J.M. Sollo
J.M. Sollo
J.M. Sollo
SOLLO
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SUMÁRIO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
EPÍLOGO
CAPÍTULO UM
Ao menos a decoração estava de
bom gosto. Isso eu precisava admitir. De
resto, apenas uma festa de casamento
como todas as outras, que começara
entediante e terminaria entediante do
mesmo jeito.
Todos sorrindo, parecendo
felizes. Felizes demais.
Como alguém poderia ficar tão
feliz com a desgraça de outro? Um
pobre coitado seria amarrado no altar!
Game Over! Felizes para sempre,
transar com a mesma pessoa até que a
morte os separasse, dormir de
conchinha, cagar de porta fechada para
não acabar com a magia... Todas essas
coisas bregas e que só funcionavam em
livro.
Eu sabia, muito bem e na prática,
que casamentos só serviam para separar
as pessoas. Por que não um
relacionamento aberto, ou, ao menos,
cada um morando em sua casa?
Ok... mas cada um com seu gosto.
Não tinha gente que comia jiló por
prazer? Era mais ou menos a mesma
coisa.
Marcela garantira que a
madrinha que entraria comigo no altar
era bonita, embora eu nunca a tivesse
visto. Não participei de nenhum dos
ensaios, mas não por minha culpa. Por
mais que odiasse cada segundo, minha
melhor amiga era mais importante para
mim do que qualquer coisa. A verdade
era que Marcela sabia muito bem que eu
estava enrolado com o novo projeto da
empresa.
Bem, eu sempre estava enrolado
com algum projeto da empresa. Como
me conhecia há mais de 10 anos, minha
amiga já nem se importava. Estive perto
dela em momentos cruciais, e ela fizera
o mesmo. Isso bastava para nós.
Não podia negar que o sujeito
que iria se casar com ela até que tinha
alguma sorte. Se um dia eu pudesse
sequer cogitar a remota hipótese de me
amarrar a alguém, teria que ser com uma
garota como ela. Sem frescuras, doce,
divertida e leal.
Já tive minha cota de traidoras
por uma vida inteira. Então... não,
obrigado. Preferia ficar solteiro do que
com um belo chifre nos cornos.
Meu dinheiro era um chamariz
de pessoas, no geral. Namoradas em
potencial, amigos, familiares que
surgiam do nada, colegas de escola e
faculdade que passavam a te seguir e
mandavam mensagens do nada... Muita
gente interessada em mais do que apenas
em mim. No caso das garotas, minha
aparência também não era das piores,
então eu sabia que poderiam surgir
algumas interesseiras no caminho.
E não me levem a mal, não estou
querendo soar machista, não. Há
interesseiros de vários tipo. O meu
próprio pai era o pior de todos, aliás.
De pé, no corredor da igreja,
comecei a olhar ao meu redor. Eu
reconhecia de longe a família de
Marcela – ao menos os seus pais, que
sempre juraram que seria eu com ela ali
naquele altar. Mal sabiam eles que eu
bem tentei, no início. Seduzi-la, no caso.
Mas a garota era difícil e jurou que
nunca ficaria com um cara como eu.
Falou na minha cara que era
virgem e que só se entregaria a um
homem que valesse a pena.
Eu deveria ter ficado ofendido,
mas sua sinceridade me fez querer tê-la
como amiga. E lá estávamos nós. Firmes
e fortes. Tanto quanto as colunas gregas
daquela igreja.
Ah! Outra vantagem: tinha ar
condicionado. Mais um ponto a favor
daquele casamento. Se eu somasse tudo,
poderia até me divertir.
Foi pensando nisso que uma
linda loirinha chamou a minha atenção.
Cabelos longos, soltos, cacheados nas
pontas, e um lindo vestido vermelho que
realçava seu busto delicado. Ela sorria
para alguma outra mulher que também
entrava, e uma covinha se destacou no
rosto de princesa.
Se aquela fosse a minha
acompanhante, as coisas poderiam até
mudar um pouco. Talvez o meu humor se
tornasse mais propício ao clima de
romance ao meu redor.
Depois de cumprimentar mais
uma pessoa – ela parecia conhecer
muito mais gente do que eu –, a moça
veio andando na minha direção. Nossos
olhares se encontraram por uma breve
fração de segundos, e eu caprichei no
sorriso, de canto, o favorito da maioria
das garotas que caíam na minha lábia,
mas ela nem pareceu se abalar. Da
mesma forma como me olhou, voltou-se
em uma direção aleatória, dando a
mesma importância a uma tia velha com
um chapéu engraçado que dera a mim.
Ela ia passar por mim como se
eu fosse uma estátua inanimada, mas eu
a vi cambalear, tendo pisado no próprio
vestido. Rapidamente me movi e a
segurei, amparando-a nos meus braços.
Olhos azuis enormes se voltaram
na minha direção, arregalados,
parecendo constrangidos.
— Ah, meu Deus! Desculpa... E
obrigada. Se não fosse você... — Hum...
a voz era doce também. Meiga. Tudo
nela combinava com inocência.
— Não precisa pedir desculpas.
Você está bem? — perguntei enquanto a
soltava.
— Sim, estou. Novamente,
obrigada — falou com um lindo sorriso.
E ela ia sair assim? Sem dizer
mais nada?
Não, nem pensar.
A garota já estava de costas para
mim, mas eu me virei. Aquela espera
estava um tédio, eu poderia passar
aquele tempo ao lado de uma garota
bonita, não poderia?
— Ei... — A loirinha se voltou
para mim. — Não vai nem dizer o seu
nome para o seu herói da noite? — disse
em um tom bem canastrão e brincalhão,
o que a fez sorrir novamente e
aproximar-se mais uma vez.
Estendeu a mão, fingindo uma
solenidade, esperando que eu aceitasse
o cumprimento.
— Rebecca. E o seu?
Fiz uma mesura exagerada,
pegando sua mão e beijando-a ao invés
de balançá-la como faria com um
homem. A linda garota riu, divertida, o
que me fez ganhar a noite.
— Bernardo. Ao seu dispor para
quedas eventuais. Quando a moça é
bonita como você, carregamos até no
colo sem despesas acrescidas.
Pensei que ela iria compreender
que se tratava de um flerte, mas a
loirinha pareceu apenas surpresa.
— Ah! Você é o Bernardo,
então? Nossa, a Marcela fala muito de
você. É o melhor amigo que eu nunca
consigo conhecer, porque é mais
ocupado do que o Papa. Eu sou a outra
melhor amiga. Somos quase rivais sem
nem sabermos.
Sim, Marcela já tinha usado
aquela expressão para zombar de mim.
Muitas vezes, aliás.
Tentei vasculhar a minha mente
em busca do nome dela, alguma
memória de Marcela falando sobre
alguma Rebecca.
Poxa, eu teria me lembrado se
ela tivesse mencionado algo sobre uma
amiga tão bonita, não? Já tinha me
apresentado outras garotas, algumas com
as quais cheguei a sair, mas se Rebecca
era considerada melhor amiga, eu já
deveria ter ouvido aquele nome, não?
Foi então que eu entendi.
Marcela sempre se negou a me
dar qualquer informação daquela outra
amiga que ela considerava como uma
irmã, porque a garota era – de acordo
com suas próprias palavras – inocente
demais para mim. Por não saber como
se chamava, apelidei-a de virgem. Não
de forma pejorativa, longe de mim, mas
mais como uma brincadeira.
Bem, o que importava era que eu
já tinha uma nova perspectiva daquele
encontro: a loirinha era território
proibido para mim. Não apenas porque
Marcela não aprovava, mas porque eu
nunca me envolveria com uma garota
como ela. Eu não era um príncipe
encantado, e uma moça inocente não
teria o menor interesse em um
relacionamento puramente físico. Ela
provavelmente iria querer romance,
flores, jantares e dormir de conchinha.
Eu não estava pronto para isso.
Nem de longe.
— Sim, sim. Você é muito falada
também — respondi, com menos
entusiasmo. Eu não seria babaca o
suficiente para abandonar a garota ali,
até porque ela fora a coisa mais
agradável daquela noite inteira, até o
momento, mas precisava me conter.
Flertar estava na minha natureza,
ainda mais com uma mulher tão bonita,
então eu precisava me controlar para
que não passasse a mensagem errada.
— Espero que bem. — Ah,
merda! Ela era uma gracinha. A forma
como ergueu a sobrancelha,
provocadora, charmosa, mas sem
nenhuma intenção de ser, me deixou
quase hipnotizado.
Eu deveria responder qualquer
coisa, tentar ser o mais gentil possível
antes que cometesse alguma gafe com a
melhor amiga da minha melhor amiga.
Antes que agisse como o babaca que eu
sabia ser quando queria. Só que nós
fomos interrompidos por alguém que
passou ao nosso lado.
Era um cara bem engomadinho,
de cabelo quase loiro, com gel, carinha
de playboy. Daqueles que herdaram uma
puta empresa do pai e ficaram riquinhos
sem o menor esforço. Ok, cada um com
a sua vida, mas eu era do lema do
trabalho duro. Cheguei onde cheguei
com o meu suor e talento.
Por mais que eu não tivesse ido
com a cara do sujeito de primeira, a
loirinha à minha frente, ao olhar para
ele, pareceu ter visto Deus, que acabara
de descer de uma nuvem, cercado por
anjos com trompetes e harpas, cantando
uma melodia celestial.
Os lindos olhos azuis brilharam,
e o sorriso tornou-se mais tímido ainda.
O rosto de porcelana corou
adoravelmente.
Por que não provoquei metade
daquela reação nela? Eu era mais
atraente do que aquele pamonha.
— Oi, Juninho! — ela falou toda
melosa.
Juninho sempre era uma forma
de apelidar alguém com um nome muito
feio.
Só que o entusiasmo que o
babaca demonstrou ao vê-la não foi
recíproco.
— Ah, oi, Becca. Você viu meu
pai? — perguntou, parecendo mais
entediado do que eu.
— O Seu Abelardo já está com a
Cela para entrarem juntos.
Pronto, lá estava a explicação.
Aquele idiota era o irmão da Marcela,
por parte de pai. A minha imagem inicial
dele estava completamente correta.
Babaquinha, filhinho de papai, herdeiro,
primogênito, promissor e super
desapegado à irmã.
Por que, então, a loirinha linda
parecia babar nele?
— Nós vamos entrar juntos, né?
— ela novamente parecia uma criança
que acabou de ganhar o melhor presente
de Natal.
— É. Parece que sim — o
babaca respondeu, mas nem olhou para a
garota, ficou procurando alguma coisa
ao redor, enquanto ela continuava
encantada.
Aquilo começou a me
incomodar.
— Como eu estava dizendo,
Rebecca, eu queria muito te convidar
para tomar alguma coisa amanhã. Um
café, talvez... Ou para jantar —
comecei, tentando parecer natural.
— O quê? — Ah, merda! Ela
não ia entrar no jogo.
Aproveitando que o panaca
estava ainda entretido com qualquer
outra merda, comecei a fazer gestos para
que Rebecca entendesse que se tratava
de uma artimanha para o cara notá-la.
Homens idiotas tinham a
tendência a notarem mulheres que não
lhes interessavam apenas quando outro
cara mostrava interesse. Aquela coisa
ridícula de marcar território.
Não sei se ela entendeu, mas
ficou calada.
— É, poxa. A Cela sempre fala
de você, mas nunca mencionou o quanto
é linda.
— Eh... bem... obrigada... —
respondeu, sem jeito. Ao menos não
colocou tudo a perder.
Naquele momento, como um
passe de mágica, o tal Juninho – leia
isso na maior voz de desdém que você
conseguir imaginar – voltou-se na
direção de Rebecca como se a visse
pela primeira vez. Boquiaberto, seus
olhos passaram por ela inteira, dos pés à
cabeça, parando no decote que,
realmente, evidenciava um belo par de
seios.
— Você está bonita mesmo,
Becca — falou meio bobo, fixando o
olhar na garota.
A cena era patética, e eu deveria
me retirar, mas logo surgiu uma outra
mulher, um pouco mais velha,
aproximando-se Júnior, e ele saiu de
perto, pedindo desculpas, deixando-me
sozinho com a loirinha.
Com um sorriso de canto,
agachei-me para sussurrar em seu
ouvido:
— Colocar ciúme em um cara
que você quer que te enxergue? Nunca
falha.
Então saí de perto, esperando ter
lhe dado uma dica preciosa.
Fala sério... o cara era um boçal
para não enxergar a gata que era tão a
fim dele.
Tinha feito minha boa ação do
dia, e dentro de uma igreja. Estava
liberado para exagerar no álcool para
suportar as provações daquela noite.
CAPÍTULO DOIS
“ E eu vos declaro marido e
mulher...” – a romântica incorrigível em
mim nunca conseguia passar ilesa por
essa parte. E nem por nenhuma outra.
Eu amava casamentos. Amava todo o
processo, desde a entrada dos
convidados, da noiva, os olhares
admirados do noivo, as músicas, a
decoração, os vestidos das madrinhas,
até as palavras do padre. Gostava tanto
da cerimônia em si quanto da festa.
Claro que queria me casar.
Imaginava-me entrando numa igreja
como aquela, conduzida pelo meu pai,
sendo entregue ao homem que amava,
que juraria que iria me amar e proteger
para o resto dos meus dias. Um homem
que, nos meus sonhos, sempre tinha um
rosto específico.
Era uma pena que eu provavelmente
nunca fosse fazer parte dos sonhos dele.
Até aquela noite, depois da
intervenção do tal Bernardo, ele nunca
tinha me olhado com atenção. Algo me
dizia que ainda me via como a garotinha
magrela que aparecia para brincar com
Marcela, de aparelho nos dentes, que
babava por ele sem um pingo de
discernimento.
Ok, eu realmente ainda babava por
ele sem discernimento algum, mas... já
dizia Sandy: “Eu cresci agora, sou
mulher...” ou, também, parafraseando
Pitty: “Eu estava aqui o tempo todo, só
você não viu”. Qualquer uma dessas
frases serviria para ilustrar a minha
situação com Juninho. O problema era
que ele parecia não querer enxergar, não
se dar ao trabalho de sequer me dar uma
chance.
Durante toda a cerimônia, enquanto
eu entrava de braços dados com ele,
pensava no que Bernardo dissera sobre
ciúme. Estaria ele certo? Será que tudo
o que Juninho precisava era de um
empurrão?
Para ser sincera, um empurrão seria
algo muito sutil. Ele precisava de bem
mais.
Mas não era hora de ficar pensando
nisso. Era hora de curtir uma festa
maravilhosa e comemorar com a minha
melhor amiga.
A festa estava linda, aliás.
Decoração impecável, música boa,
comida deliciosa. Marcela e Tiago, os
noivos, estavam exultantes. Dançavam
sem parar e bebiam sem parar. Eu mal
tinha conseguido falar com eles.
Quando a oportunidade finalmente
surgiu, para eu poder parabenizar minha
amiga em paz, ela estava parada em uma
parte do salão, bebendo ainda mais
champanhe, depois de ser monopolizada
por um grupo de convidados. Resolvi
me aproximar. Só que, aparentemente,
alguém teve o mesmo pensamento,
porque meu ombro esbarrou em algo
muito sólido, fazendo-me desequilibrar.
Por sorte, o “objeto” no qual trombei foi
rápido em segurar meu braço.
