Ilíada

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Ilíada

Esta publicação consiste numa transcrição da aula do Professor José Monir Nasser,
disponível em https://www.youtube.com/watch?v=L1DdAjjPAnc . Algumas partes
foram complementadas com informações mencionadas em outras aulas do
professor e com trechos do resumo que não puderam ser lidos devido à limitação do
tempo da aula. Ao final desta publicação, estão disponíveis as tabelas com os
nomes das personagens gregas e troianas.

[INÍCIO DA TRANSCRIÇÃO]

Muitos dos pedaços da obra podem ter sido mudados à medida em que eram
preservados apenas oralmente. Os acontecimentos que esta obra retrata estão
todos ligados à queda de Troia. A cidade de Troia não é uma cidade fictícia, ela
realmente existiu. Hoje, acredita-se que lá pelo ano 1200 a.C. tenha ocorrido de fato
uma guerra de Troia. Outro nome para Troia é Ílion, por isso que esta obra que nós
conheceremos hoje se chama “Ilíada”.

Então, o que nós sabemos sobre essa obra? Sabemos que em 1200 a.C., portanto
há 3200 anos, houve um grande conflito no Mediterrâneo envolvendo essa cidade,
que era mais do que apenas uma cidade, representava um conjunto de povos, cujos
resquícios estão todos hoje na Turquia, na Ásia Menor. A dificuldade é que existem
várias camadas de detritos simultaneamente, o que faz com que haja alguma dúvida
sobre qual deles é Troia. Descobertas arqueológicas modernas realizadas por um
alemão chamado Schliemann não foram muito conclusivas. Elas indicam que Troia
existiu, de fato, naquele lugar que estava previsto na obra de Homero. No entanto,
pela análise de seus resquícios, aparentemente não se tratava de um lugar muito
grande e nem muito poderoso – é claro que puderam ocorrer modificações nesse
tempo todo.

Essa guerra envolveu os ditos gregos – Grécia é uma entidade moderna, não havia
Grécia naquela época, mas sim apenas povos de cultura semelhante, que são
chamados por vários nomes. Reparem que vocês receberam aí o mapa das
principais personagens. Os gregos são chamados de dânaos, aquivos, aqueus,
acaios, argivos e helenos, todos nomes que se davam àqueles habitantes ali,
aqueles povos que se associaram na guerra contra Troia. Os troianos não têm
muitos nomes, há aqui um pequeno resumo dos nomes dos troianos: teucros, troas
e frígios; todos nomes que se atribuíam aos troianos e aparecem na obra.

Um problema que nós teremos que resolver aqui é que durante o resumo vai
aparecer uma enxurrada de nomes, vocês provavelmente terão alguma tendência a
confundi-los. Eu não consigo resolver esse problema, por mais que eu faça esforços
aqui, porque é da natureza desta exuberância de personagens, mas eu farei todo o
possível para tentar esclarecer. Agora, só se resolve esse problema mesmo se você
fizer o esforço de ler a obra inteira com calma até ter domínio completo da história.

A história não é muito complexa, ela parece um pouco decepcionante porque todo
mundo pensa na guerra de Troia e automaticamente lembra do cavalo de Troia, que
teria sido aquele estratagema que os gregos usaram para adentrar as fortificações.
Infelizmente, na Ilíada não há nenhuma palavra sobre isso.

Essa história do Cavalo de Troia não é contada na Ilíada: ela é contada na Odisseia.
Odisseia é a história subsequente, que se segue a essa aqui, cujo herói é Odisseu,
um dos gregos que está sitiando Troia. Portanto, é apenas nesse segundo livro que
Odisseu, ao nos contar suas façanhas, finalmente nos relata como é que foi que os
gregos haviam conseguido derrotar os troianos. Ou seja, o estratagema do cavalo
de Troia não é nem mencionado nesse livro.

Antes da gente começar, eu preciso ainda dizer uma porção de outras coisas, mas
também preciso ter certeza de que vocês estão compreendendo o que eu estou
dizendo. Alguém tem alguma dúvida? Lembrem-se que a regra geral do nosso
programa aqui é que é proibido não entender. Pode discordar à vontade, o que não
pode é não entender; porque até mesmo para poder discordar é preciso antes
entender a história.

Portanto, o que nós vamos ver aqui é a história de um conflito armado entre gregos
e troianos. Os gregos sitiaram durante 10 anos a cidade de Troia, muito bem
fortificada. A Ilíada é a história dos últimos 51 dias de cerco. Portanto, há 10 anos de
história que são apenas referidos no meio, não realmente contados
cronologicamente. Nós apenas veremos alguns pedaços da história narrados aqui,
pois os acontecimentos trágicos da Ilíada acontecem apenas nos últimos 51 dias. Há
a destruição e então uma segunda história em que o Odisseu (e apenas o Odisseu
porque os seus companheiros não demoraram tanto tempo) passa mais 10 anos
para voltar para sua casa, Ítaca, uma das ilhas gregas. O que você precisam sempre
lembrar é que nós não estamos falando de Grécia no sentido moderno da palavra,
mas sim de uma coalizão de cidades-Estado: essas cidades a que se resume uma
certa sociedade; todas elas dotadas da cultura grega, portanto não há diferenças
grandes em termos culturais, embora sejam cidades independentes.

Ou seja, isso que ataca a Troia é uma coalizão de cidades gregas irmanadas porque
havia um acordo que as obrigava a atacarem Troia. Então, eu preciso contar para
vocês como é que essa encrenca começou. Ela começa com o rei e da rainha de
Troia, o rei Príamo e a rainha Hécuba, que tinham 19 filhos – dentre esses, várias
das personagens que são centrais nessa história. Após o nascimento de um desse
filhos, chamado Páris, a mãe foi fazer lá uma consulta com um oráculo (um
sacerdote ou sacerdotisa que interpreta a vontade dos deuses), que lhe diz que
aquele menino ia ser responsável pela destruição de Troia. Exatamente como
aconteceu com Édipo, cujo pai tinha medo que o filho cumprisse a profecia do
Oráculo, Príamo e Hécuba desterraram o menino, dando-lhe de presente para os
pastores que moravam numa ilha distante nas imediações de Troia. Esse menino,
nascido Paris, foi rebatizado como Alexandre. Ele era um menino excepcionalmente
bonito e todos os deuses olharam para ele com uma certa reverência.

Certo dia, no Olimpo (não estranhem, por favor, nessa história os deuses e os
homens estão todos misturados) há um concurso de beleza entre as três deusas
mais bonitas (Afrodite, a deusa do amor; Hera, a mulher de Zeus; e Atena, a deusa
da sabedoria). Como não havia jeito de saberem quem era a mais bonita, elas
elegem um terceiro (claro que tudo isso certamente já estava combinado a título de
estratagemas maliciosos dos deuses gregos) para decidir. O juiz seria Alexandre.
Por que o Alexandre, que era apenas um pastor em uma ilha que não tinha
nenhuma importância? Obviamente, para poder gerar essa desgraça toda,
cumprindo a profecia.

Como é o Alexandre quem tomaria a decisão, as deusas iniciam o processo de


tentarem seduzi-los com propostas para que ele as escolhesse. Afrodite prometeu a
Alexandre que se ele a escolhesse, receberia de presente a Helena de Troia, que
era espartana e a mais bonita de todas as mulheres gregas. Helena, na verdade,
não é apenas uma mera humana, ela é filha de Zeus, portanto também dotada de
um pedaço divino, e era casada com o rei de Esparta, chamado Menelau.

Como foi que o Menelau acabou como marido da Helena? Todos queriam casar com
ela, então o pai humano da Helena combinou com ela, que concordou com isso (ou
seja, não foi imposto), que ela escolheria entre os pretendentes (conta-se que eram
mais de cem pretendentes) com quem ela se casaria. Para impedir que houvesse
problemas de retaliação depois da escolha, todos os pretendentes fizeram o
juramento de que a decisão de Helena fosse de alguma maneira desrespeitada por
um dos pretendentes, os demais defenderiam os direitos do escolhido sobre Helena.
E foi exatamente o que aconteceu: Helena escolheu o Menelau porque quis; ele em
determinado momento foi viajar, deixando a mulher sozinha, e apareceu o Paris
bonitão, que veio lá buscar o seu prêmio por ter escolhido Afrodite como a mais
bonita das deusas e, teoricamente, ele a rapta.
O rapto, no sentido jurídico, não é como o sequestro. No sequestro, você leva a
pessoa para pedir um resgate. O rapto tem um sentido de você levar a pessoa sem
querer obter vantagens com o resgaste, mas com fins libidinosos, por exemplo. É
claro que aí surge uma polêmica imensa, pois as aparências dessa história são de
que a Helena fugiu com o Paris, e não que ela teria sido raptada de verdade. Para
fins da exemplificação oficial que se dá para os outros pretendentes, ela foi raptada
pelo Paris e levada para Troia.

Começa a se configurar então aí a tal da profecia de que o Paris seria o responsável


pela destruição de Troia. Quando o Menelau se vê roubado da mulher, ele invoca o
acordo e os outros 99 pretendentes, que eram todos reis (mas por favor
compreendam que reis aí governam uma cidadezinha grega de dois a três mil
habitantes). Então, monta-se uma coalizão para ir a Troia buscar a Helena de volta e
entregá-la ao Menelau, visto que todos estavam obrigados a fazer isso pelo acordo
de antes da escolha que era um pré-requisito para disputar a mão dela.

Na Odisseia, Helena diz que estava enfeitiçada pela deusa Afrodite e que de fato
não foi ela a responsável pela fuga com Paris. Há uma outra personagem feminina
que aparece na Odisseia: a Penélope, a mulher do Odisseu, que fica 20 anos
esperando a volta do marido (os 10 anos que o marido vai para Troia, mais os 10
anos que ele demora para voltar) Odisseu ou Ulisses é a mesma pessoa, são
respectivamente as formas grega e romana do mesmo nome. O que há de
interessante é que enquanto Helena é o protótipo da mulher infiel, Penélope é o
protótipo da mulher fiel, pois todas as noites ficava tecendo uma mortalha para o seu
sogro, a qual destecia durante o dia, argumentando que quando terminasse o
trabalho ela escolheria entre os pretendentes – tudo isso para enrolá-los.

Em comparação, a Helena de certo modo é o modelo da mulher infiel, pois acabou


indo embora com o Paris; seja porque estava enfeitiçada por Afrodite, porque ela
mesmo quis, ou porque Paris a levou na marra. O Menelau, o marido da Helena, não
gostou muito da história e convocou todas aquelas cidades gregas dos seus
pretendentes para juntos montarem uma expedição para recuperar o seu direito
sobre a mulher mais bonita que já existira. A expedição que resgataria Helena foi
dirigida pelo Agamenon, irmão mais velho de Menelau, que era casado com
Climnestra, irmã de Helena. Portanto, Agamenon é irmão de Menelau e cunhado de
Helena.

Esse Agamenon, por ser o mais velho, é quem vai dirigir essa fronta contra Troia,
que fica ao norte do território grego, para recuperar a mulher do irmão. A coisa já
começa muito errado no caminho, porque eles param num lugar chamado Áulis
(uma enseada, navega-se com muita lentidão e você tem um exército imenso que
tem que ser alimentado) e com todos os navios parados na enseada os soldados
vão caçar ou roubar animais (azar de quem tinha uma vaca gordinha) para fazer um
churrasco. Um dos soldados mata uma corça sagrada de Ártemis (a deusa Diana
dos latinos), que é a deusa virgem da caça, e ela fica furiosa. Ártemis era uma
mulher muito vingativa, tanto é que há um episódio na vida dela em que foi flagrada
tomando banho de cachoeira nua por um caçador que apenas topou com ela, mas
ela ficou com tanta raiva dele que o transformou numa corça que foi devorada por
seus próprios cachorros. Tão vingativa é essa Ártemis! E Ártemis aqui então fica tão
furiosa com aquele negócio de matar a corça que ela roga uma praga que cria uma
calmaria, o que impedia que os navios saíssem do golfo e continuassem a viagem.

Aí surgiu um problema com o Agamenon (o irmão do marido ofendido), que era


casado com uma mulher chamada Clitemnestra, com quem tivera quatro filhos: três
filhas, Ifigênia, Electra (de onde tiraram o Complexo de Electra), Crisotêmis; e um
filho, Orestes. Vejam que riqueza de possibilidade de nomes para filhos há nesse
livro! Esse Agamenon está lá com essa situação insustentável, em que você tem
milhares de homens em tensão total de guerra que não conseguem sair do porto,
uma situação dificílima de controlar. E aí então o Calcas, um adivinho que ia junto
com os gregos, faz uma consulta com o oráculo e chega com a notícia de que
estando Ártemis tão brava como estava, ela apenas liberaria os gregos para a
navegação se o Agamenon sacrificasse a própria filha Ifigênia, a mais velha. O
Agamenon reluta muito em concordar com isso, afinal era a sua própria filha, mas
depois de muito tempo sendo destruído pela dúvida, ele acaba chegando à
conclusão de que não havia outro jeito mesmo. Aí ele manda vir a filha, manda um
mensageiro pedir para que a mulher dele trouxesse a filha até onde eles estavam
sob o pretexto de que a mocinha casaria com Aquiles, que era o maior de todos os
guerreiros gregos. Chega lá a coitada da moça junto da mãe e o Agamenon de fato
a sacrifica.

A ideia de sacrifício humano para os gregos é uma ideia abominável, como também
é para um judeu, tanto é que Deus não deixa que Abraão mate Isaac na última hora,
substitui-lo por um cordeiro, que de acordo com a tradição é o mesmo cordeiro que
Bel sacrifica a Deus no início dos tempos.

Há duas versões: uma em que ele mata a filha de fato, e outra em que na hora
Ártemis aparece e coloca no lugar um animal, impedindo que aquilo acontecesse.
Seja como for, a Clitemnestra ficou absolutamente furiosa com o marido (Não é para
menos, não é? Mesmo considerando todas questões de Estado…) e começa a urdir
uma vingança contra ele. Mas os ventos retornam e a expedição retoma a viagem
para a Troia.

Ao chegar, eles acampam em torno de Troia, cercando-a com o objetivo de


encontrarem um modo de derrotar a cidade e recuperar Helena. Dentro da cidade, é
claro que estavam todos muito infelizes com o Paris, porque os habitantes já
pressentiam que a presença de Helena ali geraria uma grande desgraça, eles
perderiam os seus próprios filhos para garantir que o Paris pudesse continuar com o
seu capricho amoroso. Quem assume o comando de Troia não é o rei Príamo, que
já era demasiado velho, mas sim o seu primogênito, o Heitor. Do lado dos gregos, o
mais valoroso combatente se chama Aquiles, que não era inteiramente humano,
mas sim um semideus por ser filho de uma ninfa do mar, chamada Tétis, com o deus
Zeus. Quando ele nasceu, sua mãe enfiou-o no Rio Estige e ele ficou invulnerável a
qualquer ato de violência humana: não podia ser morto, a não ser naquela parte do
corpo em que a água não tocou, porque a mãe o segurou pelo calcanhar, daí a
expressão “calcanhar de Aquiles” que usamos até hoje.

Reparem que embora existam diversas personagens importantes, dois heróis se


destacam nesses dez anos de batalha: Aquiles, do lado dos gregos, e Heitor, do
lado dos troianos. Heitor é completamente humano, um sujeito que se
responsabilizou pelo comando porque tinha a obrigação como filho mais velho, mas
ele não tinha nada a ver com essa história da Helena. Ele é casado, tem um filho e é
um homem decentíssimo, eu sempre digo que o Heitor é uma personagem humana
extraordinária. Ele assume o comando de Troia, estando o pai incapacitado, mesmo
que no fundo o irmão estivesse errado.

Vocês estão conseguindo imaginar tudo isso? Um dos truques mais importantes
para ler obras ficcionais é imaginar tudo como um filme: imaginem todos aqueles
barquinhos gregos vindo numa enorme esquadra, cheia de soldados, dentre todos
eles o mais importante é Aquiles; do outro lado, esperando os gregos chegarem
para defender a cidade, estão os troianos, entre eles o Paris, curtindo muito a lua de
mel com a Helena e o irmão dele, Heitor, assumindo a defesa da cidade. É assim
que tudo começou.

É muito importante vocês compreenderem que esta é uma história da tradição oral,
uma história de façanhas, sem grande preocupação de minúcias e de
verossimilhança como tem um romance moderno. Basta vocês compreenderem que
aí os deuses e os humanos estão misturados o tempo todo. Os deuses é que
começaram essa encrenca toda, com aquele concurso de qual é a deusa mais
bonita. Tudo é mítico nesse momento: há uma mistura entre deuses e homens mais
o fato de que lá em Troia está o casal apaixonado e o irmão esperando praticamente
toda a força militar do Mediterrâneo para vir buscar a mulher à força. Esses são os
fatos que ocorreram 10 anos antes do que a Ilíada está nos contando.

O autor dessa conversa chama-se Homero, uma dessas personagens míticas que
ninguém sabe se existiu. Ninguém sabe onde nasceu, há uma meia dúzia de
cidades gregas que reivindicam o mérito de ser seu local de nascimento, mas a
única informação biográfica sobre Homero é que ele seria cego. O que há de
interessante nessa característica biográfica é que a cegueira de Homero não seria
de nascença, mas sim atribuída ao fato de que ele insinua na Ilíada que a Helena
havia sido infiel de propósito, ou seja, ele não responsabiliza a Afrodite pelo
encantamento da mulher infiel. Helena, que tem vinculações no Olimpo por ser filha
de Zeus, vingou essa calúnia de Homero – é claro que isso é tão folclore que você
não deve atribuir muita importância…

Então, a esquadra chega e inicia o cerco a cidade, que pelas descrições homéricas
é uma cidade muito bem protegida. Os historiadores mais materialistas obviamente
já estabeleceram a tese de que no fundo a guerra nada tem a ver com a Helena, que
eles queriam mesmo era impedir o comércio troiano no Mediterrâneo – mas eu nem
preciso dizer isso porque vocês certamente sabem que, se alguém ainda não disse,
ainda dirão, visto que são essas interpretações que dominam hoje o mundo da
historiografia. Como essa história é muito pouco documentada, trata-se mais de mito
do que de verdade. Não há muitos debates em torno disso, porque afinal trata-se
muito mais de uma história mítica do que um fato histórico.

Apesar disso, sabe-se que Troia não foi mito e que houve de fato uma guerra em
torno de 1.200 a.C. Ninguém sabe ao certo quando esse poeta Homero teria escrito
a história, mas é alguma data entre 950 e 850 a.C. Isso significa que este poeta, se
é que existiu, escreveu a história 300 ou 400 anos depois de a guerra ter acontecido.
Ou seja, a história foi escrita com base em conhecimentos que foram transmitidos
oralmente durante 400 anos, o que é tempo suficiente para mudar qualquer história.
A verdade é que como não se sabe de fato quem foi Homero, durante muitos anos
uns filólogos alemães extremamente rigorosos (gente, assim, que é capaz de passar
dois anos tentando descobrir se é “a” ou “e” que está escrito) fizeram pesquisas tão
profundas ao ponto de descobrir que na verdade a Ilíada tem vários autores, não se
sabe quantos mas algo em torno de três ou quatro, e que alguém compilou essas
três ou quatro histórias separadas e arrumou para dar uma unidade à obra.

Essa arrumação não é perfeita, há momentos em que há contradições cronológicas.


O mesmo ainda mais gravemente ocorre com a Odisseia, que teria sido escrita por
uma dúzia de autores também compilados. Como há uma distância de 30 anos entre
a Ilíada e a Odisseia, há filólogos que chegam a duvidar que o compilador tenha sido
o mesmo; outros juram que as compilações são tão parecidas que é provável que
Homero, se existiu, foi o compilador de ambas na mesma base (as duas têm 24
cantos). Nós nunca saberemos isso, o que no fundo não tem a menor importância
porque essas histórias não tinham nenhum interesse autoral, eles eram feitas por
outras razões que contarei a vocês no final.

A nossa história começa quando o Aquiles, o mais importante dos guerreiros gregos,
briga com o Agamenon porque numa daquelas incursões militares aos arredores de
Troia (lembrem que era necessário sustentar todas aquelas tropas e que o soldado
dessa época era o soldado mercenário, que luta pelo estupro e pelo saque), cada
um dos dois pegou uma sacerdotisa de Apolo. O Aquiles tomou uma moça chamada
Briseida e o Agamenon a Criseida, transformando-as em escravas sexuais, só que a
tal da Criseida, cujo pai também era um sacerdote de Apolo, vai lá e diz que quer a
filha de volta de qualquer jeito. Como não devolvem, ele faz lá um pedido a Apolo
para mandar uma peste, que começa a dizimar o exército.

