A CRIAÇÃO DO DIREITO - Goffredo

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A CRIAÇÃO DO DIREITO – GOFFREDO TELLES JUNIOR

A obra, “A criação do Direito”, 3° edição (2014), divide-se em três partes: a primeira


parte recebe o título: “O problema da liberdade”; a segunda parte: “Posição e oposição
das escolas”; e por derradeiro, a terceira parte discute: “A disciplina da convivência
humana”.
Interessante observarmos que o fenômeno liberdade percorre toda a obra de Goffredo
Telles Junior. Daí se tem o alicerce sobre o qual se levanta o edifício do Direito e que o
faz resistir às intempéries sociais. Goffredo afirma que a ausência da liberdade reduz o
direito a uma mera fantasia vã. Desse modo, discute que, para provar a liberdade
humana, é necessário provar que o ser humano não é constituído de uma só
substância, haja vista que uma substância (ou parte) do ser humano está sujeita à lei
da natureza. Então, indaga se há uma outra substância humana livre do determinismo
universal: “Haverá no ser humano alguma substância independente da lei da
natureza?” (p. 23).
Em busca do melhor entendimento sobre o enigma da liberdade, Goffredo explana
duas correntes de pensamentos, quais sejam, a dos monistas e a dos dualistas. A
teoria monista defende que todas as coisas são regidas por uma única substância
universal, inexistindo uma diferença essencial entre matéria e o espírito. Os monistas
dividem-se da seguinte maneira: materialistas, cuja substância universal é a matéria; e,
espiritualistas, tendo como substância universal o espirito. Por sua vez, os dualistas
defendem a pluralidade de substâncias, isto é, vê o homem como um ser formado pela
combinação por duas substâncias distintas: corpo e alma.
No que diz respeito à teoria monista, Goffredo deteve-se no monismo espiritualista de
Spinoza. Vale aqui destacar que o entendimento spinoziano de substância é o mais
radical que já se propôs no campo filosófico. Aristóteles dizia: “A substância é aquilo
que não existe em outro e não se predica de outro”. Contudo, para a metafísica antiga
as substâncias eram múltiplas e o próprio Descartes, nos primórdios da modernidade,
havia se pronunciado a favor da pluralidade de substâncias. Spinoza prossegue nessa
linha, porém, dela tira as consequências extremas. A substância “é aquilo que existe
em si e existe concebido por si mesmo” e, uma vez que “todas as coisas ou existem em
si ou existem em outro”, então, além de Deus, não pode haver e nem se conceber
nenhuma substância. Nada pode existir e nem ser concebido sem Deus, portanto, tudo
aquilo que existe, com efeito, existe em Deus.
Para Spinoza, a substância universal (Deus) manifesta a sua essência em infinitas
formas e maneiras, cujo ato se denomina “atributos”. Esses atributos são considerados
eternos e infinitos, porém, os seres humanos conhecem apenas dois desses atributos
infinitos: o pensamento e a extensão. Além das substâncias e dos atributos há também
os “modos”, ou seja, aquilo que existe na substância e é concebido para a substância,
diferente do atributo, o qual existe na substância e é concebido por si. Goffredo

