzodiazepínicos flumazenil.
Esses hipnóticos não benzodiazepínicos tornaram-se uma promessa, uma vez que são usados para
facilitar e manter o sono por 3-7 horas em humanos, embora não haja relatos do uso clínico em
cães. O zaleplon tem meia-vida curta em humanos, o que sugere ser improvável seu uso em cães.
O zolpidem tem causado excitação paradoxal em alguns casos de administração em cães, apesar
disso, acredita-se que o zolpidem possa ser usado para iniciar sedação e diminuir a ansiedade severa
em cães.
Barbitúricos
Os barbitúricos agem em todo o SNC; doses não anestésicas suprimem preferencialmente respostas
polissinápticas. A facilitação é diminuída, e a inibição geralmente é reforçada. O local da inibição
é pós-sináptica (como nas células corticais e piramidais cerebelares e no núcleo cuneiforme,
substância negra, e neurônios relê talâmicos) ou pré-sináptica (como na medula espinhal). O
aumento da inibição ocorre principalmente em sinapses em que a neurotransmissão mediada pelo
GABA utiliza-se de receptores do tipo GABAA.
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
Os mecanismos responsáveis pelas ações dos barbitúricos sobre os receptores GABAA parecem ser
distintos daqueles empregados pelo próprio GABA ou pelos benzodiazepínicos, conclusão feita com
base nas seguintes observações:
Os barbitúricos podem produzir todos os graus de depressão do SNC, que vão desde a sedação
suave à anestesia geral. Alguns barbitúricos, particularmente aqueles contendo um substituinte
5-fenil (por exemplo, fenobarbital e mefobarbital), têm seletiva atividade anticonvulsivante. As
propriedades antiansiedade dos barbitúricos são inferiores àquelas dos benzodiazepínicos.
Doses hipnóticas de barbitúricos aumentam o tempo total e alteram as fases do sono de forma dose-
dependente. Tal como os benzodiazepínicos, estas drogas diminuem a latência do sono, o número
de despertares e as durações de sono REM (Rapid Eye Movement) e sono de ondas lentas. Durante
a administração noturna repetitiva, ocorre relativa tolerância aos efeitos sobre o sono dentro de
alguns dias, e o efeito sobre o tempo total de sono pode ser reduzida em até 50% após duas semanas
de uso. A descontinuação leva a aumento de rebote em todos os parâmetros diminuídos
pelos barbitúricos.
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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
Fenotiazinas
As fenotiazinas têm sido usadas como tranquilizante na Medicina Veterinária desde a década de
1950, mas essa classe de drogas foi originalmente usada como antipsicótica para o tratamento da
esquizofrenia. O termo neuroléptico foi primeiramente empregado para descrever seus efeitos no
SNC, embora o termo “tranquilizante maior” seja ainda usado. A fenotiazina mais usada na prática
veterinária é a acepromazina.
Essa classe de drogas inibe receptores dopaminérgicos centrais (D2) e produzem sedação e
tranquilização. Esse efeito sedativo resulta da depressão sobre o tronco encefálico e sobre conexões
para o córtex cerebral, e não afeta sobremaneira respostas motoras coordenadas.
A acepromazina é uma fenotiazina com atividade neuroléptica de baixa potência que produz
sedação fraca a moderada, mas não tem propriedades analgésicas. O seu efeito é variável e pode ser
imprevisível. A administração oral, particularmente, produz resultados não confiáveis, especialmente
em cães e gatos. Altas doses podem resultar em excitação e efeitos colaterais extrapiramidais em
alguns animais. Na maioria dos animais doses variando de 20-50 microgramas/kg produzirá sedação
moderada adequada para permitir cateterização ou injeção intravenosa. Sedação aumentada pode
27
UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
ser conseguida com administração concomitante de analgésico opioide (ao invés de aumentar a
dose de acepromazina).
As indicações da acepromazina para cães e gatos incluem: “... como adjuvante no controle de animais
intratáveis . .. para aliviar prurido como resultado da irritação da pele, como antiemético para controlar
os vômitos associados com a cinetose” e como agente pré-anestésico. O uso de acepromazina como
um tranquilizante/sedativo no tratamento de comportamentos adversos em cães ou gatos tem sido
largamente suplantado por novos agentes mais eficazes, que tenham menos efeitos colaterais. O uso
para sedação durante viagem é controverso e muitos veterinários não recomendam. Em cavalos, a
acepromazina é rotulada como “... adjuvante no controle de animais rebeldes”, e, em conjunto com
anestesia local, pode ser usada para vários procedimentos e tratamentos. Também é comumente
utilizada em cavalos em doses muito pequenas como medicação pré-anestésica para ajudar no
controle dos comportamentos do animal.
É utilizada como tranquilizante em suínos, bovinos, coelhos, ovelhas e cabras, e tem sido mostrado
que esta droga diminui a incidência de hipertermia maligna em porcos.
Os efeitos colaterais extrapiramidais observados com fenotiazinas (tais como tremores, rigidez e
catalepsia) são geralmente vistos apenas em doses elevadas.
As fenotiazinas devem ser usadas com cautela como agentes de contensão em cães agressivos, pois
podem tornar o animal mais propenso a assustar-se e reagir a ruídos ou outros estímulos sensoriais.
Butirofenonas
O haloperidol foi a primeira butirofenona introduzida (1957), seguida pelo droperidol, em 1961. O
uso dessa classe de drogas na prática veterinária declinou bastante no decorrer das últimas décadas
com a introdução de agentes mais previsíveis. A azaperona é a mais utilizada na prática veterinária
hoje, em suínos e em animais selvagens. As butirofenonas são uma das maiores classes de drogas
antipsicóticas usadas na medicina humana. Os principais efeitos no SNC das butirofenonas são
devido ao antagonismo dos receptores dopaminérgicos D2 e, menor grau, a receptores adrenérgicos
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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
Tanto a azaperona quanto o droperidol têm sido utilizados como sedativos pré-operatórios em
muitas espécies, incluindo aquelas selvagens. O droperidol é também antiemético muito efetivo.
Todas as butirofenonas não provêm analgesia, que deve ser fornecida por fármacos apropriados.
Os principais efeitos sedativos e analgésicos dos agonista α2 são mediados pela ativação dos
receptores α2 adrenérgicos encontrados no locus coeruleus e na medula espinhal.
A ativação desses receptores inibe o mecanismo de feedback positivo para liberação de norepinefrina
do terminal pré-sináptico por reduzir a condutância de canais de Ca2+ tipo N. A atenuação da
transmissão noradrenérgica causa sedação e inibe a dor.
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
Os receptores adrenérgicos α2 periféricos são semelhantes aos centrais, porem na musculatura lisa
vascular estes receptores são pós-sinápticos e, quando ativados, promovem vasoconstricção.
Estes α2 agonistas também têm alguma atividade agonista sobre receptores α1 adrenérgicos. A
esta ação é atribuída certa atenuação dos efeitos mediados pelos receptores α2 e muitos dos efeitos
colaterais e possivelmente alguns comportamentos paradoxais observados. A razão de ativação
desses receptores e denotada como α2:α1, e drogas com alta razão α2:α1 são mais específicas para os
efeitos sedativos e analgésicos.
Diferentes espécies reagem diferentemente a essas drogas, e estas diferenças são atribuídas a vários
subtipos de receptores α2 no SNC. Ruminantes são particularmente sensíveis aos efeitos sedativos
dos agonistas α2 devido à presença de receptores α2-adrenérgicos. A ativação de receptores α1-
adrenergicos no SNC irá causar excitação, agitação, aumento da atividade motora e da vigilância.
Embora esses efeitos não sejam desejáveis, explica por que em alguns animais, ou com drogas com
maior atividade α1, aconteça excitação paradoxal ou movimentação.
Este grupo de fármacos tem como característica a bradicardia acentuada produzida mesmo
em doses moderadas. Esse efeito inicialmente resulta de bloqueio sinoatrial e atrioventricular
cardíaco (parcialmente produzido em resposta reflexa à hipertensão inicial induzida pela droga).
Há hipotensão moderada subsequente. Hiperglicemia e poliúria também ocorrem, mais uma vez
devido à estimulação dos adrenoceptores α2. A hiperglicemia pode ser suficiente para resultar em
glicosúria. A ioimbina, a tolazolina o tipamezol e o piperoxam têm sido utilizados para reverter
os efeitos dessas drogas (em sobredosagens, complicações e quando se deseja uma recuperação
mais rápida).
A xilazina é usada em gatos, cães, cavalos e bovinos como sedativo para permitir pequenos
procedimentos (com anestesia local) e facilitar o manuseio do animal. Também é utilizada como pré-
medicação nestas espécies. Em cães e gatos, frequentemente ocorrem vômitos após a administração
da xilazina, por isto, é contraindicada em animais com obstrução gastrointestinal.
Os vômitos podem ser vantajosos em animais que não estiverem em jejum por pelo menos 6 horas.
A quantidade do agente de indução deve ser reduzida em 50-75% em animais pré-medicados com
xilazina para evitar a sobredosagem fatal. A concomitante administração de atropina em cães e
gatos pode ser vantajosa para reduzir a salivação e a bradicardia desencadeadas pela xilazina. A
bradicardia associada a atividade agonista α2 é inicialmente uma resposta fisiológica à hipertensão
associada com o uso dessas drogas e não deve ser vista como patológica. Os efeitos mais prolongados
são devidos à ação hipotensiva central. Embora a bradicardia possa ser prevenida pelo uso
concomitante de anticolinérgicos como a atropina, isto é controverso uma vez que o consequente
aumento no consumo de oxigênio do miocárdio pode não ser atendido e advir hipóxia. Isto pode
produzir arritmias cardíacas malignas.
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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
A xilazina é um sedativo útil em cavalos. Aproximadamente duas vezes mais droga é necessária por
via intramuscular, se comparada com a intravenosa, para alcançar semelhante sedação.
A bradicardia e o bloqueio cardíaco de segundo grau que podem aparecer, inicialmente, desaparecem
após cerca de dez minutos.
Cavalos sedados com xilazina geralmente permanecem em pé, embora possam cambalear se as
doses forem elevadas. Deve-se tomar cuidado com o uso da xilazina, pois um animal que parece
profundamente sedado ainda pode chutar com precisão em resposta a um estímulo.
Os bovinos são aproximadamente 10 vezes mais sensíveis à xilazina que cavalos. Baixas doses em
bovinos produzirão sedação, enquanto doses elevadas causarão decúbito.
Xilazina é útil para sedação de animais antes da cirurgia sob anestesia local. Antes de anestesia
geral, xilazina pode ser usado para produzir decúbito e permitir entubação endotraqueal com os
reflexos da laringe intactos, reduzindo assim a ocorrência de inalação de conteúdo ruminal.
O início e duração de ação de xilazina dependente da espécie animal. A dose de xilazina não deve ser
repetida no caso de uma resposta insatisfatória. Em vez disso todo o procedimento deve ser repetido
no dia seguinte com uma dose maior.
A detomidina é produzida especificamente para uso em cavalos, e é mais potente que a xilazina.
Arritmias fatais têm sido relatadas quando a detomidina é administrada em conjunto com
sulfonamidas potenciadas.
Como pré-medicação, detomidina pode ser seguida por tiopental, metoexital, ou ketamina. Máxima
sedação deve ser atingida antes da administração do agente de indução, o que pode demorar cerca
de cinco minutos.
A detomidina tem sido utilizada em combinação com analgésicos opioides para produzir sedação
mais profunda e confiável em cavalos. Ataxia é aumentada quando os analgésicos opioides são
usados com detomidina em cavalos em pé.
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
A romifidina é usada para sedação e pré-medicação em cavalos, e parece causar menos ataxia que
a detomidina ou xilazina, sendo, portanto, um sedativo útil para ferração e radiografia. Animais
sedados com romifidina podem caminhar, tornando-a útil para o carregamento, transporte, e
caminhadas em animais que foram estabulados por um período. Romifidina pode também ser
administrada em combinação com butorfanol e tem sido usada como pré-medicação antes da
indução da anestesia com ketamina ou tiopental com sucesso.
32
CAPÍTULO 3
Ansiolíticos
Introdução
Em seres humanos, a ansiedade é definida como apreensão de perigo e temor acompanhado de
agitação, tensão, taquicardia, dispneia e sem ligação a um estímulo claramente identificável. Em
medicina veterinária, não é possível saber se os pacientes estão experimentando apreensão ou
perigo. O termo é utilizado para se referir a um comportamento consistente com medo leve ou
moderado. A ansiedade pode ocorrer em resposta a um estímulo ou situação específica, ou pode
ocorrer quase independentemente de estímulos externos. Quando um paciente está ansioso a maior
parte do tempo, independentemente da situação em que se encontra, ele pode ter transtorno de
ansiedade generalizada (TAG).
As fobias são medos de objetos, animais, pessoas ou de situações específicas. Elas são persistentes
ao longo do tempo e são consistentes em termos do que causa o medo, apesar de determinado
paciente poder ter várias fobias. Também podem ser aprendas, irracionais, e não adaptativas, e
resultar em intensas respostas comportamentais que podem se melhores descritas como histeria
ou pânico. Alguns animais fóbicos exibem grande inibição comportamental podendo tornar-se,
em casos extremos, catatônicos. O paciente catatônico fica congelado e mostra pouca resposta
a estímulos.
