O Ceara e Os Cearenses 2001

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O CEARÁ

E OS
CEARENSES Apoiar produções no campo
quisa e da documentação tem sido, em anos
recentes, uma atividade constante da Fun-
da pes-

Antônio Bezerra dação Waldemar Alcântara que, desse


modo, oférece uma pequena parcela de co-
laboração para o resgate de registros mar-
cantes do processo de formação da socieda-
de brasileira.
A Biblioteca Básica Cearense é uma
coleção de obras raras de autores que no
passado se debruçaram sobre o contexto
sociocultural do Ceará de seu tempo e, com
isto, nos forneceram o principal instrumen-
to de que dispomos para uma correta com-
preensão da realidade atual.
Com o apoio do Ministério da Ciência
e Tecnologia, através do CNPq, a Funda-
ção Waldemar Alcântara reedita estas
obras após realizar um rigoroso trabalho de
pesquisa e seleção, na qual foram convoca-
das a participar destacadas personalidades
do nosso universo intelectual.
É a expressiva participação nestas inici-
ativas de segmentos comprometidos com o
nosso desenvolvimento cultural que nos tem
permitido cumprir, no quadro das limitações
próprias de uma organização não-governamen-
tal, este que é um dos principais objetivos da
Fundação - o de contribuir para a preservação
da memória bibliográfica do Ceará, indispen-
BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE
sável na evolução dos estudos da nossa reali-
FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA
dade e da análise do nosso desenvolvimento.
O CEARÁ
E OS
CFARENSES
Coleção Biblioteca Básica Cearense
Comrrê DE COORDENAÇÃO
Lúcio GONÇALO DE ALCÂNTARA
Aronso CeLso MACHADO NETO
MAGNÓLIA DE CARVALHO SERRÃO

CAPA
SÉRGIO LIMA

TRATAMENTO DE CÓPIA

Texro
SILVIO JESUINO

COORDENAÇÃO GRÁFICA
GERALDO JESUINO
Moacir RIBEIRO

PATROCÍNIO
MinistériIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Apoio INSTITUCIONAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

IMPRESSÃO E ACABAMENTO
ImBRrENSA UNIVERSITÁRIA - UFC

co FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCANTARA


Rua Júlio Vasconcelos, 100 - Pio XII - 60120-320
Fortaleza - Ce
Fone: o(xx) 85 227 4577 Fax: O(xx) 85 241 2433
O CEARÁ
E OS
CEARENSES
Antônio Bezerra

afeto
UR

BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE


FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA
FORTALEZA - 2001
Ficha catalográfica elaborada por
Perpétua Socorro Tavares Guimarães
Reg. C:B:R: 3 nº 801/98

B574c Bezerra, Antônio.


O Ceará e os Cearenses./ Antônio Bezerra. Edição
fac-gim.- Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara,
2001.
156p.
(Col. Biblioteca Básica Cearense))
Fac-Símile - edição de 1906.
1. Ceará - Cearenses 1. Título
CDD 981.31
AO LEITOR

Geraldo Nobre
Do Instituto do Ceará
Com esta segunda edição, a critério da Fun-
dação Valdemar Alcântara, assegura-se o conheci-
mento de livro há muito raro, até mesmo nas bi-
bliotecas mais antigas, surgido quando o autor
estava ausente da terra natal —- o Ceará — e, ao
escrever o texto, certamente o fez como um cro-
nista saudoso, mas competente; não pretendeu
aumentar o seu renome de escritor, mas oferecer
observações de interesse para quantos nascerem
na terra cearense, mesmo sem ter à vista docu-
mentos esclarecedores do assunto abordado.
Não foi Antônio Bezerra o primeiro a preo-
cupar-se com as características de uma etnogêne-
se, a respeito da qual poderia rastrear os passos
de viajantes estrangeiros como o Conde de Suza-
net, nobre de França, ou o cientista fluminense
Freire Alemão, contribuições, no entanto, indis-
poníveis âquele tempo; fundamentou-se em ob-
servações pessoais, a título de incentivo a futuros
historiadores, sociólogos e etnólogos, detendo-se
em fatos menos conhecidos, ou lembrados, a res-
peito, principalmente, dos erradios ciganos.
Indagou das influências deles em território
cearense, fato ainda agora notado, mas desprestigia-
do pelo conhecimento histórico, consubstanciado em
um processo de exclusão social, hoje alvo de muita
atenção quanto a componentes ameríndios e de ori-
gem africana da população local, mas explicável
exatamente pelo nomadismo contumaz de um povo
cuja origem ainda agora é objeto de pesquisas.
A este respeito, Antônio Bezerra demons-
trou a sua tendência para o cientificismo de erudi-
ção, com apelo a escritores de outros países dedi-
cados ao assunto, aliás não tão numerosos, pois O
nomadismo dos ciganos, gitanos ou boêmios im-
pede-lhes a integração na sociedade; certamente,
deles há descendência brasileira, particularmente
cearense, da qual as consequências, ao longo de
cerca de meio milênio, os vestígios são quase im-
perceptíveis.
A republicação desta crônica de Antônio
Bezerra deverá incutir nos estudiosos o interesse
pela busca desse povo excluído socialmente e,
mesmo, temido, não obstante suas belas mulhe-
res, leitoras de nossas mãos, em cujas linhas pres-
sentem o futuro, feliz ou não.
ANTONIO BEZERRA

O Ceará cos Cearenses


BIGIIRAS APRECIAÇÕES

FORTALEZA O
EDITOR—-ASSIS BEZERRA
Tvpo Minerva-lina Major Pacundo, 55. 57

906.
Nótula prévia

A
Este livro, que temo pompôso titulo de— O Cea-
rá eos Cearenses—escrevi-o dia a dia em artigos
pãra o jornal Pátria, que eu dirigi na capital do
Amasonas, por designação da colônia ceurense, de
1.º de Oitubro de 1898 em diante.
Alguns dêsses artigos foram delineados na mê-
sa da redacção entre as agradaveis palestras dos
companheiros de trabalho e as exigências do tipo-
grafo que tem -presea de concluir u tarefa e de se pôr
uo fresco naquella terra da paândega eterna.
Não podia, pois, suir aquélle trabalho expurga-
"do de defeitos; e péla levêza com que foi tratado
talvêz lhe sentasse melhor a epigrafe de: — Notas so-
bre o Ceará cos ceurenses, pois que o assunto se pre-
stava fracamente a uma obra de mérito e de sub-
stância.
Mas vá là como o escrevi.
Voltando agui três annos depois, o Ex.mº Barão
de Studart fê-lo publicar na Revista da Academia,
tomo V, anno de 19.0, e apesar do acolhimento que
lhe deu o ilustre patrono, não teve leitóres e ficou
no arquivo pãra pasto da traça e do cupim. Muito
poucos são os que o conhecem.
Agora o proprietário da emprêsa Typ. Minerva,
sr. Assis Bezerra, pretende cdita-lo em: volume, c
eu accedendo de coração ao seu pedido fiz umas al-
terações, c acrescentei algumas linhas ao artigo—
Cearense Libertadora, a associação que realizou o
mais glorióso acto da vida desta Nação, e que em
tudo se porton com abnegação e patriotismo tais,
mma
Iv

uc surpreendem, pois que se não conhecem mais


nobres sentimentos, que na quadra presen-
aquêlies
parece terem desaparecido dus normas da di-
te
gnidade nacional.
Escrito aos poucos e por intervalo, como jà dis.
sc, não podia deixar de se resentir êste livro da fal-
ta de coesão entre os diversos assuntos de que tra-
toi à enpucha,
Concedo, pois, ao Sr. Assis Bezerra, o direito de
publica-lo tuitas vêzes quantas quiser, eo faço sem
a minima retribuição de sua parte, louvando-lhe
ainda em cima a simplicidade de supôr que a pu:
blicação de livros nêste immenso pais bota alguém
pãra diante, principalmente no gloriôso Estado do
Ceará, onde por ciimulo de desgraça o homem que
sabe lêr ou emigra ou morre de fome.
O amor a letras entre nós é mania como outra
qualquer, mas em vêz de servir de recommendação
e estimulo como em outras partes aos estudiosos, ex-
ao desprézo dos burguêses que pára sêr
poem-nos
felizes não precisam «lessas frioiciras. Vamos, assim,
chegando esplendidamente à fase da prosperidade
humana em que se realizará muito a geito à quadra
do poéta: (Quanto mais bêsta muis peixe.
Com relação a ortografia que adotei nesta
publicação, convem declarar que, tendo plena cer-
toza de que por via da influência que tem alterado
as leis, as tradições, o respeito entre os homens, à
educação, os costumes, às conveniências sociais, tu-
do, dentro em ponco tempo dominará também, como,
co só-
já vai dominando em Portugal, o sistema fonéti
bre os outros sistem as por mais cómmo do, mais livre
e mais propenso às rebeldias do século; por isso vou
logo preparando-me pára o reeeber com à mesma
submissão com que se recebe a moda, quasi sempre
exagerada ao princípio.
O espirito humuno de há muito anda revoltado
coutra aordem e o bom senso.
Dahi conclui-se que mau grado à repugnância
vV

de muitos, a ortografia fonética é mais aceitável


que certas hipóteses scientificas sôbre assuntos me-
lindrosos, que todavia têm tido e continuam a têr
sectários, que as aceitam e sustentam como verda-
des demonstradas e inconcussas.
Seja como fôr, os propagandistas do nôvo siste-
ma de escrita em Portugal, sendo dos mais distin-
tos em talento e erudição--ja têm feito muito e espe-
ram fazêr tudo.
O sábio , Dr. fronçalves Viana tem repetido di-
versas vêzes na imprensa, que a ortografia etimolóji-
ca é uma superstição herdada, wm êrro científico, filho
do pedantismo que na época da ressurreição dos estu-
dos clássicos a que se chamou Ienascimento, assoberbou
os deslumbrados adoradôres da antiguidade clássica e
das letras romanas e gregas, e pôde vingar, por que a
leitura e a consegiiente instrução dus classes pensadoras
e dirijentes só eram possiveis a pequeno circulo de pes-
soas cujos ditames se aceitavam quesi sem protesto.
A coisa agora vai, e não custa muito,
Dado êste cavaco, eis o livro sem pretenção a
aplausos, mas simples, mas sincero, escrito em lin:
guagem franca, com um pouco de asperêza apenas
na frase, quando eu defendia pobres patrícios das
garras de desalmados seringueiros.
E eu estava no meu direito, porque o cearense
é um meu irmão, e muitos délles se achavam, conio eu,
em destêrro a cortir saudades da família e da terra
do berço.

Antonio Pegerra.

Barro Vermelho, 1.º de Janeiro de 1906.

OXxO
O Ceara c o Cegrendes

O que estuda atentamente o homem cenrense


em relação ao seu território, a sua educação, sua
inteligência, sua coragem, vida aventurosa, tendên-
cias pira as letras, meios de que se serve para se
impôr onde quer que se ache, selvageria das suas pai-
xões, actos de abnegação e de grandêza de alma na
realização de nobres commetimentos, inexcedivel
resignação unte os rigôres de seu clima c estragos
das sécas, entranhado amôr a terra do berço, da
qual júmais se esquece, conclui que é elle uma ex-
cepção no pais, isto é, que tem característicos dife.
rentes entre os demais filhos do nortc e do sul da
União.
Victor Tissat disse que a Jlungria era uma ex-
cepção na Europa, e nós pensamos que o mesmo se
póde dizêr a respeito do Ceurá,
Situado ao norte do continente sul-americano,
o atlântico deu uo seu território quasi que a mesma
configuração e relevo do continente «africano, que
lhe fica fronteiro, e grande parte do interior, aberto
em extensos taboleiros que aos ardôres do sol do
estio se «despem da ligeira vegetação, semelha em
muito por ésse tempo aus campos do continente
negro,
Hã lugares que são verdadeiros desertos, e em
geral, o terreno tem feição diversa da dos outros
Estados. .
O seu sub-solo é todo forrado de uma camada
de gneiss mais ou menos espessa, onde as úpuas
das chuvas se mantêm, de sorte que aberto um póço,
2

logo que na excavação se chega à pedra, desapa-


rece a àgua.
Pêla sua posição setentrional na curva que faz
o continente pára noroéste, fica êlle batido dos ventos
alisios e sujeito àsterriveis calamidades das sêcas.
Querem alguns que pâra isso mais inflúam causas
meteorológicas.
Nós, parém, acreditamos que, ainda. realizados
os melhoramentos aconselhados pêla ciencia, como
construções de grandes açudes, repovoamento das
matas com árvores proprias a atrairem as chuvas,
as sêcas serão eternamente o flagelo daquella des-
venturada região.
Em uma terra onde não há caça e muito menos
pesca, onde a sua principal riquêza é a criação de
gados, tôdas as vêzes que a sêca se apresenta, tor-
na-se ella um verdadeiro Sahara não dando mais
sinal algum de vida. .
A's vêzes levamos a pensar si os primeiros
povoadôres, Pero Coclho de Souza ou os missionários
Francisco Pinto e Luis Figueira, êsses principal-
mente que cram homens de talento e instruidos, não
influiram pára que se denominasse a nova terra de
Sahara, em vista das dunas que orlavam as praias
em grande extensão à semelhança do desolado de-
serto.
As duas palavras quasi que se confundem na
pronunciação, e a muita gente temos nós ouvido
chamar Sahará.
Esta questão de origem da palavra Ceará ainda
não foi decidida. Há de sêr mais tarde.
A inexorabilidade das sêcas longe que seja um
mal, traz, no entanto, pâra o cearense a sua distin-
ção, a sua superioridade, à sua glória; pois que, não
tendo que confiar nos recursos da naturêza, vai
procurar melhores condições de vida por tóda a parte
do universo.
Sóbrio, afeito ao trabalho pesado para conseguir
o pão de cada dia, é educado désde criança na es-
3

cola da adversidade e do sofrimento. Não ten que


estranhar infortúnios.
A vida que lhe cabe é cheia de aventuras c
de perigos.
Quasi três quartas partes da população serta-
nêja se entregam à labuta da indústria pastoril, «
nuquêlic clima, onde u estação sêca predomina,
pesa de modo acabrunhadôr o serviço do campo.
A demora do inverno que muitas vêzes só se
apresenta em dias do mês de Março, metade então
do tempo das chuvas, é forçado o pobre vaqueiro
para amparar a fazenda da sua entrega, como vul-
sarmente sc diz, a cortar e deitar aos gados à rama
de árvores forraginosas, que [clizmente ainda nessit
epoca se couservam em plena folhagem, como o jui
(zizifus juazeiro), a canafistula (cassia fistula) e o
mandacarú (coleus sp).
À naturêza auxiliando ao-homem na sua amn-
guústia ! ,
E nem podia sêr de outra fórma; pois que si
não fossen essas àrvores em tempos criticos, muito
muior seria, sinão total, a mortalidade da eriação
grauda.
Muu grado a grande proteção que aos vaquei-
ros prestam êsses vegetais, Clles os colhem com
grande sacrifício. Carregam à cabeça a ramaria
para distribuir pêlos campos aos.nnimais magros, «
nesse exercicio são vistos por vêzes lavados (de sun-
gue por causa dos espinhos da utilissima rhamnácia,
Tormento muito maior é o alevantar as rêses,
que por enfraquecimento já se não podem têr de pe.
lb” horrivel! só quem conhece o sertão e os viu
nessa quadra dolorosa, é capaz (e tazêr ideia do
que sofrem os encarregados das fazendas.
Por tôda a parte se arma uma espécie de gi-
ra, onde fica por dias a rês a alimentar sc com
rações de rama, até que fortalecida com êsse tra-
tamento póde então andar por si.
E o serviço das cacimbas:
1
——emmeme

E" quasi diário si scatendêr que o pobre coitado


cuva hóje e amanhan torna a cavar. O ealór do sol ub-
sorve rapidamente a água até que esta desaparecendo
va lage, tem êllc de abrir nova cacimba.
Chega afinal o inverno, c com o inverno vêm a
alegria, a abundância, o movimento, a vida. Da-se
ali uma espécie dc resurreição; tudó desperta, acor-
da, canta, pula e se expande.
Mudam-se as scenas, o vaqueiro esquece logo
o passado de dóres, e continia sempre activo em
outros trabalhos.
“Agora é O tratamento do gado acommetido da va-
rejeira (nusca carnaria), que se perderá inevitavel-
mente, si o não acudir élle com remédio pronto. De-
pois vêm a vaquejada, a ferra, à junta, as retiradas,
c outros serviços, cada qual mais pesado naquélle
clima de fogo.

Apesur dos pesares o vuqueiro é um tipo, que


não desaparecerá nunca do Cearã.
Vestido uirosamente de estreitas perneiras, cs-
pécie de calças de coiro, guarda-peito, gibão e cha-
péu, tudo feito da melhor e da mais bem curtida pelle
le veado cappeiro (cercas vufus), bem pospontado em
admiráveis desenhos a linha, por isso que destôa
do traje geral, torna-se um tanto curiôso, prin-
cipalmente pára aquélle que nunca visitou o sertão.
No interiôr se referem inúmeras lendas a res
peito da bravura, coragem e agilidade dessa gente.
O vaqueiro faz consistir a sua fortuna no amôór
" mulher, na amizade extrema ao seu cavallo de
cumpo, a sua viola e ao gado da sua entrega.
A espôsa É como as demais, virtuosa € casta,
o ai della si 0 não fôra!
O cavallo é tão hábil e prático no serviço de
campear, que basta um leve toque de rédea para
compreender a intenção do seu senhor.
5

Nas juntas, quando nalguma várzea se rodeia


o gado, basta que uma rês sc desprenda do mago:
te e corra em busca da mata pára que sec precipi-
te em vertiginosa carreira até a emparclhar, e, nêsse
momento inclinando se o vaqueiro sóbre a sella pá-
ra o lado direito, enrola na mão o extremo da cau-
da: da rês e num rápido empuxão atira-a ao solo,
onde é immediatamente prêsa ou peada.
Si por ventura se interna na mata, na mesma
trilha a segue o animal, saltando as mesmas grotas,
mergulhando por baixo dos mesmos galhos, rompen-
do os mesmos espinheiros, arrostando os mesmos pe-
rigos sem diminuir de velocidade, até que sai ella
nalgum espaço.limpo para sêr derrubada.
Esse trabalho perigosissimo não é feito go.
mente de dia; à noite na escuridão mais profunda
é elle exccutado com a mesma temeridade.
Parece incrivel, mas é verdade, e o facto é
confirmado por milhares de pessoas de critério.
Acontece niuitas vêzes que o cavallo ou o caval-
leiro, ou ambos juntamente venham a sêr víctimas
de seu denódo, ficando como se tem visto, um ou
outro atravessado na ponti de algum pau; mas isso
não arrefece o orgulho dos outros, que só se têm
em conta de peritos c destemidos, possuindo a sei-
encia de corrêr a tais horas no mato.
Decânta-se o gaúcho porque sabe tirar carrei-
ra desenfreada nos seus cavallos, no entanto, êsse
não tem a perícia e audácia do vaqueiro cearense.
- O gaúcho corre em campo limpo, que quando
muito é alteado por suaves cochilas; o vaqueiro nês-
se serviço arroja-se ao precipício e tem sempre a vi-
da em risco. pois que o Ceará é coberto de mato, €
êsse pêla esterilidade do solo é compôsto em geral
de árvores espinhosas, baixas e esgalhadas, fisiono-
mia da vegetação hamedriade no pensar de Von
Martius. .
Não há termo de comparação entre os dois.
Demais, o cavallo do gaúcho não agiienta à
6

carreira de um dia, às vêzes de semanas, às vêzes


de mêses, quasi sem parar como os nossos. Nas snas
viagens ordinárias, ainda de pequena distancia, He
costuma levar outros didestros, como escreve o Vis.
conde de Puunay traçando os costumes do sertaníjo
em terras de Minas-Gerais, no seu hello livro a Ja-
nocencia,

Depois do extremado afecto que o vaqueiro


vota ao seu cavallo de campo, inseparável compa-
nheiro de suas façanhas e perigos, ama élle não me-
nos à sua viola, o seu pinho, como a denomina o
poviléu.
km gernl é bom músico e improvisadôr.
lsse instrumento, diferente di guitarra apenas
em têr os sóns mais baixos, foi trazido pelos Moiros
pára a Espanha ao tempo da sua conquista, e dali
passou ao Brasil.
Serve principalmente pãra acompanhar o canto,
e ninguém hi que o possa ouvir sem se recordar
agradavelmente das serenatas que à noite se fazem
em divertidos passeios on debaixo das janelas dal.
“umi querida namorada.
Na Espanha e Portugal ainda hôje se repetem
essas scenas poéticas.
O tocadôr cearense canta ao som de uma mú-
sica terna, nielancólica, que lhe ensinou a naturéza
equatorial os seus amôres, a sna vida de trabalhos,
as alegrias do lar, a sua valentia em domar os bois
mais catingupiros, as tristêzas das sécas, a saudade
que infundê a vastidão dos campos, a excelência
de seu partido, as grandêzas de sua terra, e por vê-
res uté a sua própria infelicidade,
A viola tão querida nos sertões. que fórma mma
parte da baghgem do sertancjo, que entra em tóda
a parte e concorresempre para o aumento da alegria
do pôvo nas festas de batizados e casamentos e ou-
tros motivos «de regosijo, tende a desaparecer em
breve ante a invasão da harmônica, o instrumento
q

mais desharmónico e antipático, que já inventou a


imaginação humana.
E pena; desaparecida a música, esti morta a
poúsia popular; pois que ambas nasceram da mes-
ma inspiração e não podem vivêr separadas,
Qual n filho daquela terra desventurada e
poética, que deixara de sentir a ausência da. viola
quando assistir as singelas scenas do samba, as es.
trofes rimadas dos cantadôres em desafio, as dansas
simples do pôvo, que recordam a ingenuidade e o
descuido dos tempos patriarcais!
A viola é um traste indispensável pãra o cea-
rense, faz parte de sua família ; sem ella não póde
havêr festa, nem canto, nem dansa, nem motivo al-
sum de alegria. Saber tocar viola é um requisito
de superioridade, uma prova de grande distin-
cio, um motivo de ufania pâra aquella hbôa gente,
Assim, desterrar do Ceará o adorável instru-
mento é alterar o tipo do vaqueiro, mudar-lhe o
traje, priva-lo do chapéu de coiro,o distintivo mais
notável do homem dos sertões, sem o. qual perde
elle o caricter e mais o valôr.
Entretanto, é inevitável o seu desaparecimento,
A moda, essa transformadôra dos habitos e costu-
mes por ventura arraigados há séculos, invade e
altera tudo, substituindo a simplêza ec ingenuidade
do passado por mocos falsos e exagerados.
Vencerá, afinal a terrivel harmônica, a opu-
lenta harmônica, importada com o dinheiro dos se-
ringais do Amasonas, ao singelo instrumento que
tanto deliciou uos nossos pais c a nós ainda hôje.
O século é de quem mais força tem !

Não é preciso dizêr que sôbre tudo preza o va-


queiro a criação grossa ec miuda sob à sua guarda.
Della tira éllc a alimentação quotidiana e os demais
recursos pãra o conlórto e prosperidade da lamília.
8

Vive alegre e contente, e, na sua independên-


cia, não inveja a ninguém.
Diminuta é a parte do Estado que se ocupa
da lavoira.
Em Lavras, Missão-Velha, Milagres, Jardim, Bar.
balha, Crato, serra de S. Pedro, Sant'Annaslo-Ca-
riri, Araripe, Assaré e Varzea-alegre ao sul, é onde
ge cuida mais dêsse serviço, e inda assim em pe-
quena escala.
Basta uma ligeira observação pãra se chegar
ao conhecimento de que os habitantea «lêsses muni-
cipios diferem de modo sensivel dos ontros do inte-
riôr e litoral,
Os homens da zona sertanêja são alegres, indo-
lentes, hospitaleiros, generosos ec francos; ao passo
que os da zona agricola são retraidos, calados, tra-
balhadôres e pouco sociáveis.
Nota-se perfeitamente que a emigração que
veio pára o Estado depois da guerra holandêsa, e
estendeu-se da beiramar ao Cariri pêla ribeira do
Jaguaribe, é uma na primeira parte; e a que po-
voou a ribeira do Salgado, o Cariri e pontos adja-
centes, é outra.
A primeira veio de Pernambuco, Parahiba e Rio:
(irande, e entrou pêla costa c pelas depressões da
serra do Apodi, nos lugares hôje conhecidos por Qui-
xeré, Olho-d'agua-da-Bica e riacho Figueiredo; e a
segunda veio de Sergipe e da Bahia, e fêz a sua
entrada pêlo Rio Jaguaribe e «epois pêlo riacho
de Porcos, que corre entre as serras do Icó e do
Araripe, e vai lançar-se no Salgado, e ainda pêlas
nuscenças do rio do Peixc, vindo sair a povoação
do Umari.
Os rios foram o caminho dos primeiros explo-
radôres.
Como se sabe, os do Ceará são apenas sulcos
por onde se escôam as águas das chuvas, razão por
que o Conselheiro Beaurepere Rohan opina que nas
cartas geográficas, se substitua à palavra rio pêla
de ravina, que quer dizêr esborraundadoiro formado
pelas chuvas no inverno.

Das ccrcunias da Fortalêza, passaram os explo-


radôres às ribeiras do Pacoti, do Choró, do Pirangi,
do Jaguaribe, do Palhano, do Figueiredo, do Bana-
buiu, do rincho do Sangue, do Quixeramobim, do
àcarali, etc, etc., primeiramente nas barras, e de-
pois pêlo curso dos rios: e assim por tôdo o centro,
de sorte que no anno de 1720 mais ou menos, não
havia um rio que não fosse conhecido e habitado.
Desenvolveu se rápida. a população. Em Janeiro
de 1400 fêz-se eleição no Iguapé pãra a primeira
villa, que teve sua séde na barra do Rio Ceará e
4 indústria pastoril tomou o maior incremento pos-
sivel.
A vida civilizada adoçou as asperêzas de cos-
tumes dos primeiros bandeirantes, e muitas vêzes
u lei teve que reagir contra a prepotência dos
dônos das fazendas, que eram quasi tôdos abastados
e perversos.
Tudo progredia na nova capitania, quando por
ordem régia de 15 de Abril de 1718, se mandou
que os cigamios residentes em Portugal fossem em-
barcados pára a India, Angola, S. Thomé, Cabo-
Verde, Ceará c Maranhão; e os que vinham dester-
rados pãra o Brasil, fossem enviados pâra o Ceará
e Angola, e não se consentisso voltarem mais ao
reino.
Os primeiros ciganos que chegaram q Bahia fo-
ram de ordem da Câmara habitar à parte do bairro
da Palma, que por isso se ficou chamando Moiraria;
mas propagando-se consideravelmente a ponto de
não'se poderem acommodar naquelle sitio, designou-
lhes a mesma Câmara outro na freguesia de S, An-
tonio além do Carmo, conforme escreve Abreu Lima,
pa sua Synopsis ou Iedução chronologica dos factos
mutis notaveis do Brazil.
Jo
Há sempre repugnância dos patrícios em aceitar
esta origem, mas preciso dizer alguma coisa pira
os convencer da verdade, que nêssc estudo justifica
perfeitamente o meu modo de pensar a respeito
dôsse assunto.
Donde vieram êsses nómadas que têm sido tão
injustamente apreciados?
Uns pensam que sairam do Egipto, o pais du
superstição e da bruxaria, ou da cidade de Sin-
gara na Mesopotâmia ; outros que são Turtaros ex-
pulsos das planiceis da Asia. Ilójo a seiência sen-
tou definitivamente à sua origem, afirmando que
vieram do Indostão.
Sua linguagem tem semelhança notivel com os
idiomas sânseritos,
Herber, bispo galicano de Calcutá, encontrou
nas margens do Ganges um acampamento de “Lzi-
vunos indos, que falavam quasi a mesma lingua dos
seus "irmãos da Europa. A semelhança fisica não
era menos qgonsiderável, e aquêlles exercem os nies-
mos ofícios que os párias da India.
O nome de Tzigane, que se lhes deu na Hun-
eria, na Polóuia, na Rússia, na Turquia, na Bohc-
mia e na Alemanha, derivasc do Sanserito Zin-
ganrie. .
Em Franca chámamno Bohêmio, porque os
primeiros que ali aparecéram, diz Vulcanus, iam
da Bobémia, q
O “Teigano tem horrôr a immobilidade e a tudo
que o prende a um lugar circunscrito; clle tem
ância de vaguear, de percorrêr o mundo inteiro.
Sujcita-se agradavelmente à pena de Ashaverus.
Entretanto, como não há regra sem excepção,
hà entre êlles muitos que exercem altas posições, que
se têm tornado sedentários e conseguiram grandes
fortunas,
Victor Tissot divideos em três classes: os que
undam descalços é sem chapéu ;os que usam chapéu
e trazem capatos aos domingos, e os que. andam
11

sempre calçados e com chapéu. Os liltimos são


perfeitamente civilizados.
Em geral entregam-se ás delícias da música, e
sobresaem aos demais niúsicos na execução das árias
húngaras, pêlo que gosam de extraordinária popu-
laridade.
A arte, diz Listz que os estudou de perto,
sendo pãra êlles uma linguagem sublime, um canto
mistico, Clles della se servem segundo a exigência
de quê querem dizêr, ec não se deixam influir no
seu modo de falar por nenhuma razão intrinseca.
«Sua música é tão. livre como sua vida. Elles
passam sem preparação de um tom a outro; das
etórias alturas do céu às profundêzas do inferno;
da queixa, quo suspira, passam precipitadamente a
cunção guerreira que atrôa ;—impetuosos e ternos,
ao mesmo tempo ardentes e calmos, suas melodias
nos elevam às melancólicas seismas ou nos arras-
tam a expressão do carácter lungaro: vivo, bri-
lhante e calorôso ou triste e apatico.
Escreve ainda o mimôso poéta Victor Tissot,
que tão inteira e completa descrição deu da vida c
costumes dessa gente no seu preciõso livro La Ifon-
grie: tlles habitam o pais fantasiôso da Bohémia, o
pais da indolência, da alegria, do capricho Vvaga-
bundo, da preguiça scismadôra.
“Livre como o pássaro, viajôór como o vento, o
Tzigano vai pira onde o leva o seu humôr à dis-
crição de sua vontade ou de sua fantasia. Que lhe
falta pãra sêr feliz? Uma morena companheira,
sol, um tapête de relva, um horisonte sem limites,
o rumorêjo do reguto no musgo, um pouco desta
poésia da vida selvagem que faz parectr tão triste
c tio monótona à vida civilizada. Onde acha meio
de alimentar os seus cavaltos, e lenha bastante pãra
fazêr fogo, ergue u sua tenda e passa os dias dei-
talo de costus ou de ventre, fumando o seu ca-
chimbo tão tranquilamente como si nada lhe faltasse
na terra.
12

Na embriaguêz de sua independência, diz [Lenan,


o esplêndido autor do Cabaret dans les stepps e do
Trois Tziganes, êlles gombam da miséria como da in-
justiça da sorte; eu dêlles aprendi corno a gente se
consola quando a sorte nos trai; conaola-se dor-
mindo, fumando e. cantando.
“Na sua miséria aparente, éste Mohicano da
Europa conserva-se milionário de ilusões, de ale-
gria e de espirito. Para clle o primeiro dos bens
é a liberdade. «) pais onde se sonha, onde se póde
embebedar de preguiça, incbriar de música, eis a
sua pátria, a terra que êlle procura e que adota.
“Como o Beduino de quem é irmão na vaga-
bundagem e na poúsia, o Tzigano não se prende a
terra. Elle vai pelos bosques, ou pela puszta, ao ar
livre, ao sol, por onde o levam o vento e o amôr da
liberdade.
k' num pais como aquêlle, exclama Tissot, que
é preciso ir estudar êsse pôvo tzigano tão digno de
interesse e de piedade. Breve se ha de reconhecêr que
elle tem qualidades que faltam às raças superióres.
« Os Bohémios são acessíveis a tôdos os senti-
mentos generosos, e aquêlles que se acham a serviço
de algum senhôr são de uma fidelidade a tóda pro-
va. Têm sido muito caluniados. Acusam-nos por
tôda a parte como ladrões, mas elles quasi não com-
metem sinão innocentes* furtos. Nunca um Tazigano
roubou um objecto de valôr, nem tão pouco foi en-
contrado entre grupos de salteadôres.
«Elle tem os defeitos do temperamento san-
guineo ; é áctivo, ligeiro; odeia a quem o constrange,
e procura gosar de sua inteira liberdade de ação.
Sua alegria é êete coxim de penas de cisne onde o
coração sonha tão docemente. —Sua disposição de
animo é inesgotável, suu concepção rápida, sua ima-
ginação fertil; é observador, apanna logo o lado fra-
co das pessoas no mcio das quais o acaso dos ca-
minhos o faz encontrar, c rise dellas com finura,
Seus bons ditos, seus gracéjos são o sal de tôdas as
13

reuniões. Graças a sua presença de espírito êlle sa-


“he livrar-se dos passos arriscados.
Tratando da fecundidade das mulhéres, mencio-
na o galante escritôr o caso do diretôr da música
mais célebre da Hungria Sacz Pal, artista inspirado
como Rémennyi, que éra pai de trinta e trôs filhos.
Sôbre a vida e costumes dos Bohémios nada
mais completo, mais minuciôso que La vie de Boheme
de Henri Muger.

Pêlo tempo da colonização do Pais de Zaguarive,


mais tarde Capitania do Ceará-grande, vieram in-
dios da tribu dos Petiguares, da Parahiba e do Rio-
grande, que deram o nome que tem hôje a nova
terra. Jacatúna já assistia com os seus nas margens
do Juguaribe.
Pãra o interiôr habitavam os tupinambis que,
batidos na Bahia e Pernambuco, sé refugiaram a êsse
tempo no valle que é circundado ao poente péla
cordilheira da Ibiapaba.
Ferozes eram os tapuias Paiacús, os Genipapos,
os Canindés, os Icós, os Calabaças, os Quixelôs os
Cariris, os Jucás e Quixarius, os Teremembés, que
percorriam tôda a capitania, visto que não tinham
poiso certo. Estavam hôje, aqui, amanhan, acolá.
Faziam guerra entre si e faziam-na mais terri-
vel aos tupis, ou melhor aos índios da raça tupi.
Apesar da crueldade que sc lhes atribue, diz
o Conselheiro Tristão Araripe, na sua História du
Provincia do Ceard, a pagina 23:
Os tapuias do Ceará erum hospitaleiros, e não
matavam o inimigo que conseguia abrigar-se nas suas
terras o choupanas. Não consta que elles fossem an-
thropophagos; trucidaram muitas vezes os brancos
com fereza e satisfação, quando destes se julgavam
offendidos ou dos mesinos desconfiavam qualquer ma-
lefício: jamais, porém, conheco-se facto algum com-
probatorio de que elles fizessem pasto de cadaveres
humanos.
14

Realmente, nada se conheceno que se tem escrito,


dêsde o descobrimento do Brasil, acerca désse as-
sunto.
Os jesuitas, primeiros missionários enviados da
- Bahia pélo Conde de Atouguia, em 1655, fôram reu-
nindo os tapuias em pequenos núcleos, c ai perdiam
êlles pouco à pouco à sua ferocidade, si bem que de
quando em vêz alteravam por fútil motivo a paz
e harmonia do arraial.
Aldearam aquêlles sacerdotes os tapuias pêlos
lugares que denominaram Paupina, Parnamirim, Po-
rangava, S. Antonio-de-Pitaguari, Caucaia, Paussara,
Paiacit, Araré, Lagõa-do-Tapuia, S. Joio-das Varges,
Missão- velha, Missão-nova, Miranda, Quixelós c ou-
tros, etc.
O govêrno da metrópole empregou cnérgicos es-
forços na defêza dos tapuias, punindo os que abusa-
vam da sua ignorância, e não consentiu que se tor-
nassem cativos, como pretendiam os moradóres pri-
vilegiados.
Os reis fidelissimos fizêram todo o possivel pêla
conversão dos tapuias à religião christan, mas Os co-
lonos frustravam a vigilância das autoridades, e
commetiam com êlles tanta severidade que se viam
forçados a fugir pâra os bosques.
Era muito dificil sujeitar-se um tapuia a perder
a sua liberdade. Muitos mcrriam desesperados,
quando não eram victimas do bacamarte do colono,
que inventava mil astúcias pára que o capitão-mór
lhes declarasse guerra e guerra de rmcrte.
Com o correr do tempo os tapuias em grande
parte desaparecêram, c os que sobrevivêram, fôram se
modificando, e pouco a pouco se confundiu a raça
do selvagem com a dominadôóra.
Para os protegêre os animar a buscarem a vida
sedentária, a metrópole, por Provisão de 4 de Abril
de 1755, ordenou que os filhos de Portugal que ca-
sassen com indias e seus descendentes seriam pre-
feridos pára os empregos públicos, e prchibiu que al-
15

guém por desprêzo chamasse cabôclos aos indigenas


sob pena de degrédo para fóra da comarca,
Da Tusio dêsses dois clementos e do clemento
curopeu formou sea população do Ceará.
O filho daquella região de várzeas é inteligen-
te, tem, como o Tzigano, o maior zêlo da sua liber-
dade, adora a música que aprendeu nas tristézas da
naturêza, co seu canto é cra alegre, ora melancólico
de acôrdo com o lugar onde nasceu e condições
de vida de cada um. Vive em eterna viagem de uns
pâra outros municipios, do seu Estado pára os ou-
tros, e ainda do pais pira o-estranjeiro. (*) .