Outra vez.
E lá estava Bernardo.
O sorriso largo, a covinha, a
expressão maliciosa. Eu conhecia o cara
muito bem de nome e de fama. Marcela
nunca poupara elogios sobre o quão leal
e parceiro ele era, mas também nunca
passara pano para seu lado mais
cafajeste. Mulherengo até dizer chega, e
ninguém poderia culpá-lo. Com aquela
aparência, qualquer um abusaria da
sorte com o sexo oposto.
Mas confesso que sempre fiz uma
imagem bem escrota dele por tudo o que
ela contava. No final das contas, era até
bem legal. Ou, ao menos, assim foi a
primeira impressão que tive.
— Cuidado aí, loirinha. Não vá cair
e se machucar sem nem aproveitar um
pouco da pista de dança.
Eu ia responder alguma coisa, mas
Marcela finalmente nos viu e veio em
nossa direção, tomando a nós dois em
um abraço de urso, parecendo já um
pouco alta.
— Ah, meus dois melhores amigos
no mundo inteiro! Eu amo taaaaanto
vocês! — ela falou com a voz um pouco
embolada.
— Eu também te amo, Celinha —
respondi animada, quase rindo de seu
estado. Péssima amiga eu era.
Bernardo não disse nada. Talvez ele
não fosse muito de demonstrar seus
sentimentos.
— Estou muito, muito feliz que
vocês dois fiiiiiinalmente vão se
conhecer! — Com o dedo em riste, ela
se voltou para Bernardo: — Ela é uma
gata, não é? Aliás, vocês dois são
lindos, e eu amaria que se pegassem
loucamente, mas você, garanhão — usou
o dedo que estava erguido para bater no
peito do amigo —, não vale o que come.
Não vou deixar que coloque suas mãos
na minha amiga pura e inocente.
timo, Marcela! Começamos a
Ó
sessão constrangedora!
Mas pior do que a fala da minha
amiga foi o olhar que Bernardo me
lançou. Era fácil entender como ele
conseguia levar tantas mulheres para
cama daquela forma. O homem era
intensidade dos pés à cabeça. Cada um
de seus poros gritava o quão experiente
e confiante era.
Ainda bem que eu estava calejada
para esse tipo de criatura ou cairia fácil,
fácil na sua lábia.
— Não vou tocar na sua amiguinha,
Cela. Fica tranquila. — Ok, ele podia
estar falando isso, mas seus olhos
continuaram presos em mim, com um
tom provocador que me fez estremecer.
— Não mesmo. Isso aqui, meu
amigo, é uma joia rara. Raríssima. O
homem que ficar com essa garota é um
sortudo. — Ela era adorável até mesmo
bêbada. — Além de linda, a minha
Rebecca é poliglota. Tem noção disso?
A garota fala até alemão.
— Uau, sério? — ele pareceu
impressionado.
— Seríssimo! — Eu nem tive chance
de responder. — São quantas línguas,
querida? Cinco?
— Seis. Inglês, espanhol, italiano,
francês, alemão e arranho um pouco de
japonês. Meu pai sempre gostou de
aprendê-las, e eu fui ensinada desde
cedo.
— Isso é incrível.
Não é, Bê? Você não está prestes
—
a fechar uma parceria com uma empresa
alemã? — Então ela se voltou para mim:
— Bernardo é bilionário, miga. Dono de
uma empresa responsável por vários
aplicativos famosos. Quase um Mark
Zuckerberg, só que gato.
Põe gato nisso, pensei, totalmente
inconsciente, enquanto o observava.
Moreno, cabelos castanhos em um tom
de mogno muito bonito, olhos
amendoados, boca espetacular – carnuda
e desenhada – pele naturalmente
bronzeada, alto – um metro e noventa ou
mais –, corpão. E quando eu digo
corpão não falo de ele só ser sarado.
Ele era grande. Ombros imponentes,
braços que mal pareciam caber no
smoking, cintura estreita, peitoral
estufado. Hollywood poderia contratá-lo
para o novo Vingadores, e ele não
perderia em nada em matéria de
músculos para Thor ou Capitão
América.
— Estou. Aliás, bem providencial
esse encontro, loirinha. Você tem algum
cartão? Eu certamente vou precisar de
uma tradutora intérprete. Em algumas
semanas vou a São Paulo para me reunir
com esse sujeito e...
Opa! Alerta vermelho!
Sem chance de eu viajar com
Bernardo Nolasco, o cara mais galinha
do Rio de Janeiro – de acordo com
Marcela –, ainda mais levando em
consideração o tipo de olhares que ele
me lançava. Além do mais, eu não curtia
esse tipo de trabalho.
— Ah, não! Eu só traduzo romances.
É o meu guilty pleasure, que ainda me
dá dinheiro — apressei-me em
responder. — Não faço esse tipo de
trabalho, me desculpa.
Mal nos demos conta, mas uma
música específica começou a tocar.
Algo mais romântico, mais gostoso de se
ouvir, e Tiago veio rapidamente roubar
sua esposa de nós. Ou seja, acabei
sozinha com o bonitão, sem nem saber
onde enfiar minhas mãos.
— Uau! Fui rejeitado! — Ele levou
a mão enorme ao peito, na altura do
coração, parecendo divertido. — Para
me compensar, eu acho que você deveria
dançar comigo.
— Eu?
— Por que não? Olha, dizem as más
línguas que não sou dos piores pés de
valsa por aí. Além do mais... —
Bernardo lançou um olhar para a pista
de dança, bem na direção de onde Junior
dançava com a mãe. — Seria uma boa
oportunidade para o seu crush — ele
falou a palavra com bastante desdém —
te notar. Vou me comportar bem,
prometo. — Então ele deu uma
piscadinha.
Uma que teria me levado para a UTI
na mesma hora não fosse o meu
autocontrole.
Era uma covardia que um homem
fosse tão bonito e ainda conseguisse ser
sexy sem esforço.
Vendo-me completamente sem
reação, assenti, aceitando, e ele pegou a
minha mão, conduzindo-me.
A forma gentil como me tomou nos
braços não combinou exatamente com a
maneira como sua mão, firme na minha
cintura, me puxou para si, colando
nossos corpos. Olhos nos olhos, ele me
mantinha hipnotizada. Como conseguia
esse tipo de coisa?
— O tal Juninho está olhando para
nós — ele falou alguns instantes depois,
fazendo-me perceber que eu não tinha
me dado conta de nossa proximidade
com mais ninguém.
— Ele está? — foi tudo o que
consegui dizer.
Você me permite ser um pouco
—
mais ousado? — ele falou do nada.
— O quê? Como assim? Eu... —
gaguejei como uma boba.
— Permite? — insistiu, com uma
sobrancelha erguida.
— Tá, tudo bem.
Então Bernardo me apertou com
mais força contra si e se inclinou, para
sussurrar no meu ouvido:
— Sorria naturalmente. Finja que
estou falando algo muito sexy no seu
ouvido. — Eu nem precisava me
esforçar. Só a voz dele...
Abri um sorriso. No início foi um
pouco falso, e eu me senti muito estranha
fazendo isso, mas Bernardo pareceu
perceber.
— Seja como for, não é mentira.
Você é linda. De longe a mulher mais
bonita neste casamento. O vestido está
deslumbrante, e você chama atenção por
onde passa. Qualquer cara teria sorte em
tê-la esta noite.
Oh, Deus! Ouvir esse tipo de coisa
sussurrada dessa forma deveria ser
proibido. Ainda mais em público. Como
me manter com as pernas firmes ou com
a cabeça no lugar ao receber tais
elogios? Nunca tinham falado assim
comigo. Não de uma maneira tão
sensual, tão envolvente.
Sem nem perceber, peguei-me, de
fato, sorrindo. Quando meu olhar recaiu
sobre Junior, eu poderia jurar que não
estava em busca de sua reação. Foi algo
completamente inesperado e nada
estratégico, mas lá estava ele olhando
para mim e para Bernardo.
Minha companhia pareceu perceber
isso também, porque usou de um lado
levemente exibicionista e me fez girar
em seus braços e me inclinou para trás,
em um passo de dança mais ousado. Isso
me fez rir de verdade. Divertida, leve e
envolvida.
Quando a música terminou,
Bernardo se inclinou, beijando-me no
rosto e novamente sussurrando no meu
ouvido:
— Obrigado pela dança. E não se
esqueça do que eu disse, você é a
mulher mais bonita desta festa. Valorize-
se e não fique esperando a vida inteira
por um idiota que não percebe o que
está perdendo.
Depois de dizer isso, Bernardo
pegou minha mão, beijou-a e se afastou.
Simples assim.
Como se não tivesse me deixado
abalada o suficiente.
Ponto para ele.
CAPÍTULO TRÊS
— UM! DOIS! TRÊS! — uma
Marcela ainda mais bêbada do que antes
começou a gritar no meio do salão, com
o buquê erguido sobre a cabeça, pronto
para ser jogado. Um arco-íris de
mulheres se enfileirou logo atrás dela,
com seus vestidos elegantes, mas
descalças, prontas para tudo e nada.
Gritavam, riam, estavam em guerra.
Eu, não.
Ok. Eu queria me casar. Sabia quem
desejava que fosse o noivo. Era super
romântica, mas não tinha coragem
suficiente para me enfiar no meio
daquelas mulheres tão empenhadas.
Tinha muito amor à minha pele para
sequer pensar em sair de lá toda
arranhada, roxa ou com alguns tufos de
cabelo a menos.
Ainda assim, fiquei sentada por
perto, observando toda a comoção. Por
cima do ombro, Marcela lançou um
olhar discreto para mim, como se
estivesse me procurando, o que eu não
entendi, mas logo tudo fez sentido
quando o buquê veio parar literalmente
no meu colo sob os protestos de “é
marmelada!”.
Inconscientemente, meus olhos
viajaram pelo salão, encontrando Junior
do outro lado, conversando com um cara
que eu não conhecia. Ele deu um gole na
bebida e se voltou na minha direção,
lançando-me um olhar de soslaio como
nunca tinha acontecido antes.
— A loirinha vai se casar... só vai
depender se o otário cego vai querer —
novamente a voz familiar falou, mas
quase seguindo o ritmo da canção
infantil.
Ergui meus olhos e vi Bernardo
parado ao meu lado.
O que diabos o cara tinha visto em
mim para parecer tão insistente? Metade
das mulheres naquela festa deveriam
estar mais do que dispostas a irem para
a cama dele.
Mas eu não estava.
— O otário cego não quer — falei,
meio mal humorada. — E quem disse
que eu quero me casar também? Você me
viu ali, guerreando pelo buquê? Ele veio
a mim por livre e espontânea vontade.
— Você parece uma garota
romântica. Vi seus olhinhos brilharem
em cada momento da cerimônia —
comentou, bebendo um gole de seu
champanhe.
— Estava prestando atenção demais
em mim.
— Não nego. Já falei que você é a
mulher mais bonita daqui. É impossível
eu não querer te olhar. — Uau! Ele era
mesmo direto.
— Ok, obrigada pela parte que me
toca, mas os olhinhos brilhando era por
causa de Cela. Estou feliz por ela.
Quero que seja feliz com o cara que
ama.
— Hummm! — Sem nem ser
convidado o abusado se sentou na
cadeira ao lado da minha, que estava
vaga. — Você é uma boa amiga, então,
Rebecca. Estou precisando de pessoas
como você na minha vida.
Ergui uma sobrancelha, confusa, sem
fazer ideia de aonde ele queria chegar.
— Do que você está falando?
Ele sorriu, cheio de uma malícia que
parecia muito intrínseca à sua
personalidade. Não maldoso, mas algo
meio moleque, meio travesso, que seria
extremamente perigoso para quem não
fosse cauteloso o suficiente.
— Estou perguntando se você quer
ser minha amiga.
Não pude conter uma risada.
— Por que estou me sentindo como
se estivesse no jardim de infância? —
brinquei.
— Pode ser. Com a diferença de que
amizades de adultos implicam em
compromissos mais sérios.
Eu ainda não fazia ideia de onde ele
estava querendo chegar.
— Não entendi.
Bernardo tirou um cartão do bolso
de seu smoking.
— Se você quiser ser minha amiga,
seria muito legal da sua parte me ajudar
com o trabalho do qual te falei mais
cedo. Eu realmente preciso de uma
tradutora e estou disposto a pagar muito
bem por isso.
— Eu ganho bem, sabia? Não posso
reclamar.
— Estou disposto a pagar o dobro
do que você ganha em um mês por duas
semanas de trabalho.
Mas o quê? Pelo amor de Deus,
seria uma baita de uma grana.
Não que meus ganhos por mês
fossem exorbitantes, mas o dobro? Por
duas semanas? Seria incrível.
— Você não joga para perder não é?
— falei, divertida, brincando com o
buquê, que ainda estava nas minhas
mãos.
Sem dizer nada, Bernardo tirou uma
das flores dele, levando-a ao meu
cabelo e prendendo-a lá.
— Eu sou insistente, loirinha.
Quando quero muito uma coisa, eu vou
até o fim. — Por que será que o olhar
que me lançava fazia com que eu
acreditasse que havia mais do que
segundas intenções em sua frase?
Só que ele também tinha criado um
monstro, porque estava disposta a saber
até onde era capaz de ir.
— Você há de convir que não é
exatamente uma decisão para ser tomada
no meio de uma festa de casamento —
provoquei.
— Não, por isso estou te dando o
meu telefone. Assim que se decidir,
entre em contato.
Finalmente peguei o cartão.
— Tudo bem. Vou pensar com
carinho.
Eu estava flertando com ele? Mas
que louca! Devia ser o álcool, embora
eu não tivesse bebido tanto assim.
Para a minha sorte, antes que falasse
qualquer besteira, Marcela chegou
acompanhada de Junior.
Novamente de forma inconsciente,
eu me empertiguei na cadeira. Por que
raios aquele cara mexia tanto comigo?
Estava conversando até aquele momento
com um dos homens mais bonitos que já
tinha visto, um cara sexy, interessante e
que me achava linda. O que havia de
errado comigo?
— Bequinha, eu acabei de pedir
para o meu mano te levar em casa, só
que ele já está indo embora. Você topa ir
agora? — Marcela deu uma piscadinha
completamente perceptível, e ela com
certeza jurava que estava sendo discreta.
— Não seja por isso, eu posso levar
a Rebecca, se for o caso. Ela não
precisa ir embora agora — Bernardo
ofereceu, e eu já não sabia dizer se era
uma encenação, já que ele parecera tão
empenhado em fazer Junior me notar
com a tal demonstração de ciúme, ou se
estava falando sério.
Por via das dúvidas, achei melhor
não contar com sua oferta, porque ele
poderia estar só tentando provocar o
outro.
— Ah, eu posso ir agora, sem
problemas. — Ergui o objeto que tinha
em mãos. — Eu já peguei o buquê, né?
Estou com sorte — brinquei, tentando
descontrair o ambiente.
— Ok, tudo bem. Vou me despedir
da minha família, pegar minhas coisas e
volto para te encontrar.
Assenti, quase animada, e tive que
lidar com a minha amiga dando mais
uma piscadinha para mim, por cima do
ombro. Marcela já era uma figura em
qualquer situação, mas bêbada? Era
hilária.
— Você deveria beijá-lo — a voz
masculina ao meu lado falou
subitamente, deixando-me surpresa.
