Contribuição Do Trabalho Do Estagio
Contribuição Do Trabalho Do Estagio
Contribuição Do Trabalho Do Estagio
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
Rio Claro
2010
PAMELA APARECIDA CASSÃO
Rio Claro
2010
370.71 Cassão, Pamela Aparecida
C343c A contribuição do estágio no processo de formação
docente / Pamela Aparecida Cassão. - Rio Claro : [s.n.], 2010
151 f.
Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP
Dedico este trabalho à Laura Noemi Chaluh,
por ter sido ela, muito mais que uma
professora, muito mais que uma amiga, muito
mais que uma orientadora.
AGRADECIMENTOS
À Vilma dos Santos, minha mãe, por ser ela a pessoa mais importante na minha
constituição pessoal e profissional, por ela ter me ensinado valores e deveres que devo
desempenhar enquanto cidadã.
À Gilmar Benedito Cassão, meu pai, por todo carinho e educação que ele me deu e por
acreditar em mim e em meus sonhos.
À Laura Noemi Chaluh, minha orientadora, por ter aceitado me orientar neste trabalho
e por ter confiado na minha capacidade de escrita. E por me ensinar a expressar meus sentidos
através das palavras.
À Suelen Cristina Borges, minha amiga, por ter me apoiado e por estar ao meu lado
sempre. Sei que posso contar contigo minha “irmãzinha”!
À Juliana D’Urso Hebling, minha amiga, por dividir comigo sua sabedoria e por me
mostrar a arte e a beleza da vida. Obrigada Juliana!
À Milene Cristina Hebling, minha amiga, por me ajudar durante todo meu processo de
formação docente. A graduação teria sido bem mais difícil sem você Milene!
À Osmar Arruda Garcia e Mariana Aparecida da Silva, meus amigos, por serem meus
companheiros de curso e por compartilharem comigo momentos inesquecíveis.
À Lucineide Martins Rocha e Natalia Carolina Lopes, minhas amigas, por acreditarem
no meu potencial e por terem replanejado suas vidas durante quatro anos para que eu pudesse
realizar meus estágios docente.
Aos meus familiares pela força e pelo apoio moral que dedicaram a mim durante todo
o meu processo de constituição docente.
À Flavia Medeiros Sarti, minha coordenadora de estágio, pelo trabalho sério e
responsável que realiza com os estágios supervisionados do Curso de Licenciatura em
Pedagogia da UNESP de Rio Claro.
À Elaine Cristina Poncio, minha amiga, por ter compartilhado comigo sua experiência
docente e sua experiência de vida.
À todos os alunos que conheci durante os meus estágios, sem eles este trabalho não
teria sentido algum.
À todos os professores que participaram e compartilharam experiências comigo
durante o meu processo de aprendizado como estudante-pesquisadora-estagiária.
À Priscila Vilela e Cristina Marchetti Maia, pelo auxilio e disponibilidade na correção
deste trabalho.
Aos meus colegas de graduação pelos quatro anos de experiências e saberes
compartilhados.
Aos docentes do curso de Licenciatura em Pedagogia da UNESP de Rio Claro, pela
dedicação e por compartilhar comigo os saberes formativos.
Aos meus amigos que direta ou indiretamente me ajudaram e me apoiaram durante
todo o meu processo de constituição docente.
Paulo Freire
RESUMO
Este trabalho foi escrito com intuito de apontar a importância do estágio docente na
formação do futuro educador. Partindo de uma perspectiva metodológica autobiográfica,
apresento ao leitor deste trabalho, o processo de minha constituição formativa desde o
momento em que ingressei no curso de Licenciatura em Pedagogia pela UNESP – campus
Rio Claro, até a conclusão da última etapa dos meus estágios docentes. Os dados contidos nos
diferentes registros apresentados são analisados a partir do paradigma indiciário, onde procuro
encontrar detalhes que contribuíram significativamente para o meu processo de constituição
docente. Aponto os aprendizados adquiridos durante a realização das quatro etapas do meu
estágio docente no contexto da escola e trago uma reflexão crítica acerca das experiências
tidas nesse percurso. Sinalizo a importância do estágio docente na formação do futuro
professor e quais as contribuições que o mesmo traz para o curso de licenciatura, para as
instituições escolares onde o estágio foi realizado e para constituição formativa do futuro
educador.
INTRODUÇÃO p. 11
APÊNDICE A p. 148
11
INTRODUÇÃO
Assim, o encontro que tenho com minhas memórias e registros, com os registros dos
alunos, da professora e com os bilhetes que recebi de todos que comigo compartilharam os
momentos vividos, permitiu-me fazer um trabalho que traz consigo o re-olhar, o re-tecer.
Neste sentido, alcanço a especificidade da abordagem qualitativa partindo de uma perspectiva
autobiográfica, pois me implico a resgatar momentos já vividos com olhos de quem vê o fato
pela primeira vez, re-aprendendo e re-significando as experiências a fim de atingir a dinâmica
formativa do meu processo de constituição docente.
Sobre a perspectiva de análise dos dados adotada por mim na realização do meu
trabalho, encontro no paradigma indiciário de Ginzburg (1989) o método mais coerente para
13
e da prática por parte dos estagiários, e Ginzburg (2001) que traz a idéia de estranhamento que
utilizo tanto em minha experiência como estagiária como enquanto escritora desse trabalho.
Extraio também trechos de registros meus para ilustrar os momentos descritos e os
aprendizados extraídos da experiência por mim vivenciada enquanto estudante-pesquisadora-
estagiária dentro do cotidiano escolar.
No capítulo 3, descrevo um momento da minha formação no qual me encontro cheia
de incertezas sobre a minha futura carreira como professora. Relato também a proposta da
coordenadora de estágio de se iniciar um projeto de parceria com a professora titular da sala
onde o mesmo se realizaria. Aponto o processo de elaboração do projeto a ser apresentado à
professora da sala, nosso encontro, o nosso diálogo, a abertura a mim dada por ela, a minha
presença na sala de aula, o meu contato com os alunos, dessa vez não como observadora
somente, mas como co-participe do ato de educar.
Pondero a importância desse estágio na minha formação, a importância das amizades
que conquistei, os projetos que se sucederam naquela escola após o término do meu estágio.
Dentre todas as contribuições teóricas de que utilizei destaco a de Freire (1996) na
importância da autonomia, Freinet (1975) com sua proposta de aula-passeio na importância da
vivência do conhecimento que se quer ensinar, Picollo (2005) para conceituar a magia na arte
de educar e Sarti (2009) para compreender o estágio docente na instância formativa da
parceria intergeracional.
No capítulo 4 falo acerca dos dois últimos estágios de meu processo de formação,
estes vinham com uma novidade: a realização do estágio em grupo, no caso, o meu era
composto por mim e mais quatro colegas do meu curso de Pedagogia. Estes estágios tinham o
intuito primeiramente de observar a escola como espaço de formação docente fora do âmbito
da sala de aula, para posteriormente elaborar uma oficina pedagógica a ser trabalhada com os
envolvidos no processo dentro de um desses espaços existentes.
Os momentos de observação, incluindo visitas regulares à escola, acompanhamento de
HTPCs, encontros em palestras fora do ambiente escolar, nos renderam, a mim e ao meu
grupo, alguns indícios de que aquele corpo docente havia adquirido o que prefiro chamar de
vício de fragmentação. Neste capítulo trago para reflexão a importância do trabalho coletivo,
para práticas de sucesso dentro do ambiente escolar. Para me embasar trago as reflexões de
diversos autores que tratam da perspectiva do trabalho coletivo realizado na escola, com
destaque para as contribuições de Hubermann (1992) ao identificar características peculiares a
cada fase da carreira docente, Ruiz (2008) trazendo a pedagogia socialista de Makarenko
(1980) e o caráter coletivo que a mesma incorpora e Veiga (2004) para elucidar a importância
15
Este trabalho tem por finalidade mostrar as contribuições que o estágio docente do
curso de Licenciatura em Pedagogia da UNESP de Rio Claro trouxe para minha formação
acadêmica e profissional, e também analisar, com base na minha experiência, como essas
contribuições refletiram em minha postura perante o meu curso, perante a universidade e
perante a escola onde realizei meus estágios. Sobre essa temporalidade e sua importância
Tardif e Raymond revelam que:
Como apontam Tardif e Raymond (2000), existe uma sequência de experiência que
não pode ser invertida, assim pretendo com este primeiro capítulo dimensionar de maneira
cronológica as transformações que aconteceram comigo desde o momento em que ingressei
no curso de Licenciatura em Pedagogia, de maneira a esclarecer que a formação do estagiário
inicia-se quando ele entra na universidade e começa a vislumbrar outras concepções de vida e
de sociedade.
Desse modo, pretendo explanar as transformações que ocorreram em minha maneira
de pensar a educação, a partir do momento em que iniciei o meu curso de Licenciatura em
Pedagogia. Pretendo também trazer uma reflexão sobre as minhas experiências, sobre o meu
ingresso na universidade, de que forma e em que contextos estas experiências aconteceram e
como elas contribuíram para a minha constituição acadêmica e profissional. Com isso, aponto
que o processo de formação do estagiário tem seu início muito antes do estágio docente
começar, pois tal formação começa no instante em que o discente aprende a reconhecer que
ele não ocupa somente a “cadeira” de aluno, mas sim a “cadeira” de futuro educador.
Para começar é necessário dizer que ser parte integrante de um curso superior de uma
universidade pública no Brasil é, sem dúvida, privilégio de poucos. Ter a oportunidade de
adquirir conhecimento, entrar em contato com pessoas diferentes, com culturas diferentes,
trabalhar com pesquisa, iniciar uma carreira acadêmica, são alguns dos muitos benefícios que
um ingressante tem a sua disposição dentro de uma universidade. De fato, é uma nova forma
de se estudar, muito diferente da qual eu estava acostumada; afinal foram onze anos de
vivência em escolas públicas de ensino tradicional. Vale lembrar que a escola pública no
Brasil é, na sua grande maioria, pautada em um ensino tradicional, no qual o professor é o
sujeito ativo e o aluno o sujeito passivo, este último figura como um receptáculo do
conhecimento transmitido pelo professor. Libâneo (2000) diz que:
É interessante, neste momento, trazer para a reflexão o papel que a escola pública
ocupa dentro da sociedade brasileira, qual o seu caráter ideológico e comparar com o papel da
universidade pública e suas contribuições dentro dessa mesma sociedade. A partir de então, é
possível levantar as seguintes questões: o ensino escolar deixa marcas em seus alunos? Qual a
concepção que a universidade tem de aluno? Com que olhar o estagiário retorna à escola: o de
aluno que um dia esteve sentado naquelas cadeiras, ou de estudante-pesquisador? Estas são
algumas questões que pretendo responder através do relato de minha experiência como aluna,
universitária e estagiária. Não somente neste capítulo, mas em todo o meu Trabalho de
Conclusão de Curso.
Para Althusser (1985), a escola é o principal aparelho ideológico estatal e cumpre sua
especificidade, pois transmite as ideologias de um Estado capitalista. Para ele, isso acontece
através da transmissão de um conteúdo padronizado e do exercício de práticas alienantes. O
que posso dizer é que quando se está inserido dentro de um meio, ainda que estejas sendo
manipulado ou induzido a praticar ou reproduzir algo, esta intenção torna-se imperceptível.
Quando aluna, pensava sobre os problemas da educação como consequência de um modelo de
ensino já ultrapassado, que não conseguiu acompanhar as inovações advindas do campo da
tecnologia. Essas inovações, por sua vez, eram inseridas de maneira a acolchoar uma didática
que por si só não dava conta de cumprir a especificidade da escola, que eu acreditava, na
época, ser a transmissão dos conteúdos sistematizados. Ainda que eu possuísse certa
criticidade no pensar a função da escola, eu restringia minhas críticas à escola pública, e
acreditava que no âmbito privado os problemas educacionais simplesmente não existissem.
19
Por vezes, durante os anos de ensino médio, tentei inventar maneiras diferentes de aprender as
lições ensinadas na escola, mas sem o incentivo de meus professores e também, por ter que
conciliar trabalho e estudo, acabei me adaptando às condições impostas naquele contexto e
aceitando passivamente a maneira com que o conhecimento me era transmitido. Quando
alguém se sente obrigado a aceitar algo que não concorda ou não acha ser correto, cicatrizes
surgem dessa obrigação. E não há como fugir das cicatrizes que ficaram na minha forma de
pensar e transmitir o conhecimento após todos esses anos frequentando quase que diariamente
a escola tradicional.
Penso que não há universidade no mundo que consiga desconstruir a essência escolar
que existe dentro de cada um de nós. Talvez nem se tenha essa intencionalidade de anular a
essência escolar que cada um traz consigo, o que se faz na universidade é provocar uma
abertura nessa essência, para que as transformações do pensamento aconteçam, ou melhor,
nos aconteçam. Larrosa (2002) diz que para haver experiência é necessária uma abertura
essencial. A respeito dessa abertura essencial, devo registrar aqui que as experiências da
universidade constituíram em mim dois sentidos que fizeram com que a minha visão de
mundo e de sociedade se modificasse de maneira considerável: o sentido de desconfiança e o
sentido de reconhecimento.
Pretendo explanar agora o que chamo de sentido de desconfiança. Ele surgiu em mim,
logo no meu primeiro ano de graduação. O primeiro ano de curso é composto por disciplinas
chamadas de introdutórias, ou seja, ensinam através de seu conteúdo, maneiras de
compreender as linhas de estudos filosóficos e sociais dadas ao longo da história da
humanidade e relacioná-las com os problemas contemporâneos. Mas após vivenciá-las com
toda densidade que elas possuem, carinhosamente, as apelidei de disciplinas
“descontrutórias”, devido à maneira com que os conteúdos aprendidos nessas disciplinas
modificaram a minha maneira de encarar as relações humanas, sejam elas no âmbito da
família, na escola, ou em meu convívio social. Ao iniciar meu “diálogo” com os autores a
mim apresentados por meus professores, comecei a criar esse, que denominei de sentido de
desconfiança. À medida que eu lia as grandes obras da filosofia e da sociologia, eu começava
a desconfiar daquilo que até então eu tinha como a maneira certa de me posicionar no campo
das relações humanas. Essa desconfiança, fruto do diálogo com os autores dos livros, fez
surgir em mim um questionamento de tudo o que acontecia ao meu redor. A partir de então
20
comecei questionar meus anos como aluna na escola tradicional, questionar a minha vida
social, meus costumes, minhas vontades, meus medos. Acabei por questionar tudo, inclusive a
universidade. Larrosa (2002) diz que “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o
que nos toca. Não o que se passa não o que acontece, ou o que toca” (LARROSA, 2002, p.21,
grifo nosso). Tomando o conceito de experiência de Larrosa (2002), consigo perceber o
quanto as leituras e as discussões por mim presenciadas nesse primeiro ano de graduação me
tocaram. A semente da desconfiança me possibilitou buscar outras formas de entender e
trabalhar a educação e, através delas, eu iniciei o meu processo de constituição como
estagiária e futura educadora. Entendo esse sentido de desconfiança como uma espécie de
chave mestra, aquela que abre todas as portas, e se tratando de educação, quanto mais portas
você abrir, mais saídas para solucionar um problema você encontrará. Vale lembrar que o
surgimento da ciência se deu através de questionamentos, desse modo é possível dizer que,
mesmo eu não me dando conta disso, eu, através da experiência descrita, estava aprendendo a
fazer ciência.
Contudo, aprendi a desconfiar. A partir do sentido de desconfiança surgiram os
questionamentos, mas o que fazer com eles? Como organizar a experiência de forma que ela
não se desintegre por si mesma? Um questionamento não tem valor algum se permanecer
estático. Sua função é provocar uma abertura na idéia inicial, geralmente convicta que se tem
sobre algo e é a partir dessa abertura que se caminha para encontrar uma possível resposta.
Apesar de a dúvida ter sido o impulso para a criação do método racionalista de Descartes, o
meu sentido de desconfiança só se confunde com o método cartesiano no que diz respeito à
existência do homem que duvida, no sentido de “penso, logo sou”. Mas ao contrário do que
afirma o método de Descartes, a minha experiência me trouxe o sentido de reconhecimento. E
nesse ponto é que a minha vivência se opõe ao pensamento desse grande nome da filosofia
moderna. Para Descartes, algo só existe se puder ser comprovado, já no meu processo de
formação como educadora, aprendi a reconhecer que nem tudo pode ser mensurado, medido
ou até mesmo comprovado. A dúvida surge para mim como a utopia surge a Galeano (1994)
“utopia [...] ella está en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino
diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la
alcanzaré. Para que sirve la utopia? Para eso sirve: para caminar” (GALEANO, 1994, p.310,
grifo do autor).
O sentido de desconfiança me impulsionou a trilhar caminhos que me levaram ao
horizonte das possibilidades no campo das relações educacionais. E se o que está em pauta é
educação, reconhecer que é possível trabalhar a educação de maneira diferente é dar um passo
21
1
Significado da palavra plural segundo o dicionário online.
Michaelis. Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=plural> Acesso abr. 2010.
22
educação e refletir sobre minha postura na minha relação com o outro. Penso se alguma vez
um dos meus professores conseguiu imaginar o quanto ele me influenciava com o que falava,
a maneira como se posicionava, ou conseguiu perceber como me tocava ou ecoava em mim o
que acontecia durante as aulas, as discussões, no designo das lições, na troca de
conhecimento. Pois eu projetava neles o meu futuro, a realização plena de todo o meu
processo acadêmico; metaforizando, é como se eu fosse a lagarta e eles fossem as borboletas.
Pude notar também algo bastante curioso acerca da postura dos professores com
relação à linha filosófica que seguiam. Desde o surgimento da escola laica, a ciência e a
religião passaram a ocupar lados opostos no tocante a fé e ao pensamento. Mas notei que em
alguns docentes a defesa de sua concepção filosófica era tão acentuada que se confundia com
a crença religiosa. Notei que muitos dos meus professores, tão laicos, às vezes pareciam
clérigos defendendo suas teses e concepções. Marxistas, Freudianos, Tradicionalistas e
Piagetianos, defendendo suas concepções lembravam-me os Beneditinos e Franciscanos da
Igreja Católica. Eu achava admirável! Era a beleza que há na contradição do homem que se
diz laico, mas que ao mesmo tempo crê em suas concepções de maneira quase que religiosa.
Desse modo, percebo por vezes que quando duas coisas são antagônicas entre si elas sempre
acabam por apresentar um ponto de convergência. Agora que explicitei a importância dos
meus professores no meu encontro com as teorias sobre a educação presentes na universidade,
apresento finalmente a maneira como compreendi tais teorias e como as organizei em meu
pensamento. A partir de então explicarei como surgiu o que chamo de sentido de
reconhecimento.
