J.M. Sollo

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J.M.

SOLLO
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Copyright© JULIANA MARTINS

Este e-book é uma obra de ficção.


Embora possa ser feita referência a
eventos históricos reais ou locais
existentes, os nomes, personagens,
lugares e incidentes são o produto da
imaginação da autora ou são usados de
forma fictícia, e qualquer semelhança
com pessoas reais, vivas ou mortas,
estabelecimentos comerciais, eventos,
ou localidades é mera coincidência.

CAPA: Y3Y ASSESSORIA


LITERÁRIA
DIAGRAMAÇÃO: Y3Y ASSESSORIA
LITERÁRIA
ASSESSORIA DE MARKETING: Y3Y
ASSESSORIA LITERÁRIA
REVISÃO: Y3Y ASSESSORIA
LITERÁRIA

Siga @y3yassessorialiteraria no
Instagram!
SUMÁRIO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
EPÍLOGO
CAPÍTULO UM
Ao menos a decoração estava de
bom gosto. Isso eu precisava admitir. De
resto, apenas uma festa de casamento
como todas as outras, que começara
entediante e terminaria entediante do
mesmo jeito.
Todos sorrindo, parecendo
felizes. Felizes demais.
Como alguém poderia ficar tão
feliz com a desgraça de outro? Um
pobre coitado seria amarrado no altar!
Game Over! Felizes para sempre,
transar com a mesma pessoa até que a
morte os separasse, dormir de
conchinha, cagar de porta fechada para
não acabar com a magia... Todas essas
coisas bregas e que só funcionavam em
livro.
Eu sabia, muito bem e na prática,
que casamentos só serviam para separar
as pessoas. Por que não um
relacionamento aberto, ou, ao menos,
cada um morando em sua casa?
​Ok... mas cada um com seu gosto.
Não tinha gente que comia jiló por
prazer? Era mais ou menos a mesma
coisa.
Marcela garantira que a
madrinha que entraria comigo no altar
era bonita, embora eu nunca a tivesse
visto. Não participei de nenhum dos
ensaios, mas não por minha culpa. Por
mais que odiasse cada segundo, minha
melhor amiga era mais importante para
mim do que qualquer coisa. A verdade
era que Marcela sabia muito bem que eu
estava enrolado com o novo projeto da
empresa.
Bem, eu sempre estava enrolado
com algum projeto da empresa. Como
me conhecia há mais de 10 anos, minha
amiga já nem se importava. Estive perto
dela em momentos cruciais, e ela fizera
o mesmo. Isso bastava para nós.
Não podia negar que o sujeito
que iria se casar com ela até que tinha
alguma sorte. Se um dia eu pudesse
sequer cogitar a remota hipótese de me
amarrar a alguém, teria que ser com uma
garota como ela. Sem frescuras, doce,
divertida e leal.
Já tive minha cota de traidoras
por uma vida inteira. Então... não,
obrigado. Preferia ficar solteiro do que
com um belo chifre nos cornos.
Meu dinheiro era um chamariz
de pessoas, no geral. Namoradas em
potencial, amigos, familiares que
surgiam do nada, colegas de escola e
faculdade que passavam a te seguir e
mandavam mensagens do nada... Muita
gente interessada em mais do que apenas
em mim. No caso das garotas, minha
aparência também não era das piores,
então eu sabia que poderiam surgir
algumas interesseiras no caminho.
E não me levem a mal, não estou
querendo soar machista, não. Há
interesseiros de vários tipo. O meu
próprio pai era o pior de todos, aliás.
De pé, no corredor da igreja,
comecei a olhar ao meu redor. Eu
reconhecia de longe a família de
Marcela – ao menos os seus pais, que
sempre juraram que seria eu com ela ali
naquele altar. Mal sabiam eles que eu
bem tentei, no início. Seduzi-la, no caso.
Mas a garota era difícil e jurou que
nunca ficaria com um cara como eu.
Falou na minha cara que era
virgem e que só se entregaria a um
homem que valesse a pena.
Eu deveria ter ficado ofendido,
mas sua sinceridade me fez querer tê-la
como amiga. E lá estávamos nós. Firmes
e fortes. Tanto quanto as colunas gregas
daquela igreja.
Ah! Outra vantagem: tinha ar
condicionado. Mais um ponto a favor
daquele casamento. Se eu somasse tudo,
poderia até me divertir.
Foi pensando nisso que uma
linda loirinha chamou a minha atenção.
Cabelos longos, soltos, cacheados nas
pontas, e um lindo vestido vermelho que
realçava seu busto delicado. Ela sorria
para alguma outra mulher que também
entrava, e uma covinha se destacou no
rosto de princesa.
Se aquela fosse a minha
acompanhante, as coisas poderiam até
mudar um pouco. Talvez o meu humor se
tornasse mais propício ao clima de
romance ao meu redor.
Depois de cumprimentar mais
uma pessoa – ela parecia conhecer
muito mais gente do que eu –, a moça
veio andando na minha direção. Nossos
olhares se encontraram por uma breve
fração de segundos, e eu caprichei no
sorriso, de canto, o favorito da maioria
das garotas que caíam na minha lábia,
mas ela nem pareceu se abalar. Da
mesma forma como me olhou, voltou-se
em uma direção aleatória, dando a
mesma importância a uma tia velha com
um chapéu engraçado que dera a mim.
Ela ia passar por mim como se
eu fosse uma estátua inanimada, mas eu
a vi cambalear, tendo pisado no próprio
vestido. Rapidamente me movi e a
segurei, amparando-a nos meus braços.
Olhos azuis enormes se voltaram
na minha direção, arregalados,
parecendo constrangidos.
— Ah, meu Deus! Desculpa... E
obrigada. Se não fosse você... — Hum...
a voz era doce também. Meiga. Tudo
nela combinava com inocência.
— Não precisa pedir desculpas.
Você está bem? — perguntei enquanto a
soltava.
— Sim, estou. Novamente,
obrigada — falou com um lindo sorriso.
E ela ia sair assim? Sem dizer
mais nada?
Não, nem pensar.
A garota já estava de costas para
mim, mas eu me virei. Aquela espera
estava um tédio, eu poderia passar
aquele tempo ao lado de uma garota
bonita, não poderia?
— Ei... — A loirinha se voltou
para mim. — Não vai nem dizer o seu
nome para o seu herói da noite? — disse
em um tom bem canastrão e brincalhão,
o que a fez sorrir novamente e
aproximar-se mais uma vez.
Estendeu a mão, fingindo uma
solenidade, esperando que eu aceitasse
o cumprimento.
— Rebecca. E o seu?
Fiz uma mesura exagerada,
pegando sua mão e beijando-a ao invés
de balançá-la como faria com um
homem. A linda garota riu, divertida, o
que me fez ganhar a noite.
— Bernardo. Ao seu dispor para
quedas eventuais. Quando a moça é
bonita como você, carregamos até no
colo sem despesas acrescidas.
Pensei que ela iria compreender
que se tratava de um flerte, mas a
loirinha pareceu apenas surpresa.
— Ah! Você é o Bernardo,
então? Nossa, a Marcela fala muito de
você. É o melhor amigo que eu nunca
consigo conhecer, porque é mais
ocupado do que o Papa. Eu sou a outra
melhor amiga. Somos quase rivais sem
nem sabermos.
Sim, Marcela já tinha usado
aquela expressão para zombar de mim.
Muitas vezes, aliás.
Tentei vasculhar a minha mente
em busca do nome dela, alguma
memória de Marcela falando sobre
alguma Rebecca.
Poxa, eu teria me lembrado se
ela tivesse mencionado algo sobre uma
amiga tão bonita, não? Já tinha me
apresentado outras garotas, algumas com
as quais cheguei a sair, mas se Rebecca
era considerada melhor amiga, eu já
deveria ter ouvido aquele nome, não?
Foi então que eu entendi.
Marcela sempre se negou a me
dar qualquer informação daquela outra
amiga que ela considerava como uma
irmã, porque a garota era – de acordo
com suas próprias palavras – inocente
demais para mim. Por não saber como
se chamava, apelidei-a de virgem. Não
de forma pejorativa, longe de mim, mas
mais como uma brincadeira.
Bem, o que importava era que eu
já tinha uma nova perspectiva daquele
encontro: a loirinha era território
proibido para mim. Não apenas porque
Marcela não aprovava, mas porque eu
nunca me envolveria com uma garota
como ela. Eu não era um príncipe
encantado, e uma moça inocente não
teria o menor interesse em um
relacionamento puramente físico. Ela
provavelmente iria querer romance,
flores, jantares e dormir de conchinha.
Eu não estava pronto para isso.
Nem de longe.
— Sim, sim. Você é muito falada
também — respondi, com menos
entusiasmo. Eu não seria babaca o
suficiente para abandonar a garota ali,
até porque ela fora a coisa mais
agradável daquela noite inteira, até o
momento, mas precisava me conter.
Flertar estava na minha natureza,
ainda mais com uma mulher tão bonita,
então eu precisava me controlar para
que não passasse a mensagem errada.
— Espero que bem. — Ah,
merda! Ela era uma gracinha. A forma
como ergueu a sobrancelha,
provocadora, charmosa, mas sem
nenhuma intenção de ser, me deixou
quase hipnotizado.
Eu deveria responder qualquer
coisa, tentar ser o mais gentil possível
antes que cometesse alguma gafe com a
melhor amiga da minha melhor amiga.
Antes que agisse como o babaca que eu
sabia ser quando queria. Só que nós
fomos interrompidos por alguém que
passou ao nosso lado.
Era um cara bem engomadinho,
de cabelo quase loiro, com gel, carinha
de playboy. Daqueles que herdaram uma
puta empresa do pai e ficaram riquinhos
sem o menor esforço. Ok, cada um com
a sua vida, mas eu era do lema do
trabalho duro. Cheguei onde cheguei
com o meu suor e talento.
Por mais que eu não tivesse ido
com a cara do sujeito de primeira, a
loirinha à minha frente, ao olhar para
ele, pareceu ter visto Deus, que acabara
de descer de uma nuvem, cercado por
anjos com trompetes e harpas, cantando
uma melodia celestial.
Os lindos olhos azuis brilharam,
e o sorriso tornou-se mais tímido ainda.
O rosto de porcelana corou
adoravelmente.
Por que não provoquei metade
daquela reação nela? Eu era mais
atraente do que aquele pamonha.
— Oi, Juninho! — ela falou toda
melosa.
Juninho sempre era uma forma
de apelidar alguém com um nome muito
feio.
Só que o entusiasmo que o
babaca demonstrou ao vê-la não foi
recíproco.
— Ah, oi, Becca. Você viu meu
pai? — perguntou, parecendo mais
entediado do que eu.
— O Seu Abelardo já está com a
Cela para entrarem juntos.
Pronto, lá estava a explicação.
Aquele idiota era o irmão da Marcela,
por parte de pai. A minha imagem inicial
dele estava completamente correta.
Babaquinha, filhinho de papai, herdeiro,
primogênito, promissor e super
desapegado à irmã.
Por que, então, a loirinha linda
parecia babar nele?
— Nós vamos entrar juntos, né?
— ela novamente parecia uma criança
que acabou de ganhar o melhor presente
de Natal.
— É. Parece que sim — o
babaca respondeu, mas nem olhou para a
garota, ficou procurando alguma coisa
ao redor, enquanto ela continuava
encantada.
Aquilo começou a me
incomodar.
— Como eu estava dizendo,
Rebecca, eu queria muito te convidar
para tomar alguma coisa amanhã. Um
café, talvez... Ou para jantar —
comecei, tentando parecer natural.
— O quê? — Ah, merda! Ela
não ia entrar no jogo.
Aproveitando que o panaca
estava ainda entretido com qualquer
outra merda, comecei a fazer gestos para
que Rebecca entendesse que se tratava
de uma artimanha para o cara notá-la.
Homens idiotas tinham a
tendência a notarem mulheres que não
lhes interessavam apenas quando outro
cara mostrava interesse. Aquela coisa
ridícula de marcar território.
Não sei se ela entendeu, mas
ficou calada.
— É, poxa. A Cela sempre fala
de você, mas nunca mencionou o quanto
é linda.
— Eh... bem... obrigada... —
respondeu, sem jeito. Ao menos não
colocou tudo a perder.
Naquele momento, como um
passe de mágica, o tal Juninho – leia
isso na maior voz de desdém que você
conseguir imaginar – voltou-se na
direção de Rebecca como se a visse
pela primeira vez. Boquiaberto, seus
olhos passaram por ela inteira, dos pés à
cabeça, parando no decote que,
realmente, evidenciava um belo par de
seios.
— Você está bonita mesmo,
Becca — falou meio bobo, fixando o
olhar na garota.
A cena era patética, e eu deveria
me retirar, mas logo surgiu uma outra
mulher, um pouco mais velha,
aproximando-se Júnior, e ele saiu de
perto, pedindo desculpas, deixando-me
sozinho com a loirinha.
Com um sorriso de canto,
agachei-me para sussurrar em seu
ouvido:
— Colocar ciúme em um cara
que você quer que te enxergue? Nunca
falha.
Então saí de perto, esperando ter
lhe dado uma dica preciosa.
Fala sério... o cara era um boçal
para não enxergar a gata que era tão a
fim dele.
Tinha feito minha boa ação do
dia, e dentro de uma igreja. Estava
liberado para exagerar no álcool para
suportar as provações daquela noite.
CAPÍTULO DOIS
“​ E eu vos declaro marido e
mulher...” – a romântica incorrigível em
mim nunca conseguia passar ilesa por
essa parte. E nem por nenhuma outra.
​Eu amava casamentos. Amava todo o
processo, desde a entrada dos
convidados, da noiva, os olhares
admirados do noivo, as músicas, a
decoração, os vestidos das madrinhas,
até as palavras do padre. Gostava tanto
da cerimônia em si quanto da festa.
​Claro que queria me casar.
Imaginava-me entrando numa igreja
como aquela, conduzida pelo meu pai,
sendo entregue ao homem que amava,
que juraria que iria me amar e proteger
para o resto dos meus dias. Um homem
que, nos meus sonhos, sempre tinha um
rosto específico.
​Era uma pena que eu provavelmente
nunca fosse fazer parte dos sonhos dele.
​Até aquela noite, depois da
intervenção do tal Bernardo, ele nunca
tinha me olhado com atenção. Algo me
dizia que ainda me via como a garotinha
magrela que aparecia para brincar com
Marcela, de aparelho nos dentes, que
babava por ele sem um pingo de
discernimento.
​Ok, eu realmente ainda babava por
ele sem discernimento algum, mas... já
dizia Sandy: “Eu cresci agora, sou
mulher...” ou, também, parafraseando
Pitty: “Eu estava aqui o tempo todo, só
você não viu”. Qualquer uma dessas
frases serviria para ilustrar a minha
situação com Juninho. O problema era
que ele parecia não querer enxergar, não
se dar ao trabalho de sequer me dar uma
chance.
​Durante toda a cerimônia, enquanto
eu entrava de braços dados com ele,
pensava no que Bernardo dissera sobre
ciúme. Estaria ele certo? Será que tudo
o que Juninho precisava era de um
empurrão?
​Para ser sincera, um empurrão seria
algo muito sutil. Ele precisava de bem
mais.
​Mas não era hora de ficar pensando
nisso. Era hora de curtir uma festa
maravilhosa e comemorar com a minha
melhor amiga.
​A festa estava linda, aliás.
Decoração impecável, música boa,
comida deliciosa. Marcela e Tiago, os
noivos, estavam exultantes. Dançavam
sem parar e bebiam sem parar. Eu mal
tinha conseguido falar com eles.
​Quando a oportunidade finalmente
surgiu, para eu poder parabenizar minha
amiga em paz, ela estava parada em uma
parte do salão, bebendo ainda mais
champanhe, depois de ser monopolizada
por um grupo de convidados. Resolvi
me aproximar. Só que, aparentemente,
alguém teve o mesmo pensamento,
porque meu ombro esbarrou em algo
muito sólido, fazendo-me desequilibrar.
Por sorte, o “objeto” no qual trombei foi
rápido em segurar meu braço.
​Outra vez.
​E lá estava Bernardo.
​O sorriso largo, a covinha, a
expressão maliciosa. Eu conhecia o cara
muito bem de nome e de fama. Marcela
nunca poupara elogios sobre o quão leal
e parceiro ele era, mas também nunca
passara pano para seu lado mais
cafajeste. Mulherengo até dizer chega, e
ninguém poderia culpá-lo. Com aquela
aparência, qualquer um abusaria da
sorte com o sexo oposto.
​Mas confesso que sempre fiz uma
imagem bem escrota dele por tudo o que
ela contava. No final das contas, era até
bem legal. Ou, ao menos, assim foi a
primeira impressão que tive.
​— Cuidado aí, loirinha. Não vá cair
e se machucar sem nem aproveitar um
pouco da pista de dança.
​Eu ia responder alguma coisa, mas
Marcela finalmente nos viu e veio em
nossa direção, tomando a nós dois em
um abraço de urso, parecendo já um
pouco alta.
​— Ah, meus dois melhores amigos
no mundo inteiro! Eu amo taaaaanto
vocês! — ela falou com a voz um pouco
embolada.
​— Eu também te amo, Celinha —
respondi animada, quase rindo de seu
estado. Péssima amiga eu era.
​Bernardo não disse nada. Talvez ele
não fosse muito de demonstrar seus
sentimentos.
​— Estou muito, muito feliz que
vocês dois fiiiiiinalmente vão se
conhecer! — Com o dedo em riste, ela
se voltou para Bernardo: — Ela é uma
gata, não é? Aliás, vocês dois são
lindos, e eu amaria que se pegassem
loucamente, mas você, garanhão — usou
o dedo que estava erguido para bater no
peito do amigo —, não vale o que come.
Não vou deixar que coloque suas mãos
na minha amiga pura e inocente.
​ timo, Marcela! Começamos a
Ó
sessão constrangedora!
​Mas pior do que a fala da minha
amiga foi o olhar que Bernardo me
lançou. Era fácil entender como ele
conseguia levar tantas mulheres para
cama daquela forma. O homem era
intensidade dos pés à cabeça. Cada um
de seus poros gritava o quão experiente
e confiante era.
​Ainda bem que eu estava calejada
para esse tipo de criatura ou cairia fácil,
fácil na sua lábia.
​— Não vou tocar na sua amiguinha,
Cela. Fica tranquila. — Ok, ele podia
estar falando isso, mas seus olhos
continuaram presos em mim, com um
tom provocador que me fez estremecer.
​ — Não mesmo. Isso aqui, meu
amigo, é uma joia rara. Raríssima. O
homem que ficar com essa garota é um
sortudo. — Ela era adorável até mesmo
bêbada. — Além de linda, a minha
Rebecca é poliglota. Tem noção disso?
A garota fala até alemão.
​— Uau, sério? — ele pareceu
impressionado.
​— Seríssimo! — Eu nem tive chance
de responder. — São quantas línguas,
querida? Cinco?
​— Seis. Inglês, espanhol, italiano,
francês, alemão e arranho um pouco de
japonês. Meu pai sempre gostou de
aprendê-las, e eu fui ensinada desde
cedo.
​— Isso é incrível.
​ Não é, Bê? Você não está prestes

a fechar uma parceria com uma empresa
alemã? — Então ela se voltou para mim:
— Bernardo é bilionário, miga. Dono de
uma empresa responsável por vários
aplicativos famosos. Quase um Mark
Zuckerberg, só que gato.
​Põe gato nisso, pensei, totalmente
inconsciente, enquanto o observava.
Moreno, cabelos castanhos em um tom
de mogno muito bonito, olhos
amendoados, boca espetacular – carnuda
e desenhada – pele naturalmente
bronzeada, alto – um metro e noventa ou
mais –, corpão. E quando eu digo
corpão não falo de ele só ser sarado.
Ele era grande. Ombros imponentes,
braços que mal pareciam caber no
smoking, cintura estreita, peitoral
estufado. Hollywood poderia contratá-lo
para o novo Vingadores, e ele não
perderia em nada em matéria de
músculos para Thor ou Capitão
América.
​— Estou. Aliás, bem providencial
esse encontro, loirinha. Você tem algum
cartão? Eu certamente vou precisar de
uma tradutora intérprete. Em algumas
semanas vou a São Paulo para me reunir
com esse sujeito e...
​Opa! Alerta vermelho!
​Sem chance de eu viajar com
Bernardo Nolasco, o cara mais galinha
do Rio de Janeiro – de acordo com
Marcela –, ainda mais levando em
consideração o tipo de olhares que ele
me lançava. Além do mais, eu não curtia
esse tipo de trabalho.
​— Ah, não! Eu só traduzo romances.
É o meu guilty pleasure, que ainda me
dá dinheiro — apressei-me em
responder. — Não faço esse tipo de
trabalho, me desculpa.
​Mal nos demos conta, mas uma
música específica começou a tocar.
Algo mais romântico, mais gostoso de se
ouvir, e Tiago veio rapidamente roubar
sua esposa de nós. Ou seja, acabei
sozinha com o bonitão, sem nem saber
onde enfiar minhas mãos.
​— Uau! Fui rejeitado! — Ele levou
a mão enorme ao peito, na altura do
coração, parecendo divertido. — Para
me compensar, eu acho que você deveria
dançar comigo.
​— Eu?
​— Por que não? Olha, dizem as más
línguas que não sou dos piores pés de
valsa por aí. Além do mais... —
Bernardo lançou um olhar para a pista
de dança, bem na direção de onde Junior
dançava com a mãe. — Seria uma boa
oportunidade para o seu crush — ele
falou a palavra com bastante desdém —
te notar. Vou me comportar bem,
prometo. — Então ele deu uma
piscadinha.
​Uma que teria me levado para a UTI
na mesma hora não fosse o meu
autocontrole.
​Era uma covardia que um homem
fosse tão bonito e ainda conseguisse ser
sexy sem esforço.
​Vendo-me completamente sem
reação, assenti, aceitando, e ele pegou a
minha mão, conduzindo-me.
​A forma gentil como me tomou nos
braços não combinou exatamente com a
maneira como sua mão, firme na minha
cintura, me puxou para si, colando
nossos corpos. Olhos nos olhos, ele me
mantinha hipnotizada. Como conseguia
esse tipo de coisa?
​— O tal Juninho está olhando para
nós — ele falou alguns instantes depois,
fazendo-me perceber que eu não tinha
me dado conta de nossa proximidade
com mais ninguém.
​— Ele está? — foi tudo o que
consegui dizer.
​ Você me permite ser um pouco

mais ousado? — ele falou do nada.
​— O quê? Como assim? Eu... —
gaguejei como uma boba.
​— Permite? — insistiu, com uma
sobrancelha erguida.
​— Tá, tudo bem.
​Então Bernardo me apertou com
mais força contra si e se inclinou, para
sussurrar no meu ouvido:
​— Sorria naturalmente. Finja que
estou falando algo muito sexy no seu
ouvido. — Eu nem precisava me
esforçar. Só a voz dele...
​Abri um sorriso. No início foi um
pouco falso, e eu me senti muito estranha
fazendo isso, mas Bernardo pareceu
perceber.
​ — Seja como for, não é mentira.
Você é linda. De longe a mulher mais
bonita neste casamento. O vestido está
deslumbrante, e você chama atenção por
onde passa. Qualquer cara teria sorte em
tê-la esta noite.
​Oh, Deus! Ouvir esse tipo de coisa
sussurrada dessa forma deveria ser
proibido. Ainda mais em público. Como
me manter com as pernas firmes ou com
a cabeça no lugar ao receber tais
elogios? Nunca tinham falado assim
comigo. Não de uma maneira tão
sensual, tão envolvente.
​Sem nem perceber, peguei-me, de
fato, sorrindo. Quando meu olhar recaiu
sobre Junior, eu poderia jurar que não
estava em busca de sua reação. Foi algo
completamente inesperado e nada
estratégico, mas lá estava ele olhando
para mim e para Bernardo.
​Minha companhia pareceu perceber
isso também, porque usou de um lado
levemente exibicionista e me fez girar
em seus braços e me inclinou para trás,
em um passo de dança mais ousado. Isso
me fez rir de verdade. Divertida, leve e
envolvida.
​Quando a música terminou,
Bernardo se inclinou, beijando-me no
rosto e novamente sussurrando no meu
ouvido:
​— Obrigado pela dança. E não se
esqueça do que eu disse, você é a
mulher mais bonita desta festa. Valorize-
se e não fique esperando a vida inteira
por um idiota que não percebe o que
está perdendo.
​Depois de dizer isso, Bernardo
pegou minha mão, beijou-a e se afastou.
​Simples assim.
​Como se não tivesse me deixado
abalada o suficiente.
​Ponto para ele.
CAPÍTULO TRÊS
​ — UM! DOIS! TRÊS! — uma
Marcela ainda mais bêbada do que antes
começou a gritar no meio do salão, com
o buquê erguido sobre a cabeça, pronto
para ser jogado. Um arco-íris de
mulheres se enfileirou logo atrás dela,
com seus vestidos elegantes, mas
descalças, prontas para tudo e nada.
​Gritavam, riam, estavam em guerra.
​Eu, não.
​Ok. Eu queria me casar. Sabia quem
desejava que fosse o noivo. Era super
romântica, mas não tinha coragem
suficiente para me enfiar no meio
daquelas mulheres tão empenhadas.
Tinha muito amor à minha pele para
sequer pensar em sair de lá toda
arranhada, roxa ou com alguns tufos de
cabelo a menos.
​Ainda assim, fiquei sentada por
perto, observando toda a comoção. Por
cima do ombro, Marcela lançou um
olhar discreto para mim, como se
estivesse me procurando, o que eu não
entendi, mas logo tudo fez sentido
quando o buquê veio parar literalmente
no meu colo sob os protestos de “é
marmelada!”.
​Inconscientemente, meus olhos
viajaram pelo salão, encontrando Junior
do outro lado, conversando com um cara
que eu não conhecia. Ele deu um gole na
bebida e se voltou na minha direção,
lançando-me um olhar de soslaio como
nunca tinha acontecido antes.
​— A loirinha vai se casar... só vai
depender se o otário cego vai querer —
novamente a voz familiar falou, mas
quase seguindo o ritmo da canção
infantil.
​Ergui meus olhos e vi Bernardo
parado ao meu lado.
​O que diabos o cara tinha visto em
mim para parecer tão insistente? Metade
das mulheres naquela festa deveriam
estar mais do que dispostas a irem para
a cama dele.
​Mas eu não estava.
​— O otário cego não quer — falei,
meio mal humorada. — E quem disse
que eu quero me casar também? Você me
viu ali, guerreando pelo buquê? Ele veio
a mim por livre e espontânea vontade.
​— Você parece uma garota
romântica. Vi seus olhinhos brilharem
em cada momento da cerimônia —
comentou, bebendo um gole de seu
champanhe.
​— Estava prestando atenção demais
em mim.
​— Não nego. Já falei que você é a
mulher mais bonita daqui. É impossível
eu não querer te olhar. — Uau! Ele era
mesmo direto.
​— Ok, obrigada pela parte que me
toca, mas os olhinhos brilhando era por
causa de Cela. Estou feliz por ela.
Quero que seja feliz com o cara que
ama.
​— Hummm! — Sem nem ser
convidado o abusado se sentou na
cadeira ao lado da minha, que estava
vaga. — Você é uma boa amiga, então,
Rebecca. Estou precisando de pessoas
como você na minha vida.
​Ergui uma sobrancelha, confusa, sem
fazer ideia de aonde ele queria chegar.
​— Do que você está falando?
​Ele sorriu, cheio de uma malícia que
parecia muito intrínseca à sua
personalidade. Não maldoso, mas algo
meio moleque, meio travesso, que seria
extremamente perigoso para quem não
fosse cauteloso o suficiente.
​— Estou perguntando se você quer
ser minha amiga.
​Não pude conter uma risada.
​— Por que estou me sentindo como
se estivesse no jardim de infância? —
brinquei.
​— Pode ser. Com a diferença de que
amizades de adultos implicam em
compromissos mais sérios.
​Eu ainda não fazia ideia de onde ele
estava querendo chegar.
​— Não entendi.
​Bernardo tirou um cartão do bolso
de seu smoking.
​— Se você quiser ser minha amiga,
seria muito legal da sua parte me ajudar
com o trabalho do qual te falei mais
cedo. Eu realmente preciso de uma
tradutora e estou disposto a pagar muito
bem por isso.
​— Eu ganho bem, sabia? Não posso
reclamar.
​— Estou disposto a pagar o dobro
do que você ganha em um mês por duas
semanas de trabalho.
​Mas o quê? Pelo amor de Deus,
seria uma baita de uma grana.
​Não que meus ganhos por mês
fossem exorbitantes, mas o dobro? Por
duas semanas? Seria incrível.
​— Você não joga para perder não é?
— falei, divertida, brincando com o
buquê, que ainda estava nas minhas
mãos.
​Sem dizer nada, Bernardo tirou uma
das flores dele, levando-a ao meu
cabelo e prendendo-a lá.
​— Eu sou insistente, loirinha.
Quando quero muito uma coisa, eu vou
até o fim. — Por que será que o olhar
que me lançava fazia com que eu
acreditasse que havia mais do que
segundas intenções em sua frase?
​Só que ele também tinha criado um
monstro, porque estava disposta a saber
até onde era capaz de ir.
​— Você há de convir que não é
exatamente uma decisão para ser tomada
no meio de uma festa de casamento —
provoquei.
​— Não, por isso estou te dando o
meu telefone. Assim que se decidir,
entre em contato.
​Finalmente peguei o cartão.
​— Tudo bem. Vou pensar com
carinho.
​Eu estava flertando com ele? Mas
que louca! Devia ser o álcool, embora
eu não tivesse bebido tanto assim.
​Para a minha sorte, antes que falasse
qualquer besteira, Marcela chegou
acompanhada de Junior.
​Novamente de forma inconsciente,
eu me empertiguei na cadeira. Por que
raios aquele cara mexia tanto comigo?
Estava conversando até aquele momento
com um dos homens mais bonitos que já
tinha visto, um cara sexy, interessante e
que me achava linda. O que havia de
errado comigo?
​— Bequinha, eu acabei de pedir
para o meu mano te levar em casa, só
que ele já está indo embora. Você topa ir
agora? — Marcela deu uma piscadinha
completamente perceptível, e ela com
certeza jurava que estava sendo discreta.
​— Não seja por isso, eu posso levar
a Rebecca, se for o caso. Ela não
precisa ir embora agora — Bernardo
ofereceu, e eu já não sabia dizer se era
uma encenação, já que ele parecera tão
empenhado em fazer Junior me notar
com a tal demonstração de ciúme, ou se
estava falando sério.
​Por via das dúvidas, achei melhor
não contar com sua oferta, porque ele
poderia estar só tentando provocar o
outro.
​— Ah, eu posso ir agora, sem
problemas. — Ergui o objeto que tinha
em mãos. — Eu já peguei o buquê, né?
Estou com sorte — brinquei, tentando
descontrair o ambiente.
​— Ok, tudo bem. Vou me despedir
da minha família, pegar minhas coisas e
volto para te encontrar.
​Assenti, quase animada, e tive que
lidar com a minha amiga dando mais
uma piscadinha para mim, por cima do
ombro. Marcela já era uma figura em
qualquer situação, mas bêbada? Era
hilária.
​— Você deveria beijá-lo — a voz
masculina ao meu lado falou
subitamente, deixando-me surpresa.
​ O quê? — Ele só poderia estar

