Claus Roxin (Tradução de Luís Greco) - Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal (2000)
Claus Roxin (Tradução de Luís Greco) - Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal (2000)
Claus Roxin (Tradução de Luís Greco) - Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal (2000)
'
Política Criminal e
Sistema Jurídico-Penal
Tradução:
Luís Greco
RENOVAR
Aio de Janeiro São Pouio
2000
Todos os direitos reservados i
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MATRIZ: Rua da Assembléia, 10/2.421 - Centro - RJ
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Nota do tradutor
Collselho Editurial
L-'
lL',\ , 5% Arnaldo Lopes Sussekind - Presidente
Carlos Alberto Menezes Direito
P n -f Caio Tácito
Quando, em 1970, este pequeno trabalho foi
8%
-1- Luiz Emygdio F da Rosa Jr
Celso de Albuquerque Mello
publicado na Alemanha, dificilmente alguém
poderia imaginar o papel que lhe caberia de-
_a&- : Ricardo Pereira Lira
Ricardo Lobo Torres
Vicente de Paulo Barretto
sempenhar na evolução da ciência do direito
i-r"3fT .L, Revisüo Tipográfica penal. E, por ocasião do seu aniversário de 30
1 "S.
Andreia Amara1 do Espínto Santo 1
Luciene Rocha Seixas
anos, resolveu-se presentear o público de língua
i portuguesa, especialmente o brasileiro, com
CU/JU
Simone Villas Boas uma tradução desta obra fundamental.
O Editoraçüo Elerr8nica Tão sucinto quanto fecundo, este estudo mar-
TopTextos Ediçóes Gráficas Ltda.
ca o início de uma nova época na dogmática
jurídico-penal moderna: a época do sistema fun-
cionalista, ou teleológico-racional, da teoria do
"i - -4
- CIP-Brasil Catalogação-na-fonte
delito. Foi proposto um novo sistema, fundado
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ sobre uma diferente concepção d e direito e Es-
Roxin, Claus
tado, bem como da relação entre direito penal
R887p Política cnminal e sistema jurídico-penal / Claus Roxin, tra- e política criminal; e esta proposta foi aceita por
dução. Luís Greco - Rio de Janeiro Renovar, 2000 i?,
um talentos0 grupo da nova geração de penalis-
118p , 21cm.
1
i3 tas1, dando valiosos frutos, entre os quais pode-
I ISBN 85-7 147-177-0
sa
é~
1. Título penal -Alemanha. I. Título. mos apontar a teoria da imputação objetiva.
CDD-345.43 .
8
3
3
Proibida a reprodução (Lei 5.988173)
Impresso no Brasil i Longe de querer ser exaustivo, podem ser apontados
Printed in Brazil
Advirto o leitor, porém, de que as opiniões ceira edição, havendo tradução espanhola da
aqui expostas foram desenvolvidas e, em alguns segunda.
pontos, modificadas pelo autor, apesar de as li- Fiz um esforço consciente no sentido de man-
nhas mestr;; se manterem as mesmas. Para o ter absoluta fidelidade ao texto original. Nos
casos de palavras de correspondência duvidosa
pensamento atual de Roxin, recorra o leitor ao
tratado, cujo primeiro volume já alcançou a ter- em língua portuguesa, consignei o termo ori-
ginal entre parênteses ou numa nota de roda-
pé. As notas do tradutor são identificadas por
como defensores desta concepção sistemática, n a Alema- (N. do T.). As demais notas limitam-se a escla-
nha, Hans ACHENBACH, Individuelle Zurechnung, Verant- I
recer referências ou expressões com que o leitor
wortlichkeit, Schuld, em: Schünemann (ed.) , Grundfragen brasileiro não esteja familiarizado.
des modernen Strafrechtssystems, DeGruyter, Berlin/New
York, 1984; f i u t AMELUNG, Zur Kritik des km'minalpoli- 1 Por fim, agradeço ao prof. Claus Roxin, pela
I
tischen Strafrechtssystems von Roxin, em: Grundfragen; Wolf- confiança em mim depositada; a meu pai, prof.
gang FRISCH, Vorsatz und Risiko, Heymanns, Koln/Ber- i Leonardo Greco, que teve o cuidado de revisar
lin/Bonn/München, 1983; Hans-Ludwig GÜNTHER, a tradução; a Fernando Gama, Roberto Vascon-
em: Systematisclzer Kommentar zum Strafgesetzbuch, 7Qdiçã0,
cellos e Cláudia Cruz, meus grandes amigos, que
Luchterhand, Berlin, 1997; Günther JAKOBS, Strafrecht
- Allgemeiner Teil, ZQdição, DeGruyter, Berlin/New igualmente me ajudaram na revisão; e a Eliel
York, 1993; Harro OTTO, Grundkurs StraJTecht, 5Qdiçã0,
i Corrêa Marques Filho, cujos préstimos me foram
DeGruyter, Berlin/New York, 1996; Hans-Joachim RU- i d e grande valia.
DOLPHI, em: Systematischer Kommentarzum Strafgesetzbuclz, I
7%dição, Luchterhand, Berlin, 1997; Bernd SCHUNE-
MANN, Die deutschspraclzige StraJi-eclztswissenschaftnach der
Luís Greco
Strafreclttsreform i m Spiegel des Leipziger und des Wiener Kom-
mentars, em GA (1985), pp. 341 e ss.;JURGEN WOLTER,
Objektive und personale Zurechnung von Verhalten, Gefahr und
Verletzung in einem funktionalen Straftatsystem, Duncker &
Humblot, Berlin, 1981; fora dela, Diego-Manuel LUZÓN
PENA, Curso de derecho penal, I, Editorial Universitas, Ma-
drid, 1996; Margarita MARTINEZ ESCAMILLA, La impu-
tacion objetiva de1 resultado, Edersa, Madrid, 1992; Santiago
MIR PUIG, EZ derecho penal en e1 estado social y democrático !
de derecho, Ariel, Barcelona, 1994;Jorge de FIGUEIREDO 45
DIAS, Questões Fundamentais de Direito Penal Revisitadas, 1
RT, São Paulo, 1999. 3
B
Abreviaturas
41
diferença fundamental entre delitos de ação e outro lugar de maneira bastante pormenoriza-
de dever, e a distinta estrutura de seus tipos das4,e retenho-me de dar mais explicações. Que
naturalmente dará à teoria da participação uma perspectiva sistemática como a aqui propos-
orientações diversas. Nos delitos de ação, é autor ta é frutífera, parece-me já estar suficientemente
aquele que domina a ação típica; aqui é decisivo provado75.
o domínio do fato. Nos delitos de dever, pelo Mas a sua produtividade para a teoria do tipo
contrário, pratica uma ação típica somente, mas não se esgotou de maneira alguma. Assim, por
sempre, aquele que viola o dever extrapenal, ex., o posicionamento do dolo no tipo decorre
sem que o domínio sobre o acontecimento ex- já da exigência garantística da determinação:
terior se revista da menor importância. O admi- ações e violações de dever não se deixam des-
nistrador do patrimônio que contribui de ma- crever como um mero acontecer causal. Somen-
neira mínima à dissipação do patrimônio que te o dolo dá limites claros a um fato7fi!se ele for
lhe foi confiado é sempre autor de infidelida- perdido de vista, como o fez o chamado sistema
" clássico" sob a influência ainda hoje presente
des3, enquanto o extraneus que possua talvez so-
zinho o acontecimento externo em suas mãos do naturalismo, gerar-se-ão extensões problemá-
é, apesar de seu domínio do fato, somente par- ticas de punibilidade. Foi isto o que ocorreu na
tícipe. A partir destes fundamentos pode-se de-
senvolver até seus detalhes, com grande exati-
74. Ein meu livro sobre iatersclzaft und iàtl~errscl~aft
(Au-
dão, um sistema da autoria bipartido entre de- toria e domínio do fato), 1V2- edição, 1963/67.
litos de domínio e de dever. Tentei fazê-lo em 75. A distinção que fiz entre delitos de domínio e de dever
na teoria da participação é cada vez mais reconhecida
pela doutrina; expressamente neste sentido, SCHONE-
doloso antijurídico. (2) ..." (N. do T.)] da 2"ei de Re- SCHRODER, Kommenlar, l5"dição, 1970, co~nentário
forma: quern determina outrem à prática de um fato prévio ao S 47, n"; S 266, 11"l; WESSELS, Strafrecht,
criinirioso, na suposição errônea de que o determinado AZlg. TeiZ, 1970, S 11 11, 2, p, 87/88. Coin conclusão
agirá com dolo, não pode ser punido nem como autor, idêntica também SCHMIDHAUSER, AZZgemeiner TeiZ,
nern corno partícipe, apesar de que, pela teoria subjetiva, 1970, p. 425, que porérn considera os delitos de dever
ele teria de ser responsabilizado, sem neiihu~nadúvida, como crimes ornissivos, por causa da posição de garanti-
pelo iriduzimento, tendo ern vista que possui o "ânimo dor do obrigado, consideração a partir da qual ele chega
de partícipe" . à autoria.
