Marteleto, Dolo e Risco No Direito Penal (Verschoben)

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PARTE IV – ANALÍTICA DO DOLO: ELEMENTOS E FORMAS DO DOLO 297

agente em termos de propósito ou de outro qualquer posicionamento emocional


acompanhante (como o “conformar-se”, o “consentir” e o “por-se-de- acordo”),
é predicável como menos abaladora da confiança na vigência da norma?1446 O
que autoriza afirmar que o elemento cognitivo, per se, não documenta já o
questionamento subjetivo-individual da ordem jurídica, que justifica a punição
qualificada do dolo?
O déficit desta concepção é, então, de “conexão lógica”, e não necessa-
riamente “valorativa”: não se logra demonstrar, de modo suficientemente claro
e objetivo, a relação entre o querer e a ratio da punição dolosa (= abalo mais
intenso da confiança na norma)1447. E isso seria necessário, ao meu juízo, para
a autonomização do elemento volitivo em relação ao intelectual, e para sua
integração no conceito de dolo1448.

1.2.1. A vontade extrovertida: o silogismo prático e a decisão pela ação


Voluntariamente, volitivamente, propositalmente, livremente, são advérbios
modais aplicados para descrever ações. Especificamente, a voluntariedade traz
implícita uma adscrição de responsabilidade, uma atribuição de culpa, que se
dá em um plano prima facie, e que pode ceder, ser “derrotado”, em virtude
de uma explicação ou justificativa. Esta é a “geografia” semântica do conceito,
para se empregar a linguagem de Gilbert Ryle, já referida em outra parte desta
investigação. Não se diz, por exemplo, que alguém “voluntariamente” foi o
melhor aluno da classe; este seria um uso sem sentido do termo1449, que não
encontraria qualquer apoio na linguagem cotidiana.
Ainda em termos de identificação com a ação, também se compreende que a
vontade pressuponha uma resistência, consistindo, acaso realizada, precisamente,
na superação desta resistência. Nesse sentido, a vontade (e outros processos
mentais, como sensações e sentimentos) só é conhecida com a ação1450. Ou ainda
mais propriamente: a vontade é a ação.
Neste contexto, observa-se que há uma importante tentativa de se argu-
mentar pela autonomia do elemento volitivo do dolo com apoio na estrutura do
silogismo prático. Tome-se o exemplo: “A” tem o objetivo de receber o prêmio
do seguro; “A” sabe que somente pode receber o prêmio do seguro caso “B”
morra; “A” decide-se por matar “B”. Em uma descrição intencional possível

1446. A responder negativamente tal indagação: FRISCH, Wolfgang. Vorsatz und Risiko, 1983,
p. 287.
1447. No mesmo sentido desta crítica: PAWLIK, Michael. Das Unrecht des Bürgers, 2012, p.
379.
1448. Neste sentido, também: FRISCH, Wolfgang. Vorsatz und Risiko, 1983, pp. 300 e 343.
1449. Veja-se: KORIATH, Heinz. Grundlagen Strafrechtlicher Zurechnung, 1994, p. 637.
1450. Veja-se: KINDHÄUSER, Urs. Intentionale Handlung, 1980, pp. 68 e 216.
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da ação, pode-se afirmar que o objetivo da ação não seria matar “B”, mas sim
obter o prêmio. Contudo, como a morte de “B” era pressuposto para a obtenção
do prêmio – meio necessário – é lícito dizer que “A” teve a intenção de matar
“B” (meio). Neste esquema, não se poderia restringir o resultado morte como
objeto da premissa cognitiva do silogismo prático1451, ou seja, o agente, efeti-
vamente, para além de conhecer o resultado, também o quis. Ainda nesta linha
de pensamento, a essência do dolo está, precisamente, na decisão pela ação1452,
o que consistiria em um fundamento para a indispensabilidade do elemento
volitivo como componente conceitual1453.
E a descrição do comportamento intencional, através da estrutura do si-
logismo prático, parece ter ainda outros sentidos. Jochen Bung, por exemplo,
sustenta que o posicionamento emocional do agente perante o fato – sua aprova-
ção, seu remorso, seu desgosto etc – não é dedutível de qualquer das premissas,
ressaltando que o silogismo apenas reconstrói o “complexo cognitivo-volitivo”,
sem atribuir, ao plano lógico, qualquer diferença de peso entre as premissas1454.
O que ocorre é que, ao considerar que um meio é necessário para um fim,
coercitivamente o sujeito tem que querê-lo1455 – ao se decidir pela ação – pena
de negar sua própria natureza racional. Assim, ao nível primário do querer
(ao nível do “querer da lógica da ação”), o agente sempre quer o resultado
típico1456, desde que o risco realizado seja uma “condição inultrapassável do
resultado buscado”1457.
No caso do dolo eventual, o agente quer no sentido de um “querer com-
parativo”, um “querer-mais-que” (“Lieber-Wollen-als”): para o agente doloso/
/eventual a entrada do resultado típico é preferível à consequente renúncia da
ação, que a produção de tal resultado possivelmente/eventualmente condicio-
na1458. O resultado é mais desejável em comparação com a sua ausência, se