brincando, não é?
​— Beijar o Juninho ali. Você não
quer?
​— Quero, mas não é tão simples. E
se ele me rejeitar?
​— Linda, entenda uma coisa. Um
homem nunca rejeita o beijo de uma
mulher bonita. Se isso acontecer, você
pode desistir do cara de vez, porque ele
realmente não quer nada com você, e eu
vou estar te poupando de um estresse e
de ilusões perdidas.
​— Mas vai ser doloroso.
​— A espera também está sendo, não
está?
​Ele tinha razão. Anos e anos sem
saber, sem ter uma noção do que
aconteceria se eu tomasse a iniciativa.
Talvez, de fato, estivesse na hora de uma
atitude. O não eu já tinha, o que viesse
era lucro.
​Só que não foi fácil. Junior também
não contribuía muito, porque não era
exatamente um cara falante ou muito
animado. A música no rádio – uma MPB
igualmente calma e melancólica – era a
trilha sonora que nos embalava, mas
estava servindo apenas para me deixar
mais nervosa.
​— O casamento foi lindo, né? —
tentei, mas Junior não tirou os olhos do
vidro à frente.
​— Foi sim. Marcela passou um ano
inteiro planejando.
​— Ah, mas ela tem muito bom gosto
— comentei, aumentando meu sorriso,
esperando que Junior fosse contagiado
por ele. Mas nada. — A comida estava
deliciosa. E seu pai... nossa, estava em
êxtase.
​— Ele gosta de Tiago.
​E essa foi toda a conversa. Não
encontrei mais nada para dizer, e Junior
também não parecia muito empenhado
em puxar assunto. Era como se estivesse
me levando em casa por total obrigação.
​Deixei que avançássemos até
chegarmos em frente ao meu prédio.
Junior parou, encostando na calçada da
rua vazia àquela hora da madrugada.
​— Pronto, está entregue — ele falou,
finalmente sorrindo, mas nada muito
entusiasmado.
​ ra a minha última chance antes que
E
perdesse a coragem, se é que a tive em
algum momento.
​— Não quer subir? — tentei.
​Percebi que Junior ficou um pouco
sem graça, coçando a cabeça, mas não
demorei a entender qual seria a sua
resposta.
​— Está tarde, estou cansado...
​Assenti, sentindo a primeira
rejeição. Eu poderia desistir ali e entrar
na minha casa, no meu refúgio,
alimentando meu coração de dúvidas.
Só que estava cansada disso. Eram
muitos anos na mesma, vivendo em
função de um sentimento que poderia
nunca ter recíproca. Era hora de mudar
isso.
​ ngolindo
E o constrangimento,
inclinei-me na direção de Junior, pronta
para beijá-lo, mas no momento em que
fiz isso, ele realmente recuou.
​Sem nem disfarçar. Sem se
preocupar se me magoaria ou não.
​— Ei, calma, Becky. O que é isso?
— perguntou, como se não fosse muito
óbvio.
​— Eu gosto de você, Juninho. Há
algum tempo.
​Ele ficou calado, ponderando.
​— Mas você é a melhor amiga da
minha irmã. Isso não é muito certo.
​— Por quê? Errado seria se
fôssemos irmãos, mas não somos. Acho
que seria muito bom, aliás, porque nos
conhecemos há muito tempo. Sabemos
como somos. Você me conhece e... —
Ah, droga, eu não parava de falar.
Estava nervosa, mãos tremendo. Só
deveria sair dali e me esconder. Por que
ainda estava insistindo?
​— Desculpa, Becky. Você é ótima,
mas acho que a gente não combina em
nada. Você está muito bonita, não posso
negar, mas não seria legal ficarmos
juntos, porque eu não iria assumir um
relacionamento, e Marcela me mataria
se eu te magoasse.
​Meu Deus, que vergonha! Eu tinha
mesmo sido rejeitada. As palavras de
Bernardo pulsaram na minha mente:
“Um homem nunca rejeita o beijo de
uma mulher bonita. Se isso acontecer,
você pode desistir do cara de vez,
porque ele realmente não quer nada
com você”.
​Era isso. O cara que eu gostava
desde que me entendia por gente não
tinha o menor interesse em mim.
​Por mais que doesse, era melhor
saber, não?
​Fosse como fosse, a vergonha me fez
desafivelar o cinto de segurança, abrir a
porta, agarrar minha bolsa e saltar.
Junior me chamou algumas vezes, mas
não lhe dei atenção. Saí caminhando e
atravessando o portão que o porteiro
abriu para mim e passando pelo hall.
​Peguei o elevador, rezando para que
ele fosse um pouco mais rápido, e assim
que consegui entrar no meu apartamento,
mas mal me permiti chegar muito longe,
porque me joguei no chão, com as costas
apoiadas na porta, deixando as lágrimas
me consumirem.
​Não que a reação de Junior tivesse
me surpreendido, mas era mais o
constrangimento. Com que cara eu iria
olhar para ele novamente?
​Com que cara iria me olhar no
espelho, não por ter feito o que fiz, mas
por ter sido a babaca iludida por anos e
anos, incapaz de enxergar o que era bem
óbvio.
​Junior não gosta de você. Nunca
gostou. Essa era a verdade. Hora de
compreendê-la de uma vez por todas e
tentar seguir em frente.
​Mas só por aquela noite eu iria me
permitir a fossa. Só por aquela noite.
CAPÍTULO QUATRO
​ oram duas horas de inferno. Uma
F
conferência que poderia ter durado
pouco mais de meia hora estendeu-se
eternamente pelo simples fato de que
Hans Mallmann, o CEO da empresa com
a qual estava prestes a firmar uma
enorme parceria, falava um inglês
medíocre. De dez palavras que ele dizia,
eu não entendia quinze. Seu sotaque era
péssimo, e ele demorava muito para se
lembrar de palavras específicas,
confundindo-as, o que prejudicava
demais nossa comunicação.
​Sua secretária também não foi de
muita ajuda na função de intérprete, e eu
lamentei não ter contratado alguém para
me ajudar.
​E foi então que a imagem da doce
Rebecca surgiu em minha mente.
​Eu precisava encontrar uma forma
de convencê-la a trabalhar comigo,
principalmente porque dali a duas
semanas teria que viajar para receber
Hans na sede da empresa em São Paulo.
​O que significava, para o bem e para
o mal, que o negócio estava caminhando
muito, muito bem.
​Aliás, eu não podia reclamar da
minha vida profissional. A pessoal ia
muito bem também – obrigado –, mas a
empresa com a qual sonhei desde que
era um moleque ia de vento em popa.
Criei meu primeiro site aos quatorze
anos; um pequeno mecanismo de busca,
tipo o Google, mas mais limitado, e
desde então não parei. A BN Tecnologia
era meu xodó, e muito provavelmente
tomava mais do meu tempo do que seria
prudente, mas eu gostava do que fazia.
Sobrava tempo para sexo casual e para
alguma diversão, então, o que mais
poderia pedir?
​Só que eu queria muito que aquela
nova parceria desse certo. Se sim, eu
estaria me unindo a uma enorme
empresa de sistema operacional – tanto
de computador quanto de celulares –
para criar aplicativos exclusivos. Um
contrato bilionário. Coisa de tantos
dígitos que confundiria até o meu
contador.
​E engordaria minha conta bancária
de uma forma quase assustadora.
​Não que eu tivesse sido exatamente
pobre algum dia. Minha família sempre
foi classe média, e eu não era muito
adepto dessa coisa de dizer que eu vim
do nada, porque não era verdade. Tive
incentivo em casa, oportunidades de
estudar, e por mais que meus pais não
fossem um exemplo de amor, carinho e
dedicação, eu não queria bancar o pobre
menino rico, porque não era do meu
feitio. Ainda assim, nunca fomos tão
bem-sucedidos como eu passei a ser.
​O problema com tanto dinheiro era
começar a achar que você poderia
comprar tudo. Que tudo tinha um preço.
E a maioria das coisas realmente tinha,
mas às vezes a gente quebrava a cara.
​Lá estava eu, por exemplo, frustrado
por não ter conseguido contratar a
tradutora que queria, porque a loirinha
nem sequer ligou para mim. E já fazia
quatro dias desde o casamento.
​Os elogios de Marcela só pioraram
a minha ansiedade. Minha amiga sairia
em lua de mel dali a dois dias, quando
iria para o Havaí, e nós almoçamos
juntos na tarde anterior, então o assunto
foi basicamente Rebecca. Por mais que
Cela não estivesse nem um pouco
interessada em nos juntar, o que ela
deixou mais do que claro umas mil
vezes, sua vontade de enaltecer as
qualidades da garota era enorme.
​Ela fez isso como uma vendedora
profissional. Se eu estivesse em uma
galeria, pronto para realizar a compra
de Rebecca, eu a teria adquirido por
uma quantia exorbitante depois tanta
propaganda.
​Fiquei pensando nisso durante o
almoço tardio que fiz sozinho, em um
restaurante pequeno e charmoso perto do
prédio da empresa, e foi quando surgiu a
ideia.
​Precisei convencer Marcela a me
passar o telefone de Rebecca, o que me
custou mensagens e mensagens,
promessas de presentes incríveis e muita
lábia gastada, mas lá estava eu
telefonando para a loirinha.
​Quando ela atendeu, a vozinha
gostosa do outro lado da linha me fez
sorrir.
​— Boa tarde, loirinha.
​Ela ficou calada, e eu supus que
reconheceu minha voz ou o apelido. Não
importava. Eu queria que ela soubesse
quem era.
​— Como conseguiu meu telefone?
— ela perguntou, mas não demorou a
acrescentar: — Não precisa explicar.
Marcela.
​— Não brigue com ela. É por uma
boa causa. Eu queria te chamar para
jantar.
​Novamente o silêncio do outro lado
da linha, e eu jurei que seria rejeitado
de cara.
​— Do nada? — foi a pergunta dela.
​— Bem, temos uma amiga muito
querida em comum, acho que isso nos
torna quase amigos também. Além do
mais, eu preciso de motivos para chamar
uma garota legal para jantar? — Tomei o
cuidado de dizer legal e não bonita.
​Ela, sem dúvidas, era as duas
coisas, mas achei melhor manter o
elogio apenas à sua personalidade.
​Ouvi uma risadinha do outro lado da
linha.
​— Você é bem esperto, né? Mas tudo
bem. Vamos jantar.
​Ela não parecia exatamente
entusiasmada, mas era um começo. Eu
podia me esforçar para deixá-la mais
interessada na minha companhia. E não
havia nada de sexual em meus
interesses. Era puramente profissional.
​— Posso te pegar às oito? —
perguntei, calculando o tempo para que
eu ainda pudesse passar em casa, tomar
um banho, me arrumar e ir buscá-la.
​— Tudo bem. Vou te adicionar no
Whatsapp e te passar meu endereço por
lá.
​— Perfeito.
​Sentindo-me confiante, desliguei e
voltei ao trabalho, sabendo que ainda
teria umas duas horas mais ou menos de
expediente.
​Por incrível que pudesse parecer, eu
estava animado para o jantar.
​O tempo até que passou bem rápido,
e quando me dei conta já estava de
frente para a porta dela, com um
pequeno buquê de flores – algo que
nunca fiz na vida. Tudo para convencer a
garota.
​Eu poderia contratar qualquer
tradutor, embora não fosse fácil achar
um bom de verdade, mas como eu
passaria alguns meses na companhia
diária dessa pessoa, já que teríamos que
dividir hospedagem em uma casa
alugada em São Paulo, eu preferia que
fosse agradável e de confiança, indicada
por alguém que era importante para
mim.
​E eu estava disposto a tudo para
conseguir.
​Provavelmente já tinha virado uma
questão de honra e de ego, mas eu nem
me importava com isso.
​Só que ao vê-la abrir a porta, usando
um lindo vestido azul colado ao corpo,
embora nada decotado e nada curto, as
coisas tomaram um novo rumo.
​Não que eu não tivesse percebido no
dia do casamento, mas – puta que pariu!
– que mulher linda.
​Os cabelos caíam lisos por suas
costas, havia uma leve maquiagem mais
escura nos olhos azuis, e os lábios
estavam pintados de um tom mais nude.
Brincos simples, cordãozinho singelo,
ela era a perfeição. A imagem da
inocência. Parecia errado eu me
aproximar dela, porque sentia como se
até mesmo nossa proximidade pudesse
corrompê-la. Eu não era um exemplo de
bom comportamento, e os pensamentos a
respeito de Rebecca naquele momento
me faziam sentir como se fosse um
pervertido olhando um anjo com cobiça.
​Um anjo.
​Porra, era isso que ela parecia.
​Estendi o buquê para Rebecca, que
sorriu, cheirando-as.
​— São lindas, obrigada. Estou quase
pronta. Só vou colocar essas flores em
um vaso e preciso desligar meu
computador. Estava trabalhando até
agora.
​— Fique à vontade.
​— Obrigada, pode entrar. Sente-se.
Não vou demorar.
​Rebecca desapareceu dentro de
algum cômodo da casa, e eu fiquei
olhando as fotos sobre o rack. Não me
passou despercebido que um dos porta-
retratos estava virado de cabeça para
baixo, como se ela quisesse esconder a
imagem. Provavelmente era muito abuso
da minha parte, mas não resisti em dar
uma olhada no que se tratava.
​Lá estava uma foto de Rebecca ao
lado de Marcela e do babaca por quem
ela era apaixonada.
​Fiquei alguns instantes ainda
olhando para o trio e me perguntando o
que diabos ela tanto via naquele sujeito
quando ouvi um barulho demonstrando
que não estava mais sozinho.
​— Desculpa. Não queria bisbilhotar
— falei ao olhar para ela e vê-la
observando-me. Rapidamente coloquei a
foto no lugar.
​— Não, foi só uma idiotice
impulsiva. Atitude de uma mulher
magoada — respondeu dando de
ombros, enquanto colocava o vaso sobre
a mesa de jantar, já com as flores.
​— Como assim?
​— Bem... eu segui seu conselho e
adivinha o que aconteceu? — enquanto
falava, Rebecca pegava uma bolsa
pequena sobre o sofá e colocava a
corrente dourada pendurada em seu
ombro.
​ — Ah, não. Você tentou beijar o
idiota, e ele recusou? — Ela assentiu.
— Não é possível!
​— É possível, sim. Ele tem tentado
me ligar desde então, mas não atendi.
Não consigo me imaginar tendo uma
conversa depois do que aconteceu.
​— E como poderia? Sério,
Rebecca... desista desse cara. Ele é um
idiota.
​Rebecca deu de ombros.
​— Ele só não está a fim de mim.
Tem direito, não?
​— O que já o torna um idiota —
respondi quase com raiva, mas não iria
perder tempo falando do imbecil quando
estava prestes a levar uma garota linda
para jantar. — Seja como for, vamos
esquecê-lo por esta noite, ok? Espero te
divertir o suficiente para valer a pena.
​— Eu também espero. Porque eu
estava planejando uma noite
emocionante com Neftlix, pipoca e
sorvete. Faça valer a pena, rapaz. Faça
valer a pena! — falou divertida, e eu
jurei que me empenharia para isso.
​E, claro, para conseguir o que
queria.
​Levei-a em um lugar bem elegante,
para o qual era necessário uma reserva
de meses, mas não no meu caso. Tudo o
que eu tinha que fazer era ligar, e uma
mesa magicamente surgiria. Se Rebecca
ficou impressionada, não demonstrou.
​Tentei ser ao máximo cavalheiro,
puxando a cadeira, tirando seu casaco e
ajudando-a a escolher o prato, baseado
no meu preferido do local. Pedimos um
vinho também, mas Rebecca
praticamente só bebericou, durante boa
parte do tempo, o que era um indicativo
de que não se sentia muito à vontade
comigo para ousar mais.
​Ainda assim era bom ter a conversa
que eu queria ter com ela sóbria.
​Falamos sobre nossas famílias,
nossos empregos, e eu contei a história
da minha empresa, o que pareceu
entretê-la. Ela era uma boa ouvinte, e
era gostoso conversar de forma
despretensiosa. Também era inteligente,
tinha bom humor, e eu gostava de seu
sorriso. A risada, então... Discreta, mas
contagiante. Uma garota e tanto. Marcela
tinha razão.
​Já estávamos na sobremesa quando
eu decidi que estava na hora de abordar
o assunto.
​— Sei que você já negou, mas não
sou um cara que aceita um não com tanta
facilidade, especialmente quando tem a
ver com os meus negócios. E eu
realmente preciso de uma tradutora
competente...
​— Você nem sabe se sou boa —
retrucou.
​— Marcela foi bem convincente.
Além do mais, poderíamos fazer um
teste. Daqui a dois dias terei outra
reunião com o cara, e eu vou ficar
perdido sem um tradutor. Se você puder
quebrar meu galho dessa vez, prometo
que vou te recompensar. Estou disposto
a pagar bem.
​Ela pegou a taça, dando uma golada
econômica no vinho.
​— Você me trouxe para jantar para
isso? — disse em um tom divertido.
​— Não vou ser hipócrita. Foi um
dos motivos, é claro, mas sua companhia
é bem agradável.
​Ela respirou fundo, balançando a
cabeça como se estivesse lidando com
um garotinho de dez anos.
​— O que você precisa, Bernardo?
Não posso prometer que vou topar o
trabalho e a viagem, mas posso te ajudar
na sua reunião depois de amanhã.
​Fiquei um pouco mais esperançoso.
​— Jura? — Peguei a mão dela e a
beijei, animado. — Eu sabia que você
não ia me decepcionar!
​— Veja bem... eu disse que vou te
ajudar desta vez. Enquanto isso, vá
tentando achar um tradutor, ok?
Infelizmente não tenho ninguém para te
indicar, porque não cheguei a fazer
curso nem nada, mas posso perguntar a
alguns amigos do ramo de tradução
literária.
​— Deixa eu ser bem sincero... Ainda
tenho esperanças de conseguir te
convencer. Seja como for, já agradeço
por essa ajuda. Depois conversamos de
novo.
​Sim, nós conversaríamos. Até
porque, novamente, era uma questão de
honra. Eu queria trabalhar com Rebecca.
Por algum motivo era interessante tê-la
por perto.
​E eu normalmente tinha o que queria.
CAPÍTULO CINCO
​ uito provavelmente eu deveria
M
fazer minha cabecinha acreditar que
estava brincando com fogo. Pior do que
isso, eu deveria saber que o homem ao
meu lado era um expert em sedução de
todos os tipos, e isso provavelmente
incluía seu poder der persuasão nos
negócios, porque eu já estava achando
ótima a ideia de trabalhar para ele,
mesmo que até horas atrás nem passasse
pela minha mente.
​Mas, mais do que isso, eu estava
adorando a companhia dele. O que era
ainda mais perigoso.
​Após o jantar delicioso, Bernardo
me levou para uma caminhada no
calçadão – já que o restaurante ficava
bem em frente à praia –, e isso se
estendeu até a areia. Estava gelada, da
noite, mas eu amava o mar, o cheiro de
maresia, e concordei.
​Sandálias nas mãos, deixei que ele
nos conduzisse. Normalmente eu não
confiava tanto assim nas pessoas, mas
Marcela sempre me dissera que
Bernardo era um cara legal. Sexy
demais para o meu gosto, mas eu
poderia me controlar ao lado de um
homem bonito. Não seria o primeiro e
nem o último. E, em sua defesa, ele não
estava sequer tentando me seduzir para
me levar para cama.
​— Vou te confessar uma coisa,
posso? — ele falou do nada, quebrando
o silêncio. Eu assenti. — Pelo que
Marcela falava, fiz uma imagem
completamente diferente de você.
​— Da noviça nada rebelde? —
brinquei.
​— Algo assim. Uma garota mais
retraída, boba e sem sal. Sou péssimo,
não sou?
​— Ah, você é, mas não é o único.
Também não te imaginei da forma mais
lisonjeira. Jurei que era o tipo de cara
que passa cantadas a qualquer uma a
cada cinco minutos.
​— Não sou assim tão óbvio. Assim
como você também não é.
​— E como eu sou? — perguntei com
uma sobrancelha erguida, tentando
parecer divertida antes que a conversa
tomasse rumos perigosos.
​Bernardo parou de caminhar e se
colocou parado ao meu lado, olhando
para mim.
​— Doce, gentil, bem-humorada,
inteligente, independente...
​— Independente não foi exatamente
uma escolha...
​— Nunca é. Mas qual a sua
explicação? — ele parecia
verdadeiramente interessado.
​— Pais muito velhos. Sou filha
temporã. Conservadores demais, e eu
era desejada demais. Fui criada numa
redoma.
​— Isso explica seu jeitinho mais
recatado.
​Sorri, quase tímida, dando de
ombros.
​— Eu tinha muito pouco contato com
meninos. Frequentei uma escola
normalista, e eles queriam que eu fosse
professora, como a minha mãe. Mas não
levo muito jeito para falar em público,
então aproveitei meu conhecimento de
línguas para trabalhar em algo que me
permitisse ficar escondidinha no meu
canto.
​ — Mas você é boa socializando.
Sabe conversar...
​— Só quando a pessoa conduz bem
o papo. Não sou exatamente
introvertida, mas algumas coisas ainda
são difíceis para mim.
​— Tipo tentar beijar o cara por
quem é a fim desde menina? — Ah,
droga! Ele ia mesmo voltar nesse
assunto? — Foi bem corajoso da sua
parte.
​— E ridículo — falei baixinho,
ainda incomodada.
​— Não, Rebecca, não foi. Você
estava lutando pelo que quer. Ridículo
foi ele que te deixou constrangida.
​— Mas ele não é obrigado a me
beijar, se não quiser.
​ ernardo deu um passo à frente,
B
colocando-se mais perto. Bem perto.
​Perto demais.
​Então sua mão enorme foi parar no
meu rosto, de forma extremamente
delicada, tocando-o com hesitação.
​— Só um idiota não iria querer
beijar você, loirinha.
​— Ainda assim, ele não é obrigado
— eu disse, enquanto engolia em seco
pela proximidade.
​Qualquer uma aproveitaria o clima.
O mar rugindo atrás de nós, o céu
estrelado, a brisa leve soprando ao
nosso redor, o homem bonito que me
olhava como se eu fosse algo
completamente desejável, dizendo que
qualquer um gostaria de me beijar.
​Só que ele não era qualquer um. Era
um cara com um potencial bombástico
para partir o meu coração. Eu não era a
garota forte e descolada que
simplesmente seguia em frente depois de
uma ilusão. Houvera apenas um cara na
minha vida, um que conquistara meu
coração muito cedo, e eu nunca pensei
em mais ninguém. Beijei muito poucos,
mas mesmo assim ainda não era algo
leviano.
​Eu não ia transar com Bernardo
Nolasco. E ele não iria se contentar com
andar de mãos dadas ao por do sol e
beijos inocentes. Então não nós não
éramos compatíveis. Eu não era mulher
para ele, ele não era homem para mim.
​— Ninguém é obrigado a nada, na
verdade — falei, recuando finalmente,
antes que as coisas ficassem estranhas.
— Talvez ele só não queira me magoar.
Nós nos conhecemos desde crianças. Eu
sou melhor amiga da irmã dele... as
coisas são complicadas.
​— Nada é complicado, loirinha. Nós
que é que pensamos que tudo é muito
mais complexo do que parece.
​— Hum... — murmurei, analisando
sua resposta. — Você acha? Por que,
então, não tem um relacionamento
sério?
​Ele deu de ombros, enfiando as
mãos no bolso da calça, sorrindo.
​— Porque não quero.
​— E se aparecer alguém? Vai dizer
que você não vai complicar tudo? Não
ligar no dia seguinte, se esforçar para
não se envolver, fazer o blasé...
​Bernardo riu.
​— Namorar é complicar, loirinha.
Na maioria das vezes um
relacionamento casual é muito mais
saudável. E não tem nada de errado
nisso; conhecer alguém compatível,
fazer horas de sexo selvagem e depois
cada um ir viver sua vida.
​— Eu não acho que há nada de
errado nisso, cada um faz o que quer,
mas eu não conseguiria. Falando bem
claro: eu nunca poderia receber um cara
dentro de mim, tirar a roupa para ele e
deixá-lo me tocar por inteiro sabendo
que nunca mais iria vê-lo.
​— Agora é você que está
complicando as coisas aqui — ele falou
quase em um sussurro.
​— Como assim?
​— Esse seu dirty talk sobre estar
dentro de você, te tocando, me fez
imaginar coisas que eu não deveria e...
— Rindo, dei um tapa no braço dele
para fazê-lo parar. E... Deus! O
cara era mesmo musculoso. Seu bíceps
parecia uma rocha. — Ok, ok...
parei. — Nós voltamos a caminhar,
enquanto eu ainda tentava parar de rir.
​— Se quer tanto que eu seja sua
amiga e trabalhe para você, vai ter que
parar com essa conversinha fiada ou eu
realmente vou achar que minha opinião
sobre você não estava assim tão errada.
​Bernardo levou uma mão ao
coração.
​— Assim você magoa meus
sentimentos, mas tudo bem. Vou me
controlar. Mas se quer saber, acho que
podemos tirar muito bem proveito dessa
amizade.
​— Como assim?
​— Simples. Você me ajuda com o
que eu preciso, e eu te ajudo a ser um
pouco menos introvertida. Acho que
temos que riscar Junior da sua lista de
prioridades, mas tem uns caras bem
maneiros por aí que adorariam te
conhecer e ter uma chance.
​— Espera! — Parei novamente. —
Sua proposta é... me ensinar a seduzir?
​— Você está colocando as coisas de
uma forma muito direta, mas pode ser
também. Posso te ensinar a ser uma
mulher mais confiante e, quem sabe,
encontrar outro cara que te faça
esquecer o babaca que te magoou.
​Coloquei as mãos na cintura.
​— E quem disse que é isso que eu
quero? — provoquei.
​— E por que não iria querer? Pode
te ajudar em vários aspectos da sua
vida. Uma mulher bonita, que sabe como
seduzir, pode ser muito perigosa se
quiser. Com o jeito certo, é muito difícil,
para um homem, dizer não a alguém
nessas condições.
​Hum... interessante.
​— Ok, vou pensar com carinho. Seja
como for, estamos acertados para a sua
próxima reunião. Estarei lá e vou te
ajudar.
​— Ajudar, não. Quero um preço. E
não quero que pechinche. Cobre o justo.
​— Tudo bem, te mando por e-mail
para ser formalizado.
​— Uma mulher de negócios... — ele
brincou novamente. As coisas estavam
leves entre nós, o que eu gostava.
​— Quase isso...
​Depois de lhe responder, nós
retornamos a caminhada, conversando
despretensiosamente até que eu me senti
cansada e Bernardo me levou em casa.
​Ele estacionou o carro de frente para
o prédio, mais ou menos como Junior
tinha feito dias atrás, com a diferença de
que ele parecia muito mais animado com
a perspectiva da minha companhia.
​ — Foi uma noite bem divertida,
loirinha. Você é uma caixinha de
surpresas — comentou, enquanto eu
soltava o cinto de segurança, pronta para
saltar.
​— Obrigada, espero que seja um
elogio — continuei em um tom
divertido, quase pensando a mesma
coisa sobre ele.
​— Claro que é. Vai ser interessante
trabalhar com você.
​Deus! Ele era incorrigível. Tudo que
Bernardo fazia parecia ser
completamente calculado, cada palavra
que dizia parecia vir transbordando de
sensualidade, de malícia. E mesmo
assim havia algo de muito adorável nele.
Algo que não me deixava
desconfortável, assustada ou acuada.
​— Eu ainda não disse que iremos
trabalhar juntos — tentei falar com
confiança, mas seu sorriso se alargou.
​— Isso é o que vamos ver... —
Então a piscadinha.
​Ele provavelmente conseguia o que
queria daquele jeito.
​Tanto que quando saltei do carro e
entrei no meu prédio, estava sorrindo,
sabendo que aquele era um jogo que eu
não me importaria em perder.
CAPÍTULO SEIS
​ A simpática recepcionista me
entregou um crachá e me indicou o andar
da presidência.
​O prédio que abrigava a BN
Tecnologia ficava localizado em
Botafogo, no Rio de Janeiro, próximo à
praia, e tratava-se de quinze andares
completamente tomados pela companhia
de Bernardo. Todo espelhado, com uma
fachada moderna, combinava com o
negócio que ele conduzia.
​Eu estava esperando o elevador
quando fui surpreendida pelo próprio
Bernardo surgindo. Por muito pouco não
nos esbarrávamos mais uma vez, mas
consegui recuar a tempo, antes que nos
chocássemos em sua saída do elevador e
minha tentativa de entrada.
​— Ah, droga! Quase não chego a
tempo de te buscar — ele comentou com
aquele sorriso largo, que fazia parecer
como se não houvesse um único
problema em sua cabeça.
​Qualquer um poderia pensar que não
havia mesmo, principalmente quem
acreditava que dinheiro curava todos os
males do mundo. Poder pagar os boletos
com folga sem dúvidas era algo
maravilhoso, mas não me enganava. Ser
rico não significava ser feliz.
​Só que qualquer um que olhasse para
Bernardo desmentiria minha teoria,
levando em consideração o quão
satisfeito consigo mesmo ele sempre
parecia.
​E lindo, também.
​Eu já o tinha visto arrasando em um
smoking, e, na noite passada, quando me
levou para jantar, usava uma camisa
social e um blazer, jeans e tênis, algo
mais casual. Ali, na empresa, era terno e
gravata, e o traje caía muito bem nele,
corroborando com sua imagem de CEO
bilionário.
​— Você não precisava vir me
buscar. A sua recepcionista foi muito
gentil e me explicou o caminho —
respondi, enquanto ele segurava a porta
do elevador para mim.
​— E o meu cavalheirismo, onde
fica? Você é uma presença VIP nesta
empresa — falou de um jeitão canastrão,
divertido, enquanto apertava o botão do
andar da presidência, e eu só pude rir.
​— Assim você vai me deixar muito
convencida.
​— A intenção é essa. Temos um
pacto, mocinha. Durante nosso período
juntos, porque tenho certeza de que
vamos ser parceiros de trabalho por um
tempo, vou te fazer enxergar o quanto de
poder uma mulher confiante pode ter.
​Continuei rindo.
​— Eu não sou pouco confiante.
​— Não, mas com sua aparência?
Você poderia ser bem mais.
​Fiquei calada. O que eu poderia
dizer? Não seria nada mal receber
alguns elogios de um cara bonito como
Bernardo e tentar massagear meu ego
acreditando neles. Só que seria
igualmente perigoso. Precisava manter
em mente que ele não estava tentando me
conquistar. Seduzir, talvez. Mas isso não
era suficiente para mim. Bernardo
Nolasco era uma ilusão. Uma tentação
para uma garota inexperiente e virgem
como eu. Só que eu não iria me deixar
levar tão fácil.
​Chegamos ao andar, e novamente ele
segurou a porta para que eu passasse.
Fomos direto para uma sala de reuniões,
onde um projetor já estava montado,
com a tela ligada, e ele me explicou que
ali seria transmitida a conferência.
​Fiquei um pouco nervosa, porque
era a primeira vez que fazia aquele tipo
de coisa, mas Bernardo tentou me
tranquilizar explicando que o homem em
questão era bem gente boa, que teria
paciência e que as negociações não
dependiam de mim. Já estava tudo
acertado, porque ele tratou inicialmente
com outra pessoa, e eu só precisaria ser
a intermediadora do contato dele com o
chefão de lá.
​O que, ainda assim, era meio
assustador.
​Quando a conferência iniciou, no
entanto, senti-me bem mais confiante. De
fato, Hans Mallman era muito gentil,
bem mais jovem do que eu imaginava, e
foi extremamente divertido conversar
com ele. Consegui traduzir tudo o que
Bernardo pedia, às vezes me embolando
com um termo um pouco mais técnico,
mas os dois homens foram muito
pacientes, e eu me saí bem.
​Ao terminarmos, Bernardo pegou
ambas as minhas mãos e as beijou.
​— Eu poderia te beijar na boca
agora de tão animado que estou. Você é
incrível.
​— Você deveria beijar Hans e não a
mim. É ele que vai te deixar ainda mais
milionário — brinquei.
​— Ele não é tão atraente.
​ Jura? Eu achei — comentei de

