Caderno Didático Fonética e Fonologia Do Português

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 55

CADERNO DIDÁTICO

LTV 1176 – FONÉTICA E FONOLOGIA DO


PORTUGUÊS

Professora: Tatiana Keller

1
APRESENTAÇÃO

Os estudos sobre o som (do grego, phon) têm servido como importante
ferramenta para a compreensão e o desenvolvimento de diversas teorias
linguísticas ao longo do tempo. Tais estudos podem ser aplicados em muitas
áreas, como por exemplo, fonoaudiologia, linguística forense, ensino de línguas,
dramaturgia, política linguística, entre outras.
Esse caderno didático foi elaborado para servir como apoio teórico e
prático para as aulas da disciplina LTV 1176 – Fonética e Fonologia do
Português, ministrada nos Cursos de Letras da Universidade Federal de Santa
Maria. É importante ressaltar, no entanto, que ele não substitui a leitura da
bibliografia básica da disciplina, mas sim, serve para sistematizar os principais
conceitos discutidos nas aulas. Além disso, fornece uma gama variada de
exercícios a fim de que esses conceitos possam ser compreendidos e aplicados a
dados de diversas línguas, com especial destaque para a língua portuguesa falada
no Brasil.
Fonética e Fonologia são as áreas da Linguística que têm como objeto de
análise o som (por isso, ambas apresentam a mesma raiz grega). Todavia,
divergem quanto à forma de analisá-lo. Essa diferença é tratada na parte inicial
desse caderno, bem como são apresentados os conceitos básicos de cada uma
dessas áreas. A segunda parte destina-se à caracterização dos sons do ponto de
vista da Fonética Articulatória e à apresentação de alguns princípios de
transcrição fonética, baseados no Alfabeto Fonético Internacional. Na terceira
parte, são descritos os procedimentos analíticos, de cunho estruturalista,
propostos por Kenneth Pike (1947) em sua análise fonêmica. Além disso, é
exposta, no âmbito da Fonologia Gerativa, a Teoria dos Traços Distintivos, com
ênfase na proposta de Noam Chomsky e Morris Halle (1968). A última parte
desse caderno é dedicada à descrição e à análise de fenômenos relacionados aos
sistemas vocálico e consonantal do português falado no Brasil, além de noções
sobre sílaba e acento, conforme os ensinamentos de Joaquim Mattoso Câmara
Jr. e de outros estudiosos, tais como Leda Bisol e Gisela Collischonn.

A autora

2
SUMÁRIO

Introdução

1 – Conceitos básicos de fonética

1.1 – Descrição e classificação dos sons das línguas


1.2 – Transcrição fonética

2 – Conceitos básicos de fonologia

2.1 – Fonemas e alofones


2.2 – Traços distintivos

4 – Sistema fonológico do português

3.1 – Sistema vocálico


3.2 – Sistema consonantal
3.3 – Sílaba e acento

3
INTRODUÇÃO

LEITURAS BÁSICAS:
CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à fonética e à fonologia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1990.

SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de


exercícios. São Paulo: Contexto, 2002.

Complete o quadro:

FONÉTICA FONOLOGIA

DEFINIÇÃO

OBJETO DE ANÁLISE

REPRESENTAÇÃO

4
1 – CONCEITOS BÁSICOS DE FONÉTICA

LEITURAS BÁSICAS:
SEARA, Izabel Christine; NUNES, Vanessa Gonzaga; LAZZAROTTO-VOLCÃO, Cristiane.
Fonética e Fonologia do português brasileiro. Disponível em:
http://ppglin.posgrad.ufsc.br/files/2013/04/Livro_Fonetica_e_Fonologia.pdf.

SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de


exercícios. São Paulo: Contexto, 2002.

2.1 Descrição e classificação dos sons das línguas

A produção dos sons das línguas humanas

Não há um órgão ou sistema de órgãos responsável pela produção dos sons das línguas
humanas. A fala resulta de uma adaptação fisiológica humana e envolve os sistemas
articulatório, fonatório e respiratório.
Os sistemas articulatório e fonatório (representados na Figura 1) são compostos por:
lábios (inferiores e superiores), dentes (inferiores e superiores), alvéolos, palato duro
(abóboda palatina), palato mole (véu palatino), úvula, língua, faringe, laringe, glote e epiglote.
No interior da glote, encontram-se as cordas ou pregas vocais (ilustradas na Figura 2).
O sistema respiratório é formado por: fossas nasais, faringe, laringe, traqueia,
brônquios, pulmões e diafragma (conforme a Figura 3).

Figura 1: Sistemas articulatório e fonatório

Fonte: http://grupopucprel.blogspot.com.br/2008_10_01_archive.html
5
A aproximação ou não das cordas vocais interfere na produção de um som. Quando
estão afastadas, o ar passa livremente e o som é considerado surdo ou desvozeado (Figura
2A); quando estão próximas, o ar passa provocando atrito e o som é chamado de sonoro ou
vozeado (Figura 2B).

Figura 2: Cordas (ou pregas) vocais

Fonte: http://www.studiomel.com/20.html

Figura 3: Sistema respiratório

Fonte: http://www.infoescola.com/biologia/sistema-respiratorio/

6
CONSOANTES

Complete o quadro:

DEFINIÇÃO

CONSOANTE

MODO DE ARTICULAÇÃO

ESTADO DA GLOTE/
VOZEAMENTO

LUGAR DE ARTICULAÇÃO

Articulador Ativo

Articulador Passivo

POSIÇÃO DA ÚVULA

CLASSIFICAÇÃO DAS CONSOANTES QUANTO AO MODO DE ARTICULAÇÃO

OCLUVISA:

Fones:

FRICATIVA:

Fones:

AFRICADA:

Fones:

NASAL:

Fones:
7
LATERAL:

Fones:

TEPE:

Fones:

RETROFLEXA:

Fones:

VIBRANTE:

Fones:

CLASSIFICAÇÃO DAS CONSOANTES QUANTO AO PONTO DE ARTICULAÇÃO

BILABIAL
Articulador ativo:
Articulador passivo:
Fones:

LÁBIO-DENTAL
Articulador ativo:
Articulador passivo:
Fones:

DENTAL
Articulador ativo:
Articulador passivo:
Fones:

ALVEOLAR
Articulador ativo:
Articulador passivo:
Fones:

ALVEOPALATAL/ PALATO ALVEOLAR


Articulador ativo:
Articulador passivo:
Fones:

PALATAL
Articulador ativo:
Articulador passivo:
Fones:

8
VELAR
Articulador ativo:
Articulador passivo:
Fones:

GLOTAL
Articulador ativo:
Articulador passivo:
Fones:

CLASSIFICAÇÃO DAS CONSOANTES QUANTO AO ESTADO DA GLOTE


(VOZEAMENTO)

SURDO/ DESVOZEADO:

Fones:

SONORO/ VOZEADO:

Fones:

DESCRIÇÃO DE UM SOM CONSONANTAL: MODO DE ARTICULAÇÃO +


PONTO DE ARTICULAÇÃO + ESTADO DA GOTE

[k] – consoante oclusiva velar surda (ou desvozeada)


[] – consoante lateral palatal sonora (ou vozeada)

Complete o quadro com as consoantes do português.


Ponto Bilabial Lábio- Dental Alveolar Palato- Palatal Velar Glotal
dental alveolar
Modo

Oclusiva sur
son
Fricativa sur
son
Africada sur
son
Nasal son

Tepe son

Vibrante son

Retroflexa son

Lateral son

9
VOGAIS

DEFINIÇÃO:

Complete o quadro:

PARÂMETROS DEFINIÇÃO

ANTERIORIDADE/ POSTERIORIDADE

ALTURA

POSIÇÃO DOS LÁBIOS

ORALIDADE/ NASALIDADE

CLASSIFICAÇÃO DAS VOGAIS QUANTO À ANTERIORIDADE/


POSTERIORIDADE

ANTERIOR:

POSTERIOR:

CENTRAL:

CLASSIFICAÇÃO DAS VOGAIS QUANTO ÀALTURA

BAIXO:

MÉDIO-BAIXO:

MÉDIO-ALTO:

ALTO:

10
CLASSIFICAÇÃO DAS VOGAIS QUANTO À POSIÇÃO DOS LÁBIOS

ARREDONDADO:

NÃO-ARREDONDADO:

CLASSIFICAÇÃO DAS VOGAIS QUANTO À ORALIDADE/ NASALIDADE

ORAL:

NASAL:

DESCRIÇÃO DE UM SOM VOCÁLICO: ANTERIORIDADE/ POSTERIORIDADE +


ALTURA+ POSIÇÃO DOS LÁBIOS + ORALIDADE/ NASALIDADE

[o] – vogal posterior média-alta arredondada oral


[ã] – vogal central baixa não-arredondada nasal

GLIDES ([‘glajds]) ou SEMIVOGAIS

Os segmentos vocálicos altos ([i] e [u]) quando aparecem acompanhados por outra
vogal em uma mesma sílaba (em um ditongo) são chamados de glides ou semivogais (ou
ainda vogais assilábicas) e são representados foneticamente pelos seguintes símbolos: [j] e
[w]. Eles têm as mesmas propriedades fonéticas das vogais altas [i] e [u] e são descritos
foneticamente assim:

[j] – glide anterior alto não-arredondado oral

[w] – glide posterior alto arredondado oral

OBSERVAÇÕES

NASALIDADE

1) A nasalização das vogais é indicada pelo uso do til sobre a vogal:


- cama: [‘kã.m]
- tenda: [‘tẽn.d]
- vinho: [‘vĩ.]
- contar [kõn.’ta]
- nunca [‘nũ.k]

Vogais médias baixas [,] não são nasalizadas em português brasileiro.