O quê? — Ele só poderia estar
—
brincando, não é?
— Beijar o Juninho ali. Você não
quer?
— Quero, mas não é tão simples. E
se ele me rejeitar?
— Linda, entenda uma coisa. Um
homem nunca rejeita o beijo de uma
mulher bonita. Se isso acontecer, você
pode desistir do cara de vez, porque ele
realmente não quer nada com você, e eu
vou estar te poupando de um estresse e
de ilusões perdidas.
— Mas vai ser doloroso.
— A espera também está sendo, não
está?
Ele tinha razão. Anos e anos sem
saber, sem ter uma noção do que
aconteceria se eu tomasse a iniciativa.
Talvez, de fato, estivesse na hora de uma
atitude. O não eu já tinha, o que viesse
era lucro.
Só que não foi fácil. Junior também
não contribuía muito, porque não era
exatamente um cara falante ou muito
animado. A música no rádio – uma MPB
igualmente calma e melancólica – era a
trilha sonora que nos embalava, mas
estava servindo apenas para me deixar
mais nervosa.
— O casamento foi lindo, né? —
tentei, mas Junior não tirou os olhos do
vidro à frente.
— Foi sim. Marcela passou um ano
inteiro planejando.
— Ah, mas ela tem muito bom gosto
— comentei, aumentando meu sorriso,
esperando que Junior fosse contagiado
por ele. Mas nada. — A comida estava
deliciosa. E seu pai... nossa, estava em
êxtase.
— Ele gosta de Tiago.
E essa foi toda a conversa. Não
encontrei mais nada para dizer, e Junior
também não parecia muito empenhado
em puxar assunto. Era como se estivesse
me levando em casa por total obrigação.
Deixei que avançássemos até
chegarmos em frente ao meu prédio.
Junior parou, encostando na calçada da
rua vazia àquela hora da madrugada.
— Pronto, está entregue — ele falou,
finalmente sorrindo, mas nada muito
entusiasmado.
ra a minha última chance antes que
E
perdesse a coragem, se é que a tive em
algum momento.
— Não quer subir? — tentei.
Percebi que Junior ficou um pouco
sem graça, coçando a cabeça, mas não
demorei a entender qual seria a sua
resposta.
— Está tarde, estou cansado...
Assenti, sentindo a primeira
rejeição. Eu poderia desistir ali e entrar
na minha casa, no meu refúgio,
alimentando meu coração de dúvidas.
Só que estava cansada disso. Eram
muitos anos na mesma, vivendo em
função de um sentimento que poderia
nunca ter recíproca. Era hora de mudar
isso.
ngolindo
E o constrangimento,
inclinei-me na direção de Junior, pronta
para beijá-lo, mas no momento em que
fiz isso, ele realmente recuou.
Sem nem disfarçar. Sem se
preocupar se me magoaria ou não.
— Ei, calma, Becky. O que é isso?
— perguntou, como se não fosse muito
óbvio.
— Eu gosto de você, Juninho. Há
algum tempo.
Ele ficou calado, ponderando.
— Mas você é a melhor amiga da
minha irmã. Isso não é muito certo.
— Por quê? Errado seria se
fôssemos irmãos, mas não somos. Acho
que seria muito bom, aliás, porque nos
conhecemos há muito tempo. Sabemos
como somos. Você me conhece e... —
Ah, droga, eu não parava de falar.
Estava nervosa, mãos tremendo. Só
deveria sair dali e me esconder. Por que
ainda estava insistindo?
— Desculpa, Becky. Você é ótima,
mas acho que a gente não combina em
nada. Você está muito bonita, não posso
negar, mas não seria legal ficarmos
juntos, porque eu não iria assumir um
relacionamento, e Marcela me mataria
se eu te magoasse.
Meu Deus, que vergonha! Eu tinha
mesmo sido rejeitada. As palavras de
Bernardo pulsaram na minha mente:
“Um homem nunca rejeita o beijo de
uma mulher bonita. Se isso acontecer,
você pode desistir do cara de vez,
porque ele realmente não quer nada
com você”.
Era isso. O cara que eu gostava
desde que me entendia por gente não
tinha o menor interesse em mim.
Por mais que doesse, era melhor
saber, não?
Fosse como fosse, a vergonha me fez
desafivelar o cinto de segurança, abrir a
porta, agarrar minha bolsa e saltar.
Junior me chamou algumas vezes, mas
não lhe dei atenção. Saí caminhando e
atravessando o portão que o porteiro
abriu para mim e passando pelo hall.
Peguei o elevador, rezando para que
ele fosse um pouco mais rápido, e assim
que consegui entrar no meu apartamento,
mas mal me permiti chegar muito longe,
porque me joguei no chão, com as costas
apoiadas na porta, deixando as lágrimas
me consumirem.
Não que a reação de Junior tivesse
me surpreendido, mas era mais o
constrangimento. Com que cara eu iria
olhar para ele novamente?
Com que cara iria me olhar no
espelho, não por ter feito o que fiz, mas
por ter sido a babaca iludida por anos e
anos, incapaz de enxergar o que era bem
óbvio.
Junior não gosta de você. Nunca
gostou. Essa era a verdade. Hora de
compreendê-la de uma vez por todas e
tentar seguir em frente.
Mas só por aquela noite eu iria me
permitir a fossa. Só por aquela noite.
CAPÍTULO QUATRO
oram duas horas de inferno. Uma
F
conferência que poderia ter durado
pouco mais de meia hora estendeu-se
eternamente pelo simples fato de que
Hans Mallmann, o CEO da empresa com
a qual estava prestes a firmar uma
enorme parceria, falava um inglês
medíocre. De dez palavras que ele dizia,
eu não entendia quinze. Seu sotaque era
péssimo, e ele demorava muito para se
lembrar de palavras específicas,
confundindo-as, o que prejudicava
demais nossa comunicação.
Sua secretária também não foi de
muita ajuda na função de intérprete, e eu
lamentei não ter contratado alguém para
me ajudar.
E foi então que a imagem da doce
Rebecca surgiu em minha mente.
Eu precisava encontrar uma forma
de convencê-la a trabalhar comigo,
principalmente porque dali a duas
semanas teria que viajar para receber
Hans na sede da empresa em São Paulo.
O que significava, para o bem e para
o mal, que o negócio estava caminhando
muito, muito bem.
Aliás, eu não podia reclamar da
minha vida profissional. A pessoal ia
muito bem também – obrigado –, mas a
empresa com a qual sonhei desde que
era um moleque ia de vento em popa.
Criei meu primeiro site aos quatorze
anos; um pequeno mecanismo de busca,
tipo o Google, mas mais limitado, e
desde então não parei. A BN Tecnologia
era meu xodó, e muito provavelmente
tomava mais do meu tempo do que seria
prudente, mas eu gostava do que fazia.
Sobrava tempo para sexo casual e para
alguma diversão, então, o que mais
poderia pedir?
Só que eu queria muito que aquela
nova parceria desse certo. Se sim, eu
estaria me unindo a uma enorme
empresa de sistema operacional – tanto
de computador quanto de celulares –
para criar aplicativos exclusivos. Um
contrato bilionário. Coisa de tantos
dígitos que confundiria até o meu
contador.
E engordaria minha conta bancária
de uma forma quase assustadora.
Não que eu tivesse sido exatamente
pobre algum dia. Minha família sempre
foi classe média, e eu não era muito
adepto dessa coisa de dizer que eu vim
do nada, porque não era verdade. Tive
incentivo em casa, oportunidades de
estudar, e por mais que meus pais não
fossem um exemplo de amor, carinho e
dedicação, eu não queria bancar o pobre
menino rico, porque não era do meu
feitio. Ainda assim, nunca fomos tão
bem-sucedidos como eu passei a ser.
O problema com tanto dinheiro era
começar a achar que você poderia
comprar tudo. Que tudo tinha um preço.
E a maioria das coisas realmente tinha,
mas às vezes a gente quebrava a cara.
Lá estava eu, por exemplo, frustrado
por não ter conseguido contratar a
tradutora que queria, porque a loirinha
nem sequer ligou para mim. E já fazia
quatro dias desde o casamento.
Os elogios de Marcela só pioraram
a minha ansiedade. Minha amiga sairia
em lua de mel dali a dois dias, quando
iria para o Havaí, e nós almoçamos
juntos na tarde anterior, então o assunto
foi basicamente Rebecca. Por mais que
Cela não estivesse nem um pouco
interessada em nos juntar, o que ela
deixou mais do que claro umas mil
vezes, sua vontade de enaltecer as
qualidades da garota era enorme.
Ela fez isso como uma vendedora
profissional. Se eu estivesse em uma
galeria, pronto para realizar a compra
de Rebecca, eu a teria adquirido por
uma quantia exorbitante depois tanta
propaganda.
Fiquei pensando nisso durante o
almoço tardio que fiz sozinho, em um
restaurante pequeno e charmoso perto do
prédio da empresa, e foi quando surgiu a
ideia.
Precisei convencer Marcela a me
passar o telefone de Rebecca, o que me
custou mensagens e mensagens,
promessas de presentes incríveis e muita
lábia gastada, mas lá estava eu
telefonando para a loirinha.
Quando ela atendeu, a vozinha
gostosa do outro lado da linha me fez
sorrir.
— Boa tarde, loirinha.
Ela ficou calada, e eu supus que
reconheceu minha voz ou o apelido. Não
importava. Eu queria que ela soubesse
quem era.
— Como conseguiu meu telefone?
— ela perguntou, mas não demorou a
acrescentar: — Não precisa explicar.
Marcela.
— Não brigue com ela. É por uma
boa causa. Eu queria te chamar para
jantar.
Novamente o silêncio do outro lado
da linha, e eu jurei que seria rejeitado
de cara.
— Do nada? — foi a pergunta dela.
— Bem, temos uma amiga muito
querida em comum, acho que isso nos
torna quase amigos também. Além do
mais, eu preciso de motivos para chamar
uma garota legal para jantar? — Tomei o
cuidado de dizer legal e não bonita.
Ela, sem dúvidas, era as duas
coisas, mas achei melhor manter o
elogio apenas à sua personalidade.
Ouvi uma risadinha do outro lado da
linha.
— Você é bem esperto, né? Mas tudo
bem. Vamos jantar.
Ela não parecia exatamente
entusiasmada, mas era um começo. Eu
podia me esforçar para deixá-la mais
interessada na minha companhia. E não
havia nada de sexual em meus
interesses. Era puramente profissional.
— Posso te pegar às oito? —
perguntei, calculando o tempo para que
eu ainda pudesse passar em casa, tomar
um banho, me arrumar e ir buscá-la.
— Tudo bem. Vou te adicionar no
Whatsapp e te passar meu endereço por
lá.
— Perfeito.
Sentindo-me confiante, desliguei e
voltei ao trabalho, sabendo que ainda
teria umas duas horas mais ou menos de
expediente.
Por incrível que pudesse parecer, eu
estava animado para o jantar.
O tempo até que passou bem rápido,
e quando me dei conta já estava de
frente para a porta dela, com um
pequeno buquê de flores – algo que
nunca fiz na vida. Tudo para convencer a
garota.
Eu poderia contratar qualquer
tradutor, embora não fosse fácil achar
um bom de verdade, mas como eu
passaria alguns meses na companhia
diária dessa pessoa, já que teríamos que
dividir hospedagem em uma casa
alugada em São Paulo, eu preferia que
fosse agradável e de confiança, indicada
por alguém que era importante para
mim.
E eu estava disposto a tudo para
conseguir.
Provavelmente já tinha virado uma
questão de honra e de ego, mas eu nem
me importava com isso.
Só que ao vê-la abrir a porta, usando
um lindo vestido azul colado ao corpo,
embora nada decotado e nada curto, as
coisas tomaram um novo rumo.
Não que eu não tivesse percebido no
dia do casamento, mas – puta que pariu!
– que mulher linda.
Os cabelos caíam lisos por suas
costas, havia uma leve maquiagem mais
escura nos olhos azuis, e os lábios
estavam pintados de um tom mais nude.
Brincos simples, cordãozinho singelo,
ela era a perfeição. A imagem da
inocência. Parecia errado eu me
aproximar dela, porque sentia como se
até mesmo nossa proximidade pudesse
corrompê-la. Eu não era um exemplo de
bom comportamento, e os pensamentos a
respeito de Rebecca naquele momento
me faziam sentir como se fosse um
pervertido olhando um anjo com cobiça.
Um anjo.
Porra, era isso que ela parecia.
Estendi o buquê para Rebecca, que
sorriu, cheirando-as.
— São lindas, obrigada. Estou quase
pronta. Só vou colocar essas flores em
um vaso e preciso desligar meu
computador. Estava trabalhando até
agora.
— Fique à vontade.
— Obrigada, pode entrar. Sente-se.
Não vou demorar.
Rebecca desapareceu dentro de
algum cômodo da casa, e eu fiquei
olhando as fotos sobre o rack. Não me
passou despercebido que um dos porta-
retratos estava virado de cabeça para
baixo, como se ela quisesse esconder a
imagem. Provavelmente era muito abuso
da minha parte, mas não resisti em dar
uma olhada no que se tratava.
Lá estava uma foto de Rebecca ao
lado de Marcela e do babaca por quem
ela era apaixonada.
Fiquei alguns instantes ainda
olhando para o trio e me perguntando o
que diabos ela tanto via naquele sujeito
quando ouvi um barulho demonstrando
que não estava mais sozinho.
— Desculpa. Não queria bisbilhotar
— falei ao olhar para ela e vê-la
observando-me. Rapidamente coloquei a
foto no lugar.
— Não, foi só uma idiotice
impulsiva. Atitude de uma mulher
magoada — respondeu dando de
ombros, enquanto colocava o vaso sobre
a mesa de jantar, já com as flores.
— Como assim?
— Bem... eu segui seu conselho e
adivinha o que aconteceu? — enquanto
falava, Rebecca pegava uma bolsa
pequena sobre o sofá e colocava a
corrente dourada pendurada em seu
ombro.
— Ah, não. Você tentou beijar o
idiota, e ele recusou? — Ela assentiu.
— Não é possível!
— É possível, sim. Ele tem tentado
me ligar desde então, mas não atendi.
Não consigo me imaginar tendo uma
conversa depois do que aconteceu.
— E como poderia? Sério,
Rebecca... desista desse cara. Ele é um
idiota.
Rebecca deu de ombros.
— Ele só não está a fim de mim.
Tem direito, não?
— O que já o torna um idiota —
respondi quase com raiva, mas não iria
perder tempo falando do imbecil quando
estava prestes a levar uma garota linda
para jantar. — Seja como for, vamos
esquecê-lo por esta noite, ok? Espero te
divertir o suficiente para valer a pena.
— Eu também espero. Porque eu
estava planejando uma noite
emocionante com Neftlix, pipoca e
sorvete. Faça valer a pena, rapaz. Faça
valer a pena! — falou divertida, e eu
jurei que me empenharia para isso.
E, claro, para conseguir o que
queria.
Levei-a em um lugar bem elegante,
para o qual era necessário uma reserva
de meses, mas não no meu caso. Tudo o
que eu tinha que fazer era ligar, e uma
mesa magicamente surgiria. Se Rebecca
ficou impressionada, não demonstrou.