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destaca que “o modo não subsiste em si, mas em outra coisa, e não é concebido senão
por meio dessa outra coisa” (p. 37).
A teoria de Spinoza reduziu a pluralidade do universo a uma unidade substancial, de
modo que tudo aquilo que compõe o universo está sujeito a uma só lei. Por isso,
Spinoza destaca que se imaginarmos que as ações repudiantes dos homens são livres,
então somos levados a odiá-los. No entanto, se tivermos a consciência que as ações
deles não são livres, consequentemente não os odiaremos ou os odiaremos muito
menos, pois consideraremos as ações dos homens como um acontecimento natural e
necessário.
Embora reconheça a importância da liberdade, Spinoza tende a concilia-la com sua
teoria, mas, acaba por cair em contradição, uma vez que vontade, liberdade e virtude
para este filósofo nada mais é do que um determinismo que consiste na rigorosa
sujeição dos homens à lei universal e necessária. Dessa forma, o alicerce do direito fica
prejudicado.
Contrapondo a ideia monista de que existe uma única substância e que além desta não
pode haver e nem se conceber nenhuma outra, Descartes inicia um novo tipo de saber
centrado na multiplicidade da substância. Faz-se salutar, inicialmente, antes de se
adentrar no mérito propriamente dito, realizar pequena digressão quanto às
afirmações do filósofo Leibniz: “Costumo chamar os escritos de Descartes de vestíbulo
da verdadeira filosofia, já que, embora ele não tenha alcançado seu núcleo íntimo, foi
quem dele se aproximou mais do que qualquer outro antes dele, com a única exceção
de Galileu, do qual oxalá tivéssemos todas as meditações sobre os diversos temas, que
o destino adverso reduziu ao silêncio. Quem ler Galileu e Descartes se encontrará em
melhores condições de descobrir a verdade do que se houvesse explorado todo o
gênero dos autores comuns”.
Goffredo salienta as três espécies de substâncias postuladas por Descartes, cujas
“naturezas ou essências, realmente distintas uma das outras são reveladas pelos três
referidos atributos principais: a SUBSTÂNCIA EXTENSA ou CORPO, a SUBSTÂNCIA
PENSANTE ou ALMA e a SUBSTÂNCIA FORMADA PELA UNIÃO DA ALMA COM O
CORPO” (p. 55).
Desse modo, temos que o pensar é próprio da alma, cuja realidade é inextensa, ao
passo que o corpo é a substância extensa, de sorte que a separação da alma do corpo
não causa a morte da alma, pois a alma está livre das causas fisiológicas. Assim,
Descartes revela que as espécies de pensamentos são duas, quais sejam, percepção
pelo conhecimento e ação pela vontade, sendo que a vontade é livre, “o que significa
que ela não se acha determinada pelas leis da matéria” (p. 61).
Ora, no homem, diferente dos outros seres, as duas substâncias distintas estão juntas.
Assim, podemos concluir que no homem existe uma substância livre do determinismo
universal. Para Descartes, a vontade livre do homem, “consiste em suma, no poder
positivo de se determinar”.

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Haja vista que tanto a teoria de Spinoza como a de Descartes pairam sob conceitos
subjetivos da pura razão, Goffredo segue questionando-se se teria o homem meios
adequados para conhecer a realidade. Assim, prossegue com a temática da liberdade
através da teoria kantiana. Kant desenvolve estudos sobre a forma de conhecimento e
sobre a relação entre razão e realidade, como podemos ver na sua obra “Crítica da
razão pura”. Para o filósofo alemão, a natureza do conhecimento científico consiste na
“síntese a priori”.
Segundo Kant, podemos obter o conhecimento das coisas por meio da experiência,
mas não o conhecimento das coisas em si. No entanto, a apreensão dos fenômenos se
dá por meio de estruturas prévias de conhecimento, presentes no sujeito, chamadas
então por a priori. Para Kant, o pensamento é um julgamento, é um juízo do
conhecimento que divide-se em juízos sintéticos a priori e a posteriori e, além desses,
os juízos analíticos. O juízo analítico é um juízo que desenvolvemos a priori, isto é, sem
necessidade da experiência. Sendo assim, tal juízo não é típico da ciência, por isso não
tem grande importância filosófica. Já os juízos sintéticos podem ser a posteriori ou a
priori. Os juízos sintéticos a posteriori são aqueles que formulamos baseando-nos na
experiência, ou seja, os juízos experimentais. Já os juízos sintéticos a priori são os que
acrescentam um predicado a um sujeito não pelo fato percebido, mas sim por relações
necessárias e universais.
Sendo assim, para Kant, “os conceitos como os da alma e da liberdade são daqueles,
cujos problemáticos objetos, os homens não têm meios de conhecer e sobre os quais
nenhuma ciência é possível” (p. 93) Nós nos conhecemos somente como fenômenos,
espacialmente e temporalmente determinados, mas não conhecemos aquele
substrato ontológico (alma). Com a construção das verdades opostas, Kant afirma que
os objetos inatingíveis pela experiência podem ser afirmados como podem ser
negados, com argumentos igualmente valiosos.
Diante das teorias filosóficas expostas por Goffredo, permanece a indagação se o
homem é livre. As construções obtidas pelos filósofos não foram capazes de abranger
o enigma da liberdade. Nesse momento, a autor da “Criação do Direito” discuti a
solução proposta pelo filósofo Henri Bergson. É pertinente destacarmos que, para
Bergson, “o meio mais seguro de saber até onde podemos ir, é pormo-nos a caminho e
avançar” (p. 112). De acordo com Bergson, em nós, nada é estável, pelo contrário,
tudo se modifica, de modo que, se “quisermos estudar um determinado fato interior,
este já se acha no passado e já se transformou em outro. Em nós tudo muda sem
cessar, e a vida não é senão a passagem ininterrupta de um estado para outro estado”
(p. 113).
Doravante Goffredo apresenta a explicação de Bergson a respeito da “duração”, cujo
conceito é fundamental na filosofia de Henri Bergson. Para melhor compreender o
conceito de duração é preciso diferenciar o tempo da mecânica com o tempo da
experiência. O tempo da mecânica é o tempo espacializado, como se vê nas sucessivas
posições dos ponteiros do relógio, isto é, o tempo é uma série de instantes, um ao lado
do outro. Uma outra característica fundamental do tempo da mecânica é o fato dele

