Heterónimos - Síntese Temáticas
Heterónimos - Síntese Temáticas
Heterónimos - Síntese Temáticas
1
para se libertar de todos os modelos ideológicos, culturais ou outros, e poder ver a realidade concreta. O
pensamento gera a infelicidade ('pensar incomoda como andar à chuva / quando o vento cresce e parece
que chove mais'), deturpa o significado das coisas que existem. O sentido das coisas reduz-se à sua
existência ('As coisas não têm significado: têm existência'). A realidade vale por si mesma ('Cada coisa é o
que é').
Linguagem e estilo
Aparente simplicidade e natureza argumentativa do discurso poético, visível no recurso a uma linguagem
corrente e a construções causais.
Plano do conteúdo
linguagem simples, léxico objetivo, adjetivação quase ausente, paralelismos, assíndetos, predominância
das formas verbais no presente do indicativo, preferência pela coordenação.
Plano formal
verso livre, métrica irregular, ritmo lento, alternância entre sons nasais e vogais abertas e semiabertas.
Ricardo Reis
Educado num colégio de Jesuítas e formado em Medicina, foi expatriado para o Brasil por ser monárquico,
latinista e helenista. A sua poesia (as suas odes) revela um poeta que, sob a capa da mundividência
paganista e do modelo poético horaciano, continua o 'drama em gente' que o próprio Pessoa viveu.
O Destino, a Morte, a Glória, o Amor e a fugacidade do Tempo são marcas indicadoras da inutilidade de
tudo. Aceitar as coisas (feitas pelo tempo)com a alegria de um consciente infeliz é uma das atitudes típicas
de Reis. O epicurismo, o estoicismo e o carpe diem são a base filosófica da sua poesia, de sintaxe
naturalmente alatinada e esteticamente de raiz neoclássica.
Ricardo Reis é um poeta disciplinado, que procura o prazer nos limites do ser humano face ao destino e à
fugacidade da vida que passa como o rio. O fado surge acima dos próprios deuses e, naturalmente, dos
homens. Perante isto, considera que devemos pensar e agir serenamente e com moderação, pois são
inúteis cuidados ou compromissos. A vida é efémera 'quer gozemos, quer não gozemos'. Por isso há que
buscar a calma ou a sua ilusão.
Reis propõe uma filosofia moral de acordo com os princípios do epicurismo e uma filosofia estoica.
Epicurismo
• filosofia moral que defende o prazer como caminho da felicidade;
• ausência de dor, calma e tranquilidade, conseguida por um estado de ataraxia, ou seja, sem qualquer
perturbação;
• saber apreciar, muito consciente e tranquilamente, o prazer das coisas, sem qualquer esforço ou
preocupação;
Fernando Pessoa afirma que a obra de Ricardo Reis apresenta um epicurismo triste, pois na vida, nunca
se encontra a calma e a tranquilidade desejada. Considera inútil e inconsequente qualquer ação pois a
vida passa e é necessário lidar com isso.
Estoicismo
• viver a vida em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao desprazer: 'Segue o teu
destino, / Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. / O resto é a sombra / De árvores alheias';
• é possível encontrar a felicidade desde que se viva em conformidade com as leis do destino que regem o
2
mundo, permanecendo indiferente aos males, às paixões e ao impulso dos instintos, que são perturbações
da razão;
• indiferença cética: ato de lucidez de quem sabe que tudo tem o seu fim e de que tudo já está, fatalmente,
traçado.
Reis, muitas vezes, considera a inconsciência ou a distração como a melhor forma de gozar o pouco que
nos é dado. Procura ignorar tudo conscientemente, pensando apenas o momento, o gozo do instante.
Classicismo
• rigor verbal e estrutural (ode, o epigrama e elegia; os versos brancos decassílabos e hexassílabos e a
disposição dos versos em estrofes - sextina, quadra, oitava);
• recurso à mitologia;
• vocabulário erudito e cuidado;
• tom moralista (uso do imperativo;
• simbologia;
• sintaxe alatinada,frequentemente com a inversão da ordem lógica das palavras.
Neopaganismo
• crença nos deuses antigos, cultivo da mitologia greco-latina;
• atitude perante o mundo que consiste em aceitar qualquer religião e a existência de deuses em tudo e
em todas as coisas.
Álvaro de Campos,
É o oposto de Caeiro pelo drama ontológico que exprimiu, pela maior envolvência no Modernismo e por
manifestar uma trajetória evolutiva da sua obra poética.
Pessoa atribuiu a este célebre heterónimo alguns dados biográficos com interesse: nasceu em Tavira em
1890, formou-se em engenharia naval por Glasgow (não é gratuito o facto de estas cidades serem
marítimas), e viveu inativo em Lisboa.
Costuma-se ver três fases na evolução da escrita de Campos: a primeira, a decadentista, é a que mais
se aproxima da nossa poesia finissecular; a segunda, a modernista, corresponde à experiência de
vanguarda iniciada com Orpheu; e a terceira é a negativista, na qual a angústia de existir e ser mais se
evidencia e se radicaliza. É, por isso, o poeta pessoano que mais se multiplicou na busca incessante do
Absoluto e da Verdade.
A obra de Álvaro de Campos passa por três fases:
1ª fase: decadentista
Esta fase surge como uma atitude estética finissecular que exprime o old{tédio, o cansaço e a
necessidade de novas sensações}. Traduz a falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à
monotonia. Um dos poemas mais exemplificativos desta fase é o 'Opiário'.
3
3ª fase: intimista
A terceira fase é caracterizada pelo sono e pelo cansaço. Nela se revela a desilusão, a revolta, a
inadaptação, a dispersão, o cansaço e uma grande angústia. Após a exaltação heróica e a obsessão dos
'maquinismos em fúria', cai no desânimo e na frustração. Perante a incapacidade das realizações, traz de
volta o abatimento, que provoca 'Um supremíssimo cansaço, / íssimo, íssimo, íssimo, / Cansaço...'.
Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, um incompreendido. Sofre fechado em si mesmo,
angustiado e cansado, como nos diz no poema 'O que há em mim é sobretudo cansaço'.