O Direito Urbanístico Brasileiro Na Preservação de Centros Históricos. SILVA, Eder Donizeti Da Silva

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Eder Donizeti da Silva

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO


NA PRESERVAÇÃO
DE CENTROS HISTÓRICOS
[
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
REITOR ^
Valter Joviniano de Santana Filho
VICE-REITOR
Rosalvo Ferreira Santos

EDITORA UFS
coordenadora do programa editorial

Maíra Carneiro Bittencourt Maia


coordenador gráfico

Luís Américo Silva Bonfim


conselho editorial

Alisson Marcel Souza de Oliveira


Ana Beatriz Garcia Costa Rodrigues
Carla Patrícia Hernandez Alves Ribeiro César
Cristina de Almeida Valença Cunha Barroso
Fernando Bittencourt dos Santos
Flávia Lopes Pacheco
Jacqueline Rego da Silva Rodrigues
Joaquim Tavares da Conceição
Luís Américo Silva Bonfim
Maíra Carneiro Bittencourt Maia (Presidente)
Ricardo Nascimento Abreu
Yzila Liziane Farias Maia de Araújo

Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos


CEP 49.100 – 000 – São Cristóvão – SE.
Telefone: 2105 – 6922/6923. e-mail: [email protected]
www.editora.ufs.br
[
Eder Donizeti da Silva
^

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO


NA PRESERVAÇÃO
DE CENTROS HISTÓRICOS

São Cristóvão/SE
2021
[

BY NC SA ^
Obra selecionada e publicada com recursos públicos advindos do Edital
001/2020 do Programa Editorial da UFS.

Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de


1990, adotado no Brasil em 2009.

projeto gráfico e diagramação

Alana Gonçalves de Carvalho Martins

capa

Adriana Dantas Nogueira

arte final de capa

Alana Gonçalves de Carvalho Martins

desenhos

Eder Donizeti da Silva


Adriana Dantas Nogueira

ficha catalográfica

Biblioteca Central – Universidade Federal de Sergipe

Silva, Eder Donizeti da


S586d O direito urbanístico brasileiro na preservação de centros históricos
[recurso eletrônico] / Eder Donizeti da Silva. – São Cristóvão, SE : Editora
UFS, 2021.
420 p. : il.

e-ISBN: 978-65-86195-53-8

1. Direito urbanístico – Brasil. 2. Centros históricos – Conservação e


restauração – Brasil. 3. Patrimônio cultural – Proteção. I. Título.

CDU 711.025:34(81)
[
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
^

ABRC - Advisory Board for Redundant Churches – UK


APA - Área de Proteção Ambiental
APAC - Área de Proteção do Ambiental Cultural
APCP - Áreas de Proteção Cultural e Paisagística
(Município de Salvador)
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNH - Banco Nacional de Habitação
CADES - Conselho Municipal do Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável
CAUE - Conselho de Arquitetura, de Urbanismo e de Meio
Ambiente – França
CCC - Council for the Care of Churches – UK
CE/BA - Constituição Estadual da Bahia
CE/MG - Constituição do Estado de Minas Gerais
CE/PE - Constituição do Estado de Pernambuco
CE/RJ - Constituição Estadual do Rio de Janeiro
CE/SP - Constituição do Estado de São Paulo
CF/88 - Constituição da República Federativa do Brasil
promulgada em 5 de outubro de 1988
CIAM - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
CMPC - Conselho Municipal de Proteção Cultural (RJ)
[
CNPU - Conselho Nacional de Política Urbana
CNRC - Centro Nacional de Referência Cultural ^
CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico (Estado de São Paulo)
CONPRESP - Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo
CPC - Código Processo Civil
DGPC - Departamento Geral de Proteção Cultural (RJ)
DPHAN - Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
EIA - Estudo de Impacto Ambiental
EIV - Estudo de Impacto de Vizinhança
EMBRATUR - Instituto Brasileiro de Turismo
EUA - Estados Unidos da América
FINEP - Financiadora de Estudos e Projeto
FUNPAT - Fundo Estadual de Recuperação do Patrimônio Histórico,
Artístico e Arquitetônico do Estado de Minas Gerais
GLC - Greater London Council
HBMC - The Historic Building and Monuments Comission for
England
HBMC - Historic Building and Monuments Comission for England
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis
IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
ICMS - Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços
[
ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
IEP - Imóveis Especiais de Preservação ^
IEPHA - Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
de Minas Gerais
INEPAC - Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do
Rio de Janeiro
IPAC - Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
IPCR - Instituto Português de Conservação e Restauro
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPPAR - Instituto Português do Patrimônio Arquitetônico
IPTU - Imposto Sobre a Propriedade Predial e
Territorial Urbana
ISS - Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
ITBI - Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis
ITR - Imposto Territorial Rural
LOMBH - Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte
LOMR - Lei Orgânica do Município do Recife
LOMRJ - Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro
LOMS - Lei Orgânica do Município de Salvador
LOMSP - Lei Orgânica do Município de São Paulo
LRF - Lei de Responsabilidade Fiscal
LUOS - Lei de Uso e Ocupação do Solo (Município do Recife)
MEC - Ministério da Educação e Cultura
MinC - Ministério da Cultura
MP - Ministério Público
[
OEA - Organização dos Estados Americanos
ONGs - Organizações Não Governamentais ^
PAC - Plano Aceleração do Crescimento
PADOG - Plan d´aménegement et d´organisation genérale
PCH - Programa das Cidades Históricas
PD - Plano Diretor
PDBH - Plano Diretor de Belo Horizonte
PDCR - Plano Diretor da Cidade do Recife
PDDU - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
(Município de Salvador)
PDESP - Plano Diretor Estratégico de São Paulo
PDRJ - Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro
PEUC - Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsória
PND - Planos Nacionais de Desenvolvimento
POS - Planos de Ocupação do Solo de Paris
PPSH - Planos de Preservação de Sítios Históricos Urbanos
PRONAC - Programa Nacional de Apoio à Cultura
PRSH - Programa de Revitalização de Sítios Históricos
RIMA - Relatório de Impacto Ambiental
SAVAM - Sistema de Áreas de Valor Ambiental e Cultural
(Município de Salvador)
SDAU - Sistema de Desenvolvimento da Arquitetura e
Urbanismo de Paris
SEMA - Secretaria de Estado do Meio Ambiente
[
SEPLAM - Secretaria do Planejamento Urbano e Ambiental
(Recife) ^
SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SFH - Sistema Financeiro da Habitação
SHPO - State Historic Preservation Officer (EUA)
SHU - Sítio Histórico Urbano
SIMA - Sistema de Informações Ambientais (Recife)
SIRMARN - Sistema de Monitoramento Ambiental e
dos Recursos Naturais por Satélite
SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente
SNI - Serviço Nacional de Informações
SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação
da Natureza
SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SUDEPE - Superintendência de Desenvolvimento da Pesca
SVMA - Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente
(São Paulo)
TAC - Termo de Ajustamento de Conduta
TACC - Termo de Ajustamento de Conduta Cultural
TCFA - Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental
TDC - Transferência do Direito de Construir (Recife)
TICP - Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem
TRANSCON - Transferência do Direito de Construir
(Município de Salvador)
TSA - Taxa de Serviços Ambientais
[
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura ^
URBIS - Programa de Reabilitação Urbana de Sítios Históricos
UTDC - Unidade de Transferência do Direito de Construir
VAT - Taxa de valor adicionado direcionado a
Coroa Inglesa
ZAN - Zona Ambiental Natural (Município do Recife)
ZE - Zonas Especiais
ZEIS - Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio
Histórico-Cultural
ZEPA - Zonas Especiais de Proteção Ambiental
(Município do Recife)
ZEPEC - Zonas Especiais de Preservação Cultural
ZEPH - Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio
Histórico (Recife)
ZNIFF - Zonas Naturais Internacionais de Fauna e
Flora – França
ZPPAUP - Zonas de Proteção do Patrimônio Arquitetural,
Urbano e Paisagens – França
[
SUMÁRIO
^

INTRODUÇÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

– 1– – 4– – 7–
Construção Teórica das A Busca da Materialização dos Instrumentos Legais de
Ações Preservacionistas e Paradigmas em Leis Preservação do Patrimônio:
Intervencionistas Sobre o do Tombamento ao Termo de
Patrimônio Ambiental Urbano – 5– Ajustamento de Conduta
Breve História da Preservação
– 2– do Patrimônio Ambiental Urbano – 8–
As Transformações nas Constituições Brasileiras A Competência dos Estados e
das Ações Preservacionistas e Anteriores a 1988 Municípios Brasileiros na
Intervencionistas Através da Preservação e Reabilitação de
Avaliação das Normas Nacionais – 6– Centros Históricos
e Internacionais Repensando Caminhos com
a Constituição de 1988: – 9–
– 3– a Promoção do Direito As Ações
As Ações Preservacionistas Urbanístico ou a Confirmação Aplicadas ao Patrimônio
e Intervencionistas Sobre os da Antiga Legislação Natural e suas Possíveis
Centros Históricos de Alguns Referente à Preservação e Transferências para o
Países Comparadas as do Brasil Restauro no Brasil Patrimônio Ambiental Urbano
[
INTRODUÇÃO
^

A existência de uma heterogeneidade saudável no conheci-


mento das coisas entre a Arquitetura, o Urbanismo e o Direito, a
interdisciplinaridade exigível, perante a presença e manifestações de
transformações sociais, políticas, econômicas, religiosas e do próprio
ser humano, como um fluxo contínuo, ligado à percepção da realida-
de, a qual vem sendo construída nos espaços urbanos, provocou a
definição de um tema que enfatiza o estudo de um ramo do Universo
Jurídico – o Direito Urbanístico – confrontando-o com a necessidade
de superar dúvidas, omissões, questionamentos, desarticulações e
desconhecimento constitucional do emprego de Leis para a preser-
vação de Centros Históricos.
A ideia O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO
DE CENTROS HISTÓRICOS foi sendo elaborada pela observação da
fragilidade presente no conjunto da maioria das propostas de re-
valorização/revitalização dos espaços históricos urbanos, nas quais
a natureza das controvérsias e as críticas sempre apontam algumas
constâncias relacionáveis ao Direito da Propriedade, à problemática
da intervenção administrativa sobre os bens tuteláveis, à inoperân-
cia dos instrumentos de gestão urbana, ao embate entre o Direito
de Construir e à finalidade social dos bens patrimoniais, à discussão
entre as competências e a inserção de novos modelos de ações jurídi-
cas tutelares. Ao abordar causas para esses problemas, com base em
vários estudos, como a centralização dos processos decisórios pelas

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 12


[
áreas técnicas, a morosidade dos processos de tombamento, o tom-
bamento como o “maior” instrumento consagrado para a preservação ^
e a nova realidade institucional dos Estados e Municípios brasileiros
a partir da CF/88, constroem-se provocações quanto aos contextos
arquitetônicos e urbanísticos e o provável desalinhamento frente à
aspectos jurídicos preservacionistas.
A delimitação e definição dos fatos a serem investigados con-
vergem para o tratamento legal dos espaços urbanos conhecidos
pelo senso comum como Centros Históricos, nos quais os problemas
presentes serão descritos e explicados como, por exemplo, a própria
determinação e interpretação legal dos limites e conceitos de um
Centro Histórico, de um Sítio Histórico Urbano e de um Conjunto His-
tórico Urbano, a paradigmática situação do tratamento jurídico dos
locais urbanos históricos frente às necessidades de renovação de uso,
o trato constitucional desses espaços na aplicação das competências,
os motivos resultantes das destruições, deteriorações, alterações e
transformações sofridas pelo Patrimônio Ambiental Urbano median-
te os aspectos jurídicos que denotam uma problemática conceitual
de tombamentos individuais contraditórios à necessidade prática do
tombamento de conjuntos patrimoniais urbanos.
As Leis, Decretos e Artigos Constitucionais diretamente ligados
à tutela dos bens serão abordadas, como o Decreto-lei 25/37, que
apresenta uma rotina de aplicação legislativa sobre o bem patrimo-
nial que deve ser entendida; A análise desse instrumento, desde a
notificação, o recorrer ou aceitação do proprietário notificado, a qual,
a princípio, apresenta-se teoricamente simples, pode resultar em
desdobramentos jurídicos como, por exemplo, a desapropriação, a
servidão administrativa, o poder de venda, a limitação de uso, a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 13


[
alteração da originalidade; condições que serão estudadas pela lei-
tura de alguns estudiosos do campo jurídico como José Afonso da ^
Silva, Hely Lopes Meirelles, Ricardo Pereira Lima, Paulo Affonso Leme
Machado, Sonia Rabello de Castro, Edesio Fernandes e outros.
O estudo de instrumentos legais usados para a preservação
e reabilitação de Centros Históricos, tanto as figuras jurídicas co-
nhecidas, como o Tombamento e, Leis complementares, como o
Destombamento, forneceram discussões sobre os mesmos, como
a consideração que muitos autores fazem sobre as restrições jurídi-
cas apresentadas pelo Tombamento, a indicação desse instrumento
como uma medida implícita de supremacia do interesse público
sobre o privado, o seu aspecto contraditório, ou seja, ao mesmo
tempo em que protege, oferece possibilidades de alteração do
valor imobiliário dos bens protegidos, situação na qual, muitas vezes,
a compensação torna-se punição.
São apresentados os mecanismos de penalidades previstas
pelos instrumentos normativos presentes nas Leis Federais e Estaduais
comparados a um estudo de atuações Legislativas Municipais,
identificando os meios que têm sido usados ou que podem ser utili-
zados no auxílio de um maior equilíbrio entre preservar e conceder
à sociedade as formas de garantias legais que lhes são asseguradas
como: o imposto progressivo sobre os imóveis, do imposto sobre
a valorização imobiliária, o direito de preferência na aquisição de
imóveis urbanos, a desapropriação por interesse social ou utilidade,
a discriminação de terras públicas, os regimes especiais de proteção
urbanística e preservação ambiental, a isenção do IPTU, a concessão
do direito real de uso, o próprio instrumento do tombamento na sua
característica municipal; são temas presentes, associados à análise do

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 14


[
Estatuto da Cidade, reconhecendo novas possibilidades no tratar o
Patrimônio Ambiental Urbano. ^
A leitura teórica legislativa nacional, passando pelas Consti-
tuições Brasileiras e comparando a questões teóricas internacio-
nais de importância, fornecem a possibilidade de visualizar até
que ponto ocorrem aproximações entre o tratamento dado aos
bens patrimoniais em outros países e o tratamento dado aos bens
patrimoniais nacionais; fornecendo subsídios a hipótese de que a
legislação de preservação e restauro existente no Brasil merece ser
revisitada, debatida e discutida, uma vez que desarticulações en-
tre as competências são visíveis, ineficiências e limitações também
são constantes, por exemplo, o Tombamento seria o melhor ato
de defesa jurídica do patrimônio? Até que ponto a nova realidade
constitucional atua sobre as competências de cada ente institu-
cional na defesa do bem patrimonial? Os processos de julgamento
de tombamento são realmente lentos? Até que ponto a ocorrência
da centralização das decisões são desfavoráveis à preservação dos
Centros Históricos?
Um dos objetivos deste estudo é avaliar a eficiência de uma
legislação específica para a preservação e reabilitação de Centros
Históricos, uma vez que a demonstração das correntes jurídicas
que afirmam e negam esta situação serão colocadas em discus-
são; outro objetivo é a análise da gênese da legislação brasileira
de preservação e restauro e a lógica com a qual as principais teo-
rias foram construídas e se materializaram em propostas jurídicas e
como as questões políticas e do poder foram sendo articuladas em
discursos aceitos e não aceitos na alegação dessas Leis, chegando a
certas formulações jurídicas relacionáveis a uma “pretensa” posição

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 15


[
de pós-modernidade x modernidade na aplicabilidade de Leis na
preservação dos Centros Históricos. ^
O Livro está estruturado em três partes, a primeira parte busca
alicerçar o conhecimento da preservação abordando a TEORIA DAS
AÇÕES PRESERVACIONISTAS E INTERVENCIONISTAS SOBRE O PATRI-
MÔNIO AMBIENTAL URBANO; vários períodos da história e teoria
da conservação e restauro são analisados, comparando-os com as
transformações urbanas sofridas em áreas centrais das cidades, ana-
lisando as complexidades intervencionistas que nasceram devido a
ideologias e ao senso comum, determinando a proteção do conjunto
de bens portadores de identidade e memória no espaço considerado
histórico, sempre em constante conflito com os projetos de transfor-
mações urbanas provocadas pelas mudanças sociais, culturais, políti-
cas e econômicas.
A segunda parte, A DIALÉTICA E A NÃO DIALÉTICA EXISTENCIAL
DA LEGISLAÇÃO PATRIMONIAL NO BRASIL, depara-se na dificuldade
natural de entender o jogo de contradições entre os elementos de
uma ideologia do pensar e mecanismos veiculados no processo de
construção das Leis; Analisando como as ideias envoltas no amplo
contexto da filosofia existencial humana sofrem e provocam tensão
e forças contraditórias, as quais ao mesmo tempo em que repelem
atitudes formadoras de pretensas verdades, também as atraem como
partes intrínsecas ligadas e engendradas nos próprios argumentos
discursivos e materializadores das Leis.
A terceira parte, OS LIMITES DO DIREITO URBANÍSTICO BRASILEI-
RO E SUAS POSSIBILIDADES NA APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO DE
PRESERVAÇÃO E REABILITAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS, lida direta-
mente com as problemáticas urbanas referentes à tutela do Patrimônio

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 16


[
Ambiental Urbano, apontando os limites da Legislação Urbanística
Brasileira relativa à preservação e reabilitação, os instrumentos legais ^
do Direito Urbanístico e do Estatuto da Cidade, que podem ser usa-
dos para essa finalidade, demonstrando, como alguns Municípios no
Brasil têm agido sobre essas questões e as Leis mais aplicadas; assim
como as transferências possíveis de ações entre o (Direito Ambiental)
Patrimônio Natural e o Patrimônio Ambiental Urbano.
A proposta deste livro se insere na provocação da discussão
da manutenção ou mudança instrumental jurídica na proteção do
Patrimônio Ambiental Urbano (ainda denominado pelo ente federal
de Sítios Históricos Urbanos e pelo senso comum de Centros Históricos),
apoiada na interdisciplinaridade do conhecimento da Arquitetura,
Urbanismo e Direito; seu desenvolvimento foi alicerçado na compreen-
são, apreensão, aceitação e ou negação dos instrumentos jurídicos
tutelares e de acautelamento sobre os Centros Históricos, assim como
na reflexão sobre outros meios jurídicos de proteção patrimonial dos
conjuntos urbanos portadores de identidade e memória compar-
tilhados pela legislação ambiental e pelos instrumentos de gestão
urbana, visando a possibilidade de proteger com maior eficiência
e sustentabilidade o conjunto representativo das relações sociais
humanas possibilitando a sua fruição ás futuras gerações.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 17


[

PRIMEIRA PARTE

TEORIA DAS AÇÕES PRESERVACIONISTAS


E INTERVENCIONISTAS
SOBRE O PATRIMÔNIO AMBIENTAL URBANO
[
– 1–
^
Construção Teórica das Ações
Preservacionistas e Intervencionistas Sobre o
Patrimônio Ambiental Urbano

O início da história e teoria da preservação e


intervenção em Centros Urbanos

Como em qualquer outra área de estudo, a demarcação do início


de uma atividade não é tarefa fácil, no caso do estudo das cidades,
relativo a aplicação de uma teoria preservacionista e intervencionista,
essa dificuldade pode ser tratada por várias ideologias, a mais aceita é
a de que o período a partir da II Revolução Industrial (1850)1, que pro-
move toda uma alteração do modo de vida social, econômico, político
e cultural urbano, seria a época quando nascem essas preocupações
e a formulação de bases teóricas, relacionadas às necessidades cres-
centes advindas das problemáticas sanitárias, técnicas, habitacionais
e industriais. Mas, nada teria acontecido antes desse período? Para
alguns autores, a complexidade dessa pergunta poderia ser reduzida
estudando esse universo a partir da determinação da urbanização e
suas problemáticas pela simples definição de urbanização pré-capita-
lista e a urbanização sob o processo capitalista2.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 19


[
Um dos fatores marcantes na possibilidade de entender a apli-
cação de processos teóricos na preservação e restauro e nas inter- ^
venções urbanas antes do capitalismo recai na análise dos impérios
clássicos, uma vez que ocorreu o aumento do número de cidades,
estendendo o sentido da urbanização, na qual a relação de troca é
muito mais acentuada, e também porque começa a ocorrer uma divi-
são social do trabalho. Na Grécia e, especialmente, em Roma, as cida-
des passaram a apresentar possibilidades teóricas preservacionistas
e intervencionistas muito maiores do que em civilizações anteriores.
O apogeu pode ser verificado em Roma, que atingiu, no século II e III
d.C., mais ou menos dois mil hectares e uma população entre sete-
centos mil e um milhão de habitantes, e que têm nas propostas teó-
ricas de Marco Vitrúvio Políão as concepções mais interessantes na
formulação dos espaços urbanos3.
O Período Feudal é um marco interessante nos processos de
pensamento preservacionista e intervencionista, acredita-se que a
questão intervencionista esteja plenamente em vigor nessa época,
em contrapartida à questão preservacionista, talvez não esteja sendo
tão praticada, pois a carência de material e o fechamento das relações
comerciais extra regionais obrigaram o homem medieval a práticas
de pilhagem dos antigos monumentos. Um dos exemplos mais mar-
cantes é o do Panteão (obra de 110-120 d.C.)4, que durante toda a
Idade Média, Renascimento e Barroco passou por processos de inter-
ferência arquitetônica e alteração de uso.
Na Idade Média as ações aplicadas estiveram voltadas mais para
a sobrevivência direta do que propriamente para a formulação de ati-
tudes de preservação; as intervenções foram mecanismos utilizados
no sentido de extrair ou modificar os locais urbanos para prover as

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 20


[
aglomerações de proteção e defesa, não se preocupando com a des-
truição de monumentos ou locais do passado. O sentido da Teoria da ^
Preservação e Restauro, ou mesmo da noção de Urbanização, só vai
ser evidenciado a partir do Renascimento Intelectual na Europa e es-
pecialmente da Revolução Industrial.
Como Castells (1961. p. 15) havia interpretado, o entendimen-
to da cidade está estabelecido na compreensão das relações entre o
espaço construído e as transformações estruturais de uma socieda-
de, portanto, as cidades e seus centros urbanos, sofrem, da metade
do século XVIII ao final do século XIX, importantes interferências e
transformações, seja pela tendência de concentrar as fábricas nesses
locais, seja pela tendência posterior de transferir as fábricas para fora
das cidades, principalmente setores ligados a indústrias mais pesadas
como a metalurgia, para que estivessem próximas às fontes de ener-
gia. De qualquer forma, as cidades e seus centros urbanos, agora já
até chamados de Centros Antigos, passaram a ser repensados dentro
das questões paradigmáticas ou mesmo dentro das mudanças estru-
turais do papel da cidade.
O crescimento das cidades tornou central a área antes com-
preendida por todo o núcleo urbano, formando ao seu redor uma
nova faixa considerada periferia. No núcleo urbano se amontoavam
trabalhadores, o Estado não elaborava planos urbanos, nem regu-
lamentos e nem fiscalizava a forma pelas quais a cidade vinha sen-
do produzida, ele próprio passou a ser um especulador, vendendo
muitos terrenos públicos para pagar suas dívidas, a classe dominante
aproveitou este momento para realizar seus investimentos imobiliá-
rios. A partir desse contexto, que se iniciam as “clássicas” teorias de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 21


[
preservação e intervenção nos centros urbanos pensados a partir de
questões sanitárias e de embelezamento das cidades. ^
Paralelo a essas ações de saneamento e embelezamento do
espaço urbano, inicialmente conectado a Revolução Industrial na
Inglaterra, ocorreu na França uma revolução mais social, apesar de
também pautada na economia, entretanto, alicerçada no mercanti-
lismo, diferente da proposta inglesa do comercialismo5; portanto, o
processo da construção teórica preservacionista e intervencionista
assenta-se sobre duas bases: a primeira a partir de um problema eco-
nômico (Revolução Industrial) e a segunda a de um problema cultural
(Revolução Francesa).
A Revolução Francesa proporcionou a reflexão existencial sobre
várias questões entre as quais seu meio ambiente arquitetônico her-
dado, ou seja, patrimônio. A Revolução Francesa partia da necessida-
de de relacionar-se com suas raízes culturais e as heranças do passado
eram fundamentais como desejo de reconhecer-se como francês no
momento em que a cidade de Paris e sua população se lançavam a
uma campanha que impunha a destruição de uma série de objetos
significativos; isso obrigou o governo a tomar atitudes e ações pro-
tecionistas desse patrimônio, é nesse momento que se formulam as
primeiras teorias preservacionistas sob a urbanização capitalista.
A Razão colocada a serviço do conhecimento e como antídoto
do medo propôs liberar os homens da ignorância, das superstições e
do obscurantismo, tomando-se a ciência como paradigma do saber,
produziu-se a desarticulação de dois mundos, o do passado (preser-
vacionista) e o do presente (intervencionista), todavia, não de forma
separada, mas entrelaçados complexamente nas teorias praticadas
a partir desse momento na Inglaterra e na França. Na Inglaterra, a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 22


[
visão romântica viu no passado um mundo ideal, perdido, facilmen-
te explicado pelas problemáticas urbanas e humanas inseridas pela ^
Revolução Industrial; na França, desenvolveu-se uma repercussão
eminentemente política e cultural que pretendia romper com o
passado e buscar a luz no futuro; apoiadas nesses axiomas é que se
processam as ações intervencionistas e preservacionistas modernas.
Após todo esse caminhar pela história, já é possível revelar o
conceito de certas palavras usadas até o momento, como interven-
ção, palavra que pode servir a propósitos sensíveis e conscientes,
implícita ou explícita, e que no capitalismo pode ser resultado de
ações públicas ou privadas, e gerar ordem/desordem no espaço
urbano, mas que sobre uma preexistência do patrimônio pode conter
o sentido de consolidar esse patrimônio, refuncionalizar, revitalizar,
reciclar, reabilitar, requalificar, reconstruir, cuja operacionalidade
exige por parte de quem vai aplicá-la uma filosofia, uma teoria e uma
postura que a respalde.
A palavra preservação recai no contexto legislativo, pois inclui
uma série de pré-requisitos visando a proteção, ou melhor, a tutela do
bem patrimonial. Já a palavra restauração não define a conservação
de um edifício, ou sua reparação, mas entende como restituí-lo a
um estado de integridade que pode jamais haver existido. Apesar
de teoricamente contraditório, é impossível reverter um prédio ou
um conjunto patrimonial ao seu estado original, pois o tempo é
irreversível; a palavra em latim “restaurare”6 significa recuperar ou
recobrar, reparar, renovar ou voltar ao estado de originalidade que
antes teoricamente a coisa possuía.
Se admitido o reconhecimento de que as ações, apesar de prati-
cadas antes da Revolução Industrial e Francesa, não foram praticadas

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 23


[
com a consciência moderna capitalista, também não é difícil enten-
der a inexistência desse processo preservacionista antes de 1930 no ^
Brasil. Para tanto, interessante é notar que, em 1822, o país contava
apenas com duzentos e dezenove núcleos urbanos7, a grande maio-
ria de tamanho insignificante, o que contrastava com as questões
europeias e mesmo com a América Espanhola. Apesar das cidades
brasileiras terem esse aspecto irregular, polinuclear e contorno inde-
finido, conforme argumenta Murillo Marx (1991, p. 20), suas cidades
começam a apresentar sinais expressivos de mudanças urbanas ape-
nas a partir do final do século XIX.
Se a grande maioria dos estudiosos sobre o assunto concorda
em admitir o século XVIII como o portador de mudanças que desa-
guaram nas teorias preservacionistas e intervencionistas internacio-
nais modernas e o início de sua aplicação no século XIX, no caso
brasileiro a demarcação mais aceita recairia em meados do século XX,
para ser mais preciso, em 1936, com a formulação de leis e práticas
decorrentes da política Varguista, que pretendia o reconhecimento
do homem novo nacional (Estado Novo) apoiado nas propostas pro-
gressistas, trabalhistas e populistas de seus longos anos à frente do
Governo Federal. Foram essas propostas teóricas empreendidas por
Mario de Andrade, Lúcio Costa, Rodrigo Melo Franco de Andrade e
Gustavo Capanema, com as quais teriam se iniciado as ações de
preservação (construção da identidade patrimonial nacional) em
locais como na cidade de Ouro Preto, entre outras, e formuladas as
propostas tutelares que viriam a ser levadas a cabo durante todo o
século XX no Brasil.
Independente de se gerar uma data preciosa para estabelecer o
início das ações, tanto no modelo internacional, quanto no nacional,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 24


[
o importante é estabelecer um estudo visando entender a questão
teórica das ações preservacionistas e intervencionistas a partir dos ^
efeitos provocados nas áreas urbanas centrais pela Revolução Indus-
trial e Cultural e sua continuidade. Para tanto é necessário analisar
os modelos que podem ser chamados de paradigmáticos, ou seja,
o Modelo de Embelezamento e Saneamento, o Modelo Modernista, o
Modelo Historicista e o Modelo Desenvolvimentista que, ao serem pra-
ticados sobre o patrimônio urbano de outros países, irão produzir,
posteriormente, influências plenamente perceptíveis nas ações tute-
lares sobre o patrimônio urbano nacional.

As ações preservacionistas e intervencionistas do


Modelo do Embelezamento e do Saneamento

O Modelo de Embelezamento e do Saneamento é verificável a


partir das intervenções urbanas do Barão Haussmann, prefeito de
Paris sob o governo de Napoleão III, de 1853 a 1870, são marcos da
alteração das práticas de Estado para áreas centrais que definiram
uma ruptura sócio espacial e transformações de lógicas urbanas
“pluralistas” para lógicas urbanas capitalistas8. O que se precisa en-
tender nesse contexto era a formação de uma mentalidade9 de um
pensamento coletivo no qual predominava a destruição dos antigos
símbolos da monarquia e, em contrapartida, o governo se susten-
tava tentando impor uma cultura de proteção à tradição francesa
representada por estes símbolos.
Nesse aspecto, levantam-se duas problemáticas teóricas, uma
intervencionista, a de Haussmann, e outra preservacionista (ou prote-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 25


[
cionista), a de Viollet Le Duc. O que ambas têm em comum é que são
patrocinadas dialeticamente pelo mesmo governo, é claro que com ^
seus tons e nuanças de contradições e celeumas. Enquanto Haussmann
iniciava uma remodelação do Centro de Paris, Le Duc e outros defen-
diam a preservação e restauração da arquitetura gótica e seus locais
urbanos como portadores da tradição e cultura do povo francês.
Entre as intervenções de Haussmann e as ações restauradoras de
Viollet Le Duc não existem apenas pontos em comum, mas também
divergências, se para Haussmann pode-se tolerar as mutilações e aci-
dentes, ou seja, demolições e desapropriações, para Viollet Le Duc é
possível fazer as alterações necessárias sem recorrer aos extremos,
contudo, caso a estrutura tenha de ser mudada para salvaguardar o
monumento, todas as alterações necessárias devem ser realizadas.
Entender as diferenças das ações praticadas na França comparando
Haussmann e Viollet Le Duc, apresenta o mesmo propósito no enten-
der as diferenças no caso Inglês representado pelos pré-urbanistas
progressistas10 como Robert Owen, Charles Fourier e Jean Baptiste
Godin e, especialmente, pelos culturalistas como William Morris,
Augustus Welby e Northmore Pugin, comparados com o preserva-
cionista John Ruskin11.
John Ruskin vê na questão da divisão do trabalho, assim como
Friedrich Engels, o problema central do desenraizamento e desna-
turação do homem moderno. Para ele, o homem não foi feito para
trabalhar como a precisão dos instrumentos, para serem precisos e
perfeitos em cada ação; se a pretensão é obter tal precisão, se o desejo
é que os dedos funcionem como mecanismos, como as engrenagens
das máquinas, o homem se torna desumano. Dessa forma, pode-se
entender como esse personagem propõe que todas as construções

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 26


[
de Londres sejam preservadas e como ele vê na cidade e em sua pre-
servação a verdade para a salvação do homem mediante os arroubos ^
tecnológicos da máquina. O amor de John Ruskin pela preservação
dos espaços urbanos encontrou guarida teórica na cidade de Veneza,
resultando a obra “As Pedras de Veneza” (“The Stones of Venice”) de
1853, na qual o autor procura expressar, poeticamente, as verdadeiras
obras que o homem produz e não as “inverdades” consideradas por
ele como fruto da revolução tecnológica da máquina.
No caso brasileiro, ocorre inicialmente a imposição desse mo-
delo paradigmático de embelezamento e saneamento na cidade do
Rio de Janeiro, em seguida, na cidade de São Paulo, onde se deu a in-
serção progressiva de práticas capitalistas de reprodução e consumo
e seu rebatimento na hierarquização do território urbano. Se no caso
internacional as questões políticas, sanitárias e tecnológicas foram
as responsáveis pelas ações intervencionistas e preservacionistas,
no Brasil, destacam-se apenas as questões intervencionistas aplica-
das dentro da valorização de dois preceitos que podem ser definidos
como: a emergência do pensamento higienista brasileiro e a valoriza-
ção da técnica e ascensão da engenharia.
Para a questão urbana, o higienismo tem suas origens na obra
de Hipócrates (sobre os ares, as águas, e os lugares), mas foi o médico
inglês Thomas Syndenham (1624-1689)12 o seu grande sistematizador
moderno; as geografias e topografias médicas representam o exem-
plo mais bem acabado do pensamento higienista, pois se tratavam de
trabalhos que pretendiam estudar as interações entre o meio físico e
o estado de saúde de uma determinada população, procurando iden-
tificar as suas relações de causa e efeito, buscava-se com isso, como

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 27


[
se fez no Rio de Janeiro de Oswaldo Cruz, combater as doenças e a
elevada mortalidade. ^
Outro aspecto que colaborou para as práticas intervencionis-
tas aplicadas no país foi a valorização da técnica e ascensão da en-
genharia, a partir de 1850, devido ao trabalho nas estradas de ferro,
pois as ferrovias tiveram um papel fundamental no desenvolvimen-
to econômico nacional, mudando a mentalidade predominante de
que as pessoas “melhor dotadas” eram os advogados, eclesiásticos,
militares, ou mesmo médicos; outro aspecto relevante foi a intro-
dução de capital estrangeiro direcionado para o setor de serviços
públicos (iluminação, transportes, esgotamento sanitário), o que re-
sultou em transformações aceleradas de muitas cidades. Em 187013,
foi nomeada uma comissão de melhoramentos técnicos no Rio de
Janeiro, cuja atribuição principal seria a de elaborar um plano de
remodelação urbana, sendo integrada apenas por engenheiros, na
sua maioria sanitaristas, oferecendo soluções técnicas. A remodela-
ção do Rio de Janeiro foi finalizada entre 1903-1906, com o grande
promotor das ações intervencionistas dentro do modelo paradig-
mático do embelezamento e saneamento no Brasil: Pereira Passos14.
O que se pôde verificar em todos esses aspectos é que no Brasil
as intervenções prevaleceram sobre as ações preservacionistas, atin-
gindo apenas aspectos isolados e monumentais do meio urbano. No
exterior ocorreram contraposições a essas intervenções na qual as
ações preservacionistas estiveram presentes na França e na Inglater-
ra. Já no caso brasileiro, as intervenções foram as mais aplicadas, ar-
risca-se dizer que nem ocorreu a preocupação preservacionista, uma
vez que ela somente seria formada no século XX; no próximo momen-
to paradigmático conhecido como modelo da cidade modernista, no

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 28


[
qual, apesar de se reforçar ainda mais as ações intervencionistas junto
a um processo desenvolvimentista nascerá uma defesa historicista e ^
preservacionista do patrimônio urbano.

Os conceitos do paradigma Modernista aplicado à


preservação e intervenção dos Centros Históricos

A partir dos anos 1900, consubstanciando-se na Europa no


período pós-guerra, uma nova ruptura paradigmática que incor-
porava conceitos e objetivos racionais e funcionalistas a ações go-
vernamentais, esse momento foi herdado da Revolução Industrial e
expressava, ainda mais, as péssimas condições de vida urbana e de
moradia. Nesse momento, o positivismo15 dominava a noção de de-
senvolvimento, as novas técnicas e o progresso industrial deveriam,
ao mesmo tempo, viabilizar a maximização do capital investido e
promover melhores condições de moradia. A Arquitetura e Urbanis-
mo do Movimento Moderno adotariam uma visão futurista ingênua
e otimista que perseguia uma estética ideal, numa sociedade de
tipo democrático coletivista.
Os Congressos de Arquitetura Moderna, principalmente o de
1933, determinaram o conceito paradigmático modernista, pois pas-
saram a considerar a cidade sob o aspecto regional, como parte de
um conjunto econômico, social e político mais amplo, além de enten-
der o morador do meio urbano pela perspectiva individual e coletiva.
O fator preponderante na questão preservacionista foi o reconheci-
mento de que a história estava inscrita no traçado e na arquitetura
das cidades16.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 29


[
Na carta de Atenas de 1933 se percebe a preferência ao inter-
vencionismo em detrimento ao preservacionismo no paradigma ^
modernista, será que essa pode ser a crítica principal ao paradigma
modernista? Um dos pontos elogiáveis da Carta e do paradigma
modernista no tratamento dos centros históricos se remete à preocu-
pação com questões ligadas ao crescimento dos interesses privados
mediante a fraqueza do controle administrativo e a impotência social
frente à especulação das áreas urbanas centrais. As operações cirúrgi-
cas apareceriam como o melhor remédio no tratamento das cidades,
a sua desordem morfológica e social, sua negação dos espaços e ele-
mentos tradicionais confusos e obsoletos; buscava-se a substituição
pura e simples das estruturas físicas existentes como condições da
adaptação das cidades à vida moderna.
Nesse momento, os teóricos intervencionistas do modelo mo-
dernista também conhecidos como progressistas17 são Tony Garnier
(1869-1948), Walter Gropius (1883-1969) e Charles Edouard Jeanneret
(Le Corbusier 1887-1965). Já os arquitetos e pensadores das ações pre-
servacionistas dentro do modelo de cidade modernista são Camilo
Boito (1836-1914), Alois Riegl (1848-1905) e Gustavo Giovannoni
(1873-1946).
Tony Garnier pode ser considerado um dos pensadores que in-
fluenciaram as propostas contidas na Carta de Atenas, pois trabalhou
a separação das funções urbanas, a exaltação dos espaços verdes e a
utilização de materiais novos, em particular do concreto armado, foi
arquiteto-chefe da cidade de Lyon (teoricamente o modelo de Cidade
Industrial). Já Walter Gropius teve uma influência teórica comparável
à de Le Corbusier, a diferença é que Walter Gropius atuou a frente da
Escola da Bauhaus e do Curso de Arquitetura de Harvard, trabalhou a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 30


[
racionalidade e conceitos de padronização e pré-fabricação; para Le
Corbusier, a arquitetura e o urbanismo são indissociáveis, sua teoria ^
parte da crítica à desordem do passado e a necessidade da organiza-
ção sistemática das cidades contemporâneas.
Camilo Boito não chega a configurar uma teoria na medida que
não constitui uma estrutura de conceitos que possa orientar a prática
e a aplicação específica, sua posição frente à intervenção restaurado-
ra mostra uma conciliação parcial entre as teorias de Viollet Le Duc
e Ruskin; com Viollet Le Duc, concorda que as restaurações podem
ser realizadas pela recomposição das partes encontradas (anastilose);
como Ruskin, acredita que não se deva tocar no edifício e defende o
pitoresco e o velho, pois deseja preservar a história; apesar de Boito
falecer muito antes da concepção da Carta de Atenas, seus ideais per-
maneceram fortes em contraposição à Carta e influenciaram os urba-
nistas culturalistas como Camillo Sitte, Ebenezer Howard e Raymond
Unwin. Para Alois Riegl, a ação preservacionista deve estar centrada
no valor do que é antigo, o qual se revela por seu estilo, caracterizado
por uma série de imperfeições de sua forma, de sua cor, que consti-
tuem o signo de sua degradação natural.
Na questão das ações preservacionistas sobre os centros histó-
ricos, o teórico mais expressivo foi Gustavo Giovannoni que de-
senvolveu uma doutrina conhecida como Restauro Científico, que
continua e consolida a postura de Camillo Boito. Giovannoni propõe
uma classificação rigorosa dos monumentos segundo sua origem,
estado de conservação, importância e caráter. Distingue cinco possi-
bilidades nas ações intervencionistas restauradoras: a) consolidação;
b) recomposição; c) liberação; d) complementação; e) inovação. Para
ele, a substituição (intervenção) deve ser realizada quando necessária

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 31


[
e desde que reúna a criação (arquiteto inovador) e a liberdade, man-
tendo clara a troca realizada do antigo pelo novo. Contrário a Riegl, ^
ele nega a arquitetura contemporânea, sua plasticidade e sua tecno-
logia e, igual a Boito, insiste em contrapor o antigo e original ao novo.
Apesar de todas essas teorias envolverem-se complexamente,
as ações sempre estiveram dentro do paradigma anterior e do para-
digma modernista voltadas para a maior ênfase intervencionista. Esse
aspecto pode ser explicado pela recuperação econômica e a recons-
trução das cidades pós-guerras, que possibilitaram a institucionaliza-
ção do Modernismo nas áreas centrais urbanas, logo ampliadas pela
expansão financeira e o desenvolvimento dos anos de 1960, fuga da
classe média para os subúrbios, expansão das atividades administra-
tivas, demolição de áreas deterioradas, introdução na população cen-
tral de “grupos marginais” (migrantes, minorias, pobres), expansão de
grupos monopolistas e a construção do mito da renovação urbana
através da ideologia tecnocrática de reforma social empregando-se
soluções apenas físicas com acentuada importância dada à engenha-
ria viária e ao transporte individual.
Nos países do Primeiro Mundo, a renovação urbana foi institu-
cionalizada como política oficial de intervenção nas áreas centrais,
inúmeras atrocidades intervencionistas foram cometidas em prol do
paradigma das cidades modernistas, tanto em nível social, como fí-
sico arquitetônicas, arrasando o Patrimônio Ambiental Urbano. Foi
nesse contexto que, na década de 1960, surgiram projetos de reno-
vação de áreas centrais históricas em cidades como Londres e Paris.
No caso brasileiro, o grande exemplo histórico inicial de práticas
intervencionistas modernistas, novamente, foi a cidade do Rio de
Janeiro, mas também figuraram as cidades de São Paulo e Salvador.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 32


[
Dentre as problemáticas que se inserem entre as ações pre-
servacionistas e as ações intervencionistas no modelo modernista, ^
pode-se destacar o papel de alguns pensadores brasileiros, como
Mário de Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade e Lúcio Costa18;
e suas propostas que, de certa forma, culminaram no instrumental
legislativo nacional mais importante nessa questão, o Decreto-lei no
25/3719. Como exposto, as ações preservacionistas adquiriram certo
caráter secundário dentro do modelo modernista, o qual deve ser
entendido não como uma verdade, mas como uma falsa ideologia
desenvolvimentista, pois sem o reconhecimento do passado, as ações
intervencionistas modernistas não poderiam ser aplicadas.
Por que preservar dentro do modelo modernista? Esta pergun-
ta está intimamente ligada a outras indagações relativas ao que se
deve preservar e a que interesses devem se ater às intervenções pre-
servadoras. O dicionário da língua portuguesa20 diz que preservar
“é livrar de algum mal, manter livre de corrupção, conservar, livrar,
defender e resguardar”, que de fato, deveriam, no caso das ações
preservacionistas, estar incidindo sobre uma amostragem repre-
sentativa da totalidade dos elementos significativos da identidade
e memória nacionais que compõem o amplo Patrimônio Cultural e
dentro deste, o Patrimônio Ambiental Urbano.
No Brasil, essa definição de nacionalidade e memória está ali-
nhavada ao longo de sucessivas transformações, apesar do tardio
progresso tecnológico dos meios de comunicação, os quais determi-
naram a eleição de um centro de interesse a ser preservado somente
em 193621. Em janeiro de 1937 reorganizou-se o Ministério da Edu-
cação e Cultura, tendo como Ministro Gustavo Capanema22 e, então,
foi criado o “Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional” –

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 33


[
SPHAN, entidade governamental que passou a gerir todas as ações
preservacionistas restauradoras no país alicerçadas no projeto preser- ^
vacionista de Mario de Andrade.
Mário de Andrade, no seu projeto, não falou especificamente
em cidades como bens culturais em sua integridade, mas não esque-
ceu dos problemas de urbanização. Quando se refere às paisagens,
fala dos lugares agenciados de forma definitiva pela indústria popu-
lar, como vilarejos lacustres vivos da Amazônia, tal morro do Rio de
Janeiro. Só em meados da década de 1970, é que esse assunto ligado
à preservação de bens culturais, vistos em conjunto dentro de centros
urbanos, passou a ser discutido, trazendo consigo a expressão “Patri-
mônio Ambiental Urbano”23.
Dentro desse universo de práticas de ações intervencionistas
preservadoras, o SPHAN vai assumir uma territorialidade, o lugar de
uma tribo específica, que reúne grande número de intelectuais com
intensa atuação no cenário nacional da década de 1930, uma espécie
de fonte sagrada, o locus da academia funcionava no sétimo andar do
Ministério da Educação e Saúde, prédio construído por Lúcio Costa e
Oscar Niemeyer. Rodrigo Melo Franco de Andrade24, membro da Aca-
demia, era um homem de muito carisma e articulador emblemático
das ações preservacionistas, ele institucionaliza (SPHAN) um lugar de
fala que permite a emergência de uma formação discursiva específi-
ca25, tendo como eixo articulador a ideia de patrimônio nacional.
O SPHAN enfrenta vários conflitos no desenvolvimento de
suas ações preservacionistas, especialmente como relatou Carlos
Drumond26: “com inúmeros “prefeitinhos” de bigodinhos enfadonhos
que a tudo queriam demolir”. Os principais procedimentos das ações
preservacionistas trabalhadas pelo SPHAN nascem pelo discurso

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 34


[
específico e pelo modo de construção desse discurso. A construção
da categoria interesse público, espírito público é de fundamental im- ^
portância nas ações e na sua estratégia de legitimação. Hanna Arendt
(1968. p. 7-28) expressa uma concepção de poder que se refere ao
fato de grupos ou indivíduos exercerem a palavra e a ação legitima-
mente no espaço público; esse poder se refere à capacidade que o
SPHAN teve de nomear territorialidades, até então imersas no espaço
indiviso e intitulá-lo como público. Para materializar esse discurso
público, o SPHAN promoveu a execução de inúmeros programas de
pesquisa, tombamentos e restaurações. Essas ações preservacionistas
e suas estratégias podem ser bem exemplificadas no texto de Rodrigo
Melo Franco de Andrade sobre “A Conservação dos Sítios Urbanos”27,
o qual discute o caso de Ouro Preto.
Será que o Decreto que estabeleceu a preservação de Ouro
Preto em 193328 pode ser considerado como o princípio das ações
preservacionistas sobre o Patrimônio Ambiental Urbano? Deve-se en-
tender que naquele Decreto não se cogitou o fenômeno urbanização
como uma manifestação cultural de preciso interesse social, apenas
se propôs, no paradigma modernista, processar a visão protetora de
conjuntos de bens culturais imóveis dentro do sítio urbano. O Decre-
to de 1933, apesar de não ter atingido as pretensões vislumbradas na
tutela de um patrimônio urbano, possibilitou o entendimento do nú-
cleo urbano ser um bem cultural composto de mil e um artefatos rela-
cionados e que o conglomerado urbano se resume num local onde se
desenrolam, concomitantemente, infinitas atividades exercidas atra-
vés de infinitos artefatos dispostos no espaço, segundo suas funções
e suas atribuições, e interessam a compreensão e apreensão do que
virá a ser chamado de “Patrimônio Ambiental Urbano”.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 35


[
O caráter das ações preservacionistas e intervencionistas du-
rante o paradigma modernista tomaram esses preceitos, nos quais as ^
ações se complementavam tendo sempre como primeira intenção as
intervenções. Vagarosamente e em conjunto foram nascendo inter-
venções que buscavam tornar as ações protecionistas mais atuantes
do que as ações intervencionistas modernistas. A fase da construção
do discurso intervencionista restaurador já estava aparentemente
construída, a partir daí o grande desafio era a prática preservacionis-
ta no Brasil. Nesse universo, surgiram teóricos e ações internacionais
que influenciaram as ações nacionais, as quais encontraram no reco-
nhecimento necessário à tutela dos Centros Históricos um conceito e
ideologia paradigmática preservacionista que igualava em vontade e
teoria às ações intervencionistas.

O paradigma da Preservação e da Conservação


Historicista em contradição ao Modelo anterior

Críticas ao paradigma modernista, seu modelo e políticas


urbanas, conduziram a um terceiro momento de ruptura, no qual a
opinião pública já conseguia avaliar e se posicionar em relação aos re-
sultados concretos impostos por suas ações, além disso, as crescentes
atividades políticas de grupos comunitários passaram a influenciar os
conceitos de desenvolvimento e a noção de cidade ideal29. Foi o mo-
mento do “conservacionismo” nos países do Primeiro Mundo, quando
tudo era motivo de ação política, muitas vezes radical, para garan-
tia dos tombamentos de áreas históricas, elaboração de relatórios de
impacto ambiental, controle de poluição. Multiplicavam-se os reba-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 36


[
timentos deste paradigma nas políticas sobre os centros urbanos, o
modelo urbanístico refletia a crescente onda de busca por identidade ^
(nacionais e regionais), de fortalecimento de bases culturais e da cres-
cente indústria do turismo, o que justificava a sacralização de lugares
com o aval da sociedade.
O modelo urbanístico assumido agora “congelava” as testemu-
nhas históricas, entendia a arquitetura como um monumento, os
edifícios como museus e as obras de intervenção seguiam rasgos
puristas e respeitosos de um passado que, às vezes, nem participava
da memória coletiva dos usuários da cidade. As edificações antigas
eram sacralizadas pelo simples fato de existirem. Iniciou-se pela Itália,
França e Inglaterra, até que todos os países europeus viviam intensa-
mente este paradigma. A ação preservacionista radical era uma rea-
ção natural ao período anterior, em que as demolições e os riscos ao
meio ambiente eram exacerbados e irresponsáveis, em nome de um
conceito de progresso bastante relativo.
A Carta de Veneza30 de 1964 pode ser apontada como o início
do paradigma preservacionista, uma vez que reconhece a responsa-
bilidade de todas as nações em preservar o patrimônio com o dever
de transmiti-lo às gerações futuras. Assumindo a necessidade de ela-
boração de um plano internacional para essa finalidade, estabelece
que a conservação dos monumentos deve ser sempre favorecida por
sua destinação a uma função útil à sociedade; não permite o desloca-
mento dos monumentos; estabelece que a restauração somente deve
ser executada em caráter excepcional e que as técnicas modernas po-
dem ser empregadas, apesar das contribuições de todas as épocas
serem respeitadas; estabelece também que os elementos destinados
a substituir as partes faltantes devem se integrar harmoniosamente

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 37


[
ao conjunto e os acréscimos só podem ser tolerados na medida em
que respeitem todas as partes do edifício. A Carta de Restauro de ^
Veneza faz uma crítica aberta aos processos intervencionistas até en-
tão aplicados na Europa.
A necessidade de conciliar as exigências do progresso urbano
com a salvaguarda dos valores ambientais passaria a ser uma norma
inviolável na formulação de ações intervencionistas, para isso deve-
-se admitir que o Patrimônio Ambiental Urbano representa recursos
econômicos da mesma forma que as riquezas naturais do país. Exem-
plo deste pensamento foram formuladas pelas Normas de Quito31
que entendem que a ideia do espaço é inseparável do conceito de
monumento e, portanto, a tutela do Estado pode e deve se estender
ao contexto urbano, ao ambiente natural que o emoldura e aos bens
culturais que encerra. É uma realidade evidente que a América e, em
especial, a América Ibérica, teve grande parte de seu patrimônio ar-
ruinado irremediavelmente no curso do paradigma modernista e se
encontrava, naquele momento, em perigo iminente de se perder.
Dessa forma, as ações preservacionistas na América e, conco-
mitantemente, no Brasil passaram a apoiar seus projetos nas ques-
tões específicas relacionadas a potencializar o turismo das cidades
possuidoras de um patrimônio cultural e, nesse aspecto, os centros
históricos de muitas cidades passaram por revalorizações que por
muitas vezes foram consideradas polêmicas. As ações preservacio-
nistas estruturadas no turismo tinham suas bases teóricas assentadas
nas vantagens econômicas e sociais que figuravam nas mais moder-
nas estatísticas, as quais apontavam esse mecanismo como fonte de
riqueza e tutela dos bens patrimoniais ambientais urbanos.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 38


[
No contexto internacional do paradigma da preservação históri-
ca e do conservacionismo, um dos modelos teóricos mais importantes ^
foi o documento formulado a 6 de abril de 1972 que ficou conhecido
como a Carta do Restauro da Itália32. O Anexo D da Carta do Restauro da
Itália trata do que se pode chamar de ponto de maior interesse para o
paradigma historicista, uma vez que emite as instruções para a tutela e
ações preservacionistas nos centros históricos pautando que as inter-
venções restauradoras têm a finalidade de garantir, através de meios e
procedimentos ordinários e extraordinários, a permanência no tempo
dos valores que caracterizam esses conjuntos. A “restauração” não
se limita, portanto, às operações destinadas a conservar unicamente
os caracteres formais de arquiteturas ou de ambientes isolados, mas
se estende também à conservação substancial das características
conjunturais do organismo urbanístico e de todos os elementos que
concorram para definir tais características.
As ações preservacionistas receberam, em 1974, um acréscimo
teórico por parte da Resolução de São Domingos33, resultado do I
Seminário Interamericano sobre experiências na Conservação e
Restauro do Patrimônio Monumental dos Períodos Colonial e Repu-
blicano. Esse encontro visava reforçar os critérios estabelecidos pela
Carta de Veneza e pelas Normas de Quito referentes aos instrumen-
tos operacionais, que não haviam sido pensados nesses encontros,
tais como, a proposta de que deveria haver um compromisso social
além de cultural e, que deveria fazer parte da política de habita-
ção34, para que nela se levem em conta os recursos potenciais que
tais centros possam oferecer.
As ações do modelo paradigmático historicista ainda necessi-
tavam, por parte dos agentes preservacionistas, melhor definição

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 39


[
sobre a tutela do centro histórico, nesse sentido, a UNESCO reuniu-se
em 26 de novembro de 1976 na Cidade de Nairobi35 e formulou reco- ^
mendações para lidar com ações intervencionistas restauradoras dos
conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência, ratificando que
deveriam ser protegidos ativamente contra quaisquer deteriorações,
particularmente contra as ações desenvolvimentistas do modelo
paradigmático modernista, pois as condições impostas pela urbani-
zação moderna produziram um aumento considerável na densida-
de das construções e um perigo eminente na destruição direta dos
conjuntos históricos ou tradicionais. O fator determinante nas Reco-
mendações de Nairobi são as disposições que estabelecem sistemas
de salvaguarda dos conjuntos históricos que passam pela restrição
construtiva de zonas possíveis de proteção, indicação de programas
e operações de infraestrutura de serviços e legislação de salvaguar-
da que conteria medidas preventivas, de direito de preempção e
expropriação.
O último argumento teórico internacional dentro do paradigma
historicista foi a Carta de Machu Picchu36, resultado do encontro
internacional de arquitetos em dezembro de 1977, no qual foram
levantados vários novos fenômenos urbanos que emergiram entre a
formulação da Carta de Atenas de 1933 até a data do encontro. A
Carta de Machu Picchu reconheceu que as características urbanas
necessitavam de um planejamento mais efetivo para uso de mecanis-
mos que amenizassem a exploração dos recursos naturais e humanos.
Para tanto, formulou análises no como lidar com a cidade perante seu
crescimento urbano, sobre as problemáticas advindas do paradigma
modernista, como o transporte e a habitação, além das medidas e
ações preservacionistas sobre o Patrimônio Ambiental Urbano.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 40


[
Entre todos os aspectos estabelecidos nas ações preservacio-
nistas internacionais dentro do paradigma da preservação e conser- ^
vação historicista, surge, na década de 1960, Cesare Brandi (1993, p.
13-27), considerado por muitos especialistas o autor da última das
três teorias sobre a restauração, conhecida como teoria do Restauro
Crítico. Introduz o conceito de percepção e destaca a diferença entre
restauração e reconstrução, definindo que a restauração é um proces-
so de intervenção dirigida a devolver a eficiência um produto da ativi-
dade humana; trabalha a relação da instância histórica e da instância
estética, da estrutura e aspecto e afirma que a restauração deve ser
dirigida ao restabelecimento da “unidade potencial” da obra, sempre
que esta seja possível, sem cometer uma falsificação.
No caso brasileiro, os conceitos teóricos estiveram por conta
do momento de ruptura entre o tempo de Rodrigo Melo Franco de
Andrade e o de Aloísio Magalhães, tempo esse que também pode
ser entendido como o momento de ruptura entre o paradigma mo-
dernista e o paradigma historicista, ou entre a política populista que
vinha desde Getúlio Vargas e o Golpe Militar de 1964. A partir desses
aspectos, a figura de Aloísio de Magalhães marca uma nova fase no
lidar com a proteção do patrimônio cultural nacional, mas que, de
certa forma, institui-se por herança ideológica no pensamento de
Cesare Brandi, das Cartas, Recomendações e Encontros ocorridos
dentro do modelo de preservação histórica e do conservacionismo.
Em fevereiro de 1980, Aloísio Magalhães participa de reuniões
em São Luís do Maranhão para os projetos de revitalização do centro
histórico daquela cidade utilizando matérias primas da região. É na
gestão de Aloísio Magalhães que a cidade de Ouro Preto é inscrita
como Patrimônio Mundial da Humanidade. Em 1981, começa um in-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 41


[
quérito parlamentar para investigar a situação do patrimônio históri-
co e artístico nacional, em agosto deste ano é aprovado o documento ^
de Diretrizes para operacionalização da política cultural do MEC, que
definiu cinco linhas de ações: estímulo à criação, produção e difusão
cultural; preservação dos bens culturais em sua dinâmica; interação
entre a educação básica e os diferentes contextos culturais existentes
no país; captação, guarda, fluxo e uso de informações relativas à cul-
tura e formação de recursos humanos na área cultural. Aloísio Maga-
lhães permaneceu na direção das gestões das ações intervencionistas
restauradoras de 1979 até 1982, instituindo uma nova política na ma-
neira de tratamento da proteção dos bens patrimoniais ambientais
urbanos com a construção da tutela do patrimônio baseada na parti-
cipação popular.
Durante a fase de Aloísio Magalhães a frente das ações presentes
no paradigma historicista conservacionista, dois encontros nacionais
foram de extrema importância para instrumentalização de operações
nos centros históricos. O primeiro foi o 10 Encontro de Governadores
de Estado, Secretários Estaduais da Área Cultural, Prefeitos de Mu-
nicípios Interessados, Presidentes e Representantes de Instituições
Culturais, em abril de 1970, que ficou designado de Compromisso de
Brasília37 e o segundo realizou-se logo a seguir, em outubro de 1971,
na cidade de Salvador e ficou conhecido como Compromisso de Sal-
vador38. Os dois Compromissos tinham como meta complementar as
medidas necessárias para a defesa do patrimônio histórico e artístico
nacional através de uma política que reconhecesse a ação dos Esta-
dos e dos Municípios na proteção dos bens culturais, ou seja, visavam
a criação, onde ainda não existiam, de órgãos estaduais e municipais
adequados e devidamente articulados com o DPHAN (renomeação

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 42


[
naquele período do IPHAN), para fins de uniformizar as ações preser-
vacionistas por meio de uma legislação atendendo ao Decreto-Lei no ^
25/37, além de articular esses novos órgãos com as questões da pro-
teção do meio-ambiente.
Os encontros de Brasília e Salvador, citados anteriormente,
se inserem como uma luta visando à descentralização das ações pre-
servacionistas. Um fato importante foi a criação, em 1973, junto ao
Seplan, do Programa das Cidades Históricas (PCH), visando rentabi-
lizar a preservação e restauração dos bens patrimoniais, tanto em
termos econômicos quanto sociais, sobretudo nas regiões carentes.
Nessa visão modernizadora o CNRC (Centro Nacional de Referência
Cultural), buscou estender a visão teórica das ações, principalmen-
te da cultura popular, e aproximar grupos culturais anteriormente
marginalizados pelas ações preservacionistas, como índios, negros,
populações rurais e da periferia urbana. Esse reconhecimento do
povo, não apenas como objeto de estudo e ou de uma atuação polí-
tica, mas também como coautor, manifestou-se no discurso, a partir
da década de 1980, que pode ser avaliado na Constituição Federal de
1988, nos artigos 215 e 21639, assim como no direito de qualquer cida-
dão a anular o ato lesivo sobre o patrimônio através de ação popular
(art. 5, inciso LXXIII da CF/88).
Outro aspecto da Política Federal de Preservação é que, nas
décadas de 1970 e 1980 ocorreu a emergência de uma consciência
preservacionista voltada para o meio-ambiente, que teve suas raízes
junto à comunidade científica, apesar da preservação da natureza já
figurar no Art. 1o do Decreto-lei no 25 de 30 de novembro de 1937
como “sítios e paisagens”. Outra discussão introduzida pela Política
Preservacionista, na década de 1970 e, especialmente, no final da dé-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 43


[
cada de 1980, refere-se ao tratamento do patrimônio cultural não-
-consagrado, ou seja, das produções dos “excluídos da história oficial”, ^
como indígenas, negros, imigrantes, etc. Nessa questão, o CNRC de
Aloísio Magalhães terá papel fundamental nas ações preservacionis-
tas, como no tombamento em 1986 do terreiro da Casa Branca em
Salvador, que na época constituíram polêmicas devido à falta de ins-
trumental técnico e operacional do IPHAN. Todos esses intrincados
aspectos de ações intervencionistas e preservacionistas viriam à tona
a partir da década de 1980, quando um novo modelo de tratamento
do Patrimônio Ambiental Urbano se apresenta.

O paradigma das Revitalizações Urbanas (Modelo


“Desenvolvimentista”) aplicado nas preservações e
intervenções nos Centros Históricos, a partir de 1980

O paradigma da aceleração capitalista tomou corpo a partir dos


anos 1980, resultando uma série de crises (política, energética, eco-
lógica, econômica, social, existencial, e do caos), passando a expor
a fragilidade da nossa sociedade, principalmente dos seus sistemas
social e econômico40 e a forma que se expressam nas grandes cida-
des41. Todos esses aspectos vão se refletir nas ações preservacionistas
e intervencionistas sobre o Patrimônio Ambiental Urbano (Centros
Históricos) e, nesse novo contexto, a ampliação dos movimentos e
operações envolveram uma série de planos e projetos, seja com
maior finalidade social, seja econômica42, seja política, seja cultural,
seja com interferências no meio físico, ou com um pouco de cada um
dos paradigmas anteriormente mencionados, ou com todos esses

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 44


[
elementos juntos, que resultaram na teoria de um modelo denomi-
nado como paradigma das Revitalizações Urbanas. ^
As temáticas das revitalizações de centros históricos apa-
receram de forma mais acentuada no cenário internacional43 e se
caracterizaram pela diversificação das intervenções como mode-
los e estratégias de gestão. No Brasil, o tema é relativamente novo,
passando por dois momentos: o paradigma conservacionista, na
década de 1970 e o paradigma da revitalização, a partir de 1980.
Pode-se observar uma convergência entre as políticas preservacio-
nistas e as políticas de desenvolvimento urbano (intervencionistas)
com a emergência de legislações urbanísticas e de políticas muni-
cipais de preservação favorecendo uma mudança no quadro das
ações em áreas urbanas centrais.
Nesse aspecto preservacionista e intervencionista sobre os cen-
tros históricos, modelos são dotados dos mais diferentes ingredientes:
comércio, serviços, habitação, lazer, cultura, turismo, etc., os quais são
empregados para que os programas de revitalização ganhem notorie-
dade em seu momento inicial, geralmente partindo de um elemen-
to “catalisador”44 do desenvolvimento, que possa colaborar, intensa
e continuamente, com o processo e a geração dessa nova imagem.
Esses catalisadores não podem garantir sozinhos os sucessos da revita-
lização, mas são fatores essenciais no processo das ações empregadas.
Na Europa e Estados Unidos, multiplicaram-se programas de
revitalizações de áreas centrais, tendo como catalisadores conjuntos
históricos-arquitetônicos (French Quarter em Nova Orleans; South
Street Seaport em Nova Iorque), áreas de importância cívico-sim-
bólica (Pennsylvania Avenue em Washington), áreas habitacionais
(Friedrichstadt em Berlim), novas áreas de pedestres (Calçadões em

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 45


[
Curitiba), áreas comerciais e de serviços (Faneuil Mall em Boston;
Battery Park-Financial Center em Nova Iorque), shopping-centers ^
(Horton Plaza em San Diego; Bayside Mall em Miami), conjuntos cul-
turais (Times Square em Nova Iorque; Candelária no Rio de Janeiro),
mercados (Pike Street em Seatle), áreas de lazer e compras (Town
Square, Saint Paul; Fisher-man’s Warf em São Francisco), centros e
convenções e aquários (Boston e Baltimore), Reabilitação Urbana
de Lisboa, Impactos da Reconstrução de larga escala do Centro de
Bucarest (Romênia), parceria entre a iniciativa pública e privada no
caso de Madrid e o Futuro dos Centros Históricos do Kenia (África).
A maioria das cidades antigas em processo de reabilitação ur-
bana, apresenta o envelhecimento e degradação dos locais centrais,
além de serem habitados por classes modestas, o que levou, nos pa-
radigmas anteriores, a recuperação e valorização através da expul-
são dessa população e suas respectivas atividades. Outro aspecto a
ser abordado é a questão topográfica, em muitas cidades os centros
históricos estão situados nas encostas e em áreas elevadas, fora dos
grandes eixos que ocupam os vales, ficando, portanto, menos sujeitos
a operações de renovação urbana. Seus edifícios antigos, sem condi-
ções mínimas de conforto, abrigam a população do êxodo rural, com
o abandono dos mais jovens que procuram, em áreas mais dinâmicas
da cidade, melhores condições. No entanto, estes bairros têm uma
forte identidade sociocultural popular, com vários laços de solidarie-
dade, formas de sociabilidade e apego a modos de vida específicos.
No caso das ações preservacionistas e intervencionistas sobre
as áreas centrais no Brasil, também tiveram a consciência de que
a manutenção do sistema social é a base da operacionalidade das
revitalizações. Pode-se traçar como exemplo dessa política adotada,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 46


[
as cidades de Olinda, Rio de Janeiro, Recife e São Luiz, que remontam
a ações no início da década de 1980. Por outro lado, identifica-se ^
outro tipo de ação que busca a oportunidade de novas destinações
de uso dos centros históricos, esse é o caso da experiência desenvol-
vida no Pelourinho em Salvador, que foi alvo de polêmicas e discus-
sões. Já a evolução da política de proteção e valorização do centro
histórico de Olinda pretendeu identificar, a partir da análise histó-
rica e dimensões administrativas, jurídica-política, técnica e legal,
as contribuições, limites e perspectivas municipais nas operações
intervencionistas restauradoras.
A partir de 1987-88, parece ocorrer um divisor de águas no Brasil,
com uma crescente escassez de recursos municipais ou federais,
observou-se uma tomada de posição dos moradores do Centro
Histórico, organizando-se, para tanto, em associações para a defesa
de seus bairros históricos. Para os moradores, as políticas empregadas
pelas ações de preservação e intervenção representaram uma perda
da qualidade de vida, pois significava a substituição do uso residen-
cial, da população tradicional e de seus hábitos de cidade dormitó-
rio, para o uso comercial, como bares, restaurantes e antiquários, que
ocuparam antigas residências, ruas e praças, sem contar com os
pequenos sobrados transformados em pousadas para o período do
carnaval e festejos. Esses aspectos ocasionaram conflitos, especial-
mente referentes ao excesso do fluxo de automóveis, excesso de
atividades diferentes das originalmente existentes nos bairros.
Um dos exemplos de revitalização urbana mais importantes no
Brasil válido dentro do paradigma das Revitalizações Urbanas foi a
cidade do Rio de Janeiro45 e sua área central46; a qual mais sofreu com
as alterações estruturais da metrópole; as modificações físicas foram

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 47


[
acompanhadas de profundas mudanças no tecido social, na distribui-
ção das atividades urbanas e, consequentemente, no papel do centro, ^
face ao conjunto da cidade. Os altos investimentos elevaram o valor
do solo, atraindo grandes empreendimentos imobiliários que pouco
a pouco foram se inserindo no tecido histórico da cidade e afugen-
tando para locais mais distantes os setores menos competitivos.
Percebe-se um espaço fragmentado, descontínuo e heterogêneo,
com áreas extremamente valorizadas ao lado de outras em avançado
processo de decadência, capazes de informar uma imagem explícita
dos conflitos, contradições do país e do empobrecimento urbano.
A ação de revitalização urbana no Rio de Janeiro iniciada em 1979
buscou abarcar as problemáticas históricas, políticas, transformadoras
urbanas, conflitos, contrastes, beleza e, foi denominado de Corredor
Cultural. A delimitação da área do Corredor Cultural não seguiu os pa-
râmetros normalmente adotados para os chamados sítios históricos,
cujos limites seriam os da cidade velha, antes se procurava entender o
processo de desenvolvimento da cidade, englobando áreas significa-
tivas dos períodos: Colonial, Imperial e da República.
No caso das ações de intervenção no Centro Histórico do Rio
de Janeiro (revitalização), o Grupo Técnico, composto basicamente
por arquitetos do Governo Municipal, encarregou-se de dar forma
legal às ideias levantadas junto a Câmara Técnica (primeiro grupo) e à
população. Foram chamados a participar as entidades organizadas
locais, comerciantes e moradores, bem como instituições culturais
com sede na área central, organizações de ensino (Universidades) e
órgãos públicos com interveniência sobre a região. O grupo técni-
co optou pela preservação do conjunto arquitetônico através da Lei
de Zoneamento Municipal, que prevê, entre seus artigos, a Zona de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 48


[
Preservação Ambiental e Paisagística. Essa Lei de Zoneamento permite
estabelecer parâmetros de preservação para grupos extensos de ^
edificações, definir condicionantes para novas edificações em terre-
nos e áreas sem interesse para a preservação (mas importantes para
garantir as volumetrias compatíveis com ambientes preservados) e
estabelecer definições quanto ao uso do solo.
O projeto do Corredor Cultural do Rio de Janeiro foi pioneiro
como política local de proteção ao patrimônio, a área abraçada pelo
projeto compreendeu cerca de um milhão de metros quadrados de
superfície e um milhão e seiscentos imóveis preservados, na sua
maioria edifícios ecléticos, de dois a três pavimentos; desde 1984,
oitenta e seis ruas e quinze praças e largos do Centro Histórico do
Rio de Janeiro se encontram submetidos às regras determinadas
pela proteção47.
A grande contribuição do projeto do Corredor Cultural, é sem
sombra de dúvida, a democratização das informações, utilizando para
essa finalidade seminários, promovendo debates e encontros, orga-
nizando exposições periódicas sobre o andamento dos trabalhos e
editando material para divulgação, como pesquisas históricas, com-
pilagem de notícias publicadas na imprensa, guias turísticos e cartões
postais. Outros elementos de destaque são as legislações complemen-
tares editadas com a finalidade de instrumentalizar as ações, como a
Lei de Isenções Fiscais (imposto predial urbano, sobre serviços e taxas
de obras) que, incidindo sobre os imóveis que executem as obras de
recuperação, constituem um importante subsídio governamental e
é responsável pela maioria dos imóveis mantidos em bom estado de
conservação (cerca de quinhentos). Mas é na rua, orientando as

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 49


[
pessoas sobre o que precisam saber para recuperar e manter seus
imóveis, que o projeto ganhou vida, com a discussão permanente. ^
Outro programa de preservação e revitalização historicamente
muito comentado teoricamente é o do Centro Histórico de São Luís.
Em outubro de 1979, realizou-se naquela cidade um encontro com
técnicos e representantes de órgãos voltados para a proteção e pre-
servação dos bens culturais em todo o país, com intuito de debater e
avaliar uma proposta então elaborada pelo Arquiteto John Gisiger48.
Esse encontro teve como uma de suas recomendações básicas a cria-
ção de um grupo de trabalho e uma comissão de coordenação para
desenvolver e implementar o programa de Preservação e Revitaliza-
ção do Centro Histórico de São Luís. Desde então, sucessivos gover-
nos estaduais vêm garantindo a realização de diversas etapas deste
programa, tendo sido aplicado o equivalente a cerca de 65 milhões
de reais (em valores atualizados) em estudos, pesquisas, projetos e
obras no período de 1977 a 1995, obedecendo sempre a um conjun-
to de políticas de intervenção que foram previamente amadurecidas
em congressos e seminários, contando ainda com a contribuição da
comunidade em várias etapas49.
Um dos casos de maior significação para o modelo paradigmá-
tico da revitalização urbana é o programa de recuperação do Centro
Histórico de Salvador, iniciado em 1992 e finalizado em 199550. Nesse
caso, depois de vinte anos de intervenções esparsas, às vezes com
maior intensidade, como recuperações de fachadas de ruas inteiras,
até 1991, o desalento que proporcionava o caminhar pelas ruas do
“Pelô” e o sentimento do desaparecimento lento e gradual do Patri-
mônio Ambiental Urbano, o lixo, os escombros, davam o tom indigno
das condições subumanas da vida da população soteropolitana

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 50


[
desse local central. O Centro Histórico de Salvador necessitava de uma
medida urgente e essa decisão política coube ao então Governador ^
do Estado Dr. Antônio Carlos Magalhães que visava com a requalifi-
cação da área, potencializar, entre outras questões, a ferramenta do
turismo histórico.
Esta intervenção pretendia reabilitar economicamente o Centro
Histórico, a partir da recuperação física, urbana e arquitetônica, com
a melhoria da infraestrutura elétrica, hidro sanitária, telefônica, con-
tra incêndio e da restauração, reabilitação estrutural-funcional e da
readaptação de seus imóveis (hoje vários problemas se apresentam
com relação a essa afirmação51). Todas as intervenções se apoiaram
em 20 anos de estudo realizados pelo IPAC (Instituto do Patrimônio
Artístico e Cultural da Bahia). Hoje, o Centro Histórico se encontra em
condições de ser visitado, sendo um ponto de atração turística. Os
objetivos do programa partiam da intenção de dotar o Centro Histó-
rico de Salvador de atrativos com condições efetivas para manuten-
ção dos bens e valores culturais de forma contínua e eficaz, também
pretendia promover a restauração física da área do Centro Histórico,
redefinindo sua função em relação à cidade e à região metropolitana,
visava criar condições de desenvolvimento do potencial produtivo e
da organização social do local.
A revitalização de áreas centrais sempre será uma meta difícil,
principalmente porque se luta para implementar uma nova imagem
urbana, antes tida como decadente e de má fama, embora muitas
dessas ações preservacionistas e intervencionistas apoiem-se num
complexo planejamento comercial e no direcionamento dos investi-
mentos públicos e privados. Seja qual for a ação revitalizadora, ela
deve estar estreitamente relacionada à promoção de uma política

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 51


[
consciente de busca da qualidade urbana através da mudança de sua
imagem, pois as mais profundas transformações que todas as cidades ^
estão sofrendo e que se terá, cedo ou tarde, de enfrentar, refletem-se
nas áreas centrais e problematizam a vida urbana.
Dentro dessa questão, o aspecto jurídico de maior importância
e que, sem dúvida proporcionou, a elaboração de ações de revita-
lização de Centros Históricos foi a maior abrangência protecionis-
ta e urbanística que a Constituição de 05 de outubro de 1988 deu
ao país no lidar com as ações preservacionistas e intervencionistas
sobre o Patrimônio Ambiental Urbano, acarretando posteriormente
uma série de novos planos federais, como por exemplo: o Programa
Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC); o Programa Monumenta52,
O Programa de Revitalização de Sítios Históricos (PRSH), os Planos
de Preservação de Sítios Históricos Urbanos (PPSH) e o Programa de
Reabilitação Urbana de Sítios Históricos (URBIS), afirmando o para-
digma das Revitalizações Urbanas.
O artigo 182 do Capítulo II da Constituição de 1988, referente à
Política Urbana, assegura as ações intervencionistas e preservacionis-
tas nas áreas centrais das cidades, bem como regula as possibilidades
de atuação dos planos e programas propostos pelos governos esta-
duais e municipais, uma vez que, tanto a Constituição Estadual quan-
to o Plano Diretor Municipal e sua Lei Orgânica devem seguir essas
diretrizes básicas. A Constituição também estendeu os instrumentos
do lidar com o Patrimônio, que nela recebe o nome de material e ima-
terial, o que facilitou e, ao mesmo tempo, transformou os mecanis-
mos das ações dentro do paradigma das revitalizações. Nos artigos
215 e 216 da CF/88 estão definidas as bases legais instrumentais para

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 52


[
a aplicação das ações preservacionistas e intervencionistas sobre o
Patrimônio Ambiental Urbano53. ^
Verifica-se que a Constituição de 1988 expressa as novas ne-
cessidades que surgiram dentro do paradigma da revitalização, pois
anteriormente nunca uma Constituição Nacional apresentara uma
abrangência tão grande no lidar com as ações preservacionistas e in-
tervencionistas. Mas a complexidade que o paradigma da revitaliza-
ção apresenta, no final da década de1990 e início do novo milênio, é
o reflexo do estágio desenvolvimentista que a humanidade atingiu,
no qual todos os fatores sociais, econômicos, políticos, culturais, ét-
nicos, éticos, parecem entrar em conflito, especialmente nos países
do Terceiro Mundo. Novas práticas chamadas de processos de Globa-
lização54 se inserem nas ações preservacionistas e intervencionistas e
produzem novos campos de atuação. Entre essas Políticas Urbanas de
Renovação, pode-se mencionar: a Sociologia e a Psicologia Urbana, o
novo Paradigma das Global Cities, a Segregação Dinâmica da Cidade
e a Habitação Social, a Fragmentação da Nação, a Cidade Espetáculo
ou Cities Marketing, as Cidades Informacionais e Virtuais, Urbanismo
Crítico, o Lugar e o não Lugar, os Discursos de Sustentabilidade Urba-
na, as Redes Sociais e a apropriação do Espaço, a Doce Ilusão Urbana
Capitalista ou a Cidade Opaca, centralidades e descentralidades.
Na discussão dos modelos paradigmáticos, dois aspectos de
relevância ainda necessitam ser mais explorados, o primeiro se re-
fere à questão das transformações das ações preservacionistas e
intervencionistas através dos tempos, com a avaliação histórica das
normas nacionais e internacionais relativas à legislação patrimonial
e seu viés urbano, e a outra se relaciona ao entendimento da verda-
deira distância entre as ações de preservação e reabilitação aplicadas

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 53


[
sobre centros históricos de alguns países comparadas aos do Brasil;
mesmo tendo sido introduzidas algumas questões relativas a esses ^
dois fatores, muitas outras situações ainda precisam ser teoricamen-
te desenvolvidas, como por exemplo, a relação entre as Cartas e as
ações nacionais, a relação entre os paradigmas e as ações internacio-
nais, portanto, os dois próximos capítulos abordam essas teorias na
busca das questões produtoras das ações preservacionistas e inter-
vencionistas sobre o Patrimônio Ambiental Urbano visando discutir
as Normas como representações conceituais e alicerçadas nas teorias,
e as ações concretas praticadas no campo internacional e transferidas
para as áreas centrais urbanas nacionais.

