"A Tríplice Realeza de Cristo e Seu Poder Tripartite Na Encíclica Quas Primas e A Noção de "Nova Cristandade" Proposta Pelo Humanismo Integral"
"A Tríplice Realeza de Cristo e Seu Poder Tripartite Na Encíclica Quas Primas e A Noção de "Nova Cristandade" Proposta Pelo Humanismo Integral"
"A Tríplice Realeza de Cristo e Seu Poder Tripartite Na Encíclica Quas Primas e A Noção de "Nova Cristandade" Proposta Pelo Humanismo Integral"
INTRODUÇÃO
1
Humanismo integral é a mais famosa teoria elaborada pelo filósofo neotomista francês
Jacques Maritain (1882-1973). Propõe uma espécie de humanismo católico, em contraposição
ao humanismo renascentista e burguês, e busca abarcar todo o aspecto de vida humano, tanto
da esfera temporal como da esfera espiritual, partindo do princípio de que o homem é pessoa e
deve ser totalmente compreendido, desde a vida político-social do Eu-cidadão ao contato com
o transcendente e o Absoluto, a considerar o homem apoiado num fundamento transcendente,
mas sem resumir-se neste.
2
“Diz o Padre Calderón em El Reino de Dios: “A relação da Igreja com a cultura – que,
entendida em sentido amplo, envolve não só a ciência e a arte, mas também a maneira de
levar a vida familiar, econômico-social e política – é o ponto onde eclode a diferença entre a
concepção tradicional e a ‘humanista’.” Com efeito, tudo (ciência, arte, educação, economia,
política, etc.) deve conformar-se mais ou menos diretamente à luz da Revelação, como sucedia
nas Universidades medievais. Ora, tal como nelas, prossegue o Padre Calderón, “a faculdade
de teologia deve ser o centro e alma das demais, projetando a visão cristã em todos [destaque
nosso] os campos do saber, em maior grau quanto mais humanos. Ao assumir esta função, a
Igreja tomou tudo o que de verdadeiro os homens tinham pensado, purificando-o de seus erros,
e criou a Cultura Cristã […], universal como a própria Igreja. Falar de Cultura Cristã e de
Cristandade é falar da mesma coisa, pois aquela é o princípio formal desta, e é o mesmo que
falar da Igreja. Evangelizar e cultivar, ou seja, educar os povos na Cultura Cristã, sempre foi
para a Igreja sua própria missão: Ide e ensinai”. Disponível em:
https://www.santotomas.com.br/sob-o-cristo-senhor-o-verdadeiro-rei/
3
Jacques Maritain (1882-1973) foi um pensador, escritor e filósofo católico francês, um dos
grandes expoentes da escola filosófica neotomista do século XX. Converteu-se ao catolicismo
Este trabalho se propõe a estudar os ensinamentos magisteriais da Igreja
segundo o grau de autoridade infalível e meramente autêntico4 e as sentenças
teologicamente certas que explicitam os ensinamentos destes órgãos
autênticos do Magistério(O Sumo Pontífice principalmente e os bispos), em
particular a Encíclica Quas Primas5 e sua doutrina sobre a Realeza Tríplice de
Cristo e seu Poder Judiciário, Legislativo e Executivo, para posteriormente
analisar a noção de “nova cristandade” e verificar se há alguma mudança
substancial no ensinamento do Reinado Social de Jesus Cristo, sobre as
relações entre a ordem política e ordem eclesiástica, quanto à doutrina da
realização do Fim Último, sobre as devidas relações entre a ordem da natureza
e a ordem da Graça, no intento de investigar se a doutrina do humanismo
integral em sua concepção de “nova Cristandade”, suas considerações sobre
lei e as relações entre a ordem política e eclesiástica permanecem fiéis à
Doutrina da Realeza de Cristo como ensinada pelo Magistério infalível e certo
da Igreja ou está em uma ruptura com este. Tem-se a finalidade de explicitar o
ensinamento católico sobre a Realeza de Cristo expressa na encíclica Quas
Primas e suas implicações nas relações entre a jurisdição temporal e a
jurisdição eclesiástica, bem como verificar a Doutrina Católica sobre a ordem
da natureza e a ordem da a Graça e suas consequências na política teológica,
bem como se há e quais seriam os desvios no que se refere às considerações
do modernismo teológico, especificamente quanto ao liberalismo humanista
integral acerca do Magistério autenticamente católico sobre o Reinado Social
de Jesus Cristo.