1451. Neste sentido: BUNG, Jochen. Wissen und Wollen im Strafrecht, 2009, p. 164.
1452. Assim: HASSEMER, Winfried. GS-Armin Kaufmann, 1989, p. 295.
1453. Neste sentido: BUNG, Jochen. Wissen und Wollen im Strafrecht, 2009, p. 168. Anota,
o Autor, que esse elemento volitivo deve ser delimitado, na medida em que não se confunde com
qualquer característica da consciência, ou posicionamento emocional do agente.
1454. Neste sentido: BUNG, Jochen. Wissen und Wollen im Strafrecht, 2009, p. 165.
1455. Assim, quem quer o objetivo aprova, necessariamente, e quer o meio. Wissen und Wollen
im Strafrecht, 2009, p. 270.
1456. BUNG, Jochen. Wissen und Wollen im Strafrecht, 2009, p. 164.
1457. Fernanda Palma reconhece, em tais casos, nos quais a tomada do risco do resultado seja
uma “condição inultrapassável do resultado” (exemplo do incêndio da casa, com morador presente,
para obtenção do prêmio do seguro, sem que o agente saiba se o resultado morte ocorrerá), uma
intenção referente ao resultado. Caso, contudo, não haja esta conexão entre o risco e o fim da ação,
não se pode reconhecer, para a Autora, o dolo. Veja-se: Direito Penal – Parte Geral, 2013, pp.
114-115.
1458. Criticamente, no tocante a um “querer condicional” (para o caso de que/ na eventualida-
de), que somente se positiva caso o resultado ilícito se verifique: STUCKENBERG, Carl-Friedrich.
Vorstudien zum Vorsatz und Irrtum, 2007, p. 260.
PARTE IV – ANALÍTICA DO DOLO: ELEMENTOS E FORMAS DO DOLO 299

esta estiver vinculada com a conclusão, de que o resultado buscado pelo agente
também não ocorrerá1459.
De toda sorte, é de se ressaltar que através da estrutura do silogismo prático
se verifica uma cortante e clara distinção entre motivação e fundamentos da
ação. Em uma palavra: a intencionalidade resulta da relação meio-fim (um-zu
Relationen), e não dos motivos da ação1460.
Assim, quem está convencido de que o emprego de um determinado meio
conduzirá ao resultado, então este meio, se empregado, também é querido1461,
como o é o resultado possível a ele conectado, em termos de relação de risco.
Mesmo o sujeito mais indiferente emocionalmente quer que seu plano de ação
funcione1462. Este o sentido da vontade comparativa/normativa (Lieber-Wollen-
-als)1463: não uma vontade incondicional, mas sim uma vontade condicionada
(à luz do resultado buscado, e do risco à ele associado, que pode acarretar o
resultado ilícito).
A proposta de fundamentar o elemento volitivo na base estrutural do silogis-
mo prático, e considerando-se a vontade no sentido extrovertido (de interpretação
dos fundamentos da ação) e não psicológico (enquanto propósito subjetivo),
parece a mais convincente dentre todas as analisadas até aqui, conduzindo à
atribuição do dolo segundo padrões objetivos de racionalidade.
Contudo, a análise da ação, em uma estrutura de intencionalidade objetiva,
não implica em comprovar a autonomia da vontade especificamente para a im-
putação do dolo, nem tampouco a conferir-lhe o mesmo peso do conhecimento.
Como já visto, a intencionalidade não se separa da ação, antes constitui uma sua
interpretação, a partir de determinada perspectiva, com base em conhecimentos
e objetivos do agente1464. Não se justifica, portanto, ao plano da imputação,

1459. Neste sentido: BUNG, Jochen. Wissen und Wollen im Strafrecht, 2009, p. 208. Para o
Autor, esta relação de preferência comprova que o elemento volitivo do dolo eventual não contém
nada de artificial, na medida em que a ocorrência do resultado ilícito é mais desejável do que sua
ausência, no caso de que esta ausência esteja vinculada à não ocorrência do próprio resultado buscado
pelo agente.
1460. Assim: KÜPPER, Georg. Grenzen der normativierenden Strafrechtsdogmatik, 1990, p.
71. O sujeito atira contra a vítima para matá-la. Esta é a estrutura intencional da ação. O motivo do
homicídio, qual seja, a vingança, lhe dá sentido, mas não esclarece a estrutura da ação. Aproxima-
damente: KINDHÄUSER, Urs. Vorsatz als Zurechnungskriterium. ZStW 96 (1984), p. 22.
1461. “Quem mata e sabe que mata, quer matar”. HRUSCHKA, Joachim. Strafrecht nach
logisch-analytischer Methode, 1988, p. 435-436. Analogamente: PUPPE, Ingeborg. Vorsatz und
Zurechnung, 1992, p. 41 e 74.
1462. Neste sentido: BUNG, Jochen. Wissen und Wollen im Strafrecht, 2009, p. 169.
1463. Assim: BUNG, Jochen. Wissen und Wollen im Strafrecht, 2009, p. 184. Nas palavras do
Autor: “Pode-se dizer: sob a condição de que ele, em caso contrário, deveria se abster da realização
do plano, é ao autor preferível a entrada do resultado ilícito e, portanto, ele também finalmente atua”.
1464. Veja-se: KINDHÄUSER, Urs. Vorsatz als Zurechnungskriterium. ZStW 96 (1984), p.
31.
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separarar/autonomizar a vontade, como se fora algo causal ou independente: não


