Gianfrancesco Guarnieri - Eles Não Usam Black Tie
Gianfrancesco Guarnieri - Eles Não Usam Black Tie
Gianfrancesco Guarnieri - Eles Não Usam Black Tie
Ato I
QUADRO I
Tião volta-se.
CHIQUINHO - Diz prô Juvêncio continuá tocando aqui perto!. . .
Os dois saem.
QUADRO II
CHIQUINHO E TEREZINHA
(jogam cantando) - Nosso amor é mais gostoso
Nossa saudade dura mais
Nosso abraço mais apertado
Nós não usa as "bleque-tais"!
OTÁVIO - Filho da mãe, pra emprestá uma porcaria dessa era melhor não
ter emprestado nada!
CHIQUINHO E TEREZINHA
ROMANA - T'aí O genro, Otávio. Olha só que pratão de doce que ele
comprou. . .
OTÁVIO - Pra que se incomodá, seu João!...
JOÃO - Deixa pra lá... Como é que é, Tião. . .
TIÃO - Tudo bom...
ROMANA - Mas vamo sentá, João, uai! Cadeira só uma, mas tem caixote!
Tião liga a vitrola. De fora vêm risadas. Romana vai ao outro quarto.
ROMANA (que começa a gritar de fora irrompe aos berros) ¬Eu falei!
Nasceu, nasceu! Gêmeos. A Cândida teve gêmeos... Minha
simpatia não falha! Pessoal a festa muda pro 36, a Cândida teve
gêmeos!...
ATO II
QUADRO I
ROMANA - O que estraga é que homem não pode vê festa sem bebê. Teu
pai sabe que não pode bebê e já tava de cara cheia. . .
CHIQUINHO - Gozei foi com o porre do Mauro. Levou um bruta tombo na
descida...Rasgou a calça. . .
ROMANA - Aproveita o exemplo, Chiquinho... Quando tu fô a festa, bebe
mas não mistura. . .
CHIQUINHO - Eu misturei e não aconteceu nada. . .
ROMANA - Tu deixa de saliência, garoto... Não aconteceu nada...Todo
mole dormindo no colo da Tereza. Se tu tivesse bom ia levá
uns tapa.
CHIQUINHO - Dormi foi de sono, não foi de porre!
ROMANA - O Bráulio é que é duro na queda... Tá com os purmão
arrebentando mas bebe bem. . .
CHIQUINHO - Gozado o jeito dele... Um pouquinho, só um pouquinho. . . E
vai engolindo...(Pega um Gibi e senta-se.)
ROMANA - E a Cândida, coitada, quase morrendo, com a casa cheia de
bêbado. .. Tu viu, Tião? Uma porção de bêbado em volta dos
gêmeos: "Que bonitinho!" - Até bêbado esses caras não tem
franqueza. (Pausa.) Não sei porquê essa mania de achá criança
recém-nascida bonita. É feio que dói! E se puxaram a mãe vão
ser mais feio ainda!... Ei, Tião, tá me ouvindo. . .
TIÃO- Hum!?
ROMANA - Tô falando contigo. . .
TIÃO – Sei...
ROMANA - Sabe o quê? Tá ficando louco?
TIÃO - Tô pensando. . .
ROMANA - Na morte da bezerra?
TIÃO - Em como seria bom viajá. Pegava um avião e zuuuuuum! Ia
embora. Tomava café aqui, almoçava na Bahia. . . Jantava no
México... Dormia no Japão... Eu e Maria... Já imaginou se Maria
fosse japonesa que gozado?
ROMANA - Tá de porre ainda...
TIÃO - Tou não!. . .
ROMANA - Mas que ontem tu tava, tava.
TIÃO - Um pouquinho. . .
ROMANA - Pouquinho muito... Sorte que teu pai também tava, senão ia saí
muita discussão... O que tu disse pra ele não se diz.
TIÃO - O que foi que eu disse?
ROMANA - Então tu não lembra?
TIÃO - Palavra que não.
ROMANA - Ainda bem. . .
TIÃO - O que foi que eu disse?
ROMANA - Um monte de ingratidão...Que o culpado da tua vida era teu
pai... Que a gente devia tê te deixado com teus padrinhos...
Que se tu tivesse na cidade, Maria não ia precisá continuá
trabalhando e um monte de besteira. . .
TIÃO - Bebedeira!. . .
ROMANA – É mas é bêbado que a gente se abre...Eu fiquei cismada.
TIÃO - Não tem motivo mãe. . .