As vogais nasalizadas têm as mesmas características articulatórias das vogais orais.


11
Segundo Câmara Jr. (2001), não há vogais puramente nasais em português, mas sim
vogais que se tornam nasalizadas na presença de uma consoante nasal (na mesma sílaba ou
em sílaba adjacente). Essa questão será retomada na Unidade 3 quando tratarmos do sistema
fonológico das vogais do português.

2) Vogais sempre ficam nasalizadas antes da nasal palatal []:


- canhão: [kã.’ãwn]
- venho: [‘vẽ.]
- dinheiro: [‘dĩ.e]
- sonho: [‘sõ.]
- unha: [‘ũ.]

3) A vogal [a] fica nasalizada quando está na sílaba tônica e é seguida por uma consoante
nasal (m, n, ) na sílaba seguinte:
[a]  [ã] – cama [‘kã.m], cana [‘kã.n], banho [‘bã.].

OBS: Em alguns dialetos do português do Brasil, a vogal [a] fica nasalizada quando é
sucedida por uma consoante nasal na sílaba seguinte mesmo quando essa vogal não está na
sílaba tônica. Exemplos:

- janela: [ã.’n.l]
- animal: [ã.ni.’maw]

4) As vogais ficam nasalizadas quando são sucedidas por consoante nasal na mesma sílaba.
[a] [ã] – canga [‘kã.g]
[e] [ẽ] – tenda [‘tẽnd]
[i] [ĩ] – cinto [‘sĩn.t]
[o] [õ] – bomba [‘bõm.b]
[u] [ũ] – nunca [‘nũ.k]

VOGAIS ÁTONAS FINAIS

Conforme Câmara Jr. (2001), a quantidade de vogais que podem figurar em uma
determinada sílaba depende da tonicidade dessa sílaba. Na posição átona final, só aparecem 3
vogais, como vemos a seguir. Essa questão será retomada na Unidade 3 quando tratarmos do
sistema fonológico das vogais do português.

1) As vogais [a], [e], [i], [o] e [u] na posição átona final são pronunciadas como [], [] e [].
[a]  [] = [‘ma.l] mola

[e]  [] = [‘m.l] mole


[i]  [] = [‘tak.s] táxi

[o]  [] = [‘bo.l] bolo


[u]  [] = [kuj.’ku.] cuicúru

OBS: A representação fonética (o símbolo fonético) das vogais na posição átona é diferente
da de outras posições, mas a caracterização articulatória é a mesma.

12
Complete o triângulo vocálico do português.

EXERCÍCIOS

1) Considerando a sua pronúncia, marque a(s) palavra(s) que tenham o som indicado na
coluna da esquerda. Siga o exemplo dado.

Exemplo:
consoante oclusiva lua sala greve falha lata

Consoante africada cinema dica tarde chuva mamãe


Consoante fricativa sala canjica dado sabão coroa
Consoante nasal pulga banho salsa nuca amor
Consoante oclusiva sela pelo multa grito lua
Consoante lateral malha caldo frio atlas vila

2) Descreva os seguintes sons quanto ao ponto e ao modo de articulação e quanto ao estado da


glote (surdo/sonoro ou desvozeado/vozeado).

a) EXEMPLO: [x] consoante fricativa velar surda/desvozeada


b) [d]
c) []
d) [z]
e) [k]
f) [f]

3) Dê dois exemplos de palavras que contenham os seguintes sons:

a) []
b) [m]
c) []
d) []
e) [z]
f) []
g) [x]

13
4) Dê dois exemplos de palavras que contenham os seguintes sons:

a) Fricativa labiodental sonora


b) Oclusiva alveolar surda
c) Nasal alveolar sonora
d) Lateral alveolar sonora
e) Fricativa alveolar surda
f) Fricativa alveopalatal sonora

5) Marque V ou F. Justifique as afirmações que você considerar falsas.

a) ( ) O fone [t] é uma fricativa alveolar surda.


b) ( ) O fone [m] é pronunciado com a úvula levantada.
c) ( ) Na pronúncia do fone [k], o articulador ativo é a língua e o passivo é o palato mole.
d) ( ) O modo de articulação dos fones [l] e [] é lateral.
e) ( ) Os fones [s], [z], [] e [] têm o mesmo ponto de articulação.
f) ( ) O fone [v] é uma fricativa labiodental surda.

6) Descreva articulatoriamente os seguintes fones:

a) [a]
b) []
c) []
d) []
e) [ũ]
f) [p]
g) [i]
h) [w]
i) [j]

7) Em cada conjunto de fones, um não compartilha a mesma característica fonética com os


demais. Identifique esse fone e diga qual é a característica que ele não compartilha.

a) o, , u, w, 
b) i, e, , j, w
c) e, o, i
d) ã, õ, e, ĩ

8) Classifique as vogais tônicas orais do português ([a, e, , i, o, , u]) de acordo com as


categorias abaixo:

Anterior
Central
Posterior
Alta
Média-alta
Média-baixa
Baixa

14
9) Relacione cada um dos segmentos vocálicos da tabela que se segue com as categorias
articulatórias indicadas. Você deverá indicar quatro categorias para cada vogal, selecionando
uma única opção em cada um dos quatro grupos listados. Siga o exemplo.

Oral-nasal: 1- oral; 2- nasal


Anterioridade-posterioridade: 1- anterior; 2- central; 3-posterior
Altura: 1- alta; 2-média-alta; 3- média-baixa; 4- baixa
Arredondadmento: 1- arredondada; 2-não-arredondada

1) ã – 2, 2, 4, 2 4) o - __________

2)  - _________ 5) u - __________

3) ĩ - __________ 6) e - ___________

10) Relacione cada um dos segmentos consonantais da tabela que se segue com as categorias
articulatórias indicadas. Você deverá indicar três categorias para cada consoante,
selecionando uma única opção em cada um dos quatro grupos listados. Siga o exemplo.

Modo de articulação: 1- oclusiva; 2- africada; 3- fricativa; 4- nasal; 5-tepe; 6- vibrante;


7-lateral
Ponto de articulação: 1- bilabial; 2- labiodental; 3- dental ou alveolar; 4-alveopalatal;
5- palatal; 6-velar
Vozeamento:1-surda; 2-sonora

1) p – 1, 1, 2 8)  - _________

2) k - _______ 9) l - __________

3) g - _______ 10) s - __________

4) f - ________ 11) m - __________

5)  - ________ 12) t - ___________

6)  - _________ 13) r - __________

7)  - _________ 14) d - __________

11) Agrupe na tabela as palavras listadas abaixo de acordo com as vogais tônicas orais e
vogais tônicas nasalizadas.

amigo – junta – cinto – gari – sonho – juíza – tenho – amor – tosse – cama – chalé – ave –
manhã – ênfase – músculo – ímpar – chuva – campo – ajuda – tempo – simples – cana –
espírito – cinco – velho – beleza – bomba – cola – marajá – ombro – goiaba – pipa – pé –
tonta – novela – sorte – urubu – vinho – saúde – calha – moço – pá – compras – gorro – fundo
– córrego – certo – mesmo – mole – mesa – gordo – venda – doce – mundo – vespa – fungo –
lã – tumba – senha – cesta.

15
a
e

i
o

u
ã

ĩ
õ
ũ

ALFABÉTICO FONÉTICO INTERNACIONAL (IPA)

O Alfabeto Fonético Internacional (International Phonetic Alphabet, doravante IPA) é


usado para representar a pronúncia dos sons, o que significa que ele pode ser usado para
transcrever palavras de qualquer língua (desde que existam símbolos para os sons usados
nessa língua). Em virtude de sua correspondência um-para-um entre símbolos e sons, não há
problemas com ortografias exóticas e ambíguas.
Em fonética e fonologia, usamos o IPA para representar conjuntos de dados sonoros
de diferentes línguas. Usando palavras transcritas com o IPA, podemos nos concentrar nos
sons de uma língua sem termos de aprender os sistemas de escrita de diferentes línguas –
muitas das quais não têm nenhum sistema ortográfico (língua xavante, por exemplo) ou não
têm escrita baseada em sons (como é o caso do chinês).

TRANSCRIÇÃO FONÉTICA

O QUE É?

Preste atenção!

- símbolos e não ortografia: quando transcrevemos palavras com o IPA, o foco está nos sons
dessas palavras e não na forma como são grafadas.

- símbolos do IPA não são o mesmo que letras: um símbolo do IPA pode parecer-se com uma
letra de um alfabeto, mas ele pode representar um som diferente do que aquela letra

16
normalmente tem. Por exemplo, o símbolo [o] representa a primeira vogal de bolo, mas não a
da palavra bola (nesse caso, o símbolo é []).