há uma vontade distinta do fundamento para atuar e este fundamento não é uma
entidade empírica qualquer, mas sim algo interpretado pelo próprio agente e/ou
por um observador externo. No caso doloso, especialmente do dolo eventual,
ainda que se considere a “vontade extrovertida”, esta é algo atribuído em face dos
conhecimentos do agente e da ação realizada, em uma lógica intencional-objetiva,
e não psicológico-subjetiva. E é assim, neste quadro, que o «conformar-se” da
legislação portuguesa pode, e deve, ser considerado, com algum sentido.
A nota essencial do dolo é a comunicação, entre pessoas racionais, da
negativa de reconhecimento recíproco, mediada pelo ataque direto à norma. A
questão está em saber o que sua ação – em si mesma sempre voluntária – ex-
pressou, em confrontação com a norma de dever1465. O que conduz a afirmar o
dolo não é a conclusão de que o resultado coincide com a vontade, mas sim que
a ação traduz que o agente não tomou a norma como relevante1466, embora com o
conhecimento suficiente para fazê-lo, e expressou, com isso, sua concordância/
conformação com o resultado ilícito.

1.3. Balanço
Na perspectiva aqui defendida, o que importa averiguar é se o agente,
quando da ação, tinha conhecimento sobre um perigo proibido e qualificado
(perigo doloso / perigo desprotegido) – “um conhecimento normal sobre um
objeto especial”1467 -, ou ainda se desconhecia algo em face do não atendimento
da própria incumbência, em uma situação de completa indiferença ao Direito,
renunciando-se a qualquer tipo de posicionamento emocional do sujeito perante
o resultado1468.
A vontade, enquanto propósito, não implica, necessariamente, em domínio/
controle. Não pode, portanto, nem servir de fundamento suficiente para o dolo,
nos casos de evidente falta de domínio1469 (contaminação proposital com HIV
através de uma relação sexual convencional, verbi gratia), nem isentar do dolo,
nos casos em que o domínio se faça obviamente presente1470, mas o agente,

1465. Neste sentido: HSU, Yu-An. Doppelindividualisierung und Irrtum, 2007, p. 170.
1466. Também neste sentido: STUCKENBERG, Carl-Friedrich. Vorstudien zum Vorsatz und
Irrtum im Völkerstrafrecht, 2007, p. 428. JAKOBS, Günther. Das Schuldprinzip, 1993, p. 23.
1467. Vorsatz und Risiko, 1983, p. 342.
1468. Neste sentido: PAWLIK, Michael. Das Unrecht des Bürgers, 2012, p. 381.
1469. De acordo: PAWLIK, Michael. Das Unrecht des Bürgers, 2012, p. 381, n.r.716.
1470. Um exemplo elaborado por Luís Greco é interessante para ilustrar a situação: o namorado
abandonado, para se vingar, decide estrangular a vítima até que perca a consciência. Ele não está
seguro sobre se a vítima sobreviverá e pensa: se ela não acordar mais, paciência. A vítima, contudo,
em face da intensidade do estrangulamento, falece. A doutrina tradicional poderia reconhecer, aqui,
o dolo eventual, na medida em que o sujeito levou a sério o resultado e o aceitou em certa medida.
Contudo, em uma outra situação, o mesmo sujeito decide apenas deixar a vítima inconsciente para
PARTE IV – ANALÍTICA DO DOLO: ELEMENTOS E FORMAS DO DOLO 301

emocionalmente, rejeite internamente/desaprove o resultado1471, em que pese


a gritante perigosidade (por ele conhecida) da ação1472. O problema normativo
subjacente às perspectivas volitivas, nesse âmbito, é algo evidente: de um lado,
ao autonomizar a posição emocional do sujeito perante o resultado, e para se
aplicar de modo consequente, deveria conduzir ao afastamento do dolo em
hipóteses de perigos grotescos para o objeto de proteção da norma, e nem a
jurisprudência1473, nem a doutrina, parecem dispostos a ir tão longe1474.
O que está em jogo não é saber se o agente quis produzir o resultado ilíci-
to1475, em termos de “propósito”, nem também se confiou, ou não, em uma boa
saída1476, mas sim se ele deixou de se motivar pela norma de comportamento,
embora racional e razoavelmente precisasse reconhecer que sua ação implicava
em um perigo proibido qualificado para o bem jurídico protegido1477, renun-
ciando-se a um elemento autônomo que indique um posicionamento emocional
do agente perante o fato1478.