(*) Ao que cu disse relativamente a parte que


tem o elemento cigano na formação do pôvo ccarenso,
contestou-mc o ilustre Dr. João de Deus Vianna,
em um bellissimo artigo publicado na Kepública, a
que eu por muito ocupado na ocasião nada pude
dizôr em abôno da minha opinião.
Si os nossos patrícios não têm sangue de cigano
não há coisa mais parecida. Um homem do Ceará
é um cigano, e o cigano genuíno não lhe leva
vantagem em ciganice. E há razão pãra isso.
Vejamos.
A Ordem Régia do I5 de Abril de 1718 mandou
remetêr pãra o Ceará e Angola os ciganos degreda-
dos do Reino, e parece que por aqui sc deram. bem,
porque o Governadôr de Pernambuco pediu ao go-
vêrno da metrópole que os ciganos de Pernambuco
fôssem transportados pára esta capitania, e em
atenção a sta proposta por Carta Régia de 23 de
Agôsto de 1724, assim se determinon.
Na ordem anteriôr de 1718 foi recommendado
que se não consentisse voltarem os ciganos ao Reino.
Por aqui ficaram c'sc desenvolveram, visto
como de um documento sem duta que possuimos cx-
traido não sabemos de onde, e encontrado entre os
nossos papéis copiados nos arquivos de Pernambuco,
16

Essa inconstância de residência o tem tornado


mais ladino, mais predispôsto, muis apto para tôdas
as profissões. Os enlaces ordinariamente. se dio
entre individuos de familias diferentes ou de lugares
diversos.
Esse facto é um motivo de desenvolvimento
intelectual, e a sciência antropológica tem-no de-
monstrado cabalmente com dados estatísticos.
Ciumento como um moiro, ama, contudo, o cea-
rense a suà família, lhe consagra extrema afeição e
carinho. Si é ofendido, porém, na sua honra de es.
pôso, não tém limites a sua vingança, e a êsse respeito
contam-se por tôdo o interiôr do Estado as mais hor-
riveis histórias, em que o bacamarte, a foice ou à
faca lavani no sangue do ofensôr a injuria feita ao
marido ultrajado.
O pôvo nêsse ponto desagrava-se dignamente
contando com a impunidade, que nunca lhe foi ne-
gada no Juri dêsde que foi êste instituido.

lê-se: Os ciganos que deste Reino teem sabido de-


gradados para o Brazil, andando sempre encorpora-
dos, ordeija El-Rei que os rapazes de pequena idade,
filhos dos ditos ciganos, sejam entregues a mestres
que lhes ensinem officios c artes mecanicas, e os
adultos sé. lhes assento praça de soldados, e se re-
partam pelos presídios, não se lhes permitta trazer
armas, há por bem, que o transgressor seju desterra-
da para ailha de 83. Thomé ou do Principe, julgado
summariamente.
Está claro que se lançava mão dessa providência
em vista do grande número de meninos c adultos
da gente cigana; e que uns e outros cducados em
intimidade nas mesmas oficinas o quartéis deviam
de se aféiçoar e relacionar com as familias dos seus
companheiros, pêlo que muito naturalmente se enla.
cariam os ciganos escolhendo espôsus entre as fi-
lhas do pais, e os naturais suas mulhéres entre as
moças daquella raça.
No
Observa perfeitamente quem por aquêlle Estado
viaja quanto é justa a teoria dos meios e a influ-
ência que exercem sôbre o homem a configuração
do solo c o clima. Naquellas planícies êlle é livre
como o filho dos desertos, é corajôso, empreendedôr,
activo.
Ama a deliciosa bebida do Cumbe, e de ordi-
nário procura esquecêr as contrariedades da pobrêza
Ho uso immaderado av tabaco.
Pode faltar-lhe o café da manhan, diminuir até
a ração alimenticia de cada dia, mas o gue não su-
porta é privar-se do seu adorado cachimbo.
Para maior semelhança com os tipos ancestrais,
as mulhéres. cearenses são de uma fecundidade sem
igual no. pais.
Conhecem-se casais que chegaram a produzir
até vinte e oito filhos. 1 a lei de origem, essa fórma

Há notícia, nêsto Estudo, de diversas familias


originárias de ciganos.
Sabemos, por exemplo, que o sargento mór João
Nepomoceno Quixubeira, assassinado em 1834; no
Limoeiro, c que tão importante papel representou
na guerra contra Pinto Madeira, era casado com uma
cigana muito bonita, de nome Anna, da qual teve
vários filhos, entre outros um que chegou a cursar
o Seminário de Olinda.
Ouvimos adiversas pessons de distinção dáquêlle
municipio, que nos afirmaram ter mantido íntimas
relações com o sargento-mór e sua família, Hà inda
no termo ec em outros lugares doscendêntos desse
casal.
Na estrada de Sobral para S. Francisco-da-Uru-
buretama, a 13 Kilômetros mais ou menos daquella
cidade, do lado esquerdo, aquém do Poço-cercado,
se vêm três cruzes quasi jantas.
l” tradição que, na primeira parte do século
passado, um rapaz cigano raptara una moça de fa-
mília importante de Sobral, e os parentes re-
18

mediata da hereditariedade que chamam atavismo,


pêlo que os sêres voltum às fórmas primitivas.
Nêsse ponto dêve têr influido o clemento tzi-
gano que realmente continúa ainda a se desenvolvêr
do mesmo modo. Do indigena nada se recebeu,
porque a póligamia só pôde trazêr, como trouxe, a
degeneração c à inferioridade daquella raça.
Há pontos de tão intima relação, tão semelhan-
tes entre os Tziganos e os filhos do Ceará que ad-
mira.
A crimiça do sexo masculino de oito à déz an-
nos ji se dispói aos azares da vida, pede aos pais
permissão pàra se empregar noutra cidade ou loca:
lidade qualguer, onde, diz êlle, se ganlm mais for-
tuna, quer ver outra gente, novas terras, e quan:
do muitas vêzes às suas intenções se opoi o amôr
paternal, êle deixa a casa, foge c atira-se pêlo
mundo sem levar o minimo recurso.
E é assim que, todos os dias, abandona c Ceará

voltando-se contra a audácia do cigano, lhe foram


no encalço, é levando em seu auxilio algumas praças
do destacamento, o alcançaram por aquelas pa-
ragens.
Opôs sc o ciguno a entregar a moça e na luta foi
ella atravessada por uma bala, cabendo igual sorte
ano raptôr,e mais a um seu companheiro, c dentro em
ponco eram todos cadáveres.
istava satisfeita a justiça humana !
Ora, essa moça não era conduzita à força, pois
que si fosse contrariada com cortêza teria mui.
tus meios de se livrar «do sen sedutór.
O que parece é que elles se amavam, e désde
que se lhes consentisse viverem juntos, sua prole
descenderia de ciganos.
A sortc foi que o não. quis.
[hai um Alvará de 20 de Setembro de 1760
relativamente a esses infelizes, que não nos foi pos:
sivel conhecér o seu assunto; acreditamos que seria
19

uma pléiade de rapazes válidos, que, sem dinheiro,


sem proteção, sem meio algum, se espalha por tôdos
os Estados em busca de uma felicidade, que mui
poucos são os que a encontram,
O cearense vai por tôda a parte, e onde quer
que fixe a sua residência, emprega esforços para
se salientar nas lêtras, nas artes, na indústria, no
comércio, nos serviços ainda mais pesados.
O ilustre monsenhôr Pinto de. Campos, no livro
Jerusalem, onde vem a relação de suas viagensà Pa-
lestina, diz que alugou na cidade do Cairo, no Egi-
pto, os burricos pãra ir visitar as pírâmides a um
cearense. Talvêz tivesse ido procurar trabalho nas
obras do canal de Suêz.
Ainda não há muito, lemos na Gazita-de-Noticias
à correspondência de um distinto viajante brasi-
leiro, que, si não estamos enganado, era assinada
pêlo Barão de Sant'Anna Nery, na qual contava que,
estando uma noite com outros companheiros num

pâra os perseguir como fôram os indios sôb a pa-


ternal proteção de Pombal.
Na administração do governadôr Manuel Igna-
cio de Sampaio, mandou êste a portaria-circular de
16 de setembro de 1816 aos Juizes Ordinários de
Soure, Arronches, Messejana, Aquiriz, Baturité, Qui-
xcramobim, 5. João-do-Principc, Aracati, 3. DBer-
nardo, Icó, Crato e Jardim, estabelecendo o modo por
que se haviam de haver com os ciganos, a que êle
qualificava de raça de vadios e perturbadôres do so-
cêgo público,
Em vista dêsses documentos conclui-se que os
cizanos permanecêram na capitania dúsde 1718, data
da sua chegada, até 1816 e ainda depois por muito
tempo, e ninguém póde contestar com dados segu-
ros que a sna raça não se tivesse enlaçado ao menos
em parte à raça dos colonos ou descendentes dêsses,
Temos convicção de que o pôvo ecarense tem
no sangue uma parte do sangue de cigano,
20

hotel em S. Petersburgo, ouvira casualmente pro-


nunciar-se em tôrno de si uma palavra da lingua por-
tuguêsa, que o surpreendêra pêla variedade de lin.
guas que se falavam na ocasião,
Tocou o timpano, informou se dos empregados,
e chegou afinal n certôza de que alguém naquêlle ho-
tel falava português. Foi trazido a sua presença um
rapaz moreno, forte, bem dispósto, que cru criado do
hotel, é o viajante depois de o observar por algum
tempo, pregunta:
—0O snr. é português?
— Nao, Senhôr.
—E brasileiro 7
—Sim, Senhôr.
—De que lugar?
—Do Aracati, no Ceari.
Dizia o correspondente que sentin, conversando
com aquélle rapaz a mais agradavel impressão;
pois que havia muito não tinha ouvido alguém pro-
nunciar uma palavra da sua lingua, e que se não
podia avaliar o efeito que se experimenta no pais
estranjeiro, quando se ouve a melodia daquélles
sons que eim nada se parecem como ruido gutural
e áspero dogs teutónicos e slavos ou vindicos,
Em Oitubro ou Novembro do anno de 1896, a
Federação, que se publica nesta capital, noticiou
que havia sido condenado na Africa Aleman a uma
multa de duzentos marcos um cearense, por motivo
de briga. Erva segunda vês que sotria a mesma pena,
“Na última expedição portugucsa, que atravessou
a Africa, do Congo a Moçambique em 1886, salvo
engano, marchou como médico. da mesma o Dr.
Azevedo, uatural do Aracati q educado pelo Coro-
nel Guilherme de Azevédo.
Bra o rapazinho que acompanhava, como cria-
do, uos filhos do Coronci nes estudos, e êsses fi-
aerinn que o pequeno, pobre e sem familia, estudaese
tumnbém, c conseguiram forma-lo em medicina na
Academia da Bahia.
21

Concluído o curso foi o Dr. Azevêdo a. passeio


à Europa, c de lá passou a fazêr parte daquela
expedição não se sabendo depois noticias délle.
Não há ninguém no Ceari que deixe de conhe:
cer a Henrique Cals, actualmente presidente da Ca-
mara Municipal de Porangaba c despachante geral
da Alfândega da Fortalêza.
Tendo sido enviado pêlos pais pãra se educar
em França, muito moço ainda deixou o colégio e
alistou se no exército francês, que com a Prissia
se batia em 1870: e 1871. Tomon parte em diversos
combates, saindo-se sempre airosamente. Fui um
bravo.
Há annos, via-se na cidade da Fortalêza uma
pobre mulher que andava acompanhada de dois me:
ninos, que cram seus filhos. Tinha. um defeito no
andar, e upesar de sêr muito pobre cra querida c
respeitada de tódos por suas bôas qualidades.
Pertencia a familia que tem por apelido Ba-
curâv, e élles eram conhecidos por Menezes.
Tendo falecido a velha, os meninos desapare-
cêram da Capital e nunca mais se falou nélles.
“Há ponco se soube que um, depois de têr ser
vido por muito tempo como empregado a hórdo de
navios que viajavium pára a Américado-Norte, se
estabeleceu em Nova-York, ali se casou € é senhor
de bonita fortuna.
Esse voltou ultimamente ao Ceará, visitou os
lugares de sua infância, e depois de ligeira demo-
"mn, regressou à sta nova patria e ao seio de sua
familia.
Sabemos que nos Estados-Unidos residem di-
versas famílias cearenses, que em virtude de bóia
colocacio de parentes pára lã se têm mudado.
Do Aracati conhecemos dãas, à cujo embarque
assistimos, quando em 1889, naquelku cidade, esti-
vemos em coinissão do govêrno estadual.
Em dias do iumo de Ists, tempo da sêéca ter-
rivel que então aniquilava tódo o listado, apareceu:
22

nos um rapaz de dezanove annos, musculôso, sídio,


dispôsto, que havia sido dispensado do serviço do
escaler da Polícia, pedindo que lhe arranjasse
um lugar a bórdo da - barca Zbiapaba, de proprie-
dade da casa comercial Joaquim da Cunha & Tr-
mão, cujo capitão mantinha conôsco a mais cordial
umizade.
Falâmos ao Snr. Francisco Malheiros a respeito
da pretenção do nosso protegido, e elle em sua pre-
sença recusou aceita-lo alegando que já tinha con-
duzido dois cearenses como marinheiros da barca,
cada um por sua vêz, e que apenas ancorára no
pórto de Liverpool, passada a primeira noite, nunca
mais os vira.
Desfêz-se em lágrimas o pobre pretendente, e
ao capitio prometia não commetêr a ingratidão dos
outros, e que lhe havia de sêr tão dedicado quanto
possivel.
Comoveéu-se o Snr. Malheiros, cedeu in-conti-
nenti, e o nôvo marinheiro foi engajado e embar-
cou pára bórdo.
Partiu n /biapada.
Ao cabo de três mêses, no regresso da barca,
aparece-nos o Snr. Malheiros, e communica um
tanto aborrecido que logo que fundeára o navio em
Liverpool, não se soube mais que fim tivera o tal cea-
rense, prejudicando-o no serviço de bórdo por sêr
é
diminuta a tripulação.
Ora, um môço que não conhece a lingua do país
em que desembarca, onde se não dá esmola, e reina
a maior miséria do mundo, como na Inglaterra, dêsde
quo não procurou o navio à bórdo do qual tem sa-
lírio c cômodo, é porque achou colocação mais van-
tajosa.
Com certtza li se arrumou.
O anno passado chegava ao pôrto da cidade de
Belem, no Para, um grande vapôr alemão, cujo no-
ne não nos recordamos agóra por têr sido dificil de
23

o guardar na memória. Era um daquêlles que têm


nunca menos de dezaseis síllabas,
Com alguns camaradas, entre os quais se acha-
va o Coronel Carlos Augusto . de Miranda, fomos a
bórdo recebêr um amigo daquêlle senhôr que re-
gressara da Europa.
O navio era extremamente limpo, ce fazia gôsto
vêr o asseio e a correção da oficialidade.
O Coronel Carlos Miranda notou logo a primci-
ra vista, que o comissário, não menos grave, não
menos polido que os dutros, se diferençava em al-
guma coisa dos demais empregados. Si bem que alvo
e corado, tinha, no entanto, um certo quê do tipo
brasileiro.
Indagou das pessoas que haviam comparecido a
bórdo, dos empregados das visitas do Pórto, da Al-
fândega, da Saúde, e afinal soube de um môço ale-
anão, caixeiro de uma casa extranjeira naquella ci-
dade, que o comissário era natural do Ceará.
ste facto impressionou-nos profundamente e foi
conhecido de tôdos que visitaram o navio.
Achando-nos na Capital Federal, ao tempo da
exposição preparatória de Chicago (*) em certa o-
casião, palestrava no Musêu Nacional perante alguns
cavalheiros, um moço formado em medicina, natural
do Estado do Minas, que acabava de chegar da Eu-
ropa. Si nos não enganáâmos era o Dr. Magalhics
(4omes, notável botânico brasileiro.
Aseistia a palestra o pharmacêutico Vicente Go-
mes de Araujo, residente actualmente nesta capital,
Referia o mencionado Dr. que nas suas viagens
à Suiça, visitando um dia uma mina de cobre, pa-
rára extasiado diante de um bloco daquêlle preciôso
minério,
Entrara em companhia de outros viajantes
e ao dar com os olhos no colôsso mineral exclama-

(*) Pronuncia-se Chiqueigo ou Chicógo.


24

ra involuntariamente arrebatado de admiração: bo-


nito ! .
Nesse momento, um operário aproxima-se dêlle.
e diz lhe com os olhos húmidos de lágrimas e voz
comovida: Senhôr, V. sa é brasileiro, eu já vi,
Peço lhe pelo que mais ama no mundo, fale um pou-
co mais a lingua de nossa pátria, que há muitos annos
não ouço uma palavra. Fale, fale, em nome de Deus
eu lhe peço. Quero ouvi-lo, quero ainda antes de
morrêtr têr a felicidade de escutar ao menos por um
momento essa Jingua, que falava a minha família,
quando eu tinha família.
Fale, senhôr, fale um instante, eu quero saciar
as satidades que tenho da minha pátria.
O Dr. surpreendido, não sabendo o que dissesse,
preguntou-lhe :
Há que annos está aqui?
—Há muitos unnos, há um século.
De onde é natural ?
— Sou natural do Ceará.
“É nunca mais tornou a sua terra2
—Nio, nunca; é creio que não terei mais este
único prazér na vida. E cada vêz mais se desfazia
em pranto, Vo
O Dr. conversou largamente c deixou-o por fim
calmo e resignado com asua triste sorte.
Informou-nos uma pessoa de tó-ta a distinção pelo
caracter o ilustração, haver lido algures que um ofi-
cial da eurvêty Vital de Oliveira. que embarcara com
comissão brasileira que fôra China tratar da immi-
geração de eoolis pário Brasil, ao tempo do ministério
do Conselheiro Sinimbú, escrevera entre outras im.
pressões de viagem que havia encontrado um cenrenso
como empregado de um hotel.
Antonio da Cunha Bezerra, mais conhecido por
Antonio Vevélho, rapaz pobre mas estimado, reuniu
alguns companheiros que sabiam bem de gimnástica,
e tendo percorrido diversas províncias do Brasil, fa-
zendo péta vida abalou para a Inglaterra, e por tóda
25

a parte daquella grande nação exibia a pequena


companhia os trabalhos de sua profissão. Consta que
por lá se demorou bastante.

Sabemos com certéza que diversos cearenses


exercem emprêgos nas repartições do Perú, da Bo
lívia, do Chili, e que nas cidades de Buenos-Ayres
e Montevidéo residem alguns bem colocados.
Temos tido sobre os tais intimeras informações,
e os jornais diariamente estão à declarar o que alfir-
mamos.

Em 1876 conhecemos no Ceará a D. Maria dos


Reis, natural de Quixeramobim, e entiada de Joa-
quim Manuel de Lima, que, seguindo pára o Rio-de-
Juneiro, lá casou com um oriental e foram habitar
pãra Montevideo.
Vivêram muitos annos casados, e tendo falecido
o marido, voltou aquella senhôra para a terra natal,
trazendo uma pequena fortuna.
Ali sempre manteve luxuóso tratamento, de sor-
te que so se vestia de fazendas de sêda.
Em tôdos os Estados os cearenses se acham
mais ou menos colocados de conformidade com us
suas uptidoes e talento.
Podiamos levar muito além a relação dos cea-
renses cxpatriados que vão longe procurar vida
mais facil. O seu clima pouco ou nada os auxilia.
Temos ouvido milhares de narrativas dêsses po-
bres" judeus da lenda, que vivem contentes nos ho-
teis de 5. Petersburgo, atravessum a África, e ama
nham cantarolando os campos «a China,

- Agóra ligeira apreciação sôbre alguns factos que


enriquecem a suit história e comprovam a nossa as-
serção. .
Quando em 1822, 08 povos do Brasil anhelavam
valorosamento emancipar-se do domínio português e
26

vingar-se do malógro das revoluções de Tiradentes


e de 1817, no norte do pais, os cearenses reunidos na
villa do Icô à 16 de Oitubro daquêlle anno, formaram
o seu govêrnho temporário, e proclamaram a inde-
pendência.
A 27 dêsse mês foi nomeado vogal do mesmo go-
vêrno o coronel Antonio Bezerra de Souza Menezes,
que acabava de batêr na fazenda Forquilha as tropas
realistas sob o comando do capitão Manuel Antonio
Dinis e tenente José Felix de Mendonça.
Constitui êste facto a mais brilhante página da
história do Ceará, pois que se realizou muito antes
de sêr conhecido o pronunciamento do Ipiranga.
E sem dúvida motivo de ufania pára aquella
bôa gente.
Na tentativa de constituir a Confederação do
Equadôr, em 1824, foi o Ceará a provincia que mais
trabalhou por ella e que mais sofreu o ódio do rei.
Assim, chegou a têr o seu presidente, o deno-
dado Tristão Gonçalves do Alencar Araripe, o seu
exército, o seu estandarte, a sua moeda, os sgus
heróis, a sua história, eo seu martirológio.
No antigo Largo da Pólvora, hôje Praça dos
Mártires, onde se acha o Passeio Publico, pagaram
com as vidas o amôr que tinham a liberdade os
bravos, Padre Gonçalo Ignacio de Albuquerque Mo-
roró, Coronel João de Andrade Pessoa Anta, Tenente-
Coronel Francisco Miguel Pereira Ibiapina, Major
Luis Ignacio de Azevêdo Bolão e Tenente-Coronel
Feliciano José da Silva Carapinima.
Outros sófreram prisões, castigos e degrêdo.
A primeira victima immolada foi o benemerito
cearense c heróe Antonio Henriques Rabello. Des-
coberto e preso nos fins de Junho, foi conduzido a
presença da commissão militar, de fronte erguida,
sem mudar de côr, não se quiz defender, antes glo-
riou-se dos seus feitos, confessando claramente os
seus principlos e desafiou a morte.
A sua intrepidês espantou os juizes, à sua con-
21

“stancia e serenidade, no cadafalso, interneceu o


mesmo algôz, preto encanecido no ludibrioso officio;
antés de estreitar a corda ao pescoço da victima,
que ia ser immolada, lhe pedia mil perdões; esta
amorosamentea abraça e penetrado de enthusiasmo
exclama pela ultima vêz «Viva a Patria!»
Que differença, diz o major Codeceira, no seu
livro A Idéa Republicana no Brazil, pagina 57, entre
este heróe e o celebre «Tiradentes», à quem se
quer erguer uma estatua!
Depois de morto, continua o mesmo historiadôr,
a sua cabeça foi decepada ec exposta na ponte do
Recife e ahi consumida pelo tempo.
Estaexecução teve lugar no diaô de Julho de 1817,
e foio primeiro sangue que irrigou em Pernambuco
a soberba arvore da liberdade nessa malograda re-
volnção. ,
Felix Areré, alfaiate mulato em Aracati, foi
prêso no combate de S. Rosa, onde morreu o pre-
sidente Tristão Gonçalves, em 31 de Oitubro de
1824, veio algemado para esta capital, e sendo pro-
cessado devia sêr condenado a morte. Conrado Nie-
meyer, então, a pedidos de amigos mandou oferecer-
lhe a comutação da pena na de açoites, castigo
infamante naquêlle tempo para os homens de côr,
mas o bravo cearense recusou a graça, e respondeu
preferia que o fuzilassem !
Bram os tempos heroicos do Ceará!
Hoje a subserviência, a baixésa de carácter; o
desprêso das virtudes cívicas, u falta de pundonôr
em tôdos os actos du vida dos homens, substituiram
os sentimentos nobres daquêlies tempos gloriosos!
A comissão militar nomeada por Decreto de
5 de Oitubro de 182! pára punir os rebeldes foi con-
fiada ao Tenente-Coronel de ingenheiros Conrado
Jacob de Niemoyer,
Éiste e osseus companheiros, o Juiz relatôr Ma-
nuel de Moraes Meyer, o Major José Giervasio de
Queirós Carreira, os capitães J. Cabral, Joio Sabino
28

Monteiro e João Bloêm foram inexoráveis com os


comprometidos na rebelião, como dénominou o De-
creto âúquella nobre tentativa,
Escrovemos êstes nomes, pâru que fiquom êlles
eternamente expostos à execração pública,
O govérno com tais malvados supôs afogar no
sungue dos mártires a ideia de rêpública, mas ella
nunca deixpu de florescêr no coração dos filhos da
terra da luz.
Pernambuco e as mais províncias envolvidas
na revolta, não tiveram glória iguala que coube ao
Ceará no sacrificio pêla liberdade.
Os descendentes dos heróis, que derramaram o
seu sangue, suportaram afrontas, sofreram perse-
guições, destérros, e outros tormentos, que inventa a
perversão humana, devem sentir hoje o mais dôce
consólo vendo reulizado o pensamento que tanto
custou à seus uvós.
E os perseguidôres queé délles? Tombaram no
báratro do esquecimento, legando à posteridude a
copia da sda indignidade e subserviência.

Afeitos aos grandes cometimentos, aceitam os


cearenses facilmente toda à ideia de progresso e
adiantamento.
Eis um pequeno facto que denuncia, pêlas cir-
cunstâncias que se deram, quanto: prezam a tudo
que tende à levantar nossa pátria.
Quando chegou ao Ceari a noticia de que o
Governo havia adotado por lei n.º 1157 de 26 de
Junho de 1862 o sistema métrico decimal, autori-
zundo-o dêsde o 1.º de Julho de 1873, ouviu-se logo;
depois da chegada do vapór do Sul, o estoirar de
mil [oguêtes, que se queimavam por tôdos os ângulos
da mimosa cidade.
Dentro de pouco tempo o nôvo sistema de pé-
sos c medidas uchava-se admitido por tôódas as lo-
culidades do interiôr.
29

Não houve repuguância; pêlo contrário foi êlle


recebido com entusiasmo.
Infelizmente, porém, ninguém ignora quanto cus-
tou fazê-lo aceitar no interiôr de Pernambuco, Pa-
'ahiba e Rio-Grande-do-Norte.
Custou muito sangue aos inimigos do sistema,
aos quebra-tilos, e é dolorosa a lembrança dos co-
lêtes de coiro, da perseguição desenfreada que se
fêz aos pobres matutos tão vivamente cantada pêlo
ilustrado Senadôr Almino Alvares Affonso, o eterno
defensôr dos pequenos, dos pobres e dos infelizes.
Estâ-se a vêr naquêlles actos de barbarismo a
história do nosso atraso, da falta de instrução no
pôvo!
Entretanto, na Capital Federal não são ainda
admitidos us pêsos e medidas decimais, e a prova
está em que nós, em 1893, tivemos de reduzir por
cúlculo metros a côvados na ocasião em que com-
právamos fazendas num grande estabelecimento
da atamada rua do Ouvidoór!
Em muita parte ainda se mercadêja pêla moda
velha.
Ninguém se resolve a deixar o quartilho, a terça,
o côvado.
Oque podêmos,no entanto,garantir, sem receio de
sêr contestado, é que no mais insignificante e misera-
vel lugarêjo do Ceará se compra e se vende pílo sis-
tema admitido nos países mais adiantados do velho
mundo.

Como solilados têm os cearenses dado as maio-


res provas “de valentia c aptidio pãra o serviço,
Não fica muito longe a data da guerra do Para-
guai.
Nêsso tempo, fim do anno de 1864, logo que
áquella terra chegou a nova do rompimento do Pa-
raguai com o Brasil, não houve mais contêr a tor.
rente de Voluntários da Pátria, que iam ao govêrno
30

pedir um lugar ao lado dos que se batiam pêla


honra do Brasil.
Formou-se o batalhão n.º 26, quasi aniquilado
no dia 2 de Maio de 1866, no Passo da Pátria, e
toi tal o entusiasmo que despertou aquélle feito en-
tre os môços cearenses pára vingarem os seus irmãos,
que por tôdos os vapôres seguiam com destino ao
Paraguai inúmeras levas de voluntários, que refi-
zeram o butalhão n. 26, e ainda preencheram os
claros dos demais dizimados nos primeiros com-
bates.
A glória imortalizou os nomes dos generais
Antonio de Sampaio, victima da sua bravura, An-
tonio Tiburcio Ferreira de Souza, o general filósofo
e sábio, José Ularindo de Queirós, os Pamborins e
outros muitos não menos valorosos.
A excepção do heroico Estado da Bahia, nen-
hum outro enviou relativamente ao Paraguai maior
número de soldadus que o Ceará. Provaremos, si
preciso fôr, com dados seguros.
O bravo Marquês do Herval fêz-se acercar dos
batalhões do Ceará, e vejasc o que está escrito
sôbre aquella guerra, quo êlle nos pontos mais ar-
riscados levou sempre à glória a soldadêsca cea-
rense, como u 24 de Maio, em Humaitá, na terrivel
ponte de Itororó, onde êlle próprio escapou devido
ao denôdo e valentia dos batalhões 14 e 26, em
Lommas Valentinas, em Peribébui, em toda a parte.
Ha ali actos de tanta coragem e loucura, que
nada têm que invejar aos dos soldados mais va-
lentes e disciplinados da Europa. .
Uma terça parte do exército nacional, garan-
timos, compi-se de homens ilo Ceará, e o mesmo
se di com relação a armada.
Ainda não hã muito visitimos no pôrto do Pará
o cruzador Benjamin Constant, o tivemos ocasião de
verificar que grande parte da marinhagem era cea-
rense. .
Os corpos policiais de S. Paulo e Pará são forma-
31

dos quasi exclusivamente de filhos daquélie Eista-


do,ce contêm a maioria os do Amasonas e Pernam.
buco.
E' fácil de se verificar.

