Vilhalva e Freitas (2017) - Direito Linguístico e As Conquistas Do Aluno Índio Surdo Na Escola Indígena
Vilhalva e Freitas (2017) - Direito Linguístico e As Conquistas Do Aluno Índio Surdo Na Escola Indígena
Vilhalva e Freitas (2017) - Direito Linguístico e As Conquistas Do Aluno Índio Surdo Na Escola Indígena
Colaboradores:
Aurélio Alencar3
Mariolinda Ferraz4
Resumo
Introdução
currículos e programas específicos; elaborar material didático específico e diferenciado e afirmar as iden-
tidades étnicas. Disponível em: <http://undime.org.br/educacao-indigena-povos-da-amazonia-definem-
territorios-etnoeducacionais/>.
24
Instituto Nacional de Educação de Surdos
política linguística, a educação escolar indígena passa a ser colocada numa pers-
pectiva etnoeducacional devido à valorização da cultura dos povos indígenas, ao
empoderamento das línguas maternas, às ofertas de formação continuada específica
e diferenciada aos profissionais, à projeção de assegurar as identidades étnicas e
ainda à presença de professores intérpretes da língua de sinais nas salas de aulas.
Mudanças ocorreram no espaço escolar indígena. Além do estudo em direção
à política linguística, a educação escolar indígena passa a ser colocada numa pers-
pectiva etnoeducacional devido à valorização da cultura dos povos indígenas, ao
empoderamento das línguas maternas, às ofertas de formação continuada específica
e diferenciada aos profissionais, à projeção de assegurar as identidades étnicas e
ainda à presença de professores intérpretes da língua de sinais nas salas de aulas.
Nas Salas de Recursos Multifuncionais os alunos vêm obtendo progresso em vários
aspectos, um deles é o desafio para aquisição de línguas necessárias no processo de
ensino-aprendizagem (língua de sinais e língua escrita da etnia e em português). Os
alunos contam com o professor e o intérprete de língua de sinais em sala de aula em
um período e no contraturno com o professor bilíngue das Salas de Recursos Multi-
funcionais, pois é um direito da pessoa surda receber atendimento em um ambiente
linguístico e cultural específico bilíngue.
A escola indígena é um espaço onde o aluno encontra diferentes línguas tanto
as orais, como as visuais e escritas. O processo de ensino bilíngue para alunos surdos
na sala de aula comum está caracterizado como Libras como L1 (primeira língua)
e Língua Portuguesa escrita como L2 (como segunda língua), e transforma-se em
ensino trilíngue Libras – Língua Indígena em Guarani, Kaiowá ou Terena. Um novo
olhar paira sobre a realidade da educação bilíngue quando as comunidades surdas
brasileiras e mundiais apontam que o foco é fazer valer os direitos dentro da política
linguística. A educação bilíngue acontece na diversidade linguística e cultural, con-
quista de direito que vai além da inclusão.
MEC deve promover um amplo debate sobre Educação Especial como mecanismo
para estabelecer políticas específicas dessa temática na formação de professores
25
Instituto Nacional de Educação de Surdos
para que eles tenham condições de identificar e atender os casos de pessoas com
necessidades educacionais especiais, de acordo com a realidade sociocultural de
cada povo. A partir dos resultados desse debate, o MEC deverá criar um programa
que contemple o atendimento, trate da contratação e formação de professores
indígenas, da produção de materiais didáticos e de equipamentos necessários ao
atendimento especializado aos alunos com deficiência de acordo com as especi-
ficidades de cada povo (I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena – I
CONEEI – Luziânia/GO, 2009. Documento final. p. 8).
No contexto educacional de Dourados, em Mato Grosso do Sul, conforme
informações da Semed de Dourados há 21 escolas municipais e um CEIM (Centro
de Educação Infantil) que atendem alunos surdos ou deficientes auditivos, dessas
escolas seis são escolas indígenas. No total são 27 alunos surdos atendidos, sendo que
10 são índios surdos atendidos em escolas indígenas e um é matriculado em escola
não indígena urbana, pois a família mudou-se para o centro urbano e ele frequenta
a educação escolar à noite na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Existem índios surdos adultos que estão fora da escola, muitas vezes por opção
da própria família, que não visualiza como a escola pode contribuir para sua forma-
ção, ou simplesmente por estar trabalhando nas usinas de cana de açúcar da região
e não ter tempo de conciliar estudo e trabalho. Há ainda uma aluna índia surda que
deixou de frequentar a escola para casar-se e não mais voltou ao ambiente escolar.
