Infâncias Crianças Diversidade e Perspectivas de Inclusão

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 160

Infâncias, crianças, diversidade e

perspectivas de inclusão

Organizadoras
Angela Maria Araújo Leite
Elizete Santos Balbino
Maria do Socorro Barbosa Macêdo
Infâncias, crianças,
diversidade e perspectivas
de inclusão

Arapiraca/AL
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS CONSELHO EDITORIAL DO CENTRO PAULO
Reitor: Odilon Máximo de Morais FREIRE – ESTUDOS E PESQUISAS
Vice-Reitor: Anderson de Almeida Barros Agostinho da Silva Rosas – UPE
Diretor da Eduneal: Renildo Ribeiro e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Alder Júlio Ferreira Calado – FAFICA
CONSELHO EDITORIAL DA EDUNEAL e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Presidente: Renildo Ribeiro Ana Maria Saul – PUC/SP
Titulares e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Professores: Argentina da Silva Rosas – UFPE
José Lidemberg de Sousa Lopes e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
João Ferreira da Silva Neto Balduino Antônio Andreola – UFRG
Luciano Henrique Gonçalves da Silva e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Natan Messias de Almeida Inez Maria Fornari de Souza
Maria Francisca Oliveira Santos – Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Márcia Janaína Lima de Souza - Sistema de Bibliotecas Luiza Cortesão
(SIBI) Professora Emérita da Universidade do Porto, Presidente
do Instituto Paulo Freire de Portugal e Centro Paulo
Suplentes Freire – Estudos e Pesquisas.
José Adelson Lopes Peixoto Luiz Eduardo Maldonado Espitia – Universidad del
Edel Guilherme Silva Pontes Valle Cali Colombia
Maryny Dyellen Barbosa Alves Brandão e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Ariane Loudemila Silva de Albuquerque Mirian Patrícia Burgos - Centro Paulo Freire
Ahiranie Sales dos Santos Manzoni – Estudos e Pesquisas e Instituto Paulo Freire de Portugal.
Elisângela Dias de Carvalho Marques - Sistema de Zélia Maria Soares Jófili – UFRPE
Bibliotecas (SIBI) e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.

Catalogação na fonte
I43 Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão / (Organizadores) Angela
Maria Araújo Leite, Elizete Santos Balbino, Maria do Socorro Barbosa Macêdo. –
Arapiraca : Eduneal ; Centro Paulo Freire, 2021.
101 p. : il. : color (e-book).

Inclui bibliografia.
ISBN: 978.65-87824-07-9.
DOI: 10.48016/GT16Xenccult

1. Educação infantil. 2. Infância. 3. Cidadania. 4. Diversidade. 5. Inclusão.


I. Leite, Angela Maria Araújo, org. II. Balbino, Elizete Santos, org. III. Macêdo,
Maria do Socorro Barbosa, org. IV. Encontro Científico Cultural.

CDU: 37(053.2)

Elaborada por Fernanda Lins de Lima – CRB – 4/1717

Direitos desta edição reservados à


Eduneal- Editora da Universidade Estadual de Alagoas e ao Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
COMITÊ CIENTIFICO
Angela Maria Araújo Leite - UNEAL
Elizete Santos Balbino - UNEAL
Maria do Socorro Barbosa Macêdo - UNEAL
José Crisólogo de Sales Silva - UNEAL

REVISORES CIENTÍFICOS
Carla Manuella de Oliveira Santos (UNEAL)
Charles Alexander Brito Alarcon (Coordenador Pedagógico do Projeto SELVALEGRE/ Leticia - Colômbia)
Cristiane Monteiro Pedruzzi – (UNCISAL)
Eleusa Maria Passos Tenório – (SEDUC- MACEIO)
Graciele Oliveira Faustino (UNEAL)
Igor Luiz Rodrigues da Silva - Antropólogo – Doutorando (PPGAS /UFSC)
Jane Cleide dos Santos Bezerra (UNEAL)
Laura Nelly Mansur Serres (IFRS)
Maria Edney Ferreira da Silva (UNEAL)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)

MONITORES
Camila de Oliveira Barbosa
Jéssika Silva Alves
Myllenna de Oliveira Santos
Victória Augusta Araújo Leite
Roseane Abreu Ferreira
Isadora Barbosa Macedo Canuto Ferreira

Revisão ortográfica e ABNT


Elaine dos Santos - Doutora em Letras (UFSM)

Capa
Rima Produção Editorial

Diagramação
Mariana Lessa

Imagem da contracapa
Lia Menna Barreto. Jardim de Infância, (1997)
Lia Menna Barreto. Jardim de Infância, (1997) exibida na I Bienal do Mercosul - Porto Alegre RS. Imagem
extraída do site da artista. Acesso disponível em: https://liamennabarreto.blogspot.com.br/>

A criança é feita de cem.


A criança tem cem mãos cem pensamentos
cem modos de pensar de jogar e de falar.
Cem sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar.
Cem alegrias para cantar e compreender.
Cem mundos para descobrir.
Cem mundos para inventar.
Cem mundos para sonhar [...]

Loris Malaguzzi
Sumário
Prefácio................................................................................................ 8

Apresentação...................................................................................... 10

1. O que as crianças querem dizer? Encontros entre infâncias, literatura


infantil e a docência.............................................................................12
Josefa Izabel Silva Filho
Maria do Socorro Barbosa Macedo

2. Pandemia e seus impactos na educação e inclusão escolar das crianças


com deficiência: o que dizem pais e professores?.................................31
Elizete Santos Balbino
Daniela Almeida de Sousa
Jéssica Alves Inácio dos Santos
Juciara Inácio dos Santos

3. Infâncias e cidadania: desafios educacionais contemporâneos....... 43


Karla de Oliveira Santos

4. Pesquisa Colaborativa: Mediações que Fomentam Novos Saberes


e Novas Práticas.................................................................................. 50
Soraya Dayanna Guimarães Santos
Eliane Cristina Moraes de Lima
Maria Quitéria da Silva
Neiza de Lourdes Frederico Fumes

5. Educação infantil e tecnologia: reflexões contemporâneas.............. 64


Alessandra Maria Martins Gaidargi-Garutti
6. Infância e cidadania na Base Nacional Comum Curricular da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental........................................................77
Karla de Oliveira Santos
Edillânia Lúcia Gregório
Erica Dias Lima
Layra Roberta Rodrigues de Lima
Liliane Pinto de Oliveira

7. Educação Infantil no contexto campesino: diálogo entre as Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e a prática lúdica no
semiárido alagoano............................................................................. 86
Jaklane de Abreu Santos
Jaciara de Abreu Santos
Conceição Maria Dias de Lima

8. Rodas de conversa: uma estratégia para a interlocução com a


dolescentes em unidades de internação............................................ 103
Ada Rízia Barbosa da Silva

9. Os gêneros textuais no desenvolvimento de crianças de 4 e 5 anos


na Educação Infantil.......................................................................... 115
Maria Janailma Barbosa Silva Tavares
Maria Margarete de Paiva

10. Múltiplas Inteligências: Análise de um Livro Didático


da Educação Infantil......................................................................... 130
Beatriz Rodrigues Guimarães Barros
Inalda Maria Duarte de Freitas
Mariana Soares Araújo de Souza

11. Jogos com regras: brincando e aprendendo................................. 140


Claudiene Cordeiro Leandro Bispo
Leopoldo Oscar Briones Salazar
José Eronildo de Melo
Maria Sizino de Lira
José Saraiva dos Santos
Prefácio
Caras Leitoras e Caros Leitores,

E
ste livro é um convite para pensar as relações entre as infâncias, a inclusão e
as diversidades na atualidade. Os textos aqui reunidos foram apresentados no
X Encontro Científico Cultural (ENCCULT-on-line) e estão vinculados ao GT
16: Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão. Essas quatro noções
interrelacionam-se a partir das pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelas Professoras
Maria do Socorro Barbosa Macedo, Elizete Santos Balbino e Angela Maria Araújo Leite,
Docentes e Pesquisadoras da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) em processo de
doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS).
O GT acolheu 11 comunicações que se ocupam do tema das infâncias a partir de
diferentes abordagens, como: a literatura infantil, a docência e a interface com concepções
sobre a infância contemporânea; o impacto da pandemia na educação e inclusão escolar;
as infâncias e cidadania frente aos desafios educacionais contemporâneos; a pesquisa
colaborativa, mediando e fomentando novos saberes e novas práticas; as relações das
crianças com as tecnologias digitais de comunicação e informação; a política nacional de
educação no Brasil, a Base Nacional Comum Curricular e os seus efeitos à área de Educação
Infantil; a educação infantil no contexto campesino; o uso da leitura e da roda de conversa
como estratégia de escuta de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas;
os gêneros textuais e o desenvolvimento das crianças a partir da leitura e da escrita; o
desenvolvimento das diferentes inteligências na educação infantil; o desenvolvimento da
imaginação das crianças por meio do jogo de regras.
A partir desses temas, as autoras lançaram questões que nos desafiam a pensar as
urgências de nosso tempo. Em 2020, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou
três décadas em um contexto de retrocessos: somente nesse ano, doze crianças morreram
baleadas no Rio de Janeiro (estado brasileiro que caracteriza o fracasso da democracia,
das políticas públicas e do Estado de Direito). No Recife, Miguel Otávio Santana da Silva,
de apenas cinco anos, caiu do 9º andar de um prédio enquanto a mãe, uma empregada
doméstica, trabalhava alguns andares abaixo. No Espírito Santo, uma menina de 11 anos
foi vítima de estupro, engravidou e a interceptação da gestação a expôs a um conjunto de
outras violências sociais e de Estado. Com a pandemia da COVID-19, as desigualdades foram
acentuadas e a fragilidade das políticas para as infâncias brasileiras ganhou visibilidade em
todo o território nacional.
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Em meio a esse cenário, os textos aqui reunidos foram escritos, apresentados e


constituem-se como documentos do tempo presente, estão cheios de vestígios sobre a maneira
como construímos uma certa maneira de pensar as relações entre a criança, enquanto sujeito
de direitos, e a sociedade. A aprovação da Lei nº 8.069/1990 instituiu o ECA e demarcou
as condições básicas para o desenvolvimento integral de todas as crianças e adolescentes a
partir da instituição dos direitos fundamentais da infância e adolescência, ressignificando a
concepção sobre ser criança e sobre os modos de viver a infância no Brasil.
Ao longo de trinta anos, conseguimos avançar na afirmação do direito das infâncias
e das juventudes, principalmente na possibilidade de construção das redes de proteção
às crianças e adolescentes com a criação dos Conselhos Tutelares e das Varas da Infância
e Juventude; do acesso à educação através da universalização da educação infantil e do
ensino fundamental; da instituição de programas e serviços de enfrentamento aos maus-
tratos, abusos, exploração sexual e ao trabalho infantil; dos programas intersetoriais
de saúde, cultura, lazer e assistência, apenas para citar alguns exemplos. No entanto, a
crise político-econômica que temos vivido desde 2013 e a ruptura do pacto democrático
com o impeachment de Dilma Rousseff favoreceram o desmonte das políticas de justiça
social, inclusão e cidadania que foram instituídas com a Constituição Federal de 1988 e as
desigualdades acentuaram-se ainda mais.
Em 2020, com a pandemia da COVID-19, acompanhamos – em meio a diferentes
movimentos de resistência e enfrentamento- a desarticulação das redes de proteção das
crianças e adolescentes e a fragilidade dos direitos que haviam sido conquistados como o
acesso à educação e à segurança alimentar. Além disso, um certo rebaixamento do debate
pedagógico-curricular-educacional embaraçou as discussões e limitou-as à polarização entre
abertura e fechamento das instituições de ensino. Agora, estamos à espreita de um novo ano
sem que tenhamos elaborado estratégias para o enfrentamento dos problemas decorrentes
da pandemia e possivelmente enfrentaremos os mesmos dilemas desse ano.
Tenho insistido que essa pandemia mostrou uma ruptura nos laços civilizatórios
construídos após a barbárie vivida na primeira metade do século XX, com a Segunda Guerra
Mundial e o nazismo. Em algum momento, haveremos de reconstruir os vínculos entre as
pessoas e a democracia para restaurar os princípios garantidores da cidadania, da inclusão e
da justiça social. Nos anos 1990, o ECA foi um dos primeiros frutos da redemocratização em
nosso país, três décadas depois, ele pode vir a ser a semente de um novo amanhã que começou
a ser preparado a partir das discussões e reflexões realizadas no GT16 do X ENCCULT-on-line.
As contribuições aqui apresentadas oferecem-nos pistas para esperançar com
amorosidades um outro mundo possível a partir de perspectivas ético-política-afetivas
e epistemológicas que favoreçam a construção da cidadania por meio de uma pedagogia
voltada substantivamente para os direitos humanos como nos ensinou Paulo Freire.

Boa leitura!

Daniel Momoli
Movimento Popular Pedagógico-Escola do Povo
Jornadas em Defesas da Educação Democrática e do Pensamento de Paulo Freire

9
Apresentação

H
á um desejo de falar... uma necessidade de dizer sobre as formas em que este
trabalho foi sendo gestado e a singularidade que inaugura sua presença, num espaço
de pesquisa tão importante como o ENCCULT. Tratemos ainda da alegria que nos
conduz, mesmo em um tempo de incerteza, medo, recolhimento, espera, vida e morte, outros
trânsitos foram se estabelecendo: rotas antes [im] prováveis, como a presença de autores e
pareceristas, que, numa perspectiva de trabalho presencial, talvez não pudessem compor
esse lugar de debate, dadas às distâncias territoriais.
Nisso tudo, parece que há um elemento integrador: o tempo... este que Jaffe (2020,
s/p) lembra-nos “[...] o tempo ultrapassa nossos corpos, mas, precisa se agarrar a
eles, tomar seu tamanho e hoje meu tempo cabe exatamente em mim, o passado fui eu
que inventei”. Tomamos o tempo a partir de um passado, perto, bem perto...aquele que
fomos “inventando” junto ao doutoramento e que foi adensando uma maneira de olhar
atenta e amorosa para os sujeitos e seus modos plurais de existir. Desse encontro de três
pesquisadoras que intentam compreender as infâncias, em relevo a infância quilombola do
sertão, a formação de professores e a inclusão do sujeito com deficiência, os caminhos da
sabedoria indígena, sua resistência, sensibilidade e (in) visibilidades em práticas educacionais
no Estado de Alagoas, nasce o grupo de trabalho intitulado Infâncias, crianças, diversidade
e perspectivas inclusivas.
Marcando um lugar, onde potentes contribuições ao campo de conhecimento movem
e assumem enunciados tensionadores da diferença, da pluralidade e dos direitos sociais,
acolhidos por múltiplas perspectivas epistêmicas e metodológicas em suas investigações.
Ponderamos que, numa sociedade ultraconservadora, como a nossa, percorrer outros
caminhos favorecerá o rompimento e o reconhecimento de que os sujeitos são heterogêneos
e que, portanto, suas diferenças e singularidades representam-se como resistência aos atos
de criminalização, a que são submetidos grupos sociais como negros, indígenas, crianças,
pessoas com deficiência e outras minorias sociais.
Num processo de criação e de investigação em grupo, as interações são muitas. Mesmo
considerando o tempo como elemento problematizador desse processo e as circunstâncias
impressas em nossas vidas pela pandemia encontrarmos procedimentos coletivos para
instituir formas de perguntar, de buscar o desconhecido e de afirmar as possibilidades de
construção de novos roteiros em nossas pesquisas em educação. Dessa forma, os textos
aqui reunidos trazem reflexões importantes ao afirmarem que há um lugar coletivo a ser
ocupado pelos sujeitos, mesmo considerando que, de uma forma ou de outra, ainda há um
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

longo caminho na efetiva presença das políticas públicas em suas vidas, tais escritos trazem
muito mais que possibilidades de “entender” o que é a criança, a diferença e a inclusão
em suas formas de vida. Reúnem-se aqui escritas que tornam vivo e vibrante um debate,
que não busca respostas, mas, sobretudo, indica um movimento contínuo de perguntas,
tão importantes para que, em Alagoas, num esforço de pensar as/os diferentes, possamos
compor pensamentos, ideias, que transgridam o nosso olhar.
Por fim, ao pensar na singularidade que cada autor em seu texto imprime, colocamo-
nos numa posição de permissão para que cada texto diga o que quer falar por si só, anuncie
os seus caminhos e aponte a potência que há em sua autoria. Gostaríamos ainda de ressaltar
que a beleza de pesquisar não se resume a descrever ou enumerar as questões observadas,
mas refletir como elas nos afetam. Desse modo, Foucault, (1996, p.26) ajuda-nos a pensar
quando afirma: “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de seu retorno”.
Assim, convidamos nossos leitores e leitoras a olhar de forma atenta e problematizadora
essa construção, no sentido de instituir diálogos, ampliar sentidos e instaurar outras
relações com os sujeitos que compuseram conosco essas análises. Finalizamos assinalando
que: “Uma palavra resolveu sair para passear. Assim que pisou na calçada percebeu que
o passeio não era livre nem despretensioso. No momento em que respirou o ar da rua, se
deu conta de que estava presa a um começo e de que era, ela mesma, o começo de uma
história” (JAFF, 2016, s/p)). Portanto, para nós, essa obra é o [s] começo [s] de uma história
de descobertas, partilhas de saberes e de outros começos.

Angela Maria Araújo Leite


Elizete Santos Balbino
Maria do Socorro Barbosa Macêdo
Organizadoras

11
1

O que as crianças querem dizer? Encontros entre


infâncias, literatura infantil e a docência1
What the children want to say? Encounters between
childhoods, children’s literature and teaching
Josefa Izabel Silva Filho(¹); Maria do Socorro Barbosa Macedo(2)

(¹)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6089-8110 Graduada em pedagogia pela Universidade Estadual de
Alagoas, docente da educação básica.
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0291-2786 docente da Universidade Estadual de Alagoas, Campus
II - mestra em Educação (UFAL) e doutoranda em Educação pela UFRGS, Brazil, socorro.macedo@uneal.
edu.br.

ABSTRACT: The study aims to comprehend how the children’s literature is approached in the teaching
practices of early childhood education, first and second year of elementary school, in a public countryside
school at the outback of Alagoas, in the attempt to intending the interfaces between contemporane conceptions
of childhood, child as a subject of rights, and the children’s literature, thinking it as an important artifact
for the childhood subjectivity. The research is born out of a teacher’s concern, in a process of initial training,
which is materialized in the investigation of the undergraduate thesis of the pedagogy course. The qualitative
approach will be our guide in the construction of this view, having elements as the bibliographic, documentary,
and field research. We will work with observations, field journaling, and semistructured interviews with four
teachers, in a two months period, having two visits in a school per week, understood as two days a week. The
theoretical discussions came from authors like Cademartori (1987), Lajolo and Zilberman (1999), Abramovich
(2006), Kaercher (2011), among others. The research findings show a gap of the understanding and role of
children’s literature, as a powerful tool of teaching practices in the [de]construction of a timeless childhood
view. Paradoxically, the research also shows us the lonely challenges confronted by the teachers, in the attempt
of working with children’s literature in a countryside crossed by complex inequalities with regard to social and
educational aspects.

KEYWORDS: Childhood, Teaching, Children’s literature.

INTRODUÇÃO

Se a presença enigmática da infância é a presença de algo radical e


irredutivelmente outro, ter-se-á de pensá-la na medida em que sempre nos
escapa: na medida em que inquieta o que sabemos (e inquieta a soberba de
nossa vontadade de saber), na medida em que suspende o que podemos(e
a arrogância da nossa vontade de poder) e na medida em que coloca em
questão lugares que construimos para ela( e a presunção da nossa vontade

1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap1
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

de abarcá-la) Aí está a vertigem: no como a alteridade da infância nos leva


a uma região em que não comandam as medidas do nosso saber e do nosso
poder (LARROSA, 2017, p.232)

Iniciamos o texto, deixando-nos afetar pelas ponderações apresentadas por Larrosa


acerca das infâncias, crianças e dos modos como nós, adultos, inquietamo-nos diante da
potência criadora/interventiva das crianças. A todo o momento, somos interpelados por
discursos que nos convocam a pensar sobre elas, bem como sobre os regimes de verdades
que sustentam o governo da infância. São discursos institucionais, científicos, pedagógicos e
outros, que fabricam as subjetividades infantis. Tais tensionamentos são fundamentais para
que, no lugar de adultas, docentes e pesquisadoras, junto/com as crianças, assumamos um
olhar diferenciado frente aos processos de significação das infâncias.
Alinhando a nossa fala ao questionamento inicial, podemos pensar em encontros
possíveis das crianças com a literatura, na perspectiva de “virar o mundo”, subverter
ideias e matizar modos outros de ser/estar nesse lugar, fomentando possíveis fissuras nos
formalismos que compõem as pedagogias clássicas e o desmedido projeto em torno dos
resultados. Quais resultados? Como fica a ação docente e sua compreensão acerca dos
processos de aprendizagens das crianças nos contextos de suas infâncias? Nosso desejo de
escrita é atravessado por um olhar que tenta tensionar as relações de um sujeito adulto,
no exercício de sua docência, com os discursos universalizantes que fundam e delimitam
a criança e suas representações de infâncias. Assim, consideramos que, para cada espaço-
tempo, emergem representações múltiplas onde as crianças e suas narrativas produzem
sua estética da existência. Ao trazer a literatura e, em relevo, a literatura infantil para o
centro desse debate, acreditamos que ela materializa-se como um espaço de produção de
cultura e fortalecimento das culturas infantis, porque, no momento que as crianças narram,
dramatizam, constroem rimas, parlendas e adivinhas, entre outras formas de expressão,
instauram um jogo de simbolismos e imaginação. Neles, elas dizem o que é ser criança e
como suas infâncias estão sendo tecidas na relação com os adultos e com seus pares.
Nessa perspectiva, o estudo objetiva aproximar-se das fronteiras entre infância e
literatura infantil, considerando as produções e os atravessamentos de ordem social, política
e cultural que conformam os sujeitos em seus territórios. Ao mesmo tempo em que o estudo
inclinará o olhar para as práticas docentes na educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental, na tentativa de pensar de que forma a literatura infantil é trabalhada nas salas
de aulas de uma escola sertaneja/ alagoana. Participaram do estudo 04(quatro) docentes,
sendo duas da educação infantil e as demais dos anos iniciais do ensino fundamental. Em
se tratando do caminho metodológico, trabalhamos com entrevistas, registros em diário
de campo, observação, questionário e alguns documentos normativos. O que nos move é
o desejo de compreender quais concepções de literatura infantil e de infância são portadas
pelas docentes e como elas reverberam em suas práticas diárias.

DIALOGOS POSSÍVEIS ENTRE A LITERATURA INFANTIL E A FORMAÇÃO DO


SUJEITO - CONTAR HISTÓRIAS... REVELAR MUNDOS

Literatura é uma forma específica que, como toda linguagem, expressa

13
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

uma determinada experiência humana; e dificilmente poderá ser definida


com exatidão. Cada época compreendeu e produziu literatura a seu modo.
Conhecer esse “modo” é, sem dúvida, conhecer a singularidade de cada
momento da longa marcha da humanidade, em sua constante evolução.
Conhecer a literatura que cada época destinou às suas crianças é conhecer os
ideais e valores ou desvalores sobre os quais cada Sociedade se fundamentou
(e fundamenta...). (COELHO, 1991, p. 24)

A escolha pela passagem anterior tem o intuito de sensibilizar o nosso modo de pensar
acerca da literatura infantil, seus usos nos diferentes tempos e espaços e como ela vem
assumindo modos de (re) existirem junto às crianças e suas infâncias. Assim, nesse primeiro
momento, nos propomos compreender as tramas entre infância e a literatura construída
historicamente para atender o público infantil.

LITERATURA INFANTIL - ALGUMAS APROXIMAÇÕES

Na tentativa de firmar algumas aproximações com a literatura infantil em suas diferentes


fases, sinalizaremos também com breve discussão acerca da infância. Contemporaneamente
pensado a partir de diferentes campos de saberes, o conceito de infância insurge como uma
construção social da modernidade, em oposição a uma visão adultizada, que compreendia a
criança como alguém que não cabia naquela sociedade como um sujeito, ficando a mercê de um
tempo de espera, de uma perspectiva futura – um devir- criança. Aquela que só seria cidadã,
quando os atributos requeridos por uma sociedade adultocêntrica fossem conformados.
Nesse processo um conjunto de dispositivos negava as crianças e suas singularidades, visto
que as brincadeiras, linguagens e comportamentos, que não faziam parte do mundo adulto,
não poderiam ser aceitos como legítimos e importantes aquela sociedade.
Para Ariès (1981), as crianças passaram a ser olhadas em decorrência de alguns fatores:
os cuidados em torno da sobrevivência (significativo número de óbitos), de uma imperativa
demanda em relação à educação e aos princípios requeridos pela sociedade capitalista, seus
processos de aprendizagens, construção de regras, transmissão de valores, do pudor e das
boas formas de se colocar na sociedade e na família. Coube, inicialmente, à família assumir
esse papel e, gradativamente, às instituições, como a escola, foram destinadas a ser um
espaço de educação para as crianças.
No universo do educar e das aprendizagens necessárias, as crianças precisavam ser
atendidas em seu desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. As produções literárias
nessa época ganharam espaço como aliadas nos trâmites didático-pedagógicos. Por volta
do século XVII, algumas obras foram adaptadas pelo francês Charles Perrault, a partir
dos contos populares adultos, que tinham o intuito de disciplinar e moralizar as crianças
(CADEMARTORI ,1987). Com a ascensão da burguesia na Europa e as reconfigurações do
mundo do trabalho, a literatura para crianças passou a despontar como uma mercadoria de
consumo (LAJOLO E ZIBERMAN, 1999).

Numa sociedade que cresce por meio da industrialização e se moderniza


em decorrência dos novos recursos tecnológicos disponíveis, a literatura
infantil assume, desde o começo, a condição de mercadoria. No século
XVIII, aperfeiçoa-se a tipografia e expande- se a produção de livros,

14
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

facultando a proliferação dos gêneros literários que, com ela, se adéquam à


situação recente. Por outro lado, porque a literatura infantil trabalha sobre
a língua escrita, ela depende da capacidade de leitura das crianças, ou seja,
supõe terem estas passado pelo crivo da escola. (LAJOLO e ZILBERMAN,
1999, p. 18).

A partir do século XVIII, as crianças passaram a ser consideradas em suas


singularidades, diferindo do adulto e com necessidades próprias. Portanto, seria
indispensável uma educação especial como forma de novos modos de aprender.
Observamos, então, uma emergente preocupação nas formas de pensar e usar os materiais
didático-pedagógicos na escola, visto que, primordialmente, tinha-se, como intuito,
capacitar as crianças para a aprendizagem da leitura, promovendo um estreitamento entre
a escola - literatura infantil, preparando-as para serem consumidoras de livros. Um pouco
mais adiante, na segunda metade do século XIX, a literatura voltada para o mundo infantil
apresentou um novo caráter: dar uma maior ênfase à imaginação e à fantasia, o que fez
com que as histórias de aventuras fantasiosas ganhassem maior aceitação, consolidando
um espaço no mundo editorial capitalista.
Isto posto, compreendemos a literatura infantil como um recorte do real, sintetizado
e interpretado por intermédio do ponto de vista do narrador ou do poeta. Um mundo que
se manifesta através de uma linguagem de caráter literário, com recursos da fantasia e que
revela um novo saber do/sobre o mundo, oferecendo ao leitor um padrão subjetivo para
também o interpretar. Para Sandroni e Machado (1998, p.15), “os livros aumentam muito
o prazer de imaginar coisas. A partir de histórias simples, a criança começa a reconhecer e
interpretar sua experiência da vida real”. Cademartori (2010, p. 24) afirma que: “A literatura
surge como um meio de superação da dependência e da carência educacional da criança, por
possibilitar a reformulação de conceitos e a autonomia do pensamento desta”. Tais afirmações
levam-nos a compreender que tal conhecimento, mediado pelas vias da literatura, apresenta
uma dimensão lúdica, portanto, aproximando-se dos objetivos pedagógicos propostos para
a infância e para as crianças em suas diferentes culturas.
Tal como referido, a literatura infantil ganha materialidade e passa a ser utilizada
nos espaços de formação das crianças, em especial na educação formal, que, através dos
pedagogos, inaugura uma tradição na produção de livros que apresentam como objetivo
principal educar as crianças para uma sociedade carente de princípios morais sólidos. Isso
se ratifica nas ponderações de Cunha (1991, p.23|) quando:

Fica evidenciada a estreita ligação da literatura infantil com a pedagogia,


quando vemos, em toda a Europa, a importância que assumem os grandes
educadores da época, na criação de uma literatura para crianças e jovens.
Suas intenções eram fundamentalmente formativas e informativas, até
enciclopédicas. Bons exemplos disso são as obras de Comenius, Basedow,
Campe e Fenélon.

Na perspectiva de buscar uma literatura que fosse adequada às crianças e aos jovens
e que, ao mesmo tempo, ampliasse as leituras para além dos clássicos, algumas adaptações
surgiram a partir de textos de caráter folclórico, contos de fadas e de outras narrativas que
puderam envolver a cultura de massa. Cunha (1997, p.23) afirma que: “Em cada país, além dessa

15
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

literatura tornada universal, vão aos poucos surgindo propostas diferentes de obras literárias
infantis”. Entre os autores mais importantes, podemos citar Charles Dickens e Ferenc Molnar.

APONTAMENTOS ACERCA DA LITERATURA INFANTIL NO BRASIL

No Brasil, por volta da metade do século XIX, a literatura infantil passou a assumir
uma perspectiva ajustada aos critérios de produção/consumo de obras. Com a implantação
da Imprensa Régia, em 1808, deu-se início à publicação dos primeiros livros para as crianças.
Zilberman e Lajolo (1986) consideram que tais publicações eram esporádicas e insuficientes
para caracterizar uma produção literária brasileira, pois seu caráter era irregular e não
atendia à infância naquele momento da vivida Monarquia.
Somente com a Proclamação da República, passa-se a considerar que houve a
implantação e expansão de uma literatura infantil, como consequência do modelo econômico
em desenvolvimento, suas relações internacionais e as mudanças culturais necessárias à
implantação social e política dele. Como tal, o consumidor infantil passou a ser visto e a escola
assumiu papel enquanto instituição formadora, na construção de narrativas que adaptassem
esse homem rural considerado “inculto e subdesenvolvido” ao tão sonhado mundo industrial
e urbano, onde passou a servir aos interesses de uma burguesia em ascensão. Para celebrar,
foi publicada, em 1905, a revista Tico-Tico com o intuito de atender as diferentes faixas
etárias, inclusive com uma linguagem acessível à infância.
Naquele momento, as produções configuravam-se em adaptações e traduções de obras
europeias, sobremaneira nas de origem portuguesa, percebendo-se, claramente, o enfoque
didático pedagógico. Lajolo e Zilberman (1999) reforçam que a produção literária voltada à infância
representava um expressivo número. Entretanto, no Brasil, houve um retardo considerável,
quando na Europa já havia um sólido acervo com características didático-pedagógicas, aqui as
primeiras obras eram lançadas, visto que “[...] a apropriação brasileira de um projeto educativo
e ideológico que via no texto infantil e na escola (e, principalmente, em ambos superpostos)
aliados imprescindíveis para a formação de cidadãos” (LAJOLO e ZILBERMAN, 1999, p. 32).
No final do século XIX, surgiram as primeiras produções nacionais para o público
infantil. Elas representam um marco na literatura brasileira e, com Monteiro Lobato- século
XX- tais publicações ganharam força. Cademartori (1987, p.51) afirma que:

Monteiro Lobato cria, entre nós, uma estética da literatura infantil, sua obra
constituindo-se no grande padrão do texto literário destinado à criança. Sua obra
estimula o leitor a ver a realidade através de conceitos próprios. Apresenta uma
interpretação da realidade nacional nos seus aspectos social, político, econômico,
cultural, mas deixa sempre, espaço para a interlocução com o destinatário.

Diante de tais alegações, Lobato passou a figurar como o precursor de uma forma
de escrita que assume a ludicidade e a exploração do imaginário infantil como formas de
ampliação do conhecimento de mundo por parte das crianças. Estimulou, assim, o senso
crítico do leitor, ao mesmo tempo em que realizou a façanha de abrir possibilidades para
que, nas próximas décadas, uma literatura voltada ao mundo da infância se consolidasse.
Portanto, deixou um legado importante como escritor que modificou a maneira de escrever
para a infância no Brasil.

16
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Para Coelho (2000), a literatura infantil no Brasil como no mundo apresenta sua
produção em uma íntima relação com as práticas sociais de cada época. Já que se coloca
como um fenômeno da linguagem, resultante de uma experiência existencial, social, cultural.
A autora considera que:

Ao estudarmos a história das culturas e o modo pelo qual elas foram


sendo transmitidas de geração para geração, verificamos que a literatura
foi o seu principal veículo. Literatura oral ou literatura escrita foram
as principais formas pelas quais recebemos a herança da tradição [...]
(COELHO, 2000, p. 16).

Na esteira da discussão, muitos teóricos foram favoráveis ao uso da literatura infantil


com objetivos didático-pedagógicos, apesar de fugir do que compreendemos hoje como
função primeira da literatura, que é produzir um encantamento, prazer e forma de incentivo
à consolidação de um mundo que se funda no ato de ler. Os contatos com a literatura infantil
são fundamentais na construção de um sujeito leitor, aquele que toma a leitura como forma
de produzir aprendizagens e um conhecimento de modo prazeroso.