Quando Agamenon vê que aquele velhinho tinha poder, ele devolve a filha, só que
daí, ao invés dele ficar sem ninguém, ele pega a Briseida. O Aquiles então,
feridíssimo por ter sido espoliado da Briseida, decide se mandar – ficar lá quietinho
no seu navio e sair da guerra. O Aquiles já tinha ido à guerra de Troia meio a
contragosto porque a mãe dele tinha recebido uma profecia de que seu filho teria
uma vida breve e morte gloriosa, ou uma longa vida e uma velhice medíocre. Como
ela desejava que o filho vivesse mais, resolveu escondê-lo num harém junto com as
moças. Odisseu, o herói grego mais esperto, descobriu o estratagema e convenceu
o Aquiles a vir para a guerra. O Aquiles de certo modo já estava condenado, porque
na guerra estaria mais próximo de uma vida gloriosa e curta do que de uma vida
longa e medíocre, não é?

Portanto, depois de se desentender com o Agamenon, o Aquiles decide abandonar a


guera. Com a ausência de Aquiles, o poder militar dos gregos diminui muito, porque
ele de fato era um comandante extraordinário. Não somente diminui porque ele não
estava mais lá, mas também porque a defecção de alguém como Aquiles destrói a
moral das tropas. Então, essa história que nós vamos ler abrange apenas os últimos
dias do cerco de Troia e não chega nem mesmo a nos contar o que acontece depois
que os gregos entram na cidade. Todas as histórias subsequentes são contadas na
Odisseia. Sob esse ponto de vista, esta história poderia ser rebatizada como “A Ira
de Aquiles”, episódio que durou 51 dias.
A história começa com a ira de Aquiles e termina com os funerais de Heitor, os dois
grandes heróis da história. Parece pouco em relação a 10 anos de sítio, não é? O
modo como a Ilíada foi escrita é completamente diferente do modo da Odisseia. São
obras muito distintas, assim como suas consequências o são.

Está certo, pessoal? Podemos começar agora? Conseguimos passear um


pouquinho por tudo o que aconteceu antes? Lembrem que tudo começa com o
maldito campeonato de beleza seguido do rapto de Helena. O debate sobre se foi ou
não um rapto está em “As Troianas”, peça de Eurípides, inclusive há um filme
homônimo maravilhoso do Michael Cacoyannis (um cineasta grego). Nessa obra,
quando Menelau recupera a mulher, ele desembainha a espada (sob o seu ponto de
vista ela havia fugido propositalmente com o outro). Na hora em que Helena o vê,
ela solta a túnica, ficando nua, e ele guarda a espada na hora.

De acordo com a Odisseia, Menelau a leva de volta a Esparta e aceita os seus


argumentos de que ela era inocente e fora direcionada pela deusa Afrodite. Então, a
versão homérica acaba inocentando Helena, embora essa não seja a opinião da
sogra (Hécuba, mulher de Príamo, mãe de Heitor) porque as troianas viam na
Helena uma mulher ardilosa, que usava sua beleza de modo imoral.

A tradução utilizada na aula foi a de Carlos Alberto Nunes. Devemos muito a


esse homem, conforme o que o professor Monir afirma na aula da Odisseia:

“Carlos Alberto Nunes fez três contribuições monumentais à cultura brasileira: a


primeira é a tradução de “Ilíada” e “Odisseia”, a segunda é a tradução do Platão
inteiro do grego e posterior doação do trabalho à Universidade Federal do Pará (que
vem editando as obras e publicando mais ou menos um livro por ano, se eu não me
engano do conjunto das obras completas de Platão deve ter reeditado metade até
agora – uns 7 ou 8 volumes de um total de 15 ou 16) e a terceira é a tradução
completa de Shakespeare, editada pela companhia Melhoramentos na década de
50-60 – você compra por aí nos sebos a edição completa de toda a coleção em
traduções impecáveis, lindíssima! Eu, de modo geral, uso a tradução do Carlos
Alberto Nunes para Shakespeare. Então, uma pessoa que fez essas três
contribuições poderia passar direto ao Céu, não precisa passar pelo Purgatório, tem
uma relevância indiscutível até mesmo para os altos espíritos.”

Ilíada

Homero

Resumo da Narrativa

Os acontecimentos narrados na Ilíada cobrem apenas cinquenta e um dias durante


o nono ano do cerco de uma coalizão de cidades gregas ao Reino de Troia. As
hostilidades haviam começado nove anos antes por causa do rapto por Páris, um
dos filhos dos reis de Troia, Príamo e Hécuba, da bela Helena, mulher de Menelau,
rei de Esparta, agora um dos generais comandando as forças gregas. A coalizão
fora montada com os reinos dos outros pretendentes que, obrigados por um pacto,
haviam jurado defender o vencedor, se ofendido nos seus direitos. Na verdade,
Helena fugiu com Páris. A expressão Ilíada é derivada de Ilion, nome da cidade
central do Reino de Troia, dirigido por Príamo. Na prática, usa-se Ilion ou Troia
indiferentemente. O poema épico, o mais célebre do dito ciclo troiano, teria sido
composto por Homero, vate misterioso de que a tradição diz ter sido cego.

Na prática, isso era cantado na Grécia, não era simplesmente lido. Então, chegava o
sujeito na praça e dizia assim: “Canta-me a Cólera – ó deusa! – funesta de Aquiles
Pelida” [imaginem o professor cantando isso]

Era cantado assim mesmo, com o acompanhamento de algum instrumento musical,


e as pessoas se reuniam em volta para ouvir essas histórias maravilhosas ligadas a
grande guerra de Ílion: o mais importante acontecimento histórico na formação do
helenismo – na formação da mentalidade e do espírito grego – que influenciou o
mundo tão profundamente a ponto de nós estarmos aqui hoje (3.200 anos depois)
lendo as histórias da guerra de Troia.



Canto I

A Peste e a Ira

“Invocação às Musas. Crises, sacerdote de Apolo, vem ao campo dos gregos para
recuperar sua filha, que era escrava de Agamémnone. Não o conseguindo, e sendo
até insultado pelo rei, pede a Apolo para ser vingado. Uma peste é então enviada a
toda a tropa grega. Aquiles convoca a assembleia e Calcante, um adivinho, revela a
causa da peste e indica o remédio: devolver a filha de Crises. Ocorre uma briga
entre Agamémnone e Aquiles. Agamémnone devolve Criseide, mas leva Briseide, a
escrava de Aquiles. Este, irado contra o ultraje, sai da guerra de Troia. Tétis, sua
mãe, a seu pedido, vai até Zeus para pedir que os gregos saiam perdedores na
guerra para que todos vejam a falta que Aquiles faz. Zeus concede a Tétis que os
troianos saiam vencedores. Ocorre uma briga entre Hera e Zeus sobre o destino da
guerra”.

Tétis, uma ninfa do mar, pede a Zeus que ele dê poder aos troianos para ajudar a
vingar o filho, isso é muito importante porque vocês repararão que o tempo todo os
homens lutam juntos dos deuses. Até mesmo no campo de batalha, às vezes
aparece um deus dando espadadas no outro lado. Há uma divisão dos Deuses em
dois grupos: um grupo pró-troianos e outro pró-gregos. A razão pelos quais os dois
grupos se formam são as mais fúteis do mundo.

Para aqueles que não conhecem os deuses da mitologia greco-romana, Poseidon é


o nome grego para o Netuno dos romanos, ele é irmão de Zeus (na mitologia
romana, Júpiter) e de Hades (Plutão). Zeus manda nos céus, Poseidon nos mares e
Hades nos subterrâneos/inferno. A superfície da terra é propriedade compartilhada
dos três irmãos, mas quem manda na prática é o Zeus, por estar acima dos outros
dois; os irmãos vivem furiosos com isso. Não há nenhuma semelhança entre o Deus
cristão e os deuses greco-romanos, porque esses deuses são capazes de fazer
coisas julgadas imorais para um ser humano e vivem em conspirações uns com
seus outros, de modo que o seu poder é sempre um poder limitado e precário.
Mesmo Zeus não tem plenos poderes, tanto é que o titã Prometeu é capaz de fazer
chantagens enormes com Zeus, porque ele sabe coisas que Zeus não sabe.
Portanto, é preciso ter em mente que os deuses gregos são uns pilantras,
malandros, vigaristas, mais ou menos como os seres humanos.

1. Canta-me a Cólera – ó deusa! – funesta de Aquiles Pelida,

Quem é Pelida? Pelida é o nome de Aquiles, porque o pai dele se chamava Peleu.
Na verdade, Aquiles era filho de Zeus e de Tétis. Zeus, marido de Hera, fica tendo
filho com outras mulheres o tempo todo; quando ele tem filhos com outras deusas,
esse são deuses; quando ele tem filhos com mulheres mortais (ou ninfas), esses são
mortais. Para não ficar chato, ele inventa um “pai humano postiço” para os seus
filhos mortais. O pai de Aquiles se chama Peleu, e os gregos o chamam de Pelida
porque ele é filho de Peleu – é uma maneira de fazer o patronímico 1.

causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos sem conta

e de baixarem para o Hades as almas de heróis numerosos

e esclarecidos, ficando eles próprios aos cães atirados

e como pasto das aves. Cumpriu-se de Zeus o desígnio

desde o princípio em que os dois, em discórdia, ficaram cindidos,

o de Atreu filho, senhor de guerreiros, e Aquiles divino.

Qual, dentre os deuses eternos, foi causa de que eles brigassem?

O que de Zeus e de Leto nasceu, que, como o rei agastado,

10.peste lançou destruidora no exército. O povo morria,

por ter o Atrida Agamémnone a Crises, primeiro, ultrajado,

O Agamenon se chama Atrida porque é filho de Atreu.

o sacerdote. Este viera, até às céleres naus dos Aquivos,

súplice, a filha reaver. Infinito resgate trazia,

tendo nas mãos as insígnias de Apolo, frecheiro infalível,

no cetro de ouro enroladas. Implora aos Aquivos presentes,

sem exceção, mas mormente aos Atridas, que povos conduzem;

“Filhos de Atreu”, e vós outros, Aquivos de grevas bem-feitas,


dêem-vos os deuses do Olimpo poderdes destruir as muralhas

da alta cidade de Príamo, e, após, retornardes a casa.

20.A minha filha cedei-me, aceitando resgate condigno,

e a Febo Apolo, nascido de Zeus, reverentes mostrai-vos”. (págs. 57-58)

Febo Apolo é outro dos deuses da mitologia greco-romana, filho de Zeus.

Canto II

Sonho, Teste e Beócia ou O Catálogo das Naus

“Zeus persiste na sua promessa a Tétis e envia um Sonho enganoso a


Agamémnone de que este conquistaria Troia. Agamémnone faz um teste com seus
homens e os manda voltar para casa. Atena, enviada por Hera, inspira Odisseu a
incitar os homens junto a Nestor para que eles se preparem para a batalha.
Enumeração das naus e chefes dos gregos e dos troianos”.

153.Todos, os regos alimpam e as naus dos espeques libertam.

Sobe ao Céu alto o alarido dos que para casa voltavam.

E para a pátria, talvez, retomassem, pesar do Destino,

Se para Atena divina, Hera, alfim, não tivesse falado:

“Palas Atena indomável, donzela de Zeus poderoso,

é então, possível, que fujam, desta arte, os guerreiros Argivos

no dorso extenso do mar, para aterra dos pais, extremosa?

160.E deixarão que Troianos e Príamo tanto enaltecem,

a Argiva Helena, por quem tantos homens Aquivos morreram

longe da pátria, jogados nas vastas planícies de Troia!

Vamos! Dirige-te aos homens Acaios, vestidos de bronze,

e com palavras afáveis procura detê-los a todos,

não consentindo que lancem ao mar os navios simétricos”.

A de olhos glaucos, Atena, ao conselho, sem mais, lhe obedece.

Célere baixa, passando por cima dos cumes do Olimpo.


Rapidamente, chegou aos navios acaios velozes;

Quedo encontrou a Odisseu, que de Zeus tinha o sendo elevado.

170.Nem levemente ele havia tocado em sua nave coberta,

de cor escura, que dor excruciante lhe o peito angustiava.

A de olhos glaucos (cinzas), Atena, lhe foi deste modo dizendo:

“Filho de Laertes, de origem divina, Odisseu engenhoso!

É, então, possível que todos fujais para a pátria querida,

Precipitando-vos, cegos, nas naves providas de remos?

E deixareis que Troianos e Príamo tanto enaltecem,

A Argiva Helena, por quem tantos homens Argivos morreram

Longe da pátria, jogados nas vastas planícies de Troia?

Vamos! Dirige-te aos homens Acaios, sem perda de tempo,

180 e com palavras afáveis procura detê-los a todos,

não consentindo que lancem ao mar os navios simétricos”. (pág. 82)

321.Mas, vaticínios(profecias) Calcante começa ali mesmo a tecer-nos

sobre o terrível prodígio, que em meio do ofício nos viera:

“Por que calados ficastes, Aquivos de soltos cabelos?

Esse prodígio por Zeus grande e sábio nos foi enviado.

Vai demorar; veio tarde; mas fama vai ter sempiterna.

Do mesmo modo que o drago os filhotes matou e a mãe deles –

Oito eram eles, incluindo-se a mãe, que os gerou, nove ao todo –

o mesmo número de anos devemos passar nesta guerra,

mas no dezeno, haveremos de entrar a cidade espaçosa.

330.Foi esse o seu vaticínio, que se há de cumprir sem demora.

Por isso tudo, esforçados Acaios, ficai mais um pouco,


té que possamos tomar a espaçosa cidade de Príamo”. (págs. 86-87)

Canto III

Juramentos, Muralhas de Observação e o Combate Singular de Alexandre e


Menelau

“Alexandre (Páris) provoca os Gregos mais fortes para que lutem com ele, mas
acaba recuando diante de Menelau. Heitor o reprova veementemente e Alexandre
decide combater Menelau. É feito um juramento, sancionado por Príamo, que aquele
que vencer a batalha levará Helena. Esta sobe a muralha do palácio e aponta a
Príamo os heróis gregos. No combate de Alexandre e Menelau, este último sai
vencedor; no entanto Afrodite salva Alexandre e o leva aos braços de Helena, a
salvo atrás das muralhas de Troia. Helena o reprova e Agamémnone reclama
vitória”.

Esse Alexandre é um irresponsável, é um sujeito bonitinho, assim, cheio de manias.


Percebem o que ele fez agora? Ele vai lá e chama o grego mais forte para brigar
com ele. Na hora em que Menelau aparece (o marido injuriado) ele sai correndo e
não aceita, manda o Heitor resolver o problema. Esse Alexandre/Paris é um
covarde, ele acaba sendo considerado um herói porque mata Aquiles com uma
flechada em seu calcanhar, mas a sua mão foi direcionada pelos Deuses: não teve
nenhum mérito por conta da pontaria dele. Ele acaba sendo “o herói que mata
Aquiles”, mas ele é um tipo muito desclassificado, meio metrossexual.

30. Quando o formoso Alexandre, que um deus imortal parecia,

o viu à frente dos outros, sentiu conturbar-se-lhe o peito

e para o meio dos seus recuou, escapando da Morte.

Como se dá quando alguém nos convales dos montes estaca

em frente de uma serpente, a tremerem-lhe as pernas e os joelhos,

e retrocede de um salto, com o rosto sem cor, todo medo:

por esse modo afundou para o meio dos Teucros valentes

Páris, o dito Alexandre, do filho de Atreu(Menelau) temeroso.

Foi por Heitor percebido, porém, que de insultos o cobre:

“Páris funesto, de belas feições, sedutor de mulheres!

40. Bem melhor fora se nunca tivesses nascido, ou se a Morte

antes das núpcias te houvesse levado. Mais lucro tivéramos,

do que nos seres opróbrio(vergonha) e de escárnio servires aos outros.


Riem-se à grande os Aquivos de soltos cabelos nos ombros.

Um dos primeiros julgavam que fosses, por seres de físico

tão primoroso; no entanto, careces de força e coragem.

Como é possível que, sendo qual és, em navios velozes

o mar houvesses cruzado, reunindo prestantes consórcios

e a gente estranha chegado, da qual a raptar te atreveste

uma formosa mulher, peregrina, cunhada de príncipes,

50. para desgraça de teu próprio pai, da cidade e do povo,

mofa tornando-te, assim, dos inimigos, que exultam com isso?

Não te atreveste a enfrentar Menelau, de Ares forte discípulo?

Fora a ocasião de saberes de quem a mulher seduziste.

Esses cabelos, a cítara, os dons de Afrodite, a beleza,

não te valeram de nada ao te vires lançado na poeira.

Se tão medrosos não fossem os Teucros, há muito vestiras

uma camisa de pedras, por quantas desgraças causaste”. (págs. 104-105)

130.”Vem, cara filha, também contemplar as proezas magníficas

dos picadores Troianos e Aqueus de couraça de bronze,

eles, que até este momento, na vasta planície, pelo ímpeto

de Ares lutuoso, cuidavam somente de pugnas lutuosas,

ora se encontram calados, firmados nos grandes escudos;

as lanças se acham no solo espetadas; a guerra está finda.

Somente Páris e o herói Menelau, de Ares forte discípulo,

Vão, por tua causa, lutar, de hastas firmes e longas munidos.

Hás de chamar-te consorte do herói que sair vitorioso”. (pág. 107)

379.Dá Menelau novo salto, disposto a matar o inimigo


com a lança brônzea; porém Afrodite dali – era deusa –

mui facilmente o afastou. Em espessa neblina envolvendo-o,

foi colocá-lo no tálamo odoro e de enfeites ornado.

Passa a chamar logo Helena. Encontrou-a, realmente, num quarto

da torre excelsa, rodeada por muitas mulheres Troianas.

Toca-lhe, então, levemente, nas vestes de essência divina,

tendo assumido a feição exterior de uma velha encurvada,

que lã sabia cardar e que muitos trabalhos para ela,

quando em Esparta, fizera, entre todas a mais distinguida.

Tendo essa forma assumido, Afrodite lhe disse o seguinte:

390.”Vem, cara filha, comigo, que Páris chamar-te mandou-me.

Ele te espera no quarto, onde se acha, no leito torneado,

belo de ver, irradiante e vestido a primor; não disseras

que de um combate saiu, senão que ora, cuidadoso, se apresta

para ir dançar ou que, lasso do baile, ao repouso se entrega”. (págs. 114-115)

Canto IV

A quebra do Juramento e Revista de Agamémnone

“Hera, na assembleia dos deuses, obtém de Zeus que a luta recomece entre Gregos
e Troianos e que estes últimos paguem pela derrota de Páris. Atena desce à Terra e
faz com que Pândaro, o Lício, desrespeite o juramento, acertando Menelau com
uma flecha. Atena salva a vida de Menelau, que fica apenas ferido. As duas partes
se preparam para a guerra e Agamémnone faz a revista de sua tropa, distribuindo
elogios e reprovações. Começa uma batalha terrível, onde Ares e Apolo estão ao
lado de Troia e Atena e outras divindades ao lado dos gregos”.

1 .Junto de Zeus, entretanto, se achavam reunidos os deuses,

no soalho de ouro sentados. De néctar enchia Hebe augusta

os copos de ouro maciço, que todos recebem, trocando

brindes corteses, enquanto a cidade de Troia admiravam.


Hebe é a deusa da juventude, que fica lá no Monte Olimpo servindo néctar, a bebida
dos deuses (é mais ou menos uma deusa exercendo o trabalho de copeira)

A Hera, de súbito, o filho potente de Cronos provoca,

Ou seja, provoca Zeus.

Com frase irônica, que pronunciou sem para ela virar-se:

“Ao louro filho de Atreu, Menelau, duas deusas amparam,

Hera, que em Argos cultuam, e Atena, a auxiliar poderosa.

Ambas, no entanto, a departe ficaram, prazer encontrando

10.só no espetáculo da luta. A Alexandre a risonha Afrodite

não abandona jamais, protegendo-o da lívida Morte,

tal como o fez nesse instante, ao julgar-se ele próprio perdido.

Mas é evidente que o herói Menelau alcançou a vitória.

Ora é mister refletir de que modo fazer precisamos:

se novamente devemos a guerra e as contendas funestas

encarniçar, ou se é bem que a amizade entre os povos impere.