Animais sem predisposição genética, bem como animais que tiveram contato com certas experiências
na infância, podem tornar-se patologicamente medrosos devido ao fenômeno de condicionamento
clássico (condicionamento Pavloviano). Esse tipo de condicionamento é particularmente relevante
para a Medicina Veterinária, uma vez que é a causa de muitas fobias crônicas graves. Infelizmente,
muitas técnicas de treinamentos de animais envolvem a utilização da dor como ferramenta, prática
que comumente leva esses animais ao desenvolverem medos.
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UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
Os benzodiazepínicos, por vezes, são dados a pacientes com ansiedade, com sintomas depressivos,
embora a sua eficácia em alterar as características fundamentais da depressão grave não seja
demonstrada.
As respostas mais favoráveis aos benzodiazepínicos são obtidas em situações que envolvem reações
relativamente agudas de ansiedade em pacientes médicos ou psiquiátricos que têm doenças
primárias modificáveis ou distúrbios de ansiedade primária. No entanto, esse grupo de pacientes
ansiosos também tem uma elevada taxa de resposta ao placebo e pode melhorar espontaneamente.
Ansiolíticos também são utilizados no tratamento de transtornos mais persistentes ou recorrentes de
ansiedade primária. Um aspecto controverso da utilização de benzodiazepínicos, especialmente os
de alta potência, é o tratamento de longo prazo de pacientes com sintomas contínuos ou recorrentes
de ansiedade; apesar do benefício clínico de pelo menos muito meses, não está claro se os benefícios
de longo prazo são superiores ao placebo.
Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos são descritos em detalhes no capítulo 2.
Constituem uma classe de drogas com uma longa história na Medicina humana. As drogas dessa
classe agem sobre receptores de GABAA no SNC para facilitar a corrente gerada por esse canal. Os
efeitos dos benzodiazepínicos sobre o comportamento animal podem ser atribuídos à potenciação
das vias gabaérgicas que regulam a liberação de monoaminas no SNC. Exemplos dessas drogas
usadas na Medicina Veterinária incluem o diazepam, o clorazepato, o alprazolam, o oxazepam, o
orazepam e o temazepam.
Agitação e inquietude podem ocorrer como resposta idiossincrática. Em humanos tem sido descrita
amnésia por vários anos, e em animais, déficits de memória e respostas condicionadas diminuídas
podem ser observados (pode parecer que o animal esqueceu o que havia treinado previamente).
Dificuldade em aprender novos comportamentos pode ser ocasionada pelo déficit de memória. Em
doses rotineiras, os benzodiazepínicos causam pouco ou nenhum efeito nos sistemas cardiovascular e
respiratório. Também pode haver desinibição do comportamento. Em humanos essas manifestações
34
FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
Os benzodiazepínicos são usados em cães para tratar medos, fobias e ansiedade generalizada,
estados de pânico e ansiedade de separação. Entre os felinos, são empregados para tratamento da
marcação urinária, ansiedade de viagem e ansiedade generalizada.
Azapironas
Esta classe de ansiolítico é representada clinicamente pela buspirona, a primeira droga não sedativa,
não benzodiazepínica, anxiolítica a ser desenvolvida e comercializada. A buspirona age como um
agonista total em receptores 5-HT1A pré-sinápticos, o que resulta em diminuição na síntese de
serotonina e inibição do disparo neuronal. Ela também age como agonista parcial em receptores
5-HT1A pós-sinápticos. Em momentos de déficit de serotonina, a buspirona age como agonista e
também tem efeitos dopaminérgicos.
A administração crônica com azapironas, no entanto, produz aumento gradual da taxa de disparo dos
neurônios serotoninérgicos devido à dessensibilização progressiva dos autorreceptores 5-HT1A. Além
disso, a buspirona atua como agonista parcial em receptores 5-HT1A pós-sinápticos em estruturas
do prosencéfalo. Este perfil farmacológico das azapironas difere daqueles dos inibidores seletivos da
recapitação de serotonina, antidepressivos tricíclicos e inibidores da MAO (monoaminoxidase) que
produzem ativação indiscriminada de todos os subtipos de receptores de serotonina. Essa ativação
generalizada de vários subtipos de receptores serotoninérgicos está associada a um número de efeitos
adversos dos inibidores seletivos da recapitação de serotonina, inibidores da MAO e tricíclicos, tais
como náuseas, vômitos, perturbação do sono e disfunção sexual. Os efeitos secundários mais comuns
das azapironas são limitados a dor de cabeça, a tonturas e a náuseas.
A buspirona e outras azaperonas são igualmente utilizadas no tratamento dos distúrbios de ansiedade
generalizada, por produzirem menor sedação, perturbação psicomotora e comprometimento
cognitivo do que os benzodiazepínicos.
35
UNIDADE I │ FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS
Assim, as azapirones são uma alternativa aos inibidores seletivos da recapitação de serotonina ou
aos benzodiazepínicos para o tratamento de determinadas doenças comportamentais em animais
de companhia.
A buspirona não é substrato para as enzimas microssomais hepáticas e nem as inibe, não interage
com os benzodiazepínicos, e não tem síndrome da retirada após uso prolongado. Em humanos,
a buspirona tem sido efetiva no tratamento de ansiedade generalizada, mas não no controle da
doença do pânico. Este fármaco tem demonstrado eficácia em certos modelos animais de ansiedade.
Em cães, a buspirona não parece ser efetiva em condições como a ansiedade de separação, mas
tem sido usada na ansiedade generalizada. Em contraste aos benzodiazepínicos, a buspirona
não produz sedação, déficits psicomotores ou na memória, e nem o fenômeno da desinibição.
Também, ao contrário dos benzodiazepínicos, a buspirona não produz efeitos comportamentais
imediatos; seus efeitos benéficos só aparecem após a administração por muitas semanas. Os efeitos
colaterais são incomuns e brandos, mas podem ser notados imediatamente e incluem: alterações
gastrintestinais e no comportamento social (frequentemente reportado como amigabilidade
aumentada). A buspirona não tem potencial para abuso. Em gatos, é usada para modular estados de
alta excitação, incluindo a marcação urinária felina. Também em cães, a buspirona tem sido usada
junto com inibidores seletivos da recapitação de serotonina para tratar casos complexos envolvendo
ansiedade, agressão e comportamento estereotipado.
O propranolol pode ser utilizado como agente único em casos de ansiedade situacional. Também se
tem sugerido a utilização dessa droga em combinação com outros medicamentos para o tratamento
de medos, fobias e problemas relacionados com separação.
O propranolol em combinação com o fenobarbital tem sido sugerido como tratamento para uma
variedade de condições baseadas no medo, incluindo o medo relacionado à separação e fobias
específicas. O propranolol em combinação com os antidepressivos tricíclicos tem sido utilizado em
caso de ansiedade relacionada à separação; a administração combinada de propranolol e da buspirona
36
FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, HIPNÓTICOS E ANSIOLÍTICOS │ UNIDADE I
tem sido sugerida para o tratamento de certos medos e fobias. A retirada do propranolol deve ser
gradual, a fim de evitar uma onda de norepinefrina, que pode desencadear reação de medo intenso.
O pindolol, outro β-bloqueador, também tem sido empregado de forma semelhante na Medicina
Veterinária.
Antidepressivos
Os antidepressivos são descritos em detalhes no Capítulo 4.
Os bloqueadores seletivos da recapitação de serotonina têm sido usados em cães para tratamento da
ansiedade por separação e outras desordens comportamentais. Em gatos, são usados para tratamento
de marcação urinária, agressão e comportamentos compulsivos como alopecia psicogênica.
Neurolépticos
Os neurolépticos (também conhecidos como antipsicóticos ou tranquilizantes maiores) têm fracas
propriedades ansiolíticas e não devem ser os únicos tratamentos para qualquer quadro relacionado
à ansiedade.
Antiepilépticos
Os antiepilépticos são descritos em detalhes no capítulo 5.
Algumas drogas antiepilépticas têm-se mostrado efetivas para tratar o transtorno da ansiedade
generalizada. Os barbitúricos controlam estados de ansiedade devido a suas propriedades
ansiolíticas. O fenobartital combinado com o propranolol tem sido usado em estados envolvendo
medos e fobias; entretanto, tal combinação vem dando lugar a novas drogas para o tratamento
desses casos, pois o fenobarbital apresenta problemas como a desinibição.
37
TERAPÊUTICA DOS
DISTÚRBIOS AFETIVOS E Unidade iI
ANTIEPILÉPTICOS
CAPÍTULO 1
Terapêutica dos distúrbios afetivos
A informação dos efeitos das várias drogas psicoativas em cães, gatos e outros
pacientes veterinários vem de duas grandes fontes. Com o rápido desenvolvimento
do campo de estudo do comportamento em Medicina Veterinária nas últimas três
décadas tem aumentado a pesquisa sobre a eficácia de vários medicamentos no
tratamento de muitos distúrbios comportamentais nos animais de companhia e
outros. Os animais sempre foram usados para testar e estudar as ações das várias
drogas durante seu desenvolvimento inicial. Artigos foram publicados por volta da
década de 1950, quando grandes descobertas da psicofarmacologia estavam sendo
feitas. Todavia, os estudos abordando os aspectos mais importantes da atividade
farmacológica eram sempre feitos e direcionados para pacientes humanos, o que
gerou grande defasagem para as espécies de interesse veterinário.
Introdução
Na espécie humana os distúrbios afetivos (do humor) são caracterizados por mudanças no humor.
A manifestação mais comum é a depressão, variando de formas brandas até muito severas,
acompanhadas de alucinações e delírios. A mania é menos comum que a depressão, e no transtorno
bipolar a depressão alterna com a mania.
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TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS │ UNIDADE II
Os antidepressivos são indicados para o tratamento dos distúrbios afetivos (além de outras
indicações). Também são chamados de timoanalépticos, tricíclicos, psicoanalépticos, estimulantes
do humor, eutímicos e outros.
Na Medicina Veterinária, o uso dos antidepressivos, bem como de outros fármacos com a
função de diminuir o sofrimento psíquico dos animais, reduzindo o medo, a ansiedade, o tédio
e outros distúrbios afetivos, é limitado pela difícil tarefa que é fazer o diagnóstico dos distúrbios
comportamentais nos animais (dentre outros fatores). O uso desses fármacos nos distúrbios
afetivos aumentam à medida que os conhecimentos sobre as bases anatômicas e neurofisiológicas
das patologias comportamentais são ampliados.
Os animais pensam? Leia e reflita com este interessante texto sobre o assunto
<http://www.cerebromente.org.br/n17/opinion/animal-think_p.htm>
39
UNIDADE II │ TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS
Antidepressivos tricíclicos
Os antidepressivos tricíclicos comumente usados em Medicina Veterinária incluem a amitriptilina,
imipramina e a clomipramina. As ações dos antidepressivos tricíclicos incluem uma gama de
complexas adaptações secundárias a sua inicial e sustentada ação como inibidores do transporte
neuronal de noradrenalina (via NET – transportados de noradrenalina) e bloqueio variável do
transporte de serotonina (via SERT – transportador de serotonina). Os antidepressivos tricíclicos
não bloqueiam o transporte de dopamina (via DAT – transportador de dopamina) e assim se
diferenciam dos fármacos estimulantes do SNC como a cocaína, o metilfenidato e anfetaminas.
No entanto, eles podem facilitar indiretamente os efeitos da dopamina pela inibição do transporte
inespecífico desse neurotransmissor em terminais noradrenérgicos no córtex encefálico. Os
antidepressivos tricíclicos também podem dessensibilizar autorreceptores dopaminérgicos D2 por
meio dede mecanismos incertos com consequências comportamentais também incertas.
40
TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS │ UNIDADE II
São usados em Medicina Veterinária na clínica de pequenos animais para tratar a ansiedade de
separação, distúrbios obsessivo-compulsivos, agressão por medo ou por dominância, hiperatividade,
hipervocalização, marcação urinária e vários estados de ansiedade. Em cavalos, os antidepressivos
tricíclicos têm uso limitado (reduzir a ansiedade) e a sua farmacocinética é pouco conhecida.
Têm sido utilizados na clínica veterinária de pequenos animais para uma variedade de síndromes
comportamentais, comportamentos obsessivos, fobias, medo, agressão e ansiedade de separação.
