Vilhalva e Freitas (2017) - Direito Linguístico e As Conquistas Do Aluno Índio Surdo Na Escola Indígena

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Instituto Nacional de Educação de Surdos

Direito linguístico e as conquistas do


aluno índio surdo na escola indígena
em Dourados em Mato Grosso do Sul
Shirley Vilhalva1
Simone Freitas2

Colaboradores:
Aurélio Alencar3
Mariolinda Ferraz4

Agradecimento à professora Claudia Ester Soares Candia,


do Projeto Índio Surdo do CAS/MS pela colaboração nos trabalhos
nas comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul.

Resumo

Com o avanço da política nos territórios etnoeducacionais5 e com o advento da


política linguística houve necessidade de abrir espaço para a educação dos alunos
surdos nas escolas dentro das terras indígenas com a presença dos professores bilíngues
e intérpretes tanto nas línguas orais da etnia como na língua de sinais. O presente
texto pretende apresentar a trajetória atual da educação de surdos e o ensino de lín-
guas dentro das Salas de Recursos Multifuncionais no contexto sul-mato-grossense.

Palavras-chave: escola indígena; etnoeducação; surdos; política linguística; língua


de sinais e intérprete de língua de sinais; Salas de Recursos Multifuncionais.

Introdução

Os alunos índios surdos das comunidades indígenas da região de Dourados, em


Mato Grosso do Sul, tiveram um grande avanço em sua escolaridade no contexto da
educação escolar indígena, já que antes esses alunos sempre ficavam mais fora da
sala de aula do que dentro da sala de aula devido à falta de comunicação. Diversas
mudanças ocorreram no espaço escolar indígena. Além do estudo em direção à
1
Professora Mestre em Linguística e Técnica Pedagógica e responsável pelo Projeto Indío Surdo – CAS/MS.
2
Professora Especialista e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais na Escola Municipal Indígena Tegatuí
Marangatu, na Comunidade Indígena Jaguapiru em Dourados (MS).
3
Professor Especialista e Intérprete de Língua de Sinais da equipe Técnica Pegagógica da Secretaria Municipal
de Educação de Dourados (MS).
4
Professora Mestre em Linguística e Técnica da Secretaria Municipal de Educação de Dourados – MS
5
O Decreto nº 6.861/2009 diz que os objetivos dos territórios etnoeducacionais são valorizar a cultura
dos povos; afirmar e manter a diversidade; fortalecer as práticas socioculturais e das línguas maternas;
formular e manter programas de formação de pessoal especializado para a educação indígena; desenvolver
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currículos e programas específicos; elaborar material didático específico e diferenciado e afirmar as iden-
tidades étnicas. Disponível em: <http://undime.org.br/educacao-indigena-povos-da-amazonia-definem-
territorios-etnoeducacionais/>.

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política linguística, a educação escolar indígena passa a ser colocada numa pers-
pectiva etnoeducacional devido à valorização da cultura dos povos indígenas, ao
empoderamento das línguas maternas, às ofertas de formação continuada específica
e diferenciada aos profissionais, à projeção de assegurar as identidades étnicas e
ainda à presença de professores intérpretes da língua de sinais nas salas de aulas.
Mudanças ocorreram no espaço escolar indígena. Além do estudo em direção
à política linguística, a educação escolar indígena passa a ser colocada numa pers-
pectiva etnoeducacional devido à valorização da cultura dos povos indígenas, ao
empoderamento das línguas maternas, às ofertas de formação continuada específica
e diferenciada aos profissionais, à projeção de assegurar as identidades étnicas e
ainda à presença de professores intérpretes da língua de sinais nas salas de aulas.
Nas Salas de Recursos Multifuncionais os alunos vêm obtendo progresso em vários
aspectos, um deles é o desafio para aquisição de línguas necessárias no processo de
ensino-aprendizagem (língua de sinais e língua escrita da etnia e em português). Os
alunos contam com o professor e o intérprete de língua de sinais em sala de aula em
um período e no contraturno com o professor bilíngue das Salas de Recursos Multi-
funcionais, pois é um direito da pessoa surda receber atendimento em um ambiente
linguístico e cultural específico bilíngue.
A escola indígena é um espaço onde o aluno encontra diferentes línguas tanto
as orais, como as visuais e escritas. O processo de ensino bilíngue para alunos surdos
na sala de aula comum está caracterizado como Libras como L1 (primeira língua)
e Língua Portuguesa escrita como L2 (como segunda língua), e transforma-se em
ensino trilíngue Libras – Língua Indígena em Guarani, Kaiowá ou Terena. Um novo
olhar paira sobre a realidade da educação bilíngue quando as comunidades surdas
brasileiras e mundiais apontam que o foco é fazer valer os direitos dentro da política
linguística. A educação bilíngue acontece na diversidade linguística e cultural, con-
quista de direito que vai além da inclusão.