que possa transportá-la a um lugar ermo e estuprá-la. A vítima, contudo, também falece. Não era
isso o que o autor queria, até mesmo porque a meta era o estupro. Mas possuía, o autor, o domínio,
em termos de conhecimento, de que o estrangulamento poderia conduzir à morte. Nesta última situa-
ção, a autonomizar-se o elemento volitivo, o dolo deveria necessariamente ser negado pela doutrina
majoritária. Roxin, por exemplo, se veria obrigado e reconhecer a negligência consciente, uma vez
que o “plano” do autor era outro. A pergunta é: se afigura normativamente consequente afirmar o
dolo no primeiro caso e negá-lo no segundo, uma vez que o domínio do fato era o mesmo? Veja-se:
GRECO, Luís. Dolo sem vontade, 2009, p. 895 e ss.
1471. A pergunta se apresenta é esta: se dá uma ação não dolosa, embora haja conhecimento
da possibilidade de lesão? No sentido negativo, mas com exigências concentradas ao conhecimento,
que não pode ser abstrato ou simplesmente racional: KARGL, Walter. Der strafrechtliche Vorsatz
auf der Basis der kognitiven Handlungstheorie, 1993, p. 32 e ss.
1472. Neste sentido, também: PAWLIK, Michael. Das Unrecht des Bürgers, 2012, pp. 377-
-378. Aponta, o Autor, que uma autonomização do elemento volitivo deveria conduzir à negação
do dolo nos casos em que o sujeito conhece a perigosidade de seu comportamento mas, em uma
sobrevalorização de sua capacidade de controle, acredita que tudo correrá bem. Isso, do ponto de
vista normativo, seria injustificado.
1473. Conforme se viu no julgamento do “caso da correia de couro”.
1474. Se o motorista realiza um risco proibido intenso, e o tem diante dos olhos, para chegar
mais cedo ao trabalho, há negligência; se realiza o mesmo risco, mas para assegurar a fuga, há dolo.
Isso porque, nos exemplos, a posição do motorista perante os valores normativos seria distinta. O
perigo desta solução é evidente, pois conduz à manipulação do conceito segundo valorações altamente
subjetivas. Veja-se, criticamente: WALTER, Tonio. Der Kern des Strafrechts, 2006, p. 179.
1475. Inclusive com indevidas modificações acerca do nível de exigência do conhecimento e
mesmo da qualidade do perigo para a intenção, como procede a doutrina majoritária, que parte do
dolo direto de primeiro grau como protótipo. Cf. PAWLIK, Michael. Das Unrecht des Bürgers,
2012, p. 380, nota 716.
1476. Como já decidiu o próprio BGH (NJW 1968, 660), se o acusado previu que o policial,
com o atropelamento, poderia morrer, não podia confiar na boa saída, mas sim ter apenas esperança
nesta. Esta simples esperança da ausência do resultado, contudo, não afasta o dolo homicida.
1477. Assim, corretamente: PAWLIK, Michael. Das Unrecht des Bürgers, 2012, p. 380.
Também: WALTER, Tonio. Der Kern des Strafrechts, 2006, p. 180.
1478. Daí que a intenção não pode compensar a falta de conhecimento, transmudando uma
situação objetivamente não perigosa e cognitivamente deficitária, em um caso de dolo. Assim: PAW-
302 WAGNER MARTELETO FILHO

Destaque-se que não se postula a negação da relevância do elemento volitivo


tal qual, na medida em que a voluntariedade é um pressuposto de qualquer ação
(da dolosa ou negligente), no âmbito da imputação ordinária, e que a vontade
extrovertida, enquanto conceito disposicional, é um dado essencial do conceito
intencional de ação1479, representando seus fundamentos, em termos analíticos,
e pode bem servir para a qualificação da ação como uma ação de certo tipo.
No caso do dolo necessário ou direto de segundo grau, a superfluidade do
elemento volitivo se apresenta clara1480. A segurança do conhecimento acerca
da presença da circunstância típica ou sobre a entrada do resultado ilícito dis-
pensa indagações acerca do querer, seja no sentido psicológico estrito, seja em
termos de um certo posicionamento emocional do agente perante o fato (que,
em face do conhecimento seguro, perde qualquer autonomia, sendo desde logo
adscrita a conformação). E ainda que se pretenda afirmar que a realização da
ação nestes casos torna implícito o querer, não se pode escapar da navalha de
Occam: o querer, aqui, não cumpre função alguma; não tem autonomia; é um
apêndice sem função (Funktionlos)1481.
No caso do dolo eventual, não para a legislação alemã nem para a brasileira,
mas sim para a legislação portuguesa, há, de fato, referência à “conformação”,
que é amplamente identificada como a posição volitiva1482. Mas mesmo aqui, nada
conduz a tomar essa expressão legal em um sentido restrito de “posicionamento
emocional”, em uma chave de leitura psicológica. Ao contrário, parece de todo
justificado considerar o “conformar-se” em um sentido puramente disposicional
e atributivo, em uma lógica do agir intencional, que se adscreve em face do
contexto da ação e da dimensão do risco realizado pelo agente.
Ao fim e ao cabo, a vontade, aqui, só tem lugar em um sentido extrovertido,
não-psicologizado, relacionado à estrutura da intencionalidade1483, e enquanto
um conceito disposicional, não assumindo o mesmo «peso» do dado intelectual
para a identificação do dolo.