Há uma música que diz: “ser a capa e ser contracapa é a beleza da contradição, é
negar a si mesmo”2. Se existe um lugar onde essa beleza se faz presente, este lugar é a
universidade. Nela consegui identificar inúmeras capas e contracapas apresentadas a mim em
forma de linhas de pesquisa em educação. Recordo-me que o primeiro antônimo surgiu acerca
da existência do homem na terra e o que o difere dos demais animais. Na disciplina de
Filosofia de Educação I, a primeira lição aprendida foi: penso, logo existo. Já na disciplina de
Introdução aos Estudos de Comunicação e Expressão, a máxima era: falo, logo existo. Em
Filosofia da Educação III foi ensinado que o homem se difere dos demais animais da terra
2
Letra da música Mágramática, de Fernando Anitelli (O Teatro Mágico).
24
pelo nobreza do seu trabalho. Em Sociologia Geral, foi dito que o trabalho é uma maneira de
adestrar corpos para que o Mercado3 possa manipulá-los a seu favor. Sobre sua conduta, foi
dito que o homem possui a possibilidade de escolha, na disciplina de Filosofia da Educação
II, porque em Sociologia da Educação I o homem não escolhe nada, é manipulado como um
fantoche pelo neoliberalismo 4. Sobre a escola e sua função na sociedade, ouvi de tudo: que a
escola não dever ser assistencialista, mas que deve oferecer mais que lições a sociedade que a
sustenta. Que é uma instituição falida, mas é nela que se forma o futuro da humanidade. Que a
escola é o reflexo da sociedade, e que a sociedade reflete aquilo que a escola produz. Agora
imagine que, em meio a toda essa contradição de pensamentos, de posturas filosóficas, estava
eu, discente, vivenciando tudo, e assimilando, ou melhor, tentando assimilar. E junto estava a
minha necessidade de escolha. De fato, ninguém me obrigou a escolher uma verdade, essa
necessidade partia da minha essência como aluna, desde o ensino fundamental, que foi sempre
induzida a escolher a alternativa correta, a encontrar apenas uma única resposta válida. Foi até
engraçado porque chegou um momento que eu não sabia dizer mais se o Estado 5 já
desmoronou, está desmoronando ou vai desmoronar depois que privatizar a universidade
pública. Contudo, reconheci que o processo de maturação do pensamento é doloroso e
necessário, prazeroso e difícil, e como toda experiência aqui descrita, capa e contracapa. E ter
a oportunidade de viver esse antagonismo é apreciar a beleza da contradição. A partir desse
momento, consegui atingir o sentido de reconhecimento no campo das teorias educacionais.
Ele surgiu quando percebi a beleza que existe nas contradições teóricas, assim me afastei da
necessidade de escolha, e reconheci o que há de melhor em cada concepção. Tenho
consciência de que não aprendi tudo sobre todas as lições ensinadas, mas o que realmente
produziu significado para mim somou-se a minha essência, transformando-a, e dessa forma
minha constituição como futura estagiária foi se moldando, e se reconhecendo, negando a
mim mesma, sem a pretensão de encontrar o modo certo de trabalhar a educação, de descobrir
a receita perfeita do ato de educar, com medidas e explicações de como se obter êxito no
magistério, até mesmo porque não existe uma forma certa de se lecionar. Lecionar é um ato
criador de experiências transformadoras, desse modo “somente o sujeito de experiência está,
portanto, aberto à sua própria transformação” (LARROSA, 2002, p. 26).
3
Ver conceito de Mercado, por Michel Foucualt, em O Nascimento da Biopolíitca (1979).
4
Ver conceito de neoliberalismo na perspectiva de Boaventura de Sousa Santos, em Os processos da
Globalização, (2002).
5
Ver conceito de Estado na perspectiva de Boaventura de Sousa Santos, em Os processos da Globalização,
(2002).
25
sentia superior aos meus companheiros de trabalho simplesmente por cursar uma
universidade.
Os acontecimentos que se sucederam a mim desde que me tornei uma universitária
ultrapassaram o campo de intelectualidade e influenciaram também minha vida social. Meus
gostos, meus costumes, meu vocabulário, todo o meu eu estava em processo de
“metamorfose”, decerto toda transformação traz consequências para além do núcleo onde
ocorre o processo transformador e é interessante perceber hoje como minha educação
acadêmica influenciou meu cotidiano, meu contexto social e com isso atingiu pessoas que não
compunham o ambiente da universidade. Penso que este é o efeito do ato de educar, ele não se
limita a relação professor-aluno, se a educação acontece como um acontecimento, ela não
termina no aluno ou no professor. Dessa relação ambos saem transformados, e esta
transformação não se prende ao sujeito, ela “escapa” para os que com este estabelecem
relações. O conhecimento que partilhei dentro da universidade não ficou restrito ao meu
campo intelectual, ele influenciou minhas atitudes e alterou também minha vida social. Dessa
forma consigo ver que meu processo de constituição docente atingiu não só o campo das
idéias mais atingiu também o campo das minhas atitudes.
Trago nesse momento para reflexão outro ponto importante em meu processo de
formação, ligado também ao meu encontro com as teorias e concepções educacionais. Gosto
de nomear minhas experiências e sensações; assim, não farei diferente agora. Chamo o que
descreverei nas próximas linhas como o meu subjetivo aprendizado da reinvenção da roda.
Parece complexo, e realmente é. Mas faço-me entender. Durante o curso de Licenciatura,
como é de sua especificidade, conheci muitos problemas ligados à educação, suas
dificuldades e os dilemas que envolvem o processo educativo, dentro e fora dos muros da
escola. Sempre que me apresentavam um problema, sentia uma enorme vontade se solucioná-
lo, digo sempre que essa é uma herança da matemática escolar, afinal todo problema
matemático ensinado na escola requer uma solução. Quando conhecia um problema referente
ao ato de educar, principalmente se este estivesse ligado ao cotidiano escolar, eu refletia
durante dias até encontrar uma solução plausível. A frustração vinha ao apresentar a idéia para
um dos meus professores. Todas as vezes, eles vinham com um autor que em algum momento
já tinha pensado o mesmo que eu e escrito em algum lugar. Ficava arrasada, me sentia
reinventando a roda, redescobrindo o Brasil, me sentia como um cover de banda de rock, um
27
verdadeiro plágio. O meu sentido de desconfiança causou-me inúmeros conflitos, pois sempre
que pensava em alguma idéia para solucionar alguma questão educacional, eu me questionava
se alguém já havia pensado o mesmo em um dado momento histórico qualquer. Não queria
deixar de dar o crédito a quem o era de direito, mas ao mesmo tempo me chateava, afinal
quando pensei eu não conhecia a teoria, não havia estabelecido nenhum tipo de contato com o
autor da mesma, não achava justo também não me dar o crédito por pensar algo que, querendo
ou não, estava dentro das possibilidades de solução de um problema educacional. Por tempos
essa frustração me perseguiu, mas com o desenrolar do meu processo de formação acadêmica,
influenciada pelo meu sentido de reconhecimento, aprendi a reconhecer a importância desse
meu subjetivo aprendizado da reinvenção da roda, pois descobri que as coincidências entre o
meu pensar com os pensamentos dos autores que em algum momento também se
preocuparam com os problemas educacionais era algo positivo. Era a evidência de que eu
estava aprendendo a pensar soluções coerentes, que o embasamento que a universidade e
curso me davam estava surtindo efeito, que eu estava no caminho certo. Compreendi que eu
não plagiava ninguém, mas que subjetivamente recriava uma idéia, mas do meu jeito, com
meu toque pessoal. Animei-me muito quando adquiri esta consciência. Senti que estava
sintonizada com o curso e que estava preparada para compor o cotidiano escolar como futura
estagiária. Brecht (1970) diz que “não se tira nada de nada, o novo vem do antigo, mas nem
6
por isso é menos novo” . Dessa forma concluo que recriei novas concepções, ainda que
reinventadas, mas ainda sim novas.
6
Disponível em: <http://fraseseversos.com/celebres/nao-se-tira-nada-de-nada-o-novo-vem-do-antigo-mas-nem-
por-isso-e-menos-novo/>. Acesso em abr. 2010.
7
Referência a música do compositor Noel Rosa, intitulada Com que roupa?
28
Roupa aqui tem sentido metafórico de composição, de postura. Como eu me preparei para
esta experiência? Com que roupa eu me vesti para o estágio docente? Refletindo, concluo que
fui vestida de novidade. É isso mesmo, de novidade. Acreditava que eu seria a portadora das
novidades dentro daquele cotidiano escolar. Qualquer problema que surgisse, lá estaria eu
com alguma nova idéia, para agraciar as pessoas daquele contexto, que (pensava eu) nunca
haviam pensado em algo semelhante. Eu estava no tempo e espaço da teoria, no âmbito das
idéias possíveis e também das impossíveis. E fui para o estágio docente vestida de novidade,
com um relógio ideológico totalmente desregulado do tempo da escola. Isso me trouxe
algumas conseqüências, que pretendo detalhar no capítulo II.
Levei também na bagagem meus sentidos de desconfiança e de reconhecimento,
expectativas, e uma boa dose de ansiedade. Levei também a consequência dos meus atos
políticos dentro da universidade, pois no semestre anterior à realização do meu estágio, havia
participado da uma greve de discentes no campus, e o atraso no calendário semestral, rendeu-
me um grande problema: realizar um estágio semestral em menos de três meses. Não me
arrependo de ter participado da greve de alunos. Ela foi necessária naquele momento. E
contribuiu para o meu crescimento no aspecto político também. Após a greve eu comecei,
gostando ou não, a dar mais atenção a assuntos políticos tanto ao que diz respeito ao meu país
quanto ao que diz respeito à política internacional.
Vou para escola vestida de novidade, carregando uma bagagem repleta de sentidos e
expectativas. Nesta etapa já não sou mais a mesma, a garota de escola pública, carregada de
senso comum que um dia viu seu nome entre os aprovados no curso de Licenciatura em
Pedagogia. Ainda que não seja a mesma continuo sendo essa garota, afinal essa é a minha
essência, mas o fato é que agreguei muito a minha personalidade.
Estou convicta de que a universidade foi um acontecimento em minha vida. Não sei
dizer, confesso, se a universidade afeta a todos como me afetou. Mas como lembra Larrosa
(2002):
A minha experiência dentro da universidade foi algo único. Talvez pelo meu desejo de
cursar uma universidade pública, talvez por ter vivido em uma família onde o meio de
informação era a televisão, talvez por trabalhar em uma indústria e pertencer a um mundo
totalmente antagônico ao da universidade... Talvez por tudo isso que acabei de escrever e por
mais alguma coisa que não consigo decifrar. Talvez o leitor possa julgar que o conhecimento
a que devo me referir é o conhecimento científico, que configura fora de nós, esse eu também
adquiri na universidade. Mas o que descrevi aqui, sem dúvida, é o saber da experiência, o
saber dos diálogos com os professores, das risadas com os colegas de curso, dos protestos em
frente à biblioteca, as paqueras na cantina, a aula magnífica de história da música clássica, os
dedos sujos de chocolate de tanto comer bombom assistindo filmes no anfiteatro nas aulas de
Sociologia, das discussões sobre o papel do professor nas aulas de Filosofia, das
apresentações de seminários, e tantas outras coisas, que faço questão de deixar aqui
registrado, para que não se possa mais questionar (como um dia eu questionei) a experiência
como recriadora do saber acadêmico.
30
origem no Brasil por volta de 1930, e muito se observou a respeito das finalidades do estágio
docente dentro dos currículos tanto das Escolas Normais 8 quanto dos cursos superiores de
licenciatura. Piconez (1991) levanta que as análises dos pesquisadores que vêm de outras
áreas do conhecimento tratam dos problemas da escola a partir de outras concepções, e assim
configuram finalidades diferentes da realidade observada no cotidiano escolar brasileiro.
Outro ponto que gera conflitos é como o estágio docente se apresenta na grade curricular dos
cursos de licenciatura, geralmente dispostos nos semestres finais do curso, ou seja, aprende-se
primeiramente a teoria, e depois se pratica (ou tenta praticar) aquilo que foi aprendido nos
primeiros anos de curso (AZEVEDO, 1980 apud PICONEZ, 1991).
Candau (2005), ao falar em didática como disciplina que foca o ensino-aprendizagem,
propõe como ponto de partida a idéia de multidimensionalidade. A autora aborda três
dimensões a serem consideradas na didática, que articuladas permitem compreender a
complexidade do processo de ensino-aprendizagem. Estas dimensões são, segundo ela,
humana, técnica e político-social. Na dimensão humana, Candau (2005, p.14) traz a
perspectiva “subjetiva, individualista e afetiva do processo de ensino-aprendizagem”. Já a
dimensão técnica é apresentada pela autora como sistemática, objetiva e racional e traz em si
os objetivos instrucionais, a seleção de conteúdos, as estratégias de ensino, etc.
Na dimensão político-social, do ensino-aprendizagem em didática, a autora diz que
“esta não é somente um aspecto de ensino-aprendizagem. Ela impregna toda a prática
pedagógica que, querendo ou não [...] possui em si uma dimensão político-social”
(CANDAU, 2005, p.16).
Em seu texto a autora vai contextualizando historicamente o percurso da didática no
Brasil e mostra que em alguns momentos houve a afirmação de uma dimensão e, em outros
momentos, o silenciar de outra. Assim, me permito utilizar das três dimensões apresentadas
por Candau (2005) para o ensino da didática, para traçar uma perspectiva do meu curso de
formação inicial dentro destas três dimensões, ou seja, pretendo dizer sobre minhas
impressões acerca do meu curso de formação no que tange as dimensões humanas, técnica e
político-social, presentes, a meu ver, dentro do curso de Licenciatura em Pedagogia da
UNESP de Rio Claro. Durante meu processo de formação inicial dentro do curso, eu pude
perceber que algo semelhante a este silenciar de uma determinada dimensão possivelmente
ocorreu.
8
Antiga habilitação específica de 2° grau para o Magistério.
32
No caso do meu curso de formação inicial, notei uma possível afirmação das
dimensões humanista e político-social em detrimento (ainda que não intencional) da dimensão
tecnicista. O silenciar da dimensão tecnicista, em meu curso de formação inicial, constituiu, a
meu ver, lacunas nesse aspecto, fazendo com que eu, quando me vi inserida no contexto
escolar (como estudante-pesquisadora-estagiária), não consegui integrar teoria e prática de
maneira dialógica e fundamental.
Considero que nenhum curso de formação inicial, por mais qualificado que seja, atinge
a formação plena do futuro educador. Mas assim como Candau (2005), ao propor uma
didática fundamental, enfatiza que esteja presente a multidimensionalidade entre as três
dimensões elencadas por ela, eu concluo que talvez tivesse sido menos doloroso o meu
processo de inserção no contexto escolar e a compreensão da importância da teoria-prática
como perspectiva dialética, se em meu curso de formação inicial essa multidimensionalidade
estivesse presente no tocante às dimensões humana, técnica e político-social do meu processo
de constituição docente.
Mesmo percebendo as lacunas existentes em meu curso de formação no que diz
respeito a sua dimensão técnica, e o que elas acarretaram em meu processo de inserção e
compreensão da realidade escolar, enxergo que algumas podem por vezes, permitir ao
discente buscar preenchê-las com a prática docente, com a experiência em sala de aula. O que
me preocupa e que o que pude perceber com base em minhas vivências, é que muitas vezes o
discente constitui, de maneira ingênua, uma visão romântica do ato de educar. Por vezes esta
visão pode ser de fato perigosa, pois ao iniciar suas atividades dentro do cotidiano escolar o
discente se choca com o real, e se frustra com o que experimenta dentro da sala de aula. Por
não se dar conta de que ele desempenhou um olhar ingênuo a tudo aquilo que por ele foi
conhecido no curso de formação inicial, o futuro educador acaba por desqualificar o saber
teórico e julga ser impossível a realização do mesmo junto à prática docente.
Quando reflito sobre a minha experiência e a de meus colegas de curso, percebo que o
choque com a realidade escolar traz ao estagiário a constatação de que ele constituiu uma
33
visão ingênua do ato de educar e isso, algumas vezes, faz com que ele, mesmo sem a intenção,
anule subjetivamente a credibilidade ou da teoria ou da prática. Desse modo, o estagiário
acaba por perder o interesse pela prática docente e passa a considerar o estágio uma árdua
obrigatoriedade de se cumprir uma carga horária para obtenção do diploma. Ou por não
aceitar que ele criou um olhar ingênuo acerca da prática docente, desqualifica parte da teoria
aprendida e atribui à universidade um discurso irreal, que não condiz com a realidade.
Sobre o discurso da formação inicial, Hargreaves (1998) aponta que:
curso de Licenciatura em Pedagogia da Unesp de Rio Claro estão sob a coordenação de uma
professora comprometida e responsável com o seu trabalho.
9
Estrutura curricular pertencente a Grade antiga do curso, na qual a última turma a ingressar no curso com esta
grade foi a turma de 2006, da qual faço parte.
10
A partir de agora passarei a usar os códigos dos dados da pesquisa descritos no inventário (Apêndice A) ao
final deste texto que são referentes às visitas de meus estágios e meus relatórios referenciados ao final do texto.
35
Esta disciplina era ministrada às quintas-feiras, no período de aula, ou seja, das 19:00h
às 23:00h. Na prática, o que acontecia durante as aulas era, além da reflexão dos textos
propostos pela professora, uma valiosa troca de experiência por parte de todos os discentes,
que de fato estavam em processo de realização de seus estágios docentes. Ouvia-se de tudo a
respeito dos acontecimentos que se davam durante a visita dos estagiários às escolas. Relatos
cômicos, tristes, assustados, satisfeitos. Apesar de ser a mesma modalidade de estágio para
todos os discentes, era interessante observar como cada estagiário vivenciava aquela
experiência de maneira única. Isto se deve, claro, ao contexto da escola e o contexto da sala
de aula que cada estagiário frequentava, mas é importante analisar que muitas experiências
eram fruto também da postura do estagiário perante a escola e a sala onde ele estagiava. Por
mais que a docente da disciplina alertasse, não faltavam críticas com relação à postura deste
ou daquele sujeito do cotidiano escolar. Algumas críticas eu considerava relevantes, outras
notava a frustração que o tempo e o espaço da escola causavam em alguns colegas meus de
curso. Eu não falava muito sobre o meu estágio, porque naquele momento eu ainda não havia
refletido sobre uma série de acontecimentos acerca do meu estágio e eu não queria expressar
uma opinião advinda de uma primeira impressão acerca de um fato isolado. Sem dúvida eram
relatos repletos de subjetividade e esta precisa ser dosada às vezes, para que não se cometa
injustiças por não conseguir enxergar a problemática de outro patamar. Eu tomava esse
cuidado durante as aulas de Metodologia do Ensino Fundamental, não queria culpar a
professora da sala onde eu estagiava por uma atitude que eu realmente não saberia dizer se, no
lugar dela, eu não faria a mesma coisa. Os textos trabalhados em sala abordavam os
problemas cotidianos da escola, e nesse sentido a disciplina cumpriu sim sua especificidade.