76. Veja-se quanto a isso meu estudo em ZStW, vol. 80,
73. (N. do T.) Veja-se a nota 60 e o texto do autor, a que
ela se refere. 1968, p. 716.
teoria da participação, onde sempre se conside- atenda ao princípio da determinação através de
rou qualquer " causalidade" objetivamente sufi- uma tipologia e sistematização dos deveres de
ciente para fundamentar a autoria, com a con- cuidado que preenchem a norma formulada em
seqüência de que os mais distantes atos prepa- branco, como comumente ocorre nos delitos de
ratórios poderiam receber a pena do tipo se dever. O trabalho dogmático permanece ainda
praticados com vontade de autor; a tendência em seus inícios. Pois a tradicional redução do
ao direito penal de ânimo (Gesinnungstraf- tipo a uma causalidade, compreendida esta no
recht) é indisfarçável, como qualquer análise da sentido da teoria da equivalência dos anteceden-
jurisprudência o demonstra". A concepção de tes, criou em primeiro lugar uma esfera de res-
sistema aqui esbocada ensina-nos, por outro ponsabilidade sem fronteiras, que mesmo atra-
lado, na dogmática do delito negligente, que vés de elementos como a previsibilidade ou a
aqui não estamos na esfera dos delitos de ação, evitabilidade ainda não foram limitadas de modo
mas de deverTs.Em decorrência disso, só se po- aceitável do ponto de vista do Estado de Direito.
derá alcançar uma estruturação dos tipos que Ora, quase tudo é abstratamente previsível e evi-
tável. O âmbito daquilo que se é obrigado a
prever e a evitar sob a ameaça da pena é, na
verdade, muito menor e deve ser definido por
77. Compare-se niirilia YXterschaft unnd Yathm-sclzaft (Auto-
ria e domíiiio do fato), 2"dição, 196'7, p. 59'7 e s ~ .615
, deveres de comportamento determináveis. Ins-
e ss. titutos dogmáticos como o risco permitido ou o
7s. Aqui existe um problema, pois ern muitos delitos ne- princípio da confiança, que se desenvolveram
dioentes parece iiiexistir uina violação de dever pré-tí- fora das categorias sistemáticas, indicam o cami-
pico, como a apoiitada lios delitos dolosos de dever. Mas
isso tem a sua causa iião numa estrutura diferente da
nho necessário da tipificação dos deveres, cuja
rieçligência, e sirn rio seu irisuficieilte desenvolvi~nento construção dogmática é a única possibilidade de
dogmático. Se pretendemos ir adiante neste campo, será dar aos tipos de delitos negligentes uma estru-
necessário deserivolver, indeperideriteniente das conse- tura rígida tal qual a dos delitos dolosos.
qüências jurídicas decorrentes do resultado, os vários
Basta, por enquanto, das conseqüências dog-
deveres de comportamento especiais, sem cuja violação
estará excluída a imputação do resultado. A evolução do máticas de uma sistematização dos tipos orien-
direito peiial de trânsito o demonstra de maneira sufi- tada pelo princípio nullum-crimen. Acrescentem-
cienteniente clara. O desenvolvime~itomais detalhado se agora algumas indicações metodológicas,
desta coiicepção aqui esboçada fica reservado para outra orientadas por este princípio jurídico-político.
oportunidade.
As elementares dos tipos em sentido estrito - a saber, uma interpretação restritiva, que realize
79 <c
77
assim, conceitos como "prédio , alheia", " coi- a função de Magna Carta e a "natureza fragmen-
sa" etc. - são o domínio da definição e da tária" do direito penal, que mantenha íntegro
subsunção exata, que muitas vezes é vista como somente o campo de punibilidade indispensável
o único método utilizável em direito penal. para a proteção do bem jurídico. Para tanto, são
Quão pouco isto ocorre, ainda será demonstra- necessários princípios regulativos como a ade-
do: n a interpretação de elementares típicas de- quação socials0,introduzida por WELZEL, que
termináveis, porém, esse procedimento tem seu não é elementar do tipo, mas certamente um
lugar, pois a seqüência lógica de premissa, sub- auxílio de interpretação para restringir formu-
sunção e conclusio faz justiça ao princípio da de- lações literais que também abranjam comporta-
terminação da mais perfeita maneira possível. A mentos socialmente suportáveis. Aqui pertence
outra pergunta, quanto a como deve ser deter- igualmente o chamado princípio da insignificân-
minado o conteúdo do conceito de tipo, é mui- cias', que permite excluir logo de plano lesões
tas vezes respondida de modo impensado, no d e bagatela da maioria dos tipos: maus-tratos são
sentido de que cada elementar deva ser inter- uma lesão grave ao bem-estar corporal, e não
pretada teleologicamente, levando-se em consi- qualquer lesão; da mesma forma, é libidinosa
deração o bem jurídico protegido. Esta frase
banal trouxe sérias conseqüências. Uma análise
abrangente da evolução da jurisprudência pode- 80. Co~npare-se,dentre a vasta bibliografia, WELZEL, Das
Deutsche Strafrecht, 11" edição, 1969, p. 55 e ss., que fala
ria demonstrar que nossos tribunais, orientados acertadamente de um "princípio geral de interpretação"
para garantir, como quer o princípio, uma pro- (p. 58)-
teção tão abrangente e sem lacunas quanto pos- SI. Eu erigi este critério num princípio válido para a
sível, fizeram uma interpretação extensiva dos definição geral do injusto primeiramente em JUS 1964,
p. 373 e ss. (pp. 376/77). O pensamento é retomado e
tipos, que levou a um crescimento considerável desenvolvido, por ex., por BUSSE, Notigung im StraJen-
da criminalidade em vários delitos. Sob o ângulo verkehr (Coação no trânsito), 1968; BERZ, GA 1969, p.
do princípio nullum-crimen o oposto é o correto: 145 ss.; JUS 1969, p. 367 e ss.; TIEDEMANN, JUS 1970,
p. 112 (princípio da bagatela) e Juristische Analysen, 19'70,
p. 261. Ainda Altmativentwurf &nes Strafgesetzbuches, Be-
79.(N. do T.) Presente, por ex., em tipos como o furto sonderer E l , Straftaten gegen die Person (Projeto alternativo
qualificado, (9 243, n. I ) , dano a construções (§ 305), de Código Penal, Parte Especial, Crimes contra a Pessoa),
incêndio grave (§ 306, n. 2) e incêndio culposo (3 309). Erster Halbband, pp. 63/64.
no sentido do código penal só uma ação sexual ficação que a dinâmica das modificações sociais
de alguma relevâncias2;e só uma violenta lesão adentra na teoria do delito. O que é um seques-
à pretensão de respeito social será criminalmen- tro, uma violação de domicílio, ou uma lesão
te injuriosa. Por "violência" não se pode enten- corporal, permanece - abstraindo das modifi-
der uma agressão mínima, mas somente a de cações marginais no âmbito da adequação social
certa intensidade, assim como uma ameaça deve ou da insignificância - sempre idênticos4. Os
ser "sensível7783,para adentrar no marco da cri- tipos, enquanto não forem afastados de sua ta-
minalidade. Se reorganizássemos o instrumentá- refa por cláusulas geraisa,encontram-se nos li-
rio d e nossa interpretação dos tipos a partir des-
tes princípios, daríamos uma significativa con-
tribuição para diminuir a criminalidade em nos- 84. É claro que a linguagem também se modifica; mas
so país. suas mudanças de conteúdo ocorrem muito mais vaga-
rosamente que a evolução social.