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UNIDADE II │ TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS
Antidepressivos atípicos
São uma categoria diversa de drogas heterocíclicas que incluem a trazodona, a nefazodona,
a mirtazapina e a bupropriona. A droga mais notável neste grupo, pela sua aplicação clínica em
pequenos animais, é a trazodona que possui atividades de agonista/antagonista serotoninérgica, não
tem efeitos anticolinérgicos, tem moderada atividade anti-histamínica e é antagonista de receptores
adrenérgicos α1. Devido à sua larga janela terapêutica, a trazodona é menos problemática que outras
drogas como os antidepressivos tricíclicos e tem sido usada em cães para o tratamento de fobia de
trovoadas e como adjuvante de antidepressivos tricíclicos e de inibidores seletivos da recapitação
de serotonina (para diminuir a agitação e os distúrbios no sono). Efeitos colaterais em cães
incluem sedação e transtornos do TGI. A mirtazapina influencia a atividade da neurotransmissão
noradrenérgica e serotoninérgica por meio de sua atividade antagonista de receptores α2
adrenérgicos, é potente antagonista de receptores histaminérgicos H1 (que pode ser responsável por
seus efeitos sedativos) e de receptores serotoninérgicos 5HT3 (efeitos antieméticos). A mirtazapina
tem se mostrado segura e útil no tratamento da anorexia em cães e gatos. A nefazodona é raramente
receitada por seus efeitos tóxicos sobre o fígado em humanos. A bupropriona tem efeitos estimulantes
e não tem sido útil clinicamente em animais.
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CAPÍTULO 2
Antiepilépticos/Anticonvulsivantes
Introdução
A convulsão é uma alteração transiente do comportamento devido à descarga elétrica excessiva,
repentina e anormal no encéfalo. A epilepsia refere-se a um distúrbio da função encefálica
caracterizada pela ocorrência periódica e imprevisível de convulsões. As crises convulsivas têm sido
classificadas como convulsões parciais, que começam em uma região focal no córtex encefálico, e
convulsões generalizadas, que envolvem amplamente, desde o início, ambos os hemisférios.
Durante uma crise convulsiva parcial, neurônios individuais deflagram despolarização e potenciais
de ação em altas frequências que são característicos de uma crise, mas é incomum durante a atividade
neuronal normal. Assim, a inibição seletiva desses rápidos disparos poderia reduzir as convulsões
com mínimos efeitos indesejados, o que pode ser conseguido pela redução da capacidade dos
canais de Na+ recuperarem-se da inativação, prolongando, assim, o período refratário (mecanismo
provavelmente responsável pelos efeitos anticonvulsivantes da carbamazepina, lamotrigina,
fenitoína, topiramato, ácido valpróico e zonisamida em crises parciais).
Em contraste às crises parciais, que surgem de regiões localizadas do córtex encefálico, as crises de
começo generalizadas surgem de disparos recíprocos do tálamo e do córtex encefálico. As crises de
ausência, uma forma de crise generalizada muito comum em seres humanos (com perda transitória
e rápida da consciência, associadas ou não a sinais vegetativos e/ou motores) tem alguns relatos
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UNIDADE II │ TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS
em animais, mas sem confirmação. Os neurônios talâmicos envolvidos na geração dos disparos
característicos das crises de ausência têm a corrente de Ca+2 regulada por voltagem, a corrente
(“T”) de baixo limiar, com grande amplitude, em contraste à pequena amplitude vista na maioria
dos outros neurônios. Fármacos efetivos contra as crises de ausência (por exemplo, a etossuximida)
provavelmente inibem a corrente T. A inibição de canais iônicos regulados por voltagem é mecanismo
de ação comum de drogas anticonvulsivas (com os fármacos usados para crises parciais, inibindo
canais de Na+ voltagem dependentes e drogas para crises de ausência, inibindo canais de Ca+2
voltagem dependentes.
A droga anticonvulsivante ideal deveria suprimir todas as crises sem causar quaisquer efeitos
indesejáveis. Os fármacos usados atualmente não só falham em controlar as crises em alguns
pacientes, mas, frequentemente, causam efeitos colaterais que variam do comprometimento mínimo
do SNC à morte por anemia aplástica ou insuficiência hepática. A tarefa do clínico é selecionar a
droga ou a combinação de drogas que melhor controle as crises de um paciente com níveis toleráveis
de efeitos adversos. O sucesso varia dependendo do tipo de crise convulsiva, da causa e de outros
fatores e o tratamento com uma única droga é o preferido.
Exceto em certas raças de cães grandes, a terapia para a epilepsia não deve ser iniciada em qualquer
animal em que uma única crise isolada ocorra a menos que se desenvolva em estado de mal
epiléptico (status epilepticus). Em todos os casos, uma investigação completa deve ser realizada
para determinar qualquer causa subjacente, tais como intoxicação, encefalopatia hepática, ou
hipoglicemia antes do diagnóstico de epilepsia ser confirmada. A terapia deve ser direcionada para a
doença em vez de uso rotineiro de drogas antiepilépticas. Terapia de longo prazo em cavalos envolve
despesas e compromisso; um cavalo que sofreu convulsões não é seguro para qualquer atividade até
que fique seis meses sem crises sem a administração de antiepilépticos.
A epilepsia é mais comum em cães, embora também ocorra em gatos, cavalos e bovinos. Em potros,
as crises podem estar associadas com a síndrome do desajuste neonatal. Alguns cães, normalmente
de raças de grande porte como golden retrievers e pastores alemães sofrem de crises em salva ou
cluster (3 a 15 convulsões em sucessão ao longo de 24 a 48 horas, seguido por um intervalo de uma
a três semanas). Nessas raças, é aconselhável iniciar a terapia com drogas antiepilépticas numa fase
inicial, por exemplo, depois de um ou dois episódios.
Em cães, muitas vezes, é difícil distinguir entre crises generalizadas e crises parciais (focais), sendo
essas últimas mais difíceis de controlar. Não há nenhuma evidência clara de que qualquer um dos
antiepilépticos tem indicação específica para determinado tipo de convulsão em cães.
O sucesso do controle não significa supressão completa das convulsões. Algum controle estará sendo
alcançada se houver aumento significativo do intervalo de tempo entre as crises.
44
TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS │ UNIDADE II
As drogas antiepilépticas são muito solúveis em lipídeos e são distribuídas prontamente em todos
os tecidos, incluindo o sistema nervoso, de tal forma que a concentração plasmática da droga reflete
com precisão as concentrações teciduais.
A maioria das drogas antiepilépticas são potentes indutores de enzimas hepáticas, aumentando
seu próprio metabolismo e o metabolismo de outras drogas. A retirada súbita do tratamento pode
precipitar graves convulsões de rebote; também deve ser evitada qualquer alteração para outra
droga, esta deve ser feita com cautela semelhante, retirando o primeiro medicamento apenas
quando o novo regime tiver sido amplamente estabelecido.
Os pacientes devem ser monitorizados regularmente durante a terapêutica para permitir a detecção
precoce de hepatotoxicidade. A determinação da concentração plasmática da droga é a única
maneira de avaliar se o regime de administração está apropriado.
Aparente falha da terapia pode ser causada por tolerância á droga ou por uma doença concomitante
que comprometa a absorção do fármaco.
Agentes como a acepromazina e óleo de prímula, que baixam o limiar de convulsão, não devem ser
administrados para pacientes epilépticos.
Fenobarbital
O fenobarbital foi o primeiro anticonvulsivante orgânico efetivo, tem relativamente baixa toxicidade, é
barato e é ainda uma droga efetiva e largamente utilizada para esse propósito. O fenobarbital é a droga
de escolha para o tratamento de epilepsia canina e é eficaz e seguro para uso em gatos, bovinos e cavalos.
A meia-vida de fenobarbital em cães varia entre 47-74 horas, de modo que a terapia durante duas a
três semanas é necessária para alcançar concentração plasmática estável da droga. Provavelmente, o
fenobarbital inibe as crises pela potenciação da inibição sináptica por meio de ação sobre o receptor
GABAA. Em concentrações terapêuticas, esse fármaco aumenta a duração de abertura do canal iônico
sem alterar sua frequência, e em concentrações maiores, há também a limitação do disparo repetitivo
sustentado neuronal (o que pode ser o mecanismo responsável pela eficácia das altas concentrações
de fenobarbital sobre o status epilepticus). Os principais efeitos colaterais são polifagia transiente e
ocasional, poliúria, polidipsia, sedação e hiperatividade paradoxal.
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UNIDADE II │ TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS
Primidona
A primidona é um derivado barbitúrico metabolizado a fenobarbital e a feniletilmalonamida. Cerca
de 85% da atividade antiepiléptica da primidona é do seu metabolito fenobarbital (logo, não há
vantagens na associação das duas drogas), cujo mecanismo de ação está descrito no item anterior.
É comumente usada em cães e é indicada para convulsões generalizadas e focais. Inicialmente, a
terapia com primidona pode causar ataxia e depressão temporárias, por isso recomenda-se que a
terapia seja iniciada em doses baixas e, em seguida, gradualmente aumentada ao longo de várias
semanas. Esse fármaco apresenta efeitos colaterais semelhantes, porém frequentemente mais
intensos que o fenobarbital e é mais hepatotóxica.
Fenitoína
A fenitoína limita o disparo repetitivo dos potenciais de ação evocados por despolarização sustentada
(efeito estabilizador de membranas) em células excitáveis, incluindo neurônios e células musculares
cardíacas. Esse efeito é mediado por diminuição da taxa de recuperação do estado inativado dos
canais de Na+ dependentes de voltagem. Em concentrações terapêuticas, os efeitos sobre os canais
de Na+ são seletivos, sem alterações na atividade espontânea ou nas respostas ao GABA e glutamato.
Em concentrações cinco a dez vezes maiores, surgem outros efeitos da fenitoína que incluem a
redução de atividade espontânea e aumento das respostas ao GABA (que pode ser responsável pela
toxicidade associada com altos níveis da droga).
A fenitoína exerce atividade anticonvulsivante sem causar depressão geral do SNC. Em doses
tóxicas, pode produzir sinais excitatórios e, em níveis letais, um tipo de rigidez de descerebração.
Está indicada em casos de status epilepticus e convulsões generalizadas e focais. A fenitoína tem
meia-vida de apenas três a quatro horas no cão e de 24-100 horas no gato, o que pode causar
toxicidade nessa espécie. Absorção e metabolismo de fenitoína são variáveis, e é difícil de conseguir
concentrações terapêuticas da droga no plasma em cães devido à sua rápida metabolização. Assim, é
raramente utilizada em cães (somente quando a sedação é um efeito colateral indesejado, como cães
de trabalho e aqueles utilizados em espetáculos) e não recomendada para gatos. Os efeitos colaterais
incluem hepatopatia e raramente anemia e hiperplasia gengival.
Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos são usados primariamente como ansiolíticos-sedativos, mas, também, tem
amplas propriedades anticonvulsivantes.
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TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS │ UNIDADE II
humanos durante o tratamento do status epilepticus com diazepam, são consideravelmente mais
elevadas do que aquelas associadas com os efeitos anticonvulsivantes ou ansiolíticos.
Dentre os vários fármacos desse grupo, os mais utilizados em animais são o diazepam, o clonazepam e
o clorazepato dipotássico (os demais praticamente não são utilizados e, quando são substituídos pelo
diazepam obtêm-se efeitos muito similares). Estão indicados no tratamento do status epilepticus,
convulsões generalizadas e focais, convulsões mioclônicas e crises de ausência. O clorazepato
está indicado nos casos de pacientes com convulsões refratárias a outros medicamentos (pois a
tolerância aos efeitos anticonvulsivantes dessa droga não parecem se desenvolver tão rapidamente).
Os principais efeitos colaterais dos benzodiazepínicos incluem a sedação e a polifagia.
Carbamazepina
A carbamazepina é um composto tricíclico que, como a fenitoína, parece limitar o disparo repetitivo
de potenciais de ação evocados por uma despolarização sustentada por diminuir o ritmo de
recuperação dos canais de Na+ ativados por voltagem. Em concentrações terapêuticas, este fármaco
é seletivo na medida em que não há efeitos sobre a atividade espontânea ou sobre as respostas
ao GABA ou ao glutamato. O metabolito da carbamazepina 10,11-epoxicarbamazepina tem efeitos
semelhantes e pode contribuir para a eficácia da droga. É indicada para convulsões generalizadas e
focais e dentre os efeitos adversos podem aparecer sedação, nistagmo, vômitos e hepatopatia.
Ácido valpróico
O ácido valpróico é um ácido carboxílico de cadeia ramificada que possui atividades anticonvulsivantes
e estabilizadoras do humor. A atividade anticonvulsivante foi descoberta por acaso quando se empregou
este fármaco como veículo para outros compostos testados para essa atividade farmacológica.
Em concentrações terapêuticas, o ácido valpróico inibe o disparo repetitivo sustentado induzido por
despolarização de neurônios corticais ou da medula espinhal, um efeito aparentemente mediado
pelo prolongamento da fase de recuperação dos canais de Na+ ativados por voltagem. O ácido
valpróico não modifica as respostas neuronais ao GABA e, também, reduz a corrente de Ca2+ do
tipo T em concentrações clinicamente relevantes, mas levemente maiores que aqueles que limitam
os disparos repetitivos sustentados. Outra provável ação anticonvulsivante dessa droga envolve o
metabolismo do GABA. In vitro, o ácido valpróico estimula a atividade da descarboxilase do ácido
glutâmico, a enzima que sintetiza o GABA, e inibe as enzimas que o degradam. É indicado em
convulsões generalizadas e focais e crises de ausência. Não se recomenda para gatos. Pode causar
sedação e hepatopatia.