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ser reversível. Já o tempo da experiência concreta é considerado como “duração”. A
consciência capta imediatamente o tempo como duração: “duração quer dizer que o
eu vive o presente com a memória do passado e antecipação do futuro”. Podemos
dizer assim que fora da consciência o passado não existe mais e o futuro ainda não
existe. No entanto, passado e futuro só podem viver em uma consciência que os liga
no presente.
Em vista disso, Goffredo encerra a primeira parte afirmando que, segundo a teoria de
Bergson, o elemento livre presente no homem utiliza-se do cérebro para fazer as
escolhas em cada momento da vida. A consciência escolhe e o cérebro, por sua vez,
executa a escolha. Desse modo, destaca: “se a liberdade não existisse, o cérebro seria
uma excrescência e uma inutilidade. O fato da existência do cérebro, assim como se
acha realmente constituído, leva-nos à convicção da liberdade humana” (p.127).
Na segunda parte, “Posição e oposição das escolas”, professor Goffredo inicia a
discussão com o contratualismo e historicismo. Sobre o contratualismo, ressalta o
contrato social em Rousseau e, também, o estado de natureza, sendo este um mítico
estado originário, como se fosse uma categoria filosófica. Segundo a hipótese do
estado de natureza, o homem é originariamente íntegro e moralmente reto. No estado
de natureza os homens gozavam da plena liberdade, uma vez que suas vidas não
estavam corrompidas pela ganância. No entanto, a estrutura histórica-social rompe
com a espontaneidade dos sentimentos mais profundos do homem. A cultura, a
ambição, a riqueza, trouxeram consigo “necessidades cada vez maiores, vícios cada vez
mais generalizados, corrupção cada vez mais fatal” (p. 140). Temos que a cultura
piorou o homem, porque ela deturpou sua natureza. Originariamente sadio, o homem
vê-se agora desfigurado. Dessa maneira, o segredo da felicidade está em “ser pobre e
simples, moderado e satisfeito”, acentua Goffredo. Vale lembrar que o estado de
natureza é uma hipótese, o que significa que não há prova histórica do homem
“selvagem”.
Diante de causas estranhas, como por exemplo, o inverno rigoroso, erupções
vulcânicas, terremotos, os homens foram levados à associarem-se e, a partir daí,
derivaram os sentimentos de inveja e vaidade, os quais corromperam o homem
selvagem. Com o descobrimento dos métodos do trabalho, como por exemplo a
agricultura, e com o surgimento da propriedade, teve-se como consequência a
desigualdade social.
Frente à crise decorrente da desigualdade social, Goffredo indaga: qual é a forma de
associação capaz de proteger e defender a pessoa e os bens de cada associado?
“Rousseau responde: é a que resulta do contrato social” (p. 148). No Contrato Social, o
filósofo suíço destaca a célebre frase: “O homem nasceu livre e, todavia, em todo lugar
encontra-se em cadeias”. Logo, podemos concluir que, o rompimento das correntes
que aprisionam o homem em todo lugar e a restituição da sua liberdade são
finalidades capitais do novo contrato.