forma provocadora, e Bernardo ficou um
pouco sério. — O que foi?
​— Bem... é que... — Coçou a
sobrancelha, parecendo um pouco
constrangido. — Até onde eu sei, o cara
é bem babaca com mulheres. Você é boa
demais para ele.
​Recostei-me na cadeira, cruzando os
braços e erguendo uma sobrancelha.
​— Mas você poderia me beijar?
Você também não é o cara mais
confiável quando se trata de mulheres.
— Era impressionante o quanto de
intimidade tinha nascido entre nós desde
o último jantar e o passeio na praia.
​— Para ser sincero? Nem eu sou
bom o suficiente para você, loirinha. Por
isso não vou nem tentar. Você merece um
cara que lamba o chão por onde pisa.
​Aquilo me deixou surpresa.
​— Que exagero. Não sou tão boa
assim.
​— É melhor do que pensa que é. E
precisamos mudar esse pensamento. —
Bernardo pegou o controle e desligou a
tela, acionando um comando para fazê-la
se retrair e sumir da parede. — O que
acha que almoçarmos? Está com fome?
​Era uma forma muito sagaz de mudar
de assunto, mas eu achei bom. As coisas
estavam começando a ficar estranhas.
​— Muita — respondi, levantando-
me e preparando-me para colocar o
blazerzinho que levei. Como um
cavalheiro, Bernardo se apressou e me
ajudou. — Obrigada — respondi,
tentando não estremecer com o contato e
a proximidade.
​Por que raios ele tinha que ser tão
sexy?
​— Gosta de comida mexicana? Tem
um restaurante ótimo aqui perto e...
​— Bernardo... — Coloquei a mão
em seu ombro e tentei uma expressão
solene, enquanto me esforçava para
esconder o riso. — Eu gosto de comida.
Não tenho frescura.
​Ele agarrou meus dois braços e se
inclinou para beijar meu rosto.
​— Assim eu vou ficar apaixonado,
loirinha. E isso é algo a se levar em
consideração.
​Uma risadinha escapou da minha
garganta.
​— Acho que não corro esse risco —
novamente falei em tom de brincadeira e
apenas me dirigi à porta sem olhar para
trás.
​Bernardo me encontrou no meio do
caminho até o elevador, e nós descemos.
​Fomos caminhando até o restaurante,
já que ficava muito perto da empresa,
ainda no clima leve que nos era
peculiar. Era engraçado pensar, mas eu e
Bernardo, aparentemente, podíamos
mesmo ser amigos. Dávamos certo
juntos. E talvez trabalhar para ele não
fosse assim tão ruim. O salário, sem
dúvidas, me ajudaria e muito,
especialmente porque eu estava
planejando comprar um apartamento
para mim. Com certeza viria a calhar.
​Chegamos ao estabelecimento e
escolhemos uma mesa mais ao canto,
próxima a uma janela, e não pude deixar
de reparar no quanto a hostess parecia
se insinuar para meu acompanhante.
Achei um pouco de falta de respeito,
porque ela não fazia ideia se estávamos
juntos, especialmente porque Bernardo
manteve a mão na curva da minha
cintura o tempo todo para me guiar, mas
o que eu poderia fazer? Era o tipo de
efeito que ele causava nas mulheres. O
tipo de coisa que eu teria que enfrentar
caso acabássemos tendo um
relacionamento e...
​O quê? Ei, Rebecca! De onde tirou
isso?
I​ nterrompi os pensamentos
imediatamente, pensando que era uma
coisa extremamente estúpida. Bernardo
não tinha o menor interesse em mim.
Éramos amigos. Apenas isso.
​Ainda assim, não pude deixar de
comentar:
​— Acho que você deveria tentar
chamar a hostess para sair. Ela é muito
bonita e está claramente a fim de você
— disse, enquanto colocava minha bolsa
pendurada no encosto da cadeira.
​— Quem? A Marília? Ah, não. Já saí
com ela umas duas vezes.
​Claro... como não?
​— Aparentemente ela quer repetir.
​— Mas eu não — foi curto e direto.
Pegou o menu, enfiando a cara nele, mas
rapidamente olhou para mim com um
sorriso, dizendo suas opções e o que me
recomendava.
​Acabei aceitando sua sugestão, e nós
novamente caímos em uma conversa
fácil, como sempre, até que subitamente,
depois que já estávamos comendo, a
mão enorme de Bernardo buscou a
minha por sobre a mesa, entrelaçando
nossos dedos.
​— Não olhe agora, mas o seu crush
idiota está aqui — ele falou baixinho.
​Imediatamente me senti compelida a
dar uma olhada ao redor, mas me
acalmei, levando em consideração o
pedido dele.
​— Junior? — perguntei, chocada.
​— Você tem outro crush? —
Balancei a cabeça em negativa. — Então
é ele mesmo. Aliás, o idiota acabou de
nos ver e está vindo na nossa direção.
Apenas siga o jogo que eu vou conduzir,
ok?
​— Mas, Bernardo, não vou tentar
mais nada com ele. Não depois de ter
sido rejeitada daquele jeito — falei
quase indignada, mas tentando manter o
tom baixo, esperando que Junior não nos
ouvisse.
​— Ótimo, fico feliz por isso, mas
agora vamos fazer o feitiço virar contra
o feiticeiro. Aquele idiota vai cair aos
seus pés e será você a rejeitá-lo. —
Ainda segurando a minha mão, Bernardo
deu uma golada no vinho com a outra, e
o olhar em seu rosto era extremamente
malicioso, quase perverso. — Sou um
homem vingativo, loirinha, e vou adorar
ver o circo incendiar.
​Ah, Deus! E eu, sem dúvida, estaria
no meio do fogo cruzado.
​Não fazia ideia se essa era ou não
uma boa ideia.
CAPÍTULO SETE
​ babaca estava olhando na nossa
O
direção, pensando que não percebíamos.
Instruí Rebecca a nem sequer voltar os
olhos para ele. Pedi que sorrisse e
fingisse que estávamos nos divertindo
muito. Eu seria o intermediário do que
estava acontecendo ao nosso redor.
​E isso seria divertido para mim.
​Rebecca não era exatamente uma
boa atriz, o que me encantava. Era um
grande sinal de que se tratava de uma
garota completamente natural e sincera,
algo raro. Algo que começava a
despertar um sentimento muito
controverso dentro de mim.
​Eu gostava dela. Gostava de sua
companhia. E, ok, eu sentia o mesmo por
Marcela, mas com uma enorme
diferença – meu corpo respondia a
Rebecca também. De uma forma
bastante intensa.
​Enquanto ela falava, eu me pegava
olhando para seus lábios, pintados de
um tom fechado de vermelho, e
imaginava se seu gosto seria tão doce
quanto ela inteira parecia. Será que se
renderia ao beijo de forma mais
delicada ou se responderia com toda o
desejo com o qual eu queria pegá-la.
​E isso quando eu não me imaginava
na cama com ela, passando minha boca
por todos os contornos delicados de seu
corpo, sentindo a maciez de sua pele nas
pontas dos dedos. Eu vislumbrava o
sexo entre nós de todas as maneiras, mas
não conseguia não morrer de tesão
pensando em seu jeitinho virginal, em
uma lingerie branca, transparente, o
rosto corado de prazer, gemendo e
sussurrando meu nome com aquela voz
deliciosa.
​— Bernardo? — a tal voz deliciosa
me chamou, enquanto eu estava perdido
em imagens eróticas que não deveriam
fazer parte dos meus pensamentos.
A mulher era virgem! Imagina o
problema que isso não me traria? Ela
não iria se entregar a um cara como eu, e
era muito melhor assim.
— Desculpa, linda. Acho que me
perdi um pouco aqui. — Nela. Na
porcaria das coisas que ela me fazia
sentir. Na porra do desejo que aquela
garota me transmitia. — O que foi?
— Ele está vindo aqui. O que eu
faço? — Rebecca parecia bem
desconcertada, o que me incomodou.
— Você ainda fica corada por
causa dele, loirinha? — não queria soar
tão irritado, mas não pude me conter.
— Estou corada pela situação.
Sou tímida, você sabe disso. A última
vez que eu o vi foi quando tentei beijá-
lo. Não é exatamente uma lembrança que
eu goste de guardar.
— A vergonha maior deveria ser
para ele. Você estava lutando por algo
que queria. Agora... preste atenção.
Vamos fingir que estamos juntos. Não
estranhe o meu comportamento. Quero
esse cara arrependido e chorando as
mágoas.
Rebecca assentiu pouco antes do
idiota se aproximar. Rapidamente peguei
a mão dela por cima da mesa, dando
uma risadinha maliciosa e beijando os
nós de deus dedos. Havia um anel
delicado no anelar, e sua mão cheirava a
hidratante... algo como pêssego.
Provocou reações em mim também,
porque queria descobrir se ela inteira
cheirava daquele jeito.
Merda, Bernardo, controle-se!​
— Oi, que coincidência vocês
por aqui — uma outra voz, não tão
deliciosa, interrompeu meu momento.
Ergui os olhos para o babaca, tentando
aparentar indignação.
— Ah, oi, Juninho. Não vi que
você estava aqui. — Aquela era a
minha garota!
Opa... perai... minha garota?
Não, Bernardo, vamos parando com
esse pronome possessivo aí!
Mas, de qualquer forma, adorei a
forma como ela fingiu total indiferença.
Como entrou no jogo já compreendendo
meus planos.
Poderia ser uma atitude muito
infantil da minha parte, mas eu queria
ver aquele babaca com a cara na lama.
Ou na bosta, que seria bem mais
divertido.
— Eu queria saber se está tudo
bem entre nós, depois daquele dia. —
Ele provavelmente estava falando da
tentativa de beijo. E que ridículo fazer
isso comigo presente. Será que estava
querendo marcar território?
— Que dia? — A expressão
cínica de Rebecca me fez sentir vontade
de beijá-la. Era mais do que óbvio que
ela estava fingindo que não se lembrava
do quase beijo, o que deixou o tal do
Junior muito envergonhado.
Como aquele idiota podia ser
irmão de uma pessoa tão legal quanto a
Marcela?
— Ah, bem... — Ele olhou para
mim, como se não quisesse falar na
minha frente. Só que Rebecca
surpreendeu a nós dois erguendo uma
das mãos.
— Você está falando do dia em
que eu tentei te beijar e você recusou?
— Pelo amor de Deus, a loirinha estava
em chamas! Não ia deixar passar nada.
— Fica tranquilo, Juninho. Não rolou,
tudo bem. A fila andou.
O sorriso que curvou meus
lábios era um misto de orgulho e
provocação. O olhar que lancei ao cara
dizia: “É, parceiro, perdeu. A loirinha é
minha”. Tudo bem que não era, mas o
meu ego bem babaca estava acariciado.
— É... vocês... vocês estão
juntos? — o idiota gaguejou.
Sem perder tempo, coloquei a
mão sob o assento da cadeira de
Rebecca e puxei-a para mim, fazendo-a
arfar de surpresa. Então eu pus meu
braço no encosto de sua cadeira, como
um namorado faria.
— Eu sou um cara de sorte, não
sou? Demorei para conseguir que ela me
desse bola, mas algumas mulheres valem
a pena — falei, não soando nem um
pouco irônico, porque era verdade.
Rebecca era o tipo de garota por quem
um cara poderia se apaixonar sem medo.
Alguém que seria perfeita para ser
apresentada a uma mãe, um pai, que
fossem mais atenciosos do que os meus.
Pena que eu não era o homem certo para
ela e não queria compromisso com
ninguém.
Rebecca estava sem graça, mas
abriu um sorriso. Tentei algo mais
ousado e virei seu rosto, tocando nossos
lábios, e algo aconteceu.
​Foi um simples contato, mas ela
correspondeu. Instintivamente, minha
boca tomou seu lábio inferior entre os
meus, prolongando e intensificando um
pouco o beijo, e Rebecca soltou um
suave suspiro.
​Um que me deixou instantaneamente
de pau duro.
​Porra, era um beijo inocente. O que
aconteceria se eu a beijasse pra valer,
com língua e tudo?
​Só que eu não fui o único a ser
afetado. Quando nos afastamos, o olhar
de Rebecca me dizia que ela não era
imune a mim.
​Havia química entre nós. Palpável.
Se eu estendesse a mão quase poderia
tocá-la.
​Uma troca de olhares nos deixou
completamente perdidos em um
momento só nosso. Ambos sérios. Eu
observava seus lábios, e ela, os meus.
​Um pigarrear nos interrompeu.
​Filho da puta. Será que não
percebia que estava sobrando?
​Nós dois olhamos para ele ao
mesmo tempo, e eu esperava que, pelo
vinco em minha testa, o idiota
percebesse que estava atrapalhando. Ou
talvez essa fosse a intenção dele.
​— Eu só queria saber se está tudo
bem entre nós.
​Rebecca se remexeu na cadeira, e eu
me afastei um pouco, ansioso para ouvir
sua resposta.
​— Por mim, sim, mas não sei por
que você está tão preocupado, já que
nunca fomos exatamente amigos. Sou
amiga da sua irmã. — Mais um soco
bem dado da loirinha. Eu estava
totalmente do lado dela.
​— Mas Marcela sempre quis que
fôssemos próximos também e...
​— Ah, sim, mas você nunca fez
muita questão, e acho que estava certo.
Esse é o tipo de coisa que não se força.
Me desculpa, aliás, por ter te sufocado
quando você claramente não queria ser
meu amigo. Hoje eu entendo.
​Meu Deus! Eu não queria estar na
pele do Juninho. Como era possível que
aquela coisinha delicada fosse capaz de
tantos ganchos de direita com palavras?
O cara seria levado a nocaute em tempo
recorde.
​— Não, Becky. Nada disso. Eu gosto
muito de você, é só que...
​Ela abriu um sorriso lindo e colocou
a mão sobre a dele.
​— Não tem problema, de verdade.
Cada um segue a sua vida. Amamos uma
pessoa em comum, e isso basta.
Obrigada por se preocupar, mas eu estou
bem. — Então Rebecca olhou para mim,
com um olhar apaixonado. Ela era uma
boa atriz, no final das contas. — Muito
bem, aliás.
​Manteve o olhar em mim por algum
tempo, provavelmente dando espaço
para o idiota se tocar e sair de perto.
Demorou, mas aconteceu. Seus passos
silenciosos o levaram para longe de nós,
e, de soslaio, pude ver que não parecia
nem um pouco animado. Cabisbaixo, lá
estava o que ele merecia.
​— Uau! Você foi maravilhosa! —
Beijei sua mão novamente, orgulhoso.
​— Não fui grosseira demais? Ele é
irmão da minha melhor amiga. Não
merecia ser tratado dessa forma. Será
que devo pedir desculpas e...
​A loirinha tentou se levantar, mas eu
a impedi, segurando seu braço e
mantendo-a sentada.
​— Ei, nada disso. Você não foi nada
além de cordial. Pelo que deu a entender
ele é que nunca foi simpático com você.
​— Não foi mesmo. Sempre achei
que ele sabia que eu gostava dele, por
isso se mantinha afastado. E talvez seja
isso mesmo. Nunca imaginei que ele
pudesse se levantar em um restaurante
para vir falar comigo, porque é o tipo de
coisa que nunca faria. Para ser sincera,
sempre tive a impressão de que fugia.
​— Babaca. Completamente. Não se
arrependa de ter sido sincera. O
importante é saber se você realmente o
superou.
​Rebecca deu de ombros.
​ É difícil esquecer alguém a quem

amei por tantos anos. Só que estou me
esforçando para esquecê-lo. — Ela
abriu um sorriso irresistível. — E acho
que estou fazendo um bom trabalho.
​— Fico feliz. — Fiz uma pausa,
observando-a com um pouco mais de
malícia. — Só não vou pedir desculpas
pelo beijo, porque assim como você não
deveria se arrepender de como agiu, eu
não me arrependo. Nem um pouco.
​Lá estava ela corando. Deus, era
adorável. A vontade era beijá-la
novamente só para alimentar aquele tipo
de reação.
​Ok, eu estava encantado por aquela
garota, mas isso não poderia significar
nada. Ela era linda, mas totalmente fora
do meu alcance.
​E talvez fosse isso que a tornasse um
desafio tão interessante.
CAPÍTULO OITO
​ quantidade insana de mensagens
A
recebidas naqueles últimos dias foi o
que me convenceu.
​Tá, isso seria injusto. Bernardo me
convenceu de muitas formas, inclusive
porque era adorável. Antes de conhecê-
lo, sempre o imaginei como um
cafajeste, um tipinho medíocre que
usava as mulheres e que não tinha nada a
oferecer, mas fui surpreendida.
​Ok, ele era um cafa. Isso precisava
ficar bem estabelecido na minha mente.
Caso permitisse, por um minuto sequer,
que meus pensamentos deixassem de
lado a verdadeira personalidade de
Bernardo, eu abriria uma brecha para
meu coração se encantar por ele a um
ponto sem volta. Eu conhecia muito bem
a dor de ser recusada, de me iludir com
um cara que não me queria tanto quanto
eu o queria. Não poderia me permitir
entrar naquele looping infinito de
sentimentos não correspondidos, por
isso, me proteger era essencial.
​Ainda assim, eu gostava da
companhia dele. Durante as duas
semanas que se passaram, entre a
primeira vez em que o ajudei e a data de
sua viagem para encontrar-se com Hans,
nós saímos juntos mais algumas vezes, e
eu participei de mais duas reuniões,
onde servi de tradutora. Mas na maioria
dos casos, nós jantávamos juntos porque
queríamos, fomos ao cinema uma vez e
até à praia.
​Eu precisava confessar que esta foi a
vez em que eu mais me senti balançada.
Pelo amor, o homem tinha o corpo de um
Deus. Sabe uma daquelas estátuas
perfeitas de Apolo? Pois é, Bernardo
era assim. Todo musculoso, sarado, com
barriga de gominhos, braços enormes,
bronzeado e com tudo no lugar. As
costas... Jesus! Eram a pura tentação.
​ m minha defesa, toda a população
E
feminina ao nosso redor parecia
concordar comigo. Deveria ser ilegal
homens serem assim tão bonitos,
grandes, fortes, sexies e charmosos.
​Só que eu não era de se jogar fora, e
os olhares que Bernardo me lançou,
quando tirei a saída de praia e fiquei só
de biquíni, me diziam que ele também
gostava do que via.
​Nossa relação era bem engraçada,
na verdade. Eu sabia que nós dois
estávamos atraídos um pelo outro, mas
nenhum dos dois queria dar um primeiro
passo. Construímos um tipo de amizade
valiosa e não queríamos nos magoar.
​Sabia que saía com outras mulheres.
Várias telefonavam para ele, e em
alguns de nossos encontros ele contava
sobre suas aventuras. Às vezes eu me
perguntava se sua intenção era me fazer
sentir ciúme, mas logo afastava esse
pensamento, porque obviamente não era
o caso.
​Bernardo ainda era uma incógnita
para mim em vários aspectos, mas o que
eu tinha certeza sobre ele era que
realmente conseguia o que queria por
conta de sua lábia, seu charme e sua
insistência.
​Lá estava eu, arrumando minhas
malas para passar duas semanas numa
casa alugada com ele, pronta para ser
sua tradutora.
​E o pior: estava animadíssima para
isso. Não apenas pelo trabalho em si e
pelo dinheiro, que era mesmo muito
bom, mas pela nova experiência, pela
mudança de ares.
​Marcela, que tinha acabado de
voltar de sua lua de mel, estava deitada
na minha cama, observando-me arrumar
minhas coisas. Sua expressão era de
total preocupação, o que não me deixava
exatamente muito tranquila.
​— Dá para melhorar essa cara? —
pedi a ela, porque era uma amiga
maravilhosa, mas sabia me deixar
nervosa quando eu não precisava ficar.
​— A minha cara sempre é
maravilhosa, Becky. Só que ela reflete
exatamente o que se passa no meu
coraçãozinho. E o que está passando
agora não é algo muito agradável.
​ arei o que estava fazendo, dei um
P
nó no meu cabelo longo e a encarei, com
as mãos na cintura.
​— Me explica. Qual é o problema?
​— Não é óbvio? — Ela se remexeu
na cama, colocando-se sentada. — Você
vai passar duas semanas em uma casa
sozinha com Bernardo. E, amiga, eu sei
bem que vocês estão morrendo de tesão
um pelo outro.
​Não pude conter uma risada.
​— Amiga, eu morri de tesão pelo
seu irmão por anos, mas nunca pulei no
colo dele e continuo virgem —
desdenhei, recomeçando meu trabalho.
​— Mas aí é que está a diferença.
Meu irmão é lerdo. Bernardo é
experiente e também te quer. Prevejo
que você estará na cama dele muito
antes do que imagina.
​Suspirei, sentindo-me cansada
daquela lenga-lenga.
​— E se estiver, Cela? Eu tenho vinte
e três anos. Você é um ano mais velha do
que eu e já está casada. Por que eu
preciso me manter pura e intocada pelo
resto da vida?
​— Não é isso, amiga! — Ela se
levantou e veio até mim, colocando
ambas as mãos no meu rosto. — Você
tem todo o direito de se entregar a quem
quiser. Só que você é como eu. Nenhuma
de nós toparia fazer sexo com um cara e
deixar para lá. Somos românticas,
queremos relacionamentos sérios. E por
mais que ele seja meu melhor amigo,
Bernardo nunca vai te oferecer isso.
​— Eu não quero isso. Não com ele.
Bernardo é o tipo de homem que dá
muito trabalho. Fomos à praia juntos, e
se fôssemos namorados, eu ia querer
matar cada uma das sirigaitas que
ficavam babando naquele corpo perfeito
dele.
​— Aí! Tá vendo? Corpo perfeito.
Você também ficou babando, confessa!
— Ela apontou um dedo para mim, de
forma acusatória.
​— Ué, mas é proibido? O homem é
lindo, só se eu fosse cega para não
reparar. Mas isso não quer dizer que vou
abrir as pernas para ele.
​— É o primeiro passo.
​Ergui uma sobrancelha para ela.
​ Não é não, Marcela. Eu conheço

outros homens bonitos e nunca dei para
nenhum deles.
​— Nenhum é tão bonito quanto o
Bernardo.
​— Ah, Tiago vai ficar feliz em saber
disso — zombei.
​— Ele sabe! E ele concorda! Da
forma mais heterossexual possível, mas
ele também acha o Bernardo um cara
bonitão. E a gente sabe, amiga, que ele é
sedutor. Você está ferrada.
​— Animador! — Revirei os olhos.
​— Vai, Bequinha! Confessa! Você
tem algum interesse nele, não tem? —
Marcela sabia ser pentelha quando
queria. Ela não iria sossegar enquanto
eu não lhe desse a resposta que queria
ouvir.
​E eu sabia que ela queria ouvir o
que achava que era a verdade. Mas só
havia uma verdade para mim. Uma que
não me agradava em nada.
​Para conversar com ela, sentei-me
na cama, sentindo-me resignada.
​— Eu me sinto atraída. E como
poderia ser diferente? Ele não é só
bonito, Cela. É gentil, cavalheiro,
sedutor, divertido... Só que ainda estou
conseguindo segurar o meu coração e
não fui mais longe — confessei.
​— Ai, miga... — Ela se sentou ao
meu lado, levando a mão ao meu ombro
e me confortando como se eu tivesse
acabado de anunciar uma viuvez. — O
problema é que a gente não manda no
coração.
​— Não, mas eu posso me controlar
antes que seja tarde demais. Não vou
cair no mesmo erro, amiga. Só vou me
envolver com alguém que queira o
mesmo que eu. Bernardo não quer. Ele
gosta de curtir, fazer sexo sem
compromisso, e eu não sou assim. Além
disso, nós nos tornamos bons amigos.
Vamos fazer dar certo. Posso
estabelecer alguns limites, se sentir que
as coisas estão chegando a um nível
preocupante.
​Marcela respirou fundo, olhando
para mim como se duvidasse muito das
minhas palavras.
​Deixei-a com suas indagações e
voltei a organizar minhas coisas. Dali a
uma hora Bernardo chegaria para me
pegar para me levar ao aeroporto.
Viajaríamos em seu jatinho, o que me
deixava um pouco desconcertada. O
cara era rico a esse ponto, e era até
estranho me imaginar como sua amiga.
​Quando ele chegou, eu já estava com
tudo pronto, de banho tomado e com uma
roupa bem confortável. Por mais que a
viagem fosse curta, eu odiava viajar
com algo me incomodando.
​Como sempre acontecia quando nos
encontrávamos, Bernardo me deu aquela
olhada de cima a baixo, como se tivesse
que se controlar muito para não me
agarrar e me devorar inteira.
​Sim, eu me sentia exatamente como
Chapeuzinho Vermelho de frente para o
Lobo Mau.
​— Pronta? — ele perguntou,
animado, e eu decidi que precisava
tentar curtir.
​Por mais que a viagem fosse a
trabalho, sabia que Bernardo era um
cara animado, e ele mencionara que
iríamos nos divertir juntos também.
Afirmara que a noite de São Paulo era
maravilhosa e que ele iria me levar para
fazer coisas que eu nunca fiz. Talvez
fosse uma oportunidade de viver tudo o
que não tinha vivido até aquele
momento.
​Soltar-me. Tornar-me a Rebecca que
eu sempre quis ser. Conhecer caras
legais e bad boys, beijar, quem sabe
transar... mas não com Bernardo, porque
ele era perigoso para o meu coração.
Uma coisa era deixar de ser a garota
inocente com um homem desconhecido,
uma única noite, mas seria diferente com
alguém que já mexia comigo.
​— Prontíssima.
Eu esperava estar mesmo.
CAPÍTULO NOVE
​ u não era um cara que costumava
E
economizar quando se tratava do meu
bem estar e do meu conforto. Se ia
passar duas semanas – com
possibilidade de se tornarem três,
dependendo das negociações – em uma
casa em São Paulo, teria que ser algo
tão bom ou ainda melhor do que a minha
própria cobertura.
​Apesar de gostar de esbanjar nessas
condições, era importante que meu lar
fosse mais prático do que
verdadeiramente luxuoso. Eu não queria
ter vários funcionários andando de um
lado para o outro e me impedindo de
andar de cueca ou pelado quando queria.
Por isso, mantinha uma diarista toda
semana. Almoço nos finais de semana eu
mesmo preparava, minhas compras eram
feitas online, e eu mandava minhas
roupas para a lavanderia. Funcionava
muito bem, e eu tinha a minha
privacidade.
​Com Rebecca morando comigo, as
coisas teriam que ser diferentes. Eu não
poderia fazer essas saliências e achei
que seria interessante ter outra mulher na
casa para que ela não se sentisse mal
por estar só comigo. Sendo assim,
peguei indicação com um amigo de uma
senhora simpática, que entrevistei por
telefone, que iria ajudar com a limpeza,
com a comida e com todo o resto
durante nosso período ali.
​Isso facilitou demais a minha vida, e
eu escolhi uma propriedade de três
andares, com seis quartos, sendo dois
convertidos a escritórios, outro como
sala de musculação e mais um no sótão,
além dos dois onde dormiríamos. O de
Rebecca foi escolhido a dedo, porque
tinha uma linda decoração feminina, com
uma cabeceira em rosa antigo – do
mesmo tom das lindas colunas –, dossel
– um quarto de princesa. Ela pareceu
comovida com isso.
​— É tão lindo — comentou em um
sussurro doce.
​— Achei que era o mínimo que você
merecia por ter topado trabalhar
comigo.
​Ela olhou para mim por cima do
ombro com um sorriso brincalhão.
​— Você não me deu muito espaço
para negar.
​Depois de responder, sua mão
delicada começou a passear pela
penteadeira, posicionada em um dos
cantos do cômodo.
​Fechei os olhos, porque não queria
imaginá-la tocando o meu corpo daquela
forma. Aquela linda e enorme cama
onde dormiria fazia minha imaginação
se agitar, porque eu pensava em mil
coisas que poderia fazer com ela.
​Mas isso não aconteceria. Rebecca
era território proibido.
​— Podemos ir ver o terraço? Trago
suas malas depois — ofereci, querendo
sair do quarto o mais rápido possível.
​— Claro. Só estava namorando esse
lugar lindo. É muito gentil da sua parte
pensar em mim dessa forma.
​— Um quarto de princesa para uma
princesa. — Que brega, Bernardo!
​Era impressionante o quanto aquela
garota conseguia me fazer esquecer
todas as minhas melhores respostas
ensaiadas. Não que a que lhe dei fosse
completamente original, mas era uma
que eu nunca usaria com uma mulher que
queria seduzir.
​Mas eu não queria seduzir Rebecca.
Nem pensar.
​Seguimos pelas escadas, com ela à
minha frente, e eu desviei os olhos para
não focá-los na bela forma arredondada
que se destacava no shortinho jeans
desfiado, largo e curto, que ela usava.
​Pelo amor de Deus, que tipo de
tarado eu era?
​Ainda bem que logo chegamos, e ela
se afastou um pouco ao ver a piscina,
toda a decoração com plantas, as
cadeiras, os sofás de vime, além das
espreguiçadeiras confortáveis e
acolchoadas.
​— Confesso que escolhi a casa por
este espaço — falei, enquanto ela
olhava tudo com olhos brilhantes.
​— Uau. É perfeito. — Virou-se para
mim, parecendo ainda mais animada. —
Vou poder usar a piscina? Gosto de
nadar como exercício físico.
​Rebecca de biquíni em uma casa
onde estávamos apenas eu, ela e uma
funcionária que passaria bom tempo nos
evitando? Tortura.
​Só que... o que eu poderia responder
de diferente?
​— Claro que sim.
​— Ah, que legal! — Ela bateu uma
mão na outra, comemorando, com um
sorriso enorme.
​Linda. Puta que pariu!
​Eu não podia ficar pensando essas
coisas, mas minha cabeça parecia presa
em um looping infinito.
​— Aliás, temos o dia livre hoje, não
é? Você disse que D. Antônia só
começará amanhã... Podemos passar a
tarde na piscina — sugeriu.
​Péssima ideia, loirinha.
​Será que ela não percebia o quanto
seria capaz de me enlouquecer com
aquele corpinho perfeito? Na praia eu
quase tive vontade de jogá-la no meu
ombro e tirá-la de perto dos abutres que
a olhavam, cobiçando-a como se fosse
um objeto.
​O pior era pensar que eu fazia isso
com outras mulheres. Só que com
Rebecca parecia tão errado.
​Pensar apenas em sexo com ela
também parecia. Ela era o tipo de garota
que merecia flores, restaurante, beijos
ao pôr do sol, caminhadas na praia de
mãos dadas e tudo o que namoradinhos
apaixonados faziam. Coisas que eu
nunca tinha feito com ninguém e não
pretendia começar naquele momento.
​Por isso, mais tarde, quando me
peguei, de fato, observando-a
bronzeando-se em uma das
espreguiçadeiras, com aquele biquíni
que poderia ser um pouco mais
comportado – em nome da minha
sanidade –, comecei a me sentir sujo.
​Quantas vezes eu não tinha tarado
garotas como ela? Que mulher merecia
ser transformada em uma mercadoria
daquela forma?
​ udo bem, eu não mudaria de uma
T
hora para a outra, e não pretendia passar
a viver uma vida de celibato por isso,
mas, talvez, tentaria ser mais respeitoso.
Não que eu forçasse mulheres a
qualquer coisa ou as tocasse sem
permissão – pelo amor de Deus, eu me
odiaria por isso –, mas olhar daquela
forma também era errado.
​De óculos escuros, Rebecca curtia
seu sol, tomando uma caipirinha que
preparei para nós. Não era a sua
primeira, e eu podia jurar que ela era
fraca para bebidas, porque começava a
dançar sobre a espreguiçadeira, mesmo
deitada, com a música que tocava na
caixinha de som que controlava através
do Spotify no meu telefone.
​Era uma playlist de flashback, que
ela mesma escolheu. Vinda de família
onde era filha temporã, dissera que seus
pais costumavam ouvir música antiga, e
ela adorava, aparentemente.
​No momento em que uma música em
específico começou a tocar, ela se
levantou, dançando animadamente,
vindo em minha direção, aproveitando
que eu estava fora da piscina, já me
secando. O sol começava a se pôr, e eu
esperava preparar um jantar para nós.
Também queria que Rebecca fosse tomar
um banho antes que aquilo se tornasse
uma tragédia.
​Só que ela cantava a plenos
pulmões, dançando com aquelas duas
peças minúsculas no corpo. Quando se
aproximou, colocou ambos os braços ao
redor dos meus ombros, colando nossos
peitos, e eu poderia jurar que esse leve
toque me incendiou por inteiro.
​— O que você está fazendo,
loirinha? — perguntei, meio bobo.
​— Dança comigo... — ela falou
baixinho, com a voz doce, e logo
recomeçou a cantar. Não era exatamente
uma cantora excepcional, mas estava
divertida, o que eu achei delicioso.
​A música era Waiting for a girl like
you, do Foreigner. O título queria dizer:
Estive esperando por uma garota como
você.
​Curioso, não? Parecia que o destino
estava conspirando.
​Será que eu estive esperando por
alguém como Rebecca? Ou estava
apenas envolvido pelo momento?
​Fosse como fosse, enlacei sua
cintura com um braço e comecei a
corresponder na dança. Estávamos muito
próximos, ambos com corpos úmidos da
água da piscina, e os cabelos dela caíam
molhados pelas costas, até a cintura,
dourados como o sol, e os olhos
imensos e azuis olhavam para mim com
toda aquela inocência que poderia
colocar qualquer homem de joelhos.
​Ela poderia me colocar de joelhos
daquele jeito. Especialmente porque eu
tinha bebido um pouco também.
​— Você falou para mim que iria me
ensinar a ser mais sedutora. Acha que
estou indo bem? — o tom manhoso de
sua voz fez minhas entranhas se
revirarem.
​— Está. Só que não era para seduzir
a mim, loirinha... — sussurrei, quase
sem forças para soar mais alto.
​— Ué, mas você não prometeu ser
meu professor? Precisa ser minha
cobaia.
​Não pude conter uma risada, mas ela
soou um pouco amarga. Não porque
quisesse que fosse assim, mas porque
me sentia desconfortável. Meu pau
estava mais do que duro dentro da
sunga, e ela certamente podia senti-lo.
​Precisava fazer alguma coisa antes
que minha cabeça me obrigasse a
agarrá-la ali mesmo, matando a minha
vontade.
​ em explicação, peguei-a no colo,
S
ouvindo-a soltar um gritinho de
surpresa.
​— O que está fazendo? — indagou,
confusa.
​— Te levando para tomar um banho.
Precisamos jantar.
​— Ah, sim! Eu estou com fome! —
sua animação me dizia que realmente o
álcool tinha causado algum efeito em seu
estado.
​— Eu também, loirinha. Eu também.
​Sim, eu estava. Mas com fome dela.
​Era apenas nosso primeiro dia.
Estava começando a me arrepender de
tudo aquilo...
CAPÍTULO DEZ
​ s dias praticamente morando com
O
Bernardo me deixavam confusa. Há dois
estávamos vivendo sob o mesmo teto e,
tirando o meu vexame do primeiro dia,
nenhum outro incidente nos atrapalhou.
​Eu sabia que não podia beber, mas
estava animada, em um lugar lindo, e a
caipirinha que ele fazia era deliciosa,
então não consegui resistir. Mas só de
me lembrar de dançar daquele jeito,
colada a ele, eu já me sentia
mortificada.
​Um bom banho me fez ver a
vergonha que passei, mas tentei levar as
coisas da melhor forma possível.
​Naquela noite, seria o coquetel de
boas-vindas de Hans, e eu estava me
arrumando no quarto. Tinha escolhido
um vestido rosa, em um tom de pêssego
que combinava bem melhor com o tom
bronzeado da pele que adquiri naqueles
últimos dias na piscina da casa.
Sandálias em prata, combinando com a
clutch e com as joias que escolhi. Tudo
da minha mãe, porque eu não tinha
dinheiro para comprar prata verdadeira,
é claro.
​Fiz duas pequenas tranças no cabelo,
uma de cada lado, e as prendi, deixando
o resto solto, o que me deu ares de
princesa. A saia do vestido era longa,
porque o coquetel seria o mais elegante
possível, e ela era solta, leve, enquanto
o corpete era tomara que caia. Gostei do
resultado.
​E Bernardo também.
​Tinha que confessar que ele parecia
um pouco estranho comigo desde o dia
da piscina, e eu odiava isso. Odiava a
sensação de que tinha estragado algo
entre nós com minha ousadia, mas não
podia voltar ao passado. Menos ainda
tinha coragem de falar e tentar descobrir
qualquer coisa.
​ ão que não me tratasse bem. Longe
N
disso. Só que parecia mais cauteloso,
menos brincalhão, como se algo tivesse
criado um abismo entre nós.
​Ainda assim, quando ele me viu
naquele vestido, quase senti como se
tivesse prendido a respiração.
​— Uau — foi tudo o que disse.
​— É suficiente? Não sei como vai
ser esse coquetel e...
​— Você está perfeita assim — ele
respondeu, mas novamente parecia sério
demais.
​Só que havia algo na forma como ele
falou... em um sussurro doloroso, quase
como se estivesse chateado. Nostálgico,
sofrendo... Eu não sabia interpretar.
​Talvez fosse melhor nem tentar.
​ ra muito óbvio que ele estava
E
muito bonito também. Terno, gravata,
colete, tudo caindo perfeitamente
naquele corpo esculpido. Éramos uma
dupla e tanto, eu precisava admitir, mas
não era o tipo de coisa na qual eu
deveria pensar.
Apesar de tudo, Bernardo me deu seu
braço, e eu o entrelacei ao meu, sendo
guiada para a garagem da casa, onde ele
abriu a porta do carro para mim. Tinha
alugado um para usarmos naqueles dias,
e era tão luxuoso quanto a casa – um
Maserati Ghibli, em um tom de
vermelho bonito, que combinava com
sua personalidade esfuziante e sexy.
​Saímos para o evento, e Bernardo
foi me passando um panorama do que eu
iria encontrar. Ele contratara uma
empresa para preparar aquela festa de
boas-vindas ao alemão e estava um
pouco nervoso. Esperava que esse fosse
o motivo para a mudança repentina de
comportamento.
​Falou-me sobre as pessoas que
estariam presentes, sobre o que eu
precisaria fazer e sobre o negócio em si.
Eu já estava familiarizada com o tipo de
transação que estava acontecendo, por
causa das reuniões das quais participei,
mas ele me explicou o motivo do evento
e o que aconteceria por lá.
​Foi bom manter o assunto no
profissional, já que nossa amizade
andava estranha.
​Assim que chegamos, percebi que o
ambiente era tão elegante quanto
imaginei que fosse. Pessoas muito bem
vestidas, garçons educados, uma
decoração de classe... eu quase me
sentia um peixe fora d’água. Não porque
não me comportasse da forma adequada,
mas porque sempre fui tímida e aquele
tipo de coisa me deixava em pouco
desconfortável.
​A mão de Bernardo na curva das
minhas costas também.
​— Não precisa ficar nervosa. Você
vai tirar de letra. — Ele se inclinou para
sussurrar no meu ouvido, e isso, somado
ao toque, me fez estremecer.
​Hans já estava presente, e Bernardo
me conduziu direto a ele.
​O alemão me olhou de cima a baixo.
No momento em que fui cumprimentá-lo,
ele beijou minha mão ao invés de
apertá-la e disse, em sua língua natal:
​— Você é muito mais bonita
pessoalmente, senhorita — o tom
educado e galante não me passou
despercebido.
​Ele era bonito. Muito loiro, olhos
azuis, alto e o terno o vestia muito bem.
Ainda assim não tinha metade do charme
do homem que eu estava acompanhando.
Nem a beleza.
​Mas por que eu estava comparando
mesmo?
​Apenas sorri em agradecimento,
sentindo-me constrangida e não
querendo dar muito valor ao elogio.
​Os dois iniciaram sua conversa a
respeito de trabalho, e eu fiz o meu
melhor para traduzir tudo. Hans falava
pausadamente, para facilitar minha
compreensão, e esperava pacientemente
que eu transmitisse a mensagem para
Bernardo.
​Era um trabalho simples, e os dois
homens eram muito gentis comigo. Tanto
que quando fomos jantar, me senti quase
bajulada quando os dois se prepararam
para puxar a cadeira para que eu me
sentasse, deixando-me no meio. Não era
uma situação nada má, na verdade. Dois
caras bonitos me tratando como uma
princesa? O que mais eu poderia pedir?
​Continuamos a conversa, comigo
fazendo o meu trabalho, e Hans insistiu
que eu bebesse um pouco de champanhe.
Não era algo que eu queria, porque
sabia que era fraca para bebida, mas
acabei aceitando, porque ele era bem
persuasivo e porque Bernardo deu de
ombros, concordando. Ele era o meu
chefe, afinal. Se achasse ruim que eu
tomasse álcool durante o trabalho, eu
não iria ultrapassar suas regras.
​Em um dado momento, depois de
duas taças de champanhe, Hans precisou
nos deixar por alguns instantes, para
usar o banheiro, e eu me peguei
distraída, olhando para um ponto
aleatório, tentando não encarar
Bernardo, porque, subitamente, as
coisas pareciam estranhas demais entre
nós. Uma atmosfera pesada, tudo a
respeito dele parecia mexer comigo de
um modo diferente. Seus olhares
estavam mudados, seu comportamento,
seu jeito de me tratar. Não sabia se era
uma coisa boa, mas temia arriscar.
​— Você está se saindo muito bem —
lá estava novamente o sussurro que
parecia penetrar a minha alma. Era um
som que invadia meus ouvidos e que se
misturava ao meu sangue correndo
exatamente para a parte do meu corpo
que pulsava em momentos nada
apropriados.
​Eu era virgem, mas não era imune à
sedução de Bernardo.
​— Obrigada. Estou sendo bem paga
para isso — tentei brincar, esperando
que ele entrasse no clima e saísse do
modo “Bernardo sexy como o inferno”.
​Se ele não queria me seduzir, o que
era mais do que óbvio, por que ficava
fazendo aquelas coisas?
​Então ele realmente deu uma
risadinha, mas só piorou as coisas.
​Como ele conseguia me deixar em
chamas com coisas tão simples? Tudo
nele parecia atiçar a minha libido – que
vivera adormecida por toda a minha
vida até aquele momento. A forma como
falava, como ria, como se movimentava,
suas mãos, seu cheiro.
​Eu não deveria ter bebido.
​— Aceite o elogio, loirinha. Você
parece estar aceitando muito bem os de
Hans.
​Uau. Quase senti como um tapa na
cara. Havia um tom estranho na voz de
Bernardo, e quando eu olhei para ele, o
vi dando um belo gole no champanhe,
enquanto um vinco profundo marcava
sua testa.
​— Como você sabe que ele estava
me elogiando? — mais de uma vez,
aliás. Em nenhuma delas traduzi o que
disse a Bernardo.
​Um sorriso de canto provocador
curvou sua boca perfeita e desenhada.
​— Já conheço suas reações quando é
elogiada. É adorável. — Então ele
baixou o tom de voz: — Mas fui
arrogante o suficiente para pensar que
era só eu que provocava isso em você.
​Do que ele estava falando? Eu sabia
que Bernardo também tinha bebido, mas
não sabia o quanto. Ele era mais forte
para álcool, no entanto.
​Só que ele ainda prosseguiu:
​— Você me confunde, loirinha. Mais
do que eu gostaria.
​Mais um gole da bebida. Ainda
assim, ele não estava embriagado, com
certeza. Não que eu o conhecesse tão
bem, mas era fácil distinguir.
​Queria perguntar como eu o
confundia, mas não tinha coragem. Seria
uma dúvida na minha cabeça. Algo que
iria me acompanhar por um bom tempo,
até que Bernardo resolvesse esclarecer
as coisas.
​Até que eu conseguisse entender o
que eu estava sentido. Porque... sim...
ele também me confundia.
CAPÍTULO ONZE
​ u ainda não queria que a noite
E
terminasse. Talvez não fosse a melhor
ideia possível levar uma Rebecca
embriagada para um barzinho ou uma
boate, mas levá-la para casa seria ainda
pior, tendo em consideração a última
vez e como as coisas ficaram estranhas.
​A diferença, daquela vez, era que eu
não conseguiria me controlar. Se aquela
mulher linda começasse a dançar de
biquíni para mim, esfregando nossos
corpos, eu iria agarrá-la. Em segundos
ela estaria imprensada em uma parede,
com as pernas ao redor da minha
cintura, sendo beijada como merecia ser.
E isso seria só o início.
​Mas eu precisava me lembrar que
aquela garota era diferente. Não que
qualquer mulher merecesse ser tratada
sem respeito, e nem era o caso, mas
Rebecca era virgem. Eu não podia sair
agarrando a mulher se não tinha intenção
de levar as coisas a sério.
​Por tudo isso, a opção de demorar
um pouco mais a ir para casa pareceu a
mais atraente.
​ evemente tocada pelo álcool,
L
Rebecca imediatamente topou. O que
deveria me deixar animado, não? Eu
curtia baladas, por que, então, estava
com tanta vontade de voltar para casa e
ficar sozinho com ela? Mesmo que fosse
só para conversar.
​Mas não era seguro.
​Eu esperava que aquela música alta
silenciasse meus pensamentos. Ou, ao
menos, que conseguisse sobrepô-los.
Segurei a mão de Rebecca enquanto nos
esgueirávamos por entre a multidão, em
direção a uma mesa. Normalmente eu
escolheria uma mais ao canto, mais
reservada, ou até alugaria um espaço
VIP, um camarote ou algo assim, mas
não queria ficar em um local tão vazio
com ela. Não queria ter espaço para
ceder à tentação.
​Ela não pareceu perceber, no
entanto.
​— Eu nunca vim a um lugar assim —
ela comentou, feliz, sorridente demais,
falando alto, tentando ser ouvida por
cima da música.
​— Uma boate?
​— É! Te falei, né? Filha temporã,
superprotegida...
​— Divirta-se, então.
Sorri para ela, porque sua
animação estava começando a me
contagiar. Seus lindos olhos brilhando,
observando a tudo e a todos, a forma
como seu corpo se movimentava
inconscientemente com a música, como
sorvera sua bebida, quando estas
chegaram, com cara de deleite no
primeiro gole... Não havia nada nela que
não fosse encantador naquele momento.
​— Acho que estamos um pouco bem
vestidos demais para o local. — Ela
falou enquanto olhava novamente ao
redor. As mulheres, pelo menos,
estavam usando vestidos curtos e saltos
enormes, enquanto Rebecca continuava
com o traje da festa, longo e elegante.
​— Assim como no casamento de
Marcela, não tem nenhuma mulher mais
bonita do que você aqui.
​Era estranho que Rebecca ainda
ficasse surpresa com meus elogios.
Ainda assim, ela deu uma golada na
bebida, sem me encarar, mas logo
pareceu animada novamente.
​— Ahhh, eu adoro essa música!
Dança comigo? — Ela se levantou,
vindo na minha direção, mas antes de
qualquer coisa, acabou caindo sentada
no meu colo, obrigando-me a segurá-la
com firmeza para que não caísse. —
Desculpa... eu sou tão desastrada...
​Se fosse qualquer outra mulher, eu
poderia jurar que tinha sido de
propósito, mas algo me dizia que não
seria do feitio de Rebecca fazer aquele
tipo de coisa. Fosse como fosse, tê-la
nos braços era um jogo extremamente
perigoso. Com tal proximidade, um
único movimento em falso nos colocaria
em uma situação complicada.
​Ainda assim... O calor do corpo de
Rebecca contra o meu... Puta merda. Era
game over. Meu pau imediatamente
começou a responder à sensação, e tudo
o que eu queria era segurá-la com força
contra mim, agarrar aqueles cabelos
dourados entre meus dedos e possuir
aquela boca pintada de vermelho que me
seduzia a cada movimento.
​Por alguns instantes trocamos
olhares, mas ela se levantou, colocando-
se à minha frente e estendendo a mão
para mim.
​Eu poderia negar, mas não sabia o
que seria pior. Ficar em um canto com
Rebecca, depois de tê-la sentada no meu
colo, evocaria pensamentos que não
eram nada próprios.
​Por isso... lá fui eu.
​ irei o blazer, abri alguns botões da
T
camisa e a segui para a pista, onde
encontramos um espaço entre os corpos
suados que se movimentavam ao som de
algo que eu poderia jurar que era Bruno
Mars. Bem agradável.
​Rebecca imediatamente começou a
se mexer, balançando os cabelos,
lançando as mãos para o alto, e por um
momento não consegui fazer nada que
não fosse olhar para ela. Fiquei parado
como um bobo, observando-a e
percebendo que outros homens ao nosso
redor faziam o mesmo. A vontade de
rosnar para cada um deles e dizer que
ela estava comigo era imensa.
​Só que eu não poderia fazer isso,
então apenas me aproximei, colocando
um braço ao redor de sua cintura, em
uma reação possessiva, que não me
cabia, mas que foi totalmente
impensada.
​Juntei-me a ela na dança, e nossos
corpos começaram a se esfregar um no
outro. Péssima ideia, Bernardo!
Péssima ideia!
​E o maior problema era que
Rebecca não parecia ter a menor noção
do efeito que despertava em mim. Nem
nos homens ao redor. Aquela garota
podia ser completamente inexperiente,
virgem e alegar que não sabia como
seduzir alguém, mas estava enganada.
Ela era puro fogo e gasolina sem a
intenção de ser.
​Uma música foi emendada na outra,
iniciando uma de Lady Gaga, e Rebecca
continuou no ritmo. Seria prudente eu
propor que voltássemos para a mesa,
mas era tarde demais. Eu estava em
chamas.
​Em certo momento, ela se virou de
costas para mim, descendo até o chão
com um balançar tentador dos quadris, e
isso foi a própria tentação. A mais cruel
e perigosa.
​Quando voltou, girou nos meus
braços, desequilibrando-se novamente e
me fazendo ampará-la. Esse foi um bom
lembrete de que ela estava bêbada e que
não seria certo me aproveitar da
situação.
​Seus braços lânguidos foram parar
ao redor dos meus ombros, e seu rosto
ficou a pouquíssimos centímetros do
meu. Eu só precisaria me inclinar um
pouco para roubar sua boca para mim.
​— Estou a fim de você, Bernardo. É
o primeiro homem por quem me
interesso, além de Juninho, desde que
me entendo por gente.
​Ah, merda. Ela estava mesmo
falando aquele tipo de coisa?
​— Beca, você está bêbada, querida.
​— Ué... e não dizem que quando
estamos bêbados é que falamos as
verdades? Estou sendo sincera. Você é
um gostoso, Bernardo, e eu sei que
nenhum homem que me beijou até hoje –
e foram poucos – faria melhor do que
você. — O olhar dela...
​Deus, por que me tentas assim?
​ ão. Certamente Deus não tinha a
N
menor influência naquele caso. Aquilo
era obra do demônio.
​Aquela garota podia ter carinha de
anjo, mas ela era uma diabinha em
pessoa.
​Rebecca colocou-se na ponta dos
pés, mesmo com o salto, aproximando
sua boca do meu ouvido, dizendo algo
que colocaria qualquer homem em sã
consciência em uma situação de total
constrangimento físico.
​— Me mostra como é ser beijada
por alguém que realmente sabe como
fazer... — sussurrou com uma voz que
era pouco mais do que o miado de uma
gatinha sensual e desejosa.
​Porra, eu não era de ferro. Queria
beijá-la.
​Nada disso. Eu queria me enterrar
tão fundo dentro dela que seria difícil
entender onde eu começava e ela
terminava. Se fosse outra mulher, apenas
a arrastaria para o banheiro daquele
estabelecimento e a foderia como louco
em cima de uma pia ou contra uma
parede até fazê-la desmaiar de prazer
nos meus braços.
​Só que não era outra mulher. Não era
uma garota experiente que queria o
mesmo que eu, desencanada, livre e
desprendida. Rebecca se arrependeria
caso chegássemos mais longe. Até
mesmo com o beijo. Ela não merecia ser
beijada naquele estado, para que não se
lembrasse de nada no dia seguinte.
​ ntão eu tomei uma decisão bem
E
drástica, porque ela veio na minha
direção, pronta para me beijar.
​E eu recuei...
​O olhar de decepção em seu rosto
poderia me fazer jurar que ficara sóbria
subitamente. Depois aqueles mesmos
olhos se arregalaram como se fossem
redondos, e ela se afastou.
​Queria segurá-la e dizer que nada
mudara, que eu queria muito beijá-la,
mas mal tive tempo, porque ela
simplesmente se afastou, saindo
correndo, embrenhando-se na multidão e
desaparecendo da minha linha de visão.
​Eu poderia ter achado sua reação
exagerada demais se uma coisa não
tivesse retornado à minha memória. O
conselho que eu mesmo dei a ela.
​“Um homem nunca rejeita o beijo
de uma mulher bonita. Se isso
acontecer, você pode desistir do cara
de vez, porque ele realmente não quer
nada com você”.
​Provavelmente ela estava pensando
nisso também: que eu não queria nada
com ela, quando era totalmente o
contrário.
​Tentando fazer o certo, eu tinha
estragado tudo.
CAPÍTULO DOZE
​ assei em nossa mesa para buscar a
P
minha bolsa, mas saí correndo para fora
da boate, pegando o primeiro táxi que vi
na minha frente, dando o endereço da
casa alugada.
​Rapidamente, cinco minutos depois,
o celular vibrou dentro da minha bolsa.
​Eu queria ignorar a ligação, porque
era de Bernardo, mas seria muito
escroto da minha parte deixá-lo
preocupado. Obviamente eu estava
chateada, mas ele não era obrigado a
querer me beijar, não é? Assim como
Junior também não.
​O que havia de errado comigo?
​Suspirando, toquei na tela para
atender e levei o telefone ao ouvido.
​— Porra, Rebecca, graças a Deus!
Te procurei pela boate inteira. Estava
apavorado aqui. Onde você está?
​— Em um táxi, indo para casa.
​Ele ficou calado por algum tempo,
mas consegui ouvir o suspiro do outro
lado da linha.
​— Está tudo bem aí? Está segura? O
motorista te tratou com respeito?
​ ... seria bem difícil arrancar o
É
sentimento que começava a nascer
dentro do meu peito por Bernardo. Ele
não facilitava em nada as coisas.
​— Estou bem — foi tudo o que eu
respondi, antes que desmoronasse e ele
percebesse. Não era o que eu queria.
Claro que ele sabia que eu não estava
bem, mas preferia que pensasse que
tinha a ver com a bebida.
​— Vou para casa também. Me espera
para conversarmos, por favor.
​Fiz uma pausa, mantendo o silêncio.
Eu poderia falar a verdade, que não
queria olhar para ele, ao menos naquele
momento. Poderia pedir que esperasse
até o dia seguinte, quando estaríamos
com a cabeça mais fria, mas eu só
queria que ele desligasse. Caso
decidisse insistir, as coisas se
prolongariam e não era a minha
intenção.
​— Tudo bem — menti, e novamente
ele pareceu soltar um suspiro de alívio.
​— Nos falamos em casa, então.
​Em casa... como se morássemos
juntos. Como se fôssemos algo mais do
que apenas chefe e funcionária.
​Mas era nisso que eu precisava
focar. Não havia nada entre mim e
Bernardo além de uma relação de
trabalho e, no máximo, um projeto de
amizade. Ele era sedutor, e eu era a
garota virgem e inexperiente – uma
presa fácil. Precisava manter em mente
que não haveria final feliz como em um
conto de fadas.
​Desliguei o telefone e segui no táxi,
até que chegamos. Saltei depois de
pagar e entrei. Sabia que era uma
questão de minutos para Bernardo
aparecer, então corri e subi para o meu
quarto, trancando a porta.
​Enfiei-me no banheiro, tirando a
roupa com pressa e me colocando
debaixo do chuveiro. Sentei-me no chão
do box, com os joelhos encolhidos,
abraçada a eles, esperando que minha
vergonha se diluísse e descesse pelo
ralo junto à água. Era horrível me sentir
assim, como se tivesse cometido um
crime. E pela segunda vez! Não era
possível que não aprendesse com meus
erros. Eu deveria criar um radar para
entender quais homens tinham interesse
em mim e quais não tinham.
​Bernardo demonstrara que tudo não
passava de uma brincadeira. Com
certeza flertar com a virgem deveria ser
divertido, mas lhe traria muitos
problemas. Algo para o que ele ainda
não estava preparado.
​Ou melhor: Bernardo é que era o
problema. Com letra maiúscula. Um
lobo pronto para devorar seu coração na
primeira oportunidade. Ele apenas não
escondia sua verdadeira face. Sempre
soube que era um cafajeste, um sedutor,
mas me deixei iludir. Um coração
partido era o que eu merecia.
​Perdi as contas de por quanto tempo
fiquei ali, debaixo d’água, até que ouvi
o som de um punho forte batendo contra
a madeira da porta.
​— Rebecca! Abra, por favor — ele
pediu, enquanto eu me levantava. Não
iria abrir, não queria vê-lo, mas
desliguei o chuveiro para ouvi-lo
melhor. — Merda! Você prometeu que
iríamos conversar!
​Não respondi. Não queria que
ouvisse o tom embargado da minha voz.
​Ele ficou em silêncio por algum
tempo, até que recomeçou a falar:
​— Eu não sou bom para você,
loirinha. Mais cedo ou mais tarde, vou
te magoar. Entenda isso.
​Sim, ele ia. Ao menos era sincero, o
que eu precisava valorizar.
​Tirei a toalha do cabide e me sequei,
enrolando o corpo nu em seguida e indo
para o quarto.
​— Só me diga se está bem, Rebecca.
Só isso, e eu vou te deixar em paz.
​Respirei fundo, sabendo que era
insistente o suficiente para ficar ali por
mais muito tempo, até que eu cedesse.
​— Estou bem. Preciso ficar um
pouco sozinha.
​— Por favor, loirinha, me desculpa.
Você tinha bebido, não era certo. Não
era — ele mais parecia insistir para si
mesmo do que para mim.
​Talvez estivesse falando a verdade,
mas parecia mais uma desculpa
esfarrapada para justificar a rejeição.
​Mas eu podia suportá-la. Podia
esquecê-lo. Nem estava apaixonada
ainda, era apenas uma atração, porque
ele era muito bom nisso. Com aquela
aparência, nem precisava de muito
esforço para deixar uma mulher
completamente rendida.
​— Como eu disse, estou bem. Só me
dê um tempo. Amanhã estará tudo bem.
​Não estaria. Não dentro de mim.
Mas faria de tudo para que nem ele, nem
qualquer outra pessoa, pudessem
perceber. Não era difícil esconder uma
decepção.
​— Ok, eu vou. Mas me chame se
precisar. Por favor, se...
​— Bernardo! — chamei seu nome
com veemência, interrompendo-o,
porque não era a hora certa de lidar com
seu jeito atencioso. Queria pensar nele
apenas como o mulherengo que transava
com mulheres diferentes a cada semana,
mas que me negara um beijo. Um mísero
beijo. — Não vou passar mal porque
você não quis me beijar. Vou superar,
não sou tão boba quanto pareço.
​Ele não respondeu. Não falou
absolutamente nada. Mas era melhor
assim. Se decidisse tentar me convencer
de que eu estava enganada a respeito de
ele não querer o beijo, seria pior. E eu
não queria acreditar.
​Era melhor me conscientizar de que
fora apenas um lapso. Um erro.
​Nós dois éramos um erro. Como
pude pensar que conseguiria seduzir um
cara como ele, sendo completamente
inexperiente?
​ eixei que alguns minutos se
D
passassem, esperando até ouvir a porta
de seu quarto batendo. Vesti uma roupa
de dormir, joguei-me na cama e peguei
meu celular, enviando uma mensagem
para Marcela. Sabia que iria me
arrepender depois, mas talvez o álcool
ainda estivesse no meu sangue em
quantidade suficiente para me fazer
cometer besteiras.