Notas

1 ARRUDA, J. J. de A. A Revolução Industrial. 3 ed. São Paulo: Ática, 1994.


p. 07-19.
2 SPÓSITO, M. E. Capitalismo e Urbanização. 2 ed. São Paulo: Contexto,
1989. p. 11-41.
3 KATINSKY, J. R. Vitrúvio da Arquitetura. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 09-48.
4 JANSON, H. W. História Geral da Arte: o Mundo Antigo e a Idade Média.
São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 243.
5 HUGON, P. História da Doutrinas Econômicas. 14 ed. São Paulo: Atlas,
1980. p. 64.
6 PANTALEÓN, C. Adaptacion de estructuras arquitectonicas obsoletas:
El concepto de restauração en la dialéctica del processo de deseño.
Montevideo: Facultad de Arquitectura, 1993. p. 23.
7 SILVA, J. B. da. A Cidade e o Urbano. Fortaleza: Ed. UFC/EUFC, 1997. p. 30-35.
8 DEL RIO, Vi. Revitalização de Centros Urbanos: o Novo Paradigma de
Desenvolvimento e seu Modelo Urbanístico. São Paulo: FAUUSP, Dezembro
de 1993, Revista da Pós-graduação número 4. p.55.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 54


[
9 LE GOFF, J. Antigo e Moderno. Lisboa: Imprensa Nacional, 1984. Memória e
História, p. 370-392.
^
10 CHOAY, F. O Urbanismo. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 1997. p. 61, 77 e 105.
11 RUSKIN, J. Le sette lampade dell architetture. Milano: Jaca Books, 1982.
Apresentação Odete Dourado. Salvador: UFBA, 1996. p. 3.
12 SILVA, J. B. da. A Cidade e o Urbano. Fortaleza: EUFC, 1997. p. 38
13 Ibid., p. 51-52.
14 BRUAND, I. Arquitetura Contemporânea no Brasil. 2 ed. São Paulo:
Perspectiva, 1991. p. 334.
15 LAKATOS, E. M. Sociologia Geral. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1981. p. 39.
16 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
atenas-33.htm. Acesso em: 26 ago. 2000.
17 CHOAY, op. cit., p. 163-202.
18 COSTA, L. Registro de uma Vivência. 2 ed. São Paulo: Empresa das Artes,
1995.
19 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/decretolei25.htm. Acesso
em: 31 jul. 2000.
20 BUENO, S. Minidicionário da Língua Portuguesa. 6 ed. São Paulo: LISA,
1992.
21 LEMOS, C. O que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 1978. p. 38.
22 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O Cidadão Moderno/
Lauro Cavalcanti. Brasília: MEC/IPHAN, 1996, Número 24, p. 107.
23 LEMOS, op. cit., p. 45.
24 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Nasce a Academia
SPHAN. Brasília: MEC/IPHAN, 1996, Número 24, p. 77.
25 FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
26 DRUMOND apud LEMOS, op. cit., p. 60.
27 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., p. 91.
28 Disponivel em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/
decreto-22928-12-julho-1933-558869-publicacaooriginal-80541-pe.html.
Acesso em: 17 mai. 2020. LEMOS, op. cit., p. 46

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 55


[
29 SAMPAIO, A. H. L. Formas Urbanas: cidade real & cidade ideal contribuição
ao estudo urbanístico de Salvador. Salvador: PPG/AU-UFBA, 1999. p. 140.
^
30 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
veneza-64.htm. Acesso em: 03 jul. 2000.
31 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
quito-67.htm. Acesso em: 03 jul. 2000.
32 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
cartadorestauro-72.htm. Acesso em: 03 jul. 2000.
33 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
saodomingos-74.htm. Acesso em: 03 jul. 2000.
34 MARICATO, E. Habitação Social em áreas centrais. In Revista Óculum:
Campinas: FAU-PUC, 2000.
35 Disponível em: https://pt.slideshare.net/AlineNaue1/recomendao-de-
nairobi-1976. Acesso em: 18 abr. 2020.
36 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
machupicchu-77.htm. Acesso em: 03 jul. 2000.
37 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
compromissobsb-70.htm. Acesso em: 03 jul. 2000.
38 Disponivel em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
compromissosalvador-71.htm. Acesso em: 03 jul. 2000.
39 CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Obra coletiva de autoria
da editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. 27
ed. São Paulo: Saraiva, 2001. art. 215 e 216. p. 127.
40 SANTOS, M. (org). Território; globalização e fragmentação. São Paulo:
Hucitec, 1994. p. 85-125.
41 KOWARICK, L. A Espoliação Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
42 OLIVEIRA, F. de. A Economia Brasileira: Crítica à razão dualista. São Paulo:
Estudos CEBRAP2, out., 1972.
43 SINGER, P. Economia Política da Urbanização. 8 ed. São Paulo: Brasiliense,
1981. p. 135.
44 DEL RIO, op. cit., p. 59.
45 PINHEIRO, A. I. de F. Revista de estratégias de intervenção em áreas
históricas. Recife: UFPE, 1995. p. 74-79.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 56


[
46 SANT’ANNA, M. A Cidade-Atração: A norma de preservação de centros
urbanos no Brasil dos anos 90. Salvador: UFBA, 2004. p. 149.
(Tese de Doutorado).
^
47 PINHEIRO, op. cit., p. 76.
48 ANDRÉS, L. F. de C. C. Programa de Preservação e revitalização do Centro
Histórico de São Luís. Revista de estratégias de intervenção em áreas
históricas. Recife: UFPE, 1995. p. 30-35.
49 Ibid., p. 31.
50 Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. Centro Histórico de
Salvador – Programa de Recuperação. Salvador: Corrupio, 1995.
51 Sobre as problemáticas urbanas atuais da cidade de Salvador:
GORDILHO-SOUZA, Â. Limites do Habitat: segregação e exclusão urbana
contemporânea de Salvador e perspectivas no final do século XX. Salvador:
EDUFBA, 2000. Sobre o Programa de Recuperação do Centro de Salvador:
SANT’ANNA, op. cit., p.74.
52 BONDUKI, N. Intervenções Urbanas: Na Recuperação de Centros
Históricos. – Brasília, DF: IPHAN / Programa Monumenta, 2010.
53 CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil, op. cit., p. 112, 113 e 127.
54 Globalização. Disponível em: http://sities.uol.com.br/globalization/oque.
htm. Acesso em: 07 jun. 2001.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 57


[
– 2–
^
As Transformações das Ações Preservacionistas
e Intervencionistas Através da Avaliação das
Normas Nacionais e Internacionais

As primeiras Cartas e Recomendações e sua


relação com as propostas dos primeiros teóricos
da preservação e restauro

O discurso da preservação e restauro inicia suas ações com a


preocupação com a proteção dos monumentos representativos,
arquitetonicamente e materialmente, da identidade e memória do
povo, depois se preocupa com as formas de proteger e encontrar
caminhos para esse reconhecimento, com os conjuntos e seus
entornos até atingir, já no final do século XX, uma preocupação não
apenas com o que se denominava Patrimônio Material, mas tam-
bém, a partir da década de 1970, com a expansão protecionista para
um Patrimônio Natural e, depois, Imaterial.
Em todos esses momentos, pode-se observar e habituar-se a
presenciar a decadência e sucessivo abandono de edifícios e seto-
res da cidade. Vários esforços geraram adaptações no sentido de
recuperá-los e reanimá-los, épocas de disputas entre sociólogos,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 58


[
economistas, sanitaristas, engenheiros, arquitetos, que encadearam
o que se conhece por processos paradigmáticos urbanos1 e que che- ^
gam aos dias atuais na forma de múltiplas e multifacetadas interven-
ções, refuncionalizações, consolidações, reciclagens, restaurações,
reabilitações e renovações.
A relação teórica e a construção de normas (legislações) que
exerçam a proteção do patrimônio são uma constante nas ações
preservacionistas e intervencionistas; às chamadas Cartas, Reco-
mendações, Encontros e Declarações sempre serviram como base
na formulação teórica e prática das ações tutelares de preservação e
intervenção sobre o Patrimônio Ambiental Urbano, uma vez que elas
demonstraram ser portadoras da essência de todas as teorias con-
cebidas; neste contexto, as primeiras Cartas (Atenas 1931 e 1933)
possuem inúmeras afinidades com a teoria de Viollet Le Duc, John
Ruskin, Camillo Boito e Gustavo Giovanonni.
Essa determinação conceitual de reconhecer o passado como
portador do moderno é o texto inaugural da conservação e res-
tauro expresso na obra de Viollet Le Duc, Dictionnaire raisonne de
l’architecture française du XIe au XVI e siécle2, verdadeiro tratado do
gótico francês que os historiadores dizem ainda ser pouco explorado
no Brasil. Os pontos importantes para ele podem ser resumidos da
seguinte maneira: “Restaurar um edifício não é conservá-lo, repará-lo
ou refazê-lo, é restituí-lo a um estado de inteireza que pode jamais ter
existido em um dado momento”. Compreendendo que jamais nenhu-
ma civilização tenha feito ou pretendido fazer restauros como são
feitos atualmente, depara-se aqui com a primeira relação teórica en-
tre Viollet Le Duc e seu Dictionnare, publicado em 1858, e a Carta de
Atenas, de outubro de 19313.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 59


[
Observam-se mais duas questões importantes nesta relação: a)
Viollet Le Duc já apontava o perigo que restaurar significava, quando ^
na pretensão de substituir, o artista produzia os mais graves erros e
isso ocasionava o desaparecimento dos vestígios; b) lê-se também
em Viollet Le Duc que cada programa, cada edifício ou cada parte
deve ser restaurado no estilo que lhe é próprio, não só como aparên-
cia, mas também como estrutura, para isso era necessário determinar
precisamente a época e o caráter de cada parte do edifício e adotar
medidas particulares definidas pela hábil capacidade do arquiteto.
Nesta dualidade comparativa entre restaurar e intervir Viollet Le
Duc responde: E quando uma restauração parece indispensável, mas
sobre os quais não restam vestígios? Então, segundo ele, o arquite-
to deve-se imbuir do estilo próprio do monumento cujo restauro lhe
foi confiado. Na Carta, percebe-se claramente esse sentido teórico de
Viollet Le Duc quando recomenda que se mantenha uma utilização
dos monumentos que assegure a continuidade de sua vida, desti-
nando-os sempre a finalidades que seu caráter histórico ou artístico
possuía. Em Viollet Le Duc se encontra: “é necessário que, o edifício
restaurado passe ao futuro com uma duração maior do que a que ele
teve até então”; na Carta de Atenas de 1931, no parágrafo II, relativo a
Administração e Legislação dos monumentos históricos, apreciam-se
as mesmas questões4.
Na Carta de Atenas de 1931 encontra-se uma relação com ou-
tro importante teórico do século XIX, John Ruskin5, que propunha um
respeito muito grande aos monumentos, pois estes representavam
a expressão da verdade, dizia que na cidade, nos edifícios comuns,
era possível se encontrar a verdade sobre os homens, pois suas casas
representavam o templo inviolável da memória. Ruskin argumentava

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 60


[
que a beleza das cidades da França e da Itália dependia do todo, da
relação entre as construções e, especialmente, das construções que ele ^
chamava de “casas menores”, e nestas, mais que nos edifícios públicos,
o propósito da história era ainda mais definido. Neste aspecto a Carta
de Atenas de 1931 recomendava o emprego de materiais novos mais
de forma a não alterar o aspecto e o caráter do edifício restaurado.
Em relação às técnicas da conservação, a Carta de Atenas de
1931 constata que os princípios a serem utilizados quando se trata
de ruína, a conservação escrupulosa se impõe, com a recolocação em
seus lugares dos elementos originais encontrados (anastilose). Essa
questão técnica está relacionada a outro teórico, Camillo Boito6, que
trabalha a restauração de um monumento mediante a recomposição
de suas partes, em função da posição relativa e absoluta de cada frag-
mento encontrado.
Após a conferência de 1931, seguiu-se o Congresso Internacio-
nal de Arquitetura Moderna de 1933 – CIAM, do qual nasceu a Carta
de Atenas de novembro de 19337, que remete uma intenção sobre
a proteção da Cidade e sua Região. A extensão da preservação do
monumento para conjunto histórico, ou assentamento urbano e suas
relações históricas com o entorno e com a visualização da cidade
antiga ou centro histórico que provocam a redefinição do tema da
restauração não como um problema único de um edifício isolado,
mas como um problema maior, com o chamado centro histórico, o
qual também está presente nos conceitos de Gustavo Giovannoni8.
A Carta de Atenas de 1933 é dirigida especialmente aos nú-
cleos das cidades, os quais promovem a necessidade de processos
de alteração higienista dos antigos centros urbanos. Dessa forma,
consolida-se uma postura de rigorosa classificação dos monumentos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 61


[
segundo sua origem e estado de conservação, pois os tipos de res-
tauração a realizar nesses monumentos são diferenciados em cinco ^
tipos (de acordo com a concepção teórica de Gustavo Giovannoni):
consolidação, recomposição, liberação, complementação e inovação.
O ponto chave entre a teoria de Giovannoni e a Carta de Atenas de
1933 é quando a substituição é solicitada, agindo-se com liberdade e
criatividade nas trocas que se façam necessárias.
O Congresso de 1933 colocou-se a favor da demolição e des-
truição dos cortiços ao redor dos monumentos históricos visando a
possibilidade de criar, nesses locais, áreas verdes (Modelo do Embe-
lezamento e Saneamento). Fatalmente, Ruskin estaria contra toda a
Carta de 1933, a não ser em relação ao parágrafo 70, o qual o em-
prego de estilos do passado, sob pretextos estéticos, nas construções
novas erigidas nas zonas históricas, tem consequências nefastas; as
obras primas do passado mostram que cada geração teve sua manei-
ra de pensar, suas concepções, sua estética, assim, copiar servilmente
o passado é condenar-se à mentira, ao falso.
Na preservação e restauro, a Carta de Atenas de 1933 reafirmou
várias questões estabelecidas na Carta de Atenas de 1931, como o
método arqueologista, aceitando a consolidação de ruínas, não
admitindo recomposições fantasiosas ou imitativas, mas aceitando
o aproveitamento de espaços através de obras modernas, admitindo
a iconografia existente, a anastilose, isto é, a reconstrução baseada
nos elementos originais dispersos ainda conservados (Camillo
Boito), condenando a demolição gratuita de acréscimos quando eles
já possuem valor histórico ou artístico qualquer, admitindo o método
científico (Gustavo Giovannoni), proibindo a reconstrução das ruínas,
e que os materiais disponíveis ou necessários estejam de modo bem

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 62


[
visíveis nos monumentos danificados, e que as partes reconstruídas
jamais deverão imitar as originais, mas havendo o cuidado de não se ^
obter desarmonias nos acréscimos que deveriam empregar o “estilo
neutral”; também se podendo usar o não-método, que considera
cada caso um caso, cada um com uma solução particular; esses mé-
todos e teorias foram aplicados com total liberdade em vários países,
inclusive no Brasil.
Essa liberdade e confusão causada por inúmeras possibilidades
de lidar com o tema resultaram, em maio de 1964, no Congresso In-
ternacional de Arquitetos e Técnicos em Veneza, com a participação
de setecentos profissionais e o tema foi “Conservação do patrimônio
monumental e ambiental no mundo fundindo seu espírito com a vida
moderna”. Esse momento que pode ser chamado de “paradigma his-
toricista” e os resultados históricos e as questões teóricas presentes
nos congressos e encontros no final da década de 1950 até a pro-
ximidade dos encontros realizados no Brasil, a partir de 1970, serão
analisados a seguir.

Antecedentes nacionais e a reestruturação das


ações preservacionistas e intervencionistas a partir
da Carta de Veneza de 1964

Para a preservação e restauro, Mário de Andrade9 escreve, em


1936, um projeto que irá nortear o instrumento que rege a conser-
vação dos bens patrimoniais (o Decreto-lei no 25, de 30 de novem-
bro de 1937), que juntamente com a campanha de Paulo Duarte10
no jornal “O Estado de São Paulo”, e seu artigo denominado “Contra
o Vandalismo e o Extermínio” traz a público o estado lastimável e

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 63


[
criminoso em que jazia o pouco que restava do Patrimônio Cultural
Arquitetônico Nacional. ^
Mário de Andrade estava tentando resguardar a totalidade dos
bens culturais, a tendência preservacionista sob esse aspecto pode ser
percebida na questão da aplicação do conceito do que era patrimônio
por Boito11, que assume os monumentos arquitetônicos com referên-
cia a quatro qualidades: arqueologia, aparência pitoresca, beleza ar-
quitetônica, todas elas; Mário de Andrade chamava-as simplesmente
de obras de arte, de maneira bastante ampla, assumindo ao longo do
texto conotações diversificadas, mas ligadas ao artesanato12.
Outro antecedente nacional importante a Carta de Veneza de
1964 foi a atuação de Rodrigo Melo Franco de Andrade13 a frente do
SPHAN, apesar desta atuação se confundir com a política da era
Vargas, sofrendo apenas uma ruptura a partir de 1964 com a Revo-
lução, ela recebe a colaboração de muitos intelectuais para a for-
mulação das ações empreendidas, como as de: Mário de Andrade,
Manuel Bandeira, Carlos leão, Paulo Tedim Barreto, Heloisa Alberto
Torres, Luis Jardim, José de Souza Reis, Lúcio Costa, Dom Clemente
da Silva Nigra, Francisco Marques dos Santos, Edgar Jacinto da Silva,
Renato Soeiro, Gustavo Barroso, Oswaldo Teixeira, Aírton de Almeida
Carvalho, Rafael Carneiro da Rocha, Afonso Arinos de Melo Franco,
Edgar Roquete Pinto, Pedro Correia de Araujo, Carlos Drummond de
Andrade, Gilberto Freire, e outros. Nestas colaborações estão as bases
teóricas e práticas que substanciaram e consolidaram o pensamento
preservacionista e intervencionista no Brasil por mais de 70 anos.
As ações de preservação patrimonial de Rodrigo Melo Franco
de Andrade se revelam ao comparara-las com a Conferência Geral
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 64


[
Cultura, em 5 de dezembro de 1956 em Nova Delhi14, demonstrando
a influência dos encontros internacionais com as práticas preserva- ^
cionistas nos Estados ditos “periféricos” . A Conferência de Nova Delhi
15

de 1956 estabelecia que a garantia mais eficaz de conservação dos


monumentos e obras do passado reside no respeito e dedicação que
lhes consagram os próprios povos, no caso da atuação do SPHAN, po-
de-se entendê-la como o de uma “fase heroica” (como citam vários
estudiosos), a qual ainda estava sendo construído o que deveria ser
objeto da conservação, mas, ao mesmo tempo, era necessário que
se estabelecesse um discurso que fosse aceito como promotor da
“descoberta” da identidade nacional e isso foi trabalhado por Rodrigo
Melo Franco de Andrade.
A conferência de Nova Delhi parece ratificar todas as propostas
anteriormente estabelecidas por Rodrigo Melo Franco de Andrade,
mas se forem analisadas as propostas teóricas de Alois Riegl16, perce-
be-se que a formulação de Mário de Andrade e, mais especificamen-
te, de Rodrigo M. F. de Andrade estão assentadas na questão de valor
da obra, ou seja, nas obras que poderiam ser identificadas como por-
tadoras da identidade nacional e como seria possível identificá-las, a
partir de quais requisitos. Em Alois Riegl, bem como em Rodrigo M. F.
de Andrade, observa-se a intenção de reconhecimento da obra pela
análise de seu valor histórico e pelo seu valor artístico. Não é à toa
que o órgão criado no Brasil foi denominado de SPHAN – Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Uma grande crítica a atuação de Rodrigo M. F. de Andrade à
frente do SPHAN foi à cobrança da falta de participação popular na
política de preservação, ação que seria mais claramente adotada
na época de outro teórico importante no Brasil, ou seja, Aloísio

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 65


[
Magalhães. Contudo, no período entre o final da década de 1930 e
final da década de 1960, a proposta teórica girava em torno da cons- ^
trução da identidade simbólica nacional, o que explicaria, mas não
justificaria a política de Rodrigo M. F. de Andrade. Mesmo com essa
crítica, deve-se entender que a política de preservação e restauro
praticada naquela época teve seus contornos determinados pela
instabilidade governamental e discurso próprio da formação do
conceito homem-nação, o que ameniza a ausência participativa do
povo na elaboração dessa simbologia específica.
As ações de Rodrigo M. F. de Andrade nos anos à frente do
SPHAN buscaram a eleição de instrumental que possibilitasse a maior
preservação e a menor evasão possível de bens patrimoniais. Entre-
tanto, uma grande quantidade de normas, discussões e teorias, então
presentes já no início da década de 1960 e, a falta de estabelecimen-
to de critérios mais universais que pudessem nortear a atuação de
técnicos e arquitetos no lidar com a questão preservacionista, além
de propostas que evitassem os abusos, propiciou a realização na
Cidade de Paris, em 1962, da conferência relativa a Proteção da Beleza
e do Caráter das Paisagens e Sítios17; bem como, no campo nacional,
destaca-se a teoria relativa à conservação e restauro de Lúcio Costa,
considerado um dos maiores expoentes da arquitetura brasileira.
A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura, reunida em Paris, de 9 de novembro a
12 de dezembro de 196218, considerou que, em todas as épocas, o
homem submeteu a beleza e o caráter das paisagens e dos sítios que
fazem parte do quadro natural de sua vida a atentados que empo-
breceram o patrimônio cultural, estético e até mesmo vital de regiões
inteiras. Em todas as partes do mundo, a Conferência considerou que

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 66


[
ao cultivar novas terras, desenvolveu, por vezes, desordenadamente
centros urbanos, executou grandes obras e realizou vastos planeja- ^
mentos físico-territoriais e instalações de equipamentos industrial e
comercial, acelerando o fenômeno destrutivo patrimonial, tornando
urgente estudar e adotar medidas necessárias para salvaguardar a be-
leza e o caráter das paisagens e sítios em todos os locais do planeta. A
proteção não deveria apenas dispor sobre as paisagens naturais, mas
também sobre os sítios e paisagens urbanas, que são geralmente os
mais ameaçados, especialmente, pelas obras da construção civil e pela
especulação imobiliária, sempre com caráter preventivo e corretivo.
A análise da teoria de Lúcio Costa neste momento é oportuna,
uma vez que, sua principal atuação na preservação e restauro está
relacionada à interferência em ruínas e locais portadores de certas ca-
racterísticas históricas sobre a paisagem. Sua contribuição também
está inserida no reconhecimento do antigo para se poder reconhecer
o moderno19. Filho de Joaquim Ribeiro da Costa e Alina Ribeiro da
Costa, ele engenheiro naval, natural de Salvador, ela professora,
Lúcio Costa nasceu em Toulon na Villa Dorothée Lousie no Mourillon,
em 1902, passou parte de sua infância na França e retornou ao Brasil
em 1916, quando seu pai o matriculou na Escola de Belas Artes do Rio
de Janeiro, onde se formaria arquiteto. O próprio Lúcio Costa reco-
nheceu sua vida profissional em sete fases e admite que de permeio
com as demais ocorreu a fase do patrimônio20.
Uma das inevitáveis comparações com Viollet Le Duc é a produ-
ção sobre “Mobiliário Luso-brasileiro”21 em 1939, um inventário siste-
mático de peças ainda existentes em várias regiões do Brasil. Todavia,
a obra de destaque dentro da questão é o estudo de “Os Sete Povos
das Missões”22. Lúcio Costa diz que essa arquitetura nada tem a ver

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 67


[
com a arquitetura jesuítica do Brasil e que a interferência nacional, ao
longo dos séculos, foi apenas demolidora, até que, em 1928, reali- ^
zou-se uma intervenção procedida pela Comissão de Terras de São
Miguel e, finalmente, obras de estabilização e recomposição, pratica-
das em 1938 pelo SPHAN, pelo processo da “depóse”23. Com os restos
das ruínas fizeram o Museu, a Casa São João, um simples abrigo para
as peças que, em contato com os vestígios e junto ao recinto das ruí-
nas, não ocorreu a perda do valor histórico, claramente relacionado
com as teorias de Ruskin, Camillo Boito, Alois Riegl. Com ressentimen-
to em ter que abandonar a biografia de Lúcio Costa e sua relação com
a teoria e prática da preservação e restauro, faz-se necessário redire-
cionar o texto para as cartas e encontros, destacando-se agora a Carta
de Veneza, de maio de 1964.
O II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monu-
mentos Históricos – ICOMOS (Conselho Internacional de Monumen-
tos e Sítios)24, segundo Carlo Gasperini, relator da comitiva brasileira,
propunha criar uma “Carta Internacional de Restauração de Monu-
mentos” e a implantação de uma política comum de pesquisas e valo-
rização dos monumentos em seus ambientes, dos centros históricos e
das paisagens. O programa de trabalho foi dividido em cinco seções,
permitindo a cada congressista ou delegação uma maior participação
nos seus respectivos casos de interesses25.
A Carta de Veneza também diz que a conservação exige manu-
tenção permanente e que a conservação dos monumentos é sempre
favorecida por sua destinação útil à sociedade (aqui se entende a prá-
tica de outro brasileiro, Aloísio Magalhães, que será abordado mais à
frente); o monumento é inseparável da história de que é testemunho
e do meio em que se situa (Camillo Boito), portanto o deslocamento

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 68


[
de todo o monumento ou de parte dele não pode ser tolerado (prática
de Lúcio Costa); os elementos da escultura, pintura ou decoração que ^
são parte integrante do monumento não lhes podem ser retirados a
não ser que essa medida seja única capaz de assegurar sua conser-
vação (teoria de Viollet Le Duc); a restauração é uma operação que
deve ter caráter excepcional (teoria de Alois Riegl); revelar e conser-
var os valores estéticos e históricos do monumento e fundamentar-se
no respeito ao material original e aos documentos autênticos (teoria
de Cesare Brandi); quando as técnicas tradicionais se revelarem ina-
dequadas, a consolidação do monumento pode ser assegurada com
o emprego de todas as técnicas modernas de conservação (teoria de
Gustavo Giovannoni); as contribuições válidas de todas as épocas
para a edificação devem ser respeitadas, visto que a unidade de es-
tilo não é a finalidade a alcançar no curso da restauração (teoria de
Ruskin); o julgamento do valor dos elementos em causa e a decisão
quanto ao que pode ser eliminado não podem somente ser do autor
do projeto (teoria de Cesare Brandi).
Como se pode perceber, a Carta de Veneza de 1964 é composta
pelos referenciais teóricos de todos os personagens que elaboraram
conceitos e critérios para a prática preservacionista e intervencionis-
ta, mas, por outro lado, a Carta de Veneza também pode ser analisa-
da pelas cinco seções no qual o Congresso foi dividido, sendo que a
Primeira Seção coube a “Análise da teoria da Conservação e Restau-
ro de Monumentos”; a Segunda Seção à “Análise dos Métodos”, que
foi subdividida em três grupos de trabalho referentes à restauração
arqueológica, às novas técnicas de restauração e à problemática da
restauração relativa à vida moderna; a Terceira Seção preocupou-se
com problemas jurídicos relativos às questões ligadas a proteção

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 69


[
de monumentos, de ambientes monumentais dos chamados cen-
tros históricos e paisagísticos (grifo nosso); a Quarta Seção tratou ^
de resultados práticos advindos das escavações arqueológicas e das
descobertas efetuadas durante obras de restauração e a Quinta Seção
cuidou das medidas preliminares de proteção do Patrimônio Monu-
mental. Todas essas seções resultaram na criação do ICOMOS, estatuto
preparado pela UNESCO e que, para o Brasil, levou a compreensão
da adoção desse instrumento e do método chamado de científico na
instrumentalização dos processos relativos à conservação e restauro.
Apesar da Carta de Veneza significar uma “transformação” no
lidar com as questões patrimoniais, ela deixou a desejar em alguns as-
pectos, como, por exemplo, a falta de esclarecimento popular sobre a
importância da preservação e restauro e sobre a questão jurídica, pois
o fato do imóvel ainda estar ligada ao direito do proprietário, impedia
muitas possibilidades de atuação, inclusive com o direito do tomba-
mento esbarrando no direito da propriedade e com o esquecimento
do valor social do bem cultural protegido26. Depois da elaboração da
Carta de Veneza, cada país tratou de providenciar as suas linhas de
conduta ou as normas locais aplicáveis dentro de suas peculiaridades
e sempre desejando regulamentar suas bases nas normas venezia-
nas; as novas reuniões realizadas por vários países e as reuniões no
Brasil, é o que se verá a seguir.

Os congressos e as recomendações posteriores à


Carta de Veneza e os primeiros encontros brasileiros

No final do tópico anterior, expressou-se a intenção de iniciar


analises das ações jurídicas na preservação e restauro no Brasil, como

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 70


[
o Instituto do Tombamento, mas por que analisá-lo neste momento?
Percebe-se nas questões internacionais, após uma série de encontros, ^
com a elaboração de cartas e recomendações e seu natural rebati-
mento normativo no Brasil, que a problemática advinda da relação
direito social (público) e direito de propriedade (privado) ainda per-
manecia como um dos nós mais apertados e evidentes no lidar com
a questão patrimonial. Nesse ponto, não caberia uma total análise do
processo de tombamento, mas apenas uma necessidade de apre-
sentar a questão, pois, para o caso brasileiro, esse meio de atuação
foi e ainda continua sendo o mecanismo instrumental de maior
importância do direito administrativo e legal para a proteção dos
bens reconhecidos como portadores da memória cultural material
e imaterial da sociedade.
Embora o Art. 1o do Decreto-lei no 25/37 fale em conjunto de
bens para definir o Patrimônio Histórico e Artístico não quer dizer
que apenas o conjunto de bens em espécie está sob proteção, mas
também o objeto de tutela pode ser um bem singular (uma casa, um
prédio, um morro), um conjunto de bens (um quarteirão, uma cidade,
como Ouro Preto), um complexo de bens (uma paisagem, uma flo-
resta e morro, como o Parque da Tijuca no Rio de Janeiro), desde que
tenham sido tombados pelo órgão competente (da União, Estado ou
do Município), como dotados de valor histórico, artístico, monumen-
tal, paisagístico, arqueológico ou de beleza natural27.
Para que a proteção se efetive, o tombamento pode ser prati-
cado com as seguintes classificações: instrumentos primários, instru-
mentos secundários, instrumentos repressivos. No direito italiano, há
também os instrumentos cautelares, que não estão previstos no
direto nacional, mas que seriam úteis em certos casos, apesar do

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 71


[
tombamento já exercer uma função cautelar, pode ser considerado
pelo Decreto-lei no 25/37 como tombamento provisório com os mes- ^
mos efeitos vinculativos do definitivo. Por outro lado, as regras são
aplicáveis a todos os casos de tutela, há, porém, regras especiais para
a tutela de bens pré-históricos e das jazidas arqueológicas.
Para os instrumentos primários, a proteção assenta-se no reco-
nhecimento (Cesare Brandi), pelo órgão competente (IPHAN, no âm-
bito Federal, ou órgão semelhantes nos Estados ou Municípios). Esse
reconhecimento, que se traduz na inscrição do bem no livro especial
chamado Livro do Tombo, é que o transforma em patrimônio histó-
rico, artístico ou paisagístico nacional, com todas as consequências
previstas na Lei. Tombar significa lançar nos livros do tombo, “livros
nos quais se dizem a denominação, a situação e os limites ou outras
características do bem tombado”28.
Na definição de Meirelles (2013, p. 646 e 648), tombamen-
to “é a declaração, pelo poder público, do valor histórico, artístico,
paisagístico ou científico de coisas, que, por essa razão, devem ser
preservadas de acordo com a inscrição no livro próprio”. De qual-
quer forma, o tombamento produz efeito sobre a esfera jurídica dos
proprietários privados e públicos, impondo limitações ao direito da
propriedade, e cria um regime jurídico especial para os bens transfor-
mando-os em bens de interesse público.
Nos instrumentos primários o procedimento do tombamento
compulsório se integra em atos que merecem atenção, como a No-
tificação, que dá início ao procedimento, a Inscrição, que o conclui,
e a Homologação, que o torna definitivamente eficaz. A Notificação
é o ato que se dirige ao proprietário (e na falta deste, ao possuidor),
significa verdadeira intimação ao proprietário para anuir a inscrição

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 72


[
da coisa, ou para defender-se impugnando o tombamento, seus
efeitos jurídicos não são de mero conhecimento, mas constitutivos ^
na medida em que a Lei lhe dá a natureza de tombamento provisório,
equiparando-o ao definitivo para todos os efeitos, salvo quanto há
transcrição29. A Inscrição constitui verdadeiro e definitivo tombamento,
mas na Lei no 6292/75, ela fica dependendo da homologação do Minis-
tro da Cultura, para surtir os efeitos do tombamento. A Homologação
é ato de controle, ato que pode ser recusado pelo Ministro, desde que
o entenda inoportuno, certamente essa questão de delegar a uma só
pessoa a apreciação do bem pode não ser uma boa solução.
Os instrumentos secundários são constituídos por: 1 - a transcri-
ção do tombamento no registro imobiliário e sua averbação ao lado
da transcrição de domínio; 2 - autorização para reparos, pinturas e res-
taurações de coisas tombadas; 3 - autorização para a construção no
local ou nas vizinhanças; 4 - sujeição do bem tombado à vigilância do
IPHAN, com a possibilidade de inspecioná-lo; 5 - direito de preferência
da União, Estados e Municípios no caso de alienação do bem tombado.
O tombamento sujeita o bem tombado, qualquer que seja a sua
natureza, a regime jurídico especial, determinando algumas situações
desfavoráveis aos sujeitos passíveis de tutela. Os bens tombados não
se tornam inalienáveis, mas a alienabilidade (transferência de domí-
nio) sofre limitações como o Direito Oneroso de preferência a União,
Estados e Municípios30. Outro vínculo imposto à coisa tombada é o
de sua imodificabilidade, pois não pode, em caso algum, ser destruí-
da, demolida ou mutilada; pode, contudo, ser reparada, pintada ou
restaurada, mediante prévia autorização do IPHAN, e sua constante
vigilância e inspeção também constituem instrumentos secundários
de proteção.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 73


[
Outro aspecto que merece breve apresentação dentro do Insti-
tuto do tombamento está relacionado ao conceito de redução da vi- ^
sibilidade, para fins da Lei do tombamento, é amplo, alcançando não
apenas a obstaculização da coisa tombada, como a modificação do
ambiente ou da paisagem adjacente, a diferença de estilos arquitetô-
nicos, e tudo que afronte a harmonia do conjunto de valor histórico e
artístico ou a beleza original da obra. Não existe notificação dos titula-
res das coisas vizinhas, apesar de alguns juristas entenderem que esse
fato é extremamente necessário.
O tombamento, como ato administrativo-urbanístico, é anulável
e revogável, por ilegalidade ou importunidade de sua realização, ou
seja, pela homologação do Ministro, podendo ser revisado, alterado
ou revogado, por ser portador de ilegalidade ou por não preencher
os requisitos para sua integração no patrimônio histórico, artístico, ar-
queológico ou paisagístico natural. Mesmo que o tombamento tenha
sido homologado, ele também pode vir a ser revisto pelo Presidente
da República31, de ofício ou em grau proposto por qualquer interes-
sado, cancelando-o. Essa previsão pode tanto alcançar os bens tom-
bados privados como os bens pertencentes à União, Estados e Muni-
cípios. Críticas a essa questão são inúmeras, pois se pode argumentar
que, nem o Presidente e nem o Ministro em matéria de História ou
Arte sejam portadores únicos de juízo técnico ou artístico para decidir
sobre o ato do tombamento.
O tombamento ainda possui instrumentos repressivos de natu-
reza administrativa e de natureza penal. Os primeiros constituem em
multa, destruição de obra e remoção de objetos32. A destruição da
obra ocorrerá no caso de construção na vizinhança de coisa tombada,
sem prévia autorização do IPHAN, que impeça ou reduza a visibilida-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 74


[
de da coisa tombada; a remoção se dará na hipótese de colocação
de anúncios ou cartazes na vizinhança da coisa tombada. Verifica-se ^
que o ato do tombamento, apesar de estar bem estruturado juridica-
mente, de ser fruto das várias reuniões e congressos internacionais
e de conter a filosofia de Rodrigo M. F. de Andrade e de Mário de
Andrade, ainda apresenta muitas lacunas, como, por exemplo, os
casos de complementações, os casos de consolidações, de reconstru-
ções e requalificações, os quais necessitariam ser contemplados, além
do aperfeiçoamento dos instrumentos repressivos e educativos.
O tombamento oficial (Decreto-lei no 25/37) não pressupõe de-
sapropriação, o bem tombado continua como posse e usufruto total
por parte do proprietário, responsável por sua integridade, o que con-
verge para inúmeros problemas, quando o bem se localiza em área
de zona valorizada e especulativa, onde todo imóvel com restrições
drásticas nada vale economicamente, faltam instrumentos para de-
monstrar as vantagens que podem resultar daquela atribuição, como,
por exemplo, programas de reabilitação relacionados à questão turís-
tica (paradigma das revitalizações urbanas). Algumas dessas aborda-
gens, iniciadas pela análise do ato de tombamento neste momento
e suas lacunas serão recomendadas pelas conferências e encontros
realizados após a Carta de Veneza, como nas Recomendações de Paris
de 1964 e nas Normas de Quito de 1967.
A Recomendação de Paris de 196433 trata das medidas destina-
das a proibir e impedir a exportação, a importação e a transferência
de propriedades ilícitas de bens culturais, já as Normas de Quito de
196734 apresentam o problema referente ao uso dos bens patrimo-
niais mediante ao acelerado processo de empobrecimento que vem
sofrendo a maioria dos países americanos e o consequente estado

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 75


[
de abandono e falta de defesa, nos quais se encontravam as riquezas
monumentais e artísticas desses locais. Esses dois encontros, como ^
os posteriores, tratam de providenciar linhas de conduta ou normas
locais aplicáveis dentro de suas particularidades e sempre desejando
“regulamentar” as normas venezianas, no caso dos encontros latino-
-americanos, as regras estabeleceram o pensar sobre mecanismos
apropriados às condições dos povos do terceiro mundo. Quanto as
Normas de Quito é importante ainda ressaltar que o grau de otimis-
mo que suas recomendações estabeleciam, nas quais o turismo era a
solução, se, por um lado, contemplavam a questão com o estabele-
cimento econômico de sua manutenção, por outro, introduzia uma
situação de acúmulo de visitantes, às vezes de forma improvisada
e transformadora dos elementos e paisagem locais. Tanto para as
Recomendações de Paris e especialmente para as Normas de Quito
três questões são necessárias para que o projeto de revalorização do
patrimônio monumental tenha êxito: legislação eficaz, organização
técnica, planejamento nacional, os quais devem se integrar.
Antes dos dois compromissos iniciais mais importantes nas
ações preservacionistas e intervencionistas no Brasil, ocorreu, em
19 de novembro de 1968, a Conferência Geral da Organização das
Nações Unidas, 15a sessão, na qual recomendava-se a conservação
dos bens culturais ameaçados pela execução de obras públicas e
privadas, considerando que a civilização contemporânea e sua evo-
lução futura repousam nas tradições culturais dos povos e nas for-
ças criadoras da humanidade35. Todas as recomendações contidas
nesta Conferência de Paris são formuladas a partir da necessidade
e das alterações que os centros históricos sofrem devido aos me-
canismos impostos especialmente pela especulação imobiliária e

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 76


[
agentes gestores econômicos e sociais da sociedade contemporânea
e previam para esta finalidade: Legislação, Financiamento, Medidas ^
administrativas, Métodos de preservação e salvamento dos bens cul-
turais, Sanções, Reparações, Recompensas, Assessoramento, Progra-
mas educacionais.
No Brasil, o final da década de 1960, apresentava de forma mais
“consolidada” as alterações políticas, sociais e econômicas advindas
da Revolução Militar de 1964, no caso teórico e prático preserva-
cionista presenciava-se um momento com certo grau de abandono
e descaso por parte das elites militares governamentais, fato expli-
cado pela preocupação com a sustentação política. Neste contexto,
ocorreram “encontros” brasileiros destinados a dar continuidade aos
documentos anteriormente analisados e às teorias mencionadas. A
principal reunião ocorrida no país foi em abril de 1970, quando ema-
nou o célebre Compromisso de Brasília36 assinado pelo Ministro da
Educação e Cultura da época e por Governadores de seis Estados e
representantes dos demais e por outras autoridades representativas
de entidades culturais variadas; a seguir ocorreu em 1971 o Compro-
misso de Salvador37.
O Compromisso de Brasília recomenda a criação de serviços
estaduais em articulação com o IBDF – Instituto Brasileiro de Desen-
volvimento Florestal, também recomenda um entrosamento entre as
Universidades, Bibliotecas e Arquivos Públicos Municipais, uma legis-
lação efetiva para a defesa dos antigos cemitérios e especialmente de
túmulos históricos e artísticos e monumentos funerários; o final do
documento traz um anexo escrito por Lúcio Costa sobre um problema
de recuperação e restauração de uma casa seiscentista em São Paulo
e das Ruínas de São Miguel, requerendo especialistas e inventário,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 77


[
reverenciando a memória de Rodrigo M. F. de Andrade, apesar das
deficiências do DPHAN, mencionando que a obra de preservação e ^
restauro no Brasil é a obra de vida deste personagem.
No Compromisso de Salvador as recomendações se dirigiam es-
pecialmente à preservação de bens culturais, dando uma série de su-
gestões de hipóteses ligadas ao “como” obter verbas e financiamentos
de obras e também tratava da participação de estudantes em levan-
tamentos de bens culturais e do aprimoramento de cursos voltados
ao assunto preservacionista. Recomendava a criação do Ministério da
Cultura e de Secretarias ou Fundações Culturais, também tratava do
conceito de visibilidade do bem tombado, para atender o conceito
de ambiência; recomendava a criação de legislação complementar
para a proteção de conjuntos paisagísticos, arquitetônicos e urbanos,
recomendava Planos Diretores, com a orientação do IPHAN, do IBDF,
dos Órgãos Estaduais; recomendava a convocação do BNH e SFH para
custear as operações de tombamento; recomendava a convocação
do FINEP e de órgãos congêneres para o desenvolvimento da indús-
tria do turismo e que estudassem medidas para elaborar uma política
de turismo; recomendava uma série de medidas legais para o reco-
nhecimento do patrimônio e sugeria a inscrição do acervo de Lençóis
– Bahia, do Parque de Pirajá – Bahia, Museu no Paraná; e questões
ligadas a publicações sobre a História da Independência do Brasil.
A grande crítica (aos encontros de Brasília e Salvador) se refere
à questão do Patrimônio Ambiental Urbano, pois esses encontros só
faziam uma vaga menção a conjuntos de monumentos ou a cidades
históricas, apesar de trabalhar a questão da ambiência dos bens tom-
bados. Entretanto são esses encontros, juntamente com os interna-
cionais, que nortearam as ações aplicadas sobre os bens patrimoniais

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 78


[
a partir da década de 1970. Portanto, a seguir serão vistas as conven-
ções, cartas, declarações e recomendações produzidas após os com- ^
promissos nacionais.

As convenções, cartas de restauro, declarações


e recomendações produzidas internacionalmente
após os encontros brasileiros, durante as décadas
de 1970 e 1980

Os compromissos nacionais deixaram explícita a definição teóri-


ca de que para promover ações preservacionistas e intervencionistas
é preciso ter o cuidado de entender cada caso como um caso espe-
cífico. Essa teoria, proposta segundo a instância histórica e estética,
havia sido promovida por Cesare Brandi38. Assim, o axioma máximo
ou sentença recairia em que somente se pode restaurar a matéria pri-
ma da obra de arte, na qual a conceituação do tempo e história seja
importante, uma vez que a epifania da imagem deve ser respeitada, a
distinção fundamental deve ser entre a estrutura e o aspecto, questão
inerente na arquitetura moderna, sendo a sensibilidade o ponto cen-
tral das ações de restauração bem como o reconhecimento da “unida-
de potencial”39 do objeto patrimonial.
A postura de que “cada caso é um caso” formulada por Brandi
continua até os dias atuais, presente nas ações de quem pratica a
preservação e o restauro, especialmente no Brasil, onde os profissio-
nais à frente do IPHAN elaboram a maioria de suas ações usando esse
momento metodológico de reconhecimento como ponto de partida,
juntamente com a continuidade do discurso específico produzido por
Rodrigo M. F. de Andrade.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 79


[
Posterior aos encontros de Brasília e Salvador, a formulação de
recomendações preservacionistas e intervencionistas foram todas ^
realizadas fora do Brasil, se destacando: a Carta de Restauro da Itália,
O Manifesto de Amsterdã, a Carta de Machu Picchu e os Encontros dos
ICOMOS; nas quais as propostas de Cesare Brandi atuam como teoria
base empregada na prática da salvaguarda dos bens patrimoniais.
Em 6 de abril de 1972, o Governo da Itália, através do seu Minis-
tério de Instrução Pública divulgou um Documento sobre Restauração,
A Carta do Restauro de 197240, para regulamentar as ações e as inter-
venções de restauro através de uma série de instruções. Os primeiros
artigos da Carta do Restauro estabelecem quais os objetos que devem
ser alvo das ações preservacionistas e intervencionistas, os quais vão
desde objetos isolados a conjuntos históricos (centros históricos),
vestígios antigos subterrâneos e subaquáticos, operações de salva-
guarda e restauração.
A Carta do Restauro da Itália é uma transcrição dos estudos de
Cesare Brandi, com todas as características e questões de seu reco-
nhecimento metodológico. No artigo 7o, que fala sobre as operações
ou reintegrações de pequenas partes, adota que o material a ser
utilizado deve ser diferenciado, embora harmônico, facilmente distin-
guível do olhar, particularmente nos pontos de enlace com as partes
antigas, e com marcas e datas onde for possível; as limpezas jamais
deverão alcançar o extrato da cor, respeitando a pátina e eventuais
vernizes antigos; deve ser executada a anastilose com segurança, e
as lacunas devem ser executadas claramente; as modificações são
admitidas na estrutura, uma vez que sejam indispensáveis, mas que
não comprometam a unidade potencial da obra; sua transferência

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 80


[
somente se comprova pela sua exigência de conservação ou perigo
de sua permanência no local e falta ou destruição do local de origem. ^
A Carta do Restauro da Itália irá tratar das ações técnicas que
cada elemento encontrado deve sofrer, assim, pinturas, mosaicos,
técnicas antigas, muros, o uso do pó de cimento nos tambores de
colunas antigas de mármore, de calcário, ou de caliça, para obtenção
de um aspecto rústico e, é claro, para o caso de cobrir as ruínas. Para
a questão da arquitetura, ou seja, dos critérios das restaurações arqui-
tetônicas, a Carta do Restauro da Itália no seu Anexo B segue fielmen-
te os conceitos de Cesare Brandi no que ele denominou de momento
metodológico, ou seja: “A realização do projeto para a restauração de
uma obra arquitetônica deverá ser precedida de um exaustivo estudo
sobre o monumento, elaborado de diversos pontos de vista”41.
O ponto de maior interesse recai no Anexo D: Instruções para a tu-
tela dos Centros Históricos. A Carta estabelece que, para efeito de iden-
tificar os Centros Históricos, levam-se em consideração não apenas
os antigos centros urbanos, assim tradicionalmente entendidos, mas
todos os assentamentos humanos cujas estruturas, unitárias ou frag-
mentárias, ainda que se tenham transformado ao longo do tempo, ha-
jam se constituído no passado, ou entre os que eventualmente tenham
adquirido um valor especial como testemunho histórico ou caracte-
rísticas urbanísticas ou arquitetônicas particulares. A teoria brandiana
mostra sua presença no Anexo D quando coloca que qualquer res-
tauração deve ser precedida por uma atenta leitura crítica reflexiva,
mantendo-se a estrutura viária, traçado, perímetro das edificações,
caracteres gerais do ambiente, perfis monumentais e que sejam as
substituições só realizadas de forma excepcional, encerrando com a re-
comendação dos principais tipos de intervenção em nível urbanístico.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 81


[
De 21 a 25 de outubro de 1975, ano considerado como do Pa-
trimônio Europeu, Ministros, Arquitetos e Urbanistas, representantes ^
locais e outros de mais de 25 países, reuniram-se num Congresso na
Cidade de Amsterdã e adotaram medidas necessárias para a salva-
guarda do que consideravam reconhecidos como expressão insubs-
tituível da riqueza e da diversidade da cultura europeia e herança
comum de todos os povos, ou seja, seu Patrimônio42. O Manifesto de
Amsterdã reafirmava a disposição de promover uma política europeia
comum e uma ação adequada de proteção do patrimônio arquitetô-
nico, apoiada nos princípios de sua conservação integrada. Declara
que o patrimônio europeu não é constituído apenas por monumen-
tos, mas também pelos conjuntos de cidades e povoações tradicio-
nais em seu ambiente natural ou construído.
O Manifesto de Amsterdã produzira a Declaração de Amsterdã43,
esta Declaração retorna aos antigos preceitos de Alois Riegl, balizada
na necessidade do reconhecimento do antigo para se reconhecer o
novo, portanto, afirma que o Patrimônio Arquitetônico dá testemu-
nho da presença da história e de sua importância em nossa vida cons-
tituindo ambiente indispensável ao equilíbrio e desenvolvimento do
homem, sendo uma parte essencial da memória dos homens de hoje,
um capital espiritual, e cada geração dela extrai novas ideias e frui as
memórias do passado.
Para as cidades históricas, conjuntos históricos urbanos, centros
históricos, a Declaração de Amsterdã recomenda que os urbanistas
devem reconhecer que os espaços não são equivalentes e que con-
vém tratá-los conforme a especificidade que lhes é própria (cada caso
é um caso), e que esse reconhecimento depende da descentralização
de uma política contínua, não devendo ser tarefa apenas dos espe-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 82


[
cialistas, mas ter apoio da opinião pública, com o poder público local
devendo aplicar ações com inteligência, sensibilidade e organização ^
respeitando o ambiente construído pelo homem.
A Declaração de Amsterdã tem como forte proposição que os
fatores sociais condicionam o resultado de toda política de conser-
vação, o cálculo do esforço deve ser também relacionado ao valor de
utilização, no qual sua realização não é mais onerosa do que a cons-
trução de um novo edifício, para evitar que as leis do mercado sejam
aplicadas com todos rigores nos bairros restaurados e, consequente-
mente, a evasão dos moradores, impossibilitados de pagar aluguéis
maiores, sendo necessário a intervenção do poder público para mo-
derar os mecanismos econômicos; assim como é necessário fornecer
à população elementos informativos sobre o valor histórico e indica-
ções que possam sensibilizá-la. A política formulada na Declaração
estabelece a necessidade de um planejamento ou de programas que,
partindo da participação popular, possam levar adiante a salvaguarda
do patrimônio arquitetônico, sendo o papel dos municípios ou dos
governos locais extremamente importantes.
Passaram-se quase 45 anos desde que o CIAM – Congresso Inter-
nacional de Arquitetura Moderna – havia elaborado um documento
sobre teoria e metodologia de planejamento, que recebeu o nome
de Carta de Atenas. Muitos fenômenos urbanos emergiram durante
esse tempo, exigindo uma revisão da Carta, na qual complementos
enfocassem os problemas urbanos de amplitude mundial que pudes-
sem ser analisados a partir de uma discussão internacional incluindo
intelectuais e profissionais, institutos de pesquisa e universidades de
todos os países. Assim, em dezembro de 1977, estabeleceu-se a Carta
de Machu Picchu44. Os lugares são significativos: Atenas como berço

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 83


[
da civilização ocidental e Machu Picchu como símbolo da contribui-
ção cultural de outro “mundo”. ^
Para a Carta de Machu Picchu, a preservação e defesa dos valo-
res culturais e patrimônio histórico monumental residem na identi-
dade e no caráter de uma cidade, não só por sua estrutura física, mas
também por suas características sociológicas, por isso é necessário
conservar o patrimônio histórico monumental, assim como assumir
a defesa do patrimônio cultural, mantendo-se os valores que são de
fundamental importância para afirmar a personalidade comunal ou
nacional e ou aqueles que têm um autêntico significado para a
cultura em geral.
A Carta de Machu Picchu reformula as ideias da Carta de Atenas
de 1933, mas a problemática advinda da aceleração do tempo, do
extremismo produzido pelo desgaste das relações humanas provo-
cadas pelo capitalismo e sua relação com ações preservacionistas e
intervencionistas ficam ainda mais evidenciadas a partir dos encon-
tros chamados ICOMOS e das recomendações estabelecidas por
várias declarações desses encontros, juntamente com a produção do
que foi nomeado de “políticas culturais” e atuações históricas de salva-
guarda do patrimônio cultural, nacional, e por que não dizer agora,
ambiental urbano.
Foram cinco encontros do Conselho Internacional de Monumen-
tos e Sítios (ICOMOS). O primeiro, na Austrália em 1980, que estabe-
leceu a Carta de Burra; o segundo, em maio de 1981, que estabeleceu
a Carta de Florença; outro, em outubro de 1982, que promoveu a
Declaração de Tlaxcala; a Conferência de Políticas Culturais de 1985, no
México, com a Declaração do México; e a carta de 1986 de Washington
ou a Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas ou,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 84


[
simplesmente Carta de Washington. Entre esses encontros ocorreu
também a Declaração de Nairobi de 1982 no Quênia. Todos esses ^
encontros apresentam questões ligadas à proteção e defesa do
patrimônio cultural e natural, visando, entre outras coisas, a formula-
ção de medidas tutelares para esses bens, assim como, figura a ques-
tão do meio ambiente (patrimônio natural) como um dos pontos
mais importantes dos encontros desse período.
A Carta de Burra45, formulada na Austrália, em 1980, é composta
por 29 artigos que estabelecem as orientações com relação à con-
servação, preservação, restauração, reconstrução e os procedimentos
para essas ações. O artigo 1o estabelece a significação de valor esté-
tico e de valor histórico (Cesare Brandi), relata o que tratará a Carta e
explica o conceito teórico da conservação como podendo ser preser-
vação ou restauração, ou mesmo manutenção. O termo conservação
designa os cuidados a serem dispensados a um bem para que sejam
preservadas suas características que representam uma significação
cultural; o termo manutenção designa a proteção contínua da subs-
tância, do conteúdo e do entorno de um bem e não deve ser con-
fundido com o termo reparação; a preservação é a manutenção no
estado da substância de um bem e a desaceleração do processo pelo
qual ele se degrada; a restauração é o estabelecimento da substân-
cia de um bem em um estado anterior conhecido; a reconstrução é o
restabelecimento, com o máximo de exatidão, de um estado anterior
conhecido, distinguindo-se pela introdução de materiais diferentes,
sejam novos ou antigos; a adaptação é o agenciamento de um bem
a uma nova destinação sem a destruição de sua significação cultural.
Posterior a Carta de Burra, reuniu-se em Florença em 21 de maio
de 1981, o Comitê Internacional de Jardins Históricos e ICOMOS/IFLA

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 85


[
e decidiram elaborar uma carta relativa à proteção dos jardins histó-
ricos. Essa Carta foi redigida pelo comitê e registrada em 15 de de- ^
zembro de 1982 pelo ICOMOS, visando à complementação da Carta
de Veneza no domínio particular dos jardins históricos; Na definição
da Carta de Florença46, um Jardim Histórico é uma composição arqui-
tetônica e vegetal que, do ponto de vista da história ou da arte, apre-
senta um interesse público e, como tal, é considerado monumento, é
uma composição de arquitetura cujo material é principalmente vege-
tal, portanto, vivo perceptível e renovável, seu aspecto resulta, assim,
de um perpétuo equilíbrio entre o movimento cíclico das estações,
do desenvolvimento e do definhamento da natureza, da vontade da
arte e de artifício que tende a perenizar o seu estado.
De 25 a 28 de outubro de 1982, ocorreu na cidade de Trindade,
no México, o Terceiro Colóquio Interamericano sobre a Conservação do
Patrimônio Monumental “Revitalização das Pequenas Aglomerações”,
realizado pelo ICOMOS mexicano. Os participantes mostraram-se sensi-
bilizados pelas atenções que o Governo do Estado de Tlaxcala demons-
trou. Examinaram a situação atual na América em relação aos perigos
que ameaçam o patrimônio arquitetônico e a ambiência das pequenas
localidades e adotaram as seguintes questões: a reafirmação de que as
pequenas aglomerações se constituem em reservas de modos de vida
que dão testemunho de nossas culturas, de acordo com o estabelecido
na Carta de Chapultepec e levando em consideração as inquietações
manifestadas pelo encontro de Morelia; o patrimônio das pequenas
zonas deveria exigir procedimentos cuidadosos e um respeito estrito
as tradições, pois a introdução de esquemas consumistas estranhos ao
modo de vida dessas populações pode ser extremamente destrutiva;
deste encontro foi elaborada a Declaração de Tlaxcala47.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 86


[
Em seguida, ocorreu no México, em 1985, a Conferência Mun-
dial sobre as Políticas Culturais – ICOMOS – Conselho Internacional de ^
Monumentos e Sítios, no qual ficou decidido que a comunidade inter-
nacional iria contribuir para a aproximação entre os povos e a melhor
compreensão entre os homens. A Conferência concordou que, no
sentido mais amplo, Cultura pode ser considerada atualmente como
um conjunto dos traços distintos espirituais, materiais e intelectuais
e afetivos que caracterizam uma sociedade e um grupo social, englo-
bando, além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fun-
damentais dos seres humanos, os sistemas de valores, as tradições e
as crenças, e dá ao homem a capacidade de refletir sobre si mesmo,
deste encontro foi formulada a Declaração do México48.
Finalizando as cartas, recomendações e declarações desse pe-
ríodo, ocorreu em Washington, em 1986, um encontro – ICOMOS –
que resultou na Carta de Washington49, a qual diz respeito, mais pre-
cisamente, às cidades grandes e aos centros ou bairros históricos com
seu entorno natural ou construído, que além de sua condição de do-
cumento histórico, expressam valores próprios das civilizações urba-
nas tradicionais, atualmente muitas delas ameaçadas de degradação.
As décadas de 1970 e 1980 foram voltadas para questões de
abrangências das ações preservacionistas, entre as quais se destaca-
ram cinco pontos: 1 - O tratamento do patrimônio como natural e
cultural; 2 - A preocupação com os conjuntos urbanos portadores de
valor histórico e artístico; 3 - A mudança do discurso do reconheci-
mento para a participação popular; 4 - O maior interesse dado ao
patrimônio natural por parte das entidades internacionais e nacio-
nais; 5 - A determinação da proteção do patrimônio imaterial (espiri-
tual). Todos esses aspectos serão ainda mais reforçados na década de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 87


[
1990, com os encontros nacionais, especialmente com a Carta do Rio
de Janeiro, como será visto a seguir. ^

A presença brasileira: os últimos argumentos


preservacionistas e intervencionistas no fim da
década de 1980 e década de 1990

O caso do Patrimônio Cultural não consagrado surgiu para


designar os bens culturais que, até então, não integravam o univer-
so do patrimônio histórico e artístico. Tratava-se da produção dos
“excluídos” da história oficial, indígenas, negros, populações rurais,
imigrantes, etc. Para os funcionários do IPHAN, essa exclusão havia
se justificado por não haver, no Brasil, elementos e testemunhos ma-
teriais significativos desses grupos e por estarem, esses elementos,
imersos em uma dinâmica de uso que inviabilizava seu tombamento.
Os movimentos políticos e culturais nacionais eram vistos a partir de
perspectivas folclóricas, enquanto produtores de uma cultura popu-
lar que devia ser preservada, do mesmo modo que as peças dos
museus. Nessa mudança de atuação, pode-se dizer que a participa-
ção de Aloísio Magalhães foi fundamental, sendo um dos primeiros
projetos do CNRC – Centro Nacional de Referência Cultural, a “Indexa-
ção e microfilmagem da documentação no Museu do Índio”.
Esses tombamentos iniciais foram polêmicos, uma vez, que
realmente apresentavam um marco na história da política federal
de preservação. A repercussão simbólica e política da sua inclusão
no patrimônio, especialmente o testemunho do negro na constru-
ção de uma civilização brasileira, oferecia novos condicionantes para
as ações preservacionistas, exemplo foi o tombamento do terreiro

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 88


[
da “Casa Branca” em Salvador que ocasionou muitos debates, mas
o terreiro foi tombado com três votos a favor, um voto contra, duas ^
abstenções e um pedido de adiamento, fato inusitado na história do
Conselho. Para os técnicos do IPHAN, a proteção de bens da cultura
popular era incompatível com o estatuto do tombamento, visto que
esses bens estão inseridos em uma dinâmica de uso, expressam
valores de outra ordem que não as concepções cultas de arte e his-
tória. Foi contra essa questão que o CNRC e a fundação Pró-memória
desenvolveram um excelente trabalho. Prevalecendo a ideia de que
as Cartas trazem aspectos relacionados a todas essas questões, serão
analisados a seguir, os últimos encontros realizados no Brasil relativos
a tutela dos bens patrimoniais, originando a Carta de Petrópolis de
1987, a Carta de Cabo Frio de outubro de 1989, a Carta do Rio de
junho de 1992 e a Carta de Fortaleza de 14 de novembro de 1997.
O 1o Seminário Brasileiro para a Preservação e Revitalização de
Centros Históricos realizado em Petrópolis, em 1987, definiu Sítio
Histórico50 (SHU) como um contexto amplo formado por paisagens
naturais e construídas, assim como a vivência de seus habitantes num
espaço de valores produzidos no passado e no presente, em processo
dinâmico de transformação, devendo os novos espaços urbanos ser
entendidos na sua dimensão de testemunhos ambientais em forma-
ção. Nesse sentido, todo espaço edificado é resultado de um processo
de produção social, só se justificando sua substituição após o esgota-
mento de seu potencial sócio cultural. A proteção legal do SHU se fez
através de diferentes tipos de instrumentos, tais como: tombamento,
inventário, normas urbanísticas, isenções e incentivos, declaração de
interesse cultural e desapropriação, essa diversificação dos instru-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 89


[
mentos de proteção foi e é essencial na predominância do valor social
da propriedade urbana sobre a sua condição mercadoria. ^
No dia 6 de outubro de 1989, o Comitê Brasileiro do ICOMOS reu-
niu-se em Cabo Frio, famosa paragem da costa sul brasileira, para ana-
lisar as questões relativas a comemoração dos 500 anos da vinda de
Cristóvão Colombo à América e de Américo Vespúcio que aqui esteve
em 1503. Deste encontro surgia a Carta de Cabo Frio51 que procurou
definir a defesa da identidade cultural através do “resgate” das formas
de convívio harmônico com o meio ambiente, sendo preciso rever o
papel das populações do continente, das sociedades e culturas indíge-
nas, também lhes assegurar a posse e o usufruto exclusivo de suas ter-
ras e a preservação de suas línguas – fatores centrais de sua identidade.
A Conferência Geral das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
e o Desenvolvimento se reuniu no Rio de Janeiro, de 13 a 14 de junho
de 199252, com o objetivo de estabelecer uma aliança mundial nova
e equilibrada mediante a criação de novos instrumentos de coope-
ração entre os Estados e setores-chaves da sociedade. A Carta do
Rio procurou alcançar acordos internacionais na busca de interesses
igualitários e proteção da integridade do sistema ambiental e do
desenvolvimento mundial, reconhecendo a natureza em todos os
seus aspectos, com a interdependência do homem com o planeta.
Para isso lançou 27 princípios que tem o objetivo de mostrar o direito
e deveres do como o homem deve se relacionar com a natureza53.
Em comemoração aos 60 anos de criação, o Instituto do Patrimô-
nio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, promoveu em Fortaleza,
de 10 a 14 de novembro de 1997, o seminário: “Patrimônio Imaterial:
estratégias e formas de proteção”, para o qual estiveram presentes
diversos representantes de associações governamentais, privadas e

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 90


[
todos os interessados nesse contexto. O objetivo do seminário foi o
de recolher subsídios que permitissem a elaboração de diretrizes e ^
a criação de instrumentos legais e administrativos visando identifi-
car, proteger, promover e fomentar os processos e bens “portadores
de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes gru-
pos formadores da sociedade brasileira” (Artigo 216 da Constituição
de 1988), considerados em toda a sua complexidade, diversidade
e dinâmica, particularmente, “as formas de expressão; os modos de
criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas”, em
especial atenção àquelas referentes à cultura popular. Desse encontro
comemorativo e teórico resultou a última recomendação analisada
nesse capítulo: a Carta de Fortaleza54.
Para que ocorra a proteção do patrimônio imaterial, o IPHAN
recomendou que fossem promovidas reflexões sobre o conceito de
bem cultural de natureza imaterial, que fossem realizados inventários
desses bens, criado um grupo de trabalho no Ministério da Cultura, o
qual estabeleceria as necessárias interfaces para que fossem estudadas
medidas voltadas para a promoção e o fomento dessas manifestações
culturais, entendidas como imateriais, que essa proteção tenha um
aparato global que seja constituído um banco de dados sobre a ques-
tão, que fossem feitas parcerias com entidades públicas e privadas,
que os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto
Ambiental (RIMA) encaminhem sempre a preocupação com esse con-
ceito imaterial, que fosse desenvolvido um programa de educação
patrimonial a nível nacional e estabelecida uma Política Nacional de
Preservação do Patrimônio Cultural. Em defesa do reconhecimento,
eficácia, atualização e excelência jurídica do Decreto-lei no 25/37, o
plenário do encontro encaminhou várias moções, de apoio ao IPHAN,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 91


[
de apoio ao Ministério da Cultura, de defesa a Lei de Incentivo à
Cultura e de congratulações a coordenação regional do IPHAN de ^
Fortaleza pela realização do encontro.
Percebe-se que, nas últimas décadas do século XX e mesmo nas
primeiras do XXI, as ações e medidas preservacionistas foram amplia-
das devido aos novos estudos históricos, como as possibilidades da
História Nova, da história das mentalidades, do campo de atuação da
antropologia, da sociologia, de novos definidores da cultura e relações
humanas e até da psicologia cultural. Dessa forma, o campo de atua-
ção que sempre esteve amarrado em um discurso muito claro, espe-
cialmente no Brasil, necessita de uma total reformulação para adaptar
os mecanismos de proteção administrativas, legislativas, financeiras
e participativas, sendo que os novos conceitos como bens patrimo-
niais imateriais nem foram entendidos na sua amplitude filosófica,
com novos bens e classificações surgindo a pedidos de proteção de
“coisas” inesperadas, mediante uma necessidade de reformulação de
toda a concepção das ações preservacionistas e intervencionistas no
Brasil e no Mundo.
Após o estudo das transformações tutelares do patrimônio
resultantes da influência das Cartas, Recomendações, Declarações,
Encontros, Conferências e outros, e seu rebatimento na teoria pre-
servacionista e intervencionista nacional, cabe agora direcionar o
entendimento da teoria para as ações praticadas sobre a tutela do
Patrimônio Ambiental Urbano no campo internacional e suas trans-
ferências para o Brasil, mediante a compreensão das complexas
necessidades locais e regionais, assim como a aplicação das ações
de preservação e intervenção sobre os Centros Históricos de alguns
países comparadas as do Brasil.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 92


Notas [

1 DEL RIO, V. Desenho Urbano e revitalização na área portuária do Rio de ^


Janeiro. São Paulo: FAUUSP, Julho de 1991. (Tese de Doutorado).
2 VIOLLET LE DUC. Dictionnaire Raisonné de L’architetcture. Paris: Bance, 1854.
3 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
atenas-31.htm. Acesso em: 26 ago. 2000.
4 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
atenas-31.htm. Acesso em: 26 ago. 2000.
5 RUSKIN, J. Le sette lampade dell architettura. Milano: Jaca Books, 1982.
6 BOITO, C. Y Restauratori. In: Giusseppe da Monica. Roma: Nova Presenza. p. 57.
7 Disponível em: https://pt.scribd.com/document/74673666/Carta-de-
Atenas-1933. Acesso em: 18 mai. 2020. “Existem pelo menos três documentos
básicos que podem ajudar o debate sobre as origens da Carta: a)Conclusiones
Del IV Congresso Internacional Del C.I.R.P.A.C sobre la Ciudad Funcional (1933);
publicado pela revista AC n. 12 – do GATEPAC, Barcelona, Ano III, cuarto trim.,
1933; b)The Town Planning Chart, fourth C.I.A.M. Congress, Athens, 1933;
publicado no apêndice de Can our Cities Survive?, de J. L. SERT, publicada
por Havard University Press: 1942 (traduzida e comentada pelo Prof. Admar
Guimarães); c)La Charte d’Áthènes; publicada pela Ed. Plon Paris: 1943. E,
depois, publicada pela Èditions de Minuit, Paris: 1957. Versões mais divulgadas
para outras línguas, inclusive o português”. SAMPAIO, A. H. L. (Outras) Cartas
de Atenas: com textos originais. Salvador: Quarteto Editora/PPG/AU,
Faculdade de Arquitetura da UFBA, 2001. p. 15 e 16.
8 GIOVANNONI, Gustavo. in PANTALEÓN, C. Adaptacion de estructuras
arquitectonicas obsoletas: El conceito de restauração en la dialéctica del
processo de deseño. Montevideo: Facultad de Arquitectura, 1993.
9 “Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945) era formado em música pelo
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo; sob o pseudônimo de
Mário Sobral estréia na poesia com a obra pré-modernista... Há uma gota
de sangue em cada poema” (1917); Além de poeta é ficcionista, ensaista,
contista, folclorista, professor, crítico literário e de artes. Corresponde-se com
vários escritores e pintores, como Manuel Bandeira e Anita Malfatti. Organiza
com Oswald de Andrade a Semana de Arte de 1922, no mesmo ano publica
“Paulicéia Desvairada”, cujo prefácio interessantíssimo lança as bases estéticas
do modernismo. Em 1925, seu livro “A Escrava que não é Isaura” o afirma como
um dos grandes teóricos do modernismo; três anos depois em “Macunaíma”,
misto de romance, epopeia, mitologia, folclore e história, traça um perfil do
brasileiro, com seus defeitos e virtudes, criando a “saga do herói sem caráter”.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 93


[
A obra é levada ao cinema em 1969, escreve, entre outros, “Belazarte”(1934);
“Aspectos da Literatura Brasileira” (1943); “Lira Paulistana” (1946)”. in
MENDES Jr. A. Brasil História. São Paulo: Hucitec, 1991, p. 263-264.
^
10 LEMOS, C. O que é patrimônio histórico. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 38.
11 BOITO, op. cit., p.58.
12 PEVSNER, N. Origens da arquitetura moderna e do design. São Paulo:
Martins Fontes, 1981. p. 115.
13 “Nasceu na cidade de Belo Horizonte a 17 de agosto de 1898, professor de
direito criminal e Procurador da República, é compreensivo seu aparato
técnico legislativo no lidar com as questões preservacionistas, seu gosto pelas
letras e pelas artes também é explicado pela sua herança familiar intelectual
com personagens como Afonso Arinos, autor de “Pelo Sertão”. Em 1936, por
indicação de Mário de Andrade e Manuel Bandeira, Rodrigo Melo Franco de
Andrade é convidado pelo Ministro Gustavo Capanema para organizar e
dirigir o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, do qual é
Diretor por 30 anos), a partir de então direciona suas manifestações criadoras
e produtivas no sentido de proteger os bens patrimoniais do país, implantando
um órgão para esse fim, redigindo uma legislação específica, preparando
técnicos, executando trabalhos na área, empreendendo disputas judiciais,
lutando pela sobrevivência da repartição junto à políticos e governantes,
patrocinando o surgimento de uma consciência nacional”. ANDRADE, R. M. F.
de. Rodrigo e seus tempos. Rio de Janeiro: Fundação Pró-Memória, 1986.
14 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
novadeli-56.htm. Acesso em: 26 ago. 2000.
15 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2000.
p. 79.
16 RIEGL, Alois. El culto Moderno a los Monumentos. Madrid: La balsa de la
Medusa, 1987.
17 Disponível em: https://arquiteturahistoriaepatrimonio.wordpress.
com/2015/11/28/contribuicoes-da-recomendacao-de-paris-paisagens-e-
sitios-dezembro-de-1962/. Acesso em: 18 mai. 2020.
18 Disponível em: http://.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
recomunesco-62.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
19 COSTA, L. Registro de uma Vivência. 2 ed. São Paulo: Empresa das Artes,
1995. p. 11.
20 Ibid., p. 18.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 94


[
21 Ibid., p. 463.
22 “Recolhimento de peças que restaram no local e a partir dessas peças ^
promove-se à recomposição de certas partes, bem como, as peças
remanescentes não propícias ao uso restaurador devem ser depositadas em
abrigo, guarda ou registradas em local a ser construído ou mantido próximo
ao local de sua origem”. COSTA, op. cit., p.488.
23 LEMOS, op. cit., p. 74.
24 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
veneza-64.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
25 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
veneza-64.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
26 CASTRO, S. R. O Estado na Preservação de Bens Culturais. Rio de Janeiro:
Renovar, 1991. p. 35.
27 AFONSO DA SILVA, J. Aspectos Jurídicos do Patrimônio Ambiental. São
Paulo: FAUUSP, 1981. p. 30-39.
28 MIRANDA apud AFONSO DA SILVA, 1981. p. 370.
29 Decreto-lei no 25/37, Art. 10. ibid. Acesso em: 31 jul. 2000. “Transcrição se
refere ao registro imobiliário e averbação de domínio de um bem patrimonial”.
30 AFONSO DA SILVA, op. cit., p. 35.
31 Decreto-Lei no 3.866/41. ibid., p. 37.
32 Decreto-Lei no 25/37, Art. 13, parágrafo 1o. Disponível em: http:www.
iphan.gov.br/legislac/decretolei25.htm. Acesso em: 31 jul. 2000.
33 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac.cartaspatrimoniais/
recomparisbens-64.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
34 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
quito-67.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
35 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
recomparisobras-68.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
36 Disponível em: http://www.iphan.gov.legislac/cartaspatrimoniais/
compromissobsb-70.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
37 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/lergislac.cartaspatrimoniais/
compromissosalvador-71.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
38 BRANDI, C. Teoria de la restauración. Madrid: Alianza, 1993. p. 27.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 95


[
39 Ibid., p. 51.
40 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/ ^
cartadorestauro-72.htm. Acesso em: 03/09/2000.
41 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
cartadorestauro-72.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
42 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
manifamsterda-75.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
43 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartas patrimoniais/
declaamsterda-75.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
44 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
machupicchu-77.htm. Acesso em: 03 set. 2000.
45 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
burra-80.htm. Acesso em: 26 set. 2001.
46 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
florenca-81.htm. Acesso em: 26 set. 2001.
47 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
tlaxcala-82.htm. Acesso em: 26 set. 2001.
48 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
mexico-86.htm. Acesso em: 26 set. 2001.
49 Disponível em: homepage.ufp.pt/avoliv/apontamentos/Carta de
Washington-198. Acesso em: 19 abr. 2020.
50 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaispatrimoniais/
petropolis-87.htm. Acesso em: 26 set. 2001.
51 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
cabofrio-89.htm. Acesso em: 26 set. 2001.
52 FRANCISCO, W. de C. e. “Eco-92”; Brasil Escola. Disponível em: https://
brasilescola.uol.com.br/geografia/eco-92.htm. Acesso em: 18 mai. 2020.
53 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
cartario-92.htm. Acesso em: 26 set. 2001.
54 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
fortaleza-97.htm. Acesso em: 26 set. 2001.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 96


[
– 3–
^
As Ações Preservacionistas e Intervencionistas
Sobre os Centros Históricos de
Alguns Países Comparadas as do Brasil

As ações praticadas na França

Um dos primeiros planos intervencionistas para Paris deve-se


a iniciativa particular de um arquiteto, Paul Verniquet1; neste plano
predominavam as questões do paradigma de embelezamento e sa-
neamento, mas foi o Conde de Wailly (arquiteto real) que apresentou,
em 1787, um amplo plano de embellecimiento2. Aspecto importante
nas ações foi a nacionalização das propriedades da igreja por parte do
Movimento Revolucionário3, especialmente no centro da cidade. As
alterações indiscriminadas promoveram o estabelecimento de uma
comissão, em 1793, para desenvolver trabalhos e estudos gerais para
as ruas da cidade de Paris.
As ações em Paris desenvolvidas por Haussmann a partir de
1850 estão assentadas na questão econômica, surgindo duas
4

contraposições: a primeira, de que todo o custo despendido pelas


intervenções deveria recair sobre o pagamento de impostos, fato
que impunha uma demora e impossibilitava a execução dos projetos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 97


[
devido ao recolhimento de baixos valores; a segunda, Napoleão III
(Luis Napoleão) acreditava que os investimentos deveriam ser leva- ^
dos à frente pelo governo e que seriam, em curto espaço de tempo,
revertidos novamente para o governo, em decorrência da melhoria
da qualidade de vida econômica da população5.
Para intervir em Paris, Haussmann fez uso de leis intervencionis-
tas já existentes, como a lei de 16 de setembro de 1807, modificada
pela lei de 3 de maio de 1841, que tinham como princípio comum,
que os terrenos só poderiam ser adquiridos para finalidades de obras
públicas e, associou a essa, a lei de 13 de abril de 1850, sobre vivendas
insalubres (Lei Melun), que se converteu no grande instrumento de
intervenção em Paris, a partir de 18526.
Obstáculos sempre presentes nas ações de intervenção eram os
Slums (“cortiços”), devendo ser demolidos visando a higienização físi-
ca e moral dos espaços urbanos, além de possibilitar o controle sobre
os refúgios de barricadas revoltosas contra o governo. A cidade tam-
bém criou, em 1856, um organismo especial (júri) que negociava os
acordos diretamente com os proprietários de imóveis localizados nas
áreas das ações intervencionistas7. Choay (1999, p.156) observa uma
série de comentários de autores sobre a destruição de Paris dentro
desse paradigma, fato inquestionável, mas não se atém para a ques-
tão de que a parte mais antiga de Paris e inicial implantação da co-
lônia romana que deu origem a cidade, assim como muitas das obras
de épocas medievais e antigas já haviam há muito sido destruídas.
Nesse paradigma, as duas preocupações maiores foram, o trá-
fego de veículos com a continuidade do alargamento de ruas e o
saneamento. As intervenções em ruas específicas, como a Rue dês
Filles-Dieu8 expõe um outro problema constante nas intervençõs

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 98


[
locais dos centrais históricos, o uso social do espaço, no caso, um
tradicional centro de prostituição utilizando a maioria dos edifícios ^
em ruínas, que no entendimento do governo da época deveria ser
removido com os menores custos possíveis.
As ações intervencionistas desta época em Paris, desencadea-
ram um surto expressivo de especulações imobiliárias, as quais se ali-
cerçaram sobre as indenizações pagas aos proprietários dos imóveis
localizados nas áreas onde foram promovidas tais ações. Para evitar
essas especulações, o governo se utilizou das seguintes estratégias:
1o - negociar a compra desses imóveis com títulos do governo em
longo prazo; 2o - usar as desapropriações para os proprietários mais
intransigentes; 3o - tentar recuperar os investimentos realizados atra-
vés da venda de novas casas construídas nas novas ruas ou nos seus
alargamentos e nos locais de novas implantações, buscando com isso
reverter os gastos despendidos nas ações intervencionistas9. Audrerie
(1997, p. 15) argumenta que a noção do patrimônio nacional nasce
nessa época e ocorre a criação da Comissão de Preservação de Mo-
numentos (1792), e que apesar de ser mal definida operacionalmente
acabou acarretando as mais ricas consequências; na mesma época,
o abade Gregoire criou o termo “vandalismo”, estigmatizando quem
agia contra os monumentos franceses.
Em 1810, o ministro do Império Alexandre de Laborde10 convi-
da os prefeitos a estabelecer uma “Lista” dos monumentos sujeitos
ao vandalismo revolucionário, com um procedimento de inventário,
apesar de, inicialmente, incompletas e de resultados limitados. Em
1816, a publicação da “Lista dos Monumentos” atrai a atenção para lo-
cais portadores de particularidades e que irão se tornar, com o tempo,
atrações turísticas, reforçadas pelos apelos dos intelectuais à visitação

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 99


[
desses espaços. A 30 de março de 188711, a primeira lei de proteção
dos Monumentos Históricos foi votada, a qual assegurava uma mol- ^
dura legal às intervenções do Estado, apesar de restrita com relação
aos debates que o período exigia.
Os estudos urbanos e o planejamento urbano se estabeleceram
na França em meados de 190012. A primeira lei assinalando contra abu-
sos por parte dos construtores e arquitetos que alteravam as fachadas
dos edifícios antigos procurando produzir a estética Art Nouveau foi a
de 13 de agosto de 190213; resultado da reação popular pela neces-
sidade de preservar as paisagens urbanas contra as construções sem
escalas. A palavra urbanismo foi mencionada pela primeira vez em
1910, assim como a Sociedade Francesa de Urbanismo foi fundada no
mesmo ano14.
Em 1910, foi pedido ao Senado que modificasse uma lei de
1841, referente à desapropriação, tendo a estética e a história como
argumentos. Outra lei de 13 de julho de 1913, em seu artigo 118,
deu poderes à cidade para negar alvarás de construção que vies-
sem a destruir as vistas das paisagens urbanas. Em 31 de dezembro
de 191315, os deputados assinaram a maior lei, até então, de prote-
ção aos monumentos históricos, substituindo a lei de 1887, fixando
os limites da propriedade e o interesse social da edificação, colocan-
do a situação de que o Estado pouco restituiria na desapropriação
do monumento, cabendo ao proprietário a execução e os ofícios de
restauração; Essa lei foi diversas vezes corrigida e complementada;
A lei de 1913 sobre monumentos históricos16 também estabelecia
poderes de compra forçada com o objetivo de transferência dos
monumentos para outros locais da cidade.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 100


[
Uma lei de 14 de março de 1919, modificada e reforçada por
uma lei de 19 de julho de 1924, impunha que todas as cidades com ^
mais de 10.000 habitantes redigissem um plano de urbanização e o
aprovassem em suas prefeituras. Em 2 de maio de 193017, fixava-se,
por lei, a proteção dos monumentos naturais das cidades, sob um
ponto de vista mais amplo, como o da visão artística, histórica, cien-
tífica, lendária ou pitoresca e de interesse geral, inspirada na Lei de
dezembro de 1913, tornando-se apesar das limitações, resultante da
questão das classificações, a base do regime de proteção das cida-
des francesas através de um caráter mais científico. Uma lei de maio
de 1932 autorizou a redação de um plano para Paris, que culminou
no plano do arquiteto Henri Prost, aprovado em 1939 e revisado em
1944; em 1943, uma lei de 15 de junho voltava a estabelecer que toda
cidade devia ter um plano de urbanização.
Em 23 de junho de 194118, a lei limita a exportação de obras de
arte, influenciada pela lei de 31 de dezembro de 1921, bem como são
criados os cargos de Inspetores das Cidades em 1942, recebendo o
nome de “intelectuais” dos canteiros de obras, que são encarregados
de realizar os inventários e a “Lista” da arquitetura e tipologia cons-
trutiva, especialmente das construções rurais, apesar dos interesses
contrários a preservação ainda serem muito expressivos naquele
período. Em 25 de fevereiro de 194319, foi instituída a proteção de
visibilidade, ou seja, um perímetro de proteção de 500 metros ao
redor dos monumentos históricos classificados ou inscritos, o que
enseja o início de uma relação interessante de pertencimento entre
a edificação e seu entorno.
Durante a Segunda Grande Guerra, as ações preservacionistas
e intervencionistas foram paralisadas. A partir de 1950, voltou-se a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 101


[
imprimir ações intervencionistas, mas vinham agora carregadas de
interesses preservacionistas, tanto de edifícios isolados como de con- ^
juntos e paisagens urbanas. Os dois espaços urbanos mais contem-
plados com ideias de preservação foram Montmartre e Marais. Esses
projetos tinham como intenção, às vezes utópicas, reconstruir a origi-
nalidade de partes desses locais. Apesar disso, em 1949, Montmartre20
foi catalogada como paisagem urbana pitoresca a ser preservada. As
preservações individuais, até 1960, tiveram um pouco mais de êxito,
e foi possível preservar muitas edificações históricas.
Em relação a conjuntos inteiros a serem preservados, as ações
ficaram mais claras, a partir de 1940. Em 1946, foi solicitada a catalo-
gação de uma parte do XVII arrondissement, mas o aspecto mais forte
ia se formulando em locais portadores de identidade, como Marais21,
que foi convertida em zona de proteção, em 1956, e em 1961 foi apre-
sentado um plano de conservação pelo período de dez anos, que
incluía preservação de mais de cem casas, a maioria pertencente ao
Estado ou à cidade. Quando a sorte de Marais já estava assegurada,
entrou em vigor, em agosto de 1962 a “loi Malraux”22, que reforçou os
poderes da cidade para proteção de áreas de valor patrimonial.
A loi Malraux, fruto das transformações empreendidas e im-
postas aos centros históricos das cidades e vilas francesas, apresenta
um texto fixando a proteção de bairros antigos a salvaguardar, peca
somente pela ausência de normas que pudessem assegurar a sua
própria gestão (interesses locais x gerais). Foi aplicada sobre Marais,
a partir de uma ordem ministerial de julho de 1965. A proposta de
André Malraux expressa na sua lei, previa junto à preservação a cria-
ção de atratores para os locais a serem preservados. Dessa forma, em

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 102


[
1962, foi criado o Festival de Marais, que usava os locais restaurados
(pátios das mansões e igrejas) para concertos e peças teatrais. ^
Outro local de importância nas ações preservacionistas, espe-
cialmente nesse período (décadas de 1950, 1960 e 1970) foi a zona
dos mercados “Halles”, a qual, há muito, ocorriam vários problemas
para a área central da cidade. Um dos aspectos interessantes sobre
esse projeto do Halles estava na oportunidade de participação dada
aos proprietários dos imóveis do local, apesar do instrumento de de-
sapropriação ter sido novamente a alavanca do projeto, o que colocou
os preservacionistas contra as ações, pois não queriam que todas as
construções da área fossem demolidas. Em 30 de setembro de 1967,
outra lei de grande importância para a preservação, a Loi d’orientation
foncière (Lei de Orientação Predial/Territorial), cria os planos e esque-
mas diretores de organização do urbanismo (SDAU) e os planos de
ocupação dos solos (POS); em 31 de dezembro de 1968, apontou-se
uma definição sobre as heranças dos beneficiários de bens patrimo-
niais, deixando o beneficiário como conservador da obra.
Outra etapa preservacionista que aconteceu na França, em 7
de janeiro de 197123, foi a extensão da noção de patrimônio ao meio
ambiente e sua consagração como elemento patrimonial. Com rela-
ção ao patrimônio cultural material, especificamente à arquitetura,
a lei de 3 de janeiro de 1977 reconhece a arquitetura como a ex-
pressão da cultura e que o resgate de todas as construções antigas
é de interesse geral e não apenas dos seus proprietários, além de
criar o Conselho de Arquitetura, de Urbanismo e de Meio Ambiente
(CAUE), concebendo as intervenções como tanto de interesse local,
como de interesse geral.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 103


Em 29 de dezembro de 1979, foi votada uma lei que visa discipli- [
nar e organizar a agressão publicitária sobre os bens patrimoniais. Em
^
1983, a lei de “descentralização” se estabelecia relativo à repartição de
competências de gestão urbana entre a cidade, os departamentos, as
regiões e o Estado, reservando todo um capítulo para a proteção do
patrimônio24, instituindo um novo procedimento que são as zonas de
proteção do patrimônio arquitetural, urbano e paisagens (ZPPAUP).
Também resolveu que os locais compartilhariam responsabilidades.
Em 12 de julho de 1983, a lei “Bouchardeau” demonstra uma tendên-
cia forte sobre o direito do meio ambiente de facilitar o diálogo e a
participação popular.
A legislação preservacionista aplicada na França, quando com-
parada à legislação preservacionista no âmbito federal brasileiro,
dentro da contemporaneidade, apresenta as seguintes questões:
1o - A primeira lei francesa sobre monumentos históricos é de 30
de março de 1887, apesar dos antecedentes remeterem a 1792; o pri-
meiro ato protecionista no Brasil é de 174225. Mas o Decreto de 03 de
dezembro de 1923, criando a Inspetoria de Monumentos Históricos
Franceses, talvez, seja o início das ações preservacionistas e o desen-
cadeamento de uma série de decretos e projetos de leis;
2o - A lei de 21 de abril de 1906 institui, na França, a proteção
dos monumentos das cidades naturais; as duas primeiras décadas
do século XX, no Brasil, ficam sem legislações preservacionistas fe-
derais. A década de 1930 é extremamente importante no Brasil, pois
institucionaliza as ações preservacionistas, entre as quais apresenta
o Decreto no 22928, de 12.7.1933, sobre a preservação da Cidade de
Ouro Preto, assim como o Decreto no 24735, de 14.7.1934, criando
o Museu Histórico Nacional26 (na França, a criação do Museu dos
Monumentos Franceses acontece em 1793);

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 104


[
3o - No Brasil, a Constituição de 1934 marca a institucionalização
jurídica do patrimônio (Art. 10 inciso III e Art. 148), a lei promulgada ^
em 13 de janeiro de 1937 dá nova organização ao Ministério da
Educação e Saúde Pública e oficializa o SPHAN27, o Decreto lei 25 de
30 de novembro de 1937 organiza a proteção do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional; já na França, a lei de 31 de dezembro de 1913,
que substitui a lei de 1887, fixava questões referentes à proteção dos
Monumentos Históricos e Estéticos, a lei de 1921 estabelecia os limi-
tes das transações de obras de arte e a lei de 1930 formula a proteção
dos monumentos naturais das cidades;
4o - Já em 1909, a França possui 1909 edifícios na “Lista” de pre-
servação nacional, o Brasil tinha inscrito nos Livros do Tombo, até
dezembro de 1938, 215 bens28;
5o - Na França, a 2 de maio de 1930, uma lei estabelece a am-
pliação da visão preservacionista para os bens artísticos, históricos,
científicos, pitorescos, isso terá similaridade no Brasil com o Decreto-
-lei no 25/37;
6o - No Brasil, o Decreto-lei no 3365, de 21 de junho de 1941,
dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública (entre as quais
preservação dos monumentos históricos), na França isso precede a
1841, modificada por uma lei de 13 de julho de 1913 e efetivada por
interesse social com a lei de 31 de dezembro de 1931;
7o - Na França, a lei de 23 de junho de 1941 limita a exportação
de obras de arte (influenciada pela Lei de 31 de dezembro de 1921).
Já no Brasil, o referente é a lei de 19 de novembro de 1965, proibindo
a saída para o exterior de obras de arte e ofícios produzidos nacional-
mente (influenciada pelo Projeto de Lei de 16 de outubro de 1924);

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 105


[
8o - Uma lei francesa, de 25 de fevereiro de 1943, estabelece a
proteção de visibilidade ao redor de 500 metros dos monumentos. ^
O referente no âmbito federal brasileiro é o conceito de redução de
visibilidade e para fins da lei de tombamento é amplo, não tendo uma
metragem específica determinada (Art. 18 do Decreto-lei 25/37)29;
9o - São criados na França, com a lei de 1o de julho de 1957, os
parques nacionais; em 1960, institui-se o primeiro Plano de Restaura-
ção do Centro Histórico de Paris. No Brasil, a legislação para a proteção
de áreas (ou a Política Nacional do Meio Ambiente) só será efetivada a
partir da década de 1980 (Lei 6938, de 31 de agosto de 1981);
10o - A partir de 1962, a França estabelece o conceito de Parti-
cipação Popular. No Brasil, isso terá início na preservação a partir da
década de 1970, com Aloísio Magalhães, na jurisprudência, a introdu-
ção das Ações Populares se remete ao ano de 1965 (Lei no 4717 que
regula a Ação Popular30);
11o - O caso mais expressivo é a comparação entre a Lei Malraux
de 04 de agosto de 196231 e o Decreto-lei no 25/37, apesar das diferen-
ças temporais de suas criações, essa tendência à comparação se justi-
ficaria pelo fato de serem os instrumentos tutelares mais comentados
nos dois países. A Lei Malraux, na verdade, é uma complementação às
leis voltadas para a conservação do Patrimônio Francês, como: a Lei
de 31 de Dezembro de 1913 (proteção dos monumentos históricos
que já é uma complementação da Lei de 30 de março de 1887), a Lei
de 2 de março de 1930 (dispõe sobre sítios a serem preservados), a Lei
de 1o de setembro de 1948 (sobre aluguéis), a Lei de 31 de dezembro
de 1958 (renovação urbana), a Lei de 17 de dezembro de 1960 (criando
bolsas de trocas de habitação); em suma, é uma lei voltada para os
bairros históricos, visando atender problemas referentes à evacuação

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 106


[
dos locais, a habitação e outros usos, comercial, industrial, artesanal,
aos locatários, desapropriação e indenizações (Lei de 23 de outubro ^
de 1958), portanto, com grandes diferenças com relação ao Decreto-
-lei 25/37, que tem na própria manutenção dos artigos originais até
os dias atuais uma de suas maiores diferenças, apesar de uma série de
outras leis e decretos terem aparecido nesses últimos 67 anos, como
o Decreto-lei 3866/41 (revisão e cancelamento do tombamento) e
as Leis 3924/61 (aplicação de sanções do Código Penal) e 6292/75
(homologação do tombamento por parte do Ministro da Educação)32.
12o - O Decreto-lei no 25 de 30.11.193733, fruto do projeto de
Mário de Andrade continua sendo o controle jurídico estabelecido de
maior importância no Brasil sobre a tutela do Patrimônio Nacional. O
Decreto-lei 25/37 prevê no seu Capítulo I, Art. 1o, parágrafo 2o, a pro-
teção de sítios e paisagens naturais, a tutela dos bairros históricos fica
subentendido, a diferença de tratamento relativo a Lei Malraux está
na questão dessa lei tratar mais especificamente de um problema
constante na preservação das áreas urbanas históricas (Bairros Histó-
ricos), ou seja, o problema habitacional, dos inquilinos, usos, a desa-
propriação. O que parece manter semelhanças entre a Lei Malraux e o
Decreto-lei 25/37, está no seu Capítulo IV, quando permeia o Direito
da Preferência34. Fica pressuposto, pela comparação entre os dois ins-
trumentos, que algumas questões relativas a Lei Mauraux passaram
a ser contempladas por legislações específicas dos Municípios brasi-
leiros, possuidores de Centros Históricos, uma vez que o Decreto-lei
no 25/37 deixa essa possibilidade lacunar/complementar de atuação;
13o - A Lei de Orientação Predial/Territorial (Loi d´orientation
foncière), de 30 de setembro de 1967, cria os planos e esquemas
diretores de organização do urbanismo com intenção de dar ao meio

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 107


[
ambiente construído e natural um tratamento respeitoso, a lei de
orientação predial e territorial francesa pode ser relacionada às leis ^
de uso e ocupação do solo e as leis orgânicas, zoneamentos e planos
diretores no Brasil (CF/88 Art. 182);
14o - A partir de 1971, estendem-se na França a noção de patri-
mônio ao meio ambiente; no Brasil, está política se dará a partir da Lei
6938, de 31 de agosto de 1981 (Política Nacional do Meio Ambiente35)
e da Constituição de 198836;
15o - Na França, a lei de descentralizações de competências re-
lacionadas às preservações foi instituída a partir de 1983. No Brasil,
as competências são reguladas de uma forma mais clara a partir da
Constituição de 1988 e do Estatuto da Cidade de 200137. A partir de
1980, na França, a preservação do meio ambiente se torna mais ex-
pressiva com revisões de leis de locais e paisagens, bem como do ar;
no Brasil, isso também ocorre, mas muito influenciado pelas pressões
internacionais sobre a Amazônia e artigos previstos na Constituição
de 198838 e pelo encontro do Rio de 199239.
Desta forma, as ações preservacionistas e intervencionistas pra-
ticadas na França e especialmente na área central de Paris influencia-
ram as ações praticadas no Brasil, a partir da formulação de muitas
das Leis e Decretos estabelecidos no campo nacional, guardando
suas igualdades e diversidades. Outro país de reconhecida importân-
cia nas práticas preservacionistas e intervencionistas e de grande in-
fluência sobre as ações nas áreas centrais históricas das cidades brasi-
leiras é a Itália. As semelhanças e diferenças sobre as ações praticadas
nos dois países serão verificadas a seguir.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 108


[
As ações praticadas na Itália
^
As práticas das ações intervencionistas e preservacionistas
italianas, desde o século XIX até 1970, estão ligadas ao conceito
de “risanamento urbano40”; talvez as ações tenham sua origem na
contemporaneidade italiana no trabalho de B. Langley, “Gothic
Architecture Restored and Improved”, de 174241, que define as primeiras
aplicações de intervenção nas edificações do final do século XVIII.
Como coloca Rizzo (1981, p. 3), em curso ministrado na Universidade
Federal da Bahia em 1981, foi a partir das restaurações da fachada de
Santa Croce e de Santa Maria Del Fiore que se deu o início das ações
de intervenções e, especialmente, restaurações na Itália42. O caminho
da prática francesa, concentrando as ações no monumento isolado,
contribuiu teoricamente para ações praticadas nas cidades italianas,
como na cidade de Bologna43, e ofereceu o aprendizado e a reflexão
para entendimento da cidade como conjunto urbanístico, a esse fator
reuniu-se duas obras teóricas de suma contribuição, primeiro de
Camillo Boito44 e depois de Gustavo Giovannoni45.
A maior contribuição de Camillo Boito se referia à identifica-
ção técnica da ação como reparação do edifício e não restauração,
e que se definia como restauro histórico; essas afirmações de Boito
são aceitas e referendadas pela Carta de Atenas de 1931. Já em 1932
Gustavo Giovannoni publica “Vecchie Cittá” e “Edilizia Nuova”46. Essas
obras criticavam as ações de intervenção praticadas no paradigma do
Embelezamento e Saneamento e paradigma Modernista, mas, apesar
da grande contribuição, ainda eram o engatinhar preservacionista
no tratamento do patrimônio urbano. A partir de 1942, repercute na
Itália uma grande onda de críticas contra as ações intervencionistas

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 109


[
praticadas nas cidades, especialmente sobre as práticas especulativas
das construtoras, aliadas aos planos urbanísticos governamentais, na ^
alteração das áreas urbanas centrais.
As primeiras propostas de ações intervencionistas sobre Bairros
Históricos italianos foram formuladas por Roberto Pane para a cida-
de de Torino, em 195647, que possuíam os seguintes pontos a serem
cumpridos: a - consideração do monumento em relação aos proble-
mas da restauração moderna; b - consideração entre o antigo e novo,
implicando todos os problemas da urbanística dos novos centros, em
relação aos Centros Históricos; c - consideração com os instrumentos
legislativos, tutela do monumento e do ambiente.
Entre os dias 17, 18 e 19 de setembro de 1960, ocorreu, na ci-
dade de Gubbio, o encontro para a salvaguarda e “risanamento” dos
Centros Históricos Artísticos48. Esse encontro gerou a discussão e a
inclusão das ações numa fórmula de pensamento que colocava os
Centros Históricos como uma das partes da cidade a ser tratada e não
mais como um elemento isolado do seu contexto urbano geral. Logo
após o encontro de Gubbio, em 27 e 28 de julho de 1962, ocorre o
encontro de Veneza, onde é apresentado um projeto de lei direta-
mente relacionado aos Centros Histórico-Artísticos.
Em 1969, a greve nacional dos trabalhadores, de todas as cate-
gorias, para a aprovação da Lei no 865 (lei de reforma da casa), trouxe
à tona a certeza da única possibilidade instrumental real de luta capaz
de confrontar o capitalismo especulativo, ou seja, a união das massas
em busca de seus direitos; sem essa lei, que proporcionou ações de
intervenção e preservação (risanamento), poucos exemplos práticos
teriam sido realizados, como, por exemplo, a importante experiência
de intervenção preservacionista da cidade de Bologna.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 110


[
Uma das questões teóricas propiciadas pelo período final dos
anos de 1960 é a distinção proposta por Roberto Pane que diferencia ^
Centros Históricos e Centros Antigos, ou seja, o Centro Antigo corres-
ponde ao âmbito da estratificação arqueológica e o Centro Histórico
é a cidade no seu conjunto; isso pode ser facilmente entendido, no
caso italiano, com a cidade aparecendo menos amalgamada entre
o novo e o velho. As descrições de Roberto Pane se alinhavam para
justificar as ações intervencionistas nas cidades possuidoras de áreas
antigas por um processo de restauração e das zonas históricas por
um processo de renovação. Isso causou reduções e ações perigosas
decorrentes dessa livre interpretação teórica pelos agentes das ações.
Novos encontros ocorreram na cidade de Mantova, em 16 de
setembro de 196249, e depois em Genova, em 7 e 8 de julho de 1972,
relacionados à Lei n0 865 e aos problemas de intervenções em
Centros Históricos que essa lei produzia. Alguns focos de ações
demonstram problemas de uma política voltada para o novo, obri-
gando o Programa Econômico Nacional de 1971-7550 a elaborar
um documento considerado o primeiro a tratar, com maior enfo-
que, os Centros Históricos. O documento trabalha com a possibili-
dade territorial, ou seja, com a definição dos Centros Históricos em
três tipos: Centros Históricos de grandes e médias áreas urbanas,
onde ocorre grande desenvolvimento; Centros Históricos em áreas
abandonadas, mediante o desenvolvimento e maiores investimen-
tos no resto da cidade; Centros Históricos em Abandono, em áreas
pouco ou sem desenvolvimento.
O Plano regulador para o Centro Histórico de Bologna51, propos-
to em 21 de julho de 1969 e aprovado pela junta administrativa da
cidade em 20 de novembro do mesmo ano se tornou um dos maiores

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 111


[
exemplos de ações preservacionistas; tinha por delimitação de tra-
tamento a área compreendida pela muralha do século XV, definida ^
pelo valor histórico-artístico e urbanístico-arquitetônico, considerada
como um conjunto urbano unitário e não de prédios isolados, no qual
foram impostas ações de intervenção e preservação, excluindo as de-
molições e as reconstruções. Partindo de um inventário dos edifícios
de valores históricos ambientais reunidos por suas características
estruturais e tipológicas, a finalidade do plano passava não apenas
pela preservação, mas também pela gestão e controle dos novos usos
compatíveis com a conservação das edificações52.
Fora o Plano de Bologna, as ações intervencionistas e preserva-
cionistas na Itália sobre o patrimônio datam dos anos 1930, especi-
ficamente a partir das contribuições das Cartas de Atenas de 1931 e
1933, que ensejaram a produção do único instrumento legislativo de
potencial tutelar sobre o patrimônio histórico arquitetônico, a Lei no
1089 de 1o de junho de 1939 (tutela da coisa de interesse artístico e
histórico) e a Lei no 1497 de 29 de junho de 1939 (proteção da bele-
za natural e panorâmica), integrada ao Regulamento no 1357 de 3 de
junho de 194053. As duas primeiras formulações de defesa a Centros
Históricos, na Itália, datam de 1948 (Perugia) e 1952 (Veneza). Na dé-
cada de 1960, foi instituída a Comissão Franceschini, através da Lei
no 310 de 26 de abril de 1964, que criticava a redução do tratamento
dos Centros Históricos apenas com o conceito de “risanamento con-
servativo”; outra questão se liga a Lei no 765, de 6 de agosto de 1967,
que reformula pontos da legislação urbanística de 1942 e a Lei no 865,
última providência legislativa nacional (além das cartas e declarações
italianas analisadas no capítulo 2 deste livro).