A ocasião em que mais se notou q coragem c


resignação dêsse pôvo excepcional, foi na terribilis-
sima sêca de 1877, 1818 e 1879. Descrever as lúga-
bres scenas dessa quadra de dôres e agonias de uma
população inteira, scria serviço superiôr a nossa ca-
pacidade.
Perderam se pãâra mais de trezentas mil vidas
naquêlle período angustiôso, mas dentro de poucos
annos, já se não lembrava a antiga provincia dos seus
ainda recentes padecimentos.
No tempo em que grasseu a varíola, houve dias
de morrêrem mais de mil p3ssoas.
Foi dolorôsoo quadro da fome e da peste, e, no
entanto, o pôvo mantêve-se revestido de imensa
coragem pâra arcar com tôdas as cálamidades.
Habituou-se à desgraça,
Aqui, em um abarracamento, dunsava-se e can-
tnava-se ao som das violas; ali ajudava-se a morrêr
um infeliz que deixava numerosa família; acolá fes-
tejava-se o casamento de dois entes, que se esque-
ciam da morte pára pensar no amôr; c mais àlém,
numa briga terrivel motivada por ciúmes, a faca
tornava assassino a mais um desgraçado.
Não se submetiam aos açoites do infortúnio,
Entretanto, nêsse périodo de tanta miséria e
desespêro, não se deu a minima perturbação da or-
dem pública. Não consta que o faminto atacasse ao
abastado pãra lhe dar o que comer.
Emigrou pãra o norte e pâra o sul grande ni
mero de infelizes, os que haviam perdido a esperan-
ça de se salvar na terra da pátria.
No afan de procurar pára si e pára os seus os
recursos da necossária subsistência, escolhêram de
32

preferência os Estados do Pará e do Amasonas, e


dêsde aquêlle tempo até hôje, nunca mais cessou a
torrente de emigração, que tanto tem engrandecido
os dois ricose poderosos listados.
Confronte-se o que era a cidade de Manáus em
I8TT eo que é hôje, as rendas dêsses dois Estados
antes daquela data, e conscienciosamente respon-
dam-nos si êsse aumento não é devido sômente ao
braço cearense. ,
5º uma justiça que se lhe devo.
Quem é que ignora que nas regiões inhóspitas
do rio-mar dormem o sono da morte pàra mais de
trezentos mil cearenses?
Vinham, por exemplo, em um anno explorir um
rio cem homens, morriam noventa, e os déz voltavam
em busca de outros companheiros afim de continuar
o seu sacrifício. Vê
Vinham no segundo anno trezentos homens pãra
o mesmo penôso trabalho, morriam duzentos, € os
que sobreviviam, voltavam à patria e traziam em
sua compunhia quinhentos.
Destes morriam quatrocentos, e os que escapa-
vam, iam ao torrão natal e traziam outros patrícios;
e à força de muita coragem, de muita pertinácia,
de muita temeridade conseguiram domar 6s estragos
da morte naquellas longinquas regiões.
Foi e temsido grande muito grande o sacrifico dos
ccurenses, e só ôlles seriam capazes de levar tão
longe a conquista e o descobrimento dos seringais.
Nenhum póôvo estranjeiro taria outro tanto.
À comissão enviada ao Madeira, composta dos
ingenheiros Morsing, Pinkas e outros, não aguen-
tou as asperézas do serviço e do clima, e pêlo
receio de sêr victima dus febres dissolveuse e
retirou-se, ficando de nenhum efeito o plano do
govérno de faztr a estrada de ferro do Mamoré,
Diga-se com [ranquêza, quanto têm custado aos
33

pobres cearenses au grandêza c prosperidade dos dois


primeiros Estados do Norte?
Tôdos conhecem a história dos acus sofrimentos,
à sua peregrinação cheiu de provações e dolorosas
peripécias, dêsde o lugarêjo do seu nascimento até
esta capital,
Quanto pranto não vertêram êlles na hora eru-
ciunte da separação dos pais, das espôsas, dos ir.
mãos, dos amigos, dos lugares queridos de sua in-
fância, dos objeetos de sua maior estimação pára se
entregar às eventualidades da sorte tão enga:-
nosa c as mais das vêzes tão ingrata!
Nu cidade da Fortalêza o seu embarque é uma
scena gue commove, que faz involuntariamente as-
somar lágrimas aos olhos, lágrimas de compaixão o
piedade por aquelta multidão maltrapilha c infeliz,
do sol incandescênte do meio dia, numa praia
desabrigada e nua, onde a luz, reflectindo-se em cheio
sôbre as areias tão brancas como à neve, mais irrita
a vista, inundados de suor pêlo excessivo calôr,
chorando de saiidade pêlos quo ficam e pela pátria
que vão deixar sem esperança de a tornar a ver mais,
em número de quinhentos, de oitocentos, e às vêzes de
mais, entre homens, mulhéres e meninos, embarcam
confusa e desordenadamente e chêgam a bórdo de
qualquer vapôr do Lloyd
Ah! começa aqui o primeiro passo da via do-
“lorosa que têm percorrido e continuam a percorrêr
aquélles desgraçados :
Sem cômodo, som alimentação, arrumados nos
porões e na coborta como mercadorias em armazens,
expostos os de cimu aos rigôres do sol e da chuva,
sem ur os debaixo, misturados estes com tóda à
sorte de aves e animaes, que para negócio são ex-
portados em quantidade, maltratados da criadagem,
sem direito a reclamação alguma, vendo seduzidas
suas mulhéres e filhas pêlos empregados de bórdo,
sem se poderem movêr nem andar a falta de es-
paço, sem alimento próprio às criancinhas que cho-
3d

ram de fome, sofrem, os pobres coitados o queé


impossivel de sc descrevêr.
Homens de coração já têm reclamado contra a
barbaridade de recebêrem os vapóres daquella Com-
panhia mais passageiros de prôa do que comporta
cada navio; mas qual! a Companhia do Lloyd tem
muito mais podêr, mais prestigio, mais valôr que
os Governadôres dos Estados, que à alta magistra-
“tura do pais, que o próprio Presidente da República
Brasileira, pára descêr a prestar atenção as recla-
mações da gentalha.
Para tudo e pãra tôdos tem o riso do desprêso,
quando não manda antes uma insolência como res-
posta.
Tivesse ella um poucoxinho de caridade ou
tivesse forçao govêrno dêste pais, por certo que au
tantas e tão repetidas queixas se teria dado ligeira
satisfação; mas quem é que pode com u Companhia
do Lloyd néste mundo*
E" impossivel, repetimos, descrevêr-se a série
de sofrimentos, por que passam os emigrantes na
terrível travessia do pôrto do Ceará ao desta ca-
pital.
Dado o caso de um naufrágio, na tremenda
confusão de quasi mil e quinhentas a duas mil pes-
soas, que se hão de batêr pãra escapar a morte,
com quatro botes apenas, como póderi salvar-se
alguém *
Quem embarca nestas condições, cmbora não
pense sôbre p caso, tira com a passagem igualmente
passaporte pâra o outro mundo.
Quem não preza a vida de seus semelhantes,
quem fulta com a caridade aos desprotegidos da sorte,
é incapaz de um sentimento bom; salvando à sua
pessoa, pouco se importa que o diabo leve os pobres
passageiros, quo não têm honras, não têm presentes,
não têm bons empregos pãra afagar a vaidade dos
miseráveis grandes.
De Janeiro a Agôsto dêste anno, noticia a Re.
35

pública, jornal que se publica na cidade da Forta-


lêza, têrem embarcado no pôrto daquella cidade com
destino ao norte, segundo estatistica fornecida. pela
Secretaria de polícia, 15.548 pessoas.
Ora, admitindo que dêsse número viessem oito
mil parao Pará, custando cada passagem trinta
mil réis, recebeu a Companhia do Lloyd 240:C008000;
e pára o Amazonas, vindo sete mil cada passagem
a cincoenta e cinco mil réis, recebeu a mesma Com-
panhia 385:000$000, quantia esta que adicionada
áquella prefaz a de 625:0008000.
Esta soma em oito mêses!
Note-se que, sendo os pobres emigrantes, os que
mais concorrem pãra manutenção da Companhia,
pêlos milhares de passagens que em tôdos os annos
pagam nas viagens de ida ao Ceari e volta aos
seringais, são, no entanto, os que menos garantia
“têm, são os quenão têm direito de melhorar de cômodo,
os que são mais insultados e desprezados a bórdo.
Chegando ao pôrto de Manaus não minoram os
seus padecinientos.
São desembarcados e mantidos em tascas repu-
gnantes, imundas, verdadeiras sentinas sem ar nem
luz, onde a febre vai dizimando os mais fracos. Se-
guem quasi logo nos primeiros vapôres que partem
pára o interiôr. Há receio de que se extraviem.
A bórdo dêsses pequenos barcos têm se dado
scenas de verdadeira selvajaria.
Si por brutêza ou ignorância, algum emigrante
tem a infelicidade de contrariar ou desgostar o co-
mandante, êste faz propositadamente parar o navio
na praia mais deserta, mais distante do lugar po-
voado, é ali manda o criminóso, que
atirar fica a lu
tar contra a naturêza, contra os insectos nocivos,
contra a fome, emquanto não descansa, ao fim de
pouco tempo, na puz da morte sem do menos à es:
mola de uma sepultura. :
Há poucos mêses um comandante mandou
a marrara um desses párias no mastro grande de
36

seu vapôr, e fê-lo agoitar barbaramente. Protestou


um patrício advogado que assistiu ao deponente es-
pectáculo, e a êste respondeu o comandante com
tôda a soberania: o senhôr não conhece o código de
bórdo!
Póde têr muita razão o digno marinheiro; mas
isto só se pratica, onde não há o minimo respeito à lei,
Faz lembrar pb seu acto os tempos heroios do cativeiro
em S. Paulo e Rio-de-Janeiro.
Ei-los nos seringais.
Começam por pagar as mercadorias indispen-
sáveis ao seu sustento por preços de 200 a 800 por
cento sôbre os da capital, ficando ainda obrigados
à 20º, sôbre o total do que ge lhes tiver fornecido.
Trabalham alguns em lugares alagados, panta-
nosos, insalubres, e si por acaso a borracha extraida
não chega pâra satisfazêr o pagamento da conta dêste
ou daquélle, ó patrão o tem prêso e vigiado até que
se desobrigué do seu compromisso. Dá-se por ali
uma espécie de cativeiro legal; pois que si alguém
por compaixão se comove de um dêstes infelizes,
entende-se com o dôno ou senhôr, paga o que êlle
devee leva-o pâra o seu abarracamento, com o mesmo
direito de o passar a qualquer seringueiro.
Não cxageramos.
Outros são trancados nos troncos, são castigados
de modo bárbaro, e muitas vêzes pára se liquidara
divida mais sumariamente são assassinados à bala
de rifle, sem que se saiba o [im que levaram.
Si nas trinsações com um potentado, não cum-
priu o devedôr a sua promessa no tempo conven-
cionado, armá-se aquélle, vai a casa dêste e toma-lhe
tudo quanto encontra, obrigando-o ainda a passar
létras de tantos contos quantos entende no seu
bestunto.
Este modo de obrigar os devedôres u passarem
Iêtras fantásticas é mui curióso, e muito usuul no
interiôr, principalmente nos pontos mais longinquos
da ação da justiça.
3

Ainda agóra acabu a imprensa de publicar o


que fêz o Snr. Francisco de Mello Rodrigues, no seu
scringal denominado S. Bento, no rio Copia, ao seu
fréguês Manuel Salles de Vasconcellos.
Salles era devedôr de Mello, e êste não que-
rendo têr mais transações com êlle, vai do lugar de
sua residência, toma-lhe tôdas as mercadorias exis
tentes e mais à borracha que encontra, fazendo o
assinar à força uma letra de 7.000$000 de réis.
Entre us mercadorias havia alguma de forne-
cimento do Snr. Lucas Pinheiro, que tendo notícia
do absurdo praticado com a pessoa daquêlle, o au-
xiliou a procurar o seu direito recorrendo às uuto-
ridades de Coari.
Uma diligência foi mandada ao seringal do Snr.
Mello, constando ella do 3.º suplento do Prefeito,
José Luis do Nascimento, seu escrivão Domingos
Eufrásio da Veiga, Manuel Salles, Lucas Pinheiro e
um oficial de justiça.
Ao aproximar se o vehiculo do pôrto fôóram re-
cebidos sem a menor explicação u tiros, sendo as-
sassinado o escrivão Veiga, que, ao impulso do pro-
jéctil que lhe partiu o cráneo, foi atirado na água,
escapando os outros milagrosamente, og senhóres
Prefeito e Salles bastante feridos, e os Snrs. Pinhei-
ro e oficial de justiça com ferimentos leves, tendo êste
o ombro esquêrdo desconjuntado.
A' excepção de um os demais são cearenses.
Que vai sofrêr o Snr. Mello pêlas consequências
do seu crime? preguntamos nós.
Podiamos respondêr antecipadamente: o que
têm sofrido os ladrões, os malfeitôres, os assassinos,
que cometem crimes idênticos, cuja impunidade o
acoroçõa, e a tôdos os da sua igualha à praticarem
outros uinda mais hediondos.
Quando, em que tempo, onde já foi condenado
no juri daquellas regiões um homem de dinheiro?
Só há pena pâãra os desprotegidos, pãra os mii-
seráveis!
38

Tôdo o crime fica impune. Si é commetido em


lugar dois ou três dias de distância do centro po-
pulôso ou séde da justiça, por via de regra, não se
tira o processo; porque as autoridades alegam a
impossibilidade do comparecimento das testemunhas.
Si é recluso o criminôso, manda-se pôr a êstu
em liberdade, porque não foi prêso em flagrante,
nem tem culpa formada.
Verdade é que muitas vêses têm sido algozes
dos cearenses os cearenses; mas em geral os pobres
são expostos a tôda a sorte de tormentos.
Podiamos citar milhares de factos em que a sua
paciência tem descido uté a cobardia, até o ponto
de lhe profanarem a mulher; e, no entanto, êlle:in-
diferentemente se submete sem se lembrar mais que
à cinta tem uma faca, que o tornava tão respei-
tado, tão temido na terra da pátria.
Terminado o tempo do fábrico, de ordinario
como aqui se diz, voltam os peregrinos em busca
dos lugares do seu nascimento, levando apenas min-
guados recursos do trabalho pesadissimo do anno,
que escaparam à ganancia do patrão.
E" muito corrente aqui se referir que indivíduo
que teve saldo em podêr de patrão, nunca mais o
pôde haver; sendo isso motivo pãra desaparecêr
de entre os vivos apesar da muita saúde como sur-
preendido por apoplexia.
A vida de um homem nos seringais vale tanto
quanto a de uma anta, um jacaré, uma giboia, ei é
que não valha menos; porquanto êstes animais a
tôdos infundem um certo mêdo, que êlle não.
Ontem réferiu.nos um conterrâneo, de hã muitos
annos ao serviço da advocacia no interiór, que, ainda
não havia muitos dias, êlle com outros companheiros
descia o rio Juruá, quando encalhou a canôa em
umas pedras.
O dôno ordena ao remadôr, que era cearense,
saltasse na àgua pãra desembaraçar o vehiculo,e o
39

pobre respondeu que lhe era impossivel, porque não


sabia nadar.
Sendo brutalmente obrigado, cumpriu o desgra-
cado 'a ordem, e ficou com as mãos prêsas às bórdas
da canõa. O dôno vociferando injúrias, maguando com
os pés as mãos do remadôr, fêz que êste largasse
o ponto de apoio, e logo dentro de pouco desapareceu,
morrendo afogado.
Ao chegar ao seu seringal comunicou às au-
toridades têr falecido aquêlle miserável de apoplexia,
e o seu ofício foi confirmado por inúmeras teste-
munhas de vista.
Como os advogados vivem aqui de apatrocinar
as causas dos ladrões, dos bandidos, dos assassinos
vulgares, não têm nem terão júmais coragem pára
denunciar ao podêr competente actos de brutalidade
desta naturêza; visto que us seus lucros estão ta
bolsa do mandão criminôso, que lhes pagando bem
o seu trabalho e a consciência dos jurados, nada
perde, nada sofie, e fica-lhe ainda a certêza de
que pêlo mesmo sistema dentro em pouco recuperari
na ladrocira o que por acaso tiver perdido.
Recupera muito muis, porque fica mais temíd» e
respeitado. Nem a lei póde com elle!
Quem negará serem mais que selvagens, os scl-
vagens que se servem de meivs tão deshumanos!
O dinheiro do Amazonas é um dinheiro amaldi-
çoado, que não aproveita à ninguém, sendo como é
adquirido à custa de lágrimas, do sangue, e de muitas
depreduções.
Quem estiver longe dêste Estado não póde abso-
lutamente avaliar quantos crimes se escondem por
aqui sem punição pára se haver dinheiro por mil
modos cada qual mais indigno, mais vergonhõso.
Apesar de tôdas as contrariedades porque pas-
gam os cearenses, êlles habituam se dentro em pouco
à vida de provações do interiôr.
Afazem se docilmente ao trabalho pesado, iden-
40

tificando se com o clima, com os costumes, com a ali-


mentação, com tudo emfim.
O' Dr. Fileto Pires Ferreira, no seu Relatório
apresentado ad Congresso Estadual em 4 de Março
de 1897, diz: que o Estado do Amazonas tendo
prosperado, experimentava ainda difficuldades no
seu commercio, na sua industria e agricultura.
[Luctando tenazmente contra a falta de braços
e de capitaes, só a energia mascula do brasileiro e
mais ainda a afoiteza do cearense podia levar o
Estado a prospera e lisongeira situação que vae
atravessando.
K' uma verdade.
Nota-se, contudo, muito de leve uma certa pre
venção dos amazonenses contra aquêlies que com
sacrifícios mais têm concorrido pãra o desenvolvi-
mento do Estado,
Alegam tôdos que os cearenses são senhôres da
terra, que dispõem de muito dinheiro, que gosam
de tôdos os bens que dá o trabalho.
Contestamos e preguntumos desprevenidos de
qualquer sentimento menos digno: Onde é que está
no Estado dó Ceará o estabelecimento comercial, a
fazenda modelo, o prédio de luxo, a instituição qual-
quer que tenham sido fundados com dinheiro do
Amazonas ?
Não há absolutamente no comércio sinão uma
casa, que se fiz com os recursos adquiridos no
Ceará, não obstante sua pobrêza, e esta é a do
Exm.o Barão de Ibiapaba, a qual constitui a fortuna
maior que se conhece da Bahia a Manaus.
Outras inferiôres, mas que se mantém dignamen-
te, fórum formadas da mesma maneira.
Não consta que naquélle Estado exista estabe-
lecimento, fazenda, ou prédio levantados com dinhei-
ros de seringais.
Há vinte e nove annosque a população dali vem
e vai do interiôr, leva muito dinheiro, como se diz
41

à boca cheia mas o que é certo é que esta riquêza


apenas chêga pára a manutenção de familias pobres.
| Não há de feito noticia de que alguém tenha
enriquecido com dinheiro do Amazonas.
E” verdade que o Ceará recebe annualmente
algumas dezenas de contos, enviados pelos emigrantes
que muito auxiliam o comércio, à pequena lavoira,
a industria pastoril; mas isso se consome tão rapi-
damente quanto mais urgentes são as necessidades
dos beneficiados.
Que é das grandes casas milionárias dos cca-
renses na própria capital da Amazónia ?
Podemos aponta-las.
E quem reflecte um pouco sobre o estado das
coisas, não póde deixar de se afligir ao vêr que
o ciunbic tende a subir e as dificuldades comer-
cines a aumentar.
E' facto inevitável.
Ora, si por infelicidade o câmbio sobe, que fica
sendo a riquêza do cearense?
Perdeu o seu tempo e o seu trabalho, c apesar
de tantos sacrifícios, élle só tem uma verdade que
meditar e vêm a sêr: que se tivesse com a sua
dedicação procurado algum Estado do sul, já teria
feito um pecúlio, que aqui não fez, nem fará nunca.
Manaus, que sempre foi uma cidade em extremo
salubre até bem pouco tempo, hôje péla derrubada
da mata dos igarapés c principulmente pêlo serviço
de excavação de tôdas as ruas e praças, tornou-se
um foco de moléstias, de febres de mau carácter,
que tem inutilizado o trabalho de certa parte da
população válida.
Não se póde contar com a saúde em clima tão
falso, como está hôju o desta capitul, e os cearenses
constituindo à muioria dos moradôres, são os qe so-
frem perdas na razão directa do número,
Elles têm encontrado por tôda a parte muito
serviço ingrato, mais do que aqui é que não.
AB
Comparemos agóra a imigração italiana pãra 5.
Paulo com n imigração cearense pãra a Amazónia, e
vejamos qual das duas traz mais vantagens ao país.
Tódo o mundo sabe que a colónia italiana
trouxe e continua à trasêr pára o Brasil os mais fi-
nos e civilizados gatunos da Europa, os narcotizado-
res, os anarquistas, os desordeiros, os moedeiros fal-
sos, que já têm dado na capital do Estado de 5.
Paulo cópia de sua insubordinação, arrastando pêlas
ruas da cidade insultuosamente o pavilhão nacional;
e como um brasileiro de sangue mais quente não se
pôde contêr diante do desacato feitoa sua pátria, e
mandou pãra a eternidade alguns daquêlles innocen-
tes, têve o (Glovêrno da República que pagar a mil
contos por cabeça.
O eleménto de desordem continua plantado por
ali a fóra,e não há que reclamar, italiano môrto, in-
cdenisação dé 800 a 1000 contos!
S. Paula, com os milheiros de italianos que lhe
entram annualmente, há de mais cêdo ou mais tarde
so arrependor; pois que o elemento nôvo é formado
da massa revolucionária, anarquista, etc,
Quantas prisões, quantos processos não têm él.
les sofrido, quanto trabalho não têm dado essa gen-
te, que veio plantar o principio de desrespeito aos
podêres constituídos?
Quem não acata o govêrno do pais onde se hos-
peda, a que é que se submete?
E os conrenses tão mal vistos, tão caluniados, tão
desprezados, que é que já fizeram que traga perigo
a paz do Estado ?
Têm feito o que lhes é possivel pêlo futuro da
terra que os têm agasalhado, que os têm recebido
de braços abertos, e élles por gratidão à sua pro-
verbial hospitalidade, vão se afeiçoando a mesma
terra, enlaçam-se às filhas da majestosa Amazónia, e
deixam de uma vêz u terra da pátria.
Logo, o cearense abdica o dircito de filho daquel-
la terra querida para se fazêr natural do Amazonas,
43

aque fica pertencendo dai em diante por si e por


seus filhos.

Tendo dito quanto basta sôbre a emigração pãra


o Amazonas, como um acto de energia do pôvo cea-
rense, por que só êlle podia desbravar as suas enve-
nenadas regiões, entremos agóra na apreciação do
maior feito do Brasil, daquêlle que fêz nascêr a Re-
pública, o
Queremos falar da libertação total dos escravos
do Ceará, em 25 de Março de 1884.
Um dia, uns rapazes de talento e coração resol-
vêram agremiar-se pára o fim de extirpar de uma
vêz o cativeiro no país, e de feito fundaram a «So-
ciedade Cearcuse Libertadôra» no dia 8 de Dezembro
de 1850,
E” preciso confessar que a ideia partiu de uma
associação comercial, da «Perseverança e Porvir»,
e do consócio Antonio da Cruz Saldanha.
Constitui o auto da eleição da nova diretoria uma
das mais bellas páginas da história cearense, e por
isso não nos podemos furtar ao desêjo de a relem-
brar.
Tendo-se por mais de uma vêz suspendido as
sessões por tumultuárias, em consequência do des-
acôrdo entre uns sócios que queriam se fizesse esta-
tutos e outros que a êlles se opunham, foi pêlo pre-
sidente provisório João Cordeiro, designadoo dia 30
de Janeiro de 1881 pâra se decidir êsse assunto.
No domingo mais próximo, ao meio dia, compa-
recêram uns vinte sócios na antiga «Bolsa do Co-
mércio», à praça José de Alencar, e logo João Cor-
deiro fê-los entrar pãra uma sala (*) ao lado daquel-
la casa de comércio, adrêde preparada,a que havia
elle dado o nome de Sala de Aço.

(*) Correspondente ás duas portas vizinhas ao estabele-


cimento do Sr. TIdefonso Nogueira, lado do quartel.
44

Ali achava-se uma mêsa grande, coberta com


um pano preto, duas lanternas nos extremos e vin-
te cadeiras em tôrno.
Depois de fechada a porta da entrada e acêsas
as velas das lanternas, João Cordeiro, que ocupava
o centro dá cabeceira, levanta-se e arrancando da ca.
va do colête um punhal, atira-o com força no meio da
mêsa, onde ficou cravado, oscilando sinistramente ao
reflexo das luzes e disse: Meus amigos, exijo de ca-
da um de nós um juramento sôbre êste punhal, pãra
matar e morrêr, se fôr preciso, em bem da abolição
dos escravós.
Vamos travar luta terrível com o govêrno, e por
isso estã muito em tempo de se retirar aquêlle que
fôr amigo do mesmo govêrno ou dêlle fôr depen-
dente.
Quem irão tiver coragem para tanto póde sair,
que ainda sái a tempo; e logo se retiraram onze, cu-
jos nomes por conveniencia ocultamos do desprêzo
público.
Juraram de conformidade com o cargo que cada
um exercia na associação provisória o Presidente
João Cordeiro, o vice Presidente José Amaral, o 1.º
secretário dr. Frederico Borges, o 2.º dito Antonio
Bezerra, os directôres Antonio Martins, José Theodori-
ca, José Barros, José Marrocos e Izaac Amaral.
João (Cotdeiro ditou pãra o 2.º secretário as pa-
lavras seguintes, que ficaram na sociedade servindo
de estatutos.
Art. 1.º—-Um por tôdos e tôdos por um.
$ Unico. —A sociedade libertará escravos por
tôdos os meios ao seu alcance,
Sata de dço, 30 de Janeiro de 1881.
E tôdos os presentes assinaram.
Em seguida disse ainda João Cordeiro, que para
não sêér traida a correspondência relativamente a
- furto de escravos, convinha cada um tomasse o seu
pseudónimo.
Elle chamou-se Juarêz, José Amaral chamou se
45

Cezar, Dr. Frederico Borges tomou o nome de Spar-


tacus, Antonio Bezerra o de Risakoff, Antonio Mar-
tins o de Peri, José Marrocos o de O. Conelle os
outros directôres outros nomes.
Antes de encerrar a sessão Cordeiro disse mais,
que era de necessidade uma escrita especial, e en-
tendida somente pêlos consócios, e pâra aquêlle fim
pedia se concordasse ficar valendo o Z 0 a, assim
sempre recuando uma lêtra, isto é, o z seria o a,
o aseriaob,ob seria o c e ussim por diante.
Ficou isso sentado, e por êsse sistema muitos es-
cravos fôram passados de umas casas pâra outras,
sem receio de comprometimento pâra os chefes da
associação, que se correspondiam a vontade.
Finda a sessão, nos salões da Bolsa do Comércio,
propriedade do consócio José Burros, por mais
de uma hora reinou entusiástica animação, brindan-
do os socios a champanha à «Libertadôra Cearense»,
ao Ceará livre, aos soldados da grande ideia, ao
povo soberano.

Quasi em seguida deu se.a festa do dia 253 de


Março do mesmo anno, tão majestosamente descrita
por José Marrocos, um dos redactôres do Libertadôr,
e distinto professôr não menos que elegante jorna-
lista, a qual vem publicada no mesmo jornal n.º 7
de 3 de Abril,
Como sabemos que ha de agradar aos que a lê-
rem pãra aqui a transcrevemos.
Eila:

NO DIA DA PÁTRIA E DA LIBERDADE


A FESTA DA LIBERTAÇÃO DE 35 ESCRAVOS

Graças a Deus !
Esteve pomposa e deslumbrante a festa que à

sociedade Cearense Libertadôra realizou no dia 25 de
Março.
Jamais em seus commettimentos teve o Ceará
uma adhesão tão solemne,
Excedeu mesmo toda a espectativa o acto que
n'um momento chamou a si todas attenções c capti-
vou todas às sympathias,
Esboçamol-o ao correr da penna.
%e
* +

As 5 1/2 da tarde, já uma immensa multidão se


agitava sob as commoções de uma grande novidade
que preoccupava todos os espiritos.
Duas mil pessoas, seguramente, se achavam api-
nhadas desde as naves da Egreja do Rosario até o
adro da praça.
Ao rebotnbar dos foguetes que iam repetir aos
ares o echo do alvoroço de um povo inteiro, a mu-
sica da policia desprendia as vibrações ruidosas de
suas harmonias.
De repente faz-se o silencio, e como no Synai a
multidão emnudece para ouviro verbo quo irrom-
pe dos penctraes do sanctuario.
Erao Rv.mº Dr. João Augusto da Frota que em
nome do Deus da liberdade lançava a benção à ban-
deira que os libertandos tinham de offerecer aos
seus libertadores.
Em numero de 35 formaram-se em simi-circulo
em derredor do altar e, de joelhos, imploraram aos
Céos a confirmação do que se fázia na terra.
Paranymphos do acto os 8nrs. João Cordeiro e
Luiz Chavier de Castro recebiam do sacerdote e en-
tregavam à veneração dos libertandos o estandarte
abençoado.
Saudaram-no o povo com os osculos de sua
piedade, a musica com a melodia de seus hymnos;
mais de uma coarense distincta desprendia do peito
41

o cravo, à rosa, a dhalia, a sempre-viva para ador.


nar de tlôres a bandeira da liberdade,
%
* *

No meio da commoção geral, grave, mas expan-


givo assoma à tribuna na porta principal da Egrceja
o Rvd.º Dr. Frota.
"Elle felicita aos libertandos pelo grande acon-
tecimento que vai ter logar, e roborando-lhes a
fé na providencia adoravel de Deus, mostra-lhes que
naquella mesma egreja, onde choravam as amar-
guras do captiveiro e da proscripção, nasciam agora
as flores da redempção e da liberdade. Venciam
os martyres! disse o orador, e, na posse dos direi-
tos politicos que lhe ião ser outorgados cumpria que
cada um dos libertandos se elevasse tanto mais alto
no conceito publico, quanto menos humano era o
juizo que à respeito de escravos externão os defen-
sores da escravidão,
Sempre n'altura do assumpto o orador falou
eloquentemente sobre a necessidude do trabalho e
da virtude como complemento característico da li.
berdade, terminou debaixo de uma chuva de palmas,
orações e cumprimentos.
x
* +

Desfilou então o povo em direcção a» Passeio


Publico.
Marchavam à frente os 35 libertandos à som-
bra da bandeira que portava o seu representante
Ponciano Francisco de Paula.
bm seu trajecto pelas ruas d'Assembléa e For-
mosa receberam a mais bella e carinhosa ovação.
Ao estampido de tantos foguetes, às melodias
mais sonoras da musica se vinhão juntar as accla-
mações de um povo delirante de enthusiasmo.
Jovens cearenses, formosas deidades sacodião
flores e acenavão com seus lenços brancos, enquanto
48

o prolongudo viva dos mais distinctos cavalheiros


reboava no espuço.
A' muitos veio a lagrima nos olhos denunciar a
consolação interna que lhes transbordava n'alma,
Oh! viva a liberdade!
E o echo estendeu se até à amplidão dos mares.
Era solemne o momento.
Nada falton no concerto universal de tantas
harmonias.
Trovejou o canhão da fortalêza, saudando ainda
uma vez o dia da patria e da liberdade.
Repicaram alegremente todos os sinos: o bron-
ze sagrado tambem tomava parte na festa popular.
*
. Hx

O Passeio Publico trajava todas as galas da mais


pomposa solemnidade, '
Seu pavimento tapetava-se de flores, suas ar-
vores hasteávam bandeiras de todas as nacionalida.
des, suas alâmedas adornavam se de arcadas trium-
phues, NR
Uma illuminação à giorno e à capricho deslum-
brava o espectador.
Tres mil pessoas alli se apinhavão, e anciosas
esperavam receber os libertandos.
Eil.os que chegam acompanhados desde a egreja
do Rosario pela musica de policia e pelo povo.
Duas multidões se encontravam e se desafiavam
em seu regosijo, nas expansões tumultuosas de seu
enthusiasmo.
Tocavam as duas musicas, os vivas se trocavam
simultaneamentee os fogos se revesavam no espaço.
Era um desafio e uma porfia—ninguem ceder
a palma.
E por entre o immenso alarido sobe a tribuna
o denodudo abolicionista Antonio Bezerra.
Seu discurso de recepção aos libertandos rever.
berava todo o calor do fogo sagrada da liberdade.
49

— Entrem, meus amigos, exclama o orador, aqui


é o templo da liberdade; não hua senhores e nem
escravos: são irmãos que recebem seus irmãos, que
vêm a luz da liberdade depois da longa e pavorosa
noite da escravidão.
Foram freneticos os applausos: Antonio Bezerra
descia da tribuna nos braços dos amigos que o com-
primentavam.
Outra voz se fez ouvir: em nome de Antonio
Martins exclamava o Snr. Frederico Severo:

Eis vos aqui irmãos !— Pobres procitos.


Audastes presos à gléba do infortunio
Como o Judeu da lenda ..
Passastes quasi a nado o mar vermelho!
Oh! Bemdito sois vôs, pai dos captivos,
Que nos destes uma tenda!

Entrai, irmãos! Chegai-vos á lareira:


E' nosso todo o tecto americano:
Como é nosso este ur 6 O curação
Erguei bem alto a fronte -olhai en frcnto,
Eis-vos em face da familia inteira,
Este povo tambem é vosso irinão.

Vós fostes naufragados uo desterro


Em que o nosso batel vos foi tomar;
E' esta à vossa patria, 0 vosso borço
U ceu sereno,o serro azul co mar!

E nós vamos de novo u pedra negra


Do caminho da patria demolir;
Francos obreiros aus poucos aluindo
Temos fé que ella em breve ha de cahir.

Uma extrepitosa chava de palmas saudou An-


tonio Martins: prolongados applausos laureavam o
poeta e o abolicionista.
50

O immenso audictorio espandia-se ainda em sua


manifestação de apreço, quando a palavra demos-
thenica do Sr. Julio Cesar lhe conciliou a attenção.
*
* &

Subindo a tribuna disse o orador:


—Que contemplava o mais grandioso especta-
culo |! que de um lado via o espectro da tyrannia a fu-
sir de abysmo em abysmo, diante de um latego san-
guinolento, comoo condemnado do inferno dantesco;
do outro o archanje da liberdade, de pé sobre o dra-
gão da escravidão a derramar à agua lustral do
baptismo social em trinta e cinco frontes, ha pouco
cheias de stygmas e horrores, c agora cingidas de
aureolas e vizões fulgurantes, e por cima do espec-
tro e do archanjo, à imagem serena e altiva da pa-
tria, apontando, aos canticos e hosanas do progresso,
o caminho do futuro.
— Que o trophéo victorioso de tão sublime con-
quista da paz universal, emprehendida em cruzada
pelos batalhadores da santa causa da verdade hu-
mana, vale mais do ue os despojos opimos accumu-
lados por todas as gerações guerreiras, purqio é o
labaro incruento dê um povo; quo u nodoa, que
as laminas do azorrague imprimiam na face do mi-
sero escravo, é hoje a estrella dus novos Magos,
que vão em busca do novo Redemptor.
— Que a missão da Libertadôra Cearense é grande
e muito grande, porque, quebrar grilhões, despedaçar
algemas, arrancar mordaças, demolir bastilhas, é a
tarefa da luz, o mandato da geração moderna, que
sahe, aos impetos oceanicos das revoluções, a le-
vantar barricadas quando se forjam cadeias
—Que trinta e cinco escravos livres é uma con.
stellação do progresso, queria dizer, trinta e cinco
operarios para a luta gigantesca do seculo, que vê
tyrannos para os amaldiçoar com o verbo flamme-
jante do anathema social.
51

—Que a obra da Libertadôra, cimentada de de-


dicações achrysoladas, é uma das estrophes do poe-
ma da humanidade, que será cantada pelos heroes
de todos os tempos: pelos Tyrteus de todos os
povos.
—Que si os Abolicionistas cearenses, intrepidos
legionarios da fraternidade humana, algum dia, por
sobre as ruinas desta maldita instituição de trevas,
encontrarem uma figura mugestosa, à derramar dos
olhos uma torrente de [uz c dos lubios uma torrente
de bençãos, curvem-se perante ella. Será a patria, a
nova Cornelia, a bemdizer os esforços de seus fi-
lhos, Gracchos da liberdade, indicando com o gladio
da justiça o ceu da historia.
E concluindo:
| —Que a Libertadôra Cearense soltasse aos ven-.
tos da America sua bandeira, essa bandeira feita
ds corações, que é a purpura da mais esplendida
realeza — a realeza do bem; e batalhasse, batalhasse
sem cessar até que podesse dizer ao mundo inteiro:
—No Brusil não ha mais escravos.
*
x k

Ingente ovação felicitava ao valente tribuno, e


já outra seena commovente se desenrolava aos
olhos do espectador enternceirdo.
“Disputava-se a honra de dar o braço aos 35
libertandos e introduzil-os no Passeio [ublico.
E eiso prestito imponente que desfila por uma
lameda alcatifada de flores.
Ao charivari harmonivso de duas musicas que
tocavam a desafio e ao estampido atroador de mil
fogos, se acotovellavam e se espesinhavam duas mul-
tidões.
Uma: que se havia concentrado no Passeio Pu-
blico, precedia ao prestito.
Outra: que estacionara do lado da rua do Ma:
jor Facundo em frente ao arco triumphal da entra-
5a

da, vinha apoz abrindo passagem entre os dois gru-


pos, que do lado do quartel do 15 e do theatroS. Luiz,
tambem demandavam entrada no seio do immenso
congresso.

Chegou-se finalmente av sconario que se havia


preparado junto ao corêto da musica c em frente ao
botequim de Mr. Girard
sobre o alto estrado que dominava toda a scena,
senta-se o digno presidente da Sociedade Cearense
Libertadôra, o Sr. João Cordeiro.
Dispostos em simi-circulo rodêam-no os membros
da directoria, d'um lulo e d'outro, e à sua frente, a
columna dos libertandos.
Abriu-se a sessão: em phrazes concisas mas que
tudo diziam, o presidente fez vec que estava no do
minio publico o fim da esplendida reunião.
Seguiu-se-lhe na tribuna o Dr. Frederico Borges
que falou insp-rado, A phraze rojou-lhe dos labios
vchemente, impetuosa e arrebatadora.
O orador demonstrou os valorosos serviços da
Sociedade Cearense Libertadôra, a attitude original e
inimitavel dos Cearenses em face à questão do dia,
c appellando para o—res non verba —coudemnou a
infamia dos negreiros que por inveja, despeitoe in-
teresses contrariados calumniavam os abolicionistas.
“ Interfompido muitas vezes por estrondosos ap-
plausos, desceu da tribuna debaixo de uma chuva de
flores c de dvuquets que lhe foram sacudidos à di-
reita c à esgtterda,
se

Aos arroubos da prosa seguiram. se 08 mimoasos


efíluvios da poesia.
O joven academico Antonio Olympio colhia
palmas exclamando:
53

Patria 1 Brasil, orgue um brado


Um brado augusto de luz,
(due n'esta festa sublime
Vê-se au filha de Jesus!
E' a virtude predilccta
À redemptora dilecta
Que se chama—Caridade!
Que com suas &zas douradas
Cobre essas frontes magoudas
E lhes dá a liberdade!

Sim! que esses pôbres escravos


Nossos legitimos irmãos,
Que a tanto tempo choravam
São agora cidadãos!
--Teem já a liberdade
Lhes deu ella a caridade,
Qu'em vossas almas germina!
—Salve sempre a caridade
Que lhes trouxe a liberdade
—Sublime deusa divina!

Aos redemptoros mil palmas!


. . . . . . . . . a . . . . . . , .

Emil palmas rebentaram freneticas c estridentes.