“ASSUNTOS DE ADULTOS”... E A LITERATURA INFANTIL

Ao tomarmos a literatura infantil e a formação de um sujeito leitor como elementos


de análise, ficamos diante de uma concepção de criança/infância que se afirma como uma
etapa da vida em que só a felicidade reina, que as crianças não compartilham (ou não devem
compartilhar) sentimentos como a tristeza, o abandono, as dores de uma vida comum
ao mundo adulto. Temos como premissa, neste sentido, um sentimento de que são seres
“indefesos e sensíveis”, carentes de proteção e cuidados. Por conseguinte, elas devem viver
num mundo “romantizado”, por não saber lidar com determinadas frustrações, devendo
ficar distantes de muitos “assuntos que não são para crianças”.
Em contraposição a esse modo de olhar a infância e as crianças, a Sociologia e,
posteriormente, outros campos de saberes vinculados às Ciências Sociais passaram a compor
um campo de estudos, onde as crianças são vistas de forma ativa, como atores sociais e
construtoras de sentidos às suas experiências cotidianas. Para Barbosa, (2014, p.650), “nesta
nova concepção as crianças passaram a ser vistas não apenas como seres determinados pelas
culturas, mas também como agentes produtores de cultura”. A autora coloca em destaque
a constituição das culturas infantis, na medida em que as crianças estão em um efetivo
relacionamento com a cultura na qual estão inseridas, desse modo, constroem seus próprios
significados. Ainda afirma que, no convívio entre os grupos, as crianças desenvolvem
experiências e atividades diversas em comum, elaboram suas compreensões de mundo. [...]
“As culturas infantis também são vinculadas à ludicidade, ao trânsito entre o imaginário e o
real tão característico da infância. (BARBOSA, 2014, p.646).
Ao trazer esses aspectos para a discussão, intencionamos pensar o papel que a
literatura infantil assume na constituição dos sujeitos, a partir de suas variadas narrativas.
Portanto, corroborando com as discussões de Barbosa (2014), percebemos que há uma
gama de pesquisas que apontam a produção literária destinada às crianças como sendo esse
elemento reforçador de uma noção de infância idealizada, distante das problemáticas vividas

17
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

pelas crianças em tempos e espaços diferenciados. Dialogamos também com a pesquisa


de Paiva (2008), acerca da produção de livros infantis no Brasil , onde a autora toma os
editais públicos do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), para analisar os títulos
inscritos nesses editais, os quais iriam compor os acervos das escolas de Educação Infantil e
Anos Iniciais, em que ela observa que 86% dos livros eram compostos por histórias clássicas
de animais e fábulas, que traziam uma mensagem de um mundo de fantasia, onde o bem
sempre supera o mal; narrativas que se apresentam como verdadeiros contos de fada.
A autora trata ainda que num universo de 11% das obras analisadas, a literatura é
trabalhada num enfoque “pedagogizada”, que apresenta a partir da discussão pontuada no
currículo da educação básica presente nos chamados temas transversais, um grande aliado
na abordagem de temas que precisam ser ensinados às crianças. Tais temáticas fazem parte
de uma concepção de currículo inerente aos Parâmetros Curriculares Nacionais, em vigor
naquele momento da pesquisa, os quais apontam discussões acerca da ecologia, do respeito
à natureza, da diversidade e outros que deveriam compor os processos de aprendizagem a
partir da escola e do currículo, pelo olhar da literatura infantil.
Por fim, a pesquisa aponta 3% das obras sendo trabalhadas numa perspectiva que a
autora denomina como “temas delicados”, ou seja, aqueles que raramente são tratados no
universo infantil, mas que, no cotidiano, estão presentes nos grupos sociais e nas relações
que as crianças travam com os adultos e com seus pares. Ela cita como exemplo: a solidão,
o abandono, o medo, a morte, a violência, o racismo, a condição de criança refugiada,
entre outros.
Escolhemos uma obra da literatura infantil, para, através de alguns fragmentos,
potencializar essa reflexão. Ela discute elementos considerados “temas delicados” e que, nos
múltiplos espaços, inclusive na escola, passam por um “esquecimento” nas narrativas da
maioria dos docentes e do currículo. A obra é de autoria de Maíra Suertegaray (2017), com
ilustração de Carla Pilla, tem como título Dandara seus cachos e caracóis.

Figura 1 - Livro Dandara – seus cachos e caracóis

18
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Figura 2 - Livro Dandara – seus cachos e caracóis

Cunha (2006), ao trazer os referentes midiáticos como importantes na [des]


construção de discursos esteriotipantes, afirma que:

Os cenários infantis, compostos em sua maioria por referentes midiáticos,


suspendem temporariamente a vida lá fora, os conflitos, as diferenças. Em
seu encantamento formal e sua presença constante, as imagens vão validando
determinados tipos humanos, enfatizando estereótipos de classe, étnicos e
de gênero em um processo permanente de produção dos sujeitos infantis.
(CUNHA, 2006, p 17).

Interessa-nos problematizar acerca da literatura, junto a outras narrativas que


compõem as práticas sociais das crianças em seus territórios e como elas podem ser
reforçadoras de uma concepção de infância como um “ponto zero de um processo de
desenvolvimento ou de formação” (Larrosa, 2001, p. 282). Portanto, narrativas que não são
neutras e que assumem o desígnio de validar uma infância presente naquela sociedade, bem
como formar o sujeito para viver nela. Nesse debate, vamos construindo modos de pensar
como a literatura voltada às crianças apresenta-se como um potente dispositivo de poder
e de verdade. Discursos que vão subjetivando os corpos infantis, dentre eles, os que são
alimentados pela escola, objeto a ser discutido posteriormente.

A LITERATURA INFANTIL NOS ESPAÇOS DA ESCOLA

Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas,


muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um leitor,
e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descobertas e de
compreensão do mundo... (ABRAMOVICH, 2006, p.16).
Todos nós já ficamos maravilhados em algum momento de nossa existência,
com um belo conto de fadas e se a apresentação foi para nós significativos,
ainda hoje somos capazes de passar horas a fio ouvindo ou lendo uma boa
história. (ABRAMOVICH 1994, p.121).

Ao trazer Abramovich (1994), o fazemos com o intuito de compor um debate acerca


dos usos da literatura infantil no espaço da escola, bem como compreender os contrapontos

19
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

existentes entre essa literatura e o conjunto de enunciados que podem disparar os processos
de aprendizagens dos sujeitos. Colocamo-nos aqui em defesa do uso desse gênero textual
na escola, no entanto ainda apontamos um outro componente fundamental ao debate: a
compreensão docente acerca do papel da literatura na construção do sujeito infantil.
O que usar? Como usar? Que discursos estão presentes no texto? Enfim, o docente e sua
capacidade critico- pedagógica de trabalhar com textos que, por vezes, são compreendidos
como dissociados da/para realidade, um universo paralelo?

Pensando as múltiplas dimensões que envolvem a relação crianças e a


iteratura infantil

As pesquisas têm apontado que, independentemente da idade do sujeito leitor, há


uma importante relação entre a literatura e a constituição do ser. Verifica-se, pois, que,
nesses momentos, passamos a habitar distintos e longínquos mundos, interpretamos e
vivenciamos novas descobertas/experiências. Abramovich (2006) defende que a primeira
proximidade que as crianças têm com a literatura ocorre em situações vividas no cotidiano,
por meio da voz dos seus familiares e/ou pessoas próximas a elas. As histórias contadas
podem apresentar-se de variadas formas: lidas, adaptadas, inventadas, tendo a criança e ou
o adulto como personagens, ou não.
Com a frequência das crianças aos espaços escolares, maiores aproximações e
possibilidades são firmadas com a leitura, pois se ampliam os contatos com um número maior
de pessoas, espaços e diversos materiais, colocando-as frente à constituição de habilidades
de leitura (pelo menos é o que se espera de um ambiente permeado por experiências
educativas múltiplas). Ao considerar tais aspectos, referendamos a compreensão de que
uma significativa parcela da população brasileira ainda tem a escola como espaço decisivo
no acesso à leitura, evidenciando que ela tem um papel fundamental na oferta de variados
materiais com formas, cores e tamanhos, que possam dar suporte à exploração das crianças
na busca por diferentes leituras que ocasionem o desenvolvimento da imaginação.
Na consecução de tais objetivos, a escola deve disponibilizar diversos gêneros literários,
com o intuído de criar uma maior intimidade das crianças com eles; aumentando, assim, as
possibilidades de apropriação do sistema de letramento. No decorrer desses contatos com a
leitura1, cria-se familiaridade e a criança passa a buscar os próprios métodos de compreender
e interagir com o texto. Reforçando tal perspectiva, as autoras apontam que:

[...] é necessário que as crianças vivenciem na escola práticas de leitura,


escrita e oralidade [...] com o objetivo de formar comportamentos de leitores
e produtores de textos para, assim, tornarem-se competentes no uso da
cultura escrita. (PICCOLI; CAMINI, 2012, p.59).

As autoras levam-nos a refletir acerca do papel e da responsabilidade que a escola


e toda comunidade devem assumir, desde as idades mais precoces das crianças, em torno
do contato com a literatura e, por conseguinte, com a formação de pequenos leitores (as).
Da mesma forma, Kaercher (2011) ressalta que a escola deve assumir a responsabilidade
de criar mecanismos (investimento, formação de seus profissionais, aquisição de acervo de
qualidade e outros), constituindo um projeto educativo permeado pelo prazer, pelo respeito

20
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

às preferências das crianças em relação à leitura e que traga para esse espaço estratégias
e técnicas estimulantes: contação de histórias utilizando fantoches, dramatizações, varal
para fixar figuras, desenhos produzidos pelas crianças, imagens e o livro como suporte de
contação. Vale salientar a importância de oportunizar às crianças a criação e desenvolvimento
dos enredos, dando- lhes maior segurança em seus argumentos e ampliando seu repertório
frente às leituras.

[...] vivenciando práticas de leitura em grupo, mediadas pelas professoras, as


crianças ampliam suas experiências de letramento e seus repertórios textuais,
desenvolvendo estratégias variadas de compreensão textual, inserindo-se no
mundo da escrita e iniciando-se como leitoras, mesmo que ainda não saibam
ler autonomamente. (BRANDÃO e LEAL, 2010, p. 22).

Ainda pensando acerca do processo de construção dos sujeitos leitores na infância,


Abramovich (2006) afirma que ler para um grupo de crianças é uma ação que envolve e
provoca capacidades estéticas, criativas e emocionais, tanto para o sujeito que faz a leitura,
quanto para quem fica diante dela através da escuta. Isso porque ler e ouvir histórias age
sobre nossos sentimentos mais íntimos e intensos. Por meio delas, podemos nos divertir,
assustar, surpreender, gargalhar, chorar, sentir alegria, medo, tristeza, pavor e outros
sentimentos e sensações no plano emocional e cognitivo. Através das histórias que contamos
ou escutamos, podemos colocar em funcionamento nossa imaginação. Nelas, podemos
descobrir lugares, tempos, comportamentos, modos de agir e até de solucionar nossos
conflitos. A autora supracitada ressalta que “não devíamos esquecer nunca que o destino
da narração de contos é o de ensinar a criança a escutar, a pensar e a ver com os olhos da
imaginação” (ABRAMOVICH 2006,p.12). Dito isto, compreendemos que o docente em seu
trabalho pedagógico assume um compromisso de escolher de forma criteriosa as obras que
irá levar para suas crianças. Não será qualquer uma, ele terá que ter uma preocupação em
relação à qualidade dos textos, às imagens e, por fim, à estética de cada obra, que se firmará
como uma escolha de qualidade positiva para as crianças.
É importante pensar nas contações de histórias a partir da construção de uma rotina,
garantindo, pelo contato e exploração dos livros existentes, os diálogos em sala, as trocas de
experiências, a partilha e a oferta de informações, ampliando assim, compreensões acerca
do mundo. Mesmo que pareça uma oposição ao que foi dito, o docente também deverá
promover leituras que não sejam seguidas de um sistemático debate, deixando as crianças,
a partir de seus silêncios, construírem suas próprias elaborações, outras formas de atribuir
sentidos sobre a literatura.
Enfim, colocamo-nos em defesa de uma literatura como expressão da vida das crianças
em seus lugares e em seus modos de re (existir). Kaercher (2011, p.135) assinala que “a
Literatura Infantil é arte que usa a palavra como linguagem expressiva e como tal deve ser
trabalhada. Mais do que um modo de cognição, a literatura é um alimento para a alma”.
Dessa forma, defendemos que, nos diversos espaços escolares ou não, as leituras das mais
diversas formas, estratégias e temáticas possam envolver as crianças de maneira criativa, a
partir de textos que tenham a qualidade necessária à socialização.

21
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA: MODOS DE LER

Os processos de aquisição da leitura e da escrita assumem, ao longo dos tempos,


condição fundamental à comunicação entre os homens. Desde o estágio do homem pré-
histórico e suas pinturas nas paredes das cavernas até as demandas estabelecidas no
mundo contemporâneo pela comunicação de massa, os modos de acesso à leitura foram se
reconfigurando. Nesse processo, tomamos a literatura, em especial a infantil, para dialogar
com as possibilidades que a escola constrói na instalação de um ambiente alfabetizador.
Nos últimos quarenta anos, intensificou-se o debate acerca da relação literatura
e educação, sendo que, nele, a crítica em torno do (des) uso da literatura nas práticas
escolares, o que a leva, por vezes, a um lugar secundário na escola. Mas mesmo assim,
Dalvi, Resende e Faleiros (2013) argumentam que ela resiste às mudanças e ganha força
a partir de algumas problemáticas que atendem aos interesses das crianças e dos jovens
nesse processo formativo. Nos estudos de Soares (1988, p. 25), destaca-se a importância
da leitura e, por conseguinte, de uma leitura literária, na medida em que emergem nela as
hipóteses necessárias à construção de sentidos que o aluno realiza quando participa dela.
A autora reforça que “ao povo permite-se que aprenda a ler, não lhes permite que se torne
leitor”. Ou seja, uma crítica principalmente à escola pública e seu papel social, devendo ser
problematizadora de práticas pedagógicas que assumem uma perspectiva de leitura pautada
na mera decodificação. Para que isso ocorra, o texto literário deve ser trabalhado sob a ótica
da construção de múltiplos sentidos e que os alunos sejam partícipes dessa ação. Os autores
acima defendem que a formação de um leitor crítico ocorre pela efetiva preocupação da
escola em oferecer uma ativa leitura nos diversos campos de saberes que o currículo propõe.
Incentivar o hábito da leitura nos anos iniciais configura-se numa decisão importante
ao processo de alfabetização. Nesse momento, a criança passa a desenvolver uma capacidade
maior de explorar o universo que a circunda, criando momentos de autoconhecimento, bem
como realizando uma crítica da sociedade. Por isso a defesa de vários estudiosos quando
do trabalho com a leitura literária na escola como um caminho no desenvolvimento do
letramento literário. Para Oliveira (s/d), a literatura “é reflexo da realidade, é recriação da
realidade, é criação da supra realidade; expressa a realidade que o escritor tem da realidade”.
Desse modo, o espaço da sala de aula deve ser um lugar de atividades lúdicas, mobilizadoras
de uma compreensão de realidade, ampliando modos de (re) conhecer o seu espaço e
iniciando a maturidade frente a uma construção de sentidos de ser leitor. Para Paulino e
Cosson (2009), o letramento literário é um processo contínuo que envolve as dimensões
da escola e dos espaços sociais e que não se finda, mas se transforma, acompanhando a
vida toda. Também é importante salientar que mesmo o letramento literário acontecendo de
forma preponderante na escola, a literatura não pode deixar de caminhar numa perspectiva
de humanização do sujeito, ela, por si só, carrega uma perspectiva de humanização.
Portanto, são reflexões que se colocam durante este estudo, na tentativa de compreender
como os professores da escola- espaço da pesquisa fazem uso da literatura como contributo
para a construção de um ambiente fecundo ao letramento nos anos iniciais de escolarização,
pensando-a a partir da relação literatura e alfabetização.

22
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

APERTANDO O PASSO... CHEGADA À ESCOLA - CONTEXTOS E CENÁRIOS


DA PESQUISA

A intenção é de pesquisar como as práticas de letramento literário desenvolvidas pelas


professoras da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, em uma escola rural
do médio sertão alagoano, são pautadas ou não no uso da literatura infantil, como elas são
operadas no sentido de auxiliar na construção do hábito e formação de leitores na infância.
Tais problematizações resultam dos entrelaçamentos entre a universidade e as práticas
vivenciadas na escola campo de pesquisa durante os processos formativos como estudante
do curso de Pedagogia. Essas provocações fizeram-nos revisitar, durante o processo de
construção do trabalho de conclusão de curso, este espaço institucional, tornando-o
companheiro de uma jornada de pesquisador iniciante. Dessa forma, fez-nos pensar acerca
das tramas entre docência, práticas de letramento e os modos como as crianças, nessa ação
constituidora dos hábitos de leitura, elaboram, produzem e partilham conhecimentos acerca
do mundo.
Estamos tratando de uma instituição de ensino localizada no médio sertão de Alagoas,
zona rural e que se encontra envolta por múltiplas dificuldades de ordem estrutural, no
campo da formação de professores, de acompanhamento pedagógico, de recursos nas mais
variadas dimensões. É uma escola inaugurada em 1999, com o intuito de atender as crianças
e jovens de uma comunidade fundamentalmente constituída por pequenos agricultores,
trabalhadores rurais e suas famílias, com níveis baixos de escolaridade. São produtores de
feijão, milho mandioca, pequenos criatórios bovinos, suínos, ovinos e aves. Dado aos fatores
climáticos, eles sofrem sucessivas perdas na lavoura, desestabilizando suas condições de vida
na região, criando permanentemente, ano após ano, a dependência de programas sociais
assistencialistas e a consolidação das migrações para outros estados em busca de trabalho
também precarizados.
Em se tratando de um espaço para a leitura, existe uma pequena biblioteca que
divide o ambiente com o laboratório de informática, denotando a ausência de ambientes
para que as atividades ocorram adequadamente, resultando em uma ação limitadora no
desenvolvimento de práticas de leitura nesse espaço. Nas entrevistas com as docentes
colaboradoras da pesquisa, elas informaram que a “salinha foi idealizada principalmente
para diminuir os índices de reprovação na escola”. No entanto, a dinâmica estabelecida
não tem favorecido, deixando claro que o nascedouro da proposta tinha a intenção de uma
maior circulação de obras e uma efetiva presença das crianças frente aos livros, apostando
em um maior desenvolvimento da escrita por parte delas. Poucos livros compõem
uma pequena estante, que apresenta os clássicos da literatura infantil numa versão
simplificada, com cores esmaecidas, número reduzido de páginas e que não condizem com
a obra original, levando-nos a pensar: são as condições financeiras da gestão municipal
que não permitem a aquisição de outras obras com discussões contemporâneas, capazes
de assumir outra plasticidade no ato de ler? Ou seja, uma ação desafiadora, inquietante
frente às possibilidades de leituras. Também podemos suspeitar que haja nesses atos uma
concepção de letramento literário encravada em práticas da gestão municipal, que pensa
a relação da criança pequena com os livros como algo de menor valor, já que ainda não
“sabem ler” e, consequentemente, há uma concepção de infância adultocêntrica. Em outro

23
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

momento, diante de um fragmento do diário de campo, percebemos que uma docente


deixa escapar a insatisfação com o material da pequena biblioteca , alegando que, às vezes,
as “escolas da rua”, referindo as da cidade, têm materiais de melhor qualidade e em maior
quantidade, mas as da zona rural “fica mais dificil”...

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS - RESULTADOS E DISCUSSÕES

Trata-se de pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, tendo como estratégia


de investigação o estudo de caso. Procedimentos metodológicos que fazem uso de
pesquisa bibliográfica, entrevistas semiestruturadas, observação e pesquisa documental.
As observações e as entrevistas ocorreram durante o período matutino durante 10 dias,
com quatro professoras do ensino fundamental de primeiro e segundo anos. Em relação à
formação das professoras, três têm graduação em Pedagogia e uma em magistério de ensino
médio. Elas encontram-se na faixa etária de 30 a 45 anos e já apresentam uma experiência
em torno de, no mínimo, oito anos.
Em se tratando das observações, elas foram realizadas tanto na sala de aula durante o
uso de livros da literatura infantil em atividades com as crianças, como no chamado “cantinho
da leitura”, que era, por vezes, utilizado pelas professoras. Percebemos que, nesse ambiente, as
crianças têm oportunidade para escolher sua leitura, folhear outros livros, estabelecer trocas
com outras crianças. Mesmo considerando que o espaço é limitado para o desenvolvimento
de algumas atividades que requerem maiores movimentos, há um encantamento da criança
diante das possibilidades de escolhas, de montar estruturas próprias aos diálogos, de transitar
nos grupos e de apontar espontaneamente seus achados nos textos. Notamos o quanto um
espaço com elementos lúdicos, integrativos e que deixam as crianças um pouco mais em
liberdade faz com que seus corpos comportem-se de forma oposta aos enquadramentos
severos de sala de aula. Quando eram garantidos esses momentos, mesmo considerando o
número insuficiente de livros, elas encontravam modos de construir negociações, estratégias
para que tivessem oportunidade de, pelo menos, folhear um livro.
Finalmente, ficamos diante da estante e de seus livros. Um lugar que desperta tanto
interesse das crianças e nosso, como pesquisadoras adultas, teríamos que usar outra lente
para olhar. Elencamos os títulos que lá se encontravam e deparamo-nos com enunciados
que operam uma concepção de infância romantizada, ingênua e inocente, referenciando um
mundo idealizado a partir dos clássicos contos de fadas. Perguntamos acerca das escolhas
e ouvimos as docentes afirmarem que a escola não opina sobre esse material, ele é enviado
pela Secretaria de Educação do Município, e outros são adquiridos com recursos do PDDE.
Em ambas as circunstâncias, as docentes não puderam opinar. Em nossas observações, a
presença da criança nesse espaço e os modos como as professoras conduziam as leituras
e ou contatos iniciais com os livros sugerem uma maior participação das crianças, no
entanto, em todos os momentos, as leituras são direcionadas para uma atividade de escrita.
Sempre a professora faz a leitura e as crianças ouvem para, posteriormente, responder ao
proposto, ocorrendo poucos momentos de diálogos (ou não existiam) em relação ao que foi
lido, as crianças na relação com a docente (adulto) pouco são convidadas a expressar suas
compreensões, prevalecendo os silêncios e ao mesmo tempo uma inquietação latente para
narrar outros modos de ser criança nesse cenário.

24
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Passamos a pensar acerca das formas de conduzir as entrevistas com as docentes,


agendamos previamente para que pudéssemos trabalhar com tranquilidade e sem atrapalhar
a dinâmica de trabalho das professoras. O objetivo era compreender como as leituras eram
organizadas, quais critérios de escolhas e como posteriormente, durante a prática de sala
de aula, as atividades eram realizadas. Para isso, sempre iniciávamos com uma pergunta
que tinha como propósito discutir o compromisso e o entendimento da docente em relação
à constituição das habilidades de leitura. De maneira unânime, as docentes apontam
o entendimento de que se deve usar a leitura diariamente no intuito de proporcionar às
crianças situações em que elas possam perceber-se como leitoras e desenvolvam as
habilidades necessárias à leitura e à escrita. Uma das docentes diz que “é preciso trazer
coisas diversificadas, livros ricos em gravuras, pois só assim estimula uma curiosidade nelas
[...]” A docente do segundo ano afirma que: “Mesmo que elas não saibam ler, o jeito que a
gente conta faz com que elas fiquem quietas, encantadas. [...] A docente do primeiro ano
diz que o professor “tem uma grande responsabilidade se quiser que as crianças gostem
da leitura. Por que não adianta querer que elas aprendam a ler sem gostar da leitura”. A
docente da educação infantil diz que:“Para isto o docente deve proporcionar momentos de
escolhas dos livros, deixar que as mesmas fiquem a vontade para criar uma relação com
o que está vendo”.
Consideramos tais experiências como fundamentais à aproximação das crianças
com uma cultura letrada e entendemos que a prática docente não se cristaliza apenas a
partir dos desejos dos sujeitos, ela está relacionada com as concepções que cada docente
porta em relação às crianças, às infâncias e aos seus processos de aprendizagens. Essa
realidade revela que há uma lacuna entre o que se pensa em fazer e as condições objetivas,
sejam da ordem formativa, pedagógica e material. Assim sendo, ela evidenciam, em suas
narrativas e por meio das observações realizadas, que as atividades de leitura destoam
da perspectiva que pensa a criança e o mundo da leitura como um encontro de múltiplos
significados. Ao considerar que a literatura infantil é uma potente ferramenta que possibilita
no exercício das práticas docentes, a exploração do conhecimento do mundo que a criança
traz, reafirmamos a presença de uma compreensão de criança autora, aquela que produz
seus próprios significados e pode representá-los através de desenhos, novos textos orais e
escritos, colagens, entre outros encaminhamentos dados pelo professor (Zilberman, 2003).
Durante a pesquisa, as observações indicam que, nos momentos da criança com o
“cantinho da leitura”, há uma ampliação das trocas entre pares, movimentos e expressões
que significam maior liberdade e autonomia nas escolhas de livros e pequenos brinquedos
dispostos na estante. Ficamos diante de narrativas que apontam o quanto a literatura infantil,
a partir dos livros existentes naquele espaço, faz-nos pensar, por exemplo, nas questões
de gênero na infância. Na cena 1, as meninas escolhem seus livros preferidos, aqueles que
narram as histórias de princesas. Cena 2: os meninos deixam transparecer que não gostam
daqueles livros. “Não tem livro de aventura...” diz um menino de oito anos. Na cena 3,
apreendemos a formação de um pequeno grupo de meninos que ria, apontava com sarcasmo
e dizia: oia o que elas escolhe!!!! . Mesmo não havendo outras leituras disponibilizadas para
as crianças, tais relatos e comportamentos indicam que os usos da literatura infantil naquele
espaço reforçam os processos de construção da identidade masculina e feminina, pensando-
as como deterministas e universais. A não intervenção da docente e a instalação do seu

25
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

silêncio sinalizam a naturalização das diferenças e das formas de dominação de um sobre o


outro, o que, desde a infância, vai se instalando e reforçando o machismo tão presente ainda
nessa região.
Quando perguntamos acerca da relação da criança com os livros, tanto nos momentos
iniciais na escola ou mais adiante quando apresentam dificuldades na leitura de textos
literários, as docentes, de forma geral, apontam que os pais são responsáveis também.
“Dizem que os alunos não têm incentivo em casa para a leitura, por que os pais também
são analfabetos, não se importam muito com as dificuldades de seus filhos”. Sabemos
que viver no espaço rural não é determinante para que as famílias não sejam leitoras,
no entanto, temos que considerar, nessa região, a ausência histórica da escolaridade e
seus desdobramentos em relação à compreensão do papel dos livros e da leitura na vida
e na formação dos leitores. Considerando que, no Brasil, temos significativas lacunas na
afirmação de um perfil de leitor assíduo, fruto de uma política que torna cada vez mais difícil
o acesso aos livros: custos altos, ausência de livrarias e bibliotecas que mobilizem o sujeito
para a leitura, taxas altas de analfabetismos, entre outros fatores, faz com que a escola seja
o receptáculo da responsabilidade em apresentar e estimular a formação cotidiana de uma
infância leitora. Neste sentido, a docente do 2ºano afirma que “a falta de participação
dos pais deixa as professoras e a escola de maneira geral com total responsabilidade em
desenvolver o gosto pela leitura”. Questionamos acerca do que a escola faz para aproximar
os pais, no sentido de ampliar suas percepções do papel da escola e da família, nos processos
de aprendizagem da leitura e da escrita? As professoras pararam um pouco e responderam:
“Acho que os contatos só ocorrem nas reuniões de pais e mestres ou quanto a gente faz
feira de ciências”. Encaminhamentos dados pela escola- campo, mas que, em momentos
de debate no espaço acadêmico, ratificam-se em outras instituições de educação básica da
região, que enaltecem o discurso da participação e da construção coletiva, porém, na prática,
efetivamente não ocorrem.
Quando abordamos acerca da construção do planejamento escolar e dos momentos
destinados à literatura infantil, as docentes afirmam “ Sabemos da importância de um
organizado trabalho tendo como objetivo a leitura.” “[...] O planejamento é um grande
aliado, já que, nesse momento, escolhemos as obras, formamos uma relação com outros
conteúdos que serão trabalhados.” [...] “Criamos momentos onde a leitura passa a unir o
grupo, seja na leitura compartilhada, na roda de contação de história, nas conversas que
eles vão tendo uns com os outros[...]” “Tudo isto é importante!” São as falas das professores
em relação ao planejamento e suas práticas de letramento literário, as quais pudemos
acompanhar durante as nossas observações, sinalizam não ser tão direta a relação com a
literatura, visto que a discussão em nível de planejamento ocorre, no entanto, muitos fatores
limitam a ação, principalmente em relação à ida ao cantinho de leitura. Dentre os fatores
limitantes das ações, observamos a frequente saída antes do horário das crianças da escola,
seja por falta de água, merenda, falta da docente titular da sala, entre outros que limitam e
desorganizam o planejamento de uso da sala de leitura.
Em conversa informal com a professora da educação infantil, perguntamos se fazia
uso de outras estratégias durante a contação de histórias ou simplesmente realizava a
leitura? A professora respondeu “às vezes trabalho com alguns fantoches que são meus e
não da escola”. “[...] tenho que trazer muita coisa todos os dias se for trabalhar trazendo

26
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

coisas mais atrativas.” “Moro na cidade, é distante... as vans vêm lotadas...”. Percebemos
o esforço da professora em mobilizar as crianças, no entanto, as dificuldades são reais em
relação à montagem de um ambiente lúdico na escola, visto que não seria só da professora
essa responsabilidade, a gestão municipal teria que garantir condições de trabalho aos
docentes da educação infantil e anos iniciais, ficando mais complexo no espaço rural. Lajolo
(2002) lembra que o momento da contação de histórias ou da leitura com qualidade faz a
criança percorrer vários lugares que sua imaginação permite. Neste sentido, a professora
do segundo ano em outro momento relata um sonho: “Tenho um sonho de ter na escola
várias roupas, fantasias, para que as crianças possam dramatizar!” “Já trabalhei
com uma caixa de leituras, mas são muitas as dificuldades e responsabilidades para o
professor que vive sozinho”.
Por fim, elas reconhecem que todas as formas de estar junto às crianças nos momentos
de construção do letramento literário são importantes, mas que a formação nos espaços
acadêmicos não favoreceu a compreensão da relação literatura infantil e infância, bem
como os desdobramentos dessa proposta. Outro fator limitador à construção de práticas
que atendam as crianças em relação ao seu letramento literário é a inexistência de títulos
apropriados às variadas faixas etárias presentes na escola, já que são crianças de seis a 10
anos, que não se sentem motivadas por livros com enredos que não lhes tragam significados.
Algumas contribuições ainda podem ser ditas no sentido de nos fazer pensar na relação
das crianças, suas infâncias e a literatura infantil, que se acham circunscritas às dimensões
do poder exercido em uma sociedade adultocêntrica, que estrutura os “saberes” e “fazeres”
considerados adequados às crianças. Portanto, na perspectiva de fazer emergir metodologias
que priorizem a escuta das crianças, permitindo, assim, que esses modos de pensar o mundo
sejam espraidos por diferentes vetores a serviço de uma literatura capaz de atender aos
territórios culturais nos quais as infâncias estão inseridas, promovendo um encontro possível
entre a infância e a adultez.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, ao enfocar a relação entre literatura infantil e infância como espaço
investigativo, concluimos que, na sociedade ocidental, fundada em regimes de verdades
adultocêntricos, a literatura para as crianças chega predominantemente na escola revestida
de uma concepção de infância dependente, romantizada, silenciada e descontextualizada.
Um processo de construção dinâmico e contínuo que visa promover o apagamento dos
modos como as crianças criam e recriam sua existência entre os adultos e seus pares. Os
livros ainda chegam às escolas preponderantemente através dos chamados “contos de fadas”,
reforçadores de uma concepção de mundo que pensa a infância de maneira atemporal.
Narrativas secularmente produzidas no intuito de dar corpo a uma infância e a uma criança
subsumidas nas projeções do adulto.
Neste sentido, a formação docente coloca-se como elemento fundamental à subversão
dos modos estereotipados de lidar com as crianças, as infâncias e as aprendizagens
que constroem na relação com os adultos e seus pares. Se olharmos na perspectiva dos
direitos fundamentais das crianças, os documentos mandatórios apontam uma docência
instrumentalizada na dimensão teórica, didática e metodológica, requerendo desse

27
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

profissional domínios no campo do planejamento, da avaliação e dos registros. Ou seja,


uma formação que opere múltiplos campos de saberes na consecução de intervenções
pedagógicas que ofereçam às crianças situações educativas que as remeta à cultura,
à arte e à literatura. Neste aspecto, percebemos uma grande lacuna da política pública
de oferta de livros para crianças, os quais são insuficientes, trazem histórias curtas,
com um vocabulário superficial e esteticamente empobrecido, dificultando ainda mais a
construção de estratégias que estabeleçam uma rotina produtiva de leitura na infância.
Quais perguntas, questionamentos, deslocamentos no pensamento da criança poderão
ocorrer com materiais com tais características? Entendemos ser necessário um conjunto de
elementos que impulsione a criança na busca pelo livro, seja pelas cores, imagens, texturas
e ou práticas docentes mobilizadoras do desejo de conhecer. Quando esses requisitos
mínimos não se materializam, muito se perde em relação ao protagonismo das crianças
como seres sociais plenos.
As questões apontadas durante a pesquisa revelam uma imperativa ruptura da escola
e dos discursos que fundam a formação de professores para a infância, no sentido de dialogar
com perspectivas teóricas que rompam com abordagens clássicas de socialização e assumam
uma relação horizontalizada em relação às crianças, suas produções e compreensões acerca
de seu território. A literatura infantil emerge nesse cenário como uma importante ferramenta
nesse processo de desconstrução de uma infância silenciada, subjugada e desigual em relação
ao gênero, raça, etnia, religião, territórios e condições socioeconômicas.
No decorrer da pesquisa, percebemos que as práticas de letramento literário estavam
envoltas em processos de negação dos direitos das crianças a materiais de qualidade
técnica, além de, por vezes, ser tratado para além do planejamento como uma ação de
menor importância: a leitura, a inventividade, o desenvolvimento da oralidade e da escrita
por parte dos sujeitos infantis. Foram iniciativas isoladas que compuseram as narrativas
de professoras, as quais não se representaram no chão da escola durante o percurso da
pesquisa. O que nos chama a atenção em relação à riqueza de ações planejadas para outros
momentos, tais como: caminhar pela comunidade, pensar sobre a vida naquele espaço,
relacionar as obras lidas com as vivências das crianças, a participação de alguns pais e mães
em atividades, as quais foram avaliadas positivamente e que parecem não mais acontecer
enquanto formas de envolver as crianças numa leitura crítica do mundo.
Os estudos das infâncias ensejam novos sentidos e significados para pensar o lugar
que as crianças ocupam nos diferentes espaços que transitam. Desse modo, aludimos que
a literatura infantil configura-se como um potente lugar para que as crianças marquem a
sua autoria, sejam escutadas e respeitadas em suas proposições. O ato de assumir que as
palavras ditas ou não ditas pelas crianças são importantes e precisam encontrar um lugar de
escuta no mundo constituído por verdades dos adultos será um disparador para que tantas
infâncias e crianças que não são vistas e nem atendidas pelas politicas públicas de modo
efetivo assumam mais e mais espaços nos liames de uma [im] possível cidadania em um país
constituído pore tantas desigualdades sociais.
Mesmo sabendo que são muitos os desafios dessa viagem, o grande objetivo será
instaurar possíveis mediações entre a relação adulto- crianças na tentativa de compreender suas
experiências e sustentar sua participação. Desse modo, marcamos a literatura infantil como
potente lugar ao acolhimento e à produção de outras verdades acerca do mundo e das crianças.

28
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

REFERÊNCIAS

1. ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: Gostosuras e Bobices. 4º ed. São Paulo:


Scipione, 1991.

2. ______. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1995.

3. ______. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 5. Ed. São Paulo: Scipione, 2006

4. ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. 2ª


edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

5. BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Culturas infantis: contribuições e reflexões.


Curitiba: Rev. Diálogo Educ., V. 14, n. 43, p. 645-667, set./dez. 2014.

6. BRANDÃO, Ana Carolina Perussi; LEAL, Telma Ferraz, Alfabetizar e letrar na


Educação Infantil: o que isso significa. In: Ler e escrever na Educação Infantil, Belo
Horizonte, 2010.

7. CADEMARTORI, Ligia. O que é literatura infantil. 4. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

8. ______. O que é literatura infantil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2010

9. COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 5. Ed. São Paula,
SP: Moderna, 1991.

10. COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil. São Paulo: Ed. Moderna, 2000.

11. COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

12. CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil: Teoria e prática.18 ed.São
Paulo: Ática,1999

13. DALVI, Maria Amélia; REZENDE, Neide Luzia de; JOVER-FALEIROS, Rita (Orgs.).
Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013.