Caso aceitemos esse último alvitre, por justo e exeqüível,

bem, continue povoada a cidade elevada de Príamo

e volte Helena ao poder do discípulo de Ares potente”. (págs. 117-118)

86. Palas Atena, entretanto, nas filas dos Teucros penetra,

sob a figura do forte lanceiro Antenórida, Laódoco,

com a intenção de achar Pândaro, o Lício, de formas divinas.

Foi encontrar, em verdade, de pé, o notável guerreiro,

90. filho do forte Licáone, junto das filas dos Lícios,

que, com escudos possantes, das margens do Esepo o seguiram.

“Pândaro, herói prudentíssimo, queres ouvir-me um conselho?

Chega-se bem para perto e lhe diz as palavras aladas;


Atrever-te-ás, porventura, a atirar uma seta ligeira

Em Menelau? Glória excelsa obterás e o favor dos Troianos,

Mas, sobretudo, do Príncipe Páris, o divo Alexandre.

Dele, em primeiro lugar, obtiveras magníficos brindes,

Se visse o filho de Atreu, Menelau, de Ares forte discípulo,

Ares é o deus da guerra.

Por tua seta domado, subir para a triste fogueira.

100.Vamos! dispara uma seta no herói Menelau valoroso,

e a Febo Apolo, o notável archeiro nascido na Lícia,

uma hecatombe promete de ovelhas de menos de um ano,

quando estiveres de novo nos muros sagrados de Zélia”. ((pág. 120)

151.Ao perceber, entretanto, que as farpas e o nervo que liga

o ferro à vara visíveis estavam, cobrou novo alento.

Entre sentido clamor dos presentes, o herói Agamnémone

A Menelau pela mão segurou, suspirando, e lhe disse:

“À Morte, assim, caro irmão, minhas juras te haviam sagrado,

ao aceitares a luta, por nós, contra os homens de Troia?

Foste por eles ferido, que, assim, as alianças violaram.

Vãs, entretanto, essas juras não foram, o sangue das vítimas,

As libações e os apertos de mão que, confiados, trocamos.

160.Ainda que o filho de Crono se abstenha de, agora, puni-los,

há de lhes dar o castigo adequado, mais tarde acrescido,

pois vai custar-lhes a vida e das próprias esposas e filhos. (pág. 122)

446.Quando os imigos exércitos vieram, num ponto, a encontrar-se,

lanças e escudos se chocam, bem como a coragem dos homens


com armaduras de bronze; broquéis abaulados se chocam

uns contra os outros; estrépito enorme se eleva da pugna.

450.Dos vencedores os gritos de júbilo se ouvem e as queixas

dos que tombavam vencidos; de sangue se encharca o chão duro.

Como dois rios, oriundos de um grande degelo dos montes,

numa bacia, somente, o volume das águas despejam,

para reuni-las, depois, nas entranhas do côncavo abismo,

de onde o barulho vai longe, ao pastor, que num monte se encontra:

tal era a grita e o trabalho dos dois combatentes exércitos. (pág. 130)

Canto V

Os Feitos Heróicos de Diomedes (Aristia de Diomedes)

“Aristia” significa “heroísmo”, vem de “aristos”, que significa “excelente”, “melhor”.


“Aristocracia” significa o governo dos melhores, embora no mundo moderno passe a
ter o sentido pervertido de aristocracia econômica. Para os antigos, “aristo” é mais
ou menos a regra que conduz a vida de um homem notável. Os feitos de maior
mérito de um grego são os seus “aristos”, então a aristia de Diomedes é o seu feito
mais importante. Diomedes é uma das mais importantes personagens entre os
gregos.

“Atena convence Ares a abandonar a guerra aos homens e, assim, os gregos


sobrepujam os troianos. Diomedes, ferido por Pândaro, e protegido por Palas Atena,
se sobressai ainda mais. Lutando com Pândaro e Enéias, mata o primeiro e quase
mata o segundo, que é salvo por Afrodite. No entanto, Diomedes fere a própria
Afrodite. Apolo cura Enéias e Ares volta ao combate, reanimando os Troianos. Os
Gregos começam a perder e Hera e Atena, os ajudam. Diomedes, ajudado por
Atena, fere o próprio Ares, que vai ao Olimpo reclamar com Zeus da ousadia de
Diomedes”.

1. Palas Atena, a donzela de Zeus, em Diomedes infunde

força e coragem sem par, para que entre os Argivos pudesse

sobressair mais que todos e glória imortal conquistasse.

Inextinguível luzeiro faz do elmo surgir e do escudo,

de brilho igual ao da estrela que, mais do que as outras, no outono

incontrastável esplende, depois de banhar-se no oceano:


com tal fulgor ao redor da cabeça e das largas espáduas,

faz ela o herói avançar para o ponto mais denso da pugna. (págs. 135-136)

29. …Tomando da mão de Ares forte,

de olhos glaucos, Atena, lhe disse as palavras aladas:

“Ares guerreiro, dos homens flagelo, eversor de cidades,

não nos seria possível deixar que os Troianos e Aquivos

digladiassem, té vermos a quem Zeus concede a vitória?

Nós a departe fiquemos, a Zeus não façamos ofensa”. (pág. 136)

864.Tal como fica todo o ar, recoberto por nuvens escuras,

quando o excessivo calor faz soprar algum vento impetuoso:

tal ao Tidida Diomedes o vulto do deus Ares brônzeo

apareceu, ao subir para o céu, pelas nuvens envolto.

Rapidamente à morada dos deuses chegou, no alto Olimpo,

indo sentar-se, de par com Zeus grande, agastado no espírito,

870.a quem o sangue imortal, que manava da chaga, revela.

Rompe, depois, em queixumes, dizendo as palavras aladas:

“Indignação não te causa, Zeus pai, assistir tanto abuso?

Por comprazer os mortais, nós, os eternos, estamos sujeitos

a indescritíveis tormentos, que a mútua discórdia nos causa.

De tudo a culpa tens tu, pois geraste uma filha funesta

e destituída de senso, a quem ímpias ações só comprazem.

Todos os deuses eternos, que moram no Olimpo vastíssimo,

te obedecemos, de grado, e acatamos, submissos, tuas ordens.

A ela, somente, nenhuma censura ou castigo incomoda,

880.se é que não serves de estímulo à peste por ti concebida.


Neste momento acabou de excitar contra os deuses eternos

A esse insensato, Diomedes, que vem de Tideu valoroso.

Primeiramente, achegando-se à Cípria, feriu-a no carpo;

logo depois contra mim se atirou, qual se fosse um demônio.

Se não me houvessem livrado meus rápidos pés, certamente

por muito tempo ficaria a sofrer entre as rimas de mortos,

ou, vivo embora, sem ânimo, aos golpes da lança de bronze”. (págs. 160-161)

A “Cípria” é Afrodite, pois ela nasceu na Ilha de Chipre.

Canto VI

O Encontro de Heitor com Andrômaca

Esse é um dos momentos mais bonitos e comoventes da história. O Heitor, o filho


mais velho que está defendendo a cidade contra os gregos, é casado com
Andrômeda, uma mulher magnífica que acaba sendo levada como escrava após a
guerra e é uma das três troianas (ela, a Hécuba e Helena) da peça/filme que eu
mencionei a vocês; esse é um momento emocionante de delicadeza e sinceridade
entre marido e mulher.

“O exército Troiano começa a se curvar diante das forças gregas. Heitor vai, pelo
conselho de Heleno, pedir à sua mãe que invoque a proteção de Atena para que ela
retire Diomedes da guerra. Diomedes encontra-se com Glauco, e reconhecem que
são descendentes de famílias amigas. Os heróis trocam armas. As mulheres
troianas seguem em procissão até o Templo de Palas Atena. Heitor exorta Páris a
retornar ao combate, e procura, então, sua esposa, Andrômaca, e a encontra perto
das Portas Céias”.

Heleno é irmão gêmeo de Cassandra, filhos de Príamo e Hécuba. Cassandra era


uma virgem devotada ao deus Apolo, que se apaixonou pelos dois gêmeos e, com o
objetivo de seduzi-los, prometeu entregar aos dois o dom da antecipação do futuro.
A Cassandra aceita, obviamente que Apolo faz isso apenas com intenções
libidinosas, e então ele vai cobrar a retribuição. Contudo, ela quer preservar sua
virgindade, não retribui, e então o Apolo faz com que ela o dom da credibilidade,
embora mantenha o dom da clarividência, ou seja, ninguém acreditava nela. Assim,
a Cassandra sabia o que ia acontecer, que haveria o Cavalo de Troia, que haveria a
destruição total da cidade, que todos morreriam, que seria o fim da dinastia de
Príamo, e contou tudo que aconteceria, mas ninguém acreditou em uma palavra do
que ela disse. As figuras mitológicas, como a Cassandra, não são entidades a serem
analisadas, pelo contrário, elas servem para nos interpretar. Essa história da
Cassandra, por exemplo, serve para nos ilustrar uma situação muito comum em
nossas vidas: quando você é o único sujeito com razão, mas é impossível os outros
compreenderem você. Por mais que sua razão seja óbvia, ninguém acreditará em
você.

264.”Mãe veneranda, não tragas a doce bebida; receio

que os fortes braços me enerve, vindo eu a perder toda a força.

A reverência me impede de vinho ofertar a Zeus grande

Com mãos impuras. É impróprio, assim, sujo de poeira e de sangue,

Preces alçar ao que nuvens cumula no Olimpo vastíssimo.

Com muito incenso, no entanto, dirige-te ao templo de Palas,

270.a predadora, depois de as matronas haveres reunido.

Toma do manto maior que na régia bem-feita encontrares,

o de mais fino lavor e que ao peito mais caro te seja,

e sobre os joelhos de Atena o coloca, de belos cabelos.

Mais: doze vacas promete imolar no interior do santuário,

ainda indomadas, apenas de um ano, sendo ela benigna

para a cidade, as esposas dos Teucros e nossos filhinhos,

longe mantendo dos muros sagrados de Troia o Titida,

suscitador poderoso do Medo guerreiro selvagem.

Ao templo, pois, te dirige, de Palas Atena indomável,

280.enquanto eu vou à procura de Páris, a fim de incitá-lo

para o combate, se ouvidos me der. Ah, se a terra se abrisse

subitamente! Um fautor de desgraças nascer fez o Olimpo

para o magnânimo Príamo, os filhos e o povo Troiano.

Se concedido me fosse assistir-lhe à descida para o Hades,

esquecer-se-ia minha alma, por certo, dos males presentes” (pág. 171)

321.Acha a Alexandre no tálamo, atento no exame das armas

de primorosa feitura, a apalpar o arco forte e brunido.


A Argiva Helena se achava a seu lado, no meio das servas,

a dirigir os trabalhos que todas, cuidosas, faziam.

Vendo-o, com termos violentos, Heitor o censura, dizendo:

“Recomendáveis não são, ó infelizes, esses teus sentimentos.

Fora dos muros, o povo perece na crua peleja.

Por tua causa, acendeu-se esta guerra, que em volta de Troia

arde, sem pausa nenhuma. Tu próprio, quiçá, te indignaras,

330.caso encontrasses alguém que fugisse à defesa da pátria.

Vamos; se não, logo logo, há de a chama inimiga atingir-nos”. (págs. 172-173)

441.”Tudo isso, esposa, também me preocupa; mas quanta vergonha

dos outros homens e, assim, das Troianas de peplos(túnicas) compridos,

eu sentiria se, infame, fugisse às pelejas cruentas.

Isso, meu peito proíbe, ensinando-me a ser valoroso

E a combater sempre à frente dos fortes guerreiros de Troia,

para mor lustre da glória paterna e de meu próprio nome.

O coração claramente mo diz e a razão mo confirma:

dia virá em que Troia sagrada será destruída,

bem como Príamo e o povo do velho monarca lanceiro.

450.Menos, porém, me acabrunha o destino que aos Teucros espera,

ou mesmo o de Hécabe, ou a sorte que a Príamo está reservada,

e a meus irmãos numerosos, que, embora valentes, na poeira

hão de jogados ficar, sob os golpes de imigos ferozes,

que imaginar-te arrastada por um desses duros Aquivos

de vestes brônzeas, em prantos, sem nada dos dias felizes.

Às ordens de outra mulher hás de, em Argos, tecer belos panos,


ou te verás obrigada a trazer, de Hiperéia ou Messeida,

água, bem contra a vontade, agravada por doestos(insultos) pesados.

E, porventura, dirá quem te vir humilhada chorando:

460.’Eis aí a esposa de Heitor, o guerreiro mais forte e galhardo,

quando, ao redor das muralhas de Troia, incessante era a luta’.

Isso dirão, aumentando-te a dor de não teres esposo,

o homem capaz de livrar-te dos dias do vil cativeiro.

É preferível que a terra fecunda meu corpo recubra,

A ter de ouvir-te os lamentos, ao seres levada de rastros”. (págs. 176-177)

Canto VII

O Combate Singular de Heitor e Ajaz e a Remoção dos Mortos

“O retorno de Heitor e de Páris dá vantagem aos troianos. Heleno, inspirado por


Atena e Apolo, aconselha Heitor a pelejar com o melhor entre os gregos, mas
nenhum dos gregos se manifesta. Com o apelo de Nestor, nove heróis se
apresentam, sendo Ajaz Telamônio escolhido. Ele e Heitor lutam até o anoitecer,
quando há uma trégua. Decide-se, então, enterrar os mortos e os gregos aproveitam
para fazer um muro diante dos navios. Posido se ofende com este trabalho”.

“Como é que vem aqui fazer um muro no mar sem pedir minha autorização?”. Então,
Poseidon está furioso com os gregos e é nesse momento que ele entra no lado dos
troianos, pois acha um desaforo o que fizeram com ele. Depois, ele ficará o tempo
todo da Odisseia perseguindo o Ulisses, porque Ulisses também faz um desaforo
com um dos filhos dele. Eu disse a vocês que esse deuses são meninos muito
sensíveis, não é? O Heitor lutará então com o Ajaz Telamônio, que é o segundo
maior guerreiro. Os grandes guerreiros gregos são o Aquiles, que se retirou; o
Diomedes, o mais esperto e nobre; o Ulisses, que é o “espertalhão”; e o Ajaz
Telamônio, que é o melhor guerreiro que restou.

23.Foi o primeiro a falar o nascido de Zeus, Febo Apolo:

“Filha de Zeus poderoso, por que, novamente, baixaste,

com tanta pressa, do Olimpo? Que nova paixão te comove?

Queres fazer que a indecisa batalha se mude em vitória

para os Aqueus? Não tens pena, bem sei, dos Troianos que morrem.

Fora bem mais proveitoso que, agora, um conselho me ouvisses:


Tréguas façamos, por hoje somente, aos combates e lutas:

30.mas, amanhã, reinicia-se a fera peleja, até que Ílio

ponham por terra os Aqueus, visto que ambas – ó deusas eternas –

determinastes que seja destruída esta bela cidade”.

A de olhos glaucos, Atena, lhe disse, em resposta, o seguinte:

“Seja assim mesmo, frecheiro infalível; baixei do alto Olimpo,

para os Troianos e Aqueus, justamente a pensar neste plano.

Mas, de que jeito, pergunto, imaginas pôr fim a esta pugna?

Disse-lhe, então, em resposta, o nascido de Zeus, Febo Apolo:

“A alma ardorosa de Heitor, o ginete esforçado, incitemos

a provocar para duelo a qualquer dos Aquivos guerreiros

40.que, porventura, se atreva a lutar corpo a corpo com ele.

Penso que, cheios de espanto, os Acaios de grevas bem-feitas

incitarão um dos seus a enfrentar o divino guerreiro”. (pág. 180)

67.”Ora guerreiros Troianos, grevados Acaios, prestai-me

toda a atenção, que no peito me ordena falar-vos o espírito!

Os juramentos não quis Zeus potente que fossem mantidos,

70.pois nos reserva, sem dúvida, muitos e graves trabalhos,

té que possais submeter a cidade de torres altivas,

ou que vencidos fiqueis junto às naves de rápido curso.

Em vosso meio se encontram os homens mais fortes da Acaia.

Desses, o que se atrever a medir-se, em duelo, comigo,

saia das filas e, como adversário de Heitor, se enalteça.

Seja Zeus grande o fiador do que a todos, agora, proponho:

Caso, com bronze afiado, me venha a matar, que me tire


esse guerreiro a armadura e a deponha em seu barco ligeiro;

mas restitua meu corpo, que possam, depois, os Troianos

80.e as venerandas consortes à pira sagrada entregá-lo.

Se Febo Apolo, porém, me fizer vencedor do adversário,

Despojá-lo-ei da armadura e, levando-a para Ílio sagrada,

no templo irei pendurá-la de Apolo, frecheiro infalível,

mas o cadáver será restituído aos navios simétricos,

para que os fortes Aquivos cacheados lhe dêem sepultura

e um monumento lhe elevem na margem do largo Helesponto,

para que possam dizer as pessoas dos tempos vindoiros,

quando, em seus barcos de remos, cruzarem o mar cor de vinho:

‘Eis o sepulcro de um homem que a vida perdeu há bem tempo;

90.pelo admirável Heitor, em combate esforçado, foi morto’.

Isso dirão, certamente; imortal há de ser minha glória”. (págs. 181-182)

226.“Dentro de pouco hás de ver, grande Heitor, claramente, o que em luta

de homem contra homem conseguem fazer os guerreiros Acaios,

ainda na ausência de Aquiles, o herói de coragem leonina.

Mas esse, agora, se encontra nas naves recurvas e céleres,

230.estomagado (irritado) com o chefe de heróis, o preclaro (distinto/ilustre)


Agamémnone.

Muitos e muitos dos nossos te podem fazer, por sem dúvida,

frente em qualquer circunstância. Ora sus! Iniciemos o duelo”.

Disse-lhe Heitor, em resposta, o guerreiro do casco ondulante:

“Ó grande Ajaz Telamônio, pastor muito ilustre de gentes,

não me intimides assim, qual se eu fosse criança indefesa,

ou mulher fraca, que nada entendesse de coisas da guerra.


Tenho bastante experiência de como prostrar o inimigo.

Sei sustentar meu escudo de pele de boi tanto à destra

Como à sinistra, que é o modo de sempre lutar com bravura.

240.Precipitar-me-ei sei bem no tumulto dos céleres carros

e, no combate a pé firme, dançar pela música de Ares.

Por isso mesmo, não quero atacar com nenhuma artimanha

Um inimigo como és, mas, lealmente tentar alcançar-te”. (pág. 186)

287.Disse-lhe Heitor em resposta, o guerreiro do casco ondulante:

“Deram-te os deuses, Ajaz, estatura magnífica, força

e valentia sem par. Dos Aqueus és o mais destemido.

290.Interrompamos, por hoje somente, os combates e lutas;

mas amanhã reinicie-se a luta até vir a ser ela

por um dos deuses julgada, e a vitória a um de nós concedida.

Já veio a Noite; será conveniente mostrar-lhe obediência.

Para os navios simétricos volta, levando a alegria

aos Aqueus todos, mormente aos parentes e aos fiéis companheiros.

Por minha vez, voltarei para o burgo altanado de Príamo,

para alegrar os Troianos e suas formosas esposas

que, porventura, por mim a rezar ora estão pelos templos.

Mas, antes disso, façamos permuta de belos presentes,

300.para que possam dizer os Troianos e os fortes Aquivos:

‘Como inimigos de morte lutaram, com sanha terrível;

mas, pós haverem trocado presentes, em paz se apartaram”. (págs. 187-188)

Canto VIII

A Luta Interrompida
“Zeus proíbe futuras intervenções dos deuses na guerra e vai ao Monte Ida assistir
aos combates. Os troianos, então, sobrepujam os gregos. Diomedes tenta, sem
sucesso, recuperar a vitória para os gregos. Estes são empurrados até suas naves.
Hera e Atena, descendo para ajudar os gregos, são impedidas por Zeus, enviando
Íris, que as obriga a voltar para o Olimpo. A noite interrompe a batalha”.

1.O cróceo manto já abrira na Terra a solícita Aurora,

quando Zeus grande, que os raios dispara, os eternos convoca

para a assembleia no pico mais alto do Olimpo cumeoso.

Zeus se pôs logo a falar; toda a Corte celeste o escutava:

“Deuses eternos, e deusas, agora atenção prestai todos

ao que vos digo e no peito me ordena dizer-vos o espírito.

Nenhum dos deuses, nem mesmo nenhuma das deusas se atreva

a contestar meu discurso, mas, todos, concordes se mostrem,

para que eu possa, sem perda de tempo, acabar esta empresa.