A multidio delirava de satisfação quando à or-
dem do presidente o Sr. José “'heodorico de Castro
proclamon que iam ser libertados 35 escravos, cu
jos nomes omitimos por desnecessário ao nosso fim.
*
e +

Houve um momento de silencio geral: ouviu se


apenas o marnlhar das vagas do ocuano.
Uma surpreza invadira os animos e atacava de
momentaneo turpor a tumiultuaria agitação daquela
maça inorme,
—Libertar 35 escravos de uma só vez era um
54

commettimento de sacrificio que só à Libertadôra


Ceurense tinha realizado!
--De todas as sociedades abolicionistas do Im-
perio, nenhuma fizera tanto em provincias mais ri-
cas. À propria côrte estava abaixo do Ceará,
*
* +

Commovido pela grandeza do acontecimento e


penhorado pelo grande beneficio, tomou à palavra o
libertando Ponciano Francisco de Paula,
Lagrimas de reconhecimento ungom lhe a pa-
lavra c orvhlham a bandeira que elle em nome de
sua classe offerece a Sociedade Cearense Libertadora,
Beijando o estandarte da liberdade, quer entre-
gal-o de joelhos e oscular a mão do presidente da
“ Livertadora.
Mas não, elle nãoo consente: levanta-se, rece-
be o estandarte e abraça o offerente.
Todos os libertandos inclinaram-se profunda-
mente ante éssa scena da egualdade humana—e as
senhoras cearenses, umas acenavam com o branco
lenço, outras sacodiam flores.
*
& *

E” sob a commoção deste espectaculo novo, que


sobe à tribuna o Sr, João Lopes Filho,
Confessando-se maravilhado por ver realizado
naquelle acto o mais bello e o mais poeticu de todos
os sonhos, -o da cgualdade humana... maravilhou
tambem ao seu auditorio o elegante orador.
Não lhe faltaram nem palmas nem flores...
Justa homenagem.
Nunca se disse tão bem sobre as vantagens do
trabalho livre e sobre o mutuo auxilio do homem ao
homem sob a inspiração «a liberdade, da egualdade
e da fraternidade.
de
55

Prorompeu então, com toda a magestade das


grandes harmonias, e com a harmonia das grandes
orchestras o hymno da Sociedade Cearense Libertadora,

Eia! us armas soldados dos livres,


Na vanguarda já sôa o tambor!
Eis o motte do nosso estandarte:
«Liberdade aos captivos e umar.

CORO
Para sempre se apague da face
Da formosa auri-verde bandeira,
Esse negro borrão que nos mancha
E que avilta a nação brasileira
PR ..

Todo o mundo que attento nos ouve,


Bata palmas aos nossos heroes,
Quando vir que não ha mais senhores
Nem escravos na patria dos sócs.

E um coro harmonioso e brilhante das melho-


res vozes repetir com a mais arrebatadora ma-
estria :

Pava sempre se apague da face


Da formosa auri-verde bandeira
Esse negro borrão que nos mancha
E que avilta a nação brasileira.

Alegre, marcial, poetica e arrebatadora, a mu-


sica do hymno fez furor: o enthusiasmo tocou ao
delirio.
Repetição! repetição --foi o brado ingente que
partiu de todos os labios.
Momento supremo ! Consumava-se a grande obra
da redempção.
6

Repete-se o hymno.
Entraram para o concerto as acclamações das
turbas populares,
O presidente vai ao som da ruidosa harmonia
entregando uma a uma as 35 cartas de liberdade.
Recebendo o precioso chirographo os libertandos
lhe imprimiam o osculo de seu amor, ec depunham
aos pés do sr. João Cordeiro um lindo bouquet de
Hores
Victimas de impetuosa sensação de alegria e
de felicidade, alguns libertindos pareciam desmaiar
no contacto deslumbrante da liberdade.
Foi pretiso ampara-los: ou duvidavam de sua
felicidade, ou ella matava-os de contentamento inet-
favel.
E quando o estandarte da Sociedade Cearense
Libertadora tremulava às brizas do mar, tambem es-
praiava-se no espaço à ultima estrophe do hytinno.

E que a aguia altaneira que vôa


Pelo dorso dos servos azues,
Leve abs astros. na garra gigante,
À bandeira banhada de luz! (1)

Ouviu-se então um ruido sonoroso, profundo e


imimenso comp au voz do trovão que retumbasse de
um polo a outro.
Eram vivas à João Cordeiro, José Amaral, An-
tonio Bezerra, Albanos, José Barros, aos jungadcei-
ros, e à toda Sociedade Cearense Libertadora,
Seguiu-se a passeata no quadro do Passeio Pu-
blico.
Cinco mil pessoas, para marcharem, se dividi.
ram ainda: mis a frente da musica do 15 Batalhão

(*) A música e poesia dêsse bello bymno são uma iespi-


ração do Frederico Severo.
57

desfilavam à direita, outros com a musica da Poli-


cia à esquerda.
As duas multidões encontraram-se, dá-se a fuzão,
e cis um só povo e uma só passeata.
Eram nove horase meia da noitee o aeto havia
começado às 5 1/2 da tarde,

Há no percurso de três annos, tempo que du-


rou aquella luta pêlr liberdade, actos de abnega-
gio e patriotismo admiráveis.
Ninguém póde esquecer de tão cedo a atitude
miscula e destimida dos jangadeiros, fechando os
mures ao tráfico da carne humana.
O seu chefe, Francisco José do Nascimento, ti-
cou apelidado na história- Dragão do mar.
Um dos dias de mais glória pára a associação,
e que decidiu de seu Íuturo, foio 30 de Agosto de
l*s1, quando o govêrno procurou afogar em sangue
à nascente sociedado, e opôs à sua energia tôda a
força existente na capital.
Foi batido por um acto de desespêro dos liber-
tadôres.
O vapôr Espírito Santo, ancorado no pôrto, devia
sair à tarde pára o norte, e 0 chefe de Polícia Dr. Tor-
quato Vianna, no trapiche, tendo à vista duas cs-
cravas do capitão Camerino Facundo de Castro Me-
nezes, do Pará, pretendia a todo o transe fazêr em-
barca- las pãra inutitizar assim a resolução dos jan-
sadeiros, que passara à axioma: No pórto da For-
tulêza não embarcam mais escravos!
Havia na praia bastante tropa, e em frente a
massa compacta do pôvo, que gritava de quando em
vêz: Não embarcam, não embarcam!
O chefe de polícia enfurecido discutia com os
libertadôres, e ameaçava levar tudo a ferro e a fogo,
si não embarcassem as negras.
Empregou tôdos os meios ao seu alcance pira
se sair bem da comissão, de que o encarregara o
58

Presidente Dr. Pedro Leão Velloso, quando num


segundo o tibertadeiro, João Carlos da Silva Jatahi,
conduzindo as pretas, que passaram pêla frente do
Dr. chefe de Policia, mete-as num carro trazido por
Candido Maia, e vôa com ellasao país da liberdade.
Partiu o vapôr, e de quando em quando
o pôvo
no auge do delírio c do entusiasmo gritava: No pôrto
da Fortaliza não embarcam mais escravos!

Cabe àqui relembrar o nome do bravo Coronel,


atualmente General, Francisco de Lima eSilva, coman:-
dimte do 15 Batalhão de Infantaria, estacionado nesta
capital, em consequência do interesse e simpatia que
tomou pêla causa dos libertadôres.
Sabido como estava dêsde a tarde do dia ante-
cedente, 29 de Agôsto, que o presidente da Provin-
cia envidaria tôdos os esforços pãra levar a efeito,
o embarque das já mencionadas escravas do Capitão
Camerino Facundo ; os libertadôres, de seu lado, va-
liam-se também dos meios ao seu alcance pãra
embaraçar si não fosse possivel frustrar o acto do
govêérno.
Ao passo que se recolhia aos quartéis a força
de polícia, (de guarda-civica e algumas praças de
cavallaria, fornecendo se-lhes a munição necessária
pára o ataque do dia seguinte, feito tudo isso com
certo aparato belicôso, aumentado pelo alarido dos
toques de córnêtas c tropel dos cavallos das praças
montadas, que atravessavam a cidade em tôdas as
direções à serviço das autoridades superiôres; não
menos acelerados andavam os libertadôres, que
tendo conseguido a coadjuvação da gente das ca-
patazias do serviço de embarque e desembarque
no pôrto, capitaneada esta pélo intemerato Jiber-
tadôr José Luis Napoleão, se aproveitavam da es-
curidão da noite, e desfaziam o calçamento amon-
toando as pedras em diversas pilhas péla margem
da vua da Praia, no trecho que se estende do tra-
59

piche ao edifício da Escola de Aprendizes Mari-


nheiros.
A's 9 horasda noite, uns achavam se em sessão
permanente na sala de Aço; outros trabalhavam ao
lado dos jangadeiros e estivadôres do pôrto na área
em que se devia efectuar o embarque, cogitando
de outras medidas como u («le meterem a pique os
escaleres da Alfândega e da Polícia, únicos que po-
deriam transportar os escravos aludidos, de que
felizmente não honve necessidade.
Por essa hora mais ou menos upresenta-se à
porta da casa das sessões um soldado do contin-
gente de linha, e av vice-presidente José Amaral, que
dirigia a reunião, fêz entrega de uma carta. À pri-
meira. impressão foi de susto pãra tôdos, mas quasi
logo abrindo-lhe um sorriso agradavelmente o sem-
blante, desfêz-se o receio.
Era a carta do Coronel Lima e Silva, na qual
convidava os libertadôres pãra se associarem à sua
alegria na festa que lhe faziam os oficiais, seus ca-
maradas, por motivo de set anniversário natalício.
Elle os ficava esperando.
O Coronel Lima e Silva residia no prédio n.º
131 da rua Major Facundo, esquina du de 5. Bernar-
do, ealiao fim de quinze minutos chegavam os li-
bertadôres José Amaral, Dr. Frederico Borges, An-
tónio Martins, José Marrocos, Irancisco José do
Nascimento e António Bezerra.
Apenas galgaram o último degrau da pequena
escada que dá entrada pâra a sala, proromperam
os oficiais num brado forte c estridente: Viva a
Sociedade Cearense Libertadora!
Houve um momento de verdadeiro delírio.
Depois dos cumprimentos mais delicados, o Co-
ronel em companhia dos convivos passou à sala
de jantar, e assumindo a cabeceira da mêsa do ban-
quête, fêz sentar os libertadôres, cada um entre dois
oficiais.
À sobremêsa trocaram-se muitos brindes cada
60

qual mais afectuôso entre os militares e os mem.


bros da Libertadôra
nendo já alta a noite, ergueuse da cadeira o
Coroncl Lima c Silva, c coma ultivêz de porte que
lhe era peculiar, transportado do mais nobre entu-
siusmo, falou e disse: Senhôres da Cearense Liberta-
dóra. Adepto das mesmas ideias que sustentais em
prol da liberdade dos escravos, eu empenho a
minha honra de militar, garantindo-vos que a força
sob meu comando não disparar um tiro sobre os
libertadóres. Suas palavras foram acolhidas com
uma salva de palmas.
Os libertadôres não cabiam em si de contentes;
estava ventida a maior dificuldade da situação
Dentro em pouco se despediram levando os co-
rações cheips de legitimo contentamento.
Na rua pouco abaixo daquella casa, à mesma
hora, pararam os libertadôres, e acordaram sobre
1 posição que sc deveria tomar caso morresse algum
dos companheiros victimado pélas balas do govêrno,
e ficou sentado sob juramento, que Francisco do
Nuscimento, que não tinha filhos, assassinaria O
chele de Polícia; e élle o prometeu por sua honra,
c ua ocasião em que se pretendia embarcar as cs-
cravas, Gllé, convenientemente armado, acompa-
nhou sempre aquella autoridade em tôdos os seus
pussos no trápiche, até que partindo do pôrto o va-
por LspiritosSanto, se retirou a força c o chefe della,
que, uinda Hoje é opinião nossa, fingiu por mêdo que
não vira as escravas na ocasião em que passaram
do interiôr do trapiche pãra o carro.
Napraia havia não menos de seis mil homens, que
até o último instante gritavam desesperadamente : No
porto do Cear não embarcam mais escravos!
O Coronel Lima e Silva campriva sua palavra.
Não confiandoo Dr. Torquato Viumna na tropa
de policia às suis ordens pára fazér frente ao ajun-
tamento do pôvo apinhado nos arredores, miindou o
empregado de suu Secretaria, Francisco Martins de
61

Castro, ao Coronel Lima e Silva, afim de que lhe


enviasse as praças de que precisava, cujo número
ignoramos, encarecendo urgência; mas o Coranel ves-
pondeu-lhe que sendo comandante de um Batalhão
não recebia recados, e que tinha direito a que se
lhe fizesse qualquer requisição, tendente a serviço
público por meio de ofício.
Exacerbou-se o chefe de Polícia, e fêz logo a
remessa do ofício exigido.
O comandante mandou tocar reunir, e só de-
pois das quatro horas desceu a força de linha sob as
ordens do Tenente José Joaquim Aires do Nasci-
mento, que nos comanicou levava na bainha um
pedaço de espada.
Quando tomou posição na rua da Praia em frente
ao mar, as negras já andavam longe, sendo agasa-
lhadas em casa de Francisco Januário, à rua de 8.
Sebastião, com fundos pira a igreja de S. Benedito,
de onde as tirou ainda Jatahi pára a casa de João
Cordeiro, receiando pesquisas da Polícia, e não jul-
gando-as bem seguras, duli as conduziu pãra a caga
da preta velha, conhecida pêlo nome de tia Espe-
rança, no corredôr da Jacarécanga, entre o sítio do
Comendadôr Luis Ribeiro e o de D. Yirginia Sal-
gado,
A polícia cercou e deu busca em casa de Ja-
nuário, mas voltou, como se póde imaginar, de crista
cuida.

O govêrno começou a derrubada.


Demitiu o Dr. Frederico Borges, de promotôr
da capital, aos moços Francisco Ferreira do Valle
e Francisco Siqueira Mano, de intendentes da guar-
da-cívica, à Francisco José do Nascimento, o chefe
dos jungadeiros, de prático e prático-mór da barra;
removeu o destemido Coronel Francisco de Lima c
Silva, do comindo do 15 batalhão, estacionado
na cidade da Fortalêza pára a capital da Bahia.
E não tôve mais termo à perseguição aos /ber-
62

tudeiros, como eram conhecidos os abolicionistas pêlos


inimigos da liberdade. ,
Foi ainda demitido o Dr. Almino Alvares Affonso,
de procuradôr fiscal dos feitos da Fazenda Geral,
o Dr. Pedro Augusto Borges, foi removido pára
o Chopin, no Rio-Grande-do-sul, e o bravo bata-
lhão 15 foi deportado pàãra o Pará, onde sofreu
inúmeras bhisas nas suas fileiras devido às molés-
tias do clima.
Outros sofreram processos, perseguições, suspen-
sões dos calgos, córtes nos vencimentos; mas cada
vêz mais crescia o fanatismo pêli nobre ideia.
Cada dia que se nassava, era mais uma glória
que assinalava o engrandecimento da pátria.
Resouva já por tôdos os lados o canto estridente
dos revolucionários do bem:

alous enfants de la patrie,


Le jour de gloire est arricó!

Us libertudóres desfruldavam ao longe pélas ci-


dides e villas do interiôr o estandarte branco da li-
berdude, e começando a emancipação na gloriosa
terra do Acarape, hôje terra da Redempção, no 1.º
de Janciro de 182, seguiram-se quasi logo não me-
nos galhardinnente os municípios de 5. Francisco-de-
Uruburetama, Pacatuba, à mimosa cidade do Icó, -
Canôa, hoje Aracoyaba, Messejana, S. Francisco-
de-Canindé e outros.
As comissões, tiradas da Libertadôra, percorriam
de uus pãra outros pontos a grande exteusão da
antiga provincia.
Não sc creia que lhes corria tudo em mar de
rosas, não; tjveram que suportar muita grosseria,
muito incômodo, até fome, que os negreiros lhes
negavam pão e agua.
Notivi-se um vúdio implacável aos que perten-
ciam à degalidade como chamavam a Libertadora,
À lóra os processos e chamados à Polícia, solrê-
63

ram uinda emboscadas das quais escaparam mila-


grosamente.
Entre êlles a António Bezerra, mandou o chefe de
Polícia, Dr. Joaquim Lopes de Alcântara Bilhar,
que se armasse, tanto receio tinha de que lhe tirassem
a vida.
Ninguém descansava, estavam reunidos conti-
nuanente a tôdas as horas, e quando um mais des:
timido roubava, por exemplo, um escravo do Presi-
dente da Província, como o do Barão de Guajará,
os outros aprovavam sem restrições o procedimento
do louco, como era qualificado. Os escravos do lado
do poente eram escondidos o lado vpôsto, e os
deste naquêlle.
Rara era a casa de familia, na qual se não
guardasse um, dois e mais infelizes do ecntiveiro.
vom ordem expressa de não pôrem o pé na rua.
Chegou o dia 24 de Maio de 1883, dia da festa
maior, mais deslumbrante à que temos assistido dêsde
5. Paulo até Manaus,
Solenizava se a libertação da capital, eo pôvo
em delírio traduzia a sua alegria em manifestações de
intenso prazêr.
Tudo se inventou pãra maior brilhantismo da-
quêlle gloriôso dia.
Cantos, músicas, poésias, discursos, passeiatas,
iluminações, risos, expansões de prazêr, tudo, tudo
se notava no entusinsmo e contentamento da popu-
lação.
La, nos arrabaldes onde não haviam chegado
es enfeites de que se encurregara a comissão do em
belezamento da risonhi cidale, os mitis pobres,
aquélles que tinham por tecto singelas chonpanais,
iluminavam com velas de carnauba, fincadas na
areia, a frente de suas casas.

Festa igual âquella nunca os nossos olhos viram


« nem verão jamais.
54

Lembrâmo nos nêste momento de um facto, que


vem aínda mais levantar o nome dos libertadôres.
Faltando ainda quatorze contos pãra completar
a importância orçada à libertação da capital, nomeou
a Libertulôra uma comissão composta dos Exms.
Surs. Barão de Ibiapaba, Barão le Aquiraz, General
Antônio Tibúrcio. Desembargador Souza Mendes,
Comendador luis Ribeiro, negociante Seixas Cor-
reia, Victoriano Borges, e outros, pira fazerem um
upélo aos amisos « lefensóres da mesma ideia. Reu-
nda dias depuis a comissão, no palacéte do «Club Tra-
cemit», pélas cinco horas da tarde, o general Tibúr-
cio lalou e disse que só se tinha podido colher pouco
mais de sete contos, porém que o Exm. Barão de
Guajará, presidente de então, mandara oferecer as
sobras do fundo da emancipação, que culculava
seriam quatorze contos.
suis palavras foram ouvidas com atenção reli-
giosa; mas logo que se tratou de aceitar dinheiros do
Governo, os libortadóres presentes e muis outros
amigos provrompéram em gritos e numa só voz bra-
daram: Não se deve aceitar! e
E logo sôbre a mêsa, no lugar que acupava
João Cordeiro, umontuaram relógios, correntes, an-
neis de brilhantes, e ainda João Carlos Ja Silva
Jatahi replicou: =i não chega, hão de chegar os va
lôres das joias das nossas mulhéres ! Nadia do govêr-
nc conôsco!
Os municívios disputavam entre si emancipar
os escravos uns primeiros que os outros.
d Libertadora havia mandado uma comissão
pára assistir it lesta por ocusião da libertação de
Canindé, a 4 de Oitubro de 1853, libertação esta
que foi promovida pélo libertadeiro Antônio da Cruz
Saldanha.
“ A cesta comissão acompanhava outra de respei-
táveis senhóras, enviada pola sociedade das Senhoras
Libertadóras. Compunhais: das [xmas. Suras. D.
Franeisca Nunes la Cruz, D. Joia Autónia Be-
65

zerra, D. Maria Theophilo Moraes, D. Maria Nunes


Façanha e D. Lina Josefina Bezerra,
E' impossivel descrever o que se passou na-
quêlle dia.
Coincidiu justamente a festa do padroeiro com
a da libertação do municipio, e por isso a popula-
ção afluiu em massa dos pontos circunvizinhos, achan-
do-se pélas déz horas do dia, quando começou o acto
no corpo da igreja matriz, pára mais de cinco mil
pessõas.
Foi um delírio.
António Cruz não se poupou a sacrifícios, e
muita gente ainda hóje recorda com saiidades aquela
data gloriosa.
Nada falton pãra a solenidade do acto.
À sessão magna esteve imponentissima, c o pôvo
cumpriu o seu dever, saiúidando nos herois do mo-
vimento civilizador.
Após a sessão passeiata, após a passeiata umi
partida, em que compareceu tudo quanto cra selecto
e distinto no municipio.
E” sempre agradável recordar o passado, e mui-
tissimo. mais quando nélle estão incluídas scenas da
nossa vida.
-Desperta-se-nos nêste instante a lembrança de
um crime, quo cometêram os libertadôres naquêlle
canto da terra, que revela o fanatismo de que es:
tavam tôdos possuicos.
Era.o absurdo batendo o absurdo,
Peta manhan do dia cinco aparecêram na casa
onde estava hospedada a comissão Libertadóra, ums
vinte escravos do Piauhi a chorar e a pedir que se
lhes desse a liberdade.
Bra impossivel cedêr aos seus desêjos, c os li-
hertadóres achavam-se contrariados de lhes não pó-
der aliviar os solrimentos,
Os pretos continuavam de chorar e se maldi-
ver, quando o Dr. Frederico Borges, sctualinente
leputado ao Congresso Federal, concordou com os
66

demais companheiros presentes que se atendesse ao


pedido daqguélles infelizes. .
Mandou vir papel, e ordenando ao L.o secretário
que escrevêsse o que êlle mandasse, começou à pas-
sear de um pára outro lado da sala ditando as car-
tas seguintes, que foram tôdas do mesmo teôr:
Nós abaixo assinados, membros da terrivel as-
sociação Libertudôra Cearense, restituimosà liberdade
o cidadão Fulano...... e ordenamoslhe que,
si pretendendo voltar a terra de sua residência, o
seu ex-senhoór quiser obriga-lo ao cativeiro, o poderá
matar com uma faca bem grande que lhe atravesse
o coração de uma banda pãra outra.
Canindé, 5 de Oitubro de 1883.
Assinarnam as cartas os senhóôres: Dr. Frederico
Augusto Borges, António Bezerra de Menezes, ' An-
tónio da Qruz Saldanha e José Joaquim Telles Mar-
rocos.
Os pretos riam de verdadeira alegria, e quasi
no mesmo dia voltaram pâra o Piauhi.
Dentrôó em pouco aquélles loucos tornaram à
Fortalêza em plena liberdade, pois que os seus se-
nhôres, em vista daquêlle documento, não os-quize-
ram mais conservar em sua companhia.
Estas Joneuras fôram o começo da pátria livre que
tanto amamos, e que se vai pêlo govêrno republicano
impondo ao respeito e estima do velho mundo,
Naquella luta terrível,o govêrno afinal se tornou
sem força pára agir contra o movimento libertadôr.
Sancho de Barros Pimentel dizia que a «liibertadôrao»
ecra o escôólho onde naulragavam as administrações,
Está escrito.
O govêrno não tinha mais a quem demitir, a quem
remover, a quem desterrar.
E a ideia ia por diante triumfante e gloriosa.
Libertada à capital foi fácil libertar o resto da
provincia; pois que tôdos o queriam, tôdos o desé-
javam.
As agradíveis noticias do interior chegavam a
67

cupital de dia u dia, e de dia a dia esse ou aquelle


municipio dava motivo pãra festas solenissimas,
O Bixm.º Conselheiro António Marcellino Nines
Gonçalves, grande do Império, fêz tódos os esforços
para conseguir a sua escrava Francisca, nas jâmais
téve ésse prazér.
Quando em Oitubro de [843 o chefe de Pulicia,
Dr. Benjamin de Oliveira e Mello, fingindo-se aholi-
cionista para iludir os libertadótes, conseguiu pren-
dêr aquella escrava, o Juiz de Direito, Dr. Joaquim
Barhosa Lima, deu-lhe Habeas-corpus a requisição da
«Libertadóru»,
“O chefe de Polícia não se conformou com o des.
pacho daquela autoridade, e a escrava continuon re-
tida.
Contra semelhante procedimento deu queixa ao
Tribunal da Relação o Juiz de Direito, e a mitori-
dade arbitrária foi pronunciada, e teria sofrido
muito mais do que sofreu, si a seu favór não viesse
o empenho do ministro Dr. Prisco Paraizo.
Foi logo dispenso da comissão da Polícia e
nomeado Juiz de Direito de Jaguaribe-mirim, e fo-
rum tantos e tão profundos os desgóstos por aque
passou na questão da escrava Francisca, que se
finou pouco tempo depois
Francisca ficou no Ceará, c ainda hóje gosa ali
dos privilégios que lhe trouxe à liberdade.

Chegou felizmente o dia 25 de Março de lama,


e à uma hora da tarde, no meio dos vivas e das
palmas de uma população em delírio, ao som das
salvas da artilharia, dos foguétes que aos milhares
estrondeavam no ar, dos repiques dos sinos, declarou
o lixm. Dr. sátvro Dias, presidente da então provin-
cia do Ceará, ao paiseao mundo, que na terra cea-
rense não havia mais escravos!
Às inúmeras cadeiras e bancos que ocupitviam
a drea do grande pavilhão armado à praça Castro
68

Carreira, estavam cheios de gente, tôdos a vêr e


a aplaudir.
As festas por motivo desta data gloriosa segui-
ram-se sempre animadas, sempre concorridas, sem-
pre imponentes até 31] do mesmo mês,
Não é fóra de propósito uma ligeira reflexão
acêrca da libertação total dos escravos da provincia.
O Ceará acabava de atravessar a hedionda qua-
dra da sêci, nos annos de 1877 a 1879, três annos
de sofrimentos c de misérias, e em 8 de Dezembro
de 1880 fundou a sociedade «Libertadôra», que deu
em resultado a liberdade de tôdos os seus cativos
em ntimero de 35.508,
Com o toração a sangrar ainda péla lembrança
das lutuosas scenas da terrivel calamidade, e já
sorria de contentamento pensando que dentro de
pouco iria ombrear com as nações livres e cultas!
Victor Iugo, o maior génio do sécnlo das lêtras,
saíidou de modo esplêndido a terra da luz, e pro-
fetizou que é exemplo do Ceari havia de passar ao
resto do Briiail.
Foi o que se deu.
O Amazonas acompanhou ao Cearã nas mesmas
expansões, com o mesmo entusiasmo.
As duas grandiosas terras apesar do seu imenso
patriotismo, da sua grande abnegação, só tiveram
imitadôres cóugidos pela lei de 13 de Maio de 1888.
Fóram livres as demais províncias por. força de
um decreto imperial!
Nós e os amazonenses tinhamos no coração a
consciência da nossa grandêza, que em se tratando
de liberdade, não precisava que se nos impusesse
o cumprimento do nosso dever,
O pôvo dos dois Estados lavou a nódoa do pa-
vilhão nacional antes dos outros, que se ufanam de
muito mais ricos e de muito mais adiantados.
Foi enérgica, violenta talvêz aquella batalha
contra o direito de um homem sôbre outro, proprie-
dade amparada por lei, protegida pêlo govêrno, pêlos
69

interesses de tôdos; mua por fim a força do direito


domou o direito da força, a civilização os precon-
ceitos, à justiça o despotismo, e à liberdade
de victória
em vietória igualou tôdos os homens sem se derra-
mar o sangue de irmãos.
O glorióso feito de 25 de Março de 1884 apressou
o de 13. de Maio de 1885, e êste o de 15 de No.
vembro de 1889.
O 7 de Setembro, nascido nos campos do Ipi-
ranga, trouxe à nossa emancipação politica, adqui-
rida quasi à força pélos patriarcas da liberdade;
mas aquetla carta admitia a escravidão de milhares
de brastleiros. O 15 de Novembro, porém, instituiu
o govêrno do póvo pêlo povo e deu-nos uma consti-
tuição mais ampla, mais livre, e mais grandiosa.

For ocasião da festa de 25 de Março escreve-


mos as seguintes poêsias:

Glória ao Brasil
Quando bá bem poucu a Pátria ent êxtase sublime
pedia a extirpação do mais horrivel crime,
que lei caduca ampara é chama escravidão,
o evo de sou brado atravessundo vs niares.
vibrou da zona ardente às rogives polares,
a despertar mais údio à nogra instituição.

Não foi debaido o apélo; à vuz quo inda ecoava,


tão grave como a proco, aqui se despertava
um pouco de hervismo em peitos dalguns bravos:
e, pois, foi desdobrando o lábaro da igualdade,
que us luucus de civisnmu—a flór da mocidade
jurarau de abolir o crime dos escravos.

Travou-so então a Ina; os homens do passado


de raiva estremocôram á quoda do mereado,
quo o ganho lhos covava om vil nogociação ..
TO

ergueram resistência à ideia vencedora,


que tinha por broquol a mãi Lebertudire,
por cacrusanto empenho a glória da Nação.

loi mais que encarnicada a rigida portia!


do um lado era o senhor en guarda à escravaria.
quo rápido seo lho escapa à rabia tratecida;
du outro a liberdado osplêndida de rulgores,
colhendo ao seio amigo a grei dos sotredôres,
que spentos de injustiça a trazem oprimida,

Vencêra, altim, na tiça o tôrça do direito,


quo vilireito da fórça ao crimo sempre afoito
batidovola a faco ás luzes da razdu:
untão cantos de amôór vcóam cu tôda a parte,
na terta dos herois, à sombra do estandarte,
que invida à humanidade à mesma comunhão,

Em que clima, om que ar. na Pátria brasileira.


podia achar abrigo à luira munsageira
melhurque ao extremo norto, a pátria de Alencar ?
aqui rdferve o sauguo au som da Marsalhêsa,
selvática no aspecto a própria naturiza
não pódo de orgulhosa escravos procrear.

à luz do sot que exparge à tiama das crateras.


infundo nalma o ardor das valvrosas oras
um que mais esplendia v estorço nacional;
vas vagas do vceuno em rábida toada,
beijando à vola branca 4 fulgida jangada.
a modo qno restrugem um canto marcial.

Nesta turra do amor 6 vida a libordade


o por tádos us cantos a fulgida igualdade
as raias tent fechado en um circulo de luz:
Jo lado da senzala erguen-se a nova oscola.
quo vem trazér ao cêro à sacrosanta esmola
dêsto ensino dalma a que tanto amon Josus.

ulória. puis, dus bravos, dos grandos bomtoitóres.


dquélies «uo afrontarant a irá dos sonhóros
vom toda à intropidês « ostorço varonil:
dquélles a quem sempre os bárbaros negreiros.
chantavam por escáenio vis libertadeiros,
que hoje mais elevanta Glória do Brasil.

25 de Março de 1584,

Bravo! irmãos, a santa ideia


que cm vossa tenda nasecu,
rasgando as trevas da nuito
mais bella e pura se erguen:
traz olla na fronto agora
us esplendóres da aurora,
do sul o imonso fulgór,
as vestes de luz tão pura,
que vfusca à suave alvum,
como a nuvem do Thabór

Sim, 6 ella, a mesma ideia


que brilhou no vosso lar,
ao vosso seio aquecida
eriou forças p'ra lutar;
partiu; do direito armada
zombou da rija Infada,
do horrôr da morte zombon.
somo o génio das contendax
entrando em tôdas as tendas
as sengalas derribon

Aos filhos da mesma zona


uns e outros torna irmãos.
e á luz de un! sou sorrisu
amo e servo dão-se as mãos;
por onde passa—naldeia
o brio antigo se altoia,
surgem templos dinstrução;
a indústria, Jótras, sciência
despertam sob à influência
do sott grande coração
Sem manchar as mãos em sangue
percorre a vasta oxtensão,
à travar luta de morte
contra a loi da oseravidÃo;
us privilégios so orguêram,
os rancóros mais croscêram
ao choque de sem valór,
mas aos clarõos da justiça,
a razão venceu na liça --
perdêra o pleito o senhôr,

Não mais àgóra o rangido


que a gargalhoira produz,
mas cantos que acordam risos
na vrande terra da Luz!
n sol já nasce e se escondo,
sem se ouvir o pranto aonde
o escravo a sorto maldiz|
e na plaga abençoada
aurge à primeira alvorada
de uma pátria mais laliz

Nerramou hons às mãos cheias


vossa ideia bomfeitôra,
que aqui se chamou civismo,
amais: alon «Libertadora» ;
é justo que após da lida
naiba a Pátria agradecida
VuBsis nunies repetir,
duls p'ra orguê-la laureada,
linhois osorito na espada
— Peracverança e Porvir,—

oh do Março de 1484.

Um dos actos de muita ufania pâra o Ceará no


dominio republicano, que traz pára o Brasil grande
soma de glória, + sem dúvida a atitude máscula,
encrgica, indomável do Dr. Abel fiarcia, por oca
sião do golpe de listado de 3 de Novembro de 1891.
Fundada a República e já perfeitamente enca
minhada, dirigia o seu destinoo Marechal Deodoro
13

da Fonseca, auxiliado pêlo ministério Barão de Lu-


cena, quando naquélle dia, de modo absurdo e ab-
soluto, dissolveu o Marechal o Congresso Nacional,
ferindo de morte a Constituição dos Estados Unidos
do Brasil.
Esta notícia chegou ao Ceará, que era então
governado pêlo General José Clarindo de Queirós,
a 4 de Novembro, e nêsse mesmo dia o Dr. Abel Gar-
cia, um dos moços mais distintos de então, cuja in.
dependência de caráçter sempre foi e é reconhecida
e respeitada de tôdos, como um dos redactôres do
«Libertadôr», publicou o esplêndido artigo sob a
epigrafe «A República em perigo», no qual prega-
va a insubmissão áquêllc acto de força, que, como
muito bem disse, era uma. vergonha nacional.
O seu artigo, escrito em linguagem veêmente e
forte, é uma prova de energia, um grito de guerra
contra a invasão urbitrária do pudêr, um apélo aos
republicanos pára que salvem à República prestes a.
cair do pedestal de glória, que tanto havia custado
aos verdadeiros patriotas.
O Governadôr Clarindo aceitou logo à nova po-
litica do gabinôte Lucena, e como êlle servilmente
a maioria dos (iovernudôres dos outros Estados.
O Dr. Abel Garcia, que foi o primeiro a gritar
às armas, no dia immediato ao (Golpe de. Estado,
vendo-se em desacôrdo com os demais redactôres
do jornal, publicou ainda o artigo «O Libertadôr e
a Dictaduras», que vem por clle assinado, c declarou
desligar-se da redação do referido jornal, por não
quererem com êlle mantêr os companheiros a soli-
dariedade no combate à Dictadura.
Esse artigo dá un exemplo bem significativo da
independência e hombridade com que so batia o
"moço libertadôr. Elletinha confiança domais na sua
coragem e lonldade de republicano pára não deixar
corrompêr o seu quorido ideial.
E não querendo nssistir a subserviência dos que
batiam palmas ao crime dc Chefe da União, retirou-
74

se indignado, ce por muito tempo não apureceu, nem


fêz mais alinuça com os seus antigos companheiros do
«Libertador». .
Mas dias depois têve êlle à consolação de sabêr
que tinha tido imitadóres.
Daqui veio chamárem-no intratável, quando em
tdos os actos de sui vida se tem mostrado sempre
lhano e dedicado, menos si se exige de sua inteirêza
procedimento contrário às suas virtudes civicas.
O Dr. Lauro Sodré, no Pará, e o Dr. Julio de
Castilhos, nb Rio-lirande-do-Sul, protestaram contra
o acto da Dietadura,e êsses heroicos paladinos, le-
vaudo bem longe o “co da indignação dos republica-
nos sinceros, viram dentro em pouco coroados os
seus desêjus e esforços, porque o Marechal Floriano
Peixoto, 0 hérói dos herois, salvara à patria daquelha
indignidade.
O Dr. Abel Garcia sofreu desgôstos, mas têve
a saia compensação:—a República salvouse, e a
pátria mais ongrandeceu se sob o benéfico influxo
da sum doutrina,
Os homens de mérito têm de quando em quanda
as suas horas de contentamento,
Quando um dia a história, inexorável como é,
se lembrar de fazêr justiça nos que mais concorrêram
para o engrandecimento do Brasil, os serviços do
Dr. Abel Garcia hão de sêr compensados com os
alasgos que ela sabe distribuir aos privilegiados.
Espere q ilustre cidadão, queela tarda, mas não
falta.