Tentei ser ao máximo cavalheiro,
puxando a cadeira, tirando seu casaco e
ajudando-a a escolher o prato, baseado
no meu preferido do local. Pedimos um
vinho também, mas Rebecca
praticamente só bebericou, durante boa
parte do tempo, o que era um indicativo
de que não se sentia muito à vontade
comigo para ousar mais.
Ainda assim era bom ter a conversa
que eu queria ter com ela sóbria.
Falamos sobre nossas famílias,
nossos empregos, e eu contei a história
da minha empresa, o que pareceu
entretê-la. Ela era uma boa ouvinte, e
era gostoso conversar de forma
despretensiosa. Também era inteligente,
tinha bom humor, e eu gostava de seu
sorriso. A risada, então... Discreta, mas
contagiante. Uma garota e tanto. Marcela
tinha razão.
Já estávamos na sobremesa quando
eu decidi que estava na hora de abordar
o assunto.
— Sei que você já negou, mas não
sou um cara que aceita um não com tanta
facilidade, especialmente quando tem a
ver com os meus negócios. E eu
realmente preciso de uma tradutora
competente...
— Você nem sabe se sou boa —
retrucou.
— Marcela foi bem convincente.
Além do mais, poderíamos fazer um
teste. Daqui a dois dias terei outra
reunião com o cara, e eu vou ficar
perdido sem um tradutor. Se você puder
quebrar meu galho dessa vez, prometo
que vou te recompensar. Estou disposto
a pagar bem.
Ela pegou a taça, dando uma golada
econômica no vinho.
— Você me trouxe para jantar para
isso? — disse em um tom divertido.
— Não vou ser hipócrita. Foi um
dos motivos, é claro, mas sua companhia
é bem agradável.
Ela respirou fundo, balançando a
cabeça como se estivesse lidando com
um garotinho de dez anos.
— O que você precisa, Bernardo?
Não posso prometer que vou topar o
trabalho e a viagem, mas posso te ajudar
na sua reunião depois de amanhã.
Fiquei um pouco mais esperançoso.
— Jura? — Peguei a mão dela e a
beijei, animado. — Eu sabia que você
não ia me decepcionar!
— Veja bem... eu disse que vou te
ajudar desta vez. Enquanto isso, vá
tentando achar um tradutor, ok?
Infelizmente não tenho ninguém para te
indicar, porque não cheguei a fazer
curso nem nada, mas posso perguntar a
alguns amigos do ramo de tradução
literária.
— Deixa eu ser bem sincero... Ainda
tenho esperanças de conseguir te
convencer. Seja como for, já agradeço
por essa ajuda. Depois conversamos de
novo.
Sim, nós conversaríamos. Até
porque, novamente, era uma questão de
honra. Eu queria trabalhar com Rebecca.
Por algum motivo era interessante tê-la
por perto.
E eu normalmente tinha o que queria.
CAPÍTULO CINCO
uito provavelmente eu deveria
M
fazer minha cabecinha acreditar que
estava brincando com fogo. Pior do que
isso, eu deveria saber que o homem ao
meu lado era um expert em sedução de
todos os tipos, e isso provavelmente
incluía seu poder der persuasão nos
negócios, porque eu já estava achando
ótima a ideia de trabalhar para ele,
mesmo que até horas atrás nem passasse
pela minha mente.
Mas, mais do que isso, eu estava
adorando a companhia dele. O que era
ainda mais perigoso.
Após o jantar delicioso, Bernardo
me levou para uma caminhada no
calçadão – já que o restaurante ficava
bem em frente à praia –, e isso se
estendeu até a areia. Estava gelada, da
noite, mas eu amava o mar, o cheiro de
maresia, e concordei.
Sandálias nas mãos, deixei que ele
nos conduzisse. Normalmente eu não
confiava tanto assim nas pessoas, mas
Marcela sempre me dissera que
Bernardo era um cara legal. Sexy
demais para o meu gosto, mas eu
poderia me controlar ao lado de um
homem bonito. Não seria o primeiro e
nem o último. E, em sua defesa, ele não
estava sequer tentando me seduzir para
me levar para cama.
— Vou te confessar uma coisa,
posso? — ele falou do nada, quebrando
o silêncio. Eu assenti. — Pelo que
Marcela falava, fiz uma imagem
completamente diferente de você.
— Da noviça nada rebelde? —
brinquei.
— Algo assim. Uma garota mais
retraída, boba e sem sal. Sou péssimo,
não sou?
— Ah, você é, mas não é o único.
Também não te imaginei da forma mais
lisonjeira. Jurei que era o tipo de cara
que passa cantadas a qualquer uma a
cada cinco minutos.
— Não sou assim tão óbvio. Assim
como você também não é.
— E como eu sou? — perguntei com
uma sobrancelha erguida, tentando
parecer divertida antes que a conversa
tomasse rumos perigosos.
Bernardo parou de caminhar e se
colocou parado ao meu lado, olhando
para mim.
— Doce, gentil, bem-humorada,
inteligente, independente...
— Independente não foi exatamente
uma escolha...
— Nunca é. Mas qual a sua
explicação? — ele parecia
verdadeiramente interessado.
— Pais muito velhos. Sou filha
temporã. Conservadores demais, e eu
era desejada demais. Fui criada numa
redoma.
— Isso explica seu jeitinho mais
recatado.
Sorri, quase tímida, dando de
ombros.
— Eu tinha muito pouco contato com
meninos. Frequentei uma escola
normalista, e eles queriam que eu fosse
professora, como a minha mãe. Mas não
levo muito jeito para falar em público,
então aproveitei meu conhecimento de
línguas para trabalhar em algo que me
permitisse ficar escondidinha no meu
canto.
— Mas você é boa socializando.
Sabe conversar...
— Só quando a pessoa conduz bem
o papo. Não sou exatamente
introvertida, mas algumas coisas ainda
são difíceis para mim.
— Tipo tentar beijar o cara por
quem é a fim desde menina? — Ah,
droga! Ele ia mesmo voltar nesse
assunto? — Foi bem corajoso da sua
parte.
— E ridículo — falei baixinho,
ainda incomodada.
— Não, Rebecca, não foi. Você
estava lutando pelo que quer. Ridículo
foi ele que te deixou constrangida.
— Mas ele não é obrigado a me
beijar, se não quiser.
ernardo deu um passo à frente,
B
colocando-se mais perto. Bem perto.
Perto demais.
Então sua mão enorme foi parar no
meu rosto, de forma extremamente
delicada, tocando-o com hesitação.
— Só um idiota não iria querer
beijar você, loirinha.
— Ainda assim, ele não é obrigado
— eu disse, enquanto engolia em seco
pela proximidade.
Qualquer uma aproveitaria o clima.
O mar rugindo atrás de nós, o céu
estrelado, a brisa leve soprando ao
nosso redor, o homem bonito que me
olhava como se eu fosse algo
completamente desejável, dizendo que
qualquer um gostaria de me beijar.
Só que ele não era qualquer um. Era
um cara com um potencial bombástico
para partir o meu coração. Eu não era a
garota forte e descolada que
simplesmente seguia em frente depois de
uma ilusão. Houvera apenas um cara na
minha vida, um que conquistara meu
coração muito cedo, e eu nunca pensei
em mais ninguém. Beijei muito poucos,
mas mesmo assim ainda não era algo
leviano.
Eu não ia transar com Bernardo
Nolasco. E ele não iria se contentar com
andar de mãos dadas ao por do sol e
beijos inocentes. Então não nós não
éramos compatíveis. Eu não era mulher
para ele, ele não era homem para mim.
— Ninguém é obrigado a nada, na
verdade — falei, recuando finalmente,
antes que as coisas ficassem estranhas.
— Talvez ele só não queira me magoar.
Nós nos conhecemos desde crianças. Eu
sou melhor amiga da irmã dele... as
coisas são complicadas.
— Nada é complicado, loirinha. Nós
que é que pensamos que tudo é muito
mais complexo do que parece.
— Hum... — murmurei, analisando
sua resposta. — Você acha? Por que,
então, não tem um relacionamento
sério?
Ele deu de ombros, enfiando as
mãos no bolso da calça, sorrindo.
— Porque não quero.
— E se aparecer alguém? Vai dizer
que você não vai complicar tudo? Não
ligar no dia seguinte, se esforçar para
não se envolver, fazer o blasé...
Bernardo riu.
— Namorar é complicar, loirinha.
Na maioria das vezes um
relacionamento casual é muito mais
saudável. E não tem nada de errado
nisso; conhecer alguém compatível,
fazer horas de sexo selvagem e depois
cada um ir viver sua vida.
— Eu não acho que há nada de
errado nisso, cada um faz o que quer,
mas eu não conseguiria. Falando bem
claro: eu nunca poderia receber um cara
dentro de mim, tirar a roupa para ele e
deixá-lo me tocar por inteiro sabendo
que nunca mais iria vê-lo.
— Agora é você que está
complicando as coisas aqui — ele falou
quase em um sussurro.
— Como assim?
— Esse seu dirty talk sobre estar
dentro de você, te tocando, me fez
imaginar coisas que eu não deveria e...
— Rindo, dei um tapa no braço dele
para fazê-lo parar. E... Deus! O
cara era mesmo musculoso. Seu bíceps
parecia uma rocha. — Ok, ok...
parei. — Nós voltamos a caminhar,
enquanto eu ainda tentava parar de rir.
— Se quer tanto que eu seja sua
amiga e trabalhe para você, vai ter que
parar com essa conversinha fiada ou eu
realmente vou achar que minha opinião
sobre você não estava assim tão errada.
Bernardo levou uma mão ao
coração.
— Assim você magoa meus
sentimentos, mas tudo bem. Vou me
controlar. Mas se quer saber, acho que
podemos tirar muito bem proveito dessa
amizade.
— Como assim?
— Simples. Você me ajuda com o
que eu preciso, e eu te ajudo a ser um
pouco menos introvertida. Acho que
temos que riscar Junior da sua lista de
prioridades, mas tem uns caras bem
maneiros por aí que adorariam te
conhecer e ter uma chance.
— Espera! — Parei novamente. —
Sua proposta é... me ensinar a seduzir?
— Você está colocando as coisas de
uma forma muito direta, mas pode ser
também. Posso te ensinar a ser uma
mulher mais confiante e, quem sabe,
encontrar outro cara que te faça
esquecer o babaca que te magoou.
Coloquei as mãos na cintura.
— E quem disse que é isso que eu
quero? — provoquei.
— E por que não iria querer? Pode
te ajudar em vários aspectos da sua
vida. Uma mulher bonita, que sabe como
seduzir, pode ser muito perigosa se
quiser. Com o jeito certo, é muito difícil,
para um homem, dizer não a alguém
nessas condições.
Hum... interessante.
— Ok, vou pensar com carinho. Seja
como for, estamos acertados para a sua
próxima reunião. Estarei lá e vou te
ajudar.
— Ajudar, não. Quero um preço. E
não quero que pechinche. Cobre o justo.
— Tudo bem, te mando por e-mail
para ser formalizado.
— Uma mulher de negócios... — ele
brincou novamente. As coisas estavam
leves entre nós, o que eu gostava.
— Quase isso...
Depois de lhe responder, nós
retornamos a caminhada, conversando
despretensiosamente até que eu me senti
cansada e Bernardo me levou em casa.
Ele estacionou o carro de frente para
o prédio, mais ou menos como Junior
tinha feito dias atrás, com a diferença de
que ele parecia muito mais animado com
a perspectiva da minha companhia.
— Foi uma noite bem divertida,
loirinha. Você é uma caixinha de
surpresas — comentou, enquanto eu
soltava o cinto de segurança, pronta para
saltar.
— Obrigada, espero que seja um
elogio — continuei em um tom
divertido, quase pensando a mesma
coisa sobre ele.
— Claro que é. Vai ser interessante
trabalhar com você.
Deus! Ele era incorrigível. Tudo que
Bernardo fazia parecia ser
completamente calculado, cada palavra
que dizia parecia vir transbordando de
sensualidade, de malícia. E mesmo
assim havia algo de muito adorável nele.
Algo que não me deixava
desconfortável, assustada ou acuada.
— Eu ainda não disse que iremos
trabalhar juntos — tentei falar com
confiança, mas seu sorriso se alargou.
— Isso é o que vamos ver... —
Então a piscadinha.
Ele provavelmente conseguia o que
queria daquele jeito.
Tanto que quando saltei do carro e
entrei no meu prédio, estava sorrindo,
sabendo que aquele era um jogo que eu
não me importaria em perder.
CAPÍTULO SEIS
A simpática recepcionista me
entregou um crachá e me indicou o andar
da presidência.
O prédio que abrigava a BN
Tecnologia ficava localizado em
Botafogo, no Rio de Janeiro, próximo à
praia, e tratava-se de quinze andares
completamente tomados pela companhia
de Bernardo. Todo espelhado, com uma
fachada moderna, combinava com o
negócio que ele conduzia.
Eu estava esperando o elevador
quando fui surpreendida pelo próprio
Bernardo surgindo. Por muito pouco não
nos esbarrávamos mais uma vez, mas
consegui recuar a tempo, antes que nos
chocássemos em sua saída do elevador e
minha tentativa de entrada.
— Ah, droga! Quase não chego a
tempo de te buscar — ele comentou com
aquele sorriso largo, que fazia parecer
como se não houvesse um único
problema em sua cabeça.
Qualquer um poderia pensar que não
havia mesmo, principalmente quem
acreditava que dinheiro curava todos os
males do mundo. Poder pagar os boletos
com folga sem dúvidas era algo
maravilhoso, mas não me enganava. Ser
rico não significava ser feliz.
Só que qualquer um que olhasse para
Bernardo desmentiria minha teoria,
levando em consideração o quão
satisfeito consigo mesmo ele sempre
parecia.
E lindo, também.
Eu já o tinha visto arrasando em um
smoking, e, na noite passada, quando me
levou para jantar, usava uma camisa
social e um blazer, jeans e tênis, algo
mais casual. Ali, na empresa, era terno e
gravata, e o traje caía muito bem nele,
corroborando com sua imagem de CEO
bilionário.
— Você não precisava vir me
buscar. A sua recepcionista foi muito
gentil e me explicou o caminho —
respondi, enquanto ele segurava a porta
do elevador para mim.
— E o meu cavalheirismo, onde
fica? Você é uma presença VIP nesta
empresa — falou de um jeitão canastrão,
divertido, enquanto apertava o botão do
andar da presidência, e eu só pude rir.
— Assim você vai me deixar muito
convencida.
— A intenção é essa. Temos um
pacto, mocinha. Durante nosso período
juntos, porque tenho certeza de que
vamos ser parceiros de trabalho por um
tempo, vou te fazer enxergar o quanto de
poder uma mulher confiante pode ter.
Continuei rindo.
— Eu não sou pouco confiante.
— Não, mas com sua aparência?
Você poderia ser bem mais.
Fiquei calada. O que eu poderia
dizer? Não seria nada mal receber
alguns elogios de um cara bonito como
Bernardo e tentar massagear meu ego
acreditando neles. Só que seria
igualmente perigoso. Precisava manter
em mente que ele não estava tentando me
conquistar. Seduzir, talvez. Mas isso não
era suficiente para mim. Bernardo
Nolasco era uma ilusão. Uma tentação
para uma garota inexperiente e virgem
como eu. Só que eu não iria me deixar
levar tão fácil.
Chegamos ao andar, e novamente ele
segurou a porta para que eu passasse.