8s. Cláusulas gerais e elementos normativos valorativos
têm a peculiaridade de fazer que os direitos de interven-
ção já tenham eficácia excludente de tipicidade. Daí se
explica que, em muitas descrições de delitos da parte
Se nos voltarmos agora para as causas de jus- especial - por ex., i10 furto e no estelionato - mal
sejam imagiiláveis causas de justificação: quem tem um
tificação, cuja função político-criminal foi há direito sobre uma coisa ou sobre urna vantagem patri-
pouco definida como a solução social de confli- monial, já não preenche o tipo subjetivo, porque lhe falta
tos, devemos, primeiramente, reconhecer que a a intenção de apropriar-se ou enriquecer-se antijuridica-
realidade empírica subjacente a esta categoria mente [O delito de furto (S 242) tinha, 2 época em que
do delito se diferencia sobremaneira da que fun- foi escrito o texto, como elemento subjetivo a "intenção
de apropriar-se ilicitamente", (modificado recentemen-
damenta os tipos. É através das causas de justi- te, veja-se nota 59), o de estelionato ainda mantém (S
263) " a intenção d e obter, para si ou para outrem, van-
tagem patrimonial ilícita7'. (N. do T.)]. Quem, acolhido
82. Assim, expressamente, o Projeto Alternativo, SS 125, pela legítima defesa, atira pedras em torno de si, sequer
127, 128; no vol. citado a nota 53, pp. 84, 86. preenche o tipo o objetivo do grosso abuso [O grosso
83. (N. do T.) O termo usado pela lei, no § 240, que defi- abuso (grobe Unfug), uma das antigas contravençóes
ne o delito equivalente ao nosso constrangimento ilegal (Übertretungen) retiradas do Código Penal nas recentes
(a Notigung), é " empfindlich" , sensível: ameaça de mal reformas, era uma construção com base no revogado S 360,
sensível (Drohung mit einem empfindlichen Übel) . Para do StGB. A jurisprudência considerava grosso abuso " a
o texto d o dispositivo, veja-se adiante, a nota 85. prática de uma ação grosseiramente impertinente, capaz
mites dos conceitos linguisticamente determiná-
veis. As razões, porém, pelas quais é permitido
de perturbar ou ameaçar a integridade externa da ordem sequestrar pessoas, invadir domicílios ou lesio-
pública, por ofender ou perturbar a generalidade ou a nar fisicamente a outros, modificam-se constan-
maioria indeterminada das pessoas" (apud SCHONKE- temente. Cada alteração na ordem jurídico-pe-
SCHRODER, Strafgesetzbuclz, 15"dição, Beck, Munchen,
1970, Fj 360, n. 46 e ss.) (N. do T.) .] etc. (compare-se,
na1 ou civil, cada revisão das leis de polícia, cada
quanto a isso, meu estudo em MSchrKrim 1961, p. 211 variação nas concepçóes acerca do direito de
e ss.). Também a elementar da "reprovabilidade" no § castigars6,da vacinação obrigatória, da esfera pri-
240, 2 [O referido dispositivo acrescenta ao tipo que
descreve a conduta do constrangimento (Notipng) a
exigência de que o ato seja "reprovável" (verwerflich):
''s 240. Constrangimento. (1) Quem, antijuridicarnente, cação não como tipos permissivos autônomos, mas como
parte integrante do tipo de delito. Como o dolo tem por
através de violência ou ameaça com um mal sensível,...
(2). O ato é antijurídico, quando a utilização da violência objeto o tipo objetivo, em caso de erro sobre os pressu-
ou a ameaça de um mal seja considerada reprovável em postos de uma causa de justificação, estaríamos diante
relação ao fim almejado." (N. do T.) .I, do StGB, com- de uni autêntico erro de tipo, excludente do dolo. Veja-
preende todas as causas de justificação dentro de si. se, por ex., Arthur KAUFMANN, Zur Lehre von den nega-
Quem constrange alguém justificado pela excludente de tiven Tatbestandsmer-kmalen (Sobre a teoria dos elementos
ilicitude, jamais age "reprovavelmente" no sentido deste negativos do tipo) e Tatbestand, Rechtfertzgung Irrtum
preceito (compare-se, quanto a isto, meu estudo em JUS (Tipo,justificação, erro), ambos na coletânea de estudos
1964, p. 373 e ss.). Porque neste e em muitos outros casos Schuld und Strafe (Culpabilidade e pena), 2' edição, Hey-
não se consegue "distribuir" de maneira nítida a norma mann, 1983, pp. 81-127.1, como se para ela os tipos per-
e o preceito permissivo ao tipo e ? antijuridicidade,
i acon- missivos fossem estruturalmente idênticos 5s normas
selha-se unir essas categorias, que tanto se entrelaçam, proibitivas - isso sem levar em conta "negatividade"
no conceito de um tipo total de injusto (corno eu já daqueles enquanto pressupostos do injusto.
sugerira em meu livro sobre Offene Tatbestande u n d Reclzts- 86. (N. do T.) É o controverso "Ziichtigungsrecht", di-
pJlichtsmerkmale (Tipos abertos e elementares de dever reito dos pais e professores de punir fisicamente os que
jurídico), 1959, apoiando-me em LANGHINRICHSEN, estão sob seus cuidados educacionais, que atuaria como
JR 1952, pp. 306-307, JZ 1953, p. 363). Mas isso nada causa de justificação em ações típicas como lesões cor-
modifica no fato de que a estrutura dos preceitos per- porais ou sequestro praticadas com fins educativos. En-
missivos, com que o texto agora se ocupa, seja distinta quanto o direito dos pais é aceito dentro de certos limites,
da das normas. Não se pode compreender a teoria dos já 115 tempos, desde uma decisão do Bundesgerichtshof
elementos negativos do tipo, que, notoriamente, teve sua (BGH) de 1976, que se tem negado uma tal faculdade
principal significação no tratamento da suposição errô- aos professores. A jurisprudência, de início, lhes reco-
nea dos pressupostos de justificação [A teoria dos ele- nhecia uma excludente de ilicitude oriunda do direito
mentos negativos do tipo considera as causas de justifi- costumeiro, o que, com a modificação dos costumes, foi
vada e dos direitos de protestar publicamente, o legislador enfrenta o problema da solução so-
criam ou eliminam causas de justificação. Este cial de conflitos, veremos que existe um número
processo ocorre não só através de modificações limitado de princípios ordenadores materiais,
na lei positiva, mas também por criação do di- que determina, nas mais diversas variações, o
reito costumeiro e jurisprudencial, encontrando conteúdo das causas de justificação. É o seu in-
expressão máxima no direito de castigar do pro- teragir no caso concreto que fixa o juízo sobre
fessor e n o estado de necessidade supralegal. A a utilidade ou lesividade, a licitude ou ilicitude
ordem jurídica como um todo contribui para a de um comportamentoYg.
formação desses direitos de intervenção, que Na legítima defesa, por ex., são os princípios
harmonizam a liberdade individual com a ne- da autodefesa e da proteção 5 ordem jurídica
cessidade socials7. que fundamentam a regulamentação legalg0.Isso
É a partir desta função político-criminal que significa: todos têm o direito de se defender
deve ser levada a cabo a sistematização da anti- contra agressões proibidas de forma que não
juridicidade. Sabe-se que a maioria das tentativas
até agora feitas não passaram de abstrações ex-
cessivamente formais ou classificações aleató- 8s. Indicando uma direção plausível, porém, STRATEN-
riass8. Se analisarmos os meios através dos quais WERTH, Prinzipien der Rechtfertipng (Princípios da justi-
ficação), em: ZStW, vol. 68, pp. 41-70.
89. O S 240, 2, d o StGB [Veja-se a nota 85. (N. do T.)],
que já em sua própria letra se refere imediatamente ao
se tornando cada vez mais questionável. A doutrina atual princípio da antijuridicidade material, foi objeto de um
é praticamente unânime no rechaço de um tal direito estudo meu em JUS 1964, p. 373 e ss., i10 qual tentei uma
aos professores. (Vejarn-se, a respeito, ROXIN, Straf- sistematização dos referidos princípios ordenadores; é
recht..., 17/32-42, especialmente 17/39-40; JESCHECK- nele que se baseia també~na proposta do 5 116 do Projeto
WEIGEND, Strafrecht.., S 35, 111, 1 e 2: "Um direito de Alternativo, do novo tipo de constrangimento ileual (Cri-
mes contra a pessoa, 1-etade a+
do 1 9 0 1 . ~19/0, pp.
castigar d o professor em face de seus alunos não subsiste
mais atualmente" ) . 62-67). Faço referência a este est~ldo,por ser ele um
87. Está claro que, desta perspectiva, o consentimento exemplo claro das teses que no texto, por motivos de
deve ser visto não como causa de justificação, mas como espaço, só podem ser exe~nplificadasfragmentariamente.
excludente de tipicidade. Este entendimento estabelece- 90. Uma aprofundada fundamentação metodológica des-
se cada vez mais, tanto entre finalistas, como não finalis- sa explicação e seu esclarecimento através de uma rica
tas: compare-se, assim, HIRSCH, ZStW, vol. 74, 1963, p. casuística encontra-se em meu est~idosobre Dieprovozierte
104 de um lado, e SCHMIDMUSER, Strafrecht, Allg. Teil, Notwelzrlage (A situação provocada de legítima defesa),
1970, p. 215, do outro. em: ZStW, vol. 75, 1963, p. 541 e ss.
sofram dano. Mas também quando houver a pos- ponderação de bens; pois o princípio da prote-
sibilidade de escapar da agressão, pode-se exer- ção da ordem jurídica não tem sentido na au-
cer a legítima defesa. O princípio da proteção sência de um agressor humano. O chamado es-
da ordem jurídica (isto é, a idéia de que o direito tado de necessidade supralegal compreende o
não precisa ceder diante do injusto) incide além princípio da ponderação de bens e da autono-
das necessidades de autoproteção, reprime o mia. Isto significa: em regra, justifica-se o salva-
princípio da ponderação de bens, que tantas mento do bem que na situação concreta se mos-
vezes tem importância fundamental nas causas trar mais valioso ou mais ameaçado. Com esse
de justificação. Autodefesa e proteção da ordem princípio, entretanto, cruza-se a garantia da au-
jurídica encontram a sua limitação conjunta so- tonomia da personalidade, que proíbe, por ex.,
mente no princípio da proporcionalidade, que, que alguém seja castrado para o bem da coleti-
atravessando a ordem jurídica como um todo, vidade ou que lhe seja extraído um rim contra
faz com que se negue a legítima defesa quando a sua vontade para fins de transplante.