REBECCA: Você estava certa, não


consegui me controlar.

​ la só precisou de dois minutos para


E
me ligar. E olha que já era madrugada.
​— Você deveria estar dormindo —
afirmei assim que atendi, com um tom de
repreensão na voz.
​— E dá para dormir com uma
mensagem enigmática como a sua? Além
do mais, amanhã é sábado. — Fez uma
pausa. Por que ela soava animada
quando eu estava destruída? — O que
aconteceu?
​— O que mais poderia ter
acontecido? A babaca aqui ficou
novamente interessada no homem
errado.
​— Se eu tivesse apostado...
​— Poxa, Marcela, não brinca com
isso!
​— Tudo bem, desculpa. O que
aconteceu? Ele foi escroto com você? Te
deu ilusões? Me conta que ele vai me
ouvir, e quando chegarem no Rio vou
bater naquele rostinho bonito dele.
​— Obrigada por me lembrar que o
rostinho é bonito. Mas, não. O pior foi
esse. No final das contas ele só agiu
exatamente como o seu irmão. Deve ser
algum problema comigo. Talvez eles
achem que eu não sei beijar direito, não
sei...
​— Para com isso, Becky. O
problema não é com você. Mas é
estranho o Bê rejeitar uma mulher assim.
A não ser que... — Marcela deixou a
frase no ar, e eu esperei que continuasse,
mas não o fez.
​— A não ser o quê?
​— Nada. Foi uma coisa que passou
pela minha cabeça, mas acho que não faz
sentido. — Ela não ia mesmo me contar?
Eu poderia insistir, mas sabia que
Marcela não era convencida assim tão
facilmente a fazer algo que não queria
fazer. — Mas tenta entender, amiga... é
melhor assim. Não dá para domar um
homem como Bernardo. No final das
contas, ele está tentando te proteger de
si mesmo. Você não merece sofrer.
​— Parece que vocês ensaiaram o
mesmo texto.
​— Então é a verdade. Convença seu
coração de que não é uma boa ideia se
abrir para ele. Sei que é difícil, mas
você vai conseguir.
​Eu duvidava um pouco, mas faria de
tudo.
​Talvez a melhor forma de deixar
Bernardo de lado fosse tentar encontrar
coisas novas na minha vida. Tentar me
tornar uma nova Rebecca, como quis
desde o início, mas sem a ajuda dele.
Conhecer pessoas, me divertir... Seria
uma boa ideia.
​Sem dúvidas... seria.
CAPÍTULO TREZE
​ noite foi uma verdadeira merda. E
A
o dia seguinte também. Só que não da
forma como eu esperava.
​Depois de ter chegado em casa e me
deparado com uma porta trancada e com
a mulher mal querendo me olhar na cara,
jurei que o sábado seria igual. Que
ficaríamos em completo silêncio, que o
clima estaria estranho e que eu iria
amaldiçoar até a minha quinta geração
por ter negado o beijo.
​Para ser sincero, isso eu já estava
fazendo. Quem, em sã consciência,
recusaria o beijo de uma mulher como
ela? Aquela cara de anjinha escondia
uma alma que mais parecia um vulcão, e
eu não conseguia parar de pensar em
como seria se eu a levasse para a cama.
Mas um homem como eu não tinha
sequer o direito de pensar em tirar a
virgindade de uma garota como ela.
Deveria ser ilegal, pecado condenável.
Só que eu já iria para o inferno só pelos
pensamentos que estava nutrindo.
​Apesar de todas as impressões de
que seria um dia onde Rebecca me
ignoraria o tempo todo, a beldadezinha
apareceu na piscina logo cedo, com um
maiô vermelho que deveria ser mais
comportado do que o biquíni que usara
da outra vez, mas era ainda mais
tentador e sexy, dando voltas e voltas,
nadando como uma sereia.
​Tentei ficar ao máximo longe,
tirando a porra da manhã inteira para
malhar como um condenado na sala de
musculação, mas a enorme janela em
frente à esteira tinha uma vista em full
HD para a piscina, e eu conseguia ver
cada contorno do corpo perfeito da
loirinha.
​Era difícil pra caralho correr de pau
duro.
​Ainda assim, mantive minha
convicção de que não iria sequer me dar
bom dia, mas quando nos sentamos para
tomar o café da manhã proporcionado
pela D. Antônia, Rebecca sorriu para
mim, começando a conversar como se
nada tivesse acontecido.
​Ou a garota era doida ou não se
lembrava. Eu não sabia o que preferia.
​Pensei em mencionar o assunto, em
tentar dar uma conclusão ao problema...
ainda queria me explicar e dizer que não
era falta de desejo, mas achei melhor
que as coisas seguissem daquela forma.
Que pensasse que eu não a queria. Já
que ela estava tão bem com isso, não
iria estragar mais a situação.
​O que falei na noite anterior era
real: eu não era homem para Rebecca.
Aquela garota merecia um cara que
mandasse flores, que estivesse pronto
para um relacionamento e valorizar a
mulher especial que ela era. Tudo o que
eu podia oferecer era a minha cama e
algumas horas de prazer. Algo leviano.
​Se pensasse com cuidado, eu era
leviano. Mas não estava preparado para
mudar isso, por mais que a ideia
começasse a me incomodar.
​Na segunda-feira retornamos ao
trabalho, visitando a sede da empresa.
Era apenas um espaço coworking, algo
temporário, enquanto as salas que
comprei ficassem prontas. Alguns
funcionários foram contratados pela
minha equipe de RH do Rio de Janeiro,
entrevistas foram feitas remotamente e
havia um time de vinte e cinco pessoas,
entre representantes de vendas, pessoal
de TI, equipe de marketing,
recepcionistas e limpeza.
​Eles já estavam em atividade há
algumas semanas, e eu gostei de ver que
as coisas estavam funcionando
perfeitamente. Havia uma sala bem
grande para mim, com uma menor em
anexo, onde Rebecca ficaria.
Concordamos que ela me atenderia
como secretária durante o período em
que trabalharia comigo, com uma boa
adição no que prometi lhe pagar. Como
aquele contrato era basicamente com
Hans, havia muitas coisas que ela
precisaria traduzir para mim, como e-
mails, memorandos e relatórios, além de
precisar ser minha porta-voz para ele.
​Até mesmo no trabalho ela continuou
agindo de forma profissional, e toda a
equipe adorava – principalmente a parte
masculina.
​Porra, não era difícil ver aqueles
babacas secando a loirinha como
tarados. Minha vontade era socar a cara
de cada um deles para não fazerem
aquele tipo de coisa dentro do ambiente
de trabalho.
​Foi uma semana dessa merda. De
Rebecca acordando cedo para nadar, me
torturando com seus trajes de banho
sensuais e depois aparecendo linda,
cheirosa e pronta para trabalhar.
Conversava comigo normalmente, como
se não tivesse sido rejeitada, mas nunca
mais tentara nada.
​E era melhor assim, não? Essa
conclusão tornou-se especialmente
correta na sexta-feira – uma semana
depois da festa que causou todo o caos
–, quando recebemos a notícia de Hans
de que talvez fosse necessário que
ficássemos mais tempo em São Paulo.
Mais duas semanas além do combinado,
talvez um mês.
​Jurei que Rebecca iria dizer que não
podia, mas deu de ombros e concordou,
apenas perguntando se em seu tempo
livre na empresa poderia continuar
fazendo suas traduções literárias, que
continuavam chegando. Claro que
respondi que sim. Até aquele momento
ela tinha sido exemplar como assistente,
e eu não poderia reclamar.
​E como eu disse antes, todos da
empresa a adoravam. Tanto que ela
passou a conhecê-los muito melhor do
que eu, muito mais rápido.
​— Hoje eu não vou para casa com
você, ok? — ela simplesmente informou,
pouco antes de sair da minha sala,
depois de me ajudar a traduzir
documentos que precisavam ser
assinados.
​— Não? Por quê?
​— O pessoal daqui vai fazer uma
festinha na casa do Mário. Me
convidaram, e eu vou. Tudo bem?
​Não estava tudo bem. Mário era o
mais babaquinha de todos. Era da
equipe de TI, um nerdzinho com jeitão
hipster, daqueles que usava cabelo cheio
de gel, óculos de aro preto e se achava
sedutor. Aparentemente as mulheres o
achavam atraente, porque muitas no
escritório curtiam cercá-lo com sorrisos
e eu as via fofocando sobre ele.
Suspeitava que já tinha saído com mais
de uma, mas seu novo alvo era Rebecca.
​— Sim, claro. — Dei de ombros,
porque o que mais eu poderia fazer?
Nem se eu fosse namorado da loirinha
poderia impedi-la, mas um conselho não
me custava. — Só tome cuidado com
ele. O cara não parece muito confiável.
​— Não tenho interesse em Mário.
Quero só me divertir com as meninas.
— Ela fez uma pausa e se levantou,
ajeitando a saia preta que delineava as
curvas perfeitas de seu quadril. — Eles
me pediram para te convidar. Se você
quiser ir... O endereço está no seu e-
mail. Foi enviado convite para todo
mundo.
​— O chefe numa festinha do
pessoal? — Ergui uma sobrancelha,
cheio de suspeita.
​Rebecca abriu um sorriso.
​— As pessoas gostam de você. Não
é um chefe chato.
​Ainda sorrindo ela saiu da sala,
deixando-me completamente surpreso.
​Ao menos não me achava chato...
​O dia passou como qualquer outro,
mas acabei ficando no escritório até um
pouco mais tarde, porque... Ah, merda,
eu não tinha motivo nenhum a não ser me
torturar ao ver Rebecca vir se despedir
toda animada com a ideia da festinha.
Pelas paredes de vidro da minha sala, eu
a vi sair com duas das meninas – a
recepcionista e uma da equipe de
marketing, com quem passara a almoçar
quase todos os dias, depois de querer
distância de mim.
​Porque ela poderia estar se
esforçando muito para demonstrar que
nada havia mudado, mas era apenas
fachada. Rebecca ficara magoada, só
estava tentando seguir em frente.
​E era melhor assim, não?
​Já com o escritório vazio, restando
apenas eu numa sala, sozinho, peguei o
telefone e chamei o número de Marcela.
​— E ai, bonitão?
​Nós não tínhamos nos falado desde
que eu saí do Rio, mas imaginava que se
comunicava com Rebecca. Talvez por
esse motivo me mantive afastado. Não
queria levar um sermão.
​— Tudo bem, e você? Como está a
vida de casada?
​— Bem, estamos os dois de férias,
né? Então basicamente só transamos,
comemos na cama, fazemos a digestão e
transamos novamente.
​Transar... era uma coisa que eu não
fazia há algum tempo. Talvez essa fosse
a solução para os meus problemas.
Quem sabe sair naquela noite, ir a um
barzinho, encontrar uma garota bonita e
levá-la para um motel não me fizesse
sentir melhor?
​ Adoro saber os detalhes da sua

vida conjugal, Cela. Por que não
enumera a quantidade e tipo de posições
diferentes que vocês dois têm tentado?
​— Olha, eu te aconselho a tentar a...
​— Não, pelo amor de Deus! — eu a
interrompi antes que fosse tarde demais.
— Não quero saber. — Fiz uma pausa,
ainda hesitando em entrar no assunto que
eu sabia que seria uma merda. Mas era
inevitável, porque eu não conseguiria
segurar a língua. — Rebecca falou com
você?
​— A Becky fala todos os dias
comigo, seja mais específico...
​Revirei os olhos, lamentando que ela
não pudesse vê-los.
​— Sobre o que aconteceu na boate...
— eu não queria entrar em detalhes, e
esperava que ela não me torturasse
dessa forma.
​Era bem típico de Marcela fazer
aquele tipo de coisa, mas se comportou.
​— O que não aconteceu, né? Relaxa,
Bê. A Becky ficou chateada no dia, mas
passou. Não é como se ela estivesse
apaixonada por você. Era só uma
atração. Aquela coisa que dá e passa.
Você entende bem disso.
​Porra, se Marcela tivesse me dado
um soco na cara, teria doído menos.
​Mas não era melhor assim? Não era
uma ótima ideia que a loirinha não
estivesse sofrendo por mim nem
chorando pelos cantos? Eu odiaria
magoá-la.
​Só que...
​Ah, merda! Eu tinha que parar com
aquela besteira toda e arrumar uma
mulher para transar.
​Fiquei um pouco mais de tempo no
telefone com Cela e assim que desliguei,
peguei meu paletó no encosto da
cadeira, fechando meu notebook e
partindo.
​São Paulo tinha uma noite
maravilhosa, garotas lindas, e eu não
precisava ficar cheio de tesão encubado
por uma mulher que não era para mim.
Uma que me traria dor de cabeça.
​Cheguei a um barzinho badalado na
Paulista, decidido a encontrar minha
vítima da noite. Eu queria uma morena,
uma negra ou uma ruiva. Nada de loiras.
Nada que pudesse me remeter a
Rebecca.
​Pedi uma bebida no balcão e avistei
uma morena bonita, sozinha em uma
mesa. Alta, cabelos bem compridos – do
jeito que eu gostava –, caindo em ondas
pelas costas. Corpo perfeito. Ótima
opção.
​Quando estava prestes a chegar nela,
um cara chegou primeiro, e ela o beijou,
com um sorriso largo.
​Ótimo, a primeira escolhida tinha
namorado.
​E assim foi por uma hora. Eu
demorava para encontrar uma mulher
que realmente me interessasse. Quando
acontecia, ou eu percebia que não estava
sozinha ou perdia a vontade de abordá-
la.
​O que estava acontecendo comigo?
​Foi quando chegou um e-mail,
fazendo vibrar meu celular. Era algo
importante, mas que poderia ser
resolvido no dia seguinte. Só que logo
abaixo dele estava o convite para a festa
na casa do idiota do tal Mário.
​Pronto. O suficiente para atiçar a
minha vontade de ir para lá.
​Talvez fosse uma boa ideia
confraternizar com meus funcionários
e...
​Ta, tudo bem. Eu queria dar uma
olhada na loirinha. Não queria que o
babaca hipster desse em cima dela e a
magoasse.
​Pensar nele beijando-a... aceitando o
beijo que eu neguei...
​Quando dei por mim já estava no
carro partindo para o endereço.
​Cheguei e fui recebido pelo próprio
Mário, que já estava um pouco alterado.
​— Olha só, galera! O poderoso
chefão chegou! — ele gritou para o
pessoal lá dentro, e eu ouvi I Love Rock
n’ Roll, na versão da Britney Spears,
tocando.
​Em que tipo de festa eu me meti?
​Fui entrando, sendo guiado por
Mário até os fundos de sua casa. Ele me
ofereceu uma bebida, mas não aceitei.
Por algum motivo não queria me
embriagar em uma festa de funcionários
da minha empresa. Eu nem deveria estar
ali.
​ alvez conseguisse ir embora de
T
fininho assim que localizasse Rebecca,
visse que ela estava bem e...
​Ah, merda!
​Eu não demorei a vê-la.
​Com a blusa metade para fora da
saia, metade para dentro, ela dançava
sobre a bancada de mármore de uma
churrasqueira ao lado de suas duas
colegas, com quem saíra mais cedo.
​Eram três moças bonitas, mas
Rebecca era a que mais chamava a
atenção. E provavelmente não tinha a
menor noção disso.
​As outras duas se esforçavam para
rebolar e sensualizar, ambas já tinham
tirado a blusa, ficando apenas de sutiã,
enquanto Rebecca dançava mais contida,
sorrindo e brincando com as meninas.
​Ao meu lado, a uma distância
segura, a voz do tal hipster babaca soou,
conversando com um colega:
​— É hoje que eu pego aquela
loirinha.
​— Cara, ela não é fácil não. Já deu
fora em uns dois caras só esta noite.
​— Já deu em mim também, mas eu
tenho uma coisinha que vai deixá-la
mais maleável. Vou cuidar direitinho
dela.
​O quê?
​Estava pronto para voar em cima do
filho da puta, mas ele já tinha saído de
perto. Eu não poderia bancar o louco e
sair socando o cara dentro da casa dele,
sem provas. No mínimo eu iria preso,
seria processado e a loirinha ainda
ficaria nas mãos dele.
​Nem pensar. Tudo o que eu
precisava era tirá-la dali. Não
importava como.
​Saí afastando as pessoas, chegando
até a bancada. Não dei nenhuma
satisfação, apenas agarrei suas pernas e
a puxei, fazendo-a cair no meu ombro,
começando a carregá-la para longe dali.
​— Bernardo! O que você está
fazendo? — ela gritou, esperneando. Ao
nosso redor, total silêncio. Imaginava
que as pessoas queriam comentar, mas
não tinham coragem, porque eu era o
chefe.
​Por isso ninguém me impediu de
tirá-la de lá.
​ — BERNARDO! Me coloca no
chão! — ela novamente berrou, socando
as minhas costas, enquanto eu a
carregava para fora.
​— Estou fazendo isso para te
proteger. No caminho conversamos.
​Eu esperava mesmo que ela me
desse a chance de explicar. Só que
ninguém iria fazer mal à minha loirinha.
Não se eu pudesse evitar.
CAPÍTULO QUATORZE
​ e braços cruzados, como uma
D
criança mimada, segui quase o caminho
todo para casa em silêncio, enquanto
Bernardo dirigia. Ele também não
parecia estar em melhor estado, porque
eu podia ver as articulações de seus
dedos brancas de tanto que apertava o
volante. Seu maxilar também estava
contraído, completamente tenso.
​Queria perguntar o que tinha dado
nele para sair me tirando da festa
daquele jeito. Ele não era meu dono. Por
que, então, agia como tal?
​Assim que chegamos na casa, eu
realmente decidi bancar a garota
teimosa, só para provocar. Se ele sabia
ser insuportável, eu seria também.
​Como sempre agindo como um
cavalheiro, Bernardo parou o carro na
garagem e deu a volta para abrir a porta
para mim. Continuei parada, com os
braços cruzados, sem olhar para ele. Sua
reação? Um resmungo, e em segundos eu
estava novamente em seus ombros, como
se não pesasse absolutamente nada e não
passasse de um saco de batatas.
​ Dá para parar com isso? Eu tenho

