ROCHA, Sergio Andre. Interpretacao Dos Tratados para Evitar A Bitributacao Da Renda

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INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA

EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

2ª EDIÇÃO

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“A QUARTIER LATIN teve o mérito de dar início a uma nova
fase, na apresentação gráfica dos livros jurídicos, quebrando a
frieza das capas neutras e trocando-as por edições artísticas.
Seu pioneirismo impactou de tal forma o setor, que inúmeras
Editoras seguiram seu modelo.”
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Editora Quartier Latin do Brasil


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SERGIO ANDRÉ ROCHA
Professor Adjunto de Direito Tributário da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Mestre e Doutor em Direito.
Sócio de Consultoria Tributária da Ernst & Young.

INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA


EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

2ª EDIÇÃO

Editora Quartier Latin do Brasil


São Paulo, verão de 2013
[email protected]
www.quartierlatin.art.br

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EDITORA QUARTIER LATIN DO BRASIL
Rua Santo Amaro, 316 - Centro - São Paulo
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Coordenação editorial: Vinicius Vieira

Diagramação: Victor Guimarães Sylvio

Revisão gramatical: Studio Quartier

Capa: Eduardo Nallis Villanova

ROCHA, Sergio André – Interpretação dos Tratados para Evitar


a Bitributação da Renda – São Paulo: Quartier Latin, 2013.

ISBN 85-7674-648-4

1. Direito Tributário Internacional. I. Título

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Direito Tributário Internacional

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busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

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SUMÁRIO

Prefácio de Gerd Willi Rothmann ........................................................ 11

INTRODUÇÃO, 23

Da importância do estudo da interpretação das Convenções para


Evitar a Dupla Tributação da Renda ................................................ 25
Estrutura da tese .................................................................................... 33

1
AS CDTRS:
Evolução Histórica, Natureza Jurídica, Posição Hierárquica
no Ordenamento Jurídico Brasileiro, Qualificação como
Normas Especiais de Tributação e Objetivos, 39

1.1. Evolução histórica das CDTRs ...................................................... 41


1.2. Natureza jurídica das CDTRs ........................................................ 46
1.2.1. Monismo e dualismo jurídicos ................................................ 47
1.3. A posição hierárquica das CDTRs no ordenamento
jurídico brasileiro ......................................................................... 54
1.3.1. Reflexões sobre a aplicabilidade dos §§ 2º e 3º do
artigo 5º da Constituição Federal em relação às CDTRs ....... 55
1.3.1.1. Reflexões sobre a aplicabilidade do § 2º do artigo 5º
da Constituição Federal em relação às CDTRs............ 56
1.3.1.2. Reflexões sobre a aplicabilidade do § 3º do artigo 5º
da Constituição Federal em relação às CDTRs............ 59
1.3.2. O artigo 98 do Código Tributário Nacional ........................... 62
1.3.2.1. Análise quanto à compatibilidade do artigo 98 com
a Constituição Federal.................................................. 64
1.4. As CDTRs como veículos introdutores de regras especiais
de tributação ................................................................................ 71

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1.5. Objetivos das CDTRs .................................................................... 74
1.5.1. Evitar a dupla tributação da renda .......................................... 76
1.5.2. A repartição de receitas tributárias entre os países
contratantes ............................................................................ 78
1.5.3. Fomento aos investimentos estrangeiros (segurança
jurídica e estabilidade da tributação sobre inversões
estrangeiras) ........................................................................... 82
1.5.4. Concretização do princípio da não discriminação................... 83
1.5.5. Evitar a evasão fiscal e o planejamento tributário abusivo....... 85
1.6. Comentários finais .......................................................................... 89

2
BASES HERMENÊUTICAS DA PRESENTE PESQUISA, 91

2.1. Introdução ...................................................................................... 93


2.2. O positivismo jurídico de Hans Kelsen e a teoria dos
textos normativos como molduras ............................................... 93
2.3. Herbert L. A. Hart e a textura aberta da linguagem ....................... 97
2.4. A hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer...................... 98
2.4.1. Uma crítica ao método............................................................ 99
2.4.2. A hermenêutica gadameriana e a hermenêutica jurídica ......... 103
2.4.3. Interpretação e aplicação......................................................... 110
2.5. A jurisprudência dos valores e o pós-positivismo ............................ 112
2.6. O pensamento por problemas: A tópica de Theodor Viehweg ....... 117
2.7. A teoria da argumentação ............................................................... 121
2.8. Síntese conclusiva ........................................................................... 124

3
INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS E SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO, 131

3.1. Problemas na interpretação de tratados internacionais ................... 133


3.2. A necessidade da interpretação para a criação da norma
jurídica internacional ................................................................... 135

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3.3. A teoria da única norma correta no Direito Internacional ................ 136
3.4. Interpretação de tratados internacionais vs. a interpretação
de leis domésticas: O método na interpretação do
Direito Internacional ................................................................... 138
3.5. As regras de interpretação na CVDT ............................................. 139
3.5.1. Exame das regras de interpretação da CVDT e os
elementos da metodologia hermenêutica aplicável aos
tratados internacionais............................................................ 144
3.5.1.1. O elemento gramatical ................................................... 145
3.5.1.2. Elemento sistemático (o contexto dos tratados) ............. 148
3.5.1.3. Elementos teleológico e axiológico ................................. 152
3.5.1.4. Elemento histórico ......................................................... 155
3.5.1.5. Os princípios da boa-fé e do efeito útil ........................... 158
3.6 Meios para a solução de conflitos de interpretação .......................... 160
3.6.1. Meios diplomáticos................................................................. 162
3.6.2. Meios políticos ....................................................................... 164
3.6.3. Meios jurisdicionais ................................................................ 164
3.6.4. Requisitos de validade das decisões tomadas nos
meios pacíficos de solução de controvérsias sob o
prisma brasileiro ..................................................................... 166
3.6.5. Solução de controvérsias a respeito da interpretação
de tratados internacionais: competência técnica do
Poder Executivo ..................................................................... 167

4
A QUESTÃO DAS QUALIFICAÇÕES NA TEORIA GERAL DO
DIREITO E NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, 171

4.1. Interpretação ou qualificação dos fatos? Abordagem a partir


das premissas adotadas ................................................................ 173
4.2. A qualificação no Direito Internacional Privado............................. 178
4.3. Conclusão do presente capítulo ...................................................... 183

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5
A INTERPRETAÇÃO DAS CDTRS, 185

5.1. Aplicação das regras de interpretação contidas na CVDT


no processo hermenêutico das CDTRs ....................................... 187
5.2. Natureza fiscal das CDTRs ............................................................ 190
5.3. Elementos de interpretação das CDTRs ........................................ 192
5.3.1. O elemento gramatical ........................................................... 192
5.3.1.1. O item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo
da OCDE e o reenvio ao direito interno dos
Estados contratantes .................................................... 194
5.3.1.2. Reenvio estático ou dinâmico ao direito interno
dos Estados contratantes .............................................. 195
5.3.1.3. Reenvio ao ordenamento jurídico interno ou à
legislação do tributo objeto da CDTR?........................ 199
5.3.1.4. A questão dos parallel treaties .......................................... 200
5.3.2. O elemento sistemático (o contexto das CDTRs) .................. 201
5.3.2.1. Os Comentários à Convenção Modelo da OCDE
como contexto .............................................................. 204
5.3.2.1.1. Os Comentários à Convenção Modelo como
significado ordinário ou especial dos termos
utilizados na CDTR ............................................... 209
5.3.2.1.2. Os Comentários à Convenção Modelo como
elemento de interpretação das CDTRs no Brasil .... 211
5.3.2.1.3. Utilização estática ou dinâmica dos Comentários... 213
5.3.2.2. A intenção das partes ...................................................... 214
5.3.2.3. Os parallel treaties ........................................................... 215
5.3.2.4. A legislação doméstica e decisões de autoridades
do outro Estado contratante ......................................... 216
5.3.2.5. O que seria, então, o contexto das CDTRs para fins
do item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo? ............ 216
5.3.2.6. Quem interpreta/aplica a CDTR? O Estado da fonte,
o da residência ou ambos? ............................................ 217
5.3.3. Elementos teleológico e axiológico ......................................... 219
5.3.4. Elemento histórico ................................................................. 220

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5.3.5. O princípio da boa-fé na interpretação das CDTRs ............... 221
5.4. Intérpretes das CDTRs .................................................................. 225

6
A QUESTÃO DAS QUALIFICAÇÕES NO ÂMBITO DAS CDTRS, 229

6.1. Introdução ...................................................................................... 231


6.2. Critérios para alocação de competência qualificatória..................... 235
6.3. A aplicação do New Approach no Brasil .......................................... 240
6.4. A tese da qualificação autônoma ..................................................... 240
6.5. A teoria do Professor Alberto Xavier .............................................. 242
6.6. Conclusão do presente item ............................................................ 244

7
A QUEBRA DO TRATADO PELA INTERPRETAÇÃO:
Os Casos Brasileiros da Tributação das Remessas ao
Exterior Decorrentes da Prestação de Serviços sem
Transferência de Tecnologia e Aquelas Recebidas por
Residentes Brasileiros de ETVEs Espanholas, 245

7.1. Introdução ...................................................................................... 247


7.2. O caso da tributação de remessas ao exterior decorrentes da
prestação de serviços sem transferência de tecnologia ................. 247
7.3. Remessas de ETVEs espanholas .................................................... 256

8
INSTRUMENTOS PARA A SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIAS
HERMENÊUTICAS NO CAMPO DAS CDTRS, 259

8.1 Introdução ....................................................................................... 261


8.2 O procedimento amigável................................................................ 261
8.2.1 Procedimento amigável e legalidade tributária ........................ 264

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8.2.1.1 A problemática envolvendo os conceitos indeterminados ..... 265
8.2.1.1.1 Breves apontamentos sobre os conceitos
indeterminados........................................................ 265
8.2.1.1.2 Conceitos indeterminados e litigiosidade tributária 268
8.2.1.2 Meios alternativos de solução de conflitos ....................... 270
8.2.1.3 Procedimento amigável, legalidade tributária e
insdisponibilidade do crédito tributário ....................... 271
8.2.2 Vinculação dos órgãos de aplicação brasileiros aos acordos
em procedimentos amigáveis .................................................. 275
8.2.3 Comentários finais acerca do procedimento amigável ............. 281
8.3 A arbitragem como instrumento de solução de divergências
hermenêuticas no campo das CDTRs ......................................... 282
8.3.1 Arbitragem internacional e o Brasil ......................................... 286
8.3.2 A posição da OCDE ............................................................... 287
8.4 A criação de um tribunal internacional para a solução de
conflitos interpretativos no campo das CDTRs .......................... 290
8.5 A opção de por uma solução pela via diplomática ........................... 292

CONCLUSÃO, 297

Bibliografia ............................................................................................ 303

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PREFÁCIO - 11

PREFÁCIO
É surpreendente e, ao mesmo tempo, muito gratificante observar que
minha tese de doutorado sobre a “Interpretação e Aplicação dos Acordos Interna-
cionais contra a Bitributação”, defendida (e aprovada!) há quase 30 anos na
Faculdade de Direito da USP, continua sendo consultada e citada pelos tribu-
taristas pátrios, que se aventuram explorar este campo tão complexo do já difícil
Direito Tributário. E agora até me trouxe a alegria de prefaciar a brilhante tese
de doutorado, apresentada pelo tributarista Sergio André Rocha na UGF sobre
a mesma temática.
A obra de Sergio André, baseada em vasta bibliografia nacional e
internacional, representa um estudo sistemático dos acordos contra a
bitributação internacional e de sua interpretação. Inicia sua exposição com
a evolução histórica, natureza jurídica, posição hierárquica e objetivos dos
acordos internacionais, que o Autor prefere denominar de “Convenções para
Evitar a Dupla Tributação da Renda”, cuja sigla “CDTRS” passo a adotar neste
prefácio. Com clareza e segurança, o Autor examina os conceitos envolvidos
e as divergências existentes em relação à matéria, apresentando sempre sua
opinião pessoal, devidamente fundamentada.
Depois das noções propedêuticas, o Autor entra no estudo da interpretação
das CDTRS com sua problemática específica: regras de interpretação, as
qualificações, o conceito de “contexto”, os comentários à Convenção-Modelo
da OCDE, os “parallel treaties”, o “new approach” e outras questões relacionadas
com a interpretação e aplicação das CDTRS. Diante das divergências existentes
na doutrina, o Autor se posiciona de maneira coerente, mesmo quando contraria
a opinião dominante.
A presente obra serve, pois, tanto como introdução aos iniciantes nesta
matéria, como convida à reflexão aqueles com ela familiarizados. Para mim
pessoalmente, representou um estímulo para reexaminar minhas próprias
conclusões sobre os “velhos e sempre novos” problemas das CDTRS e as
questões e colocações mais recentes. Como prova disso, quero apresentar alguns
exemplos de assuntos controvertidos, que me chamaram atenção.

1. NATUREZA JURÍDICA E POSIÇÃO HIERÁRQUICA DAS CDTRS


Apesar da evolução doutrinária havida, continuo entendendo que as
CDTRS pertencem a duas ordens jurídicas distintas: a internacional, como

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12 - PREFÁCIO

acordo de vontades de dois Estados soberanos, limitando sua soberania fiscal,


e a nacional, quando, em cada um dos estados, o acordo internacional é
“incorporado” pelo poder legislativo competente.
No entanto, esta “incorporação” não implica a “transformação” da
convenção internacional em lei, como defendi na minha tese de doutorado,
influenciado pelo Direito Germânico. O decreto legislativo, que aprova a
convenção internacional (e não o decreto presidencial de promulgação da
convenção), incorpora a convenção como tal, tornando-a aplicável na ordem
interna.
Esta conclusão baseia-se nas normas do Código Tributário Nacional
(“CTN”), que, no seu art. 96, dispõe que a expressão “legislação tributária”
compreende as leis e os tratados e as convenções internacionais. Se estes tivessem
sido “transformados” em lei, não teria sentido citá-los, separadamente, como
espécie normativa que compõe a legislação tributária nacional.
O reconhecimento de duas ordens jurídicas distintas também fica claro
pelo enunciado do art. 98 do CTN, quando estabelece, ainda que de forma
pouco apropriada, que “os tratados e as convenções internacionais revogam
ou modificam a lei tributária interna, e serão observados pela que lhes
sobrevenha”.
Como se vê, o CTN coloca os tratados e as convenções internacionais
acima da lei tributária nacional, admitindo a sua aplicação na ordem jurídica
interna, em posição hierarquicamente superior. O CTN adota, pois, o dualismo
jurídico, sem “transformação” dos tratados e das convenções internacionais em
lei interna. Se tivessem sido transformados em lei interna, evidentemente não
poderiam ter primazia em relação às demais leis internas, a não ser pelo critério
da especialidade, de que se revestem os tratados e as convenções internacionais,
e pelo critério cronológico.
Como “lei interna”, a prevalência da convenção internacional somente
poderia fundamentar-se no princípio “lex posterior derogat legi priori” ou
no princípio “lex specialis derogat legi priori”. Um conflito entre as normas
hierarquicamente iguais ainda poderia ser resolvido pela regra “lex posterior
generalis non derogat legi priori specialis”.
Aliás, são estas as regras que se aplicam no Direito alemão, onde a CDTR
tem a mesma posição das leis ordinárias, apesar de o § 2º do Código Tributário

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PREFÁCIO - 13

Alemão (“Abgabenordnung” – “AO”) estabelecer a primazia dos acordos de


Direito Internacional, nos seguintes termos:
“Tratados com outros Estados, no sentido do art. 59, inciso II, período
1º, da Lei Fundamental, que dispuserem sobre tributação prevalecem
sobre as leis tributárias, desde que se tenham tornado direito interno
de aplicação imediata.”
Pelo seu enunciado, o § 2º da AO parece considerar o acordo internacional
como “lex superior”, da mesma forma que o Artigo 98 do CTN. Isto, no
entanto, é refutado, unânimemente pela doutrina e pela jurisprudência alemãs,
devido à natureza da AO. Diferentemente do CTN, que tem a natureza de lei
complementar à Constituição Federal, hierarquicamente superior à lei ordinária,
a AO é uma simples lei ordinária, que não pode conferir à outra lei ordinária,
ou seja, ao acordo, nenhuma posição hierárquica superior ou primazia.
Cabe esclarecer que o Artigo 59 da Constituição Alemã, a que se refere o §
2º da AO, trata do poder de representação internacional conferido ao Presidente
da Federação e dispõe, no seu inciso 2º, que os tratados que se refiram a matéria
da legislação federal, requerem a aprovação ou a intervenção dos respectivos
órgãos competentes de legislação federal, sob a forma de uma lei federal.
Pela Constituição Alemã, as CDTRS são, pois, simples leis federais, visto
que não se-lhes aplica o disposto no Artigo 25 da Constituição Alemã, que se
refere somente às normas gerais do Direito Internacional Público e não aos
tratados e convenções internacionais. Pelo referido Artigo, “as normas gerais de
Direito Internacional Público constituem parte integrante do direito federal.
Sobrepõe-se às leis e constituem fonte direta de direitos e obrigações para os
habitantes do território federal”.
Alertando tratar-se de posição minoritária, Sergio André entende que,
também na legislação pátria, as CDTRS “encontram-se na mesma posição
hierárquica das leis ordinárias internas, resolvendo-se eventual conflito entre
tais tratados e as leis tributárias domésticas mediante a aplicação dos critérios
cronológico e de especialidade”, visto que não reconhece a competência do CTN
de disciplinar esta matéria, o que tornaria inconstitucional o seu Artigo 98.
Em que pesem os argumentos de Sergio André, continua inalterada minha
posição de considerar o Artigo 98 do CTN perfeitamente em conformidade
com os princípios constitucionais, que levam a reconhecer a prevalência de

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14 - PREFÁCIO

aplicabilidade das normas internacionais. Concordo, pois, com os argumentos


apresentados por autores como Alberto Xavier e Heleno Tôrres.
O fato de tanto Alberto Xavier como Heleno Tôrres defenderam a
supremacia dos tratados internacionais mostra, claramente, que a dicotomia
entre monismo e dualismo das ordens jurídicas, deixou de ser relevante. O
monismo com primado do direito internacional leva ao mesmo resultado do
dualismo de Heleno Tôrres, que não mais se caracteriza pela “transformação”
das convenções internacionais em lei interna com o mesmo conteúdo, mas
pela sua recepção como norma de direito internacional. E, pela Constituição
Federal, esta norma internacional tem a natureza de “lex superior”, que prevalece
sobre as leis internas.
No momento em que se reconhece que o acordo internacional não
é transformado em lei interna, mas continua sendo norma de Direito
Internacional, a rigor torna-se irrelevante se o CTN lhe confere a posição
de “lex superior” ou não. Pois em caso de conflito com uma lei interna, pela
especialidade da matéria objeto dos acordos internacionais, aplica-se o já
mencionado princípio da “lex specialis derogat legi priori”. Portanto, a primazia
cabe ao acordo internacional. E mesmo sem o comando contido no artigo 98 do
CTN, o acordo internacional não pode ser revogado por lei interna posterior,
mas somente por instrumento da mesma espécie, ou seja, como diz Alberto
Xavier, por ato de competência conjunta do chefe do Estado e do Congresso
Nacional.
Daí podemos concluir que, no fundo, as discussões relativas a dualismo
e monismo jurídico, primazia do acordo internacional ou paridade com a lei
interna, constitucionalidade ou não do Artigo 98 do CTN, praticamente passam
a ser irrelevantes, em vista do procedimento de celebração dos tratados previsto
na Constituição Federal, do qual decorre claramente que não há “transformação”
mas recepção plena dos tratados, que valem na ordem interna como normas
internacionais de natureza especial e não como leis ordinárias federais. E, em
assim sendo, as hipóteses de conflito entre estas duas ordens de normas são
resolvidas pela aplicação dos princípios da especialidade e da competência
legislativa, sem necessidade de recorrer ao princípio da “lex superior”.
O fato de reconhecer a inexistência da “transformação” da CDTR em lei
interna, me forçou a rever também minha posição quanto à sua interpretação.
Diferentemente do que havia concluído na tese de doutorado, as CTPTRS, via

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PREFÁCIO - 15

de regra, são interpretadas conforme as regras de interpretação dos tratados,


visto tratar-se de acordos de vontade entre Estados, limitando sua soberania
fiscal. Somente se as próprias CDTRS fizerem um reenvio à “lex fori”, ou seja,
remeterem à legislação interna dos estados contratantes, em relação a esta serão
aplicadas as regras de interpretação das leis.

2. OBJETIVOS DAS CDTRS E SUA RELEVÂNCIA PARA A


INTERPRETAÇÃO DAS CDTRS

As CDTRS representam uma das espécies de medidas para eliminar ou


atenuar a bitributação internacional. No entanto, a mesma finalidade também
pode ser perseguida por medidas unilaterais, de direito inteiro dos estados.
Em que consiste, então, a vantagem da celebração de acordos internacionais
bilaterais?
Com frequência cada vez maior, ouve-se a pergunta provocativa: “Ainda
precisamos de acordos de bitributação”? Levando em consideração que a maioria
das cláusulas de um acordo representam concessões que, em grande parte, os
estados também fariam unilateralmente na sua legislação interna, para garantir
sua competitividade nas relações internacionais, parece que esta indagação tem
sua razão de ser.
Como mostra Sergio André, o Reino Unido adota medida unilaterais
para evitar a bitributação internacional, a ponto que as CDTRS têm pouca
influência na consecução deste objetivo. Por isso, para David R. Davies, citado
com muita propriedade por Sergio André, aponta como principais objetivos
das CDTRS celebrado pelo Reino Unido a preservação das relações comerciais
e a divisão de receitas tributárias entre os países signatários.
No entanto, em artigo relativo à denúncia da CDTR entre Brasil e
Alemanha, depois de mostrar os problemas havidos na sua aplicação e que
alguns benefícios da CDTR seriam, pelo menos parcialmente, compensados
pela legislação interna dos dois países, cheguei à conclusão de que, mesmo
assim, seria bastante conveniente que Brasil e Alemanha celebrassem nova
CDTR. Isto porque a denúncia da CDTR enfraqueceu a segurança jurídica
dos investidores alemães e as medidas unilaterais não podem impedir que a
Alemanha ou o Brasil estendam demasiadamente sua pretensão fiscal.
É de se considerar também que a bitributação somente é eliminada pelas
CDTRS na medida do alcance de seu âmbito de aplicação quanto às pessoas e

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16 - PREFÁCIO

aos impostos visados. Na opinião de Michael Lang, isto impede que as CDTRS
sejam consideradas como meios genéricos de prevenção da bitributação e que,
portanto, sejam aplicadas genericamente. Para decidir se a CDTR deva ser
aplicada ou não a determinado caso, o interprete não pode, pois, partir da
máxima de interpretação no sentido de que as CDTRS sempre devam eliminar
a bitributação, de qualquer maneira.
Seguindo esta linha de raciocínio, não posso aceitar a caracterização
das CDTRS como concretização de um “princípio da não bitributação
internacional”, que possa servir como princípio genérico ou máxima apriorística,
a ser observada na interpretação da CDTRS.
Além disso, concordo perfeitamente que a problemática da dupla não
tributação, da qual Vogel distingue a dupla isenção, não se inclui entre os
objetivos das CDTRS, pois nem sempre a dupla não tributação constitui uma
consequência de desarmonia hermenêutica no campo das CDTRS.
Ainda conforme Michael Lang, citado por Sergio André, os métodos de
isenção e do crédito previstos nas CDTRS, combinados com a legislação interna
dos estados contratantes, podem levar à dupla não tributação, sem que isto
constitua uma violação das CDTRS. Daí conclui Lang, que não há nenhuma
base para supor a existência uma máxima de interpretação no sentido de que
as CDTRS sempre devam ser interpretadas de tal forma, que não deixem os
rendimentos sem tributação.
Também Vogel considera completamente normal que um estado con-
tratante não faz uso da competência que lhe foi atribuída pela CDTR e que,
assim, nenhum dos dois estados tributa o rendimento.
Se a finalidade precípua das CDTRS consiste, pois, na segurança jurídica e
na repartição das receitas tributárias, objetivos esses que as medidas unilaterais dos
estados, por natureza, não conseguem alcançar, isto, evidentemente, tem reflexos
importantíssimos sobre sua interpretação, que é eminentemente teleológica.

3. INTERPRETAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS VS. A


INTERPRETAÇÃO DE LEIS DOMÉSTICAS

Pelo exposto, devemos partir das seguintes premissas na análise dos


métodos de interpretação das CDTRS:
a) As convenções internacionais são incorporadas na ordem interna
como tais, não sendo “transformadas” em lei interna.

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PREFÁCIO - 17

b) A fim de provocar concessões máximas da outra parte contratante,


tentando, ao mesmo tempo, restringir suas próprias obrigações, os
estados, na redação das convenções, frequentemente, usam termos
vagos e ambíguos bem como conceitos indeterminados.
c) O uso de termos indeterminados deixa as convenções internacionais
mais abertas à interpretação que as leis tributárias internas.
d) A função precípua das CDTRS consiste em assegurar a segurança
jurídico-tributária e a justa repartição das receitas entre dois
estados soberanos e não a eliminação da bitributação internacional,
que também pode ser combatida por medidas unilaterais de cada
estado.
e) Os acordos internacionais devem ser interpretados conforme as
regras de interpretação do Direito Internacional Público, que se
assemelham às regras de interpretação dos contratos do Direito
Civil, visto tratar-se de acordos de vontade entre dois estados
soberanos.
f) Os métodos de interpretação das leis aplicam-se somente às leis
domésticas e nos casos em que as convenções internacionais a elas
se referirem expressamente (reenvio à “lex fori”).
Em vista dessas premissas, concordo plenamente com Sergio André
quando afirma que a interpretação dos tratados internacionais não é feita a partir
dos marcos domésticos, devendo ser observadas as peculiaridades decorrentes
da sua natureza de normas de Direito Internacional.
Também no Brasil, apesar de não vinculantes, as regras de interpretação
dos tratados, contidas nos artigos 31 a 33 da Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados (“CVDT”) representam parâmetros hermenêuticos da
maior relevância na interpretação das CDTRS.
Além disso, muitas das regras de interpretação constantes da CVDT
correspondem aos métodos de interpretação das leis. Assim, por exemplo,
a interpretação conforme o contexto e à luz de seu objetivo e finalidade
corresponde, respectivamente, à interpretação sistemática e à interpretação
teleológica da lei tributária.
Mesmo o princípio da boa-fé na interpretação das convenções interna-
cionais, e que, juntamente com o princípio “pacta sunt servanda” domina o

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18 - PREFÁCIO

Direito Internacional, encontra seu paralelo na interpretação das leis tributárias


no Brasil, pelo princípio constitucional da moralidade da administração publica
(Art. 37 da CF).
Como Sergio André observa argutamente, as regras de interpretação
constantes da CVDT representam um catálogo de “topoi” à disposição
do intérprete das CDTRS, que, no entanto, não limitam suas alternativas
hermenêuticas.
Esta pluralidade metodológica frequentemente leva a conflitos de
interpretação entre os estados contratantes, que poderão afetar a segurança
jurídica e a justa repartição das receitas e redundar em bitributação ou dupla
não tributação indesejada.
Por isso, os estados contratantes, na ausência de tribunais internacionais,
devem encontrar um compromisso entre os diversos métodos de interpretação,
isto é, devem buscar a “harmonia decisória” a que se refere Sergio André. Aliás,
em um acórdão de 8.7.1998, a Corte Fiscal Federal da Alemanha constatou
que os conceitos de uma CDTR devem ser interpretados, primeiramente, de
forma autônoma, ou seja, com base no próprio acordo internacional. Mas a
Corte Fiscal Federal também observou que, evidentemente, a interpretação
autônoma não pode ser aplicada em relação a assuntos não contemplados pela
CDTR, mas pela legislação interna de cada Estado contratante, tais como os
elementos da obrigação tributária e a forma de executar a pretensão tributária,
que devem ser interpretados conforme as regras de interpretação da lei.
Conclui-se, pois, que as convenções internacionais e o direito interno
devem ser aplicados e interpretados paralelamente, de maneira a produzir o
efeito útil da realização dos objetivos visados, evitando que suas cláusulas se
tornem sem efeito ou ineficazes. Como mostra Sergio André, este princípio
do efeito útil está relacionado com o próprio princípio da boa-fé.

4. O ÍTEM 2 DO ARTIGO 3º DA CONVENÇÃO MODELO DA OCDE


E O REENVIO AO DIREITO INTERNO DOS ESTADOS CONTRATANTES

Há muita polemica quanto à interpretação do ítem 2º do Artigo 3º da


Convenção – Modelo da OCDE. Após detalhado estudo do termo “contexto”,
utilizado pelo referido dispositivo, Sergio André chega a seguinte conclusão:
“Em resumo, a definição do texto sobre o qual se desenvolverá
o processo hermenêutico passa, em primeiro lugar, pelo texto da

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PREFÁCIO - 19

própria CDTR. Havendo uma lacuna na convenção, busca-se o seu


contexto, na forma prevista nos itens 2 e 3 do Artigo 31 da CVDT.
Permanecendo a lacuna, remete-se a questão ao direito interno dos
Estados contratantes (legislação referente aos tributos objeto da
CDTR e aquela que lhe for suporte). Caso ainda assim haja uma
lacuna, aí então será o caso de buscar a solução mediante outros
elementos de interpretação, os quais podem viabilizar a criação de
sentido a partir do termo utilizado.”
Este procedimento diverge bastante do esquema de investigação para
a interpretação dos termos das CDTRS, apresentado por Vogel, que dá
prioridade à lei doméstica, quando a convenção internacional silenciar. No
entanto, Vogel, também reconhece que harmonia decisória significa que não
há “um caminho alemão” de interpretação. Pelo contrário, deve ser procurada
aquela interpretação, que tem a maior possibilidade de ser aceita em ambos os
estados contratantes.
Com outras palavras, devem ser sempre respeitados os princípios da
boa-fé e do efeito útil, já mencionados como basilares na interpretação das
convenções internacionais.

5. A QUESTÃO DOS “PARALLEL TREATIES”


Em princípio, concordo com Sergio André quando afirma que os tratados
com outros estados (“parallel treaties”) não podem ser considerados direito
interno para fins do reenvio previsto no item 2 do artigo 3º da Convenção
Modelo da OCDE. No entanto, autores como John F. Avery Jones admitem
que os outros acordos, celebrados em “pari materia”, possam ser considerados
meios suplementares de interpretação das convenções internacionais.
Como mostra Heleno Tôrres, na interpretação das convenções interna-
cionais, o interprete pode recorrer as disposições das demais, sob um método
analógico, para uma compreensão uniforme do dispositivo, desde que se trate
de redações semelhantes.
Na minha opinião, há um caso em que os “parallel treaties” desempenham
um papel especial na interpretação. Quando as partes de determinada convenção
celebrarem um acordo posterior, concernente à interpretação da convenção ou
à aplicação de suas disposições, nos termos do Artigo 31, 3 da CVDT, este
acordo também deverá ser levado em consideração na interpretação das demais

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20 - PREFÁCIO

convenções celebradas pelos respectivos Estados, desde que as respectivas


cláusulas sejam idênticas.
Como exemplo, posso citar o acordo concluído, em 26.2.2003, entre as
autoridades tributárias do Brasil e da Espanha, relativo à Convenção Brasil-
Espanha e ao tratamento fiscal a ser dado a “royalties” e serviços técnicos. Neste
acordo, a interpretação e a qualificação dadas aos rendimentos provenientes
da prestação de serviços esta em perfeita conformidade com os Comentários
da OCDE e a melhor doutrina, nacional e estrangeira, quando tratam dos
respectivos artigos da Convenção-Modelo da OCDE, adotada pelo Brasil na
celebração de suas convenções internacionais.
No âmbito internacional constituiria, pois, uma grave violação ao princípio
da boa-fé, se as autoridades brasileiras não aplicassem o mesmo entendimento
aos “parallel treaties” com cláusulas absolutamente idênticas.
Mas também pelo direito brasileiro interno o mesmo entendimento
deverá ser adotado em relação aos “parallel treaties” em “pari materia”, baseados
na Convenção-Modelo da OCDE, visto que o Secretário da Fazenda, em 21
de dezembro de 2004, emitiu o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 27.
Referido ato administrativo constitui norma complementar dos tratados e das
convenções internacionais, conforme Artigo 100, I do CTN, sendo, portanto,
vinculante para as autoridades administrativas, na medida em que:
a) não faz nenhuma distinção entre serviços técnicos ou assistência
técnica com ou sem transferência de tecnologia, enquadrando
todos, corretamente, nos artigos 12 (royalties) ou 14 (profissões
independentes) da Convenção Brasil- Espanha;
b) deixa claro que aos serviços técnicos, em nenhuma hipótese se aplica
o artigo 22 (“rendimentos não expressamente mencionados”);
c) por outro lado, considera que aos serviços técnicos não se aplica
o artigo 7º (lucros de empresas), uma vez que se enquadram nos
artigos mais específicos da Convenção (artigos 12 e 14).
O Ato Declaratório Interpretativo permite concluir que a autoridade
fiscal entende que o art. 7º da Convenção Brasil-Espanha e, consequentemente
da Convenção-Modelo, é a cláusula geral para a tributação dos rendimentos
decorrentes de atividade empresarial e que, portanto, o artigo 22 dos acordos
de bitributação somente se aplica a rendimentos não empresariais.

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PREFÁCIO - 21

A aplicação do entendimento da autoridade fiscal a todos os beneficiários


sob a proteção do mesmo tipo de acordo de bitributação da Convenção Brasil-
-Espanha também decorre do princípio constitucional da igualdade, que, no
Direito Constitucional brasileiro, encontra sua feição específica no artigo 150,
inciso II da Constituição Federal, que proíbe “instituir tratamento desigual
entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.”
Pela interpretação constante do Ato Declaratório Interpretativo SRF nº
27, que foi reproduzida, literalmente, pelo Ato Declaratório Interpretativo
nº 4, de 17.3.2006, que o revogou, fica esclarecido que todos os rendimentos
empresariais, não mencionados nos artigos subsequentes, deverão ser
enquadrados no art. 7º dos acordos de bitributação. Os serviços técnicos
somente não foram enquadrados no art. 7º porque a autoridade fiscal, mudando
seu entendimento anterior, enquadrou-os nos artigos 12 e 14, que são mais
específicos.
Assim sendo, fica claro que o caso tratado por Sergio André nesta sua
abrangente obra, ou seja, a remessa pela prestação de serviços sem transferência
de tecnologia, deverá ser enquadrada no art. 7º das convenções internacionais,
cabendo a tributação, exclusivamente, ao Estado de sede ou domicílio do
beneficiário, e não no art. 22, que “não se aplica, em nenhuma hipótese”, aos
rendimentos empresariais. Assim, está eliminada a “quebra hermenêutica” das
CDTRS celebradas pelo Brasil.
Com estas considerações, pretendi dar uma primeira ideia da complexidade
da matéria, objeto desta obra, apontar algumas das divergências doutrinárias
existentes e mostrar ao leitor que tem em mãos um estudo sistemático da
interpretação das convenções internacionais para evitar a dupla tributação,
escrito de forma clara e precisa e que constitui uma valiosa contribuição ao
desenvolvimento da matéria.
Parabéns, Sergio André!

São Paulo, 5 de dezembro de 2007

GERD WILLI ROTHMANN


Professor de Direito Tributário da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo

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Introdução

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 25

DA IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA INTERPRETAÇÃO DAS CONVENÇÕES


PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO DA RENDA

Com a cada vez mais acentuada mundialização dos esforços econômicos1,


torna-se habitual a submissão das pessoas, físicas ou jurídicas, à potestade
tributária de países distintos, fenômeno que não raro dá ensejo à denominada
dupla tributação internacional.
De regra, a referida dupla tributação incide sobre a renda auferida pelos
agentes econômicos vinculados por elementos de conexão a mais de um
país2, distinguindo a doutrina os conceitos de dupla tributação jurídica e dupla
tributação econômica.
Segundo a teoria dominante quanto à matéria, a identificação da dupla
tributação jurídica é feita mediante a aplicação da regra das quatro identidades, de
forma que somente se verificaria a ocorrência do fenômeno em se identificando
que países distintos, no exercício de sua soberania fiscal, estão a tributar o mesmo
sujeito passivo, sobre um mesmo suposto fático, mediante a imposição de tributos
com materialidades comparáveis e em relação a um mesmo período de tempo3.

1 Como alerta Adilson Rodrigues Pires, “hoje, no mundo, não existe economia fechada. A produção
de cada país não é suficiente para satisfazer as necessidades básicas de consumo da população.
Essa é a razão pela qual o comércio exterior é matéria de interesse geral e o sistema de trocas
internacionais uma preocupação de todos. A cada dia são celebrados acordos visando o
intercâmbio de bens e serviços, novos blocos econômicos são criados e os interesses dos países
já não mais são vistos como um interesse particular, mas de todos” (PIRES, Adilson Rodrigues.
Práticas Abusivas no Comércio Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 19).
2 Segundo Gerd Willi Rothmann, “no Direito Tributário Internacional, a expressão ‘elemento
de conexão’ refere-se a determinado evento, a partir do qual a norma vincula a atribuição da
competência tributária a determinado Estado. Deixando de lado a nacionalidade, que caiu em
desuso (praticamente só é adotado pelos Estados Unidos, Filipinas e Turquia), os principais
elementos de conexão são: domicílio e residência, sede e direção, estabelecimento permanente,
situação do bem, fonte do rendimento, país de origem ou do destino” (ROTHMANN, Gerd Willi.
Tributação Internacional sem Sujeito Passivo: uma Nova Modalidade do Imposto de Renda sobre
Ganhos de Capital? In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito
Tributário – 10º Volume. São Paulo: Dialética, 2006. p. 110). Sobre necessidade da existência de um
elemento de conexão para a legitimação da tributação, ver: SCHOUERI, Luís Eduardo. Princípios
no Direito Tributário Internacional: Territorialidade, Fonte e Universalidade. In: FERRAZ, Roberto
(Coord.). Princípios e Limites da Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 334; LANG, Michael.
Introduction to the Law of Double Taxation Conventions. Wien: Linde, 2010. p. 23.
3 Cf. BÜHLER, Ottmar. Principios de Derecho Internacional Tributario. Tradução Fernando Cervera
Torrejon. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1968. p. 44; XAVIER, Alberto. Direito Tributário
Internacional do Brasil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. pp. 22-23; VOGEL, Klaus. Derecho
Tributario Internacional. In: AMATUCCI, Andrea (Coord.). Tratado de Derecho Tributario. Bogotá:
Themis, 2001. t. I. p. 722-724; HENSEL, Albert. Derecho Tributario. Tradução Leando Stok e Francisco
M. B. Cejas. Rosario: Nova Tesis, 2004. pp. 97 e 98; VILLEGAS, Héctor B. Curso de finanzas, derecho
financiero y tributario. 7. ed. Buenos Aires: Depalma, 1999. p. 483-484; SCHOUERI, Luís Eduardo.
Tratados e Convenções Internacionais sobre Tributação. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo,
n. 17, 2003, p. 26; UCKMAR, Victor. Tratados Internacionales en Materia Tributaria. In: AMATUCCI,
Andrea (Coord.). Tratado de Derecho Tributario. Bogotá: Themis, 2001. t. I. pp. 743; SERRANO

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26 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Esse critério encontra-se, inclusive, refletido na definição de dupla


tributação trazida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) em seus comentários à sua Convenção Modelo sobre a
tributação da renda e do capital, segundo a qual a dupla tributação internacional
jurídica seria “a imposição de tributos comparáveis em dois (ou mais) Estados
sobre o mesmo contribuinte em relação ao mesmo objeto e em períodos
idênticos”4.
A dupla tributação jurídica seria distinta da dupla tributação econômica,
na qual uma mesma riqueza sofre a imposição de tributos comparáveis, mas o
sujeito passivo da obrigação tributária é diferente5.
Vale a pena observar que a identificação de situações onde se verifica a
dupla tributação jurídica da renda, mediante a aplicação da regra das quatro

ANTÓN, Fernando. Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional y los Convenios para Evitar
la Doble Imposición Internacional: Historia, Tipos, Fines, Estructura y Aplicación. In: SERRANO
ANTÓN, Fernando (Coord). Fiscalidad Internacional. Madrid: Centros de Estudios Financieros,
2001. p. 96; DAVIES, David R. Principles of International Double Taxation Relief. London: Sweet &
Maxwell, 1985. pp. 1 e 2; PIRES, Manuel. International Juridical Double Taxation of Income. Deventer:
Kluwer Academic Publishers, 1989. pp. 33-34; MOREIRA JÚNIOR, Gilberto de Castro. Bitributação
Internacional e Elementos de Conexão. São Paulo: Aduaneiras, 2003. p. 45; GIL, Jesús Sol. La Doble
Imposición Internacional. In: PISTONE, Pasquale; TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Estudios de
Derecho Tributario Constitucional Internacional: Homenaje Latinoamericano a Victor Uckmar.
Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 2005. pp. 854-855; BORGES, Antônio de
Moura. Considerações Sobre a Dupla Tributação Internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n.
51, out. 2001. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2088>. Acesso em:
02 fev. 2007; BIANCO, João Francisco. Transparência Fiscal Internacional. São Paulo: Dialética,
2007. pp. 140-141.
4 OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital. Paris: OECD, 2010. p. 7.
5 Cf. TOSI, Loris; BAGGIO, Roberto. Lineamenti di Diritto Tributario Internazionale. 3. ed. Milano:
CEDAM, 2011. p. 11; VOGEL, Klaus. Introduction. In: VOGEL, Klaus (Coord.). On Double Taxation
Conventions. London: Kluwer Law International, 1997. p. 10; MUNRO, Alastair. Tolley’s Double
Taxation Relief. 6th. ed. London: LexisNexis, 2003. p. 1; ROHATGI, Roy. Basic International Taxation.
2nd. ed. Richmond: Richmond, 2005. p. 2; XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do
Brasil, 2010, p. 24; PIRES, Manuel, International Juridical Double Taxation of Income, 1989, p. 34;
GIL, Jesús Sol, La Doble Imposición Internacional, 2005, pp. 854-855; ROTHMANN, Gerd W.
Bitributação Internacional. In: DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio; ROTHMANN, Gerd W. Temas
Fundamentais do Direito Tributário Atual. Belém: CEJUP, 1983. pp. 126-127; GARBARINO, Carlo.
Manuale do Tassazione Internazionale. [S.L.]: IPSOA, 2005. p. 54; GOUTHIÈRE, Bruno. Les Impôts
dans les Affaires Internationales. Paris: Editions Francis Lefebvre, 1989. p. 94. Ao invés de se referir
à distinção entre dupla tributação jurídica e econômica, D. Juch e Gerard Coulombe referem-se
à dupla tributação direta e indireta (Cf. JUCH, D. General Report. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal
International: Unilateral measures to prevent double taxation. Deventer: Kluwer Law International,
1981. v. 66b. p. 15; COULOMBE, Gerard. O Sistema Tributário Canadense e a Eliminação da
Bitributação da Renda. In: TAVOLARO, Agostinho Toffoli; MACHADO, Brandão; MARTINS, Ives
Gandra da Silva (Coords.). Princípios Tributários no Direito Brasileiro e Comparado: Estudos em
Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 234). Argumentando
ser a teoria da dupla tributação econômica decorrência de equívoco doutrinal, ver: TÔRRES,
Heleno. Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001. pp. 406-408.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 27

identidades, nem sempre se mostra de fácil consecução6. Ainda assim, esta pode
ser considerada a teoria dominante a respeito da matéria.
Como bem pontuou Héctor Villegas, a dupla tributação internacional é
decorrência da utilização de elementos de conexão de natureza distinta para a
atribuição de poder tributário aos diversos Estados, fato que pode ser reconduzido
mesmo aos diferentes papéis pelos mesmos desempenhados no comércio mundial,
se primordialmente importadores ou exportadores de capital7.
Segundo notado por Victor Uckmar, a dupla (ou múltipla)8 tributação
internacional, na medida em que onera as transações vinculadas por elementos
de conexão ao poder tributário de mais de um Estado, tem um efeito inibidor
sobre o comércio internacional, podendo acarretar uma volta dos agentes
internacionais para seus mercados internos9.
Dessa forma, a dupla tributação está na contramão do processo de globa-
lização econômica mundial, sendo um entrave à livre movimentação de bens,
serviços, capital e pessoas10.

6 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 23; TÔRRES, Heleno,
Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, pp. 391-392.
7 VILLEGAS, Héctor B., Curso de finanzas, derecho financiero y tributario, 1999, p. 483. Também
destacando a dupla tributação como decorrência da disparidade de princípios utilizados pelos
diversos países: CORASANITI, Giuseppe. La Nozione e Le Cause Della Doppia Imposizione. In:
UCKMAR, Victor et al. Diritto Tributario Internazionale. 2 ed. Milano: CEDAM, 2012. p. 47; DAVIES,
David R., Principles of International Double Taxation Relief, 1985, p. 1; PIRES, Manuel, International
Juridical Double Taxation of Income, 1989, pp. 66-69; ROHATGI, Roy, Basic International Taxation,
2005, p. 14-16; VOGEL, Klaus, Derecho Tributario Internacional, 2001, p. 722; UCKMAR, Victor,
Tratados Internacionales en Materia Tributaria, 2001, p. 743-744; CHRISTIAANSE, Jan H. Recentes
Progressos no Direito Tributário Internacional. In: TAVOLARO, Agostinho Toffoli; MACHADO,
Brandão; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coords.). Princípios Tributários no Direito Brasileiro
e Comparado: Estudos em Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense,
1988. p. 431; DORNELLES, Francisco Oswaldo Neves. Acordos Para Eliminar a Dupla Tributação
da Renda. Revista de Direito Tributário, São Paulo, jan.-mar. 1978, p. 251; FERNANDES, Edison
Carlos. Considerações sobre Planejamento Tributário Internacional. In: PEIXOTO, Marcelo
Magalhães; ANDRADE, José Maria Arruda de (Coords.). Planejamento Tributário. São Paulo: MP
Editora, 2007. pp. 14-15. Sobre o tema, ver: BORRÁS, Alegria. La Doble Imposición: Problemas
Jurídico-Internacionales. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1974. pp. 22-24.
8 Embora utilizemos os termos bitributação ou dupla tributação, não desconsideramos que no
mundo globalizado contemporâneo podemos estar diante de situações de pluritributação (ver:
TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 374-375).
9 UCKMAR, Victor, Tratados Internacionales en Materia Tributaria, 2001, p. 744. Ver também:
MUNRO, Alastair, Tolley’s Double Taxation Relief, 2003, p. 2; ROHATGI, Roy, Basic International
Taxation, 2005, p. 2; MOREIRA JÚNIOR, Gilberto de Castro. Bitributação Internacional e Elementos
de Conexão. São Paulo: Aduaneiras, 2003. p. 54; DORNELLES, Francisco Oswaldo Neves, Acordos
Para Eliminar a Dupla Tributação da Renda, 1978, p. 251.
10 Conforme destacam Cassius Vinicius Carvalho e Elidie Palma Bifano, “a dupla incidência de
tributos é um inibidor do progresso econômico, do intercâmbio de tecnologias e do comércio
internacional, pois pode resultar, em algumas situações, na geração de gravames sobre o
próprio capital aplicado. Essas consequências desastrosas, por certo, são um desestímulo à
internacionalização da economia e dos negócios. Considerando a importância do comércio,

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28 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Além desse aspecto inibidor do comércio internacional, Manuel Pires


elenca outras consequências nocivas decorrentes da dupla tributação:
a) consequências financeiras para os Estados, os quais podem, em
decorrência do cenário acima descrito, verificar uma redução da
tributação;
b) consequências relacionadas à justiça da tributação, já que a dupla
tributação afetaria a capacidade contributiva dos contribuintes;
c) consequências culturais, na medida em que se poderia ter impactos
sobre propriedade intelectual e a atividade internacional de
cientistas, artistas e esportistas; e
d) consequências sócio-políticas, decorrência não só do eventual
desencorajamento de inversões internacionais, mas também da
dificuldade do movimento de pessoas11.
Diante do caráter negativo da dupla tributação internacional, a partir do
início do século passado foram se intensificando as discussões a respeito dos
mecanismos que podem ser adotados para que a mesma seja evitada.
Ao se discutirem as medidas para se evitar a dupla tributação da renda
fala-se basicamente em medidas unilaterais, adotadas por cada Estado com base
em sua legislação doméstica, e em medidas bilaterais ou multilaterais adotadas
pelos Estados por intermédio da celebração de tratados internacionais12. Mais
recentemente, diante principalmente do modelo exitoso da União Europeia
tem-se discutido a utilização da harmonização tributária como instrumento
para se evitar a dupla tributação13.
Entre as medidas unilaterais temos, por exemplo. a isenção concedida por
determinado país sobre rendimentos auferidos no exterior, a possibilidade de
se considerar o imposto pago no exterior como um crédito compensável com o
imposto doméstico ou de se utilizar o mesmo como uma despesa dedutível para

da movimentação de capitais, tecnologia e pessoas, torna-se extremamente relevante remover


os obstáculos que a dupla tributação da renda acarreta” (CARVALHO, Cassius Vinicius; BIFANO,
Elidie Palma. Anotações sobre a Tributação Internacional da Renda. In: DE SANTI, Eurico Diniz;
ZILVETI, Fernando Aurelio; MOSQUERA, Roberto Quiroga (Coords.). Tributação Internacional e
dos Mercados Financeiro e de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 273.
11 PIRES, Manuel, International Juridical Double Taxation of Income, 1989, pp. 86-89.
12 Cf. SERRANO ANTÓN, Fernando, Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional..., 2001,
pp. 98-99.
13 Cf. TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, pp. 728-776.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 29

fins de cálculo do imposto de renda e, por fim, a possibilidade de se compensar


o imposto pago no exterior nos casos de transparência fiscal internacional14.
No que tange às medidas para evitar a dupla tributação fundadas em
tratados internacionais é possível, como dito, que sejam as mesmas veiculadas
em tratados bilaterais, envolvendo apenas dois Estados, ou multilaterais, sendo
majoritária a primeira opção15.
Por fim, fala-se na harmonização da legislação tributária dos Estados,
mediante a qual se superam as assimetrias existentes entre as legislações dos
países-membros de um bloco integrado ou em processo de integração16.

14 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. A Pluritributação Internacional e as Medidas Unilaterais de


Controle. In: UCKMAR, Victor (Coord.). Curso de Derecho Tributario Internacional. Bogotá:
Themis, 2003. v. I. pp. 197-215. Para uma análise profunda das medidas unilaterais de prevenção
da dupla tributação, ver: JUCH, D., General Report, 1981, pp. 15-45; GRUPENMACHER, Betina
Treiger. Métodos para Evitar a Dupla Tributação. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito
Tributário e Ordem Econômica: Homenagem aos 60 Anos da ABDF. São Paulo: Quartier Latin,
2010. pp. 776-779.
15 Conforme destaca Gilberto de Castro Moreira Júnior: “Normalmente, as Convenções bilaterais,
têm-se mostrado mais eficientes para evitar ou atenuar a bitributação do que as convenções
multilaterais. Regra geral, estas últimas disciplinam somente a tributação de determinados
objetos, podendo ser citado como exemplo de Convenção multilateral o Tratado de Roma,
de 1957, que criou o Mercado Comum Europeu, cujo texto do artigo 220 determina que os
Estados-Membros são obrigados a entrar em negociações para eliminar a dupla tributação dentro
da Comunidade. A Convenção Nórdica sobre a Tributação do Rendimento e do Patrimônio,
celebrada entre a Dinamarca, a Finlândia, a Noruega e a Suécia, em 1983, e alterada em 1987
e 1989, também seria outro exemplo prático de Convenção multilateral” (MOREIRA JÚNIOR,
Gilberto de Castro, Bitributação Internacional e Elementos de Conexão, 2003, p. 69). Sobre a
experiência nórdica, ver: HENGSLE, Odd. The Nordic Multilateral Tax Treaties for the Avoidance
of Double Taxation and on Mutual Assistance. Bulletin for International Taxation, Amsterdam,
Aug.-Sept. 2002, pp. 371-376. Sobre vantagens e desvantagens de tratados multilaterais, ver:
MCINTYRE, Michael. Options for Greater International Coordination and Cooperation in the
Tax Area. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, June 2002, p. 253. Sobre os tratados
multilaterais, ver: BROOKS, Kim. The Potential of Multilateral Treaties. In: LANG, Michael et al
(Coords.). Trax Treaties: Building Bridges Between Law and Economics. The Netherlands: IBFD,
2010. pp. 211-236.
16 Sobre a harmonização da legislação tributária, ver: SILVA, Sergio André R. G, da. Integração
Econômica e Harmonização da Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 8-11;
PIRES, Adilson Rodrigues. Harmonização Tributária em Processos de Integração Econômica. In:
CARVALHO, Maria Augusta Machado de (Org.). Estudos de Direito Tributário em Homenagem a
Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 6-9; TÔRRES, Heleno Taveira. Mercosul
e o Conceito de Harmonização na Tributação das Rendas de Empresas. In: CAMPOS, Dejalma de
(Coord.). O Sistema Tributário e o Mercosul. São Paulo: Ltr, 1998. pp. 302-307; CANO, Hugo González.
Armonización Tributaria del Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Academicas, 1996. pp. 26-27; VICCHI,
Juan Carlos. La Armonización Fiscal en los Procesos de Integración Económica. Buenos Aires: La Ley,
2004. p. 3-4; ROCCATAGLIATA, Franco Rocca. El Derecho Tributario Comunitario. In: AMATUCCI,
Andrea (Coord.). Tratado de Derecho Tributario. Bogotá: Themis, 2001. p. 247; FERNANDES, Edson
Carlos. Paz Tributária entre as Nações: Teoria da Aproximação Tributária na Formação dos Blocos
Econômicos. São Paulo: MP Editora, 2006. pp. 131-132; HREHOROVSKA, Lucia. Tax Harmonization
in the European Union. Intertax, Amsterdam, v. 34, March 2006, pp. 158-166; CATÃO, Marcos André
Vinhas; SILVA FILHO, Antonio Rodrigues da. Harmonização Tributária no Mercosul. São Paulo:
Aduaneiras, 2001.

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30 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Como visto, um dos instrumentos utilizados com vistas a se evitarem os


nefastos efeitos que a dupla tributação acarreta é a celebração de convenções
bilaterais para evitar a dupla tributação da renda17 (de agora em diante referidas
como CDTRs), as quais vêm sendo pactuadas por diversos países, entre os quais
o Brasil18. É a este meio de combate à dupla tributação da renda, que pode ser
considerado o principal em uso pelos Estados19, que se dedicará este estudo.
Em linhas gerais, tais tratados têm por finalidade delimitar o campo de
exercício legítimo do poder tributário de cada um dos signatários, conciliando
seus interesses fiscais e protegendo os contribuintes contra a dupla imposição
que ocorreria se ambos os países tributassem, indistintamente, as rendas
auferidas por pessoas a eles vinculadas por elementos de conexão.
Conforme mencionado, o Brasil tem celebrado diversas CDTRs, as quais,
embora com características próprias, que por vezes se aproximam do no Modelo
de Convenção da ONU, seguem de forma geral a Convenção Modelo editada
pela OCDE, mesmo não figurando o Brasil entre os membros da referida
Organização20.
Como acontece com os textos legais em geral, as CDTRs têm suas normas
criadas a partir de um processo hermenêutico. Com efeito, superadas as doutrinas
formalistas do direito, tornou-se ainda mais relevante o estudo do processo
de formação das normas individuais e concretas decorrentes dos textos legais,
incluindo-se aí os tratados internacionais.
Diante da evidente implausibilidade da noção de que por intermédio da
interpretação o intérprete teria à sua disposição métodos que lhe permitiriam
descobrir a mensagem correta contida nos textos legais, nota-se que as
discussões acerca da hermenêutica jurídica voltam-se mais para os processos de

17 Devido aos variados propósitos desses tratados, atualmente a OCDE não mais faz referência a
convenções para evitar a dupla tributação da renda, mas sim a convenções sobre a tributação
da renda e do capital.
18 Estudo interessante sobre as convenções brasileiras pode ser encontrado em: VITA, Jonathan
Barros. As Convenções para evitar a Dupla Tributação Brasileiras: Técnicas de Negociação e
Análise Estrutural segundo os Modelos OCDE e ONU. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo,
n. 24, 2010, pp. 302-319.
19 Cf. WILLIAMS, David W. General Report. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: Practical
issues in the application of double tax conventions. Deventer: Kluwer Law International, 1998.
v. 83b. pp. 23-24.
20 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasili, 2010, p. 72. Tendo este fato em
consideração, o presente estudo encontra-se baseado na análise do texto da Convenção Modelo
da OCDE e das CDTRs celebradas pelo Brasil.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 31

fundamentação de decisões com base em situações concretas, como se percebe


na tópica jurídica e na teoria da argumentação.
A motivação deste trabalho é, portanto, examinar como os debates
contemporâneos acerca da hermenêutica jurídica podem ser transportados para
o campo da interpretação dos tratados internacionais em geral e das CDTRs
em especial.
Embora tenhamos importantes estudos sobre o tema da interpretação
das CDTRs no Brasil, é de se observar que em sua maioria não se tratam de
pesquisas em que tal questão era o objeto principal de análise21.
O tema é consideravelmente mais estudado no exterior, tendo sido objeto
de diversos estudos de autores estrangeiros, estando alguns, inclusive, publicados
no Brasil22.

21 Ver: XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, pp. 134-167; TÔRRES, Heleno,
Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, pp. 638-662; GONZAGA, Livia Leite
Baron. Princípios Gerais da Interpretação Jurídica Aplicáveis ao Direito Tributário Internacional. In:
TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin,
2012. v. VI. pp. 655-711; COELHO, Cristiane, Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria
Tributária: doutrina e prática na América Latina. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário
e Ordem Econômica: Homenagem aos 60 Anos da ABDF. São Paulo: Quartier Latin, 2010. pp. 691-711;
SILVEIRA, Rodrigo Maitto da, Aplicação de Tratados Internacionais contra a Bitributação: Qualificação
de Partnership Joint Ventures, São Paulo: Quartier Latin, 2006. pp. 110-156; BELLAN, Daniel Vitor.
Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.).
Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2005. pp. 605-669; SANTIAGO, Igor
Mauler. Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos. São Paulo: Quartier Latin,
2006. pp. 77-116; SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 2. ed.
São Paulo: Dialética, 2006. pp. 260-265; ROTHMANN, Gerd W. Interpretação e Aplicação de Acordos
Internacionais contra a Bitributação. 1978. 226 p. Tese de doutoramento apresentada à Universidade
de São Paulo. São Paulo, 1978.
22 ENGELEN, Frank. Interpretation of Tax Treaties under International Law. Amsterdam: IBFD, 2004.
CHICO DE LA CÁMARA, Pablo. Interpretación y Calificación de los Convenios de Doble
Imposición Internacional. In: SERRANO ANTÓN, Fernando (Coord). Fiscalidad Internacional.
Madrid: Centros de Estudios Financieros, 2001. pp. 127-153; LANG, Michael (Coord.). Tax Treaty
Interpretation. The Hage: Kluwer Law International, 2000; VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G.
General Report. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: Interpretation of Double Taxation
Conventions. Deventer: Kluwer Law International, 1993. v. LXXVIIIa. pp. 55-85; VOGEL, Klaus.
Problemas na Interpretação de Acordos de Bitributação. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.).
Direito Tributário: Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. v. II. pp.
961-973; VOGEL, Klaus. Harmonia Decisória e Problemática da Qualificação nos Acordos de
Bitributação. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio (Coords). Direito Tributário:
Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998. pp. 71-81; VAN RAAD,
Kees. International Coordination of Tax Treaty Interpretation and Application. In: KIRCHHOF, Paul;
LEHNER, Moris; VAN RAAD, Kees; et.al. (Coords.). International and Comparative Taxation: Essays
in Honour of Klaus Vogel. The Hage: Kluwer Law International, 2002. p. 217-230; VOGEL, Klaus
(Org.). Interpretation of Tax Law and Treaties and Transfer Pricing in Japan and Germany. The Hague:
Kluwer Law International, 1998; JONES, John F. Avery; ELLIS, Maaten J.; MAISTO, Guglielmo et. al.
The Interpretation of Income Tax Treaties with Particular Reference to the Commentaries on the OECD
Model. Amsterdam: IBFD, 2006; GIULIANI, Federico Maria. La Interpretación de los Convenios
Internacionales para Evitar la Doble Imposición sobre las Rentas. In: UCKMAR, Victor (Coord.).
Curso de Derecho Tributario Internacional. Bogotá: Themis, 2003. v. I. pp. 123-139; HEINRICH,

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32 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

O que se percebe ao se examinar as doutrinas, nacional e estrangeira, sobre


o tema, é que a análise da questão que se coloca vem sendo feita dentro de marcos
teóricos bem definidos, que em nosso perceber se mostram demasiadamente
restritos.
De fato, nota-se que as discussões acerca da interpretação das CDTRs
giram em torno de estudos específicos sobre o tema, que normalmente têm como
referência pesquisas da mesma natureza, em um processo de auto-alimentação,
que acarreta uma forma de enclausuramento teórico.
Nessa linha, tal abordagem tende a desconsiderar, em primeiro lugar, a
importante evolução da teoria hermenêutica ao longo do Século XX, bem como
as contribuições das doutrinas do Direito Internacional Público e do Direito
Internacional Privado.
Um dos principais objetivos deste trabalho consistirá, portanto, na
inserção das reflexões teóricas acerca da interpretação das CDTRs nos campos
mais abrangentes da interpretação jurídica e da interpretação dos tratados
internacionais em geral.
Insta observar que a própria temática da interpretação dos tratados
internacionais tem merecido reduzida atenção da doutrina internacionalista
pátria, sendo normalmente versada em curtos capítulos nos manuais de Direito
Internacional Público, os quais, regra geral, limitam-se a comentar brevemente
os dispositivos a respeito da matéria contidos na Convenção de Viena sobre

Johannes; MORITZ, Helmut. Interpretation of Tax Treaties. European Taxation, Amsterdam, Apr.
2000, pp. 142-152; REIMER, Ekkehart. Interpretation of Tax Treaties. European Taxation, Amsterdam,
Dec. 1999, pp. 458-474; CALDERÓN, José M.; DOLORES PIÑA, M. Interpretation of Tax Treaties,
European Taxation, Amsterdam, Oct. 1999, pp. 376-386; HAUSMAN, James S. Interpreting Tax
Treaties – A Canadian Perspective. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, Mar. 2001, pp. 93-
-99; JONES, John F. Avery. The “One True Meaning of a Tax Treaty”. Bulletin for International Taxation,
Amsterdam, June 2001, pp. 220-224; VOGEL, Klaus. The Influence of the OECD Commentaries on
Treaty Interpretation. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, Dec. 2000, p. 612-616; HILL,
Graham. The Interpretation of Double Taxation Agreements – the Australian Experience. Bulletin
for International Taxation, Amsterdam, Aug.-Sept. 2003, pp. 320-327; Wattel, Peter J.; MARRES,
Otto. The Legal Status of the OECD Commentary and Static or Ambulatory Interpretation of Tax
Treaties. European Taxation, Amsterdam, July-Aug. 2003, pp. 222-235; GARCÍA NOVOA, César.
Interpretación de los Convenios de Doble Imposición Internacional. In: GODOY F., Juan Pablo.
Estudios de Derecho Internacional Tributario: Los Convenios de Doble Imposición. Bogotá: LEGIS,
2006. pp. 1-66; TROYA JARAMILLO, José Vicente. Interpretación y Aplicación de los Tratados en
Materia Tributaria. In: PISTONE, Pasquale; TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Estudios de Derecho
Tributario Constitucional Internacional: Homenaje Latinoamericano a Victor Uckmar. Buenos
Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 2005. pp. 904-915; RIBES RIBES, Aurora. Convenios
para Evitar la Doble Imposición Internacional: Interpretación, Procedimiento Amistoso y Arbitrage.
Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, 2003.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 33

Direito dos Tratados23, destacando-se neste campo o importante capítulo sobre


a matéria constante na obra Direito Constitucional Internacional, de Celso de
Albuquerque Mello24.
De outro lado, a jurisprudência pátria mostra-se bastante perfunctória a
respeito do tema geral da interpretação dos tratados internacionais e especial
da interpretação das CDTRs, de forma que se torna difícil apontar as diretrizes
seguidas pelos tribunais pátrios em relação à matéria objeto desta tese.
Diante do exposto, é possível afirmar que este estudo justifica-se não
só por tratar de matéria ainda carente de sistematização na doutrina pátria,
mas principalmente por se buscar uma integração das discussões acerca da
interpretação das CDTRs com a teoria hermenêutica contemporânea, a
qual acarretará uma nova forma de enxergarmos os problemas enfrentados
naquele campo.

ESTRUTURA DA TESE
Seguindo essa lógica, no primeiro capítulo deste trabalho serão apresen-
tados comentários gerais sobre as CDTRs, partindo de sua evolução histórica25
e sua natureza jurídica, e examinando a sua inserção no ordenamento jurídico
brasileiro e os objetivos pelas mesmas visados.
Todos esses pontos representam topoi a serem considerados por ocasião
da interpretação das CDTRs, de forma que são pontos de partida que devem
ser estudados preliminarmente.
Em seguida, tendo em vista o propósito desta tese de inserir a interpretação
das CDTRs no contexto das discussões hermenêuticas contemporâneas, serão
apresentados comentários acerca das principais influências hermenêuticas
deste trabalho, buscando estabelecer as balizas teóricas que sustentarão as
considerações posteriores.

23 Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004. v. I. pp. 254-257; PEREIRA, Bruno Yepes. Curso de Direito Internacional Público. São
Paulo: Saraiva, 2006. pp. 78; ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E do. Manual
de Direito Internacional Público. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. pp. 33-34; REZEK, J. F. Direito
Internacional Público. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. pp. 90-93; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. pp. 139-140.
24 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000. pp. 17-35.
25 Sobre a importância a análise da formação histórica das CDTRs, ver: OLIVER, J. David B. The
Relevance of Tax Treaty History. Intertax, Amsterdam, v. 33, Nov. 2005, p. 484.

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34 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Logo após será feita análise do estado da arte da teoria hermenêutica


no campo do Direito Internacional Público. Sendo as CDTRs tratados
internacionais tal análise se mostra imprescindível para um exame específico
a respeito da sua interpretação.
Insta mencionar que nesta parte não serão apresentados comentários a
respeito da interpretação dos tratados de direitos humanos, já que a mesma
levanta algumas questões específicas26 que fogem ao escopo deste estudo,
focado nas CDTRs.
Nossas preocupações quanto à matéria passam pela consideração a respeito
da pluralidade de normas extraíveis dos textos internacionais e as possibilidades
de solução de controvérsias entre os Estados signatários de um determinado
tratado.
O ponto de partida, portanto, é a teorização a respeito da existência de
uma “metodologia” aplicável à hermenêutica das normas internacionais que
seja distinta daquela aplicada ao direito interno. Fala-se aqui dos elementos
de interpretação passíveis de serem aplicados na interpretação dos tratados
internacionais27.
Nesta parte examinaremos as regras contidas nos artigo 31 a 33 da
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, que trazem regras específicas
sobre a interpretação de tratados internacionais. O exame desses dispositivos
será contextualizado nos debates sobre os limites eficaciais das regras sobre
interpretação.
No capítulo seguinte será estudada a distinção entre interpretação
e qualificação, originária da diferenciação, na teoria geral do direito, da
interpretação dos textos normativos e dos fatos sobre os quais os mesmos

26 Nas palavras de Antônio Augusto Cançado Trindade: “Não há como pretender interpretar de
modo uniforme todo e qualquer tipo de tratado, independentemente de sua natureza. Os
tratados de Direitos Humanos, por exemplo, em razão de seu caráter especial e da natureza
essencialmente objetiva das obrigações que incorporam, acarretam uma interpretação própria”
(TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. v. II. p. 32). No mesmo sentido: RAMOS, André
de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. pp. 93-159.
27 Vale a pena observar que usaremos neste trabalho a locução elementos de interpretação, em
linha com a terminologia cunhada por Friedrich Carl von Savigny. Destaque-se, entretanto, que
tal nomenclatura não é pacífica, sendo que, como noticia Ricardo Lobo Torres, há autores que
referem-se a cânones hermenêuticos (Schleiermacher e Coing), técnicas (Tércio Sampaio Ferraz
Júnior), pontos de vista (Larenz). O próprio Ricardo Lobo, seguindo a denominação prevalecente
na doutrina, fala em métodos de interpretação (Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação
e Integração do Direito Tributário. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 153).

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 35

deveriam ser “aplicados”, e que teve uma evolução particular no âmbito do


Direito Internacional Privado.
Tal matéria tem importantes reflexos na doutrina acerca da interpretação/
aplicação das CDTRs, na medida em que é corriqueira a diferenciação entre
sua interpretação e a qualificação de fatos em suas disposições28.
Adentraremos, então, na temática da interpretação/aplicação das CDTRs,
em cujo exame nos fulcraremos em todos os comentários apresentados nos
capítulos anteriores.
Considerando os propósitos de ditas convenções, tem-se que o alcance
de seus fins depende, em grande parte, da possibilidade de uma interpretação
uniforme de suas disposições por ambos estados contratantes. Nas palavras de
Klaus Vogel, seria necessário, para a eficácia do tratado, que se alcançasse uma
“harmonia decisória” quando à interpretação/aplicação de suas disposições29.
Todavia, tendo em vista o caráter cultural e criativo da interpretação, além
da possibilidade de cada Estado “interpretar” as CDTRs de forma a proteger
seu próprio poder tributário30, tal uniformização de compreensões parece
desiderato não facilmente alcançável, principalmente diante da constatação de
que a linguagem jurídica não permite que apenas e tão somente uma norma
jurídica seja criada a partir dos textos legais, de forma que se mostra potencial
o surgimento de conflitos hermenêuticos entre os Estados contratantes31.
Inicialmente, será examinada a existência ou não de peculiaridades
hermenêuticas que sejam relativas à interpretação das CDTRs, analisando-se,
por exemplo, se as mesmas devem ser consideradas, sob o prisma hermenêutico,

28 Veja-se, por todos: XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 141.
29 VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p. 39; VOGEL, Klaus, Problemas na Interpretação de Acordos
de Bitributação, 2003, pp. 963-964; VOGEL, Klaus, Harmonia Decisória e Problemática da
Qualificação nos Acordos de Bitributação, 1998, p. 73. Nesse mesmo sentido: VAN RAAD, Kees,
International Coordination of Tax Treaty Interpretation and Application, 2002, p. 230; ROHATGI,
Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 39; REIMER, Ekkehart. Tax Treaty Interpretation in
Germany. In: LANG, Michael (ed.). Tax Treaty Interpretation. London: Kluwer Law International,
2000. p. 130; VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 55; HEINRICH,
Johannes; MORITZ, Helmut, Interpretation of Tax Treaties, 2000, p. 147; SALOMÃO, Raphael
Palmieri. A Interpretação dos Tratados Internacionais para Evitar a Dupla Tributação. Revista de
Direito Tributário Internacional, São Paulo, n. 11, abr. 2009, p. 185; ROHATGI, Roy. Tax Treaties –
The Legal Framework. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário e Ordem Econômica:
Homenagem aos 60 Anos da ABDF. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 669.
30 Cf. VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 55.
31 Conforme destaca Mario Züger, embora tal harmonia decisória seja aconselhável, não há uma
norma de Direito Internacional que a torne obrigatória (Cf. ZÜGER, Mario. Arbitration under Tax
Treaties - Improving Legal Protection in International Tax Law. Amsterdam: IBFD, 2001. pp. 1-2).

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36 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

tratados internacionais, ou se devem as mesmas ser interpretadas como direito


doméstico.
Além disso, faz-se necessário perquirir se a natureza tributária das normas
veiculadas por intermédio das CDTRs implica em alguma especificidade
hermenêutica no que respeita à sua interpretação.
Nesse contexto analisar-se-á a aplicabilidade das regras sobre interpretação
previstas na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados às CDTRs.
Questão que será posta, então, consiste no exame dos elementos de
interpretação das CDTRs, buscando-se situar a interpretação desses textos
normativos nos marcos teóricos apresentados ao longo do segundo capítulo.
Serão examinadas aqui diversas questões relevantes, como os efeitos do
item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo da OCDE, segundo o qual “para
fins de aplicação da Convenção a qualquer tempo em um Estado contratante,
qualquer termo ali não definido terá, a menos que o contexto exija outra solução,
o significado que lhe é atribuído naquele momento pela lei daquele Estado
para fins dos tributos aos quais a Convenção é aplicável, sendo que qualquer
significado previsto na lei tributária aplicável daquele Estado prevalecerá sobre
o significado que lhe é dado em outras leis daquele Estado”.
Discute-se, diante da redação desse dispositivo, qual seria o papel do
contexto no campo da interpretação/aplicação das CDTRs e, ainda mais, o
que seria contexto para tais fins.
Ademais, há que se buscar esclarecer quais são os parâmetros e limites do
reenvio ao direito interno determinado pela Convenção Modelo, examinando-se
aqui a controvérsia relacionada à obrigatoriedade de uma interpretação estática,
ou seja, uma remissão às regras domésticas em vigor à época da celebração do
tratado, ou uma interpretação dinâmica, a qual leve em conta as regras internas
em vigor no momento da interpretação/aplicação da regra convencional32.
Como mencionado, um dos grandes questionamentos relacionados
à interpretação das CDTRs consiste em se buscarem mecanismos que
possibilitem uma harmonia interpretativa das regras nas mesmas constantes.
Impõe-se, então, a análise dos tópicos (topoi) que podem facilitar o
alcance de tal harmonia decisória, entre os quais pode-se citar a consideração,

32 Cf. BAKER, Philip. Double Taxation Conventions. London: Thompson, 2005. pp. E-23-E26.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 37

na fundamentação de uma decisão, das decisões eventualmente proferidas


por órgãos jurisdicionais e administrativos do outro Estado contratante, bem
como o papel da própria Convenção Modelo da OCDE e seus comentários,
considerando, neste particular, a situação brasileira de Estado não membro da
aludida organização.
Um dos principais postulados hermenêuticos então analisado será o
princípio da boa-fé, o qual assume papel fundamental no campo da interpretação
das CDTRs, principalmente em um cenário em que os conflitos interpretativos
são solucionados pelas próprias partes envolvidas.
No sexto capítulo será estudada a questão das qualificações no campo do
Direito Internacional Tributário.
Com efeito, ainda no campo da mencionada harmonia decisória discute-se
bastante a questão dos chamados conflitos de qualificação no campo das CDTRs,
partindo-se de uma distinção entre interpretação e qualificação segundo a qual a
primeira consistiria na determinação do conteúdo do texto da CDTR enquanto
que a segunda seria a atividade de subsunção dos fatos a tal norma criada na
primeira etapa33.
Em primeiro lugar, há que se examinar aqui a pertinência desta distinção
entre interpretação e qualificação, a fim de que se possa determinar em que
sentido é possível falarmos em qualificação no âmbito da interpretação das
CDTRs.
Posteriormente, passar-se-á ao estudo dos mecanismos para a solução dos
conflitos de qualificação, examinando-se o new approach da OCDE segundo
o qual caberia em princípio ao Estado de fonte a qualificação de determinada
renda para fins de aplicação da regra definidora de competência tributária
constante na CDTR, cabendo ao Estado de residência, em sendo o caso, apenas
conceder o alívio da dupla tributação34.

33 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, pp. 141-142; BELLAN, Daniel
Vitor, Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005, p. 611; SANTIAGO,
Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, p. 93;
GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble Imposición Internacional,
2006, p. 65-66.
34 Cf. OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 314; VOGEL, Klaus. Conflicts
of Qualification: The Discussion is not Finished. Bulletin for International Taxation, Amsterdam,
Feb. 2003, p. 41; RUST, Alexander. The New Approach to Qualification Conflicts has its Limits.
Bulletin for International Taxation, Amsterdam, Feb. 2003, p. 45; JONES, John F. Avery. Conflicts of
Qualification: Comment on Prof. Vogel’s and Alexander Rust’s Articles. Bulletin for International
Taxation, Amsterdam, May 2003, p. 184.

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38 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

No sétimo capítulo serão analisados dois casos recentes que demonstram


como por vezes as autoridades fazendárias brasileiras, sob o pretexto de
“interpretarem” desportivos convencionais, acabam justificando o deliberado
descumprimento de CDTRs, no que designamos como hermeneutic override.
Esse é o caso da interpretação dada pela Receita Federal ao artigo sétimo
das CDTRs celebradas pelo Brasil, que cuida dos “Lucros das Empresas”, bem
como daquela emprestada à interpretação da CDTR celebrada com a Espanha,
especificamente no que tange à tributação de dividendos pagos pelas chamadas
Entidades de Tenencia de Valores Extranjeros.
Uma vez que o conflito interpretativo não tenha sido afastado no curso
do processo hermenêutico, resta então a possibilidade de se afastar o mesmo
mediante a utilização dos instrumentos pacíficos de solução de controvérsias
internacionais, estudando-se então questões como os procedimentos amigáveis
e a arbitragem internacional como principais mecanismos de superação de
controvérsias.
Nesse contexto é pertinente a análise da oportunidade da criação de uma
corte tributária internacional competente para dirimir eventuais conflitos
referentes à interpretação/aplicação das CDTRs. Minhas ponderações
nesta matéria levarão em conta a visão brasileira, ou seja, de um país em
desenvolvimento, da criação de tal corte.
Por fim, serão sumariadas as conclusões inferidas da pesquisa levada a
cabo ao longo desses capítulos, a fim de que seja possível esclarecer: quais
os parâmetros a serem seguidos no processo de interpretação/aplicação das
CDTRs; qual a possibilidade real de se alcançar uma harmonia decisória
entre os Estados contratantes; e qual o papel dos meios pacíficos de solução
de controvérsias nesse campo.
É importante fazer uma ressalva de caráter formal: todas as transcrições
de doutrina estrangeira apresentadas ao longo do trabalho foram livremente
traduzidas para o vernáculo pelo autor, sendo que nas traduções de passagens
extraídas de livros portugueses adaptou-se o texto ao português utilizado no
Brasil.

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1

As CDTRs:
Evolução Histórica, Natureza Jurídica,
Posição Hierárquica no Ordenamento
Jurídico Brasileiro, Qualificação
como Normas Especiais de
Tributação e Objetivos

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 41

1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS CDTRS


Embora o fenômeno da dupla tributação não seja recente, mencionando
Seligman controvérsia surgida após a implementação de novas formas de
tributação em cidades italianas e francesas já no Século XIII35, a celebração de
CDTRs somente se tornou comum no curso do Século XX, sendo o tratado
celebrado entre a Prússia e o Império Austríaco em 22 de junho de 1899
normalmente citado como a primeira CDTR assinada36.
Como destaca Adolfo Atchabahian, com base em lição de Brewer
Richman, a pouca difusão das CDTRs anteriormente ao Século XX é uma
decorrência mesmo de o Imposto de Renda não ter alcançado grande relevância
em tal período37.

35 SELIGMAN, Edwin R. A. Double Taxation and International Fiscal Cooperation. New York: The
Macmillan Company, 1928. pp. 32-35.
36 Cf. DAVIES, David R., Principles of International Double Taxation Relief,1985, p. 28; SCHOUERI, Luís
Eduardo, Tratados e Convenções Internacionais sobre Tributação, 2003, p. 27; SERRANO ANTÓN,
Fernando, Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional..., 2001, p. 105; ROHATGI, Roy,
Basic International Taxation, 2005, p. 64; BAKER, Philip. A Tributação Internacional no Século XXI.
Tradução Elise M. Sakane. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 19, 2005, p. 41; EASSON,
Alex. Do We Still Need Tax Treaties? Bulletin for International Taxation, Amsterdam, Dec. 2000,
p. 619. Para maiores detalhes sobre o tratado entre Áustria e Prússia, ver: SELIGMAN, Edwin R.
A., Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, p. 55. Em sentido diverso, vale a
pena mencionar o posicionamento de Ottmar Bühler, para quem “antes de 1914 não se celebrou
nenhum TDI amplo que fundamentalmente tivera por objeto a regulação da imposição sobre
a renda e sobre as sociedades” (BUHLER, Ottmar, Principios de Derecho Internacional Tributário,
1968, p. 69).
37 Em textual: “Isso [inexistência de tratados de bitributação antes do Século XX] resulta explicável,
pois se é certo que diferentes formas de tributação da renda já então haviam começado a
serem utilizadas em não poucos países europeus – Inglaterra, Alemanha, Noruega, Suécia,
França, Áustria, Holanda, Itália – assim como nos Estados Unidos desde 1913, também é certo,
como bem recorda Brewer Richman, ‘que antes da Primeira Guerra Mundial os impostos sobre
a renda, ali onde se aplicavam, foram-no geralmente segundo alíquotas baixas e, portanto, a
seriedade do problema gerado pela imposição múltipla não assumia as proporções adquiridas
depois, quando alíquotas muito maiores foram estabelecidas durante a guerra’” (ATCHABAHIAN,
Adolfo. Derecho Tributario Internacional. In: BELSUNCE, Horacio A. García (Coord.). Tratado de
Tributación. Buenos Aires: Astrea, 2003. t. I. v. II. p. 530. Sobre o surgimento do imposto de renda,
permitimo-nos transcrever a seguinte passagem de Pierre Beltrame: “Nascido em Inglaterra
em 1979, o imposto sobre o rendimento (Income Tax), ‘imposto atroz e digno de Robespierre’,
tinha atingido os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha antes de 1914. Estendeu-se em seguida à
Europa (França, 1914-1917; Países Baixos, 1914-1918; Bélgica, 1919). Imposto de classe, pago pelos
mais ricos e tornado quase sempre necessário pelas despesas de uma economia de guerra, o
imposto sobre o rendimento converte-se, com o aumento do produto nacional, num imposto
de massas pago praticamente por todos os titulares de rendimentos. Nos Estados Unidos, por
exemplo, obrigação de apresentar uma declaração de rendimentos respeitava a cerca de 4%
da população durante os anos 1930 e a 75% atualmente” (BELTRAME, Pierre. Os Sistemas Fiscais.
Tradução J. L. Da Cruz Vilaça. Coimbra: Almedina, 1976. p. 62). Para uma breve perspectiva
histórica do Imposto de Renda, ver: PIRES, Adilson Rodrigues. Contradições no Direito Tributário.
Rio de Janeiro: Forense, 1994. pp. 47-48.

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42 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Manuel Pires destaca três diferentes estágios de desenvolvimento das


CDTRs: um primeiro, pré-Primeira Guerra Mundial, um segundo no entre
guerras e um terceiro pós-Segunda Guerra, destacando, entretanto, que os
desenvolvimentos mais significativos sobre a matéria ocorreram apenas nesta
terceira fase38.
Os primeiros grandes impulsos ao desenvolvimento das CDTRs ocorre-
ram após a Primeira Grande Guerra.
No ano de 1920, a Câmara de Comércio Internacional focou sua atenção
no tema da dupla tributação, tendo designado um comitê para tratar do assunto.
Devido às dificuldades enfrentadas pela Câmara, no ano de 1921 a Liga das
Nações, por meio de seu Comitê Financeiro, assumiu a condução da questão39.
O Comitê formou então uma comissão de quatro financistas, o Professor
Bruins (Holanda), o Senador Luigi Einaudi (Itália), Sir Josiah Stamp (Grã-
-Bretanha) e o Professor Edwin Seligman (Estados Unidos), os quais levaram
adiante sua tarefa através de trocas de correspondências, vindo a se reunir
em 1923 em conferência realizada em Genebra. O resultado dos esforços da
comissão foi formalizado em relatório apresentado no mesmo ano40.
Segundo a narrativa de Seligman, o ponto de partida da comissão foi a
questão da cooperação fiscal internacional, analisando-se em que medida tal
cooperação envolve algum sacrifício por parte dos Estados envolvidos em um
caso de bitributação e, em assim sendo, qual dos Estados deveria suportar tal
sacrifício, ou se o mesmo deveria ser distribuído entre os Estados ou, ainda, se
haveria critérios para a divisão dos sacrifícios41.
Ainda de acordo com o Professor da Universidade de Columbia, na falta
de uma autoridade central suprema, a cooperação fiscal internacional seria
dependente do desenvolvimento de acordos bilaterais, sendo que os principais
critérios que pautariam tais acordos seriam a fonte da renda, de um lado, e a
residência ou domicílio daquele que tem a sua disponibilidade, de outro, embora

38 PIRES, Manuel, International Juridical Double Taxation of Income, 1989, p. 217.


39 Cf. SELIGMAN, Edwin R. A., Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, pp. 114-115.
40 Cf. SELIGMAN, Edwin R. A., Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, p. 115.
Sobre o relatório da comissão de financistas, ver: CARROLL, Michell B. Prevention of International
Double Taxation and Fiscal Evasion: Two Decades of Progress under the League of Nations. Geneva:
League of Nations, 1939. pp. 13-15.
41 SELIGMAN, Edwin R. A., Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, p. 117.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 43

o local da coisa e a possibilidade de exercício de um direito também devessem


ser levados em consideração42.
Após definir os critérios, a comissão buscou aplicá-los a categorias de
riquezas específicas, visando determinar situações em que o direito à tributação
caberia à fonte e aquelas em que deveria ser atribuído ao país de residência.
A comissão analisou também quais seriam os métodos passíveis de
serem utilizados para a eliminação da dupla tributação, elencando quatro: o da
dedução, o da isenção, o da divisão e o da classificação. Este último foi apontado
como o mais apropriado, na medida em que consistiria na atribuição de um
tratamento distinto para cada tipo de rendimento43.
Ainda em 1922 e antes mesmo de os financistas terem apresentado seu
relatório, a Liga das Nações nomeou uma comissão de técnicos fazendários,
originários de sete países europeus (Bélgica, França, Holanda, Itália, Reino
Unido, Suíça e Tchecoslováquia), para analisar questões relacionadas à dupla
tributação e à evasão fiscal44.
Em 1926, representantes de Alemanha, Japão, Polônia e Venezuela foram
incluídos no grupo e em 1927 foi a vez dos representantes da Argentina e dos
Estados Unidos. Ao final, no ano de 1928 a comissão de técnicos apresentou
quatro convenções modelo: uma convenção sobre a dupla tributação da
renda, outra sobre tributos sucessórios, e ainda convenções sobre assistência
administrativa e judiciária45.
Posteriormente a Liga das Nações realizou duas conferências na Cidade
do México (1940 e 1943), sendo que nesta segunda conferência foi editada
nova Convenção Modelo sobre a dupla tributação da renda, a qual substituiu
aquela de 1928. Devido à grande presença de países latino-americanos (cujo
envolvimento na Segunda Guerra era de menor relevância), tal Convenção
Modelo caracterizou-se por dar maior relevância ao critério da fonte do
rendimento para a atribuição de competência tributária, o qual normalmente é
favorável aos países predominantemente “importadores” de capital estrangeiro46.

42 SELIGMAN, Edwin R. A., Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, pp. 121-123.
43 Cf. SELIGMAN, Edwin R. A., Double Taxation and International Fiscal Cooperation, 1928, p. 136.
44 Cf. DAVIES, David R., Principles of International Double Taxation Relief, 1985, p. 33.
45 Cf. DAVIES, David R., Principles of International Double Taxation Relief,1985, p. 34; SCHOUERI, Luís
Eduardo, Tratados e Convenções Internacionais sobre Tributação, 2003, p. 28.
46 Cf. DAVIES, David R., Principles of International Double Taxation Relief,1985, p. 35; SCHOUERI,
Luís Eduardo, Tratados e Convenções Internacionais sobre Tributação, 2003, p. 28; SERRANO
ANTÓN, Fernando, Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional..., 2001, p. 106.

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44 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Esse modelo veio a ser revisto em reunião do Comitê Fiscal da Liga


das Nações realizada em Londres, em 1946. A grande diferença entre os dois
modelos era que a convenção aprovada no Reino Unido mudava o critério
principal de atribuição de competência tributária da fonte para a residência,
privilegiando os países desenvolvidos (predominantemente “exportadores de
capital”).
Foi realmente após o fim da Segunda Guerra, com a retomada das atividades
econômicas pelos países envolvidos no conflito armado que as CDTRs tiveram
grande impulso. Nas palavras de Alberto Xavier:
A partir da 2ª Grande Guerra, o movimento intensifica-se e são
celebradas numerosas convenções, agora com o predomínio para
os países anglo-saxônicos, já em virtude da internacionalização
progressiva da economia norte-americana, no âmbito das relações
entre a Inglaterra e os países da Commonwealth. A corrente de
investimentos internacionais para um e outro lado do Atlântico
e o movimento de integração econômica europeia, no quadro de
uma política mundial de liberalização do comércio, conduziram à
aceleração do fenômeno, impulsionado pela Câmara de Comércio
Internacional, e deram origem à criação do Comitê Fiscal da OCDE (a
que sucedeu o Comitê de Assuntos Fiscais), a quem se deve a elaboração
das Draft Conventions atrás referidas. Por seu turno, a Comunidade
Econômica Europeia e a Associação Europeia de Comércio Livre
prepararam a celebração de tratados multilaterais a subscrever pelos
seus respectivos membros47.
Vê-se, portanto, que nesta nova fase exerce papel principal a Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (antiga OECE –
Organização Europeia para Cooperação Econômica).
Com efeito, em 1963 a OCDE edita a sua Convenção Modelo para
evitar a dupla tributação da renda. O modelo OCDE foi revisado em 1977 e a
partir de 1992 passou a seguir o formato de folhas soltas, de modo a permitir
atualizações constantes48. A última revisão desta Convenção Modelo se deu
em 2010.