Brometo de potássio
O brometo de potássio é o mais antigo e o mais simples quimicamente dos anticonvulsivantes. Foi
usado em pessoas a partir da metade de 1800 e depois foi substituído por outros anticonvulsivantes
após a introdução do fenobarbital, em 1918. Foi reintroduzido na Medicina Veterinária para uso
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UNIDADE II │ TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS
em cães sem os efeitos colaterais encontrados no homem. O seu mecanismo de ação não está
bem elucidado; sugere-se que age mimetizando a ação dos cloretos nos neurônios, alterando a
excitabilidade celular e promovendo hiperpolarização.
Tem sido utilizado com sucesso em cães com convulsões generalizadas refratárias a outros
medicamentos ou com hepatopatias consequentes dessas drogas. Estudos mostram que é eficaz
em gatos e é usada ocasionalmente em cavalos. O brometo de potássio pode ser utilizado como
adjuvante do fenobarbital. Os efeitos colaterais reportados incluem ataxia motora, polifagia e
mudanças comportamentais. Tem sido descrita tosse em gatos; bromismo pode ocorrer com altas
concentrações séricas da droga.
Novos anticonvulsivantes
A constante inserção de vários fármacos anticonvulsivantes na Medicina humana tem levado
à introdução gradativa desses na Medicina Veterinária, embora a farmacocinética nas espécies
animais seja, em regra, pouco conhecida. A lista de anticonvulsivantes é bem extensa. A seguir, são
apresentados alguns.
Gabapentina
A gabapentina consiste de uma molécula de GABA ligada covalentemente a um anel ciclohexano
lipofílico, e foi desenhada para ser agonista gabaérgica central, pois ao contrário do GABA, atravessa
a barreira hematoencefálica rapidamente. Apesar de ter sido desenhada para ser agonista GABA,
a gabapentina não mimetiza esse neurotransmissor em neurônios, mas pode promover a sua
liberação. O mecanismo de ação não está elucidado e é incerto se a atividade anticonvulsivante é
mediada por ação sobre corrente de Ca2+. É indicada primariamente para crises refratárias que não
respondem a outras drogas em cães e gatos. Não é usada comumente pelo seu alto custo.
Felbamato
O felbamato é um dicarbamato cujo mecanismo de ação ainda não está bem determinado.
Concentrações clínicas desse fármaco inibem as respostas evocadas pelo receptor glutamatérgico
NMDA e potenciam aquelas evocadas pelo GABA. Essa ação dual sobre as sinapses excitatórias e
inibitórias pode contribuir ao largo espectro de ação da droga em modelos animais. O felbamato
tem sido usado em cães que são refratários a outros anticonvulsivantes como última escolha pelo
seu custo mais elevado.
Levetiracetam
O levitiracetam é uma pirrolidona cujo mecanismo de ação anticonvulsivante não é conhecido ainda.
Algumas evidências têm levantado a hipótese de que seja uma ação sobre a proteína de vesícula
sináptica SV2A. Pela sua farmacocinética favorável e poucos efeitos colaterais reportados, tem sido
a droga preferida para cães com epilepsia refratária. Existem limitadas informações de seu uso em
gatos, e em alguns tem sido bem tolerada e efetiva.
48
TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS AFETIVOS E ANTIEPILÉPTICOS │ UNIDADE II
Zonisamida
A zonisamida é um derivado da sulfonamida que inibe correntes de Ca2+ tipo T, além de inibir os
disparos repetitivos sustentados de neurônios da medula espinhal presumivelmente por prolongar
o estado inativado dos canais de sódio voltagem dependentes de forma similar à fenitoína e à
carbamazepina. Tem sido usada em epilepsias caninas refratárias a outras drogas. Esse fármaco é
bem tolerado, mas pode causar sonolência, ataxia, anorexia, nervosismo e fadiga.
49
ANESTÉSICOS Unidade iII
CAPÍTULO 1
Anestésicos gerais
Talvez a convivência dos orientais com procedimentos cirúrgicos tenha sido menos
dolorosa e traumática, pois, cada vez mais, comprovam-se os efeitos analgésicos
(e outros efeitos) conseguidos com o uso da acupuntura, pois se essa forma de
medicina é praticada há muitos séculos naquela região.
Introdução
Os anestésicos gerais deprimem o SNC a ponto de permitir a realização de cirurgias ou outros
procedimentos nocivos ou desagradáveis e, inevitavelmente, também suprimem os reflexos
homeostáticos. Não surpreendentemente essas drogas têm baixos índices terapêuticos e, portanto,
exigem muitos cuidados na administração. Enquanto todos os anestésicos gerais produzem estado
anestésico relativamente semelhante, eles são bastante diferentes em suas ações secundárias
(efeitos colaterais) sobre outros sistemas. A seleção do fármaco específico e da via de administração
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ANESTÉSICOS │ UNIDADE III
Alguns pacientes submetem-se a cirurgias eletivas e podem estar preparados para anestesia
geral em condições ótimas. Gatos, cachorros e cavalos devem estar em jejum de pelo menos
seis horas para que o estômago esteja vazio. A água deve ser permitida até a pré-medicação ou
uma hora antes da anestesia do animal, se não será pré-medicado (em geral, os animais muito
jovens e muito pequenos têm altas taxas metabólicas e o alimento pode ser retirado em períodos
mais curtos).
Em cavalos, o tamanho em combinação com a variação da pressão arterial pode predispor o animal
deitado à lesão de nervos e músculos. A lesão de nervo é geralmente se dá pela pressão direta em
um nervo superficial e a lesão muscular pode resultar de isquemia devido à hipóxia e à hipotensão,
levando à redução da oferta de oxigênio para massas musculares. O resultado é que os animais
podem exibir sinais de pós-operatório, tais como rigidez dos membros à total incapacidade de ficar
de pé.
A medicação pré-anestésica é apropriada na maioria dos pacientes. Os principais objetivos são para
acalmar o paciente, analgesia (se necessário), reduzir a dose do agente anestésico, minimizar os
efeitos colaterais de drogas anestésicas e fornecer indução e recuperação anestésica suave. Esses
objetivos são geralmente conseguidos pelo uso de sedativos, analgésicos opioides e fármacos
antimuscarínicos, sozinhos ou em combinação. Os pacientes devem ser monitorados de perto
durante a recuperação para garantir o retorno seguro ao estado normal; analgésicos podem ser
necessários durante esse período.
51
UNIDADE III │ ANESTÉSICOS
História
Crawford Long, um médico na zona rural da Geórgia, usou pela primeira vez a anestesia com
éter, em 1842. William T.G. Morton, um dentista de Boston e estudante de Medicina, realizou
a primeira demonstração pública de anestesia geral com éter etílico, em 1846, quando Gilbert
Abbott sofreu excisão cirúrgica de um tumor no pescoço no Hospital Geral de Massachusetts.
A era da anestesia moderna e uma revolução no atendimento médico do paciente cirúrgico
tinha começado.
O éter foi o primeiro anestésico ideal. Líquido à temperatura ambiente, é facilmente vaporizado e
fácil de administrar. Ao contrário do óxido nitroso, o éter era potente e poderia produzir anestesia
sem diluir o ar ambiente a níveis hipóxicos. Era relativamente não tóxico e produzia limitado
comprometimento respiratório ou circulatório. Esse composto manteve um papel na anestesia
clínica até a década de 1950.
Horace Wells, dentista, observou em um show de palco que um participante ferido sob a influência
do óxido nitroso não sentiu dor e, em 1845, para demonstrar sua descoberta no Massachusetts
General Hospital, em Boston, Wells logrou grande fracasso quando o paciente gritou e, assim, o
óxido nitroso caiu em desuso. Em 1868, Edmond Andrews, um cirurgião de Chicago, descreveu a
coadministração de óxido nitroso e oxigênio, uma prática que continua até hoje.
O obstetra escocês James Simpson introduziu o clorofórmio em 1847. Esse composto de odor mais
agradável que o éter não era inflamável. No entanto, a hepatotoxina e a depressão cardiovascular
grave, limitaram a sua utilidade final. Apesar dos inúmeros incidentes letais intra e pós-operatórios,
o clorofórmio continuou em uso, especialmente na Grã-Bretanha, por quase 100 anos.
Em 1935, Lundy demonstrou a utilidade clínica do tiopental, um agente de ação rápida que pode
ser administrado por via intravenosa. No entanto, doses anestésicas do tiopental resultam em grave
depressão circulatória, respiratória e do sistema nervoso. O desenvolvimento posterior de agentes
anestésicos intravenosos como o propofol, em combinação com outros anestésicos intravenosos
adjuvantes, tais como dexmedetomidina, midazolam e remifentanil, levou à utilização da anestesia
intravenosa total como ferramenta clinicamente útil na prática anestésica moderna.
52
ANESTÉSICOS │ UNIDADE III
A principal teoria unitária era de que a anestesia é produzida por perturbação das propriedades
físicas das membranas celulares. Esse pensamento foi baseado principalmente na observação
de que a potência de um gás anestésico correlaciona-se com a sua solubilidade em óleo, e esta
correlação (referida como a regra de Meyer-Overton), foi interpretada implicando a bicamada
lipídica como o alvo provável da ação anestésica. Claras exceções à regra de Meyer-Overton foram
descritas, como, por exemplo, os anestésicos inalatórios e intravenosos podem ter seletividade
enantiomérica (etomidato, esteroides, isoflurano). O fato de os enantiômeros com propriedades
físicas idênticas terem ações únicas indica que outras propriedades além da solubilidade são
importantes na determinação da ação anestésica. Por conseguinte, a teoria lipídica da anestesia tem
sido amplamente desacreditada.
Assim, tem-se dirigido esforços na identificação de sítios proteicos específicos de ligação para
os anestésicos gerais. Muitos estudos indicam que um agente anestésico produz os diferentes
componentes do estado de anestesia por meio de ações em diferentes loci anatômicos no sistema
nervoso, e podendo produzir esses efeitos por meio da ação em diferentes componentes celulares
e moleculares. Além disso, cada vez mais evidências corroboram a hipótese de que diferentes
agentes anestésicos produzem componentes específicos da anestesia por ações em diferentes alvos
moleculares. Dadas essas ideias, a teoria unitária de anestesia tem sido amplamente descartada.
Mecanismos celulares
Os anestésicos gerais produzem dois efeitos fisiológicos importantes em nível celular. Primeiro: os
anestésicos inalatórios podem hiperpolarizar neurônios. Esse efeito pode ser importante quando
ocorre em neurônios que servem como marcapasso na geração padronizada de circuitos. Também
pode ser importante na comunicação sináptica, uma vez que a excitabilidade neuronal reduzida em
um neurônio pós-sináptico pode diminuir a probabilidade de que um potencial de ação seja iniciado
em resposta à liberação do neurotransmissor; segundo, em concentrações anestésicas, tanto os
anestésicos inalatórios quanto os intravenosos têm grandes efeitos na transmissão sináptica e
efeitos menores na geração do potencial de ação ou na propagação.
Os anestésicos injetáveis produzem uma faixa mais estreita de efeitos fisiológicos. Suas ações
são predominantemente na sinapse, onde têm efeitos profundos e relativamente específicos
sobre a resposta pós-sináptica. A maioria desses agentes age predominantemente aumentando a
neurotransmissão inibitória (a ketamina predominantemente inibe a neurotransmissão excitatória
em sinapses glutamatérgicas).
Ações moleculares
Muitos canais iônicos dependentes de ligantes, receptores e proteínas de transdução de sinal
são moduladas pelos anestésicos gerais. Existem fortes evidências de efeito direto dessas drogas
53
UNIDADE III │ ANESTÉSICOS
sobre receptores GABAA e NMDA e sobre canais de K+ de dois poros. Os canais de cloreto ligados
aos receptores GABAA inibitórios são sensíveis a concentrações clínicas de grande variedade de
anestésicos gerais, incluindo os agentes inalatórios halogenados e muitos agentes intravenosos
(propofol, barbituratos, etomidato e neuroesteroides). Esses fármacos aumentam a sensibilidade
do receptor GABAA para o GABA, aumentando, assim, a neurotransmissão inibitória e deprimindo
a atividade do sistema nervoso. Essas ações no receptor GABAA provavelmente são mediadas
pela ligação do anestésico em locais específicos na proteína do receptor GABAA. Deve-se notar
que nenhum dos anestésicos gerais compete com o GABA pelo seu sítio de ligação no receptor.
A capacidade do propofol e do etomidato em inibir a resposta a estímulos nocivos é mediada por
um sítio específico na subunidade 3 do receptor GABAA, ao passo que os efeitos sedativos desses
anestésicos são mediados por sítio sobre a subunidade 2, indicando que esses dois componentes da
anestesia podem ser mediados pelos receptores GABAA.
Os receptores de glicina podem ter um papel na mediação da inibição dos anestésicos sobre
estímulos nocivos. Concentrações clínicas de anestésicos inalatórios aumentam a capacidade da
glicina em ativar seus receptores (canais de cloreto ativados por glicina), que desempenham papel
importante na neurotransmissão inibitória na medula espinhal e no tronco encefálico. O propofol
também potencia correntes ativadas por glicina, enquanto o etomidato e a ketamina não o faz.