houver total desproporção entre os bens jurídi- Aqui não é o local de testar as combinações
cos em conflito (isto é, nos conhecidos casos, de tais princípios uma a uma em todas as causas
em que a repulsa de um dano insignificante de justificação. Interessa-nos, agora, somente es-
causa lesões corporais graves etc.) . São, portan- clarecer a tarefa da sistemática no campo da
to, três os princípios sócio-reguladores, cujo en- antijuridicidade: ela consiste em construir, de
trecruzamento orientará a dogmática da legíti- maneira mais completa possível, partindo da
ma defesa; e ainda se vão demonstrar as conse- massa das causas de justificação, o catálogo dos
qüências disso para a interpretação. muito menos numerosos princípios de organi-
As outras causas de justificação também con- zação social e esclarecer as suas relações recí-
sistem de similares combinações de princípios: procas. A estruturação interna dos valores que
n o estado de necessidade defensivo (S 228, desta forma seria trazida à luz esclarecia muitas
BGBgl) ligam-se princípio da autodefesa e da questões que até agora têm sido tratadas de for-
ma contraditória nas diferentes causas de justi-
53
na sociedade, e que se extrai do 3 229 BGB" e
ficação, por causa da falta de pontos de vista
de muitos outros dispositivos, exige que antes
mais abrangen tes.
de recorrer à autotutela privada o indivíduo se
Assim é que é possível, por ex., retirar do 3
dirija à Justiça, de modo que a causação de gra-
81 do S~PO"e das leis sobre vacinação o conhe-
ves distúrbios do tráfego, ainda que em protesto
cimento de que o princípio da autonomia não
contra tarifas injustificadamente altas, não será
impede intervenções corporais não perigosas e
jamais justificada pelo estado de necessidade su-
sem conseqüências permanentes para a garantia
pralega195.
de bens jurídicos mais valiosos; mas então não
pode ser correto que o estado de necessidade
supralegal não autorize a retirada de sangue for-
çada para a salvação de uma vida humana, como 94. (N.do T.) "3 229. Autotutela (Selbsthilfe): Quem,
entende a opinião dominanteg3.Ou se o princí- com fim de autotutelar-se, subtrai, destrói ou danifica
pio da preferência dos meios de coação estatais, uma coisa, ou prende um obrigado suspeito de fuga, ou
elimina a resistência do obrigado em suportar uma ação
que é fundamental para a solução de conflitos que deve suportar, não age antijuridicamente, se não for
possível obter oportunamerite a ajuda da a~itoridade,e
se, à falta de imediata autodefesa, existir perigo de que
92. (N. do T.) O 3 81, do StPO, que é o diploma proces-
a realização da pretensão malogre ou se dificulte seria-
sual penal, prevê a internação do acusado em hospital
mente."
psiquiátrico para fim de possibilitar o perito a melhor
95. Quanto a este princípio: ROXIN, JUS 1964, pp.
elaborar seu laudo de sanidade mental. O S 81a autoriza
que, para fins probatórios, se retirem amostras de sangue 377/'78. No caso em tela, os manifestantes que reclama-
e se proceda a outras intervenções na integridade física vam de um abuso de monopólio, dizendo-se acolhidos
do acusado, ainda que sem o seu corisentimento, desde pelo estado de necessidade supralegal, deveriam ter re-
que não haja gravame ii sua saíide. corrido às vias legais. Algo similar vale para abusos co-
metidos em ações contrárias 2s leis de estado de defesa
93. GALLAS, Festschrift$ iMezger (Estudos em homenagem
[No original, "Notstaridsgesetze', que são leis emergen-
a Mezger), 1934, p. 325; SCHONKE-SCHRODER,Straf-
ciais, emitidas em casos de ameaças à ordem constitucio-
gesetzbuch, 15%dição, 19'70, vor S 51, n"8; MEZGER-
nal, na forma do art. 81 da Lei Fundamental (Konrad
BLEI, Strafrecht, Allg. Tezl, 13Qdiçã0, 1968, p. 149; JES-
HESSE, Grundzuge des Verfassungsreclzts der Bundesrepublik
CHECK, Lehrbuch des Strafrechts, Allg. Teil, 1969, p. 242;
Deutschland, 20"dição, C. F. Muller, Heidelberg, 1995,
SCHMIDMUSER, Strafrecht, Allg. Teil, 1970, p. 259; esta
n. d e margem 726 e ss.). (N. do T.)]: a sua eventual
negação também foi acolhida na exposição de motivos
inconstituclonalidade deve primeiramente ser examina-
do E 1962, p. 160; de maneira diversa, mas também
d a pela Corte Constitucional; enquanto existir essa pos-
negando: BAUMANN, Strafrecht, Allg. Eil, 5Qdiçã0,
sibilidade, não se pode falar numa justificação pelo esta-
1968, p. 336; WESSELS, Strafrecht, Allg. Teil, 1970, pp.
do d e necessidade supralegal.
47/48.
Esta sistematização dos princípios de justifi- não vale para agressões causadas por culpa da
cação, independentemente dos vastos conheci- vítima, como tentei comprovar numa análise em
mentos que ela produz, traria notáveis avanços que aqui não cabe adentrarg7,porque nestes ca-
também na estruturação das diferentes causas sos o agredido pode afastar danos de si, mas por
de exclusão de ilicitude. O desenvolvimento da causa de sua co-responsabilidade pelo ocorrido
dogmática da legítima defesa, por ex., que vem não lhe será permitido tornar-se guardião dos
tendendo, nestas últimas décadas, cada vez mais interesses da ordem jurídicags.
a afirmar a obrigação de fugir de agressões de
crianças e doentes mentais, ou das causadas por
culpa d o agredido, pode ser confirmado pelo cípio da proteção da ordem jurídica. Em sentido contrá-
procedimento aqui proposto. Pois ainda quando rio KRATZSCH, Grenzen der StraJbarkeit im Notwehrrecht
(Limites da punibilidade na legítima defesa), 1968, que
a necessária autodefesa do agredido não exigir
considera qualquer limitação que vá além do sentido
uma lesão do agressor, esta pode justificar-se literal do 3 53, isto é, também uma obrigação de fugir
pelo princípio da proteção da ordem jurídica. nas agressões de crianças e doentes mentais (ob.cit., p.
Mas as premissas político-criminais que funda- 49), uma extensão ilegal da punibilidade, em violação
mentam este princípio não permitem que ele ao Art. 103, parágrafo 2, GG [É o artigo que consagra o
princípio nullum crimen sine lege ( N . do T . ) ] (ob.cit., pp.
valha para crianças e doentes mentais, porque
29-53). Esta argumentação fundamenta-se na premissa
a ordem jurídica não precisa ser "protegida" não examinada de que o princípio n,ullum-crimen teria a
contra pessoas que não conseguem motivar-se mesma funç-ão nos direitos de intervenção que nos tipos
através da norma por elas violada, sendo impu- em sentido estrito, enquanto o presente testo tenta pro-
níveis exatamente por issog6.E ele igualmente var, em sentido contrário, que nas excludentes de ilici-
tude o princípio nullum-crimen limita a interpretação não
ao teor literal, mas somente aos princípios de ordenação
96.De acordo até este ponto, recentemente, BOCKEL- social subjacentes (vejam-se pp. 63-67).