Fomos direto para uma sala de reuniões,
onde um projetor já estava montado,
com a tela ligada, e ele me explicou que
ali seria transmitida a conferência.
Fiquei um pouco nervosa, porque
era a primeira vez que fazia aquele tipo
de coisa, mas Bernardo tentou me
tranquilizar explicando que o homem em
questão era bem gente boa, que teria
paciência e que as negociações não
dependiam de mim. Já estava tudo
acertado, porque ele tratou inicialmente
com outra pessoa, e eu só precisaria ser
a intermediadora do contato dele com o
chefão de lá.
O que, ainda assim, era meio
assustador.
Quando a conferência iniciou, no
entanto, senti-me bem mais confiante. De
fato, Hans Mallman era muito gentil,
bem mais jovem do que eu imaginava, e
foi extremamente divertido conversar
com ele. Consegui traduzir tudo o que
Bernardo pedia, às vezes me embolando
com um termo um pouco mais técnico,
mas os dois homens foram muito
pacientes, e eu me saí bem.
Ao terminarmos, Bernardo pegou
ambas as minhas mãos e as beijou.
— Eu poderia te beijar na boca
agora de tão animado que estou. Você é
incrível.
— Você deveria beijar Hans e não a
mim. É ele que vai te deixar ainda mais
milionário — brinquei.
— Ele não é tão atraente.
Jura? Eu achei — comentei de
—
forma provocadora, e Bernardo ficou um
pouco sério. — O que foi?
— Bem... é que... — Coçou a
sobrancelha, parecendo um pouco
constrangido. — Até onde eu sei, o cara
é bem babaca com mulheres. Você é boa
demais para ele.
Recostei-me na cadeira, cruzando os
braços e erguendo uma sobrancelha.
— Mas você poderia me beijar?
Você também não é o cara mais
confiável quando se trata de mulheres.
— Era impressionante o quanto de
intimidade tinha nascido entre nós desde
o último jantar e o passeio na praia.
— Para ser sincero? Nem eu sou
bom o suficiente para você, loirinha. Por
isso não vou nem tentar. Você merece um
cara que lamba o chão por onde pisa.
Aquilo me deixou surpresa.
— Que exagero. Não sou tão boa
assim.
— É melhor do que pensa que é. E
precisamos mudar esse pensamento. —
Bernardo pegou o controle e desligou a
tela, acionando um comando para fazê-la
se retrair e sumir da parede. — O que
acha que almoçarmos? Está com fome?
Era uma forma muito sagaz de mudar
de assunto, mas eu achei bom. As coisas
estavam começando a ficar estranhas.
— Muita — respondi, levantando-
me e preparando-me para colocar o
blazerzinho que levei. Como um
cavalheiro, Bernardo se apressou e me
ajudou. — Obrigada — respondi,
tentando não estremecer com o contato e
a proximidade.
Por que raios ele tinha que ser tão
sexy?
— Gosta de comida mexicana? Tem
um restaurante ótimo aqui perto e...
— Bernardo... — Coloquei a mão
em seu ombro e tentei uma expressão
solene, enquanto me esforçava para
esconder o riso. — Eu gosto de comida.
Não tenho frescura.
Ele agarrou meus dois braços e se
inclinou para beijar meu rosto.
— Assim eu vou ficar apaixonado,
loirinha. E isso é algo a se levar em
consideração.
Uma risadinha escapou da minha
garganta.
— Acho que não corro esse risco —
novamente falei em tom de brincadeira e
apenas me dirigi à porta sem olhar para
trás.
Bernardo me encontrou no meio do
caminho até o elevador, e nós descemos.
Fomos caminhando até o restaurante,
já que ficava muito perto da empresa,
ainda no clima leve que nos era
peculiar. Era engraçado pensar, mas eu e
Bernardo, aparentemente, podíamos
mesmo ser amigos. Dávamos certo
juntos. E talvez trabalhar para ele não
fosse assim tão ruim. O salário, sem
dúvidas, me ajudaria e muito,
especialmente porque eu estava
planejando comprar um apartamento
para mim. Com certeza viria a calhar.
Chegamos ao estabelecimento e
escolhemos uma mesa mais ao canto,
próxima a uma janela, e não pude deixar
de reparar no quanto a hostess parecia
se insinuar para meu acompanhante.
Achei um pouco de falta de respeito,
porque ela não fazia ideia se estávamos
juntos, especialmente porque Bernardo
manteve a mão na curva da minha
cintura o tempo todo para me guiar, mas
o que eu poderia fazer? Era o tipo de
efeito que ele causava nas mulheres. O
tipo de coisa que eu teria que enfrentar
caso acabássemos tendo um
relacionamento e...
O quê? Ei, Rebecca! De onde tirou
isso?
I nterrompi os pensamentos
imediatamente, pensando que era uma
coisa extremamente estúpida. Bernardo
não tinha o menor interesse em mim.
Éramos amigos. Apenas isso.
Ainda assim, não pude deixar de
comentar:
— Acho que você deveria tentar
chamar a hostess para sair. Ela é muito
bonita e está claramente a fim de você
— disse, enquanto colocava minha bolsa
pendurada no encosto da cadeira.
— Quem? A Marília? Ah, não. Já saí
com ela umas duas vezes.
Claro... como não?
— Aparentemente ela quer repetir.
— Mas eu não — foi curto e direto.
Pegou o menu, enfiando a cara nele, mas
rapidamente olhou para mim com um
sorriso, dizendo suas opções e o que me
recomendava.
Acabei aceitando sua sugestão, e nós
novamente caímos em uma conversa
fácil, como sempre, até que subitamente,
depois que já estávamos comendo, a
mão enorme de Bernardo buscou a
minha por sobre a mesa, entrelaçando
nossos dedos.
— Não olhe agora, mas o seu crush
idiota está aqui — ele falou baixinho.
Imediatamente me senti compelida a
dar uma olhada ao redor, mas me
acalmei, levando em consideração o
pedido dele.
— Junior? — perguntei, chocada.
— Você tem outro crush? —
Balancei a cabeça em negativa. — Então
é ele mesmo. Aliás, o idiota acabou de
nos ver e está vindo na nossa direção.
Apenas siga o jogo que eu vou conduzir,
ok?
— Mas, Bernardo, não vou tentar
mais nada com ele. Não depois de ter
sido rejeitada daquele jeito — falei
quase indignada, mas tentando manter o
tom baixo, esperando que Junior não nos
ouvisse.
— Ótimo, fico feliz por isso, mas
agora vamos fazer o feitiço virar contra
o feiticeiro. Aquele idiota vai cair aos
seus pés e será você a rejeitá-lo. —
Ainda segurando a minha mão, Bernardo
deu uma golada no vinho com a outra, e
o olhar em seu rosto era extremamente
malicioso, quase perverso. — Sou um
homem vingativo, loirinha, e vou adorar
ver o circo incendiar.
Ah, Deus! E eu, sem dúvida, estaria
no meio do fogo cruzado.
Não fazia ideia se essa era ou não
uma boa ideia.
CAPÍTULO SETE
babaca estava olhando na nossa
O
direção, pensando que não percebíamos.
Instruí Rebecca a nem sequer voltar os
olhos para ele. Pedi que sorrisse e
fingisse que estávamos nos divertindo
muito. Eu seria o intermediário do que
estava acontecendo ao nosso redor.
E isso seria divertido para mim.
Rebecca não era exatamente uma
boa atriz, o que me encantava. Era um
grande sinal de que se tratava de uma
garota completamente natural e sincera,
algo raro. Algo que começava a
despertar um sentimento muito
controverso dentro de mim.
Eu gostava dela. Gostava de sua
companhia. E, ok, eu sentia o mesmo por
Marcela, mas com uma enorme
diferença – meu corpo respondia a
Rebecca também. De uma forma
bastante intensa.
Enquanto ela falava, eu me pegava
olhando para seus lábios, pintados de
um tom fechado de vermelho, e
imaginava se seu gosto seria tão doce
quanto ela inteira parecia. Será que se
renderia ao beijo de forma mais
delicada ou se responderia com toda o
desejo com o qual eu queria pegá-la.
E isso quando eu não me imaginava
na cama com ela, passando minha boca
por todos os contornos delicados de seu
corpo, sentindo a maciez de sua pele nas
pontas dos dedos. Eu vislumbrava o
sexo entre nós de todas as maneiras, mas
não conseguia não morrer de tesão
pensando em seu jeitinho virginal, em
uma lingerie branca, transparente, o
rosto corado de prazer, gemendo e
sussurrando meu nome com aquela voz
deliciosa.
— Bernardo? — a tal voz deliciosa
me chamou, enquanto eu estava perdido
em imagens eróticas que não deveriam
fazer parte dos meus pensamentos.
A mulher era virgem! Imagina o
problema que isso não me traria? Ela
não iria se entregar a um cara como eu, e
era muito melhor assim.
— Desculpa, linda. Acho que me
perdi um pouco aqui. — Nela. Na
porcaria das coisas que ela me fazia
sentir. Na porra do desejo que aquela
garota me transmitia. — O que foi?
— Ele está vindo aqui. O que eu
faço? — Rebecca parecia bem
desconcertada, o que me incomodou.
— Você ainda fica corada por
causa dele, loirinha? — não queria soar
tão irritado, mas não pude me conter.
— Estou corada pela situação.
Sou tímida, você sabe disso. A última
vez que eu o vi foi quando tentei beijá-
lo. Não é exatamente uma lembrança que
eu goste de guardar.
— A vergonha maior deveria ser
para ele. Você estava lutando por algo
que queria. Agora... preste atenção.
Vamos fingir que estamos juntos. Não
estranhe o meu comportamento. Quero
esse cara arrependido e chorando as
mágoas.
Rebecca assentiu pouco antes do
idiota se aproximar. Rapidamente peguei
a mão dela por cima da mesa, dando
uma risadinha maliciosa e beijando os
nós de deus dedos. Havia um anel
delicado no anelar, e sua mão cheirava a
hidratante... algo como pêssego.
Provocou reações em mim também,
porque queria descobrir se ela inteira
cheirava daquele jeito.
Merda, Bernardo, controle-se!
— Oi, que coincidência vocês
por aqui — uma outra voz, não tão
deliciosa, interrompeu meu momento.
Ergui os olhos para o babaca, tentando
aparentar indignação.
— Ah, oi, Juninho. Não vi que
você estava aqui. — Aquela era a
minha garota!
Opa... perai... minha garota?
Não, Bernardo, vamos parando com
esse pronome possessivo aí!
Mas, de qualquer forma, adorei a
forma como ela fingiu total indiferença.
Como entrou no jogo já compreendendo
meus planos.
Poderia ser uma atitude muito
infantil da minha parte, mas eu queria
ver aquele babaca com a cara na lama.
Ou na bosta, que seria bem mais
divertido.
— Eu queria saber se está tudo
bem entre nós, depois daquele dia. —
Ele provavelmente estava falando da
tentativa de beijo. E que ridículo fazer
isso comigo presente. Será que estava
querendo marcar território?
— Que dia? — A expressão
cínica de Rebecca me fez sentir vontade
de beijá-la. Era mais do que óbvio que
ela estava fingindo que não se lembrava
do quase beijo, o que deixou o tal do
Junior muito envergonhado.
Como aquele idiota podia ser
irmão de uma pessoa tão legal quanto a
Marcela?
— Ah, bem... — Ele olhou para
mim, como se não quisesse falar na
minha frente. Só que Rebecca
surpreendeu a nós dois erguendo uma
das mãos.
— Você está falando do dia em
que eu tentei te beijar e você recusou?
— Pelo amor de Deus, a loirinha estava
em chamas! Não ia deixar passar nada.
— Fica tranquilo, Juninho. Não rolou,
tudo bem. A fila andou.
O sorriso que curvou meus
lábios era um misto de orgulho e
provocação. O olhar que lancei ao cara
dizia: “É, parceiro, perdeu. A loirinha é
minha”. Tudo bem que não era, mas o
meu ego bem babaca estava acariciado.
— É... vocês... vocês estão
juntos? — o idiota gaguejou.
Sem perder tempo, coloquei a
mão sob o assento da cadeira de
Rebecca e puxei-a para mim, fazendo-a
arfar de surpresa. Então eu pus meu
braço no encosto de sua cadeira, como
um namorado faria.
— Eu sou um cara de sorte, não
sou? Demorei para conseguir que ela me
desse bola, mas algumas mulheres valem
a pena — falei, não soando nem um
pouco irônico, porque era verdade.
Rebecca era o tipo de garota por quem
um cara poderia se apaixonar sem medo.
Alguém que seria perfeita para ser
apresentada a uma mãe, um pai, que
fossem mais atenciosos do que os meus.
Pena que eu não era o homem certo para
ela e não queria compromisso com
ninguém.
Rebecca estava sem graça, mas
abriu um sorriso. Tentei algo mais
ousado e virei seu rosto, tocando nossos
lábios, e algo aconteceu.
Foi um simples contato, mas ela
correspondeu. Instintivamente, minha
boca tomou seu lábio inferior entre os
meus, prolongando e intensificando um
pouco o beijo, e Rebecca soltou um
suave suspiro.
Um que me deixou instantaneamente
de pau duro.
Porra, era um beijo inocente. O que
aconteceria se eu a beijasse pra valer,
com língua e tudo?
Só que eu não fui o único a ser
afetado. Quando nos afastamos, o olhar
de Rebecca me dizia que ela não era
imune a mim.
Havia química entre nós. Palpável.
Se eu estendesse a mão quase poderia
tocá-la.
Uma troca de olhares nos deixou
completamente perdidos em um
momento só nosso. Ambos sérios. Eu
observava seus lábios, e ela, os meus.
Um pigarrear nos interrompeu.
Filho da puta. Será que não
percebia que estava sobrando?
Nós dois olhamos para ele ao
mesmo tempo, e eu esperava que, pelo
vinco em minha testa, o idiota
percebesse que estava atrapalhando. Ou
talvez essa fosse a intenção dele.
— Eu só queria saber se está tudo
bem entre nós.
Rebecca se remexeu na cadeira, e eu
me afastei um pouco, ansioso para ouvir
sua resposta.
— Por mim, sim, mas não sei por
que você está tão preocupado, já que
nunca fomos exatamente amigos. Sou
amiga da sua irmã. — Mais um soco
bem dado da loirinha. Eu estava
totalmente do lado dela.
— Mas Marcela sempre quis que
fôssemos próximos também e...
— Ah, sim, mas você nunca fez
muita questão, e acho que estava certo.
Esse é o tipo de coisa que não se força.
Me desculpa, aliás, por ter te sufocado
quando você claramente não queria ser
meu amigo. Hoje eu entendo.
Meu Deus! Eu não queria estar na
pele do Juninho. Como era possível que
aquela coisinha delicada fosse capaz de
tantos ganchos de direita com palavras?
O cara seria levado a nocaute em tempo
recorde.
— Não, Becky. Nada disso. Eu gosto
muito de você, é só que...
Ela abriu um sorriso lindo e colocou
a mão sobre a dele.
— Não tem problema, de verdade.
Cada um segue a sua vida. Amamos uma
pessoa em comum, e isso basta.
Obrigada por se preocupar, mas eu estou
bem. — Então Rebecca olhou para mim,
com um olhar apaixonado. Ela era uma
boa atriz, no final das contas. — Muito
bem, aliás.