Escola indígena e o Projeto Índio Surdo

Os alunos índios surdos em atendimento educacional bilíngue na Sala de


Recurso Multifuncional da escola indígena das comunidades Jaguapiru, Bororó e
Panambizinho, fazem parte de uma política educacional que reconhece a exis-
tência do direito linguístico, cultural e etnoeducacional desse segmento. Assim
se fez necessário o Projeto Índio Surdo, que desde 2003 vem acontecendo em
Dourados, por intermédio da Secretaria Municipal de Educação de Dourados
(Semed), Secretaria de Estado de Educação (SED) e Federação Nacional de Edu-
cação e Integração dos Surdos (Feneis), com base no documento da I Conferência
Nacional de Educação Escolar Indígena (I CONEEI), realizada em novembro de
2009, na cidade de Luziânia/GO. O documento menciona que uma das moda-
lidades de ensino na educação escolar indígena é a Educação Especial e que o
Forum

MEC deve promover um amplo debate sobre Educação Especial como mecanismo
para estabelecer políticas específicas dessa temática na formação de professores

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para que eles tenham condições de identificar e atender os casos de pessoas com
necessidades educacionais especiais, de acordo com a realidade sociocultural de
cada povo. A partir dos resultados desse debate, o MEC deverá criar um programa
que contemple o atendimento, trate da contratação e formação de professores
indígenas, da produção de materiais didáticos e de equipamentos necessários ao
atendimento especializado aos alunos com deficiência de acordo com as especi-
ficidades de cada povo (I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena – I
CONEEI – Luziânia/GO, 2009. Documento final. p. 8).
No contexto educacional de Dourados, em Mato Grosso do Sul, conforme
informações da Semed de Dourados há 21 escolas municipais e um CEIM (Centro
de Educação Infantil) que atendem alunos surdos ou deficientes auditivos, dessas
escolas seis são escolas indígenas. No total são 27 alunos surdos atendidos, sendo que
10 são índios surdos atendidos em escolas indígenas e um é matriculado em escola
não indígena urbana, pois a família mudou-se para o centro urbano e ele frequenta
a educação escolar à noite na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Existem índios surdos adultos que estão fora da escola, muitas vezes por opção
da própria família, que não visualiza como a escola pode contribuir para sua forma-
ção, ou simplesmente por estar trabalhando nas usinas de cana de açúcar da região
e não ter tempo de conciliar estudo e trabalho. Há ainda uma aluna índia surda que
deixou de frequentar a escola para casar-se e não mais voltou ao ambiente escolar.
Em 2013, uma aluna indígena surda que estava na escola municipal passou
a estudar na Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Guateka Marçal de Souza.
Destacamos aqui que o Projeto Índio Surdo atua nas escolas indígenas dentro de
terras indígenas.
As secretarias de educação do estado e do município vêm atuando junto às
escolas e aos cursos de formação para professores, atualizando os profissionais da
educação quanto as orientações pedagógicas e adaptações curriculares para atuar
com alunos índios surdos nas escolas indígenas. O trabalho de formação continuada
sobre a educação bilíngue dos surdos, deficientes auditivos e dos surdocegos, tem
como foco a política linguística dentro das comunidades indígenas e vem sendo
realizado pelo CAS/MS.
Será apresentada neste texto a realidade da Escola Municipal Indígena Tenga-
tuí Marangatu, onde está localizada a Sala de Recurso Multifuncional em que atua
professora bilíngue nas línguas orais e de sinais.
Durante esses dez anos, foi observado que há necessidade de formação dos
professores indígenas para o atendimento aos alunos surdos, deficientes auditivos e
surdocegos. Essa formação engloba o conhecimento das diferenças e semelhanças,
como acontece nos demais espaços, para o ensino das línguas: língua brasileira de
sinais, língua escrita da etnia ou língua portuguesa, línguas estrangeiras e demais
línguas que estiverem no espaço educacional, como as línguas de sinais emergentes
Forum

que vêm do espaço familiar para escola (conforme Lei da Libras no 10.436/2002, art.
1º, em que é reconhecido como meio legal de comunicação e expressão da Libras