Mas, como eu disse anteriormente, às vezes essa idéia de problema traz uma falsa sensação de
que é possível resolvê-lo com alguns métodos educacionais coerentes e uma boa dose de
conhecimento acadêmico, quando na verdade, o mesmo problema assume, dependendo do
contexto em que está inserido, formas totalmente distintas daquelas que foram “previstas” no
decorrer das aulas na universidade.
Rockwell e Ezpeleta (2007) discursam sobre a singularidade da construção da escola e
afirmam:
A idéia de reconstrução da escola com base nos saberes específicos de cada sujeito que
compõe a escola me permite a enxergar a dimensão agregadora do contexto escolar, uma vez
que para acolher e integrar tantos saberes vindos de muitos sujeitos é necessário possuir um
sentido de apropriação a todos esses saberes, de maneira que eles não fiquem fragmentados
dentro do próprio contexto escolar. Na idéia de construção social da escola, os sujeitos não se
adaptam às determinações, vão se apropriando de forma singular dependendo do contexto em
que estão inseridos.
A respeito da disciplina Prática de Ensino no Ensino Fundamental I (Noções Teóricas)
o foco principal era “o cotidiano escolar: a sala de aula e as práticas pedagógicas”. Como
orientação do estágio, existia um roteiro de dados a recolher e pontos a observar, pois este era
de fato um estágio de observação do cotidiano escolar. Segue o registro contido em meu
caderno de estagiária no qual contém o roteiro de observações a serem feitas pelo estagiário
no cotidiano escolar:
Este roteiro servia tanto para orientar a confecção dos registros durante a permanência
do estagiário na escola quanto à construção do relatório de estágio, documento que deveria ser
entregue no final da disciplina, contendo a descrição dos pontos observados, dos dados
recolhidos e com as considerações e reflexões a respeito dos mesmos.
Tanto a disciplina de Metodologia do Ensino Fundamental quanto a disciplina de
Prática do Ensino no ensino Fundamental I (noções teóricas) possuíam uma carga horária de
sessenta horas. No caso de Prática do Ensino no ensino Fundamental I (noções teóricas)
quarenta e cinco horas deveriam ser realizadas na escola na forma de estágio supervisionado e
quinze horas deveriam ser reservadas para confecção do relatório de estágio.
A partir de agora pretendo explicitar a minha experiência como estagiária: como foi
configurar o cotidiano escolar, observar os sujeitos daquele cenário e ser observada por eles.
Antes de iniciar a escrita de minha experiência quero trazer para reflexão as palavras de
Larrosa (2002) que diz:
Além disso, posto que não se pode antecipar o resultado, a experiência não é
o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de
antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode
antecipar nem “pré-ver” nem “pré-dizer (LARROSA, 2002, p.28).
As palavras desse autor me levam a pensar no cotidiano como algo incerto, que não se
pode prever. Talvez tentar preparar uma aula com base em previsões pode ser um caminho
perigoso, claro que um roteiro é sempre importante, mas ele deve ser pautado na flexibilidade
para que os imprevistos do cotidiano escolar não se tornem uma desagradável surpresa.
Digo isso por experiência própria. Realizei o meu primeiro estágio atendendo as
exigências da disciplina de Prática de Ensino no Ensino fundamental I - (noções teóricas).
Como já dito anteriormente, este estágio consistia em observar o cotidiano de uma sala de
aula, não sendo permitido nenhum tipo de interferência por parte do estagiário na rotina e no
cotidiano tanto da sala, quanto da escola. Na atribuição das escolas escolhi uma localizada no
bairro Jardim São João, zona oeste de Rio Claro-SP. Uma escola pequena no que diz respeito
a sua estrutura predial, mas imensa na sua importância para o bairro que a abriga.
Como disse no capítulo anterior fui para a escola vestida de novidade, estava convicta
de que eu sabia coisas que os sujeitos daquela escola jamais haviam ouvido falar e que eu
38
A escola em que realizei meu estágio é um verdadeiro coração de mãe, sempre tem
espaço para mais um “filho”, e comigo não foi diferente, a diretora da escola me recepcionou
de maneira amigável, me apresentou a escola com orgulho. Apresentei-me ao corpo docente
do período da tarde (no qual realizei todo o meu estágio) que era composto de cinco
professoras, uma de primeira-série, uma de segunda-série, duas de terceira-série e uma de
quarta-série. Devo explicitar aqui que na cidade de Rio Claro as escolas da Prefeitura estão
separadas em Ensino Infantil e Ensino Fundamental I, e no período de realização do meu
estágio as classes eram estruturadas de forma seriada, e não em ciclos (implementado a partir
de 2007). Segue o registro da descrição feita por mim da escola, as minhas primeiras
impressões contidas em meu relatório de estágio de observação.
meu estágio, fui designada pela diretora a estagiar em uma primeira-série do ensino
fundamental de oito anos11.
A sala era composta por trinta alunos, dezessete meninas e treze meninos. A
professora titular da sala, a quem devo preservar o nome, assim como de todos os outros
sujeitos por mim aqui citados, tinha sua formação em Licenciatura em Pedagogia pela
UNESP de Rio Claro, e já lecionava há cinco anos. Ela me recepcionou muito bem,
disponibilizou uma mesinha no canto da sala para mim e me apresentou a seus alunos. Jamais
me esquecerei daqueles sessenta olhinhos brilhando em minha direção como uma constelação
de estrelas em um céu de noite estrelada. Todos ansiosos para falar comigo, me conhecer
melhor. Nesse momento a professora os orientou que eu estava lá apenas para observar a aula,
não para ajudá-la com as atividades, como fazia a outra estagiária que havia frequentado a
sala no semestre anterior. Foi nesse momento que aconteceu o meu primeiro choque com o
real dentro do contexto escolar. O foco do meu estágio era a observação e o registro do
cotidiano da escola e não a prática educativa em si.
Naquele momento me pus a pensar qual era o meu papel dentro daquele contexto, eu
não considerava que a observação fosse um ato de grande importância para minha formação
acadêmica e profissional. Queria experimentar o entrelaçamento da teoria e da prática em sala
de aula, mas eu não vislumbrava na observação um meio de se conseguir tal feito. Quando
voltei a mim, me percebi no canto de uma sala de aula, tentando não chamar a atenção,
tentando não causar nenhum incômodo, querendo desaparecer dali. Pina (2007) alerta sobre a
complexidade do cotidiano escolar e lembra que para se conhecê-lo é necessária uma série de
implicações. Desse modo, observar é algo fundamental para se entender o cotidiano da escola,
observar é parte da investigação que se faz necessária realizar na escola para então
compreender as reais necessidades escolares. Como lembra Pina (2007) é necessário estar
implicado no cotidiano para compreendê-lo e vejo que era uma pretensão imatura a minha de
chegar à escola, pela primeira vez figurando como estagiária e colocar em prática tudo o que
eu havia aprendido sobre como lecionar sem ao menos compreender e investigar o cotidiano
escolar.
11
A Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, instituiu a obrigatoriedade do ensino fundamental de nove anos.
40
Como nos exemplos citados por Alves e Garcia (1999), eu não conseguia perceber na
observação do cotidiano uma ligação com o que eu havia aprendido até então em meu curso
de formação docente. Ainda que confusa a respeito da finalidade da observação em minha
formação, eu dei início às minhas observações naquele contexto escolar.
Comecei a minha observação pela sala dos professores, ouvindo o que era discutido
entre as professoras e constatei que, na maioria das vezes, elas falam sobre outros assuntos,
outros problemas, mas as discussões sobre os princípios da pedagogia ficam em segundo
plano. Tardif e Raymond (2000) constataram que “os novatos descobrem que, na sala dos
professores, as discussões fundamentais sobre os princípios educacionais ou sobre as
41
Umas das questões que trago para refletir é que, além das discussões que
surgiram no momento do retorno a partir das considerações das professoras,
algumas ações conjuntas de fato teriam que acontecer. Senti/pensei que os
tempos da escola e os tempos da pesquisa nesse momento (e em tantos
42
outros...) não se encontraram. Nesse sentido, penso que uma dificuldade que
a pesquisa na e com a escola me mostra é justamente a questão da
simultaneidade dos tempos, já que muitas vezes não foi possível caminhar no
mesmo passo, no mesmo ritmo... no mesmo tempo (CHALUH, 2008, p. 257-
258).
Com base nas afirmações de Imbernón (2000), explicito que guiei meu estágio para
um caminho onde eu pretendia encontrar algo mais que a observação de uma cultura de
trabalho inserida em contexto escolar cotidiano.
Mesmo tendo encontrado um motivo para o meu empenho como estagiária naquela
escola, eu ainda não conseguia ver a contribuição do ato de observar nesse processo todo em
que estava envolvida. Ao dialogar com meu pai sobre o meu dilema, ele me mostrou que o
fato de eu não atuar diretamente como professora não anulava as possíveis contribuições que
eu traria para a educação da classe. Eu poderia observar coisas que a professora da sala, na
rotina das aulas, não conseguia observar. E eu poderia conversar com ela a respeito das
43
minhas impressões, mostrando a ela coisas que ela não conseguia enxergar. Levaria isso para
a universidade como experiência, sem contar que isso agregaria na minha constituição
docente. Hoje, ao me colocar como escritora deste trabalho, eu fui à procura de um conceito
que definisse a lição dada a mim pelo meu pai e encontrei na idéia de estranhamento
apresentada por Ginzburg (2001) a definição para o que meu pai aconselhou-me a fazer em
meu estágio de observação. Estranhamento para Ginzburg (2001, p.37) é “uma tentativa de
apresentar as coisas como se vistas pela primeira vez”. Ele explicita: “parece-me que o
estranhamento é um antídoto eficaz contra um risco a que todos nós estamos expostos: o de
banalizar a realidade (inclusive nós mesmos)” (GINZBURG, 2001, p.41). Desse modo, adotei
em meu estágio, a prática do estranhamento ao direcionar meu olhar para acontecimentos que
se sucediam diariamente naquela sala com olhos que vêem algo pela primeira vez,
identificando pontos que a banalidade da rotina, às vezes, pode omitir.
No início eu estagiava três vezes por semana, mas posteriormente acabei estendendo
as minhas visitas à escola, devido ao cumprimento da carga horária obrigatória da disciplina
do estágio. Chegava à escola às 13h, junto com os alunos, sentava na carteira destinada a mim
pela professora, disposta no canto da sala, e observava os acontecimentos que se davam ali
durante a minha presença. Pontuarei a partir de agora alguns aprendizados que pude extrair do
meu ato de observar uma sala de aula.
O primeiro aprendizado foi acerca das relações estabelecidas no cotidiano escolar
pelos sujeitos que habitam a escola. Por mais que a escola onde estagiei tivesse um corpo
docente reduzido, pequeno, ainda era nítida a fragmentação no contato entre direção, corpo
docente e funcionários. Essa fragmentação não prejudicava diretamente os alunos, aliás, nesse
sentido todos aqueles que trabalhavam na escola tratavam muito bem os alunos que ali
estudavam. Mas entre eles (os sujeitos da escola) havia um desconforto nas relações. Os
funcionários questionavam as atitudes do corpo docente que por sua vez questionava as
atitudes da direção, que por sua vez questionava as atitudes do corpo docente, que por sua vez
questionava as atitudes dos funcionários, que por sua vez questionava as atitudes da direção,
que por sua vez... Notei um círculo vicioso de questionamento do outro e esse atrito, era
muito reservado, não se tinha um diálogo franco a respeito, todos sabiam que o outro
desaprovava sua conduta, mas nenhum deles dizia isso francamente ao outro. Comecei refletir
sobre a franqueza. Por que é tão difícil ser franco com o outro? Por amizade? Mas se a
44
amizade é sincera, ser franco é ser amigo. Por medo da reação do outro? Percebi que naquele
contexto não ser franco com o outro era apenas uma questão de etiqueta. E era uma pena, pois
todos perdiam muito com tal situação, a escola principalmente.
Pensei fazer algo para tentar amenizar aquela situação. Decidi falar com a professora
da sala em que estagiava. Sugeri que ao invés dela (a professora) ir até a direção reclamar da
monitora, ela poderia conversar diretamente com a moça. Argumentei que talvez a maneira
com a qual a diretora a abordava a fazia sentir que a professora reclamava na intenção de
prejudicá-la e isso não era verdade. A professora me olhou um pouco apreensiva, mas decidiu
aceitar minha sugestão. As duas conversaram e encontraram um meio termo para o problema.
A professora teve de remanejar algumas atividades e a monitora também precisou se
reprogramar, mas ambas encontraram um equilíbrio e aquele não era mais um incomodo entre
elas.
Fiquei feliz com o acontecido, e passei a observar melhor a professora da sala onde
estagiei. E me incomodei muito com o gosto extremo dela pelo silêncio. Até aquele momento
ela era para mim um exemplo de profissional, não gritava com os alunos, não fazia diferença
entre eles, não os tratava como recém nascidos. Não falava com voz fininha, fazendo dengo.
Era correta e segura de si. Mas ela não suportava ouvir nenhum barulho sequer. Era um gosto
tão extremo pelo silêncio que entediava os alunos e entediou a mim também. Os alunos não
falavam porque a respeitavam, mas, eu percebia que era só chegar a hora do intervalo que eles
saiam falando sem parar, como se quisessem descontar o tempo que passaram calados durante
a aula. Muitas vezes eles não queriam conversar coisas fúteis, eles queriam consultar o
coleguinha para tirar uma dúvida ou para pedir um material emprestado. E se entre eles não
poderia haver conversa, que dirá comigo. Se por vezes ela necessitava dar atenção a um aluno
no desenvolvimento de uma tarefa, os outros naturalmente recorriam a mim apenas para
perguntar se estava certo, mas ela não tolerava. Chegou a chamar a minha atenção e me
mudou de lugar na sala. Segue o registro contido em meu relatório de estágio de observação
onde descrevo minhas impressões com relação à postura da professora da sala.
Não a julguei em momento algum, pois sabia que ela conseguia manter a atenção da
sala através do silêncio e a minha presença ali era um desvio dessa atenção rigorosamente
conquistada por ela. Em sua pesquisa Vezub (2002) ao falar da experiência dos estagiários,
constata que o silêncio é uma forma de se controlar a sala de aula, de manter o controle sobre
os alunos.
Los indicios que dan cuenta de que el residente ha logrado mantener el orden
en la clase son: el silencio logrado en los alumnos, la conducta de atención
que dispensan a las explicaciones, preguntas y consignas que formula el
residente, y la concentración de los alumnos en las actividades que realizan
(VEZUB, 2002, p.97).
Refleti muito a respeito, não para fazer qualquer tipo de julgamento, mas para
entender a importância do silêncio no ato de educar. Essa prática que adotei no momento do
estágio, de refletir sobre os acontecimentos que se sucedem no decorrer do mesmo é um
exercício fundamental quando se pensa na relação teoria- prática: “a prática da reflexão tem
contribuído para o esclarecimento e aprofundamento da relação dialética prática-teoria-
prática” (PICONEZ, 1991, p.25, grifo do autor). Passei a refletir se o silêncio é condição sine
qua non para ser ensinar algo a alguém? Pensei muito a respeito e conclui que o silêncio é
uma ferramenta de controle do professor, uma platéia silenciosa é uma platéia atenta.
Refletindo ainda mais, me questionei sobre isso, afinal silêncio e atenção não são sinônimos.
Muitas vezes silenciar-se é transferir-se para outro contexto, particular e alienado, muito
distante do contexto real. Entretanto o silêncio transmite uma aparente aceitação por parte do
ouvinte, isso traz segurança ao orador, nesse caso para a professora. Enguita (1989), desde
uma perceptiva na qual o que importa é escutar o professor e realizar as atividades coletivas
indicadas por ele, indica que é inevitável a aceitação do silêncio, da ordem, da imobilidade e
de outras representações autoritárias existentes na escola. O autor enfatiza que “a ordem e a
autoridade nas salas de aula, como opostos a livre criatividade” (ENGUITA, 1989, p.166) são
historicamente “o derivado necessário ao ensino simultâneo” e que “não é preciso forçar a
ordem, ela não se converte em um problema organizativo, quando a aprendizagem é
voluntária do princípio ao fim” (ENGUITA, 1989, p.166). Com as palavras de Enguita
(1989) considero que a necessidade do silêncio que demonstrava a professora que acompanhei
46
no estágio de observação era um vício constituído possivelmente pelas suas marcas enquanto
aluna; talvez marcas deixadas por professores autoritários...
Analiso essa marca autoritária da ordem do silêncio exigida por ela, oposta às outras
posturas observadas por mim com relação a ela dentro da sala de aula, isto me leva a pensar se
em sua formação docente ela esteve em contato com outras formas de partilhar o
conhecimento, formas que estimulam a “aprendizagem voluntária” proposta por Enguita
(1989). Esta reflexão levanta em mim a seguinte dúvida: o que prevalece na postura do
professor: as suas marcas de vida escolar ou sua formação acadêmica? Penso que a resposta à
minha dúvida poderia ser: as duas, pois o professor é um ser humano constituído de marcas,
marcas de vida, de escola e de formação, e estas marcas estão enoveladas dentro do educador
e são refletidas em sua postura cotidiana. Considero que somente a exercício da reflexão de
sua própria prática traz ao professor meios de eufemizar alguma marca dele que se ponha
como um obstáculo para uma aprendizagem emancipadora e libertadora.
Não gostaria de usar desse artifício para chamar a atenção de meus alunos, no futuro,
quando me tornar educadora, mas acredito ser essa uma utilização involuntária, própria do ser
humano, que necessita ser aceito, que necessita estar no comando, nem que isso custe o calar
do outro. Diante disso confesso que não senti medo de estar ou não preparada para ser uma
pedagoga, senti pela primeira vez medo de não perceber os meus erros como ser humano que
sou. Assim o meu estágio de observação me ensinou a primeira lição: refletir sobre minha
postura pessoal e profissional, pois existem atitudes próprias dos seres humanos, mas a
reflexão dessas atitudes leva à excelência.