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 112


[
A grande crítica à legislação italiana pode ser colocada como
de sua imodificabilidade ao longo dos anos, semelhante à legislação ^
brasileira, ou seja, a lei italiana continua a mesma desde 1939 e o
Decreto-lei no 25, no Brasil, desde 1937. De forma especifica a legisla-
ção de preservação italiana quando comparada à brasileira apresenta
as seguintes questões:
1o - Art. 1 da lei no 1089 – “Sono soggette allá presente legge lê cose,
immobili e mobili, Che presentano interesse artístico, storico, archeologi-
co o etnográfico, compresi: ....”, comparado com o Art. 1o do Decreto-lei
25/37: “Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto
dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da Histó-
ria do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico”. Os dois são exatamente iguais no tratamento
jurídico dos tipos e motivos dos bens a serem tutelados;
2o - O tratamento da lei italiana parece um pouco mais amplo do
que a lei brasileira. O Art. 2 e 3 da lei italiana trata da notificação do
proprietário, o capítulo 2 da lei brasileira também, a diferença é a de-
nominação “Tombamento”; o que estabelece essa maior amplitude é
o próprio tamanho da lei italiana, pois são oito capítulos e 73 artigos,
enquanto o Decreto-lei 25/37 são cinco capítulos e 30 artigos, prati-
camente a metade da Italiana. A semelhança estrutural se afirma nas
duas legislações quando são comparados alguns artigos, como o Art.
11 da italiana: “Le cose prevista dagli articole 1 e 2, appartenenti alle Pro-
vincie, ai Comuni, agli enti e instituti legalmente riconosciuti, non possono
essere demolite, rimosse, modificate o restaurate senza l’autorizzazione
Del ministro della pubblica istruzione”, relaciona-se integralmente ao
Capítulo III do Decreto-lei 25/37 referente aos efeitos do tombamento;

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 113


[
3o - Os entes administrativos previstos na tutela da lei italiana
são o Ministro da Educação Pública (referente, no Brasil, ao Ministro ^
da Educação e Cultura), Conselho de Estudos e Análises das Obras
(no Brasil, esse conselho é conhecido como de alto saber – Conselho
Consultivo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional); a notificação
é o primeiro instrumento na legislação dos dois países;
4o - Na Itália, o bem protegido pela lei não pode vir a ser usa-
do de forma não compatível com o seu caráter histórico ou artístico
(Art. 11, lei no 1089), o Ministro deve seguir as orientações do Conselho
Superior de Antiguidade e Belas Artes, Acadêmicas ou Bibliotecárias;
as despesas de conservação e restauro devem ser de responsabi-
lidade do proprietário, caso este demonstre a falta de condição de
fazê-la, o Ministro poderá, através de decreto, estabelecer o dever do
Estado em fazê-lo (Art. 16, capítulo II); mas o proprietário será obri-
gado a reembolsar ao Estado a despesa com a conservação da coisa,
caso não o faça o Estado pode adquirir a coisa ao preço estimado pela
reparação do bem. No Brasil, o Art. 17 equipara-se ao Art. 11 da lei ita-
liana; com relação às obrigações, o Art. 19 do Decreto-lei 25/37 prevê
que se o proprietário não dispuser de meios para a conservação ou
restauração levará essa dificuldade para o IPHAN, que deverá execu-
tá-las a expensas da União. A legislação italiana, nesse ponto impõe
mais deveres ao proprietário do que a legislação brasileira;
5o - Os proprietários da coisa preservada italiana ficam obrigados
a apresentar projetos para que sejam aprovados pela superintendên-
cia de proteção do bem; no Art. 22 da lei no 1089 é vedada a coloca-
ção de cartazes, publicidade em geral que danifiquem o aspecto da
coisa protegida. No Brasil, a referência é o Art. 17 e 18 do Decreto-lei
25/37; as coisas indicadas pelo Art. 1 e 2 da lei italiana são inalienáveis,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 114


[
quando pertencentes ao Estado ou a outro ente público (Art. 23);
com relação à transmissão dos bens preservados de propriedade pri- ^
vada, o direito maior em adquirir o bem é do Estado (Art.31, 32 e 34
– Sezione II – Delle cose appartenenti a privati); a legislação brasileira
mantêm as mesmas premissas, o Capítulo IV – Direito de preferência,
Art. 22 do Decreto-lei 25/37: “Em face da alienação, onerosa de bens
tombados, pertencentes a pessoas naturais ou pessoas jurídicas de
direito privado, a União, os Estados e os Municípios terão, nesta ordem,
o direito de preferência”;
6o - Na lei italiana, as questões relativas à exportação são regu-
ladas pelo Art. 35 ao Art. 41, existindo especificações interessantes,
como a licença para a exportação, a taxa progressiva de exportação e
a exportação temporária, também há uma previsão da importação de
obras de forma temporária (Art. 42); no Brasil, o Decreto-lei 25/37 es-
pecifica no seu Art. 14: “a coisa tombada não poderá sair do País, senão
por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio
cultural, a juízo do Conselho do Serviço do Patrimônio Histórico e Artís-
tico Nacional”, e também o Art. 15 com seus respectivos parágrafos
(muito semelhantes à lei italiana), Arts. 26 ao 29, do Decreto 25/37,
também regulam essas questões; a semelhança entre as legislações
é tão grande que o uso da palavra “coisa” é muito repetida nas duas
legislações;
7o - Na lei italiana, existe um capítulo (V) dedicado à arqueologia
(Arts. 43 ao 50); no Decreto-lei 25/37, apenas o Art. 1o e o Capítulo
II Art. 4o parágrafo 1o a estabeleciam como patrimônio; no Brasil, a
questão relativa aos monumentos arqueológicos e pré-históricos
apenas foi regulamentada com a Lei no 3924, de 26 de julho de 196154;

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 115


[
8o - Um dos capítulos mais interessantes da lei italiana no 1089 é
o VIII que disciplina a desapropriação (art. 54 ao 57). A razão da desa- ^
propriação se dá por interesse público, o Ministro da Educação Públi-
ca pode autorizar a desapropriação a favor da Província, da Comuna e
do ente ou instituto legalmente reconhecido; no Brasil, no Decreto-lei
25/37 apesar de não tratar diretamente de desapropriação, o Art. 8
trata do Tombamento Compulsório quando o proprietário se recusa
a anuir à inscrição da coisa, mas a palavra desapropriação não é men-
cionada em nenhum dos capítulos ou artigos do Decreto-lei 25/37;
essa situação só será regulamentada pelo Decreto-lei no 3365 de 21
de junho de 194155, no seu Art. 5 letra K, que dispõe sobre a desapro-
priação por utilidade pública, relativa a preservação e conservação
de monumentos e que, na Itália, é denominada de interesse público;
9o - O capítulo VIII da lei italiana, dedicada a penalidades
(sanções – Art. 58 ao 70); as multas variavam entre 50.000 a 15.000.000
Liras além das penas previstas no Código Penal Italiano (Arts. 624 e
625); no caso do Decreto-lei 25/37, é deliberado uma especificação
de multa com relação aos efeitos do tombamento, mas apenas no
Art. 15 do parágrafo 1o é imposto um valor de multa de cinquenta
por cento do valor da coisa relativo à exportação de bens; no caso de
reincidência, a multa será elevada ao dobro e relacionada ao Código
Penal (contrabando); com relação à restauração sem a anuência do
IPHAN, a multa prevista é de cinquenta por cento do dano causado;
no Art. 18, sobre o impedimento da visibilidade, a multa prevista tam-
bém é de cinquenta por cento do valor do objeto; o Art. 20 estabe-
lece a pena de cem mil réis a quem impedir a verificação pelo IPHAN
das coisas tombadas (conforme escrito no Decreto), as penalidades
previstas se equiparam às cometidas contra o Patrimônio Nacional

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 116


[
(Art. 21). Com relação ao Código Penal Brasileiro, dos crimes contra o
Patrimônio, os artigos 165 e 166 preveem, respectivamente: Art. 165 ^
– Destruir ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente
em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico – Pena de de-
tenção, de seis meses a dois anos, e multa de mil cruzeiros e vinte mil
cruzeiros ; Art. 166 - Alterar, sem licença da autoridade competente, o
aspecto de local especialmente protegido por lei – Pena de detenção,
de um mês a um ano, ou multa, de mil cruzeiros a vinte mil cruzeiros
(os artigos 165 e 166 foram revogados56) (obs. Os valores foram man-
tidos de acordo com o transcrito nas Leis e Decretos);
10o - As semelhanças entre as duas leis são tão grandes que,
inclusive, ambas possuem um artigo reservado às coisas religiosas ou
da igreja. Na lei italiana é o Art. 8 que coloca quando a coisa é per-
tencente à entidade eclesiástica, o Ministro da Educação Pública, no
exercício de seu poder, resguardará o culto, de acordo com a autori-
dade eclesiástica; no Decreto-lei 25/37, o Art. 25: “O serviço do Patri-
mônio Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos com as
autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas
e pessoas naturais e jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das
mesmas em benefício do patrimônio histórico e artístico nacional”;
11o - Além das semelhanças expressas entre a lei italiana no 1089
e o Decreto-lei 25/37, umas das maiores diferenças talvez esteja na
própria constituição legislativa italiana que acentua a autonomia das
regiões, províncias e cidades, na qual as regiões possuem estatutos
especiais.
Apesar do Decreto-lei 25/37, no seu Art. 1o, parágrafo 2o, apre-
sentar a menção ao tombamento dos monumentos naturais, sítios e
paisagens, na legislação brasileira não existirá nenhuma referência à

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 117


[
proteção dos Centros Históricos (chamados de conjuntos urbanos),
até a Constituição de 5 de outubro de 198857; já na legislação italia- ^
na, ocorre a influência sobre as ações preservacionistas a partir da
Carta de Atenas, que conformará a produção da Carta Italiana Del
Restauro58, e a Carta de Veneza59, que no seu Art. 1, diz: “La nozione di
monumento storico comprende tanto la creazione architettonica isolata
quanto lámbiente urbano o paesistico Che costituisca la testimonianza
di uma civiltà particolare, di um’ evoluzione significativa o di um avve-
nimento storico”.
As ações e seus instrumentos, no caso comparativo entre
Brasil e Itália, demonstraram uma interessante perspectiva tutelar.
No caso brasileiro, o Decreto-lei no 25/37 inicialmente cumpriu o papel
de catalogação e proteção de forma coerente, mas permaneceu um
instrumento muito mais rígido do que a legislação italiana que, aos
poucos, avançou mais, apesar de sujeita as mesmas críticas feitas à lei
preservacionista nacional. A diferença do avanço italiano recai, espe-
cialmente, no que refere às ações e planos sobre os Centros Históricos
(risanamento e planos reguladores – regionais). Essas experiências de
ações italianas foram, tardiamente, sendo transferidas para as ações
tutelares brasileiras e esse fato pode ser notado até os dias atuais
(a partir das revitalizações, requalificações e reabilitações nos Centros
Históricos brasileiros realizados pelos entes Municipais).
Uma vez tendo percebido as ações intervencionistas e preser-
vacionistas na França e na Itália, as quais na prática, sem nenhuma
dúvida, influenciaram as ações brasileiras, pode-se ver, a seguir, como
as ações praticadas em Portugal e Espanha empreenderam significa-
tiva influência sobre as ações nos Centros Históricos nacionais.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 118


[
As ações praticadas em Portugal e na Espanha
^
A justificativa de investir na reunião da compreensão das práti-
cas das ações preservacionistas e intervencionistas sobre o Patrimô-
nio Ambiental Urbano de Portugal e Espanha e sua influência sobre os
Centros Históricos nacionais, a partir da contemporaneidade, deve-se
às ações praticadas nesses dois países, dentro do paradigma da revi-
talização urbana, ocorridas a partir de 1980, com as ações na cidade
de Lisboa, Madri e Barcelona e que foram chamadas por estudiosos,
como Sánchez (1997, p. 10), de “políticas urbanas em renovação”, mas
antes de adentrar especificamente nesse fato, é preciso traçar uma
análise das ações em Portugal e, depois, na Espanha, da mesma forma
metodológica realizada nos países anteriormente estudados.
O primitivo nome de Lisboa era Olisipo60, relacionado à lenda de
Ulisses, que foi fortificada pelos romanos no século II a.C. No subsolo de
Lisboa é possível encontrar os restos da civilização romana (Colina do
Castelo), Lisboa sofreu várias invasões bárbaras até o ano de 585 d.C.
e foi conquistada pelos Islâmicos por volta do século VIII, formando o
que ficou conhecida como a Lisboa Mulçumana (Alisbuna). O domínio
cristão se dá a partir de 1147, com D. Afonso Henriques, a cidade se de-
senvolve envolta da muralha de D. Fernando em 1373, passando para a
Lisboa dos descobrimentos e conquistas do século XV e XVI.
Nenhum reinado apresentou uma quantidade de normas le-
gislativas, de sentido reformador e de códigos, como o Português,
especificamente voltado para a administração municipal, como as
Ordenações Afonsinas, Manuelinas e “Filipinas”61. Apesar de Lisboa
representar ações de expansão e exploração ultramarinas, ela demons-
tra planos de reformulação urbana, nos quais, em cada momento, a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 119


[
centralização do poder político se mostra apreciável e que foi cha-
mada de “cidade capital”62. ^
Nessa época (XVI, XVII e XVIII), ocorrem dois momentos interes-
santes de ações em Lisboa, as obras Joaninas e a intervenção do
Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo), essa úl-
tima reconhecida como modelo de funcionalidade, com concei-
tos estéticos e higienistas, na qual os técnicos de formação militar
(engenharia militar) tinham plena atuação, culminando, no século
XVIII, na formação de um corpo normativo e jurídico, base para as
ações intervencionistas em Portugal. Contudo, os verdadeiros mo-
tivos para a reconstrução de Lisboa se devem a um acontecimento
trágico, também chamado de Lisboa Reinventada63, após o terremoto
de 1755, o plano de reconstrução da cidade, projetado por Eugênio
dos Santos e Carlos Mardel, em 1756, representa o início das ações
intervencionistas na questão contemporânea.
Alguns historiadores comentam que o aspecto de Lisboa, após
a finalização do plano, era semelhante ao aspecto reluzente da cida-
de de Veneza (devido ao uso constante da Pedra de Lioz), represen-
tando o maior empreendimento durante a época do iluminismo. Os
prédios seguiram dimensões e tipos uniformizados, interessante foi
a aplicação de um sistema construtivo anti-terremoto, as casas da
Baixa foram todas construídas com esse sistema. Estavam lançados
os alicerces da primeira ação intervencionista dentro do paradigma
de embelezamento e saneamento.
Já no início do século XIX (1807)64, a cidade foi invadida pelas
tropas de Napoleão, sofrendo inicialmente com os abusos dos fran-
ceses e, posteriormente, com a expulsão destes, com os abusos dos
ingleses; alguns historiadores creditam a aparência de Lisboa nesse

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 120


[
período com as cidades do Oriente, também se destacam as quintas
e as três ruas mais famosas de Lisboa: Rua Augusta, Rua do Ouro e ^
Rua da Prata. Umas das primeiras leis higienistas foi a de 1818, que
só permitia jogar imundícies a partir das dez horas da noite, fora dos
passeios para que pudessem ser recolhidos pelos carros de limpeza.
Em 1852, é aberta a estrada definindo o novo perímetro urbano de
Lisboa, chamada de “circunvalação”, marca simbolicamente a entrada
de Lisboa na contemporaneidade. O centro mundano concentrava-
-se no Rossio e no Passeio Público. As intervenções mais significativas
desse momento foram a abertura da Avenida da Liberdade e o uso de
aterros, como no Cais do Sodré e Santos e depois no Alcântara, que
permitiu o assentamento de linhas férreas e de carros elétricos (bon-
des), surgindo várias estações como a de Santa Apolônia, em 1865.
O caminho das estradas de ferro culminou com a implantação
das indústrias e a imigração do interior para a “cidade capital”, surgin-
do as primeiras vilas operárias (Barbadinhos, Berta e Souza), que iram
resultar, por volta de 1930, na designação de Lisboa como Metrópole.
Uma das ações intervencionistas mais importantes no início do XX,
agora dentro do que poderíamos chamar de transição do paradigma
higienista para o paradigma modernista, foram as desapropriações
(expropriações) da área do Concelho65. A Segunda Guerra Mundial
transformou a cidade num local de greves, prisões em massa e espio-
nagem que só terminaram em 197466.
Outro fato importante é a variação populacional de 802.000 em
1960 para 659.000 em 199167, determinando o que foi chamado de
envelhecimento da cidade, especialmente na Baixa e bairros mais
antigos (a região metropolitana atualmente conta com mais de três
milhões de habitantes), esses últimos deixam de responder às

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 121


[
necessidades das novas funções e atribuições da metrópole lisboeta,
adentrando nas práticas de ações intervencionistas e preservacio- ^
nistas dentro dos paradigmas e, especialmente, do paradigma da
revitalização urbana.
As ações intervencionistas e preservacionistas praticadas em
Portugal, durante o paradigma da revitalização urbana, baseiam-se
no conceito do afeto da população pela área que irá sofrer as ações.
Nesse contexto, um dos últimos exemplos de interesse em Lisboa é
o projeto de reconstrução de Álvaro Siza para Bairro do Chiado68. Tão
famoso como Montmartre de Paris, o bairro do Chiado pode ser con-
siderado como o antigo coração da cidade de Lisboa, mas no decorrer
dos anos 1980 já mostrava plena decadência e degradação, além da
diminuição da população residencial e comercial.
O projeto de Siza buscava o equilíbrio entre a historicidade do
Bairro e as necessidades futuras, cuja característica residencial centra-
va a proposta, juntamente com a integração do bairro com o tecido
urbano da cidade, aliado a reconstrução da estação local do Metrô e
a intervenção nas fachadas de edifícios da área. As intervenções no
Bairro do Chiado foram interrompidas para produção da exposição
de Lisboa que, juntamente com as intervenções na Espanha, repre-
sentam os pontos centrais das ações praticadas dentro do paradigma
da revitalização urbana.
As ações preservacionistas nas últimas décadas em Portugal
estão associadas a uma experiência de 50 anos e a um estatuto le-
gal determinado com a criação do Instituto José de Figueiredo em
196569. Os decretos mais importantes são o no 383, de 19 de setembro
de 1980, e o Decreto-lei no 342, de 25 de agosto de 1999 (criando
o Instituto Português de Conservação e Restauro em substituição ao

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 122


[
Instituto José de Figueiredo), o Decreto-lei no 342, complementa o no
383, considerado pelos estudiosos como envelhecido e desajustado ^
aos seus deveres tutelares. O ponto nevrálgico das ações portuguesas
é determinado pelo princípio da Intervenção Mínima, sendo que o
patrimônio arquitetônico aponta para 20.073 bens imóveis inventa-
riados em Portugal e países de expressão portuguesa70.
O Decreto-lei no 120/97 (cria o Instituto Português do Patrimônio
Arquitetônico) e o no 342/99 (cria o Instituto Português de Conserva-
ção e Restauro) asseguram as responsabilidades do Estado na con-
servação e restauro dos bens culturais de reconhecido valor histórico,
artístico, técnico e científico (formado pelo Patrimônio Cultural, Patri-
mônio Imóvel, Patrimônio Móvel e o Patrimônio Natural). Observados
os procedimentos da Lei no 23 de 26 de maio de 1998 e a Constitui-
ção Portuguesa nos termos da alínea “a” do no 1 do artigo 198 e 20171,
cujas principais questões, ao serem relacionadas com as legislações
tutelares no Brasil, são respectivamente:
1o - Nos Arts. 1 e 2 do Decreto-lei 342/99, criando o IPCR (Institu-
to Português de Conservação e Restauro), pessoa coletiva de direito
público dotada de autonomia científica, administrativa e patrimônio
próprio, tutelado pelo Ministro da Cultura. Aparentemente, o IPCR é
dotado de maior autonomia do que o IPHAN, apesar de demonstrar
uma centralização forte por parte do Estado Português na tutela do
patrimônio, da mesma forma que o Decreto-lei 25/37 faz no Brasil;
2o - No Decreto-lei 342/99 chama a atenção a presença do que
poderia ser chamado de “negociações contratuais” entre o IPCR e os
proprietários, instituições públicas ou privadas, autarquias, prefei-
turas, etc., que tenham interesse em conservar ou restaurar o patri-
mônio; no Brasil, esse canal de diálogo é aberto com a população a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 123


[
partir do final da década de 1970, mas o Decreto-lei 25/37 não prevê
nada relativo a essa possibilidade. No Brasil, ação próxima, vem sendo ^
aplicado com relação ao patrimônio são os “Termos de Ajustamento
de Conduta” (instrumento de negociação) e que será aprofundado na
terceira parte deste livro;
3o - A legislação portuguesa achou que resolveria uma das
questões mais difíceis na tutela do tombamento, ou seja, a quem
cabe o dever de prover o capital necessário para a conservação ou
restauro da edificação. Os portugueses impuseram ao proprietário
o ônus dessa ação, é claro que isso ainda não resolveu o caso, pois
os proprietários sempre alegam falta de condições para isso, fato
muito semelhante ao comportamento dos proprietários brasileiros
como já mencionado;
40 - O Decreto-lei 120/97 cria o IPPAR72 (Instituto Português do
Patrimônio Arquitetônico); O IPPAR demonstra a hipótese de dois avan-
ços nas questões teóricas da legislação portuguesa a serem discutidas:
1o) a legislação portuguesa criou um órgão próprio para a preservação
da arquitetura; 2o) outro fato bem direcionado na legislação de Portu-
gal parece ser a questão da existência de um órgão próprio de tutela da
arquitetura relacionado à compreensão do território e, especialmente,
ao planejamento urbano, mantendo um diálogo que os portugueses
chamam de ordenamento (planejamento) municipal;
5o - O IPPAR tem como atribuições a salvaguarda e a valoriza-
ção de bens, pelos seus interesses históricos, artísticos, paisagísticos,
científicos, sociais e técnicos, que integram o patrimônio cultural
arquitetônico do País; existi referência tutelar a conjuntos arquitetô-
nicos em várias normativas deste Instituto. A proteção de conjuntos
urbanos apenas foi prevista na Constituição Brasileira de 1988, no Art.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 124


[
216 item V; apesar da clareza legislativa nacional, o que, talvez, esteja
ausente seja um instrumental correlato administrativo legal por parte ^
do IPHAN;
6o - Com relação à desapropriação (expropriação), o Art. 11 do
Decreto-lei português 120/97 – Competências da Direção, letra e):
propor ao Ministro da Cultura a expropriação de bens imóveis clas-
sificados que correm graves risco de degradação ou de utilização
inadequada, bem como de imóveis situados nas respectivas zonas
de proteção, que prejudiquem a conservação de bens imóveis clas-
sificados ou seu enquadramento e utilização; letra j): promover a
aquisição ou o arrendamento de imóveis ou elementos integrados
em zonas de proteção, com vista a salvaguardar o patrimônio. A
legislação portuguesa é semelhante à legislação brasileira com rela-
ção às desapropriações, parece ocorrer um fenômeno sociológico
parecido nos dois países, ou seja, o apego português a bens imóveis
(casa própria) é tão expressivo quanto o brasileiro, dificultando as
ações preservacionistas e intervencionistas;
7o - Cabe ao Departamento de Estudos, Art. 17 do Decreto-lei
120/97, letra g): estudar e preparar critérios que regem toda a legisla-
ção relativa ao patrimônio arquitetônico de interesse cultural; no Art.
20 do Decreto-lei 120/97 (Departamento Financeiro e de Administra-
ção), na letra f ): realizar as ações relativas à aquisição, conservação,
reparação, locação e alienação de quaisquer bens, móveis ou imóveis
em Portugal. Sabe-se que o IPHAN conta com uma assessoria exem-
plar nesses aspectos, mas essa especificidade dada pela legislação
portuguesa é portadora de possibilidades que deveriam ser levadas à
discussão para a possível reformulação da administração sobre o pa-
trimônio nacional e especialmente sobre o que se chama atualmente

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 125


[
de Patrimônio Ambiental Urbano, com uma especial atenção nas re-
lações entre Município e o território; ^
8 - O IPPAR é formado por serviços regionais que tem como res-
o

ponsabilidade assegurar na sua área a tutela do patrimônio arquitetô-


nico português, aspecto semelhante as Superintendências Regionais
do IPHAN.
O paradigma da revitalização urbana também está fortemente
presente no outro país ibérico, a Espanha, onde o uso do conceito
teórico de Reabilitação Urbana é semelhante ao usado em Portugal.
Dessa forma, o estudo das ações na Espanha analogamente aos es-
tudos das ações em Portugal pode revelar influências sobre as ações
preservacionistas e intervencionistas praticadas nos Centros Históri-
cos brasileiros.
As culturas árabe, judia e cristã, juntas ou separadas, provoca-
ram durante a Idade Média o aparecimento de cidades na Espanha,
que demonstram apreciáveis projetos de renovação entre os séculos
XV ao XVIII, como a criação de parques e monumentos, embeleza-
mento de edifícios urbanos, planos de ampliação e renovação de tra-
çados urbanos até adentrar nos paradigmas a partir do século XIX. Os
dois maiores centros urbanos que apresentam grande diversidade, na
Espanha, são Madri e Barcelona73.
Barcelona e Madri estão inseridas, hoje, no que é denominado
de Regimen general de Protección Del Patrimonio74, que determinam
as normas sobre as ações intervencionistas e preservacionistas pra-
ticadas nos Municípios Espanhóis75, estabelecendo níveis de prote-
ção de acordo com o juízo de valor da coisa tutelada. Assim, os bens
integrantes do patrimônio histórico espanhol, os bens de interesse
cultural, os incluídos no inventário geral de bens moveis e imóveis

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 126


[
são protegidos respectivamente conforme a Lei 16/1985, de 25 de ju-
nho76, e de acordo com a norma constitucional espanhola nos seus ^
artigos 44, 46 e 149, ambas tendo sido influenciadas pela Lei de 13
de maio de 1933, buscaram a ampliação tutelar decorrente das novas
exigências e experiências acumuladas.
A justificativa da renovação da lei foi marcada pela necessidade
de um novo ordenamento jurídico frente à multiplicidade e a disper-
são normativa apresentada nas últimas décadas, também está em
conformidade com as atuais normas previstas pelas Convenções e
Recomendações Mundiais, sendo o ponto de grande justificativa a
nova formulação legislativa de competências entre o Estado e a Co-
munidade de Autonomia, Lei 16/1985, partes 1 e 2 do artigo 149 da
Constituição Espanhola77. A lei 16/1985 também buscou ampliar a
definição de Patrimônio Histórico para os bens de valor histórico, ar-
tístico, científico e técnico em torno de um conceito que pudesse dar
praticidade às ações intervencionistas e preservacionistas, estabele-
cendo medidas tributárias e fiscais, ações de vigilância e educativas,
participação social e proveito da identidade que os bens gozam com
relação à população espanhola.
A legislação espanhola demonstraria vantagens ou avanços em
relação a nacional? Apesar deles (avanços) poderem ser amplamente
contestados no que se refere a todos os aspectos de diferenças físi-
cas, culturais e sociais entre os dois países, sem a pretensão de copiar
os artigos previstos pela legislação espanhola e transferi-los para o
Brasil, mas tendo como especial atenção a característica do questio-
namento entre as duas legislações, pode-se enunciar as seguintes
situações comparativas gerais:

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 127


[
1o - A legislação preservacionista nacional, apesar de bem es-
truturada, está muito dispersa, caso houvesse a sua reunião, como ^
ocorreu na espanhola, o grau de otimização da tutela sobre os Bens
nacionais seria muito mais expressivo;
2o - Outra vantagem da legislação espanhola está no uso de
expedientes econômicos para fomentar a aplicação de seus artigos,
especialmente a dedução dos impostos que incentivam a tutela e coí-
bem as infrações, com valores que inibem as ações contrárias aos atos
tutelares, apesar de no Brasil as leis de incentivos e programas terem
apresentado resultados e o Código Penal ser rígido, os efeitos preser-
vacionistas sobre os Centros Históricos ainda deixam muito a desejar;
3o - Também se pode observar que na Parte das Disposições
Finais da lei espanhola 16/1985 é criado um corpo de guarda (inciso
4) pelo governo (Ministério da Cultura e Ministério do Interior) para
investigar as infrações cometidas sobre os objetos tutelados. A Po-
lícia Ambiental no Brasil, apesar das dificuldades, cumpre um papel
semelhante ao que se refere à fiscalização do Patrimônio Natural,
essa seria uma questão a ser discutida dentro da legislação brasileira
preservacionista;
4o - Na legislação espanhola as questões de contemplação das
competências é um avanço, pois visualiza a busca da relação tutelar
entre Estado e Município; o Município na Espanha é visto de forma
diferente da legislação nacional (apesar da Constituição de 1988 ter
demonstrado avanços com relação à autonomia municipal brasileira);
5o - A legislação espanhola tenta avançar em relação ao entorno
das edificações e, especialmente, à preservação da edificação como
um todo, tentando evitar a preservação apenas da fachada e dos
telhados, também apresenta maior preocupação com um plano

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 128


[
municipal que consiga equilibrar as ações sobre os Conjuntos His-
tóricos. A legislação espanhola adota padrões técnicos de atuação, ^
conceituando as ações de consolidação, restauração, e outras,
tentando evitar o que é expressivo no Brasil, ou seja, cada equipe
regional do IPHAN, apesar de atuar com considerável notoriedade e
benéfico resultado, tem a prática de suas ações movidas pelo maior
conhecimento discricionário de seus diretores e membros;
6o - A legislação espanhola abarca as novas patrimonialida-
des, mas não avança tanto quanto é necessário avançar na com-
plexidade atual patrimonial, pode-se dizer que fica devendo muito
ao meio ambiente e ao que se denomina de Patrimônio Imaterial
(apesar das nações europeias dedicarem legislações específicas
para o meio ambiente);
7o - A Maior diferença comparativa se refere às medidas de fo-
mento estabelecidas pela lei espanhola, ali podemos considerar
um grande avanço com relação à legislação nacional, uma vez que
instrumentaliza no foco da economia a possibilidade de agentes
que propiciem a tutela dos Bens Patrimoniais, mesmo sabendo que,
no Brasil, os programas e leis de incentivos existem e dão resultados
que podem ser considerados razoáveis. Em suma, a grande ques-
tão comparativa entre os dois países se estabelece na reunião da
legislação preservacionista espanhola em uma única lei (16/1985),
ao passo que a legislação brasileira está fragmentada por várias
complementações de Decretos-leis, Códigos, Programas, Leis e na
Constituição Nacional de 1988.
As ações preservacionistas e intervencionistas praticadas na
Espanha buscaram a união entre a participação popular e a gestão
pública dos locais portadores das identidades históricas, sendo que

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 129


[
a legislação espanhola foi capaz de reunir as leis que estavam dis-
persas e aplicá-las na tutela dos Centros Históricos de suas cidades ^
juntamente com os planos de Reabilitações Urbanas, conceitos que
aproximam as ações Espanholas das ações praticadas em Portugal.
As ações praticadas na Inglaterra e nos EUA estariam próximas a esses
conceitos apresentados nesses dois últimos países, ou haveriam dife-
renças marcantes em relação à forma de tutelar os bens patrimoniais,
estes aspectos serão analisados a seguir.

As ações praticadas na Inglaterra e EUA

Pode-se indicar uma relação direta do início das ações preser-


vacionistas e intervencionistas na Inglaterra com a Revolução Indus-
trial e com a fundação da Sociedade de Proteção de Prédios Antigos,
em 1887, por William Morris, tendo a Inglaterra, a partir desses fatos,
apresentado uma crescente disposição na intenção de preservação
do seu patrimônio, essas proteções assinalam a data de 1882 (Mo-
numentos Antigos e Edificações Antigas), a “listagem” dos Bens foi
sendo feita a partir de 1932, as áreas de conservação a partir de 1967
e arqueológicas desde 198278.
O principal provedor legislativo das ações é o Parlamento Inglês
que vem estabelecendo novos estatutos e regulamentos para a tu-
tela dos bens patrimoniais especialmente na cidade de Londres, nos
Distritos de Kensington e Chelsea79. Essas regulamentações, dentro
do paradigma da revitalização urbana, têm como regras conceituais
prover as administrações locais de normas de proteção e controle
das alterações e demolições, preocupação com a arborização e com

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 130


[
a poluição visual decorrente das propagandas, Planos de Desenvolvi-
mento, proteção de edificações de Interesse Histórico, desenvolvimen- ^
to de serviços locais e melhorias do solo não utilizado, relacionados à lei
ou Ato de Planejamento Inglês e do País de Gales de 1971.
Os princípios básicos gerais das ações inglesas estão instituídos
no Ato de Planejamento de 1971 e no Ato Complementar do Patrimô-
nio Nacional de 198380, instituído como lei em 1o de janeiro de 1984.
Constantemente, esses Atos têm recebido complementações (1972,
1974, 1979, 1980, 1981, 1983 e 200281).
Na Inglaterra, o reconhecimento jurídico mais intenso da neces-
sidade de proteção de edificações de interesse especial vem desde o
Ato de Planejamento de 1947 e se estabeleceu no Ato de 1971 (Cerne
da lei de Planejamento na Inglaterra e País de Gales, consolidando
toda a legislação anterior), com um sistema chamado de “Consenti-
mento de Edificações Listadas” (Ato de 1971 – ss54(10)), que tomou
lugar da antiga “Ordem de Preservação de Edificações” de 1969. Ape-
sar do início das teorias preservacionistas na Inglaterra datarem o final
do século XIX, as práticas legais se remetem às décadas de 1930 e
1940, o que assinala um período semelhante de institucionalização
como ocorreu com a legislação preservacionista brasileira.
Uma das diferenças é que a legislação brasileira conservou a tu-
tela das edificações em separado da urbanística até a Constituição de
1988, mas na prática não trouxe grandes mudanças, já a legislação
inglesa introduziu diretamente a preservação como parte integrante
de um plano de urbanismo no Ato de Planejamento de 1971. Outra
diferença recai no conceito Inglês (Consentimento de Edificações Lis-
tadas) que expressa a intenção de prover ao proprietário, ou usuário,
a possibilidade de permissões e consentimentos de uso (guardadas

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 131


[
as restrições necessárias à preservação), ao passo que o Decreto-lei
25/37 impõe uma situação de utilização original permanente da ^
edificação tombada, apesar de possibilitar interpretações de usos
de certas atividades como de interesse à preservação (museus, pou-
sadas, centros culturais, etc.), as quais não atendem as necessida-
des dos Centros Históricos atuais, daí o paradigma da revitalização
urbana ter buscado, entre suas ações intervencionistas, as medidas
turísticas e de marketing para fomentar os programas atuais de rea-
bilitações urbanas.
Quem lista as edificações na Inglaterra é o Secretário de Estado,
a partir de consultas com especialistas (HBMC – The Historic Building
and Monuments Comission for England – Ato de 1983 ss4 (16)). Em
Londres, a listagem é feita pela Divisão de Prédios Históricos do Con-
selho Maior; os proprietários e moradores não são consultados com
relação à listagem das edificações, na medida em que a inscrição é
feita, a edificação já fica tutelada. Quando uma edificação é listada,
atualizada ou retirada da Lista, impõe um efeito sobre o proprietário
ou quem venha a adquirir a edificação, bem como para o ocupante
do imóvel, que é notificado da listagem, podendo e devendo verificar
com a autoridade local os direitos e deveres que terá que seguir
(Regulamentação de 1977); os avisos são sempre entregues em atra-
so com relação à listagem (as listas estão disponíveis para inspeção
pública sem ônus e guardadas no Registro dos Monumentos Nacio-
nais ou mantida por autoridades locais).
No Ato Inglês de 1971, a edificação listada já é a declaração de
Interesse Histórico ou Arquitetônico, o interior da edificação é tão lis-
tado quanto o exterior, ou seja, se a fachada é listada isso significa que
todo o prédio está listado, se for realizada qualquer estrutura nova

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 132


[
(sem permissão), depois da listagem, essa será considerada parte da
tutela. Qualquer pessoa pode requerer a inclusão de uma edificação ^
na Lista estatutária; existe a emissão de um certificado (seção 54ª do
Ato de 1971) para evitar que o edifício seja listado (incorre em ônus
e pode ser pedido por qualquer pessoa); o certificado impede que o
Edifício seja listado por um período de cinco anos; de 30 inscrições
recebidas em 1983, 19 certificados (Certificates of Immunity from
Listing) de imunidade foram ganhos, 8 recusados e os remanescentes
suspensos82.
Causar prejuízos aos edifícios listados é considerado crime e o
responsável deverá pagar os custos dos danos (exceções são as edi-
ficações eclesiásticas); as edificações não listadas, mesmo estando
em áreas de conservação não estão sujeitas a essa medida; a multa
para atos ilegais está acima de 200 libras (nível 3) e 20 libras ao dia se
a pessoa for reincidente, caso não recupere seu erro ou previna sua
ocorrência. O processo de listagem é vagaroso e incompleto, edifica-
ções de mérito podem correr riscos antes de serem listadas, portanto
pode haver uma “Lista Imediata” (Lista de Espera); não há direito de
apelação do proprietário mediante a notificação, mas poderá ocorrer
a inclusão de uma apelação contra a listagem. Qualquer trabalho que
venha a ser executado na obra deve ter o consenso das normas pre-
vistas na listagem, o Secretário pode decidir não listar a obra (no pra-
zo de seis meses da data da notificação); a seção 57 do Ato de 1971
trata das infrações sobre o edifício listado, já edificações religiosas e
monumentos não estão sujeitos às notificações (ss58(2)). Os pedidos
de listagem por notificações só podem ser feitos novamente depois
de um ano.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 133


[
O Ato de 1971 apresenta o conceito de “áreas de conservação”
(alterada pela emenda de 1972), que introduziu o poder da autorida- ^
de local sobre a demolição de edificações não listadas numa área de
conservação (relocado pelo Ato de 1974); são as autoridades locais
que designam quais são as áreas de interesse especial para a conser-
vação (ss277(1) do Ato de 1971), o Secretário de Estado também pode
determinar essas áreas; em Londres é o GLC (Greater London Council)
que determina as áreas; a notificação da área deve ter particularida-
des que possam identificá-la (Circular 23/77); os principais efeitos da
designação de uma área como de conservação são a responsabilida-
de e obrigação da autoridade local para preparação de propostas
e melhorias (ss277(8)), planos de desenvolvimento, permissões
(Atos de 1953, 1962, 1972 e 1982), consentimentos (ss172 e 190),
fiscalizações de usos indevidos e promoção de atividades de inte-
resse à conservação.
As igrejas foram as primeiras a possuírem um controle preser-
vacionista e intervencionista (Ato de 1913), esse regimento próprio
para as igrejas, determinado em procedimentos especiais estendidos
aos seus quintais e cemitérios e devem ser alvo de pedido de consen-
timento ou permissões para quaisquer alterações; as igrejas inglesas
podem ser listadas de acordo com 3 graus: medievais de qualidade
excepcional, medievais de importância e igrejas de reforma até 1914.
Muitas igrejas na Inglaterra foram transformadas em faculdades
através de concessões ou permissões. Existe um organismo chama-
do Conselho para Cuidados de Igrejas (CCC – Council for the Care
of Churches); os procedimentos de ações sobre as igrejas são muito
demorados devido à existência de uma série de medidas, como a
Pastoral de 1983, que regula as ações dos chamados comitês pastorais

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 134


[
que enviam os pedidos ao CCC e esse emite um relatório sobre as
ações a serem realizadas, podendo haver emendas por parte do Bispo ^
e consultas ao ABRC (Quadro de Aconselhamento para Igrejas Redun-
dantes – Advisory Board for Redundant Churches), onde as propostas
envolvem demolições ou alterações.
Com relação aos aspectos gerais resultados da comparação en-
tre os Atos de 1971 e 1983 da legislação Inglesa e o Decreto-lei 25/37
e complementações legais da legislação brasileira, resultam as se-
guintes apreensões e compreensões:
1o - O termo desapropriação não é usado na legislação tutelar
inglesa e sim o conceito de compensação ou concessão; a legislação
inglesa prevê a demolição das coisas listadas, manda notificação,
multa e prisão para aqueles que demonstrem desleixo em relação
à coisa listada, e se o proprietário não providenciar as reformas o
governo poderá fazer essa reforma, mas mandará os custos para o
proprietário pagar;
2o - A legislação nacional, como já fez a inglesa, deveria trabalhar
mais as questões legislativas dos usos das edificações tombadas; a
grande diferença entre as duas legislações é que a inglesa não prevê
recurso contra o tombamento (listagem), mas prevê apelos para con-
cessões de usos dos bens tombados (listados); a legislação inglesa
não trabalha muito com o conceito de juízo de valor artístico para a
arquitetura como a brasileira, inclusive a legislação inglesa censura o
termo “estética” por considerá-lo muito subjetivo;
3o - A legislação inglesa é mais atuante com relação às ações
necessárias de restauro, recuperação e conservação das edificações
listadas do que a legislação brasileira referente às edificações tomba-
das e áreas de interesse, uma vez que promove a existência de órgãos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 135


[
para empréstimos para o proprietário que desejar realizar as ações; a
legislação inglesa referente a fomentos para a restauração está muito ^
mais coesa do que a legislação brasileira.
As ações preservacionistas e intervencionistas destacadas pe-
las questões legislativas tutelares na Inglaterra, através dos Atos que
se sucederam pelo século XX e, especificamente, os Atos de Plane-
jamento de 1971 e 1983, possuem fortes diferenças com relação à
conceituação das ações praticadas nos Estados Unidos, mas também
estabelecem relações de semelhanças na forma de tutela, portanto,
na legislação americana preservacionista se destacam as leis, regu-
lamentos e os padrões (Guias de Preservação), com origem em 1906
(Ato de Antiguidades de 190683), adentrando pela preservação de Par-
ques Nacionais, pelo Ato de Locais Históricos de 1935, Ato de Preser-
vação Histórico e Arqueológico e, muitos outros, mas que tem no “Ato
de Preservação Histórico Nacional de 196684”, emendado em 1980,
1992 e 2000 (National Historic Preservation Act of 1966, As amended
through 2000) e no Historic Preservation Certifications Regulations – 36
CFR 67 – (Regulamentação de Certificação de Preservação Histórica),
The Internal Revenue Code of 1986 (Código de Arrecadação Interna
de 1986), suas legislações tutelares mais significativas85.
O Ato Histórico de Antiguidades de 1906 (seção 2) coloca que o
Presidente dos EUA está autorizado a declarar, por proclamação pú-
blica, terras históricas, estruturas históricas e pré-históricas e outros
objetos de interesse científico ou histórico como áreas do governo. As
áreas em propriedades privadas podem ser requisitadas pelo gover-
no. Apesar da ação ser centralizada no Presidente dos EUA, a maioria
das questões fica a cargo da Secretaria do Interior, o que ameniza a
questão centralizadora por parte do governo federal. Um fato interes-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 136


[
sante é a menção de que certas permissões devem passar pelo aval
do Exército dos EUA. ^
O Ato de Locais Históricos de 1935 protege esses locais, edifica-
86

ções e objetos de significância nacional. Relaciona-se inicialmente à


Preservação de Parques Nacionais e ao Serviço de Parques Nacionais,
estabelece a restauração, reconstrução, reabilitação e preservação,
também prevê gerenciar e operar os locais históricos. Tal ato serviu
como modelo de transferências às ações que viriam a ser praticadas
em locais urbanos históricos; até os dias atuais, as edificações histó-
ricas urbanas e áreas de preservação urbana nos EUA são tuteladas
pelo Serviço de Parques Nacionais.
No Ato de Preservação Histórico Nacional de 1966, emendado
em 2000, que se tornou lei em 15 de outubro de 1966, apresenta
na seção 1, letra (b) parágrafo (7), uma das maiores diferenças com
relação ao Decreto-lei 25/37 e legislação tutelar patrimonial com-
plementar brasileira, ou seja, as ações preservacionistas americanas,
na sua grande maioria, foram realizadas pela iniciativa privada, ao
passo que as ações nacionais sempre tiveram como protagonista o
governo federal.
Na lei americana, as propriedades são “listadas inicialmente” e,
depois, incluídas no Registro Nacional. Os critérios para a inclusão
no Registro Nacional e Marcos Históricos Nacionais dos EUA estão
na seção 101 (2), (A), (B), (C), (D), (E) e (F) do Ato de 1966 e deter-
minam que o Secretário do Interior é que estabelece a coisa que
fará parte do registro, a partir de consultas a associações históricas e
arqueológicas; para a inclusão e remoção no registro nacional, a reco-
mendação cabe aos governos locais certificados; a designação usada
é a “nomeação” como propriedade histórica; existe a notificação ao

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 137


[
proprietário quando a propriedade está sendo considerada para
inclusão no Registro Nacional, o prazo para a nomeação da proprie- ^
dade é de 45 dias (essa nomeação é feita pela Secretaria do Interior e
cabe apelação dentro desse prazo).
A Secretaria do Interior pode aceitar a nomeação para a inclu-
são da propriedade no Registro Nacional feita por qualquer pessoa
ou governo local (seção 101, (4) e (5)); um dos pontos mais importan-
tes da lei americana é o parágrafo (6) da seção 101 – Da Participação
do proprietário no processo de nomeação: será dada a oportunidade
ao proprietário de edificação ou aos proprietários dentro do Distrito
Histórico (período de tempo razoável) para concordar ou se opor à
nomeação, se ocorrer a oposição à inclusão ou a designação, esta não
ocorrerá até que tal objeção deixe de existir. A Secretaria do Interior
determinará se tal propriedade é ou não elegível.
Ainda na seção 101 (8), a Secretaria do Interior revisará pelo me-
nos 1 vez a cada 4 anos, em consulta com o Conselho de Preservação
Histórica e com escritórios de Preservação Histórica Estaduais, signi-
ficantes ameaças para propriedades incluídas em ou elegíveis para
inclusão no Registro Nacional e determinará os tipos de propriedades
que podem estar ameaçadas e suas causas. O Ato de 1966, na seção
101 (8)(b), prevê programas de Preservação Histórica Estaduais em
cooperação com o Governo Federal, os quais apresentam como res-
ponsabilidades, a partir de um órgão centralizado (SHPO-State Historic
Preservation Officer), buscar a cooperação com Agências Federais e
Estaduais, governos locais, organizações privadas, realizar pesquisas,
identificar e nomear propriedades elegíveis, cooperar com a Secreta-
ria do Interior, visando verificar se as propriedades estão dentro das

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 138


[
considerações tutelares necessárias, proteger e gerenciar os danos das
propriedades, aconselhar e avaliar propostas de reabilitação urbana. ^
Os conceitos-chave da tutela americana são “Designação” e “Pro-
teção”; o primeiro se entende a identificação e registro de proprieda-
de para a proteção que possuem critérios estabelecidos; o segundo
significa um processo de revisão local sob lei local ou estadual para
propósito de atender a atos de demolição, mudanças ou outras ações
que podem afetar as propriedades históricas (Ato 1966, seção 101 (4),
(A), (B) -Definições). No Brasil os conceitos-chave são: “Notificação” e
“Tombamento”, o primeiro previsto pelo Decreto-lei 25/37 no Art. 5
e o segundo no Art. 4, esses conceitos adquiriram, com o tempo, um
aspecto pejorativo para os proprietários dos Bens patrimoniais.
A Secretaria do Interior americano pode distribuir prêmios anuais
no valor de até mil dólares para os oficiais de preservação da Agência
Federal e empregados dos governos locais em reconhecimento a suas
contribuições para a preservação dos recursos históricos. O Título II,
do Ato de 1966, trata, a partir da seção 201, da estrutura do Conselho
em Preservação Histórica, incluindo os membros independentes do
Governo dos Estados Unidos.
A Regulamentação de Certificações de Preservação Histórica
do Código Interno de Arrecadação de 1986 (Historic Preservation
Certifications Regulations (36 CFR 67) of The Internal Revenue Code of
198687) determina as regras a serem seguidas para a certificação de
estatutos de preservação de Distritos Históricos e dos Distritos Esta-
duais e Locais, visando a reabilitação em conexão com os incentivos
tributários (Certificados de Reabilitação). Essas atribuições estão re-
lacionadas ao Serviço de Parques Nacionais (Technical Preservation
Services National Center for Cultural Resouces National Park Service).

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 139


[
Todas as propostas de reabilitação de locais históricos são estabele-
cidas por essa legislação que concilia preservação de áreas urbanas ^
históricas com incentivos, regulamentações de taxas e créditos tribu-
tários no contexto econômico norte-americano.
A definição de Reabilitação na legislação americana é a seguinte:
“é o processo de retornar à edificação ou edificações para seu estado
de utilidade, através de reforma ou alteração, que torne possível um
uso eficiente enquanto preserva aquelas partes e elementos e seu local
mais significantes para seus valores culturais, arquitetônicos e históri-
cos”. Na legislação tutelar brasileira a definição de reabilitação não é
apresentada.
Com relação aos aspectos gerais, resultados da comparação entre
o Ato de Preservação Histórica Nacional de 1966, emendado em 1980,
1992 e 2000 e o Historic Preservation Certifications Regulations (36 CFR
67) of The Internal Revenue Code of 1986, e outras leis pertencentes à
legislação americana, com o Decreto-lei 25/37 e complementações
legais da legislação brasileira preservacionista, chegou-se as seguin-
tes apreensões e compreensões:
1o - Nos dois países, a legislação preservacionista se encontra
dispersa, inclusive reclamando por sua reunião em uma única instru-
mentalização tutelar. A diferença é que a legislação tutelar apresen-
tada atualmente pelos americanos consegue estender ou abordar
questões que a legislação brasileira não consegue, apesar de suas
complementações, como, por exemplo, os subsídios econômicos,
leis de incentivos referentes à preservação da propriedade histó-
rica e não apenas ao patrimônio cultural como um todo, mas em
fundos específicos para a preservação, financiamentos por parte do
governo e de instituições financeiras privadas, isenção de impostos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 140


[
(Regulamentações de Certificações de Preservação Histórica do Código
Interno de Arrecadação de 1986), questões que os programas atuais da ^
política federal preservacionista brasileira tentam atingir, mas são im-
pedidos por falta de instrumental legislativo e decisões menos centra-
lizadas, conforme verificado na comparação entre as duas legislações;
2o - Aproveitando o final da questão anterior, a legislação ameri-
cana estabeleceu uma proposta que tenta avançar na descentraliza-
ção dos atos tutelares, pois estabelece o que é chamado de Governo
Local Certificado, o qual diferente dos tombamentos municipais e
estaduais nacionais, pois estabelece o poder de tombamento federal
a partir do ente local, aparentemente semelhante ao Brasil, mas que
dá muito mais poderes aos governos locais do que a centralidade das
ações tutelares apresentadas na política preservacionista brasileira.
Essa intenção de descentralizar as ações na legislação americana
também é verificada na existência de uma legislação específica para
os Distritos Históricos daquele país e por programas estaduais de
proteção histórica, além da existência de um Conselho de Aconselha-
mento Preservacionista composto por membros que não fazem parte
do governo oficial e são distribuídos por várias categorias relaciona-
das à tutela das propriedades e locais históricos norte-americanos;
3o - A natureza instrumental preservacionista americana refe-
rente aos Distritos Históricos (Quarters) nasceu da transferência do
sentido de preservação dos Parques Nacionais Norte-americanos
(Ato de Locais Históricos de 1935, Regulamentações de Certificações
Histórica do Código Interno de Arrecadação de 1986), gerando ini-
cialmente uma maneira semelhante de gestão do patrimônio natural
americano com a do Distrito Histórico Municipal e dos quarteirões
históricos e áreas de conservação, confirmando que esta questão é

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 141


[
possível de ser realizada e difere um pouco da direção tomada pela
legislação patrimonial brasileira que, cada vez mais, afasta juridi- ^
camente os entes patrimoniais tutelados dispersando ainda mais a
legislação preservacionista nacional em várias leis;
4o - As leis americanas preservacionistas utilizam conceitos
tutelares diferentes da legislação brasileira, o que é comum historica-
mente e culturalmente. O conceito americano se aproxima mais das
questões capitalistas atuais, uma vez que tenta não agredir o direito
a propriedade criando nomenclaturas menos pejorativas como, por
exemplo, “nomeação” e “designação”, ao invés de “notificação” e “tom-
bamento”, apesar da palavra notificação ser encontrada na legislação
dos EUA; além disso, a legislação americana é muito mais flexível no
que se refere aos usos, adaptações e demolições, do que a brasileira
e isso a aproxima da legislação inglesa. Um último fato é que, a pos-
sibilidade de investimentos nos EUA é muito maior do que no Brasil
(fato explicado pela condição econômica dos dois países, mas não
justificado pela deficiência tutelar dos bens patrimoniais brasileiros e
necessário avanço legislativo que o Brasil precisaria demonstrar).
Com relação às ações intervencionistas, o que mais aproxima as
ações entre EUA e UK é o conceito de “Quarters” (quarteirões) das áreas
históricas de suas cidades, especialmente no paradigma da revitali-
zação urbana, apresentando semelhanças e diferenças. As semelhan-
ças são muito mais frequentes e justificam a reunião de estudo dos
dois países, fundamentadas no que se refere a transformar o “Quarter”
como uma parte ativa da cidade, mantendo-o, conservando-o e me-
lhorando-o através da regeneração de atividades tradicionais ou pela
reestruturação da base econômica do quarteirão. Nos Estados Unidos
foram criados vários distritos de preservação histórica antes da Segunda

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 142


[
Guerra Mundial (Williamsburg – 1926; Charleston – 1931; Vieux Carre –
1933) marcando o pensamento preservacionista americano88. ^
Os “Quarters” são determinados por locais que retém uma in-
tegridade e coesão enquanto quarteirões (Lowell em Massachusetts
e Soho em Nova York são exemplos muito conhecidos de Quarters),
definidos por três formas89: pelos limites físicos; por sua identidade e
caráter e; pelas ligações econômicas e sociais. A conservação desses
locais, dentro do paradigma da revitalização urbana, toma a direção
de uma escolha econômica e comercial, aliada a controles de planeja-
mento do uso do solo e legais de restrição aos usos. Dentre as princi-
pais justificativas para novos usos das ações na Inglaterra e EUA estão:
a) o valor estético; b) o valor da diversidade arquitetônica; c) o valor
da diversidade ambiental; d) a diversidade funcional (Sinergia90); e)
valor da continuidade da memória cultural/valor patrimonial; f ) valor
de recursos (reuso das edificações); g) valor econômico e comercial.
O que aproxima as ações na Inglaterra dos EUA são as semelhan-
ças dos conceitos praticados pelos dois países, ou seja, a revitalização
envolve a reabilitação e a preservação de quarteirões históricos urbanos,
o que as torna diferente dos demais países são os seguintes fatores:
a) o controle da reabilitação está aliado a incentivos financeiros
e impostos para encorajar os proprietários; b) os padrões de reabili-
tação são definidos pelos entes locais, apesar de estarem sujeitos a
institucionalidade de uma lei maior; c) existem conceitos de inter-
venção, determinados pelos Atos, específicos para os prédios de in-
teresse histórico e arquitetônico, como a preservação, a restauração,
a reforma, a reconstituição, a conversão, a reconstrução e a réplica;
d) existem debates sobre qualquer mudança que seja necessária
numa edificação histórica; e) ocorre uma preocupação teórica com

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 143


[
as ações chamadas de fachadismo, considerando-se vantagens e des-
vantagens; f ) uma grande preocupação na conversão de edificações ^
históricas para usos residenciais são os estacionamentos privados; g)
os planos demonstram uma grande preocupação com a harmonia,
uniformidade contextual, justaposição contextual e continuidade
contextual das revitalizações; h) os dois países fundamentam suas
ações preservacionistas e intervencionistas dentro do paradigma da
revitalização urbana no conceito dos “Quarters”.
A análise das legislações em vários países com as do Brasil
complementa e finaliza os estudos realizados nesta primeira parte,
resultando no entendimento da construção, transformação e aplica-
ção da teoria das ações preservacionistas e intervencionistas sobre
o Patrimônio Ambiental Urbano. Essa base histórica e teórica pos-
sibilita, na segunda parte deste livro, o entendimento da discussão
existencial da legislação patrimonial Brasileira, através da busca dos
princípios e causas gerais que provocaram a materialização dos para-
digmas em leis, especificamente na lei fundamental (a Constituição
Nacional), que regula os direitos e deveres do cidadão em relação ao
Estado e que veio a institucionalizar o Direito Urbanístico, dentro do
paradigma da revitalização urbana, como promotor e organizador
das problemáticas intervencionistas e preservacionistas na tutela dos
Centros Históricos nacionais.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 144


[
Notas
^
1 SUTCLIFFE, A. Ocaso y Fracaso Del Centro de Paris. Barcelona: Gustavo Gili,
1970. p. 21.
2 Ibid., p. 22.
3 “Um dos primeiros atos jurídicos da Constituinte, em 2 de outubro de 1789, tinha
sido o de colocar os bens do clero – a disposição da nação -. Seguir-se-ão a estes
os dos imigrantes e depois da Coroa. Esta fabulosa transferência de propriedade
e esta perda brutal de destino não tinham precedente e iriam colocar problemas
igualmente sem precedentes”. CHOAY, F. A Alegoria do Patrimônio. Lisboa:
Edições 70, 1999. p. 87.
4 Disponível em: https://historiaartearquitetura.com/2018/11/01/a-paris-de-
haussmann/. Acesso em: 19 mai. 2020.
5 SPOSITO, M. E. B. Capitalismo e Urbanização. 2ed. São Paulo: Contexto,
1989. p. 30 / “A história de qualquer sociedade até nossos dias é a história da
luta de classes”. MARX apud CHOAY, op. cit., 1997, p. 147.
6 SUTCLIFFE, op. cit., p. 34.
7 Ibid., p. 47.
8 Ibid., p. 68.
9 Ibid., p.133.
10 AUDRERIE, D. La notion et la protection du patrimoine. Paris: Universitaires
de France, 1997. p.17.
11 AUDRERIE, op. cit., p. 19.
12 “Segundo G. Bardet (l´urbanisme, P.U.F., Paris, 1959), a palavra urbanismo parece
ter aparecido pela primeira vez em 1910 no Bulletin de la Société géografhique
de Neufchatel, ao correr da pena de P. Clerget. A sociedade francesa dos
arquitetos e urbanistas foi fundada em 1914 sob a presidência de Eugène
Hénard. O Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris foi criado em 1924. O
urbanismo só é ensinado na escola de Belas-Artes de Paris a partir de 1953, por
A. Gutton, e só no plano da teoria da arquitetura”. CHOAY, F. O Urbanismo. 4
ed. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 2.
13 SUTCLIFFE, op. cit.,, p. 200.
14 SUTCLIFFE, op. cit., p. 228.
15 AUDRERIE, op. cit., p. 20.
16 SUTCLIFFE, op. cit., p. 202.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 145


[
17 AUDRERIE, op. cit., p. 20-21.
18 Ibid., p. 21. ^
19 Ibid., p. 21-22.
20 HALL, P. Cities in Civilization: Culture, Innovation, and Urban Order. London:
Weidenfeld & Nicolson, 1998. p.228. / “Há duzentos anos a colina de Montmartre é
procurada pelos artistas. Théodore Géricault e Camile Corot aqui chegaram no início
do século 19 e, neste século, Maurice Utrillo imortalizou as ruas do Bairro em seu
trabalho, hoje os artistas de rua vivem de seu comércio turístico, mas grande parte
desta área ainda mantém aquela atmosfera indefinida de vila do pré-guerra. O
nome é atribuído aos mártires, aqui torturados e mortos em 250 d.C. donde o nome:
mons martyrium”. FRANÇA. Guia Visual da Folha de São Paulo. São Paulo: Folha
de São Paulo, 1996. p.129.
21 FITCH, J. M. Preservação do Patrimônio Arquitetônico. São Paulo: FAAUSP,
1981. p. 23.
22 “Conscient de ce phénomène et l´urgence pour l´État d´intervenir, André Malraux,
alors ministre dês Affaires culturelles, a proposé um texte de loi fixant la protection
de quartiers anciens: les secteurs sauvegardés”. “Consciente do seu fenômeno e
da urgência do Estado intervir, André Malraux, Ministro das questões culturais,
propôs um texto de lei fixando a proteção dos quarteirões antigos: como áreas
salvaguardadas”. (tradução do autor). AUDRERIE, op. cit., p. 22.
23 AUDRERIE, op. cit., p. 24.
24 Ibid., p. 25-26.
25 “a proteção do patrimônio histórico foi introduzido no Direito Português com
muita precedência em relação a outros povos. Por alvará de 28.08.1721, D. João
proibiu que qualquer pessoa desfizesse ou destruísse, no todo ou em parte,
qualquer edifício que mostrasse ser dos tempos dos Fenícios, Gregos, Romanos,
Godos ou Arábicos...”. AFONSO DA SILVA, J. Aspectos Jurídicos do Patrimônio
Ambiental. São Paulo: FAUUSP, 1981. p. 27.
26 Ibid., p. 28.
27 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: Fundação
Pró-memória/IPHAN,1987. n. 22. p. 34.
28 RUBINO, S. O Mapa do Brasil passado. in: REVISTA do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Brasília: MEC/IPHAN, 1996. n. 24. p. 97-115.
29 CASTRO, S. R. de. O Estado na Preservação de Bens Culturais: o tombamento.
Rio de Janeiro: Renovar, 1991. p. 117.
30 Lei nº 4717 de 1965 que regula a Ação Popular. Disponível em: http://www.
iphan.gov.br/legislac/nacionais/nacionais.htm. Acesso em: 31 jul. 2000.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 146


[
31 AUDRERIE, op. cit., p.22.
32 AFONSO DA SILVA, op. cit., p. 27 e 29. ^
33 Decreto-Lei nº 25 de 1937 que organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/nacionais/
nacionais.htm. Acesso em: 31 jul. 2000.
34 Decreto-lei 25/37 – Capítulo IV – Do Direito de Preferência, Art. 22, § 1, 2, 3,
4, 5 e 6.
35 MILARÉ, E. Direito do Meio Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário/
Edis Milaré. 3.ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora revista dos Tribunais,
2004. p.161.
36 Capítulo VI – Do Meio Ambiente. Art. 225. in CONSTITUIÇÃO da República
Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988/ obra coletiva de
autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto,
Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Luis Eduardo Alves de Siqueira. 27 ed.
São Paulo: Saraiva, 2001. p.130.
37 Lei 10257 de 10.07.2001 – Estatuto da Cidade – Estatuto da Cidade: Lei 10257,
de 10.07.2001/Carlos Bastide Horbach... [et al]; coord. Odete Medauar Dias
Menezes de Almeida – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 31-32.
38 Caracterização geral dos grandes ecossistemas brasileiros e Amazônia
brasileira in MILARÉ, E. Direito do Meio Ambiente: doutrina, jurisprudência,
glossário/Edis Milaré. 3.ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora revista dos
Tribunais, 2004. p. 220-221.
39 Carta do Rio – Conferência Geral das Nações Unidas – junho de 1992.
Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
cartaspatrimoniais.htm. Acesso em: 01 ago. 2000.
40 PERGOLA, G. D. di. La política – riformista – legata al – risanamento urbano
– in Edilizia Popolare. L’Intervento Pubblico Nei Centri Storici. Ano XX, n. 110,
1973. p. 29.
41 Disponível em: https://openlibrary.org/works/OL110280W/Ancient_
architecture_restored_and_improved. Acesso em: 22 abr. 2020.
42 RIZZO, G. G. A Questão dos Centros Históricos: conceitos e problemas na
Itália. Salvador: UFBA/Departamento de Arquitetura e Urbanismo, 1981.
43 CERVELLATI, P. L. e SCANNAVINI, R. Bolonia: Política y Metodologia de La
Restauracion de Centros Históricos. Bologna: Materiales de La Ciudad, 1973.
44 BOITO, C. 1836-1914. Os Restauradores: conferência feita na exposição de
Turim em 7 de junho de 1884 / Camillo Boito; Tradução Paulo Mugayar Kühl,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 147


[
Beatriz Mugayar Kühl, apresentação Beatriz Mugayar Kühl; revisão Renata
Parreira Cordeiro, 3 ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2008.
^
45 GIOVANNONI, G. 1873-1947. Gustavo Giovannoni: Textos Escolhidos / Gustavo
Giovannoni; Tradução Renata Campello Cabral, Carlos Roberto M. de Andrade,
Beatriz Mugayar Kühl. – Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013.
46 RIZZO, op. cit., p. 11.
47 RIZZO, op. cit., p. 13.
48 Ibid., p. 16.
49 Ibid., p. 26.
50 “Na década de 70, a recessão econômica e a crise financeira do Estado beneficiam
os comunistas que têm grande desempenho nas eleições municipais de 1974 e
1976; a escala eleitoral do Partido Comunista só será contida pelo terrorismo de
direita e de esquerda na década de 80”. ALMANAQUE Abril. São Paulo: Editora
Abril, 1998. p. 485.
51 CERVELLATI e SCANNAVINI, op. cit., p. 17.
52 BOTTINO, F. L’Esperienza Italiana: Bologna. in Centri Storici e Strutture
Commerciali. Milano: Associazione Italiana di Urbanistica Commerciale, 1975.
p. 49.
53 GURRIERI, F. Dal Restauro Dei Monumenti al Restauro Del território. Firenze:
Edizioni CLUSF, 1974. p. 20.
54 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/lei3924.htm. Acesso em: 31
jul. 2000.
55 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/nacionais/decretolei3365-41.
htm. Acesso em: 31 jul. 2000; ou Art. 22 da CF/88 item II-desapropriação:
Decreto-lei 3.365 de 21-6-1941, Lei n. 4.132, de 10-9-1962, Lei n. 6.602, de
7-121978, Decreto-lei n. 1.075, de 22-1-1970, Lei Complementar n. 76, de 6-7-
1993 e, Lei n. 9.785, de 29-1-1999. CONSTITUIÇÃO da República Federativa
do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, op. cit., p. 25.
56 O Art. 165 foi revogado pelo art. 62, I, da Lei n. 9.605/98, que pune com
reclusão de um a três anos e multa a pessoa que destruir, inutilizar ou
deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão
judicial. O Art. 166 foi revogado pelo art. 63 da Lei n. 9.605/98: “Alterar o
aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico,
turístico, artístico, histórico, cultural, religiosos, arqueológico, etnográfico ou
monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com
a concedida”. Pena de reclusão, de um a três anos, e multa”. GONÇALVES, V. E. R.
Dos crimes contra o patrimônio. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 59.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 148


[
57 Constituição da República Federativa do Brasil. Título VIII – Da Ordem Social
– Capítulo II – Da Educação, Da Cultura e Do Desporto – Seção II – Da Cultura
– Art. 216 item V. in CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil:
^
promulgada em 5 de outubro de 1988, op. cit., p.127.
58 GURRIERI, op. cit., p. 93.
59 Ibid., p. 98.
60 Reabilitação Urbana: Núcleos Históricos. Câmara Municipal de Lisboa –
Pelouro da Reabilitação Urbana dos Núcleos Históricos. Lisboa: Sociedade
Nacional de Belas-Artes, março de 1993. p. 15.
61 CARITA, H. Legislação e administração urbana no século XVI. in Actas.
Coletânea de Estudos. Universo Urbanístico Português, 1415-1822 / Helder
Carita [coord.]; Renata Araújo [coord.]. – Lisboa: Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998. p. 172.
62 MURTEIRA, H. A cidade capital e o conceito moderno de espaço urbano:
Lisboa, Paris e Londres. in Actas. Coletânea de Estudos. Universo Urbanístico
Português, 1415-1822, op. cit., p. 461.
63 MAXWELL, K. Lisboa Reinventada. Artigo publicado na Folha de São Paulo
Mais! São Paulo, Domingo, 12 de janeiro de 2003. p. 4.
64 ALMANAQUE Abril. op. cit., p. 588.
65 “O Município Português é o Concelho, que se forma de Freguesias e se agrupa em
Distritos, à exceção dos Concelhos de Lisboa e Porto, que se subdividem em Bairros,
e estes em Freguesias, segundo dispõe o Código Administrativo de Portugal,
aprovado pelo Decreto-lei 31.095 de 31.12.1940 (art. 10)”. MEIRELLES, H. L. Direito
Administrativo Brasileiro. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 62.
66 “Portugal permanece neutro na II Guerra Mundial e é admitido na ONU em
1955. A partir de 1961 Portugal fortalece sua presença militar na África. Em 1966
Salazar sofre um derrame cerebral e é substituído por Marcelo Caetano. Em 25
de Abril de 1974 eclode a Revolução dos Cravos, a população festeja o fim da
ditadura distribuindo cravos – a flor nacional – aos soldados rebeldes. O novo
regime mergulha Portugal em agitações revolucionárias que vão se dissipando
até a década de 80”. ALMANAQUE Abril. op. cit., p. 588.
67 Reabilitação Urbana: Núcleos Históricos. Câmara Municipal de Lisboa, op.
cit., p. 39.
68 POWELL, K. La transformación de la ciudad: 25 proyectos internacionales
de arquitectura urbana a princípios Del siglo XXI. Barcelona: Leopold BLUME,
2000. p. 80.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 149


[
69 Disponível em: http://sg.min-cultura.pt/LeisOrganicas/PC_IPCR.htm. Acesso
em: 11 ago. 2004.
^
70 Disponível em: http://www.monumentos.pt/scripts/zope.pcgi/ipa/ipa.
html. Acesso em: 11 ago. 2004. REGE, A. K. Evolution of Margão town in
Goa through portuguese era (1510-1961 AD). in: Universo Urbanístico
Português, 1415-1822/ Helder Carita [coord.]; Renata Araújo [coord.].
Colóquio Internacional – Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações
dos Descobrimentos Portugueses, 1998. p. 425. COSTA, L. B. da. Images of
Goa. Ibid., p. 523.
71 Disponível em: http://sg.min-cultura.pt/LeisOrganicas/PC_IPCR.htm. Acesso
em: 11 ago. 2004.
72 Disponível em: http://sg.min-cultura.pt/LeisOrganicas/PC_IPCR.htm. Acesso
em: 11 ago. 2004.
73 Disponível em: http://www.casadaespanha.com.br/cidades1.htm. Acesso
em: 11 ago. 2004.
74 Disponível em: http://www.mcu.es/patrimonio/jsp/plantilla.jsp?id=27.
Acesso em: 11 ago. 2004.
75 “A administração municipal na Espanha está disciplinada pela Ley de Régimen
Local”, “cujos textos de 17.7.1945 e de 3.12.1953 acham-se consolidados pelo
decreto de 24.6.1955. Essa lei básica declara, em sua primeira disposição,
que o Estado Espanhol é integrado pelas entidades naturais que constituem
os Municípios, agrupados territorialmente em Províncias. A mesma lei
dispõe que são entidades municipais: o Município; a Entidad Local menor,
a mancomunidad Municipal Voluntária; a Agrupación Municipal Forzosa”.
MEIRELLES, op. cit., p. 63.
76 “Se inserta conforme a la corrección de errores Del BOE de 11 de diciembre de
1985. Veáse S.T.C. de 31 de enero de 1991 (§154). La presente Ley se desarrolló
parcilamente por Real Decreto 111/1986, de 10 de enero (BOE num. 24, de 28
de enero; correcciones em BOE núms. 26, de 30 de enero, y 53, de 3 de marzo),
modificado por los Reales Decretos 582/1989, de 19 de mayo (BOE num. 129,
de 31 de mayo), y 64/1994, de 21 enero (BOE num. 52, de 23 de marzo).(§25)”.
Disponível em: http://.www.mcu.es/legislacion/patri/pdf/ley16-1985.pdf.
Acesso em: 12 ago. 2004.
77 Disponível em: http://.www.mcu.es/legislacion/patri/pdf/ley16-1985.pdf.
Acesso em: 12 ago. 2004.
78 MYNORS, C. Urban Conservation and Historic Buildings: A guide to the
Legislation. London: Bristish Library, 1984. p. 1.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 150


[
79 “A unidade político-administrativa da Grã-Bretanha é o Burgo, ao qual a Coroa
concede self-government, a reunião de Burgos forma o Condado, mas a tradição
conserva uma grande parte de Burgos independentes de qualquer Condado”.
^
“A Inglaterra uniformizou seu sistema municipal em 1882 pelo Municipal
Corporation Act, aperfeiçoando-o em 1933 pelo Local Government Act, os
quais ainda hoje regem a atividade administativa dos Condados e Burgos que
gozam do self-government”. MEIRELLES, op. cit., p. 49-50.
80 O Ato de 1983 é um complemento do Ato de 1971 e foi elaborado pela
Comissão de Monumentos e Edificações Históricas para a Inglaterra e
não se estende ao País de Gales, sendo um dos mais importantes Atos de
preservação naquele país. Disponível em: http://www.hmso.gov.uk/acts/
acts2002/20020014.htm. Acesso em: 24 ago. 2004.
81 Ato do Patrimônio Nacional 2002 estabelece questões sobre arqueologia
subaquática, funções comerciais, ruínas protegidas e suplementos: Disponível
em: http://www.hmso.gov.uk/acts/acts2002/20020014.htm. Acesso em: 24
ago. /2004.
82 MYNORS, op. cit., p. 10.
83 Dipsonível em: http://www.cr.nps.gov/linklaws.htm. Acesso em: 24 ago 2004.
84 Disponível em: http://www.cr.nps.gov/linklaws.htm. Acesso em: 24 ago. 2004.
85 As versões oficiais de todas as leis, regulamentações, ordens executivas e
padrões do Código de Regulamentações Federais, Código dos EUA ou Registro
Federal, estão disponíveis na Superintendência de Documentos, Escritório de
Impressão do Governo Americano e podem ser consultados em: www.access.
gpo.gov ou contatando o National Park Service, National Center For Cultural
Resources no endereço: 1849 C Street NW (2251), Washington , DC 20240-001.
86 Disponível em: http://www.cr.nps.gov/linklaws.htm. Acesso em: 24 ago. 2004.
87 Disponível em: http://www2.cr.nps.gov/tps/tax/taxregs.htm. Acesso em:
27 ago. 2004.
88 TIESDELL, S. Revitalizing historic Urban Quarters. Oxford: Architectural
Press, 1996. p. 3.
89 TIESDELL, op. cit., p. 10.
90 “Expressa o potencial do sistema para criar uma interface entre movimento
global e o movimento local, por isso é denominado de Sinergy (Sinergia)”. “Pode
ser determinado quantitativamente verificando-se o grau no qual as duas
propriedades se relacionam”. NOGUEIRA, A. D. Análise Sintático-Espacial das
Transformações Urbanas de Aracaju (1855-2003). Salvador: UFBA, 2004.
p. 120-121. (Tese de Doutorado).