14. KAERCHER; Gládis Elise P. da Silva. Literatura infantil e Educação Infantil:


Um grande encontro. In:.Caderno de formação: didática dos conteúdos formação de
professores. v.3. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. p. 135-142. Disponível em: http://
www.academia.edu/9606815/Caderno_de_formação_Formação_de_Professores_
Educação_Infantil_Princípios_e_Fundamentos_volume_3. Acesso em: 10 set. 2019.

15. LAJOLO, Marisa. ZILBERMAN, Regina. Um Brasil para Crianças: Para conhecer a
Literatura Infantil brasileira: Histórias, autores e textos. São Paulo: Global ed., 1985.

29
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

16. ______. Literatura Infantil brasileira: Histórias e Histórias. 6.ed. São Paulo: Ática, 1999.

17. LARROSA. Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas.6.ed.rev.amp.


Belo Horizonte:Autentica.2017.

18. OLIVEIRA, Maria Alexandre de. Dinâmicas em literatura infantil. São Paulo:
Paulinas, 2012.

19. PAIVA, Aparecida. A produção literária para crianças: onipresença e ausência das
temáticas. In: PAIVA, Aparecida; e SOARES; Magda (orgs.). Literatura Infantil: políticas e
concepções. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

20. PAULINO, G.; COSSON, R. Letramento Literário: para viver a literatura dentro e
fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; RÖSING, T. M. K. Escola e leitura: velha crise, novas
alternativas. São Paulo: Global, 2009, p. 61-79

21. PICCOLI, Luciana; CAMINI, Patrícia. Práticas pedagógicas em alfabetização:


espaço, tempo e corporeidade. Erechim: Edelbra, 2012.

22. SANDRONI, C. Laura; MACHADO, Luiz Raul. A criança e o livro: guia prático de
estímulo à leitura. 4 ed. São Paulo: Ática, 1998.

23. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2.ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 1998.

24. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 6º


Ed.1P87.Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/alagoas/
santanadoipanema.pdf·.Acesso em: 14 dez de 2019.

30
2

Pandemia e seus impactos na educação e inclusão escolar


das crianças com deficiência: o que dizem pais e professores?1
Pandemic and its impacts on education and school inclusion of
children with disabilities: what do parents and teachers say?
Elizete Santos Balbino(1); Daniela Almeida de Sousa(2); Jéssica Alves Inácio dos Santos(3);
Juciara Inácio dos Santos(4)
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6173-3668, Professora Assistente da Universidade Estadual de
Alagoas (UNEAL) e doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);
Arapiraca, Alagoas; Brasil. [email protected].
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0631-1315, Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia;
Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), Campus I, Arapiraca (AL), Bolsista da FAPEAL/UNEAL,
BRAZIL. [email protected];
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0924-8286, Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia;
Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), Campus I, Arapiraca (AL), Bolsista da FAPEAL/UNEAL,
BRAZIL. [email protected];
(4)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2921-7353, Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia;
Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), Campus I, Arapiraca (AL), Bolsista da FAPEAL/UNEAL,
BRAZIL. [email protected]

ABSTRACT: This article focuses on the impacts of the Covid-19 pandemic on education and school
inclusion. By definition, children with disabilities, especially with regard to the way schools, teachers and
parents are organizing themselves to meet the target audience of special education. Thus, the question
that guides the study is: What are the impacts caused by the pandemic on education and school inclusion
of children with disabilities? Therefore, this research, originating from an ongoing PIBIC project, financed
by the Foundation for the Support of Research of the State of Alagoas (FAPEAL), aims to problematize and
intend the impacts of the pandemic on the schooling process of children with disabilities. For this, a qualitative
approach was chosen, through bibliographic, documentary and field research. Data collection was carried out
through document analysis and semi-structured interviews with 08 participants, 04 teachers and 04 parents
of children with disabilities from public and private schools in the municipalities of Maceió, Arapiraca and
in adjacent municipalities in rural Alagoas. The reflections were raised from the contribution of the studies
of Castro; Almeida (2014); Costa; Oliveira (2019); Gatti (2020), Lima; Bernardes (2020); Martins (2020);
Plaisance (2015; 2018), among others. The partial results of this research reveal the challenges of teachers
in the use of technological tools, as well as the difficulties in readapting pedagogical content so that students
with disabilities can have access to classes; and, still, the impasses that both teachers and parents are facing
to make children focus for a long time in remote classes. Thus, we partially concluded that both the school
and the family need to resize their roles in view of the impacts that the new routines of study, work and social
relationships are happening on the lives of children with disabilities.

KEYWORDS: Student, School, Family.

1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap2
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

INTRODUÇÃO

A escola é concebida por uma vasta possibilidade de entendimentos, tanto no meio


científico como no senso comum. Nesse nicho conceitual, vislumbramos definições variadas:
a escola é o lugar do saber; um dos pilares da sociedade hodierna; ambiente de preparação
para a vida e para o mercado de trabalho; e, ainda, a escola é contumaz compreendida como
um local de investimento, em que pais e professores estimulam os alunos para a realização
de seus sonhos (COSTA; OLIVEIRA, 2019). Essas concepções e definições precisam ser
(re)pensadas e (re)inventadas para que possam atender as necessidades dos alunos,
principalmente, considerando a realidade que todos estão enfrentando como consequência
da pandemia provocada pela Covid-192.
As escolas e as instituições de ensino sejam públicas ou privadas “se inserem nesse
movimento e nessa situação pandêmica, e não estão isentas dos conflitos, das disputas de
poder, de interesses diversos e do jogo econômico, no bojo, também, das desigualdades
institucionais e entre redes de ensino” (GATTI, 2020, p.30).
Segundo os dados da UNESCO3, há 290 milhões de estudantes sem aulas. Estudantes
que estão descobrindo que a atual pandemia afeta não apenas a interação com as outras
pessoas, mas, também, com o nosso próprio corpo, como não tocar o nariz, os olhos, a
boca. Aos pais e educadores cabe a responsabilidade de explicar para as crianças o que
está acontecendo. Assim, cresce a ideia de que a realidade virtual seja a forma mais segura
para interagir com o mundo, pois mover-se livremente em espaços abertos no momento
não é possível.
No contexto pandêmico, marcado por limitações, isolamento e medo, o uso das
ferramentas virtuais emerge, provocando a necessidade de se discutir suas possíveis
consequências para a educação escolar. Desse modo, estudos já apontam algumas
dificuldades, como, por exemplo, a falta de acesso de alunos e professores à internet e o
desconhecimento por parte de docentes quanto à utilização das ferramentas virtuais. Isso
posto, as atividades virtuais acabam, “muitas vezes, por se constituírem em um mero
aprofundamento das metodologias tradicionais (exercícios, correções, aulas expositivas)
e não em um aproveitamento da tecnologia para desenvolver técnicas mais atrativas e
estimulantes de aprendizagem” (MARTINS, 2020, p.08).
Nessa direção, o presente artigo tem como foco os impactos da pandemia da Covid-19 na
educação e inclusão escolar. Por recorte, as crianças com deficiência, sobretudo, no que se refere
ao modo como as escolas, os professores e os pais estão se organizando para atender ao público-
alvo da educação especial. Logo, o questionamento que orienta o estudo é: Quais os impactos
provocados pela pandemia na educação e inclusão escolar das crianças com deficiência?
Pensar acerca desses impactos na perspectiva dos pais e dos professores é o que
move este estudo, por considerar que esse campo de pesquisa mais do que nunca precisará
de atenção e, por isso mesmo, deflagra a importância de reflexões sobre os desafios presentes
no sistema educacional para a efetivação de uma escolarização que contemple a todos,
independentes de características físicas, intelectuais e/ou sensoriais.
2
A COVID-19 é a doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, identificado, pela primeira vez, em
dezembro de 2019, em Wuhan, na China.
3
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

32
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Assim, esta pesquisa, oriunda de um projeto em andamento de PIBIC, financiado


pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL), tem como objetivo
problematizar e tencionar os impactos da pandemia no processo de escolarização das
crianças com deficiência.

REFERENCIAL TEÓRICO

Quando se anunciou a chegada da Covid-19 no Brasil, um dos primeiros passos dos


governantes para “conter” o vírus foi decretar o fechamento das escolas, simbolizando, assim,
que a situação não estava “normal”. Os prazos dos decretos seguiram sendo ampliados e a
pressão pela continuidade dos estudos fez com que se tirasse da gaveta um projeto que há
muito tempo fazia parte das aspirações dos governos e empresas privadas de educação: a
educação à distância (EAD). Do dia para a noite, essa modalidade, que até então não era
permitida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) como ferramenta prioritária
na educação básica, torna-se a solução pragmática para o momento da crise pandêmica.
(MARTINS, 2020, p.07).
Frente a esse contexto, Lima e Bernardes (2020, p.37) convocam-nos a refletir sobre:

[...] as diferenças entre Educação à Distância (EAD) e Educação Emergencial.


A Educação à Distância envolve desde o início uma adequação do conteúdo
trabalhado para a realidade virtual, atividades e aulas síncronas e assíncronas,
suporte constante de tutores, amplas estratégias de abordagens, plataformas
(os chamados ambientes virtuais de aprendizagens) previamente conhecidas
pelos professores e tutores, etc. As escolas estão diante de uma Educação
Remota Emergencial. Remota porque a tecnologia tornou-se mediadora para
as aulas presenciais; emergencial no que se refere a um conjunto de estratégias
de ensino que têm sido pensadas e adaptadas no calor do momento.

Essa nova realidade educacional está gerando grandes desafios para professores, bem
como para pais e alunos dos diversos níveis de ensino, uma vez que:

[...] obrigou crianças, adolescentes e jovens a mudarem seus hábitos


relacionais e de movimento, a estudarem de modo remoto, alguns com boas
condições, com acesso à internet, com os suportes necessários (computador,
tablet ou celulares), mas muitos não dispondo dessas facilidades, ou
dispondo com restrições (por exemplo, não disposição de rede de internet
ou de computador ou outro suporte, posse de celulares pré-pagos com pouco
acesso a redes; um só celular na família etc.), contando ainda aqueles sem
condição alguma para uso dos suportes tecnológicos escolhidos para suprir
o modo presencial. Agregue-se a essas condições o grande contingente de
alunos que não puderam contar com apoio mais efetivo dos pais por seu
nível educacional, ou por trabalharem em setores prioritários durante o
isolamento, ou por outros motivos. Ainda, evidenciou-se situação de alunos
dependentes de redes educacionais que elas próprias não tinham condições
de oferta remota de seus currículos (GATTI, 2020, p.32).

Nesse contexto, o que dizer da educação das pessoas com deficiência em tempos
de pandemia? Como elas estão sendo consideradas em meio às aulas remotas? Como os pais
e as escolas estão fazendo para inseri-los na nova dinâmica que se impõe na atualidade?

33
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Na tentativa de alcançar a compreensão para tais questionamentos e o quanto a


educação escolar pode incidir nos alunos que apresentam algum tipo de deficiência torna-
se urgente “uma reflexão crítica sobre inclusão destes alunos, a partir do tensionamento
criado entre a oferta de ensino de qualidade e as condutas presentes na escola”. (COSTA;
OLIVEIRA, 2019, p.120).
Para Costa e Oliveira (2019), as pesquisas que trazem informações sobre o processo
de inclusão nas escolas retratam uma realidade diametralmente oposta às conclusões,
muitas vezes, afirmadas no cotidiano escolar, as quais oneram o aluno pela sua condição. A
deficiência ou despreparo, de fato, está fortemente inclinada para o sistema de ensino e seus
atores, não para o aluno.

[...] no caso da escola brasileira, seria utópico pensar em política de inclusão


escolar, dado que isso envolve a colocação de alunos em escolas cujos
desempenhos estão entre os piores do planeta. Os alunos podem ter acesso
garantido à escola, mas, assim como os demais, não poderão ter acesso ao
conhecimento sem melhoria da qualidade do ensino. É por isso que para se
discutir inclusão escolar é preciso pensar, antes de tudo, em como melhorar a
escola e o ensino para todos os alunos. (MENDES; VILARONGA; ZERBATO,
2014, p. 123).

Isso acontece porque, ao longo dos tempos, a educação especial foi estabelecida
sobre a cultura da separação, considerando certas crianças como fora da porção comum
ou mesmo “ineducáveis”, tendo, portanto, de frequentar instituições separadas (classes ou
estabelecimentos especiais). O próprio postulado da educabilidade de todos, inclusive das
crianças com deficiência, teve dificuldades em tomar espaço, e isso até por volta dos anos
1970, em vários países europeus. Os tipos de ação educativa também foram progressivamente
reformulados além do “especial” em termos de integração e, principalmente a partir dos anos
2000, em termos de inclusão. A mudança da educação integrativa para a educação inclusiva
não é apenas um efeito da retórica modernista, pois introduz uma nova visão da adaptação:
não mais uma adaptação das crianças às estruturas existentes, mas, ao contrário, das
instituições educativas à diversidade de crianças, o que implica transformações em termos
de acolhida e currículo para que algumas delas não se tornem “excluídos do interior”. Neste
sentido, a vigilância continua sendo indispensável por parte dos profissionais da educação
para que sempre saibam eliminar, em suas práticas, os obstáculos que ainda persistam
contra a participação de todos nos espaços comuns de vida. (PLAISANCE, 2015).
Com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008) e os documentos subsequentes4, o Brasil assumiu essas questões em sua
agenda política pela primeira vez. Os índices de matrícula nos diferentes níveis e etapas
educacionais são significativos; os recursos de apoio à escolarização tornaram-se pauta
nas formações continuadas, acompanhados da implementação de salas de atendimento
Decreto nº 7.611, 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a Educação Especial, o Atendimento Educacional
4

Especializado; Resolução CNE/ CEB n 4, de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Básica; Decreto Federal nº 9.034 de 20 de abril de 2017; que dispõe sobre o ingresso
nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio; lei nº 13.005, de 25 de
junho de 2014. Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2024; Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015
que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência),
dentre outros.

34
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

educacional especializado (AEE)5 em todo o território nacional. Mesmo com os percalços e


fragilidades inerentes a um processo de larga escala, pensar que todo e qualquer professor
deverá ensinar todo e qualquer aluno é algo que ainda causa estranhamento e desconforto
nas escolas. Há uma desconfiança em relação à validade do ensino considerado inclusivo,
para além daquilo comumente chamado de socialização.
Apesar disso, as pesquisas ainda apontam o quanto os professores sentem-se desafiados
quando recebem alunos com deficiência em suas salas de aulas, considerando que:

O acolhimento e a educação de alunos em situação de deficiência foram


por muito tempo limitados a um setor separado da educação: a educação
especial. Ao mesmo tempo, os profissionais que se ocupavam dessas crianças
deviam ser especialistas e tinham pouca coisa a ver com o meio ordinário
da educação, pois exerciam seu trabalho ou em instituições separadas e de
formações específicas ou em classes especiais. Em diferentes países, diplomas
de especialização e de formações específicas foram criados para professores
na prática junto a crianças com deficiência. (PLAISANCE, 2018, p. 111).

Interessa focar o quanto aquilo que hoje é lido como resistência ou desafio perante
a inclusão em escolas comuns é fruto de um processo histórico, em que as pessoas com
deficiência ainda são entendidas como ineducáveis e enfrentam barreiras de toda ordem
quando adentram nas nossas escolas, principalmente as barreiras atitudinais definidas como
“aquelas oriundas das atitudes das pessoas diante da deficiência apresentada pelo indivíduo
como consequência da falta de informação e do preconceito, o que acaba resultando em
discriminação, mais preconceito e, por consequência, a exclusão”. (CASTRO; ALMEIDA,
2014, p.184).
Assim, não parece mais possível discutir hoje a pandemia que atravessamos sem levar
em conta as múltiplas desigualdades que ainda nos marcam e, dentre essas desigualdades,
podemos citar as que envolvem as pessoas com deficiência. Ou pensamos nisso agora ou
liquidaremos de vez a ideia de que toda vida humana importa. Não há economia para quem
está morto – indicativo da irredutível importância da vida e de que a economia não deve ser
nem autônoma nem autorregulada, cogumelo que do dia para a noite brota no gramado.
Hannah Arendt6 indica-nos um caminho: o que faremos para que, por meio da reflexão e
do pensamento, comecemos de novo, comecemos o novo? Que não se comece mais uma vez
pela via da desigualdade é o mínimo que esperamos nesse momento. (MAUTONE, 2020).
Gatti apresenta outro importante questionamento: “com quanto de compreensão
ampla do bem comum, do bem público e do bem-estar social, bem como de formas de
cooperação poderemos contar?” (2020, p.30). Que não se precise de mais uma catástrofe
para perceber o quanto nossas diferenças são insignificantes e o quanto (re)pensar as
características básicas de nossas sociedades e escolas nunca foi tão urgentes.

5
É um serviço da educação especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade,
que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas.
(SEESP/MEC, 2008).
6
Filósofa e teórica política contemporânea. Judia nascida na Alemanha, Suas principais obras são “As Origens
do Totalitarismo”, “Eichmann em Jerusalém”, “Entre o Passado e o futuro” e “A Condição Humana”.

35
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

METODOLOGIA

Para alcançar os objetivos elencados para esta pesquisa, optamos por uma abordagem
qualitativa, pelas vias da pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Para Silveira;
Córdova (2009), a abordagem qualitativa busca explicar o porquê das coisas, exprimindo o
que convém ser feito, mas não quantifica os valores e as trocas simbólicas, nem se submete
à prova de fatos, pois os dados analisados são não-métricos (suscitados e de interação) e
valem-se de diferentes abordagens. A pesquisa documental, por sua vez, é aquela em que
os dados obtidos são estritamente provenientes de documentos, com o objetivo de extrair
informações contidas neles, a fim de compreender um fenômeno; é um procedimento que
utiliza métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais
variados tipos (FLICK, 2009).
A pesquisa tem como proposta ouvir, inicialmente oito participantes, sendo quatro
professoras e quatro pais de crianças com deficiência oriundas de escolas públicas e
privadas do município das cidades de Maceió, Arapiraca e municípios adjacentes do agreste
alagoano. A intenção era que a escuta desses participantes fosse realizada por meio de uma
entrevista semiestruturada, uma vez que, conforme Vieira (2009), a entrevista é um meio
de levantamento de dados, que é feita por um entrevistador, que pode ser o pesquisador
principal, ou por grupos de entrevistadores, treinados pelo pesquisador principal, ou por
toda a equipe. As entrevistas buscam revelar opiniões, atitudes, ideias, juízos.
Contudo, em função da pandemia e seus desdobramentos, utilizamos, como
instrumento metodológico, um questionário on-line através da plataforma Google Forms,
com dez perguntas de cunho subjetivo acerca de como estão ocorrendo as aulas remotas.
Nesse primeiro momento, participaram voluntariamente da pesquisa quatro pais e quatro
professoras de crianças com deficiência.
Na construção e reflexão do campo empírico, levantamos alguns questionamentos
com os quais abordamos a temática em discussão. Entretanto, embora o encontro com o
empírico conte com algo delineado, queremos guardar a abertura necessária para que, ao
finalizarmos a pesquisa, possamos fazer uma análise sobre o tema pesquisado, observando
o que surgirá nesse campo emergente que se apresenta no cenário nacional e internacional.

RESULTADOS E DISCUSSÃO 

Para atingir o objetivo da investigação, foi apresentado aos participantes um breve


resumo sobre a importância da temática proposta, no qual ressaltamos que a intenção
não era encontrar culpados ou questionar a eficácia das aulas remotas. Ao contrário, na
investigação, procuramos problematizar e tencionar os impactos da pandemia no processo
de escolarização das crianças com deficiência.
A pandemia tem afetado diversas áreas e atividades, transformando a vida de
todos. Na educação, professores e alunos passaram a utilizar as ferramentas tecnológicas
como meio para desenvolver as atividades pedagógicas, (re)inventando novas formas de
ser e estar na escola/casa, respeitando o isolamento social e as medidas sanitárias. Nesse
contexto, os alunos com deficiência, que, por décadas, enfrentam impasses no seu processo
de escolarização, viram-se imersos em mais um novo desafio.

36
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

As dificuldades mais frequentes relatadas pelas professoras foram o uso das


ferramentas tecnológicas, de modo que possam prender a atenção e a concentração dos
alunos, o apoio da família, como também a adaptação das atividades escolares.
Uma professora entrevistada falou: “sinto dificuldade em adaptar as atividades que
realizo e que passo para serem realizadas em casa com os pais, pois sei que cada uma
dessas crianças possui necessidades diferentes” (PROFESSORA 3, 2020).
Conforme Guizzo; Marcello; Müller (2020, p.07):

Professoras precisaram aprender a preparar materiais didáticos (atividades,


videoaulas, recados motivacionais etc.), mas também a lidar com aplicativos
e/ou ambientes virtuais nos quais disponibilizar esses materiais. Suas rotinas
alteraram-se bruscamente, pois, além de planejar, também precisaram
aprender a gravar, estar online e sanar dúvidas.

Almeida e Dalbem (2020), numa pesquisa desenvolvida em uma escola pública do


estado do Paraná, questionam: Como a instituição tem vivido esse processo? Quais são os
conhecimentos e recursos materiais que possui, ou deveria possuir, para que suas atividades
possibilitem formas legítimas de ação? Diante da adoção do ensino remoto pelas redes,
está a escola dando continuidade a um processo educacional ou exacerbando já conhecidos
movimentos de desigualdade e exclusão?
O estudo citado trata sobre os contornos educacionais e evidências da experiência
desenvolvida em meio ao advento da pandemia com o intuito de examinar contornos,
limites e potencialidades do processo vivido pelos profissionais da escola diante da inevitável
(re)organização de seu trabalho. Uma reorganização necessária frente à necessidade do
isolamento social que a pandemia nos impôs. (ALMEIDA; DALBEN, 2020).
Para tanto, a readaptação dos conteúdos pedagógicos utilizados para ministrar as
aulas, que devem ser acessíveis e adaptados, empregando estratégias para dar assistência
e receber as devolutivas dos níveis de aprendizagem e tarefas de todos alunos, inclusive
dos que apresentam deficiência. Nessa mesma direção, a professora entrevistada afirma:

[...] pensar e considerar as potencialidades e as necessidades de cada um


para traçar um plano de trabalho individual, mas como já relatei aqui, sinto
a necessidade de um diálogo com os pais. Desse modo, seria mais fácil saber
qual é a melhor forma de atender essas crianças, já que elas também são
capazes de nos dizer como elas se sentem mais confortável e mais estimulada.
(PROFESSORA 3, 2020).

Com esse relato, compreendemos, assim como Guizzo; Marcello; Muller (2020, p.
08), que:

Os responsáveis precisaram mediar a relação entre professoras e


crianças, reaprender conteúdos até então esquecidos e aprender a lidar
com aplicativos e ambientes virtuais: baixar conteúdos, acessar sites
de bibliotecas, filmar atividades, tirar fotografias, fazer postagens que
comprovassem a realização das atividades. Para todas essas tarefas,
precisaram investir grande parte do seu tempo em uma nova demanda
agora a eles imposta, bem como assumir o uso efetivo das tecnologias

37
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

digitais, já que essas compõem as condições de possibilidade para a


continuidade da educação neste momento vivido.

Outros relatos mostram as dificuldades que os docentes estão enfrentando para


manter a atenção e concentração dos alunos. Segundo a Professora 1, os alunos apresentam
dificuldades de manter a concentração por um longo período. Outra professora enfatiza:

Tenho tido um pouco de dificuldade em elaborar as aulas remotas para os


alunos com deficiência, sinto falta de mais recursos na plataforma que uso.
Mas tento procurar meios de acessibilidade para minhas crianças através
dos meus slides, das minhas explicações e dos desafios/brincadeiras que
proponho nas aulas. (PROFESSORA 3, 2020).

Para Guizzo; Marcello; Muller (2020, p. 08):

[...] a necessária redefinição de um cotidiano no qual o ensino domiciliar


mediado por recursos digitais se faz agora decisivo. Nesse novo cotidiano,
professoras, crianças e responsáveis precisaram redimensionar e fazer
dialogar suas experiências com as tecnologias. Na qualidade de estratégia,
tais práticas, de modo mais amplo, parecem apenas reafirmar uma lógica tão
familiar e quase trivial do mercado vinculada aos pressupostos meritocráticos
– promovendo, com isso, novas formas de configuração do cotidiano. [...].

Do ponto de vista dos pais dos alunos com deficiência, os entrevistados reconhecem
que as professoras são prestativas e dedicadas, porém as dificuldades dos alunos em
manter a atenção por um longo período de tempo dificulta seu desenvolvimento: Uma
mãe afirma: “fica disperso, é difícil manter o foco” e outra acrescenta: “Logo no começo ele
gostou, depois viu que a aula estava cansativa e sente por não está perto da tia”.
Essa nova forma de “levar” a escola até o aluno está sendo desafiadora para todos os
envolvidos; para os professores, que, em tempo recorde, tiveram que reinventar o seu plano
de aula, aventurando-se em um universo desconhecido para muitos, o ensino à distância
e novas tecnologias; para os responsáveis, que, em meio a um turbilhão de atividades e
preocupações, estão assumindo o papel de tutores e educadores de seus filhos. Muitos não
fazem ideia do que fazer, estão completamente perdidos. E, por sua vez, os estudantes, que
foram separados de seus colegas de turma, afastados de suas rotinas, estão se vendo em um
novo mundo (MACHADO, 2020).
Para os pais, o corpo docente está sendo prestativo e agindo de forma positiva para a
inclusão de todos os alunos. Uma mãe entrevistada afirma que a professora está “[...] sempre
incentivando e ensinando de formas diferentes que chama atenção dos alunos para estudar”.
(MÃE 2, 2020).
De um modo geral, todos os pais entrevistados mostraram-se satisfeitos com a
organização e estratégias dos docentes, com a forma com que os docentes estão ministrando
as aulas, porém admitem que os impactos da pandemia na vida escolar de seus filhos são
evidentes: “Não tivemos déficits de aprendizado, pois continuamos estudando os conteúdos
em casa, mas tivemos uma grande perda nas habilidades sociais”. (MÃE 3). Porém, outra
mãe relata: “Acho que as crianças estão mais estressadas em casa, o convívio no dia a dia
está sendo muito difícil.” (MÃE 4, 2020).

38
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

A fala dessa mãe permite-nos vislumbrar o quanto “[...] a reinvenção do cotidiano


[...] não tem sido vista como simples. Talvez as dificuldades venham se dando, dentre
outros fatores, pelo fato de as relações interpessoais presenciais estarem sendo fortemente
afetadas” (GUIZZO; MARCELLO; MÜLLER, 2020, p.07).
Corroborando com as autoras citadas, Gatti (2020, p. 39) adverte:

O impacto repentino das mudanças de rotinas no trabalho, no estudo, nas


relações, nas necessidades, nesses tempos de isolamento social, provocou
rupturas com hábitos arraigados [...] bem como demandou exercício de
paciência, desenvolvimento de atividades de modo diferente. O uso de
recursos virtuais entrou em foco e suas qualidades e seus problemas estão
sendo experimentados.

A despeito dessa nova configuração do espaço escolar, o estudo e aprendizagem de


conteúdos curriculares novos em modo de isolamento, com apoios delimitados pela situação
remota, o excesso de conteúdos emitidos ou de tempo dedicado diante da tela do computador
ou outro aparelho digital, trocas relativizadas pelo esforço comunicativo demandado, falta
do calor dos laços presenciais estão provocando dificuldades de atenção, concentração e
estresse dos alunos (GATTI, 2020).
Não temos ainda condições de avaliar o quanto situações como essas que estamos
vivenciando poderão afetar a escolarização e inclusão de alunos com deficiência, mas há que
se considerar que a situação requer cuidado, atenção e sensibilidade de todos os envolvidos.
Nos resultados parciais deste estudo, percebemos que tanto os professores quanto os
pais estão fazendo o possível para superar as dificuldades e minimizar os efeitos da pandemia,
tentando sempre juntos dialogar com os alunos e promover, mesmo que virtualmente, uma
interação com os colegas. Ações dessa natureza tornam ainda mais evidente a necessidade
da união entre escola e família, para que o processo de inclusão e desenvolvimento dos
alunos com deficiência concretize-se e minimize os efeitos de qualquer situação que ocorra
no processo de escolarização.
Família e escola sempre formaram um elo importante no desenvolvimento da
aprendizagem de  crianças e adolescentes. Nesse momento, a escola, com certeza, não quer
que a família seja responsável pelos conteúdos dados, mas que se ocupe em estimular seus
filhos em suas atividades escolares. A família, por sua vez, está sendo chamada junto com a
escola a refletir sobre novas formas de pensar a organização e aprendizagem dos seus filhos.
Gatti (2020) adverte que, no contexto pandêmico que atravessamos, trata-se de criar
condições coletivas para construir e assumir novas formas de pensar e de agir no que se refere
às funções e ao trabalho escolar, com novas atitudes e perspectivas, possibilitando, com isso,
recriar os espaços e tempos escolares, quebrar com a “hora-aula”, criar alternativas para
aprendizagens em coparticipação, construir dinâmicas curriculares com o essencial dos
conhecimentos importantes para a sociedade contemporânea, ponderados por uma visão de
futuro. O papel dos gestores e professores precisará configurar-se em outros contornos e sua
formação deverá ser repensada.

39
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Optamos por trazer esta temática por entendermos que falar sobre as crianças com
deficiência nesse contexto é muito importante, mas reconhecemos a escassez das pesquisas
que tratem da pandemia e seus efeitos para o público alvo da educação especial, até porque
os estudos estão apenas começando. Contudo, considerando a situação de desigualdade e
vulnerabilidade que essas crianças vivenciam cotidianamente são necessárias discussões
nessa área, no intuito de divulgar e fomentar estudos futuros.
Ainda que a pesquisa apresente dados parciais, registramos o quanto a pandemia e,
consequentemente, o isolamento social que ela exige deram origem a um deslocamento e a
uma reinvenção dos espaços escolares, nos quais o ensino domiciliar, mediado por recursos
digitais, faz-se agora decisivo. Nesse novo cotidiano, professoras, crianças e responsáveis
precisarão (re)ogarnizar o trabalho pedagógico.
Dito isso, concluímos que tanto a escola quanto a família precisam redimensionar
seus papéis frente aos impactos que as novas rotinas de estudo, trabalho e relações sociais
estão provocando na vida de todas as crianças, e em especial das que apresentam deficiência,
nesse momento de pandemia.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa não teria acontecido sem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Alagoas (FAPEAL), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica
(PIBIC) da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL).

REFERÊNCIAS

1. ALMEIDA, Luana Costa; DALBEN, Adilson. (Re)organizar o trabalho pedagógico em


tempos de covid-19: no limiar do (im)possível. Educ. Soc. [online]. 2020, vol.41, e239688.
Epub Nov 23, 2020. ISSN 1678-4626. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/
es.23968. Acesso em: 18 nov 2020.

2. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de


Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, 2008. Disponível
em: portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 15 maio 2020.

3. CASTRO, Sabrina Fernandes de; ALMEIDA, Maria Amelia. Ingresso e Permanência


de Alunos com Deficiência em Universidades Públicas Brasileiras. Rev. Bras. Ed. Esp.,
Marília, v. 20, n. 2, p. 179-194, Abr.-Jun., 2014. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.
php?pid=s1413-65382014000200003&script=sci...tlng...>. Acesso em: 20 mar 2020.

4. COSTA, Daniel da Silva; OLIVEIRA, Glaucimara Pires. A cortina de fumaça na


inclusão de alunos com deficiência. Revista Interinstitucional Artes de Educar. Rio de
Janeiro, V. 5, N.1- pág. 118 -134 janeiro-abril de 2019: “Gênero, sexualidades e educação
em sistemas de privação de liberdade.” Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/
index.php/riae/article/view/37922. Acesso em 15 maio 2020.

40
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

5. FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.

6. GATTI, Bernardete Angelina. Possível reconfiguração dos modelos educacionais


pós-pandemia. Estud. av. vol.34 no.100 São Paulo Sept./Dec. 2020 Epub Nov 11, 2020.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.34100.003. Acesso em: 15 dez
2020.

7. GUIZZO, Bianca Salazar; MARCELLO, Fabiana de Amorim; MÜLLE, Fernanda.


A reinvenção do cotidiano em tempos de pandemia. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 46,
e238077, 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s1678-4634202046238077.
Acesso em: 12 dez 2020.

8. LIMA, Luciméa Santos; BERNARDES, Marcus Do caos à pandemia: educação


emergencial em escolas do campo. In: SOARES, Sávia Bona Vasconcelos. (Org.).
Coronavírus, educação e luta de classes no Brasil. Editora Terra Sem Amos: Brasil, 2020.
p.35-44.

9. MACHADO, Patrícia. Educação em tempos de pandemia: O ensinar através de


tecnologias e mídias digitais. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento.
Ano 05 de junho de 2020. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/
educacao/tempos-de-pandemia. Acesso em: 18 nov 2020.

10. MARTINS. João Rodrigo Vedovato. Educação como lócus da Luta de classes na
pandemia. In: SOARES, Sávia Bona Vasconcelos. (Org.). Coronavírus, educação e luta de
classes no Brasil. Editora Terra Sem Amos: Brasil, 2020. p. 15-20.

11. MAUTONE, Guilherme. Racismo e desigualdade são destacados por principais


filósofos da atualidade em e-book gratuito sobre a covid-19. 2020. Disponível em:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2020/04/racismo-e-
desigualdade-sao-destacados-por-principais-filosofos-da-atualidade-em-e-book-gratuito-
sobre-a-covid-19-ck8rgxq0r00yk01qwasqx0rn3.html. Acesso em: 10 maio 2020.

12. MENDES, Enicéia Gonçalves; VILARONGA, Carla Ariela Rios.; ZERBATO, Ana Paula
(Orgs). Ensino colaborativo como apoio à inclusão escolar. São Carlos, SP: EdUFSCAR, 2014.

13. Organização Pan-Americana de Saúde. Folha informativa COVID-19 - Escritório


da OPAS e da OMS no Brasil. 2020. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19.
Acesso em: 17 dez 2020.

14. PLAISANCE, Eric. “Não estamos preparados para isso!” – educação inclusiva e
formação de professores. In: VOLTOLINI. Rinaldo (Org.). Psicanálise e formação de
professores: antiformação docente. 1. ed. São Paulo: Zagodoni, 2018. p. 111-124.

15. PLAISANCE, Eric Da educação especial à educação inclusiva: esclarecendo as palavras


para definir as práticas. Educação (Porto Alegre, impresso), v. 38, n. 2, p. 230-238, maio-

41
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

ago. 2015 Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/


view/20049. Acesso em: 15 maio 2020.

16. SILVEIRA, Denise Tolfo; CÓRDOVA, Fernanda Peixoto. A pesquisa científica. In:
GERHARD, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Org.). Métodos de pesquisa. Porto
Alegre: Editora UFRGS, 2009. p. 31-42.

17. VIEIRA, Sonia. Como elaborar questionários. São Paulo: Atlas. 2009.

42
3

Infâncias e cidadania: desafios educacionais


contemporâneos1
Childhood and citizenship: contemporary educational
challenges
Karla de Oliveira Santos(1)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4954, Doutora em Educação e Professora Adjunta da Universidade
Estadual de Alagoas. Email: [email protected]

Há cinco tipos de crianças em nosso mundo hoje:


A criança nossa cliente;
A criança produtora, sob outros céus;
Em outro lugar, a criança soldado;
A criança prostituída;
E, sob os anúncios do metrô;
A criança morrendo, cuja imagem, periodicamente,
Lança sobre nossa fadiga o olhar da fome e do abandono.
São crianças, todas as cinco.
Instrumentalizadas, todas as cinco.