47 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 69.


48 Cf. BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, p. A-3. Para um breve histórico da Convenção
Modelo da OCDE, ver: OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, pp. 7-9.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 45

Uma das críticas apresentadas ao modelo da OCDE é que o mesmo


privilegia os países desenvolvidos em detrimento de países em desenvolvimento,
beneficiando o Estado de residência sobre o Estado de fonte49.
Segundo Roy Rohatgi tal característica é consequência de a OCDE ser um
grupo de países desenvolvidos, os quais teriam interesses e políticas tributárias
semelhantes50. Segundo seu entendimento, a Convenção Modelo da OCDE
encontra-se baseada em duas premissas: (a) a eliminação da dupla tributação
pelo país de residência pela aplicação dos métodos de crédito e isenção; e (b)
a redução da competência tributária do país da fonte e a redução das alíquotas
quando tal competência fosse mantida51.
Buscando conciliar os interesses de países desenvolvidos e países em desen-
volvimento, em 1980 as Nações Unidas editaram o seu modelo de convenção
para evitar a dupla tributação da renda, o qual vinha sendo pensado desde 1967.
Tal modelo veio a ser revisto em 2000 e em 201152.

49 Nas palavras de Brian J. Arnold e Michael J. McIntyre: “A Convenção Modelo da OCDE favorece
países exportadores de capital sobre países importadores de capital. Freqüentemente ela elimina
ou mitiga a dupla tributação requerendo que o país da fonte abdique parcial ou totalmente da
tributação sobre certas categorias de rendimentos auferidos por residentes do outro Estado
contratante. Esta característica da Convenção Modelo da OCDE é apropriada se o fluxo de
comércio e investimento entre os países é razoavelmente equilibrado e o país de residência
tributa qualquer rendimento isento no país de fonte” (ARNOLD, Brian J.; MCINTYRE, Michael J.
International Tax Primer. 2nd. ed. The Hage: Kluwer Law International, 2002. p. 108). Ver também:
SANDLER, Daniel. Tax Treaties and Controlled Foreign Company Legislation. 2nd. ed. The Hage:
Kluwer Law International, 1998. p. 86; DAVIES, David R., Principles of International Double Taxation
Relief,1985, p. 41; MUNRO, Alistair, Tolley’s Double Taxation Relief, 2003, p. 7; SCHOUERI, Luís
Eduardo. Imposto de Renda e o Comércio Eletrônico. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo,
n. 16, 2001, p. 148; SCHINDEL, Angel; ATCHABAHIAN, Adolfo. General Report. In: IFA. Cahiers de
Droit Fiscal International: Source and Residence: new configuration of their principles. Deventer:
Kluwer Law International, 2005. v. 90a. p. 45.
50 Por intermédio da Portaria nº 214/07, o Ministério da Fazenda criou um grupo de trabalho para
avaliar a possibilidade de ingresso do Brasil na OCDE.
51 ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 66.
52 Ver: BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, p. A-7; SCHOUERI, Luís Eduardo, Tratados
e Convenções Internacionais sobre Tributação, 2003, p. 29; LEONARDOS, Gabriel Francisco.
Tributação da Transferência de Tecnologia. Rio de Janeiro: Forense, 2001. pp. 38-41; SCHOUERI, Luís
Eduardo, Imposto de Renda e o Comércio Eletrônico, 2001, p. 149; VOGEL, Klaus. A Importância
do Direito Tributário Internacional para os Países em Desenvolvimento. In: TAVOLARO, Agostinho
Toffoli; MACHADO, Brandão; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coords.). Princípios Tributários
no Direito Brasileiro e Comparado: Estudos em Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio
de Janeiro: Forense, 1988. p. 476-481; DORNELLES, Francisco Neves. O Modelo da ONU para
Eliminar a Dupla Tributação da Renda e os Países em Desenvolvimento. In: TAVOLARO, Agostinho
Toffoli; MACHADO, Brandão; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coords.). Princípios Tributários
no Direito Brasileiro e Comparado: Estudos em Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de
Janeiro: Forense, 1988. pp. 195-232. Segundo Heleno Tôrres “o modelo da ONU (the UN Model),
publicado em 1980, privilegia o princípio da territorialidade, em face do análogo Modelo da
OCDE, constituindo, de certa forma, um compromisso de relacionamento congruente entre
aquele princípio e o da tributação da renda mundial – o da universalidade. Ou seja, mesmo
sendo o da renda mundial (universalidade) o princípio adotado pelos Estados contratantes, as

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46 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Vale a pena destacar, por fim, que alguns países como os Estados Unidos,
Bélgica e Holanda possuem seu próprio modelo de convenção. Segundo Joseph
Isenbergh o modelo americano não difere muito da convenção OCDE. Todavia,
tal modelo tem particular atenção com aspectos que preocupam os Estados
Unidos, como o tratamento de paraísos fiscais53.
Feitos esses comentários, vale a pena deixar registrado que atualmente a
maioria das CDTRs celebradas seguem o modelo OCDE54. Este é o caso das
CDTRs celebras pelo Brasil, as quais seguem a Convenção Modelo da OCDE,
mesmo não sendo o país membro desta organização.

1.2. NATUREZA JURÍDICA DAS CDTRS


Questão importante e que tem impactos sobre a interpretação das
CDTRs é a sua natureza jurídica. A questão foi bem posta por Philip Baker,
nos seguintes termos:
Convenções de dupla tributação podem ser consideradas como tendo
uma natureza dúplice. De um lado, elas são acordos internacionais
celebrados entre estados, sob as quais tais estados concordam em
limitar o exercício de sua jurisdição fiscal. De outro lado, elas se
tornam parte do direito tributário de cada estado contratante, seja
automaticamente ou pela incorporação pela edição de normas
internas. Um aspecto dessa natureza dúplice (discutida em outro
lugar – ver tópico introdutório E sobre interpretação) é a forma de
interpretação de tais tratados: devem os mesmos ser interpretados
como tratados, ou como direito interno?55
A natureza jurídica das normas decorrentes de tratados internacionais
encontra-se vinculada à tomada de posição quanto às relações entre o direito
interno e o direito internacional, mediante a filiação ao monismo ou ao dualismo
jurídicos.

disposições do Modelo fazem privilegiar a tributação de base territorial, típica do Estado da


fonte dos rendimentos. Por este motivo, apresenta-se como o mais adequado para ser utilizado,
não apenas nas relações entre países desenvolvidos e países em via de desenvolvimento, mas
também naquelas relações entre países em via de desenvolvimento (entre si)” (TÔRRES, Heleno,
Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, pp. 497-498).
53 Cf. ISENBERGH, Joseph. International Taxation. 2nd. ed. New York: Foundation Press, 2005. p.
233.
54 Cf. ARNOLD, Brian J.; MCINTYRE, Michael J., International Tax Primer, 2002, p. 109.
55 BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, p. B-1.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 47

1.2.1. MONISMO E DUALISMO JURÍDICOS


Não é objetivo deste trabalho examinar em detalhe as distinções e
características do monismo e do dualismo jurídicos, bastando, para os propósitos
aqui perseguidos, traçarmos a principal linha que divide essas duas correntes.
Para o dualismo jurídico, o direito interno e o direito internacional tratam-
-se de duas ordem jurídicas distintas e segregadas. Como salientam Dinh,
Daillier e Pellet, os seguidores desta linha de pensamento “detectam entre o
direito internacional e o direito interno diferenças que os tornam irredutíveis
um ao outro”56.
Consequência da posição dualista é que não seria possível a existência
de qualquer conflito normativo entre o direito interno e o internacional. Nas
palavras de Pedro Baptista Martins “o direito interno e o direito externo divergem,
em suma, no conceito dualista, por suas fontes e por seus objetos. São dois
compartimentos estanques, dois círculos fechados que se acham em contato
íntimo, mas que jamais se sobrepõem. Não regendo, como não regem, as mesmas
relações, é impossível que jamais se estabeleça uma concorrência entre as duas
fontes e, pois, que se verifiquem conflitos entre as suas normas”57.
Aspecto relevante do dualismo jurídico é a impossibilidade de aplicação
direta dos tratados internacionais na ordem interna, a qual seria sempre

56 DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Tradução Vítor
Marques Coelho. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 96. Sobre o dualismo
jurídico, ver também: TRUYOL, Antonio. Noções Fundamentais de Direito Internacional Público.
Tradução de Ehrhardt Soares. Coimbra: Armenio Amado, 1952. pp. 108-111; BOSON, Gerson
de Britto Mello. Direito Internacional Público. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. pp. 135-137;
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 89;
DALLARI, Pedro B. A. Constituição e Tratados Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 8-9;
ARIOSI, Mariângela. Conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Internas. Rio de Janeiro: Renovar,
2000. pp. 62-70; REUTER, Paul. Introducción al Derecho de los Tratados. Tradução Eduardo L. Suárez.
México: Fondo de Cultura Económica, 1999. p. 31; PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto
de. Manual de Direito Internacional Público. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 84-85; MELLO,
Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 121-123; BORGES, José
Souto Maior. Direito Comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. pp. 81-82; VALLADÃO, Haroldo.
Direito Internacional Privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. pp. 51-52; GOUVEIA,
Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. pp. 294-295;
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
p. 16; STERN, Klaus. Derecho del Estado de la Recpublica Federal Alemana. Tradução Javier Pérez
Royo e Pedro Cruz Villalón. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1987. p. 808; REZEK,
J. F., Direito Internacional Público, 2000, pp. 4-5; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito
Internacional Público, 2006, pp. 48-52.
57 MARTINS, Pedro Baptista. Da Unidade do Direito e da Supremacia do Direito Internacional. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. p. 28.

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48 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

dependente da “internalização” da regra pactícia mediante a edição de norma


interna, configurando a “teoria da incorporação” do direito internacional58.
Partindo dessa premissa, temos que uma decorrência do dualismo jurídico
para uma teoria hermenêutica do Direito Internacional é a equiparação, na
ordem interna, dos tratados internacionais a veículos domésticos de introdução
de normas jurídicas.
Com efeito, se a aplicação do tratado na esfera interna depende da edição
de norma doméstica de incorporação do tratado, temos que na verdade o
intérprete aplicador do tratado estará sempre interpretando e aplicando seu
direito doméstico e não um tratado internacional, sempre que seu foco forem
os efeitos internos da regra pactícia.
Assim, parece-nos que o dualismo implica, sob o ponto de vista herme-
nêutico, em uma segregação da interpretação do tratado em âmbito interno e
na arena internacional.
De fato, internamente a interpretação da regra de incorporação do tratado
internacional se dá da mesma forma que qualquer outra lei doméstica. Ou seja,
interpreta-se não o tratado, mas a lei doméstica interna.
Na esfera internacional, a seu turno, terá lugar efetivamente a interpretação
do tratado, no marco hermenêutico que lhe é aplicável (a interpretação dos
tratados internacionais será objeto de reflexão no terceiro capítulo).
Posição diametralmente oposta é a adotada pelo monismo jurídico.
Para os adeptos desta teoria, a direito interno e o direito internacional
formam um sistema jurídico integrado defendendo-se, portanto, a existência de
uma única ordem jurídica que congregaria o direito interno e o internacional59.

58 Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 122; PEREIRA,
André Gonçalves; QUADROS, Fausto de, Manual de Direito Internacional Público, 2002, p. 84;
RIBEIRO, Patrícia Henriques. As Relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001. pp. 40-41; ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional
Público. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 44; MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional
Público. Cascais: Principia, 2002. p. 139.
59 Sobre o monismo jurídico, ver: DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito
Internacional Público, 2003, p. 96; TRUYOL, Antonio, Noções Fundamentais de Direito Internacional
Público, 1952, pp. 111-114; BOSON, Gerson de Britto Mello, Direito Internacional Público, 2000,
pp. 137-141; DOLINGER, Jacob, Direito Internacional Privado, 2001, p. 90; DALLARI, Pedro B.
A., Constituição e Tratados Internacionais, 2003, pp. 10-13; ARIOSI, Mariângela, Conflitos entre
Tratados Internacionais e Leis Internas, 2000, pp. 73-96; REUTER, Paul, Introducción al Derecho de los
Tratados, 1999, p.31; PEREIRA, André Gonçalves; PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto
de, Manual de Direito Internacional Público, 2002, pp. 85-86; MELLO, Celso D. de Albuquerque,
Curso de Direito Internacional Público, 2004, pp. 123-125; BORGES, José Souto Maior, Direito
Comunitário, 2005, pp. 78-81; VALLADÃO, Haroldo, Direito Internacional Privado, 1980, pp. 53-55;

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 49

A teoria monista divide-se em dois polos distintos, a saber: (a) os que


defendem o monismo com a prevalência do direito interno sobre o internacional;
e (b) os que defendem o monismo com a prevalência do direito internacional
sobre o direito interno60.
De acordo com o magistério de Alberto Xavier, essa divisão da tese monista
decorre do fato de, “em caso de conflito entre as ordens interna e internacional,
se desse prevalência à norma interna ou à norma internacional”61.
A tese monista com a prevalência do direito internacional é prevalecente
na doutrina62, além de ser amplamente aceita pelas Cortes internacionais.
Conforme leciona Luis Ivani de Amorim Araújo, “a jurisprudência internacional
tem sido unânime em afirmar a primazia do Direito das Gentes sobre o Direito
Interno”63.
Nesse sentido, é de se assinalar que, já em 1930, a Corte Permanente de
Justiça Internacional afirmava a prevalência do monismo, com a superioridade
do direito internacional sobre o direito interno, em parecer consultivo nos
seguintes termos:
É princípio geral reconhecido, do direito internacional, que, nas
relações entre potências contratantes de um tratado, as disposições
de uma lei não podem prevalecer sobre as do tratado.64

GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, pp. 295-298; BARROSO,
Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição, 1999, p. 16; STERN, Klaus, Derecho del
Estado de la Recpublica Federal Alemana, 1987, p. 808; REZEK, J. F., Direito Internacional Público,
2000, p. 4-5; FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direito Interno. Rio
de Janeiro: Forense, 2001. p. 6-10; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional
Público, 2006, pp. 52-59.
60 No dizer de Wilson Accioli: “Antes de oferecermos a contestação dos monistas a essa concepção
dos dualistas, faz-se necessário esclarecer, desde logo, que aqueles sustentam a teoria da unidade
da ordem jurídica, dividindo-se, no entanto, em duas correntes: a dos monistas que propugnam
pela supremacia do direito interno e a dos monistas que propendem para a prevalência do
direito externo” (ACCIOLI, Wilson. Instituições de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense,
1984. pp. 160-161).
61 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 79.
62 Salientam André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros que “o monismo de Direito Internacional,
concepção hoje preponderante, resulta da rejeição do voluntarismo, sendo a corrente mais
satisfatória do ponto de vista intelectual e a mais consentânea com o estado atual das relações
jurídicas na Comunidade Internacional.
A Ordem Jurídica interna cede, em caso de conflito, perante a internacional. Esta traça limites
da competência daquela. O legislador não pode criar regras internas contrárias ao Direito
Internacional” (PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de, Manual de Direito Internacional
Público, 2002, p. 86). Nesse mesmo sentido: RIBEIRO, Patrícia Henriques, As Relações entre o Direito
Internacional e o Direito Interno, 2001, p. 66; BOSON, Gerson de Britto Mello, Direito Internacional
Público, 2000, p. 143.
63 ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público, 1995, p. 46.
64 Apud, BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição, 1999, p. 16.

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50 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Também a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em seu art.


27, estabeleceu a primazia do direito internacional sobre o direito interno, ao
dispor que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno
para justificar o inadimplemento de um tratado”65.
Vale a pena ressaltar que a tese monista, com prevalência do direito
internacional, divide-se em duas: uma radical e outra moderada.
A tese radical sustenta que o ato normativo interno contrário ao tratado
internacional será nulo de pleno direito, por não ter fundamento de validade
em norma hierarquicamente superior. Já a tese moderada defende que eventual
conflito entre o direito interno e o internacional apenas gerará uma ineficácia
daquele, não o comprometendo, contudo, no plano da validade66.
Hodiernamente, as constituições de algumas nações ocidentais contêm
regras expressas estabelecendo a prevalência do direito internacional sobre o
direito infraconstitucional interno, conforme se pode depreender, por exemplo,
da análise das cartas políticas de Argentina67, Paraguai68, Itália69, França70,
Holanda71, e Alemanha72.
Uma das características do monismo jurídico é a aplicação direta do
direito internacional no âmbito interno. Conforme assevera Valerio de Oliveira
Mazzuoli, “para a doutrina monista, ademais, a assinatura e ratificação de um
tratado por um Estado significa a assunção de um compromisso jurídico; e se tal
compromisso envolve direitos e obrigações que podem ser exigidos no âmbito
do Direito interno do Estado, claro está que não se faz necessária, só por isso,
a edição de um novo diploma normativo, ‘materializando’ no plano interno,
pela via da transformação, o compromisso internacionalmente assumido”73.

65 É de se assinalar que essa disposição, embora válida para estabelecer a responsabilidade do


Estado violador do pacta sunt servanda perante os demais sujeitos que tomaram parte no tratado,
não pode ser invocada, por óbvio, para determinar a hierarquia do Direito internacional sobre
as normas internas, no âmbito do ordenamento jurídico de cada nação.
66 Cf. VERDROSS, Alfred. Derecho Internacional Publico. Tradução Antonio Truyol y Serra. Madrid:
Aguilar, 1955. pp. 68-69; RIBEIRO, Patrícia Henriques, As Relações entre o Direito Internacional e o
Direito Interno, 2001, p. 67; MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Internacional Público, 2002, p. 140.
67 Artigo 75, item 22 da Constituição Argentina.
68 Artigos 137 e 141, da Constituição Paraguaia.
69 Artigo 10, da Constituição Italiana.
70 Artigo 55 da Constituição Francesa.
71 Artigo 94, da Constituição Holandesa.
72 Artigo 25 da Constituição Alemã.
73 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 53.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 51

Assim, retomando a temática anteriormente apresentada, diferentemente


do que ocorre no dualismo, no monismo jurídico o intérprete/aplicador tem
diante de si o tratado internacional e não um ato normativo interno.
Feitos esses comentários, resta questionar acerca da posição adotada no
Brasil no que respeita à opção pelo monismo ou dualismo jurídicos.
Como se sabe, no ordenamento jurídico brasileiro a celebração de
tratados internacionais é de competência exclusiva do Presidente da República,
dependendo, todavia, de referendo do Congresso Nacional autorizando a
ratificação do pacto internacional, a qual se manifesta por intermédio da edição
de um decreto legislativo. Autorizada a celebração do tratado pelo Congresso
cabe ao Presidente da República editar Decreto com seu texto, o qual marca o
início de sua vigência interna74.
Alguns internacionalistas sustentam que o sistema brasileiro caracteriza-se
por ser dualista, uma vez que a integração do tratado ao direito interno depende
da edição de um ato legislativo (decreto legislativo), bem como da edição do
decreto presidencial75.
Outros defendem que o sistema pátrio é monista moderado, uma vez
que o ato legislativo apenas autoriza a celebração do tratado, enquanto o ato
do Presidente presta-se apenas a dar publicidade ao mesmo, sem que haja,
entretanto, independência entre o ato interno e o pacto internacional, a qual
caracterizaria o dualismo. De outro lado, eventuais antinomias entre o tratado
e a lei infraconstitucional interna são resolvidas no plano na eficácia, e não da
validade76.

74 Sobre o tema, ver: FRAGA, Mirtô. A obrigatoriedade do tratado na ordem interna. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, n. 162, abr.-jun. 2004, pp. 311-328.
75 Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 131;
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 215; ARAUJO, Nadia de. Direito Internacional Privado. 3. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006. p. 151; BINENBOJM, Gustavo. Monismo e Dualismo no Brasil: uma Dicotomia
Afinal Irrelevante. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 350, 2000, p. 47; MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 49; TÔRRES, Heleno, Pluritributação
Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 577.
76 TIBURCIO, Carmen. A EC N. 45 e Temas de Direito Internacional. In: WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim et. al. (Coords.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional
N. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 125; FRAGA, Mirtô, O Conflito entre
Tratado Internacional e Norma de Direito Interno, 2001, pp.131-133; ARIOSI, Mariângela. Conflitos
entre Tratados Internacionais e Leis Internas. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 211; PAGLIARINI,
Alexandre Coutinho. Constituição e Direito Internacional: Cedências Possíveis no Brasil e no Mundo
Globalizado. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 166; DALLARI, Pedro B. A., Constituição e Tratados
Internacionais, 2003, pp. 106-107.

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52 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Há até mesmo quem sustente que o sistema brasileiro seria misto, sendo
monista em relação a algumas matérias e dualista no que se refere a outras77.
Acompanhamos o segundo entendimento acima, no sentido de que o
sistema brasileiro deve ser considerado monista moderado, embora se deva
esclarecer que o mesmo não adere a nenhuma das duas subdivisões clássicas
da teoria (prevalência do direito interno ou do Direito Internacional).
Na verdade a orientação forjada no ordenamento jurídico pátrio desde
o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário nº
80.004 é de um monismo com paridade entre o direito interno e o internacional,
de forma que a solução de antinomias entre normas das duas ordens se faz
não pela aplicação do critério hierárquico, mas pela aplicação dos critérios
cronológico e de especialidade.
Com efeito, a despeito da tendência mundial no sentido de reconhecer
a supremacia do direito internacional sobre as normas internas, insta salientar
que a Constituição Brasileira não traz regra expressa acerca do relacionamento
entre a ordem jurídica interna e as normas internacionais (salvo pelos §§ 2º e
3º de seu artigo 5º).
Como bem destaca Mariângela Ariosi, ao se omitir sobre o tema em
tela a Constituição Federal de 1988 segue a mesma linha das Constituições
brasileiras anteriores, as quais nunca veicularam regra específica tratando do
relacionamento entre o direito interno e o direito internacional78.
Esse traço característico da Constituição brasileira foi ressaltado, igual-
mente, por juristas estrangeiros, conforme se pode inferir da seguinte passagem
de Dromi, Ekmekdjian e Rivera:
Nada obstante, esta Constituição [a brasileira] tem sido destacada
no direito constitucional comparado como um exemplo contrário
à tendência generalizada à abertura dos mercados, em especial em

77 Cf. HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. São Paulo: Ltr, 2006.
p. 33.
78 Em suas palavras: “Como fora visto, ao se analisar a evolução jurídico-constitucional brasileira,
no capítulo anterior, verificou-se uma verdadeira ausência de dispositivos constitucionais
acerca de uma definição da norma a ser aplicada em caso de conflito que envolvesse tratados
internacionais e leis internas. Não apenas a Constituição brasileira de 1988 pecou por omissão
nesta matéria, mas, como oportunamente fora observado, nunca houve, em nenhum texto
constitucional da história das Constituições brasileiras, qualquer orientação acerca de uma
direção, seja esta, monista – radical ou moderada, ou dualista para os conflitos entre tratados
e leis internas” (ARIOSI, Mariângela. Conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Internas. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000. p. 158).

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 53

relação àqueles nos quais existe um processo de integração em marcha


(tal como iniciado no âmbito do Mercosul entre Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai).79
Contudo, a despeito da ausência de disposição constitucional acerca
da matéria em tela e da posição do Supremo Tribunal Federal adotando um
monismo com paridade entre o direito interno e o internacional, é de se observar
que na doutrina pátria prevalece o entendimento no sentido de que as normas
internacionais sobrepõem-se às disposições do direito interno80.
Tendo em conta os comentários acima, é possível mencionar que o aspecto
diferencial do monismo em relação ao dualismo jurídico, no que tange à questão
da interpretação, consiste no fato de que no monismo jurídico interpretam-se
tratados internacionais, e não atos normativos domésticos, como ocorre no
sistema dualista.
Como afirmamos anteriormente, o sistema brasileiro pode ser considerado
monista moderado, na medida em que o ato internacional não precisa ser convertido
em lei interna para alcançar validade. Todavia, como também mencionado,
o monismo brasileiro não se filia a nenhuma das duas principais correntes
(prevalência do direito interno sobre o internacional ou vice-versa).
A questão específica da posição hierárquica assumida pelas CDTRs no
ordenamento jurídico brasileiro será examinada a seguir, analisando-se então
os dispositivos constantes nos §§ 2º e 3º do artigo 5º da Constituição Federal,
bem como a regra prevista no artigo 98 do Código Tributário Nacional.

79 DROMI, Roberto; EKMEKDJIAN, Miguel A.; RIVERA, Julio C. Derecho Comunitario. 2. ed. Buenos
Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996. p. 45.
80 Sobre essa questão, afirma Luís Roberto Barroso: “No Brasil não existe disposição constitucional
a respeito do tema, o que tem suscitado críticas diversas. Não obstante, no que diz respeito
ao conflito entre tratado internacional e norma interna infraconstitucional, a doutrina, como
assinalamos pouco atrás, é amplamente majoritária no sentido do monismo jurídico, com
primazia para o direito internacional” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da
Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 18), Nesse sentido: ACCIOLY, Hildebrando;
NASCIMENTO E SILVA, G. E do, Manual de Direito Internacional Público, 2000, p. 62 e 63;
VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. p.
96; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004. p. 135; TENORIO, Oscar. Direito Internacional Privado. 11. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1976. p. 95; FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direito Interno:
Estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
p. 128; RIBEIRO, Patrícia Henriques. As Relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno:
Conflito entre o ordenamento brasileiro e normas do MERCOSUL. Belo Horizonte: Del Rey,
2001. p. 209; SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Introdução ao Direito Internacional Privado.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1975. pp. 32 e 33.

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54 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

1.3. A POSIÇÃO HIERÁRQUICA DAS CDTRS NO ORDENAMENTO


JURÍDICO BRASILEIRO
Como mencionado anteriormente, desde o julgamento do Recurso
Extraordinário nº 80.004 o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no
sentido de que os tratados internacionais estão no mesmo patamar hierárquico
das leis ordinárias, de modo que eventual antinomia entre disposições de
tratados internacionais e leis domésticas deve ser solucionada pela aplicação
dos critérios cronológico e de especialidade81.
A aplicação desta orientação no caso das CDTRs é, todavia, controvertida,
não havendo uma posição clara do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
Com efeito, de um lado temos a regra insculpida no artigo 98 do Código
Tributário Nacional, segundo a qual “os tratados e as convenções internacionais
revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela
que lhes sobrevenha”.
Este artigo, de duvidosa constitucionalidade, parece prever a supremacia
dos tratados internacionais tributários sobre a legislação interna.
Ao se analisar as decisões judiciais sobre a matéria, entretanto, percebe-se
que a questão é ainda um pouco mais complexa, já que o Superior Tribunal de
Justiça, até a decisão proferida no Recurso Especial nº 426.945 (publicação no
DJU em 25/08/2004), decidia de forma uniforme no sentido de que a regra
prevista no artigo 98 somente seria aplicável aos tratados contratuais, negando-
-se sua aplicação aos ditos tratados normativos, isso independentemente da
questionável validade científica dessa classificação. Tal orientação encontra
raízes em decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a questão82.
Ademais, embora, como visto, seja pobre o regramento constitucional acerca
das relações entre tratados internacionais e direito interno, há que se destacar o
mandamento contido no § 2º do artigo 5º da Constituição, segundo o qual “os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte”.

81 ROCHA, Sergio André. Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro: O Caso das Convenções
para Evitar a Dupla Tributação da Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 25.
82 Nesse sentido foi a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 196.560 (publicação no Diário
da Justiça em 10 de maio de 1999.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 55

Diante dessa previsão, como veremos adiante, alguns estudiosos


manifestaram entendimento no sentido de que as CDTRs teriam status
constitucional.
Além do mencionado § 2º, há que se ter atenção também à regra
incorporada ao texto constitucional por intermédio da Emenda Constitucional n
º 45/05, a qual adicionou um § 3º ao artigo 5º, o qual estabelece que “os tratados
e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Embora seja ainda mais improvável a inclusão das CDTRs entre os
“tratados e convenções sobre direitos humanos”, há que se examinar se essa
disposição constitucional tem algum papel no debate que ora se apresenta.
Vejamos cada um desses aspectos, começando pela análise dos §§ 2º e 3º do
artigo 5º da Constituição Federal.

1.3.1. REFLEXÕES SOBRE A APLICABILIDADE DOS §§ 2º E 3º DO


ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM RELAÇÃO ÀS CDTRS

Como visto anteriormente, tendo em consideração o silêncio da Consti-


tuição Federal sobre o assunto, prevalece o entendimento no sentido de que
os tratados internacionais são incorporados ao ordenamento jurídico interno
no mesmo patamar hierárquico das leis ordinárias.
Seguindo essa linha de ideias as CDTRs seriam incorporadas ao direito
interno no mesmo nível hierárquico das leis ordinárias e, em assim sendo,
eventual conflito destas com leis tributárias internas deveria ser solucionado
com a utilização dos critérios cronológico e de especialidade.
Todavia, como já mencionamos, se falta na Constituição regra geral acerca
do relacionamento entre o Direito das Gentes e o ordenamento doméstico, há na
Lei Maior, por outro lado, regras atinentes aos direitos e garantias fundamentais
(artigo 5º, § 2º) e à proteção dos direitos humanos (artigo 5º, § 3º).
Essa temática foi objeto de pesquisa específica do autor da presente tese,
tornada pública no ano de 200783. Reproduziremos a seguir um resumo das
considerações lá apresentadas e das conclusões alcançadas.

83 ROCHA, Sergio André, Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, pp. 58-69.

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56 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

1.3.1.1. REFLEXÕES SOBRE A APLICABILIDADE DO § 2º DO ARTIGO 5º


DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM RELAÇÃO ÀS CDTRS

Dispõe o § 2º do artigo 5º da Constituição Federal que “os direitos e


garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Em consonância com tal dispositivo, todas as normas constantes em
tratados internacionais que se refiram a direitos fundamentais do homem
ganham status constitucional, assumindo, evidentemente, posição hierárquica
superior dentro do ordenamento jurídico pátrio84.
Tendo em vista o entendimento predominante entre os internacionalistas,
no sentido de que, por força do disposto no § 2º do artigo 5º da Constituição
Federal os tratados que versam sobre direitos e garantias fundamentais
ingressam no ordenamento jurídico pátrio em patamar constitucional, surgiram
vozes sustentando que também os tratados internacionais tributários, inclusive
no que respeita às CDTRs, estavam abarcados por tal dispositivo85.

84 Cf. TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto
à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. In: Direito Internacional em
um Mundo em Transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 712; PIOVESAN, Flávia. Direitos
Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 82. Apoiando
a posição sustentada por Flávia Piovesan, ver: MELLO, Celso D. de Albuquerque. O § 2° do art.
5° da Constituição Federal. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 25; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Hierarquia constitucional
e incorporação automática dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no
ordenamento brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 148, out.-dez. 2000, p. 239;
SCHOUERI, Luís Eduardo. Anotações sobre Temas do Direito Tributário Internacional. In: DE
SANTI, Eurico Diniz; ZILVETI, Fernando Aurelio; MOSQUERA, Roberto Quiroga (Coords.). São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 257. Em sentido contrário manifesta-se José Souto Maior Borges:
“Não será pertinente sustentar portanto que, enquanto os demais tratados internacionais têm
força hierárquica infraconstitucional, os que versam sobre direitos humanos revestem a natureza
de norma constitucional. A paridade hierárquica entre os atos legislativos (leis ordinárias federais)
e os tratados verificar-se-ia, dentre todas as matérias do art. 5°, § 2°, in fine, exceto com relação
aos tratados sobre direitos humanos. Como fundamentar porém esse discrime?” (BORGES, José
Souto Maior. Direitos Humanos e Tributação. In: Anais das XX Jornadas do ILADT. Brasil: ABDF,
2000. p. 628).
85 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, pp. 85-87; SCHOUERI, Luís
Eduardo. Acordos de Bitributação e Lei Interna – Investimentos na Ilha da Madeira – Efeitos da
Lei nº 9.249/95. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 17, fev. 1997, p. 97; SCHOUERI,
Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 1999.
pp. 154-156; MATTOS, Aroldo Gomes de. PIS/COFINS: a Não-cumulatividade e os Tratados
Internacionais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 104, maio 2004, p. 11; SILVEIRA,
Rodrigo Maitto da. Aplicação de Tratados Internacionais contra a Bitributação: Qualificação de
Partnership Joint Ventures. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 90.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 57

No trabalho antes referido defendemos posição no sentido da não insersão das


CDTRs no âmbito de incidência do dispositivo em comento86.
O argumento principal então apresentado foi no sentido de que, embora
seja possível falar em um princípio (enquanto norma que estabelece fins a serem
alcançados) da não bitributação, não poderia esta (não bitributação) ser direito
fundamental do homem enquanto contribuinte87.
Na verdade, a bitributação é um fenômeno que atinge contribuintes
sujeitos a duas jurisdições fiscais legitimadas a lhes impor tributos. Dessa forma,
embora seja do interesse dos diversos países evitar que a dupla tributação seja
causa de um arrefecimento econômico, nenhuma nação está obrigada por um
princípio supralegal a renunciar a receitas fiscais em benefício de outro país em função
do dito princípio da não bitributação88.

86 ROCHA, Sergio André, Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, pp. 59-67.
87 ROCHA, Sergio André, Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, p. 67.
88 Nas palavras de Daniel Sandler, “as regras de direito internacional não proíbem a dupla tributação.
O direito internacional permite a tributação de rendimentos de fonte estrangeira desde que
uma conexão suficiente exista entre o contribuinte e o país tributante, como por exemplo a
residência ou cidadania do contribuinte ou a fonte de seu rendimento. Não há um princípio
territorial de direito internacional que proíba a aplicação da lei doméstica para a tributação
doméstica de rendimentos de fonte estrangeira. Costume internacional não proíbe a dupla
tributação enquanto a legislação de cada país envolvido é consistente com o direito internacional.
Evidentemente, esse princípio encontra-se sujeito às limitações para que um país torne efetiva
a tributação, em primeiro lugar e principalmente porque um país não irá dar efetividade a uma
lei tributária de outro” (SANDLER, Daniel. Tax Treaties and Controlled Foreign Company Legislation.
2nd. ed. London: Kluwer Law International, 1998. p. 16). Segundo J. Van Hoorn Jr., “qualquer que
seja a forma de bitributação – jurídica ou econômica no sentido estrito, ou econômica no caso
de coexistirem diferentes tipos de impostos – a questão é saber se há algum princípio jurídico
segundo o qual um país esteja obrigado a evitá-la. Um princípio jurídico dessa natureza não
existe. Cada país é soberano também em assuntos tributários e não há princípios ou regras gerais
internacionais que limitem o soberano poder de tributar além daqueles poucos que limitam
a soberania de um país em geral. Assim, a atitude de um país em relação à bitributação – e em
relação ao direito tributário internacional em geral – depende muito, se não inteiramente,
de seus interesses econômicos nacionais, na estrutura da sua posição internacional diante
de outros países. Isto é assim em especial para quaisquer regras unilaterais. A tributação da
renda mundial (ou global) bem como da estritamente territorial é uma função de uma situação
internacional do país como país que exporta ou importa capital e tecnologia. Assim ocorre com
as medidas unilaterais especiais para evitar a bitributação (jurídica), e também, naturalmente,
com a legislação fiscal de incentivos que objetiva a criação de um clima tributário favorável em
benefício de investimento estrangeiro e de transferência de tecnologia” (VAN HOORN JR., J. O
Papel dos Tratados no Comércio Internacional. In: TAVOLARO, Agostinho Toffoli; MACHADO,
Brandão; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coords.). Princípios Tributários no Direito Brasileiro
e Comparado: Estudos em Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense,
1988. pp. 420-421). No mesmo sentido, ver: SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento Fiscal Através
de Acordos de Bitributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 1; ROTHMANN, Gerd W.,
Bitributação Internacional, 1983, pp. 131-132; ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e Aplicação
de Acordos Internacionais contra a Bitributação, 1978, p. 77. Sobre o tema, ver, ainda: BORRÁS,
Alegria, La Doble Imposición: Problemas Jurídico-Internacionales, 1974, pp. 163-170.

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58 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Nesse contexto, o papel das convenções internacionais para evitar a dupla


tributação da renda é exatamente o de instrumento de rateio de receitas fiscais
entre os países signatários, com a consequente proteção da capacidade contributiva
dos contribuintes89.
Veja-se bem: a celebração de convenções para evitar a dupla tributação da
renda não é o único meio para se lograr tal objetivo, havendo até mesmo que
sustente que tal instrumento deva ceder lugar a outros mecanismos para se evitar
a bitributação90.
Ademais, enunciar o princípio da não bitributação não resolve o problema
principal, qual seja o estabelecimento de critérios que determinem, diante das operações
concretas, qual país irá renunciar à receita fiscal que, de outra forma, caber-lhe-ia.
Assim sendo, embora seja óbvio que, como indicado por Alberto Xavier,
os direitos do homem enquanto contribuinte estejam incluídos entre os direitos
e garantias fundamentais, não parece que as CDTRs veiculem, em si, direitos
que se enquadrem em tal categoria91.
Outro argumento enunciado naquela oportunidade reside no fato, olvidado
pelos defensores da inclusão das CDTRs entre os tratados previstos no § 2º
do artigo 5º da Constituição Federal, de que caso tratassem tais tratados de
direitos fundamentais do homem enquanto contribuinte deveriam estes estar
protegidos não só contra alterações por leis ordinárias posteriores, mas sim serem
imunes a qualquer forma de revogação, até mesmo sua denúncia.
Com efeito, na arena dos direitos humanos vige o princípio da
irreversibilidade dos direitos já reconhecidos, diante do qual, assevera Fábio

89 Sobre os fins das CDTRs ver o item 5.2 abaixo.


90 Ver: TAVOLARO, Agostinho Toffoli. O Brasil ainda Precisa de Tratados de Dupla Tributação? In:
SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito Tributário: Estudos em Homenagem a Alcides Jorge
Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2004. pp. 867-892; EASSON, Alex, Do We Still Need Tax Treaties?,
2000, pp. 619-625.
91 No mesmo sentido: GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados Internacionais em Matéria Tributária
e Ordem Interna. São Paulo: Dialética, 1999. p. 84; BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a Renda
e Preços de Transferência. São Paulo: Dialética, 2001. p. 168; TÔRRES, Heleno, Pluritributação
Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 381; JARACH, Dino. El Hecho Imponible. 3.
ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, [s/d]. p. 216; BAKER, Philip, Double Taxation Conventions,
2005, p. I-1. Posição em sentido contrário é defendida pelo Professor Luís Eduardo Schoueri,
para quem: “[...] se acompanharmos o raciocínio de Schaumburg, acima referido, no sentido de
que a bitributação, por afetar o princípio da capacidade contributiva, contraria o princípio da
igualdade, então será imediato que a proteção contra a bitributação será um direito humano,
porquanto assegura positivamente a igualdade e, enquanto tal, compreendido no escopo
do artigo 5º, § 2º, do texto constitucional” (SCHOUERI, Luís Eduardo, Tratados e Convenções
Internacionais sobre Tributação, 2003, p. 34). Nesse mesmo sentido: PIRES, Manuel, International
Juridical Double Taxation of Income, 1989, pp. 86-89.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 59

Konder Comparato, “o poder de denunciar uma convenção internacional só


faz sentido quando esta cuida de direitos disponíveis. Em matéria de tratados
internacionais de direitos humanos, não há nenhuma possibilidade jurídica de
denúncia, ou de cessação convencional da vigência, porque se está diante de
direitos indisponíveis e, correlatamente, de deveres insuprimíveis”92.
Portanto, se de direitos fundamentais se tratassem, as previsões contidas
nas convenções para evitar a dupla tributação da renda deveriam ser consideradas
cláusulas pétreas, imodificáveis até mesmo por meio de emenda à Constituição.
Por essas razões concluímos ser inaplicável o disposto no § 2º do artigo
5º da Constituição Federal às CDTRs.
1.3.1.2. REFLEXÕES SOBRE A APLICABILIDADE DO § 3º DO ARTIGO 5º
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM RELAÇÃO ÀS CDTRS

Um dos grandes problemas enfrentados pelo § 2º do artigo 5º da


Constituição Federal, no que tange à conferência de estatura hierárquica
diferenciada às normas de direito internacional, foi certamente a sua ineficácia
inicial.
Em algumas situações em que examinou a matéria o Supremo Tribunal
Federal manifestou posição que reduziu o campo de aplicação do mencionado
dispositivo na arena internacional. Foi assim que no Recurso Extraordinário nº
253.071 (publicação no DJU em 29/06/2001) decidiu-se que “o § 2º do artigo
5º da Constituição não se aplica aos tratados internacionais sobre direitos e
garantias fundamentais que ingressaram em nosso ordenamento jurídico após
a promulgação da Constituição de 1988, e isso porque ainda não se admite
tratado internacional com força de emenda constitucional”.
De outra parte, em diversas ocasiões firmou a Suprema Corte a prevalência
da Constituição Federal sobre os tratados internacionais de direitos humanos.
Nesse sentido, ver as decisões proferidas no Habeas Corpus nº 81.319 (publicação
no DJU em 19/08/2005), no Recurso em Habeas Corpus nº 80.035 (publicação
no DJU em 21/11/2000), no Habeas Corpus nº 73.044 (publicação no DJU em

92 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 66 e 67. Na mesma linha, ver: DERZI, Misabel Abreu Machado. Direitos Humanos e
Tributação. In: XX Jornadas do Instituto Latinoamericano de Derecho Tributario – ILADT. Brasil: ABDF,
2000. v. I. p. 216.

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60 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

20/09/1996) e na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade


nº 1.480 (publicação no DJU em 18/05/2001)93.
O Supremo Tribunal Federal veio a superar essa orientação jurisprudencial
a partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 349.703 (publicação
no Diário da Justiça em 05/06/2009)94. A partir dessa decisão, o STF
manteve jurisprudência pacífica pela superioridade hierárquica dos tratados
internacionais de direitos humanos.
Contudo, a ineficácia do original do § 2º do artigo 5º no que tange
aos direitos humanos veiculados em tratados internacionais parece ter sido
enfrentada com a inclusão do § 3º neste dispositivo, o qual passou a prever
uma forma de incorporação de tais pactos internacionais ao ordenamento
constitucional interno.
De fato, segundo tal dispositivo “os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais”.

93 Sobre esta matéria vale a pena acompanhar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343,
atualmente em curso perante o Supremo Tribunal Federal.
94 “PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde
a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
(art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica
(art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel,
pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva
lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da
legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos
subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela
anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916
e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n°
10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO
DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM
FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito
do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que:
a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do
credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de
coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição
de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o
devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou
uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão
“depositário infiel” insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando
o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio
da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.”

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 61

Dessa forma, quer-nos parecer que a partir da vigência desse parágrafo


perdeu o § 2º seu âmbito de eficácia95, isso no que tange aos tratados
internacionais de direitos humanos96.
Concordamos, portanto, com Carmen Tiburcio, quando sustenta que os
tratados que sejam aprovados sem a observância do quorum especial previsto
no do § 3º do artigo 5º da Constituição “adquirem o status de lei ordinária,
como qualquer outro tratado ratificado pelo País, submetendo-se ao critério
geral de que o posteriori derrogat priori”97.
Considerando a regra prevista no dispositivo constitucional em comento,
no caso de um tratado internacional veicular norma que concretize direitos
que possam ser considerados direitos do homem enquanto contribuinte, como o
direito à não surpresa ou ao repúdio da tributação confiscatória, e sendo tal
tratado aprovado na forma prescrita pelo § 3º do artigo 5º da Constituição
Federal, cremos que tal tratado deverá ser considerado equivalente a uma
emenda constitucional.
Todavia, considerando a natureza das CDTRs, parece-nos que tal não é
o caso quando se trata de tais tratados, já que os mesmos não veiculam direitos
fundamentais do homem-contribuinte.

95 Nesse mesmo sentido: SANTIAGO, Igor Mauler. Relações entre o Direito Interno e o Direito
Internacional em Matéria Tributária. Revista Internacional de Direito Tributário, Belo Horizonte, v.
3, jan.-jun. 2005, p. 182.
96 Essa linha de entendimento não é compartilhada por alguns especialistas, que sustentam a
inconstitucionalidade do § 3º do artigo 5º da Constituição Federal sob o argumento de que
este está a limitar a proteção dos direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio, já que,
segundo entendem, os §§ 1º e 2º do artigo 5º já garantiriam a incorporação imediata e o status
constitucional dos tratados de direitos humanos. Nesse sentido, ver: PASSOS, Jorge Luiz Ieski
Calmon de. Direitos Humanos na Reforma do Judiciário. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim
et. al. (Coords.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional N.
45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 353; FERREIRA, Luiz Alexandre; TÁRREGA,
Maria Cristina Vidote Blanco. Reforma do Judiciário e Direitos Humanos. In: WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim et. al. (Coords.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda
Constitucional N. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 457. Também comentando
a questão sem, contudo, afirmar a inconstitucionalidade do § 3º: GABRIEL, Amélia Regina
Mussi. Hierarquia jurídica da norma internacional de direitos humanos em face do art. 5º, § 3º,
da Constituição brasileira. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 165, jan.-mar. 2005, pp.
263-264. Valerio de Oliveira Mazzuoli tenta superar a incompatibilidade entre os §§ 2º e 3º do
artigo 5º da Constituição Federal sustentando que mesmo a partir da vigência deste último os
tratados internacionais de proteção a direitos humanos permanecem como normas de status
constitucional, embora não possam ser considerados “equivalentes” a emendas constitucionais,
a não ser que sigam o procedimento previsto no § 3º (Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O
novo § 3º do art. 5º da Constituição e sua eficácia. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n.
167, jul.-set. 2005, pp. 111-112).
97 TIBURCIO, Carmen, A EC N. 45 e Temas de Direito Internacional, 2005, p. 126.

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62 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Feitos esses comentários, temos que nossas conclusões aqui são iguais
àquelas alcançadas no item anterior: há tratados que versam sobre matéria
tributária que veiculam direitos humanos do homem-contribuinte, os quais, caso
sigam o processo legislativo previsto no § 3º do artigo 5º, serão incorporados
ao direito interno como emendas constitucionais, todavia, evidentemente esse
não é o caso das CDTRs98.
A superação do § 2º do artigo 5º da Constituição pelo seu § 3º deixa
evidente não haver que se falar na estatura constitucional de tais tratados
internacionais, duvidando-se absolutamente que alguma CDTR venha a
ser apresentada ao Congresso Nacional para aprovação em nível de emenda
constitucional, tal como preconiza o § 3º.

1.3.2. O ARTIGO 98 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL


Considerando a posição esposada acima, no sentido de que as CDTRs
não se encontram incluídas no âmbito de incidência dos §§ 2º e 3º do artigo
5º da Constituição Federal, resta-nos examinar o papel do artigo 98 do Código
Tributário Nacional no debate quanto à posição hierárquica de tais convenções
no ordenamento jurídico pátrio.
Segundo tal dispositivo, “os tratados e as convenções internacionais
revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela
que lhes sobrevenha”.
O contexto da gênese do artigo 98 do Código Tributário Nacional foi
reportado por Gilberto de Ulhôa Canto:
[...] O artigo consagrou o princípio que ao tempo do Código era
tranquilamente aceito pela jurisprudência dos nossos tribunais.
[...] Por volta de 1942, por aí, ou antes, talvez, o Supremo Tribunal
Federal, ao julgar um caso, que por coincidência era um caso de
direito tributário, em que se invocava um tratado de comércio e
navegação entre o Brasil e o Uruguai, em abono do reconhecimento
de isenção de Imposto de Importação, e tendo como relator essa
figura exponencial que foi Philadelfo Azevedo, firmou o princípio da
prevalência do tratado, muito embora após a sua promulgação várias
leis de caráter geral tivessem estabelecido a incidência do Imposto de

98 Entendimento diverso é manifestado pelo professor Luís Eduardo Schoueri (Preços de Transferência
no Direito Tributário Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2006. pp. 271-272).

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 63

Importação. Considerou a Corte que essas leis não eram poderosas o


bastante para tornar sem efeito a norma isentiva do tratado, porque
este, depois de aprovado pelo Brasil, pela forma que a Constituição
prevê, se integra na legislação interna, mas tem pré-eminência sobre
as normas nacionais contrárias, até que seja denunciado. A esta
orientação o Supremo Tribunal Federal se ateve por muitos anos.
Quando elaboramos o anteprojeto do CTN consignamos o princípio, porque
tínhamos plena convicção de que além de prevalecer na jurisprudência,
era certo. Acontece que, recentemente, em 1.º de junho de 1977, julgando
o RE n.º 80.004, o Supremo Tribunal Federal mudou de posição, contra
o voto do relator, Min. Xavier de Albuquerque (‘RTJ’, vol. 83, os. 809 e
segs.).99 (Grifo nosso)
Percebe-se, portanto, que a finalidade dos elaboradores do Código
Tributário Nacional era apenas positivar o entendimento que aparentemente
seria seguido pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de relação entre o
direito internacional e o direito interno, sendo certo que, como visto acima,
com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004 a Corte Suprema
posicionou-se em posição distinta do que haviam antecipado os redatores do
Código100.
Assim, não parece descabido afirmar que o artigo 98 é decorrência de um
açodamento do legislador tributário, que no exercício do futurismo tentou antever
qual seria a posição que se cristalizaria na Corte Suprema. Tivesse o Código sido
elaborado após 1977 e a regra em comento muito provavelmente não existiria.
A despeito do exposto, não se pode ignorar a presença do dispositivo no
Código Tributário Nacional. Ademais, embora se reconheça ter o legislador
laborado sobre fato que ao final se mostrou equivocado, não é menos verdade
estar evidente que o seu propósito era estabelecer a prevalência dos tratados
tributários sobre a legislação interna.
Todavia, há que se cogitar quanto à compatibilidade do artigo 98 do
Código Tributário Nacional com a Constituição Federal, em um ordenamento
em que o Supremo Tribunal Federal adota posicionamento divergente daquele
que lhe inspirou.

99 CANTO, Gilberto de Ulhôa. Legislação Tributária, sua Vigência, sua Eficácia, sua Aplicação,
Interpretação e Integração. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 267, jul.–set. 1979, p. 27.
100 Sobre a criação do artigo 98 ver: ROCHA, Sergio André. Gênese histórica do artigo 98 do Código
Tributário Nacional. Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo, n. 12, ago. 2009, 215-222.

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64 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

1.3.2.1. ANÁLISE QUANTO À COMPATIBILIDADE DO ARTIGO 98 COM


A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A maioria dos estudiosos do assunto sustentam posição no sentido da


constitucionalidade do artigo 98, ao argumento principal de estar este inserido
no Código Tributário Nacional, o qual, a partir da Constituição Federal de
1988, passou a ter estatura de lei complementar, veiculando as normas gerais
de Direito Tributário na forma do artigo 146 da Carta Política101.

101 Sustentando a constitucionalidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional, expressamente


ou de forma implícita, mediante a aceitação de seus efeitos, ver: GODOI, Marciano Seabra
de. Os Tratados ou Convenções Internacionais para Evitar a Dupla Tributação e sua Hierarquia
Normativa no Direito Brasileiro. In: SHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito Tributário: Estudos
em Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 1001 e 1002; A
Relação entre a Ordem Jurídica e os Tratados Internacionais. Curitiba: Juruá, 2002. p. 127; TÔRRES,
Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 578; COÊLHO, Sacha
Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
p. 549; TAVOLARO, Agostinho Toffoli. A Supremacia dos Tratados Internacionais em Face da
Legislação Interna. Revista de Direito Tributário e de Finanças Públicas, São Paulo, n. 44, mai-jul.
2002, p. 52-55; NEVES, Marcio Calvet. A Comparative Analysis on the Relationship Between Tax
Treaties and Domestic Law in the United Stated and in Brazil: A Testimony to the Imperfection
of the Bilateral Treaty Network. Revista de Direito Empresarial Ibmec, Rio de Janeiro, v. II, 2004,
pp. 155-157; CAMINHA, Maria do Carmo Puccini. Os Tratados Internacionais Tributários e a
Eficácia de suas Normas no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Revista de Direito Tributário e de
Finanças Públicas, São Paulo, n. 41, nov.-dez. 2001, p. 37 e 38; MARTINS, Natanael. Tratados
Internacionais em Matéria Tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 54, out.-dez. 1990,
p. 105 e 106; MACHADO, Hugo de Brito. Tratados e Convenções Internacionais em Matéria
Tributária. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 93, jun. 2003, p. 31; MEDEIROS, Julio
Cesar Espósito de. Imposto de Renda – Direito Internacional e Direito Interno – Conflito entre
Fontes – Princípio Constitucional da Universalidade – Peculiaridades. Revista Dialética de Direito
Tributário, São Paulo, n. 63, dez. 2000, p. 101; FERNANDES, Edson Carlos. Sistema Tributário do
Mercosul. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 47; GALHARDO, Luciana Rosanova.
Rateio de Despesas no Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 191; SOUZA, Hamilton
Dias de. Tratados Internacionais – OMC e Mercosul. Revista Dialética de Direito Tributário, São
Paulo, n. 27, dez. 1997, pp. 36 e 37; ALBUQUERQUE, Simone Gasperin de. Isenção por Meio de
Tratados Internacionais e Autonomia Tributária. Curitiba: Juruá, 2005. p. 191; CALIENDO, Paulo.
Estabelecimentos Permanentes em Direito Tributário Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 171; BORGES, José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
77; XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 91; NOGUEIRA, Ruy Barbosa.
Tratados Internacionais em Matéria Tributária. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 3, 1983,
pp. 354 e 355; REZEK, José Francisco. Jurisprudência do Supremo e Direito Tributário. Revista
de Direito Tributário, São Paulo, n. 37, jul.-nov. 1986, p. 122 e 123; REZEK, Francisco. Parlamento
e tratados: o modelo constitucional do Brasil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 162,
abr.-jun. 2004, pp. 143-144; OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Os Tratados Internacionais e seus
Reflexos no Direito Brasileiro. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Teoria Geral da Obrigação
Tributária: Estudos em Homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros,
2005. p. 207; TÔRRES, Heleno Taveira. Tributação das Telecomunicações Internacionais – Base de
Cálculo do Tráfego Sainte e a Aplicação do Tratado de Melbourne no Direito Brasileiro. Revista de
Direito Internacional Tributário, São Paulo, n. 1, out. 2005, p. 49; VELLOSO, Carlos Mário da Silva.
Os tratados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, n. 162, abr.-jun. 2004, pp. 37-38; GRECO, Marco Aurélio. Tributação no Mercosul. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Tributação no Mercosul. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. pp. 41-42; SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Tributação no Mercosul.
In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Tributação no Mercosul. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. pp. 502-503; BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 65

Seguindo essa linha de entendimentos, o artigo 98 seria norma introdutora


de uma limitação ao legislador ordinário de exercer sua competência
desconsiderando as regras pactícias. Nas palavras de Heleno Taveira Tôrres, a
segunda parte desse dispositivo “é uma restrição ao sistema, quanto à produção
normativa, posta para evitar possíveis hipóteses de desobediência ao conteúdo
das convenções, isoladamente, coarctando qualquer possibilidade de futura
ad-rogação ou derrogação por parte de lei interna às convenções em espécie”102.
Como deixei assentado em outra oportunidade, por mais respeitáveis que
sejam as opiniões daqueles que sustentam a posição acima, não conseguimos
nos filiar à mesma, e a razão para isso é que nos parece irrazoável alegar que o
Código Tributário Nacional está complementando a Constituição ao estabelecer uma
supremacia dos tratados internacionais sobre o direito interno que não se encontra
prevista na Lei Maior103.
Com efeito, partindo-se da premissa de que o Código Tributário Nacional
trata-se de lei ordinária com status de complementar, a qual veicula uma série
de limitações ao legislador ordinário, impõe-se reconhecer que tais limitações
somente serão válidas e eficazes quando compatíveis com a Constituição, e então
tornamos a repetir que na Lei Maior não há qualquer previsão que indique a
supremacia do Direito das Gentes sobre as regras de direito interno.
Diz-se que a legitimidade do artigo 98 é decorrência de se encontrar
o mesmo encartado na lei complementar que traz normas gerais de Direito
Tributário. Contudo, a previsão da supremacia dos tratados e convenções
internacionais sobre o direito interno não parece inserir-se no conjunto das
normas gerais de Direito Tributário.
Afirma-se que o artigo 98 trataria de uma limitação ao poder de tributar.
Ora, o artigo 146 ao estabelecer caber à lei complementar tratar das limitações
ao poder de tributar refere-se àquelas que se encontram previstas no texto
constitucional, entre as quais não está elencada a situação de que se cogita. Assim,
de forma alguma se trata o artigo 98 de regra que veicula a regulamentação de
uma limitação ao poder de tributar.

Janeiro: Forense, 2001. p. 639; MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. II. p. 29.
102 TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 581. Ver,
ainda: VELLOSO, Carlos Mario da Silva. O Direito Internacional e o Supremo Tribunal Federal.
In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Org.). O Brasil e os Novos Desafios do Direito Internacional.
Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 424.
103 ROCHA, Sergio André, Treaty Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, pp. 79-80.

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66 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Dessa forma, somos da opinião de que o artigo 98 do Código Tributário


Nacional não é compatível com a Constituição Federal. Na verdade, cremos
que tal artigo já nasceu inconstitucional104.
É possível concluir, portanto, que o artigo 98 do Código Tributário
Nacional, ao pretender estabelecer a supremacia dos tratados internacionais
tributários sobre a legislação interna, usurpou competência da Constituição
Federal de impor limites ao legislador ordinário sobre esta matéria, não podendo
ser considerado compatível com a Carta Política.
A despeito da opinião sustentada neste trabalho, é importante destacarmos
que a inconstitucionalidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional nunca foi
enunciada pelo Supremo Tribunal Federal.
Inicialmente a Corte Suprema reconheceu, em várias decisões, a
aplicabilidade do artigo 98, embora tenha limitado seu alcance aos denominados
tratados contratuais, afastando de seu alcance os ditos tratados normativos. Após a
Constituição Federal de 1988 essa linha de entendimentos também foi acolhida
de forma expressa em diversas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de
Justiça105.
Em 22 de junho de 2004 foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça o
Recurso Especial nº 426.945, no qual a Corte adotou postura que rompe com a
tradição das decisões tanto do Superior Tribunal de Justiça como do Supremo
Tribunal Federal, seguindo entendimento que vai na linha da prevalência do
direito internacional sobre o direito interno106. A matéria objeto deste recurso

104 Sustentando também a inconstitucionalidade do artigo 98 (ou sua não recepção pela Constituição
de 1988), ver: CARRAZZA, Roque Antonio. Mercosul e Tributos Estaduais, Municipais e Distritais.
Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 64, 1995, p. 186. Do mesmo autor, ver: CARRAZZA, Roque
Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 2004, p. 218 e 219; LOURENÇO, Vladimir Rossi.
Tratados, Convenções Internacionais e Tributação. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 37,
jul.-set. 1986, p. 172; HORVATH, Estevão; CARVALHO, Nelson de Ferreira. Tratado Internacional,
em Matéria Tributária, pode Exonerar Tributos Estaduais? Revista de Direito Tributário, São Paulo,
n. 64, 1995, p. 267; AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9. ed. São Paulo: saraiva, 2003.
p. 178; CHIESA, Clélio. A Competência Tributária do Estado Brasileiro: desonerações nacionais e
imunidades condicionadas. São Paulo: Max Limonad, 2002. pp. 62-63.
105 Ver as decisões proferidas nos seguintes processos: Recurso Especial nº 34.932 (publicação no
DJU em 13 de setembro de 1993); Recurso Especial nº 37.065 932 (publicação no DJU em 21 de
fevereiro de 1994); Recurso Especial nº 45.759 (publicação no DJU em 06 de junho de 1994);
Recurso Especial nº 47.244 (publicação no DJU em 27 de junho de 1994); Agravo Regimental
no Agravo de Instrumento nº 67.007 (publicação no DJU em 28 de abril de 1997); e Recurso
Especial nº 196.560 (publicação no DJU em 10 de maio de 1999).
106 Para um exame detido dos fundamentos dessa decisão, ver: ROCHA, Sergio André, Treaty
Override no Ordenamento Jurídico Brasileiro [...], 2007, pp. 92-104; ELALI, André. Direito Tributário
numa Economia Globalizada – Tributação e Integração Econômica Internacional: um exame do

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 67

está atualmente sendo apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso


Extraordinário nº 460.320.
Mais recentemente, o STF abordou a questão relacionada à constitu-
cionalidade do artigo 98 do CTN no Recurso Extraordinário nº 229.096-0.
O caso submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal cuidava
da validade de isenção do ICMS na importação de mercadoria por empresa
brasileira, em decorrência de o Brasil ser signatário do GATT (Acordo Geral
de Tarifas e Comércio)107, sempre que isenta similar nacional. Discutia-se, por-
tanto, a possibilidade de tratado internacional estabelecer uma desoneração do
imposto estadual.
Como se sabe, à época em que vigia a Constituição Federal de 1969
havia previsão expressa deferindo à União Federal a atribuição para estabelecer
isenções de impostos de competência de outros entes federativos, por intermédio
de lei complementar, com vistas ao atendimento de relevante interesse social
ou econômico (artigo 19, § 2º).
A Constituição Federal de 1988 não trouxe norma nesse sentido. Ao
contrário, determinou expressamente, no inciso III de seu artigo 151, ser vedado
à União “instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito
Federal ou dos Municípios”.
Assim sendo, tem-se que a Constituição Federal vigente afastou, expressa-
mente, a possibilidade da concessão das chamadas isenções heterônomas por parte
da União Federal.
Nada obstante, a despeito da redação do inciso III do artigo 151 da
Constituição Federal, há bastante tempo a doutrina majoritária levantou-se
em defesa da constitucionalidade da concessão, pela União Federal, como
representante do Estado Brasileiro, de desoneração de tributo estadual, distrital
ou municipal por meio de tratado internacional.
Nosso entendimento a respeito da presente matéria ia na contramão
da doutrina dominante108, sendo no sentido de que a Constituição Federal

entendimento do STJ sobre os acordos que impedem a dupla tributação da renda no âmbito
internacional. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, n. 68, mai.-jun. 2006.
107 Sobre o GATT, ver: PIRES, Adilson Rodrigues. Práticas Abusivas no Comércio Internacional. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. pp. 33-53.
108 Sobre o tema, com referência aos defensores de ambas correntes doutrinárias sobre a matéria,
ver: SILVA, Sergio André R. G. da. Possibilidade Jurídica da Concessão de Isenções de Tributos

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68 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

veda a possibilidade da União Federal conceder isenções heterônomas, seja


por meio de leis internas (leis nacionais), seja por meio de normas de Direito
Internacional, devendo-se interpretar o inciso III do artigo 151 do Constituição
Federal como regra que estabelece a competência exclusiva dos Estados,
Distrito Federal e Municípios para estabelecerem isenções de tributos de sua
competência. A matéria em tela, como visto, era o objeto do julgamento do
Recurso Extraordinário nº 229.096-0.
O fundamento principal da decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal é encontrado no voto do Ministro Ilmar Galvão, relator do acórdão,
tendo como ponto de partida uma vinculação entre o artigo 98 do CTN e a
possibilidade de concessão de isenção de tributos de todos os entes federativos
por meio de tratado internacional.
Com efeito, o argumento inaugural do voto em comento é a aplicabilidade
do artigo 98 a todos os entes tributantes, em razão da sua inserção no diploma
que encarta as normas gerais sobre Direito Tributário. Nas palavras de Ilmar
Galvão, “a regra do art. 98 do CTN, o que fez foi estabelecer, na forma prevista
na Constituição, norma geral, para observância por todos os entes federativos.
Constitui, por igual, lei nacional”.
Da leitura do voto depreende-se que a finalidade do Ministro era
sustentar que a regra do artigo 98 do CTN atribuía igualmente aos tratados
tributários o caráter de norma nacional, o que suportaria o entendimento
quanto a possibilidade da desoneração, via tratado, de tributos estaduais,
distritais e municipais. Nas suas palavras, “em verdade, se lei de caráter nacional
estabeleceu a proeminência dos tratados de natureza tributária sobre as leis,
abstração feita de sua origem federal, estadual ou municipal, neles reconheceu
o caráter, por igual, de fonte normativa nacional, aliás, em consonância com
o conceito de que o Estado Federal, ou a Nação, é pessoa soberana de direito
público internacional, que atua, juntamente com os demais Estados soberanos,
no palco do direito das gentes [...]”.
Seguindo essa linha de raciocínio, conclui o Ministro Ilmar Galvão que
“a visualização do fenômeno jurídico dos tratados sobre esse prisma conduz
à conclusão, inafastável, de que o tratado que dispõe sobre isenção tributária,
como o de que tratam os autos – o Acordo Geral de Tarifas e Comércio

Estaduais e Municipais por Intermédio de Tratado Internacional. Revista Dialética de Direito


Tributário, São Paulo, n. 113, fev. 2005, pp. 116-125.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 69

(GATT) – não ofende a norma do art. 151, III, da Constituição, segundo a


qual ‘é vedado à União:... III – instituir tributos da competência dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios”.
O Ministro Sepúlveda Pertence, em voto-vista, seguiu parcialmente os
argumentos jurídicos apresentados pelo Ministro Ilmar Galvão, deles divergindo
apenas para sustentar que a legitimidade da desoneração de tributos de todos
os entes tributantes por meio de tratado internacional não seria legítima em
decorrência da feição de lei nacional de tais veículos normativos, conforme
sustentado por Galvão, mas sim por que, em sua visão, seguindo neste ponto
a doutrina de Souto Maior Borges, tal desoneração não configuraria isenção
heterônoma para fins do artigo 151, III, da Constituição Federal.
Outro a se manifestar de forma mais detida sobre a matéria foi o Ministro
Celso de Mello que, de certa maneira complementando as razões do Ministro
Ilmar Galvão, fundamentou seu voto no argumento de que à República
Federativa do Brasil não é aplicável a supracitada regra constitucional, sendo
que a União, ao celebrar tratado internacional, seria mera representante daquela
ordem total. Segundo o Ministro, “se revela possível, à República Federativa do
Brasil, em sua qualidade de sujeito de direito internacional público, conceder
isenção, em matéria de ICMS, mediante tratado internacional, sem que,
ao assim proceder, incida em transgressão ao que dispõe o art. 151, III, da
Constituição, pois tal regra constitucional destina-se, em sua eficácia, a vincular,
unicamente, a União, enquanto entidade estatal de direito público interno,
rigorosamente parificada, nessa específica condição institucional, às demais
comunidades jurídicas parciais, de dimensão meramente regional e local, como
o são os Estados-membros e os Municípios”.
Diante dos comentários acima, é possível afirmar que os argumentos
que fundamentaram a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº
229.096-0, no que se refere à possibilidade jurídica da desoneração de tributos
estaduais, distritais e municipais por tratado foram os seguintes: (a) os tratados
internacionais tributários veiculam normas de escopo nacional; (b) o Código
Tributário Nacional assegura a prevalência do tratado sobre as legislações da
União, dos Estados e Municípios; e (c) a proibição de isenção heterônoma é
restrição à competência tributária exonerativa da União, como ordem jurídica
parcial, e não como Pessoa Jurídica de Direito Público Externo, onde representa
a República Federativa do Brasil.

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70 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A questão da eficácia do artigo 98 do CTN foi evocada pelo Ministro


Ilmar Galvão como ponto de partida do seu argumento de que os tratados
internacionais tributários, em função do disposto neste artigo, teriam o caráter
de norma nacional e, portanto, seriam legítimos veículos introdutores de
desonerações de tributos estaduais, distritais e municipais. Para sustentar tal
entendimento defendeu o Ministro a constitucionalidade do referido artigo
do Código Tributário. Em suas palavras:
Diante de conceitos tão nítidos e incontestáveis, resulta possível
a afirmação de que o referido art. 98 do CTN, ao proclamar a
supremacia dos acordos internacionais, em torno de matéria tributária,
sobre a lei, indistintamente, outra coisa não fez senão explicitar a
realidade jurídica, seja, o caráter geral e, pois, nacional dos tratados em
matéria tributária, assinalando que não expressam eles ato normativo
emanado da União, como mera ordem central, mas da União, ordem
total e, como tal, endereçado a todos os brasileiros.
Somente o Ministro Sepúlveda Pertence tornou a fazer referência ao
artigo 98. Ao resumir a manifestação de Ilmar Galvão, destacou que “o em.
Relator, Ministro Ilmar Galvão, após afirmar que o art. 98 do Código Tributário
Nacional – segundo o qual ‘os tratados e as convenções internacionais revogam
ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes
sobrevenha’ – foi recebido pela Constituição com status de lei complementar
e – com fundamento na doutrina de Geraldo Ataliba, Celso Antônio Bandeira
de Mello, Sampaio Dória e Paulo Bonavides – tem natureza de lei nacional,
concluiu que [...]”.
Após este breve relato, e antes de expor o seu ponto de divergência,
declarou Sepúlveda Pertence que “a fundamentação do voto do em. Ministro
Ilmar Galvão é irrefutável e não pretendo ser redundante no meu voto”, dando
a entender que concordava com a argumentação do Ministro-Relator sobre o
artigo 98 do Código Tributário Nacional.
Diante das ponderações acima, é possível concluir que na decisão proferida
no Recurso Extraordinário nº 229.096-0 o Supremo Tribunal Federal pôs fim
à controvérsia a respeito da compatibilidade constitucional da desoneração de
tributo estadual, distrital ou municipal por intermédio de tratado internacional.
Embora a constitucionalidade do artigo 98 do CTN possa ser identificada
como parte da ratio decidendi do julgamento proferido pela Corte neste caso,

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 71

podendo-se, desta feita, identificar ali um critério jurídico para a decisão de


casos futuros que versem sobre tal matéria, é importante ter em conta que,
de fato, os argumentos pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade do
artigo 98 não foram ponderados no julgamento, não se podendo desconsiderar
completamente a possibilidade de a Corte vir a se posicionar em sentido diverso
em julgamento futuro em que a compatibilidade constitucional deste dispositivo
seja objeto principal do julgamento.

1.4. AS CDTRS COMO VEÍCULOS INTRODUTORES DE


REGRAS ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO
Não raro se encontra na literatura sobre o tema de que ora nos ocupamos
a menção de que a prevalência das CDTRs decorreria de sua especialidade
sobre a legislação tributária interna.
Tal fato (a especialidade das convenções em relação às regras internas)
é, regra geral, sustentável, já que, tratando-se de acordos bilaterais, versam as
convenções de que se trata sobre questões específicas concernentes à tributação
de operações realizadas entre residentes dos dois Estados contratantes.
Dessa forma, em função da especialidade de que em princípio se revestem
as CDTRs, as mesmas prevaleceriam sobre o direito interno, aplicando-se,
portanto, o critério de especialidade. Nesse sentido, é o magistério de Jacob
Dolinger:
Haroldo Valladão classifica o tratado como exceção, e a lei, como regra.
Ter-se-iam assim regra e exceção formando um sistema integrado,
sempre que compatíveis. Esta teoria é aceitável em matéria de tratados
tributários, mas não funcionaria em casos como o do RE n.º 80.004
em que o requisito do Decreto-lei n.º 427/69 estava em conflito
direto com a Lei Uniforme de Genebra. Para questões relacionadas
com o GATT, esta teoria poderia aplicar-se eventualmente, como
veremos brevemente.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de tratados
tributários bilaterais parece aceitável, não porque o geral não possa
revogar ou modificar o especial, como Accioly e Rangel sustentam,
mas porque ela trabalha em mão dupla – as normas gerais e as especiais
são geralmente compatíveis. Nesta matéria, é perfeitamente aceitável
que os impostos devidos na importação de todas as nações possam

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72 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

ser elevados de acordo com a lei interna, desde que as importações


provenientes do Uruguai – em um grupo de casos – e as provenientes
dos Estados Unidos e da Inglaterra em outro – sejam protegidas
pelos tratados bilaterais anteriores; se a razão subjacente à dicotomia
geral/especial é o raciocínio regra/exceção, também faz sentido e é
razoável dizer que a norma determinada pela lei interna não afeta a
excepcionalidade estabelecida no tratado bilateral.109
Essa linha de raciocínio é sustentada no Brasil, entre outros, por Luís
Eduardo Schoueri110, Luciano Amaro111, Marciano Seabra de Godoi112,
Heleno Tôrres113, Paulo Ayres Barreto114, Betina Treiger Grupenmacher115,
Diva Malerbi116, Helenilson Cunha Pontes117, Taísa Oliveira Maciel118, Gabriel
Francisco Leonardos119, Edmar Oliveira Andrade Filho120, Igor Mauler
Santiago121, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral e Douglas Yamashita122. Na
doutrina estrangeira lição nesse sentido é encontrada, por exemplo, em Klaus
Vogel123, Michael Lang124 e Manuel Pires125.

109 DOLINGER, Jacob. As Soluções da Suprema Corte Brasileira para os Conflitos entre o Direito
Interno e o Direito Internacional: Um Exercício de Ecletismo. Revista Forense, Rio de Janeiro, v.
334, abr.-jun. 1996, p. 101.
110 SCHOUERI, Luís Eduardo, Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro, 1999, pp. 166-168.
111 AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro, 2003, p. 174-177.
112 GODOI, Marciano Seabra de, Os Tratados ou Convenções Internacionais para Evitar a Dupla
Tributação e sua Hierarquia Normativa no Direito Brasileiro, 2003, p. 1000.
113 TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, pp. 593 e 594.
114 BARRETO, Paulo Ayres, Imposto sobre a Renda e Preços de Transferência, 2001, p. 169.
115 GRUPENMACHER, Betina Treiger, Tratados Internacionais em Matéria Tributária e Ordem Interna,
1999, p. 118.
116 MALERBI, Diva. Tributação no Mercosul. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Tributação
no Mercosul. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 79.
117 PONTES, Helenilson Cunha. Tributação no Mercosul. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Tributação no Mercosul. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 365. PONTES, Helenilson
Cunha. A tributação dos lucros do exterior e os tratados para evitar a dupla tributação da renda.
In: PIRES, Adilson Rodrigues; TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Princípios de Direito Financeiro e
Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar,
2006. pp. 874-877.
118 MACIEL, Taísa Oliveira. Tributação dos Lucros das Controladas e Coligadas Estrangeiras. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007. p. 151.
119 LEONARDOS, Gabriel Francisco, Tributação da Transferência de Tecnologia, 2001, p. 29.
120 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de Renda das Empresas. São Paulo: Atlas, 2004. p. 293.
121 SANTIAGO, Igor Mauler. Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução de Conflitos. São
Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 56.
122 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do; YAMASHITA, Douglas. Norma Antielisão: Tributação
de Lucros no Exterior. Disponibilidade da Renda e Tratados Internacionais. In: SCHOUERI, Luís
Eduardo (Coord.). Direito Tributário: Estudos em Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo:
Quartier Latin, 2003. pp. 912-913.
123 VOGEL, Klaus. The Domestic Law Perspective. In: MAISTO, Guglielmo (Org.). Tax Treaties and
Domestic Law. Amsterdam: IBFD, 2006. p. 3.
124 LANG, Michael. Introduction to the Law of Double Taxation Conventions. Wien: Linde, 2010. p. 33.
125 PIRES, Manuel, International Juridical Double Taxation of Income, 1989, p. 221.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 73

O grande problema desse critério é que a análise acerca do caráter especial


da norma internacional é de todo casuístico podendo ser, por vezes, de difícil
apreciação. A dificuldade da utilização do critério da especialidade de solução de
antinomias, notadamente quando verificado um conflito entre este e o critério
cronológico, foi percebida por Norberto Bobbio no seguinte trecho:
Conflito entre o critério de especialidade e o cronológico: esse conflito tem
lugar quando uma norma anterior-especial é incompatível com uma
norma posterior-geral. Tem-se conflito porque, aplicando o critério
de especialidade, dá-se preponderância à primeira norma, aplicando
o critério cronológico, dá-se prevalência à segunda. Também aqui
foi transmitida uma regra geral que soa assim: Lex posterior generalis
non derogat priori speciali. Com base nessa regra, o conflito entre
critério de especialidade e critério cronológico deve ser resolvido
em favor do primeiro: a lei geral sucessiva não tira do caminho a lei
especial precedente. O que leva a uma posterior exceção ao princípio
lex posterior derogat priori: esse princípio falha não só quando a lex
posterior é inferior, mas também quando é generalis (e a lex prior é
especialis). Essa regra, por outro lado, deve ser tomada com uma certa
cautela, e tem um valor menos decisivo que o da regra anterior. Dir-
-se-ia que a lex especialis é menos forte do que a lex superior, e que,
portanto, a sua vitória sobre a lex posterior é mais contrastada. Para
fazer afirmações mais precisas nesse campo, seria necessário dispor
de uma ampla casuística.126
Conforme destaca Vicente Ráo, é possível que uma nova lei geral pretenda
substituir todo um sistema até então em vigor, sendo que nesse caso tal lei
revogaria todas as disposições anteriores, inclusive as especiais. Em textual:
Se as disposições nova e antiga (gerais ou especiais) não forem
incompatíveis, podendo prevalecer umas e outras, umas a par de
outras, não ocorrerá revogação alguma.
Quando, porém, a lei nova regular por inteiro a mesma matéria contemplada
por lei ou leis anteriores, gerais ou particulares, visando substituir um sistema
por outro, uma disciplina total por outra, então todas as leis anteriores sobre a
matéria devem considerar-se revogadas127.

126 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Tradução Maria Celeste Cordeiro
Leite dos Santos. Brasília: UNB, 1999. p. 108.
127 RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 343.

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74 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Nessa linha de raciocínio, e tendo em foco as CDTRs, no caso da lei


posterior estabelecer o novo regime aplicável a “toda e qualquer operação”,
por exemplo, é plausível a exegese no sentido de que a lei nova regulou por
inteiro a matéria contemplada na convenção anterior, referente à tributação da
mesma operação com um país específico, “visando substituir um sistema por
outro, uma disciplina total por outra”, caso em que a aplicação do critério de
especialidade poderia ser posta em xeque.
Além disso, e pensando agora em uma situação completamente hipotética,
poderíamos imaginar um caso em que fosse editada lei mencionando, de forma
expressa, que a tributação seria alterada “inclusive nos casos em que o Brasil
possuir convenção para evitar a dupla tributação da renda”128. Em uma hipótese
assim a aplicação do critério da especialidade teria que ceder espaço para o
critério cronológico.
Diante do exposto, é possível concluir que as normas previstas nas CDTRs
tratam-se de normas especiais em relação ao direito interno, de modo que, regra
geral, eventual antinomia entre os dois será resolvida em favor da aplicação
do tratado.

1.5. OBJETIVOS DAS CDTRS


A interpretação das CDTRs encontra-se sem dúvida atrelada à
compreensão quanto aos objetivos de tais tratados internacionais.
Mesmo que pareça até intuitivo que o objetivo principal das CDTRs é
evitar a dupla tributação sobre rendimentos vinculados aos países contratantes
por meio de elementos de conexão, não há como desconsiderar as peculiaridades
nacionais ao se buscar compreender as razões que levam um país a celebrar
uma CDTR.
Pontua David R. Davies, por exemplo, que o Reino Unido possui um
sistema unilateral de prevenção da dupla tributação da renda que se sobrepõe
ao convencional, de forma que as convenções têm pouca influência neste
particular129.

128 Nesse sentido: SCHOUERI, Luís Eduardo, Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro,
1999, p. 168; SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução de
Conflitos, 2006, p. 56.
129 DAVIES, David R., Principles of International Double Taxation Relief,1985, p. 4.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 75

Para ele, portanto, os principais objetivos das convenções celebradas pelo


Reino Unido seriam a preservação das relações comerciais e a divisão de receitas
tributárias entre os países signatários do tratado130.
Alguns autores, como Fernando Serrano Antón131 e Philip Baker132,
segregam os fins das CDTRs sob a perspectiva da administração pública e a
dos contribuintes.
Tal distinção, contudo, parece-nos desconsiderar o caráter ambivalente
das relações fisco-contribuintes nos Estados contemporâneos133. De fato,
considerando o pagamento de tributos como um dever fundamental de cujo
adimplemento depende a realização de todo o projeto de nação previsto na
Constituição de cada Estado134, não há como afirmar que a justa repartição de
receitas fiscais entre os países signatários da CDTR ou a prevenção da evasão
fiscal ou o planejamento fiscal abusivo sejam objetivos apenas da Administração
Fazendária. Do mesmo modo, não se pode considerar que fomentar
investimentos e a proteção da segurança jurídica em relações plurilocalizadas
seja um propósito exclusivo dos contribuintes.

130 DAVIES, David R., Principles of International Double Taxation Relief,1985, p. 4.


131 SERRANO ANTÓN, Fernando, Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional..., 2001,
p. 117.
132 BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, pp. B-4-B-8.
133 Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo
do Lançamento Tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 322; ROCHA, Sergio André.
A Tributação na Sociedade de Risco. In: TÔRRES, Heleno Taveira; PIRES, Adilson Rodrigues
(Coords.). Princípios de Direito Financeiro e Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor
Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. pp. 187-189.
134 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 336; PIRES, Adilson Rodrigues. O Processo de Inclusão Social sob a Ótica
do Direito Tributário. In: PIRES, Adilson Rodrigues; TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Princípios
de Direito Financeiro e Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres.
Rio de Janeiro: Renovar, 2006. pp. 80-82; TÔRRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 16; TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e
Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 15; NABAIS, José Casalta. O
Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998; SACCHETTO, Cláudio. Ética e
Tributação. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 20, 2006, pp. 10-11; ABRAHAM, Marcus,
O Planejamento Tributário e o Direito Privado, 2007, p. 399. Sobre a relação entre arrecadação
tributária e custeio de direitos, ver: ESTEVAN, Juan Manuel Barquero. La Función del Tributo en
el Estado Democrático de Derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 33;
HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New
York: W. W. Norton & Company, 1999. p. 15; ROIG, Rafael de Asis. Deberes y Obligaciones en
la Constitución. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 401; GALDINO, Flávio.
Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005; AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha: Em busca de critérios jurídicos para
lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

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76 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Embora para Serrano Antón os fins das CDTRs, sob a perspectiva do


contribuinte, sejam completamente distintos dos objetivos fazendários135,
parece-nos que a comparação entre os objetivos de cada uma dessas partes,
segundo o autor espanhol, mostra a dificuldade da segregação, encontrando-se
basicamente, em sua própria classificação, uma repetição de propósitos, como
se infere da tabela abaixo136:
Objetivos dos Estados Objetivos dos Contribuintes

1. Eliminar a dupla tributação internacional. 1. Eliminação da dupla tributação internacional.


2. Cooperação entre Administrações fiscais 2. Informação sobre o sistema tributário do
para combater a evasão fiscal. outro país contratante.
3. Proteção da segurança jurídica necessária 3. Proteção dos investimentos de não residentes
para a atração de investimentos externos. e da segurança jurídica.
4. Eliminação da tributação discriminatória. 4. O princípio da não discriminação.
5. Fomento aos investimentos estrangeiros
5. A repartição justa de receitas fiscais entre mediante a redução das retenções na fonte
os Estados e a utilização das cláusulas de Tax Sparing e
Matching Credit.
Vê-se, portanto, que a segregação dos fins das CDTRs sob as perspectivas
dos contribuintes e dos Estados é artificial, sendo inevitável a sobreposição das
duas categorias.
Deixando de lado esta controvérsia, fato é que são muitos os objetivos das
CDTRs, como já pontuavam Fernando Sainz de Bujanda137 e Ramón Valdés
Costa138, examinando-se a seguir aqueles que nos parecem mais relevantes.

1.5.1. EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO DA RENDA


O propósito primário das CDTRs é evitar a dupla tributação da renda.
Como destaca Luís Eduardo Schoueri, tais tratados “são instrumentos de que
se valem os Estados para, através de concessões mútuas, diminuir ou impedir a

135 SERRANO ANTÓN, Fernando, Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional..., 2001, p.
120.
136 SERRANO ANTÓN, Fernando, Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional..., 2001, pp.
119-121.
137 SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Sistema de Derecho Financiero I. Madrid: Facultad de Derecho
de la Universidad Complutense, 1985. v. II. p. 477.
138 COSTA, Ramón Valdés. Instituciones de Derecho Tributario. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 2004.
p. 34.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 77

ocorrência do fenômeno da bitributação internacional em matéria de imposto


sobre a renda, além de meio para o combate à evasão fiscal”139.
Nesse contexto, pode-se dizer que as CDTRs concretizam o que se poderia
chamar de princípio da não bitributação internacional140.
Ao retomarmos este assunto é importante reiterar qual a noção de princípio
que está sendo aqui utilizada, já que, nas acertadas palavras de Virgílio Afonso
da Silva, “o termo princípio é plurívoco. Isso, em si, não significa nenhum
problema. Problemas só surgem a partir do momento em que o jurista deixa
de perceber esse fato e passa a usar o termo como se todos os autores que a ele
fazem referência o fizessem de forma unívoca”141.
No presente trabalho está sendo adotado o conceito de princípio como
norma finalística, mandado de otimização, para utilizar a expressão de Robert
Alexy, o qual determina que dado estado de coisas seja alcançado tanto quanto
possível, resguardadas as limitações fáticas e jurídicas142.

139 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 2. ed. São Paulo:
Dialética, 2006. p. 260. Ver também: TOSI, Loris; BAGGIO, Roberto, Lineamenti di Diritto Tributario
Internazionale, 2011, p. 12; ROTHMANN, Gerd W. Bitributação Internacional, 1983, p. 138;
ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e Aplicação de Acordos Internacionais contra a Bitributação,
1978, p. 149; GARBARINO, Carlo, Manuale di Tassazione Internazionale, 2005, p. 148; GOUTHIÈRE,
Bruno, Les Impôts dans les Affaires Internationales, 1989, p. 24.
140 Sobre os princípios aplicáveis no âmbito do Direito Internacional Tributário, ver: ROCHA,
Sergio André. Princípios Gerais do Direito Internacional Tributário. Revista Dialética de Direito
Tributário, São Paulo, n. 199, abr. 2012, pp. 107-120; PEREIRA, Paula Rosado. Princípios do Direito
Fiscal Internacional: Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu. Coimbra: Almedina, 2010.
141 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações
entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 35.
142 Segundo Alexy, “o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios
são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das
possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização,
que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a
medida devida de seu cumprimento não apenas depende das possibilidades reais, mas também
das jurídicas” (ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Tradução Ernest Garzón
Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 86). Com suas próprias
peculiaridades, lição semelhante é encontrada em Ronald Dworkin, principalmente na distinção
apresentada entre uma política e um princípio, sendo que este estabeleceria um objetivo a ser
alcançado por ser uma exigência de justiça ou alguma outra dimensão moral (DWORKIN, Ronald.
Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1999. p. 22). Sobre o tema, ver:
HECK, Luís Afonso. Regras, Princípios Jurídicos e sua Estrutura no Pensamento de Robert Alexy.
In: LEITE, George Salomão (Coord.). Dos Princípios Constitucionais: Considerações em torno
das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. pp. 52-100; ÁVILA,
Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2003. pp. 15-77; SILVA, Virgílio Afonso da, A Constitucionalização do Direito: Os direitos
fundamentais nas relações entre particulares, 2005, pp. 29-37; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado
de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: Valores e Princípios Constitucionais Tributários.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II. pp. 275-283.

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78 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Dessa forma, a não bitributação internacional seria um princípio jurídico, o


qual pode se realizar por meio de medidas unilaterais, bilaterais e multilaterais.
As CDTRs seriam tratados bilaterais que concretizam o princípio da não
bitributação internacional.
A OCDE, em seu relatório acerca da tributação das partnerships, coloca
como escopo das CDTRs, ao lado da prevenção da dupla tributação a prevenção
da dupla isenção143.
Todavia, há que se concordar com Michael Lang quando este afirma que
evitar a dupla isenção não é uma das finalidades das CDTRs144. De fato, parece-
-nos que a dupla isenção é uma consequência da desarmonia hermenêutica no
campo das CDTRs (ou de um benefício fiscal encartado nas mesmas), não
sendo um problema internacional que se busca solucionar mediante a celebração
de convenções145.