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outros recursos de expressão a ela associados). Não se apropriando de uma denomi-


nação em referência às línguas de sinais emergentes usadas dentro das comunidades
indígenas, será necessária a realização de um estudo mais elaborado referente esse
assunto. Os resultados apontados indicam a urgente viabilização de formação de
intérpretes educacionais e de guia-intérpretes para atuar nas escolas indígenas situ-
adas nas terras indígenas.
Há necessidade também de instituir uma política pública de atendimento em
relação ao transporte escolar para que os alunos sejam atendidos dentro de suas
necessidades linguísticas junto aos seus pares. No contexto analisado, os alunos
são de comunidades distantes e, muitas vezes, não conseguem chegar às Salas de
Recursos Multifuncionais, como já levantado pela pesquisadora Juliana Lima em sua
pesquisa de mestrado.

Foi possível identificar e compreender as facilidades e dificuldades


das escolas estudadas quanto às formas de comunicação e inclusão
das crianças surdas. Das cinco crianças participantes deste estudo,
três são matriculadas na escola e uma frequenta apenas a Sala de
Recursos Multifuncionais (SRM). Das crianças escolarizadas, uma
é retirada da sala de aula para o atendimento na SRM e as demais
a frequentam no contraturno. As dificuldades apontadas pelos pro-
fessores estão relacionadas à necessidade de permanência desses
alunos sem período integral na escola e à falta de transporte para
uma das escolas (LIMA, 2013, p. 109).

Com relação à prática educacional, sabemos que a escola pública tem de


proporcionar mudanças, oferecer o conhecimento almejado por todos, nos campos
tecnologia assistiva6 e tornar realidade a educação bilíngue dentro do sistema et-
noeducacional nas escolas indígenas com oferta da sala bilíngue e Sala de Recurso
Multifuncional. Numa perspectiva afirmativa, como estudado por Lima, mostra-se a
importância da formação continuada nas escolas indígenas.

Os professores indígenas acreditam que as identidades surdas indíge-


nas se constituem num contexto político, linguístico e sociocultural,
o que torna necessário, além da presença do intérprete de língua
de sinais, o estabelecimento do diálogo intercultural; quanto aos

6
“Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos,
recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relaciona-
da à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando
sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.” ATA VII – Comitê de Ajudas Técnicas
(CAT) – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) – Secretaria
Especial dos Direitos Humanos – Presidência da República.
O termo Assistive Technology, traduzido no Brasil como Tecnologia Assistiva, foi criado em 1988 como
importante elemento jurídico dentro da legislação norte-americana conhecida como Public Law 100-407 e
foi renovado em 1998 como Assistive Technology Act de 1998 (P.L. 105-394, S.2432). Compõe, com outras
Forum

leis, o ADA – American with Disabilities Act, que regula os direitos dos cidadãos com deficiência nos EUA,
além de prover a base legal dos fundos públicos para compra dos recursos que estes necessitam.Tecnologia
Assistiva, disponível em: <http://www.assistiva.com.br/tassistiva.html>. Acesso em: 28 ago. 2013.

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conhecimentos específicos acerca das necessidades educacionais


especiais da pessoa surda e sobre a educação bilíngue, seus relatos
apontam a necessidade de que a escola possa propiciar condições
adequadas no aprendizado e desenvolvimento das potencialidades
linguísticas, cognitivas e socioculturais, com relação às crianças
indígenas, surdas e ouvintes (LIMA, 2013, p. 109).