Concentrações subanestésicas dos anestésicos inalatórios inibem algumas classes de receptores
colinérgicos nicotínicos neuronais. Esses poderiam mediar outros componentes da anestesia, como
a analgesia ou a amnésia.
Os únicos anestésicos gerais que não têm efeitos significativos sobre receptores GABAA ou
glicinérgicos são o óxido nitroso, a ketamina, o ciclopropano e o xenônio. Esses agentes inibem
o receptor glutamatérgico NMDA, que é considerado o principal alvo molecular para as ações
anestésicas da ketamina (a ketamina liga-se ao local da fenciclidina sobre a proteína desse receptor).
O óxido nitroso, o ciclopropano, e o xénon são inibidores potentes e seletivos de correntes ativadas
por NMDA, o que sugere que esses agentes também podem produzir inconsciência por meio de
ações sobre tais receptores.
Os anestésicos inalatórios têm outros dois conhecidos alvos moleculares que podem mediar
algumas de suas ações. Os anestésicos inalatórios halogenados ativam alguns membros de uma
classe de canais de K+ conhecidos como canais de potássio de domínio de dois poros (PATEL et.
al, 1999.). Outros membros da família de canais de dois poros são ativados por xenônio, óxido
nitroso e ciclopropano. Esses canais estão localizados em ambos os locais pré e pós-sinápticos.
Os canais pós-sinápticos são importantes na determinação do potencial de repouso da membrana
neuronal e podem ser alvo de ação hiperpolarizante. Ativação de canais pré-sinápticos pode levar
à hiperpolarização do terminal pré-sináptico e reduzir a libertação de neurotransmissores. Essa
modulação da liberação de neurotransmissor também pode ser feita pela interação do anestésico
com os mecanismos moleculares da liberação. A ação dos anestésicos inalatórios requer um
complexo de proteínas (sintaxina, SNAP-25, sinaptobrevina), sabidamente envolvidas nessa etapa
da neurotransmissão (o que poderia contribuir para o efeito amnésico e para a inibição pré-sináptica
hipocampal desencadeados pelos anestésicos inalatórios).
54
ANESTÉSICOS │ UNIDADE III
Sítios anatômicos
Em princípio, os anestésicos gerais poderiam interromper o funcionamento do sistema nervoso em
uma infinidade de níveis, incluindo nos neurônios sensoriais periféricos, na medula espinhal, no
tronco encefálico e no córtex cerebral. A delimitação precisa dos locais anatômicos de ação é difícil
porque muitos anestésicos inibem difusamente a atividade elétrica no SNC. Assim, o isoflurano a 2
CAM pode causar silêncio elétrico no cérebro. No entanto, estudos in vitro mostram que vias corticais
específicas apresentam sensibilidades muito diferentes para anestésicos inalatórios e intravenosos,
sugerindo que esses fármacos produzem componentes específicos do estado anestésico por meio de
ações em locais específicos no SNC. Consistente com essa hipótese, anestésicos inalatórios produzem
imobilização em resposta a uma incisão cirúrgica por ação sobre a medula espinhal. Uma vez que a
amnésia ou a perda da consciência não podem resultar de ações sobre a medula espinhal, conclui-se
que os diferentes componentes da anestesia são produzidos em diferentes locais no SNC. Estudos
mais recentes demonstram que os efeitos sedativos do pentobarbital e do propofol são mediados
por receptores GABAA no núcleo tuberomamilar, e os efeitos sedativos do anestésico intravenoso
dexmedetomidina (um agonista adrenérgico α2) são produzidos por ações no locus coeruleus.
Esses resultados sugerem que ações sedativas de alguns anestésicos compartilham vias neuronais
envolvidas no sono fisiológico.
Com algumas exceções, a maioria dos anestésicos causa redução global da taxa metabólica e no
fluxo sanguíneo encefálico. Uma característica consistente da anestesia geral é a supressão do
metabolismo do tálamo. Isso não é surpreendente, dada a demonstração de que os anestésicos
inalatórios deprimem a excitabilidade dos neurônios talâmicos. O tálamo serve como o relé mais
importante por meio do qual as aferências sensoriais periféricas atingem o córtex, e a supressão
da atividade talâmica pode isolar o córtex das aferências ascendentes. Dessa forma, o tálamo pode
servir como interruptor entre o estado de vigília e o anestesiado. Além disso, a anestesia geral resulta
na supressão da atividade também em regiões específicas do córtex, incluindo o córtex parietal
medial, córtex cingulado posterior, precuneus e o córtex parietal inferior. Observações recentes
mostram que a atividade elétrica no córtex é suprimida antes que aquela no tálamo. Isso sugere que
a supressão cortical, por meio das fibras corticotalâmicas, leva à supressão do tálamo, tornando,
assim, o córtex o alvo primário dos anestésicos. No entanto, essas relações temporais entre tálamo
e a atividade cortical sob anestesia geral precisam de maiores esclarecimentos.
As semelhanças entre o sono fisiológico e o estado de anestesia geral sugerem que os anestésicos
também podem modular as vias endógenas que regulam o sono, que incluem os núcleos pré-óptico
ventrolateral (VLPO) e o tuberomamilar. O VLPO projeta fibras gabaérgicas inibitórias para núcleos
do sistema ativador ascendente que, por sua vez, projeta-se para o córtex, prosencéfalo, e áreas
subcorticais; a liberação de histamina, de serotonina, de orexina, de noradrenalina e de acetilcolina
medeia o estado de vigília. Agentes intravenosos e inalatórios com atividade nos receptores
GABAA podem aumentar os efeitos inibidores do VLPO, suprimindo, assim, a consciência. A
dexmedetomidina, um agonista α2, também aumenta a inibição mediada pelo VLPO por suprimir
aferências inibitórias do locus ceruleus sobre o VLPO. Finalmente, tanto os anestésicos intravenosos
quanto os inalatórios deprimem a neurotransmissão no hipocampo, um sítio provável para os efeitos
amnésicos desses fármacos.
55
UNIDADE III │ ANESTÉSICOS
Anestésicos injetáveis
A administração intravenosa de fármacos tornou-se possível após os estudos do sistema
cardiovascular realizados por Wiliam Harvey, em 1628. Porém, a seringa só surgiu dois séculos
depois, com Riynd, em 1845, e com Wood, em 1855, que inventou a seringa hipodérmica. Em 1872,
Oré introduziu a anestesia geral intravenosa utilizando o hidrato de cloral em humanos, seguido por
Humbert, em 1875, que empregou esse mesmo agente para anestesia de equinos.
Assim, os anestésicos injetáveis têm rápido início de ação e são comumente utilizados como agentes
de indução para efetuar a passagem rápida por meio dos planos de anestesia durante os quais o
paciente pode lutar. Essas drogas são eliminadas por metabolismo e excreção e há pouco o que se
fazer para aumentar a taxa de remoção do corpo em eventuais sobredosagens.
Barbitúricos
Os barbitúricos são derivados do ácido barbitúrico (2,4,6-trioxihexahidropirimidina) com um
oxigênio ou um enxofre na posição 2. Os três barbitúricos mais comumente usados para anestesia
são o tiopental, o tiamilal e o metohexital.
O tiopental é o fármaco-padrão de indução com o qual os outros são comparados. A dose inicial
rapidamente atinge o encéfalo, e é, então, redistribuído para as vísceras, músculos e gordura, e
lentamente metabolizado no fígado. Medicação pré-anestésica deve ser dada sempre que possível, a
fim de reduzir a dose de tiopental administrada. A recuperação do tiopental pode ser prolongada em
cães greyhounds e hounds com estrutura física semelhante; algumas autoridades defendem que o
uso de tiopental seja contraindicado nessas raças. O metohexital tem sido usado por muitos anos em
raças com pouca gordura corporal, mas o uso de propofol tem sido popular devido à suave indução
e recuperação observadas com essa droga.
O tiopental deve ser utilizado com um sedativo pré-anestésico em cães e cavalos. Se utilizado sozinho,
a recuperação pode ser violenta nessas espécies. O metoexital tem ação mais curta que o tiopental,
mas faz maior depressão respiratória e a indução e a recuperação são geralmente acompanhadas
por maior excitação.
56
ANESTÉSICOS │ UNIDADE III
Propofol
O propofol é um alquil-fenol que produz anestesia após a injeção intravenosa de modo semelhante
ao tiopental, embora a depressão cardiovascular seja ligeiramente maior. A incidência de apneia
transiente observada durante e imediatamente após a indução pode ser reduzida por injeção da
droga durante um período de 20 a 30 segundos em vez da administração em bolus (isso também
pode reduzir a dose necessária para a intubação).
As ações sedativa e hipnótica do propofol são mediadas por sua ação sobre os receptores GABAA;
(ações agonistas sobre esses receptores resultam em condução e aumento das correntes de cloreto
e hiperpolarização de neurônios). O propofol suprime o eletroencefalograma e diminui o fluxo
sanguíneo cerebral e a pressão intracraniana e intraocular em magnitudes semelhantes ao tiopental.
Derivados da fenciclidina
A ketamine e a tiletamina são anestésicos dissociativos e têm ações antagonistas de receptores
NMDA no encéfalo e na medula espinhal. Eles interrompem a associação entre os sistemas límbico
e cortical. O animal pode aparentar um plano leve de anestesia, mas é insensível à estimulação
cirúrgica. O relaxamento muscular pode ser pobre quando essas drogas são utilizadas isoladamente
e a adição de um estimulante α2-adrenérgico como a xilazina, ou um benzodiazepínico tal como o
diazepam aumenta o relaxamento muscular.
A ketamina pode ser utilizada como anestésico único em gatos e primatas. Em gatos, os olhos
permanecem abertos durante a anestesia e deve-se proteger a córnea. A ketamina deve ser dada a
cavalos e burros só depois de profunda pré-medicação sedativa com xilazina, romifidina ou detomidina.
Indução da anestesia em cavalos é geralmente calma, mas ambiente calmo e manuseio cuidadoso são
importantes. Há alguns relatos de falha da ketamina em induzir a anestesia em cavalos e este potencial
problema deve ser lembrado. Pode haver convulsões em cães quando utilizada como único anestésico.
A tiletamina é usada em combinação com o benzodiazepínico zolazepam. Quando usado como agente
anestésico único, tem ação de longa duração, não fornece relaxamento muscular, provoca salivação
abundante, lacrimejamento e midríase. A atropina deve ser administrada para reduzir a salivação e os
efeitos cardíacos. A associação com o zolazepam permite a diminuição da dose eficaz de tiletamina e
proporciona razoável relaxamento muscular, no entanto, a recuperação pode ser prolongada.
Etomidato
O etomidato é um composto imidazólico com potente ação hipnótica sem propriedades analgésicas
e está indicado para indução intravenosa rápida de anestesia particularmente em pacientes com
57
UNIDADE III │ ANESTÉSICOS
Anestésicos inalatórios
A ampla variedade de gases e líquidos voláteis pode produzir anestesia. Uma das propriedades mais
problemáticas dos anestésicos inalatórios é a pequena margem de segurança. Com índices terapêuticos
(DL50/DE50), variando de 2-4 essas drogas estão entre as mais perigosas em uso clínico.
A toxicidade desses fármacos é, em grande parte, por conta de seus efeitos secundários com cada
um dos anestésicos tendo perfil único desses efeitos. Assim, a seleção de um anestésico inalatório
geralmente baseia-se na fisiopatologia do paciente e no perfil de efeitos colaterais da droga.
Os agentes inalatórios são alguns dos pouquíssimos agentes farmacológicos administrados como
gases. Esse fato exige que diferentes abordagens farmacocinéticas sejam utilizadas na análise da
absorção e distribuição dessas drogas. Os anestésicos inalatórios distribuem-se entre os tecidos
(ou entre o sangue e o gás), de tal forma que o equilíbrio é conseguido quando a pressão parcial
do gás anestésico é igual nos dois tecidos. Uma vez inalado o anestésico por tempo suficiente para
que todos os tecidos estejam em equilíbrio com ele, a pressão parcial do anestésico em todos os
tecidos será igual à pressão parcial do anestésico no gás inspirado. Contudo, a concentração de
anestésico em cada tecido será diferente. Com efeito, os coeficientes de partição são definidos
como a razão entre as concentrações do anestésico em dois tecidos quando as pressões parciais
do anestésico são iguais nesses tecidos. Esses coeficientes de partição mostram que os anestésicos
inalatórios são mais solúveis em alguns tecidos (por exemplo, gordura) do que nos outros
(por exemplo, sangue), e que há significativa variação na solubilidade dos diversos agentes
inalatórios nos diversos tecidos. Se um agente é mais solúvel em determinado tecido, como a
gordura, o equilíbrio pode levar várias horas para alcançar, uma vez que a gordura representa
enorme reservatório de anestésico que será preenchido lentamente por causa do seu baixo
fluxo sanguíneo.
Como o encéfalo é bem perfundido, a pressão parcial do anestésico torna-se igual à pressão parcial
do gás alveolar (e no sangue) ao longo de minutos. Por isso, a anestesia é conseguida rapidamente
após a pressão parcial alveolar atingir o CAM. Para anestésicos que são altamente solúveis no sangue
e em outros tecidos, o aumento da pressão parcial alveolar será mais lento, levando a limitação
58
ANESTÉSICOS │ UNIDADE III
da velocidade de indução, o que pode ser largamente superado por meio da apresentação de altas
pressões parciais de inspiração do anestésico.