Percebi na atitude da professora qual a postura que um educador deve ter em casos
como este. Uma criança que sofre abuso já é uma criança retraída, tratá-la de maneira
diferente só fará com que ela pense realmente que há algo de errado com ela. O papel do
educador é se esforçar para integrá-la ao grupo e fazê-la sentir que é uma criança como toda
outra capaz de aprender e de se destacar tanto quanto as outras. Mais uma lição aprendida:
equilibrar a razão e a emoção para o benefício do outro. De nada adianta uma atitude repleta
de emoção totalmente desprendida de razão, isso pode prejudicar ao invés de ajudar quem
tanto se quer demonstrar carinho.
É interessante a maneira com que o autor trata o dever do professor, ele o coloca não
como o detentor do conhecimento, mas sim como organizador da busca coletiva do
conhecimento. Encontro na proposta de Geraldi (2004) a possibilidade de trabalhar a aula da
maneira que projetei e imaginei trabalhar o conhecimento em sala de aula.
Comecei a refletir sobre a formação de um educador, e percebi que a teoria tem sua
carga de importância, ainda que muitas vezes os contratempos da prática educativa venham
contradizer tal importância. Penso que algumas lacunas existentes na formação do educador
só a prática e experiência profissional poderão preencher, entretanto, considero que seja
necessário e seguro ter uma base de teorias educativas para recorrer e fundamentar a prática
docente. Sendo assim, entendo que este exercício é como convidar os teóricos a participarem
da aula, literalmente. Recordo-me que, muitas vezes, percebi autores como Paulo Freire,
Célestin Freinet, Marisa Lajolo presentes nas práticas cotidianas da sala onde realizei meu
estágio. Segue o registro contido em meu relatório de estágio de observação onde identifico a
presença de alguns elementos teóricos na prática docente da professora da sala.
Percebi que toda prática tem como pano de fundo uma teoria, toda prática se nutre de
teoria, toda prática diz do seu embasamento teórico ainda que, às vezes, de forma subliminar.
Por exemplo, com o livro da vida, que é um instrumento criado por Freinet, eu pude perceber
a presença de outro autor no resultado que esta atividade trouxe para a sala de aula. Notei que
o que acontecia naquela sala era o que Freire (1980) chama de respeito aos educandos e
educandas, era uma educação democrática no qual todos poderiam trazer para sala de aula
seus saberes e suas experiências cotidianas. E não somente trazer, mas compartilhar, através
do diálogo, sua história de vida.
conseguir adaptar o conteúdo às necessidades de cada criança, mas o desgaste dela nessas
atividades era extremo e o resultado ficava bem longe do esperado por ela. De fato pior que se
desdobrar para adaptar o conteúdo às necessidades específicas de cada aluno é aplicar uma
mesma tarefa de determinada dificuldade a todos os alunos, pois se a tarefa é difícil para
alguns, é simples demais para outros. Os que conseguem resolver rapidamente a tarefa exigem
atenção em outra tarefa na qual eles encontraram dificuldade, mas o professor está tentando
ensinar a primeira tarefa àqueles que ainda não compreenderam. Os que concluíram a tarefa
se irritam por não ter a atenção do professor e começam a alterar seu comportamento na sala
de aula. Isso gera a irritabilidade do professor, que se desgasta tentando dar atenção a todos ao
mesmo tempo. No caso da sala em que observei, a proposta era que a monitora saísse com os
alunos que não necessitavam das aulas de reforço enquanto a professora direcionava a aula
para a temática do reforço com os que dele necessitavam. O tempo era de aproximadamente
cinquenta minutos e, na maioria das vezes, os demais alunos permaneciam na sala, devido ao
fato da monitora nem sempre ter tempo disponível para ficar com eles. Assim, a professora
tinha que trabalhar com duas atividades ao mesmo tempo: uma para os alunos do reforço e
outra para os demais. Notei diversas vezes o desgaste que esse tipo de prática trazia a ela.
Segue o registro do meu relatório de estágio de observação onde aponto minhas impressões
acerca do na sala de aula.
Vejo na idéia de tutoria uma possibilidade de integrar todos os alunos em uma mesma
atividade, que no caso seria a atividade de reforço. Se assim realizada, a tutoria permite, aos
alunos que já sabem o conteúdo do exercício proposto, atuarem em sala de aula como
colaboradores da professora e parceiros de seus coleguinhas de classe.
Esta é apenas uma idéia que pretendo experimentar em minha futura docência, pois
ainda partilho da opinião que cada um tem seu tempo de aprendizagem, desse modo colocar
todos os alunos que não acompanham o tempo de aprendizagem imposto pela escola em seu
calendário oficial em uma sala sozinhos, e dizer a eles que necessitam de reforço, é, em minha
opinião, bastante desmotivador. Talvez, criar situações de interação entre os que acompanham
com aqueles que vivem outro tempo de aprendizagem, em um contexto diferente da sala de
aula, talvez em parques, praças, com passeios. Preocupou-me observar como a escola foi
constituída para homogeneizar o conhecimento, a meu ver, de maneira excludente e
intolerante. Penso que estamos em tempos onde o discurso da inclusão e da diversidade está
presente em todos os âmbitos sociais, inclusive na escola, com isso me pergunto se é possível
falar em diversidade, multiculturalismo e inclusão nos moldes em que a escola atual está
inserida? Será que os caminhos que estão sendo trilhados são os caminhos certos? Estes
questionamentos fez-me lembrar de um conselho que certa vez ganhei de um amigo.
Ele me disse que em sua experiência de vida ele havia constatado que tudo que está
complicado é porque está errado. Ele me contou que as coisas certas são simples de se fazer.
Aconselhou-me a lembrar sempre disso em minhas experiências e não insistir em algo que
está demasiado difícil de fazer. Parar, refletir e encontrar uma maneira mais simples de se
54
fazer, pois era na simplicidade que eu encontraria a forma correta de fazer algo. Pensei que
talvez pareça tão difícil ensinar a classe toda, por tentar trilhar caminhos complexos, enquanto
a solução talvez seja mais simples. Eu, por exemplo, depois dessa experiência, passei a
enxergar a educação de uma maneira menos ingênua, eu deixei de acreditar que irei ensinar a
todos de maneira uniforme. A educação é para mim um ato de partilha; sendo assim, cada um
pega para si a parte que lhe completa e, portanto, cada parte tem um tamanho. Enxergo no
sistema escolar dos dias de hoje, uma estrutura que não respeita a diversidade e o tempo de
aprendizado de cada aluno, e obriga a todos a receberem o mesmo pedaço de conhecimento, e
“engolirem-no” no mesmo espaço de tempo.
Desse modo, não consigo, ainda que dois anos depois, responder a pergunta que me fez
aquele aluno.
12
Ver conceitos de Fordismo, Taylorismo e Toyotismo.
13
Modern Times (Tempos Modernos, em português) é um filme do cineasta britânico Charles Chaplin lançado
em 1936.
57
matemática não funcionava em prol daqueles que maquiavam números e estatísticas em busca
de bonificações ou ascensão profissional. Mas conforme fui transitando entre a realidade da
indústria e a realidade da escola o que constatei me deixou triste, decepcionada e com uma
imensa vontade de desistir de ser uma futura educadora. Percebi uma semelhança assustadora
entre o discurso da indústria e o discurso da escola, chegando ao ponto de ambos usarem até
as mesmas terminologias. Operário polivalente e professor polivalente, gráfico de
desempenho do operador e gráfico de desempenho do professor, metas produtivas para o
operador e metas de produção conteudista para o professor, bonificação para o operador mais
produtivo e bonificação para o professor que aprova mais alunos, reciclagem e treinamento
para capacitar o operador e reciclagem e treinamento para capacitar o professor. As
coincidências eram tantas que eu comecei a me preocupar, a me questionar se talvez eu não
estaria trocando seis por meia dúzia, ou seja, deixando uma realidade de manipuladora de
peças para uma realidade de manipuladora de crianças. As semelhanças se tornavam cada vez
mais acentuadas, o mesmo soar do sinal que me chamava para mais uma jornada de trabalho
era o mesmo que chamava os alunos para sala de aula também. O intervalo de quinze
minutos, tempo cronometrado para comer um lanche, escovar os dentes, usar o sanitário e
voltar à execução da tarefa, presente tanto no cotidiano fabril quanto no cotidiano escolar. O
preenchimento de formulários de controle de qualidade e produção que eu preenchia na
fábrica era idêntico aos relatórios diários de atividades que a professora da sala, na qual
estagiei, tinha de preencher diariamente. A substituição da mão de obra humana pelo robô na
indústria causava aos operários o mesmo medo que o ensino à distância causava nos
professores, o medo de perder seu ofício, seu ganha pão, medo de perder o seu valor. Minhas
colegas operárias por não aguentarem a pressão e cobrança vinda da gerência e da supervisão,
chegavam a apresentar quadros de depressão, necessitando se afastar do emprego e viver à
base de antidepressivos e isso também acontecia com muitas professoras da rede pública.
Ouvi relatos, através das professoras da escola em que estagiava, de professoras que
necessitavam de licença para tratar a depressão causada pela estafa mental, fruto da pressão
vivida diariamente dentro da sala de aula. Enchi-me de tristeza ao deparar-me com todas essas
semelhanças entre contextos que deveriam por excelência serem distintos um ao outro. A
única distinção que naquele momento eu conseguia enxergar entre um lugar e outro foi que
um sacrifica corpos, outro sacrifica mentes. Naquele momento eu me imaginei sacrificando as
mentes dos alunos, transmitindo um conteúdo homogêneo, desrespeitando a heterogeneidade
existente em cada aluno meu, me imaginei me sacrificando, colocando de lado minhas
expectativas e minhas concepções e cedendo ao discurso de desqualificação do ato de educar.
58
Hoje, em meu encontro com minhas anotações, meus registros e percebo que por mais
que estas coincidências existam de fato, eu direcionei meu olhar para aquilo que me afligia, e
o que eu vi, pode ter sido um reflexo de meus próprios anseios, meus medos, minhas
incertezas. Enxergo, neste trabalho, a importância de refletir sobre a minha própria
experiência. E consigo enxergar como foi importante, para mim, ter desenvolvido a prática do
estranhamento de tudo o que me aconteceu, de olhar a escola com olhos de quem vê algo pela
primeira vez, desse modo pude identificar pontos e recolher dados que me permitiram
repensar a educação.
Senti que precisava me estruturar para o meu próximo estágio, pois ao mesmo tempo
em que eu queria ir para escola experimentar essa nova etapa que seria o estágio de regência,
eu queria desistir da profissão de educadora pelas últimas impressões que eu havia tido do
discurso da escola. Assim escrevi meu relatório de estágio com todas as incertezas que esses
acontecimentos me causaram. Não queria pensar que a educação era a reprodução de uma
realidade tão desgastante a qual eu estava exposta. Haveria de ter uma fissura nesse concreto,
uma passagem na qual eu pudesse enxergar outra realidade, mais condizente com a minha
concepção primeira de escola e de educação. E foi em busca dessa outra realidade que eu me
preparei para o estágio de regência. Eu sentia a necessidade de provar para mim mesma que
era possível fazer diferente, que a escola, como lembra Gramsci (1984) apesar de ser o lugar
da disseminação da ideologia dominante também é lugar de criação da contraideologia.
Queria eu provar que Gramsci estava certo, só precisava saber como fazer isso. Apesar
de ter traçado um propósito para meu próximo estágio, eu estava totalmente desmotivada, sem
expectativas para a nova etapa que se daria no meu processo de constituição docente.
Diferentemente de quando eu me preparei para o primeiro estágio, dessa vez não vou vestida
de coisa alguma, nessa etapa eu já perdi a ingenuidade de achar que eu como estagiária seria
capaz de solucionar todo e qualquer problema existente no cotidiano escolar, meu olhar
mudou depois de tudo que consegui observar no contexto escolar em que estive inserida. Se
antes eu fui para escola pensando em levar algo novo, desta vez eu vou para escola para
buscar algo, buscar o direito à cátedra que ouvi dizer que é direito intrínseco do educador, vou
buscar o lado B do discurso escolar, um discurso condizente com os meus ideais de educação.
59
Talvez o meu olhar ingênuo não me permitiu supor que a escola é uma instituição com
“vida própria”, que cria conceitos e resolve suas problemáticas de maneira autônoma (ainda
que com alguns condicionantes). Ainda que embasadas por uma teoria que me dava sustento,
minha visão romântica da pedagogia me impossibilitou de enxergar as lacunas que meu curso
de formação possuía, e por isso criei expectativas irreais com relação à escola e à docência.
Rockwell e Ezpeleta (2007) levantam a questão das expectativas, e como elas podem revelar a
imaturidade do observador:
todas as experiências descritas neste capítulo. Ao re-analisar todos os meus registros das
observações que fiz acerca do cotidiano escolar naquela época, me percebo uma estudante que
depositou (de maneira ingênua) na educação e na pedagogia, a solução para suas frustrações
profissionais. Em contrapartida, como uma maneira romântica de não apenas ser “salva” pela
pedagogia, mas também de “salvar” a escola dos problemas que ela possuía, eu me inseri no
cotidiano da escola esperando resolver todos os dilemas ali presentes. Como uma estagiária-
estudante-pesquisadora vislumbrada com todo o conhecimento adquirido no meu curso de
formação, eu acreditava que poderia com ele, solucionar todos os problemas escolares que
por ventura eu haveria de encontrar. Alves e Garcia (1999) identificam a dificuldade que os
estagiários têm de integrar teoria e prática docente quando estão inseridos no cotidiano
escolar.
Percebo nas palavras de Piconez (1991) todo meu trajeto como estudante-
pesquisadora-estagiária-operária e a importância desse trabalho no sentido de trazer uma
reflexão crítica sobre as experiências por mim vividas em meu processo de constituição
docente.
62
Este capítulo tem por objetivo apresentar as memórias e as reflexões sobre a etapa do
meu processo de formação mais acentuada: o estágio supervisionado de regência. Digo
acentuada, pois todas as etapas foram de fundamental importância para a minha constituição
como futura educadora. Mas o fato é que para mim, esta etapa teve uma carga de experiências
maior, devido aos acontecimentos que se sucederam e que pretendo descrevê-los aqui,
fazendo uma reflexão crítica de cada um deles.
Como dito no capítulo anterior, ao concluir meu estágio supervisionado de observação
eu encontrava-me totalmente desmotivada com relação ao magistério, à escola e ao discurso
imperativo que regia a educação naquele contexto. Mas encontrei como também já dito
anteriormente, um propósito que me faria transformar o estágio de regência em uma
oportunidade de mostrar que existem outras possibilidades de fazer educação.
I Relatório da dupla:
1. Descrição dos momentos iniciais de encontro e parceira: o que foi combinado, quais as
expectativas de cada um dos parceiros, as dificuldade enfrentadas, as convergências e os
desencontros. Que negociações foram feitas? O que ficou combinado para o estabelecimento da
parceria?
2. Descrição do trabalho realizado. O que foi planejado? Como ocorreu o processo de planejamento?
Qual foi a participação do (a) estagiário (a)? E a da professora? Facilidades e dificuldades
encontradas. Houve “pontos de vista” divergentes sobre algum assunto? Descrição pormenorizada
das atividades efetivamente realizadas com os alunos. Como professore e estagiário (a) percebem o
trabalho realizado? O que conversaram a este respeito?
3. Referências bibliográficas
4. Anexos
Além deste, outro relatório deveria ser confeccionado, com as impressões individuais
do estagiário, pois o primeiro (acima apresentado) deveria ser feito em conjunto com a
professora da sala. Este segundo relatório viria como um momento reflexivo do estagiário
sobre a parceria estabelecida no processo do estágio de regência. Segue o roteiro a ser seguido
no segundo relatório de estágio, registro contido em meu caderno da disciplina de Prática de
Ensino no Ensino Fundamental II (atividades práticas).
II Relatório individual (este relatório deve trazer reflexões subsidiadas por textos lidos nos dois
semestres, em outras disciplinas e outros...)
1. Comente a experiência vivida durante este semestre de estágio; o que foi possível perceber sobre a
docência, o ensino, a aprendizagem, a escola, etc.?
2. O que significou para você a parceria com uma professora experiente?
3. Houve dificuldades e impasses? Quais? Como foram solucionadas?
4. Que sugestões você daria para esse projeto de estágio?
5. Outros comentários (se houver).
6. Referências Bibliográficas.
7. Fichas de estágio (carimbadas e assinadas). Não encadernar as fichas e não grampeá-las.
nas atividades cotidianas. Entretanto, mesmo com a proposta de parceria aceita, a estagiária
(o) poderia ajudar a professora nas atividades cotidianas, caso fosse de comum acordo entre
ambas as partes.
Embora não tenha comentado sobre ele no capítulo anterior, a supervisora de estágio
mantinha um projeto paralelo, vinculado com a Secretaria de Educação de Rio Claro, no qual
as professoras que se dispunham a receber estagiários se reuniam na universidade para trocar
experiências, falar da prática docente, relembrar métodos e teorias aprendidos na época da
graduação. Um projeto muito rico no sentido de se ouvir as várias vozes existentes no
contexto escolar. A professora da rede municipal de ensino que quisesse receber uma
estagiária (o) em sua sala, não precisava necessariamente participar desse projeto paralelo,
mas sem dúvida quem participasse estabeleceria uma relação integradora tanto com a
estagiária quanto com a universidade.
Fui privilegiada nesse sentido, pois a professora da sala na qual estagiei participou
desse projeto e considero que a participação dela foi de fundamental importância para o
sucesso tanto da nossa parceria quanto do nosso projeto de estágio. Antes de falar do projeto
de estágio e da minha parceria com a professora titular, necessito descrever aqui como este
encontro aconteceu.
Na atribuição das salas de estágio eu decidi escolher uma escola em um bairro perto da
minha casa e do meu trabalho, dadas as condições do cumprimento dos meus horários. Mas
infelizmente (ou felizmente), a professora que optou por receber estagiário em sua sala
lecionava no período da tarde, impossibilitando que eu assumisse aquela escola para a
realização do meu estágio de regência, uma vez que eu estava naquele momento, trabalhando
das dez da manhã às dezoito e vinte da noite. Ao conversar com a minha supervisora de
estágio, ela generosamente pediu aos meus colegas de sala se não havia a possibilidade de
quem tivesse escolhido uma sala em uma determinada escola 14, no período da manhã, pudesse
fazer a gentileza de trocar comigo e se disponibilizar a estagiar em outra escola no período da
tarde (no caso a que eu havia escolhido). Uma colega de sala, em um gesto de total
compreensão do meu problema com os horários, me concedeu a sua sala em troca da que eu
havia escolhido. Como ela já havia falado com a professora da sala, resolvemos ir, as duas
juntas, explicar o porquê da troca das estagiárias.