Não nos podemos [urtar ao desêjo de, continu-


ando éste ligeiro estudo, dizér algumas palavras
sobre mulher cearense, sua educação, seu papel
na sociedade,
Não são formosas. como as Parahibanas, Catha-
rinenses, mas são sobremodo virtuosas.
Habituidas ao trabalho de casa desde a infân-
cia, tanto as filhas das familias abastadas, como as
15

das classes pobres, não estranham os mais pesados


encargos que lhes possa trazêr v casamento.
Depois do ensino doméstico, são em geral edu-
cadas com esmêro nas létras e bellas artes.
Ha ali senhôras que. têm nome feito como poê-
tisas e escritóras.
São hem conhecidas as lixmas. Snras. Anna
Nogueira, Francisca Clotilde, Ignácia de Matos Dias,
Emilia de Freitas, Francisca de Mello Cezar, Luiza
Amélia de Paula Rodrigues, Anna Lecticia da Fro-
ta Pessoa, Luiza Justa, Anna Facó, Anna Bilhar.
Adília de Albuquerque Luna Freire, Maria Salazar, Ma-
ria Rodrigues, (Alba Valdez), Maria Amélia Torres Por-
tugal, Aurelinda Simões, Olga de Alencar, Amélia de
Alencar e Julia Moura, cestas seis últimas; direetôras
da Liga Feminista Cearense, fundada pêlas mesmas
em 26 de Jalho de 1904, e muitas outras, que hon:
ram os jornais com os seus escritos.
Em música «é desênho conhecemos tambem -cul-
tôras distintissimas.
Nada mais bello, mais edificulôr que a sua
actividade e distinção em tudo; ellas vão sós ao
mercado, aos estabelucimentos comerciais, nos cur-
sos da Hscola Normal, sobraçando .os livros de en-
sino, como nos paises mais adiantados, e por onde
passam, cercam-nas o respeito e as atenções da po:
pulação.
E quem seria capaz de lhes dirigir o mais leve
e o mais innocente gracéjo”?. .
Ninguém: que a mulher cearense posa ali de
veneração como em parte alguma.
Caso, por exemplo, uma moçu pobre espose um
empregado público ou outro qualquer individuo de
pequena profissão, si por infelicidade êllo adoece ou
é demitido, ella sustenta o mantem a dignidade do
marido, trabalhando de modo desesperado, de sorte
que temos conhecido a muitas que se [inaram de
consumpção, exercendo serviços pesados e superiô-
res as suas forças.
76

Uma cearense, de certa educação, não se deixa


seduzir pêla ostentação, pêla riquêza, pêlos deslum-
bramentos do luxo, não; ella estã muito acostumada
às necessidades da vida, à sobriedade, ás prova-
ções da pobrêza, é dêsde que encontre um sêr que
a compreenda, que a preze, nunca leva em conta a
sua infelicidade, e retribui com muito amôr, extre-
mos e fidelidade os afectos do companheiro que es-
colheu.
Não se conhece até hôje uma moça: de familir
que, esquecendo os sous devêres de filha e de cea-
rense, se entregue ao homem que a requeste sômente
pêlo gôso de se emancipar do seu estado de pobrê-
za ou pêla falta de recursos.
São heroinas que dão de dia a dia testemunho
de sua honestidade, da severidade dos costumes em
que são educadas, c pãra ella a menor quebra da
correção do scu procedimento é uma grande falta,
que o seu sentimento religiôso increpa de gravissima.
Por isso são timidas, amantes, extremosas, por-
que entendem que antes de tudo lhes cumpre zelar
a sua honra, que esti acima de tudo, e que Deus
manda guardar como coisa sacrosanta.
À cearense, em geral, tem como nenhuma outra
mulher o receio de transgredir o seu devêr de es-
pôsa: dai a sua grandêza, a paz do lar, à felicidade
do casal.
Verdade é que na terra cearense se tem dado
e continua a dar-se prostituições; mas pára honra
da terra, essas só se conhecem na infima classe,
onde não chegou ainda a educação.
No seio di gente. limpa, felizmente, não hã um
caso a lamentar.
São cercatlas, repetimos, do respeito e conside-
ração de tôdos, e é tão commum esta regra que,
quando por qualquer motivo um homem a transgti-
de, ella punco seu atrevimento.
Acêrca de um anno pouco mais ou menos, uma
respeitivel senhôra, mulher de um distinto fancio-
Tn

nário, que costumava ir ao Mercado fazêr as compras


pêla manhan, começou a notar que um individuo à
cumprimentava com tôda a amabilidade, e lhe apa-
recia em tôda a parte no seu caminho,
Colheu afinal a certêza de que o tal a galanteava,
e maguada por aquêlle insulto, preparou-se pãra o
primeiro encontro,
No outro dia, ao dobrar uma esquina, foi logo
se oncontrando com o cavalheiro, que mui risonha-
mente lhe dá os bons dias. Sem mais preímbulos, a
senhôra, no auge da indignação, arruma-lhe boas ver-
gastadas com uma chibata que havia trazido, e
arrancando, então, do hôlso um revólver,o aponta 4
cara do galanteador e lhe diz: si continua na sãa
infâmia, juro que lhe hei do partir os miolos.
O namorado não quis muis conversa, e pôs-se Ao
frêsco pira se livrar da curiosidade do pôvo, que
corria de tôdos os lados afim de ver e conhecêr o
herói daquella comédia,
- Ainda não há muito, um passageiro de um dos
vapôres do Lloid, passeando pélas ruas da capital,
engraçou-se de uniu moça que estava À janela de
sua casa, e pediu-lhe um beijo.
A moça repeliu.o desafôro,e fê-lo com tal ener-
gia, que foi o acto presenciado por alguns transeúntes,
que vieram logo em seu auxilio procurando castigar o
insolente.
Este desparou «u corrêr em direção a praia,
sendo perseguido por diversis pessoas, e si não fô-
ram empenhos de passageiros da maior distinção,
por certo que o peralvilho teria sido severamente
punido; mas a carreira que deu, lhe há de servir
de lição pâra o futuro.
Conhecemos muitos factos idênticos a êstes, cada
qual mais especial, mais horrorôso, que vêm em abono
da proverbial honestidade das cearenses.
Não exageramos, afirmamos êstes, apelando pára
o testemunho de unia população inteira.
No interiôr parece que a coisa é mais séria,
78

Ali não há as seduções das capitais, não há


a vida livre e licenciosa das grandes cidades,
os exemplos escandalosos dos grandes centros co-
merciais e produtôres; au vida é mais calma, mais
innocente, mais primitiva, si assim nos podemos
expressar.
Tóda a mulher do sertão conhece perfeitamente
o trabalho da lavoira, pãára o qual contribui com o
seu valiôso contingente; conhece o trabalho da criação,
a que presta grande auxílio, e sobretudo sabe nadar
perfeitamente, perfeitamente montara cavallo, e
algumas conhecemos que manejam bem a espingarda,
— Al os pontos de honra, com referência as se-
nhôras, são liquidados de modo bárbaro, de sorte
que a falta de respeito on consideração à mu-
lher, tem tragido o aniquilamento de familias inteiras.
A luta entre Montes e Ieitosas é um “exemplo
dos mais dolorosos, que ficaram em lembrança entre
as comarcas de Tauhã e do Icó
Um marido de certa ordem não tolera que se
macúle o seu nome, e dali os assussínios, 08 Cri-
mes horrorosos que ordinariamente se praticam,
e que tão terrivel nome deram aos filhos do Ceará.
Nós, porém, louvamos o acuprocedimento, porque
sem honra antes a morte.

Ocórre-nos âgóra a exposição preparatória


de
Chicago na Capital Federal,
Inscrevêram-se pàra o conenrso à exposição
Columbiana os listados do Amazonas, do Pará, do
Ceará, de Pernambuco, de Alagoas, do Rio-de-Janeiro,
de Minas e de S. Paulo.
Chegou tia em que fôram expostasi curiosidade
pública as coleções dos lstidos, que tinham quasi
tôdos os seus representantes. ,
Estamos ainda lembrados de que a imprensa do
Rio declarou alta e solenemente, que a mais varia
da exposição c à mais vasta havia sido a do Ceara.
-B
Por muitos dias foi aquélle pequena Estudo apre-
ciado por visitantes de ilustração e merecimento,
')s estranjeiros faziam côro com os brasileiros nos
elogios à terra da luz pêla ostentação de tanta ra-
ridade, de tanto objecto de valór, dignos de explo-
ração e de estudo,
Elia têz-se representar cm tudo: em agricultura,
arboricultura, floricultura, productos florestais, viti-
cultura, gado, animais domésticos e selvagens; em
diversos ramos das sciências naturais, como peixes,
pássaros, rochas, minerais em número de mais de
duzentas qualidades, instrumemtos e utensílios indi-
senas, curiosissimos, [ússeis, uma infinidade, alfim,
de objectos valiosos sobre trabalhos antísticos,
À opinião pública pendeu simpaticamente pára
o lado do Ceuri, e reconheceu a sua primasia sôbre
os demais Estados. Dai as saudações que de dia
a dia recebia o scu Presidente da parte dos jorna:
listas, dos homens de lêtras, dos amigos do Brasil,
dos patrícios, de tôdos os que se interestavam. pélo
bom desempenho das comissões, que deviam re-
presentar o Brasil em Chicago.
Era realmente um mimo, uma coisa atractiva e
ugradável à exposição dos productos ceurenses, e
quem li os exiuninou, dêve têr guardado à mais dôce
impressão.
Alguns objectos do mais fino trabalho artístico
tôram antes expostos no estabelécimento comercial
«Preçó Fixo»,à rua do Ouvidor, e ali eram aprecia-
dos com grande interesse pêla classe mais adianta-
da da sociedade.
Ninguém queria acreditar que o mais pobre dos
Estados da União, e o mais perseguido péla naturêza,
se apresentasse de modo tão completo, tão esplên-
dido, como o fêz,
Os filhos do Ceará, com um pequeno esfôrço, fi-
seram a sua terra competir com as outras irmans
mais prósperas e mais ricas, e ella ostentou no
srande certame à riquézu de que póde dispór no
8

futuro, direi antes, quando se realizarem os melho-


ramentos de que tanto necessita, como sêja sôbre
tudo o açude de Lavras, vantajosamente estudado
pêlo competentissimo ingenheiro inglés Patrick (W
Meara.
A exposição preparatória no Rio-de-Janeiro trou-
xe, sem dúvida, pára o Ceará muita honra, muita
ufania, muita glória.
flle briosamente já se tinha salientado na Ex-
posição Universal de Paris, em 1889, como se viu
das distinções com que tóram prendados diversos ca-
valheiros, que nella tomaram partea convite dos ne-
gociantes Boris Fréres, residentes em Fortalêza.
Em Chicago, infelizmente, não téve o Ceará a
mesma fortuna, Faltou-lhe um representante que
fizesse esplendêr no estranjeiro u história do seu
patriotismo, de sua abnegação, de sua riquêza; pois
que aquêlle que apresenta a variedade de produtos de
valôr que, naquella ocasião, apresentou, tem direito
a aspirar o título de próspero c de afortunado.
Apelamos pãra o futuro.

Abrimos aqui uma página que, si bem não a


possamos aplaudir pêlo muito mal que causou à Rê-
pública, em tôdo o caso dá uma nota da encrgia do
carácter cearense ainda na baixa classe.
Referimp-nos a António Maciel, mais conhecido
por António Conselheiro, que tanto se celebrizou nas
guerrilhas de Canudos.
Quando se falou em Canudos, e que as primei.
ras expedições tóram rechassadas nos primeiros en
contros, correu logo que uo lado do Conselheiro
se achavam os mais notáveis ingenheiros da Europa,
e que o Conde «d'Eu e outros distintos militares di-
rigian a defêsa do reducto em apoio da monarquia.
Diziam por ai que navios carregados de arma-
mento dos melhores fabricantes entravam pêlo Rio-
3.-Francisco, e davam desembarque próximo a Cu:
81

nudos de munições e forças com a proteção dos mo-


narquistas.
Diziam mais que era impossivel a rendição da
praça de Canudos, tais eram as fortificações, a força
municionada, e as minas de dinamite por tôdos os
cantos, o horrôr do lugar aberto entre serras escar-
padas, o solo semeado de espinhos .e plantas agres-
tes que a ninguém dava passagem sinão muito di.
ficilmente; era mais terrivel que foi a passagem de
Humaitá.
Começou então a luta do exército brasileiro,
dos amigos da República contra o fanático António
Conselheiro.
O nome daquêlle rebelde tornou-se tão temido,
que ninguém o pronunciava sem certo arrepiamento
de nervos.
Tomar Canudos era impossivel. Estavam ali os
primeiros guerreiros europeus, o seu armamento era
dos que a arte da guerra tem mais aperfeiçoado e
mais cômodo.
Caiu no combate muito soldado honrado e va-
lente; consumiu-se enorme soma pára debelar os
revoltosos, e Canudos cada vêz mais crescia no
horrôr dos que tinham de defrontar com os seus
utiradôres.
Derramou-se muito sangue de irmãos; tôdos os
brasileiros concorrêram com o seu esfôrço pára ex-
terminar o'inimigo da Reépública; mas a hidra do
monarquismo cada vêz mais robustecia e exigia sa-
crificios dos sinceros republicanos.
Houve horas dé verdadeiro desáuimo,
Felizmente a pertinácia dos soldados brasileiros
venceu de modo completo o fanatismo dos jagunços,
e a cidade de Canudos foi tomada de assalto.
A luta do último dia faz lembrar o desespêro
dos herois das Thermópilas.
Não ficou pedra sobre pedra, e a bandeira da
República foi destraldada sôbre os restos incendiados
da inexpugnável praça de guerra. -
82
—————

A pátria crgueu-se mais gloriosa, e o general Ar-


tbur Oscar vingou solenemente a derrota do valente
Moreira Cesar.
Viramos aguia página pára não referir os har-
róres que fôram praticados com os pobres jagunços
no momento em que se tomou Canudos. Scenas da-
quellas não se toleram mais no nosso tempo.
. .

Foi então que se, veio a saber que aquella tre-


menda cimpanha fôra promovida por um homem
sem mérito, sem conhecimentos, sem valor, por un» fa-
nático, pelo cearense António Maciel.
Não se encontrou nenhum ingenheiro, nem. mi-
litur, nem homem algum habilitado, capaz de tio
grande revolta; maus pobres iniseráveis ao serviço
do ceurense fanático, que se deixaram matar e não
sc entregaram.
Elle, pórém, tem direito ao respeito de todos nós,
porque naquella luta batéra-se com as mesmas con-
vicções com que se bateram os revoltosos do Rio-
tirande, «e de 6 de Setembro de 1805, os quais, uo
entanto, fôram anistiados depois de se têr feito o
maior estrago nus populações do sul, ca mais pro-
tunda lesão no erário nacional,

Apos tuntos factos glóriosos demonstrenos que


a terra das sêécus se fêz sempre representar como
cultôra das létras e das artes.
Ao lado dos filhos mais distintos do pais figu-
raram e figuram filhos do Ceará.
Em história pátria têm escrito livros de incon-
testável valór os senhóres Senadór Thomas Pompeu
de souza Brasil, Conselheiro Tristão de Alencar Ara-
ripe, Senadôr Luis António Vieira da Silva, Conse-
selheiro Jerônimo Figueira de Mello, Capistrano de
Abreu," Dr, José Pompeu Cavalcanti, Barão de
Studart, o possuidôr da mais rica coteção de docu-
mentos de que dispói um particular no Pais o autor das
83

Datas e factos para a Ifistoria do Ceari, João Bap-


tista Perdigão de Oliveira, Dezembargador Paulino
Nogueira Borges da Fonseca, senadór Joaquim Ca-
tunda, José Arthur Montenegro, José Ienrique F,
de Andrade e Dr. Alvaro fiurgel de Alencar.
Tem nome como romancistas os senhóres Con-
selheiro José de Alencar, a quem em 1.º de Muio de
1897, ergueu o pôvo, em homenagem aos grandes
serviços que prestara às lêtras, uma estátua na praça
Ferreira Vianna, na Capital Federal; Dr. Franklim
Távora, que serviu por muito tempo de secretário
do Instituto Ilistórico Geográfico do Brasil; Dr. Tristão
de Alencar Araripe Junior, conhecido também como
o primeiro critico em literatura, Adolfo Cuminha,
Dr. João Adolfo Ribeiro da Silva, e Mannel de Oli.
veira Paiva, *o primeiro que iniciou no Estado o gé-
nero naturalista.
Como jornalistas o P.e (Gonçalo Ignácio de Toio-
la Mororó, Dr. Joaquim Bento de Souza e Andrade,
Dr. José Avelino Gurgel do Amaral, Visconde de
Jaguaribe, Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, Barão
de Sobral, Dr. António Pinto de Mendonça, Dr. Pe
dro Rocha, Frameisco de Piula Ney, lr. Justiniano
de serpa, Exm. José Lourenço da Costa Aguiar,
Dr. Antonio NA Pereira Junior, Dr, Abel Garcia,
Dr. Frederico Borges, Dr. Valdemiro Cuvalcanti,
Pe João Scaligero Maravalho, Dr. Samvel Uchoa,
João Lopes Ferreira Filho, Dr. José Lino da Justa,
o mais- elegante estilista de hóje, Alcides Montano,
Dr. Antônio Augusto de Vasconcellos, Dr. Virgílio
Brígido, Monsenhór João Tolentino (iuedelha Mou-
rão, Dr, Francisco Antônio Oliveira Sobrinho, Mu
nuel Lopes Correia Lima, Dr. Gil Amora, Dr. Mar-
tinho Rodrigues, Dr. Gonçalo Souto, Dr. Américo
Barreira, Dr. Bemvindo Gurgel do Amaral, Pe Ale-
xundre Verdeixa, Francisco Bizarria, Dr. Antônio
Luis Drumond da Costa, Tibúrcio de Oliveira, Dr.
Benedito Sidou, Roberto de Alencar, Tibúrcio Ro
drigues, Dr. Alvaro Ottoni do Amaral, Gustavo Gur-
$a
sulino de Souza, Dr. Alvaro de Alencar, Júlio Bra-
“ut, Desembargador Manuel Idetonso de souza Lima,
José Luis de Castro, Gódofrédo Maciel, Dr. (ionçalo
de Lagos, Dr. Francisco de Paulo Pessôa, Dr. Manuel
Ambrósio Torres Portugal, Walfrido Ribeiro, Dr. Vir-
=ilio Brígido, e o Dr. Pedro Pereira da Silva Guima-
ries, o primeiro deputado que, em 1852, na Assem-
bléa Geral Legislativaformulou um projecto sobre a
libertação dos escravos do Brasil, e que por isso
sofreu os mhis crucis insultos,
Como jurisconsultos os snes. Dr. Clovis Bevi-
laqua, um dps moços «de mais talento e sabêr da
verução moderna, Luis de Miranda, Dr. Pergentino
ta Costa Lobo, v Virgilio Augusto de Moraes.
Como ingenheiros os Snrs, Dr. Zózimo Barroso.
Dr. Viriato de Medeiros, Dr. Alvaro de Oliveira,
Dr. João Felipe, Cândido Juci, Tristão de Alencar
uv José Lopes le Abreu Barroso,
Como homens de lêtras os Snrs. Dr, Thomas
Pompeu de Souza Brasil, José de Barcellos, Julio
Cesar da Fonseca, Conego Ulysses de Pennafort,
Dr. Domingos Jaguaribe Filho, José Baptista de
Castro e Silva, Dr, José Balthasur Ferreira Faco,
v Dr. Domingos Olimpio.
Como poctas os Surs. Juveual Galeno —o Beranger
brasileiro, Lívio Barreto, António Salles, Alvaro Mar-
tins, Phemistocles Machado,Cunha Mendes, frota Pes-
sou, Quintino Cunha, Antóniode Castro, Lopes Filho, Al-
fredo severo, Bomfim Sobrinho, Fiuza de Pontes, Bar-
bosa de Freitas, Joaquim de Souza, Soares Bulcão, An-
tonio Ivo, Francisco de Pauto Barroso graciôso autôr
do Sonho de (Criancinha, Bernardino (iomes de Araujo,
Telles de sousa, dúlio Olimpio, Francisco Silvério,
Rodolfo Brigido, Antônio Martins, o poéta do aboli-
cionismo, Júlio Taboza, Antônio Lafavette, o Byron
da Canalhe, como o chamou o Coronel João Brigido,
Navicr de Castro, Fernando Weyne, Eurico Facó,
Ineas Affonso, Pedro Monis, Bruno Barbosa, José
o
Corcolano Correia Lima, Alvaro Bomitear, Virgílio
Barbosa e Virgilio Brandão,
Como prosadóres os Surs. Arthur Theófilo, José
Carvalho, Francisco Carneiro, eduardo Saboia, Vi.
anua de Carvalho, (Gervasio. Nogueira, José Mar-
tins, Jovino ftuedes, Joaquim Carneiro, Ulisses Be.
zerra, Cabral de Alencar, Piago Ribas, Francisco
Mattos, Aires de Miranda, Jorquim Fabrício, Pibúrcio
de Freitas, Manfredo Affonso, José Nava, Pedro Ca
tão, Carlos Victor, Curlos Severo e J. G. Dias So-
breira.
Como médicos os Surs. Dr. Cardoso de Moura
Brasil, o primeiro oculistu do pais, Barão de Saboia,
antigo director da Academia de Medicina do Rio,
Dr. Manuel de Sá Barreto Siuinpaio, Dr. Francisco
Peregrino Viriato de Medeiros. Dr. José Lourenço
de Castro e Silva, o velho, Dr. Meton da Franca
Alencar, operadór, Mannel Moreira da Rocha, Dr.
Eduardo salgado e Dr. Joao da Rocha Moreira.
Como advogados os Surs. Dr. alvaro Caminha,
Dr. Joao Pinto Damasceno, Dr. Teodoreto Carlos de
Farias Souto, Leandro Chaves de Meilo Ratisbona, e
Conselheiro Raimundo Ferreira Lima.
Como filólogos os Surs. Dr José Sombri, Dr.
Manuel Soares da Silva Bezerra, José Joaquim
Telles Marrocos, Raimundo [ivopoldo Coelho de
Arruda, Fausto Barreto, o Protonotário apostólico
Rvd. Bruno Rodrigues da Silva Wiguciredo, Fran-
cisco Gonçalves, « Vicente Mendes Perciro,
'omo naturalistas os Snrs, Dr. Joaquim Anto:
nio Alves Ribeiro, o fundador do nosso pequeno Mu-
seu Zoológico da Escola Normal, Catão Miunede e
Francisco Dias da Rocha, o proprietário de um ini-
moso gabincte, onde se encontrant curivsissimos es-
pécimens de ornitologia, malacologia, conchiliologia,
entomologia, em uma palavra, raridades dos diver-
sos ramos de Zoologia, Mincralogia ec Itnologia.
() seu gabinete é mais preciôso que o Muséu
Amazonense, que tem custado centenas de contos.
s6
omo filósofos os Snrs. Dr. Ruimundo de Farias
Brito, « Raimundo Antônio da Rocha Lima, o maior
gênio que ainda produziu à terra de Iracema.
Como publicistas os Bhnrs. Senadôr Vicente Al.
ves de Paula Pessõa ec Des.“ José Furtado de Men-.
donça, É
Como vconomista o Conselheiro José Liberato
Barrôzo.
Como financeiros os senadóres Castro e Silva
e Liberato de Castro Carreira,
Como eriminalisti o Dr. Pedro de Queirós.
Como oriulôres sacros os Rvd.e Dr. José An.
tonio Pereira Ibiapina, o apóstolo dos sertões do nor-
te, Conego António Pinto de Mendonça, Ps Con-
stuntino Gomes de Mattos, Monsenhor José Pereira da
Graça, Cónego Raimundo Francisco Ribeiro e Pe
Valdevino Nogueira.
Como músicos os Surs. Alberto Nepomuceno,
Rodolfo Bellini, actualmente em Milão, Joaquim Ber-
nardes de Mendonça, Manuel Magalhães, Frederico
severo e Zacarias Gondim, autor do interessante es-
crito Notícia sobre a músico dunça dos índios da Ame-
rica do Sul,
Zomo pintóres e desenhistas os Surs, dosé Iri-
neu, António Rodrigues, Luis Si, Raimundo Ramos,
José Girard, educado em Caris, Jorquim Nogueira
e D. Isabel Rabello.
Como xilogralistas os nes. Odorico de Moraes
uv Nicéforo Moreira,
Com éstos e outros o Dr. Guilherme studart, no
seu interessinte Diciontrio Bio-bibliográfico, tem ar-
rolado cêrça de oitocentos nomes de cearenses que
se distinguiram nas lêtras.
E" muito provável que tenhamos omitido nomes
de cearenses ilustres, residentes na Capital Federal
c nos Estados, que de momento não nos podemos
lembrar. ,
Todos aquélles acima indicados são bem conhe-
cidos, sobretudo pêlos livros que publicaram,
Bi

Os filhos do Ceará, de ordinário, se salientam


em qualquer situação ou ramo de conhecimentos hu-
manos.
Ainda àgóra se soube que em Abril dêste anno,
(1898), doutorou-se em medicina na Capital Federal o
gr. José de Figueiredo Rodrigues, natural de S. Quite-
ria, no Ceará, recebendo tôdos os prémios que concede
à Academia, pêlas notas que havia tirado durante
o curso.
O snr. Rodrigues obtêve distinções em tôdas as
matérias que constituem os annos da Academia, «
à excepção de dois preparatórios em que se saiu ple-
namente, nos mais conseguit sempre aquella nota.
Havia já talvêz dezaseis annos que nenhum
brasileiro se distinguira de modo tão brilhante pãra
merecêr tamanha consideração.
E' incontestavelmente uma glória da terra das
carnaúbas.

Com a publicação dêste estudo declaro que


não entrei aqui a mais que a demonstrar com dados
incontestáveis, que o Ceará tem concorrido tanto ou
mais que outro qualquer Estado pâãra o engrundeci-
mento e prosperidade do Brasil,
Pode havêr ai um pouco dé vaidade, nada
mais; no entanto força é confessar que é ella jus-
tisficável.
Somos brasileiro, c tunto é pátria nossa o Ceará,
como o Amazonas, como São Paulo, como Rio-(iran-
de-do-Norte, como êste on aquêlle Estado.
Não nos cabe a pecha de hairrista, porque ad-
vogamos os direitos dos patrícios e da terra do ber-
ço; pois nfanâmo nos quando se reconhece que se
desenvolve um Estado auxiliado pêlo concurso da
quella terra tão infeliz. No entanto, seus filhos não
sao compensados na razão do seu sacrifício.
Ao contrário se lhes emprestam defeitos que
nunca tiveram.
Por aqui residem êlles o mais do tempo a esperar
Ba

uma imaginada fortuna, que por fim os atraiçoa rou-


bando-lhes a vida quasi sempre em plena virilidade
Amamos, no entanto, de coração o Amazonas
péla hospitalidiule quesabe dispensar a tôdos aquelles
que lhe pedem trabalho, reconhecendo que aqui há
ligar pára os que já vieram e pãra milhares que
hão de vir tinda,
by" uma das terras de mais recurso da União,
sabido como é que abundam por tóda a parte os pro-
ductos naturais, que constituem à riquêza do seu golo.
As condições de vida são facilimas, e isto tal-
vez seja a causa do retardiumento do seu maior pro-
eresso, Onde o homem não se esforça pira conse-
euir a subsistência, aninha-se vi a preguiça.
À ençae a pesca, em quantidade prodigiosa em
tôda esta imensa região, atraem habitadôres, mas
4 comodidade modifica-lhes o ardóôr ao trabalho e
pouco e pouvo se lhes arrefece a ambição da ri-
quêga,
Nunca nos opusemos à emigração pãâra o Ama:
zonas, e aetualmente que grande parte do seu ter-
ritório se acha descoberto e povoado, entendemos
que custari inenos sacrifícios aos cenrenses do que
em outro qualquer listado, onde têm êlles que ex-
plorar as terrase afrontar às moléstias do clima,
Onorte é o norte, e o filho dessa zona só se
acostuma ent clima idêntico no seu, razão por que
êllo prefere o mais vizinho e onde conhece já as con-
lições em que vai vivéro Ea terra que em menos
o prejudica, pensa éle,
Sabemos que o govêrio do listado tem despen-
dido grandes somas com à nova colónia “Jose Ra-
nuulho "se que se não poupa a despêsas pira hem
acomodir os cmigrimtes que procuram o prodigiõso
valle do Amazonas.
Somos reconhecidos ao modo generôso por que
são ali tratados os nossos patrícios, e só temos pa-
lavras de agridecimento pára aquêlles, que se con-
doem do estado lastimável e excepcional, porque estã
89

passando a terra de Alencar, ameaçada até agóra


de terrivel calamidade.
Concluindo êste pequeno trabalho, escrito ligei-
ramente, rendo aqui as minhas sinceras homenagens
nos homens de bem dêste Estado, e promêto que
serei eterno divulgadôr dos crimes dêsses handidos da
região dos rios, que sc locupletam com o trabalho
alheio, eque acobertardos com as garantias que lhes dá
à riquêza adquirida por meio do furto c do assassínio.
zombam impunemente da justiça, do govêrno do
Estado, e de tôdos, enfim. que como nós não têm
fôrça pãra contê-los.

Manáus, 1.º de Jumeiro de 1849,


ORIGEM DO NOME CEARÁ

Ao que ficou dito à página 2, linhas 30, relati-


vamente a origem do vocábulo Ceará, acrescento
estas palavras:
lim Maio de 1901, o Snr. Cunha Mendes em um
excelento itigo publicado no Estado de S. Paulo,
convidou os colaboradôóres do mesmo jornal, muitos
délles versados no conhecimento da língua dos in-
colas do Brasil, a darem suas opiniões sôbre a ori-
gem do vocábulo Ceará; entre outros acudiram ao
convite o competentissimo Dr. Theodoro Sampaio, e
o Dr. João Mendes Filho, cada qual com o seu
mais interessante trabalho.
Eu também concorri iquelle certame a despeito
da minha ignorância de estudos linguísticos, e em
longo artigo na Revista da Academia Cearense, data-
do de 26 de Setembro do mesmo anno, sustentei que
à palavra Ceará provinha de côo, ou sõo ou sâu c ara,
e significava pássaro ouave em geral, e devia tra
duzir a prodigiosa quantidade de caça que por aqui
havia, de tal modo que atraia os indios, surpreendia-
os até, visto como se não encontrava em tão grande
abundância noutra Capitania.
Estudando, porém, com mais afinco e insistência
êste assunto, mudei de opinião em presença de novos
e valiosos documentos que eu tive a fortuna de exa.
minar, e tenho hôje plena certêza de que descobri a
origem do nome Cearã. Nada disseram os homens
92

competentes em resposta ao apêlo que lhes fiz no


mtigo rigem do nome Ceará, impresso na Revista da
Academia Cearense, tomo VIT, daquélle anno; mas eu
confio que como aparecimento de outros documentos
mais positivos, ficará comprovada sem mais dúvida a
minha opinião.
O mais antigo documento que sc conhece sôbre
o começo desta capitania, é um mapa atribuidoa
Pero Coelho de Souza, o primeiro capitão-mór da con-
quista da Ibiapaba, o primeiro branco que pisou ter-
ras cearenses; mapa que vem penso ao livro Zazda
do Estado do Brazil, do Diogo de Campos Moreno,
lisse mapa traz O seguinte título: Descripção do
verdadeiro tescobremento e nova conquista do Rio Ja-
guaribe, serras de rima, muibuapaoa e punaré e
cófins do maranhão que fez o capitão-mor pero coelho
de Souza de Ordem de dioguo hotelho (Gorernador e
capitão geral do estado do firazil des do anno 1603 té
n de 1608 com todos os seus portos, Barras. serras €
Rios vô suas nacenses,
Historiadáóres repugnam admitir que seju Pero
Coelho o auitór do mencionado mapa; importa pouco,
no entanto, pára o nosso tema, que óllc ou Diogo de
Campos Moreno, ou ontro qualquer cartógrafo tenha
levantado essa antiquissiniu planta, aliis minuciosa
o perfeita da nossa região. Note-se bem que foi de-
senhado de [9054 1608, como dás palavras oque se
refere a descrição acima.
Os Ingares que já existiame vêm néllc represen-
tados. de Mucuripe até o rio Mundaho, por exemplo,
extensão que Inúis OU menos se presta a prova que
pretendo dius, são os seguintes; S, Dartolomel, na cur-
va quo faz au coscadiv do Mucuripe, nome que lhe
deu o cartógralo por não tér tido talvêz noticia de
que já em 1557, ums 16 a 20 amos antes, Gabricl Soa-
res à denominãra enscada de Mocorive, no seu fo
teiro do Brazil, por tê-lo ouvido dos Indios. Adiante
está escrito Sizra, povoação ou aldeia de indige-
93

nas, naturalmente petiguares, da raça tupi, e mais


ulém o rio Pirangi.
Na margem direita dêste rio lê-se: forte Sar
Tiago, em frente a um pequeno sinal representando
um forte, c mais adiante a povoação de Nova Lxa
Lisbôa), antiga villa dos portuguêses, hôje conhe-
cida por villa velha, cujos restos ainda se vêm à uns
dO? metros mais ou menos da casa do sítio do mesmo
name, do Snr. António Joaquim de Carvalho.
Segue se ao.norte o rio Siwpé, actualmente S,
Gonçalo, que tem ainda não longe da barra, à mar-
gem direita, a capela daquêlle nome, e mais ilém o
lugar Barreiras, com certêza na enseada da Lagoinha
to noroeste, as únicas barreiras que se observam
nesta purte da costa, como afirma Felipe Francisco
Pereira, no seu Roteiro da costa do norte do Brazil,
desde Muceió até o Pará, à pagina 93.
Vem depois o rio Tarari, sem dúvida o actual
Trairi, c mais adianto Guarapitanga, que se supôi seja
Frecheiras, pequena e única enseada entre o rio
Trairi c o rio Mundaha, que no mapa está escrito
Mendahug.
Observa-se facilmente que os lugares desenha-
dos na extensão mencionada, são tôdos barras de
rios ou ensendas péla costa a fóra até o rio Panema,
as quais os Pndios avidamente procuravam por cau-
aa da abundância do pescado nêsses mares do norte.
Agára ao ponto principal.
Do mapa verifica-se que dêsde o tempo em que
PeroCoelho penetrou asterras que constituem o Ceará,
já existia o sítio ou arraial ou aldeia Sizra, situada
entre a ponta de 5, Bartólomcu (Mucuripe) c o rio
Pirangi, mudado por êsse tempo em Seara; aldeia
que pela aproximação em que estava da barra dêsse
rio devia ter sido o lugar a que chamam presente-
mente Arpomlôres, pequeno pôrto de jangadas à
4 Kilômetros de distância mais ou menos do referido
rio. O nome Arpoadóres dado a êsse local está a
indicar que nélle apareciam grandes peixes, cino-
4
rupins por exemplo, que cram apanhados a arpão.
Ainda hôje os pescadôres tiram ali bôas colheitas do
mar.
Numa extensão de 15 kilômetros, de Mucuripe a
barra do ria Ceará, nunca houve nem hã outro po-
voado sinãy Arpondôres; fóra dêlle o mais do terreno
é criçado de altos môrros de areia.
Em vista do expôósto, eu entendo que o nome de
Sizra foi o que passou a capitania e depois ao Es-
tado. Sizra porrompeu-se em Seara, e mais tarde em
Seará. Seata pronuncia-se Siara.
Ignorop que significa o vocábulo Sizra em lingua
geral ou em Kiriri, do genero Cuck ou Cuco, ou Coco,
que significa tio e explica o nome Kiriri, que é da
lingua do Brasil, mas examinemos a história dêsse
vocitbnlo,
Entre os primeiros indivíduos que escrevéram
icêrca do começo do nosso território, notam-se Mar-
tim Soares Moreno, P.e Luis Figueira, Sargento-mor
Diogo de Campos Moreno c Fr. Vicente do Salva-
dor, de 1003 a 1627, tempo mais que suficiente pára
se fazêr um estudo sobre a origem da palavra que
deu nome a nossa terra.
luste Sera já existia, repetimos, pois que se lé
na Pelação do Seara, de Martim Soares, que élle con
pouca idade passou do Brazil por soldado e foi com
o capitão mor Pero Coelho de Souza q descobrir e con:
quister a provincia de Jaguaribe e Seara e Mel Re
tondo, o que quer dizêr que, em 1603, antes mesmo
de qualquer entrada às terras desta capitania, se
sabia que per essas paragens havia lugares que
eram denominados Jaguaribe, Seart e Mel Redondo,
mas não conhecidos, atos quais sairam élles a des-
cobrir e conquistar, isto é, à reconhecêr e dêles
tomar posse párita corôn de Portugal.
Martim Soares, com sêr minuciôóso, não diz, no
entanto, que na marcha a Tbiapaba tivessem parado
em Sizra, o que parece vordade, mas escreve que ao
95