OBSERVAÇÕES

1) (’) – indica o acento primário, deve ser colocado antes da sílaba tônica:
[’s.e.b] – cérebro (proparoxítona)
[a.’mi.g] – amigo (paroxítona)
[a.ba.ka.’i] – abacaxi (oxítona)

2) O ponto final indica fronteira de sílaba:


Cérebro – cé.re.bro - [’s.e.b]
Amigo – a.mi.go - [a.’mi.g]
Abacaxi – a.ba.ca.xi - [a.ba.ka.’i]

A separação silábica convencional, às vezes, não corresponde à da representação fonética:


Carro – car.ro – [‘ka.x]
Massa – mas.sa – [‘ma.s]
Táxi – tá.xi – [‘ta.ki.s] ~ [‘ta.ks]

3) As vogais átonas finais são apenas três:


[]: cebola [se.’bo.l]
[]: doce [‘do.s], táxi [‘ta.ki.s] ~ [‘ta.ks]
[]: bolo [‘bo.l], jiujitsu [iw.’i.ts]

Em português, há apenas as seguintes paroxítonas terminadas em u: jiujítsu, jujútsu,


ninjútsu, cuicúru (variante de cuicuro) e hútu (cf. Dicionário Houaiss). As demais palavras
terminadas em u são oxítonas: guru, urubu, tatu, por exemplo. Paroxítonas terminadas em i:
biquíni, táxi, beribéri, cáqui (cor).

NASAIS

4) Consoantes nasais em final de sílaba ficam sobrescritas:


- canto: [‘kãn.t]
- bomba: [‘bõm.b]
- manga: [‘mã.]

5) As vogais ficam nasalizadas quando seguidas por uma consoante nasal na mesma sílaba:
[ã] – canga: [‘kã.g]
[ẽ] – tenda [‘tẽn.d]
[ĩ] – cinto [‘sĩn.t]
[õ] – bomba: [‘bõm.b]
[ũ] – nunca [‘nũ.k]

6) Vogais sempre ficam nasalizadas antes da nasal palatal []:


- banho: [‘bã.]
- venho: [‘vẽ.]
- dinheiro: [‘dĩ.e]
- sonho: [‘sõ.]
17
- unha: [‘ũ.]

7) Ditongos nasais:
- sabão: [sa.’bãwn]
- amam: [‘ã.mãwn]
- bem: [‘bẽjn]
- mãe: [‘mãjn]
- leões: [le.’õjns]
- som: [‘sõwn]

8) A consoante nasal em fim de sílaba concorda com o ponto de articulação da consoante da


sílaba seguinte:

a) A bilabial [m] precede as consoantes bilabiais [p, b]: campo [‘kãm.p], bomba [‘bõm.b];

b) A alveolar [n] precede as consoantes alveolares [t, d, s, z]: canto [‘kãn.t], mundo
[‘mũn.d], manso [‘mãn.s], cinza [‘sĩn.z] e as alveopalatais (palato-alveolares) [, ]: canja
[‘kãn.], mancha [‘mãn.] e aparece em final de palavra: bom [‘bõwn], sim [‘sĩn];

c) A velar [] precede as consoantes velares [k, g, x]: cinco [‘sĩ.k], canga [‘kã.g] e honra
[‘õ.x].

LATERAIS

9) A lateral alveolar em final de sílaba tende a ser vocalizada ([w]) em português brasileiro.
- volta: [‘vw.t]
- mal: [‘maw]

FRICATIVAS

10) A fricativa alveolar surda [s] em fim de sílaba precede consoantes surdas e a sonora [z]
precede consoantes sonoras:
- festa: [‘fs.t]
- mesmo: [‘mez.m]

11) No final de palavra, ocorre apenas a fricativa alveolar surda:


- pás: [‘pas] x paz [‘pas]

18
Complete o quadro:

Quadro: Relação entre fones e grafemas

CONSOANTES

Fones Grafemas Exemplos

[p] p

[b] b

[t] t

[d] d

[t] t+i

t + e (pronunciado como i)

[d] d + i,

d + e (pronunciado como i)

[k] c + a, o, u

qu + e, i

[g] g + a, o, u

gu + e, i

[f] F

[v] V

[s] s

c + e, i

ç (meio de palavra) + a, o, u

ss, xc, sc (meio de palavra)

[z] z, x

s (entre vogais)

[] ch, x

[] j

g + e, i

19
[m] m

[n] n

[] nh (meio de palavra)

[l] l (início de sílaba e encontros

consonantais)

[] lh (meio de palavra)

[x] r (início de palavra e depois de s, n,

l)

rr (meio de palavra)

[] r (entre vogais, fim de sílaba e

encontros consonantais)

VOGAIS

Fones Grafemas Exemplos

[a] a

[e] e, ê

[] e, é

[i] i

[o] o, ô

[] o, ó

[u] u

[j] i (em ditongos)

[w] u (em ditongos)

l (em final de sílaba)

[] a (fim de palavra)

[] i (átono em fim de palavra)

e (átono em fim de palavra)

20
[] u (átono em fim de palavra)

o (átono em fim de palavra)

EXERCÍCIOS

1) De acordo com sua pronúncia, transcreva foneticamente as palavras que seguem:

a) Elegante ______________________
b) Carregamento ______________________
c) Ajudante ____________________
d) Congelados _____________________
e) Amplitude __________________
f) Refrigerante ___________________
g) Casamento ______________________
h) Óleo _________________
i) Venenosa ______________________
j) Mangueira _________________________
k) Principal ___________________
l) Meiguice ____________________
m) Papel _____________
n) Simbólico _____________________
o) Pão _________________
p) Geleia _________________
q) Amém _______________
r) Soldado _______________
s) Joelho _______________
t) Maldade _________________
u) Chapéu ________________
v) Beijinho __________________
w) Produtivo _________________
x) Guelra ________________
y) Projeto ________________
z) Terra _______________

21
2) Dê a forma ortográfica das palavras transcritas abaixo:

a) [‘tĩn.t] _________
b) [pej.a.’i.] ___________
c) [‘bow.s] _____________
d) [us.’ti.s] ____________
e) [pi.’pi.n] ____________
f) [fu.ti.’bw] ____________
g) [‘p.si.m] ______________
h) [‘s.ki.s] ___________
i) [‘ãn.s] ____________
j) [di.i.’taw] _____________

3) Dê dois exemplos em forma ortográfica para cada um dos sons do português listados
abaixo:

a) [ã]
b) []
c) [t]
d) [z]
e) []
f) [w]
g) [b]
h) [l]
i) [ĩ]

4) Ditado:

a) __________________
b) __________________
c) __________________
d) __________________
e) __________________
f) __________________
g) __________________
h) __________________
i) __________________
j) __________________
k) __________________
l) __________________

22
5) Mais transcrição! De acordo com sua pronúncia, transcreva foneticamente as palavras que
seguem:

1) cachaça
2) compressa
3) rapadura
4) prejudicar
5) amanhecer
6) museu
7) chatice
8) sólido
9) cidadão
10) gesto
11) melancia
12) parabéns
13) colher (s. fem.)
14) diária
15) taxista
16) geladeira
17) hotel
18) relógio
19) controle
20) título
21) cachoeira
22) caixote

23
2 – CONCEITOS BÁSICOS DE FONOLOGIA

 LEITURA BÁSICA:
CAGLIARI, Luiz Carlos. Análise fonológica: introdução à teoria e à prática. Campinas:
Mercado de Letras, 2002.

2.1 – Fonemas e alofones

ESTUDO DIRIGIDO

Após a leitura de Cagliari (2002), responda às questões a seguir.

1) Conceitue fonética e fonologia.

2) O que é um contexto ou ambiente fonológico?

3) O que significa descrever a distribuição de um segmento?

4) O que são sons foneticamente semelhantes?

5) Explique porque os pares de sons abaixo são foneticamente semelhantes.


a) [p, b] –
b) [k, x] –
c) [s, z] –
d) [z, ] –
e) [i, e] –
f) [, o] –
g) [l, ] –

24
7) Forme pares de sons foneticamente semelhantes com os seguintes segmentos:
a) [k] –
b) [f] –
c) [u]–
d) [o] –

8) O que são pares mínimos? Dê 3 exemplos para as consoantes e 3 para as vogais do


português.

9) O que significa dizer que um som é um alofone de outro som? Dê um exemplo.

10) Explique o que é distribuição complementar. Dê um exemplo.

11) O que é um par análogo? Dê exemplos.

12) O que A  X/ B ___C significa?

13) O que é neutralização fonológica? Dê exemplos?

14) O que é variação livre? Dê exemplos com dados do português.

15) Uma variação livre fonológica pode ser condicionada por que tipos de fatores? Explique e
dê exemplos.

25
EXERCÍCIOS

1) Observe a realização dos fones [d] e [] em espanhol nos dados abaixo. Determine se eles
são alofones de um mesmo fonema ou se são fonemas distintos, para tanto observe se há pares
mínimos ou se há distribuição complementar. Justifique sua resposta.