14
Pretendo manter em sigilo o nome da escola por questões éticas.
65
Dialogo com Mizukami (1986) quando ela fala acerca de que cada teoria sustenta uma
concepção de educação, aluno, avaliação conhecimento, método. Em seu livro “Ensino: as
abordagens do processo” a autora apresenta ao leitor as abordagens existentes no tocante as
teorias educacionais, bem como a relação dessas com o ensino-aprendizagem. A autora ainda
identifica a presença dessas abordagens dentro da prática cotidiana do professor. Como
resultado de sua pesquisa, Mizukami (1986) aponta uma possível desarticulação existente
entre as abordagens discutidas nos cursos de formação e a sua inserção na prática docente em
sala de aula.
Pretendo agora, contextualizar a escola onde realizei meu estágio bem como o bairro e
a sala na qual estagiei. A escola é grande em sua estrutura predial, muito bem conservada e
cuidada nesse sentido. Fica localizada em uma região da cidade de Rio Claro que engloba
bairros com famílias de classe média. A direção da escola é coordenada por uma gestora, a
meu ver, um pouco rígida. Com relação ao corpo de funcionários, todos eram atenciosos e
dispostos a recepcionar muito bem os visitantes que a escola chegava. O corpo docente era
composto tanto de professoras com anos de magistério quanto por novas professoras, tendo
assim, um equilíbrio perfeito, só obtido com a junção da experiência do ato de educar com a
disposição dos primeiros anos de carreira magistral. A sala de aula na qual realizei meu
estágio de regência era uma terceira série do ensino fundamental de oito anos. Era composta
por trinta e duas crianças, com idades entre oito e nove anos. Uma sala boa, segundo me
67
relatou a professora titular da sala, que assimilava bem as atividades propostas e não
apresentava problemas acentuados de comportamento.
Bem, após o primeiro contato que tive com a professora, e como mencionei a pouco
me causou certo desconforto, marcamos uma primeira reunião para discutirmos o
desenvolvimento do meu estágio, os dias em que eu poderia comparecer às aulas, o horário;
enfim, questões estruturais do estágio. Mesmo com receio de propor qualquer coisa a ela,
tomei coragem e, após ela me relatar o comportamento da sala, as dificuldades que a mesma
apresentava e o seu rendimento escolar, eu não titubeei e lancei a minha idéia do Projeto
Profissões. Fiquei surpresa com a resposta dela que não só aceitou a minha proposta de
projeto, como também se disponibilizou a ajudar-me na elaboração detalhada das atividades
que incorporariam o projeto em questão. Satisfeita com a aceitação da professora, comecei a
estruturar a primeira atividade a ser dada para a classe. Havíamos marcado uma apresentação
formal do projeto para a sala toda, contando como ele aconteceria e pedindo a opinião deles a
respeito. Preparei-me para essa apresentação, pois era a primeira vez que iria me apresentar a
uma sala de aula e propor um projeto. Seria uma experiência ímpar para mim.
Estabelecemos uma pré-atividade que funcionaria como uma introdução do projeto
junto à classe. Intitulada “quando eu crescer eu quero ser...”, a atividade foi proposta em
forma de redação, na qual os alunos deveriam explicitar qual profissão gostariam de exercer
no futuro, quando eles se tornassem adultos. Para a minha surpresa e da professora, quase que
na totalidade das redações apareceu o gosto pela carreira de professor. Após analisarmos as
redações, eu e a professora da sala, concluímos que a única profissão com a qual eles se
percebiam tendo contato diariamente era a de professor, por isso a vontade de seguir esta
carreira. Foi de grande valia a aplicação desta pré-atividade, pois ela nos revelou qual a
projeção que as crianças tinham do futuro profissional delas. Claro que, aos nove anos de
idade elas não precisam estabelecer nenhum tipo de meta profissional a ser alcançada, pelo
contrário, elas deveriam pensar em brincar, correr, serem crianças, mas em contrapartida, é
necessário que elas saibam, apenas saibam, que na vida adulta terão de seguir uma carreira
profissional. E seria importante que elas conhecessem muitas das infinitas profissões
existentes, e o fundamental, que reconhecessem o papel da escola e do conhecimento nesse
processo de constituição profissional.
Eu não pude estar presente na realização desta pré-atividade, devido a problemas de
horário no meu trabalho, mas conversei com a professora e ela se disponibilizou a aplicar a
atividade sozinha, e propôs a mim que posteriormente analisaríamos juntas as redações e
compartilharíamos nossas impressões.
68
6. O Projeto Profissões.
O Projeto Profissões tinha como tema central, trazer o cotidiano dos profissionais para
a escola, ou seja, a escola receberia a visita de alguns profissionais que contariam sobre sua
69
rotina, a escolha da profissão, a importância do estudo para a sua formação profissional, etc.
Como registro a ser avaliado, cada aluno, após a visita do profissional, deveria elaborar um
relatório contando o que mais gostou na profissão. Nosso objetivo, com o projeto (meu e da
professora da sala), era quebrar a rotina da classe em alguns momentos e mostrar a
importância da escola na vida adulta, na escolha de uma profissão.
Como este era um projeto que dependia da agenda de outros sujeitos, alheios à escola,
eu estruturava, planejava e agendava cada atividade fora do horário do meu estágio. Por esse
motivo, enquanto se dava o processo de elaboração e agendamento das visitas, nos meus
encontros com a sala, eu auxiliava a professora nas atividades cotidianas da classe. Eu me
sentia realizada quando um aluno ou aluna me chamava para ajudá-lo a resolver uma questão
matemática, eu me agachava ao seu lado e o tentava induzi-lo a raciocinar a respeito de sua
própria dúvida. Na medida em que percebia a dificuldade dele, ia orientando o seu raciocínio
para a resolução do problema, tomando o cuidado para não dar a resposta pronta,
incentivando-o a encontrar a resposta correta usando o próprio raciocínio. Era imensamente
satisfatório quando um aluno conseguia solucionar a própria dúvida sem ter eu lhe passado a
resposta pronta, tanto para mim quanto para ele que se sentia motivado por ter conseguido
encontrar a resposta sozinho.
Assim como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar
certo e bem os conteúdos de minha disciplina não posso, por outro lado,
reduzir minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um
momento apenas de minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele,
o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-los. É a
70
Esta atividade consiste em apresentar à classe algumas das muitas profissões existentes no mercado
de trabalho, bem como definir quais tarefas um profissional que escolhe uma determinada profissão
realiza em sua rotina de trabalho.
Materiais: Um saco de pano; papéis dobrados com nomes de profissionais; lista com o significado de
cada profissão contida nos papéis dobrados.
Objetivos: Promover a integração bem como estimular o poder de dedução e raciocínio dos
participantes.
Coordenação: A atividade deverá ter a coordenação das professoras responsáveis pela classe, serão
elas que julgaram as respostas e administraram o desenvolvimento da atividade.
Execução: A sala deverá ser divida em duas equipes, para não enfatizar questões de gênero, a divisão
deverá ser feita dividindo números pares e ímpares da lista de chamada, não sendo permitida a
divisão por sexo.
Após a divisão dos dois grupos, apresentar para a classe as regras do jogo que são: um representante
de cada um dos grupos é eleito a tirar no “cara ou coroa” qual grupo começará o jogo. Feito isto, o
grupo contemplado deverá eleger um aluno que virá até a frente e sorteará um papel que deverá
constar o nome de um profissional (ex. carteiro), este aluno recorrerá a seu grupo e a equipe terá dois
minutos para dar a resposta sobre o que realiza o profissional sorteado, caso a equipe não saiba, a
outra equipe terá o direto de resposta, caso ela também não saiba, as coordenadoras da atividade
deverão revelar a resposta e nenhuma das equipes marca ponto, em caso de acerto, um ponto é
atribuído ao grupo que respondeu corretamente a pergunta. Ganha a equipe que atingir o maior
número de pontos.
Registro: Um relatório para registro e avaliação da atividade, tendo como tema central uma das
profissões sorteadas, deixando o aluno escolher a profissão que ele achou mais interessante.
Duração: 2 horas.
71
A escolha do pátio como espaço da realização desta atividade teve o intuito de utilizar
outros ambientes, dentro da própria escola, como espaços de troca de saberes. Sobre a
apropriação de outros espaços para a troca de conhecimentos, Freire (1996) aponta que a
relação estabelecida informalmente em outros espaços e no espaço escolar não deve ser
desconsiderada, pois se encontra repleta de significados.
O autor se refere aos saberes informais que são vivenciados dentro e fora do ambiente
da sala de aula. Eu identifico na escolha do pátio para a realização da atividade uma possível
abertura para que, além dos saberes formais, outros saberes pudessem ser constituídos através
da experiência dada.
A atividade transcorreu de maneira tranqüila e prazerosa, os alunos se divertiram
bastante durante o desenvolvimento da tarefa, eles interagiram com os parceiros de grupo, se
ajudavam mutuamente, e comemoravam ao acertar uma questão. Das trinta profissões
contidas no saco de pano, vinte e duas foram sorteadas nas duas horas de duração da
atividade. A elaboração do relatório ficou como tarefa complementar para ser realizada depois
do recreio. Segue o registro contido no caderno da professora da sala, das profissões que
foram sorteadas durante a atividade.
Se tivesse que extrair uma única impressão da primeira atividade realizada dentro do
Projeto Profissões seria a importância da autonomia. Sobre esta importância é imprescindível
que eu convide para dialogar a respeito Freire (1996) quando o mesmo nos propõe uma
Pedagogia da autonomia:
Indo ao encontro da fala de Freire (1996), confesso que fiquei impressionada com a
capacidade dos pequenos de raciocinar acerca de um problema, relacionar o conhecimento
que eles possuem com a problemática proposta. Foi muito mais interessante utilizar a
capacidade de dedução e associação deles, do que se eu estivesse explanado as profissões e
seus significados na lousa, de maneira explicativa.
Sobre esta forma de transmissão do conhecimento, feita de maneira a desconsiderar o
saber do educando, Freire, a chama de Educação bancária e diz que:
Freire (1987) ainda diz que na Educação bancária há uma doação por parte daquele
que julga saber tudo àquele que este julga nada saber. Isto para Freire (1987, p.33) “se funda
numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão” e se constitui na ignorância
do outro o que Freire chama de “alienação da ignorância”. Foi pensando nos conceitos de
Freire sobre este educar desrespeitoso ao aluno e a sua autonomia, que decidimos não
explicitar as profissões e sim trabalhar coletivamente o conceito de cada uma delas.
Na execução desta atividade, percebi que eles sentiram prazer em desvendar
problemas, eles se fizeram parte da tarefa quando foram convidados a construir uma resolução
para uma questão posta. Fiquei imensamente feliz com o resultado da primeira atividade do
73
projeto. Esta me deu um retorno no sentido da avaliação muito rico ao que diz respeito à
autonomia do aluno em raciocinar e atribuir significado às tarefas. Ao falar sobre a avaliação
do professor acerca de si mesmo e de sua prática docente, Freire (1996, p.26) diz que “o
exercício ou a educação do bom senso vai superando o que há nele de instintivo na avaliação
que fazemos dos fatos e dos acontecimentos em que nos envolvemos”. Para o autor a prática
da educação pelo bom senso na perspectiva de uma avaliação moral do que acontece ao
educador, tem um importante papel em sua tomada de posição acerca do que deve ser
realizado na prática docente. Penso que pratico agora o exercício do bom senso dito por Freire
ao perceber os significados que a atividade trouxe para minha formação docente.
Surpreendi-me também com a atitude cooperativa que eles possuem. A capacidade
deles em dar continuidade ao raciocínio do coleguinha, sem perder o conhecimento
constituído até ali. O sucesso da primeira atividade, sem dúvida me estimulou a preparar as
demais atividades com o foco direcionado para a prática de uma Pedagogia da Autonomia
presente na obra de Freire. Sobre a postura ética do professor em sua prática pedagógica o
autor diz que:
A importância da autonomia extraída por mim com essa releitura da primeira atividade
do projeto, pauta-se nas concepções de Freire (1996) acerca de uma pedagogia democrática e
libertadora. Segue o registro contido no relatório de estágio elaborado por mim e pela
professora da sala, onde expressamos os sentidos constituídos com a realização da primeira
atividade do Projeto Profissões. Nesse registro é possível elencar diversos elementos
contidos15 na proposta freiriana de educação.
15
Os elementos em destaque no registro aparecem em negrito.
75
Percebi ao analisar os relatórios dos alunos que eles conceituam a profissão como
algo que está ligado a satisfação e ao gosto particular de cada um. E foi um ponto que eu
considerei, na época, que estava correto e que não haveria necessidade de reconceituá-lo.
Como já expressei no capítulo anterior, eu tenho apreço pela quebra da rotina escolar
em alguns momentos, por isso volto a citar Geraldi (2004) quando ele propõe a idéia de “aula
como acontecimento” e convida o educador a experimentar trazer a vida para a sala de aula. O
autor propõe trazer o cotidiano da vida dos alunos e transformá-lo em aula.
Esse também era um desejo que eu gostaria de realizar através do Projeto Profissões.
Trazer a vida dos profissionais para a sala de aula. Apresentar aos alunos o cotidiano deles, a
rotina de cada profissão escolhida. E este desejo de quebrar a rotina daquela terceira-série
que me levou a desenvolver as demais atividades do projeto. A partir de então todas as
atividades do projeto seguiram o mesmo roteiro, mas com valores e significados diferentes.
76
Segue o registro contido em meu caderno de estágio, no qual estabeleço um roteiro para o
encaminhamento das próximas atividades:
A primeira visita que recebemos dentro do Projeto Profissões foi de uma atriz de
teatro. A escolha de uma profissão ligada às artes cênicas foi proposital, pois tínhamos (eu e a
professora) de trazer um profissional que chamasse a atenção deles, e que pudesse tirar a
77
timidez que eles eventualmente poderiam apresentar ao estabelecer contato com alguém que
eles não conheciam. Um dia antes da visita da atriz, comunicamos à classe sobre a visita, e em
conjunto elaboramos um roteiro de questões a serem feitas a ela. Segue o registro contido no
caderno da professora da sala na qual estão as questões elaboradas em coletivo.
Porém, o profissional que estava agendado a comparecer era a atriz [nome da atriz], uma pessoa
espetacular em todos os sentidos que essa palavra possa ter, e mesmo com a agenda mais que atolada
de compromissos ela confirmou presença na escola.
Assim, um dia antes da [nome da atriz] ir à escola, nós preparamos com todos os alunos, algumas
questões a serem feitas a ela, a respeito da carreira, das dificuldades, das influências na escolha da
profissão, a dedicação e os estudos. Foi uma surpresa para nós, vermos como eles conseguem
elaborar questões maduras a respeito de determinados aspectos.
No dia da visita da [nome da atriz], a expectativa era grande por parte de todos nós. Decidimos que o
encontro seria no palco fixo da escola, uma vez que a [nome da atriz], trabalharia expressão corporal
com eles, sendo assim seria necessário mais espaço que o disposto na sala de aula.
[nome da atriz] trouxe consigo uma mala onde estavam vários objetos que ela costuma usar para se
apresentar. Trouxe também um livro infantil que já está escrito de uma maneira adaptada para o
teatro. Eles sentaram em volta da [nome da atriz] e ela lhes contou um pouco da história do teatro.
Também contou um pouco sobre como o teatro apareceu na vida dela. Falou das dificuldades, dos
preconceitos, da falta de patrocínio, do trabalho em adaptar um texto para o teatro, da confecção dos
figurinos, do cenário. Eles fizeram muitas perguntas a ela, algumas já discutidas em sala, outras
novas que surgiram ali mesmo. Ela abriu a mala e começou a retirar seu material de trabalho e foi
uma festa! Óculos psicodélicos, perucas, nariz de palhaço, instrumentos musicais de brinquedos,
malabares. Os olhinhos das crianças brilhavam ao ver todos aqueles apetrechos, além de poder pegá-
los e usá-los. E nossos olhos brilhavam ao ver a alegria deles diante daquela atividade tão atípica ao
cotidiano escolar. Era nossa maior recompensa.
Como se não bastasse, [nome da atriz], retira uma sacola cheia de maquiagens e diz a eles: “Agora
eu vou pintar vocês!”. Eles ficaram muito contentes, todos queriam maquiar seus rostos e serem
atores e atrizes naquele momento. Destacamos aqui o aluno [nome do aluno], que sempre muito
tímido e introvertido, se soltou! Pintou o rosto, vestiu a peruca, brincou, deu risada. Depois que todos
estavam devidamente caracterizados, a [nome da atriz] propôs a eles trabalharem todos juntos a
expressão corporal através da mímica. E eles soltaram a imaginação! Coordenados por ela, eles
escalaram paredes invisíveis, comeram e beberam num banquete imaginário, com direito a pratos,
copos e talheres. Para finalizar, [nome da atriz], convidou dois alunos para encenar um capítulo do
livro que ela trouxera, todos ficaram atentos à história narrada pela [nome da atriz], e encenada
pelos coleguinhas. Depois da despedida de [nome da atriz], voltamos para sala de aula para exercer
a prática da escrita e relatar a deliciosa visita de uma atriz à escola.
Nessa atividade, eles trabalharam bastante as formas de expressão: verbal e corporal. Trabalharam
também a imaginação e a fantasia.
E estes que seguem são registros contidos nos relatórios de diferentes alunos, no qual
eles expressam as sensações que tiveram e o que gostaram na visita da atriz.
Fica evidente a partir dos registros que os alunos aprovaram a atividade realizada e
puderam desta extrair uma porção de significados.
Se na primeira atividade eu, através das análises que faço aqui neste trabalho, consegui
identificar a autonomia dos alunos, na visita da atriz identifiquei a importância do toque nas
relações estabelecidas na escola. Quase que por unanimidade os alunos elegeram o ato de
80
serem pintados como a experiência que eles mais gostaram. Ainda que, considerando o fato
de a maquiagem remeter à fantasia, dando a eles a oportunidade de assumir uma
personalidade imaginária, como de animais e super heróis, eles relatam que o ato da atriz
pintar seus rostos foi o que eles mais gostaram. Ao que pude notar, foi no contato estabelecido
por ela que proporcionou a eles o prazer da experiência. Davis (1991) fala em seu livro
intitulado “O poder do toque” que a comunicação não verbal estabelecida através do ato de
tocar é uma necessidade básica humana. A autora diz também que o contato físico “pode ser
tranquilizador, terapêutico, carinhoso, afetuoso, confortador ou animador” (DAVIS, 1991, p.