(Daniel Pennac – Trecho de Changrin D’école)

ABSTRACT: The following text is part of a closing lecture given on September 4, 2020 at a session called
GT 16: Childhood, children, diversity and inclusion perspectives of the X Scientific Cultural Meeting (ENCCULT
– online), in which we sought to make some problematizations about the relationship between childhood
and citizenship education, presenting the challenges that are placed in the contemporary regarding the
understanding of children as active, affirmative and subjects with their own rights. For this, we emphasize that
childhood is a category that historically arises in modernity. This fact helps us to understand its protagonism in
public policy, since there was no existence of childhood in previous centuries – children were seen as “miniature
adults”. Our duty at this time of COVID-19 pandemic, which has already victimized more than 180 thousand
people in Brazil, and with a far-right, authoritarian, obscurantist, conservative and ultraliberal government in
power is to point out the problems of citizenship education and possibilities of resistance.

KEYWORDS: Childhood, Children, Citizenship.

1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap3
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Primeiras palavras

A importância de compreender as crianças enquanto sujeitos de direitos está


relacionada ao desenvolvimento de novos paradigmas sobre a concepção de infância, que
reconhece a qualidade humana e política dessa compreensão, principalmente a disputa por
sua presença em espaços sociais, enquanto direitos de cidadania e dever do Estado. Dentre
esses espaços, a educação ocupa, desde o advento da República, um lugar de destaque.
A proposta organiza-se a partir de questões históricas pontuais sobre a infância no
Brasil e a cidadania dos infantis. Logo após, faremos ponderações acerca da relação da
formação para a cidadania e a educação, enfatizando uma breve análise política e social do
cenário atual. Finalizamos com alguns encaminhamentos para a resistência.

Notas históricas sobre a infância no Brasil

Iniciamos partindo de Sarmento (2001), quando afirma que sempre houve crianças,
mas não a infância, com suas características identitárias e aspectos geracionais, sendo esse
conceito de infância entendido como um projeto inacabado da modernidade.
A construção da infância no Brasil e sua história têm sido marcadas pelo signo de
uma infância, muitas vezes, atemporal, ingênua e dependente. Algumas dessas significações
de infância estão tão naturalizadas em todos nós, que não conseguimos problematizar os
discursos que a produzem desse modo. (DORNELLES, 2011).
A história das infâncias sempre colocou as crianças a partir de aspectos de
negatividade, como sem linguagem, sem cultura. E essa marca trouxe implicações na
construção da infância.
Neste sentido, percebermos a presença das crianças desde o processo de colonização
brasileira, onde reafirmamos que sempre existiram as crianças, mas não as infâncias, sendo
que estas são uma invenção da modernidade.
O Brasil Colônia foi marcado pela invisibilidade da criança e, consequentemente,
a negação da infância. Para Silveira Faleiros (2011), o Brasil Colônia foi um período de
desvalorização da criança, inclusive de sua existência e vida. As crianças e adolescentes
escravos eram considerados mercadorias e sua mão-de-obra explorada.
Durante o período da escravatura, as crianças escravizadas eram invisibilizadas e
animalizadas. Corroborando com a discussão, ainda Silveira Faleiros (2011) pontua que
a escravidão negra, da qual lançaram mão os portugueses, formou e modelou as relações
econômicas e sociais naquele período, bem como as políticas referentes à infância e
adolescência, cuja influência fez-se sentir na história da atenção a essa população no Brasil.
A sociedade brasileira é marcada por um racismo estrutural, segundo o que diz
Silvio de Almeida (2018), sendo o sustentáculo para as desigualdades sociais, econômicas e
educacionais. E ao analisarmos a sociedade alagoana, deparamo-nos ainda com as relações
de coronelismo e mandonismo, que nos marcam profundamente.
No início da República, a infância era vista como um perigo social, principalmente
a infância pobre. A criança pobre era vista como um delinquente em potencial, marginal,
representando perigo à sociedade e o Estado deveria atendê-la.

44
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Em nome da paz social e no que a infância, em particular a pobre, poderia simbolizar


como perigo social, foi criado um complexo aparato médico-jurídico-pedagógico e assistencial
para moldá-la a partir das funções de prevenção, educação, recuperação e repressão, visando
“salvar” as crianças para transformar o Brasil, no sentido de que essas crianças deveriam ser
controladas para não causarem danos à sociedade. (SANTOS, 2018).
No entanto, a República não foi capaz de garantir os direitos sociais para as crianças.
As políticas públicas tinham caráter assistencialista ou autoritária, menos cidadão. Crianças
trabalhadoras ( nas fábricas, nos canaviais, nos sisais, nas carvoarias), crianças nas ruas,
crianças no tráfico de drogas, crianças exploradas sexualmente, crianças vulneráveis,
crianças com fome, eram rostos presentes na sociedade brasileira.
Chegamos à contemporaneidade com a promulgação da Constituição Federal de 1988,
considerada a Carta Magna mais cidadã do mundo, e o Estatuto da Criança e do Adolescente
de 1990, que completou três décadas de existência.
Segundo Santos (2018), a redemocratização do Brasil, com princípios democráticos,
de liberdade e cidadania e garantia de direitos aos indivíduos, anunciava uma nação nova,
no entanto, para as crianças brasileiras, a realidade era outra. Em um país de origem
escravocrata, as crianças de origem pobre não tinham acesso à escola, trabalhavam em
situação de risco, sem nenhuma regulamentação, além de viver em condições desumanas,
aflorando ainda mais as desigualdades sociais. Destarte, a história da infância no Brasil
tem a marca da indiferença e do paternalismo assistencial pelo Estado, que, na conjuntura
democrática, necessitava gerir a conduta das crianças, por serem consideradas o futuro da
nação e, para isso, o controle deveria ser um aliado para esse projeto.
A criança é um dos instrumentos de intervenção do Estado na família, sendo necessário
garantir a paz social e a ordem, assim sendo, ela necessitava ser governada, corrigida e
medicalizada, para não se tornar um problema para a nação, inclusive gerando dispêndio
aos cofres públicos.
A “fabricação” da criança na contemporaneidade fez surgir um sujeito que agora é
compreendido enquanto sujeito afirmativo e de direito, capaz de expressar suas opiniões e
de ter uma participação cidadã, fortalecendo e consolidando a democracia, respaldado por
um arcabouço legal que legitima essa concepção, sob influência da Convenção das Nações
Unidas dos Direitos das Crianças no final da década de 1980, como um direito universal a
todas as crianças.

Problematizações sobre as Infâncias e a formação para a cidadania

A discussão sobre cidadania da criança é recente na história nacional, pois surge


a partir do arcabouço legal que é promulgado no Brasil ao final da década de 1980, sob
a influência da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, e da Convenção
Mundial dos Direitos da Criança, em 1989, que foram premissas ao ideário de cidadania
da infância.
A Convenção Mundial dos Direitos da Criança representa um marco jurídico, pois
os países signatários comprometeram-se a garantir os direitos das crianças na tomada
de decisão, dando visibilidade à sua voz nos assuntos que lhe dizem respeito, fruto das

45
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

pressões sócio-políticas. A criança passa a ser considerada cidadã, plena de direitos


sociais e institucionais. Entretanto, o projeto neoliberal de sociedade possui um discurso
de igualdade, que encobre as profundas desigualdades sociais, pelo qual são vitimizadas
milhares de crianças neste Brasil.
E agora, como pensar a cidadania das crianças?
As crianças passaram a ser consideradas sujeitos de direitos, conquistando o direito
de cidadania legalmente, mas que ainda não foi efetivado, sendo contraditório o lugar que
as crianças ocupam no ordenamento jurídico e as condições de restrição para usufruírem de
seus direitos sociais.
A cidadania só se efetiva em uma sociedade dialógica, não autoritária, que promova
oportunidades de participação popular adulta e infantil em vários níveis de decisão e ação.
Segundo Pino (2004), as condições sociais mudaram muito nas sociedades nesse longo
período, mas os rostos infantis ainda refletem os horrores da realidade social e econômica,
assim como as condições de vida da maioria da população brasileira.
Apesar dos avanços no que diz respeito às legislações de garantia de direitos às
crianças brasileiras, ainda temos marcas profundas de desigualdade, abusos e violências
contra os infantis.
As políticas públicas ainda são restritas, baseadas em uma perspectiva de
assistencialismo limitado, autoritarismo (punições e repressões), clientelismo e intolerância,
que segregam e excluem as crianças (pobres) para o exercício da cidadania. (SANTOS, 2018).
E com a pandemia da COVID-19, as infâncias pretas, pobres, indígenas, deficientes, rurais,
periféricas, de rua, ribeirinhas, foram totalmente invisibilizadas. Para essas infâncias, o
vírus chega antes das políticas públicas.
Há um déficit na cidadania dessas crianças brasileiras, marcada por uma desigualdade
socioeconômica, que impede a efetivação de um projeto de emancipação social, de
reconhecimento como tempo humano específico de direitos e, consequentemente, as formas
de ver e tratar as crianças.
Há um paradoxo da infância na modernidade, ora entendendo as crianças enquanto
sujeitos de direitos, ao mesmo tempo em que há a predominância da mão-de-obra infantil
e o marketing pelo viés delas nas publicidades, estimuladoras do consumo, ou enquanto
consumidoras. Nesse sistema globalizado, a criança é um ser histórico social e cultural, mas
principalmente consumidor. (SANTOS,2018).
A infância, inclusive a pobre, é vista como parcela do mercado consumidor,
bombardeada por imagens e propagandas, expondo-a à violência e sexualidade precoce, cada
vez mais cedo adentrando no mundo adultizado, condicionada, muitas vezes, ao sistema
capitalista, que usa mecanismos de dominação e assujeitamento, através da mídia eletrônica,
guiando posicionamentos que se distanciam de uma formação crítica, principalmente para
as crianças das camadas populares.
Neste sentido, como pensar a educação e a formação para a cidadania?
Hoje temos um movimento forte de retorno às aulas, mesmo com a ascensão de óbitos
com a pandemia da COVID-19 que assola o país, oriundo das pressões do setor econômico e,
em especial, do setor privado da educação.

46
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Destarte, de acordo com Santos (2018), a educação exerce um papel importante,


como questionadora desta sociedade, sendo necessário e urgente que a escola repense suas
práticas nesta modernidade, dando voz às crianças e promovendo uma criticidade sobre
o mundo. Contudo, possui dificuldades de promover uma educação verdadeiramente
emancipadora, que vá além da aquisição dos saberes ditos “universais”, mas que torne as
crianças capazes de desenvolver um pensamento crítico sobre a realidade que as cerca,
valorizando as especificidades de seu tempo, dando visibilidade ao seu protagonismo para o
exercício da cidadania.
Ressaltamos que, ao analisar a conjuntura histórica do Brasil, sabemos que temos
pouca experiência com governos republicanos democráticos e, na atualidade, estamos
sendo ameaçados e podados de viver processos plenos de democracia e, consequentemente,
o exercício pleno da cidadania, podendo implicar cooptação, para outros fins e interesses.
Para Biesta (2017), uma sociedade em que os indivíduos não são capazes ou não têm a
permissão de agir não pode esperar que as escolas produzam os cidadãos democráticos
para ela. E ainda pontua que a melhor maneira de educar para a democracia é por meio da
democracia, isto é, por meio de formas democráticas de educação, por vias de participação
na vida democrática. Neste sentido, queremos apresentar sete argumentos, que a nosso ver
são preocupantes para a formação e exercício da cidadania das crianças brasileiras:
Primeiro argumento. Temos que considerar que o ano de 2020 potencializou as
desigualdades estruturais que marcam a sociedade brasileira, quando a maioria das
crianças não possui acesso às aulas remotas, à internet de banda larga, que se diferencia
de um plano de dados móveis, de aparelhos eletrônicos e até de espaço para estudos. O
ensino remoto é excludente.
Segundo argumento. Há um interesse privatista que o ensino híbrido consolide-se
na educação pública, como contenção de gastos, mas que, no final das contas, precariza e
promove maiores debilidades educacionais, principalmente para as camadas populares.
Terceiro argumento. A ausência de políticas públicas de proteção social é uma marca
do cenário atual, quando, em um momento pandêmico, o importante é a sobrevivência. O
sentido de “#fiqueemcasa” tem sido um privilégio e não um direito.
Quarto argumento. A preocupação com o tempo cronos de cumprimento de carga
horária e de dias letivos coopta-nos a relacionar isso como um direito de aprendizagem. No
entanto, não há um direito isolado do outro. O direito à educação deverá ser acompanhado
do direito à habitação, à saúde, à alimentação, à renda, ao saneamento básico etc.
Quinto argumento. O discurso da igualdade educacional tem imposto um currículo
padronizado, mínimo, homogêneo, alinhado às avaliações oficiais, que fabrica crianças
treináveis, desconsiderando as suas experiências, a sua cultura, os seus saberes e a sua
linguagem infantil, além da negação do seu direito ao brincar, conferindo cidadania apenas
ao ato de aprender habilidades e competências para o trabalho.
Sexto argumento. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que apresenta o
desenvolvimento de competências socioemocionais, entre elas a resiliência, a autonomia,
o autocuidado, escolhas para o exercício da cidadania, é uma utopia quando as crianças
pobres não têm acesso às políticas públicas sociais, tendo que conviver com a negação de
direitos humanos.

47
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

E último argumento. O homeschooling como alternativa de podar as crianças de


socialização, desqualificação da escola, em um movimento ultrarreacionário de um governo
que compreende os professores como inimigos, influenciado pelo Projeto Escola Sem Partido.
O que nos chama a atenção é que a proposta partiu do Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos, da pastora Damares Alves, e não do Ministério da Educação. Cabe
lembrar que o Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2018, posicionou-se contrário ao
tema, já que não há lei que regulamente isso no Brasil.
Dito isto, queremos apresentar algumas reflexões sobre o pós-pandemia:
A primeira reflexão diz respeito à pandemia da COVID-19. Pensamos que a pandemia
da COVID-19 escancarou as desigualdades sociais e educacionais a que milhares de crianças
no Brasil são submetidas em seus cotidianos. O vírus é mais veloz que as políticas públicas
para esse público, que convive diariamente com a fome, a miséria, o luto, a falta de saneamento
básico e de água encanada, o racismo, as violências de todas as ordens, principalmente a
estatal, com ênfase para a necropolítica que tem se configurado como estratégia genocida do
governo Bolsonaro.
A segunda reflexão que apresentamos é questionar o retorno às aulas, compreendendo
que é uma política de morte, pois atingirá diretamente as crianças pobres, que já convivem
em estruturas escolares precárias, em que muitas vezes falta sabão para lavar as mãos e até
papel higiênico.
A última reflexão diz respeito às problemáticas educacionais e de formação das crianças
para a cidadania apontadas até aqui. Acreditamos que permanecem hoje e continuarão pós-
pandemia, pois a desigualdade abissal, partindo da análise de Boaventura de Souza Santos
(2007), e a negação de direitos básicos sobrepõem-se ao direito de aprendizagem, quando o
que está em jogo neste momento é o direito à vida. Como nos alerta Cara (2019), as políticas
educacionais das forças hegemônicas têm reduzido a educação a um insumo econômico ou
a uma estratégia disciplinadora doutrinária. Esses são resultados das ações dos ultraliberais
e dos ultrarreacionários, que ganharam hegemonia política desde 2016.
Quais os caminhos possíveis para a resistência?
No espaço macro, o que nos resta de esperança é a aprovação do FUNDEB permanente
com o CAQ (custo-aluno) – PEC 26/2020. Enquanto no espaço micro, é planejar o ano
letivo de 2021, para recuperar o que não foi possível de aprender em 2020 e minimizar as
dificuldades de aprendizagens, evitando maiores segregações, humilhações, reprovações e
insucesso escolar.
Lamentavelmente, estamos vivendo não só uma crise sanitária, mas também política,
econômica e moral, em que as mortes foram naturalizadas, as infâncias precisam ser
ressignificadas e as crianças e suas famílias precisam sobreviver.
A educação comprometida socialmente, politicamente e emancipatória, luta pelo
direito à vida justa, humana, das infâncias que estão o tempo todo, na atualidade, ameaçadas
de não viver. Ou seja, as crianças que estão do outro lado da linha. Endossando essa afirmação,
Catini (2019, p.39) assinala: “A educação deve ser uma prática subversiva, pois este é o único
modo de negar os pressupostos objetivos da barbárie”.
Finalizamos com a ponderação de Arroyo (2012, p.83) quando afirma: “Lutar por vida
confere o significado político mais radical às lutas por direitos”.

48
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

REFERÊNCIAS

1. ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG):
Letramento, 2018.

2. ARROYO, Miguel González. Vidas ameaçadas: exigências-respostas éticas da


educação e da docência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

3. BIESTA, Gert. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro


humano. Trad. Rosaura Eichenberg. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

4. CARA, Daniel. Contra a barbárie, o direito à educação. In: CÁSSIO, Fernando.


Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. 1 ed.
São Paulo: Bointempo, 2019, p. 25-31.

5. CATINI, Catarina. Educação e empreendedorismo da barbárie. In: CÁSSIO, Fernando.


Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. 1 ed.
São Paulo: Bointempo, 2019, p.33-39.

6. DORNELLES, Leni Vieira. Infâncias que nos escapam: da criança na rua à criança
cyber. 3 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

7. PINO, Angel. Infâncias e Cultura: semelhanças e diferenças. In: GALLO, Sílvio;


SOUZA, Regina Maria de (Orgs.). Educação do preconceito: ensaios sobre poder e
resistência. Campinas, SP: Editora Alínea, 2004, p.147-164.

8. SARMENTO, Manuel Jacinto. A globalização e a infância: impactos na condição social


e na escolaridade. In: GARCIA, Regina Leite; FILHO, Aristeo Leite (Orgs.). Em defesa da
educação infantil. Rio de Janeiro, DPA editora, 2001, p. 13-28.

9. SILVEIRA FALEIROS, Eva Teresinha. A criança e o adolescente. Objetos sem valor no


Brasil Colônia e no Império. In: Rizzini, Irene; PILOTTI, Francisco. A Arte de governar
crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil.3
ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 203-222.

10. SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do pensamento abissal: das linhas globais
a uma ecologia de saberes. Novos Estudos, CEBRAP, nº 79, novembro de 2007, p. 71-94.
Disponível in: https://www.scielo.br/pdf/nec/n79/04.pdf. Acesso em 01 de setembro de
2020.

11. SANTOS, Karla de Oliveira. A Prova Brasil e a participação da criança cidadã em


uma escola pública de São Miguel dos Campos/AL.(Tese de doutorado em educação).
Universidade Federal de Alagoas. Centro de Educação, Maceió, 2018.

49
4

Pesquisa Colaborativa: Mediações que Fomentam Novos


Saberes e Novas Práticas1
Collaborative Research: Mediations that Foster New
Knowledge and New Practices
Soraya Dayanna Guimarães Santos(1); Eliane Cristina Moraes de Lima(2); Maria Quitéria da Silva(3);
Neiza de Lourdes Frederico Fumes(4)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2623-4430 Docente do Departamento de Educação Física e do
Programa de Pós-Graduação em Educação; Universidade Federal de Viçosa (UFV); Viçosa - MG; soraya.
[email protected];
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3241-1712 Graduada em Educação Física – Licenciatura; Universidade
Federal de Alagoas (UFAL); Maceió – AL; [email protected];
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8192-7996 Mestranda em Educação; UFAL; Maceió – Alagoas;
[email protected]
(4)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1913-4784 Docente do Instituto de Educação Física e Esporte e do
Programa de Pós-Graduação em Educação; UFAL; Maceió – AL; [email protected]

ABSTRACT: The study aimed to analyze the collaborative counselling and self-confrontation used in a
collaborative research as mediators of new knowledge and teaching practices for educational inclusion. It is
a qualitative research, in which took part: a university professor, three collaborative consultants, a PROCAD
researcher, a deaf student and a Libras interpreter. The instruments used were participant observation, self-
confrontation and collaborative counselling. For data analysis, content analysis was used. The results showed
that the strategies carried out by the teacher came from the orientations she received during the research
process. It is believed that upon receiving these guidelines, the teacher rebuilding her knowledge about the
deaf student’s learning, which was fundamental to change her teaching methodology in her classes.

KEY-WORD: Collaborative Research, Self Confrontation, Pedagogical Strategies, Inclusive Practices.

INTRODUÇÃO
Ter uma prática pedagógica que oportunize a todos os alunos a participação nas ativi-
dades acadêmicas e, consequentemente, a aprendizagem constitui-se uma das demandas do
processo inclusivo. Porém, muitos docentes apresentam dificuldades para a sua efetivação,
seja pelas barreiras atitudinais e/ou pela falta de uma formação. Especificamente, quando
se trata da inclusão de alunos com deficiência, é vasta a literatura (PRAIS; ROSA, 2017; BA-
ZON, et al, 2018) que demonstra que a formação docente deixa muito a desejar.

Se analisado o contexto formativo inicial sobre a docência universitária


de modo geral, são evidenciadas problemáticas com relação à fragilidade
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap4
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

no preparo do professor para ensinar no ensino superior, a preocupação


se amplia quando tratamos da temática do ensino assim como da inclusão
de pessoas com deficiência no contexto universitário [...] (MARTINS,
2016, p. 102).

Em consonância com a autora, para a superação dessa situação, é necessário haver a


possibilidade de se envolver em ações formativas, principalmente, no decorrer do exercício
profissional, que supram as necessidades da atividade docente. Muitas dessas lacunas são
advindas de uma formação inicial precária e que não considera uma perspectiva inclusiva
de educação, como ainda de uma formação pós-graduada de pesquisadores, mas não de
professores (SANTOS, 2016).
Para Bazon et al (2018, p. 4), “precisamos estar atentos às condições necessárias para
a efetivação do processo inclusivo, sendo que a formação de professores se constitui como
um dos requisitos fundamentais para que o referido processo se torne efetivo”. Dentre tais
condições, destacamos que esse professor precisa reconhecer a importância e saber engajar-
se em um processo colaborativo com um profissional especialista, no sentido de construir,
qualitativamente, uma prática pedagógica que atenda às especificidades do aluno com
deficiência e promova sua inclusão na aula (PRAIS; ROSA, 2017). Nessa circunstância, a
formação e a prática pedagógica inclusiva são elementos que não se descolam no processo
educacional inclusivo.
Santos (2016) considera que refletir sobre as relações estabelecidas, na sala de aula
universitária, é evidenciar que a prática pedagógica vai além da figura do professor (como
aquele que ensina), do estudante (como aquele que deve aprender), da disciplina (o assunto a
ser transmitido ao estudante e dominado pelo professor) e do método (a forma como o professor
transmite o conhecimento). Na verdade, há um processo de interação com o meio social, no
qual mediação e internalização aparecem como aspectos preponderantes para que ocorra a
aprendizagem e, consequentemente, a apropriação do conhecimento (MOREIRA, 2004).
Nessa perspectiva, a mediação, mais do que nunca, é elevada a elemento articulador
dos participantes e das atividades que se dão nessa realidade. Desse modo, são movimentos
que não acontecem de forma direta, mas que utilizam instrumentos e signos, principalmente,
a linguagem, os quais se apresentam como ponte para a construção do conhecimento. Do
ponto de vista da Psicologia sócio-histórica, “a categoria mediação não tem, portanto, a
função de apenas ligar a singularidade e a universalidade, mas de ser o centro organizador
objetivo dessa relação (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 302)”. É na mediação que os elementos
internos e externos relacionam-se para novas constituições e novas aprendizagens.
Essa dinâmica considera o que Vigotsky chama de Zona de Desenvolvimento Proximal
(ZDP), em que o sujeito necessita da mediação para ter um avanço na aprendizagem. O
autor explica que a ZDP é:

[..] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma


determinar através da solução independente de problemas e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes (VIGOTSKY, 2007, p. 97).

51
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Nessa direção, de acordo com Fumes, Santos e Dounis (2013), os trabalhos


colaborativos permitem que os seus partícipes coloquem-se, sempre, em situação de
aprendizes, em uma relação de troca uns com os outros. Essa aprendizagem mediada pelo
outro incide na ideia de ZDP. Assim, contextualizada na possibilidade de promover a ZDP,
a colaboração pode significar uma “[...] ajuda para avançarmos nos nossos processos de
desenvolvimento pessoal e profissional” (IBIAPINA; FERREIRA, 2005, p.33).
Ibiapina (2008) ressalta que o trabalho, na perspectiva colaborativa, é democrático
por permitir que todos os seus atores tenham voz ativa e possam refletir sobre o processo em
estudo. O pesquisador passa a ser um mediador e o professor constitui-se, além de sujeito da
pesquisa, em um colaborador.
Considerando as proposições de Vigotsky, a consultoria colaborativa e a
autoconfrontação, potenciais técnicas de pesquisas colaborativas, foram utilizadas, neste
estudo, como recursos metodológicos com o intuito de fomentar novas mediações, que vão
atuar na ZDP do docente e, consequentemente, contribuir com novos aprendizados.
Araújo e Almeida (2014) afirmam que as técnicas supracitadas apresentam-se
como importantes ferramentas para auxiliar o professor nesse processo de aquisição
de conhecimentos específicos, que leva à inclusão. Essas técnicas podem atuar como
elemento mediador da prática docente, trazendo contribuições para o alcance de uma
proposta didática que permita a aprendizagem e a participação do aluno com deficiência
nas atividades acadêmicas.
A consultoria colaborativa refere-se ao “[...] compartilhamento do trabalho
(planejamento, avaliação, expectativas) entre um especialista e o professor de Educação
Comum – tem sido apontada com um dos componentes para uma inclusão bem-sucedida”
(ARAÚJO; ALMEIDA, 2014, p. 343). Nessa relação, “o papel do consultor é auxiliar o
professor a construir estratégias e rever as potencialidades de seus alunos para que possam,
de forma efetiva, se desenvolver academicamente” (MACHADO; ALMEIDA, 2014, p. 225).
Na consultoria, buscamos identificar os desafios e as barreiras encontradas no processo de
ensino e aprendizagem, para propor formas de eliminá-las e, assim, possibilitar a inclusão
efetiva do aluno com deficiência.
Gasparotto e Menegassi (2016) explicam que a consultoria colaborativa, como
instrumento mediador da construção do conhecimento, possibilita ao docente a
ressignificação de sua prática, tendo em vista que sua proposta é dar subsídios teórico-
metodológicos por meio da autoavaliação do docente.
Nessa tessitura, a consultoria colaborativa, como já expresso, atua na ZDP, à medida
que cria possibilidades do docente envolver-se de uma nova maneira, adotando novas ações
a partir dos novos conhecimentos construídos. “Assim esse modelo propõe contribuir de
forma salutar para que [...] seja viável a construção de ações que potencializem o seu trabalho
e atenda às necessidades do seu alunado” (MACHADO; ALMEIDA, 2014, p. 224).
É nessa dinâmica entre o especialista e o professor da sala de aula comum, de parceria
e colaboração, de troca de conhecimento e reflexão, que se constituem novos saberes
educacionais, especificamente, na perspectiva da educação inclusiva, os quais contribuem
com a formação e a prática docentes.

52
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Por sua vez, a Autoconfrontação Simples (ACS) e a Autoconfrontação Cruzada (ACC)


também evidenciam a mediação. Na primeira, o docente observa-se, nas imagens, em vídeo
em sua situação de trabalho e reflete verbalmente sobre suas ações. “As verbalizações servem
sem dúvida para trazer à luz a realidade do trabalho” (CLOT, 2007, p. 135). Na segunda,
além de ter o recurso do vídeo, também há a presença de um especialista na área de estudo
ou de um colega de trabalho mais experiente na mesma área, a fim de trazer orientações e
provocar reflexões da sua prática e novos conhecimentos, por meio da realidade vista nas
imagens, de modo a melhorar sua atuação.
Considerando os desafios no campo da docência na Educação Superior para promo-
ver uma prática pedagógica inclusiva, neste artigo, procuramos analisar a consultoria cola-
borativa e a autoconfrontação utilizadas numa pesquisa colaborativa como mediadoras de
novos saberes e práticas docentes para a inclusão educacional.

O PROCESSO DE PRODUÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

Esta pesquisa é de natureza qualitativa, demarcando a possibilidade de imersão na


esfera da subjetividade dos pesquisados e a leitura dos seus símbolos e da intersubjetividade
em suas relações com o conhecimento (MINAYO, 2017).
Os participantes da pesquisa foram: Lilli2, professora universitária, 43 anos de idade,
graduada em Educação Física e Mestre em Ciências da Saúde. A docente lecionava a disciplina
“Ginástica de Academia” no 7º período do Curso de Bacharelado em Educação Física, de
uma IES privada da cidade de Maceió. Ela atuava na Educação Superior desde 2006.
Ainda que as análises dos dados incidiram na professora universitária, também
participaram desta pesquisa três consultores colaborativos: João, Ana e Maria; os quais
realizaram orientações didático-pedagógica a Lilli sobre o ensino e a aprendizagem do
estudante surdo. João era Mestre em Educação, com experiência na área de Educação e
ênfase na educação de surdos e surdocegos. Ana também era Mestre em Educação, com
experiência na área de Educação Especial e ênfase em educação de surdos. Maria era Mestre
em Ensino em Ciências da Saúde, com experiência em Atividade Física Adaptada. Ainda
fizeram parte do estudo a pesquisadora do PROCAD3, o estudante surdo Luan e o tradutor/
intérprete de Libras Leonardo.
O local de realização da pesquisa foi um Curso de Bacharelado em Educação Física de
uma Faculdade de Ensino Superior privada de Maceió/AL.
Foi utilizada, como instrumento de pesquisa, a observação participante, compreendida
como o “[...] processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma situação
social, com a finalidade de realizar uma investigação científica” (DESLANDES; GOMES,
2013, p. 70) e, como recurso metodológico, a consultoria colaborativa, que “consiste do
suporte de profissionais especialistas [...]” (FERREIRA et al, 2007, p. 7).
Ainda foi utilizada a técnica da ACS como um dos recursos metodológicos de
colaboração, a qual se refere à autoavaliação do sujeito estudado ao observar-se em sua
2
Todos os nomes apresentados no corpo do texto são fictícios com o propósito de garantir o anonimato,
respeitando os princípios éticos da pesquisa.
3
Consideramos importante esclarecer que os dados aqui analisados integram uma das pesquisas (AUTOR 1)
desenvolvidas no âmbito do Programa de Cooperação Acadêmica (PROCAD).

53
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

atividade de trabalho por meio de vídeo (CLOT, 2007). Também foi empregada a ACC, que
se constitui em “[...] tornar o trabalho um objeto do pensamento. É um método centrado
numa perspectiva reflexiva, isto é, propõe-se uma atividade de reflexão sobre a atividade
habitual de trabalho” (SANTOS, 2006, p. 38).
Clot (2007, p. 135) postula que a ACS “é na verdade orientada por um pesquisador,
[...] trata-se de uma atividade em si em que o trabalhador descreve sua situação de trabalho
para o pesquisador”. Assim, quando o docente vê-se diante das imagens, verbaliza sobre sua
atuação e, ao mesmo tempo, reflete quanto às possibilidades, pensando em mudanças na
sua atividade.
A ACC “trata-se de uma atividade dirigida [...] em que a linguagem, longe de ser para
o sujeito apenas um meio de explicar aquilo que ele faz ou aquilo que se vê, torna-se um
meio de levar o outro a pensar, a sentir e a agir sendo a perspectiva do sujeito” (idem, p.
135). Clot (2007, p. 140) afirma que, na ACC, “a ação do especialista em resposta à ação do
sujeito é decisiva na produção de descrições do trabalho. Ela circunscreve, ainda que sem
o saber ou o querer, as possibilidades que o sujeito mantém ou não na apresentação de sua
ação”. Dessa maneira, a mediação da especialista pode provocar mudanças e internalização
de novas formas de agir do docente que passa por esse processo de ACC.
O processo de produção de dados durou três meses e dezesseis dias, sendo antecedido
pela aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de
Alagoas – protocolo n.º 439.400.
Durante esse período, ocorreram a consultoria colaborativa e a discussão de alguns
episódios acontecidos em sala de aula, principalmente aqueles em que Lilli não soube
lidar com as necessidades educacionais do aluno Luan. Com isso, a consultoria focou em
orientações didático-pedagógicas à professora, na perspectiva de contribuir com sua prática
inclusiva. Em cada sessão, estavam presentes a professora universitária, o/a consultor/a
colaborativo/a e a pesquisadora do PROCAD. Também ao final de cada aula, a pesquisadora
do PROCAD tecia algumas sugestões à professora com o propósito de colaborar com a
autonomia e aprendizagem do estudante surdo. Vale salientar que todo o processo de
consultoria foi filmado e, posteriormente, transcrito fielmente para análise.
Aconteceram também sessões de autoconfrontação. Na ACS, a professora universitária
analisou sua atuação docente ao assistir aos episódios de sua aula em vídeo. Clot (2007,
p. 141) pondera que “ao se transformar em linguagem, as atividades se reorganizam e se
modificam”. Na ACC, a professora foi conduzida a assistir aos episódios de suas aulas com a
especialista Maria, que tecia comentários sobre eles, com o intuito de fomentar o processo
reflexivo. A pesquisadora do PROCAD também estava presente, participando de ambos os
processos de reflexão.
Os dados produzidos foram analisados com base na análise de conteúdo, que, segundo
Bardin (2011):

É um conjunto de técnicas e análise das comunicações visando obter por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens indicadores (quantitativas ou não) que permitam a inferência
de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) dessas mensagens (p. 48).

54
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Nesse processo, foram formadas duas categorias: Categoria 1: Inclusão do surdo na


sala de aula: “não há receita pronta”; e Categoria 2: Recursos pedagógicos acessíveis para a
inclusão do universitário surdo em sala de aula.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Esta categoria vem abordar as orientações advindas das sessões de consultoria


colaborativa e das autoconfrontações, no sentido de promover uma prática docente com
características mais inclusivas e que atenda às especificidades do estudante surdo. Conforme
as orientações dos consultores e da pesquisadora, as estratégias pedagógicas precisavam
ser construídas considerando as necessidades pedagógicas do estudante surdo, sempre
objetivando sua participação nas aulas.
Uma das orientações dadas pela consultora Ana foi a respeito da forma de aprendizagem
do estudante surdo, quando declarou que: “[...] todo campo de aprendizagem do surdo é um
campo visual, então para ele só vai ser acessível se tiver formas visuais de mostrar isso”; e
“[...] a Língua de Sinais é uma língua gesto-visual”.
De forma semelhante, durante a ACC, a consultora Maria orientou que: “a única coisa
que eu colocaria era realmente um boneco anatômico, mostrando realmente a musculatura ou
talvez uns slides mostrando aquela peça que você está querendo. [...] Eu colocaria imagem”.
Corroborando com as orientações das consultoras, Rodrigues e Quadros (2015, p.
72) afirmam que o sujeito surdo “[...] compreende a linguagem como o visual, o gestual,
o simbólico, o midiático, o expressivo, o comunicacional, o interativo, e de tantas outras
maneiras que estão o tempo inteiro ressignificando nossa noção do que vem a ser
linguagem(ns)”.
Ainda na sessão de ACC, Maria sugeriu: “Eu ainda acho que se tivesse dividido os tipos
de alongamento em dois momentos, eu acho que o aluno surdo fixaria mais o conteúdo [...]”.
Com base nas considerações anteriores, ressaltamos que o processo colaborativo traz
um olhar diferenciado e contribuições que auxiliam na promoção de uma prática inclusiva.
Com essas e outras mediações fomentadas pelo processo de pesquisa, a professora
Lilli pareceu ter internalizado novos conhecimento e refletiu sobre novas formas de realizar
a sua aula: “Agora, eu faria um monte de coisas diferentes, [...] colocaria um boneco de
anatomia para ele [estudante surdo] mostrar no boneco de Anatomia [o músculo], para,
depois, mostrar no aluno [...]”.
Esses excertos também demonstram a necessidade de o docente ter esse conhecimento
específico a respeito da aprendizagem do surdo para, então, poder fazer uso de recursos
pedagógicos prioritariamente visuais e, assim, ampliar as possibilidades de aprendizagem
de seu aluno.
Outro elemento a ser destacado é a relevância da mediação para a ressignificação de
saberes e transformação da sua prática pedagógica. Lilli declarou: “talvez [se] tivesse trazido
outros recursos, talvez tivesse prendido mais [a atenção]”.
Em outro momento da ACS, Lilli refletiu: “Eu poderia ter trazido um elástico, por exemplo,
para mostrar a elasticidade do tendão, [...], uma corda mais rígida que mostre realmente o que é
ligamento, o que é tendão, o próprio vídeo com um pedacinho de uma aula [...]”.