Em 2013, uma aluna indígena surda que estava na escola municipal passou
a estudar na Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Guateka Marçal de Souza.
Destacamos aqui que o Projeto Índio Surdo atua nas escolas indígenas dentro de
terras indígenas.
As secretarias de educação do estado e do município vêm atuando junto às
escolas e aos cursos de formação para professores, atualizando os profissionais da
educação quanto as orientações pedagógicas e adaptações curriculares para atuar
com alunos índios surdos nas escolas indígenas. O trabalho de formação continuada
sobre a educação bilíngue dos surdos, deficientes auditivos e dos surdocegos, tem
como foco a política linguística dentro das comunidades indígenas e vem sendo
realizado pelo CAS/MS.
Será apresentada neste texto a realidade da Escola Municipal Indígena Tenga-
tuí Marangatu, onde está localizada a Sala de Recurso Multifuncional em que atua
professora bilíngue nas línguas orais e de sinais.
Durante esses dez anos, foi observado que há necessidade de formação dos
professores indígenas para o atendimento aos alunos surdos, deficientes auditivos e
surdocegos. Essa formação engloba o conhecimento das diferenças e semelhanças,
como acontece nos demais espaços, para o ensino das línguas: língua brasileira de
sinais, língua escrita da etnia ou língua portuguesa, línguas estrangeiras e demais
línguas que estiverem no espaço educacional, como as línguas de sinais emergentes
Forum
que vêm do espaço familiar para escola (conforme Lei da Libras no 10.436/2002, art.
1º, em que é reconhecido como meio legal de comunicação e expressão da Libras
26
Instituto Nacional de Educação de Surdos
6
“Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos,
recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relaciona-
da à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando
sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.” ATA VII – Comitê de Ajudas Técnicas
(CAT) – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) – Secretaria
Especial dos Direitos Humanos – Presidência da República.
O termo Assistive Technology, traduzido no Brasil como Tecnologia Assistiva, foi criado em 1988 como
importante elemento jurídico dentro da legislação norte-americana conhecida como Public Law 100-407 e
foi renovado em 1998 como Assistive Technology Act de 1998 (P.L. 105-394, S.2432). Compõe, com outras
Forum
leis, o ADA – American with Disabilities Act, que regula os direitos dos cidadãos com deficiência nos EUA,
além de prover a base legal dos fundos públicos para compra dos recursos que estes necessitam.Tecnologia
Assistiva, disponível em: <http://www.assistiva.com.br/tassistiva.html>. Acesso em: 28 ago. 2013.
27
Instituto Nacional de Educação de Surdos
7
Para leitura integral do Programa de Ações Articuladas (PAR) visite o site do MEC: http://portal.mec.gov.
br/index.php?option=com_content&view=article&id=159&Itemid=235. Acesso em: 04 dez. 2013.
28
Instituto Nacional de Educação de Surdos
29
Instituto Nacional de Educação de Surdos
séculos deixam de ter esse sentido, porque a realidade que ele designa também já não é nova.
Disponível em: <http://arquivo.ese.ips.pt/ese/destaques/publicacoes/EDCLJanJun2006.pdf>. Acesso
em: 22 mai. 2009.
30
Instituto Nacional de Educação de Surdos
língua oral, então as escolas têm como disciplinas apenas nos anos finais do ensino
fundamental a língua Terena e Guarani, e cada turma tem duas aulas durante a
semana, com duração de cinquenta minutos cada aula.
No entanto, precisamos considerar que além das vivências do aluno com sua
língua materna visual L1(sinais emergentes e a Libras) e a língua materna das etnias
presentes na escola (oral e escrita), o aluno também tem contato com outras línguas
estrangeiras, como o espanhol e o inglês.
Na Salas de Recursos Multifuncionais dentro das escolas bilíngues, os profes-
sores terão três línguas no ambiente educacional, porém deverá elencar qual será
a língua de instrução, que nesse caso seria a LS/L19 para os alunos surdos e a LP/L210
para alunos deficientes auditivos ou surdos parciais.