fim de seis méses de guerra naquella serra, por não


se poderem mais sustentar, se retiram a Seara,
Vou servir-me das suas próprias palavras.
Ali se demorou êlle, Martim Soures, dois annos €
meio, de 1604 a 1606, e com os seis mêses de guerra
na Ibiapaba, parte em 1603, prefuzem os tres annos que
elledizse gastaram onde sempre assistiu com muitos traba-
lhos, sustentundo-se de cobras e largatos, porque naquele
tempo nunca se deu ordem u plantar mantimentos,
Veste discurso de tempo aprendeu elle muita parte da
lingua duquelles indios e travou com elles particular
amizade, particularmente com o principal dali cha-
mudo Jaruunea, logo que uqueile sítio foi despovoado
donde Pero Coelho gastou toda a sua fuzenda, que era
muita.
Era Jaciuna principal dai de onde ? Com cer-
têza de Sizra ou já Siara.
Das palavras acima transcritas deduz se que
ali mesmo e nêsse tempo, de 1603 1606, aprendeu
Martim Soares a língua dos Pndios, que foi dêlles
muito amigo e mais ainda de Jacauma, que era o
principal de Seara, corruptela de Sizra, logo em se-
vuida ao desastre da cmprêsa de Pero Coelho.
Não se diga que Martim Soares só fêz conheci-
mento cont Jacauni do tempo em que se achava
servindo como tenente da fortaleza do Rio-firande-
dlo-Norte, às ordens do capitio-môr Lourenço Pei-
xoto Cirne, que em seu tempo mandou que Martim
fôsse, como foi três vezes ao Jaguaribe, cada vêz
confirmando mais a paz e amizade de Jacauna,
principal daqueltas sentes, o qual lhe chamava fi
lho, como escreve Diogo de Giumpos, seutio à prgi-
na 163 da Jornada do Mariihão, não ; o capitão-mór
Lourenço Peixoto foi nomeudo governador do Rio-
firande em 21 de Setembro de !609,e Martim Soares
aprendêra à lingua e fizera-se amigo de Jacauna
dêsde 1604, quando voltou da Ibiapaba a Seara, já
então no rio Pirangi, que dessa data se começou a
9

chamar Seara em consequência da mudança da al-


leia Sizra do lugar em que se achava pãra ali,
O próprio Martim Soares diz na sua Relação do
Seura, que estando por tenente do capitão-mor Lou-
renço Peixdto servindo na fortalizu do Kiofirande, fui
fazér novas amizades (note-se bem—novas amizades -—.,
porque já existiam celhas umizades), de ayisto de 1609
em diante, com os moradóres daquela costa até Seura,
o que fêz pela amizade que lhe tinham. Logo Ce veio
reatar a amizade com Jacauna no Seara.
É por que não disse que veio até Nova-Lishou,lo-
cal da villa, fundada em 1604 por Pero Coelho, e que
consta de séu mapa? E porque não disse que veio
até a aldeia de S. Lourenço, fundada em It) de Agósto
de 1608 pelo P. Luis Figucira, pois que éste na sua
ltelação do Maranhão, publicada pelo Barão de 5tu-
dart, à pagina 87, diz que reunindo os principais os
persuadi se juntarem a roçar em certa parte mais aco
modada traçando lhe as casas e levantandolhe uma
fermosa. cruz de cedro lavrada com seu tt” comas
que elles estimprão muito e lhe pus nome q aldeia de
S. Lourenço por ser em seu dia levantada a cruz, e
d«gora esquecenilose do nome antigo duquella terra lhe
chamam S. Lourenço?
O nome antigo era pára clle Ceura como o designa
nas palavras séguintes do princípio da pagina MT: (Che-
ganmos a outra uldeia que está junto do rio chamudo
Ceara, vinte cinquo legoas alem de Jaguaribe, recebereao
nos com festa, caminhos feitos, tamboris dd, e adiante;
« estes indios de Ceara cóvidey e tinha ju dantes cóui.
dado que viessem pera a ygreju que alum de qverem
de ser fos de Ds estarião livres dos tapugas c muis
inimigos que até agora os desbaratavião.,
Como se vé, em 1605 a aldeia Ceia permapne-
cia junto ao rio Ceara, nome que tomara o Pirangi,
u note-se que Martim Soares só tornou aqui em [60%
Não há dúvida que dêsde 1604 que Ceara já era Ceara,
enmentiveram importância os nomes que lhe deram
os portugtiêses, e muito embora diga o Padre Figuei-
97

ra que os Indios se haviam esquecido do nome antigo


da terra pãra a chamar 5. Lourenço, a aldeia por
êlle fundada, tal não aconteceu ; porquanto só se
veio a saber que êlle lhe dera êste nome, depois
que o Borão de Studart publicou a Kelação do Ma-
ranhão, por motivo da [esta do tricentenário do Ce-
urá, em 193.
O Padre Figueira dévc merecêr tôdo o crédito
no que escreveu em sua Jelução, mas êlle têve pouco
que dizêr, visto como se demorou apenas alguns
dias no Ceara, atendendo-se que chegou ali em prin
cípio do mês de Agôsto, fim do inverno de 1608,
e partiu daquella aldeia a 19 do mesmo mês,
Diz na mesma que partirão élle e o Padre Pinto
do Jaguaribe, dia de Nossa Senhora das Câdeas, 2 de
fevereiro de 1007, e depois de terem cuminhado todo
fevereiro chegarão aos 3 de murço uo pará que é huma
muy fermosa e quieta enseada, que dista de Jagoaribe
trinta e cinquo legous pouco muis ou menos E, agua
achamos aposentados os indios que proximamente tinhão
fogido «os portugueses, cujo principal se chama acajuy.
A enseada Pará é hôje a do Parazinho, e o mo-
tivo por que os Padres vindo pêlo caminho da praia
uté ali, não encontraram a aldeia Sizra ou Seara,
prova inteiramente que essa aldeia já estava à mar-
gem do rio Piraugi, à alguma distância da costa,
no mesmo lugar onde se acha em nosso tenpo a
villa velha, désde 1604, onde permaneceu Martim
Soures até 1606.
A Relação do Padre Figueira foi escrita em 26
de Agósto de 1609, no mesmo anno em que Martim
Soares percorria os sertões dc Jaguaribe, como o P.
chama os arredores de Seara nestas palavras: vendo
cu que os mais não querido vir procurei então de os
ajuntar todos porque em todo uquelle certão de Jagua-
ribe aonde dantes avia qrandisso no de uldeas agora
serão por todos grandes e pequenos, como oitocentas ul
mas, as quais estarão em sete ou oito uldevtas,
Meu fim é unicamente provar que Sizra do ma-
YE

pe de Pero Coelho não desapareceu da sua posição


topogrilica desta região por qualquer transloêma-
cão geológica, ou propósito dos homens, mas que É
o mesmo Seara de Murtim Soares, e Cerri do Padre
Figueira, o qual passou dia costa, entro o Mucuripe
e o rio Pirangi, pâra a margem direita déste, cor-
rompendo-sgc ao contacto dos portuguóses desde 1604;
e tanto assim é que Martim Soreso que por ali viveu
17 annos, conforme diz a Orden Régiv do 26 de
Março de 1619, à contar daqueélle anno em diiute,
ni sua Helação do Seara, escrita em I6!8, menciona
este vocábulo nove vêzes com o acento mit penúl
tina sillaba (Seara) c o Padre Pisueira que escreveu
à sua Lelação do Maranhão em 1608, refere apenas
duas vêzes a palavra Ceara à pagina S7, com a
mesma acentuação.
Padre Figueira passou sómente alguns dias do
mês de Agósto do citado amo de 1608, entre os
Indios do Seara, na sua volta da Thiapaba, razão tal.
vêz por que não di informação mais minuciosa sôbre
os Undios ce n topografia do lugar,no qual permimecia
à primeira aldeia fundada à margem do Pirangi.
Aquelas luas palavras da mesma sorte que
Sizra são proxitonas.
Pero Coelho «desenhando no mapa os nomes pri-
mitivos das ensendas e rios da terra comwense, dá
à entendêr que não têve seiência di mudimnçã do
nome de Nova Lisbôa pãra seara. ainda em 608,
tempo à que se refere aquella planta, parecendo que
só conhecia a sun povoação em consequência do
pouco tempo que por ali se demorou. que fórum iu
“uns dias quando voltou da guerra da Ibiapaba, em
1604, e quando trouxe mulher e filhos di Parahiba,
em cuja cidade estêve anno e meio. de 16044 1606,
passando quasi logo a conseibo de Simão Nunos pára
Jaguaribe, -em vista das precirias circunstâncias em
que se achava a colônia mascente,
O sargento-mor Diogo de Campos Moreno, tio de
Martim Soares, que muito concorrêra pãra a funda-
=——
9

cão desta capitania, e foi quem mandou o sobrinho


à conquista do Maranhão em companhia de Pero Coe-
lho. e assistiu nestas paragens de 1603 até 4 de Ja-
neiro de 1615, tempo em que partiu do forte de 5.
Luis do Marinhão pâãra a Europa. quando se refere
em seu livro Jornada do Maranhão a negocios do Cen-
rã. chama-o Siard, invariavelmente Siara, dezasete
vezes.
Er. Vicente do Salvador, na sua Vistoria do Bra-
zo eseriti em 1627, nos capitulos 37, 43 do livro
4.º, to dolivro 5.º, e 47 do livro 7.º, transcritos na
Revista do Tustituto do Ceard, por tratarem de coisas
do Ceará, escreve no cap. 37 o nome desta capita.
nia Cenrá, e no fim deste Seará, no cap. 43 escreve
Svxará, no cap. 1.º do livro 5.º Ciará, c no 47 do
livro 7.º quatro vêzes Ceara. O historiadôr oito vê-
res que empregou êste nome, escreveu-o de moto
diferente, o que prova que não téve conhecimento da
verdadeira ctimologia da palavra,
Ceará com €. salvo engano, de 1604 a 162,
só se encontra na KRelacio do Iaranhão do Padre
Luis Cigueira, tôódos os mais grafaram êsse vocábulo
com S., que se avizinha mais de Sizra,
Lê-se Secar nos seguintes documentos, os quais
têm todos referência com os actos de sua coloniza-
cão, EX:
Carta de Gaspar de Souza, de 12 de Abril
de 1614 ao rei de Portugal sobre o povoamento e
detêga da enpitania do Senra; —Regimento do nes-
mo fiovernador, de 22 de Junho do dito amo, a Je-
rónimo de Albaquerque para ir a conquista do Ma-
ranhão passando pelo Senri;—Carta do mesmo a
Enei, de 20 de Agôsto desse anno remetendo duas
de Martim Soares Moreno, avisando que os inimigos
tinham vindo desfazer os presidios do Seara.
Garta do Governador D. Luis de Souza, de Si de
Janciro de 1619 ao rei. aconselhando que mandasse
Martim Soares ao Siará donde faria embarcar nos
navios que dali fossem 50 ou 60 casais, e o mais que
100

podesse 'do Seará para o Paraa;—Patente-tom que


El-Rei faz mercê ao mesmo Martim Soares, em 26 de
Maio daquelle anno, da fortaleza do Seará por tempo
de dez annós, em consequencia de ter sido o primeiro
fundador da fortalêza do Seari; —Parecer do Conse-
lho da Fazénda, de 4 de Janeiro de 1621, opinando
que se desse ao mesmo 400 cruzados de ordenado,
como cupitão do Seari;—Parecer do mesmo Conse-
lho, de 26 de Março do dito anno, informando a ses-
maria que pediu o mesmo primeiro povoador do
Seari;
No Roteiro de Pernambuco ao Maranhão por Ma-
noel Gonçalves Regeifeiro, que veio como piloto na
armada sob o comando de Alexandre de Moura, em
1613, quando aquêlle marinheiro trata do Ceará es-
creve sSiará,
No livro Exame de Pilotos, escrito pêlo cartó-
srafo-mór Manuel de Figueiredo, e impresso por Vi-
ceute Alvares, em 1614, a palavra Ceará vem sem-
pre Siará.
O Dr. Jósé Hegino. traduzindo a correspondência
de tGedcon Morris, major George Gartsman e Hen-
drick Vam [lam, relativamente ao tempo de 1637
à 1644, que se refere à concuista e govêrno do Ceará
pêlos holandêses, diz em nota à pagina 72 da Revista
do Instituto do Ceuri, 1.º trimestre de 1896, que os
holandêses duvan de continuo o nome de Syara.
George Margraff na sua História Natural do
Brasil, publicada em 1645, tratando do Ceurá-mi-
rim chama-o Sirag-minor, e
Sirag quasi que se confunde com sizra, e parece
que o naturalista entendendo que provinha a palavra
Ceara de Sigra, e sendo o Cearálirande o que deu
nome ao Ceari pequeno ou mirim, aproximou êste
o mais possivel da origem, de onde lhe foi o nome.
Gaspar Barlcus (Vam Baerle) no corpo da obra
ties lirusiline, onde se vcupa desta capitania, sem-
pre à denomina Siara, e nas duas cartas topográ:
ficas da barra do vio Ceará, vê-se que em uma traz
101

as palavras Ars in Siara, e na outra, no meio de um


emblema ou enfeite no alto da página, Siara.
No Diario da Expedição de Mathias Beck ao
Ceará, em 1649, traduzido pêlo Dr. Alftrêdo de Carva-
lho, vinte quatro vêzes que aquêlice comandante em-
prega o. nome Ceará, é nniformemente Siara.
Repetimos, à excepção da palavra Ceará, es-
crita com C pelo P.º Luis Figueira, não se encontra
outra do mesmo modo grafada sinão em 1624, e, no
entanto, até o começo do século passado escrevia-se
indistintamente com C ou com 5,
sSizra, rodeada de lugares, cujos nomes eram
oxitonos, comu Alto do Tabapuái, passagem no rio
conhecida por Tamanduá, sítios Percá, Trapiã, Mu-
ritiapuá, serras do Juá, do Camará, enseada do
Pará e outros que ainda os conservam, corrompeu:
se pára Seara e depois pãra Seará, si antes não lhe
foi dado o acento tónico na última sillaba por exigên.
cia da língua portuguêsa, pois que Sizra pouco vai
para Siará.
Hi muitos exemplos entre nós dessas corru-
ptelas.
A fazenda Utuva que foi fundada pêlo Coronel
Grigório de Figueirêdo Barbalho, no riacho Figuei-
redo, corrompeu-se em Viuva, hôje Alto Santo da
Viuva. O pôvo mudoio Utde Utuva em Vi de Viuva.
Que semelhança póde haver entre êstes dois modos
de pronunciação a ponto de se dar a corrupção?
Utuva trausmudou-se em Vinva.
Na margem direita do mesmo riacho existe uma
fazenda denominada Caixa-só, hôje povoado de Tra.
cema, a qual segundo 1 tradição se diz que proveio
de se ter achado uma caixa debaixo de uma árvore
sem coisa alguma dentro; entretanto dos primeiros
documentos do século XVII consta que foi ella fun-
dada sob o nome de Quixoassit ou Quixoaçã.
Esta palavra foi alterada pira Quixo-açó ao
tempo de seu proprietário Manuel Pereira Souto, tendo
sido fundada pêlo Comissário Pedro de Souza, 2.º
ioz

donatário. Depois passou a Quixosó ao tempo da es-


critura de venda que della se Têz à Felipe luácio de
Moura, e João José de Moura, em + de Setembro de
1797, e mais tarde, quando se não sabe, passou a
Cuixa-só, e assim foi conhecida por muitos annos,
uté que a República lhe mudou o nome pára Tra-
cema.
Que diferença de Quixoassi pára Caixa-só! A
corrupção é muito mais sensível que a de Sizra pára
Siara,
Orio Banabuin foi concedido por sesmaria ao
grande explorador das terras coarenses Manuel de
Gois, em + de Junho de 1685, e êste o pediu no seu
requerimento sob o nome de Bernabeu, nome que
compirado «om aquélle tem apenas de comum o a
da segunda silaba e o u da quarta.
Bernabdu corrompeu-se em Banabuiu.
Resta-nós agora sabêr si a palavra Ceará é de
origem tupi ou Cariri,
O ilustre Snr. Capistrano de Abreu num artigo
sôbre o Tricentenário do Ceará, publicado na No-
ticia do Rio, diz que a palavra Ceará ou (Seará) é
legitimamente Cariri e as explicações uLé agora ten-
tadas pelo tupi só satisfazem os proprios inventores.
Não disgômos de habilitações para decidir esta
questão, malg sabemos que os tapuias, geralmente
cariris, foram os primeiros habitadóres do litoral;
que os petiguures do kio-firande dominavam dali
no Jaguaribe, e que repelidos pólos conquistadôres,
disputaram nos contrarios as terras mais «o norte
do continente, não deixando nunca de sér por êlles
perseguidos.
O Pe Luis Figueira logo que chegou d uldea que
está junto ao riv chamado Ceará, convidou os Índios
que wessem par a ygreja. que alem de averem de ser
filhos de deus! estarião licres dos tapugas e mais int.
migos que até agora ox desbarutavão, Ielução do Ma-
ranhão pag. RT. | que os tapuias não os deixavam
tre descanso.
103

Os Teremenbés, que eram cariris, dominavam


do Pará (Parazinho actualmente) ao rio Parnuhiba,
c deram trabalho imenso aos colonos antes de se
aldeurem em Almofala, à margem esquerda do rio
Aracati-mirim, pêlo unno de 1702.
Na Helação de Martim Soares lê-se que no mesmo
anno de 1611, em que êlle veio tomar conta do
Seara, féz pazes com tres castas de tapuyas alli vizi-
nhos; udiante tratando da convenienciu de susten-
tar-se a colonia do Seara pera estalagem dos que forem
e vierem do Maranhão e Pará pera Pernambuco por se
refazerem de mantimentos como de indios que os acom-
panhem, visto que os Indios comiam os homens, e
ainda à pagina XX diz que em 70 leguas de ceir-
cuito tinhão 22 nuções de tapuyas de differentes
linguas.
Sempre o perigo do encontro dos petiguares
com os tapuias!
Mathias Beck escreveu no seu Diário da Ex-
pedição ao Siura, publicado no livro Commemorando
o Tricentenario da vinda dos primeiros portuguezes ao
Ceurd, à pag. 352: Respondeu-me entre outras coisas
que todos elles (os petiguares) estavam muito satisfeitos
com «a nossa cinda, porquanto esperuvam que de futuro
ndo teriam a soffrer mais guerra ou dano dos tapugas
que, de quando em vez, tinham vindo matar gente de
seu povo e devastur as suas roças e plantações d, €
à pagina 355, queixaram-se tambem de que os tapuias
são hostis ao mesmo Caraya, já lhe tendo de novo
dado aviso de que breve verium sobre elles ufim de
destruir as sutus roças e plantações, matal-os e apre-
sionul-os, de cujo receio e perigo esperavum com a
nossa vinda, ficur livres, pelo que se mostraram muito
alegres.
Ainda mais à pagina 372 lêse: durante o pre-
sente interrogutorio perguntei ao mencionado Fruncisco
Arugiba, quaes as nações de tapugus eram suas ini-
ntigus, bem como quantas nações diversas residiam aqui
104

na costa do Siara, alem das mencionadas ; informou-


me em resposta haver ainda tres outras nações de
tapuyas dos quaes apenas uma era de seus amigos,
sendo dos (tuanassesguaçu dd, quanto as outras com
quem os seus vivem em inimizade e os ameaçam com
guerra são a dos Jagoarigoaris e a dos uanassé-
mirim,
O P. António Vieira, na Relação da Missão da
Serra da Ibiapaba, transcrita na Revista do Instituto
do Ceará, vol. XVIII, do anno de 1904, pagina 109,
diz: Nos arredores do (Ceará vivem duas nações de
tapugas gentios, confideradas ambas com os portuguezes,
mas inimigas entre si: uns se chamam (uanacés,
outros Jayuaruanas,
Já o governadôr geral da Bahia, Francisco Bar-
rêto de Méneses, respondendo a carta do'capitão-
mór do Ceará, Diogo Coelho de Albuquerque, em
que pedia entre outras coisas a mudança das aldeias
dos Indios, por carta de 18 de Março de 1663, diz:
As aldeias que se acham junto desse furte mandei mu-
dar para sitio mais conveniente as prantas, e pela
pouca superficie que havia para ellas no logar donde
agora assistem de, mas visto o risco que correm estas
si se desviarem do forte com a querra que lhes fazem
os Tapuyus me pareceu dizer a Vime. que não se mudem
emquanto se não aquietarem as revoluções do (Fentio.
Em 19 de Agôsto de ISTI, o capitio-mór Jorge
Correia da Silva, depois de ouvir o vigário da ca-
pitania, o capitão-mór seu antecessôr João Tavares
de Almeida, c mais oficiais da fortalôza, a respeito
de um requerimento que lhe fizeriun os principais
da Aldeia de Porangaba João Algodão e Francisco
Aragiba, e os principais dos Jagnaribaras, em que
representam contra a nação dos Paiacus, que lhes
tem feito grave dano em seus filhos e mulheres,
tirando-lhes u vida, e juntimente impedindo-lhes as
passagens desta capitanias pura Pernambuco, e pe-
dem u infantaria para com ella destruirem aquela
nação de tapuyas, resolve u mandar fazer-lhes guerra
105

pelo ajudunte Francisco Martins, como do Regimento


de 11 de Oitubro do mesmo anno.
E” muito conhecido o levante geral dos Tapuias
em 1687, nesta e na Capitania do Rio-firande, e
que foi preciso pâra contê-los ou antes pára exter-
mina-los o concurso dos Paulistas a requisição do
governadôr geral da Bahia, Mathias da Cunha. Q
Mestre de Campo Mathias Cardoso de Almeida, no-
meado por aquêlle governadôr geral do Brasil, go-
vernador absoluto contra os barbaros gentios, fêz-lhes
crua guerra durante sete annos, e só descansaram
as urmas um pouco em 1696 pêla paz feita com o
Gentio Paiacú.
Ainda no século XVIII tendo-se mudado a villa
portuguêsa da barra do rio Ceará pãra o sítio do
Aquiráz, em 27 de Junho de 1713, em 18 de Agôsto
dêsse mesmo anno os Tapuias Jaguaribaras, Anassés,
Paiacús e outros ussaltaram aquella villa fazendo
grande mortandade nos habitantes.
Quasi tôdos os escritôres que se occuparam
desta zona, dão noticia de lutas constantes entre
Tapuias e Petiguares, não passando as aldeias dês-
tes do rio Ceará, sinão depuis de 1666, mais ou me-
nos, as quais tomaram os nomes de Porangaba, Pau-
pina e Caucaia.
Essa. perseguição dos Tapuias contra Petiguares,
e contra os brancos, pêlo apoio que êstes prestavam
aos seus aliados, demonstra que eram senhôres do
solo da capitania, pois que emquanto não foram
êlles completamente uniquitados pêlas armas, nunca
puderam os brancos estendêr o seu dominio, no
século XVII, além da aldeia junto ao forte ou além
de outro arraial na barra dos rios.
Fizemos esta resenha muito propositadamente
pára provar o poderio dos Tupuias na Capitania do
Ceará-grande, e podemos demonstrar com docu-
mentos mui preciosos que, si os Papuias que andaram
em guerra em nosso território, não eram do grupo
cariris, fôram em tôdos os cambates auxiliados por
106

elles, que deram testemunho de sêr notoriamente


valentes, Provam-no as informações prestadas pelos
eahos mandados pelos capitics-moóres pára os ex-
terminar.
Apesar do reconhecido temor que os petiguires
tinham dos Tapnias, não iva minima divida de que
o nome de Sizri dado ao povoado, que no mapa
de Pero Coelho vem entre Mucuripe e rio Pirangi, é
petiguar.
Em primeiro lugiw, sendo os Indios que ali ha-
bitavam petiguares do Rio-4rande, naturalmente da
aldeia de Jacanna, fóram elles que mudiram o
nome de Pirangi pári o de Seara, já corrompido
pélos colonos, transferindo a sua aldeia da beira do
mar para o sítio, onde edificaram os brancos a
povoação Nova Lisbõa, à margem direita daguêlle
rio.
E claro que sendo assim chamado o aldeia-
mento dos petiguares. logo que éstes o mudaram
pára a rio Pirangi, levaram com as suas fumnílias o
nome da aldeia, atendendo-se que naquelle tempo
se escrevia os Indios de Paranasit, Pndios de Pin-
dauná, Indios de Pirary, Úndios de Tambepé, Indios
de Guaramasio, devendo-se também dizer Pudios de
Sizra ou de Seara. Lembro-me muito bem que a
aldeia dos Tapuias Genipapos e Canindés, ambos da
mesma lingua e parentes, sob à invocação de N.S.
da Palma, que estêve algum tempo na Aldein-velha,
próxima do Tabolciro: de Areia, e passou depois
para um saco no sudoeste do açude do Cedro, no Qui-
xadá, que ainda hójese chama da Palma, onde cxiste
ruinas de uma. capelinha, veio dali pârr a serra de
Baturité, sob a mesma denominação de N.S. da Palma,
por ocasião de se installar à villa em I4 de Abril
de 1764, e ainda hôje é a mesma senhôra a padro-
eira da freguesia.
Em segundo lugar, tôdos os escritôres que se
ocuparam «lo Ceará, reconhecem que os Endios que
auxiliaram os colonos no começo da capitania eram
101

petiguares, da raça tupi, e que os tapuias eram fe-


rozes e indomáveis.
Não há dúvida para o que estuda as origens da
nossa terra; logo depois da leitura dos antigos do-
cumentos se chega à evidência de queo Tapuia dis-
putara sempre o senhorio do terreno do Ceará, e
que so se sujeitou quando por falta de número não
pôde mais pelejar.
A caçada de tapuias na capitania foi tremenda,
e a luta que se travou em tôdo o Juguiribe e no Ca-
riri, entre êlles e as [ôrças do govêrno da metrópole,
não tem igual no pais.
Aquêlles desgraçados praticaram actos de inimi-
tavel heroismo brigando até que desupareceu da vida
o último combatente!
Ora, sabido o údio entre uns e outros, não se ad-
mite que o Tapuia tivesse dado nome ao sitio de Sizra,
e délle tivessem se aproveitado os petiguares.
Póde acontecêr com relação a esta palavra que
Pero Coelho a tenha apanhado mal por desemelhan-
ça de pronunciação ou que a tenha escrito errada-
mente no mapa. Baptista Caetano entende que mui
tos cocabulos poderão até ser de mera inventiva d'algum
narrador, pas. TO das Notas «o livro Do Principio e
origem dos Iudios do Brasil de Fernão Cardim. Outros
não têm neniuma. significação, diz ainda o mesmo
indianista,
Pira nós cearenses o nome foi dado áquella ter-
ra pêlos petiguares, que uêsde 1603 já ali haviam sido
encontrados,
lim conclusão Sizra e não Ceará foi a palavra da
qual proveio o nome que tem o nosso Estado. Siara
foi a primeira corrupção e depois desta à de Seará,
ou Ciari ou Ceara,
A variante da palavra Ceará com U ou com S
não passava de simples questão de ortografia.
Os petiguares mudaram a aldeia Sizra pãra o rio
Pirangi, e dahi a transportaram pãra o riacho Ma-
riatuba, depois Ipojuca e presentemente Pajehú, per-
108

to da barra, no local abaixo da fortalêza, à margem


direita dêlle, onde os vierum encontrar os holandê-
ses em dois aldeiamentos, como da Planta do Forte de
Schoonemborch, da Bahia de Mucoriba e do Monte Ia-
rema, situados no Siara aos 28 de Abril do anno de 1649.
Da mesma planta vê-se, no quadro das expli-
cações, ao lado direito da carta, o n.º 18 que indica
o traçado de um caminho que vem de Itarema
(Tagnara; e se dirige ao pôrto. Ao lado daquêlle
número está escrito: O caminho que conduz ao
Siara—, justamente aos aldeiamentos dos petiguares.
Este caminho que vem de Taquara e sai na
praia, não se diz que vem pãra o forte de Schoo-
nemborch, mas pãra o Siara dos Indios, e êste nome
ahi ficou até hôje.
Era conhecido por Siara antes mesmo que o
capitão Alvaro de Azevêdo Barreto, o recebesse
dos holandêses, em 20 de Maio de 1654, quando
terminou o dominio da Holanda no Brasil.
A ideiá da mudança da fortalêza do Rio Searã
pára aqui, proposta pêlo governadôr do Maranhão,
Francisco Coelho de Albuquerque, em carta de 6
de Fevereiro de 1627, a que o govêrno respondeu
quê sê ficavi vêndo, têve solução antes mesmo da
chegada de Mathias Beck, em 3 de Abril de 1649.
Os próprios holandéses chamavam aos peti-
guares, ou descendentes da raça tupi Brasilienses,
e aos outros, inimigos dêstes, Tapuias.
Não hã absolutamente dúvida de que o lugar
Sizra foi situado e mantido por petiguares, que lhe
deram o nojne, e os petiguares eram da raça tupi.
Outros v expliquem melhor.
Abaixo transcrevo uns artigos que publiquei na
“Revista da Academia Cearense” sustentando a minha
opinião sôbre a origem do nome Ceará, que foram bati-
dos pêlo illustrado Dr. Theodoro Sampaio, de S. Paulo.
Em muita coisa fui. voncido, mas não con-
vencido.
O Nome—Ceara

O Dr. Theodoro Sampaio, no seu bellissimo ar-


tigo publicado no “Estado de S. Paulo” de 30 de
Maio ultimo, relativamente a origem do nome Ceará,
diz no 6.º periodo: O Snr. Antonio Bezerra de Me-
nezes opina pela identidade de Ceará com Sahara,
alludindo uo grunde deserto africano com o qual,
diz elle, os primeiros exploradores teriam achado
assemelharem-se as terras do Ceará.
Peço mui respeitosamente licença ao illustre
engenheiro para dizer que das palavras do meu
pequeno trabalho O Ceará e os Cearenses, impresso
no tomo V da “Revista da Academia Cearense”, que
âqueile nome se referem, não se conclue que eu
tenha definitivamente dado tal interpretação, quando
ao contrario penso de modo diverso.
, En disse à pagina 147 da referida “Revista”:
Às vêzes levamos a pensar si os primeiros povoa-
dores, Pedro Coelho de Sousa ou os Missionarios
Francisco Pinto e Luis Figueira, estes principal.
mente «ue eram homens de talento e instruídos,
não influiram para que se denominasse Sahara a
nova terra, em vista das dunas que orlavam as pruias
e grande extensão à semelhança do desolado de-
serto. As duas palavras quasi se confundem na pro-
nunciação, e a muita gente temos ouvido chamar
10

Sahara. Esta questão de origem da palavra Ceará


ainda não foi decidida. Há de ser mais tarde.
Como se vê, levantei apenas uma hypothese,
Tratei a questão de um modo condicional, e conclui
dizendo que não havia ella sido até então resolvida.
Agora, porém, que o Snr. Cunha Mendes tomou
a peito determinar positivamente a verdadeira ori-
gem do referido nome. vou dar tambem a minha
opinião.
Primeiro que tudo, cumpre-me «declarar que nem
sempre aceito us explicações etymologicas que dão
às palavrás indigenas os traductores ou melhor os
indianistas, como são conhecidos hoje os mais aptos
no estudo comparativo das linguas com a dos túpis,
por as julgur falseadas relutivamente u verdadeira
origem do vocabulo, que se alterou ao contacto de
povos que possuiam pbonetica muito differente.
Os Hoilindêses, os Inglêses e ainda os Francéses
uunca puderam graphar de modo semelhante, em seus
livros, as palavras dos indigenas, e dahi vem que
os primeiros escreveran o nome do rio Upanema,
actualmente Apody, Iwyponin, pagina Sé da Revista
do Instituto do Ceará, de 1896, Iwipanin pagina 85,
Ywipanin pagina 88, Iwipanema pagina 93, Ipanema
pagina 290, Wipanim pagina 295.
Os mesmos chamaram a Nhandui ou Yandui ou.
Jandui, o celebre morubichaba da Parahyba, João
Wy, que na verdade não deixa conhecer sinão por
adivinhação o seu verdadeiro nume. No livro de
Roulox Baro vem escripto Jean Dory, e em Barleus
muito claramente Jandovius.
João de Lery, na sua Historia de uma viagem
feita a tersa do Bruzil, traduzida pelo Conselheiro
Tristão de Alencar Araripe, escreveu Tououpinam-
baults por Tupiniunbãs, pag. 41, Quoniam por cu-
nhan, pag. 74, boure por boré, pug. 80, boucan e bou-
caner por moquem e moquear, pag. St, touous por
teus, pag. I00, lun-ouare por Jaguara, pag. 102,
toucou por tucano, pag. 110), gonambrich por guai-
111

nambi, pag. 111, Oouetacas por Goitacazes, pag.