pernas — falei por entre dentes.
​— Não foi isso que pareceu quando
não quis sair do carro — afirmou em um
tom seco.
​Mas que diabos! Não deveria ser eu
a estar completamente estressada com
ele?
​Fui lançada no sofá sem muita
delicadeza, mas não fiquei muito tempo
sentada. Enquanto Bernardo se afastava
para tirar o paletó, eu ia atrás dele.
​— Posso saber o que aconteceu,
afinal? O que deu em você para me tirar
de lá daquele jeito? A empresa inteira
vai comentar!
​— Estou pouco me fodendo para
eles. Minha preocupação é você — ele
cuspiu as palavras. — Aquele babaca!
Aquele filho da puta! Vai ser demitido
na segunda-feira!
​Bernardo falava, falava, mas não
fazia sentido algum.
​— Que babaca, Bernardo? De quem
você está falando? — insisti, porque
toda aquela história estava absurda
demais.
​— O tal do Mário. Eu ouvi o
desgraçado falando que ia fazer algo
para te deixar mais soltinha. Sem
dúvidas ia te dar um Boa Noite,
Cinderela ou qualquer coisa assim.
​Arregalei os olhos, apavorada.
Sentindo as pernas fracas, simplesmente
me deixei cair no sofá, quase não
compreendendo. Ou não querendo
compreender.
​— Ele ia... — não consegui terminar
a frase. Era absurdo demais.
​— Provavelmente ia, sim, te fazer
mal. Bem mal. — Bernardo passou a
mão pelos cabelos castanhos, levando
outra à cintura. — Sei que agi sem
pensar e te peço desculpas por isso, mas
fiquei tão desnorteado que... — Ele
respirou fundo. — Você está aqui sob
minha responsabilidade. Qualquer coisa
que te aconteça, vou me sentir péssimo.
​— Sou adulta, Bernardo. Agradeço a
preocupação, mas não quero ser um
fardo e...
​Ele se aproximou de mim com
poucos passos, em um rompante.
​— Um fardo? — ele novamente
cuspiu as palavras. — Você só pode
estar brincando!
​O que ele queria dizer com aquilo?
E por que não explicava? No momento
em que me deu as costas, eu me levantei.
Não sabia se era uma boa ideia ficarmos
tão próximos.
​— Eu estava só me divertindo. Não
bebi. Nem uma gota. As meninas
estavam animadas, e eu quis dançar
também. Não quis chamar a atenção de
ninguém, muito menos passar uma
mensagem errada — falei com a voz
bem baixa, sentindo-me envergonhada
pela primeira vez.
​— Ei! — Ele se aproximou de mim
ainda mais, colocando a mão sob o meu
queixo, erguendo-o para que eu o
olhasse. — O erro não é seu. Quando um
babaca como ele olha para uma mulher,
não importa se ela está vestindo uma
burca ou nua. Não importa se estava
sentada, quieta ou dançando. Eu não te
tirei de lá por causa disso. Você estava
linda dançando, e eu gosto de te ver se
divertindo. Só... agi por impulso, com
instinto de proteção. Foi errado.
​Dei de ombros, sentindo-me
cansada. Ele se afastou um pouco, e eu
aproveitei o espaço que me deu para me
levantar e passar.
​— Não importa. Acho melhor eu ir
me deitar. Obrigada. Eu... — minha voz
desapareceu, porque não era exatamente
algo bom de se dizer.
​Só que mal consegui dar passos para
frente, porque senti a mão enorme de
Bernardo na minha nuca, segurando-me
e me puxando de volta para si. Colidi
com seu peito, ambas as mãos
imprensadas entre nós dois, e quase
fiquei sem ar quando vi que seus olhos
estavam fixos na minha boca.
​— Não quero que nada aconteça
com você, loirinha. Entende isso, não
entende? Sabe por que, não sabe? — sua
voz de veludo era nada mais que um
sussurro, e eu senti meu sangue começar
a correr mais rápido pelas veias.
​— Porque somos amigos — foi a
minha resposta. A reação dele foi passar
um braço ao redor da minha cintura,
enlaçando-me como se não quisesse
permitir que eu escapasse.
​ le balançou a cabeça bem
E
lentamente.
​— Não só isso. Você é especial para
mim. Mais do que eu gostaria. Você
mexe comigo mais do que seria
prudente.
​— Mexo? — tentei soar confiante,
embora minhas pernas mal conseguissem
me manter de pé com aquela
proximidade. — Você mal quis me
beijar.
​— Eu quis, Rebecca. Quis tanto que
me assustei. Como estou assustado
agora.
​— Acho que você não deve ser
muito inexperiente com beijos. Não
como eu sou no sexo. Não vejo motivos
para ficar assustado.
​ Você me assusta. Faz com que eu

me sinta um covarde.
​Tudo aquilo poderia ser uma cantada
barata ensaiada, mas não parecia. Os
olhos dele não o deixavam mentir.
​— Isso é errado, loirinha. Em muitos
níveis. Mas só pela forma como tenho
pensado em você eu já vou para o
inferno... então...
​Sem que eu tivesse chance de
resposta, Bernardo reivindicou meus
lábios, e tudo ao nosso redor pareceu
parar. No momento em que sua língua
pediu passagem, tocando a minha, foi
como uma explosão.
​Eu já tinha sido beijada. Algumas
vezes. Era gostoso, interessante, mas
nunca me deixou com vontade de mais.
Com um único movimento da boca de
Bernardo, eu já sentia que estava
perdida.
​O homem não beijava. Aquilo só
podia ser uma forma ilegal de sedução.
Devia haver um artigo na constituição de
algum país proibindo alguém de beijar
daquela maneira.
​Seu braço me enlaçou com mais
força, e eu quase perdi o ar.
​Minha cabeça deu um giro
vertiginoso. Eu poderia despencar ali
mesmo, nos braços dele, se não
estivesse me segurando com tanto
ímpeto. O meio das minhas pernas
latejava, com uma sensação
completamente nova. Eu queria que ele
me tocasse, que saciasse a minha
vontade, que me fizesse conhecer o
prazer. Queria tudo, mesmo que fosse
errado.
​Mas o que era certo, afinal? Manter-
me virgem? Para quê? Negar meus
desejos, meus instintos e me guardar
para quem? Não era importante para
mim. E eu não devia nada a ninguém.
​Quando dei por mim, já estava
deitada no sofá, com o corpo pesado de
Bernardo sobre o meu, agarrando a
minha coxa e erguendo-a, enquanto sua
mão passeava pela minha pele.
​Arqueei os quadris, roçando o vão
entre minhas pernas na ereção evidente
dele, demonstrando os meus desejos.
​— Rebecca, não faça isso! — ele
pediu em um rosnado, contra a minha
boca. — Não vou conseguir parar, não
sou de ferro.
​— Não pare — saiu baixinho. Quase
sem coragem. — Quero que me leve
para a cama.
​Então ele parou. Afastou-se para
olhar em meus olhos, e os dele estavam
bem abertos, surpresos.
​— Você tem certeza? Rebecca, não
quero que se sinta pressionada. Você é...
​— Virgem? E daí? Algum dia vou
ter que deixar de ser...
​— Mas... comigo? Eu não sei se...
​— A escolha é minha, não é? E se eu
quiser escolher você? — Bernardo ia
falar alguma coisa, mas levei um dedo
aos seus lábios, silenciando-o. — Não
venha me dizer que você não serve para
mim, que vai me fazer mal... é uma
decisão simples. Um tabu. Está mais do
que na hora de eu passar dessa fase, e
acho que você é experiente o suficiente
para que valha a pena.
​Seus olhos se perderam nos meus
mais uma vez, e eu não sabia qual seria
a sua resposta. Não sabia se iria acatar
o meu pedido, se iria me recusar
novamente, era uma incógnita. Só que eu
estava decidida, não iria voltar atrás na
minha decisão.
CAPÍTULO QUINZE
​ la
E estava oferecendo sua
virgindade a mim – o cafajeste que não
deveria merecer nem o seu beijo. Mas
seu corpo respondia ao meu como se, de
fato, quisesse que eu fosse mais longe. E
ela parecia tão irresistível, com os
lábios sem batom, entreabertos, o peito
subindo e descendo, ofegante, com dois
botões da blusa abertos, deixando o
sutiã branco e delicado aparecendo.
Tudo o que eu queria era lamber o vão
entre seus seios – e isso só para
começar.
​Mas...
​Porra! A garota era virgem! Dissera
que não tinha bebido, e realmente não
sentia gosto ou cheiro de bebida vindos
de sua boca, mas era uma puta
responsabilidade.
​Eu já tinha tirado virgindades de
garotas antes, principalmente na época
do colégio e faculdade. Só que nenhuma
delas era importante para mim como
Rebecca. E se isso me tornava um
canalha, tudo bem, eu até merecia o
título, mas não queria agir como um com
aquela garota especial.
​Nunca fui um homem de carinhos.
Nunca me preocupei o suficiente para
sentir necessidade de demonstrar a uma
mulher que ela era importante. Mas com
Rebecca era diferente.
​Com Rebecca tudo era diferente.
​Sem nem perceber o que fazia,
estendi a mão para seu rosto,
acariciando-o com os nós dos dedos, e
meu olhar era quase solene, analisando-
a.
Por que diabos aquela mulher
estava querendo se entregar a mim? Eu
não era merecedor de ser o seu
primeiro. Ela merecia muito mais.
Mas não iria negá-la novamente.
Não depois de me sentir um idiota por
recusar um beijo que eu queria mais do
que precisava respirar.
E naquele momento eu a
desejava dos pés à cabeça.
Só que não respondi nada de
primeira, apenas me afastei, deixando-a
visivelmente confusa. Estendi a mão
para que a pegasse e quando aceitou-a,
em silêncio, eu a puxei gentilmente para
que ficasse de pé.
— Bernardo, eu... — Assim
como ela tinha feito comigo minutos
atrás, levei um dedo à sua boca,
silenciando-a, deixando um beijo rápido
em seguida.
Peguei sua mão e a guiei escadas
acima, levando-a para o meu quarto, não
para o dela. Provavelmente Rebecca
entendeu a mensagem, porque pareceu
perder o ar por alguns instantes.
Mantendo-a de pé, comecei a
desabotoar o resto de sua blusa devagar,
botão por botão, deixando meus olhos
fixos nos dela. Calado. Apenas
apreciando o momento.
Deslizei a camisa por seus
ombros e contemplei-a nua da cintura
para cima. A saia era alta e cobria seu
umbigo, mas tudo o que eu via me
agradava. Tanto que o tesão começava a
se tornar doloroso.
Com gentileza, virei-a de costas
para mim, empurrando-a em direção a
uma parede, onde a encostei. Tirei o
lindo cabelo dourado do meu caminho,
agarrei ambas as suas mãos e as
imobilizei contra o concreto,
entrelaçando nossos dedos e mantendo-a
refém. Minha boca caiu na pele livre do
pescoço, e eu usei a língua para
estimulá-la em pontos onde a sentia
estremecer.
Subi até o ouvido e não resisti
em sussurrar:
— Hoje eu vou fazer amor com
você bem devagar, para que não se
machuque. Mas saiba que não consigo
parar de pensar em te foder bem aqui,
contra essa parede.
Ela arfou com minhas palavras.
Ótimo, porque era assim que eu a
queria: excitada, pronta.
Soltei suas mãos e abri o zíper
de sua saia bem devagar, mantendo os
lábios ainda na pele de seus ombros.
Assim que a peça caiu aos seus pés,
contemplei uma calcinha combinando
com o sutiã, ambos brancos, mas havia
um pouco de renda, o que tornava minha
fantasia completamente real.
Virei-a de frente para mim,
dando um passo para trás, para
contemplá-la por inteiro. Ainda não
tinha tirado os sapatos de saltos, e eles
eram simples, pretos, scarpin, mas a
combinação de tudo era de enlouquecer
qualquer um.
Estendi a mão para tocá-la,
percorrendo cada contorno de cada
curva delicada, sentindo-a quente sob a
minha palma. Dando um passo à frente,
enfiei um dedo por dentro sua calcinha.
— Você já foi tocada aqui,
querida? Por um homem? — Rebecca
apenas balançou a cabeça em negativa.
— Mas está molhada... — Um dos
cantos dos meus lábios se ergueu, e eu
não consegui conter o tom de malícia.
Ela me queria tanto quanto eu a
queria.
Ousei um pouco mais, segurando
seu clitóris entre dois dedos,
massageando-o, e ela soltou um suspiro
alto, demonstrando que estava gostando.
Meu sorriso se alargou.
Ergui a outra mão até seu seio,
friccionando o mamilo através do
tecido, e outro suspiro escapou, um
pouco mais veemente, por conta da
combinação de estímulos.
— Gosta disso, loirinha? —
perguntei, adorando vê-la com os olhos
fechados e a boca entreaberta, as mãos
nos meus ombros, como se precisasse
disso para se firmar.
— S-sim — gaguejou ofegante.
— E se eu for um pouco mais
longe?
Penetrei meu dedo em sua
abertura, já bem molhada, chegando o
mais fundo que era possível sem
machucá-la, e Rebecca gemeu alto.
Enlacei sua cintura com um
braço, mantendo-a com o corpo colado
ao meu, possibilitando-me de ir mais e
mais fundo, atingindo um ponto que a fez
gritar.
Gostava de ver que não estava
tentando se conter.
Continuei masturbando-a
enquanto tomava sua boca novamente na
minha. Tudo estava acontecendo rápido
demais. Eu a havia beijado poucos
minutos atrás pela primeira vez e já a
tinha seminua nos braços, pronta para
ser levada para cama.
E, aliás, foi o que eu fiz logo em
seguida. Peguei-a no colo e a deitei bem
no meio do colchão, completando
exatamente a fantasia que alimentei por
dias. Minha loirinha, com os cabelos
dourados espalhados pelo travesseiro,
uma lingerie branca... Havia mais coisas
na minha mente, coisas pervertidas e
eróticas, mas precisaria me contentar
com aquilo, ao menos na primeira vez.
Mas... eu já estava pensando em
repetir...? Quando isso aconteceu antes?
Provavelmente nunca.
Com ela deitada na cama, peguei
uma camisinha na gaveta da mesa de
cabeceira e comecei a me despir aos
poucos, enquanto ela me observava.
— Eu tomo anticoncepcional.
Tenho muitas cólicas, e isso me ajudou
— ela falou nervosa. — Mas prefiro que
a gente use camisinha, de qualquer
forma.
— Nunca fiz sexo sem camisinha
e estou limpo, loirinha, mas também
prefiro.
Ela assentiu.
— Não vai tirar minha lingerie
nem meus sapatos? — a voz inocente
perguntou, fazendo minhas entranhas se
revirarem.
— Não. Por enquanto quero
você assim.
Fiquei completamente nu e a
peguei olhando para o meu pau, que
estava ereto, ​rijo, implorando por
atenção. Novamente pareceu nervosa.
Na esperança de acalmá-la, coloquei-me
sobre ela, na cama, e a beijei. Devagar,
aproveitando cada instante, sentindo seu
gosto.
Quando ela pareceu relaxar um
pouco, colocando os braços ao redor
dos meus ombros, esgueirei minha mão
por dentro de seu sutiã, encontrando um
mamilo, que girei entre os dedos,
fazendo-a arquear-se um pouco.
Havia um fecho frontal no sutiã,
que abri, tomando o segundo mamilo na
boca e usando os dedos para estimular o
primeiro. Em uma combinação de
movimentos, eu a senti estremecer ainda
mais e soltar um gemido que teve um
som delicioso ao escapar de seus lábios.
Perdi alguns minutos dessa
forma e deixei minha boca descer por
sua barriga plana, usando as duas mãos
para tirar sua calcinha.
​Assim que a vi livre de mais esta
peça, deixando-a apenas com os saltos,
permiti que minha boca caísse entre suas
pernas, provando de sua boceta,
tentando descobrir se era tão doce
quanto eu imaginava.
​Mas era mais. E isso se juntou ao
quão estimulante foi o grito que ela
soltou quando minha língua a lambeu de
um ponto ao outro, subindo em direção
ao clitóris, que suguei com força.
​Usei a boca para deixá-la o máximo
estimulada, para que estivesse
completamente pronta. Não tive pressa.
Continuei e continuei, deixando-a que
gritasse, gemesse e agarrasse o lençol
com os dedos em garras, arqueando as
costas.
​Aproveitei cada uma de suas
reações, porque elas estavam me
deixando muito, muito excitado.
​— Bernardo, eu... eu acho que... —
ela falou quase em desespero. Mas, sim,
eu a sentia prestes a gozar, contraindo os
músculos.
​Então era a hora.
​Abri a embalagem da camisinha e
substituí a boca por um dos dedos,
enquanto colocava o preservativo no
meu pau.
​Antes de penetrá-la, precisei
novamente perguntar, deixando que meu
dedo preguiçosamente continuasse
masturbando-a, devagar.
​— Pronta, princesa? — Ela assentiu,
olhando nos meus olhos. Estava
visivelmente apreensiva, mas era
normal. — Vou ser bem cuidadoso com
você, ok? — assegurei, e ela sorriu.
​Puta que pariu. Era o sorriso mais
doce, mais delicado e meigo que eu já
vi. Eu deveria arder no inferno por estar
corrompendo aquela coisinha inocente.
​ ó que eu precisava manter em
S
mente que Rebecca era uma mulher. Em
todos os sentidos da palavra. Eu não era
um pervertido por desejá-la. Mas por
que, então, eu tinha a impressão de que
ela era proibida?
​Bem devagar, como se lidasse com
uma peça de cristal, aproximei meu pau
de sua entrada, colocando-o dentro dela
com muito cuidado. Ela arfou quando me
sentiu invadi-la, mas estava bem
molhada, e eu fui deslizando com
facilidade até chegar ao ponto que eu
sabia que lhe causaria dor.
​— Vou te machucar um pouco agora,
linda, mas vai passar. E vou te
compensar, prometo.
​— Tudo bem — saiu como um
gemido, um sussurro incerto, mas ela
sorriu novamente, tentando me assegurar
de que estava realmente tudo bem.
​Então eu investi um pouco mais. E
mais. E mais.
​Rebecca gemeu e fez uma careta. Eu
sabia que estava doendo, e eu queria
muito não machucá-la, mas também não
conseguia parar de pensar no quão
maravilhosa era a sensação de estar
dentro dela.
​Eu tinha sentimentos por Rebecca.
Nada tão profundo, é claro, mas gostava
daquela garota. Importava-me com ela.
Então, de alguma forma, era um tipo de
primeira vez para mim também.
​— A dor vai passar, querida.
Prometo.
​ la não respondeu nada, e eu
E
continuei parado, sem me movimentar,
temendo machucá-la ainda mais, mas
precisei encostar minha testa na dela,
buscando o ar.
​Puta que pariu... eu precisava me
controlar.
​Nunca foi daquele jeito. Nunca me
senti da forma como estava me sentindo.
O que isso queria dizer?
​— Você é deliciosa, loirinha. —
Isso nem começava a explicar o quanto.
Eu estava até sem ar, desesperado para
me movimentar dentro dela, para sentir
tudo o que eu estava começando a
acreditar que iria sentir.
​— Estou bem, Bê. Você não precisa
ser tão cuidadoso.
​Não pude conter uma risada.
​— Não brinque com fogo. Quero que
seja bom para você.
​Suas duas mãos pequenas foram
parar nos meus ombros, de forma tão
suave que quase me desmontou.
​— Está sendo.
​Isso foi o incentivo do qual eu
precisava.
​A primeira investida foi cuidadosa,
mas mesmo assim eu a senti encolher. A
segunda, idem. Só que se eu parasse, ela
não iria deixar de sentir dor tão cedo.
​Continuei assim, quase
enlouquecendo de vontade de ir mais
longe, mas ela era a prioridade. Quando
a senti relaxar, tentei mais uma vez, e ela
arfou, com os olhos fechados, lábios
abertos.
​Aproveitei para tomá-los em um
beijo, enquanto tentei uma estocada mais
forte. Rebecca imediatamente parou de
me beijar e soltou um gemido. De
prazer.
​As coisas iam ficar mais
interessantes a partir dali.
​Tentei mais algumas estocadas
fortes, mas controladas, e ela arqueou o
quadril, querendo mais.
​Eu lhe dei mais, então.
​Quando dei por mim, estávamos
fazendo sexo. Não duro, rude ou brutal,
como era o meu preferido. Mas um
gostoso, intenso e que já estava me
dando um gostinho de tudo o que aquela
mulher poderia me provocar.
​ u nem queria sair de dentro dela.
E
Queria mais, mais e mais. Queria passar
a madrugada daquele jeito, sem sequer
me separar de seu corpo. Mas ela
chegou ao orgasmo, e eu me deleitei
com isso.
​Linda, a loirinha gemeu alto,
agarrando meus ombros com as unhas,
chegando a me arranhar. Isso me levou à
loucura tão rápido, que eu também me
deixei levar. Nós gozamos juntos, o que
foi muito significativo.
​Novamente... havia algo de estranho
no ar. Dentro de mim. Mas eu não queria
analisar o que era. Era melhor não
saber.
CAPÍTULO DEZESSEIS
​ sforcei-me para conseguir sair dos
E
braços de Bernardo sem acordá-lo. Não
queria passar a noite na cama dele.
​Não queria exatamente por querer
muito.
​Aquela noite fora mais especial para
mim do que pensei a princípio. O
cuidado que ele teve comigo fizera tudo
valer a pena. Algo me dizia que eu não
poderia ter escolhido alguém melhor
para ser o meu primeiro.
​E foi tão... maravilhoso!
Inexplicável. Doloroso no início, mas
depois foi apenas prazer. Um que eu
nunca pensei sentir.
​Saí do quarto de Bernardo, pegando
minhas roupas pelo caminho, e me
esgueirei para o meu, ainda nua,
enfiando-me debaixo das cobertas,
sabendo que não conseguiria mais
dormir, porque minha mente estava
muito acelerada.
​Eu sabia que muitas coisas ainda
iriam acontecer, muitas que eu não
conseguia prever, mas algumas delas eu
sabia com certeza: uma era que estava
apaixonada, e aquela noite apenas
comprovara isso. Meu coração inteiro
pertencia a Bernardo.
​A segunda era que ele não entregaria
o dele tão fácil. Ele iria lutar uma guerra
inteira antes de sucumbir. Era por isso,
então, que eu precisava ser uma
adversária à altura.
​Para ganhar o coração de um
cafajeste, o que eu precisava fazer era
agir como ele sempre agiu com as
mulheres: fingindo que não me
importava.
​Bernardo tinha prometido que me
ensinaria a seduzir, mas, no final das
contas, eu queria seduzi-lo. Para que
fosse meu e de mais ninguém.
​Como já previa, mal consegui
cochilar, então levantei-me da cama e
fui direto à sala, já vestida, pronta para
tomar um café e sair. Mas queria que
Bernardo ainda me encontrasse antes.
Era tudo uma estratégia já bem montada.
​Ele surgiu poucos minutos depois,
sem camisa, tentando cada partezinha do
meu corpo. Ainda assim, eu precisava
me manter firme. Mesmo quando
enlaçou minha cintura com os braços e
beijou meu pescoço. Mesmo quando me
girou de frente para si, erguendo-me do
chão e me colocando sentada na bancada
que dividia a sala da cozinha. Mesmo
quando desceu os lábios contra os meus,
dando-me um beijo lento, sensual,
obrigando-me a conter um suspiro.
​Afastou-se depois do que pareceu
uma eternidade – embora eu quisesse
muito mais –, e o sorriso sexy e sacana
em seu rosto poderia me fazer perder
todo o discernimento, mas eu estava
muito decidida.
​— Bom dia, loirinha — ele
cumprimentou, enquanto afastava uma
mecha de cabelo dos meus olhos. —
Você está bem?
​— Estou. Obrigada.
​Ele pareceu estranhar, mas me olhou
de cima a baixo.
​— Tem planos para hoje? —
perguntou, provavelmente confuso por
eu estar vestida para sair.
​— Ah, sim. Combinei com a Kátia
de irmos ao shopping. Ela precisa de um
vestido para um casamento. — Era
mentira. Kátia, a recepcionista da
empresa, realmente comentara que
precisaria ir ao shopping para o que eu
falei para Bernardo que ela teria que
fazer, mas não me convidara para ir
junto.
​Ele pareceu murchar. Mas logo
empertigou-se e abriu outro daqueles
seus sorrisos despretensiosos, dando de
ombros.
​— Bem, então vou arrumar alguma
coisa para fazer também. Nos vemos
mais tarde?
​— Claro! — Também sorri, tentando
imitá-lo, esperando que meu plano desse
certo.
​O que eu entendia sobre os homens?
Absolutamente nada. Mas imaginava que
não conseguiria conquistar de verdade
um como Bernardo se não me tornasse
um desafio para ele; se não o deixasse
confuso.
​Talvez eu pudesse perdê-lo por isso,
mas... bem... ele nem era meu para
começar.
​Passei o dia todo fora – fui ao
cinema sozinha, almocei e passeei, sem
pressa. Fazia tempo que eu não tirava
um dia inteiro para mim, para pensar, me
mimar com alguns presentes e me afastar
de trabalho.
​Esqueci completamente o celular e
me surpreendi ao entrar no táxi, do final
do dia, e ver que havia três ligações de
Bernardo. Não retornei, esperei chegar
em casa e o vi na cozinha.
​ — Você me ligou? — perguntei,
casual. — Eu só vi agora, quando estava
no táxi. Como já estava chegando, não vi
necessidade de ligar.
​— Ah, sim... — Ele falou, tirando
algo do forno e reclamando, porque
provavelmente estava quente, mesmo
sob o pano de prato que usou para pegar
a travessa. — Queria saber se você
estava bem e se queria jantar. D.
Antônia deixou uma lasanha pronta, mas
não sabia se podia colocar no forno, se
você ainda ia demorar.
​— Desculpa, acho que perdi a hora
— falei com um sorriso.
​Bernardo empertigou-se finalmente,
olhando para mim, hesitante. Ele parecia
não saber o que fazer.
​ — Está tudo bem? — indagou,
confuso.
​— Claro, estou ótima. Vou só tomar
um banho e venho jantar.
​Passei por ele sem nem beijá-lo,
com as sacolas na mão, mas eu não tinha
sequer começado o meu joguinho.
​Deixei minhas compras sobre a
cama e realmente entrei em um banho.
Demorei ao máximo, tentando relaxar
sob a água em temperatura agradável,
até que saí, penteando os cabelos
molhados e deixando-os soltos,
passando um mínimo de maquiagem,
para se tornar imperceptível, e saí de lá
enrolada na toalha.
​Do alto da escada, eu o vi, mexendo
no telefone, de pé, na sala.
​ Bê? — chamei, com o meu tom