ROMANA - Só se tu fosse burro poderia querê tê ficado com os teus
padrinho. . .
TIÃO - Isso não... Se não fosse eles eu não tava vivo. . .
ROMANA - Não faz romance... Cuidei de Jandira, cuidava de tu também...
TIÃO- Com papai na cadeia, a senhora sozinha, duvido muito!
ROMANA - E mesmo se não cuidasse, eles não fizeram coisa melhó...
Conheço aquela láia, queriam é pajem pros filhos, um criadinho... E
vieram com a conversa de educá você, de fazê você um homem. ., Então
por que não te puseram na escola? Pra te mandarem pro grupo foi um
custo... Tu hoje podia tá formado, Tião. . .
TIÃO - Mas não tô. .. O que passô, passô!
ROMANA - Mas que tu tá meio enfezado, tá... Que é, é a ressaca?
TIÃO- Preocupação... Tenho que casá no mês que vem. . .
ROMANA - E casa uái!. .. Quem resolveu foi tu mesmo, agüenta a mão. . .
TIÃO - Mas é duro, mãe...
ROMANA - Todo mundo acaba casando. Duro é, mas a gente sempre se
vira. . .
TIÃO- Sabe, mãe, uma coisa que me invoca... É Maria tê de
continuá trabalhando depois de casada. . .
CHIQUINHO (imperturbável, lendo o Gibi) - Pensamento burguês.. .
ROMANA - A conversa não chegô na cozinha... E se tu vive repetindo o que
ouve teu pai dizê, vai pará em cana sem sabê porquê... (A
Tiào:) Que é que tem trabalhá? Não mata, não. .. Olha eu. .. tô
aqui dando duro ano mais ano e ainda não morri.
TIÃO– É...
ROMANA - Tu tá é precisando de um purgante. . .
TIÃO - Tô bom...
ROMANA - Tu é outro que não pode bebê. . .
TEREZINHA (entra correndo) - Seu Otávio tá quase brigando no
botequim!. . .
ROMANA - Nossa Senhora, pronto. .. Esse Otávio!. . .
TEREZINHA - Tá quase; ainda não tá, não.É por causa da greve. Seu
Antônio disse que greve é coisa de vagabundo. Aí, seu Otávio
disse que vagabundo era quem ganhava dinheiro com a barriga
encostada na caixa. Aí, seu Antônio disse que quem não
consegue dinheiro é porque não gosta de trabalhar. Aí seu
Otávio disse que seu Antônio era ladrão e "caspitalista". Aí,
eles ficaram berrando que não entendi mais nada!...
ROMANA - Isso ainda dá encrenca. . .
TIÃO - Dá não... Seu Antônio é o português mais de nada que eu já vi.
ROMANA - Vai lá, Tião... Diz pra teu pai criá juizo!. . .
TIÃO - Tá. Não te preocupa, não. O velho fala, fala, mas acaba em nada...
(Vai saindo:) Vamo Chico...
CHIQUINHO - Eu fico. .. (Tião sai.) Mãe... a senhora podia me arrumá uns
trocado?
ROMANA - Pra quê?
CHIQUINHO - Pra ir ao cinema com Terezinha. . .
TEREZINHA - Tem filme do Oscarito...
ROMANA - E teu ordenado?
CHIQUINHO - Cabô.
ROMANA - Então vai ao cinema pro mês, pra aprendê não esbanjá!
CHIQUINHO - Esbanjei não. .. Seu Álvaro é que descontou uns troços que
sumiram do armazém.
ROMANA - Tu anda roubando as coisas do Álvaro, seu safado?
TEREZINHA - Cruz credo, D. Romana, rouba não!
ROMANA - Tu cala a boca anjo da guarda!
CHIQUINHO - Roubei nada, mãe!
ROMANA - Eu vou conversá com ele. Mas fica sabendo, se tu tirou um
feijãozinho que for tu vai apanhá tanto que nem sei!
TEREZINHA - Tu roubou?
CHIQUINHO (assustado) - O que?...
TEREZINHA - As coisas do armazém?
CHIQUINHO - Roubá, eu não roubei, não!
TEREZINHA - E por que tu não reclamou com o seu Álvaro? Agora nóis fica
sem ir ao cinema!
CHIQUINHO - Adianta nada reclamá. .. Ele tem de descontá de alguém. ..
desconta de mim!
TEREZINHA - Mas não tá certo!
CHIQUINHO - E depois, eu não roubei mas deixei roubá!