55
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Nos recortes anteriores, provenientes da ACS, vemos uma professora universitária


refletindo sobre possibilidades de transformação de sua prática a partir dos novos
conhecimentos construídos nesse processo colaborativo. Dentre essas reflexões, estava a
introdução de recursos pedagógicos visuais e concretos, os quais poderiam ter sido utilizados
para facilitar a aprendizagem do estudante surdo. No excerto seguinte, ainda durante a ACS,
Lilli discorreu: “Eu acho que se eu tivesse pensado mais, [...] eu acho que teria colocado
figuras, um vídeo. Eu acho que essa aula teria sido muito mais dinâmica e interessante, [...]
as aulas teriam sido muito mais direcionadas para o canal de aprendizagem”.
Nesse contexto, recorremos a Silva, Lima, Santos e Fumes (2019, p. 43), ao
afirmarem que: “os recursos pedagógicos podem facilitar a aprendizagem, quando utilizados
adequadamente. Pois, podem ser entendidos como signos que vão simbolizar algo e assim
fazer a mediação para a aprendizagem do aluno”. Podemos afirmar ainda que a ACS levou
a professora Lilli a acessar o real da atividade. Suas reflexões revelaram as possibilidades
de ações que deveriam ter sido realizadas, o que sinaliza possíveis modificações nas suas
próximas ações.
Destacamos que: “a Autoconfrontação se configura como um meio que pode dar
acesso ao real da atividade, ao permitir que o trabalhador se distancie da atividade realizada
e apreenda o que está por trás de sua aparência e superfície” (DOUNIS, 2019, p. 120). Isso
é uma atividade interna em que o pensamento busca, na consciência, explicações diante do
real, da ação do profissional. É um momento de coanálise reflexiva dos elementos presentes
na ação laboral.
Notoriamente, ainda que não seja o único responsável pelo processo inclusivo,
ponderamos que “o professor como mediador e facilitador desse processo precisa (re)
conhecer a necessidade de mudar os sentidos de sua prática docente e buscar novos recursos
pedagógicos que favoreçam a aprendizagem do aluno com deficiência” (LIMA; SANTOS;
FUMES, 2016).
Apesar desses novos conhecimentos, a consultora Ana fez uma ressalva que merece
ser destacada: “[...] não há uma receita de bolo, mas você, trazendo essas formas visuais,
com certeza, vai facilitar a vida dele, a sua e a do intérprete”.
Botelho e Oliveira (2020) compartilham essa ideia e acrescentam que as
particularidades de cada aluno precisam ser respeitadas. Com isso, é necessário romper com
a ideia de um modelo ideal de aulas que funcione para qualquer aluno e em qualquer lugar.
Outro aspecto discutido no decorrer da pesquisa diz respeito ao papel do intérprete de
Libras no processo de ensino e aprendizagem. A princípio, ressaltamos que a sua função no
ambiente de aprendizagem não é a de “professor particular” do aluno surdo, substituindo o
professor no ato de ensinar. Acreditamos que sua função é de ser “ponte” entre o professor
e o aluno surdo, e vice-versa. Nessa direção, na sessão de ACC, a consultora Maria explica
sobre o papel do intérprete para a professora Lilli: “a gente tem que deixar claro para o
intérprete que ele não é professor. Ele estava tentando ali explicar e não é a função dele”. De
modo semelhante, o consultor João explica: “[...] o papel do intérprete, ele é como ponte, ele
é ponte”.
Ratificando essa posição, Vargas e Gobara (2014, p. 451) esclarecem que:

56
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

O intérprete educacional é aquele que atua como intérprete de Línguas de


Sinais em sala de aula e no ambiente escolar, ou seja, ele atua como intérprete
na educação. Assim, o intérprete deve intermediar as relações entre o aluno
com surdez e os colegas e professores ouvintes.

Continuando com o processo de consultoria colaborativa, a pesquisadora do PROCAD


contribuiu com orientações acerca da metodologia de ensino, especificamente quanto à
forma de explicar os conteúdos de ensino: “[...] fala um pouco mais devagar e, sempre depois
de uma discussão, perguntar se entendeu. Fechar um bloco de ideias”.
Diante das orientações da pesquisadora do PROCAD, consideramos importante
destacar que “a fala e a escrita excessiva do professor em sala e o uso de vocabulários
muito rebuscados acabam dificultando o entendimento dos conteúdos por parte dos alunos
e principalmente dos alunos com surdez [...]” (ALVES et al, 2013, p. 201). Isso implica
dizer que, para o surdo, as explicações devem ser diretas, objetivas e sem muitos recursos
linguísticos, visto que ele pode não possuir um domínio satisfatório da língua portuguesa.
Neste sentido, o consultor João sugere que: “[...] a ideia é trabalhar o sujeito de acordo com
sua especificidade e diferença linguística também”.
A partir dessas ressignificações e transformação da prática pedagógica, discutiremos
a seguir sobre o uso de recursos pedagógicos acessíveis para a inclusão do universitário
surdo em sala de aula.

Recursos pedagógicos acessíveis para a inclusão do universitário surdo em sala


de aula

Nessa categoria, apresentamos os recursos pedagógicos acessíveis ao universitário


surdo que permitem sua participação nas aulas.
Seguindo as sugestões dos consultores e da pesquisadora do PROCAD advindas
do processo colaborativo, a professora Lilli utilizou em suas aulas recursos pedagógicos
voltados à inclusão de Luan nas aulas, assegurando-lhe a aprendizagem dos conteúdos de
sua disciplina.
As consultoras Ana e Maria sugeriram o uso de um mesmo recurso – o vídeo, com
a gravação dos movimentos: “[...] seria bom o vídeo. Você [professora] executando [o
movimento]” (Consultora Ana) e “[...] seria interessante também os vídeos para fixar”
(Consultora Maria).
Para as consultoras, o vídeo, além de ser um recurso pedagógico que permite a
acessibilidade do assunto ao surdo, ainda desperta o interesse pela aula. As demais orientações
configuram-se na possibilidade de utilização de imagens relacionadas ao conteúdo que
estava sendo ensinado:

[...] você [professora] tem uma figura mesmo do corpo humano lá, para que
ele [surdo] possa apontar, sem precisar fazer a datilologia de toda parte da
musculatura e que tenha também os nomes (Consultora Ana).
[...] colocar mais figuras nos slides [...] e exemplos mais concretos
(Pesquisadora do PROCAD).
[...] [usa] recurso imagético. A importância de estar comunicando com todos,
utilizando as expressões, o máximo possível (Consultor João).

57
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

[...] a questão mesmo do fazer material, confeccionar. Pensar nele enquanto


sujeito visual [...] (Consultor João).

Seguindo as orientações da consultoria colaborativa, a professora procurou utilizar


recursos pedagógicos em suas aulas que permitiram a participação ativa do aluno surdo.
Assim, na ACS, a professora Lilli relata: “Eu usei o retroprojetor para poder mostrar as
fotos, aí eu usei as carinhas, [...] o cavalete e usei aquele fio de prumo para poder regular a
bicicleta”.
Observamos que a professora passou a utilizar recursos pedagógicos acessíveis para
o estudante surdo, os quais também favoreciam a aprendizagem dos demais alunos. Além
de fazer as modificações nas suas aulas, Lilli reconheceu que, a partir dos momentos de
consultoria colaborativa e das reflexões mediadas pela ACS e ACC, essas mudanças foram
efetivadas em sua prática pedagógica. Esse fato pode ser constatado nas contribuições dadas
pela professora convidada durante a ACC:

É interessante você tentar adaptar as carinhas para mostrar o sentimento


que fica, a emoção que fica. Vamos dizer assim: triste, cansado (MARIA).
Eu acho que em dupla evita conversa com outros. Evita estar disperso. Está
ele e a dupla, um vai ter que fazer e um tem que ver (MARIA).
Eles pesquisarem em casa fotos dos tipos de alongamentos que você está
falando em sala de aula, [...] internet o que for, [...] e aí cada um para
mostrar. Tipo, fazer um mural mostrando na cartolina, cada tipo, em dupla
mesmo, e cada um apresentar o que acharam. As várias possibilidades dos
alongamentos, [...] porque assim, tudo que trabalha imagem vai fixar muito
mais (MARIA).

Após essas orientações e reflexões realizadas pela professora convidada Maria,


durante a ACC, Lilli acreditou que sua prática começou a ter um caráter mais inclusivo.
Nesse tipo de pesquisa colaborativa, pesquisador e participante tornam-se parceiros
durante o processo e, como Bandeira (2016) explica, há o envolvimento ativo e consciente
dos envolvidos. Ademais, as decisões, as ações e as reflexões são construídas por meio de
processos coletivos. Avançando um pouco mais, a autora aponta que:

Investigar colaborativamente é processo autoformativo e de pesquisa, pois,


à medida que refletimos criticamente sobre nossas ações e pensamentos, é
possível compreendermos o que fazemos, como o fazemos e por que fazemos
em decorrência das manifestações do trabalho docente (p.70).

Podemos verificar a assertividade do recorte anterior nas reflexões de Lilli, durante


a ACC, quando ela declarou: “[...] na hora que eu for montar o cronograma eu vou estar
pensando [em incluir]”. E acrescentou: “Eu acho que a participação [dos consultores]
desde o início foi espetacular. [...] tudo que eu faço agora, eu fico pensando [...]”.
Tendo em vista esse cenário, Dainez e Smolka (2014, p. 1097) ponderam que, para
Vigotsky, “a educação não é vista como auxílio, complemento e/ou suprimento de uma
carência (orgânica e/ou cultural), mas é a produção de uma ação que torna possíveis
novas formas de participação da pessoa na sociedade”. Nessa concepção, a construção
de possibilidades para a aprendizagem do sujeito com deficiência e, consequentemente,
para o seu desenvolvimento inserem-se numa proposta de caráter educacional.

58
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Também merece destaque o papel da mediação na aprendizagem do estudante (no


caso, surdo), pois, de uma perspectiva vigotskiana, o desenvolvimento cognitivo do indiví-
duo acontece por meio das relações sociais. Soares (2011) explica que:

É a categoria mediação, portanto, que nos possibilita compreender que as


características tipicamente humanas, à medida que são mediadas pelas
particularidades das objetivações históricas, são ao mesmo tempo singulares
e universais. Isso significa que o homem singular jamais pode se constituir a
partir do isolamento social (p. 36).

Nessa mesma ótica, Aguiar e Ozella (2013) enriquecem a discussão com suas contribuições:

Ao utilizarmos a categoria mediação possibilitamos a utilização, a intervenção


de um elemento/processo em uma relação que antes era vista como direta,
permitindo-nos pensar em objetos/processos ausentes até então. Logo, [...]
subjetividade e objetividade, externo e interno, nessa perspectiva, não podem
ser vistos numa relação dicotômica e imediata, mas como elementos que,
apesar de diferentes, se constituem mutuamente, possibilitando a existência
do outro numa relação de mediação (p. 302).

Para sintetizar, podemos afirmar que, por meio da mediação, ocorre, no espaço
interpsicológico, a constituição humana e, portanto, acontecem novas aprendizagens e a
transformação da realidade.
Notamos ainda que, a partir das mediações ocorridas na consultoria colaborativa, a
professora modificou aspectos de sua prática pedagógica e considerou as particularidades do
aluno surdo. Desse modo, passou a incluir a demonstração da posição correta para montar
na bicicleta a partir de figuras projetadas nos slides. Além de fazer referência às figuras (que
representam a percepção de esforço) colocadas na parede da sala, também apontou para as
figuras, demonstrando cada método, entre outras estratégias e recursos que atendessem a
todos, inclusive ao aluno surdo.
Ademais, destacamos que, na perspectiva da PSH, ao utilizar recursos pedagógicos
adaptados ou estrategicamente planejados como mediação para permitir a aprendizagem
da pessoa com deficiência, estamos propondo uma educação emancipatória, pautada nas
potencialidades do sujeito e não no seu defeito biológico.
Em seus estudos, Dainez e Smolka (2014, p. 1097) afirmam que Vigotsky defende “uma
instrução orientada para o potencial de desenvolvimento das funções humanas complexas
(atenção voluntária e orientada, memória mediada, percepção verbalizada, trabalho de
imaginação, pensamento generalizado, nomeação e conceptualização do mundo)”. Isto
posto, compartilhamos a ideia que, independentemente de o sujeito ter deficiência ou não, a
aprendizagem deve ser focada nas funções psicológicas superiores e, para isso, as condições
de acessibilidade devem ser oferecidas.
No caso específico do estudante surdo, os recursos visuais a serem utilizados pela
docente configuram-se em importantes elementos da metodologia de ensino, como defendem
Rodrigues e Quadros (2015):

59
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Nas salas de aula, por exemplo, encontramos novas configurações decorrentes


do uso de uma língua gesto-visual e do lugar da visualidade na aprendizagem
dos surdos. Uma nova organização física do espaço, a presença de intérpretes,
outra dinâmica dos processos, novas possibilidades de interação, tudo é
negociado (p. 85).

Os resultados mostram que a consultoria colaborativa veio agregar conhecimentos à


docente em questão ao desencadear novas mediações, as quais colocaram em andamento
processos mentais que regulam sua atividade docente.
Podemos ponderar, ainda, que as transformações na prática pedagógica
proporcionarão mais criticidade para que Lilli possa planejar e elaborar suas aulas com o
objetivo de promover a inclusão e a participação mais ativa do estudante surdo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na perspectiva da formação docente para uma prática inclusiva, foi notório que a
consultoria colaborativa e a autoconfrontação são ferramentas capazes de engendrar novos
processos subjetivos, os quais desencadeiam mudanças de saberes, além de fomentar
práticas como novas estratégias que favorecem a aprendizagem do estudante surdo.
A parceria entre consultores, pesquisadora e professora participante trouxe
contribuições de vários aspectos para a docente, a qual ressignificou sua prática e incluiu
recursos pedagógicos para que o estudante surdo pudesse participar das aulas ativamente.
Também acreditamos que tenha trazido contribuições para os consultores, ainda que não
tenhamos nos debruçado para analisar esse processo.
Observamos que o processo de mediação ocorrido e promovido na/pela consultoria
colaborativa trouxe elementos que promoveram uma prática docente inclusiva, uma vez que
ampliaram as possibilidades de aprendizagem do aluno surdo e de seus colegas.
Por fim, entendemos que a formação continuada é uma questão central na atividade
pedagógica, principalmente quando se trata de inclusão de alunos com deficiência, sendo
um direito dos professores e um dever dos órgãos empregador

REFERÊNCIAS

1. AGUIAR, Wanda Maria Junqueira; OZELLA, Sérgio. Apreensão dos sentidos:


aprimorando a proposta dos núcleos de significação. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 94,
n. 236, p. 299-322, jan./abr. 2013. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbeped/
v94n236/15.pdf>. Acesso: 14 jun 2019.

2. ALVES, Tássia Pereira; et al. Inclusão de alunos com surdez na educação física escolar.
Revista Eletrônica de Educação, v. 7, n. 3, p.192-204, 2013. Disponível em <http://www.
reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/search/h?simpleQuery=Inclus%C3%A3o+de+alun
os+com+surdez+na+educa%C3%A7%C3%A3o+f%C3%ADsica+escolar&searchField=que
ry>. Acesso: 08 de jun 2019.

60
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

3. ARAÚJO, Sandra Lúcia Silva; ALMEIDA, Maria Amélia. Contribuições da consultoria


colaborativa para a inclusão de pessoas com deficiência intelectual. Revista Educação
Especial, v. 27, n. 49, p. 341-352, maio/ago. 2014. Santa Maria. Disponível em: <https://
periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/8639/pdf>. Acesso em: 08 jun 2019.

4. BANDEIRA, Maria Hilda Martins. Pesquisa colaborativa: unidade pesquisa-formação.


In: IBIAPINA, Ivana Maria Lopes de Melo; BANDEIRA, Maria Hilda Martins; ARAÚJO,
Francisco Antônio Machado (orgs). Pesquisa colaborativa: multirreferenciais e práticas
convergentes. 1ª ed. Piauí: EDUFPI, 2016, p. 63 a 74. Disponível em <http://artenaescola.
org.br/uploads/livros/e-book/pesquisa_colaborativa.pdf>. Acesso em: 28 ago 2020.

5. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 1ª ed. São Paulo: Edições 70, 2011.

6. BAZON, Fernanda Vilhena Mafra; et al. Formação de formadores e suas significações para
a educação inclusiva. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 44, e176672, 2018. Disponível em <http://
www.scielo.br/pdf/ep/v44/1517-9702-ep-44-e176672.pdf>. Acesso em: 15 jun 2019.

7. BOTELHO, Deuzimar Helena de Oliveira; OLIVEIRA, Valéria Marques de. Desafios


da inclusão no ensino superior: narrativas de uma universitária com síndrome de down.
Revista Valore, [S.l.], v. 5, p. 156-170, jan. 2020. ISSN 2526-043X. Disponível em:
<https://revistavalore.emnuvens.com.br/valore/article/view/408>. Acesso em: 19 ago.
2020.

8. CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. Tradução de Adail Sobral. 2. ed. -


Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

9. DAINEZ, Débora; SMOLKA, Ana Luíza Bustamente. O conceito de compensação no


diálogo de Vigotski com Adler: desenvolvimento humano, educação e deficiência. Educ.
Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 4, p. 1093-1108, out./dez. 2014. Disponível em <http://www.
scielo.br/pdf/ep/v40n4/15.pdf>. Acesso em: 15 jun 2019.

10. DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu. Pesquisa social: teoria, método e
criatividade; Maria Cecília Minayo (organizadora). 33 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

11. DOUNIS, Alessandra Bonorandi. Rede de apoio à inclusão escolar de uma estudante
com paralisia cerebral: mediações de um processo colaborativo. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal de Alagoas. Centro de Educação. Maceió, 2019.

12. FERREIRA, Bárbara Carvalho. et al. Parceria colaborativa: descrição de uma


experiência entre o ensino regular e especial. Rev. Educação Especial, n. 29, p. 1-7, 2007.
Disponível em <https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/4137/2454>.
Acesso em: 15 fev 2017.

13. FUMES, Neiza de Lourdes Frederico.; SANTOS, Soraya Dayanna Guimarães.;


DOUNIS, Alessandra Bonorandi. Pesquisa colaborativa e autoconfrontação: contribuições

61
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

para a formação de professores na perspectiva da inclusão. Revista Educação e Cultura


Contemporânea. Rio de Janeiro - RJ, p.79 - 107, 2013. Disponível em <http://periodicos.
estacio.br/index.php/reeduc/issue/view/55> Acesso: 15 set 2020.

14. GASPAROTTO, Denise Moreira; MENEGASSI, Renilson José. Aspectos da pesquisa


colaborativa na formação docente. Perspectiva, Florianópolis, v. 34, n. 3, p. 948-973, set./
ago. 2016. Disponível em <https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/
view/2175-795X.2016v34n3p948>. Acesso em: 08 jun 2019.

15. LIMA, Eliane Cristina Moraes de; SANTOS, Soraya Dayanna Guimarães; FUMES,
Neiza de Lourdes Frederico. Inclusão na Educação Superior: sentidos produzidos por uma
professora do curso de graduação em Educação Física In: VII Congresso Brasileiro de
Educação Especial e X Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação
Especial, 2016, São Carlos. 2016. v.1. p.1 - 15. Disponível em < https://proceedings.
science/cbee/cbee7/papers/inclusao-na-educacao-superior--sentidos-produzidos-por-
uma-professora-do-curso-de-graduacao-em-educacao-fisica-> Acesso: 15 set 2020.

16. IBIAPINA, Ivana Maria Lopes de Melo. Pesquisa colaborativa: investigação,


formação e produção de conhecimentos. Brasília: Líber Livros, 2008. 134p. (Série
Pesquisa).

17. IBIAPINA, Ivana Maria Lopes de Melo; FERREIRA, Maria Solinilde. A pesquisa
colaborativa na perspectiva sócio-histórica. Linguagens, Educação e Sociedade, Teresina,
n. 12, jan./jun. 2005. p. 26 - 38.

18. MACHADO, Andrea Carla; ALMEIDA, Maria Amélia. Efeitos de uma proposta de
consultoria colaborativana perspectiva dos professores. Meta: Avaliação, Rio de Janeiro,
v. 6, n. 18, p. 222-239, set./dez. 2014. Disponível em <http://revistas.cesgranrio.org.br/
index.php/metaavaliacao/article/view/160/pdf>. Acesso em: 09 jun 2019.

19. MARTINS, Lisiê Marlene da Silveira Melo. Práticas e formação docente na UFRN com
vistas à inclusão de estudantes cegos. 2016. 154f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro
de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.

20. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Cientificidade, generalização e divulgação de estudos


qualitativos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p.16-17, jan. 2017.

21. MOREIRA, Laura Ceretta. Universidade e alunos com necessidades educacionais


especiais: das ações institucionais às práticas pedagógicas. Tese de doutoramento.
Faculdade de Educação – USP, São Paulo, 2004.

22. PRAIS, Jacqueline Lidiane de Souza; ROSA, Vanderley Flor da. A Formação de
professores para inclusão tratada na Revista Brasileira de Educação Especial: uma análise.
Revista Educação Especial v. 30 n. 57, p. 129-144 | jan./abr. 2017. Disponível em <https://
periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/19833/pdf>. Acesso em: 15 jun 2019.

62
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

23. RODRIGUES, Carlos Henrique; QUADROS Ronice Müller de. Diferenças e linguagens:
A visibilidade dos ganhos surdos na atualidade. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 16, n. 40,
72-88, 2015. Diferenças e Educação. Disponível em <http://www.e-publicacoes.uerj.br/
index.php/revistateias/article/view/24551/17531>. Acesso em: 10 set 2017.

24. SANTOS, Marta. Análise psicológica do trabalho: dos conceitos aos métodos. Revista
Laborea, Porto, v. 2, n. 1, p. 34-41, 2006. Disponível em <http://laboreal.up.pt/files/
articles/2006_07/pt/34-41pt.pdf>. Acesso em: 19 ago 2020.

25. SANTOS, Soraya Dayana Guimarães. Docência no processo de inclusão do estudante


com deficiência em cursos de Educação Física: Análise do contexto universitário brasileiro
e português. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Federal de Alagoas, Maceió.
2016.

26. SILVA, Maria Quitéria da; LIMA, Eliane Cristina Moraes de; SANTOS, Soraya
Dayana Guimarães; FUMES, Neiza de Lourdes Frederico. Inclusão na educação superior:
significações de uma professora universitária. Educação e Cultura Contemporânea. , v.16,
p.26 - 46, 2019. Disponível em <http://periodicos.estacio.br/index.php/reeduc/article/
viewArticle/3231> Acesso: 15 set 2020.

27. SOARES, Júlio Ribeiro. Atividade docente e subjetividade: sentidos e significados


constituídos pelo professor acerca da participação dos alunos em atividade de sala de aula.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tese de doutorado em Educação), 2011.

28. VARGAS, Jaqueline Santos; GOBARA, Shirley Takeco. Interações entre o Aluno com
Surdez, o Professor e o Intérprete em Aulas de Física: uma Perspectiva Vygotskiana. Rev.
Bras. Ed. Esp., Marília, v. 20, n. 3, p. 449-460, Jul.-Set., 2014. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-65382014000300010&lang=pt>.
Acesso: 12 jun 2019.

29. VIGOTSKY, Lev Semyonovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos


processos psicológicos superiores; organizadores Michael Coles … [et al]; tradução José
Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. - 7ª ed. - São Paulo:
Martins Fontes, 2007.

63
5

Educação infantil e tecnologia: reflexões contemporâneas1


Preschool and technology: contemporary reflections
Alessandra Maria Martins Gaidargi-Garutti(1)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5626-5436, Pós-doutoramento em Educação e Culturas; Universidade
Nove de Julho (UNINOVE); São Paulo, SP; Brasil. [email protected].

ABSTRACT:This paper consists of notes about the relationship of children during Early Childhood
Education with Digital Technologies of Communication and Information - TDICs, including parameters on
the use of screens, the issue of digital natives, the difference between technological education and passive
distraction and some perceptions about the dialogicity in preschool considering the impact of technology.
Based on a bibliographic review and the official documentation that governs education at this level of education
in Brazil, a dialogue is built, based on the Freirian framework of education for autonomy and freedom, a
dialogue between the insertion of technologies in Early Childhood Education and its expressive existence in
the lives of children inside and outside school. As a conclusion, reflections are made about the current moment
of Brazilian Education and the need for greater incentive to a technological education in fact since the early
years of education.

KEY-WORD: Childhood, Children, Digital Technologies.

INTRODUCÃO

O mundo em que vivemos é permeado pela tecnologia, consequentemente, as crianças


de hoje já nascem e têm sua aprendizagem, em âmbito familiar e escolar, dentro de um
contexto mediado pelas tecnologias digitais de comunicação (TDICs), em contato com
mídias de diversos formatos. As crianças utilizam os meios midiáticos para informarem-se,
para comunicarem-se com o mundo e, muitas vezes, produzem efetivamente conteúdos e
difundem-nos. Elas não conhecem as tecnologias a partir de experimentações na escola, elas
crescem de maneira integrada a um mundo em que essas tecnologias fazem parte de quase
todas as experiências.
A questão da contemporaneidade acerca da relação entre a Educação Infantil e as
crianças deixa então de ser a inserção das TDICs na escola. Sabendo-se que as TDICs fazem
parte da vida dos alunos e alunas de forma intrínseca, cabe à escola a educação para o uso
das tecnologias e mídias de maneira adequada e segura. Para as crianças do século XXI, as
TDICs representam uma nova interface de mediação e diálogo (PAULA; CASTRO; SANTOS,
2012), com brincadeiras que assumem formatos que incorporam a tecnologia, o computador
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap5
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

e o smartphone, tornando-se ferramentas de busca por conhecimento, por comunicação com


o mundo e por entretenimento. Passa a ter lugar, inclusive, a discussão sobre a possibilidade
de um brincar virtual.
A entrada dos computadores nas escolas já data de algumas décadas. Papert (1991;
1993) traz em seus estudos relações benéficas e positivas das crianças com computadores
na escola, no que chama de abordagem construcionista. Entretanto, quando tratamos sobre
esse assunto no atual contexto, em que crianças têm acesso às TDICs quase todo o tempo,
temos de considerar o cenário social que essa vida com a tecnologia imprime.
Para além da importância de agregar a tecnologia ao contexto educacional das crianças,
faz-se necessário atentar para habilidades e competências que essa convivência demanda, o
que só se torna possível quando entendemos a relação das crianças com as TDICs como parte
de sua existência. Na Educação Infantil, torna-se muito relevante considerar as tecnologias
como o fator obrigatório a ser considerado (Papert, 2008) e não mais como auxiliares nos
processos educativos, visto que, para alunas e alunos contemporâneos, é uma realidade
absoluta em seus mundos.
De acordo com a Associação Americana de Pediatria (AAP, 2015), as mídias digitais
refletem o mundo como as crianças conhecem-no, como elas entendem-no. Não é uma
representação artificial, mas uma parte do mundo que elas entendem como seu. Por isso,
é importante que se construam noções de diversidade cultural a partir das mídias digitais
com integridade e dignidade, compreendendo que a tecnologia é uma ferramenta potencial
para que as crianças conheçam o mundo e para que o façam de forma autônoma (FREIRE,
2011a), visto que é uma janela que lhes permite a exploração do conhecimento a partir de
seus interesses individuais.
Propomos, a partir de um referencial freiriano de educação dialógica e para a
autonomia e de reflexões contemporâneas sobre a importância do uso das ferramentas
digitais na Educação Infantil, frente ao panorama atual em que as crianças têm acesso
às tecnologias e mídias digitais em suas casas e também em suas escolas, uma análise
acerca da relação das crianças com as telas e como a inclusão digital necessária às gerações
anteriores de crianças dá espaço à atual necessidade de educação tecnológica e digital, que
considera o uso da tecnologia como um padrão diário. Este trabalho norteia-se por revisão
bibliográfica acerca do tema e pela experiência própria da autora como pesquisadora das
relações dialógicas na educação e como educadora e dirigente escolar da Educação Infantil.

TEMPO DE TELA E ACESSO À TECNOLOGIA

A exposição acerca da relação entre crianças e tecnologias na atualidade demanda,


inicialmente, algumas considerações sobre o uso de telas por crianças desde a primeira infância.
A discussão sobre qual seria o tempo de tela adequado para crianças na faixa etária
pré-escolar tem muitas vertentes, visto que há de se pesar a importância da interação virtual
para as crianças contemporâneas e também possíveis prejuízos à saúde que o excesso de
exposição às telas poderia ocasionar. De maneira geral, há um consenso sobre a necessidade
de que os adultos que conduzem e acompanham os processos de construção de conhecimento
das crianças durante a primeira infância, em casa e na escola, supervisionem o contato das
crianças com as TDICs em geral, a fim de estabelecer limites adequados a cada situação.

65
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Neste estudo, consideraremos a exposição às telas em grandes grupos: assistindo


(i.e. vídeo content); lendo; interagindo/jogando (i.e., gaming); realizando e participando
de videochamadas; estando imersos em mundos digitais (AAP, 2015). Sendo assim, quando
utilizado o termo “uso de telas”, entenda-se que compreende todas essas atividades, não
apenas o assistir a uma programação pré-fixada.
De acordo com as novas diretrizes sobre uso de tela por crianças da Associação
Americana de Pediatria (AAP, 2015), até mesmo a terminologia “tempo de tela”, que
costumava ser utilizada a fim de estabelecer limites de horário adequados para as crianças,
tornou-se antiquada, visto que as crianças nascidas a partir do ano 2000 têm a tecnologia
incorporada em sua vida praticamente desde o nascimento.
Estudos apresentados na pesquisa Zero to Eight da Common Sense Media que
embasam o documento Growing Up Digital: Media Research Symposium (AAP, 2015)
mostram que, em 2013, 38% das crianças com menos de dois anos já operavam dispositivos
de tecnologia e comunicação como smartphones. Na época, estimava-se que houvesse cerca
de 80.000 aplicativos para crianças rotulados como educacionais, porém havia poucos
indicativos sobre como era estabelecido esse critério ou se havia, de fato, alguma revisão de
educadores para que se pudesse considerá-los educativos.
A última edição de The Common Sense Census: Media use by kids age zero to
eight (CMS, 2017) trouxe dados que mostram a evolução desses padrões, como o fato de
que 24% das crianças com menos de dois anos já teriam tido acesso a aplicativos baixados
em dispositivos. Esse número subiu para 80% entre crianças de dois a quatro anos. Em
outras palavras, sendo a escola um lugar de aprendizado para a vida (FREIRE, 2011a), como
podemos apartar a escola para crianças da tecnologia e das telas se isso faz parte da sua vida?
Entretanto, a despeito do que tendemos a acreditar, o tempo de exposição das crianças
às telas vem caindo ou tendo variações pequenas (AAP, 2015; CSM, 2017) nos últimos
indicadores, ainda que os tipos de conteúdos buscados tenham mudado bastante. Isso nos
leva ao entendimento de que a relação das crianças com as TDICs vem mudando mais no
sentido qualitativo, a respeito do que assistem, buscam e com o que interagem, e menos no
sentido quantitativo, referente a quanto tempo passam com os dispositivos.
A questão da democratização do acesso à tecnologia de comunicação e informação
também é fator importante para compreendemos esse cenário. Enquanto, em 2011,
Commmon Sense Sensus (CSM, 2017) apontava 34% das famílias de baixa renda tendo
smartphones disponíveis, esse número havia crescido para 96% em 2017 (id., ibid.).
Considerando que o orçamento familiar abaixo de U$30.000,00 (aproximadamente
R$160.000,00) é usado como corte para a categorização de baixa renda, podemos entender
que esses dados, transportados para reais brasileiros, compreendem também uma grande
parte do que consideramos classe média.
Pesquisas brasileiras apontam uma situação muito parecida. A última Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (BRASIL, 2019) divulgada traz um total de
mais de 83% das residências urbanas com acesso à internet em diversos dispositivos e cerca
de 50% das residências em áreas rurais com acesso à internet em diversos dispositivos.
Quanto aos smartphones, 93,2% dos domicílios brasileiros (id.ibid.) já tinham telefones
celulares com conectividade em 2018 e o número de aparelhos ativos no Brasil supera um

66
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

por habitante. Não há como, nesse cenário, imaginar a vida das crianças sem acesso às
tecnologias de comunicação e informação.
A Sociedade Brasileira de Pediatria também disponibiliza algumas diretrizes sobre o
uso de telas para crianças, tal qual a AAP. O documento Manual de Orientação #menostelas
#maissaude do Grupo Trabalho Saúde na Era Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria
(2019) também reitera a necessidade de atenção na relação entre crianças e TDICs, bem
como a importância de que os adultos mediadores dessas relações estabeleçam critérios e
estimulem as atividades interpessoais diretas, para que não sejam substituídas a todo tempo
por aquelas baseadas em tecnologia. Essas estratégias visam privilegiar o brincar para que
não se resuma a um brincar virtual. @@@
No Brasil, temos a legislação Marco Legal da Primeira Infância (BRASIL, 2016) que
reitera a promoção e formação da cultura de proteção e promoção da criança apoiada em
sua conectividade com a comunicação, refletindo a necessidade atual que se considere as
interações das crianças com a tecnologia já na idade pré-escolar.
A responsabilidade dos adultos sobre o acesso das crianças às mídias tecnológicas é
consenso em todos os documentos aqui apresentados (AAP, 2015; CSM, 2017; SBP, 2019),
bem como a importância do estabelecimento de limites quanto ao que se irá ter acesso e a
quanto tempo por dia este acesso deve durar. Tanto em ambiente familiar quanto escolar,
é primordial, para que haja educação tecnológica em segurança, que as crianças tenham
supervisão adequada quando acessam TDICs e, evidentemente, que haja atenção por parte de
cuidadores, tutores e educadores acerca do acesso a conteúdos adequados a cada faixa etária.
Os dados apresentados mostram-nos que a interação entre as crianças em idade pré-
escolar e tecnologias é um fato dado, cabendo à Educação Infantil incorporá-lo a fim de
consolidar-se como espaço de aprendizagem para autonomia e liberdade (FREIRE, 2011a).
Para além de todas as questões que envolvem as relações das crianças com as TDICs, em
especial no que diz respeito às telas, é importante considerarmos que todas as interações
midiáticas e tecnológicas podem converter-se em oportunidades de momentos educativos
(AAP, 2015), especialmente em ambiente escolar. Educadores devem aprender a exercer a
mediação entre as crianças e as mídias, ensinando-as sobre limites e alertando sobre riscos,
estando cientes dessa responsabilidade (SBP, 2019).
Entretanto, esbarramos em outra importante questão quando falamos sobre a
integração das tecnologias ao cotidiano da Educação Infantil: a diferença geracional entre
educadores e educandos que, num contexto de aproximação às tecnologias e compreensão
destas como parte integrante e indissociável da vida, pode tornar-se uma problemática de
grandes proporções.