Manteve o olhar em mim por algum
tempo, provavelmente dando espaço
para o idiota se tocar e sair de perto.
Demorou, mas aconteceu. Seus passos
silenciosos o levaram para longe de nós,
e, de soslaio, pude ver que não parecia
nem um pouco animado. Cabisbaixo, lá
estava o que ele merecia.
— Uau! Você foi maravilhosa! —
Beijei sua mão novamente, orgulhoso.
— Não fui grosseira demais? Ele é
irmão da minha melhor amiga. Não
merecia ser tratado dessa forma. Será
que devo pedir desculpas e...
A loirinha tentou se levantar, mas eu
a impedi, segurando seu braço e
mantendo-a sentada.
— Ei, nada disso. Você não foi nada
além de cordial. Pelo que deu a entender
ele é que nunca foi simpático com você.
— Não foi mesmo. Sempre achei
que ele sabia que eu gostava dele, por
isso se mantinha afastado. E talvez seja
isso mesmo. Nunca imaginei que ele
pudesse se levantar em um restaurante
para vir falar comigo, porque é o tipo de
coisa que nunca faria. Para ser sincera,
sempre tive a impressão de que fugia.
— Babaca. Completamente. Não se
arrependa de ter sido sincera. O
importante é saber se você realmente o
superou.
Rebecca deu de ombros.
É difícil esquecer alguém a quem
—
amei por tantos anos. Só que estou me
esforçando para esquecê-lo. — Ela
abriu um sorriso irresistível. — E acho
que estou fazendo um bom trabalho.
— Fico feliz. — Fiz uma pausa,
observando-a com um pouco mais de
malícia. — Só não vou pedir desculpas
pelo beijo, porque assim como você não
deveria se arrepender de como agiu, eu
não me arrependo. Nem um pouco.
Lá estava ela corando. Deus, era
adorável. A vontade era beijá-la
novamente só para alimentar aquele tipo
de reação.
Ok, eu estava encantado por aquela
garota, mas isso não poderia significar
nada. Ela era linda, mas totalmente fora
do meu alcance.
E talvez fosse isso que a tornasse um
desafio tão interessante.
CAPÍTULO OITO
quantidade insana de mensagens
A
recebidas naqueles últimos dias foi o
que me convenceu.
Tá, isso seria injusto. Bernardo me
convenceu de muitas formas, inclusive
porque era adorável. Antes de conhecê-
lo, sempre o imaginei como um
cafajeste, um tipinho medíocre que
usava as mulheres e que não tinha nada a
oferecer, mas fui surpreendida.
Ok, ele era um cafa. Isso precisava
ficar bem estabelecido na minha mente.
Caso permitisse, por um minuto sequer,
que meus pensamentos deixassem de
lado a verdadeira personalidade de
Bernardo, eu abriria uma brecha para
meu coração se encantar por ele a um
ponto sem volta. Eu conhecia muito bem
a dor de ser recusada, de me iludir com
um cara que não me queria tanto quanto
eu o queria. Não poderia me permitir
entrar naquele looping infinito de
sentimentos não correspondidos, por
isso, me proteger era essencial.
Ainda assim, eu gostava da
companhia dele. Durante as duas
semanas que se passaram, entre a
primeira vez em que o ajudei e a data de
sua viagem para encontrar-se com Hans,
nós saímos juntos mais algumas vezes, e
eu participei de mais duas reuniões,
onde servi de tradutora. Mas na maioria
dos casos, nós jantávamos juntos porque
queríamos, fomos ao cinema uma vez e
até à praia.
Eu precisava confessar que esta foi a
vez em que eu mais me senti balançada.
Pelo amor, o homem tinha o corpo de um
Deus. Sabe uma daquelas estátuas
perfeitas de Apolo? Pois é, Bernardo
era assim. Todo musculoso, sarado, com
barriga de gominhos, braços enormes,
bronzeado e com tudo no lugar. As
costas... Jesus! Eram a pura tentação.
m minha defesa, toda a população
E
feminina ao nosso redor parecia
concordar comigo. Deveria ser ilegal
homens serem assim tão bonitos,
grandes, fortes, sexies e charmosos.
Só que eu não era de se jogar fora, e
os olhares que Bernardo me lançou,
quando tirei a saída de praia e fiquei só
de biquíni, me diziam que ele também
gostava do que via.
Nossa relação era bem engraçada,
na verdade. Eu sabia que nós dois
estávamos atraídos um pelo outro, mas
nenhum dos dois queria dar um primeiro
passo. Construímos um tipo de amizade
valiosa e não queríamos nos magoar.
Sabia que saía com outras mulheres.
Várias telefonavam para ele, e em
alguns de nossos encontros ele contava
sobre suas aventuras. Às vezes eu me
perguntava se sua intenção era me fazer
sentir ciúme, mas logo afastava esse
pensamento, porque obviamente não era
o caso.
Bernardo ainda era uma incógnita
para mim em vários aspectos, mas o que
eu tinha certeza sobre ele era que
realmente conseguia o que queria por
conta de sua lábia, seu charme e sua
insistência.
Lá estava eu, arrumando minhas
malas para passar duas semanas numa
casa alugada com ele, pronta para ser
sua tradutora.
E o pior: estava animadíssima para
isso. Não apenas pelo trabalho em si e
pelo dinheiro, que era mesmo muito
bom, mas pela nova experiência, pela
mudança de ares.
Marcela, que tinha acabado de
voltar de sua lua de mel, estava deitada
na minha cama, observando-me arrumar
minhas coisas. Sua expressão era de
total preocupação, o que não me deixava
exatamente muito tranquila.
— Dá para melhorar essa cara? —
pedi a ela, porque era uma amiga
maravilhosa, mas sabia me deixar
nervosa quando eu não precisava ficar.
— A minha cara sempre é
maravilhosa, Becky. Só que ela reflete
exatamente o que se passa no meu
coraçãozinho. E o que está passando
agora não é algo muito agradável.
arei o que estava fazendo, dei um
P
nó no meu cabelo longo e a encarei, com
as mãos na cintura.
— Me explica. Qual é o problema?
— Não é óbvio? — Ela se remexeu
na cama, colocando-se sentada. — Você
vai passar duas semanas em uma casa
sozinha com Bernardo. E, amiga, eu sei
bem que vocês estão morrendo de tesão
um pelo outro.
Não pude conter uma risada.
— Amiga, eu morri de tesão pelo
seu irmão por anos, mas nunca pulei no
colo dele e continuo virgem —
desdenhei, recomeçando meu trabalho.
— Mas aí é que está a diferença.
Meu irmão é lerdo. Bernardo é
experiente e também te quer. Prevejo
que você estará na cama dele muito
antes do que imagina.
Suspirei, sentindo-me cansada
daquela lenga-lenga.
— E se estiver, Cela? Eu tenho vinte
e três anos. Você é um ano mais velha do
que eu e já está casada. Por que eu
preciso me manter pura e intocada pelo
resto da vida?
— Não é isso, amiga! — Ela se
levantou e veio até mim, colocando
ambas as mãos no meu rosto. — Você
tem todo o direito de se entregar a quem
quiser. Só que você é como eu. Nenhuma
de nós toparia fazer sexo com um cara e
deixar para lá. Somos românticas,
queremos relacionamentos sérios. E por
mais que ele seja meu melhor amigo,
Bernardo nunca vai te oferecer isso.
— Eu não quero isso. Não com ele.
Bernardo é o tipo de homem que dá
muito trabalho. Fomos à praia juntos, e
se fôssemos namorados, eu ia querer
matar cada uma das sirigaitas que
ficavam babando naquele corpo perfeito
dele.
— Aí! Tá vendo? Corpo perfeito.
Você também ficou babando, confessa!
— Ela apontou um dedo para mim, de
forma acusatória.
— Ué, mas é proibido? O homem é
lindo, só se eu fosse cega para não
reparar. Mas isso não quer dizer que vou
abrir as pernas para ele.
— É o primeiro passo.
Ergui uma sobrancelha para ela.
Não é não, Marcela. Eu conheço
—
outros homens bonitos e nunca dei para
nenhum deles.
— Nenhum é tão bonito quanto o
Bernardo.
— Ah, Tiago vai ficar feliz em saber
disso — zombei.
— Ele sabe! E ele concorda! Da
forma mais heterossexual possível, mas
ele também acha o Bernardo um cara
bonitão. E a gente sabe, amiga, que ele é
sedutor. Você está ferrada.
— Animador! — Revirei os olhos.
— Vai, Bequinha! Confessa! Você
tem algum interesse nele, não tem? —
Marcela sabia ser pentelha quando
queria. Ela não iria sossegar enquanto
eu não lhe desse a resposta que queria
ouvir.
E eu sabia que ela queria ouvir o
que achava que era a verdade. Mas só
havia uma verdade para mim. Uma que
não me agradava em nada.
Para conversar com ela, sentei-me
na cama, sentindo-me resignada.
— Eu me sinto atraída. E como
poderia ser diferente? Ele não é só
bonito, Cela. É gentil, cavalheiro,
sedutor, divertido... Só que ainda estou
conseguindo segurar o meu coração e
não fui mais longe — confessei.
— Ai, miga... — Ela se sentou ao
meu lado, levando a mão ao meu ombro
e me confortando como se eu tivesse
acabado de anunciar uma viuvez. — O
problema é que a gente não manda no
coração.
— Não, mas eu posso me controlar
antes que seja tarde demais. Não vou
cair no mesmo erro, amiga. Só vou me
envolver com alguém que queira o
mesmo que eu. Bernardo não quer. Ele
gosta de curtir, fazer sexo sem
compromisso, e eu não sou assim. Além
disso, nós nos tornamos bons amigos.
Vamos fazer dar certo. Posso
estabelecer alguns limites, se sentir que
as coisas estão chegando a um nível
preocupante.
Marcela respirou fundo, olhando
para mim como se duvidasse muito das
minhas palavras.
Deixei-a com suas indagações e
voltei a organizar minhas coisas. Dali a
uma hora Bernardo chegaria para me
pegar para me levar ao aeroporto.
Viajaríamos em seu jatinho, o que me
deixava um pouco desconcertada. O
cara era rico a esse ponto, e era até
estranho me imaginar como sua amiga.
Quando ele chegou, eu já estava com
tudo pronto, de banho tomado e com uma
roupa bem confortável. Por mais que a
viagem fosse curta, eu odiava viajar
com algo me incomodando.
Como sempre acontecia quando nos
encontrávamos, Bernardo me deu aquela
olhada de cima a baixo, como se tivesse
que se controlar muito para não me
agarrar e me devorar inteira.
Sim, eu me sentia exatamente como
Chapeuzinho Vermelho de frente para o
Lobo Mau.
— Pronta? — ele perguntou,
animado, e eu decidi que precisava
tentar curtir.
Por mais que a viagem fosse a
trabalho, sabia que Bernardo era um
cara animado, e ele mencionara que
iríamos nos divertir juntos também.
Afirmara que a noite de São Paulo era
maravilhosa e que ele iria me levar para
fazer coisas que eu nunca fiz. Talvez
fosse uma oportunidade de viver tudo o
que não tinha vivido até aquele
momento.
Soltar-me. Tornar-me a Rebecca que
eu sempre quis ser. Conhecer caras
legais e bad boys, beijar, quem sabe
transar... mas não com Bernardo, porque
ele era perigoso para o meu coração.
Uma coisa era deixar de ser a garota
inocente com um homem desconhecido,
uma única noite, mas seria diferente com
alguém que já mexia comigo.
— Prontíssima.
Eu esperava estar mesmo.
CAPÍTULO NOVE
u não era um cara que costumava
E
economizar quando se tratava do meu
bem estar e do meu conforto. Se ia
passar duas semanas – com
possibilidade de se tornarem três,
dependendo das negociações – em uma
casa em São Paulo, teria que ser algo
tão bom ou ainda melhor do que a minha
própria cobertura.
Apesar de gostar de esbanjar nessas
condições, era importante que meu lar
fosse mais prático do que
verdadeiramente luxuoso. Eu não queria
ter vários funcionários andando de um
lado para o outro e me impedindo de
andar de cueca ou pelado quando queria.
Por isso, mantinha uma diarista toda
semana. Almoço nos finais de semana eu
mesmo preparava, minhas compras eram
feitas online, e eu mandava minhas
roupas para a lavanderia. Funcionava
muito bem, e eu tinha a minha
privacidade.
Com Rebecca morando comigo, as
coisas teriam que ser diferentes. Eu não
poderia fazer essas saliências e achei
que seria interessante ter outra mulher na
casa para que ela não se sentisse mal
por estar só comigo. Sendo assim,
peguei indicação com um amigo de uma
senhora simpática, que entrevistei por
telefone, que iria ajudar com a limpeza,
com a comida e com todo o resto
durante nosso período ali.
Isso facilitou demais a minha vida, e
eu escolhi uma propriedade de três
andares, com seis quartos, sendo dois
convertidos a escritórios, outro como
sala de musculação e mais um no sótão,
além dos dois onde dormiríamos. O de
Rebecca foi escolhido a dedo, porque
tinha uma linda decoração feminina, com
uma cabeceira em rosa antigo – do
mesmo tom das lindas colunas –, dossel
– um quarto de princesa. Ela pareceu
comovida com isso.
— É tão lindo — comentou em um
sussurro doce.
— Achei que era o mínimo que você
merecia por ter topado trabalhar
comigo.
Ela olhou para mim por cima do
ombro com um sorriso brincalhão.
— Você não me deu muito espaço
para negar.
Depois de responder, sua mão
delicada começou a passear pela
penteadeira, posicionada em um dos
cantos do cômodo.
Fechei os olhos, porque não queria
imaginá-la tocando o meu corpo daquela
forma. Aquela linda e enorme cama
onde dormiria fazia minha imaginação
se agitar, porque eu pensava em mil
coisas que poderia fazer com ela.
Mas isso não aconteceria. Rebecca
era território proibido.
— Podemos ir ver o terraço? Trago
suas malas depois — ofereci, querendo
sair do quarto o mais rápido possível.
— Claro. Só estava namorando esse
lugar lindo. É muito gentil da sua parte
pensar em mim dessa forma.
— Um quarto de princesa para uma
princesa. — Que brega, Bernardo!
Era impressionante o quanto aquela
garota conseguia me fazer esquecer
todas as minhas melhores respostas
ensaiadas. Não que a que lhe dei fosse
completamente original, mas era uma
que eu nunca usaria com uma mulher que
queria seduzir.
Mas eu não queria seduzir Rebecca.
Nem pensar.
Seguimos pelas escadas, com ela à
minha frente, e eu desviei os olhos para
não focá-los na bela forma arredondada
que se destacava no shortinho jeans
desfiado, largo e curto, que ela usava.
Pelo amor de Deus, que tipo de
tarado eu era?
Ainda bem que logo chegamos, e ela
se afastou um pouco ao ver a piscina,
toda a decoração com plantas, as
cadeiras, os sofás de vime, além das
espreguiçadeiras confortáveis e
acolchoadas.
— Confesso que escolhi a casa por
este espaço — falei, enquanto ela
olhava tudo com olhos brilhantes.
— Uau. É perfeito. — Virou-se para
mim, parecendo ainda mais animada. —
Vou poder usar a piscina? Gosto de
nadar como exercício físico.