Sala de Recurso Multifuncional na Escola Indígena

Desde 2005, o MEC disponibiliza as Salas de Recursos Multifuncionais aos


sistemas públicos de ensino. O programa Implantação de Salas de Recursos Multifun-
cionais foi instituído pelo MEC/SECADI por meio da Portaria Ministerial nº 13/2007,
que integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Plano Nacional
dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Viver sem Limite). O programa apoia a
organização e a oferta do atendimento educacional especializado complementar à
escolarização dos estudantes, que constituem o público-alvo da educação especial.
Este Programa disponibiliza equipamentos, mobiliários, recursos de acessibilidade
e materiais didático-pedagógicos para atender escolas públicas com matrícula de
estudante público alvo da educação especial em classe comum do ensino regular.
Conforme o coordenador-geral de Política de Acessibilidade na Escola Walter
Borges dos Santos Filho, em consulta por e-mail, antes de haver a Secadi já existia
a sala de recurso, e o programa era desenvolvido pela Secretaria de Educação Es-
pecial do Ministério da Educação, o qual objetiva apoiar a organização e a oferta
do Atendimento Educacional Especializado (AEE), prestado de forma complementar
ou suplementar à escolarização dos estudantes com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação matriculados em classes
comuns do ensino regular, assegurando-lhes condições de acesso, participação
e aprendizagem.
A escola consegue a implantação de uma Sala de Recurso Multifuncional por
meio da articulação com a secretaria de educação do seu município ou estado. O
programa atende as demandas do PAR7 (Plano de Ações Articuladas dos estados,
municípios e do Distrito Federal) em escolas públicas com matrículas de estudantes
da educação especial. Em contrapartida, o estado ou município deverá disponibilizar
o espaço físico e o professor para o Atendimento Educacional Especializado.
Os recursos financeiros para implantação de uma Sala de Recurso Multifun-
cional em referência aos materiais são adquiridos por meio de pregão nacional de
registros de preços do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
No contexto da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva, o programa objetiva:
Forum

7
Para leitura integral do Programa de Ações Articuladas (PAR) visite o site do MEC: http://portal.mec.gov.
br/index.php?option=com_content&view=article&id=159&Itemid=235. Acesso em: 04 dez. 2013.

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• Apoiar a organização da educação especial na perspectiva da educação inclusiva.


• Assegurar o pleno acesso dos estudantes da educação especial no ensino regular
em igualdade de condições com os demais estudantes.
• Disponibilizar recursos pedagógicos e de acessibilidade às escolas regulares
da rede pública de ensino.
• Promover o desenvolvimento profissional e a participação da comunidade escolar.

Com base no documento orientador do Programa de Implantação de Salas de


Recursos Multifuncionais da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (Secadi-MEC), destacamos a definição da Sala de Recur-
so Multifuncional, conforme o Decreto n° 7.611/2011, que aprovou o Decreto n°
6.571/2008. As Salas de Recursos Multifuncionais são ambientes dotados de equipa-
mentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do Atendimento
Educacional Especializado (AEE) de alunos surdos, surdocegos e surdos parciais. É
um espaço de aprendizagem de línguas visuais, escritas e orais, destacando o ensino
da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua, e Língua Portuguesa
escrita como segunda língua.
A presença de professores surdos e ouvintes bilíngues são de suma importância, já
que a maioria dos alunos é de filhos de pais ouvintes não usuários da língua de sinais.
O objetivo dessas SRM também é dar suporte técnico à produção de materiais
didáticos (DVD em Libras e legendado) para que os alunos tenham oportunidade
de leitura mediante a sua L1 (língua de sinais) e adequação de materiais de comple-
mentação didática, tornando-os acessíveis aos alunos surdos, deficientes auditivos e
surdocegos por meio da oferta de equipamentos de informática individual.
É imprescindível providenciar os equipamentos para realizar a acessibilidade
ao material didático, facilitando a comunicação dos alunos, assegurando-lhes a
ampliação de possibilidades linguísticas, culturais, sociais, educacionais, profissio-
nais e de lazer, valorizando a educação bilíngue com atividades diferenciadas, com
vídeos educativos específicos para surdos e demais recursos dentro das necessidades
específicas para surdocegos.
Os livros didáticos e paradidáticos bilíngues deverão ser elaborados com os
artefatos existentes nos territórios etnoeducacionais somando as confecções de jogos
e brinquedos pedagógicos em Libras e também em demais formas de comunicação.
A proposta de elaboração e produção de materiais específicos é uma proposta das
políticas educacionais de surdos que envolvem a língua de sinais como propostas
dos cursos de Letras/Libras e Pedagogia Bilíngue pelo próprio MEC.
O profissional que irá atuar nas Salas de Recursos Multifuncionais atendendo
os alunos indígenas surdos deve ser um profissional bilíngue em língua de sinais
e, dentro da possibilidade, das línguas materna da etnia, com conhecimento da
cultura, pedagogia e do viver indígena. É preciso destacar a valorização da co-
Forum