36).
A autora ao considerar a potência do ato de tocar outra pessoa, é surpreende. Ela cita
experiências e testes feitos acerca desta abordagem que revelaram resultados interessantes.
Em outro teste, Heslin pediu a uma aluna que deixasse uma moeda numa
cabine de telefone público, saísse e então abordasse a pessoa que entrasse em
seguida. Toda vez, a moça indagava se a moeda que esquecera ainda não
estaria na cabine. A resposta era, quase sempre, “não”. Na segunda etapa, a
estudante experimentou uma outra abordagem. Gentilmente, tocava a pessoa
no braço por um ou dois segundos enquanto lhe falava. Com este método,
recuperou a moeda em quase todos os casos (DAVIS, 1991, p. 38).
Hoje em dia, parece-me que o toque é algo que cada vez mais estamos deixando de
lado. As pessoas pouco se tocam, pouco se abraçam, pouco se sentem através do tato. E na
escola o toque é algo que não acontece todos os dias, de maneira prazerosa. Nem na escola,
nem em casa, nem com seus amiguinhos. A falta de tempo é a principal causa da ausência do
toque, tudo é feito de maneira tão rápida, que não sobra tempo para o contato através do
toque. Na vida social também, com a chegada da internet, e também devido à violência nas
ruas, as crianças dos dias de hoje não brincam mais de pega-pega, esconde-esconde,
queimada, taco, brincadeiras nas quais o toque é parte da atividade. Hoje, as crianças brincam
jogando no computador ou vídeo game, conversam por sites de relacionamento na internet, e
pouco se tocam. Davis (1991) levanta várias restrições sociais para o não tocar entre sujeitos.
Este não tocar se dá, segundo a autora, por diversas razões, dentre elas estão: as razões
culturais, religiosas e econômicas. Com relação à influência econômica na escassez do não
tocar o outro, a autora diz que:
de dinheiro e dos objetos que pode comprar nos faz encarar o trabalho como
um dever e o prazer como algo pecaminoso e imoral. Tornamo-nos criaturas
rígidas, que rejeitam a vida e sentem-se mais à vontade tocando os objetos
que possuem do que uma à outra. (DAVIS, 1991, p. 81).
Inúmeras vezes eu pude presenciar pais passando todo o domingo lavando seus carros
ao invés de estarem passeando com seus filhos. É o que Davis (1991) fala do prazer em tocar
um objeto e uma repulsa em tocar o outro.
O ato de tocá-los através da pintura proporcionou a experiência de algo especial. Era
algo inusitado dentro do contexto das relações estabelecidas dentro da escola. Eles se sentiram
como se estivessem se preparando para uma peça teatral, incorporando o seu personagem,
trabalhando a fantasia e imaginação. Sobre a comunicação não-verbal estabelecida através do
toque, dentro da escola, Davis (1991) ao citar sua tese, no qual o tema central era a
comunicação não-verbal e o contato físico na escola, concluiu no trabalho por ela
desenvolvido que “os alunos de fato reagiam a minha comunicação não verbal [...]
Conscientizei-me de que as pessoas, particularmente os estudantes, reagiam ao toque e,
muitas vezes, ao sorriso, à proximidade física” (DAVIS, 1991, p. 172).
Penso que com o mundo virtual cada vez mais em evidência, a possibilidade de um
sujeito tocar o outro se tornará cada vez mais incomum. Por isso destaco a importância do
toque nas relações estabelecidas na escola. É o resgatar prazeres que os tempos modernos tem
desconsiderado importantes para a formação do sujeito.
Sobre a postura do educador que busca estabelecer uma educação não-verbal através
do tato, Davis (1991) alerta para a consciência da própria linguagem corporal e pelo respeito à
linguagem corporal dos outros. Segundo a autora, em uma cultura como a nossa, que ensina
as crianças a duvidarem de suas vontades e sentidos, é preciso trabalhar em sala a anulação
deste treinamento negativo que ele próprio enquanto ser social e seus alunos tiveram acerca
da relação através do toque. A autora diz também que em sua pesquisa e por experiência, “que
o contato físico facilita a comunicação e a aprendizagem” mas orienta que “nas escolas, bem
como em outros locais de trabalho, há muitos tabus e restrições culturais quanto a quem toca
quem e onde” (DAVIS, 1991, p. 173).
Considero que a visita da atriz e a atividade com eles desenvolvida, proporcionaram à
classe esta forma de ensinar através da comunicação não-verbal, estabelecida através do
toque, uma linguagem cada vez mais rara de se experimentar.
82
Quando algo que se faz fica muito bom, espetacular, vem, primeiramente, a satisfação
pelo sucesso e pelo êxito na realização do feito, mas em seguida vem a necessidade de se
fazer o próximo ato tão bom quanto ou até melhor que o anterior. É a famosa superação das
expectativas. Com a espetacular visita da atriz, eu me sentia na obrigação de promover, para
uma próxima atividade, algo ainda mais surpreendente; afinal, nessa etapa, os alunos já
haviam se envolvido com o projeto e aguardavam a próxima atividade ansiosamente. Eles
projetavam a atividade sucessora esperando viver experiências ainda mais prazerosas e com
uma carga de significados ainda maior.
Dessa forma elaboramos, eu a professora da sala, a terceira atividade do Projeto
Profissões, com o intuito de proporcionar experiências diferentes da que a visita da atriz
proporcionou. Questionei a professora a respeito da possibilidade de retirada dos alunos da
escola. Ela me orientou que era possível mediante uma autorização dos pais, sendo que o
aluno que não entregasse a autorização por escrito, não poderia de forma alguma deixar a
escola. Em nosso diálogo contei a ela que gostaria de levá-los a um passeio, a alguns metros
da escola, para que eles conhecessem a rotina e o ambiente de trabalho de outro profissional.
Nesse instante ela sorriu para mim, e com o ar de satisfação que pude notar em seu sorriso,
compreendi que ela sabia qual profissional eu havia pensado para visitar na terceira atividade
do Projeto Profissões. Ela pediu que eu cuidasse da parte burocrática do passeio, enquanto ela
ficaria responsável por enviar aos pais a autorização de saída dos alunos e também convidaria
aqueles que tivessem disponibilidade, para nos ajudar a monitorar os alunos pelas ruas da
cidade. Notei a professora bastante empolgada com o passeio, afinal nesta atividade nós
visitaríamos nada mais nada menos que o Corpo de Bombeiros de Rio Claro.
Cuidando da parte burocrática do passeio que era agendar a visita junto ao Corpo de
Bombeiros, eu fui conversar com o responsável pelas visitas. Muito atencioso, ele me
orientou que um ofício deveria ser entregue à coordenação do batalhão, contendo um breve
relato do que se tratava o passeio, e a assinatura da coordenação de estágio da universidade,
além da minha assinatura e da professora da sala.
Segue o registro da solicitação feita e entregue ao Corpo de Bombeiros:
83
Em seguida, seguem os registros contidos nos relatórios dos alunos, no qual eles
descrevem o passeio realizado e contam o que eles mais gostaram na visita ao Corpo de
Bombeiros.
Quando nós estávamos saindo o alarme tocou e lá foram eles em socorro do chamado
O mais importante ao escolher uma profissão, é gente trabalhar no que gosta, mas isso já é uma outra
história. Porque agora, é hora de brincar! (criança fala)
O trabalho é um direito
que todo mundo deve ter
90
O mais importante ao escolher uma profissão, é gente trabalhar no que gosta, mas isso já é uma outra
história. Porque agora, é hora de brincar! (criança fala)
Considero que a partir dessa atividade o Projeto Profissões assumiu uma dimensão
coletiva, envolvendo além de nós, eu e a professora da sala, os alunos, os funcionários e os
pais e responsáveis.
parentes como avós, tios, primos. A atividade cumpriu sua especificidade ao promover a
integração entre pais e filhos, desenvolvendo o diálogo entre eles, e também a colaboração da
família na produção escolar dos alunos. Além destes objetivos, foi possível divulgar o projeto
para a família dos alunos e diversificar ainda mais o conteúdo das profissões apresentadas aos
mesmos.
Muitos dos entrevistados (pais, avós, tios, primos) se disponibilizaram para ir até a
escola e participar como visita profissional dentro do projeto. Segue o registro contido no
relatório elaborado por mim e pela professora da sala, no qual se encontra nossas impressões a
respeito dessa atividade.
Considero que esta atividade ampliou ainda mais o conhecimento dos alunos acerca da
variedade de profissões existentes no mercado de trabalho, além de ter promovido uma
integração entre adultos e crianças na elaboração das respostas do questionário.
Quando analiso esta atividade, consigo extrair dela a importância das atitudes. É
impressionante como uma atitude simples pode transformar um contexto, como no caso do
questionário que possibilitou o diálogo entre as crianças e os membros da sua família, que
ajudou os pequenos a descobrirem que seus pais também são profissionais como aqueles que
eles conheceram no projeto. Às vezes, algo que incomoda pode ser mudado, ou adaptado com
uma atitude coerente, uma atitude que provoque uma reação positiva. Guimarães et al (2001)
ao falarem da atitude do professor de educação física em suas aulas, chamam a atenção de que
independentemente da disciplina lecionada, atitude do professor tem que partir de uma
perspectiva de iniciativa, propondo e conduzindo as tarefas para a mobilização em torno de
um fato ocorrido. Os autores também parte da influência social que a escola exerce e citam
outros autores que partem dessa mesma perspectiva.
nos problemas que se sucedem fora dos muros da escola, mas que refletem de forma
determinante no desempenho escolar dos alunos. Daí vem a questão de ser ou não dever da
escola dar atenção aos dilemas que ocorrem fora do ambiente escolar.
De fato, a escola não foi criada para tal feito, e essa não é a especificidade da mesma,
mas o aluno que a escola recebe, deixa no portão os problemas que ele enfrenta fora da
escola? Seria perfeito se ao limpar os sapatos, ficassem no tapete, além da sujeira, os
problemas que os alunos carregam consigo, e eles entrassem limpos, prontos para adquirirem
o conhecimento oferecido pela escola sem que os problemas que eles enfrentam na família e
no convívio social os afetassem determinantemente.
Sobre a tomada de atitude Guimarães et al. (2001, p.22) explicita que sujeito “pode
expressar seus valores mais relevantes através de atitudes que se diferenciam de acordo com a
personalidade de cada um e também variam de acordo com aspectos afetivos, cognitivos e de
conduta”. Desse modo, considero que as atitudes devem ser pensadas antes de qualquer ação
ser tomada. De preferência, uma atitude deve vir acoplada de uma tarefa escolar, para que o
professor não acabe assumindo o papel que não é o dele, de pai ou de mãe.
Saviani (2000) alerta que não se podem deixar os compromissos secundários tomarem
o lugar dos compromissos primários da escola, que segundo o autor é a “a transmissão dos
instrumentos de acesso ao saber elaborado” (SAVIANI, 2000, p. 21). O autor diz ainda que:
Partindo dessa perspectiva, a escola não pode deixar de cumprir com seu papel para se
tornar uma instituição puramente assistencialista. Isso não deve ocorrer de maneira alguma.
Entretanto, se a escola conseguir cumprir com a sua especificidade e ainda ajudar nos
problemas sociais, melhor para ela, pois a escola é o reflexo da sociedade. E se ela consegue
contribuir para melhorar a formação do cidadão dentro e fora do seu espaço, ela cumpre sua
especificidade e vai além. Para fechar o raciocínio do início do parágrafo, da atividade quatro
do Projeto Profissões, foi possível extrair a importância da atitude tomada pelo educador
diante de um problema posto e como essa atitude pode ser transformadora e positiva.
2 plantas de residências para que as crianças conhecessem: uma mostrando a chamada “planta
baixa” e outra onde cada aluno deveria localizar os cômodos dentro da planta.
Com esta atividade, os alunos puderam entender que com carinho e dedicação é
possível realizar um trabalho bonito e obter êxito em sua carreira profissional.
O Projeto Profissões foi uma experiência em meu estágio bem como foi um
acontecimento no cotidiano daquela terceira série. A minha carga horária de estágio já havia
sido cumprida, mas eu não queria abandonar aquela classe, nem tampouco tinha vontade de
encerrar o projeto. Entretanto, eu deveria entregar meu relatório de estágio em 12 de junho
daquele ano, e obviamente eu teria que encerrar minhas atividades junto à escola para poder
analisar e comentar todo o processo do meu estágio em meu relatório. Mas isso não
aconteceu, o projeto foi tão bem sucedido que não consegui encerrá-lo juntamente com o
cumprimento da carga horária que a disciplina exigia.
Havíamos, eu a professora da sala, planejado inúmeras outras visitas de profissionais e
desejava concluir o Projeto Profissões com a realização de um grande e agradável passeio
com as crianças. Desse modo na finalização do relatório de estágio que eu e a professora
101
elaboramos juntas, deixamos explicita a condição de projeto inacabado, claro que a palavra
“inacabado” vem no sentido de continuidade e não de algo que foi abandonado antes de ser
concluído. Segue o registro contido em nosso relatório de estágio que explicita tal fato.
Após esses três meses de parceria, sentimos uma sensação de dever cumprido.
Atingimos mais do que esperávamos atingir. Tornamo-nos amigas, trocamos experiências,
não só entre nós, mas também com todos que, direta ou indiretamente, estiveram envolvidos
com o Projeto Profissões. E essa sensação de interminalidade, de continuidade faz com que
tanto o projeto quanto a parceria se mantenham vivos em nós.
Desse modo, conclui meu estágio docente. Apresentei meu relatório individual e
também o relatório feito por mim e pela professora como era a proposta da disciplina de
Prática de Ensino no Ensino Fundamental II (atividades práticas). Mas como já dito, o Projeto
Profissões não acabou juntamente com meu estágio de regência. Eu tinha um compromisso
com a professora e com os alunos, e a conclusão do meu estágio não encerrou minhas
atividades naquela escola.
O meu estágio docente acabara, mas o Projeto Profissões continuou seu curso,
proporcionando novas experiências a todos os envolvidos nas atividades que o incorporaram.
Ainda que com muita vontade de continuar com o projeto durante o resto do ano letivo
todo, eu não poderia permanecer muito mais tempo na escola, pois meu vinculo oficial já
havia chegado ao fim. Com o consentimento da direção, eu pude ficar junto à classe e com a
professora até o encerramento do primeiro semestre de 2008. Portanto, mesmo com uma
enorme tristeza eu deveria encerrar minhas atividades e concluir o Projeto Profissões.
E com todas as experiências que foram possíveis através desse lindo projeto de
parceria que o foi o Projeto Profissões, eu não poderia encerrá-lo sem um grande
acontecimento, algo que promovesse uma síntese de tudo que foi visto e aprendido durante as
atividades do projeto, e que proporcionasse uma experiência única para todos os participantes
do projeto, incluindo obviamente, eu a professora da sala.
102
Conversei com a professora a respeito de uma ideia que havia tido, a de fazermos um
belo e gostoso passeio, mas que esse passeio sem dúvida estivesse inserido no tema central do
projeto, que é apresentar para os alunos o cotidiano dos mais variados tipos de profissionais.
Portanto, o passeio deveria ser em um lugar onde se concentrassem uma diversidade
significativa de profissionais. Decidimos assim que deveríamos levá-los a uma indústria.
Infelizmente, a maioria das indústrias da cidade não recebia visitas de crianças
menores de quartoze anos.
Sem perder as esperanças continuei a manter contato com diversas indústrias da cidade
de Rio Claro, mas todas as respostas eram negativas. Foi quando um dia, um amigo sugeriu
que eu os levasse a outro lugar que não uma indústria, e deu como exemplo a EPTV São
Carlos, uma emissora de televisão vinculada a Rede Globo que fica localizada na cidade de
São Carlos.
Sem pestanejar entrei em contato com emissora que me informou que no momento
eles não estavam realizando visitas devido às reformas no prédio da mesma. Decidi por fim
procurar a emissora local, a TV Claret de Rio Claro, e para minha surpresa eles adoraram a
ideia de serem visitados por crianças. Apesar de não possuírem um programa de visitas, foram
muito atenciosos e pediram que avisássemos com uma semana de antecedência para que eles
pudessem se organizar para a visita.
Empolgada em finalmente ter encontrado um lugar para levar os alunos para passear,
comuniquei à professora que gostou bastante da ideia de conhecer uma emissora de TV.
Enquanto eu corria atrás do agendamento com a emissora, ela preparava as autorizações a
serem entregue aos pais, que deveriam voltar assinadas, comprovando assim a liberação dos
alunos a irem juntamente com as professoras à TV Claret. Em uma atitude positiva por parte
da direção, eles se prontificaram em agendar o ônibus junto à Secretaria de Educação de Rio
Claro.
Um dia antes da realização do passeio, a professora recolheu as autorizações, e para a
nossa alegria todos os pais autorizaram seus filhos a irem conhecer a emissora de TV da
cidade. Quatro mães de alunos se ofereceram para nos ajudar no monitoramento das crianças
durante a visita. A seguir o registro da solicitação enviada aos pais dos alunos pedindo
autorização para a retirada dos mesmos do ambiente escolar.
O Projeto Profissões não poderia ter tido um encerramento melhor do que foi a visita
à TV Claret. Como explicitei no título do meu relatório de estágio este passeio foi “O
cotidiano dos profissionais quebrando o cotidiano escolar”.
104
Considero que esta atividade realmente fechou com chave de ouro o Projeto
Profissões, projeto que tenho orgulho de ter criado, juntamente com a professora de sala e
vivenciado com todos os alunos e demais participantes.
Desse passeio e de todas as experiências que foram possíveis através dele é possível
extrair a importância das vivências. Algumas lições as crianças aprendem melhor
vivenciando-as, experimentando de corpo e mente o conhecimento compartilhado. Não que o
conhecimento partilhado em sala de aula não tenha sua importância, pelo contrário, a sala de
aula é o espaço constituído de troca de conhecimento, mas julgo ser é necessário, às vezes,
sair desse espaço e experimentar outras maneiras de partilhar o conhecimento. Encontro na
aula-passeio de Freinet (1975) a significação do que chamo de vivência do conhecimento.