Rebecca de biquíni em uma casa
onde estávamos apenas eu, ela e uma
funcionária que passaria bom tempo nos
evitando? Tortura.
Só que... o que eu poderia responder
de diferente?
— Claro que sim.
— Ah, que legal! — Ela bateu uma
mão na outra, comemorando, com um
sorriso enorme.
Linda. Puta que pariu!
Eu não podia ficar pensando essas
coisas, mas minha cabeça parecia presa
em um looping infinito.
— Aliás, temos o dia livre hoje, não
é? Você disse que D. Antônia só
começará amanhã... Podemos passar a
tarde na piscina — sugeriu.
Péssima ideia, loirinha.
Será que ela não percebia o quanto
seria capaz de me enlouquecer com
aquele corpinho perfeito? Na praia eu
quase tive vontade de jogá-la no meu
ombro e tirá-la de perto dos abutres que
a olhavam, cobiçando-a como se fosse
um objeto.
O pior era pensar que eu fazia isso
com outras mulheres. Só que com
Rebecca parecia tão errado.
Pensar apenas em sexo com ela
também parecia. Ela era o tipo de garota
que merecia flores, restaurante, beijos
ao pôr do sol, caminhadas na praia de
mãos dadas e tudo o que namoradinhos
apaixonados faziam. Coisas que eu
nunca tinha feito com ninguém e não
pretendia começar naquele momento.
Por isso, mais tarde, quando me
peguei, de fato, observando-a
bronzeando-se em uma das
espreguiçadeiras, com aquele biquíni
que poderia ser um pouco mais
comportado – em nome da minha
sanidade –, comecei a me sentir sujo.
Quantas vezes eu não tinha tarado
garotas como ela? Que mulher merecia
ser transformada em uma mercadoria
daquela forma?
udo bem, eu não mudaria de uma
T
hora para a outra, e não pretendia passar
a viver uma vida de celibato por isso,
mas, talvez, tentaria ser mais respeitoso.
Não que eu forçasse mulheres a
qualquer coisa ou as tocasse sem
permissão – pelo amor de Deus, eu me
odiaria por isso –, mas olhar daquela
forma também era errado.
De óculos escuros, Rebecca curtia
seu sol, tomando uma caipirinha que
preparei para nós. Não era a sua
primeira, e eu podia jurar que ela era
fraca para bebidas, porque começava a
dançar sobre a espreguiçadeira, mesmo
deitada, com a música que tocava na
caixinha de som que controlava através
do Spotify no meu telefone.
Era uma playlist de flashback, que
ela mesma escolheu. Vinda de família
onde era filha temporã, dissera que seus
pais costumavam ouvir música antiga, e
ela adorava, aparentemente.
No momento em que uma música em
específico começou a tocar, ela se
levantou, dançando animadamente,
vindo em minha direção, aproveitando
que eu estava fora da piscina, já me
secando. O sol começava a se pôr, e eu
esperava preparar um jantar para nós.
Também queria que Rebecca fosse tomar
um banho antes que aquilo se tornasse
uma tragédia.
Só que ela cantava a plenos
pulmões, dançando com aquelas duas
peças minúsculas no corpo. Quando se
aproximou, colocou ambos os braços ao
redor dos meus ombros, colando nossos
peitos, e eu poderia jurar que esse leve
toque me incendiou por inteiro.
— O que você está fazendo,
loirinha? — perguntei, meio bobo.
— Dança comigo... — ela falou
baixinho, com a voz doce, e logo
recomeçou a cantar. Não era exatamente
uma cantora excepcional, mas estava
divertida, o que eu achei delicioso.
A música era Waiting for a girl like
you, do Foreigner. O título queria dizer:
Estive esperando por uma garota como
você.
Curioso, não? Parecia que o destino
estava conspirando.
Será que eu estive esperando por
alguém como Rebecca? Ou estava
apenas envolvido pelo momento?
Fosse como fosse, enlacei sua
cintura com um braço e comecei a
corresponder na dança. Estávamos muito
próximos, ambos com corpos úmidos da
água da piscina, e os cabelos dela caíam
molhados pelas costas, até a cintura,
dourados como o sol, e os olhos
imensos e azuis olhavam para mim com
toda aquela inocência que poderia
colocar qualquer homem de joelhos.
Ela poderia me colocar de joelhos
daquele jeito. Especialmente porque eu
tinha bebido um pouco também.
— Você falou para mim que iria me
ensinar a ser mais sedutora. Acha que
estou indo bem? — o tom manhoso de
sua voz fez minhas entranhas se
revirarem.
— Está. Só que não era para seduzir
a mim, loirinha... — sussurrei, quase
sem forças para soar mais alto.
— Ué, mas você não prometeu ser
meu professor? Precisa ser minha
cobaia.
Não pude conter uma risada, mas ela
soou um pouco amarga. Não porque
quisesse que fosse assim, mas porque
me sentia desconfortável. Meu pau
estava mais do que duro dentro da
sunga, e ela certamente podia senti-lo.
Precisava fazer alguma coisa antes
que minha cabeça me obrigasse a
agarrá-la ali mesmo, matando a minha
vontade.
em explicação, peguei-a no colo,
S
ouvindo-a soltar um gritinho de
surpresa.
— O que está fazendo? — indagou,
confusa.
— Te levando para tomar um banho.
Precisamos jantar.
— Ah, sim! Eu estou com fome! —
sua animação me dizia que realmente o
álcool tinha causado algum efeito em seu
estado.
— Eu também, loirinha. Eu também.
Sim, eu estava. Mas com fome dela.
Era apenas nosso primeiro dia.
Estava começando a me arrepender de
tudo aquilo...
CAPÍTULO DEZ
s dias praticamente morando com
O
Bernardo me deixavam confusa. Há dois
estávamos vivendo sob o mesmo teto e,
tirando o meu vexame do primeiro dia,
nenhum outro incidente nos atrapalhou.
Eu sabia que não podia beber, mas
estava animada, em um lugar lindo, e a
caipirinha que ele fazia era deliciosa,
então não consegui resistir. Mas só de
me lembrar de dançar daquele jeito,
colada a ele, eu já me sentia
mortificada.
Um bom banho me fez ver a
vergonha que passei, mas tentei levar as
coisas da melhor forma possível.
Naquela noite, seria o coquetel de
boas-vindas de Hans, e eu estava me
arrumando no quarto. Tinha escolhido
um vestido rosa, em um tom de pêssego
que combinava bem melhor com o tom
bronzeado da pele que adquiri naqueles
últimos dias na piscina da casa.
Sandálias em prata, combinando com a
clutch e com as joias que escolhi. Tudo
da minha mãe, porque eu não tinha
dinheiro para comprar prata verdadeira,
é claro.
Fiz duas pequenas tranças no cabelo,
uma de cada lado, e as prendi, deixando
o resto solto, o que me deu ares de
princesa. A saia do vestido era longa,
porque o coquetel seria o mais elegante
possível, e ela era solta, leve, enquanto
o corpete era tomara que caia. Gostei do
resultado.
E Bernardo também.
Tinha que confessar que ele parecia
um pouco estranho comigo desde o dia
da piscina, e eu odiava isso. Odiava a
sensação de que tinha estragado algo
entre nós com minha ousadia, mas não
podia voltar ao passado. Menos ainda
tinha coragem de falar e tentar descobrir
qualquer coisa.
ão que não me tratasse bem. Longe
N
disso. Só que parecia mais cauteloso,
menos brincalhão, como se algo tivesse
criado um abismo entre nós.
Ainda assim, quando ele me viu
naquele vestido, quase senti como se
tivesse prendido a respiração.
— Uau — foi tudo o que disse.
— É suficiente? Não sei como vai
ser esse coquetel e...
— Você está perfeita assim — ele
respondeu, mas novamente parecia sério
demais.
Só que havia algo na forma como ele
falou... em um sussurro doloroso, quase
como se estivesse chateado. Nostálgico,
sofrendo... Eu não sabia interpretar.
Talvez fosse melhor nem tentar.
ra muito óbvio que ele estava
E
muito bonito também. Terno, gravata,
colete, tudo caindo perfeitamente
naquele corpo esculpido. Éramos uma
dupla e tanto, eu precisava admitir, mas
não era o tipo de coisa na qual eu
deveria pensar.
Apesar de tudo, Bernardo me deu seu
braço, e eu o entrelacei ao meu, sendo
guiada para a garagem da casa, onde ele
abriu a porta do carro para mim. Tinha
alugado um para usarmos naqueles dias,
e era tão luxuoso quanto a casa – um
Maserati Ghibli, em um tom de
vermelho bonito, que combinava com
sua personalidade esfuziante e sexy.
Saímos para o evento, e Bernardo
foi me passando um panorama do que eu
iria encontrar. Ele contratara uma
empresa para preparar aquela festa de
boas-vindas ao alemão e estava um
pouco nervoso. Esperava que esse fosse
o motivo para a mudança repentina de
comportamento.
Falou-me sobre as pessoas que
estariam presentes, sobre o que eu
precisaria fazer e sobre o negócio em si.
Eu já estava familiarizada com o tipo de
transação que estava acontecendo, por
causa das reuniões das quais participei,
mas ele me explicou o motivo do evento
e o que aconteceria por lá.
Foi bom manter o assunto no
profissional, já que nossa amizade
andava estranha.
Assim que chegamos, percebi que o
ambiente era tão elegante quanto
imaginei que fosse. Pessoas muito bem
vestidas, garçons educados, uma
decoração de classe... eu quase me
sentia um peixe fora d’água. Não porque
não me comportasse da forma adequada,
mas porque sempre fui tímida e aquele
tipo de coisa me deixava em pouco
desconfortável.
A mão de Bernardo na curva das
minhas costas também.
— Não precisa ficar nervosa. Você
vai tirar de letra. — Ele se inclinou para
sussurrar no meu ouvido, e isso, somado
ao toque, me fez estremecer.
Hans já estava presente, e Bernardo
me conduziu direto a ele.
O alemão me olhou de cima a baixo.
No momento em que fui cumprimentá-lo,
ele beijou minha mão ao invés de
apertá-la e disse, em sua língua natal:
— Você é muito mais bonita
pessoalmente, senhorita — o tom
educado e galante não me passou
despercebido.
Ele era bonito. Muito loiro, olhos
azuis, alto e o terno o vestia muito bem.
Ainda assim não tinha metade do charme
do homem que eu estava acompanhando.
Nem a beleza.
Mas por que eu estava comparando
mesmo?
Apenas sorri em agradecimento,
sentindo-me constrangida e não
querendo dar muito valor ao elogio.
Os dois iniciaram sua conversa a
respeito de trabalho, e eu fiz o meu
melhor para traduzir tudo. Hans falava
pausadamente, para facilitar minha
compreensão, e esperava pacientemente
que eu transmitisse a mensagem para
Bernardo.
Era um trabalho simples, e os dois
homens eram muito gentis comigo. Tanto
que quando fomos jantar, me senti quase
bajulada quando os dois se prepararam
para puxar a cadeira para que eu me
sentasse, deixando-me no meio. Não era
uma situação nada má, na verdade. Dois
caras bonitos me tratando como uma
princesa? O que mais eu poderia pedir?
Continuamos a conversa, comigo
fazendo o meu trabalho, e Hans insistiu
que eu bebesse um pouco de champanhe.
Não era algo que eu queria, porque
sabia que era fraca para bebida, mas
acabei aceitando, porque ele era bem
persuasivo e porque Bernardo deu de
ombros, concordando. Ele era o meu
chefe, afinal. Se achasse ruim que eu
tomasse álcool durante o trabalho, eu
não iria ultrapassar suas regras.
Em um dado momento, depois de
duas taças de champanhe, Hans precisou
nos deixar por alguns instantes, para
usar o banheiro, e eu me peguei
distraída, olhando para um ponto
aleatório, tentando não encarar
Bernardo, porque, subitamente, as
coisas pareciam estranhas demais entre
nós. Uma atmosfera pesada, tudo a
respeito dele parecia mexer comigo de
um modo diferente. Seus olhares
estavam mudados, seu comportamento,
seu jeito de me tratar. Não sabia se era
uma coisa boa, mas temia arriscar.
— Você está se saindo muito bem —
lá estava novamente o sussurro que
parecia penetrar a minha alma. Era um
som que invadia meus ouvidos e que se
misturava ao meu sangue correndo
exatamente para a parte do meu corpo
que pulsava em momentos nada
apropriados.
Eu era virgem, mas não era imune à
sedução de Bernardo.
— Obrigada. Estou sendo bem paga
para isso — tentei brincar, esperando
que ele entrasse no clima e saísse do
modo “Bernardo sexy como o inferno”.
Se ele não queria me seduzir, o que
era mais do que óbvio, por que ficava
fazendo aquelas coisas?
Então ele realmente deu uma
risadinha, mas só piorou as coisas.
Como ele conseguia me deixar em
chamas com coisas tão simples? Tudo
nele parecia atiçar a minha libido – que
vivera adormecida por toda a minha
vida até aquele momento. A forma como
falava, como ria, como se movimentava,
suas mãos, seu cheiro.
Eu não deveria ter bebido.
— Aceite o elogio, loirinha. Você
parece estar aceitando muito bem os de
Hans.
Uau. Quase senti como um tapa na
cara. Havia um tom estranho na voz de
Bernardo, e quando eu olhei para ele, o
vi dando um belo gole no champanhe,
enquanto um vinco profundo marcava
sua testa.
— Como você sabe que ele estava
me elogiando? — mais de uma vez,
aliás. Em nenhuma delas traduzi o que
disse a Bernardo.
Um sorriso de canto provocador
curvou sua boca perfeita e desenhada.
— Já conheço suas reações quando é
elogiada. É adorável. — Então ele
baixou o tom de voz: — Mas fui
arrogante o suficiente para pensar que
era só eu que provocava isso em você.
Do que ele estava falando? Eu sabia
que Bernardo também tinha bebido, mas
não sabia o quanto. Ele era mais forte
para álcool, no entanto.
Só que ele ainda prosseguiu:
— Você me confunde, loirinha. Mais
do que eu gostaria.
Mais um gole da bebida. Ainda
assim, ele não estava embriagado, com
certeza. Não que eu o conhecesse tão
bem, mas era fácil distinguir.
Queria perguntar como eu o
confundia, mas não tinha coragem. Seria
uma dúvida na minha cabeça. Algo que
iria me acompanhar por um bom tempo,
até que Bernardo resolvesse esclarecer
as coisas.
Até que eu conseguisse entender o
que eu estava sentido. Porque... sim...
ele também me confundia.
CAPÍTULO ONZE
u ainda não queria que a noite
E
terminasse. Talvez não fosse a melhor
ideia possível levar uma Rebecca
embriagada para um barzinho ou uma
boate, mas levá-la para casa seria ainda
pior, tendo em consideração a última
vez e como as coisas ficaram estranhas.
A diferença, daquela vez, era que eu
não conseguiria me controlar. Se aquela
mulher linda começasse a dançar de
biquíni para mim, esfregando nossos
corpos, eu iria agarrá-la. Em segundos
ela estaria imprensada em uma parede,
com as pernas ao redor da minha
cintura, sendo beijada como merecia ser.
E isso seria só o início.
Mas eu precisava me lembrar que
aquela garota era diferente. Não que
qualquer mulher merecesse ser tratada
sem respeito, e nem era o caso, mas
Rebecca era virgem. Eu não podia sair
agarrando a mulher se não tinha intenção
de levar as coisas a sério.