172, etc.
A" pagina 1.º do sen livro Historia dos Padres
Capuchinhos na Ilha do Maranhão, publicada em Pa-
ris no anno de 1616, o P. Claudio d'Abbeville cha-
ma o Indio Pau-secco, o amigo do capitão Riffault,
quando visitava a capitania da Parahyba, Ouyrapine,
aquelle mesmo que o Dr. Cesar Augusto Marques
suppõe que para ouvidos portuguêses era Ihiaraypi.
Nada mais arbitrario.
Vejamos um exemplo dos proprios portuguêses.
O Pe Fernão Guerreiro, que escreveu a respei-
to do Brasil a parte extrahida do livro £.º da Kela-
ção annual das cousas, que fizeram os Pes da Companhia
de Jesus nas partes da India Oriental, no unno de 1606,
à 1607, publicada em Lisbôa no anno de 1609, cha-
ma. Ibigapabu a serra actual da Ibiapaba; nus Ins-
trucções do Governador geral Gaspar de Sousa para
o Sargento mór Diogo de Campos Moreno, em 22
de Junho de ibl4, lê-se alli Buapaua; na Jornada
do Maranhão escreve o mesmo Sargento-mór Buapa-
va à pag. 166 e Buapavá à pag. 186; o P.e Claudio
d'Abbeville, à pag. 85 da obra acima citada, Ibuy-
gapap; na Relação sumaria das coisas do Maranhão,
0 capitão Simão Estacio da Silveira, Goapava, à
pag. 6; 0 Pe José de Morues, à pag. 6, da Historia
da Companhia de Jesus na vice-provincia do Maranhão
e Pari Ibyupaba, etc.
Qual a verdadeira origem do nome?
O etymologista decompõe a palavra à seu gei-
to, inventa radicaes e os collocu como bem lhe pa-
rece sem se importar si esse arranjo era o seguido
na lingua indigena, sendo ainda de notar que os
mais impavidos para estas inventivas são homens
do merito do Visconde de Porto Seguro, de Von
Martius, de E. Liais e de Barbosa Rodrigues, diz em
tom de queixume, à pag . 64 das Notas sobre o pre-
cioso livro Do princípio e origem dos Indios do Bra-
112

eil de Fernão Cardin, o illustrado Dr. Baptista Cae-


tano.
E' pura verdade, e agora imagine-se o que não
teriam feito os menos uptos.
Segundo o Dr. Paulino Nogueira no seu Vocabu-
lario inligena em uso no Ceará, Von Martius e Gon-
calves Dius traduzem Porangaba por belleza, quan-
do em todos os documentos antigos que se occupam
dos primeiros tempos da colonização da nossa ca-
pitania aquelle termo vem sempre escripto Paran-
gaua até 1739, epoca muis ou menos em que se al-
terou para Parangava e depois para Porangaba; e
nem podia deixar de assim scr, visto como não se
distinguindo até então asletrasi ec j ue v no al-
phabeto, os portuguêses se serviram de preferencia
doi e dou, e só depois se fez a conveniente appli-
cuçio, queiteve começo no seculo XVI, e não se as-
sentou definitivamente sinão no fim do seculo XVIII.
Ora, os colonos desembarcados do norte de Por-
tugal, que costumavam trocar o v pelo b, acabaram
por transformar a palavra Parangava em Poranga:
ba, Jaguarive em Jaguaribe, Buapava em Ibirpaba,
Prayva em Parahyba, guaiava em goiaba, ete.
Como teria sido decon:posta aquella palavra pe-
lo etymologista? Parangaua ou Parangava ou Paran-
vaba ou Porangaua ou Porangava ou Porangaba ?
Domingos Correia e outros companheiros obtive-
ram, em 29 de Maio de 1684, uma sesmaria no lo-
gar Maragucape; Thomé Dias, principal da Aldeia
Parangava, obtem outra em 25 de Fevereiro de 170%
no mesmo logar sob o nome Maragoape, e na planta
do forte de Schoonenborch, levantada em 1649 acha-
se Maragoa, que é a mesma serra de Maranguape.
Qual deve ser o muis correcto? Naturalmente
o de Maragoape com que o pediu Thomé Dias, Indio
petiguar da raça tupi.
Parece que os colonos alteravam os nomes para
os tornar mais brandos e comprehensiveis.
O rio Banabuyu, por exemplo, foi pedido em 5
13

de Janeiro de 1685 por Domingos Rodrigues Correia


sob o nome Boneboiu; em 4 de Junho do mesmo
anno por Manuel de (Góes e outros sob o de Berna-
beu, e em 18 de Abril de 1687 por Domingos Alves
Gama sob o nome de Benabeu, e dahi por deante
se foi modificando esta palavra até que por fim se
tornou mais facil de se pronunciar.
No Vocabulario citado do Dr. Paulino Nogueira
vem escripto Banabuihu, e u sua etymologia segun-
do Von Martius é explicada da corruptéla Panamby
borbolêta e hu agua.
Esta explicação satisfaz?
A data do Acurahu, adquerida por Manuel de
Góes e outros a 23 de Setembro de 1683 sob o nome
de Caracu, e a da lagõa Caracusinho pedida pelo capi-
tão-mór Felippe Coelho de Moraes, em 15 de Julho
de 1682, acham-se no Vocabulario com esse mesmo
nome, mas com o prefixo A, e é assim explicada a
sua etymologia:—acara peixe, aca corno e hy agua.
E no entanto não ha um só documento dus pri-
meiros tempos da capitania em que se encontrem es-
tas palavras que não estejam escriptas Caracu e Ca-
racusinho.
Desconheço até hoje a razão por que o Araré na
data conseguida por Manoel Lourenço de Mattos e
outros, em 4 de Junho de 1685, e a serra do mesmo
nome que foi cedida ao sargento-mór João da Costa
Silva, em 22 de Oitubro de 1708, cujo nome foi ainda
dado à Aldeia dos Payacus, fundada pelo P.º João da
Costa, perto do Aracati, e vem repetidas vezes este
nome daquella forma em diversos documentos, se tra
duza em Areré, pequena marreca—corruptéla de
éreré, por causa do seu canto que parece exprimir
'é-re-ré; e do mesmo modo o riacho Aruibu, que cons:
titue a sesmaria de Christovão Soares de Carvalho e
outros, passada em 1.º de Dezembro de 1695, e vem
assim graphado em varias escripturas de vendas de
terras da mesma, se transforme em Areribu para
a
ter a seguinte etymologin: areré e pu estrondo:
erito da arerc.
Tudo isso pura dizer mais uma vez que nem
sempre me conformo com as interpretações dos in-
dinnistas, e nesta materia cstou de accôrdo com o
sabio Ilovelacque que diz: A etvmologia emsi não
passa de adivinhação. Esta é queé a verdade.
Entremos agori na grande questão do nome
Ceará,
Os Indios petiguares batidos no Rio-frande pe-
los conquistadores, e enfraquecidos pelas adhesões
que aos mesmos faziam alguns chefes da sua tribu,
passaram alem das raias da sua situação, que se
suppõe chegava somente até o Apody, e espalha-
ram-se pelas terras proximas ao mar da futura capi-
tania do Ceará, escolhendo de preferença lugar pro-
ximo di barra do pequeno rio a que deram este nome.
Sem duvida, loi composta esta palavra de çõo,
so ou su caça ºC ara passaro, ave em geral, que
traduzia porfeirimente a prodigiosa quantidade de
caça que por alli havia, e os surprehendera, visto
como não à encontravam com tanta abundancia em
seu territorio.
Penso com o Dr. Paulino Nogueira, quanto a
composição da palavra, mas enténdo que eHa signi.
fica passaros em quantidade de caça ou para a caça
ou outra variação que u isso corresponda.
Povoado já então o norte do Brasil até o Rio-
Grande, permaneciaa região do Ceari deshabitada,
parecendo que as aves para ahise recolhiam evitam
do a perseguição dos colonos e selvagens, como múuis
tarde enchendo-se de povondores a capitania se re.
fugiram oa serro da Ibiapaba e no Pianhy.
Vivendo os Indios exclusivamente da caça e da
pesca, e chegando à lugar tão apropriado às suas
exigencias, longe de inimigos e onde superabunda.
vam os meios mais faceis de vida, deviam ter fica
do impressionidos com tal prosperidade, e nelle
estabelcecram-se muito antes que por alli passasse
115

Pedro Coelho de Sousa ou outro qualquer explorador,


como o dita entender Diogo de Campos Moreno, à
pas. 160 da Jornada do Maranhão, quundo diz: que
o capitão-mór murchou atéo Jaguaribe, donde no Ceard
ajuntou « si todos aquelles Indios moradores.
Logo os Indios petiguares eram já moradores
naquelle local.
Pode sc bem avaliar da quantidade de passaros
que então viviam nesta região, pelo que escreve o
mesmo capitio-mór, que conheceu bem o territorio,
e por alli passou se demorando em 1614, à pag. 183
da referida Jornada: «No dia 25 de Setembro, o sar-
gento-mor do Estado foi pelo rio Curl acima em um
batel armado mais de cinco leguas por reconhecer
aquellas terras e aguas, nas quaes não achou coisa
de consideração, ao longo do rio, mas achou infinita (*)
caça e pescaria de que tudo aquillo abunda maravi-
lhosamente, e assim neste logar se pode dizer que
aquella gente não teve fome».
Note-se bem, infinita caça! ea pessõa que o diz
é digna de toda confiançae criterio.
Delta alimentou-se o povo que ia na armada com
destino à conquista, do Maranhão.
O P. Claudio d'Abbeville, no livro já menciona-
do, escrevo à pag. 53, quando se refere a demora
que teve no Cabo das Tartarugas, hoje Jericoicoa
ru: ateste lugar é muito bonito e maravilhosamente
agradavel, abundimte de frutos e de emça, e à pag.
45, tratando da chegada do Pe F ancisco” Pinto a
Ibiapaba, diz ainda: Ahi existem bôas fontes e rios
de agua doce (coisa admiravel) abundantes de diver:
sas especies de peixe por ahi desconhecidas; gran-
des cumpos e muitas [lorestas repletas de passa
ros € outros animiaes optimos para se comer: é uma
verdadeira maravilha».
sempre foi o Ceará muito farto de caça, e cri

(9) O grifo é meu.


116

tal o estrago que faziam os passaros á lavoira, que


as camaras municipaes obrigavam os moradores a
matar annualmente um certo numero delles sob pena
de multa e cadeia.
De prompto, encontrei entre as disposições dei-
xadas pelo corregedor Alexandre de Proença Lemos,
na audiença geral de 14 de Setembro de 1750, na
villa do Aquiraz, a seguinte: «que os lavradores se-
riam obrigados u dar doze cubeças todos os annos
a camara de periquitos e outros passaros que fazem
damno, e não dando as ditas cabeças dentro no anno
seriam condemnados em doze mil réis».
A quantidade desses destruidores de plantas de-
via de ser extraordinaria para se impor tão excessiva
obrigação que devia pesar sobremodo na bolsa dos
lavradores daquelle tempo.
Todus as demais camaras impunham multas iden-
ticas, mas não me foi possivel achar de momento taes
disposições, cabendo-me garantir que as tenho en-
contrado em todas, e tanto é verdade que ainda no
anno de 1804, cento e quatro annos depois da funda-
ção da primeira villa nesta capitania, a camara de
Fortaleza fez publicar um edital para que todos os
lavradores do termo da villa fossem obrigados a
apresentar Jo escrivão trinta cabeças de passaros de
bico redondo.
Apesar dessas ordens de exterminio, não foi pos-
sivel extingui-los, e ainda cm nossos dias, alguem
que atravessa o sertão, ouve continuamente, a longa
distancia, à animada algazarra que fazem os peri-
quitos em bandos immensos à sombra das arvores,
sobretudo dus oitícicas, nas horas quentes do sol.
Não se pode descrever o numero das pombas
de bando, a queo povo chama avountes, que percor-
rem o Estado do um a outro extremo, purando ora
num municipio, ora noutro, oude são colhidas em fo-
jos armados à beira dos poços dos rios ou'açudes em
numero de vinte, trinta, quarenta mile mais por dia.
E' impossivel lazer ideia aproximada da fabulo-
n1

sa quantidade dessas aves do familia Columbide


aquelle que não as viu em sua constante peregrinação,
na qual são perseguidas de modo barbaro pelos caça-
dores e pelos animues carnivoros, c que apezar de
toda à destruição augmentam o numero surgindo os
tilhos aos milhares dos vvos incubados pelo calor
do sol.
São ellas só encontradas no Ceará, e quando
muito transpõem os limites da Parahyba e Rio Gran-
de, na zona sertanéja.
Si o notavel engenheiro inglês Patrick O' Meara
pasmou de as ver no município de Lavras quando:
por alli estudava o terreno para o reservatorio do
Boqueirão da Serra, em 1893, imagine-se a impressão
que não teriam ellas causado aos indigenas.
Foi sem duvida a caça o motivo que tiveram
os petiguures para compor o nome do lugar, onde
primeiro sc estabeleceram nesta capitania.
Ainda este anno o Barão de Capanema, no seu
folheto 4 Secca do Norte, referindo-se ao Ceará, diz
à pag. 3 do mesmo, periodo 3.º: « Um terreno pe-
dregoso, secco, coberto de arvoredo com troncos
denegridos, sem uma folha, produziria a impressão
de uma natureza morta—mas uma atordoadora al-
gazarra de papagaios, periquitos, jacús, quéro-quéros,
chechéos, corrupiões c bandos de pombas revelam
a existencia de vida de uma natureza animada, etc.»
No começo da colonização, quando eram virgens
as mattas v o Jaguaribe corria até o oceano, muito
mais rica devia de ser a terra desses pequenos seres
em tempos de plena liberdade.
Deu-se mui naturalmente a corruptéla de çên,
sóo ou súuara para Ceará ou Seará, e entre nós mes-
mos temos exemplos que explicam sem difficuldade
esse transvio dos principios estabelecidos.
Examinenmos.
Gregorio de Figueiredo Barbalho com 13 com-
panheiros conseguiu, om 22 de Oitubro de 1695, a
sesmaria do riacho, a que deu nome, no municipio
118

do Pereiro, e sendo o primeiro, tirada a legua da


largura do provido do Jaguaribe, fundou o seu sitio
à margem direita do dito riacho, denominandoo
Utuva, cujo nome consta do requerimento de Ma-
nuel Ribeiro Figneiredo, em que pedia uma sesmaria
no riacho da Varze-grande, na qual se Iê que esse
riacho corre do nascente a poente, e faz barra no
sitio chamado Utuva, pertencente ao capitão-mór
Gregorio de Figueiredo Barbalho.
Foi-llhe concedida em 11 de Março de 1734, 0
que quer dizer, que ainda nessa data conservava o
tal sitio aquellc nome.
Como se vê, Utuva corrompeu-se em Viuva, e
hoje ninguém será capaz de pensar que este foi o'
mesmo do tapitio-mor Barbalho, que passou ao Co-
ronel Theodosio Pereira de Mello, e a sua viuva
Thereza (t0mes de Jesus o vendeu por escriptura
de 23 de Janeiro de 1775 ao capitão Antonio de
Olanda Cavalcante, suppondo algumas pessõas que
ussim se veju a chamar por causa dessa viuva, que
“o possuiu por muitos annos. Em bem pouco tempo
fez-se a alteração.
Hoje constitue elle o povoado do Alto-Santo da
Viuva, pertencente ao municipio do Limoeiro.
Li algures nos autos de uma demanda entre
confinantes do sitio Caixa-só, actualmente Iracema,
que se denominava então Quixoasst, e, não podendo
achar este documento, descobri outro que embora já
esteja corrompido, di todavia a prova do que acabo
de afirmar.
K” a escriptura de venda que, em 9 de setembro
de 1763, Taz Manoel Percira Souto, como testumen-
teiro do commissario Pedro de sousa, ao Rvd. José
Lopes Santiago, de 3 leguas em o sitio Quixoaçó,
no riacho Figueiredo, a qual houve por data, e
confrontam da parte do nascente com as terras da
fazenda Pilar e Cachocira, do poente com a serra
e sitio do Aimoré, da parte do norte com as terras
19

de Antonio Dias Parente, e da parte do sul com


terras du fazenda dos Remedios e Caiçara, etc.
Note-se bem que est fazenda pertenceu ao 2.º
donatario na data do Figueiredo, commissario Pedro
de Sousa, c que, portanto, foi elle quent a situou
com aquelle nome-que nessa data vende o seu tes-
limenteiro, o qual devia ter a perfeita significação
da palavra em sua origem.
Mais tarde passou a chamar-se Quixosó, como
da escriptura de composição entre o capitão Felippe
Ignacio de Moura e João José de Moura, do modo
seguinte: Em + de Setembro de 177 0 capitão Felix
Ignacio de Moura e sua mulher Maria Ferreira da
Costa, e seu irmão José de Moura e sua mulher Isabel
Maria de Couto declaram que entre si haviam com-
prado uma sorte de terras de 3 leguas, no riacho
Vigueiredo, sitio chamado Quixosó, como consta da
mesma data é escriptura, e porque entre elles re-
solveram por esta escriptura partir a dita sorte de
terras, ficando o capitão Felippe Ignacio de Moura,
da bunda de baixo da parte do nascente, e o Te-
nente João José de Moura, pela outra parte do ria-
cho, onde já está situado, que é o poente, ficando
assim todos divididos para não haver questão entre
elles, etc.
Não ficou aqui. Mudaram-no para Caixa-só, e
ainda hoje há quem sustente com certa convicção
que este nome veio de uma cuixa que se encon-
trou abandonada naquelle lugar.
Ora, si não fossem os documentos acima refe-
ridos, como se adivinharia a etymologia desse vo-
cabulo ?
Quixoassú para Cauixa-só! nunca mais se havia
de achar a explicação, si por ventura tivessem des-
uppurccido os registos da villa do Icó,
Há tempos discutiu-se longamente nesta capital
sobre ser Aguanambi e não Eguanambi o nome do
sítio, que se encontra no começo da estrada de Mes-
sejuna, Iixacerbaram-so os dois contendores e ficou
120

decidido que seria Aguanambi, das palavras de um


português que, pretendendo arrendar o sitio para
plantações, e afiançando-lhe o proprietario ser abun-
dante de agua, respondeu ao voltar à cidade: agua
não bi, c por isso se ficou chamando o dito sitio
Aguanambi,
U outro reclamava a preferencia para Egua
nambi, allbgando que miunbi segundo à etymologia
vinha de úaambi orelha, e como tal era synonimo
de troncho, e que por tanto aquella palavra signi-
ficava egua que só Linha uma orelha,
Valeu à opinião do primeiro talvez por mais
decente, ,
Entretanto em 1895 verifiquei que o verdadeiro
nome era Jaguarnambi, em vista do requerimento
do Missionário geral das Missões do Norte, P.e Do-
mingos Ferreira Chaves, que em 17 de Junho de
1718, pedia ao capitão-mór Manocl da Fonseca Jaime,
a terra que se achasse devoluta de Jaguarnambi para
à fortaleza, testada da data do alferes Felippe Coe-
lho de Moraes, e à que se achasse devoluta de Do-
mingos de Azevedo, do rio Cocó, e u de Domingos
Lopes e Joãô Coelho, pretos forros, buscando à for
tulega.
A! vista, pois, do exposto u corruptéla de Ceará
ou Seurá é menos sensivel que as das palavras
acima,
Os colonos aportuguêsavam os vocabulos indi-
genas, si assim me posso exprimir, tornando-os pouco
à pouco mais harmoniosos ao ouvido; e dessa in-
Muencia fala Baptista Cactano, à pag. LXXI da carta
uo Dr. Ramis Galvão, que precede a Árte da Gram-
matica da lingua brazilica da nação Kiriri, em que
diz: « Limitando-nos à fazer apenas o confronto do
kiriri com à lingua geral vimos tambem que elle
estã mais ou menos civado de vozes do portuguéz,
e talvez ainda do vozes africanas.
A lingua geral devia ter soffrido mais, pois que
121

desde 1589 ou antes mesmo, já os petiguares esta-


vum em contacto com vs conquistadores.
O cabo dus Tartarugas, hoje Jericoácoára, no
principio da exploração do Ceará, vem denominado
Jaracosra na carta que o Governador geral Gas-
pur de Sousa, em 20 de Agasto de 1614, dirigiu ao
rei de Portugal, communicando que os inimigos ti-
nham vindo destruir os presídios do Seara e Jara-
coara; em Diogo de Campos Moreno, Jornada do
Maranhão, livro escripto pouco depois de sua saída
do Maranhão, em 4 de Janeiro de 1615, à pag. 166,
vem Peruquaquará e à pag. 181 Jeruguaguara; no
Memorial que acompanhou au Petição de Bento Ma-
ciel Parente ao rei Felippe III, em 1626, à pag. 39
do 2.º volume das Memorias do Maranhão de Can-
lido Mendes, lê-se Jurucoaquara; na carta de Ien-
drick Vam Ham, de 19 de Abril de 1638, ao Con-
selho' Supremo de Pernambuco, transeripta à pag.
80 da Revista do Instituto do Ceará, relativa ao anno
de 1896, vem ainda Juryquagua, etc.
Com estes termos nunca absolutamente se po-
derá traduzir pela etymologia Buraco das Tartaru-
gas, como hoje se pretende.
Não menos irregular é o nome Camocim.
- Diogo de Campos Moreno, autor contemporaneo
da fundação desta capitania, na obra acima citada
à pag. 166, chama-o Camori, e repete o mesmo nome
à pag. 184; Gedeon Morris, na carta de 4 de Agosto
de 1641 aos membros do Conselho Supremo, à pag.
M da Kevista de 1896, Commeci, e em outra de 8
de Oitubro daquelle mesmo anno aos mesmos ma-
gistrados, à pag, 287, Commeni; na carta de Lich-
thart, van Koin e Bas, de 3 de Dezembro do rete
rido anno ao Conselho do forte de S. Luis, à pag.
238 da Kevista, Commestry e o repete mais abaixo;
na carta do Conselho nos directores da Companhia,
de 13 de Fevereiro de 1642, à pag. 289, Cammuci;
e nos Excerptos da obra listoria de Portugal hes-
taurudo, por D, Luis de Menezes, Conde de Ericeira,
122

que se referem a factos de 1642, e vom no 2.º vo-


lume das Aemorias do Maranhão, à Pag. 432, Cu
mozins.
São estas e aquellas palavras as primeiras que
se escreveram em papeis publicos acerca daquelas
localidades.
Si bem que a carta do Pe Lois Pigueira (*),
datada de 26 de Março de 1608, seja o documento
mais antigo em que se acha graphado em dois lu-
gires o nome Ceurá, tenho contudo notiulo nas mi-
uhas pesquisas, a respeito di origem do nosso ter-
ritorio, que predominou ao principio a corruptéla
Seurd, do outro modo de composição da palavra.
Lê-se Seara nos seguintes documentos, os quaes
têem todos referencia com os actos primitivos da
sua colonização: na carta de Gaspar de Sousa, de
| de Abnl de 1614, ao rei de Portugal sobre o
povoamento e defeza da capitania do Seari; no
Regimento do mesmo Governador, de 22 de Junho
do dito anno, à Jeronimo de Albuquerque, para a
conquista do Maranhão passando pelo Seará; na
curta do mesmo à lúl-rei, de 20 de Agosto desse
ano, remettendo duas de Martin Soares Moreno,
dvisundo que os inimigos Linhiun vindo desfuzer os
presídios do Searã; ha carta do Governador D. Luis
de Sousa, de 5 de Janciro de [619 ao rei, acon-
selhando que mandasse Martim Soares ao Seará,
donde faria embarcar nos navios que dili fossem
5) ou 60 casaes e o mais que podesse do Scará para
o Paraa; na Patente com que lilrei faz mercê ao
mesmo Martim Suares, em 206 de Maio daquelle anno,
da fortaleza do Seará por tempo de dez annos, em
consequencia de ter sido o primeiro fundador da
fortaleza do Seará; no parecer do Conselho da Fa-

(90 Barão do Studart foz-mo a graça ospocial do mostrar


esto precioso documento, que acaba de lho ser presenteado polos
Jesuitas hollandêses. 8º de um valor inoxtimavel.
123

zenda, de 22 de Agosto de 16:40), q respeito do pe-


dido do mesmo Martim Soares, de paramentos para
o Scarã; no parecer do Conselho da Fazenda, de
4 de Janeiro de 1621, opinando que se desse uo
mesmo “400 cruzados de ordenado como capitão do
Semi; no parecer do mesmo Conselho de 26 de
Murço do dito anno, informando a sesmaria que pe-
diu o mesmo, que foi o primeiro povoador do sitio
do Seurã, no Alvará de 16 de Julho daquelle uimo,
mareido o ordenado de Martin Soares provido na
capitania do Searã; nos Apontamentos addiciontdos
aos Annnes de D. João II, relativamente ao anno
de 1628, e publicados no 2º volume das Memorias
do Maranhão, à pag. 416, onde se diz: Terceira Ca
capitania do Searã, ruim porto com baixos; no pa-
recer do Conselho de Ultramar de 10 de Março de
1629, sobre uma carta em que Martim Soares se
queixa do Governador geral, entendendo que se
devia ordenar ão goverador mandasse logo ao Seara
todos os soldos que são devidus aus soldados, ete.;
ma Chronica da Companhia de desus do Pe Simão de
Vasconcellos, à pag. CENXNTHE da primeira impressão
de 1663: No Seara achasse o canbar por arrobas.
Encontra-se à palavra Ceará na Velação sem
maria dus coisus do Maranhão de sinão Estácio da
Silveira, escripta em [24 é vem publicada nas
Memorias do Maranhão, de Candido Mendes, na pri-
meira pagina do volume 2% Tratado das aves, diz
elle, à pag. 26, que lu muitos passos vermelhos
e outros amarcllos, papagaios, ardras, coricas, gar-
colas, ete, e não fala no especie Ciarã da Eunilia
dos Pionides.
No Memorial que Bento Maciel Parente, em 1625,
dirige a Felippe TIL paro fim de conservar e au
gmentar a conquistii do Maranhão, À pag. o do 2º
volume das Memorias do Maranhão, Je-se: [8 siendo
V. Magd. servido repartir este [staulo en capitiunas,
deve empeçao la del Ceara cn cl Rio de Jaguaribe,
que dista mais de cien legoas del Rio Grande, etc.
Nos Excerptos da obra Portugal Restaurado, pelo
Conde de Ericeira, à pag. 421 das referidas Ae.
morius do Maranhão, volume 2.º, vem: A ilha do
Maranhão fica na costa do Brazil; corre para o
Ceará de oeste a leste e pura o Pará a oesnoroeste
em dois gratos e meio da banda do sul.
Nu Relação da Missão da Serra da Ibiapaba, do
Pe: Antonio Vieira, que se refere ao tempo decor-
rido de 1655 à 1660, todas às vezes que o uutor se
oceupa desta capitania, dá-lhe o nome de Ceará,
Na Historia di Companhia de Jesus na extincta
provincia do Maranhão e Pará, emprega o Pe José
de Moraes, que à escreveu em 1759, continuamente
o nome de Ceará, quando trata de factos relativos
à conquisti do Maranhão, sobretudo da entrada no
nosso territorio dos Padres Jesuitas Francisco Pinto
e Luis Figucira.
O Padre Antonio de Santa Maria Jaboatam, no
seu Nocu Orbe Serafico Brazilico, impresso em Wo,
dando na Estancia XI a descripção da capitania
dó Ceara, escreve sempre Ceará.
à primeira destas fórmas de escripta está mais
proxima das origens. Depois da carta do Padre Luis
Pigueira só em [624 se vai ver aquelle nome em
Simão Iistacio
Ao contrario das duas já conhecidas, na Jornada
do Muranhão, do sargento niór Liogo de Campos Mo-
reno, escripta depois de 4 de Janeiro de 1615, quando
deixou o Brazil, às pags. 160, 162, 164, 169, na,
172, 180, 181, Is8T e 189, le-se invariavelmente Siará,
e do mesmo modo Gaspar Barleus (Van Buerle) no
corpo da obra fts Braziliw, onde trala desta capi-
tania, e nas duas cartas topographicas da barra do
rio Ceará, veem se, de modo diverso do que diz o
Dr. Theodoro Sampaio, graphadas em uma as pa-
lavras les il Siara, é na outra no meio de um em-
blema ou enfeite no alto da pagina Siara.
No Exame de Pilotos composto pelo Cosmographo-
Mór Manoel de Fisucredo e impresso por Vicente
125

Alvares, em 1614, se escreve Siará segundo colheu


e copiou da Sala dos Reservirtos da Bibliotheca Na-
cional de Lisbôu o Barão de Studart
Não me foi possivel ver o livro de (ieorge Mar-
grave, e si elle escreveu Ciará, foi sem duvida o
unico que adoptou semelhante ortographia, pois que
nos demais se observa o contrario,
A suu Historia natural do Brasil foi publicada
em 1648, ao tempo do dominio hollandês.
Nos trabalhos dos sens contemporaneos, iradu
zidos pelo Dr. José ilygino, e que se referem ao tem-
po em que por aqui se demoraram, transeriptos do
Jornal do Commercio para a ltevista do Instituto do
Ceará da anno de 1896, é empregado continuamente
o vocabulo Cearã, mas À qug. 72 da mesma Kecista
vê se u nota do mesmo Dr. Iygino alfirmando que
os Hollandêses escreviam Syura.
No hegimento de Pilotos e Itoteiro da Navegação
e Conquistas do Brazil, te, pelo Dezembargador An-
tonio de Mariz Carneiro, publiculo por Manuel da
silva em 1655, 0 qual & conhecido entre nós por uma
copia tirada pelo Barão de Studart da Sala dos Re-
servados da Bibliotheca Nacional de Lisboa, o nome
é graphado oru Seará, ora Siará.
A favor do Dr. Theodoro Sampaio, que entende
Ciurá siguifica ou designa simplesmente uma casta
de papagaios, só rest lr, Vicente do Salvador, na
sua Historia do Brazil, escripta em 1027; mas este au
tor graphando o nome ora Ciaráã ou 5yará, ora Ceará,
provou de sobejo que não tinha convicção firmo so-
bre à verdadeira ctymologia do termo em questão,
Creio mesmo aque aquelle autor, cojo trabalho
na parte que nos (oca estã transcripto ua Pecista
do lustituto, era pouco versado em lingua tupi; pois
do contrario teria admittido unia só forma para
o emprego da palavra que cstavir sujeita às regras
da etymologia indigena, e os tres modos de escripta
de que se serviu so fazem deixar duvida sobre a
verdadeira palavra.
126
Pode acontecer que seja a obra de Fr. Vicente
do Salvadar o documento historico mais antigo em
gue vem o nome Ciará, e de feito o é, quanto a
ter elle empresulo o tal vocabulo escripto desse
modo, mis antes delle com certeza todos escreveram
Senra e Siart; o s0 0 Pe Figueira Ceara, como fi:
cou demonstrado, o que ponco devia alterar a pri
meira corraptéla.
A segurança com que o illustrado engenheiro
ampara a sua opinião bascando se em Pisarro €
Ayres dé Casal, acho que não o garante de cair em
falta; pois que ambos publicaram os seus livros
mais de 200 annos depois da [undação do Ceará,
onde os Indios já crom moradores desde à conquista
da Parahyba c Rio Girando, no ultimo quartel do
seculo XVI, e por conseguinte estes historiadores
se acham muito distantes da verdadeira origem do
nome tupi,
Demais, Ayres de Casal, na sua Corographia
Brasilicd, descreve esta antiga provincia sob o nome
Comi, à pago 195 do 2º volume, € aponas em uma
nota abimixo da mesma pagina dá noticia em duvida
sobre o papagaio em questão nestes termos: Dizem
use Ciara, no idioma indigena, significava canto da
jundaia, que é uma casta de papagaio pequeno e
grasnador
ló elle nada disse nem affirmon.
Penho lido muitos autores que se oceuparam do
Brasi), desde Gabriel Soares, que nada podia escrever
sobre o nosso territorio, porquanto publicou a sua
Noticit do Brazil cm LoNT, dezuseis annos antes que
Pedro Coelho de Sousa fizesse à primeira entrada
emp terras cestreliseso co tuto encontrei emo nenrum
que dralisse desses passaros com aquele Home cl
excspção dos dois acima mencionados, sendo ainda
de notar quanto a Pizarro, que nas Menmoxias histo.
ricas do Pio de Janeiro, Aômo Se, à pag. 221, nota
Lo sustento vicio nome div capitania do alludido pa
pagão Ciara, opina, no entanto, que a sui siguifi-
127

cação vem da palavra Suiá, que quer dizer caça e


que os Portuguêses converteram -na em Ceará.
À perplexidade do autor sobre à verdadeira pa-
lavra prova bem a falta de convicção relativamente
ao que escreveu,
| inadmissivel qualquer das interpretações.
Não ha, pois, duvida de que o termo Ceará ou
Seará tantas vezes repetido nos antigos documentos,
proveio da infinita caça, que havia neste Estado, e
joj causa de fixaurem os Indios por aqui a sua nova
residencia.
Não há outra explicação mais de harmodia com
a critica historica, € quanto a mim as variantes da
puavra Ceará não passam de simples questão de
ortographia. Uns eseroveram de um medo, outros
de ontro.
Ão concluir este artigo, aproveito a opportuni-
dade para expender um pensamento que nc assaltou
o espirito depois da leitura dos diversos documentos,
que consultei,
lº que o nosso Rio Ceará teve este nome pri-
meiro que o do Rio-lirande, e a razão está cm que
uão hã uma só prova em contrario, quer escripta, quer
trulicional; o tanto assim é que o nosso se chamou
Ceará-grande e o outro Ccará-mirim, muito embora
tenha este dez leguas mais de curso do que aquelle.
Naturalmente passou aquela denominação uo
territorio, e por ser este maior que o da capitania
vizinha, ficou o nosso com a classificação de supe
rioridade de acecórdo tão somente com à extensão
do terreno.
O rio deu nome ao primeiro povoado proximo,
que depois passou ao local onde esta hoje a Capital,
de sorte que ainda hoje se perguntando iv alguem
que venha para esta cidade, qual o seu destino, elle
responde gui indifferentemento : vol para o Ceará,
e do mesmo modo todas as cartas enviadas do ex-
terior para a Fortalezi são sobrescriptas con o en-
dereço Ceari.
128
Ga leitura das cartas dos Iollandêses que se as-
senhorearam desta capitania, verilica se que os In-
dios viviam em continnas viagens da Parahyba e
Rio-lirande para aqui, é daqui para uquelles pontos;
e naccarta de Hendrick Vam Nam, datada de 19
de abril de 1638, diz elle, à pag. 77 da Revista do
Instituto, de 1896, que: . Não são poucos os Indios
que eliegam da Parahyba e Rio Grande, que fazem
estu viagem para levarem o ambargris. E mais
adeanie: Pode se levar daqui uns cem ou trezentos
para teforçarem as aldeias do Rio-Grande donde
se coneluc que nesse tempo, 1638, já 0 Ceará enviava
Índios para a deleza do Rio Grande.
Si, como se sabe, teve começo à conquista da
capitania vizinha cm 19 de Dezembro de 1597, gas-
tande-se muitos annos para domar og lulios, que em
srunde quantidade infestavam aquela região,« Pe-
ro Coslho de souza, em 1603, cinco annos € meio
depois, conduz à Ibiapaba os potiguares, moradores na
barra dp rio naturalmente já denominado Ceurá, como
escreve 0 mestuo capitão mór, e se vê da carta já ci.
tuda do Pe Luis Pigucira, datada de 26 de Março
de 1605, é fora de duvida que foi dado este nome
primeiramente ao rio da nossa capitania.
Não é que à devominação de Ceará-grande
queira dizer que a povoação fosse maior, mas sim
que lhe foi dada antes que a do Rio Grande.
Vê se, entre vós, que uma localidade qualquer
que já Lenha nome, toda à vez que se funda outra
com o mesmo, dá-se lhe este na forma diminutiva,
muito embora distante della, no que regula invaria-
velmenta a precedencia do primeiro,
Assim, o sitio Caraca, mi comarca de Sobral,
foi povoado primeiro que a lagõa muvacusinho, no
numicipio da Porangaba; o sitio Piauhysinho, no Icó
teve seu tome já existindo o Pianhy grande; o sitio
Ipusinho foi povoado depois do Ipu grande; dos dois
rios Aracaty, ao norte do Estado, chamou se o pri
meiro Aracaty-assu, por ter sido descoberto antes
129

do outro que fica mais alem, ao qual se denominou


Aracatyeamirim; a fazenda Cuiçãra, no municipio do
Riacho do Sangue, já existia quando se fundou à
Caiçárinha; à fazenda Cerca, no municipio de Viu
rexalegre, foi fundada ao tempo do donatario Agos-
tinho Duarte Pinheiro, e mais tarde se fundou a
Cerguinha; a fazenda Dansinhas, no municipio do
Limoeiro, appareceu muito depois du Dansas, sitio
do tempo do donatario Fr. Manuel de s. Gonçalo,
do convento de (oyana, que lhe: deu esse none,
como se vê da sesmaria. |
A prova é indestructivel, e não ú levo mais
adeante por desnecessaria,
Até o anno de 1603, 0 Rio-(irande do-Norte era
muito pouco conhecido alem da apita), devido a
desesperada resistencia dos indigenas, e, portanto,
predomina a minha opinião.
Continuo a pensar que a corruptéla do nome
Ceará vein de ção, sõo, su, é Siará, Syará ou Ciará
são outras tantas inversões commettidas por escri.
ptores, que não conheciam a verdadeira origem da-
quelli palavra, como entre nós ainda hoje se chama
Iguatu por Igatu, Mecejana por Messejana, Agua-
nambi por Jaguarnambi, Cratheus por Carateus, Aca-
racu por Caracu, Mauritv por Murity ou Burity,
Mudubim por Mendobi Precapara por Pecapara, Car-
nahubeira por Carnahuba, ete., e 80 cederci à provas
mais fortes do que as que apresentou o Dr. Theodoro
Sampaio.
“Si não expliquei eatisfactoriamente à palavra,
fica-me a convicção de que tenho o mesmo direito
que os que arranjam radicaes, e os collocam como
muito bem lhes parece, sem se importarem com o
que era seguido na lingua indigcna, como faziam o
Barão de Porto Seguro, Von Martius, |. Liais €
Barboza, Rodrigues.
Barro Vermelho, 29 de setembro de 1901.
CARTA

so Dr. Fosonana BAMPAIS


S. PAULO.

Hm. Sur.