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 151


[

SEGUNDA PARTE

A DIALÉTICA E A NÃO DIALÉTICA EXISTENCIAL


DA LEGISLAÇÃO PATRIMONIAL NO BRASIL
[
– 4–
^
A Busca da Materialização dos
Paradigmas em Leis

A Ideologia do Patrimônio

A Ideologia do Patrimônio tem sua origem na França Revolu-


cionária Roussoniana1. Mas o que é ideologia2? Pela definição mais
frequentemente encontrada, trata-se de uma Ciência da formação
das ideias, um tratado de ideias abstrato, com plenas convicções reli-
giosas, econômicas ou políticas3. Mas o que seriam ideias4, seriam as
representações mentais de uma coisa concreta ou abstrata, de uma
opinião ou de um juízo? Mas o que é concreto e o que é abstrato?
O concreto seria algo palpável, algo tangível e o abstrato algo não
palpável, algo não tangível, que culminariam na definição do valor
cultural e do natural, e dentro do cultural, do material e do imaterial e,
portanto, culminariam na definição do que seria Patrimônio.
A aceitação de um objeto dentro da Ideologia do Patrimônio é
um dos pontos mais complexos a serem definidos, pois ao mesmo
tempo em que busca representatividade material identificada pelos
antigos valores, conforme vai se estabelecendo desenvolve a segun-
da característica que, de certa forma, deveria ser a característica ini-
cial, ou seja, o reconhecimento dos valores espirituais. Mesmo assim,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 153


[
nascendo convicta disso, a Ideologia do Patrimônio elege objetos po-
sitivamente apreciáveis por suas características de riquezas e belezas ^
materiais. No caso da Revolução francesa, era como se os menos
favorecidos objetivassem naquilo (objetos valiosos) o orgulho de
nunca saberem o porquê de sua existência, mais se verem represen-
tados por eles. No Brasil, a construção da Ideologia do Patrimônio pa-
rece tomar os mesmos caminhos, repetindo-os passo a passo, apenas
trocando S. Dennis por São Francisco, o Gótico Francês pelo Barroco
Mineiro, a heroína Liberdade Guiando o Povo por Tiradentes e a pró-
pria Paris por Ouro Preto.
Percebe-se que A Ideologia do Patrimônio é extensa e complexa,
mas que não se satisfaz com a disputa entre passado e presente, novo
e antigo, dominantes e dominados, cultura material e imaterial, perda
e ganho; ao mesmo tempo, que contradiz ações, também as expressa
nas mais claras representações. Pode-se até ironizar tratando-a por
uma dialética5 endiabrada que não se contém, que não descansa, que
vive procurando novas alternativas de se firmar e fazer representar
a identidade e a memória de algo, sendo esse o incontestável pres-
suposto existencial do Patrimônio. Todavia, por que a Ideologia do
Patrimônio teria nascido na França? Por que não na Itália ou na Ingla-
terra? Mesmo sabendo que por uma questão de tradição da arquite-
tura, a Itália deveria ter tido essa primazia, ou será que essa afirmação
é mais ideológica ainda? Procurando uma explicação histórica sobre
a questão surge uma identificação sobre o porquê de a afirmação da
Ideologia do Patrimônio ter nascido na França.
A preocupação com a restauração em Roma sempre foi uma
predisposição evidenciada nos tratados de arquitetura, especialmen-
te no tratado De Re Aedificatoria de Leone Batista Alberti6, e mesmo

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 154


[
antes, nos Dez Livros de Vitruvio7, com a construção de uma cidade
Clássica ou de elementos portadores de um significado político do ^
Império e da Monarquia e, com Brunelleschi no Renascimento, no
8

qual se observa essa atitude, mesmo de forma inventiva; no Clássico


é um argumento colaborador da ideologia dominante representado
por Palladio, no seu Quatro Livros da Arquitetura9, com uma postura
maneirista, busca à ação ideológica, mas por muito que tenha se es-
forçado para isso, ainda assim, mesmo que considerado por alguns de
anticlássico e, presumivelmente ideológico nas suas construções reli-
giosas e burguesas, como teriam sido também Borromini10 e Bernini11
no Barroco; associam-se mais a uma questão específica (representa-
ção do poder a partir da religião e da política) do que das vontades do
povo e, tendo atuado como simbologias individualistas diretas dos
dominantes e pouco subjetivas12, fatalmente se tornaram argumento
incompleto na determinação do que seria a Ideologia do Patrimônio.
Na Inglaterra, apesar de existir a vertente da ideologia patrimo-
nial ligada ao romântico pitoresco Ruskiniano, a pretensa simbologia
Palladiana talvez tenha produzido objetos estranhamente marcados
pelo contexto monárquico próprio dos Ingleses e de pouca memória
afetiva popular; este fator pode ter contribuído para uma transferên-
cia maior do contexto ideológico patrimonial para a França, que se
via na tendência de explorar não o Rococó, que ali tinha sido fértil
e monárquico, nem o clássico, mas a luz da razão, do homem como
elemento centralizador e catalisador das ações, aspecto mais comple-
to para a ideologia patrimonial. Então o problema do nascimento do
valor de um objeto como memória e identidade do homem “comum”
estaria razoavelmente resolvido no momento que a França rompe
com o apego excepcional às tradições clássicas e barrocas, diferen-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 155


[
temente da Itália e da Inglaterra, que mantiveram tradições porta-
doras de extremas relações com monarquistas e religiosos e, assim, a ^
França pôde ser o palco ideal para o estabelecimento da Ideologia do
Patrimônio a partir do século XIX.
Conhecidos alguns fatores que determinaram o porquê a Ideo-
logia do Patrimônio se estabeleceu na França, outra questão vem à
tona no contexto da sua construção, ou seja, o processo de concep-
ção de um discurso13. Gerado a partir de um intelectual que formata
elementos suficientemente necessários para que o reconhecimento,
a aceitação e a fruição de um entusiástico sentimento popular pro-
tecionista se estabeleçam. Como e quais elementos são envolvidos
nesse processo de construção da noção do que deve ser eleito ou
estabelecido como Patrimônio? O patrimônio necessita de alguém
que o crie, que processe essa leitura e a transmita a outros durante
o tempo entre a criação e o reconhecimento, de alguém que saiba
fazer com que a maioria pretensamente cega pela “importunidade”
intelectual não concedida venha a perceber e então o descubra
como elemento fundamental de sua existência, mesmo que não se
sensibilize pelo mesmo.
A força da construção do discurso e a autoridade investida em
um intelectual não deixariam nenhuma dúvida que aquele objeto é
realmente portador de nossa história e de nossa memória. Mas o que
seria história14 e memória15? Já diziam Bloch16 e Lefebvre17, a história
destrói a memória; desta forma, o pretexto para entender o início da
construção da Ideologia do Patrimônio, necessitavam de datas, luga-
res, objetos e “heróis” que ajudavam a conceituar o valor do que viria a
ser o inicialmente idealizado como patrimônio e, portanto, indispen-
sáveis nos julgamentos intelectuais de reconhecimento.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 156


[
Para muitos o patrimônio teria sido uma invenção necessária e ao
mesmo tempo representação dos símbolos dos dominantes aceitos ^
como identidade a partir do convencimento discursivo intelectual
provocado sobre os dominados. Esse é um argumento teórico con-
ceitual que se pode discutir exaustivamente, pois se essa afirmação,
ao ser considerada correta, apontaria para que as representações dos
dominados, ou melhor, dos excluídos, dos perdedores, dos bárbaros,
dos não civilizados, dos não desenvolvidos, inicialmente não teriam
sido aceitas e que a identidade de uma nação estaria representada pe-
los seus maiores símbolos; este discurso na França, teria tido naquele
momento a oportunidade de instrumentalizar essa determinação, e
essa operacionalidade foi aceita e seguida indiscriminadamente por
duzentos anos na construção da ideologia do que seria patrimônio.
Outra questão na concepção de um discurso patrimonial esta ali-
cerçada na pré-existência de um problema técnico e de um problema
ético detectadas por um adensamento demográfico nunca visto antes
e por problemas urbanos decorrentes da mudança das estruturas orga-
nizacionais sociais, políticas e econômicas junto ao ambiente arquitetô-
nico herdado, impondo ações sanitárias, controladoras, no sentido de
consolidar, refuncionalizar, reciclar, reabilitar, reconstruir, que incorriam
na problemática ideológica entre o destruir e o conservar.
Observa-se a dialética entre o mudar e o adaptar. Nesse momen-
to, apesar de não parecer, ocorre uma saída nessa intrincada rede de
dúvidas, nascendo por aproximação um primeiro conceito no como
lidar com o pretenso patrimônio, o qual seria o de “restauração”. O
termo é precioso, uma vez que tenta resolver a formação inicial de
um discurso do patrimônio, pois se a disputa entre o novo e o antigo
era difícil de ser resolvida, a restauração se mostrava como uma

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 157


[
proposta que admitia a conservação, a reparação ou a restituição de
um edifício a um estado de integridade que também jamais poderia ^
ter existido e a palavra restaurare com o tempo, passa até a ser con-
18

fundida com o discurso do que é patrimônio.


Toda vez que se instrumentalizava o discurso patrimonial, os
conceitos de restauração e preservação passaram a estar presentes,
mas nota-se algumas disposições polêmicas: como recuperar ou re-
cobrar algo a seu estado original? Como trocar uma coisa velha por
outra coisa nova? Como devolver o grau de estima à coisa após seu
retorno ao estado original? E como conservar o estado original de
algo que nunca pode ter existido? Essas foram e são as principais
dúvidas que nasceram, inicialmente, na concepção do discurso patri-
monial e que continuam com sucessivas polêmicas discursivas entre
especialistas até os dias atuais.
O patrimônio foi quase que definido, ainda devendo ser porta-
dor de um conjunto de bens materiais e imateriais que são herdados
dos antepassados de uma sociedade, mas é preciso, como já exposto,
processar-se um reconhecimento, entender os objetos que compõe
esse patrimônio e transformá-los em valores que possibilitem a sua
apreciação (fruição) e possam causar um estímulo sentimental capaz
de providenciar um envolvimento humano apto a promover medi-
das que tendem a preservá-lo, conservá-lo e restaurá-lo. Esse objeto,
quando reconhecido, transforma-se em portador, de alguma manei-
ra, transmissor de valores através dos tempos, desempenhando um
papel fundamental na sociedade, integrando-se a sua identidade e a
sua memória.
A identidade19 e a memória são vitais para o reconhecimento do
patrimônio, tanto para o indivíduo como para a sociedade. O termo

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 158


[
memória se funde com a própria condição humana, pois suas raízes
se fundamentam nas necessidades de auto conservação e do medo ^
(medo da morte, da destruição, da perda de identidade), o homem
afirma-se e se reconhece como tal, identifica-se, enquanto conserva
a sua memória e, com ela, a possibilidade de manter e transmitir a
tradição transcendendo a própria morte e não se perdendo. Essas
questões determinaram quais os bens a serem preservados e suas
classificações, como: Patrimônio da Humanidade, Patrimônio Nacio-
nal, Patrimônio Histórico, Patrimônio Natural. Apesar de todos esses
critérios de definição, sempre ocorre uma pretensa aceitação e não
aceitação do que é patrimônio, permanecendo uma grande dialética
e uma grande não dialética sobre o que preservar e como preservar?
A resposta a esse dilema20 estaria na ideologia.
As palavras que terminam com “logia” apresentam uma caracte-
rística peculiar, “logia” significa a ciência ou estudo de algum fenôme-
no21, mas em virtude de seu próprio entendimento ocorre um curio-
so processo de inversão, as palavras assim terminadas passaram, em
muitos casos, a significar o fenômeno estudo, mais do que o conhe-
cimento sistemático do próprio fenômeno. Não levou muito tempo
para tal inversão ocorrer com a palavra “Ideologia” que, originalmen-
te, significava o estudo científico das ideias humanas, e rapidamente
a palavra passou a identificar ou referir-se aos próprios sistemas das
ideias. Um ideólogo, então, significava não tanto alguém que analisa-
va ideias, mas alguém que as expunha.
Então, havia um dilema, ao mesmo tempo em que se pregava
um discurso teórico patrimonial, fortalecia-se a institucionalidade so-
cial e política, a verdade de que era preciso constituir uma sociedade
racional, mas para isso, era fundamental estabelecer um programa de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 159


[
uma “Ideologia”, que trazia o fenômeno à tona (o patrimônio) para o
domínio da pesquisa e mais do que isso para a inescrutável e esquiva ^
mentalidade opaca até então dominante da sociedade. Pode-se até
dizer que, nesse momento, a ideologia do patrimônio foi subversiva,
até parte de um golpe revolucionário, no qual derrubados reis e sacer-
dotes, os técnicos e teóricos passaram a ser os guardiões das “ideias”.
Essa ciência das ideias, conforme observou Destutt de Tracy22, o
criador do termo ideologia, faz parte da zoologia, é uma região den-
tro de uma ciência mais geral do animal humano; apesar de Destutt
não ter ganho notoriedade, vê-se no sentido ideológico de Destutt,
que Ruskin e Viollet são o caso clássico da transição gramsciana23 do
intelectual tradicional para o prático e orgânico; Viollet Le Duc não
se convence de que as lições de arquitetura até então ensinadas no
meio acadêmico são referenciais importantes para levá-lo a formula-
ção do seu célebre Dictionnare raisonnè de l’architecture française du
XIe au XVIe siècle24; e mesmo John Ruskin se porta de forma a tornar-
-se um autodidata, partindo de processos mais simples de sensações
extraídas das célebres paisagens campesinas da Inglaterra para atin-
gir a sublimidade do espírito humano.
O que se pode entender da relação é que o termo Ideologia do
Patrimônio se refere e está intimamente ligado à luta revolucionária
e como arma teórica das classes, entrando em cena inseparável das
práticas materiais dos aparelhos do Estado, enquanto noção constitui,
ela própria, um palco de interesses ideológicos conflitantes, como em
Viollet e Ruskin, e que encerrou esses teóricos dentro de si próprios,
talvez isso ocorra mais em Ruskin do que em Viollet, pois tanto se em-
penhou nas suas ideias que ficou isolado em sistemas divorciados da

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 160


[
realidade prática, tão eminente no trabalho filosófico e ideológico do
livro Sete Lâmpadas da Arquitetura25. ^
Outra questão que interessa na preparação de um campo teórico
para o reconhecimento e institucionalização do patrimônio é exami-
nar com mais atenção a metáfora da “inversão” (dialética e não dialé-
tica) que controla boa parte ou quase toda a ação da construção do
discurso patrimonial; essa afirmação convida a apreender o discurso
do patrimônio em outros períodos e a entendê-lo como portador de
inversões e deslocamentos, como se havia afirmado anteriormente,
então seria oportuno adentrar no que se pode considerar como auge
da inversão e deslocamento do discurso patrimonial, primeiro anali-
sando o discurso na Modernidade e depois na Pós-modernidade.

O Discurso do Patrimônio na Modernidade

A representação de um tempo expressa por uma designação


sempre foi um ato de identificação de um povo, nosso tempo, dife-
rente evidentemente dos anteriores, talvez seja o único a se identifi-
car ou ser identificado por uma expressão adjetiva e vazia, ou seja, o
Moderno26. O que essa argumentação revela é que para o discurso do
patrimônio, como para outras coisas, a significação do que é moder-
no recai num índice, um tipo de signo, admitida pela sua veiculação
com uma realidade concreta de situações previamente já existentes,
ou seja, o antigo, no qual, talvez, as diferenças sejam mais expressivas
para um especialista ou intelectual teórico do que para a maioria das
pessoas, ou, talvez, a maioria das pessoas saiba reconhecer a diferen-
ça, mas seja incapaz de descrever ou definir sua consistência.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 161


[
É nesse aspecto que residiria a miscibilidade da palavra moderno,
que entre a realidade e a nossa mente, ocorre uma distração, um vazio, ^
uma falta de estabilidade, uma ausência, que pode ser encontrada
com a ajuda da inversão de sua existência, ou seja, sua comparação
com as coisas do passado. Mas, para que isso seja possível, é necessária
uma linguagem27, um código que seja gerado de diferenças e inver-
sões, possuidor de sentidos e argumentos, formados por signos28 e
unidades de significação, a fabricação de uma ação, a construção de
um discurso, de um caminho a ser buscado, com começo e ponto de
chegada mais ou menos determinado.
Essa época determinada como a busca e a construção de algo
que não existia tem sua condição traçada dentro de uma consciência,
da ideia do novo oposta à ideia do antigo, mas dentro de um valor
positivo, dentro da exacerbada consciência da novidade, de um in-
dício que possa materializar e construir um discurso referencial que
demonstre a diferença. Então o discurso do patrimônio teria se en-
volvido com um determinado tipo de projeto discursivo chamado de
“Projeto da Modernidade29”, no qual os campos distintos entre o pen-
samento e a ação poderiam exercitar-se.
Muitas questões surgem engendrando-se nesse projeto, como
a Revolução Russa 1905-191730 (aspecto da Cultura, ou seja, do Pa-
trimônio Cultural), dos conceitos de espaço e tempo, velocidade e
deslocamento, função do observador, no rompimento da lógica Aris-
totélica, da duração do tempo, das descobertas técnicas que logo
entram no cotidiano (eletricidade, o automóvel, o avião), todos con-
tribuem para a alteração do modo de vida e do modo de pensar, que,
indubitavelmente, geram um momento simbólico, que vai se aden-
sando a medida que chega mais próximo aos dias atuais, os quais,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 162


[
para não passarem desapercebidos, necessitam dos reflexos de sím-
bolos31 anteriores, numa montagem discursiva específica de relação ^
análoga invertida para o ato do reconhecimento de sua existência.
Essas inversões e deslocamentos podem ser esboçados por al-
gumas linhas de pensamento ao redor das quais se move a sociedade
moderna e sobre as quais se assentou a construção do discurso do
patrimônio na Modernidade como a Mobilidade32, ou seja, tudo está
em mutação, são os avanços técnicos que se medem pelas épocas,
que permitiram entre outros aspectos o arranjo entre espaço-tempo;
no patrimônio, a mobilidade é percebida pelas diferentes questões
empregadas no ritmo, forma, função, estrutura dos objetos; além
do aspecto material, a mobilidade também pode ser observada pela
questão social: muda a posição da mulher diante do homem, muda
a posição frente ao emprego de certos elementos construtivos, são
mudanças morais e ideológicas, nas quais o tradicional referencia-se
pelas descobertas, se não se referência tenta-se construir através de-
las, com mudanças provavelmente que, há muito, teriam gerado uma
ausência ainda maior, escapando ao homem a possibilidade de iden-
tidade e memória, caso não fosse construído o discurso deslocado e
invertido da ruptura “novo versus antigo”.
Essa mobilidade desencadeia no projeto algo denominado de
Descontinuidade, ou seja, o que era continuum passou a se dividir, o
que era ou parecia indivisível passou a ser fracionado. Observa-se no
discurso do patrimônio a celebre afirmação teórica de que “cada caso
é um caso”, também da aceitação da impossibilidade ao mesmo tem-
po da admissão da ruína como elemento importante, das lacunas, as
quais são espaços que não devem ser preenchidos, mas vividos dessa
forma; esse descontínuo se sente mais forte ainda no espaço tempo,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 163


[
os objetos patrimoniais são formados pelo agenciamento temporal e
interferências que, às vezes, devem ser respeitadas. Essa invenção da ^
Descontinuidade foi fundamental para a compreensão e formulação
do que era ou não patrimônio, pois possibilitou separar, fragmentar
e construir uma metodologia de restauro e conservação através do
entendimento do tempo e do valor histórico.
Outro aspecto é o mito criado pelo Moderno, ou seja, o
Cientificismo. Todos os fatos devem ser provados cientificamente,
sendo a tecnologia a caixa que toca esse processo, apesar de mostrar
o aspecto da superação da ideologia pela teoria, demonstrando um
totalitarismo de verdade único para o discurso do patrimônio. Esse
fator fica evidenciado na busca excessiva de documentos, ações e prá-
ticas portadoras de verdade e que, às vezes, apenas são simulacros e
estratégias envernizadas do que realmente deveria ser aplicado nas
questões de preservação e restauro, mas que, de certa forma, também
informam os famosos critérios no como se deve lidar com os espaços
urbanos, ficando estampados nas Cartas, Encontros, Recomendações e
Congressos promovidos durante todo o período em análise.
Um dos fatores que se pode encontrar na determinação do
discurso patrimonial na Modernidade é o Esteticismo33 que está por
toda parte. Anterior ao período em discussão apenas o fator História
podia revelar o caráter do reconhecimento do que viria a ser patri-
mônio. Essa tentativa de casar arte e indústria, arte e máquina, arte
e técnica, patrimônio e beleza foi buscada dentro desse discurso na
Modernidade; os aspectos conflitantes que se estabeleceram foram
muitos, advindos da concepção do que é arte ou beleza e da própria
inconclusão teórica do que venha a ser consciência estética, na me-
lhor das hipóteses se admitiu, para o patrimônio, uma abrangência de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 164


[
valor estético em contrapartida a um valor histórico, como intenção
criteriosa a se formular as ações do que seria reconhecido como ^
patrimônio.
Ao mesmo tempo, que são gerados os simulacros patrimoniais,
também são revertidos significados que sensibilizam e promovem
uma continuidade, ou melhor, uma pretensa continuidade, na formu-
lação do discurso, ao mesmo tempo em que se procura a mobilidade,
afirma-se ainda mais a existência de um momento que guardou cer-
ta pretensão de congelar o tempo e fixar a imobilidade, ao mesmo
tempo em que se busca a pretensa explicação científica dos aspectos
que reconhecem os critérios, adentra-se em um anticientificismo que
se expressa apenas pela busca da essência dos objetos, como fez a
Gestalt34, ao mesmo tempo em que se recorre ao esteticismo, busca-
-se o historicismo e o valor histórico; todas essas questões promovem
a Dialética e a não Dialética Existencial do Patrimônio.
Roland Barthes35 descreve esse momento a um processo de alie-
nação, conduzido pela ideologia extraída da necessária estruturação
do novo através do antigo e de um novo portador de um fenômeno
que, apesar de dizer respeito às massas, convertia-se na sua própria
opressão, mas que restituía um estado de ânimo que acabava sendo
uma saída para a materialização de mitos e aspectos de identidade
velados como novidades.
Nesse discurso o que importou foi a sua transformação em ins-
trumento para a ação histórica da preservação e restauro, ao invés de
entendê-la como um processo de autossatisfação imaginária36 que se
esgotava em si própria e que até hoje se esgota por não encontrar o
ponto de chegada; os teóricos modernistas promotores do discurso
patrimonial esperavam na imagem virtual idealista modernista sobre-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 165


[
posta a imagem real encontrar os preceitos necessários para afirmar
suas ideologias, buscando a construção de uma ideia inexistente, no ^
caso nacional, a representação e aceitação do que seria seu patrimônio.
O processo da formulação da busca da ideia inexistente parte
então para o aperfeiçoamento de um mundo reificado, burocratiza-
do, administrado, e que procura na formulação de um projeto porta-
dor dessa pretensa verdade, mas inserido num paradigma, formular
estratégias que fortaleçam e determinem os princípios do que seriam
os elementos detentores de identidade e memória. Essa busca pela
planificação de um critério foi o principal argumento do discurso da
Modernidade. Para atingir esse propósito da construção de uma ideia
inexistente seria necessária uma linguagem comunicativa que con-
vencesse de sua própria existência. Esse recurso pode ser analisado
a partir de Jurgen Habermas37, que considera que o discurso é uma
forma de comunicação sistematicamente distorcida pelo poder, um
discurso que se tornou um meio de dominação e que serve para
legitimar relações de forças organizadas.
Partindo para um campo de ações práticas, ou melhor, para as
resultantes ou resultados formados a partir desses elementos discur-
sivos, pode-se mencionar a Carta de Atenas38. Nessa busca de uma
ideia inexistente, ela aparece como ponto de partida da formulação
do discurso da Modernidade. A Carta de Atenas de outubro de 1931
é concebida dentro dos preceitos da mobilidade e, especialmente, da
cientificidade, uma vez que visualiza as necessidades advindas das
transformações urbanas ocorridas a partir da Revolução Industrial e
percebe que os monumentos do passado sofrem uma deterioração,
devendo esse aspecto ser tratado a partir das constatações da nova
condição de vida moderna.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 166


[
Essa linguagem, empregada pela Carta de Atenas e pelas cartas
e recomendações vindouras passa a ser levada para o domínio públi- ^
co, assim quando se vê, nas Cartas, a necessidade da reformulação
do meio urbano a partir da mobilidade e da cientificidade impostas,
também se aprecia, no discurso, a inversão revelada pela necessidade
de preservação e conservação dos espaços, desde que não impeçam
as transformações impostas pelos mecanismos modernistas. Assim,
entende-se que a busca da ideia inexistente está estruturada numa
espécie de consciência reificada, na qual se vê as transformações
urbanas, as destruições, acreditando que elas sejam normais e
apreciáveis, como os momentos de preservação adotados como li-
mites de segurança para que essas transformações não se tornem
extremas, jogando o homem no teor do esquecimento geral e na
opacidade da aceitação.
A reificação39 tem uma companheira humana, a alienação40, e as
duas compreendem partes do discurso em construção, ou do que o
historicismo de Gramsci41 chamou de “Ideologia e Aparelhos Ideológi-
cos do Estado”; mesmo assim, não são facilmente compreensíveis as
buscas e a construção da ideia inexistente do discurso do patrimônio
na Modernidade. Os esquemas discursivos envolvem “problemáticas”
inconscientes que sustentam o discurso silenciosamente, como dizia
Michel Foucault42: “é uma organização particular de categorias que,
em qualquer momento histórico dado, constitui os limites do que
podemos exprimir e conceber”; essa sugestão de Foucault recai exa-
tamente no ponto de partida para responder à busca e a construção
da ideia inexistente, ou seja, as “Categorias Patrimoniais”.
Cria-se um elenco de bens denominados “Culturais” porque, en-
tre todos eles, quaisquer que sejam os atributos do discurso, existirá

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 167


[
forte travamento de relações ideológicas. Foi o mestre Hugues de Va-
rine-Boham43 quem discursou ideologicamente sobre outras proble- ^
máticas do patrimônio, sugerindo que o discurso do patrimônio seja
dividido em três grandes categorias de elementos: 1 - Os pertencen-
tes à Natureza; 2 - O conhecimento das técnicas, ao saber e ao saber
fazer; tangíveis; 3 - Os bens que englobam toda a sorte de coisas, ou
seja, artefatos. Vê-se, assim, o início, ou melhor, a ponta do iceberg
da busca e da construção de uma ideia inexistente. Essa ponta pode
fornecer infinitas e, ao mesmo tempo, específicas reflexões sobre o
discurso e sobre as pretensas categorias montadas para dar susten-
tação ao mesmo.
Outra questão a ser entendida e analisada dentro do discur-
so do patrimônio na Modernidade, a qual é determinante para a
compreensão da Dialética e da não Dialética Existencial do Patri-
mônio é compreender se o patrimônio material foi uma criação da
modernidade e se corporificou em uma legislação tutelar dos bens
então reificados como possuidores de juízo de valor histórico e estéti-
co e representativos da memória e identidade nacionais.
A resposta a essa questão talvez deva ser buscada com uma
outra pergunta: a transformação do discurso em instrumento teria
idealizado determinadas matérias-primas? Para responder essa Dialé-
tica e não Dialética Existencial do Patrimônio deve-se entender pri-
meiro quais seriam essas “matérias-primas” idealizadas pelo discurso
e lembrar que a razão, ideia nascida do iluminismo e mimada na mo-
dernidade, requer como “matérias-primas” a objetividade e o mate-
rial tangível, uma vez que o não-material não pode sofrer, naquele
momento, cientificismos. É como se já pudesse ser afirmado que
o patrimônio material foi uma criação da Modernidade. Para validar

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 168


[
essa hipótese, deve-se recorrer à análise reflexiva desses objetos elei-
tos como matérias-primas da modernidade patrimonial. ^
A construção do discurso na Modernidade provocou a eleição
de inúmeras matérias-primas, pois cada país e cada estudioso de-
monstravam a sua ideologia na busca de um receituário no como
identificar e lidar com o patrimônio. Foi justamente para evitar essa
fabricação discursiva excessiva e para evitar certos abusos que, em
maio de 1964, realizou-se, em Veneza, o Congresso Internacional de
Arquitetos e Técnicos em Monumentos Históricos e que ficou conhe-
cida como Carta de Veneza44.
A Carta de Veneza sugeria o seguinte discurso para revelar o pa-
trimônio na Modernidade: 1 - “O monumento é inseparável do meio
onde se situa e, bem assim, da história da qual é testemunho” - o aspec-
to do deslocamento e inversão proposto pelo discurso da mobilidade
vem à tona, uma vez que se procura relacionar o monumento com
o meio ambiente, por mais modesto que a pretensa matéria-prima
represente, sua afirmação como parte de algo ou de um lugar já jus-
tificaria seu reconhecimento como patrimônio; 2 - “A conservação e
a restauração de monumentos são fundamentalmente atividades in-
terdisciplinares que apelam para todas as ciências e todas as técnicas
capazes de contribuir para o estudo e salvaguarda do patrimônio” - aqui
se entende o cientificismo que busca nas manobras intelectuais cons-
truir as matérias primas do patrimônio; 3 - “Todo trabalho a ser execu-
tado deve levar a marca do nosso tempo” – aqui é expressa a desconti-
nuidade; 4 - “As ações devem visar conservar e revelar o aspecto estético
e histórico do monumento” – o último aspecto da construção a partir
da Modernidade, o esteticismo.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 169


[
No caso brasileiro o discurso do patrimônio na Modernidade
teve em Mário de Andrade a autoria de um projeto (Lei em novem- ^
bro de 1937 ) que apesar de querer catalogar todas as manifestações
45

culturais brasileiras, não só os objetos materiais, mas também a músi-


ca, seus usos, costumes, assim como o “saber” e o “saber fazer”; ficou
condicionado ao discurso de objetos tangíveis, ou seja, a elaboração
de um processo que definiu o “Conjunto de Bens Móveis e Imóveis
existentes no Brasil” como patrimônio Histórico e Artístico.
Esse determinismo, no Brasil, de difícil empreendimento na
época, foi levado a cabo, para isso se refugiou na eleição apenas
de objetos materiais, sua inventariação e, as vezes, sua “invenção”;
em contrapartida, a sociedade brasileira parece não ter se reconhe-
cido na ideia inserida pela pretensão moderna, pois ainda sentia a
necessidade de legitimar suas atividades no altar dos valores trans-
cendentais; as práticas do discurso moderno apenas a partir dos ob-
jetos materiais, apesar de cumprir seu papel naquele momento, não
abarcava todo o mistério da verdade nacional invocada pela sagrada
legitimação do conceito dos hábitos, paixões, saberes e sabores,
considerações inclusas, por exemplo, no modo de vida operantes
dos excluídos e dos segregados, pois se tratavam de obscurantis-
mos aos olhos dos modernos e só seriam reconhecidos no discurso
do patrimônio na Pós-modernidade.

O Discurso do patrimônio na Pós-Modernidade

A palavra em si, “Pós-modernidade”46, com um substantivo e


um prefixo, não é incomum em nosso sistema linguístico, depois que
o termo entrou em evidência é que a atenção das pessoas ficou

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 170


[
preparada para reconhecê-lo. Recordando que as ideologias podem
ser falsas ou verdadeiras, dependendo da finalidade da construção ^
discursiva, o que não se pode deixar de reconhecer é que a Pós-moder-
nidade expressa, na forma e conteúdo, alterações sociais, econômicas,
políticas e culturais que se materializam numa sociedade rotulada pela
intensificação da quantidade, provocando uma alteração qualitativa,
como sugere a norma dialética.
Dividido em dois momentos, na observação de Arnold Toynbee47,
o Pós-moderno teria começado nos últimos vinte e cinco anos do
século XIX e foi definido pelo assentamento e consequente declínio
do Estado Nacional, superado por um processo de interação nacional;
por outro lado, ocorrem tendências a afirmar que a Pós-modernida-
de teria início com o final da Segunda Guerra Mundial, que marca o
começo da era da TV, dos tempos da saúde pós-penicilina “quando
ninguém mais poderia morrer de gripe”; há os que sentem a necessida-
de de definir a Pós-modernidade por alguma coisa de específico que
só pode ser encontrada no campo da produção cultural e na estética
das formas, neste caso a Pós-modernidade só apareceria a partir da
década de 1960, sendo que, nesse emprego; Lyotard48 defende que
a condição Pós-moderna é um termo aplicável apenas às sociedades
mais desenvolvidas.
O historiador da arquitetura e do design Nikolaus Pevsner49
usou a expressão “Pós-moderno” em 1966, e Charles Jencks50 publicou
em seu clássico “The language of PostModern Architecture”, em 1977;
Peter Blake51 fala de uma arquitetura Pós-moderna a ser contraposta
à arquitetura Moderna, no lugar do desastre modernista propõe um
reencontro com formas arquiteturais presentes na memória coletiva
dos povos; essa questão também no patrimônio poderia ser lançada

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 171


[
como uma das mudanças do discurso, uma vez que as criações dos
excluídos e dos dominados (índios, negros, etc.) começaram a fazer ^
parte das categorias patrimoniais, agora de forma tangível. Estaria
nesse fim da obsessão pelo novo a resposta à definição do que vi-
ria a ser a Pós-modernidade? Ou essa obsessão apenas deslocou e
inverteu seu discurso?
Um dos objetos (arquitetura) mais usados para exemplificar
materialmente o que seria a Pós-modernidade é a obra de Charles
Moore52, a Piazza d’Italia, na cidade de New Orleans; Ecletismo, fuga
dos padrões habituais do bom gosto ou um eterno retorno ao passa-
do são suas características. Uma certa crítica fala de retrocesso e diz
que por trás de rótulos como o neo, hiper, meta, o que existe mesmo
na Pós-modernidade é a velha operação revival53. A Pós-modernidade
possui traços referentes à arquitetura que podem ser comparados à
Modernidade54, dispostos, por exemplo, na obra a Condição Pós-
-Moderna de David Harvey55.
Em relação aos traços referentes ao discurso patrimonial na
Pós-modernidade quanto comparados ao discurso na Modernida-
de, observam-se pontos que revelam diferenças, ou seja, o patrimô-
nio na Pós-modernidade é caracterizado por rituais, participação no
discurso (convite), preocupação “excessiva” com o meio ambiente
e preservação dos recursos naturais, estratégias de markting acen-
tuadas, ações estratégicas variadas (econômicas, sociais, políticas,
culturais), complexas, hibridas, vitalidade emaranhada, bens eté-
reos, intangível, espiritual, preocupação com a memória, com os
excluídos e com o significante; contrapondo-se as características na
Modernidade, que apresentavam as seguintes referências: preocu-
pação com os artefatos, imposição ao discurso diferente do convite

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 172


[
participativo, preservação dos monumentos e edifícios (museifica-
ção), falta de sensibilização das massas, discurso político centrali- ^
zador, maior preocupação com os bens tangíveis (utensílios, objetos,
ruínas), seu tema é a história material e o significado.
Interessante é observar que as mudanças ocorridas no discurso
do patrimônio também seguem as mesmas datas da mudança do dis-
curso da Modernidade para a Pós-modernidade, ou seja, o processo
de reconhecimento do potencial turístico que envolvia certos núcleos
históricos das América tem início na década de 1960 com as Normas
de Quito em 196756 e, posteriormente, com os encontros de Brasília
e Salvador na década de 1970, a Convenção de Paris de 197257, reu-
niões que estabeleceram uma nova política de tratamento dos bens
patrimoniais que eram divididos em bens naturais e culturais, sendo
os culturais em materiais e imateriais.
A elaboração de diretrizes e a criação de instrumentos legais e
administrativos visando identificar, proteger, promover e fomentar os
processos e bens, considerados em toda a sua complexidade, diversi-
dade e dinâmica, particularmente, as formas de expressão, os modos
de criar, fazer e viver, as criações científicas, a questão da preservação
dos bens naturais e do patrimônio imaterial apresenta no discurso da
Pós-modernidade três aspectos fundamentais: a) Mudança do discur-
so patrimonial de imposição política para o reconhecimento político
através da participação popular; b) A procura da identidade e memó-
ria não mais apegada a grandes feitos ou materialização de locais de
excepcional qualidade material dos Dominantes, mas a busca de re-
conhecimentos de entes sociais excluídos e de seus usos e costumes,
bem como de seus rituais imateriais; c) Formulação de uma excessiva
proteção aos bens naturais com a construção de legislação rígida e

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 173


[
atuante na fiscalização, entendendo que o processo de modernização
excessiva teria colocado em risco os mananciais naturais do planeta. ^
O discurso do patrimônio na Pós-modernidade é auto sugestivo,
uma vez que trabalha o auto ego das grandes massas, anteriormente
reprimidas e segregadas, seria um projeto terapêutico, difícil de não
ser aceito, uma vez que se fundamenta na própria consciência pessoal
e idealismo de formação moral, sendo que qualquer insurreição con-
tra o discurso patrimonial pós-modernista acarreta auto transgressão.
O discurso do patrimônio na Pós-modernidade busca a formação do
superego entrelaçado nas raízes do inconsciente de formação dos
excluídos, universalizando algo de sua formidável energia de indivi-
dualidade estabilizando o comportamento, instituindo novamente
um certo tipo de dominação, nesse sentido, diante novamente de
um deslocamento e de uma inversão, descobre-se na coercitividade
o processo inerente do discurso patrimonial igual ao realizado na
Modernidade58.
A constatação de que o processo discursivo e seu conteúdo de-
vem ser comunicados pelo imediatismo e não pela materialidade da
prova científica próprio do discurso na Pós-modernidade, não é fácil
de se entender; parece que se penetra em outro estágio da dialética
e não dialética existencial do patrimônio, com a identidade devendo
ser procurada em outro local; necessita-se agora através de um pro-
cesso retórico59 transformar o patrimônio em objeto apesar de sua
gênese imaterial, neste ponto, aparece a indagação provocativa de
que o patrimônio imaterial é uma “descoberta” da Pós-modernidade.
Para entender o argumento de que o patrimônio imaterial seja
uma “descoberta” da Pós-modernidade, deve-se refletir sobre dois
pontos: a) Anteriormente não teria sido formulada uma proposta

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 174


[
patrimonial imaterial; b) O pluralismo Pós-moderno desencadeou
uma fantasiosa intenção patrimonial, em que o pressuposto se tor- ^
na material pela estratégia de uso dos espaços urbanos patrimoniais
como atratores turísticos. Na primeira reflexão, entende-se que, an-
teriormente, haviam sido formuladas questões patrimoniais relacio-
nadas ao saber fazer, ao fazer, mas que sempre se tornavam tangíveis
pela intenção de representar essa vernacularidade pela apresentação
de objetos representantes desse saber fazer e desse fazer.
Essa singela explicação poderia ser suficiente, se não tivesse
sido apresentada nos tópicos anteriores toda a construção do discur-
so específico do patrimônio, a qual, inclusive, revelou o sentido das
inversões e dos deslocamentos para que certos objetos e bens fossem
eleitos como portadores da identidade e memória de uma coletivida-
de. Percebe-se então que o patrimônio imaterial não é uma desco-
berta da Pós-modernidade, pois ele sempre existiu, a diferença é que
na Pós-modernidade ele é chamado para atuar como protagonista do
discurso patrimonial. Mas, por que só nesse momento? Por que não
em momentos anteriores? Isso fica evidenciado pelo esgotamento do
discurso da identificação impositiva de uma funcionalidade moder-
nista, o qual é demonstrado pela excessiva deterioração do meio-am-
biente e das reservas naturais e, especialmente, pelo término da doce
ilusão60, propiciando a busca por um novo discurso, que tem como
principal agenciador ainda o Estado, apesar de seu neoliberalismo;
são realmente medidas terapêuticas, nas quais a participação popular
é fundamental na formulação e aceitação discursiva e, portanto, o pa-
trimônio imaterial é agora alçado ao discurso Pós-modernista como
ator principal.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 175


[
O que os discursos, Modernista e o Pós-modernista têm em
comum é que ambos articulam interesses específicos, introduzindo ^
interesses ou efeitos persuasivos; no caso, ambos se referem a
um processo pelo qual interesses de certos tipos são mascarados,
racionalizados, naturalizados, universalizados, legitimados, em nome
de certas formas de poder político; o exemplo está inteiramente
inserido na questão cultural, e esse processo formula-se pela distinção
considerada pela revolução Russa de 1917, uma vez que estudiosos
especificaram e distinguiram a cultura em dois parâmetros, a material
e a imaterial61.
No discurso da Pós-modernidade as massas necessitam de sig-
nos populares imateriais que se transformem em materiais. O que se
quer dizer é que seja no discurso da Modernidade, seja no discurso
da Pós-modernidade, o modo codificou certos interesses, só que, no
primeiro, a intenção era a construção da identificação e, no segundo,
a promoção através da legitimação direta e não indireta.
Independente das posições que ocupam, ambos os discursos se
emolduram através de intenções de interesses, apenas buscam de-
pois de descobrir seu significado adequado ou modo de instrumen-
talização, operacionalizar-se, sendo que, aparentemente, o discurso
da Modernidade se perdeu pela obsessiva exploração da opressão
e repressão, apesar da opressão estar presente e ser normativa em
ambos os discursos. O discurso da Modernidade teve como relação
a frustração, não que o discurso da Pós-modernidade também não
a revele, apenas ele auto sugestiona com maior estímulo a sensibi-
lização da individualidade a que pretende universalizar, fazendo do
grupo das minorias os novos protagonistas do discurso.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 176


[
O que se pode afirmar é que o patrimônio imaterial foi algo
capaz de se objetificar62 na Pós-modernidade, uma vez que, apesar ^
dele já ser conhecido, a Pós-modernidade mais do que promove,
inverte sua significação e o desloca de uma filosofia saussureana63
do significante para um produto do significado, ou seja, no discur-
so da Modernidade eram produzidos objetos reais e no discurso
da Pós-modernidade são produzidos objetos virtuais. Para essa
instrumentalização, o discurso atual usa elementos imateriais das
minorias e também a questão do hoje estabelecido patrimônio
natural, que juntamente com o imaterial, são os componentes mais
presentes nas ações estratégicas operacionalizadas no tratamento
dos locais considerados como portadores de identidade e memória
urbana, ou seja, os Centros Históricos.
A diferença do discurso, na Pós-modernidade, também residiria
na não intenção de “congelar o bem” pelo tombamento, ou perpetuá-
lo como vestígio de alguma forma de sobrevivência, mais tratar de
utilizá-lo promovendo novos significados, demonstrando sua vitalidade,
dentro de uma metrópole pobre e ansiosa por esses novos atores
patrimoniais. Deve-se lembrar que o discurso imaterial está também
extremamente relacionado com a memória, cidadania e cultura popular,
em que a influência de Walter Benjamim64 e suas teses sobre “a histó-
ria dos vencidos” e a narrativa recriada são referenciais fundamentais
nesta nova dialética e não dialética e seu esclarecimento65, o relato e
narrativas de homens e mulheres sobre os espaços e sua associação
com o trabalho desenvolvido, trazendo à tona o testemunho como
forma viva das memórias para repor a questão do saber fazer e fa-
zer são extremamente importantes para a construção do discurso
patrimonial na Pós-modernidade.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 177


[
No caso especifico do Brasil o discurso da imaterialidade, como
Patrimônio Cultural não Consagrado, teve na participação de Aloísio ^
Magalhães , junto ao então CNRC – Centro Nacional de Referência
66

Cultural – importante determinação na ruptura do discurso Moder-


nista para o que viria a ser hoje o discurso Pós-modernista, no qual,
antropologicamente, as etnias minoritárias seriam tratadas através
da busca da tutela de seus bens móveis e imóveis, e do saber fazer
e do fazer. Nesse caminho, em 1970, foi criada a Fundação Nacional
Pró-Memória67 e que foi responsável, em 1982, pelo tombamento de
dois dos primeiros testemunhos da cultura afro-brasileira: “O Terrei-
ro da Casa Branca” em Salvador e a “Serra Da Barriga” em União dos
Palmares, Alagoas.
O tombamento da Casa Branca68, sobretudo, provocou intensos
debates, resultado da mobilização conjunta de movimentos negros,
intelectuais e políticos. Esse tombamento não tinha como alvo prin-
cipal a proteção desse bem em si mesmo, mas sobre a repercussão
simbólica e política da sua inclusão no Patrimônio Cultural Nacional.
A grande problemática para o tombamento e proteção dos bens
como o Terreiro da Casa Branca esteve alicerçada na incompatibili-
dade jurídica do estatuto preservacionista (Decreto-lei no 25/37) que
se expressa por valores contidos no que se pode chamar do discurso
da Modernidade, ou seja, valores de outra ordem que necessitam ser
reformulados atentando para o novo discurso em estabelecimento.
O que se deve entender é que, indiferente à proposta, o discurso,
seja material ou imaterial, emprega dispositivos, como a unificação, a
identificação fantasiosa, a naturalização, a ilusão e a racionalização, às
vezes vistos como soluções imaginárias do que, por ventura, deseja
se tornar real, de qualquer forma, a Ideologia do Patrimônio, longe de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 178


[
ter se esgotado, continuará a trilhar seus discursos, seja pela pretensa
determinação do que é ou não portador da identidade e memória, ^
seja se envolvendo com essa pretensiosa argumentação a ponto de
se confundir e se engendrar na sua própria existência. Nesse contex-
to, os paradigmas dentro da Dialética e não Dialética Existencial do
Patrimônio se materializaram em Leis, sendo que a maior manifesta-
ção dessas Leis como formas de gestão dos discursos ideológicos, em
qualquer país, foram suas Constituições, portanto, nos dois próximos
capítulos (5 e 6), será descortinada a relação entre as Constituições
Brasileiras, os paradigmas Sanitarista, Modernista, Historicista e
Desenvolvimentista e a instrumentalização jurídica tutelar de uma
legislação patrimonial no Brasil.

Notas

1 Rousseau, Jean Jacques (1712-1778). Sobre os impactos das teorias do


Contrato Social: LAKATOS, E. M. Sociologia Geral. 4 ed. São Paulo: Atlas,
1981.
2 “(fr. Idéologie). 1 - Termo que se origina dos filósofos franceses do século
XVIII, conhecidos como ideólogos, para os quais significa o estudo da origem
e da formação das ideias, depois passou a significar um conjunto de ideias,
princípios e valores que refletem uma visão do mundo, orientando uma
forma de ação, sobretudo uma prática política. 2- Marx e Engels a consideram
como uma superestrutura, representando um mundo invertido e servindo ao
interesse das classes dominantes que aparecem como se fosse interesse da
sociedade como um todo, um verdadeiro mecanismo de defesa dos interesses
de uma classe dominante ou grupo dominante”. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES,
D. Dicionário básico de filosofia. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
p.136. / “A função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões
sociais e políticas, dar-lhes a aparência de indivisão e de diferenças naturais
entre os seres humanos. Apesar da divisão de classes somos levados a crer que
somos todos iguais porque participamos da ideia de humanidade, ou da ideia
de nação e pátria, ou raça; somos levados a crer que as desigualdades sociais e
políticas não são produzidas pela divisão social de classes, mas por diferenças

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 179


[
individuais dos talentos e das capacidades, da inteligência, da força de
vontade maior ou menor”. CHAUÍ, M. Convite a Filosofia. São Paulo: Ática,
2000. p. 174.
^
3 Dicionário Silveira Bueno. 6 ed. São Paulo: Lisa, 1992. p. 353.
4 “(lat. e gr.: visão) A ideia é em um sentido geral uma representação mental,
imagem e pensamento, conceito ou noção que temos acerca de algo, em
Platão as ideias são formas, modelos perfeitos ou paradigmas, eternos e
imutáveis. Só podemos atingir esse mundo inteligível na medida em que, pelo
processo dialético, nossa mente se afaste do mundo concreto. Para Descartes
são representações mentais, para Kant são reguladores da razão (crítica da
razão pura)”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit., p. 135.
5 “(lat. Dialectica, do gr. Dialektike: discussão). Em nossos dias, utiliza-se
bastante o termo dialética para se dar uma aparência de racionalidade
aos modos de explicação de demonstração confusos e aproximados. Mas a
tradição filosófica lhe dá significados bem preciosos. Em Platão é o processo
pelo qual a alma se eleva, ele emprega o termo com o sentido de dialogar. A
dialética é um instrumento de busca da verdade. Em Aristóteles é a dedução
feita a partir de premissas prováveis. Em Hegel, a dialética é o movimento
racional que nos permite superar uma contradição. Marx faz da dialética
um método, convertendo-a no método do materialismo e no processo do
movimento histórico que considera a natureza”. JAPIASSÚ; MARCONDES,
op.cit., p. 70-71./ O Diálogo e o não Diálogo Existencial de uma Legislação
Patrimonial no Brasil era originalmente o título da Segunda Parte deste
Livro./ “Para Sócrates e Platão, o diálogo consiste na forma de investigação
filosófica da verdade através de uma discussão entre o mestre e seus
discípulos; para o pensamento fenomenológico e existencialista, o diálogo é
uma troca recíproca de pensamentos; o pensamento liberal reduziu o diálogo
a um mero esforço de conciliação nas disputas das questões trabalhistas,
dialogar pode significar aceitar o risco de não ver prevalecer seu ponto de
acordo ao essencial, e que, seja possível tomar um caminho capaz de superar
as particularidades individuais (e passionais) e impor uma universalidade
(caminho da verdade)”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit., p.71/ “A Justiça é
cega” e as Constituições Federais sua maior representação (Nota do Autor).
6 ARGAN, G. C. Clássico Anticlássico. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
p. 141.
7 Os Dez Livros de Vitruvio in KATINSKY, J. R. Vitruvio da Arquitetura. São
Paulo: Hucitec, 1999.
8 Cúpula de Santa Maria Del Fiore in ARGAN, op. cit., p. 133.
9 PALLADIO, A. The Four Books of Architecture. New York: Dover, 1965.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 180


[
10 SUMMERSON, J. A Linguagem Clássica da Arquitetura. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1994. p. 63.
^
11 Ibid., p. 65.
12 GUATARRI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do Desejo. 5 ed.
Petrópolis; Vozes, 1999. p. 37.
13 “(lat. Discursus: conversação). 1. Na acepção tradicional, o discurso não é uma
simples sequência de palavras, mas um modo de pensamento que se impõe
à intuição. Frequentemente denominado pensamento discursivo. Os lógicos
introduzem a expressão: universo do discurso. A filosofia contemporânea,
especialmente a da linguagem, a hermenêutica e o existencialismo, valoriza a
análise do discurso como método próprio à filosofia, considerando o discurso
não apenas como simples texto, mas como o próprio campo de constituição do
significado em que se estabelece a rede de relações semânticas com a visão do
mundo que se pressupõe”. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico
de filosofia. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p.74.
14 “(lat. e gr. história)1- a palavra história designa ao mesmo tempo: a) uma
certa disciplina, constituída de relatos, análises, pesquisas de documentos
etc., cujos artífices são os historiadores; b) a matéria dessa disciplina, sobre
a qual trabalham os historiadores, ou seja, a sequência de acontecimentos;
etimologicamente, designa relato, e não os acontecimentos contados; em
grego significa conhecimento pesquisa e informação. Já Historicidade é o
caráter de tudo aquilo que é reconhecido como tendo realmente acontecido no
passado ou realmente existido. 2. condição da existência humana que, embora
comprometida com o tempo e solidária com seu passado histórico, define-se
por sua projeção livre no futuro”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit., p. 128.
15 “(lat. Memória). Capacidade de reter um dado da experiência um
conhecimento adquirido e de trazê-lo à mente; considerada essencial para a
construção das experiências e do conhecimento científico. A memória pode
ser entendida como a capacidade de relacionar um evento atual com um
evento do passado do mesmo tipo, portanto com uma capacidade de evocar o
passado através do presente”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit., p.178.
16 “Filósofo marxista alemão, influenciado pelo idealismo alemão; o princípio
fundamental de sua filosofia é a esperança, vê a história como algo que
vai se fazendo de acordo com esse princípio e a define como possuidora de
uma consciência antecipadora. Sua obra O princípio esperança (1954-1959)
trabalha essa questão”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit., p. 31.
17 LEFEBVRE, H. Lógica Formal, Lógica Dialética. 6 ed. Rio de Janeiro:
Civilização, 1995.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 181


[
18 PANTALEON, C. Adaptacion de estructuras arquitectonicas obsoletas:
El concepto de restauracion en la dialéctica del proceso de diseno.
Montevideo: Facultad de Arquitectura, 1993. p. 23.
^
19 “(lat. tardio identitas, de idem: o mesmo). Relação de semelhança absoluta e
completa entre as coisas, possuindo as mesmas características essenciais, que
são assim as mesmas”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit., p. 136.
20 “(gr. Dilemma, de di: duas vezes, e lemma: princípio, premissa) 1. Forma de
alternativa da qual, dos dois membros aceitos como premissas ou princípios,
só podemos tirar uma consequência. Ex. o Dilema de Aristóteles: “ou devemos
filosofar ou não devemos filosofar, ora, para sabermos se não devemos
filosofar, precisamos ainda filosofar, conclusão: devemos filosofar”. JAPIASSÚ
e MARCONDES, op.cit., p. 72. Dilema atual neste momento 2020 - do Médico
para escolher quem vive ou morre frente a COVID19.
21 EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo: Editora UNESP/Boitempo, 1997. p. 65.
22 Ibid., p. 67.
23 Disponível em: http://www.revistaprincipios.com.br/artigos/21/cat/2166/
ideologia-e-hegemonia-na-obra-de-gramsci-.html. Acesso em: 24 abr. 2020.
24 VIOLLET-LE-DUC, E. E. Dictionnaire raisonné de l’architecture française
du XI au XVI siécle. Paris: Bance, Morel, 1854/1869. 10v.
25 RUSKIN, J. The Seven lamps of Architecture. London: George Allen &
Unwin, 1927.
26 Moderno: “(lat. Tardio modernus, do lat. Modo: recentemente, agora mesmo).
1. termo que se opõe ao clássico tradicional. Considera-se que, do ponto de
vista histórico, a filosofia moderna inicia-se com Descartes e Francis Bacon,
caracterizando-se por sua ruptura com o pensamento medieval, sobretudo
com a escolástica. Idéia de progresso e de ruptura com o passado”. JAPIASSÚ;
MARCONDES, op.cit., p. 185.
27 “A linguagem torna-se um conceito filosófico importante sobretudo na
medida em que, a partir do pensamento moderno, passa-se a considerá-la
como elemento estruturador da relação do homem com o real”. JAPIASSÚ;
MARCONDES, op.cit., p. 164. / VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem.
São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 75.
28 “(do lat. Signum). Elemento que designa ou indica outro. Objeto que representa
outro. Sinal. Discute-se, sobretudo na semiótica, se existem signos naturais”.
JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit., p. 247.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 182


[
29 Modernidade: “característica daquilo que é moderno, em sentido geral a
modernidade se opõe ao classicismo, identificando-se com o racionalismo. Nova
forma de pensamento e de visão inaugurada pelo Renascimento.
^
A questão da modernidade caracteriza uma controvérsia contemporânea,
envolvendo questões filosóficas, representada por um lado por Lyotard (Francês)
e por outro, por Habermas (Alemão); Lyotard introduz a ideia da Condição
Pós-moderna como uma necessidade de superação da modernidade; Habermas
por sua vez defende o que chama de Projeto da modernidade, considerando
que este projeto não está acabado, mas precisa ser levado adiante”. JAPIASSÚ;
MARCONDES, op. cit., p. 185.
30 Revolução Russa: ULAM, A. B. Os Bolcheviques. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1976.
31 “(do lat. Tardio symbolum, do gr. Symbolom) 1. O Símbolo é um objeto que
representa outro de forma analógica ou convencional, um sinal convencional
através do qual se designa um objeto. A relação entre o Símbolo e o objeto
simbolizado é, assim, nesse sentido convencional, exterior...”. JAPIASSÚ;
MARCONDES, op. cit., p. 248.
32 COELHO, T. Moderno pós-moderno: modos e versões. 3 ed. São Paulo:
Iluminuras, 1995.
33 Esteticismo: “Doutrina da estética ou do belo; atitude de alguém que, ignorando
toda consideração moral em seu julgamento e em sua conduta, limita-se a
considerar a beleza como o único e supremo valor”. JAPIASSÚ e MARCONDES, op.
cit., p. 91.
34 Gestalt: DEICHER, S. Construção sobre o vazio. Germany: B. Taschen, 1995. V. 16.
35 BARTHES, R. Análise estrutural da narrativa: pesquisas semiológicas. 4 ed.
Petrópolis: Vozes, 1976.
36 “(lat. Imaginarius) 1. Que existe apenas como produto da imaginação. 2. Em
sentido mais específico, é o conjunto de representações, crenças, desejos,
sentimentos, através dos quais um indivíduo ou grupo de indivíduos vê a
realidade e a si mesmo. 3. A fenomenologia existencialista de Sartre considera o
imaginário ou o ato de imaginar como a capacidade que tem a consciência de
modificar o real, de desligar-se da plenitude do dado e de romper com o mundo.
4. A originalidade da psicanálise freudiana consiste em fundar a solidariedade do
desejo e do imaginário”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op. cit., p. 138-139. Jean-Paul
Sartre (1905-1980): “principal representante do chamado existencialismo francês;
após um período de estudos de fenomenologia e da obra de Heidegger e militar
na resistência francesa dedicou-se à literatura, a partir de 1960 se aproximou da
filosofia marxista, na qual sua obra Critica da Razão Dualista de 1960 aproxima o
marxismo do existencialismo”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op. cit., p. 241.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 183


[
37 HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública: investigações
quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: tempo
Brasileiro, 1984./ “Jurgen Habermas: “(1929- ) Filósofo alemão, pertencente a
^
chamada segunda geração da escola de Frankfurt, foi assistente de Adorno no
Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. A sua obra desenvolve-se na teoria
crítica da sociedade pretendendo uma atualização e revisão do marxismo
capaz de dar conta do capitalismo avançado da contemporaneidade,
caracteriza a sociedade em termos de uma razão instrumental, a ideologia
corresponde para Habermas a distorção dessa possibilidade de ação
comunicativa, impedindo a interação plenamente”. JAPIASSÚ; MARCONDES,
op. cit., p. 121./ RORTY, R. Ensaios sobre Heidegger e outros. Ro de Janeiro:
Relume Damará, 1999. p. 225.
38 Disponível em: internet http://www.iphan.gov.br/legislac/
cartaspatrimoniais/atenas-31.htm. Acesso em: 26 ago. 2001.
39 “(do lat. res: coisa) 1. Termo que possui sentido geralmente negativo
designando a transformação de uma representação mental em uma “coisa”,
atribuindo-lhe assim uma realidade autônoma, objetiva. Isso se dá, segundo a
teoria psicanalítica, como efeito de neuroses e em certos estados alucinatórios,
projetando-se para o real objetivo elementos da realidade psíquica. 2-
Segundo a teoria marxista a reificação é o último estágio da alienação do
trabalhador no sentido de que sua força de trabalho se transforma em valor de
troca, escapando a seu próprio controle e tornando-se uma coisa autônoma”.
JAPIASSÚ; MARCONDES, op. cit., p. 233.
40 “(lat. Alienatio, de alienare, transferir para outrem, alucinar, perturbar). 1 -
Estado do indivíduo que não mais se pertence, que não detém o controle de
si mesmo ou que se vê privado de seus direitos fundamentais, passando a ser
considerado uma coisa”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op. cit., p. 6.
41 Antonio Gramsci: “(1891-1937) político e pensador marxista italiano; foi um
dos fundadores do partido comunista Italiano em 1921, sendo nomeado seu
secretário em 1924. Foi preso pelo regime fascista vindo a morrer na prisão,
onde compôs grande parte de sua obra teórica. Para Gramsci o marxismo
deve ser interpretado como uma filosofia de práxis, como uma base política
revolucionária. É considerado um dos inspiradores do eurocomunismo
contemporâneo. Toda a sua formação deve ser colocada sob o signo da
história e do historicismo”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op. cit., p. 119.
42 FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. / Michel Foucault: “
(1926-1984) um dos mais influentes pensadores franceses contemporâneos,
identificado inicialmente como estruturalismo, do qual certamente sofreu
influência. Empreendeu uma análise epistemológica do surgimento das

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 184


[
ciências humanas e de seu papel em nossa cultura. Seu ponto de partida é
o conceito de episteme, uma rede de significados, uma formação discursiva,
que caracteriza uma determinada época nos diversos domínios da sociedade
^
e da cultura. O trabalho Arqueologia do saber (1969) representa um método
original em história das ideias. No seu Vigiar e Punir (1975) inspira-se em
Nietzsche e como o poder pode ser explicativo na produção dos saberes
(microfísica do poder), no trabalho História da sexualidade (1976) desenvolve
essa questão”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit., p. 111.
43 LEMOS, C. O que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 1978.
p. 08-10.
44 Ibid., p. 75.
45 Decreto-Lei nº 25/37. Disponível em: http://www.iphan.gov/legislac/
decretolei25.htm. Acesso em: 31 jul. 2001.
46 JAMESON, F. Pós-Modernismo: A lógica cultural do capitalismo tardio.
São Paulo: Ática, 1996. p. 17.
47 TOYNBEE, A. Civilização posta à prova. São Paulo: Nacional, 1953. E
também, TOYNBEE, A. Estudo de História Contemporânea. São Paulo:
Nacional, 1976.
48 LYOTARD, J.F. O Pós-Moderno explicado às crianças. Lisboa: Dom Quixote,
1993. / RORTY, R. Ensaios sobre Heidegger e outros. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 1999, p. 221-236.
49 PEVSNER, N. Origens da Arquitetura Moderna Design. São Paulo:
Martins Fontes, 1981.
50 JENCKS, C. The language of post-modern architecture. Londres:
Academy, 1977.
51 BLAKE, Peter in COELHO, T. Moderno pós-moderno: modos e versões. 3 ed.
São Paulo: Iluminuras, 1995.
52 MOORE, Charles in MONTANER, J. M. Después del movimento Moderno;
arquitecture de la Segunda mitad del siglo XX. Madrid: Gustavo Gili,
2009.
53 ARANTES, O. B. F. e ARANTES, P. E. Um Ponto Cego no Projeto Moderno
de Jurgen Habermas. São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 125./ GHIRARDO, D.
Architecture After Modernism. Singapore: Thames and Hudson Ltd, 1996. p. 28.
54 SUBIRATS, E. Da vanguarda ao pós-moderno. 4 ed. São Paulo: Nobel, 1991.
p. 47 e 95./ FEATHERSTONE, M. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo.
São Paulo: Nobel, 1995. p. 17-30.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 185


[
55 HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
(original de 1989).
^
56 Disponível em: http://iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/quito-67.htm.
Acesso em: 03 jul. 2001.
57 Disponível em: https://ensaiosemodelos.com/carta-restauro-1972-e-recom-
de-pariz-1972-resenha/. Acesso em: 25 fev. 2020.
58 LATOUR, B. Jamais Fomos Modernos: Ensaio de Antropologia Simétrica. Rio
de Janeiro: Ed. 34, 1994. p. 35.
59 “As vertiginosas transformações por que passou o século XX provocaram
um rompimento com a tradição e o passado comuns, sem oferecer qualquer
substantivo seguro para nortear a ação política e a elaboração das normas
jurídicas”. ADEODATO, J. M. Ética e Retórica: para uma teoria da dogmática
jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 53.
60 Sobre a aceleração da contemporaneidade e a sabedoria da escassez, além
da magnífica ilusão: Jean Paul Sartre Disponível em: http://www.geocities.
com/athens/olympus/7979biografi.htm. Acesso em: 07 jul. 2001. / Com
relação a doce ilusão, a partir de uma leitura econômica e política da cidade,
especialmente no Brasil: SANTOS, M. Por uma Economia Política da Cidade:
O Caso de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1994. p. 122.
61 Para entender os conceitos básicos da cultura: Pitirim A. Sorokin (1889-1968)
apud LAKATOS, E. M. 4 ed. Sociologia Geral. São Paulo: Atlas, 1981. p. 49.
62 “Ser alvo de objetivação, do processo que transforma a subjetividade, o trabalho
ou algo abstrato, em algo material capaz de produzir ou se materializar
em objetos: as grandes indústrias buscam objetificar os indivíduos, como
máquinas”. Disponível em: https://www.dicio.com.br/objetificar/. Acesso em:
26 abr. 2020.
63 “O método de investigação científica foi estabelecido pelo linguista suíço
Ferdinand de Saussure (18571913), que a afirma ver na linguagem a
predominância do sistema sobre os elementos, visando extrair a estrutura do
sistema através da relação entre os elementos”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit.,
p. 92.
64 KOTHE, F. (org.). Walter Benjamim: sociologia. São Paulo: Àtica, 1985./
Walter Benjamin: “(1892-1940) Um dos mais originais pensadores da escola de
Frankfurt, Benjamim nasceu na Alemanha, de família judia, revelando em seu
pensamento forte influência da tradição cultural judaica, sobretudo da mística e
da teologia. Inspirando-se em Marx, de cujo pensamento deu uma interpretação
própria, Benjamim desenvolveu uma profunda reflexão crítica sobre a arte e a
cultura na sociedade de seu tempo, ainda que basicamente através de ensaios,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 186


[
artigos e textos fragmentários, publicados em revistas literárias e jornais. Sua
obra completa (Gesammelte Schiriften, 6 vols.) foi publicada postumamente
(1972-1975)”. JAPIASSÚ; MARCONDES, op.cit., p. 28.
^
65 ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro:
Zahar, 1985. p. 1952.
66 MAGALHÃES, A. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de
Janeiro: N. Fronteira, 1985.
67 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro:
Fundação Pró-memória/IPHAN,1987. n. 22. p. 160.
68 Disponível em: http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.
php?idVerbete=1594. Acesso em: 26 abr. 2020.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 187


[
– 5–
^
Breve História da Preservação do Patrimônio
Ambiental Urbano nas Constituições
Brasileiras Anteriores a 1988

A ideologia do Patrimônio se materializa em Leis

Para muitos filósofos1, o Direito seria a expressão da vontade da


maioria, na determinação de um comportamento, que deveria servir
como alicerce na promoção de qualquer ação/reação e a partir desse
fator, permitir que o mesmo grupo tivesse um relacionamento esta-
belecido dentro de padrões e moldes que possibilitassem o controle,
gerenciamento e bem-estar da vida desses agrupamentos humanos2.
O Direito, então, longe de seu purismo de criação, também se tornou
ferramenta de imposições, ou seja, de coerção, e dessa forma, duran-
te os processos de relacionamento humano, a aplicação de determi-
nações e instrumental para que fossem atingidas certas intenções, ou
mesmo, que balizassem certas vontades particularizadas e seus atos
foram praticadas.
Na Preservação e Restauro, mecanismos do Direito ganharam
força a partir da Revolução Francesa, pois fatores estruturais da eco-
nomia (pré-capitalismo), da intelectualidade (iluminismo), da religio-
sidade (protestantismo), da política (absolutismo e nacionalismo),

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 188


[
da densidade demográfica resultante da troca do espaço geográfico
físico rural para urbano, frente a aceleração do processo tecnológi- ^
co-industrial, impuseram dentro dos paradigmas a necessidade da
formulação de legislações para a tutela do patrimônio.
Ao longo dos últimos 200 anos, a construção de várias teorias3
foram os alicerces para a formulação de ferramentas para promoção
do reconhecimento da obra e sua pretensa possibilidade de ser pre-
servada e restaurada; a partir dessas teorias, mecanismos legais com
finalidades específicas foram sendo criados4, sempre tendo a institu-
cionalização de uma competência para isso, seja por uma entidade
(na maioria gerada e gerenciada pelo governo ou por quem detém
o poder5), materializando instrumentos para promover a decisão do
que, o que, por que, para que, e para quem seria promovido o reco-
nhecimento desses objetos de valor cultural simbólico representativo
do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural6 e sua preservação.
Normas e recomendações, produzidas com inúmeras intenções
e, respaldadas na erudição intelectual de inúmeros teóricos: Viollet Le
Duc7, John Ruskin8, Camillo Boito9, Alois Riegl10, Gustavo Giovannoni11,
Cesare Brandi12, e outros, afirmaram-se como promotoras necessárias
entre a formulação teórica e a prática das ações legais de preservar/
intervir, nesta questão, a transferência das ideias para normas ficou
também evidenciada nas Cartas Patrimoniais13.
É evidente que essas teorias e encontros influenciaram a
construção da Legislação Francesa, Italiana, Portuguesa, Espanhola,
Inglesa, Americana, etc.; além de Tratados e Legislações específicas
como a Resolução 2200 das Nações Unidas de 16 de dezembro de
196614 e a Loi D’Orientation Fonciere de 1967 e mesmo a conhecidíssi-
ma Lei Malraux de 4 de agosto de 1962 sobre a reabilitação de núcleos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 189


[
urbanos históricos15 que, dentro da grande questão paradigmática
do Embelezamento e Saneamento, Modernista, Historicista e das ^
Revitalizações Urbanas, influenciaram e determinaram aspectos
preservacionistas e intervencionistas nas Constituições16 que foram
produzidas nesses países e também no Brasil, nesses últimos 170 anos.
Essas Constituições Brasileiras17 anteriores a de 05 de Outubro de
1988 (a Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I e o Ato adicional
de 1834; a Constituição de 1891 promulgada pelo Congresso Consti-
tucional e de espírito liberal; a Constituição de 1934 promulgada pela
Assembleia Constituinte durante o Governo de Getúlio Vargas; a Cons-
tituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas (influencia o Decreto-lei
no 25 de 1937); Constituição de 1946, promulgada durante o Governo
Dutra; Reforma de 1961 Constituição de 1967 e reformas de 1968/1969)
e suas relações como o universo instrumental tutelar preservacionista e
intervencionista do Patrimônio Ambiental Urbano serão o tema deste
capítulo, iniciando pela apreensão da Constituição de 1824 e a discus-
são da ausência dessa intenção tutelar no seu conteúdo.

A Constituição de 1824 (ausência de preocupações?)

A primeira Constituição Brasileira, jurada a 25 de Março de


1824, no Primeiro Império, por parte de D. Pedro I, em nome da
Santíssima Trindade, do Império do Brasil, seu Território, Governo,
Dinastia e Religião, tem aspectos muito específicos em muitas ques-
tões vindouras relacionadas à propriedade; é importante ressaltar
que por toda a Constituição não se encontram referências à preo-
cupação com a Preservação e Restauro de obras quaisquer, ou de
cunho histórico preservacionista, mas no Capítulo II Do Senado, Art.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 190


[
45, inciso III, chama a atenção a quem cabe o poder de reconheci-
mento de certas questões: “Que seja pessoa de saber, capacidade, e ^
virtudes, com preferência os que tiverem feito serviços à Pátria, e que
tenha rendimento anual por bens, acima de oitocentos mil réis”18.
Verifica-se uma estratégia que irá perdurar por toda a história
da elaboração erudita intelectual do reconhecimento do patrimônio
e outros, o que tornou as Leis relacionadas à Preservação e Restauro
desligadas das intenções populares. Outro aspecto importante é o
teor de centralidade, todos os projetos tinham que passar por um
funil até desembocar no Imperador. Apesar de existirem Conselhos
Gerais de Província e suas atribuições, eles estavam sempre subordi-
nados rigidamente a Sua Majestade Imperial. O Poder Moderador era
a chave de toda a organização Política e era delegado privativamente
ao Imperador de forma inviolável19.
Nesse período, a sociedade/política/economia estava em trans-
formação, o que devia ocorrer era uma precariedade muito grande de
todas as coisas, e especialmente nas cidades, ainda carentes de
todas as estruturas, especialmente faltavam construções para abrigar
as atividades importantes como a Câmara e Cadeia. Na Constituição
de 1824, Título 8o – Das Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis
e Políticos dos Cidadãos Brasileiros – Art. 179, Inciso XXII20, encontra-se
a garantia do direito de propriedade em toda a sua plenitude e que
se for exigido o seu uso legal pelo poder público o proprietário será
previamente indenizado21.
No caso acima se percebe o início do questionamento que per-
durará até os dias de hoje sobre os direitos de propriedade e como,
a partir de uma necessidade social, pode ocorrer e prevalecer o direito
de desapropriação do imóvel em benefício da construção cultural da

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 191


[
nacionalidade. A palavra conservação só irá aparecer na Lei de 1o De
outubro de 182822, no Título III – Posturas Policiaes, que dava nova forma ^
as Câmaras Municipais, a qual marcava suas atribuições, o processo
para sua eleição e dos Juízes de Paz, conforme Art. 66, parag. 1o:

Alinhamento, limpeza, iluminação das ruas, cáes e praças, conser-


vação e reparos de muralhas feitas para a segurança dos edificios,
e prisões públicas, calçadas, pontes, fontes, aqueductos, chafari-
zes, poços, tanques, e quaisquer outras construções em benefício
comum dos habitantes, ou para decoro e ornamento das povoa-
ções. (grifo nosso).

Mesmo que não esteja clara a motivação simbólica da preserva-


ção e restauro, esse trecho da Lei demonstra como os processos legais
começaram a ser implantados nas cidades, visando a conservação
material higienista, e que, de certa forma, reconhece a necessidade
material, mas ainda muito longe do discurso e fomentação simbólica
preservacionista.
De modo geral, a questão da construção de uma legislação
com direta preocupação com a Preservação e Restauro não apare-
ce na Constituição de 1824 e nas Leis complementares que vieram
posteriormente na Monarquia de D. Pedro II, o que se tem é uma
preocupação acentuada com a determinação do poder monárqui-
co, e no caso em estudo, poder-se-ia subjetivar que a questão ficava
remetida ao Município, ou seja, às Câmaras Municipais, que tinham
certa “liberdade” em promover Leis Orgânicas Municipais para tratar
das coisas locais, mas sempre com a imposição de serem prestadas
contas à Província e ao Imperador.
A total ausência de pensamentos na preservação, ou melhor, na
criação de símbolos locais que validassem uma memória e a constru-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 192


[
ção de uma identidade nacional, que está embrionária nesse período
e que ainda não revela uma legislação preocupada com a questão, ^
não descredencia a existência histórica de alguns intelectuais preocu-
pados com a preservação e restauro de monumentos arquitetônicos
como o pioneiro Conde de Galveias, em meados do século XVIII, que,
em 5 de Abril de 1742, escrevia ao Governador de Pernambuco, Luís
Pereira Freire de Andrade, uma carta lamentando demais o projeto
que transformou o Palácio das Duas Torres, construído pelo Conde
Maurício de Nassau em quartel de tropas locais, pois, segundo ele,
seria imprescindível a manutenção da integridade daquela obra holan-
desa, verdadeiro troféu de guerra a orgulhar o nosso povo, pois com
as adaptações previstas estaria arruinada a memória dessa capitania23.
Preocupações de cunho mais impositivos imperialistas, mas
merecedoras de destaque, como a da Rainha Maria I, em 1790, que
expediu uma ordem solicitando que fossem registrados monumen-
tos arquitetônicos do ciclo do ouro24 também marca, apesar do foco
econômico, a possibilidade de uma intenção embrionária; mas não se
pode deixar de constatar que a presença da preocupação com a preser-
vação e restauro contida na Constituição de 1824 e leis complementa-
res apenas reconhece os fatos de necessidade administrativa imperial
e não faz parte ainda da construção de um discurso de identidade ou
simbólico nacional e, muito menos, do registro de uma nação.
O movimento político-militar em 15 de novembro de 1889 aca-
ba com o Império e instaura no país uma República Federativa25. O
novo sistema de governo é inaugurado depois de uma campanha
que dura quase 20 anos. O esforço nacional em torno da Guerra do
Paraguai (1865-1870) e a luta contra a escravidão colocam na ordem
do dia à vontade por um regime presidencialista, descentralizado e

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 193


[
que culminará no nascimento da República Federativa do Brasil e na
Constituição de 1891 e promoverá novas relações com a questão da ^
preservação e restauro.

O nascimento da República Federativa do Brasil


Constituição de 1891 (a necessidade da construção
de Símbolos ainda ausentes)

A Constituição promulgada a 24 de fevereiro de 1891, de regime


livre e democrático, estabelecia um regime representativo de gover-
no, a partir da Proclamação da República de 15 de novembro de 1889
e transformava as antigas províncias em Estados Unidos do “Brazil”26.
A Constituição de 1891 demonstra dois aspectos: 1 - Dava maior
autonomia às antigas Províncias que agora se tornavam Estados re-
presentativos; esse fato pode gerar a hipótese que a maior liberdade
de cunho regional e, ao mesmo tempo, a necessidade de encontrar
objetos denotadores das características culturais locais forçaram os
representantes desses Estados iniciarem um processo de criação e re-
conhecimento de monumentos e ícones possuidores de representati-
vidade histórica local; 2 - A figura política que se estabeleceu em uma
representação claramente nacional – presidencialismo e democracia
– exigia a construção de um discurso apartado das antigas relações
aportuguesadas; era necessária a construção simbólica cultural nova,
um novo estereótipo, mas o empecilho, que talvez ainda tenha im-
pedido que esse processo tenha ocorrido, pode ser explicado pelo
excesso positivista francês acentuado dos militares a frente dessa
mudança, e da própria população que “bebia” dos produtos franceses
como símbolo cultural.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 194


[
A liberdade ao Estado está expressa claramente no Título I – Da
Organização Federal – Art. 6o: “o Governo Federal não poderá intervir ^
em negócios peculiares aos Estados, salvo...” , é evidente que essa liber-
27

dade ainda estava muito atrelada e condicionada ao governo cen-


tral28, não por uma questão teórica, mas pela necessidade e carência
de subsídios que os novos Estados apresentavam, ou seja, tudo que
se tinha que montar, era novo e necessitava do Governo Federal,
inclusive o alto teor de paternalismo nacionalista que viria a nortear
a centralidade de todos os atos, especialmente no caso das futuras
entidades que controlariam a preservação e restauro.
Outro aspecto da Constituição de 1891 é o fato da promoção da
Imigração, tanto pela necessidade de mão de obra para a agricultura
(cafeeira) quanto o que se denominou de necessidade da revaloriza-
ção do trabalho, onde o imigrante, branco, europeu foi estabelecido
como modelo para possibilitar a transformação cultural brasileira. Foi
dessa formulação de um novo modelo de homem, sem influência das
“negativas” características anteriormente recebidas dos índios, portu-
gueses e negros que se construiu um discurso modelo para o homem
republicano e urbano, esse excesso irá culminar com certos eugenis-
mos29 até 1940, é claro que os centros que receberam maior número
de imigrantes passaram a ser detentores de certos favorecimentos
por parte do Governo Federal30.
No Título II da CF 1891 – Dos Estados – Art. 63: “cada Estado reger-
-se-há pela Constituição e pelas Leis que adoptar, respeitados os princí-
pios Constitucionaes da União”, e Título III – Do Município – Art. 68: “Os
Estados organizar-se–hão de forma que fique assegurada a autonomia
dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”31. No
referente à propriedade, a Constituição de 1891 mantém seu direito

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 195


[
inviolável: Seção II – Declaração dos Direitos, como na Constituição
anterior; já nas Disposições Transitórias, Art. 80, percebe-se um ins- ^
tante em que há preocupação com a construção de uma memória
nacional, preservando e estabelecendo um respectivo símbolo32: “O
Governo Federal adquirirá para a nação a casa em que faleceu o Dr.
Benjamim Constant Botelho de Magalhães e nella mandará collocar
uma lapide em homenagem à memória do grande patriota – o funda-
dor da República”.
A situação apresentada na Constituição de 1891 sobre a preserva-
ção e restauro ainda está muito próxima, em seu conteúdo de inexis-
tência, da Constituição de 1824, a diferença é a presença de espírito
patriótico que então toma seus articuladores na promoção e cons-
trução de símbolos nacionais. A dificuldade reside ainda no processo
transitório estabelecido, próprio de governos provisórios e que, aos
poucos, iriam desencadear, no caso da preservação e restauro, os ins-
trumentos e discursos específicos materializados nas Leis e Normas,
que estarão presentes na próxima Constituição, a de 193433, em que a
construção de uma nação pretensamente mais original, encomenda-
da pela Ditadura Getulista, na formulação de um Homem Novo, pro-
moveu, através de um discurso ideológico intelectualizado, a gênese
de objetos “dignos” da preservação e restauro no Brasil.

A Constituição de 1934 (a institucionalização da


preservação e restauro)

Para entender os fatores que culminaram na Constituição pro-


mulgada a 16 de julho de 1934, é interessante uma pequena recons-
tituição histórica do primeiro período republicano no Brasil, também

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 196


[
chamado de Primeira República34, que dura de 1889 a 1930, controlada
pelas oligarquias agrárias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, ^
ligadas à cultura do café. Os militares envolvidos na questão, Deodoro
da Fonseca, Floriano Peixoto e, posteriormente, os civis como Pruden-
te de Moraes, representavam uma fase inaugural de governos eleitos
pelo Partido Republicano Paulista, depois engendrada por Mineiros e
Fluminenses que dominaram o cenário político do país.
A famosa política econômica do “café com leite”35 e a alusão a
alternância de paulistas e mineiros no poder determinam as primeiras
rachaduras nessa estrutura republicana no final da primeira década
do século XX, com a morte de Rodrigues Alves (paulista) antes da pos-
se, mineiros e paulistas não entraram em acordo sobre a sucessão,
lançando Epitácio Pessoa (paraibano). Essa crise sucessória foi agra-
vada pela crise mundial de 1929. Em abril de 1930, a chapa de Júlio
Prestes vence a eleição, inconformados, os aliancistas em torno de
Getúlio Vargas, candidato à presidência tendo como vice João Pessoa,
promovem a revolução de 1930, que põe fim à República Velha e que
deságua na Constituição de 1934.
É dentro desses preceitos que a Constituição de 1934 foi
promulgada e, no caso da preservação e restauro a estratégia da bus-
ca da identidade cultural estará presente no discurso que irá ser cons-
truído pelo governo de Vargas36; neste contexto a intensa atuação
dos intelectuais na década de 1930, serão porta-vozes de um discur-
so complexo e sofisticado que visava a institucionalização do homem
novo nacional, a partir de um significado acolhedor de categorias de
História, de Passado, de Estético, de Nacional, de Exemplar, tendo
como eixo articulador a ideia de Patrimônio.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 197


[
Sabe-se que a ideologia37 Estado-novista pretende criar um ho-
mem novo, construído a partir do binômio educação e trabalho. Um ^
homem capaz de ter conhecimento e técnica para vivenciar o futuro.
Pois bem, essa ideologia apresenta conteúdo simbólico consoante
com as propostas dos modernos sobre o “resgate” do passado para
lançá-lo ao futuro. Trata-se de estabelecer um conhecimento do pas-
sado, da tradição que o ilumina, para construir uma consciência nova
para o futuro e isso a Constituição de 1934 reza no capítulo II – Da
Educação e da Cultura – Art. 14838:

Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o


desenvolvimento das sciencias, das artes, das letras e da cultura
em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimô-
nio artístico do paiz, bem como prestar assistência ao trabalhador
intelectual. (grifo nosso).

Apesar de identificar a Constituição de 1934 como uma etapa


a ser claramente reformulada em 1937, inclusive detentora de um
alto teor do que se pode chamar de provisória, ou melhor, transitória,
deve-se observar certos elementos nela contidos referentes às ques-
tões de preservação e restauro, ou que, de certa forma, merecem esse
relacionamento analítico; já no Capítulo I – Disposições preliminares
– Art. 10 – Inciso III: “proteger as belezas naturais e os monumentos de
valor histórico e artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte”39,
esse artigo expressava uma vontade que já havia se manifestado no
final da década de 1920, quando o deputado historiador e amante
das artes Wanderley Pinho, autor de obras sobre usos e costumes do
império, fez projeto de lei relativo à proteção de nosso patrimônio
cultural; esse projeto de lei não foi o primeiro, pois o Deputado Luiz
Cedro, em 1923, apresentou um projeto de lei destinado a salvar nosso

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 198


[
patrimônio, sugerindo a criação de uma “Inspetoria dos Monumentos
Históricos dos Estados Unidos do Brasil”40. ^
Um dos aspectos mais acentuados na Constituição de 1934 é
seu teor populista, característica norte dos governos do Estado Novo
e, em especial, a definição de uma política trabalhista; na questão
da preservação e restauro, chama a atenção o Título IV – da ordem
Econômica e Social – Art. 124: “provada a valorização do immovel por
motivo de obras públicas, a administração que as tiver efetuado, poderá
cobrar dos beneficiados contribuição de melhorias”41, este artigo mos-
tra a nova dimensão econômica que o meio urbano passa a ter, em
que a Constituição, em artigos posteriores, demonstra essa preocu-
pação, o que virá a se tornar uma das questões mais presentes no ato
do restauro dos imóveis, a quem cabe o dever de subsidiar os custos
do imóvel tombado, coisa que ainda será determinada na próxima
Constituição, mas que, até hoje, representa um dos maiores proble-
mas da preservação e restauro de imóveis e, consequentemente, do
Patrimônio Ambiental Urbano.
A grande contribuição da Constituição de 1934 para a preserva-
ção e restauro está esboçada no Capítulo II – Da Educação e da Cultura
– no Art. 148, que apesar de determinar a intenção da proteção do
patrimônio, ainda não indica os mecanismos para esse fim; também
fica claro que se trata de uma preparação para o que viria a ser o
Decreto-lei de 1937 e o próprio ato de criação do SPHAN, promulga-
do por Getúlio Vargas já como estadista. A próxima Constituição42 irá
demonstrar um dos capítulos mais importantes na preservação e res-
tauro no Brasil, que ficou conhecido, por alguns historiadores, como a
fase heroica de Rodrigo Melo Franco de Andrade.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 199


[
A determinação do que, onde, e para quem
deveria ocorrer a preservação e restauro ^
(A Constituição de 1937)

É inevitável iniciar a análise da Constituição de 1937 abordando


os aspectos que constituíram o nascimento do que ficou conhecido
como a academia SPHAN e sua simbiose biográfica com Rodrigo de
Melo Franco de Andrade, portadores de uma relação de extrema
importância com as Leis elaboradas na Constituição e que viriam a
ser os principais instrumentos de preservação e restauro no Brasil,
aplicados até os dias de hoje. Evidente que no processo das mani-
festações que então se fazia na década de 1930, a centralidade não
recorre apenas à figura de Rodrigo M. F. de Andrade, mas também
a vários outros intelectuais, na qual merece destaque especial Lúcio
Costa e Mário de Andrade, principais articuladores dos princípios sim-
bólicos sob os quais se armam as narrativas sobre o patrimônio43.
A necessidade inicial de eleger o local desse patrimônio digno
e portador da identidade nacional entremeia-se a famosa fase heroi-
ca do SPHAN, com os procedimentos adotados por Rodrigo M. F. de
Andrade com pesquisas, viagens, tombamentos e restaurações, além
das publicações; foi nesse “descobrimento do país” que se inventou
e inventariou um Brasil histórico, artístico, etnográfico, arqueológico
e geográfico. Dentro desse aspecto o projeto de 1936 de Mário de
Andrade sempre deve ser mencionado como um instrumento inicial e
portador de uma definição intelectual que viria a estruturar a confec-
ção e entendimento do Decreto-lei no 25 e dos artigos da preservação
e restauro na Constituição de 193744.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 200


[
É dentro dessas ideias e acontecimentos que a promulgação da
Constituição dos Estados Unidos do Brasil, decretada a 10 de novem- ^
bro de 1937 , estabelece as seguintes questões para a preservação
45

e restauro: 1 - A criação-organização do SPHAN (a partir da Lei no


378 de 13 de janeiro de 1937); 2 - O Decreto-lei no 25, considerado
o instrumento legal mais importante no país é estabelecido (30 de
novembro de 1937); 3 - Determinação de mecanismos portadores de
um caráter nacionalista anticomunista; 4 - Entende que as Constituições
anteriores não dispunham de meios adequados para a preservação e
restauro; 5 - Centralização do poder de decisão do que, por que, onde
e a quem cabe o direito de preservar e restaurar através da determi-
nação presidencial e do autoritarismo; 6 - Certa preocupação com o
patrimônio natural, apesar da falta de uma definição legislativa mais
clara; 7 - Uma certa preocupação com os povos de origens indígenas
e seus costumes. Refletindo sobre estes pontos é que foram desenvol-
vidas as análises do período Constitucional de 1937 a 1946, iniciando
pela sua maior contribuição: o Decreto-lei no 25.
O Decreto-lei no 2546, de 30 de novembro de 1937, tinha como
finalidade organizar a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, pois entendia que não havia sido feita nenhuma lei que
tivesse estabelecido anteriormente esses preceitos. O Presidente da
República do Estados Unidos do Brasil, Getúlio Vargas, usando da atri-
buição que lhe conferia o Art. 180 da CF/37, das Disposições Transi-
tórias: “Enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da
República terá, o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias
da competência legislativa da União”47, utilizou esse dispositivo para
possibilitar a construção da identidade do novo-homem brasileiro,
é claro que contou com a eficiente ajuda de Gustavo Capanema48,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 201


[
então Ministro da Educação do Governo Getulista de 1934 a 1945.
Esse Decreto é constituído de 5 capítulos: I- Do Patrimônio Histórico e ^
Artístico Nacional; II- Do Tombamento; III- Dos Efeitos do Tombamen-
to; IV- Do Direito de Preferência; e V- Disposições Gerais.
No Capítulo I é interessante destacar o Art. 10:

Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto


dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação
seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memo-
ráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueo-
lógico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

Isso é verificado através do trabalho incessante do SPHAN, pois


logo após o Decreto, o órgão lançou sua revista anunciando um país
de lugares e tempos privilegiados, mapeando um passado, tentando
demonstrar que não se inspirava em motivos sentimentais ou român-
ticos; mas, na prática, elegia as Minas Gerais – O Barroco Mineiro –
como detentor de uma identidade que resultaria num fechamento de
possibilidades mais abrangentes. O trabalho de tombamento só teve
início em 1938 e, até dezembro daquele ano, 215 bens foram escritos
em livros do tombo49; o Rio de Janeiro foi o Estado onde a prática se
iniciou com maior impacto, com o tombamento, no primeiro ano, de
78 bens50.
O que está por trás de todos esses artigos do Decreto no 25 é a
construção simbólica de um país desejoso de um passado, patriarcal,
latifundiário, ordenado por casas de Câmara e Cadeia, por persona-
gens ilustres e extremamente católico, que Rodrigo M. F. de Andrade
chegou a chamar de conjunto de documentos de identidade. Para
expressar essa afirmação simbólica: “fatos memoráveis”, presente no
artigo 1o do Decreto, verifica-se que os primeiros bens tombados se

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 202


[
remetem a eventos e personagens ilustres, por exemplo: a Casa
de Gregório de Matos tombada em 1938, e outras como a de José ^
Bonifácio e artistas como Grandjean de Montigny . 51

No Capítulo II do Decreto-lei 25/37 encontra-se a determinação


dos Livros do Tombo, a qual estava associada à obrigação constitucio-
nal que o país tinha sobre o zelo de um conjunto reduzido de bens
que marcava a cultura e civilização brasileira. Mário de Andrade, no
seu projeto de 1936, agrupava esses bens em oito categorias (Arte
arqueológica, Arte ameríndia, Arte popular, Arte histórica, Arte erudi-
ta nacional, Arte erudita estrangeira, Artes aplicadas nacionais, Artes
aplicadas estrangeiras)52; no Decreto 25/37 essa questão é reduzida
aos seguintes livros determinados no Art. 4o:

1 - Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas


pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica,
ameríndia e popular; 2 - No Livro do Tombo Histórico e as obras
de arte histórica; 3 - No Livro de Tombo das Belas Artes, as coisas
de arte erudita nacional e estrangeira; 4 - No livro do Tombo das
artes aplicadas, as obras que se incluem na categoria das artes
aplicadas, nacionais ou estrangeiras.