A eliminação dos anestésicos inalatórios é, em grande parte, o processo inverso da absorção. Para
os agentes com baixa solubilidade no sangue e em outros tecidos, a recuperação da anestesia deve
espelhar a indução, independentemente da duração da administração do anestésico. Para aqueles
agentes com elevada solubilidade no sangue e outros tecidos, a recuperação será uma função da
duração da administração do anestésico. Isso ocorre porque a quantidade acumulada do anestésico
no reservatório de gordura corporal vai impedir que a pressão parcial no sangue (e também a
alveolar) diminua rapidamente.
Os anestésicos inalatórios podem ser usados para indução e manutenção da anestesia, ou para
manutenção após a indução por um anestésico injetável. Também podem ser utilizados com todos
aqueles agentes usados para medicação pré-anestésica.
Os anestésicos inalatórios halogêneos, como halo tano, enflorando e isofluorano, são os agentes
mais comumente utilizados. Como a recuperação da anestesia por agente inalatório não depende
do metabolismo do fármaco, esses agentes são úteis em espécies para as quais há pouca informação
sobre a utilização de anestésicos gerais, porque sua ação será semelhante em todos os mamíferos. A
remoção de uma overdose pode ser acelerada por meio de ventilação mecânica dos pulmões.
Halotano
O halotano é o anestésico inalatório halogenado mais comumente usado. É agente potente, com
vapor não irritante; a indução é tranquila com pouca, se alguma, excitação, embora a contenção
possa ser difícil para manter a máscara em posição. O halotano fornece de moderada a boa analgesia
e relaxamento muscular. Os efeitos adversos associados com o uso de halotano incluem hipotensão,
vasodilatação, arritmias cardíacas, tremores; hipertermia maligna tem sido relatada em porcos,
cavalos e cães. O uso repetido pode causar danos no fígado, devido à formação de metabolitos
tóxicos. As concentrações do halotano, enflurano e isoflurano no encéfalo e no miocárdio podem
subir rapidamente se altas concentrações inspiradas são oferecidas, produzindo depressão
cardiorrespiratória grave e parada cardíaca.
Enfluorano
O enflurano produz indução e recuperação mais rápidas que o halotano devido à sua solubilidade
mais baixa do sangue. A depressão cardiovascular é maior do que a produzida pelo halotano. Esse
fármaco pode produzir atividade eletroencefalográfica semelhante a convulsões e deve ser evitado
em pacientes epilépticos. Não é recomendado para cavalos porque causa depressão cardiovascular
grave; a recuperação é rápida, mas violenta.
59
UNIDADE III │ ANESTÉSICOS
Isofluorano
O isofluorano tem propriedades físicas semelhantes ao halotano, mas é ligeiramente menos
solúvel no sangue e, assim, a indução e a recuperação são mais rápidas do que com halotano ou
com enfluorano. Além disso, o isoflurano é menos metabolizado no fígado (0,2%) se comparado
ao halotano (20%), sendo a maior parte excretada inalterada pelos pulmões. Embora as mudanças
na pressão arterial periférica sejam semelhantes com ambos os agentes anestésicos, a diminuição
da pressão arterial observada com isofluorano é principalmente devido à vasodilatação em vez da
depressão do miocárdio, como é o caso do halotano. Essa propriedade, em associação com a menor
sensibilização do miocárdio, a epinefrina, faz do isofluorano o agente de escolha em casos de altos
riscos cardíacos. Não produz mudanças na atividade eletroencefalográfica semelhante a convulsões
como o isofluorano e pode ser utilizado em cavalos, mas não é certo se ele oferece quaisquer
vantagens reais sobre o halotano e há relatos de que a recuperação pode ser mais violenta.
Sevofluorano
O sevofluorano, embora tenha sido amplamente utilizado em outras espécies, só teve o uso autorizado
há poucos anos em cães na União Europeia. Ele é menos solúvel no sangue do que os outros agentes
voláteis e, assim, a indução e a recuperação tendem a ser mais rápidas e geralmente muito boas,
apesar de ocorrer excitação ocasionalmente. Não é irritante para o sistema respiratório e, portanto,
é apropriado para a indução com máscara. O sevoflurano tem semelhantes ações cardiovasculares e
respiratórias, se comparado com o isoflurano.
Óxido nitroso
O óxido nitroso é um bom analgésico, mas um anestésico fraco, e é incapaz de produzir anestesia
geral quando utilizado isoladamente em animais. É usado para complementar outras drogas,
especialmente agentes inalatórios, permitindo significativa redução da sua dosagem, apresentando
relativamente poucos efeitos adversos. A indução e a recuperação com óxido nitroso são rápidas.
O principal perigo ao usar esse agente é a hipóxia. Máquinas modernas anestésicas têm bloqueios
para desligar o óxido nitroso se o fornecimento de oxigênio falhar. Hipóxia de difusão pode ocorrer
no final da anestesia com óxido nitroso e deve-se permitir ao paciente respirar oxigénio a 100% por
dois a dez minutos, dependendo da duração da exposição ao óxido nitroso.
Em animais anestesiados por sistema de respiração circular, o óxido nitroso não deve ser usado, a
não ser que a concentração do oxigênio inspirado possa ser medida. A exposição prolongada mesmo
que em baixas concentrações de óxido nitroso (tal como pode ocorrer com o pessoal que esta fazendo
a cirurgia) acredita-se poder causar anemia e anormalidades no desenvolvimento fetal.
60
CAPÍTULO 2
Anestésicos locais
Introdução
Os anestésicos locais são drogas que quando aplicadas localmente ao tecido nervoso (terminações
ou fibras) causam bloqueio reversível da condução do impulso nervoso. Em concentrações efetivas,
os anestésicos locais bloqueiam a transmissão de impulsos autonômicos, sensoriais somáticos e
motores. Assim, dependendo do nervo e da área inervada, bloqueio do sistema nervoso autonômico,
anestesia e ou paralisia esquelética podem advir. A ação dos anestésicos locais é reversível e a
recuperação da condução nervosa ocorre espontaneamente sem evidências de danos estruturais
ao tecido nervoso. Isso contrasta com outros compostos tais como o Fenol, que também bloqueia a
condução neural, mas de forma irreversível por causa da destruição celular.
O anestésico local ideal deveria prover bloqueio nervoso sensorial reversível sem toxicidade local,
cardíaca ou sistêmica. O início e a duração do bloqueio devem ser previsíveis e consistentes em
todas as aplicações. Como esse anestésico local ideal não está disponível atualmente, seleção clínica
apropriada do agente anestésico deve ser baseada no entendimento da fisiologia da condução neural
e na farmacocinética e na farmacodinâmica de cada droga individualmente.
História
O primeiro anestésico local com significado clínico a ser usado foi à cocaína. A cocaína é um
alcaloide e foi obtida pela primeira vez das folhas da erythroxylon coca, árvore muito presente
nos Andes. Os nativos dessa região mascavam as folhas da coca para aliviar a fome e a fadiga e
produzir psicoestimulação, e em 1860, Albert Niemann isolou o alcaloide cocaína das folhas do
arbusto. O efeito anestésico local do alcaloide já era notado, mas não utilizado até que Carl Koller
usou a cocaína para anestesia tópica ocular em 1884, e a partir daí esta droga foi aceita como
anestésico local. Em 1885, Corning injetou a cocaína no espaço subaracnoide de um cão e paralisou
os nervos espinais posteriores para produzir anestesia. Também em 1885, Mclean, um veterinário
de Meadville, Pennsylvania, usou pela primeira vez com sucesso a cocaína para bloqueio nervoso
dos membros de um cavalo.
Willstatter fez a síntese da cocaína em 1902. Logo se tornou claro que a cocaína possuía pelo menos
duas propriedades indesejáveis: grande toxicidade e dependência. Começaram, então, grande
procura por substitutos que possuíssem as mesmas propriedades de anestesia local. Três anos mais
tarde, Einhorn sintetizou a procaína. Muitos outros compostos foram sintetizados desde então
para uso como anestésico local. Enquanto eles diferem pouco na eficácia terapêutica, nenhum é
inteiramente livre de propriedade indesejáveis. Os agentes mais usados atualmente são a procaína,
a lidocaína, a bupivacaína e a tetracaína.
61
UNIDADE III │ ANESTÉSICOS
A hidrofobicidade aumenta tanto a potência quanto a duração da ação desses agentes; a associação
da droga a locais hidrofóbicos aumenta a partição da droga para seu local de ação e diminui a taxa
de metabolismo por esterases plasmáticas e enzimas hepáticas. Além disso, o sítio de ligação da
droga sobre os canais de Na+ parece ser hidrofóbico, de modo que a afinidade do receptor é maior
para as drogas mais hidrofóbicas. A hidrofobicidade também aumenta a toxicidade, e assim o índice
terapêutico é reduzido para fármacos mais hidrofóbicos.
O tamanho molecular influencia a taxa de dissociação do sítio de ligação no canal de Na+. Moléculas
menores podem escapar do sítio receptor mais rapidamente e, essa característica é importante em
células com rápido disparo, em que os anestésicos locais ligam-se durante o potencial de ação e
dissociam-se durante o período de repolarização da membrana. A ligação rápida do anestésico local
durante os potenciais de ação faz com que sua ação seja dependente da frequência e da voltagem.
Mecanismo de ação
Anestésicos locais atuam na membrana celular para impedir a geração e condução dos impulsos
nervosos. Esses fármacos bloqueiam a condução, diminuindo ou impedindo o aumento transitório
da permeabilidade das membranas excitáveis ao íon Na+ (que normalmente é produzido por uma
ligeira despolarização da membrana). Essa ação dos anestésicos locais é devido a sua interação direta
com canais Na+ dependentes de voltagem. À medida que a ação anestésica acontece progressivamente
em um nervo, o limiar de excitabilidade elétrico aumenta gradualmente, a taxa de aumento do
potencial de ação e a condução do impulso diminui. Esses fatores diminuem a probabilidade de
propagação do potencial de ação e a condução do nervo eventualmente falha.
Os anestésicos locais também podem ligar-se a outras proteínas da membrana, bloqueando canais
de K+ por exemplo. No entanto, essa interação com canais de K+ requer concentrações elevadas da
droga e o bloqueio da condução não é acompanhado por qualquer mudança grande ou consistente
no potencial de repouso da membrana.
O sítio de ação dos anestésicos locais (pelo menos na forma com carga do anestésico) só é acessível
a partir da superfície interna da membrana. Portanto, aplicados externamente esses fármacos
primeiro devem atravessar a membrana, para depois poderem exercer a ação de bloqueio. Assim, se
aceita que o principal mecanismo de ação dessas drogas envolva a interação com um ou mais sítios
de ligação específicos dentro do canal de Na+.
62
ANESTÉSICOS │ UNIDADE III
Os canais de Na+ do encéfalo dos mamíferos são complexas proteínas com subunidades individuais
designadas de α e β1- β4. A subunidade α do canal de Na+ contém quatro domínios homólogos
(I-IV), e cada um consiste de seis segmentos transmembranas de conformação helicoidal (S1-S6),
sendo a S4 sensível à voltagem que, sob a influência do potencial da membrana, inicia uma série
de alterações conformacionais em todos os quatro domínios que levam ao estado aberto do canal.
Depois que se abre, o canal de Na+ inativa-se dentro de alguns milissegundos devido ao fechamento
de um portão de inativação. Esse portão funcional é formado pelo laço intracelular da proteína que
liga os domínios homólogos III e IV.
Os resíduos de aminoácidos importantes para a ligação dos anestésicos locais são encontrados nos
segmentos S6 dos domínios I, III, e IV, e esse sítio de ligação do anestésico está dentro da metade
intracelular do poro transmembranar do canal de Na+ (segundo mostram as evidências experimentais).
O grau de bloqueio produzido por uma dada concentração de anestésico local depende da forma como o
nervo é estimulado e do seu potencial de membrana em repouso. Um nervo em repouso é muito menos
sensível a um anestésico local do que quando repetidamente estimulado (quanto maior a frequência de
estimulação e mais positivo o potencial de membrana, maior o grau de bloqueio do anestésico). Essa
dependência da frequência e da voltagem dos anestésicos locais é porque a molécula dessas drogas na
sua forma carregada ganha acesso ao sítio de ligação no interior do poro somente quando o canal de
Na+ está no estado aberto, e porque o anestésico local liga-se mais firmemente e estabiliza o estado
inativado do canal de Na +. Essa propriedade depende do pKa, da solubilidade lipídica e do tamanho
molecular do anestésico. Geralmente, a dependência da frequência está criticamente relacionada à taxa
de dissociação da droga do local de ligação no canal. Uma alta frequência de estimulação é necessária
para drogas de dissociação rápida (de modo que a taxa de ligação da droga durante o potencial de
ação exceda a dissociação da droga entre os potenciais de ação). A dissociação de drogas menores e
mais hidrofóbicas é mais rápida, de modo que uma maior frequência de estimulação é necessária para
produzir bloqueio dependente da frequência.