municação natural (sinais emergentes criados pelas próprias famílias, conhecidos


também como sinais caseiros).

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Os sinais emergentes foram criados devido a uma necessidade de


comunicação, passando por sinais indicativos, icônicos e arbitrá-
rios. As maneiras como surgem cada sinal levam tempo para se
entender, principalmente quando os sinais são criados conforme o
neologismo,8 esses novos sinais passam a fazer parte da comuni-
cação para depois designar algo consistentemente como acontece
também nas línguas orais auditivas (VILHALVA, 2009, p. 136).

Como um exemplo vivenciado pelo grupo de alunos surdos e pela professora


com a cultura dentro do espaço indígena, foi realizado um estudo sobre as etnias
existentes na comunidade do entorno, cada uma delas com suas crenças, danças
tradicionais, comidas, e arte. Essa aprendizagem muitas vezes passa por uma comu-
nicação oral dos avós aos netos e aos filhos, em diferentes contextos. Diversas vezes
os alunos surdos perdem parte de sua identidade indígena e de sua cultura, já que
isso é passado oralmente, e o aluno não consegue compreender de fato.
Apesar das crianças surdas indígenas terem uma comunicação com a família por
meio de uma língua de sinais emergente, essa língua ainda não tem uma estrutura
linguística, o que dificulta o acesso dessas crianças a informações importantes, uma
vez que o que existe entre elas e suas famílias é apenas uma comunicação básica
para poder sobreviver dentro de sua comunidade.
Foi realizado um projeto com os alunos na escola cujo tema foi “Conhe-
cendo nossas historias”; um dos objetivos principais foi oferecer acesso a própria
cultura por meio do uso da língua de sinais, seja Libras ou sinais emergentes, e
também das outras etnias existentes na comunidade, promovendo uma convivência
pacífica, cada um respeitando a etnia do outro. Tudo isso visa também à produção
de materiais pedagógicos para futuras gerações tanto ouvintes, como os surdos,
que poderão ter acesso a essas informações. Durante a realização desse projeto,
a professora buscou várias pesquisas entre os anciãos da comunidade, família e
escola, buscando recursos para suas aulas, pois o saber dos povos indígenas não
está concentrado em uma única fonte. Como conclusão desse trabalho, os próprios
alunos surdos realizaram o reconto das suas histórias, por meio de desenhos, textos
e vídeo em Língua Brasileira de Sinais, sendo também incluída a comunicação com
a língua emergente.
Em relação à língua escrita, é preciso observar que na comunidade indígena
de Dourados existem cinco escolas indígenas, porém somente em duas delas se
trabalha na língua oral e escrita da etnia. Como existem três etnias diferentes (Gua-
rani, Kaiowá e Terena), nem todas as crianças ouvintes falam a língua indígena,
principalmente nas escolas localizadas na aldeia Jaguapirú. Ali existem guaranis
falantes/não falantes, terena falantes/não falantes, kaiowá falantes/não falantes da
8
Neologismos são palavras criadas para designar novas situações, conceitos, fatos, objetos etc.,
sendo que um neologismo só é sentido como tal durante algum tempo, pois passados anos ou
Forum

séculos deixam de ter esse sentido, porque a realidade que ele designa também já não é nova.
Disponível em: <http://arquivo.ese.ips.pt/ese/destaques/publicacoes/EDCLJanJun2006.pdf>. Acesso
em: 22 mai. 2009.