PROFESSOR NATIVO DIGITAL E PROFESSOR IMIGRANTE

Existe uma importante diferença entre o professor nativo digital e o professor


imigrante e, quando nos debruçamos especificamente sobre a necessidade de educação
tecnológica efetiva desde a Educação Infantil, essa diferença torna-se ainda mais impactante.
A diferença estrutural entre ser contemporâneo de uma tecnologia e chegar ao mundo antes
de um avanço tecnológico (O FUTURO, 1995) é sensível.

67
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

A definição sobre a primeira geração de nativos digitais é a de que são as crianças


nascidas a partir de 1980 (PRENSKY, 2001), considerando que essas crianças já nasceram
rodeadas pela tecnologia e lidando com ela como se fosse parte de seu mundo.
De acordo com Prensky (2001), as crianças nativas digitais têm seu desenvolvimento
biológico e social em contato direto com as tecnologias digitais. No entanto, devemos atentar
que é uma afirmação que precisa ser relativizada a partir das condições de vida das crianças,
em especial a condição socioeconômica. Além de ser importante considerar de onde são
essas crianças, em que países ou regiões nasceram e hoje vivem, para entender o nível de
acesso à tecnologia e à conexão à internet que tinham e têm disponível. Existem localidades
do mundo onde só se pode considerar nativas digitais as crianças nascidas a partir da década
de 1990, por exemplo.
No Brasil, nas localidades mais urbanizadas, podemos afirmar que as primeiras
crianças nativas digitais, de fato, nasceram na década de 1980, mas o fenômeno tornou-
se mais acentuado nos anos 1990. Contudo, dados exatos sobre a inserção da tecnologia
em ambiente familiar brasileiro são inexatos, visto que, em 1990, a PNAD (BRASIL, 1991)
sequer apontava computadores nos domicílios.
Ainda que a data inicial de nascimento da geração de nativos digitais seja um pouco
discutível, um novo conceito, da Geração Alpha, é o mais utilizado atualmente e de forma
bastante homogênea para tratar a relação entre as crianças pequenas e a tecnologia. A Geração
Alpha é aquela que reúne as crianças nascidas a partir dos anos 2010 (McCRINDLE, 2011) e
que são absolutamente integradas aos meios digitais, encontrando neles formas de conhecer,
comunicar e até de brincar. Os alphas são a primeira geração de crianças efetivamente
nascida totalmente no século XXI, consideradas crianças globais pela facilidade de acesso
à informação e conexão com o mundo que experimentam desde o nascimento (id, ibid.) e
terão, indiscutivelmente, sua infância entrelaçada ao uso de tecnologias.
As estruturas cognitivas da Geração Alpha são diferentes das gerações anteriores
no que se refere ao contato com as TDICs. São indivíduos que apresentam desempenho
instrumental tecnológico avançado de uso multifuncional. Essas crianças usam a tecnologia
para interação, comunicação e produção síncrona (FURTADO, 2019) e estão efetivamente
imersas na realidade digital.
Isto posto, podemos considerar com segurança que os alunos da Educação Infantil
contemporâneos pertencem à Geração Alpha, com uma compreensão da tecnologia ainda mais
integrada à realidade cotidiana que os nativos digitais. Entretanto, os professores que atualmente
ministram aulas na pré-escola pertencem à geração dos nativos digitais ou são imigrantes no
ciberespaço – o universo digital de informações e interações humanas (LEVY, 1999).
A professora e o professor pré-escolares que são nativos digitais têm uma relação
proximal com a tecnologia, conseguindo aproximar-se com mais facilidade da relação
que seus próprios alunos e alunas têm como mundo digital. Já a professora e o professor
imigrantes não se enquadram à natividade digital e aprenderam a lidar com a tecnologia ao
longo da vida, sem que ela fosse, de fato, parte de sua estrutura de pensamento básico. Esses
docentes interagem diariamente com alunos e alunas – e, por vezes, com outros docentes –
que entendem a tecnologia de maneira mais integrada, precisam aprender a conviver com as
inovações tecnológicas (PALFREY; GASSER, 2011).

68
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

A questão central é que docentes nativos digitais e docentes imigrantes aprenderam


a construir conhecimento de forma diferente (PRENSKY, 2001). Ainda que ambos tenham
estruturas cognitivas diferentes dos pequenos alphas, para os nativos digitais é mais fácil
a aproximação. Além disso, o modelo de ensinar adotado por um docente é, em grande
parte, resultado dos modelos que lhe foram apresentados quando discente (FREIRE, 2011a).
O aprendizado sobre como ser professora ou professor inicia-se no instante em que nos
sentamos pela primeira vez em uma carteira escolar como alunas ou alunos, e os professores
e professoras imigrantes tiveram, em grande parte, acesso a uma educação extremamente
tradicional e formal, além de apartada da tecnologia.
Seres humanos são programados para aprender. A programação básica é dada
pela própria natureza e, durante a trajetória de vida, mulheres e homens vão criando
novas programações enquanto se educam. Entretanto, essas programações derivam das
estruturas cognitivas (PIAGET, 1976) de cada um e é por isso que aparece essa lacuna entre
os docentes nativos digitais e os imigrantes do ciberespaço: eles lidam com a tecnologia de
forma diferente porque a entendem diferentemente. A questão é que os docentes imigrantes
nasceram em outro meio, aprenderam a aprender de maneira analógica, familiarizaram-se
com a tecnologia durante a vida, porém de maneira distanciada (PALFREY; GASSER, 2011).
A diferença mais complexa nesse contexto é o entendimento sobre a conectividade trazida
pela internet e pelas tecnologias digitais, e se já havia um degrau separando a maneira de
aprender dos professores imigrantes e dos alunos nativos digitais, quando consideramos a
Geração Alpha, essa distância para os imigrantes dobrou.
A ação educativa do docente imigrante que renega a tecnologia afasta-se da leitura
de mundo do educando (FREIRE, 2011b), porque eles veem a realidade no que tange à
tecnologia de maneira diversa. Essa situação cria problemáticas de difícil resolução, como
a reclamação constante de professores imigrantes sobre o desinteresse pela leitura de seus
alunos e alunas (FURTADO, 2019), sendo que exigem que a leitura seja feita de maneira
tradicional enquanto as crianças desejam fazê-la a partir de suportes digitais com os quais
se sentem mais confortáveis. Outra queixa constante é a desmotivação para o trabalho em
grupo (id.,ibid.), sendo que a compreensão sobre agrupamento da Geração Alpha perpassa
os meios virtuais com naturalidade e a autonomia para eles tem grande ligação com a
individualidade.
De fato, professores e professoras nativos digitais foram educados por professores e
professoras imigrantes, num choque de cultura pré-internet e pós-internet (TORI, 2010)
como lugar cotidiano. E isso os ajuda a compreender a própria diferença entre sua geração
e os alfas. Por não terem tido seus valores culturais compreendidos, algumas vezes pela
escola, entendem a necessidade de ultrapassar suas próprias barreiras de entendimento do
mundo digital para respeitar culturalmente seus alunos. Os nativos digitais são, portanto,
mais próximos de seus alunos alpha porque:

O cérebro dos “nativos” se desenvolveu de forma diferente em relação às


gerações pré-internet. Eles gostam de jogos, estão acostumados a absorver (e
descartar) grande quantidade de informações, a fazer atividades em paralelo,
precisam de motivação e recompensas frequentes, gostam de trabalhar em
rede e de forma não linear (TORI, 2010 p. 218).

69
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

As exigências que a era digital trouxe à educação são inúmeras e, dentre elas,
possivelmente essa diferença geracional entre professores e professoras e seus alunos
e alunas na Educação Infantil é uma das maiores, merecendo atenção para possibilitar o
diálogo (FREIRE, 2011b) tão necessário a uma educação para a autonomia.
A transposição desse espaço que separa o mundo analógico do digital esbarra na
mudança de paradigmas na educação. A visão de mundo de professores e professoras inclusiva
à tecnologia torna-se determinante no sucesso dos processos de ensino-aprendizagem no
século XXI.
Do paradigma newtoniano-cartesiano, tradicional, que se traduz em docentes
transmitindo informação e alunos recebendo informação, num sistema bancário (FREIRE,
2011b), passamos a um paradigma sistêmico, em que alunos e alunas são vistos como seres
humanos completos e que se educam em comunhão a fim de entenderem-se sujeitos de suas
histórias (id.,ibid.), num cenário que é cercado por mídias digitais.
A mudança imprescindível no olhar sobre o mundo dos docentes imigrantes e nativos
digitais, para compreender a visão de mundo da Geração Alpha, implica, em grande parte,
a compreensão de que o uso das tecnologias não é necessariamente distanciamento do
mundo real. Ensinar a utilizar as TDICs de maneira adequada e segura é uma das funções da
educação tecnológica.

EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA É DIFERENTE DE DISTRAÇÃO PASSIVA

Educação tecnológica é um processo de ensino-aprendizagem, em que se apresenta a


tecnologia como um caminho para a busca de informação de maneira segura, de comunicação
e integração com o mundo de forma a aproximar-se do outro e não se afastar da realidade. As
mídias devem ser encaradas como ferramentas e não como babás, privilegiando a conexão
humana das crianças com adultos e com as outras crianças sempre (AAP, 2015).
Visto que o acesso aos smartphones, notebooks e tablets tem acontecido de maneira
cada vez mais precoce, em casa e nas escolas (SBP, 2019), é importante que se proponham
formatos de educação tecnológica já na primeira infância.
O objetivo da integração das crianças com as tecnologias não pode ser no intuito
de que “fiquem quietinhas”, isso é chamado de distração passiva e é muito nocivo aos
direitos pertinentes à infância, como relacionar-se com o mundo, brincar e receber atenção
e amorosidade, referendados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL,
1990). O entretenimento possibilitado pelas mídias digitais não pode suplantar o direito
universal das crianças de brincar ativamente (SBP, 2019).
Em contrapartida, o direito à liberdade de expressão a partir de suas próprias
referências e o direito ao respeito por parte dos educadores também são assegurados às
crianças pelo ECA (BRASIL, 1990) no artigo 16 e reiterados no artigo 53. O respeito da
instituição escolar, na pessoa dos educadores, aos alunos e alunas da Educação Infantil é
protegido por lei em nosso país. Ainda que seja uma das bases para uma educação progressista
(FREIRE, 2011a), o respeito à cultura dos alunos – inclusive no que diz respeito à relação
dos alfas com a tecnologia – não é uma característica de um ou outro modelo pedagógico,
de uma ou outra iniciativa educativa, é obrigação de todo o sistema educacional.

70
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Considerados esses ponto e contraponto, a educação tecnológica no período pré-escolar


reside na reflexão sobre a relação entre crianças e tecnologia a partir de sua intersecção com
a vida dessas crianças, com sua visão e leitura de mundo. Para que se pratique, de fato, uma
educação que leve a caminhos adequados de uso, essa relação não pode ser encarada como
angelical ou apocalíptica, deve ser entendida apenas como o que é: um formato de apreender
o mundo e de comunicar-se apoiado na tecnologia e na virtualidade, na conexão em rede e
nos aparatos tecnológicos, que resulta em novas maneiras de aprender a aprender.
A educação tecnológica de crianças inclui a educação tecnológica dos adultos, visto
que é um processo que demanda a cooperação de famílias e comunidades escolares e que a
educação, sempre, só se dá em relação (FREIRE, 2011a). Nesse processo, é importante que
se permita o aprendizado de que as interações online devem seguir as mesmas diretrizes
e as mesmas regras das interações pessoais, para que sejam adequadas à cada faixa etária
e seguras (AAP, 2015). Essa educação deve contar com conversas sobre os benefícios e
malefícios das interações digitais, prevenindo que a virtualidade tire das crianças noções de
convivência, harmonia e ética necessárias ao seu desenvolvimento.
Faz-se importante, ainda, que seja estimulada a alfabetização digital nas escolas
para todos os membros da comunidade escolar, acerca do uso das TDICs e conectividade à
internet (SBP, 2019), bem como deve ser incentivada a mediação das famílias em conjunto
com a mediação dos educadores para que um contexto de educação tecnológica instaure-se.
Os educadores podem ter um papel fundamental na construção das relações das crianças
com a tecnologia quando se trata de alfabetização digital, norteando o aprendizado sobre
os recursos digitais de maneira positiva e segura (AAP, 2015). A proposição de regras de
convivência e respeito online deve acontecer desde a Educação Infantil, a fim de que o uso
saudável e seguro da tecnologia seja assegurado (SBP,2019).
Por fim, ressaltamos que a atitude dos adultos que cercam as crianças, educadores e
familiares, deve ser coerente com a educação tecnológica que proporcionam (AAP, 2015).
Em outras palavras, se os adultos fizerem usos inadequados da tecnologia, como, por
exemplo, utilizando dispositivos como smartphones o tempo todo ou deixando de lado as
relações interpessoais em detrimento do uso de tecnologias para entretenimento, as crianças
terão esses comportamentos como aprendizados sobre como utilizar as mídias e o trabalho
educativo perde-se no exemplo contrário.
Considerando que os adultos representam fortes modelos de comportamento para as
crianças em sua conduta diária (AAP, 2015), é fundamental que suas falas representem-se
em suas ações, inclusive quando se trata do uso de TDICs. E a responsabilidade dos adultos,
para além do “exemplo”, abarca a possibilidade de exercício do controle sobre os conteúdos
aos quais as crianças são expostas e aos tipos de aplicativos aos quais têm acesso, evitando
que causem impactos negativos às rotinas e vivências das crianças, conforme indica o Marco
Civil da Internet (BRASIL, 2014), legislação que fomenta a educação digital.

EDUCAÇÃO INFANTIL, TECNOLOGIA E DIALOGICIDADE

A cada dia, a Educação Infantil ganha mais espaço nas discussões sobre educação
e nas políticas públicas, uma vez que sua importância é constantemente legitimada pelas
sociedades. Já sabemos que as crianças entendem o mundo que as cerca e que as crianças

71
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

querem aprender a aprender por seus próprios caminhos. Entretanto, dadas as características
da contemporaneidade faz-se importante repensar as TDICs, inclusive enquanto ferramentas
de educação à distância, dentro dos espaços escolares destinados à primeira infância.
A inserção de dispositivos que permitam o uso de tecnologia na educação pré-escolar
confere coerência entre a vida escolar e a vida cotidiana das crianças. Coerência necessária
para que a escola torne-se extensão da vida. Quando falamos em uma escola dialógica no
século XXI, falamos de uma escola que incorpora as tecnologias, uma vez que a existência
destas e sua utilização não é dissociável da própria vida de alunas e alunos e estes, como
sujeitos históricos, só existem no hoje (FREIRE, 2011a).
Possibilitar autonomia, comunicação expressiva e liberdade para alunas e alunos da
Educação Infantil, como preconiza a BNCC (BRASIL, 2017), demanda a relação de alunos
e alunas com seu universo individual e coletivo, onde professores e professoras assumem
papéis de mediadores e monitores de práticas e interações virtuais, também trazidos pela
BNCC (id., ibid.), atuando no auxílio ao desenvolvimento integral das crianças.
O uso de telas pelas crianças de maneira autônoma, bem como de outras ferramentas
tecnológicas dentro de diretrizes responsavelmente estabelecidas pelos educadores permite
às crianças poder de escolha. Essa autonomia afronta o lugar do professor e da professora
como detentores do saber, que resolvem o que, como e quando se aprende (FREIRE, 2011b)
– mas este não é, todavia, o lugar dos educadores dialógicos, que sabem que aprendem ao
ensinar e ensinam ao aprender. É da libertação docente de padrões bancários de educação
que se inicia o processo de libertação discente em uma caminhada dialógica. Neste sentido,
devemos considerar que inovações tecnológicas impactam as condições históricas da
educação e que, nesse contexto, a mudança é uma exigência da natureza da prática educativa
que intenta a libertação (FREIRE, 2000).
Evidentemente, é fundamental que a Educação Infantil considere os laços emocionais,
independentemente da educação tecnológica que se pretenda oferecer. A consideração de
formatos virtuais que possibilitem o contato e o diálogo, que permitam o desenvolvimento
integral das crianças, são de extrema importância para que a educação aconteça – visto
que educação é processo humano e único da humanidade. A ruptura com o analógico, que
a relação autônoma das crianças com a tecnologia supõe, implica ruptura de paradigma
educacional para a adoção de um modelo sistêmico, mas não impacta na capacidade das
relações humanas, ainda que as sugira em novos formatos.
A Base Nacional Curricular Comum - BNCC (BRASIL, 2017) propõe o educar pré-
escolar sempre vinculado ao cuidar, a fim de que o universo de experiências da criança seja
ampliado. Cuidado é mais que acolhimento físico, ainda que seja uma face importante
do cuidar. Cuidado supõe respeito à visão de mundo de cada um, a sua e a do outro, sem
sobreposição. Negar a natureza intrínseca da relação de alunos e alunas da Educação Infantil
com as tecnologias e suas possibilidades de acesso ao mundo é, também, perpetuar um
modelo de educação bancária (FREIRE, 2011b) num contexto contemporâneo.
A educação liberta homens e mulheres, meninos e meninas, a partir do diálogo. É o
diálogo que permite a conscientização do papel dos indivíduos no mundo (FREIRE, 2011a),
sendo possível a partir da consideração com igual respeito ao mundo dos educadores e o
dos educandos. Dialogar é exercitar a vida sistêmica (id., ibid.), em movimento de ação e

72
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

reflexão. Na Educação Infantil, inicia-se esse processo de libertação, de compreensão do


mundo, a partir das experiências de vida dos próprios docentes e discentes.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (BRASIL, 2010) definem a
criança como sujeito histórico e de direitos, produzindo cultura a partir de questionamentos
e construção de sentidos. Esse movimento só é possível se a escola não tentar apartar a
criança do mundo em que vive, se legitimar as experiências que ela vivencia.
O que permite a dialogia na educação é o respeito pelas condições humanas de cada
um. Seres humanos educam-se em comunhão, mediatizados pelo mundo (FREIRE, 2011b).
Seres humanos são no mundo, não estão apensos vivendo nele. Mais que isso, seres humanos
“estão sendo” no mundo continuamente, num processo de mudança permanente. Dessa
feita, meninas e meninos só podem educar-se quando respeitadas suas condições de vida,
seu “estar sendo” no mundo.
A BNCC (BRASIL, 2017) reconhece a importância do estabelecimento da relação
dialógica ainda durante a Educação Infantil, apontando como direito de alunos e alunas
expressarem-se como sujeitos dialógicos, por meio de diferentes linguagens, o que inclui
as linguagens próprias do mundo digital. O diálogo, enquanto encontro de seres humanos
desvinculado da conversa/fala ou da presença física (FREIRE, 2011b), possibilita uma
educação que comporte a tecnologia e traduza-se em prática da liberdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A introdução da educação tecnológica na Educação Infantil sugere muito mais que a


inserção de tecnologia na rotina escolar, propõe que se vislumbrem as infinitas possibilidades
de interação com o mundo que as ferramentas digitais oferecem. Neste sentido, é importante
repensar, inclusive, a cultura dos jogos digitais, compreendendo-os como possibilidades de
um brincar virtual sadio em algumas ocasiões, destacando sua existência de uma necessária
distração passiva e desumanizante.
Se as crianças constroem conhecimento a partir das interações que estabelecem com
as pessoas e com o meio (BRASIL, 1998), como podemos sequer aventar uma educação
para a autonomia e liberdade sem considerar que elas já estabelecem muitas das relações
de suas vidas a partir de meios digitais? Se o conhecimento resulta de criação, significação e
ressignificação (id., ibid.), a escola que intenta ensinar o “aprender a aprender” só pode estar
alicerçada nas mesmas estruturas que sustentam o mundo das crianças.
Para mediar o processo de interação entre as crianças e a tecnologia, o educador ou
a educadora precisa entender as ideias daquele que pretende auxiliar (VALENTE, 1999). O
modelo de construção do conhecimento desse aluno ou aluna deve ser respeitado a fim de que
docente e discente falem a mesma língua, de que essa experiência esteja centrada nas mesmas
estruturas cognitivas (PIAGET, 1976). Não podemos nos esquecer de que as ferramentas
trazidas pela tecnologia são caminhos diferentes para a busca pelo conhecimento, não
representam o conhecimento em si, portanto, não são capazes por si de serem boas ou más.
A questão não é permitir ou não que as crianças acessem a tecnologia, essa discussão
está ultrapassada porque elas o farão de qualquer forma, faz parte de seu mundo. E, diante
da oportunidade de aprender, as crianças o farão ainda que sem a orientação das instituições

73
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

educativas. Papert (2008) exemplifica essa questão com os videogames, que as crianças
aprendem a operar por tutoriais porque não lhes é possível aprender na escola, então buscam
caminhos próprios (e nem sempre os mais adequados) para chegar a esse conhecimento.
Dessa forma, a educação tecnológica parece-nos uma decisão sábia a fim de assumirmos,
enquanto educadores, a responsabilidade de nortear os caminhos que as crianças traçarão
no estabelecimento das relações com a tecnologia.
Destacamos, ainda, a importância da ação docente na construção da relação das
crianças alpha com a tecnologia. Ainda que busquemos incessantemente propostas
de educação que proporcionem a autonomia (FREIRE, 2011a), devemos atentar à
responsabilidade da condução desse processo enquanto educadores. Educar para a
autonomia não se traduz em abrir mão dos processos de ensino-aprendizagem, em
deixar as crianças sem assistência ou atenção, nem em constituir processos de ensino-
aprendizagem em que a autoridade da professora ou do professor, enquanto educador,
não exista. É reflexão sobre respeitar a individualidade e a visão de mundo dos educandos
e educandas, respeitando, em relação à visão de mundo e desejada autoridade (que não se
constitui autoritarismo) dos educadores e educadoras.
Para que a mudança de paradigma educacional para um modelo sistêmico e digital,
tão importante para que as crianças da Geração Alpha reconheçam-se e sintam-se
respeitadas em sua escola, aconteça, é primordial que professoras e professores deixem
de lado o papel de defensores do analógico e entendam a tecnologia como uma ferramenta
de aprendizado do mundo digital em que vivemos. Ferramenta que serve à educação,
permitindo o aprender a aprender a partir da realidade de cada criança. O diálogo não
reside na palavra, na comunicação oral (FREIRE, 2011b), é no campo das ideias que os
encontros entre mulheres e homens permitem que se reconheçam sujeitos de sua história.
Quando se assume que a tecnologia não precisa ser desumanizadora, aceitamos que ela
pode ser caminho para a humanização – ainda que por meios virtuais.

REFERÊNCIAS

1. AAP. Associação Americana de Pediatria. Growing up digital: media research


symposium. Illinois, 2015. Disponível em: https://www.aap.org/en-us/Documents/
digital_media_symposium_proceedings.pdf Acesso em: 04. Out. 2020.

2. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNC C_20dez_site.pdf. Acesso em: 04
out. 2020.

3. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes


curriculares nacionais para a educação infantil. Secretaria de Educação Básica. Brasília :
MEC, SEB, 2010.

4. _______. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do


Adolescente. Câmara dos Deputados. Brasília: Diário Oficial da União, 16 jul. 1990 – ECA.
Brasília, DF.

74
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

5. _______. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco civil da internet: Estabelece


princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Brasília: Diário
Oficial da União, 23 abr. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_
Ato2011-2014/2014/Lei/L12965.htm. Acesso em: 04 out. 2020.

6. _______. Lei nº 13.257, de 08 de março de 2016. Marco legal da primeira infância:


Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância. Brasília: Diário Oficial da
União, 09 mar. 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/lei/l13257.htm. Acesso em: 04 out. 2020.

7. _______. PNAD 1990. Rio de Janeiro: IBGE, 1991. Disponível em: https://
biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/59/pnad_1990_v14_n1_br.pdf Acesso em:
04 out. 2020.

8. _______. PNAD Contínua 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/condicoes-de-vida-desigualdade-e-
pobreza/17270-pnad-continua.html?=&t=downloads Acesso em: 04 out. 2020.

9. _______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação


Fundamental. Referencial curricular nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/
SEF, 1998.

10. CSM. Common Sense Media. The common sense census: media use by kids age zero
to eight. São Francisco, California, 2017. Disponível em: https://www.commonsensemedia.
org/sites/default/files/uploads/research/csm_zerotoeight_fullreport_release_2.pdf
Acesso em: 04 out. 2020.

11. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. São
Paulo: Editora UNESP, 2000.

12. ______. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2011a.

13. ______. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011b.

14. FURTADO, Cassia. Geração Alpha e a leitura literária. Revista Brasileira de


Biblioteconomia e Documentação, v. 15, n. esp., p.418-431, 2019.

15. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.

16. MCCRINDLE, Mark. The ABC of the XYZ: understanding global generations. Sydney:
UNSW Press, 2011.

17. O FUTURO da escola. Diálogo gravado e documentado entre Paulo Freire e Seymour Papert.
São Paulo: TV PUC-SP, 1995. 1 dvd.

75
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

18. PALFREY, John; GASSER, Urs. Nascidos na era digital: entendendo a primeira
geração dos nativos digitais. Porto Alegre: Artmed, 2011.

19. PAPERT, Seymour. Constructionism. New Jersey: Norwood, 1991.

20. ______. Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas. New York: Basic Books,
1993.

21. ______. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre:
ARTMED, 2008.

22. PAULA, Débora G.; CASTRO, Guilherme Augusto S.; SANTOS, Ana Clara O. Aprendizagem
mediada pelo computador: as crianças e as telas digitais. Revista Tecer, n.9, v.5, p.1-20, 2012

23. PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do


desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

24. PRENSKY, Marc. Digital natives, digital immigrants. On the horizon, MCB University Press,
n.5, v. 9, p.1-18, 2001.

25. SBP. Sociedade Brasileira de Pediatria. Manual de Orientação #menostelas #maissaude.


Grupo Trabalho Saúde na Era Digital. São Paulo, 2019.

26. TORI, Romero. Educação sem distância: as tecnologias interativas na redução de


distância em ensino e aprendizagem. São Paulo: SENAC, 2010.

27. VALENTE, José Armando (org.). O computador na sociedade do conhecimento. Campinas,


São Paulo: UNICAMP/NIED, 1999.

76
6

Infância e cidadania na Base Nacional Comum Curricular


da Educação Infantil e do Ensino Fundamental1
Childhood and citizenship in the Common National
Curriculum of early Childhood and Elementary Education
Karla de Oliveira Santos(1); Edillânia Lúcia Gregório(2); Erica Dias Lima(3);
Layra Roberta Rodrigues de Lima(4);Liliane Pinto de Oliveira(5)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4954-8184, Doutora em Educação e Professora Adjunta da
Universidade Estadual de Alagoas. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4954-8184. Email: karla.oliveira@
uneal.edu.br
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8841-4202, Graduanda em Pedagogia da Universidade Estadual de
Alagoas – Campus II e Bolsita PIBIC/FAPEAL. Email: [email protected]
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6125-4010, Graduanda em Pedagogia da Universidade Estadual de
Alagoas – Campus II e Bolsita PIBIC/FAPEAL.Email: [email protected]
(4)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5946-9573, Graduanda em Pedagogia da Universidade Estadual de
Alagoas – Campus II e Bolsita PIBIC Voluntária . Email: [email protected]
(5)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6469-3297, Graduanda em Pedagogia da Universidade Estadual de
Alagoas – Campus II e Bolsita PIBIC Voluntária .Email: [email protected]

ABSTRACT: This research proposes to carry out an analysis of the National Common Curricular Base
(BNCC) for Early Childhood Education and Elementary Education (2017), which has been configured as a
national curriculum policy for Brazilian education. The last version of the Base was completed in 2016, after
the legal and media political-economic coup, which culminated with the impeachment of the legitimately
elected President Dilma Rousseff, dissipating the contributions of universities and social movements, based
on a conservative and fundamentalist vision. In this perspective, we have as protagonists some companies
and multilateral organizations that, based on the consensus of the ineffectiveness of the State, gain space /
strength in educational policies. BNCC becomes problematic because it aligns possible educational equality
with large-scale assessments, understanding quality as a measurable object. However, we start from the
problem of analyzing the conceptions of childhood and training for children’s citizenship, which are present in
this document. For such investigation, a qualitative approach will be adopted, carrying out bibliographic and
documentary research, using the data analysis technique, Content Analysis, based on the studies of Bardin
(2009) and Franco (2008). Childhood in its fullness can be made invisible and children co-opted by the school
to join a movement of training, teacher control, discipline and government of children, so that they become
economically and socially useful, conceiving such elements as citizenship.

KEY-WORD: Educational policy, Children, Citizenship.

1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap6
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

INTRODUÇÃO

As reformas estruturais, que foram elaboradas a partir da década de 1990, na política


educacional, promoveram mudanças que envolvem desde a organização de referenciais
curriculares nacionais e a formação de professores até investimentos financeiros para amplos
programas em âmbito nacional e local, destinados a cada escola de cada município do país.
Nessa conjuntura de implementação de políticas neoliberais no Brasil, o currículo
passa a ser o centro de materialização da qualidade da educação, alicerçado pelas avaliações
em larga escala, que validarão sua eficácia. Contudo, há um movimento de homogeneização
curricular que determinará o que cada escola deste país ensinará.
Sendo assim, nessa perspectiva homogeneizadora, temos a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, última versão de 2017,
que se constitui como um documento impositivo, sem a real participação dos que estão no
“chão da escola”, engessando o trabalho dos professores, estimulando um currículo nacional
interligado às avaliações oficiais e produção de livros didáticos.
A partir do exposto, o que temos observado é a propagação de políticas educacionais
amplas, que tentam regular e monitorar, interferindo, diretamente, no planejamento
dos sistemas/redes de ensino e, consequentemente, na elaboração dos currículos, que
estão diretamente vinculados à avaliação em larga escala, mantendo uma relação de
competitividade, como também, como decorrência, de ranqueamento. Dessa forma,
intervindo também, diretamente, nos processos de subjetivação das crianças e na sua
formação para o exercício da cidadania, podendo tornar uma criança autogovernada da
democracia liberal, com aspectos de uma nova cidadania para uma economia global.
É de suma importância destacar que os discursos sobre a escola relacionam-se como
instrumento de ascensão social e promoção da cidadania, como também concorrem para
dar um sentido mais progressista à educação. O grande questionamento é que tipo de
cidadania é essa, que expõe as crianças, principalmente, oriundos das camadas populares às
segregações, reprovações e insucesso escolar ou que ainda, talvez, promove seu crescimento
intelectual, ao mesmo tempo, em que propõe sua inserção cidadã ativa e crítica?
Ressaltamos a necessidade de problematizar algumas questões acerca da concepção
de infância e da formação das crianças para a cidadania, pautada no consenso hegemônico
de igualdade educacional da BNCC – Educação Infantil e Ensino Fundamental, já que ela
tem se configurado como currículo nacional.
Sendo assim, partimos da seguinte problemática: Quais as concepções de infância
e de formação das crianças para a cidadania presentes no documento da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), ano 2017, para a Educação Infantil e Ensino Fundamental?
Temos, como objetivo geral, analisar as concepções de infância e de formação das crianças
para a cidadania no documento da BNCC, para a Educação Infantil e Ensino Fundamental
(2017), enquanto política pública educacional brasileira.
A pesquisa foi aprovada no edital PROPEP nº 10/2020 – PIBIC/FAPEAL e encontra-se
em andamento. Este artigo é um recorte da pesquisa bibliográfica e das leituras exploratórias,
como também analíticas sobre o tema.

78
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

NOTAS SOBRE CURRÍCULO E BNCC

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do


conhecimento social. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal, ele tem
significado e uma história vinculada a formas específicas e contingentes de organização da
sociedade, como também da educação (MOREIRA; SILVA, 2005).
Para Bonamino e Sousa (2012), há uma tendência universalista das propostas
curriculares, reforçada por um consenso em escala mundial, no qual o currículo de cada país
é comparável aos dos outros países.
De acordo com Danelon (2015):

O currículo torna-se uma ferramenta poderosa, cujo foco, para além do


ensino e da difusão e/ou socialização do conhecimento, é vincular processos
que denotam formas de produção de subjetividade. Nessa ótica, o currículo é
formador, e, porque não dizer, formatador de maneiras como as crianças são
vistas e como elas se veem como pessoas [...]. (p.235).

Neste sentido, ganha centralidade a Base Nacional Comum Curricular, sendo urgente
problematizar a concepção de infância e a formação das crianças para a cidadania, pautada
no consenso hegemônico de igualdade educacional. Para Cássio (2019, p.13): “A Base é uma
política de centralização curricular.”
Segundo Silva (2013), as narrativas contidas no currículo ou implícitas nele
corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da
sociedade, sobre os diferentes grupos sociais, legitimando ou ilegitimando conhecimentos
e quais vozes são autorizadas e quais não são, como também, quais grupos podem ou não
serem representados.
Diante do exposto, como pensar na formação das crianças para a cidadania, com
a imposição de uma educação da infância que atende à lógica do mercado, podando o
desenvolvimento dos infantis, reduzindo-os a crianças treináveis, a-históricas e disciplinadas.
Assim sendo, a BNCC envolta em um discurso de igualdade educacional, a partir de
direitos de aprendizagens (leia-se competências), impõe o que deve ser ensinado a cada
criança deste país, sem a mínima consideração e visibilidade da infância, sobre como vivem,
o que pensam, o que sabem e o que fazem os infantis.

ASPECTOS CONCEITUAIS E TEÓRICOS SOBRE A INFÂNCIA E A CRIANÇA

A importância de entender as crianças, enquanto sujeitos de direitos, está relacionada


ao desenvolvimento de novos paradigmas sobre a concepção de infância, que reconhece
a qualidade humana e política dessa compreensão, principalmente, a disputa por sua
presença em espaços sociais, enquanto direitos de cidadania e dever do Estado. Dentre esses
espaços, a educação ocupa, desde o advento da República, um lugar de destaque, quando há
a obrigatoriedade da escolarização das crianças. (SANTOS,2018). A matriz etimológica do
conceito de infância diz que:

A origem etimológica da palavra infância é proveniente do latim infantia:


do verbo fari, falar – especificamente, de seu particípio presente fan, falante

79
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

– e da negação in [...] o prefixo in da palavra infância sugere ainda algo de


ordem do não exprimível, do não tratável discursivamente, mais do que uma
ausência, é uma condição dessa linguagem e desse discurso, é o germe do
pensamento que ainda não se encontra pronto nem acabado, que ainda não se
pode expressar ou comunicar em termos lógicos, lingüísticos e pragmáticos.
(PAGNI, 2010, p. 100).