10.Quem quer que seja disposto, a departe dos outros eternos,

a socorrer os Troianos, ou, ainda, os grevados Aquivos,

há de se ver fustigado, aqui mesmo, por modo irrisório,

se eu o não lançar, sem nenhuma cautela, no Tártaro escuro,

esta voragem profunda que embaixo da terra se encontra,

de érea soleira munida e de portas de ferro, tão longe

do Hades sombrio quanto há de permeio entre a Terra e o Céu vasto. (págs. 195-
196)

352.”Palas Atena indomável, donzela de Zeus, seguiremos

sem demonstrar compaixão aos Aquivos, em tal apertura?

Vemos como eles perecem, cumprindo o Destino funesto,

pela maldade somente de Heitor, este filho de Príamo.

É intolerável a fúria que tantas crueldades comete”.

A de olhos glaucos, Atena, lhe disse o seguinte, em resposta:


“Há muito, sim, já deveras o vigor ter perdido e a existência,

no próprio solo da pátria prostrado por um dos Aquivos.

360.Mas para os Dânaos meu pai não se mostra benigno, o insensato! (págs. 205-
206)

409. … Íris, logo, voou, para dar cumprimento ao mandado,

410.e, do Ida augusto atirando-se, foi para o Olimpo vastíssimo.

Junto da porta do Olimpo de muitas gargantas achando-as,

fê-las parar e de Zeus poderoso o recado transmite:

“Para onde, assim, vos lançais? Que furor vos agita o imo peito?

Não é do gosto de Zeus que leveis aos Acaios auxílio.

Fez ele a ameaça seguinte, a que, certo, há de dar cumprimento:

paralisados debaixo do carro vereis os cavalos

E, dos assentos jogadas, o carro fará em pedaços.

Mesmo depois que seu curso dez anos deixarem completos,

Não podereis guarnecer das feridas causadas do raio.

420.para que tu, de olhos claros, o saibas, se ao teu pai te opuseres.

Menos zangado contra Hera e com menos rancor ele se acha,

Por ser vezeira em se opor ao que no imo do peito excogita.

Mas tu, cadela sem pejo, atrevida serás, em verdade,

Se a enorme lança quiseres alçar contra o filho de Crono”. (pág. 207)

Canto IX

Honra para Aquiles e Preces

“Agamémnone forma um conselho e sugere, desesperado, o retorno à Grécia.


Diomedes e Nestor o acusam de covardia e de injustiça com o melhor dos gregos,
Aquiles. Agamémnone concorda e resolve devolver Briseide a Aquiles junto com
uma grande recompensa. É enviada uma comissão, composta por Odisseu, Ajaz e
Fenice, a Aquiles. Odisseu e Fenice conversam com Aquiles, que se mostra
inflexível. Diomedes reanima os gregos”.
30.Por muito tempo em silêncio mantêm-se os turvados Aquivos,

té que, por fim, fala o grande Diomedes, de voz poderosa:

“Do meu direito valendo-me, Atrida, começo insurgindo-me

contra tua idéia insensata, sem que isso provoque tua cólera.

Foste o primeiro a acoimar-me de fraco, na frente dos Dânaos,

de ser imbele e de pouco valor. Mas, sobre isso, os Argivos,

tanto os anciões como os moços, já têm uma idéia formada.

Zeus poderoso, nascido de Crono, negou-te uma dádiva:

deu-te, sem dúvida, um cetro, o mais alto penhor do comando,

mas não te deu a coragem, sem dúvida a força mais nobre.

40.Pensas, então, infeliz, que os Aqueus sejam tão destituídos

de varonil decisão para vires propor tal medida?

Se o coração te concita, realmente, a viajar de tornada,

Parte: o caminho está franco; na beira da praia os navios

que de Micenas trouxeste, incontáveis, a jeito se encontram.

Outros Acaios aqui ficarão, de cabelos cacheados,

Para que os muros de Troia arrasemos; mas mesmo que todos

queiram voltar para a pátria querida nas céleres naves,

nós, a saber, eu e Esténelo, a luta levar haveremos

té que Ílio santa destruamos, que um deus favorável nos trouxe”. (págs. 214-215)

92.Tendo assim, pois, a vontade da fome e da sede saciado,

foi o primeiro a tecer argumentos Nestor de Gerena,

cuja opinião, desde muito, era sempre julgada a mais certa.

Cheio de bons pensamentos, lhes diz, arengando, o seguinte:

“Filho glorioso de Atreu, Agamémnone, rei poderoso,


em ti termino; visando-te, vou dar princípio ao discurso,

por comandares a tantos Aquivos e teres do Crônida

o cetro e as leis recebido e o dever de aplicá-las com senso.

100.Cumpre-te, pois, não somente falar, mas saber dar ouvidos,

sim, conceder atenção, quando alguém for levado a propor-te

algo razoável. Depende de ti pôr em prática a idéia.

Ora pretendo falar como julgo ser mais proveitoso.

Mais salutar opinião não presumo que alguém apresente,

que a defendida por mim, não de agora, somente, de muito,

desde o momento em que tu, nobre garfo de Zeus, foste à tenda

do estomagado Pelida e lhe a jovem Brisa tiraste,

contra a opinião de nós todos. Ao menos, no que me respeita,

dissuadir-te tentei; mas, levado por teu alto espírito,

110.o prestantíssimo herói, que até os deuses honrar têm por hábito,

menosprezaste, tomando-lhe o prêmio, que ainda conservas.

Excogitemos, agora, no modo de o herói aplacarmos:

ou com palavras afáveis, ou com valiosos presentes”, (pág. 216)

310. Tal como do Hades as portas, repulsa me causa a pessoa

que na alma esconde o que pensa e outra coisa na voz manifesta.

Ora pretendo falar como julgo ser mais proveitoso.

Nem Agamémnone, certo, nem outro qualquer dos Aquivos,

Conseguirá convencer-me, pois graça nenhuma me veio

De meu esforço incessante ao lutar contra os nossos imigos.

Tanto ao ocioso, que ao mais esforçado, iguais prêmios são dados;

as mesmas honras se outorgam ao fraco e ao herói mais galhardo.


320.Morre da mesma maneira o inativo e o esforçado guerreiro.

Vêde! Nenhuma vantagem me veio de tantos trabalhos,

a pôr em risco a existência nos mais temerosos combates.

Tal como aos filhos implumes costumava levar a avezinha

grato alimento depois de o encontrar, sem que em si mesma pense:

de igual maneira tenho eu muitas noites insones passado

e dias cheios de sangue no horror dos combates, lutando

contra inimigos, somente por causa de suas mulheres.

Com minhas naus destruí doze grandes e fortes cidades,

E onze por terra, asseguro-o, nos plainos fecundos de Troia.

330.De todas elas voltei carregado de espólio magnífico,

que, sempre, ao filho de Atreu, Agamémnone, era uso, levava,

o qual soia ficar para trás, junto às céleres naves.

Disso, bem pouco entre nós dividia; ficava com tudo,

Do que, depois, presenteava os heróis mais distintos e os chefes.

Estes, ainda conservam seus prêmios; eu, só dos Aquivos

Fui despojado; tirou-me a querida consorte. Pois goze-a!

durma com ela! Qual foi o motivo de Aqueus e Troianos

digladiarem? Por que tanta gente reuniu Agamémnone

e para cá transportou? Não por causa de Helena formosa?

340.Ou, porventura, entre os homens, somente os Atridas demonstram

ter às esposas afeto? … (págs. 222-223)

669.Logo que os dois emissários chegaram à tenda do Atrida,

viram-se pelos Argivos cercados, que, alçando-se prestes,

com taças de ouro os saudavam, ansiosos por tudo saberem.


Foi o primeiro a falar Agamémnone, rei poderoso:

“Dize-me logo, Odisseu meritíssimo, glória da Acaia,

se ele consente em livrar os navios do fogo inimigo,

ou se se nega, por ter ainda o peito tomado pela ira?

Disse-lhe, então, em resposta, Odisseu sofredor de trabalhos:

“Filho glorioso de Atreu, Agamémnone, rei poderoso,

não só persiste na cólera, como se mostra tomado

pelo furor, recusando os presentes e tuas propostas.

680.Acha que deves, com os outros Argivos, pensar na maneira

de as naus e o exército Acaio salvar do perigo iminente.

Sim, chegou mesmo a ameaçar de que, logo que a Aurora se eleve,

há de puxar para as ondas as naves de boa coberta.

Acrescentou que aconselha aos demais que se façam de volta

Para o torrão de nascença, que o termo jamais acharemos

de Ílio escarpada, que a mão protetora, sobre ela, Zeus, grande,

de voz potente, estendeu, reforçando a coragem do povo.

Meus companheiros, aqui, poderão confirmar o que digo,

O Telamônio e os arautos dotados de grande prudência.

690.O venerando Fenice ficou, a conselho de Aquiles,

para partir, juntamente com ele, amanhã muito cedo,

caso deseje, que contra a vontade, não há de levá-lo. (págs. 232-233)

438 .“… Por Peleu fui mandado seguir-te, no dia

em que Ftia te enviou para o filho de Atreu, Agamémnone,

440. ainda na infância, igualmente inexperto nas guerras penosas

e no discurso das ágoras, onde os heróis se enaltecem.


Sua intenção foi que viesse contido, porque te ensinasse

como dizer bons discursos e grandes ações pôr em prática”. (pág. 226)

Canto X

Os Feitos de Dolão (Dolonéia)

Esse canto serve para ilustrar como o Odisseu é “o espertalhão”.

“Agamémnone e Menelau, sem conseguir dormir, vão acordar os chefes gregos


novamente e resolvem enviar espiões para o campo dos troianos. Diomedes vai com
Odisseu e no caminho encontram Dolão, um troiano que tinha sido enviado para
espionar os Gregos. Os dois gregos prendem Dolão, exigindo que ele lhes conte os
planos dos troianos, e depois o matam. Vão, então, matar Reso, chefe da Trácia, e
seus soldados recém-chegados com novos corcéis. Estes os dois gregos roubam.
Retorno de Diomedes e Odisseu ao acampamento grego”.

220.”Meu coração e meu ânimo altivo, Nestor, me compelem

a ir até o campo de nossos imigos Troianos, tão próximo.

Mas, se tivesse ao meu lado um qualquer dos guerreiros Aquivos,

bem mais seguro ficaria e com mais decisiva coragem.

Quando são dois, se um não vê, o outro logo percebe o caminho

mais vantajoso; sozinho qualquer indivíduo prudente

de inteligência mais tarda se torna e de ação menos pronta”. (pág. 242)

234.“Ó claro filho do grande Tideu, diletíssimo amigo!

Ora de acordo com teu parecer faze a escolha do sócio

para a arriscada entrepresa; são muitos os que se apresentam.

Nenhum motivo te leve a deixar de escolher o mais digno,

e um menos apto apontar, por vergonha, talvez, ou respeito,

só pela estirpe levado ou, quiçá, por tratar-se de um príncipe”. (pág. 242)

447.”Tira, Dolão, de tua alma a ilusão que podes, ainda,

de nossas mãos escapar, em que dados preciosos nos deste.

Se te soltarmos, agora, ou se belo resgate aceitarmos,


450.hás de voltar contra as naves velozes dos homens Aquivos,

ou como espia, de novo, ou com o fim de atacar-nos de frente.

Mas, se vencido por mim, vieres logo a perder a existência,

não mais terás ocasião de causar nenhum dano aos Aquivos”.

Disse; ao querer ele a barba, com a mão vigorosa, tocar-lhe,

num gesto súplice, a espada arrancando, Diomedes o fere,

violentamente, no colo, cortando-lhe os dois tendões fortes:

ainda a falar, a cabeça do Teucro rolou na poeira.

As armas todas então lhe tiraram: o gorro de fuinha,

o arco recurvo, a hasta longa e, por último, a pele de lobo. (pág. 248)

566.Logo que à tenda bem-feita do grande Diomedes chegaram,

os corredores velozes ataram com tiras de couro

à manjedoura onde estavam, também, os corcéis mui velozes

do alto guerreiro Diomedes, que trigo mui doce comiam,

570.enquanto o espólio sangrento do Teucro na popa da nave

foi colocado Odisseu, para a Atena, depois, dedicá-lo.

Ambos se metem no mar, a seguir, para o suor alimparem,

que da cerviz lhes corria, das pernas robustas e coxas.

Logo que as ondas do mar as escórias mais crassas tiraram

dos membros todos, sentiram-se os dois refrescados e leves.

Em bem polidas banheiras entraram, depois, e lavaram-se.

O banho, assim, terminado e depois de se ungirem com óleo,

à mesa foram sentar-se, e empunhando uma grande cratera

cheia de vinho agradável, a Palas Atena libaram. (págs. 251-252)

Canto XI
Os Feitos Heróicos de Agamémnone (Aristia de Agamémnone)

“Logo que surge a Aurora, Agamémnone prepara seu exército para o combate. Do
outro lado, Heitor caminha contra as tropas dos gregos. Heitor, aconselhado por
Zeus, se retira da luta até Agamémnone fazer o mesmo. Este realiza feitos heróicos
e mata muitos troianos. É, no entanto, ferido e tem de deixar a batalha. Os troianos
retomam a vantagem e os principais gregos são feridos: Odisseu, Diomedes e o
médico Macáon. Nestor, então, suplica a Aquiles que volte à batalha ou que
empreste sua armadura para Pátroclo poder lutar. Pátroclo ajuda Eurípilo, ferido na
guerra”.

Pátroclo era o melhor amigo de Aquiles e, embora isto não esteja explicitado, há
certamente uma conotação homossexual, como se eles fossem amantes. É preciso
que vocês sempre lembrem que isso já não era incomum na Grécia, embora não
fosse algo aceito de maneira incontestável – era algo tolerado. Esse Pátroclo era
aparentemente namorado de Aquiles e resolve então se meter nessa briga usando
as armas do próprio Aquiles.

67.Como caminhos opostos, no campo de um homem de posses,

os segadores percorrem, ceifando fileiras de trigo

ou de cevada, e abundantes espigas no chão se acumulam:

70.uns contra os outros, assim, digladiavam Troianos e Acaios,

sem que nenhuma das partes pensasse na fuga funesta.

Equilibrava-se a pugna; investiam-se os homens tal como

Lobos furiosos; exulta a Discórdia lutuosa ante o quadro,

A única, dentre os eternos, que parte tomava na luta.

Não se encontravam presentes as outras deidades; mas, calmas,

Permaneciam nos belos salões dos palácios bem-feitos

que todos eles possuíam nos vales amenos do Olimpo.

Todos culpavam o filho de Crono, que nuvens escuras

Sói cumular, por estar resolvido a dar glória aos Troianos.

80.O pai dos deuses, porém, não lhes dava atenção; a departe

dos demais deuses se achava, orgulhoso de sua alta glória,

a contemplar a cidade, os Troianos, as naus dos Aquivos,


os que atacavam, os mortos e o brilho das armas de bronze. (págs. 255-256)

185. “Íris veloz, dize a Heitor, sem mais perda de tempo, o seguinte:

enquanto vir ao Atrida, pastor muito ilustre de povos.

a combater na dianteira, destruindo fileiras de bravos,

deve das lutas abster-se, cuidando, somente, de aos Teucros

190.estimular, para o imigo enfrentarem na pugna terrível.

Mas, quando for atingido, por lança ou por seta, Agamémnone,

e para o carro subir, hei de grande vigor insuflar-lhe,

para poder os Acaios matar, té chegar aos navios

e o Sol deitar-se, estendendo-se a Noite sagrada por tudo”. (pág. 259)

284.Logo que Heitor percebeu que do campo Agamémnone saíra,

em altos brados gritou para os Lícios guerreiros e os Troas:

“Lícios, Dardânios e Teucros, viris combatentes de perto,

sede homens, caros amigos, e força mostrai impetuosa!

Foi-se o melhor dos guerreiros; Zeus Crônida glória magnífica

me concedeu. Dirigi contra os Dânaos galhardos, agora,

290.vossos cavalos, a fim de vitória ganhardes esplêndida”.

Por esse modo incitava o furor e a coragem de todos.

Tal como açula o monteiro seus cães de alvos dentes recurvos

contra javardo possante e selvagem ou leão das montanhas:

desta arte os Teucros magnânimos contra os Acaios incita

o grande filho de Príamo, Heitor, semelhante a Ares forte. (págs. 261-262)

310.Irreparável catástrofe, então, sucedera aos Acaios,

que chegariam, por certo, na fuga, até às naves escuras,

se não houvesse Odisseu ao Tidida Diomedes falado:


“Qual o motivo, Diomedes, de estarmos do brio esquecidos?

Vem, caro amigo, e aqui ao lado te pões. Há de ser grande opróbrio

Para nós todos, que Heitor se apodere dos nosso navios”.

Disse-lhe o forte Diomedes, então, em resposta, o seguinte:

“Fico, e hei de tudo arriscar, muito embora pequena vantagem

ora possamos obter, pois Zeus grande, que as nuvens cumula,

quer conceder a vitória aos Troianos, privando-nos dela”. (pág. 262)

378. ….. Soltando risada de júbilo,

do esconderijo Alexandre saiu e, a jactar-se, gritou-lhe:

380.”Foste ferido! Frustrâneo não foi meu disparo. Quem dera

que na virilha te houvesse acertado, tirando-te a vida!

Respirariam, sem dúvida, os Teucros em tanta apertura,

a quem inspiras o medo que o leão causa a fracas ovelhas”.

Sem revelar nenhum susto, lhe disse Diomedes, o forte:

“Fútil frecheiro, de cachos frisados, espião de mulheres,

se te atrevesses, armado, a lutar, frente a frente, comigo,

nenhum amparo acharias nesse arco e nas setas inúmeras.

Só por me haveres riscado no pé fazes tanto barulho,

ao que dou tanto valor como a tiro de criança ou de moça.

390.Vã, sempre, é a flecha que um ser desprezível e imbele dispara.

Bem diferente se dá com meus tiros que, embora de leve

o dardo atinja o inimigo, sem mais, da existência o despoja;

as róseas faces não cessa, na dor, de arranhar a consorte;

órfãos, os filhos lhe ficam, e, o solo tingido de sangue,

a apodrecer, tão-só abutres atrai, não mais belas mulheres”. (págs. 264-265)
401.Fica sozinho o lanceiro galhardo Odisseu; nenhum Dânao

perto se achava, que o Medo de todos se havia apossado.

Cheio de angústia, desta arte falou ao magnânimo peito:

“Pobre de mim, que farei? Se fugir, com receio da turba,

é grande mal; mas vergonha maior é vir eu a ser preso

sem mais ninguém, que nos Dânaos o Crônida medo ora infunde.

Mas para que, coração, entregares-te a tais pensamentos?

Sei que somente as pessoas covardes a pugna abandonam.

Quem valoroso se mostra, só tem de conduta uma norma,

410.que é resistir decidido, quer fira, quer seja ferido”. (pág. 265)

656.”Qual o motivo de, agora, o Pelida ter dó dos Aquivos

que vulnerados se encontram? No entanto, não faz uma idéia

de todo o luto do exército. Os mais distinguidos guerreiros,

ou por espada ou por seta feridos, às naus se acolheram.

660.Asseteado se encontra o Tidida valente, Diomedes;

jaz Odisseu vulnerado por lança, assim como Agamémnone;

na coxa Eurípilo foi por um dardo, também, vulnerado.

Este que eu próprio acabei de tirar da batalha, se encontra

por uma seta ferido. O Pelida, no entanto, guerreiro

de incontrastável valor, compaixão nem piedade demonstra.

Vai, porventura, esperar que os navios velozes na praia

Contra o querer dos Acaios, incêndio voraz os destrua?

Ou que nós todos a Morte encontramos? Não sinto alentar-me

Os membros ágeis, agora, o vigor com que outrora os movia. (pág. 272)

Canto XII
O Ataque aos Muros

“Heitor e os troianos encurralam os gregos para trás do fosso e do muro.


Polidamante sugere que os troianos avancem a pé pelo fosso e Heitor concorda.
Polidamante tem um mau presságio, mas Heitor caçoa disto e eles continuam a
avançar. Os gregos, e principalmente os dois Ajazes, defendem bravamente o
acampamento. Depois de uma luta indecisa, os troianos fazem uma brecha na
muralha, mas não conseguem passar. Heitor, então, quebra o portão e muitos
troianos encurralam os Gregos em seus navios”.

230.Com torvo olhar lhe responde o guerreiro do casco ondulante:

“Polidamante, essas tuas palavras em nada me agradam.

Penso que fora possível fazeres proposta mais digna.

Mas, se tudo isso de há pouco foi dito, realmente, em tom sério,

é que os eternos do Olimpo fizeram que o juízo perdestes.