em 1906, pela influência do escritor francês Léon Bloy, e, em suas ideias, foi um dos grandes
influenciadores dos principais documentos do Concílio Vaticano II, como Dignitatis Humanae e
Gaudium et Spes, e dos papas católicos desde João XXIII, mas principalmente Paulo VI.
4
O Concílio Vaticano I, através da Constituição Dogmática Pastor Aeternus, definiu o dogma
católico da infalibilidade papal, isto é, de que o papa é infalível quando fala ex cathedra, a partir
da cátedra, segundo as chamadas “condições vaticanas”.
5
Encíclica escrita e promulgada pelo Papa Pio XI (1857-1939) em 1925, declarando a festa
litúrgica de Cristo Rei e definindo a necessidade do culto público societário a Deus através da
Igreja Católica.
O material utilizado será a Encíclica Quas Primas como eixo gravitacional e as
regras remotas da Fé6 que versam sobre a teologia política católica sobretudo
acerca da configuração cristã das nações, sobre as relações entre Igreja e
Estado e sobre a Lei em seus diversos âmbitos, bem como as explicitações e
sentenças certas expostas pelo Doutor Comum da Igreja e seus principais
mestres auxiliares, e os principais tópicos do humanismo integral referentes ao
tema, especificamente os que exerceram influência no seio eclesial na segunda
metade do século XX.
PRINCÍPIO E FUNDAMENTO
6
Por regras remotas da fé, entende-se a autoridade da Sagrada Escritura e da Divina Tradição
subordinadas sempre ao Magistério da Igreja, definido pelo Papa Pio XII (1876-1958) em
Humani Generis como sendo a regra próxima da Fé.
7
Cf. João I, 1-3.
elevar a natureza para a ordem sobrenatural, coisas que aquela nunca
conseguiria lograr por si mesma, sem esta qualidade infundida por Deus na
alma de modo totalmente gratuito, e por isto se denomina esta qualidade infusa
por Deus na alma humana como “Graça”.
8
É elemento essencial do pilar do segundo pilar da Fé Católica, depois da Trindade (a
Encarnação do Verbo), a doutrina da União Hipostática. Ela se refere às duas naturezas
humana e divina de Jesus Cristo. O Verbo Encarnado é a Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade, que possui no mesmo supósito duas naturezas, que estão intimissimamente unidas,
mas não mescladas; e perfeitamente distintas, mas jamais separadas. Duas Naturezas em uma
única Pessoa: a Pessoa do Filho. É a União Hipostática que possibilita Cristo sofrer enquanto
Homem na Santa Cruz, e merecer infinitamente diante de Deus em favor dos homens, pois Sua
Natureza Humana está hipostaticamente unida à Sua Pessoa Divina e, portanto, todos os atos
de Jesus Cristo possuem mérito infinito diante do Pai, e, de modo especialíssimo, o Sacrifício
da Cruz.
9
Catecismo Maior de São Pio X, questões 87 a 89.
10
Santidade é o cume da vida cristã, termo da Salvação, e consiste na Perfeição da Caridade,
pela plena conformação da nossa vontade com a Vontade de Deus, mediante o enraizamento
pleno da Graça de Jesus Cristo na alma, segundo Deus dispõe.
11
Cf. Romanos XI, 36.
12
Pio XI (1857-1939), nascido Ambrogio Damiano Achille Ratti, foi Papa da Igreja Católica de
1922 até sua morte, em 1939.
ser observada de forma indispensável. Quis Deus a cooperação do homem
para n’Ele tudo instaurar, participando de Sua missão salvífica e disseminando
seus abundantes frutos em todos os cantos da Terra. Assim ensina a Doutrina
Infalível da Santa Madre Igreja.