Os artigos 5o, 6o, 7o, 8o e 9o do Capítulo II tratam dos mecanis-


mos de Tombamento relacionados ao pertencimento, a notificação, a
guarda, ao tombamento voluntário, ao juízo do conselho consultivo
sobre o bem a ser tombado e ao tombamento compulsório, ou seja,
a notificação e possibilidades de recorrer do proprietário, essa última
questão, até hoje, é um dos pontos mais discutíveis no processo de
tombamento, pois interfere diretamente no Art. 122, da Constituição
de 1934 e nas posteriores: “A Constituição assegura aos brasileiros e
estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, a segurança in-
dividual e à propriedade...”53. Mesmo que o tombamento revele um

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 203


[
caráter com fins sociais que reconheçam a desapropriação, esse pon-
to ainda tem que ser muito mais trabalhado nas pretensas novas leis ^
referentes à preservação e restauro.
Com relação ao Capítulo III, Dos Efeitos do Tombamento, per-
cebe-se o tom centralizador e autoritário do Decreto 25/37 em torno
do SPHAN no Art. 11 e no Art. 17. Não se trata aqui de uma crítica
ao que o SPHAN realizou, pois, ao retirar igrejas, casas e pontes do
anonimato, o SPHAN conferiu ao país não apenas um passado, mas,
sobretudo, seu passado, um período heroico, no qual tudo estava
por ser construído, não se admira esse excesso de preocupação com
a determinação de a quem pertence o direito de preservar, um fato
muito claro nos teóricos articuladores da conservação e restauro des-
sa época, como provada no prefácio do livro “Casa Grande e Senzala”
de Gilberto Freyre, um dos mais atuantes colaboradores do SPHAN e
promotores do reconhecimento da cultura Pernambucana que dizia:
“Era como se tudo dependesse de mim e dos de minha geração”54.
Em relação ao Direito de Preferência o Capítulo IV da CF/37 esta-
belece o direito primeiro da União, e depois, do Estado e do Municí-
pio; o Decreto-lei 25/37 (Capítulo IV), ficava evidenciado que a União
tinha o direito primeiro, pois se tratava de um período de construção
dessa identidade, sendo que as obras de conservação, consolidação
e restauração, tinham a necessidade de empreendimentos vultosos
de pesquisas e estudos, de arquivo de documentos, de inventários,
de laboratórios, ferramentas apenas disponíveis na União e, por esse
motivo, não provocavam a discussão de a quem cabia o direito primei-
ro, era uma época de construção e o dono da ferramenta era a União.
Rodrigo M. F. de Andrade, por ser advogado, já previa no futu-
ro próximo as disputas que gerariam a definição de a quem cabe o

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 204


[
direito de cuidar dos bens tombados, especialmente entre a União
e os Estados, talvez por que o próprio SPHAN já sofresse essa crítica ^
sobre sua hegemonia na determinação do local, do objeto e das ques-
tões gerais que envolviam a conservação e o restauro. A preocupação
com esse fato fica bem clara no último Capítulo do Decreto-lei no 25,
Disposições gerais, artigo 23o:

O poder executivo providenciará a realização de acordos entre a


União e os Estados, para melhor coordenação de desenvolvimen-
to das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional e para a uniformização da legislação estadual
complementar sobre o assunto.

O Decreto-lei no 25/37 foi a maior produção normativa legal


referente a preservação e restauro produzida no Brasil e continua sen-
do o referencial de como proceder legalmente na questão do tomba-
mento, a crítica a esse Decreto deve ser entendida dentro da Instância
Histórica e da Instância Estética, como uma análise teórica despreza-
da no SPHAN dessa época, pois separava as questões da história das
questões da arte, até no próprio nome criado para o órgão, justificada
por uma atuação precavida e política de Gustavo Capanema e de Ro-
drigo Melo Franco de Andrade.
A liberdade imposta pela Constituição de 1937 ao Presiden-
te da República de governar por Decretos-leis também refletiu em
outras oportunidades discricionárias, representada pela Lei no 378
(Dá Nova Organização ao Ministério da Educação e Saúde Pública,
que determina no capítulo III, seção III- Dos serviços à Educação, Art.
46, a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SPHAN, com a finalidade de promover em todo o país o tombamento,
a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do Patrimônio

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 205


[
Histórico e Artístico); uma delas foi materializada no Decreto-lei no
3365 de 21 de junho de 1941 que dispõe sobre desapropriações por ^
utilidade pública, no qual o artigo 5 considera os casos de utilidade
o

pública:

A preservação e conservação dos monumentos históricos e ar-


tísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais,
bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os
aspectos valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisa-
gens e locais particularmente dotados pela natureza.

Nas quatro primeiras décadas do século XX, coincidindo com


o período Constitucional de 1934, 1937 até 1946, inicia-se uma luta
pela preservação da memória cultural, encontrando-se a construção
de um discurso simbólico de identidade estado-nação/homem-novo
que obteve nessas Constituições e, especialmente, nas imposições
dos Decretos-leis a organização de um serviço de proteção que, ape-
sar de composto por inúmeras contradições, promoveu na sua fase
heroica, quando nada havia ainda sido feito, a determinação dos bens
julgados possuidores de excepcional valor histórico para a formação
de nossa nacionalidade.
Neste período o governo Varguista exerceu o poder de polícia
e coerção sobre os bens julgados importantes para a formação de
nossa história e que refletem mais (especialmente na Constituição de
1937) a não dialética existencial de uma legislação patrimonial do que
a dialética. Em 1946, o SPHAN foi reorganizado como Diretoria do Pa-
trimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), havendo a descen-
tralização do órgão que atuava em todo o território nacional, criando
a partir daí distritos em quatro Estados da Federação. É a relação des-
sa questão com a Constituição de 1946 que será analisada a seguir.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 206


[
Repensando a construção legal
(A Constituição de 1946) ^

Neste subcapítulo, o ponto nodal do enfoque recai sobre a rela-


ção da Constituição de 194655 com a reorganização e descentralização
do SPHAN para DPHAN, busca-se entender os mecanismos utilizados
e orientados pelos articuladores à frente do processo teórico que cul-
minou com a materialização legal normativa dos artigos e decretos
da preservação e restauro. Mas também se faz necessário passar a
limpo alguns fatos históricos que agenciaram esses acontecimentos e
relacioná-los com a produção das leis anteriores e posteriores a Cons-
tituição de 1946, como o Decreto-lei no 3365 de 1941, que dá nova or-
ganização ao Ministério da Educação e Saúde Pública, e a Lei no 4717
de 1965 que regula a ação popular; ambas diretamente relacionadas
com a legislação preservacionista daquela época.
Para a história da preservação e restauro no Brasil, esse período
significou a vitória da arquitetura moderna junto ao IPHAN e dos in-
telectuais ligados ao Ministro Gustavo Capanema, pois apresentam,
entre outras coisas, três bens que nasceram tombados: a Igreja da
Pampulha (Minas Gerais) em 1943 e inscrita no Livro do Tombo em
1947, o Ministério (Rio de Janeiro) construído em 1943-44 e tom-
bado em 1948, e o Parque do Flamengo (Rio de Janeiro)56. O que
fica evidenciado nesse período é que a fase heroica havia produzi-
do um tombamento de mais de 700 bens, agora se fazia necessário
conservar esse acervo, mas, além dos problemas gerados por essa
necessidade administrativa, somavam-se as conturbações políticas
nacionais e internacionais que desarranjaram a estrutura montada
naquelas últimas décadas.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 207


[
A Constituição de 1946, na verdade, reflete a derrota do nazi fas-
cismo na II Guerra Mundial e, consequentemente, a queda do Estado ^
Novo Getulista, promulgada no Governo Dutra, restabelece os direi-
tos individuais, extinguindo a censura e a pena de morte, devolve a
independência dos três poderes, a autonomia dos Estados e Municí-
pios e a eleição direta para Presidente da República, com mandato de
cinco anos. Para a preservação e restauro, isso teve vários desdobra-
mentos, ou seja, o estabelecimento dos direitos individuais reforça o
direito à propriedade; a descentralização e a queda do autoritarismo
exacerbado do estadista promove uma liberdade um pouco maior na
questão do predomínio de centralidade do órgão IPHAN, o que de-
terminara a sua transformação em DPHAN e a abertura de distritos
encarregados da preservação e restauro; a maior autonomia dos Esta-
dos e Municípios provoca a liberdade de reconhecimento de obras re-
gionais e locais e o nascer de órgãos estaduais como o CONDEPHAAT
– Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artísti-
co e Turístico – criado pela Lei no 10247 de 22 de outubro de 1968 pelo
Governador Paulista Roberto de Abreu Sodré57.
Esse período, de 1945 a 1964, também é conhecido como Repú-
blica Democrática Populista58, baseada num discurso demagógico, na
incorporação das massas populares (porém sob controle do Estado), no
nacionalismo e na intervenção estatal econômica visando a industria-
lização. É sob esses conceitos que a Constituição de 1946 caminhará e
apresentará os artigos e leis referentes à preservação e restauro, como
no Capítulo II, Dos Direitos e das Garantias Individuais, Art. 14159: “A
Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: ...”.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 208


[
Novamente se vê o direito à propriedade ser reconhecido como
premissa maior da Constituição; o parágrafo 16 repete o argumento ^
da Constituição anterior: “É garantido o direito de propriedade, salvo
o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro”.
É interessante essa questão, pois o tombamento não trata de uma de-
sapropriação, mas apenas de uma defesa do bem contra alterações e
modificações na sua constituição estética e histórica.
A reorganização das questões de preservação e restauro apare-
ce tanto no campo das descentralizações, como na reformulação dos
artigos da Constituição de 1946, pois altera e introduz argumentos
encontrados em outros artigos da Constituição anterior, como o Art.
175, do capítulo II, Da Educação e da Cultura, no qual normalmente
está contida a preocupação com o tema60: “As obras, monumentos e
documentos de valor histórico e artístico, bem como os monumentos
naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza ficam sob
a proteção do poder público.”
Vê-se a inclusão do termo “documentos de valor histórico e ar-
tístico”, questão de muita importância que não ocorria na Constituição
de 1937 e suas Emendas, pois abre o leque preservacionista dos obje-
tos considerados patrimoniais; outra postura é a relação de igualdade
dada à proteção de monumentos naturais, que vai se chocar com o
tratamento político institucional do mito desenvolvimentista da épo-
ca, no binômio população-desenvolvimento, presentes nos governos
de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), Getúlio Vargas (1951-1954), com
a política de industrialização de “interesses nacionais” e com o BNDE
de Juscelino Kubitschek (1956-1961) com o lema “Cinquenta anos de
progresso em cinco de governo”; finalizando com a austeridade de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 209


[
Jânio Quadro (1961-renúncia) e João Goulart (1961-1964) com seu Pla-
no Trienal de desenvolvimento Econômico61; os quais se idealizavam ^
num modelo predatório de negação à questão ambiental que somente
tomaria forma protecionista na prática legal a partir dos anos 198062.
Em relação às Emendas Constitucionais, pode-se observar um
aspecto ainda não levantado por esse capítulo, ou seja, a questão da
tributação sobre os bens imóveis urbanos e rurais que, por ventura,
tenham sofrido processo de tombamento. Na Emenda Constitucional
no 5 de 22 de novembro de 1961, no Art. 29: “pertencem aos municí-
pios os impostos: I- sobre propriedade rural e urbana; II – predial.......”63,
nota-se que apesar de tombado, o imóvel ainda está sujeito ao im-
posto municipal – IPTU; nesse momento (década de 1950-60), não
se têm ainda uma preocupação de uso desse argumento em favor da
preservação, atualmente vê-se muitos projetos municipais que utili-
zam mecanismos de diminuição ou isenção do IPTU para contemplar
proprietários de imóveis que buscam a restauração de seus bens.
Já havia sido comentado que, nesse período, excetuando-se os
artigos presentes na Constituição, duas matérias legais são de extre-
ma importância, uma anterior a CF/1946: o Decreto-lei no 3365 de
1941, que dá nova organização ao Ministério da Educação e Saúde
Pública, e outra posterior a CF/1946: a Lei no 4717 de 1965, que regula
a ação popular. O primeiro dispõe sobre desapropriações por utilida-
de pública, questão que já foi definida como uma das mais complexas
no direito relacionado à preservação e restauro, afirmada no Art. 5o:

Consideram-se casos de utilidade pública: ...k- a preservação e


conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou
integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medi-
das necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos valiosos e
locais particularmente dotados pela natureza64.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 210


[
Já na Lei no 4717, de 29 de junho de 1965, que regula a ação po-
pular, trata do esclarecimento do que é patrimônio público, pois era ^
tratado (isso a Constituição de 1946 e os Atos Adicionais do Governo
Militar pós 1964 não esclareciam) como sendo todas as propriedades
Federais, Estaduais e Municipais. Essa situação desarticulava os bens
tombados, que apesar de tombados, muitos não eram propriedade
da União, nem do Estado e nem dos Municípios, assim caberia a essa
Lei uma maior definição com relação a considerar-se patrimônio pú-
blico para fins referidos ao Art. 10: “Qualquer cidadão será parte legíti-
ma para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos
ao Patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municí-
pios”. (Constituição de 1946, art. 141, parágrafo 38)65.
Os artigos e leis da Constituição de 1946 sobre as questões da
preservação e restauro começam a ser substituídos ou repensados a
partir do novo Regime instaurado pelo Golpe de Estado de 31 de março
de 196466, que se estendeu até a chamada abertura política, em 1985,
sendo extremamente marcado por um autoritarismo67, supressão dos
direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura
dos opositores e pela censura prévia aos meios de comunicação.
O Golpe Militar de 1964 e a Constituição de 1967, apesar de
representarem a materialização legal das transformações políticas,
econômicas e sociais, na preservação e restauro trata-se do fim do
período de Rodrigo M. F. de Andrade à frente do discurso da constru-
ção simbólica e, posteriormente, a ascensão, já bem próxima do final
do Regime Militar, de Aloísio Magalhães68, também ocorre em 1970 o
retorno do DPHAN à IPHAN e, depois para MEC-SPHAN/Pró-memória;
todas essas questões e sua relação com a Constituição de 1967 e re-
forma de 1969 serão analisadas no próximo subcapítulo.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 211


[
O marco de transição da Constituição de 1967
(A Reforma Constitucional de 1969) ^

A Constituição de 1967, promulgada durante o governo do


General Castelo Branco (1964-1967)69, que teve como característica
o compromisso com a “defesa da democracia”, decretou três atos ins-
titucionais, cassou mandatos, suspendeu direitos políticos, interveio
em sindicatos, instituiu o Bipartidarismo (Arena-MDB), criou o SNI;
foi o governo que pressionou o Congresso a aprovar a Constituição
e institucionalizar a ditadura. Observando a metodologia discursiva
específica empregada pelos militares: “dar ao povo as coisas que fal-
tam”, entenda-se: o discurso moderno, que no caso da preservação
e restauro tratava de não mais construir o antigo, agora o antigo já
estava reconhecido, então se passava para uma outra questão que
sempre esteve ausente, ou seja, um discurso de participação.
A prática que o governo aplica para todos os setores é a mesma,
no caso dos bens patrimoniais, tratava-se de descarregar na possibi-
lidade maior de dar “posse pública” – material e/ou apenas simbólica
– para ou em nome da coletividade. A conjuntura que então se apre-
sentava fazia com que o SPHAN e sua atuação fosse inadequada aos
novos tempos, para a administração federal. Era preciso compatibili-
zar a gestão dos bens culturais aos imperativos econômicos e ao novo
discurso “participativo” dos governos ditatoriais militares.
Para o regime militar, passada a fase mais dura da repressão,
o campo da cultura passou a ser objeto de atenção especial, tanto
como recurso ideológico para legitimar um projeto nacional, como
para reorganizar a esfera cultural (Embrafilme, Funarte, etc), ou seja,
o discurso que foi exemplificado anteriormente de uma “pluralidade

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 212


[
cultural” e “desenvolvimento cultural” passa a ser aplicada. É nesses
termos que apareceram os famosos Encontros, na década de 1970, de ^
Brasília e Salvador , bem como a criação do CNRC – Centro Nacional
70

de Referência Cultural; essa política terá seus resultados na gestão de


Aloísio Magalhães (1979-1982), que vai abranger quase todas as áreas
culturais: preservação patrimonial, teatro, folclore, museu, biblioteca,
fotografia.
Todos esses aspectos históricos são de fundamental importância
para se poder entender os artigos da Constituição de 1967 e a reforma
Constitucional de 1969, além das Leis e Decretos-leis que pontuaram
pelo período em análise, como o Decreto-Lei no 6292 de 1975, que dis-
põe sobre o tombamento de bens no Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN); a Lei no 7347 de 1985 que disciplina a ação
civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambien-
te, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico (vetado) e dá outras providências, o Código
Penal Brasileiro – parte especial – dos crimes contra o patrimônio;
o Decreto no 80978 de 1977 que promulga a convenção relativa à pro-
teção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972; as Portarias,
como a Portaria no 10 de 1986 que determina os procedimentos a serem
observados nos processos de aprovação de projetos a serem executa-
dos em bens tombados pelo IPHAN ou nas áreas de seus respectivos
entornos e a Portaria no 11 de 1986; essas últimas duas portarias já bem
próximas a Constituição de 1988, Constituição que consolida as nor-
mas de procedimento para os processos de tombamento, no âmbito
da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN71.
A Constituição de 1967 apresenta, especificamente no capítu-
lo IV, Dos Direitos e Garantias Individuais, Art. 150, parágrafo 3172,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 213


[
a questão que foi trazida à tona como o novo rumo do discurso de
construção simbólica, de moderno para participativo, quando admite ^
ao cidadão o direito de propor ações públicas para anular atos contra
o patrimônio: “Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação
popular que vise anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públi-
cas”. No Título IV, Da Família, da Educação e da Cultura, no Art. 172,
no qual normalmente é reservado o espaço na Constituição para a
defesa do Patrimônio Histórico e Artístico, lê-se o seguinte:

O amparo à cultura é dever do Estado. Parágrafo único: Ficam sob


a proteção especial do Poder público os documentos, as obras e
os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisa-
gens naturais notáveis, bem como as jazidas arqueológicas.

A Constituição de 1967 apresenta uma preocupação maior com


a manutenção do processo revolucionário iniciado em 31 de março
de 1964, fato demonstrado com os Atos Institucionais posteriores e
complementares a ela, como o conhecido Ato Institucional No 5 de
13 de dezembro de 196873. Para a preservação e restauro, pode-se
admitir tratar de um momento lacunar, pois observando a saída de
Rodrigo M. F. de Andrade em 1967, sua substituição por um nome
de peso e preocupação com as questões patrimoniais só se dará em
1979 (Aloísio Magalhães). Pode-se criar uma hipótese sustentada
pela repressão autoritária do Governo Militar sobre todos os campos
e especialmente sobre a cultura e sobre a possibilidade de impedir
a construção de discursos culturais, através das edições dos 17 Atos
Institucionais, que vão até a reformulação da Constituição em 1969.
Fica claro que, construir qualquer teoria sobre qualquer assunto,
no período posterior a 1964 até o final da década de 70, era extremamen-
te complicado, uma vez que, para os militares, os discursos deveriam,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 214


[
anteriormente, passar por toda uma verificação do que eles chamavam
de adequação ao processo patriótico; ou como o jornalista Paulo Sérgio ^
Coelho da Folha de São Paulo, em 1975, disse de Aloísio Magalhães:
“Impaciente (Aloísio) achou que em 1975 já testemunhara descaso e
abandono demais para continuar fora das políticas concretas do Estado”74.
Na Emenda Constitucional de 1969, a sua maior parte mantém a
Constituição de 24 de janeiro de 1967, inclusive as questões relativas
à preservação e restauro, como o artigo 172 e seu parágrafo único,
que passa a constar na Reforma, no Título IV como Art. 18075, da
Família, da Educação e da Cultura, mantendo os mesmos critérios da
Constituição anterior. A Reforma de 1969 é finalizada com a Emenda
Constitucional No 26 de 27 de novembro de 1985, referente, entre ou-
tras, a concessão de anistia aos autores de crimes políticos de 2 de
setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Além da Constituição de
1967 e Reforma de 1969, existem leis mais específicas relacionadas
a preservação, como a Lei no 6292 de 15 de dezembro de 1975, que
dispõe sobre o tombamento de bens no Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, citando em seu Art. 1o: “O tombamento de
bens no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, previsto
no Decreto-Lei 25, de 30 de novembro de 1937, dependerá da homolo-
gação do Ministro de Estado da Educação e Cultura, após parecer do
respectivo conselho consultivo” 76.
Também ocorre o Decreto no 80978 de 12 de dezembro de 1977
que promulga a convenção relativa à proteção do Patrimônio Mun-
dial, Cultural e Natural, de 1972, em que o Presidente da República
Ernesto Geisel decreta77 a necessidade de preservação do patrimônio
cultural e natural devido à degradação em virtude da vida social e eco-
nômica, revelando essa questão como um empobrecimento nefasto

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 215


[
ao mundo, reconhecendo que, no Brasil, essa proteção é incomple-
ta, considerando indispensável adotar disposições que estabeleçam ^
um sistema eficaz de proteção. Esse sistema eficaz foi chamado de
Política Federal de Preservação dos anos 1970 e 80.
A complexidade da preservação de sítios urbanos já havia sido
analisada magistralmente por Rodrigo M. F. de Andrade em texto de
196778, no qual reconhecia a necessidade de participação dos órgãos
locais e da população. Já Aloísio Magalhães, quando assume o IPHAN,
uma das primeiras iniciativas é instaurar a prática de consulta às co-
munidades das cidades históricas, sendo realizados seminários em
Ouro Preto, Cachoeira, Diamantina, São Luís, etc. O que Ernesto Geisel
propunha nesse decreto era apoiar projetos propostos por grupos e
organizações da sociedade, calcados nos pressupostos da pluralidade
cultural e da eficácia da gestão descentralizada e participativa.
Em 24 de julho de 1985 é decretada a Lei no 734779, que disci-
plina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao
meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico (vetado), e dá outras provi-
dências, as responsabilidades e a ação sobre qualquer pessoas, autar-
quia, ou instituição, poderão ser requeridas por ação popular ou pelo
ministério público, instaurando inquérito civil, que poderá culminar
em crime de reclusão (Art. 10); posteriormente associou-se ao Título
II, Dos crimes contra o Patrimônio80, Art. 165 e 166.
Para finalizar a análise desse período, torna-se importante verifi-
car as Portarias no 10 e 11 dedicadas a preservação do patrimônio81.
A Portaria no 10 de 10 de setembro de 1986 considera que é dever
do poder público zelar pela integridade dos bens patrimoniais e
determina os procedimentos a serem observados nos processos de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 216


[
aprovação de projetos a serem executados ou nas áreas e seus res-
pectivos entornos, determina a concessão de licenças como dever ^
das prefeituras e a expressa aprovação do SPHAN; já a Portaria n 11 o

de 11 de setembro de 1986 determina como se dá a instauração do


processo de tombamento, a inscrição, a quem se deve dirigir, como se
dá a avaliação técnica da proposta, a resposta contrária ou a favor, e a
notificação, além do julgamento feito pelo Conselho Consultivo e as
providências legais a serem tomadas.
Fazendo um balanço das relações entre a Constituição de 1967,
Reforma de 1969, Decretos, Leis e Portarias que estiveram presentes
nesse período, pode-se afirmar que ocorreu uma significativa demo-
cratização da política federal de preservação, através da ampliação da
noção de patrimônio cultural, da maior participação da sociedade nos
pedidos de tombamentos, das mudanças na composição e nas atribui-
ções do Conselho Consultivo e da diversificação nos quadros técnicos
da instituição, por outro lado, algumas dificuldades persistem, os pro-
cessos decisórios continuam centralizados, a morosidade nos proces-
sos de julgamentos do tombamento e o tombamento ainda como o
maior meio jurídico instrumentalizado para a preservação, apesar do
que é proposto no Art. 216 da próxima Constituição Federal82.
No Capítulo a seguir, analisar-se-ão mais profundamente os
aspectos jurídicos entre o Patrimônio Ambiental e a Constituição de 5
de outubro de 1988, a promoção do Direito Urbanístico e sua relação
com o Patrimônio Ambiental Urbano, buscando a confirmação ou a
mudança da legislação preservacionista no Brasil, uma vez que todas
essas situações passam por diferentes movimentos da sociedade e se
manifestam através de uma pluralidade de vozes e da distinção entre
as classes sociais, entre os níveis local, regional e nacional, definindo

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 217


[
os novos atores e possíveis portadores da herança da dialética e da não
dialética na tutela existencial da legislação do patrimônio nacional. ^

Notas

1 “O acervo que a filosofia do Direito proporciona provém de três classes de


pensadores: filósofos, juristas e jurisfilósofos. / Há, pois, um papel relevante a
ser cumprido pela Filosofia na esfera jurídica. Como produto da experiência, o
Direito em sua concreção fática, pode adotar diferentes ideologias e assumir
variados modelos. As formações jurídicas não se fazem alheias às correntes
de pensamento: pressupõe sempre uma opção ideológica, uma interpretação
objetiva da realidade”. NADER, P. Filosofia do Direito. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 03/10.
2 BENTO DE FARIA, A. Elementos do Direito Romano. Rio de Janeiro: J.
Ribeiro, 1907.
3 LE DUC, RUSKIN, BOITO, RIEGL, GIOVANNONI, BRANDI, In: PANTALEÓN, C.
El concepto de la restauración em la dialética del proceso de disenõ.
Montevideo: Facultad de Arquitectura, 1993.
4 “O Direito é, assim, instrumento de modificações sociais. Em outro dizer, o
Direito influencia e é influenciado pela economia, quase parafraseando o
bloco histórico de Gramsci que, por meio da meditação interliga, as dimensões
econômicas e sociais numa interação de múltiplas relações”. BARBOSA, E.
M. Direito Constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo:
Madras, 2003. p. 19.
5 FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
6 CHOAY, F. A Alegoria do Patrimônio. Lisboa: Edições 70, 1999. p.11-27.
7 VIOLLET LE DUC, E. E. “VII Volumen Del Dictionnaire Raisonné de
I’Architecture Francaise du XIe au XVIe Siécle”. Paris: Bance, 1854.
8 RUSKIN, J. “Le sette lampade dell architettura”. Milano: Jaca Books. 1982.
9 BOITO Camillo, 1836-1914. Os restauradores: conferência feita na
exposição de Turim em 7 de junho de 1884 / Camillo Boito; Tradução Paulo
Mugayar Kühl, Beatriz Mugayar Kühl, apresentação Beatriz Mugayar Kühl,
revisão Renata Maria Parreira Cordeiro. 3 ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2008.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 218


[
10 RIEGL, A. “El culto Moderno a los Monumentos. Caracteres y origen”.
Colección: la Balsa de la Medusa, 7. Visor Distribuciones, 1987.
^
11 GIOVANNONI Gustavo, 1873-1947. Gustavo Giovannoni: Textos Escolhidos
/ Gustavo Giovannoni: Tradução Renata Campello Cabral, Carlos Roberto M.
de Andrade, Beatriz Mugayar Kühl. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013.
12 BRANDI, C. Teoria de la restauracion. 3 ed. Madrid: Alianza Editorial, 1993.
13 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/
cartaspatrimoniais.htm. Acesso em: 01 ago. 2000.
14 Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1966 Pacto Internacional sobre
os Dir… Acesso em: 27 abr. 2020.
15 LEMOS, C. O que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 1978. p. 96.
16 “Partindo da etimologia da palavra, o termo Constituição desenvolveu-se
ao longo dos séculos, apresentando-se de maneira diferenciada em espaços
geográficos distintos. Essa evolução semântica não surpreende, haja vista a
correlação entre Constituição e os elementos: político, social, jurídico, filosófico,
ideológico, entre outros, no decorrer do tempo. Também pode ser definida
como a estrutura íntima de um ser, a essência de alguma coisa, algo estrutural
que dá sustentação, na Grécia Antiga a Constituição definida por Aristóteles
é a organização em comunidade, num determinado território ou cidade”.
BARBOSA, op.cit., p.29-30.
17 As Constituições Brasileiras são classificadas de acordo com a Forma,
Origem, Mutabilidade e Conteúdo. Ibid., p. 36 a 38.
18 CAMPANHOLE, H. L. e CAMPANHOLE, A. Constituições do Brasil. 12 ed. São
Paulo: Atlas S.A., 1998. Constituição 1824. p. 817.
19 “A semelhança das demais Constituições do século XIX, assentava-se na
separação dos poderes, com forte posição do Imperador, simultaneamente
titular do poder moderador e chefe do poder executivo. Representantes
da nação eram: o Imperador e o Parlamento, chamado Assembléia Geral”.
BARBOSA, op.cit., p. 71.
20 “Observamos que, tanto o projeto Constitucional como a Carta Imperial, dão
muita ênfase ao Direito de Propriedade de forma absoluta: usar, gozar e dispor
do bem jurídico ao seu livre-arbítrio, sem nenhuma restrição por parte do
Estado. O texto Imperial continha elementos liberais” BARBOSA, op.cit., p. 72.
21 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op.cit., p. 811-835.
22 Ibid., p. 811.
23 LEMOS, op.cit., p. 34.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 219


[
24 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: IPHAN/
MEC, n. 24, 1996, p. 101.
^
25 “O Decreto no 1, de 15 de novembro de 1889, estabeleceu, então, a forma de
governo do Brasil: República Federativa. Quase em redundância, o que antes
era província, passa a ser Estado-Membro, e o que fora Corte, daí em diante
seria União. Nesse panorama conflituoso foi instalada a Assembléia-Geral
Constituinte, mais precisamente em 15 de setembro de 1890, com durabilidade
até a promulgação da primeira Constituição da República Federativa dos
Estados Unidos do Brasil, em 24 de fevereiro de 1891”. BARBOSA, op.cit., p. 75.
26 O “z” em Brazil é do texto da Constituição In CAMPANHOLE e CAMPANHOLE,
op.cit., p. 749.
27 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op.cit., p. 751 (Constituição 1891).
28 “Art. 63. Cada Estado reger-se-há pela Constituição e pelas leis que adoptar,
respeitados os princípios constitucionais da União”. Queremos discutir o artigo
acima citado com o escopo de demonstrar a fragilidade dos Estados-Membros
(antigas provinciais). Embora a Carta Mater tenha permitido que os Estados
elaborassem suas Constituições estaduais, as manipulações das oligarquias
locais desvirtuaram o desiderato proposto pelos constituintes”. BARBOSA,
op.cit., p. 77.
29 Sobre o eugenismo: LIRA, J. T de: O Urbanismo e seu outro: raça, cultura
e cidade no Brasil In Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais.
Campinas: UNICAMP, Número 1, 1999. p. 47.
30 Ibid., p. 179-181.
31 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op.cit., p. 766-767.
32 Ibid., p. 775.
33 “Mas uma pergunta merece ser feita: qual a ideologia desse texto Mater?
Difícil de responder. Ao que nos parece, essa Constituição de 1934 foi matizada
de elementos democráticos e seccionada por interesses políticos de facções
opostas – oligarquia rural versus burguesia industrial. A conciliação de
pensamentos díspares jamais podia redundar em vantagens satisfatórias
para a sociedade, embora reconheçamos que essa Constituição foi um marco
de uma longa caminhada, em busca dum Estado Democrático de Direito
consistente. O prelúdio da Carta Federal já se diferencia do texto anterior, ao
introduzir a expressão bem-estar social e econômico, como uma das principais
diretrizes a ser respeitadas”. BARBOSA, op.cit., p. 79.
34 MENDES JUNIOR, A. Brasil História. São Paulo: Hucitec, 1991. p. 301-312.
35 Ibid., p. 31-37.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 220


[
36 Ibid., p. 87-93.
37 Sobre Ideologia: EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo: UNESP/BOITEMPO, ^
1997.
38 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op. cit., p. 724.
39 Ibid., p. 687.
40 LEMOS, op. cit., p. 35-37.
41 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op.cit., p. 721.
42 “Logo após a vigência da Constituição de 1934, Getúlio Vargas começa a
preparar o Golpe de Estado, alegando divergências políticas entre as duas
facções. De um lado, o Integralismo, quase facista – liderado por Plínio
Salgado, do outro, o Comunismo, liderado pela Coluna Prestes. Essa Carta
Federal de 1937 era extremamente centralizadora e avocava ao Executivo
quase todas as funções que deveriam ser desempenhadas por outros órgãos,
que fazem parte dum Estado Democrático de Direito”. BARBOSA, op. cit., p. 83.
43 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: IPHAN/
MEC, n. 24, 1996. p. 78.
44 Segundo Mário de Andrade: “entende-se por Patrimônio Artístico Nacional
todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional
ou estrangeira, pertencentes aos poderes públicos e organismos sociais e
a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil”.
LEMOS, op. cit., p. 38.
45 “Vemos Claramente o discurso argumentativo de Getúlio Vargas, alegando,
preliminarmente, a impossibilidade de governança; assim sendo, deveria
decretar, com a ajuda dos militares, uma nova Constituição para o País. Em
resumo preambular, essa Carta Federal de 1937 fora outorgada, ou seja,
imposta por Vargas. Este texto, além de sobrevalorizar conflitos políticos,
também já engloba em seu início artifícios democráticos. O artigo inicial
confirmará nossas argumentações: Art. 1 - O Brasil é uma República. O poder
político emana do povo e é exercido em nome dele, e no interesse do seu bem
estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade”. BARBOSA,
op.cit., p. 84. Esse seria um dos grandes argumentos da não dialética
existencial da legislação patrimonial no Brasil (notas do autor).
46 Decreto-lei 25/37. Disponível em: https://estudosdedireitounipac.
blogspot.com/2009/08/decreto-lei-2537-tombamento.html. Acesso em: 28
abr. 2020.
47 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op. cit., p. 631.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 221


[
48 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., p. 97.
49 Ibid., p. 97. ^
50 Ibid., p. 97.
51 Ibid., p. 98.
52 LEMOS, op. cit., p. 39.
53 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op. cit., p. 619.
54 FREYRE, G. Casa Grande e Senzala. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
55 “Desta forma, em 10 de fevereiro de 1946, foi instalada uma nova Assembléia
Constituinte brasileira, que teve como incumbência elaborar uma nova Carta
Mater, eis que, em 19 de setembro de 1946, deu-se a promulgação do novo
texto constitucional. Todavia, não olvidemos que esse Documento Maior
informava duma tentativa de fusão entre os interesses capitalista-liberais e os
aspectos democrático-sociais, tendo prevalecido como ideologia dominante os
interesses de grupos conservadores”. BARBOSA, op. cit., p. 87.
56 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: IPHAN/
MEC, n. 24, 1996. p. 104.
57 Ibid., p. 197.
58 MENDES JUNIOR, op. cit., p. 225-229.
59 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op. cit., p. 509.
60 Ibid., p. 518.
61 MENDES JUNIOR, op. cit., p. 245-251.
62 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: IPHAN/
MEC, n. 24, 1996. p. 131.
63 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op. cit., p. 548.
64 Disponível em: http:www.iphan.gov.br/legislac/nacionais/decretlei3365-41.
htm. Acesso em: 31 jul. 2000.
65 CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil de 1946. Disponível
em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/busca?q=DO+ART.+
141%2C+DA+CONSTITUI%C3%87%C3%83O+FEDERAL+DE+1946.
Acesso em: 28 abr. 2020.
66 IGLÉSIAS, F. História Contemporânea del Brasil. México: Fundo de Cultura,
1994. p. 123.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 222


[
67 “As Forças Armadas passaram a editar uma série de Atos Institucionais –
todos inconstitucionais – restringindo os direitos políticos e aumentando
formas de repressão. Os Atos Institucionais, muito destes dos próprios punhos
^
dos generais, eram implementados sem obedecer aos mínimos princípios
constitucionais e jurídicos”. BARBOSA, op.cit., p. 91.
68 MAGALHÃES, A. E Triunfo? a questão dos bens culturais no Brasil. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
69 “Em contradição com esta citação, há autores que tentam relativizar a criação
da Constituição Federal de 24.1.1967, construindo utopias, na tentativa de
considerar está Carta democrática, chegando, inclusive, a denominá-la de
Constituição Promulgada”. BARBOSA, op.cit., p. 92.
70 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op.cit., p. 156.
71 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/nacionais/nacionais.htm.
Acesso em: 31 jul. 2000.
72 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op.cit., p. 432.
73 Ibid., p. 444.
74 MAGALHÃES, op.cit., p. 14.
75 CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, op.cit., p. 325.
76 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/nacionais/nacionais.htm.
Acesso em: 31 jul. 2000.
77 Ibid., Acesso em: 31 jul. 2000.
78 ANDRADE, R. M. F de. Conservação de conjuntos urbanos. In: Rodrigo e o
SPHAN, Rio de Janeiro: MinC/SPHAN/FNPM, 1987. p. 81-89.
79 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/nacionais/nacionais.htm.
Acesso em: 31 jul. 2000.
80 Ibid., Acesso em: 31 jul. 2000.
81 Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/legislacao?pagina=19. Acesso
em: 28 abr. 2020.
82 CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de
1988. 27 ed. Obra coletiva de autoria da editora saraiva. São Paulo: Saraiva,
2001. p. 127.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 223


[
– 6–
^
Repensando Caminhos com a Constituição de
1988: a Promoção do Direito Urbanístico ou
a Confirmação da Antiga Legislação Referente
à Preservação e Restauro no Brasil

Buscando o que não foi contemplado


(A Constituição de 1988)

A característica marcante da Constituição em vigor, elaborada


por uma Assembleia Constituinte, legalmente convocada e eleita,
promulgada a 5 de outubro de 1988 pelo Governo de José Sarney1 foi
a de permitir a incorporação de emendas populares, apesar de mui-
tas partes dela ainda necessitarem de regulamentação2. Nunca antes
um texto constitucional dedicou tanto espaço à cultura e aos bens
culturais, pela primeira vez surge a denominação patrimônio cultural
e sua definição. Outra novidade é a distinção entre patrimônio cultu-
ral e natural, este último sob denominação ambiental. Há o estabele-
cimento de mecanismos de Ação Popular em defesa do patrimônio
cultural e do meio ambiente, que vem afirmado no Título II, Dos
Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo I, Dos Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos, Art. 53.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 224


[
Uma das questões controversas na Constituição de 1988 ainda
é a determinação da competência, ou seja, a quem cabe o dever e o ^
direito de proteger os monumentos (a União, os Estados, o Distrito
Federal, os Municípios). A Constituição de 1988 tenta “reescrever”
o conceito de propriedade, pois não admite que o patrimônio per-
tença a uma entidade ou órgão, mas à sociedade, mas que os go-
vernos respectivos têm dever de lhes garantir proteção, para tanto
determina no Título III, da Organização do Estado, no Capítulo II, Da
União, no Art. 234, é competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios: “III - proteger os documentos,
as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os mo-
numentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos”. A
questão da competência também pode ser apreciada no Art. 245 da
CF/88, competindo a União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:

VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defe-


sa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e
controle da poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cul-
tural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por
dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IX – educação,
cultura, ensino e desporto.

A primeira parte da Constituição de 1988 trata do que foi admi-


tido pertencer a um ramo do Direito Administrativo chamado Direito
Urbanístico6, lidando primeiramente com a proteção jurídica do patri-
mônio do meio ambiente, pois a Constituição entende que o conceito
de meio ambiente é muito amplo, abrangendo toda a natureza origi-
nal e artificial, bem como os bens culturais correlatos, desde o solo, a
água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 225


[
turístico, paisagístico e arqueológico, e seres humanos nas cidades
e que, para o Direito Urbanístico, devem ser tratados em categorias ^
e com meios de atuação preventivos (políticas gestoras) e meios re-
pressivos (administrativos e penais)7.
O Capítulo da Educação, da Cultura e do Desporto, coloca a
preocupação com a proteção dos bens representativos da sociedade
brasileira. Tem-se, no Capítulo III, na seção II, da Cultura8, no Art. 215:

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais


e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais; no parágrafo
1o: O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros participantes do pro-
cesso civilizatório nacional.

No mesmo Capítulo e na mesma seção, no Art. 216, encontra-se


o principal artigo que lida com as questões de um conjunto de bens
portadores de referência à identidade cultural:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza


material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar,
fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueo-
lógico, paleontológico, ecológico e científico.

Dessa ampla demonstração preservacionista na CF/88, pode-se


criticar a ausência da preocupação com o juízo de valor de pertenci-
mento da propriedade patrimonial; Assim, o Direito Urbanístico tratou
de esclarecer o que é Direito de Propriedade e Direito de Construir,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 226


[
em que, na teoria tradicional, estabelecia que o direito de proprie-
dade significava a relação entre uma pessoa e uma coisa, portanto ^
não podendo haver relação jurídica; a teoria moderna assentou que
o direito de propriedade implica uma relação entre um indivíduo e
as pessoas integradas a essas coisas. Dessa forma, surgem três tipos
de propriedade: a privada, a pública e a de interesse público9. Outra
questão é a expansão dos instrumentos que promovem a proteção
do patrimônio, que antes podiam ser definidos apenas com o Tom-
bamento10, agora reconhecem a defesa e conservação por meio
de inventários, registros, vigilância, desapropriação, o que representa
um avanço na preservação e restauro.
Outro aperfeiçoamento promovido pela Constituição de 1988
foi o reconhecimento do papel da comunicação social para a promo-
ção da preservação e restauro, estabelecido no Capítulo V, nos artigos
220 e 22111. Também a Constituição de 1988, no Capítulo VI, Do Meio
Ambiente, o Art. 22512, demonstra maior preocupação com a prote-
ção e qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à sociedade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gera-
ções. Essas são questões que a Constituição de 1988 apresenta rela-
cionadas à preservação e restauro do que, hoje, pode-se afirmar fazer
parte do vasto campo conceitual do Patrimônio Nacional.
Uma das críticas que se pode tentar imputar a Constituição13 em
vigor, talvez, seja revelada pela acentuada quantidade de artigos que
contemplam apenas a proteção do patrimônio natural, complemen-
tados por inúmeras leis, altamente especializadas na questão, como
a Lei dos Crimes Ambientais de 12 de fevereiro de 1998, a medida
provisória que regulamenta uma Política Nacional do Meio Ambiente
no 2052 de 28 de setembro de 2000, a Lei no 6938 de 31 de agosto de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 227


[
1981, a Lei no 6902 de 27 de abril de 1981, o Decreto-lei sobre terras
devolutas no 9760 que vem desde de 1946 e chega com atualizações ^
em 21 de setembro de 1982 e muitas outras que regulam a questão
do Meio Ambiente; deixando as outras categorias patrimoniais sem
um cuidado tutelar mais aprimorado.
Os instrumentos referentes à preservação e restauro contidos
na Constituição 1988 demonstraram, por um lado, avanços, pois
em nenhuma outra constituição o assunto foi tratado com tanto
reconhecimento, a crítica recairia na discussão se esses avanços
promovidos foram capazes de contemplar as questões-problema
referentes à tutela do Patrimônio Ambiental Urbano; novamente,
como nas Constituições anteriores, é possível reconhecer o discur-
so do governo remetido a imposições e influências internacionais,
sem desacreditar que a preservação do Meio Ambiente não seja ex-
tremamente necessária à sobrevivência do homem, mas por outro
lado, reconhece-se novamente, nesta Constituição, o uso da lei para
velar um discurso de interesses, em que a questão do Patrimônio
Cultural teria sido colocada em um plano secundário.
Outras críticas a instrumentalização da conservação e restauro na
Constituição de 1988 demonstrando a permanência das ideologias das
Constituições anteriores, apesar de admitir o “avanço” relativo a maior
participação popular, são questões como: a centralização em um órgão
capaz de ser o dono do reconhecimento (IPHAN); a pretensa participa-
ção dada ao povo pela Constituição em vigor que não altera a conti-
nuidade da existência de um conselho consultivo de intelectuais, que
determina o que vai ser preservado; os problemas das competências,
ou seja, a quem cabe o dever e direito de preservar, o que acentuou
os conflitos entre União, Estados e Municípios; a continuidade do

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 228


[
tombamento como instrumento reconhecido como de maior im-
portância; a falta de incentivos (apesar das leis complementares a ^
Constituição – Sarney e Rouanet) e; uma maior reflexão teórica que
promova uma construção do processo legislativo. A pergunta que
se faz é o porquê dessas questões não terem sido atendidas.
É de conhecimento público que várias Comissões foram for-
madas visando a elaboração da CF/88, uma delas estabelecida pela
Portaria no 16 de 11 de dezembro de 198614 ficou incumbida de pro-
mover estudos sobre a legislação de proteção ao patrimônio históri-
co, artístico e ambiental que resultaram em propostas levadas para
debate e votação na Assembleia Nacional Constituinte e relacionadas
ao Art. 398 do anteprojeto Constitucional. As propostas sugeridas
pela Comissão Afonso Arinos buscaram contemplar, de muitas for-
mas, questões que as Constituições anteriores não haviam conside-
rado, tendo muitas das sugestões alcançado resultado positivo em
relação ao aumento do espaço concedido à proteção do patrimônio
e a sua consagração em material e imaterial. No entanto, apesar de
vários aspectos discutidos e propostos pela Comissão Afonso Arinos
as seguintes questões ficaram a desejar na CF/88:
1o - A proposta da Comissão fala em um “Instrumento de Nego-
ciação” para otimizar a proteção e em um instrumento menos rígido
denominado “Inventariação” para os novos tipos de patrimonialidade
e voltados para a proteção da geminação do patrimônio e não ape-
nas para a sua consagração. Apesar da CF/88 avançar na consagração
do patrimônio como material e imaterial e citar a inventariação como
processo de catalogação, deveria ter inovado mais nessas questões;
2o - A proposta da Comissão que possibilitaria um grande avanço
na CF/88 não foi contemplada, ou seja, a consagração do “Patrimônio

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 229


[
Ambiental Urbano”, apesar do Capítulo dedicado ao Município e a
Política Urbana, no Art. 216 estabelecer um conjunto urbano a ser ^
preservado pela memória de seu uso, essa representação conceitual
urbanística mais ampla não foi contemplada;
3o - As leis relativas à proteção patrimonial ainda continuam dis-
persas, apesar de suas relações com os artigos constitucionais na CF/88
estarem bem expressas e determinadas de forma clara e objetiva;
4o - As questões relacionadas à desapropriação de bens patri-
moniais e menor rigidez de suas restrições de uso ainda precisam ser
mais trabalhadas na CF/88, bem como a questão da propriedade e do
interesse social da propriedade, visando menos ônus para os proprie-
tários dos bens tuteláveis;
5o - Outros pontos relativos à preservação e restauro do patrimô-
nio pouco contemplados pela CF/88 dizem respeito aos incentivos e
a ordem econômica, a especulação imobiliária, a valorização de uso
do patrimônio e, em especial, do Patrimônio Ambiental Urbano e da
memória urbana, bem como do patrocínio e aprendizado da preser-
vação restauro de objetos e “coisas” possíveis de extinção;
6o - A CF/88 demonstra que, apesar de ter tido a preocupação da
busca de contemplar a cultura (Art. 215 e 216), dedicou mais espaço
a proteção do Meio Ambiente (Art. 225), na qual a relação com o pa-
radigma das revitalizações urbanas e do modelo desenvolvimentista
foi plenamente constatada. Outra questão pouco tratada na CF/88 é o
fenômeno jurídico da metrópole, megalópole e da qualidade de vida
nas megacidades, relacionados ao Direito Urbanístico.
Independente de muitos desses aspectos propostos pela Comissão
Afonso Arinos terem sido ou não absorvidos na CF/88, a compreensão
e busca do que não foi contemplado por esta Constituição também

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 230


[
aponta para a necessidade de entendimento do Direito Comparado,
ou seja, como países de destaque na tutela patrimonial, como a França, ^
Itália, Portugal, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, trataram nas
suas Cartas Maters mais recentes a preservação e restauro de seus
bens patrimoniais e como estas Constituições quando comparadas a
CF/88 revelam similaridades, diferenças e possibilidades frente a pro-
teção dos objetos culturais.

O Direito Constitucional Comparado e a


Tutela do Patrimônio

A Constituição Francesa de 195615, reformada em março de 2003


está alicerçada na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
de 26 de agosto de 1789”16; com maior ênfase à estrutura política e
administrativa, a palavra cultura ou patrimônio não é observada na
sua redação, ficando estabelecido, na maioria dos artigos (em um to-
tal de 89), que a organização política, econômica e social do Estado
são resolvidas por leis orgânicas votadas pelas assembleias; já a legis-
lação ou as leis, inclusive as de tutela patrimonial, são votadas pelo
Parlamento, definidas pelo Art. 3417. Os Municípios desfrutam de um
regime de maior autonomia para a sua gestão dentro de um sistema
de competências estabelecido pelo artigo 7218.
Numa comparação dos artigos 34 e 72 da Constituição Francesa
com a CF/88, referente à proteção do patrimônio, pode-se observar
que: 1o - A CF/88 é muito mais específica e detalhada com relação à
proteção do patrimônio do que a francesa; 2o - A Constituição Francesa
é regida pela possibilidade de emendas como a brasileira e de leis que
regulamentem a proteção de seus bens, a CF/88 também é construída

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 231


[
a partir desse princípio e, talvez, esteja nessa situação a forte disper-
são das leis preservacionistas, tanto na França como no Brasil; 3o - A ^
Constituição Francesa determina a estrutura político-administrativa
do Estado de forma diferente que a brasileira, na qual os Municípios,
os Departamentos e Regiões são estabelecidos dentro de uma auto-
nomia mais acentuada, a CF/88 apesar de ter dado essa autonomia
aos Municípios no seu Art. 30 inciso IX, entretanto, deixa a desejar,
uma vez que o Município no Brasil, ainda está severamente atrelado à
política administrativa e, especialmente, financeira da União.
A organização política, econômica e social da Itália está determi-
nada por uma República Democrática com 139 artigos, Disposições
Transitórias e Finais que formam a sua Constituição de 1o de janeiro de
194819. A Constituição Italiana estabelece, no seu Art. 5, a autonomia
local e a descentralização administrativa, adequando sua legislação a
essa exigência. O Art. 9 estabelece a promoção e desenvolvimento da
cultura e a pesquisa científica e técnica, bem como a “Tutela da paisa-
gem e do patrimônio histórico e artístico da Nação”. O Art. 42 regula a
questão da propriedade pública e privada, determinando que a pro-
priedade privada pode ser expropriada por motivo de interesse geral.
O Art. 45 expressa oposição à especulação privada, o Art. 47 favorece
a poupança popular com a finalidade para construções habitacionais.
O Art. 114 determina que a República Italiana é composta pelo Muni-
cípio, Província, Cidade Metropolitana, Região e Estado, todos entes
autônomos com estatuto próprio.
A Constituição Italiana, quando comparada a CF/88, em relação
à tutela dos bens patrimoniais, apresenta as seguintes questões de
interesse: 1o - A Constituição Italiana determina certas regiões com
formas e condições particulares de autonomia20, além de estatuto

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 232


[
especial adotado como legislação constitucional, o que promoveu
nessas regiões o já comentado “risanamento” de áreas urbanas histó- ^
ricas de forma mais autônoma por parte do Município (Comuni) ou da
Região; a CF/88 também deu mais autonomia ao município brasileiro,
mas a autonomia da Constituição Italiana é muito mais acentuada,
inclusive o Art. 119 dá autonomia financeira aos entes administrativos
citados pelo Art. 114 da Constituição Italiana. 2o - A Constituição Ita-
liana também contempla a tutela do meio ambiente, do ecossistema
e dos bens culturais (Art. 117), determinando a responsabilidade con-
corrente com a União Europeia e comunidade internacional relativa
à valorização dos bens culturais e ambientais; 3o - A CF/88 é muito
mais desenvolvida com relação à tutela patrimonial do que a Consti-
tuição Italiana, sendo que a CF/88 possui dois artigos específicos com
relação a esta questão (Art. 215 e 216) e um capítulo específico com
relação ao meio ambiente (Capítulo VI, Art. 225); o Art. 9 da Constitui-
ção Italiana é o único diretamente relacionado à tutela do patrimônio.
A Constituição Italiana contempla de forma tímida a legislação
referente à cidade metropolitana (Art. 114) e à especulação privada
(Art. 45) e não faz menção ao Patrimônio Ambiental Urbano; a CF/88,
apesar de dedicar um capítulo à Política Urbana (Art. 182 e 183) tam-
bém contemplou aridamente a questão das metrópoles nacionais
(Art. 25 § 30) e os problemas jurídicos decorrentes dessas regiões ur-
banas mais populosas, como a especulação imobiliária e seus proble-
mas ambientais específicos, como o Patrimônio Ambiental Urbano,
ao qual designou apenas como conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico (Art. 216 inciso V).
As leis de tutela patrimonial em Portugal foram estabelecidas
na Constituição de 25 de abril de 197421, aprovada e decretada em

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 233


[
1976 e revisada em 1997, prevista num Estado Democrático e Socia-
lista, com 295 artigos. A Constituição Portuguesa é muito detalhada ^
e específica, demonstra uma boa redação com relação a vários dos
pontos necessários a uma condição democrática social, econômica,
política e internacional.
Com relação às questões patrimoniais, a Constituição Portu-
guesa estabelece os seguintes critérios legais: no Art. 9, Das Tarefas
Fundamentais do Estado, alínea “e”22: “Proteger e valorizar o património
cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar
os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”;
o Art. 52 Direito de Petição e de ação popular estabelece na alínea
“a”: “Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das
infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qua-
lidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural”;
no Art. 62, destaca-se a garantia do direito à propriedade privada e
sua transmissão, bem como, a requisição e expropriação por utilidade
pública baseada em lei e mediante pagamento de indenização justa;
a Constituição Portuguesa dedica o Art. 65 a habitação e ao urbanis-
mo, que inclui política de habitação inserida em planos de ordena-
mento do território, colaboração entre as regiões e cooperativas de
autoconstrução, todas essas questões definidas por instrumentos de
planejamento urbano e utilidade pública urbanística. A Constituição
Portuguesa também estabelece no seu Art. 66, ambiente e qualida-
de de vida às bases e consagrações necessárias a ordenar, promover,
proteger e aproveitar o uso do meio ambiente23.
No capítulo III da Constituição Portuguesa, Art. 73 (Educação, Cul-
tura e Ciência) no 3, o Estado promove e incentiva associações de defesa
do patrimônio cultural; e no no 4, o Estado incentiva as investigações

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 234


[
científicas; no Art. 78 (Fruição e criação cultural) todos têm o dever
de preservar, defender e valorizar o patrimônio cultural, destacando a ^
alínea “c” que determina a promoção da salvaguarda e valorização do
patrimônio cultural, tornando responsável pela vivificação (animar)
da identidade cultural comum.
Em termos gerais, a Constituição Portuguesa, quando comparada
a CF/88, relativa a proteção do patrimônio, apresenta as seguintes
características gerais: 1o - Constituição Portuguesa estabelece a pro-
teção, defesa e valorização do patrimônio cultural como tarefa fun-
damental do Estado (Art. 9 alínea “e”), a CF/88, nos seus Princípios
Fundamentais, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, não contem-
pla diretamente a defesa, valorização, etc., do patrimônio cultural
entre as tarefas principais do Estado, apenas estabelece no seu Art. 5
inciso LXXIII a possibilidade a qualquer cidadão de propor ação popu-
lar, visando anular ato lesivo ao patrimônio público, entre os quais, o
patrimônio histórico e cultural, fato que estará relacionado ao Art. 52
alínea “a” da Constituição Portuguesa; 2o - A expropriação por utilida-
de pública prevista na Constituição Portuguesa no Art. 62 é prevista
como desapropriação por utilidade pública na Constituição Brasileira
(Art. 5 incisos XXII, XXIII, XXIV e XXV), em ambas constituições as ques-
tões patrimoniais referentes a esta situação urbana não são desenvol-
vidas; 3o - A Constituição Portuguesa dedica seu Art. 65 a questões
urbanas, entre as quais a habitação e planos de ordenamento (pla-
nejamento) urbanos integrados, a CF/88 apesar de dedicar os artigos
182 e 183 à Política Urbana, o Art. 21 inciso IX e, especialmente, o inci-
so XX24 ao urbanismo, deixa a desejar nesse ponto; entretanto, ambas
as constituições não atendem a questões relacionadas ao patrimônio
ambiental urbano; 4o - O meio ambiente é muito bem trabalhado na

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 235


[
Constituição Portuguesa no seu Art. 66, relacionando-se ao capítulo
VI da CF/88 Art. 225; 5o - O Art. 73 no 3 e 4 da Constituição Portugue- ^
sa trabalha o incentivo e a valorização da proteção patrimonial, bem
como o Art. 78; ambos artigos portugueses podem ser relacionados
com os artigos 215 e 216 da CF/88, guardadas as distâncias de uso
de expressões como “fruição e criação cultural” usado na Constituição
dos patrícios; 6o - A Constituição Portuguesa demonstra uma auto-
nomia autárquica maior do que a contemplada pela CF/88, apesar de
ambas deixarem a desejar no tratamento das questões relacionadas a
qualquer espécie de categoria patrimonial; 7o - A grande crítica as duas
Constituições recairia na situação de que ambas se eximiram de con-
sagrar o patrimônio ambiental urbano e dar maior atenção às proble-
máticas urbanas advindas das grandes concentrações urbanas atuais.
A Constituição Espanhola aprovada pela Corte e Sessão Plenária
do Congresso de Deputados e Senadores em 31 de outubro de 1978,
referendada em 6 de dezembro de 1978 e sancionada por sua majestade
o Rei em 27 de dezembro de 1978, estabeleceu nos seus 169 artigos, a
democrática convivência derivada da vontade popular com um regime
político monárquico parlamentarista25 que contempla as seguintes ques-
tões relativas à proteção do patrimônio espanhol: no seu início, observa-
-se a preocupação com a determinação da língua oficial demonstrando
a riqueza das várias línguas usadas na Espanha, determinando-as como
patrimônio cultural (Art. 3 cláusula 3); o Art. 33 estabelece o direito à pro-
priedade e sua privação somente justificada por utilidade pública e
interesse social mediante indenização correspondente; o Art. 44 de-
termina a proteção e acesso à cultura a todos que tenham esse direi-
to, bem como promove a investigação técnica e científica; os artigos
45 e 46 são determinantes com relação à proteção do patrimônio26.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 236


[
A Constituição Espanhola também cita a questão da especula-
ção e utilização do solo no seu Art. 47, determinando a participação ^
da população frente aos projetos urbanísticos necessários; o Art.
125 dá direito aos cidadãos de exercerem a ação popular e partici-
parem de ações na justiça como jurados; o artigo 132, na cláusula
3, determina que, por lei, será regulado o patrimônio do estado, o
patrimônio nacional, sua administração, defesa e conservação; com
relação à organização do Estado espanhol, a Constituição estabele-
ce os municípios, províncias e comunidades autônomas, todos com
autonomia para a gestão de seus interesses (Art. 137), e personali-
dade jurídica plena (Art. 140 e 141 cláusulas 1, 2, 3 e 4) e Art. 143. O
Art. 143 se refere ao Capítulo III, Das Comunidades Autônomas, esse
mesmo capítulo regula as disposições referentes às competências de
direito dessas autarquias, entre as quais se destaca o Art. 148; O Art.
149, da Constituição Espanhola, Da competência exclusiva do Estado,
determina, na sua cláusula 18ª, legislar sobre a expropriação forçosa;
cláusula 23ª, legislação básica sobre proteção do meio ambiente sem
prejuízo das comunidades autônomas de estabelecer normas adicio-
nais de proteção.
Quando comparados os artigos da CF/88 com a Constituição
Espanhola, referentes ao patrimônio, observam-se as seguintes ques-
tões: 1o - Os artigos 45 e 46 respectivamente podem ser considerados
os de maior importância na Constituição Espanhola, pois determi-
nam a proteção do meio ambiente e sua defesa, amparo, restaura-
ção e preservação, relacionando-se com o Art. 225 da CF/88; o artigo
46 da Constituição Espanhola garante a promoção e a conservação
do patrimônio histórico, cultural e artístico dos povos da Espanha e
determina que uma lei sancionará os atentados contra o patrimônio,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 237


[
estando relacionado com a CF/88 nos Art. 215 e 216; de forma ge-
ral, a CF/88 apresenta um texto, especificamente os Art. 215 e 216, ^
mais elaborados do que a Constituição Espanhola e demonstrando
ter atingido um grau de extensão de proteção muito mais abrangen-
te. Esse fato pode ser explicado na Constituição Espanhola por uma
contraposição apresentada pelos artigos que compõe o Capítulo III,
Das Comunidades Autônomas; 2o- A Constituição Espanhola estabe-
lece um grau de competência muito diferente da CF/88, uma vez que
possibilita a existência de Comunidades Autônomas com autonomia
para a gestão de seus interesses (Art. 137) e personalidade jurídica
plena (Art. 140, 141 e 143); esse fato promove uma grande diferença
com relação à tutela do patrimônio entre os dois países, pois os planos
de revitalizações urbanas na Espanha talvez sejam mais praticados e,
talvez, tenham tido mais “êxito” devido a essa maior liberdade dada
ao município, província e a própria comunidade autônoma; 3o- O Art.
149 da Constituição Espanhola determina a competência exclusiva do
Estado sobre certas matérias legais, inclusive sobre o patrimônio (23ª
e 28ª), o que acrescentaria discussões sobre a quem cabe o direito de
agir sobre esses objetos, a Constituição Espanhola tenta solucionar
essa questão inserindo a preferência de ação à comunidade autôno-
ma pela determinação de que essa competência exclusiva do Estado
não pode prejudicar a gestão dessas comunidades; a CF/88, apesar
de ter estabelecido uma boa redação nos seus artigos 182 e 183 ainda
carece de uma maior complementaridade nas questões referentes ao
urbanismo e sua Política Urbana.
Já as leis na Inglaterra, referentes à organização social, econômi-
ca e política, apresentam um conjunto de normas formuladas a partir
da Magna Carta de 121527, reeditada em 121628, e a Petition of Rights

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 238


[
de 162829 (as mais importantes), ambas consuetudinárias (fundadas
nos costumes). De acordo com Afonso da Silva (1998, p. 155-156), na ^
Inglaterra só foram elaborados cartas e estatutos que asseguram os
direitos fundamentais, como a Magna Carta (1215-1225), a Petition
of Rights (1628), Habeas Corpus Amendment Act (1679), Bill of Rights
(1688) e Act of Settlement (1701). As leis inglesas são muito diferentes
dos outros modelos europeus, mais influenciadores do liberalismo
americano e francês, sendo que, atualmente, destaca-se o Human
Rights Act 199830, ato do Parlamento Inglês que reúne todas as leis
daquele país, inclusive da proteção ao patrimônio.
O Human Rights Act 1998, estabelece, na seção (10(1)), a ação
remediada buscando a remoção de incompatibilidades com o direito
convencionado, e na (11) a ação de concessão na restrição de conven-
ções e liberdade de expressão; no geral, todos os Atos enumerados
no parágrafo anterior organizam o Estado Inglês administrativamen-
te, e suas relações com a Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, mas
também estabelecem nos Programas (Schedules) questões como
os Direitos e Liberdades do cidadão inglês (Art. 1 ao Art. 14), das
Ordens Remediadas (medida incidental, consequencial, suplementar
ou transicional), Pensões Judiciais, Educação, Abolição da Pena de
Morte, Derrogações e Reservas (Ordem de Prevenção ao Terrorismo);
e a Parte II, 1o Protocolo, artigo 1 - Proteção de Propriedade31. Em ne-
nhum momento, observa-se à existência da proteção do patrimônio,
uma vez que as ações de defesa, conservação e restauração direta-
mente relacionadas ao patrimônio na Inglaterra estão definidas no
Ato Complementar do Patrimônio Nacional de 198332, analisado no
capítulo 3 deste livro.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 239


[
O povo americano, na busca da liberdade, estatuiu e sancionou
sua Constituição a 17 de setembro de 178733 que, ao longo dos sécu- ^
los até os dias atuais, recebeu poucas emendas. A Constituição Ame-
ricana com sete artigos e vinte e sete emendas apresenta a seguinte
estrutura relativa à proteção de seu patrimônio: no artigo 1o Sessão 8
no 8, facultado ao Congresso Nacional, aparece referência à promoção
das ciências e artes úteis dando por um período determinado direito
exclusivo aos seus autores; fora esse artigo, nenhum dos outros sete
determina a tutela do patrimônio americano, fato justificado pelo
ano da redação americana anteceder as questões que, teoricamente,
originaram a defesa da patrimonialidade pela Revolução Francesa de
1789 e do século XIX; outros autores creditam a inexpressiva presença
de artigos ou sessões da Constituição americana sobre a proteção do
patrimônio cultural ao fato da pouca quantidade de objetos tutelá-
veis do período colonial americano terem sido preservados. A Emen-
da Número Cinco de 15 de dezembro de 1791 determina, entre outras
coisas, que ninguém será privado de sua propriedade sem o devido
processo legal34 e não se ocupará propriedade privada sem a justa
indenização. A Emenda Catorze no 1, entre outras coisas, estabelece
que o Estado não poderá privar qualquer pessoa de sua propriedade
sem o devido processo legal.
A Constituição Americana guarda os seguintes aspectos quan-
do comparada a CF/88: 1o - A CF/88 possui vários artigos e incisos
que contemplam a proteção do patrimônio, caso não verificado na
Constituição Americana; 2o - Existe uma preocupação muito grande
da Constituição Americana com o direito à propriedade privada e sua
hipervalorização (Emenda Cinco e no 1 da Emenda Catorze), este fato
pode ter direcionado ao longo dos séculos a materialização das leis

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 240


[
com pouca preocupação com relação à defesa de um patrimônio de
interesse social; 3o - A Constituição Americana não consagra preocu- ^
pações com o Urbanismo e o desenvolvimento urbano, ela se preocu-
pa mais com as questões referentes à administração pública, trazendo
artigos resumidamente gerais constituídos por fatores relacionados à
garantia e direitos dos cidadãos e nenhum com relação à defesa patri-
monial; a CF/88, apesar das deficiências em relação a defesa do patri-
mônio nas atribuições consagradas pelos Art. 215, 216 e 225, é muito
mais desenvolvida nessa questão do que a Constituição Americana, a
qual, na maioria das questões de defesa patrimonial, está assentada
nas leis “complementares” do sistema jurídico norte americano.
A busca do que não foi contemplado pela CF/88, formada por
essa inexistência de instrumentos jurídicos que organizassem e coor-
denassem as ações de preservação e intervenção nas cidades den-
tro do paradigma desenvolvimentista ou das revitalizações urbanas
e, diferenças instrumentais tutelares observadas de forma geral pela
comparação da CF/88 com Constituições internacionais, promovem
a possibilidade de compreender um “novo ramo” do direito: o Direito
Urbanístico. É esse conjunto de normas urbanas, especialmente sobre
os locais determinados pelo senso comum de Centros Históricos, que
a CF/88 consagrou aridamente, mas alicerçou como possibilidade de
avanço (Art. 24, inciso I), que será analisado a seguir.

A promoção do Direito Urbanístico e o Patrimônio


Ambiental Urbano

É natural a toda área do conhecimento registrar os personagens


que contribuíram para seu desenvolvimento. No Direito Urbanístico

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 241


[
Brasileiro, muitos foram esses atores, mas cabe especial atenção
nesse estudo a Hely Lopes Meirelles35, Miguel Seabra Fagundes36, ^
José Afonso da Silva , Adilson Abreu Dallari , Paulo Afonso Leme
37 38

Machado39, Edésio Fernandes40 e Sarah Feldman41.


O Direito Urbanístico está assentado no Poder Público e nas
ações intervencionistas e preservacionistas sobre os espaços das ci-
dades a partir do incremento dos fenômenos urbanos no século XIX
e XX42, quando muitas dessas cidades se tornaram intensos assen-
tamentos humanos, nos quais situações como a conurbação, área
metropolitana, metrópole moderna, periferização, habitação, verti-
calização, acessibilidades, violência urbana, áreas históricas urbanas,
entre muitas outras, provocam problemas jurídico-urbanísticos espe-
cíficos ao Patrimônio Ambiental Urbano e, no Brasil, a CF/88, a Ação
Popular, a Ação Civil Pública e, especificamente, o Decreto-lei 25/37,
apesar dos esforços43, não conseguem contemplar individualmente.
As noções do Direito Urbanístico afloram a partir de conceitos
como: zoneamento, áreas verdes, espaços livres, taxa de ocupação e
coeficiente de aproveitamento do terreno, noções de recuo, gabaritos
e afastamentos, regulamentos sanitários e serviços administrativos44.
Essas definições desencadearam as formas e objetivos do Direito
Urbanístico, aos quais ele se encontra hoje ligado indissoluvelmente
e que são: a) a ordenação do solo; b) a ordenação urbanística de áreas
de interesse especial; c) a ordenação urbanística de atividades edilí-
cias45; d) instrumentos de intervenção urbanística.
Como afirma Affonso da Silva (2000, p. 43), o Direito Urbanísti-
co no Brasil é formado por um conjunto de normas e princípios que
pertencem a várias instituições jurídicas, como por exemplo, a desa-
propriação, a servidão e o poder de polícia (Direito Administrativo e

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 242


[
Direito Público). Um dos princípios mais importantes de formação e
entendimento do Direito Urbanístico é o Direito Comparado. Essa afir- ^
mação desencadeia outros instrumentos como o planejamento urba-
nístico, parcelamento do solo urbano, zoneamento de uso do solo,
reparcelamento, praticado em vários países e no Brasil que, quando
apreendidos, permitem a construção de vários entendimentos.
As ações de intervenção e preservação urbana dentro do Direi-
to Urbanístico podem ser classificadas em Atos, não é por acaso que
a Inglaterra define suas ações pelos Atos (Human Rights Act). Os Atos
podem ser: a) Urbanísticos procedimentais (plano de reurbanização);
b) Urbanísticos isolados (Decreto-lei, alvará de licença de construção);
c) Urbanísticos operacionais (execução de um plano de reurbanização);
d) Fatos urbanísticos isolados (abertura de uma rua); outras classifica-
ções podem ser determinadas como os Atos de Atuação Urbanística
(o instrumento do Tombamento estaria classificado aqui) e Atos de
Controle Urbanístico; esses dois últimos podem ser instrumentalizados
no processo tutelar do patrimônio; outra questão seria a existência de
instrumentos ou Atos bilaterais (acordo de vontades entre a adminis-
tração urbanística e particulares – Instrumentos de Negociação).
O Direito Urbanístico encontra as suas fundamentações no Direi-
to Constitucional, ou seja, na Constituição, como se mencionou em
subcapítulo anterior, encontram-se normas relacionadas à Política
Urbana (Art.182 e 183 da CF/88), da proteção do patrimônio (Art. 215,
216 e 225 da CF/88), das Competências da União, Estados e Município
(Art. 21, incisos IX; XX e XXI; Art. 24, inciso I; Art. 30 incisos I, II, VIII e
IX) e também com relação à desapropriação (Direito Administrativo
presente na CF/88: Art. 22, inciso II; Art. 243; Art. 184, § 1o e § 5o; Art.
185; Art. 182, § 4o, inciso III; Art. 184, §§ 1o ao 5o; Art. 5, inciso XXIV;

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 243


[
Art. 184, § 3o). O Direito Urbanístico também está ligado ao Direito
Econômico (Política Urbana Art. 182 e 183 da CF/88), Tributário e Civil ^
(Direito à Propriedade, Art. 5, inciso XXII, da CF/88).
Concorda-se afirmar que as normas urbanísticas também surgi-
ram a partir de costumes que, com o tempo, tornaram-se legislações.
Essas normas impõem modo de agir e conduta às propriedades parti-
culares sem, contudo, se fixarem na rigidez da lei, uma vez que existe
uma dinâmica natural ao Direito Urbanístico relacionada à interven-
ção ou preservação do ambiente urbano46. As normas urbanísticas
classificam-se em Constitucionais (já mencionadas anteriormente)
e, Ordinárias (leis ordinárias), além disso, existem as Normas Gerais e
Normas Suplementares (Art. 24, inciso I, §§ 1o e 2o; e art. 30, inciso II).
A CF/88 estabelece que a criação de normas urbanísticas compete à
União, aos Estados e Municípios47.
No entendimento de José Afonso da Silva48 e Hely Lopes
Meirelles49, a CF/88 ao estabelecer a competência à União, Estados,
Municípios e Distrito Federal de legislar concorrentemente sobre o
Direito Urbanístico, também fixou a limitação da União em estabele-
cer Normas Gerais, e aos Estados legislação suplementar (Art. 24, §§ 1o
e 2o), pois, aos Estados cabe, entre outras coisas, a proteção do meio
ambiente e controle da poluição (Art. 24, VI, § 2o), proteção do patri-
mônio imobiliário histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico
(Art. 24, VII e VIII, § 2o), ao Município ocorrem setores de competência
comum e concorrente, na qual a legislação é suplementar à federal e
às estaduais (Arts. 23, III, IV, VI e VII, e 24, VI, VII e VIII combinados ao
Art. 30, II e IX).
Além das Competências, um dos temas mais importantes do
Direito Urbanístico se refere à propriedade urbana50 e aos princípios

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 244


[
que dominem o regime jurídico desse objeto. A ruptura da determi-
nação de propriedade de caráter absoluto ocorreu com a Declaração ^
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 até chegar à concepção
da propriedade como função social (CF/88 Art. 5, XXII e XXIII) e inte-
resse público. Para grande parte dos juristas brasileiros, a propriedade
seria tema do Direito Civil, Público e Constitucional, assim, a proprie-
dade é um princípio intocável, a não ser pelas exceções estabelecidas,
como a desapropriação por interesse social (Art. 184 e §§ 1o ao 5o).
A função social da propriedade urbana é fundamentada pela
CF/88, nos Arts. 182 e 183, na qual a utilização do solo fica determi-
nada pelas leis urbanísticas e pelo plano urbanístico diretor (Art. 182
§ 4o) facultado ao poder público municipal visando o adequado apro-
veitamento do solo urbano e estabelecendo penas51. O uso do solo
também é uma determinação do Direito Urbanístico através de pla-
nos urbanísticos (Plano Diretor), nos quais a edificabilidade e o lote
são regidos por normas e princípios da função social e das limitações
urbanísticas (Código Civil Art. 572 – Direito de Construir; CF/88 Art.
182, § 4o) e são classificadas como limitações urbanísticas52.
O Direito Urbanístico apresenta como instrumento e processo
técnico administrativo jurídico governamental o Planejamento Urba-
nístico, visando as mudanças necessárias ao desenvolvimento econô-
mico-social urbano previsto na CF/88 (Art. 21, IX; Art. 174, § 1o; Art.
30, VIII; Art. 182). O Plano Urbanístico adquire caráter normativo e
ativo como categoria de diretrizes e atos operativos para a política
do solo e sua edificação, o que provoca a natureza diversificada dos
planos como normativos-programáticos, concretos-executivos. Mas,
como salienta José Afonso da Silva, o protótipo do plano urbanístico
é o Plano Diretor Municipal53, possuidor de sentido e natureza de lei.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 245


[
Outro aspecto de importância dos Planos Urbanísticos é a determi-
nação da participação popular, no sentido democrático (CF/88 Art. ^
29, X e XI); a Lei orgânica de certos Municípios, como de São Paulo,
prevê a participação dos cidadãos em todas as fases do planejamento
municipal (Art. 143, § 3o).
No Direito Urbanístico, a qualificação urbanística do solo é cen-
trada na definição de imóvel urbano e imóvel rural e, especialmente,
na sua vocação urbanística. Cabe ao município a competência para
delimitar as áreas urbanas, como os solos de interesse urbanístico
especiais como as áreas programadas para a proteção cultural. O zo-
neamento de uso do solo estabelece o controle e a ocupação do solo
dividindo o território da cidade em zona urbana, urbanizáveis, expan-
são urbana, zona rural e zonas de uso ou funcionais, estas últimas de
aplicação especial em áreas de proteção histórica. Os zoneamentos
mais comuns são: residencial, industrial, comercial, de serviços, insti-
tucional, usos especiais ou ZE (no caso do patrimônio).
A ocupação do solo é estabelecida pela taxa de ocupação e pelo
coeficiente de aproveitamento, gerando os recuos, afastamentos e
gabaritos que são chamados índices urbanísticos. O solo criado54 nas-
ceu da possibilidade da instituição de áreas artificiais da construção
de forma horizontal, ou seja, de áreas adicionais, não apoiada direta-
mente sobre o solo natural. Atualmente, o conceito jurídico de solo
criado está associado à possibilidade de construir acima do coefi-
ciente único adquirido junto ao poder público por via de concessão.
Nos EUA a experiência com o solo criado decorreu do Plano Chicago,
no qual tem sido aplicado como mecanismo de transferência para a
finalidade de preservar o patrimônio histórico55. A Carta de Embu, é
considerado o documento mais importante com relação ao solo criado

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 246


[
e estabelece56: “que no caso de imóvel tombado, o proprietário poderá
alienar o direito de construir correspondente à área edificada ou ao coe- ^
ficiente único de edificação”;
O Direito Urbanístico prevê licenças de uso e mudanças de uso
em conformidade com o estabelecido em cada zona, inclusive o alva-
rá de licença para instalação de cartazes, anúncios e letreiros. No caso
do patrimônio57, os anúncios são proibidos nos bens e locais tomba-
dos e em proximidades, de modo a não prejudicar a visibilidade; fi-
cando seu controle à critério da Prefeitura, que autoriza e disciplina
sua exploração. Também pode ocorrer o uso não conforme tolerado,
mas sua condição jurídica no Brasil é muito precária, e o uso sujeito a
controle especial, caso cabível ou conveniente ao interesse coletivo.
Também se encontra, no Direito Urbanístico, o Direito de Preempção,
ou seja, preferência que o município tem na aquisição de imóvel
urbano, objeto de transação entre particulares58;
O Direito Urbanístico também regula a ordenação jurídica do
sistema viário criando condições do direito à circulação, de ir, de vir
e ficar (Art. 5, inciso II da CF/88); as vias estabelecidas dentro do
Centro Histórico merecem cuidados especiais, pois também estão
tombadas, sendo objeto de natureza jurídica e urbanística, relati-
vo à preservação, semelhante às edificações. O Sistema Rodoviário
Nacional (Lei 5917, de 10.9.1973) estabelece, entre seus deveres, a
obrigação de ligações com as cidades tombadas pelo IPHAN e pon-
tos de atração turística;
As áreas urbanas que carecem de tratamento específico são cha-
madas pelo Direito Urbanístico de áreas de interesse especial e liga-
das a processos de renovação urbana, operação urbana e consórcio
imobiliário, urbanificação prioritária, formação de núcleo industrial,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 247


[
residencial de recreio, execução de obras públicas de grande porte,
formação de áreas não-edificáveis, constituição de áreas de lazer, ^
urbanificação de interesse social e interesse turístico. Entre essas, a
que tem sido mais usado nas ações preservacionistas do patrimônio
é a renovação urbana ou reurbanização, que atinge somente áreas
determinadas visando a recuperação de áreas deterioradas e outras
conotações, como por exemplo, renovação de zonas, renovação
pontual e renovação de infraestrutura59;
A ordenação urbanística para fins turísticos é um fenômeno de
grande importância, principalmente no final do século XX e início do
XXI, com planos para os locais compreendidos como de vocação tu-
rística, entre os quais, os Centros Históricos. A Lei 6513 de 20.12.1977
(Art. 1o) considerou todos os bens de valor cultural e natural, prote-
gidos por legislação específica, como de interesse turístico60. Essas
áreas caracterizam-se juridicamente por Decreto Federal e pelo Con-
selho Nacional de Turismo. Por entorno de proteção entende-se o
espaço físico necessário ao acesso do público ao local de interesse
turístico e a sua conservação, manutenção e valorização; por entor-
no de ambientação, o espaço físico necessário à harmonização do
local de interesse turístico com a paisagem em que se situar (Art. 4
Lei 6513/77). Os planos devem ser aprovados pela EMBRATUR, IPHAN,
IBDF, SEMA, CNPU, SUDEPE, obrigatoriamente pelo IPHAN e SEMA61,
sendo de competência fundamental da União e complementar dos
Estados, Regiões Metropolitanas e Municípios (Lei 6513/77 Art. 21);
Dentro do Direito Urbanístico também cabe especial interesse
os instrumentos de intervenção urbanística que são: as limitações, as
restrições, servidões, direito à superfície, desapropriações, indeniza-
ções, licenças, habite-se e o Direito real de uso (usufruto, enfiteuse62,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 248


[
etc.). A limitação à propriedade constitui gênero na qual são espé-
cies as restrições, as servidões e as desapropriações63. As restrições ^
limitam o caráter absoluto da propriedade, por exemplo: o direito
de uso da coisa da maneira que melhor pareça ao proprietário, di-
reito de modificação como lhe aprouver, etc. (limitado pelo Art. 17
do Decreto-lei 25/37); as servidões, o caráter exclusivo, por exemplo,
execução de um sistema metroviário, passagem de fios de energia,
numeração nas paredes; a desapropriação, o caráter perpétuo, exem-
plo: planos de reurbanização que exijam desapropriações por inte-
resse da coletividade e utilidade pública. As leis e decretos no Brasil
referentes à desapropriação são: Lei 816, de 10.7.1855, Decreto 1664,
de 27.10.1855; Decreto 4956, de 9.9.1903; Lei 1021, de 26.8.1903; Lei
6513 de 20.12.1977; Lei 6766, de 19.12.1979; Lei 6602, de 7.12.1978;
todas fundamentadas pelo Decreto-lei 3365 de 1941 e Lei 4132, de
10.9.196264 e pela Constituição Federal Brasileira de 1988 nos: Art. 22,
inciso II; Art. 243; Art. 184, § 10; Art. 184, § 5o; Art. 185; Art. 182, § 40,
inciso III; Art. 184 e §§ 1o ao 5o; Art. 5, inciso XXIV; Art. 184, § 3o.
De forma geral, a relação entre o Direito Urbanístico e o Patri-
mônio Ambiental Urbano demonstrou uma contraposição velada
de separação entre os meios tutelares federais, estaduais e munici-
pais, sendo que, na prática, os instrumentos apontados pelo Direito
Urbanístico, longe de não seguirem as normas gerais estabelecidas
pela União e contemplarem o direito concorrente e suplementar,
identificam uma operacionalidade mais adequada a ações interven-
cionistas urbanas autônomas municipais do que preservacionistas,
fato demonstrado na estrutura jurídica do Plano Diretor e dos planos
urbanísticos de interesse especial, que pouco contemplam as ações
preservacionistas e se estruturam na rigidez da legislação federal de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 249


[
preservação que tende a abarcar todas as possibilidades de instru-
mentalização preservacionista genericamente definidas pela CF/88. ^
Apesar de uma determinação minuciosa de ações urbanas, o
regime jurídico proposto pelo Direito Urbanístico não atinge ou não
interessa atingir de forma clara os Centros Históricos nacionais, dei-
xando que os planos (diretor e especiais) negociem suas ações ou,
às vezes, imponham ações que otimizam apenas parte das necessi-
dades econômicas, sociais, políticas, arquitetônicas, de memória ur-
bana, inventariações, etc. Esses planos de intervenção e preservação
do Patrimônio Ambiental Urbano, estabelecidos encima da exclusi-
va competência da legislação federal, mais uma vez tendem a defi-
nir como verdadeira a afirmação e confirmação da antiga legislação
preservacionista no Brasil, apesar dos avanços indiscutíveis da CF/88.
Entretanto, é necessário buscar mais alguns meios que demonstrem e
alicercem essa afirmação, portanto, é preciso abranger algumas pro-
blemáticas jurídicas gerais diretamente relacionadas às intervenções
em Centros Históricos e um novo elemento jurídico a mais na deter-
minação do regime do Direito Urbanístico, ou seja, a Lei 1025765 de
10.07.2001 (Estatuto da Cidade), conforme se demonstra a seguir.

Confirmação ou mudança legislativa da preservação


e restauro no Brasil?