Para a maioria dos pacientes, o tratamento com anestésicos locais faz com que a sensação de dor
desaparecer primeiro, seguida pela perda das sensações de temperatura, de tato, pressão profunda e
da função motora (apesar de haver grande variação entre indivíduos). A taxa diferencial de bloqueio
exibidas por fibras que medeiam sensações diferentes é de importância prática considerável na
utilização desses fármacos. Os mecanismos precisos responsáveis pela especificidade aparente
da ação em fibras que conduzem a nocicepção não são conhecidos, mas vários fatores podem
contribuir. É pouco provável que o tamanho da fibra per se determine essa sensibilidade sob
condições do estado de equilíbrio, no entanto, um número fixo de nodos de Ranvier deve ser
bloqueado para impedir a condução, e o espaçamento dos nodos de Ranvier aumenta com o aumento
do diâmetro fibras nervosas. Assim, fibras de menor calibre, com nódulos de Ranvier próximos
podem ser bloqueadas mais rapidamente porque o anestésico local atinge um comprimento crítico
do nervo mais rapidamente. Diferenças nas barreiras teciduais e na localização das fibras mais finas
nos nervos também podem influenciar a velocidade da ação do anestésico local.
Os anestésicos locais tendem a ser apenas ligeiramente solúveis como aminas não protonadas. Embora
a forma não protonada do anestésico local seja necessária para a difusão por meio das membranas
celulares, são as formas catiônicas que interagem preferencialmente com os sítios nos canais de Na+.
63
UNIDADE III │ ANESTÉSICOS
Como o pH tem influência direta sobre a proporção entre as formas protonadas e não protonadas
presentes no meio, experiências mostram que a condução pode ser bloqueada ou desbloqueada
meramente ajustando o pH do meio sem alterar a quantidade do anestésico presente. Há de se
considerar que as formas moleculares não protonadas também mostram alguma atividade anestésica.
A duração da ação do anestésico local é proporcional ao tempo de contato desse com os nervos.
Consequentemente, as manobras que mantêm o fármaco no nervo prolongam o período de
anestesia. Por exemplo, a cocaína potencia o efeito da noradrenalina em receptores α-adrenérgicos
na vasculatura, resultando em vasoconstrição e absorção reduzida da própria cocaína em leitos
vasculares em que predominam os efeitos α-adrenérgicos. A ropivacaína e bupivacaína também
causam vasoconstrição. Na prática clínica, muitas vezes um vasoconstritor, geralmente a epinefrina,
é adicionada ao anestésico local. Esse vasoconstritor executa um serviço duplo: ao diminuir a
velocidade de absorção, não apenas localiza o anestésico no local desejado, mas, também, permite
que a velocidade com que ele é destruído no corpo esteja de acordo com a taxa a que ele é absorvido
para a circulação. Isso reduz a sua toxicidade sistêmica. Deve-se ressaltar também que a epinefrina
dilata leitos vasculares do músculo esquelético por meio de ações sobre receptores β2 -adrenérgicos,
e portanto, tem o potencial de aumentar a toxicidade sistêmica do agente anestésico administrado
no tecido muscular. Em regiões anatômicas com circulação colateral limitada pode haver danos
irreversíveis por hipóxia, necrose do tecido e gangrena se o vasoconstritor for adicionado ao anestésico
local, sendo, portanto, contraindicado. O vasoconstritor também está contraindicado em anestesias
intra-articulares, intravenosas, epidurais e interdigitais. Em cavalos deve-se ter muita precaução na
utilização do vasoconstritor em bloqueio nervoso de membros inferiores, pois pode causar isquemia
digital e o local da injeção pode ter sua pelagem com coloração alterada permanentemente.
Alguns dos anestésicos locais (por exemplo, a tetracaína) são ésteres. Estes são hidrolisados e
inativados principalmente por uma esterase plasmática, provavelmente pela colinesterase plsmática.
O fígado também participa da hidrólise de anestésicos locais. Como o fluido espinhal contém pouca
ou nenhuma esterase, a anestesia produzida por injeção intratecal vai persistir até que o agente
anestésico local seja absorvido para a circulação.
Os anestésicos locais amidas são, de modo geral, degradados pelo conjunto de enzimas citocromo
P450 hepáticas, e seu uso extensivo em pacientes com doença hepática grave exige cautela. Esses
anestésicos são extensivamente (55-95%) ligados às proteínas plasmáticas, e deve-se atentar aos
fatores que podem mudar a concentração dessas proteínas (doenças, traumas, idade etc.). A captação
64
ANESTÉSICOS │ UNIDADE III
pelo pulmão também pode desempenhar importante papel na distribuição desses anestésicos no
corpo. A redução do débito cardíaco diminui a entrega de compostos para o fígado, reduzindo,
assim, o metabolismo dos anestésicos locais amidas e prolongando a sua meia-vida plasmática.
A lidocaína é amplamente utilizada para a maioria das aplicações. Difunde-se facilmente através dos
tecidos e tem início de ação rápido. A duração aproximada da ação é de 45 minutos sem epinefrina
e 90 minutos com a epinefrina.
A mepivacaína produz menor irritação dos tecidos do que a lidocaína e tem sido recomendada
quando a anestesia intra-articular é necessária. A sua duração de ação é semelhante à da lidocaína.
Esse agente não causa vasodilatação e a epinefrina não é requerida para prolongar o seu efeito.
A procaína difunde-se através dos tecidos menos facilmente do que a lidocaína e é agora raramente
usada.
A proximetacaína e a tetracaína são usadas para a analgesia tópica da córnea. Elas produzem menos
ardor inicial que outros agentes.
65
TRANQUILIZANTES E
RELAXANTES MUSCULARES
DE AÇÃO CENTRAL, Unidade iV
IMOBILIZAÇÃO QUÍMICA,
ESTIMULANTES DO SNC E
AGENTES pSICOTRÓPICOS
CAPÍTULO 1
Tranquilizantes e relaxantes musculares
de ação central
Os animais de companhia ganham cada vez mais status de membro da família. Isso
tem melhorado muito a forma como esses animais são tratados, às vezes com mimos
dos quais carecem muitos seres humanos. Todavia, esta inserção na família trouxe
também problemas aos próprios animais. Tanto é verdade que a Medicina Veterinária
66
TRANQUILIZANTES E RELAXANTES MUSCULARES DE AÇÃO CENTRAL, IMOBILIZAÇÃO QUÍMICA, ESTIMULANTES DO SNC E AGENTES pSICOTRÓPICOS │ UNIDADE IV
Tranquilizantes
Introdução
O termo tranquilizante, embora usado com certas restrições, denomina fármacos que produzem
tranquilização no indivíduo (acalma a agitação e a hiperatividade), e em regra, é empregado como
sinônimo de sedativo, calmante e neuroléptico, especialmente na Medicina Veterinária. Na década
de 1950 introduziu-se na clínica médica humana um grupo de medicamento que revolucionou
o tratamento dos pacientes psicóticos e que ficou conhecido como tranquilizantes maiores (ou
antipsicóticos). Mais tarde, surgiu outro grupo de medicamento que ficou conhecido como
tranquilizantes menores porque eram usados para o tratamento de neuroses, doenças menos graves
que as psicoses (doenças menores, portanto). Na Medicina Veterinária, ambos os tranquilizantes
maiores e menores são usados principalmente para a contenção química dos animais e como
medicação pré-anestésica, e também em distúrbios comportamentais.
Exceto pela acepromazina as drogas antipsicóticas não são comumente usadas na Medicina
Veterinária comportamental por algumas razões: os pequenos animais raramente são diagnosticados
com psicose, e as propriedades ansiolíticas dessas drogas nos animais são mínimas; os efeitos
colaterais limitam seu uso, pois são drogas um tanto não específicas causando graus variáveis de
sedação, efeitos antimuscarínicos, bloqueio da atividade α-adrenérgica e efeitos extrapiramidais.
Quando os antipsicóticos tradicionais são administrados aos animais em doses repetidas ou em dose
relativamente alta, eles frequentemente desenvolvem catalepsia (uma síndrome com imobilidade,
tônus muscular aumentado e postura anormal, apesar de os reflexos estarem preservados);
atividade motora espontânea pode advir da administração de fenotiazinas aos animais. Nos seres
humanos os transtornos psicóticos incluem a esquizofrenia, a fase maníaca do transtorno bipolar,
doenças idiopáticas psicóticas agudas, e outras condições caracterizadas por intensa agitação. Todas
apresentam grandes perturbações no raciocínio, muitas vezes com delírios e alucinações.
67
UNIDADE IV │ TRANQUILIZANTES E RELAXANTES MUSCULARES DE AÇÃO CENTRAL, IMOBILIZAÇÃO QUÍMICA, ESTIMULANTES DO SNC E AGENTES PSICOTRÓPICOS
Como já dito anteriormente, os antipsicóticos são utilizados para tratar a maior parte das formas de
psicose, incluindo a esquizofrenia, em humanos e esses fármacos não têm o mesmo significado na
terapia do comportamento animal (quando são utilizados para esse fim os regimes terapêuticos são
de curto prazo e intermitentes). O primeiro antipsicótico foi desenvolvido em 1950, a clorpromazina.
Essas drogas mostram grande variedade de efeitos fisiológicos, resultando em uma variedade de
efeitos secundários.
Esses agentes são mais frequentemente usados em Medicina Veterinária para contensão química ou
diminuição da atividade motora quando há medo intenso ou comportamento estereotipado.
Os antipsicóticos tem alta taxa de extração hepática. Os metabólitos são geralmente compostos
inativos e são excretados na urina. Efeito máximo ocorre por volta de uma hora após a administração
68
TRANQUILIZANTES E RELAXANTES MUSCULARES DE AÇÃO CENTRAL, IMOBILIZAÇÃO QUÍMICA, ESTIMULANTES DO SNC E AGENTES pSICOTRÓPICOS │ UNIDADE IV
Introdução
Os relaxantes musculares de ação central (pois existem aqueles de ação periférica) provocam
relaxamento muscular transitório e reversível sem deprimir perifericamente a condução nervosa,
a transmissão neuromuscular, a excitabilidade ou a contratilidade muscular. Esses fármacos são
utilizados no tratamento do espasmo da musculatura (aumento nos reflexos de extensão e espasmos
dolorosos dos músculos flexores), presentes no tétano, em intoxicações por estricnina, nas miosites,
em entorses ou estiramento de ligamentos e mesmo em quadros de ansiedade.
Guaifenesina
A guaifenesina é usada na medicina veterinária para induzir relaxamento muscular e contenção
como adjuvante de anestesia para procedimentos rápidos (39-60 minutos) em pequenos e grandes
animais. Na medicina humana esse fármaco tem sido usado há tempo como expectorante oral
(também há combinações de produtos com guaifenesina para tratamento de condições respiratórias
em cavalos).
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Embora o mecanismo exato de ação do efeito relaxante muscular não seja conhecido, acredita-
se que a guaifenesina aja centralmente como agonista de receptores glicinérgicos deprimindo ou
bloqueando a transmissão dos impulsos nervosos em áreas subcorticais do encéfalo, no tronco
encefálico e na medula espinhal. Esse fármaco relaxa os músculos da laringe e da faringe permitindo
intubação mais fácil e também tem leve ação analgésica intrínseca e sedativa.
Metocarbamol
O metocarbamol é um eficiente relaxante muscular usado em equinos, cães e gatos para dores de
origem muscular esquelética (como na miopatia de esforço, no espasmo da musculatura, em traumas
da medula espinhal, inflamação em articulações, intoxicações por estriccnina e no tétano). O seu
mecanismo de ação ainda requer elucidação completa, mas se acredita que o relaxamento muscular
aconteça por bloqueio neuronal prolongado nas vias de reflexos polissinápticos. Os principais efeitos
colaterais incluem salivação excessiva, vômitos, fraqueza muscular e falta de coordenação motora,
e não é recomendado para gestantes.
Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos foram discutidos em detalhes no capítulo 2.
Baclofeno
O baclofeno é um fármaco cujo mecanismo de ação relaxante muscular não está bem esclarecido. É um
derivado sintético do neurotransmissor GABA que atua como agonista de receptores GABAB. Seu efeito
relaxante muscular deve-se provavelmente à ação agonista nos receptores inibitórios pré-sinápticos
GABAB espinais, reduzindo a liberação de neurotransmissores excitatórios e, consequentemente,
inibindo a ativação dos motoneurônios. Em Medicina Veterinária, o baclofeno vem sendo usado para
tratamento da retenção urinária em cães e não é recomendado para gatos. Efeitos adversos reportados
em cães incluem sedação, fraqueza, prurido, salivação e desconfortos intestinais.
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CAPÍTULO 2
Imobilização química
Introdução
Saber do comportamento normal do animal permite a avaliação do seu estado emocional e físico,
antes, durante, e após os procedimentos de contensão. Muitas das mudanças comportamentais são
um exagero do comportamento normal e o objetivo de qualquer processo de contenção é devolver o
animal para sua atividade diária normal, o mais rapidamente possível.