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língua oral, então as escolas têm como disciplinas apenas nos anos finais do ensino
fundamental a língua Terena e Guarani, e cada turma tem duas aulas durante a
semana, com duração de cinquenta minutos cada aula.
No entanto, precisamos considerar que além das vivências do aluno com sua
língua materna visual L1(sinais emergentes e a Libras) e a língua materna das etnias
presentes na escola (oral e escrita), o aluno também tem contato com outras línguas
estrangeiras, como o espanhol e o inglês.
Na Salas de Recursos Multifuncionais dentro das escolas bilíngues, os profes-
sores terão três línguas no ambiente educacional, porém deverá elencar qual será
a língua de instrução, que nesse caso seria a LS/L19 para os alunos surdos e a LP/L210
para alunos deficientes auditivos ou surdos parciais.
Com relação às práticas linguísticas o aluno indígena com deficiência auditiva,
aqui nos referimos aquele aluno que tem resíduos auditivos, no âmbito de seu núcleo
familiar usa a língua materna da etnia indígena a qual ele pertence, por exemplo,
a L1 é a língua Guarani ou a língua Terena oral. Ao iniciar seu processo escolar, a
aprendizagem da língua escrita da etnia leva o aluno para a aquisição da L2, sendo
que a língua portuguesa escrita será a L3.
No caso de aluno indígena surdocego, serão necessárias adaptações curriculares
táteis para o ensino desse aluno.
Além dos casos de alunos surdos indígenas usuários da língua de sinais, te-
mos também em algumas aldeias casos de pessoas com deficiência auditiva, que
não apresentam perda auditiva severa ou profunda e sim parcial. Esses deficientes
auditivos ou surdos parciais indígenas, com perda auditiva parcial, também apre-
sentam dificuldades na comunicação, pois ouvem as conversas da família e da
comunidade, que se utilizam da língua materna da etnia, mas não compreendem
com clareza o que elas estão conversando, assim como também pronunciam as
palavras com dificuldade, não sendo muitas vezes compreendidos. E quando esses
alunos vão para as escolas o problema se agrava ainda mais, porque lá na escola a
língua falada é o português, o que traz mais obstáculos linguísticos para o ambiente
escolar. Daí a necessidade de oferecer a esse aluno a acessibilidade por meio da
presença, no ambiente escolar, de um tradutor intérprete oral, da língua indígena
para a língua portuguesa.
Há ainda casos de pessoas indígenas com surdocegueira, ou seja, pessoas que
apresentam além da perda auditiva também a perda visual concomitantemente, que
pode ser desde uma perda parcial a até mesmo a perda profunda de ambos os sen-
tidos, levando essa pessoa a necessitar de intervenção educacional adequada para
que ela possa desenvolver-se tanto na comunicação, como na interação socioam-
biental. Neste trabalho, há a necessidade de se investir na formação de professores
indígenas com o objetivo de transmitir-lhes conhecimentos acerca das necessidades
diferenciadas dos seus alunos.
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Sinais emergentes e a Libras.
10
Língua da sua etnia e a Língua Portuguesa.

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O aluno indígena com surdocegueira, que está em processo de desenvolvimento


da comunicação, irá precisar do atendimento de um professor que atue como instrutor
mediador. Este professor-mediador deverá desenvolver a comunicação deste aluno
respeitando o seu ritmo de aprendizado e aproveitando os sentidos remanescentes,
buscando alcançar ainda a interação deste estudante com as demais pessoas e o
meio ambiente, promovendo assim uma educação que contemple as necessidades
e potencialidades do aprendiz.
Ainda no que se refere ao aluno surdocego, durante a etapa pós-linguística desse
aluno é importante que ele seja atendido por um guia-intérprete, que é o profissio-
nal que irá possibilitar a esse estudante o acesso à informação, utilizando a forma
de comunicação que lhe seja mais adequada, que neste caso pode ser a língua de
sinais, a fala ampliada, o tadoma, que é a escrita na palma da mão, o braile tátil,
entre outras formas de comunicação.
Citamos algumas sugestões que auxiliarão o trabalho do Atendimento Educa-
cional Especializado com os alunos indígenas surdos e deficientes auditivos. Essas
sugestões foram estudadas e adaptadas com base no Referencial Curricular Nacional
para Escolas Indígenas (2005):