A preponderante fundamentação da competência atribuída


ao Poder Público Municipal pela CF/88 (Arts. 29, 30 e 182) para exe-
cutar a política de desenvolvimento urbano pode ser considerada o
grande cerne de discussão da confirmação ou mudança legislativa da
preservação e restauro no Brasil, uma vez que a reflexão recai sobre

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 250


[
se o Município precisa esperar a União estabelecer as Normas Gerais
para executar as ações intervencionistas e preservacionistas sobre o ^
Patrimônio Ambiental Urbano, ou o município pode instituir as ações
mediante a omissão da União. Para José Afonso da Silva66, “a compe-
tência suplementar é correlativa da competência concorrente e significa
o poder de formular normas que desdobrem o conteúdo de princípios,
ou normas gerais, ou que supram a ausência ou omissões destas”.
Juridicamente a questão parece bem resolvida, na prática,
encenam-se constantes e intermináveis disputas entre os Entes e
o continuísmo da degradação do conjunto dos bens patrimoniais
do ambiente urbano das cidades históricas. O Direito Urbanístico
tem apontado instrumentos que podem ser trabalhados na tutela
do patrimônio ambiental urbano, os quais já mencionados por ou-
tros autores, como Luciana Rocha Férez67, vão da transferência do
direito de construir, a isenção do IPTU e uma legislação urbana mais
específica com relação às áreas de interesse especial voltadas para
o patrimônio cultural.
O fato da CF/88 (Art. 30, inciso IX68) prover ao município não
apenas a possibilidade de legislar na omissão ou na ausência dos
outros entes, mas o de legislar por sua própria e exclusiva neces-
sidade, ao “encontrar” o Decreto-lei 25/37, todas as questões do
diálogo tão enaltecidos pela Carta Mater de 1988 parecem ter um
esgotamento, mesmo tendo o Decreto-lei 25/37, no seu artigo 23,
estabelecido que a União fará acordos com os Estados referentes à
preservação do patrimônio.
Quando também se apontam os regimes jurídicos do Direi-
to Urbanístico como predeterminadores da instrumentalização das
ações, parece ocorrer uma velha menção filosófica a não dialética na

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 251


[
legislação preservacionista, uma vez que instrumentos como a isen-
ção do IPTU, transferências de usos, ações especiais e incrementos de ^
planos turísticos para as áreas de interesse especiais, parecem minar
a dedicada e intuitiva predestinação apontada do convite à partici-
pação popular, quando, pretende-se de cima para baixo, exercitar os
procedimentos organizadores do território. Para amenizar essa não
dialética a materialização dessa pretensão aponta para o estabele-
cimento de um maior diálogo entre elementos próprios ao Direito
Urbanístico, como o Plano Diretor e o Decreto-lei 25/37, uma vez que
não se pretende a eliminação de um em detrimento do outro, mas
sim sua efetiva comunicação e integração jurídica proporcionando o
aperfeiçoamento da tutela patrimonial.
Uma das problemáticas que aparecem ao se propor um maior
diálogo entre o Decreto-lei 25/37 e o Plano Diretor está no fato da
CF/88 estabelecer que esse Plano só pode ser executado em muni-
cípios acima de 20.000 mil habitantes, de forma que seria necessário
prever a atuação desse diálogo entre o Decreto-lei 25/37 e a política
municipal para as cidades que não possuem essa população (cidades
históricas de regiões menos povoadas ou que fazem parte de uma
região metropolitana, mas que não atingiram a população definida
pela CF/88). Outro aspecto que pode suscitar problemáticas nesse
diálogo se refere ao fato de que o Plano Diretor, instrumento básico
da política municipal, está associado diretamente ao Poder Executivo
e Legislativo Municipal, entendendo que as críticas a essa autonomia
municipal, quando referentes à preservação do patrimônio, são cons-
truídas a partir do discurso da excessiva discricionariedade dada aos
poderes municipais e, especialmente, ao Executivo.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 252


[
Com relação à preservação e restauro do Patrimônio Ambien-
tal Urbano, o Direito Urbanístico também se estruturou em aspectos ^
gerais e específicos, ficando as Normas Gerais controladas pela União
e os específicos pelos outros entes mais diretamente ligados às pro-
blemáticas do Município. Assim, o Decreto-lei 25/37, a Ação Popu-
lar, a Ação Civil Pública e Leis Federais de preservação agem dentro
do Direito Urbanístico como se fossem quase que parte indissolúvel
deste, mas elencados como instrumentos gerais; os instrumentos es-
pecíficos, às vezes independentes são: O Imposto Progressivo sobre
a propriedade predial e territorial urbana; a Desapropriação; Parce-
lamentos ou Edificação Compulsórios; a Transferência do Direito de
Construir, os Instrumentos de Participação Popular e a Legislação de
Áreas de Interesse Especial.
O Imposto Progressivo sobre a propriedade predial e territorial
urbana está assentado nos Arts. 182 § 4o e 156 § 1o da CF/88, que
promovem a função social da propriedade. Os imóveis tombados ou
a serem tombados são considerados de interesse público, mas os que
apresentam grande estado de degradação podem ser considerados
em descompasso com essa norma. Nos Centros Históricos são encon-
tradas grandes quantidades de edificações em estado de abandono,
a impossibilidade da aplicação do Imposto Progressivo sobre esses
imóveis tombados está relacionada a questões que devem ser repen-
sadas no Decreto-lei 25/37 no seu Art. 19 §§ 1o, 2o e 3o; como o custo
a expensas da União quanto o proprietário não possui condições de
fazê-lo e, caso a União não o faça o proprietário pode requerer o des-
tombamento69; também existem as disputas de espólios e heranças
das edificações que necessitam ser trabalhadas nesta questão.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 253


[
A Desapropriação talvez seja o instrumento que mais afirme a
continuidade da legislação preservacionista ou da não dialética exis- ^
tencial de uma legislação patrimonial no Brasil, uma vez que esse ins-
trumento de intervenção urbanística do Direito Urbanístico prevista
no Art. 182, inciso III, § 4o, às vezes indenizável (Art. 5, inciso XXIV), é
um grande promotor da “ideia da perda” do imóvel, ao ser praticado
o instituto do tombamento, pois é uma sanção que afeta o direito
de propriedade de forma irreversível, é claro que essa desapropriação
está assentada no caráter da função social, mas usada a muito tempo
de várias formas e com vários propósitos, às vezes especulativos,
tornou-se um instituto que requer especial atenção mediante suas
possibilidades na tutela do patrimônio.
Os edifícios abandonados nas áreas centrais das cidades brasilei-
ras podem ser considerados como uma ocorrência constante. A ação
sobre esses locais está prevista em vários instrumentos de intervenção
do Direito Urbanístico, entre os quais o Parcelamento ou Edificação
Compulsória. Esse instrumento urbanístico prevê que as edificações
subutilizadas, terrenos não edificados ou fora dos critérios de uso esta-
belecidos pelo uso e ocupação do solo sejam obrigados a ser parcelados
ou edificados (apesar de ser apenas definida para parcelamento e edi-
ficação pelo interesse social). O maior problema dos Centros Históricos,
ou seja, a subutilização dos imóveis tombados, não pode ser aplicada,
apesar de contemplada teoricamente por esse instrumento interven-
cionista e pelas ações praticadas atualmente, essa legislação ainda re-
quer mais desenvolvimento prático e teórico. A não utilização do imóvel
histórico para fins de interesse social deveria ser melhor expressa nesse
instrumento ou na revisão do Decreto-lei 25/37, uma vez que esse
Decreto-lei não estabelece a destinação de uso dos imóveis tombados.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 254


[
Outro instrumento do Direito Urbanístico possível a ser aplica-
do sobre os centros históricos é a Transferência do Direito de Cons- ^
truir. Esse instrumento tem suas origens no Direito de Construir e no
conceito de Solo Criado70, o que por si, já demonstrou ao longo das
últimas décadas várias polêmicas sobre a sua eficácia e constitucio-
nalidade. O próprio tema Direito de Construir recai sobre a limitação
estabelecida pelo Decreto-lei 25/37 sobre os imóveis tombados, res-
peitando a função social da “coisa”, portanto, a CF/88 trouxe a ques-
tão à tona adotando o instrumento do Solo Criado para resolver essa
situação urbanística. O Art. 11 do Decreto-lei 25/37 estabelece que as
coisas tombadas que pertençam à União, aos Estados ou aos Muni-
cípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma
a outra das referidas entidades, e prevê um deslocamento para bens
subjetivamente considerados móveis (Art. 13 § 2o Decreto-lei 25/37),
não há nenhuma especificação referente à Transferência do Direito de
Construir no Decreto-lei 25/37.
O Direito de Transferência é visto como uma compensação, por-
tanto, necessitando de uma sistematização referente à negociação.
Neste ponto, o instrumento do Direito Ambiental chamado Termo
de Ajustamento de Conduta poderia agir como elemento facilitador
desse instrumento de intervenção do Direito Urbanístico. Na prática,
o Direito de Transferência encontra muitos obstáculos, entre os quais
a possibilidade de agir como elemento de expulsão dos moradores
locais e das atividades formadoras da memória urbana, a partir da
possibilidade instrumentalizada ao proprietário de edificar em outra
propriedade aquilo que ele não pode executar no imóvel tombado;
a situação na qual o proprietário for dono de único imóvel nos con-
juntos urbanos históricos, impossibilitando seu benefício, ainda há

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 255


[
a possibilidade dada pelo instrumento do direito desse proprietário
de imóvel tombado de vender seu direito de transferência para outro ^
proprietário.
A CF/88 ostenta o princípio da participação popular71 como a
essência da legitimação das ações intervencionistas e preservacionis-
tas sobre o meio urbano, portanto, os Instrumentos de Participação
Popular são o exercício da cidadania e foram plenamente exercidos
nas emendas populares apresentadas na última Assembleia Nacional
Constituinte72. A participação popular não elimina o monopólio do
Estado na produção do Direito, mas o obriga a uma parceria com as
pessoas de forma individual ou coletiva, possibilitando novas rela-
ções entre o Estado e a sociedade visando a promoção da defesa de
um interesse coletivo ou difuso.
A CF/88 possibilitou o incremento dessa ação instrumental de
intervenção via Direito Urbanístico e o regime do Plano Diretor, possi-
bilitando ao cidadão o direito político de participar da defesa de seus
interesses, mesmo com este avanço, esse instrumento do Direito
Urbanístico sempre enfrentou um grande obstáculo a sua aplicação:
o desinteresse da grande maioria pelas questões do poder público e,
no caso em estudo, pela preservação dos bens patrimoniais, uma vez
que a maioria dessa população se encontrava voltada para garantir a
sua própria sobrevivência.
A Legislação de Áreas de Interesse Especial tem tido aplicação
comum em vários países. No Brasil, as zonas especiais são definidas
como porções da área urbana com destinações específicas que de-
vem ser organizadas por normas próprias de uso e ocupação do solo
e verificadas como instrumentos da Política Urbana73. No caso do pa-
trimônio histórico, muitas prefeituras brasileiras, através de suas Leis

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 256


[
Orgânicas, denominam essas áreas de especial interesse social de ZEIS
(Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico Cultural), ^
as quais devem ser organizadas pelo Plano Diretor visando regula-
rizações e coibir irregularidades. Normalmente, esse instrumento de
intervenção do Direito Urbanístico é mais praticado nas questões ha-
bitacionais, áreas clandestinas, subutilização dos terrenos e imóveis,
ocupações irregulares como, por exemplo, as favelas e os cortiços.
Todos esses instrumentos intervencionistas podem ser transfe-
ridos para a defesa do Patrimônio Ambiental Urbano e muitos deles
já têm sido aplicados sobre várias categorias patrimoniais, mas se
poderia afirmar mais uma vez que o Direito Urbanístico e a legisla-
ção preservacionista, mesmo engendrados, sofrem do mesmo mal,
a dispersão de suas leis? A unificação dos instrumentos jurídicos do
Direito Urbanístico foi tentada ao longo de 10 anos após a sua consa-
gração na CF/88, o que resultou na Lei 10257 (Estatuto da Cidade), já
a unificação ou reunião da legislação preservacionista já foi inúmeras
vezes pleiteada, mas nunca esboçada.
O Estatuto da Cidade pode ser compreendido por dois ângu-
los distintos: pelas críticas decorrentes das problemáticas urbanas
não solucionadas ou omitidas, especialmente com referência ao
tratamento das ações preservacionistas e intervencionistas, e pelas
possibilidades positivas, germinadas pelos instrumentos do Direito
Urbanístico dispostos nesta lei e possíveis de servirem à revisão, subs-
tituição, intersecção de várias legislações existentes no Brasil, prin-
cipalmente as voltadas para a preservação e reabilitação de Centros
Históricos. Com relação às críticas diretas ao Estatuto da Cidade, de
forma geral, apresentam as seguintes questões:

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 257


[
1o - Conforme argumenta Saule Junior (1997, p. 244), o Estatuto
da Cidade se mostra positivo ao estabelecer os preceitos sobre a pro- ^
priedade urbana e sua função social, além de afirmar os municípios
como os responsáveis pela formulação do Plano Diretor. O Estatuto
da Cidade também discrimina as situações de violação constitucional
da função social da propriedade. Com relação aos instrumentos da
Política Urbana, o Estatuto da Cidade é carente, pois só alguns pontos
foram regulamentados, deixando a desejar, por exemplo, nas opera-
ções consorciadas, contribuições de melhoria, solo criado e transfe-
rência do direito de construir, exatamente aqueles pontos que pode-
riam ser aplicados sobre a legislação preservacionista do Patrimônio
Ambiental Urbano;
2o - A grande crítica ainda recai nas disputas entre as competên-
cias, pois as questões presentes no Art. 182 da CF/88 ainda dificultam
várias das ações por parte dos municípios como, por exemplo, no es-
tabelecimento de prazos para a aprovação de projetos urbanísticos.
Essa crítica se estende à regulamentação do plano diretor e às áreas
metropolitanas que permitem a continuidade da competência dessa
matéria ao Estado, que na maioria das vezes institui, mas se omite em
relação a promoção de alternativas e gestão de políticas urbanísticas.
Todas as ações contidas no Estatuto da Cidade representam
avanços, mas também confirmam a permanência da antiga forma de
organização, administração e política da legislação preservacionista
nacional; pois mesmo os avanços conquistados não conseguem ser
completamente efetivados; mas qual razão de não o serem? Talvez
a resposta esteja em três discussões neste amplo universo das ações
preservacionistas e intervencionistas sobre os Centros Históricos que
são: 1 - Revisão do Decreto-lei 25/37, 2 - Maior autonomia jurídica

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 258


[
aos municípios brasileiros nas ações intervencionistas e preservacio-
nistas e, 3- Intersecções e transferências das ações preservacionistas ^
do patrimônio natural para o Patrimônio Ambiental Urbano. Realizar
reflexão crítica sobre essas três situações, incrementando-as e asso-
ciando-as com o conhecimento conceitual do regime, sistema e ins-
trumentos intervencionistas próprios ao Direito Urbanístico é o que
será apresentado, a seguir, na terceira parte deste livro.

Notas

1 CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil: promulgada em


5 de outubro de 1988/obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos
Wind e Luiz Eduardo Alves de Siqueira. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 05.
2 “A Constituição de 1988 é a mais democrática de todas as constituições
brasileiras. Em contrapartida, as emendas constitucionais vêm retaliando
a Constituição de 1988, modificando sensivelmente sua estrutura
democrática”. BARBOSA, E. M. Direito Constitucional: uma abordagem
histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003. p. 96.
3 CONSTITUIÇÃO da República Federativa o Brasil. op. cit., p. 05.
4 Ibid., p. 27.
5 Ibid., p. 24.
6 LIRA, R. P. Elementos do Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
7 AFONSO DA SILVA, J. Aspectos Jurídicos do Patrimônio Ambiental. São
Paulo: USP, 1981. p. 21-26.
8 CONSTITUIÇÃO da República Federativa o Brasil. op. cit., p. 127.
9 AFONSO DA SILVA, op.cit., p. 07.
10 CASTRO, S. R. de. O Estado na Preservação dos Bens Culturais. Rio de
Janeiro: Renovar, 1991.
11 CONSTITUIÇÃO da República Federativa o Brasil. op.cit., p. 129-130.
12 Ibid., p. 131.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 259


[
13 “Discutiu-se bastante em torno da problemática constituinte e indagou-se: os
deputados federais e senadores dispunham de mandatos parlamentares para
produzir a Constituição?” BARBOSA, op.cit., p. 97.
^
14 “As sugestões resultaram de ampla análise elaborada em sete reuniões da
Comissão, realizadas na sede dessa Secretária nos dias 09 e 10/02/87, 16 e
17/03/87, 30 e 31/03/87, e que contaram com a preciosa colaboração da Dra.
Dora Alcântara, Dra. Regina Coeli, Arquiteta Jurema Arnaut, Dr. Calos Alberto
Xavier, Dr. Sydney Solis, Dr. Fernando Burmeister, do assessor do gabinete
da SPHAN, Dr. José Antonio Nonato e da Dra. Ana Luiza Bretas da Fonseca,
que secretariou as Reuniões. Fizeram parte como membros dessa Comissão:
Modesto Souza Barros Carvalhosa, Raphael Carneiro da Rocha, Augusto Carlos
da Silva Telles, Paulo Ormindo David de Azevedo e Claudia Martins Dutra”.
SUGESTÕES À ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. Ministério da Cultura:
Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: Serviço
Público Federal, março/abril de 1987.
15 Constituição Francesa de 04 de outubro de 1956 atualizada pela Reforma
Constitucional de 17 de março de 2003. Disponível em: http://confinder.
richmond.edu/francesp.htm. Acesso em: 21 ago. 2004.
16 Disponível em: http://confinder.richmond.edu/francesp.htm. Acesso em: 21
ago. 2004.
17 Constituição Francesa de 04 de outubro de 1956 atualizada pela Reforma
Constitucional de 17 de março de 2003. Art. 34. Disponível em: http://
confinder.richmond.edu/francesp.htm. Acesso em: 21 ago. 2004.
18 Constituição Francesa de 04 de outubro de 1956 atualizada pela reforma
constitucional de 17 de março de 2003. Art. 72. Disponível em: http://
confinder.richmond.edu/francesp.htm. Acesso em: 21 ago. 2004.
19 Disponível em: http://confinder.richmond.edu/Italy.htm. Acesso em: 25 out.
2004.
20 Il Friuli-Venezia Giulia, la Sardegna, la Sicilia, il Trentino-Alto Adige/Südtirol
e la Valle d’Aosta/Vallée d’Aoste, La Regione Trentino-Alto Adige/Südtirol è
costituita dalle Province autonome di Trento e Bolzano. Disponível em: http://
confinder.richmond.edu/Italy.htm. Acesso em: 25 out. 2004.
21 Disponível em: http://www.parlamento.pt/const_leg/crp_port/
crp_97_1html. Acesso em: 21 ago. 2004.
22 Disponível em: http://www.parlamento.pt/const_leg/crp_port/
crp_97_1html. Acesso em: 21 ago. 2004.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 260


[
23 Disponível em: http://www.parlamento.pt/const_leg/crp_port/
crp_97_1html. Acesso em: 21 ago. 2004.
^
24 CONSTITUIÇÃO da República Federativa o Brasil. op.cit., p. 25.
25 Disponível em: http://confinder.richmond.edu/spain.htm. Acesso em: 25
out. 2004.
26 Disponível em: http://confinder.richmond.edu/spain.htm. Acesso em: 25
out. 2004.
27 BARBOSA, op.cit., p. 22.
28 Disponível em: http://confinder.richmond.edu/uk.htm. Acesso em 21 ago.
2004.
29 BARBOSA, op.cit., p. 22.
30 Disponível em: http://www.hmso.gov.uk/acts/acts1998/19980042.htm.
Acesso em 21 ago. 2004.
31 A Parte II do Human Rights Act 1998 está relacionada a CF/88: Art. 5 inciso
XXII, Art. 22 inciso II, Art. 182 § 2º Art. 184 § 1º ao 5º. Disponível em: http://
confinder.richmond.edu/uk.htm. Acesso em: 21 ago. 2004.
32 Disponível em: http://www.hmso.gov.uk/acts/acts2002/20020014.htm.
Acesso em: 24 ago. 2004.
33 Disponível em: http://www.Georgetown.edu/pdba/Constitutions/USA/
usa1787.html. Acesso em: 21 ago. 20004.
34 Disponível em: http://www.Georgetown.edu/pdba/Constitutions/USA/
usa1787.html. Acesso em: 21 ago. 2004.
35 Para os Arquitetos e Urbanistas, e Engenheiros, o Prof Hely Lopes Meirelles
possibilitou a aproximação do conhecimento do Direito com suas duas
grandes obras: “Direito de Construir” e “Direito Municipal Brasileiro”.
MEIRELLES, H. L. Direito de Construir. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MEIRELLES, H. L. Direito Municipal Brasileiro. 13 ed. São Paulo: Malheiros,
2003.
36 SEABRA FAGUNDES, M. Da Desapropriação no Direito Brasileiro. 2 ed. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 1949.
37 Além das publicações de importância ímpar para o Direito Brasileiro, o Prof.
José Afonso da Silva pode ser considerado um dos pioneiros no ensino do
Direito Urbanístico no Brasil a partir de 1976 na Pós-graduação da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, inclusive com a participação de
muitos arquitetos e urbanistas. AFONSO DA SILVA, J. Direito Urbanístico

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 261


[
Brasileiro. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. AFONSO DA SILVA, J. Aspectos
Jurídicos do Patrimônio Ambiental. São Paulo: FAUUSP, 1981.
^
38 DALLARI, A. A., e FIGUEREDO, L. V. (coords.). Temas de Direito Urbanístico.
São Paulo: RT, 1987.
39 MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. 12 ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
40 FERNANDES, E. (org.). Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo
Horizonte: Del Rey, 2000.
41 FELDMAN, S. (org.). Legislação Urbanística e Habitação Econômica
no Brasil: nexos com o movimento Moderno (1930-1964). Relatório de
Pesquisa CNPQ (agosto 1999 a fevereiro 2001). São Carlos: USP/Escola de
Engenharia. 2001.
42 DI SARNO, D. C. L. Elementos do Direito Urbanístico. Barueri: Manole,
2004. p. 6.
43 “A noção de direito à cidade adquiriu forma com proposições que foram
resultado da formulação de uma emenda popular de Reforma Urbana
por um conjunto de entidades e associações de classe, organizações não
governamentais - ONGs, associações civis... A emenda popular subscrita por
131.000 mil eleitores foi apresentada pela Articulação do Solo Urbano ANSUR.
A emenda popular da Reforma Urbana teve um papel importante no processo
constituinte, pois vários dos seus temas foram utilizados como referência
para a elaboração do Capítulo da Política Urbana da Constituição de 1988”.
SAULE JUNIOR, N. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro.
Ordenamento Constitucional da Política Urbana. Aplicação e Eficácia do
Plano Diretor. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. p. 25.
44 AFONSO DA SILVA, J. Direito Urbanístico Brasileiro. 3 ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 29.
45 “A palavra Edilícia é empregada no Italiano: edilizia - arte de edificar, em
latim, vem de aedilis, is, que deu nosso edil: magistrado romano que cuidava
dos problemas da cidade, e das atividades urbanas. Conjunto de edificações
em que os membros da coletividade moram ou desenvolvem suas atividades
produtivas”. Ibid., p. 26 e 32.
46 “Consagra o art. 24, entre outros temas, o Direito Urbanístico (I), a defesa
do solo (VI), a proteção do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (VII);
a responsabilidade por dano a bens e direitos de valor artístico, histórico e
paisagístico (VIII). Assim como o Direito Tributário, o Financeiro, o Penitenciário
e o Econômico, o Direito Urbanístico foi trazido para a estrutura de
competências mais centralizadas”. DI SARNO, op.cit., p. 39.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 262


[
47 AFONSO DA SILVA, op.cit., p. 61.
48 Ibid., p. 66. ^
49 MEIRELLES, H. L. Direito Municipal Brasileiro. 13 ed. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 131.
50 DI SARNO, op.cit., 2004. p. 47.
51 AFONSO DA SILVA, op.cit., p. 73.
52 Ibid., p. 80.
53 “Chamado, na Itália, de plano regolare generale; na Espanha, de plan
general de ordenación; na França, de schéma directeur d’aménagement et
d’urbanisme; na Bélgica, de plan general d’aménagement e Flachennutzungs-
plan na Alemanha”. AFONSO DA SILVA, J. Direito Urbanístico Brasileiro.
3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 93. Artigo 182 § 1º da CF/88: “O plano
diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para as cidades
com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana”. Artigo 182 § 2º CF/88:
“A propriedade urbana cumpre função social quando atende as exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. SAULE
JUNIOR, op.cit., p. 109.
54 LIRA, R. P. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
p. 165.
55 “Por esse sistema os proprietários de imóveis que o Poder Público definir como
de interesse histórico ficam autorizados a alienar o direito de construir que lhes
couber no terreno onde se acham tais imóveis, e que não podem ser demolidos
para erguerem construções modernas e elevadas. A transferência do direito de
construir desse terreno para outro permite acrescer em outros imóveis áreas
construídas que não seriam possíveis de outro modo”. AFONSO DA SILVA.
op.cit., p. 255.
56 Ibid., p. 259.
57 Art. 18 do Decreto-lei 25/37: “Sem prévia autorização do serviço do
patrimônio Histórico e Artístico nacional, não se poderá, na vizinhança da
coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade,
nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a
obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta por cento
do valor do mesmo objeto”. Disponível em: www.iphan.gov.br/legislac/
decretolei25.htm. Acesso em: 31 jul. 2000.
58 AFONSO DA SILVA. op.cit., p. 167.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 263


[
59 Ibid., p. 351.
60 Ibid., p. 379. ^
61 Ibid., p. 381.
62 “Contrato pelo qual o proprietário de um imóvel cede a outrem o domínio útil
da propriedade, mediante o pagamento de uma pensão anual chamada foro,
o mesmo que aforamento”. SILVEIRA BUENO, F. da. Minidicionário da Língua
Portuguesa. 6 ed. São Paulo: LISA, 1992. p. 243.
63 AFONSO DA SILVA, op.cit., p. 385.
64 Ibid., p. 409 e 410.
65 “Com fundamento específico nos Arts. 182 e 183 da Constituição Federal de
1988, a Lei Federal n. 10.257/01, também formalmente designada de Estatuto
da Cidade, foi promulgada após mais de dez anos em trâmite no Congresso
Nacional. Na verdade, todos esses anos não foram gastos em calorosos e
profícuos debates entre a Casa Legislativa e a sociedade. Boa parte deles foi
consumida dentro de gavetas parlamentares. De maneira geral o Estatuto da
Cidade propugnava por cidades sustentáveis”. DI SARNO, D. C. L. Elementos
do Direito Urbanístico. Barueri: Manole, 2004. p. 59 e 60.
66 AFONSO DA SILVA, apud SAULE JUNIOR, N. Novas Perspectivas do Direito
Urbanístico Brasileiro. Ordenamento Constitucional da Política Urbana.
Aplicação e Eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1997. p. 104.
67 Cidade, memória e legislação: a preservação do patrimônio na
perspectiva do direito urbanístico. Edésio Fernandes, Jurema Marteleto
Rugani (orgs.) Belo Horizonte: IAB-MG, 2002. p. 16.
68 Constituição da República Federativa o Brasil. op.cit., p. 34.
69 Disponível em: www.iphan.gov.br/legislac/decretolei25.htm. Acesso em: 31
jul. 2000.
70 SAULE JUNIOR, op.cit., p. 284.
71 Art. 5 inciso LXXIII da CF/88 e Lei de Ação Popular nº 4.717 de 29-6-1965.
Constituição da República Federativa o Brasil. op.cit., p. 12.
72 SAULE JUNIOR, op.cit., p. 244.
73 Ibid., p. 306.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 264


[

TERCEIRA PARTE

OS LIMITES DO DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO


E SUAS POSSIBILIDADES NA APLICABILIDADE
DA LEGISLAÇÃO DE PRESERVAÇÃO E
REABILITAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS
[
– 7–
^
Instrumentos Legais de Preservação
do Patrimônio: do Tombamento ao Termo de
Ajustamento de Conduta

Pequena reflexão sobre a origem


da legislação patrimonial

Os significados das palavras sofrem alterações através dos tem-


pos, essa afirmação não é nenhuma novidade ou inovação no campo
filosófico e do conhecimento, as ciências humanas são mais do que o
saber fazer, elas se tornam uma prática e depois instituições. A razão
para essa inicial colocação é mencionar a palavra chave deste estudo:
patrimônio1, a qual originalmente se estabeleceu com o sentido de
relação do homem com um local; na Antiguidade Greco-Romana2,
tornou-se herança paterna, bens de família, formada por quaisquer
objetos, materiais ou morais3; desse sentido, verificou-se que o radi-
cal se inseria na palavra Pátria, relativo ao país em que se nasce ou
à terra dos pais, derivando para patrício, de patriciado ou patriciato,
relativo à classe dos nobres entre os romanos.
Por muitos séculos a palavra patrimônio não foi aplicada concei-
tualmente como ela é hoje, apesar de guardar requisitos relacionáveis
com sua significação mais antiga, o que aconteceu foi uma mudança

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 266


[
interior de nossa cultura, especialmente nos séculos XVIII e XIX, quan-
do a palavra adquiriu um sentido relacionável ao que se denominou ^
de preservação de coisas ou bens que deixassem um sentido de re-
conhecimento histórico de nossas origens4. A palavra patrimônio era
identificada apenas com os elementos ditos mais importantes, sempre
associada a espólios ou conquistas, especialmente dos romanos, além
de não ser encontradas referências à necessidade de preservar ou
manter coisas que identificassem determinada situação de memória5.
A origem e consagração do sentido atual da palavra patrimônio,
anteriormente designado conceitualmente como monumento6, só
entrou nos dicionários franceses na segunda metade do século XIX.
Há que se perceber que, após a Revolução de 1789, uma onda de van-
dalismo invadiu o país e especialmente Paris7, as famosas Comissões
Revolucionárias pregavam a destruição de todo ou qualquer objeto
que pudesse estar relacionado à monarquia francesa, dessa forma,
vários monumentos estavam em constante risco de desaparecimen-
to, obras como a Catedral de Notre Dame de Paris passaram a servir até
como estábulos para a Guarda Nacional Francesa.
A Revolução Francesa influenciou na determinação do termo
atual e na formação de teorias que estabeleceram os critérios que con-
ceberiam as leis; um dos primeiros atos legais da Constituição de 02 de
outubro de 1789 foi colocar os bens do clero “a disposição da nação” e,
em seguida, a dos imigrantes e, depois, da Coroa. Essa intervenção de
propriedade não tinha precedente e foi um dos aspectos mais impor-
tantes na formulação inicial de regimes de tutela dos bens conside-
rados de relevância. A partir de então, foram estabelecidas palavras-
-chave para sustentar o processo de intervenção legal criado, palavras
como herança, sucessão, conservação e, especificamente, “Patrimônio”.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 267


[
A legislação normatizou o que a intelectualidade estabelecia
como sentido de valores e riquezas. Nesse aspecto, o papel dos ^
inventários foi de fundamental importância, os quais, apesar de ex-
tremamente criticados pelas comissões revolucionárias, foram uma
das primeiras atitudes legais baixadas pelo governo revolucionário
(Decreto de 13 de outubro de 17908). A necessidade básica era legis-
lar na urgência e para o bem do interesse coletivo; foi a Legislação
revolucionária francesa que dividiu os bens em duas categorias, os
móveis e os imóveis, em que os primeiros seriam transferidos para
locais especiais, os museus, sempre abertos à visitação pública,
serviriam de instrução a nacionalidade.
No caso dos bens imóveis, ou seja, arquiteturas, como conven-
tos, igrejas, castelos e palácios (nem se cogitava a questão do con-
junto de edificações, como centros históricos ou áreas históricas), as
comissões e a lei se mostravam totalmente despreparadas para lidar
com esses bens patrimoniais. Vários autores chamavam as medidas
tutelares iniciais como preventivas e primárias; outros estabeleceram
a identidade dessas medidas como provisórias ou inventariação9 de
bens, mas todos estavam extremamente preocupados com a destrui-
ção e o vandalismo que insurgiram no início da Revolução Francesa.
Em 03 de março de 1791, foram decretadas instruções legais
para a conservação dos bens condenados, os quais seriam resíduos
ou, simbolicamente, coisas relacionáveis ao antigo regime monár-
quico absolutista. Isso ocasionou, em 04 de agosto de 1792 e 1º de
novembro do mesmo ano, decretos mais radicais que estabeleciam
que todos os monumentos da feudalidade fossem convertidos
em canhões ou destruídos10. Os valores dos primeiros instrumentos
legais de preservação são identificados pelo termo nacionalidade, ou

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 268


[
seja, ele é o princípio, o fim e o inspirador das medidas preserva-
cionistas na França e o pêndulo que acomodará todas as atitudes ^
tutelares normativas preservacionistas.
Uma regulamentação completa sobre a preservação dos monu-
mentos franceses é de 1889, tendo sua forma definitiva em 1913; esse
texto promove a instituição de um aparelho do Estado centralizado,
dotado de uma poderosa infraestrutura administrativa e técnica
(que irá influenciar acentuadamente a legislação tutelar no Brasil).
Na Inglaterra, a legislação apareceu com o “Ancient Monuments
Protection Act”, de 1882; mas sempre a preocupação estava centrada
nas edificações isoladas.
A transformação e destruição de regiões ou locais urbanos
visando sua reestruturação higiênica, depois modernizante11, de-
senvolveriam uma corrente de pensamento preservacionista mais
ampla, entretanto, até o século XIX, as abordagens sobre as cida-
des só são realizadas em monumentos e não em seus conjuntos;
na mudança desse pensamento na primeira metade do século XX
destacou-se a figura de Gustavo Giovannoni12, que estabeleceu que
o habitante e o habitat são instalados no ponto focal de onde irra-
dia a prospectiva de preservação de um conjunto urbano, tornando
possível formular instrumentos tutelares e aplica-los na preservação
e reabilitação de Centros Históricos.

A existência legal das categorias patrimoniais

O uso do termo patrimônio sofre, ao longo do século XX, várias


subdivisões que estão inseridas nas necessidades de explicações exis-
tencialistas, fenomenológicas, sociais, econômicas e políticas. Assim,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 269


[
surgem as derivações como Patrimônio Histórico e Patrimônio Artísti-
co, termos adotados pelo Decreto-lei no 25/37, no Brasil. Depois deriva ^
vagarosamente para os usos antropológicos culturais (especialmente
a partir de 1960) para Patrimônio Cultural e Patrimônio Natural, fican-
do estabelecido que o primeiro abrigava os bens materiais e imateriais,
portanto, deveria ser designado como Patrimônio Cultural Material e
Patrimônio Cultural Imaterial; o Patrimônio Natural se refere às coisas,
locais e mananciais de extrema importância para a sobrevivência da
espécie humana ou detentoras de recursos únicos que apresentam
possibilidade de sofrerem destruição pelos processos provocados pelo
paradigma da modernidade e pela aceleração capitalista.
Adentrando ao aspecto jurídico da questão, as subdivisões
podem ser atualmente melhor agrupadas pela definição de Afonso da
Silva (2000, p. 21), o autor esclarece que existem três classes de meio
ambiente: a) meio ambiente artificial – constituído pelo espaço urbano
construído, consubstanciando um conjunto de edificações (espaço
urbano fechado), e equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes,
espaços livres em geral: espaço urbano aberto); b) meio ambiente cul-
tural – integrado pelo patrimônio histórico, arqueológico, paisagístico,
que, embora artificial em regra, como obra do homem, difere do
anterior pelo sentido especial de valor que adquiriu; c) meio ambiente
natural – constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico e a flora e asso-
ciados ao desenvolvimento de nossas comunidades urbanas.
No Brasil essas classes patrimoniais passaram a ser assistidas por
agenciamentos políticos que foram sendo institucionalizadas por leis
junto a um quadro cronológico do representante federal de tutela do
patrimônio13. Com relação ao Patrimônio Cultural, seja material ou
imaterial, algumas questões políticas foram extremamente importan-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 270


[
tes na gênese de sua formulação como a proposta de Lei de 1923 do
Deputado Luis Cedro propondo a criação da Inspetoria dos Monu- ^
mentos Históricos; a proposta do Deputado Lair Lins em Minas Gerais
em 1925 propondo medidas de defesa dos monumentos históricos
do estado; em 1927 na Bahia com a criação da Inspetoria Estadual de
Monumentos Nacionais; em 1928 com a criação em Pernambuco da
Inspetoria Estadual de Monumentos Nacionais.
A partir de 1930 propostas relacionadas ao Patrimônio Cultural
se tornaram mais expressivas como a que propõe a criação da Inspe-
toria de Defesa do Patrimônio Histórico-Artístico Nacional (Deputado
José Wanderley de Araújo Pinho); o Decreto número 22928 que
declarou a cidade de Ouro Preto Monumento Nacional14; o Decreto-
-lei nº 25 de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional; o novo Código Penal de 1940, que prevê pena para
os atentados ao patrimônio cultural; Decreto-lei no 3866 de 1941 que
dá ao Presidente da República poderes para cancelar tombamento
por interesse público15; o Decreto-lei no 8534 de 1946 que transforma
o Serviço do IPHAN em Diretoria, cria quatro distritos, com sedes em
Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo; a Lei no 3924 de 1961
que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos; o
Decreto-lei no 66967 de 1970 que transforma a DPHAN novamente
em IPHAN; em 1975 a fundação do Centro Nacional de Referência
Cultural - CNRC; a Lei no 6292 de 1975 que dispõe sobre o Tombamen-
to de bens no instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN); em 26 de março de 1976, a portaria no 230 do Ministério da
Educação e Cultura (MEC) aprova o regimento interno do IPHAN, dan-
do-lhe nova estrutura; 17 de novembro de 1979 aprovação da Lei no
6757, que autoriza o poder executivo a instituir a Fundação Nacional

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 271


[
Pró-Memória, entidade incumbida de executar a política da SPHAN; a
fundação absorve o PCH e o CNRC. ^
No período compreendido como reabertura democrática outras
ações federais determinaram as questões de conservação e restauro
do patrimônio cultural como em 1981, com criação da Secretaria de
Cultura do MEC; a secretaria do IPHAN torna-se subsecretaria, subor-
dinada ao novo órgão, que tem como titular Aloísio Magalhães; Em
15 de março de 1985 criação do Ministério da Cultura e nomeação do
seu primeiro titular, Dr. José Aparecido de Oliveira; em 2 de outubro
de 1988, o Prof. Oswaldo José Campos Melo é nomeado Secretário do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Presidente da Fundação
Nacional Pró-Memória16; a partir desse momento, a CF/88 direcionará
os interesses preservacionistas das categorias do Patrimônio Cultural.
Certas Leis instituídas um pouco antes da Constituição de 198817
apresentam preocupação com o estabelecimento da tutela do
Patrimônio Natural, como a Lei 477118 de 15 de setembro de 1965
que institui o novo Código Florestal e a Lei Federal 693819 de 31
de agosto de 1981 que dispõe sobre a “Política Nacional do Meio
Ambiente”, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação; a Lei
Federal 651320 de 20 de dezembro de 1977 que dispõe sobre Áreas
Especiais e de locais de Interesse turístico, a Lei 7347 21 de 24 de
julho de 1985 sobre a Ação Civil Pública; voltadas para a categoria
patrimonial dos bens culturais e naturais.
A existência legal do Patrimônio Cultural Material e Imaterial e
o Patrimônio Natural, na Constituição de 1988, se expressam nos
capítulos I e II (Art. 5º) e (Arts. 6º a 11); o Título VII, Capítulo II, Da
Política Urbana (Arts. 182 e 183); Título VII, Da Educação, da Cultura
e do Desporto, (Arts. 215 e 216); Do Meio Ambiente (Art. 225); dos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 272


[
Índios (Arts. 231 e 232); Também são importantes para a tutela do
Patrimônio as Leis 9605 de 12 de fevereiro de 1998 que dispõe so- ^
bre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências; O
parágrafo 6 do Art. 5 da Lei 7347/85, introduzido oportunamente
pelo Art. 113 do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Lei
8078/90, estabelecendo que os órgãos públicos legitimados po-
derão tomar dos interesses compromisso de ajustamento de sua
conduta às exigências legais.
Outro aspecto nessa cronologia da existência legal das cate-
gorias patrimoniais é que durante toda essa enorme flexibilidade
de decretos, leis e regulamentações e também da grande troca
de institutos representativos da proteção do patrimônio, apenas
o Decreto-lei no 25/37 não recebeu alterações significativas, sendo
responsável por pontuar como força de lei maior as ações preserva-
cionistas durante toda a somatória de categorias patrimoniais que
foram absorvidas ao longo das quase 9 décadas de sua existência
(recebendo apenas complementos como o Decreto-lei 3866/41 e as
Leis 3924/61 e 6292/75 expostas anteriormente); seria essa a principal
crítica ao Decreto-lei no 25/37 e quais os argumentos favoráveis a sua
manutenção? Essas respostas serão buscadas no próximo subcapí-
tulo ao tratar diretamente o mais importante instrumento tutelar da
legislação brasileira: o Tombamento.

O Tombamento como primeiro instrumento

No entendimento de Machado (1987, p. 51), o tombamento é


uma intervenção do Estado que limita o Direito de utilização sob o

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 273


[
regime especial de cuidados; Cretella Junior (1978, p. 510) afirma que
tombar é inscrever, registrar, inventariar, cadastrar e o tombamento ^
é a inscrição de bem móvel ou imóvel no Livro do Tombo respectivo;
para Ramos Rodrigues (apud Milaré, 2001. p. 313), é um ato adminis-
trativo no qual o Poder Público declara o valor de coisas móveis ou
imóveis, inscrevendo-as no respectivo Livro do Tombo, sujeitando-
-as a regime especial de limitações de uso da propriedade. Embora o
Decreto-lei 25/37 tenha sofrido complementos em 1941 (Decreto-lei
3866 – cancelamento do tombamento pelo Presidente da República)
e em 1975 (Lei 6292 – homologação ministerial no procedimento de
tombamento), ele continua, na sua essência, inalterado ao longo de
mais de 80 anos22.
O trabalho de tombamento no Brasil teve início em 193823 e já,
naquele ano, mais de 215 bens haviam sido tombados; o Rio de Ja-
neiro foi o Estado onde a prática do SPHAN se iniciou com maior ím-
peto (78 bens tombados) e depois a Bahia (50 inscrições), em seguida
Pernambuco e Minas Gerais. De acordo com dados de 1938 a 1967,
no período de Rodrigo Melo Franco de Andrade à frente do SPHAN,
houve um número de tombamentos na ordem de 689 bens, sendo
que apenas 5 se referem a áreas naturais ou parques, o restante está
dividido em bens móveis, conjuntos urbanos, arquitetura rural, reli-
giosa, militar e outros, ainda cabe notar que a maior quantidade está
nas Minas Gerais (23,9%), Rio de Janeiro (20,3%), Bahia (19,9%) e Per-
nambuco (8,1%), ficando os outros estados da União com percentuais
abaixo de 7%24.
No campo jurídico, é interessante ressaltar algumas questões
referentes ao instrumento tombamento, entre eles, a diferença entre
preservação e tombamento, o que se entende é que preservação é

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 274


[
um termo genérico e nele pode ser compreendida qualquer ação do
Estado que vise conservar a memória de fatos ou valores culturais, ^
naturais de uma nação; portanto, o termo preservação excede o uso
institucionalizado do tombamento, uma vez que inúmeros outros
instrumentos podem ser usados nessa tarefa, como, por exemplo, a
Ação Popular e a Ação Civil Pública, o Termo de Ajustamento de Con-
duta, além de ações administrativas dos entes políticos Estaduais,
Municipais e do Distrito Federal.
Apesar dos inúmeros meios jurídicos de preservação, o instru-
mento tombamento é o mais conhecido e pode atuar sobre coisas
pertencentes à União, Estados, Municípios e ao Distrito Federal; na
qual a ação dos entes administrativos sobre a coisa tombada se veri-
fica em função do seu poder de polícia. O Decreto-lei 25/37 estabelece
que estão sujeitos ao tombamento os monumentos naturais, bem
como os sítios e paisagens que importem conservar e proteger pela
feição notável com que tenha sido dotado pela natureza ou agenciado
pela indústria humana25; entende-se que características notáveis es-
tariam extremamente relacionadas ao juízo de valores ou a definição
de sublimidade da coisa e também a questões de reconhecimento da
coisa, de acordo com o sentido da história e da cultura.
O uso do instrumento está muito arraigado à noção de salva-
guardar e ordenar o espaço sob as pressões sociais e econômicas,
mas numa constante crise de contradições envolvendo as planifica-
ções modernistas das cidades, em que normalmente ocorrem vários
conflitos, especialmente entre o órgão de proteção e o órgão licen-
ciador de construções ou de atividades agrícolas e florestais e o pro-
prietário. Há que se compreender que a proteção está materializada
na coisa, mas não é a coisa em si e sim o seu significado simbólico,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 275


[
traduzido pelo valor cultural que a tutela do tombamento busca
institucionalizar. ^
Cabe ressaltar que o Código Civil distinguiu o que são bens e
coisas26: estabelecendo a coisa como apropriável e que pode cons-
tituir patrimônio do sujeito; a coisa, enquanto objeto, é tratada na
parte especial do Código e tem seus desdobramentos; quando o
bem tombado é de propriedade privada, já que um dos objetivos é
a conservação da coisa, passando o bem a ter um regime jurídico de
tutela pública no qual o instrumento tombamento pode ser definido
como: a) Limitação ao direito de propriedade, do direito privado ou
civilista – tem por finalidade compatibilizar o direito do proprietário
com o direito e interesse de outros particulares, do direito público ou
administrativo, compatibilizar o direito do proprietário com os direi-
tos subjetivos do estado27; b) Servidão administrativa – Mello (1981.
p. 180-181) entende que sempre que seja necessário um ato específi-
co da administração impondo um gravame, por conseguinte criando
uma nova situação, atingiu-se o próprio direito, a hipótese é servi-
dão; c) Domínio eminente do Estado – Meirelles (1981, p. 544-545)
diz que é um poder regulatório do Estado sobre bens do seu domínio
patrimonial, locais e particulares de interesse público; d) Bem cultural
como bem imaterial – segundo Giannini (apud Machado, 1987, p. 70),
atinge a coisa como testemunho material da civilização, sobrepondo-
-se ao bem patrimonial que impregna a mesma coisa, não influindo o
regime de propriedade; e) Propriedade com função social – a EC 1/69
e a CF/88, Art. 170 III e 182 parágrafo 2o; Sandulli (apud Machado,
1987, p. 71) observa: “função social da propriedade se traduz sobre
a coisa de certa obrigação pessoal (mas ob rem) tal como de tornar
socialmente útil a titularidade privada do próprio direito (obrigação de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 276


[
produzir, de melhoramento, de benefício, etc.)”; f ) Bem de interesse
público – são bens de interesse público, bosques e florestas privadas, ^
os bens tutelados pela beleza natural, os bens privados de interesse
histórico, artístico, arqueológico, paleontológico e a pesquisa privada
de objetos de arte e de documentos, a finalidade do ato é conservar a
coisa com sua fisionomia característica; g) Bem tombado de proprie-
dade pública – o bem público tombado tem a função dinâmica de
instrumento de civilização e postula a difusão, a fruição do conteúdo
cultural da coisa arte28.
O Decreto-lei 25/37 não escolheu o sistema de proteção, pode-
ria a lei ter escolhido a maneira de lidar com o patrimônio como a
de alguns países, mas aqui foi previsto um processo administrativo
pelo qual cabe ao órgão do executivo avaliar quais os bens que mere-
cem proteção federal. O Decreto-lei 25/37 conceitua a legislação es-
tadual sobre a matéria como complementar (Art. 23). Afonso da Silva
(2000, p. 487), aponta que as três esferas de competências podem,
em conjunto, tombar o mesmo bem, sem que haja exclusão em face
de qualquer delas; assim, não tendo sido explicitada ou deixada im-
plícita competência suplementar para os Estados e Municípios, estes
podem utilizar de liberdade para legislar sobre a maneira de proteger
o patrimônio cultural.
Pode-se admitir que a questão da competência se mostra uma
das situações mais problemáticas do instrumento tutelar, sendo que
a concorrência na competência ou a maior possibilidade de separa-
ção legal no lidar com a coisa patrimonial revela vantagens e desvan-
tagens. Vantagens, porque talvez estabeleça menores conflitos na
tutela, pois garantiria a maior relação entre os executivos, e desvan-
tagens, pois vai totalmente contra o fato de que cada caso é um caso,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 277


[
uma vez que certas cidades, ainda estão em formação os elementos
portadores de identidade. ^
Outro relevante contexto a ser entendido na questão do tom-
bamento é a identificação da coisa notável, é que esta vem, a cada
dia, tornando-se mais complexa, por esta razão o trabalho do que
seja patrimônio cultural necessita, cada vez mais, de pessoal extre-
mamente qualificado. Em face desta complexidade de determinação
do que seja patrimônio, o ato do tombamento é praticado por um
Conselho Consultivo29; fato é que a tarefa da conservação do patri-
mônio natural e cultural não é somente obrigação de especialistas,
pois sem apoio das populações locais dificilmente se conseguirá o
êxito da ação oficial conservadora. Outra dificuldade por parte dos
municípios é o cancelamento do tombamento que se dá por falta de
verbas para reparar os bens tombados.
O Processo de Tombamento é um processo administrativo inicia-
do a nível federal pela manifestação do Conselho Consultivo; A peça
inicial ao ser apontada deve conter a indicação do imóvel ou móvel
a se pretender tombar, na instauração não há necessidade da funda-
mentação ou apresentação dos motivos ou para impugnar; institui-se
a notificação30 ao proprietário para anuir ao tombamento ou para im-
pugnar, a notificação é ato que se dirige ao proprietário (e na falta deste
ao possuidor) para a inscrição da coisa no Livro do Tombo competente;
Não é um simples ato de iniciativa procedimental que dê ciência ao
interessado da instauração do procedimento, mas significa verdadeira
intimação ao proprietário para anuir na inscrição da coisa, ou para
defender-se impugnando o tombamento, é instituída a natureza de
tombamento provisório, equiparado ao definitivo para todos os
efeitos, salvo quanto à transcrição (Decreto-lei 25/37, Art. 1031).

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 278


[
Machado (1987, p. 74-75) define duas espécies de tombamen-
to: bens pertencentes à pessoa pública ou a pessoa privada (física ou ^
jurídica): 1 - Pessoa Pública: o tombamento é comunicado a fim de
produzir os efeitos; 2 - Pessoa Privada: o tombamento é dividido em
voluntário e compulsório; 2.1 - Voluntário, se o próprio proprietário
pedir o tombamento ou se o proprietário vier anuir, por escrito, a no-
tificação; 2.2 - Compulsório, pode ocorrer duas espécies: a) O proprie-
tário é notificado e deixa de anuir por escrito ou não impugna no pra-
zo de quinze dias (Art. 9, 1 e 2 do Decreto-lei 25/37); b) O proprietário
impugna tempestivamente, sendo a decisão do IPHAN mantida ou
não pelo Conselho Consultivo do IPHAN32.
Silva (apud Machado, 1987, p. 79), afirma que a notificação ao
proprietário não se faz através do processo judicial adequado, pois
não se previu um sistema para intimar o proprietário apesar da Lei
Complementar 6292/7533. Para Castro (1991, p. 57-58), a notificação
tem por objetivo formar o contraditório dentro do processo adminis-
trativo de tombamento, entende-se que ela se impõe como princípio
básico de formação deste processo administrativo, de sua legalidade,
sem a qual poder-se-ia alegar cerceamento de defesa, mas também
se balizam por interesses coletivos no qual interesse individual deve
ser adequado ao interesse público.
Com relação a imóveis vizinhos aos bens tombados Machado
(1987, p. 60-61) entende que a questão da vizinhança como área pro-
tegida, apesar de ser mencionada no Art. 18 do Decreto-lei 25/37 que
estabelece limitações ao direito da propriedade, a tutela da vizinhan-
ça encontra-se, subjetivamente, estabelecida; Paulo Affonso Leme
Machado também aponta uma falha na Lei sobre a matéria, que é a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 279


[
falta de transcrição em Cartório de Registros de Imóveis dessa área de
vizinhança que deve manter a fruição com o bem tombado. ^
Com relação às competências e aos prazos a nível federal (De-
creto-lei 3866 29/11/1941) sobre a decisão do Ministro da Cultura
poderá haver recurso do Presidente da República; Meirelles (1996,
p. 148-149) aponta uma grave lacuna na lei sobre a inexistência de
prazo e no poder de discricionariedade presidencial para estabele-
cer-se em matéria de juízo de valor histórico e artístico sobre o que
seja portador de reconhecimento como patrimônio. Adentra-se aqui
na instituição do ato que, conforme havia sido explanado, recai sobre
a manifestação através de parecer do Conselho Consultivo ou ato ad-
ministrativo do Diretor do SPHAN. Inicialmente, a decisão era irrecor-
rível, passando a caber recurso em 194134, agora se fala em parecer e
não mais em decisão; no caso do tombamento federal, esse parecer
é indispensável e é a causa de nulidade se o órgão não se manifestar.
Sobre os instrumentos repressivos existentes no Decreto-lei 25/37
Afonso da Silva (1981, p. 38) os define como de natureza administrativa
ou de natureza penal – Decreto-lei 25/37, Art. 13, parágrafo 1o; Art.17;
Art.19 e Arts. 20 e 22. Não só o proprietário da coisa é responsável pela
sua conservação e reparação, invocável é a corresponsabilidade do Po-
der Público que tenha tombado a coisa, desde que comprovem dois
requisitos: que não tenha sido o proprietário o causador do dano e que
a reparação seja necessária (Decreto-lei 25/37 Art. 19). Há ainda uma
lacuna na legislação federal no sentido de possibilitar ao Poder Público
cobrar do proprietário essa restauração. Afonso da Silva (1981, p. 39)
cita ainda que a destruição da obra ocorrerá no caso de construção na
vizinhança da coisa tombada sem prévia autorização do IPHAN, que
impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 280


[
Para Machado (1987, p. 84-85) existem várias posições teóricas
jurídicas sobre a indenização e o tombamento no Brasil, em que se ^
destacam duas posições: uma que defende a gratuidade do tom-
bamento (Hely Lopes Meirelles) e outra que defende a indenização
ao proprietário (Celso Bandeira de Mello), esse enfoque está estrei-
tamente relacionado com a limitação à propriedade tombada. En-
tende-se que, quando tais limitações não reúnem os caracteres de
generalidade, reputam-se verdadeiras servidões e, então, por regra,
tornam-se indenizáveis. Faltou à legislação mencionar uma clara dis-
posição sobre o tipo de culpa do proprietário na prática dos ilícitos
referidos, (e qual o critério de responsabilidade a que está sujeito ob-
jetivo e subjetivo), assim, é de se perguntar se os danos forem come-
tidos pelos detentores da coisa tombada, pelos locatários ou por ter-
ceiros, sem que se prove a culpa in vigilando do proprietário, deveria
ele ser punido? Quanto ao Patrimônio Natural, esta dúvida não existe,
uma vez que a responsabilidade é objetiva, frente à nova disposição
do Art. 14, parágrafo 1o da Lei 6938/81.
Machado (1987, p. 97) observa as seguintes situações referentes
às sanções: 1 - Sanções administrativas; 2 - Sanções Penais; a primeira
está definida em infratora e punição, o Decreto-lei 25/37 prevê multa,
a demolição e a restauração obrigatória; no caso das sanções penais,
é previsto multa de cem por cento no caso de reincidência de expor-
tação, cinquenta por cento para a colocação de anúncios e cartazes
que impeçam ou reduzam a visibilidade; cinquenta por cento em
caso de destruição, demolição ou destruição no caso de reparação,
pintura ou restauração sem prévia autorização; dez por cento por dei-
xar de fazer dentro do prazo previsto (30 dias) o registro no Cartório

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 281


[
de Imóveis. O cálculo de multa deverá levar em conta uma estimativa,
para o futuro, da necessidade de sua conservação. ^
No caso de Demolições, o poder de polícia do patrimônio cul-
tural e natural está implícito que a administração pode determinar
ao proprietário que faça demolição do que houver edificado sem sua
autorização ou que ela própria, baseada no princípio da autoexecuto-
riedade, faça por si mesma a demolição diante do conteúdo dos Arts.
17 e 18 do Decreto-lei 25/37. Nesse ponto cabe explicar o que vem a
ser poder de polícia35: o poder de Polícia é o dever do Estado, entre
outros, em amparar a cultura, no qual o Poder Público haverá de se
limitar, tombando os seus próprios bens e limitará os bens privados,
dentro das fronteiras da mesma Carta.
Ainda referente às sanções administrativas proferidas por Paulo
Affonso Leme Machado, existe a Sanção reparatória, ou seja, reparar
a coisa tombada, apesar do Decreto-lei 25/37 não ter se servido dessa
questão, existe a possibilidade de o Poder Público exigir administrati-
vamente a restauração do bem tombado, quando houver sido cons-
tatada a omissão do proprietário. Contudo, judicialmente, pode-se
intentar Ação Civil Pública, visando à obrigação de fazer a restaura-
ção. Aplica-se o Embargo e interdição quando o bem do patrimônio
cultural e histórico estiver em área especial ou local de interesse tu-
rístico (Lei 6513/77), caso tenha sido lesado ou possa sê-lo através de
atividades, pode ser protegido pela interdição dessas atividades (Art.
24, II). Caso sejam realizadas obras não autorizadas ou que as mesmas
estejam se realizando de modo contrário à autorização, elas podem
ser embargadas (Art. 24, III); o Decreto-lei 25/37 não previu especi-
ficamente o embargo de obras, a administração ficando inativa, as

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 282


[
associações e o MP terão a possibilidade de conseguir o embargo
através de liminar ou cautelar na Ação Civil Pública. ^
Com relação aos conjuntos históricos urbanos, para Castro
(1991, p. 71), quando o ato do tombamento determinar o valor cultu-
ral do núcleo cultural de uma cidade, especificando os limites físicos
do objeto tombado, todos os imóveis inseridos naquele espaço pas-
sam a fazer parte do todo tombado; nesse caso, duas questões po-
dem ser levantadas: a primeira é que se o tombamento é do conjunto
urbano, é evidente que somente serão atingidos os imóveis que, no
caso de um núcleo histórico, estarão sob tutela do poder público; a
segunda questão é que a paisagem urbana constituída pela vizinhan-
ça aos imóveis ocasionará a esses núcleos urbanos a sua inserção nas
sanções administrativas e penais previstas em lei.
Um outro aspecto ainda a ser analisado é a questão de alienação
da coisa tombada e do direito de preferência dado à União, Estados
e Municípios. Para Machado (1987, p. 91-92), a alienação a título
oneroso abrange não só o contrato de compra e venda como a ces-
são de direitos, transferência de domínio: “domínio é a propriedade
das coisas corpóreas”, a alienação dos outros direitos denomina-se,
antes, cessão; o Decreto-lei 25/37 estabelece duas salvaguardas do
interesse do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural: a) a obrigato-
riedade do proprietário oferecer o bem tombado para ser adquirido
pela União, Estados e Municípios; b) sanção de nulidade de venda,
caso não tenha ocorrido a possibilidade do exercício do direito de
preferência da compra. Castro (1991, p. 99-101) analisa restrições
às obrigações impostas pelo instrumento tutelar e fala de uma ina-
lienabilidade especial para os bens públicos (Art. 11 do Decreto-lei
25/3736), diz que os bens tombados da União, Estados e Municípios

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 283


[
são inalienáveis por natureza; já para os bens privados o pressuposto
é a alienabilidade. Para Afonso da Silva (1981. p. 39), o tombamento ^
de bens privados, não inibe sua alienação, mas sujeita a transferência
às limitações estabelecidas na lei.
Verifica-se que a natureza jurídica do tombamento é tratada
por vários autores como limitação ao direito da propriedade, ser-
vidão administrativa, domínio do estado, função social, interesse
público, bem tombado de propriedade pública. De qualquer for-
ma, o Decreto-lei 25/37 atingiu e impôs aos proprietários das coisas
tombadas, sejam elas móveis ou imóveis, obrigações de conserva-
ção, condicionando, sobretudo, seu uso adequado e a obrigação de
zelar por suas características culturais. O que o Decreto-lei 25/37
não conseguiu atingir foram as naturais alterações provocadas pe-
las mudanças sociais, econômicas e políticas. Assim, verifica-se, no
início dos anos 1970, uma alteração na forma de lidar com a tutela
do patrimônio, inclusive com introdução, nas ações, de uma maior
participação popular na instrumentalização das estratégias, bem
como ocorrem inclusões de tipos e novas categorias patrimoniais,
apesar delas já terem sido pensadas anteriormente, mas é a partir
desse período que ganham novos olhares legais, como é o caso do
Patrimônio Natural e do Patrimônio Imaterial37.
No próximo subcapítulo, tratar-se-ão de outras formas legais de
proteção aos patrimônios estabelecidos, a partir de ações populares
e civis, decorrentes do que foi chamado de novas políticas federais de
preservação nos anos 1960, 1970 e 1980 ou da mudança do discurso
de modernização para a participação no processo de instrumentaliza-
ção da defesa do patrimônio brasileiro.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 284


[
A tutela patrimonial através da Ação Popular e da
Ação Civil Pública ^

O Decreto-lei 25/37 objetivou uma política cultural de preser-


vação que se estende até os dias de hoje, mas a partir da década de
1960 as ações tutelares começaram a ser formulados em defesa do
ambiente, do consumidor e dos interesses e direitos de valor artístico,
estético, paisagístico e turístico reguladas no convite a participação,
produzindo instrumentos como a Ação Popular (Lei 4717 de 29 de
junho de 196538) e posteriormente, a Lei 7347 de 24 de julho de 1985,
relativa a Ação Civil Pública39.
A Ação Popular pode ser vista como uma “grande” conquista
em termos de exercício da cidadania, uma vez que, foi a extensão
a qualquer cidadão do direito de propor ação visando anular o ato
lesivo ao patrimônio público ou à entidade de que o Estado participe,
à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural40, assim como, a Lei 7347/85 referente à Ação
Civil Pública41 e sua relação de disciplinar a responsabilidade por
danos causados aos bens e direitos de valor artístico, estético, histó-
rico, turístico e paisagístico, ou mesmo, nos ambientais urbanos.
Para entender a aplicabilidade desses instrumentos jurídicos
disciplinares deve-se verificar um aspecto importante que irrompe
em conflitos na existência dialética e não dialética do discurso de de-
fesa do patrimônio, ou seja, os Interesses Difusos e os Interesses Indivi-
duais42, os quais veem ainda mais à tona nos últimos 40 anos devido
à complexidade de tipos de coisas reconhecidas como portadoras de
memória, identidade e pertencimento, desprezadas no discurso dos
anos 1930 a 1960 no Brasil.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 285


[
Pressões internacionais impondo novos programas preservacio-
nistas aparecem em grande número pedindo tombamentos e reco- ^
nhecimento de coisas como patrimoniais, como mais recentemente
o tombamento das Paisagens Culturais43. Esses novos tipos de bens
incluem uma variedade de coisas, como fábricas, vilas operárias, mer-
cados, meios de transporte como estações ferroviárias e até ferrovias,
instalações portuárias e de aviões, locomotivas, bondes, embarca-
ções, aviões, pontes, faróis, caixas de água, açudes, poços de petró-
leo, cinemas, estádios de futebol, estúdios de rádio, estações telegrá-
ficas, observatórios astronômicos, institutos de pesquisa, hospitais,
farmácias, escolas e faculdades.
Existem também pedidos relacionados a termos simbólicos e
ideológicos como o tombamento de correntes migratórias (alemã,
italiana, japonesa), das etnias indígenas e afro-brasileiras, da expan-
são das fronteiras para oeste e norte, de outras religiões que não a
católica, da cultura popular. Todos esses pedidos podem ser interpre-
tados juntamente a uma maior participação da sociedade, entretanto
a ampliação desses tipos de categorias implicou novos problemas nas
tomadas de decisão quanto ao que tombar e como tombar, uma vez
que os técnicos do SPHAN reconheciam não haver instrumento insti-
tucional adequado para fundamentar a proteção desses bens.
Todos esses aspectos levaram à necessidade de desenvolver no-
vos instrumentos e elaborar leis voltadas para atender as situações
tutelares patrimoniais que o Decreto-lei 25/37 não conseguia mais
atingir, assim foram consagradas na CF/88 as ações tutelares como a
Ação Popular e, especificamente, a Ação Civil Pública. Essas ações não
foram pensadas única e exclusivamente para complementar essa la-
cunar situação do Decreto-lei 25/37, mas acabaram sendo absorvidas

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 286


[
pela legislação preservacionista agindo sobre os bens patrimoniais
que esse Decreto não havia previsto e, mais do que isso, servindo ^
como proposta de discurso de movimentação participativa da socie-
dade no trato da denominada tutela jurisdicional coletiva.
A Ação Popular (Lei 4717 de 29 de junho de 1965) no seu Arti-
go 1 §1o 44; confirma a quebra da não dialética existencial de uma
o

legislação patrimonial no Brasil ao propor a inclusão da participação


da população na ação preservacionista. Entretanto existem duas
críticas a Ação Popular referente a tutela do patrimônio: 1o - A Ação
Popular nunca conseguiu efetivamente alavancar a participação da
sociedade, uma vez que a grande maioria dos tombamentos, na ver-
dade, quase sua totalidade, foi requerida pelos entes administrativos,
especialmente pela União, por meio de outros instrumentos legais;
2o - Como um instrumento que buscava e busca (CF/88 Art. 5 inciso
LXXIII) romper com a não dialética, a Ação Popular referente à defesa
do Patrimônio Cultural não conseguiu se firmar no senso comum, tal-
vez devido ao fato da maioria da população se sentir culturalmente,
economicamente e sociologicamente pouco ou quase nada organi-
zada para efetivar esse instrumento jurídico.
Essas duas hipóteses, quando relacionadas às necessidades pre-
servacionistas patrimoniais, bem como a outras várias estruturas de
necessidades sociais brasileiras entre 1960 e 1980, ensejaram uma
ação construída nos moldes de uma contraposição não dialética, ou
seja, acreditando ser a sociedade ainda inapta para fomentar e es-
truturar os pedidos de ações populares referentes à preservação e
restauro das novas categorias patrimoniais, a União, propôs uma ins-
trumentalização jurídica, ao seu ver, mais eficiente para a defesa dos
interesses coletivos: a Ação Civil Pública (Lei 7347/85).

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 287


[
A Lei 7347/85 consagrada no Art. 129 da CF/88 e sua relação com
a proteção do patrimônio diz respeito a uma pluralidade de pessoas, ^
mas pode beneficiar apenas uma (Art. 1 ). Portanto, as instituições
o 45

passam a poder ser autoras de Ação Civil Pública (Art. 5º 46) e esta
passa a servir no interesse de proteger os interesses coletivos e pre-
ceituar ações de tutela sobre o Meio Ambiente (Lei Federal 6938 de
31 de agosto de 1981). Mas existe um problema na própria denomi-
nação da modalidade, essa perspectiva exposta por Dinamarco (apud
Milaré, 2001, p. 400) traz à tona a pergunta de quem poderá postular
em juízo a tutela jurisdicional coletiva (quem estaria legitimado e que
modalidade de legitimação seria essa) e quem se sujeitaria àquela
principal qualidade da sentença (a imutabilidade), ou seja, quem
estaria abrangido pela coisa julgada material.
Vigilar (apud Milaré, 2001, p. 403-404) cita que o termo Ação
Civil Pública é muito impróprio e somente se explica entre nós por um
fator histórico, e que a expressão não revela, por si só, coisa nenhu-
ma, ela serve para adjetivar o instituto da ação (ou seja: civil pública),
empregada pela primeira vez em nosso ordenamento jurídico positi-
vado na referida Lei Complementar 40/81, não revela sequer o direito
material que se pretende tutelar, que poderia ser o meio ambiente,
o consumidor, o patrimônio cultural e outros interesses transindivi-
duais; a expressão é incorreta, poderiam ser usados termos como
ações ambientais, ações consumeristas, ações coletivas; o termo en-
tão é subjetivado por quem o emprega, ficando determinado como
Ação Civil Pública, uma vez que é o Ministério Público que o ajuíza
(Art. 5).
Machado (1987, p. 18-20) analisa a atuação preparatória visando
à proposição da Ação Civil Pública referente à atuação das associa-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 288


[
ções, que podem requerê-la e tem quinze dias para a resposta e que
as associações poderão pedir a pessoas capacitadas que lhes forne- ^
çam pareceres técnicos, sendo facultativa a providência de solicitar
depoimento em livro de tabelionato. A diferença entre os organismos
públicos e as associações é que o primeiro tem o dever legal de fazer
os levantamentos, enquanto as entidades privadas não.
Proposta a Ação Civil Pública, à requisição passará para o crivo
do magistério e será este o requisitante; recusar é dizer expressamen-
te ou implicitamente que não será acatada a ordem do MP, retardar é
responder a destempo, no retardamento, diferente da recusa, omitir
dados é informar lacunarmente; a imprecisão voluntária pode acar-
retar crime (crime doloso) demonstrando querer o resultado ou as-
sumindo o risco de produzi-lo; o Art. 1047 do MP procura reprimir a
problemática da formação de cartéis relacionados à informação e ao
crime da não informação.
Mas quem pode ser autor da Ação Civil Pública? A administração
direta ou indireta, ou seja, a ampliação da legitimidade para agir na
defesa do patrimônio ambiental e cultural e do consumidor foi um
dos saltos significativos da Lei 7347/85; a União, Estados e Municípios
já tinham esta legitimidade, agora, a autarquia, empresa pública, so-
ciedade de economia mista e fundação também podem ser autoras
de Ação Civil Pública. As Associações, ou seja, pessoas jurídicas de di-
reito privado, podem ser autoras, desde que constituídas pelo menos
há um ano e tenham entre suas “finalidades institucionais a proteção
ao meio ambiente e etc.”
Se os entes de direito a propor a Ação Civil Pública já estão ex-
plicitados, quais seriam os representantes das associações em juízo?
Os representantes serão aqueles por quem os respectivos estatutos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 289


[
designarem ou não por seus diretores. Um outro aspecto interessante
da Ação Civil Pública é que as associações e os entes de direito de pro- ^
posição podem se consorciar também com o MP para a propositura
da Ação Civil Pública. Essa instrumentalização que visa reforçar a ação
é chamada de Litisconsórcio48.
A Lei não previu o instituto da assistência, mas ele não pode ser
impedido. Um aspecto importante é que as associações não terão que
adiantar as custas processuais, os emolumentos, honorários periciais
e quaisquer outras despesas. A Lei 7347/85 dispensa o pagamento
dos honorários de advogado ao vencedor, se o vencido for associação
e a ação for julgada infundada (isto é, não se caracteriza a situação de
manifestante infundada), ou seja, infundada de ausência de suporte
fático e jurídico para a ação, de forma clara, induvidosa e inconteste49.
Uma das preocupações com relação à preservação é retratada
na Lei 7347/85 que legalmente se designa Litigância de má fé50, isto
é, o Código Civil (Lei 5869 de 11.01.73, Art. 16) estabelece que res-
ponderá por perdas e danos aqueles que pleitearem de má fé como
autores, réus ou intervenientes. Essa má fé pode ser estabelecida,
uma vez que o propositor tenha usado de dedução, pretensão ou de-
fesa através de falta de fundamentação, alterando intencionalmente
a verdade dos fatos, omitindo intencionalmente os fatos essenciais,
usando do processo para conseguir objetivo ilegal, opondo resistên-
cia ao andamento legal do processo, procedendo de modo temerário,
provocando incidentes.
Não se pode negar à entidade o direito de propor ação em qual-
quer parte do território nacional. A lei não limitou a capacidade pos-
tulatória das associações, mas o local da proposição ou competente
para a ação de acordo com o Art. 2 da Lei 7347/85 é o foro local onde

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 290


[
ocorrer o dano, cujo juízo terá competência para processuar e julgar a
causa. Para assegurar a legitimação da ação, a Lei 7347/85 previu dois ^
instrumentos, que podem ser parecidos, mas que não se confundem:
a Medida Liminar51 e a Ação Cautelar52.
A Medida Liminar em muitos casos pode ser mais rápida e, por-
tanto, mais eficaz. O termo liminar significa “logo de entrada”, é a
providência anterior que se opõe à medida posterior, podendo ser
encontrada na Ação Popular. Na defesa do patrimônio público, ca-
berá suspensão liminar do ato lesivo impugnado e poderá também
o juiz conceder a Liminar baseado na discricionariedade, desde que
obedecendo a quatro fundamentos: ordem, segurança, saúde e eco-
nomia pública, e para evitar a lesão. A concessão da Medida Liminar
encontra seu alicerce primeiro no perigo de dano que o adiamento
da medida possa causar, como a emissão de poluente proibido ou em
quantidades superiores à autorizada, o corte de árvores, venda e apli-
cação de pesticidas, etc., deve-se perceber que a liminar tanto pode
funcionar a favor da conservação dos bens culturais e naturais, como
poderá ensejar sua mutilação. A Ação cautelar ou tutela cautelar, sur-
ge da necessidade de preservar o resultado útil do processo, ou seja,
funciona como garantia do próprio direito a que pretendeu o autor
quando ingressou com ação na esfera do Poder Judiciário53.
No Art. 12, parágrafo 2 da Lei 7347/8554, prevê-se a cominação
(ameaça, indicação) de multa juntamente com a concessão da limi-
nar, a multa irá impulsionar a obediência à medida judicial. A conde-
nação em dinheiro está ligada à reconstituição de bens lesados, na
qual se prevê a criação de um fundo para receber e gerir essa indeni-
zação. Com relação à obrigação de fazer, estão previstas realizações
necessárias à conservação do bem tombado, figurando como réu ou

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 291


[
corréu o organismo oficial e o proprietário privado ou público, tendo
a obrigação de restauração dos danos, bem como outras obrigações, ^
como o de realizar estudo de impacto ambiental (Obrigação de fazer).
A determinação da sentença visando o cumprimento da obri-
gação de fazer ou de não fazer recebeu, na Lei 7347/85, dois instru-
mentos de coercibilidade: o juiz determina a execução específica
ou impõe multa diária55. O CPC – Código do Processo Civil – não pos-
sui clara diretriz para se mensurar a multa. Nesse ponto, o sistema
brasileiro guarda semelhança com o sistema francês, na questão de
obrigar e no sentido próprio de apertar. Mesmo que a coisa tenha
sido julgada, ocorre a possibilidade de nova ação. O Art. 16 da Lei
7347/8556, compreensivelmente semelhante ao da Ação Popular (pois
ambas visam a defender os interesses coletivos), possibilita o pedido
de novo julgamento. Nesse caso, Grinover (apud Milaré, 2001, p. 19),
coloca que o conluio poderia surgir até através de associações inidô-
neas e que, mesmo com a fiscalização obrigatória do MP, levariam a
formação de coisa julgada, com a produção deficiente de provas.
Percebe-se que, dos anos 1930 a 1970, a legislação esteve aplica-
da à questão do tombamento e depois ocorreu um grande avanço na
questão do patrimônio natural e patrimônio não consagrado, ficando
o patrimônio cultural colocado em segundo plano juntamente com
o patrimônio ambiental urbano, mas apesar desse deslocamento de
intenções, a legislação continuou encontrando dificuldades para es-
tabelecer um diálogo mais equilibrado entre os entes estabelecidos
como competentes para cada caso, e também no que se refere ao
conflito de relação econômica entre os interesses difusos e indivi-
duais. Nesse sentido, a legislação, na procura de elementos jurispru-
denciais possíveis a atenuar os conflitos e ajustar as questões entre a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 292


[
noção de direito de propriedade, direito de construir e propriedade
como função social, estabeleceu o Termo de Ajustamento de Con- ^
duta (TAC), o qual é um instrumento de compromisso quanto ao
cumprimento das medidas necessárias para a reparação ou preven-
ção aos direitos coletivos e sua relação com a defesa das categorias
patrimoniais.

Breve menção legal do Termo de Ajustamento de


Conduta e preservação de Centros Históricos

Nas últimas décadas, assistiu-se, mundialmente, ao reconhe-


cimento e desenvolvimento de uma consciência ambiental, desde
o relatório Brundland com seu conceito chave de desenvolvimento
sustentável57. No Brasil, a Floresta Amazônica tornou-se tema central
das atuações ambientais, mas, como já apontado, antes da década de
1970, o tratamento político-institucional das questões ambientais era
praticamente inexistente em nosso país, uma vez que se chocava com
a construção do mito desenvolvimentista58. A partir dos anos 1980,
com a abertura do regime militar, as questões ambientais começaram
a ganhar certa visibilidade através da atuação de alguns grupos ou
mesmo de indivíduos isolados, tal construção e legitimação revelam-
-se de forma condensada através da participação dos ecologistas nas
eleições de 1986.
É válido ressaltar que o movimento ecológico circunscreve-se
ao campo político ideológico dos chamados movimentos sociais59, os
quais apresentam o aparecimento das Organizações Não-Governa-
mentais – ONGs – mas falar de ecologia em 1986 era muito diferente
de falar de ecologia nos anos 1990, até havia um certo constrangi-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 293


[
mento ético por parte dos políticos e de toda a sociedade brasileira
em relação à abordagem do tema ecológico, pois falar de ecologia era ^
não falar de miséria, do analfabetismo, do desemprego, da falta de
moradia, ausência de democracia na sociedade brasileira.
Nos últimos 25 anos, o Ambientalismo passou por mudanças
profundas e, no Brasil, transformou-se em um dos maiores catalisado-
res do discurso político; e é nesse campo de equivalência do confron-
to que as instituições e sistemas de poder da sociedade global tecem
os pontos de conexão entre os atores situados em diferentes campos
ideológicos e culturais. Essas ações de extrema contraditoriedade,
ou seja, preservação e desenvolvimento, ficam entrecruzando-se em
combates nas leis criadas para ordenar esse relacionamento. Assim,
no sentido de possibilitar uma melhor adequação e solução aos con-
flitos entre o patrimônio e seu uso, surge a figura jurídica do Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC)60.
A Lei 7347/85 já havia previsto uma composição extrajudicial
para resolução dos conflitos ambientais (Art. 5o § 6o), mas, de certa
forma e em certas circunstâncias, a representação de ganho significa-
tivo na recomposição do meio ambiente ainda necessitava ser melhor
regulamentada, portanto, o TAC foi, aos poucos, se firmando como
essa possibilidade. Em certas situações o TAC pode representar me-
nor ônus às partes que a Ação Civil Pública61. A existência de conflito
ambiental é decorrente da contínua exploração do modelo capitalista
e, ainda não foi encontrada uma medida real para equilibrar a neces-
sidade de exploração e, não há dúvida, que existem ingredientes
suficientes para gerar toda ordem de conflitos.
O Termo de Ajustamento de Conduta tem sua natureza jurídi-
ca associada ao parágrafo 6o do Art. 5o da Lei 7347/85, introduzido

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 294


[
oportunamente pelo Art. 113 do Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor – Lei 8078 de 11 de setembro de 199062, estabelecendo ^
que: “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados
compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências, median-
te cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Mas
esse instrumento não é original, pois já era anteriormente previsto,
entre outros, no Art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente –
Lei 8069/90, o que explica a expressão: “ajustamento de sua conduta
às exigências legais”. O Termo de Ajustamento de Conduta deve ser
classificado como forma Pré-processual de composição de conflitos,
mas com relevantes efeitos processuais.
Rodrigues (2002, p. 101-102) coloca que o Termo de Ajustamen-
to de Conduta é: “...um negócio da Administração que também tem
natureza de equivalente jurisdicional, por ser um meio alternativo de
solução de conflito, concluindo que o Ajustamento de Conduta é um
acordo, um negócio jurídico bilateral...”63. É fato que, na maioria dos
processos inseridos no universo patrimonial, buscava-se inicialmente
a condenação em dinheiro, mas no caso do Patrimônio Cultural e
Natural ficou claro que não é interessante para a sociedade trocar
ecossistemas por somas em dinheiro, por maior que sejam elas, deve-
se, então, obter em primeiro lugar a obrigação de não fazer e a para-
lisação imediata de toda e qualquer ação ou atividade que ponha em
risco a integridade ambiental.
No Termo de Ajustamento de Conduta, existem três espécies
importantes de obrigações: 1 - Obrigação de não fazer: consiste na
abstenção de ação ou atividade danosa em curso ou a ocorrer bre-
vemente; 2 - Obrigação de fazer: que pode ser dividida em urgente
e não urgente; 3 - Obrigação de dar: que se traduz na obrigação de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 295


[
entregar certa quantia em dinheiro, correspondente aos danos am-
bientais irrecuperáveis. Para que haja garantias no cumprimento das ^
obrigações assumidas, a lei prevê cláusulas penais, que também são
um meio de intimidar e uma fixação antecipada de perdas e danos a
serem suportados pela parte inadimplente.
Outro benefício resultante da realização do Ajustamento de
Conduta é o processo de aprendizado da importância das questões
ambientais. É fundamental fazer ver o infrator a importância de sua
conduta para a conservação dos recursos naturais cada vez mais es-
cassos. Na questão das custas judiciais, é extremamente favorável o
Ajustamento de Conduta uma vez que evita o uso do aparelho do
Estado, esse aspecto de economia também pode ser visto na ques-
tão dos prazos, pois as soluções dos conflitos ambientais podem ser
resolvidas mais rapidamente, sem contar os prejuízos ambientais
decorrentes, já que, quando a ação for julgada, a intervenção que se
pretendia no início pode ser inútil.
A celebração do Termo de Ajustamento de Conduta pelo ente
federal, apesar de prevista na Lei 7347/85 (Art. 5 § 6o), tem sido reali-
zada a partir da promulgação da CF/88 e, especificamente, do Código
de Defesa do Consumidor de 1990 e da Lei complementar no 75 de
1993 (que dispõe sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do
Ministério Público da União). O levantamento desses dados, de di-
fícil acesso, foi trabalhado por Geisa Rodrigues, de 1992 a 199864 e
apresentaram um total de 71 celebrações, mostrando um crescente a
partir do ano de 1997 e 1998, sendo que a matéria demonstrou uma
maior quantidade de celebrações para o meio ambiente (39), tendo o
patrimônio histórico registrado apenas cinco (5) celebrações65.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 296


[
Apesar da aplicação do Termo de Ajustamento de Conduta
ser bastante amplo, o interesse recai sobre a tutela do Patrimônio ^
Ambiental Urbano, portanto, de acordo com a pesquisa de Geisa
Rodrigues, apenas por duas ocasiões (1992-1998) o TAC foi usado
como instrumento de preservação dessa categoria patrimonial,
entretanto, é possível refletir problemáticas, possibilidades e a otimi-
zação da preservação e restauro na sua utilização em determinados
casos relacionáveis a tutela dos conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecoló-
gico e científico.
Uma possibilidade de uso do TAC referente ao Patrimônio Am-
biental Urbano estaria inserida na situação da visibilidade. Como se
sabe a maioria das áreas históricas urbanas tem apresentado esse
problema, uma vez que as Leis Orgânicas Municipais e Planos Dire-
tores têm sido formulados com preocupações subjetivas em relação
a verticalização e impedimentos visuais de paisagens e conjuntos ou
edificações históricas isoladas (não determinam os limites das áreas
do entorno), apesar do Decreto-lei 25/37 prever no seu Art. 18 esta
questão, o TAC poderia complementar essa situação estabelecendo
a tutela específica de obrigações, recuperando a situação anterior à
prática do ilícito ou o dano ao direito transindividual, negociando os
deveres jurídicos.
De forma geral o TAC poderia auxiliar a preservação do Patrimô-
nio Ambiental Urbano nos seguintes casos: a) a restrição e limitações
ao direito de propriedade; b) as características diferenciadas de áreas
e imóveis; c) a grande demanda para aprovação de reformas e acrés-
cimos que refletem os dados estatísticos quanto à predominância e
crescimento da população urbana no Brasil, juntamente com a espe-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 297


[
culação imobiliária das áreas de interesse histórico; d) pedidos dos
mais variados, ao IPHAN, de obras novas, reformas, ampliações, con- ^
cessões (o Decreto-lei 25/37 prevê critérios rígidos preestabelecidos
para lidar com eles); e) áreas de especial interesse turístico e unida-
des de conservação; f ) preempção; g) IPTU progressivo; h) operações
urbanas consorciadas; i) consórcio imobiliário; j) desapropriações; l)
incentivos e benefícios fiscais; m) regiões metropolitanas; n) plano
diretor, parcelamento, edificação ou utilização compulsória; m) trans-
ferência do direito de construir e contribuição de melhoria.
A escolha pelo instrumento TAC como complemento ao De-
creto-lei 25/37 também enseja uma carga simbólica, ou seja, o
Decreto-lei 25/37 absorveu uma carga cultural pejorativa relativa
à simbologia representada pela notificação e pelo tombamento,
que moldaram uma característica de obrigação de fazer e não
fazer e nenhum direito do fazer e do não fazer. O TAC tem uma
estrutura menos repressiva, pois convida aquele que descumpriu
um dever a rever sua conduta, sem a necessidade de confissão ou
reconhecimento da culpa (notificação) e dentro de uma mentali-
dade conciliatória.
A atribuição de salvaguarda das cidades históricas baseia-se,
hoje, na compreensão de que, entre os valores a preservar, estão
a “forma urbana definida pelo traçado e parcelamento do solo; as
relações entre os diversos espaços urbanos, espaços construídos,
espaços livres e espaços implantados” (Patrimônio Ambiental Urba-
no). No processo de gestão das cidades estão envolvidos diversos
agentes, os poderes municipais e estaduais, em que a preservação
pode se constituir um dos caminhos de valorização da qualidade
de vida dos habitantes, a possibilidade dessa preservação envolve

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 298


[
instituições, projetos e institutos de relacionamento rígidos e me-
nos rígidos (dialéticos e não dialéticos) entre os entes públicos e a ^
sociedade .66

Na verdade, apesar de todas as ações tutelares visitadas, é en-


tendido que a maioria das questões referentes à proteção dos cen-
tros históricos ainda está por ser resolvida, apesar de uma série de
projetos conhecidos como requalificações e revitalizações. Os vários
instrumentos analisados neste capítulo podem se tornar úteis a par-
tir de um entendimento mais amplo entre eles, contemplando com
mais abrangência a paradigmática existência das cidades atuais e sua
busca de equilibrar a necessária preservação do passado e gerenciar
a necessária construção do futuro, e é essa intenção de preservação
e reabilitação que será vista no próximo capítulo, tendo a autono-
mia dada ao Município, pela CF/8867, como a aspiração de se tornar o
agente central das ações intervencionistas e preservacionistas sobre
o Patrimônio Ambiental Urbano.