TEREZINHA - Chiquinho, tu deixou?!
CHIQUINHO - Deixei. Mas não tive culpa, não. Eles me obrigaram. . .
TEREZINHA - Quem?
CHIQUINHO - A turma do Tuca, aquele moleque sardento
que vende amendoim... A turma dele é braba... A Amélia
tava cheinha de compra. Tinha três dúzias de fruta, uma
porção de chocolate e o uísque do Dr. Pedro. Eu passei perto
do Tuca... Eu tava até rindo pra ele não cismá comigo!Mas
foi pió, perguntô pruquê eu tava rindo. . .
TEREZINHA - Eu se fosse tu quebrava a cara dele!
CHIQUINHO - É uma turma de mais de vinte!. .. Tiraram tudo!
TEREZINHA - Mas tu deixou?
CHIQUINHO - Que jeito? E depois eles foram legais. Me deram fruta e
chocolate. . .
TEREZINHA - E tu devolveu?
CHIQUINHO - Tinham tirado mesmo! As fruta eu comi, o chocolate eu te
dei.
TEREZINHA - Aquele chocolate que tu me deu era esse?
CHIQUINHO - Era!
TEREZINHA (com raiva) - Tu mente, hein, Chiquinho! Tu não disse que
tinha guardado dinheiro só pra me dá chocolate?
CHIQUINHO - Ficô mais bonito, num ficô?
TEREZINHA (zangada) - Tu mente muito. (Pausa.)
CHIQUINHO - Tezinha, tu gosta de mim?
TEREZINHA - Num sei, não!
CHIQUINHO - Diz que gosta!
TEREZINHA - Tu é muito encrenqueiro, vive apanhando. Não faz nada
direito. Depois fala em casá! Casá de que jeito? Pruquê tu
não contou a seu Álvaro o que aconteceu com as coisas? Ele
não te descontava.
CHIQUINHO - Contá eu contei! Ele não acreditou. Disse que não me
mandava embora porque tem bom coração. .. Mas des-
contou!
TEREZINHA - Podia ter contado tudo pra seu Otávio, ele dava um jeitol
CHIQUINHO - Ele não ia acreditá. E depois, se acreditasse, ia me chamá
de frouxo!
TEREZINHA - Tu foi sim!
CHIQUINHO - Foi o que?
TEREZINHA - Frouxo, mole! Eu dava um escândalo!
CHIQUINHO - Mulhé pode dá escândalo, homem não! Tem de agüentá
calado; malandro não estrila, agüenta a mãol
TEREZINHA - E fica sem dinheiro. . .
CHIQUINHO - Mas agüenta a mão. (Pausa.) Tezinha, se eu pu desse eu te
dava tudo!
TEREZINHA - Chocolate roubado!
CHIQUINHO - a gostoso do mesmo jeito!
TI!REZINHA - Isso é! (Ri.) Sabe o que eu queria, Chiquinho. . . Os dourado
da Igreja. .. Tu não acha bonito? Aqueles pano branquinho e
tudo dourado. Tem cada Nosso Senhor grande.
CHIQUINHO - Eu acho mais bonito terreiro!
TEREZINHA - Não tem nada dourado!
CHIQUINHO - Mas tem fantasia, dança!
TEREZINHA - Mas não tem Nosso Senhor!
CHIQUINHO - Mas tem uma porção de santo!
TEREZINHA - De cabeça pra baixo, e as velas tão grudada no chão, não
tão enfiada em castiçá.
CHIQUINHO - Mas tem cantoria, na missa não tem!
TEREZINHA - Como é que não tem? Deixa de sê bobo, tem mais do que
em terreiro!
CHIQUINHO - Mais é que não tem!
TEREZINHA - Tem!
CHIQUINHO - Não tem, Tezinha!
TEREZINHA - Tem, tem, tem, tem! Diz que tem, se não, não falo mais
com tu!
CHIQUINHO - Ah! Deixa de sê boba!
TEREZINHA - Não falo mais com tu!
CHIQUINHO - Então tem!... Tu não sabe conversá! Quer sempre tê razão.
Por isso é que eu gosto da Amélia. Com ela não tem disso,
não responde...
TEREZINHA (indignada) - Que Amélia?
CHIQUINHO (rindo) - A cesta... a cesta de compras. . .
TEREZINHA - Tu é biruta mesmo, vive dando nome pras coisas!