97. Em ZStW, vol. 75, 1963, p. 541 e ss.
MANN, Notwehr gegen verschuldete Angrjze (Legítima defe-
sa contra agressões culpáveis), em: Festschrzfc fur Richard 9s. Em sentido contrário, agora, BOCKELMANN, que no
M. Honig (Estudos em homenagem a Richard Honig), estudo referido à nota 96, em posiçáo isolada, pretende
1970, pp. 19-33 (30), e SCHMIDHÀUSER, Über die W d - afirmar o direito de legítima defesa mesmo na provoca-
struktur der Notwehr (Sobre a estrutura axiológica da legí- ção intencional. BOCKELMANN parte, porém, de fun-
tima defesa), na mesma edição comemorativa, pp. 185- damentos metodológicos idênticos aos deste estudo, isto
199 (p. 194). Para S C H M I D ~ S E Rna , legítima defesa é, ele reconhece expressamente os princípios da autode-
"protege-se a vigência da ordem jurídica contra um ata- fesa e da proteçáo da ordem jurídica como decisivos para
que a esta vigência"; a rigor, isso corresponde ao prin- a limitação da legítima defesa: "A defesa de bens jurídicos
Estas alusões querem também demonstrar jurídica". A tarefa de desenvolvimento desses
que, como as causas de justificação divergem do princípios jurídicos procede de maneira distinta
tipo em sua finalidade político-criminal, deve a da interpretação dos tipos: para cada excludente
sua dogmática proceder de modo também me- de ilicitude deve ser esboçada uma fenomeno-
todologicamente distinto da dogmática do tipo. logia das relações fáticas típicas (que na legítima
As causas de justificação não descrevem ações defesa seriam, aproximadamente, agressões de
(ou violações de dever): e nem podem fazê-lo, crianças, jovens, inimputáveis, semi-imputáveis,
pelo singelo fato de que valem, em regra, para provocação intencional, dolosa ou negligente,
muitos tipos simultaneamente. Além disso, a es- conflitos intrafamiliares ou externos, agressões
pécie de intervenção permitida é determinada à honra ou a integridade física etc.). Desta ma-
pelas peculiaridades de uma situação de neces- neira, surgirá um quadro estruturado das mani-
sidade ou força maior muitas vezes única e irre- festações da vida, algo que se poderia chamar
petível. Não se pode, portanto, trabalhar aqui de um mapa da legítima defesa. O próximo passo
subsumindo sob descrições fixadas conceitual- consiste em - se me permitem permanecer na
mente. O direito escrito só consegue fornecer escolhida causa de justificação - introduzir os
medidas retoras abstratas de comportamento princípios da autodefesa, da proteção da ordem
(isto é, os princípios por mim referidos), que juridica e da proporcionalidade, .como linhas
precisam ser concretizadas com base na matéria diretoras normativas, nos distintos setores da
descrição da legítima defesa - como indicações
do caminho a seguir, para permanecer na me-
105. (N. do T.) A doutrina alemã costuma distinguir a A terceira das categorias base de nosso siste-
interpretação da integração de lacunas fixando os limites ma - a culpabilidade - é cunhada político-cri-
da primeira: pode ser considerada interpretação toda
inteligência que ainda se compreenda nos limites do
minalmente pela teoria dos fins da pena. Uma
sentido literal possível (veja-se, por ex., Karl LARENZ, vez verificado que a ação do autor era errônea
Methodenkhre der Rechtswissenschaji [Metodologia da ciên- também do ponto de vista da regulação social
cia jurídica], 6" edição, Springer, 1991, p. 324). Se ultra- de conflitos, falta ainda que o trabalho dogmá-
passada esta linha demarcatória, teremos adentrado no tico responda se um tal comportamento merece
domínio da analogia, que no direito penal só se permite
i n bonam partem. Como as excludentes de ilicitude não
pena. Tudo o que se vai examinar sob a pers-
pertencem só ao direito penal, mas à ordem jurídica pectiva da culpabilidade tem a ver com esta per-
inteira, discute-se se a proibição de analogia Ihes seria gunta'''. Começando com o mais simples: se al-
ou não aplicável. Referências, por ex., em AMELUNG,
Zur Kritik des kriminalpolitischen Strafrechtssystems von Roxin
(Contribuição à crítica do sistema jurídico-penal políti- 107. (N. do T.) É o artigo que regula a legítima defesa;
co-criminal de Roxin) ,em: SCHUNEMANN (ed.) , Grund- veja-se a nota 101.
fragen des modernen Strafrechtssystems (Questões fundamen- 10s.Estou cônscio de que com isso - bem como com a
tais do moderno sistemajurídico-penal) , DeGruyter, Ber- sugerida sistematização dos tipos - eu divirjo das opi-
lin/New York 1984, p. 84 e ss., especialmente p. 95 e ss. niões sustentadas pelo restante da doutrina. Não sigo,
10s. Neste ponto parece-me encontrar-se o pecado capital em especial, a visão cada vez mais crescente que enxerga
do trabalho de KRATZSCH, no resto conseqüente, Oren- a essência da culpabilidade unicamente no "ânimo de-
zen der Strafbarkeit im Notwehrrecht, 1968; quanto a isto feituoso" do autor [Tal concepção foi criada por GAL-
veja-se já a nota 96. LAS, no seu famoso estudo Zum gegenwartigen Stand der
guém - por qualquer razão que seja - não jurídico. Mas a dogmática da culpabilidade não
podia evitar o injusto típico por ele realizado, se esgota nesses conhecimentos. Pois a esta es-
está excluída a punição desde qualquer teoria fera pertencem também constelações nas quais
da pena imaginável: nada se poderá retribuir a haveria possibilidade de o resultado ser evitado,
uma culpabilidade inexistentelog;não há sentido sendo exatamente aqui o lugar em que as anti-
em querer intimidar a coletividade para que não nomias da teoria dos fins podem tornar-se dog-
provoque conseqüências indesejadas; e dispen- maticamente úteis. Mencionarei somente três
sar um tratamento especial-preventivo a uma exemplos:
pessoa cuja conduta não lhe pode ser reprovada 1. Nas situações de força maior formuladas
é ou desnecessário ou, no caso dos doentes men- pela lei como causas de exclusão de culpabili-
tais, inalcançável por meio da pena. Tudo isso dade (assim, principalmente, §§ 52, 54, 53 I11
hoje é evidente, ainda que só tenha sido reco- S~GB"O),é reconhecido que a possibilidade de
nhecido no curso de um longo desenvolvimento agir de outra maneira1'' não deixa de existir.
Lehre vom Vebrechen (Sobre o estado atual da teoria 110. (N. do T.) " S 52. Estado de coação (Notigungstand) .
do delito), ZStW 6'7, (1955), p. 1 e ss., especialmente pp. Não existe ação punível, se o agente for coagido a pra-
45-46, e tem como seguidores até hoje JESCHECK-WEI- ticá-la através de violência irresistível ou ameaça de pe-
GEND, Strafrecht..., § 35, 11, 5; WESSELS-BEULKE, Straf rigo, atual e inevitável de outro modo, para a integridade
recht -Allgemeiner Teil, 25%dição, C. F. Muller, 1998, n. física ou a vida, de si próprio ou de pa-i entes."
401. (N. do T.)]. Creio - como o deve demonstrar o O S 54 previa o estado de necessidade exculpante,
texto - que tal só abarca um aspecto parcial da proble- chamado simplesmente estado de necessidade, pois, à
mática. época, o justificaiite era supralegal, não se encontrava
109. Neste contexto abstenho-me de dizer que a retribui- positivado. "S 54. Estado de necessidade (Notstand). Não
ção seja um elemento inadequado da teoria dos fins da existe ação punível, se, além do caso da legitima defesa,
pena; vejam-se, quanto a isto, meus estudos a respeito a ação for praticada em estado de necessidade, não cul-
do Sinn und Grenzen staatlicher Strajè (Sentido e limites da pável, e inevitável de outro modo, para a salvação de
pena estatal), em JUS 1966, p. 377 e ss., e de Franz von perigo atual para o corpo ou a vida do autor ou de seu
LISZT und die krimina@olitischeKonzeption des Alternativent- parente.''
wurfs (Franz von LISZT e a concepção político-criminal O S 53,111, cuidava do excesso da legítima defesa: " O
do projeto alternativo), em: ZStW, vol. 81, 1969, p. 613 excesso na legítima defesa não é punível, se o autor
e ss. [Ambos os estudos referidos encontram-se traduzi- ultrapassou os limites da defesa por consternação, medo
dos para o português, no volume Problemas Fundamen- OU pavor."
tais (ver nota 3'7). (N. do T.) 1. 111. (N. do T.) O poder-agir-de-outra-maneira é, tradicio-
Cada uma das muitas guerras demonstrou que to. O exemplo mais significativo é o da teoria
o ser humano é capaz de suportar perigos de do erro. O problema de como se deva tratar a
vida, quando preciso for. Se apesar disso o le- suposição errônea dos pressupostos de justifica-
gislador dispensa de sanção as ações praticadas ção, que deu azo às mais acaloradas discussões
quando existente um sério perigo para a inte- científicas na década de cinqüenta, não pode
gridade f í ~ i c a " ~tal
, se dá porque a irrepetibili- ser resolvido nem através da teoria da ação, tam-
dade de tais situações torna desnecessária a pre- pouco de uma estrutura supostamente pré-jurí-
venção, tanto geral como especial, e a - dimi- dica do dolo, ou de qualquer outra dedução
nuta - culpabilidade, por si só, não consegue lógico-conceitua1113.Muito pelo contrário, a apli-
justificar a pena. Talvez fosse materialmente cação da pena por crime doloso só pode depen-
mais correto falar de responsabilidade (Verant- der de exigirem ou não as tarefas do direito penal
wortlichkeit) em vez de culpabilidade. Pois a que alguém cujos intuitos estão em plena con-
culpabilidade é somente um dos fatores que de- sonância com as idéias jurídicas do legislador,
mas que por falta de atenção desconhece a si-
cidem sobre a responsabilidade penal. Exata-
tuação exterior, deve ser tratado como delin-
mente o fato de que profissões com dever de
qüente doloso. Tentei demonstrar em outro es-
enfrentar perigos se subordinem a outras medi-
tudo114 que uma tal concepção - também no
das de exculpação já comprova que pontos de erro sobre os pressupostos do estado de neces-
vista preventivos podem decidir sobre a necessi- sidade supralegal - é completamente errônea
dade de pena, ainda quando seja idêntico o grau e que, em regra, mesmo uma pena por negli-
de culpabilidade. gência em tais fatos é desnecessária e inadequa-
2. O ganho dogmático de uma tal perspectiva da. Neste contexto é-me importante somente
demonstra-se especialmente ali, onde o legisla-
dor deixou uma conseqüência jurídica em aber-
113. Quanto a isto, aprofundadamente, meu estudo Zur
Km'tik der finalen Handlungslehre (Contribuição à crítica
nalmente, o fundamento material da culpabilidade: "A da teoria finalista da ação), em: ZStW, vol. 74, 1962, p.