Notas

1 “Res in patrimônio são as coisas que integram os bens de uma pessoa, que
podem ser objeto de apropriação privada e de atos jurídicos. Constituem as
res privatae. O vocábulo patrimonium (do latim pater, patris) tem entre os
romanos dois sentidos, um lato, e outro restrito. Stricto sensu, patrimônio
designa o conjunto das coisas corpóreas que são propriedade do paterfamilias;
lato sensu, patrimônio como, alias, em nosso direito, designa o conjunto de
bens, assim como os direitos e ações inerentes a uma pessoa, quer ativos, quer
passivos”. CRETELLA JUNIOR, J. Direito Romano moderno: introdução ao
direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 99.
2 CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1999. p. 37-39.
3 BUENO, S. Minidicionário da Língua Portuguesa. 6 ed. São Paulo: LISA,
1992. p. 497.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 299


[
4 Um dos estudiosos no século XX mais competentes na classificação do
sentido das palavras através dos tempos foi Michel Foucault. FOUCAULT, M.
As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 47-49.
^
5 “As coisas em res in patrimônio classificavam-se em: res mancipi e nec
mancipi; res corporales e incorporales; res móbile e immobiles. A distinção
entre coisas corpóreas e incorpóreas, origina-se da filosofia estóica. Era
desconhecida pelo antigo direito, que via no patrimônio apenas coisas
corpóreas, não distinguindo o direito de propriedade as coisas que não são
objeto de propriedade. Coisas incorpóreas são todos os outros direitos, com
exceção da propriedade”. CRETELLA JUNIOR, op.cit., p. 100-101.
6 “...O sentido original do termo é do latim monumentum, ele próprio derivado
de monere (advertir, recordar), o que interpela a memória”. CHOAY, F. A
Alegoria do Patrimônio. Lisboa: Edições 70, 1999. p. 16.
7 “Balzac resume bastante um sentido implícito em França na sua época,
quando descreve a sobrevivência de Guérand como um anacronismo e quando
prevê que as cidades antigas, condenadas pela história, não serão conservadas
senão pela iconografia literária. Não se pode negar que a maior parte dos
românticos franceses tenham ficado traumatizados pelas reordenações dos
- alargadores – e que tenham visto desaparecer com nostalgia as cidades
antigas, de que celebrava o charme e a beleza”. CHOAY, op.cit., p. 156-157.
8 CHOAY, op.cit., p. 88.
9 Sobre inventários: AZEVEDO, P. O. de. Por um inventário do patrimônio
cultural brasileiro. In REVISTA do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Brasília: MEC/IPHAN, n. 22, 1987. p.82-85.
10 Ibid., p. 92.
11 DEL RIO, V. Revitalização de Centros Urbanos: O Novo paradigma de
Desenvolvimento e seu Modelo Urbanístico. São Paulo: FAUUSP, Dezembro
de 1993, revista de Pós-Graduação, n. 44, p. 55.
12 “A importância de Giovannoni consistiu em estender o conceito de
monumento para o de conjunto histórico, pedindo para isto a conservação
de sua trama. Defendeu a conservação do assentamento urbano real dos
monumentos e suas relações históricas com o seu entorno, enunciando o
conceito de ambiente como definição urbana visual do monumento enquanto
natureza constitutiva de sua própria existência. Visualiza na cidade antiga
o Centro Histórico, como ampliação da escala do conceito de Monumento”.
PANTALEÓN, C. Adaptacion de estructuras arquitectonicas obsoletas:
El conceito de restauração en la dialéctica del processo de deseño.
Montevideo: Facultad de Arquitectura, 1993. p. 65.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 300


[
13 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: MEC/
IPHAN, 1987. n. 22. p. 34.
^
14 Bens móveis e imóveis inscritos nos Livros do Tombo do IPHAN. 4 ed. Rio
de Janeiro: IPHAN, 1994. p. 76.
15 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: MEC/
IPHAN, 1987. n. 22. p. 34.
16 Ibid., p. 34.
17 Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5
de outubro de 1988/obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos
Wind e Luiz Eduardo Alves de Siqueira. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
18 Ibid., p. 131.
19 Ibid., p. 131.
20 Coleção de Leis do Direito Ambiental. Barueri: Manole, 2004. p. 1570.
21 Constituição da República Federativa do Brasil. op.cit., p. 83.
22 No entender de Sonia Rabello de Castro: “Ao contrário de muitas leis que
houve no Brasil, leis que, apesar de serem cogentes ou talvez menos cogentes
e menos drásticas do que o Decreto-lei 25, não tiveram legitimidade social,
não tiveram amparo social para se efetivarem...Um outro ponto que acho
importante salientar é que pegou tanto essa lei que, hoje, no atual momento
social, ela está em crise de crescimento. A partir de uns cinco, seis, sete, ou
10 anos atrás esse cometimento político passou a ser assumido também por
outras esferas do governo que são tidas por mais frágeis, como estados e
municípios, há um desejo muito grande, muito sentido, em todos os estados
e num número maior de municípios, de eles mesmos fazerem suas leis de
preservação”. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Brasília: IPHAN/MEC, n. 22, 1987: Mesa-redonda: Tombamento. p. 70.
23 Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: MEC/
IPHAN, 1996. n. 24. p. 97.
24 Ibid., p. 99.
25 Artigo 1º §§ 1º e 2º do Decreto-lei 25/37: Disponível em: http://www.iphan.
gov.br/legislac/decretolei25.htm. Acesso em: 31 jul. 2000.
26 Disponível em: https://vwavee.jusbrasil.com.br/artigos/394018532/direito-
civil-bens. Acesso em 03 mai. 2020.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 301


[
27 MACHADO, P. A. L. AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ambiente, consumidor,
patrimônio cultural) E TOMBAMENTO. 2 ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1987. p. 68.
^
28 Ibid., p. 71-72.
29 “Daí porque, independente de previsão legal, são elaborados estudos que
embasem a decisão do Conselho Consultivo. O Decreto-lei 25/37 não faz
menção a esses estudos, fato este que não os torna obrigatórios. Entretanto,
eles se impõem, não por força da letra da lei, mas para esclarecer a motivação
do ato administrativo, explicitando a relação entre a escolha de determinado
bem e o interesse púbico de conservá-lo. Os estudos, os pronunciamentos, os
encaminhamentos da matéria até chegar à decisão do Conselho Consultivo,
formam o processo administrativo de tombamento”. CASTRO, S. R. de. O
Estado na preservação de bens culturais: o tombamento. Rio de Janeiro:
Renovar, 1991. p. 55.
30 “Conforme previsto no Decreto-lei 25/37, a notificação era um dos
elementos em função dos quais diferenciava-se o tombamento voluntário e
o compulsório. É comumente afirmado que a notificação tem por objetivo
formar o contraditório dentro do processo administrativo de tombamento.
Entende-se que ela se impõe como princípio básico de formação deste
processo administrativo, e de sua legalidade, sem a qual poder-se-ia alegar
cerceamento da defesa”. “Dessa forma, entendemos que o Decreto-lei 25/37, ao
se referir à notificação ao proprietário, não está criando um contraditório, mas
estabelecendo a legitimidade, o direito e o prazo para o proprietário recorrer
da decisão administrativa”. CASTRO, op.cit., p. 57, 58 e 59.
31 Decreto-lei 25/37 art. 10: “O tombamento dos bens, a que se refere o art.
60 desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o
respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos
referidos bens no competente Livro do Tombo. Parágrafo único: Para todos
os efeitos, salvo a disposição no Art. 13 desta lei, o tombamento provisório se
equipará ao definitivo”. Art. 13, §§ 1º, 2º e 3º do Decreto-lei 25/37:
“O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por
iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do
registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio. §1º: No
caso de transferência de propriedade dos bens de que trata este artigo, deverá
o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por
cento sobre o respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate
de transmissão judicial ou causa mortis. §2º: Na hipótese de deslocação de
bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma
multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido deslocados. §3º:

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 302


[
A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo
proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do
mesmo prazo e sob a mesma pena”.
^
32 Machado, op.cit., p. 74-75.
33 Lei nº 6292 de 15 de dezembro de 1975 (Dispõe sobre o tombamento
de bens no IPHAN): Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/
nacionais/lei6292-75.htm. Acesso em: 31 jul. 2000.
34 “O recurso ao Presidente da República continua vigente, uma vez que o
Decreto-lei 3866/41 não foi revogado. Cumpre alertar, porém, que esse recurso
só é viável quando o tombamento for determinado pelo IPHAN, entidade
federal, não sendo cabível quando o tombamento for de âmbito estadual
ou municipal. Nestes casos, o recurso será para o Chefe do Executivo local, se
essa faculdade tiver sido prevista por legislação pertinente”. MEIRELLES, H. L.
Direito de Construir. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 149.
35 “Podemos expresar que tanto el poder de policía como la policía son conceptos
que reconocen diferentes definiciones y precisiones doctrinarias, que convergen
sobre la relación existente entre Estado y los particulares, cuando el primero
actúa en ejercicio de su función pública sobre los individuos limitando sus
derechos. La palabra POLICIA deriva de la voz latina POLITIA, procedente de
la griega POLITEIA, que significa constitución de la ciudad, constitución del
Estado y gobierno”. – Podemos expressar que tanto o poder de polícia como
a polícia são conceitos que reconhecem diferentes definições e precisões
doutrinárias, que convergem sobre a relação existente entre o Estado e os
particulares, quando o primeiro atua no exercício de sua função pública
sobre os indivíduos limitando seus direitos. A palavra Polícia deriva da voz
latina POLITIA, procedente da grega POLITEIA, que significa Constituição da
cidade, Constituição do Estado e Governo. (tradução do autor). Disponível
em: http://www.abogadosdecordoba.org.ar/d_26t03.htm. Acesso em: 17
dez. 2004.
36 “As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios,
inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma a outra das
referidas entidades”. Art. 11 do Decreto-lei 25/37.
37 Pergunta RPHAN: “Gostaríamos de saber agora se, na opinião de vocês, o
tombamento, considerado o atual estágio da sociedade brasileira, é ainda
um instrumento imprescindível à preservação dos bens culturais? Respostas:
1º) Dora Alcântara:...Acho até que nós já dissemos que o tombamento,
especificamente o Decreto-lei 25/37 mantém ainda sua validade. O que me
parece é que talvez, no momento em que a gente pretende aumentar, ou
melhor, diversificar o número de bens tombados, talvez fosse necessário

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 303


[
começar a pensar em alguma legislação complementar. 2º) Lúcia Helena
Fontes: ...O tombamento é necessário em alguns casos. Em outros a gente talvez
possa aplicar um outro tipo de legislação. 3º) Sonia Rabello: Eu acho o Decreto-
^
lei 25/37 um primor de legislação...O Decreto-lei 25/37 até do ponto de vista
técnico-jurídico, é um monumento digno de ser tombado, por que conseguiu
passar esses 50 anos dizendo o essencial, mas se dizendo suficientemente
aberto para que pudessem caber dentro dele as mudanças sociais que se
processavam...Claro que tem lacunas, eu acho que tem algumas contradições,
algumas imprecisões e dificuldades também...mas como qualquer coisa
humana, tem lacunas e merece aperfeiçoamento”. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Brasília: IPHAN/MEC, n. 22, 1987: Mesa-
redonda: Tombamento. p. 74.
38 MILARÉ, É. (coord.). Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001 p. 140.
39 MACHADO, op.cit., p. 26.
40 CF/88 art. 5º, inciso LXXIII: “Qualquer cidadão é parte legítima para propor
ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade
de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e
ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada a má
fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. CONSTITUIÇÃO da
República Federativa do Brasil. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 05.
41 Ibid., art. 129, inciso III: “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos”. p. 83.
42 “Os direitos, bens e interesses protegidos na Lei 7.347/85 dizem respeito,
geralmente, a uma pluralidade de pessoas (interesses difusos), mas podem
beneficiar somente uma pessoa (interesses individuais)”. MACHADO, op.cit., p.
11 e 12.
43 Disponível em: https://guiame.com.br/vida-estilo/turismo/brasilia-da-a-sc-1-
tombamento-de-paisagem-cultural-brasileira.html. Acesso em: 03 mai. 2020.
44 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislaç/nacionais/lei47177-65.htm.
Acesso em: 31 jul. 2000.
45 “Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos causados: I- ao meio ambiente; II- ao consumidor;
III- a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico; IV- a
qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Disponível em: http://www.iphan.
gov.br/legislac/nacionais/lei7347-85.htm. Acesso em: 31 jul. 2000. p. 01.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 304


[
46 “A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público,
pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por
autarquias, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por
^
associação que: I- esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano, nos termos
da lei civil; II- inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio
ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/nacionais/lei7347-85.htm. Acesso em: 31
jul. 2000. p. 01 e 02.
47 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/nacionais/lei7347-85.htm.
Acesso em: 31 jul. 2000.
48 “Artigo 17- Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores
responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados
em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da
responsabilidade por perdas e danos”. MACHADO, op.cit., p. 29.
49 Ibid., p. 32/33.
50 Ibid., p. 32/33.
51 “Artigo 120- poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação
prévia, em decisão sujeita a agravo”. Disponível em: http://www.iphan.gov.
br/legislac/nacionais/lei7347-85.htm. Acesso em: 31 jul. 2000.
52 “Artigo 40- Poderá ser ajuizada ação cautela para fins desta lei, objetivando,
inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos
de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagísticos (vetado)”. “Artigo
50- A ação principal e a cautela poderão ser propostas pelo MP, pela União,
pelos Estado e Municípios...”. MACHADO, op.cit., p. 36/37.
53 Disponível em: https://dicionariodireito.com.br/acao-cautelar. Acesso em:
03 mai. 2020.
54 MACHADO, op.cit., 40.
55 “Artigo 110- Na ação que tenha o objetivo o cumprimento de obrigação de
fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida
ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de
cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independente
do requerimento do autor”. Disponível em: http://www.iphan.gov.br/
legislac/nacionais/lei7347-85.htm. Acesso em: 31 jul. 2000.
56 MACHADO, op.cit., p. 45.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 305


[
57 Diversas matrizes discursivas têm sido associadas à noção de
sustentabilidade, entre elas se pode destacar a matriz da eficiência, que
pretende combater o desperdício da base material de desenvolvimento,
^
estendendo a racionalidade econômica ao “espaço não-mercantil do
planeta”; outra matriz é a escala, que propõe um limite quantitativo ao
crescimento econômico e a pressão que ele exerce sobre os “recursos
ambientais”; a matriz da equidade que articula analiticamente princípios de
justiça e ecologia; a matriz da auto suficiência, que prega a desvinculação
de economias nacionais e sociedade tradicional de fluxos do mercado
mundial como estratégia apropriada a assegurar a capacidade de auto
regulação comunitária das condições de reprodução da base material
de desenvolvimento; a matriz da ética, que inscreve a apropriação social
do mundo material em um debate sobre os valores de Bem e de Mal,
evidenciando as interações da base material do desenvolvimento com as
condições de continuidade da vida no planeta. ACSELRAD, H. Discursos
da Sustentabilidade Urbana. In REVISTA Brasileira De Estudos Urbanos E
Regionais. Campinas: UNICAMP, 1999. n. 1. p. 79.
58 “Até a década de 70, o tratamento político-institucional das questões
ambientais era praticamente nulo no Brasil. Vale lembrar a conhecida posição
do governo brasileiro na Conferência de Estocolmo de 1972, equacionando o
binômio poluição=desenvolvimento”. REVISTA do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Brasília: MEC/IPHAN, 1996. n. 24. p. 131.
59 EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo: Editora UNESP/ Boitempo, 1997. p. 179.
60 “Podemos, contudo, afirmar que o instituto surgiu na mesma ambiência social
que gerou na Constituição de 1988, um momento de redemocratização das
instituições e de adaptação do ordenamento jurídico aos móveis políticos
estabelecidos pela nova ordem. A sociedade brasileira era já uma verdadeira
sociedade de massas, sem que houvesse, entretanto, uma adequada proteção
das relações que devido à sua incidência e padronização a caracterizam,
quais sejam as relações de consumo”. RODRIGUES, G. de A. Ação civil
pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de
Janeiro: Forense, 2002. p. 98 e 99. / “Em boa hora a Lei 7.347/85 passou a
reger o assunto. Uma das alterações que lhe foram ditadas pela Lei 8.078, de
11.09.1990 (Código de Defesa do Consumidor) consistiu na introdução do §
6º ao art. 5º (Art. 113)”. GRELLA VIEIRA, F. apud MILARÉ, Édis. (coord.). Ação
Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 227.
61 “O CDC teve como propósito promover o acesso à justiça dos consumidores,
além de ensejar uma tutela mais adequada dos direitos transindividuais ao
renovar a lei da ação civil pública... Ao prever o compromisso de ajustamento

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 306


[
de conduta a lei de consumo concebeu um instituto de proteção extrajudicial
de direitos metaindividuais, ampliando o sistema de garantia desses direitos”.
RODRIGUES, G. de A. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta:
^
teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 100.
62 Daniel Roberto Fink in MILARÉ, É. (coord.). Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 –
15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 117.
63 “Em alguns casos, como veremos adiante, a adoção de uma política pública, ou
a sua não implementação, desde que relacionada a fatos determinados, pode
ser objeto de ajustamento de conduta. Não deve o ajustamento de conduta ser
utilizado para se conjugar esforços para atender a determinados fins públicos...”
RODRIGUES, op.cit., p. 112. Profa. Dra. da Cadeira de Direito Ambiental do
Curso de Pós-Graduação em nível de Mestrado da Faculdade de Direito da
UFBA (2001/2), Tese de Doutorado em Direito Ambiental com o Tema: “Termo
de Ajustamento de Conduta” (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2001).
“O ajustamento de conduta tem como outro importante fim ensejar a prevenção
da lesão ao direito transindividual. A possibilidade de o ajuste de conduta
antecipar-se à sentença de cognição existe justamente para ampliar esse seu
atributo preventivo...De igual modo, a norma tem como fim ensejar uma tutela
mais rápida desse tipo de direito, uma vez que as decorrências da lentidão dos
mecanismos formais de justiça se tornam dramáticas para a sua proteção”.
RODRIGUES, op.cit., p. 116.
64 RODRIGUES, op.cit., p. 242 e 258.
65 “No caso do patrimônio histórico 2 (dois) termos tratavam da preservação de
conjunto arquitetônico e 3 (três) da preservação de sítio arqueológico”. Ibid., p. 266.
66 Constituição de 1988, Título VII – DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA
– Capítulo II - DA POLÍTICA URBANA – art. 182 e art. 183. Constituição da
República Federativa do Brasil. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 112.
67 CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Ibid., Art. 30 incisos I a IX,
p. 34; Art. 182 e 183, p. 112.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 307


[
– 8–
^
A Competência dos Estados e
Municípios Brasileiros na Preservação e
Reabilitação de Centros Históricos

As ações praticadas no Rio de Janeiro

A CF/88 estabeleceu no seu Art. 181 a autonomia político-admi-


nistrativa da República Federativa do Brasil, centralizando as ações
políticas nacionais e descentralizando as ações político-administra-
tivas regionais e locais. Apesar de institucionalmente solucionada
a problemática sobre a questão a quem deve o direito e dever de
atuar sobre a patrimonialidade, a prática das ações preservacionistas
e intervencionistas continuam produzindo embates entre os entes
administrativos governamentais. Este fato é compreensível quando
analisado pelo aspecto diferencial resultante da comparação entre o
conceito soberania e autonomia2 e entre as legislações atuantes nos
Estados e Municípios comparados ao Decreto-lei 25/37.
Como argumenta Meirelles (2003, p. 91): “a autonomia não
é poder originário”, ou seja, a autonomia não garante aos Estados-
-membros, ao Distrito Federal, bem como aos Municípios um auto-
governo, mas um direito público subjetivo de organizar e prover sua

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 308


[
administração de acordo com a lei maior. Esse conceito promove um
entendimento de que o Decreto-lei 25/37 norteia todas as ações que ^
possam vir a ser executadas sobre o patrimônio, mas que os Estados-
-membros, Distrito Federal e Municípios podem e a eles cabe o direi-
to e dever de administrar e lançar os meios necessários para tutelar
sua patrimonialidade, desde que não se oponham ao próprio direito
maior da União.
A Constituição do Estado do Rio de Janeiro promulgada em 05
de outubro de 19893 atualizado até a Emenda Constitucional no 75,
de 18 de dezembro de 20194, apresenta questões interessantes re-
lativas à preservação e restauro patrimonial e, especialmente, com
relação à preservação e restauro de áreas históricas quando compa-
rado a CF/88; como a exemplo de seu Art. 8o que faz referência ao
Patrimônio Genético; Um dos Capítulos de maior interesse na CE/RJ
refere-se à Política Urbana, indicando nos Arts. 229 a 241, os Municí-
pios como os formuladores dessas ações, entre as quais a preservação
do patrimônio ambiental e cultural (Art. 229 § 1o); destacando-se os
instrumentos próprios ao Direito Urbanístico para execução dessas
políticas5, bem como estabelece a obrigatoriedade do Plano Diretor
no Art. 231.
O Art. 234 da CE/RJ estabelece as diretrizes e normas relativas ao
desenvolvimento urbano, entre as quais, no inciso V, a preservação,
proteção e recuperação do meio ambiente urbano e cultural e no VI
a criação de áreas de especial interesse urbanístico, social, ambien-
tal, turístico e de utilização pública. Esses artigos têm relação com o
Art. 182 e 183 da CF/88. O Art. 261 da CE/RJ referente ao meio am-
biente, repete as mesmas disposições do Art. 225 da CF/88; o Art. 268
do mesmo capítulo determina áreas de preservação permanente, as

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 309


[
áreas de interesse arqueológico, histórico, científico, paisagístico e
cultural (inciso V). O Capítulo III - Da Educação, Da Cultura e Do Des- ^
porto, especialmente a seção II - Da Cultura, nos seu Art. 322 , incisos
6

VII, VIII, IX e X da CE/RJ, é semelhante ao Art. 215 e 216 da CF/88, esta-


belecendo as mais expressivas ações sobre a tutela do patrimônio; o
Art. 324 e seus §§ 1o e 2o determinam que o Poder Público promoverá
e protegerá o patrimônio cultural do Rio de Janeiro por meio de in-
ventários, registro, vigilância, tombamento, desapropriação e outras
formas de acautelamento e preservação.
A Constituição do Estado do Rio de Janeiro apresenta um ex-
cessivo cuidado com seus artigos para não acarretarem inconstitu-
cionalidades com a CF/88, tentando trabalhar de forma concorrente
e comum às leis da Carta Maior, no entanto, com relação à preser-
vação do patrimônio, seja ele natural ou cultural, a CE/RJ compila
exatamente as questões apontadas pela CF/88, sendo que a maior
diferença está numa determinação mais específica da competência
dos municípios fluminenses (Art. 230), a qual institui a autonomia
maior por parte dos municípios para praticarem as ações interven-
cionistas e preservacionistas indicando mais especificamente os ins-
trumentos próprios do Direito Urbanístico, como a contribuição de
melhoria e determinação de áreas de interesse especial; entretanto,
seguem a medida instituída pelos artigos 182 e 183 da CF/88. Na CE/
RJ a preservação do patrimônio ambiental urbano não é consagra-
da, da mesma forma como ocorreu anteriormente na CF/88, apenas
são citadas expressões como sítios históricos ou conjuntos urbanos. A
CF/88 apresenta um texto muito mais completo com relação à tutela
do patrimônio cultural, já o natural, a Constituição do Estado do Rio
de Janeiro é tão bem desenvolvida quanto a Constituição Nacional.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 310


[
Além da Constituição Estadual, os Estados-membros apresen-
tam suas Leis e Decretos referentes a sua competência político-admi- ^
nistrativa, dessa forma, a legislação preservacionista do Estado do Rio
de Janeiro apresenta algumas Leis de destaque na preservação como:
Lei no 2471, de 06 de dezembro de 19957; Lei no 1954 de 26 de janeiro
de 19928; Lei no 605, de 24 de novembro de 19829; Lei no 1130, de
12 de dezembro de 198710; e, especialmente: Lei no 50911, de 03 de
dezembro de 1981 (Dispõe sobre o conselho estadual de tombamen-
to e dá outras providências); Lei no 221712, de 18 de janeiro de 1994
(Dispõe sobre o patrimônio estadual e dá outras providências); e o
Decreto-lei Estadual no 2305513, de 16 de abril de 1997 (Dispõe sobre
a tutela do patrimônio cultural do Rio de Janeiro).
A legislação preservacionista do Estado do Rio de Janeiro avan-
ça em alguns pontos, como, por exemplo, com relação à proteção
das áreas de ambiência, ou ao tratamento dos imóveis pertencentes
à vizinhança do bem tombado, também estabelece uma questão
polêmica que é a situação da possibilidade da demolição do bem
tombado, aspecto totalmente contrário à previsão do Decreto-lei
25/37; as críticas à legislação do Estado do Rio de Janeiro continuam
as mesmas feitas para o Decreto-lei 25/37, especialmente no que diz
respeito ao patrimônio ambiental urbano e a estrutura repressiva
dos dois instrumentos.
Além da competência do Estado do Rio de Janeiro relativo às
ações intervencionistas e preservacionistas sobre as categorias pa-
trimoniais, o ente que atualmente desenvolve uma necessidade de
atuar de forma diferenciada do Decreto-lei 25/37 é o ente municipal,
acarretando, na maioria das vezes, conflitos físicos, legais e práticos
desenvolvidos nas ações. Os dois instrumentos mais atuantes sobre

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 311


[
o meio urbano são: a Lei Orgânica do Município (LOMRJ/1990 – com
492 artigos14) e o Plano Diretor (PDRJ15). ^
O Art. 23 da LOMRJ estabelece que estão sujeitos à legislação do
Município, de acordo com as competências, entre outras, a preserva-
ção e proteção do patrimônio urbanístico, arquitetônico, paisagísti-
co e ambiental; aqui se vê uma grande diferença com o Decreto-lei
25/37, pois o termo Patrimônio Urbanístico e Ambiental é citado.
Encontra-se no Art. 30, inciso VII alínea d: “proteger o meio ambiente e o
patrimônio histórico, cultural e ecológico do Município”. O inciso XXXII
do Art. 30 também define a competência concorrente para tomba-
mento por parte do município. O Art. 44, inciso XIV da LOMRJ define
que a Câmara de Vereadores, com a sanção do prefeito, legisle sobre
tombamento de bens móveis ou imóveis e criação de áreas de espe-
cial interesse; observa-se um grande avanço comparativo ao Decre-
to-lei 25/37, pois se estabelece a categoria urbanística de áreas de
interesse especial (instrumento do Direito Urbanístico). O Decreto-lei
25/37 se impõe sobre as ações municipais, este fato é reforçado pelo
Art. 67, inciso VI § 2o da LOMRJ16.
Os principais avanços demonstrados pela LOMRJ relativo a com-
paração com o Decreto-lei 25/37 se referem à consagração da tutela
do patrimônio urbanístico (Art. 23) e a criação das áreas de especial
interesse preservacionista (Art. 44 inciso XIV); também busca traba-
lhar um pouco mais que o Decreto-lei 25/37 a questão dos inventários
e das desapropriações (Art. 342); consagra definitivamente na esfera
municipal a proteção do patrimônio ambiental (Art. 350), apesar de
usar a expressão mais ampla “ ...patrimônio ambiental, paisagístico...
do Município”. Como elemento de ação local, a LOMRJ traça, a partir
do Direito Urbanístico, várias questões na sua política urbana referen-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 312


[
tes a instrumentos de intervenção urbanística sobre as áreas conside-
radas de interesse especial preservacionista (Art. 430). Nesse sentido, ^
a LOMRJ determinou a elaboração do Plano Diretor da cidade (Art.
452 a 456 PDRJ17).
O aspecto mais relevante da comparação entre o PDRJ e o
Decreto-lei 25/37 é que o primeiro compatibiliza o desenvolvi-
mento urbano (paradigma desenvolvimentista) com a preservação
do patrimônio ambiental e cultural. Destacam-se também, no PDRJ, a
criação de áreas específicas para a proteção dos bens tombados além
de um cuidado especial com o entorno desses bens, a busca de um
equilíbrio entre as características morfológicas do bairro e as ações de
preservação, os instrumentos de intervenção urbanística próprios ao
Direito Urbanístico (trabalhados de forma razoável e mais expressiva
do que no Decreto-lei 25/37), como é o caso das demolições, ope-
rações consorciadas, isenção e progressão do IPTU, fiscalizações,
incentivos tributários e projetos de preservação nas áreas de interes-
se especial – Apac. Portanto, muitas dessas questões poderiam ser
aplicadas na revisão do Decreto-lei 25/37.
Em paralelo a LOMRJ e ao PDRJ, existem as leis e decretos
municipais específicos voltados para a preservação do patrimônio
cultural e ambiental, entre as quais se destacam: o Decreto 4141, de
14 de julho de 1983 (aprova os limites da área abrangida pelo Corre-
dor Cultural); o Decreto 10040, de 11 de março de 1991 (cria a área de
proteção ambiental APA do Catumbi); a Lei 158 que concede isenção
tributária a imóveis na área denominada de Corredor Cultural. Sendo
as mais importantes as Leis: 161 de 5 de maio de 1980 (Dispõe sobre
o Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural e dá outras

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 313


[
providências) e a Lei 166 de 27 de maio de 1980 (Dispõe sobre o pro-
cesso de tombamento e dá outras providências). ^
A legislação municipal de preservação da cidade do Rio de Janei-
ro apresenta algumas inovações com relação ao Decreto-lei 25/37,
mas em outras partes é uma verdadeira cópia do Decreto federal,
entretanto, tem-se que admitir que a LOMRJ (de 1990 – Texto atuali-
zado até a Emenda n.o 20/200918) e o PDRJ (de 1992; aprovado pela
Lei Complementar No 111 de 1o de fevereiro 201119) evoluíram bastante
nas questões relativas a preservação do patrimônio cultural da cida-
de. O órgão responsável pelo patrimônio municipal da cidade do Rio
de Janeiro juntamente com o CMPC (Conselho Municipal de Proteção
Cultural) é o DGPC (Departamento Geral de Proteção Cultural), em
que as ações principais são o inventário, o tombamento e as Apacs20
(áreas de proteção do ambiente cultural) e a proteção dos bens de
natureza intangível.

As ações praticadas em Minas Gerais

A Constituição do Estado de Minas Gerais, promulgada a 21 de


setembro de 198921 (atualizada até a Emenda Constitucional no 103,
de janeiro de 202022), integrando a República Federativa do Brasil de
forma autônoma (Art. 1o), observados os princípios constitucionais
da República (Art. 1o § 2o) apresenta um discurso legislativo com 299
artigos, já a CF/88 possui 250 artigos (salvo as disposições transitórias
e as emendas constitucionais). Este fato direciona a CE/MG para um
discurso extremamente cauteloso visando não cometer inconstitu-
cionalidades em relação à Carta Maior.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 314


[
A primeira referência à preservação na CE/MG pode ser observa-
da no Art. 2o inciso III (preservar valores étnicos) e, especialmente, no ^
inciso XI, que busca desenvolver e fortalecer a preservação e a identi-
dade social, cultural, política e histórica de Minas Gerais. O Art. 9o da
CE/MG determina que é reservado ao Estado a competência que não
lhe seja vedada pela Constituição da República, estabelecendo no
Art. 10 o que lhe compete, como, por exemplo, proteger o meio am-
biente (inciso V) e determina, categoricamente, no inciso XV: “legislar
privativamente nas matérias de sua competência e, concorrentemente,
com a União sobre: f) ...proteção do ambiente...; g) proteção do patri-
mônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”. Também,
no mesmo artigo, destaca-se: “h) responsabilidade por dano ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direito de valor artístico, estético,
histórico e paisagístico”.
No Art. 43 da CE/MG inciso XI, instituição do Plano Diretor (igual
ao Art. 182 § 1o da CF/88). O Art. 207 da CE/MG pode ser considerado
o de maior importância quando relacionado à preservação e restauro
patrimonial, estabelecendo no seu inciso III a criação de arquivos e
museus voltados para a preservação da memória do Estado (igual ao
Decreto-lei 25/37 Art. 24); o inciso IV da CE/MG estabelece a identifi-
cação, proteção, conservação, revalorização e recuperação do patri-
mônio cultural, histórico, natural e científico do Estado; O inciso VI do
Art. 207 da CE/MG estabelece incentivos a empresas para a preserva-
ção do patrimônio (relaciona-se com a Lei Rouanet no 8313/91 e a Lei
Sarney no 7505/86).
O Art. 208 da CE/MG (Constitui patrimônio cultural mineiro) re-
pete exatamente o Art. 216 da CF/88, não acrescentando nem tirando
nenhuma determinação, com apenas uma pequena diferença, no Art.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 315


[
216 da CF/88 se lê: “... portadores de referência”. Sendo o inciso V do
Art. 208 da CE/MG o de maior importância para a preservação dos ^
conjuntos urbanos mineiros: “os conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, espeleológico, paleonto-
lógico, ecológico e científico”. O Art. 209 da CE/MG procura o respaldo
popular para promover as ações preservacionistas, identificando o
Estado, com a colaboração da comunidade, como o ente que prote-
gerá o patrimônio cultural por meio de inventários, vigilância, tom-
bamento e desapropriação, além de outras formas de preservação
como o acautelamento e repressão a danos e ameaças sobre o mes-
mo (também é a repetição do § 1o do Art. 216 da CF/88).
Os artigos da CE/MG relativos ao meio ambiente são os art. 214
a 217 (referentes ao art. 225 da CF/88). O Art. 243 da CE/MG, referente
à política estadual de turismo, estabelece no seu inciso VI a criação de
fundo de assistência em benefício das cidades históricas e o inciso VII
a regulamentação de uso, ocupação e fruição dos bens naturais e
culturais de interesse turístico e o IX a proteção do patrimônio ecoló-
gico e histórico-cultural do Estado de Minas Gerais. O Art. 244 da CE/
MG trabalha a questão da institucionalização dos Planos Diretores,
assistindo os municípios que solicitarem.
O Art. 245 da CE/MG, entre outras coisas, busca a preservação
do meio ambiente e da cultura (inciso III), na urbanização e regula-
rização das áreas deterioradas (inciso V), e inciso VIII § 2o o incentivo
técnico, para a criação de cidades-satélites, para expansão urbana de
cidades consideradas históricas, com o objetivo de preservação do
núcleo cultural; este inciso da CE/MG é um dos que mais se diferencia
na questão da preservação quando comparado a CF/88. A CE/MG re-
pete categoricamente a CF/88, no que se refere a questões relativas a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 316


[
preservação e restauro, deixando as mesmas problemáticas já discuti-
das em relação à não dialética, além da não consagração e tratamen- ^
to mais expressivo ao Patrimônio Ambiental Urbano.
Além da CE/MG, o Estado de Minas Gerais apresenta uma le-
gislação muito ampla voltada para a preservação e restauro. As leis
e decretos estaduais de maior importância na preservação e restau-
ro do patrimônio de Minas Gerais são: Lei 5775/71 (Autoriza o Poder
Executivo a instituir, sob forma de Fundação, o Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA-MG) e dá outras providên-
cias); Decreto 18531/77 (Dispõe sobre o tombamento e a inscrição,
nos respectivos livros dos bens que menciona); Decreto 21224/81
(Define como de proteção especial, para preservação do patrimônio
cultural, histórico e paisagístico, a área dos Municípios de Ouro Preto
e Mariana); Decreto 23646/84 (Aprova o tombamento do conjunto
arquitetônico e paisagístico da Pampulha, em Belo Horizonte); Decreto
26193/86 (Aprova o Estatuto do Instituto Estadual do Patrimônio His-
tórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA-MG); Lei 11258/93 (Reorga-
niza o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais – IEPHA-MG – e da outras providencias); Lei 13464/2000 (Cria
o fundo estadual de recuperação do patrimônio histórico, artístico
e arquitetônico – FUNPAT – e dá outras providências); Lei 13956/01
(Dispõe sobre obras representativas do patrimônio cultural mineiro
e dá outras providências); Decreto 42505/02 (Institui as formas de
registros de bens culturais de natureza imaterial ou intangível que
constituem patrimônio cultural de Minas Gerais.
De forma geral, a legislação estadual de Minas Gerais, apresentou
avanços relacionados ao Decreto-lei 25/37 como a criação do Fundo
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Art. 8o da Lei 5775/71)

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 317


[
e do FUNPAT (Art. 1o do Decreto 13464/2000). Outros avanços foram
demonstrados nos Decretos 18531/77 e 21224/81, ambos preocupa- ^
dos com a preservação dos conjuntos urbanos, além disso, a legis-
lação preservacionista mineira apresentou a consagração da defesa
dos conjuntos urbanos históricos (Art. 3o §1o do Decreto 11258/93),
sendo observadas outras formas de acautelamento como a vigilância
e a desapropriação dos bens patrimoniais.
Além da CE/MG e da legislação estadual, a preservação do pa-
trimônio de Minas Gerais pode ser estabelecida por seus entes admi-
nistrativos municipais. Na cidade de Belo Horizonte, destacam-se a
Lei Orgânica Municipal (LOMBH23), o Plano Diretor de Belo Horizonte
(PDBH24) e as Leis Municipais voltadas para a defesa do patrimônio
da cidade.
A LOMBH, promulgada em 21 de março de 1990, constituída
por 231 artigos25, indica no seu art. 3o inciso VII, como prioridade do
município, a preservação da identidade, adequando as exigências do
desenvolvimento a preservação de sua memória, tradição e peculia-
ridades. O Art. 36 da LOMBH menciona que os bens imóveis públicos
de interesse histórico, artístico ou cultural somente podem ser utiliza-
dos por terceiros para finalidades culturais (os usos e ocupações dos
bens tombados não foram previstos pelo Dec. 25/37). O Poder Públi-
co não pode edificar, descaracterizar ou abrir vias públicas em praças,
parques, reservas ecológicas e espaços tombados do Município, salvo
as construções estritamente necessárias à preservação e ao melhora-
mento dessas áreas (Art. 40 LOMBH).
O capítulo de maior importância para a preservação patrimonial
municipal na LOMBH é o Da Cultura (Art. 166 a 169). O Art. 167 da
LOMBH estabelece como patrimônio cultural do município os bens

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 318


[
de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, que contenham referência à identidade, a ação e memória ^
do belo-horizontino, incluindo nos seus incisos I, II, II, IV e V (§§1
26 27 o

e 2o); as questões definidas no Art. 167 da LOMBH possuem mais afi-


nidades com a CF/88 Art. 216 do que com o Decreto-lei 25/37. O Art.
168 estabelece que o município, em colaboração com a sociedade
civil, protegerá o “patrimônio histórico e cultural, por meio de inven-
tários, pesquisas, registros, vigilância, tombamento, desapropriação e
outras formas de acautelamento e preservação”28. O Decreto-lei 25/37
não previu a aproximação das ações preservacionistas com a socie-
dade civil.
O Art. 185 da LOMBH define como instrumento de planejamen-
to urbano, entre outros, nos seus incisos29, mecanismos do Direito
Urbanístico que podem ser aplicados na preservação do Patrimônio
Ambiental Urbano, destacando-se para essa finalidade a legislação
financeira e tributária (IPTU), a transferência do direito de construir, o
tombamento e a desapropriação por interesse social, necessidade ou
utilidade. O Art. 191 da LOMBH é um dos mais expressivos no trata-
mento atual do patrimônio ambiental urbano, determinando que “a
transferência do direito de construir poderá ser autorizada ao proprie-
tário de imóvel considerado de interesse de preservação ambiental ou
cultural, bem como ao proprietário de imóvel destinado à implantação
de programa habitacional”.
A LOMBH definiu no seu Art. 190, § 3o, inciso I, a elaboração, por
parte do município, de seu Plano Diretor (PDBH), instrumento de
controle, organização e disposição das relações sociais, econômicas,
políticas, religiosas, urbanas e etc., A Lei 7165, de 27 de agosto de
1996, instituiu o Plano Diretor do Município de Belo Horizonte30 tendo

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 319


[
sido reformulado pela Lei 11.181 de 8 de agosto de 201931. Instru-
mento básico da política de desenvolvimento urbano, o PDBH esta- ^
beleceu como objetivos no seu art. 5 , entre outros, no inciso X,
o

“preservar, proteger e recuperar o os espaços públicos, o meio ambiente


e o patrimônio histórico, cultural, paisagístico, artístico e arqueológico
municipal”. O Capítulo VIII (Do patrimônio Cultural e Urbano) Art. 23
determina que a preservação é pautada pela busca da integração com
os objetivos urbanísticos previsto em Lei e instrumentos de política
urbana (PDBH Título II Capítulo I).
O PDBH demonstra maior aproximação com os instrumentos do
Direito Urbanístico, especialmente os de intervenção urbana como a
Transferência do Direito de Construir, as Contribuições de Melhorias,
as Áreas de Interesse Especial, IPTU Progressivo, portanto, muito mais
adequados ao processo de autonomia municipal estabelecido pela
CF/88 nos seus artigos 182 e 183 e de aplicação mais eficiente quan-
do comparado às determinações gerais das ações pelo ente federal
representadas pelo Decreto-lei 25/37 e legislação federal de preser-
vação. Além do PDBH, as áreas de especial interesse preservacionista
(ou o Patrimônio Ambiental Urbano) de Belo Horizonte ainda rece-
bem a ação de práticas estabelecidas por leis municipais tutelares.
Entre todas as ações praticadas no Estado de Minas Gerais e
na Cidade de Belo Horizonte cabe destaque o Decreto Municipal
5531/8632 pela consciência com a qual avançou sobre as lacunas do
Decreto-lei 25/37, especialmente seu art. 8o, que trabalhou, nos seus
vários incisos, o estímulo da preservação através do uso de meca-
nismos urbanísticos e tributários, as diretrizes de uso e ocupação do
solo, o perímetro de proteção do entorno dos bens tombados, for-
mas de ressarcimento da desapropriação, transferência do direito

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 320


[
de construir e averbações das áreas do entorno do bem tombado.
Além do Decreto 5531/86 que demonstrou a definição das ações pre- ^
servacionistas mineiras em direção a autonomia municipal, apesar de
manter um respeito indiscutível pela CF/88 e pelo Decreto-lei 25/37;
todo o conjunto de leis e decretos do Estado de Minas Gerais e, espe-
cialmente, do Município de Belo Horizonte buscou os instrumentos
próprios ao Direito Urbanístico para o aperfeiçoamento das ações
preservacionistas e intervencionistas sobre os bens patrimoniais
ambientais urbanos.

As ações praticadas na Bahia

A Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 5 de outubro


de 198933, atualizada até a EC no 25/201834; no Art. 11 que Compete
ao Estado da Bahia, desde que não seja vedado pela CF/88, proteger
o meio ambiente e combater a poluição (inciso VIII), proteger os mo-
numentos, paisagens naturais notáveis e sítios arqueológicos, im-
pedir evasão, destruição e descaracterização de documentos, obras
e outros bens de valor histórico, artístico e cultural (inciso XIV). De
forma concorrente a União, cabe ao Estado da Bahia legislar (Art. 12)
a proteção do meio ambiente, poluição, conservação da natureza,
florestas, pescas e outros (inciso VI), proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico (inciso VII), responsabilidade
por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, históricos, turístico e paisagístico (inciso VIII); estes
preceitos são correlatos ao Art. 24 incisos VI, VII e VIII da CF/88.
Um dos capítulos de maior importância da CE/BA é o da Polí-
tica Urbana, o Art. 167 estabelece que ao Estado cabe legislar sobre

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 321


[
o Direito Urbanístico e aos municípios executar a política urbana, as
terras públicas subutilizadas ou não utilizadas devem ser destinadas, ^
entre outros, a recuperação do meio ambiente (Art. 169). O Capítulo
VIII da CE/BA – Do Meio Ambiente, estabelece no seu Art. 214, treze
incisos, entre os quais destacam-se: “I - promover a conscientização
pública para a proteção do meio ambiente; IV - exigir estudo prévio de
impacto ambiental; VIII - incentivar e apoiar as entidades ambientalis-
tas não governamentais”. Na CF/88 as questões relacionadas com o
meio ambiente figuram no Capítulo VI - Do Meio Ambiente Art. 225.
O Art. 216 da CE/BA estabelece como patrimônio claramente a
expressão “Centro Histórico de Salvador” (inciso I). Destaca-se ainda no
Art. 216 § 2o que qualquer projeto sobre as áreas determinadas nesse
artigo deve ser precedido de parecer técnico emitido por órgão com-
petente e homologado pela Câmara Municipal. O Capítulo XV da CE/
BA é dedicado à cultura, sendo que os Art. 269 e 270 estabelecem a
maioria das ações preservacionistas, destacando no Art. 270 os inci-
sos35: “I - criação de órgão específico voltado para a área da cultura e
preservação do patrimônio; IV - adoção de incentivos fiscais a empresas
e pessoas físicas e privadas investirem na preservação, conservação e
produção cultural; X - promoção e aperfeiçoamento dos profissionais
da cultura”.
A CE/BA apresenta algumas diferenças extremamente impor-
tantes quando comparadas a CF/88, como, por exemplo, a consagra-
ção da expressão “Centros Históricos”, que não figura na CF/88, sendo
uma das críticas maiores a Carta Magna, uma vez que a tutela das
áreas de interesse especial (histórica, cultural e ambiental) deveria ter
sido mais trabalhada na constituição brasileira. Outro fator importante
é a busca observada na CE/BA na promoção da defesa do patrimônio

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 322


[
pensado em conjunto com o desenvolvimento do Estado, a este as-
pecto cabem elogios e críticas, uma vez que o desenvolvimentismo ^
presente no paradigma pós-modernista ainda requer cuidado, pois é
capaz de apresentar uma vigorosa defesa patrimonial num dado ins-
tante e rapidamente alterar sua proposta para a permissão de uma
total destruição patrimonial.
No âmbito estadual, a Bahia ainda apresenta uma estrutura
legislativa composta por leis e decretos dedicados à preservação e
restauro dos seus centros históricos, as quais se destacam a Lei 3660
de 8 de junho de 1978 (Dispõe sobre o tombamento pelo Estado de
bens de valor cultural) e o Decreto 26319 de 23 de agosto de 1978
(Regula a Lei 3660 de 08 de junho de 1978); Após a CF/88, destacam-
-se o Decreto 398, de 25 de setembro de 1991 (Altera o Instituto do
Patrimônio Artístico e Cultural – IPAC); o Decreto 3236, de 21 de junho
de 1994 (Aprova o Regime do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural
da Bahia – IPAC e dá outras providências); a Lei 6812, de 18 de janeiro
de 1995 (Cria a Secretaria da Cultura e introduz modificações na es-
trutura organizacional da Administração Pública Estadual e dá outras
providências); o Decreto 5028, de 20 de janeiro de 1995 – Revogado
– (Altera o Regimento do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural
da Bahia – IPAC); o Decreto 8626, de 29 de agosto de 2003 (Homologa
a Resolução no 016/03 do Conselho de Administração do Instituto do
Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia – IPAC) e a Lei 8895, de 16 de
dezembro de 2003 (Institui normas de proteção e estímulo à preser-
vação do patrimônio cultural do Estado da Bahia, cria a Comissão de
Espaços Preservados e dá outras providências).
A legislação preservacionista do Estado da Bahia é uma das mais
desenvolvidas do Brasil, especialmente a Lei 8895/0336, na qual se

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 323


[
pode apreciar uma grande preocupação com os inventários, apesar
de necessitar de aprimoramento no campo do Direito Urbanístico; ^
essa lei trabalha a notificação aos proprietários dos conjuntos de imó-
veis a serem preservados, incentivos aos proprietários que não dis-
ponham de recursos antes de aplicar as punições, também cria uma
Comissão para tratar dos Espaços Preservados buscando a integração
com a população e com o ente municipal relacionando as possíveis
ações intervencionistas e preservacionistas à lei de uso e ocupação
do solo (Art. 34); outro grande avanço são os critérios de negociação
entre o Estado e o proprietário do imóvel tombado (Art. 45).
A Lei Orgânica da Cidade de Salvador37, de 5 de abril de 1990,
expressa a necessidade da organização e desenvolvimento do muni-
cípio nos seus 280 artigos definidos pelo respeito aos princípios cons-
titucionais, descentralização administrativa e o pleno exercício da
autonomia municipal (Art. 2 e 6 da LOMS38). No Art. 6o da LOMS, inciso
VI, já figura a preservação dos valores e da história da população e a
assimilação da pluralidade étnica, cultural e religiosa. O Art. 7o, inciso
I, define que compete ao município suplementar a legislação federal.
O Inciso XXII estabelece a competência do município para elaborar o
Plano Diretor. O inciso XXVI destaca a competência do município para
tombar bens, documentos, obras e locais de valor artístico e histórico,
cultivar tradições e o caráter cívico (o Dec. 25/37 prevê o tombamento
de fatos memoráveis da História do Brasil, bem como os sítios e paisa-
gens de feição notável – Art. 1o §§ 1o e 2o).
Os instrumentos de intervenção urbanística próprios ao Direito
Urbanístico estão previstos no Art. 81 § único e inciso I da LOMS, es-
tabelecendo, entre várias questões, o IPTU progressivo, contribuição
de melhoria, incentivos e benefícios fiscais, desapropriação, servidão

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 324


[
administrativa, limitação administrativa, inventários, registros e tom-
bamentos de imóveis, concessão do direito real de uso, transferên- ^
cia do direito de construir, parcelamento e edificação compulsórias,
concessão, direito de preempção, declaração de área de preservação
ou proteção ambiental, usucapião. O Art. 83 da LOMS destaca, espe-
cificamente, a questão da preservação relacionada ao tombamento,
estabelecendo que os proprietários de terrenos de interesse do pa-
trimônio histórico, artístico, arqueológico ou paisagístico poderão
exercer ou alienar em outro local o direito de construir, dentro da
legislação de uso do solo, desde que transfiram, sem ônus, ao Poder
Público a área de interesse39.
O Art. 89 da LOMS determina que os recursos captados pela Lei
Orgânica serão destinados, entre outras questões, para a recuperação
de centros históricos. O Art. 224 da LOMS estabelece o que constitui
patrimônio municipal e seu tratamento na forma da lei, assegurando
o manejo adequado do meio ambiente, e o uso de seus recursos
naturais, históricos e culturais, determinando, nos seus incisos I, II e
III, o Centro Histórico de Salvador, as praias e os Parques de Pituaçu,
Pirajá e São Bartolomeu, Abaeté, Dunas, o Dique do Tororó e o Parque
da Cidade, e outros sítios históricos.
A LOMS apresenta a determinação de vários instrumentos do
Direito Urbanístico voltados para a preservação de seu centro históri-
co, entretanto, eles devem ser mais estudados, uma vez que proble-
mas como a transferência de adensamento e consequências urbanas
advindas, por exemplo, do direito de transferência de construir para
um local urbano preferencial podem causar um processo especulativo
em certas regiões da cidade, apesar das regulamentações da lei de
uso e ocupação do solo. A LOMS também aproxima o tratamento dos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 325


[
centros históricos do tratamento dado à proteção do meio ambiente,
uma vez que inclui o centro histórico no capítulo referente ao meio ^
ambiente, determinando a expressão “manejo” e elaboração de
estudos de impacto ambiental para as áreas de interesse histórico,
artístico, cultural e ambiental (Art. 224 da LOMS).
O Plano Diretor da Cidade de Salvador, Lei 6586 de 3 de agosto
de 200440, previsto na Lei Orgânica do Município (Art. 7o inciso XXII),
que dispõe sobre o desenvolvimento urbano (PDDU), constitui uma
revisão e atualização do Plano Diretor aprovado pela Lei 3525 de
11 de setembro de 1985 que foi revisado recentemente pela Lei No
9069/201641 possuindo atualmente 411 artigos. O PDDU de Salvador
tem por finalidades e princípios, entre outros, o desenvolvimento ur-
bano através de um processo de planejamento permanente e contí-
nuo (Arts. 7, 8 e 9). Entre as ações a serem desenvolvidas, destaca-se o
Título V da Cultura Art. 36 e 37 com os princípios e objetivos da políti-
ca cultural destacando-se os incisos VI, VII, VIII, XIX e especialmente o
X: “revitalização das áreas urbanas centrais e antigas áreas comerciais e
industriais da cidade, mediante a implantação de centros de criação de
produtos artísticos, audiovisuais e manufaturados”.
As diretrizes para o Patrimônio Cultural ficaram estabelecidos no
PDDU de Salvador no Capítulo II Das Diretrizes Especificas Seção V e
VI, neste último dedicado as áreas de Valor Cultural (Art. 44): “a con-
servação das áreas de valor cultural do Município será assegurada por
meio da instituição e regulamentação do SAVAM” – SISTEMA DE ÁREAS
DE VALOR AMBIENTAL E CULTURAL que define as Áreas de Proteção
Cultural e Paisagística, APCP, destinadas à conservação de elementos
significativos do ponto de vista cultural, associados à memória, plu-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 326


[
ralidade e diversidade de manifestações e formas de expressão das
identidades da sociedade local, e para a imagem ambiental urbana42. ^
O PDDU do Município de Salvador apresenta diferenças marcan-
tes em relação ao Dec. 25/37, uma vez que expressa os instrumentos
atuais de intervenção e preservação urbana previstos pelo Direito Ur-
banístico, questões que foram sendo introduzidas ao longo dos anos
mediante a percepção das necessidades impostas pelos paradigmas
urbanísticos; o PDDU de Salvador busca uma questão diferenciada,
ou seja, a valorização das centralidades urbanas, seja a tradicional ou
as novas centralidades, nesse ponto ele avança mais do que as pro-
postas relativas aos instrumentos intervencionistas do Direito Urba-
nístico; outro ponto importante no PDDU é a busca da conjugação
espaço material e imaterial, população e espaços urbanos, demons-
trada pelos referentes habitacionais propostos ligados a diretrizes
de requalificação das APCP. O ponto de maior positividade no PDDU
é o seu posicionamento perante as características urbanas próprias
de Salvador e de sua centralidade histórica, já as questões negativas
recairiam, apesar do avanço em comparação ao Dec. 25/37, na ne-
cessidade de maior experimentação e compreensão de instrumentos
como a Transferência do Direto de Construir – TRANSCON43; mediante
um posicionamento mais rígido frente à especulação imobiliária.
Além da LOMS e do PDDU, o Município de Salvador apresenta
uma legislação municipal voltada para a defesa do seu patrimônio
cultural, artístico e ambiental. Nessa legislação, destaca-se a Lei 3289,
de 31 de setembro de 1983 (Altera e dá nova redação a dispositivos
da Lei 2403 de 23 de agosto de 1972, e dá outras providências); o De-
creto 8023, de 22 de março de 1988 (Regulamenta a Lei no 3805, de 04
de novembro de 1987, que dispõe sobre a criação da transferência do

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 327


[
direito de construir e dá outras providências44); a Lei 5088, de 26 de
janeiro de 1995 (Estabelece normas de uso e ocupação do solo para ^
áreas integrantes da Área de Proteção Cultural e Paisagística estabe-
lecida pela Lei 3289/83 e dá outras providências45); também se des-
tacam o Decreto 5506, de 09 de agosto de 1978 (Estabelece normas
de proteção ambiental aos sítios que menciona...); Decreto 6634, de
4 de agosto de 1982 (Declara tombado o conjunto de edificações, ár-
vores e paisagem do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, para
preservação de sua memória histórica e cultural e dá outras providên-
cias); a Lei 4537, de 27 de maio de 1992 (Cria incentivos à revitalização
do Centro Histórico de Salvador46).
A legislação preservacionista do Município de Salvador demons-
tra questões de avanço em relação ao Dec. 25/37, primeiro porque
trata especificamente de uma atuação voltada para um Centro His-
tórico, preocupando-se com a questão da visibilidade e relação do
imóvel e conjunto tombado com seu entorno, apesar do Dec. 25/37
ter trabalhado no seu Art. 18 a questão da visibilidade; a Lei 3289/83
e Lei 5088/95 determinam diretrizes e delimitam essa relação volu-
métrica de utilização com a ocupação e parâmetros urbanísticos. A
legislação do Município de Salvador também estabelece questões de
permissões e usos para o imóvel tombado bem como sua demolição
(mais específica para APCP do que Decreto federal 3365/41). Vanta-
josa também é a grande preocupação da legislação de Salvador em
estabelecer um constante diálogo com os outros entes administra-
tivos e representantes da população local. Os pontos ainda a serem
mais desenvolvidos referem-se a uma baixa flexibilidade do uso da
Transferência do Direito de Construir, bem como da maior aplicação
de outros instrumentos do Direito Urbanístico.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 328


[
As ações praticadas em Pernambuco
^
A Constituição do Estado de Pernambuco promulgada em 5 de
outubro de 198947, possuindo 253 artigos, exercendo em seu territó-
rio todos os poderes que não lhe sejam vedados pela Constituição
Maior (Art. 5o da CE/PE), bem como proteger “os documentos, as obras
e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos e as
paisagens naturais notáveis, os sítios arqueológicos, e conservar o patri-
mônio público” (inciso III), impedindo a destruição, evasão e descarac-
terização das obras de arte e outros bens de valor histórico, artístico
e cultural (inciso IV) e proteger o meio ambiente combatendo a po-
luição em qualquer uma de suas formas (inciso VI); indica no seu Art.
144 a Política de Desenvolvimento Urbano instituindo que direito a
propriedade do solo atenderá a sua função social (§ 1o), assegurando
as diretrizes e normas, entre outras, da criação de áreas de especial
interesse urbanístico, social, ambiental, cultural, artístico, turístico e
de utilização pública (§ 2o alínea a).
O Art. 146 da CE/PE estabelece que o Plano Diretor, instrumento
básico da Política de desenvolvimento do município (§ 1o), atende-
rá as matérias relativas ao “zoneamento urbano, ordenação da cida-
de, preservação e proteção do meio ambiente e dos recursos hídricos,
implantação do sistema de alerta e de defesa civil e identificação dos
vazios urbanos e das áreas subtilizadas” (§ 2o). O direito à propriedade
não acarreta o direito de construir (Art. 148 da CE/PE). As proprieda-
des urbanas são passíveis de desapropriação, caso não cumpram as
exigências estabelecidas por lei (Art. 148 § 2o da CE/PE). O Art. 197
da CE/PE, no seu § 4o, estabelece que a proteção de documentação
histórica, a tutela especial de obras, edifícios e locais de valor históri-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 329


[
co ou artístico, monumentos, paisagens naturais e arqueológicas fica
a cargo do Estado e Municípios. Os danos e ameaças ao patrimônio ^
cultural serão punidos na forma da lei (Art. 197 § 5 ). O desenvolvi-
o

mento deve ser conciliado com a defesa do meio ambiente (Art. 204).
A proteção do meio ambiente é tratada do Art. 204 ao 216 da CE/PE.
Os dois pontos fortes da CE/PE são o estabelecimento das áreas
de especial interesse urbanístico, social, ambiental, cultural, artístico,
turístico e de utilização pública (Art.139), e a busca de diálogo entre
os entes Municipais e a União (Art. 199 e 205) através do respeito do
direito do cidadão e da elaboração de um Plano Diretor voltado para
o desenvolvimento urbano, que procurem, entre outras situações, a
proteção do meio ambiente (Art. 146). O ponto negativo da CE/PE é
seu maior desenvolvimento relativo à preservação do patrimônio na-
tural (meio ambiente), deixando a desejar em relação ao patrimônio
cultural e, especialmente, em relação ao patrimônio ambiental urbano.
A legislação do Estado de Pernambuco voltada para a preserva-
ção patrimonial tem na Lei 7970, de 18 de setembro de 197948, e no
Decreto 6239 que a regulamenta, de 11 de janeiro de 198049, as prin-
cipais ações jurídicas voltadas para a defesa do patrimônio histórico,
artístico, cultural e ambiental do Estado. O Decreto 6239/80 trabalha
a questão dos usos que serão dados aos bens tombados seguindo
a questão do Decreto federal 80978, de 12 de dezembro de 197750.
O processo do tombamento estadual segue os mesmos princípios
do Dec. 25/37, a diferença são os tipos de Livro do Tombo, destacan-
do-se o Livro do Tombo de Conjuntos Urbanos, Sítios Históricos e de
Cidades Históricas. O prazo para impugnar a notificação na legisla-
ção pernambucana também difere do Dec. 25/37, ou seja, os prazos
são maiores, 30 dias, já o federal é de 15 dias. O destombamento do

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 330


[
Decreto estadual 6239/80 segue a mesma não dialética do Decreto
federal 3866/41. As questões relativas à falta de recursos para exe- ^
cução das restaurações e conservações necessárias ao bem tombado
previstas na legislação de Pernambuco são as mesmas do Dec. 25/37.
Todas essas questões determinam uma semelhança muito grande en-
tre a legislação preservacionista pernambucana e o Decreto-lei 25/37.
Com relação às ações preservacionistas sobre o patrimônio
ambiental urbano praticadas pelo Município do Recife, destacam-se
a Lei Orgânica do Município do Recife, o Plano Diretor da Cidade do
Recife e a Legislação Municipal do Recife. A Lei Orgânica do Município
do Recife, promulgada em 4 de abril de 199051, assegura o pleno exer-
cício da cidadania e a criação de instrumentos adequados a sua pro-
teção (art. 4o da LOMR) e institui a figura de um Defensor do Povo (Art.
5o inciso IV § 3o – Revogado pela Emenda à Lei Orgânica no 21/2007).
Compete ao Município do Recife suplementar a legislação federal
e estadual no que couber (Art. 6o inciso I); promover o adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento do uso, ocupação e
parcelamento do solo (inciso VIII); promover a proteção do patrimô-
nio histórico-cultural, observada a legislação e a ação fiscalizadora da
União e dos Estados (inciso IX); elaborar as diretrizes gerais da Política
Urbana, Plano Diretor e do Desenvolvimento do Município do Recife
(inciso XI); promover a participação popular e exercer seu poder de
polícia administrativa (incisos XIV e XVI).
A Política Urbana é tratada a partir do Art. 103 da LOMR emen-
dada pela Lei Orgânica no 21/2007; O Art. 108 da LOMR estabelece
que o direito à propriedade não acarreta o direito de construir, a Lei
definirá a transferência do direito de construir, devendo contemplar
prioritariamente o proprietário do imóvel considerado de interesse

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 331


[
do patrimônio histórico, cultural, arqueológico e ambiental ou desti-
nado à implantação de programas sociais. As desapropriações serão ^
executadas com prévia e justa indenização (Art. 109). A isenção, majo-
ração, redução e progressividade do IPTU estão dispostas no Art. 110
da LOMR. A Política do Meio Ambiente é tratada no Art. 125 da LOMR,
no qual estão definidas a promoção e conscientização da comunida-
de; preservação e recuperação das florestas; prevenção e controle da
poluição. O Art. 137 da LOMR referente à Política da Cultura determi-
na, entre outros, no seu inciso XII § 2o, que o município em colabora-
ção com a comunidade promoverá e protegerá o patrimônio cultural
de Recife, por meio de inventários, registro, vigilância, tombamento,
desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação.
E os danos ao patrimônio cultural serão punidos na forma da lei (§ 4o).
A LOMR afirma a competência comum da União, Estados e Mu-
nicípios na proteção dos bens de valor histórico, artístico e cultural,
mas pouco ou quase não usa a expressão áreas de interesse especial
ou conjuntos urbanos históricos, sendo essa questão a grande críti-
ca relativa à preservação na sua Lei Orgânica, apesar do tratamento
dado as ZEIS (Art. 108 § 40 e 50). Como pontos positivos, têm-se a
busca de cooperação intergovernamental e intermunicipal (Art. 70
inciso V) e a aplicação de certos instrumentos do Direito Urbanís-
tico voltados para a preservação, como a Contribuição de Melho-
ria, IPTU Progressivo e, especialmente, a Transferência do Direito de
Construir. Duas questões encerram a comparação com o Dec. 25/37:
primeiro, a LOMR busca a proteção estética da cidade e, segundo,
o incentivo do desenvolvimento do turismo através da fruição dos
bens naturais, históricos e culturais relacionados a áreas de interesse

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 332


[
turístico, questões que a legislação federal só acaba providenciando
posteriormente ao Decreto-lei 25/37. ^
O Plano Diretor da Cidade do Recife, em debate no ano de 2004 , 52

apresenta propostas e princípios voltados para o reordenamento da


ocupação físico-territorial do município e preocupação com o proces-
so informal de trabalho que atinge o seu desenvolvimento, espera en-
contrar a inclusão social nos instrumentos do Direito Urbanístico e, no
caso, os meios para prover aos seus habitantes uma vida saudável e
de qualidade sustentável. As degradações da paisagem e do ambien-
te construído, dos sítios e edificações de valor histórico, estão incluí-
das entre os problemas de maior relevância a serem tratados no Plano
Diretor. O patrimônio histórico-cultural (material e imaterial) também
necessita de ações estratégicas para que seja potencializado. O Plano
Diretor da Cidade do Recife (PDCR) segue a CF/88 nos seus Arts. 182 e
183 e as normatizações do Estatuto da Cidade através da instrumen-
talização do Direito Urbanístico.
Uma das grandes preocupações do Plano Diretor de Recife
é delimitar o Centro Histórico, definindo-o como “área que reúne
grande parte dos exemplares de origem da cidade e sua expansão
em direção ao continente, assim como os elementos marcantes da
paisagem – o porto, os rios, os arrecifes, as praças e as pontes”. A revi-
são do PDCR procura nos conceitos de conservação, restauração e/ou
revitalização os instrumentos teóricos do tratamento do Centro His-
tórico do Recife. O Plano Diretor do Recife propõe também a divisão
do território em macrozonas, as quais deverão valorizar, entre outras
coisas, os espaços de memória coletiva e de manifestações culturais.
As Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural
(ZEPH) estão dentro das ZAN (Zonas de Ambiente Natural), onde se

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 333


[
destacam também as ZEPA (Zonas Especiais de Proteção Ambiental)
e deverão ser elaboradas por leis específicas em conjunto com órgãos ^
da Prefeitura Municipal do Recife. Estas ações permitem ao município
ser o ator principal das interferências urbanas, no entanto, apesar da
realidade jurídica na sua aplicação já ter se tornado verdadeira na prá-
tica ainda está distante de apresentar resultados satisfatórios.
As legislações Municipais voltadas para a tutela dos bens patri-
moniais são a última e a mais eficaz barreira defensiva provida pelo
aspecto jurídico na atual condição urbanística da cidade do Recife,
uma vez que são as ações mais próximas às necessidades locais e
pertinentes ao desenvolvimento econômico, turístico, humano e
ambiental sustentável. Assim, destacam-se em Recife na preservação
das áreas de interesse histórico cultural: Lei 16243, de 13 de janeiro de
1996 (Código do Meio Ambiente e do equilíbrio da Cidade do Recife);
Lei 16290, de 29 de janeiro de 1997 (Sítio Histórico do Bairro do
Recife); Lei 16176/96 modificada pela Lei 16289/97, de 30 de janeiro
de 1997 (Lei de Uso e Ocupação do Solo) e Lei 16719, de 30 de no-
vembro de 2001.
A legislação do Município do Recife considera as interfaces entre
o ambiente construído e natural, nas quais o ecossistema ambiental
urbano é o principal referencial. O Dec. 25/37 ainda contempla as
questões referentes a paisagens de valor notável, portanto, a legisla-
ção do Recife representa todos os avanços até agora oferecidos pela
autonomia dada aos municípios pela CF/88, pelo Estatuto da Cidade
e legislações federais posteriores ao instituto do tombamento; Isso
proporciona o uso da transferência de instrumentos jurídicos pró-
prios do patrimônio natural para os conjuntos patrimoniais históricos
e patrimônios isolados, como, por exemplo, os Estudos de Impacto

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 334


[
de Vizinhança e os Relatórios de Impacto de Vizinhança, presentes
na LOMR, PDCR, LUOS e Legislação preservacionista do Município do ^
Recife, não apenas para tratar o meio ambiente natural, mas também
para tratar as ZEPH e os IEP (Imóveis Especiais de Preservação). Outro
avanço é o SIMA – Sistema de Informações Ambientais - que procura
prover a todos o conhecimento dos imóveis e áreas de interesse his-
tórico-cultural e ambiental a serem preservados. A Transferência do
Direito de Construir (TDC) na legislação da cidade do Recife, como
nas legislações praticadas em outros Estados e Municípios, continua
sendo o instrumento urbanístico de intervenção mais aplicado sobre
os Centros Históricos ou Áreas de Interesse Histórico-Culturais.

As ações praticadas em São Paulo

A Constituição do Estado de São Paulo, promulgada em 5 de


outubro de 198953 atualizada até a Emenda Constitucional no 49, de
06 de março de 202054, exercendo as competências que não lhe são
vedadas pela Constituição Federal (Art. 1o), buscando a salvaguarda
dos direitos e liberdades fundamentais (Art. 2o), constando de 297 ar-
tigos, apresenta um texto voltado para a afirmação da assistência jurí-
dica integral e gratuita ao cidadão que não dispuser de recursos (Art.
3o); as licitações de obras e serviços públicos devem ser precedidas
de indicação, definição e previsão do local e custos, no caso de bens
patrimoniais de valor histórico-cultural e do meio ambiente deverão
ser atendidas as exigências para a sua proteção (Art. 118 e parágrafo
único da CE/SP). Os municípios gozam de autonomia política, legisla-
tiva, administrativa, financeira e se auto-organização por Lei Orgânica
dentro dos princípios da CF/88 e da CE/SP (Art. 144).

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 335


[
O Estado de São Paulo e seus municípios deverão assegurar, em
relação ao desenvolvimento urbano, entre outras questões, a preser- ^
vação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano e cultural;
a criação e manutenção de áreas de especial interesse histórico, urba-
nístico, ambiental, turístico e de utilização pública (Art. 180 incisos III
e IV). O zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do
solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e limitações serão es-
tabelecidas por leis municipais de acordo com as diretrizes do Plano
Diretor (Art. 181 da CE/SP). O Direito à Cultura é garantido pelo Estado
(Art. 259), sendo os Arts. 260, 261, 262 e 263 os mais expressivos na
CE/SP referentes à preservação dos bens patrimoniais55.
A implantação de áreas de especial interesse histórico-cultural é
uma das questões de maior diferenciação entre a CE/SP e a CF/88 no
que se refere à preservação dos conjuntos históricos urbanos. Como
a CF/88, a CE/SP dedica mais espaço à proteção do meio ambiente
natural do que à proteção dos Conjuntos Históricos Urbanos e outras
categorias patrimoniais. A criação de unidades de conservação pela
iniciativa privada é uma das questões mais polêmicas e inovadoras
da CE/SP. Os artigos 260, 261 e 262 seguem os mesmos argumentos
dos artigos 215 e 216 da CF/88, já o artigo 263 da CE/SP é inovador
ao propor o estímulo à preservação de bens tombados pela iniciati-
va privada através de empreendimentos que venham a ser realizados
por particulares ou empresas desse tipo jurídico.
A legislação do Estado de São Paulo referente à preservação dos
bens de valor histórico, cultural, artístico, ambiental, isolados ou em
conjunto, é formada por uma série de Leis e Decretos, dos quais des-
tacam-se: Lei 1048, de 05 de junho de 1951 (Autoriza o Governo do
Estado a celebrar acordo com a União, a fim de assegurar a preservação

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 336


[
dos Monumentos e Lugares Históricos de São Paulo); Lei 10247, de 22
de outubro de 1968 (Criou o Conselho de Defesa do Patrimônio His- ^
tórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – CONDEPHAAT ); o Decre-
56

to-lei 149, de 15 de agosto de 1969 (Dispõe sobre o tombamento de


bens para a proteção do patrimônio histórico e artístico estadual57); o
Decreto-lei Complementar no 2, de 15 de agosto de 1969 (Estabelece
normas para a proteção das belezas naturais de interesse turístico); o
Decreto de 19 de dezembro de 1969 (Dispõe sobre a regulamentação
da Lei 10247/68 e do Decreto 149/69); o Decreto de 1o de abril de
1970 (Institui o Grupo de Trabalho para a promoção de estudos sobre
o patrimônio histórico e artístico); Decreto 52620, de 21 de janeiro
de 1971 (Cria a Secretaria Executiva do CONDEPHAAT); Decreto de
2 de junho de 1971 (Dispõe sobre fiscalização de regiões ou locais
de interesse turístico ou do patrimônio histórico); o Decreto 13426,
de 16 de março de 1979 (Cria a Secretaria da Cultura e dá providên-
cias58); a Lei 10774, de 1 de março de 2001, alterada pelo Decreto
48137, de 7 de outubro de 2003 (Altera a redação do artigo 137 do
Decreto 13246/79, refere-se a área envoltória dos bens imóveis tom-
bados pelo CONDEPHAAT) e o Decreto 48439, de 7 de janeiro de 2004
(Regulamenta a Lei 10774 de 1o de março de 2001, que dispõe sobre a
aplicação de multas por danos causados a bens tombados ou prote-
gidos pelo CONDEPHAAT).
Uma das grandes diferenças entre o Decreto-lei 25/37 e a Legis-
lação preservacionista estadual de São Paulo, é que a última institui
a questão do turismo como componente básico das ações de defesa
patrimonial. Entretanto, a Lei de maior expressividade na legislação
preservacionista paulista é a Lei 13426/79, que mantêm sua estrutura
totalmente baseada no Decreto-lei 25/37. Esse aspecto fica claro na

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 337


[
repetição de vários artigos do Dec. 25/37, como por exemplo o Art. 141
da Lei 13426/79 que repete o estabelecido no Arts. 7o e 9o do Decreto ^
25/37, relativo ao tipo de tombamento (voluntário e compulsório).
Uma diferença entre a legislação preservacionista paulista e o
Decreto-lei 25/37 trata da questão relativa ao entorno do bem tom-
bado e dos conjuntos tombados, pois o Art. 137 do Decreto 13426/79
determinava um raio de 300 metros de impedimento para ações
intervencionistas. Essa delimitação foi alterada pelo Decreto-lei
48137/2003, estabelecendo que “cada caso é um caso”, fazendo com
que uma das poucas diferenças entre a legislação do Estado de São
Paulo e o Decreto-lei 25/37 deixasse de existir. Outra questão compa-
rativa entre as ações é que as multas previstas na legislação paulista
são mais claras no seu valor do que no Decreto-lei 25/37, podendo
chegar num valor atual a R$ 294.900,00 (Duzentos e noventa e quatro
mil e novecentos reais), apesar do Dec. 25/37 prever no seu Art. 17,
multa até cinquenta por cento do dano causado.
A Lei Orgânica do Município de São Paulo (LOMSP), promulgada
em 5 de abril de 199059, respeitando a CF/88, determina a autono-
mia política, legislativa, administrativa e financeira do município (Art.
1o da LOMSP), bem como estabelece princípios e diretrizes para sua
organização, entre os quais a defesa e preservação do território, dos
recursos naturais e do meio ambiente do município, além da preser-
vação dos valores históricos e culturais da população (Art. 2o incisos
X e XI). Assegura os direitos individuais coletivos, difusos e sociais do
meio ambiente e a proteção e acesso ao patrimônio histórico, cultural,
artístico, arquitetônico e paisagístico como deveres do Poder Público
Municipal (Art. 7o incisos I e IV da LOMSP). A participação do cidadão
será assegurada através da criação de Conselhos (Art. 8o). A gestão da

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 338


[
cidade terá como base um processo de planejamento permanente,
descentralizado e participativo, determinada em função da realidade ^
local (Art. 143 §§ 1 , 2 , 3 e 4 ). São instrumentos do planejamento
o o o o

municipal: o plano diretor, o plurianual, os setoriais, os regionais, os


locais e específicos (Art. 144 incisos I, II e III da LOMSP).
Na LOMSP a função social da cidade e da propriedade, através
do seu desenvolvimento, faz parte dos objetivos da Política Urbana
(Art. 148), assegurando, entre outros, a segurança e a proteção do
patrimônio paisagístico, arquitetônico, cultural e histórico; e a preser-
vação, a proteção e a recuperação do meio ambiente; bem como a
qualidade estética e referencial da paisagem natural e agregada pela
ação humana (Art. 148 incisos III, IV e V). Estas questões serão cumpri-
das com a “criação e manutenção de áreas de especial interesse histó-
rico, urbanístico, social, ambiental, arquitetônico, paisagístico, cultural,
turístico, esportivo e de utilização pública, de acordo com a sua localiza-
ção e características” (Art. 149 inciso IV).
O Capítulo VI da LOMSP trata da Cultura e do Patrimônio Históri-
co e Cultural, estabelecendo a descentralização, valorização, difusão
e incentivo às atividades culturais (Art. 191), além da preservação das
manifestações e dos bens de valor histórico, artístico e cultural, bem
como das paisagens naturais e construídas, notáveis e dos sítios ar-
queológicos (Art. 192)60, bem como do patrimônio material e imate-
rial, tomados individualmente ou em conjunto.
A criação de áreas de especial interesse histórico, urbanístico,
social, ambiental, arquitetônico, paisagístico, cultural, turístico, espor-
tivo, e de utilização pública é o grande diferencial entre a LOMSP e o
Decreto-lei 25/37 no que se refere à preservação dos Centros His-
tóricos. Novamente, na legislação de São Paulo, a transferência do

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 339


[
direito de construir, a contribuição de melhoria e outros instrumen-
tos de intervenção urbanística apareceram para serem aplicados ^
nas áreas de interesse especial histórico, os quais não fazem parte
do texto do instituto do tombamento, uma vez que representam
os avanços próprios da autonomia dada ao município pela CF/88.
Além disso, a interface entre os mecanismos de defesa, próprios ao
patrimônio natural utilizados para a preservação de outras catego-
rias patrimoniais, tornou-se comum na LOMSP, como, por exemplo,
o uso dos Estudos de Impacto de Vizinhança (EIV) para as áreas de
interesse histórico-culturais.
O Plano Diretor da Cidade de São Paulo de 201461, revoga o Plano
Diretor de 13 de setembro de 200262; busca o reconhecimento básico
do cidadão à moradia, ao ambiente e paisagem saudável, à mobilida-
de, direito ao trabalho e acessibilidade, através do cumprimento da
função social da cidade e da propriedade. O Art. 50 do PDESP define,
entre seus objetivos gerais, promover o meio ambiente sustentável,
preservar e proteger os recursos naturais e o patrimônio histórico e
cultural. A Política de Desenvolvimento Urbano da cidade de São Paulo
tem como objetivo, entre outros, a preservação, proteção e recupera-
ção do meio ambiente e da paisagem urbana (Art. 5o do PDESP).
O Art. 61 estabelece as ZEPEC (Zonas Especiais de Preservação
Cultural); na qual incluem os conjuntos urbanos; as ZEPEC têm como
um dos seus maiores objetivos preservar a identidade dos bairros,
valorizando suas características históricas, culturais e sociais (Art. 62
incisos I a XI). As Zonas Especiais de Preservação Cultural – ZEPEC são
porções do território municipal destinadas à preservação, recuperação
e manutenção do patrimônio histórico, artístico e arqueológico, po-
dendo ser constituídas de sítios, edifícios e conjuntos urbanos, além

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 340


de áreas tombadas pela legislação municipal, estadual e federal. As [
ZEPEC são passíveis da transferência do potencial construtivo (Art. 65
^
e Art. 122); os Instrumentos da Política Urbana nas ZEPEC são regula-
dos pelos Arts. 66, 67 e 68 do PDESP. O TAC – Termo de Compromisso
de Ajustamento de Conduta Ambiental é previsto no Art. 156 e 157 do
PDESP. Os Instrumentos de proteção ao patrimônio cultural são defi-
nidos pelo Art. 172 e em especial o TACC – Termo de Ajustamento de
Conduta Cultural (Art. 173). O Capítulo IX Da Política e Do Sistema de
Proteção ao Patrimônio Arquitetônico e Urbano (Arts. 310, 311, 312 e
313) é de suma importância para a tutela das áreas históricas urbanas
de São Paulo; o Art. 314 ao 317 que cria a área de interesse da Cultura e
da Paisagem (TICP – Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem)
como o Paulista/Luz incluindo o centro histórico e centro cultural me-
tropolitano é um dos mais importantes relacionados a preservação da
memória e identidade paulistana e, determina um dos maiores avan-
ços presentes nesta Lei quando comparado ao Decreto 25/37.
A legislação do Município de São Paulo (voltada para a pre-
servação dos bens patrimoniais históricos, artísticos, paisagísticos,
ambientais, culturais, isolados ou em conjunto, materiais ou imate-
riais) é a última instância de defesa prevista nas ações praticadas por
essa cidade. Essa legislação apresenta um conjunto de Leis e Decretos
na qual se destacam: Lei 10032, de 27 de dezembro de 1985 (Cria o
Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultu-
ral e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP63); Lei 11426,
de 18 de outubro de 1996 (Cria a Secretaria Municipal do Verde e do
Meio Ambiente – SVMA e o Conselho Municipal do Meio Ambien-
te e Desenvolvimento Sustentável – CADES) e a Resolução no 11/
CONPRESP/2002 (Inicia o Processo de Tombamento da área do Centro
Velho de São Paulo).

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 341


[
A diferença entre a legislação preservacionista municipal pau-
listana e o Decreto 25/37 é quase inexistente, uma vez que a sua ^
origem teórica é praticamente a mesma, apenas as necessidades
paradigmáticas desenvolvimentistas atuais alçaram questões sobre
o meio ambiente e patrimônio urbano e imaterial como necessida-
des a serem tratadas. Portanto, observa-se na legislação paulistana
a preservação da paisagem, ambientes e espaços ecológicos e o uso
de novos instrumentos de intervenção urbanística como a criação
de áreas de proteção, como a do Centro Velho de São Paulo.
Entre todas as ações praticadas, pôde-se notar o direciona-
mento da legislação preservacionista brasileira de competência
Estadual e Municipal buscando a autonomia, assim como, Leis Orgâ-
nicas Municipais e os Planos Diretores demonstram possibilidades
que legislações estaduais e federais não são capazes de resolver. O
axioma “cada caso é um caso”, praticado nos últimos 25 anos, pare-
ce contradizer a formulação de um processo único, especialmente,
a transferência de ações preservacionistas geradas no âmbito do
patrimônio natural para outras categorias patrimoniais, sobretudo,
para o Patrimônio Ambiental Urbano; compreender essa dialética,
aceitá-la ou não, é a provocação do último capítulo deste livro.