LIK, Michael. Das Unrecht des Bürgers, 2012, p. 381. Também: RINCK, Klaus. Der zweistufige
Deliktsaufbau, 2000, p. 373. KINDHÄUSER, Urs. Vorsatz als Zurechnungskriterium. ZStW 96
(1984), p. 1.
1479. Veja-se Parte II, supra. Veja-se, ainda: FRISCH, Wolfgang. Vorsatz und Risiko, 1983,
pp. 301, 378 e 495. Também: HRUSCHKA, Joachim. FS-Kleinknecht, 1985, p. 436.
1480. O que pode se imputar, neste caso, é que o sujeito não se motivou pela evitação do resul-
tado ilícito, tomado por ele como certo. E há, portanto, quem identifique aqui o elemento volitivo no
sentido negativo (da falta de motivação). Assim: HSU, Yu-An. Doppelindividualisierung und Irrtum,
2007, p. 169. Para o Autor, trata-se de um vontade que pode esclarecida através da deslealdade ao
Direito.
1481. Corretamente: WALTER, Tonio. Der Kern des Strafrechts, 2006, p. 186.
1482. PALMA, Maria Fernanda. Direito Penal – Parte Geral, 2019, p. 138.
1483. Proximamente: PALMA, Maria Fernanda. Direito Penal – Parte Geral, 2019, p. 132, a
postular por uma reequacionação que aproxime a definição do dolo à racionalidade do agir intencional.
PARTE IV – ANALÍTICA DO DOLO: ELEMENTOS E FORMAS DO DOLO 303

Disputar se há possibilidade de se referir ao elemento volitivo ao plano


conceitual parece uma empreitada estéril e nominalista, caso se percam os re-
ferenciais semântico e, especialmente, normativo. Parece superada a questão,
ao menos desde o precedente da “correia de couro”, de que o querer não se
interpreta em um sentido psicológico, nem tampouco da linguagem cotidiana,
enquanto propósito, e sim em um “sentido jurídico”. No sentido atributivo, nada
impede, para a explicação da ação, em uma linguagem intencional (objetiva),
que se conceda que o agente, enquanto sujeito racional, só aplica uma “estra-
tégia idônea que pode conduzir ao resultado” (Puppe), ou só realiza um perigo
desprotegido, quando “se conforma com ele”. E é apenas neste sentido restrito
e analítico, sem autonomia, que se admite, na perspectiva desta investigação, a
integração do componente volitivo ao conceito de dolo.

2. Sobre o elemento intelectual: nihil volitum nisi cognitum?

Na contundente sentença de Jakobs, que bem cabe aqui à guisa de introito:


“para se fazer algo com o mundo, há que conhecer o mundo”1484.
Se a disputa acerca do elemento volitivo do dolo é intensa, quanto ao ele-
mento intelectual há quase unanimidade no sentido de sua exigência1485, ainda
que existam pontos de conflito, especialmente no que toca à cegueira perante

1484. Sobre la normativización de la dogmática jurídico-penal, 2003, p. 82.


1485. Veja-se, há mais tempo, com múltiplas referências: ENGISCH, Karl. Untersuchungen
über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht, 1995, p. 132. MAYER, Max Ernst. Der allgemeine
Teil des deutschen Strafrechts. 2. Aufl. Heidelberg: Carl Winters, 1923, p. 259. CORREIA,
Eduardo. Direito criminal, 1968, p. 368. Contemporaneamente: GEPPERT, Klaus. Abgrenzung von
bedingtem Vorsatz und bewusster Fahrlässigkeit. JURA 11 (1986), p. 610. PUPPE, Ingeborg. Der
Vorstellungsinhalt des Dolus Eventualis. ZStW 103 (1991), p. 37. KINDHÄUSER, Urs. Vorsatz
als Zurechnungskriterium. ZStW 96 (1984), p. 18, sob a base do controle da ação, que pressupõe o
conhecimento (somente quem sabe jogar xadrez pode reagir ao movimento do oponente). FRISCH,
Wolfgang. Vorsatz und Risiko, 1982, pp. 31 e 102. HENN, Arne. Der subjetktive Tatbestand der
Straftat – Teil 1: Der Vorsatzbegriff. JA, 10 (2008), p. 703. Também: SCHÜNEMANN, Bernd. FS-
Hirsch, 1999, p. 367. KÖHLER, Michael. Die bewusste Fahrlässigkeit, 1982, p. 19. HSU, Yu-An.
Doppelindividualisierung und Irrtum, 2007, p. 152, citando outras referências. WALTER, Tonio. Der
Kern des Strafrechts, 2006, p. 186. BRAMMSEN, Joerg. Inhalt und Elemente des Eventualvorsatzes
– Neue Wege in der Vorsatzdogmatik? JZ 2 (1989), p. 71. SAFFERLING, Christoph J.M. Vorsatz
und Schuld, 2008, p. 187. SCHROTH, Ulrich. Vorsatz als Aneignung, 1994, p. 102, a apontar que
a falta de consenso se dá no que toca ao tipo específico de conhecimento se deve exigir, notadamente
para o dolo eventual. Em Portugal, veja-se, mais recentemente: PALMA, Maria Fernanda. Casos e
materiais de direito penal, 2009, pp. 73 e 76, no sentido de que se o conhecimento do risco concreto
ou, ao menos, uma impossibilidade de um seu desconhecimento. COSTA, José de Faria. Direito
penal. Lisboa: Imprensa Nacional, 2017, §§87; 90, pp. 402-403. Na Itália: ANTOLISEI, Francesco.
Manuale di diritto penale. Parte generale, 2000, p. 353. No Brasil, por todos: VIANA, Eduardo.
Dolo como compromisso cognitivo. São Paulo: Marcial Pons, 2017, p. 179. Na jurisprudência recente
e enfaticamente, veja-se: BGH 4 StR 399/17, 8; 1 StR 351/16.
304 WAGNER MARTELETO FILHO

os fatos1486 decorrente da indiferença ao Direito. Aplica-se, então, a parêmia:


Nihil volitum nisi praecognitum1487.
Isso decorre, primeiro, de que geralmente se admite como pressuposto para
a justificação da punição mais intensa e extensa do dolo que o agente realize o
comportamento proibido na compreensão de sua dimensão típica1488, uma vez
que aquele sujeito que não conhece o sentido de seu fato1489 não possui motivo
algum para se abster da ação1490, nem tampouco controle do processo, e nem
escolha1491. Ao contrário, o agente que sabe o que faz, situa seu interesse no
empreendimento da ação acima do bem jurídico protegido no tipo1492 e decide-se
a partir de outra medida daquela definida na lei1493. Além disso, o conhecer é
tido como um pressuposto do querer1494, o que confere ao elemento intelectual,

1486. Sobre a discussão na dogmática mais contemporânea, confira-se: RINCK, Klaus. Der
zweistufige Deliktsaufbau, 2000, p. 378 e ss.
1487. STUCKENBERG, Carl-Friedrich. Vorstudien zum Vorsatz und Irrtum im Völkerstraf-
recht, 2007, p. 283. Sob a perspectiva da filosofia analítica, aponta-se que só faz sentido falar em
intenção ou querer caso o agente se considere capaz, em face de seus conhecimentos e meios, de
realizar o objetivo. Por exemplo, o caçador que se encontra com o rifle descarregado à mão e sem
munições adicionais, ao visualizar um pássaro a voar, pode mesmo “desejar” atingi-lo, mas não faz
qualquer sentido afirmar que ao mirar ele “quer”, ou “tem a intenção de”, atingi-lo. O querer, a
intenção, assim, pressupõem o conhecimento e a capacidade, ou seja, o elemento cognitivo. Sobre
isso, e ainda acerca do referido exemplo, no plano da filosofia analítica: WRIGHT, Georg Henrik
v. Explanation and Understanding, 2012, p. 102-103.
1488. Veja-se: FRISCH, Wolfgang. Vorsatz und Risiko, 1983, pp. 33; 169. FREUND, Georg.
AT, 2009, §7, n.m. 41, pp. 271-272. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Tomo
I, 2012, p. 352. Esclarece, o último Autor, que apenas o conhecimento pode servir de orientação à
consciência ética acerca do desvalor da ilicitude. Op. cit. p. 355 (quanto ao erro sobre a factualidade
típica) e 366 (quanto ao erro sobre a proibição). BUSATO, Paulo César. Direito penal, parte geral.
3 ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 613. E em referência ao plano intelectual no tocante à mens rea,
do Direito anglossaxônico, veja-se: ASHWORTH, Andrew. Principles of criminal law. (4ª ed.).
Oxford, 2003, p. 157.
1489. Sobre a questão do erro e a exclusão do dolo, no Direito Romano, em face de o dolo
ser considerado como sendo um “fato”, veja-se, há mais tempo: SAVIGNY, Friedrich Karl. System
des heutigen römischen Rechts. Band 3, 1981, p. 388.
1490. RÖNNAU, Thomas. Der Irrtum und seine Rechtsfolgen. JuS 2004, 668.
1491. Daí a classificação do comportamento em erro, por Aristóteles, como “não-livre”. Sobre
isso, veja-se apenas: STUCKENBERG, Carl-Friedrich. Vorstudien zu Vorsatz und Irrtum, 2007, p.
442, n.r.2388.
1492. OTTO, Harro. AT, 2004, §7, n.m. 5, p. 76. Também: DIAS, Jorge de Figueiredo.
Direito Penal – Parte Geral. Tomo I, 2012, p. 375.
1493. FRISCH, Wolfgang. Vorsatz und Risiko, 1983, p. 103. A associar o pressuposto “racional-
-valorativo” (Wertrationalität) da punição qualificada do dolo a uma falha pessoal elevada (gesteigerte
personale Fehlleistung), como um dado de responsabilidade pessoal pelo fato.
1494. Veja-se: LOENING, Richard. Die Zurechnungungslehre des Aristoteles, 1903, p. 168.
Toma, o Autor, o conhecimento como uma disposição interna da alma, a representação como “repre-
sentação do querido”, e do curso da ação, especialmente do resultado. Sobre isso, e em análise crítica
do pensamento de Loening, veja-se: KORIATH, Heinz. Grundlagen strafrechtlicher Zurechnung,
1994, p. 107. Veja-se ainda, a associar a vontade de realização à representação do objetivo, bem
como a apontar para a indissociabilidade das categorias da razão, da vontade, da responsabilidade,
da culpa, da norma e do próprio livre-arbítro (este como condição de possibilidade): HARDWIG,
PARTE IV – ANALÍTICA DO DOLO: ELEMENTOS E FORMAS DO DOLO 305