culpabilidade (...) fundamenta a reprovação pessoal con- 515 e ss. (p. 550 e ss.) [Este estudo está traduzido para
tra o autor, por não ter deixado de praticar a ação anti- o português, no volume Problemas Fundamentais (nota
jurídica, apesar de tal lhe ser possível." (WELZEL, Das 37). (N. do T.)] .
deutsche Strafrecht, 1l+dição, Gruyter, 1969, § 19, I.). 114. Die Behandlung des Irrtums im Entwurf 1962 ( O trata-
112. (N. do T.) Caso do estado de necessidade exculpante; mento do erro no Projeto 1962), em: ZStW, vol. 76,1964,
veja-se a nota 110. p. 582 e ss.
aludir que as assiiii clianiaclas teori:is do erro
devei-iam ser fundanien taclas uiiicariieii te pela
teoria clos fins da pena. Uin tlivói-cio eiitic colis- LflNG-I IINKICI ISEN, Ile~nerlzzcngen221111 Begnfl der " i i ~ l "
t r u ~ ã odogndtica sis~eináticac valoraçno políti- i n ~Sh-nS,-ecl~l
(Observações sobre o coiiccito tlc "ato" rio
co-criiniilal seria j5 de anteináo im~ossível. dii-cito peiial), eiii: I7esLschrf~f~ir-
Karl E1'7zgisch(Estutlos ciri
na teii- lioiiieiiagcrii a IQiil Eiigiscli), 1969, 11. 353 c ss.; 366 e ss.
3. O mesmo vale para a (p. 371): " O objcto da valoração é o processo cliiiâinico
ta~iva,que tradicioiialnieii~cé posicioiiada entre da ti~aiis~oriilaç5o voluiitiria dc unia voiitacle oiigiiiaria-
as causas pessoais de ext.iiiçáo de puiiibilidaclellG. iiieiitc voltada e atuada coiitra o bcni jiiríclico, iiuiiia
Mas isto é errôneo: objelo de uiiia valoração vorilade Gel ao direito, que é voltada para a cviia~ãod e
jurídico-pe~ialnão são apeiias 1iiorrici1tos par- lesões ao direito. Estc acoiiteciirieiito glol~alcoinpõc uiii
liiiidaiiiciiio dc valoi-a<;;loiiiiiiário e 1iov0, iiina estrutiii-a
ciais, iiias todas as circunstâncias i-elevaiites do valorativa iiiiitária, de iiovo iiívcl, que clcii niotivo a cluc
iato global, isto é, a açáo ieiiratla, iiicluiiido a o legisladoi- julgasse dc outra iiiaiieira sobre o iiiercci-
desistêi~cia~'~. iiiciito de pciia." Se LANGI-IINRICIISEN iiáo qiicr po-
sicioliar a desistêiicia voluiitiria iio " plaiio cla culpabili-
dadc", iiias "iio plaiio do incrcciirieiito de peiia clo fato",
isto se dcve priiicipaliiieilte a sua distiiita coiiccpção d c
115. (N. cio 'i'.) No Brasil, costuiiia-se clistiiigliir tlesistêiicia ciilpabilidadc, que iião pcriiiite toiiiar eiii coiisidcração
voluiitária e arrepeiidiiiieiito elicaz, coiii base lia teinii- os poiitos dc vista clas tcoiias da pciia. Uascado eiii LANG-
iioloçia d o Código (ai t. 15); o autor, 1301 éiii, usa o terino 1-1INKICI-ISEN, SCI-1~1111 I;\USEK, Slrnfrechl, 11 11g. 7 èzl,
desistência ein seiitido amplo, abraiigeiido as tlilas ino- 19'70, pp. 498/99; tairil~éiiicle dedur. o privilegio da d c -
dalidades de comportanieiito. sistência da teoria dos liiis cla pena, inas pei-iriaiiçcc ria
116. (N. do T.) O terrrio origiiial é "geisoiiliclier Strafa~~T- coiisiclcração de uiiia "excludeiitc pessoal dc ~>uiiibiIidn-
lieb~iiigsgrund".A doiitriiia aleinã costiii~iadistiiiçuir tlc" (13. 497), porque descoiiliccc a aqui exposva distiii<iio
eiitre causas tle exclusão de punibilidade (Stralails- e11~1.epontos dc vi,ia político-ci-iiiiiiiais c p01ítico-jii1-idi-
scliliessuiigsgriiiidc), coiicoiilitarites ao rato (ex.: ftlrto COS.
eiitre parentes, ait. 181), e causas de cxtiiição d a piiiii- N a litcratur-a, a desistêiicia é tratada coino problciiia
bilidade (Stralàufliebuiigsgruiide) , posteriores ao lato cLc culpal>ilidacle soiiieiite por SCI-1ONIUI:-SCIIRODER,
(ex. clássico: desistência da teiitativa). Eiitre iiós, ZAF- SlrafgeseLzDz~ch,15%dição, S 4 6 , i i Z 2 ,38; ( ~ i i ical
i procedci-
FARONl-PIElWNGELI (Ma7lunl de Direzlo I'er~trlUrnsibi?-o, é iaiiibéni coiisitler-ntlo " seiiwi o" por- RA l l l\/l ANN, S~rcrf-
2hccliçá0, l<T, São l'aulo, 1999, 11s. 450-451) s50 clos ?-eo/~l, AL@. 7'etl, 5%ccliç5t1, 1968, p. 516 e111ciilia). SCI-11x0-
POUCOS quc fazeiii cssa clistiiição; adci-i ã teriiiiilologia DEI< poi-éiii fala - seiii iiiais i~tiidaiiiciita<;50 - cle uiiia
por eles proposta. " causa de aiiulação de culpabilidade", i~iaiitciidoassiiil
117 Tal correspoilde, até este poiito, ao "coiiceito estcii- a valoraçiio auti3iioiila da telitativa e d a tlcsisttiicia. Coii-
diclo d c fato" (er weitci-ter Tatbeçi i @ , cleseiivolvitlo por ti-n a opiiiião cloiiiiiiaiite volta-sc - coiii coiisidci-ávcis
IANG-1IlNRICI-ISEN; coiripai e-se o i-eccnte i-esuiiio eiii poildcrações sobi-c a oiiciitaçáo teleológica clo sisteiiia
Tainbéin para o juiz 1120 se tiata de unia ex- cle política iiiterriacioiial. Assim tambéin, o LU-1.0
tiiiçiio da pena; ele deve, isso siiii, deciclii- se ein ciitre côiijugesl'%só deve ser visto conio causa
casos clc desisi.êiicia Liliia peiia será ou iião apli- de exclusão pessoal de punibilidacle, eiicluaiito
cada. Se o coiiiiportaineiito do autor arrepeiidi- se coilsiderar a defesa cla paz Iàiniliar coino a
do necessita de uiila saiição é unia cluestiio ge- Tatio deste dispositivo. Se coiisiderarinos, por ou-
nuiilamente jz~~ídico-Peizc~l, que por isso deve ser tro lado, que a especiíicidade da relação eiiti-e
i.ratacla, de maileii-a correta, no âiiibito da cul- côiijuges já exclui o iiierecimerito de pena, tra-
pabilidade. Categorias coino coiidições objetivas tar-se-á de um probleina de culpabilidade, com
cle puiiibilidade e causas de extiriçao ou de ex- a coiiseqiiência, por ex., de cjue as questões de
clusão pessoal de puiiibilidade recebem seu con- erro ter50 uiil ti-ataineilto completamente dis-
teúdo, pelo coilti-ái-io,1150 de coilsiderações fio- li11to.