JESUINO - Cuidado, Tião! A gente não pode ficá muito caído por mulhé,
não! Mulhé gosta é de dureza... Olha a Dalva...Se eu fosse muito
babão ela já tinha me botado pra trás... E olha que sou bom de
cama!
TIÃO - Deixa de prosa!... Tu foi vê o Carlos?
JESUINO - Fui, mas não encontrei. Foi pra Petrópolis. Falei com o irmão!
TIÃO - E daí?
JESUÍNO - Se a greve gorá, eles despedem os cabeça. Se não gorá. . .
TIÃO - E do nosso caso?
JESUINO - Só o Carlos pode resolvê...Amanhã ele tá aí. É mais que certo.
Se não conseguir emprego no escritório, vai pra chefe de turma.
Dez mil a mais!
TIÃO - Já melhora...E sem greve!
JESUÍNO - A condição é essa. Ficá do lado deles, e vigiá o movimento do
pessoá!. . .
TIÃO - Espião!. . .
JESUÍNO - Espião, nada! Auxiliar de gerência. . .
TIÃO - Mas é o jeito. .. Esse negócio não dá futuro, Jesuíno. . .Greve!
Greve! E daí? A turma fez greve o ano passado, já tá em outra...
e assim por diante. Tu consegue um aumento numa greve, eles
aumentam o produto, condução, comida, tudo! ... Tu tá sempre
com a corda no pescoço. . .
JESUÍNO - O jeito é o cara se defendê como pode!...
TIÃO - Sabe, ZuÍno. Maria vai tê um filho meu.
JESUÍNO - O quê?
TIÃO - Maria vai tê um filho meu!
JESUINO - Tá brincando!. . .
TIÃO - Ia brincá? Preciso casá no mês que vem...E te juro pela alma de
minha mãe que eu caso com Maria e não faço ela passá
necessidade. O negócio é consegui gente com boas relação. .. Dai
é subi. . .
JESUÍNO - Tem um porém...
TIÃO - Qual?
JESUÍNO - Se a greve der certo, o pessoá vai xingá a gente de tudo
quanto é nome!
TIÃO - Quem tem de sustentá mulhé sou eu, não eles! Problema é meu,
não deles! Que fiquem por aí com suas greve, eu não sou trouxa.
Já imaginou, Zuíno. .. A gente entra pro escritório, faz um curso de
qualqué coisa, sai da fábrica e arruma a vida...
JESUINO - Não é tão fácil, não. . .
TIÃO - Precisa dá duro! É muito mais inteligente do que ficá fazendo greve
por três mil cruzeiro. . .
JESUÍNO - Vou sê franco contigo, o desprezo do pessoá me mete medo.
TIÃO - Que desprezem! Amizade deles não me ajeita na vida!
JESUINO - É essa mania... Chamam logo de traidô, pelego. . .
TIÃO - Traidô, nada! Greve é a defesa de um direito, nós não qué usá esse
direito e tá acabado. Cada um resolve seus galhos como pode.
JESUÍNO - A gente pensa assim, eles não. É um pessoá teimoso!
TIÃO - Não, velho, tô resolvido. Vou casá e vou tê a vida que eu quero tê.
Vida de morro estraga qualqué amô!
JESUINO - Então, tu tá resolvido a saí daqui?
TIÃO - Se a greve der certo, é o jeito. Mas duvido. Ninguém aderiu, a
turma tá sozinha, vai gorá. Se gorá fico mais um pouco. Tô em
negócio com um barraco. Fico por lá até ar-ranjá pouso na cidade.
JESUÍNO - Sabe, Tião. Eu acho que tu não pensõ direito nas conseqüência
disso!
TIÃO - Só vivo pensando nisso, Zuíno. Tô resolvido. . .
JESUINO - O negócio, Tião, é ter uma chance "batata"! O que a gente tem
é promessa do gerente. O escritório não tá lá muito certo e o
aumento é só de pouco. . .
TIÃO - Enquanto não tivé outra chance, essa é a melhó! Como tá não pode
ficá. Isso é vida de cão!
JESUÍNO - Sabe, outro dia, o "Grã-Fino" veio falá comigo. Conversa vai,
conversa vem, me elogiô, disse que eu tenho panca, etc. e tal.
Resultado, me convidô pra turma dele.
TIÃO - E tu?
JESUINO - Eu não disse nem que sim, nem que não!
TIÃO - Se metê com ladrão não dá futuro pra ninguém!
JESUINO - O pió é essa mania do cara ser direito. . .