Penso que vivenciar o conhecimento, nesse sentido, tem a mesma sensação de que se
tem ao realizar uma viagem para algum lugar nunca antes visitado. Quando se retorna, os
ânimos estão renovados e adquiri-se fôlego para voltar à rotina diária. Assim também são as
vivências extraescolares, e quando se trata de escola, recobrar o fôlego para a rotina, muitas
vezes maçante, é algo que julgo de fundamental importância.
cada experiência feita pelo professor, as bolhas de sabão enchiam os olhos de brilho, o
barulho do vento os fazia pensar que o vento realmente assobiava. Sobre a educação como
arte, Picollo (2005) diz que:
Ainda que esteja cada vez mais escassa a manifestações de magia no ato de educar
dentro de uma sociedade complexa como a nossa, Picollo (2005) afirma que:
A pergunta que Picollo (2005) apresenta em seu texto referenciando a cantora lírica
Maria Callas me remete ao dia da visita do físico e me faz pensar que educar é um ato
mágico. Não no sentido de sem empregar algo ilusório, que engane o espectador, mas mágico
no sentido de produzir certo fascínio, de se perguntar como aquilo acontece. Mágico no
sentido de provocar a curiosidade, a busca por desvendar aquilo que encanta os olhos. Quem
nunca quis saber o como o mágico tirou o coelho da cartola?
Educar é mágico ao provocar a vontade de saber mais, de querer entender, de
encontrar explicações. E buscar respostas, encontrar soluções nada mais é que se permitir ser
educado, é aprender aquilo que ainda não se sabe, é estudar, é conhecer. Para mim foi
fundamental reconhecer a magia da educação naquele momento, pois me trouxe a certeza de
que eu estava no caminho certo, que apesar de tudo que observei em meu estágio de
observação no semestre anterior, a escola é sim um espaço de criação da contraideologia
como já afirmava Gramsci (1968).
109
Plenamente realizada com o meu estágio e com os frutos que pude colher da parceria
intergeracional com a professora, me despedi daquela classe com lágrimas nos olhos.
Lágrimas que expressavam minha gratidão pelo carinho, pela confiança e pela disponibilidade
que todos oferecem a mim, expressavam também minha vontade de permanecer com eles até
o final do ano letivo, e continuar com o projeto, proporcionando a todos as experiências tão
inesquecíveis quanto as que vivenciamos com o Projeto Profissões.
Foi muito difícil manter a voz firme ao me despedir da classe, a voz ficou trêmula
novamente, como quando falei com eles pela primeira vez, anunciando o choro que não
demorou a chegar. A professora percebendo a minha emoção solicitou uma salva de palmas à
minha pessoa e permitiu que em seguida eles me desse um “abraço coletivo”.
Meus pés saíram do chão na hora do abraço, e isso não é força de expressão. O abraço
deles foi tão forte e tão intenso, que me levantaram do chão. Imagine sessenta bracinhos lhe
apertando a cintura e dobrando o pescoço para trás para olhar com aqueles olhinhos de estrela
que só as crianças têm. Confesso que naquele momento tudo fez sentido, todas as noites não
dormidas, as refeições não feitas, as horas lendo livros e mais livros, tudo valeu a pena.
Eu encontrei o que fui procurar na escola, e acabei encontrando outras tantas coisas
mais. Senti-me naquele momento um astro do rock, ou uma diva da ópera, ou qualquer coisa
grandiosa que possa existir. Aquele abraço me trouxe a segurança que precisava para seguir
em frente com minha graduação e me formar pedagoga. Segue o registro contido em meu
relatório individual no qual descrevo os sentidos que essa experiência do estágio de regência
produziu em mim.
que ainda existem brechas no sistema, que é dado ao professor o direito à cátedra, ainda que este
direito esteja mais reprimido que outrora.
É muito gratificante reler estas cartinhas e perceber que o meu trabalho foi
reconhecido por aqueles eu mais queria impressionar.
111
Essa proposta de reciprocidade explicitada por Sarti (2009) aconteceu a nós dentro e
fora ora do contexto escolar, quando algo me aflige, sei que posso contar com a experiência
de vida dela para me aconselhar, me mostrar o melhor caminho. Ela quando se sente cansada,
desmotivada, encontra em mim a energia da juventude e a gana de viver a vida com prazer.
Sei que poderei contar com ela quando me tornar uma professora, sei que ela me ajudará com
os percalços que eventualmente eu vá encontrar em minha docência. Não encontrei na escola
só uma professora disposta a firmar um projeto de parceira, encontrei uma amizade sincera e
rica em significados.
A nossa parceria não acabou com o fim do projeto e do meu estágio, a professora e eu
constituímos uma parceria para a vida, na qual ela entra com a experiência que os anos lhe
proporcionaram e eu com as novas idéias, com a vontade de fazer diferente, e assim
estabelecemos o equilíbrio ideal, o equilíbrio que toda relação de parceira deve ter para se
tornar indissolúvel. Segue então o registro contido em meu relatório individual, no qual
112
explicito os sentidos produzidos dessa parceria entre eu e a professora da sala do meu estágio
de regência.
Esta parceira sem dúvida representa para mim um dos tesouros que encontrei durante a
minha presença no ambiente escolar.
Quando passei por aquela escola, jamais imaginaria que o Projeto Profissões seria o
sucesso que foi. Ele foi como uma semente plantada nas práticas educativas daquela
professora. Quando deixei de comparecer à escola, ela deu continuidade à ideia de vivências e
implementou outros projetos que abordavam outros temas mas que possuíam as mesmas
características do Projeto Profissões. Entre eles, estava um projeto sobre alimentação, na qual
as crianças receberam a visita de nutricionistas, cozinheiros, sanitaristas e de uma vegetariana,
que no caso era eu.
Fiquei lisonjeada com o convite da professora para retornar à escola, isso aconteceu
quase no final do ano letivo, no final do mês de novembro de 2008. Como a professora sabia
que eu era adepta ao vegetarianismo, ela me convidou para ir à escola contar às crianças sobre
minha dieta alimentar, os motivos pelos quais me tornei vegetariana e os benefícios que a
dieta me trazia.
A professora contou a eles que uma moça vegetariana iria visitá-los, mas não contou
de quem se tratava. Quando a professora anunciou a visita e eles me viram entrar pela porta
da sala, foi uma festa! Abraços, beijos, demonstrações de carinho e saudade me encheram de
alegria, pois percebi que mesmo passado cinco meses da minha estada naquela terceira-série
eles ainda se lembravam dos momentos que vivemos juntos. Apesar de ser um tema delicado,
eu me sai muito bem na conversa com eles, explicitei os meus motivos, mas deixei claro que
eles ainda eram novos para decidir sozinhos o que comer e o que não comer. Solicitei que eles
113
variassem sempre o cardápio alimentar deles, procurassem comer saladas e refogados ao invés
de frituras e guloseimas. Disse que tudo é permitido na alimentação, desde que não haja
exageros, pois os exageros trazem malefícios à saúde deles.
Após a minha apresentação, passei por mais uma sessão de abraços e beijos, e me
despedi com a sensação de que o meu estágio havia cumprido sua especificidade, e que como
disse a professora, eu recuperei nela o fôlego que os anos de docência tendem a minimizar.
Para mim todas as etapas de minha constituição docente foram importantes e
fundamentais, mas o meu estágio de regência e meu projeto de parceria me renderam
momentos inesquecíveis, lembranças de que eu guardarei para sempre, amizades que pretendo
manter para toda a minha vida e experiências das quais tenho certeza, me servirão de base
para quando eu me tornar uma educadora.
114
Neste capítulo pretendo explicitar as experiências que meus dois últimos estágios
curriculares trouxeram para a minha formação, bem como apresentar o que eu aprendi e o que
eu ensinei nesses dois momentos da minha constituição como futura educadora.
Antes de começar a compartilhar as experiências, é necessário apresentar quais
disciplinas estes dois estágios atenderam e quais eram as propostas da coordenadora16 de
estágio para ambos. Falarei dos dois estágios em um mesmo capítulo, pois eles foram
estruturados pela coordenadora de estágio de maneira que o estágio de observação era base
para o estágio de regência com o corpo docente da escola.
16
Vale lembrar de que todos os meus estágios docentes foram coordenados por uma mesma pessoa.
115
Na atribuição das escolas, nós, meus colegas de grupo e eu, escolhemos uma escola
da periferia de Rio Claro, onde nenhum de nós havia estagiado antes. E isso foi um ponto
interessante, pois nos inseriríamos em um contexto nunca antes por nós “habitado”.
Quando analiso a fala de Almeida (2002) me lembro de observar que na escola onde
realizei este estágio, de inúmeras vezes, membros da comunidade que não eram alunos
matriculados, sendo convidados a se retirar da escola. É um ponto complicado, pois às vezes o
sujeito está realmente mal intencionado, mas em outros casos, ele pode encontrar no ambiente
da escola um refúgio da realidade por ele vivida no contexto daquele bairro. A autora alerta
ainda que, concebendo a integração escola/comunidade dessa maneira, “termina-se por
produzir um efeito muito mais fragmentador da realidade do que unificador, perdendo a
possibilidade de potencializar encontros” (ALMEIDA, 2002. p. 13).
Logo de início foi possível identificar o estado de fragmentação enfrentado por
aquela escola no momento da realização do nosso estágio. Pois, ao mesmo tempo em que se
abria para a comunidade ao qual pertencia, se fechava para a mesma; assim, nem todos
usufruíam do espaço escolar como um espaço público e comunitário.
O tempo de nossa permanência naquele contexto não foi suficiente para afirmar que
os recursos pedagógicos disponíveis eram devidamente utilizados. Os únicos que
constantemente se notava em uso eram os mimeógrafos e o aparelho de som.
Sobre os recursos didáticos, Castoldi e Polinarski (2009) ao relatarem sua pesquisa
sobre a importância dos recursos didático-pedagógicos na aprendizagem, apontam que “a
119
maioria dos professores tem uma tendência em adotar métodos mais tradicionais de ensino,
por medo de inovar ou mesmo pela inércia a muito estabelecida em nosso sistema
educacional” (CASTOLDI; POLINARSKI, 2009, p.685). Observamos o espaço daquela
escola em diversos períodos do dia, e notamos que, a maioria dos professores preferia as aulas
mais tradicionais. Notamos também o “medo de inovar”, presente na fala de Castoldi e
Polinarski (2009), como um dos motivos pelos quais os professores não utilizavam todos os
recursos didáticos disponíveis na escola.
Ainda sobre a importância da utilização desses recursos em sala de aula, Souza
(2007) explicita que não basta apenas inserir um determinado recurso durante as aulas, o
recurso didático deve ser utilizado “em segundo plano apenas como auxiliar deve ser
intermediário no processo de ensino e de aprendizagem, pois, o mais importante nesse
processo é a interação professor-aluno-conhecimento” (SOUZA, 2007, p.2). Para a autora,
com os avanços tecnológicos, uma infinidade de recursos didáticos foram postos a disposição
do professor (DVDs, CDs, data show) e que essa infinidade de recursos suscita uma reflexão
acerca de como e quando utilizar estes recursos em sala de aula.
Considero que, talvez por não saber como utilizar os recursos disponíveis, ou por
medo de inovar a aula e não atingir os objetivos de certa atividade, os professores não
utilizavam os recursos didáticos presentes na escola.
formação, acabou se tornando naquele contexto uma obrigatoriedade a ser cumprida. Mais
uma das tantas obrigações existentes no ambiente escolar. Segue o registro contido no
relatório que elaborei juntamente com meus colegas de grupo, no qual descrevemos nossas
considerações a respeito de como acontecia a “Hora da leitura” naquele espaço escolar.
Freire (1996), em sua obra, fala da importância da conexão entre o ato educativo e a
realidade em que este se dá. Ao falar exatamente da necessidade de uma leitura crítica, o autor
identifica a responsabilidade do professor em não ser apenas um repetidor de idéias, mas ser
um desafiador. Ele afirma que um sujeito que lê apenas com intuito de memorizar aquilo que
lê, para repetir mecanicamente o que leu, não consegue relacionar a sua leitura com o seu
mundo.
do professor. Penso que este era um projeto que tinha tudo para proporcionar a abertura para a
formação coletiva, uma vez que todos deveriam se dedicar a trinta minutos de leitura. Talvez
esse tenha sido o “desandar” do projeto: todos deveriam ler algo por trinta minutos. Essa
imposição do dever parece-me que impulsiona a prática (nesse caso a prática da leitura) para o
vício da mecanização apontado por Freire (1996).
1.4 De fora para dentro: os espaços de formação além dos muros da escola.
É difícil, entre outras coisas, pela vigilância constante que temor de exercer
sobre nós próprios para evitar os simplismos as facilidades, as incoerências
grosseiras. É difícil porque nem sempre temos o valor indispensável para
não permitir que a raiva que podemos ter de alguém vire raivosidade que
gera um pensar errado e falso. Por mais que me desagrade uma pessoa, não
posso menosprezá-la com um discurso em que, cheio de mim mesmo,
decreto sua incompetência absoluta. Discurso em que, cheio de mim mesmo
trato-a com desdém, do alto de minha falsa superioridade. A mim não me dá
raiva, mas pena quando pessoas assim raivosas, arvoradas em figuras de
gênio, me minimizam e destratam (FREIRE, 1996, p. 21).
Penso muito no meu futuro como educadora, e temo por me tornar uma educadora
repleta de “incoerências grosserias” (FREIRE, 1996, p. 21). Tanto no meu processo de
122
formação quanto agora ao retecer minhas memórias e reler os meus registros, aprendo que
nada é único e indiscutível. Tudo é uma questão de pontos de vista. Certa vez, uma professora
me aconselhou a temer as verdades absolutas. Como no caso dos professores que repudiaram
o palestrante, eles consideraram um fundamento do senso comum como uma verdade absoluta
e se fecharam no sentido de ouvir outros pontos de vista e tecer novas opiniões a respeito de
um tema tão importante para se trabalhar em sala de aula.
A palestra sem dúvida foi espaço de formação docente, talvez não para todos, mas
para aqueles que estavam dispostos a aceitar as diferenças culturais presentes em nosso país.
Embora importante e significativa, a palestra aconteceu fora da escola, descaracterizando o
nosso foco que era de encontrar na escola espaços de formação docente.
Ao partimos para a análise documental do livro de ata dos HTPCs da escola onde
realizamos nosso estágio, tivemos uma grande surpresa. O livro de ata não revelava o que se
sucedera nos encontros. Os registros apareciam em tópicos, tornando impossível a
interpretação dos fatos por alguém que não esteve presente no momento em que os fatos se
sucederam. Em algumas páginas foi possível deduzir que houve a leitura e discussão de textos
relacionados ao cotidiano escolar, mas por não estarem anexados ao livro, não tivemos acesso
aos textos lidos e discutidos. Desse modo, através do livro de ata dos HTPCs seria difícil
definir se os encontros eram ou não um espaço de formação para o professor.
Mas do que foi possível ser analisado, concluímos que eles socializavam sempre as
práticas de sucesso. Perguntamo-nos: e os insucessos, não foram socializados? Se não foram,
é pelo fato de causarem possivelmente certa frustração ou porque o grupo de professores não
identifica os insucessos de sua prática docente? Segue o registro contido em nosso relatório de
estágio, no qual eu e meus colegas de grupos identificamos essa lacuna existente na
socialização das experiências da prática docente nos HTPCs.
Outro ponto observado ao analisarmos o livro de ata dos HTPCs, foi o fato dos
mesmos serem planejados já no início do ano. E segundo informações, este planejamento é
cumprido ao decorrer do ano. Fica a inquietação: é possível trabalhar a previsão dentro da
prática docente? Por que o que acontecia naqueles encontros era algo previsto desde o início
do ano letivo. E quando previsto, não se conhecia as classes, os alunos, as necessidades que
cada professora enfrentaria em seu cotidiano escolar.
Este processo de planejar no início do ano o que deve ser lido e discutido nos
encontros dos HTPCs causou-me estranhamento. Mais uma vez lembrando a idéia de
estranhamento de Ginzburg (2001) que é o olhar de quem olha algo pela primeira vez, me pus
a pensar como é possível reunir-se, falar de um texto, mas não conseguir relacioná-lo com o
seu cotidiano, com sua prática. Penso mais uma vez no que falou Freire (1996) sobre o
intelectual mecanizado, que lê, mas não reflete, lê apenas para reproduzir os fragmentos
memorizados do texto lido. Segue o registro contido em nosso relatório de estágio no qual
explicitamos algumas considerações que os professores fizeram durante nossas observações
do ambiente escolar como espaço de formação docente.
Como a análise do livro de ata dos HTPCs não havia nos fornecido um panorama
real dos fatos que se sucediam naquele contexto, além das conversas informais que tivemos
com alguns professores, ficou a sensação de que se estabelecia ali uma relação hierarquia
autoritária. Então decidimos frequentar alguns HTPCs com o intuito de observar o que de fato
acontecia naquele espaço de formação docente. Agendamos um dia e horário com a
coordenadora da escola para podermos participar de um dos encontros.
Observamos primeiramente os diálogos e quando nos sentimos confortáveis, fizemos
a pergunta que era o foco do nosso estágio: “Vocês reconhecem a escola como espaço
formador de vocês, docentes?” A reação de alguns professores nos causa surpresa. Segue o
registro contido em nosso relatório de estágio no qual descrevemos a reação dos professores
quando questionamo-los sobre a possibilidade da escola ser um espaço de formação para o
educador.
Foi um desabafo, sem dúvida. Mas para mim naquele momento e agora relendo meus
registros, reflito sobre a importância do trabalho coletivo dentro da instituição escolar. E
como a falta dessa coletividade pode empobrecer as relações estabelecidas dentro da escola.
Diante dos fatos que presenciamos nos HTPCs e com os dados que recolhemos das
análises feitas do livro ata do mesmo, decidimos que seria interessante elaborar um
questionário auto-avaliativo para entregarmos aos professores, para que eles pudessem
expressar suas opiniões acerca da sua formação dentro e fora do ambiente escolar. Ele era
composto de questões que abordavam o reconhecimento das práticas docentes, as possíveis
lacunas existentes nessa prática e os espaços de formação disponíveis ao professor dentro e
fora do ambiente escolar. A iniciativa de entregar este questionário partiu do próprio grupo,
pois ele possivelmente nos auxiliaria na compreensão do que pensava o corpo docente
daquela escola a respeito dos espaços de formação docente existentes naquele contexto.
Este questionário tinha também o intuito de promover um canal de comunicação do
professor com a universidade (representada por nós), para que pudéssemos compreender as
necessidades reais no tocante a encontrar na escola espaços de formação continuada para o
professor.
A análise dos questionários nos surpreendeu em vários pontos. Segue o registro no
qual descrevemos detalhadamente um dos pontos que mais nos causou estranhamento.