Queres, então, que me venha a esquecer dos desígnios de Zeus,

Que peremptória promesta me fez e asselou com a cabeça?

Ao invés disso, desejas que fé demonstremos às aves

de altos remígios, com que não me ocupo! Bem pouco me importam

quer para a destra se vão, para o lado do Sol e da Aurora,

240.quer para a esquerda, do lado do Ocaso de sombras espessas?

Sim, obedientes sejamos somente aos conselhos de Zeus,

que sobre todos os homens e os deuses eternos impera.

O mais propício sinal é lutar em defesa da pátria.

Por que te mostras medroso de lutas e prélios sangrentos?

Ainda que todos a vida perdêssemos junto às naves,

por mão dos fortes Aquivos, não deves ter medo da Morte,

visto não teres coragem de o inimigo enfrentar nos combates.

Mas, se deixares a luta, ou se, acaso, tentares, por meio

De teus discursos, influir sobre alguém nesse mesmo sentido,


250.por minha lança atingido hás de, logo, perder a existência”. (pág. 286)

439.Para os Troianos voltando-se, grito estridente lhes manda:

440.”Acometei, valorosos Troianos! Rompamos o muro,

e nos navios recurvos lancemos o fogo divino”.

Isso disse ele, na orelha de todos o brado ribomba.

Cheios de brio, formados em corpo, atiraram-se todos

com as aêneas lanças na mão, escalando os merlões altanados,

enquanto Heitor de uma pedra tomou que se achava na frente

da grande porta, achatada na base e de ponta afilada.

Dificilmente dois homens do povo, dos mais esforçados,

conseguiriam movê-la do chão de depô-la no carro –

homens dos de hoje. Ele, entanto, sozinho a maneja galhardo.

450.Leve a deixou Zeus potente, nascido de Crono tortuoso.

Tal como a pele de um grande carneiro o pastor facilmente

pode na mão carregar, sem que o peso lhe cause fadiga:

a pedra, Heitor, desse modo, levanta e nas tábuas atira

das duas folhas da porta elevada, que estavam fechadas

solidamente. Da parte de dentro encontravam-se duas

barras em cruz com um ferrolho, somente, a fixá-las no meio.

Junto da porta detém-se; alargando os dois pés e afirmando-se,

Para maior eficiência do tiro, a atingiu bem no meio. (pág. 292)

Canto XIII

A Luta Junto aos Navios

“Enquanto Zeus se vira e olha para outras regiões, Posido vai até a planície de
Troia. Disfarçado, ora com Calcante, ora com generais gregos, incita-os coragem
para guerrear. Os gregos se fortalecem e começam a se sobressair. Idomeneu e
Meríones defendem a esquerda dos navios e os dois Ajazes a direita. Um sangrento
combate se dá, onde gregos e troianos morrem. Idomeneu, combatendo Enéias, faz
prodígios na batalha. Os troianos começam a recuar, mas Heitor decide continuar a
luta. Ajaz Telamônio desafia Heitor e aparece um bom presságio para os gregos”.

43.O deus Posido, no entanto, que os térreos pilares sacode,

tendo do oceano emergido, os Aqueus para a luta concita,

pós ter a voz de Calcante indefesa e a figura assumido.

Aos dois Ajazes estrênuos primeiro dirige a palavra:

“Vós, incansáveis Ajazes, salvar os Aqueus poderíeis,

se, deslembrados do medo, pensásseis na própria coragem.

As mãos galhardas dos Teucros nenhures temor me despertam,

50..ainda que tenham os muros galgado em fileiras compactas,

que os bem-gravados Aquivos detêm a avançada de todos.

Mas sobremodo receio de que nos suceda algum dano

onde a escalada dirige esse louco que incêndio parece,

o ínclito Heitor, que alardeia ser filho de Zeus potentíssimo.

Possa um dos deuses no peito exaltar-vos a força, fazendo

que ofereçais resistência, exortando os demais a imitar-vos.

Conseguireis, deste modo, afastá-lo das naus corredoras,

Por mais furioso que esteja e ainda mesmo que Zeus o estimule”. (pág. 297)

765.No lado esquerdo, porém, da batalha lutuosa ele encontra

Páris, o divo Alexandre, marido de Helena cacheada,

o qual os fiéis companheiros procura animar para a luta.

Chega-se Heitor para perto e de insultos pesados o cobre:

“Páris funesto, de belas feições, sedutor de mulheres,

770.onde se encontra Deífobo, e Heleno, senhor poderoso?

onde Ásio, de Hírtaco o filho? Adamante, gerado por Ásio?


Que é de Otrioneu? Do fastígio a altanada cidade dos Teucros

Hoje desaba, envolvendo-te, alfim, a precípite Morte”.

Páris, de formas divinas, lhe disse, em resposta,o seguinte:

“Teu coração impetuoso te leva a culpar um inocente.

Ainda que em outros momentos me houvesse esquivado da luta,

não me gerou minha mãe de coragem viril destituído.

Desde que à frente dos sócios a guerra aos navios trouxeste,

Temos aqui resistido, sem pausa nenhuma, aos Argivos.

780.Os companheiros a que te referes, a vida perderam.

Desses, apenas Deífobo e a força prestante de Heleno,

se recolheram; feridos nos braços por lanças compridas

ambos estão; mas da morte os livrou o nascido de Crono.

Ora comanda, de acordo com teu coração valoroso,

que, de bom grado, te iremos no encalço. Não creio que o brio

venha a faltar-nos, enquanto o vigor animar-nos os membros.

Ainda que o queira, ninguém luta mais do que a força o permite”. (págs. 317-318)

806.Sob o alvo escudo abrigado, movia-se Heitor, procurando

por várias partes fazer que as falanges imigas cedessem.

Mas não logrou abalar a coragem nos peitos Argivos.

A passos largos Ajaz o procura, primeiro, reptando-o:

810.”Vem para perto, demônio! Por que procurar meter medo

nos combatentes Aquivos? Não somos na guerra inexpertos.

O que sofremos agora é castigo de Zeus tão-somente.

Sei que alimentas, há muito, a esperança de um dia destruíres

Nossos navios; contudo ainda temos defesa nos braços.


Mas, antes disso, hás de ver a altanada cidade dos Teucros

por nossas mãos conquistada e seus bens pelos Dânaos levados.

Enquanto a ti, julgo próximo o instante em que devas, fugindo,

Preces a Zeus levantar e às demais sempiternas deidades,

Para que vençam aos próprios gaviões teus vistosos cavalos,

820.quando no plaino fizerem que poeira infindável se eleve”.

Nesse entrementes, uma águia de altíssimo vôo passou-lhe

pela direita. Os Aqueus levantaram um grito de júbilo,

encorajados…. (págs. 318-319)

Canto XIV

Aparecem duas personagens importantes novas aqui. Uma é Idomeneu, que é muito
conhecido porque Mozart tem uma ópera com o mesmo nome que conta o episódio
em que esse personagem promete, para conseguir regressar vivo a casa, matar em
sacrifício aos deuses a primeira pessoa que encontrasse ao chegar. A primeira
pessoa que ele encontra na praia é a sua própria filha, que ele mata para manter
sua palavra para com os deuses. Essa tragédia é contada de uma forma
maravilhosa nessa ópera de Mozart.

A segunda personagem é Enéas, um comandante dos troianos que ainda não havia
aparecido porque os troianos são sempre desprezados nas descrições, uma vez que
essa história é contada pelos gregos. Até então, nós apenas conhecíamos os
troianos Heitor e o seu irmão metrossexual Paris. O Enéas, que não é propriamente
um troiano, mas um comandante que se associa a eles, escapará da destruição do
fim da guerra e fundará Roma. O poeta Virgílio escreve uma obra chamada
“Eneida”, que é a descrição da vida de Enéas depois que escapou de Troia e
acabou chegando a Itália. Obviamente, não coincide muito com aquela história dos
livros de história, que tinha lá o Rapto das Sabinas2, Rômulo e Remo. Mas de certo
modo Virgílio escreveu essa história para enobrecer um pouquinho o povo. Isto é,
em vez de ser um grupo de saltimbancos e salteadores que fundaram Roma, ele
inventou a tese de que esse Enéas teria sido o fundador de Roma para melhorar um
pouquinho a aparência da história, já que os romanos não queriam aceitar que eles
eram descendentes de ladrões de mulheres. Com essa luta que ocorre por
interferência de Poseidon (que mudou de lado, antes estava contra os gregos, agora
está a favor), obviamente contra a opinião de Zeus, há uma melhoria na situação
dos gregos, que agora não estão assim tão ameaçados quando estavam antes, o
que nós leva então à demonstração de como é que os deuses resolveram tapear
Zeus de uma vez por todas.

O Engano de Zeus
“Nestor, que curava Macáone, sai para ver uma gritaria e encontra Agamémnone,
Diomedes e Odisseu feridos. Então, fazem uma reunião e Agamémnone decide
fugir. Odisseu é contra e Diomedes sugere voltar ao combate. Posido acalma
Agamémnone. Hera, então, se prepara para seduzir Zeus. Pedindo emprestado um
cinto de Afrodite e pedindo ajuda ao Sono, acaba conseguindo adormecer o esposo.

Sono, na mitologia grega, também era um deus.

Posido insufla força aos gregos, que ganham vantagem. Ajaz fere Heitor, que se
retira da batalha. Os gregos expulsam os troianos para longe dos navios, e Ajaz, o
Oileu, os persegue com muito furor”.

Esse Ajaz, o Oileu, é o outro Ajaz, não o grande guerreiro.

64.Disse-lhe, então, em resposta, Agamémnone, rei poderoso:

“Visto, Nestor, já lutarem os nossos nas popas das naves,

sem que de auxílio nenhum lhes servisse o alto muro e o profundo

fosso que os Dânaos construíram com tanta fadiga, confiantes

de que seriam defesa eficaz para as naus e os guerreiros,

é que, sem dúvida, a Zeus potentíssimo deve ser grato

70.que longe de Argos, sem glória e sem nome, os Acaios pereçam.

Antes, bem via que aos Dânaos, benigno, ele sempre auxiliava;

mas como deuses eternos, agora, ele exalta os Troianos,

nossos inimigos, e os braços e as forças com peias nos tolhe.

Ora façamos conforme eu o disser; obedeçam-me todos.

Sem mais demora arrastemos as naus que se encontram mais perto

da praia extensa e as lancemos às ondas divinas, bem longe,

onde o mar for mais profundo, firmando-as com as pedras das âncoras,

para aguardarmos a Noite imortal. Caso os Teucros se abstenham

de combater, poderemos, talvez, pôr a nado elas todas.

80.Não é vergonha fugir, ainda mesmo que seja de noite.

É preferível da ruína escapar a ser presa do imigo”,


Com torvo olhar lhe responde Odisseu, o guerreiro solerte:

“Filho de Atreu, que palavras soltaste do encerro dos dentes?

Fora mais certo, infeliz, exerceres teu mando em covardes

do que mandares em nós, a quem Zeus destinou desde os anos

mais florescentes té à extrema velhice, té vir a extinguir-se

a luz da vida, enfrentar os trabalhos terríveis da guerra.

Pensas, então, seriamente, em deixar a cidade espaçosa

Desses Troianos, por causa da qual tantas dores sofremos?

90.Cala-te! Não aconteça que os outros Aquivos escutem

essas palavras. Jamais ciciá-las, sequer, poderia

quem de prudência dotado, soubesse dizer o que pensa,

máxime sendo monarca cetrado, como és, de quem tantos

povos as ordens escutam, senhor dos guerreiros Aquivos.

Só me provoca à censura essa tua proposta imprudente.

Ora que a dura peleja ainda se acha indecisa, aconselhas

a que arrastemos as naus para o mar! Isso mesmo os Troianos

desejariam, nesta hora em que força tamanha demonstram.

Mas, para nós, será a ruína, que os homens Aquivos, é certo,

100.desistirão do combate, se as naus para as ondas puxarmos,

sim, procurando recuar, mostrar-se-ão descuidados e imbeles.

É por demais pernicioso esse plano, pastor de guerreiros”. (págs. 323-324)

159.A deusa de olhos bovinos (Hera) se pôs a pensar na maneira

160.como lhe fosse possível a Zeus iludir poderoso.

No imo do espírito, alfim, parece-lhe o melhor artifício

ir até o Ida, depois de ataviar-se por modo impecável,


Os deuses moram todos no Monte Olimpo, mas Zeus tem uma moradia exclusiva
para si, o Monte Ida. Inclusive, é aos pés desse monte que Alexandre/Paris vivia
como pastor.

para ver se ele mostrava desejos de ao lado deitar-se-lhe

e ela pudesse, depois, derramar-lhe profundo e agradável

sono nas pálpebras firmes e, assim, no sagaz pensamento.

Foi, logo, para o aposento que Hefesto, seu filho, construíra,

nos fortes quícios a porta de bela feitura adaptando,

com fechadura secreta, a nenhum outro deus revelada.

Pós ter entrado no tálamo, a porta brilhante ela fecha.

170.Primeiramente, com ambrósia lavou todo o corpo excitante,

para deixá-lo sem mancha, passando na cute, em seguida,

óleo divino, de tanta fragrância dotado, inefável,

que, só com ser agitado no sólio de bronze de Zeus,

o céu e a Terra deixava, de pronto, por ela impregnado.

Logo que os membros venustos de ungir acabou Hera augusta,

e de pentear os cabelos, as tranças brilhantes ajeita,

belas de ver e divinas, que o rosto imortal lhe emoldavam.

Cinge, depois, as magníficas vestes que Atena lhe havia

Com diligência tecido, adornando-a com muitos recamos (bordados),

180.e com fivela dourada prendeu-a na frente do peito.

O cinto passa, em seguida, enfeitado com cem belas franjas,

e nas orelhas de furos bem-feitos coloca pingentes,

cada um com tríplice gema ofuscante, de graça indizível.

De brilho igual ao do Sol era o véu de feitura recente

com que a magnífica deusa cobriu o semblante divino. (págs. 326-327)


Canto XV

A Revanche Rumo aos Navios

“Zeus, acordando, percebe que foi enganado por Hera. Depois de ameaçá-la e
relatar-lhe todos os acontecimentos até o final da batalha, ordena-lhe que vá ao
Olimpo e envie Íris e Apolo para ajudar os troianos. Ares toma conhecimento da
morte do seu filho, Ascálafo, mas Atena o consola. Íris vai pedir a Posido que se
retire da batalha e Apolo cura Heitor, que retorna com toda força ao acampamento
dos gregos, com Apolo na frente das falanges troianas. Pátroclo deixa Eurípilo e vai
implorar ajuda a Aquiles. Os gregos fazem uma defesa desesperada enquanto
Heitor se prepara para incendiar o navio de Protesilau”.

49.”Hera, magnífica, de olhos bovinos, se acaso, ao meu lado,

50.com pensamentos iguais, no concílio dos deuses sentasses,

em pouco tempo Posido, conquanto o contrário deseje,

de orientação mudaria, adaptando-se aos nossos desígnios.

Mas, se falaste sincera e teu peito enunciou a verdade,

bem; nesse caso dirige-te à tribo dos deuses e manda-me

Íris aqui, juntamente com Apolo, o frecheiro infalível.

A ela a incumbência darei de baixar às fileiras Acaias,

para dizer a Posido, senhor poderoso, que o campo

deixe da guerra e se acolha, de novo, ao seu belo palácio.

A Apolo incumbe o impecável Heitor excitar para a pugna,

60.força outra vez lhe insuflando e deixando-o esquecido das dores

que tanto lhe a alma excruciam. Deve ele, também, nos Aquivos

medo incutir, obrigando-os, assim, a volverem as costas

em fuga inerme, até a nave alcançarem, provida de remos,

do grande Aquiles Peleio, que, então, mandará para a luta

Pátroclo, o amigo dileto, que a lança de Heitor valoroso,

vai, junto de Ílio prostrar, pós ter ele a inimigos inúmeros

a morte dado, entre os quais o meu filho, o divino Sarpédone.


O divo Aquiles a Heitor matará, ante o feito indignado.

Nesse momento farei que, das naves repulsos, os Teucros,

70.sem mais descanso, se vejam, até que os Aquivos escalem

os muros lisos de Troia, por traça de Palas Atena.

Mas, antes disso, repito-o, não hei de sofrear minha cólera,

nem deixarei que nenhum imortal os Argivos socorra,

té que não venha a cumprir-se o desejo ardoroso de Aquiles,

como o afirmei que o faria e o asselei com o sinal da cabeça,

quando, abraçando-me Tétis os joelhos, pediu, insistente,

que ao filho Aquiles honrasse, o famoso eversor de cidades”. (págs. 339-340)

185.“Céus, que arrogância! Conquanto potente ele seja, é excessivo

querer, assim, violentar-me, pois temos igual dignidade,

que três irmãos somos nós, filhos todos de Réia e de Crono:

Zeus, depois eu, e Hades forte, o terceiro, que os mortos comanda.

Foi dividido em três partes o mundo; cada um teve a sua.

190.Postas em sorte, me coube morar para sempre no reino

do mar espúmeo; a Hades foram as trevas sombrias entregues;

o vasto Céu, pelas nuvens cercado e pelo éter, a Zeus.

A terra imensa e o alto Olimpo, em comum para todos ficaram.

Não me sujeito, por isso, a fazer-lhe as vontades; contente-se

com o que lhe coube por sorte, por mais poderoso que seja.

Seu forte braço temor não me incute, que medo não tenho.

Fora melhor que as ameaças e termos violentos deixasse

para seus filhos e filhas; gerados por ele, se vêem

na obrigação de lhe as ordens cumprir, muito embora não o queiram”. (pág. 343)
Canto XVI

Os Feitos de Pátroclo (Patrocléia)

Pátroclo implora pelas armas de Aquiles, que as concede, mas com a condição de
apenas proteger os navios gregos e de não levar mais adiante a ofensa contra os
troianos. O navio de Protesilau é incendiado. Quando Pátroclo surge com o exército
dos Mirmídones, os troianos o confundem com Aquiles. Sarpédone é morto por
Pátroclo e grande luta é feita ao redor do seu corpo. Fogem, então, os troianos.
Pátroclo se esquece da promessa a Aquiles e os persegue até às muralhas de Troia.
Apolo defende Troia e reanima Heitor, que marcha contra Pátroclo. Este faz grande
chacina, mas acaba sendo desarmado por Apolo e morto por Heitor.

O Heitor, que havia sido ferido no episódio anterior, agora foi curado por Apolo, que
é defensor de Troia porque havia lá um santuário a ele. Agora, novamente a
situação se inverte e os troianos começam a vencer e parece agora que vão vencer
mesmo. Contudo, acontece agora o fato que muda toda a história: o Pátroclo será
morto em batalha (fato narrado no canto XVI). Ele veste a armadura de Aquiles, de
modo que os troianos pensam que Aquiles retornou à guerra. Pátroclo é morto por
Heitor. Na hora em que Aquiles fica sabendo que “o namorado” morreu, decide
retornar à guerra (canto XVIII).

851.Ora outra coisa te quero dizer, guarda-a bem no imo peito:

não tens, também, muito tempo de vida, que já se aproxima

de ti o Fado implacável e a sombra da lívida Morte.

Às mãos de Aquiles terás de morrer, o impecável Eácida”.

Pós ter falado, cobriu-o com o manto das trevas a Morte,

e a alma, dos membros saindo, para o Hades baixou, lastimando

mocidade e o vigor que perdera nessa hora funesta.

Para o cadáver voltando-se Heitor, o admirável, responde:

“Por que motivo me fazes agouro tão fúnebre, Pátroclo?

860.Quem nos dirá que o impecável Aquiles, o filho de Tétis

de belas tranças, não venha a morrer, por meu gládio ferido?

Pós ter falado, assentou sobre o morto um dos pés e a hasta longa

Com toda a força puxou, atirando de costas o corpo.

A Automodonte, depois, se dirige, com a lança a apontar-lhe,


o hábil e divo escudeiro do Eácida, o herói velocíssimo,

pois desejava feri-lo; mas presto os velozes ginetes

que os imortais a Peleu tinham dado, bem longe o puseram. (pág. 386)

Canto XVII

Os Feitos Heróicos de Menelau (Aristia de Menelau)

“Menelau mata Euforbo, que tentava levar as armas de Pátroclo. Então, chama Ajaz
para defender o cadáver da investida de Heitor e este último cede.

Os soldados gregos e romanos tinham o direito de ficar com as armas dos inimigos
que matavam. É uma demonstração de que você incorporou o inimigo, como o
sujeito que pinta no avião quantos inimigos ele derrubou.