• Uso de narrativas: o professor estimulará o relato dos alunos sobre os aconte-


cimentos e experiências pessoais. O surdo utilizará sua língua de uso. Os defi-
cientes auditivos utilizarão a escrita ou a modalidade oral da sua comunidade.
• Registro das atividades por meio de vídeos, para que o aluno possa assistir,
compreender e recontar posteriormente aos demais colegas.
• Dramatização: trabalhar situações reais e imaginárias em LS/L1 com os alunos
surdos e em LP/L2 com os alunos deficientes auditivos.
• Descrever fatos, contexto ou espaço de vivência, relações próximas com pessoas
envolvidas no seu dia a dia (por meio de escrita, filmagens, fotos etc.).
• Exposições: solicitar que os alunos façam exposição e explicação de conceitos den-
tro da LS/L1 (sinais emergentes e Libras) e LP/L2, identificando a opinião de um ou
outro colega em relação a determinado assunto, interagindo com a comunidade.

Acreditamos que a pesquisa “Mapeamento das línguas de sinais emergentes:


um estudo sobre as comunidades linguísticas indígenas de Mato Grosso do Sul”/
Dissertação/Mestrado, de Vilhalva, 2009, por ter como objeto de investigação as
línguas de sinais e os sinais emergentes, traz contribuições importantes à linguística,
às políticas linguísticas e à educação de indígenas surdos, possibilitando assim o
levantamento de novas hipóteses para estudos futuros.
Durante a pesquisa, a sociedade brasileira indígena e não indígena, os pesqui-
sadores, os demais profissionais da educação e da linguística e a própria comunidade
surda acompanharam uma nova trajetória para os índios surdos, a qual reflete o
reconhecimento linguístico e político dos índios surdos como pessoas pertencentes
Forum

às minorias linguísticas. Também durante o desenvolvimento da pesquisa foram


feitas considerações importantes em relação à “Roda de Conversa”, que mostrou

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como os sinais emergentes estão presentes no contexto plurilíngue das comunidades


indígenas de Mato Grosso do Sul.
Precisamos considerar, contudo, que o mapeamento apresentado nessa pes-
quisa precisa ser planificado pelos órgãos mantenedores da educação, bem como
há a necessidade de que os órgãos da administração pública federal incluam nos
orçamentos anuais e plurianuais ações destinadas a viabilizar tal objetivo, conforme
prevê o Decreto no 5.626/2005.

Considerações finais

De 2003 até agora (2013) são dez anos de atuação do projeto Mapeamento das
Línguas de Sinais Indígenas, o que resultou em um trabalho dinâmico e interativo,
troca de ideias e o compartilhar de conhecimentos, que fez com que o trabalho dos
professores e técnicos possibilitassem a construção e reconstrução das diferentes
metodologias para atendimento dos alunos na Salas de Recursos Multifuncionais.
Após a análise da trajetória da etnoeducação de surdos e o ensino de línguas
dentro da Salas de Recursos Multifuncionais podemos concluir que é possível realizar
e ousar no atendimento. Por mais que se encontrem desafios, todo conhecimento
compartilhado sobre o processo de educação bilíngue e a inserção da Língua de
Sinais em um espaço onde antes só havia destaque para línguas orais, podemos afir-
mar que houve vitórias, as atividades e as tomadas de decisões de toda comunidade
escolar foram inseridas em uma nova realidade, corroborando para a efetivação de
um projeto político pedagógico mais atuante na prática.
A necessidade urgente de formação de profissionais bilíngues em línguas de
sinais, a produção de materiais específicos e a pesquisa/avaliação serão as reinvin-
dicações para os novos projetos educacionais.
Nas Salas de Recursos Multifuncionais vivenciamos a possibilidade de repen-
sar as práticas pedagógicas estabelecidas, buscando novos caminhos e permitindo
colaborações de diferentes equipes de profissionais, que se uniram para estabelecer
formas de trabalho que atendam às necessidades dos estudantes.
É importante registrar que o uso da tecnologia na educação dos alunos indíge-
nas surdos tem auxiliado o seu desenvolvimento, pois, conforme as orientações do
Decreto no 5626/2005, há necessidade de traduzir os conteúdos para Libras, uma
vez que a Libras é a língua de instrução, bem como trabalhar a tradução da Libras
para língua portuguesa.

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