quando menos, um caráter prevalente em face do controvertido elemento voli-


tivo1495. Teleologicamente, sustenta-se que o conhecimento induz ao controle e
à evitabilidade facilitada, se comparado à situação do atuar negligente.
Segundo Jorge de Figueiredo Dias, o agente precisa conhecer (no sentido
pisicológico) tudo o que seja necessário a “uma orientação de sua consciência
ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada,
para o seu caráter ilícito”1496.
Mas qual é, afinal, o significado do conhecimento? Trata-se de um dado
empírico, descritivo, ou também, no limite, de uma atribuição, baseada na
interpretação racional do comportamento? Em que sentido deve ser exigido o
conhecimento1497 como elemento necessário para a integração do dolo1498? O que
é, e o que integra, a consciência, e em que intensidade esta deve estar presente
no momento da ação? O agente precisa realmente conhecer todos os detalhes
do comportamento, inclusive do nexo causal, para que se positive o elemento
cognitivo? O desconhecimento, independentemente de seus fundamentos, é sem-
pre de se considerar um caso de erro, a conduzir à inevitável exclusão do dolo?
Nesse ponto, cumpre repisar que os conceitos possuem componentes
descritivos, os quais, no caso específico do dolo, se relacionam com estados
mentais1499, o que conduz à abertura de um diálogo com ciências afins. O que
importa, contudo, é acentuar e insistir em que “apenas a ciência penal pode
decidir sob, e em que medida, os conhecimentos da psicologia científica podem
ter significado”1500. O conhecimento é, também ele, um conceito funcional, cujo

Werner. Die Zurechnung. Ein Zentralproblem des Strafrechts. Hamburg: De Gruyter, 1957, pp.
169-170. Na literatura portuguesa, por todos: FERREIRA, Manuel Cavaleiro de. Direito penal
português, 1981, p. 460 e ss.
1495. SATZGER, Helmut. Der Vorsatz – einmal näher betrachtet. JURA 30 (2008), p. 113.
1496. Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2012, pp. 351 e 549. Proximamente, no sentido de
que o julgamento fático, a aceitação da presença de fatos e circunstâncias típicas, é pressuposto para
o julgamento sobre a ilicitude do referido fato (enquanto posterius): HRUSCHKA, Joachim. Wieso
ist eingentlich die “eingeschränkte Schuldtheorie” “eingeschränkt”? In: SCHÜNEMANN, Bernd
et al. (Hrsg.). Festschrift für Claus Roxin, zum 70.Geburstag am 15. Mai 2001. Berlin: Walter de
Gruyter, 2001, p. 449.
1497. Em uma ampla crítica da doutrina tradicional, e a tentar uma aproximação com a psico-
logia para configurar o “conhecimento emocional”, veja-se: KARGL, Walter. Der strafrechtliche
Vorsatz, 1993, pp. 30 e ss.
1498. A observar que o conhecimento, como dado psicológico, não pode ser um pressuposto
direto da imputação subjetiva, veja-se: HSU, Yu-An. Doppelindividualisierung und Irrtum, 2007,
p. 161.
1499. A sustentar que o conhecimento do dolo do tipo deve ser considerado como sendo uma
consciência psicológica, veja-se: DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Tomo I,
2012, p. 351.
1500. STUCKENBERG, Carl-Friedrich. Vorstudien zu Vorsatz und Irrtum im Völkerstrafrecht,
2007, pp. 109 e 382. Corretamente, assinala o Autor que o conceito de dolo não pode se restringir
à compreensão psicológica dos componentes “conhecimento” e “vontade”.
306 WAGNER MARTELETO FILHO

significado somente pode se apresentar em um contexto normativo, ou seja, não


como um “fato bruto”1501.
Há, assim, que se conceder inteira razão a Frisch: o conhecimento, enquanto
elemento do dolo, é um “conceito-função” (Funktionsbegriff), ou seja, ele tem
a função de separar casos de uma responsabilidade mais intensa e extensa, de
outros, que ou bem são penalmente indiferentes, ou bem são punidos menos
intensamente1502.
De um lado, por mais que a explicação de um comportamento humano
seja plausível, as ciências normativas não podem fornecer às empíricas qualquer
instrução; por outro lado, a ciência jurídica também não pode dispensar uma
decisão normativa, sob o argumento simplista de que a questão se resolve à luz
da “psicológica natureza da coisa”, ou seja, da ontologia. Mas se cada uma das
descrições da ação pode partir de uma perspectiva/linguagem própria, e se cada
qual não possui qualquer expectativa de verdade em outro plano de descrição,
isso não significa que não possam se influenciar1503.
Essa abertura para outros sistemas não deve afastar o pensamento essencial.
É preciso ter em mente os fundamentos do conhecimento e do desconhecimen-
to, na medida em que o último, quando derivado de uma atitude de completo
desinteresse perante a norma, pode desvelar a hostilidade ao Direito que não
apenas não exonera como também pode justificar a imputação dolosa1504, o que
é pacífico no que concerne ao conhecimento da ilicitude e disputado, contem-
poraneamente, no que se refere ao tipo/factualidade típica1505.
Com efeito, se a problemática dos déficits de conhecimento, foi, e é
ainda, muito explorada pela doutrina ao plano da culpabilidade (ou seja, do
conhecimento da ilicitude)1506, no que concerne ao “dolo do tipo”/dolo-do-fato,
provavelmente em face da assunção quase incontroversa da necessidade do ele-
mento cognitivo (e mesmo no sentido psicológico)1507, o tema carece de novos