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Rousseau enaltece de modo tão sublime a associação decorrente do contrato social
que pode nos levar a pensar que ele entrou em contradição com o discurso do estado
de natureza, o qual foi exaltado e tido como superior a qualquer outro. Nesse aspecto,
Goffredo frisa que “onde, à primeira vista, parece haver contradição, há na realidade
evolução de pensamento” (p. 150).
Com o contrato social Rousseau desenvolve o conceito denominado vontade geral.
Enquanto a vontade particular tem sempre como objeto o interesse privado, a vontade
geral é, ao contrário, o amante do bem comum. Não confundamos a vontade geral
com a soma das vontades de todos os componentes que formam a sociedade, mas
uma realidade que surge da renúncia de cada um aos próprios interesses, em favor da
coletividade. Desse modo, estabelece Rousseau uma base material à igualdade, sem a
qual não se pode falar em construção da vontade geral. Nas palavras de Rousseau:
“Sob os maus governos, essa igualdade é apenas aparente e ilusória: serve somente
para manter o pobre em sua miséria e o rico em sua usurpação. Na realidade, as leis
são sempre úteis aos que possuem e prejudiciais aos que nada têm. Donde se segue
que o estado social só é vantajoso aos homens na medida em que todos eles têm
alguma coisa e nenhum tem demais [...].
A respeito da igualdade, não se deve entender por essa palavra que os graus de poder
e riqueza sejam absolutamente os mesmos, mas sim que, quanto ao poder, ela esteja
acima de qualquer violência e nunca se exerça senão em virtude da classe e das leis, e,
quanto à riqueza, que nenhum cidadão seja assaz pobre para ser obrigado a vender-se
[....]
Quereis dar consistência ao Estado? Aproximai os graus extremos tanto quanto seja
possível; não tolereis nem homens opulentos nem indigentes. Esses dois estados,
naturalmente inseparáveis, são igualmente funestos ao bem comum”.
A vontade geral se manifesta pelas leis e livre na verdade é aquele que segue a lei por
ele mesmo determinada. Assim, o Estado resulta da associação de membros, os quais
encontram-se ativos no que tange a criação de leis, de tal modo que a lei estabelecida
pelo Estado é a própria lei dos membros. Embora se trate de uma teoria de total
submissão ao Estado, o pensamento de Rousseau não entra em contradição com a
liberdade.
Portanto, o contrato social não alude para o retorno à natureza originária, mas exige
um modelo social capaz de destruir a tirania que oprime a humanidade e restabelecer
o reino da liberdade. “E assim, sob sua pena, o contratualismo é força renovadora e
revolucionária” (p. 161).
Segundo Goffredo, quanto à Escola Histórica do Direito e um dos seus principais
autores, Savigny, procura pôr em “evidência o laço vivo que prende o presente ao
passado, pois, se esse laço é desprezado, poderemos sentir as manifestações externas
do direito, mas não penetrar-lhe o espírito” (p. 170). Para Savigny, o povo que é o
criador e o sujeito do direito positivo. À vista disso, Goffredo ressalta que, em relação