Notas

1 Art. 18: “A organização político-administrativa da República Federativa


do Brasil compreende a União, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição” CONSTITUIÇÃO da República
Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988/obra coletiva
de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo
Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Wind e Luiz Eduardo Alves de Siqueira.
27 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 21.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 342


[
2 “Nas Federações, como a nossa, a Soberania Nacional é da União, que a exerce
interna e externamente”. “Autonomia é prerrogativa política outorgada pela
Constituição a entidades estatais internas (Estados-membros, Distrito Federal e
^
Municípios)”. MEIRELLES, H. L. Direito Municipal Brasileiro. 13 ed. São Paulo:
Malheiros, 2003. p. 90.
3 Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso em:
06 dez. 2004.
4 Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/70450. Acesso
em: 08 mai. 2020.
5 Art. 230 da CE/RJ – “Para assegurar as funções sociais das cidades e da
propriedade, o Estado e o Município, cada um nos limites de sua competência,
poderão utilizar os seguintes instrumentos: I - tributários e financeiros: a)
imposto predial e territorial urbano progressivo, e diferenciado por zonas e
outros critérios de ocupação e uso do solo; b) taxas e tarifas diferenciadas por
zonas, segundo os serviços públicos oferecidos; c) contribuição de melhoria; d)
incentivos e benefícios fiscais e financeiros, nos limites das legislações próprias;
e) fundos destinados ao desenvolvimento urbano. II - Institutos jurídicos:
a) discriminação de terras públicas; b) desapropriação; c) parcelamento ou
edificação compulsórios; d) servidão administrativa; e) limitação administrativa;
f) tombamento de imóveis; g) declaração de área de preservação ou proteção
ambiental; h) cessão ou permissão; i) concessão real de uso ou domínio; j) poder
de polícia; l) outras medidas previstas em lei”. Disponível em: http://www.
interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso em: 06 dez. 2004.
6 “VII - proteção das expressões culturais, incluindo as indígenas, afro-brasileiras, e
de outros grupos participantes do processo cultural, bem como o artesanato; VIII
- proteção dos documentos, das obras e outros bens de valor histórico, artístico,
cultural e científico, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios
arqueológicos, espeleológicos, paleontológicos e ecológicos; IX - manutenção de
suas instituições culturais devidamente dotadas de recursos humanos, materiais
e financeiros, promovendo pesquisa, preservação, veiculação e ampliação de
seus acervos; X - preservação, conservação e recuperação de bens nas cidades
e sítios considerados instrumentos históricos e arquitetônicos”. Disponível em:
http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso em: 06 dez. 2004.
7 (Dispõe sobre a preservação e o tombamento do patrimônio cultural de
origem africana no Estado do Rio de Janeiro). Disponível em: http://www.
interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso em: 06 dez. 2004.
8 (Dispõe sobre a concessão de incentivos fiscais para a realização de projetos
culturais e dá outras providências). Disponivel em: http://www.interlegis.gov.
br/processo_legislativo. Acesso em: 06 dez. 2004.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 343


[
9 (Autoriza o poder executivo a promover a desapropriação que menciona e dá
outras providências). Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/processo_
legislativo. Acesso em: 06 dez. 2004.
^
10 (Define as áreas de interesse especial do estado e dispõe sobre os imóveis
de área superior a 1.000.000m2 (Um milhão de metros quadrados) e imóveis
localizados em áreas limítrofes de municípios, para efeito do exame e anuência
prévia a projetos de parcelamento de solo para fins urbanos, a que se refere
o Art. 13 da Lei nº 6766/79). Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/
processo_legislativo. Acesso em: 06 dez. 2004.
11 Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso em:
06 dez. 2004.
12 Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso em:
06 dez. 2004.
13 Disponível em: http://www.tcr.rj.gov.br/revista/legis/r36\033.htm. Acesso em:
06 dez. 2004.
14 Disponível em: http://www2.rio.rj.gov.br/pg/pgm/leiorganica/leiorganica.
html. Acesso em: 10 dez. 2004.
15 PDRJ, Lei complementar de 4 de junho de 1992. Disponível em: http://www.
rio.gov.br/. Acesso em: 10 dez. 2004.
16 Art. 67 inciso VI § 2º da LOMRJ: “Sobrevindo legislação complementar federal
ou dispondo esta diferentemente, a lei complementar municipal será a ela
adaptada”. Disponível em: http://www2.rio.rj.gov.br/pg/pgm/leiorganica/
leiorganica.html. Acesso em 10 dez. 2004.
17 PDRJ, Lei complementar de 4 de junho de 1992. Disponível em: http://www.
rio.gov.br/. Acesso em: 10 dez. 2004.
18 [Rio de Janeiro (RJ) [Lei Orgânica (1990)]. Rio Lei Orgânica do Município. - 2.
ed. rev. e ampl. - Rio de Janeiro: Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do
Município, 2010. 224 p.
19 Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/smu/
exibeconteudo?id=2879239. Acesso em: 05 mai. 2020.
20 Alguns exemplos de Apacs instituídas pelo DGPC: A Área de Proteção do
Ambiente Cultural (APAC) de Laranjeiras (Decreto em 10 de outubro de 2001);
APAC do Bairro de Ipanema (2003); Área de Proteção do Ambiente Cultural do
Leblon (Decreto 20300/2001); Corredor Cultural (Decreto 4141/83); Cidade
Nova e Catumbi (Decreto 10040 de 11/03/91 já anexados os Dec. 10417/91
e 12181/93); Corredor Cultural - Lei 1139/87; Corredor Cultural - Lei 506/84.
Disponível em: http://www.rio.gov.br. Acesso em: 10/12/2004.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 344


[
21 Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso
em: 06 dez. 2004.
^
22 Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/70446. Acesso
em: 05 mai. 2020.
23 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/lei-organica-belo-horizonte-
mg. Acesso em: 06 mai. 2020.
24 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/plano-diretor-belo-horizonte-
mg. Acesso em: 06 mai. 2020.
25 Disponível em: http://www.mg.gov.br/. Acesso em: 06 dez. 2004.
26 “I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações
tecnológicas, científicas e artísticas; IV - as obras, os objetos, os documentos, as
edificações e outros espaços destinados a manifestações artísticas e culturais,
nesta incluídas todas as formas de expressão popular”. Disponível em: http://
www.mg.gov.br/. Acesso em: 06 dez. 2004.
27 “V - os conjuntos urbanos e os sítios de valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. §1º - As áreas públicas,
especialmente os parques, os jardins e as praças, são abertas às manifestações
culturais, desde que estas não tenham fins lucrativos e sejam compatíveis com
a preservação do patrimônio ambiental, paisagístico, arquitetônico e histórico.
§2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de fatos relevantes
para a cultura municipal”. Disponível em: http://www.mg.gov.br/. Acesso
em: 06 dez. 2004.
28 Disponível em: http://www.mg.gov.br/. Acesso em: 06 dez. 2004.
29 “I - plano diretor; II - legislação de parcelamento, ocupação e uso do
solo, de edificações e de posturas; III - legislação financeira e tributária,
especialmente o imposto predial e territorial progressivo e a contribuição
de melhoria; IV - transferência do direito de construir; V - parcelamento ou
edificação compulsórios; VI - concessão do direito real de uso; VII - servidão
administrativa; VIII - tombamento; IX - desapropriação por interesse social,
necessidade ou utilidade pública; X - fundos destinados ao desenvolvimento
urbano”. Disponível em: http://www.mg.gov.br/. Acesso em: 06 dez. 2004.
30 Disponível em: http://www.mg.gov.br/. Acesso em: 06 dez. 2004.
31 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/plano-diretor-belo-horizonte-
mg. Acesso em: 06 mai. 2020.
32 Disponível em: https://cm-belo-horizonte.jusbrasil.com.br/
legislacao/241168/decreto-5531-86. Acesso em: 06 mai. 2020.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 345


[
33 Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso em:
06 dez. 2004.
^
34 Disponível em: www.al.ba.gov.br/
fserver/:imagensAlbanet:upload:Constituicao. Acesso em: 06 mai. 2020.
35 Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso em:
06 dez. 2004.
36 Disponível em: https://governo-ba.jusbrasil.com.br/legislacao/85799/lei-8895-
03. Acesso em: 06 mai. 2020.
37 Disponível em: http://www.cms.ba.gov.br. Acesso em: 06 dez. 2004.
38 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/lei-organica-salvador-ba. Acesso
em: 06 mai. 2020.
39 “§ 4º do Art. 83 - A área construída a ser transferida será diretamente
proporcional ao valor do metro quadrado do terreno a ser doado e inversamente
proporcional ao valor do metro quadrado do terreno para o qual será transferido
o direito de construir. Existindo construções, acessões ou benfeitorias no terreno
doado, o valor destes será considerado para apuração do valor do seu metro
quadrado”. Disponível em: http://www.cms.ba.gov.br. Acesso em: 06 dez. 2004.
40 O PDDU atende ao disposto nos Arts. 7º, inciso XXII; 21, inciso II, alínea “f”;
73; 74; 75 e 79 e na Lei 3345 de 01 de dezembro de 1983 – Arts. 2º, 6º, 7º,
16 e 17, bem como às disposições da Constituição Federal, Art. 182, § 1º, da
Constituição do Estado da Bahia, Art. 59, inciso II, e da Lei Federal 10.257 de 10
de julho de 2001 – Estatuto da Cidade – Arts. 39; 40, §§ 1º, 2º e 3º; 41, Incisos I,
II, III e IV; e 42. Disponível em: http://www.cms.ba.gov.br. Acesso em:
06 dez. 2004.
41 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/plano-diretor-salvador-ba.
Acesso em: 06 mai. 2020.
42 Disponível em: www.gestaopublica.salvador.ba.gov.br/.../documentos/
sedham. Acesso em: 06 mai. 2020.
43 Disponível em: www.comunicacao.salvador.ba.gov.br/index.php/todas-as-
noticias-4/42417... Acesso em: 06 mai. 2020.
44 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a2/ba/s/salvador/
decreto/1988/802/8023/decreto-n-8023-1988-regulamenta-a-lei-n-3805-de-
04-de-novembro-de-1987-que-dispoe-sobre-a-criacao-da-transferencia-do-
direito-de-construir-e-da-outras-providencias. Acesso em: 06 mai. 2020.
45 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/ba/s/salvador/
lei-ordinaria/1995/508/5088/lei-ordinaria-n-5088-1995-estabelece-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 346


[
normas-de-uso-e-ocupacao-do-solo-para-areas-integrantes-da-area-
de-protecao-cultural-e-paisagistica-estabelecida-pela-lei-3289-83-e-da-
outras-providencias. Acesso em: 06 mai. 2020.
^
46 Disponível em: https://cm-salvador.jusbrasil.com.br/legislacao/232828/lei-
4537-92. Acesso em: 06 mai. 2020.
47 Disponível em: https://legis.alepe.pe.gov.br/texto.
aspx?id=4937&tipo=TEXTOORIGINAL. Acesso em: 07 mai. 2020.
48 Disponível em: www.cultura.pe.gov.br/wp-content/uploads/2013/11/Lei-
7.970-79.… Acesso em: 07 mai. 2020.
49 Disponível em: www.cultura.pe.gov.br/wp-content/uploads/2013/11/
Decreto-6.23… Acesso em: 07 mai. 2020.
50 Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/nacionais/
decreto80978-77.htm. Acesso em: 31 jul. 2000.
51 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/lei-organica-recife-pe. Acesso
em: 07 mai. 2020.
52 Disponível em: https://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/
planodiretor/. Acesso em: 07 mai. 2020.
53 Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso
em: 06 dez. 2004.
54 Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/
constituicao/1989/compilacao-constituicao-0-05.10.1989.html. Acesso em:
08 mai. 2020.
55 “Art. 260: Constituem patrimônio cultural estadual os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência a identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade nos quais se incluem: I- formas de expressão; II- as criações
científicas, artísticas e tecnológicas; III- as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados as manifestações artístico-culturais;
IV- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Art. 261: O Poder público
pesquisará, identificará, protegerá e valorizará o patrimônio cultural paulista,
através do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, CONDEPHAAT, na forma em que
a lei estabelecer. Art. 262: O Poder Público incentivará a livre manifestação
cultural mediante: I- criação, manutenção e abertura de espaços públicos
devidamente ocupados e capazes de garantir a produção, divulgação e
apresentação das manifestações culturais e artísticas; II- desenvolvimento de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 347


[
intercâmbio cultural e artístico com os municípios, integração de programas
culturais e apoio à instalação de casa de cultura e de bibliotecas públicas;
III- acesso aos acervos das bibliotecas, museus, arquivos e congêneres; IV-
^
promoção do aperfeiçoamento e valorização dos profissionais da cultura;
V- planejamento e gestão do conjunto de ações, garantida a participação de
representantes da comunidade; VI- compromisso do Estado de resguardar
e defender a integridade, pluralidade, independência e autenticidade das
culturas brasileiras em seu território; VII- cumprimento, por parte do Estado, de
uma Política Cultural, não intervencionista, visando a participação de todos
na vida cultural; VIII- preservação dos documentos, obras e demais registros
de valor histórico e científico. Art. 263: A lei estimulará, mediante mecanismos
específicos, os empreendimentos privados que se voltem à preservação
e restauração do patrimônio cultural do Estado, bem como incentivará
os proprietários de bens tombados, que atendam as recomendações de
preservação do patrimônio cultural”. (grifo nosso). Disponível em: http://
www.interlegis.gov.br/processo_legislativo. Acesso em: 06 dez. 2004.
56 Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1968/lei-
10247-22.10.1968.html. Acesso em: 08 mai. 2020.
57 Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto.
lei/1969/decreto.lei-149-15.08.1969.html. Acesso em: 08 mai. 2020.
58 Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/
decreto/1979/decreto-13426-16.03.1979.html. Acesso em: 08 mai. 2020.
59 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/lei-organica-sao-paulo-sp.
Acesso em: 08 mai. 2020.
60 Disponível em: http://www.tcm.sp.gov.br/legislação/lomun/LOMSP.doc.
Acesso em: 12 jan. 2005.
61 Disponível em: https://leismunicipais.com.br/plano-diretor-sao-paulo-sp.
Acesso em: 08 mai. 2020.
62 Disponível em: http://www.fortalsampa.hpg.ig.com.br/. Acesso em: 15 jan.
2005.
63 Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-10032-de-27-
de-dezembro-de-1985/. Acesso em: 08 mai. 2020.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 348


[
– 9–
^
As Ações Aplicadas ao Patrimônio Natural
e suas Possíveis Transferências para o
Patrimônio Ambiental Urbano

O Direito Ambiental e o Patrimônio


Ambiental Urbano

O Direito Ambiental pode ser conceituado como o direito cujo


objeto é suprimir ou limitar o impacto das atividades humanas
sobre os elementos ou o meio ambiente natural. O Direito Ambiental
e outros ramos das ciências jurídicas estão sempre associados, pois
nenhum ramo do direito é efetivamente autônomo, necessitando ser
dividido na sua própria natureza interdisciplinar para prover maior
praticidade e didática. Este é o caso entre o Direito Ambiental e o
Direito Urbanístico, cuja sua maior interface se dá no Patrimônio Am-
biental Urbano, devido a este comportar o meio artificial (construído),
o meio natural (obra da natureza ou mesmo artificial preservada pelo
homem) e o meio cultural (identidade e memória materializada pelas
paisagens urbanas).
Os grandes princípios do Direito Ambiental são: o da prevenção,
o do poluidor-pagador ou da responsabilização e o da cooperação, os
quais não escapam às características tutelares necessárias às outras

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 349


[
patrimonialidades. De acordo com Magalhães (2002, p. 1 e 2), o Direito
Ambiental Brasileiro pode ser apreciado em três fases: a fase colonial, ^
a fase imperial e a fase republicana. Diferente do que se imagina, no
período colonial existe uma vasta legislação econômica voltada para
a preservação de nossas florestas, na qual se encontra, mesmo de for-
ma prematura, o cerne da preocupação ecológica e nascimento de
uma consciência conservacionista.
No período colonial (1500/1816), destacam-se as Cartas Régias1;
A primeira lei de proteção florestal (Regimento do Pau-Brasil) é de
16052; o grande marco de proteção ambiental no Brasil Colonial foi a
criação do Jardim Botânico no Rio de Janeiro, em 1808. A fase impe-
rial é caracterizada por pouquíssima preocupação com as questões
ambientais, entretanto, podem-se observar alguns itens de destaque
como a extinção do sistema de Sesmarias no Brasil (17 de julho de
1822) e a Lei de 20 de outubro de 1823, relativa à afirmação de orde-
nações, leis, regimentos e alvarás.
A Constituição Federal de 1824 não apresenta nenhuma questão
relacionada à proteção ambiental. Contudo, o registro de maior impor-
tância no Período Imperial está relacionado com a Lei 601 de 18 de
setembro de 1850 (Lei de Terras), regulamentada pelo Decreto 1318
de 1854, o que possibilitou a formação das pequenas propriedades,
passando a terra a ser tratada como mercadoria, com o seu Art. 2º
tratando de questões ligadas a proteção do meio ambiente3. Já a fase
republicana apresenta três períodos bem específicos: de 1889 a 1981
(evolução do Direito Ambiental), de 1981 a 1988 (consolidação do Direito
Ambiental) e depois de 1988 (aperfeiçoamento do Direito Ambiental).
Além da criação do Serviço Florestal do Brasil (28 de dezembro
de 1921), órgão que antecede o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 350


[
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o período republicano
apresenta uma interface interessante entre o Direito Ambiental e o ^
Direito Urbanístico que vem a ser o Decreto 16300, de 31 de dezem-
bro de 1923 (o qual previa a possibilidade de impedir que as fábricas
e oficinas prejudicassem a saúde dos moradores e de sua vizinhança,
possibilitando o isolamento e o afastamento de indústrias nocivas ou
incômodas4). Após a CF/34, a legislação ambiental passou a ser mais
abrangente no Brasil, além de encontros e criação de parques nacio-
nais. Na década de 1940, a legislação ambiental avançou com a CF/46
chegando à década de 1960 bem estruturada, em razão da consciên-
cia conservacionista que passava a influenciar as decisões legislativas.
Na década de 1960 uma das leis que demonstrou a interface en-
tre o Direito Ambiental e o Direito Urbanístico foi a Lei 4778, de 22
de setembro de 1965 (determinava a oitiva das autoridades florestais
na aprovação de planos de loteamento). Outro importante marco foi
a criação do IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(Decreto-lei 289, de 28 de fevereiro de 1967). Apesar de extremamen-
te positiva, a década de 1970 também apresentou um dos períodos
de maior devastação ocorrida especialmente na Floresta Amazônica,
essa devastação provocou a mobilização da opinião pública nacional
e internacional.
O período de consolidação do Direito Ambiental no Brasil está
muito relacionado aos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND),
apesar do fracasso do I PND, o II PND já apresenta uma preocupação
muito mais expressiva no modelo de desenvolvimento de áreas como
a Amazônia. Mas foi o III PND (5 de dezembro de 1979) que marcou
decisivamente a consolidação de uma Política Ambiental Nacional e
a criação de órgãos como o Conselho Nacional do Meio Ambiente –

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 351


CONAMA e o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA. Tam- [
bém foram estabelecidos instrumentos que, posteriormente, seriam
^
transferidos para o tratamento de outras patrimonialidades e para o
planejamento urbano, entre eles destacam-se o zoneamento ambien-
tal, avaliação de impactos ambientais (EIA e RIMA) e licenciamentos e
revisões de atividades potencialmente poluidoras.
Decisivo para a consolidação do Direito Ambiental foi a proposta
da Ação Civil Pública (Lei 7347, de 24 de julho de 1985), buscando
evitar o dano ambiental, através do Ministério Público. O III PND tam-
bém afirma a aproximação entre o Direito Ambiental e o Patrimônio
Ambiental Urbano ao estabelecer no seu Capítulo VI, item II, medi-
das e ações prioritárias voltadas para a proteção dos ecossistemas e
do meio ambiente, devido, entre outros, à urbanização acelerada e
à grande concentração populacional em cidades como São Paulo e
Rio de Janeiro. O III PND possibilitou a criação de Estações Ecológicas
e Áreas de Proteção Ambiental (Lei 6902, de 27 de Abril de 1981) e a
própria Lei 6938, de 31 de agosto de 1981 (que estabelece a Política
Nacional do Meio Ambiente).
Na década de 1980, a relação entre o meio ambiente e urbanismo
adquire uma situação de diferenciação, na qual a política ambiental
foi se tornando cada vez mais autônoma com relação à política urbana.
Em especial, a política ambiental estruturou-se mais adequadamente
e de forma mais completa do que as questões referentes à preservação
dos conjuntos urbanos histórico-culturais. A redefinição da política
ambiental em bases mais amplas teve na Lei 6938/815, seu principal
protagonista, embalada pela questão da preservação ambiental dos
grandes ecossistemas naturais como o da Floresta Amazônica, o que
polarizou o debate em torno do patrimônio natural em detrimento
das outras categorias patrimoniais.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 352


[
A CF/88 dedicou ao Direito Ambiental um capítulo próprio (VI,
Art. 225), o que trouxe o aperfeiçoamento da matéria através do “Pro- ^
grama Nossa Natureza” (Decreto 96944, de 12 de outubro de 1988) e
de leis como o Código Florestal, a unificação do IBAMA com o IBDF,
a criação da Secretaria do Meio Ambiente, todos coroados pelo
encontro de junho de 1992, no Rio de Janeiro6. Na CF/88, com relação
à interface entre questões do meio ambiente e o meio urbano, en-
contra-se no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Art.
5º, inciso LXXIII, a ação popular que visa anular ato lesivo ao meio am-
biente. Aqui se pode perceber essa interface com o patrimônio histó-
rico e cultural, uma vez que o inciso LXXIII também está relacionado
à defesa dessa categoria patrimonial. A interface também aparece no
Art. 23 da CF/88 relativo à competência comum da União, Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e no inciso III, referente à preserva-
ção de documentos, obras de valor histórico, artístico e cultural, mo-
numentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.
No Art. 24, a interface entre a questão ambiental e urbana se apro-
funda nos incisos VII e VIII: “proteção ao patrimônio histórico, cultural,
artístico, turístico e paisagístico; responsabilidade por dano ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico”.
A CF/88 ainda expressa a interface entre o patrimônio ambiental
e as outras categorias patrimoniais no Art. 129 inciso III: “promover
o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e cole-
tivos”. O Art. 200 da CF/88 que demonstra a interface entre a questão
ambiental e urbana, incisos IV e VIII: “participar da formulação da
política e da execução das ações de saneamento básico; colaborar na

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 353


[
proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”. O Art.
216, inciso V, demonstra a interface entre as questões do meio am- ^
biente e as questões de preservação dos conjuntos urbanos e sítios
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico. O último artigo da CF/88 que consolida essa
interface é o Art. 225, referente ao Meio Ambiente.
A partir da CF/88 várias leis de proteção ao Meio Ambiente
foram criadas como: a Lei de Política Agrícola (Lei 8171, de 17 de
janeiro de 1991), a legislação referente ao Imposto Territorial Rural-
-ITR (Lei 8847/94 e 9393/96) e o Decreto-lei 2473, de 26 de janeiro de
1998 (que criou o “Programa Florestas Nacionais”) e a Lei 9605, de 12
de fevereiro de 1998 (Dispõe sobre as sanções penais e administra-
tivas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente,
e dá outras providências7). Outra lei de importância é a Lei 9985, de
18 de julho de 2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza, na qual se destaca, entre outras questões,
a relação com o Direito Urbanístico nos zoneamentos, nas zonas de
amortecimento e nos corredores ecológicos8. Também foi criada em
27 de dezembro de 2000 a TCFA – Taxa de Controle e Fiscalização
Ambiental, como reguladora do Poder de Polícia conferido ao IBAMA9.
As questões entre o meio ambiente e o meio urbano se aproxi-
maram ainda mais nas Leis Orgânicas Municipais e Planos Diretores
elaborados após a CF/88, declaradas nas novas formas de gestão mu-
nicipal. Os instrumentos inicialmente, próprios ao direito ambiental
eram compostos por diretrizes que buscavam entre outras situações10:
a) criação de unidades de conservação; b) defesa dos mananciais e
recursos hídricos; c) identificação dos elementos naturais relevantes
para a preservação; e) preservação de rios; f ) educação ambiental;

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 354


[
recuperação de áreas degradadas; g) uso socialmente justo e ecolo-
gicamente equilibrado; h) acesso de todos os cidadãos; i) segurança ^
e proteção do patrimônio paisagístico, arquitetônico, cultural e his-
tórico; j) preservação, proteção e recuperação do meio ambiente de-
gradado pela ação humana. Assim, chegou-se, naturalmente, a essa
interface que acarreta, atualmente, a própria designação e estudo de
temas que configuram a relação entre o Direito Ambiental e o Direi-
to Urbanístico, ocasionando inclusive novas designações conceituais
como o Direito Ambiental das Cidades11 (a relação entre o Direito Am-
biental, Direito Urbanístico e o Patrimônio Ambiental Urbano) e a de-
finição de Patrimônio Ambiental Urbano como áreas especiais, entre
as quais as Áreas de Especial Interesse Histórico-Culturais.
O conceito Direito Ambiental das Cidades12 relaciona-se ao
entendimento da consciência ecológica dentro de uma visão social
denominada de sócio-ambiental e na competência legal da gestão
municipal na defesa do meio ambiente e da busca de qualidade de
vida. Portanto, os movimentos sociais que influenciaram as ações
preservacionistas e propiciaram a inclusão de novos instrumentos de
ações sobre o Patrimônio Ambiental Urbano, continuam a desafiar a
estrutura montada no Dec. 25/37 e das legislações preservacionistas
e de acautelamento patrimonial que o complementaram.
As disputas entre preservar e intervir ganharam novas instrumen-
talizações ou se realinharam com antigas concepções jurídicas de tra-
tamento das patrimonialidades, como, por exemplo, no caso do Direito
Urbanístico, em repensar as questões de desapropriação, preempção,
edificações e parcelamentos e também em transferir ações próprias do
Direito Ambiental para o planejamento das cidades como o zoneamen-
to de áreas especiais, as zonas de amortecimento, os licenciamentos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 355


[
de intervenção em locais especiais e as sanções repressivas sobre os
agentes danosos ao meio ambiente e, especialmente, a principal lição, ^
as negociações, que se materializam nas atuais operações urbanas con-
sorciadas, operações de negociação e acordos de convivência, na qual
a participação dos locais e a democracia compactuam entre si.
O aprendizado de maior importância e ainda pouco praticado
sobre o patrimônio histórico-cultural e especificamente sobre os con-
juntos urbanos histórico-culturais é o Compromisso de Ajustamento
de Conduta e o Termo de Ajustamento de Conduta, apreendidos a
partir da Ação Civil Pública como principal instrumento de defesa dos
interesses difusos e coletivos e dos interesses do meio ambiente (ape-
sar de Planos Diretores de cidades importantes no Brasil como São
Paulo de 2014 terem instituido o TACC – Termo de Ajustamento de
Conduta Cultural (Art. 173).
Outro aspecto que coloca o Direito Ambiental relacionado ao
Patrimônio Natural como detentor de um avanço maior em relação às
legislações que compõem as ações voltadas para as outras patrimo-
nialidades é sua característica intrínseca da transdisciplinaridade, ou
seja, contrária à tendência operativa presente na construção do Dec.
25/37 que norteou um processo hermético de direito administrativo
político-positivista especializado na construção de um homem na-
cional e de uma identidade brasileira vinculados ao direito público
e privado; o Direito Ambiental apreende que a preservação deve ser
feita de forma solidária entre o Estado e os cidadãos e não apenas de
forma não dialética, assim trabalhar em conjunto com outras áreas do
conhecimento é uma necessidade e não uma eventualidade.
Outra questão a ser mencionada nessa interface entre Direito
Ambiental, Direito Urbanístico (Patrimônio Ambiental Urbano) está

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 356


[
representada pela busca que o Direito Ambiental relacionado ao
Patrimônio Natural desenvolve já há mais tempo do que os instru- ^
mentos legislativos preservacionistas, representados pelo Dec. 25/37
ou seus complementos, que é o conceito de sustentabilidade. O en-
tendimento de que a cidade e as áreas consideradas especiais dentro
dela são determinadas por apropriações que se expressam através do
uso do solo e pelo modo que esse uso se dá e sua relação de embate
entre propriedade privada e função social foi compreendida mais em-
brionariamente pelos instrumentos de defesa do meio ambiente do
que pelos agentes preservacionistas histórico-culturais.
A subordinação e a rigidez a que está sujeito o Dec. 25/37 e suas
complementações não permitiram a construção da idéia de arbitra-
gem entre os envolvidos nas disputas próprias da estrutura atual da
globalização, ou seja, o urbano está sujeito a formas predatórias dos
seus espaços e não é apenas utilizando fórmulas repressivas, próprias
do alicerce da legislação preservacionista nacional, que essa predato-
riedade será equacionada. Portanto, instrumentos como a Transferên-
cia do Direito de Construir e as Zonas de Amortecimento, relativas às
áreas lindeiras entre os zoneamentos determinadores das vizinhan-
ças e entre a área de especial interesse e outra de não especial inte-
resse, à questão do entorno das vizinhanças aos bens tombados, são
melhor praticados atualmente pelo Direito Ambiental voltado para
o Patrimônio Natural do que pelo Direito Urbanístico voltado para a
preservação do Patrimônio Ambiental Urbano.
Outra situação melhor trabalhada pelo Direito Ambiental é re-
lativa à mobilização e participação popular nas ações voltadas para
as intervenções e preservações do Patrimônio Natural, uma vez que
a construção do Decreto-lei 25/37 se deu sob a égide de ditaduras

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 357


[
e de uma organização que afastou a população de sua elaboração;
apesar de considerar que essa participação popular seja maior no tra- ^
tamento do meio ambiente, cabe ressaltar que ainda falta muito para
se atingir a tão almejada dialética na elaboração de suas agendas e
legislações. Portanto, é possível o aprendizado de ações ambientais
e transferências de ações praticadas sobre o Patrimônio Natural para
o Patrimônio Ambiental Urbano frente ao esvaziamento da discussão
política sobre o meio urbano, situação provada na falta de interesse
da população quando das discussões dos Planos Diretores locais13.
Muitos estudiosos sobre a legislação ambiental brasileira14 afir-
mam que a necessidade da elaboração/aprovação de mais e mais leis
ambientais trata-se de um falso problema, uma vez que ainda faltam
leituras e conhecimento e especialmente a aplicação/fiscalização das
próprias leis existentes; Sem discordar de tal questão e entendendo
que a legislação ambiental existente voltada para o Patrimônio Natu-
ral pode prover a otimização das ações sobre o Patrimônio Ambiental
Urbano, serão expostas e analisados, a seguir, as Leis, Decretos, Por-
tarias e Medidas de maior importância na legislação ambiental bra-
sileira comparadas com o Decreto-lei 25/37 e o Direito Urbanístico,
apontando possíveis transferências e, as confirmando, caso já tenham
sido praticadas sobre as Áreas de Interesse Histórico-Culturais consa-
gradas como Centros Históricos.

Leis, Decretos, Portarias e Medidas mais importantes

A determinação de uma cronologia referente à produção da le-


gislação ambiental brasileira poderia ser iniciada pela análise das fa-
ses colonial, imperial e republicana, como citado no tópico anterior;

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 358


[
entretanto, é após a Constituição Nacional de 1934 que a legislação
ambiental passa a ter mais vigor e uma maior consciência preservacio- ^
nista, portanto, a ordem cronológica estabelecida a seguir é determi-
nada por esse fator e pela separação, em décadas, das leis, decretos,
portarias e medidas mais relevantes relacionadas ao quadro jurídico
proposto para a defesa do Patrimônio Ambiental e, em especial, com
sua interface com o Patrimônio Ambiental Urbano.
A década de 1930 é constituída por um conjunto de leis no qual
se pode notar a origem da conexão entre a preservação do Patrimô-
nio Natural, Patrimônio Histórico-Cultural e Direito Urbanístico, inclu-
sive com a presença do Decreto-lei 25/37 como parte da legislação do
Direito Ambiental15. As leis e decretos mais importantes da década de
1930 são: Decreto 24643, de 10 de julho de 1934 (Decreta o Código
de Águas); Decreto-lei 2516, de 30 de novembro de 1937 (Organiza
a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional); Decreto 58,
de 10 de dezembro de 1937 (Dispõe sobre o loteamento e venda de
terrenos para o pagamento em prestações); Decreto 3079, de 15 de
setembro de 1938 (Regulamenta o Decreto 58) e; Decreto 1259, de 9
de maio de 1939 (Coíbe o excesso de ruídos urbanos).
A década de 1940 é expressiva pela presença da desapropriação
e sanções penais: Decreto 284817, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal); Decreto 3365, de 21 de junho de 1941 (Dispõe sobre a desapro-
priação por utilidade pública); Decreto 386618, de 29 de novembro de
1941 (Dispõe sobre o tombamento de bens no Serviço do Patrimô-
nio Histórico e Artístico Nacional); Decreto 4146, de 4 de março de
1942 (Dispõe sobre a proteção dos depósitos fossilíferos). A década
de 1950 é extremamente inexpressiva na produção legislativa am-
biental, com apenas duas leis: a Lei 1533, de 31 de dezembro de 1951

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 359


[
(Altera as disposições do Código de Processo Civil, relativas ao man-
dato de segurança) e a Lei 2419, de 10 de fevereiro de 1955 (Institui a ^
Patrulha Costeira e dá outras providências).
A década de 1960, ao contrário da década de 1950, é uma das mais
expressivas em relação à produção legislativa ambiental federal, o
que confirma a determinação de ser o período no qual a questão am-
biental e a questão urbana começam a estreitar seus relacionamentos
produzindo o conceito aplicado anteriormente, ou seja, a interface
entre o Direito Ambiental e o Direito Urbanístico, neste contexto des-
taca-se especificamente as seguintes leis e decretos: Lei 3924, de 26
de julho de 1961 (Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-
-históricos); Lei 4132, de 10 de setembro de 1962 (define os casos de
desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação); Lei
471719, de 29 de junho de 1965 (Regula a Ação Popular); Lei 477120, de
15 de setembro de 1965 (Institui o novo Código Florestal); Lei 4845, de
19 de novembro de 1965 (proíbe a saída para o exterior de obras de
arte e ofícios produzidos no país até o fim do período monárquico);
Lei 5197, de 3 de janeiro de 1967 (Dispõe sobre a proteção à fauna e
dá outras providências); Decreto 271, 28 de fevereiro de 1967 (Dispõe
sobre o loteamento urbano, responsabilidade do loteador, concessão
do uso do espaço aéreo e dá outras providências).
A década de 1970 é expressiva em relação ao Direito Urbanísti-
co, pois estabelece as regiões metropolitanas de várias cidades brasi-
leiras, também demonstra preocupação com questões relacionadas
à energia nuclear21. Pode-se afirmar que essa década é uma das mais
equilibradas em relação as propostas de proteção de todas as cate-
gorias patrimoniais, uma vez que se preocupa com a poluição do ar,
das águas, a preservação e tutela do patrimônio histórico e artístico,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 360


[
a criação de áreas de interesse histórico e cultural voltadas para o tu-
rismo e de parques nacionais; destacando-se nesta interface as se- ^
guintes leis e decretos: Lei Complementar 14, de 8 de junho de 1973 22

(Estabelece as regiões Metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte,


Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza); Decreto
76389, de 3 de outubro de 1975 (Dispõe sobre medidas de preven-
ção e controle da poluição industrial, e de que trata o Decreto 1413);
Lei 629223, de 15 de dezembro de 1975 (Dispõe sobre o tombamento
de bens no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
IPHAN); Lei 651324, de 20 de dezembro de 1977 (Dispõe sobre a cria-
ção de áreas de especial interesse e de locais de interesse turístico; so-
bre o inventário com finalidades turísticas dos bens de valor cultural
e natural; acrescenta inciso ao Art. 2º da Lei 4132, de 10 de setembro
de 1962; altera a redação e acrescenta dispositivo à Lei 4717, de 29
de junho de 1965 e dá outras providências); Decreto 8401725, de 21
de setembro de 1979 (Aprova o regulamento de Parques Nacionais
Brasileiros); Lei 676626, de 19 de dezembro de 1979 (Dispõe sobre o
parcelamento do solo urbano).
A década de 1980 foi marcada pela grande ascensão da tutela
do Patrimônio Natural, isso pode ser confirmado através da quantida-
de de leis e decretos referentes a essa categoria patrimonial, uma vez
que, das 32 (trinta e duas) leis e decretos estabelecidos nesse período,
27 (vinte e sete) são endereçados ao tratamento do ambiente natural,
3 (três) ao urbanismo e 2 (dois) tanto ao patrimônio natural quanto a
outras patrimonialidades, entre as quais, o histórico, o artístico e cul-
tural. As leis e decretos especifcos na interface entre as patriomoniali-
dades são: Lei 6803, de 2 de julho de 1980 (Dispõe sobre as diretrizes
básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição);

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 361


[
Lei 690227, de 27 de abril de 1981 (Dispõe sobre a criação de Estações
Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental e dá outras providências); ^
Lei 6938 , de 31 de agosto de 1981 (Dispõe sobre a Política Nacional
28

do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação


e dá outras providências); Lei 734729, de 24 de julho de 1985 (Discipli-
na a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao
meio ambiente, ao consumidor, a bens e direito de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico (vetado) e dá outras provi-
dências); Lei 773530, de 22 de fevereiro de 1989 (Cria o Instituto Brasilei-
ro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais renováveis); Lei 7797,
de 10 de julho de 1989 (Cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente).
A década de 1990 se caracteriza pela afirmação mais expressiva
da proteção sobre o meio ambiente natural, ficando a proteção dos
bens patrimoniais, relacionados à história, arte, cultura, móveis e imó-
veis, isolados ou em conjunto, colocados em segundo plano; pois de
um total de 43 (quarenta e três) leis, decretos e portarias, 28 (vinte e
oito) são dedicados ao meio ambiente e 15 (quinze) a questões va-
riadas que, às vezes, incide sobre outros tipos de patrimonialidades
incluindo o próprio meio ambiente natural, destacando: Lei 8437, de
30 de junho de 1992 (Dispõe de medidas cautelares contra atos do
Poder Público); Decreto 192231, de 5 de junho de 1996 (Dispõe sobre
o reconhecimento das Reservas particulares do Patrimônio Natural);
Lei 960532, de 12 de fevereiro de 1998 (Dispõe sobre as sanções penais
e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente); Lei 979533, de 27 de abril de 1999 (Dispõe sobre a Educa-
ção Ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental).
A primeira década de 2000 apresentou a continuidade do
aperfeiçoamento da legislação ambiental voltada mais exclusiva-

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 362


[
mente para o meio natural, apesar de serem criadas leis e decretos
de extrema importância para o Patrimônio Cultural, como o Decreto ^
3551/2000 (Patrimônio Imaterial) e para o meio urbano como a Lei
10257/2001 (Estatuto da Cidade) regulamentando o Art. 182 e 183 da
CF/88. Portanto, justificou-se a afirmação de que, nos últimos vinte
anos, a legislação voltada para a preservação do meio ambiente natu-
ral avançou muito mais do que a legislação direcionada ao tratamen-
to de outras patrimonialidades, entre as quais as dos Sítios Históricos
Urbanos; sendo que as leis, decretos, portarias e medidas mais im-
portantes relacionadas ao meio ambiente e possíveis interfaces com
o Patrimônio Ambiental Urbano são as seguintes: Lei 996034, de 28 de
janeiro de 2000 (Institui a Taxa de Serviços Administrativos – TSA – e
cria a Taxa de Fiscalização Ambiental – TFA); Decreto 355135, de 4 de
agosto de 2000 (Institui o Registro de bens culturais de natureza ima-
terial); Lei 998536, de 18 de julho de 2000 (Regulamenta o Art. 225 §1º
incisos I, II, III e VII da CF/88, institui o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza); Lei 1025737, de 10 de julho de 2001 (re-
gulamenta os Arts. 182 e 183 da CF/88 – Estatuto da Cidade); Decreto
4340, de 22 de agosto de 2002 (Regulamenta artigos da Lei 9985, que
dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da na-
tureza – SNUC); Portaria no 7, de 3 de setembro de 2003 (Para efeitos
de fiscalização pelos órgão públicos de defesa do consumidor).
Apesar de nos ultimos anos as ações preservacionistas e inter-
vencionistas estarem mais centradas na competência Municipal a
partir de suas Leis Orgânicas e Planos Diretores, o patrimônio natural
demonstrou ter sido mais trabalhado juridicamente no ambito fe-
deral; de acordo com autores como Machado (2004, p. 296), Milaré
(2004, p. 81 a 84 e p. 89 a 90) e Mukai (2004, p. 261 e 279), a legislação

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 363


[
ambiental, a partir da década de 1980, se torna ainda mais expres-
siva frente as outras legislações preservacionistas, destacando-se ^
leis como a 6938/81 e a 9605/98. Em relação ao Direito Urbanístico,
a legislação de maior importância nacional se dá com a instituição
do Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001), que requer, apesar de seus
quase vinte anos, entendimento e estudos das questões resultantes
de sua aplicabilidade.
A Lei 6938/81 posteriormente fundamentada nos incs. VI e VII
do Art. 23 e Art. 225 da CF/88 estabelece a Política Nacional do Meio
Ambiente constituindo o SISNAMA e o Cadastro de Defesa do Meio
Ambiente (Art. 1o). A Política do Meio Ambiente tem por objetivo a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade propícia à vida
com princípios estabelecidos no seu Art. 2o, no qual se destaca a re-
cuperação de áreas degradadas, a educação ambiental e a defesa do
meio ambiente. As inovações nesta Lei e já transferidas a tutela de
outras patrimonialidades referem-se a defesa das áreas de interes-
se, como histórico-culturais e, estariam no conceito de zoneamento;
entretanto, a prevenção caracterizada pelo controle do potencial po-
luidor poderia ser entendida como mais uma possibilidade de trans-
ferência para as ações de defesa do patrimônio cultural, formatando
um novo conceito como o do controle e prevenção do potencialmen-
te degradador do patrimônio cultural.
A Lei 6938/81 estabelece como objetivos: a compatibilização do
desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade
do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; ao estabelecer normas e
definição de áreas prioritárias de ação governamental, também lança
critérios e normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais. A
legislação preservacionista também se caracteriza por uma estrutura

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 364


[
repressiva, na qual a palavra imposição está muito associada ao termo
notificação como no Art. 9º § 1º do Dec. 25/37; Neste sentido, a TCFA – ^
Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental é uma das questões de maior
importância acrescidas a Lei 6938/81, determinando, entre outras situa-
ções, que o sujeito passivo é todo aquele que exerça atividade poten-
cialmente poluidora, como, por exemplo, microempresas, empresas,
empresas de grande porte, etc (Art. 17), ficando obrigado a entregar até
o dia 31 de março de cada ano relatório de atividades exercidas no ano
anterior; o não cumprimento sujeita a multa de 20% da TCFA. O trata-
mento dado ao patrimônio natural com a instituição das TCFA poderia
servir de parâmetro para as ações de proteção das cidades históricas,
dos centros históricos e dos conjuntos históricos urbanos38.
A possibilidade de interface na Lei 6938/81 com o Patrimônio
Ambiental Urbano recai na consideração de que os bens ambientais
são pertencentes a todos e, portanto, qualquer atividade que venha
a representar potencial danoso para o meio ambiente está sujeita a
sanções econômicas, esta seria a consideração de que a expressão
“prevenção” é a norteadora da coisa existente, na qual o próprio ato
potencial de exploração desse recurso cabe indenizações, ou melhor,
no caso do Patrimônio Natural na Taxa de Controle e Fiscalização
Ambiental (TCFA). Esse ato, apesar da essencia repressiva, busca equi-
librar a contradição capitalista entre desenvolvimento e degradação
dos recursos e, apesar de extremamente significativo, também acaba
sendo uma das principais críticas à Lei 6938/81 por parte de algumas
correntes teóricojurídicas preservacionistas, pois apontam para a per-
missão da degradação frente à incapacidade de reversão do quadro
de degradação ambiental ocasionado pela necessidade do paradoxo
existencialista capitalista da sociedade atual.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 365


[
Em relação ao Dec. 25/37, considerando que o instituto do tom-
bamento é da década de 1930 e a legislação ambiental representada ^
tanto pela Lei 6938/81 e pela Lei 9605/98 são expressões tutelares mais
recentes, fruto de toda uma experiência adquirida ao longo desses
quase 90 anos; cabem reflexões “prudentes” voltadas para semelhan-
ças estruturais e diferenças marcantes entre elas, como, por exemplo:
a condição centralizadora da Lei 6938/81 similar ao Dec. 25/37, pois a
primeira se alicerça em um Sistema Nacional do Meio Ambiente e de-
termina como órgão superior o Conselho do Governo, o CONAMA, A
Secretaria do Meio Ambiente e o IBAMA, essa centralidade das ações
também pode ser visualizada no Decreto 25/37 pelo estabelecimen-
to de um único órgão gestor (IPHAN). A diferença maior entre a Lei
6938/81 com o Dec. 25/37 são os novos instrumentos da Política Nacio-
nal do Meio Ambiente como o zoneamento ambiental, a avaliação de
impactos ambientais, a criação de áreas de proteção ambiental, os
licenciamentos e obrigatoriedade da divulgação de informações de
relatórios de qualidade do meio ambiente e a recuperação e melhoria
das condições ambientais.
A Lei 9605/98 quanto comparada ao Dec. 25/37 apesar de apre-
sentar características repressoras com sanções mais severas aos
infratores ambientais do que o Decreto 25/37 aos infratores culturais,
basea-se em uma acomodação entre repressão e educação ambiental
(questão ausente no Decreto 25/37). O grande avanço apresentado
pela Lei 9605/98 é o Termo de Compromisso extrajudicial entre os
envolvidos, possível de ser aplicado nas questões de degradação ou
potencialmente perigosas ao meio ambiente. Este instrumento seria
um dos mais importantes aprendizados a ser transferido para a tutela
do Patrimônio Histórico e Artístico e, especialmente, para a proteção

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 366


[
dos Sítios Históricos Urbanos. Aponta-se então que, não apenas as Leis
6938/81 e 9605/98, mas toda a legislação ambiental brasileira construiu ^
instrumentos, alicerçando suas ações, na negociação, procurando o de-
senvolvimento de práticas mais dialéticas do que a legislação cultural.
A legislação federal preservacionista e o IPHAN não podiam con-
tinuar indiferentes aos avanços demonstrados pela legislação voltada
para a tutela do Patrimônio Ambiental e do Direito Urbanístico, então,
foram desenvolvidos, nos últimos anos, programas direcionados para
a preservação e reabilitação dos chamados Sítios Históricos Urbanos,
denominados de Plano de Preservação dos Sítios Históricos Urbanos
(PPSH), Programa de Reabilitação de Sítios Históricos (URBIS) e no
PAC (Programa de Aceleração do Crescimento – Cidades Históricas de
2009), todos utilizam em grande parte ou na sua totalidade as ações
inicialmente desenvolvidas na legislação ambiental e no Direito
Urbanístico, portanto, verificar até que ponto essa situação já ocorre
e como ocorre e o que ainda seria interessante realizar, discutindo os
instrumentos que estão sendo empregados e os possíveis de serem
praticados e transferidos, serão os aspectos abordados a seguir.

As ações possíveis de transferências:


o aprendizado da negociação

O IPHAN considera que as ações atuais sobre os Sítios Históricos


Urbanos devem ser realizadas sob a observação do planejamento e
gestão urbana39. Essa afirmação colabora para a condição de que o
município deve estar à frente das ações sobre o Patrimônio Ambien-
tal Urbano, uma vez que é reforçada a idéia da autonomia, pois é ao
município que cabe a elaboração de sua Política Urbana através da

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 367


[
formulação de seu Plano Diretor40 (Art. 182 § 1º da CF/88). Dessa forma,
os instrumentos legislativos mais adaptados a prover as ações sobre o ^
Patrimônio Ambiental Urbano tornam-se, necessariamente, os Instru-
mentos do Direito Urbanístico e Ambiental que, na proposta do IPHAN,
buscam consolidar uma cultura patrimonial urbanística municipal.
A busca para compatibilizar a preservação com a intervenção
sempre foi a essência teórica buscada nas ações sobre o Patrimônio,
no caso do Patrimônio Ambiental Urbano, compatibilizar essas dis-
putas entre os interesses público e o privado e, especificamente, com
as demandas urbanas, parece apontar na direção da reunião de ins-
trumentos tradicionais da legislação preservacionista nacional, como,
por exemplo, do Dec. 25/37 com os instrumentos próprios ao Direito
Urbanístico e Ambiental, em que a contraposição conceitual natural
entre preservação, desenvolvimento urbano e sustentabilidade possa
se expressar dentro de uma estrutura de suporte jurídico de menor
rigidez aplicativa.
A procura da compatibilidade de ações não passa apenas pela
questão histórica, teórica e filosófica, ela se materializa também na
determinação de a quem pertence esse direito e dever de preservar,
portanto, a própria natureza das transformações sociais, econômicas,
políticas e culturais, direcionam as ações para a real aplicação de pla-
nos advindos da união entre os entes, mas que, ao município, prota-
gonista desses locais, cabe o dever maior de formular e desenvolver
esses planos de forma a possibilitar o equilíbrio entre as noções de
proteger e proporcionar qualidade de vida aos seus habitantes. Essa
intenção sempre vai de encontro aos planos de interveções em Cen-
tros Urbanos estabelecidos dentro do conceito de risanamento e, que
no Brasil, foi consagrada pela expressão reabilitação urbana41.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 368


[
Os objetivos dos Planos de Preservação de Sítios Históricos
Urbanos (PPSH) foram orientados pelo IPHAN dentro dos preceitos ^
de consolidação da cultura urbanística com base em uma preserva-
ção sustentável e a reabilitação das áreas deterioradas associadas
a revitaliação econômica, social e cultural a partir da diversidade e
uso de instrumentos previstos no Estatuto da Cidade42. Os PPSH fo-
ram formados por dimensões normativas, estratégico-operacionais
e avaliadoras, o que permitia sua execução em etapas, conforme as
necessidades. A dimensão normativa consistia no levantamento de
informações, na avaliação da dinâmica urbana, definição de zonea-
mento específico com a indicação de usos e ocupação do solo, esta-
belecimento de parcerias, elaboração de estudos de impacto de vizi-
nhança e ambiental43. Essas ações demonstram, mais uma vez, que os
Planos Diretores são estruturados de forma mais completa do que os
planos de preservação federais. Um dos aspectos positivos do PPSH
é sua preocupação com o acompanhamento das intervenções reali-
zadas nessas áreas histórico-culturais, correspondentes às estratégias
operacionais e avaliadoras das ações. O ponto central é o reconheci-
mento da necessidade de relacionar o que o Direito Ambiental volta-
do para o Patrimônio Natural já havia entendido, ou seja, o paradoxo
inerente entre a preservação e o desenvolvimento, no caso, urbano,
não vendo a cultura como a única lógica a ser apreendida e trabalha-
da pelas ações.
O PPSH (Portaria nº 299 de 06/07/2004 / IPHAN – Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – D.O.U. 03/08/200444)
oferece a possibilidade do compartilhamento das ações com os ou-
tros entes, principalmente com o município, através do Plano Diretor,
Código de Obras, mas não específica quais seriam os instrumentos de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 369


[
maior interesse a serem aplicados dentro do Plano Diretor, apesar do
município já contemplar todas essas situações com suas áreas de in- ^
teresse especiais ambientais, histórico-culturais, sociais, etc. O ponto
favorável, nessa interface, seria a experiência acumulada pelo IPHAN
em relação aos inventários, catalogação e estudos relacionados às
categorias patrimoniais, com os instrumentos do Direito Urbanístico
voltados para as ações municipais.
O PPSH, o URBIS45 e posteriormente o PAC – Cidades Históricas
200946, apesar dos avanções tutelares e de apresentarem preocupa-
ções teóricas como os zoneamentos, os estudos de impacto ambien-
tal e de vizinhança, participações da comunidade, se preocuparam
mais com o Conjunto de Edificações Históricas (um quarteirão por
exemplo) e as vezes isoladas do que com o contexto urbano mais
amplo de sua vizinhança e entorno, demonstrando um desalinha-
mento com instrumentos de ações próprias do Direito Ambiental
(Patrimônio Natural) e do Patrimônio Ambiental Urbano (Direito Urba-
nístico), não oportunizaram o uso de vários instrumentos possíveis de
intervenção urbanística e, apesar de conceituarem entre suas ações o
compartilhamento entre os entes e o planejamento urbano, os PPSH,
URBIS e PACs não discutem de forma aprofundada a outorga onerosa
do direito de construir, a transferência do direito de construir, as ope-
rações urbanas e, especialmente, as questões relacionadas às negocia-
ções, como os Compromissos de Ajustamento de Conduta e os Termos
de Ajustamento de Condutas, tendo se tornado na prática mais opera-
ções pontuadas (Desenho Urbano) do que ações urbanísticas.
Não apenas preservar, mas também reabilitar, apesar dos PPSH,
URBIS e PACs seguirem esta prerogativa, para que essa questão tenha
maior eficácia, outros condicionantes devem ser apreciados, como a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 370


[
economia, a política, a sociologia, a história, e outras, entre elas, a área
jurídica, no qual o entendimento da aplicabilidade da interface entre ^
o Direito Urbanístico, Direito Ambiental e a preservação dos Cen-
tros Históricos pudessem comungar. É incontestável a necessidade
de inovar os processos de preservação das categorias patrimoniais
e em especial do Patrimônio Ambiental Urbano, no qual a rigidez
da preservação proposta no Dec. 25/37 seja ao menos revista pelo
paradoxo a sua construção, ou seja, pelo conceito desenvolvimento,
especialmente, o desenvolvimento social e sua interface com a
sustentabilidade, conceitos esses gerados no seio do Patrimônio
Ambiental e, em parte, materializados no Estatuto da Cidade (Lei
10257/2001).
Para promover a eficácia de Planos de Ações intervencionistas
e preservacionistas, respeitando a competência concorrente e com-
plementar dos entes, instrumentos já utilizados e novos instrumen-
tos compartilhados entre as questões urbanas, culturais e ambientais
poderiam aperfeiçoar a operacionalidade de defesa do Patrimônio
Ambiental Urbano. Muitos desses instrumentos, apesar de já terem
sido utilizados em programas de reabilitação urbana de sítios históri-
cos – URBIS47, em cidades como Manaus/AM, Sobral/CE, Mariana/MG,
Parati/RJ, Cuibá/MT, Laguna/SC e Pirenópolis/GO, ainda deixaram la-
cunar muito do potencial de sua aplicação.
Este instrumentos como o Parcelamento, Edificação ou Utiliza-
ção Compulsórios; o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo
no tempo; a Desapropriação; o Usucapião Especial de Imóvel Urbano;
o Direito de Superfície; o Direito de Preempção; a Outorga Onero-
sa do Direito de Construir; a Transferência do Direito de Construir; as
Operações Urbanas Consorciadas; Consórcio Imobiliário; o Estudo de

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 371


[
Impacto de Vizinhança; o Zoneamento ambiental e o zoneamento de
amortecimento e o TAC – Termo de Ajustamento de Conduta; apre- ^
sentam várias reflexões críticas possíveis relacionadas a preservação
do Patrimônio Ambiental Urbano.
O Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios48 (Arts.
5o e 6o da Lei 10257/2001) e, instituido pelos Planos Diretores dos
Municipios Brasileiros, determinante para utilização de solo urbano
não edificado ou subutilizado é inquestionavelmente instrumento de
auxílio para exigir dos proprietários de glebas ou terrenos urbanos a
sua “revitalização”, essa questão relativa aos proprietários de imóveis
urbanos é sustentada por uma concepção de direito de propriedade
submetida ao interesse social e coletivo, que não admite mais a ideia
de poderes absolutos, portanto podendo ser aplicados nos Sítios His-
tóricos Urbanos após a avaliação dos locais através de planos e estu-
dos urbanísticos (área de incidência do PEUC). Desta forma, a trans-
ferência deste instrumento poderia ser pensado para também incidir
sobre os imóveis abandonados ou subutilizados nos sítios históricos,
uma vez que, existe uma massa de construções sem uso e em estado
constante de degradação e arruinamento, na qual o emprego desses
imóveis como habitações ou gentrificações se tornariam interessan-
tes e proporcionariam a conservação e restauração do bem.
Um dos aspectos de maior dificuldade no tratamento das glebas,
terrenos e dos imóveis urbanos é seu abandono, mau uso, sempre em
desrespeito à função social da propriedade49, portanto, um dos instru-
mentos aplicados após o esgotamento de prazos previstos no Parce-
lamento, Edificação ou Utilização Compulsórios é o Imposto Predial e
Territorial Urbano progressivo no tempo (Art. 7o da Lei 10257/2001)50;
pode se mostrar um instrumento interessante aplicado ao Patrimônio

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 372


[
Ambiental Urbano (Centros Históricos), desde que respaldado por um
estudo específico e pertinente que considere condicionantes sociais ^
e jurídicos do imóvel; um cadastro, inventário, catalogação e monito-
ria dos imóveis como se faz na Inglaterra (Listagem) poderia ser perti-
nente, outra questão se remete a um projeto de requalificação de uso
que atenda os preceitos teóricos da conservação e restauro.
A Desapropriação estabelecida pela Lei 4132/62 e fundamenta-
da no Direito a Propriedade no Art. 5o inciso XXII da CF/88 e presen-
te no Art. 8o da Lei 10257/2001, apesar de ser um dos instrumentos
mais impopulares das ações intervencionistas e preservacionistas,
considerado extremamente repressivo, representa a possibilidade de
aplicação do Poder de Polícia por parte do ente administrativo, uma
vez que o proprietário do imóvel que não atender a função social ou
usar de maneira injustificada seu imóvel, seja persuadido a aceitar as
medidas legais que compõem a estrutura de ordenamento urbanísti-
co previsto na LOM e no PDU. Entre os problemas da aplicação deste
instrumento em Sítios Históricos Urbanos se acenta na questão que
grande parte dos imóveis nestas áreas estarem abandonados, encon-
trando-se, na maioria das vezes, como parte de processos judiciais de
espólios, heranças e disputas familiares, na qual, os custos das ações
são maiores do que o seu valor e, as restrições de uso provocam o
esvaziamento do interesse por esses imóveis em lítigio.
Entre as problemáticas presentes nas áreas de especial interes-
se histórico culturais estão os ambientes degradados por cortiços ou
moradias de baixa qualidade de vida. Para intervir nesses locais, o
Estado deve pensar em ações que viabilizem a permanência de seus
ocupantes, o instrumento pode ser o Usucapião Especial de Imóvel
Urbano51 (Arts. 9o a 14 da Lei 10257/2001). Esse aspecto que envolve a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 373


[
inclusão social e a manutenção da identidade do local deve ser acom-
panhado de uma grande preocupação com a posse mansa, pacifica, ^
continua, duradoura, de boa fé e com justo título, respeitando o cum-
primento social do bem; aspectos, por exemplo, discutiveis nas ações
realizadas no Centro Histórico de Salvador em meados de 1991 onde
se pode examinar na prática a “expulsão” dos moradores do local52.
A presença de grandes edificações e terrenos baldios ou aban-
donados nos Sítios Históricos Urbanos apresenta sempre uma grande
problemática de intervenção, uma vez que provoca a colisão entre o
direito de propriedade e o direito de construir, o interesse particular e
a função social da propriedade; buscando organizar/solucionar este
impasse/conflito poderia se aplicar o instrumento denominado Direi-
to de Superfície previsto nos Arts. 21 a 24 do Estatuto das Cidades.
Entretanto, a dificuldade jurídica de aplicação do Direito de Superfície
nos Sítios Históricos Urbanos recaem na contradição da concessão de
construção previsto neste instrumento colidindo com a rigidez e pro-
teção do conceito de imodificabilidade presente no Dec. 25/37, que
determina o “congelamento” do imóvel tornando-o intangível me-
diante esse mecanismo; as vezes, aplicado em ações de reabilitação e
revitalização urbana (risanamento) que exijam intervenções pontuais,
na qual a função social do bem seja inquestionável, esse mecanismo
possa vir a ser pensado.
O Dec. 25/37 já estabelecia, no seu Capítulo IV Art. 22, o Direito
de Preferência a União, Estados e Municípios na alienação dos bens
tombados. Esta questão mediante o Direito Urbanístico e aos Sítios
Históricos Urbanos foi tratada nos Arts. 25 a 27 do Estatuto das Ci-
dades (Direito de Preempção53), entretanto, os municípios devem
estabelecer, em lei municipal, as áreas do Sítio Urbano que estarão

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 374


[
sujeitas à aplicação deste instrumento. O grande problema é que nor-
malmente os municípios não dispõem de recursos para exercerem ^
esse direito, passando a alienação desses bens para iniciativa privada.
Esse aspecto, ainda sem solução, mereceria por parte das autorida-
des, um trabalho na direção de possibilitar os financiamentos, planos
e fundos voltados para a preservação. Conservar a propriedade do
imóvel histórico ao proprietário/familia seria uma questão importan-
te para a preservação da identidade e memória do local; sem entrar
na discussão do contexto econômico e social brasileiro, ações que
propiciem a valorização do imóvel, como acontece na Inglaterra, com
pagamento de valores de conservação ao bem listado poderiam ser
ações agregadoras de valor ao imóvel tombado e possibilitar perma-
nência dos moradores originais.
A Outorga Onerosa do Direito de Construir54 (Art. 28 a 31 da Lei
10257/2001) alicerçada na possibilidade dada ao proprietário de edi-
ficar acima dos índices previstos pelo plano diretor ou leis municipais
mediante contrapartida econômica endereçada ao poder público
municipal encontra, junto ao tombamento, uma quase que total im-
possibilidade, uma vez que acende mais ao direito de construir do
que a finalidade social da propriedade.
O instrumento de muito interesse de aplicação sobre o Patrimô-
nio Ambiental Urbano está previsto no Art. 35 da Lei 10257/2001 que
é a Transferência do Direito de Construir55; deixada a critério do ente
municipal, sua aplicação é mais efetiva nos grandes e médios centros
urbanos, uma vez que se associa à questão econômica, sendo nesse
aspecto que recaem as principais críticas e elogios a esse instrumento.
O ponto negativo no processo decorrente da aplicação da Transfe-
rência do Direito de Construir se associa à especulação imobiliária,

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 375


[
uma vez que, se não ocorrer por parte do Poder Público um acompa-
nhamento preciso e meticuloso da questão, bolsões de adensamento ^
construtivo nas áreas de maior interesse capital acabam por surgir.
O aspecto positivo seria o de promover benefícios econômicos aos
proprietários de bens imóveis tombados, para que possam, de forma
sensata, promover a manutenção do imóvel a partir da contrapartida
econômica recebida. Na verdade, o instrumento dribla a rigidez pro-
vocada pelo Dec. 25/37, ao permitir a venda de parcela construtiva
prevista no Plano Diretor e zoneamento por parte de proprietários de
imóveis tombados.
As Operações Urbanas Consorciadas56 têm suas origens nos
planos de renovações urbanas da década de 1960 e 1970, na Europa
(França) e previstas no Brasil nos Arts. 32 e 34 do Estatuto das Cidades
de 2001. Dependem de um conjunto de ações para a sua aplicabili-
dade, pois incidem na necessidade de alterações de índices urbanís-
ticos previstos na legislação municipal, como, por exemplo, no par-
celamento, uso e ocupação do solo. Quando diretamente associadas
às ações sobre o Patrimônio Ambiental Urbano devem apresentar a
interface com o Plano Diretor e com a legislação ambiental, uma vez
que a sua principal meta é prover uma qualidade de vida sustentável
através da renovação das áreas degradadas, em que a acessibilida-
de, a mobilidade, a habitação e outras questões urbanas devem ser
plenamente apreciadas. A grande problemática se incide na relação
participação pública, participação privada e participação dos locais,
assim como na execução, acompanhamento, fiscalização, avaliação e
ônus das operações.
Associado ou não às Operações Urbanas Consorciadas apare-
ce o instrumento denominado Consórcio Imobiliário57 (Art. 46 da Lei

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 376


[
10257/2001) está definido pela aplicação de recuperação dos imóveis
isolados ou em conjunto das áreas de interesse especial histórico cul- ^
turais, uma vez que a alegação da impossibilidade econômica de res-
tauração (no caso isolado) e de reabilitação (na questão em conjunto)
sempre foi alegada por parte dos proprietários e, apesar de já prevista
no Art. 19 do Dec. 25/37, sempre se ressentiu de uma oportunização
de compartilhamento de deveres, direitos e possibilidades mais ade-
quadas, sendo, portanto, esse instrumento conveniente.
A interface entre a questão urbana, a questão ambiental e o
Patrimônio Ambiental Urbano pode ser expressa pelo instrumento
denominado de Estudo de Impacto de Vizinhança58 (Art. 36 a 38 da
Lei 10257/2001), o qual foi construído a partir do entendimento da
defesa do patrimônio natural e é constituído pelos princípios da pre-
venção, participação e educação social. Entretanto, por ter nascido do
EIA (Estudo de Impacto Ambiental), o EIV relacionado aos bens cul-
turais ainda necessita de ser jurídicamente compreendido, uma vez
que certos mecanismos de interface entre o Direito Urbanístico e o
Direito Ambiental precisam ser mais experimentados. Esse fato pode
ser notado na questão urbana, pois a edificação isolada tombada ou
mesmo o conjunto histórico tombado possuem não apenas uma rela-
ção com seu entorno mais próximo, mas também com toda a cidade,
esse instrumento é imprescindível para o entendimento da questão
da visibilidade e intervenção no entorno patrimonial.
O Zoneamento ambiental59 e o zoneamento de amortecimen-
to60, instrumentos da legislação ambiental inicialmente propos-
tos para a defesa do patrimônio natural, foram, aos poucos, sendo
transferidos para a defesa do Patrimônio Ambiental Urbano. Esses
instrumentos possibilitam a delimitação das áreas respeitando toda

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 377


[
a complexidade urbanística e as características da cidade e suas áreas
especiais. Dessa forma, as zonas de proteção especiais ambientais, ^
histórico-culturais, sociais se tornaram grandes aliados operacionais
das áreas a serem preservadas, pois otimizam as ações de parcela-
mentos, ocupações, intervenções, verticalizações, impermeabiliza-
ções, etc., especialmente de imóveis urbanos tombados isoladamen-
te ou em conjunto.
O TAC – Termo de Ajustamento de Conduta61 (juntamente com
as operações de negociação) talvez seja o maior aprendizado trans-
ferido pelas ações aplicadas sobre o Patrimônio Natural para o Pa-
trimônio Ambiental Urbano, uma vez que representa uma maneira,
ao longo de quase 40 anos, de como solucionar o paradoxo entre a
preservação e o desenvolvimento, de forma a convencer os grandes
exploradores do capital de que a preservação beneficia tanto quanto
a exploração. O TACC – Termo de Ajustamento de Conduta Cultural
- pode oportunizar as ações que não podem ser empreendidas me-
diante a excessiva repressividade de outros mecanismos e instrumen-
tos preservacionistas, como, por exemplo, a estrutura de imposição
de congelamento e rigidez do Instituto do Tombamento. Contudo,
por ser uma instrumentalização “recente”, apesar de prevista na Ação
Civil Pública de 1985, o TAC e especialmente o TACC ainda necessitam,
de tempo para que seus resultados sejam analisados e melhor com-
preendidos frente as suas aplicações sobre o novo paradigma e ações
necessárias à proteção do Patrimônio Ambiental Urbano.
Os resultados da aplicação recente dos instrumentos próprios
ao Direito Urbanístico e Natural sobre o Patrimônio Ambiental Urba-
no ainda estão sendo praticados e verificados, respostas à necessi-
dade de mudanças da legislação tutelar sobre as questões referentes

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 378


[
às ações sobre as patrimonialidades (Sítios Históricos Urbanos) ainda
precisam ser aprofundadas; contudo, indiscutivel é o avanço do Direi- ^
to Ambiental e do Direito Urbanístico frente a legislação patrimonial
no qual as ações possíveis de transferências tendo o aprendizado da
negociação como principal processo são inegaveis e fundamentais
para preservação dos valores patrimoniais culturais e especialmente
sobre os Centros Históricos.

Notas

1 Carta Régia de 13 de março de 1797. MAGALHÃES, J. P. A evolução do


direito ambiental no Brasil. 2 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 24.
2 Ibid., p. 28.
3 “os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nelas derrubarem
matos ou lhe puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de
benfeitorias, e demais, sofrerão as penas de dois a seis meses de prisão e multa
de cem mil reis, além de satisfação de danos causados”. Ibid., p. 36.
4 Ibid., p. 43.
5 Lei 6938, de 31 de agosto de 1981 (Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e dá outras
providências). In CONSTITUIÇÃO Federal, Coleção de leis do direito
ambiental. Barueri: Manole, 2004. p. 1252.
6 “Vale a pena citar os cinco documentos produzidos nesse evento ecológico
- Declaração do Rio de Janeiro: Trata-se de uma declaração de 27 princípios
ambientais, com orientação para a implantação do desenvolvimento
sustentável na Terra. Ficou conhecido como Carta da Terra. Declaração
de Princípios sobre Florestas: Esse documento estabelece que as florestas
tropicais, boreais e outros tipos devem ser protegidas. Convenção sobre
Biodiversidade: É um documento em que países signatários se comprometem
em proteger as riquezas biológicas existentes, principalmente nas florestas;
112 países assinaram a Convenção. Convenção sobre o Clima: Os 152 países
que assinaram esse documento se comprometem a preservar o equilíbrio
atmosférico, utilizando tecnologias limpas. O importante dessa Convenção é o

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 379


[
compromisso de controle da emissão de CO2 na atmosfera. Agenda 21: Trata-se
de um plano de ação que servirá como guia de cooperação internacional. É uma
proposição de adoção de procedimentos em várias áreas, tais como recursos ^
hídricos, resíduos tóxicos, degradação do solo, do ar, das florestas, transferência
de recursos e de tecnologia para países pobres, qualidade de vida dos povos,
questões jurídicas, índios, mulheres e jovens”. MAGALHÃES, J. P. A evolução do
direito ambiental no Brasil. 2 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 66.
7 Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1998/lei-9605-12-
fevereiro-1998-365397-normaatualizada-pl.html. Acesso em: 11 mai. 2020.
8 Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm. Acesso em:
11 mai. 2020.
9 Disponível em: https://www.ibama.gov.br/tcfa. Acesso em: 11 mai. 2020.
10 PEREIRA, L. O. C. Crítica à eficácia dos instrumentos jurídicos de proteção. In
Cidade, memória e legislação: a preservação do patrimônio na perspectiva
do direito urbanístico/Edésio Fernandes, Jurema Marteleto Rugani (org.). Belo
Horizonte: IAB-MG, 2002. p. 231.
11 MUKAI, T. Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. / Belo Horizonte:
Forum, 2004. p. 11.
12 “A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em 1991, iniciou o seu
programa de pós-graduação em Direito justamente com o inovador e pioneiro
curso de mestrado em Direito da Cidade, que hoje, juntamente com as demais
áreas de concentração desenvolvidas no referido programa, inicia seu novo ciclo,
com o doutorado em Direito da Cidade”. COUTINHO, R.; ROCCO, R. O Direito
Ambiental das Cidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 13 e 17.
13 COUTINHO e ROCCO, op.cit., p. 54.
14 FERNANDES, E. Legislação Ambiental Brasileira: panorama geral e breve
avaliação. In Cidade, memória e legislação: a preservação do patrimônio na
perspectiva do direito urbanístico/Edésio Fernandes, Jurema Marteleto Rugani
(org.). Belo Horizonte: IAB-MG, 2002. p. 51.
15 CONSTITUIÇÃO Federal, Coleção de leis do direito ambiental. Barueri:
Manole, 2004. p. 194.
16 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.
htm. Acesso em: 12 mai. 2020.
17 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/
Del2848compilado.htm. Acesso em: 12 mai. 2020.
18 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/
Del3866.htm. Acesso em: 12 mai. 2020.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 380


[
19 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4717.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
^
20 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4771.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
21 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4118.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
22 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp14.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
23 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1970-1979/
L6292.htm. Acesso em: 12 mai. 2020.
24 Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/104083/lei-
6513-77. Acesso em: 12 mai. 2020.
25 Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/Atos/decretos/1979/
D84017.html. Acesso em: 12 mai. 2020.
26 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6766.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
27 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6902.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
28 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Leis/L6938.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
29 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7347orig.htm.
Acesso em 12 mai. 2020.
30 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7735.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
31 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/
D1922.htm. Acesso em: 12 mai. 2020.
32 Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1998/lei-9605-12-
fevereiro-1998-365397-normaatualizada-pl.html. Acesso em: 12 mai. 2020.
33 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9795.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
34 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9960.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
35 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3551.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 381


[
36 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm.
Acesso em: 12 mai. 2020.
^
37 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/
L10257.htm. Acesso em: 12 mai. 2020.
38 “Cidade Histórica: sítio urbano que compreende a área-sede do município.
Centro Histórico: sítio urbano localizado em área central da área sede do
município, seja em termos geográficos, seja em termos funcionais ou históricos,
configurando-se em centro tradicional. Conjunto Histórico: sítio urbano
que se configura em fragmento do tecido urbano da área-sede do município
ou de qualquer um de seus distritos ou, ainda, sítio urbano que contenha
monumentos tombados isoladamente, os quais configuram um conjunto
arquitetônico urbanístico de interesse de preservação situado na área-sede ou
nos distritos do município”. Conceitos do autor.
39 Disponível em: http://www.iphan.gov.br. Acesso em: 12 dez. 2004.
40 Os planos diretores municipais pós-estatuto da cidade: balanço crítico
e perspectivas / Orlando dos S. J., Daniel T. M. (org.). – Rio De Janeiro: Letra
Capital: Observatório das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011. p. 17 e 18.
41 VARGAS, H. C. Interveções em centros urbanos: objetivos, estratégias e
resultados / Heliana Comin Vargas, Ana Luisa Howard de Castilho. – 3 ed. –
Barueri, SP Manole, 2015. p. 5.
42 Disponível em: http://www.iphan.gov.br. Acesso em: 12 dez. 2004.
43 Disponível em: https://www.diariodasleis.com.br/legislacao/federal/45509-
cria-o-plano-de-preservauuo-de-sutio-histurico-urbano-ppsh.html. Acesso
em: 13 mai. 2020.
44 Disponível em: https://www.diariodasleis.com.br/legislacao/federal/45509-
cria-o-plano-de-preservauuo-de-sutio-histurico-urbano-ppsh.html. Acesso
em: 13 mai. 2020.
45 Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/
arquitextos/02.022/803. Acesso em: 13 mai. 2020.
46 Disponível em: portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Cidades
Históricas... Acesso em 13 mai. 2020.
47 Denaldi, R.; Cavalcanti, C. B. e S.; Cabral, C. V. de, (Org). Parcelamento,
Edificação ou Utilização Compulsórios e IPTU progressivo no tempo:
Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação / Denaldi, Rosana;
Souza, Claudia Virginia Cabral de; Brajato, Dânia; Frota, Henrique Botelho e
Correa, Lidia Forghieri Mendes. Brasília: Ministério das Cidades, 2015. p. 13.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 382


[
48 Disponível em: http://www.iphan.gov.br. Acesso em: 12 dez. 2004.
49 Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/11420/A- ^
funcao-social-da-propriedade-e-a-Constituicao-Federal. Acesso em: 13 mai.
2020.
50 Denaldi, R.; Cavalcanti, C. B. e S.; Cabral, V. C. de. op.cit., p. 57.
51 Disponível em: https://marcelandre.jusbrasil.com.br/artigos/116772217/
entendendo-a-usucapiao-de-bens-imoveis-urbanos. Acesso em: 13 mai.
2020.
52 Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/
arquitextos/09.107/59. Acesso em: 13 mai. 2020.
53 Disponível em: https://direitoadm.com.br/direito-de-preempcao/. Acesso
em: 13 mai. 2020.
54 Disponível em: https://wribrasil.org.br/pt/blog/2019/08/o-que-e-outorga-
onerosa-do-direito-de-construir. Acesso em: 13 mai. 2020.
55 BITENCOURT, A. P. M. de. A TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR
PARA A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL: a experiência da
cidade de Curitiba. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2005
(Dissertação de Mestrado). Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/
bitstream/123456789/3509/1/arquivo540… Acesso em: 13 mai. 2020.
56 Operações Urbanas: anais do seminário Brasil – França / Ministério das
Cidades – Brasilia; Ministério das Cidades, 2009. p. 79.
57 ESTATUTO da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001. Carlos Bastide Horbach...
[et al]; coord. Odete Medauar Dias Menezes de Almeida – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2002. p. 181.
58 Disponível em: https://www.masterambiental.com.br/consultoria-
ambiental/eiv-riv/estudo-de-impacto-de-vizinhanca/. Acesso em: 13 mai.
2020.
59 Disponível em: https://www.infoescola.com/ecologia/zoneamento-
ambiental/. Acesso em: 13 mai. 2020.
60 Disponível em: https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28754-o-
que-e-uma-zona-de-amortecimento/. Acesso em: 13 mai. 2020.
61 Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30469/termo-de-ajustamento-
de-conduta-tac-e-algumas-observacoes-sobre-o-seus-limites. Acesso em:
13 mai. 2020.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 383


[
CONSIDERAÇÕES FINAIS
^

A análise das ações preservacionistas e intervencionistas sobre


as áreas históricas urbanas retratou a posição defendida por vários
teóricos de que a legislação preservacionista brasileira está plena-
mente estruturada, apesar de também confirmar sua difícil leitura e
entendimento devido a sua ampla dispersão em várias leis, decretos,
portarias, resoluções e aplicações por meio de vários instrumentos
jurídicos particulares aos entes administrativos. Entretanto, sua reu-
nião e compreensão neste livro possibilitaram a demonstração de
afirmações contrárias a essa condição de estrutura bem montada de
leis que tutelam as categorias patrimoniais culturais brasileiras, culmi-
nando na certeza da necessidade de revisão do principal instrumento
de defesa dos bens patrimoniais brasileiros principalmente quando
relacionado a preservação e reabilitação das áreas de interesse his-
tórico-culturais.
A aceitação de solução na determinação das competências
estabelecidas pela Constituição de 1988 mostra-se discutível, uma
vez que o adentrar na análise dos artigos pertinentes a essa questão
mostrou que o que foi estabelecido se referia a uma competência
municipal suplementar aos outros entes e, especialmente, ao federal,
ficando qualquer tipo de ação intervencionista ou preservacionista
do ente municipal sob a fiscalização do ente federal em matérias na
qual ele atua.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 384


[
A discussão de que caberia ao ente municipal o poder preferen-
cial sobre as ações aplicadas sobre as áreas históricas urbanas acolhe ^
inúmeras referências favoráveis e poucas desfavoráveis; as primeiras
residem na aplicabilidade dos instrumentos de intervenção do Direi-
to Urbanístico, atuando de forma mais próxima aos locais e popula-
ções que constituem o Patrimônio Ambiental Urbano, bem como nas
legislações ambientais do patrimônio natural transferidas para a aplica-
ção sobre os sítios históricos urbanos e que exercitam, de forma mais
equilibrada, a razão entre o desenvolvimento necessário à sustentabi-
lidade econômico-social e à preservação da identidade e memória das
paisagens urbanas; já a questão desfavorável ficou sempre remetida
à justificativa de que a preferencialidade do poder municipal sobre as
ações culminariam nas discricionariedades sempre presentes nas ações
politico-administrativas das representações autárquicas nacionais.
Ao desenvolver a análise em conjunto e comparativamente de
toda a legislação preservacionista nacional e internacional, o texto
possibilitou o entendimento de vários pontos e conceitos que susten-
tam a necessidade de revisão do Decreto-lei 25/37 e que está revisão
incipiente na sua própria estrutura de construção teórica dentro de
um período paradigmático diferente do atual e, não apenas isso, den-
tro de uma intenção diferente que norteou sua aceitação e sua conti-
nuidade. A estrutura jurídica do Decreto-lei 25/37 foi formulada como
um instrumento primário (inscrição iniciada pela notificação e finali-
zada com homologação), como instrumento secundário (transcrição
de registro imobiliário e sua averbação, por exemplo) e terciário (ins-
trumentos repressivos). Essas três condições, apesar de favorecerem a
defesa do bem, demonstram algumas problemáticas que podem ser
expressas num único conceito: o de imodificabilidade do bem.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 385


[
O conceito de imodificabilidade aponta para uma das justifi-
cativas com relação a revisão do Decreto-lei 25/37, uma vez que as ^
pessoas proprietárias de bens tombados e as populações usuárias
de locais onde estão presentes conjuntos de bens tombados sempre
questionam essa condição frente as suas necessidades econômicas/
sociais. É claro que não se trata de permitir toda ou qualquer situação
de modificação que venha a descaracterizar o bem patrimonial ou o
conjunto de bens patrimoniais, mas cabe avaliar o quanto a sociedade
sofreu transformações nas novas questões paradigmáticas urbanas.
Uma das questões de maior ruptura na estrutura prevista nas
ações projetadas pela legislação federal trata-se do necessário e
indiscutível convite para a participação da população nas decisões
referentes à preservação e à intervenção dos conjuntos históricos
urbanos. O Decreto-lei 25/37 recebeu complementações diretas para
satisfazer essa questão, como, por exemplo, a Ação Popular em 1965,
a Ação Civil Pública em 1985 e, atualmente, o Termo de Ajustamen-
to de Conduta, entretanto, esses instrumentos, também previstos na
legislação ambiental voltada para o patrimônio natural e no Direito
Urbanístico, sofrem reveses quando se deparam com o impedimento
de sua aplicação devido a superioridade do ente federal demonstrada
pelo Art. 30 inciso IX da CF/88 (competindo aos Municípios promover
a proteção do patrimônio histórico-cultural, mas observada a legisla-
ção e ação fiscalizadora federal e estadual).
Outros dois conceitos que, ao longo do tempo, foram se tornan-
do mais pejorativos do que favoráveis, foram os termos “tombamento”
e “notificação”, que passaram a ser recebidos pelos proprietários dos
imóveis mais como punição do que propriamente como entendimen-
to da função social da propriedade. Em outros países, esses conceitos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 386


[
foram sendo adaptados ou formulados dentro de paradigmas sociais
e econômicos mais atuais, recebendo a denominação de “listagens” e ^
“nomeações”. Entretanto, o estudo demonstrou que a maioria das le-
gislações internacionais moldou a formulação da legislação nacional,
ou seja, as ações nacionais seguiram expressivamente grande parte
das formulações desenvolvidas internacionalmente, como desapro-
priações, inventários, notificações e até os planos de risanamento, até
o uso de expressões como “coisa” são exatamente iguais em com-
paração com certas legislações preservacionistas como, no caso, da
legislação italiana.
Um dos resultados demonstrados por este estudo é o de que a
maioria das ações foram imprimidas por ideologias materializadas em
processos formulados por intelectuais, buscando sempre a construção
de um “ato-estima”. Nesse ponto, fica esclarecido a não aceitação dos
conceitos representados atualmente pelo Decreto-lei 25/37, uma vez
que representam imposições e não a construção desse “ato-estima”.
A necessidade de formulação de um objeto instrumental que proces-
sasse esse “ato-estima” foi entendida perfeitamente pelos instrumen-
tos próprios à legislação ambiental voltados para o patrimônio natural,
representados pelos acordos de convivência e negociação preventiva.
O Decreto-lei 25/37 e seus instrumentos complementares não
conseguem refrear o descontentamento de quem vivencia ou faz uso
dos locais portadores de identidade e memória patrimonial, isolados
ou em conjunto. As terapias promovidas pelos planos de reabilitação
histórico urbanas, apesar de buscarem a participação nas formula-
ções e lançamento das ações, não podem ser trabalhadas adequa-
damente em virtude dessa incompatibilidade estrutural do principal
instrumento preservacionista. Os planos diretores e os instrumentos

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 387


[
de intervenção urbanística procuram, de certa forma, reconhecer
essas situações ao formularem operações consorciadas, nas quais não ^
apenas o ente governamental e as populações envolvidas são chama-
dos, mas também as empresas privadas e os interesses capitais, para a
participação das decisões e desígnios das ações.
A investigação demonstrou que apesar das grandes mudanças
promovidas pela Constituição de 1988, pois nunca um texto consti-
tucional anterior havia dedicado tanto espaço à Cultura (Arts. 215 e
216) consagrando a preservação de conjunto históricos urbanos e
também o Direito Urbanístico (Art. 24 inciso I), a CF/88 ainda manteve
a estrutura não dialética das constituições anteriores ao centralizar as
ações no ente federal (art. 30 inciso IX). Também dedicou mais espaço
ao patrimônio natural (Meio Ambiente) sendo que, apesar dos arts.
182 e 183 dedicados a Política Urbana, as ações sobre o Patrimônio
Ambiental Urbano ainda necessitam ser muito mais trabalhadas,
inclusive com uma melhor acomodação dos instrumentos interven-
cionistas do Direito Urbanístico, pois a CF/88 dedica um grande
espaço apenas às formas repressivas no lidar com as questões urba-
nas como, por exemplo, as Desapropriações.
A análise demonstra a necessidade de revisão do Decreto-lei
25/37 ao se deparar com os conceitos como entorno de proteção,
entorno de ambientação, ocupação do solo, imposto progressivo,
edificações compulsórias, transferência do direito de construir, parti-
cipação popular, próprios inclusive à Lei 10257/2001; verificando que
o Dec. 25/37 limita o uso da propriedade e restringe seu uso, condi-
ções que, nos dias atuais, interfere no equilíbrio e equacionamento
das ações econômicas e sociais de reabilitação dos locais de interesse

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 388


[
histórico-culturais, apesar do entendimento de que preservar possui
um sentido maior do que tombar. ^
Todas as qualidades e deficiências do instituto do tombamen-
to foram demonstradas, argumentando as questões que mereceriam
ser mais discutidas e reavaliadas como os conflitos entre os órgãos
de proteção e órgão licenciador, a hierarquia normativa instituída
e não paralela, a notificação como processo judicial inadequado, a
não previsão da notificação dos proprietários dos bens vizinhos ou
ao entorno do bem tombado ou do conjunto de bens tombados, os
instrumentos mais repressivos que preventivos (apesar do tomba-
mento provisório buscar atender essa questão), a responsabilização
do poder público como co-autor da reparação e responsabilidade de
preservação sobre as coisas tuteláveis, as questões das indenizações
(gratuidade do tombamento), a falta de uma clareza na disposição
sobre o tipo de culpa do proprietário, a prevalecência do ente federal
sobre os demais, o poder de polícia referente às sanções reparatórias,
uma definição mais compatível da situação referente à visibilidade do
bem tombado, a situação do destombamento, etc.
No entendimento de possíveis complementações ao Decreto-
lei 25/37, a investigação se referiu ao desenvolvimento explicativo
da Ação Popular e da Ação Civil Pública, refletindo sobre as questões
relativas aos interesses difusos e interesses individuais até atingir as
questões relacionadas à obrigação do fazer e do não fazer, buscando
mostrar que os mecanismos que têm sido mais usados para equa-
cionar os problemas patrimoniais são as normalizações de condutas,
refletindo os aspectos conceituais de diferenciação com os antigos
instrumentos preservacionistas como o Decreto-lei 25/37, nas quais a

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 389


[
forma de solução deve anteceder à jurídica, demonstrando consenso,
negociação e prevenção. ^
Mais do que um instrumento de negociação, as vantagens do
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) sobre os antigos instru-
mentos preservacionistas, além de demonstrar uma alternativa para
a solução do conflito entre interesses públicos e privados (uma das
problemáticas mais expressivas do tombamento), promove um pro-
cesso de aprendizado, inclusive mais apropriado para a defesa do
Patrimônio Ambiental Urbano, como a aproximação das partes para
discutir e demonstrar suas posições, o fazer ver ao infrator a impor-
tância de sua conduta preservacionista, a diminuição ou extinção das
custas judiciais, a tutela inibitória, a possibilidade de entendimento
sobre a visibilidade do entorno dos bens tombados, a possibilidade
de maior retórica do que a rigidez do Dec. 25/37 e sua legislação
complementar. A discussão propiciada pelo TAC e especificamente
pelo TACC promove a construção simbólica da participação através
da mentalidade conciliatória.
O estudo também propiciou o entendimento de questões re-
lacionadas às competências, uma vez que explicou e definiu que os
conceitos de soberania e autonomia entre a União, Estados e Muni-
cípios não garantem um auto-governo. Esses fatos demonstrados
possibilitaram verificar que os governos locais, na maioria das vezes,
estão propensos a reprimirem a intromissão dos outros entes e que,
com relação aos bens tuteláveis, só passam a interessar aos entes,
individualmente, quando começam a ocasionar problemas de tal
ordem obrigando-os a atuarem, o que, muitas vezes, produz as
conhecidas disputas patrimoniais.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 390


[
A maioria das constituições estaduais, legislações estaduais, leis
orgânicas, planos diretores, leis municipais preservacionistas, buscam ^
não ocasionar inconstitucionalidades com a Carta Maior, consagram
o Patrimônio Ambiental Urbano, buscam a criação de áreas de espe-
cial interesse urbanístico para tratar as questões dos bens histórico-
-culturais, buscam compatibilizar o desenvolvimento urbano com a
preservação do patrimônio, além de cuidados especiais com o entor-
no dos bens, criação de fundos e incentivos para a preservação, em
certos casos até consagram a expressão “Centros Históricos”. Todavia,
as legislações estaduais e municipais, na sua grande maioria, apresen-
taram-se como cópias do Dec. 25/37, já as leis orgânicas municipais e
os Planos Diretores demonstraram os avanços relacionados ao trata-
mento do Patrimônio Ambiental Urbano com o uso tanto dos instru-
mentos do Direto Urbanístico quanto da legislação ambiental voltada
para o patrimônio natural.
A determinação de que a legislação ambiental voltada para o
patrimônio natural avançou mais do que a legislação preservacio-
nista cultural foi comprovada pela investigação, demonstrando não
apenas questões teóricas qualitativas, mas também quantitativas
sobre leis, decretos, portarias, resoluções que formaram o conjunto
de instrumentos tutelares aplicados e que a maioria das leis criadas
nas décadas de 1970, 1980 e 1990, foi dedicada ao patrimônio natu-
ral. Situação que culminou na possibilidade visualizada de transferên-
cia de muitas das ações do patrimônio natural para o tratamento do
patrimônio ambiental urbano, uma vez que o conceito “negociação”
se tornou o principal objetivo teórico a ser buscado demonstrando
respostas ao contraditório preservar X explorar.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 391


[
A investigação mostrou as ações possíveis de serem transferidas
do patrimônio natural para o aperfeiçoamento da tutela do patri- ^
mônio ambiental urbano, podendo ser citados: as áreas de interesse
histórico-culturais transferidas dos zoneamentos ambientais, controle
do “potencialmente poluidor” transferido para o controle do “poten-
cialmente degradador”, compatibilização do desenvolvimento econô-
mico-social com a preservação, estudos de impacto de vizinhança
transferidos dos estudos de impacto ambiental e relatórios de impacto
ambiental, uso de novos termos como manejo, entendimento das
deficiências administrativas com a criação de mediadores entre os
agentes como o SISNAMA, criação de Conselho Nacional do Patrimô-
nio Ambiental Urbano relacionando-se com os órgãos municipais de
urbanismo, licenciamento de atividades potencialmente poluidoras
transferidas para licenciamento e permissões de usos, TCFA – Taxa de
Controle e Fiscalização Ambiental – transferida para Taxa de Controle
e Fiscalização do Patrimônio Ambiental Urbano, formulação do con-
ceito de “pertencimento social” dos bens do patrimônio cultural ma-
terial e imaterial transferido do conceito de pertencimento dos bens
de natureza natural e retomada das ações relacionadas com a educa-
ção sobre o patrimônio cultural com o mesmo fervor com que se tem
tratado a defesa do patrimônio natural. Outras duas questões que
têm sido transferidas das ações relacionadas ao patrimônio natural
para o patrimônio ambiental urbano tratam das aplicações de penas
(Leves, Médias e Graves) e o Ajustamento de Conduta (TACC), sendo
este último responsável pela expressão mais empregada atualmente
na teoria da preservação patrimonial: o “aprendizado da negociação”.

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 392


[
A partir de todas essas situações possíveis de transferência, ob-
servou-se os conceitos determinadores da interface buscada entre a ^
questão ambiental e a questão urbana, que foram entendidos como:
1º - aproximar as ações preservacionistas da contraposição oferecida
pela necessidade desenvolvimentista; 2º - promover a busca da dialé-
tica; 3º - estabelecer procedimentos, acompanhamentos e avaliações
dos planos empregados; 4º - compatibilizar as disputas entre o inte-
resse público e o interesse privado.
A provocação que este estudo proporciona é o de que não con-
vém cada ente administrativo tentar pelos seus meios resolver as
situações relacionadas ao Patrimônio Ambiental Urbano. Esse argu-
mento nasce do aprendizado de que, ao realizar a leitura da legisla-
ção em partes separadas, os agentes produtores das ações sobre os
bens patrimoniais não percebem as (im)possibilidades de emprego
de uma série de situações previstas, diferente de quando se conhece
a legislação em todo seu conjunto. Essa dificuldade relacionada a ca-
racterística estrutural da legislação brasileira demonstra que a disper-
são das leis preservacionistas é um dos grandes empecilhos à defesa
patrimonial. Também a manutenção dessa dispersão promove o en-
tendimento de que a legislação mais importante (Decreto-lei 25/37)
consegue resolver todas as necessidades de tutela dos bens patrimo-
niais. A diferença marcada pela ascensão da legislação ambiental e da
legislação urbanística ocorreu a partir de sua reunião em leis, como a
6938/81 e a 10257/01.
A legislação aplicada sobre os bens patrimoniais cuidadosamen-
te analisada neste livro, histórica e comparativamente, demostrou que
o caminho para a promoção da preferencialidade municipal sobre as
ações se expressa no arcabouço do paradigma desenvolvimentista

O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NA PRESERVAÇÃO DE CENTROS HISTÓRICOS 393


[
atual, seguindo ou contrapondo-se as condições e considerações in-
ternacionais que norteam as ações nacionais. Entretanto, reconhecer ^
a potencialidade do Dec. 25/37 e a necessidade de sua revisão, numa
condição de reconhecimento da teoria da conservação e restauro, da
legislação preservacionista nacional e de aceitação das transforma-
ções necessárias à defesa atual dos bens patrimoniais, são fatores que
só a interdisciplinaridade entre a História, Arquitetura, Urbanismo e
Direito seriam capazes de revelar na compreensão e aprendizado das
inúmeras possibilidades do Direito Urbanístico Brasileiro na Preserva-
ção de Centros Históricos.

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