1501. HEUCHEMER, Michael. Erlaubnistatbestandsirrtum, 2005, p. 284.


1502. FRISCH, Wolfgang. Vorsatz und Risiko, p1983, pp. 34 e 168.
1503. Assim: STUCKENBERG, Carl-Friedrich. Vorstudien zu Vorsatz und Irrtum im Völker-
strafrecht, 2007, p. 110-111. E complementa, o Autor: “É de igual modo equivocado, ignorar desde
logo os conhecimentos psicológicos, como transferir a eles competência para a definição e solução
de problemas jurídicos”. Op. cit. p. 117.
1504. Neste sentido: PAWLIK, Michael. Das Unrecht des Bürgers, 2012, p. 397.
1505. Neste sentido, atualmente: JAKOBS, Günther. Gleichgültigkeit als dolus indirectus. ZStW 114
(2002), p. 584. Também: HEUCHEMER, Michael. Erlaubnistatbestandsirrtum, 2005, pp. 294-295.
1506. Vejam-se, por exemplo, com perspectivas distintas, os seguintes trabalhos: MANSO-
-PORTO, Teresa. Normunkenntnis aus belastenden Gründen, 2009. GONZÁLEZ-RIVERO, Pilar.
Strafrechtliche Zurechnung bei Defektzuständen, 2001. JAKOBS, Günther. Das Schuldprinzip, 1993.
1507. Acerca de dispensas pontuais do conhecimento, nos casos excepcionais de strict liability,
que geralmente tem por objeto delitos de bagatela e contravenções, veja-se: STUCKENBERG, Carl-
-Friedrich. Vorstudien zu Vorsatz und Irrtum, 2007, pp. 445, 448 e ss.
PARTE IV – ANALÍTICA DO DOLO: ELEMENTOS E FORMAS DO DOLO 307

desenvolvimentos e problematizações, sobretudo face às recentes abordagens


essencialmente normativistas, por Autores como Heiko Lesch, Günther Jakobs,
Michael Heuchemer, Klaus Rinck, Michael Pawlik, Teresa Manso-Porto, Yu-
-An Hsu, dentre tantos outros.
Os problemas principais a tratar, neste tópico, são, portanto e no essencial,
os seguintes: a) a espécie do conhecimento; b) a intensidade do conhecimento
(consciência atenta ou co-consciência/amortecida); c) a extensão do conhecimento
(tipo objetivo ou norma de comportamento pressuposta); d) a simultaneidade/
/congruência do conhecimento (problemática dos desvios causais); e) a avaliação
do risco conhecido segundo parâmetro subjetivo-individual ou objetivo (“pri-
meiro nível de normativização”); f) a normativização integral do conhecimento,
equiparando-se, sob determinados pressupostos, os erros sobre a factualidade
típica e sobre a ilicitude1508, bem ainda inserindo-se no âmbito do dolo o desco-
nhecimento por indiferença (“segundo nível de normativização”).

2.1. Principais nódulos problemáticos do elemento intelectual


O conhecimento, como corretamente aponta Stuckenberg1509, na dogmáti-
ca penal e também na linguagem cotidiana, se considera geralmente de modo
estático: ele pode ser adquirido; ser algo atualmente presente; pode ser esque-
cido, ou pode sempre ser chamado à lembrança, para que se torne disponível
na atualidade. Em termos de imputação subjetiva (do dolo ou da culpa), o que
se pergunta, essencialmente, é o que agente, ao momento da ação ou omissão
típica, sabia ou podia saber.
Quanto à espécie do conhecimento, de lege lata, a doutrina majoritária de-
fende, como já se viu acima, que no que se refere às circunstâncias elementares
do tipo, à factualidade típica (“dolo do tipo”), não pode este ser meramente
potencial – como se dá no que concerne à consciência da ilicitude enquanto
pressuposto da culpa – devendo ser um conhecimento efetivo e atual1510, ainda que
ao modo de uma co-consciência (Mitbewusstsein) ou consciência “amortecida”.
É tida como uma decorrência direta da “teoria (normativa) da culpabilidade”1511

1508. Veja-se: PAWLICK, Michael. Das Unrecht des Bürgers, 2012, pp. 308; 310-311.
1509. Vorstudien zu Vorsatz und Irrtum im Völkerstrafrecht, 2007, p. 283.
1510. Dentre muitos: OTTO, Harro. AT, 2004, §7, n.m. 5, p. 76. Também: KÜHL, Kristian.
AT, 2012, §5, n.m.9, p. 81. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte Geral. Tomo I,
2012, p. 355. E ainda mais recentemente: KUHLEN, Lothar. Vorsätzliche Steuerhinterziehung trotz
Unkenntnis der Steuerpflicht? In: ALBRECHT, Peter-Alexis et al. (Hrsg.). Festschrift für Walter
Kargl zum 70. Geburstag. Berlin: Berliner Wissenschaft, 2015, p. 297.
1511. Veja-se, sobretudo, o julgado do BGH, BGHSt, 2, 194, 208, que rompe com a tradição
da “teoria do dolo”, e passa a distinguir entre o erro sobre o tipo e sobre a proibição. A oposi-
ção entre “teoria da culpabilidade” e “teoria do dolo”, a última no sentido de que o dolo inclui a
consciência da ilicitude, é atribuída, no sentido classificatório, a Welzel, no artigo Der Irrtum über

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