1. [dama] drama 7. [komia] comida


2. [dolo] dor 8. [anda] anda
3. [dime] diga-me 9. [sueldo] indenização
4. [kaa] cada 10. [dua] durar
5. [lao] lado 11. [toldo] cortina
6. [oio] ódio 12. [falda] saia (subst.)

2) Considere os dados abaixo do italiano. Responda às perguntas que seguem:

1. [tinta] tinta 6. [sapone] sabão


2. [tenda] barraca 7. [to] eu tenho
3. [dansa] dança 8. [fuo] fungo
4. [neo] negro 9. [bjaka] branca
5. [ente] pessoas 10. [ake] também

a) Existem pares mínimos nos dados acima? Se sim, quais são eles?

b) Diga qual é o ambiente fonético em que os sons [n] e [] aparecem?

3) Os sons [l] e [] estão em distribuição complementar em coreano. Para responder às


questões a seguir, preste atenção à estrutura silábica do coreano e do português.

1. [u.pi] ‘rubi’ 4. [ki.i] ‘estrada’


2. [l.ma.na] ‘quanto’ 5. [i.pal.sa] ‘barbeiro’
3. [sa.am] ‘pessoa’ 6. [s.ul] ‘Seul’

a) Indique o contexto em que cada som é encontrado. Considere a estrutura silábica.

26
b) Que dificuldades um nome como Alaor [a.la.o] pode apresentar para um falante do
coreano que está aprendendo o português?

c) Com base nas respostas anteriores, explique a alternância abaixo. OBS: o morfema –i
indica genitivo.

[pal]‘pé’
[pa.i] ‘do pé’

4) As questões a, b c e d referem-se aos dados da língua hipotética abaixo:

1. [pe.’te] ‘bolo’ 8. [d.’fa] ‘frigideira’


2. [‘as] ‘sal’ 9. [so.’ze] ‘panela’
3. [to.’va] ‘água’ 10. [ki.’te] ‘fogão’
4. [p.’te] ‘bolo’ 11. [i.’te] ‘garfo’
5. [d.’va] ‘feijão’ 12. [e.’zo] ‘copo’
6. [so.’be] ‘milho’ 13. [‘ap] ‘prato’
7. [do.’va] ‘faca’

a) Faça o quadro fonético das consoantes e das vogais dessa língua.

b) Identifique os sons foneticamente semelhantes (pares suspeitos de sons).

c) Identifique dentre os pares suspeitos (sons foneticamente semelhantes) aqueles que são
fonemas. Para tanto, observe se há pares mínimos.

d) Dê a distribuição dos pares suspeitos em que não foi possível encontrar pares mínimos.

27
5) Farsi

Descreva a distribuição de [r], [ɾ] e [r̥].


1. [ærteʃ] ‘exército’ 9. [hærtowr̥] ‘todavia’
2. [farsi] ‘Persa’ 10. [ʃir̥] ‘leão’
3. [qædri] ‘um pouquinho’ 11. [ahaɾi] ‘engomado’
4. [rah] ‘estrada’ 12. [bæɾadær̥] ‘irmão’
5. [rast] ‘certo’ 13. [t͡ʃeɾa] ‘porquê?’
6. [riʃ] ‘barba’ 14. [daɾid] ‘você tem’
7. [ahar̥] ‘amido’ 15. [biɾæng] ‘pálido’
8. [axær̥] ‘último’ 16. [ʃiɾini] ‘pasta’

[r] [ɾ] [r̥]

6) Com base nos dados que seguem, faça o que se pede:

a) Organize o quadro fonético dos sons.

b) Identifique dentre os sons foneticamente semelhantes aqueles que formam pares


suspeitos.

c) Dentre os pares suspeitos, verifique se há pares mínimos.

d) Apresente a distribuição dos alofones.

e) Verifique se há variação livre.

f) Organize o quadro fonêmico dos sons.

DADOS – Língua hipotética

1) [i’i] – abacaxi
2) [fa’vep] - abacate

3) [ta’bi] – abóbora

28
4) [mĩ’ala] – marmelo

5) [‘pĩa] – ameixa

6) [‘piaa] – banana

7) [ki’il] – pitanga

8) [i’il] – abacaxi

9) [kĩ’af] – pinha
10) [fu’vat] – uva
11) [na’sug] – mamão

12) [ma’naa] – laranja

13) [i’il] – maçã


14) [fo’gisa] – tomate
15) [fa’vip] – manga

16) [mo’naa] – caju


17) [mo’nak] – pera

18) [fa’vib] – mandioca


19) [mu’nak] – milho
20) [u’bat] – limão
21) [i’sil] – bergamota
22) [no’nak] – goiaba
23) [i’baf] – jabuticaba
24) [fe’gisa] - amora

29
2.2 TRAÇOS DISTINTIVOS

 LEITURA BÁSICA:
MATZENAUER, Carmen Lúcia Barreto. Introdução à teoria fonológica. In: BISOL, Leda.
Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 5ª edição, revisada. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2010.

PROPOSTA DE CHOMSKY E HALLE (1968)

Silábico
[+silábico]:
[-silábico]:

Consonantal
[+consonantal]:
[-consonantal]:

Soante
[+soante]:
[-soante]:

Coronal
[+coronal]:
[-coronal]:

Anterior
[+anterior]:
[-anterior]:

Alto
[+alto]:
[-alto]:

Baixo
[+baixo]:
[-baixo]:

Posterior
[+posterior]:
[-posterior]:

Arredondado
[+arredondado]:
[-arredondado]:

Nasal
[+nasal]:
[-nasal]:

30
Lateral
[+lateral]:
[-lateral]:

Contínuo
[+contínuo]:
[-contínuo]:

Metástase retardada
[+metástase retardada]:
[-metástase retardada]:

Estridente
[+estridente]:
[-estridente]:

Sonoro
[+sonoro]:
[-sonoro]:

EXERCÍCIOS

1) Identifique os sons representados pelas seguintes matrizes:

a) [ ] b) [ ] c) [ ] d) [ ] e) [ ] f) [ ]
+ cons +cons +sil +cons +cons +cons
+soa -soa +post -soa -soa -soa
+lat +cont -alto -cont -cont +cont
-ant +ant -bx -ant -ant -ant
+cor +arr -cor -cor +cor
-son +ten +post +post +son
+est -son +son +est

2) Dê a matriz de traços dos segmentos abaixo:

a) [f] b) [] c) [e] d) [w] e) [p]

31
3)Indique o traço/ traços que deve(m) ser modificado(s) para implementar a mudança destes
sons:
a) [t]  [d]
b) [p]  [f]
c) [] [e]
d) [u]  [i]

4) Indique o segmento que será derivado se houver troca dos valores dos seguintes traços:

traço(s) a ser alterado(s) novo segmento


a) [p] [coronal]
b) [d] [sonoro]
c) [z] [estridente] [contínuo]
d) [m] [nasal] [soante]
e) [l] [lateral]
f) [b] [contínuo] [estridente]
g) [n] [alto] [anterior]
h) [o] [alto]
i) [e] [posterior] [arredondado]

5) Observe as substituições realizadas por crianças em fase de aquisição da fonologia.


Identifique o(s) traço(s) não discriminado(s) por essas crianças:

a) ‘chinelo’ [i.’n.l] [si.’n.l]


b) ‘gatinho’ [ga.’tĩ.]  [ka.’tĩ.]
c) ‘sol’ [‘sw]  [’tw]
d) ‘barata’ [ba.’a.t]  [ba.’la.t]
e) ‘palhaço’ [pa.’a.s]  [pa.’la.s]
f) ‘sacola’ [sa.’k.l]  [fa.’k.l]
g) ‘casaquinho’ [ka.za.’kĩ.]  [ka.a.’kĩ.]
h) ‘caiu’ [‘kaiw]  [’taiw]
i) ‘dinheiro’ [dĩ.’e.]  [dĩ.’ne.]
j) ‘desenhar’ [de.zẽ.’]  [ge.zẽ.’]

6) Em cada grupo de segmentos, elimine aquele que não pertence à classe natural. Identifique
o(s) traço(s) que caracteriza(m) essa classe:

a) t, f, s, d, z
b) p,t, g, k, f
c) e, u, o, 

7) Aponte o traço que distingue os pares abaixo:

a) [‘t.l] x [‘s.l]
b) [‘ka.t] x [‘a.t]
c) [‘v.l] x [‘z.l]
d) [‘ta.s] x [‘ta.]
e) [‘p.l] x [‘v.l]

32
f) [‘a.t] x [‘a.t]
g) [‘b.l] x [‘v.l]
h) [‘ba.t] x [‘a.t]

8) Que segmentos estão representados nas matrizes abaixo?


a) EXEMPLO: [+ metástase retardada, - sonoro] = [t]
b) [-alto, +baixo, -posterior] =
c) [+nasal, -alto] =
d) [+lateral, +alto] =
e) [+silábico, +baixo, +posterior, -arred] =
f) [-consonantal, -silábico, +posterior] =
g) [+contínuo, +anterior, +coronal, +sonoro] =
h) [+consonantal, +posterior, -sonoro] =
i) [+silábico, +alto, +posterior] =
j) [+consonantal, +contínuo, -soante, -coronal, +anterior, +sonoro] =

9) Dê a matriz subespecificada de traços dos segmentos abaixo:

1) [l] 2) [a] 3) [j] 4) [m]

10) Associe o nome do traço, na coluna da esquerda, à sua definição, na coluna da direita.

