O Falsificacionismo de Karl Popper

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O falsificacionismo de Karl Popper

David Papineau
Tradução de Pedro Galvão

1. Indução

Uma linha de resposta bastante diferente para o problema da indução deve-se


a Karl Popper. Popper olha para a prática da ciência para nos mostrar como
lidar com o problema. Segundo o ponto de vista de Popper, para começar a
ciência não se baseia na indução. Popper nega que os cientistas começam
com observações e inferem depois uma teoria geral. Em vez disso, primeiro
propõem uma teoria, apresentando-a como uma conjectura inicialmente não
corroborada, e depois comparam as suas previsões com observações para ver
se ela resiste aos testes. Se esses testes se mostrarem negativos, então a
teoria será experimentalmente falsificada e os cientistas irão procurar uma
nova alternativa. Se, pelo contrário, os testes estiverem de acordo com a teoria,
então os cientistas continuarão a mantê-la não como uma verdade provada, é
certo, mas ainda assim como uma conjectura não refutada.

Se olharmos para a ciência desta maneira, defende Popper, então veremos


que ela não precisa da indução. Segundo Popper, as inferências que
interessam para a ciência são refutações, que tomam uma previsão falhada
como premissa e concluem que a teoria que está por detrás da previsão é
falsa. Estas inferências não são indutivas, mas dedutivas. Vemos que um A é
não-B, e concluímos que não é o caso que todos os A são B. Aqui não há
hipótese de a premissa ser verdadeira e a conclusão falsa. Se descobrirmos
que um certo pedaço de sódio não fica cor-de-laranja quando é aquecido,
então sabemos de certeza que não se dá o caso de todo o sódio aquecido ficar
cor-de-laranja. Aqui o facto interessante é que é muito mais fácil refutar teorias
do que prová-las. Um único exemplo contrário é suficiente para uma refutação
conclusiva, mas nenhum número de exemplos favoráveis constituirá uma prova
conclusiva.

2. Falsificabilidade

Assim, segundo Popper, a ciência é uma sequência de conjecturas. As teorias


científicas são propostas como hipóteses, e são substituídas por novas
hipóteses quando são falsificadas. No entanto, esta maneira de ver a ciência
suscita uma questão óbvia: se as teorias científicas são sempre conjecturais,
então o que torna a ciência melhor do que a astrologia, a adoração de espíritos
ou qualquer outra forma de superstição sem fundamento? Um não-popperiano
responderia a esta questão dizendo que a verdadeira ciência prova aquilo que
afirma, enquanto a superstição consiste apenas em palpites. Mas, segundo a
concepção de Popper, mesmo as teorias científicas são palpites — pois não
podem ser provadas pelas observações: são apenas conjecturas não
refutadas.
Popper chama a isto o “problema da demarcação” — qual é a diferença entre a
ciência e outras formas de crença? A sua resposta é que a ciência, ao contrário
da superstição, pelo menos é falsificável, mesmo que não possa ser provada.
As teorias científicas estão formuladas em termos precisos, e por isso
conduzem a previsões definidas. As leis de Newton, por exemplo, dizem-nos
exactamente onde certos planetas aparecerão em certos momentos. E isto
significa que, se tais previsões fracassarem, poderemos ter a certeza de que a
teoria que está por detrás delas é falsa. Pelo contrário, os sistemas de crenças
como a astrologia são irremediavelmente vagos, de tal maneira que se torna
impossível mostrar que estão claramente errados. A astrologia pode prever que
os escorpiões irão prosperar nas suas relações pessoais à quinta-feira, mas,
quando são confrontados com um escorpião cuja mulher o abandonou numa
quinta-feira, é natural que os defensores da astrologia respondam que,
considerando todas as coisas, o fim do casamento provavelmente acabou por
ser melhor. Por causa disto, nada forçará alguma vez os astrólogos a admitir
que a sua teoria está errada. A teoria apresenta-se em termos tão imprecisos
que nenhumas observações efectivas poderão falsificá-la.

3. Ciência e pseudociência

O próprio Popper usa este critério de falsificabilidade para distinguir a ciência


genuína não só de sistemas de crenças tradicionais, como a astrologia e a
adoração de espíritos, mas também do marxismo, da psicanálise de várias
outras disciplinas modernas que ele considera negativamente
“pseudociências”. Segundo Popper, as teses centrais dessas teorias são tão
irrefutáveis como as da astrologia. Os marxistas prevêem que as revoluções
proletárias serão bem-sucedidas quando os regimes capitalistas estiverem
suficientemente enfraquecidos pelas suas contradições internas. Mas, quando
são confrontados com revoluções proletárias fracassadas, respondem
simplesmente que as contradições desses regimes capitalistas particulares
ainda não os enfraqueceram suficientemente. De maneira semelhante, os
psicanalistas defendem que todas as neuroses adultas se devem a traumas de
infância, mas quando são confrontados com adultos perturbados que
aparentemente tiveram uma infância normal dizem que ainda assim esses
adultos tiveram de atravessar traumas psicológicos privados quando eram
novos. Para Popper, estes truques são a antítese da seriedade científica. Os
cientistas genuínos dirão de antemão que descobertas observacionais os
fariam mudar de ideias, e abandonarão as suas teorias se essas descobertas
se realizarem. Mas os marxistas e psicanalistas apresentam as suas ideias de
tal maneira, defende Popper, que nenhumas observações possíveis os farão
alguma vez modificar o seu pensamento.

David Papineau

Retirado de “Methodology”, in Philosophy: A Guide Through the Subject, org. A.


C. Grayling (Oxford University Press, 1998)

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