Com relação às práticas linguísticas o aluno indígena com deficiência auditiva,
aqui nos referimos aquele aluno que tem resíduos auditivos, no âmbito de seu núcleo
familiar usa a língua materna da etnia indígena a qual ele pertence, por exemplo,
a L1 é a língua Guarani ou a língua Terena oral. Ao iniciar seu processo escolar, a
aprendizagem da língua escrita da etnia leva o aluno para a aquisição da L2, sendo
que a língua portuguesa escrita será a L3.
No caso de aluno indígena surdocego, serão necessárias adaptações curriculares
táteis para o ensino desse aluno.
Além dos casos de alunos surdos indígenas usuários da língua de sinais, te-
mos também em algumas aldeias casos de pessoas com deficiência auditiva, que
não apresentam perda auditiva severa ou profunda e sim parcial. Esses deficientes
auditivos ou surdos parciais indígenas, com perda auditiva parcial, também apre-
sentam dificuldades na comunicação, pois ouvem as conversas da família e da
comunidade, que se utilizam da língua materna da etnia, mas não compreendem
com clareza o que elas estão conversando, assim como também pronunciam as
palavras com dificuldade, não sendo muitas vezes compreendidos. E quando esses
alunos vão para as escolas o problema se agrava ainda mais, porque lá na escola a
língua falada é o português, o que traz mais obstáculos linguísticos para o ambiente
escolar. Daí a necessidade de oferecer a esse aluno a acessibilidade por meio da
presença, no ambiente escolar, de um tradutor intérprete oral, da língua indígena
para a língua portuguesa.
Há ainda casos de pessoas indígenas com surdocegueira, ou seja, pessoas que
apresentam além da perda auditiva também a perda visual concomitantemente, que
pode ser desde uma perda parcial a até mesmo a perda profunda de ambos os sen-
tidos, levando essa pessoa a necessitar de intervenção educacional adequada para
que ela possa desenvolver-se tanto na comunicação, como na interação socioam-
biental. Neste trabalho, há a necessidade de se investir na formação de professores
indígenas com o objetivo de transmitir-lhes conhecimentos acerca das necessidades
diferenciadas dos seus alunos.
Forum
9
Sinais emergentes e a Libras.
10
Língua da sua etnia e a Língua Portuguesa.
31
Instituto Nacional de Educação de Surdos
32
Instituto Nacional de Educação de Surdos
Considerações finais
De 2003 até agora (2013) são dez anos de atuação do projeto Mapeamento das
Línguas de Sinais Indígenas, o que resultou em um trabalho dinâmico e interativo,
troca de ideias e o compartilhar de conhecimentos, que fez com que o trabalho dos
professores e técnicos possibilitassem a construção e reconstrução das diferentes
metodologias para atendimento dos alunos na Salas de Recursos Multifuncionais.
Após a análise da trajetória da etnoeducação de surdos e o ensino de línguas
dentro da Salas de Recursos Multifuncionais podemos concluir que é possível realizar
e ousar no atendimento. Por mais que se encontrem desafios, todo conhecimento
compartilhado sobre o processo de educação bilíngue e a inserção da Língua de
Sinais em um espaço onde antes só havia destaque para línguas orais, podemos afir-
mar que houve vitórias, as atividades e as tomadas de decisões de toda comunidade
escolar foram inseridas em uma nova realidade, corroborando para a efetivação de
um projeto político pedagógico mais atuante na prática.
A necessidade urgente de formação de profissionais bilíngues em línguas de
sinais, a produção de materiais específicos e a pesquisa/avaliação serão as reinvin-
dicações para os novos projetos educacionais.
Nas Salas de Recursos Multifuncionais vivenciamos a possibilidade de repen-
sar as práticas pedagógicas estabelecidas, buscando novos caminhos e permitindo
colaborações de diferentes equipes de profissionais, que se uniram para estabelecer
formas de trabalho que atendam às necessidades dos estudantes.
É importante registrar que o uso da tecnologia na educação dos alunos indíge-
nas surdos tem auxiliado o seu desenvolvimento, pois, conforme as orientações do
Decreto no 5626/2005, há necessidade de traduzir os conteúdos para Libras, uma
vez que a Libras é a língua de instrução, bem como trabalhar a tradução da Libras
para língua portuguesa.
Referências bibliográficas
33
Instituto Nacional de Educação de Surdos
34
Instituto Nacional de Educação de Surdos
VILHALVA, Shirley. Índios surdos: mapeamento das línguas de sinais do Mato Grosso
do Sul. Rio de Janeiro: Editora Arara Azul, 2012.
Forum
35