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ao povo, não devemos considera-lo como um agregado acidental de um certo número
de homens quaisquer, mas como um ser individual.
No direito positivo tem-se que a criação da lei é uma das mais importantes atribuições
do Estado. A lei sempre será a expressão do direito popular, seja ela feita pelo
príncipe, pelo senado, por uma assembleia, nada disso muda a relação entre o
legislador e o povo. Seria um erro pensarmos que, “para representar o espírito da
nação, a lei deva necessariamente emanar de uma assembleia eletiva” (p. 173). Sendo
assim, as instituições resultantes de uma demorada elaboração social nascem e
lentamente se desenvolvem por força de imponderáveis circunstâncias históricas. Em
suma “constitui direito o conjunto das normas que os usos, hábitos e costumes,
reveladores da consciência de uma nação, consagraram como tal” (f. 180).
Chega-se à conclusão de que ambas doutrinas se encontram regidas pelo naturalismo,
tendo em vista que o naturalismo de Rousseau é objetivo e naturalismo de Savigny é
subjetivo. E apesar de ambas serem consideradas naturalistas, há também que se
destacar que elas carregam consigo tendências tradicionais opostas do espírito
humano: “Uma paira no mundo do abstrato e do intelectual; a outra permanece nas
regiões do concreto e do sensório”. Ambas teorias foram recebidas sob forte
influência, no campo jurídico dos tempos modernos.
Opondo-se à teoria do contratualismo em Rousseau, a qual retrata que a norma válida
é aquela que foi criada por meio de assembleia eletiva, o formalismo da Teoria Pura do
Direito declara que, uma norma vale como norma de direito, quando sua criação
obedece a preceitos estabelecidos numa norma de direito anterior. Sendo assim, para
não cairmos em uma cadeia infinita, depararíamos com uma hipótese originária, que
Kelsen denomina norma fundamental.
A norma fundamental não pertence a nenhum sistema de regras positivas, pois o
princípio da norma fundamental não foi criado, isto é, não foi formulado com as
prescrições de uma norma qualquer. Segundo Kelsen, “esse princípio é a norma
fundamental suprema, que não pode ser norma positiva, mas apenas suposta”.
Portanto, para que as normas sejam válidas é necessário a aceitação da hipótese que
alude para a norma originária.
Na Teoria Pura do Direito, é elementar compreendermos que o Estado é uma ordem
de coação, o que o faz ser diferente das outras ordens sociais. Em suma, afirma-se que
o Estado é a Personificação da ordem jurídica. Assim, as correntes clássicas que
separam o Estado do direito como se fossem duas entidades diferentes não encontram
mais correspondência na Escola de Viena. O Estado passa a ser visto como uma ordem
jurídica total pois se funda na norma fundamental suprema.
A ideia de que o Estado é soberano confronta diretamente com a ideia de Direito
Internacional, pois, afirmar que o Estado é soberano, é o mesmo que dizer que não há
outros Estados soberanos e que não há ordem normativa superior ao Estado, e que,
portanto, não existe o chamado Direito Internacional. Assim, Kelsen afirma para um

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futuro, “uma ordem normativa universal, um Estado que seria a civitas maxima,
personificando a pirâmide jurídica do mundo”.
Goffredo destaca as incongruências da Teoria Pura do Direito e faz severas críticas a
ela, a começar pela norma fundamental, tida como uma hipótese originária. O jurista
brasileiro afirma que “não existe, nessa doutrina, nenhum verdadeiro critério para o
reconhecimento do direito, pois o direito é reconhecido pela norma fundamental, e a
norma fundamental é reconhecida pelo direito” (p. 208).
Kelsen, com a intenção de purificar o direito livrando-o do direito natural, do fato
psicológico, sociológico, etc., para assim não adotar critérios metafísicos na sua
investigação, acaba por criar uma doutrina “suspensa no ar, sem base na realidade”.
Tal teoria não considerou as indagações sobre por que motivos os homens se sujeitam
a uma ordem normativa. Por isso, o professor Goffredo afirma que a “Escola de Viena,
apesar da grandiosidade de sua concepção, apresenta um direito irremediavelmente
árido, desumanizado e morto” (p. 211).
Tendo em vista que o formalismo não conseguiu atingir seus objetivos, Bergson
propõe uma nova filosofia que pretende ser fiel à realidade, mas onde a realidade não
é concebida como reduzida e nem envolvida pelos “fatos” dos positivistas. Sua teoria
tende a ressaltar que a “duração” é a grande realidade do nosso mundo interior. Dessa
forma, a realidade se apresenta, “aos olhos de Bergson, como crescimento global e
indiviso, invenção gradual, duração, como um balão elástico que se dilataria pouco a
pouco, tomando, a cada instante, formas inesperadas” (p. 243).
Para Bergson o movimento de uma coisa não é mais do que um movimento de
movimentos. Segundo sua teoria, temos dificuldade em aceitar uma concepção de um
mundo em que só haja movimento. Por isso, ressalta que o movimento não precisa de
um móvel, isto é, não precisa de um ponto fixo para ser detectado. No entanto, temos
a tendência de solidificar as nossas impressões para podemos exprimi-la pela
linguagem.
A capacidade de perceber as coisas também ganha importância em sua teoria, sendo
que a experiência mostra a possibilidade de ampliarmos a nossa percepção, como por
exemplo, o que sucede na esfera da arte. Sendo assim, o papel do filósofo é análogo
ao do artista. “É preciso que ele desvie essa atenção do lado praticamente interessante
do Universo, e a dirija para o que, praticamente, não serve para nada”. O cérebro foi
constituído para colher apenas aquilo que nos é necessário, apenas aqueles
conhecimentos que interessam à nossa ação sobre as coisas. No entanto, urge alertar
que também precisamos aprimorar a nossa percepção, de modo a nos tornar
desapegado do que é útil.
A intuição passa a ser o fator essencial para saltarmos para fora da inteligência,
ampliando nossa forma de conhecer. A inspiração é a base salutar para lançarmo-nos
diante dos dados que são recolhidos e, com a luz que não emerge de tais dados, somos
conduzidos a novas descobertas e, finalmente, afirmados numa forma imprevista. Por