TIÃO - Direito o cara tem que ser.
JESUINO - Direito! Todo o mundo rouba! Os maiorá aí, tão por cima mas
não é indo a missa, não! É roubando no duro!
TIÃO - Tu tá pegando barco errado!
JESUÍNO - Te garanto que resolvia. A gente não tava aqui com esses
problema.
TIÃO - Você vai se daná!
JESUINO - Eu não disse que vou topá! O pió é isso, não tenho coragem!
Primeiro arrombamento eu tava em cana direto, ou no hospitá,
morto de medo. Não é questão de sê honesto, não. É medo! O que
a gente não tem,Tião, é chance! Olha, se eu topasse o negócio
com o "Grã-Fino", arrumava uns cobre, comprava um carro, ia pra
praça como motorista. Depois, tu ia vê, ia tê até escritório. O
negócio é dá chance! Essa era uma, eu perco de medroso!...
TIÃO - Isso não é chance, velho, é arapuca. Chance é a fábrica! Chance é
tu conhecê gente de posição! Chance é tu tê cabeça e aproveitá as
situação!
JESUÍNO - Não, velho! "Grã-Fino" tá cheio do ouro! Já imaginou a cara
desse pessoal? Todo mundo convencido que vida da gente é essa e
que não sai disso. E tu aparece com escritório, secretária...Aí,
ninguém vai te perguntá como tu conseguiu! Pode tê roubado,
matado... Ninguém pergunta! Só querem é sê teu amigo... E tu
diz: "Aproveitei a chance, companheiro" ... Muitos desses
conseguiram ser até Presidente da República. . .
TIÃO - Pois não, seu Presidente.
JESUÍNO - Conseguiram, sim! Nós é que somo trouxa, eu mais! Não tenho
coragem pra pegá a chance, vou perdê porque sou trouxa!
TIÃO - Tá bêbado, ZuÍno!
JESUÍNO - Bêbado!... Queria pegá a chance pra te mostrá. Chegava a
Presidente, liberava o jogo de bicho e ajeitava as finança do país.
TIÃO - Chega, Zuíno. Tá enchendo!...
JESUÍNO - Não posso falá nessas coisa que me dá dor de cabeça.
(Pausa.) Tião!
TIÃO - Hum!
JESUÍNO - Tu vai sê pai mesmo? Gozado!...
TIÃO - Vou pegá minha chancel
JESUINO - Se a greve der certo, o que pode acontecê é a gente levá muita
bordoada do pessoal !
TIÃO - Dá certo, nada!. . .
JESUÍNO - Mas se der?!
TIÃO - O jeito é arriscá! Vou furá a greve. Vou falá com o gerente, e ficá
do lado dele.
JESUINO - Tião! Tem outro jeito. . .
TIÃO - Qual?
JESUÍNO - Furá e não furá. . .
TIÃO - Como?
JESUINO - A gente explica a situação pro Carlos. A gente finge que fura
mas de combinação com eles, assim não dá bolo!
TIÃO - A turma ia sabê logo! Tu parece que nunca viu piquete. Ia sê pió. E
depois é covardia. . .
JESUÍNO - Deixa de panca! Covardia por quê? É um jeito melhó do que se
arriscá e levá pancada. Tu pode evitá inclusive o desprezo da
turma. Tu pode te arrumá na fábrica e ficá bem com o pessoal!
Pensa bem, Tião! E depois, tu já pensou em Maria, ela pensa como
elesl é capaz de não gostá. . .
TIÃO - Maria é minha mulhé e gosta de mim. O que eu fizé ela vai achá
certo!... O que ela podia achá errado é eu tê medo de tomá
posição. Mas eu vou tomá posição, contra a greve. Furo a greve e
ninguém tem nada a vê com isso!
JESUÍNO - Olha, velho!... Eu me lembro do Torquato; arrebentaram o
menino. . .
TIÃO - Tu tem medo de briga, é? Depois, essa greve gorou antes de
começá.
JESUÍNO - Tião, eu sou pela sorte. Vamo tirá no palito. Se eu ganhá, a
gente fura de combinação com a gerência. Se tu ganhá, a gente
fura de fato. . .
TIÃO - Besteira! Eu tô fazendo isso consciente. Único jeito que eu tenho é
me arrumá, não devo satisfação pra ninguém. Quem quisé que se
arrebente de fazê greve a vida toda por causa de mixaria. Eu não
sou disso. Quero casá e vivê feliz com minha mulhé! Se a turma
quisé, pode dá o desprezo. . . Nesse mundo o negócio é dinheiro,
meu velho. Sem dinheiro, até o amor acaba! Pois eu vou sê feliz,
vou tê amô, e vou tê dinheiro, nem que pra isso eu tenha de puxá
saco de meio mundo!