Por tudo isso, a opção de demorar
um pouco mais a ir para casa pareceu a
mais atraente.
evemente tocada pelo álcool,
L
Rebecca imediatamente topou. O que
deveria me deixar animado, não? Eu
curtia baladas, por que, então, estava
com tanta vontade de voltar para casa e
ficar sozinho com ela? Mesmo que fosse
só para conversar.
Mas não era seguro.
Eu esperava que aquela música alta
silenciasse meus pensamentos. Ou, ao
menos, que conseguisse sobrepô-los.
Segurei a mão de Rebecca enquanto nos
esgueirávamos por entre a multidão, em
direção a uma mesa. Normalmente eu
escolheria uma mais ao canto, mais
reservada, ou até alugaria um espaço
VIP, um camarote ou algo assim, mas
não queria ficar em um local tão vazio
com ela. Não queria ter espaço para
ceder à tentação.
Ela não pareceu perceber, no
entanto.
— Eu nunca vim a um lugar assim —
ela comentou, feliz, sorridente demais,
falando alto, tentando ser ouvida por
cima da música.
— Uma boate?
— É! Te falei, né? Filha temporã,
superprotegida...
— Divirta-se, então.
Sorri para ela, porque sua
animação estava começando a me
contagiar. Seus lindos olhos brilhando,
observando a tudo e a todos, a forma
como seu corpo se movimentava
inconscientemente com a música, como
sorvera sua bebida, quando estas
chegaram, com cara de deleite no
primeiro gole... Não havia nada nela que
não fosse encantador naquele momento.
— Acho que estamos um pouco bem
vestidos demais para o local. — Ela
falou enquanto olhava novamente ao
redor. As mulheres, pelo menos,
estavam usando vestidos curtos e saltos
enormes, enquanto Rebecca continuava
com o traje da festa, longo e elegante.
— Assim como no casamento de
Marcela, não tem nenhuma mulher mais
bonita do que você aqui.
Era estranho que Rebecca ainda
ficasse surpresa com meus elogios.
Ainda assim, ela deu uma golada na
bebida, sem me encarar, mas logo
pareceu animada novamente.
— Ahhh, eu adoro essa música!
Dança comigo? — Ela se levantou,
vindo na minha direção, mas antes de
qualquer coisa, acabou caindo sentada
no meu colo, obrigando-me a segurá-la
com firmeza para que não caísse. —
Desculpa... eu sou tão desastrada...
Se fosse qualquer outra mulher, eu
poderia jurar que tinha sido de
propósito, mas algo me dizia que não
seria do feitio de Rebecca fazer aquele
tipo de coisa. Fosse como fosse, tê-la
nos braços era um jogo extremamente
perigoso. Com tal proximidade, um
único movimento em falso nos colocaria
em uma situação complicada.
Ainda assim... O calor do corpo de
Rebecca contra o meu... Puta merda. Era
game over. Meu pau imediatamente
começou a responder à sensação, e tudo
o que eu queria era segurá-la com força
contra mim, agarrar aqueles cabelos
dourados entre meus dedos e possuir
aquela boca pintada de vermelho que me
seduzia a cada movimento.
Por alguns instantes trocamos
olhares, mas ela se levantou, colocando-
se à minha frente e estendendo a mão
para mim.
Eu poderia negar, mas não sabia o
que seria pior. Ficar em um canto com
Rebecca, depois de tê-la sentada no meu
colo, evocaria pensamentos que não
eram nada próprios.
Por isso... lá fui eu.
irei o blazer, abri alguns botões da
T
camisa e a segui para a pista, onde
encontramos um espaço entre os corpos
suados que se movimentavam ao som de
algo que eu poderia jurar que era Bruno
Mars. Bem agradável.
Rebecca imediatamente começou a
se mexer, balançando os cabelos,
lançando as mãos para o alto, e por um
momento não consegui fazer nada que
não fosse olhar para ela. Fiquei parado
como um bobo, observando-a e
percebendo que outros homens ao nosso
redor faziam o mesmo. A vontade de
rosnar para cada um deles e dizer que
ela estava comigo era imensa.
Só que eu não poderia fazer isso,
então apenas me aproximei, colocando
um braço ao redor de sua cintura, em
uma reação possessiva, que não me
cabia, mas que foi totalmente
impensada.
Juntei-me a ela na dança, e nossos
corpos começaram a se esfregar um no
outro. Péssima ideia, Bernardo!
Péssima ideia!
E o maior problema era que
Rebecca não parecia ter a menor noção
do efeito que despertava em mim. Nem
nos homens ao redor. Aquela garota
podia ser completamente inexperiente,
virgem e alegar que não sabia como
seduzir alguém, mas estava enganada.
Ela era puro fogo e gasolina sem a
intenção de ser.
Uma música foi emendada na outra,
iniciando uma de Lady Gaga, e Rebecca
continuou no ritmo. Seria prudente eu
propor que voltássemos para a mesa,
mas era tarde demais. Eu estava em
chamas.
Em certo momento, ela se virou de
costas para mim, descendo até o chão
com um balançar tentador dos quadris, e
isso foi a própria tentação. A mais cruel
e perigosa.
Quando voltou, girou nos meus
braços, desequilibrando-se novamente e
me fazendo ampará-la. Esse foi um bom
lembrete de que ela estava bêbada e que
não seria certo me aproveitar da
situação.
Seus braços lânguidos foram parar
ao redor dos meus ombros, e seu rosto
ficou a pouquíssimos centímetros do
meu. Eu só precisaria me inclinar um
pouco para roubar sua boca para mim.
— Estou a fim de você, Bernardo. É
o primeiro homem por quem me
interesso, além de Juninho, desde que
me entendo por gente.
Ah, merda. Ela estava mesmo
falando aquele tipo de coisa?
— Beca, você está bêbada, querida.
— Ué... e não dizem que quando
estamos bêbados é que falamos as
verdades? Estou sendo sincera. Você é
um gostoso, Bernardo, e eu sei que
nenhum homem que me beijou até hoje –
e foram poucos – faria melhor do que
você. — O olhar dela...
Deus, por que me tentas assim?
ão. Certamente Deus não tinha a
N
menor influência naquele caso. Aquilo
era obra do demônio.
Aquela garota podia ter carinha de
anjo, mas ela era uma diabinha em
pessoa.
Rebecca colocou-se na ponta dos
pés, mesmo com o salto, aproximando
sua boca do meu ouvido, dizendo algo
que colocaria qualquer homem em sã
consciência em uma situação de total
constrangimento físico.
— Me mostra como é ser beijada
por alguém que realmente sabe como
fazer... — sussurrou com uma voz que
era pouco mais do que o miado de uma
gatinha sensual e desejosa.
Porra, eu não era de ferro. Queria
beijá-la.
Nada disso. Eu queria me enterrar
tão fundo dentro dela que seria difícil
entender onde eu começava e ela
terminava. Se fosse outra mulher, apenas
a arrastaria para o banheiro daquele
estabelecimento e a foderia como louco
em cima de uma pia ou contra uma
parede até fazê-la desmaiar de prazer
nos meus braços.
Só que não era outra mulher. Não era
uma garota experiente que queria o
mesmo que eu, desencanada, livre e
desprendida. Rebecca se arrependeria
caso chegássemos mais longe. Até
mesmo com o beijo. Ela não merecia ser
beijada naquele estado, para que não se
lembrasse de nada no dia seguinte.
ntão eu tomei uma decisão bem
E
drástica, porque ela veio na minha
direção, pronta para me beijar.
E eu recuei...
O olhar de decepção em seu rosto
poderia me fazer jurar que ficara sóbria
subitamente. Depois aqueles mesmos
olhos se arregalaram como se fossem
redondos, e ela se afastou.
Queria segurá-la e dizer que nada
mudara, que eu queria muito beijá-la,
mas mal tive tempo, porque ela
simplesmente se afastou, saindo
correndo, embrenhando-se na multidão e
desaparecendo da minha linha de visão.
Eu poderia ter achado sua reação
exagerada demais se uma coisa não
tivesse retornado à minha memória. O
conselho que eu mesmo dei a ela.
“Um homem nunca rejeita o beijo
de uma mulher bonita. Se isso
acontecer, você pode desistir do cara
de vez, porque ele realmente não quer
nada com você”.
Provavelmente ela estava pensando
nisso também: que eu não queria nada
com ela, quando era totalmente o
contrário.
Tentando fazer o certo, eu tinha
estragado tudo.
CAPÍTULO DOZE
assei em nossa mesa para buscar a
P
minha bolsa, mas saí correndo para fora
da boate, pegando o primeiro táxi que vi
na minha frente, dando o endereço da
casa alugada.
Rapidamente, cinco minutos depois,
o celular vibrou dentro da minha bolsa.
Eu queria ignorar a ligação, porque
era de Bernardo, mas seria muito
escroto da minha parte deixá-lo
preocupado. Obviamente eu estava
chateada, mas ele não era obrigado a
querer me beijar, não é? Assim como
Junior também não.
O que havia de errado comigo?
Suspirando, toquei na tela para
atender e levei o telefone ao ouvido.
— Porra, Rebecca, graças a Deus!
Te procurei pela boate inteira. Estava
apavorado aqui. Onde você está?
— Em um táxi, indo para casa.
Ele ficou calado por algum tempo,
mas consegui ouvir o suspiro do outro
lado da linha.
— Está tudo bem aí? Está segura? O
motorista te tratou com respeito?
... seria bem difícil arrancar o
É
sentimento que começava a nascer
dentro do meu peito por Bernardo. Ele
não facilitava em nada as coisas.
— Estou bem — foi tudo o que eu
respondi, antes que desmoronasse e ele
percebesse. Não era o que eu queria.
Claro que ele sabia que eu não estava
bem, mas preferia que pensasse que
tinha a ver com a bebida.
— Vou para casa também. Me espera
para conversarmos, por favor.
Fiz uma pausa, mantendo o silêncio.
Eu poderia falar a verdade, que não
queria olhar para ele, ao menos naquele
momento. Poderia pedir que esperasse
até o dia seguinte, quando estaríamos
com a cabeça mais fria, mas eu só
queria que ele desligasse. Caso
decidisse insistir, as coisas se
prolongariam e não era a minha
intenção.
— Tudo bem — menti, e novamente
ele pareceu soltar um suspiro de alívio.
— Nos falamos em casa, então.
Em casa... como se morássemos
juntos. Como se fôssemos algo mais do
que apenas chefe e funcionária.
Mas era nisso que eu precisava
focar. Não havia nada entre mim e
Bernardo além de uma relação de
trabalho e, no máximo, um projeto de
amizade. Ele era sedutor, e eu era a
garota virgem e inexperiente – uma
presa fácil. Precisava manter em mente
que não haveria final feliz como em um
conto de fadas.
Desliguei o telefone e segui no táxi,
até que chegamos. Saltei depois de
pagar e entrei. Sabia que era uma
questão de minutos para Bernardo
aparecer, então corri e subi para o meu
quarto, trancando a porta.
Enfiei-me no banheiro, tirando a
roupa com pressa e me colocando
debaixo do chuveiro. Sentei-me no chão
do box, com os joelhos encolhidos,
abraçada a eles, esperando que minha
vergonha se diluísse e descesse pelo
ralo junto à água. Era horrível me sentir
assim, como se tivesse cometido um
crime. E pela segunda vez! Não era
possível que não aprendesse com meus
erros. Eu deveria criar um radar para
entender quais homens tinham interesse
em mim e quais não tinham.
Bernardo demonstrara que tudo não
passava de uma brincadeira. Com
certeza flertar com a virgem deveria ser
divertido, mas lhe traria muitos
problemas. Algo para o que ele ainda
não estava preparado.
Ou melhor: Bernardo é que era o
problema. Com letra maiúscula. Um
lobo pronto para devorar seu coração na
primeira oportunidade. Ele apenas não
escondia sua verdadeira face. Sempre
soube que era um cafajeste, um sedutor,
mas me deixei iludir. Um coração
partido era o que eu merecia.
Perdi as contas de por quanto tempo
fiquei ali, debaixo d’água, até que ouvi
o som de um punho forte batendo contra
a madeira da porta.
— Rebecca! Abra, por favor — ele
pediu, enquanto eu me levantava. Não
iria abrir, não queria vê-lo, mas
desliguei o chuveiro para ouvi-lo
melhor. — Merda! Você prometeu que
iríamos conversar!
Não respondi. Não queria que
ouvisse o tom embargado da minha voz.
Ele ficou em silêncio por algum
tempo, até que recomeçou a falar:
— Eu não sou bom para você,
loirinha. Mais cedo ou mais tarde, vou
te magoar. Entenda isso.
Sim, ele ia. Ao menos era sincero, o
que eu precisava valorizar.
Tirei a toalha do cabide e me sequei,
enrolando o corpo nu em seguida e indo
para o quarto.
— Só me diga se está bem, Rebecca.
Só isso, e eu vou te deixar em paz.
Respirei fundo, sabendo que era
insistente o suficiente para ficar ali por
mais muito tempo, até que eu cedesse.
— Estou bem. Preciso ficar um
pouco sozinha.
— Por favor, loirinha, me desculpa.
Você tinha bebido, não era certo. Não
era — ele mais parecia insistir para si
mesmo do que para mim.
Talvez estivesse falando a verdade,
mas parecia mais uma desculpa
esfarrapada para justificar a rejeição.
Mas eu podia suportá-la. Podia
esquecê-lo. Nem estava apaixonada
ainda, era apenas uma atração, porque
ele era muito bom nisso. Com aquela
aparência, nem precisava de muito
esforço para deixar uma mulher
completamente rendida.
— Como eu disse, estou bem. Só me
dê um tempo. Amanhã estará tudo bem.
Não estaria. Não dentro de mim.
Mas faria de tudo para que nem ele, nem
qualquer outra pessoa, pudessem
perceber. Não era difícil esconder uma
decepção.
— Ok, eu vou. Mas me chame se
precisar. Por favor, se...
— Bernardo! — chamei seu nome
com veemência, interrompendo-o,
porque não era a hora certa de lidar com
seu jeito atencioso. Queria pensar nele
apenas como o mulherengo que transava
com mulheres diferentes a cada semana,
mas que me negara um beijo. Um mísero
beijo. — Não vou passar mal porque
você não quis me beijar. Vou superar,
não sou tão boba quanto pareço.
Ele não respondeu. Não falou
absolutamente nada. Mas era melhor
assim. Se decidisse tentar me convencer
de que eu estava enganada a respeito de
ele não querer o beijo, seria pior. E eu
não queria acreditar.
Era melhor me conscientizar de que
fora apenas um lapso. Um erro.
Nós dois éramos um erro. Como
pude pensar que conseguiria seduzir um
cara como ele, sendo completamente
inexperiente?
eixei que alguns minutos se
D
passassem, esperando até ouvir a porta
de seu quarto batendo. Vesti uma roupa
de dormir, joguei-me na cama e peguei
meu celular, enviando uma mensagem
para Marcela. Sabia que iria me
arrepender depois, mas talvez o álcool
ainda estivesse no meu sangue em
quantidade suficiente para me fazer
cometer besteiras.
FIM
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O BEBÊ SECRETO DO
CEO
Eu o amava
Mas ele me deixou
Só não sabia que eu estava grávida.