1.5.2. A REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS ENTRE OS PAÍSES


CONTRATANTES

Como já deixamos registrado em outra oportunidade, temos que a


principal finalidade de uma CDTR, ao concretizar o dito princípio da não
bitributação, é a repartição de receitas tributárias entre os países contratantes, já
que este parece ser o único dos propósitos que não pode ser alcançado mediante
a adoção de medidas unilaterais por parte dos Estados146. Nas palavras de
Mercedes Pelaez Marques:

143 OECD. The Application of the OECD Model Tax Convention to Partnerships. In: OECD. Model Tax
Convention on Income and on Capital. Paris: OECD, 2000. v. II. p. R(15)-20/21. Sobre a dupla não
tributação, ver: TEIXEIRA, Alexandre Alkmin. Dupla Não-Tributação: Entre o Poder de Tributar
e as Convenções Internacionais em Matéria Fiscal. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito
Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2007. v. IV. pp. 241-270.
144 LANG, Michael. General Report. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: Double Non-taxation.
Deventer: Kluwer Law International, 2004. v. 89a. p. 81.
145 Segundo Alberto Xavier tal afirmação é particularmente verdadeira no que concerne aos tratados
celebrados pelo Brasil. Segundo o professor “pode-se dizer que, para o Brasil, a dupla não-
-tributação não é considerada um objetivo a ser alcançado por meio de tratados tributários. De
fato, não só tal objetivo não é mencionado no título ou em qualquer outra passagem dos textos
das convenções, como o Brasil favoreceu ativamente a adoção de cláusulas de créditos presumido
e fictício, as quais privilegiam o efeito de incentivos econômicos a investimentos estrangeiros
e não o objetivo de evitar a dupla não-tributação” (XAVIER, Alberto. [Brazilian Report]. In: IFA.
Cahiers de Droit Fiscal International: Double Non-taxation. Deventer: Kluwer Law International,
2004. v. 89a. p. 227).
146 Nas palavras de Celso Cláudio Hildebrand e Grisi Filho, “no espírito dos tratados bilaterais para
evitar a dupla-tributação remanesce a meta de que os países signatários negociariam soluções
para distribuir entre eles o direito de tributar os diversos tipos de rendimento, e, portanto, eles
adotariam conjuntamente uma determinada política fiscal recíproca.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 79

O objeto principal dos CDIs, diz V. González Poveda, é estabelecer


regras de repartição dos impostos a que se refere, delimitando a
potestade tributária de cada Estado para uma renda determinada ou
um elemento patrimonial concreto. De fato, o mecanismo essencial
dos CDIs consiste em atribuir a cada um dos Estados contratante o
direito de tributar determinadas categorias de rendas ou elementos
patrimoniais, com caráter de preferência sobre o outro Estado ou com
exclusão do direito deste a submetê-las à tributação.147
A distribuição das receitas tributárias no âmbito das CDTRs é questão
envolta em controvérsia, principalmente nas situações em que o tratado é
celebrado países desenvolvidos e países em desenvolvimento148.
De fato, reconhece-se, por um lado, que no caso de CDTRs celebradas entre
países desenvolvidos, os quais sejam, simultaneamente e de forma equilibrada,
importadores e exportadores de capital, é possível alcançar um balanceamento
na divisão das receitas tributárias mediante a convenção.
Todavia, nos casos de tratados celebrados entre países desenvolvidos e
outros em desenvolvimento, a divisão das receitas fiscais torna-se complexa,
havendo uma competição entre a tributação pela fonte dos rendimentos e a
taxação pelo país da residência149.

Desta forma, três métodos principais estariam à disposição dos negociadores de tratados para
evitar a dupla-tributação, quais sejam: (i) tributar o rendimento estrangeiro sem limitação;
(ii) tributar até uma alíquota máxima ou (iii) não tributar de nenhuma forma o rendimento
estrangeiro” (GRISI FILHO, Celso Cláudio de Hildebrand e. Uma Perspectiva Econômica sobre
a Negociação das Convenções Internacionais para Evitar a Dupla-Tributação. Revista de Direito
Tributário Internacional, São Paulo, n. 4, out. 2006, p. 51).
147 MARQUES, Mercedes Pelaez. El Convenio Hispano-Argentino. Buenos Aires: Quorum, 1998. p. 15.
Ver também: ROCCATAGLIATA, Franco. Proposte di simplificazione delle procedure applicative
delle Convenzione per evitare le doppie imposizioni. In: UCKMAR, Victor; GARBARINO, Carlo
(Coords.). Aspetti Fiscali delle Operazioni Internazionali. Milano: EGEA, 1995. p. 438; DAVIES,
Daniel R., Principles of International Double Taxation Relief, 1985, p. 4; PIRES, Manuel, International
Juridical Double Taxation of Income, 1989, p. 214; ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005,
p. 3; ISENBERGH, Joseph, International Taxation, 2005, p. 230; VASCONSELLOS, Roberto França
de. Aspectos Econômicos dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária. Revista de Direito
Tributário Internacional, São Paulo, n. 1, out. 2005, p. 155-156; GARBARINO, Carlo, Manuale di
Tassazione Internazionale, 2005, p. 31.
148 Sobre o tema, ver: PISTONE, Pasquale. Tax Treaties with Developing Countries: a Plea for New
Allocation Rules and a Combined Legal and Economic Approach. In: TÔRRES, Heleno Taveira
(Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2012. v. VI. pp. 99-125;
SACCHETTO, Claudio. Política de Tratados em Matéria Tributária para Países Emergentes Vis-à-vis
Países Desenvolvidos e em Via de Desenvolvimento. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n.
23, 2009, pp. 72-87; THURONYI, Victor. Tax Treaties and Developing Countries. In: LANG, Michael
et al (Coords.). Trax Treaties: Building Bridges Between Law and Economics. The Netherlands: IBFD,
2010. pp. 441-455.
149 Ver: ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 3; DAVIES, Daniel R., Principles of
International Double Taxation Relief, 1985, p. 4.

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80 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Como mencionado, o próprio modelo de convenção das Nações Unidas


foi elaborado com a finalidade de representar uma melhor repartição de receitas
entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, como se infere mesmo da
introdução de seu Manual:
Tratados tributários bilaterais têm sido negociados tendo em vista
distintas políticas monetária, fiscal, social e outras, importantes
para as partes negociantes. A conclusão de um tratado entre dois
países desenvolvidos é facilitada pelos seus níveis aproximados de
desenvolvimento, de modo que os fluxos recíprocos de comércio e
investimento – e assim os respectivos ganhos e perdas de receitas
das partes em razão da redução de tributos em tal fluxo – têm sido
relativamente equivalentes em magnitude. A presunção de igual
reciprocidade de vantagens e sacrifícios em tratados entre países
desenvolvidos não é válida quando as partes negociantes estão em
bem diferentes estágios de desenvolvimento econômico.150
Mecanismo de incentivo de investimentos pensado no contexto das
relações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e que acaba tendo
reflexos sobre a repartição de receitas tributárias, é a atribuição de créditos
presumidos (matching credit) ou fictícios (spare credit)151.
O matching credit é concedido mediante a atribuição pelo país de residência
de um crédito fixo a ser aplicado sobre o valor remetido, independentemente
do montante efetivamente retido no país da fonte152.

150 Apud, ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 66.


151 Cf. THURONYI, Victor. Comparative Tax Law. The Hage: Kluwer Law International, 2003. p. 22.
Sobre a caracterização das cláusulas de tax sparing e matching credit como normas tributárias
indutoras, ver: SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica.
Rio de Janeiro: Forense, 2005. pp. 215-219; SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de Bitributação
e Incentivos Fiscais: O Papel das Cláusulas de Tax Sparing e Matching Credit. In: MARTINS, Ives
Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coords.). Incentivos Fiscais. São
Paulo: MP Editora, 2007. pp. 253-259. Conforme destaca Francisco Dornelles, “os acordos para
evitar a dupla tributação da renda entre países desenvolvidos e em desenvolvimento devem,
também, conter cláusulas destinadas a incentivas o reinvestimento e a criar condições que
levem os países desenvolvidos a permitirem que os rendimentos derivados de um país em
desenvolvimento e recebidos por seus residentes tenham uma tributação mais reduzida do que
os rendimentos produzidos dentro do seu próprio território. Este objetivo é atingido através da
isenção fiscal e do tax sparing” (DORNELLES, Francisco Oswaldo Neves, Acordos Para Eliminar
a Dupla Tributação da Renda, 1978, p. 251).
152 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 648.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 81

Já o spare credit é atribuído com vistas a evitar que benefícios fiscais concedidos
pelo país da fonte sejam anulados pela tributação no país da residência153. Nas
palavras de Alberto Xavier:
Enquanto a cláusula de “tax sparing” pressupõe incentivo preexistente
que visa a preservar, a cláusula de “matching credit” atribui o direito
à dedução no Estado de residência de um crédito fixado “a fortait”.
Seja qual for a política fiscal do outro Estado, estabeleça ele ou não
um imposto reduzido ou até mesmo uma isenção: é este o significado
da expressão “o imposto será sempre considerado como tendo sido
pago à alíquota de...”.154
A eficácia das cláusulas de créditos fiscais presumidos ou fictícios para
incentivar a investimentos em países em desenvolvimento vem sendo questionada
no âmbito da própria OCDE, conforme se verifica pela análise do relatório
publicado no ano de 1997, intitulado Tax Sparing: A reconsideration155. Esta posição
foi recentemente refutada com extrema felicidade por Luís Eduardo Schoueri,
que analisou o crédito presumido de imposto não mais sob a perspectiva de
incentivo a investimentos estrangeiros, mas sim sob o prisma de mecanismo de
realização do princípio da territorialidade156.
Contudo, independentemente da posição da OCDE parece ter razão
Victor Thuronyi, quando afirma que as cláusulas em questão permanecem
sendo utilizadas em diversas CDTRs157. Tal consideração tem plena pertinência
na realidade brasileira, havendo cláusulas de tax sparing e matching credit em
diversas convenções celebradas pelo Brasil.
Embora reste evidenciada, portanto, a relevância das CDTRs enquanto
mecanismos de divisão de receitas tributárias, inclusive no que tange ao

153 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 648.
154 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 648. Sobre Tax Sparing, ver:
TOAZE, Deborah. Tax Sparing: Good Intentions, Unintended Results. Canadian Tax Journal, v.
49, n. 4, 2001, pp. 880-882; HINES JR., James R. “Tax Sparing” and Direct Investment in Developing
Countries. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 1998. p. 2.
155 OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital. Paris: OECD, 2000. v. II. p. R (14)-4-R(14)72.
Sobre a questão, ver: GRISI FILHO, Celso Cláudio de Hildebrand e, Uma Perspectiva Econômica
sobre a Negociação das Convenções Internacionais para Evitar a Dupla-Tributação, 2006, pp.
59-62. Para um estudo detido das diferenças entre tax sparing e matching credit, ver: MARINHO,
Anapaula Trindade; FERREIRA, Vanessa Arruda. Crédito de Imposto Fictício: de uma noção
nebulosa a um regime jurídico incerto. Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo, n.
11, 2009, pp. 9-48.
156 SCHOUERI, Luís Eduardo. Tax Sparing: uma Reconsideração da Reconsideração. Revista Direito
Tributário Atual, São Paulo, n. 26, 2011, pp. 93-108.
157 THURONYI, Victor, Comparative Tax Law, 2003, p. 22.

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82 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

relacionamento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, parece-nos


que esta questão encontra-se inserida na arena da política internacional, sendo
mais um campo onde tais países debatem uma convivência que promova o
crescimento dos últimos158.

1.5.3. FOMENTO AOS INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS


(SEGURANÇA JURÍDICA E ESTABILIDADE DA TRIBUTAÇÃO
SOBRE INVERSÕES ESTRANGEIRAS)

Uma das finalidades das CDTRs é a proteção da segurança jurídica dos


investimentos estrangeiros, mediante a previsibilidade das regras aplicáveis
para evitar a dupla tributação da renda159.

158 Esse aspecto das CDTRs pode ser inferido da seguinte passagem de Fernando Sainz de Bujanda,
que, mesmo longa, vale a pena ser integralmente transcrita: “O contraste entre as tendências
aludidas é enérgico. Enquanto uns autores destacam a função limitativa da soberania estatal,
que se cumpre através das normas do Direito Tributário Internacional, outros pensam que este
Direito tem precisamente como propósito concreto e inescusável a consagração positiva dos
princípios que robustecem a potestade do Estado. O contraste não é, contudo, puramente doutrinal.
Tem raízes mais profundas, de caráter essencialmente político. A noção de Direito Tributário
Internacional, como limitação da soberania impositiva dos Estados, está a serviço de uma
tese política e econômica: a conveniência de favorecer o comércio internacional e a inversão
de capitais sem risco de incorrer na dupla tributação. A doutrina direcionada a robustecer a
potestade tributária do Estado está a serviço de uma tese político e econômica radicalmente
contrária: a conveniência de proteger aos Estados economicamente débeis (sous arriérés, na
terminologia em voga), frente às grandes potências e frente ao capitalismo internacional. A
explicação deste fenômeno é clara. Os problemas modernos de tributação internacional não têm
uma simples dimensão técnica ou jurídica; são, como antes apontava, essencialmente políticos.
Com efeito, o capitalismo moderno, em seu processo de máxima concentração, adota formas
jurídicas que lhe permitem manejar e explorar riquezas de países de escasso desenvolvimento
político sem cair na órbita da soberania fiscal dos Estados em que fisicamente aparecem as
riquezas. As holdings e as empresas organizadas em forma de ‘sociedades em cadeia’ são a figura
jurídica que permite a consecução de tais objetivos. Mas como o domicílio dessas entidades
pode ser livremente escolhido pelas mesmas, o procedimento para escapar à soberania fiscal
do Estado em que se localizam fisicamente as riquezas exploradas consiste, como é lógico,
em domiciliarem-se em Estados que, por sua peculiar estrutura social, política e econômica,
concedem as maiores vantagens fiscais a esta classe de entidades. A disputa entre o princípio
da territorialidade – conforme o qual se submetem à tributação no país de origem os capitais
e as rendas – e o princípio do domicílio – segundo o qual a tributação corresponde ao Estado
em que reside juridicamente a pessoa física ou a empresa exportadora daquelas riquezas – não
é, portanto, uma pergunta puramente teórica, mas sim uma expressão da dramática luta entre
o capitalismo internacional, que busca expansão e domínio, e a soberania dos chamados
estados débeis ou atrasados. A missão do novo Direito Tributário Internacional deve consistir
em harmonizar ambos os princípios, inspirando-se em critérios de justiça internacional. [...]”
(SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho. Madrid: Instituto de Estudios Políticos,
1975. v. I. pp. 471-472).
159 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. A Convenção Brasil-Alemanha e sua Aplicação em Face do Direito
Brasileiro. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 83, 2002, p. 10; VOGEL, Klaus; PROKISCH,
Rainer G., General Report, 1993, p. 55.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 83

Como antes mencionado, citando lição de David R. Davies160, é possível


que haja situações em que a dupla tributação seja evitada por intermédio de
medidas unilaterais, de modo que a CDTR torna-se irrelevante para fins
de evitar a dupla tributação, a qual, mesmo no caso de sua inexistência, não
ocorreria.
Todavia, ainda em tais circunstâncias as CDTRs exercem o importantíssimo
papel de possibilitar aos investidores estrangeiros a previsibilidade das regras
tributárias e a consequente estabilidade de suas operações. Nas palavras de
Brian J. Arnold e Michael McIntyre, “um dos mais importantes objetivos de
tratados tributários é proporcionar certeza para os contribuintes. Certeza no que
se refere às consequências fiscais de operações transnacionais é um importante
fator para facilitar tal investimento”161.
Nesse contexto, uma vez que têm como efeito a segurança quanto à
tributação de operações com não residentes, as CDTRs viabilizam a realização
de investimentos, reduzindo os riscos fiscais relacionados às operações
transnacionais.
Como bem percebido por Roberto França de Vasconcellos, há aqui uma
duplicidade de intenções, a depender do ponto de vista levado em consideração,
se do importador ou do exportador de capital. No primeiro caso, a celebração
de CDTRs tem o papel de estimular a participação do Estado no comércio
internacional, enquanto que no segundo a preocupação maior seria com o
resguardo da segurança jurídica do investidor162.
Além disso, em princípio a celebração de uma CDTR também pode
fomentar investimentos mediante a inclusão das já referidas cláusulas de
créditos presumido e ficto, as quais geram vantagens fiscais para o investidor
no seu país de domicílio.

1.5.4. CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO


O princípio da não discriminação estabelece como fim que nacionais,
pessoas físicas ou jurídicas, de determinado Estado, não tenham qualquer

160 DAVIES, David R., Principles of International Double Taxation Relief,1985, p. 4.


161 ARNOLD, Brian J.; MCINTYRE, Michael J., International Tax Primer, 2002, p. 106. Sobre o papel
das CDTRs para incentivar investimento estrangeiro, ver: BARTHEL, Fabian et al. The Relationship
between Double Taxation Treaties and Foreign Direct Investment. In: LANG, Michael et al (Coords.).
Trax Treaties: Building Bridges Between Law and Economics. The Netherlands: IBFD, 2010. pp. 3-18.
162 VASCONSELLOS, Roberto França de, Aspectos Econômicos dos Tratados Internacionais em
Matéria Tributária, 2005, pp. 172 e 176.

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84 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

vantagem tributária em relação a estrangeiros e não residentes163. Com isso,


busca-se que os Estados não utilizem a nacionalidade como critério discri-
minatório para fins fiscais. Nas palavras de Heleno Tôrres:
Sobre suas características, mostra-se, o princípio da não discriminação,
como um preceito vinculante para os Estados que o contemplem,
quanto à criação ou aplicação de normas que tenham por finalidade
entabular restrições de natureza tributária para os nacionais de outro
Estado. Descortina-se, assim, a natureza de instrumentalidade do
princípio da não-discriminação, na garantia de aplicação de um
tratamento fiscal equivalente para os nacionais de um e de outro
Estado signatário. Sendo instrumental, descabe falar de um valor
absoluto que lhe possa servir como único conteúdo possível, porquanto
o tratamento discriminatório praticado contra nacionais do outro
Estado signatário pode manifestar-se por vários modos, pois tratar
de maneira distinta situações similares ou situações diversas de
modo igual, a partir de uma análise de comparabilidade, pode tanto
demonstrar a presença de uma discriminação, como de uma restrição,
ou mesmo de nenhuma das duas.164
Uma das finalidades das CDTRs consiste na concretização do princípio
da não discriminação, propósito este alcançado por intermédio da regra posta
no artigo 24 da Convenção Modelo da OCDE165.

163 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 213; OKUMA, Alessandra.
Princípio da Não-Discriminação e a Tributação das Rendas de Não-Residentes no Brasil. In:
TÔRRES, Heleno (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin,
2003. pp. 263-267; TÔRRES, Heleno Taveira. Princípio da Territorialidade e Tributação de Não-
Residentes no Brasil. Prestações de Serviços no Exterior. Fonte de Produção e Fonte de Pagamento.
In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier
Latin, 2003. pp. 108 e 109; GRAETZ, Michael J. Foundations of International Income Taxation. New
York: The Foundation Press, 2003. p. 436.
164 TÔRRES, Heleno. Capital estrangeiro e o princípio da não-discriminação tributária no direito
interno e nas convenções internacionais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 87,
dez. 2002, pp. 45-46.
165 Ver: ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 179-182; ARESPACOCHAGA, Joaquín
de. Planificación Fiscal Internacional. 2. ed. Madrid: Marcial Pons, 2002. p. 391-395; CARMONA
FERNÁNDEZ, Néstor. No Discriminación, Procedimiento Amistoso e Intercambio de Información.
In: SERRANO ANTÓN, Fernando (Coord.). Fiscalidad Internacional. Madrid: Centro de Estudios
Financieros, 2001. pp. 579-584; AMATUCCI, Fabrizio. El Tratamiento Discriminatorio en el
Modelo OCDE (art. 24). In: UCKMAR, Victor (Coord.). Curso de Derecho Tributario Internacional.
Tradução Cristian J. Billardi; Juan O. Zanotti Aichino. Bogotá: Temis, 2003. v. II. p. 59-99; LANG,
Michael. Os trabalhos da OECE e da OCDE para a criação das vedações de discriminação.
Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo, n. 3, jun. 2006, pp. 221-241; ADONNINO,
Pietro. General Report. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: Non-discrimination rules in
international taxation. Deventer: Kluwer Law International, 1993. v. 78b. pp. 34-40; SACCHETTO,
Claudio. [Italian Report]. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: Non-discrimination rules in
international taxation. Deventer: Kluwer Law International, 1993. v. 78b. pp. 493-500. No direito

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 85

Como destaca Kees van Raad, tal dispositivo “compreende quatro normas
distintas contra o tratamento tributário menos favorável: uma que proíbe o
tratamento menos favorável baseado na nacionalidade estrangeira (parágrafo
1º) e três que proíbem o tratamento menos favorável que seja baseado na não-
residência, tanto na forma direta (parágrafo 3º) quanto indireta (parágrafos
(4º e 5º)”166.

1.5.5. EVITAR A EVASÃO FISCAL E O PLANEJAMENTO


TRIBUTÁRIO ABUSIVO

Outra finalidade das CDTRs é prevenir a evasão fiscal e o planejamento


tributário abusivo167. Como destaca David R. Davies, “enquanto de um lado
negócios internacionais estão expostos ao risco de serem sujeitos à dupla (ou até
múltipla) tributação, de outro lado, tais atividades podem também apresentar
oportunidades de elisão ou evasão fiscais”168.
É interessante a análise feita por Philip Baker, para quem, a despeito
da evidente dependência dos Estados em relação aos tributos, a arrecadação
fiscal continuará sendo uma atividade impopular, de forma que se pode
esperar que a elisão e até mesmo a evasão tributárias continuem sendo uma
constante169. Assim, segundo o professor britânico, “um dos papéis da tributação
internacional do século XXI será o de dar assistência às autoridades fiscais no

interno a não-discriminação teria fundamento no inciso II do artigo 150 da Constituição Federal


(Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 213; OKUMA, Alessandra,
Princípio da Não-Discriminação e a Tributação das Rendas de Não-Residentes no Brasil, 2003,
p. 268).
166 VAN RAAD, Kees. Não-discriminação na Tributação de Operações Transnacionais: Escopo e
Questões Conceituais. Tradução Flávio Rubinstein. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n.
19, 2005, p. 52.
167 Cf. PIRES, Manuel, International Juridical Double Taxation of Income, 1989, p. 214; SERRANO ANTÓN,
Fernando, Los Principios Básicos de la Fiscalidad Internacional..., 2001, p. 119; ROTHMANN, Gerd
W. Bitributação Internacional, 1983, p. 138; ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e Aplicação de
Acordos Internacionais contra a Bitributação, 1978, p. 87; GARBARINO, Carlo, Manuale di Tassazione
Internazionale, 2005, p. 149; GOUTHIÈRE, Bruno, Les Impôts dans les Affaires Internationales, 1989,
p. 24; SCHWARZ, Jonathan. Schwarz on Tax Treaties. 2nd ed. London: Wolters Kluwer, 2011. p. 3.
168 DAVIES, David R., Principles of International Double Taxation Relief, 1985, p. 6. Sobre o planejamento
fiscal internacional, ver: MOREIRA JÚNIOR, Gilberto de Castro. Elisão Fiscal Objetiva no âmbito
Internacional. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; ANDRADE, José Maria Arruda de (Coords.).
Planejamento Tributário. São Paulo: MP Editora, 2007. p. 49-62.
169 BAKER, Philip, A Tributação Internacional no Século XXI, 2005, pp. 43-44. Sobre as razões
que levam os contribuintes a não se sentirem inclinados a adimplir seus deveres fiscais, ver:
SCHMÖLDERS, Günter. The Psychology of Money and Public Finance. Tradução Iain Grant e
Karen Green. New York: Palgrave Macmillan, 2006. pp. 157-210; ROCHA, Sergio André. Ética da
Administração Fazendária e Processo Administrativo Fiscal. In: ROCHA, Sergio André. Processo
Administrativo Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho. São
Paulo: Quartier Latin, 2007. pp. 613-616.

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86 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

combate à evasão fiscal, como também ajudá-las na determinação da linha


divisória entre a elisão fiscal aceitável e a inaceitável”170.
Um dos mecanismos convencionais de prevenção da evasão fiscal é o
intercâmbio de informações, previsto no artigo 26 da Convenção Modelo da
OCDE171.
A própria utilização das CDTRs pode se dar de forma ilegítima172, sendo
a principal forma de abuso o chamado treaty shopping173, o uso impróprio do
tratado, o qual, nas palavras de Rosembuj “indica o uso de um convênio de
dupla tributação por parte de uma pessoa jurídica, física ou sujeito de direito
que, com propriedade, carece de legitimidade para fazer-lo”174.

170 BAKER, Philip, A Tributação Internacional no Século XXI, 2005, p. 44.


171 Cf. ROSEMBUJ, Tulio. Derecho Fiscal Internacional. Barcelona: El Fisco, 2001. p. 261; DOCCLO,
Caroline. Exchange of Information. European Taxation, Amsterdam, Aug. 1999, p. 314; GANGEMI,
Bruno. General Report. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: International mutual assistance
through exchange of information. Deventer: Kluwer Law International, 1990. v. 75b. pp. 26-27;
GARBARINO, Carlo, Manuale di Tassazione Internazionale, 2005, pp. 205-206; BIFANO, Elidie
Palma. O Planejamento Tributário Internacional e as Boas Práticas de Governaça Corporativa nas
Empresas. Revista de Direito Internacional Tributário, São Paulo, n. 5, 2007, p. 81. Como destaca
Victor Uckmar: “O objetivo de tais convênios sofreu uma notável evolução. Com efeito, pode
afirmar-se que, na atualidade, os Estados firmam acordos para evitar a dupla tributação da renda
também com a finalidade de combater a evasão fiscal. Para a realização de tal propósito, os
convênios normalmente contém normas que prevêem o intercâmbio de informação entre as
autoridades competentes dos Estados contratantes, necessárias para a prevenção de fraudes ou
para a operatividade de normas ad hoc contra a evasão fiscal, conforme os tributos que tenham
sido objeto do acordo” (UCKMAR, Victor. Los Tratados Internacionales en Materia Tributaria.
In: UCKMAR, Victor (Coord.). Curso de Derecho Tributario Internacional. Tradução Cristian J.
Billardi; Juan O. Zanotti Aichino. Bogotá: Temis, 2003. v. I. p. 95). Sobre a troca de informações,
ver: ROCHA, Sergio André. Apontamentos sobre a Troca de Informações nas Convenções para
Evitar a Dupla Tributação da Renda. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 181, out.
2010, pp. 143-152; XAVIER, Alberto. Troca Internacional de Informações: as Novas Tendências. In:
ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário: 13º. Volume. São
Paulo: Dialética, 2009. pp. 9-25; JOBIM, Eduardo. A Troca de Informações no Direito Tributário
Internacional. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São
Paulo: Quartier Latin, 2007. v. IV. pp. 475-508.
172 Cf. UCKMAR, Victor. Introducción. In: UCKMAR, Victor (Coord.). Curso de Derecho Tributario
Internacional. Tradução Cristian J. Billardi; Juan O. Zanotti Aichino. Bogotá: Temis, 2003. v. I. p. 8.
173 De acordo com Pasquale Pistone, embora o treaty shopping seja o caso mais frequente de abuso
das CDTRs, não pode ser considerado como sua fonte exclusiva, havendo também abuso
quando se faz uso de operações triangulares e no caso do rule shopping (Cf. PISTONE, Pasquale.
El Abuso de los Convenios Internacionales en Materia Fiscal. In: UCKMAR, Victor (Coord.). Curso
de Derecho Tributario Internacional. Tradução Cristian J. Billardi; Juan O. Zanotti Aichino. Bogotá:
Temis, 2003. v. II. p. 122).
174 ROSEMBUJ, Tulio. Fiscalidad Internacional. Madrid: Marcial Pons, 1998. p. 111. Ver também o
seguinte estudo do autor sobre o tema: ROSEMBUJ, Tulio. “Treaty Shopping”: El Abuso do
Tratado. In: UCKMAR, Victor (Coord.). Curso de Derecho Tributario Internacional. Tradução
Cristian J. Billardi; Juan O. Zanotti Aichino. Bogotá: Temis, 2003. v. II. pp. 156-180. Como destaca
Hermes Marcelo Huck: “O abuso dos tratados de bitributação tem sido combatido, posto que
o conceito e a finalidade dos próprios tratados mantêm-se íntegros por força de sua extrema
utilidade no processo de organização econômica internacional. Na realidade, os acordos
de bitributação são negociados e firmados pelos Estados em base de reciprocidade, e sua

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 87

Uma forma comum de treaty shopping consiste no uso das chamadas conduit
companies, as quais consistem em empresas criadas em um determinado país
apenas para que sua controladora, residente em outro, possa tirar proveito do
tratado celebrado entre o país de residência da conduit e terceiro país.
Há duas formas de conduit companies, as direct conduit e as “stepping stone”
conduits, as quais se encontram descritas pela OCDE nos seguintes termos:
1. Direct conduits
Uma empresa residente no Estado A recebe dividendos, juros ou
royalties do Estado B. De acordo com o tratado entre os Estados A
e B, a empresa sustenta que se encontra total ou parcialmente isenta
da incidência da retenção na fonte no Estado B. A empresa é pertence
integralmente a um residente em um terceiro Estado, o qual não tem
direito aos benefícios do tratado entre os Estados A e B. Ela foi criada
com o propósito de tirar vantagem dos benefícios deste tratado e por
tal razão os ativos que dão origem aos pagamentos de dividendos,
juros ou royalties foram para a mesma transferidos. O rendimento é
isento no Estado A, por exemplo, no caso de dividendos, em razão
de um regime aplicável a controladas e subsidiárias de acordo com a
legislação doméstica do país A, ou na convenção celebrada entre os

finalidade precípua é a de conceder vantagens de natureza tributária às pessoas físicas e jurídicas


domiciliadas ou sediadas nos territórios dos respectivos Estados contratantes. Não se prevê na
concepção desses tratados estender seus benefícios a terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, não
residentes nos citados territórios. Entretanto, quando terceiros, sem vínculos de conexão com
os Estados partes nos tratados contra a bitributação, incluem em seus negócios um elemento
intermediário, com a exclusiva finalidade de beneficiar-se das vantagens do tratado, ocorre o
treaty shopping. Configurar-se-ia, assim, o treaty shopping quando um contribuinte, não incluído
entre os beneficiários de um tratado, estrutura seus negócios, interpondo entre si e a fonte dos
rendimentos uma pessoa ou um estabelecimento permanente que faz jus àqueles benefícios”
(HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão: Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento
Tributário. São Paulo: Saraiva, 1997. pp. 247-248). Sobre o treaty shopping, ver também: TÔRRES,
Heleno. Direito Tributário Internacional: Planejamento Tributário e Operações Transnacionais. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. pp. 323-336; FERNANDES, Edison Carlos, Considerações sobre
Planejamento Tributário Internacional, 2007, pp. 20-22; CARVALHO, André de Souza; OLIVEIRA,
André Gomes de. Planejamento Tributário Internacional. In: GOMES, Marcus Lívio; ANTONELLI,
Leonardo Pietro (Coords.). Curso de Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010. v.
III. pp. 553-610; MARTIN, Julián. Elusion Fiscal Internacional. In: GARCÍA, Fernando D. (Coord.).
Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional: Aspectos Controvertidos. Buenos Aires:
La Ley, 2010. pp. 111-146; MASTANDREA, Alberto. La Planificación y El Treaty Shopping. In:
GARCÍA, Fernando D. (Coord.). Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional: Aspectos
Controvertidos. Buenos Aires: La Ley, 2010. pp. 147-185; CHIARO, Susana C. Carelli de. Tratados
Internacionales y Planificación Fiscal Internacional. In: GARCÍA, Fernando D. (Coord.). Convenios
para Evitar la Doble Imposición Internacional: Aspectos Controvertidos. Buenos Aires: La Ley,
2010. pp. 205-229; TÔRRES, Heleno Taveira. Tax Treaties and Tax Avoidance: Application of
Anti-Avoidance Provisions. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional
Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2012. v. VI. pp. 731-754.

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88 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Estados A e B.
2. “Stepping stone” conduits
A situação é a mesma do exemplo 1. Entretanto, a empresa residente
no Estado A é sujeita à tributação naquele país. Ela paga altos
juros, comissões, serviços e despesas semelhantes para uma segunda
relacionada conduit company, estabelecida no Estado D. Esses
pagamentos são dedutíveis no Estado A e isentos no Estado D, onde
a empresa tem um regime tributário especial.175
Com vistas a evitar o treaty shopping por meio de conduit companies as
CDTRs passaram a prever disposições anti-abuso, como as regras de beneficiário
efetivo176 e as cláusulas de limitação de benefícios (cláusulas LoB)177.
A cláusula de beneficiário efetivo busca desconsiderar empresas interpostas
(conduit companies) em um dos Estados contratantes por outra que não teria
direito a se valer das regras do CDTR178. Já as cláusulas LoB, conforme destaca
Luís Eduardo Schoueri, “pressupõe a existência de uma lista de situações às
quais o acordo não se estende”179.
Até a edição da Lei nº 12.249/2010 a legislação brasileira não definia
beneficiário efetivo. Tal definição veio no § 1º do artigo 26 da referida lei,
segundo o qual “para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo,
considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica não
constituída com o único ou principal objetivo de economia tributária que

175 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2000, v. II, p. R(6)4.
176 Ver: BIANCO, João Francisco; NEWTON, Raquel. Beneficiário Efetivo. Revista Direito Tributário
Atual, São Paulo, n. 26, 2011, pp. 253-270.
177 Ver: VEGA BORREGO, Félix Alberto. Limitation on Benefits Clauses in Double Taxation Conventions.
The Netherlands: Kluwer Law International, 2006; SERRANO ANTÓN, Fernando. Las Medidas
Antiabuso en los Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional y su Compabilidad con
las Medidas Antiabuso de Carácter Interno y el Derecho Comunitario. In: TÔRRES, Heleno (Coord.).
Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003. pp. 165-182; CARMONA
FERNÁNDEZ, Néstor. Medidas Antielusión Fiscal: Medidas Antiabuso en los Convenios sobre
Doble Imposición. In: SERRANO ANTÓN, Fernando (Coord.). Fiscalidad Internacional. Madrid:
Centro de Estudios Financieros, 2001. p. 162-171; TÔRRES, Heleno, Direito Tributário Internacional:
Planejamento Tributário e Operações Transnacionais, 2001, pp. 362-374; SCHOUERI, Luís Eduardo.
Questões Atuais da Tributação e da Cooperação Internacionais. Revista de Direito Tributário
Internacional, São Paulo, n. 2, fev. 2006, p. 53; MELLO, Nivaldo Edson Machado de. O uso impróprio
das convenções bilaterais de dupla tributação. Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo,
n. 2, fev. 2006, pp. 91-99.
178 Para uma análise específica da cláusula de beneficiário efetivo, ver: CATÃO, Marcos André Vinhas.
A “cláusula de beneficiário efetivo”. Limites à sua qualificação. In: TÔRRES, Heleno (Coord.).
Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003. v. II. pp. 424-436.
179 SCHOUERI, Luís Eduardo, Questões Atuais da Tributação e da Cooperação Internacionais, 2006,
p. 53.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 89

auferir esses valores por sua própria conta e não como agente, administrador
fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.”
O artigo 26 veiculou regra de restrição de dedutibilidade de despesas em
determinados casos de pagamentos feitos a paraísos fiscais e regimes fiscais
privilegiados180. Contudo, mesmo não sendo uma regra geral a respeito da
apuração do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido,
parece-nos que este dispositivo deve ser considerado para fins de determinação
do conceito de beneficiário efetivo para fins domésticos e de aplicação dos
tratados internacionais brasileiros.

1.6. COMENTÁRIOS FINAIS


A análise empreendida neste capítulo mostrou-se importante para que
se tenha uma melhor compreensão acerca das CDTRs, a partir de sua gênese
história e objetivos, natureza e posição hierárquica no ordenamento jurídico
brasileiro, o que certamente tem reflexos sobre a sua interpretação.
No próximo capítulo iniciar-se-á o debate mais específico acerca da
interpretação, buscando-se assentar as bases teóricas que guiarão o presente
trabalho.

180 Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Comentários sobre a Restrição à Dedutibilidade de
Despesas Prevista no artigo 26 da Lei n. 12.249/2010. Revista Dialética de Direito Tributário, São
Paulo, n. 188, maio 2011, pp. 120-128.

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2

Bases Hermenêuticas
da Presente Pesquisa

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 93

2.1. INTRODUÇÃO
Antes de iniciarmos a análise de questões específicas relacionadas à
interpretação dos tratados internacionais em geral e das CDTRs em especial,
é importante assentarmos as bases hermenêuticas sobre as quais se sustentarão
tais comentários.
Como é sabido, a teoria hermenêutica desenvolveu-se consideravelmente
ao longo dos Séculos XIX e XX, existindo várias escolas de pensamento que
se alternaram em relevo e preponderância ao longo deste período de tempo.
No presente trabalho não nos filiamos a nenhuma escola de pensamento em
particular, partindo de influências de variadas teorias, extraindo pontos de
partida de posições teóricas que podem até mesmo ser consideradas antagônicas.
No itens seguintes apresentaremos comentários acerca das principais
influências hermenêuticas deste trabalho, entre as quais se destacam a teoria
da interpretação de Hans Kelsen, a teoria da textura aberta da linguagem de
Herbert Hart, a hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, a abertura
do direito para os princípios juntamente com a tópica jurídica e a teoria da
argumentação181.
Consideramos que há, em cada uma dessas linhas de pensamento, aspectos
complementares para a formação do pensamento hermenêutico, de forma que
a filiação a qualquer dessas teorias, com a exclusão das demais, parece-nos
reduzir demasiado a complexidade da interpretação jurídica.

2.2. O POSITIVISMO JURÍDICO DE HANS KELSEN E A TEORIA


DOS TEXTOS NORMATIVOS COMO MOLDURAS
Durante o século XIX e início do século XX desenvolveram-se diversos
movimentos jurídicos que buscavam a superação das escolas formalistas até
então prevalecentes, visando-se integrar ao direito dados factuais ocorridos
no meio social.

181 Uma versão mais extensa dos comentários apresentados neste capítulo pode ser encontrada em:
ROCHA, Sergio André. Evolução Histórica da Teoria Hermenêutica: Do Formalismo do Século
XVIII ao Pós-Positivismo. In: ELALI, André; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; TRENNEPOHL,
Terence. (Org.). Direito Tributário: Homenagem a Hugo de Brito Machado. São Paulo: Quartier
Latin, 2011. pp. 167-214.

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94 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Foi exatamente contra essa “contaminação” do jurídico por outras ciências,


como a sociologia, a política e a psicologia, que se insurgiu o jusfilósofo austríaco
Hans Kelsen.
É impossível resumir em poucos parágrafos uma obra que, como apontado
por Tércio Sampaio Ferraz Júnior, entre traduções e reimpressões alcança mais
de 620 títulos e cujos textos elaborados sobre a mesma supera o número 1.200182.
Dessa forma, trataremos brevemente aqui apenas de dois aspectos da teoria
pura do direito: a relação entre direito e moral e a questão da interpretação jurídica.
Logo na introdução de sua Teoria Pura do Direito Kelsen deixa claro seu
propósito de estabelecer uma teoria baseada nas normas jurídicas, excluindo
tudo que em seu sentir lhes fosse alheio, elevando a ciência jurídica a um
patamar científico nunca dantes alcançado183. Vejam-se os primeiros parágrafos
da referida obra:
A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do
direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É
teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas
jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria
da interpretação.
Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio
objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito?
Mas já lhe não importa a questão de saber como deve ser o Direito,
ou como deve ele ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito.
Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto
significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido
ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto se não possa,
rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela
pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe
são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.184

182 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Por que ler Kelsen, hoje. In: COELHO, Fábio Ulhoa. Para
Entender Kelsen. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. XIII.
183 Assim leciona Karl Larenz, para quem “foi Hans Kelsen quem, com admirável energia e improbo rigor
de pensamento, se desempenhou de semelhante missão. A sua ‘teoria pura do Direito’ constitui
a mais grandiosa tentativa de fundamentação da ciência do Direito como ciência – mantendo-se
embora sob o império do conceito positivista desta última e sofrendo das respectivas limitações
– que o nosso século veio até hoje a conhecer” (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito.
3.ed. Tradução José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 92).
184 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. Tradução João Baptista Machado. Coimbra: Armenio
Amado, 1984. p. 17.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 95

Diferentemente do que muitas vezes se afirma na doutrina, a teoria pura


do direito não nega a grande importância da ética, da moral e da justiça para o
direito, mas sim a inexistência de uma moral185 ou de uma justiça186 absolutas,
que devam ser acolhidas pelas normas jurídicas. Separa-se, aqui, o campo da
ciência jurídica, preocupada com as normas positivadas, e da filosofia jurídica,
voltada para análise dos fins que deveriam ser perseguidos pelo ordenamento
e das normas em vigor como aptas para realizá-los187.
Seguindo essa linha de raciocínio, a teoria da interpretação jurídica
apresentada por Kelsen mostra-se igualmente avalorativa.
Parte Kelsen de sua estrutura piramidal do ordenamento jurídico para
definir a interpretação como “uma operação mental que acompanha o processo
da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um
escalão inferior”188.
Assim, o legislador deve interpretar a Constituição para poder elaborar as
leis infraconstitucionais, da mesma forma que o juiz e o administrador devem
interpretar as normas do ordenamento jurídico para emitirem suas sentenças
e atos administrativos, no contínuo movimento de positivação/concretização
das normas jurídicas em atos de aplicação.
Nesse contexto, separa Kelsen a interpretação realizada por um órgão
de aplicação do direito (ou seja, a interpretação apta à criação de uma norma

185 Cf. KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, pp. 100-102.
186 Cf. KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. p. 65.
187 António Manuel Hespanha ressaltou os méritos da teoria pura do direito, ao afirmar que: “A
teoria pura do direito teve a virtude de, num período de intenso debate político-ideológico
(os anos ’30 a ’50 do século XX), ter sublinhado a autonomia do saber jurídico e a sua relativa
indisponibilidade em relação aos projetos de poder. Nesta medida, culminou as preocupações
da pandectística em estabelecer que nem tudo quanto é querido pelo poder, útil ao povo ou
a uma classe, ou funcional em relação a um objetivo social, é automaticamente aceite como
justo (i.e., conforme ao direito). A juridicidade parece decorrer de valores internos ao discurso
do direito, valores que a vontade política ou a utilidade social não podem substituir.
Neste sentido, embora se possa acusar a teoria pura do direito de aceitar como direito tudo o
que provém da vontade do Estado, o certo é que o seu sentido mais profundo é o de constituir
um manifesto contra os totalitarismos políticos do seu tempo, que, num sentido ou noutro,
procuravam funcionalizar o direito em relação às conveniências do poder, legitimando-o a
partir de considerações políticas, como o domínio de classe (estalinismo) ou as necessidades
vitais de uma raça (nacional-socialismo). Há que pense que este manifesto é ainda útil contra
outro tipo de funcionalizações do direito, nomeadamente, a tendência para justificar como
justas as medidas – formal ou informalmente corretas – de um poder legitimado pelo voto, ou
as medidas dirigidas à consecução de finalidades de desenvolvimento social ou econômico”
(HESPANHA, António Manuel. Cultura Jurídica Européia: Síntese de um Milénio. Mem Martins:
Europa-America, 2003. p. 310).
188 KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, p. 463.

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96 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

individual e concreta) da interpretação realizada por quem não é órgão aplicador


da regra interpretada (por exemplo, interpretação realizada pelas pessoas de
direito privado que devem observar o direito e aquela oferecida pela ciência
jurídica).
Aspecto importantíssimo da teoria da interpretação kelseniana é a
indeterminação dos textos normativos da qual decorre a ideia de que estas são
molduras, dentro das quais podem ser identificadas mais de uma norma jurídica.
Em suas palavras:
Se por “interpretação” se entende a fixação por via cognoscitiva do
sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação
jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o
Direito a interpretar e, consequentemente, o conhecimento das várias
possibilidades que dentro desta moldura existem. Sendo assim, a
interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma
única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a
várias soluções que – na medida em que apenas sejam aferidas pela
lei a aplicar – têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne
Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito – no ato do
Tribunal, especialmente. Dizer que uma sentença judicial é fundada
na lei não significa, na verdade, senão que ela se contém dentro da
moldura ou quadro que a lei representa – não significa que ela é a
norma individual, mas apenas que é uma das normas individuais que
podem ser produzidas dentro da moldura da norma geral.189
Ao afirmar que o texto legal é apenas uma moldura dentro da qual se
encontram diversas normas jurídicas passíveis de serem criadas pelo aplicador
do direito, Kelsen rejeita a possibilidade de que se desenvolva qualquer método
jurídico capaz de definir qual seria a norma jurídica correta extraível do texto190.
Seguindo essa linha de raciocínio, sustenta Hans Kelsen que a escolha de
uma entre as diversas normas jurídicas contidas na moldura do texto legal sequer
seria uma atividade jurídica, mas sim uma atividade de política do direito191.

189 KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, p. 467.


190 KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, p. 468.
191 Em suas palavras: “A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam nos
quadros do Direito a aplicar, a ‘correta’, não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que
se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de
teoria do Direito, mas um problema de política do Direito. A tarefa que consiste em obter, a
partir da lei, a única sentença justa (certa) ou o único ato administrativo correto é, no essencial,
idêntica à tarefa de quem se proponha, nos quadros da Constituição, criar as únicas leis justas

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 97

Portanto, não sendo a eleição de uma entre as normas constantes no texto


legal uma atividade jurídica, pode a mesma muito bem ser guiada por critérios
metajurídicos, como a moral e a justiça.
Em assim sendo, jamais seria possível determinar se a norma eleita seria
efetivamente a “correta”, já que pautada tal escolha por elementos estranhos
ao direito. Como aduz Kelsen, “do ponto de vista do Direito positivo, nada se
pode dizer sobre a sua validade e verificabilidade. Deste ponto de vista, todas
as determinações desta espécie apenas podem ser caracterizadas negativamente:
são determinações que não resultam do próprio Direito positivo”192.

2.3. HERBERT L. A. HART E A TEXTURA ABERTA DA LINGUAGEM


O jusfilósofo inglês Herbert L. A. Hart foi o outro grande nome do
positivismo jurídico no século XX.
Assim como Kelsen, Hart reconhece a indeterminação dos textos legais,
desenvolvendo a teoria da textura aberta da linguagem.
Segundo o professor inglês, “qualquer instrumento, precedente ou
legislação, seja escolhido para a comunicação de padrões de comportamento,
estes, a despeito do quão bem funcionem em um grande número de casos
ordinários, em algum ponto em que sua aplicação esteja em questão, irão provar-
se indeterminados; eles terão o que foi denominada uma textura aberta. Até
aqui nós apresentamos tal fato, no caso da legislação, como uma característica
geral da linguagem humana; incerteza nos limites é o preço a ser pago pelo uso
de termos gerais classificatórios em qualquer forma de comunicação relativa
a temas factuais”193.
Partindo da textura aberta das normas jurídicas, critica Hart o formalismo
conceitualista, que pretendia enclausurar a realidade em conceitos194.
A indeterminação legal confere às cortes e autoridades encarregadas
de aplicar a norma jurídica uma certa margem para “ponderar, diante das

(certas). Assim como da Constituição, através de interpretação, não podemos extrair as únicas
leis corretas, tão-pouco podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas sentenças
corretas” (KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, p. 469).
192 KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, p. 470.
193 HART, H. L. A. The Concept of Law. 2nd. ed. New York: Oxford University Press, 1997. p. 128. Sobre
a textura aberta da linguagem, ver: STRUCHINER, Noel. Direito e Linguagem: Uma Análise da
Textura Aberta da Linguagem e sua Aplicação ao Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
194 HART, H. L. A, The Concept of Law, 1997, p. 129.

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98 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

circunstâncias, entre interesses conflitantes que podem variar em peso de caso


para caso”195.
Dessa forma, a textura aberta das normas jurídicas deixa ao juiz um
poder criativo, a ser exercido mediante interpretação/aplicação de precedentes
ou estatutos aos casos concretos. De outro lado, cabem às cortes dar a última
palavra sobre o que é o direito196, no exercício de sua discricionariedade197.
A textura aberta das normas de Hart difere, porém, da ideia do texto
legal como moldura trazida por Kelsen. De fato, para Hart a abertura das
normas pode levar a uma situação de ausência de qualquer norma jurídica,
verdadeira lacuna a ser superada pela discricionariedade do juiz198. Já o texto-
-moldura de Kelsen significaria a existência de várias normas que poderiam
ser potencialmente extraídas de um dado texto legal e não a existência de uma
lacuna.
Para Hart, tal competência discricionária atribuída ao juiz não é ilimitada,
não sendo equivalente à competência atribuída aos órgãos legislativos.
Com efeito, Hart sustenta que o exercício desta competência discricionária
se dá dentro dos limites do próprio ordenamento jurídico, de onde o julgador
extrairá os parâmetros para sua decisão. Exatamente por tal motivo, pelo fato
de que o próprio ordenamento orienta o juiz na apreciação dos casos concretos
é que para Hart uma decisão jurídica racional não depende de apelação para
critérios morais de como a lei deveria ser199.

2.4. A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE HANS-GEORG GADAMER


O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, mesmo não sendo filósofo do
direito e, portanto, não tendo posto a hermenêutica jurídica entre suas principais
preocupações, desenvolveu, a partir da virada ontológica conduzida por seu
mestre Martin Heidegger, uma hermenêutica filosófica cujos fundamentos acabam
por impor uma modificação no pensar a hermenêutica jurídica.

195 HART, H. L. A, The Concept of Law, 1997, p. 135.


196 HART, H. L. A, The Concept of Law, 1997, p. 145.
197 HART, H. L. A, The Concept of Law, 1997, p. 252.
198 HART, H. L. A, The Concept of Law, 1997, p. 272.
199 HART, H. L. A. Positivism and the Separation of Law and Morals. In: Essays in Jurisprudence and
Philosophy. New York: Oxford University Press, 2001. pp. 68-69.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 99

Entre as modificações trazidas pela hermenêutica filosófica de Hans-


-Georg Gadamer, destacamos três em especial: (a) a crítica quanto à crença
na possibilidade de se alcançar a verdade nas ciências do espírito através da
utilização de um método; (b) a revisão da ideia do distanciamento do intérprete
em relação ao objeto interpretado, com o reconhecimento de que é no horizonte
histórico do intérprete, com sua tradição e pré-conceitos, que se realiza o processo
interpretativo; e (c) a inclusão da aplicação no âmbito do processo hermenêutico,
a qual abala os alicerces do entendimento, difundido na seara jurídica, de que a
aplicação seria um momento pós-interpretativo, em que o intérprete, estranho
ao texto legal e aos fatos sob exame, aplica a estes o resultado da interpretação
do texto, resolvendo uma controvérsia jurídica.
Uma breve reflexão acerca desses três pontos revela que os mesmos estão
intimamente conectados. Com efeito, a partir do momento que intérprete e
objeto implicam-se mutuamente, perde força a ideia de que intérprete e objeto
relacionam-se por intermédio de um método que permite que aquele conheça
e interprete este, aplicando-o a outro objeto externo, ao final.

2.4.1. UMA CRÍTICA AO MÉTODO


A obra principal de Hans-Georg Gadamer, Verdade e Método, editada
pela primeira vez no ano de 1960, tem como um de seus principais propósitos
apresentar crítica à ideia de que se pode alcançar a verdade, no campo das
ciências do espírito, mediante a mera aplicação de um método objetivo, nos
moldes das ciências naturais.
Conforme afirma Gadamer logo na introdução de seu livro, “na origem, o
fenômeno hermenêutico não é, de forma alguma, um problema de método”200.
A crítica ao pensamento metodológico é tão presente em sua obra que alguns
de seus críticos e revisores apontam que seu trabalho devia ser intitulado Verdade
ou Método201, ou ainda Verdade versus Método202.

200 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: Traços de uma hermenêutica filosófica. 5. ed.
Tradução Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 29.
201 Cf. RICOEUR, Paul. Hermeneutics & the Human Sciencies. Tradução de John B. Thompson.
Cambridge: Cambridge University Press, 1998. p. 60.
202 Cf. GADAMER, Hans-Georg. Gadamer in Conversation. Tradução de Richard Palmer. New Haven/
London: Yale University Press, 2001. p. 41.

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A crítica de Gadamer, que pode ser trazida para o campo da hermenêutica


jurídica, deve, todavia, ser bem apreendida, de modo a se evitar uma má-
-compreensão de suas ideias.
De fato, os aportes gadamerianos não são contra a existência dos métodos.
Como o próprio Gadamer afirma em entrevista concedida a Carsten Dutt, “é
claro que há métodos, e certamente deve-se aprendê-los e aplicá-los”203.
O foco da crítica do professor de Heidelberg, portanto, não é a existência
de métodos, mas sim a crença na objetivação da verdade por intermédio de seu uso,
assim como a exterioridade metodológica do intérprete em relação ao objeto
interpretado. Nas palavras de Richard Palmer:
Assim como Heidegger, Gadamer é um crítico da moderna submissão
ao pensamento tecnológico, o qual se encontra enraizado no
subjetivismo (Subjektität) – ou seja, em tomar a consciência subjetiva
do homem, e as certezas da razão na mesma baseadas, como o ponto
máximo de referência para o conhecimento humano. Os filósofos pré-
-cartesianos, por exemplo, os gregos antigos, encaravam seu pensamento
como uma parte do próprio ser; eles não tomavam a subjetividade
como seu ponto de partida e então fundamentavam a objetividade de
seu conhecimento sobre a mesma. Sua abordagem era mais dialética
e tentava permitir-se ser guiada pela natureza do que estava sendo
compreendido. Conhecimento não era algo que eles adquiriam como
uma possessão, mas algo no qual eles participavam, permitindo que os
mesmos fossem dirigidos e até mesmo possuídos por seu conhecimento.
Nesse sentido os Gregos alcançaram uma abordagem da verdade que foi
além das limitações do pensamento sujeito-objeto moderno, enraizado
em um conhecimento subjetivamente correto.
Dessa forma, a abordagem de Gadamer é mais próxima à dialética de
Sócrates do que ao pensamento manipulativo e tecnológico moderno.
A verdade não é alcançada metodicamente, mas dialeticamente; a
abordagem dialética da verdade é vista como a antítese do método,
como um meio de superar a tendência do método de pré-estruturar
o modo de ver dos indivíduos. Falando mais exatamente, o método
é incapaz de revelar novas verdades; ele apenas explicita o tipo de
verdade que já se encontra explícita no próprio método. [...].204

203 Gadamer in Conversation, 2001, p. 41.


204 PALMER, Richard. Hermeneutics. Evanston: Northwestern University Press, 1969. p. 164 e 165.

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Richard Palmer explicita na passagem acima o foco central a crítica de


Gadamer, a qual tem por fim uma mudança da função do método nas ciências
humanas. Tal foco consiste na ideia de que a legitimação nas ciências do espírito
se dá por intermédio da participação dialética do sujeito no processo hermenêutico, e
não pela aplicação de qualquer método.
Ao responder questão acerca da crítica metodológica contida em sua obra,
o próprio Gadamer responde que o que buscou “demonstrar é que o conceito
de método não era caminho apropriado para se atingir legitimidade no campo
das ciências humanas e sociais”205. Conforme conclui “essa é a razão pela qual
sugeri que o ideal de conhecimento objetivo, que domina nossos conceitos de
conhecimento, ciência e verdade, precisa ser superado pelo ideal de compartilhar
algo, de participação”206.
A hermenêutica filosófica gadameriana é mesmo incompatível com a
ideia de que se pode ter acesso à verdade através de um método aplicável pelo
intérprete.
Com efeito, a teoria de Gadamer funda-se na concepção de que o
homem tem acesso ao mundo pela linguagem, a qual deve ser interpretada
(compreendida) pelo ser-aí, sendo assim pautada por sua tradição e suas pré-
-compreensões.
Ora, se a interpretação se desenvolve no âmbito do horizonte histórico e
cultural do intérprete, não se pode conceber que esta corresponda à aplicação
de um método exterior ao mesmo. Como destaca Maria Margarida Lacombe
Camargo, “Gadamer defende a ideia de que não é tarefa da hermenêutica
descobrir métodos para uma correta interpretação, mas refletir sobre o acontecer
da própria interpretação, que no âmbito das ciências do espírito corresponde
mais especificamente à compreensão”207.
Parece-nos que os aportes teóricos de Hans-Georg Gadamer abalam
a noção tradicional de método jurídico, ordinariamente entendido como
instrumento à disposição do intérprete para se alcançar a verdade contida no
texto legal.

205 Gadamer in Conversation, 2001, p. 40.


206 Gadamer in Conversation, 2001, p. 40.
207 CAMARGO, Maria Margarida Lacombe. Hermenêutica Jurídica e Argumentação: Uma Contribuição
ao Estudo do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 32.

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Castanheira Neves dá-nos clara visão acerca do formalismo metodológico


que por longo período dominou o cenário jurídico, o qual partia de uma
deificação do ato legislativo que somente poderia ser alcançada mediante a
neutralização do intérprete pela supervalorização do método jurídico208.
Esse pensamento metodológico formalista, nas palavras de François Gény,
busca “dar alcance ao pensamento do legislador contido nos textos. Sempre
que se compreenda e interprete bem a lei, subsumirá quantas soluções jurídicas
sejam necessárias”209.
Todavia, tendo por base as inflexões de Gadamer, tem-se que a relação
sujeito-objeto não se dá por intermédio do método, mas sim dentro do
próprio acontecer histórico, de modo que o objeto não é revelado pelo método,
mas compreendido pelo ser.
Resta perguntar, então, qual o papel dos chamados métodos de interpre-
tação jurídica?
Os ditos métodos jurídicos (elementos ou critérios de interpretação) nada
mais são do que uma referência aos diversos aspectos envolvidos na compreensão
dos textos legislativos e dos fatos jurídicos210.
Com efeito, tais métodos (gramatical, sistemático, teleológico, histórico,
axiológico, etc.) lembram apenas os diversos aspectos envolvidos no fenômeno
jurídico, não garantindo qualquer certeza ou correção ao resultado da
interpretação em um caso particular211.
Seguindo as observações acima e tendo por fundamento as críticas
de Gadamer à objetivação metodológica como instrumento à descoberta
da verdade no âmbito das ciências humanas, é de se concluir que a crença
nos métodos jurídicos como meios para o alcance da correção no campo da
hermenêutica jurídica oferece algo que não pode alcançar.

208 Cf. NEVES, A. Castanheira. Metodologia Jurídica: Problemas Fundamentais. Coimbra: Coimbra
Editora, 1993. p. 28.
209 GÉNY, François. Método de Interpretación y Fuentes em Derecho Privado Positivo. Madrid: Editorial
Réus, 1925. p. 26.
210 Cf. MÜLLER, Friedrich. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. pp. 27-30.
211 Sobre o tema, ver: STRECK, Lenio Luiz. O Efeito Vinculante das Súmulas e o Mito da Efetividade:
Uma Crítica Hermenêutica. In: Crítica à Dogmática: Dos Bancos Acadêmicos à Prática dos
Tribunais. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2005. p. 92; STRECK, Lenio
Luiz. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo)
constitucionalismo. In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo (Orgs.). Constituição, Sistemas
Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 167.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 103

Com efeito, é de se concordar com Eros Grau quando afirma que “a


reflexão hermenêutica repudia a metodologia tradicional da interpretação e
coloca sob acesas críticas a sistemática escolástica dos métodos, incapaz de
responder à questão de se saber por que um determinado método deve ser, em
determinado caso, escolhido”212.
Pode-se concluir, portanto, que a correção das ciências humanas não
pode ser objetivamente alcançada pela aplicação de métodos, o que implica
em uma revisão da própria noção de hermenêutica jurídica, como passamos
a examinar.

2.4.2. A HERMENÊUTICA GADAMERIANA E A HERMENÊUTICA JURÍDICA


É vetusto o entendimento de que a interpretação jurídica seria um
método para a descoberta da norma contida no texto ou, melhor dizendo, para
a descoberta do verdadeiro sentido do texto legal.
Não se reconhecia qualquer caráter criativo a tal atividade, pressupondo
que, por via da interpretação, seria possível a descoberta do único sentido já
contido no texto legal.
Exposição nessa linha encontra-se, por exemplo, em Carlos Maximiliano,
para quem “interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo,
atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado;
mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou
norma, tudo o que na mesma se contém”213.

212 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 90 e 91.
213 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
p. 9. A ideia de que a interpretação consiste em uma atividade voltada para a descoberta do
“verdadeiro” sentido de um texto legal encontra-se presente nos trabalhos de estudiosos da teoria
geral do direito e nos compêndios gerais dos diversos “ramos” jurídicos, como em: MÁYNEZ,
Eduardo García. Introducción al Estudio del Derecho. 53. ed. México: Editorial Porrúa, 2002. p.
327; COING, Helmut. Elementos Fundamentais da Filosofia do Direito. Tradução Elisete Antoniuk.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 326; GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao
Estudo do Direito. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 219; DINIZ, Maria Helena. Compêndio
de Introdução à Ciência do Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 381; LOPES, Miguel Maria de
Serpa. Curso de Direito Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989. v. I. p. 114; RODRIGUES,
Silvio. Direito Civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. v. I. p. 24; ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema de
Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977. p. 157; BEVILAQUA, Clovis. Teoria Geral do Direito
Civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975. p. 45; JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 19. ed. São Paulo:
Saraiva, 1995. v. I. p. 27; MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1998.
v. I. p. 51; DANTAS, Ivo. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 1995. p. 83.

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104 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Embora tal concepção acerca da interpretação tenha sido abandonada há


muito, até mesmo por autores positivistas como Kelsen e Hart, a mesma ainda
é sustentada aqui e alhures.
Tal doutrina encontra-se, portanto, em xeque, podendo este fato ser
explicado a partir da hermenêutica filosófica gadameriana.
Com efeito, um primeiro fundamento para a crise do conceito tradicional
de interpretação jurídica o temos nas próprias críticas formuladas à objetividade
metodológica nas ciências do espírito.
Partindo-se da premissa de que não há um método que possa ser aplicado
pelo sujeito a um objeto com vistas a se alcançar a verdade neste campo, a
ideia de que a interpretação de um texto presta-se ao alcance de tal verdade
mostra-se inviável.
Além da crítica à objetividade metodológica, também o reconhecimento de
que toda tarefa hermenêutica tem como ponto de partida a pré-compreensão do
intérprete abala os alicerces de uma concepção estéril da interpretação jurídica.
A questão dos pré-conceitos e de sua influência no processo hermenêutico
encontra-se vinculada à ideia de tradição ou, em outras palavras, à inserção do
sujeito em uma determinada tradição, a qual pauta e condiciona sua forma de
compreender o mundo214. Como destaca Gadamer:
[...] encontramo-nos sempre inseridos na tradição, e essa não é uma
inserção objetiva, como se o que a tradição nos diz pudesse ser pensado
como estranho ou alheio; trata-se sempre de algo próprio, modelo e
intimidação, um reconhecer a si mesmos no qual nosso juízo histórico
posterior não verá tanto um conhecimento, mas uma transformação
espontânea e imperceptível da tradição.215

214 Para Maria Margarida Lacombe Camargo, “Gadamer legitima a pré-compreensão na tradição
como processo histórico que o intérprete experimenta. A autoridade da tradição, no entanto,
não tira a liberdade do intérprete, uma vez que passe a ser racionalmente conhecida, pois, a
partir do momento que formamos uma consciência metódica da compreensão, somos capazes
de controlá-la. Mas a compreensão não consiste em uma busca do passado feita por uma
razão independente, como procedia o romantismo histórico, considera Gadamer. Consiste,
outrossim, na determinação universal do estar aí, isto é, na futuridade do estar aí, feita por uma
razão comprometida historicamente. O estar aí faz parte de um processo histórico enquanto
experiência humana da qual participamos” (Hermenêutica Jurídica e Argumentação: Uma
Contribuição ao Estudo do Direito, 2001, p. 57 e 58).
215 Verdade e Método I: Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 374. Vale a pena mencionar
aqui as palavras de David E. Linge sobre a importância da pré-compreensão na hermenêutica
jurídica gadameriana: “Não é de surpreender que a noção de pré-conceitos de Gadamer seja
um dos aspectos mais controvertidos de sua filosofia. Mais do que qualquer outro elemento
de seu pensamento, ela indica sua determinação em reconhecer as insuperáveis finitude e

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Segundo Gadamer, pré-conceito “quer dizer um juízo que se forma antes


do exame definitivo de todos os momentos segundo a coisa em questão”216. Ora,
o experimentar o mundo dos seres humanos lhes proporciona um conjunto
de juízos prévios que condicionam o seu agir hermenêutico em relação a tudo
quanto os cerca, de modo que nenhuma experiência sua será plenamente
objetiva217.
Nessa linha de entendimento, na medida em que o ser-no-mundo não
consegue interagir com a realidade ignorando seus pré-conceitos, dados pela
tradição, caem por terra os ideais de objetivismo e neutralidade do intérprete,
apregoados pelo formalismo jurídico.
É de se salientar, contudo, que a crítica ao objetivismo e o reconhecimento
inevitável dos pré-conceitos no processo hermenêutico não transformam
a interpretação em um fenômeno subjetivo. Nas palavras de Gadamer, “a

historicidade do compreender, assim como em exibir o papel positivo que os mesmos têm em
cada transmissão humana de significado. Para Gadamer, o passado tem um poder pervasivo
sobre o fenômeno da compreensão, e tal poder foi completamente ignorado pelos filósofos que
dominaram a cena antes de Heidegger. O papel do passado não pode ser restringido meramente
ao fornecimento de textos e eventos para a composição de ‘objetos’ da interpretação. Como os
pré-conceitos e a tradição, o passado também define o ponto que o próprio intérprete ocupa
quando compreende” (LINGE, David E. [Introduction to Gadamer’s Philosofical Hermeneutics].
In: GADAMER, Hans-Georg. Philosofical Hermeneutics. Tradução David E. Linge. Berkeley/Los
Angeles/London: University of California Press, 1997. p. xv).
216 Verdade e Método I: Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 360.
217 Essa questão foi muito bem analisada e exposta por Eduardo C. B. Bittar, na passagem a seguir
transcrita: “O ser-no-mundo carrega esta experiência de estar-aí (Dasein) da qual não pode se
desvincular; não posso modificar minha compreensão-de-mundo, pois ela é já determinada pela
minha história-de-mundo, da qual não posso me alhear. As condições existenciais (ek-sistere),
estar-aí) em que sou posto determinam também as condições com as quais interpreto e com-
vivo com o mundo. A existência ou não dos “pré-conceitos” na determinação de todo sentido
apreendido do mundo não depende da vontade humana. Os “pré-conceitos” existem, no sentido
deste estar-aí contra o qual não se pode lutar, e estão presentes na avaliação de cada peça de
nossa interação com o mundo. A vontade pode dizer não e renunciar aos “pré-conceitos”,
mas esta é já uma postura claramente carregada de “pré-conceitos” e de tomadas de posição
próprias de um sujeito histórico e gravado por uma experiência particular” (BITTAR, Eduardo C.
B. Hans-Georg Gadamer: a experiência hermenêutica e a experiência jurídica. In: BOUCAULT,
Carlos E. de Abreu; RODRIGUEZ, José Rodrigo. Hermenêutica Plural. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 184 e 185). Segundo Konrad Hesse, “o intérprete não pode compreender o conteúdo da
norma de um ponto situado fora da existência histórica, por se assim dizer, arquimédico, senão
somente na situação histórica concreta, na qual ele se encontra, cuja maturidade enformou seus
conteúdos de pensamento e determina seu saber e seu (pré)-juízo. Ele entende o conteúdo da
norma de uma (pré)-compreensão, que primeiramente lhe torna possível olhar a norma com
certas esperanças, projetar-se um sentido do todo e chegar a um anteprojeto que, então, em
penetração mais profunda, carece de confirmação, correção e revisão até que, como resultado
de aproximação permanente dos projetos revisados, cada vez, ao “objeto”, determine-se
univocamente a unicidade do sentido” (HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da
República Federal da Alemanha. Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1998. p. 61 e 62).

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106 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

compreensão deve ser pensada menos como uma ação da subjetividade e mais
como um retroceder que penetra num acontecimento da tradição”218.
De fato, em primeiro lugar deve-se ter em conta que os valores trazidos
pela tradição não são experenciados com exclusividade pelo sujeito-intérprete,
mas por toda a coletividade, a qual compartilha determinada tradição.
Por outro lado, o fato de que somos guiados por pré-conceitos, dados
pela tradição, não significa que nunca tenhamos qualquer controle sobre os
mesmos ou, melhor dizendo, que não devamos questioná-los. Assim, como
observa Gadamer:
[...] Aquele que quer compreender não pode se entregar de antemão
ao arbítrio de suas próprias opiniões prévias, ignorando a opinião do
texto da maneira mais obstinada e consequente possível – até que este
acabe por não poder ser ignorado e derrube a suposta compreensão.
Em princípio, quem quer compreender um texto deve estar disposto
a deixar que este lhe diga alguma coisa. Por isso, uma consciência
formada hermenêuticamente deve, desde o princípio, mostrar-se
receptiva à alteridade do texto. Mas essa receptividade não pressupõe
nem uma “neutralidade” com relação à coisa nem tampouco um
anulamento de si mesma; implica antes uma destacada apropriação
das opiniões prévias e preconceitos pessoais. O que importa é dar-se
conta dos próprios pressupostos, a fim de que o próprio texto possa
apresentar-se em sua alteridade, podendo assim confrontar sua
verdade com as opiniões prévias pessoais.219
Ponto dos mais importantes presentes na passagem acima consiste,
portanto, na necessidade de o intérprete não se fechar em suas opiniões prévias,
abrindo-se para a alteridade do texto220.

218 Verdade e Método I: Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 385.


219 Verdade e Método I: Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 358.
220 Nas palavras de Lenio Streck: “Quando se ouve a alguém ou quando se empreende uma leitura,
não é que tenhamos que esquecer todas as opiniões prévias sobre seu conteúdo, ou todas
as opiniões próprias, diz o mestre. O que se exige é que simplesmente temos que estar abertos à
opinião do outro ou do texto. Entretanto, essa abertura implica sempre que se coloque a opinião
do outro em alguma classe de relação com o conjunto de opiniões próprias ou que um se coloque
em certa relação com as do outro. Para Gadamer, aquele que pretende compreender não pode
entregar-se desde o princípio à sorte de suas próprias opiniões prévias e ignorar a mais obstinada
e consequentemente possível opinião do texto. Aquele que pretende compreender um texto tem que
estar em princípio disposto a que o texto lhe diga algo” (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica
(em) Crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 201). A questão foi bem colocada por Kelly
Susane Alflen da Silva, para quem “aquele que tem uma consciência formada hermenêuticamente
tem que estar disposto a deixar que o texto lhe diga algo, a acolher a outreidade do texto. Acolher
o dito pelo texto sem reparo dos prejuízos significa a perda do sentido da verdade e da verdade

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 107

Nesse ponto, parte Gadamer da dialética platônica para sustentar a


primazia hermenêutica da pergunta. Citando uma vez mais suas lições:
Nós perguntamos pela estrutura lógica da abertura que caracteriza a
consciência hermenêutica, e é bom que não esqueçamos a importância
do conceito de pergunta na análise da situação hermenêutica. É claro
que toda experiência pressupõe a estrutura da pergunta. Não se fazem
experiências sem a atividade do perguntar. O conhecimento de que
algo é assim, e não como acreditávamos inicialmente, pressupõe
evidentemente a passagem pela pergunta para saber se a coisa é assim
ou assado. Do ponto de vista lógico, a abertura que está na essência da
experiência é essa abertura do “assim ou assado”. Ela tem a estrutura
da pergunta. E assim como a negatividade dialética da experiência
consumada, onde temos plena consciência de nossa finitude e
limitação, também a forma lógica da pergunta e a negatividade que
lhe é inerente encontram sua consumação numa negatividade radical:
no saber que não sabe. É a famosa docta ignorantia socrática que abre
a verdadeira superioridade da pergunta na negatividade extrema da
aporia. É preciso então que nos aprofundemos na essência da pergunta,
se quisermos esclarecer em que consiste o modo peculiar de realização
da experiência hermenêutica.221
Dessa forma, o intérprete deve ter consciência de seus pré-conceitos (o
que nem sempre é possível) para então iniciar uma relação dialética com o texto,

em geral, o que H.G. Gadamer chama de mendacidade. Na esfera hermenêutica, isso quer dizer
a exclusão do outro da comunicação por causa da inconsequência consigo mesmo e, dessa
forma, a ação hermenêutica se torna baldia por falta de entendimento. Precisamente, por isso,
o intérprete deve se livrar dos próprios prejuízos negativos, a fim de que o texto surja em sua
outreidade. O contrário, o reforço dos prejuízos pela repetição obstinada, com excelência diz
H.G. Gadamer, é próprio do dogmatismo, que é conhecido sob o pretexto de conhecimento
sem pressupostos e de objetividade da ciência (jurídica), pela mera transferência do método de
outras ciências como, por exemplo, a física, principalmente, quando a ciência é invocada como
instância suprema de processos de decisão social. Nisso se encontra a tensão entre o objetivismo
ingênuo e o desconhecimento da verdade, i.e., dos interesses agregados ao conhecimento.
Particularmente, por isso, considera-se a tarefa hermenêutica suprema; por seu intermédio é
possível compreender, explicar e, por conseguinte, dissolver hábitos e prejuízos sociais arraigados
imperantes, sobretudo a influência desses na atuação dos profissionais da área jurídica, embora
seja uma tarefa difícil, porque colocar em dúvida o que é dogma provoca sempre a resistência de
todas as evidências práticas” (SILVA, Kelly Susane Alflen da. Hermenêutica Jurídica e Concretização
Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000. p. 269). Ver, também: CUNHA, José
Ricardo. Fundamentos Axiológicos da Hermenêutica Jurídica. In: BOUCAULT, Carlos E. de Abreu;
RODRIGUEZ, José Rodrigo. Hermenêutica Plural. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 321.
221 Verdade e Método I: Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 473.

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abrindo-se para o mesmo mediante o procedimento de perguntas e respostas222.


Forma-se então o círculo da compreensão.
Com efeito, as opiniões prévias do intérprete permitem que ele interpele
o texto, abrindo-se para o mesmo. Com a compreensão as opiniões prévias são
substituídas por novas opiniões e assim por diante, em um constante “projetar
de novo”223. Essa questão foi bem posta por Josef Bleicher, que ao analisar a
hermenêutica filosófica gadameriana assim se manifesta:
A principal tarefa do intérprete é descobrir a pergunta a que o texto
vem dar resposta; compreender um texto é compreender a pergunta.
Simultaneamente, um texto só se torna um objeto da interpretação
se confrontar o intérprete com uma pergunta. Nesta lógica de
pergunta e resposta, um texto acaba por ser um acontecimento ao
ser atualizado na compreensão, que representa uma possibilidade
histórica. Consequentemente, o horizonte do sentido é limitado e a
abertura, tanto do texto como do intérprete, constitui um elemento
estrutural da fusão dos horizontes. Nesta concepção dialógica, os
conceitos usados pelo Outro, seja um texto, seja um tu, ganham nova
força, por se inserirem na compreensão do intérprete. Ao entendermos
a pergunta colocada pelo texto, fizemos já perguntas a nós próprios
e, por conseguinte, abrimo-nos a novas possibilidades de sentido.224

222 Cf. GADAMER, Hans-Georg. La hermenêutica y la escuela de Dilthey. In: El Giro Hermenéutico.
Tradução Arturo Parada. Madrid: Ediciones Cátedra, 1995. p. 146.
223 Segundo Gadamer: “[...] o processo descrito por Heidegger de que cada revisão do projeto
prévio pode lançar um outro projeto de sentido; que projetos conflitantes podem posicionar-se
lado a lado na elaboração, até que se confirme de modo mais unívoco a unicidade de sentido;
que a interpretação começa com conceitos prévios substituídos depois por conceitos mais
adequados. Em suma, esse constante projetar de novo é o que perfaz o movimento semântico
de compreender e de interpretar. Quem procura compreender está sujeito a errar por causa
das opiniões prévias, que não se confirmam nas coisas elas mesmas. Dessa forma, a constante
tarefa do compreender consiste em elaborar projetos corretos, adequados às coisas, isto é,
ousar hipóteses que só devem ser confirmadas ‘nas coisas elas mesmas’. Aqui não há outra
‘objetividade’ além da elaboração da opinião prévia a ser confirmada. Faz sentido afirmar que
o intérprete não vai diretamente ao ‘texto’, a partir da opinião prévia pronta e instalada nele. Ao
contrário, põe à prova, de maneira expressa, a opinião prévia instalada nele a fim de comprovar
sua legitimidade, o que significa, sua origem e sua validade” (GADAMER, Hans-Georg. Sobre
o Círculo da Compreensão. In: Verdade e Método II. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 75). Esse
aspecto circular da compreensão é ressaltado por Gregorio Robles: “[...] a interpretação ‘projeta’,
já que em todo momento começa com um ‘projeto de compreensão’ (pré-compreensão) que irá
verificar-se e contrastar-se com a experiência. Este contraste mostrará a insuficiência do projeto
emitido e a necessidade de substituí-lo por outro. Neste ir e vir da compreensão, para utilizar a
expressão de Engisch, radica o chamado círculo hermenêutico” (ROBLES, Gregorio. Introducción
a la Teoria del Derecho. 9. ed. Barcelona: Debate, 2003. p. 192).
224 BLEICHER, Josef. Hermenêutica Contemporânea. Tradução Maria Georgina Segurado. Lisboa:
Edições 70, [s/d]. p. 161.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 109

Ponto importante da hermenêutica filosófica de Gadamer reside no


reconhecimento de que o homem somente recebe o mundo por intermédio da
linguagem225. Em suas palavras, a linguagem é “o centro do ser humano, quando
considerada no âmbito que só ela consegue preencher: o âmbito da convivência
humana, o âmbito do entendimento, do consenso crescente, tão indispensável
à vida humana como o ar que respiramos”226.
Ora, se experimentamos o mundo por intermédio da linguagem, deve-se
concluir que o homem é um ser hermenêutico, ou seja, um ser que tem acesso ao
mundo através da interpretação, de forma que é possível afirmar que estamos
a todo tempo interpretando227. É assim que, nas palavras de Gadamer, “todo
compreender é interpretar e todo interpretar se desenvolve no medium de uma
linguagem que pretende deixar falar o objeto, sendo, ao mesmo tempo, a própria
linguagem do intérprete”228.
O reconhecimento de que recebemos o mundo pela linguagem e que o
tomamos por meio da interpretação torna inviável a ideia de uniformidade
interpretativa, já que cada intérprete participa do processo hermenêutico
munido de seus pré-conceitos, de modo que sua abertura ao texto se fará a partir
de um determinado referencial de razões prévias, as quais pautarão às perguntas
apresentadas e a formação do círculo da compreensão. Torna-se inevitável, então,
reconhecer o caráter criativo do fenômeno hermenêutico229.

225 Cf. PALMER, Richard, Hermeneutics, 1969, p. 205.


226 GADAMER, Hans-Georg. Homem e Linguagem. In: Verdade e Método II. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 2004. p. 182. Ver, também: GADAMER, Hans-Georg. La Diversidade de las Lenguas y la
Comprensión del Mundo. In: Arte y Verdad de la Palabra. Tradução José Francisco Zuñiga García.
Barcelona: Paidós, 1998. p. 119. Sobre essa questão, nos diz Luiz Rohden que “com e pela linguagem,
marca da finitude humana, a realidade constitui-se mediada lingüisticamente, e desse modo
também a ‘força de nossa reflexão é sempre uma força limitada pelo acontecer da lingüisticidade’ que se
compreende como ‘condição e possibilidade de toda compreensão, a condição de possibilidade
de que todo horizonte de sentido seja determinado por sua vinculação ao acontecer da experiência
humana finita’. Do ponto de vista da hermenêutica filosófica, a linguagem não é apenas condição
de possibilidade, mas ela mesma é constituinte e constituidora do filosofar” (ROHDEN, Luiz.
Hermenêutica Filosófica. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2002. p. 227).
227 Como leciona Lenio Streck: “Dizendo de outro modo: estamos mergulhados em um mundo que
somente aparece (como mundo) na e pela linguagem. Algo só é algo se podemos dizer que é algo.
Esse poder-dizer é lingüisticamente mediato, porque nossa capacidade de agir e de dizer-o-mundo
é limitado e capitaneado pela linguagem. Como diz Heidegger, todo o processo de compreensão
do ser é limitado por uma história do ser que limita a compreensão. Gadamer, assim, eleva a
linguagem ao mais alto patamar, em uma ontologia hermenêutica, entendendo, a partir disto, que é
a linguagem que determina a compreensão e o próprio objeto hermenêutico. O existir já é um ato de
compreender e um interpretar” (Hermenêutica Jurídica (em) Crise, 2003, p. 200).
228 Verdade e Método I: Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 503.
229 Ver: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica (em) Crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003. p. 203.

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Em resumo, pode-se afirmar que a hermenêutica é o próprio modo de


o homem se relacionar com o mundo, de se apropriar do mundo, e não um
instrumento de que se pode valer para interpretar certos textos ou fatos,
mediante a aplicação de um método. Nas palavras de Richard Palmer, na
conclusão de sua análise sobre a teoria de Gadamer, “as chaves para compreen-
são não são manipulação e controle, mas participação e abertura, não é
conhecimento, mas experiência, não é metodologia, mas dialética. Para ele
[Gadamer], o propósito da hermenêutica não é estabelecer regras para uma
compreensão objetivamente válida, mas conceber compreensão em si tão
abrangente quanto possível”230.

2.4.3. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO


Uma das consequências do objetivismo metodológico antes descrito é a
separação dos momentos de interpretação e aplicação das normas jurídicas.
Com efeito, sob os influxos dessa linha de pensamento tem-se uma separação
bem definida entre o intérprete, o objeto da interpretação e a questão que se
pretende solucionar.
Nesse cenário, o processo hermenêutico se daria em duas etapas distintas:
em primeiro lugar, o intérprete desvelaria o sentido do texto legal para, então,
aplicar a norma jurídica descoberta a uma determinada situação fática. É
nesse sentido que se distinguem os momentos de interpretação e aplicação
das normas jurídicas231.
Gadamer irá alocar todos os “momentos” da relação intérprete-objeto no
âmbito da hermenêutica. Assim, a subtilitas intelligendi (o poder de compreender),

230 PALMER, Richard, Hermeneutics, 1969, p. 215.


231 Essa distinção entre interpretação e aplicação ainda encontra-se presente na doutrina. Nesse
sentido, ver: MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 1999, pp. 6-8; FRANÇA,
Limongi. Hermenêutica Jurídica. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 35 e 36; PEREIRA, Caio Mário
da Silva. Instituições de Direito Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. v. I. p. 134; FERRARA,
Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1987. p. 185;
ASCENSÃO, José de Oliveira. Introdução à Ciência do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 591; MÁYNEZ, Eduardo García. Introducción al Estudio del Derecho, 2002, p. 319; COING,
Helmut, Elementos Fundamentais da Filosofia do Direito, 2002, p. 340 e 341; DINIZ, Maria Helena,
Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 1993, p. 374; LOPES, Miguel Maria de Serpa, 1989,
p. 111; RODRIGUES, Silvio, Direito Civil, 1989, pp. 24; PECES-BARBA, Gregório; FERNÁNDEZ,
Eusébio; ASÍS, Rafael. Curso de Teoría del Derecho. 2. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 232;
AMATUCCI, Andrea. La Interpretación de la Ley Tributaria. In: AMATUCCI, Andrea (Org.). Tratado
de Derecho Tributario. Bogotá: Themis, 2001. pp. 579-580; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
de Direito Tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 88-90.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 111

a subtilitas explicandi (o poder de interpretar) e a subtilitas applicandi (o poder


de aplicar) estão todas contidas no fenômeno hermenêutico232.
Nas palavras do mestre alemão, “‘aplicar’ não é ajustar uma generalidade já
dada antecipadamente para desembaraçar em seguida os fios de uma situação
particular. Diante de um texto, por exemplo, o intérprete não procura aplicar um
critério geral a um caso particular: ele se interessa, ao contrário, pelo significado
fundamentalmente original do escrito de que se ocupa”233.
A inclusão da aplicação no processo hermenêutico é uma consequência
do abandono do objetivismo metodológico, já que a situação de fato que se põe
ao intérprete será interpretada juntamente com o texto objeto da interpretação,
implicando-se mutuamente e inserindo-se no âmbito da tradição (pré-
-compreensão) do intérprete.
Como salienta Josef Bleicher, “a ‘aplicação’, como articulação entre o
passado e o presente, surge como terceiro momento da unidade da compreensão,
da interpretação e da aplicação, que constituem o esforço hermenêutico: a
compreensão adequada de um texto, que corresponde às suas necessidades
e mensagem, muda com a situação concreta a partir da qual tem lugar; é já
sempre uma aplicação”234.
Esse aspecto da teoria de Hans-Georg Gadamer tem particular importância
no âmbito jurídico, na medida em que se reconhecem as implicações entre
norma e fato, não havendo que se falar em uma interpretação isolada dos textos
normativos, desconsiderando-se os fatos envolvidos em dado caso concreto235.
Como fala-nos Lenio Streck, aprendemos com Gadamer “que hermenêutica
não é método, é filosofia”. E prossegue: “Ora, se interpretar é aplicar, não há um

232 Cf. GADAMER, Hans-Georg, Gadamer in Conversation, 2001, p. 37; GADAMER, Hans-Georg,
Verdade e Método I: Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 407.
233 GADAMER, Hans-Georg, O problema da consciência histórica, 1998, p. 57. Ver também: GADAMER,
Hans-Georg. Hermenêutica clássica e hermenêutica filosófica. In: Verdade e Método II. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 2004. p. 131.
234 BLEICHER, Josef, Hermenêutica Contemporânea, [s/d], p. 170.
235 Nas palavras de Eros Grau: “Interpretação e aplicação não se realizam autonomamente. O
intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso dado; a
interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação. Assim,
existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos aqui diante de dois momentos
distintos, porém frente a uma só operação. Interpretação e aplicação consubstanciam um processo
unitário, se superpõem” (Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002, p. 76).
Ver também: STRECK, Lenio Luiz, O Efeito Vinculante das Súmulas e o Mito da Efetividade: Uma
Crítica Hermenêutica, 2005, p. 162; TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração
do Direito Tributário, 2006, p. 61.

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112 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

pensamento teórico que ‘flutua’ sobre os objetos do mundo, apto a dar sentido
ao ‘mundo sensível’. O sentido é algo que se dá; ele acontece”236.

2.5. A JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES E O PÓS-POSITIVISMO


Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o assombro quanto à impotência
do direito para evitar a solução final posta em curso pelo nacional-socialismo
alemão, voltaram-se os teóricos jurídicos para o desenvolvimento de uma teoria
que superasse o positivismo jurídico avalorativo, exatamente mediante a busca
de justificação da validade das normas em valores superiores ao direito positivo.
Nas palavras de Karl Larenz “o Direito é uma parte da cultura; a cultura
é uma realidade referida a valores; o Direito é, portanto, uma realidade
determinada, em sua peculiaridade, pela referência ao valor especificamente
jurídico, a justiça”237.
Representante dessa linha de pensamento foi o jusfilósofo alemão Gustav
Radbruch, para quem “o direito só pode ser compreendido dentro da atitude
que refere as realidades aos valores (wertbeziehend). O direito é um fato ou
fenômeno cultural, isto é, um fato referido a valores”238.
Em seus “Cinco Minutos de Filosofia”, Radbruch sustenta que a validade do
direito positivo não pode ser aferida tendo em vista apenas parâmetros formais.
Com efeito, para o jurista alemão “há também princípios fundamentais de
direito que são mais fortes do que todo e qualquer preceito jurídico positivo,

236 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 32.
237 LARENZ, Karl. La Filosofía Contemporánea del Derecho y del Estado. Tradução E. Galán Gutiérrez; A.
Truyol Serra. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1942. p. 98. A jurisprudência valorativa
de Larenz se reflete em sua definição de princípios jurídicos, constante na passagem a seguir: “Os
princípios jurídicos são os pensamentos diretores de uma regulação jurídica existente ou possível.
Em si mesmos, não são, todavia, regras suscetíveis de aplicação, mas podem transformar-se em
regras. Quando remetem a um conteúdo intelectivo que conduz a uma regulação, são princípios
‘materiais’, ainda que lhes falte, todavia, o caráter formal de proposições jurídicas, representando
a conexão entre um ‘pressuposto de fato’ e uma ‘consequência jurídica’. Os princípios indicam
apenas a direção na qual está situada a regra que deve ser encontrada. Podemos dizer que são
um primeiro passo para a obtenção da regra, que determina os passos posteriores. Como ao
estabelecer as regras de comportamento humano se escolhe entre diferentes possibilidades e,
para tanto, realiza-se uma valoração – este se estima mais do que outro –, os princípios contém
pré-decisões sobre os valores posteriores que se tem que encontrar e que se têm que manter
dentro do marco assinalado pela pré-decisão, que deve dar satisfação ao princípio” (LARENZ,
Karl. El Derecho Justo. Tradução Luis Díes-Picazo. Madrid: Civitas, 2001. pp. 32-33).
238 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 6. ed. Tradução L. Cabral de Moncada. Coimbra: Arménio
Amado, 1997. p. 45.

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de tal modo que toda a lei que os contrarie não poderá deixar de ser privada
de validade”239.
Uma teoria jurídica voltada à realização de valores implica uma reforma
na própria forma de legislar, uma vez que se faz necessária uma maior abertura
dos textos legais com a delegação de maior atribuição ao julgador para ponderar
os valores em jogo em cada caso concreto.
Torna-se então cada vez mais comum a utilização nos textos legais de
conceitos indeterminados e tipos, os quais impõem uma mudança na própria
forma mediante a qual os operadores jurídicos devem examinar o fenômeno
hermenêutico.
A jurisprudência dos valores, na medida em que impõe uma interpretação
jurídica que não se limita ao direito positivo, impõe a ponderação de valores
extralegais. Como destaca Karl Larenz, “a passagem a uma ‘jurisprudência
de valoração’ só cobra, porém, o seu pleno sentido quando conexionada na
maior parte dos autores com o reconhecimento de valores ou critérios de
valoração ‘supralegais’ ou ‘pré-positivos’ que subjazem às normas legais e para
cuja interpretação e complementação é legítimo lançar mão, pelo menos sob
determinadas condições”240. O sistema jurídico seria então, segundo Canaris,
uma ordenação axiológica241.
Questão relevante no campo da jurisprudência dos valores consiste na
fundamentação da decisão judicial. De fato, considerando que, como dito, as
valorações partem de aspectos não auferíveis pela lógica subsuntiva, impõe-se
então o desenvolvimento de novas fórmulas de justificação das decisões judiciais,
como a tópica e a teoria da argumentação.
Esta evolução da teoria jurídica desenboca no chamado pós-positivismo,
termo que não designa uma corrente uniforme de pensamento, referindo-se
às correntes jurídicas contemporâneas decorrentes da reaproximação entre
direito e valores242.