de voz mais inocente.
​Ele olhou na minha direção, mas
pareceu paralisar ao me ver só de
toalha, recém banhada.
​Não lhe dei tempo de dizer nada.
​— Você se importaria de me ajudar?
Eu comprei um vestido hoje, para sair
na sexta com o pessoal, mas não sei se
ele ficou legal em mim. Posso vestir e
ver o que você acha?
​Bernardo demorou a responder.
Ficou me olhando ainda, principalmente
para as minhas pernas, como um
náufrago faminto, e eu quase fiz a
dancinha da vitória por dentro, embora
fosse apenas desejo. Eu queria que ele
sentisse mais por mim. Queria deixá-lo
tão louco que aquela sua aversão a
compromisso iria por água abaixo.
​— Eh... sim... sim... claro — ele
gaguejou. Era uma gracinha.
​Com um sorriso, saí correndo
animada de volta para o quarto.
Coloquei o vestido bem devagar,
fechando o zíper lateral, e respirei fundo
ao olhar no espelho. Era uma peça bem
colada no corpo, que delineava minhas
curvas perfeitamente. Vermelho. De um
tecido que esticava, bem decotado, mas
com um comprimento quase comportado.
​Só que aparentemente eu causei
exatamente a impressão que queria
causar, porque no momento em que me
coloquei de frente para Bernardo, ele
me olhou de cima a baixo, calado, olhos
vorazes, novamente.
​Dei uma voltinha ao redor de mim
mesma, sorrindo, tentando bancar a
inocente.
​— O que acha? — perguntei,
esperando ouvir sua voz e saber o que
ele iria dizer.
​— Linda. Uma tentação —
respondeu em um sussurro, ainda
parecendo um pouco bobo.
​Ponto para você, Rebecca!
​— Ah, que bom! Porque eu não
queria trocar. Obrigada pela ajuda! —
Coloquei-me na ponta dos pés,
beijando-o no rosto, e estava prestes a
me afastar quando meu braço foi
agarrado, e eu fui tirada do chão, indo
parar nos braços de Bernardo, como se
fosse uma noiva. — Bernardo! O que
foi?
​— Já disse que você é uma diabinha,
não disse? O que está querendo fazer
comigo? — ele falou, sem me colocar
no chão.
​— Eu? — Ousei fazer minha melhor
interpretação de garota inocente. —
Nada. Só queria mesmo uma opinião
sobre o vestido.
​Ele continuou olhando para mim,
com os olhos obscuros, pesados de
luxúria. Eu podia ser inexperiente, mas
conseguia discernir a expressão de um
homem que me desejava. E Bernardo
parecia prestes a me devorar dos pés à
cabeça.
​— A minha opinião sobre o vestido
é que você fica ainda mais linda sem
ele. Sem nada. Só que antes de qualquer
coisa, quero saber como você está a
respeito de ontem. — Ele parecia
preocupado, o que era realmente
adorável.
​— Está tudo bem. Tomei minha
decisão completamente consciente.
​— E agora? O que acontece
conosco? Continuamos amigos, certo?
— Aquilo foi um punhal no meu peito,
mas o que eu poderia esperar? Que de
um dia para o outro ele fosse desejar
compromisso sério com a garota de
quem tirou a virgindade? Seria uma
estrada longa e tortuosa até eu conseguir
conquistá-lo pra valer.
​— Claro. Você pode me colocar no
chão? — falei com toda a segurança que
consegui reunir, embora meu coração
estivesse pequenininho.
​— Só quando conversarmos
decentemente sobre isso.
​Forcei uma risada.
​— Não sei se é a melhor forma de
termos uma conversa como essa.
​— É sim. Não quero que fuja de
mim.
​Soltei um suspiro e balancei a
cabeça em afirmativa.
​— O que quer saber, Bê?
Continuamos amigos, não vai ficar nada
estranho. Tenho vontade de repetir a
dose, é claro, mas só se você quiser. Sei
que não é de repetir suas companheiras
de cama, e eu super entendo isso. Por
mim tudo bem também se não acontecer
mais — era a mentira mais deslavada
que já contei na vida. Esperava que ele
acreditasse em mim, porque estava me
esforçando e muito para isso.
​— Isso não é exatamente saudável
para o meu ego. Faz com que eu sinta
como se você não tivesse gostado —
Bernardo parecia... inseguro. Seria
possível? O cara que tinha todas as
mulheres aos seus pés? Interessante.
​— É claro que gostei — decidi
responder só isso, sem enaltecê-lo,
porque algo me dizia que minha
estratégia estava funcionando. Então
tentei me desvencilhar de seus braços,
mas ele me segurou com mais força. —
Vai acabar com uma dor nas costas.
​ — Dificilmente — teimou. Estava
muito sério, olhando para mim como se
me analisasse. — Eu quero repetir,
Rebecca. Não costumo, de fato, transar
com uma mesma mulher mais de uma
vez, mas você é diferente. — Queria
perguntar “diferente como”, mas mordi a
língua. — Ainda tenho muitas coisas em
mente para fazer com você. Eu mal
comecei. Mas só vou te levar para a
cama novamente se perceber que é o que
você realmente quer.
​— Eu já disse que quero. Que
gostei. O que mais quer que eu fale? Que
você é o melhor homem que já tive? —
falei em um tom de brincadeira. — Não
tenho muito com o que comparar.
​Novamente ele ficou muito sério, e
seus olhos se perderam na minha boca.
Senti o ar faltar pela intensidade que
emanava, e quando o braço que me
segurava pelas costas se ergueu, içando-
me até a sua boca, não foi uma surpresa.
​Na noite anterior nós tínhamos nos
beijado muito. Antes, durante e depois
do sexo. Bernardo me beijou até que eu
dormisse, cada vez mais lento, cada vez
mais terno. Mas nenhum dos beijos que
me deu antes pareceu tão desesperado
quanto aquele.
​Como se quisesse provar um ponto.
Ou provar que eu lhe pertencia, tomar
posse.
​Começou a caminhar comigo em
seus braços, levando-me até o sofá,
onde se sentou, mantendo-me em seu
colo. Correspondi ao beijo, é claro,
porque não conseguia resistir e porque
não era essa a questão. Fazer-me de
difícil não era a estratégia correta. Pelo
contrário. Queria que provasse de mim o
quanto desejasse, mas só do meu corpo.
A princípio faria com que acreditasse
que não era o dono do meu coração.
​Mal sabia ele.
​— Por que eu não resisto a você,
loirinha? O que fez que tanto me
enfeitiçou? — ele sussurrou baixinho,
com a testa colada à minha.
​Novamente não respondi, apenas me
desvencilhei de seus braços quando
consegui, colocando-me de pé, ajeitando
o vestido que estava erguido nas coxas,
e sorri para ele.
​ — Eu não sei você, mas estou
morrendo de fome. Vou trocar de roupa
para comermos, tudo bem? — abusei da
simpatia para que entendesse que não
havia nada de estranho entre nós,
esforçando-me como nunca para não
pular de volta no colo dele e me perder
em seus braços.
​Não lhe dei tempo para responder,
apenas subi as escadas com pressa,
entrando no meu quarto e pensando que
aquela seria uma estrada muito, muito
longa.
CAPÍTULO DEZESSETE
​ anter-me firme não era exatamente
M
fácil, mas ele também não cedia. Estava
mais do que claro que me considerava
especial de alguma forma, mas
continuava insistindo que não era o
homem certo para mim. O que era a
maior besteira que ouvi na minha vida.
​Fazia alguns dias que tínhamos
transado, e ele não me tocara
novamente. Nem para me beijar. O
último beijo fora aquele estranho,
quando me pegara em seu colo,
parecendo querer provar um ponto.
Ainda assim, os dois estavam se
esforçando para que as coisas
continuassem “normais” – o que quer
que isso quisesse dizer.
​Só que era difícil não sentir cada
faísca da química que havia entre nós a
cada momento. Estava nos olhares, na
forma como nos tocávamos sem querer,
nas coisas que dizíamos. Era como se os
dois estivessem se controlando
desesperadamente para não se lançarem
na cama na primeira oportunidade.
​E isso estava me deixando frustrada.
​ ão queria conversar com Marcela,
N
porque ela era tão minha amiga quanto
de Bernardo. Por mais que confiasse que
não iria lhe contar nada, não queria
jogar uma bomba como aquela, sobre
toda a minha estratégia de conquista,
para ela precisar guardar segredo. Não
era justo. Por isso, precisei confiar em
uma pessoa a quem não conhecia tão
bem, mas que me oferecera um ombro
amigo quando precisei.
​Tomás era o cara mais legal na sede
da BN Tecnologia em São Paulo. Nossa
simpatia um pelo outro foi instantânea
quando o confortei sobre o término de
seu namoro com um rapaz de quem
realmente gostava. Só que ele não tinha
saído do armário ainda para sua família,
e o cara lhe cobrou isso. Infelizmente o
pai de Tommy era militar, extremamente
conservador, e, aos vinte e seis anos, ele
ainda estava juntando dinheiro para
conseguir morar sozinho. Além disso,
cuidava da mãe que tinha sofrido um
acidente há alguns anos e ficado com
sequelas.
​Eu era a única do escritório que
sabia que Tomás era gay, e isso pareceu
nos transformar em amigos muito rápido.
​Ele sabia do meu plano para fisgar
Bernardo de vez e o aprovava
completamente.
​— Bom dia, princesa — ele me
cumprimentou assim que entrou na copa,
que estava vazia. Inclinou-se para me
dar um beijo e foi se servir. — Soube da
novidade?
​— Depende — respondi, apoiando-
me na bancada de mármore e segurando
a caneca de café com duas mãos.
​— O babaca do Mário foi demitido
hoje. Seu CEO bonitão falou e fez.
​— Ele fez isso?
​— Sim. Chamou o cara na sala dele
e deu a maior lição de moral sobre não
tolerar aquele tipo de caráter. Que um
homem que é capaz de falar o que ele
falou não serve para ser seu funcionário.
O idiota se lascou.
​Bernardo me dissera que iria mandar
Mário embora na segunda-feira. Já era
quarta e não tinha acontecido, então
supus que não iria mais fazer isso, até
porque ele nem tinha obrigação. Até
onde eu sabia, tratava-se de um bom
funcionário.
​Mas ele realmente demitira Mário
por ter ameaçado me fazer mal. Se eu
pensasse bem, tanto na segunda quanto
na terça tivemos reuniões longas com
Hans, e ele provavelmente não
encontrou tempo de falar pessoalmente
com o safado.
​Não era para acontecer, mas isso
aqueceu o meu coração.
​— Ah, esse sorrisinho apaixonado
— Tomás comentou, e eu ergui os olhos
para ele, constrangida. — Mas olha... se
você quer uma opinião: eu acho que a
sua estratégia está dando muito certo.
​— Uma coisa não tem nada a ver
com a outra, Tommy. Eu sei que ele
gosta de mim, ainda mais porque temos
uma grande amiga em comum. Ele é um
cara legal, provavelmente faria isso por
carinho, não por estar apaixonado.
​— Então dê uma bela chupada
naquele pau de ouro hoje, em
agradecimento pelo que fez, pra ver se
ele não vai gamar nessa princesinha
devassa.
​Não consegui conter uma gargalhada
e cheguei a abraçar Tomás.
​— Só você para me fazer rir...
​Ainda estava abraçada ao meu
amigo quando ouvi um pigarrear
inesperado.
​Tanto eu quanto Tommy olhamos na
direção da porta da copa e nos
deparamos com Bernardo parado.
​ om toda a sua altura imponente e
C
seus ombros muito largos, com sua calça
e blusas sociais e o colete cinza, ele
poderia estampar um comercial de
perfume ou qualquer coisa assim. Só que
a carranca em sua testa não combinava
com o resto.
​— Interrompo? — o tom ácido não
me passou despercebido.
​Rapidamente afastei-me de Tomás,
recompondo-me.
​— Não, estávamos só conversando.
​Bernardo ergueu uma sobrancelha,
não parecendo nada satisfeito.
​— Bem, se puder vir à minha sala,
Rebecca... tenho um e-mail para que
você traduza.
​— Claro. Vou em um minuto.
​ le assentiu, com as mãos nos
E
bolsos, afastando-se e saindo do meu
campo de visão.
​Dei um gole rápido no resto do café,
um beijo no rosto de Tomás e estava
prestes a sair quando meu amigo segurou
meu braço, cochichando no meu ouvido:
​— Não vá correndo. Dê um
tempinho. Seu bonitão ficou morrendo
de ciúmes.
​Arregalei os olhos, surpresa,
olhando para Tomás como se ele tivesse
acabado de me contar algo
extraordinário.
​— Você acha?
​— Eu tenho certeza, docinho. E sabe
o que mais? Acho que podemos brincar
um pouco com o coração dele.
​ — Como assim? — Sorri,
começando a gostar da ideia.
​— Seu boy não sabe que eu sou gay,
né?
​— Claro que não, Tommy. Ninguém
sabe. Não contei para ninguém. — Por
mais que comigo ele se soltasse um
pouco, seria difícil, para qualquer um
que não tivesse um gaydar muito
aguçado, reparar em sua orientação
sexual.
​— Ótimo. Porque precisamos muito
que ele pense que eu sou hétero e que
estou muito interessado em você. Vamos
ver Bernardo Nolasco se remoer de
ciúme.
​Uau. A ideia era ótima. Mais do que
ótima. Era perfeita. Exatamente o que
faltava para o meu plano dar certo.
​Se Tomás estivesse mesmo certo e
Bernardo parecera sentir ciúme de mim
com apenas um abraço em um amigo,
isso poderia ser interessante.
​Voltei à sua sala com isso em mente,
tentando não me iludir de que o plano
daria certo.
​Entrei, fechei a porta, e vi que
Bernardo estava de frente para a enorme
janela de seu escritório, de costas para
mim, com as mãos nos bolsos. Não se
virou para me olhar, e eu fiquei parada
perto da porta, apenas aguardando.
​— No que posso te ajudar? —
perguntei depois de alguns minutos de
insuportável silêncio.
​Ele se virou para mim lentamente,
observando-me e vindo na minha
direção. Como um predador. Eu não
sabia se achava sexy ou completamente
desconcertante.
​Aproximou-se bastante, colocando-
se à minha frente, a pouquíssimos
centímetros de distância, olhos focados
nos meus lábios. Estendeu um dos
braços para um ponto atrás de mim,
puxando a corda da cortina para que esta
se fechasse.
​— O que... — tentei começar a falar,
mas fui literalmente agarrada, e uma
boca ávida colidiu com a minha,
tomando posse.
​Foi tudo tão rápido, tão intenso, que
eu quase me desequilibrei. Bernardo me
segurou com força e me pegou pelas
coxas, colocando minhas pernas
entrelaçadas em sua cintura,
aproveitando que eu estava de calça,
imprensando-me na parede.
​Não tive chance de dizer nada,
porque o beijo devorou todas as minhas
palavras. Mastigou os meus sentidos.
Sugou o meu discernimento.
Não tive chance, também, de
tocá-lo, porque Bernardo usou os
quadris para me manter apoiada à
parede, agarrando meus punhos e
imobilizando-os contra o concreto.
Sua língua dançou com a minha,
demonstrando tanto poder que eu
poderia me render a ele ali mesmo e
deixar de lado todo o meu plano se
apenas me prometesse que iria me beijar
daquele jeito mais vezes.
— Não é certo, Bernardo.
Estamos na empresa — alertei quando
sua boca deu folga à minha, só para
passear pelo meu maxilar e chegar o
meu pescoço.
— A porra da empresa é minha
— ele rosnou. — A não ser que você
prefira ser beijada por outra pessoa, vai
continuar exatamente onde está, porque
não pretendo parar agora.
Eu não disse nada. E olha que
ele me deu tempo para isso. Ao menos
alguns segundos antes de me transportar
para cima de sua mesa, colocando-me
sentada nela.
Uma de suas mãos foi direto ao
meu seio, apertando-o por sobre o
tecido da blusa que – felizmente – não
amassava. Ele o massageou, esforçando-
se muito para ser delicado, mas o som
que saía de sua boca era um rosnado.
— Minha, loirinha — ele
vociferou com a voz rouca de desejo. —
Esta noite você vai ser minha de novo,
não vai? Não aguento mais me controlar
perto de você.
Ele estava se controlando? Bom
saber.
— Sim. Esta noite — foi a minha
resposta.
Ele teria a noite comigo, mais
um gostinho, enquanto o jogo continuava
avançando para a minha vitória.
Bernardo com ciúmes era o
próximo passo, e eu ia me divertir muito
fazendo-o provar do próprio veneno.
CAPÍTULO DEZOITO
​ avia uma tensão quase palpável
H
dentro do carro enquanto eu dirigia,
levando Rebecca para casa.
Normalmente conversávamos
amigavelmente, com um enorme esforço
da parte dela para parecer que tudo
estava normal, mas eu sabia que não
estava.
​ u melhor... para mim, não estava
O
porra nenhuma.
​O comportamento de Rebecca
deveria ser o sonho de qualquer cara:
apesar de eu ter tirado sua virgindade,
ela não estava cobrando um
relacionamento e nem me sufocando.
Pelo contrário, parecia bem disposta a
aceitar sexo casual, sem compromisso,
enquanto durasse.
​Perfeito, não?
​Seria, se eu não estivesse
fodidamente obcecado por ela.
​O que era uma merda. Uma merda
enorme.
​Tudo o que ela fazia me deixava
louco. Desde a forma como acordava,
parecendo completamente inocente sem
maquiagem até a maneira como tomava
café; como seu batom vermelho
manchava a caneca, como falava
baixinho, quase em sussurro, como
olhava para mim, como digitava na
merda do notebook, como nadava todos
os dias bem cedo, naquele maiô
comportado que era a coisa mais sexy na
qual pus os olhos.
​E como ria. A risada de Rebecca era
deliciosa. Talvez tivesse sido por isso
que fiquei tão irado quando a vi rir com
aquele idiota na copa da empresa.
​Chegamos em casa ainda em
silêncio, e eu estacionei o carro.
Rebecca saltou, apressando o passo
para entrar, e eu a segui.
​Ela seria minha naquela noite. Eu
não esperaria mais.
​E seria do jeito que eu queria. Como
imaginei desde a primeira vez.
​Deixei que andasse pela casa, que
fizesse suas coisas como se nada tivesse
acontecido entre nós horas antes. Como
se eu não a tivesse agarrado no meio da
minha sala, desesperado, pronto para
fodê-la ali mesmo. Foi por muito pouco
que não aconteceu.
​O que ela estava fazendo comigo?
​— Rebecca — chamei, enquanto ela
tirava os sapatos, de costas para mim.
Até aquele ato eu achava sexy como o
inferno.
​Com aqueles olhos inocentes, virou
na minha direção, observando-me por
cima do ombro, e eu senti meu corpo
inteiro responder a ela.
​— Venha aqui — foi uma ordem. O
meu tom de voz soou rouco e autoritário,
e esta era a minha intenção.
​Ela obedeceu, aproximando-se e
colocando-se à minha frente, mas não
disse nada.
​— O que eu disse mais cedo?
​Ela sorriu, constrangida.
​— Você disse muitas coisas. Está
perguntando de alguma em específico?
​Estava me provocando, não estava?
​— Eu falei que você seria minha
hoje. E vai ser. Não vou esperar mais
um segundo. Portanto, se tem alguma
objeção a isso, fale agora.
​Eu a vi estremecer. Engolir em seco.
Seu peito subiu e desceu em uma
respiração profunda. Se demorasse mais
dois minutos naquela inércia, eu iria
tomar seu silêncio como um
consentimento.
​— Não tenho nenhuma obje... —
respondeu quase arfante, e eu juro por
Deus que mal a deixei terminar de falar.
Estava explodindo por dentro. Sentia
que se não a tocasse naquele exato
momento iria me desintegrar em mil
pedaços.
​Nunca senti isso por mulher alguma.
​Levei ambas as mãos a cada um dos
lados da blusa de Rebecca,
arrebentando-a com um puxão violento,
deleitando-me com o fato de ela
novamente estar usando uma lingerie
branca.
​ ebecca arfou e chegou a soltar um
R
gemido quando tirei sua calça da mesma
forma, abrindo o zíper e levando-a ao
chão sem nenhuma calma.
​Pegando-a pela cintura, coloquei-a
sentada sobre o balcão da cozinha
americana, afastando seu sutiã de um
seio e puxando a calcinha para o lado,
usando uma mão em cada, penetrando-a
sem aviso e estimulando seu mamilo ao
mesmo tempo.
​Ela gemeu deliciosamente, como
uma gatinha. Deus, ela ia me matar
daquele jeito.
​Aproximei-me do ouvido de
Rebecca, sussurrando:
​— Espero que esteja preparada para
mim hoje, loirinha. Estou louco de tesão
e quero colocar em prática algumas
coisas que venho sonhando fazer com
você. Mas preciso que confie em mim.
​Ela recuou, parecendo assustada.
​— Confiar? Como assim?
​Sorri, porque ela era uma gracinha.
​— Só confie. Eu não faria nada para
te machucar, sabe disso, não sabe?
​— S-sim... eu sei.
​— Ótimo. — Continuei passando o
dedo por sua boceta, preguiçosamente.
— Você está bem molhada, querida.
​Ao ouvir minha voz dizendo isso,
Rebecca soltou um gemido baixinho.
​De forma súbita, puxei-a para os
meus braços, carregando-a para o
segundo andar. Para o quarto dela.
​Coloquei-a de pé por alguns
instantes, arrancando a gravata do
colarinho. Pus-me de pé atrás dela e
vendei seus olhos com o tecido preto,
amarrando-o atrás de sua cabeça.
​Senti quando ofegou e mais ainda
quando a envolvi com os braços,
levando as mãos direto aos seus seios,
arranhando os mamilos através do
tecido delicado do sutiã de seda.
​— Bernardo, o que...
​— Shhh. Confie em mim. Você vai
gostar. Mas caso eu faça algo que você
não queira, me peça para parar, e eu
pararei na hora. Ok?
​Ela balançou a cabeça, assentindo, e
eu a levei para a cama, deitando-a bem
no centro.
​Deixei-a lá, esperando, e fui direto
ao armário do meu quarto, onde guardei
algumas coisas que comprei naquela
semana, desde que a tive pela primeira
vez.
​Quando voltei para perto dela,
peguei um de seus punhos e fechei uma
restrição de couro, acolchoada nele,
esticando a corrente e prendendo a outra
ponta a uma das colunas da cama.
​— Bernardo? — ela chamou, um
pouco assustada.
​— Como eu disse, pode confiar em
mim, mas se quiser, paramos por aqui —
afirmei, completamente inerte. Apesar
de ser um desejo meu, queria que fosse
bom para Rebecca também, e aquilo só
funcionaria se ela estivesse relaxada.
​— Não, vamos em frente.
​— Mesmo? — decidi me assegurar.
​Então ela sorriu.
​— Vamos ver quais são os seus
planos. Estou curiosa.
​Sem dizer nada, apenas me
movimentei em direção aos pés da
cama, usando uma nova restrição para
prender seu tornozelo. Senti que
Rebecca arfou de novo e a observei
para tentar notar algum sinal de medo ou
insegurança. Mas ela respirou bem
fundo, e me parecia mais um ofego de
expectativa.
​Ótimo.
​Prendi seu outro punho e seu outro
tornozelo, deixando-a bem esticada na
cama. Vi quando se remexeu para testar
seus movimentos, mas tinha muito
poucos.
​— Tudo bem? — perguntei
novamente. — Tem algo te machucando?
​— Não, mas acho que você se
esqueceu de tirar a minha lingerie — ela
brincou.
​— De jeito nenhum. Você assim,
presa à cama, de branco, era tudo parte
da fantasia.
​Antes de terminar de falar, afastei
um pouco sua calcinha, o suficiente para
conseguir penetrá-la com dois dedos.
Cheguei o mais fundo que consegui,
ouvindo-a gemer tão alto quanto eu
gostaria.
​— Isso, loirinha. Você é minha refém
agora, e eu vou adorar te ver implorar
por mais e mais prazer.
​ ebecca se contorceu quando investi
R
com mais força, enquanto meu polegar
começava a esfregar seu clitóris,
fazendo-a choramingar.
​Era uma visão e tanto. Eu era uma
porra de um homem de sorte.
​Continuei masturbando-a, cada vez
com mais força, mais fundo, tocando-a
onde ela mais gostava – o que eu já
estava aprendendo –, sentindo-a cada
vez mais molhada.
​— Acho que você gosta disso,
querida. De ser dominada desse jeito,
porque me parece bem excitada — falei
baixinho, e ela arfou ainda mais.
​— Parece que sim — sua resposta
foi quase inaudível, e eu me deleitei
com ela, assim como com seus
movimentos, seus sons, suas respostas
aos meus estímulos.
​— Você tem muito apreço por essa
calcinha? — perguntei em um tom
provocador.
​— Não tanto quanto tinha pela blusa
— ela novamente falou divertida.
​— Bom saber. — Segurando a peça
pelas tiras, eu a puxei com força,
rasgando-a, e Rebecca pareceu gostar
disso.
​— Você está muito intenso hoje.
Acho que... — Não lhe deixei terminar
de falar, porque no meio de sua frase eu
caí de boca no meio de suas pernas, sem
lhe dar tempo de pensar, já começando a
chupá-la e a penetrá-la com a língua. —
Ah, meu Deus... — Ela arfou novamente,
mal conseguindo se conter.
​Nunca me empenhei tanto em um
sexo oral. Nunca quis tanto que uma
mulher gritasse o meu nome enquanto
gozava na minha boca, como aconteceu.
E mesmo depois de Rebecca chegar ao
orgasmo, continuei o trabalho, porque
ela era maravilhosa. Eu não queria
parar.
​E ela gozou de novo, deixando
escapar um grito que eu jurei que
poderia ser ouvido a quilômetros de
distância.
​Deixei-a sobre a cama, respirando
com dificuldade, já parecendo exausta.
​Mas eu não pretendia parar tão cedo.
​Enquanto ela se recuperava,
coloquei-me de pé, despindo-me.
Aproveitei para colocar a camisinha
também. Mantendo-a ainda presa,
posicionei-me sobre ela, deixando meu
pau bem próximo de sua entrada,
sentindo-a ainda muito molhada.
​Irresistível.
​Tirei a venda de seus olhos, porque
queria olhar neles e sentir o que ela
estava sentindo enquanto eu a fodia com
força.
​— Não vai me soltar também? —
perguntou com aquela voz doce... tão
doce.
​— De jeito nenhum. Esta noite você
é toda minha.
​Assim que terminei de dizer isso,
penetrei-a de uma vez, mas ainda
tentando ser delicado, porque sabia que
poderia machucá-la. Com cuidado
cheguei bem fundo e a ouvi gemer alto.
​Fui aumentando a intensidade das
estocadas, conforme a sentia mais e
mais escorregadia, mais desejosa.
Chegou a tentar arquear o quadril, para
receber mais, mas as restrições
impediam.
​— Você só vai ter mais se pedir,
loirinha. Não vai conseguir desse jeito
— alertei em um tom malicioso.
​— Eu quero mais, Bernardo. Mais
forte. Mais! — ela quase gritou a última
palavra, e eu lhe concedi.
​Remexi-me, saindo de dentro dela
por alguns instantes, só para soltar suas
pernas, erguendo-as e colocando-as
apoiadas nos meus ombros.
​ ritmo tornou-se frenético naquela
O
posição, e Rebecca gemia,
choramingava e gritava, conforme eu
grunhia alucinado.
​Aquela mulher estava se tornando o
meu vício. Meu anjo de perversão. Um
erro que eu estava adorando cometer.
​E era um erro porque eu sabia que as
coisas estavam ficando complicadas. Eu
gostava dela, embora não devesse
gostar.
​O orgasmo me levou ao limite,
principalmente porque ela também
gozou, misturando nossos gritos de
prazer, o que era ainda mais erótico.
​Fiquei ainda um tempo me
recuperando, sem sair de dentro dela,
mas quando o fiz, descartei a camisinha
e a observei, olhando para mim.
​— Está incomodada com algo? Está
te machucando? — perguntei, referindo-
me às restrições.
​— Não — ela perguntou, confusa.
​Sem dizer nada, então, peguei
novamente seus tornozelos, prendendo-
os mais uma vez.
​— Bernardo! — ela gritou, mas
estava rindo.
​— Já disse que é minha refém esta
noite. Em sequestros, as vítimas não têm
escolhas — falei, deixando-a imóvel
novamente.
​— Vítimas não gozam três vezes em
uma mesma noite — ela brincou,
parecendo deliciada.
​Não mais do que eu, certamente.
​ osicionei-me sobre ela outra vez,
P
recolocando também a venda.
​— Vamos tentar dobrar este número,
ok?
​Sem dizer mais nada, caí de boca em
um de seus seios, deleitando-me
novamente com os sons que ela fazia,
sinal de que a noite não estava nem
perto de terminar.
CAPÍTULO DEZENOVE
​ alvez eu estivesse velho para
T
aquele tipo de coisa, mas a música alta
que tocava feria meus tímpanos e me
deixava muito rabugento. Era uma coisa
meio sem ritmo, uma batida constante e
uns sintetizadores de mau gosto. As
pessoas, no entanto, pareciam estar
adorando, porque se movimentavam
como loucos na pista de dança.
​Rebecca entre eles.
​Ela e o idiota lá da empresa, com
quem parecia ter tanta intimidade.
​Tínhamos feito sexo alucinado da
última vez, ela dormira nos meus
braços, mas acordou cedo, escapando
antes que eu pudesse lhe dar bom dia.
Quando dei por mim, já estava na
piscina, fazendo sua série de braçadas
matinais.
​Era frustrante. Principalmente
porque depois não deu mais nenhum
indício de que tinha interesse em repetir
a dose.
​E olha que ela gozou umas sete ou
oito vezes durante a madrugada.
​Eu não estava com a menor vontade
de ir para uma balada, especialmente
naquela noite, depois de passar o dia
todo em reuniões, mas quando ela surgiu
na minha sala, para me dar tchau, com o
maldito vestido vermelho, tudo o que
pedi foram alguns minutos para
acompanhá-la. Antes que pegasse carona
com o tal Tomás, fomos no meu carro. E
assim voltaríamos para casa.
​De preferência direto para o meu
quarto, para que eu pudesse fodê-la
contra a parede, ainda usando aquele
vestido e depois descer o zíper dele
com a boca, tirando-o bem devagar.
​Isso, é claro, se eu não estragasse
tudo arrancando-a de perto do filho da
puta que babava nela naquele momento.
​Para tentar parar de olhar para ela
como um maníaco, fui até o bar pegar
uma bebida. Decidi por algo sem álcool,
porque iria dirigir mais tarde e porque
não estava a fim de ficar bêbado e fazer
uma besteira. Por mais possessivo que
estivesse me sentindo, a garota não era
minha.
​Será que eu queria que ela fosse só
minha? Será que estava pronto para
exclusividade? Para ter um
relacionamento com alguém?
​E será que ela iria aceitar?
​Porra! Que tipo de pensamento é
esse, Bernardo? Você sempre foi avesso
a compromissos, por que agora? Você
não vai ser bom para aquela garota
especial. Ela merece alguém melhor.
​Eu tinha visto relacionamentos
falharem por toda parte. Meus pais eram
um bom exemplo disso. Quando muito
jovem, presenciei brigas e mais brigas,
traições, desonestidade, e todos os meus
amigos casados não eram fiéis às suas
mulheres. Muitos sabiam que as esposas
tinham casos também, e não era isso o
que eu queria para mim.
​Muito provavelmente eu acabaria
estragando tudo.
​Peguei a bebida e a levei para a
mesa, deparando-me com uma das
garotas da equipe de marketing da sede
de SP. Ela era bem bonita, morena,
cabelos bem longos e cacheados, corpo
escultural e olhos amendoados. O olhar
que me lançava era bem convidativo e
não deixava muito espaço para
interpretações errôneas.
​— Preciso te chamar de senhor
aqui? — ela perguntou, usando sua
língua para brincar com o canudo da
bebida colorida que tomava.
​Era impressionante que meu pau não
estivesse respondendo àquilo, como
normalmente estaria.
​— Não. Só Bernardo.
​Ela sorriu, realmente acreditando
que iria marcar algum ponto.
​Mas tudo o que eu fiz foi olhar de
novo na direção da loirinha. Lá estava
ela, dançando sensualmente com o
babaca, que tinha os braços ao redor de
sua cintura.
​Porra, ele já estava com as mãos
nela!
​ Então — a voz da mulher ao meu