Neste momento quando me coloco a refletir sobre o fragmento acima descrito, penso
em Huberman (1992) e em seu texto acerca das fases da carreira dos professores. O autor
traça uma linha do tempo da carreira docente e vai identificando, juntamente com dados de
outras pesquisas, características comuns a determinadas fases do processo de prática
profissional docente.
126
idéias acerca da oficina pedagógica que pretendíamos realizar no semestre seguinte com o
corpo docente da escola.
Nós já tínhamos uma idéia do foco da nossa oficina pedagógica, e isso era
importante. Tão importante quanto o que conseguimos extrair enquanto estivemos inseridos
naquele contexto escolar, foram as experiências por nós vivenciadas.
Hoje, ao relembrar minhas experiências e reler meus registros, julgo fundamental o
percurso que trilhei em meu processo de formação como estagiária, pois tive a oportunidade
de observar tanto a sala de aula como um espaço de formação (do aluno e do professor), como
também pude desempenhar um olhar sobre a escola que acontece fora do espaço cúbico da
sala de aula proporcionando outros espaços de formação docente.
A seguir descrevo como se deu a realização do meu último estágio docente dentro do
curso de Licenciatura em Pedagogia.
Na primeira metade deste capítulo eu explanei como se deu a primeira etapa do meu
estágio docente partindo de uma perspectiva de olhar a escola como espaço formador do
professor. A partir de agora pretendo descrever e apresentar minhas reflexões sobre o último
estágio do meu processo de constituição docente. Assim como feito no início deste capítulo
começo explanando a qual disciplina este estágio serve e qual a proposta da coordenadora de
estágio do meu curso.
Do mesmo modo que os estágios de observação, tanto da sala de aula quanto da
escola, se apresentavam na grade curricular do curso, divididos em duas disciplinas, os
129
estágios de regência, tanto da sala de aula (descrito no capítulo 3) como este de regência na
escola junto ao corpo docente, se apresentam como uma única matéria.
A matéria responsável pela realização do meu último estágio docente era Prática De
Ensino No Ensino Médio II - (Atividades Práticas) que se esta se apresentava na forma de
estágio docente a ser realizado na mesma escola onde foi possível observar o corpo docente
no semestre anterior e, também, através dos encontros uma vez por semana, na universidade,
como uma disciplina teórica comum. A carga horária total da disciplina era de cento e vinte
horas.
Só para contextualizar o leitor, o período agora descrito refere-se ao primeiro
semestre do ano de 2009. A coordenadora de estágio já no semestre anterior tinha nos
apresentado o objetivo central do estágio de regência junto ao corpo docente da escola: a
elaboração e execução de uma oficina pedagógica na escola.
Como no semestre anterior, meus colegas de grupo e eu, tínhamos encontrado um
espaço fundamental para a formação docente dentro do ambiente escolar – os HTPCs – mas
que não estava sendo visto pelos sujeitos da escola nem socializado para que esta formação
acontecesse, decidimos que deveríamos elaborar uma oficina que possibilitasse ao corpo
docente da escola recuperar este espaço dos HTPCs como um espaço formador do docente e
não mais levá-lo como um horário para recados e atividades meramente burocráticas.
Mas além desse, existia outro ponto importante que poderia ser trabalhado por nós
dentro da oficina pedagógica: a importância do trabalho coletivo em oposição à fragmentação
das relações estabelecidas no ambiente escolar.
Mas havia um desassossego por parte de nós enquanto realizadores de uma oficina.
Nós havíamos presenciado as oposições que os docentes faziam constantemente à figura
hierárquica da coordenação e direção da escola. Além disso, não queríamos, ou melhor, não
podíamos chegar à escola se intitulando estudantes-pesquisadores-oficineiros, determinando o
que eles deveriam ou não realizar durante a oficina, bem no sentido do “a gente manda, vocês
obedecem”. Decididamente não era a imagem que queríamos transmitir de nós mesmos a eles.
Por solicitação da coordenadora de estágio, um projeto deveria ser elaborado,
contendo todo o planejamento da oficina e sua descrição detalhada, com objetivos e métodos
a serem utilizados. Esta foi uma proposta da coordenadora com o intuito de nos impulsionar a
elaborar um projeto consistente. Apesar de termos em mente qual o foco principal da oficina,
não tínhamos a menor idéia de como trabalhar a coletividade em uma oficina pedagógica em
um espaço tão fragmentado como estava aquele ambiente escolar.
130
de cada um, em relação à fruta e ao motivo escolhido. Após esse espaço de socialização, a
salada deveria se feita por todos os participantes e, logo após de pronta, seria degustada por
todos e novamente uma socialização deveria acontecer acerca das sensações obtidas durante a
preparação da salada.
No momento seguinte, após todos terem saboreado a sobremesa e socializado as
sensações, nós proporíamos a eles que atribuíssem às frutas o sentido de idéias. De fato, era
como se cada fruta trazida representasse uma prática peculiar à pessoa que a trouxe. A partir
de então, discutiríamos o “sabor” da ideia sozinha (no caso o sabor da fruta única) e o sabor
dessa mesma ideia no coletivo (o sabor da mesma fruta na salada). E com estas analogias,
trazer para discussão a importância da coletividade, em todos os âmbitos da escola enquanto
espaço de relações cotidianamente estabelecidas. Segue o registro contido no relatório de
estágio elaborado por mim e por meus colegas de grupo onde descrevemos detalhadamente a
proposta da oficina.
Este fragmento acima citado, me fez lembrar de Veiga (2004) quando ela aponta a
importância da construção coletiva do Projeto político-pedagógico na escola.
grupo. Sem perceber, estávamos impregnados de todos os vícios que pretendíamos anular
com a nossa oficina pedagógica dentro do ambiente escolar. Era uma grave incoerência tal
fato. Como um grupo unido, que sempre fomos, resolvemos este conflito de maneira madura
e sincera. Assim pudemos dar continuidade à elaboração da nossa atividade. Sinto a
necessidade de explanar este fato, neste momento, para mostrar ao leitor que elementos
destruidores da experiência coletiva podem ocorrer em qualquer dimensão das relações
humanas, e a escola é apenas mais um espaço onde infelizmente isso acontece.
A coordenadora de estágio havia proposto que todos os grupos, antes de realizarem
suas oficinas nas escolas com os professores, realizassem uma versão experimental da oficina
na sala de aula com os colegas de curso. O intuito era identificar possíveis contratempos e
corrigi-los antes da execução da oficina na instituição escolar. Quando chegou a nossa vez de
aplicar a nossa oficina com nossos colegas de curso, a solicitação de cada um trazer uma fruta
foi feita um dia antes da aplicação da mesma. Segue o registro contido em nosso relatório de
estágio no qual descrevemos a realização da oficina com nossos colegas de curso.
Um fato curioso e que agregou muito à execução da atividade e sua relação com a
analogia que a oficina propunha aos participantes, foi o fato de uma das pessoas ter levado um
vidro de pimenta, pois ao contrário do que muitos possam pensar, pimenta também é uma
fruta. O mais interessante foi todos terem decidido de maneira coletiva que a pimenta seria
colocada de acordo com a vontade de cada um, ou seja, quem quisesse colocaria em seu
potinho o molho da pimenta. Quem provou, gostou do sabor que a pimenta deu à salada.
Trouxemos esta situação para a discussão posterior e lembramos de que assim como
as frutas, algumas idéias são “apimentadas” e podem não configurar em alguns momentos,
mas que cabe ao educador saber dosá-las de acordo com a sua necessidade. E que assim como
a pimenta, que apesar de ser ardida, é uma fruta; algumas idéias, mesmo que embora não
apresentem uma boa sensação, quando adicionadas ao coletivo trazem um novo sabor às
práticas cotidianas.
Segue o registro no qual contamos a entrada da pimenta no contexto da salada de
frutas.
O êxito na realização da oficina com nossos colegas de curso nos deu confiança para
realizar a mesma situação junto ao corpo docente e demais funcionários da escola. Sabíamos
que na escola o contexto era outro, a situação posta era delicada, e isso causava um certo
receio em nós. Mesmo assim, marcamos o dia e hora para a realização da oficina em um
HTPC dos professores.
muito bom saber que a oficina estava ecoando. Foi muito gratificante saber que ela havia
compartilhado com os alunos sua experiência e sua aflição. Sinal de que a experiência a transpassou.
Nós pedimos, assim que acabamos de saborear a salada de frutas, que cada
participante escrevesse sobre a oficina: se gostou, se não gostou, o que mais gostou, o que
possivelmente causou desagrado. Alguns relatos, nós adicionamos ao nosso relatório de
estágio de maneira a ilustrar os sentidos constituídos a partir da aplicação da oficina.
A seguir o registro que descreve alguns dos relatos escritos pelos professores acerca
da realização e participação da oficina.
[...] Esse mesmo professor que fala sobre as reuniões maçantes destaca um importante dado da
oficina dizendo que “o ato de produzir a ”refeição” foi mais significativo, pois “não exigia
experiências específicas e, no entanto, despertou a solidariedade, tolerância, iniciativa e
experimentação do grupo”, e continua dizendo que “as cores despertam os sentidos, acalmam, agitam
e deixam marcas significativas”.
[...] uma professora diz: “Antes, falamos sobre as frutas, lembramos da infância, lembramos das
pessoas, falamos das sensações que cada fruta provoca (cheiro, cor...)”. Por essa frase da professora
podemos pensar na metáfora que queríamos que eles produzissem a partir da oficina: cada indivíduo
tem suas características peculiares, cor, cheiro, etc.
[...] Essa professora toca também no conceito da integração entre eles, mais uma das expectativas
que tínhamos em relação à oficina: a metáfora entre a integração das frutas e a integração do grupo,
no qual cada um com seu sabor, talvez, possa ser não muito interessante, mas que em conjunto
acentue características do coletivo muito interessantes.
de formação tomaram conta de mim, e eu escrevi um texto que emocionou a mim e a todos os
meus colegas de curso. Na emoção deles, identifiquei a minha própria emoção. Sentia-me
concluindo algo, porém não acabando. Segue o registro deste texto contido no relatório de
estágio que elaborei juntamente com meus colegas de grupo.
foi tarefa simples, mas foi prazeroso, saboroso e por que não dizer, inesquecível. Ao concluir o
relatório final do ultimo estágio, quase às vésperas da conclusão do curso, talvez inesquecível seja
pretensão de um grupo que tem como necessidade sentir que concluir não significa terminar.
Concluir, para nós, é sintetizar o sabor dessa experiência vivida, para que, levando-o conosco,
possamos juntá-lo a outros sabores cotidianos próprios, e mesmo se não o usarmos para fins
pedagógicos ou profissionais, que ele sirva como uma lembrança, ainda que metade cerebral metade
estomacal, de momentos inesquecíveis.
A coletividade é para mim, exatamente isso que descrevi: juntar o teu sabor a outros
sabores, e assim formar outro sabor. De cada experiência vivida é possível tirar um sabor, e
consequentemente alterar o seu próprio sabor. É Freire quem aponta que todo educador deve
ter consciência do seu inacabamento:
Considero que esta última etapa do meu processo de formação através dos estágios
docentes, me proporcionou o reconhecimento do meu eu inacabado, e também a retomada da
consciência de uma “aventureira” que sou como uma futura educadora.
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
julgava ser a prática docente e o que ela era de fato. Esse primeiro contato com a escola me
permitiu enxergar as teorias aprendidas no início da minha constituição docente, presentes nas
práticas cotidianas da professora da sala de aula onde realizei meu estágio. Foi importante a
observação desse encontro com as teorias educacionais presentes no cotidiano das práticas
docentes, pois pude atribuir valor àquilo que aprendi inicialmente em meu curso de
licenciatura.
Uma questão central que apareceu no meu estágio de regência docente foi a parceira
intergeracional (Sarti 2009). Resgatei experiências interessantes que se deram durante esta
parceira e apontei nove aprendizados obtidos durante a realização do projeto elaborado e
executado em parceira com a professora da sala. A experiência de muitos anos de magistério
da professora unida à minha energia e disposição de estudante-pesquisadora-universtária,
mostraram a potencialidade do encontro de gerações no âmbito da instituição escolar.
Apresentei os dois últimos estágios do meu processo formativo e explicitei que estes,
diferentemente dos anteriores, foram realizados em grupo, o que me possibilitou compartilhar
experiências com meus colegas de curso. Dessa fase do meu processo formativo, identifiquei
a importância e a riqueza do trabalho coletivo e como esta coletividade pode transformar a
realidade escolar e ir em busca de soluções para os problemas pertinentes à educação e à
instituição escolar.
Neste momento, ao refletir sobre a minha pesquisa, retomo os objetivos específicos
desse trabalho: as contribuições que o estágio docente traz para o curso de formação, para a
instituição escolar onde ele é realizado e para o futuro educador. Durante a escrita deste
trabalho apontei quais as contribuições que o a realização dos meus quatro estágios docentes
trouxeram para minha constituição formativa. Considero que minha contribuição para com as
escolas por onde passei, pode ser pensada levando em consideração as atividades que pude
desenvolver nesse contexto: projetos, oficinas, parcerias.
Ao elaborar as considerações finais sobre meu processo formativo a partir do estágio
docente, consigo enxergar a importância da escrita deste trabalho. Penso que ele pode
contribuir para refletir sobre o estágio docente no contexto do curso de formação inicial.
A pesquisa, a análise e a escrita das experiências vividas por mim durante o processo
de estágio, estão presentes neste trabalho, mostrando o meu amadurecimento durante esse
processo formativo. Penso que as lacunas, que possivelmente surgiram durante tal fase, no
tocante ao que eu aprendi em meu curso de formação inicial, foram preenchidas com a
realização dos meus estágios docentes. Assim, o estágio docente, a meu ver, contribui para o
142
curso de formação inicial preenchendo as possíveis lacunas existentes, lacunas estas que só a
prática docente é capaz de preencher.
Ao encerrar a escrita desse trabalho, lembro-me da frase de Freire (1996, p.29) que
consta na epígrafe desse texto: “a alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz
parte do processo da busca”. É exatamente assim que eu me encontro agora: saboreando não
somente a alegria dos saberes que encontrei durante a realização de minha pesquisa junto aos
meus registros e documentos, mas saboreando também a alegria do processo de busca desses
saberes. Saberes da teoria, saberes da prática e os saberes da experiência. Penso que consegui
levantar indícios que respondem a dúvida norteadora deste trabalho e, de forma crítica e
reflexiva, apresentei a importância do estágio na formação docente.
Sinto a necessidade de dizer que, foi através da realização dos estágios docentes, que a
pedagogia passou de uma possibilidade a uma certeza em minha vida. Se ao ingressar no
curso de Licenciatura em Pedagogia eu o concebia como um meio na minha constituição
profissional, um meio de conseguir mudar a minha realidade e assim poder realizar outros
objetivos profissionais, hoje, após as experiências vividas e os saberes adquiridos, posso
afirmar que a docência passa a ser um fim em minha vida. Fim no sentido de ser um objetivo,
uma conquista pessoal e um dever meu enquanto cidadã com a sociedade em que vivo.
143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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assistencialismo social também! 2007. 11 p. Relatório de Estágio (Licenciatura em
Pedagogia)- Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro. 2007.
FREINET, C., As técnicas Freinet da Escola Moderna. Portugal: Lisboa Editorial Estampa,
1975.
______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GALEANO, E.; BORGES, J. Las palabras andantes . Espanha: Editorial Siglo XXI, 1994.
______ .Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
HUBERMAN, M. O Ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (org.). Vidas
de professores. 2. ed. Portugal: Porto Editora, p. 31-61, 1992.
PICOLLO, C.. A arte de ensinar como arte da descoberta: uma investigação interdisciplinar.
In: CONGRESSO MUNDIAL DE TRANSDISCIPLINARIDADE, 2., 2005, Vitória/Vila
Velha. Anais... Vitória/Vila Velha, 2005, 7 p. 1 CD-ROM.
SOUZA, S. E. O uso de recursos didáticos no ensino escolar. Arq Mudi., v.11, n.110-4,
2007. Suplemento 2. Disponível em:
<http://www.pec.uem.br/pec_uem/revistas/arqmudi/volume_11/suplemento_02/artigos/019.p
df>. Acesso em: 25 abr. de 2010.
APÊNDICE
148
APÊNDICE A
Inventário de documentos
SUB-
IDENTIFICAÇÃO DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS
CÓDIGO
CODIGO CE
CADERNOS DA ESTAGIÁRIA CADERNOS DE CAMPO: REGISTROS, OBSERVAÇÕES,
IMPRESSÕES, NARRATIVAS.
CE1 30/08/07 a 06/12/07 Caderno da disciplina de Metodologia do Ensino Fundamental.
Espiral, 96 folhas
CE2 13/09/07 a 29/11/07 Caderno de anotações do Estágio Supervisionado de
Observação. Espiral, 96 folhas
CE3 13/03/08 a 12/06/08 Caderno da disciplina de Prática de Ensino no Ensino
Fundamental II (atividades práticas). Espiral, 96 folhas
CE4 07/04/08 a 03/07/08 Caderno de anotações do Estágio Supervisionado de Regência.
Espiral, 96 folhas
CE5 Segundo semestre de Caderno da disciplina de Metodologia do Ensino Médio.
2008 Espiral, 96 folhas
CODIGO CP
CADERNOS DA PROFESSORA CADERNOS DE REGISTROS DAS ATIVIDADES DIÁRIAS
MINISTRADA EM SALA DE AULA.
CP1 07/04/08 a 03/07/08 Caderno de registros descritivos e reflexivos das atividades
ministras no período em questão, feitos pela professora titular da
sala do estágio de regência. Fichário, 220 folhas
CODIGO REE
CODIGO REA
CODIGO RA
REGISTROS DE ATIVIDADES
ATIVIDADES REALIZADAS COM OS ALUNOS
CORRESPONDENTES AO PROJETO
NO ESTÁGIO DE REGÊNCIA
PROFISSÕES
RA1 07/04/08 a 11/04/08 Atividade: Desafio das profissões. Impressos, 3
páginas.
RA2 05/05/08 a 09/05/08 Entrevista com duas pessoas da família sobre sua
profissão. Impressos, 29 páginas
RA3 21/04/08 a 01/05/08 Atividade: Rap das profissões. Impressos, 1 página.
CODIGO SOL
CODIGO WEB
CODIGO CART
CODIGO PROG
_______________________________________
Pamela Aparecida Cassão - orientanda
_______________________________________
Profª. Drª Laura Noemi Chaluh - orientadora