3. Tal realidade não deve ter uma dimensão meramente privada, mas sim
pública, não somente de fato, mas de direito, de princípio. Cristo não é
Rei apenas das sacristias, mas Rei de tudo. Sua Realeza é
13
Tomás de Aquino (1225-1274) foi um frade dominicano, filósofo e teólogo católico italiano,
canonizado em 1323 pelo Papa João XXII. Considerado o Príncipe da Escolástica, sua doutrina
filosófica e teológica, de base aristotélica, foi a mais importante e influente para a Igreja
Católica, especialmente a partir do Concílio de Trento, com os papas Bento XIV e Leão XIII a
classificar o tomismo, i.e., a doutrina de Tomás, como a própria filosofia católica.
oniabrangente, universal. Realeza esta que se dá a Triplo-Título, como
está claramente expressa na encíclica Quas Primas, de Pio XI:
B) Por União Hipostática, pois o Verbo Divino se fez Carne e habitou entre
nós. Santificou todas as realidades humanas concretas, deu-nos a
possibilidade de realizar toda e qualquer atividade honesta sob a
espécie da eternidade, se fizermos em comum união com Cristo, Verbo
Divino Encarnado.
▪ À objeção que diz que a Igreja e o Estado são duas sociedades perfeitas
responde-se que são sociedades perfeitas no aspecto jurídico, no
sentido em que ambas as potestades são supremas na sua ordem, mas
ambos ordenamentos jurídicos têm por sujeitos os mesmos homens e
ambos são necessários para alcançar o mesmo e único fim último
sobrenatural.
14
Álvaro Martín Calderón (1956) é um sacerdote, filósofo, teólogo e engenheiro nuclear católico
argentino, membro da Fraternidade Sacerdotal São Pio X e professor de variadas disciplinas no
seminário de La Reja, pertencente à mesma Fraternidade.
sociedade temporal implicaria a morte da Igreja militante, o que Cristo
prometeu que não iria acontecer.
15
Cf. Concílio de Trento, Sessão VI, cânon 21.
16
Cf. PIO XI, Quas Primas, 1925.
Jacques Maritain, no intento de contrapor ao humanismo ateu e materialista
que cerra o homem nas realidades imanentes sem abertura para a
transcendência e na tentativa de se opor ao que ele denomina como
concepção “ministerialista” de Estado próprio da Cristandade Medieval, elabora
uma ideia de “nova cristandade” que não corresponderia aos modelos
anteriores. Buscando salvaguardar a ideia de autonomia do temporal e
pluralismo social mantendo a marca da vida cristã. Eis que descreve sua
concepção de Estado:
17
Bonifácio VIII (1230-1303), nascido Benedetto Gaetani, foi Papa da Igreja Católica de 1294
até sua morte, em 1303.
18
Cf. BONIFÁCIO VIII, Unam Sanctam, 1302.
dificultando sua submissão a Deus do modo digno que Ele dispôs e
consequentemente prejudicando a liberdade para a Igreja exercer a sua missão
divina de evangelizar todos os povos sem peias e sem freio algum; privando
assim a própria estrutura política das Graças para que ela logre seu fim mesmo
temporal; e se ordene ao fim sobrenatural, onde o “marco cristão” da sociedade
agora se dá pela prudência, articulação e “energia espiritual” dos portadores da
concepção cristã a dar uma razão secular aos não cristãos mostrando que
suas concepções estão de acordo com a “sã razão” e com o bem comum,
tratando-se mais de uma articulação constante de um arranjo prudencial dos
governantes do que um princípio a ser observado de direito de maneira formal
e substancial, judicial, executiva e legislativamente:
Parece-nos clara a lição dessa experiência: nada é mais vão do que procurar
unir os homens sob um minimum filosófico. Tão pequeno, tão modesto, tão
tímido que se faça, daria ele sempre lugar a contestações e a divisões. E essa
pesquisa de um comum denominador para convicções contrastantes não pode
ser senão uma corrida para a mediocridade e a frouxidão intelectuais,
enfraquecendo os espíritos e traindo os direitos da verdade.