239 RADBRUCH, Gustav, Filosofia do Direito, 1997, p. 45.


240 LARENZ, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 167.
241 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.
2.ed. Tradução A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. pp. 66-67.
242 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: Valores e
Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 57; CALSAMIGLIA,
Albert. Postpositivismo. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, Alicante, n. 21, 1998, p. 209,
CAMARGO, Maria Margarida Lacombe. Eficácia Constitucional: Uma Questão Hermenêutica.
In: BOUCALT, Carlos E. de Abreu; RODRIGUEZ, José Rodrigo (Coords.). Hermenêutica Plural. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 377.

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Um dos marcos desse pensamento voltado a valores é a teoria da justiça


de John Rawls.
A teoria da justiça de John Rawls, cujo refinamento teórico impõe
redobrada cautela ao se expor seus fundamentos de forma concisa é, em linhas
gerais, uma tentativa de se estabelecer critérios para uma justiça pública, relativos
à estrutura básica da sociedade243, a qual somente pode ser aplicável a uma
sociedade bem ordenada244 (com regras institucionalizadas democraticamente).
Caracteriza-se por ser uma teoria contratualista, determinando que os princípios
fundamentais de justiça devem ser pactuados, em uma posição original de
igualdade, por pessoas racionais e razoáveis, as quais, protegidas por um véu de
ignorância, estariam aptas a estabelecer tais princípios de forma equitativa245.
Por seu turno, tais pessoas tenderiam a estabelecer, na posição original, dois
princípios distintos: um que garantisse as liberdades fundamentais a todos e
outro que previsse que as desigualdades entre os homens somente seriam justas
na medida em que beneficiassem os menos favorecidos, e que as oportunidades
sociais e econômicas deveriam ser isonomicamente acessíveis246.
A teoria de Rawls é basicamente uma teoria de justiça distributiva, a partir
da qual se busca estabelecer mecanismos para distribuir os bens coletivos de forma
isonômica entre todos, de forma que todos devem ter iguais oportunidades para
atingir as posições socialmente vantajosas, redistribuindo-se pela coletividade as
vantagens gozadas arbitrariamente por determinados sujeitos (dons naturais e
posições originárias de vantagem).
O ressurgimento das relações direito-moral-justiça, impulsionam, portanto,
a teoria jurídica do pós-positivismo, como apontam Luís Roberto Barroso e Ana
Paula de Barcellos247.

243 RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 2001. p. 6 e 7.
244 RAWLS, John, A Theory of Justice, 2001, pp. 397-405.
245 RAWLS, John, A Theory of Justice, 2001, pp. 102-160.
246 RAWLS, John, A Theory of Justice, 2001, p. 53.
247 Em textual: “A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram
caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função
social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário
difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos
da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada
sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação,
explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica
de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética”
(BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.).
A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 115

Nessa mesma linha de ideias, ressalta Maria Margarida Lacombe Camargo


que “o pós-positivismo, como movimento de reação ao modelo Kelseniano de
negação dos valores, abre-se a duas vertentes. Uma delas, que segue a linha de
Dworkin e Alexy, busca recuperar a força normativa dos princípios de direito,
com todo seu potencial valorativo. A outra procura, nos fundamentos que
sustentam as decisões judiciais, sua força lógico-legitimante, como faz Chaïm
Perelman, por exemplo”248.
Característica, portanto, do pós-positivismo é a valorização dos princípios
jurídicos, principalmente a partir dos aportes de Ronald Dworkin e Robert
Alexy e suas teorias para a distinção entre princípios e normas.
Para Ronald Dworkin, princípio é “um padrão que deve ser observado,
não porque irá alcançar ou assegurar uma situação econômica, política, ou social
supostamente desejada, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade,
ou alguma outra dimensão de moralidade”249.
Já segundo Robert Alexy, “o ponto decisivo para a distinção entre regras e
princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado
na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes.
Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados
pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau e que a medida devida
de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais mas também das
jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios
e regras opostas”250.
Partindo dessas e outras ideias, Humberto Ávila forjou sua definição
de princípios jurídicos, os quais seriam “normas imediatamente finalísticas,
primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de
parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre

Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 336). Nas palavras de Marcus Abraham: “O pós-positivismo
reintroduz no ordenamento jurídico positivo as idéias de justiça e legitimidade, através do
constitucionalismo moderno, com o retorno aos valores e com a reaproximação entre moral,
ética e o direito, materializados em princípios jurídicos abrigados na Constituição, que passam
a ter maior efetividade normativa, influenciando sobremaneira a teoria da interpretação do
direito e, inclusive, do direito tributário” (ABRAHAM, Marcus. O Planejamento Tributário e o
Direito Privado. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 96).
248 CAMARGO, Maria Margarida Lacombe, Hermenêutica Jurídica e Argumentação: Uma Contribuição
ao Estudo do Direito, 2001, p. 141.
249 DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1999. p. 22.
250 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução Ernesto Garzón Valdés. Madrid:
Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 86.

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o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida


como necessária à sua promoção”251.
Tendo os princípios jurídicos, positivados ou não, como diretrizes a serem
alcançadas pelo direito, busca-se superar as limitações do positivismo jurídico,
tão criticado por Dworkin252.
É pertinente aqui o comentário de Albert Calsamiglia, para quem o
“pós-positivismo põe atenção sobre a pergunta que se deve fazer ante a um
caso difícil. A resposta do positivismo era acudir ao legislador intersticial. Mas
quando o raciocínio judicial se efetua fora do domínio do direito encontramo-
nos em terra incógnita. Não deixa de ser curioso que quando mais necessitamos
orientação, a teoria positivista emudece”253.
Nada obstante, não se pode ter a ideia extremada de que o próprio
positivismo jurídico não pode lidar com os princípios. Nesse sentido é a lição
de Neil MacCormick, que vem trabalhando com os princípios jurídicos dentro
de uma perspectiva positivista.
Para MacCormick, “os princípios de um sistema jurídico são as normas
gerais conceitualizadas por meio das quais funcionários racionalizam as normas
que pertencem ao sistema em virtude de critérios observados internamente”254.
Segundo o professor catedrático da Universidade de Edimburgo, “o
princípio estabelece o limite dentro do qual são legítimas decisões judiciais
plenamente justificadas por argumentos consequencialistas. Sua existência
torna possível que um juiz chegue a uma decisão que, de outro modo, deveria
caber à legislatura”255.
Todavia, conforme mencionado anteriormente, a reaproximação entre
direito e os valores, com a superação da lógica subsuntiva, traz problemas
de justificação e legitimação da interpretação/aplicação do direito pelos
tribunais, que necessitam demonstrar as razões e motivos de suas valorações.
Sobre esta questão podemos destacar como contribuições importantes para a
nova forma de compreensão do direito tanto a tópica, ressurgida na pena de

251 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 70.
252 DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
253 CALSAMIGLIA, Albert, Postpositivismo, 1998, p. 212.
254 MacCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. Tradução Waldéa Barcellos. São
Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 201.
255 MacCORMICK, Neil, Argumentação Jurídica e Teoria do Direito, 2006, p. 209.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 117

Theodor Viehweg256, quando a teoria da argumentação jurídica, as quais serão


examinadas a seguir.

2.6. O PENSAMENTO POR PROBLEMAS: A TÓPICA DE


THEODOR VIEHWEG
O pensamento tópico, que remonta a Cícero e Aristóteles, ressurgiu da
década de 50 como uma alternativa ao formalismo jurídico e o raciocínio lógico-
-dedutivo, encontrando seu maior expoente na figura de Theodor Viehweg257.
Posta por terra a crença na possibilidade de se extrair comandos normativos
verdadeiros e desvinculados dos fatos em causa por intermédio da lógica
dedutiva, com o ressurgimento dos valores e dos princípios jurídicos, torna-se
necessária a discussão de uma forma de pensar o direito que dê conta não apenas
do texto normativo, mas de todos os elementos que influenciam a decisão do
órgão de aplicação do direito. Esse é, exatamente, o papel da tópica jurídica, a
qual é muito bem descrita por Antonio Manuel Hespanha:
A tópica é, como já se disse, o nome dado pela antiga teoria do discurso
à técnica de encontrar soluções no domínio dos saberes problemáticos,
ou seja, dos saberes em que não existem certezas evidentes, como o
direito, a moral, etc. Nestes casos, a legitimação da solução encontrada
não decorre tanto da validade das premissas em que esta se baseia como
no consenso que suscitou no auditório. Aplicada ao direito, esta ideia
vem a colocar o juiz (ou o jurista) na primeira linha da atividade de
achamento ou de declaração do direito, o qual, para decidir um caso
concreto, lança mão de argumentos (tópicos) disponíveis (princípios
doutrinais, precedentes, disposições legislativas), no sentido de ganhar
o assentimento (das partes, mas também do público em geral) para
a solução. Neste contexto, a lei é apenas um dos argumentos, cuja
eficácia argumentativa dependerá tanto da sua consonância com o

256 Conforme salienta Paulo Bonavides, “a tópica tem que ser compreendida portanto no quadro
das consequências advindas da reação ao positivismo jurídico clássico e no clima de inteira
descrença quanto a uma reestruturação jusnaturalista, como a que se intentou na Alemanha
no fim da década de 40, após as feridas abertas na consciência do Ocidente pela tragédia da
Segunda Grande Guerra Mundial” (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed.
São Paulo: Malheiros, 2003. p. 497). No mesmo sentido: BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de.
Tópica e argumentação jurídica. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 163, jul.-set. 2004,
pp. 154-155.
257 Ver: VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Tradução Tercio Sampaio Ferraz Jr. Brasília:
Departamento de Imprensa Nacional, 1979.

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sentido concreto de justiça vigente no auditório como do prestígio


de que a forma “lei” (e, em geral, a entidade “Estado”) aí goze. Para
além de constituir uma crítica ao legalismo, a tópica constitui também
uma crítica ao normativismo, ou seja, à ideia de que a norma geral e
abstrata está no princípio de um processo de subsunção que conduziria
ao achamento do direito. Pelo contrário, a tópica defende que é o caso,
com o seu caráter concreto e situado, que sugere os argumentos ou
pontos de vista relevantes, bem como que os permite hierarquizar.258
Como pontua José de Oliveira Ascenção a tópica procura chegar a “um
repertório de pontos de vista que darão a solução de casos concretos”259. Para
Chaïm Perelman “a importância dos lugares específicos do direito, isto é, dos
tópicos jurídicos, consiste em fornecer razões que permitem afastar soluções
não equitativas ou desarrazoadas, na medida em que estas negligenciam as
considerações que os lugares permitem sintetizar e integrar em uma visão global
do direito como ars aequi et boni”260. Segundo Viehweg:
A função dos topoi, tanto gerais como especiais, consiste em servir
a uma discussão de problemas. Segue-se daí que sua importância
tem que ser muito especial naqueles círculos de problema em cuja
natureza está não perder nunca o seu caráter problemático. Quando
se produzem mudanças de situações e em casos particulares, é preciso
encontrar novos dados para tentar resolver os problemas. Os topoi, que
intervêm com caráter auxiliar, recebem por sua vez sentido a partir do
problema. A ordenação com respeito ao problema é sempre essencial
para eles. À vista de cada problema aparecem como adequados ou
inadequados, conforme um entendimento que nunca é absolutamente

258 HESPANHA, António Manuel, Cultura Jurídica Européia: Síntese de um Milénio, 2003, pp.
338-339. Leciona Tercio Sampaio Ferraz Jr. que “quando se fala, hoje, em tópica pensa-se, como
já dissemos, numa técnica de pensamento que se orienta para problemas. Trata-se de um estilo
de pensar e não, propriamente, de um método. Ou seja, não é um conjunto de princípios de
avaliação da evidência nem de cânones para julgar a adequação de explicações propostas, nem
ainda critério para selecionar hipóteses. Em suma, não se trata de um procedimento verificável
rigorosamente. Ao contrário, é um modo de pensar, problemático, que nos permite abordar
problemas, deles partir e neles culminar. Assim, pensar topicamente significa manter princípios,
conceitos, postulados com caráter problemático visto que jamais perdem sua qualidade tentativa.
Veja, por analogia, o que acontece com a elaboração de um dicionário, em que muitos verbetes,
pela diversidade de acepções, exigem abordagens, que, partindo de distintos pontos de vista,
não fecham nem concluem, embora dêem a possibilidade de compreender a palavra em sua
amplitude (problemática)” (FERAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2001. pp. 323-324).
259 OLIVEIRA ASCENÇÃO, José de, Introdução à Ciência do Direito, 2005, p. 464.
260 PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica, 2000, p. 120.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 119

imutável. Devem ser entendidos de um modo funcional, como


possibilidades de orientação e como fios condutores do pensamento.261
Tal repertório de pontos de vista, de topoi, é sempre provisório e cambiante
em função do problema. Como destaca Viehweg, “a tópica não pode ser
entendida se não se admite a sugerida inclusão em uma ordem que está sempre
por ser determinada”262.
Portanto, pode-se caracterizar a tópica como uma forma de pensar em
função do problema263. Nas palavras de Viehweg, “o sistema tópico está em
permanente movimento. Suas formulações respectivas indicam meramente
os estágios progressivos da argumentação ao tratar de problemas particulares.
O sistema pode razoavelmente ser chamado um sistema aberto, já que sua
discussão, quer dizer, seu enfoque de um problema particular, está aberta a
novos pontos de vista”264.
Para um melhor entendimento da tópica é importante a caracterização
do problema. Segundo Viehweg:
Para nosso fim, pode chamar-se problema – esta definição basta – toda
questão que aparentemente permite mais de uma resposta e que requer
necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual
toma o aspecto de questão que há que levar a sério e para a qual há
que buscar uma resposta como solução. [...].265

261 VIEHWEG, Theodor, Tópica e Jurisprudência, 1979, p. 38.


262 VIEHWEG, Theodor, Tópica e Jurisprudência, 1979, p. 35. Sobre a necessidade de abertura e
flexibilidade dos topoi, vale a pena destacar outra passagem de Viehweg, onde afirma que
“os topoi e os catálogos de topoi oferecem um auxílio muito apreciável. Porém, o domínio
do problema exige flexibilidade e capacidade de alargamento” (VIEHWEG, Theodor, Tópica e
Jurisprudência, 1979, p. 41).
263 Nas palavras de Manuel Atienza, “a tópica é (de acordo com a distinção de Cícero aludida
anteriormente) uma ars inveniende, um procedimento de busca de premissas (de tópicos) que,
na realidade, não termina nunca: o repertório de tópicos sempre é necessariamente provisório,
elástico. Os tópicos devem ser entendidos de um modo funcional, como possibilidades de
orientação e como fios condutores do pensamento que só permitem alcançar conclusões curtas.
A isso se contrapõe a ars iudicandi, a lógica demonstrativa que recebe premissas e trabalha com
elas, o que permite a elaboração de longas cadeias dedutivas” (ATIENZA, Manuel. As Razões do
Direito: Teorias da Argumentação Jurídica. Tradução Maria Cristina Guimarães Cupertino. São
Paulo: Landy, 2002. p. 66). Ver também: MAIA, Antônio Cavalcanti. A importância da dimensão
argumentativa à compreensão da práxis contemporânea. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio
de Janeiro, v. 8, out.-dez. 2000, pp. 271-272; GARCÍA AMADO, Juan Antonio. Tópica, Derecho y
Método Jurídico. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, Alicante, n. 4, 1987, p. 162; BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. pp. 490-491.
264 VIEHWEG, Theodor. Algunas Consideraciones acerca del Razonamiento Jurídico. In: Tópica y
Filosofia del Derecho. Tradução Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 1997. p. 127.
265 VIEHWEG, Theodor, Tópica e Jurisprudência, 1979, p. 34.

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120 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Como bem notado por Paulo Roberto Soares de Mendonça, as soluções


dadas aos problemas podem ser agrupadas em catálogos de soluções, compondo
assim um sistema a partir do qual venham a ser solucionados os problemas no
futuro. O pensamento tópico funciona de forma inversa, questionando sempre
as premissas e extraindo novos pontos de vista a partir dos problemas266.
Nota-se, portanto, que, como salienta Thomas da Rosa de Bustamante,
“o papel central da tópica é encontrar as premissas que serão utilizadas no
raciocínio”267.
A tópica abre o pensamento jurídico para além do texto normativo, o
qual figura como mais um tópico a ser levando em consideração, o tópico de
partida, mas, como adverte Juan Antonio García Amado, “por sua generalidade,
a rigidez de sua forma e sua textura aberta, precisa ser concretizado mediante
outros tópicos que determinem seus sentidos possíveis e façam viável a discussão
tendente a obter o significado que melhor se adeque à realidade de cada caso
a resolver”268.
É de se assinalar, com Luiz Alberto Warat, que “a tópica não assegura
decisões certas e incontrovertíveis, mas dá soluções aceitáveis dentro do marco
da ideologia que adota. Admite a alterabilidade significativa da lei, que origina
a problemática interpretativa e decisória”269.
O próprio Viehweg alertava para o fato de que a tópica “não é um método,
mas sim um estilo. Ela tem, como qualquer outro estilo, muito de arbítrio
amorfo e muito pouco de demonstração”270.

266 MENDONÇA. Paulo Roberto Soares de. A Tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 100.
267 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de, Tópica e argumentação jurídica, 2004, p. 159.
268 GARCÍA AMADO, Juan Antonio, Tópica, Derecho y Método Jurídico, 1987, p. 174. Ver, ainda:
CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Colisões entre Princípios Constitucionais. Curitiba: Juruá: 2006.
p. 129.
269 WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994.
v. I. p. 88. Há que se concordar com as ponderações de Antonio Nedel, quando afirma que o
que “parece mais importante ressaltar no que concerne à tópica jurídica não são os topoi e o
fundamento metafísico que eles suscitam, mas, sim, o caráter dialético e as possibilidades crítico-
-criativas que a sua índole retórico argumentativa propicia, enquanto método de resolução dos
concretos problemas jurídicos, elevando, como o valor mais relevante do direito, a prospecção
dialógica que pode conduzir, no âmbito das controvérsias, sua elucidação racional-consensual”
(NEDEL, Antônio. Uma Tópica Jurídica: clareira para a emergência do direito. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2006. p. 222).
270 VIEHWEG, Theodor, Tópica e Jurisprudência, 1979, p. 71.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 121

2.7. A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO


As teorias de argumentação encontram-se inseridas nesse contexto de
questionamento da lógica formal como forma de realização concreta do direito,
aproveitando da tópica a inserção dos fatos (do problema) no processo de criação
jurídica. Conforme salienta Maria Margarida Lacombe Camargo:
Procuramos também destacar a dimensão concreta própria do pensar
jurídico, orientado que é para o problema que se pretende resolver.
Coube a Chaïm Perelman realizar a grande guinada na área da
metodologia jurídica, quando apontou para as dimensões retórica e
argumentativa que, na realidade, fazem o direito. O direito origina-
-se da prática; não se limita ao conteúdo do texto da lei: surge e é
orientado pelas teses construídas sob os parâmetros do fato e da lei,
num confronto de ideias que vêm legitimar cada decisão tomada de
per si. Ressaltamos, assim, algumas das contribuições mais significativas
para a reflexão jurídica contemporânea, avessa à adoção do raciocínio
lógico-linear para, em lugar desta, uma proposta mais voltada para a
intersubjetividade e para o desafio constante de lidar com situações que
requerem respostas convincentes e criativas.271
Uma das críticas voltadas contra a tópica jurídica consiste em não fornecer
a mesma um método para a utilização dos diversos tópicos jurídicos, sendo mais
uma forma de pensar do que uma metodologia que possa substituir a lógica
formal. Como vimos, o próprio Viehweg negava à tópica o caráter de método
jurídico272. As teorias de argumentação diferem da tópica por terem por fim a
apresentação de uma nova metodologia jurídica.
Essa é a posição de Manuel Atienza, que ao analisar a função prática da
argumentação jurídica afirma:
Por função prática ou técnica da argumentação jurídica, entendo
basicamente que esta deve ser capaz de oferecer uma orientação
útil nas tarefas de produzir, interpretar e aplicar o Direito. Para que
uma teoria da argumentação jurídica possa cumprir essa função de
caráter instrumental (dirigida tanto aos práticos do Direito como
aos cultivadores da dogmática jurídica) ela terá de poder oferecer um
método que permita reconstruir o processo real da argumentação,

271 CAMARGO, Maria Margarida Lacombe, Hermenêutica Jurídica e Argumentação: Uma Contribuição
ao Estudo do Direito, 2001, p. 262.
272 VIEHWEG, Theodor, Tópica e Jurisprudência, 1979, p. 71.

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122 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

além de uma série de critérios para fazer um julgamento sobre a


sua correção; como se acaba de indicar, essa é uma tarefa que, em
considerável medida, ainda está para ser cumprida.273
Entendo que a argumentação não pode ser vista como um método
jurídico a partir do qual seja possível atestar a correção das decisões jurídicas,
sendo, isso sim, uma forma de pensar o direito que leva à tomada de decisões
justificáveis, a qual é especialmente necessária nas situações em que o texto,
por si só, é vago e ambíguo274.
Nessa linha, Neil MacCormick sustenta que o dever judicial de fazer
justiça é o dever de proferir decisões que sejam fundamentadas em argumentos
satisfatórios275. O arbítrio judicial seria, portanto, “um arbítrio de proferir a
decisão que seja mais bem justificada”276.
Segundo Chaïm Perelman, “motivar uma sentença é justificá-la, não é
fundamentá-la de um modo impessoal e, por assim dizer, demonstrativo. É
persuadir um auditório, que se deve conhecer, de que a decisão é conforme às
suas exigências”277.
Já que busca a adesão dos destinatários da decisão à mesma, a argumentação
jurídica deve se dar no âmbito do diálogo, permitindo a participação
daqueles na formação desta. Sobre a adesão dos destinatários ao resultado da
interpretação salienta Perelman que “a interpretação da lei, para ser aplicada
a um caso específico, deve ser considerada uma hipótese, que só será adotada
definitivamente se a solução concreta em que redunda afigurar-se aceitável”278.

273 ATIENZA, Manuel, As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica, 2002, p. 333.
274 Conforme destaca Humberto Ávila, “[...] Uma teoria jurídica da argumentação não se confunde
com uma teoria racional da argumentação, que opta, entre os argumentos que podem ser
utilizados, pelo mais racional, plausível ou sustentável. Uma teoria jurídica da argumentação
procura fundamentar no próprio ordenamento jurídico a escolha entre os argumentos” (ÁVILA,
Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 203).
275 MacCORMICK, Neil, Argumentação Jurídica e Teoria do Direito, 2006, p. 326.
276 MacCORMICK, Neil, Argumentação Jurídica e Teoria do Direito, 2006, p. 327.
277 PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. Tradução Maria Emantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes,
2002. pp. 569-570.
278 PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica, 2000, p. 115. Em outra passagem, afirma Perelman que “em
nítida oposição aos métodos da lógica formal, vimos que toda argumentação deve partir de
teses que têm a adesão daqueles a que se quer persuadir ou convencer. Negligenciando esta
condição, o orador, aquele que apresenta uma argumentação, arrisca-se a cometer uma petição
de princípio” (PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica, 2000, p. 158). Ver: GARCÍA AMADO, Juan
Antonio, Tópica, Derecho y Método Jurídico, 1987, p. 174; CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva,
Colisões entre Princípios Constitucionais, 2006, p. 129; CRETTON, Ricardo Aziz. Os Princípios da
Proporcionalidade e da Razoabilidade e sua Aplicação no Direito Tributário. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2001. p. 38.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 123

É no âmbito da argumentação que serão ponderados os bens, interesses e


valores em jogo, de modo que somente em cada caso é que o texto normativo
concretizar-se-á em norma jurídica individual e concreta279.
Na medida em que a teoria do pós-positivismo tem trabalhado com a teoria
da argumentação e a justificação das decisões pelo juiz, verifica-se, como ressalta
Calsamiglia, a mudança do centro das atenções do Legislativo para o Judiciário280.
Aqui antecipa-se uma questão que se coloca quando se trata da
interpretação de tratados internacionais: como se daria a teoria da argumentação
nesta sede, onde, regra geral, carece-se de um órgão julgador com competência
supraestatal? Retomarei esta questão no capítulo seguinte.
Como mencionado, não há uma teoria da argumentação, mas teorias
de argumentação, podendo-se destacar, entre os autores que trabalham com a
argumentação jurídica, Robert Alexy281, Klaus Günther282, Chaïm Perelman283
e Stephen Toulmin284.

279 O debate quanto à ponderação foi introduzido no cenário jurídico nacional no âmbito da discussão
quanto à solução da colisão entre princípios, notadamente quando o intérprete está diante dos
chamados casos difíceis (Cf. SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 99). Como salienta Ana Paula de Barcellos, “de forma muito
geral, a ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para casos difíceis (do
inglês hard cases), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado”
(BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional.
In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos
Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2003. p. 55).Todavia,
como destaca a própria Ana Paula, “já é possível identificá-la [a ponderação] como uma técnica de
decisão jurídica autônoma que, aliás, vem sendo aplicada em diversos outros ambientes que não
o do conflito entre princípios” (BARCELLOS, Ana Paula de, Alguns Parâmetros Normativos para
a Ponderação Constitucional, 2003, p. 56). Nas palavras de Humberto Ávila, “a ponderação não
é método privativo de aplicação dos princípios. A ponderação ou balanceamento (weighing and
balancing Abwägung), enquanto sopesamento de razões e contra-razões que culmina com a decisão
de interpretação, também pode estar presente no caso de dispositivos hipoteticamente formulados,
cuja aplicação é preliminarmente havida como automática (no caso de regras, consoante o critério
aqui investigado), como se comprova mediante a análise de alguns exemplos” (ÁVILA, Humberto,
Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 2003, p. 44). Sobre a
ponderação como postulado hermenêutico, ver: BARROSO, Luís Roberto. O Começo da História.
Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In: BARROSO, Luís
Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações
Privadas. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2003. pp. 344-350; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, [s/d]. pp. 1161-1165; BARCELOS,
Ana Paula. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
280 Cf. CALSAMIGLIA, Albert, Postpositivismo, 1998, p. 215.
281 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação
Jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.
282 GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Traducão
Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004.
283 PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação. Tradução Maria
Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000;.
284 TOULMIN, Stephen. Os Usos do Argumento. Tradução Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.

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124 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

2.8. SÍNTESE CONCLUSIVA


Ao fim desta análise das principais influências teróricas da presente
pesquisa, chega-se à conclusão de que a hermenêutica contemporânea se
desprendeu das balizas impostas pelos formalismos jurídicos.
Mesmo positivistas como Herbert Hart acolhem a influência dos valores
sobre o direito, reconhecendo-se, portanto, o caráter axiológico do processo
hermenêutico.
Foi superado também o objetivismo metodológico de algumas correntes
formalistas, que pretendiam que o intérprete encontrasse no texto legal
uma única norma verdadeira que seria alcançada pela aplicação dos métodos
interpretativos, normalmente derivações dos elementos da interpretação
apresentados por Savigny.
Com efeito, a partir dos aportes de Hans-Georg Gadamer é possível
sustentar que o processo hermenêutico se dá no horizonte cultural e histórico
do intérprete, de forma que não se pode segregar este do texto interpretado e
do objeto sobre o qual se “aplicaria” o direito, como se as normas fossem uma
massa de concreto trabalhada pelo intérprete e aplicada sobre os tijolos na
construção de uma decisão.
Essa nova colocação da questão tornou relevante a situação do intérprete,
passando a ter destaque o exame da sua pré-compreensão, a partir de sua inserção
em uma cultura que afeta sua vida hermenêutica285.
Por outro lado, a inevitável abertura da linguagem286, que torna letra
morta o objetivismo metodológico antes pretendido, aliado à transferência do
problema hermenêutico para o intérprete, o qual se encontra inserido numa

285 Segundo Wilson Engelmann: “A pré-compreensão é a responsável pela antecipação do sentido


das coisas que nos circundam no mundo. Entre a compreensão, como parte integrante do
processo de interpretação, e a pré-compreensão estabelece-se a configuração de um círculo.
Dito de outro modo, sempre existe um procedimento prévio já conhecido que se projeta sobre
a compreensão e vice-versa. [...]” (ENGELMANN, Wilson. Direito Natural, Ética e Hermenêutica.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 221.
286 Ver: CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre Derecho y Lenguage. 4. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1994. p. 31; ALCHOURRÓN, Carlos R.; BULYGIN, Eugenio. Introducción a la Metodología de las
Ciencias Jurídicas y Sociales. Buenos Aires: Editorial Astrea, 2002. pp. 62-65; HART, H. L. A.,The
Concept of Law, 1997, p. 129; STRUCHINER, Noel, Direito e Linguagem: Uma Análise da Textura
Aberta da Linguagem e sua Aplicação ao Direito, 2002, p. 68; ROSS, Alf, Direito e Justiça, 2000, p.
167 ANDRADE, José Maria Arruda de, Interpretação da Norma Tributária, 2006, pp. 81-90; BASTOS,
Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor,
1999. pp. 28-29; GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária. São
Paulo: Dialética, 1998. p. 159.

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determinada cultura287, que afeta a sua pré-compreensão, e à prevalência dos


valores, torna certamente possível que de um mesmo texto legal sejam extraídas
normas jurídicas igualmente válidas, mas de distinto conteúdo288.
Conforme salienta Ricardo Guastini, “muitas disposições – talvez todas
as disposições – têm um conteúdo de significado complexo: exprimem não
apenas uma única norma, mas sim uma multiplicidade de normas associadas”289.
Trata-se aqui da discussão quanto à possibilidade de uma única resposta
correta como resultado do processo de interpretação.
Embora importantes vozes, como a de Ronald Dworkin e290, no Brasil,

287 Nas palavras de Rogério Gesta Leal, há que se ter em conta que “quem dá efetividade à interpretação
é um ser racional e também histórico, que fala, se comunica dentro da história e de uma história
determinada, de uma cultura determinada, de um contexto determinado. Desta forma, o processo
de constituição do significado do texto está profundamente marcado pelos elementos discursivos
e categoriais erigidos pelo tempo daquela história” (LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas
dos Direitos Fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 133).
288 É pertinente aqui a seguinte passagem de Joseph Raz: “A saída para esse impasse, a forma de
reconciliar a existência de uma multiplicidade de interpretações que competem entre si com
a objetividade, dirige-se à idéia que freqüentemente é posta metaforicamente dizendo que ‘o
significado do objeto não está no objeto’. A útil sugestão da metáfora é esta: se a interpretação
depende de algo fora de seu objeto, então, possivelmente, há uma pluralidade de tais objetos
adicionais, os quais dão conta da pluralidade de boas interpretações. O subjetivismo com sua
pretensão de que qualquer interpretação se sustenta é, sem embargo, uma forma extremada de
se entender a metáfora. De acordo com ela, a maneira que qualquer intérprete mira o objeto de
interpretação, em qualquer tempo, como se expressa na interpretação, determina seu significado.
Este é o porque todas as interpretações são igualmente boas quando são boas. Mas a metáfora
mesma permite explicações mais sensatas que identificam outros fatores como os que determinam,
em parte, os significados dos objetos, desta maneira determinam suas interpretações apropriadas”
(RAZ, Joseph. ¿Por Qué Interpretar? Isonomía, México, n. 5, Out.-1996, pp. 29-30).
289 GUASTINI, Ricardo. Das Fontes às Normas. Tradução Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
p. 35. Ver, também: GUASTINI, Ricardo. Teoria e Dogmatica delle Fonti. Milano: Giuffrè, 1998. p.
17; GRAU, Eros Roberto, Ensaio sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002, p. 30; GRAU,
Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 153.
290 DWORKIN, Ronald, Taking Rights Seriously, 1999, pp. 279-290. Comentando a teoria de Dworkin,
diz Wayne Morrison: “Talvez a mais controvertida das idéias associadas à obra inicial de Dworkin
esteja em sua afirmação de que a prática jurídica envolve, necessariamente, a aceitação da idéia de
haver sempre uma resposta certa aos dilemas jurídicos e morais. Dworkin apresenta duas maneiras
de se chegar a essa conclusão: (i) uma envolve a afirmação relativamente fraca de que, como a
natureza do direito implica o envolvimento em litígios e sua solução, faz parte do raciocínio prático
do direito o fato de que a resposta a um litígio deve ser clara – se disséssemos o tempo todo ‘está
empatado’, a natureza prática das soluções jurídicas não teria sentido algum.; (ii) a outra consiste
em procurar os pressupostos racionais envolvidos no próprio processo e nas próprias práticas de
argumentação jurídica e política. Dworkin quer que consideremos em profundidade o que os
advogados estão realmente fazendo em termos de prática nos casos difíceis, e nos pede para usar
seu próprio discurso como ponto de partida. O direito parece incerto; não parece haver nenhuma
resposta jurídica óbvia. Qual é, porém, a racionalidade dos diferentes aspectos das práticas sociais
em questão? Vejamos um caso comum. As partes instruíram os advogados e talvez, depois de várias
trocas de cartas, alegações e alegações em contrário, os dois lados decidem resolver a questão em
juízo. Se os dois conjuntos de advogados estiverem agindo como agentes jurídicos sérios (isto é, se
não estiverem às voltas com atos desnecessários), ambas as partes acreditam que estão certas em
sua interpretação e sua crença de que o direito está do seu lado. Na verdade, ambas acreditam que
há uma resposta a ser encontrada, e que se trata de uma resposta jurídica. Por que ir ao tribunal se

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126 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Lenio Streck291, sustentem a possibilidade de se ter uma única resposta correta


como resultado do processo hermenêutico, tal não parece refletir a natureza
das normas jurídicas292.
De fato, como destaca Neil MacCormick, mesmo que haja uma só resposta
correta na interpretação das normas, o problema é que não há como identificar
se a decisão alcançada em um determinado caso reflete esta única resposta293.
Cabe inteira razão a Marco Aurélio Greco quando este afirma que “o
intérprete tem um dever de fidelidade ao texto, mas isto não significa que
o resultado da interpretação seja algo meramente matemático ou lógico
dedutivo”294.
Não há se negar, portanto, que dentro dos lindes linguísticos do texto
normativo exerce o intérprete uma função criativa, consistente em determinar
qual dos sentidos possíveis do texto comporá a norma individual e concreta295.

você não acredita que seu lado é o certo? Isto é, que seus argumentos podem convencer o juiz
a decidir que o direito é aquilo que você reivindica?” (MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito:
Dos Gregos ao Pós-modernismo. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
2006. pp. 505-506).
291 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. pp. 183-195.
292 Nesse mesmo sentido, negando a possibilidade de se alcançar uma única resposta correta
ao cabo da interpretação jurídica, ver: AARNIO, Aulis. Sobre la Ambigüedad Semántica en la
Interpretación Jurídica. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, Alicante, n. 4, 1987, pp. 109-117;
AARNIO, Aulis. La Tesis de la Única Respuesta Correcta y el Principio Regulativo del Razonamiento
Jurídico. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, Alicante, n. 8, 1990, pp. 23-38; BARRAGÁN,
Julia. La Respuesta Correcta Única y la Justificación de la Decisión Jurídica. Doxa. Cuadernos de
Filosofía del Derecho, Alicante, n. 8, 1990, pp. 64-74; FARALLI, Carla. A Filosofia Contemporânea
do Direito: Temas e Desafios. Tradução Candice Premaor Gullo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
pp. 46-47; KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, p. 100-102; FREITAS, Juarez. A Melhor
Interpretação Constitucional versus a Única Resposta Correta. Revista Latino-Americana de Estudos
Constitucionais, Belo Horizonte, n. 2, jul.-dez. 2003, p. 313.
293 MacCORMICK, Neil, Argumentação Jurídica e Teoria do Direito, 2006, p. 321. Ver também: GRAU,
Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002, pp. 100-102.
294 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal. São Paulo: Dialética, 2004. p. 377.
295 Leciona Paulo de Barros Carvalho: “A missão do exegeta dos textos jurídico-positivos, ainda que possa
parecer facilitada pela eventual coincidência da mensagem prescritiva com a seqüência das fórmulas
gráficas utilizadas pelo legislador (no direito escrito), oferece ingentes dificuldades, se a proposta for a
de um exame mais sério e atilado. E, sendo o direito um objeto da cultura, invariavelmente penetrado
por valores, teremos, de um lado, as estimativas, sempre cambiantes em função da ideologia de
quem interpreta; de outro, os intrincados problemas que cercam a metalinguagem, também inçada
de dúvidas sintáticas e de problemas de ordem semântica e pragmática.
Tudo isso, porém, não nos impede de declarar que conhecer o direito é, em última análise,
compreendê-lo, interpretá-lo, construindo o conteúdo, sentido e alcance da comunicação
legislada. Tal empresa, que nada tem de singela, como vimos, requer o envolvimento do exegeta
com as proporções inteiras do todo sistemático, incursionando pelos escalões mais altos e de
lá regressando com os vetores axiológicos ditados por juízos que chamamos de princípios”
(CARVALHO, Paulo de Barros. Proposta de Modelo Interpretativo para o Direito Tributário. Revista
de Direito Tributário, São Paulo, n. 70, 1995, pp. 41-42). Para Eros Roberto Grau, “em síntese: a
interpretação do direito tem caráter constitutivo – não, pois, meramente declaratório – e consiste

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O reconhecimento de que a interpretação compreende uma função


criativa296 não significa que o intérprete crie a norma do nada, ex nihilo. Como
afirma Eros Roberto Grau, “o produto da interpretação é a norma expressada
como tal. Mas ela (a norma) parcialmente preexiste, potencialmente, no
invólucro do texto, invólucro do enunciado”297.
Portanto, o intérprete cria, mas não cria do nada nem tampouco tal tarefa
deixa de ser pautada por limites constantes no próprio texto interpretado, nos
valores e interesses em jogo, os quais afastam qualquer decisionismo.

na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um determinado
caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para a solução desse caso, mediante a definição de
uma norma de decisão. Interpretar/aplicar é da concreção [=concretizar] ao direito. Neste sentido,
a interpretação/aplicação opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o
caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua
inserção na vida. A interpretação/aplicação vai do universal ao particular, do transcendente ao
contingente; opera a inserção das leis [=do direito] no mundo do ser [=mundo da vida]. Como ela
se dá no quadro de uma situação determinada, expõe o enunciado semântico do texto no contexto
histórico presente, não no contexto da redação do texto. Interpretar o direito é caminhar de um
ponto a outro, do universal ao particular, conferindo a carga de contingencialidade que faltava
para tornar plenamente contingencial o particular” (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na
Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 163).
296 É pertinente transcrever a lição de Luís Roberto Barroso que, embora voltada para a interpretação
constitucional, a este campo não se restringe: “A moderna interpretação constitucional diferencia-
-se da tradicional em razão de alguns fatores: a norma, como relato puramente abstrato, já não
desfruta de primazia; o problema, a questão tópica a ser resolvida passa a fornecer elementos
para a sua solução; o papel do intérprete deixa de ser de pura aplicação da normas preexistente e
passa a incluir uma parcela de criação do Direito do caso concreto. E, como técnica de raciocínio
e de decisão, a ponderação passa a conviver com a subsunção. Para que se legitimem suas
escolhas, o intérprete terá de servir-se dos elementos da teoria da argumentação, para convencer
os destinatários do seu trabalho de que produziu a solução constitucionalmente adequada para
a questão que lhe foi submetida. [...]” (BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de
Expressão e Direitos da Personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucional
adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella
Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Orgs.). Os Princípios da Constituição de 1988. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006. pp. 258-259). Sobre a função criativa da interpretação, ver: RECASÉNS
SICHES, Luis. Nueva Filosofia de la Interpretacion del Derecho. México: Editorial Porrua, 1980. pp.
211-213; COSSIO, Carlos. El Derecho em el Derecho Judicial. Las Lagunas del Derecho. La Valoración
Judicial. Buenos Aires: Librería El Foro, 2002. pp. 121-122; TORRES, Ricardo Lobo, Normas de
Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, p. 45; LATORRE, Angel, Introdução ao Direito,
2002, p. 109-111; GRAU, Eros Roberto, Ensaio sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002,
pp. 73-75; STRECK, Lenio Luiz, Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica
da constituição do direito, 2003, pp. 91-92; SCHROTH, Ulrich. Hermenêutica Filosófica e
Jurídica. In: KAUFMANN, A.; HASSMER, N. (Orgs.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do
Direito Contemporâneas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. pp. 383-384; GADAMER,
Hans-Georg, Verdade e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003, pp.
432-433; LARENZ, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, pp. 283-284; ROSS, Alf, Direito e
Justiça, 2000, p. 139; RADBRUCH, Gustav, Filosofia do Direito, 1997, pp. 230-231; TÔRRES, Heleno
Taveira. Interpretação e Integração das Normas Tributárias – Reflexões e Críticas. In: TÔRRES,
Heleno Taveira (Coord.). Tratado de Direito Constitucional Tributário: Estudos em Homenagem a
Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 112; CARDOZO, Benjamin N. The Nature
of the Judicial Process. New Haven: Yale University Press, 1991. pp. 112-115; ABRAHAM, Marcus, O
Planejamento Tributário e o Direito Privado, 2007, pp. 118-119.
297 GRAU, Eros Roberto, Ensaio sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002, p. 72-73.

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128 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A abertura da linguagem implica a necessidade de superação da lógica


binária que tomou conta do processo de subsunção298.
Como salienta Marco Aurélio Greco, a lógica difusa (lógica fuzzy) seria
a mais adequada para tratar com a indeterminação da linguagem, posição que
já há algum tempo era defendida por Arthur Kaufmann299.
Ao descrever o funcionamento da lógica fuzzy, Susan Haack explica que
o mesmo se dá aplicando-se variáveis fuzzy a conceitos não fuzzy300.
Tomando por exemplo o significante verdade, partindo da lógica clássica
bivalente trabalharíamos com as noções de verdadeiro/falso. Já a lógica fuzzy
trabalha com as noções de muito falso, pouco falso, falso, pouco verdadeiro,
muito verdadeiro, etc.301. Tal é exatamente a realidade da interpretação jurídica,
onde, como destaca Arthur Kaufmann, “não há uma única solução correta, mas

298 Marco Aurélio Greco destaca a dificuldade de interpretar o direito com base no instrumental
da lógica binária, em longa passagem a seguir transcrita: “Esta dificuldade enfrentada pela
doutrina tem sua origem na premissa de que seria possível reconduzir roda realidade sempre
a duas categorias opostas e, por consequência, a interpretação deveria orientar-se no sentido
de identificar a qual delas pertenceria o objeto. Esta idéia de interpretar a realidade, inclusive
jurídica, a partir de categorias opostas (lícito/ilícito; direito interno/internacional; vigência/
não-vigência; tributo/não-tributo, etc.) retrata um modelo de compreensão do mundo
apoiado numa lógica bivalente que, em última análise, encontra sua origem no princípio
da não-contradição formulado por Aristóteles. Admitida a idéia de uma lógica bivalente é,
então, possível criar uma tabela de verdade das afirmações feitas sobre a realidade. De fato,
se algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo, determinada conduta, se for lícita, não será
ao mesmo tempo ilícita, e assim por diante.
Ocorre que esta visão bivalente está passando por uma profunda revisão. Todo modelo teórico de
compreensão da realidade implica uma simplificação do objeto para fins de permitir seu exame, a
partir de elementos que constituiriam seu núcleo essencial. Esta lógica bivalente (sim/não; certo/
errado; 0/1 etc.) está se demonstrando insuficiente ou inadequada para explicar a realidade por
corresponder a uma simplificação exagerada de um mundo complexo (simplificação, portanto,
irreal).
Aliás, inúmeras são as dificuldades que uma lógica bivalente traz ao intérprete do ordenamento
jurídico positivo (ou seu aplicador) que pretenda utilizá-la rigorosa e cegamente diante de
uma situação concreta. Basta lembrar que, se a experiência jurídica se resumisse a uma lógica
formal redutível a padrões absolutos de verdade, não existiria uma quantidade tão elevada de
divergências e litígios.
Atualmente, estão em andamento vários estudos teóricos que partem de uma lógica não-
-bivalente e que se reúnem no conjunto que se convencionou denominar de “lógicas deviantes”
a que pertence o sistema de lógica fuzzy, particularmente adequado para explicar a experiência
jurídica, pois ela parte da idéia da imprecisão da linguagem e de que – por isso – os conceitos
sempre apresentam certa margem de vaguedade” (GRECO, Marco Aurélio. Planejamento
Tributário. São Paulo: Dialética, 2004. pp. 374-375).
299 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho. Tradução Luis Villar Borda. Bogotá: Universidad
Externado de Colombia, 1999. p. 82.
300 HAACK, Susan. Deviant Logic. Fuzzy Logic. Chicago: The University of Chicago Press, 1996. p. 234.
301 Cf. HAACK, Susan. Filosofia das Lógicas. Tradução Cezar Augusto Mortari; Luiz Henrique de Araújo
Dutra. São Paulo: Editora UNESP, 2002. pp. 222-223.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 129

muitas soluções ‘corretas’, isto é, soluções ‘defensáveis’, plausíveis, suscetíveis


de consenso”302.
Em um cenário como o descrito acima, temos que o relevante é a
justificação, é que a decisão alcançada possa ser justificada de forma a ser aceita
como a decisão do caso em disputa, sem que se afirme, com isso, que a decisão
correta foi proferida.
São interessantes aqui as colocações de Dworkin sobre a justificação,
quando este afirma que a mesma tem duas dimensões: uma primeira, segundo
a qual uma justificação deve ao menos de modo geral servir para suportar o que
se pretende justificar. A título de exemplo, ensina Dworkin que atualmente uma
justificação de caráter teológico não seria bastante para sustentar uma decisão.
A segunda dimensão implica que a justificação deve se sustentar sobre algum
valor suficientemente importante que a decisão venha proteger303.
Cresce, nesta assentada, a importância dos valores e dos princípios, os
quais aparecem como instrumentos de justificação de decisões, até mesmo
para que em um determinado caso concreto opte-se pela interpretação menos
óbvia de acordo com a literalidade de um texto em detrimento da interpretação
literal mais óbvia.
A atividade hermenêutica, portanto, se desenvolve nos marcos do pluralismo
metodológico304, não havendo fórmulas que garantam a correção na interpretação
de textos normativos305. Nessa perspectiva, os elementos de interpretação
devem ser vistos como pontos de partida, tópicos a serem utilizados no processo
hermenêutico306.
Ora, vê-se que o problema hermenêutico atual, como pontuado acima, é
de argumentação, participação e justificação. Diante da pluralidade de decisões
possíveis, a legitimidade da norma individual e concreta criada diante de dado
caso dependerá exatamente do seu processo de criação.

302 KAUFMANN, Arthur, Filosofía del Derecho, 1999, p. 82.


303 DWORKIN, Ronald. Justice in Robes. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 15.
304 Cf. TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, pp. 153-154;
COELHO, L. Fernando. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. pp.
203-204; ABRAHAM, Marcus, O Planejamento Tributário e o Direito Privado, 2007, 124-125.
305 Ver: AFTALIÓN, Enrique R.; OLANO, Fernando García; VILANOVA, José. Introducción al Derecho.
7. ed. Buenos Aires: La Ley, [196-]. p. 453.
306 Como destaca Recaséns Siches, “o verdadeiro núcleo da função judicial não se radica, nem
remotamente, o silogismo que se possa formular, mas sim consiste na eleição de premissas, por
parte do juiz. Uma vez eleitas as premissas, a mecânica silogística funcionará com toda facilidade”
(RECASÉNS SICHES, Luis, Nueva Filosofia de la Interpretacion del Derecho, 1980, p. 237).

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130 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Daí a grande relevância dos órgãos de aplicação do direito, responsáveis


pela criação das normas individuais e concretas, principalmente, em um sistema
de jurisdição una como o brasileiro307, do Poder Judiciário, em cujo âmbito as
atividades de argumentação, participação e justificação se realizam.
Neste cenário reafirma-se a impossibilidade de separação dos momentos
de interpretação e aplicação do direito.
De fato, toda interpretação é já aplicação, já que realizada tendo em vista
o texto normativo e os fatos da questão sob apreço, o que ressalta a importância
dos órgãos de aplicação no processo hermenêutico308.
Feitos esses comentários, impõe-se examinar como a questão da interpretação
encontra-se colocada no Direito Internacional Público, verificando-se os debates
anteriormente expostos já estão inseridos na teoria da interpretação das normas
internacionais.

307 Sobre a jurisdição una pátria, ver: ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle
Administrativo do Lançamento Tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. pp. 102-104.
308 Nas palavras de Castanheira Neves: “O centro metodologicamente referente está, pois, no juízo
e não diretamente na norma – a norma será convocada, na sua normatividade, em função da
problemática normativo-jurídica do juízo decisório, i. é, convocada pelas possibilidades que a
sua normatividade ofereça como critério normativo-jurídico para uma normatividade fundada
e problematicamente adequada – e assim com normativo-jurídica justeza – decisão judicativa.
O pensamento jurídico de orientação tradicionalmente hermenêutica via o prius metodológico
na norma, a determinar, por isso mesmo, em termos hermenêuticamente autônomos:
interpretada primeiro a norma na sua autonomia abstrata, antes e independentemente da
sua referência à decisão do caso concreto, seria ela depois ‘aplicada’ ao caso com o sentido
ou a significação daquele modo determinados, sem consideração das exigências justificativas
emergentes do problema do caso decidendo. Eram assim a ‘interpretação’ e a ‘aplicação’ atos
metodologicamente de todo diferentes e autônomos. Pelo contrário, deverá reconhecer-se que
o juízo da realização concreta do direito, e pelas suas exigências normativo-decisórias, é que dá
sentido, conexiona e assimila num processo intencional-metodologicamente unitário todos os
elementos que nele concorrem – daí que a determinação do sentido normativo-jurídico da norma
apenas se consuma no juízo e pelo juízo, só no juízo e pelo juízo a sua normatividade, sempre de
uma aberta indeterminação em abstrato, se vai concretamente determinando. A ‘interpretação’ e
a ‘aplicação’ não podem, pois, separar-se, antes se conjugam numa indissolúvel unidade – melhor,
essa distinção deixa de ter sentido num processo que refere a norma, desde o princípio, em
função do problema judicativo-decisório e realiza o juízo mediante as possibilidades de critério
que para ele ofereça a normatividade da norma” (NEVES, A. Castanheira. O Actual Problema
Metodológico da Interpretação Jurídica – I. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. pp. 344-345).

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3

Interpretação dos
Tratados e Solução de
Controvérsias no Direito
Internacional Público

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3.1. PROBLEMAS NA INTERPRETAÇÃO DE TRATADOS


INTERNACIONAIS
Alguns pontos que foram destacados no capítulo anterior a respeito da
interpretação de textos normativos devem ser ressaltados antes de iniciarmos o
exame da interpretação dos tratados internacionais.
Uma primeira observação importante é que, em linha com o que
defendemos anteriormente, regra geral os textos legais não são passíveis de
uma única interpretação correta, de forma que, estando vertidos em linguagem,
normalmente dão margem à criação de mais de uma norma jurídica que possa
ser aos mesmos razoavelmente reconduzida, dentro dos marcos da moldura
do texto309.
O segundo ponto, umbilicalmente vinculado a este primeiro, consiste na
inexistência de um procedimento metodológico que indique a regra jurídica correta
a ser extraída do texto do pacto internacional. Os elementos de interpretação são
critérios dos quais se vale o intérprete durante o processo hermenêutico, mas
não garantem o seu resultado, ou seja, que a regra criada a partir do texto é a
“única e verdadeira norma jurídica” no mesmo contida.
Dessa forma, do mesmo modo como no direito interno de cada nação,
a interpretação dos tratados internacionais se dará no âmbito da argumentação
jurídica, sendo que somente por meio desta se conseguirá alcançar, não a única
interpretação possível do texto pactício, mas uma interpretação passível de
justificação.
Uma última ressalva importante é a consideração da interpretação como
o encontro do fato com o texto normativo, dentro do horizonte cultural do
intérprete.
Ou seja, a interpretação de qualquer texto, inclusive dos tratados
internacionais, se dá no âmbito cultural da pré-compreensão do intérprete.
Dessa forma, seria certamente um equívoco imaginar que a interpretação
dos tratados internacionais se dá de forma a desconsiderar o intérprete, como
se este apenas aplicasse mecanicamente uma norma extraída de um texto a
determinados fatos.

309 Nesse sentido: COMBACAU, Jean; SUR, Serge. Droit International Public. 6. ed. Paris:
Montchrestien, 2004. p. 168.

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134 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

É consequência dessa afirmação o fato de não fazer sentido a distinção


entre interpretação e aplicação dos tratados internacionais.
Devemos reiterar aqui que interpretação e aplicação são processos que se
dão no âmbito do horizonte cultural do intérprete, sendo incindíveis entre si.
Assim, ao criar a regra de direito internacional o intérprete já a aplicou,
repudiando-se, portanto, a separação dos momentos de interpretação (quando
o intérprete “descobre” a regra contida no texto legal) e de aplicação (quando o
intérprete “aplica” a regra “descoberta” a um conjunto de fatos a ele externos).
Esses comentários acabam por destacar alguns dos principais problemas
da interpretação/aplicação dos tratados internacionais.
Com efeito, considerando que tais avenças são pactuadas por dois ou
mais Estados ou órgãos com personalidade jurídica na arena internacional,
é intuitivo que as mesmas serão objeto de interpretação/aplicação por cada
um dos pactuantes, os quais podem chegar a resultados distintos em seu labor
hermenêutico310.
Além disso, como identificado por Charles Rousseau, a interpretação dos
tratados internacionais dá-se em esferas distintas, podendo-se falar de uma
interpretação internacional e outra interna311.
No primeiro caso, podemos ter uma interpretação intergovernamental,
a qual pode ser expressa (caso formalizada em um ato específico) ou tácita,
na hipótese de ser inferível da prática das partes, ou ainda uma interpretação
jurisdicional.
Já no caso da interpretação interna dos tratados internacionais, sustenta
Rousseau que a mesma pode ser governamental ou judicial312.

310 Sobre essa questão, destaca Aurora Ribes Ribes: “Nessa ordem de idéias, a função
interpretativa a que nos referimos corresponde aos Estados partes, constituindo o trabalho
diário dos Ministérios de Assuntos Exteriores. Em princípio, pode-se supor que se o tratado
é expressão da vontade comum de quem o subscreve, estes chegarão a um resultado similar
em suas respectivas interpretações. Todavia, a prática internacional demonstra que são
extraordinariamente numerosas as controvérsias internacionais em razão de divergências
interpretativas. O bom funcionamento das relações internacionais em todos os sentidos
requer, como é evidente, que tais conflitos sejam solucionados posto que, de outra maneira,
isso repercutiria negativamente na aplicação das normas internacionais” (RIBES RIBES, Aurora,
Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional: Interpretación, Procedimiento Amistoso
y Arbitrage, 2003, p. 72).
311 Nesse mesmo sentido, ver: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados Internacionais. 2. ed. São
Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p. 135.
312 ROUSSEAU, Charles. Droit International Public. Paris: Librarie du Recueil Sirey, 1953. pp. 48-49.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 135

A participação dos órgãos judiciais no processo de interpretação/aplicação


de tratados internacionais, a partir da inserção do indivíduo como sujeito de
direitos na esfera internacional, é particularmente problemática, já que sua
estrutura, assim como a amplitude de sua competência deliberativa variam de
país para país313.

3.2. A NECESSIDADE DA INTERPRETAÇÃO PARA A CRIAÇÃO


DA NORMA JURÍDICA INTERNACIONAL
É importante reiterarmos aqui o caráter necessário da interpretação
como mecanismo de criação das normas jurídicas decorrentes de tratados
internacionais, de modo que se pode afirmar o descabimento da máxima in
claris cessat interpretatio, ou seja, a ideia de que existem normas que carecem de
interpretação, não se podendo confundir interpretação com dificuldade interpretativa.
A aplicação dessa máxima à interpretação dos tratados internacionais é
encontrada, por exemplo, nas lições de Hildebrando Accioly, para quem “diante
de algumas interpretações abusivas, convém lembrar um princípio básico, que
se tornou axiomático, ou seja, que ‘não é permitido interpretar o que não tem
necessidade de interpretação’”314.
Entendimentos nessa linha, ou seja, que sustentam a existência de um
campo excluído do processo hermenêutico fundamentam-se em premissas
teóricas formalistas que remontam aos movimentos jurídicos dos Séculos
XVIII e XIX, não encontrando lugar no atual marco do debate acerca da
interpretação.

313 Como destaca Paul Reuter: “O fato de que diferentes entidades devam interpretar o tratado não
afeta em princípio a maneira como deve realizar-se a interpretação. O que muda de uma situação
para outra é a amplitude das faculdades do intérprete, e também os efeitos da sua interpretação.
O direito para interpretar um tratado, no que respeita aos governos que são partes em um
tratado não é questionável, mas não se pode dizer o mesmo dos tribunais, cujas faculdades
estabelecidas por sua constituição nacional, variam consideravelmente de um Estado para
outro, e ocasionalmente de um tribunal para outro dentro do mesmo país. [...]” (REUTER, Paul,
Introducción al Derecho de los Tratados, 1999, p. 117). Ver também: VAN RAAD, Kees, International
Coordination of Tax Treaty Interpretation and Application, 2002, pp. 218-219.
314 ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E do, Manual de Direito Internacional Público,
2000, p. 33. Esse entendimento encontra eco na doutrina de Verdross (Cf. VERDROSS, Alfred,
Derecho Internacional Publico, 1955, p. 153) e de Julio Diena (Cf. DIENA, Julio. Derecho Internacional
Público. Tradução J. M. Trias de Bes. Barcelona: Bosch, 1946. p. 434). Em sentido contrário:
MONACO, Riccardo. Manuali di Diritto Internazionale Pubblico e Privato. Torino: Editrice Torinese,
1949. p. 315-316.

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136 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

3.3. A TEORIA DA ÚNICA NORMA CORRETA NO DIREITO


INTERNACIONAL
Como esclarecido no capítulo anterior e destacado acima, embora haja
importantes vozes que ainda hoje sustentam a possibilidade de se alcançar
uma única resposta correta na interpretação de textos normativos, prepondera
hodiernamente entendimento no sentido de que a partir de um texto podem
ser criadas “n” normas jurídicas justificáveis.
Mesmo os que defendem a possibilidade de uma única resposta correta
o fazem não por uma filiação a alguma espécie de formalismo jurídico, mas,
regra geral, por acreditarem que os princípios e valores do ordenamento
jurídico guiariam o intérprete na definição “da norma” correta extraível de um
determinado texto.
Neste particular há de se salientar que a doutrina internacionalista parece
ainda laborar sobre teorias já ultrapassadas.
Com efeito, ao se examinar as definições de interpretação dos tratados
internacionais é comum encontrarmos referências ao processo que leva à
descoberta do verdadeiro ou exato sentido da avença internacional.
Nesse sentido, afirma Francisco Rezek que “interpretar o tratado interna-
cional significa determinar o exato sentido da norma jurídica expressa num
texto obscuro, impreciso, contraditório, incompleto ou ambíguo”315.
Para Celso D. de Albuquerque Mello “a finalidade da interpretação dos
tratados é a mesma do D. Interno: verificar qual a verdadeira intenção dos
contratantes”316.
De acordo com Dinh, Daillier e Pellet a interpretação dos tratados consiste
“em evidenciar o seu sentido exato e o conteúdo da regra de direito aplicável numa
determinada situação”317, enquanto Jorge Bacelar Gouveia afirma que “o objeto
da interpretação consiste na descoberta das normas jurídico-internacionais que
se objetivam nas fontes convencionais”318.
Vê-se, portanto, que grande número de autores ignora o caráter criativo
da interpretação dos tratados internacionais e, via de consequência, o fato de

315 REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 90.


316 MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 255.
317 DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2003, p. 258.
318 GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 208.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 137

que o texto acordado entre os Estados-contratantes, no momento em que


interpretado/aplicado por outros atores sujeitos às normas internacionais, pode
servir de base à criação de distintas normas jurídicas, as quais podem sequer
ter sido imaginadas ou queridas pelos signatários.
Esta é a questão crucial a ponderarmos: os tratados, como dito, são interpre-
tados/aplicados por indivíduos e pessoas jurídicas, autoridades dos Poderes
Executivo e Judiciário de todas as partes contratantes319.
Ora, consequência dessa característica da interpretação do direito
internacional é o crescimento da possibilidade de que a partir de um mesmo
texto sejam criadas normas jurídicas distintas, ambas justificáveis, tornando
difícil a existência de uma harmonia interpretativa entre os Estados que sejam
parte no tratado320.
No campo interno, ao menos no ordenamento jurídico brasileiro e na
maioria dos sistemas ocidentais, essa potencial dissonância interpretativa
é resolvida mediante a atribuição ao Poder Judiciário de competência para
determinar qual das possíveis normas extraíveis de um dado texto normativo
deve ser considerada válida.
Na arena internacional, todavia, na ausência, regra geral, de uma corte
que possa estabelecer, de forma vinculante, a interpretação a ser conferida a
dado texto internacional, a possibilidade da divergência de interpretações tem
conotação distinta321.

319 Essa característica foi salientada por Klaus Vogel no que se refere aos tratados tributários. Em
suas palavras: “Como qualquer preceito de Direito Administrativo ou Tributário, devem ser
diferenciados, do ponto de vista sistemático, três níveis no procedimento interpretativo. Em
primeiro lugar, o contribuinte e seu consultor interpretam o acordo, no momento em que
eles entregam a declaração de imposto de renda, ou mesmo antes, quando eles planejam
seus negócios do ponto de vista tributário. O segundo intérprete é, então, a administração
tributária; sua interpretação será a decisiva, caso não se preveja qualquer meio jurídico contra a
sua decisão, caso o contribuinte fique resignado com ela, ou caso a administração tributária e o
contribuinte consigam chegar a um acordo. No caso de ele se valer de um meio jurídico contra
a decisão, então cabe às cortes a decisão, como terceiros intérpretes” (VOGEL, Klaus, Problemas
na Interpretação de Acordos de Bitributação, 2003, p. 966).
320 No campo tributário, essa tendência a uma discordância interpretativa foi apontada por Klaus
Vogel e Rainer Prokisch (Cf. VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., 1993, p. 55) e também por
Kees van Raad (Cf. VAN RAAD, Kees, International Coordination of Tax Treaty Interpretation and
Application, 2002, p. 222).
321 Para uma análise dos reflexos negativos desta característica do Direito Internacional, ver:
MORGENTHAU, Hans. J. A Política entre as Nações: A luta pelo poder e pela paz. Tradução Oswaldo
Biato. Brasília: UNB, 2003. pp. 521-523.

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138 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Há instrumentos internacionais destinados à superação dessas divergências


interpretativas, como os procedimentos amigáveis entre os Estados e as
arbitragens internacionais322. Essa questão será tratada no item 3.6 abaixo.

3.4. INTERPRETAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS VS. A


INTERPRETAÇÃO DE LEIS DOMÉSTICAS: O MÉTODO NA
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL
Enquanto processo de criação de normas jurídicas a partir de textos legais
a interpretação dos tratados internacionais em nada difere da interpretação de
leis domésticas. Nas corretas palavras de Jorge Miranda, “os cânones gerais da
hermenêutica jurídica aplicam-se também ao Direito Internacional Público.
Não cabe contrapor a interpretação em Direito interno à interpretação em
Direito internacional. O que pode haver é a necessidade (tal como em diferentes
setores do Direito estatal) de adequação ou adaptação”323.
Ao comentarem os métodos de interpretação os internacionalistas por
vezes fazem referência aos elementos de interpretação cujas origens remontam a
Savigny, destacando os elementos gramatical, teleológico, axiológico, sistemático
e histórico324.
Insta fazer uma observação aqui: o que se está afirmando é que em termos
lógicos os elementos que lastreiam a interpretação dos tratados internacionais
são os mesmos que pautam qualquer processo jurídico de interpretação, o que
não significa que estejamos defendendo que a interpretação de tais diplomas
seja feita a partir dos marcos domésticos.
Como veremos a seguir, cada um dos elementos de interpretação, quando
aplicados pelo intérprete do Direito Internacional passa a revestir-se de
peculiaridades decorrentes da natureza de tais normas, o que não significa, a
nosso pensar, que estamos diante de uma nova metodologia jurídica, mas sim

322 Sobre o tema ver, por todos: SANTIAGO, Igor Mauler. Direito Tributário Internacional: Métodos
de Solução dos Conflitos. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
323 MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Internacional Público, 2002, p. 129. Nesse sentido: REZEK, J. F.,
Direito Internacional Público, 2000, pp. 91-92. Em sentido contrário, José Augusto Fontoura Costa
sustenta que “a interpretação dos tratados deve apresentar características peculiares, seguindo,
portanto, métodos específicos” (COSTA, José Augusto Fontoura. Normas de Direito Internacional:
Aplicação Uniforme do Direito Uniforme. São Paulo: Atlas, 2000. p. 126).
324 Cf. PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de, Manual de Direito Internacional Público,
2002, p. 241; GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, pp. 210-211;
REIMER, Ekkehart. Interpretation of Tax Treaties. European Taxation, Dec. 1999, p. 459.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 139

de uma aplicação dos elementos de interpretação da teoria geral do direito a


um campo de regras específico.
Esses elementos, insta reiterar, não são um caminho para a interpretação
correta de um tratado internacional, mas sim alguns topoi a serem considerados
no processo hermenêutico, com vistas à justificação da norma criada pelo
intérprete a partir do texto do tratado.
Além desses elementos, há outros topoi de interpretação no âmbito do
direito internacional, como os princípios do da boa-fé e do efeito útil.
Tais cânones interpretativos encontram-se positivados nos artigos sobre
interpretação constantes na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados
(CVDT), de modo que antes de examinarmos cada um deles é necessário
apresentarmos algumas considerações sobre a mesma.
Por fim, vale a pena mencionar que se sustenta em doutrina a existência de
topoi hermenêuticos aplicáveis com exclusividade aos tratados internacionais de
direitos humanos, mencionando-se, aqui, pontos de partida como o princípio
da efetividade, da interpretação evolutiva de tais tratados, da primazia da norma
mais favorável ao indivíduo, entre outros325. Como o exame específico de tais
convenções encontra-se fora do escopo do presente estudo, tais questões não
serão objeto de exame.

3.5. AS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO NA CVDT


A CVDT, a qual foi promulgada por meio do Decreto nº 7.030, de 14
de dezembro de 2009, cuida da interpretação dos tratados internacionais em
seus artigos 31 a 33.
Ao comentar tais dispositivos, Francisco Rezek destaca que a mesma
consolidou princípios e critérios hermenêuticos que há muito tempo inspiravam
a prática internacional326.
Seguindo essa linha de raciocínio, sustenta-se que a CVDT seria
declaratória de direito internacional consuetudinário327, de forma que mesmo

325 Cf. RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 93-120; TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito
Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. v. II. p. 32
326 REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 92.
327 Nas palavras de Jorge Bacelar Gouveia, “a CVDTE, como vai sucedendo cada vez mais com
outros instrumentos convencionais emblemáticos, para muitos Estados que não emitiram uma
vontade de ratificar ou de aderir, pode bem ser considerada globalmente vinculativa como

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140 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

em países em que a mesma não tenha sido ratificada, sua aplicação no Brasil
se daria como costume internacional.
Tal posicionamento foi sustentado por G. E. do Nascimento e Silva, Chefe
da Delegação do Brasil à Conferência de Viena sobre o Direito dos Tratados,
conforme se pode inferir da passagem abaixo transcrita:
Dentro desta linha de considerações, é importante também prever as
consequências da Convenção sobre o Direito dos Tratados, mesmo
no tocante àqueles Estados que não a ratificaram ou aceitaram. De
conformidade com as normas de direito internacional vigentes, em
tal caso, as relações entre dois ou mais Estados serão reguladas pelo
direito internacional consuetudinário. Mas cumpre não perder de vista
que até 1968-1969 o direito costumeiro a respeito caracterizava-se
por inúmeras incertezas; com a existência da Convenção, mesmo
não-ratificada ou mesmo antes de sua entrada em vigor, a doutrina
e a prática internacionais poderão indicar a Convenção como a
consolidação do direito internacional em matéria de tratados. Não
poderá ser invocada com o mesmo rigor, mas passará a constituir
a principal fonte a respeito, mesmo dentre os Estados a ele não
vinculados. Neste sentido, cumpre lembrar que o artigo 38 da

repositório de costumes internacionais gerais ou até, nalguns casos, de princípios gerais de


Direito” (GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 165). No
mesmo sentido: BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Tradução Maria
Manuela Farrajota et. al. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 628; MAZZUOLI,
Valerio de Oliveira. Tratados Internacionais. 2. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p.
38; SANTIAGO, Igor Mauler. Interpretação dos Tratados contra a Dupla Tributação Internacional
– Estudo em Homenagem ao Min. José Delgado. In:CARVALHO, Cristiano; PEIXOTO, Marcelo
Magalhães (Coords.). Temas de Direito Público: Estudos em Homenagem ao Ministro José Augusto
Delgado. Curitiba: Juruá, 2005. pp. 253-254; DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain,
Direito Internacional Público, 2003, p. 256; VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report,
1993, p. 66; BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, p. E-2; SILVEIRA, Rodrigo Maitto
da, Aplicação de Tratados Internacionais contra a Bitributação: Qualificação de Partnership Joint
Ventures, 2006, p. 113-114; BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação dos Tratados Internacionais em
Matéria Tributária, 2005, p. 614-615; JONES, John F. Avery; ELLIS, Maaten J.; MAISTO, Guglielmo
et. al. The Interpretation of Income Tax Treaties with Particular Reference to the Commentaries on
the OECD Model. Amsterdam: IBFD, 2006. p. 15; BIZIOLI, Gianluigi. Tax Treaty Interpretation in
Italy. In: LANG, Michael (Coord.). Tax Treaty Interpretation. The Hage: Kluwer Law International,
2000. p. 208; SOLER ROCH, Maria Teresa; RIBES RIBES, Aurora. Tax Treaty Interpretation in
Spain. In: LANG, Michael (Coord.). Tax Treaty Interpretation. The Hage: Kluwer Law International,
2000. p. 307; JONES, John Avery. Tax Treaty Interpretation in the United Kingdom. In: LANG,
Michael (Coord.). Tax Treaty Interpretation. The Hage: Kluwer Law International, 2000. p. 363;
HEINRICH, Johannes; MORITZ, Helmut. Interpretation of Tax Treaties. European Taxation, Apr.
2000, p. 147; AKEHURST, Michael. Introdução ao Direito Internacional. Tradução Fernando Ruivo.
Coimbra: Almedina, 1985. p. 154; RIBES RIBES, Aurora, Convenios para Evitar la Doble Imposición
Internacional: Interpretación, Procedimiento Amistoso y Arbitrage, 2003, p. 82; PIJL, Hans. The Theory
of the Interpretation of Tax Treaties, with Reference to Dutch Practice. Bulletin for International
Taxation, Amsterdam, Dec. 1997, p. 539.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 141

Convenção estipula que “nada nos artigos 34 a 37 impede que uma


regra prevista num tratado se torne obrigatória para terceiros Estados
como regra consuetudinária de direito internacional, reconhecida
como tal.328
Daniel Gutmann dá-nos exemplo da consideração das regras da CVDT
como direito costumeiro citando o caso da França. Segundo o autor, mesmo
tendo a França votado contra a convenção, “os princípios contidos na CVDT
são considerados regras consuetudinárias que nunca foram como tais criticadas
na França”329.
Ainda sobre esta questão, Frank Engelen, partindo da lição de Ian Sinclair,
conclui que a natureza declaratória das regras sobre interpretação constantes
na CVDT são hoje reconhecidas pela Corte Internacional de Justiça330.
Um tema que devemos analisar, antes do exame das regras previstas na
CVDT, consiste na força vinculante das regras sobre interpretação.
Heleno Tôrres, ao examinar a questão que ora nos ocupa, sustenta que “a
CVDT constitui uma espécie de codificação para a confecção e aplicação dos
tratados internacionais”, sendo, portanto, uma “norma internacional sobre norma
internacional”331. Contudo, entendemos duvidosa a força vinculante dos seus
artigos 31 a 33, exatamente por relativizarmos a eficácia de textos normativos
introdutores de normas acerca da interpretação de outros textos normativos.
Podemos partir aqui da contundente crítica apresentada por Ricardo Lobo
Torres às normas sobre interpretação, as quais, em suas palavras, “são ambíguas,
insuficientes ou redundantes. Necessitam elas próprias de interpretação”332.
A questão é bem posta por Edmar Oliveira Andrade Filho, cuja lição, que
tem por base regras de interpretação presentes no Código Tributário Nacional,
encontra-se transcrita nas seguintes linhas:

328 NASCIMENTO E SILVA, G. E. do. Conferência de Viena sobre o Direito dos Tratados. Brasília: Ministério
das Relações Exteriores, 1971. p. 56.
329 GUTMANN, Daniel. Tax Treaty Interpretation in France. In: LANG, Michael (Coord.). Tax Treaty
Interpretation. The Hage: Kluwer Law International, 2000. p. 107.
330 ENGELEN, Frank, Interpretation of Tax Treaties under International Law, 2004, pp. 54-57.
331 TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 650.
332 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, p. 21.
Ver, ainda: RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003. p. 124; LIMA, Maria Ednalva de. Interpretação e Direito Tributário. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 170; GIANNINI, Massimo Severo. Scritti. Milano: Giuffrè, 2000. v. I. p. 47;
HARTZ, Wilhelm. Interpretação da Lei Tributária. Tradução Brandão Machado. São Paulo: Resenha
Tributária, 1993. pp. 58-59.

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142 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A inserção no ordenamento jurídico de regras sobre interpretação e


aplicação do Direito pode ser justificada pelo fato de que elas podem
prestar relevantes serviços à segurança jurídica, já que são editadas
com o propósito de fixar diretrizes e critérios para os intérpretes,
evitando, tanto quanto possível, a produção de decisões divergentes.
Esse desiderato nunca poderá ser alcançado porque essas regras
não indicam um método que conduza a essa pretensa segurança
ou certeza. Elas não são capazes de indicar soluções para todos os
problemas interpretativos e não conduzem a “única resposta certa”,
mas podem colaborar na produção de decisões racionais e para a
melhor compreensão das “regras do jogo”.333
Na doutrina internacionalista, essa posição encontra eco em Ian Brownlie,
para quem:
Os juristas mostram-se, em geral, prudentes no que diz respeito
à formulação de um código de “regras de interpretação”, uma vez
que estas “regras” podem tornar-se instrumentos pouco flexí-
veis em vez de constituírem o recurso versátil desejado. Muitas

333 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Interpretação e Aplicação de Normas de Direito Tributário. São
Paulo: Editora CID, 2002. p. 200. Em sentido contrário é a posição de Ruy Barbosa Nogueira,
anterior ao Código Tributário Nacional, embora destaque este a ressalva de Massimo Severo
Giannini, a qual se encontra em linha com a posição sustentada neste estudo: “Como não foram
ainda promulgadas normas gerais em obediência a essa outorga constitucional, não temos assim
uma legislação ordinária que trace mais detalhes ou complemente as normas constitucionais
tributárias vigentes, sabendo-se que, lamentavelmente, o projeto do Código Tributário Nacional
se encontra no Congresso, com sua tramitação quase paralisada, desde 1954.
Se existem em alguns regulamentos tributários normas específicas da técnica de sua aplicação
(por exemplo os arts. 10 a 12 da atual Lei do Imposto de Consumo ou o cap. IV da vigente Tarifa das
Alfândegas), não há, entretanto, em nosso país, disposições legais sobre critérios de interpretação
a serem empregados no campo tributário, como os há, por exemplo, na Alemanha.
É verdade que certos autores condenam mesmo a elevação de critérios interpretativos à categoria
de normas, achando mais conveniente que esta matéria fique somente a cargo da doutrina.
Veja-se, por exemplo, a crítica do Prof. Massimo Severo Giannini ao célebre § 9º do Código
Tributário da Alemanha: ‘Em si, portanto, o parágrafo, aparecera como uma daquelas tantas
normas com que os ordenamentos pretendem disciplinar a técnica interpretativa, quando isto
é, ao reverso, campo que refoge a qualquer normalização, em que todo dispositivo desse gênero
se torna supérfluo, e mesmo inútil, por necessariamente incompleto’” (NOGUEIRA, Ruy Barbosa.
Da Interpretação e Aplicação das Leis Tributárias. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1965. pp.
14-15). As normas interpretativas também são defendidas por Emilio Betti, que lhes dedica um
capítulo inteiro de sua obra sobre interpretação (Cf. BETTI, Emilio. Interpretación de la Ley y de los
Actos Jurídicos. Tradução José Luis de los Mozos. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado,
[s/d]. pp. 217-232). Escrevendo antes da CVDT, Dionisio Anzilotti sustentava a necessidade de
uma harmonização das regras de interpretação no Direito Internacional, como forma de se evitar
que cada Estado interpretasse o tratado de acordo com sua própria tradição metodológica (Cf.
ANZILOTTI, Dionisio. Corso di Diritto Internazionale. 4. ed. Padova: CEDAM, 1964. v. I. p. 104). Para
uma análise dos debates acerca da inclusão de regras interpretativas na CVDT, ver: NASCIMENTO
E SILVA, G. E. do., Conferência de Viena sobre o Direito dos Tratados, 1971, pp. 32-34.

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dessas “regras” e “princípios” propostos são gerais, duvidosos e


contraditórios. [...].334
O entendimento acima exposto de fato reflete a melhor compreensão a
respeito da questão colocada.
Com efeito, como ficou evidenciado no capítulo dois da presente tese,
toda e qualquer norma jurídica tem seu sentido construído pelo intérprete a
partir de um texto, sendo que nenhum método permite a certeza em termos
de se extrair de um dado texto a norma jurídica correta lá contida.
As regras sobre interpretação, portanto, na medida em que não logram
estabelecer um método que leve à descoberta de uma suposta mensagem verdadeira
contida no texto, acabam por resultar em mais uma camada normativa sujeita
à interpretação (a título exemplificativo, citamos as incontáveis controvérsias
surgidas a partir do item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo da OCDE, que
será objeto de exame específico no quinto capítulo).
Ou seja, mesmo que as regras sobre interpretação sejam consideradas pelo
intérprete/aplicador, as mesmas não enclausuram seu labor criativo. Como bem
percebido por Ricardo Lobo Torres:
[...] a polissemia não se restringe ao conteúdo das normas sobre
a interpretação e a integração, posto que igualmente ocorre com
referência aos métodos prescritos por aquelas normas. A relativa
indeterminação dos conceitos de interpretação extensiva e analogia,
de interpretação literal e interpretação extensiva, de interpretação e
integração, etc. Torna ambíguas as normas que as recomendam, o que
leva frequentemente o juiz a atuar de acordo com a sua consciência,
apelidando de interpretação extensiva aquilo que é analogia e dizendo
que respeita os limites da atividade de interpretação quando na
realidade já está procedendo à integração do ordenamento jurídico.335
Em resumo, pode-se concluir que a força normativa das regras sobre
interpretação da CVDT deve ser relativizada, devendo as mesmas ser
compreendidas como parâmetros hermenêuticos a serem observados pelo
intérprete/aplicador, mas não como a definição de métodos que permitam a
descoberta da correta e única norma contida nos textos dos tratados internacionais.

334 BROWNLIE, Ian, Princípios de Direito Internacional Público, 1997, p. 650. Em sentido contrário,
destacando a relevância das regras de interpretação no campo do Direito Internacional, ver:
BELLO, Andrés. Principios de Derecho Internacional. Buenos Aires: Editorial Atalaya, 1946. p. 233.
335 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, pp. 22-23.

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144 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

3.5.1. EXAME DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DA CVDT E


OS ELEMENTOS DA METODOLOGIA HERMENÊUTICA APLICÁVEL
AOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Conforme antes mencionado, as regras de interpretação constantes na


CVDT encontram-se previstas em seus artigos 31 a 33, abaixo transcritos:
Interpretação de Tratados
Artigo 31
Regra Geral de Interpretação
1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido
comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de
seu objetivo e finalidade.
2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreen-
derá, além do texto, seu preâmbulo e anexos:
a)qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em
conexão com a conclusão do tratado;
b)qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em
conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como
instrumento relativo ao tratado.
3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto:
a)qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação
do tratado ou à aplicação de suas disposições;
b)qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado,
pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação;
c)quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às
relações entre as partes.
4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido
que essa era a intenção das partes.

Artigo 32
Meios Suplementares de Interpretação
Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 145

trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua conclusão,


a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou
de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade
com o artigo 31:
a)deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou
b)conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou
desarrazoado.

Artigo 33
Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais Línguas
1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais línguas, seu
texto faz igualmente fé em cada uma delas, a não ser que o tratado
disponha ou as partes concordem que, em caso de divergência,
prevaleça um texto determinado.
2. Uma versão do tratado em língua diversa daquelas em que o texto
foi autenticado só será considerada texto autêntico se o tratado o
previr ou as partes nisso concordarem.
3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos
diversos textos autênticos.
4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece nos termos do
parágrafo 1, quando a comparação dos textos autênticos revela uma
diferença de sentido que a aplicação dos artigos 31 e 32 não elimina,
adotar-se-á o sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do
tratado, melhor conciliar os textos.
Verifica-se que se encontram contemplados nos artigos acima os principais
elementos de interpretação, seguindo a metodologia desenvolvida a partir da
teoria de Savigny, conforme se passa a analisar.
3.5.1.1. O ELEMENTO GRAMATICAL
O texto é o ponto de partida de qualquer esforço hermenêutico, servindo,
ainda, de limite ao labor interpretativo336. Como destaca Karl Larenz, “toda

336 Vale mencionar a advertência feita por Eusebio Gonzáles García, para quem “a interpretação
é algo elástico, como uma mola que pode esticar e encurtar, mas sempre tem um limite além
do qual não pode dilatar-se ou encolher-se, este limite é a letra da lei” (GONZÁLES, Eusebio.

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146 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

a interpretação de um texto há de iniciar-se com o sentido literal. Por tal


entendemos o significado de um termo ou de uma cadeia de palavras no uso
linguístico geral ou, no caso de que seja possível constatar um tal uso, no uso
linguístico especial do falante concreto, aqui no da lei respectiva”337.
O elemento de interpretação gramatical foi consagrado no item 1 do
artigo 31 da CVDT338, segundo o qual o tratado deve ser interpretado segundo
o sentido comum dos termos ali empregados, ressalvando o item 4 desse mesmo
artigo que “um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido
que essa era a intenção das partes”339.
É de se reconhecer, todavia, que embora o texto da convenção internacional
seja condição necessária da atividade hermenêutica, não esgota o mesmo a
tarefa do intérprete, que necessita de outros elementos para a realização de tal
empreendimento, no contexto do pluralismo metodológico hodiernamente
prevalecente340.
Nesse sentido, é de se concordar com Frank Engelen quando este afirma
que “o sentido comum dos termos do tratado não deve ser determinado de
forma isolada, mas no contexto do tratado e à luz de seu objeto e propósitos”.341
Na verdade, desconectado do contexto do tratado e do momento histórico
em que foi promulgado é até mesmo difícil determinar o sentido comum
ou especial dos termos ali empregados. Como destacam Vogel e Prokisch,
“frequentemente o significado exato de um termo pode não ser identificado
com base no seu uso. Termos legais devem cobrir uma quantidade indefinida

Interpretación de las Normas Tributarias. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 76, 1999,
p. 20).
337 LARENZ, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, pp. 450-451.
338 Cf. PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de, Manual de Direito Internacional Público,
2002, p. 242; GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 210.
339 Esse cânone já era sustentado por Oppenheim (Cf. OPPENHEIM, L., International Law: A Treatise,
1952, p. 858).
340 Sobre o pluralismo metodológico na interpretação do tratados internacionais em geral, ver:
COMBACAU, Jean; SUR, Serge, Droit International Public, 2004, p. 174. Sobre o pluralismo
metodológico na interpretação das CDTRs, ver: RIBES RIBES, Aurora, Convenios para Evitar la Doble
Imposición Internacional: Interpretación, Procedimiento Amistoso y Arbitrage, 2003, p. 84. Sobre o
pluralismo metodológico na interpretação das leis tributárias, ver: VANONI, Ezio, Natureza e
Interpretação das Leis Tributárias, [s/d], p. 209; TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação
e Integração do Direito Tributário, 2006, pp. 153-154; ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e
Aplicação de Acordos Internacionais contra a Bitributação, 1978, p. 121; PIJL, Hans, The Theory of
the Interpretation of Tax Treaties, with Reference to Dutch Practice, 1997, p. 541.
341 ENGELEN, Frank, Interpretation of Tax Treaties under International Law, 2004, p. 141. No mesmo
sentido: VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p. 37. Sobre as implicações texto-contexto, ver:
ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Osório de. Interpretação Conforme a Constituição e Direito Tributário.
São Paulo: Dialética, 2002. pp. 38-39.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 147

de situações diferentes, as quais os tornam demasiado vagos para a clara


identificação de um significado baseado simplesmente no uso de um termo”342.
Note-se que não se pode confundir o elemento gramatical da interpretação
jurídica com a muitas vezes propalada interpretação literal, segundo a qual o
intérprete deveria ater-se tão somente ao texto.
Repita-se que no marco atual da hermenêutica jurídica essas limitações à
compreensão do texto normativo foram abandonadas, sendo a dita interpretação
literal, que desconsidera o contexto dentro do qual se realiza a interpretação,
assim como os fins buscados pela norma e sua carga axiológica, uma
reminiscência de um formalismo jurídico de matiz napoleônico inalcançável
em termos práticos.
O item 1 do artigo 31 da CVDT, ao tratar da linguagem dos tratados
internacionais, parece simplificar questão deveras complexa.
Sendo o ser humano um ser linguístico, ou seja, que se realiza através
da linguagem, e dando-se a interpretação de textos normativos no âmbito do
horizonte cultural do intérprete, o dito sentido comum dos termos empregados
no tratado é difícil de ser alcançado.
Apenas o pensamento utópico acerca da existência de uma cultura
internacional uniforme pode levar à ideia de que há um sentido comum passível
de ser atribuído aos textos dos tratados internacionais pelos intérpretes dos
distintos Estados signatários.
Não concordamos, portanto, com Carlos Fernández de Casadevante
Romaní, quando afirma ser difícil uma confusão de sentido acerca dos termos
utilizados nas regras convencionais343.
A possibilidade de atribuição de sentidos distintos aos termos contidos nos
tratados internacionais torna-se tão maior quanto mais frequentes são as situações
em que os órgãos do Poder Judiciário de cada Estado-contratante são chamados
a dirimir conflitos acerca da interpretação/aplicação da norma pactícia.
Nesse contexto, a criação de uma linguagem internacional tributária,
por exemplo, conforme sugerido por alguns especialistas344, não se mostra

342 VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 68.
343 CASADEVANTE ROMANÍ, Carlos Fernandez de. Interpretación de las Normas Internacionales.
Panplona: Aranzadi, 1996. p. 85.
344 Sobre o tema, ver: VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 62; VAN RAAD,
Kees, International Coordination of Tax Treaty Interpretation and Application, 2002, p. 224; TÔRRES,

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148 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

um projeto de fácil realização, tendo em vista que a linguagem pode até ser
internacional, porém o horizonte hermenêutico do intérprete será sempre a
sua própria cultura.
Não se pode deixar de mencionar, ainda, a existência de um complicador
que não pode ser ignorado: o fato de normalmente encontrarem-se os tratados
internacionais vertidos em mais de uma língua.
Essa questão, objeto de regramento específico no artigo 33 da CVDT
torna ainda mais difícil a noção de uma linguagem comum, já que esta teria
que superar não apenas as barreiras culturais das distintas pré-compreensões
dos intérpretes de cada Estado, mas também as próprias diferenças das línguas
em que vertidos os textos que servirão de base para o labor interpretativo.
Diante dos comentários anteriores deve-se ter em conta, partindo das
lições de Karl Larenz, que:
A flexibilidade, a riqueza de cambiantes e a capacidade de adaptação
da linguagem geral constituem ao mesmo tempo a sua força e a
sua fraqueza, o que tem como consequência que do uso linguístico,
apenas, não se obtém um sentido literal inequívoco. Em lugar disso,
encontramos um número maior ou menor de significados possíveis
e de variantes de significado, a partir donde aquilo que é pensado em
concreto só se obtém com base na conexão do discurso, da coisa de
que ele trata ou das circunstâncias acompanhantes. [...].345
Em conclusão, reitera-se que a interpretação realiza-se a partir do texto
do tratado internacional, mas a atribuição de sentido ao mesmo depende de
outros fatores além da mera análise linguística de seus termos, de forma que
a construção da regra constante no tratado depende da conjugação de outros
elementos de interpretação.
3.5.1.2. ELEMENTO SISTEMÁTICO (O CONTEXTO DOS TRATADOS)
Socorrendo-nos uma vez mais nas lições de Karl Larenz é possível afirmar
que “qual, de entre as múltiplas variantes de significado que podem corresponder
a um termo segundo o uso da linguagem, deva em cada caso ser considerada

Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, pp. 659-660; PROKISCH,
Rainer. Does it Make Sense if we Speak of an “International Tax Language”? In: VOGEL, Klaus
(Coord.). Interpretation of Tax Law and Treaties and Transfer Pricing in Japan and Germany. The Hage:
Kluwer Law International, 1998. pp. 103-110.
345 LARENZ, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, pp. 451-452.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 149

resulta, em regra, se bem que não sempre, com a maior exatidão possível do
contexto em que aquela é usada”. Na seara internacional afirmam Dinh, Daillier
e Pellet, com propriedade, que o texto é “indissociável do contexto”346. Conforme
destaca Gerd Rothmann:
Os termos não devem ser tomados isoladamente, mas sim no seu
contexto, que pode atribuir-lhes um significado diferente ou particular.
O contexto é o conjunto do tratado, cada uma de suas partes e todas
elas interrelacionadas em sí. O exame do contexto leva a examinar
também os fins e o objeto do tratado. O contexto abrange todo o
tratado, constituído do corpo, do preâmbulo e dos anexos347.
O artigo 31, item 2, da CVDT atribuiu papel de destaque ao contexto em
que se encontra inserido o tratado internacional, mencionando expressamente
que fazem parte de tal contexto, além do texto, seu preâmbulo e anexos:
a) qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes
em conexão com a sua conclusão; e
b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em
conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes
como instrumento relativo ao tratado.
Além disso, o item 3 desse mesmo artigo determina que “serão levados
em consideração, juntamente com o contexto:
a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação
do tratado ou à aplicação de suas disposições;
b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do
tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua
interpretação; e

346 DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2003, p.
266. No mesmo sentido: VISSCHER, Charles de. Problèmes D’interprétation Judiciaire em Droit
International Public. Paris: Éditions A. Pedone, 1963. p. 59.
347 ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e Aplicação de Acordos Internacionais contra a Bitributação,
1978, p. 172. Salienta Humberto Ávila que “os argumentos contextuais dizem respeito às outras
normas que, juntamente com a norma objeto de interpretação, fazem parte do sistema jurídico
e devem ser consideradas na interpretação” (ÁVILA, Humberto. Argumentação Jurídica e a
Imunidade do Livro Eletrônico. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Temas de Interpretação do
Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 121). Nas palavras de Ruy Barbosa Nogueira “o
Direito não é escrito apenas por meio de textos mas também de contextos, ou textos interligados,
compondo uma estrutura ou sistema de normas gerais, especiais e específicas” (NOGUEIRA, Ruy
Barbosa. Curso de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 91).

