A Mentira Envenena - Ronilda Iyakemi
A Mentira Envenena - Ronilda Iyakemi
A Mentira Envenena - Ronilda Iyakemi
RESUMO ESTENDIDO
1
Docente e pesquisadora. Universidade de São Paulo e Universidade Paulista.
2
Doutorando Psicologia Social. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
3
Docente e pesquisador. Universidade Paulista.
Grande é o desafio de compreensão do que seja o povo brasileiro, com sua alma
mestiça, suas diversas matrizes étnico-raciais, seu rico simbolismo. Primeiro colocado em
população negra fora da África, nosso país exige, para compreensão das identidades
individuais e coletivas, um conhecimento da sabedoria tradicional africana, pois muito do
que podemos chamar ECRO brasileiro acha-se constituído de elementos trazidos por
africanos: suas concepções de tempo, espaço, universo e pessoa, cujo conhecimento
pode favorecer a ação psi. Das muitas possibilidades de leitura negro-africana da
realidade elegemos a dos iorubás, cujo território de origem estende-se pelos países
Nigéria, Togo e República do Benin, e que marca forte presença na constituição
demográfica, social, cultural e religiosa do povo brasileiro.
O sentido literal de ori é cabeça. Ribeiro, R. I. (2015) vem sugerindo a adoção de dois
modos de grafia dessa palavra: com letra inicial minúscula (ori) quando se faz referência à
cabeça física e maiúscula (Ori) quando se faz referência ao Orixá Ori, divindade pessoal,
equivalente, mantidas as devidas proporções, àquilo que conhecemos por Self ou Eu
Como cada ori pode ser rere (ori de sorte, bom ori) ou buruku (ori de azar, mau ori), as
dinâmicas psicossociais resultam da interação entre ori rere ou ori buruku com iwápelé ou
iwábuburu, em todas as possibilidades combinatórias desses fatores.
Um olori buruku (portador de um mau ori) pode ter suas condições atenuadas pelo fato
de ser iwápelé, isto é, uma pessoa “azarada” pode ter boas chances de progresso caso
seja dotada de bom iwá e discipline a si mesma no sentido de proceder corretamente. Por
outro lado, um olori rere, (portador de um bom ori) poderá ver-se prejudicado pelo próprio
iwá se ela for iwábuburu, ou seja, pode estragar as próprias oportunidades de progresso
em decorrência de ações incorretas. Ori rere é mantido e fortalecido por iwápelé ou
prejudicado por iwábuburu. Não há ritual que isente de obedecer às regras do código
ético moral estabelecido.
Naturalmente, o poder da palavra de um homem depende de como ele utiliza sua fala.
O poder criador e operativo da palavra encontra-se em relação direta com a conservação
ou com a ruptura da harmonia no homem, no mundo que o cerca e na relação entre o
homem e o mundo. Por isso a mentira é considerada uma verdadeira lepra moral. Dizem
os adágios (Hampate Bâ, 1982, p. 182): A língua que falsifica a palavra envenena o
sangue daquele que mente; aquele que corrompe sua palavra corrompe a si próprio;
cuida-te para não te separares de ti mesmo: é melhor que o mundo fique separado de ti
do que tu separado de ti mesmo.
Quando alguém pensa uma coisa e diz outra, separa-se de si mesmo, rompe a unidade
sagrada, reflexo da unidade cósmica. Cria desarmonia ao redor de si e em seu próprio
interior. A relação homem-palavra, em que a mentira não tem lugar, é particularmente
enfatizada quando se trata de transmitir palavras herdadas de ancestrais ou de pessoas
idosas, na corrente de transmissão oral. O tradicionalista é disciplinado interiormente,
preparado para jamais mentir, considerado senhor das forças que o habitam. Ao seu
redor as coisas se ordenam e as perturbações se aquietam (HAMPATE BÂ, 1982, p. 182).
Referências
Frias, Eduardo Ribeiro; Ribeiro, Ronilda Iyakemi. A professora destruiu minha pulseira de
Orixá e todo mundo riu. O psicólogo escolar diante da discriminação religiosa. II
Seminário - Psicologia, Religião e Direitos Humanos (13.06.2015), São Paulo, CRPSP,
2015.
Frias, Eduardo Ribeiro. Ótica negro-africana (iorubá) na formação em Psicologia Escolar e
Educacional. São Paulo, CRPSP, III Seminário - Na fronteira da Psicologia com Saberes
Tradicionais - técnicas e práticas (25.09.2015), São Paulo, CRPSP, 2015.
Frias, Rodrigo Ribeiro. Matriz iorubá da religiosidade afro-brasileira: levantamento de
teses e dissertações de Psicologia abrigadas pela Universidade de São Paulo. São Paulo,
CRPSP, II Seminário - Psicologia, Religião e Direitos Humanos (13.06.2015), São Paulo,
CRPSP, 2015.
Frias, Rodrigo Ribeiro. Psicologia, concepção iorubá de pessoa e religiosidade afro-
brasileira: diálogo possível. São Paulo, CRPSP, III Seminário - Na fronteira da Psicologia
com Saberes Tradicionais - técnicas e práticas (25.09.2015), São Paulo, CRPSP, 2015.
Hampate Bâ, Hamadou. A tradição viva. In: História Geral da África: Metodologia e pre-
história da África. São Paulo: Ática; [Paris]: UNESCO, 1982. Páginas 181-218.
Lasch, Cristopher. A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em
declínio. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
Noronha, Marcos. La aproximación de la Psicología a la Etnología: producto y historia (II).
Rev. Psiquiatría Fac. Med. Barna, 21,1, 16-22, 1994.
Pichón-Rivière, Enrique. El proceso grupal: del psicoanalisis a la psicología social. Buenos
Aires: Nueva Visión, 1977.