lado soou por sobre a música, o que me
disse que ela estava se esforçando muito
para ser ouvida —, o que um CEO faz
para se divertir?
​A ênfase na minha posição me
proporcionou alguns calafrios. Não era
a primeira vez que acontecia. As
mulheres pareciam ter algum tipo de
fetiche por milionários jovens donos de
empresas. Provavelmente culpa daquele
livro com a gravata na capa. Fora por
causa dele que acabei pegando gosto
pela coisa do BDSM, embora não
curtisse os chicotes. Uma garota, uma
vez, me pediu que usasse minha gravata
para amarrá-la na cama e... bem... a
experiência foi excitante o suficiente
para que eu repetisse com quem
consentia.
​Nunca, porém, fiquei tão excitado
como acontecera com Rebecca.
​E lá estava eu novamente pensando
na maldita loirinha. Talvez fosse uma
boa ideia engatar uma conversa com a
morena e ver aonde isso iria nos levar.
​Sentei-me ao lado dela, provando da
minha bebida.
​— Aparentemente baladas depois de
um expediente longo não são exatamente
uma forma de diversão que me agrade
— comentei com um sorriso.
​— É uma pena. Mas eu poderia
encontrar uma forma de te entreter —
ela falou. Bem direta, aliás. Minha
funcionária. As coisas estavam
mudadas. — Não precisa nem ser aqui.
Você deve ter uma casa bem legal em
São Paulo, né?
​— Tenho, mas não moro sozinho.
​Ela assentiu. Não era segredo para
ninguém no escritório que eu e Rebecca
éramos amigos e morávamos juntos.
​— Aliás, qual a sua relação com
ela? Se é que eu posso perguntar.
​Qual era a minha relação com
Rebecca?
​Boa pergunta.
​Éramos amigos. E éramos incríveis
na cama. A química chegava a estalar
entre nós. Mas como poderia nomear
nosso relacionamento?
​Ergui os olhos novamente na direção
dela e a vi olhando para mim. Uma
expressão estranha se formou em seus
olhos quando fizemos contato visual.
Tristeza, talvez? Então ela olhou para a
garota ao meu lado e abaixou a cabeça.
Pouco depois o cara que estava
dançando com ela ergueu seu queixo,
fazendo-a olhar para ele, incentivando-a
a voltar a se divertir.
​E ele novamente passou os braços
ao redor da cintura dela, puxando-a um
pouco mais para trás, deixando-os
escondidos atrás de algumas pessoas.
​Será que fizera isso para beijá-la?
​Porra! Meu coração chegou a
acelerar no peito ao pensar nisso.
​— Ei, não vai me responder? — a
mulher perguntou novamente, e a voz
dela chegou a soar irritante. Mais do que
antes.
​Levantei-me, dando uma golada final
na bebida e batendo o copo na mesa.
​— Não vou. Não é da sua conta —
fui mais ríspido do que gostaria de ser,
mas naquele momento tudo o que eu
queria era chegar a Rebecca.
​Fui me esgueirando por entre as
pessoas que bloqueavam minha
passagem, então a vi. Ela não estava
beijando o idiota. Estavam apenas
dançando ainda, rindo.
​Porque ele a fazia rir. Isso não era
uma exclusividade minha.
​Assim que cheguei perto, segurei seu
braço com delicadeza, puxando-a para
falar em seu ouvido:
​— Podemos conversar? — Eu a
senti estremecer, e um lado bem infantil
meu gostou de sua reação. De saber que
eu a afetava daquela forma, mesmo em
um ambiente lotado, com música alta e
um bando de gente suada ao redor.
​Ela assentiu, fazendo um sinal para o
tal do Tomás, que lhe disse que iria
voltar para a mesa para beber alguma
coisa.
​Ainda com a mão em seu braço,
guiei-a até um canto mais afastado.
Encostei-a em uma parede e fiquei
parado, olhando para ela, meio sem
saber o que dizer. Queria beijá-la, mas
tinha dito que iríamos conversar, não?
​— Bernardo? O que queria falar
comigo? — ela perguntou, impaciente.
​— O que foi? Está ansiosa para
voltar a dançar com o seu amigo? —
Idiota! Atestado de ciúme era a coisa
mais ridícula que eu poderia passar, mas
não conseguia me controlar.
​Então ela ergueu o queixo, afrontosa.
​— Talvez esteja. Você está ansioso
para voltar a conversar com a sua
amiga? — ela falou irritada, e eu perdi
a cabeça.
​Levei os meus dentes ao lábio
inferior dela, cheio, delicioso, pintado
de vermelho. Mordi sua boca,
chupando-a um pouco e ouvindo um
suspiro bem baixinho escapar dela.
​Foi a minha deixa.
​Não demorei a me perder na doçura
de seus lábios, no magnetismo que nos
unia. Era estranho que não houvesse
outro beijo que eu desejasse mais do
que o dela, embora soubesse que não
seria difícil encontrar outra mulher mais
experiente e que me causasse menos
complicações.
​Rebecca era problema dos pés à
cabeça. Simplesmente porque eu me
importava demais com ela. Porque não
saía da minha mente.
​Levei uma das mãos ao seu rosto, em
um toque muito mais terno do que o
beijo intenso incitava. A forma como ela
correspondia... Era tão doce, tão
delicada.
​Tão... minha.
​O sentimento de posse novamente
surgiu, e eu me afastei. Encerrei o beijo
mais rápido do que gostaria, e meus
olhos se fixaram nos dela, quase
assustados.
​— O que foi? — ela perguntou, mas
eu não saberia responder.
​Não saberia ou não queria. Porque
estava começando a me dar conta: eu
não conseguiria mais tirar aquela garota
da minha vida. Não conseguiria mais me
imaginar sem tê-la por perto.
​— Nada. — Respirei fundo,
tentando me acalmar. Talvez uma sessão
de sexo bem quente esfriasse a minha
cabeça o suficiente para entender que
era melhor manter as coisas assim entre
nós, no âmbito sexual. — Vamos para
casa?
​Jurei que ela iria responder que sim,
mas novamente ergueu o queixo. E eu já
queria beijá-la de novo, mas me
controlei.
​— Bernardo, o que está rolando
entre nós, afinal?
​Ah, merda! Era uma pergunta
definitiva demais para ser feita em um
local como aquele.
​Mas parecia importante para ela. Eu
poderia responder qualquer coisa
ensaiada e dizer que poderíamos
conversar melhor em casa, só para
convencê-la a ir. Uma vez que
chegássemos lá, com muito empenho
conseguiria fazê-la esquecer o assunto e
levá-la para a cama. Só que eu não
queria agir dessa forma. Não seria certo.
​— Somos amigos, não somos? — foi
o que consegui dizer, apenas.
​ abaquice minha, eu sei. Com
B
certeza iria me arrepender depois, mas
me acovardei. Se tentasse sequer chegar
perto de me confessar, acabaria dizendo
mais do que seria prudente. Ao menos
enquanto não soubesse, de fato, o que
fazer com o que começava a descobrir a
respeito dos meus sentimentos, não
podia falar demais.
​Só que ela visivelmente ficou
magoada. O que me feriu também.
​— Então pode voltar para casa
sozinho. Vou continuar dançando.
​Desvencilhando-se de mim, saiu de
perto, sumindo em meio à multidão e me
deixando abandonado, completamente
sem palavras, sentindo-me mais idiota
do que nunca.
CAPÍTULO VINTE
​ stava começando a ficar de saco
E
cheio daquele joguinho. Especialmente
porque não via nenhuma esperança de
sair vencedora. Certas pessoas não
mudavam. Bernardo curtia ser o
cafajeste que era, o pegador, o cara que
não se amarrava a ninguém. Não era a
garota de quem ele tirou a virgindade
que iria transformá-lo no perfeito
apaixonado.
​Voltei para a mesa sentindo o
coração pesado. Não tinha mais a menor
vontade de dançar. Vi quando ele voltou
para pegar seu paletó, olhou-me nos
olhos e sumiu do meu campo de visão
para algum outro ponto da boate.
​Melhor assim.
​Ao menos ele não tinha rebocado a
garota do marketing com quem estivera
conversando. Ela já estava dando em
cima de um rapaz da TI. Mas isso não
significava que Bernardo não poderia
levar outra mulher para casa... eu só
saberia quando chegasse.
​Ah, merda! Onde fui me meter?
​— Tudo bem, princesa? — Tomás
perguntou quando me viu pensativa.
​— Tudo. Está tudo bem — foi o que
respondi, mas não estava. Nem um
pouco.
​— Quer voltar a dançar?
​— Agora não, Tommy. Vou me sentar
só um pouquinho. Daqui a pouco vamos.
— Tentei um sorriso, e ele assentiu.
Também não voltou para a pista, ficou
comigo, ao meu lado.
​Não foram precisos nem cinco
minutos para que um garçom chegasse à
nossa mesa com uma caipirinha,
colocando-a à minha frente.
​— Não pedimos nada — Tomás
afirmou.
​— É para a senhorita Rebecca.
Cortesia do senhor Bernardo Nolasco.
Ele a enviou com um pedido de
desculpas — disse o garçom.
​Pedido de desculpas? Mas... Por que
será que ele achava que eu merecia um?
Pelo beijo? Ou por alguma outra coisa?
Ele nunca me iludira, não é? Eu que
alimentei esperanças bobas na cabeça.
​Ou será que era uma forma gentil e
elegante de me dar um fora? Talvez ele
realmente quisesse levar uma mulher
para casa.
​Era até estranho que me desse
álcool, porque combinamos de ir à
empresa no dia seguinte, para adiantar
uma papelada, e eu falei que não iria
tomar nada para não estar de ressaca.
Provavelmente ele se esqueceu deste
detalhe.
​Então eu iria esquecer também.
​Agradeci ao garçom e dei minha
primeira golada. Eu não tinha bebido
nada até aquele ponto, mas um único
drinque não me faria mal. Estava calor,
eu estava com sede e se era para ver
Bernardo com outra mulher ou pronto
para terminar o que quer que
tivéssemos, era melhor que estivesse
com um pouco de álcool no sangue.
​— Vá com calma, garota. Homem
nenhum merece esse tipo de coisa —
Tommy falou.
​— Não é por ele. É por mim.
​Tomás olhou para mim com uma
expressão reprovadora, e eu
simplesmente dei mais um gole.
​O suficiente para, minutos depois,
começar a me sentir estranha.
​— Tommy, vou ao banheiro, sim?
Depois acho que vou querer ir para
casa.
​— Está tudo bem? Quer que eu vá
com você e fique na porta?
​— Não, querido. Obrigada. Já volto.
​Peguei minha bolsa, para retocar o
batom, caso me sentisse melhor, e me
pus a caminhar para o banheiro,
passando pelas pessoas, começando a
me arrepender de não ter pedido para
Tomás ir comigo.
​Então alguém se colocou na minha
frente. Um homem.
​Por um momento, minha cabeça
grogue pensou que fosse Bernardo.
Naquele momento, do jeito como eu
estava, poderia simplesmente me jogar
nos braços dele e deixar que tomasse as
rédeas da situação.
​Tão cansada... tão cansada...
​Mas não era ele. Era Mário.
​— Ei, bonitinha. Vai a algum lugar?
​Queria responder, mas a minha voz
parecia não sair. Apenas tentei me
afastar, mas ele me segurou pelos
braços.
​— Eu perguntei se você vai a algum
lugar — insistiu, impaciente.
​— Ao banheiro. Com licença.
​Mais uma vez tentei sair de perto
dele, mas Mário me segurou com mais
força.
​— Eu fiquei muito curioso, sabe?
Essa sua bocetinha deve ter mel, porque
o chefão está doido nela. Tanto que me
demitiu por uma bobeira.
​Eu poderia argumentar. Não era uma
bobeira. O cara era um estuprador em
potencial, deveria ter sido denunciado,
mas não tínhamos provas. Demissão era
o mínimo que merecia.
​— A bebida estava gostosa,
Rebecca?
​Ah, droga! Fora ele que a enviara?
​E eu, como uma idiota, esqueci de
todas as coisas que minha mãe sempre
me ensinou: nunca aceite bebida de
estranhos. Mas o garçom dissera que era
de Bernado, não? Como eu poderia
imaginar que alguém se faria passar por
ele daquela forma?
​— Vi tudo. Vi quando ele saiu puto
de perto de você, e imaginei que tinha
rolado algo. Um pedido de desculpas
sempre funciona. Agora, bonitinha, você
vai ser toda minha.
​Eu já estava cambaleando, mas tinha
um mínimo de força. Ao menos para dar
uma joelhada decente no meio das
pernas do filho da puta.
​No momento em que fiz isso, nem
esperei para ouvi-lo me xingar, apenas
corri para o banheiro e tranquei a porta,
afastando-me dela.
​Cambaleei mais uma vez e precisei
me sentar no chão, bem aos fundos do
local, feliz porque, ao menos, parecia
limpo.
​Assim que me vi acomodada, tentei
focar minha vista, mas tudo parecia
girar. Em meu total desespero, abri a
bolsa, com as mãos trêmulas, pegando o
celular e discando o número de
Bernardo. Eu poderia chamar Tomás.
Poderia ligar para a polícia, mas,
infelizmente, ninguém me faria sentir
segura como ele.
​Graças a Deus ele atendeu no
segundo toque.
​— Bernardo? — eu teria gritado se
tivesse forças para isso. No entanto o
nome dele saiu como um arfar alto. —
Me ajuda... por favor.
​— Rebecca, o que houve? — ele
falou aflito. A mesma música que eu
ouvia por trás da porta pesada do
banheiro, soando abafada, tocava no
telefone, o que me dizia que ele ainda
estava na boate.
​— Mário. Ele estava aqui. Colocou
algo na minha bebida... eu... eu não sei...
— perdi um pouco das forças para falar.
Seria uma questão de minutos até eu
ficar completamente inconsciente.
Estava me esforçando demais para ficar
desperta.
​— Onde você está?
​— No banheiro. Você pode vir me
buscar?
​— Claro, loirinha. Estou chegando,
fique calma.
​Calma...?
​Eu estava calma.
​Muito, aliás.
​Era bom. Tudo ainda parecia girar,
mas a sensação era boa, relaxante.
​ udo aconteceu muito rápido. Ou
T
talvez eu tivesse apagado por alguns
instantes... talvez não. Ainda estava
consciente quando um estrondo trouxe
Bernardo para mim.
​Ele começou a me checar
desesperadamente, enquanto gritava
para alguém que poderia mandar a conta
da porta arrebentada para a BN
Tecnologia.
​Ele tinha arrombado a porta?
​Fui erguida do chão em seu colo,
enquanto ele sussurrava que estava ali,
que estava tudo bem e que não ia deixar
ninguém me fazer mal.
​Acreditei em suas palavras.
​Como não acreditaria? Bernardo ia
cuidar de mim, não ia?
​ ntão eu finalmente pude desistir de
E
lutar contra a escuridão.
CAPÍTULO VINTE E UM
​ ma noite longa, sem dúvidas. Mas
U
Rebecca estava em casa. Deitada na
minha cama, depois de chegarmos do
hospital.
​Ela tinha despertado por lá mesmo,
mas novamente dormira no carro,
cansada, e eu a levei para o quarto,
acomodando-a, tirando seus sapatos e
cobrindo-a.
​Minha raiva era desmedida naquele
momento. Eu queria o filho da puta atrás
das grades, por isso acionei meu
advogado, na primeira hora da manhã, e
sabia que ele iria mexer os pauzinhos
para fazer alguma coisa. Não seria fácil,
mas com certeza alguém na boate levara
alguma grana para que a bebida de
Rebecca fosse adulterada.
​Mas com isso já resolvido, minha
preocupação era ela.
​Nunca, em toda a minha vida, me
senti tão protetor em relação a alguém.
Nunca uma emoção tão poderosa como
aquela me dominou. Eu olhava para ela,
dormindo, e a vontade que eu tinha era
de matar o sujeito que sequer pensar em
lhe fazer mal. Não desmerecendo sua
força e a coragem que tivera para se
defender sozinha, mas, naquele
momento, descansando, ela parecia tão
vulnerável e indefesa que meu sangue
chegava a esquentar.
​Vi quando se remexeu sobre a cama,
deixando escapar um som que era quase
um suspiro, e eu me aproximei
rapidamente, pronto para lhe conceder
qualquer coisa que pedisse.
​Os olhos enormes se voltaram para
mim ainda pesados e sonolentos, e eu
me sentei na beira da cama, pegando sua
mão e beijando-a.
​— Como você está? — perguntei,
preocupado. Aquele tipo de coisa
poderia causar um trauma em uma
mulher.
​— Bem. Acho.
​— Acha? — indaguei com uma
sobrancelha erguida.
​Rebecca sorriu ao ouvir a pergunta.
Um sorriso desanimado, mas era melhor
do que nada.
​Olhou na direção da janela,
remexendo-se na cama para se sentar.
​— Já amanheceu?
​Assenti e prontamente me levantei,
seguindo à enorme varanda do meu
quarto, que dava direto para a piscina,
abrindo as cortinas.
​— O dia está bem bonito —
comentei, sentindo-me um pouco
perdido.
​O que dizer a ela? Qual era o certo?
​ or mais que fosse errado pensar
P
assim, eu me sentia culpado. Não
deveria ter me consumido pelo ciúme,
arrastado-a para um canto, beijado-a
para depois me afastar. Como eu sempre
dizia, não importava o que estava
acontecendo entre nós, Rebecca era
minha prioridade. Deveria ser, na
verdade. Não o meu ego. Não as minhas
dúvidas em relação ao que sentia.
​Deixá-la sozinha foi um erro. Um
que eu não cometeria mais.
​— Temos que ir para a empresa —
ela falou. — Tínhamos combinado, não
tínhamos? — Rebecca fez menção de se
levantar, mas eu levei as mãos aos seus
braços e gentilmente a mantive deitada
na cama.
​ — Nada disso. Você precisa
descansar.
​— Estou bem. Não estou machucada.
​— Não, mas sei que o que você
passou não é fácil. Precisa do fim de
semana para se recuperar.
​Ela respondeu fundo.
​— Mas você vai, não é? — a
pergunta foi feita de uma forma doce, e
era essa a versão de Rebecca que me
deixava cada vez mais confuso.
​Sempre fui o tipo de cara que
gostava das mulheres mais sensuais,
mais maduras e bem resolvidas, mas
Rebecca conseguia ser tudo isso,
combinando uma sedução sutil com seu
jeitinho delicado e meigo.
​Talvez ela fosse o que eu sempre
quis, mas nunca tive.
​Sentei-me outra vez, no mesmo lugar
de antes, pegando a mão dela e
beijando-a.
​— Hoje eu vou cuidar de você.
​O olhar que ela me dirigiu era um
misto de confusão e ternura. Eu a
compreendia. Queria poder simplificar
as coisas, mas algo dentro de mim
parecia me bloquear. Se eu me
entregasse ao sentimento, ele iria me
esmagar. Costumava me considerar um
cara corajoso, que não tinha medo de se
arriscar em coisas novas,
principalmente nos negócios, mas
quando tinha a ver com o coração, eu
não sabia de nada. Não tinha coragem
para abrir a minha cabeça e aceitar que
eu poderia estar...
​Não. Eu não tinha nem coragem de
falar a palavra.
​Minha impressão era que no
momento em que admitisse para mim
mesmo, não haveria como voltar atrás.
Assim que eu abrisse a porta, o
sentimento se expandiria e me invadiria
por inteiro. Temia me tornar um homem
diferente, um que não conseguia pensar
por si mesmo, que não conseguia mais
viver sem outra pessoa. Esforcei-me
demais para me tornar independente,
para me desvencilhar de qualquer
vínculo forte com pessoas que sempre
me magoavam e decepcionavam. Eu era
dono de mim mesmo. Se me entregasse
ao amor, será que não iria me perder?
Esse era o meu medo.
​Mas eu não poderia minimizar a
importância que Rebecca tinha para
mim. E não iria negligenciar seu bem-
estar, porque ela merecia mais do que
um cara babaca que não conseguia
entender a si mesmo.
​Por isso pedi que ficasse na cama e
preparei um café da manhã, levando-o
para ela em uma bandeja. Dei folga à D.
Antonia, porque queria alguns momentos
sozinhos com Rebecca, então me
prontifiquei a tratá-la como uma
princesa.
​Depois que comemos, ela quis
nadar, e eu fiquei de olho. Não entendia
nada do tipo de droga ao qual ela foi
submetida, então preferi não remediar,
mas aparentemente ela estava bem. Um
pouco mais lenta ao se exercitar, mais
cansada, tanto que parou antes do que
costumava parar e apoiou os braços na
borda da piscina, estendendo as pernas e
movimentando-as devagar, erguendo a
cabeça para o alto e fechando os olhos.
​Tomei isso como um incentivo para
observá-la sem ser observado.
​Em breve não teríamos mais aquela
proximidade. Em breve voltaríamos
para o Rio de Janeiro, quando tudo em
São Paulo estivesse resolvido, e eu não
a teria daquela forma. Tão ao meu
alcance, compartilhando uma intimidade
que conquistamos facilmente.
​O que aconteceria? Será que
continuaríamos com nosso
relacionamento – fosse qual fosse o
nome que tinha? Será que ela ainda teria
interesse em passar noites na minha
cama ou colocaria um fim em tudo,
seguindo sua vida sem mim? No pouco
tempo em que nos conhecíamos,
Rebecca despertara, florescera. Não que
fosse menos interessante antes, mas
estava mais segura, confiante, e eu não
poderia tomar os créditos por isso,
porque fora ela quem se descobrira
sozinha. Qualquer homem teria uma
sorte do caralho se fosse escolhido por
ela.
​Um que não tivesse medo de se
render de verdade.
​Enquanto eu a observava, percebi
sua expressão mudar. Era como
observar um céu ensolarado enchendo-
se de nuvens e tornando-se sombrio. O
sorriso que ela sustentava antes
desapareceu.
​— Beca, o que houve? — perguntei
preocupado, mas ela não respondeu de
imediato. — Beca?
​Finalmente olhou para mim,
esforçando-se muito para se recompor.
​— Só estou pensando... no quão
fácil pode ser para uma pessoa fazer mal
a outra. E no quanto um descuido pode
ser perigoso. A bebida foi enviada a
mim em seu nome.
​Ainda dentro d’água fui me
aproximando dela aos poucos, sabendo
que precisava ser cauteloso. Não a
toquei, porque temia dar passos para os
quais ela não estava preparada ainda.
​— Você não tinha como saber,
loirinha. Eu estava no bar. Tínhamos
acabado de conversar. Faria sentido eu
enviar algo a você.
​— Eu sei. Ainda mais com um
pedido de desculpas. Não que você
precisasse se desculpar por algo, mas...
sei lá.
​Dei mais um passo quando ela
voltou aqueles lindos olhos para mim.
​— Talvez eu precisasse. Te magoei
de alguma forma, não foi?
​Rebecca respirou fundo. Pareceu
ponderar alguma coisa, que eu não fazia
ideia qual era, e disse, finalmente:
​— Não. Você tem sido um bom
amigo, Bê. Sem mágoas entre nós. —
Ela se inclinou para frente, beijando
meus lábios muito rápido e afastando-se.
​Fiquei observando-a enquanto saía
da piscina, pegando sua toalha na
espreguiçadeira, enrolando-se nela e
entrando na casa.
​Amigo...
​Era isso que éramos, não?
​Claro que sim. O que mais eu
poderia querer?
​Mas por que diabos parecia tão
simples e pouco?
CAPÍTULO VINTE E DOIS
​ vida tinha voltado à normalidade.
A
Ao menos na medida do possível.
​Bernardo insistira que eu fosse à
delegacia denunciar Mário no domingo,
levando o laudo do exame toxicológico
que fiz, depois de passar o sábado
descansando, e ele me acompanhou.
Jurei que acabaria sendo preso por
desacato à autoridade, pela forma como
os policiais lidaram com a situação –
provavelmente como sempre lidavam
com denúncias de tentativas de estupros
de mulheres em baladas. Era como se
fosse proibido, para nós, nos
divertirmos. Caso acontecesse algo não
consentido, o fato de estarmos em locais
como aquele nos tornava alvos e não
vítimas.
​Ao voltar para casa, minha vontade
foi de desistir, então Bernardo ameaçou
ir resolver o problema com seus punhos,
e eu concordei em darmos
prosseguimento.
​Cansada, joguei-me no sofá. Ele, por
sua vez, decidiu ir ao restaurante
próximo ao condomínio onde estávamos
morando, buscar algo para comermos no
jantar. Podíamos pedir iFood, mas eu
amava o risoto de camarão daquele
estabelecimento, e eles não tinham
delivery. Bernardo era solícito o
suficiente para me fazer a gentileza.
​E, na verdade, foi um pouco bom me
ver sozinha pela primeira vez desde que
tudo aconteceu.
​O que eu estava fazendo da minha
vida? Como pude acreditar que
conseguiria conquistar Bernardo de
verdade? Um homem que nunca desejou
apegar-se a alguém. Um homem que,
decididamente, não estava pronto para
se entregar.
​Eu nem precisava daquele emprego.
Sentia-me uma idiota correndo atrás de
algo que nunca me pertenceria. Talvez
fosse melhor voltar para casa, para a
minha vida de sempre, tentar recomeçar.
Fora uma boa experiência, e eu
certamente havia amadurecido.
​E meu coração estava partido. Em
mil pedaços.
​O interfone tocou enquanto eu ainda
refletia. Levantei-me hesitante, sem
saber exatamente o que fazer. Quem
poderia ser?
​O porteiro do condomínio anunciou
a presença de Júnior.
​Júnior? O irmão de Marcela? O que
diabos ele estava fazendo ali?
​Fosse como fosse, eu o mandei
subir. Era uma pessoa de confiança, é
claro. Por mais que não tivéssemos nada
em comum, e eu não tivesse muito mais
interesse em conversar com ele, poderia
haver algum motivo para a sua visita.
​Ainda assim, olhei com cuidado no
monitor da câmera da casa para
verificar se era ele mesmo. Depois do
golpe de Mário, no qual caí como uma
patinha, passaria a tomar mais cuidado
com certas coisas.
​Mas era ele mesmo.
​Abri a porta, sendo olhada dos pés à
cabeça. Algo que ele nunca fez.
​— Você está... tão bonita — ele
quase gaguejou.
​E era a primeira coisa que me dizia.
Nem um oi, nem um boa noite, nem um:
“Ah, eu estava passando por aqui, em
um estado diferente de onde moro, e
tal...”. Nada. Tudo o que ele sabia fazer
era elogiar a minha aparência.
​Como pude ser tão apaixonada por
um idiota como ele?
​— Obrigada. O que você está
fazendo aqui? — perguntei sem
cerimônias.
​— Posso entrar?
​Abri caminho, sem responder,
porque ainda estava um pouco
atordoada.
​Ele entrou, parecendo inquieto.
Passou a mão pelos cabelos, depois as
entrelaçou, esfregando-as. Não parava
de andar e de se mexer.
​— Está tudo bem com a Marcela? —
Eu podia jurar que o motivo de sua
visita não era a irmã. Eles nem eram
assim tão próximos.
​— Sim, está. Eu vim para conversar
com você.
​— Comigo? Você veio do Rio para
isso? — indaguei com o cenho franzido
e braços cruzados, completamente
surpresa.
​— Eu... eu... peguei umas férias de
dez dias na empresa, porque estavam
vencendo, e fiquei em casa. — Ele
sorriu um pouco sem graça. — Sabe
como é, né? Cabeça vazia, oficina do
diabo. E tudo no que consegui pensar foi
em você.
​— Em mim?
​— E no quanto eu fui idiota por não
perceber a mulher maravilhosa que você
é. Fui puxando as memórias de todos
esses anos em que nos conhecemos, de
nossas conversas, dos momentos e...
​— Conversas? Júnior, você nunca
conversou comigo! — exclamei,
indignada.
​— Mas eu não sou muito de
conversar mesmo. Falo pouco. Só que
você sempre teve paciência, sempre foi
tão gentil e meiga. Tão... perfeita. —
Ergui as sobrancelhas, completamente
surpresa. Só que ele não parecia pronto
para parar de falar. — Não sei qual a
relação que você e aquele cara têm, mas
sei que não é um cara de parar com
alguém. Busquei algumas coisas sobre
ele e não fiquei contente com o que vi.
Ele vai te magoar, Becky. Você não
merece isso.
​Dei uma risadinha sarcástica.
​— Você me magoou, Júnior! Levou
mais de dez anos para perceber que eu
sou... perfeita? — a palavra saiu com
escárnio. — Além do mais... você
investigou o Bernardo? Para quê?
Salvar a donzela em perigo? Eu sei bem
quem ele é. Já passou pela sua cabeça
que, talvez, eu quisesse uma relação
física apenas? — Ah, era uma mentira.
Das mais deslavadas. Só que ele não
precisava saber.
​— Mas você... — ele parecia
chocado.
​— Eu o quê? Sou a boa menina, a
virgem, a imaculada? Não, eu tenho
desejos também. E, por enquanto, eles
estão sendo completamente saciados.
Sou muito nova para me prender a um
relacionamento sério. Estou curtindo e...
​— O que diabos esse cara está
fazendo aqui? — a voz de Bernardo
soou atrás de mim.
​Abaixei a cabeça, tendo a ligeira
impressão de que as coisas iriam ficar
um pouco feias.
​— Eu vim visitar uma amiga —
falou Júnior, empertigando-se.
​Bernardo pousou as sacolas com
nossa comida sobre o aparador ao lado
da porta e veio até nós, voltando-se para
mim.
​— Ele estava te incomodando,
Rebecca? — perguntou por entre dentes.
​— Não, mas já estava de saída —
falei com veemência. Era doloroso
tratar uma pessoa daquela forma, mas eu
não queria continuar ouvindo aquela
ladainha. Ele tivera sua chance comigo,
só que eu já não estava mais interessada.
​— Não, eu ainda tenho coisas a
dizer e... — Júnior tentou se aproximar
de mim, mas Bernardo colocou-se entre
nós. De costas para mim, de frente para
o outro, mas eu poderia jurar que sua
expressão era bem ameaçadora, ainda
mais com todo aquele tamanho.
​— Se a moça está te mandando sair
gentilmente, é melhor sair antes que seja
eu a te expulsar. Garanto que não vou
ser tão amável.
​Ok, ele estava exagerando. Júnior
não fora nada além de gentil. Um pouco
atrasado em sua tentativa de me
conquistar, mas não fizera nada de
errado. O que era o mínimo, né? Mas
depois de ser tratada como fui por um
estuprador, qualquer homem que se
dignava a ser o mínimo educado já
merecia palmas.
​O que era ridículo.
​Cheguei a ficar com pena de Júnior,
principalmente pela forma como olhou
para mim. Como se pedisse desculpas.
Como se estivesse arrependido.
​Bernardo fora um pouco efusivo
demais, mas era a casa dele, certo? O
que eu poderia fazer?
​— Me desculpa pelo inconveniente.
Não vai se repetir — ele disse,
passando por Bernardo e saindo porta
afora.
​ ssim que ficamos sozinhos,
A
coloquei-me de costas para Bernardo,
que segurou meu braço e me virou para
ele.
​— O que aquele idiota queria aqui?
​— Nada. Ele foi educado, você não
precisava tratar um amigo daquela
forma.
​— Amigo? Ele só te magoou.
​Você também – era o que eu queria
dizer, mas não era exatamente verdade.
Talvez o problema fosse comigo que me
via presa a homens que não me queriam.
Nenhum dos dois tinha feito qualquer
promessa ou me iludido, eu que escolhi
me apaixonar, me dando mal no
processo.
​— Acontece. Amigos se magoam de
forma não intencional — foi uma
indireta. E Bernardo pegou,
aparentemente, porque me soltou e
recuou.
​— Quer dar uma chance a ele? É o
cara que você sempre quis, não é? —
Bernardo parecia nervoso e havia
desdém em seu tom de voz.
​Ciúme novamente? Mas não fazia
sentido. Se ele, de fato, me quisesse só
para si, por que não dizia isso? Por que
não alegava que desejava algo mais
sério, que eu fosse mais do que apenas a
amante ocasional, quando ele sentia
tesão e queria transar?
​Fosse como fosse, aquelas eram as
oportunidades perfeitas para que eu o
provocasse.
​ ntão dei um passo à frente,
E
aproximando-me, deixando-nos perto
demais.
​— E se for isso? E se eu quiser dar
uma chance a Júnior? — perguntei,
olhando-o nos olhos.
​— Àquele idiota? — indignou-se.
— Não é possível, Rebecca!
​— Por que não? Eu sou livre,
desimpedida, solteira...
​Meu braço foi novamente agarrado,
e eu fui puxada de encontro ao peito
dele.
​— Não, loirinha. Você é minha...
toda minha. Diga que é, por favor... —
ele quase parecia em transe.
​— Não temos nada, Bernardo. Não
é? Ou você quer algo mais?
​ ependendo de sua resposta, eu
D
poderia definir o meu futuro. Se dissesse
que sim, eu ficaria e tentaríamos
começar nosso relacionamento,
aprendendo um com o outro. Se dissesse
que não...
​— Não faça isso, loirinha...
​— Não fazer o quê? Você está
reivindicando posse sobre mim, mas eu
não posso reivindicar sobre você? Só
posso me considerar sua se nós dois
prometermos exclusividade. Um
relacionamento.
​— Eu não sou bom nisso. Não vai
dar certo.
​— Porque você não quer.
​— Eu não posso. Tudo o que vi de
relacionamentos foram fracassados. Vi
muita gente sofrer. Não quero sofrer e
não quero te fazer sofrer.
​Aquela era a palavra final dele,
provavelmente. Então teria que ser a
minha decisão também.
​Não poderíamos continuar. Não sem
que eu realmente me ferisse. Era melhor
sair de cena antes que as coisas
ficassem piores.
​Mas eu queria mais uma noite com
ele. Só mais uma.
​— Tudo bem, Bernardo. Não tem
problema — menti. — Mas só me beija.
Agora. E me leva para a cama.
​Como se fosse a última vez – era o
que eu deveria ter acrescentado. Mas
não o fiz.
​Ele hesitou um pouco, mas me puxou
novamente para si e me beijou.
​Para mim, tinha um gosto de
despedida, então eu teria que aproveitar
cada segundo.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
​ ue Bernardo gostava de brincar
Q
durante o sexo e de coisas não
convencionais eu já sabia, mas a
expectativa era sempre grande.
Especialmente quando me pegava
deitada ao ar livre, completamente nua,
com os punhos amarrados nos braços da
espreguiçadeira, assim como os
tornozelos também estavam presos aos
pés da mesma. Vendada, esperava.
​A noite estava com uma temperatura
agradável, e ninguém podia nos ver.
Meu coração corria acelerado no peito,
pulsando de antecipação, porque eu
sabia que ele tinha planos. E era melhor
que as coisas fossem assim. Se
decidisse ser romântico, eu acabaria
desistindo de tomar uma atitude.
​O meio das minhas pernas pulsava
também, latejando, desejando que ele
me desse algo que aliviasse a
necessidade. E eu não podia me
remexer, dada a minha posição. Tudo
fazia parte de seu plano, sem dúvidas, e
ele gostava da brincadeira.
​Eu também.
​Quem diria.
​Cada som me fazia respirar mais
fundo, porque eu pensava que se tratava
de Bernardo se aproximando. Mas
quando ele finalmente o fez, a primeira
coisa que senti foi algo líquido e gelado
deslizando pelo vão dos meus seios.
Logo senti a textura de sua língua
lambendo o que quer que ali estivesse,
fazendo-me estremecer.
​— Champanhe e Rebecca. A
combinação perfeita.
​Então uma taça foi levada à minha
boca, e eu fui incentivada a beber.
Assim o fiz, dando uma boa golada, mas
Bernardo afastou a bebida rapidamente.
​— Quero você sóbria.
​Assenti, engolindo em seco, ainda
vibrando de expectativa.
​Eu sentiria falta de tudo aquilo.
​Então algo ainda mais gelado tocou
ambos os bicos dos meus seios ao
mesmo tempo. Escorregadio – pedras de
gelo, certamente.
​Ele perdeu algum tempo usando-as
daquela forma, fazendo-me contorcer o
corpo o pouco que conseguia, mas logo
os substituiu por sua boca quente,
criando um contraste alucinante.
​Enquanto chupava um dos mamilos,
mantendo o gelo no outro, usou a
segunda mão para descer a outra
pedrinha pelo meu corpo, deslizando
pela minha barriga, chegando ao clitóris.
A sensação gelada me fez gritar.
​— Adoro seus gritos, loirinha.
Quero mais deles — sussurrou no meu
ouvido, enquanto penetrava um dos
dedos frios dentro de mim,
provavelmente deixando o gelo de lado.
A boca e a outra mão continuavam
torturando meus seios.
​Enquanto continuava me
masturbando, sem parar, jogou um pouco
mais de champanhe no meu colo,
lambendo-o quando foi parar em minha
barriga, sugando-o e chupando um pouco
da carne da minha coxa no caminho,
sugando meu clitóris de surpresa.
​— Bernardo! — choraminguei o
nome dele, quase como uma súplica,
mas eu nem sabia o que queria. Ao
mesmo tempo em que não queria que
terminasse, queria que partisse logo
para o sexo que aliviaria a minha
necessidade.
​Mas ele não deu atenção à minha
súplica, apenas continuou com suas
investidas sensuais e experientes,
sabendo exatamente o que fazer para me
deixar completamente sem fôlego.
​Ele tirou o dedo de dentro de mim,
mas por pouco tempo, pois voltou a me
penetrar, usando uma pedra de gelo, que
me fez gritar novamente.
​A pedrinha derretia dentro de mim,
absorvida pelo calor que emanava do
meu corpo, enquanto Bernardo
movimentava seu dedo em meu clitóris.
Com meus movimentos impedidos, a
sensação era deliciosamente angustiante.
​Algo doce foi pingado na minha
boca, e o beijo veio como um furacão.
Conforme a língua de Bernardo
reivindicava a minha, dois de seus
dedos, ainda gelados, me penetravam,
investindo com força e chegando fundo.
Ele mordeu meu lábio inferior, sugando-
o e chupando-o, para conter outro grito.
Mas foi em vão, porque aumentou as
estocadas do dedo, levando-me quase ao
gozo.
​Só que antes disso, me penetrou.
Não estava usando camisinha, mas eu
tomava anticoncepcional. Já tinha lhe
dito isso outra vez, mas preferimos
manter o uso do preservativo por via
das dúvidas. Daquela vez, ele nem
pensou duas vezes.
​Eram estocadas violentas, que
faziam a cadeira ranger sob nós. Como a
posição em que eu estava o proibia de
chegar mais longe, ele soltou minhas
pernas, abrindo-as e flexionando meus
joelhos. Vendada e com os punhos
amarrados fui mantida. Já era o
suficiente para que todas as sensações
fossem intensificadas.
​Bernardo continuou investido com
força, grunhindo selvagemente e me
levando à loucura, até que eu gozei.
Contraí-me ao redor dele, grosso e
grande, gemendo alto e sem vergonha
nenhuma, porque era o que eu desejava
fazer. Aproveitar aquela noite ao
máximo.
​Ainda estava fora de mim quando fui
solta por Bernardo, que me pegou,
entrelaçando minhas pernas em sua
cintura. Assim ele me levou para dentro
da piscina, descendo as escadas, até que
meu corpo quente tocou a água fria da
noite. Estremeci, mas ele me segurou
com mais força e cuidado, colocando-
me sentada na borda, mantendo-se
dentro d’água. Então ele começou a me
dar um sexo oral incrível naquela
posição, ainda vendada.
​Meus dedos se agarraram à borda da
piscina com força, tentando suportar o
misto de sensações que ele me
proporcionava, mas era impossível.
Bernardo era bom no que fazia. Como
um profissional. Ele sabia disso e usava
seus atributos em seu favor.
​Eu novamente quase cheguei ao
orgasmo, mas ele não permitiu. Não
daquela maneira. Bernardo me pegou
novamente, imitando nossa posição de
antes onde eu ficava entrelaçada à sua
cintura, e começou a me foder outra vez.
Dentro da piscina.
​Nada delicado. Nada sutil. Era
feroz. Violento. Mas decididamente
maravilhoso.
​Àquela altura eu só conseguia gemer
alto e sentir meu coração pulsando
freneticamente.
​Foram necessárias poucas estocadas
para que nós dois chegássemos ao
clímax de uma forma devastadora.
​Continuamos na água por mais uma
hora, aproveitando a noite e subimos.
Tomamos banho juntos, e ele me levou
para a cama, depois de mais um
orgasmo, colocando-me com cuidado ao
seu lado.
​— Eu sou louco por você, loirinha
— foi o que ele disse, deitado de
conchinha comigo, sussurrando no meu
ouvido.
​Não era o que eu queria ouvir.
​E ele tinha direito de dizer o que
queria, mas eu também tinha o direito de
dizer adeus.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
​ cama estava vazia quando girei
A
para o lado, em busca do corpo quente e
macio de Rebecca. Acordar com ela era
um deleite inesperado, porque nunca fui
do tipo que curte beijos e carinhos
matinais. Um sexo para começar o dia
sempre foi muito bom, mas a intimidade
de adormecer com uma mulher nos
braços, de dormir de conchinha, não
fazia a minha cabeça.
​Até aquela garota maravilhosa
aparecer na minha vida.
​Tudo com ela parecia bom, certo e
interessante. Às vezes eu quase
conseguia vislumbrar a possibilidade de
algo mais sério, um relacionamento. A
ideia de passar anos ao lado dela,
conhecendo-a, explorando a química que
tínhamos, não apenas na cama, mas... na
vida.
​O que diabos isso queria dizer?
​Será que eu estava mesmo
apaixonado por ela?
​Será que eu... a amava?
​Aquela constatação foi tão forte que
eu abri os olhos no susto. Já sabia que
estava sozinho, ok, mas por algum
motivo que não compreendia, precisava
ver Rebecca. Imaginei que estaria na
piscina, nadando, então vesti uma calça
de moletom qualquer, sem nem me
preocupar com uma camisa, e corri para
a parte externa da casa.
​Mas ela não estava lá.
​Eu não ouvia um único som vindo de
nenhum cômodo.
​Foi então que eu vi o bilhete preso à
geladeira. Um papel dobrado em duas
partes, com LEIA escrito bem grande.
​Peguei-o com pressa e o abri,
reconhecendo a letra caprichada,
redonda e bonita de Rebecca.
Querido Bernardo,
Me desculpe por ir embora desse
jeito, mas acho que foi a melhor
escolha para nós dois. Meus
sentimentos começaram a ficar um
pouco bagunçados, e eu não queria te
pressionar ou te sufocar. Desde o início
deixamos bem claro o que aconteceria
conosco, qual seria o rumo do nosso
relacionamento, mas eu falhei. Acabei
deixando meu coração comandar tudo.
Entendo que queremos coisas
diferentes, mas quero preservar nossa
amizade. E a única forma que encontrei
de fazer isso foi me afastando. Posso
continuar te ajudando no que for
preciso remotamente, participar de
reuniões por vídeo-conferência. Se for
muito necessário, posso retornar a São
Paulo, mas preciso de alguns dias. E se
eu voltar, não quero mais que moremos
juntos.
Você é muito mais do que pensa que
é, Bê. Muito mais do que pensei. Se
fosse apenas o cara bonito, sexy e
divertido que imaginei, tudo seria
muito mais fácil. Mas é um homem
bom. Atencioso. Carinhoso. Não
mudaria nada do que aconteceu entre
nós, porque conhecer você foi
maravilhoso.
Espero que possamos ser amigos
ainda. Eu realmente só preciso de um
tempo.
Obrigada por tudo.
Becky.
​ eu coração estava acelerado no
M
peito, e eu não conseguia entender o
motivo. Ela tinha ido embora, como
tantas outras. Como eu normalmente
queria que acontecesse depois de termos
nos satisfeito mutuamente.
​Sexo costumava ser simples, casual,
sem despedidas e sem estresse. Uma
necessidade.
​Já o amor... a ideia do amor
costumava ser um jogo para mim. Eu
nunca o deixava avançar no tabuleiro,
porque éramos adversários. Seria
possível que aquela garota tivesse
conseguido me dar um xeque-mate?
​Todos esses conceitos começaram a
se misturar dentro da minha cabeça,
formando um emaranhado de emoções
estranhas e desconhecidas, mas uma
delas se destacava: o medo da perda. A
dor.
​Ela tinha ido embora – meu cérebro
repetiu, como se eu precisasse disso
para compreender. Não tinha sequer me
dado uma chance de pedir que ficasse,
de tentar argumentar.
​Mas o que eu lhe diria? Como iria
convencê-la a me dar mais uma chance?
Uma chance para quê? Para mais noites
como a anterior? Para que eu pudesse
desfrutar de seu corpo mais um pouco?
Para que mantivéssemos aquele
relacionamento sem nome por mais
tempo?
​Aquela garota me entregara tudo.
Sua virgindade, sua doçura, seu corpo,
seu coração. E eu não lhe dei nada além
de prazer. Se a quisesse de volta,
precisava lutar e muito.
​Mas será que estava disposto a isso?
​Voltei para cama um pouco, levando
o bilhete comigo. Li e reli algumas
vezes, pensando se talvez não fosse
mesmo melhor aceitar a ideia de sermos
apenas amigos.
​Porra, mas só de pensar já era
doloroso.
​O que Rebecca tinha feito comigo?
Por que eu estava tão rendido a uma
garota inocente como ela?
​Porque era maravilhosa. Incrível.
Sexy. Perfeita...
​Porque eu a amava.
​Não era simples como sempre quis
que fosse. Era complicado, e eu estava
completamente fodido. Porque poderia
ter perdido a minha chance de ser o cara
de sorte a ter para si a mulher mais
especial de todas.
​Fiquei ainda algum tempo inerte na
cama, olhando para o teto, sem coragem
de tomar uma atitude, mas quando me
dei conta de que não havia tempo a
perder, peguei o telefone e tentei ligar
para ela.
​Uma, duas, três vezes. Em todas caiu
na caixa postal.
​Comecei a não apenas me sentir
apavorado com a ideia de perdê-la, mas
preocupado. Minha última alternativa
foi ligar para Marcela.
​Não foi nem um pouco surpreendente
a forma como ela atendeu.
​— Eu deveria nem te atender — foi
sua saudação simpática.
​— Não fiz nada, Cela. Rebecca saiu
da minha casa sem sequer se despedir.
​— Eu sei. Ela me contou. A boba
ainda te defende, mas chegou aqui
chorando.
​Ah, porra! Ela não merecia chorar.
Não por mim. Nunca por homem algum.
​Mulheres como Rebecca mereciam
ser bajuladas e receber tudo de qualquer
homem a quem elas lhes entregassem seu
amor. Eu poderia lhe dar o mundo.
Conceder seus desejos, fossem quais
fossem. Tinha dinheiro suficiente para
isso. Mas ela só queria o meu coração.
E esse eu lhe neguei.
​ lgo me dizia que iria me
A
arrepender amargamente disso.
​— Deixa eu falar com ela, Cela. Por
favor — pedi, quase pronto para
implorar.
​— Bê, melhor não. Ela não te
atendeu por um motivo.
​— Merda, mas ela precisa me ouvir.
Eu preciso dizer como me sinto.
​— Não acha que é tarde demais para
isso? Você teve bastante tempo,
garanhão. Há coisas na vida que
precisam ser seguradas com unhas e
dentes, e uma garota como a Becky é
uma delas. Você não vai encontrar uma
melhor.
​— Sei disso. Ela é incrível,
maravilhosa, e eu preciso dizer isso a
ela. Cada palavra. Preciso dizer que eu
a...
​— Não. Você não vai falar isso para
mim e me fazer passar recado. Se quer
que ela te ouça, faça por onde —
Marcela disse como uma mãe faria ao
repreender um filho. Provavelmente eu
merecia isso e muito mais.
​Mas era um conselho valioso.
​Eu precisava fazer tudo o que
estivesse ao meu alcance para que
Rebecca ao menos me ouvisse. Queria
que entendesse que eu fui um idiota, mas
que isso não se repetiria.
​Assim que desliguei o telefone com
Marcela, apressei-me em ligar para a
secretária de Hans, tentando me
comunicar com o péssimo inglês que ela
falava, pedindo que adiasse nossas
próximas reuniões, que eu tinha algo de
muito importante a fazer no Rio de
Janeiro, na empresa. Como estava
próxima de Hans, ele me deu a resposta
na hora, pedindo que tomasse meu tempo
sem problemas.
​Ótimo. Porque eu precisava correr.
​Vesti uma roupa qualquer, nem me
preocupei com mala, já que a maioria
das minhas coisas ainda estavam no Rio,
e no caminho para o aeroporto liguei
para D. Antonia, dispensando-a por
alguns dias também.
​Cheguei em Congonhas e comprei
uma passagem para o próximo voo para
o Rio de Janeiro, agradecendo pela
viagem ser tão curta, porque me sentia
ansioso como uma criança esperando
por Papai Noel.
​Peguei um táxi e parti para o prédio
de Marcela, mas logo lembrei que ela
não morava mais ali, tinha se mudado
para o apartamento de Tiago, e eu não
tinha a porra do endereço.
​Claro que ela não quis me dar, nem
mesmo comigo telefonando, pedindo e
implorando.
​Voltei para a minha cobertura,
sentindo-me miserável.
​Era exatamente por aquele motivo
que eu não queria me entregar ao amor.
Porque a sensação de ter o coração
partido sempre me assustou. E lá estava
eu, provando do meu próprio veneno,
completamente apaixonado por uma
garota que disse que não sabia seduzir.
Irônico, não?
​Foram dois dias tentando falar com
ela pelo celular. Implorando a Marcela
que me desse o endereço. Lutando por
qualquer migalha que quisessem me
conceder.
​Quando recebi a mensagem da minha
amiga, avisando que Rebecca tinha
voltado para o apartamento dela, vi uma
chance. Não podia aparecer lá, impondo
a minha presença, estando ela sozinha.
Mas havia um jeito de fazê-la entender
que eu estava disposto a qualquer coisa
para tê-la de volta.
​Até mesmo a me despir dos meus
conceitos e dar vazão aos meus
sentimentos. Algo que nunca esperei ser
capaz de fazer.
​Algo que ainda me assustava. Mas
por Rebecca valia a pena.
CAPÍTULO VINTE E CINCO
​Flores. Por todos os lados. De uma
em uma hora, um buquê mais bonito do
que o outro chegava.
​Sem contar os chocolates e o lindo
colar de diamantes que quase perdi o
fôlego ao ver. No bilhete ele dizia que
começaria a enviar presentes, todos bem
caros, para cada hora que eu passasse
sem retornar suas ligações.
​O filho da mãe me conhecia muito
bem e sabia que eu não ia querer que
ficasse gastando dinheiro – por mais que
ele tivesse muito.
​Era um grande chantagista, e eu
queria ficar com raiva por isso, mas
achava adorável. Eu não tinha salvação.
​Pouco depois de receber o colar
com o bilhete, vendo-me perdida em
meio a tantas coisas, comecei a me
sentir compelida a ouvi-lo. O que
diabos Bernardo poderia ter tanto a
dizer? O que poderia ser tão importante
ao ponto de fazê-lo insistir de tal forma?
​Algo me dizia que Marcela sabia de
alguma coisa, mas não queria me contar.
​Só que eu podia ser insistente
quando queria.
​Fiz um vídeo da minha casa, repleta
de flores, incluindo os outros presentes,
e enviei para ela. A resposta veio em
menos de dois minutos em forma de uma
ligação.
​— Tudo foi o Bernardo que
mandou? Meu Deus, Becky! Ele nunca
mandou flores para mulher nenhuma. E
um colar desses? Nem sonhando.
​Eu não queria me sentir especial,
mas era difícil não perceber o coração
errando uma batida ao pensar que eu
merecia aquele tipo de atenção.
​— Não muda nada, Cela. Ainda não
quero conversar com ele, não estou
pronta — falei em um sussurro, sem
nenhuma convicção.
​ Por que, amiga? E se ele estiver