No entanto, retorna animado por Glauco e pelos melhores troianos. Ocorre longa
luta ao redor do cadáver de Pátroclo. Os cavalos de Aquiles são feridos e Zeus tem
piedade. Apolo ajuda os troianos e Atena os gregos. Com os gregos em
desvantagem, Ajaz pede auxílio a Zeus. Menelau manda Antíloco avisar Aquiles da
desgraça. Menelau e Meríones acabam por conseguir pegar o corpo de Pátroclo,
protegidos pelos dois Ajazes”.

O maior de todos os males para um grego é a morte insepulta porque essa é a


morte que resulta na persistência fantasmagórica do morto na terra. Já quando eles
morriam e eram sepultados com os ritos funerários adequados, eles iam para o
Inferno (que não é necessariamente ruim, é o território de Hades). Então no Inferno
você podia ter uma vida boa ou uma vida ruim. Há um pedaço do Inferno
divertidíssimo chamado Campo Elísios – os “Champs-Élysées” lá de Paris. A pior
parte é o Tártaro, as profundezas do Inferno, onde estão presos os titãs. Então,
morrer e ir ao Inferno é uma coisa natural; se não for, fica por aí vagando como
fantasma. A presença de ritos funerários em todas as sociedades humanas está
associada à crença generalizada, e seguramente muito correta, de que a gente não
deve a gente não deve deixar os mortos sem rituais. Os rituais funerários –
quaisquer que sejam eles, como a atual encomenda do corpo feita por um padre –
são maneiras pelas quais se garante que aqueles conteúdos psíquicos do morto irão
se dissipar e os seus resquícios não fiquem vagando por aí. Do mesmo modo que o
corpo físico fica um tempo aí, o mesmo acontece com os resquícios psíquicos.
Como você dissipa isso? Com o ritual funerário. Então, é necessário retirar o corpo
de Pátroclo rapidamente para poder prestar a ele as homenagens devidas.

722.Com destemor, os dois chefes, então, segurando o cadáver,

no alto o elevaram. Em grande alarido os Troianos prorrompem

ao perceberem que os Dânaos o corpo dali transportavam.

Contra eles, todos carregam, no jeito de cães animosos,


que aos caçadores se adiantam, em pós de um javardo ferido.

Vão-lhe no encalço, a princípio, querendo em pedaços fazê-lo;

mas, quando a fera, confiada na força, para eles se vira,

a caniçalha, a tremer, para todos os lados dispara;

730.dessa maneira, até então, os Troianos, em massa apertavam

os inimigos, a golpe de espadas e lanças pontudas;

mas, quando os dois formidáveis Ajazes se voltam para eles,

pálidos todos se mostram, nenhum revelando coragem

de prosseguir na disputa do corpo de Pátroclo exímio.

Dessa maneira o cadáver tiravam da pugna, levando-o

para os navios. À volta de todos se inflama a peleja,

tal como incêndio selvagem que, de súbito, se alça em cidade

de homens industres, derruindo edifícios no meio da imensa

flama, que os ventos furiosos atiçam num crebo estralido;

740.do mesmo modo, cavalos e peões, num tumulto incessante,

dificultavam a marcha dos dois valorosos Aquivos. (pág. 408)

Canto XVIII

A Feitura das Armas

“Aquiles se desespera diante da notícia da morte de Pátroclo. Sua mãe, Tétis, o


consola, prometendo-lhe uma nova armadura, feita pelo próprio Hefesto. Aquiles sai
de sua tenda e afugenta os troianos apenas com seus gritos e aspecto terrível. Os
gregos passam a noite lamentando a morte de Pátroclo. Tétis vai à casa de Hefesto
e recebe a descrição das novas armas de Aquiles”.

O Hefesto é deus ferreiro e o deus do fogo, no sentido de que é o fogo que


transforma as coisas. Em “Prometeu Acorrentado”, é ele quem fez as correntes que
prendem Prometeu e que cuidava do fogo, que foi entregue por Prometeu aos
humanos. Essa longa descrição do escudo de Aquiles é uma das mais
extraordinárias sobre a cultura grega que você possa imaginar.

18.”Nobre e prudente Pelida, é forçoso que nova bem triste


tenhas agora de ouvir – oh! Prouvera que fosse inverdade! –

20.Pátroclo a vida perdeu; ferve a luta ao redor do cadáver,

nu, como se acha, que Heitor o espoliou da armadura brilhante”.

Nuvem de dor envolveu a alma nobre do grande Pelida,

que, tendo terra anegrada tomado nas mãos, a derrama

pela cabeça, desta arte as graciosas feições afeando.

De cinza escura manchada também fica o manto nectáreo.

Logo na poeira se estende, ocupando grande área no solo,

e os ondulados cabelos com ambas as mãos arrepela.

Vendo-o, as escravas que Aquiles e Pátroclo haviam presado,

Mestas, em altos lamentos prorrompem e, a tenda deixando,

30.vieram cercar o prudente Pelida. A punhadas, os seios

todas contundem, sentindo que a força dos joelhos lhes falta.

Chora, também, o Nestórida ilustre, apertando entre as suas

as mãos de Aquiles, que fundos lamentos no peito agitava,

visto recear que ele o tenro pescoço com o ferro cortasse.

Solta gemidos terríveis; ouvi-os a mãe veneranda

das profundezas do mar, onde ao lado do pai se encontrava.

Em altos gritos prorrompe; cercaram-na, logo, afanosas,

todas as deusas nereidas, que o fundo do mar habitavam. (pág. 412)

483.Nela o ferreiro engenhoso insculpiu a ampla terra e o mar vasto,

o firmamento, o sol claro e incansável, a lua redonda

e as numerosas estrelas, que servem ao céu de coroa.

Pôs nela as Plêiades todas, Orião robustíssimo, as Híades,

e mais, ainda, a Ursa, também pelo nome de Carro chamada,


a Ursa que gira num ponto somente, a Orião sempre espiando,

e que entre todas é a única que não se banha no oceano.

490.Duas cidades belíssimas de homens de curta existência

grava, também. Numa delas celebram-se bodas alegres.

Saem do tálamo os noivos, seguidos por seus convidados,

pela cidade, à luz clara de archotes; os hinos ressoam.

Ao som das flautas e cítaras moços dançavam, formando

roda, em cadência agradável. Nas casas, de pé, junto às portas,

viam-se muitas mulheres que o belo cortejo admiravam.

Cheio se achava o mercado, que dois cidadãos contendiam

sobre quantia a ser paga por causa de um crime de morte:

um declarava ante o povo que tudo saldara a contento;

500.o outro negava que houvesse, até então, recebido a importância.

Ambos um juiz exigiam, que fim à contenda pusesse.

O povo, à volta, tomava partido, gritando e aplaudindo.

A multidão os arautos acalmam; no centro, os mais velhos

em um recinto sagrado, sentados em pedras polidas,

nas mãos os cetros mantêm dos arautos de voz sonorosa.

Fala cada um por seu turno, de pé, e o seu juízo enuncia.

Quem decidisse com mais eqüidade, dois áureos talentos

receberia, que ali já se achavam, no meio de todos.

À volta da outra cidade se vêem dois imigos exércitos

510.com reluzente armadura, indecisos nos planos propostos:

ou devastá-la de todo, ou fazer por igual a partilha

das abundantes riquezas que dentro das casas se achavam.


Os cidadãos não se rendem, contudo, e emboscada preparam.

E enquanto as caras esposas, as crianças e os velhos cansados,

cheios de ardor se defendem de cima dos muros bem-feitos,

seguem os homens guiados por Ares e Palas Atena.

Altos e belos, armados tal como convém aos eternos

e facilmente distintos da turba dos homens pequenos,

de ouro ambos eram e de ouro, também, os luzentes vestidos.

520.Logo que o ponto alcançaram, que haviam adrede escolhido,

perto de um rio vistoso, onde vinha beber todo o armento,

sem se despirem das armas luzentes, se põem de emboscada.

Duas vigias colocam dali a pequena distância,

para avisá-los se ovelhas e reses tardonhas viessem.

Dentro de pouco aparecem, trazidos por dois condutores,

que ao som de gaitas se alegram, sem nada cuidarem da insídia.

os da emboscada acometem de súbito e, em pouco, se apossam

dos tardos bois, das ovelhas vistosas dotadas de lúcido

velo, tirando a existência aos incautos e imbeles pastores.

530.Os sitiadores que estavam reunidos em junta, ao ouvirem

a gritaria do assalto aos rebanhos, depressa abalaram

em seus velozes corcéis, alcançando na margem do rio

aos da cidade, e travando com eles renhida batalha,

onde aêneas lanças furiosas causaram recíprocos danos.

Via-se a fera Discórdia, o Tumulto e a funesta e inamável

Parca, que havia agarrado a um ferido, a um guerreiro ainda ileso,

e pelos pés arrastava um terceiro, que a vida perdera.


Dos ombros pendem-lhe as vestes manchadas de sangue dos homens.

Como se fossem mortais, comportavam-se na áspera luta

540.e arrebatavam das mãos uns dos outros os corpos dos mortos.

Para a lavoura apropriado, um terreno, também, representa

largo e amanhado três vezes, no qual lavradores inúmeros

juntas de bois conduziam no arado, de um lado para o outro.

E quantas vezes o extremo do campo lavrado atingiam,

vinha encontrá-los um homem, que um copo de mosto lhes dava,

doce e agradável. Depois de beber, novos sulcos abriam,

só desejosos de o linde alcançar do agro pingue e profundo.

Preta era a terra que atrás lhes ficava, apesar de ser de ouro,

e parecia revolta, espetác’lo, em verdade, estupendo.

550.Um campo real, também, grava, onde meste alourada se via

e os segadores, que a ceifam, na mão tendo foices afiadas.

Molhos caíam, sem pausa, por terra, ao comprido dos sulcos.

Os molhos juntam em feixes, ligados com junco flexível,

três atadores; aos pés uns meninos braçados de molhos

continuamente lhes jogam, que ao longo dos sulcos recolhem.

O coração satisfeito, de pé, bem no meio de um sulco,

o rei se achava, sem nada dizer, sustentando áureo cetro.

Sob um carvalho os arautos um boi corpulento já haviam,

para o banquete, imolado; as mulheres o almoço aprontavam

560.dos segadores, cobrindo os assados com branca farinha.

Representou uma vinha, também, carregada e belíssima;

de ouro brilhante era a cepa e de viva cor negra os racimos,


que sustentados se achavam por muitas estacas de prata.

De aço era o fosso gravado em redor; mas a cerca de cima

de puro estanho. Um caminho, somente, ia dar até à vinha,

que os vinhateiros percorrem no tempo da bela vindima.

Moços e moças, no viço da idade, de espírito alegre,

o doce fruto carregam em cestas de vime trançado.

Com uma lira sonora, no meio do grupo, um mancebo

570.o hino de Lino entoava com voz delicada, à cadência

suave da música, e todos, batendo com os pés, compassados,

em coro, alegres, o canto acompanham, dançando com ritmo.

De boi de chifres erectos manada vistosa ali grava.

Uns animais eram de ouro; outros feitos de estanho reluzente.

Saem do estáb’lo nessa hora, a mugir, para o pasto, que ao lado

se acha de um rio sonoro com margens de canas flexíveis.

Quatro pastores os bois conduziam, também de ouro puro;

Por nove cães protegidos, de rápidos pés, vinham todos.

Mas, de repente, dois leões formidáveis o gado acometem

580.e o touro empolgam, que o espaço atroava com tristes mugidos,

enquanto os leões o arrastavam; mancebos e cães os perseguem.

As duas feras, porém, pós haverem a rês lacerado,

O negro sangue e as entranhas lhe chupam. Em vão os pastores

Os cães contra eles açulam, pavor intentando incutir-lhes.

Não se atreviam, contudo, os forçudos mastins a atacá-los,

mas, esquivando-se sempre dos leões, só com ladros investem.

Um grande prado, também, representa o ferreiro possante,


num vale ameno, onde muitas ovelhas luzentes se viam,

bem como apriscos, e estáb’los, e choças de boas cobertas.

590.Plasma um recinto de dança, ainda, o fabro de membros robustos,

mui semelhante ao que Dédalo em Cnosso de vastas campinas

fez em louvor de Ariadne formosa, de tranças venustas.

Nesse recinto mancebos e virgens de dote copioso

alegremente dançavam, seguras as mãos pelos punhos.

Elas traziam vestidos de linho; os rapazes com túnicas

mui bem tecidas folgavam em óleo brilhante embebidas.

Belas grinaldas as frontes das virgens enfeitam; os moços

de ouro as espadas ostentam, pendentes de bálteos de prata.

Ora eles todos à volta giravam, com pés agilíssimos,

600.tal como a roda do oleiro, quando este, sentado a exp’rimenta

dando-lhe impulso com as mãos para ver se se move a contento,

ora, correndo, formavam fileiras e a par se meneavam.

Muitas pessoas, à volta, o bailado admirável contemplam,

alegremente. Cantava entre todos o aedo divino,

ao som da cítara, ao tempo em que dois saltadores, a um tempo,

cabriolavam, seguindo o compasso no meio da turba.

Plasma, por fim, na orla extrema do escudo de bela feitura

A poderosa corrente do oceano, que a terra circunda.

Pós ter o artífice o escudo maciço, desta arte, aprontado… (págs 425-429)
Canto XIX

A Renúncia à Ira

“Tétis entrega as novas armas a seu filho e cuida do corpo de Pátroclo. Aquiles
convoca uma assembleia, declara seus sentimentos e pede para retornar à batalha.
Agamémnone reconhece seus erros e se lamenta, enviando de volta Briseide e ricos
presentes a Aquiles, que os recebe das mãos de Odisseu. Atena lhe infunde grande
força, ele veste sua armadura e sobe em seu carro. Xanto, seu cavalo, lhe prevê a
morte em breve, logo após matar Heitor”.

21.”Mãe, estas armas que Hefesto me enviou, dizem bem com os trabalhos

dos imortais; nenhum homem seria capaz de forjá-las.

Vou para a luta aprontar-me, envergando-as; mas tenho receio

de que entrementes as moscas penetrem nas chagas abertas

pelo cruel bronze no corpo do filho do claro Menécio


e criem larvas, afeando, desta arte, o cadáver do amigo –

ah, sem mais vida nenhuma – e estragando-lhe a bela aparência”.

Tétis, dos pés argentinos, lhe disse o seguinte, em resposta:

“Filho querido, não seja isso causa de o peito afligir-te.

30.Fica a meu cargo afastar dele as tribos de moscas selvagens,

que se alimentam dos homens que tombam nos campos da luta.

Ainda que fosse preciso jazer pelo espaço de um ano,

como se encontra ficara seu corpo, ou melhor, porventura.

Cuida, porém, de reunir a assembleia dos fortes Aquivos

para anunciar-lhes o fim de tua cólera contra Agamémnone,

e vai lutar logo após, do consueto vigor revestido”. (pág. 432)

Canto XX

A Luta dos Deuses

“É convocado o conselho universal dos deuses. Zeus diz que todos os deuses estão
livres para tomar o partido de quem lhes aprouver na guerra. Os deuses se
espalham pelo campo de batalha. Apolo aconselha Enéias a se valer contra Aquiles
e Posido sugere que os deuses apreciem a batalha. Antes de Enéias morrer, Posido
o salva. Furioso, Aquiles mata muitos troianos, inclusive Polidoro, filho caçula de
Príamo. Heitor, vingando seu irmão, quer lutar com Aquiles, mas Apolo o impede.
Depois de Aquiles matar vários troianos, Heitor ataca Aquiles, mas quando o filho de
Príamo fica em perigo, é salvo por Apolo”.

020.”Adivinhaste, Posido, o motivo de eu ter-vos chamado.

Ainda que estejam fadados à morte, com todos me ocupo.

Nos altos cumes do Olimpo pretendo ficar, deleitando-me

com a visão dos combates. Vós todos, porém, para o meio

ide dos homens de Troia e dos fortes Aquivos, conforme

vos aprouver, para auxílio levardes a quem vos for grato.

Porque se Aquiles, sozinho, devesse lutar, os Troianos

nem um instante ao Pelida eficaz resistência oporiam,


pois sua vista, somente, lhes causa pavor indizível.

E ora que se acha irritado por causa da morte do amigo,

Temo que, contra o Destino, consiga expugnar a cidade”. (pág. 446)

Canto XXI

A Luta junto ao Rio

“Os troianos fogem. Licáone, filho de Príamo, morre. Alguns troianos fogem para
dentro do rio Xanto e há ali uma chacina. Aquiles luta contra o rio Xanto. Posido e
Atena encorajam Aquiles. Hera envia seu filho, Hefesto, para livrar Aquiles das
ondas do Xanto. Os deuses lutam uns contra os outros. Depois retornam ao Olimpo,
menos Apolo, que fica cuidando dos troianos. Estes entram pelas muralhas de Troia.
Agenor e Aquiles lutam”.

240.Contra o divino Pelida, terríveis, as ondas avançam,

e com tal força no escudo brilhante lhe batem, que muito

dificilmente podiam firmar-se-lhe os pés. O guerreiro

tenta agarrar-se num olmo robusto; mas este, arrancado

pela raiz, rompe a borda escarpada,e, no rio caindo,

fica-lhe, à guisa de ponte, obstruindo a hialina corrente

com a ramagem vistosa. O guerreiro, de um salto, se livra

do torvelinho, lançando-se rápido para a planície,

amedrontado. Porém não desiste a deidade possante,

que ondas escuras levanta, com o fim de obrigar o Pelida

250.a retirar-se da luta, livrando, desta arte, os Troianos. (pág. 468)

Canto XXII

A Retirada de Heitor

“Aquiles, percebendo a farsa de Apolo, que havia se disfarçado de Agenor, luta com
Heitor. Este permanece do lado de fora dos muros de Troia, mesmo com os rogos
da mãe e do pai. Ao chegar Aquiles, no entanto, Heitor foge com medo e os dois dão
três voltas ao redor da cidade. Zeus pesa numa balança o destino dos heróis e a
sorte de Heitor é lançada. Atena desce à Terra para ajudar Aquiles e engana Heitor
se disfarçando como Deífobo. Batalha de Heitor e Aquiles, com a morte do primeiro.
Aquiles, então, ultraja o corpo de Heitor e o leva para junto dos navios para sepultar
Pátroclo. Os parentes de Heitor se desesperam”.

338.”Por teus joelhos, tua vida, por teus genitores, suplico

não consentires que, junto das naves, aos cães atirado

340.seja o meu corpo. Ouro e bronze abundante, em resgate, recebe,

quantos presentes meu pai te ofertar, minha mãe veneranda,

e restitui o cadáver, que possam, em casa, os Troianos

e suas jovens esposas, à pira funérea entregá-lo”.

Com torvos olhos, Aquiles de rápidos pés lhe responde:

“Nem por meus joelhos, cachorro, por meus genitores supliques.

Se em meu furor fosse, agora, eu levado a fazer-te em pedaços

e crus os membros comer-te, em vingança do que me fizeste,

como é impossível dos cães voradores livrar-te a cabeça!

Ainda que aos pés me trouxessem dez vezes o preço ajustado,

350ou vinte vezes, até com promessa de novos presentes;

ainda que o velho Dardânida, Príamo, ordene que a peso

de ouro se compre o cadáver, não há de em tua casa chorar-te,

como desejas, a mãe veneranda a quem deves a vida,

mas como pasto serás para os cães e os abutres jogado”.

Já moribundo, responde-lhe Heitor, do penacho ondulante:

“Por conhecer-te, sabia que tudo seria assim mesmo.

O coração tens de ferro; impossível me fora dobrá-lo.

Que isso, porém, contra ti não provoque a vingança dos deuses,

quando tiveres de a vida perder, muito embora esforçado,

360.das Portas Céias em frente, aos ataques de Páris e Apolo”

Pós ter falado, cobriu-o com o manto de trevas a Morte,


e a alma, dos membros saindo, para o Hades baixou, lastimando

a mocidade e o vigor que perdia nessa hora funesta. (págs. 491-492)

(Quem falará agora é Andrômeda)

477.”Pobre de mim, caro Heitor! Para o mesmo destino nascemos:

tu, no palácio de Príamo, dentro dos muros de Troia,

em Tebas, eu, junto à fralda do Placo, abundoso em florestas,

480.na bela casa de Eecião, o infeliz que me criou de pequena

para igual sorte que a sua. Antes nunca me houvesse gerado.