Práticas de criação modernas exigem que o estresse de qualquer procedimento seja minimizado
para otimizar o bem-estar animal. O treinamento é o caminho pelo qual o animal se acostuma a um
procedimento de forma metódica, e os animais domésticos requerem treinamento para o seu bem-
estar e para a relação com as pessoas.
Com essa resposta tátil, treinamento minimizado para muitas tarefas pode ser realizado.
Opioides
Os mecanismos pelos quais os opioides produzem as alterações de humor são complexos e não são
bem entendidos.
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A etorfina foi testada numa grande variedade das espécies. É particularmente útil para a imobilização
de grandes ungulados, como o elefante, rinoceronte ou hipopótamo. Tem sido administrada a
maioria das espécies de artiodactilos com diferentes graus de eficácia e segurança. Também tem
sido usada eficazmente em grandes ursos.
A excitação observada no cavalo e em gatos com a utilização da morfina pode também ser observada
com a etorfina. Esse efeito está relacionado à dose. Doses mínimas para uma espécie pode resultar
em agitação, tremores, e convulsões para outra.
Tal como acontece com a maioria dos outros agentes, hipertermia fatal pode ocorrer com a etorfina.
Um animal que tenha sido perseguido e está altamente excitado no momento da imobilização
experimenta um grave acúmulo de calor no corpo. O isolamento do corpo e a depressão central
dos sistemas de termorregulação podem inibir a dissipação de calor. Animais menores são mais
propensos ao estresse térmico após a utilização de qualquer agente de químico de contensão.
Animais imobilizados com etorfina ou outros opiláceos podem tornar-se renarcotizados poucas
horas após a recuperação. A renarcotização refere-se ao ressurgimento do efeito de um agente de
contensão opiáceo após a administração de um antagonista (agente de reversão). As causas podem
ser inúmeras, mas geralmente envolvem a farmacodinâmica do agonista e do antagonista da
seguinte forma:
O fentanil é um agonista opiáceo sintético, tendo sua farmacologia semelhante à da etorfina, mas
com 1/15 da potência. Provoca menor supressão da respiração, mas tem menor efeito imobilizador
e os animais podem permanecer em pé. O fentanil normalmente é utilizado em combinação com
outros agentes, e apenas em animais pequenos, tais como pequenos carnívoros ou herbívoros. Não
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TRANQUILIZANTES E RELAXANTES MUSCULARES DE AÇÃO CENTRAL, IMOBILIZAÇÃO QUÍMICA, ESTIMULANTES DO SNC E AGENTES pSICOTRÓPICOS │ UNIDADE IV
é adequado para zebras. Os efeitos colaterais são semelhantes a outros opiáceos e a naltrexona é o
antagonista de escolha.
Derivados da ciclohexamina
A ketamina atravessa a placenta em todas as espécies, e não há relatos de aborto, quando utilizada
em animais prenhes. Esse fármaco é desintoxicado no fígado, e ele e seus metabolitos são excretados
na urina. Aves e répteis têm sistema portal-renal que pode desviar o sangue (e a ketamina) a partir
de regiões caudais para o rim antes de atingir a circulação sistêmica; assim, a dose de ketamina
administrada no membro posterior ou na metade caudal do corpo pode não produzir os efeitos
desejados nessas espécies. A indução é caracterizada por ataxia e o animal fica deitado. A ketamina
tem sido usada em humanos, gatos domésticos e primatas não humanos. No entanto, também tem
sido a forma segura e eficaz usada para anestesia de inúmeras outras espécies de animais selvagens.
É particularmente eficaz em carnívoros selvagens, répteis e aves, mas não é apropriada como agente
único para a maioria dos ungulados. A recuperação é geralmente tranquila. Alguns felinos podem
apresentar leve depressão do SNC durante até 24 horas após a anestesia.
A ketamina pode ser contraindicada em animais com elevada pressão arterial e a hipertermia é um
efeito colateral da anestesia com esse agente (a catatonia causa a produção de calor e a hipertermia
é muito provável de ocorrer se as convulsões aparecerem). Mamíferos marinhos e suínos com
grandes depósitos de gordura não podem dissipar o calor rapidamente e são particularmente
sujeitos a hipertermia.
A combinação capitaliza sobre as características desejáveis de cada um, enquanto minimizam os
efeitos colaterais adversos. O cloridrato de tiletamina usado sozinho produz analgesia, anestesia
cataleptoide e crises convulsivas em alguns animais. A combinação com o zolazepam elimina esses
efeitos indesejáveis.
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UNIDADE IV │ TRANQUILIZANTES E RELAXANTES MUSCULARES DE AÇÃO CENTRAL, IMOBILIZAÇÃO QUÍMICA, ESTIMULANTES DO SNC E AGENTES PSICOTRÓPICOS
Esta associação é utilizada para a imobilização química e anestesia cirúrgica em uma ampla
variedade de carnívoros, artiodactilos, aves, répteis e anfíbios.
Salivação excessiva é comum, mas pode ser controlada com a administração de atropina. Raras
reações indesejáveis incluem rigidez muscular, tremores, vocalização, recuperação conturbada,
vômitos, apneia, cianose e taquicardia.
De grande preocupação é um efeito retardado sobre o SNC que pode ocorrer de 24-48 horas após
a administração. A síndrome inclui tremores musculares, ataxia, fraqueza muscular, fasciculação,
anorexia e convulsões. Não há nenhum antagonista conhecido para a tiletamina. O zolazepam pode
ser antagonizado com o flumazenil.
Agonistas α2-adrenérgicos
A descrição detalhada destes agentes é feita no capítulo 2.
A xilazina é um sedativo não narcótico, analgésico e relaxante muscular. Esses efeitos são
mediados pela depressão do SNC. O animal parece estar dormindo. Estimulação durante a fase
de indução da sedação pode impedir sedação ótima e quando um animal, aparentemente sedado,
é abordado muito rapidamente, pode despertar explosivamente, comprometendo a segurança
do operador.
Está indicada como sedativo suave em cavalos. É um agente imobilizante popular, usado isoladamente
ou em combinação com outros medicamentos para uma grande variedade de espécies.
A xilazina produz efeito aditivo quando combinada com tranquilizantes e barbitúricos. Um animal
levemente sedado pode fazer uso efetivo de seus mecanismos de defesa, se a dor é infligida.
Neurolépticos
Descrição detalhada desses agentes é feita no capítulo 8.
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TRANQUILIZANTES E RELAXANTES MUSCULARES DE AÇÃO CENTRAL, IMOBILIZAÇÃO QUÍMICA, ESTIMULANTES DO SNC E AGENTES pSICOTRÓPICOS │ UNIDADE IV
Esses agentes são usados para acalmar animais domésticos agressivos e, frequentemente, em
combinação com drogas imobilizantes para combater efeitos farmacológicos indesejáveis da droga
principal. Uma nova e importante utilização dos tranquilizantes de longa ação é acalmar animais
durante períodos de estresse. Muitas desses agentes estão disponíveis.
Devem ser tomadas precauções se a acepromazina for combinada com outro agente hipotensor.
Ocasionalmente, em vez de produzir depressão do SNC, age como estimulante e causa
hiperexcitabilidade. Esse fármaco não deve ser utilizado para controlar convulsões causadas por
intoxicação com inseticida do tipo fosfatos orgânicos. Não há nenhum antagonista conhecido.
A azaperona é um neuroléptico butirofenona que produz sedação e tranquilização. Também tem ação
antiemética. A sua maior utilização é em combinação com outros agentes químicos de contensão.
Pode ocorrer salivação transitória e tremores musculares em suínos. Tem mínima ação analgésica.
A perfenazina foi comercializada pela primeira vez como calmante para bovinos há quase meio
século. Infelizmente, foi também usada em cavalos, nos quais produziu uma paralisia irreversível
do músculo retrator do pênis em garanhões. Foi, posteriormente, retirada do mercado veterinário
nos Estados Unidos, mas foi recentemente reintroduzida. A perfenazina não pode ser utilizada em
equídeos, e não possui antagonistas.
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CAPÍTULO 3
Estimulantes do SNC e agentes
psicotrópicos
Estimulantes do SNC
Introdução
Os estimulantes do SNC são drogas capazes de estimular a atividade de diferentes áreas encefálicas
aumentando a atividade física e psíquica e modificando os padrões habituais de comportamento sob
controle central. A impossibilidade de estimular esse sistema de forma efetiva por muito tempo, a
depressão compensatória que se segue, os estreitos limites de dosagem e os efeitos colaterais graves
limitam muito o uso clínico desses agentes.
Assim, os estimulantes do SNC têm sido utilizados em Medicina Veterinária primariamente para o
tratamento da depressão ou parada respiratória, para o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade
ou hipercinesia em cães. O uso ilegal para aumentar a performance tem sido registrado.
Uma variedade de efeitos secundários pode ocorrer nos animais como dor e dificuldade ao urinar
devido à contração do esfíncter uretral, distúrbio gastrintestinal, perda do apetite, anorexia, boca
seca, convulsões, hipertermia, aumento da pressão arterial, taquicardia, e arritmias cardíacas. Os
estimulantes do SNC são contraindicados em animais com doença cardiovascular ou glaucoma, e
também naqueles com ansiedade significativa porque esses sintomas podem ser exacerbados.
Não administrar estimulantes do SNC com inibidores da monoamina oxidase até 14 dias de
descontinuação deste último agente.
Em caso de sobredosagem, deve-se remover o conteúdo estomacal por lavagem gástrica, e administrar
carvão ativado e catárticos. Um barbitúrico de curta ação pode ser dado antes de se tentar a lavagem
gástrica. Estímulos externos devem ser minimizados, pois agravam a já existente hiperexcitação
induzida pela droga. Fornecer terapia de suporte, incluindo procedimentos para evitar hipertermia.
Estimulantes corticais
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As anfetaminas e seus derivados são simpaticomiméticos de ação indireta que produzem seus efeitos
primariamente liberando catecolaminas (parece que especialmente a dopamina) da terminação
nervosa pré-sináptica. Também interagem com receptores catecolaminérgicos e inibem levemente
a MAO.
Estimulantes bulbares
O doxapram tem ação estimulante sobre os quimiorreceptores das regiões carotídea e aórtica, e
também pode estimular diretamente o centro respiratório. Esse agente é usado por via intravenosa
na reversão da depressão respiratória central causada por agentes depressores do SNC, como os
barbitúricos e outros anestésicos. Pode ser administrado por via subcutânea em neonatos ou em
filhotes de cães e gatos.
Estimulantes medulares
A estricnina é o único representante deste grupo e não é empregada em Medicina Veterinária pela
sua alta toxicidade. Sua importância resume-se a episódios de intoxicações em animais (ingestão
acidental de raticidas ou provocada criminosamente). A estricnina bloqueia receptores da glicina,
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UNIDADE IV │ TRANQUILIZANTES E RELAXANTES MUSCULARES DE AÇÃO CENTRAL, IMOBILIZAÇÃO QUÍMICA, ESTIMULANTES DO SNC E AGENTES PSICOTRÓPICOS
Agentes psicotrópicos
Introdução
Esses agentes não tem uso terapêutico em Medicina Veterinária, mas os animais de companhia são,
com certa frequência, expostos a essas substâncias.
A nicotina tem os sinais e sintomas da intoxicação iguais aos da estimulação excessiva de receptores
nicotínicos e podem causar intoxicação acidental em cães e gatos.
Ópio e derivados opioides (morfina, metadona e heroína) são capazes de induzir dependência física
e um grau apreciável de tolerância em relação aos efeitos depressores respiratórios, sedativos,
analgésicos, eméticos e euforizantes. São descritos em maior detalhe no capítulo 9.
A cocaína causa excitação do SNC no início e, em seguida, depressão. Ao atingir o SNC, essa droga
produz estado de euforia e bem-estar, redução da fadiga e aumento da capacidade de trabalho.
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Para (não) finalizar
A farmacologia veterinária tem passado por grandes avanços na busca incessante de fármacos mais
específicos, eficientes e seguros. Isto implica a necessidade constante de atualização profissional
para estar apto a usar as novidades nesta vasta área. À medida que o conhecimento sobre os
mecanismos fisiológicos e fisiopatológicos vão se aprofundando, vão surgindo novos possíveis alvos
farmacológicos e novas drogas passam a ser desenvolvidas. Os fármacos que atuam no SNC têm valor
inestimável uma vez que podem modificar funções fisiológicas específicas e importantes para a vida.
De fato, o controle da febre, da dor, de muitos distúrbios do movimento, de convulsões, a contensão
química e intervenções cirúrgicas essenciais sobrevivência do indivíduo não poderiam ser levados a
cabo sem a utilização das drogas que agem no SNC. Além disso, a psicofarmacologia veterinária tem
passado por avanços consideráveis, apesar das grandes dificuldades em se identificar e diagnosticar
os distúrbios comportamentais em animais. Somado ao fato de ter que lidar com pacientes de
espécies diferentes (às vezes muito diferentes), o desafio do médico veterinário é enorme. Há de se
procurar converter esses desafios em motivação para que cada vez mais possamos contribuir para o
bem-estar animal e, consequentemente, para o nosso próprio bem-estar.
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REFERÊNCIAS
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Saunders, 2001. XIV, 806p.
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