Mas então será preciso renunciar a procurar em uma comum profissão de fé,
quer se trate do símbolo dos apóstolos como na idade média, ou da religião
natural de Leibniz, ou da filosofia positiva de Augusto Comte, ou do minimum
de moral kantiana invocado em França pelos primeiros teóricos da laicidade,
será preciso renunciar a procurar em uma comum profissão de fé a fonte e o
princípio da unidade do corpo social.
Entretanto a simples unidade de amizade de que falamos nao basta para dar
uma forma a esse corpo social, - essa especificação ética, sem a qual não tem
a cidade bem comum verdadeiramente humano; - ou antes, para existir como
unidade de amizade, ela mesma pressupõe tal forma e tal especificação.
Mas porque meio? Porque terão tido os portadores dessa concepção cristã
bastante energia espiritual, força e prudência política para mostrar
praticamente aos homens capazes de o compreender que tal concepção é
conforme a sã razão e ao bem comum ; e também - pois são o pequeno
número os homens capazes de o compreender, - para suscitar, e merecer, a
confiança dos outros, e conduzi-los com a autoridade de verdadeiros chefes, e
para exercer o poder em urna cidade que é licito imaginar provida de uma
estrutura política organicamente constituída. (MARITAIN, 1941, p. 167-168)
É de doutrina católica que ninguém deve ser coagido a crer, nenhuma violência
é legítima para que um infiel se converta, mas isto não implica em equiparar
em direitos os falsos cultos com o verdadeiro culto, no máximo tolerá-los para
garantir a paz social, na medida em que se causaria um mal maior se
extirpasse-os em determinado momento. Mas tolerância se aplica sempre a um
mal, não a um bem.
19
Proposições condenadas n° 77 e 78: “Na nossa época já não é útil que a Religião Católica
seja tida como a única Religião do Estado, com exclusão de quaisquer outros cultos. Por isso
louvavelmente determinaram as leis, em alguns países católicos, que aos que para aí emigram
seja lícito o exercício público de qualquer culto próprio.”
20
“Sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, que em nosso tempo há não poucos que, aplicando à
sociedade civil o ímpio e absurdo princípio chamado de naturalismo, atrevem-se a ensinar "que
a perfeição dos governos e o progresso civil exigem imperiosamente que a sociedade humana
se constitua e se governe sem preocupar-se em nada com a religião, como se esta não
existisse, ou, pelo menos, sem fazer distinção nenhuma entre a verdadeira religião e as falsas".
E, contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres, não duvidam em
afirmar que "a melhor forma de governo é aquela em que não se reconheça ao poder civil a
obrigação de castigar, mediante determinadas penas, os violadores da religião católica, senão
quando a paz pública o exija". E com esta ideia do governo social, absolutamente falsa, não
hesitam em consagrar aquela opinião errônea, em extremo perniciosa à Igreja católica e à
saúde das almas, chamada por Gregório XVI, Nosso Predecessor, de feliz memória., loucura,
isto é, que "a liberdade de consciências e de cultos é um direito próprio de cada homem, que
todo Estado bem constituído deve proclamar e garantir como lei fundamental, e que os
cidadãos têm direito à plena liberdade de manifestar suas ideias com a máxima publicidade -
seja de palavra, seja por escrito, seja de outro modo qualquer -, sem que autoridade civil nem
eclesiástica alguma possam reprimir em nenhuma forma". Ao sustentar afirmação tão
temerária, não pensam nem consideram que com isso pregam a liberdade de perdição, e que,
se se dá plena liberdade para a disputa dos homens, nunca faltará quem se atreva a resistir à
Verdade, confiado na loquacidade da sabedoria humana, mas Nosso Senhor Jesus Cristo
mesmo ensina como a fé e a prudência cristã hão de evitar esta vaidade tão danosa.”
A posição de Maritain, embora tenha exercido influência em muitos locais,
encontrou alguma resistência de prelados católicos, dentre eles, o Arcebispo
Dom Marcel Lefebvre21 (1905-1991), que se posiciona em defesa da doutrina
católica tradicional do Reinado Social de Jesus Cristo:
21
Dom Marcel François Marie Joseph Lefebvre, CSSp, FSSPX, (1905-1991) foi um arcebispo e
missionário católico francês. Ficou marcado na história da Igreja Católica no século XX pela
sua destacada resistência ao Concílio Vaticano II, que intendia modernizar a Igreja e realizar
sua “abertura ao mundo moderno”.
moribunda que apostatou e rechaçou seu Rei.”.(LEFEBVRE, 2013, p.