(1) Coronal ( ) Define os sons produzidos com o abaixamento do véu


palatino e com o ar escapando pelas cavidades nasais.
(2) Vozeado/ Sonoro ( ) Esse traço é definido por uma passagem do ar relativamente
livre através da cavidade oral ou nasal, ou seja, quando é
produzido com uma configuração que possibilite o vozeamento
espontâneo.
(3) Soante ( ) Demarca os sons produzidos com as pregas vocais em
vibração.
(4) Contínuo ( ) Define os sons produzidos com o ápice ou lâmina da
língua elevada a uma posição acima da observada na posição
neutra, mais especificamente na região atrás dos incisivos
superiores, entre a arcada alveolar e o palato duro.
(5) Nasal ( ) Esse traço determina os segmentos em que a constrição no
trato vocal permite a passagem de ar durante toda a sua
produção, ou seja, não ocorre bloqueio total à passagem de ar
pela cavidade oral.

33
3 – SISTEMA FONOLÓGICO DO PORTUGUÊS

 LEITURA BÁSICA:
CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 2001.

LEITURA COMPLEMENTAR:
SCHWINDT, Luiz Carlos (Org.). Manual de linguística: fonologia, morfologia e sintaxe.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

3.1 SISTEMA VOCÁLICO

VOGAIS ORAIS – Vogais produzidas com a úvula levantada

Conforme Câmara Jr., o número de vogais que ocorrem em português variam de


acordo com a tonicidade da sílaba. Na posição tônica, há o maior contraste com 7 vogais; na
pretônica, temos 5; na postônica final, há o menor contraste com apenas 3 vogais. Além disso,
o autor menciona que na postônica não-final teríamos 4 sons, mas não é o que se verifica no
dialeto do sul.

Posição tônica

* Sete vogais: /a/, /e/, //, /i/, /o/, //, /u/.


[a] - casa [‘ka.z]
[e] - selo [‘se.l]
[] - vela [‘v.l]
[i] - vila [‘vi.l]
[o] - gota [‘go.t]
[] - gola [‘g.l]
[u] - gula [‘gu.l]

Posição pretônica (antes da sílaba tônica)

* Cinco vogais: /a/, /e/, /i/, /o/, /u/ (dialetos do sul/ sudeste do Brasil).
[a] – amiga: [a.’mi.g]
[e]- beleza [be.’le.za]
[i] – cidade [si.’da.d]
[o] – colégio [ko.’l.jw]
[u] – mudança [mu.’dãn.s]

* Cinco vogais: /a/, //, /i/, //, /u/ (dialetos do norte/ nordeste).
[a] – amiga: [a.’mi.g]
[e]- beleza [b.’le.za]
[i] – cidade [si.’da.d]
[o] – colégio [k.’l.jw]
[u] – mudança [mu.’dãn.s]
O quadro abaixo apresenta exemplos da variação na pronúncia das vogais médias
pretônicas nos dialetos do norte/nordeste e do sul/sudeste.

34
Norte - Nordeste Sul - Sudeste
ab[]rtura ab[e]rtura
ch[]fão ch[e]fão
entr[]vado entr[e]vado
p[]rgunta p[e]rgunta
c[]lapso c[o]lapso
c[]l[]ção c[o]l[e]ção
s[]lidão s[o]lidão
[]ração [o]ração

Posição postônica (depois da sílaba tônica)

1) final – 3 vogais: [],[], [].


[] – cama [‘kã.m]
[] – doce [‘do.s]
[] – bolo [‘bo.l]

2) não-final – 4 vogais: /a/, /e/, /i/, /u/.


[a] – lâmpada [‘lãm.pa.d]
[e] – número [‘nu.me.]
[i] – elétrico [e.’l.ti.k]
[u] – célula [‘s.lu.l], abóbora [a.’b.bu.]

A figura abaixo resume o sistema vocálico do PB conforme a tonicidade silábica.

Tônica Pretônica Postônica Postônica final


não-final

VOGAIS NASALIZADAS – Vogais produzidas com a úvula abaixada

Segundo Câmara Jr. (2001), não há vogais puramente nasais em português, mas sim
vogais que se tornam nasalizadas na presença de uma consoante nasal (na mesma sílaba ou
em sílaba adjacente).

As vogais ficam nasalizadas quando são sucedidas por consoante nasal na mesma sílaba.
[a] [ã] – canga [‘kã.g]
[e] [ẽ] – tenda [‘tẽn.d]
[i] [ĩ] – cinto [‘sĩn.t]
[o] [õ] – bomba [‘bõm.b]
[u] [ũ] – nunca [‘nũ.k]
35
Vogais médias baixas [,] não são nasalizadas em português brasileiro.

Vogais sempre ficam nasalizadas antes da nasal palatal []:


- banho: [‘bã.]
- venho: [‘vẽ.]
- dinheiro: [‘dĩ.e]
- sonho: [‘sõ.]
- unha: [‘ũ.]

A vogal [a] fica nasalizada quando está na sílaba tônica e é seguida por uma consoante nasal
(m, n, ) na sílaba seguinte:
[a]  [ã] – cama [‘kã.m]

DITONGO

Encontro de um som vocálico com uma semivogal ou de uma semivogal com uma
vogal em uma mesma sílaba.

DITONGOS ORAIS

* Crescentes - do elemento menos sonoro para o mais sonoro: glide  vogal

Glide anterior + vogal Exemplos


[ja]
[j]
[je]
*[ji]
[j]
[jo]
[ju]
Glide posterior + vogal Exemplos
[wa]
[w]
[we]
[wi]
[w]
[wo]
*[wu]

36
* Decrescentes - do elemento mais sonoro para o menos sonoro: vogal  glide

Vogal + glide anterior Exemplos


[aj]
[j]
[ej]
*[ij]
[j]
[oj]
[uj]
Vogal + glide posterior Exemplos
[aw]
[w]
[ew]
[iw]
[w]
[ow]
*[uw]

DITONGOS NASAIS OU NASALIZADOS

Ditongo Exemplos
[ãj]
[ãw]
[ẽj]
[õj]
[õw]
[ũj]

PROCESSOS FONOLÓGICOS

- neutralização das vogais médias: mais de uma oposição desaparece ou se suprime, ficando
para cada uma um fonema em vez de dois. Por exemplo: perda da distinção entre as vogais
médias altas [,] e médias baixas [e,o], como se observa em:

fôrma [‘fo.m] ~ forma [‘f.m]: formoso [fo.’mo.z] – dialetos do sul/ sudeste.

fôrma [‘fo.m] ~ forma [‘f.m]: formoso [f.’mo.z] – dialetos do norte/ nordeste.

- neutralização da átona final: perda da distinção entre as vogais médias altas [e,o] e altas
[i, u] em posição final de palavra, como se observa em:

leite [‘lej.te] ~ [‘lej.t]

gordo [‘go.do] ~ [‘go.d]

37
- harmonia vocálica: tipo de neutralização que ocorre quando as vogais médias altas [e,o]
seguidas por vogal alta [i,u] na sílaba seguinte “harmonizam’ o traço de altura e são
pronunciadas como altas. Exemplos:

menino [me.’ni.n] ~ [mi.’ni.n], seguro [se.’gu.] ~ [si.’gu.]

comida [ko.’mi.d] ~ [ku.’mi.d], coruja [ko.’u.] ~ [ku.’u.]

- ditongação: inserção do glide anterior [j] ao lado de um segmento vocálico já existente,


formando um ditongo. Exemplos:

arroz – [a.’xojs]
três – [‘tejs]
nascer – [naj.’se]

- monotongação: apagamento do glide de um ditongo. Exemplos:

cadeira – [ka.’de.]
baixa – [‘ba.]
pouco – [‘po.k]

- degeminação: quando duas vogais de mesma qualidade (V1 = V2) encontram-se contíguas
no interior de palavra, como em álcool e caatinga, ou em juntura de palavras, como em
camisa amarela, a vogal da primeira palavra é apagada.

Exemplos:
caatinga [ka.tĩ.g]
a=V1 a=V2

camisa amarela [ka.mi.za.ma..l]


a=V1 a=V2

- elisão: quando duas vogais de qualidades diferentes (V1  V2) encontram-se contíguas em
juntura de palavras, como em Porto Alegre, a vogal da primeira palavra é apagada.

Exemplos:
Porto Alegre [po.ta.l.g]
o=V1 a=V2

38
3.2 SISTEMA CONSONANTAL

Posição Pré-vocálica

* 19 consoantes (/p, b, t, d, k, , f, v, s, z, , , x, l, m, n/) podem figurar em início de sílaba,


com exceção de /, , / que aparecem apenas em meio de palavra. Exemplos:

[p] –
[b] –
[t] –
[d] –
[k] –
[g] –
[f] –
[v] –
[s] –
[z] –
[] –
[] –
[x] –
[] -
[l] –
[] -
[m] –
[n] –
[] -

Posição Pós-vocálica

* Apenas as nasais, as líquidas (/l, /) e (/s, z/) podem aparecer em final de sílaba. Exemplos:
canto, campo, salto, sorte, susto, engasgar.
O número máximo de segmentos pós-vocálicos é dois, contudo, em português, o segundo
elemento deve sempre ser /S/: monstro, transporte.

ENCONTROS CONSONANTAIS

* Apenas as oclusivas (/p, b, t, d, k, /) e as fricativas não-sibilantes (/f, v/) seguidas de


líquidas (/l, /) formam encontros consonantais atestados em português. As combinações (/v,
tl/) ocorrem somente em meio de palavra. As combinações (/vl, dl/) são raríssimas em
português. Exemplos:

[p]:
[pl]:
[b]:
[bl]:
[t]:
[tl]:
[d]:
39
[dl]:
[k]:
[kl]:
[g]:
[gl]:
[f]:
[fl]:
[v]:
[vl]:

PROCESSOS FONOLÓGICOS

- vocalização da lateral: o segmento /l/ em final de sílaba, em alguns dialetos, pode ser
vocalizado e realiza-se como a semivogal /w/. Exemplos:
mal – [ma] ~ [maw].
soldado – [so.da.d] ~ [sow.da.d].

- epêntese vocálica: é a inserção de um segmento vocálico, não registrado na forma escrita,


entre duas consoantes (C1 e C2) que se encontram em sílabas separadas. Isso ocorre quando a
C1 não é uma nasal, uma líquida ou /S/. Exemplos:
digno – [‘di.gi.n]
advogado – [a.di.vo.’ga.d]
pneu – [‘pi.new]

- neutralização das fricativas alveolares em final de palavra: perda da distinção entre


fricativa alveolar surda [s] e sonora [z], em final de palavra como em:
paz - [pas]
pás - [pas] (plural de pá)

- palatalização: quando as oclusivas alveolares [t,d] antecedem a vogal alta anterior [i], em
alguns dialetos, passam a ser pronunciadas como africadas [t, d]. Exemplos:
dia – [‘di.] ~ [‘di.]
tia – [‘ti.] ~ [ti.].

- ressilabação: quando uma palavra terminada em consoante e outra iniciada por vogal
encontram-se contíguas, a consoante pós-vocálica final pode juntar-se à vogal da palavra
seguinte, formando uma nova sílaba. Exemplo:
mar aberto – [ma.a.’b.t].

- redução do ditongo nasal final: perda da nasalização do ditongo nasal em final de palavra.
Exemplo:
homem – [‘õ.mẽjn] ~ [‘õ.m].

- apagamento da vibrante em final de palavra: queda de um segmento vibrante [r]/ tepe []
em fim de palavra. Exemplos:
flor – [‘flo] ~ [‘flo]
fazer [fa.’ze] ~ [fa.’ze].

40
- rotacismo: troca de um segmento lateral [l] por um vibrante [r]/ tepe []. Exemplos:
flor – [‘flo] ~ [‘fo]
volta – [‘vw.t] ~ [‘v.t]

- metátese: troca da posição de um segmento ou de uma sílaba no interior de uma palavra.


Exemplo:
prateleira – [pa.te.’lej.] ~ [pa.te.’lej.]

3.3 SÍLABA

 LEITURA BÁSICA:
CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 2001.

LEITURA COMPLEMENTAR:
BISOL, Leda. A sílaba. In: BISOL, Leda. (Org.). Introdução a estudos de fonologia do
português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

KELLER, Tatiana. O papel da sonoridade no mapeamento de sequências consonantais


em português. 2010. Tese de doutorado. Porto Alegre, PUCRS.

Na perspectiva estruturalista (cf. Pike, 1947), uma sílaba é caracterizada por um aclive
inicial (fase crescente), um ápice (ou centro) e um declive final (fase decrescente), como
observamos na Figura 1a. Nessa perspectiva, a sílaba é entendida como uma estrutura plana
em que os segmentos se sucedem de forma linear, como vemos na representação da palavra
paz, em 1b.

Figura 1

(a) (b)
σ = sílaba

p a z

Segmentos com menor sonoridade (oclusivas e fricativas) ocupam, preferencialmente,


o aclive; segmentos com maior sonoridade (vogais) ocupam o ápice; e segmentos com
sonoridade intermediária (líquidas, nasais, semivogais) ocupam o declive. Em português, as
líquidas e as nasais também podem aparecer no aclive; as obstruintes (oclusivas e fricativas)
não aparecem no declive.
A seguir, na Figura 2, vemos a representação da primeira sílaba da palavra filtro que
apresenta elementos nas três posições da sílaba.

Figura 2
(a) (b)
σ = sílaba

f i l

41
O aclive também é chamado de ataque silábico e o declive de coda silábica; o ápice
também pode ter o nome de núcleo ou pico silábico.

Bisol (2001), ao caracterizar a sílaba em português, não adota a concepção de que a


sílaba apresenta estrutura linear, mas sim a de que a sílaba apresenta uma estrutura interna
hierarquizada, como “galhos” de uma árvore, na qual a sílaba (σ) é dividida (ou ramificada)
em onset (ou ataque) e rima; a rima, por sua vez, subdivide-se em núcleo e coda. A autora
propõe o molde silábico para o português representado na Figura 3 a seguir.

Figura 3

A posição de onset pode ser ocupada por uma ou duas consoantes. O núcleo pode ser
formado por um ou dois elementos: uma vogal, obrigatória, a qual pode ser precedida ou
sucedida por um glide. A coda pode conter uma ou duas consoantes; se houver mais de uma
consoante, a segunda deve ser sempre [s]. Desses elementos, o único indispensável é o
núcleo, que deve obrigatoriamente portar uma vogal. OBS: Os elementos indicados entre
parênteses são opcionais.
Abaixo, na Figura 4, exemplificamos a estrutura das duas sílabas da palavra porta.

Figura 4

A sílaba por tem uma consoante (p) no ataque, uma vogal (o) no núcleo e uma
consoante (r) na coda; a sílaba ta apresenta uma consoante (t) no ataque, uma vogal (a) no
núcleo e nenhum elemento () na coda.
Como dissemos anteriormente, as margens silábicas (núcleo e coda) tendem a ser
preenchidas com elementos de menor sonoridade e o núcleo por elementos de maior
sonoridade. Esses valores de sonoridade podem ser organizados em uma escala de sonoridade
ou de soância como a que vemos a seguir. Nessa escala, são atribuídos valores de sonoridade,
que vão de 4 a 0, às classes maiores de sons (vogais, glides, líquidas, nasais e obstruintes).

42
ESCALA DE SONORIDADE (ou de SOÂNCIA)

VOGAIS > GLIDES > LÍQUIDAS > NASAIS > OBSTRUINTES (oclusivas e fricativas)
4 3 2 1 0

O segmento com maior sonoridade sempre ocupará o núcleo da sílaba, ao passo que os
elementos menos sonoros ocuparão as margens. Utilizamos a primeira sílaba da palavra carta
como exemplo (como vemos na Figura 5): a vogal, o elemento de maior sonoridade (=4),
ocupa o núcleo da sílaba, ao passo que os elementos de menor sonoridade [k] e [], com
sonoridade 0 e 2, respectivamente, figuram no ataque e na coda.

Figura 5
σ

A R

Nu Co

k a 

Quando há sequências de elementos dentro do ataque, estas apresentam sonoridade


crescente em direção ao núcleo, por exemplo, na primeira sílaba da palavra prato, há um
aumento de sonoridade de 0 para 2 (p=0 e r=2). Quando há sequências de segmentos dentro
da coda, estas apresentam sonoridade decrescente a partir do núcleo, como por exemplo, na
primeira sílaba da palavra perspectiva, há uma diminuição de sonoridade de 2 para 0 (r=2 e
s=0).
Desse modo, a sequência ls, de sonoridade decrescente (l=2 e s=0), nunca poderá
constituir o ataque de uma sílaba, mas pode constituir a coda, como na primeira sílaba da
palavra solstício. Por outro lado, a sequência tr, de sonoridade crescente (t=0 e r=2), não pode
constituir uma coda, mas pode figurar como um ataque complexo, como na primeira sílaba da
palavra trator.
Sílabas que apresentam segmentos na coda silábica são chamadas de fechadas,
travadas, complexas ou pesadas; sílabas sem esses segmentos são chamadas de abertas,
livres, simples ou leves.

O quadro abaixo apresenta os padrões silábicos do português.

Complete o quadro:
Padrões silábicos do português Exemplos
V
VC
VCC
CV
CVC
CVCC
CCV
CCVC
CCVCC

43
No que diz respeito à posição pré-vocálica, como vimos na seção sobre as consoantes,
qualquer segmento consonantal pode ocupá-la, exceto /, , / em início de palavra. Em
relação às combinações consonantais, temos apenas encontros de oclusivas (p, b, t, d, k e g) e
fricativas não-sibilantes (f e v) seguidas de líquidas ( e l). As combinações tl e vr só ocorrem
em meio de palavra; vl e dl não são atestados.
Na posição pós-vocálica, só aparecem as consoantes nasais, os róticos, /S/ e a lateral
alveolar. Apenas /s/ pode figurar como segunda consoante em uma coda complexa (com dois
segmentos), como na primeira sílaba das palavras monstro e transporte.

Palavras que violam as restrições de ataque e de coda, tais como ritmo que não pode
ser silabificada como CVC.CV (rit.mo), uma vez que a consoante t não pode ocupar a posição
pós-vocálica (na 1ª sílaba), nem como CV.CCV (ri.tmo), pois o encontro consonantal tm (na
2ª sílaba) não é permitido em português, sofrem o processo de epêntese vocálica. Nesse caso,
há a inserção de um segmento vocálico [i] entre duas consoantes contíguas. No exemplo,
teremos ri.ti.mo, ou seja, um padrão CV.CV.CV, que se conforma perfeitamente às restrições
do português.

Questões controversas sobre a sílaba em português de acordo com Câmara Jr. (2001):

1) Existência de ditongos
Qual a diferença entre a representação como ditongo [pej.t] ou como hiato [pe.i.t]
da palavra peito? Haveria mesmo ditongos em português?

A existência de pares mínimos como saia [‘sa.j] vs. saía [sa.’i.]; pais [‘pajs] vs.
país [pa.’is] mostra que sim. No entanto, há a possibilidade de que os ditongos decrescentes
variem com hiato em palavras como diabo [di.’a.b] ou [‘dja.b] e também de que alguns
ditongos crescentes possam ser reduzidos a monotongos, como em caixa [‘ka.] e madeira
[ma.’de.].

2) Representação dos ditongos


O glide deve ocupar uma posição no núcleo junto com a vogal ou deve figurar na
coda? O glide comporta-se como uma consoante (CVC) ou como uma vogal (CVV)?

Fatos a serem considerados:


a) A favor de CVC: Não há ditongos seguidos por duas consoantes (*peinsto, por
exemplo). Só há ditongo seguido por /s/, como em mais, o que sugere que o glide
ocupe a 1ª posição da coda e o /s/ a 2ª, como nas codas complexas das palavras
monstro e transporte;
b) A favor de CVV: o tepe // ocorre apenas dentro da palavra entre vogais, como em
cara [‘ka.] e não em início de sílaba como a fricativa velar /x/ . Palavras como
aurora e Europa não são pronunciadas com a fricativa velar, o que indica que o
glide posterior [w] ocupa a 2ª posição do núcleo.

3) Nasalidade das vogais

As vogais em português seriam puramente nasais ou nasalizadas? Há uma consoante


nasal que transfere sua nasalidade para a vogal anterior e preenche a posição de coda?

Argumentos a favor da presença da consoante:


a) uma palavra como honra não é pronunciada com tepe, mas sim, com a fricativa
velar, o que sugere que a primeira sílaba dessa palavra tenha um elemento nasal na
coda e não apenas uma vogal nasal no núcleo;
44
b) palavras como irmã e lã quando acompanhadas de outras palavras começadas por
vogal não sofrem sândi (juntura de palavras), como por exemplo, lã amarela não é
pronunciada como [*lã. ma.’.l], mas sim [*lã# a.ma.’.l]. # indica fronteira
de palavra.

3.3 ACENTO

 LEITURA BÁSICA:
CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 2001.

LEITURA COMPLEMENTAR:
BISOL, Leda. O acento e o pé métrico binário. Cadernos de Estudos Linguísticos n. 22.
Campinas, jan/jun, 1992.

COLLISCHONN, Gisela. O acento. In: BISOL, Leda. (Org.). Introdução a estudos de


fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

De acordo com Câmara Jr. (2001), o acento é uma maior força expiratória, ou
intensidade de emissão, da vogal de uma sílaba em contraste com as demais vogais. Ele pode
incidir na última, penúltima, antepenúltima, ou mais raramente, na quarta última sílaba.
Collischonn (2001) discute a possibilidade de o acento ser considerado um fonema,
em virtude do seu caráter distintivo, pois palavras com uma mesma cadeia de sons diferem de
significado apenas pela posição do acento, como podemos ver abaixo:

(a) Sábia – [‘sa.bj]


Sabia – [sa.’bi.]
Sabiá – [sa.bi.’a]
(b) Bambo – [‘bam.b]
Bambu – [bam.’bu]
(c) Cara – [‘ka.]
Cará – [ka.’a]

A autora defende a ideia de que o acento é um fonema de tipo especial, porque ele não
aparece colocado linearmente sobre segmentos, mas sim se superpõe a eles. Ele se acrescenta
a segmentos e, por isso, é chamado de suprassegmento.
A posição do acento não pode ser prevista, ou seja, não se pode a partir de uma cadeia
de fonemas dizer onde irá recair o acento. No entanto, há algumas generalizações que podem
ser feitas em relação à distribuição do acento. Conforme Collischonn, em Português, Espanhol
e Latim, o acento somente pode cair sobre uma das três últimas sílabas.
Não há, por exemplo, em nossa língua, palavras como éscandalo, tárantula ou
cátastrofe, acentuadas na pré-proparoxítona. Somente há palavras oxítonas, paroxítonas e
proparoxítonas. Essa é uma propriedade do português. Há línguas em que o acento é fixo
como o tcheco (na 1ª sílaba da palavra) e o turco (sempre na última sílaba).

A maior parte das palavras em português segue o padrão paroxítono, como


observamos nas palavras casa, borboleta, contabilidade. O grupo de palavras
proparoxítonas é o menor, sendo constituído em sua maioria por empréstimos do Latim e do
Grego, os quais entraram na língua portuguesa, a partir do século XVII, como vemos nas
palavras andrógino, vértice, efêmero. O grupo das oxítonas é um pouco maior e pode ser
45
dividido em palavras com consoante final (a) e em palavras que não a têm (b), como vemos a
seguir.
(a) mulher, vigor, civil, amor

(b) avó, fuzuê, banzé, araçá, jacaré, sofá, crochê

Collischonn (2001, p. 134) observa que “há uma preferência por parte dos falantes do
acento pela última sílaba, quando esta é terminada por consoante. Segundo levantamento
apresentado por Bisol (1992), no Dicionário Delta Larousse, 78% das palavras terminadas
em consoantes são oxítonas, ao passo que apenas 22% são paroxítonas”. A autora
acrescenta que em relação às oxítonas terminadas em vogal o mesmo não ocorre. A
preferência do acento nesse caso é pela posição paroxítona.

Collischonn (2001, p.136) traz ainda uma interessante observação acerca da relação
entre acentuação e ortografia. Segundo a autora, “nosso sistema de acentuação ortográfica
observa essas tendências da língua. Acentuamos as palavras proparoxítonas, as paroxítonas
terminadas em consoante e as oxítonas terminadas em vogal porque elas são marcadas. Não
acentuamos as paroxítonas terminadas em vogal e as oxítonas terminadas em consoante
porque elas não são marcadas”.

EXERCÍCIOS
1) Dê exemplos de palavras do português que contenham os seguintes padrões silábicos:
a) V
b) VC
c) VCC
d) CV
e) CVC
f) CVCC
g) CCV
h) CCVC
i) CCVCC
j) VG
k) GV
l) CVG
m) CGV
n) VGC
o) GVC
p) CCVG
q) CCGV
r) CCVGC
s) CCGVC

46
2) Considere os dados do Grego Ático abaixo.
[ar.nos] cordeiro [pemp.tos] enviado
[i.lu.mos] dobradiça [ark.tos] urso
[ar.thmos] laços [skep.tron] cetro
[phas.a.non] espada [thelk.tron] encanto
[heb.do.mas] semana [ok.to] oito

Em que aspectos a estrutura silábica dessa língua se distingue da do português? Não


leve em consideração a aspiração, indicada pelo h sobrescrito.

3) Apresente o padrão silábico de cada uma das sílabas das palavras a seguir:
a) construir
b) destróis
c) Airton

4) Considerando a estrutura da sílaba em português, explique porque nas palavras dos grupos
a) e b) a síncope (apagamento) da penúltima vogal é possível, enquanto nas do grupo c) ela
não é:

a) música, físico, catálogo, depósito, córrego


b) abóbora, fósforo, século, músculo, âncora
c) trópico, místico, ginástica, república, lágrima

5) Faça a representação arbórea de todas as sílabas das palavras a seguir:

a) [‘a.v] – ave b) [‘pej.t] – peito c) [as.’taw] – astral d) [‘klaws.t] – claustro

47
EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES
INTRODUÇÃO

1) Qual é o objeto de estudo e o ponto de vista analítico da fonética?

2) Qual é o objeto de estudo e o ponto de vista analítico da fonologia?

2 CONCEITOS BÁSICOS DE FONÉTICA

1) Verifique se o modo de articulação é o mesmo nos pares abaixo. Identifique-o(s).

a. [s], [f]
b. [k], [g]
c. [f], [v]
d. [t], [s]
e. [l], [t]
f. [m], []
g. [t], [d]
h. [z], []
i. [x], [f]
j. [l], []

2) Verifique se o ponto de articulação é o mesmo nos pares de sons abaixo. Identifique-o(s).

a. [s], [l]
b. [k], [x]
c. [p], [g]
d. [l], []
e. [m], [n]
f. [f], [h]
g. [b], [f]
h. [s], [v]
i. [n], [b]

3) Em cada par de palavras, as letras sublinhadas e em itálico representam sons diferentes.