Baixas, agora, para o Hades escuro, nos reinos subtérreos,

e no palácio me deixas, viúva, e em tristezas sem conta

desamparada. Ainda infante é o filhinho, que os deuses nos deram

em nossa grande desdita. E, ora, Heitor, que morreste, nem podes

ser-lhe baluarte algum dia, nem ele de amparo servir-te. (pág. 495)

Canto XXIII

Prêmios em Honra de Pátroclo

“Aquiles e os guerreiros fazem honras ao corpo de Pátroclo e há um banquete em


sua homenagem. À noite, a sombra de Pátroclo aparece a Aquiles. Pela manhã uma
grande pira é preparada para o corpo do amigo e várias vítimas são sacrificadas
junto. Doze jovens troianos são imolados. Aquiles conclama aos ventos para ajudar
e o fogo queima durante a noite toda. No dia seguinte, as cinzas são colocadas
numa urna de ouro e um túmulo é construído para Pátroclo. Iniciam-se os jogos em
homenagem a Pátroclo. São feitas grandes disputas entre os Gregos em diversas
modalidades pelos prêmios valiosos que Aquiles oferece”.

170.Junto do leito funéreo, coloca, a seguir, duas ânforas,

de óleo e de mel, e, soltando suspiros profundos, atira

nas chamas quatro soberbos cavalos de colo altanado.

Dos nove cães que o monarca possuía, à sua mesa criados,

dois sacrifica o Pelida, atirando-os às chamas ardentes,

bem como doze mancebos de ilustre prosápia Troiana,


a bronze mortos, pois na alma a ação cruel realizar assentara.

A fúria esperta do fogo, afinal, para à larga saciar-se;

e pelo amigo a chamar muitas vezes, gemendo dizia:

“Ainda que no Hades escuro te encontres, alegra-te, Pátroclo,

180.pois já cumpri tudo quanto afirmei que fazer haveria:

doze mancebos de ilustre prosápia Troiana ora às chamas

conjuntamente contigo entreguei; mas de forma nenhuma

hei de o cadáver de Heitor dar às chamas; aos cães vou jogá-lo”.

Mas, apesar das ameaças, do corpo de Heitor os cachorros

não se acercavam, que longe os mantinha, constante, Afrodite,

filha de Zeus, a qual o unge com óleo fragrante e divino

para não ser lacerado ao tirá-lo de rojo o Pelida. (págs. 502-503)

Canto XXIV

O Resgate de Heitor

“Aquiles, ainda muito triste com a morte do amigo, ultraja o corpo de Heitor todo o
dia, dando três voltas ao redor do túmulo de Pátroclo. Os deuses, principalmente
Apolo, se indignam com tamanho ultraje e pedem a Zeus que o faça parar. Zeus,
então, envia Tétis para acalmar Aquiles e Íris para dizer a Príamo que pague um
resgate pelo corpo do seu filho. Príamo concorda e é conduzido por Hermes até a
tenda de Aquiles, que o recebe muito bem, aceitando os presentes e devolvendo o
corpo de Heitor. Aquiles concede onze dias de luto pela morte de Heitor. Tristeza
das mulheres de Troia, Hécuba, Andrômaca e Helena. É feita uma fogueira no
túmulo de Heitor”.

1.Findos os jogos, dispersam-se todos; os Dânaos guerreiros,

às suas naus recolhidos, cuidavam somente da ceia

e de ao repouso entregar-se. O Pelida, no entanto, chorava

o companheiro dileto, a virar-se de um lado para o outro,

sem pelo sono, que a todos domina, sentir-se vencido.

Lembra-lhe a força de Pátroclo, a ingente e provada coragem,


bem como os duros trabalhos que juntos haviam sofrido

nas cruas guerras dos homens e, assim, sobre as ondas revoltas.

Essas visões o levaram a pranto verter amaríssimo,

10.sem posição permanente encontrar: já de um lado, já de outro,

ou ressupino, ou de borco se deita. Por fim, levantado-se,

anda ao comprido na praia do mar. Porém logo que a Aurora

via raiar, refletindo-se na água e na areia nitente,

ao jugo atava os cavalos velozes, de origem divina,

atrás do carro o cadáver desnudo de Heitor amarrando.

E, após o corpo arrastar por três vezes à volta do túmulo

do ínclito Pátroclo, à tenda voltava a acolher-se, deixando-o

na branca areia, de bruços. Mas Febo, do herói apiedado,

ainda depois de sua morte, o cadáver ampara de todas

20.as ocasiões de estragar-se, cobrindo-o com a égide de ouro

para que no ato de ser arrastado não viesse a ferir-se. (págs. 525-526)

31.Quando a dozena manhã no horizonte raiou matutina,

para os eternos Apolo se vira e lhes diz o seguinte:

“Sois todos cruéis, destrutores eternos! Heitor, por acaso,

nunca vos fez sacrifícios de bois e de ovelhas vistosas?

E ora não tendes coragem, sequer, de salvar-lhe o cadáver,

para que a esposa o contemple, a mãe nobre e o

filhinho ainda infante, bem como Príamo e o povo Troiano, que logo

à fogueira o entregariam, prestando-lhe as honras funéreas devidas?

Ao invés disso, ao funesto Pelida amparais, tão-somente,

40.tão destituído de humano sentir, sem razoáveis propósitos


no coração abrigar, como o leão, cujo instinto selvagem,

à força ingente associada e à indomável coragem, o leva

a devastar os rebanhos dos homens a fim de saciar-se.

Toda a piedade falece ao Pelida, falece-lhe o senso

da reverência, que é fonte de males e bens para os homens.

A todo instante acontece a mais íntima pena sofrer-se,

ao ver-se alguém pela morte privado de irmão ou de filho,

mas, afinal, tudo acaba: os lamentos, o choro sentido,

que coração resignado aos humanos as Moiras cederam. (págs. 526-527)

748.”Ao coração, caro Heitor, sempre o filho mais grato me foste.

Os próprios deuses, enquanto viveste, afeição te votaram,

750.e ora de ti não se esquecem, conquanto no fado da Morte.

Meus outros filhos, Aquiles de rápidos pés costumava,

quando os prendia, vender do outro lado do mar infrutuoso,

em Imbro, ou Samo, ou no porto de Lemno, de espessa caligem.

A ti, depois de matar-me com o bronze afiado, arrastou-te

vezes sem conta ao redor do sepulcro do sócio dileto

morto por ti, sem poder, nem, por isso, outra vez dar-lhe vida.

Tão incorrupto, parece que neste momento morreste!

Bem te assemelhas àqueles, que Apolo, o deus do arco de prata,

com os seus raios benignos assalta, e a quem tira a existência”. (pág. 547)

777.Vira-se, então, para todos o rei e lhes diz o seguinte:

“Para a cidade, Troianos, agora, trazei muita lenha,

sem de emboscada temer-vos por parte dos Dânaos, que Aquiles,

780.ao despedir-me das naves recurvas, solene me disse


que não teríamos luta, sem que doze auroras raiassem”.

Fortes parelhas de bois e de mulos aos carros atrelam

e, sem demora, se reúnem, defronte dos muros de Troia.

Por nove dias é lenha infinita à cidade trazida;

e quando, ao décimo, a Aurora surgiu com seus dedos de rosa,

por entre lágrimas levam o corpo de Heitor valoroso,

sobre a fogueira o colocam e a chama incansável acendem.

Logo que a Aurora, de dedos de rosa, surgiu matutina,

Em torno à pira de Heitor vai-se o povo de Troia reunindo.

790.Quando ao chamado acudiram e todos se acharam reunidos

vinho brilhante lançaram nas brasas, com o fim de apagá-las,

té onde a força do fogo chegara. Os irmãos, em seguida,

e os companheiros de Heitor recolheram-lhe os cândidos ossos,

sempre a chorar, pelas faces correndo-lhes pranto amaríssimo,

e em urna de ouro, de rico lavor, os depõem, cuidadosos,

a qual envolvem em mantos purpúreos, de fino tecido,

para a levarem, por fim, ao cavado sepulcro. Sobre este,

blocos de pedra, ajustados, colocam, e o túmulo, à pressa,

com muita terra, levantam, postando-lhe ao pé sentinelas,

800.para surpresa evitarem dos Dânaos de grevas bem-feitas.

Logo que o túmulo pronto ficou, para o burgo retomam,

onde, reunidos, celebram solene banquete funéreo

dentro da régia de Príamo, o rei pelos numes nutrido.

Os funerais estes foram de Heitor, domador de cavalos. (pág. 548)

(Resumo retirado da Ilíada, de Homero. Ediouro Publicações SA, Rio de Janeiro,


2005.)
As cabeças de cantos foram corrigidas e adaptadas por José Monir Nasser.

[INTERPRETAÇÃO DA OBRA]

Vocês compreenderam os acontecimentos? Ou seja, um fato fútil (o tal do concurso


de deusas) gera o rapto de Helena de Troia por Paris, filho de Hécuba e Príamos;
estes têm 19 filhos, dentre eles os mais importantes são o Heitor, o Paris, os
gêmeos Cassadra e Heleno, e Polidoro, que é o mais novo. Os gregos, devido ao
acordo pré decisão de Helena, reúnem-se e resolvem ir lá buscar a moça à força.
Por 10 anos, Troia resiste, até que um dia Aquiles, o mais valoroso dos guerreiros
gregos e invulnerável por haver sido banhado no Rio Estige (na Odisseia é narrada
a sua morte, quando ele é morto por uma flechada no calcanhar por Paris guiado por
Apolo) se retira da guerra, enquanto isso os deuses ficam tomando partido de um
lado e outro e se divertindo imensamente com os acontecimentos. No final das
contas, Aquiles volta à guerra, morto de dor por causa da morte do seu amigo, e
acaba vencendo Heitor, os gregos então voltam a vencer, e o Príamo pede para
receber o corpo de filho de volta, de modo que Heitor é sepultado. Os gregos voltam
para dentro da fortaleza e daí no dia seguinte recomeçaria a briga, porque dos 12
dias prometidos por Aquiles, o enterro de Heitor aconteceu no 11º. No dia seguinte,
reiniciaria a briga, mas a Ilíada não nos conta nada porque a história acabou. A
história do Cavalo de Troia, sobre o qual a Cassandra avisara, não é relatada aqui,
mas somente na Odisseia.

A história que acabamos de ler foi essa, agora o importante é perguntar qual o seu
sentido. Parece uma história de aventuras, mas é muito mais que apenas isso. A
primeira coisa interessante que há nessa história é que o grego não tem o mesmo
sentido de patriotismo que nós temos: não há aí uma luta por valores nacionais (país
versus país, cidade versus cidades). O que há é uma noção de luta por valores
divinos, luta por determinados princípios revelados pelos deuses. Isso é muito
diferente de uma guerra moderna, em que você está interessado em defender o país
contra os inimigos. Eu queria perguntar para vocês se sentem mais empatia pelo
Aquiles ou pelo Heitor.

[COMENTÁRIOS DE ALUNOS]

Algum de vocês que prefere o Heitor, pode tentar me dar uma ideia da razão?

[COMENTÁRIOS DE ALUNOS]

O Aquiles se mostra muito bravo, muito intolerante, não é? O Heitor parece mais
humano. A violência com que o Aquiles trata o Heitor no final horripila um pouco,
ficamos achando que o sujeito é meio animalesco. Vocês sentem que esses dois aí
lutam por causas boas? A causa que deflagrou a história é de uma futilidade sem
par, é o tal do pomo da Discórdia (Discórdia é a deusa que foi lá provocar como
vingança a disputa entre as deusas). Mas com relação a esses dois, a principal
razão de estarem lutando é por causa disso? Ou estão brigando por outra coisa?
Estão lutando por princípios, não é? Tanto é que a Helena desaparece
completamente.

Depois em “As Troianas”, conforme eu já contei, Menelau recupera a mulher com


intenções de matá-la, mas desiste quando a vê nua, pois ela era extramente bela.
Os gregos tem o conceito de “areté”, que significa “virtude”, que é o que esse
pessoal está defendendo. Os gregos diziam que a maior areté da mulher é a beleza.
Mas a areté dos homens tem de ser outra coisa: o heroísmo, a capacidade de
morrer por um ideal, a capacidade de ser herói, a capacidade de sacrifício. No
fundo, o que Aquiles e Heitor estão tentando fazer é serem virtuosos.

[COMENTÁRIOS DE ALUNOS]

Na verdade, Aquiles não queria participar da guerra desde o início porque a mãe
dele sabia da tal da profecia e o escondeu junto às mulheres. O Ulisses, que é o
espertalhão da história, arruma um jeito de descobrir e vai lá fazer chantagem
emocional: “Você quer ficar aqui feito uma mulherzinha? Você é homem!”. Então, o
Aquiles entra na guerra, é ofendido e sai; depois apenas retorna quando quer
realmente vingar a morte de Pátroclo. Eu tenho uma simpatia muito maior pelo
Heitor, que é um homem assim como nós. Contudo, o Aquiles não é um sujeito mau,
ele sabia de antemão, por exemplo, que morreria; precisa ter uma grande
quantidade de heroísmo também. Ele foi morto por um estratagema de Apolo, para
cumprir a profecia.

Em comparação com esses dois, a motivação dos deuses para armar essas
confusões todas são do mesmo grau de valor moral? Não, são uma brincadeira,
uma futilidade. “Não temos nada para fazer hoje, então vamos arrumar uma guerra
entre Israel e Síria”. Quer dizer, os deuses lá no Olimpo se divertem gerando
situações assim, da qual acham graça. Não há uma grande disparidade entre as
motivações dos deuses e dos humanos?

[COMENTÁRIO DE ALUNO]: menciona Zeus.

O Zeus, porque era o deus coordenador, tentava botar um pouco de ordem naquilo,
mas no final, quando tudo é deflagrado, ele liberou os deuses para fazerem o que
quisessem. Isto é, ele não conseguiu que os deuses ficassem controlados. O
conceito de deus grego não é o do Deus cristão. Nós iremos ver “Teogonia” aqui no
nosso programa, que foi escrito por Hesíodo, contemporâneo de Homero, que conta
como é que os deuses nasceram. Zeus é o terceiro líder na sequência de gerações,
Cronos (o titã do tempo) já havia matado o pai Urano, que fora o primeiro. Ou seja,
Urano é o primeiro líder, depois o seu filho mais novo (Cronos) o mata, e o o filho
mais novo de Crono (Zeus) também mata o pai.

Há um sentido maravilhoso, um sentido metafísico que não dá tempo da gente


entender agora, mas o que é importante entender é que os deuses gregos não
funcionam pelos mesmos critérios que o Deus cristão: eles não são infalíveis, eles
não são oniscientes, eles tem de fazer acordos; às vezes um é mais poderoso que o
outro, depois inverte. No fundo, todos esses deuses tinha poder relativo: nenhum,
nem mesmo Zeus, tinha poder absoluto. Zeus não manda totalmente, não se
esqueçam jamais que não foi ele quem criou o mundo, já havia um mundo anterior a
Urano. Se Zeus não criou o mundo, então que deus é esse?
Os deuses não fazem essas coisas por nenhuma outra boa razão, a não ser a título
de diversão pura e simples. Vocês nunca viram uma piada demoníaca: sujeito está
bem de saúde, está ótimo, pega um resfriado e morre? Nunca viram acontecer algo
assim? Pessoas que morrem de uma maneira completamente inexplicável: é uma
piada demoníaca, tipicamente uma gracinha que um deus grego faria para quebrar a
monotonia de uma tarde.

Vocês nunca sentiram que as suas vidas são dirigidas por coisas que vocês não
controlam e que podem ser de uma futilidade e de uma falta de cabimento
absolutas? Vocês nunca se sentiram assim? Vocês nunca repararam que de vez em
quando a gente faz tudo certo (acorda cedo, escova os dentes, paga os impostos) e
mesmo assim tudo dá errado no final? Não é exatamente isso que acontece com o
Aquiles e o Heitor?

A primeira coisa a reparar aqui é que houve o embate entre duas forças
gigantescas: as forças dos gregos e dos troianos, que estão lutando para vencer
moralmente um ao outro, ou seja, eles estão lutando para defender os valores que
lhe parecem justos. No entanto, essa luta humana contrasta tremendamente com
uma certa futilidade, falta de sentido, que os deuses representam aí como autores
desse processo. Isso significa na prática que a vida humana tem um componente
trágico completamente indissociável dela; significa que a gente luta e faz todo o
possível para fazer o certo, mas nós não somos capazes de garantir o sucesso do
resultado. No final das contas, tanto Aquiles quanto Heitor morrem.

A tragédia da humanidade é que, mesmo tendo feito tudo certo, você acaba sendo
sacrificado no processo de um jeito ou de outro. É por isso que a Ilíada gera depois
a tragédia grega, que será produzida por Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, esses três
grandes trágicos gregos, muito tempo depois (esses já são dos anos 500-400 a.C.).
Ou seja, 700 anos depois dos acontecimentos da guerra de Troia e 200-300 anos
depois de Homero ter compilado essa obra junto da Odisseia, nasce dentro da
Grécia o conceito de tragédia.

O conceito de tragédia deve ser diferenciado de uma vez por todas do conceito de
drama, porque hoje em dia esquecemos a diferença e misturamos tudo. Uma
tragédia, rigorosamente falando, é quando todo mundo faz tudo o que pode para
fazer da melhor maneira possível, todos se esforçam, e no final das contas tudo dá
errado. Por exemplo, um motorista de caminhão que precisa pagar as contas para
sustentar a família, que exagera na quantidade de horas de trabalho, sofre um
acidente e mata uma família inteira. Ele queria matar a família? Não. Ele tinha algum
problema? Não. Ele apenas queria sustentar a família e fazer as coisas certas.

Diferente dessa situação, é o drama, que é aquilo que Shakespeare escreve. Por
exemplo, em Otelo tem lá um sujeito chamado Iago, que é um sujeito mau e quer
acabar de qualquer jeito com o casamento do Otelo e da Desdêmona, que é o
exemplo da mulher mais perfeita e carinhosa que alguém possa imaginar. Ela era
casada com Otelo, um amor perfeito, e Iago fica infeliz com aquilo e quer arruinar
esse amor. Então, no drama, há alguém malignamente interferindo para as coisas
darem errado, mas na tragédia não. Não há forças negativas na tragédia: é a
constatação de que o ser humano existe num quadro de poderes que o condicionam
que são inexplicáveis e muito maiores do que a capacidade que o ser humano tem
de controlar. Isso é algo fundamental de nós compreendermos

Eu queria dar um exemplo fácil para todos vocês compreenderem. Peguem a teoria
feminista, a ideia que algumas mulheres intelectuais têm de que o mundo é
dominado pelos homens, os quais montaram um plano maligno de controlar as
mulheres, fazendo com que elas se tornem uma espécie de escravas sexuais, entre
outras coisas, restringindo assim a liberdade feminina. Essa é a teoria feminista, ela
supõe que a condição feminina seja dramática ou trágica? Pressupõe que a
condição seja dramática, porque ela é o resultado de uma manipulação deliberada
dos homens que querem retirar vantagens dela. Essa interpretação pressupõe que
haja uma malignidade masculina contra as mulheres.

Se nós interpretássemos a condição feminina, com as suas inegáveis dificuldades


intrínsecas, como uma tragédia seria o seguinte: apesar de que os homens façam
tudo para proteger as mulheres e ter uma vida melhor com elas, as coisas acabam
não dando certo. Quando você analisa assim, que a condição feminina é trágica e
não dramática, você demora 30 segundos para concluir que o que é trágico mesmo
é a condição humana; não apenas a condição feminina, a condição humana
genérica é trágica.
Quem é que está contando para você essa história? É o Homero, na Ilíada. Homero
está dizendo que os homens lutarão até entregarem o melhor que têm (as suas
próprias vidas) para fazerem determinadas coisas que lhe parecem sérias o
suficiente para valerem esse esforço todo, sem que eles possam de verdade
controlar o seu destino. Ou seja, a condição humana é uma condição trágica.

Por exemplo, as pessoas naturalmente ficam muito doentes com pouca idade. No
entanto, hoje em dia há essa mania de achar que tudo está justificado de alguma
maneira. Você fica doente e aparece um cara falando assim: “O doente é culpado da
própria doença. O que se faz é o que se paga”. Essa conversa é a coisa mais
absurda que se pode imaginar, é aquela conversa dos amigos tentando incriminar
Jó, quando na verdade a nossa existência não pode ser incriminada assim, porque
no fundo você não controla nada que acontece com você. Você está condenado a
fazer o melhor possível, mas você não tem nenhuma possibilidade de esperar
garantias da vida de que será recompensado com alguma coisa dentro das suas
expectativas.