76)
Como ensina a doutrina católica, a Graça não tem apenas a função de elevar o
homem a um estado acima de sua natureza, mas tem o efeito de sanar a
própria natureza de suas vicissitudes e feridas, elevá-la para um modo de
operação no qual a natureza jamais alcançaria por si mesma, mas sem abolir
ou eliminar as operações naturais. Tal princípio se aplica no âmbito da
sociedade política, pois na concepção tradicional, o homem é um animal
político, e o indivíduo, que não distinto da “pessoa”, sendo esta uma substância
22
individual de natureza racional, no ensinamento de Boécio tende para
sociedade como a parte tende ao seu modo para o todo, com subsidiariedade23
e de totalidade24. Portanto, o estado, enquanto criatura de Deus, deve
reconhecer Sua soberania, deve reconhecer a verdadeira religião pelos sinais
certíssimos (as profecias e os milagres) e pelos motivos de credibilidade que
invencivelmente comprovam a origem divina da religião católica, e precisa
portanto render culto a Deus enquanto pessoa moral do estado, pois não
somente os indivíduos, mas o estado enquanto tal deve render culto a Deus e
precisa se subordinar (sem se mesclar) à sociedade divina que Jesus Cristo
fundou, para que justamente a estrutura política não seja impedida de exercer
de modo pleno e permanente seus próprios fins, para que não se degenere em
suas vicissitudes oriundas do pecado original.
O Papa Leão XIII25 (1810-1903) em sua encíclica Immortale Dei, deixa claro o
dever dos estados em favorecer e professar a verdadeira religião, que só pode
ser uma, como um só é o verdadeiro Deus26.
22
Segundo Boécio, a pessoa é o que há de mais perfeito na natureza, pois consiste no modo
mais digno de existir.
23
Princípio no qual o superior não deve atuar naquilo que o inferior consegue realizar em seu
âmbito próprio.
24
A ordenação das partes ao todo.
25
Leão XIII (1810-1903), nascido Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci, foi Papa da Igreja
Católica de 1878 até sua morte, em 1903.
26
Devem, pois, os chefes de Estado ter por santo o nome de Deus e colocar no número dos
seus principais deveres favorecer a religião, protegê-la com a sua benevolência, cobri-la com a
autoridade tutelar das leis, e nada estatuírem ou decidirem que seja contrário à integridade
dela. E isso devem-no eles aos cidadãos de que são chefes. Todos nós, com efeito, enquanto
Quando Jesus Cristo disse “Meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36), Ele
não estava advogando por uma autonomia ou independência do poder
temporal com relação ao poder espiritual, mas estava afirmar que Seu Reino
possui raiz divina, não possui origem neste mundo, mas se dá sobre este
mundo com a fundação da Igreja que dispensa Sua Graça aplicando a
Salvação a todos os homens e se consuma na Pátria Celeste; do mesmo modo
quando Cristo diz “dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César” (Mt
22, 21), não estava a advogar por uma separação entre Estado e Igreja, nem
uma subordinação acidental de fins entre um poder e outro, mas a distinção de
jurisdições em que cada um cuidaria de seu âmbito próprio, porém, o âmbito
inferior se subordina direta e essencialmente aos fins do âmbito superior, tendo
ambos de prestar vassalagem a Cristo Rei, Criador, Senhor e Redentor do
gênero humano.
existimos, somos nascidos e educados em vista de um bem supremo e final ao qual é preciso
referir tudo, colocado que está nos céus, além desta frágil e curta existência. Já que disso é
que depende a completa e perfeita felicidade dos homens, é do interesse supremo de cada um
alcançar esse fim. Como, pois, a sociedade civil foi estabelecida para a utilidade de todos,
deve, favorecendo a prosperidade pública, prover ao bem dos cidadãos de modo não somente
a não opor qualquer obstáculo, mas a assegurar todas as facilidades possíveis à procura e à
aquisição desse bem supremo e imutável ao qual eles próprios aspiram. A primeira de todas
consiste em fazer respeitar a santa e inviolável observância da religião, cujos deveres unem o
homem a Deus.