Minhas respeitosas sancdações,


Começo esta agradecendo amuito cordialmente as
delicadas expressões que me dispensou Vos? no
artigo Da ecolução distorica do cocebulo geoyraphico
no Brasil, om refutação «o outro de irinha lavra sob
a epigraphe Lingeir indigena = nome Ceará, que foi
publicado ni Reoista dee Academin Cenrense, tomo TV,
pag HMôç e, como hã no primeiro mma citação que
me é indevidamente atribuida, peço com todo o
respeito permissão para me exinir da responsabili-
dade do que me não pertence, fazendo-a recair sobre
o seu verdadeiro autorçe mais ainda para fazer al-
gumas considerações a respeito de outros pontos
do artigo refutado,
Primeiro que tudo compre-me confessar que o
que conheço da lingua geral ou Brasil const apenas
de digeiras leituras das descripções de viajantes, que
viram ao nosso pais, de onde se vê que som igno-
rantissimo nesta materia,
No artigo sob o titulo acima, escripto por mão
132

de mestre, à pag. 20% di Penvista do Tastituto do Ceurd,


do 3º trimestre e 4.º deste amo, lê-se: Certo, nem
todas as interpretações se apoiam rigorosamente
em processos logicos, em principios scientificos que
lhes assegurem valor incontestuvel, mas não É isso
razão parm dizer se com Hovelaeque que a etymo
logia em si não passa de uma adivinhação, qu como
descrentemente escreve Antonio Bezerra, na Mevista
da Acadentia Cearense, que q etymologista decompõe
to palavra a seu geito, inventa radicaes É os col.
locit como bem lhe parece, sem se importar se esse
arranjo creo seguido ni lingua indigena.
Hi equivoco da parte de Vo sa Estas palavras,
é verdade, foram citadas por mim à pag. HT da
mencionada Jevista da Jeademia Cearense, mas 0 pe-
riodo continha. como é [acil de se ver, e termina
assim: sendo indi de notar que os mais impavidos
pura estas inventivas são homens do merito do Vis-
conde de Porto Seguro, de Von Martius, de 15, Liais
e de Barbosa Rodrigues, diz em tom de queixume
à pago bbdas Notas sobre o precioso livro Do prin.
cipio e origem dos fadios do Brazil, de Fernão Ci
dim, o ilustrado Dr. Baptista Caetano,
Copiefas. pois, fielmente desse ilustre india-
vista, que passou sempre como o mais competente
entre os que se dedicavam a estudos desta ordem.
Foi nã opinião do Dr. Baptista Castano que me
baseci pau deixar de aceitu muitas das trulucções
dos vocabplos indigenas que por ahi se lazem, é que
sao explicados por diversas modos.
Ora staos mais habilitados como Von Martius
e Barbosa Rodrigues, que viveram unos entre OS
ludios do Amazonas, ocenpando se exclusivamente
dos seus costumes e de sua lingua; e como E. Liais
e Visconde de Porto Sesuro, homens de reconhecida
Mustração e merito real, censura aeremente o sabio
tudianisto, que se poderio esperam dos outros menos
uptos * :
133.

O mesmo Dro Baptista Caetano na cartiuao Dr,


Ramiz Galvão. que precede a crte de (rammatica
da lingua Brasilica da Nação Nirivi, do Pe Vicento
Mamiani, que devia ter sido publicada em 169% on
1599, como das licenças do Santo Offício de 2 de
Julho de 1698, e do Paço de 3 do mesmo mês e
mo, diz à pago LXNI: Não fica decidido que o
Kiriri seja effeetivimente, € no rigor da pidavra, dia-
leeto da lingua geral, mas vê-se que tem muito
della, assim como do Rechuacalo. e principalmente
dos dialectos Pampeanos como o dos Chequitos, de
cujo extenso vocabulario desgraçadamente não te-
mos sino ligeiros extractos (5). Limitando-me ape-
nas a fazer o confronto do Kiriri com a lingua geral
vimos tambenv que elle esti minis om menos civado
de vozes portazuêsas, e talvez ainda de vozes afri-
ciumas.
Do estudo feito pelo douto linguista no livro do
Pe Mamiani, publicado no fim do seculo XVH ou
começo do XVII, nota se que tanto a lingua geral
como o dialecto Kiriri estão civados de vozes por-
tuguêsas e talvez de vozes africanas, em consequen-
cia do contacto dos Iudios com os negros dos Pal-
mares.
O Kiriri, dialecto ou não di lingua geral, tinha
muito dela, dito Baptista Caetano, isto quanto no
que escreveu o Pe Mamiani cm 1698, que mais pro-
ximo da origem devia ser encontrado mais puro, e
pelo tempo adiante com tantos motivos de corrupção
" que construceções diversas não toria elle chegado?
No nosso territorio é certo que desde o meado
de seculo XVI. Jogo depois da expulsão dos Tol.
landéses, os Papuxas estiveram em estreitas rela
ções com os Petiguares aldeindos, pois o [º,º Antonio
Vieira à par. ATO da sum Velação da Missão de serra

(3 Sompro diMtenldados para o indianista


34
da Ibiapaba, escripta pouco mais ou inenos em 1660,
tempo em que estivera naquela serra, diz: Nos
arredores da fortaleza do Ceari vivem duas nações
de Tapuvas (tentios confideradas ambas com os Por
tuguczes, mas iuímigas entre sis uns se chamam
ftanacés, putros Jaquaruanas,
bram outros elementos par a corrupção da
lingua geral, que deu nomes aos lugares que tem o
Ceara no littoral,
Não ha duvida que Baptista Cactano se queixa
do modo arbitrário por que Von Martius e outros
explicam ou tradazem os vocabutos div lingua tupe,
e realmente é de entontecer quando se vê a varie.
dade de interpretações que cadi um diva palavra
que traduz,
Aceren do nome Aracaty, por exemplo, diz o
Coronel João Brigido à pag. 21 da Pecista do In-
sfituto, do ho trimestre e 20º deste ano; Aracaty
ou ÁAravatn, estas paliúvras dão perfeitu idea de uma
região que impressionavi pel clividadoe e mansidão
de suas aguas, na cmbocadura do Jaguaribe. Ara
-eluro, catu bonançoso, Aracatuy ou Aracal'x por
sinalepha, quer dizer -Apguas claras e Dbonançosas.
U Dr. José Pompeu na sum Corographia da Pro
etncit do Cedrd, pas. 200, diz copiado o Senador
Pompeu, à pag. 53 do Lusaio Estatístico da Provincia
do Ceará. que Aracaty foi assim chamado pelos Po
tiguares e significa cento do norte, que alli sopra, al-
gumas veges mudando de rumoç uma espacio de
Siráco, bastante prejudicial à salubridade.
O Dr Paulino Nogueirv no sem Pocaladario in
digena em tesao neo Prontucio do Ceardo necremr di mes-
ma palaveso escreve Barba Abdo Pede branca
comprido qara elmo no logar Passagentdas Pedras;
Goncalves Dis Doni opportonidade; Von Man
tius bons ares.
iene estudioso à vistv destas diflerenças na
dificuldades de saber equal e a verdadeira traducção,
serà a de aguas claras « honançosas ? on à de vento
do norte? ou a de pedra branca comprida para
cima? ou a de bonança, opportunidade? ou à de
bons ares?
Si no que apanharim os primeiros escriptores,
notam-se tantas corrupções tratando se do principio
do povoamento do nosso Estado, que segurança deve
haver no que foi colhido mais de dois seculos depois?
A convivencia entre Petiguares e portuguêses,
tapuias e africamos não podia deixar de ter alte.
vade à lingua, que Toi mal estudada pelos primeiros
conquistadores, e só veiu despertar attenção o seu
estudo depois que o Marquês de Pombal, receioso
de que peli importancia que ia toinando na colonia
4 lingua tupi, viesse a ser prejudicada a português,
ordenou ao (ttovernador de Pernambuco, por Carta
Regia de 6 de Maio de 1758, que elevasse à cate-
govia de villas com os nomes de lugares da metro-
pole as Aldeias dos húios, c assim se fez nesta c
noutras capitanias,
O que mais me surprchende é que os documentos
escriptos no começo do seculo XVI, relativamente
à colonização do Ceará, conservem de alguns lugares
nomes mais afastados da origem do que os que tem
presentemente; por exemplo, Caraca, que por um
seto da Assembleia do Estado foi alterado para Aca-
ralne, e significa—rio dos acuras, seja mais correcto
que o primitivo, pelo qual [oi pedido por sesmaria
de 23 de Setembro de 1865, e se traduza perfeita-
mente do modo porque se escreve em nossos dias.
O nome de Jaguarnanhi com que o pediu o Pe
Domingos Ferreira Chaves, na data de 17 de Julho
de VUS, não € o verdadeiro, mas o de Aguanambi,
lintretanto convem notar que o Pe Chaves foi
durante muitos imnos enpitão de ordenanças nas
guerras contra os Fapuias, quando obteve com o
companheiro Sebastião Dias Freire, à data entre os
rios Choro e Pirangy, em 16 de Agosto de 1691 e
136

depois sargento-mor em 1695, quando pediu com


outros u data do Riacho do Figueiredo, em 22 de
Oitubro do mesmo anno, sendo neila o 2.º sesmeiro;
c ordenando-se por esse tempo sacerdote do habito
de 5. Pedro, foi nomeiwdlo quasi logo Missionario ge
ral das Missões de Norte. assistindo na fortaleza do
Ceará,
Ora, um homem de talento como era o Padre
Chaves, que viveu com os Índios por longos annos,
explicando-lhes a doutrina christan na propria ln-
gua, principalmente aos Petiguares, que eram da
nação tupi, de ITUO à 1Tig, epoca em que pediu u
mencionida data do Jaguarnambi, continuando ainda,
pois que veio a fallecer em 1749, como do testamento
que possão, por que razão pediu a data sob o nome
de Jaguurmimnbi quando o seu verdadeiro nome era
Aguunantbi?
Iguoruria elle a lingua na qual devia ser ver-
sado, sendo como foi nomeado Missionario geral de
todas as Missões do Norte?
De 1691, data da sua primeira sesmaria a 1718,
data em que pediu a de Jaguarnambi vão 27 annos,
e esse têémpo cri mais que sulliciente para um ho-
mem qualquer aprender à falar o tup', principal-
mente o Padre que vivou exclusivamente occupado
em doutrinar Indios.
Os trabalhos que se fizeram relitivamente à
linguas americanas foram publicados depois do
meado «do seculo XIX. pelo que é muito razoavel a
censura do erudito Dr. Baptista Cactano a Von Mar-
tius, |. Liais e outros muitos, que deconpócm «pa
lucra a sen geito, incentan radicados eos colocam como
hem !hes peueee sent se importar SE ENSE drranjo era o
seguido it lingua indligene.
st 6 Eadre Chaves não conhecia à verdadeira
palavra tupi para a empregar em documento pu-
blico, outros, depois de I5t annos distantes da-
quelta epoca, en que já andava corrompida a lingua,
BT
com menos segurança, sem duvida, « deviam co-
nhecer,
Sei que muitas palavras indigenas se acham
pelo contacto com os tapuias, portuguêses c
afri-
Ciutos, como notou Baptista Caetano, corrompidis-
simas, não tendo mais quasi nada das primi
tivas;
entretanto, os etymologistas traduzem nas a contento,
e de modo até que satisfazem. Não há difficuldade
em as interpretar,
José de Alencar traduziu o nome Mecejana, —por
o que fez abandonar, ou o que foi logar ou occasi
ão de
abandonar, —quando muito positivamente o
Desem-
bargador Bernardo Coelho da (ama Casco, teve
or-
dem «do Governador de Pernambuco, Luis Diogo
Lobo da Silva, para que elevasse as Aldeias
fun-
dadas pelos Jesuitas à categoria de villas com
os
nomes de lugares du metropole, passando a
de Pau.
pina u se denominar Messejana, que se corro
mpeu
em Mecejana.
Já disse que nada sei de tupi, mas não sei por
que encontro certas traducções que a minha razão
rejeita talvez por falta de lundamento, e por isso
me basêo em Baptista Cactano, que mais do que
eu
se mostra contrariado com as traducções de
Von
Martins, Visconde de Porto Seguro, 5. Liais e Bar-
bosa Rodrigues,
Tudo isso para dizer que sempre me pareceu
que os primeiros portuguêses que escreveram
sobre
o Ceara, deviam ter mais perfeito conhecimento
dos
legilimos nomes indigenas, dados aos diversos lu-
saves desta zona, amas à vista da leitura
que fiz do
artigo de Vo Sa, que aliás reputo de inmmen
so valor
seientífico, ainda [iquei mais descrente, porque
me
tez concluir que eltes estavimm foros viciados, e que
os mais correctos são os que se foram alterando
e
esto escriptos da forma que se vêem presentemente,
Queira V. 5." desculpar me si com estas pala-
vras o contrariei, devido talvez a minha ignorancia,
138

nuas eu apenas aqui faço um ligeiro reparo À nm


periodo do artigo de Vo Ss e explico os motivos
por que de eitava os nomes que se encontriim nos mais
mitigos documentos sobre à origem do Ceara.

Com toda a estima sou de V. Sa

servo humilde e admirador

Antonio ibeserra.
Origem do nome Coari

Do exune que fiz no Mappa da expedição do


capitio-mór Pero Coelho de souza, ao Ceará em
1603, appenso ao livro Razão do Estado, que o Ba-
rão de Studart me fez o obsequio de mostrar, julgo
ter achado à verdadeira origem do nome Ceará.
Entre à ponta de 5. Bartholomeu, sem duvida,
a ponta do Mocuripe, c o rio Virangi, hoje Ceará,
lé-se a palavra Sizra, que deve corrosponder per
icitamente à um lugar com este nome habitado na-
quelle tempo por Índios.
Esse lugar faz suppor os Arpoadores, pequeno
porto de jangadas e colebro ainda hoje pela abun-
dancia do pescado. Vica entre a cidade da Fortaleza
e orio Ceará,
Inquestionavelmente Siará é corruptela de Sizra,
que passou ao rio, e dalli a toda capitania,
Ignoro à traducção desta palavra em lingua ge-
"ul, mas acredito que os Tudios a pronunciavam mais
ou menos como esti escripla, e que os ilhéos a cor-
romperam a principio para Siara, c depois uns es-
creveram Siarã e outros Ciará ou Ceará.
E' logico que sendo assim chamado o aldeia-
mento, logo que se mudaram os Indios para a barra
do Rio Pirangi, levaram com suas mulheres e ba-
gugens o nome da Aldeia; pois que, por aquelle
tempo, se escrevia os Indios de Paravasú, de Tam-
bepé, de Pindauná, de Pirary, etc., devendo-se tam-
140

bem dizer os Indios de sizra, e depois os Indios de


Siura.
Este nome, assim conhecido no nosso territorio
desde 1603, passou ao rio Ceará-mirim do Rio-firande,
que no tempo de Gabriel Soares cra chamado Ba-
quipe pelos Indios, é pelos portuguóses Rio pequeno.
No mappa altribuido à Pero Coelho dá-se-lhe o nome
de Comaputú-merim, o que quer dizer que ainda
em 1605 não tinha o que tem hoje € que lhe foi
daqui trmisinittido depois.
Nus cartas dos Ioliudeses, que se assenhoria-
ram dest capitania, lose que os Indios Petiguures
viviam em constantes viazeus da Parahvbi e Rio-
Grande paro aqui ie daqui para aquelles pontos; e
numa de Hendrik Vim Jum, datada de 19 de
Abril de 1658, 35 amos depois, diz elle à par. 17
da feoista do Instituto publicada em Inttj: Não são
poucos es Indios que chegam da Parahvba e Rio-
urande, que fazent esta viagem para levar ambar
seis; e amais culiante: Pode-se levar daqui uns cem
ou tresentos Índios para reforçar as Aldeias do Bio.
Grande; de onde se conelue que nesse tempo o Siara
fornecia Innios para a defesa daquela Citpitania, que
solfrem terribilissima guerra dos indigenas por mais
de um seculo, cm principio no littoral é depois no
interior,
As estreitas relações dos Indios da Aldeia Sizra,
por corrupção Siara, com os seus irmãos residentes
no Comaputúamerim, influiram para que fosse aceita
aquella denominação, em consequencia de ser este
novo local nruis importante, não só pelo ajuntamento
dos que vinham batidos do RioGrande, como pela
conmmunicação dos brancos; principalmente pelos
ensinamentos e conselhos dos Padres,
Ao passo que do nome Seara tratam os primnei-
ros documentos, que se referem ao inicio da colo.
nização do nosso territorio, notoriamente a carta do
“ulre Luis Wigueira, datada de 26 de Março de 1608,
que aqui sc demorou por doente, na volta da Ibia-
E
paba, onde o vem buscar o Padre (Gaspar Sampére,
em um barco de Jeronimo de Albuquerque, como
se lê à pagina 162 «da Jornada do Maranhão, o de
Ceará-mirim era ainda conhecido por Comaputiú-
mirim no alludido Mappa de Pero Coelho, a que os
portuguêses chamavam Rio pequeno, e porque se
considerava esse rio pequeno, differençou-se do nosso
tomando o diminutivo de mirim que já tinha.
Si não estou enganado foi Barleus (Van Baerle)
na obra Res Brasilie, publicada em 1647, quem pri.
meiro se oceupou de Ceará-mirim, dando lhe o nome
de Siara, e (ficorge Margrave, que publicou a Historia
Natural do Brasil cm 1648, chama Sirag-minor,
mais de 40 annos depois que Sizra se corrompeu em
Siará, como escreveram os primeiros historiadores,
e se lêem nos actos do governo de Portugal e dos
governadores do Brasil e de Pernambuco, de 1614
em diante.
Eu andei aproximadamente da origem desse
nome quando attribuindo à côo ou sÔu e ara a com-
posição da palavra Cear em lingua indigena, disse
no meu artigo O nome Ceará, publicado na Hevista
da Academia Cearense do anno passado, à pagina
129, em vista dos diversos autores que escreviam
Siarã e Ceara, que « primeira destas formas estava
mais proxima das origens; pela razão de presentir
que Siura devia ser mais correcto, c Sinrá se apro-
xima mais, sem duvida, do nome Sizra de onde vcio.
Decidam agora os mais competentes.

Barro Vermelho, 1.º de Novembro de 1902.


NOTAS E CORREÇÕES
Notas e correções

Em consequência das minhas muitas ocupações,


escaparam à revisão algumas incorreções, das quais
emendarei us mais graves, e u respeito de outros
pontos desenvolverei o assunto,
Pag. 1.4, LINHA 5
selvageria Lêa-se: selvajaria
Pag. 3, 1. 36
a rês a alimentar-se lêôa-se: a rês a se alí-
mentar
Pac. It, L. 28
para onde o leva o seu [êa-se: pâra onde o leva
humôr o seu bom humôr
Pag. 15,14. 9
ama contudo o cearense [Lea-se: ama a sua fa-
a sua familia, lhe consa- milia e consagri-lhe a-
era affeição feição
Pag. 19, L. 37
Temos convieção de que 0 povo cearense tem no
sangue umea parte do sangue de cigano,
Volto ainda à êste ponto reforçando o que eu
disse nas páginas anteriôres.
De umi carta do Sur. Henrique Domingues Sim-
dets, em resposta a outra que lhe dirigi, soube que
o cigano, João Felise de Mattos, muis conhecido por
Mangueira, que por aquélie senhór fôra entregue à
cadeia da capital, pelo assassínio de João de Gois,
146

no sítio Jardim, do município de Paracurú, era eu


sudo com uma cearenso,
Ao Dro Arthur de Miranda Castro, devo a de.
Headéza de me envio auto do casamento daquélle
cigano com a Saura Do Rita Maria de Oliveira; ca
sumento que se realizou no dia 27 de Junho do
anno de 1900, no lug Buscbio, do termo da vila
do Aquirtz, em qusa do cidadão Antônio Ottoni
Correia de Sa, perante o Juiz Substituto e dos ca
stmentos, Augusto Dias Martins, e as testenmunhas
Francisco Ihiapina Rodrigues de Oliveira, Manue!
Correia de Sã, Tristão Fio de Sã c António (Ntoni
Correia doe sã,
Conheci pessoalmente a ciganinha Eanilia, de
atractiva belleza, que dansiavao com graciã de em
levar olhos. Elk trazia sempre uns macacos (cebus
cerrhifer), de que tirava sum subsistencia fazendo os
dinsitr € executir outras habilidades.
Passiuido no municipio do Paracuri, o Sar. Jo
quim Moreira, filho de Jojo Moreira, morador em
Lagoinha, viua é tão loucamente por ela se apai
xononw que wu despeito da oposição dos parentes e
conselhos de amigos, realizou sempre o casumento.
A última vez que a vi, ia el passando uma tarde
em Barro Vermelho, ao por do sol; estava um tanto
desfeita, e trazia uma menina de cinco a seis amos,
que me disse era filha legitima.
Este casal é muilissimo conhecido das familias
le Soure e de Paracuri.
Informam-me parentes e pessoas di maior es
tina, que assistiram, em [NOT na matriz da villa
de Soure, à ceremonia do casamento da cigana Cao.
tina com tum italiano, que vesidia no município, e
vívia de fazér tachos e de os vender, Fora cele-
brante o Rvm. Vigário Pe Irineu Pinheiro Bezerra
te Meneses.
Trago este caso, porque vai de encontro ao pen-
sur do Dr. toãio de Deus Viima, que entendia à
raça cigana não se confundia com outra Vaçãa,
147

Nas minhas viagens ao interior de Estado. de


1889 À 1902, visitando em Assaré uns acinpamentos
de ciganos, live ocasião de verificar que entre os
grupos, lá estavam algumas mulheres cearenses, o que
se reconhecia logosem sêr preciso adivinhar, péla di-
forença do tipo. As ciganas que por aqui aparecem
são em gerul de notável formosura, mas a falta de
asseio torna-as desgraciosas,
Não atirmo, mas quasi tenho à certéza de que
em Lavras, no Crato, ou em Assaré, onde me en
contrei com ciganos, um dos grupos era capitnicado
por um cearense, que segundo se dizia havia sido
roubado por êlles em criança de uma das localidades
do interiôr, e este sendo educado nos mesmos cos:
tumes, não era menos apto nem menos destro no
ofício.
Conheço a Circular do Presidente João Carlos
Angusto, de 28 de Janeiro de 1804, que não é di.
rigida a ciganos, mas aos naturais, da qual se ve
que não cram menos viciados e vagabundos,
A eircnlar é concebida nestes termos :. Por-
quanto para obstar à excessiva devassidão que te:
nho observado nesta capitania, e pôr termo au illi-
mitada Dberdade com que certa classe de gente
professando um escandaloso despreso para as sagra
das e respeitaveis Leis de 5. A. R.o Principe Nosso
Soberano, adoptam uma vida errante e vagabunda,
tornando se pelo osio a que se entregam, não só
inuteis mas até ruinosas a sociedade pela desorga
uisação e mau exemplo, que nesta introduzem, e lhe
tem parecido justo ec necessario para segundar as
paternaes e inimitaveis vistas do mesmo senhor, cete.,
ete., o resto desta extensa cireular trata de provi
dências pãra corrigir c punir os transgressôres,
Ora, o que 16 esta circular fica plenamente con
vencido de que o retrato do cigano ou descendente
de cigano não pode sêr mais perfeito.
Um cearenseé aquillo mesmo, mais aperfeiçondo
148

porém, porque tem hoje a grande lição das velha


cadas da educação do nosso tempo,
Mais de vagar espero demonstrar com docu-
mentos oficiais e da maior valia a inteiréza da mi-
nha opinião, muito embora contra o pensar de al
guns,
Pao. 22.1, 1
Em lugar de gíulio Lênse: súdio
Pao, 22, 1. 20
toi engajado lê se: foi contratado
Paa. 27,1, 27
que o fuzilasstm Bên-so rc que o espingar
deassem
Pag. 43,1, 4
Tôdo o munidg sabe que a colónia italiana trouxe
e continua a trazêr parvo Brasil os mais finos €
civilizados gatunos da Europa, os narcotizaderes, etc,
etc. Sôbre êste assunto é razão que declaremos
também tem vindo muita gente bõoa, homens de le.
tras, artistas eméritos, industriais inteligentes e ope-
rários de tôdos os ofícios, que têm prestado os me.
lhores serviços aa pais,
Pa. dB, Ly
bles têm encontrado por tóda a parte muito
serviço ingrato, mais do que aqui é que não.
Deserevendo o que sofrem os nossos patrícios
nos seringais do Amazonas, pareceri a muita gente
que temos exagerado; pois bem, passamos para aqui,
como prova do qué dissemos, o artigo da Tribuna,
do Rio, que se refere à publicação, no Jornal do
Commercio, do ilustre sur. Euclides Cunha, o ele-
santo autôr do preciosissimo livro os Sertões, sôbre
o martírio dos homens que se contratam pãra a ex-
tração da borracha,
O artigo É o que se segue:
« O illustre Snr. Euclides Cunha descreveu hon
149

tem no Jornal do (Commercio na sua prosa litteraria


tão poderosa ce empolgante, o martytio «los pobres
homens que se contractam na Amazonia para n ex:
tracção da borracha. Não ha quem tenha ido ao cx-
tremo norte que nião sec emocione com a sorte desses
miseros, que, fugindo di fome no Ceará e no Rio
tirande do Norte, se vão cseravisar nos seringaes
amazonenses, sem que à piedade do governo tenha
descicdo sobre eles, a adliviar lhes o infortúnio pela
repressão desses infiumes contractos, unilaterdes, na
vija expressão de [Euclides Cunha,
O martyreio dos desgraçuulos seringueiros, desde
o seu embarque na Vortaloza, mettidos a granel a
bordo, numa promiscuidade indecente, nunt espaço
em que mal se poderia mexer a terça parte dessa
leva de vetirantes, até o cpilogo fatal pela infecção
palustro, no Tim de annos de um trabalho pavoroso,
na solidão daqnellas mattas Lerriveis, crulivididos,
muitas vezes perseguidos, sem os filhos que as fe-
bres amutaram, cur nostalgia sempre do seu sertão
natal já Toi o sssumpto de uni Dello romance, in.
felizmente desconhecido aqui, o Parocrea, de Rodo).
pho Theophilo. Ninguem pensom no Amazonas onde
essa obra foi lida, en remediar a trágica situação
descripta pelo notavel escriptor cearense. O espi-
rito estava naturalmente embotado pelv visão con
tinua dessas desgraças e habituarise a cllas, como
a um phenomeno incvitavel, como ano condição im-
prescindivel de exito mv exploração dos seringues,
O utigo de Euclides Conliv vem dar nova actua-
lidade ao problem de trabalho nessas longinquas
regiões e incitar todos os hometes de consciencia a
appellar para os poderes publicos, lederies c esta.
doaes, no sentido de humanisaremo de accordo com
a cultura brasileira, a vida desses martyres obscuros,
O que ahi existe é uma ignobil servidão. Si à
exploração usuraria do trabalho do seringuciro, obri-
gado a aviarse no armazem do patrão de todos
os generos necessarios a vida, pelos preços que o
150

vendedor quizer marcar, juntarmos o direito que


em certas pariugena este se arrogan de fazer justica,
teremos estabelecido, consagrado à mais vergonhosa
das servidões, contra q qual é um dever de jus
ça e civilisação oppor as mais energieas barreiras,
Do governo federal deve partir o exemplo dessa
obra hemfazeja, visto quo exerec a jurisdieção com
pleta ce cespecialo na amplitude dos seus poderes, no
territorio do Aereo Aa novas prefeitaras podem re
gabar perfeitamente o Tocação de serviços, dando
dos contractos piutídos por tum fvpo com, forma
habito que e de direito, de modo à garantio pa
trõos e fregueges e ponpando o Brasil à vergonha
de apresenta fóra da lei, essa instituição “e uma
verdadeira gleba deshiumana e monstruosa.
São esses desgraçados, que nos milhares catrn
mm com os sets corpos vencidos à terra doseaa
resiões espantosa: os factores da riqueza que a
União hoje explora,
Sejamoshos pratos, digniticando-lhes o esforço,
desopprimindo os da escravidão que os degradaços
rob e às vezes os assassina, Dem hajio eseriptar
que demo grito de alamma e chamon para esse do
teto mais do que a misericordia dos homens ain
declimavel justiça do governo,
O Sure fínedidos Cunha acaba de chegar
do in.
teriôr do Amazonas, onde examinou e vin bem o
estado testimável dos nossos patrícios ao serviço
dos desnataridos seringueiros, e recorre
por meio
da imprensr ao Govêmo Federal pedindo que Taça
ctssar eqtunto antes aquella ignobil servidão.
Agradecemos de coração ao distinto homem doe
lêtras o enridóso ampenho com que tem procurado
melhor as condiç
ar ões de vida dos miseras eenrensos,
ne são a minoria dos emigrantes sujeitos
à rapa.
etdade de tais saltesdôres; mas S, Sa pregomn
no
deserto; revelanito apenas a grandeza de
sua Uma,
ereudo se condoi dos sofrimentos dessa gente des.
avaçada, que vai ao valle do Amazonas buscar à
151

morte cm vêg da sonhiud riquêza que arrasta tó-


dos a deixarem a terriu do berço,
Mil graços covalheiro!
O govérmmo desty República não perde tempo em
pensar que o póve valha alguma coisa, nem que
tenha direito à minima atenção.
Acreditar em seriedade nos tempos que cor-
rem! Risum teneatis,..
Lino futuro, quando os homens que nos go.
vermun se compenetraren da respeitabilidade do
cargo, e sentarem reprimir os desmandos e abusos
dos seus intimos. que é de onde parte à anulação
da sum vontade por força de exigências feitas com
carinho e humilhação, para atendêr exclusivamente
às necessidades da pátria, que são inúmeras, então
e pôvo fruirá das regalias a que tem direito, e os
seringueiros não serão capazes de trazêr os pobres
cearenses cativos e espolindos.
Antes, porém, dessa época tem a República, ou
antes os donos da República, muita estultícia que co-
metéro muita fatuidado que praticar, muita miscria
que subserevêrce tudo em nome da lei que aguenta
tudo com a mesma elasticidade da borracha; e o
póvoço povo soberano, por muita condescendência
tera de sofrêr privações, pagar pesados impostos e
apanhar calado. .
| não é muito sêr isto assim, porque inda peor
podia acontecer.
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ordenamos-lhes Lea-se: ordenamo-lhes
Pac. 72, 1. 30
«Perseverança e Porviro.
Na sessão magna dessa associação, a 8 de De.
gembro de 1880, no palacête da Assembleia, quando
fundom a Cearense Libertadoraç e me designou seu
2.º secretário, ofertei cu aos moços della os versos
seguintes:
159

AIVAY! AWAY!
Byron.

Moços, uma grande ideia


vos anima os corações.
quereis ocrguêr no futuro
o mais bheilo dos padrões!
sim, quê vos sobra energia,
e tendes m'alma a magia.
quo gerh as revoluções;
sia turba não vos entende...
dos moços é que dependa
n destinp das nações.

sois poucos. mas resolutos.


cheios de crença e valôr,
são nobres vossos esforços,
e muito mais vosso amôór:
amor à éausa sublime
daqueilos a quem oprime
o estigma da escravidão,
a quem gó coube por sorte.
mizória e dór--té que a morte
os livre À degradação.

avante. gois, que este século


é o século do grando ação,
repugna À luz do progresso
à ideia dá escravidão:
bem firmes no vosso pósto
oh! nunca volteis o rôsto
aos inimigos da luz,
si vos é dura à provança,
tendo no eén contlanç:
que ca goória ao fm vos conduz,

A veia do tantas glórias


que nos vin livres nascêr,
eihora Hrombarguem a marcha,
não pódo escravos contêr:
é tompo quo a liberdade
aos brados da mocidade
erga os brios da nação,
que igualados os diroitos,
batidos vs preconceitos
sêja o escravo um cidadãy

Bia, moços, atónita


vos contompla a multidão.
vinde aqui lançar as bases
da mais santa instituição:
cheios de nobre coragem
tloixais na vossa passagem
um sulco imenso de luz.
luz que derrama victórias
quilustra inda mais as glórias
da terra da santa Cruz.

Seja-vos, pois, a constância


companheira de tabór,
não tema duros trabalhos
quem sabe lutar com ardor:
avante U que a vossa ideia
rosume a grande epopeia
que há de um póvo remir,
pois. já com té verdadeira
gravais om vossa bandeira
--Persevorança o Porvir.—

sendo o primeiro acto da sociedade Cearense


Libertadôra a venda em leilão de prendas agencia:
das por diversas comissões de senhóras e cavalhei
ros, no dia 31 do mesmo mês de Dezembro de ESSO,
no Passeio Público, pára com o producto serem liber-
tudos os cativos; e tendo sido extraordinário o cs
fôrço que empregaram as senhóras, cujo poderôso
influxo mtito concorreu pára a mais breve realiza
ção do grande feito, dirigi lhes naquelhv ocasião ox
versos seguintes:

Suis vós que alegrais a vida


voiuy um riso de animação,
14
que dais impulso às grandêzaa
nas festas do coração:
—arcanjos da caridade!
sempro o amor, à liberdade
vos foram extremo c comiião,
“ pélo âmórgue engrandece,
da terra a dor despareco
ao toque de vossa mão.

Sois vós us anjos mimosos


que Deus na terra deixou,
qu'extingucm tôdos os males
que o mal aos homens causou;
o amór, a glória, O sorriso,
sem vus- té o paraiso
tem o tédio da soidão,
sois vos, senhôras, o encanto,
alma do estímulo, uv tim santo
de tôda 4 nossa ambição.

Onde surgis—a alegria


dá vida ao ermo lugar,
cessam queixumoes d'aflictos
quo lh'os buscais mitigar;
o com aueio dos solrimentos
ondo mais uivant tornuntos
“ que vos mais distinguis,
quem diz mulher, diz piedade,
diz amor À liberado
quo ao solo colho u infeliz.

Désde o principio da terra


que vos ergueis pólo ardor.
as mais brilhantes conquistas
são lilhas do vosso amor:
não há na vida impossivel
quo com fimêza indizivol
não vença 0 vosso querer:
consiste, pois, vossa glória
em nos ganhar a victoria
nas lágrimas « no prazér.
155

Motivo é de esperanças
a vossa presença aqui,
pois onde paira a virtude
& liberdade sorri;
ainda com sacrifícios
são grandes os benefícios,
qu'espande a vossa missão,
por isso é jnsto que agora
bradeis conósco nest'hora
— Abaixo com a escravidão —

PAG. 77, L. 32.


lhe ha de servir Lêa-se: ha de lhe servir

PAG. 105, L. 5.
pâra contê-las ou antes Lêa-se: pára os contêr
pãra extermina-lo ou pára os exterminar
PAG. 108, L. 24.
quê sê ficava vêndo Léa-se: que se ficava
vendo

NE o
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Universidade Federal do Ceará - UFC
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ANTÔNIO BEZERRA DE MENEZES -
Nasceu em Quixeramobim, a 16 de fe-.
vereiro de 1841. Abolicionista, jorna-
lista, cronista, estudioso das ciências na-'
turais, historiador e poeta. Pertenceu a
Padaria Espiritual, ao Centro Literário,
ao Instituto do Ceará e a Academia de
Letras.

OBRAS: Sonhos de Moço, Três Liras,


tendo sua parte o título Lampejos
(1883), Maranguape -Notas de Viagem
(1885), Notas de Viagem ao Norte do
Ceará (1889), O Ceará e os Cearenses
(1906), Algumas Origens do Ceará
(1918). Faleceu em Fortaleza, no dia
28 de agosto de 1921.

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