querendo dizer algo que você quer
ouvir?
​— E se for só um pedido de
desculpas? Se ele estiver apenas
querendo retomar a amizade? Eu sei que
poderia ser qualquer coisa, mas estou
com medo.
​— Ah, querida... você nunca foi uma
covarde — ela disse com ternura.
​— Acho que o amor nos deixa
assim, né? — fiz uma brincadeira,
embora não estivesse exatamente em um
clima bem humorado.
​— Só se você quiser, Becky.
​Ela estava certa. Só se eu quisesse.
​Quando o interfone tocou anunciando
a chegada de mais um buquê de flores,
daquela vez acompanhado de uma
imensa cesta com as mais variadas
guloseimas – e uma pequena ameaça de
que o próximo presente seria bem
extravagante –, peguei o celular,
refletindo sobre o que deveria fazer.
​Fiquei olhando para a tela, como se
a resposta fosse magicamente aparecer
ali. Como se apenas esperar pudesse
fazer Bernardo se materializar na minha
frente, dizendo tudo o que eu queria que
dissesse.
​Respirando fundo, fiz a ligação.
​Ele atendeu antes do segundo toque.
​— Ah, loirinha, pelo amor de Deus,
como você é difícil! — o tom de alívio
na voz dele era quase cômico.
​— Não estou à venda, Bernardo —
foi a primeira coisa que disse a ele, mas
me certifiquei de que soasse gentil e não
como uma reprimenda.
​— Sei que não, linda. Sei que não.
Mas isso é muito pouco perto de tudo
que eu seria capaz de fazer para te
provar que sou um imbecil.
​Dei uma risadinha.
​— Isso eu conseguiria concluir por
mim mesma.
​— Uau! Você é um perigo para o
meu ego. — Ele fez uma pausa, mas logo
retomou: — Por favor, me deixa ir te
ver. Me deixa te dizer cara a cara o que
eu preciso dizer.
​— Podemos nos encontrar amanhã,
tudo bem?
​— Amanhã está muito longe,
loirinha. Se você me disser que sim, eu
vou aí agora. A qualquer hora, qualquer
momento.
​Não consegui conter um sorriso.
​Poderia ser bem cruel da minha
parte, mas ele merecia sofrer um
pouquinho mais, não merecia? Além
disso, a verdade era que eu estava com
os olhos vermelhos e muito cansada, não
queria que me visse assim. Não queria
que percebesse que eu tinha sofrido
tanto de saudade e de angústia por medo
de perdê-lo. Embora fosse um pouco
difícil perder algo que nunca me
pertenceu.
​— Você pretende desistir de dizer o
que quer dizer hoje só porque vai ter
que esperar até amanhã? — perguntei
com um tom provocador.
​— Não! — ele respondeu com
veemência. — Claro que não. Só estou
um pouco ansioso. Sou novo nesse tipo
de coisa.
​— Eu também. Até outro dia eu era
virgem — decidi brincar mais uma vez,
mas estava me sentindo um pouco
constrangida, sem graça, talvez...
​— Eu não sou novo no sexo,
loirinha. Nem perto disso. Sou novo
nessa coisa de querer estar com alguém
pra valer. Tanto que chega a doer.
​— É isso que você quer?
​— Isso e muito mais. Mas como eu
disse, não é o tipo de coisa que gostaria
de falar por telefone. E preciso te ver,
Rebecca. Estou sentindo a sua falta. Por
favor, vamos nos encontrar hoje.
​Aquela voz sussurrada... aquele jeito
sexy... Era fatal. Como eu iria lhe dizer
não? Como iria ser forte o suficiente
para lhe dar a lição que eu nem sabia se
ele precisava?
​— Eu também, Bê. Em quanto tempo
você consegue chegar aqui, afinal? —
joguei a pergunta, e ele ficou em
silêncio, simplesmente.
​— É sério? Eu posso ir? Você quer
me ver? — parecia criança recebendo
um presente.
​— Sim, eu quero. Precisamos
conversar. Mas espero que tenha algum
espaço para você aqui no meu
apartamento, levando em consideração a
quantidade de flores que estão
espalhadas por aqui.
​— Você merecia muito mais. —
Como resistir a isso? — Eu vou tomar
um banho e parto para aí. Tudo bem?
​— Tudo bem.
​— Antes... porque eu não quero
tocar nesse assunto quando chegar aí...
Acabei de receber uma mensagem do
meu advogado. Mário foi preso. Pego
em flagrante tentando estuprar outra
moça. Espero que ele pague.
​— Isso é música para os meus
ouvidos.
​— Para os meus também. Agora me
deixa desligar, porque eu quero te ver.
Muito.
​Desligamos, e eu me senti ansiosa
para vê-lo.
​ erá que finalmente conseguiríamos
S
colocar um ponto final naquela história,
mas de um jeito bom?
CAPÍTULO VINTE E SEIS
​ u estava arrumado, de banho
E
tomado e pronto para sair. Inquieto,
ansioso para ver Rebecca e dizer a ela
tudo o que ela precisava e merecia
ouvir.
​Só que o maldito interfone tocou.
Exatamente em um momento em que eu
não estava nem um pouco a fim de
visitas.
​Muito menos o nome que foi
anunciado.
​O babaca do Júnior. O que diabos
ele poderia estar fazendo na minha
casa?
​Queria muito mandá-lo à merda. Se
estivesse ali para marcar algum
território ou dizer que iria disputar
Rebecca comigo, ele iria levar uma
porra de um soco na cara, e eu estava
doido por isso. Tudo bem que não havia
assim tantos motivos para que
apanhasse, mas aquela cara de babaca
me irritava. E o fato de ele tê-la
magoado também.
​Só que eu fiz o mesmo, não? Quase a
deixei escapar. E se tivesse acontecido
igual? Se outro cara aparecesse e a
conquistasse? Se eu a perdesse para
sempre, como Júnior – eu esperava –
havia perdido?
​Não queria nem pensar.
​Em um momento altruísta, pedi que o
idiota subisse. Esperava que não
demorasse muito, porque eu queria sair
logo e falar com a minha loirinha.
​Quando ele surgiu na porta, eu o
deixei entrar, e nós ficamos nos
encarando por alguns instantes. Era
ridículo, mas eu não podia evitar.
​— O que você quer? Estava de
saída.
​Júnior balançou a cabeça, ainda
olhando para mim de uma forma
estranha.
​ — Não vou tomar muito do seu
tempo. Acabei de passar na minha irmã,
e ela me contou algumas coisas. Deixou
bem claro que você e Rebecca estão
apaixonados de verdade um pelo outro.
— Ele fez uma pausa. — De início,
achei que era algo dela. Que você iria
magoá-la, que não iria deixar sua vida
de mulherengo para assumir uma garota
como a Becky.
​Ele não estava muito errado.
Precisei de uma sacudida para entender
o quão importante ela era para mim. Se
tivesse continuado cego por mais algum
tempo, eu teria perdido todas as minhas
chances.
​Não que ainda estivesse muito
confiante. Ela poderia simplesmente
dizer que queria continuar o
relacionamento de onde paramos,
apenas sexo casual.
​Não era mais o que eu queria. Eu
queria Rebecca por inteiro. Quem diria
que o cafajeste devasso iria se entregar
de corpo e alma à doce garota virgem
que cruzou seu caminho?
​— Eu estou apaixonado por ela —
falei com total convicção. Aliás, era a
primeira vez que eu admitia meus
sentimentos para alguém. Que merda que
fosse exatamente para aquele idiota. —
E não estou disposto a perdê-la, muito
menos magoá-la.
​Júnior abaixou a cabeça,
demonstrando a expressão de um
derrotado. Quase senti pena do babaca.
​Quase.
​— Não fui legal com ela e acabei
pagando o preço. Não é todo dia que
alguém como Rebecca cai nas nossas
graças. Nunca a percebi como mulher,
mas depois da tentativa do beijo e
depois que a vi com você... — Ele deu
uma risadinha amarga. — Escroto da
minha parte, eu sei. O típico idiota que
só repara na garota quando ela está com
outro. Mas é como as coisas são. Vou
seguir em frente e espero que você cuide
bem dela.
​— Vou cuidar.
​Sem dizer mais nada, ele deu uma
boa olhada em mim e se afastou, na
direção do elevador que ainda estava no
andar. Abriu a porta e entrou,
cabisbaixo. Senti um calafrio pensando
que poderia ser eu naquela situação. A
derrota poderia ser minha. Rebecca não
iria me esperar para sempre, e eu
definitivamente não queria isso.
​Estava na hora de tomar uma atitude
e fazer as coisas certas.
​Terminei de me arrumar em tempo
recorde e saí de casa, pegando o carro
na garagem. Aliás, saudade de dirigir o
meu próprio.
​Peguei as ruas do Rio de Janeiro em
busca do endereço de Rebecca,
contando cada segundo, cada
quilômetro. Pensei que poderia parar em
algum lugar e comprar mais alguma
coisa para ela, mas teria que se
contentar só comigo daquela vez. E com
meus sentimentos, porque eu estava
disposto a entregar todos eles a ela.
​Prometi a Rebecca que a ensinaria a
seduzir. Agora ela precisaria me ensinar
a amar.
​Cheguei ao seu prédio e pedi ao
porteiro que interfonasse. Ela autorizou
a minha entrada e eu subi.
​No momento em que atendeu a porta,
mais linda do que seria possível em
qualquer circunstância, percebi que iria
dizer alguma coisa, mas levei um dedo à
sua boca, pedindo silêncio. Tinha
planos.
​Pedi permissão ainda apenas em
gestos, e ela concedeu, entrando na
brincadeira. Deparei-me com seu
apartamento repleto de flores, colorido,
cheirando a jardim. Cheguei à conclusão
de que era assim que eu queria que ela
estivesse sempre. Rodeada por todas as
coisas belas que sequer chegavam a seus
pés.
​Ainda mantendo o suspense, peguei
meu celular e escolhi uma música em
específico. Uma que, de certa forma,
fazia parte da nossa história.
​Waiting for a girl like you começou
a tocar, então eu pousei o aparelho sobre
a mesinha de centro e a tirei para
dançar.
​Delicadamente, Rebecca encostou a
cabeça no meu peito, e eu respirei
fundo, sentindo o cheiro delicioso do
cabelo dela, beijando-o e pensando na
porra da sorte que eu tinha de ela ainda
estar ali, nos meus braços, disposta a me
ouvir e me dar uma chance, mesmo
depois de eu ter agido como um babaca.
​Não falei nada. Esperei que a
música falasse por mim.

Por tanto tempo, tenho procurado


tanto

Estou esperando há tanto tempo

As vezes não sei o que vou achar

Só sei que é uma questão de tempo

Quando você ama alguém

Quando você ama alguém


Parece tão certo, tão verdadeiro

Preciso saber se você sente isso


também

Talvez eu esteja errado

Você me diria se eu estivesse


forçando a barra

O meu coração já foi machucado


antes

Dessa vez quero ter certeza


Estava esperando por uma garota
como você entrar na minha vida

Estava esperando por uma garota


como você, e um amor que irá
sobreviver

Estava esperando por alguém novo


para me fazer sentir vivo

Sim, esperando por uma garota como


você entrar na minha vida

Você é tão boa, quando fazemos


amor, nos entendemos

É mais do que um toque ou uma


palavra que dizemos

Somente em sonhos poderia ser


assim

Quando você ama alguém, sim

Realmente ama alguém

Agora, sei que é certo

Do momento em que acordo até a


calada da noite

Não tem outro lugar onde eu gostaria


de estar
Do que aqui te abraçando
carinhosamente

​ música foi tocando, e eu fui


A
embalando Rebecca devagar, até que
ouvi uma risadinha.
​— O que foi? — perguntei, curioso.
​— Esta letra está errada. Você não
estava procurando por um amor. Você
estava fugindo.
​Não pude deixar de rir também.
​— Verdade. Nunca quis, nunca
pensei que iria querer me apaixonar.
Mas aconteceu... — Ela se afastou um
pouco de mim, e eu pude olhá-la nos
olhos. Naqueles olhos perfeitos, tão
azuis como o céu. Olhos que eram o meu
céu. — Eu amo você, loirinha. Não
imaginei que aconteceria, mas aqui estou
eu. Posso te oferecer o mundo, te
oferecer tudo o que você quiser, mas no
momento estou oferecendo o meu
coração.
​— É o que você tem de mais valioso
— ela respondeu. Tão doce que eu
poderia chorar. Fazia uns bons anos que
não me emocionava, e não queria que
acontecesse naquele momento.
​Por isso uma brincadeirinha
precisaria servir.
​— Olha... eu posso contestar essa
afirmação. Sou bem rico, você sabe
disso, não sabe?
​Levei um tapinha no ombro, mas ela
ria, divertida.
​— Arrogante!
​Prestes a levar mais um tapa, agarrei
seu punho e a puxei ainda mais para
mim, passando o braço por sua cintura.
Outra música tocava, no Spotify, mas
nem percebi qual era. Tudo o que
capturava a minha atenção era a mulher
nos meus braços.
​— Você me quer, loirinha? Real?
Para valer? — indaguei em um sussurro.
​— Vai ser só meu, Bernardo
Nolasco?
​— Só seu.
​Então ela sorriu e se colocou na
ponta dos pés, vindo em direção a um
beijo. Não perdi tempo e a apertei um
pouco mais contra mim, com força,
tomando seus lábios de forma profunda,
como queria fazer desde o momento em
que entrei em seu apartamento.
​O gosto de Rebecca era precioso.
Nosso beijo encaixava. Era um misto de
desejo e sentimento, algo completamente
novo para o cara que jurou que nunca
iria se apaixonar. Que acreditou que
todos os seus relacionamentos seriam
puramente físicos.
​Em um rompante, agachei-a para
pegá-la no colo, arrancando um gritinho
de surpresa de sua boca.
​— Cama, mocinha? — pedi
permissão, já que não sabia se ela já
estava pronta para retomarmos o
relacionamento por completo.
​— Estava contando com isso.
​— Ótimo. — Comecei a caminhar,
com ela nos braços. — Mas hoje, eu
quero fazer amor com você.
​A partir daquele momento, aliás, em
todas as vezes, por mais intensas ou
cheias de fetiche, estaríamos fazendo
amor. Eu estava ansioso para começar...
CAPÍTULO VINTE E SETE
​ ernardo nunca foi tão delicado
B
comigo. Depositou-me na cama como se
eu fosse uma peça de cristal e me girou,
colocando-me de barriga para baixo,
usando sua boca para abrir o zíper do
vestido, devagar. Suas mãos grandes
afastaram as duas partes, e seus lábios
cálidos beijaram a minha pele,
descendo, descendo, enquanto ia tirando
minha roupa, incluindo a calcinha, que
foi eliminada logo depois.
​Despiu-se também, deixando nós
dois completamente nus.
​Mantendo-me ainda na mesma
posição, um de seus dedos buscou o
centro do meu corpo, massageando meu
clitóris por algum tempo, fazendo-me
gemer baixinho. Logo este mesmo dedo
estava dentro de mim, deslizando pela
minha boceta molhada, desejosa. No
momento em que ele chegou ao ponto
que realmente me fazia gritar, sua língua
desceu pela minha coluna, como se
quisesse sentir o gosto da minha pele.
​Então começou a me masturbar com
mais força, investindo com vontade.
Encostou seu corpo ao meu, e eu senti
sua ereção grande e dura contra a minha
bunda, roçando nela, como uma
promessa do que estava por vir.
​Afastou meus cabelos do pescoço,
beijando-me ali e me fazendo
estremecer, enquanto eu gemia pela
deliciosa tortura que seus dedos estavam
causando. Apesar de as coisas ainda se
manterem intensas, era mais terno, mais
delicado, suave, como se ele realmente
tivesse a intenção de fazer amor comigo.
​Naquele momento, Bernardo parecia
querer fazer amor com meu corpo, mas
também com a minha alma.
​— Eu quero beijar você inteira,
loirinha. Dos pés à cabeça — sussurrou
ele, deixando-me sem ar. Além das
coisas insanas que fazia com as mãos, a
boca e o corpo, a forma como falava
comigo durante o sexo era extremamente
erótica.
​Ele tinha dito que queria fazer amor
comigo, mas seu lado dominador nunca
o abandonava. Agarrou minhas mãos e
usou uma das suas para imobilizá-las às
minhas costas, transformando seus dedos
enormes em uma algema, e voltou a me
masturbar com ainda mais intensidade.
Cada estocada de seu dedo era como
uma onda ainda maior de prazer,
levando-me à insanidade.
​E o safado já conhecia exatamente as
reações do meu corpo, porque no exato
instante em que eu me vi pronta para
gozar, para chegar a um orgasmo
maravilhoso, ele parou, soltando minhas
mãos e agarrando meus quadris,
erguendo-os, colocando-me de quatro na
cama.
​— Nós não íamos fazer amor? —
perguntei, olhando para ele por cima do
ombro, mas com uma expressão bem
maliciosa no rosto.
​— Eu sou doido por você, loirinha.
Não consigo me conter. Mas estamos
fazendo amor, porque eu te amo. —
Assim que terminou de dizer isso, ele
me penetrou com força, fazendo-me
berrar. Era a primeira vez que fazíamos
naquela posição, e era maravilhoso. —
Nada entre nós — uma estocada — será
sem amor a partir de agora. — Outra
estocada. — Até o sexo mais selvagem.
— Mais uma. — Absolutamente tudo.
​Quando terminou de falar, Bernardo
já estava investido com ainda mais
ímpeto, literalmente me fodendo
intensamente, como sempre era entre
nós.
​Não respondi nada naquele
momento, só me permiti sentir e sentir,
conforme as coisas iam se avolumando e
conforme eu ia me perdendo na bruma
das sensações que só ele era capaz de
proporcionar.
​Bernardo grunhia de uma forma
extremamente sexy, e eu poderia jurar
que o som que saía de sua boca
intensificava ainda mais o tesão. Tanto
que com mais duas investidas, eu gritei
ainda mais alto, deixando o nome dele
escapar, o que o deixou mais feroz.
​Sua mão agarrou meus cabelos,
enquanto eu gozava intensamente, e ele
me fodeu com mais força, encontrando
também o seu orgasmo, levando-nos ao
clímax juntos.
​Ele se lançou na cama ao meu lado,
puxando-me contra si, novamente
beijando a minha cabeça. Abraçados,
enquanto eu me perdia e me encontrava
na névoa do prazer, ergui um pouco a
cabeça para olhar em seus olhos e disse
o que precisava dizer desde que ele
entrou na minha casa:
​— Eu também te amo, Bernardo.
​Ele sorriu, suspirando e parecendo
aliviado. Aninhou-me mais contra si, e
eu me entreguei à segurança que aqueles
braços me proporcionavam.
​Adormeci bem mais rápido do que
vinha adormecendo nos últimos dias,
longe dele, e acordei com a luz do sol
entrando pela janela do meu quarto. Mal
abri os olhos, mas sorri sentindo-me
ainda nua e me lembrando do que tinha
acontecido na noite anterior.
​Bernardo era meu. Só meu.
​A chapeuzinho conquistara o lobo
mau, e ele agora estava em suas mãos.
​Espreguicei-me preguiçosa, levando
a mão ao outro lado na cama, mas o
encontrei vazio. Ainda quente, sinal de
que Bernardo não tinha se levantado há
muito tempo. Mas em seu lugar encontrei
algumas coisas sobre o colchão.
​Abri os olhos, curiosa, e encontrei a
cama cheia de pétalas de rosas – as
mesmas com as quais ele me presenteou
no dia anterior. Eu estava deitada sobre
várias delas. Era tão romântico...
​Deus, quem poderia imaginar?
​Aquele homem lindo e sexy não
demorou a aparecer, usando apenas a
calça jeans com a qual chegara na minha
casa no dia anterior, sem camisa, só
para me deixar babando ainda mais por
ele. Em suas mãos havia uma bandeja.
​— Café da manhã na cama? —
indaguei com uma sobrancelha erguida,
sentando-me. — Vou ficar mal
acostumada.
​Um sorriso de canto surgiu nos
lábios de Bernardo, quase malicioso,
então ele se sentou à minha frente,
colocando a bandeja entre nós.
​— Quero muito que você fique mal
acostumada. Não sei ser o namorado de
alguém, loirinha, então me perdoe pelos
excessos. Se eu te mimar demais, avise.
​Mimar demais? Quem poderia
reclamar de algo assim?
​Ele havia usado muitas coisas que
chegaram no dia anterior com seus
presentes para compor a bandeja, então,
pegou um morango vermelho, vivo,
passou em um pouco de Nutella e levou-
o à minha boca. Aceitei-o, mordendo, e
ele levou o resto à própria boca.
​O ato era sensual por si só, e eu já
estava ansiosa para jogarmos aquela
bandeja longe e recomeçarmos as
rodadas de sexo.
​ as ele parecia ter outros planos, ao
M
menos de início.
​— E então, loirinha? Você ouviu o
que eu disse, né? Namorado. É isso, não
é?
​— É? — indaguei provocadora,
levando mais um morango à boca.
​— Quero estar com você. Como
você quiser. Seja como namorado ou
como for. As escolhas serão suas. Mas
não quero te dividir com ninguém.
Assim como não pretendo nem olhar
para outra mulher se você for minha.
​Meu sorriso se alargou.
​— Então assim será. Namorados.
​Ele pegou a minha mão, que estava
suja de chocolate e levou meu dedo à
boca, chupando-o.
​ oi o suficiente para nos perdermos
F
mais uma vez um no outro.
CAPÍTULO VINTE E OITO
DOIS ANOS DEPOIS

​Tudo começou em um casamento.


Foi em um que a vi pela primeira vez.
Nesta mesma ocasião, jurei que nunca,
nem morto, iria me amarrar a alguém.
Que nunca diria sim perante um padre,
em um altar.
​ h, as promessas que voam com o
A
vento...
​Eu não só estava prestes a me tornar
o marido de alguém como a ideia me
parecia maravilhosa, incrível, porque a
mulher mais linda, doce e sexy do
mundo seria a esposa. A perspectiva de
acordar todos os dias ao lado dela – por
mais que mais passasse tempo no meu
apartamento do que em sua própria casa
– era tão animadora que chegava a me
assustar.
​Rebecca Nolasco. O orgulho
explodia no meu peito.
​Tudo entre nós fora muito, muito
simples. Os dois anos antes daquele
momento, onde eu aguardava que ela
entrasse na igreja, foram, de fato, os
melhores da minha vida. Eu amadureci,
me tornei um homem melhor e até os
negócios prosperaram. A parceria com
Hans foi extremamente proveitosa,
principalmente porque Rebecca me
ensinou a falar alemão, e ensinou a ele
como falar português. Ele tinha se
apaixonado por Kátia, uma das meninas
do escritório, e estava namorando sério.
​Ele, aliás, era um dos nossos
padrinhos, porque se tornara um grande
amigo. Marcela e Tiago estavam no altar
também. Tomás – o tal que eu achei que
estava dando em cima de Rebecca –
também aceitara ser nosso padrinho, ao
lado de seu namorado, depois de
finalmente se assumir para todos. Meus
pais estavam presentes, assim como os
pais de Rebecca, que eram bem idosos,
mas pareciam muito felizes pela filha e
gostaram muito de mim.
​Eu ainda estava olhando ao meu
redor quando as portas da igreja se
abriram, e a marcha nupcial começou.
​Diante de mim estava a razão do
meu coração ter se entregado como um
bobo. Minha loirinha com os lindos
cabelos dourados cacheados nas pontas,
com uma linda tiara prateada, parecendo
uma princesa. Um véu descia até seus
braços, e o vestido era delicado,
pegando de ombro a ombro,
evidenciando sua cinturinha fina e
descendo em uma saia bem rodada.
Perfeição.
​Ela veio andando de braços dados
com o pai, devagar, sem tirar os olhos
de mim. Sorriso estampado nos lábios
pintados de vermelho. Olhos azuis
brilhando.
​Em breve seria minha esposa. Eu
mal podia esperar.
​Seu pai a entregou a mim, beijando-a
na cabeça e apertando minha mão de
forma amigável. Trocamos olhares
cúmplices, e eu sussurrei o quanto ela
estava linda.
​Ouvimos o padre falar, mas eu
estava praticamente perdido em uma
névoa até que precisei dizer os votos.
Voltei a mim cem por cento quando me
foi permitido beijá-la.
​Isso era algo que eu nunca
negligenciaria.
​ eijei-a com vontade, inclinando-a
B
para trás como no cinema, e todos ao
nosso redor aplaudiram.
​Recebemos nossos amigos em um
salão de festas muito elegante no Alto da
Boa Vista, no Rio, e todos pareciam
muito animados. Vi Rebecca rejeitar o
champanhe e optar por refrigerante para
brindar, o que me deixou intrigado, mas
não comentei nada.
​Tive minha primeira dança com ela
como marido e mulher, e como não
poderia ser diferente, a música foi
Waiting for a girl like you, e nós
dançamos como se não houvesse
ninguém ao nosso redor. Como se
fôssemos só nós dois, imitando a cena
do dia em que finalmente ficamos juntos,
como deveria ser.
​Curtimos mais um pouco da festa,
até que Rebecca me puxou, pedindo que
tivéssemos um minuto a sós, no jardim
da casa.
​Acompanhei-a, curioso, com nossas
mãos entrelaçadas, e vi quando ela
passou por Marcela que lhe entregou
algo. Uma caixa de presentes,
aparentemente.
​O local era muito bonito. Tinha uma
área externa bem verde, com flores das
mais variadas cores, e foi para lá que
Rebecca me guiou, como se estivesse
tudo ensaiado.
​Parou diante de mim, e eu vi que
havia uma lágrima em seu olho, o que
me preocupou.
​ — Loirinha, aconteceu alguma
coisa? — Esperava que fosse um choro
de emoção, mas poderia não ser, né?
Teria eu feito algo errado?
​Eu vivia com medo de errar com ela.
Sempre avisei que poderia não ser o
cara certo para uma mulher tão incrível,
então tomava cuidado com cada passo
que dava. Só que naquele momento,
durante a cerimônia do meu casamento,
realmente fiquei nervoso.
​— Aconteceu. Espero que a notícia
seja tão boa para você quanto é para
mim.
​Boa? Menos mal.
​— Se é boa para você, vai ser boa
para mim também.
​Ela sorriu e me estendeu a caixinha
que vinha segurando.
​Peguei-a com hesitação, olhando
uma última vez para Rebecca antes de
abri-la, tirando o laço bem devagar.
​Quando abri a tampa, percebi que
dentro dela havia um pequeno
macacãozinho, na cor branca, com algo
escrito: PARABÉNS, PAPAI.
​Papai?
​O que...
​Mas...
​Como assim?
​Ergui os olhos para Rebecca,
assustado.
​— Loirinha, o que...?
​— Eu estava desconfiada porque
estou atrasada, tive alguns enjoos essa
semana, mas ontem, mesmo na correria
de preparar as coisas para hoje, fiz o
teste. O resultado saiu hoje de manhã.
Fiquei surpresa, porque é sábado, mas...
— Ela tirou a roupinha de dentro da
caixa. — Consegui ao menos preparar
algo especial para te contar. Encontrei
esse macacão na lojinha do shopping
perto de casa e... — Rebecca deixou
escapar uma risadinha. — Desculpa,
estou falando sem parar.
​— Que bom, porque eu estou sem
fala.
​Ela pareceu preocupada por alguns
instantes.
​— Não sei se é uma boa notícia para
você. Não conversamos sobre filhos,
mas...
​Mal esperei que ela falasse mais
alguma coisa, porque a tomei nos braços
e a abracei de forma tão efusiva que a
tirei do chão.
​— Boa notícia? É a melhor. E eu
pensando que me tornar seu marido era a
melhor parte do dia. Não tem como ser
mais feliz do que isso, linda.
​Ainda sem colocá-la no chão, beijei-
a. Não apenas a minha esposa, mas a
futura mãe do meu filho.
​Meu filho.
​Eu seria pai.
​Isso me assustou um pouco, então eu
pus Rebecca em seus próprios pés.
​— Eu quero ser bom para ele,
Becca. Quero ser um bom pai.
​— Você será. O melhor...
​Que assim fosse.
​ om ela ao meu lado, eu seria capaz
C
de qualquer coisa.
EPÍLOGO
​ avia sons de crianças por toda
H
parte. Eram apenas três, mas eu poderia
jurar que tinham formado um exército.
​Duas eram minhas. As mais bonitas.
Não que João, o filho de Marcela não
fosse um menino lindo, mas os meus,
Ana Clara e Caio, eram parecidos com a
mãe, então era difícil competir.
​ u queria mais uns três. Mas
E
concordava com Rebecca de que
poderíamos adotar um e fechar a fábrica
de crianças da família. Era uma ideia
com a qual eu poderia conviver.
Tínhamos tanto que poderíamos
compartilhar.
​Minha loirinha e Marcela brincavam
com as crianças, correndo por nossa
linda casa, que fora comprada no ano
passado, e eu a observava, pensando no
quanto a sorte tinha sorrido para mim.
​Ela não tinha apenas me ensinado a
amar, mas a viver a vida da forma como
sempre quis. Ela me deu tudo o que um
homem poderia querer e precisar. Amor,
uma família, um rumo.
​Eu estava perdido até ela chegar.
Mas Rebecca foi o meu farol.
​E meus filhos... Nossa, eu nem sabia
como começar a descrever a sensação
de ser pai.
​Em silêncio, enquanto Tiago e Júnior
– sim, o babaca. No final das contas ele
até que era legal – conversavam ao meu
redor, contemplei minha família. Uma
que nunca imaginei que poderia ter. Uma
construída por mim, que me orgulhava
dia após dia.
​Mas ela só fora possível por causa
daquela mulher.
​Como se compreendesse que estava
sendo admirada; evidenciando o
magnetismo que ainda havia entre nós,
mesmo depois de cinco anos de casados,
Rebecca olhou para mim e sorriu.
​Isso era tudo o que bastava para eu
ser o homem mais feliz do mundo. E
esperava que nosso conto de fadas
durasse para sempre.

FIM
Books By This
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O BEBÊ SECRETO DO
CEO
Eu o amava
Mas ele me deixou
Só não sabia que eu estava grávida.

Bruno Fazolatto é o CEO por trás de um


império. Poderoso, lindo, o tipo de
homem que poderia ter qualquer mulher
nas suas mãos e na sua cama.
Mas ele escolheu a mim. Jurou seu amor,
iludiu-me e me fez sentir especial. Até
que o conto de fadas ruiu, e eu me vi
abandonada e grávida, com o coração
partido.

Um ano e meio depois o destino nos


coloca novamente frente a frente, e eu
sou obrigada a revelar a ele que temos
uma filha, porque nós duas precisamos
de sua proteção.

Eu não poderia cair em tentação


novamente - isso era o que eu dizia a
mim mesma. Mas Bruno parecia ter
outros planos, porque ele queria nós
duas, mãe e filha, para si, para sempre.
O ACORDO DE
CASAMENTO
Para conquistar a sociedade na empresa
para a qual trabalhava, aceitei me casar
com a filha do meu chefe. Em troca, ela
também ganharia uma gorda quantia em
dinheiro para investir em seu próprio
negócio.

Seria apenas um ano, e depois cada um


de nós seguiria com suas vidas - ricos e
bem sucedidos.

Parecia fácil. Só que as coisas saíram


um pouco do planejado.

Meses antes de nossa separação,


cometemos um deslize que gerou uma
consequência: um bebê.

E eu sabia que não era apenas isso.


Apesar de negarmos, havia algo entre
nós. Algo especial, que eu não poderia
deixar escapar.

Então a missão a partir daquele


momento era conquistar minha esposa de
conveniência e nos transformar em uma
família de verdade. Não importava o
que iria me custar.

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