Quanto a decidir qual religião é a verdadeira, isso não é difícil a quem quiser julgar disso com
prudência e sinceridade. Efetivamente, provas numerosíssimas e evidentes, a verdade das
profecias, a multidão dos milagres, a prodigiosa celeridade da propagação da fé, mesmo entre
os seus inimigos e a despeito dos maiores obstáculos, o testemunho dos mártires e outros
argumentos semelhantes, provam claramente que a única religião verdadeira é a que o próprio
Jesus Cristo instituiu e deu à sua Igreja a missão de guardar e propagar.
Porquanto o Filho único de Deus estabeleceu na terra uma sociedade a que chamamos a
Igreja, e encarregou-a de continuar através de todas as idades a missão sublime e divina que
Ele mesmo recebera de seu Pai. “Assim como meu Pai me enviou, eu vos envio” (Jo 20, 21). “E
eis que eu estou convosco até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20). Do mesmo modo, pois,
que Jesus Cristo veio à terra a fim de que os homens “tivessem a vida e a tivessem mais
abundantemente” (Jo 10, 10), assim também a Igreja propõe-se como fim a salvação eterna
das almas; e, nesse intuito, é tal a sua constituição que ela abrange na sua extensão a
humanidade inteira e não é circunscrita por limite algum nem de temo, nem de lugar. “Pregai o
Evangelho a toda criatura” (Mt 16, 15).”) baseados não na força, mas na evangelização, na
educação e ensino dos povos, pelo reconhecimento dos preâmbulos da Fé que dão razões
apodícticas que mostram a credibilidade da religião católica e a falsidade das demais religiões,
e tais considerações possuem peso público em ordem ao bem comum.
“Numa palavra, possui o domínio de todas as criaturas, não por ter
arrebatado com violência, senão em virtude de sua essência e
natureza” (In Lucam, 10). Esse poder dimana daquela admirável união
que os teólogos chamam de “hipostática”. Portanto, não só merece
Cristo que anjos e homens O adorem como a seu Deus, senão que
também devem homens e anjos prestar-Lhe submissa obediência
como Homem. E, assim, só em força dessa união hipostática, a Cristo
cabe o mais absoluto poder sobre todas as criaturas, posto que,
durante Sua vida mortal, renunciasse ao exercício desse domínio. —
Mas haverá, outrossim, pensamento mais suave do que refletir que
Cristo é nosso Rei não só por direito de natureza, mas também a título
de Redentor? Lembrem-se os homens esquecidos de quanto
custamos a nosso Salvador: “Não fostes resgatados a preço de coisas
perecíveis, prata e ouro, mas com o sangue precioso de Cristo, como
de cordeiro sem mancha nem defeito” (1 Pd 1,18-19). Já não nos
pertencemos, pois que deu Cristo por nós “tão valioso resgate” (I Cor
6,20). Até nossos corpos são “membros de Cristo” (I Cor 6,15). 27
Enfatiza ainda o Santo Padre que tal realeza é universal, sobre todos os povos
e nações, cristãos e não-cristãos, sendo de dimensão eminentemente
espiritual, possuindo também uma necessária e devida dimensão temporal:
27
Cf. PIO XI, Quas Primas, 1925.
como ainda a mansidão, a fome e sede da justiça, a abnegação de si
mesmo, para carregar com a Cruz. Foi para adquirir a Igreja que
Cristo, enquanto “Redentor”, verteu o seu sangue; para isto é que,
enquanto “Sacerdote”, se ofereceu e de contínuo se oferece como
vítima. Quem não vê, em consequência, que sua realeza é de índole
toda espiritual e participa da natureza deste seu duplo ofício?
CONCLUSÃO
28
Cf. PIO XI, Quas Primas, 1925.
condições que Ele estabeleceu, sendo tal dever exercido por meio da
sociedade que Deus instituiu, a Igreja Católica Apostólica Romana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS