Neurose Obsessiva e Feminilidade - Esthela Solano Suarez (Lacanempdf)
Neurose Obsessiva e Feminilidade - Esthela Solano Suarez (Lacanempdf)
Neurose Obsessiva e Feminilidade - Esthela Solano Suarez (Lacanempdf)
Esthéla Solano-Suarez
A clínica nos confronta com sujeitos femininos cujo sintoma se enquadra no tipo
clínico relativo à neurose obsessiva. Nesse caso eles são colocados por nós do lado do
“obsessivo”, no masculino. Então, podemos resumir nosso propósito afirmando que há
mulheres cujo tipo clínico se enquadra na neurose obsessiva, o que as leva a
encontrarem-se tipificadas do lado dos tipos. Existe uma causa estrutural para isso? A
posição das mulheres obsessivas na estrutura faz parte de um modo de gozo que se
inscreveria do lado masculino? Podemos articular, portanto, que o sintoma obsessivo
qualifica para essas mulheres uma certa modalidade de “fazer o homem”,
diferentemente do modo presentificado pela histérica? Essas questões nos colocam a
interrogar a posição sexuada do sujeito do lado feminino no que se amarra no nível da
Zwang.
Esses dois casos nos confrontam com a revelação tardia de uma neurose
obsessiva produzida a partir de um acontecimento que passa a atuar como fator
desencadeador: a impotência do marido. Por que o sintoma do lado do homem seria
eficaz em gerar em sua parceira uma resposta sintomática de compulsão obsessiva?
Parece-nos que esses dois casos colocam em evidência uma articulação entre o sintoma
como resposta ao mal-entendido entre os sexos e mais particularmente o fato de que
para uma mulher a impotência do homem abre-se para ela em um questionamento sobre
seu ser, como o disse tão felizmente M.C. Hamon a propósito desse caso, para sustentar
sua posição sexuada, ela deve “confiar na boa vontade do parceiro...”. Assim, a falha
que concerne à sua feminilidade, que se introduz pela falência do órgão masculino, abre
a hiância que a neurose demanda preencher por intermédio do sintoma. Vamos
examinar mais de perto apenas um dos casos, o da “mulher da toalha”, e tirar a lição que
convém. Recordemos brevemente o caso: trata-se de uma mulher de trinta anos que
sofria, segundo Freud, de uma obsessão muito grave, e cuja ação obsessiva, que ela
realizava várias vezes ao dia, era a seguinte: “Ela ia de seu quarto ao quarto vizinho,
postava-se ali em local determinado, junto da mesa que se erguia no centro do cômodo,
tocava a sineta para chamar a empregada, confiava-lhe uma tarefa qualquer, ou mesmo
a dispensava sem nada solicitar, e voltava, por fim, a seu quarto” [2].
A leitura operada por Freud a partir das associações que foram fornecidas pela
mulher é a seguinte: aqui a ação obsessiva se dá como representação e repetição de
outra cena que havia acontecido dez anos antes, quando a noite de núpcias se torna
traumática. Nessa ocasião, recordemos, o marido se mostra impotente, pois “passou a
noite correndo do seu quarto para o da esposa, para repetir a tentativa, mas a cada vez
sem sucesso. Pela manhã, ele disse contrariado: „eu vou sentir vergonha da empregada,
quando ela vier arrumar a cama‟. Dito isso, apanhou um frasco de tinta vermelha que se
encontrava por acaso no quarto, e derramou o conteúdo sobre o lençol, mas não no lugar
preciso onde seria de se esperar encontrar as manchas de sangue” [3].
Então a obsessiva pela sua ação obsedante levanta o dedo e indica para a
empregada o poder medusante da impotência quando, fazendo cair o órgão do lugar de
semblante supremo da vida, ela mesma se encontra trazida de volta nessa queda.
Podemos aqui nos perguntar qual é a natureza dessa queda que implicou a necessidade
do sintoma para introduzir aí uma cessação. Somos levados aqui a supor, a partir da
existência do sintoma, que houve um apelo feito ao semblante para vir suturar a hiância
que foi aberta.
como , se faz propícia para abrigar em seu vazio a aniquilação pela qual o
simbólico, pelo seu poder de negação, se conjuga com a morte.
Por não se ver aspirada pelo buraco do Outro, que se escreve S(A), fonte de toda
dúvida, para impossibilitar a verdade da verdade de sua posição feminina, a obsessiva se
acopla ao sintoma que restitui a função fálica, de uma maneira não-toda bem sucedida.
Por isso ela terá de recomeçar, como Sísifo, um número infinito de vezes. Dessa
maneira ela terá evitado “a completa desvalorização sofrida por sua via genital por
causa da impotência de seu insubstituível marido”[4], mas ao fazê-lo, ela terá mostrado
também à empregada essa mancha em sua função de olhar, lá onde ela enquanto objeto
vem desempenhar para o homem “o papel daquilo que vem no lugar do parceiro que
falta”[5]. Assim, ela apenas chama a Outra mulher para lhe dizer: “veja você, o que nos
interessa é o que ele goza” [vois-tu, ce qui nous regarde est ce dont il jouit]. Ao fazer
isso ela mostra qual é o verdadeiro parceiro para um homem. Portanto, não transforma
ela o gozo fálico em derrisão? Vamos deixar assim a “mulher da toalha”, não sem
agradecê-la pela lição que pudemos tirar de seu caso. Assinalemos também, antes de
terminar, que a ação obsessiva se inscreve no oposto do ato de uma verdadeira mulher,
aquela que, como Medéia ou Madeleine, vai ao fundo da desfalicização e desfere um
golpe mortal em seu ter.
A obsessiva não sacrifica seu objeto patológico. Ela o segura. Ela segura seu
único e insubstituível marido, ao ponto de ficar sentada ali. Para ilustrar essa expressão,
evoquemos aqui o sentido de uma outra Zwang da “mulher da toalha”, compelida a se
assentar sempre sobre a mesma cadeira, quase sem poder sair dela. Ela revela a Freud
que “é difícil separar-se de algo (marido, cadeira) em que já nos sentamos”. Assim, à
questão “O que é um marido para uma mulher?”, ela nos responde: “Uma cadeira difícil
de sair”.
Ela designa com isso uma posição feminina, aquela da mulher sentada,
imortalizada para sempre pelo pintor, que consiste em um sistere* cujo ponto de apoio
lhe é dado pelo marido.
Isso nos adverte suficientemente sobre o fato de que devemos olhar duas vezes
antes de desalojar o obsessivo feminino de seu assento fálico. O que não quer dizer que
deixaríamos de fazê-la dar uma voltinha a fim de ela possa se levantar e ver atrás dessa
cadeira.
Tradução:
Notas:
1- HAMON M.C., Pourquoi les femmes aiment-elles les hommes ? Paris, Seuil,
1992, p. 24.
2- FREUD S., Introduction à la psychanalyse (1917), Paris, Payot, 1987, p. 243.
3- FREUD S., op. cit. pp. 243-244.
4- FREUD S., « La disposition à la névrose obsessionnelle » (1913), Névrose,
psychose et perversion, Paris, P.U.F., 1973, p. 192.
5- LACAN J., Le Séminaire, Livre XX, Encore, Paris, Seuil, 1975, p. 58.
* sistere: verbo em latim que significa ficar, parar, se deter, permanecer imóvel