Indique estes sons usando os símbolos fonéticos adequados:

a.tipo – dentuço
b. devo – deves
c. voz – vozeirão
d. rege – rega
e. desprezar – desonrar
48
f. México – máximo

4) Em cada conjunto de segmentos, encontre a “ovelha negra”, isto é, a consoante que não
tenha em comum com as outras as mesmas características fonéticas. Justifique a escolha.

a. [ p t k s ] –
b. [ s v k f ] –
c. [ d t b s ] –
d. [ s f t z ] –

5) Considerando a sua pronúncia, marque as palavras que tenham o som indicado na coluna
da esquerda.

a. consoante bilabial cinema dica tarde chuva mamãe


b. consoante fricativa sala canjica dado sabão cará
c. consoante nasal pulga banho salsa nuca amor
d. vogal oral sim cem sabão assim bombom
e. vogal nasal onda rua canto mulher surda
f. consoante oclusiva sela pelo multa grito lua
g. consoante líquida careca mato frio atlas vila
h. consoante sibilante pulo chuva suco ajuda zero
i. vogal média medo dia grave vela bola
j. vogal posterior pia luva marca pato belo

6) Organize os sons [x], [k], [b], [], [z], [d], [p], [f], [g] em grupos de acordo com os
seguintes critérios:

1) sonoridade
2) ponto de articulação
3) modo de articulação

7) Usando termos descritivos, tais como fricativa, nasal, surda, etc., identifique uma
característica fonética que todos os segmentos de cada grupo tenham em comum.

a. [ p t k g ] -
b. [ m b p ] -
c. [ i e  ] -
d. [ u o  ] -
f. [ t d l  n s z ] -

8) Exemplifique a articulação dos sons simbolizados abaixo com três palavras do português:
49
a. [ g ]
b. [ o ]
c. [  ]
d. [ m ]
e. [ s ]
f. [ u ]
g. [ z ]
h. [  ]
i. [ l ]
j. [ ]
l. [ x ]
m. [  ]
n. [  ]
o. [ f ]
p. [ w ]
q. [ j ]
r. [ i ]
s. [  ]

Transcrição fonética

1) Nas palavras abaixo, alguns sons estão representados por símbolos do IPA. Qual é a forma
ortográfica desses sons?

a) [k]a[]ga g.ma[]a
b.ma[n]ta h. [x]a[z]gado
c. u[]a i. [ĩ]n[]am[]
d. v[]l[] j. [][]gos
e. [s]o[w]dad[] k. [d]i[]e[j]ro
f.co[w][]o l.[]uva

2) Num manual de alfabetização, um exercício pede que o aluno identifique de um conjunto


de palavras aquelas que começam com o mesmo som. Entre as palavras listadas estão: eco,
entrada, elefante. Aponte as possíveis dificuldades que este aluno encontrará para resolver o
exercício.

3) Faça a transcrição fonética dos seguintes vocábulos:

a) quilo
b) folga
c) hoje
d) champanhe
e) realmente
f) circo
g) designar
h) barreira

50
i) engasga
j) atividades
k) face
l) jovem

2 CONCEITOS BÁSICOS DE FONOLOGIA

1) Com base nos dados da língua Pano (adaptado de SILVA, 2009), verifique se os pares
suspeitos abaixo:
a) são fonemas distintos; ou
b) alofones de um mesmo fonema; ou
c) estão em variação livre.

Pares:
[t] e [d], [p] e [b], [] e [],[] e [s], [f] e [v]

Dados:
1) [‘taj] ‘pé’
2) [u.a.’ki] ‘soprar’
3) [pi.i] ‘corda’
4) [fi.’si] ‘casa’
5) [pa.’ti] ‘orelha’
6) [u.a.’ki] ‘soprar’
7) [‘daj] ‘dia’
8) [ba.’ti] ‘frio’
9) [‘paf] ‘bom’
10) [ba.’vi] ‘mamão’
11) [pi.’si] ‘podre’

2) Com base nos dados da língua Pano (adaptado de SILVA, 2009), verifique se os pares
suspeitos abaixo:
d) são fonemas distintos; ou
e) alofones de um mesmo fonema; ou
f) estão em variação livre.

Pares:
[i] e [e], [o] e [u], [i] e [], [a] e []

Dados:
1) [a.’hi.t] ‘urucum’
2) [‘o.we] ‘cobra’
4) [hi.’to] ‘arco’
5) [‘i.n] ‘flecha’
6) [a.’he.t] ‘osso’
7) [‘u.we] ‘cobra’
8) [‘o.w] ‘instante breve’
9) [ma.’la.k] ‘arrancar’

51
2.2 Traços distintivos

1) Indique o(s) traço(s) que deve(m) ser modificado(s) para implementar as mudanças
descritas a seguir:

a) [k]  []
b) [p]  [b]
c) [l]  []
d) [u] [w]
e) [o]  [u]

2) Indique o segmento que será derivado se houver troca dos valores dos seguintes traços:

Traço(s) a ser(em) alterados Novo segmento


a) [b] [anterior, alto, posterior, arredondado]
b) [f] [sonoro]
c) [l] [lateral]
d) [n] [coronal, anterior, alto]
e) [e] [alto]
f) [] [posterior, arredondado]

3) Dentre os segmentos abaixo, quais podem ser agrupados em uma mesma classe?
Diga qual traço ou quais traços eles compartilham. OBS: nem todos os segmentos poderão ser
agrupados juntos em uma mesma classe.

a) f, b, v, s, z, , , , l
b) p, b, t, d, k, f, v, s, z, m, n
c) b, m, n, , l, , 
d) t, d, g, s, z, , , m, n, , 
e) a, e, , o, 

4) Identifique os sons representados pelas seguintes matrizes:

a) [ ] b) [ ] c) [ ]

+cons +cons +sil


+soa +soa +alt
-cont +cont +post
+nas +lat +arred
+ant +ant
-cor +cor
-alt -alt
+son +son

5) Os pares que seguem distinguem-se por um traço ou mais traços. Identifique-os.


a) [‘fu.] x [‘fi.]
b) [‘x.z] x [‘x.s]
c) [‘mã.n] x [‘mã.]

52
3 SISTEMA FONOLÓGICO DO PORTUGUÊS

1) De acordo com Câmara Jr., quais vogais aparecem, em português, na posição :

a) tônica:

b) pretônica:

c) postônica final:

Dê exemplos para cada vogal em cada posição.

2) De acordo com Câmara Jr., quais combinações consonantais são permitidas em português
em posição pré-vocálica? Dê exemplos.

3) Diga o processo fonológico que ocorre em cada uma das pronúncias abaixo:
a) [‘mejs] ‘mês’
b) [‘di.gi.no] ‘digno’
c) [‘ka.a] ‘caixa’
d) [mi.’ni.n] ‘menino’
e) [‘fo] ‘flor’
f) [di.’ze] ‘dizer’

4) De acordo com Câmara Jr., quais consoantes são permitidas em português em posição pós-
vocálica? Dê exemplos.

5) Por que a realização da palavra ritmo como [‘xi.ti.m] ocorre em português e a da palavra
carta como *[‘ka.i.t] não ocorre?

53
ANEXO: Alfabeto Fonético Internacional

Fonte: https://www.internationalphoneticassociation.org/sites/default/files/IPA2005_3000px.png.

IPA Chart: http://www.internationalphoneticassociation.org/content/ipa-chart, available under a Creative


Commons Attribution-Sharealike 3.0 Unported License. Copyright © 2015 International Phonetic
Association.

54
REFERÊNCIAS
BISOL, Leda. O acento e o pé métrico binário. Cadernos de Estudos Linguísticos n.
22. Campinas, jan/jun, 1992.
______. A sílaba. In: BISOL, Leda. (Org.). Introdução a estudos de fonologia do
português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Análise fonológica: introdução à teoria e à prática.
Campinas: Mercado de Letras, 2002.
CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à fonética e à fonologia. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1990.
CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes,
2001.
CHOMSKY, Noam; HALLE, Morris. The Sound Patterno of English. Cambridge,
MA: MIT,Press, 1968.
COLLISCHONN, Gisela. O acento. In: BISOL, Leda. (Org.). Introdução a estudos de
fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
KELLER, Tatiana. O papel da sonoridade no mapeamento de sequências
consonantais em português. 2010. Tese de doutorado. Porto Alegre, PUCRS.
MATZENAUER, Carmen Lúcia Barreto. Introdução à teoria fonológica. In: BISOL,
Leda. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 5ª edição, revisada.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
PIKE, Keneth. Phonemics: a technique for reducing languages to writing. University of
Michigan Publications Linguistics 3. Ann Arbor. University of Michigan, 1947.
SCHWINDT, Luiz Carlos (Org.). Manual de linguística: fonologia, morfologia e
sintaxe. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
SEARA, Izabel Christine; NUNES, Vanessa Gonzaga; LAZZAROTTO-VOLCÃO,
Cristiane. Fonética e Fonologia do português brasileiro. Disponível em:
http://ppglin.posgrad.ufsc.br/files/2013/04/Livro_Fonetica_e_Fonologia.pdf.
SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia
de exercícios. São Paulo: Contexto, 2002.

55

Você também pode gostar