[COMENTÁRIOS DE ALUNOS]

Na verdade, na vida de Jó houve a interferência do Diabo mesmo; a sua desgraça


está mais para um drama. A questão é que aqui, na Ilíada, seguramente está
encriptada a tragédia. Depois, o que vai acontecer durante todo o teatro grego, é a
produção de outras tragédias mostrando esse aspecto incontornável e
absolutamente prevalecente da natureza humana. A vida humana é uma experiência
trágica de modo geral; mesmo quem vai passar 80 anos vivendo bem enfrentará em
algum momento a morte, que também é um processo trágico. A sua incapacidade de
manter a sua existência é isso.

[COMENTÁRIOS DE ALUNOS] questiona sobre o momento em que os gregos


deixaram de cultuar seus deuses.

Os deuses já estão completamente fora de moda lá na altura da filosofia grega, aí no


século IV a. C., quando Sócrates aparece. O teatro grego existe entre a Homero e a
filosofia. O Werner Jaeger, que escreveu “Paideia”, diz que ambas as obras de
Homero são os maiores livros de pedagogia já inventados pela humanidade, porque
foram esses livros que fizeram toda a formação do homem grego. São livros de
pedagogia mesmo, para ensinar para as crianças os grandes valores humanos da
coragem, do sacrifício. Essas histórias essencialmente existiam para ensinar as
pessoas a aumentarem o seu padrão moral. Depois, a Odisseia fará isso de outro
modo.

Simone Weil dizia que a Ilíada é a única grande tragédia ocidental, todas as demais
são suas imitações3. A Odisseia é muito mais plástica, vocês vão descobrir a
diferença quando lerem: é como um livro de aventuras. Essas complexidades de
linguagens incluídas no resumo são um pouco por minha culpa, porque eu achei
melhor preservar os trechos do que contar a história de um modo narrativo, como eu
fiz com a Odisseia. A Ilíada é uma história mais profunda do que a Odisseia, é o livro
mais definitivo e influente, que gerará toda a tragédia grega. A Odisseia, por sua
vez, gera a comédia, o Aristófanes.

Ou seja, tudo aquilo que virá em seguida é basicamente filho da Ilíada. Nenhuma
outra obra tem tanta influência na história do ocidente como essa, exceto a Bíblia.

Se há duas obras que juntas estabeleceram uma influência na vida humana são
essas duas. Essa aí nos contando que a vida humana é uma vida de tragédia,
porque nós somos na verdade muito fracos, nada podemos contra os deuses, que
até se divertem das nossas desgraças. A Bíblia já é a história da tragédia e da
salvação, a história completa da possibilidade humana, mas daí é outra coisa que
não vamos entrar aqui, porque é muito diferente da Ilíada.

A Ilíada é uma obra literária, embora tenha sido cantada mais do que apenas lida
durante toda a história; ela é a obra que melhor revela a desgraça da existência
humana frente a vida, que é esse fato de que apesar de fazermos tudo aquilo que é
certo, no fundo somos apenas joguetes dos deuses. Não sabemos o que é que nos
está destinado e precisamos viver com essa pequenez. Se essa incerteza é o que
coordena nossas vidas, a nossa única possibilidade existencial é sermos o mais
nobres possível.

Homero começa o livro contando por que é que Aquiles sai da briga e termina, “Os
funerais estes foram de Heitor, domador de cavalos”. No final, há uma espécie de
declaração de respeito, uma homenagem a bravura humana, à capacidade de os
seres humanos enfrentarem o seu destino, por pior que ele seja.
Então, só nos resta uma possibilidade: sermos o mais nobre possível. Dentro dessas
incertezas, nós não podemos ser como os deuses, nós precisamos ter uma nobreza
implícita em nós. Essa nobreza, por exemplo, são as coisas pelas quais o Dom
Quixote luta, mas aí também já é outra história que nós teremos a chance de
conhecer4.

[COMENTÁRIOS DE ALUNOS]

É isso mesmo, é o que depois no Livro de Jó, Deus pede: “Jó, diga-me uma coisa:
onde é que você estava quando eu inventei o mundo? Foi você que fez as árvores?
Foi você que inventou o Leviatã e o Behemoth? Foi você que fez as descobertas?
Foi você que construiu o mundo? Não foi, então não enche o saco. Você não sabe
nada, é um pobre coitado. Por que é que você tá querendo discutir os meus
desígnios? Na hora em que você for capaz de inventar uma planta, um mundo igual
a esse, você fala comigo de novo” É isso que Deus fala a Jó, não é isso? Jó tenta se
lamentar do seu destino, mas isso não é areté; a virtude está em você ir até a morte,
enfrentando o seu destino com o tamanho da sua existência, é isso o que nos
transforma um pouco em deuses.

Essa situação é ilustrada por uma das versões do final da história do Édipo Rei, o
sujeito que cega os próprios olhos porque descobre que se casou com a mãe, com
quem teve quatro filhos: Etéocles, Ismênia, Antígona e Polinices; e matou o pai. Ele
não sabia o que realmente estava fazendo, então todo mundo dizia para ele: “Édipo,
mas você não sabia, por que você está cegando os próprios olhos?”, contudo ele
não aceita o fato de que ele não sabia. Em uma versão alternativa à de Sófocles,
quando Édipo morre e vai sendo levado ao sepulcro (assim, num enterro muito
vagabundo porque ele era um rei criminoso e cego que já não governava nada), os
deuses do Olimpo começam a baixar e seguir o enterro.

Todos acham aquilo muito estranho, porque são deuses acompanhando o enterro
de um homem, até que uma hora desce Zeus em pessoa. Os demais perguntam a
ele: “Zeus, por que você está aqui em pessoa seguindo o enterro desse desgraçado
do Édipo, que fez um monte de merda? Como é que pode uma coisa dessa?”. Daí,
ele diz assim: “Na hora em que Édipo aceitou a responsabilidade pela sua própria
vida, ele se transformou em um de nós; eu vim aqui prestar homenagem a um de
meus pares”. Pois a possibilidade de santidade humana está na aceitação do
destino com os melhores valores possíveis, com os sacrifícios que forem preciso
para que nossos valores sejam preservados. É isso o que a Ilíada quer contar para
as crianças na Grécia; é com essa conversa que toda uma geração de gregos foi
incorporando um espírito helênico, o espírito do areté, da virtude pessoal como fator
orientador da vida (o que é contado no livro “Paideia”, de Werner Jaeger)
“That’s all Folks!”

Gregos

(dânaos, aquivos, aqueus, acaios, argivos, helenos)


Deuses aliados: Palas Atena, Hera, Posido (Poseidon)

Filho da nereida Tétis e do humano rei Peleus.


Principal guerreiro grego. A Ilíada poderia se
chamar “A ira de Aquiles”. Foi mergulhado
(menos o calcanhar) por Tétis no rio Estige, para
torná-lo invulnerável. Perseguido por profecias, é
escondido aos nove anos na corte de
Pelinda
1. Aquiles Rei dos Licomedes, para viver entre as suas filhas, como
Pelido
Mirmidões se menina fosse. Antes de sua partida para Troia
Eácida
com cinqüenta navios, sua mãe o adverte de que
se lutasse em Troia teria vida curta e gloriosa;
mas se ficasse em casa viveria muito, sem
glória. Morre atingido no calcanhar por uma
flecha de Páris. Aquiles preferiu vida curta com
glória.
Comandante das tropas gregas. Filho de Atreu e
Aérope, Casado com Clitemnestra, irmã de
Helena. É irmão mais velho de Menelau. Tira a
escrava Briseida de Aquiles e este, indignado,
2.Agamémnone Rei de
Atrida rompe com os gregos, comprometendo o esforço
Micenas Rei da
Pelópida de guerra aquivo. Mais tarde, pressionado pela
Lacedemônia Rei de
Tantálida possibilidade de derrota, reconheceria seu erro e
Argos
devolveria Briseida, mas Aquiles não o
perdoaria. Depois da guerra seria assassinado
pela mulher Clitemnestra em conluio com o
amante dela, Egisto.
Filho de Menécio (Menetes) e preferido de
3.Pátroclo Aquiles. Sua morte por Heitor conduz Aquiles de
volta à guerra com o objetivo de vingá-lo.
Astuto e ardiloso, freqüentemente destacado
para missões diplomáticas, sobretudo junto a
Aquiles. Obtém de Heleno a revelação das
4.Odisseu (Ulisses) Laertíada condições necessárias para a queda de Troia.
(Ulixes) Rei de Ítaca Tíada Odisseu será a principal personagem da
“Odisséia”. Marido de Penélope. Pai de
Telêmaco. Voltará para Itaca, onde recupera a
mulher e o poder.
Irmão mais novo de Agamémnone e guerreiro
sem brilho. Filho de Atreu e Aérope. É
abandonado por Helena, que se deixa raptar por
5.Menelau Rei de
Atrida Páris. Do casamento com Helena, nasceu
Esparta
Hermione e, segundo alguns relatos, Nicóstrato.
Menelau retornaria a Esparta, onde teria tido
velhice apagada.
6.Diomedes Rei de Tidita Filho de Tideu e Deipile. Acompanha Odisseu na
Argos qualidade de ex-pretendente a Helena. Ferido
por Pândaro, Atena triplica o seu poder. Na luta,
Enéas, que o observa, pergunta-se se não se
trata de um deus… Diomedes, na fúria, acaba
ferindo Afrodite. Ao voltar para casa, encontra
uma esposa infiel que tenta matá-lo. Foge para a
corte do rei Dauno.
Neto de Minos, filho de Deucalião. Também
pretendente a Helena. Foi um dos que entraram
na cidade dentro do cavalo de madeira. Na volta,
para se salvar de uma tempestade, teria
prometido aos deuses sacrificar o primeiro que
7.Idomeneu Rei de
encontrasse ao chegar na sua terra. Este
Creta
primeiro acabou sendo seu filho, que de fato
teria sacrificado, de acordo com algumas
versões.

Refugiado junto a corte de Peleu, foi preceptor


8.Fenice (Fênix) de Aquiles. Tenta inutilmente convencer Aquiles
a perdoar Agamémnone.
Vidente poderoso de Micenas, o mais
competente na interpretação do vôo das aves.
Profetiza, quando Aquiles tinha nove anos, que
Troia só seria conquistada, se o futuro herói
participasse da luta. Também manda Odisseu
9.Calcas Testorides Calcante
interrogar Heleno para saber das fraquezas de
Troia. Predisse que a guerra duraria dez anos e
esclareceu as causas da peste sobre os gregos.
Também é quem manda Agamémnone sacrificar
sua filha Ifigênia no porto de Áulide.
Filho de Telamão. Maior guerreiro depois de
Aquiles. Gigantesco, comparado ao “rio
10.Ajaz Telamônio transbordado”. Único sem apoio divino. Como é
O Grande
(Ájax) preterido na distribuição das armas dos troianos,
enlouquece, massacra as ovelhas gregas e se
suicida.
Filho de Oileu. Tipo grosseiro, arrogante, cruel e
ímpio, mas só menos veloz que Aquiles. Depois
da queda, tenta violar Cassandra no templo de
Apolo. Atrai a ira do deus e perde os navios na
volta, embora acabe salvo por Posido.
11.Ajaz Locrense O Menor
Vangloriando-se de ter sido poupado, irrita os
(Ájax) Oileu
deuses e acaba morto por um raio de Zeus
enviado por Atena. Outra versão estabelece que,
ao se vangloriar da sua sorte, foi morto por
Posido que lhe atirou em cima gigantesco
rochedo.
12.Nestor Rei de Pilo Neleio Filho de Neleu, criado em Gerânia “Domador de
Nelida cavalos”. Único sobrevivente do massacre que
Gerênio Héracles (Hércules) perpretou na sua família.
Casado com Eurídice. Velho prudente, símbolo
de sabedoria. Pai de Pisístrato, Antíloco,
Equífrone, Areto, Trasimedes, Perseu e Estratio.
Amigo de Odisseu, fica em Ítaca representando
seus interesses. Atena assume suas feições
13. Mentor
quando quer falar com o Tíada ou com
Telêmaco.
Filho de Aquiles com Deidaméia. Entra na guerra
após a morte de seu pai. Teria recebido
14.Neoptolomeu (Rei Andrômaca como escrava, sacrificado a jovem
Pirro
de Siros) Polixena e matado Príamo. Também teria
matado o jovem Astianax, filho de Heitor. Volta
para casa.
Filho de Nestor e cognominado “o de pés
velozes” morre tentando defender o pai e é
15.Antíloco Nestórida
enterrado junto a Aquiles e Pátroclo. Ele dá a
Aquiles a notícia da morte de Pátroclo.
Pretendente a Helena, é companheiro na guerra
16.Meríones de Troia de Idomeneu, de quem é sobrinho.
Exímio arqueiro.
O mais feio dos combatentes gregos: coxo, com
pés tortos, corcunda. Cai na armadilha de
Agamémnone, no começo da narrativa e adere à
17.Tersites
idéia da fuga. Odisseu lhe dá bastonadas.
Outras fontes atestam que teria sido morto por
Aquiles.

Troianos

(teucros, troas, frígios)

Deuses aliados: Febo Apolo, Afrodite, Ares

Príncipe de Troia com poderes de rei. Melhor


guerreiro troiano e, juntamente com Aquiles,
principal herói da epopéia. A Ilíada poderia chamar-
se “O Sacrifício de Heitor”. Provavelmente filho mais
1. Heitor
velho de Príamo e Hécuba. Casado com Andrômaca
com quem tem Astíanax. É morto por Aquiles. A
obra acaba com o verso: “Os funerais estes foram
de Heitor, domador de cavalos”.
De beleza indescritível, é filha de Zeus e de Leda,
embora tenha pai humano, Tíndaro. Seus irmãos
são os dióscoros, Castor e Pólux. É irmã de
Argiva
Clitemnestra. Fugiu de Esparta para se tornar
2.Helena Tindarita
mulher de Páris, com quem não teve filhos. Pivô da
Lacônia
guerra de Troia. Voltaria para Esparta com Menelau.
Uma das quatro “troianas” (Hécuba, Andrômeda,
Cassandra e Helena).
3.Páris (Alexandre) Príncipe de Troia e “divinamente bonito”. Predileto
de Afrodite. Para impedir o cumprimento de um
sonho profético, pelo qual seria responsável pela
ruína de Troia, foi criado por pastores no monte Ida,
onde o chamavam “Alexandre”. Acaba sendo o
causador da guerra com o rapto de Helena. É fraco
e pouco heróico, mas mata Aquiles com flechada no
calcanhar (esta informação não está na Ilíada),
tendo sua mão sido dirigida pelo próprio Apolo.
Neto de Ílio, filho mais novo de Laomedonte. Teria
tido cinqüenta filhos, dezenove com Hécuba. Já
idoso, deixa o comando do reino para Heitor, cujo
4.Príamo Rei de
Dardânida corpo suplica humildemente que os gregos lhe
Troia
entreguem. Depois da queda de Troia, Príamo teria
sido morto por Neoptolomeu, filho de Aquiles,
matador de seu filho Heitor.
Filho de Anquises, primo de Heitor e seu principal
tenente. Depois de Heitor, o mais valente dos
troianos. No final da guerra, refugia-se no Monte Ida.
Teria sido o fundador de Roma, segundo a Eneida
5.Enéas de Virgílio, de que é o principal herói. Virgílio
interpreta a fundação de Roma como confirmação
das profecias de que Enéas teria sido escolhido
pelos deuses: “Terás um filho que será rei dos
troianos”, teria dito Afrodite a Anquises.
Segunda mulher de Príamo, a quem teria dado
dezenove filhos. Já está idosa por ocasião da
guerra. Uma das quatro “troianas”. É também mãe
6.Hécuba de Polixene e de Polidoro entre outros que
(Hécabe) Rainha morreram. Com a ajuda de Agamémnone, agora
de Troia “genro”, vinga-se do trácio Polimestor, infiel guarda
do seu filho Polidoro. Há duas versões para seu fim:
teria sido lapidada por seguidores do rei Polimestor
ou transformada numa cadela.
Filha de Eecião, rei de Teba da Mísia. Mulher de
Heitor, modelo de virtude. Seu nome tem conotação
masculina: Andros (homem)+ Maché (combate).
7.Andrômaca
Uma das quatro troianas. Mãe de Astíanax. Depois
da guerra é entregue a Neoptolomeu, filho de
Aquiles.
Filha de Príamo e Hécuba, a quem Apolo teria dado
o dom da profecia, mas tirado o da credibilidade, por
ter resistido aos seus avanços. De fato previu a
ruína de Troia por Páris e a armadilha do cavalo de
8.Cassandra
madeira. Depois da guerra é entregue ainda virgem
a Agamémnone. Por ciúmes, teria sido morta por
Clitemnestra, mulher daquele. É uma das quatro
troianas.
9.Heleno Irmão gêmeo de Cassandra. Predisse a Páris as
calamidades causadas pela sua viagem à Grécia
(aquela em que raptou Helena). Recebe de Apolo
um arco de marfim com o qual fere Aquiles na mão.
Após a morte de Heitor, assume o comando dos
troianos. Foi ferido por Menelau. Retirou-se para o
Monte Ida onde, pressionado por Odisseu,
confidenciou as condições para a queda de Troia.
Herói troiano nascido na mesma noite de Heitor.
10.Polidamante Hábil estrategista, planejou muitas vitórias dos
troianos. Vidente.
Sacerdote de Apolo em Troia, marido de Antíope.
Ao desrespeitar Apolo, possuindo sua mulher no
templo, Laocoonte, junto com dois filhos, foi
estrangulado por serpentes que saíram do mar, no
11.Laocoonte
momento em que fazia cerimônias para Posido
afundar os gregos na viagem de volta, após a
pseudo-retirada destes (para dar realismo ao
pretenso presente, o do “cavalo”).
Filho mais novo de Príamo e Hécuba, é assassinado
pelo ganancioso Polimestor, a quem havia sido
confiado. Hécuba, para vingar o filho, na seqüência
12.Polidoro
da queda cegaria o Trácio e mataria seus filhos,
conforme relatado na tragédia “Hécuba” de
Eurípedes.
Filha mais jovem de Príamo e Hécuba. Por
insistência de Odisseu, é sacrificada por
Neoptolomeu no túmulo de Aquiles, pedido do
13.Polixena fantasma do guerreiro. Polixena comporta-se com
excepcional dignidade frente a sua morte. Certas
versões indicam Aquiles apaixonado por ela em
vida.
Chefe de um contingente lício, aliado de Troia. Teria
aprendido a atirar flechas diretamente com Apolo.
Durante a trégua após o combate Menelau x Páris, é
14.Pândaro induzido por Atena a flechar Menelau, que fere
levemente, recomeçando a guerra. Mais tarde ferirá
Diomedes, que revidaria, matando-o com golpe de
lança.
Filho do arauto Eumede, candidata-se a espionar os
gregos contra receber os “corredores” de Aquiles.
15.Dolão Pego por Odisseu e Diomedes, confessa sua
missão, entrega as posições troianas e é morto por
Diomedes.
Aliado dos troianos, é surpreendido por Odisseu e
16.Reso Rei da
Diomedes, após as informações de Dolão, e morto
Trácia
com seus companheiros.
17.Deífobo Irmão preferido de Heitor. Numa competição, ele
reconhece Páris, que estava incógnito como o
pastor Alexandre. Fica com Helena, depois de uma
disputa com Heleno, mas acaba sendo morto por
Menelau.
Guerreiro hábil que ajuda a invadir acampamento
18.Sarpédone
grego. Morto por Pátroclo.
Filho pequeno de Heitor e Andrômaca, é atirado de
19.Astíamax cima de uma torre por sugestão de Odisseu, para
impedi-lo de vingar o pai uma vez adulto.

Obs1: A transliteração dos nomes gregos e troianos obedece o padrão estabelecido


por Carlos Alberto Nunes.

Obs2: Há versões diferentes, às vezes contraditórias, para personagens mitológicas.

Fontes: Carlos Alberto Nunes, Ilíada (Ediouro, Rio de Janeiro, 2005)

Pierre Grimal, Dicionário de Mitologia (Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2000)

Laffont-Bompiani, Dictionaire de Personnages (Robert Laffont, Paris, 1960)

1 Componente de um nome pessoal baseado no nome dado do pai, avô ou


antepassado masculino anterior.

2 O Rapto das Sabinas é episódio lendário da história de Roma, segundo o qual a


primeira geração de romanos teria obtido esposas para si através do rapto das filhas
das famílias dos sabinos (povo vizinho a Roma).

3 Ensaio “A Ilíada ou O poema da força”;

4 Aula sobre “Dom Quixote”: https://www.youtube.com/watch?v=eTX69jn21EA

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