Zítico-cri~?ziizais,
inas de valorações l~olí~ico-jzim'~licas, Visto deste modo, é indubitável que a desis-
d e caráter independeilte e geral em face das pri- tência na tentativa 1120 é um probleina jurídico-
meiras. Se a ii~deilidadec10 deputado1" ou a au- político gerul, inas urii probleiila especiíícameil-
sência da coiicess%ode reciprocidade lias ações te ~~olítico-crimiiial. O coilcei to cle voluil tarieda-
pui-iíveis contra Estados estraiigeiros deveiri o bs- de12', ao qual está viiiculado o efeiio liberador
tal- a unia puiiição, isto não é decidido coiii base
110s íiils do direito penal, inas iio interesse de
que o parlameiito iuilcioiie, o ~e1i11 poiiclerações 119. (N. tlo T.) " S 247: ... (2). O fui-10 ou a apropi-iaçáo
iiidébila praticados por pareiites cni liiilia asceiideiite
contra parentes eiii liiilia clesceiidente, ou por um côii-
juge contra o ouli-o, iiáo sáo puiiíveis." O dispositivo foi
jui-ídico-peiial - taiiibéiri IZeiiiliai-d v. 1IIl'PlilL, U ~ l l o s z l - alteraclo pela Lei dc Iiitrodução ao Código Peiial, clc 2
chutzge~zuber den Riickkail vow Versuch (Estudos sobre ;i dc iiiarço dc 19'74, que, rcfoi-iriulariclo o 247 e toclos
clesistêiicia da teiitativa), 1966, quc poiéiii vê a clcsistêii- os seus iiicisos, previu para estas liipótescs a ação pública
cia coiiio eleirieiito ilegalivo cio tipo; coiiipare-se, cluaiilo coiiclicioiiada 2 represei1tação.
a isso, a reseiilia dc LANG-I-1INlZlCI-ISEN, eni: Jl<, 1968, 120. (N. do 'r.) Coirio dizia o revogado $j46, a voliii~tarie-
2'78/79. clade, em pi-incípio, era pressuposto da relevâiicia jurí-
11s. (N. do T.) Ti-ata-se da exiineiite previstii lia Lei Fun- dico-penal da desistência. " Ej 46: (Desistêiicia, arrepeii-
daineiital, 5 46, I, iio revogado StGG, Ej 11, e iio atual, Ej diiiietito ativo): A tentativa ciiquaiito tal é iiripunível, se
36, que declara isento de pena o cleputaclo por dcclara- o autor (1) clesistir da execução da ação iiiteiicioiiada,
ções proferidas iio exercício de scu cargo, coin alguiilas scin que ~ e ~ i lsido
i a iiiipedido de cxecut5-Ia por fatores
exceções. inclepeiideiites da sua vontade; (2) iiiipedir, por ação
de ~ e n ada desistência, deve ser iri teipretaclo cli~eo 131-ópl-ioautor i-eparou antes do advento
iiorniativamente, cs ati.avFs da teoria clos fiiis da do resultado 1150 llie precisa ser retribuído. Uliia
pena. No caso cle alguém qiie erguera o braço ilitiiriidaçcto geral seria clespicieiicla, e tainbéni
para desrerir seu golpe moi-tí1e1-oo abaixar, por- o Gni cle segurança e erneiida da pena desapa-
que, no último iilstante iião eiicoii1i;i a coragem rece. Deterrniiiaiite é não a força da pressão
d e n-iatar a vítiiila, iião pode ser de iiiiei-esse sobre a motivação psicológica, que leva o autor
para a volui~iariedadeda clesistêiicia a l~erguiita, a desistir, iiias a circunstância de que, numa
eii-ipiricameiite q ~ ~ a iilsolilVe1,
se sobre se para o ailálise global de seu cornportamei~to,permane-
ageiite era j~sicologicaiiieiitepossível prossc- ceu o desisteiite i10 camiiilio do direito. O pa-
g ~ ~ i r " Decisivo
l. é, inuito niais, que a desist?iicia i-acloxo psicológico com o qual a jui-isprudêilcia
pareça irracional segundo a perspectiva c10 ofí- clesde iiiuito se teve de ocupar, qual seja, o de
cio crii~iiiioso(iiacli den MaBstiibeii cles Vei-bre- que a voolui~tai-iedade da desistência se torne tail-
cllerhandwerlts), e, poi- isso mesiilo, i-cpreselite to mais difícil, quanto mais fortes as reservas de
uma volta para a legalidacle. Se for e s k o caso, coxisciê~iciaque afas~aralrio agente da consu-
como i10 irieu excrnplo, então clevc ser alis~iiada i-ilação, é stiperado e dissolvido pela perspectiva
cle uma vez a ~oluiitariedade'~~. l'osqiie acliiilo aqui esposada.
No caso oposto, vale algo aniilog-o: se o autor
só desiste, porque Ioi observado e teme uma de-
p16p1ia, a ocorsêii~iatlo resultado iieccssái-io à coiisli- lação, a consuinação pode ser-lhe ainda facil-
ixiação d o ci iirie o11 delito (\rei brcclicli otlcr Vergelicii),
erri iiioriieiilo eiii clue a coriduta aiiida li50 esliver des-
inente possível, como ocorre priilcipalrneiice aos
col>cria." O atual § 24 6 iilais claro, laieiido senipie í i delinqiieii tes de sangue-frio. I\/Ias isto riáo iil te-
cxigsiicia da voluil~i-iccladc. rcssa. Pois a abstei~çãocle executar o fato aqui
121. Nesle sciitido, porérii, eiii geral, a jui-isl-~iucli.ilcia; só cleiiioiistra que 1150 temos um deliiiquci~tc
coiiipat-e-se, lazciitlo uiii s esuiiio, R c l l S ~ .9, I>. 48 c ss. clesajeitado, mas siin esperto, segui-ido os padrões
(p50), oiide, aiiida assiin, pela pi-iincii-'1vez desporitain
coiisiderações político-ci-iiriiiiais i10 selilido d a teoria (10s da racioiialidade criiniiiosa. A iiecessidade de
íiiis cla peiia; coiripase-se 01). cit., 11. 52: "l'ois Liriia pciia 121-everiçiio especial iião é diminuída; e o mau
liao parece (...) iriais iiecessái-ia, para iinpcclir que o autor exemplo dado pelo autor í'az coin que uma saii-
111-aliquc ~ L I L L L I Ociiiiies,
S para iii~iiiiidaroulios, r~crripara ção peilal tailibérn seja necessária poi- razões de
rcslabelecer a 01-der11jrirídica violada."
122. Deseiivol-\~i essa coli~cpção(coiii cxeiill~los)tle iiia-
111-evei~ção geral. Uina tal desistência é, portanto,
neiia iiiais apior~~iidacla na iniillia l<eseiilia dc 1,iter alili-a iiivoluiltária.
(Li~eratiirbei-iclit),ciri %St\/V,vol. '7'7, 1965, 1). 9G c ss.
A Sorrnulaçáo poiico kliz do 5 'lG, S L G B ~ e~ ' , iiada foi-ncce para a solução de problernas corno
artifícios ciigailosos corno a loi-xriula de l;i-arik cste, de inodo quc a coiicl~isãodeleildida pela
(" eii liao quero, apesar de poder; eu irão posso, jur-isprudi.iicia, aiiida que cei'ta, permaiiece sein
apesar cle cluerci-") por muito teiiipo provoca- susteiltaç5o c10~i~iátic;i'~~.
ram qiie o coiitcúdo iiormativo do pi-iviliigio da
desistência quase fosse enterrado por coiistru-
ções psicológicas hrçadas. Nisto se mostrarii as 124. Algo sitriilar valc para a distiilçáo entre dcsistZiicia e
iraquezas de uiiia doginática quc se csiorcou te~itativaIàllia, eiri qiie a jurisprudêricia (coinpare-se
JZGIlSt. 10, 129 e ss.; 14, 75 e ss.) ai~iílaquer difereiiciar
muito pouco cin desenvolver os priilcipais pon- psicologisiicainent.~sc o autor desejava alcaiiçar o resul-
tos de vis~avalorativos da exclrisáo cle pena pela tado já C O I ~ I a primeira das aç0es parciais (fallia) ou
lei, e torná-los a base do sisteiria. A bipartição taiiibéiri coiii várias atividades iiidiviíluais. Se uma ação
puramente coilceitual-coilsti-utiva ei~li-etcritati- lmrcial lallia, só iio seguiido caso é que uina desistêitcia
va, i'undarrientadora da peiia (straibegruli- scria liossível. Se A, l~oréni,clesfcrc uma i~iacliadada,coni
iiiteiiçáo de liiatal-, em l3, e pára depois do priineiro
dend), e desistência, aiiuladora da peiia, e o daí golpe, apemrcle poder rriatar seu ii~irnigoseiri perigo,
deduzido posicionanieiito eril uma especial " ca- eiitão a desistêiiciri é sciripre voluiitária, porque ii-racio-
tegoria do delito" 6 doginaticar~ieiit,eirnpi-oclu- nal do ponto de vista do oficio de malador. A perguiila
tivo e lez com que a teoria d a desistêilcia se coiii base na qual a jurisprudência quer resolver seme-
dispersasse nuiila niultiplicidade de soluções, Iliaiites casos, a saber, a de se o autor queria inatar sua
vítiiiia c0111 uiii s8 golpe (rieste caso, teiitativa fallia) ou
sem pi-atjcaineiile iieilhunia corrc1ac;ão valorati- coiii 1751ias iriacliadadas (eiiláo, desistência voluii tái-ia),
va entre si. Assiin é que se pode, por ex., partiildo é logo dc plaiio pouco selisala, porque leva a ficções
d o critério l~olítico-criminalacima proposto 1~sicolÓçicas,deperideiido da coiiclusáo desejada. No
para a vol~rita~iedade, toriiar plausível a tese da iiiesiiio seiitido a coiiclusáo de OT'1'0, l~el~lgeschlnge~zer
jurisprudência, segundo a qual o autor- deve ter Irei-such 2177d Xiicklrilt (Teiitativa iallia e desistêiicia) Gil
dcsistirlo clefiiiitivaineiite de seu plaiio, se cliter 1967, pp. 14.1-153; OT'170 avalia tini vasto i~iateriald a
jurisprudZiicia e indica expressaineiite a coiicoiclâiici~i
livrar-se da peiia. J5 a cluestáo da iriteilsidade da iriateria1 coiii a ininlia coiicepção (ob. cit., p. 152, nota
pi-essiío iilotivadora, forrriulada pelas tcorias psi- 34). Bastante correto tariib6rn agora SCZ-IMIDI-IAUSEK,
cologisantes (psycliologisierci1dei1 Lelireii) , SI?-clS,echt,Allg. ièil, 19'10, p. 502: "Se o autor terii vários
projéteis lia sua ariiia, então a teiitativa não será falha,
eiiqi~antoo autor aiiida aciedjkar poder conliiiuar a ati-
i-ar coni cliances de obter o resultado, seiido coiiiplct~l-
123. (N. do T.) k o artigo que coiitéiii a desistêiicia da irieiile li-relevarite, se o autor qucria matar coni urn úriico
leiliativa, traiiscrito à iiota 120. tiio ou corli i~iais."