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150 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis


às relações entre as partes”.
A interpretação do tratado internacional a partir de seu contexto corres-
ponderia, portanto, à sua interpretação sistemática348.
Os itens 2 e 3 destacam como contexto para fins da interpretação de tratado
internacional elementos intrínsecos ao próprio tratado, quais sejam o texto, seu
preâmbulo e anexos, assim como elementos extrínsecos ao tratado349.
O primeiro elemento extrínseco mencionado é qualquer acordo que tenha
sido celebrado pelas partes a respeito do tratado objeto de interpretação.
Trata-se, principalmente, de acordos referentes à própria interpretação do
tratado em questão, veiculadores de uma interpretação autentica do mesmo350,
embora seja possível, como destaca Frank Engelen, que o novel acordo tenha
outros fins que não a interpretação do tratado original351.
Vale a pena destacar que a caracterização de qualquer norma como
interpretativa não é despida de dificuldades. Como salienta Paulo de Barros
Carvalho:
Tem-se por interpretativas apenas as leis que objetivem fixar a
significação de norma jurídica que suscite dúvidas no seu sentido e
alcance ou que possa vir a suscitá-las. Apresenta-se como pressuposto
da lei interpretativa portanto, a existência de incerteza sobre o
significado normativo do preceito interpretado, incerteza esta que
decorre da possibilidade de interpretações variadas, as quais se
pretende uniformizar por meio do preceito interpretativo. Procura-se,

348 Cf. PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de, Manual de Direito Internacional Público,
2002, p. 241; GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 211;
CALIENDO, Paulo, Estabelecimentos Permanentes em Direito Tributário Internacional, 2005, p. 265.
349 Cf. CASADEVANTE ROMANÍ, Carlos Fernandez de, Interpretación de las Normas Internacionales,
1996, pp. 89-91.
350 Sobre a interpretação autêntica dos tratados internacionais, vale a pena mencionar a lição de
Francisco Rezek: “Quando proporcionada pelas próprias partes pactuantes, a interpretação
se diz autêntica. A voz das partes, no caso, é a dos respectivos governos, visto que tribunais e
parlamentos não se exprimem na cena internacional. Essa interpretação autêntica pode tomar a
forma de um novo acordo, de índole puramente interpretativa: é esse um dos poucos casos em
que um sistema constitucional como o do Brasil pode tolerar o acordo executivo, não sujeito à
aprovação do Congresso Nacional” (REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 90). Julio
Diena destaca que “os melhores intérpretes dos tratados são as mesmas partes contratantes as
quais, se conseguem se por de acordo sobre o ponto controvertido, realizam uma interpretação
que se pode chamar autêntica” (DIENA, Julio, Derecho Internacional Público, 1946, p. 434). Sobre
a interpretação autêntica, ver ainda: ANZILOTTI, Dionisio, Corso di Diritto Internazionale, 1964,
101-102.
351 ENGELEN, Frank, Interpretation of Tax Treaties under International Law, 2004, p. 200.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 151

pois, com essa espécie de procedimento legislativo, resolver o problema


de certeza e de igualdade na aplicação da lei.352
Nessa linha de ideias, para que um tratado (assim como qualquer outro
ato normativo) possa ser classificado como interpretativo, deve o mesmo
manter-se integralmente no campo da moldura da norma interpretada, tendo
como finalidade tão somente a seleção de uma das normas criáveis a partir do
texto normativo.
O que ocorre na edição de uma norma interpretativa é que o legislador
avoca a função de fixar qual das normas jurídicas que podem ser criadas a partir
do texto legal deve ser efetivamente considerada como a norma.
Os requisitos previstos na letra “a” do item 2 do artigo 31 da CVDT são:
a) que o novo tratado seja celebrado por todas as partes tratado sendo
interpretado;
b) que seja ao mesmo relativo; e
c) que seja pactuado anterior ou concomitantemente com o tratado
sob interpretação, já que tratados celebrados posteriormente estão
previstos na letra a do item 3 do artigo 31.
O segundo elemento extrínseco é qualquer acordo celebrado por apenas
uma parte dos celebrantes de dado tratado, com terceiros, e que venha a ser
reconhecido pelos outros signatários como relacionado ao tratado. Como
destaca Frank Engelen, “os acordos mencionados no subparágrafo (b) devem
ser relativos ao tratado e devem, ademais, ser feitos em conexão com a sua
conclusão. Consequentemente, apenas instrumentos com uma certa relação com
o tratado, seja pela sua substância, seu caráter interpretativo ou outra razão, e
feitos antes ou no momento da conclusão do tratado são parte do contexto do
tratado para o propósito de sua interpretação”353.
O item 3 do artigo 31 destaca elementos que, sem comporem o contexto
do tratado internacional, devem ser considerados juntamente com o mesmo.
Nessa categoria estão “qualquer acordo posterior entre as partes relativo à

352 CARVALHO, Paulo de Barros. O art. 3o da Lei Complementar n o 118/2005, princípio da


irretroatividade e lei interpretativa. In: PIRES, Adilson Rodrigues; TÔRRES, Heleno (Coords.).
Princípios de Direito Financeiros e Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo
Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 745. Ver, também: GIANNINI, Massimo Severo, Scritti,
2000, p. 98-100; VANONI, Ezio. Natureza e Interpretação das Leis Tributárias. Tradução Rubens
Gomes de Souza. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, [s/d]. pp. 339-341.
353 ENGELEN, Frank, Interpretation of Tax Treaties under International Law, 2004, pp. 205-206.

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152 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições; qualquer prática


seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo
das partes relativo à sua interpretação; e quaisquer regras pertinentes de Direito
Internacional aplicáveis às relações entre as partes”.
É de se assinalar, no que tange aos tratados posteriormente celebrados entre
as partes, que estes também somente configuram elemento de interpretação
para fins do dispositivo em comento caso tenham natureza interpretativa das
disposições do tratado. Caso um tratado posterior modifique a regra antes
pactuada deve ser considerado no escopo do artigo 39 da CVDT354.
Considerando a noção de interpretação que pauta este estudo, no sentido
de que esta é o processo mediante o qual se constroem normas a partir de
textos, as práticas adotadas pelas partes após a celebração de um tratado dão
conta das normas criadas a partir de seu texto, devendo ser consideradas no
processo hermenêutico.
Por fim, como bem destaca Frank Engelen, “tratados não são concluídos
em um vácuo jurídico; do contrário, eles são concluídos no arcabouço da ordem
jurídica internacional existente, pela qual eles são influenciados e da qual fazem
parte”355.
Assim sendo, todas as regras de Direito Internacional Público aplicáveis às
partes e relacionadas ao tratado objeto de interpretação devem ser consideradas
durante o processo hermenêutico.
3.5.1.3. ELEMENTOS TELEOLÓGICO E AXIOLÓGICO
O elemento teleológico de interpretação também encontra-se previsto no
artigo 31 da CVDT, segundo o qual um tratado deve ser interpretado à luz de
seu objetivo e finalidade356.
Sobre o elemento teleológico de interpretação, Karl Larenz nos traz a
seguinte lição:

354 Cf. ENGELEN, Frank, Interpretation of Tax Treaties under International Law, 2004, p. 220.
355 ENGELEN, Frank, Interpretation of Tax Treaties under International Law, 2004, p. 241.
356 Cf. GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 211; PEREIRA,
André Gonçalves; QUADROS, Fausto de, Manual de Direito Internacional Público, 2002, p. 242;
CASADEVANTE ROMANÍ, Carlos Fernandez de, Interpretación de las Normas Internacionales,
1996, p. 93; REIMER, Ekkehart. Tax Treaty Interpretation in Germany. In: LANG, Michael (Coord.).
Tax Treaty Interpretation. The Hage: Kluwer Law International, 2000. p. 126; ENGELEN, Frank,
Interpretation of Tax Treaties under International Law, 2004, p. 172.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 153

Os fins que o legislador intenta realizar por meio da lei são em muitos
casos, ainda que não em todos, fins objetivos do Direito, como a
manutenção da paz e a justa resolução dos litígios, o “equilíbrio” de
uma regulação no sentido da consideração otimizada dos interesses
que se encontram em jogo, a proteção dos bens jurídicos e um
procedimento judicial justo. Além disso, todos nós aspiramos a
uma regulação que seja “materialmente adequada”. Só quando se
supuser esta intenção da parte do legislador se chegará, por via da
interpretação, a resultados que possibilitam uma solução “adequada”
também no caso concreto.
Deste modo resultam dois grupos de critérios de interpretação
teleológico-objetivos, que têm que ser decisivos em todos aqueles
casos em que os critérios até agora discutidos não sejam capazes
ainda de dar uma resposta isenta de dúvidas. Por um lado, trata-se
das estruturas do âmbito material regulado, dados factuais, em relação
aos quais nem o legislador pode alterar o que quer que seja, e que
ele toma em consideração de modo racional a propósito de qualquer
regulação; por outro lado, trata-se dos princípios ético-jurídicos, que
estão antepostos a uma regulação, nos quais a referência de sentido
dessa regulação à ideia de Direito se torna apreensível, manifesta.
Chamo-os de teleológico objetivos porque não dependem de se o
legislador sempre teve consciência da sua importância para a regulação
por ele conformada, conquanto esta só se deixe compreender na sua
globalidade enquanto por eles condicionada.357
A respeito do uso do elemento teleológico de interpretação no campo do
Direito Internacional Público, trazemos a seguinte passagem de Ian Brownlie:
A Comissão do Direito Internacional e a Convenção de Viena
restringiram prudentemente a abordagem textual ao permitirem o
recurso a outros meios de interpretação quando aquela “conduz a um
resultado que é manifestamente absurdo ou desrazoável à luz do objeto
e do fim do tratado”. Algo distinto deste processo é a abordagem
teleológica, mais radical, segundo a qual um tribunal determina qual
o objeto e fim do tratado, resolvendo então qualquer ambiguidade do
sentido através da importação da substância “necessária” para atribuir
efeitos aos fins do tratado. Tal pode implicar uma implementação

357 LARENZ, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, pp. 469-470.

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154 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

judicial dos fins do tratado de um modo não contemplado, de fato,


pelas Partes. Ao mesmo tempo, na prática, a abordagem textual
deixa frequentemente ao autor da decisão a escolha dos sentidos
possíveis, e ao exercer tal escolha é impossível excluir dessa decisão
as considerações políticas. Muitas questões de interpretação não são,
de modo algum, investigações técnicas restritas.358
Há que se considerar, portanto, que ao se editar uma norma jurídica, seja
doméstica ou internacional, busca-se um regramento materialmente adequado
para se regular uma dada situação fática. Nas palavras de Ricardo Lobo Torres,
o elemento teleológico “leva em conta a finalidade e o objetivo da norma”359.
Partindo do exemplo das CDTRs, vimos no primeiro capítulo os fins
primordiais que guiam a sua celebração, os quais devem orientar a interpretação
de uma CDTR em especial.
Há que se considerar, no âmbito dos fins e objetivos da serem alcançados
pelos tratados internacionais a concretização de certos valores, daí poder-se
falar em uma elemento axiológico na interpretação dos mesmos.
Socorrendo-nos uma vez mais no magistério de Ricardo Lobo Torres, é de
se assinalar que “a interpretação jurídica está inteiramente vinculada aos valores
e aos princípios gerais do Direito e, ao mesmo tempo, é um dos caminhos para
a concretização desses valores”360.
A orientação valorativa é traço característico do Direito Internacional
Público no Século XXI, como destaca Antônio Augusto Cançado Trindade:
Esta reconstrução humanista do Direito Internacional, em busca de
um novo jus gentium, constitui, a meu modo de ver, um imperativo
de nossos dias. A renovação corrente do ordenamento jurídico
internacional, sobre bases humanas, vem tomando por fundamento
conceitual cânones inteiramente distintos dos do ordenamento
meramente interestatal, como o são os da realização de valores comuns
superiores, da titularidade de direitos do próprio ser humano, da
garantia coletiva de sua realização, e do caráter objetivo das obrigações
de proteção. Por conseguinte, têm-se afirmado, com crescente vigor,
os direitos humanos universais. Os próprios Estados pareceram

358 BROWNLIE, Ian, Princípios de Direito Internacional Público, 1997, p. 655.


359 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, p. 145.
360 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, pp. 375-376.
Ver também: FERAZ JR., Tercio Sampaio, Introdução ao Estudo do Direito, 2001, p. 289.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 155

dar-se conta, sobretudo ante as catástrofes do século XX, de que


necessitavam uma verdadeira comunidade internacional, fundamentada
na solidariedade e não mais nas soberanias excludentes.361
Nota-se, portanto, que o foco do direito internacional na pessoa humana
implica o seu caráter axiológico, de forma que os valores em questão não podem
ser postos de lado pelo intérprete no curso do processo hermenêutico.
3.5.1.4. ELEMENTO HISTÓRICO
Um dos elementos que pode ser utilizado na interpretação de tratados
internacionais é o elemento histórico, sobre o qual Larenz nos diz o seguinte:
Se, como frequentemente acontece, o sentido literal resultante do
uso linguístico geral ou de um uso linguístico especial por parte
da lei, assim como o contexto significativo da lei e a sistemática
conceitual que lhe é subjacente deixam sempre em aberto diferentes
possibilidades de interpretação, é natural que se pergunte sobre qual
a interpretação que melhor corresponde à intenção reguladora do
legislador ou à sua ideia normativa. Com isto chegamos ao elemento
“histórico” da interpretação, o qual, como expusemos ao princípio,
há de ter-se em conta, também, ao averiguar do sentido da lei
normativamente determinante. Sobretudo a intenção reguladora do
legislador e as decisões valorativas por ele encontradas para alcançar
manifestamente esse desiderato continuam a ser arrimo obrigatório
para o juiz, mesmo quando acomoda a lei – por via da interpretação
teleológica ou do desenvolvimento do Direito – a novas circunstâncias,
não previstas pelo legislador, ou quando a complementa. Aqui surge,
abertamente e de imediato, a questão de saber de que pessoas se
trata, quando perguntamos pela vontade ou pela ideia normativa “do
legislador”.362

361 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os rumos do Direito Internacional contemporâneo: de


um jus inter gentes a um novo jus gentium no século XXI. In: O Direito Internacional em um Mundo
em Transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. pp. 1076-1077.
362 LARENZ, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, pp. 462-463. Ver também: LANG, Joaquim.
General Rules of Statute Interpretation in Germany. In: VOGEL, Klaus (Coord.). Interpretation
of Tax Law and Treaties and Transfer Pricing in Japan and Germany. The Hage: Kluwer Law
International, 1998. p. 65). Humberto Ávila, ao tratar dos argumentos institucionais transcendentes
de interpretação distingue entre os elementos histórico e genético, os quais, neste trabalho,
encontram-se reunidos sob a rubrica de elemento histórico de interpretação. Veja-se sua lição:
“Os argumentos históricos não se confundem com os argumentos genéticos: enquanto os
argumentos históricos fazem referência a textos normativos anteriores, e com semelhante âmbito
de incidência relativamente ao da norma objeto de interpretação, os argumentos genéticos
dizem respeito a textos não-normativos (discussões parlamentares, projetos de lei, discursos

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156 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Do elemento histórico de interpretação cuidou o artigo 32 da CVDT,


ao enunciar que “pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação,
inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua
conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31
ou de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o
artigo 31: a) deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou b) conduz a um resultado
que é manifestamente absurdo ou desarrazoado”.
Como bem observado por Jorge Gouveia Bacelar, a CVDT reservou uma
posição subalterna ao elemento histórico, que somente seria utilizável quando
os elementos gramatical, sistemático e teleológico não levassem a interpretação
a bom termo363. Como destacam Dinh, Daillier e Pellet:
É interessante notar que, embora possam refletir as intenções das
partes, os trabalhos preparatórios que, em virtude das particularidades
dos processos das negociações internacionais, são caóticos,
confidenciais ou pouco probatórios, intervém apenas para confirmar
uma interpretação obtida por meios prioritários, ou quando estes não
permitem obter um “efeito útil”. [...].364
Ian Brownlie também recomenda cautela ao se utilizar os trabalhos
preparatórios como elemento de interpretação, destacando seu caráter secundário
ao argumentar que os mesmos “constituem um método complementar que
deve ser empregue com prudência, uma vez que o seu uso pode desvirtuar a
abordagem textual e, particularmente no caso dos acordos multilaterais, as atas
de conferências, os projetos de tratado, e por aí em diante, podem revelar-se
confusos ou inconclusivos”365.
Fazendo a ressalva da posição dominante na doutrina internacional, deve-
-se reconhecer que, na prática, qualquer tentativa de hierarquização entre os

legislativos, exposições de motivos), e se referem à formação do próprio dispositivo objeto de


interpretação. O argumento histórico faz normalmente apelo à ‘natureza das coisas’, na medida
em que procura demonstrar que, em decorrência das mutações históricas, o significado literal
do dispositivo não mais se molda à realidade do momento da aplicação” (ÁVILA, Humberto,
Argumentação Jurídica e a Imunidade do Livro Eletrônico, 2003, pp. 130-131).
363 GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 211. No mesmo sentido:
PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de, Manual de Direito Internacional Público, 2002,
p. 243; REUTER, Paul, Introducción al Derecho de los Tratados, 1999, pp. 119-120; CASADEVANTE
ROMANÍ, Carlos Fernandez de, Interpretación de las Normas Internacionales, 1996, pp. 94-96.
364 DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2003, p. 267.
365 BROWNLIE, Ian, Princípios de Direito Internacional Público, 1997, p. 654. No mesmo sentido:
ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. 2. ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 1956.
v. I. p. 634; BETTI, Emilio, Interpretación de la Ley y de los Actos Jurídicos, [s/d], pp. 396-397.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 157

elementos de interpretação é vã, já que a formação de sentido pelo intérprete


pode levar todos em consideração e tal hierarquização, quando muito, gerará
uma distorção da exteriorização das razões de sua conclusão366.
Assim sendo, por mais que por vezes seja difícil uma concatenação das
razões subjacentes aos trabalhos preparatórios de um tratado, os mesmos, se
levados em consideração pelo intérprete, passarão a fazer parte da construção
de sentido pelo mesmo, não se podendo graduar sua participação no resultado
da interpretação367.
Para Charles de Visscher, as “origens históricas” de um tratado envolvem
as circunstâncias, fatos ou documentos históricos que possam ter influenciado
a sua celebração368, sendo os trabalhos preparatórios elementos extrínsecos de
interpretação convencional369.
Embora concordemos com sua opinião no sentido de que o elemento
histórico de interpretação no direito internacional não se restringe aos trabalhos
preparatórios, entendemos não haver razão para a exclusão destes como fonte de

366 Vale a pena transcrever aqui o magistério de Ricardo Lobo Torres o qual, embora tendo o
Direito Tributário como ponto de partida, pode ser aplicado a todo e qualquer ramo jurídico:
“A interpretação do Direito Tributário se subordina ao pluralismo metodológico. Inexiste a
prevalência de um único método. Tampouco ocorre a duplicidade imaginada pelo CTN, em
que o método sistemático se aplica aos conceitos de estatura constitucional e o teleológico aos
conceitos da legislação ordinária. O que se observa é a pluralidade e a equivalência, sendo os
métodos aplicados de acordo com o caso e com os valores ínsitos na norma: ora se recorre ao
método sistemático, ora ao teleológico, ora ao histórico, até porque não são contraditórios, mas
se complementam e se intercomunicam. [...] Os métodos de interpretação, por conseguinte,
devem ser estudados dentro da visão pluralista. Entre eles não existe hierarquia. Têm igual
peso, variando a sua importância de acordo com o caso e com as valorações jurídicas na época
da aplicação, como sempre reconheceu a doutrina não extremada, seja no Direito em geral,
seja nos ramos especializados do Constitucional e do Tributário. [...]” (TORRES, Ricardo Lobo,
Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, pp. 153-154). Não discrepam
desse entendimento Dihn, Dailler e Pellet, ao afirmarem que “muito mais do que ao espírito
geométrico, a interpretação dos tratados faz apelo ao espírito de sutileza. Os diversos meios e
métodos descritos supra constituem mais diretrizes gerais do que regras rígidas. Compete ao
intérprete aplicá-las com flexibilidade e ordená-las. Fá-lo em função de considerações muito
diversas que se prestam mal a uma síntese e, se a doutrina se divide a esse respeito em escolas
de pensamento muito claramente caracterizadas, podemos melhor extrair da prática o esboço
de certas tendências gerais” (DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito
Internacional Público, 2003, p. 269).
367 Sobre a utilização dos trabalhos preparatórios como elemento de interpretação, ver: OPPENHEIM,
L., International Law: A Treatise, 1952, pp. 862-863; MONACO, Riccardo; Manuali di Diritto
Internazionale Pubblico e Privato, 1949, p. 318; NASCIMENTO E SILVA, G. E. do., Conferência de
Viena sobre o Direito dos Tratados, 1971, p. 36.
368 VISSCHER, Charles de, Problèmes D’interprétation Judiciaire em Droit International Public, 1963, p.
74.
369 VISSCHER, Charles de, Problèmes D’interprétation Judiciaire em Droit International Public, 1963,
pp. 114-115.

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158 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

pesquisa do contexto histórico em que o tratado foi celebrado, principalmente


quando passados muitos anos de sua assinatura.
3.5.1.5. OS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DO EFEITO ÚTIL
O princípio da boa-fé na interpretação de tratados internacionais
encontra-se previsto no próprio artigo 31 da CVDT. Segundo André Gonçalves
Pereira e Fausto de Quadros, “a principal regra de interpretação é a da boa fé,
segundo a qual os tratados são negócios bona fide e devem ser interpretados
por forma a excluir a fraude”370.
Já para Jorge Bacelar Gouveia, o princípio da boa-fé se desdobra em
diversos corolários, “como o do efeito útil ou de que a interpretação não pode
conduzir ao absurdo, além de se acrescentar o princípio da admissão dos efeitos
implícitos do tratado, bem como o princípio da interpretação teleológica, este
sobreposto ao elemento teleológico”371.
Dihn, Daillier e Pellet, embora não examinem a fundo o que seria a boa-fé
enquanto diretriz hermenêutica, afirmam que “este princípio fundamental está
na origem dos diversos meios e regras utilizados para interpretar os tratados e
é em função desta exigência fundamental que deve efetuar-se a escolha entre
os diferentes métodos”.
Em estudo específico acerca do tema da boa-fé no Direito Internacional
Público Elisabeth Zoller separa a boa-fé como critério hermenêutico em dois
distintos aspectos: subjetivo e objetivo372.
Sob o prisma subjetivo, determinaria a boa-fé a busca pela intenção das
partes consagrada no tratado internacional, de forma que os pactuantes somente
estejam obrigados nos lindes de seu consentimento373.
Como critério objetivo, a boa-fé determina que a interpretação do tratado
seja razoável, evitando-se um apego formalista ao seu texto e adaptando-se sua
interpretação com o passar do tempo374.

370 PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de, Manual de Direito Internacional Público, 2002,
p. 241.
371 GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, pp. 211-212. Nesse sentido
também: PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de, Manual de Direito Internacional
Público, 2002, p. 241.
372 ZOLLER, Elisabeth. La Bonne Foi en Droit International Public. Paris: Éditions A. Pedone, 1977.
pp. 202-205.
373 ZOLLER, Elisabeth, La Bonne Foi en Droit International Public, 1977, p. 205.
374 ZOLLER, Elisabeth, La Bonne Foi en Droit International Public, 1977, p. XXI.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 159

Seguindo a noção de interpretação sustentada neste estudo, quer-nos


parecer que o princípio da boa-fé determina que os Estados signatários de
um dado tratado, na construção de sentido a partir de seu texto, não buscarão
eximir-se do cumprimento das obrigações assumidas e nem atribuir obrigações
não pactuadas à(s) outra(s) parte(s).
Nessa assentada o princípio da boa-fé estaria ligado ao princípio pacta
sunt servanda, na medida em que asseguraria o cumprimento do tratado pelos
signatários375. Segundo Valerio de Oliveira Mazzuoli, o princípio da boa-fé
seria “parte integrante da regra pacta sunt servanda, que se consubstancia no
compromisso de respeito e fidelidade por parte daquele em que determinada
ação é questionada, pressupondo sempre a abstenção de dissimulação, fraude
ou dolo nas relações internacionais para com outrem”376.
A vinculação entre boa-fé e o pacta sunt servanda é extraída da própria
CVDT, já que a regra geral de boa-fé encontra-se prevista exatamente no artigo
26, intitulado pacta sunt servanda, segundo o qual “todo tratado em vigor obriga
as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”.
Todavia, há que se divergir de Valerio de Oliveira Mazzuoli, na passagem
acima transcrita, apenas para mudar a relação entre a boa-fé a o princípio pacta
sunt servanda.
De fato, como bem assinala Flávio Rubinstein “o escopo das obrigações
jurídicas derivadas da boa-fé é bastante mais amplo do que o pacta sunt servanda.
A verificação de que há obrigações internacionais antes mesmo da conclusão
dos tratados, bem como de que há obrigações advindas de outras fontes de
direito internacional, corroboram tal asserção”377.
Nesta assentada, o pacta sunt servanda é que seria uma consequência da
boa-fé, e não o contrário.
Nos estritos lindes deste trabalho, todavia, as duas noções seriam
equivalentes, já que estamos tratando de um momento em que o tratado já se
encontra vigente.

375 Cf. ENGELEN, Frank, Interpretation of Tax Treaties under International Law, 2004, p. 125; VISSCHER,
Charles de, Problèmes D’interprétation Judiciaire em Droit International Public, 1963, p. 50.
376 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, pp. 139-140.
377 RUBINSTEIN, Flávio. Interpretação e Aplicação dos Acordos de Bitributação: o Papel da Boa-fé
Objetiva. Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo, n. 3, jun. 2006, p. 70.

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160 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Ademais, o princípio da boa-fé está relacionado com o do efeito útil dos


tratados, entendido no sentido de que “o tratado deve ser interpretado no sentido
de produzir efeito útil, isto é, realizar o objetivo por ele visado”, sendo certo,
portanto, que na hermenêutica das normas internacionais “a própria boa-fé
exclui a interpretação que torne uma cláusula sem significação, ou ineficaz”378.
Com isso, a adoção de meios consensuais de solução de conflitos
interpretativos seria uma forma de concretização do princípio da boa-fé, na
medida em que demonstraria o interesse das partes em alcançar uma harmonia
interpretativa em relação ao tratado.

3.6. MEIOS PARA A SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERPRETAÇÃO


Tendo em vista as características do fenômeno hermenêutico, conforme
delineado no segundo capítulo e ao longo deste, é possível que de um mesmo
texto de um tratado internacional sejam construídas duas ou mais normas
jurídicas passíveis de justificação.
É o mesmo fenômeno que ocorre no direito interno, mas com uma
diferença fundamental: neste âmbito, há nos diversos sistemas jurídicos um
órgão cuja função é a interpretação/aplicação do direito em caráter definitivo,
ou seja, um órgão ao qual cabe a determinação de qual entre as n normas
extraíveis de um texto x deve ser efetivamente considerada como aplicável a
um dado caso concreto.
Salvo o caso do Direito Comunitário379, essa não é a situação do direito
internacional, o qual tem como característica a inexistência de cortes de aplicação
que se coloquem de forma coativa aos membros da comunidade internacional.
Assim, as diferentes interpretações de um tratado internacional por parte
dos Estados contratantes pode gerar um conflito a ser solucionado na esfera
internacional.
Veja-se que a existência de interpretações dissonantes por parte dos
Estados signatários de uma dada convenção implica que, sob a ótica das
partes envolvidas a(s) demais esteja(m) cometendo um ilícito internacional,

378 Cf. ACCIOLY, Hildebrando, Tratado de Direito Internacional Público, 1956, pp. 628 e 629.
379 Ver: CASELLA, Paulo Borba. Comunidade Européia e seu Ordenamento Jurídico. São Paulo: Ltr, 1994.
pp. 119-121; DROMI, Roberto; EKMEKDJIAN, Miguel A.; RIVERA, Julio C., Derecho Comunitario,
1996, p. 590; CASTILLO, Antonio López. Constitución e Integración. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1996. p. 45-62.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 161

já que a interpretação divergente da(s) outra(s) parte(s) poderia significar o


inadimplemento das obrigações assumidas no âmbito do tratado.
Diante desses comentários, acolhem-se as palavras de Francisco Rezek
quando caracteriza os conflitos internacionais nos seguintes termos:
Chamaremos de conflito ou litígio internacional todo “desacordo sobre
certo ponto de direito ou de fato”, toda “contradição ou oposição de
teses jurídicas ou de interesses entre dois Estados”. Esse conceito,
formulado há quase oitenta anos pela Corte de Haia, parece bastante
amplo e tem o mérito de lembrar-nos que o conflito internacional não
é necessariamente grave ou explosivo, podendo consistir, por exemplo,
em mera diferença quanto ao entendimento do significado de certa
norma expressa em tratado que vincule dois países. A palavra conflito
tem talvez o inconveniente de trazer-nos ao espírito a ideia de um
desacordo sério e carregado de tensões, mas é preferível, por seu largo
alcance, ao termo litígio, que faz perder a imagem daqueles tantos
outros desacordos que se trabalham e resolvem em bases diplomáticas
ou políticas, e mesmo daqueles que importam confrontação armada.380
Note-se que estamos tratando aqui de um conflito entre os Estados
signatários do tratado, já que concordamos com Jorge Miranda quando
este afirma que “embora formalmente internacionais”, conflitos entre um
indivíduo e um Estado, por entender aquele que teve um direito violado, não
são materialmente internacionais, já que lhes falta “dimensão ou relevância
na perspectiva da comunidade internacional; apenas conflitos entre entidades
coletivas internacionais são significativos para efeitos jurídicos específicos”381.
O direito internacional oferece meios pacíficos de solução de controvérsias
que podem ser utilizados pelas partes em um tratado para solucionar
divergências que eventualmente surjam no processo de interpretação/aplicação
do pacto internacional.

380 REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 327. Charles Rousseau caracteriza este tipo de
divergência como sendo de ordem jurídica (Cf. ROUSSEAU, Charles. Droit International Public.
Paris: Librarie du Recueil Sirey, 1953. p. 477). Tratando do mesmo tema, sob a ótica do Direito
Tributário Internacional, Igor Mauler Santiago afirma que “os conflitos atinentes ao direito
tributário internacional decorrem basicamente, não exclusivamente, da interpretação dos
tratados contra a dupla tributação internacional. Pode ser que um país interprete o tratado
de um jeito, um outro contratante de outra maneira, e aí, apesar do tratado que se voltava
a evitar a dupla tributação, ou que se voltava a evitar a dupla não-tributação, teremos dupla
tributação ou dupla não-tributação” (SANTIAGO, Igor Mauler. Arbitragem Tributária Interna
e Internacional. Revista Internacional de Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 6, jul-dez 2006,
p. 126).
381 MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Internacional Público, 2002, p. 254.

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162 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Tais meios de solução de controvérsias normalmente são classificados em


diplomáticos, políticos e jurisdicionais382. Tendo em vista estarmos aqui no campo
das soluções às divergências hermenêuticas ocorridas no âmbito do direito
internacional, não cuidaremos dos meios coercitivos de solução de controvérsias
entre os Estados contratantes383.
Destaque-se, por fim, que não há qualquer hierarquia entre os diversos
métodos pacíficos de solução de controvérsias, os quais podem ser livremente
eleitos pelas partes envolvidas em determinado conflito (exceção feita ao
inquérito que, como veremos, é necessariamente prévio à aplicação de outro
método)384.

3.6.1. MEIOS DIPLOMÁTICOS


Os meios diplomáticos são instrumentos interestatais de solução de
controvérsias, dos quais podem participar apenas os Estados envolvidos ou
estes e terceiros, que atuam de forma a buscar a solução pacífica da divergência.
Enquadram-se nessa categoria: (a) a negociação; (b) o sistema de consultas;
(c) os bons ofícios; (d) a mediação; (e) a conciliação; e (f ) o inquérito.
A negociação entre as partes, sem a intervenção de terceiros, é quase
sempre o ponto de partida para a solução pacífica de controvérsias na esfera
internacional385, afirmando Dinh, Daillier e Pellet que a mesma corporifica um

382 Cf. REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 330-357; PEREIRA, Bruno Yepes, Curso de
Direito Internacional Público, 2006, p. 200-211; SANTIAGO; Igor Mauler. Métodos de Solução
de Conflitos Fundados em Convenções contra a Dupla Tributação da Renda. In: TÔRRES,
Heleno (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
p. 673; HUSEK, Carlos Roberto, Curso de Direito Internacional Público, 2006, pp. 222-227;
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004. v. II. p. 1426. Essa classificação é acolhida por Valerio de Oliveira Mazzuoli, que
acrescenta uma quarta categoria, a dos meios quase-jurisdicionais de solução de controvérsias,
onde se enquadraria a arbitragem (Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito
Internacional Público, 2006, pp. 625-627). Para uma análise das distintas classificações dos
meios pacíficos de solução de controvérsias, ver: ARANA, Josycler. Uma Breve Apresentação
dos Meios Pacíficos de Solução de Controvérsias no Direito Internacional na Atualidade. In:
ARANA, Josycler; CACHAPUZ, Rozane da Rosa (Coords.). Direito Internacional: Seus Tribunais
e Meios de Solução de Conflitos. Curitiba: Juruá, 2007. pp. 152-153.
383 Sobre o tema, ver: ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público, 1995,
pp. 331-337; MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, pp.
1459-1468.
384 Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 624; SANTIAGO,
Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, p. 122;
REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 329.
385 Afirma Hildebrando Accioly que “o meio usual, o geralmente o de melhores resultados para
a solução de divergências entre Estados, é o da negociação direta entre as partes” (ACCIOLY,
Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E do, Manual de Direito Internacional Público, 2000,
p. 401).

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dever dos envolvidos, na medida em que “sendo o estádio básico da obrigação de


resolver pacificamente os conflitos internacionais e a condição para o emprego
de procedimentos mais técnicos, a obrigação de negociar tem um fundamento
consuetudinário”386.
O sistema de consultas, consiste na “troca de opiniões, entre dois ou mais
governos interessados direta ou indiretamente num litígio internacional, no
intuito de alcançarem uma solução conciliatória”387. Nada mais é o sistema de
consultas que uma forma de negociação direta entre os interessados.
Os bons ofícios consistem na intervenção de um terceiro que tem por
finalidade possibilitar um acordo entre as partes, por exemplo, buscando a
reabertura de uma negociação que tenha sido interrompida. No caso dos bons
ofícios o terceiro não atua diretamente na solução da controvérsia, buscando
viabilizar que as partes cheguem à mesma por si próprias388.
Assim como nos bons ofícios, na mediação a solução pacífica de dada
controvérsia depende da intervenção de um terceiro, o qual neste caso tem uma
atuação mais extensiva, indo além da abertura do caminho para a negociação
entre as partes. Na mediação o terceiro “se torna parte ativa das negociações
e se coloca à frente do problema a fim de, juntos, tentar resolver o conflito da
melhor forma possível para as partes envolvidas no litígio”389.

386 DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2003, p. 844.
Ver também: SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos
Conflitos, 2006, pp. 124-126; MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Internacional Público, 2002, p.
262; GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 553; ARAÚJO,
Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público, 1995, p. 317; RODRÍGUEZ CARRÍON,
Alejandro J. Lecciones de Derecho Internacional Públicos. 6. ed. Madrid: Tecnos, 2006. p. 505.
387 Cf. ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E do, Manual de Direito Internacional Público,
2000, p. 405; SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos
Conflitos, 2006, p. 124; REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 333; ARAÚJO, Luis Ivani
de Amorim, Curso de Direito Internacional Público, 1995, p. 319.
388 Cf. GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 553; ACCIOLY,
Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E do, Manual de Direito Internacional Público, 2000, p.
402; MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 1428; DINH,
Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2003, p. 849; REZEK, J.
F., Direito Internacional Público, 2000, p. 332; SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional:
Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, p. 126; ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito
Internacional Público, 1995, p. 318; VERDROSS, Alfred, Derecho Internacional Publico, 1955, p. 347;
SCELLE, Georges. Droit International Public. Paris: Les Éditions DomatMontchrestien, [s/d]. p. 536;
RODRÍGUEZ CARRÍON, Alejandro J., Lecciones de Derecho Internacional Públicos, 2006, pp. 506-507.
389 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 628. Ver também:
DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2003, p.
-849; MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, pp. 1459-
1468; MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Internacional Público, 2002, p. 262; GOUVEIA, Jorge
Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 554; SANTIAGO, Igor Mauler, Direito
Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, pp. 127-128; ARAÚJO, Luis

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164 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A conciliação internacional se difere da medição apenas pelo fato de que,


neste caso, ao invés da intervenção apenas de um terceiro Estado temos a
participação de uma comissão de conciliação390.
Por fim, temos o inquérito, o qual se caracteriza como um instrumento
preliminar para a apuração dos fatos envolvidos em determinada controvérsia,
os quais servirão de base para a sua solução mediante o uso de qualquer dos
outros métodos391.

3.6.2. MEIOS POLÍTICOS


Quando se fala em meios políticos de solução de controvérsias no âmbito
internacional faz-se referência a um esforço de organismos internacionais
(Organização das Nações Unidas, Organização dos Estados Americanos, União
Europeia, MERCOSUL, etc.) na solução da divergência392.

3.6.3. MEIOS JURISDICIONAIS


Normalmente classificam-se como instrumentos jurisdicionais de solução
pacífica de controvérsias a arbitragem internacional e a submissão de um dado
caso a um tribunal internacional.
Segundo Alexandre Freitas Câmara, a arbitragem “é um meio de solução de
conflitos alternativo à via judiciária caracterizado por dois aspectos essenciais: são
as partes da controvérsia que escolhem livremente quem vai decidi-la, os árbitros, e
são as partes que conferem a eles o poder e a autoridade para proferir tal decisão”393.

Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público, 1995, p. 318; VERDROSS, Alfred, Derecho
Internacional Publico, 1955, p. 348; ROUSSEAU, Charles, Droit International Public, 1953, p. 480;
SCELLE, Georges, Droit International Public, [s/d], p. 536.
390 Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, pp. 628-629;
PEREIRA, Bruno Yepes, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 203; SANTIAGO, Igor
Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, pp. 128-129;
REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 335; GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito
Internacional Público, 2005, p. 554; DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito
Internacional Público, 2003, p. 852; RODRÍGUEZ CARRÍON, Alejandro J., Lecciones de Derecho
Internacional Públicos, 2006, p. 507.
391 Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 629; PEREIRA, Bruno
Yepes, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 203; SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário
Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, p. 129-130; REZEK, J. F., Direito Internacional
Público, 2000, p. 336; GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, p. 554;
DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2003, p. 850.
392 Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, pp. 630-633;
PEREIRA, Bruno Yepes, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 203-205; SANTIAGO, Igor
Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, pp. 130-135;
REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, pp. 336-338; GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de
Direito Internacional Público, 2005, p. 554; DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain,
Direito Internacional Público, 2003, pp. 855-878.
393 CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. pp. 9-10. Ver
ainda: SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Arbitragem – Uma Nova Visão. Revista Tributária e de Finanças

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 165

A arbitragem internacional não diverge dessa formatação básica,


consistindo na solução de um conflito por árbitros escolhidos pelas partes
envolvidas, ou por um terceiro pelas mesmas determinado, comprometendo-se
aquelas a aceitar a decisão pelos mesmos tomada394.
Com efeito, segundo o artigo 37 da Convenção para a Solução Pacífica dos
Conflitos, “a arbitragem internacional tem por objeto resolver litígios entre os
Estados por meio de juízes de sua escolha e na base do respeito do direito”395.
Embora a decisão no processo arbitral seja obrigatória para as partes, a
mesma carece de força executória, o que, nas palavras de Francisco Rezek, “quer
dizer que seu fiel cumprimento queda na dependência da boa fé e da honradez das
partes, destacadamente do Estado que sucumbe por força da decisão do árbitro”396.
Assim, mesmo sendo induvidosa hoje a relativização da noção de
soberania397, a aplicação das normas internacionais ainda depende, em grande
medida, do consentimento dos Estados398.

Públicas, São Paulo, n. 58, set.-out. 2004, pp. 226-227.


394 Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 634; PEREIRA,
Bruno Yepes, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 206; ACCIOLY, Hildebrando;
NASCIMENTO E SILVA, G. E do, Manual de Direito Internacional Público, 2000, p. 417; GOUVEIA,
Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, pp. 555-557; SANTIAGO, Igor Mauler,
Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, pp. 136-154; DINH, Nguyen
Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2003, pp. 884-904; MIRANDA,
Jorge, Curso de Direito Internacional Público, 2002, p. 263; MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de
Direito Internacional Público, 2004, p. 1441; 736-737; DIENA, Julio, Derecho Internacional Público, 1946,
p. 470; MUNIZ, Antônio Walber Matias. O Direito Internacional visto pelos Tribunais Internacionais:
Corte Permanente de Arbitragem. In: ARANA, Josycler; CACHAPUZ, Rozane da Rosa (Coords.).
Direito Internacional: Seus Tribunais e Meios de Solução de Conflitos. Curitiba: Juruá, 2007. p. 87;
RODRÍGUEZ CARRÍON, Alejandro J., Lecciones de Derecho Internacional Públicos, 2006, p. 510.
395 Cf. ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público, 1995, p. 327.
396 REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 345.
397 Sobre a noção de soberania compatível com a pós-modernidade, ver: PEREIRA, Antônio Celso Alves.
Soberania e Pós-Modernidade. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Coord.). O Brasil e os Novos
Desafios do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. pp. 619-662. Sobre a relativização da
soberania no âmbito do Direito Comunitário, ver: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, [s/d]. pp. 766 e 767; ARESPACOCHAGA, Joaquín
de. Planificación Fiscal Internacional. 2. ed. Barcelona: Marcial Pons, 1998. p. 40; CASTILLO, Antonio
López. Constitución e Integración. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996. p. 31; STERN,
Klaus. Derecho del Estado de la Recpublica Federal Alemana. Tradução Javier Pérez Royo e Pedro Cruz
Villalón. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1987. p. 874. Sobre a relativização da soberania
como natural ao próprio conceito de soberania: MELLO, Celso D. de Albuquerque. O § 2° do art.
5° da Constituição Federal. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio
de Janeiro: Renovar, 1999. p. 22; RUFFIA, Paolo Biscaretti de. Direito Constitucional. Tradução Maria
Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 59; ROSENTEL, Francis. El Princípio de la
Supranacionalidad. Tradução Fernando Murillo Rubiera. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1967.
p. 43. Sustentando conceito absoluto de soberania, as penas clássicas de Hermann Heller (HELLER,
Hermann. La Soberanía Tradução Mario de la Cueva. México: Fondo de Cultura Económica, 1995. p.
289) e Jellinek (JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. Tradução Fernando de los Ríos. México:
Fondo de Cultura Económica, 2000. p. 433).
398 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000. p. 12.

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166 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A solução judiciária de conflitos Internacional se dá mediante a submissão


da contenda a uma corte internacional permanente.
Com efeito, em face da inexistência de um poder supranacional que
imponha sua decisão sobre as nações soberanas, a justiça internacional depende
da aquiescência dos próprios Estados em se submeterem às decisões das cortes
internacionais. O principal tribunal Internacional é a Corte Internacional de
Justiça, em Haia, instalada no ano de 1920399.

3.6.4. REQUISITOS DE VALIDADE DAS DECISÕES TOMADAS


NOS MEIOS PACÍFICOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
SOB O PRISMA BRASILEIRO

A adoção dos meios pacíficos de solução de controvérsias pode resultar na


edição de um novo tratado internacional, de cunho meramente interpretativo, o
qual veicula a interpretação autêntica das partes sobre determinada disposição
de convenção entre as mesmas celebrada.
Insta destacar que tais tratados, por terem cunho meramente interpretativo,
não necessitam de aprovação congressual para serem ratificados.
Com efeito, encontrando-se o tratado interpretativo nos limites herme-
nêuticos da tratado interpretado, há que se entender que a autorização legislativa
já havia sido conferida, não se requerendo a intervenção do Congresso no
processo de celebração do novo tratado400.

399 Cf. REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, pp. 3346-357; DINH, Nguyen Quoc; DAILLER,
Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, 2003, pp. 907-917; SANTIAGO, Igor Mauler,
Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, pp. 154-168; GOUVEIA,
Jorge Bacelar, Manual de Direito Internacional Público, 2005, pp. 557-560. Sobre a corte, ver:
CASELLA, Paulo Borba; MÜLLER, Leonardo. Corte Internacional de Justiça. In: ARANA, Josycler;
CACHAPUZ, Rozane da Rosa (Coords.). Direito Internacional: Seus Tribunais e Meios de Solução
de Conflitos. Curitiba: Juruá, 2007. pp. 279-325.
400 Segundo Francisco Rezek, “quando proporcionada pelas próprias partes pactuantes, a
interpretação se diz autêntica. A voz das partes, no caso, é a dos respectivos governos, visto que
tribunais e parlamentos não se exprimem na cena internacional. Essa interpretação autêntica
pode tomar a forma de um novo acordo, de índole puramente interpretativa: é este um dos
poucos casos em que um sistema constitucional como o do Brasil pode tolerar o acordo
executivo, não sujeito à aprovação do Congresso Nacional” (REZEK, J. F., Direito Internacional
Público, 2000, p. 90). Essa mesma lição é encontrada em Hildebrando Accioly, para quem
“pode dizer-se que existe um princípio geralmente admitido e contra o qual nada há de opor:
é que ninguém tem mais competência para interpretar um tratado do que as próprias partes
contratantes: são estas os intérpretes naturais dos tratados. Sua interpretação, aliás, é chamada
autêntica, não só por ser dos próprios autores, mas ainda no sentido de que é certa e digna de
crédito, por provir de quem tinha mais autoridade para fornecê-la. Assim, quando elas adotam
uma interpretação, não se deve procurar outra” (ACCIOLY, Hildebrando, Tratado de Direito
Internacional Público, 1956, pp. 624-625). Clovis Bevilaqua evidencia que apenas a interpretação
levada a efeitos pelos Estados contratantes tem caráter autêntico, não tendo tal caráter, por

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 167

Em relação aos meios jurisdicionais de solução de controvérsias, a


arbitragem e a submissão à jurisdição das cortes internacionais, tem-se em
ambos os casos a necessidade de que a sua utilização esteja prevista em tratado.
No que tange ao compromisso arbitral, ou estará ele já inserido no tratado
onde a controvérsia teve origem ou terá o mesmo que ser pactuado em nova
convenção, caso em que o referendo congressual será exigido401.
A seu turno, como dito anteriormente a submissão dos Estados à jurisdição
das cortes internacionais é facultativa402, de forma que também nesse caso seria
necessária a prévia aprovação congressual de tratado que vincule o Brasil às
decisões proferidas pelas mesmas.

3.6.5. SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS A RESPEITO DA INTERPRETAÇÃO


DE TRATADOS INTERNACIONAIS: COMPETÊNCIA TÉCNICA DO
PODER EXECUTIVO
Como já mencionado anteriormente, um dos grandes problemas
enfrentados na interpretação dos tratados internacionais consiste na diversidade
de atores que participam de tal processo hermenêutico.
É particularmente problemática a atuação dos órgãos jurisdicionais de cada
país na tarefa interpretativa, já que os tribunais variam em termos estruturais
de Estado para Estado.
Além disso, principalmente em países como o Brasil, onde a
internacionalização jurídica não tem base em regras constitucionais e não
vem sendo fomentada pelo Judiciário, como se infere das posições adotadas
pelo Supremo Tribunal Federal nas situações em que chamado a se manifestar
sobre tal questão (conforme destacado no capítulo primeiro), tem-se sempre
a possibilidade de decisões sobre a interpretação de tratados internacionais

exemplo, a interpretação feita pelos tribunais: “A divergência, no modo de compreender uma


cláusula de tratado, pode ser resolvida por sentença arbitral, e essa decisão, aceita pelos Estados
divergentes, importa em interpretação autentica.
Poderá acontecer que os tribunais tenham de fazer aplicação do tratados e as suas decisões
o interpretam, em relação à espécie controvertida. Mas essa interpretação refere-se, tão
somente, aos casos submetidos aos tribunais, que podem alterar sua jurisprudência. Não é uma
interpretação autêntica” (BEVILAQUA, Clovis. Direito Público Internacional. 2. ed. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1939. t. II. pp. 25-26).
401 Cf. ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público, 1995, p. 329; MELLO,
Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 1444.
402 REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, p. 351.

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168 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

desgarradas dos debates desenvolvidos no âmbito do Direito Internacional


Público.
Já salientamos que diante da usual abertura dos textos normativos à criação
de normas jurídicas distintas, porém igualmente justificáveis, cabe sempre a
determinado órgão fixar a interpretação que se tornará efetiva, enquanto as
demais permanecerão apenas potenciais. Regra geral tal papel é exercido pelas
cortes judiciais.
Na esfera internacional, contudo, cabe a tarefa de concretização dos
conteúdos do direito internacional não aos Poderes Judiciários de cada país,
mas sim às partes contratantes.
Considerando o caso brasileiro, é atribuição exclusiva do Poder Executivo,
ad referendo do Congresso Nacional, celebrar tratados, de forma que a
interpretação autêntica acordada entre o Estado brasileiro e a outra parte se
impõe aos tribunais judiciais do país, não podendo estes discordarem da
conclusão a que chegaram as partes. É como destaca Celso de Albuquerque
Mello: a interpretação autêntica das partes é obrigatória para os tribunais403.
Nessa assentada, caso tenha surgido um conflito interpretativo entre o
Estado brasileiro e o outro Estado contratante, tendo o mesmo sido solucionado
por qualquer dos métodos antes mencionados, devem os órgãos internos de
aplicação do direito pautarem suas decisões pela interpretação à qual o Brasil
se vinculou na arena internacional, não podendo escolher atribuir ao tratado
significado distinto.
Veja-se bem, a interpretação que vincula as cortes internas é aquela chegada
após a utilização de um dos meios de solução de controvérsias antes examinados
e não aquela apresentada unilateralmente pelo Poder Executivo404.

403 MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 257.
404 Em sentido contrário é a lição de Lafayete Rodrigues Pereira: “O poder judiciário é obrigado a
cumprir e observar nas suas decisões e julgados as cláusulas dos tratados que contém princípios
e regras referentes aos assuntos de sua competência, como são as que consagram disposições
sobre o direito criminal, sobre direitos e interesses particulares. No desempenho deste dever
é evidente que ele não pode deixar de interpretar as cláusulas dos tratados, porque ninguém
pode executar e aplicar leis ou contratos sem previamente entende-los. É esta a interpretação
denominada usual, a qual entra na atribuição de toda autoridade, a quem incumbe executar
leis e convenções.
Mas se ocorrerem dúvidas sobre a inteligência das cláusulas por obscuridade, lacuna,
amphibologia ou impropriedade de expressão; se o governo entende que o poder judiciário
dá aos tratados inteligência errônea, ou se a inteligência pelo mesmo poder dada, é contestada
pela nação que é parte no tratado: ao governo, que é órgão das relações exteriores, compete
indubitavelmente fixar a inteligência que reputa verdadeira e o poder judiciário é obrigado a

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 169

Assim, ato interpretativo interno emanado pelo Poder Executivo pode


ser questionado perante o Poder Judiciário em decorrência de seus efeitos
exclusivamente internos405.
Em resumo, nos casos em que a interpretação de um tratado internacional
decorreu da utilização de um dos meios de solução de controvérsias, essa
interpretação deve vincular os órgãos internos de interpretação/aplicação,
inclusive as cortes judiciais, as quais, todavia, não se subordinam aos atos
interpretativos unilaterais emanados pelo Poder Executivo (essa questão será
discutida adiante, no item 8.2.2, tendo como foro específico a questão das
CDTRs).

segui-la e observar nas suas decisões. [...]” (PEREIRA, Lafayete Rodrigues. Princípios de Direito
Internacional. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1902. pp. 348-349).
405 Asseveram Dihn, Dailler e Pellet: “[...] as autoridades nacionais são freqüentemente levadas a
interpretar os tratados em que o Estado é parte, quando surgem dificuldades de aplicação não
na esfera internacional, mas na ordem interna. Então o problema põe-se principalmente perante o
juiz interno”. (DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público,
2003, p. 260).

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4

A Questão das
Qualificações na Teoria
Geral do Direito e no
Direito Internacional
Privado

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O termo qualificação é utilizado na teoria geral do direito e, especialmente,


no campo do Direito Internacional Privado, adquirindo por vezes significados
aproximados, como denotativo de subsunção do fato à norma jurídica, como
distintos, dadas as especificidades do Direito Internacional Privado.
Tendo em vista a já referida importância atribuída à questão das qualificações
no Direito Tributário Internacional, é relevante examinarmos previamente as
discussões acerca da matéria nas áreas acima, para posteriormente, no sexto
capítulo, tratarmos da questão nesta arena específica.
A fim de fundamentarmos melhor a posição acolhida nesta tese,
iniciaremos com a análise da questão da qualificação na teoria geral do direito.

4.1. INTERPRETAÇÃO OU QUALIFICAÇÃO DOS FATOS? ABORDAGEM


A PARTIR DAS PREMISSAS ADOTADAS

Partindo da separação entre os momentos de interpretação da norma


jurídica e sua aplicação, há autores que sustentam uma distinção entre
interpretação e qualificação. Enquanto a primeira seria a compreensão dos
sentidos possíveis de um determinado texto, a segunda consistiria na valoração
de um dado fato de acordo com o resultado da interpretação. Posição nesse
sentido é adotada, por exemplo, por Ricardo Lobo Torres, para quem:
O fato concreto apenas é valorado de acordo com a lei, ou qualificado
segundo as categorias estabelecidas pela norma ou, como prefere
Reale, é objeto de uma “qualificação normativa”. Se a aplicação do
direito reveste sempre a forma de silogismo, subsume-se o fato em
uma das interpretações possíveis da norma. Entre a interpretação
da norma e a qualificação do fato há, por conseguinte, uma relação
de subsunção, que não é meramente lógico-formal, mas também
valorativa, o que às vezes, como anota Perelman, permite que o juiz
abuse da qualificação para modificar a interpretação.406
Essa distinção entre interpretação da norma e qualificação dos fatos
também é encontrada na obra de Ricardo Guastini:
Os problemas de interpretação (que significa causar a morte de
um homem?) e os problemas de qualificação da hipótese (o tal
fato constitui homicídio?) são logicamente equivalentes. Contudo,

406 TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, pp.
309-310.

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174 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

deve-se destacar que a escolha de tratar um certo problema como de


interpretação ou, ao contrário, como problema de qualificação, não é
destituída de efeitos práticos, já que em alguns sistemas jurídicos os
problemas de qualificação (questões “de fato”) são de competência de
um corpo de jurados, enquanto os problemas interpretativos são de
competência da corte; em outros sistemas jurídicos (como o sistema
italiano vigente), existem juízes, como na Corte de cassação, cuja
jurisdição está circunscrita somente às questões “de direito”.407
Segundo José de Oliveira Ascensão:
Qualificar é determinar a categoria jurídica em que dada realidade
se integra.
As partes celebram um contrato, ajustaram as suas pretensões. Que
espécie de contrato é esse? É uma compra e venda? É uma sociedade?
Quer as partes o tenham nominado quer não, isto não é definitivo,
pois é a lei quem determina qual a qualificação adequada. Não se vão
aplicar as regras da locação a um empréstimo só porque as partes lhe
chamaram locação.
[...]
Como dissemos, este trabalho de qualificação é em regra necessário e
prévio à aplicação da norma ao caso singular. Podemos efetivamente
generalizar: há qualificação sempre que se determina a categoria típica
correspondente a uma situação concreta.408
Alberto Xavier também distingue interpretação e qualificação:
Embora reconheçamos que interpretação e aplicação do direito são
operações interdependentes, como que de solução circular, envolvendo
fases sucessivas de adequação das normas à realidade, nem por isso
pomos em causa que a interpretação é um fenômeno conceitualmente
distinto da aplicação, precedendo-a logicamente.
Concordamos com Baptista Machado e Isabel de Magalhães Collaço
quando afirmam que a qualificação de um quid pressupõe a prévia
interpretação do conceito utilizado pela fonte qualificadora. [...]409

407 GUASTINI, Ricardo, Das Fontes às Normas, 2005, p. 73. A separação entre interpretação e aplicação
para Guastini aparece também em: GUASTINI, Ricardo, Teoria e Dogmatica delle Fonti, 1998, p. 9.
408 ASCENSÃO, José de Oliveira, Introdução à Ciência do Direito, 2005, pp. 600-601.
409 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, pp. 141-142.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 175

Por fim, destaca-se posição, neste mesmo sentido, manifestada por Isabel
de Magalhães Collaço:
Ao estudar a problemática da interpretação de determinadas
categorias de conceitos técnico-jurídicos, não se há de esquecer, por
certo, que a interpretação de dado conceito, em si mesma, se não
confunde com aquela operação que se traduz em subsumir nesse
conceito um certo substrato concreto – ou seja, com a qualificação
de algo à luz desse conceito.
Em princípio, não parece difícil distinguir os planos em que hão de
mover-se essas duas atividades. A interpretação cifra-se em definir
por via geral e abstrata todos os possíveis conteúdos de um dado
conceito, enquanto a qualificação, incidindo sobre um quid concreto e
traduzindo-se por uma decisão de espécie, contende já com a aplicação
da norma de direito.410
Quer-nos parecer que essa linha de entendimentos não é compatível
com a posição por nós adotada no segundo capítulo deste estudo.
Com efeito, registramos entendimento no sentido de que o processo
hermenêutico jurídico envolve o texto normativo, o intérprete e os fatos
em questão, rejeitando-se a ideia de que o texto seria interpretado de forma
autônoma para somente após ser aplicado aos fatos411.
Esse entendimento parece-nos inquestionável, ao menos no que se
refere à interpretação/aplicação por um órgão de aplicação, ou seja, um órgão
qualificado para criar uma norma jurídica individual e concreta que vincule os
interessados412.

410 COLLAÇO, Isabel de Magalhães. Da Qualificação em Direito Internacional Privado. Lisboa: [s.n.],
1964. p. 142-143. Ver, ainda: GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble
Imposición Internacional, 2006, p. 1-2; PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica, Fontes, 2000, pp. 45-
-46; RIBES RIBES, Aurora, Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional: Interpretación,
Procedimiento Amistoso y Arbitrage, 2003, p. 37; PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho Financiero y
Tributario. 10. ed. Madrid: Civitas, 2000. p. 96; BERGEL, Jean-Louis, Teoria Geral do Direito, 2001, p.
399; SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das Isenções Tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. pp. 191-192; BELLAN, Daniel Vitor. Direito Tributário Internacional: Rendimentos
de Pessoas Físicas nos Tratados Internacionais contra a Dupla Tributação da Renda. São Paulo:
Saraiva, 2010. pp. 55-56.
411 Ver: CAMARGO, Maria Margarida Lacombe, Hermenêutica Jurídica e Argumentação: Uma
Contribuição ao Estudo do Direito, 2001, pp. 21-22; NEVES, A. Castanheira, O Actual Problema
Metodológico da Interpretação Jurídica – I, 2003, pp. 344-345.
412 Vale a pena destacar a lição de Hans Kelsen, para quem “se por ‘interpretação’ se entende a
fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação
jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e,
consequentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem.

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176 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Nesse caso, o(s) sentido(s) do texto é(são) criado(s) tendo em considerações


os fatos em questão, não havendo fundamento para se distinguir a interpretação
jurídica da qualificação dos fatos.
Há que se ter em conta, portanto, a distinção estabelecida por Ricardo
Guastini entre a interpretação judicial (leia-se, a interpretação realizada por um
órgão de aplicação) e a interpretação doutrinária. Em suas palavras:
Foi observado que a abordagem judicial e a abordagem doutrinária
(ou dogmática) da interpretação são diferentes sob um aspecto
interessante. A interpretação doutrinária é uma interpretação
“orientada para os textos”, já que os juristas habitualmente se
perguntam (ao menos assim se supõe) qual é o significado de um
certo texto normativo “em abstrato”, isto é, sem referência a um caso
particular concreto ao qual a norma deva ser aplicada. A interpretação
judicial, pelo contrário, é uma interpretação “orientada para os fatos”,
já que o raciocínio judicial é sempre impulsionado por um preciso caso
particular concreto: os juízes não se perguntam qual é o significado
de um texto normativo “em abstrato”, mas se perguntam se um dado
caso particular cai, ou não, dentro do campo de aplicação de uma
certa norma. [...].413
Seguindo essa ordem de raciocínio, sob um prisma hermenêutico parece
descabida a distinção entre interpretação e qualificação, principalmente quando
se estiver diante da interpretação/aplicação realizada por um órgão de aplicação.
Como destaca Eros Roberto Grau, “a norma é produzida, pelo intérprete, não
apenas a partir de elementos colhidos no texto normativo (mundo do dever-
-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será aplicada – isto é, a
partir de dados da realidade (mundo do ser)”414. Sobre este ponto é importante
trazer à colação a seguinte passagem de Lenio Streck:

Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução
como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que – na medida em que
apenas sejam aferidas pela lei a aplicar – têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne
Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito – no ato do tribunal, especialmente. Dizer
que uma sentença judicial é fundada na lei, não significa, na verdade, senão que ela se contém
dentro da moldura ou quadro que a lei representa – não significa que ela é a norma individual,
mas apenas que é uma das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura
da norma geral” (KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, p. 467). Sobre a dinâmica passagem
da norma geral para a norma individual, ver: KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado.
Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000. pp. 195-198.
413 GUASTINI, Ricardo, Das Fontes às Normas, 2005, p. 73.
414 GRAU, Eros Roberto, Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002, p. 79.

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Já de há muito se sabe que a hermenêutica filosófica (fenomenologia


hermenêutica) superou a problemática do método e as consequências
epistemológicas daí decorrentes. Interpretar é aplicar. Applicatio
significa o ponto de estofo do sentido, em que fato é norma e norma é
fato. Ou seja, é evidente que não há só textos: o que há são normas
(porque a norma é o resultado da interpretação do texto). Mas também
não há somente normas, porque nelas está contida a normatividade que
abrange a realização concreta do Direito. No plano de uma hermenêutica
jurídica de cariz filosófico, a norma será o locus do acontecer (Ereignen)
da efetiva concretização dos direitos previstos na lei (compreendida
na diferença ontológica existente entre texto e norma e vigência e
validade).
Deixemos bem claro: interpretação e aplicação são coisas inseparáveis.
Pensar o contrário é resvalar nos dualismos próprios da metafísica.
Toda a compreensão hermenêutica pressupõe uma inserção no
processo de transmissão da tradição. Há um movimento antecipatório
da compreensão, cuja condição ontológica é o círculo hermenêutico.
Ao falarmos da interpretação jurídica, devemos falar em interpretação
jurídico-contreta (factual). [...].415
A linha teórica acolhida neste trabalho, portanto, é incompatível com a
pretensão de se segregar a interpretação do texto normativo da interpretação
(“qualificação”) dos fatos. Ambas as atividades cognoscitivas desenvolvem-se
no horizonte cultural do intérprete/aplicador, no campo de sua pré-compreensão,
implicando-se mutuamente. Ao criar a norma, o intérprete/aplicador já levou
em conta os fatos, que influenciaram em sua construção de sentido a partir do

415 STRECK, Lenio Luiz, A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo


pelo (neo)constitucionalismo, 2005, p. 162. Conforme leciona Atahualpa Fernandez:
“Particularmente forçada é a unidade entre interpretação e aplicação; o caso passa a ser parte
de um ‘todo vivo’, onde o interpretar é conhecer e decidir: a aplicação (a concretização) de
comandos normativos é, assim, indissociável da compreensão da norma diante da situação atual
e particular do intérprete. E uma vez que a compreensão é experiência e compreender é sempre
também aplicar, isto implica dizer que: a) a tarefa da interpretação, como forma explícita do
compreender, consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação a uma concreta
realidade e na particular situação do intérprete; b) a aplicação não é um ‘ato’ complementário
ou uma etapa derradeira e eventual do fenômeno da compreensão, mas um elemento que
a determina desde o princípio em seu conjunto; e c) afinal, a interpretação (jurídica) de um
texto e sua aplicação a um caso concreto não são dois atos separados e estanques, senão um
processo unitário, um continuum, compondo uma indivisível e solidária unidade metodológica”
(FERNANDEZ, Atahualpa. Argumentação Jurídica e Hermenêutica. Campinas: Impactus, 2006. p.
126). Ver também: VERNENGO, Roberto J. Curso de Teoría General del Derecho. Buenos Aires: De
Palma, 1995. pp. 409-410; CUNHA, José Ricardo, Fundamentos Axiológicos da Hermenêutica
Jurídica, 2002, p. 338.

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texto, sendo inviável a segregação desses dois momentos, salvo em casos como
os mencionados por Ricardo Guastini na primeira passagem antes transcrita,
nos quais órgãos ou pessoas distintas estão encarregados da interpretação das
questões de fato e de direito.
Como brevemente mencionado anteriormente, a questão das qualificações
tem papel de destaque no campo do Direito Internacional Privado, sendo que
os teóricos do Direito Internacional Tributário foram lá buscar o substrato
para a importação da questão das qualificações para o campo da interpretação
das CDTRs, sendo muito comum falar-se em qualificação nesta seara (a este
tema será dedicado o sexto capítulo).
Por tal razão, justifica-se a análise dos debates acerca da qualificação no
campo do Direito Internacional Privado, o que se passa a fazer a seguir.

4.2. A QUALIFICAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO


A fim de compreendermos o papel da qualificação no Direito Internacional
Privado insta falarmos um pouco de seu objeto.
Segundo Clovis Bevilaqua, decorre o Direito Internacional Privado de
dois fatores principais: o comércio internacional, significativo aqui da existência
de fatos jurídicos plurilocalizados, ou seja, passíveis a serem reconduzidos à
legislação de distintos países por intermédio de elementos de conexão; e a
diversidade de leis416.
Segundo Irineu Strenger, além desses dois fundamentos (comércio
internacional e divergência legislativa que pode levar ao conflito de leis no
espaço), haveria um terceiro, referente ao fato de os países aceitarem, em algumas
circunstâncias, a aplicação extraterritorial do direito estrangeiro417.
Como destaca Luís Ivani de Amorim Araújo, há certa discrepância nas
opiniões dos estudiosos acerca do objeto do Direito Internacional Privado, sendo
certo que enquanto uns o pretendem apenas um direito de conflitos, voltado para
a solução de conflitos de normas no espaço, pretendem outros incluir no seu

416 BEVILAQUA, Clóvis. Princípios Elementares de Direito Internacional Privado. Campinas: Red Livros,
2002. p. 7.
417 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. 6. ed. São Paulo: Ltr., 2005. pp. 30-31.

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objeto questões como a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro e o


direito adquirido em determinado Estado418.
Sem querer tomar posição a respeito desta questão, que foge ao escopo
deste estudo, destacamos tão somente que para os propósitos aqui pretendidos
analisaremos o Direito Internacional Privado apenas como um direito de conflitos,
partindo da assertiva de Oscar Tenório no sentido de que “a rigor, o direito
internacional privado trata de conflitos de leis que emanam de soberanias
diferentes”419.
Semelhante colocação da disciplina do Direito Internacional Privado é
posta por Haroldo Valladão, para quem aquele “vista solucionar o conflito de leis
no espaço, isto é, regular os fatos em conexão, no espaço, com leis autônomas
e divergentes”420.
Sob esse ângulo, portanto, o Direito Internacional Privado corresponderia
ao conjunto de princípios e regras destinados a determinar a qual ordenamento
jurídico se submeterá a regência de dada situação plurilocalizada421.
Embora a função do Direito Internacional Privado esteja vinculada à
determinação da legislação regente de determinado fato vinculado a mais
de um ordenamento jurídico por um dado elemento de conexão, sendo,
portanto, internacional sob este prisma, insta destacar que tal ramo jurídico
é essencialmente interno, de modo que as regras para a solução dos conflitos
são editadas pelos Estados, não havendo, ainda hoje, uma rede internacional
aplicável de forma uniforme422.

418 ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: PROCAM,
1998. p. 14. Ver, ainda: STRENGER, Irineu, Direito Internacional Privado, 2005, pp. 39-57;.
419 TENÓRIO, Oscar. Direito Internacional Privado. 11. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1976. v. I.
p. 13.
420 VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980.
v. I. p. 4.
421 Segundo A. Ferrer Correia, “o Direito Internacional Privado (DIP) é o ramo da ciência jurídica
onde se definem os princípios, se formulam os critérios, se estabelecem as normas a que deve
obedecer a pesquisa de soluções adequadas para os problemas emergentes das relações
privadas de caráter internacional. São essas relações (ou situações) aquelas que – expressão
de uma atividade jurídica que se não comporta nas fronteiras de um único Estado – entram em
contato, através de seus elementos, com diferentes sistemas de direito. Não pertencem a um
só domínio ou espaço legislativo: são relações ‘plurilocalizadas’” (CORREIA, A. Ferrer. Lições de
Direito Internacional Privado. Coimbra: Almedina, 2000. v. I. p. 11).
422 Nas palavras de Jacob Dolinger: “A principal fonte do Direito Internacional Privado é a legislação
interna de cada sistema, razão porque não cabe falar em direito internacional, uma vez que a
autoria de suas regras é interna e não internacional. Denota-se assim a perfeita distinção entre o
Direito Internacional Público e o Direito Internacional Privado, pois enquanto aquele é regido
primordialmente por Tratados e Convenções, multi e bilaterais, controlada a observância

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Dessa forma, o Direito Internacional Privado brasileiro, por exemplo,


dispõe acerca da legislação aplicável a determinada situação fática vinculada
tanto ao Brasil como a outro país por um elemento de conexão423.
Ao analisar a estrutura da norma de conflitos, A. Ferrer Correia enuncia
que a mesma é composta por três partes: o objeto da conexão, o elemento de
conexão e a consequência jurídica424. Em suas palavras:
O objeto (ou categoria) da conexão (aquilo que se conexiona ou conecta
com determinada lei: a lei que no caso concreto for designada pelo
elemento de conexão da norma) é definido por meio de um conceito
técnico-jurídico, o chamado conceito-quadro da regra de conflitos. É

de suas normas por órgãos internacionais e regionais, já o Direito Internacional Privado é


preponderantemente composto de normas produzidas pelo legislador interno. [...].
Em matéria de conflitos de leis produziu-se efetivamente uma rica obra convencional,
especialmente na segunda metade do século XX, mas considerável parte das convenções
aprovadas não vigora por falta de número mínimo de ratificações, ou vigora em número reduzido
de países e assim, via de regra, as soluções encontradas nas normas internas de cada sistema
sobre a aplicação da lei no espaço. A obra convencional figura como pano de fundo, de valor
teórico, refletida na opinião da doutrina e na produção jurisprudencial” (DOLINGER, Jacob.
Direito Internacional Privado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 6).
423 Esclarecedora a lição de Nádia de Araújo, a qual, mesmo longa, vale a pena ser textualmente
transcrita: “Vive-se hoje em um mundo globalizado e instantâneo. As pessoas físicas e jurídicas
não mais circunscrevem as suas relações às fronteiras de um único Estado, e do ponto de vista
das atividades comerciais e pessoais essas fronteiras são, por vezes, irrelevantes. A maioria dos
indivíduos, sem mesmo se dar conta, vê-se envolvida em situações jurídicas transnacionais,
como quando se compra um objeto de um site sediado no estrangeiro. No plano pessoal, famílias
inteiras passam a viver no exterior, de forma temporária – durante uma viagem de turismo -,
ou definitiva – por força de migração voluntária ou forçada, como no caso dos refugiados. É
preciso disciplinar todas essas situações jurídicas, sendo esta a finalidade do DIPr: dar soluções
aos problemas advindos das relações privadas internacionais. Nesses casos, há necessidade
de uma regulamentação própria. Cada Estado possui, inserido em seu ordenamento jurídico,
um conjunto de regras para resolver as questões atinentes a essas situações multiconectadas.
A aplicação de leis estrangeiras, por força dessas regras especiais, é hoje um princípio de
direito comum às nações. Todos os países permitem que nas relações privadas internacionais
seja aplicado o direito estrangeiro no caso concreto, quando determinado pelo sistema de
DIPr, excluindo-se, nesse momento, as normas internas sobre a matéria. Pretende-se atingir a
harmonia jurídica internacional, assegurando a continuidade e a uniformidade de valoração
das situações plurilocalizadas, além do interesse da boa administração da justiça. Cada vez mais
está subjacente ao conflito de leis a questão do conflito de civilizações. A diferença do DIPr
em relação ao direito interno, é, tão-somente, a existência de um elemento de estraneidade
na relação, quando há um elo com o direito material de um Estado estrangeiro, além daquele
no qual a questão está sendo julgada. Diante dessa pluralidade de sistemas jurídicos, ocorre o
conflito de leis no qual a situação jurídica poderá ser regulada por mais de um ordenamento.
As situações multiconectadas possuem características próprias e distintas das situações internas,
necessitando de regulamentação específica. A determinação dos sujeitos do DIPr serve para
distinguir o objeto dessa disciplina da do Direito Internacional Público, o qual, na sua forma
clássica, se dedica às relações entre Estados” (ARAÚJO, Nadia, Direito Internacional Privado, 2006,
pp. 29-31).
424 CORREIA, A. Ferrer, Lições de Direito Internacional Privado, 2000, p. 179. Ver, ainda: BAPTISTA
MACHADO, João. Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis. Coimbra: Almedina, 1970.
p. 191.

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no âmbito traçado por tal conceito que opera a conexão escolhida pela
norma, sendo esta conexão representada, como dissemos, por um dos
elementos ou circunstâncias da factualidade concreta. Ao elemento
de conexão cabe a tarefa de “localizar” a situação jurídica num espaço
legislativo determinado: de a “situar”, pelo que toca à valoração de
tal ou tal dos seus aspectos ou perfis, no quadro de um certo sistema
de direito. Quanto à consequência jurídica, por último, ela consiste
justamente na declaração de aplicabilidade de preceitos jurídico-
-materiais da lei que for designada pelo elemento de conexão.425
Ao se tratar da qualificação no Direito Internacional Privado estamos no
campo do primeiro dos elementos estruturantes acima mencionados, no campo
do objeto da conexão.
Com efeito, ao falarmos em objeto da conexão estamos lidando com a
situação plurilocalizada em exame, seja ela o casamento, o divórcio, a sucessão, a
celebração de um contrato, etc., sendo certo que a aplicação da regra de conflitos
e a determinação da lei a ser aplicada ao caso concreto depende da recondução
de certo fato ao ordenamento jurídico cujo Direito Internacional Privado será
aplicado. Por exemplo, para que se apliquem as regras brasileiras de conflitos
a respeito do casamento a dada situação tem-se que estabelecer se a mesma,
ocorrida fora do Brasil, é qualificável como casamento. É neste campo que se
fala em qualificação426.
Segundo Jabob Dolinger, “a qualificação é um processo técnico-jurídico
sempre presente no direito, pelo qual se classifica ordenadamente os fatos da
vida relativamente às instituições criadas pela Lei ou pelo Costume, a fim de
bem enquadrar as primeiras nas segundas”427.
Já Irineu Strenger enuncia que “toda regra jurídica tem uma hipótese e
uma disposição, e as regras de direito internacional privado não fogem a essa
estrutura; mas a hipótese de direito internacional privado é uma categoria
jurídica. Desse modo, toda vez que temos de indagar qual é o direito (se

425 CORREIA, A. Ferrer, Lições de Direito Internacional Privado, 2000, p. 179.


426 Haroldo Valladão lecionava que em face “dos termos genéricos com que a grande maioria
das normas de DIP se refere às relações jurídicas, estado, capacidade, direitos de família,
de sucessões, bens, forma, etc., põe-se, também, no DIP o problema das qualificações, da
classificação, do enquadramento, da ‘characterization’, da questão suscitadora do conflito
de leis no espaço, para saber se entra em um ou outro daqueles grupos ou categorias jurídicas”
(VALLADÃO, Haroldo, Direito Internacional Privado, 1980, p. 253).
427 DOLINGER, Jacob, Direito Internacional Privado, 2001, p. 361.

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nacional ou estrangeiro) aplicável a uma relação, devemos primeiro determinar


qual a regra de conflitos aplicável e para isso temos que classificar a instituição
previamente”428.
Vê-se, portanto, que a ideia de qualificação no Direito Internacional
Privado nos remete à “interpretação” de determinados fatos, a fim de que os
mesmos possam ser subsumidos à regra de conflitos, definindo-se a lei aplicável.
Nessa assentada, podemos fazer aqui a mesma crítica apresentada quando
examinamos a questão da interpretação do direito versus a interpretação dos fatos,
no item 1 acima.
Com efeito, a teoria das qualificações parte da premissa de que se interpreta
em primeiro lugar a regra de conflitos e, após, qualificam-se os fatos envolvidos
em dado caso de forma a se verificar se tais fatos podem ser reconduzidos àquela
categoria previamente estipulada.
Reiteramos aqui os comentários anteriores e, adaptando-os à realidade
do Direito Internacional Privado, podemos afirmar que a dita qualificação de
nada mais se trata do que a interpretação/aplicação da regra de conflitos de
cada país, sendo a separação entre interpretação do direito e qualificação dos
fatos um resquício do formalismo jurídico.
Assim, pode-se asseverar não ser possível falarmos em qualificação no
campo do processo de interpretação/aplicação da regra de conflitos.
Todavia, parece-nos justificável a utilização do termo qualificação para
fazer referência ao resultado da construção de significado do objeto da conexão em
cada um dos ordenamentos jurídicos.
Com efeito, um dos grandes problemas enfrentados pelo Direito
Internacional Privado é exatamente a divergência acerca do objeto da conexão,
resultado da interpretação/aplicação da lei interna de cada país. Este resultado
é exatamente a qualificação.
Tomemos o exemplo da questão da personalidade. Digamos que a
legislação do país A determine que a personalidade começa com o nascimento
com vida, enquanto a legislação do país B estabelece que a personalidade
depende da viabilidade e da forma humana do nascituro. Dados determinados
fatos, ambas as leis internas seriam interpretadas/aplicadas, de forma a se
concluir se em dado caso reconhecer-se-ia ou não a personalidade jurídica.

428 STRENGER, Irineu, Direito Internacional Privado, 2005, p. 374.

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Neste momento não há o que se falar em qualificação, mas sim


interpretação/aplicação do direito interno dos países A e B.
Ao cabo do processo interpretativo, haverá uma decisão pela existência
ou não da personalidade e, aí sim, pode-se falar em qualificação para fins da
aplicação da norma de conflitos que tenha a existência da personalidade como
aspecto de sua hipótese de incidência.
Seguindo essa linha de entendimentos tem-se que a qualificação é um
instituto específico da regra de conflitos, nada tendo que ver com a suposta
separação entre interpretação do direito e “interpretação” dos fatos. Na verdade,
não se qualificam fatos, mas sim se qualificam interpretações ocorridas no direito
interno de cada Estado, dentro dos critérios estabelecidos pela regra de conflitos.
Se a qualificação é, então, o resultado do processo de interpretação/
aplicação do direito interno de cada país, teremos um conflito de qualificações
sempre que o mesmo indicar resultados distintos, ou seja, por exemplo, quando
o país A entender que houve casamento e o país B entender que não houve
casamento429.

4.3. CONCLUSÃO DO PRESENTE CAPÍTULO


A inserção deste capítulo nesta tese teve o propósito de apresentar
nossa visão acerca da qualificação na Teoria Geral do Direito e no Direito
Internacional Privado, e a razão de tal preocupação reside no fato de que
fenômeno bastante semelhante ocorre no campo das CDTRs.
A posição aqui defendida afasta a noção de qualificação como interpretação
dos fatos a serem subsumidos a uma norma jurídica previamente interpretada.
Assim, consideramos que a interpretação/aplicação do direito já leva em conta
os fatos envolvidos em determinada controvérsia, de modo que não se justificaria
a separação dos momentos de interpretação e aplicação do direito, tão ao gosto
dos formalismos metodológicos hoje superados.

429 Nas palavras de Jacob Dolinger “como dizem Loussouarn e Bourel, a escolha da lei a ser chamada
para governar uma relação jurídica dependerá da etiqueta que se lhe coloque em função de
sua natureza jurídica. François Rigaux explica que o conflito de qualificação pressupõe uma
situação litigiosa submetida a juízes de Estados diferentes, que possuem as mesmas regras de
conflito de leis, mas, por não atribuírem o mesmo significado aos conceitos utilizados (estado
da pessoa, sucessões), acabarão conectando a mesma situação a sistemas jurídicos diferentes”
(DOLINGER, Jacob, Direito Internacional Privado, 2001, p. 363).

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Em assim sendo, a qualificação seria um fenômeno particular do Direito


Internacional Privado que, dentro de certos parâmetros, é identificada também
no Direito Tributário Internacional, mediante o qual se determina qual a
caracterização jurídica de um fato dentro de um ordenamento jurídico ao cabo
do processo hermenêutico. Destaque-se uma vez mais: tal qualificação se dá
no intérprete mediante a consideração simultânea de fato e texto legal, não
sendo um procedimento de subsunção de um fato a uma categoria extraída
previamente do texto.
Recusando-se, portanto a definição da qualificação como sinônimo de
subsunção, acreditamos que seria apropriado usar tal significante para referir
ao fenômeno particular do Direito Internacional Privado consistente na
interpretação da regra de conflitos a partir do resultado da interpretação das
regras de direito material de cada país juntamente com os fatos em questão.

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5

A Interpretação
das CDTRs

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Como destacado logo na introdução deste estudo, grande parte dos


trabalhos sobre a interpretação das CDTRs busca desenvolver um método
hermenêutico que permita uma interpretação harmônica e uniforme das
mesmas pelos Estados contratantes. Tal desiderato, contudo, mostra-se difícil
de ser alcançado.
De fato, como se buscou demonstrar nas páginas que antecederam este
capítulo, não há métodos que garantam a correção do processo hermenêutico,
do qual somente se pode exigir uma coisa: uma justificação que busque assegurar
a adesão dos demais intérpretes.
Tendo essa premissa em mente, passarei à análise das questões específicas
relativas à interpretação das CDTRs, partindo do exame da aplicação das
disposições contidas na CVDT em tal processo.

5.1. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO CONTIDAS


NA CVDT NO PROCESSO HERMENÊUTICO DAS CDTRS
Uma primeira discussão que deve ser enfrentada no exame da interpretação
das CDTRs consiste na aplicabilidade ou inaplicabilidade das regras contidas
na CVDT neste campo.
A importância deste debate deve ser dimensionada tendo em consideração
os comentários que foram antes apresentados a respeito das regras de
interpretação, as quais têm um papel apenas relativo na tentativa de hierarquizar
os topoi que serão considerados pelo intérprete em sua atividade hermenêutica.
É nesse sentido que as regras constantes na CVDT devem ser
compreendidas, como catálogo de topoi 430 que se põe à disposição do
intérprete431, sem, todavia, pavimentar a estrada da interpretação correta ou

430 Vale a pena lembrar a noção de topoi, examinada no segundo capítulo, valendo-nos das palavras
de Daniel Sarmento: “O conceito de topoi é fundamental para a compreensão da tópica. Os
topoi configuram lugares comuns na argumentação discursiva, que não vinculam o juiz, mas
apenas apresentam-lhe alternativas possíveis para a solução de determinado problema. São,
em suma, diretrizes retóricas reveladas pela experiência, que objetivam servir de fio condutor
para a descoberta de uma resposta razoável para o caso concreto. A decisão, na tópica, resulta
no confronto dialético entre os diversos topoi pertinentes ao caso, devendo prevalecer aquele
que contribuir para a construção da solução mais justa.
Os topoi não são certos ou errados, mas apenas mais ou menos adequados para a solução
de determinado problema. Assim, o estilo tópico é essencialmente casuístico e prático, não
se assentando sobre verdades apodíticas e incontroversas, mas sobre premissas razoáveis”
(SARMENTO, Daniel, A Ponderação de Interesses na Constituição Federal, 2002, p. 129).
431 Nesse sentido parece ser também o entendimento de Giovanni B. Galli e Anna Miraulo (Cf.
GALLI, Giovabbi B.; MIRAULO, Anna. [Italian Report]. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International:

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188 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

limitar as alternativas hermenêuticas que a moldura do texto convencional


eventualmente lhe coloque.
Deixando de lado essa questão, observa-se a existência de divergência
acerca da aplicação ou não das disposições constantes na CVDT às CDTRs,
havendo quem sustente que a especificidade destas últimas exigiria uma
metodologia própria, de forma que os elementos de interpretação previstos no
artigo 31 da primeira seriam aqui de pouca valia432.
Posição desse sentido é sustentada, por exemplo, por J. M. Calderón
Carrero, para quem “as características específicas das CDTRs parecem requerer
o emprego de umas regras especiais de interpretação que não coincidem
propriamente com as internacionais ou com as propriamente internas”433.
Essa linha de entendimento não parece refletir o melhor exame da
matéria..Com efeito, não cremos que se possa afirmar que as CDTRs tenham
uma metodologia hermenêutica própria, embora não se possa desconsiderar
que, isso sim, a sua interpretação considere um catálogo de topoi particular.
Nada obstante, tal fato não faz com que os elementos de interpretação
previstos na CVDT sejam inaplicáveis às CDTRs, até mesmo porque tais
elementos, como visto, não são peculiares à interpretação de tratados internacionais.
Assim, na interpretação das CDTRs, como na interpretação de qualquer
texto jurídico, partir-se-á da moldura textual, levando-se em consideração os
interesses que se buscou tutelar e os fins que se procurou alcançar, tomando-se
em conta, ainda, os valores que fundamentam a norma, o histórico que pautou
sua edição, assim como o contexto em que se encontra inserida.
Dessa forma, creio não haver argumentos que suportem entendimento
no sentido de que as CDTRs, sendo tratados internacionais como quaisquer
outros, encontram-se excluídas do campo das regras de interpretação previstas
na CVDT. O que se pode afirmar, em linha com o sustentado neste estudo, é

Interpretation of Double Taxation Conventions. Deventer: Kluwer Law International, 1993. v.