JESUÍNO - Tu tá com a razão. Vamo furá com peito!
TIÃO - Que seja o que Deus quisé!
JESUÍNO - Amém!
TIÃO - Agüenta a mão. Por enquanto ninguém precisa sabê. Se a greve
gorá, fica tudo como está!
JESUÍNO - Isso!...
TIÃO - Amanhã, a gente sai mais cedo e vai direto pra fábrica. Talvez a
gente evite os piquete. Se for tudo como eu penso, muita gente vai
entrá na fábrica. Aí, o negócio não tá tão ruim, não.
JESUÍNO - E se der certo, ?
TIÃO – É agüentá a mão!. .. Tu faz o que quisé, mas tua idéia é besta, vai
sê piól
JESUÍNO - Já não tá mais aqui quem falô! Amigo é amigo, topado!
(Pausa.)
TIÃO - Tu vai encontrá a Dalva hoje?
JESUÍNO - Tá claro.
TIÃO - Eu vou ao parque, à noite, com Maria. Já tá funcionando?
JESUÍNO - Deve tá. Tinha um bruto cartaz, lá embaixo, anunciando pra
hoje a inauguração!
TIÃO - Eu vou lá com Maria!
OTÁVIO (entra num rompante, seguido de Bráulio arfante) – Eu disse que
esses cafajestes iam reagir, eu disse!
JESUÍNO - Que é que houve?
OTÁVIO -Prenderam o Onofre, o Mafra e o Tito. Foi hoje de madrugada.
Tão pensando que vão metê medo na gente!
BRÁULIO - Turma de safados! Agora é que é tempo de agüentá firme
mesmo. Nem que seja preciso passá mais fome, o jeito é agüentá!
JESUÍNO - Por que é que prenderam?
OTÁVIO -Porque são os cabeças. Querem metê medo na turma pra greve
gorá! Mas eu sabia que ia ser assiml
BRÁULIO - Eu tava dizendo ontem que não ia sê sopa!
Pausa.
QUADRO II
TIÃO - Contente?
MARIA – Tô!
TIÃO - Pergunta?
MARIA - Tu gosta de eu?
TIÃO - Demais!... Pergunta de novo.
MARIA - Tu gosta?
TIÃO - Assim, não. Pergunta inteiro.
MARIA - Tu gosta de eu?
TIÃO - Eu por tu era capaz de qualqué coisa!
MARIA - Não diz isso!
TIÃO - Palavra!
MARIA - Tava bonito o parque, não?
TIÃO – Tava ...Tu comeu tanto sorvete que é capaz de fazê mal!
MARIA - Desejo!...(Tião ri.) E se for menina, Tião. . .
TIÃO - Esquece. Vai sê um muleque, parecido comigo...
MARIA - Durval é nome bonito, sim.
TIÃO - Tá na hora de tu entrá...
MARIA - Pera um pouco... Olha a cidade lá embaixo!
TIÃO - Tu não gostaria de ir pra lá?
MARIA - Hum, hum... não. É fria... Eu gosto do morro.
TIÃO - Muito?
MARIA - Eu gosto do pessoal. Olha o cruzeiro, Tião! Como tá bonito, cheio
de vela acesa.. .
TIÃO - Macumba.
MARIA - Eu acho que tu fez macumba pra me pegá. . .
TIÃO - Tu é que fez mãe-de-santo!
MARIA - Quem sabe?... Imaginou nosso barraco? Olha o barraco do
Espanhol. Tu já viu amor tão grande, ele e Luiza? Luiza também vai
tê nenê...
TIÃO - Perto tá o barraco da Zéfa. Foi em cana, hoje. Carmelo
matô o Bodinho...
MARIA - Não fala em tristeza.
TIÃO - São tristeza do morro.
MARIA - Na cidade é pió... Só que ninguém se conhece...
Ato III
QUADRO I
(Pausa.)
Chiquinho resmunga.
Romana \'ai até a mesa onde volta a botar as cartas. Olha absorta para
cada carta que tira do maço, ora com júbilo, ora com ar de profunda
preocupação. Chiquinho espreguiçase, olha em torno e começa a vestir-se
lentamente.
QUADRO II
FIM