Coin isso quei-o coiicluir a série cle excniplos. tare là inad iávcl. O l~ostulaclo~zz~ll~i?~~-o-in~e~z
iião
Eles podem, ainda assirt~,ter dado uina iinpres- se opõe a isto,já que ele não iilipede i~ernrnesmo
são - de maiieii-a fraginentária - cle que liliia a criação de iiovas excludeiites de ilicitude.
sisteinatização da i-espoi~sabilidadepelicil através Oiide, por outro lado, o legislador se mailifes-
da doiitr-iila dos Gils da pena pode lançar iuna tou, i150 pode a sua regulação ser contornacla
nova e riiais clara luz sobre muitas antigas qucs- por 111eio cle ai-ialogiascontra o autor, ainda que
tões controversas. Essa colocação deve ser coin- elas pareça11-1pouco adequadas à luz dos 131-iilcí-
prceiidida, aqui, somelite como uiii 121-ograina: pios iioi-inativos da teoria da culpabilidade. Isso
seu deseiivolviinei~to,clesde clucstões pcilais fuii- vale, por cx., pai-a a iorinulaç5o objetiva c10 $
damentais, até os detallles da clogiriátic~~ da ne- 46, 11. 2, SIGU~*" que em muitos casos libcrta de
gligêricia, pressilpõe inais do que pode ser ex- peiia, aiilda que ausente a voluiltarieclacle da
posto iieste curto espaço. Em vez disso, mais unl desistêiicia12! Aqui é dever da dogmática encoii-
palavra sobre o priilcípio r2z~lln-l,oena:jci que taiil- ti-ar tais clesarinoriias e estimular o legislador a
bém as eleineiltares da culpabilidade seiveili cpc asc1iiniiic1*'. Que, por outro lado, s inellior
ara definir a medida do puiiívcl, b l pi-iiicípio coilliecimeiito já possa ser utilizado ein favor do
i~iíopode ser tirado cle vigor. Mas ele 1150 de- autor, inesmo de Iege laia, compreende-se por si
senvolve aqui - assim como nso o 'xzia ilo caili- só.
130 dci aiitiJtii-idicidacle- uina força coilstrutora
d e sistema, e tainbéiri não impede o legislador
de il-iaiiter cm aberto questões 1150 esclarecidas
d e exclusiío cle crilpabilidade. Derrioilstr-a-oo tra- 125. (N. CIO T.) Veja-se a riota 120.
talneilto de iiiúmeras questões cle erro 1x0 direito 126. Qiie acliii iiáo possa ocori-er de Lege Lcitn iiiiia " cori-eçáo
vigente e filturo, bern coino o papel da ii-iexigi- valorativa" coiiti-a o aulor cori-espoiide à opiiiiáo tlorrii-
iixiite, irias 1150 uiiâiiiirie.
1)ilidade iios delitos oinissivos e ilegligentes, lios
127. Couio ocorreu no ilovo 9 24, 11. 1 [1k.leriliiria esle
q ~ ~ aas
i scairsas de exclusão de culpabilidade cu- dispositivo: "g 24. Desistêiicia. ( I ) Náo é puriiclo por
iiliaclas para os delitos dolosos cle comiss,5o nem tcii~ativa,arluelc que voluiitaiianieiitc desiste cle prosse-
senipre sa~islazemas exigêixcias do priilcípio da giiii lia cxecuçao clo ato ou iiiipede a siia coiisurnação.
Sc o ato iiáo sc coiisuniar sern a iiitcrveiiçáo clo clcsisleii-
culpabilidade. Preenclier tais 5reas vazias do
te, 1150sciA este puiiível, sc tiver scr esforçado voluiilária
mapa douiriilal, i-iuin ti-aballio sistemático, coii-i c seiiaineiite a evitar a coiisuiiiaçáo." (N. do T.)], da 2"
ajuda de parâmetros político-cri~iliilais,é uma Lei de Rciuiiiia.
pelo co~itrário,uiri sist.ema teleológ-ico como o
aqui csboçado deixa trailsparecer as estruturas
l'ai-a coilc1ui1-este esboço, Parei alguinas ol)- interiias de cletermiizaclo raino do direito, que
servações que resumirão ou irão aléin, do poiiio só podem estar iio rnuildo iiorinativo, de modo
de vista sistemático, do jii apreselitado. Direito riluito iilais nítido que um sisteiiia deduzido de
penal e política criiniilal: se se seguir o que de- axiorilas ou abstrações.
inoi~strei,não se trava de opostos, coiilo são apre- Por íiiii, apesar de sua iiii-idameiltação 11or-
sentados pela tradição de iiossa ciêiicia. O direi- inativa, uma tal dogmática está bein rnais estrei-
to penal é inuito mais a forma, através da qual ta~neiiteligada à realidade que a feita no reino
as íiiialidades político-criiniiiais podern ser trans- das pii-hnides sisteniáticas de conceitos. Pois e11-
kridas para o modo da vigêilcia jurídica. Se a cluanto abstrações cada vez mais altas se aiastam
teoria do delito for coi~struídaiieste seritido, iiuina razão ci-esceiite da realidade, o deseiivol-
teleologicameilte, cairão por terra todas as crí- vin-iento dos poiitos de vistu político-crimiriais
ticas que se dirigem contra 21 dogi~ifíticilabstra- exige que passe em revista toda a matéria de
ta-coiiceitual, herdada dos teinpos positivistas. regulameiitação; só a variedade da vida, com
Um divórcio entre coi~struçrlodogmática c acei- todas as suas traiisformações, possibilita a con-
tos político-ci-iiniiiais é de plailo iinyossível, e cretização das inediclas que pcrmitem urna solii-
taiiibéin o 150 querido procedinieilto de jogar cão correta, islo é, adaptada às peculiaridades
o traballio doginático-penal e o criiniiiológico do caso coi~creto.O tão utilizado perisamento
um coiitra o outro perde seu seiltido: pois tiaris- através da iiatureza das ~oisas'~%i~niiica someri-
1-ormar coiiliecinientos crirninológicos ein cxi- te que uin ponto de vista valorativo pode, de-
gências político-crinliiiais, e estas c111 regras j u- ljeiidei-ido do substrato de regulaçiio sobre o
rídicas, da lex Zntn ou Jc,enda, é um pi-ocesso, eill
cacia uma de siias etapas, ilecessái-io e iriipo~-taii- 128 (N. do T.) O pcilsameiito através da iialui-emd a coisa
te para a obtenção do socialmeilte correto. (Natur der Saclie) é a base de toda a dogmática finalista,
Unia tal introduç50 da política-ci-iri~iilalrio que quer extrair d a realidade pré-jurídica, das cliainadas
campo jurídico da ciêiicia do direito peiial 1150 estl utui as ldgico-reais (sachlogisclie Strukturcii), coilse-
qiicilcias para a teoria d o delito. Veja-se, por ex., Arriiiil
acarreta a desistêilcia ou ielativização c10 pensa- IUUFMANN, Die Dog)nntik der UnLe)-lnssznzgsdelzkte(A dog-
incilto de sisteiTla,cujos reildiiileiitos para a cla- inática dos delitos oinissivos), 2Qdiçáo, Otto Schwarz
reza e segurariça jurídicas são iiidisperisiiveis; Vei-lag, Gottiiigcii, 1985, pp. 1G-21.
qual seja aplicado, levar a coiicliisões esseilcial- cxiste aqui ta~nbélnunia estreita viiiculação 2s I