LXXVIIIa. p. 396).
432 Sobre o tema, ver: RIBES RIBES, Aurora, Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional:
Interpretación, Procedimiento Amistoso y Arbitrage, 2003, p. 81.
433 CALDERÓN CARRERO, J. M. [Art. 3º.]. In: Comentários a los Convenios para Evitar la Doble
Imposición y Prevenir la Evasión Fiscal Concluidos por España. A Coruña: Fundación Pedro Barrié de
la Maza, 2004. p. 173, apud GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble
Imposición Internacional, 2006, p. 16. Ver, também: CALDERÓN, José M.; DOLORES PIÑA, M.,
Interpretation of Tax Treaties, 1999, p. 380; PIRES, Manuel. [Portuguese Report]. In: IFA. Cahiers
de Droit Fiscal International: Interpretation of Double Taxation Conventions. Deventer: Kluwer
Law International, 1993. v. LXXVIIIa. pp. 530-531.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 189

que tais regras, assim como quaisquer outras regras de interpretação, têm função
extremamente limitada no que tange ao controle da atividade do intérprete.
Assim sendo, embora, conforme aponta a doutrina, as CDTRs sejam uma
espécie de tratado cuja aplicação em âmbito doméstico se faz sentir de forma
acentuada, por funcionarem as mesmas como limites à tributação dos Estados
contratantes434, tal fato não pode obscurecer a caracterização das mesmas como
tratados internacionais. Como destaca Luís Eduardo Schoueri, “acordos de
bitributação pertencem ao direito internacional público. Uma vez promulgados,
por meio de Decreto (‘ordem de execução’ – ‘Anwendungsbefehl’), são adotados
pelo ordenamento interno, sem, entretanto, perder sua natureza internacional”435.
Seguindo essa linha de entendimento, a doutrina majoritária reconhece a
aplicação das regras de interpretação presentes na CVDT às CDTRs436. Assim

434 Cf. GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble Imposición Internacional,
2006, pp. 8-9.
435 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário Internacional. Acordos de Bitributação. Imposto de
Renda: Lucros Auferidos por Controladas e Coligadas no Exterior. Disponibilidade. Efeitos do
Artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35 – Parecer. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo,
n. 16, 2001, p. 193.
436 Cf. DEUTSCH, Robert; ARKWRIGHT, Roisin; CHIEW, Daniela. Principles and Pratice of Double
Taxation Agreements. London: BNA International, 2008. p. 6; GARBARINO, Carlo, Manuale
di Tassazione Internazionale, 2005, p. 173; GOUTHIÈRE, Bruno, Les Impôts dans les Affaires
Internationales, 1989, p. 125; HEINRICH, Johannes; MORITZ, Helmut, Interpretation of Tax Treaties,
2000, p. 147; GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble Imposición
Internacional, 2006, p. 17; TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de
Empresas, 2001, p. 650; ARESPACOCHAGA, Joaquín de, Planificación Fiscal Internacional, 2002,
pp. 114-115; SCHOUERI, Luís Eduardo, Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro, 2006,
p. 261; CALIENDO, Paulo, Estabelecimentos Permanentes em Direito Tributário Internacional, 2005,
p. 264; RIBES RIBES, Aurora, Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional: Interpretación,
Procedimiento Amistoso y Arbitrage, 2003, pp. 81-82; SILVEIRA, Rodrigo Maitto da, Aplicação de
Tratados Internacionais contra a Bitributação: Qualificação de Partnership Joint Ventures, 2006,
p. 114; VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 66; BELLAN, Daniel Vitor,
Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005, p. 613; XAVIER, Alberto,
Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p.135; CHICO DE LA CÁMARA, Pablo, Interpretación
y Calificación de los Convenios de Doble Imposición Internacional, 2001, p. 131; REIMER, Ekkehart,
Tax Treaty Interpretation in Germany, 2000, p. 122; HOFBAUER, Ines. Tax Treaty Interpretation
in Austria. In: LANG, Michael (ed.). Tax Treaty Interpretation. London: Kluwer Law International,
2000. pp. 22-23; BIZIOLI, Gianluigi. Tax Treaty Interpretation in Italy. In: LANG, Michael (ed.).
Tax Treaty Interpretation. London: Kluwer Law International, 2000. p. 208; BORGES, Ricardo
Henriques da Palma; RESENDE, Raquel Maria Maymone. Tax Treaty Interpretation in Portugal.
In: LANG, Michael (ed.). Tax Treaty Interpretation. London: Kluwer Law International, 2000. pp.
284-285; JONES, John F. Avery. Tax Treaty Interpretation in the United Kingdom. In: LANG, Michael
(ed.). Tax Treaty Interpretation. London: Kluwer Law International, 2000. p. 362; BAKER, Philip,
Double Taxation Conventions, 2005, p. E-2; LEHNER, Moris. Interpretation of Tax Treaties According
to German Theory and Practice. In: VOGEL, Klaus (Org.). Interpretation of Tax Law and Treaties and
Transfer Pricing in Japan and Germany. The Hague: Kluwer Law International, 1998. p. 90; PIRES,
Manuel, International Juridical Double Taxation of Income, 1989, pp. 229-230; WOUTERS, Jan;
VIDAL, Maarten. The International Law Perspective. In: MAISTO, Guglielmo (Org.). Tax Treaties
and Domestic Law. Amsterdam: IBFD, 2006. p. 14; LEONARDOS, Gabriel Francisco, Tributação
da Transferência de Tecnologia, 2001, p. 47; SANDLER, Daniel. Tax Treaties and Controlled Foreign

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190 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

sendo, é possível remeter o leitor aos comentários apresentados ao longo do


terceiro capítulo deste estudo acerca dos dispositivos da CVDT.
Outra questão que merece ser examinada consiste em esclarecer se o fato
de tratarem as CDTRs de matéria fiscal implica em alguma especificidade
hermenêutica, aspecto que será analisado a seguir.

5.2. NATUREZA FISCAL DAS CDTRS


Em um sistema tributário como o brasileiro, regido pelo princípio da
legalidade, um dos postulados que rege as CDTRs consiste no princípio do
efeito negativo dos tratados, em razão do qual se determina que a função de tais
convenções consiste na delimitação da competência tributária de cada um dos
Estados contratantes, não sendo, contudo, veículos de introdução de regras de
incidência tributária437.
Como destaca Kees van Raad, “a tributação de determinada renda tem
previsão na legislação interna, enquanto que o tratado tem por finalidade
apenas limitar tal tributação. Dessa forma, o cerne da questão não é se um
tratado contém alguma regra que permita a tributação, mas se há nele alguma
disposição que proíba a aplicação irrestrita da legislação tributária interna”438.
Todavia, tal aspecto não faz com que tais convenções percam sua
natureza de veículos introdutórios de regras tributárias439, de modo que não

Company Legislation. 2nd. ed. London: Kluwer Law International, 1998. p. 54; BORRÁS, Alegria,
La Doble Imposición: Problemas Jurídico-Internacionales, 1974, pp. 102-103; AULT, Hugh J. The
Role of the OECD Commentaries in the Interpretation of Tax Treaties. Intertax, Amsterdam, Apr.
1994, p. 144; SINCLAIR, Ian. [Panel Discussion of Seminar B at IFA Congress in London held on
11 September 1985. Interpretation of Tax Treaties]. Bulletin for International Taxation, Amsterdam,
1986, p. 75; ZILVETI, Fernando Aurelio; TORO, Carlos Eduardo Costa M. A.; BRITO, Bianca Maia
de. Interpretação de Tratados Internacionais. In: DE SANTI, Eurico Marcos Diniz; ZILVETI, Fernando
Aurelio; MOQUERA, Roberto Quiroga (Coords.). Tributação Internacional. São Paulo: Saraiva,
2007. pp. 133-135; OKUMA, Alessandra. As Convenções para Evitar a Dupla Tributação e Elisão
Fiscal e os Meios de Solução de Controvérsia. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito
Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2007. v. IV. p. 411.
437 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 111. Para uma análise da
questão tendo em conta diferentes sistemas tributários, ver: BAKER, Philip, Double Taxation
Conventions, 2005, p. B1-B4. Michael Lang, entretanto, pondera que “não existe regra internacional
que proíba a criação de obrigações tributárias a partir de uma CDTR. Na prática, entretanto, CDTRs
servem como limitação a obrigações tributárias. Isso não significa, contudo, que a aplicação de
uma CDTR não possa priorar a posição de um contribuinte” (LANG, Michael, Introduction to the
Law of Double Taxation Conventions, 2010, p. 32).
438 VAN RAAD, Kees. Cinco Regras Fundamentais para a Aplicação de Tratados para Evitar a Dupla-
-Tributação. Tradução Helena de Rezende Grabenweger. Revista de Direito Tributário Internacional,
São Paulo, v. 1, out. 2005, p. 197.
439 Nas palavras de Heleno Tôrres: “As convenções não podem criar novas obrigações tributárias
nem tampouco ampliar as já existentes, como não podem derrogar in totum qualquer disposição

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 191

é despiciendo questionar se tal característica implica qualquer especificidade


em sua interpretação.
A respeito desse aspecto, é relevante destacar que hodiernamente prevalece
o entendimento no sentido de que as normas tributárias não possuem qualquer
especificidade hermenêutica que as diferencie das demais normas jurídicas, razão
pela qual o fato de as CDTRs tratarem de matéria fiscal não implica nenhuma
especificidade metodológica apriorística (o que não quer dizer, vale a pena
reiterar, que a interpretação das CDTRs não deva ter em conta um específico
catálogo de topoi).
Conforme destaca Eusebio González García, “enquanto norma jurídica
ordinária, a norma tributária se interpreta de acordo com os critérios admitidos
em Direito; não é uma norma excepcional; não é uma norma onerosa, nem
é limitativa nem ataca a liberdade nem o patrimônio individuais. A norma
tributária é uma norma jurídica, e como tal se interpreta exatamente como
qualquer outra norma mercantil, processual, civil, etc. [...]”440.

de direito interno, quer do sistema formal, quer a fortiori das garantias aos contribuintes. Elas
buscam tão-só oferecer uma pauta de critérios para resolver possíveis concursos de pretensões
impositivas entre os signatários, uma vez que predispõem um tratamento mais favorável nas
relações que envolvam ‘residentes’ dos respectivos Estados contratantes, apenas quanto aos
rendimentos e tributos nela discriminados.
Visam, desta feita, a permitir uma ampliação eficacial do princípio da segurança jurídica, para
imprimir uma maior certeza do direito para os residentes de um ou do outro Estado contratante
na composição dos seus negócios jurídicos transnacionais que impliquem em formação de
elementos redituais e que, pela estrutura impositiva de ambos os Estados, possam ensejar a
formação de bitributações.
Destarte, a partir do momento da entrada em vigor de uma convenção, todas as relações
tributárias porventura surgidas entre um residente de um dos Estados contratantes ante o outro
Estado contratante, em matéria de tributação de renda ou capital transnacional, passam a ser
regidas, cumulativamente, pelas normas de direito interno e pelas regras convencionais. Assim, o
Estado da fonte aplica a convenção tanto, conforme suas cláusulas, quando dispõe do direito de
tributar, com exclusividade, determinadas categorias de rendas; como quando deve isentar uma
certa categoria reditual ou mesmo limitar as suas alíquotas de retenção na fonte, por exemplo”
(TÔRRES, Heleno Taveira. A Convenção Brasil-Alemanha e sua Aplicação em Face do Direito
Brasileiro. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 83, 2002, p. 104).
440 GONZÁLEZ GARCÍA, Eusebio. La Interpretación de las Normas Tributarias. Pamplona: Aranzadi, 1997.
p. 13. Nesse mesmo sentido: VANONI, Ezio, Natureza e Interpretação das Leis Tributárias, [s/d], pp.
181-182; TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, pp.
48-49; RIBEIRO, Ricardo Lodi, Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, 2003, p. 91; FALCÃO, Amílcar.
Introdução ao Direito Tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. pp. 61-64; LIMA, Maria Ednalva
de, Interpretação e Direito Tributário, 2004. p. 169; ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira, Interpretação
e Aplicação de Normas de Direito Tributário, 2002, p. 175; JARACH, Dino. Finanzas Públicas y Derecho
Tributario. 3. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, [s/d]. p. 393; MARTÍNEZ, Soares. Direito Fiscal. 10.
ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 131; NABAIS, José Casalta. Direito Fiscal. Coimbra: Almedina,
2001. p. 189. Em sentido contrário: VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993,
p. 57. Nesse sentido, abordando especificamente a questão dos tratados tributário: TROTABAS,
Louis; COTTERET. Droit Fiscal. 8. ed. Paris: Dalloz, 1997. p. 97; BECKER, Alfredo Augusto Becker.
Teoria Geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 111.

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192 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

É verdade que, como se depreende da passagem acima transcrita, muitas


das posições hermenêuticas apriorísticas relativas às normas tributárias são
relativas às normas impositivas, de forma que não alcançariam as CDTRs.
Todavia, há quem sustente, por exemplo, que sendo as CDTRs
instrumentos veiculadores de limitações ao exercício da competência tributária
de cada Estado contratante, devem as suas disposições serem interpretadas de
forma literal, “em prol da liberdade fiscal dos Estados”441.
Conforme já destacado, prevalece hodiernamente o entendimento de que
a interpretação jurídica se dá nos marcos do pluralismo metodológico, de forma
que a mesma não se encontra restrita à análise do texto legal, até por que este,
distanciado do contexto, valores, interesses e objetivos que lhe são subjacentes,
pode mostrar-se insuficiente para a construção de sentido442.

5.3. ELEMENTOS DE INTERPRETAÇÃO DAS CDTRS


Os elementos de interpretação dos tratados internacionais foram
examinados no capítulo terceiro deste trabalho. Não se pretende aqui reexaminar
a matéria, mas tão somente pontuar as especificidades das CDTRs no que se
refere aos seus pontos de partida.

5.3.1. O ELEMENTO GRAMATICAL


O elemento gramatical é efetivamente o ponto de partida da interpretação
das CDTRs, a qual tem no texto da convenção seus limites, embora, como bem
pontuado por Gerd Rothmann, não o seu ponto final443.

441 Cf. BAUMGARTNER, Max. Suisse. In: Cahiers de Droit Fiscal International: Interpretation judiciaire
dês conventions de doubles impositions et necessite ou opportunité d’une jurisdiction fiscale
internationale. Zürich: Imprimerie Berichthaus, 1951. v. XVIII. pp. 77-78 e 81, apud, SANTIAGO,
Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, p. 82.
Como noticia Gerd Rothmann, “conforme verifica Van Houtte, a interpretação restritiva dos
acordos internacionais freqüentemente tem sido considerada normal, porque eles sempre
representam uma limitação do princípio da soberania dos Estados. ‘Exceotio est strictissimae
interpretationis’ seria o princípio de interpretação dos tratados internacionais, especialmente
em matéria tributária, na opinião destes autores. Como descreve P. Sibille, no relatório belga
ao 14º Congresso da IFA em Basiléia, nunca se pode perder de vista que cada linha do acordo
interestatal representa uma limitação dos direitos soberanos de um estado” (ROTHMANN, Gerd
W., Interpretação e Aplicação de Acordos Internacionais contra a Bitributação, 1978, p. 179).
442 Cf. VANONI, Ezio, Natureza e Interpretação das Leis Tributárias, [s/d], p. 209; ROTHMANN, Gerd
W., Interpretação e Aplicação de Acordos Internacionais contra a Bitributação, 1978, p. 121; TORRES,
Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006, pp. 153-154.
443 ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e Aplicação de Acordos Internacionais contra a Bitributação,
1978, p. 108.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 193

Ao examinar o elemento gramatical da interpretação dos tratados


internacionais na CVDT, tivemos a oportunidade de destacar que, de acordo
com o item 1 do artigo 31 desta os termos utilizados nos tratados devem ser
compreendidos a partir de seu sentido comum, sendo que o item 4 desse mesmo
dispositivo enuncia que tais termos serão compreendidos a partir de seu sentido
especial caso fique evidenciada que esta era a intenção das partes.
Uma ressalva preliminar que deve ser feita é que no campo das CDTRs
a linguagem especial é a linguagem comum, já que tais tratados são compostos
por termos técnicos que foram se forjando e uniformizando com o passar do
tempo, principalmente a partir da “modelização” das CDTRs.
Nessa linha, muitos especialistas sustentam que a linguagem utilizada nos
modelos de convenção, notadamente a Convenção Modelo da OCDE, aos
poucos foi forjando uma linguagem fiscal internacional, a qual serve em grande
medida ao ideal de harmonização interpretativa. Nas palavras de Klaus Vogel
e Rainer Prokisch, “as Convenções Modelo da Liga das Nações, da OCDE
e das Nações Unidas devem ser consideradas passos no desenvolvimento em
direção da referida linguagem internacional de termos específicos”444.
Corroborando esse entendimento, Rainer Prokisch, em artigo específico
acerca da existência de uma linguagem fiscal internacional, afirma que para fins
de aplicação do disposto no item 1 do artigo 31 da CVDT o sentido comum
dos termos empregados na convenção corresponde a esta linguagem especial,
forjada ao longo dos anos na prática internacional445.
Não se pode, todavia, crer que a dita linguagem fiscal internacional seja
uma realidade, devendo a mesma ser pensada mais como algo em progresso.
De fato, como ressalvam alguns autores, o desenvolvimento de tal linguagem
fiscal internacional depende de uma comparação entre os sistemas tributários
de todos os países446, projeto não facilmente consumável.
Como forma de tentar preservar a harmonia hermenêutica do texto, as
CDTRs trazem em si a definição ou concretização de grande parte dos conceitos

444 VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 62. VAN RAAD, Kees, International
Coordination of Tax Treaty Interpretation and Application, 2002, p. 224; TÔRRES, Heleno,
Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, pp. 659-660; PROKISCH, Rainer.
Does it Make Sense if we Speak of an “International Tax Language”? In: VOGEL, Klaus (Coord.).
Interpretation of Tax Law and Treaties and Transfer Pricing in Japan and Germany. The Hage: Kluwer
Law International, 1998. pp. 103-110.
445 PROKISCH, Rainer, Does it Make Sense if we Speak of an “International Tax Language”?, 1998,
p. 106.
446 Cf. VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 62.

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194 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

e tipos dos quais se vale, de forma que a base textual para a interpretação é de
ordinário encontrada no próprio texto convencional.
Há que se repetir aqui o que já foi dito, no sentido de que a harmonia
hermenêutica é tributária não só da linguagem, mas também e principalmente
do horizonte cultural do intérprete.
Dessa forma, por mais que a remissão ao direito interno de cada um dos
Estados contratantes seja excepcional, conforme se verá adiante, não se pode
deixar de considerar que o intérprete de cada Estado não consegue se distanciar
completamente de sua pré-compreensão no momento da interpretação da
CDTR, como se por um instante passasse a ser um cidadão internacional.
Tal nível de harmonização pode sim ser alcançada, mas apenas no âmbito
da harmonização legislativa que se dá nos processos de integração econômica
e, mesmo assim, não de forma instantânea, mas ao cabo de longos anos de
construção de um ambiente cultural harmônico.
5.3.1.1. O ITEM 2 DO ARTIGO 3º DA CONVENÇÃO MODELO DA OCDE
E O REENVIO AO DIREITO INTERNO DOS ESTADOS CONTRATANTES

Como dito, a remissão ao direito interno dos Estados contratantes é a


exceção, sendo a questão tratada no item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo
da OCDE, cuja redação é a seguinte:
Para a aplicação da Convenção, a qualquer tempo, por um Estado
Contratante, qualquer termo que não esteja aqui definido, a não ser
que o contexto exija interpretação diversa, terá o significado que a esse
tempo lhe for atribuído pela legislação desse país relativa aos tributos
aos quais aplica-se a presente Convenção, prevalecendo o significado
atribuído pelas leis tributárias desse Estado sobre qualquer significado
que lhe atribuam outras leis desse mesmo Estado.
Não me parece que esse dispositivo possa ser enquadrado como uma regra
geral de interpretação, embora a OCDE, em seus Comentários à Convenção
Modelo assim o caracterize447, já que, de fato, tudo o que faz é estabelecer quais
os limites da integração do texto convencional pelo direito interno de cada um
dos Estados contratantes448.

447 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 81.
448 Isso afirma Luís Eduardo Schoueri ao destacar que o alcance do item 2 do artigo 3º das CDTRs
“se restringe à determinação do significado de uma expressão, não definida no acordo de

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 195

Contudo, dada a apenas relativa utilidade de regras interpretativas,


conforme anteriormente destacado, não se sente a falta de um maior
detalhamento do processo interpretativo das CDTRs.
Como se infere da redação desse dispositivo, a regra geral que guia a
identificação do texto que servirá de base para a criação da norma jurídica é
que, em primeiro lugar, deve-se considerar as definições constantes na própria
convenção449. Não havendo definição convencional, parte-se então para a
construção de significado a partir do contexto em que se encontra inserida
a convenção450. Não sendo possível a construção de significado a partir do
contexto, segue-se o reenvio da questão à legislação tributária dos Estados
contratantes. Como salienta Heleno Tôrres, “do texto convencional vai-se ao
seu contexto e deste ao direito interno dos Estados contratantes, sempre que
possível, para alcançar a composição da norma individual e concreta aplicável”451.
Nas hipóteses em que se verifica efetivamente o reenvio ao direito interno
surge a questão relativa a qual direito interno deve ser considerado, o do
momento em que celebrada a CDTR ou o vigente quando da interpretação.
Eis o debate que distingue o reenvio estático ao direito interno do chamado
reenvio dinâmico.
5.3.1.2. REENVIO ESTÁTICO OU DINÂMICO AO DIREITO INTERNO DOS
ESTADOS CONTRATANTES
De acordo com o primeiro ponto de vista (reenvio estático), que prima
pela preservação da intenção original dos Estados contratantes e visa evitar que
o texto da CDTR seja alterado por via indireta em razão da modificação da
legislação interna de um dos Estados contratantes, ao se proceder ao reenvio

bitributação” (SCHOUERI, Luís Eduardo, Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro,


2006, p. 264).
449 Cf. GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble Imposición Internacional,
2006, p. 45; XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 138.
450 Cf. GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble Imposición Internacional,
2006, p. 47; XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 138.
451 TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 640. Nesse
sentido: SOLER ROCH, Maria Teresa; RIBES RIBES, Aurora. Tax Treaty Interpretation in Spain.
In: LANG, Michael (ed.). Tax Treaty Interpretation. London: Kluwer Law International, 2000. p.
312; ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005, pp. 48-49; ROTONDARO, Carmine. The
Application of Article 3(2) in case of Differences between Domestic Definitions of “Associated
Enterprises”. A Problem of Treaty Interpretation and a Proposed Solution. International Transfer
Pricing Journal, Amsterdam, Dec. 2000, p. 168; JONES, John F. Avery. Problems of Categorizing
Income for Tax Treaty Purposes.. In: KIRCHHOF, Paul; LEHNER, Moris; VAN RAAD, Kees; et.al.
(Coords.). International and Comparative Taxation: Essays in Honour of Klaus Vogel. The Hage:
Kluwer Law International, 2002. pp. 10-13.

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196 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

a esta se deve voltar à legislação doméstica conforme se encontrava em vigor


quando da celebração do tratado452.
Já em linha com o reenvio dinâmico, integra-se a CDTR com as
disposições da legislação interna dos Estados contratantes em vigor no momento
da interpretação, preservando-se, assim, a efetividade da própria convenção,
que se mantém atual ao longo do tempo453.
Em princípio, a questão referente à adoção de um modelo estático ou
dinâmico de reenvio ao direito interno deve estar prevista na própria CDTR,
sendo certo que, na falta de regra a respeito na convenção, parece caber ao
intérprete a definição de qual legislação será considerada.
De acordo com as noções acerca da interpretação jurídica seguidas neste
trabalho, a definição do texto normativo objeto da interpretação é também
um topos que deve ser levado em conta pelo intérprete no curso do processo
hermenêutico.
Cabe aos Estados contratantes o dever, concretizável a partir do princípio
da boa-fé que rege a interpretação dos tratados internacionais, de não buscar
uma interpretação que seja contrária ao interesse de ambas as partes formalizado
naquele pacto internacional.
Nessa linha de convicções, cabe aos Estados contratantes, nas hipóteses
de reenvio à legislação interna, decidir e justificar a escolha da lei em vigor no
momento da celebração do tratado ou daquela em vigor quando da interpretação
como ponto de partida para o processo hermenêutico, sendo que é possível até
mesmo que em situações distintas opte-se por soluções diversas.
Aponta-se como principal risco da interpretação dinâmica a possibilidade
de uma modificação unilateral da convenção por um dos Estados contratantes454.

452 Cf. BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, p. E-26; TÔRRES, Heleno, Pluritributação
Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 658; WATTEL, Peter J.; MARRES, Otto. The
Legal Status of the OECD Commentary and Static or Ambulatory Interpretation of Tax Treaties.
European Taxation, Amsterdam, July-Aug. 2003, p. 222; GARCÍA NOVOA, César, Interpretación
de los Convenios de Doble Imposición Internacional, 2006, pp. 60-61; BELLAN, Daniel Vitor,
Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005, p. 640.
453 Cf. BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, p. E-26; TÔRRES, Heleno, Pluritributação
Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 658; WATTEL, Peter J.; MARRES, Otto, The
Legal Status of the OECD Commentary and Static or Ambulatory Interpretation of Tax Treaties,
2003, p. 223; GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble Imposición
Internacional, 2006, p. 61; BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação dos Tratados Internacionais em
Matéria Tributária, 2005, p. 640; XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010,
p.140.
454 Cf. ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 51.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 197

Todavia, tal parece ser o risco não apenas da interpretação dinâmica, mas
de toda e qualquer interpretação convencional.
Na verdade, no momento em que nos separamos das ilusões confortáveis
do formalismo jurídico para cairmos no mundo mais aberto da argumentação
jurídica, a possibilidade de interpretações divergentes ensejarem conflitos passou
a ser intrínseca ao próprio sistema, não sendo a interpretação das CDTRs
diferente neste respeito.
O que se espera neste campo é que as interpretações desenvolvidas pelos
Estados contratantes o sejam dentro dos marcos da boa-fé internacional e que
sejam apresentadas interpretações justificáveis perante o auditório.
Não é despiciendo destacar, com Ekkehart Reimer, que tendo em vista
que apenas o Estado que está aplicando (interpretando/aplicando) o tratado
fará o reenvio ao direito interno, não prevê a regra em comento qualquer forma
de aplicação extraterritorial da legislação dos Estados contratantes455.
A partir de 1995 a Convenção Modelo da OCDE passou a encampar de
forma expressa a teoria do reenvio dinâmico, como se infere da leitura do item
2 do artigo 3º do modelo em vigor (acima transcrito)456.
As convenções celebradas pelo Brasil não possuem uniformidade no que
se refere à redação desse dispositivo.
A maioria das convenções seguem o modelo anterior à alteração de 1995,
não fazendo qualquer opção pela remissão estática ou dinâmica para o direito
interno. Modelo de cláusula nesse sentido temos na Convenção celebrada com
a Bélgica, cuja redação é a seguinte:
Para aplicação da Convenção por um Estado Contratante, qualquer
expressão não definida de outro modo terá, a não ser que o contexto
exija interpretação diferente, o significado que lhe é atribuído pela
legislação desse Estado Contratante relativa aos impostos que são
objeto da Convenção.
Essa cláusula é também encontrada nas CDTRs celebradas com os seguintes
países: Bélgica, Canadá, China, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Filipinas,
Finlândia, França, Holanda, Hungria, Índia, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega,
Repúblicas Tcheca e Eslovaca e Suécia.

455 REIMER, Ekkehart, Tax Treaty Interpretation in Germany, 2000, p. 148.


456 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 81.

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198 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Em um número menor de convenções, celebradas após 1995, encontramos


a reprodução da regra prevista na Convenção Modelo, com o reconhecimento
expresso do reenvio dinâmico ao direito interno. Nesse sentido, veja-se o item
2 do artigo 3º da CDTR celebrada com a África do Sul:
Para a aplicação das disposições da Convenção a qualquer tempo
por um Estado Contratante, qualquer termo ou expressão que
nela não se encontrem definidos terá, a não ser que o contexto
exija interpretação diferente, o significado que a esse tempo lhe for
atribuído pela legislação desse Estado relativa aos impostos que são
objeto da Convenção, prevalecendo os efeitos atribuídos a esse termo
ou expressão pela legislação tributária desse Estado sobre o significado
que lhe atribuam outras leis desse Estado.
Tal cláusula é também encontrada nas CDTRs celebradas com os seguintes
países: Chile, Israel, México, Peru, Portugal e Ucrânia.
Há ainda uma terceira fórmula (aparentemente a mais adequada de todas),
a qual se encontra presente nos tratados celebrados com a Argentina e com
o Equador. Neste caso não há a consagração de uma ou outra sistemática de
reenvio ao direito interno, mas sim a previsão de que, em caso de discordância
entre as partes quanto a tal reenvio a mesma será solucionada mediante um
procedimento amigável entre as partes. Veja-se o item 2 do artigo 3º da CDTR
assinada com a Argentina:
Para a aplicação da presente Convenção por um Estado Contratante,
qualquer expressão que não se encontre de outro modo definida
terá o significado que lhe é atribuído pela legislação desse Estado
Contratante relativa aos impostos que são objeto da presente
Convenção, a não ser que o contexto imponha interpretação diferente.
Caso os sentidos resultantes sejam opostos ou antagônicos, as
autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão,
de comum acordo, a interpretação a ser dada.
Por fim, há uma quarta situação, evidentemente distinta das demais, no
tratado celebrado com a Áustria, o qual simplesmente não possui o item 2 do
artigo 3º.
Resta então um questionamento: nas CDTRs onde se encontra a
consagração da sistemática dinâmica de reenvio ao direito interno, é possível
a consideração da legislação vigente quando da celebração da convenção?

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 199

Creio que mesmo nesses casos a legislação em vigor quando da celebração


do tratado será um elemento importante no processo hermenêutico, sendo um
topos que poderá ser considerado pelo interprete na interpretação do texto e
criação da norma individual e concreta.

5.3.1.3. REENVIO AO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO OU


À LEGISLAÇÃO DO TRIBUTO OBJETO DA CDTR?

O reenvio ao direito interno dos Estados contratantes é sempre visto


como último recurso, já que potencializa a possibilidade de divergência de
interpretações entre as partes457.
Assim, preocupam-se os especialistas com quais os limites do reenvio
previsto no item 2 do artigo 3º. A questão é: na ausência de definição de um
termo pela CDTR e na falta de solução a partir do contexto, a que legislação
interna deve recorrer o intérprete, exclusivamente a legislação do imposto
objeto da convenção ou ao ordenamento jurídico do Estados contratantes
como um todo?
Alguns autores sustentam posição extremada no sentido de que o reenvio
se dá apenas às leis dos impostos objeto da CDTR458.
Outros autores sustentam posição mais razoável, no sentido de que o
reenvio para o direito interno alcança não apenas as leis dos impostos alcançados
pela CDTR, mas também toda e qualquer lei interna que seja necessária na
composição do sentido daquelas459.
A redação atual da Convenção Modelo, como bem percebido por Philip
Baker, adotou essa segunda posição, na medida em que reconhece um reenvio
abrangente ao direito interno, embora destaque que os conceitos extraídos das
leis tributárias dos Estados contratantes devem prevalecer sobre outras leis460.
Essa redação encontra-se incorporada aos tratados celebrados pelo Brasil
com os seguintes países: África do Sul, Chile, Israel, Paraguai, Portugal e
Ucrânia.

457 Cf. VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 75; COELHO, Cristiane.
Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária: doutrina e prática na América
Latina. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário e Ordem Econômica: Homenagem
aos 60 Anos da ABDF. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 705.
458 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, pp. 138-139.
459 Cf. GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble Imposición Internacional,
2006, p. 52; REIMER, Ekkehart, Interpretation of Tax Treaties, 1999, p. 473.
460 BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, p. E-23.

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200 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Nas demais convenções a cláusula de remissão prevista na CDTR


menciona apenas a legislação dos impostos cobertos pelo tratado.
Mesmo nesses casos, parece-me que a cláusula de reenvio não pode ser
interpretada da forma restritiva como pretendem alguns autores.
De fato, partindo da premissa de que o Direito Tributário normalmente
é criado sobre conceitos normativos originários de outras áreas do direito, pode
ser inevitável que, em caso de reenvio ao direito interno, acabe-se por buscar
determinado conceito no campo do Direito Privado. O que se encontra afastado
pela redação atual do item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo é a possibilidade
da utilização da definição de um termo que não se encontra previsto na legislação
tributária, mas exclusivamente em outro campo do ordenamento doméstico de um dos
Estados contratantes, ou ainda a preferência por este em detrimento de um conceito
previsto na legislação tributária.
5.3.1.4. A QUESTÃO DOS PARALLEL TREATIES
Outro ponto controvertido consiste em determinar se outras CDTRs
celebradas pelos Estados contratantes podem ser consideradas direito interno
para fins do reenvio previsto no item 2 do artigo 3º das convenções.
Sem negar função dos ditos parallel treaties como topoi a serem considerados
no processo hermenêutico, parece que os mesmos não devem ser tidos como
legislação interna para fins do reenvio previsto no item 2 do artigo 3º das CDTRs.
Com efeito, a finalidade de dito dispositivo é exatamente buscar
determinada definição no ordenamento doméstico, sendo certo que nenhuma
regra convencional refletirá a definição local de um determinado termo. Nas
palavras de Federico Maria Giuliani, “na aplicação do artigo 3º (2) deve-se
atribuir relevância apenas às normas de origem interna”461. Esta também é a
posição defendida por Carlo Garbarino462.
As CDTRs, como lex specialis, não gozam da abrangência que se busca
com a cláusula de reenvio, com a qual se pretende descobrir o significado do
termo no direito interno.

461 GIULIANI, Federico Maria, La Interpretación de los Convenios Internacionales para Evitar la
Doble Imposición sobre las Rentas, 2003, p. 125.
462 GARBARINO, Carlo, Manuale di Tassazione Internazionale, 2005, p. 178.

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Discordamos, portanto, de autores como Alberto Xavier463, Daniel


Bellan464, e García Novoa465, que consideram que os parallel treaties devam ser
considerados direito interno para fins de reenvio.
Há que se destacar, contudo, que negar a caracterização dos parallel treaties
como legislação interna para tais propósitos não significa negar-lhes função no
processo de interpretação.
Seguimos assim a linha dos autores que sustentam que outros tratados
celebrados pelos Estados contratantes podem ser elementos valiosos na
interpretação das CDTRs, embora não sejam direito interno para fins de
reenvio466.
É bem verdade que, como destaca Federico Maria Giuliani, a utilização
dos parallel treaties como elemento de interpretação deve ser feita de forma
cuidadosa, levando-se em conta inclusive a treaty practice do Estado, de forma
a se identificar se as eventuais diferenças entre os tratados são decorrentes de
uma efetiva modificação da prática de determinado Estado, ou se são uma
decorrência, por exemplo, da própria paridade ou disparidade dos Estados
contratantes, já que os tratados celebrados entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos, entre si ou de forma cruzada, tendem a ser diferentes467.

5.3.2. O ELEMENTO SISTEMÁTICO (O CONTEXTO DAS CDTRS)


Partindo da premissa de que à interpretação das CDTRs se aplicam
as regras previstas na CVDT, temos que o contexto a ser examinado pelo
intérprete no curso de seu processo hermenêutico é aquele delineado nos itens

463 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 139.


464 BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005,
p. 643.
465 GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble Imposición Internacional,
2006, p. 55.
466 Ver: TROYA JARAMILLO, José Vicente, Interpretación y Aplicación de los Tratados en Materia
Tributaria, p. 914; JONES, John F. Avery. [British Report]. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International:
Interpretation of Double Taxation Conventions. Deventer: Kluwer Law International, 1993. v.
LXXVIIIa. p. 611; TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001,
p. 653. Em sentido contrário, praticamente negando qualquer utilidade aos parallel treaties:
BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, p. E-32; ROHATGI, Roy, Basic International
Taxation, 2005, p. 47; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Parallel Treaties e a Interpretação
dos Acordos para Evitar a Dupla Tributação: a Experiência Brasileira em face dos Artigos 7, 12 e 21
da Convenção Modelo OCDE. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (Coord.). Tributação,
Comércio e Solução de Controvérsias Internacionais. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 164.
467 GIULIANI, Federico Maria, La Interpretación de los Convenios Internacionales para Evitar la Doble
Imposición sobre las Rentas, 2003, p. 136. No mesmo sentido: VOGEL, Klaus, Introduction, 1997,
p. 50.

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202 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

2 e 3 do artigo 31 desta convenção, segundo o qual, fazem parte do contexto


do tratado, além do texto, seu preâmbulo e anexos, (a) qualquer acordo relativo
ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a sua conclusão; e (b)
qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com
a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento relativo
ao tratado (item 2), devendo ser considerados, juntamente com o contexto, (a)
qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou
à aplicação de suas disposições; (b) qualquer prática seguida posteriormente
na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à
sua interpretação; e (c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional
aplicáveis às relações entre as partes.
Esse é o contexto que será levado em conta como elemento de
interpretação das CDTRs, remetendo-se o leitor aqui aos comentários que
foram apresentados sobre tal questão no terceiro capítulo deste estudo.
Ao tratarmos, contudo, da interpretação das CDTRs, há uma questão
adicional que se impõe, referente à comparação entre a regra constante no item
2 do artigo 31 da CVDT, com a redação do item 2 do artigo 3º da Convenção
Modelo da OCDE, examinado anteriormente.
Como visto, de acordo com este último dispositivo, as definições dos
termos relevantes para a interpretação/aplicação das CDTRs devem ser
buscadas primeiramente no corpo da própria convenção. Caso a convenção
não traga tal definição, faz-se um reenvio ao direito interno dos Estados
contratantes, a não ser que o contexto requeira o contrário. Surge então a bastante
debatida questão referente ao significado do termo contexto empregado nas
CDTRs.
As opiniões dos especialistas em relação a esta questão é cambiante468,
embora possa-se identificar uma posição predominante no sentido de que o
contexto a que se refere o item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo seria mais
abrangente do que aquele do artigo 31 da CVDT469.

468 Cf. VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 81.
469 Cf. LANG, Michael, Introduction to the Law of Double Taxation Conventions, 2010, p. 51; GOTLIB,
Gabriel; VAQUERO, Fernando M. Aspectos Internacionales de la Tributación Argentina. Buenos
Aires: La Ley, 2009. p. 260; ENGELEN, Frank, Interpretation of Tax Treaties under International
Law, 2004, p. 477; ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 49; BIZIOLI, Gianluigi,
Tax Treaty Interpretation in Italy, 2000, p. 221; BORGES, Ricardo Henriques da Palma; Resende,
Raquel Maria Maymone, Tax Treaty Interpretation in Portugal, 2000, pp. 293-294; XAVIER, Alberto,
Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 139.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 203

Com efeito, pode-se identificar uma linha de pensamento que sustenta que
o reenvio ao direito interno deve ser sempre a última alternativa470, de forma
que o termo contexto previsto no item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo da
OCDE deveria ser interpretado de forma mais abrangente do que o disposto
no item 2 do artigo 31 da CVDT.
Busca-se aqui evitar o reenvio ao direito interno dos Estados contratantes,
já que neste caso, como destaca Vogel, as divergências entre os mesmos podem
ser inevitáveis471.
Para os defensores desta linha de entendimento, o contexto do item 2 do
artigo 3º seria equivalente ao resultado da interpretação mediante a utilização
de todos os elementos que o interprete tenha à sua disposição. É o mesmo
que dizer que, caso seja possível a interpretação da CDTR sem a remissão ao
direito interno, isso mediante a utilização dos outros elementos de interpretação,
evita-se que a mesma ocorra.
Defensor desta corrente, sustenta Federico Maria Giuliani que “o contexto
de que fala o artigo 3º (2) do Modelo OCDE poderia ser entendido como
compreensivo de tudo aquilo a que é possível recorrer na interpretação dos
tratados internacionais, segundo as normas contidas na Convenção de Viena”472.
A mesma opinião é manifestada por Manuel Pires, para quem “o sentido
das cláusulas [da CDTR] deve ser estabelecido de acordo com as regras para a
sua interpretação e apenas no caso de não se obter uma definição ou sentido
apropriado para tal propósito é que a lei do Estado que esteja aplicando a
convenção será usada”473.

470 Cf. HEINRICH, Johannes; MORITZ, Helmut, Interpretation of Tax Treaties, 2000, p. 152.
471 Cf. VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p. 42.
472 GIULIANI, Federico Maria, La Interpretación de los Convenios Internacionales para Evitar la
Doble Imposición sobre las Rentas, 2003, p. 128.
473 PIRES, Manuel, International Juridical Double Taxation of Income, 1989, pp. 231-232. Nesse mesmo
sentido é o entendimento de Edwin van der Bruggen, para quem o contexto do item 2 do artigo
3º da Convenção Modelo deve ser interpretado como determinando um esgotamento dos
elementos de interpretação contidos nos artigos 31 e 32 da CVDT para que seja possível a
remissão ao direito interno dos Estados contratantes (Cf. VAN DER BRUGGEN, Edwin. Unless
de Vienna Convention Otherwise Requires: Notes on the Relationship Between Article 3(2) of
the OECD Modelo Tax Convention and Articles 31 and 32 of the Vienna Convention on the Law
of Treaties. European Taxation, Amsterdam, May 2003, p. 155). No mesmo sentido, ver: TÔRRES,
Heleno Taveira. El Derecho Internacional Tributario: Trados y Disposiciones Internas. In:
PISTONE, Pasquale; TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Estudios de Derecho Tributario Constitucional
Internacional: Homenaje Latinoamericano a Victor Uckmar. Buenos Aires: Editorial Ábaco de
Rodolfo Depalma, 2005. p. 893-894; ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e Aplicação de Acordos
Internacionais contra a Bitributação, 1978, p. 158.

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204 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A linha de pensamento que sustenta uma maior abrangência do contexto


para fins de interpretação/aplicação do item 2 do artigo 3º da Convenção
Modelo normalmente inclui no âmbito de tal contexto os seguintes topoi:
a) os Comentários da OCDE às disposições da Convenção Modelo;
b) a intenção das partes;
c) outros tratados celebrados pelas partes (os parallel treaties);
d) a legislação doméstica de ambos os Estados contratantes;
e) as decisões proferidas pelas autoridades do outro Estado
contratante acerca da interpretação/aplicação da CDTR.
Vejamos com um pouco mais de vagar cada um desses casos.
5.3.2.1. OS COMENTÁRIOS À CONVENÇÃO MODELO DA OCDE
COMO CONTEXTO

Diversos especialistas em tributação internacional têm sustentado que


os Comentários da OCDE à sua Convenção Modelo devem ser considerados
contexto para fins do disposto no item 2 do artigo 3º da mesma. Para Heleno
Tôrres tais Comentários configuram um recurso próprio para figurar como
contexto das CDTRs474.
Posição nesse sentido é também sustentada por Peter J. Wattel e Otto
Marres, para quem os Comentários devem ser consideradas contexto, desde
que a CDTR se baseie na Convenção Modelo da OCDE e tenha sido assim
apresentada (como baseada no dito modelo) ao Parlamento (significando a
autoridade local competente para a autorização da ratificação do tratado)475.
Esse tema foi objeto de estudo realizado por um grupo de especialistas
de diversos países, composto por: David A. Ward (Canadá), Luc De Broe
(Bélgica), Juergen Killius (Alemanha), Jean-Pierre Le Gall (França), Toshio
Miyatake ( Japão), Kees van Raad (Holanda), John F. Avery Jones (Reino

474 TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 653. No mesmo
sentido: OKUMA, Alessandra, As Convenções para Evitar a Dupla Tributação e Elisão Fiscal e os
Meios de Solução de Controvérsia, 2007, p. 413; SALOMÃO, Raphael Palmieri. A Interpretação dos
Tratados Internacionais para Evitar a Dupla Tributação. Revista de Direito Tributário Internacional,
São Paulo, n. 11, abr. 2009, p. 204.
475 Wattel, Peter J.; MARRES, Otto, The Legal Status of the OECD Commentary and Static or
Ambulatory Interpretation of Tax Treaties, 2003, p. 234.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 205

Unido), Maarten J. Ellis (Holanda), Sandord H. Goldberd (Estados Unidos),


Guglielmo Maisto (Itália), Henri Torrione (Suíça) e Bertil Wiman (Suécia)476.
O ponto de partida desse grupo de especialistas foi a caracterização dos
Comentários a partir das regras institucionais da OCDE. Assim, tendo em
consideração que desde o início as Convenções Modelo foram tradicionalmente
acompanhadas por um comentário, buscaram identificar qual a natureza deste477.
Analisando dispositivos da Convenção sobre a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico de 14 de dezembro de 1960,
lembram os autores que a OCDE é gerida por um Conselho composto pelos
países membros e a Comissão Europeia, sendo que, conforme os artigos 5º e
6º da aludida convenção, a OCDE pode tomar decisões, as quais são vinculantes
para os países membros, ou adotar recomendações, as quais não são vinculantes
embora tenham uma força moral478.
Destacam então que “o modelo de 1963, o modelo de 1977, o modelo em
folhas soltas e seus respectivos Comentários são todos objeto de recomendações
do Conselho. Tais recomendações, conforme previsto no artigo 5(b) da
Convenção da OCDE não são juridicamente vinculantes”479.

476 JONES, John F. Avery; ELLIS, Maaten J.; MAISTO, Guglielmo et. al. The Interpretation of Income Tax
Treaties with Particular Reference to the Commentaries on the OECD Model. Amsterdam: IBFD, 2006.
477 JONES, John F. Avery; ELLIS, Maaten J.; MAISTO, Guglielmo et. Al., The Interpretation of Income
Tax Treaties …, 2006, p. 3.
478 JONES, John F. Avery; ELLIS, Maaten J.; MAISTO, Guglielmo et. Al., The Interpretation of Income
Tax Treaties …, 2006, pp. 6-7. Nesse sentido, os comentários se caracterizariam como soft law, a
qual é definida por Salem Hikmat Nasser nos seguintes termos: “Já soft law é um norma genérico
que recebe um fenômeno multifacetado. Pode-se, no entanto, pensá-lo sinteticamente, como
dois tipos de manifestação normativa em Direito Internacional: as normas moles, flexíveis,
ambíguas, desprovidas de previsão e de sanção de uma lado, e os instrumentos normativos
que, por não serem tratados celebrados em boa e devida forma entre os Estados, a rigor não
obrigam juridicamente” (NASSER, Salem Hikmat. Direito Internacional do Meio Ambiente, Direito
Transformado, Jus Cogens e Soft Law. In: NASSER, Salem Hikmat; REIS, Fernando Baldy dos (Orgs.).
Direito Internacional do Meio Ambiente: Estudos em Homenagem ao Prof. Guido Fernando Silva
Soares. São Paulo: Atlas, 2006. p. 25). Ver também: GARBARINO, Carlo, Manuale di Tassazione
Internazionale, 2005, p. 37; NASSER Salem Hikmat. Fontes e Normas do Direito Internacional: Um
Estudo sobre a Soft Law. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006; SACCHETTO, Claudio. Direito Internacional
Tributário. Revista de Direito Internacional Tributário, São Paulo, n. 5, 2007, p. 144.
479 JONES, John F. Avery; ELLIS, Maaten J.; MAISTO, Guglielmo et. Al., The Interpretation of Income
Tax Treaties …, 2006, p. 8. Nesse mesmo sentido: PIJL, Hans. Os Comentários da OCDE como
Fonte do Direito Internacional e o Papel do Poder Judiciário. Tradução Luiz Carlos de Andrade
Jr.; Clóvis Panzarini Filho. Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo, n. 4. out. 2006, pp.
207-208; BLOKKER, Niels. Skating on the Ice? On the Law of International Organizations and the
Legal Nature of the Commentaries on the OECD Model Tax Convention. In: DOUMA Sjoerd;
ENGELEN, Frank (Coords.). The Legal Status of the OECD Commentaries. The Netherlands: IBFD,
2008. pp. 24-25.

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206 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Contudo, embora concluam que os comentários não são interpretações


vinculantes para as administrações e cortes dos Estados contratantes480,
sustentam os autores que os mesmos podem ser considerados contexto de
uma CDTR.
Segundo seu entendimento, nos casos em que a CDTR não contiver
a definição de um determinado termo e o mesmo estiver determinado no
Comentário existente à época da celebração do tratado, deverá este ser
considerado contexto para fins do item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo,
afastando, portanto, o reenvio ao direito interno do Estado aplicando a
convenção481.
Outra linha de entendimentos, defendida por Frank Engelen, é no
sentido de que os institutos do “acquiescence” e do “estoppel” serviriam de
fundamento para justificar a vinculação dos Estados aos Comentários. A
tese é, basicamente, no sentido de que, se os Estados não se manifestaram
formalmente no sentido de que os Comentários não seriam considerados na
interpretação da convenção, teriam eles que ter formalizado tal posição, não
podendo posteriormente “surpreender” o outro Estado com a alegação de que
os Comentários não seriam considerados482.
Quer-nos parecer, todavia, que esta não é a melhor interpretação do
referido dispositivo, preferindo-se a opinião sustentada por Alberto Xavier, no
sentido de que “apesar do seu relevo interpretativo – os Comentários da OCDE
não possam ser invocados como ‘contexto’”483.

480 JONES, John F. Avery; ELLIS, Maaten J.; MAISTO, Guglielmo et. Al., The Interpretation of Income
Tax Treaties …, 2006, p. 113.
481 JONES, John F. Avery; ELLIS, Maaten J.; MAISTO, Guglielmo et. Al., The Interpretation of Income Tax
Treaties …, 2006, p. 112. No mesmo sentido: ENGELEN, Frank. How “Acquiescence” and “Estoppel”
can Operate to the Effect that the States Parties to a Tax Treaty are Legally Bound to Interpret the
Treaty in Accordance with the Commentaries on the OECD Model Tax Convention. In: DOUMA
Sjoerd; ENGELEN, Frank (Coords.). The Legal Status of the OECD Commentaries. The Netherlands:
IBFD, 2008. p. 55; WARD, David A. Is There an Obligation in International Law of OECD Member
Countries to Follow the Commentaries on the Model? In: DOUMA Sjoerd; ENGELEN, Frank
(Coords.). The Legal Status of the OECD Commentaries. The Netherlands: IBFD, 2008. pp. 92-93.
482 ENGELEN, Frank, How “Acquiescence” and “Estoppel” can Operate to the Effect that the States Parties
to a Tax Treaty are Legally Bound to Interpret the Treaty in Accordance with the Commentaries on
the OECD Model Tax Convention, 2008, pp. 71-72. Crítica a essa posição pode ser encontrada em:
PIJL, Hans. Beyond Legal Bindingness. In: DOUMA Sjoerd; ENGELEN, Frank (Coords.). The Legal
Status of the OECD Commentaries. The Netherlands: IBFD, 2008. pp. 124-126.
483 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 139. Ver, também: VERSTRAETEN,
Axel A. Los Comentarios al Modelo de Convenio para Evitar la Doble Imposición de la OCDE
como Medio de Interpretación. In: GARCÍA, Fernando D. (Coord.). Convenios para Evitar la Doble
Imposición Internacional: Aspectos Controvertidos. Buenos Aires: La Ley, 2010. p. 71.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 207

Com efeito, ao relembrarmos os elementos considerados pela CVDT


como contexto interno para fins de interpretação dos tratados internacionais
temos que os Comentários:
a) não fazem parte do texto, preâmbulo ou anexo dos tratados;
b) não se tratam de um acordo relativo à interpretação do tratado
celebrado pelas partes juntamente com a CDTR;
c) não são um instrumento estabelecido pelas partes, quando da
conclusão da CDTR, e relacionadas à sua interpretação.
O mesmo se dá quando pensamos no chamado contexto externo, já que
os Comentários:
a) não são um acordo posterior entre as partes a respeito da
interpretação da CDTR;
b) igualmente não materializam uma prática seguida posteriormente
pelas partes na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça um
acordo a respeito de sua interpretação;
c) e por fim, não são regras de Direito Internacional que integrem
a interpretação da CDTR.
Aspecto importante, apontado por Richard J. Vann, relaciona-se à
própria origem dos Comentários, os quais “são produzidos por negociadores
de tratados e, não surpreendemente, envolvem transações como os próprios
tratados tributários”. Tal origem negociada dos Comentários acabam fazendo
com que seja usada “uma linguagem flexível, para acomodar diversas nuances
de sentido e para refletir o mais frágil denominador comum”. Por fim, outro
ponto relevante, destacado pelo autor, consiste no fato de que os Comentários
podem ser considerados pró-fisco já que, embora o envolvimento no setor
privado na sua elaboração tenha aumentado, não há qualquer indício de que
haja um equilíbrio entre os setores público e privado484.
Assim, sob o prisma das normas previstas na CVDT não figuraram os
Comentários à Convenção Modelo da OCDE como contexto485, sendo os
mesmos apenas um elemento de interpretação a ser levado em consideração

484 VANN, Richard J. Interpretation of tax treaties in new Holland. In: ARENDONK, Henk van;
ENGELEN, Frank; JANSEN, Sjaak (Coords.). A Tax Globalist: Essays in Honour of Maarten J. Ellis.
The Netherlands: IBFD, 2010. pp. 157-158.
485 Nesse mesmo sentido: ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 58, REIMER, Ekkehart,
Interpretation of Tax Treaties, 1999, p. 468.

Interpretação dos Tratados Internacionais.indd 207 1/2/2013 17:35:18


208 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

pelo intérprete486. Conforme destacam Maria Teresa Soler Roch e Aurora


Ribes Ribes:
[...] é verdadeiramente difícil integrar os Comentários na definição
estrita de “contexto” apresentada pelo Art. 31 (2) da CVDT.
Obviamente, os Comentários da OCDE não constituem um
instrumento feito pelos Estados contratantes em conexão com a
conclusão de cada convenção de dupla tributação, como é requerido
pelo anteriormente mencionado artigo. Do contrário, o caráter geral
dos Comentários como um largamente aceito guia na interpretação dos
tratados tributários não permite tal identificação. Consequentemente,
apenas na hipótese de se considerar que o conteúdo dos Artigos 31
(2) e (3) não é numerus clausus, seria possível incluir os Comentários
da OCDE no “contexto” do tratado definido na CVDT. [...].487
Essa conclusão pode, todavia, ser alvo de fácil crítica. Ora, se a corrente
majoritária sobre a questão sustenta que o termo contexto presente no item 2 do
artigo 3º da Convenção Modelo é mais abrangente do que aquele previsto no
item 2 da CVDT, o fato de concluirmos que os Comentários à tal modelo não
se amoldam a este último não serve de muita coisa, sendo apenas um exemplo
da maior abrangência do primeiro sobre o segundo.
Essa observação é, em princípio, irrefutável, a não ser pela assunção de
posição no sentido de que o termo contexto, conforme o item 2 do artigo 3º
da Convenção Modelo deve ser interpretado nos estritos moldes do artigo 31

486 Conforme destaca Adolfo J. Martin Jiménez: “O tema dos efeitos dos Comentários da OCDE
nos sistemas tributários nacionais, como ferramentas interpretativas dos tratados, tem recebido
grande atenção de especialistas tributários, mesmo que eles não concordem completamente
com os fundamentos jurídicos que permitem que os Comentários da OCDE sejam levados
em consideração na interpretação de tratados. De uma perspectiva de direito internacional,
entretanto, está claro que os Comentários são ‘soft law’ (regras que não têm força vinculante,
mas são pretendidas para produzir efeitos práticos) as quais podem se tornar ‘hard law’ quando
os Comentários são aplicados dentro de um sistema nacional pelas autoridades tributárias e os
tribunais. De um ponto de vista nacional os Comentários da OCDE simplesmente não existem
como normas; eles somente podem ter efeitos quando da interpretação de tratados” (MARTÍN
JIMÉNEZ, Adolfo J. The 2003 Revision of the OECD Commentaries on the Improper Use of Tax
Treaties: A Case of Declining Effect of the OECD Commentaries? Bulletin for International Taxation,
Amsterdam, Jan. 2004, p. 27-28). Nesse mesmo sentido, ver: MORENO GONZÁLEZ, Saturnina;
SÁNCHEZ LÓPEZ, María Esther. Impuesto sobre la Renta de No Residentes y Convenios de Doble
Imposición. In: MORENO GONZÁLEZ, Saturnina (Coord.). Fiscalidad Internacional. Navarra:
Civitas, 2010. p. 75.
487 SOLER ROCH, Maria Teresa; RIBES RIBES, Aurora, Tax Treaty Interpretation in Spain, 2000, p.
309-310. Nesse mesmo sentido, ver: HOLMES, Kevin. International Tax Policy and Double Tax
Treaties. IBFD: The Netherlands, 2007. p. 76.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 209

da CVDT. Esta é a posição que será adotada neste estudo, conforme será examinado
de forma mais detida adiante.
Há três aspectos adicionais sobre os Comentários à Convenção Modelo
da OCDE que não podem deixar de ser analisados.
O primeiro consiste na posição externada por alguns especialistas no
sentido de que os mesmos estariam inseridos na CVDT, juntamente com
a própria Convenção Modelo, não como contexto, mas sim como linguagem
ordinária ou especial para fins dos itens 1 e 4 do artigo 31, respectivamente.
É importante, então, contextualizarmos tal debate à realidade brasileira,
considerando que o Brasil não é parte da OCDE, analisando-se a importância
dos Comentários para países não membros da mencionada organização488.
Por fim, vale a pena analisar questão, semelhante a tema já examinado
anteriormente, consistente em saber quais Comentários devem ser levados em
consideração pelo intérprete, aqueles em vigor quando da celebração do tratado
ou os existentes quando da interpretação/aplicação da CDTR.
5.3.2.1.1. OS COMENTÁRIOS À CONVENÇÃO MODELO COMO
SIGNIFICADO ORDINÁRIO OU ESPECIAL DOS TERMOS UTILIZADOS
NA CDTR

Em um artigo específico a respeito da influência dos Comentários da


OCDE à Convenção Modelo Klaus Vogel489 sustentou posição no sentido de
que tais Comentários, por corporificarem uma linguagem fiscal internacional,
deveriam ser considerados como sentido comum, para fins do disposto no item
1 do artigo 31 da CVDT.
O professor alemão criou, todavia, um critério cronológico para que os
Comentários pudessem ser considerados sentido comum dos termos utilizados
na CDTR.
Segundo seu raciocínio, se determinada interpretação tivesse sido adotada
no Comentário à Convenção Modelo de 1963, o decurso do tempo já teria
a transformado em linguagem fiscal internacional e, assim, nas CDTRs que

488 OLIVER, J. David B. The OECD Model and Non-Member Countries. Intertax, Amsterdam, 1997,
pp. 178-179.
489 VOGEL, Klaus. The Influence of the OECD Commentaries on Treaty Interpretation. Bulletin for
International Taxation, Amsterdam, Dec. 2000, pp. 612-616.

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210 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

utilizem tais termos os Comentários da OCDE deveriam ser considerados


como seu sentido comum490.
O mesmo aconteceria com os Comentários à Convenção Modelo de 1977,
já que já haveria decorrido tempo suficiente para que os mesmos se tornassem
representativos de uma linguagem fiscal internacional tornando-se, assim,
sentido ordinário dos termos empregados nas CDTRs491.
Caso estejamos diante de uma alteração mais recente nos Comentários
à Convenção Modelo, deve-se então analisar se estes podem, então, ser
considerados como sentido especial, para fins de aplicação do item 4 do artigo
31 da CVDT492.
Por fim, caso a alteração seja muito recente os Comentários deveriam então
ser considerados meios suplementares de interpretação, conforme o disposto
no artigo 32 da CVDT493.
Essa posição foi objeto de crítica pelo grupo de especialistas antes
mencionado, para quem:
O que tem por vezes sido chamado de “uma linguagem fiscal
internacional”, em diversos casos dificilmente poderia ser reconhecida
como sentido natural e ordinário de palavras relevantes. Onde, como
é frequentemente o caso, os comentários entendem, acrescentam e
expandem os termos do Modelo, dificilmente pode ser dito que eles
proporcionam o “sentido ordinário” dos termos dos tratados. Pode ser,
portanto, mais correto considerar, caso haja prova suficiente de que
os negociadores do tratado tiveram a intenção de adotar as definições
contidas nos comentários da OCDE, que estas ou ao menos parte destas
podem proporcionar um “sentido especial” para os termos do tratado.
Nesse caso, as partes dos comentários poderiam ser alcançadas pelo
parágrafo 4 do Artigo 31, como originalmente sugerido por Ault.494
A crítica é procedente. Na verdade os Comentários à Convenção Modelo
da OCDE são repositórios de interpretações, muito mais do que elementos
constitutivos do sentido comum dos termos empregados nas CDTRs.

490 VOGEL, Klaus, The Influence of the OECD Commentaries on Treaty Interpretation, 2000, p. 616.
491 VOGEL, Klaus, The Influence of the OECD Commentaries on Treaty Interpretation, 2000, p. 616.
492 VOGEL, Klaus, The Influence of the OECD Commentaries on Treaty Interpretation, 2000, p. 616.
493 VOGEL, Klaus, The Influence of the OECD Commentaries on Treaty Interpretation, 2000, p. 616.
494 JONES, John F. Avery; ELLIS, Maaten J.; MAISTO, Guglielmo et. Al., The Interpretation of Income
Tax Treaties …, 2006, p. 19.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 211

Já tivemos a oportunidade de assinalar anteriormente que, diante da


pluralidade de normas que podem ser criadas a partir de um mesmo texto cada
ordenamento jurídico estabelece um órgão cuja atribuição é exatamente definir
definitivamente qual dentre as normas possíveis é efetivamente a norma válida.
Esse papel, que nos diversos países ocidentais normalmente é atribuído
ao Poder Judiciário, regra geral inexiste na esfera internacional. Assim sendo,
apenas caso a OCDE exercesse tal função em relação à interpretação das
CDTRs é que se poderia considerar que suas interpretações seriam vinculantes.
Como visto, contudo, mesmo para os países que fazem parte da organização
os Comentários à Convenção Modelo não passam de recomendações (soft law),
sem caráter vinculante.
A utilidade dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE como
elemento hermenêutico é ainda mais reduzido quando se está diante de CDTRs
celebradas por países que, como o Brasil, não fazem parte da organização.
Cumpre examinar, nesta assentada, quais os efeitos dos Comentários à
Convenção Modelo no Brasil.
5.3.2.1.2. OS COMENTÁRIOS À CONVENÇÃO MODELO COMO ELEMENTO
DE INTERPRETAÇÃO DAS CDTRS NO BRASIL

Vários especialistas, ao comentarem a respeito dos efeitos dos Comentários


à Convenção Modelo da OCDE, destacam que a sua utilidade como elemento
de interpretação é mais reduzida em relação aos países que não figuram como
membro da OCDE. Nas palavras de Klaus Vogel e Rainer Prokisch, “os
comentários da OCDE serão menos significativos nas convenções entre um
membro da OCDE e um não membro, assim como entre dois não membros.
Neste caso, desde que a Convenção Modelo da OCDE tenha servido de base
para negociações, será ela em princípio parte do contexto e assim sendo pode
ser levada em consideração”495.
A mesma posição é adotada por Philip Baker, para quem “o peso atribuído
aos comentários pode ser diminuído quando um ou ambos Estados não teve
parte na elaboração dos comentários”496.

495 VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 65; VOGEL, Klaus, Introduction,
1997, p. 45. Sobre o tema, ver: BELLAN, Daniel Vitor. Direito Tributário Internacional: Rendimentos
de Pessoas Físicas nos Tratados Internacionais contra a Dupla Tributação da Renda. São Paulo:
Saraiva, 2010. pp. 94-96.
496 BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, p. E-19.

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212 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Ainda seguindo essa linha de pensamento, Gianluigi Bizioli sustenta que


“é bastante difícil atribuir alguma relevância jurídica à Convenção Modelo
e aos Comentários na interpretação de tratados concluídos com Estados
não membros da OCDE, mesmo quando a estrutura e conteúdo do tratado
é bastante similar ao modelo OCDE. O fato de que estes países não são
membros da OCDE e que não participaram nos trabalhos preparatórios do
Comitê de Assuntos Fiscais parece ser uma importante razão para negar sua
aplicabilidade. Uma solução oposta apenas poderia ser alcançada no caso de as
partes contratantes terem feito referência, expressa ou tácita (p.e. os trabalhos
preparatórios) a tais documentos”497.
Essa linha de entendimentos também é defendida por Daniel Vitor Bellan,
para quem “os Comentários não são vinculantes para os países não membros da
OCDE, tendo em vista que não existe qualquer fundamento jurídico em favor
da obrigatoriedade de sua observação para fins de interpretação dos acordos
de bitributação”498.
Há que se concordar com essas posições. De fato, sob a perspectiva de
um país como o Brasil, que não faça parte da OCDE, os Comentários desta
à Convenção Modelo, embora sejam um elemento a ser considerado no
processo hermenêutico, carecem de qualquer caráter vinculante. Essa posição
ecoa entendimento manifestado pela própria OCDE na introdução de sua
Convenção Modelo:
Como os Comentários foram escritos e amadurecidos pelos
especialistas apontados ao Comitê de Assuntos Fiscais pelos países-
-membros, eles têm importância especial no desenvolvimento do
direito tributário internacional. Embora os Comentários não sejam
destinados a serem de qualquer forma anexados às convenções
assinadas pelos países-membros, as quais, ao contrário do Modelo,
são instrumentos internacionais legalmente vinculantes, eles podem
ainda assim ser de grande auxílio na aplicação e interpretação das
convenções e, em particular, na solução de quaisquer disputas.499

497 BIZIOLI, Gianluigi, Tax Treaty Interpretation in Italy, 2000, p. 217.


498 BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005, p.
652.
499 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 14.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 213

Mas do que isso, uma pesquisa nas decisões proferidas pelos tribunais
superiores pátrios500 evidencia que tais Comentários não são normalmente
levados em consideração ao serem proferidas decisões sobre questões
internacionais501.
Dessa forma, é possível concluir que na interpretação das CDTRs
celebradas pelo Brasil não há fundamentos para a consideração dos Comentários
à Convenção Modelo da OCDE como “contexto” para fins do item 2 do artigo
3 da referida convenção.
5.3.2.1.3. UTILIZAÇÃO ESTÁTICA OU DINÂMICA DOS COMENTÁRIOS
Surge, no âmbito da utilização dos Comentários à Convenção Modelo
da OCDE, questão semelhante à já examinada quando da análise da remissão
ao direito interno, consistente em se definir por um uso estático de ditos
Comentários, recorrendo-se àqueles em vigor à época em que celebrada a
CDTR, ou um uso dinâmico dos mesmos, buscando-se os Comentários vigentes
quando da interpretação/aplicação da convenção. Uma terceira via, apontada
por Manuela Santamaria, seria a utilização dinâmica dos Comentários apenas
quando os mesmos tivessem natureza “interpretativa”502.
Conforme aponta John Avery Jones, a recusa em levar os Comentários
mais recentes em consideração pode levar a um congelamento hermenêutico,
com a recusa de uma adaptação às modificações em termos de negócios e
tecnologia, bem como à possibilidade de diferentes interpretações de CDTRs
que possuam a mesma redação apenas em razão da data em que as convenções
foram celebradas503.
Por outro lado, ainda nas palavras do especialista britânico, há argumentos
também para que se negue aplicabilidade aos Comentários alterados pos-
teriormente à celebração da CDTR, já que “como decisões judiciais são

500 Não há no Brasil um histórico muito grande de discussões judiciais envolvendo a aplicação de
tratados internacionais, sendo que em pesquisa não localizamos nenhum julgamento em que
os Comentários à Convenção-modelo tenham sido levados em consideração pelo julgador.
Nem mesmo naquele que pode ser considerado o principal julgamento de uma corte superior
envolvendo um tratado tributário, o Recurso Especial nº 426.945 (publicação no Diário de Justiça
em 25.08.2004), qualquer menção aos Comentários foi feita.
501 Não é possível apresentar uma mesma estatística em relação às decisões administrativas, em
razão da falta da disponibilização da íntegra das decisões na internet.
502 SANTAMARIA, Manuela. Fiscalità Internazionale. Milano: Giuffrè Editore, 2009. p. 187.
503 JONES, John F, Avery. The Effect of Changes in the OECD Commentaries after a Treaty is
Concluded. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, Mar. 2002, p. 103. No mesmo sentido:
GARBARINO, Carlo, Manuale di Tassazione Internazionale, 2005, p. 181. Ver, também: HOLMES,
Kevin. International Tax Policy and Double Tax Treaties. IBFD: The Netherlands, 2007. p. 78.

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214 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

necessariamente retroativas, adotar os Comentários posteriores teria o efeito


de lhes atribuir efeito retroativo também”. Além disso, destaca Avery Jones,
que dependendo do sistema jurídico há questões constitucionais que podem ser
levantadas, já que é possível que o tratado tenha sido aprovado pelo Parlamento
tendo em consideração a redação dos Comentários então em vigor504.
Como visto, a posição da OCDE nesta área de questões é pela prevalência
da visão dinâmica, buscando-se os elementos interpretativos na versão dos
Comentários vigente quando da interpretação/aplicação da CDTR.
Nossas considerações sobre este tema não diferem das anteriormente
apresentadas. Enquanto elementos de interpretação, a definição quanto à
versão dos Comentários que deva ser utilizada dá-se no campo do processo
argumentativo, sendo, portanto, casuística a decisão a respeito de qual versão
será usada505.
5.3.2.2. A INTENÇÃO DAS PARTES
Os Comentários da OCDE identificam a intenção das partes como
contexto para fins de aplicação do item 2 do artigo 3º da convenção modelo506.
Conforme salientam Ricardo Henriques da Palma Borges e Raquel Maria
Maymone Resende, “‘contexto’ deve ser interpretado não apenas como
o ‘contexto interno’ da CVDT, mas também como a intenção das partes
contratantes quando eles assinaram o tratado”507.
Sustenta Avery Jones que somente a “intenção expressa das partes deveria
ser utilizada para interpretar um tratado. Como nós já consideramos, interpretar
um tratado de acordo com o sentido comum a ser atribuído aos seus termos à
luz de seu objeto e propósito, intenção, no sentido de o que estava na mente
dos negociadores do tratado somente pode ser relevante onde a mesma não

504 JONES, John F, Avery, The Effect of Changes in the OECD Commentaries after a Treaty is Concluded,
2002, pp. 103-104. No mesmo sentido: Wattel, Peter J.; MARRES, Otto, The Legal Status of the
OECD Commentary and Static or Ambulatory Interpretation of Tax Treaties, 2003, pp. 222-223.
505 Nesse mesmo sentido, ver: ARNOLD, Brian J. Tax Treaties and Tax Avoidance: The 2003 Revisions
to the Commentary to the OECD Model. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, June
2004, p. 260. Solução interessante é proposta por Kees van Raad, que sugere que modificações
substanciais nos Comentários sejam objeto de um tratado multilateral, por intermédio do qual
os signatários incorporariam as modificações a seus tratados bilaterais (Cf. VAN RAAD, Kees.
Options for Greater International Coordination and Cooperation in the Tax Treaty Area. Bulletin
for International Taxation, Amsterdam, June 2002, p. 249).
506 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 81.
507 BORGES, Ricardo Henriques da Palma; Resende, Raquel Maria Maymone, Tax Treaty Interpretation
in Portugal, 2000, p. 293. Ver: WATTEL, Peter J.; MARRES, Otto. Characterization of Fictitious
Income under OECD-Patterned Tax Treaties. European Taxation, Amsterdam, Mar. 2003, p. 71.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 215

pode ser encontrada no contexto (ou qualquer meios suplementares) e onde


ela contradiz o sentido comum”508.
Tem razão o professor britânico. De fato, a intenção das partes somente
compõe o contexto de um tratado internacional caso seja reduzida a termo em
conexão com a sua celebração. Do contrário, qualquer especulação sobre qual
seria o interesse subjetivamente buscado pelos Estados seria vaga demais para
ser considerada contexto da CDTR. Conforme sustentam Vogel e Prokisch:
Isso significa que a redação de um dispositivo define não apenas seu
ponto de partida para a interpretação, mas também seu limite. Caso
a redação não seja clara, mesmo após serem considerados todos os
meios de interpretação possíveis ou caso estes levem a um resultado
irrazoável, cortes nacionais não podem substituir a redação do texto
por supostas intenções das partes contratantes. Nesse caso as partes
não chegaram a um acordo e a disposição não pode ser aplicada.509
Acredito que a posição dos citados professores é exagerada. Uma coisa
é afirmar que apenas se reduzida a termo em conexão com a celebração da
CDTR a intenção das partes comporá o contexto do tratado. Outra coisa bem
diferente é excluí-la como elemento de interpretação.
Nos marcos do pluralismo metodológico encampado neste estudo, a intenção
das partes, se identificável, poderá ser sim considerada um topos interpretativo,
cabendo à parte que o evocar justificar a linha hermenêutica adotada.
5.3.2.3. OS PARALLEL TREATIES
Os parallel treaties já foram examinados anteriormente. Cumpre aqui
apenas analisar se os mesmos podem ser considerados contexto para os fins do
item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo, como sugere, por exemplo, Heleno
Tôrres, para quem:
Vários tratados podem, também, influenciarem-se mutuamente,
favorecendo à formação de um mesmo contexto (parallel treaties).
Assim, quando um Estado dispõe de vários tratados de Direito
Internacional Tributário, pode o intérprete recorrer às disposições dos
demais, sob um método analógico, para a compreensão uniforme do
dispositivo, no caso de redações semelhantes.510

508 JONES, John F. Avery, [British Report], 1993, p. 604.


509 VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 75.
510 TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 653.

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216 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Embora se tenha que concordar com o citado autor quanto à possibilidade


de se recorrer aos parallel treaties como elemento hermenêutico, discorda-se que
os mesmos possam ser considerados como contexto das CDTRs de determinado
Estado, tendo como parâmetro as regras da CVDT.
De fato, tendo em conta as regras contidas nos itens 2 e 3 do artigo 31 da
CVDT, verifica-se que apenas tratados celebrados pelas partes ou aplicáveis às
relações entre as partes serão considerados contexto de uma determinada avença
internacional. Assim sendo, um tratado celebrado entre um dos Estados-parte
e um terceiro somente poderia ser considerado contexto caso a outra parte assim
o reconhecesse.
5.3.2.4. A LEGISLAÇÃO DOMÉSTICA E DECISÕES DE AUTORIDADES
DO OUTRO ESTADO CONTRATANTE

Há quem inclua no contexto também a legislação do outro Estado


contratante511, assim como decisões proferidas por suas autoridades512. Seguindo
a linha que vimos sustentando tais elementos, embora importantes no âmbito
da interpretação das CDTRs com vistas a se alcançar a almejada harmonia
decisória, não devem ser considerados no seu contexto513. Pela mesma razão
enunciada acima, é evidente que tais elementos não se amoldam aos contornos
delineados nos itens 2 e 3 do artigo 31 da CVDT.
5.3.2.5. O QUE SERIA, ENTÃO, O CONTEXTO DAS CDTRS PARA FINS
DO ITEM 2 DO ARTIGO 3º DA CONVENÇÃO MODELO?

Pela análise das considerações anteriores já se pode identificar a posição


adotada neste estudo a respeito do contexto das CDTRs para fins de aplicação
do item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo.

511 Cf. BORGES, Ricardo Henriques da Palma; Resende, Raquel Maria Maymone, Tax Treaty
Interpretation in Portugal, 2000, p. 293; WATTEL, Peter J.; MARRES, Otto, Characterization of
Fictitious Income under OECD-Patterned Tax Treaties, 2003, pp. 71-72.
512 Cf. BIZIOLI, Gianluigi, Tax Treaty Interpretation in Italy, 2000, p. 221; SKAAR, Arvid Aage.
[Norwegian Report]. In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: Interpretation of Double Taxation
Conventions. Deventer: Kluwer Law International, 1993. v. LXXVIIIa. p. 504.
513 Vários autores destacam a importância das decisões tomadas por autoridades do outro Estado
contratante como elemento de interpretação. Neste sentido: BELLAN, Daniel Vitor. Direito
Tributário Internacional: Rendimentos de Pessoas Físicas nos Tratados Internacionais contra a
Dupla Tributação da Renda. São Paulo: Saraiva, 2010. pp. 88-89; BAKER, Philip, Double Taxation
Conventions, 2005, p. E-27; GIULIANI, Federico Maria, La Interpretación de los Convenios
Internacionales para Evitar la Doble Imposición sobre las Rentas, 2003, pp. 132-134; ROHATGI,
Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 47; BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação dos Tratados
Internacionais em Matéria Tributária, 2005, p. 646.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 217

Com efeito, acredito que a posição no sentido de que o contexto das


CDTRs seria, na verdade, o resultado de sua interpretação é, em si, injustificável.
A regra em comento trata-se, como visto, de um limite ao uso do direito
interno dos Estados contratantes como elemento de integração das CDTRs
e, portanto, insere-se no processo hermenêutico.
Assim, não parece razoável sustentar que primeiro se interpretaria o texto
para então, em não sendo possível a criação de uma norma jurídica justificável,
voltar-se ao direito interno dos Estados contratantes.
Nessa linha de ideias o contexto seria o locus onde se buscaria a definição do
termo antes de se fazer a remissão ao direito interno, correspondendo, portanto,
aos materiais previstos nos itens 2 e 3 do artigo 31 da CVDT514.
Em resumo, a definição do texto sobre o qual se desenvolverá o processo
hermenêutico passa, em primeiro lugar, pelo texto da própria CDTR. Havendo
uma lacuna na convenção, busca-se o seu contexto, na forma prevista nos itens
2 e 3 do artigo 31 da CVDT. Permanecendo a lacuna, remete-se a questão
ao direito interno dos Estados contratantes (legislação referente aos tributos
objeto da CDTR e aquela que lhe for suporte). Caso ainda assim haja uma
lacuna, aí então será o caso de buscar a solução mediante outros elementos de
interpretação, os quais podem viabilizar a criação de sentido a partir do termo
utilizado.
Resta então uma última questão a ser examinada. Ao tratar do reenvio
do direito interno tenho falado na remissão ao direito interno dos Estados
contratantes. Na verdade, segundo o item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo
ter-se-á a remissão ao direito interno do Estado que estiver aplicando a CDTR.
Cabe então questionar: Qual dos Estados está a interpretar/aplicar a CDTR?
5.3.2.6. QUEM INTERPRETA/APLICA A CDTR? O ESTADO DA FONTE,
O DA RESIDÊNCIA OU AMBOS?

Questão que surge ainda no âmbito do item 2 do artigo 3º da Convenção


Modelo consiste na determinação de qual dos Estados contratantes interpreta/
aplica a CDTR.
Em foco aqui se encontra a posição de John Avery Jones no sentido de
que “um Estado aplica um tratado quando ele faz alguma coisa que é diferente

514 Nesse mesmo sentido: GALLI, Giovabbi B.; MIRAULO, Anna, [Italian Report], 1993, p. 395;
HEINRICH, Johannes; MORITZ, Helmut, Interpretation of Tax Treaties, 2000, p. 149.

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218 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

do que ele faz no direito interno”515. Com isso, sustenta Avery Jones que apenas
o país da fonte aplica a CDTR para fins do dispositivo em questão, sendo
que somente este remeteria a questão ao seu direito interno, devendo o país
de residência aceitar interpretação do país da fonte. Em outra passagem, o
professor britânico explicita melhor seu entendimento:
A qualificação do tipo de renda pela legislação interna no país de
residência é irrelevante. Este estado deve, pelo Artigo 23, isentar ou
conceder crédito tributário sobre rendas que, de acordo com as regras
desta Convenção, possam ser tributados no outro Estado Contratante.
Considere que há rendas que, sob o Artigo 15, o estado da fonte pode
tributar. Um aperto de mão dourado, por exemplo. De acordo com o
Artigo 3(2) em uma primeira instância cabe ao estado da fonte decidir
se o mesmo se enquadra na definição de renda que pode ser tributado
em tal estado de acordo com o tratado. Se tal categoria se enquadrar
na definição de renda que tal estado pode tributar de acordo com o
tratado, trata-se de renda que de acordo com a Convenção pode ser
tributada no estado da fonte; se tal categoria não se enquadrar em
tal definição de renda, então a renda não será tributável na fonte.
Esta é a única pergunta que o estado de residência faz, e isenção (ou
credito) ou tributação (de permitida sob o direito internacional) segue
automaticamente [...].516
A vantagem do entendimento sustentado por John Avery Jones consiste
em reduzir as possibilidades de divergência interpretativa entre os Estados
contratantes517.
De fato, considerando que um dos problemas de interpretação no campo
do Direito Internacional é a falta de um órgão de aplicação, caso se estabelecesse
uma competência exclusiva do país da fonte para interpretar/aplicar a CDTR,
com a consequente obrigação do Estado de residência de acolher a posição
do primeiro, estaria resolvido tal problema, ao menos no que se refere à
categorização de rendimentos.

515 JONES, John F. Avery, Tax Treaty Interpretation in the United Kingdom, 2000, p. 371.
516 JONES, John F. Avery, [British Report], 1993, p. 608. Ver, ainda: JONES, John F. Avery, The “One
True Meaning of a Tax Treaty”, 2001, p. 220.
517 Ver: MESSINEO, Alejandro E. Principios Generales para la Aplicación e Interpretación de los
Tratados. La Interacción de la Normativa de Derecho Interno Anti-Abuso Frente a los Convenios
para Evitar la Doble Imposición Internacional. In: GARCÍA, Fernando D. (Coord.). Convenios para
Evitar la Doble Imposición Internacional: Aspectos Controvertidos. Buenos Aires: La Ley, 2010. p. 41.

Interpretação dos Tratados Internacionais.indd 218 1/2/2013 17:35:19


SERGIO ANDRÉ ROCHA - 219

Todavia, a questão não parece ser se a solução seria ou não positiva, mas
sim se a mesma encontra ou não respaldo no item 2 do artigo 3º da Convenção
Modelo.
Partindo da leitura do mencionado dispositivo da Convenção Modelo,
não se encontra fundamento para tal interpretação, sendo certo que uma eleição
como a pretendida por Avery Jones deveria estar expressamente prevista no
texto.
É evidente que o país da residência também interpreta/aplica a CDTR
para definir se possui competência, exclusiva ou cumulativa, para tributar a
renda, bem como para determinar que forma de medida para a evitar a dupla
tributação, isenção ou crédito, será concedida518.
Dessa forma, não cremos haver como evitar os potenciais conflitos
hermenêuticos atribuindo-se uma suposta competência interpretativa exclusiva
ao Estado da fonte. A essa questão retornaremos no capítulo seguinte, ao
analisarmos a questão da qualificação no campo das CDTRs.

5.3.3. ELEMENTOS TELEOLÓGICO E AXIOLÓGICO


Como visto no capítulo primeiro deste trabalho, são diversos os fins
visados com a celebração de uma CDTR, entre os quais destacamos os

518 Conforme destaca destaca Heleno Tôrres: “Do momento seguinte à entrada em vigor do tratado,
as categorias de rendimentos e respectivos impostos, previstos no art. 2º, § § 2º e 3º (Modelo
OCDE), passam a ser regidos em cumulatividade: pela legislação interna e pelas normas
convencionais, ante a necessária subsidiariedade destas em relação àquela. Mas, impõe dizer,
este é o segundo momento da aplicação da convenção: de execução, de aplicação no que diz
respeito ao uso por parte dos contribuintes; posterior à aplicação primária, que se dá sobre a
legislação tributária do Estado contratante, de aplicação para fins de vinculação dos Estados ao
objeto do acordo.
Deste modo, o Estado não aplica a convenção apenas quando se encontra limitado em sua
competência tributária, mas sempre (nos casos previstos convencionalmente) para fins de prover
o exercício do direito aos benefícios previstos na convenção para os residentes. Estes, os residentes
de um ou outro Estado contratante, ao reclamarem tal direito aos respectivos Estados, o farão
porque dotados de direito subjetivo público àquele tratamento mais vantajoso. E, além disso, aos
direito de tributar uma determinada categoria reditual distribuída a um dos Estados contratantes
correspondente, em contrapartida, o dever do outro de abster-se de fazer aplicar suas normas
de localização ou qualificação com o fito de alcançar a mesma para compor a regra-matriz de
incidência, definindo, internamente, uma obrigação tributária para os sujeitos envolvidos. E estas
são também formas de aplicação de uma convenção em matéria tributária” (TÔRRES, Heleno
Taveira, A Convenção Brasil-Alemanha e sua Aplicação em Face do Direito Brasileiro, 2002, p.
105). Nesse sentido: VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 79; BIZIOLI,
Gianluigi, Tax Treaty Interpretation in Italy, 2000, p. 222; SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário
Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, p. 105; ENGELEN, Frank A.; PÖTGENS,
Frank P. G. Report on “The Application of the OECD Model Tax Convention to Partnerships” and
the Interpretation of Tax Treaties. European Taxation, Amsterdam, July, 2000, p. 257.

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220 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

seguintes: eliminar a dupla tributação internacional, fomentar a cooperação


entre Administrações fiscais para combater a evasão fiscal, proteger a segurança
jurídica necessária para a atração de investimentos externos, eliminar a
tributação discriminatória e repartir as receitas fiscais entre os Estados.
Por outro lado, sob um prisma axiológico, pode-se identificar também uma
variedade de valores que justificam a celebração de CDTRs e que, portanto,
devem orientar a sua interpretação, como, por exemplo, o princípio da não
bitributação.
Exatamente a concretização deste princípio impõe ao intérprete a
consideração da legislação e das decisões proferidas pelos órgãos de aplicação
do outro Estado contratante a respeito da mesma matéria. É importante aqui
ter em mente uma máxima sempre presente na análise de questões de Direito
Tributário Internacional: os problemas jamais devem ser resolvidos tendo-se
atenção somente no que ocorre em um dos países envolvidos.
Dessa forma, os elementos teleológico e axiológico de interpretação das
CDTRs não partem de uma pauta prévia que indique uma rota de mão-única
para a interpretação, mas antes traz para o campo da argumentação, em cada
caso concreto, a ponderação dos interesses e valores envolvidos.

5.3.4. ELEMENTO HISTÓRICO


O elemento histórico remete o intérprete para o momento da gênese
do texto normativo, como ocorre, por exemplo, nos modelos estáticos de
interpretação por vezes sustentados em relação ao reenvio ao direito interno e
à utilização dos Comentários à Convenção Modelo elaborados pela OCDE.
Como sustentamos anteriormente, a prevalência de posições em favor
de uma interpretação evolutiva (dinâmica) das CDTRs não pode significar
que as circunstâncias da celebração da convenção deixem de ser levadas em
consideração dentro do processo hermenêutico, devendo ser entendidas mais
como uma abertura para o futuro do que um fechamento do passado.
Assim, há que se concluir pela pertinência do elemento histórico no campo
da interpretação das CDTRs. Portanto, a despeito das posições favoráveis
à consideração dinâmica tanto do reenvio ao direito interno dos Estados
contratantes, na forma prevista no item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo,
quanto no caso da aplicação dos Comentários ao referido modelo, não se
pode perder de vista a importância das circunstâncias que se faziam presentes

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 221

quando da gênese do tratado, razão pela qual a legislação interna das partes e
os Comentários então vigentes serão sempre um elemento de interpretação a
ser levado em conta.

5.3.5. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NA INTERPRETAÇÃO DAS CDTRS


Partindo da premissa de que o princípio da boa-fé, no campo
hermenêutico, determina como fim que as partes busquem interpretar
os tratados internacionais de forma a que as obrigações assumidas sejam
adimplidas, evitando-se interpretações que levem ao treaty override, verifica-se
que tal princípio é de importância fundamental na interpretação das CDTRs.
Com efeito, a harmonia decisória buscada no campo das CDTRs,
necessária para se evitarem os casos de dupla tributação e dupla isenção, depende
da boa-fé dos Estados contratantes na interpretação das convenções. Nas
palavras de Luís Eduardo Schoueri, “a harmonia decisória, pois, que decorre da
finalidade dos acordos de bitributação, implica a busca de um sentido comum
para os termos do acordo de bitributação”519.
Rudolf Bernhart, citado por Ekkehart Reimer, destaca que “há poucas
situações em que o princípio da boa-fé sozinho decide uma questão de
interpretação de um tratado, mas ele deve sempre estar nas mentes dos
julgadores”520.
A relevância da boa-fé como diretriz hermenêutica no campo do
Direito Internacional é decorrência mesmo de, como repetidas vezes
mencionado, carecer este, regra geral, de órgãos de aplicação. Como destaca
Celso Albuquerque Mello, uma “característica que ainda permanece na
sociedade internacional, apesar da sua crescente institucionalização através
das organizações internacionais, é o princípio do desdobramento funcional de
que falava Georges Scelle; isto é, os próprios Estados (autores e destinatários
das normas internacionais) emprestam os seus órgãos para que o DI se realize.

519 SCHOUERI, Luís Eduardo, Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro, 2006, p. 262.
Conforme destaca Gerd Rothmann, “os tratados devem ser interpretados de boa-fé, isto é,
sem o ânimo de burlar suas disposições ou fugir ou permitir que se fuja à sua execução. É um
princípio fundamental de ética internacional” (ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e Aplicação
de Acordos Internacionais contra a Bitributação, 1978, p. 165). Ver também: PIJL, Hans, The Theory
of the Interpretation of Tax Treaties, with Reference to Dutch Practice, 1997, p. 540.
520 BERNHART, Ernst. Encyclopedia of Public International Law, 1995, v. II, p. 1419, apud, REIMER,
Ekkehart, Interpretation of Tax Treaties, 1999, p. 462.

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222 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Assim o Executivo de um Estado atua como órgão do Estado e órgão da


sociedade internacional”521.
Além da inexistência de órgãos de aplicação, carece ainda o Direito
Internacional de uma fonte de produção legislativa, sendo que na maioria
dos casos a infração às regras internacionais não é dotada de sanções jurídicas
eficazes.
Foi exatamente essa característica do Direito Internacional Público stricto
sensu que levou o professor Herbert Hart a questionar sua juridicidade. A partir
de sua distinção entre normas primárias (que conferem direitos subjetivos) e
secundárias (normas de estrutura, relativas à produção das normas primárias),
esclarece o citado jurista que no Direito Internacional não figuram normas
secundárias, da mesma forma que não há uma unificação de suas fontes522.
O cenário acima descrito reflete o campo de interpretação/aplicação das
CDTRs, já que não há um órgão internacional que tenha atribuição para tal
tarefa, a qual cabe aos Estados contratantes, da mesma maneira que não há
sanções jurídicas imponíveis a estes no caso do treaty override523.