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isso, Bergson adverte-nos que “pobre e superficial metafísica será aquela que se limita
a um esquema preconcebido do ser” (p. 258).
Com intenção de atingir a realidade social, Durkheim foi um dos primeiros a delinear
sobre o objetivismo sociológico. O sociólogo propõe que substituamos uma análise
ideológica por uma ciência de realidades. Para Durkheim, a sociologia somente
progredirá caso abandone a metafísica e se emancipe de toda a filosofia. Portanto,
tem como escopo obter a realidade íntima dos objetos sem pré-noções ou
preconceitos desvirtuadores.
Durkheim acentua que a solidariedade presente no grupo social se dá em duas
circunstâncias: nas circunstâncias em que os homens se assemelham, e nas
circunstâncias em que os homens não se assemelham, mas se completam. Na
solidariedade resultante da aproximação dos indivíduos, por consciências individuais
semelhantes, teríamos o tipo ideal de uma sociedade, sendo concebida como uma só
massa, absolutamente homogênea e cujas partes não se distinguem uma das outras. Já
a solidariedade que decorre não mais da semelhança faz surgir a divisão do trabalho.
Tem-se a ideia de que quanto mais divisível for a função social do trabalho, mais
dependente do Estado será o indivíduo. Dessa maneira, cada indivíduo é visto como
um órgão da sociedade, seu ato próprio, e, portanto, desempenha o papel/função de
órgão.
Sendo assim, o sociólogo francês chega à conclusão de que as ações individuais dos
homens não são as mesmas ações de quando os homens estão em grupo. Portanto, o
indivíduo tomado pela individualidade é diferente do indivíduo que se encontra na
coletividade, de modo que a coletividade é dotada de alma e vontade própria. “A
consciência coletiva, o ser social, considerados como coisas, como realidades distintas
da realidade psíquica dos indivíduos, constituem o objeto central da doutrina de
Durkheim. Ora, é contra esse objeto, precisamente, que se erguem, segundo me
parece, as objeções que invalidam essa doutrina” (p. 287).
A analogia usada por Durkheim para conceituar a consciência coletiva é vista por
Goffredo como incoerente. Ora, “Durkheim quer ver na sociedade uma alma distinta
da alma humana, assim como vê na água propriedades distintas daquelas que
caracterizam os gases de que ela se compõem. Esqueceu-se ele, porém, de verificar
que a sociedade e os homens coexistem, enquanto os gases, que produziram a água,
deixaram de existir no momento me que se deu sua desarticulação atômica” (p. 289).
Desse modo, encontramos fragilidades no desenvolvimento de Durkheim, no que
tange a consciência coletiva.
Já no objetivismo jurídico de Duguit, temos que o jurista deve apenas se convencer de
que suas escolhas decorrem da liberdade. Não cabe a ele ir mais longe, pouco importa
se esta concepção seja uma ilusão; o fato é esse. “Não é atitude de cientista a de
tomar partido na questão de se saber se o home é, ou não, metafisicamente livre”.
Afirma Duguit que a lei dos organismos são idênticas à lei dos grupos sociais, sendo a
única diferença que os componentes do organismo não são conscientes. Já os