Para Pino (2004), a infância é um fenômeno etário universal, no qual não é difícil ver
a influência exercida pela observação do ciclo natural da vida, que se apresenta sob formas
diferentes em razão das características históricas e culturais de cada povo, que definiam um
status dessa infância na sua organização social
De acordo com Abramowicz (2011):

Desde o século XVIII, têm-se elaborado um conjunto de saberes sobre a


infância. A infância é um conceito disputado entre os diversos campos do
conhecimento, e também dentro de um mesmo campo, por exemplo, da
sociologia da infância. A infância ora é uma estrutura universal, constante
e característica de todas as sociedades, ora ela é um conceito geracional,
uma variável sociológica que se articula à diversidade da vida das crianças
considerando a classe social, o gênero e pertencimento étnico, ou seja, ora a
infância é singular, ora é plural (p.18).

Na contemporaneidade, o conceito de infância aparece no bojo das mudanças


provocadas pelo capitalismo, principalmente, pela necessidade de formar sujeitos produtivos.
De acordo com Rizzini (2011), a criança deixa, progressivamente, de ser objeto de interesse,
preocupação e ação no âmbito privado da família e da Igreja, para tornar-se uma questão
de cunho social, de competência administrativa do Estado. Ainda segundo a mesma autora,
a criança deixa de ocupar uma posição secundária e mesmo desimportante na família e na
sociedade, passando a ser percebida como valioso patrimônio de uma nação; como “chave
para o futuro”, um ser em formação – dúctil e moldável – que tanto pode ser transformado
em homem de bem (elemento útil, produtivo para o progresso da nação) ou num degenerado
(um vicioso a pesar nos cofres públicos).
O conceito de infância acaba se entrelaçando com o conceito de criança, como
se ambos fossem a mesma coisa, no entanto, são conceitos distintos, mas que se
complementam e relacionam mutuamente. Ou seja, as crianças são atores sociais nos
seus mundos de vida, um ser biopsicossocial, já a infância é uma categoria social do tipo
geracional construída historicamente.

[...], portanto, a concepção de criança e infância na qual acreditamos é


a de que ela é um ser histórico, social e político, que encontra nos outros,
parâmetros e informações que lhe permitem formular, questionar, construir
e reconstruir espaços que a cercam. Apostamos numa concepção que não se
fixa num único modelo, que está aberta à diversidade e à multiplicidade que
são próprias do ser humano (KRAMER, 1996, p. 277).

Na mesma perspectiva, Machado (2002) salienta que:

80
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

[...] a criança é um ser social, o que significa dizer que seu desenvolvimento
se dá entre outros seres humanos, em um espaço e tempo determinados.
Sendo assim, um pressuposto a ser assumido é a necessidade de explicar
os fenômenos de natureza psicológica presentes nas interações humanas
focando-os em sua gênese, estrutura, movimento e mudança, a partir de uma
perspectiva histórica e dialética (p. 27).

A infância é uma construção social que depende do estatuto geracional e das relações
sociais que se dão, na sociedade, em cada tempo. Para Sarmento (2001), sempre houve
crianças, mas não a infância, com suas características identitárias e aspectos geracionais,
sendo que esse conceito de infância é um projeto inacabado da modernidade.
A infância é relativamente independente dos sujeitos empíricos que a integram, dado
que ocupa uma posição estrutural. Essa posição é condicionada, antes de mais nada, pela
relação com as outras categorias geracionais. Desse modo, por exemplo, a infância depende
da categoria geracional constituída pelos adultos para a provisão de bens indispensáveis
à sobrevivência dos seus membros e essa dependência tem efeitos na relação assimétrica,
relativamente ao poder, ao rendimento e ao status social que têm os adultos e as crianças,
sendo que essa relação é transversal (ainda que não independente) das distintas classes
sociais. Por outro lado, o poder de controle dos adultos sobre as crianças está reconhecido e
legitimado, não sendo verdadeiro o inverso, o que coloca a infância – independentemente do
contexto social ou da conjuntura histórica – numa posição subalterna face à geração adulta.
(SARMENTO, 2008).
Há a urgência de desconstrução do entendimento que situa o adulto como referencial
de completude das crianças, representando uma infância com adjetivos que denotam os
infantis como seres irracionais, imaturos e incompetentes, que necessitam ficar sob a tutela
de um adulto para tornarem-se, um dia, um sujeito completo.
Segundo Dornelles (2011, p.25), “a produção da infância implica a produção de
saberes e “verdades” que têm a finalidade de descrever a criança, classificá-la, compará-la,
diferenciá-la, hierarquizá-la, excluí-la, homogeneizá-la, segundo novas regras ou normas
disciplinares”. Ou ainda há uma preocupação em manipular e treinar os corpos infantis para
que obedeçam, respondam e sejam úteis, apesar do discurso apontar para as particularidades
da infância (SILVEIRA, 2010).
Para Pizzi (2015), as crianças ao ingressarem no sistema educacional entram
numa grande maquinaria institucional de discursos e práticas, cuja intenção é prepará-
las para a vida adulta a fim de serem futuros trabalhadores e cidadãos decentes, tendo
uma infância negada.
Bujes (2000) ressalta que a infância que nos é apresentada não é um fenômeno natural,
mas resultado de um processo de construção social, o qual está conectado às possibilidades
caracterizadas por cada momento histórico. A autora salienta que uma nova relação de
poder entre crianças e adultos está sendo construída, fazendo com que a infância torne-se
um “objeto de constante regulação e controle, pela via dos discursos que se enunciam sobre
ela” (BUJES, 2000, p. 9).
Contudo, oferecer os mesmos conteúdos e materiais a alunos com diferentes
experiências, conhecimentos, desejos e possibilidades de aprendizagem perpetua as

81
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

desigualdades entre eles e desrespeita seus direitos, transformando-os em obrigações


limitadas por normas que não os atendem. (OLIVEIRA, 2018).
Sendo assim, precisamos analisar como a BNCC pode cooptar as crianças para
atender às avaliações padronizadas, que representam indicador de qualidade da educação,
culminando em um ensino mecanicista, de codificar e decodificar, não respeitando os tempos
e as formas de ser e viver a infância, limitando o sentido de exercício pleno da cidadania.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este trabalho possui a abordagem qualitativa, adotando, como procedimentos


metodológicos, a pesquisa bibliográfica, realizando um mapeamento das produções
científicas acerca da BNCC do ano de 2017 a 2020 e os referenciais teóricos que abordam as
concepções de cidadania e infância.
A análise documental é o método central da pesquisa que se encontra em andamento,
a partir da análise do Documento oficial da BNCC: Educação é a Base, do ano de 2017, para
a Educação Infantil e Ensino Fundamental, do Ministério da Educação.
A técnica adotada para interpretação dos dados é a Análise de Conteúdo da referida
BNCC, tendo, como fundamentação teórica, os estudos de Bardin (2009) e Franco (2008),
almejando tecer análises críticas sobre as concepções de infância e da formação para a
cidadania das crianças, percebendo como os interditos no documento analisado abordam
ou silenciam as problemáticas desta pesquisa, pois, como afirma Franco (2008), o que está
escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado ou/e simbolicamente explicitado
sempre será ponto de partida para a identificação do conteúdo, seja ele explícito ou/e latente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO PRELIMINARES

A versão final que se configurou como a atual Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) foi resultado das articulações de fundações e institutos privados, como: Fundação
Bradesco, Fundação Lemann, Itaú Social, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Instituto
Ayrton Senna, Instituto Inspirare, Instituto Fernando Henrique Cardoso, Fundação Roberto
Marinho, Fundação Victor Civita, entre outros, além de organismos internacionais, como a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Banco Mundial
(BM), que ganharam maior espaço com o golpe político-econômico jurídico e midiático
em 2016, que culminou com o impeachment da presidenta, legitimimamente eleita, Dilma
Rousseff, excluindo as contribuições das universidades e movimentos sociais, pautando-se
em uma visão conservadora.
A BNCC ganha destaque como indutora de uma possível promoção de igualdade
educacional, que se baseia no tecnicismo e na meritocracia, representando interesses
privados em detrimento do interesse público.
É preciso um movimento de resistência contra essas políticas educacionais, que
desconsidere essa lógica do mercado de trabalho e a adesão às agendas empresariais,
fortalecendo as parcerias público-privadas e desmontando as políticas públicas de Estado.
Destacamos a importância de assumir as crianças como sujeitos ativos de direitos
no contexto escolar e pensar que, historicamente, a infância avança em aspectos de

82
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

caráter político-social e legal, ao mesmo tempo em que há o reconhecimento de avanços


dos direitos. Entretanto, algumas problemáticas desse lugar da criança têm contribuído
para negar o direito de viver a infância, negando uma proposta específica que valorize a
formação em seu tempo humano, tendo uma visão limitada da infância como um tempo
de passagem para outros tempos, limitado à aquisição e domínios de competências que
são hierarquizados para percursos geracionais mais definidos, como a juventude e a vida
adulta. (SANTOS, 2018).
Não obstante, é necessário e urgente que se radicalizem as relações democráticas,
principalmente, com o avanço do conservadorismo e fundamentalismo religioso em Estados
democráticos de direitos, que influenciam as políticas públicas educacionais e que almejam
um movimento de conformação social em uma sociedade desigual. Acreditamos que a
formação das crianças para a cidadania e o direito à educação articulem-se à realidade social
do país.

CONCLUSÃO

Uma das características mais marcantes no cenário educacional, desde a última


década do século XX, tem sido a iniciativa do governo brasileiro no sentido de implantar
reformas na política educacional, com a intenção de garantir a inserção e a permanência dos
estudantes no sistema público de ensino, com qualidade educacional e social.
As políticas atuais têm exercido um governo sobre as crianças visando ao treinamento
com o foco em aquisição de habilidades e competências mensuráveis, privilegiando
conteúdos que serão testados nas avaliações oficiais, sob o discurso de uma igualdade e
qualidade educacional, que despreza as desigualdades sociais, a alteridade, as diferenças
culturais e a infância.
Há um consenso dos defensores da BNCC que a universalização de conhecimentos,
habilidades e competências garantiriam um projeto curricular que promovesse uma
igualdade e qualidade da educação nacional.
A partir do observado, a educação exerce um papel importante, como questionadora
dessa sociedade marcada pela desigualdade. Contudo, nesta sociedade, ainda há dificuldades
de promover uma educação verdadeiramente emancipatória, não limitada à aquisição
de competências e habilidades, mas que torne as crianças capazes de desenvolver um
pensamento crítico sobre a realidade que as cerca, valorize as especificidades de seu tempo
e deem visibilidade ao seu protagonismo para o exercício da cidadania.
Destarte, ainda precisamos avançar, destituindo a infância de uma concepção
adultocêntrica, onde os adultos colonizam a infância, a partir de uma perspectiva de que ela
pertence a um território próprio, definindo, controlando, moralizando e disciplinando os
infantis para que se tornem úteis socialmente e economicamente.

AGRADECIMENTOS

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL).

83
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

REFERÊNCIAS

1. ABRAMOWICZ, Anete. A pesquisa com crianças em infâncias e a sociologia da


infância. In: FARIA Ana Lúcia Goulart de; FINCO Daniela. Sociologia da infância no
Brasil.Campinas, SP: Autores Associados, 2011.

2. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 5. Ed. revista e atualizada. Lisboa:


Edições 70, 2009.

3. BONAMINO, Alicia; SOUSA, Sandra Zákia. Três gerações de avaliação da educação


básica no Brasil: interfaces com o currículo da/na escola. Disponível in: http://www.
scielo.br/pdf/ep/v38n2/aopep633.pdf Acesso em 12 de novembro de 2017.

4. BUJES, M. I. E. Que infância é esta? In Anais 23ª Reunião Anual da ANPED,


Caxambu, MG, 2000.

5. CÁSSIO, Fernando; CATELLI Jr, Roberto (orgs.). Educação é a base? 23 educadores


discutem a BNCC. São Paulo: Ação Educativa, 2019.

6. DANELON, Márcio. A infância capturada: escola, governo e disciplina. In: RESENDE,


Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2015.p.217-239.

7. DORNELLES, Leni Vieira. Infâncias que nos escapam: da criança na rua à criança
cyber. 3ed. revista e atualizada. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

8. FRANCO. Maria Laura Publisi Franco. Análise de Conteúdo. Brasília, 3ed. Liber Livro
Editora, 2008.

9. KRAMER, Sônia; LEITE, Maria Isabel. Infância: fios e desafios da pesquisa. 6. ed.
Campinas: Papirus, 1996.

10. MACHADO, Maria Lúcia (Org.). Educação Infantil em tempos da LDB. São Paulo,
Fundação Carlos Chagas, 2002. (Textos FCC).

11. MOREIRA, Antônio Flávio, SILVA, Tomaz Tadeu da (Orgs). Currículo, cultura e
sociedade. 3. ed., São Paulo: Cortez, 2005.

12. OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Políticas Curriculares no contexto do Golpe de 2016:
debates atuais, embates e resistências. In: AGUIAR, Márcia Ângela da S. DOURADO, Luiz
Fernandes (orgs.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas
[Livro Eletrônico]. – Recife: ANPAE, 2018, p.55-59.

13. PAGNI, Pedro Angelo. Um lugar para as experiências e suas linguagens entre os
saberes e práticas escolares: pensar a infância e o acontecimento na práxis educativa. In:
Experiência, Educação e Contemporaneidade. PAGNI, Pedro Angelo; GELAMO, Rodrigo
Pelloso (orgs.). Cultura Acadêmica editora, Marília, 2010, p.15-33.

84
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

14. PINO, Angel. Infâncias e Cultura: semelhanças e diferenças. In: GALLO, Sílvio;
SOUZA, Regina Maria de (orgs.). Educação do preconceito: ensaios sobre poder e
resistência. Campinas, SP: Editora Alínea, 2004, p.147-164.

15. PIZZI, Laura Cristina Vieira. Currículo, subjetividade e cidadania no ensino


fundamental: política para crianças. In: Cidadania e poesia na escola: essa rima cola.
ALVES, Juliana Carla da Paz; PIZZI, Laura Cristina Vieira; ROCHA, Paula Rejane Lisboa
da (Orgs). Maceió: EDUFAL: 2015, p.11-36.

16. RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para
infância no Brasil. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

17. SANTOS, Karla de Oliveira. A Prova Brasil e a participação da criança cidadã em


uma escola pública de São Miguel dos Campos/AL.(Tese de doutorado em educação).
Universidade Federal de Alagoas. Centro de Educação, Maceió, 2018. Disponível em:
http://www.repositorio.ufal.br/handle/riufal/5193Acesso em 21 de setembro de 2020.

18. SARMENTO, Manuel Jacinto. A globalização e a infância: impactos na condição social


e na escolaridade. In: GARCIA, Regina Leite; FILHO, Aristeo Leite (orgs.). Em defesa da
educação infantil. Rio de Janeiro, DPA editora, 2001, pp 13-28.

19. ______. Sociologia da Infância: Correntes e Confluências. In: Sarmento, Manuel


Jacinto e Gouvêa, Maria Cristina Soares de (org.) (2008). Estudos da Infância: educação e
práticas sociais. Petrópolis. Vozes, pp17-39.

20. SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo e identidade social: territórios contestados. In:
SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Alienígenas na sala de aula. 11ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2013, p.185-201.

21. SILVEIRA, Gabriela. “Quando a escola é de vidro”: A produção da infância e as


relações de poder no contexto disciplinar. In: FERRARI, Anderson (org). Sujeitos,
subjetividade e Educação. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010.

85
7

Educação Infantil no contexto campesino: diálogo entre


as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil e a prática lúdica no semiárido alagoano1
Early Childhood Education in the rural context: dialogue
between the National Curriculum Guidelines for Early
Childhood Education and playful practice in the semiarid
region of Alagoas
Jaklane de Abreu Santos (1), Jaciara de Abreu Santos(2), Conceição Maria Dias de Lima (3)

(1)
Professora da Educação Básica (anos iniciais) na rede pública de Santana do Ipanema, Semiárido alagoano.
Possui pós-graduação, latu sensu, em Educação do Campo e Sustentabilidade pela Universidade Estadual de
Alagoas (UNEAL); Brasil. ([email protected]);
(2)
Professora da Educação Básica (anos iniciais) na rede pública de São José da Tapera e Poço das Trincheiras,
Semiárido alagoano. Pós-graduada, latu sensu, em Educação do Campo pela Universidade Federal de Alagoas
(UFAL); Brasil. ([email protected]);
(3)
Professora Titular da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Professora Permanente do Programa
de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Cultura (PRODIC) da UNEAL. Doutora em Sociologia, pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Brasil. ([email protected]).

ABSTRACT: This work arises from concerns that came as a result of professional performance as a teacher
in rural school units. It aims to analyze playful actions in schools in the semiarid region of Alagoas. For this,
we want to understand the historical processes of Rural Education and Early Childhood Education, in order
to observe the reflexes of playfulness applied to the teaching of children in Early Childhood Education. The
theoretical point of view of Caldart (2001), Didonet (2018), Luckesi (2014), Kishimoto (2001), Sommerhalder
and Alves (2011) is taken into account. Other sources were also essential for the study: Operational Guidelines
for Rural Education (2002), Curricular Guidelines for Early Childhood Education (2009), National Curricular
Guidelines for Early Childhood Education (2006). The methodological procedures were bibliographic,
webgraphic and documentary research, as well as on-site study, with qualitative basis and case study. The
locus of the research is located in three municipal schools located in the rural area of ​​the municipality of
Santana do Ipanema, in the middle of the interior of Alagoas. Regarding the professionals, three teachers
working in early childhood classrooms were followed. From each locus, one teacher was the subject of the
research, totaling three teachers. From the dialogue between the theoretical assumptions and the practical
conjectures, it is possible to consider that there is a distance between what is presented in the guidelines that
guide early childhood education in the field with practice, both are not able to dialogue, thus having a very close
relationship. shy among these.

KEY-WORDS: Country Schools, Childhoods, Playfulness.

1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap7
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o sistema de ensino sofreu uma grande expansão de oferta.
A partir da Constituição Federal de 1988, grandes discussões em torno dos direitos
sociais passaram a ser debatidas, à medida que são deliberadas políticas educacionais
significativas e se enaltece o direito do estado em ofertar educação de qualidade para
todos os sujeitos residentes nas cidades e no campo. Desencadeiam-se, pois, documentos
oficiais que promoveram reformas no âmbito da educação, referente ao reconhecimento das
especificidades da população campesina.
Uma conquista importante foi a instituição da Educação Infantil como primeiro
nível de ensino a integrar a educação básica (Lei º 9394/96), tendo em vista que se passou a
atender uma demanda que, até então, não tinha um espaço educacional institucionalizado,
recebendo um atendimento apenas assistencialista. Não obstante a isso, a implantação
de creches e pré-escolas no contexto campesino tornou-se, também, um grande marco,
visto que é concebido um direito às crianças residentes no campo, a ter uma educação que
atenda as suas singularidades e não uma reprodução dos valores culturais e sociais no
espaço urbano.
Assim como é assegurado às crianças o direito à educação, sendo pautada em princípios
estéticos2, que visam valorizar a sensibilidade, a criatividade, a ludicidade e diversidade
artística e cultural (BRASIL, 2013), faz-se preciso que os alunos da Educação Infantil do
Campo usufruam desse direito, no sentido de que a construção da identidade para o ensino
no contexto campesino possa, sobretudo, estabelecer “uma relação orgânica com a cultura,
as tradições e as identidades destas populações” (BRASIL, 2013, p. 90).
Logo, com a finalidade de construir um diálogo entre Educação Infantil e Educação
do Campo e levando em consideração o ponto de vista teórico de Caldart (2001), Luckesi
(2014), Kishimoto (2001), Sommerhalder e Alves (2011), além de outras fontes, a saber:
Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo (2002), Orientações Curriculares para
a Educação Infantil do Campo (2009), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (2006), dentre outros estudos que discutem a Educação do Campo e a Educação
Infantil do Campo, problematiza-se: Em que medida as práticas lúdicas na Educação
Infantil vinculam-se ao que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e
as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo propõem para as
questões relativas à ludicidade?
O interesse em estudar os discursos postulados pelas diretrizes que norteiam as
ações nas escolas do campo, mais precisamente, em salas de aulas de Educação Infantil,
parte, incialmente, em meio a relação já existente com o espaço campesino, devido a residir
no campo e também já ter sido aluna de escolas localizadas nos espaços do campo, além
disso, devido a inquietudes que vieram em decorrência da atuação profissional em unidades
escolares campesinas, bem como a partir de leituras de documentos legais que apresentam
a ludicidade como elemento importante para as práticas educativas na Educação Infantil.
Uma vez enaltecida como um princípio estético importante e respeitado, capaz de construir

2
“A estética diz respeito à formação da sensibilidade capaz de apreciar e elevar a imaginação e permitir a
criação, capacidades importantes para o desenvolvimento integral da criança”. Disponível em: <http://
www.referencialcurriculardoparana.pr.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2020.

87
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

formas de sociabilidade e subjetividade (BRASIL, 2013), quer-se analisar se essa prática


lúdica relaciona-se, ou não, ao que as diretrizes delineiam.
Apresentam-se como hipóteses que o não conhecimento das Diretrizes Curriculares
para a Educação Infantil e das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas
do Campo, pelos professores, distancia as práticas da cultura lúdica nas salas de aula de
Educação Infantil do campo, bem como os recursos lúdicos disponibilizados em escolas do
campo impossibilitam o trabalho efetivo com a ludicidade nas salas de Educação Infantil.
Desse modo, a partir da inquietude e das hipóteses apresentadas, firmou-se, como
objetivo geral, analisar as Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, no tocante
à ludicidade e como elas têm mediado as ações em escolas do campo no município de Santana do
Ipanema- AL. Para chegar a essa análise, busca-se, especificamente, compreender os processos
históricos da Educação do Campo e da ludicidade na Educação Infantil; observar os reflexos
da ludicidade no ensino de crianças na Educação Infantil do Campo, bem como fazer um
levantamento sobre os recursos lúdicos disponibilizados em escolas do campo.

CONTEXTUALIZANDO O PERCURSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO:


DA ESCOLA RURAL À ESCOLA DO CAMPO

Desde o período em que a corte portuguesa chegou às terras brasileiras, o projeto


de educação aqui idealizado foi designado para atender a classe aristocrática, levando ao
esquecimento dos povos do campo e todos aqueles que não pertenciam a elite. Assim, o campo
era marcado por estereótipos que o deixava inferior à cidade, por conseguinte, os padrões de
vida urbanos eram considerados superiores à vida rural, logo, para conseguir o progresso,
ou seja, o conhecimento, era preciso abandonar as características do rural e privilegiar a
cultura urbanocêntrica, totalmente voltada para os interesses da classe mandatária.
Em meio à exclusão, o camponês sofreu que origina sua ação política em busca de
direitos sociais. A resistência do campesinato brasileiro demarca o início de lutas contra a
exploração e expulsão das terras. Para Lima (2011, p. 57), as disputas por terras no Brasil
fazem-se presentes desde o início da invasão portuguesa, perpassando pelos períodos
Colonial e Imperial, como também pela República.
No que se refere à educação escolar para os povos que vivem nos espaços rurais, o que
se tem até as primeiras décadas do século XX é uma escola brasileira com um atendimento
exclusivo para atender a elite e inacessível para grande maioria das pessoas do meio rural.
Molina e Jesus (2004, p. 37) afirmam que “a origem da educação rural está na base do
pensamento latifundista empresarial, do assistencialismo, do controle político sobre a terra
e as pessoas que vivem nela”.
No entanto, sabe-se que, no século XX, a educação rural ganhou um novo olhar em
decorrência da implantação das indústrias no país, tendo sido planejada não com a intenção
da formação cidadã do sujeito do campo, mas com uma visão capitalista. Como expressam
Ferreira e Brandão (2011, p. 07), a instalação das indústrias era o “carro chefe”, logo, as
diretrizes para as escolas primárias na área rural seriam construídas de acordo com o
desenvolvimento industrial.
Em um contexto mais específico, voltando-se os olhares para o estado de Alagoas,
de acordo com Verçosa (2006, p. 58), as primeiras formas de educação formal na região

88
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

surgiram em meados do século XVIII, com as aulas de Gramática, que eram ministradas pelos
padres Franciscanos. Ainda para o autor (2006), até o início do século XIX, poucas foram
as práticas de educação formal encontradas na região do estado de Alagoas. O mesmo autor
ainda enfatiza que [...] “as notícias sobre esse período dão conta de um ensino deplorável,
deficiente” (VERÇOSA, 2006, p. 68).
É nesse patamar de precariedade e deficiências que o ensino primário foi se enraizando
em Alagoas. Direcionando os olhares para o contexto rural, vê-se que a realidade é a mesma.
Alagoas, assim como as demais regiões, também corroborou para a vulnerabilidade do
homem do campo, abandonando-o e detendo seus direitos. As escolas do meio rural, que
foram surgindo nas regiões interioranas, sempre apresentaram dificuldades para os sistemas
administrativos. Suas estruturas eram precárias.
Não diferentemente, na região do médio Sertão alagoano, a realidade educacional
provida para os povos das áreas rurais também se deu de forma obscura de início. É sabido
que, na atual cidade de Santana do Ipanema - principal município do médio Sertão do estado
de Alagoas -, as origens sobre instrução escolar denotam os princípios da Igreja Católica
que, assim como em demais regiões brasileiras, estabeleceu os primeiros ensaios para uma
instrução escolar pública.
Reportando aos ditos de Costa (2011), até meados do século XIX, o referido município
sertanejo não apresentava nenhum ensaio para a oferta de educação escolar. Em relação ao
ensino primário, sabe-se que, até por volta de 1889, não havia nenhum ensaio para tal na
região de Santana do Ipanema (COSTA, 2011). Contudo, o ano de 1936 foi marcado pela
instituição da primeira unidade escolar no município.
O conhecido Grupo Escolar Padre Francisco Correia foi idealizado pelo então
governador da época, Osmar Loureiro de Farias, vindo a ser uma forma de apelo da população
santanense, que aumentara muito seus munícipes, devido ao êxodo rural, causado pelo
processo de industrialização, que provocou uma desestruturação na produção agrária, como
também, em detrimento às formas de banditismo do grupo de Virgulino Ferreira, popular
Lampião, que deixou manchas do cangaço nessa região sertaneja.
Algo constatado é que, assim como em outras regiões interioranas, na área do Semiárido
de Alagoas, a educação para os povos do campo também foi levada ao esquecimento por
anos, fato que remete à ideia que o sujeito do campo não necessita de educação escolar, pois
os trabalhos agrícolas levam essas pessoas ao desmerecimento desse direito, devido suas
atividades dispensarem alguma formação escolar.
Nesse contexto de negação de direitos, surgem os princípios para a Educação do
Campo. É a busca pela autonomia, pela ruptura das relações de subordinação, de negação
de direitos aos povos dos espaços rurais, da não posse da terra, que surgiu, em 1979, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fruto da questão agrária.
Formados principalmente por famílias, os movimentos de luta, que passaram a não
aceitar a exclusão, notaram, no seio de suas organizações, a necessidade de incrementar
aos seus clamores o direito, também, à cultura, saúde e, especialmente, o direito à
educação. Recorrendo aos discursos de Arroyo (2011), vê-se que a ideia de Educação do
Campo nasce, sobretudo, em meio a olhares que veem os sujeitos que habitam nas áreas
rurais como homens, mulheres e crianças de direito, logo, a escola do campo vem a ser um

89
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

intermediário frente aos muitos direitos que essas populações tiveram negados durante
muitas épocas.

EDUCAÇÃO INFANTIL DO CAMPO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Segundo Andrade (2010), a instituição de políticas para o atendimento educacional


para crianças menores é resultante de um processo em que se instaurou o sentimento de
infância, que veio permitir que esses sujeitos sociais, conhecidos como crianças, fossem
vistos como seres peculiares e portadores de especificidades. Porém, pois a visão que se
tinha da criança até meados do século XVIII é de um “ser primitivo, irracional, não pensante”
(SILVA, 2009, p. 26).
Com o advento da modernidade, os olhares em relação às crianças mudam e estas
passam a ser vistas como sujeitos de singularidades, surgindo, então, o sentimento de infância
que reconhece as crianças como seres diferentes dos adultos. A construção do conceito de
infância é fundamental para a instauração das escolas de atendimento educacional infantil.
Assim, nesse contexto, surgem as escolas de Educação Infantil. O cuidar era, inicialmente, a
missão das instituições3.
No Brasil, os registros encontrados retratam as primeiras instituições de cunho
assistencialista. Segundo Didonet (2001,p.12), as origens das creches estão relacionadas
ao “trinômio mulher-trabalho-criança”. Kuhlmann Jr (2001) assegura que os marcos que
deram origem as pré-escolas em solo brasileiro como sendo a implantação do Instituto de
Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro e a instituição da Creche Fábrica de
Tecidos Corcovado, o que aconteceu no ano de 1899.
Direcionando o olhar para o atendimento pré-escolar às crianças pobres e moradoras
dos espaços rurais, verifica-se que tais discursos apresentam-se silenciosos. Logo, assim
como toda a proposta da Educação do Campo, a busca pela oferta de educação para as
crianças menores do meio rural emerge em junção aos anseios dos movimentos sociais que,
após muitos embates com os poderes públicos e privados, fizeram com que o referido nível
de ensino fosse fortalecido e posto como direito a todas as crianças residentes nas mais
diversas regiões do país e oriundas dos campos.
Um dos objetivos principais da proposta de Educação Infantil aplicada aos espaços
campesinos é, justamente, o encontro de saberes entre a criança e seu contexto de vida
rural. O atendimento deve priorizar os estigmas da vida rural e as relações que as crianças
têm com esses ambientes. Ao buscar uma oferta de educação específica para as crianças
do campo, é crucial uma proposta educativa que contemple os espaços e tempos desses
sujeitos, consolidando uma educação pautada em saberes específicos e dialogando com os
conhecimentos gerais da Educação Infantil.
Tratando-se do conjunto de políticas públicas que vêm se desencadeando em torno
das discussões da Educação Infantil do Campo, tem-se como marco de tais políticas, de
uma maneira mais abrangente, a Constituição Federal de 1988, que, independentemente da
localização das escolas, sejam campesinas ou urbanas, alega como direito de todo cidadão
o acesso à educação básica gratuita e obrigatória dos quatro aos 17 aos de idade (BRASIL,
Silva (2009, p. 30) enfatiza [...] “a questão do atendimento às crianças, filhas de mães trabalhadoras, como
3

sendo a função das primeiras Instituições de Educação Infantil para crianças de 0 a 6 anos”.

90
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

1988). Nesse mesmo plano, a Educação Infantil passa a compor o ensino básico, gratuito e
obrigatório, sendo instituída como o primeiro nível de ensino, subdividida em duas etapas,
sendo a creche a primeira, onde a criança pode adentar ao zero ano até os três anos de idade
e a pré-escola, dos quatro aos cinco anos.
Para tanto, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo,
atreladas às as normativas decretadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, representam
um importante avanço para o campesinato. Outra vitória, que se deve colocar nesse interim,
foi a instituição das Orientações Curriculares para a Educação Infantil do Campo, que trazem
diálogos construídos unicamente para os professores que atuam nesse nível, com um olhar
para as multiplicidades encontradas no espaço do campo.
Percebe-se, portanto, que a infância do campo está conseguindo superar o
silenciamento e negligência que alimentou por anos. Nos marcos dos direitos, a escuta
às vozes da criança campesina é, sem dúvida, um dos mais elevados ganhos. Contudo, e
concordando com Spada (2016), a luta não pode parar, tendo em vista o estado capitalista
em que sujeitos estão inseridos, que busca, a todo momento, que eles sejam cativos dele.

AS ATIVIDADES LÚDICAS NO CONTEXTO EDUCACIONAL

Muito se fala nos contextos educacionais, formações continuadas, encontros de


Educação Infantil, em ludicidade, atividades lúdicas. Neste sentido, o que significa o termo
lúdico? O que está delineado nesse contexto de ludicidade, tão discutido nos encontros
pedagógicos, bem como na universidade?
Recorrendo ao dicionário, vê-se que a terminologia ludicidade apresenta-se como
termo não dicionarizado, entretanto, a terminologia Lúdico é apresentada como proveniente
da palavra latina ludus, sendo relativa a jogos, brinquedos e divertimentos (FERREIRA,
2001). Neste sentido, para Sommerhalder e Alves (2011), a criança, antes de conhecer o
universo escolar, já é conhecedora e participante desse contexto que envolve os jogos e as
brincadeiras, atividades que acompanham o desenvolvimento da civilização humana desde
seus primórdios.
De acordo com Luckesi (2014, p. 13):

Usualmente, quando se fala em ludicidade, se compreende, no senso comum


cotidiano, que se está fazendo referência às denominadas “atividades
lúdicas”, tais como brincadeiras infantis [...] entretenimentos, atividades de
lazer, excursões, viagens de férias, viagens para grupos [...].

Contudo, Luckesi (2014) revela que todas essas atividades chamadas de lúdicas podem
ser, por vezes, não lúdicas, pois uma situação de ludicidade pode apresentar-se contrária
quando o sujeito da ação não se entrega nela. O lúdico, para o autor, é algo que provém
de dentro para fora, do interno para o externo. Se não houver significado para a pessoa,
consequentemente, não será definida como atividade lúdica
Kishimoto (1994) relaciona o universo lúdico aos jogos e brincadeiras. Para ela, tais
elementos caracterizam isso que é conhecido por ludicidade. A natureza do brincar e da
brincadeira, do jogar, configura-se como formas lúdicas.

91
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Portanto, pensando nesses elementos, é mister dizer que ambos configuram-se como
enriquecedores da infância, possibilitando o desenvolvimento cognitivo da criança, pois
permitem representações de cultura, símbolos, signos, valores e, por isso ,sua inserção no
campo pedagógico apresenta-se com tamanha relevância. Luckesi (2002, p. 19) assinala que:

Enquanto a criança brinca, ela, ao mesmo tempo, expressa e libera os


conteúdos do inconsciente, procurando a restauração de suas possibilidades
de vida saudável, livre dos bloqueios impeditivos. E, por vezes, os bloqueios já
estão tão fixados, que eles impedem a criança até mesmo de brincar; fato este
que estará nos sinalizando para uma atenção mais cuidadosa para esta criança.

Através das falas apresentadas até então, fica perceptível o quão os elementos lúdicos
são, aos olhos teóricos, vistos com vigor no campo escolar. A parceria entre ludicidade e
educação tornar-se algo praticamente inevitável, pois se sabe que são artefatos que fazem
parte das vivências das crianças e que a ligação entre esses segmentos é muito intensa.
As atividades lúdicas desenvolvem um papel fundamental na educação de
crianças pequenas, abrangendo as dimensões cognitivas, afetivas e motoras presentes no
desenvolvimento desses sujeitos, conseguindo, em meio a isso, desmistificar as concepções
que colocam, muitas vezes, as atividades infantis em planos inferiores quando relacionadas
com a aprendizagem.
Enquanto linguagem natural do universo infantil, a ludicidade vem/deve ganhar cada
vez mais espaço nos entornos escolares, pois sua contribuição à Pedagogia já é algo evidente.
Brincando, jogando e, ao todo, divertindo-se, a criança também se desenvolve. O lúdico
permite que a criança exponha suas tantas possibilidades, expanda sua autoestima, cresça
e desenvolva-se em um plano de interação, criatividade e fantasias, que corrobora para o
processo de ensino-aprendizagem, justamente por proporcionar uma prática educativa
harmônica, distante do viés tradicional.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A construção deste trabalho deu-se por meio de pesquisas bibliográficas e webgráfica,


pesquisa documental4, como também estudo in loco, de base qualitativa. Acerca da
abordagem da pesquisa, pode-se utilizar as palavras de Prodanov e Freitas (2013, p. 70),
quando lembram que “a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são
básicas no processo de pesquisa qualitativa”.
A pesquisa qualitativa caracteriza-se como um estudo descritivo, onde se objetiva
interpretar os elementos constituintes da pesquisa em sua totalidade, como, por exemplo,
o contexto social. (PRODANOV; FREITAS, 2013). Quanto à natureza do estudo, coloca-se
como de cunho básico, no qual se busca contribuir para a construção de novos conhecimentos
e que estes sejam úteis para o avanço das pesquisas no campo da educação, principalmente.
Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como estratégia de pesquisa o estudo
de caso, pois se entende que, dentro de suas especificidades investigativas, permite, assim

4
Segundo Kripka; Scheller e Bonotto (2015, p. 244), pesquisa documental “é aquela em que os dados obtidos
são estritamente provenientes de documentos, com o objetivo de extrair informações neles contidas, a fim de
compreender um fenômeno”.