521 MELLO, Celso Albuquerque, Direito Constitucional Internacional, 2000, p. 15.


522 HART, H. L. A., The Concept of Law, 1997, p. 214.
523 A matéria encontra-se tratada no artigo 60 da CVDT, cuja redação é a seguinte: “Extinção ou
Suspensão da Execução de um Tratado em Consequência de sua Violação
1. Uma violação substancial de um tratado bilateral por uma das partes autoriza a outra parte a
invocar a violação como causa de extinção ou suspensão da execução de tratado, no todo ou
em parte.
2. Uma violação substancial de um tratado multilateral por uma das partes autoriza:
a) as outras partes, por consentimento unânime, a suspenderem a execução do tratado, no todo
ou em parte, ou a extinguirem o tratado, quer:
i) nas relações entre elas e o Estado faltoso;
ii) entre todas as partes;
b) uma parte especialmente prejudicada pela violação a invocá-la como causa para suspender
a execução do tratado, no todo ou em parte, nas relações entre ela e o Estado faltoso;
c) qualquer parte que não seja o Estado faltoso a invocar a violação como causa para suspender a
execução do tratado, no todo ou em parte, no que lhe diga respeito, se o tratado for de tal natureza
que uma violação substancial de suas disposições por parte modifique radicalmente a situação
de cada uma das partes quanto ao cumprimento posterior de suas obrigações decorrentes do
tratado.
3. Uma violação substancial de um tratado, para os fins deste artigo, consiste:
a) numa rejeição do tratado não sancionada pela presente Convenção; ou
b) na violação de uma disposição essencial para a consecução do objeto ou da finalidade do
tratado.
4. Os parágrafos anteriores não prejudicam qualquer disposição do tratado aplicável em caso
de violação.
5. Os parágrafos 1 a 3 não se aplicam às disposições sobre a proteção da pessoa humana contidas
em tratados de caráter humanitário, especialmente às disposições que proíbem qualquer forma
de represália contra pessoas protegidas por tais tratados”.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 223

Vê-se, portanto, quão grande é a importância do princípio da boa-fé no


sentido de que os Estados contratantes busquem sempre interpretar/aplicar
a CDTR de forma harmônica. Conforme destaca Edwin van der Bruggen:
Uma das obrigações dos Estados que é associada com a interpretação
de boa-fé é decorrente da proibição do abuso de direitos, que
é, portanto, uma aplicação do princípio da boa-fé. O Direito
Internacional não é imposto por uma “ordem mais elevada”, mas
sim criado por seus sujeitos. Da mesma forma, os Estados devem
também interpretar os tratados pelos mesmos celebrados (“auto-
interpretação”). Torna-se crucial então neste processo que os Estados
assim procedam sem levarem vantagem do fato que eles usualmente
têm que interpretar suas próprias obrigações. É uma quebra da
boa-fé reduzir internacionalmente suas obrigações em razão de uma
interpretação mais restritiva das mesmas. [...].524
Em estudo acerca da boa-fé na interpretação de CDTRs, Flávio
Rubinstein destaca seu efeito como norma fundante da exigência de uma
interpretação que garanta um “funcionamento apropriado [...] das normas
veiculadas por tratados”525.
Ainda segundo o citado autor, na seara internacional o princípio da
boa-fé estaria, portanto, relacionado à proteção das legítimas expectativas
dos Estados contratantes526. Em suas palavras, “partindo-se da premissa que
a boa-fé é reconhecida como princípio universal do Direito internacional,
passa a ser assentado admitir que, em algumas situações, o Estado-contratante
será compelido a seguir, quando da interpretação e aplicação de determinado
tratado, as práticas e os parâmetros prevalecentes na comunidade internacional
de Estados, uma vez que o outro Estado-contratante espera que o primeiro
adote tal comportamento”527.

524 VAN DER BRUGGEN, Edwin, Unless de Vienna Convention Otherwise Requires: Notes on the
Relationship Between Article 3(2) of the OECD Modelo Tax Convention and Articles 31 and 32
of the Vienna Convention on the Law of Treaties, 2003, p. 145. Na mesma linha é a lição de Julio
Diena, para quem “a primeira e mais importante regra de interpretação dos tratados é a de que
estes devem ser interpretados de boa-fé e que portanto não é lícito a uma das partes apegar-se
à ambigüidade de uma frase para não cumprir integralmente o quanto havia entendido pactuar”
(DIENA, Julio, Derecho Internacional Público, 1946, p. 434).
525 RUBINSTEIN, Flávio, Interpretação e Aplicação dos Acordos de Bitributação: o Papel da Boa-fé
Objetiva, 2006, p. 75.
526 Ver também: ENGELEN, Frank, Interpretation of Tax Treaties under International Law, 2004, pp.
128-129.
527 RUBINSTEIN, Flávio, Interpretação e Aplicação dos Acordos de Bitributação: o Papel da Boa-fé
Objetiva, 2006, p. 76.

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224 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Concluindo seu estudo, destaca Flávio Rubinstein que:


[...] a boa-fé modera qualquer discricionariedade (ainda que concedida
pelo próprio texto do tratado) que os Estados-contratantes possam
ter para interpretar os acordos de bitributação.
Sob a boa-fé, tais tratados passam a ter que agir de modo previsível,
adotando condutas – relacionadas aos direitos e obrigações, tanto deles
quanto dos contribuintes, fundados nos acordos de bitributação – em
conformidade com valores de retidão, lealdade e constância presentes
na comunidade internacional.528
A passagem acima transcrita há de ser interpretada, todavia, de forma
relativa, isso no que se refere à necessidade de previsibilidade quanto ao resultado
da interpretação das CDTRs.
Com efeito, em linha com as posições teóricas acolhidas nesse estudo há
que se ressalvar que a previsibilidade quanto à interpretação/aplicação de uma
determinada norma será sempre relativa, salvo quando, havendo um órgão de
aplicação responsável pela criação de normas individuais e concretas, seja tal
imprevisibilidade superada no passar do tempo.
O princípio da boa-fé, como norma finalística, determina que os Estados
contratantes não busquem o treaty override mediante a manipulação do processo
hermenêutico.
Todavia, tal princípio não logra afastar a possibilidade de ambos os
Estados, agindo de boa-fé, chegarem a interpretações distintas de um mesmo
texto, criando normas individuais e concretas divergentes, embora os obrigue
a ponderar a respeito de todos os elementos de interpretação que devam ser
considerados em um dado caso concreto (os Comentários à Convenção Modelo,
as decisões e legislação do outro Estado contratante, a intenção das partes, os
parallel treaties, etc.).
Essa possibilidade encontra-se ainda mais presente nas situações em
que os tribunais dos países contratantes são chamados a se manifestar sobre a
interpretação/aplicação da CDTR, questão que passamos a analisar.

528 RUBINSTEIN, Flávio, Interpretação e Aplicação dos Acordos de Bitributação: o Papel da Boa-fé
Objetiva, 2006, p. 89.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 225

5.4. INTÉRPRETES DAS CDTRS


Klaus Vogel e Kees van Raad sustentam que a interpretação/aplicação
das CDTRs se dá em três distintos níveis: do contribuinte, das autoridades
fazendárias e das autoridades judiciais. Segundo Vogel:
Como qualquer preceito de Direito Administrativo ou Tributário,
devem ser diferenciados, do ponto de vista sistemático, três níveis
no procedimento interpretativo. Em primeiro lugar, o contribuinte
e seu consultor interpretam o acordo, no momento em que eles
entregam a declaração de imposto de renda, ou mesmo antes, quando
eles planejam seus negócios do ponto de vista tributário. O segundo
intérprete é, então, a administração tributária; sua interpretação
será a decisiva, caso o contribuinte fique resignado com ela, ou caso
a administração tributária e o contribuinte consigam chegar a um
acordo. No caso de ele se valer de um meio jurídico contra a decisão,
então cabe às cortes a decisão, como terceiros intérpretes. Também
entre elas, há ainda vários níveis: o das cortes administrativas ou
financeiras, a corte constitucional e a Corte Europeia. Sempre,
entretanto, quando todas as instâncias tiverem sido percorridas, esta
interpretação de terceiro grau será vinculante para a administração
tributária e para o contribuinte; ela será, pois, final.529
Parece ser possível retocar essa afirmação para asseverar que a interpretação
das CDTRs se dá em quatro níveis distintos: dos Estados contratantes, dos
contribuintes, das autoridades fiscais e das autoridades judiciais530.
Há que se relembrar aqui a já mencionada lição de Charles Rousseau, no
sentido de que a interpretação dos tratados internacionais pode dar-se tanto
no plano internacional como no interno531.
Conforme foi esclarecido no capítulo terceiro, afirma-se que são os Estados
contratantes os intérpretes naturais dos tratados internacionais, de forma que
a interpretação conjunta levada a efeito pelos mesmos deve, em princípio,

529 VOGEL, Klaus, Problemas na Interpretação de Acordos de Bitributação, 2003, pp. 966-967.
Ver também: VAN RAAD, Kees, International Coordination of Tax Treaty Interpretation and
Application, 2002, p. 218.
530 Como destaca Peter Häberle, em seu estudo sobre hermenêutica constitucional, “todo aquele
que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até
mesmo diretamente, um intérprete desta norma” (HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: A
Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e
“Procedimental” da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1997. p. 15).
531 ROUSSEAU, Charles, Droit International Public, 1953, pp. 48-49.

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226 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

ser observada por todos os demais intérpretes. Dessa forma, são as partes
contratantes que têm a primazia na concretização da regra jurídica decorrente
do tratado celebrado.
É evidente que qualquer ato interpretativo tem que ser igualmente
interpretado. Todavia, tal ato de aplicação será necessariamente mais concreto,
tendendo a superar a eventual abertura do texto interpretado.
Na hipótese de os Estados contratantes não terem editado qualquer
ato conjunto interpretativo das previsões contidas no tratado internacional,
cabe àqueles sujeitos aos seus mandamentos sua interpretação. Assim sendo,
considerando os escopos das CDTRs, tanto os contribuintes quanto as
autoridades fiscais seriam intérpretes destes tratados.
O processo hermenêutico empreendido pelos contribuintes e pelas
autoridades fazendárias, desenvolvido no âmbito da pré-compreensão dos
intérpretes, pode levar ao nascimento de um conflito de interesses entre ambos,
o qual, ao menos no ordenamento jurídico brasileiro, deve ser solucionado pelo
Poder Judiciário.
Assim sendo, na falta de uma interpretação autêntica por parte dos Estados
contratantes, havendo divergências interpretativas entre os contribuintes e
as autoridades fazendárias de um dos Estados, é provável que a questão seja
apresentada ao Poder Judiciário, a quem caberia, ao menos internamente,
determinar a exegese de um dado dispositivo contido no tratado internacional.
Neste caso seria o Poder Judiciário o órgão interno que acabaria por assumir
a função de órgão de aplicação para fins da criação da norma jurídica individual
e concreta aplicável.
A adoção pelo Poder Judiciário pátrio de uma interpretação distinta
daquela sustentada pelo outro Estado contratante pode levar à dupla tributação
ou à dupla isenção, sendo possível que tal situação dê ensejo ao chamado
judicial treaty override, o qual, segundo Ian Roxan, “pode surgir em razão da
não aceitação por parte do juiz de uma mesma regra prevista num tratado
internacional que ele considere conflitante com o sistema tributário nacional, ou
simplesmente porque o julgador está menos familiarizado com a interpretação
dos tratados internacionais do que com a interpretação da lei interna, e considera
mais fácil aplicar ao caso concreto as regras tributárias internas”532.

532 ROXAN, Ian. Sobreposição Judicial de Tratados para Evitar a Dupla Tributação: o Caso de um
Estabelecimento Permanente. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 19, 2005, p. 64. Ver,

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Com vistas a se evitar o judicial treaty override é que, como foi anteriormente
mencionado, é importante que as cortes de cada um dos Estados contratantes considere
como elementos de interpretação a legislação e as decisões proferidas sobre a mesma
matéria pelas autoridades do outro Estado.
A busca de tais elementos se justificaria a partir de uma interpretação
teleológico-axiológica da CDTR, com fulcro na premissa de que tais
convenções se prestam a evitar a dupla tributação da renda, o que depende de
uma interpretação/aplicação harmônica por parte dos Estados contratantes.
Uma das características do judicial treaty override, ao menos no ordena-
mento jurídico brasileiro, é que ele tende a se limitar ao caso concreto objeto de
julgamento, ou seja, apenas em determinado caso concreto vai se materializar
eventual divergência de entendimentos entre a autoridade judicial brasileira e
a autoridade, administrativa ou judicial, estrangeira.
Percebe-se, portanto, que as discussões acerca de harmonização decisória
têm maior relação com a possibilidade de um legislative ou um executive treaty
override do que propriamente de um judicial treaty override, já que nos primeiros
casos é possível que se tenha a edição de uma regra que disponha em sentido
contrário à interpretação que o outro Estado contratante a respeito de certo
dispositivo contido na CDTR.
Nesta assentada, não é equivocado afirmar que mecanismos para a solução
de controvérsias a respeito da interpretação de dispositivos das CDTRs buscam
mais evitar situações de legislative ou executive override, sendo, todavia, de
limitada valia no que toca à prevenção do judicial override.

do mesmo autor: ROXAN, Ian. United Kingdom. In: MAISTO, Guglielmo (Org.). Tax Treaties and
Domestic Law. Amsterdam: IBFD, 2006. pp. 340-342.

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6

A Questão das
Qualificações no
Âmbito das CDTRs

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6.1. INTRODUÇÃO
A questão da qualificação foi examinada com mais vagar no quarto
capítulo, quando foram apresentadas duas noções distintas quanto à matéria.
Uma primeira, segundo a qual a qualificação estaria presente em todo
processo de aplicação do direito. Conforme este entendimento, que tem como
ponto de partida a aplicação silogística das normas jurídicas, esta dependeria
de duas atividades distintas: a interpretação do texto legal, que formaria a
premissa maior, e a valoração dos fatos envolvidos, que comporiam a premissa
menor, a ser subsumida naquela.
A crítica então apresentada é que esta divisão pretendida entre inter-
pretação do texto e valoração factual tem matriz em um ultrapassado
formalismo jurídico, sendo que a raiz problemática da teoria hermenêutica
contemporânea não abre espaço para a separação rígida, pretendida pelas
teorias formalistas, entre texto, fato e intérprete, este inserido em seu ambiente
cultural axiológico533.
Essa crítica torna-se ainda mais evidente quando se leva em conta a
interpretação/aplicação jurídica por um órgão de aplicação do direito, o qual,
ao interpretar um texto normativo, terá sempre em consideração os fatos
envolvidos, de maneira que fatos e texto implicar-se-ão mutuamente.
Como vimos, esta primeira noção acerca da qualificação encontra reflexo
na doutrina do Direito Internacional Privado, sendo que as mesmas críticas
são então cabíveis.
A segunda noção de qualificação, por nós defendida, seria particular às
regras de conflitos, consistindo na remissão, à regra de conflitos, do resultado
da interpretação/aplicação do direito interno de cada um dos países aos quais
determinada situação se encontra vinculada por elementos de conexão.

533 Na lição de Dino Jarach, “[...] ‘não há interpretação da lei tributária que esteja fora da aplicação
concreta da própria lei tributária’. Interpretação e aplicação não são termos antitéticos – dos
quais o segundo seja a consequência do primeiro – porque a interpretação da lei é sempre a
interpretação da realidade dos fatos, à luz de conceitos normativos da lei, para a sua aplicação
em caso concreto; de modo que não há oposição entre a interpretação da lei e a interpretação
do fato imponível (como dizemos, na terminologia espanhola que se adotou agora); sempre
existe a interpretação de um e de outro [...]” (JARACH, Dino. Hermenêutica no Direito Tributário.
In: MORAES, Bernardo Ribeiro de, et. al. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Saraiva,
1975. p. 84).

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232 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Como mencionado anteriormente, o Direito Internacional Tributário


apropriou-se do significante qualificação do Direito Internacional Privado534.
Em diversos autores de tributação internacional, encontramos uma
referência à qualificação como sendo a subsunção de determinados fatos à
norma construída a partir do texto legal.
Nessa linha de entendimentos, Daniel Vitor Bellan sustenta que a
“interpretação é atividade voltada ao conhecimento da norma jurídica, ao
passo que a qualificação consiste na conduta que objetiva conhecer o fato.
São, portanto, operações vinculadas e interdependentes, mas conceitualmente
distintas”535.
Seguindo esse raciocínio, defende o autor que a harmonia na aplicação
das CDTRs seria dependente de um sincronismo hermenêutico dos Estados
contratantes na interpretação do texto convencional, como também de uma
uniformidade na qualificação dos fatos536.
Também Luís Eduardo Schoueri procede à distinção entre interpretação
e qualificação, afirmando que esta se encontra “no campo da subsunção, ou
melhor, do próprio conhecimento do fato”537.
Alessandra Okuma afirma que “ao realizar a qualificação, o intérprete
observa o evento, identificando seus elementos e construindo o respectivo
fato jurídico. É atividade de subsunção, verdadeira aplicação do direito, pela
qual o intérprete construirá o fato jurídico e a norma individual e concreta
correspondente”538.

534 Vale a pena destacar, com Klaus Vogel, que embora o termo tenha sido apropriado do Direito
Internacional Privado, a qualificação no Direito Internacional Tributário não é equivalente
ao mesmo fenômeno naquele campo de estudos. Em textual: “Problemas especiais surgem
quando um tratado usa termos legais que simultaneamente são termos da legislação dos Estados
contratantes. Para referir a tais problemas, a expressão ‘qualificação’ começou a ser utilizada,
particularmente na literatura alemã sobre tributação internacional e em outros lugares, como
um termo emprestado do direito internacional privado (direito de conflitos). Tratados tributários,
contudo, não contém regras de conflitos. Eles não determinam se um Estado deve aplicar a
legislação doméstica ou estrangeira, antes impõem suas próprias regras distributivas que são
fundamentalmente diferentes dos conflitos de normas do direito internacional privado (VOGEL,
Klaus, Introduction, 1997, p. 52).
535 BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005,
p. 611.
536 BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005,
p. 612.
537 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário Internacional – Qualificação e Substituição –
Tributação, no Brasil, de Rendimentos Provenientes de Sociedade de Pessoas Residente na
Alemanha. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 54, mar. 2000, p. 133.
538 OKUMA, Alessandra, As Convenções para Evitar a Dupla Tributação e Elisão Fiscal e os Meios
de Solução de Controvérsia, 2007, p. 416.

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Essa orientação é a sustentada por Alberto Xavier, que defende a distinção


entre os momentos de interpretação de um conceito e de qualificação de certo
fato no conceito interpretado. Em suas palavras, “embora reconheçamos que
interpretação e aplicação do direito são operações interdependentes, como
que de solução circular, envolvendo fases sucessivas de adequação das normas
à realidade, nem por isso pomos em causa que a interpretação é um fenômeno
conceitualmente distinto da aplicação, precedendo-a logicamente”539.
Para César García Novoa “cabe definir a ‘qualificação’ como o conjunto
de operações que se realizam por parte dos aplicadores do direito com o fim
de analisar aquelas circunstâncias do mundo real que podem ser incluídas nas
hipóteses de incidência da norma. Se o objeto da interpretação são normas e,
portanto, hipóteses abstratas previstas nas mesmas, a fixação e qualificação de
fatos constitui uma fase prévia e imprescindível do processo de aplicação do
direito objetivo, ‘em permanente interação com a norma’”540.
Pablo Chico de la Cámara defende que “a operação qualificadora se
enquadra dentro do processo de aplicação, e em um momento ulterior à
interpretação dos preceitos dos convênios de dupla tributação”541.
A mesma ideia, no sentido de que a qualificação seria a subsunção de um
dado fato à norma abstrata, é defendida, ainda, por Manuel Pires542.
Conforme visto acima, esta noção de qualificação não é acolhida no
presente trabalho, pelos motivos já examinados, cabendo-se questionar então
qual seria a noção possível de qualificação no campo do Direito Internacional
Tributário?
Partindo das mesmas considerações apresentadas no quarto capítulo,
a qualificação não seria o resultado da aplicação das CDTRs, mas sim da
interpretação do direito interno dos Estados contratantes quando o mesmo for
relevante para a integração do texto convencional, na forma prevista no item 2 do
artigo 3º da Convenção Modelo.
Dessa forma, ao referirmo-nos a conflitos de qualificação, estaremos nos
referindo a antinomias decorrentes da interpretação do direito interno de cada

539 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 141.


540 GARCÍA NOVOA, César, Interpretación de los Convenios de Doble Imposición Internacional,
2006, p. 65.
541 CHICO DE LA CÁMARA, Pablo, Interpretación y Calificación de los Convenios de Doble
Imposición Internacional, 2001, pp. 135-136.
542 PIRES, Manuel, International Juridical Double Taxation of Income, 1989, p. 231.

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234 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Estado contratante e não de uma etapa da aplicação das regras contidas nas
CDTRs543.
Esse entendimento encontra eco em Roy Hohatgi, que trata a questão
referente aos ditos conflitos de qualificação no campo do item 2 do artigo 3º
da Convenção Modelo. Eis seu entendimento:
Segundo a Convenção Modelo, o artigo 3(2) é a regra de interpretação
do tratado. Este artigo permite um Estado a usar o significado de sua
legislação doméstica quando um termo não está definido no tratado, a
não ser que o contexto disponha de forma diversa. A regra estabelece
uma escolha entre o significado de acordo com a legislação doméstica
e um autônomo ou independente significado. Embora seja preferível,
para se atingir uma interpretação comum, um significado autônomo,
este nem sempre é possível. Ademais, não raro os Estados preferem
suas definições domésticas (“lex fori”) ao aplicar um tratado, por
conveniência e facilidade de uso. Eles podem também preferi-las pois
as mesmas evitam uma renúncia de seus soberano poder de tributar de
acordo com o tratado, conforme previsto em sua legislação doméstica.
Uma das razões para a dupla tributação (ou dupla não-tributação)
quando a legislação doméstica é aplicada é a diferença de qualificação
ou caracterização (também chamada classificação ou categorização),
da mesma renda nos dois Estados. O tratado usa termos derivados das
legislações domésticas, mas os mesmos têm diferentes significados.
Esses termos indefinidos do tratado podem ser interpretados para
terem os significados de cada um dos Estados contratantes, ou
mesmo um terceiro significado. O problema que surge quando os dois
Estados contratantes aplicam regras distributivas diferentes sobre a
mesma renda e contribuinte em razão de diferentes significados dos
termos do tratado nos dois Estados contratantes é chamado “conflito
de qualificações” no direito tributário internacional. Semelhante
problema também ocorre em um “conflito de atribuições”, quando
ambos Estados contratantes aplicam as mesmas regras distributivas
a contribuintes distintos.544

543 Ver: VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p.52; GARBARINO, Carlo, Manuale di Tassazione
Internazionale, 2005, p. 179.
544 ROHATGI, Roy, Basic International Taxation, 2005, p. 53.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 235

Também neste sentido, afirma Heleno Taveira Tôrres que “no Direito
Internacional Tributário considera-se que exista um problema de qualificação
quando uma convenção acolhe expressões que, no direito nacional dos Estados
contratantes, são compreendidas em modo diverso”545.
Nesta assentada, afastando a ideia de qualificação como referente à
subsunção fática, temos que no campo do Direito Internacional Tributário há
que se falar em qualificação apenas nas situações em que houver uma remissão
ao direito interno dos Estados contratantes, e somente neste caso. Nas hipóteses
em que se estiver diante de divergências interpretativas de disposições de dada
CDTR não haverá que se falar em conflito de qualificações, mas sim de conflito
de interpretação.

6.2. CRITÉRIOS PARA ALOCAÇÃO DE COMPETÊNCIA


QUALIFICATÓRIA
Considerando os Comentários acima acerca da qualificação no Direito
Tributário Internacional, tem-se que um dos pontos a ser resolvido consiste
na determinação de se ambos os Estados contratantes possuem competência
qualificatória, ou se algum deles terá exclusividade na qualificação.
A primeira posição, no sentido de que ambos os Estados contratantes
podem proceder à qualificação dos conceitos utilizados na CDTR de acordo
com as respectivas legislações internas representa a teoria da Lex Fori.
Embora a adoção desse critério acarrete a possibilidade da dupla tributação
ou da dupla isenção, como bem pontuado por Rodrigo Maitto da Silveira546,
parece ser este o critério mais justo, sendo, em nossa percepção, aquele que foi
acolhido pelo item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo.
Com efeito, na falta de definição de determinado termo pela CDTR,
havendo o reenvio às legislações internas dos Estados contratantes, é razoável
que cada país integre a convenção a partir de seu direito doméstico, sendo
eventuais divergências solucionadas entre os mesmos.

545 TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 660.
546 SILVEIRA, Rodrigo Maitto da, Aplicação de Tratados Internacionais contra a Bitributação: Qualificação
de Partnership Joint Ventures, 2006, p. 165. No mesmo sentido: VOGEL, Klaus, Introduction,
1997, p. 56; ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e Aplicação de Acordos Internacionais contra a
Bitributação, 1978, p. 57.

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236 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A atribuição apriorística da competência qualificatória a qualquer dos


Estados contratantes, salvo se expressamente pactuada na CDTR, parece-nos
injustificada, podendo sujeitar uma das partes a regra jurídica não aceita pela
mesma.
Esta possibilidade torna-se ainda mais evidente diante da preferência
pelo reenvio dinâmico ao direito interno defendido pela OCDE, o qual
pode acarretar na sujeição do Estado que tenha “renunciado” à competência
qualificatória a uma regra jurídica que sequer poderia prever.
Outro critério poderia ser a atribuição da competência qualificatória ao
país da fonte ou ao da residência.
Como vimos no item 5.3.2.6, o primeiro destes critérios vem sendo
defendido há algum tempo por John Avery Jones e seu International Tax
Group547, tendo sido acolhido pela OCDE a partir de 1999, quando foi adotado
o Relatório sobre a Aplicação da Convenção Modelo da OCDE às partnerships.
A posição então acolhida pela OCDE ficou conhecida como new approach à
questão dos conflitos de qualificação548.
O dito new approach, de fato, não consiste em uma tomada de posição a
respeito da competência qualificatória do Estado da fonte ou da residência549.
Na verdade, a preocupação principal da OCDE com a sua adoção foi evitar
que conflitos de qualificação redundassem na dupla tributação da renda e a
consequente ineficácia da CDTR.
Assim, parte o new approach da interpretação do artigo 23 da Convenção
Modelo, o qual traz as regras acerca dos métodos para a eliminação da dupla

547 JONES, John F. Avery. The Interaction Between Tax Treaty Provisions and Domestic Law. In:
MAISTO, Guglielmo (Org.). Tax Treaties and Domestic Law. Amsterdam: IBFD, 2006. pp. 126-127.
548 Sobre o tema, ver: SILVEIRA, Rodrigo Maitto da, Aplicação de Tratados Internacionais contra a
Bitributação: Qualificação de Partnership Joint Ventures, 2006, pp. 174-184; SCHAFFNER, Jean.
The OECD Report on the Application of Tax Treaties to Partnerships. Bulletin for International
Taxation, Amsterdam, May. 2000, pp. 218-226; ENGELEN, Frank A.; PÖTGENS, Frank P. G.,
Report on “The Application of the OECD Model Tax Convention to Partnerships” and the
Interpretation of Tax Treaties, 2000, pp. 250-269; VOGEL, Klaus. Conflicts of Qualification:
The Discussion is not Finished. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, Feb. 2003, pp.
41-44; RUST, Alexander. The New Approach to Qualification Conflicts has its Limits. Bulletin
for International Taxation, Amsterdam, Feb. 2003, pp. 45-50; JONES, John F. Avery. Conflicts of
Qualification: Comment on Prof. Vogel’s and Alexander Rust’s Articles. Bulletin for International
Taxation, Amsterdam, May 2003, p. 184-186; JONES, John F. Avery, The “One True Meaning of a
Tax Treaty”, 2001, pp. 220-224; RUSSO, Raffaele. The OECD Approach to Partnerships – Some
Critical Remarks. European Taxation, Amsterdam, Apr. 2003, pp. 123-128; ROHATGI, Roy, Basic
International Taxation, 2005, pp. 53-56.
549 Ver: OECD. The Application of the Model Tax Convention to Partnerships. In: Model Tax Convention
on Income and on Capital, 2000, v. II, p. R(15)-41.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 237

tributação a serem utilizados pelo Estado de residência, ou seja, a isenção (23


A) ou o crédito (23 B)550.
Pelo método da isenção “um Estado se compromete a excluir da base
de cálculo de seu tributo, com ou sem reserva de progressividade, valores já
oferecidos à tributação no outro Estado contratante”. Por outro lado, de acordo
com o método de crédito “um Estado, conquanto mantendo em sua base de
cálculo valores já tributados no exterior, assegura, com ou sem limites, redução
de seu tributo, em montante equivalente àquele que já foi pago no exterior”551.
O artigo 23 A da Convenção Modelo dispõe acerca do método da isenção,
enquanto o 23 B traz regra a respeito do método de crédito. De acordo com
o primeiro, sempre que o país da fonte puder tributar a renda de acordo com as
provisões da convenção, o Estado da residência deve isentar a mesma renda da
tributação; enquanto o segundo artigo mencionado estabelece que quando o
país da fonte puder tributar a renda de acordo com as provisões da convenção, o país
da residência concederá um crédito correspondente ao imposto pago na fonte.

550 Klaus Vogel traz nota acerca da gênese histórica desses métodos, nos seguintes termos: “Como
todos estudiosos de direito tributário internacional sabem, há dois meios para evitar a dupla
tributação: isentar as rendas estrangeiras da tributação doméstica e conceder um crédito para
tributos do exterior. Quando as primeiras convenções para evitar a dupla tributação foram
concluídas 100 anos atrás - de fato, o primeiro tratado dessa natureza, entre Estados que não
estavam unidos em uma federação, Áustria e Prússia, data de 21 de junho de 1899 – era lógico
para os dois Estados distribuir bens e eventos tributáveis entre si de forma a tornar cada bem
ou evento tributável apenas em um Estado; dessa forma, cada bem ou evento tornou-se isento
de tributação no outro Estado contratante. Até a Segunda Guerra Mundial, este era o método
unanimemente aplicado por todas as convenções de dupla tributação entre países da Europa
continental.
O método de crédito, em contraste, foi originalmente ‘inventado’ – se posso assim dizer – pelo
Reino Unido, mas até a década de 40 era o mesmo restrito aos tributos cobrados por estados
do Império Britânico, particularmente a Índia. Um crédito por tributos pagos no exterior foi
introduzido em 1918 pelos Estados Unidos. A tal época, entretanto, era uma medida unilateral
em favor de cidadãos americanos e, sujeito à reciprocidade, a residentes não-americanos.
Como um dispositivo convencional o método de crédito foi considerado pelos modelos da Liga
das Nações de 1928 como uma alternativa ao método da isenção (como foi subsequentemente
adotado pela Convenção Modelo da OCDE). Ainda durante os anos 20 e 30, ambos os Estados
que utilizavam o crédito, os Estados Unidos e o Reino Unido, eram relutantes em concluir
tratados de dupla tributação. Portanto, os tratados tributários utilizavam o método da isenção
quase exclusivamente até os Estados Unidos e os estados da Comunidade Britânica decidiram
criar uma rede própria de tratados. Desde esta época, o método de crédito tornou-se popular
em alguns Estados do continente Europeu, que adotaram o mesmo seja como um método
unilateral, como a Alemanha, ou para seus tratados, como os países escandinavos e, mais
recentemente, a França” (VOGEL, Klaus. Which Method Should the European Community
Adopt for the Avoidance of Double Taxation? Bulletin for International Taxation, Amsterdam,
Jan. 2002, p. 4).
551 SCHOUERI, Luís Eduardo, Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica, 2005, p. 215. Ver
também: JUCH, D., General Report, 1981, pp. 18-20.

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238 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A expressão grifada acima é a chave para a compreensão do new approach552.


De fato, a posição sustentada pela OCDE é no sentido de que quando o país
de fonte integra a CDTR com base em sua legislação doméstica, segundo o
disposto no item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo e, via de consequência,
tributa determinada renda, está o mesmo exercendo seu poder tributário de
acordo com as provisões da convenção, já que a mesma autoriza o reenvio ao
direito interno.
Neste caso, caberia ao país de residência, ao aplicar o artigo 23, concedendo
a isenção ou o crédito, independentemente de concordar ou não com a
qualificação do país da fonte. Eis o comentário da OCDE:
A interpretação da frase “de acordo com as provisões desta
Convenção, pode ser tributado”, a qual é utilizada nos dois Artigos,
é particularmente importante para tratar de casos onde o Estado da
residência e o Estado da fonte classificam o mesmo item de renda ou
capital diferentemente para os fins das regras da Convenção.
Diferentes situações devem ser consideradas a este respeito. Quando,
em razão de diferenças nas legislações domésticas do Estado da
fonte e do Estado da residência, o primeiro aplica, em relação a um
determinado item de renda ou capital, regras da Convenção que
são diferentes daquelas que o Estado da residência teria aplicado
ao mesmo item de renda ou capital, a renda ainda assim está
sendo tributada de acordo com as regras da Convenção, conforme
interpretadas e aplicadas pelo Estado da fonte. Em tal caso, portanto,
os dois artigos determinam que a dupla tributação seja afastada pelo
Estado da residência, a despeito do conflito de qualificação resultante
dessas diferenças na legislação doméstica.553
É importante ressaltar, todavia, que o new approach da OCDE aplica-se
apenas nos casos de conflitos de qualificação, conforme descritos anteriormente, não
alcançando divergências interpretativas ou decorrentes da análise dos fatos. Segundo
os Comentários à Convenção Modelo:
Os Artigos 23 A e 23 B, contudo, não determinam que o Estado da
residência elimine a dupla tributação em todos os casos em que o
Estado da fonte exerceu seu poder tributário ao aplicar a um item de

552 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 314.
553 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 314.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 239

renda uma regra da Convenção que é diferente daquela que o Estado


da Residência considera aplicável. Por exemplo, no caso acima, se, para
fins de aplicação do parágrafo 2 do artigo 13, o Estado E considera
que a partnership realizou negócios por intermédio de uma unidade
fixa de negócios, mas o Estado R considera que o parágrafo 4 é
aplicável, porque a partnership não tinha uma unidade fixa de negócios
no Estado E, há na verdade uma disputa a respeito de se o Estado E
tributou a renda de acordo com as regras da Convenção. O mesmo
pode ser dito se o Estado E, ao aplicar o parágrafo 2 do artigo 13,
interpreta a frase “fazendo parte do estabelecimento empresarial” de
forma a incluir alguns ativos que não caem na definição desta frase de
acordo com a interpretação que o Estado R lhe atribui. Tais conflitos,
resultantes de diferentes interpretações de fatos ou interpretações
divergentes de regras da Convenção devem ser distinguidos dos
conflitos de qualificação descritos no parágrafo acima, quando a
divergência é baseada não em diferentes interpretações das regras da
Convenção, mas em diferentes disposições de direito interno. [...].554
Se o new approach presta-se para evitar a dupla tributação da renda,
aparentemente o mesmo não afasta a possibilidade de eventuais conflitos entre
os Estados contratantes, ainda mais se levarmos em conta a preferência dada
pela OCDE ao reenvio dinâmico ao direito interno dos mesmos, conforme
visto no capítulo anterior.
Ademais, como salienta Frank P. G. Pötgens, essa linha de entendimento
vem sendo criticada a partir de uma leitura do item 2 do artigo 3º da Convenção
Modelo, como a por nós sustentada, no sentido de que ambos os Estados
contratantes podem interpretar/aplicar a CDTR555.
Por outro lado, considerando o caráter não vinculante dos Comentários,
principalmente em países como o Brasil, que não são membros da organização,
é possível que mesmo em relação a conflitos de qualificação o new approach
enfrente resistências.

554 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 315. Sobre o tema, ver: RUSSO,
Raffaele. O Tratamento Dispensado pela OCDE às Partnerships – Uma Análise Crítica. Tradução
Helena de Rezende Grabenweger; Luiz Fernando Mascaro. Revista de Direito Tributário
Internacional, São Paulo, n. 4, out. 2006, p. 239.
555 PÖTGENS, Frank P. G. Article 15 (2) (b) of the OECD Model: Problems Arising from the Residence
Requirement for Certain Types of Employers. European Taxation, Amsterdam, June-July 2002,
p. 220.

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240 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Entre os países membros da OCDE, a Holanda manifestou expressamente


sua discordância com o dito new approach, divergindo da interpretação dada
à frase de acordo com as provisões desta convenção. A seu turno, a Suíça rejeitou
a aplicação do new approach quando o conflito de qualificação seja decorrente
da modificação da legislação doméstica do país da fonte posterior à celebração
do tratado556.

6.3. A APLICAÇÃO DO NEW APPROACH NO BRASIL


Como vimos no item 5.3.2.1.2 supra, não há no Brasil uma tradição
jurisprudencial a respeito da interpretação/aplicação de CDTRs, sendo escassas
e muitas vezes mal fundamentadas as decisões sobre o tema.
Dessa forma, não há qualquer indicação de que as autoridades
administrativas ou judiciais brasileiras aceitariam o new approach em
determinado caso para reconhecer a competência qualificatória exclusiva do
país da fonte.
Na verdade, seguindo a posição defendida neste estudo, seria efetivamente
o caso de se negar aplicação do mencionado new approach, de forma que nos
casos em que haja um conflito de qualificações entre o Brasil e outro país
com o qual este tenha celebrado uma CDTR, seja o mesmo solucionado via
procedimento amigável, sem que qualquer dos Estados contratantes seja forçado
a aceitar a aplicação do direito interno da outra parte.

6.4. A TESE DA QUALIFICAÇÃO AUTÔNOMA


O Professor Klaus Vogel sustenta que para evitar os aspectos negativos
dos mecanismos de solução de conflitos de qualificação, deveriam estes ser
solucionados mediante uma qualificação autônoma, a qual prescindiria do reenvio
ao direito interno dos Estados contratantes. Eis sua lição:
Dadas as falhas das três possíveis soluções acima, a qualificação
autônoma parece ser a única solução sustentável. Isso implica o
desenvolvimento e, onde já existente, o progresso contínuo em direção
a uma linguagem fiscal internacional, superando o uso linguístico
nacional. [...] De fato, esta é a que melhor conforma o caráter do

556 Cf. OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 331

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 241

tratado como uma regra independente que é aplicável em ambos os


Estados, já que apenas uma qualificação autônoma pode garantir a
desejada interpretação comum dos termos do tratado.557
Para Vogel, uma qualificação autônoma deve ser buscada mesmo nos
casos em que o termo não se encontre definido no tratado, casos em que tal
qualificação deve ser buscada via interpretação558.
Todavia, o próprio mestre alemão reconhece que em alguns casos o recurso
ao direito interno dos Estados contratantes será inevitável559, de forma que
para a solução de conflitos de qualificação “a combinação de enfoques pode
funcionar melhor, com a escolha do método dependente no propósito para o
qual a interpretação é buscada”560.
Assim, segundo Vogel, é para as regras distributivas constantes nas CDTRs
que se devem exaurir as possibilidades de uma qualificação autônoma, embora
o mesmo reconheça que “até que o objetivo do desenvolvimento de uma
linguagem fiscal internacional seja alcançado, será inevitável, pelo menos em
alguns casos, recorrer ao direito do Estado aplicando o tratado como última
solução hermenêutica”561.
Partindo-se da noção de qualificação acima apresentada, é que se afirmar
que a questão posta pelo Professor Vogel como referente à qualificação autônoma
no campo das CDTRs em nada tem a ver com o tema das qualificações, já
que, como aqui sustentado, de conflitos de qualificação somente se deve falar nas
situações em que se está diante de divergências entre os direitos internos dos
Estados contratantes.
Ou seja, a solução proposta por Vogel é na verdade uma forma de se
evitar o problema dos conflitos de qualificação antes que os mesmos surjam,
substituindo o reenvio ao direito doméstico dos Estados contratantes pela
interpretação restrita da própria CDTR.
Como afirma Alberto Xavier, “a qualificação autônoma, nada mais sendo
do que uma ‘interpretação comum’, de conceitos formulados diversamente

557 VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p. 58.


558 VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p. 58.
559 VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p. 59.
560 VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p. 59.
561 VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p. 60.

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242 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

pelas ordens nacionais, à luz do contexto do tratado, não é uma solução para
o problema da qualificação”562.
Dessa forma, caso um dia seja alcançado o desiderato do desenvolvimento
de uma linguagem fiscal internacional563, tornando-se as CDTRs suficientes como
moldura textual, ter-se-ia acabado de vez com o problema da qualificação e
dos conflitos de qualificação.

6.5. A TEORIA DO PROFESSOR ALBERTO XAVIER


Ao analisar a questão da solução dos conflitos de qualificação, o Professor
Alberto Xavier parte da premissa de que “a correta interpretação dos tratados
contra a dupla tributação conduz sempre à atribuição de uma competência
exclusiva a um dos Estados, única solução que está de harmonia com o ‘objeto
e o propósito’ desses tratados”564.
Dessa forma, sustenta Xavier, em termos bastante aproximados à teoria
defendida por Avery Jones e consagrada no new approach, que o país da fonte
dos rendimentos tem a competência qualificatória exclusiva no que tange aos
“conceitos referentes ao conceito-quadro”565, de forma que, nesses casos, cabe ao
país da residência acolher a qualificação feita pelo país da fonte e conceder o
alívio à bitributação conforme o artigo 23 da Convenção Modelo566.
Já no que se refere aos pressupostos de aplicação das regras convencionais,
Alberto Xavier defende a competência qualificatória exclusiva do Estado “com
vocação natural para regular a situação, vocação essa que varia consoante o tipo
de situação em causa” (lex situationis)567. Um exemplo apresentado pelo citado
autor presta-se ao esclarecimento de sua teoria.
Em um caso em que se discutisse a aplicação do tratado Brasil-Holanda
a dois indivíduos que sustentassem ser, respectivamente, residentes no Brasil e
na Holanda, a legislação interna brasileira seria aquela com a vocação natural

562 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 146.


563 Sobre o tema, ver: PROKISCH, Rainer. Does it Make Sense if we Speak of an “International Tax
Language”? In: VOGEL, Klaus (Coord.). Interpretation of Tax Law and Treaties and Transfer Pricing
in Japan and Germany. The Hage: Kluwer Law International, 1998. pp. 93-110.
564 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 147.
565 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 148.
566 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 149.
567 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 149.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 243

para determinar se o indivíduo é residente no Brasil, enquanto que a holandesa


seria responsável pela definição quanto à residência na Holanda568.
Por fim, haveria também casos de competência qualificatória exclusiva do
Estado da residência, isso no que se refere à aplicação do artigo 23 da Convenção
Modelo. Nas palavras de Xavier:
A nossa tese, ao invés, admite que o Estado da residência tem também,
competência qualificatória exclusiva quando às normas convencionais
que lhe são especificamente dirigidas. E quais são essas normas?
São precisamente aquelas que – inspiradas nos arts. 23 A e 23 B do
Modelo OCDE – impõem ao Estado da residência a obrigação de
adotar os “métodos” da isenção ou da imputação. Tenha-se presente
que, nas hipóteses em que a convenção atribui competência tributária
cumulativa ao Estado da residência e ao Estado da fonte, a este cabe a
tributação primária, devendo o Estado da residência limitar-se a extrair
as consequências dessa tributação, outorgando isenção ou crédito de
imposto – tributação secundária.569
Concordamos com o Professor Xavier que em algumas situações um dos
Estados contratantes terá a por ele referida vocação natural para aplicar o seu
direito interno, do mesmo modo que também parece correto afirmar que cabe
ao país da residência interpretar/aplicar as regras constantes no artigo 23 da
Convenção Modelo.
Discordamos, todavia, como já assinalado anteriormente, da ideia de
que o país da fonte tenha competência exclusiva para interpretar/aplicar os
conceitos-quadro, definindo sua qualificação com base na sua legislação interna
nas situações em que a mesma for aplicável.
Por mais que se abra espaço para eventuais situações de dupla tributação
ou dupla isenção, entendemos que nesses casos deve-se seguir a Lex Fori,
reconhecendo-se o direito de ambos os Estados contratantes de fazer o reenvio
a seu direito doméstico.
No caso da aplicação do direito doméstico do Estado da fonte levar a
uma tributação distinta daquela pensada pelo da residência, deverá o conflito
ser resolvido por via do procedimento amigável.

568 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 150.


569 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 152.

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244 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Não há que se esquecer aqui o que já afirmamos no primeiro capítulo,


no sentido de que há um princípio da não bitributação e não uma regra da não
bitributação. Ou seja, em algumas situações pode a não bitributação mostrar-se
um fim inalcançável sendo, portanto, inevitável a dupla incidência. Quer-nos
parecer, contudo, que não pode a bitributação ser evitada mediante esquemas
que possam acarretar uma renúncia fiscal não acordada, entregando ao país
da fonte a possibilidade de alterar o pactuado mediante modificações em sua
legislação interna.

6.6. CONCLUSÃO DO PRESENTE ITEM


Diante do exposto, é possível reiterar que neste trabalho o vocábulo
qualificação não é utilizado como sinônimo de subsunção do fato à norma,
recusando-se aqui a segregação entre norma, fato e intérprete.
Dessa forma, no campo do Direito Tributário Internacional entendemos
que a qualificação ocorre exclusivamente nas situações em que há o reenvio ao
direito interno, conforme estabelecido pelo item 2 do artigo 3º da Convenção
Modelo, ou seja, nas situações em que a CDTR não traz a definição de
determinado termo, que deve então ser qualificado à luz do direito interno
dos Estados contratantes.
Surge então o problema dos conflitos de qualificação, que ocorrem quando
o direito interno das partes leva a qualificações distintas.
Segundo defendemos nas linhas acima, tais conflitos de qualificação
devem ser solucionados pela via do procedimento amigável, recusando-se aqui
qualquer solução apriorística que conceda a um dos Estados contratantes uma
competência qualificatória exclusiva.
Em todo caso, é importante não confundir conflitos de qualificação, de-
correntes da divergência entre os direitos internos dos Estados contratantes,
com conflitos de interpretação (relativos à interpretação de conceitos definidos
na CDTR) ou aqueles relacionados à compreensão dos fatos envolvidos.

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7

A Quebra do Tratado
pela Interpretação:
Os Casos Brasileiros da
Tributação das Remessas ao Exterior
Decorrentes da Prestação de Serviços
sem Transferência de Tecnologia e
Aquelas Recebidas por Residentes
Brasileiros de ETVEs Espanholas

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 247

7.1. INTRODUÇÃO
Por tudo que o foi tratado até o presente momento nesta tese, é possível
que uma CDTR celebrada pelo Brasil tenha suas regras descumpridas (a) em
razão de uma regra especifica que venha a ser editada pelo legislador interno,
determinando expressamente que aquela estabelecida no tratado perdeu sua eficácia
(legislative override); (b) pelo fato de os tribunais brasileiros emprestarem à regra
pactícia uma interpretação distinta daquela que os tribunais do outro Estado
contratante lhe atribuem (judicial override) e, por fim, (c) em consequência de
os próprios órgãos de aplicação estatais, no caso brasileiro, as autoridades da
Secretaria da Receita Federal, interpretarem as disposições da CDTR de forma
evidentemente desbordante de sua moldura textual. Esta seria uma quebra do
tratado pela sua interpretação (hermeneutic override).
Veja-se que não estamos tratando aqui de meros conflitos hermenêuticos,
mas sim de uma manipulação do processo interpretativo de forma a se criar regra
jurídica que evidentemente não pode ser extraída do tratado.
É claro que a decisão quanto à presença ou não da regra nos limites textuais
da CDTR é também uma decisão hermenêutica, todavia, como um estudo de
casos irá demonstrar, é possível, de forma casuística, identificar situações em
que se buscou um hermeneutic override do tratado, ou seja, um descumprimento
da CDTR decorrente de uma artificial manipulação de sua interpretação, fora
dos marcos de sua moldura.

7.2. O CASO DA TRIBUTAÇÃO DE REMESSAS AO EXTERIOR


DECORRENTES DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEM
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
Principalmente após a abertura do mercado brasileiro em alguns setores
específicos, notadamente os de telecomunicações e petróleo e gás, tornou-se
comum a contratação de empresas não residentes para a prestação de serviços
técnicos especializados para residentes no Brasil.
Em muitos casos, tal prestação de serviços se dá de maneira direta, de
forma que o não residente realiza suas atividades no exterior, mandando ou
não técnicos ao Brasil para sua execução.
O importante aqui é que o serviço é prestado pelo não residente sem a
intermediação de um estabelecimento permanente situado no Brasil. Por outro

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248 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

lado, está-se aqui tratando exclusivamente da prestação de serviços que não


envolvem a transferência de know-how, cuja remuneração seria tratada como
royalties.
Diante de tais casos, passou-se a discutir qual seria o tratamento das remessas
para o exterior feitas em conexão com a prestação de serviços sem transferência
de tecnologia, no caso em que o prestador estivesse domiciliado em país com o
qual o Brasil tenha celebrado uma CDTR.
A análise desta situação levaria à conclusão pela não incidência da
tributação brasileira sobre tais remessas, já que as mesmas caem no artigo 7º
da Convenção Modelo. Para facilitar a exposição, encontra-se transcrito abaixo
o item 1 do artigo 7º da Convenção Brasil-França:
Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser
tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade
no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento
permanente aí situado. Se a empresa exercer sua atividade desse modo,
seus lucros poderão ser tributados no outro Estado, mas unicamente na
medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento permanente.
Percebe-se, portanto, que, afora os casos em que a empresa que presta
serviços possui estabelecimento permanente no país “comprador”, a tributação
destes serviços é facultada com exclusividade ao país de residência do prestador
de serviços. Neste sentido, observe-se o ensinamento de Alberto Xavier:
Com efeito, o art. 7º, na sua redação sintética e precisa, contém duas
normas distintas: uma norma de atribuição de competência exclusiva
e uma norma de atribuição de competência cumulativa. A norma de
atribuição de competência exclusiva em favor do Estado de residência
aplica-se precisamente à hipótese em que a empresa do Estado A não
tem estabelecimento permanente no Estado B, como sucede na grande
generalidade das vendas internacionais de mercadorias e serviços, caso
em que os lucros das empresas vendedoras “só podem” ser tributados
no respectivo Estado de domicílio e “não podem”, por conseguinte,
ser objeto de tributação, notadamente por via da retenção na fonte,
no Estado B, onde se localiza o comprador. [...].
Em nossa opinião, a norma do art. 7º que atribui competência
exclusiva ao Estado de domicílio, na hipótese de inexistência de
estabelecimento permanente, é o “coração” de um tratado contra dupla
tributação. Sem a proteção que ela assegura à liberdade de circulação

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 249

internacional de mercadorias e serviços, todas as demais cláusulas


perdem grande parte de seu sentido.570
A despeito da clareza da previsão contida no artigo 7º das CDTRs
celebradas pelo Brasil, a questão foi levada à apreciação da Secretaria da Receita
Federal por intermédio de processos de consulta, sendo que foram proferidas
decisões tanto no sentido da não incidência do Imposto de Renda Retido na
Fonte, em decorrência da aplicação do mencionado dispositivo, como pela
incidência da tributação571.

570 XAVIER, Alberto. O Imposto de Renda na Fonte e os Serviços Internacionais – Análise de um Caso
de Equivocada Interpretação dos arts. 7° e 21 dos Tratados. Revista Dialética de Direito Tributário,
São Paulo, n. 49, out. 1999, p. 10. Do mesmo autor, ver: XAVIER, Alberto, Direito Tributário
Internacional do Brasil, 2010, p. 563. Segundo Luciana Rosanova Galhardo, “a regra geral trazida
pelo artigo VII do tratado estabelece que os lucros de uma empresa de um Estado Contratante
só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro
Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente ali situado” (GALHARDO,
Luciana Rosanova. Serviços Técnicos Prestados por Empresa Francesa e Imposto de Renda na
Fonte. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 31, Abr. 1998, p. 42). No mesmo sentido:
SCHOUERI, Luís Eduardo; RIBEIRO, Ricardo Pereira. New Withholding Taxes on Imported Services.
International Transfer Pricing Journal, Amsterdam, Sept.-Oct. 2004, p. 197. Posição em sentido
contrário é sustentada por Gabriel Francisco Leonardos, para quem “o único objetivo do art.
7º, no que diz respeito à inibição da atuação do Fisco de um dos países contratantes, consiste
na vedação de tributação dos lucros auferidos no outro país. Assim, por exemplo, o Governo
Brasileiro não pode tributar lucros auferidos pela empresa francesa na França, ou em outros
países estrangeiros, mas poderia tributar os lucros do estabelecimento permanente (i.e. filial)
que esta mantivesse em nosso país” (LEONARDOS, Gabriel Francisco. O Imposto de Renda de
Fonte sobre os Pagamentos ao Exterior por Serviços Técnicos – Análise de um Caso de Renúncia
Fiscal do Brasil. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 40, Jan. 1999, p. 39).
571 Vejam-se, por exemplo, as seguintes decisões: “Processo de Consulta nº 35/05. Órgão:
Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 8a. Região Fiscal. Assunto: IMPOSTO
SOBRE A RENDA RETIDO NA FONTE – IRRF. Ementa: REMESSA AO EXTERIOR - Serviços Técnicos
Especializados e de Consultoria. Diante do disposto no parágrafo 3 do Artigo 12 do Decreto nº
76.975, de 2 de janeiro de 1976 (promulgou a Convenção destinada a Evitar a Dupla Tributação
e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda Brasil/Espanha) e no item
5 do Protocolo (parte integrante da Convenção), a remuneração paga, creditada, entregue,
empregada ou remetida, a cada mês, a residente ou domiciliado no exterior pela prestação de
serviços técnicos especializados e de consultoria, caracteriza royalties. Por força do disposto no
item 4 do Protocolo (parte integrante da Convenção), tais importâncias sujeitam-se à incidência
do imposto de renda na fonte à alíquota de 12,5% (doze e meio por cento). Dispositivos Legais:
Art. 98 da Lei nº 5.172, de 25.10.1966 (Código Tributário Nacional); alínea “b” do parágrafo 2 e
parágrafo 3 do artigo 12, c/c os itens 4 e 5 do Protocolo da Convenção Internacional Brasil/Espanha
(promulgada pelo Decreto nº 76.975, de 2.01.1976); e Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 27,
de 21.12.2004. Outros Tributos ou Contribuições INCIDÊNCIA - Contribuição de Intervenção
no Domínio Econômico-Cide. A empresa que pagar, creditar, entregar, empregar, ou remeter
importâncias ao exterior a título de royalties, está sujeita ao pagamento da Contribuição de
Intervenção no Domínio Econômico instituída pela Lei nº 10.168, de 2000. Dispositivos Legais:
Art. 2º da Lei nº 10.168, de 29.12.2000 (alterado pelo art. 6º da Lei nº 10.332, de 19.12.2001) e
art. 10 do Decreto nº 4.195, de 11.04.2002. AMILTON FERNANDO CASTARDO – Chefe (Data da
Decisão: 10.2.2005 14.04.2005)”. Processo de Consulta nº 119/99. Órgão: Superintendência
Regional da Receita Federal - SRRF / 7a. Região Fiscal. Assunto: Imposto de Renda Retido na
Fonte - IRRF. Ementa: REMESSAS PARA O EXTERIOR. CONVENÇÃO BRASIL E ESPANHA. ROYALTIES
E SERVIÇOS TÉCNICOS. Nas remessas a empresa domiciliada na Espanha aplicam-se as normas
veiculadas na respectiva Convenção Internacional, em detrimento da lei interna. Por força do

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250 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Diante da divergência interpretativa entre os próprios órgãos da Fazenda,


foi editado um Ato Declaratório Normativo, o nº 1 de 2000, o qual pretendeu
uniformizar o entendimento da Secretaria da Receita Federal a respeito da
matéria. Eis a sua redação:
I – As remessas decorrentes de contratos de prestação de assistência
técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia
sujeitam-se à tributação de acordo com o art. 685, inciso II, alínea
“a”, do Decreto nº 3.000, de 1999.
II – Nas Convenções para Eliminar a Dupla Tributação da Renda das
quais o Brasil é signatário, esses rendimentos classificam-se no artigo
Rendimentos não Expressamente Mencionados, e, consequentemente,
são tributados na forma do item I, o que se dará também na hipótese

Protocolo, que é parte integrante do Tratado firmado, dá-se à remuneração relativa a prestação de
serviços técnicos o mesmo tratamento dispensado ao pagamento de royalties. Sobre a remessa
de numerário em pagamento à prestação de serviços técnicos de engenharia incide a alíquota
de quinze por cento. DISPOSITIVOS LEGAIS: CTN, art. 98; Decreto Legislativo 62/75; RIR, art.
685; Portaria MF 45/76. MARY LÉA BARROS MACEDO – Chefe (Data da Decisão: 12.5.1999
03.08.1999)”. Processo de Consulta nº 074/99. Órgão: Superintendência Regional da Receita
Federal - SRRF / 9a. Região Fiscal. Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF. Ementa:
Remessa a empresa domiciliada no exterior. Convenção Brasil-França. Prestação de assistência
e serviços técnicos. Lucros. Os pagamentos efetuados a empresa domiciliada na França que não
possua estabelecimento permanente no Brasil, referentes à prestação de assistência e serviços
técnicos não enquadrados no conceito de know how, são tributados pelo imposto de renda
exclusivamente naquele País. Programas de computador. Licença de uso. “Royalties”. Incide o
imposto de renda na fonte sobre os pagamentos efetuados a empresa domiciliada na França a
título de licença de uso, configurando royalties, de programas de computador (softwares) criados
e destinados ao atendimento de necessidades específicas do usuário. DISPOSITIVOS LEGAIS:
Convenção Brasil-França; Decreto nº 70.506/72, arts. VII e XII; RIR/1999, art. 710; Portaria-MF
nº 181/1989; Portaria nº 287/1972, item I, “a”. MARCO AURÉLIO CHICHORRO FALAVINHA
Chefe da Divisão (Data da Decisão: 12.7.1999 03.08.1999)”. “Processo de Consulta nº 011/99.
Órgão: Superintendência Regional da Receita Federal - SRRF / 9a. Região Fiscal. Assunto:
Imposto sobre a Renda Retido na Fonte - IRRF. Ementa: Remessa a empresa domiciliada no
exterior. Prestação de serviços. Convenção Brasil-França. Os pagamentos efetuados a empresa
domiciliada na França que não possua estabelecimento permanente no Brasil, referentes à
prestação de assistência e serviços técnicos não enquadrados de know how, são tributados pelo
imposto de renda exclusivamente naquele País. Dispositivos Legais: Convenção Brasil-França;
Decreto nº 70.506/72, arts. VII e XII. MARCO AURÉLIO CHICHORRO FALAVINHA - Chefe de
Divisão (Data da Decisão: 10.2.1999 15.04.1999)”. “Processo de Consulta nº 369/98. Órgão:
Superintendência Regional da Receita Federal - SRRF / 7a. Região Fiscal. Assunto: Imposto
sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF. Ementa: REMESSA DE DIVISAS. SERVIÇOS TÉCNICOS.
TRIBUTAÇÃO CONVNEÇÃO INTERNAIONAL. Aos rendimentos decorrentes de contrato de
prestação de serviços de natureza técnica e gerencial, celebrado entre empresa brasileira e
empresa domiciliada na Espanha (prestadora), sem qualquer estabelecimento em nosso país,
e que não se configurem em pagamento de royalties, de transferência de know-how, ou coisa
do gênero, nem se apresentem como rendimentos de “profissão independente” exercida por
profissionais liberais em nosso país, dar-se-á o tratamento de lucro, recaindo o direito de tributar
ao país onde está estabelecida permanentemente a empresa prestadora. DISPOSITIVOS LEGAIS:
Lei 5.172/66 (CTN); Convenção Internacional Brasil-Espanha (Decreto nº 76.975/76); RIR/94.
MARY LEA BARROS MACEDO – Chefe (Data da Decisão: 28.12.1998 23.03.1999)”.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 251

de a convenção não contemplar esse artigo.


III – Para fins do disposto no item I deste ato, consideram-se
contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos
sem transferência de tecnologia aqueles não sujeitos à averbação ou
registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e
Banco Central do Brasil.
Como se infere do disposto nesse Ato Declaratório Normativo, por seu
intermédio a Secretaria da Receita Federal firmou entendimento no sentido de
que às remessas decorrentes de contratos de serviços técnicos sem transferência
de tecnologia deve ser aplicada a alínea “a” do inciso II do artigo 685 do
Regulamento do Imposto de Renda – RIR, cuja redação é a seguinte:
Art. 685. Os rendimentos, ganhos de capital e demais proventos pagos,
creditados, entregues, empregados ou remetidos, por fonte situada no
País, a pessoa física ou jurídica residente no exterior, estão sujeitos à
incidência na fonte (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 100, Lei nº
3.470, de 1958, art. 77, Lei nº 9.249, de 1995, art. 23, e Lei nº 9.779,
de 1999, arts. 7º e 8º):
[...]
II – à alíquota de vinte e cinco por cento572:
a) os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, e
os da prestação de serviços; [...].
Tal posicionamento adotado pela Receita Federal fundamenta-se em
interpretação pela mesma apresentada no sentido de que “nas Convenções para
Eliminar a Dupla Tributação da Renda das quais o Brasil é signatário, esses
rendimentos [decorrentes da prestação de serviços sem transferência de tecnologia]
classificam-se no artigo Rendimentos não Expressamente Mencionados, [...]
o que se dará também na hipótese de a convenção não contemplar esse artigo”.
Com a edição do Ato Declaratório Normativo nº 1/2000 buscaram as
autoridades fazendárias justificar a tributação pelo Imposto de Renda Retido
na Fonte das remessas decorrentes da prestação direta por não residente de
serviços sem transferência de tecnologia, isso mediante a aplicação do artigo

572 A partir de maio de 2001, a alíquota incidente sobre os rendimentos do trabalho e da prestação
de serviços passou a ser tributado à alíquota de 15% (quinze por cento).

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252 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

21 das CDTRs celebradas pelo Brasil, o qual prevê a competência cumulativa


do Brasil e do país da residência para tributar a renda573.
A posição adotada no Ato Declaratório Normativo nº 1/2000 foi
duramente criticada pela doutrina574, principalmente por refletir uma equivocada
interpretação tanto do artigo 7º como do artigo 21 das CDTRs brasileiras,
ignorando a aplicabilidade do primeiro ao caso em análise e criando uma
infundada aplicação do segundo575.
Cabe mencionar que o entendimento da doutrina pátria a respeito do
artigo 7º das CDTRs reflete a compreensão sobre o dispositivo que prevalece no
exterior576, de forma que a posição adotada pelas autoridades fiscais brasileiras

573 Vale observar aqui que as CDTRs celebradas pelo Brasil divergem da Convenção Modelo no
que se refere ao artigo de Rendimentos não Expressamente Mencionados”. De fato, enquanto as
CDTRs brasileiras atribuem a ambos os Estados contratantes o direito de tributar tais rendimentos,
a Convenção Modelo estabelece uma competência exclusiva do Estado da residência para
tributa-los.
574 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo; RIBEIRO, Ricardo Pereira, New Withholding Taxes on Imported
Services, 2004, p. 198; TÔRRES, Heleno Taveira. Princípio da Territorialidade e Tributação de Não-
residentes no Brasil. Prestações de Serviços no Exterior. Fonte de Produção e Fonte de Pagamento.
In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier
Latin, 2003. pp. 100-104; SILVA, Sergio André Rocha Gomes da. O Ato Declaratório nº 1/2000 e
a ilegalidade da obrigação de retenção do imposto de renda na fonte. Revista Dialética de Direito
Tributário, São Paulo, n. 58, jul. 2000, pp. 100-108; NEVES, Márcio Calvet. O imposto de renda
na fonte nos pagamentos por prestação de serviços técnicos por residentes no exterior, o Ato
Declaratório CST nº1/00 e as convenções celebradas pelo Brasil para evitar a dupla tributação
da renda. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 58, jul. 2000, p. 69-74; XAVIER,
Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, pp. 566-570; BELLAN, Daniel Vitor.
Algumas Considerações sobre a Tributação dos Royalties Pagos a Beneficiários Residentes ou
Domiciliados no Exterior. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional
Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003. pp. 373-375.
575 Nas palavras de Heleno Tôrres: “Se é verdade que em matéria de pagamentos feitos a residentes
no exterior, residentes em país com o qual o Brasil tenha tratado para evitar a dupla tributação,
devem ser aplicadas as normas do tratado, não é menos correto afirmar que, em se tratando de
pagamento por serviços técnicos, o dispositivo dos tratados que se aplica (considerando que
todos os tratados firmados pelo Brasil o foram com base na convenção modelo da OCDE) é o
artigo 7º, que trata do ‘Lucro da Empresa’ [...].
No que concerne aos rendimentos do art. 21 do Modelo OCDE de convenções [...]. Já afirmamos,
esta cláusula geral aplica-se a todos os rendimentos não qualificados expressamente nas
hipóteses de rendimentos especificados e classificados nas cláusulas específicas, incluída, entre
estas, aquela dos lucros das empresas (art. 7º). Dedique-se a empresa à indústria, ao comércio
ou à prestação de serviços. Não importa” (TÔRRES, Heleno Taveira. Princípio da Territorialidade
e Tributação de Não-residentes no Brasil. Prestações de Serviços no Exterior. Fonte de Produção
e Fonte de Pagamento, 2003, pp. 100-101).
576 Cf. AVI-YONAH, Reuven S.; CLAUSING, Kimberly A. Business Profits (Article 7 OECD Model
Convention). In: LANG, Michael et al (Coords.). Source versus Residence. The Netherlands: Wolters
Kluwer, 2008. pp. 9-10; BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, pp. 7-2; CALDERÓN
CARRERO, José Manuel. La Tributación de los Beneficios Empresariales. In: GODOY F., Juan
Pablo. Estudios de Derecho Internacional Tributario: Los Convenios de Doble Imposición. Bogotá:
LEGIS, 2006. p. 151; TUNDO, Francesco. Las Rentas Empresariales en el Modelo OCDE. In:
PISTONE, Pasquale; TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Estudios de Derecho Tributario Constitucional
Internacional: Homenaje Latinoamericano a Victor Uckmar. Buenos Aires: Editorial Ábaco

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 253

pode ser efetivamente considerada um hermeneutic override do tratado, já que


este está sendo descumprido a pretexto de ser interpretado.
Duas são as possíveis consequências da posição brasileira: uma é a
possibilidade de a violação do tratado pode ser considerada causa para a própria
denúncia da CDTR; outra é a possível negativa, pelo país de residência, quanto
à de utilização do imposto retido no Brasil como crédito ou da isenção dos
rendimentos de indevidamente tributados no Brasil.
Em relação à primeira hipótese, especula-se que uma das razões que
levaram o governo alemão a buscar uma renegociação do tratado que existia
entre Brasil e Alemanha era exatamente a posição do Fisco brasileiro em relação
ao artigo 7º577. Diante da dificuldade em renegociar o tratado o mesmo acabou
sendo denunciado pelo Governo Alemão578.
Embora não se possa dizer que a divergência interpretativa deu causa à
denúncia da CDTR, figurava a mesma como um ponto que o Governo Alemão
tinha interesse de renegociar.
No que tange à segunda hipótese, há que se destacar, inicialmente,
que à mesma não se aplica o new approach da OCDE referente a conflitos
de qualificação, uma vez que, neste caso, não se está diante de divergências
decorrentes de diferenças quanto ao direito interno dos Estados contratantes,
mas sim de interpretações distintas de dispositivos da CDTR.
Assim sendo, nem mesmo sob o dito new approach estaria o país da
residência obrigado a aceitar a tributação brasileira, concedendo o crédito ou
isentando a renda da tributação.
Portanto, como ponderam Luís Eduardo Schoueri e Ricardo Pereira
Ribeiro, é possível que o país de residência entenda que o Brasil, ao fazer incidir
o Imposto de Renda Retido na Fonte sobre a remessa relativa à prestação de
serviços técnicos sem transferência de tecnologia, não está tributando a renda

de Rodolfo Depalma, 2005. pp. 920-921; ARESPACOCHAGA, Joaquín de, Planificación Fiscal
Internacional, 2002, p. 201-204; ARNOLD, Brian J. Threshold Requirements for Taxing Business
Profits under Tax Treaties. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, Oct. 2003, p. 478;
MUNRO, Alistair, Tolley’s Double Taxation Relief, 2003, p. 189.
577 Cf. OEPEN, Wolfgang. A Alemanha Denuncia seu Tratado de Dupla Tributação com o Brasil –
Razões e Conseqüências da Denúncia do Tratado sob um Ponto de Vista Alemão. Revista de
Direito Tributário Internacional, São Paulo, 2005, pp. 217-218.
578 Cf. DAGNESE, Napoleão. Is Brazil ‘Developed’? Termination of the Brazil-Germany Tax Treaty.
Intertax, Amsterdam, v. 34, Apr. 2006, pp. 195-196.

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254 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

em conformidade com as regras da CDTR, negando-se, via de consequência,


a afastar a sua dupla tributação pelo crédito ou isenção579.
Como forma de justificar a posição da Fazenda brasileira e sustentar não
haver, no caso em tela, um descumprimento das CDTRs celebradas pelo Brasil,
argumenta-se por vezes que a tributação das remessas em questão justifica-se
pela presença, nos protocolos anexos à maioria das convenções firmadas pelo
país580, de regra no sentido de que os serviços técnicos e de assistência técnica
seriam tributados como royalties581.
A título exemplificativo, pode-se mencionar o item 8 do protocolo anexo
à CDTR celebrada entre Brasil e Canadá, segundo o qual “com referência
ao artigo XII, parágrafo 3, fica entendido que a expressão ‘por informações
correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou
científico’ mencionada no parágrafo 3 do artigo XII inclui os rendimentos
provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos”.
A consequência desse entendimento seria a possibilidade de o Brasil
tributar pelo Imposto de Renda Retido na Fonte as remessas de que se cogita,
já que o artigo referente aos royalties permite a tributação da renda tanto pelo
país da fonte como pelo da residência.
A respeito deste ponto há que se acolher os comentários de Alberto Xavier,
que explica que tal equiparação de serviços técnicos e de assistência técnica a
royalties se dá apenas nas situações em que houver uma complementaridade
entre os tais serviços técnicos e de assistência técnica e a transferência de know-
-how. Vale transcrever sua lição:
Com efeito, em certos casos, a transmissão da informação resultante
de experiência adquirida, que é objeto do contrato de “know-how”,
pode realizar-se instantaneamente pela mera cessão de direitos de uso,
corporizados em plantas, manuais, desenhos ou fórmulas. Noutros
casos, porém, a transmissão da informação não se esgota na simples
cessão de direitos, antes exige complementarmente uma atividade

579 SCHOUERI, Luís Eduardo; RIBEIRO, Ricardo Pereira, New Withholding Taxes on Imported Services,
2004, p. 198.
580 Apenas os tratados celebrados com Finlândia, França, Japão e Suécia não possuem tal previsão
no protocolo.
581 Nesse sentido: NEVES, Andrea Nogueira; CALAZANS, Fernanda Junqueira. Remessas de
Contraprestação por Serviços Técnicos para o Exterior Vis–à-Vis aos Tratados para Evitar a Dupla
Tributação. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. v. III. pp. 767-770.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 255

continuada de prestação de serviços, permanentes ou periódicos, pela


qual a informação tecnológica seja plenamente colocada à disposição
do cessionário. Ora, é precisamente nestes casos que ocorre a figura
que os Protocolos atrás referidos designam como “assistência técnica
e serviços técnicos”.
[...]
Ora, é precisamente o caráter complementar ou instrumental da
assistência técnica relativamente à transmissão da informação
resultante de experiência adquirida, que levou os Protocolos relativos
a certas Convenções a submeter a respectiva remuneração ao mesmo
regime da remuneração da própria transmissão da informação, ou
seja, a equipará-la a “royalty”.
Mas este fato, ou seja, a qualificação da remuneração por “assistência
ou serviços técnicos” como “royalty”, por complementaridade ou
acessoriedade, leva também a concluir que somente podem ser
qualificados como de “assistência e serviços técnicos” para efeitos das
Convenções, aqueles contratos que – seja qual for a sua denominação –
tenham caráter complementar ou instrumental de contratos de transferência
de capital tecnológico, não podendo de modo algum abranger os
contratos em que o objeto principal seja a prestação de serviços,
ainda que de conteúdo técnico, pois a remuneração destes não é, por
natureza, “royalty”, mas rendimento de trabalho autônomo (tratando-
-se de serviços pessoais) ou preço constitutivo de lucro de empresa
(tratando-se de serviços não pessoais).582
Dessa forma, em nenhum caso a prestação isolada de serviços técnicos
sem a transferência de tecnologia poderia gerar a equiparação a royalties
eventualmente prevista no protocolo de convenção celebrada pelo Brasil.
Vale a pena observar que a posição adotada pelas autoridades fiscais,
após 2000, em relação a este tema, não é uniforme. De fato, depois de 2000
encontram-se decisões de consulta sustentando a incidência do IRRF com
base no artigo 21 dos tratados brasileiros, em linha com o Ato Declaratório
Normativo nº 1/2000 (por exemplo, Solução de Consulta nº 150/2001); casos
em que a decisão se baseou no argumento de que serviços seriam equiparados

582 XAVIER, Alberto, O Imposto de Renda na Fonte e os Serviços Internacionais – Análise de um


Caso de Equivocada Interpretação dos arts. 7° e 21 dos Tratados, 1999, pp. 14-15.

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a royalties em razão de regra prevista no protocolo do tratado (por exemplo,


as Soluções de Consulta nº 35/2005 e 174/2004); assim como decisões que
se baseiam no artigo 3(2) das convenções, que cuida da regra geral de reenvio
ao direito doméstico para a busca de conceitos não previstos no tratado (por
exemplo, Solução de Consulta 85/2006).
Tendo em vista a posição da Receita Federal quanto à interpretação do
artigo 7º dos tratados, os sujeitos passivos do IRRF levaram a discussão para o
Poder Judiciário. Até o momento, foram proferidas decisões pela não incidência
do imposto583, assim como decisões em sentido contrário584. A matéria foi
recentemente decidida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso
Especial nº 1161467, onde foi proferida decisão favorável ao contribuinte,
afastando a incidência do IRRF585.

7.3. REMESSAS DE ETVES ESPANHOLAS


A Espanha, assim como outros países europeus, possuem uma espécie de
sociedade holding, a qual tem um tratamento especial sobre lucros e ganhos
de capital auferidos no exterior. Tal espécie societária é a Entidad de Tenencia
de Valores Extranjeros, a dita ETVE.
De acordo com o item 4 do artigo 23 da CDTR entre Brasil e Espanha,
“quando um residente do Brasil receber dividendos que de acordo com as
disposições da presente Convenção sejam tributáveis na Espanha, o Brasil
isentará de imposto esses dividendos”.
Utilizando essa disposição, passou a ser comum a realização de
planejamento fiscal por intermédio do qual se criava uma empresa espanhola,
a qual realizava lucros ou ganhos de capital oriundos do Brasil, pagando

583 Ver, por exemplo: Apelação no 2004.50.01.001354-5 (TRF da Segunda Região); Apelações
n o 2002.61.00.001530-0 e 2004.51.01.003852-0 (TRF da Terceira Região); Apelação n o
2002.71.00.006530-5 (TRF da Quarta Região).
584 Ver, por exemplo: Apelação no 2004.51.01.005795-2 (TRF da Segunda Região).
585 Sobre este caso que está sendo apreciado pelo STJ, ver: MATARAZZO, Giancarlo Chamma;
ARAÚJO, Joana Franklin de. Caso Copesul. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (Coord.).
Tributação Internacional: Análise de Casos. São Paulo: MP Editora, 2010. pp. 247-257. ROCHA,
Sergio André. Caso Copesul: Tributação pelo IRRF da Prestação de Serviços sem Transferência
de Tecnologia Prestados por Não Residentes. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e
(coord.). Tributação Internacional: análise de casos: Vol. 2. São Paulo: MP Editora, 2013 (no prelo);
UCKMAR, Victor; GRECO, Marco Aurélio; ROCHA, Sergio André et al. Manual de Direito Tributário
Internacional. São Paulo: Dialética, 2012. p. 349-354.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 257

posteriormente tais resultados como dividendos para os seus sócios aqui


residentes, obtendo-se uma redução da tributação.
Com vistas a evitar tal operação, em 06 de junho de 2002 a Receita Federal
Editou o Ato Declaratório Interpretativo nº 6, segundo o qual:
Art. 1º Sujeitam-se à incidência do imposto de renda os lucros
e dividendos recebidos por residentes ou domiciliados no Brasil,
decorrentes de participação em “Entidad de Tenencia de Valores
Extranjeros”/ETVE, regulada pela Lei Espanhola do Imposto de
Sociedades, não se aplicando o disposto no parágrafo 4º do art. 23
da Convenção destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a
Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda entre o Brasil
e a Espanha, promulgada pelo Decreto nº 76.975 de 1976.
Ou seja, sob o argumento de estar interpretando a CDTR, a Receita
Federal limitou a aplicação da mesma a situação que estava claramente incluída
em seu escopo, dando mais um exemplo de hermeneutic override.
Considerando os casos apresentados acima, resta-nos examinar quais
seriam os mecanismos que poderiam ser utilizados para a superação de
divergências no campo das CDTRs, abrangendo tanto as situações acima
descritas, como aquelas em que a divergência se dá no campo das legítimas
interpretações da convenção por parte dos Estados contratantes.

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8

Instrumentos para a
Solução de Divergências
Hermenêuticas no
Campo das CDTRs

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8.1. INTRODUÇÃO
Segundo Giuseppe Melis, a interpretação das CDTRs deve se pautar pela
uniformidade de métodos hermenêuticos, a qual possibilitaria uma identidade
de conteúdo entre as interpretações dos Estados contratantes586.
A crença no método como forma de correção interpretativa, contudo, é de
todo ilusória, conforme se buscou demonstrar ao longo das páginas precedentes.
Sendo assim, é de se afirmar que nenhuma metodologia é capaz de
evitar eventuais conflitos hermenêuticos entre os Estados contratantes, sendo
certo que é no campo da argumentação jurídica que devem os mesmos ser
solucionados.
A resolução pacífica de controvérsias no campo do Direito Internacional
Público foi analisada com mais pormenor no terceiro capítulo desta tese, sendo que
as considerações então apresentadas servirão de base para os comentários a seguir.
Cabe, aqui, a ressalva feita por Igor Mauler Santiago, que destaca que
“de todos os mecanismos oferecidos pelo Direito das Gentes para a solução
de litígios internacionais, somente três têm-se revelado apropriados para o
trato das questões vinculadas a convenções tributárias: a negociação direta, a
arbitragem e a submissão a cortes permanentes”587.
Assim sendo, serão examinados neste capítulo, como formas de solução de
conflitos hermenêuticos entre os Estados contratantes, o procedimento amigável,
a arbitragem e a submissão de tais divergências a uma corte internacional
permanente, analisando-se a pertinência da criação de um órgão internacional
ao qual seria entregue tal tarefa, ou seja, uma corte internacional tributária.
Após uma breve análise destes que são os principais meios de solução de
controvérsias estudados na doutrina pátria e estrangeira, apresentaremos nossos
comentários a respeito da matéria.

8.2. O PROCEDIMENTO AMIGÁVEL


A regra acerca do procedimento amigável para a solução de controvérsias
no campo das CDTRs encontra-se prevista no artigo 25 da Convenção Modelo
da OCDE, cuja redação é a seguinte:

586 MELIS, Giuseppe. Vincoli internazionali e norma tributaria interna. In: TÔRRES, Heleno Taveira
(Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 564.
587 SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos,
2006, p. 175.

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1. Quando uma pessoa considerar que as medidas tomadas por um ou


por ambos os Estados Contratantes conduzem ou poderão conduzir,
em relação a si, a uma tributação não conforme com o presente
acordo, poderá, independentemente dos recursos previstos pelas
legislações nacionais desses Estados, submeter o seu caso à apreciação
da autoridade competente do Estado Contratante de que é residente
ou, se o seu caso encontra-se incluído no parágrafo 1 do Artigo 24, ao
Estado Contratante do qual é Nacional. O caso deve ser apresentado
dentro de três anos a partir da primeira notificação da ação que resultar
na tributação em desacordo com as regras da convenção.
2. Essa autoridade competente, se a reclamação se lhe afigurar
justificada e não estiver em condições de lhe dar uma solução
satisfatória, esforçar-se-á por resolver a questão através de acordo
amigável com a autoridade competente do outro Estado Contratante,
a fim de evitar tributação não conforme com o presente acordo.
Qualquer acordo alcançado deve ser implementado, a despeito de
quaisquer limites temporais previstos na legislação doméstica dos
Estados Contratantes.
3. As autoridades competentes dos Estados Contratantes esforçar-
-se-ão por resolver, através de acordo amigável, as dificuldades ou as
dúvidas que surgirem da interpretação ou da aplicação do presente
acordo. Poderão, também, consultar-se mutuamente com vistas a
eliminar a dupla tributação nos casos não previstos no presente acordo.
4. Para o propósito de alcançar um acordo na forma dos parágrafos
anteriores, as autoridades competentes dos Estados Contratantes
poderão comunicar-se diretamente, inclusive por intermédio de uma
comissão compostos por elas próprias ou seus representantes.
Conforme destaca a doutrina, esse dispositivo prevê três distintas espécies
de procedimento amigável: (a) o procedimento amigável em sentido estrito, ou
seja, aquele iniciado pelo contribuinte e que se destina a prevenir tributação que
se encontre em desacordo com as regras da CDTR; (b) o procedimento amigável
iniciado pelos próprios Estados contratantes, o qual visa superar divergências
interpretativas relacionadas às disposições do tratado; e (c) o procedimento
amigável destinado à eliminação da dupla tributação em casos outros que não
tenham sido objeto da CDTR588.

588 Cf. GARBARINO, Carlo, Manuale di Tassazione Internazionale, 2005, p. 198; SANTIAGO; Igor
Mauler, Métodos de Solução de Conflitos Fundados em Convenções contra a Dupla Tributação da

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 263

Regra geral, as cláusulas de procedimento amigável presentes nas CDTRs


celebradas pelo Brasil diferem um pouco da regra contida na Convenção
Modelo.
Em relação ao item 1, quase todas as CDTRs brasileiras, com exceção das
celebradas com o Chile, a Coreia do Sul, a Finlândia e a Ucrânia se omitem
quanto à referência ao artigo da não discriminação (artigo 24).
Ainda quanto a este mesmo item, há muitas diferenças no que se refere ao
prazo para a apresentação do caso pelo contribuinte. A maioria das CDTRs não
estabelece qualquer prazo (Áustria, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Dinamarca,
Espanha, Filipinas, França, Hungria, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México,
Noruega, Paraguai, Repúblicas Tcheca e Eslovaca e Suécia). Outras determinam
que o prazo para apresentação do caso seja aquele previsto na legislação interna
dos Estados contratantes (África do Sul, Peru e Ucrânia). Algumas, ainda,
estabelecem um prazo específico, o qual pode ser de dois anos (Argentina,
Bélgica, Equador e Portugal), três anos (China e Finlândia) ou cinco anos
(Holanda e Índia).
No que tange ao item 2, a quase totalidade das CDTRs brasileiras
não possuem a frase final, segundo a qual “qualquer acordo alcançado deve
ser implementado, a despeito de quaisquer limites temporais previstos na
legislação doméstica dos Estados Contratantes”. A redação completa, na forma
da Convenção Modelo, é encontrada apenas nos tratados celebrados com a
Finlândia, Índia e Portugal.
Em relação ao item 3 do artigo 25 das CDTRs assinadas pelo Brasil, uma
pequena maioria também omite a frase final constante no mesmo dispositivo
da Convenção Modelo, que determina que os Estados contratantes “poderão,
também, consultar-se mutuamente com vistas a eliminar a dupla tributação nos
casos não previstos no presente acordo”. A exceção fica por conta das CDTRs

Renda, 2005, pp. 675-676; BIZIOLI, Gianluigi, Tax Treaty Interpretation in Italy, 2000, pp. 225-226;
XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 164-165; ARESPACOCHAGA,
Joaquín de, Planificación Fiscal Internacional, 2002, p. 410; DOMINICI, Remo. Las Reglas para
la Resolución de los Conflictos en Matéria de Doble Imposición Internacional. In: UCKMAR,
Victor (Coord.). Curso de Derecho Tributario Internacional. Bogotá: Themis, 2003. v. I. p. 142;
TÔRRES, Heleno, Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, pp. 688-691;
RIBES RIBES, Aurora, Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional: Interpretación,
Procedimiento Amistoso y Arbitrage, 2003, p. 374; KOCH, Karl. General Report. In: IFA. Cahiers de
Droit Fiscal International: Mutual Agreement – Procedure and Practice. Deventer: Kluwer Law
International, 1981. v. 66a. p. 99.

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264 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

com a Argentina, Áustria, Canadá, China, Coreia do Sul, Dinamarca, Equador,


Espanha, Finlândia, França, Índia, Japão, Luxemburgo e Suécia.
Por fim, no que tange ao item 4, parte das CDTRs firmadas pelo
Estado brasileiro não prevê a possibilidade de as autoridades competentes se
organizarem em comissões. Este é o caso dos tratados firmados com Canadá,
Chile, China, Filipinas, Holanda, Hungria, Israel, Itália, Japão, México,
Noruega, Peru, Portugal, Repúblicas Tcheca e Eslovaca e Ucrânia.
Pode-se distinguir entre os procedimentos amigáveis interpretativos,
referentes à interpretação de algumas das regras da CDTR e aqueles
integrativos, que buscam solucionar alguma questão de dupla tributação não
contemplada no tratado.
Sem dúvida que o procedimento amigável pode ser um fórum importante
para debate entre os Estados contratantes a respeito da interpretação/aplicação
da CDTR.
Todavia, uma das características do procedimento amigável é que o mesmo,
em princípio, se dá fora dos canais diplomáticos, sendo um acordo entre as
autoridades fiscais dos Estados contratantes a respeito da interpretação da
CDTR. Esse é o caso brasileiro, onde a autoridade competente, conforme definida
no artigo terceiro das convenções celebradas pelo Brasil, seria o Ministro da
Fazenda, o Secretário da Receita Federal ou seus representantes autorizados.
Esta opção das CDTRs, se traz maior informalismo e provavelmente
celeridade ao procedimento amigável589, por outro lado põe lado a lado
autoridades cuja função institucional é técnico-arrecadatória, e não política, o
que pode impor dificuldades às negociações.
De outra parte, considerando o ordenamento jurídico brasileiro, há que
se questionar dois aspectos: (a) se, diante do princípio da legalidade, seria
possível a negociação, por parte das autoridades fiscais, a respeito dos limites
de sua competência tributária; e (b) quais seriam os efeitos dos procedimentos
amigáveis perante os órgãos internos, administrativos e judiciais.

8.2.1. PROCEDIMENTO AMIGÁVEL E LEGALIDADE TRIBUTÁRIA


Há algum tempo que os debates a respeito da utilização de meios
alternativos como instrumento de solução de controvérsias na esfera tributária

589 Cf. MARQUES, Mercedes Pelaez, El Convenio Hispano-Argentino, 1998, p. 27.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 265

vêm se desenvolvendo. Tais meios alternativos, que no direito interno são


exceção, no internacional são a regra.
Pode-se afirmar, inicialmente, que a discussão quanto à utilização de
meios alternativos para a solução de controvérsias na seara tributária doméstica
encontra-se vinculada:
a) à necessidade de se desenvolverem meios de superação da
complexidade característica da sociedade pós-moderna, a qual, na
arena tributária vem sendo bastante injusta com o contribuinte, já
que este se encontra no front da interpretação/aplicação dos textos
normativos fiscais; e
b) à necessidade de se superar a insegurança causada pelo uso de
conceitos indeterminados nas leis tributárias.
A tais causas, que se encontram igualmente presentes em âmbito
internacional, acrescenta-se nesta esfera a ausência, regra geral, de órgãos de
aplicação do direito.
8.2.1.1. A PROBLEMÁTICA ENVOLVENDO OS CONCEITOS INDETERMINADOS
8.2.1.1.1. BREVES APONTAMENTOS SOBRE OS CONCEITOS INDETERMINADOS
São conceitos indeterminados aqueles cujo conteúdo é incerto, de modo
que “a lei refere uma esfera de realidade cujos limites não aparecem bem
precisados em seu enunciado”590. Nas palavras de Karl Engisch:
Por conceito indeterminado entendemos um conceito cujo conteúdo e
extensão são em larga medida incertos. Os conceitos absolutamente
determinados são muito raros no Direito. Em todo caso devemos
considerar tais os conceitos numéricos (especialmente em combinação
com os conceitos de medida e os valores monetários: 50 km, prazo de
24 horas, 10 marcos). Os conceitos jurídicos são predominantemente
indeterminados, pelo menos em parte. É o que pode afirmar-se,
por exemplo, a respeito daqueles conceitos naturalísticos que são
recebidos pelo Direito, como os de “escuridão”, “sossego noturno”,
“ruído”, “perigo”, “coisa”. E com mais razão se pode dizer o mesmo
dos conceitos predominantemente jurídicos, como os de “assassinato”
(“homicídio qualificado”), “crime”, “ato administrativo”, “negócio

590 Cf. ENTERRÍA, Eduardo Garcia de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo.
10. ed. Madrid: Civitas, 2000. v. I. p. 457.