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indivíduos dos agrupamentos sociais agem conscientemente, por isso, a lei é tida como
norma. Sendo assim, tanto Durkheim como Duguit assinalam as semelhanças entre a
sociedade humana com os organismos vivos do mundo físico.
Segundo professor Goffredo, a doutrina de Duguit demonstra fragilidades quando
aponta que o direito se funda tão somente na solidariedade. É notório que a
solidariedade é um fato em que o direito se funda, no entanto, vale lembrar que a
solidariedade é multiforme, isto é, existem inúmeros tipos de solidariedade. Se
aceitássemos a premissa posta por Duguit, seríamos forçados a concluir que as
sociedades dos animais irracionais são regidas por regras jurídicas. E o que nos difere
dos animais irracionais não está exclusivamente na forma de sociabilidade, isto é, na
nossa solidariedade com os outros. Antes de tudo, o que nos difere dos outros seres é
o nosso caráter racional, moral, “em virtude do que o homem constitui o único ser
capaz de confrontar valores e emitir julgamentos” (p. 339).
Quanto ao direito psicológico, seu principal autor, Jellinek, ressalta que não podemos
olvidar de uma das características do homem, qual seja, a carência da moralidade.
Desse modo, o Estado com o direito consiste no mínimo ético que a sociedade precisa
para continuar vivendo. Sua teoria teve por finalidade conciliar o objetivismo com o
subjetivismo, “numa grande tentativa de superação das duas correntes fundamentais
do pensamento filosófico jurídico”.
No direito institucional, Hauriou considera que os dois sistemas, objetivo e subjetivo,
desprezam elementos importantes, como por exemplo, os fundamentos do direito. “O
sistema subjetivo considera o direito apenas a partir do momento em que o Estado
existe como pessoa, pois o direito seria a expressão da vontade dessa pessoa. O
sistema objetivo considera o direito apenas a partir do momento em que a regra é
aceita como obrigatória pela massa das consciências”. Para Hauriou, o fundamento
permanente e universal da lei é a espécie humana. Logo, o fundamento do direito não
está na sociedade e, sim, na espécie, ou seja, no tipo ideal de humanidade. Professor
Goffredo finaliza a teoria do direito institucional de Hauriou afirmando que, para a
“generalidade dos autores, a instituição é uma pessoa; para Hauriou, a pessoa é que é
uma instituição”.
Por derradeiro, a terceira parte da obra, “A criação do direito”, tem como objetivo
esclarecer que o ser humano não se encontra no mundo para viver de modo isolado e
solitário. Todos carregamos essencialmente a forma social, cuja sociabilidade não se dá
apenas por inclinação genética, mas também, por opção da inteligência e disposição
da vontade.
Desse modo, não nos resta dúvida que a liberdade é o que faz com que a ordem ética
individual se transforme em ordem social, haja vista que o sujeito coloca à frente da
razão prática o bem comum, para que este se torne alvo de sua vontade.
Goffredo ressalta a necessidade da convivência: a comunhão que se funda entre os
homens precisa ter como base uma ordenação normativa, que visa assegurar os
direitos dos indivíduos, bem como o respeito pelo próximo. No mundo ético, as

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normas têm caráter prescritivo de “como deve o ser humano se conduzir, em razão do
que a coletividade considera bom, belo, útil e conveniente” (p. 446). Além disso, na
espécie humana, há um sentimento inato de solidariedade e respeito pelo outro,
evidenciando que o homem carrega em seu íntimo o anseio pela harmonia social.

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