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266 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

jurídico”, etc. Com Philipp Heck podemos distinguir nos conceitos


jurídicos indeterminados um núcleo conceitual e um halo conceitual.
Sempre que temos uma noção clara do conteúdo e da extensão dum
conceito, estamos no domínio do núcleo conceitual. Onde as dúvidas
começam, começa o halo do conceito.591
Como bem percebido por Rodrigo Reis Mazzei, “através da vagueza”
busca o legislador “obter predicados tanto no plano temporal (com maior duração
na aplicação do dispositivo) como também no plano da extensão (com maior
amplitude na incidência do dispositivo)”592.
Parte da doutrina, ainda influenciada pelo senso comum teórico
prevalecente no período anterior, sustenta que os conceitos indeterminados
permitiriam ao intérprete descobrir a vontade única contida no texto legal.
Entendimento nesse sentido é defendido, por exemplo, por José Alfredo de
Oliveira Baracho593 e José Marcos Domingues de Oliveira594.
Com a devida vênia, tal entendimento não é compatível com a compreensão
atual acerca do papel da interpretação jurídica, conforme examinado no segundo
capítulo deste estudo.
Como visto, um primeiro aspecto presente na teoria hermenêutica
contemporânea é o reconhecimento de que o texto subjacente às normas

591 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Tradução J. Baptista Machado. 7. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. pp. 208 e 209. Sobre a vaguedade dos conceitos jurídicos,
ver: CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre Derecho y Lenguage. 4. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1994. p. 31. Sobre os conceitos jurídicos indeterminados ver, ainda: MAURER, Hartmut. Elementos
de Direito Administrativo Alemão. Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 2001. p. 54; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa
na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 97; KRELL, Andreas J. A Recepção das
Teorias Alemãs sobre “Conceitos Jurídicos Indeterminados” e o Controle da Discricionariedade
no Brasil. Interesse Público, Porto Alegre, n. 23, jan.-fev. 2004, p. 21-49; COSTA, Regina Helena.
Conceitos indeterminados e discricionariedade administrativa. Revista de Direito Público, São
Paulo, jul.-set. 1990, pp. 125-138.
592 MAZZEI, Rodrigo Reis. Notas Iniciais à Leitura do Novo Código Civil. In: ALVIM, Arruda; ALVIM,
Theresa (Coords.). Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. I, p.
LXXXII.
593 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral dos Conceitos Indeterminados. Cadernos de
Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo, n. 27, p. 99.
594 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Legalidade Tributária - O Princípio da Proporcionalidade
e a Tipicidade Aberta, Revista de Direito Tributário, n. 70, 2003, p. 114; DOMINGUES, José Marcos.
Direito Tributário e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 129. No mesmo sentido:
CARNÉ, Maria Dolors Torregrosa. Técnicas Procedimentales Alternativas en los Supuestos de
Aplicación de Conceptos Jurídicos Indeterminados. In: MESTRES, Magin Pont; CLEMENTE, Joan
Francesc Pont (Coords.). Alternativas Convencionales en el Derecho Tributario. Madrid/Barcelona:
Marcial Pons, 2003. p. 241.

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legais, estando vertido em linguagem, não enseja a possibilidade de uma única


e exclusiva compreensão595.
Esse entendimento, como examinado, já estava presente na doutrina de
Hans Kelsen, com o desenvolvimento da noção de que o texto da lei é uma
moldura, dentro da qual há diversas possibilidades interpretativas596.
Posteriormente, Herbert Hart sustenta a textura aberta das normas.
Para o jusfilósofo inglês a abertura da linguagem normativa é decorrência
da impossibilidade de previsão, pelo legislador, das questões que surgirão e
clamarão a solução legal597. Assim, para Hart “a textura aberta da lei significa
que há, de fato, áreas de conduta onde deve ser deixado para ser desenvolvido
pelas cortes ou autoridades ponderar, diante das circunstâncias, entre interesses
concorrentes os quais variem em peso de caso para caso”598.
Nota-se, portanto, que o próprio positivismo jurídico, representado aqui
por dois de seus mais ilustres cultores, já havia superado a ideia de que os
textos normativos permitem ao intérprete a descoberta “da norma jurídica” nos
mesmos contida, o que evidencia que parte (majoritária, diga-se) da doutrina
tributária pátria ainda se encontra sustentando posições pré-kelsenianas, de
matiz napoleônico, por assim dizer, incompatíveis com o atual estágio da
hermenêutica jurídica.
É importante reiterar o que afirmamos anteriormente, no sentido de que
o reconhecimento de que a interpretação compreende uma função criativa599
não significa que o intérprete crie a norma do nada, ex nihilo. Como afirma
Eros Roberto Grau, “o produto da interpretação é a norma expressada como
tal. Mas ela (a norma) parcialmente preexiste, potencialmente, no invólucro
do texto, invólucro do enunciado”600.

595 Cf. ROSS, Alf, Direito e Justiça, 2000, p. 167.


596 KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, p. 466 e 467.
597 HART, H. L. A., The Concept of Law, 1997, p. 129.
598 The Concept of Law, 1997, p. 135. Sobre a textura aberta das normas jurídicas em Hart, veja-se:
STRUCHINER, Noel, Direito e Linguagem: Uma Análise da Textura Aberta da Linguagem e sua
Aplicação ao Direito, 2002, p. 68.
599 Cf. TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2000, pp.
47- 48; LATORRE, Angel, Introdução ao Direito, 2002, pp. 109-111; GRAU, Eros Roberto, Ensaio sobre
a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002, pp. 73-75; STRECK, Lenio Luiz, Hermenêutica Jurídica
e(m) crise: uma exploração hermenêutica da constituição do direito, 2003, pp. 91-92; SCHROTH,
Ulrich, Hermenêutica Filosófica e Jurídica, 2002, pp. 383 e 384; GADAMER, Hans-Georg, Verdade
e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003, pp. 432-433; LARENZ,
Karl, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, pp. 283-284; ROSS, Alf, Direito e Justiça, 2000, p.
139; RADBRUCH, Gustav, Filosofia do Direito, 1997, pp. 230-231.
600 GRAU, Eros Roberto, Ensaio sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002, pp. 72-73.

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268 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Reitera-se assim que por intermédio da interpretação, cria-se uma norma


jurídica a partir de um texto legal, sendo certo que os signos linguísticos quase
sempre abrem espaço para a criação de normas jurídicas distintas a partir de
um mesmo texto.
Percebe-se, assim, que a utilização nos textos legais de conceitos cujo
conteúdo e extensão são em larga medida incertos torna ainda mais abertas as
possibilidades hermenêuticas, não havendo como sustentar posição, como as
mencionadas anteriormente, no sentido de que os conceitos indeterminados
possibilitam ao intérprete encontrar aquela “única norma” contida no texto legal.
Essa realidade não é diferente no campo das CDTRs. De fato, Vogel e
Prokisch chegam a sustentar que a abertura textual seria ainda maior no campo
das convenções internacionais tributárias, já que “por razões de praticidade,
convenções de dupla tributação utilizam um grande número de termos
indeterminados, os quais lhes deixam muito mais abertas para a interpretação
do que a legislação doméstica [...]”601.
8.2.1.1.2. CONCEITOS INDETERMINADOS E LITIGIOSIDADE TRIBUTÁRIA
Um dos problemas a serem equacionados pelos especialistas em tributação
interna é a crescente litigiosidade envolvendo matérias fiscais602, a qual é
decorrente dos aspectos tratados acima, notadamente a utilização de conceitos
indeterminados nos textos das leis tributárias e a complexidade da legislação.
Essa questão foi bem examinada pelo Professor José Juan Ferreiro Lapatza,
em texto publicado no Brasil do qual foi extraído o seguinte trecho:
E resulta igualmente, de outro lado, claro que a utilização exagerada
de termos ambíguos e imprecisos e de conceitos indeterminados nas
normas tributárias; a utilização exagerada de presunções e ficções que
mudam a realidade e a oferta de meios de prova – por exemplo, nas
bases presumidas pela administração – que excedem aos normalmente
admitidos pelo resto do ordenamento, brindam à Administração
umas possibilidades de interpretação e qualificação que conduzirão

601 VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer G., General Report, 1993, p. 55. Ver também: KOCH, Karl,
General Report, 1981, pp. 95-96; VAN RAAD, Kees, International Coordination of Tax Treaty
Interpretation and Application, 2002, p. 222.
602 Sobre a vinculação entre a difusão de meios alternativos de solução de controvérsias e a
litigiosidade no campo fiscal, com ênfase da incapacidade do Poder Judiciário de cumprir
propriamente sua função, ver: BERTAZZA, Humberto J.; ORTIZ, José A. Díaz. La Relación Fisco
Contribuyente. Buenos Aires: ERREPAR, 2003. pp. 107 e 108.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 269

com frequência a Administração – na defesa de seu legítimo interesse


arrecadatório – a assumir posições de conflito ao estimar e qualificar
novamente os fatos estimados e qualificados antes pelos contribuintes
no desenvolvimento dos trabalhos de comprovação que é preciso
intensificar no sistema de autoliquidação, em detrimento, talvez, dos
trabalhos de investigação de fatos não declarados.603
O aspecto diferencial da litigiosidade gerada pela utilização em larga
escala de conceitos indeterminados na composição dos textos legais tributários
refere-se ao fato de que, como dito anteriormente, muitas vezes ambas as partes, a
Fazenda e o contribuinte, têm razão, no sentido de que a interpretação da lei fiscal
por ambos sustentada pode ser considerada legítima.
De fato, partindo da premissa, antes apresentada, de que na interpretação
de conceitos indeterminados pode-se chegar à compreensão de normas jurídicas
distintas, é possível que a Fazenda, ao interpretar determinada lei, crie a norma
“A”, enquanto o contribuinte, após passar pelo mesmo processo, crie a norma
“B”, sendo ambas passíveis de justificação, cabendo ao órgão de aplicação do
direito (em caso de conflito, o Poder Judiciário), determinar qual norma será
aplicada ao caso concreto604.
É nesse contexto que vem à tona a discussão quanto à utilização de meios
alternativos para a solução de controvérsias na seara tributária, cujos contornos
serão apresentados a seguir.
Mais uma vez há que se reconhecer que a realidade não é diferente no
campo internacional. Ora, dada a abertura da linguagem e nos marcos da
argumentação jurídica, é possível que surjam conflitos hermenêuticos referentes
à interpretação de CDTRs onde as posições de ambos os Estados sejam

603 LAPATZA, José Juan Ferreiro. Solución Convencional de Conflictos en el Ámbito Tributario: una
Propuesta Concreta. In: TORRES, Heleno (Coord.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São
Paulo: Quartier Latin, 2004. v. II. p. 295. Nesse mesmo sentido: RODRÍGUEZ, Eleonora Lozano.
Arbitraje Internacional en Materia Tributaria. Bogotá: Editorial Temis, 2009. p. 53; RIBAS, Lídia
Maria Lopes Rodrigues; RIBAS, Antonio Souza. Arbitragem como meio Alternativo na Solução
de Controvérsias Tributárias. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, n. 60, jan.-fev.
2005, pp. 224 e 225; EZCURRA, Marta Villar. La Aplicación del Arbitraje a las Causas Tributarias.
Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 86, 2003, p. 166; TESO, Ángeles de Palma del. Las
Técnicas Convencionales en los Procedimientos Administrativos. In: MESTRES, Magin Pont;
CLEMENTE, Joan Francesc Pont (Coords.). Alternativas Convencionales en el Derecho Tributario.
Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2003. p. 22; PÉREZ, Juan Zornoza. ¿Qué Podemos Aprender de
las Experiencias Comparadas? Admisibilidad de los Convenios y otras Técnicas Transaccionales
en el Derecho Tributario Español. In: PISARIK, Gabriel Elorriaga (Coord). Convención y Arbitraje
en el Derecho Tributario. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 167.
604 Cf. KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 1984, p. 464.

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270 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

justificáveis, hipótese em que apenas com a negociação ou a intervenção de


um terceiro será possível uma tomada de decisão.
Assim, afastada a ilusão da única resposta correta, nem todo conflito
hermenêutico surgido no âmbito das CDTRs será decorrência da tentativa
de um dos Estados contratantes de realizar um hermeneutic override da
convenção. De fato, é possível que ambos estejam a defender posições legítimas
e juridicamente justificáveis, nos limites do princípio da boa-fé.
Tal fato será tão mais verdadeiro quanto maior for a falta de harmonia
entre os sistemas jurídicos nacionais dos Estados contratantes.
Parece-nos que será muito mais fácil dois intérpretes de países membros
da União Europeia, que cada vez mais aprendem a pensar nos parâmetros de
um direito tributário harmônico, interpretarem uma CDTR de forma uniforme,
do que o mesmo acontecer quando se trata, por exemplo, da interpretação da
convenção Brasil-Índia pelos Estados contratantes.
O horizonte hermenêutico do intérprete não pode ser aqui desconsiderado,
e os conflitos interpretativos não podem ser entendidos, de forma apriorística,
como uma tentativa de descumprimento da CDTR.
8.2.1.2. MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
Conforme salientado, a complexidade do fenômeno tributário e a presença
cada vez mais constante de conceitos indeterminados nas leis fiscais deram
impulso à discussão quanto à utilização de meios alternativos para a solução
de controvérsias entre a Fazenda e os contribuintes. Tais meios alternativos
compreendem as técnicas arbitrais (mediação ou conciliação e arbitragem), bem
como a transação605.

605 Vale a pena mencionar o entendimento dissonante do professor argentino José Osvaldo Casás,
para quem os problemas decorrentes da utilização de conceitos indeterminados não devem
ser solucionados pela utilização de mecanismos alternativos de solução de conflitos, mas pela
elaboração de uma legislação que possibilite uma maior certeza das relações entre Fisco e
contribuinte. Eis sua lição: “Entendemos, por outro lado, que a transação não é o meio adequado
para resolver outras situações de incerteza, as quais têm origem nos preceitos tributários
aplicáveis, como as que se derivam da utilização de conceitos jurídicos indeterminados, pois que
o que alí está em jogo não são os fatos, mas o direito. Nesse caso, como em outros análogos, a
solução deve ser alcançada por outros meios tais como: a) uma transparente técnica legislativa,
garantindo a intervenção de juristas na redação dos projetos; e b) o ditado de normas gerais
de interpretação, a pedido dos contribuintes, responsáveis e ou entidades que os agrupem e
representem, como um meio de garantir a previsibilidade da ação estatal” (CASÁS, José Osvaldo.
Los Mecanismos Alternativos de Resolución de las Controversias Tributarias. Buenos Aires: Ad-Hoc,
2003. pp. 282-284).

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 271

Ao analisarmos a questão da utilização dos meios pacíficos de solução


de controvérsias aplicáveis no âmbito das CDTRs, verifica-se estarmos diante
desses mesmos instrumentos.
Surge, então, especialmente no sistema tributário brasileiro o
questionamento a respeito da compatibilidade de tais meios alternativos, mesmo
na seara internacional, com os princípios da legalidade e da indisponibilidade do
crédito tributário. A pergunta é: Pode a administração fazendária, via procedimento
amigável, adotar posição hermenêutica que leve a uma menor arrecadação por parte do
Estado brasileiro? Ou, melhor colocando o problema, diante das diversas normas que
podem ser criadas nos marcos da moldura textual da CDTR, encontra-se a Fazenda
brasileira obrigada a buscar sempre a máxima tributação?
8.2.1.3. PROCEDIMENTO AMIGÁVEL, LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E
INSDISPONIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Daniel Vitor Bellan, ao examinar a questão que ora se coloca, manifestou


entendimento no sentido de que a autoridade fiscal brasileira não poderia,
via procedimento amigável, abrir mão de competência tributária, diante do
princípio da legalidade que rege sua atividade. Em textual:
Entendemos, porém, que esta obrigatoriedade de observação do
procedimento amigável pelo Fisco não encontra fundamento
em nosso País, tendo em vista a imperatividade do princípio da
legalidade, inclusive para efeito de dispensa da exigência de tributos.
Em outras palavras, não poderá o representante brasileiro dispor ou
abrir mão de competência tributária quando da negociação travada
no procedimento amigável com o outro estado contratante, ainda
que isto se dê em razão de problemas de interpretação do acordo.
Assim, entendemos que o Fisco não estará vinculado a entendimento
tendente a dispensar o recolhimento de tributo, manifestado em
procedimento amigável, quando outra interpretação do acordo de
bitributação também se mostrar factível (e isto normalmente ocorrerá,
caso contrário, não seria nem mesmo hipótese de instalação de
procedimento amigável). [...].606

606 BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005,
pp. 661-662.

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272 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Seguindo esta linha de entendimentos, havendo a possibilidade de


interpretação que redunde na tributação pelo Estado brasileiro, não poderiam
as autoridades fiscais transigir, aceitando outra que lhe excluísse tal competência.
Não concordamos com essa posição. Na verdade, é importante lembrar que
a utilização de meios alternativos para a solução de controvérsias fiscais surge
exatamente como um instrumento de superação do fenômeno da complexidade
fiscal, a qual é decorrente da utilização de conceitos ambíguos e indeterminados
no campo tributário, bem como da incerteza muitas vezes fomentada pela
própria legislação (seja interna, seja internacional).
Dessa forma, não se fala no uso de meios alternativos em situações em
que não há dúvidas quanto à existência do crédito tributário (ou seja, em que
se encontra presente a harmonia hermenêutica), mas sim apenas nos casos em
que a mesma seja duvidosa em razão da indeterminação do texto legal ou dos
fatos envolvidos. Como assinala Ferreiro Lapatza:
O que ocorre é que toda lei tem um âmbito possível de interpretação
e todo fato ou caso concreto tem um âmbito possível de percepção.
Nesse âmbito – em ocasiões muito amplo, em ocasiões praticamente
inexistente – movem-se os acordos a que nos estamos referindo.
Somente quando há incertezas a respeito da lei ou a respeito dos fatos
podem tais acordos serem inseridos no procedimento de aplicação da
lei e são conformes com a lei e o Direito.
Por isso tais acordos têm um induvidável caráter transacional,
possibilitando ao mesmo tempo – através precisamente da transação
– a mais estrita e rigoroso aplicação da lei.607

607 Solución Convencional de Conflictos en el Ámbito Tributario: una Propuesta Concreta, 2004,
p. 301. Ver, também: LAPATZA, José Juan Ferreiro. Arbitrage sobre Relaciones Tributarias. In:
PISARIK, Gabriel Elorriaga (Coord). Convención y Arbitraje en el Derecho Tributario. Madrid:
Marcial Pons, 1996. p. 264. Nesse mesmo sentido, são precisas as palavras do Professor Heleno
Taveira Tôrres: “Perplexidade – essa é a sensação de todos que iniciam leituras mais atentas
sobre as propostas de aplicação de mecanismos pactícios ou soluções típicas de regimes de
direito privado nos campos em que s permita mediação, conciliação, transação ou, mesmo,
a adoção de medidas arbitrais na composição de conflitos em matéria tributária. Na verdade,
esta sensação decorre mais do modo equivocado como estes argumentos são apresentados
do que propriamente das contingências que eles projetam sobre os princípios alegados como
sendo afetados na sua construção axiológica, como os da isonomia, preservação da capacidade
contributiva, indisponibilidade do crédito tributário e legalidade material (tipicidade) – os
maiores elementos de resistência para que se possa estender aos domínios das lides tributárias
os citados mecanismos.
De fato, se encarados como meios ordinários disponíveis para qualquer modalidade de
conflito, seria algo deveras preocupante, tendo em vista as implicações com o princípio da

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 273

É nesse cenário que deve ser analisada a questão da compatibilidade do


procedimento amigável com os princípios da legalidade e da indisponibilidade
do crédito tributário.
Nota-se, desde já, que o princípio da legalidade não aparece aqui como
uma garantia individual, mas como determinante de um dever da autoridade
pública de exigir o recolhimento de todos os tributos devidos em conformidade
com os mandamentos legais.
Corolário do princípio da legalidade, nesta assentada, é o princípio da
indisponibilidade do crédito tributário, segundo o qual, não sendo a Fazenda
Pública titular dos valores que arrecada, exercendo, na verdade, uma função
pública608, não podem as autoridades fazendárias decidir sobre a conveniência
e oportunidade de demandar o recolhimento do montante devido609.

legalidade estrita em matéria tributária. Cabe estabelecer, portanto, antes que uma cortina de
preconceitos, os limites para a adoção desses regimes, como bem já o fizeram outros países de
bases democráticas sólidas como França (Conciliation; Transaction; Régler Autrment les Conflicts,
de 1984), Alemanha, Itália (Accertamento com Adesione e Conciliazione Giudiciale), Inglaterra
(Alternative Dispute Resolution – ADR) e Estados Unidos (Alternative Dispute Resolution Act, de 1990;
Closing Agreement, Sec. 7, 121, IRC), empregando-os de forma prévia à utilização da via judicial
ou no seu curso, como nos casos de conciliação.
Tal como houve mudanças nos mecanismos de arrecadação e cobrança dos tributos devidos,
passando de um regime baseado exclusivamente em lançamentos de ofício ou por declaração
para um modelo típico de tributação de massa, como é o regime de antecipação do pagamento
por autolançamento (sujeito à homologação e controle por parte da Administração), onde o
contribuinte declara, qualifica o fato jurídico, quantifica e liquida a dívida; o que se quer é que
tais medidas de simplificação fiscal alarguem-se em seus horizontes, como prática de justiça,
nos moldes do que ocorreu com o instituto da compensação, sem que se tenha qualquer notícia
de prejuízo para o Erário Público.
Esses meios propostos serão sempre úteis para resolver conflitos baseados na interpretação
do texto normativo, naquilo que não for claro e determinável, quando sirvam para resolver
os problemas decorrentes do uso excessivamente prolixo, casuístico e obscuro da linguagem
das normas tributárias, propositadamente ambígua e imprecisa, repleta de indeterminações e
vaguezas. Aplicando-se onde a Administração não tenha certeza da ocorrência do fato jurídico
tributário, na interpretação dos fatos jurídicos, portanto, especialmente nos casos sujeitos a
regimes de presunções, quando houver dificuldade de demarcação dos conceitos fáticos,
quando não houver provas ou sejam estas insuficientes” (TÔRRES, Heleno Taveira. Transação,
Arbitragem e Conciliação Judicial como Medidas Alternativas para Resolução de Conflitos
entre Administração e Contribuintes – Simplificação e Eficiência Administrativa. Revista de
Direito Tributário, São Paulo, n. 86, 2003, pp. 47-50). Nesse mesmo sentido: SERRANO ANTÓN,
Fernando. La Resolución de Conflictos en el Derecho Internacional Tributario: Procedimiento Amistoso
y Arbitrage. Navarra: Civitas, 2010. p. 67.
608 Ver: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 2001. p. 14; SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Princípios Fundamentais do Direito
Administrativo Tributário: A Função Fiscal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 6 e 7; ROCHA,
Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário.
2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. pp. 20-21;
609 Para um breve apanhado sobre essas posições ver: MASSANET, Juan Ramallo. La Eficacia de la
Voluntad de las Partes en las Obligaciones Tributarias. In: PISARIK, Gabriel Elorriaga (Coord).
Convención y Arbitraje en el Derecho Tributario. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 217.

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274 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A questão aqui é que, como tivemos a oportunidade de destacar


anteriormente, a legalidade tributária não pode ser entendida como uma fórmula
para que se encontre no texto legal um único mandamento normativo que será
extraído, de forma uniforme e inequívoca, por tantos quantos venham a ter
contato com o mesmo.
Do contrário, mesmo a utilização de termos relativamente determinados
dá azo por vezes a mais de uma interpretação legítima do texto legal, dentro
dos marcos de sua moldura linguística.
Nessa linha de ideias, percebe-se que a utilização do procedimento
amigável no campo da interpretação das CDTRs não afasta a incidência dos
princípios da legalidade e indisponibilidade do crédito fiscal, uma vez que todo
o procedimento se daria integralmente dentro dos marcos da moldura textual,
sem que haja espaço para se argumentar que o ente tributante está deixando
de aplicar a lei ao caso concreto, ou renunciando a crédito tributário devido610.
Entender que, diante da indeterminação textual, devem as autoridades
fiscais buscar sempre a máxima tributação significa ressuscitar cânones
hermenêuticos como o in dubio pro fisco, os quais perderam sentido nos marcos
da hermenêutica contemporânea611.
Diante de todo o exposto, é de se concluir este subitem aduzindo que
diante da determinação apenas relativa dos termos utilizados nas CDTRs, há
campo para a utilização do procedimento amigável como forma de harmonizar
as relações os Estados contratantes, sem que, com isso, viole-se o princípio
da legalidade tributária ou estejam as autoridades fiscais dispondo de crédito
tributário.

610 Nesse sentido, ver: RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues; RIBAS, Antonio Souza, Arbitragem como
meio Alternativo na Solução de Controvérsias Tributárias, 2005, pp. 237 e 238; FALCÓN Y TELLA,
Ramón. El Arbitraje Tributario. In: PISARIK, Gabriel Elorriaga (Coord). Convención y Arbitraje en el
Derecho Tributario. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 260.
611 Cf. TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 2006,
pp. 59-60; AMATUCCI, Andréa. L’interpretazione della norma di Diritto Finanziario. Napoli:
Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1965. pp. 241-244; ROTHMANN, Gerd W., Interpretação e
Aplicação de Acordos Internacionais contra a Bitributação, 1978, p. 122; SOUZA, Rubens Gomes
de. Normas de Interpretação no Código Tributário Nacional. In: MORAES, Bernardo Ribeiro
de, et. al. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1975. pp. 369-371; BARROS, José
Eduardo Monteiro de. Interpretação Econômica em Direito Tributário. In: MORAES, Bernardo
Ribeiro de, et. al. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 171; ROSA JR., Luiz
Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 17. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2003. pp. 482-483.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 275

8.2.2. VINCULAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE APLICAÇÃO BRASILEIROS AOS


ACORDOS EM PROCEDIMENTOS AMIGÁVEIS

Ao se tratar da questão em tela há que se separar, inicialmente, os


procedimentos amigáveis interpretativos daquele integrativo, já que neste caso
está-se diante de mero ato administrativo o qual, embora deva ser considerado
pela autoridade judiciária, certamente não tem sobre a mesma qualquer caráter
vinculante.
Com efeito, nos procedimentos amigáveis interpretativos está-se fixando
o sentido da norma dentro dos limites textuais da CDTR, enquanto que, no
procedimento amigável integrativo, está-se criando regra que não estava contida
nos limites textuais da CDTR, não podendo, portanto, ter caráter vinculante,
por se tratar de regra internacional que não passou pelo crivo congressual.
O problema, portanto, recai mais sobre os possíveis efeitos dos acordos
decorrentes de procedimentos amigáveis interpretativos.
Um primeiro ponto que não parece poder ser objeto de crítica é a
vinculação das autoridades fazendárias à posição adotada no procedimento
amigável612. Enquanto válido o ato administrativo tal posição deverá ser adotada
pelas autoridades fiscais.
Assim, caso após a celebração de um acordo amigável as autoridades fiscais
nacionais mudem seu posicionamento a respeito da matéria, tal modificação
geraria um hermeneutic override da CDTR.
Se por um lado parece óbvio que as autoridades fiscais encontram-se
vinculadas à interpretação feita conjuntamente com a autoridade competente
do outro Estado contratante, de outro, a vinculação ou não dos órgãos judiciais
ao acordo amigável é objeto de dúvidas.
Sobre este respeito, costuma-se questionar acerca da posição dos acordos
de procedimentos amigáveis na CVDT, havendo quem sustente que os mesmos
estariam incluídos na regra prevista na letra “a” do item 3 do artigo 31, segundo a
qual será levado em consideração, juntamente com o contexto, “qualquer acordo

612 Nas palavras de Igor Mauler Santiago: “Sendo celebrado pelas autoridades fiscais dos Estados-
-contratantes, que sequer estavam obrigadas a atingi-lo, parece-nos natural que o acordo
resultante de um procedimento amigável as vincule, enquanto estas não o alterem ou revoguem
[...]” (SANTIAGO; Igor Mauler, Métodos de Solução de Conflitos Fundados em Convenções contra
a Dupla Tributação da Renda, 2005, p. 680). No mesmo sentido: OECD, Model Tax Convention on
Income and on Capital, 2010, p. 370. Em sentido contrário: BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação
dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005, pp. 661-662.

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276 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de


suas disposições”613.
De fato, considerando que o acordo é feito dentro dos marcos de tratado
internacional celebrado em conformidade com as prescrições contidas na
Constituição Brasileira enquadra-se o mesmo no mencionado dispositivo.
Ademais, defende-se ainda o enquadramento de tais acordos na
alínea “b” do item 3 do artigo 31 da CVDT, que estabelece que será levada
em consideração, juntamente com o contexto, “qualquer prática seguida
posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das
partes relativo à sua interpretação”.
Nessa linha de raciocínio, os acordos de procedimentos amigáveis seriam
certamente topoi a serem considerados pela autoridade judicial brasileira, no
caso de um questionamento por parte do contribuinte614.
Todavia, a despeito das colocações acima, prevalece em sede doutrinária
posição no sentido de que os acordos sob exame não vinculam o Poder Judiciário.
Este é o entendimento de Alberto Xavier:
No que concerne aos acordos mútuos de caráter interpretativo
(proferidos no âmbito de procedimento amigável interpretrativo
ou até de procedimento amigável individual), a opinião dominante
é que, embora não sejam vinculantes para os tribunais, devem
obrigatoriamente ser levados em consideração como elemento de
interpretação do tratado. E isto por força do disposto no art. 31
(3), “a” e “b” da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,
segundo o qual devem ser levados em conta, na sua interpretação,
“qualquer acordo subsequente entre as partes referente à interpretação
do tratado ou à aplicação das suas disposições”, bem como “qualquer
prática subsequente na aplicação do tratado que estabeleça o acordo
das partes relativo à sua interpretação”.615

613 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 168; SANTIAGO, Igor Mauler,
Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, p. 265.
614 Não havendo regra interna que regule os efeitos dos acordos decorrentes de procedimentos
amigáveis, certamente o contribuinte poderá questionar os mesmos perante o Poder Judiciário.
Este é o caso também no Reino Unido, como noticia Avery Jones (Cf. JONES, John F. Avery, The
“One True Meaning of a Tax Treaty”, 2001, p. 223).
615 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2010, p. 168.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 277

Esta é também a posição de Igor Mauler Santiago, como se infere


da seguinte passagem, a qual, mesmo que longa, merece ser integralmente
transcrita:
Pensamos que tampouco no Brasil se possa falar em vinculação dos
juízes pelos acordos interpretativos e integrativos (embora conclusão
diversa seja admissível para os órgãos de jurisdição administrativa, que
de ordinário não tem liberdade para apreciar a validade das normas
que são chamados a aplicar).
Dissentimos, nesse particular, de Rezek, que declara compatível com
a Constituição brasileira a edição de acordos executivos – dispensados
do crivo parlamentar – para a interpretação autêntica de tratados em
vigor. Inclui-os o Autor, sem fundamentação, entre os concernentes
à diplomacia ordinária, assimilando-os a figuras como modus vivendi,
que visa a deixar as coisas como estão ou a fixar bases para negociação
futura, e o pactum de contrahendo, que também a nada obriga. A
equiparação se nos afigura de todo improcedente.
Nem calha o argumento de que a força do acordo interpretativo deriva
do fato de ser expresso “pelas próprias partes pactuantes”. É que existem
requisitos constitucionais para a validade da expressão da vontade
destas, no particular claramente inobservados.
Tampouco ajuda a invocação do poder regulamentar do Executivo,
pois nunca se pretendeu que a interpretação de uma norma superior
fixada em um decreto fosse insuperável pelo Judiciário.
Registramos, por fim, que o constituinte de 1988 teve a oportunidade
de cogitar a previsão de acordos executivos em matéria interpretativa,
tendo ao final optado por não os consagrar.616
A literatura de alguns países como Portugal, Itália, Alemanha e França
indica o acolhimento de solução neste mesmo sentido617.

616 SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006,
pp. 251-252. Do mesmo autor, ver: SANTIAGO; Igor Mauler, Métodos de Solução de Conflitos
Fundados em Convenções contra a Dupla Tributação da Renda, 2005, p. 680.
617 BORGES, Ricardo Henriques da Palma; Resende, Raquel Maria Maymone, Tax Treaty Interpretation
in Portugal, 2000, p. 296; BIZIOLI, Gianluigi, Tax Treaty Interpretation in Italy, 2000, p. 226;
GUTMANN, Daniel, Tax Treaty Interpretation in France, 2000, p. 115; REIMER, Ekkehart,
Interpretation of Tax Treaties, 1999, p. 466.

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278 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Conforme destaca Klaus Vogel, trata-se esta de matéria que deve ser
examinada diante da Constituição de cada país618, sendo que, considerando o
ordenamento brasileiro, divergimos do entendimento de Alberto Xavier e Igor
Mauler Santiago pelas seguintes razões.
Em primeiro lugar, parece-nos que realmente a celebração de acordos
executivos de caráter estritamente interpretativo não desborda os limites
impostos pela Constituição Federal para a vinculação do Brasil na esfera
internacional.
Com efeito, como vimos defendendo, ao acordo das partes contratantes
a respeito da norma contida no texto convencional deve ser sempre atribuída
primazia como interpretação autêntica, vinculante para os demais intérpretes
da norma internacional, até mesmo como forma de se evitar o treaty override
e de se alcançar a tão falada harmonia decisória.
Conforme mencionado por Igor Mauler Santiago, essa posição é
sustentada por Francisco Rezek619, devendo-se mencionar, contudo, que este
não está isolado no que se refere a tal entendimento.
Segundo Celso Albuquerque Mello, esta questão dividiu a doutrina
pátria em duas correntes. A primeira, que admite os acordos executivos em
algumas situações, inclusive quando tais acordos “consignam simplesmente
a interpretação de cláusulas de um tratado já vigente”, seria sustentada por
Hildebrando Accioly, Levi Carneiro, João Hermes Pereira de Araújo e Geraldo
Eulálio Nascimento Silva. Já a segunda, que nega qualquer possibilidade
de acordos executivos no Brasil, teria entre seus adeptos Haroldo Valladão,
Marota Rangel, Afonso Arinos, Pontes de Miranda, Themístocles Cavalcanti
e Carlos Maximiliano620. O saudoso professor filiou-se à primeira corrente, a
qual, segundo ele, “é a que melhor atende às finalidades práticas da questão”621.

618 VOGEL, Klaus, Introduction, 1997, p. 47. Neste sentido, Alessandra Okuma destaca que “embora
a solução do procedimento amigável seja vinculante para ambos os Estados contratantes, o
Poder Judiciário dos Estados contratantes só estará obrigado a aceitar tal solução se houver
norma juridical assim determinando, no sistema jurídico interno do Estado em referência. Caso
contrário, o Poder Judiciário não está adstrito à decisão do procedimento amigável, podendo
interpreter livremente o tratado, em face do sistema jurídico interno” (OKUMA, Alessandra, As
Convenções para Evitar a Dupla Tributação e Elisão Fiscal e os Meios de Solução de Controvérsia,
2007, p. 424).
619 REZEK, J. F., Direito Internacional Público, 2000, pp. 62-64.
620 MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 236.
621 MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 237. Ver
também: MELLO, Celso D. de Albuquerque. Os Tratados na Constituição. In: BONAVIDES, Paulo;
CAVALCANTI, Themístocles Brandão; DALLARI, Dalmo de Abreu et. al. As Tendências Atuais do

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 279

Ora, segundo o inciso I do artigo 49 da Constituição Federal, cabe ao


Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio
nacional”.
Partindo da interpretação desse dispositivo, entendemos que a celebração
de acordos executivos interpretativos não o contraria, na medida em que,
mantendo-se a regra interpretativa nos limites textuais do tratado previamente
aprovado, nenhum compromisso novo estaria sendo assumido, restringindo-
se o acordo a fixar a interpretação comum a respeito do tratado, conforme
referendado pelo Congresso Nacional.
De outro lado, não se pode olvidar as características especiais que envolvem
o procedimento amigável previsto nas CDTRs.
Como visto, neste caso o próprio tratado, aprovado pelo Congresso
Nacional, atribui ao Poder Executivo (por meio de suas “autoridades
competentes”) a competência para, juntamente com outro Estado contratante,
fixar a interpretação válida no caso da existência de controvérsia interpretativa.
Por fim, deve-se ter ainda em consideração que no acordo executivo
decorrente de um procedimento amigável o que ocorre é uma negociação e uma
transação entre os Estados contratantes, de forma a que se atinja o fim maior
do tratado consistente em se evitar a dupla tributação da renda.
Dessa forma, a desconsideração da interpretação conjunta dos Estados
contratantes significará, muito provavelmente, a opção pela dupla tributação
ou a dupla isenção, as quais não representam as finalidades da regra de Direito
Internacional.
Diante do exposto, somos do entendimento de que os acordos decorrentes
de procedimentos amigáveis são sim a interpretação autêntica da CDTR,
devendo ser observados pelos demais intérpretes da convenção, inclusive o
Poder Judiciário622.

Direito Público: Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso Arinos. Rio de Janeiro: Forense, 1976.
pp. 154-156.
622 Esse entendimento é adotado por Mercedes Peláez Marques, para quem “sendo uma norma
convencional, há que entender que os acordos tomados em um procedimento amigável estão
acima das decisões dos Tribunais ordinários de cada Estado ou de suas respectivas administrações.
É dizer, foi o tratado que legalizou esta via procedimental especial, pelo que cabe aplicar o
princípio constitucional, adotado neste caso tanto pela Espanha como pela Argentina, de
prevalência dos tratados sobre as leis nacionais ordinárias e, como consequência, deve-se
outorgar prioridade e plena validez a estas resoluções frente as de qualquer órgão do Estado

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280 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A exclusão de certas matérias da apreciação do Poder Judiciário não é


nada de novo. É comumente reconhecido que certos atos que se encontram
no campo da avaliação técnica do Poder Executivo não devem ser revistos pelo
Judiciário no que tange ao seu critério jurídico623.
Tal é exatamente o entendimento que deve ser aplicado na situação em
tela, reconhecendo-se que a negociação internacional da solução de controvérsias
surgidas no campo das CDTRs é uma competência do Poder Executivo, cujo
critério jurídico não pode ser revisto pelo Poder Judiciário.
A esta altura é importante destacarmos que o que estamos defendendo
como competência técnica do Poder Executivo não é a interpretação de uma
CDTR qualquer em si, mas sim a de solucionar amigavelmente, via acordo
interpretativo, eventual conflito que tenha surgido no âmbito da interpretação/
aplicação do tratado tributário.
Assim, a interpretação interna e unilateral da CDTR feita pelos órgãos
do Poder Executivo não vinculam de qualquer maneira o Poder Judiciário.
Todavia, quando não se tratar de uma interpretação unilateral, mas sim de
uma interpretação alcançada bilateralmente mediante negociação com o outro
Estado contratante, esta deverá ser entendida como interpretação autêntica,
vinculante para os demais intérpretes.
Somos obrigados a reconhecer que, não havendo regra constitucional no
sentido acima, o acolhimento da posição ora defendida dependerá basicamente
de construção jurisprudencial pelas próprias cortes judiciais.
Com efeito, a despeito de nossa posição pela vinculação das cortes ao
acordo executivo, fato que não pode ser afastado é a possibilidade de um
contribuinte vir a contestar o mesmo perante os tribunais, exercendo seu direito
de ação, o qual lhe é resguardado de forma inafastável pela Constituição Federal
(artigo 5º, inciso XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”).

(administrativo e/ou judicial) e ao que disponham outras normas legais (de procedimento
contencioso-administrativo) a respeito, de hierarquia inferior aos tratados internacionais”
(MARQUES, Mercedes Peláez. El impuesto sobre el patrimonio en los convenios hispanoamericanos
para evitar da doble imposición. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 2006. p. 175).
Embora, como vimos no primeiro capítulo, não se possa falar de uma superioridade hierárquica
das CDTRs sobre as leis ordinárias domésticas brasileiras, a sua mera paridade hierárquica,
aliada a seu caráter de lex specialis parece ser bastante para que a conclusão aqui seja a mesma
alcançada por Peláez Marques diante dos ordenamentos jurídicos espanhol e argentino.
623 Cf. ROCHA, Sergio André, Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento
Tributário, 2007, pp. 23-24.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 281

Nesta assentada, no caso de uma ação individual questionando eventual


acordo amigável, seria de se esperar que o Judiciário se abstivesse de rever o seu
critério jurídico, restringindo-se à análise quanto à sua correção procedimental
e sua interpretação/aplicação diante do caso concreto.
Outra hipótese em que seria possível a sindicância judicial seria aquela
em que ficasse evidente que o dito acordo desborda os limites da CDTR,
implicando na assunção de encargos para o Estado brasileiro que não possam
ser inferidos do texto da convenção.

8.2.3. COMENTÁRIOS FINAIS ACERCA DO PROCEDIMENTO AMIGÁVEL


Em face dos comentários acima, é possível afirmar que o procedimento
amigável não encontra obstáculo, no ordenamento jurídico brasileiro, nos
princípios da legalidade e da indisponibilidade do crédito tributário.
Por outro lado, cremos que a eficácia de tal meio de solução de controvérsias
passa pelo reconhecimento de seu caráter vinculante para os órgãos domésticos
de aplicação do direito.
Contudo, embora pouco burocrático, pode mostrar-se pouco eficaz para a
superação de conflitos interpretativos no campo das CDTRs, mesmo que, como
destaca Philip Baker, a regra do artigo 25 geralmente represente o máximo que
os Estados estão dispostos a aceitar624.
Sendo a solução regra geral negociada entre as autoridades fazendárias dos
países é menos provável que se alcance uma boa solução negocial625, de forma que o
ideal seria que o mesmo se desse no campo da diplomacia, como veremos a seguir.
A doutrina costuma apontar diversas críticas ao procedimento amigável626.
Segundo Aurora Ribes Ribes, as principais inconveniências do procedimento
amigável são:

624 BAKER, Philip, Double Taxation Conventions, 2005, pp. 25-12. Ver, também: OECD, Model
Tax Convention on Income and on Capital, 2000, p. C(25)-16; TÔRRES, Heleno, Pluritributação
Internacional sobre as Rendas de Empresas, 2001, p. 694.
625 No mesmo sentido, ver: SCHOUERI, Luís Eduardo. Arbitragem no Direito Tributário Internacional.
Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 23, 2009, p. 305.
626 Ver: SERRANO ANTÓN, Fernando. La Resolución de Conflictos en el Derecho Internacional Tributario:
Procedimiento Amistoso y Arbitrage. Navarra: Civitas, 2010. pp. 278-287; RODRÍGUEZ, Eleonora
Lozano. Arbitraje Internacional en Materia Tributaria. Bogotá: Editorial Temis, 2009. p. 101;
ZÜGER, Mario. The ECJ as Arbitration Court for the New Austria-Germany Tax Treaty. European
Taxation, Amsterdam, March 2000, p. 101; ISMER, Roland. Compulsory Waiver of Domestic
Remedies before Arbitration under a Tax Treaty – a German Perspective. Bulletin for International
Taxation, Amsterdam, Jan. 2003, p. 18; CARMONA FERNÁNDEZ, Nestor, No Discriminación,
Procedimiento Amistoso e Intercambio de Información, 2001, p. 586; MIZUNO, Tadatsune.

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282 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

a) as autoridades competentes não têm uma obrigação de chegar a


qualquer resultado627;
b) não há limites temporais para que se chegue a uma decisão628;
c) depende de cada país qual será o instrumento de publicidade a
ser conferido ao acordo;
d) a implementação do acordo depende da legislação interna de cada
país, sendo possível que as próprias autoridades fiscais internas
não apliquem a decisão;
e) alguns países mostram-se neutros em relação à utilização de
procedimentos amigáveis como forma de solução de disputas,
não demonstrando qualquer interesse em usar os mesmos629.
Por tais razões, tem-se discutido com bastante força a utilização de meios
jurisdicionais de solução de conflitos hermenêuticos no campo das CDTRs,
em especial da arbitragem e da criação de uma corte internacional tributária630.

8.3. A ARBITRAGEM COMO INSTRUMENTO DE SOLUÇÃO DE


DIVERGÊNCIAS HERMENÊUTICAS NO CAMPO DAS CDTRS
Diante das ineficiências do procedimento amigável apontadas por alguns
especialistas, tem-se buscado na arbitragem internacional uma possível solução

Advance Pricing Agreements, Mutual Agreements, and Arbitration in Japan. In: VOGEL, Klaus
(Org.). Interpretation of Tax Law and Treaties and Transfer Pricing in Japan and Germany. The Hague:
Kluwer Law International, 1998. p. 187; SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional:
Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, p. 212-214; GOUTHIÈRE, Bruno, Les Impôts dans les
Affaires Internationales, 1989, p. 727; AZZI, John. Tackling Tax Treaty Tensions: Time to Think
About an International Tax Court. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, Aug.-Sept.
1998, p. 346; MONTEIRO, Alexandre Luiz do Rêgo. Métodos de Solução de Controvérsias entre
Estados Soberanos no Âmbito do Comércio Internacional. Análise dos Mecanismos Instituídos
pela OMC e Contidos na Convenção-Modelo para Evitar a Dupla Tributação da OCDE. In:
CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (Coord.). Tributação, Comércio e Solução de Controvérsias
Internacionais. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 451.
627 Segundo Maarten Ellis este seria o principal ponto de crítica do procedimento amigável como
forma de solução de controvérsias no campo das CDTRs (Cf. ELLIS, Maarten J. General Report.
In: IFA. Cahiers de Droit Fiscal International: Advance rulings. Deventer: Kluwer Law International,
1999. v. 84b. p. 48).
628 Cf. FALCÓN Y TELLA, Ramón; PULIDO GUERRA, Elvira. Derecho Fiscal Internacional. Barcelona:
Marcial Pons, 2010. p. 190.
629 RIBES RIBES, Aurora. Compulsory Arbitration as a Last Resort in Resolving Tax Treaty Interpretation
Problems. European Taxation, Amsterdam, Sept. 2002, p. 300.
630 Cf. SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos,
2006, p. 214. Do mesmo autor: SANTIAGO; Igor Mauler, Métodos de Solução de Conflitos
Fundados em Convenções contra a Dupla Tributação da Renda, 2005, p. 6681-682; CALDERÓN,
José M.; DOLORES PIÑA, M., Interpretation of Tax Treaties, 1999, p. 383.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 283

para eventuais conflitos interpretativos referentes às CDTRs. Essa orientação,


como destaca David R. Tillinghast, está sendo refletida em algumas convenções:
Houve uma recente renovação do interesse em estabelecer a
arbitragem de disputas surgidas em tratados sobre a tributação da
renda. A Convenção da União Europeia sobre a Eliminação da Dupla
Tributação Decorrente do Ajuste de Lucros de Empresas Ligadas
(UE Convenção de Arbitragem) foi prorrogada até 2004 (sujeita a
ratificação). Alguns tratados foram negociados, os quais contemplam
a arbitragem, mesmo que, como discutido abaixo, a maioria destes
não é auto-executável, dependendo de um acordo posterior para a
arbitragem de uma disputa em particular. O novo tratado de imposto
de renda celebrado entre Áustria e Alemanha (Tratado Áustria-
Alemanha) estabelece que disputas sejam submetidas à Corte de
Justiça Europeia como comissão arbitral. A Comissão de Tributação
da Câmara Internacional de Comércio editou um relatório de políticas
incitando a arbitragem de disputas decorrentes de tratados tributários.
O Comitê Consultivo para Assuntos de Negócios e Indústria para
o Comitê Fiscal da OCDE também incitou. Adicional, os a Receita
Norte-Americana sugeriu que a mesma pode estar interessada em
explorar regras que estabeleçam a arbitragem em tratados tributários.631
Nada obstante, embora seja grande o interesse teórico sobre a matéria,
observa o mesmo Tillinghast que “há pouca experiência prática com arbitragem
tributária”632.
No Brasil, nenhuma das CDTRs celebradas tem previsão para a solução
de controvérsias por meio da arbitragem.
Segundo Maarten Ellis, a pouca prática arbitral é decorrente do próprio
receio dos Estados de que tal procedimento possa fazer com que percam o
controle sobre sua tributação633.

631 TILLINGHAST, David R. Issues in the Implementation of the Arbitration of Disputes Arising under
Income Tax Treaties. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, March 2002, p. 90.
632 TILLINGHAST, David R., Issues in the Implementation of the Arbitration of Disputes Arising under
Income Tax Treaties, 2002, p. 90. Esse mesmo ponto de vista é sustentado por Roland Ismer,
que destaca que a despeito de todo interesse pela arbitragem até aquele momento nenhuma
arbitragem havia sido efetivamente concluída (ISMER, Roland. Compulsory Waiver of Domestic
Remedies before Arbitration under a Tax Treaty – a German Perspective, 2003, p. 18). No mesmo
sentido: RIBES RIBES, Aurora, Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional: Interpretación,
Procedimiento Amistoso y Arbitrage, 2003, p. 427; RODRÍGUEZ CARRÍON, Alejandro J., Lecciones
de Derecho Internacional Públicos, 2006, p. 504.
633 ELLIS, Maarten J. Issues in the Implementation of the Arbitration of Disputes Arising under Income
Tax Treaties – Response to David Tillinghast. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, March
2002, p. 100.

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284 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

A arbitragem tributária no campo das CDTRs teria lugar após eventual


insucesso do procedimento amigável634, determinando-se um prazo razoável
para que este tenha um desfecho. Como noticia Mario Züger, esta é a proposta
da Câmara Internacional de Comércio para a arbitragem no campo das
CDTRs635.
Nesse contexto, propõe Aurora Ribes Ribes que o item 3 do artigo 25 da
Convenção Modelo da OCDE seja modificado, “de forma a incluir a obrigação
dos Estados contratantes de submeter o assunto para árbitros tributários, se
eles não forem capazes de concordar de uma forma mais amigável”636.
Há quem, como Maarten Ellis637 e Igor Mauler Santiago638, defenda a
criação de uma Corte Arbitral Permanente, enquanto outros, como Aurora
Ribes Ribes sustentam que a eleição dos árbitros seja casuística639.
Considerando o ponto de vista de um país em desenvolvimento, como
o Brasil, o mais importante parece ser a seleção de árbitros com distintas
experiências tributárias, ou seja, originários não só de países desenvolvidos, mas
também de países em desenvolvimento, de forma a se evitar que se repitam,
no âmbito de eventual processo arbitral, os problemas de legitimidade que
acometem a OCDE640.

634 Cf. TILLINGHAST, David R., Issues in the Implementation of the Arbitration of Disputes Arising
under Income Tax Treaties, 2002, p. 92; RIBES RIBES, Aurora, Compulsory Arbitration as a Last
Resort in Resolving Tax Treaty Interpretation Problems, 2002, p. 303; SANTIAGO; Igor Mauler,
Métodos de Solução de Conflitos Fundados em Convenções contra a Dupla Tributação da Renda,
2005, pp. 682; LINDENCRONA, Gustaf. Recent Development in Tax Treaty Arbitration. In: IFA.
Resolution of Tax Treaty Conflicts by Arbitration. Deventer: Kluwer Law and Taxation Publishers,
1994. p. 7-8; GARCÍA FRÍAS, M. Ángeles. El Arbitrage Tributario Internacional. Una apuesta de
futuro para la resolución de conflictos llena de cuestiones pendientes de resolver. In: PISTONE,
Pasquale; TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Estudios de Derecho Tributario Constitucional
Internacional: Homenaje Latinoamericano a Victor Uckmar. Buenos Aires: Editorial Ábaco de
Rodolfo Depalma, 2005. p. 613.
635 ZÜGER, Mario. ICC Proposes Arbitration in International Tax Matters. European Taxation,
Amsterdam, June 2001, p. 223.
636 RIBES RIBES, Aurora, Compulsory Arbitration as a Last Resort in Resolving Tax Treaty Interpretation
Problems, 2002, p. 303.
637 ELLIS, Maarten J., Issues in the Implementation of the Arbitration of Disputes Arising under
Income Tax Treaties – Response to David Tillinghast, 2002, p. 101.
638 SANTIAGO; Igor Mauler, Métodos de Solução de Conflitos Fundados em Convenções contra a
Dupla Tributação da Renda, 2005, p. 684.
639 RIBES RIBES, Aurora, Compulsory Arbitration as a Last Resort in Resolving Tax Treaty Interpretation
Problems, 2002, p. 303.
640 Brian J. Arnold, Jacques Sasseville e Eric M. Zolt, reportando os debates do Seminário realizado
pelo International Bureau of Fiscal Documentation em 23-25 de outubro de 2001 relataram
as preocupações com a legitimidade da OCDE para seguir guiando as questões relativas à
tributação internacional em um mundo em que cada vez mais países passam a participar do
comércio internacional de bens e serviços (Cf. ARNOLD, Brian J.; SASSEVILLE, Jacques; ZOLT,

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 285

A implementação da arbitragem como mecanismo de solução de


controvérsias decorrentes da interpretação das CDTRs não para na definição
do tipo de tribunal arbitral, se permanente ou ad hoc e da quantidade de árbitros
responsáveis pela decisão641.
Pontos mais complexos consistem na eficácia da decisão arbitral sobre o
Estado vencido, já que, em última instância, o Estado vencedor não terá outros
meios, senão os diplomáticos, para fazer com que o primeiro se curve à decisão
proferida; e ainda a questão do papel do contribuinte no processo arbitral.
Em relação ao primeiro aspecto, parece-nos que uma vez submetida a
questão à arbitragem, o Estado perdedor encontra-se efetivamente vinculado à
decisão, de forma que o descumprimento da mesma será não apenas um ilícito
internacional, mas também, como aponta Igor Mauler Santiago, tendo por base
o direito brasileiro, pode ensejar para o contribuinte prejudicado a utilização
das cortes domésticas deste país com vistas a obrigá-lo a cumprir a decisão ou
a obter o justo ressarcimento pelo ilícito cometido642.
Como visto anteriormente, no procedimento amigável em sentido estrito o
contribuinte é quem sustenta, inicialmente, que a CDTR está sendo descumprida.
Por outro lado, de acordo com as sugestões de implementação da arbitragem para
solucionar conflitos referentes à interpretação de tais convenções esta somente
terá início após ter o procedimento amigável se mostrado infrutífero. E então,
cabe ao contribuinte, que deu início ao procedimento, algum papel na arbitragem
internacional? Cremos que não.
A arbitragem internacional tem como partes os dois Estados contratantes,
cabendo ao contribuinte apenas aguardar o resultado do procedimento. Como
salienta M. Ángeles García Frías, “as partes na arbitragem internacional são,
pois, os Estados, de modo que, apesar de ser o contribuinte quem vai se ver
mais diretamente afetados pela decisão, sua intervenção é mínima”643.

Eric M. Summary of the Proceedings of na Invitational Seminar on Tax Treaties in the 21st Century.
Bulletin for International Taxation, Amsterdam, June 2002, p. 233).
641 Para uma análise da composição da câmara arbitral, ver: TILLINGHAST, David R., Issues in the
Implementation of the Arbitration of Disputes Arising under Income Tax Treaties, 2002, p. 97.
642 SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos,
2006, p. 265.
643 GARCÍA FRÍAS, M. Ángeles. El Arbitrage Tributario Internacional. Una apuesta de futuro para
la resolución de conflictos llena de cuestiones pendientes de resolver. In: PISTONE, Pasquale;
TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Estudios de Derecho Tributario Constitucional Internacional:
Homenaje Latinoamericano a Victor Uckmar. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma,
2005. p. 614. Nesse sentido: ZÜGER, Mario, The ECJ as Arbitration Court for the New Austria-

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286 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Agora, quais seriam os efeitos da decisão arbitral sobre o contribuinte,


no que tange à possibilidade de o mesmo questioná-la perante os tribunais
domésticos, caso lhe seja desfavorável, deve ser examinada diante de cada
ordenamento jurídico.

8.3.1. ARBITRAGEM INTERNACIONAL E O BRASIL


Como mencionado anteriormente, nenhuma das CDTRs celebradas
pelo Brasil prevê a arbitragem como instrumento de solução de controvérsias
a respeito da interpretação/aplicação da convenção.
Nada obstante, não parece haver qualquer empecilho de ordem cons-
titucional para que alternativa nesse sentido venha a ser adotada, para o que
basta que o compromisso arbitral tenha seguido os requisitos previstos nos
artigos 84, inciso VIII e 49, inciso I da Constituição Federal, ou seja, conste
em tratado celebrado pelo Presidente da República ad referendum do Congresso
Nacional644.
Dessa maneira, não há qualquer restrição de ordem constitucional a que
o Brasil celebre tratados que contemplem a arbitragem como forma de solução
de controvérsias no campo das CDTRs.
A única discussão que se poderia levantar é aquela mesma já examinada
anteriormente, no sentido de que, em decorrência do princípio da legalidade
e da indisponibilidade do crédito tributário não poderia o Estado entregar a
decisão a respeito da existência ou inexistência de seu poder tributário a árbitro
estrangeiro. Esses argumentos, todavia, creio já ter refutado anteriormente.
Resta indagar a respeito dos efeitos da decisão arbitral sobre a esfera
jurídica do contribuinte. Caso a decisão lhe seja contrária, seria possível o recurso
às cortes internas, questionando o posicionamento acolhido no procedimento
de arbitragem?
A discussão aqui é semelhante à travada acima.

-Germany Tax Treaty, 2000, p. 103; TILLINGHAST, David R., Issues in the Implementation of the
Arbitration of Disputes Arising under Income Tax Treaties, 2002, p. 94.
644 Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2006, p. 635; ACCIOLY,
Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E do, Manual de Direito Internacional Público, 2000, pp.
422-423; MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 2004, p. 1444;
ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público, 1995, p. 329; REZEK, J. F.,
Direito Internacional Público, 2000, p. 343; HUSEK, Carlos Roberto, Curso de Direito Internacional
Público, 2006, p. 224.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 287

Em princípio sim, dado o teor do já referido inciso XXXV do artigo 5º


da Constituição Federal.
Embora pareça imperativa a vinculação das cortes internas ao critério
jurídico da decisão proferida na arbitragem internacional, não há qualquer regra
constitucional nesse sentido, de modo que é em tese possível que o tribunal
interno julgue o caso favoravelmente ao contribuinte.
Há que se ressaltar, todavia, que em uma hipótese como esta não se correria
o risco de um judicial override da CDTR, já que eventual discussão interna
certamente se restringiria à possibilidade da tributação da renda pelo Brasil.
8.3.2. A POSIÇÃO DA OCDE
Em fevereiro de 2007 o Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE emitiu
relatório intitulado Improving the Resolution of Tax Treaty Disputes. Este relatório
dá seguimento a debates que há alguns anos vêm se desenvolvendo no âmbito da
organização, sendo que o foco principal deste relatório de 2007 foi exatamente
a alteração da Convenção Modelo com vistas à inclusão da arbitragem como
forma de solução de conflitos no artigo 25 do modelo645.
As razões dadas pela OCDE para buscar na arbitragem a solução de
conflitos entre Estados-contratantes segue a linha das críticas mencionadas
anteriormente, concluindo-se, portanto, que o procedimento amigável poderia
ser melhorado acrescentando-se outras formas de solução de disputas646.
O entendimento do Comitê de Assuntos Fiscais foi no sentido de que
a mera existência desses outros mecanismos pode encorajar os Estados a
envidarem maiores esforços para que o procedimento amigável tenha um
resultado positivo647.
Por tais razões, decidiu-se pela inclusão de um § 5º no artigo 25 da
Convenção Modelo. Este novo parágrafo tem a seguinte redação:
5. Onde:
a) com base no parágrafo 1, uma pessoa apresentou um caso à
autoridade competente de um Estado Contratante ao argumento de
que as ações de um ou de ambos os Estados Contratantes resultaram

645 OECD. Improving the Resolution of Tax Treaty Disputes. Disponível na internet em: Acesso em 10
de setembro de 2007.
646 OECD, Improving the Resolution of Tax Treaty Disputes, p. 4.
647 OECD, Improving the Resolution of Tax Treaty Disputes, p. 4.

Interpretação dos Tratados Internacionais.indd 287 1/2/2013 17:35:28


288 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

para aquela pessoa em uma tributação em desconformidade com as


regras desta Convenção, e
b) as autoridades competentes são incapazes para alcançar um acordo
para resolver o caso conforme o parágrafo 2, dentro de 2 anos a partir
da apresentação do caso às autoridades competentes do outro Estado
Contratante,
qualquer assunto não resolvido decorrente do caso deve ser submetida
à arbitragem se a pessoa assim requerer. Estes assuntos não resolvidos
não deve, entretanto, ser submetidos à arbitragem caso uma decisão
sobre tais assuntos já tiver sido proferida por uma corte ou tribunal
administrativo de qualquer dos Estados. A não ser que uma pessoa
diretamente afetada pelo caso não aceite o procedimento amigável
que implemente a decisão arbitral, a decisão deve ser obrigatória
para ambos os Estados Contratantes e deve ser implementada
independentemente de quaisquer limites de tempo na lei doméstica
desses Estados. As autoridades competentes dos Estados Contratantes
devem decidir por meio de procedimento amigável o modo de
aplicação deste parágrafo.1
[Texto da nota de rodapé que apareceria na mesma página]
1
Em alguns Estados, a legislação nacional, políticas ou considerações
administrativas podem não permitir ou justificar o tipo de solução de
disputas buscado neste parágrafo. Ademais, alguns Estados podem
querer incluir este parágrafo apenas em tratados com certos Estados.
Por essas razões, o parágrafo deve apenas ser incluído na Convenção
quando cada Estado concluir que seria apropriado fazê-lo baseado
nos fatores descritos no parágrafo 47 do Comentário ao parágrafo.
Conforme mencionado no parágrafo 54 daquele Comentário,
contudo, outros Estados devem poder acordar remover deste parágrafo
a condição de que assuntos não podem ser submetidos à arbitragem
se uma decisão sobre os mesmos já tiver sido proferida por uma de
suas cortes administrativas ou tribunais.648
Hugh J. Ault faz interessante análise dos aspectos que levaram a OCDE
a efetivamente incluir a cláusula arbitral em seu Modelo, destacando: (a) o
aumento da atenção dedicada pelos países a temas de preços de transferência,

648 OECD, Improving the Resolution of Tax Treaty Disputes, p. 5.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 289

o que teve como efeito o aumento nos ajustes dos mesmos decorrentes e,
assim, ajustes correspondentes e disputas fiscais; (b) a entrada em vigor, em 01
de janeiro de 1995, da Convenção de Arbitragem da União Europeia; e (c) a
mudança de atitude do Senado Norte Americano em relação à arbitragem649.
Da maneira como posta na Convenção Modelo, a arbitragem aparece não
como uma alternativa ao procedimento amigável, mas como um prolongamento
do mesmo650.
Embora, como notado por Carlo Garbarino e Marina Lombardo, note-
-se um aumento no número de tratados celebrados que prevejam a regra de
arbitragem651, a verdade é que, na prática, ainda não escassos os casos em que
uma divergência interpretativa tenha sido solucionada via arbitragem.
De acordo com o § 5º do artigo 25 da Convenção Modelo, passados
dois anos sem que a questão seja solucionada via procedimento amigável,
instaura-se a arbitragem. Segundo os Comentários da OCDE “este processo
não é dependente de autorização prévia pelas autoridades competentes: uma
vez que os requisitos procedimentais tenham sido observados, as questões não
resolvidas que impedem a conclusão do procedimento amigável devem ser
submetidas à arbitragem”652.
Preocupada com a eficácia da arbitragem, a OCDE, em seus Comentários,
ressalta que esta cláusula só deve ser incluída em convenções “quando cada
Estado conclui que o processo pode ser efetivamente implementado”653.
O procedimento sugerido pela OCDE para a implementação da
arbitragem está previsto no Modelo de Acordo Arbitral, anexo aos Comentários
ao artigo 25. Encontram-se lá regras como as seguintes:
a) A necessidade de o pedido de arbitragem ser feito por escrito,
sendo possível apenas dois anos após a apresentação do caso à
autoridade competente para solução via procedimento amigável654.

649 AULT, Hugh J. Recent Treaty Developments in the Arbitration of International Tax Disputes. In:
BAKER, Philip; BOBBET, Catherine (Coords.). Tax Polymath: Essays in Honour of John F. Avery
Jones. IBFD: The Netherlands, 2010. pp. 298-299.
650 Cf. CASTAGNÈDE, Bermard. Précis de Fiscalité Internationale. 3 ed. Paris: Presses Universitaires de
France, 2010. p. 337.
651 GARBARINO, Carlo; LOMBARDO, Marina. Arbitration of Unresolved Issues in Mutual Agreement
Cases: The New Para. 5, Art. 25 of the OECD Model Convention, a Multi-Tiered Dispute Resolution
Clause. In: LANG, Michael et al (Coords.). Trax Treaties: Building Bridges Between Law and
Economics. The Netherlands: IBFD, 2010. p. 464.
652 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 371.
653 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 372.
654 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 381.

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290 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

b) Dentro de três meses após o pedido de arbitragem, as autoridades


competentes devem concordar sobre os “Termos de Referência”,
ou seja, devem definir as questões a serem solucionadas pela via
arbitral655.
c) Cada Estado terá direito a apontar um árbitro, e esses dois
conjuntamente apontarão um terceiro que será o presidente do
painel arbitral. Qualquer pessoa pode ser árbitro, a não ser que
esteja impedida por ter participado em alguma outra etapa de
solução do caso656.
d) Em termos procedimentais, tendo em vista o acordo arbitral e o
Termo de Referência os árbitros podem adotar os procedimentos
e regras para a obtenção de evidências que sejam necessários
para que as questões delineadas no Termo de Referência sejam
resolvidas657.
e) Os árbitros solucionarão as questões tendo em conta as regras
previstas no tratado e, quando for o caso, leis domésticas dos
Estados Contratantes. No que se refere à interpretação, serão
utilizadas as regras previstas nos artigos 31 a 33 da CVDT, sendo
considerados também os Comentários da OCDE à Convenção
Modelo658.
f) Nos casos em que haja mais de um árbitro, a decisão será tomada
por maioria simples659.
g) As autoridades competentes implementarão a decisão tomada
pelos árbitros dentro de seis meses da sua comunicação660.

8.4. A CRIAÇÃO DE UM TRIBUNAL INTERNACIONAL PARA A SOLUÇÃO


DE CONFLITOS INTERPRETATIVOS NO CAMPO DAS CDTRS
Igor Mauler Santiago faz um escorço histórico a respeito da defesa da
criação de um tribunal internacional tributário, indicando que as primeiras

655 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 382.
656 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 382-383.
657 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 384.
658 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 385.
659 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 385.
660 OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2010, p. 387.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 291

movimentações nesse sentido teriam ocorrido na Alemanha, em 1985, com


Von Bar e na Itália, em 1899, com Garelli661.
Posteriormente, salienta que a primeira proposta concreta de solução
de conflitos surgidos no âmbito das CDTRs por um tribunal internacional
permanente foi apresentada no âmbito dos modelos de convenção tributária
apresentados pela Liga das Nações em 1928, sendo que a ideia teria tornado
a ser apresentada no Congresso da IFA de 1951662.
Segundo Maarten Ellis, a criação de um tribunal supranacional para a
decisão de questões relativas a conflitos decorrentes de CDTRs e mesmo para
a designação de árbitros para solução de questões seria de grande importância
para o desenvolvimento da interpretação e da aplicação de convenções bilaterais.
Segundo o autor, tal tribunal poderia ser composto por experientes especialistas
em temas de tributação internacional que já estivessem aposentados da prática
profissional663.
A mesma opinião é sustentada por John Azzi, para quem a criação de
tal corte serviria à promoção de práticas internacionais uniformes relativas à
aplicação dos tratados tributários664. Com isso, conseguir-se-ia reduzir os custos
econômicos e as perdas decorrentes de tensões relacionadas a tais tratados665.
Como destacam alguns especialistas, a ideia perdeu um pouco de força, em
razão do pouco entusiasmo dos Estados diante da possibilidade de submeter
a solução de controvérsias a respeito da interpretação/aplicação das CDTRs a
tribunais internacionais independentes666.

661 SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006,
p. 154. Nesse sentido: RIBES RIBES, Aurora, Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional:
Interpretación, Procedimiento Amistoso y Arbitrage, 2003, p. 407; TAVOLARO, Agostinho Toffoli.
A Solução dos Conflitos de Dupla Tributação Jurídica Internacional. In: TAVOLARO, Agostinho
Toffoli; MACHADO, Brandão; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coords.). Princípios Tributários
no Direito Brasileiro e Comparado: Estudos em Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de
Janeiro: Forense, 1988. p. 16.
662 SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos,
2006, pp. 236-237.
663 ELLIS, Maarten J., Issues in the Implementation of the Arbitration of Disputes Arising under
Income Tax Treaties – Response to David Tillinghast, 2002, p. 101.
664 AZZI, John, Tackling Tax Treaty Tensions: Time to Think About an International Tax Court, 1998,
p. 349.
665 AZZI, John, Tackling Tax Treaty Tensions: Time to Think About an International Tax Court, 1998,
p. 355.
666 Cf. RIBES RIBES, Aurora, Convenios para Evitar la Doble Imposición Internacional: Interpretación,
Procedimiento Amistoso y Arbitrage, 2003, pp. 408-409; SANTIAGO, Igor Mauler, Direito Tributário
Internacional: Métodos de Solução dos Conflitos, 2006, p. 238. Agostinho Toffoli Tavolaro sustenta
que “de um ponto de vista ideal, um Tribunal Fiscal Internacional que tivesse por objeto dirimir

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292 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Pensando a partir da perspectiva brasileira não dá para não reiterar os


eventuais problemas de legitimidade de uma corte internacional tributária, a
depender de sua formação667.
Uma ideia um pouco diferente é a sustentada por Kees van Raad, que
defende a criação de um órgão internacional independente composto por
especialistas, de natureza consultiva, cujo propósito seria prestar consultoria a
autoridades e cortes, e até mesmo, em um estágio posterior, a contribuintes,
acerca da interpretação e aplicação das CDTRs a casos concretos668.

8.5. A OPÇÃO DE POR UMA SOLUÇÃO PELA VIA DIPLOMÁTICA


Considerando a posição de um país em desenvolvimento como o Brasil,
não vejo com bons olhos a criação de um Tribunal Internacional Tributário,
o qual certamente traria em si problemas de legitimidade representativa669.

os litígios de dupla tributação internacional seria, a nosso ver, a solução que melhor atenderia
aos reclamos de todos os cultores do direito.
Representa ele, todavia, como de resto representam todos os tribunais internacionais, ideal
somente atingível com o aprimoramento do homem e das nações, fruto de um estágio de
civilização que ainda estamos distantes, alguns mais que outros, conforme o país em que se
encontrem” (TAVOLARO, Agostinho Toffoli, A Solução dos Conflitos de Dupla Tributação Jurídica
Internacional, 1988, p. 18).
667 Posição em sentido contrário é sustentada por John Azzi, para quem a criação de uma corte
tributária internacional seria importante para a defesa dos interesses dos países menores e
em desenvolvimento contra aqueles dos países desenvolvidos e das grandes corporações (Cf.
AZZI, John, Tackling Tax Treaty Tensions: Time to Think About an International Tax Court, 1998,
p. 355-356).
668 VAN RAAD, Kees, International Coordination of Tax Treaty Interpretation and Application, 2002,
pp. 221-223. Ver também: VAN RAAD, Kees. Interpretation and Application of Tax Treaties by Tax
Courts. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, Jan. 1996, p. 6.
669 É importante que no Brasil vejamos através destas posições que são apresentadas pelos países
desenvolvidos como satisfatórias para todos, quando, na verdade, parecem vantajosas para
apenas uns poucos países. Sobre esse tema destaca-se a seguinte passagem do Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães, a qual aborda, inclusive, o papel da OCDE: “No processo de
implementação de seus objetivos, procuram [as grandes potências] manietar a capacidade dos
grandes Estados da periferia de executar estratégias de superação do subdesenvolvimento e
da dependência, pois estas podem afetar seus interesses, a partir da construção de uma teia
de acordos e de agências que consagrem aqueles privilégios e dêem a eles natureza e status
jurídico internacional, revestidos da sacralidade do princípio pacta sunt servanda (os acordos
devem ser cumpridos). Nessa estratégia, procuram obter a participação dos Estados periféricos,
essencial para conferir a aparência de legitimidade e universalidade a construções jurídicas
extremamente assimétricas como a própria Organização Mundial do Comércio (OMC), o
Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis
(MTCR), que são apresentados como vitórias progressistas e pacifistas da humanidade, mas
cuja finalidade é manter privilégios econômicos e edulcorar a violência unilateral contra os
Estados que resistem a se deixar cooptar, absorver e submeter.
Nessa estratégia está sempre presente a idéia, ainda que implícita, de integrar territorialmente ou
desarticular politicamente os grandes Estados periféricos pelo estímulo a rivalidades regionais,
raciais e religiosas onde elas existem, e, de outro lado, impedir que os grandes Estados se
articulem, nos planos regional e internacional, para enfrentar a ação e a pressão das grandes

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 293

Ou seja, uma coisa é a discussão de um tribunal dessa natureza para a


apreciação, por exemplo, de conflitos hermenêuticos surgidos no âmbito da União
Europeia, bloco econômico com grande grau de integração e harmonização
da legislação tributária. Outra, completamente diferente, é assumir que seria
interessante para países como o Brasil a submissão de controvérsias surgidas
no campo de seus tratados a tal corte internacional.
Outro ponto a se observar é o seguinte: em tese, pelo que vimos no sexto
capítulo, acredita-se que os problemas de qualificação estariam resolvidos pelo
dito new approach da OCDE.
Todavia, como destacado neste mesmo capítulo, a Holanda já registrou
opinião em sentido contrário, sendo que é possível que tal saída para os conflitos
de qualificação não seja acolhida, o que pode levar a divergências entre os
Estados contratantes.
Nesses casos, a intervenção de qualquer terceiro, seja um árbitro ad hoc
ou um tribunal permanente, não deve ser de grande ajuda, já que o problema
se cinge a divergências entre as legislações internas dos Estados contratantes.
Tudo leva a crer, portanto, que ainda hoje a melhor saída para as inevitáveis
divergências interpretativas surgidas no campo das CDTRs continua sendo
a diplomática.
Como visto, o procedimento amigável, na forma como previsto na
Convenção Modelo da OCDE, determinou que a eventual controvérsia
referente à interpretação de uma CDTR seja resolvida diretamente pelas
autoridades competentes, ou seja, as autoridades fazendárias.
Se por um lado, essa alternativa certamente desburocratiza o procedimento,
por outro, atribui uma atividade de caráter estritamente diplomático a técnicos
fazendários, ou seja, a servidores cuja função principal é arrecadar tributos.
No caso brasileiro, inclusive, vimos que há até mesmo posição no sentido
de que as autoridades fazendárias não têm competência para aceitar, via

potências, as quais procuram, aliás, permanentemente se articular e coordenar sua ação em


relação aos Estados menores e da periferia, como faziam desde o distante passado da Santa
Aliança e das reuniões do Concerto das Nações e fazem hoje por intermédio de agências como
a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a Otan (Organização do
Tratado do Atlântico Norte) e do esquema G-8” (GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios Brasileiros
na Era dos Gigantes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. pp. 349-350).

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294 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

negociação, qualquer interpretação de uma CDTR que não seja aquela que
leva à maior tributação possível670.
Ora, a negociação de uma CDTR, em qualquer momento, é ato
diplomático, que deve ser levado a termo por agentes diplomáticos, ou seja,
negociadores com hábito e competência para a transação.
Supostamente, a participação das autoridades fazendárias diretamente
no procedimento amigável seria importante mecanismo para suprir eventuais
deficiências técnicas dos diplomatas, certamente menos conhecedores da
matéria fiscal. Contudo, nada impede que os técnicos forneçam ao corpo
diplomático as informações técnicas necessárias para que este desempenhe
sua função.
Parece-me que toda essa discussão acerca da aplicação de meios
jurisdicionais de solução de controvérsias no campo das CDTRs se deve a uma
visão muito centrada na figura do contribuinte que estaria sendo duplamente
tributado em um caso específico, quando, na verdade, a celebração de tais
convenções, da maneira como vemos, tem muito mais a ver com as relações entre
Estados do que com uma proteção do contribuinte em situação em particular.
É só ver, no caso brasileiro, que o Brasil não possui uma CDTR com
seu principal parceiro comercial, os Estados Unidos da América, nem por isso
argumenta-se de uma violação de direitos dos residentes de lá e daqui671. O
mesmo se diga em relação ao Reino Unido, outro país com o qual não temos
tratado ou, mais recentemente, a Alemanha.
A legislação interna brasileira é munida com mecanismos unilaterais de
prevenção da dupla tributação que faz com que o tratamento de não residentes,
situados em países com ou sem CDTR com o Brasil, não seja muito distinto,
exceto pelos benefícios concedidos em algumas convenções, como os créditos
presumido e fictício.
Com efeito, o artigo 395 do Regulamento do Imposto de Renda traz regra
geral que permite que as pessoas jurídicas compensem, no Brasil, o imposto
pago no exterior. Por outro lado, ao examinarmos as alíquotas do Imposto

670 Cf. BELLAN, Daniel Vitor, Interpretação dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária, 2005,
pp. 661-662.
671 Para uma análise das possíveis razões que impedem a celebração de um tratado entre Brasil e
Estados Unidos, ver: CARVALHO, André de Souza. Acordo Brasil-EUA: o que ainda falta para a
sua conclusão? Revista de Direito Internacional Tributário, São Paulo, n. 4, 2006, pp. 9-42.

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SERGIO ANDRÉ ROCHA - 295

de Renda Retido na Fonte, verificamos que a alíquota praticada pelo Brasil é


equivalente àquela prevista na maioria de nossos tratados (exceto daqueles em
que há uma alíquota favorecida).
Considerando que o Brasil sempre reconhece como crédito o imposto
pago no exterior, os problemas que surgirão serão principalmente relacionados
à tributação na fonte de valores que somente deveriam ser tributados na
residência, como na situação descrita no capítulo sete.
Ora, esse é um típico caso que deve ser resolvido diplomaticamente pelos
Estados contratantes.
Poder-se-ia argumentar que, se está ocorrendo, de fato, uma dupla
tributação e, consequentemente, ambos os países estão cobrando seus tributos,
não haveria razão para que houvesse interesse na solução da controvérsia.
Argumento nesse sentido, contudo, representaria uma análise míope das
CDTRs. Na verdade, algum país está sempre perdendo.
Usando este mesmo caso, é fácil perceber que uma das razões pelas quais
o Brasil é tomador de serviços técnicos qualificados é que muitas vezes não há
mão de obra interna preparada para prestar tais serviços. Ou seja, uma posição
focada na arrecadação pode, portanto, comprometer a capacidade interna
brasileira de desenvolvimento.
Como dissemos antes, diplomacia deve ser feita por diplomatas,
profissionais que têm uma perspectiva mais abrangente do que a visão
arrecadatória das autoridades fiscais.
Agora, se em uma situação como essa, a despeito de todos os efeitos
negativos da dupla tributação, ainda assim os Estados não chegarem a um
acordo amigável, parece que é o caso de se reconhecer que a bitributação não
foi afastada, e ponto final.
Dissemos no primeiro capítulo desta tese que a não bitributação é um
princípio, ou seja, um fim a ser alcançado de acordo com as possibilidades fáticas
e jurídicas. Ora, em uma situação em que os Estados não chegarem a uma saída
quanto à tributação a ser praticada, a dupla tributação será inevitável, salvo no
caso de renúncia quanto à realização do fato tributário.
Ou seja, para um país em desenvolvimento como Brasil parece-nos
que a solução diplomática de conflitos hermenêuticos é ainda hoje a mais
adequada, principalmente em se reconhecendo, como aqui sustentado, que os

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296 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

acordos interpretativos decorrentes de tais esforços diplomáticos têm efeito


vinculante para as partes. Em resumo, a única modificação que proporíamos
à sistemática em vigor seria que o procedimento amigável fosse entregue aos
agentes diplomáticos e não a agentes fiscais. Na hipótese de não se alcançar a
solução pela via do procedimento amigável, optando-se pela arbitragem, somos
da opinião de que o ideal seria a escolha ad hoc do árbitros.
Em todo caso, parece-nos que a constituição de um tribunal internacional
tributário seria, da perspectiva brasileira, tomar um passo em direção à renúncia
de parcela da soberania nacional em favor de órgão que dificilmente teria
legitimidade para assumi-la, razão pela qual somos contrários a propostas
neste sentido.

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Conclusão

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O presente trabalho teve como objetivo principal examinar como os


debates contemporâneos acerca da hermenêutica jurídica podem ser aplicados
no campo da interpretação dos tratados internacionais em geral e das CDTRs
em especial, buscando-se examinar como a mudança dos referenciais teóricos
acerca da interpretação dos textos normativos acaba por acarretar uma nova
forma de análise dos problemas normalmente postos neste campo.
Com efeito, dado o estágio atual da hermenêutica jurídica, com a superação
dos formalismos de diversos matizes, reconhece-se que o labor interpretativo não
se resume ao manejo de um método que possibilitaria a descoberta da única norma
correta contida no texto normativo. Do contrário, nos marcos do pós-positivismo,
com a recuperação dos princípios jurídicos e a alocação da interpretação em um
âmbito argumentativo desenvolvido a partir dos casos que pedem uma solução,
há que se ter em conta que o texto é apenas um dos pontos de partida do processo
hermenêutico, devendo ser contextualizado juntamente com os demais elementos
de natureza axiológica, teleológica, sistemática e histórica.
Ademais, nota-se que a interpretação é um processo que se dá no intérprete,
em seu horizonte cultural e no campo de sua pré-compreensão. A interpretação
tem, portanto, um caráter criativo, já que será no intérprete que o texto
normativo e os fatos envolvidos em uma dada situação serão compreendidos
de forma a que seja construído o sentido da norma jurídica.
O texto normativo deve ser compreendido então como uma moldura que
guarda as variadas possibilidades de sentido a serem construídas pelo intérprete.
Tal construção de sentido, contudo, não se dá de forma livre. Não em
razão da existência de um método jurídico que limite o labor hermenêutico
do intérprete, mas sim pela exigência de que se justifique para o auditório de
interlocutores a posição tomada, conseguindo sua adesão à decisão tomada.
Na verdade, consequência do atual estado da arte da interpretação jurídica
é a prevalência do pluralismo metodológico, de forma que não se pretende
hierarquizar os elementos de interpretação que serão utilizados pelo intérprete.
Mostramos ao longo deste trabalho que em tal cenário, considerando
uma interpretação jurídica que se realiza no âmbito da pré-compreensão do
intérprete e que se vale de todos os elementos disponíveis, é muitas vezes possível
a criação de normas jurídicas distintas, igualmente justificáveis, a partir de um
mesmo texto normativo.

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300 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Nesses casos, a definição de qual será a norma jurídica individual e concreta


válida entre as possíveis é normalmente entregue a um órgão de aplicação do
direito, no caso brasileiro, o Poder Judiciário.
Delineado este panorama, procuramos demonstrar que a situação não é
diferente no campo da interpretação dos tratados internacionais, sendo que,
nesse caso, enfrentam-se complicações específicas, decorrentes da natureza do
Direito das Gentes.
Por um lado, de um modo geral carece o Direito Internacional de órgãos
de aplicação que possam superar divergências hermenêuticas, as quais, de outro
lado, não são menos prováveis de ocorrer, principalmente em razão de serem
os tratados internacionais interpretados por pessoas inseridas em ambientes
culturais mais ou menos distintos.
Torna-se praticamente inevitável, portanto, o surgimento de conflitos
de ordem hermenêutica no campo da interpretação/aplicação dos tratados
internacionais, os quais, regra geral, serão solucionados pelas próprias partes.
Essa realidade encontra-se presente de forma evidente no campo das
CDTRs. Com efeito, a posição sustentada neste trabalho é no sentido de que
a interpretação de tais convenções também se dá no horizonte cultural dos
intérpretes, sem que seja possível a criação de uma metodologia uniforme que
afaste os conflitos hermenêuticos.
Em outra assentada, sustentamos que a interpretação/aplicação das
CDTRs é labor entregue a ambos os Estados contratantes, rejeitando-se as
teorias que pretendem atribuir a apenas uma das partes a competência para
tanto, como a teoria do Professor britânico John Avery Jones.
Partindo da premissa de que as CDTRs têm por escopo primário evitar
a dupla tributação da renda, a falta de uma harmonia interpretativa entre os
Estados contratantes leva ao malogro de tal finalidade, e à possibilidade concreta
da ocorrência da bitributação.
Assim, embora não haja dúvidas quanto à importância da harmonia
hermenêutica no campo dos tratados internacionais aos quais se dedicou este
estudo, por outro lado temos que a mesma é difícil de ser alcançada.
Como vimos, nem a aplicação dos artigos 31 a 33 da CVDT às CDTRs,
nem a regra prevista no item 2 do artigo 3º da Convenção Modelo da OCDE
são bastantes para que tal harmonia seja alcançada.
O item 2 do artigo 3º, do contrário, parece trazer mais perplexidades do
que soluções ao cuidar o reenvio ao direito interno nos casos em que termos

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utilizados na CDTR não estejam definidos em seu texto e nem sejam inferíveis
de seu contexto.
Este (o reenvio ao direito interno) é mais uma causa de potenciais
divergências no que tange à interpretação/aplicação das CDTRs, havendo
dúvidas quanto à solução dos conflitos de qualificação pelo new approach da
OCDE a respeito da matéria.
Uma conclusão importante extraível a partir da inserção dos debates a
respeito da interpretação das CDTRs no âmbito da argumentação jurídica, é no
sentido da relativização de diversas das discussões que se travam nesse campo.
Como vimos, reenvio ao direito interno estático ou dinâmico, posição
da Convenção Modelo e dos seus comentários no campo hermenêutico, bem
como seu uso estático ou dinâmico, a consideração de parallel treaties, decisões
dos tribunais do outro Estado contratante ou de sua legislação interna são, na
verdade, discussões que merecem uma diferente abordagem.
Todos esses são pontos de partida para a interpretação das CDTRs, não
havendo que se buscar uma hierarquização de tais elementos, como forma de
se estabelecer uma prevalência apriorística.
Assim, por exemplo, tanto os Comentários da OCDE à sua Convenção
Modelo vigentes quando da celebração da CDTR, quanto aqueles em vigor
no momento da interpretação/aplicação da convenção podem ser considerados
pelo intérprete, parecendo-nos inerte a tentativa de fazer uma seleção a priori
que estabeleça o que se deve considerar e o que não se deve levar conta.
Sustentamos aqui, portanto, que a interpretação das CDTRs deve se dar
nos marcos da argumentação jurídica, sendo que na construção de sentido
a partir dos textos convencionais os Estados contratantes não têm o seu
agir hermenêutico pautado por uma hierarquização rígida dos elementos de
interpretação, tendo, contudo, o dever de justificar a decisão tomada.
A grande diretriz hermenêutica que deve reger a interpretação das CDTRs
é, desta forma, o princípio da boa-fé, no sentido de que nenhum dos Estados
contratantes deve buscar inadimplir suas obrigações, ou criar para a outra parte
deveres que não tenham sido pactuados.
Há que se distinguir, todavia, a possibilidade de divergências hermenêuticas
quanto à interpretação de uma CDTR da eventual tentativa de se descumprir
as obrigações assumidas no tratado internacional sob tal pretexto, no que
designamos como um hermeneutic override da convenção.

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302 - INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO DA RENDA

Em outra assentada, como consequência do princípio da boa-fé devem os


Estados contratantes comprometerem-se com a solução amistosa de eventuais
conflitos hermenêuticos.
Atualmente, o principal instrumento de solução de controvérsias ainda é o
procedimento amigável, previsto no artigo 25 da Convenção Modelo da OCDE.
Após analisarmos tal instrumento de solução de divergências, concluímos
que o seu manejo não implica violação ao princípio da legalidade ou à
indisponibilidade do crédito tributário.
Nossa principal crítica a tal medida consiste em ter sido a mesma atribuída
às autoridades fiscais de cada um dos Estados contratantes, quando acreditamos
que a negociação seria muito mais proveitosa e teria maiores chances de sucesso
em sendo realizada por negociadores, ou seja, membros do corpo diplomático
de cada um dos países.
Outra conclusão a que chegamos foi no sentido de que os acordos decorrentes
de tais procedimentos amigáveis devem ser considerados interpretação autêntica
da CDTR, vinculando todos os demais órgãos de aplicação do direito, inclusive
os tribunais, embora tal fato não impeça o contribuinte de ajuizar ação perante
os tribunais internos questionando o acordo.
Diante da inexistência de regra constitucional sobre os acordos executivos
no Brasil, o acolhimento da posição que defendemos depende das próprias cortes.
Não sendo alcançada a saída amigável para a controvérsia, é possível que as
partes busquem a solução da mesma por um terceiro, recorrendo à arbitragem.
Considerando a posição do Brasil como um país em desenvolvimento,
somos da opinião que seria mais indicada a escolha dos árbitros diante de cada
caso concreto, evitando-se, assim, a submissão da controvérsia a eventual painel
de arbitragem previamente constituído.
Da mesma forma, consideramos que a constituição de um tribunal fiscal
internacional, com a finalidade exclusiva de apreciar questões tributárias,
parece não ser a melhor maneira para a superação de conflitos hermenêuticos
surgidos no campo das CDTRs, especialmente considerando que dificilmente
um órgão dessa natureza gozaria de uma representatividade que o tornasse
legítimo perante todas as nações.
Assim, nossa posição é no sentido de que a solução para controvérsias
interpretativas no âmbito das CDTRs deve ser buscada principalmente no
campo diplomático.

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