92
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

como assinala Yin (2001, p. 21): “compreender os fenômenos sociais mais complexos” e, mais
que isso, possibilita [...] “uma investigação para se preservar as características holísticas e
significativas dos eventos da vida real”.
O lócus da pesquisa situou-se em três escolas municipais localizadas na zona rural do
município de Santana do Ipanema, médio Sertão alagoano. São escolas do campo, com uma
demanda de alunos, em que a maioria é pertencente às regiões onde as unidades escolares
estão localizadas, no mesmo sítio, povoado, ou em regiões circunvizinhas.
As escolas lócus de estudo localizam-se em sítios diferentes, sendo que duas instituições
são anexas a outra. Por questões de ética, de respeito a tais instituições que compuseram
a pesquisa, não foram divulgados os nomes dessas unidades escolares. São apresentados
com nomes fictícios para, assim, preservar suas identidades. Desse modo, para as escolas,
utilizou-se as nomenclaturas: escola A, escola B e escola C.
Em relação aos profissionais, foram acompanhados três professores atuantes em salas
de aula de Educação Infantil. De cada lócus, um docente foi sujeito da pesquisa, totalizando
uma quantidade de três docentes, como já mencionado. A pesquisa de campo concentrou-se
em observações da rotina nessas salas de aulas de Educação Infantil.
Assim como as escolas, os profissionais envolvidos também receberam nomes
fictícios5. São, pois: professor A, professor B e professor C. Por meio das observações das
rotinas nas distintas salas de aula, buscou-se analisar as questões referentes à presença, ou
não, do lúdico nas práticas pedagógicas, como também a valorização da cultura campesina
durante essas práticas.
Para o trabalho de coleta de dados, utilizou-se: observação direta, entrevista e
artefatos físicos. As observações diretas, pois, assim como lembra Yin (2001, p.115),
“servem como fonte de evidências em um estudo de caso”, uma vez que é possível ter-se um
acompanhamento real acerca dos elementos observados e de seu contexto.
A entrevista apresenta-se como uma das mais importantes fontes de informação
no estudo de caso. Utilizou-se, especificamente, a entrevista na forma semiestruturada,
composta por 10 perguntas. Além disso, houve os artefatos físicos, nos quais se reporta,
aqui, apenas um: a máquina fotográfica, para o registro nos momentos de observação
(YIN, 2001).
Para análise dos dados, assim como já foi aludido, são acrescidos diálogos entre os
pressupostos teóricos com as conjeturas práticas, ou seja, fez-se uma análise das observações,
das entrevistas, para compreender se as práticas lúdicas observadas vinculam-se ou
não ao que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo propõem para as questões
relativas à ludicidade.

5
Há correspondência entre as letras que identificam as escolas e as letras que identificam os profissionais.
Desse modo, o professor A, trabalha na escola A; professor B trabalha na escola B; assim como o professor C
exerce sua função na escola C.

93
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

RESULTADOS E DISCUSSÕES

• As práticas lúdicas nas escolas do campo

Sabendo que os conceitos de lúdico e ludicidade são intrinsicamente construídos em


meios às expressões de jogos, brinquedos e brincadeiras e que estes, no campo da educação,
são elementos valiosos para a efetiva prática pedagógica, quer-se saber como se manifestam
nos entornos das escolas do campo. Para isso, utilizou-se para mediar as falas, o período de
observação que se deu na pesquisa in lócus, abrangendo os contextos das três escolas que
dispuseram seus espaços para o estudo de campo.
De início, pode-se dizer que as escolas do campo situam-se em amplos ambientes,
que podem permitir vastas explorações dos alunos e práticas pedagógicas condizentes com
tais contextos. Fica evidente que essas crianças resgatam, mesmo que de modo indireto,
brincadeiras tradicionais. Considera-se indireto, pois se percebe que elas, por vezes, podem
não ter a intenção de fazer tal resgate, mas, de algum modo, trazem à tona jogos e brincadeiras
como: cabra-cega, cantigas de roda, pega-pega, dança das cadeiras, bola, elementos lúdicos
que não são tão precisos nas escolas urbanas.
As crianças misturam-se durante o horário para recreação, sobem em árvores para
colher goiaba, as meninas brincam de roda, os meninos - os maiores - são cativos da bola.
As meninas maiores gostam de brincar de “escolinha” e jogo de dama. Há os que gostam de
brincar de “derrubar o boi” e de luta, outros imitam o galope do cavalo. Bicicletas, amarelinha
e bambolê também fazem parte desse universo.
Considerando a realidade que as crianças do campo vivem; seus contextos peculiares,
com cotidianos marcados pela intrínseca relação com a natureza, agricultura e pecuária,
é sabido que essas crianças possuem uma grande liberdade para deslocamento e variadas
atividades que envolvem a ação lúdica.
Para Silva, Pusuch e Silva (2011), a Educação Infantil do Campo possui uma vasta
variedade de elementos naturais para exploração. Isso pode desenvolver-se nos próprios
entornos da instituição escolar, permitindo aos alunos, por exemplo, conhecer “formas, cores,
tipos de plantas ou animais, ampliar seus repertórios, seus olhares e suas sensibilidades
para aquilo que, às vezes, lhes parece tão comum e sem encantamento”. (SILVA; PASUCH;
SILVA, 2011, p. 125-126).
É sabido que a escola do campo é um espaço de muitas possibilidades e que seus atores
possuem múltiplas capacidades para movimentar esse ambiente. Entretanto, também são
notórias as deficiências recorrentes nessas instituições. Deficiências que se fazem presentes
nos mais diversos segmentos que formam a escola. Sobre o quesito lúdico, que nos interessa
neste trabalho, verifica-se, ainda, bastante tímido nas práticas pedagógicas da Educação
Infantil, especificamente.
A cisão educação e cultura local, por vezes, encontra-se na penumbra. Quando
relacionamos essas dimensões com os aspectos lúdicos da vida dos sujeitos nos diferentes
espaços sociais, observamos como a ludicidade é colocada num patamar de menor valor.
Neste sentido, pode-se citar Fernandes, Cerioli e Caldart (2011), quando lembram que não é
suficiente apenas ter escolas no campo, mas se construir uma escola do campo, com currículo
vinculado aos anseios dos povos trabalhadores desse espaço.

94
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

• As diretrizes e os discursos sobre ludicidade: escolas estudadas

O lócus de estudo desta pesquisa configura-se em três escolas pertencentes à rede


municipal da cidade de Santana do Ipanema. Ambas são unidades escolares localizadas na
zona rural desse município, escolas do campo, situadas em diferentes sítios.
A primeira escola a ser analisada foi a escola A, a qual oferta os níveis de ensino:
Educação Infantil (Pré-escola) e Ensino Fundamental (Anos Iniciais) e funciona somente
no horário matutino. Há duas turmas multiano6 e conta com o total de cinco professores,
dois funcionários de apoio (merenda e limpeza), dois motoristas, uma diretora, com um
contingente de 68 alunos ao todo.
Analisando a estrutura física da escola, vê-se que se encontra um tanto comprometida.
É uma estrutura debilitada, com salas de aulas pequenas, dificuldades quanto à ventilação e
iluminação. Possui um pátio coberto, onde os alunos brincam na hora do intervalo, e outro
espaço aberto, sem ser coberto, também usado na hora do intervalo para o jogo de bola e/
ou andar de bicicleta.
Não diferente da primeira, a escola B também tem uma estrutura pequena, assim
como a escola A, no entanto, ela vem funcionar nos horários matutino e vespertino, com
um contingente de alunos não muito diferente da primeira escola, em média de 70 alunos.
A escola B tem apenas duas salas de aula, um banheiro e uma cozinha. A estrutura física da
escola é formada por esses quatro espaços. Oferta a Educação Infantil, com a Pré-escola e os
Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Nessa escola, vê-se uma grande peculiaridade em relação ao campo. O ambiente,
a região circunvizinha, corrobora para essa caracterização. Há uma cisterna de placa de
cimento7, para suprir as necessidades dos sujeitos da escola e diminuir as dificuldades de
acesso à água.
O terceiro lócus de estudo, denominado escola C, apresenta-se como a escola de
maior porte, pode-se assim dizer. É a maior escola da região, a qual já teve como anexas as
denominadas escolas A e B. Conta com seis salas de aula, 26 funcionários, entre professores,
apoio, administração, gestão e motoristas. Funciona nos turnos matutino e vespertino e
oferta os níveis de ensino: Educação Infantil (Pré-escola) e os anos iniciais e finais do Ensino
Fundamental (1º ao 5º ano e 6º ao 9º ano), com um total de 142 alunos.
A escola C apresenta-se com uma estrutura física maior e mais confortável, bem
como materiais de apoio pedagógico superior às escolas A e B. Há uma disponibilidade de
materiais nessa escola que não foram encontrados nas outras instituições.

6
As turmas multiano são formas de organização de ensino, onde o professor trabalha na mesma sala de aula
com várias séries (anos) do Ensino Fundamental simultaneamente.
7
“São reservatórios cilíndricos, [...] que armazenam a água da chuva que cai no telhado e é captada por uma
estrutura construída com calhas de zinco e anos de PVC. [...] A água desse tipo de cisterna é utilizada para
beber e cozinhar” (ASA, 2012). Esses reservatórios de água são encontrados, principalmente, na região do
Semiárido e é decorrência do Programa de Formação e Mobilização para a Convivência com o Semiárido.
Nas escolas do campo, esses são resultados de ações do Governo Federal, em espacial do Ministério do
Desenvolvimento Social, por meio do programa Cisternas nas Escolas. Informações disponíveis em: ASA.
Caminhos para a Convivência com o Semiárido. 13. Ed. Recife, 2012.

95
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

• Perfil dos profissionais

Da mesma forma como as escolas receberam nomes fictícios, os profissionais, neste


caso, professores, também serão identificados dessa forma, isso, para que se possa manter
o anonimato deles, sendo, ainda, uma forma ética dentro da pesquisa. Considerando que
cada escola conta apenas com um professor de Educação Infantil, denominou-se os três
professores A, B e C.
A professora A, que desenvolve seus trabalhos na escola A, tem 53 anos e atua como
docente há 30 anos. Sua turma é composta por 14 alunos na faixa etária de quatro e cinco
anos. É formada em Pedagogia e tem especialização em Educação do Campo. Trabalha na
mesma escola desde que iniciou na profissão. A professora B, atuante na escola B, acerca
de 10 anos trabalha como docente. É pedagoga, tem 45 anos e sua turma é composta por 19
alunos. Por sua vez, a professora C, lotada na escola C, tem 47 anos e trabalha há 20 anos
como docente na mesma escola. Também tem formação em Pedagogia. Sua turma é formada
por 18 alunos na faixa etária de quatro e cinco anos.
Chamou atenção o fato da grande presença feminina nessas escolas. A maioria dos
professores das três instituições é do gênero feminino, não sendo diferentes nas três turmas
observadas, pois os três docentes envoltos no estudo são mulheres, fato que nos faz refletir
acerca da grande presença da docência feminina na Educação Infantil.
Outro fato que também chamou atenção foi que a maioria dos professores das três
escolas, principalmente os que atuam na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, é formada pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), campus II,
localizado na região sertaneja, através de um programa especial para formação docente
que houve anos atrás, conhecido com Programa de Graduação de Professores - PGP. Esse
fato mostra a grande importância que possui a UNEAL nessa região, apresentando-se como
pioneira na formação de professores do médio Sertão alagoano.

• Diálogo entre as diretrizes e a prática lúdica no semiárido alagoano

Acerca das práticas observadas em três salas de aula de Educação Infantil do Campo,
o que se pode afirmar, antecipadamente, é o fato dessas três realidades encontrarem-se
por deveras vezes. As três apresentam características que coincidem de estrutura física, de
disponibilidade de material didático, realidades de um aluno também muito aproximada e
práticas pedagógicas, por vezes, semelhantes.
Falando sobre ludicidade, um dos eixos de estudo deste trabalho, pode-se indicar que
as práticas lúdicas dessas três salas de aula resumem-se no momento da história, cantigas
de roda e nas brincadeiras na hora do intervalo.
As brincadeiras nos momentos de recreação chamaram atenção, principalmente, nas
escolas A e B. A brincadeira de roda e o jogo de bola, em ambas as escolas, são atividades
muito queridas pelos alunos e que lembram, em demasia, a cultura do campo.
Relacionando tais práticas ao espaço campesino, percebe-se que tal relação ocorre de
forma tímida na escola A, tendo em vista as cantigas de roda que os alunos tanto gostam de
cantar em certos momentos da aula, entretanto, não ocorre nas ações das escolas B e C, fato

96
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

que causa preocupação, sabendo-se a importância da valorização social e cultural do campo


no espaço escolar.
Observa-se, pois, que essa evidência apresenta-se adversa aos postulados nas
Diretrizes Operacionais da Educação do Campo, tendo em vista que estas afirmam que:

Art. 5º As propostas pedagógicas das escolas do campo, respeitadas as


diferenças e o direito à igualdade e cumprindo imediata e plenamente
o estabelecido nos arts. 23, 26 e 28 da Lei nº 9.394/96, contemplarão a
diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos,
econômicos, de gênero, geração e etnia.

O diálogo entre a realidade do campo com os dizeres das diretrizes faz com que se
concorde com as considerações de Silva, Pasuch e Silva (2011, p.51), ao afirmarem que:

[...] Oferecer Educação Infantil do Campo não é suficiente quando queremos


considerar as creches/pré-escolas como instrumentos e espaços de
desenvolvimento, de formação humana e de construção de subjetividade e
sociabilidade das crianças do campo.

As Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, em seu artigo 13, inciso II,
enfatizam a precisão de que os sistemas de ensino deverão ter propostas pedagógicas voltadas
para a diversidade cultural. No entanto, durante as observações, pouco se notou sobre tal
relação. Apenas na escola A, algumas mínimas ações fazem algum tipo de referência ao
campo, quando a professora falava sobre animais, por exemplo, buscava relacionar a fala
aos animais que tinha na região, ou que os alunos possuíam em suas casas, ou comunidades
que viviam.
Nas escolas B e C, essa relação foi inexistente no período observado. As práticas
referem-se mais a atividades mecânicas, pinturas de imagens impressas, escritas no caderno.
Sobre isso, é necessário recorrer às Orientações Curriculares para a Educação Infantil do
Campo, ao apontarem que:

Oferecer uma educação infantil que não seja profundamente comprometida


com a valorização dos saberes dos povos do campo significa: colocar as
crianças do campo em posições de inferioridade; reiterar os estereótipos,
preconceitos e as concepções do senso comum sobre o homem/mulher do
campo; abrir mão de usar do processo pedagógico para o questionamento,
no cotidiano com as crianças, dessas imagens e estereótipos (p. 3-4)

Ao destacar as tantas possibilidades que as escolas de Educação Infantil do campo


podem proporcionar para os momentos lúdicos, as Orientações Curriculares para Educação
Infantil do Campo salientam que:

Ler histórias e contar histórias embaixo de árvores, em redes e varandas, tecer


um tapete colorido com as crianças, forrar o chão com folhagens e materiais
que construam um cantinho aconchegante para o envolvimento das crianças
nas atividades [...]são situações que cotidianamente podem fazer do espaço
externo o maior cenário das práticas com as crianças (BRASIL, 2010, p. 08).

97
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Não sendo visível esses elementos em sua totalidade nessas escolas (durante os
momentos de observação), o que se percebe é que, ainda, o debate acerca da Educação do
Campo e, especificamente, em relação à Educação Infantil do Campo necessita ser melhor
problematizado nos espaços da gestão escolar e educacional. As políticas destinadas hoje para
as escolas campesinas estão insuficientes diante da tamanha carência que tais instituições
lidam na atualidade.

• Da realização da entrevista

A entrevista foi realizada com o objetivo de conhecer os argumentos teóricos-


metodológicos das professoras regentes das turmas de Educação Infantil, para poder tecer
algumas considerações acerca da relação entre as diretrizes e as práticas lúdicas no contexto
da educação do campo nessas salas de aula. Neste sentido, a entrevista deu-se de forma
semiestruturada, composta por 10 questões.
Inicialmente, foi indagado às docentes se elas tinham conhecimento das Orientações
Curriculares para Educação Infantil do Campo. A professora A foi precisa e disse que sim,
mas de modo superficial. A professora B, rapidamente, respondeu que tinha conhecimento,
bem como a professora C, que também disse que sim.
Em seguida, buscou-se saber dessas professoras se havia, nas escolas em que estão
lotadas, recursos lúdicos disponíveis para uso pedagógico. A professora A respondeu que: “Na
escola que atuo, a situação é bem precária”. A professora B foi mais contida e disse que havia
essa disponibilidade. A professora C disse que sim, como bolas, bambolês e jogos, por exemplo.
Voltando os olhares para a discussão sobre lúdico, foi indagado às professoras o
entendimento delas sobre a ludicidade e se esse elemento era importante para sua ação
pedagógica. A professora A disse que ludicidade, para ela, refere-se ao brincar, a recursos que
promovam interação no momento da brincadeira. A professora B afirmou que: “A ludicidade
é ajudar no desenvolvimento da criança brincando e aprendendo”. A professora C apresenta
compreensão similar a esta última, inferindo que a ludicidade é algo importante e entende
que proporciona a criança aprender brincando.
Concomitante a isso, acerca das contribuições do lúdico no ensino de crianças do
campo, houve os seguintes olhares:
Professora A:

A ludicidade faz a criança interagir e se desenvolver no seu mundo próprio.


Desenvolve o que faz sentido para a criança: a indignação, a criatividade, a
representações interiores são exteriorizadas.

A professora B expressa que a ludicidade desperta uma forma de aprender com prazer.
A professora C aponta que o lúdico possibilita a criatividade e o conhecimento através dos
jogos e das brincadeiras.
Na sequência, objetivando saber sobre a formação acadêmica, foi perguntado se as
docentes tinham formação específica para atuação nas escolas do campo. Apenas a professora
A apresenta formação específica, possuindo pós-graduação, em nível de especialização, em
Educação do Campo pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

98
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Sabendo que um dos princípios da educação do campo é a discussão do desenvolvimento


sustentável, procurou-se saber das professoras quais as possiblidades para um crescimento
dos alunos através de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável.
A professora A disse que “se faz muito necessário, porém as ações não perpassam
de trabalhos isolados, fictícios e sem a mínima participação da comunidade”. A professora
B não soube responder a questão. Já a professora C apresentou uma resposta divergente
com a pergunta, afirmando que: “É necessário muito planejamento para que encontremos
nossas metas”.
Como atividade onde a ludicidade é mais utilizada, a professora A elenca: jogos,
brincadeiras, cantigas de roda, contação de história. A professora B já indica que: “brincando
e aprendendo de diferentes situações com linguagem e matemática” e a professora C também
elenca os jogos e brincadeiras.
A professora A destaca as cantigas de roda, contação de história, alguns conteúdos
como atividades que podem valorizar o modo de vida, cultura, histórias de vida e produções
locais dos alunos. A professora B apenas respondeu que há, em sua prática, atividades
que oportunizam a valorização do campo, sem querer estender-se na fala. A professora C,
também, afirmou que há essas ações.
Quanto à disponibilidade de brinquedos em conformidade com as diversidades dos
povos campesinos, constata-se, assim como salientaram as professoras, que não há. Os
poucos que têm são os mesmos usados nas escolas urbanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o que foi apresentado: estudos teóricos, o encontro com a prática, por
meio da pesquisa de campo, apresentam-se as seguintes reflexões e considerações finais.
Pode-se apontar, de antemão que, por vezes, as propostas apresentadas pelas diretrizes
não se cumprem. A oferta da Educação Infantil nos espaços campesinos ainda é algo para
construir, tendo em vista que suas práticas distanciam-se, em demasia, com o que se propõe
nas DCNEI, as Orientações Curriculares para Educação Infantil do Campo e as Diretrizes
Operacionais para Educação do Campo.
Os princípios estéticos, em que a ludicidade é colocada com uma das principais
ferramentas para o trabalho na Educação Infantil, por vezes, ficam na penumbra, dando espaço
para as práticas de alfabetização, apenas. Neste sentido, os reflexos, ou seja, a contribuição
da ludicidade no ensino dessas crianças fica oculta, tendo em vista as poucas ações na sala de
aula, onde o lúdico é utilizado, levando em consideração os momentos observados.
Do mesmo modo, não foi possível identificar nesses momentos, na prática das
professoras, atividades que oportunizam a vivência da cultura infantil do campo. As
histórias contadas não buscam trazer a significância do campo, como também as outras
atividades que, como já expresso, resumem-se, em sua maioria, à leitura e escrita,
objetivando, pois, a alfabetização.
A grande escassez de recursos lúdicos nas escolas do campo pode, por vezes, limitar
tais práticas. São raríssimos os brinquedos e outros elementos que remetem à ludicidade.
Percebe-se, ainda, que as escolas que ofertam Educação Infantil do Campo sofrem com a

99
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

falta de estrutura física adequada para a faixa etária dos alunos. Não obstante a isso, nota-
se que a deficiência quanto a estrutura física escolar eclode, principalmente, nas escolas
anexas, fato não visto na escola sede, nucleada, com maior demanda de estudantes.
Isso leva a entender que as escolas anexas, com menor demanda de alunos, estariam
sofrendo com o processo de nucleação, tanto em relação à estrutura física, material pedagógico,
mas, também, com apoio pedagógico. A política de nucleação escolar, neste caso, não estaria
auxiliando no bom desempenho das ações nas escolas e na qualidade do ensino.
Diante do exposto, analisando as observações e entrevistas e respondendo à questão
central do trabalho, percebeu-se que as práticas docentes investigadas não conseguem
dialogar com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, não havendo, portanto, um
vínculo entre ambas.
As falas docentes, por vezes, conseguem fazer tal vínculo, entretanto, a prática não
permite o efetivo diálogo. O conhecimento que as professoras confirmam ter sobre as
diretrizes, vem a ser muito minúsculo, necessitando de maiores estudos e reflexões.
Confirma-se, assim, as hipóteses da pesquisa, em que o não conhecimento das Diretrizes
Curriculares para a Educação Infantil e das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo pelas professoras distanciam-se das práticas da cultura lúdica nas
salas de aula de Educação Infantil do campo, bem como os recursos lúdicos disponibilizados
em escolas do campo estão impossibilitando o trabalho efetivo com a ludicidade nas salas de
Educação Infantil.
Atenta-se, pois, para uma formação continuada específica para os professores que
atuam na Educação Infantil do Campo, bem como maiores investimentos em materiais
pedagógicos (brinquedos) para essas escolas, principalmente para as escolas anexas, como
também para maiores estudos relacionados aos investimentos no quesito brinquedos nas
instituições de Educação Infantil do Campo, tendo, como suporte, o objetivo de investigar
se esse fato seria, ou não, uma falha das instâncias públicas com relação à Educação
Infantil do Campo, devido a não disponibilidade de brinquedos em conformidade com as
diversidades dos povos campesinos, podendo estar ocasionando, em razão disso, práticas
corriqueiras de alfabetização.

REFERÊNCIAS

1. ANDRADE, L. B. P. Educação Infantil: discurso, legislação e práticas institucionais.


São Paulo: Cultura acadêmica, 2010.

2. ARROYO, M. G. A Educação Básica e o Movimento Social do Campo. In: ARROYO,


M. G; CALDART, R. S; MOLINA, M. C. Por uma Educação do Campo. 5. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.

3. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.
pdf. Acesso em: 07 jul. 2017.

100
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

4. BRASIL. Decreto nº 7.354, de 04 de novembro de 2010. Dispões sobre as Orientações


Curriculares para Educação Infantil do Campo. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
index.php?option=com_docman&view=download&alias=6675-orientacoescurriculares&It
emid=30192. Acesso em: 17 jul. 2017.

5. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Resolução


nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=13448-diretrizes-curiculares-
nacionais-2013-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 05 jul. 2017.

6. BRASIL. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo.


Resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2012. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
index.php?option=com_docman&view=download&alias=13448-diretrizes-curiculares-
nacionais-2013-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 05 jul. 2017.

7. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/
id/529732/lei_de_diretrizes_e_bases_1ed.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2017.

8. BRASIL. Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008. Estabelece diretrizes


complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do Campo. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
index.php?option=com_docman&view=download&alias=13448-diretrizes-curiculares-
nacionais-2013-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 17 jul. 2017.

9. COSTA, M. C. F. A educação no Médio Sertão alagoano: a escolarização em Santana


do Ipanema e as implicações da formação docente na educação escolar local. 2011. 127
f. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) - Universidade Federal de Alagoas –
UFAL, Maceió, 2011.

10. DIDONET, V. Creche: a que veio, para onde vai. Em Aberto, Brasília, v 18, n. 73, p.
11-28, 2001.

11. FERNANDES, B. M; CERIOLI, P. R; CALDART, R. S. Primeira Conferência


Nacional “Por Uma Educação Básica do Campo” (texto preparatório). In: ARROYO, M.
G; CALDART, R. S; MOLINA, M. C. Por uma Educação do Campo. 5. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.

12. FERREIRA, A. B. H. Mini Aurélio Século XXI: o minidicionário da Língua Portuguesa.


5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

13. FERREIRA, F. J; BRANDÃO, E. C. Educação do Campo: um olhar histórico, uma


realidade concreta. Revista Eletrônica de Educação, São Carlos, a. V. n. 09, jul./dez. 2011.

14. KISHIMOTO, T. M. O jogo e a Educação infantil. Perspectiva, Florianópolis, nº 22, p.


105-128, 1994.

101
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

15. KRIPKA, R.M.L; SCHELLER, M; BONOTTO, D.L. Pesquisa Documental:


considerações sobre conceitos e características na Pesquisa Qualitativa. Investigação
Qualitativa em Educação, V.2. p. 242-247.

16. KUHLMANN JR. M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto
Alegre: Mediações, 2001.

17. LIMA, J. C. S. Terra e violência histórica e cultura: In: FRANÇA, J. N. (org.).


Agricultura familiar e reforma agrária em Alagoas. 1. Ed. Maceió: EDUFAL, 2011.

18. LUCKESI, C. C. Por uma compreensão da ludicidade e das atividades lúdicas.


Disponível em: http://portal.unemat.br/media/files/ludicidade_e_atividades_ludicas.pdf.
Acesso em: 13 jan. 2018.

19. LUCKESI, C. C. LUDICIDADE E ATIVIDADES LÚDICAS: uma abordagem a partir


da experiência interna. Educação e Ludicidade. Ensaios, Salvador, Bahia, n.02, p. 22-60,
2002.

20. MOLINA, M. C; JESUS, S. M. S. A. (Org.). Contribuições para a Construção de um


Projeto de Educação do Campo. Brasília: 2004, v. 5: Por uma Educação do Campo.

21. PRODANOV, C. C; FREITAS, E. C. Metodologia do Trabalho Científico: métodos e


técnicas de pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

22. SÁ, J. M. M. O público e o privado no ensino agrícola no maranhão: do início ao


ruralismo pedagógico. In: Jornada do HISTEDBR ‘O Nacional e o local na História da
Educação’, IX., 2010, Pará. Anais... Jornada HISTEDBR. Campinas: HISTEDBR, 2010.

23. SILVA, A. P. S; PASUCH, J; SILVA, J. B. Educação Infantil do Campo. 1. Ed. São


Paulo: Cortez, 2012.

24. SILVA, E. M. A Educação Infantil em Alagoas: (re)construindo raízes. 1. ed. Maceió:


EDUFAL, 2009.

25. SOMMERHALDER, A; ALVES, F. D. Jogos e a Educação da Infância: muito prazer


em aprender. 1. ed. Curitiba: CRV, 2011.

26. SPADA, A. C. M. Tensões e contradições do processo de construção das diretrizes


para a política pública de educação infantil do campo. 2016. 321 f. Tese (Doutorado em
Educação) - Universidade de Brasília – UNB, Brasília, 2016.

27. VERÇOSA, E. G. Cultura e Educação nas Alagoas: Histórias, histórias. 4. ed. Maceió:
EDUFAL, 2006.

28. YIN, R, K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. Ed. Porto Alegre: Bookman,
2001.

102
8

Rodas de conversa: uma estratégia para a interlocução


com adolescentes em unidades de internação1
Rounds of conversation: an strategy for dialog with
adolescents in juvenile facilities
Ada Rízia Barbosa da Silva(1)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5677-6700, Mestranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia
Universidade Federal de Alagoas (PPGS/UFAL); bolsista Capes, membro do Grupo de Pesquisa Periferias,
Afetos e Economia das Simbolizações (GRUPPAES); Maceió, Alagoas; [email protected]

ABSTRACT: In this case study, it is presented the result, still partial, of an ethnographic research developed
in the socio-educational system of Alagoas, based on the Eliasian figurative theory, but also inspired by Ingold
and Desmond to think about fieldwork and ethnography. Based on the reading of other surveys carried out on
juvenile facilities, such as Mallart’s research, a methodological strategy, called the Rounds of Conversation,
it was explored a methodological strategy that allowed a greater openness to dialogue with adolescents in
compliance with a socio-educational measure. Through the reading of youth books and the listening of
music, in addition to activities with playful games, writing and drawings, it was possible to explore aspects
of adolescents’ lives, such as childhood, friendships, family, schooling, dreams, frustrations. Such a strategy,
although limited, proved to be a promising methodological instrument for conducting scientific research,
specifically an ethnography of a relational character, as well as to allow a space for interlocution and formation
of expressiveness and dialogue among adolescents.

KEY-WORD: socio-educational, system adolescents, interlocution.

INTRODUÇÃO

A etnografia pode ser pensada como a tentativa de entender as pessoas, na medida


em que suas vidas moldam a vida do/a pesquisador/a tanto quanto possível (DESMOND,
2014). Essa compreensão foi ficando clara aos poucos e, com ela, dei continuidade à inserção
em unidades de internação alagoanas, como já vinha fazendo desde a graduação, por conta
da iniciação científica, quando colaborei como bolsista Cnpq na pesquisa “Mercados Ilícitos,
Amor e Diversão nas Periferias de Maceió”. Dando passos mais autônomos, com preocupações
que então diziam respeito à minha pesquisa de mestrado, passei a repensar a entrada em
campo e como desenvolveria a interlocução com os adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa de internação.
A questão sobre a qual me debruço na pesquisa que ora desenvolvo é a busca por
compreender, nas unidades de internação alagoanas, os tensionamentos relativos aos
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap8
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

repertórios disciplinares mobilizados tanto nas dinâmicas institucionais, quanto nas


enunciações, performances e sensos de pertencimento de adolescentes aos símbolos
expressos pelas siglas PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho).
Tenho entendido que os encontros, as interações entre adolescentes e funcionários – que
se interligam por meio das mais variadas entradas e trajetórias no sistema socioeducativo
e pelas suas interligações com os mundos das periferias urbanas – tornam possível a
mobilização de repertórios de controle, constrangimentos e pressões, de disciplinamento,
que se evidenciam enquanto discurso e agência (ELIAS, 1980, 2000).
Para dar conta do problema que me coloco, precisava desenvolver estratégias
para permanecer em campo, numa convivência prolongada com meus interlocutores
(MALLART, 2011), de modo que, assim, pudesse, até certo ponto, acompanhar o cotidiano
das unidades de internação, de modo a acessar os tensionamentos entre adolescentes
e funcionários expressos nas rotinas de interações existentes no sistema. Por meio da
convivência, dentro dos limites possíveis, considerando que se trata de um ambiente
de reclusão e de difícil acesso, seria possível, então, entender aqueles com quem queria
desenvolver o diálogo e ter a minha vida moldada por eles, produzindo, assim, uma
etnografia relacional (DESMOND, 2014).
Além disso, para além das demandas relativas à pesquisa científica, tinha o objetivo
de possibilitar um retorno ao sistema socioeducativo, em especial aos adolescentes, com
quem já vinha dialogando por meio de entrevistas desde os primeiros ciclos da iniciação
científica em 2015. Foi por meio dessa experiência prévia que passei a considerar que existia
uma demanda relativa à formação da expressividade entre os adolescentes, de modo que,
visando permanecer em campo e possibilitar um processo formativo que lhes fosse útil, junto
a uma companheira de pesquisa, iniciamos, em 2019, uma atividade que denominamos
como Rodas de Conversa. Por meio da leitura de livros infanto-juvenis, além da utilização
de músicas, jogos lúdicos, atividades de escrita e desenhos, propúnhamos discussões com
os adolescentes sobre temas relativos as suas vidas, visando colaborar na ampliação de suas
capacidades de diálogo e expressividade (SILVA, 2020).
Neste estudo de caso, que traz algumas discussões ainda parciais do trabalho que
desenvolvo, serão apresentados alguns desenvolvimentos que foram possíveis de acontecer
nas Rodas de Conversa2, com o intuito de refletir sobre como estratégias metodológicas
criativas podem ser úteis tanto à pesquisa científica, como, neste caso em específico, podem
ser um espaço propositivo e de formação para meus interlocutores, contribuindo na formação
de aspectos de suas vidas: o da expressividade por meio do diálogo, da escuta, da reflexão,
trazendo à memória vivências e experiências, que permitem o diálogo e a identificação entre
os envolvidos.

REFERENCIAL TEÓRICO:

Na pesquisa que estou a desenvolver, aqui parcialmente apresentada no formato de


estudo de caso, estou utilizando como referencial teórico a teoria figuracional do sociólogo
Norbert Elias. Para o autor, ao pensar figuracionalmente, os indivíduos podem ser vistos

O desenvolvimento desta pesquisa certamente deve muito à Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de


2

Nível Superior (Capes), agência da qual sou bolsista.

104
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

como relacionados, interdependentes. Estou compreendendo figuração de acordo com a


seguinte definição:

Por configuração entendemos o padrão mutável criado pelo conjunto dos


jogadores – não só pelos seus intelectos mas pelo que eles são em seu todo,
a totalidade das suas ações nas relações que sustentam uns com os outros.
Podemos ver que esta configuração forma um entrançado flexível de tensões.
A interdependência dos jogadores, que é uma condição prévia para que
formem uma configuração, pode ser uma interdependência de aliados ou de
adversários. (ELIAS, 1980, p. 142)

A partir de Elias, tenho entendido que os indivíduos formam relações de


interdependências, um “entrançado flexível de tensões”, em que estão necessariamente
pressionando-se e constrangendo-se mutuamente, necessariamente interligados.
Aliada a essa compreensão teórica, metodologicamente, também estou me propondo
a realizar uma pesquisa de caráter etnográfico, buscando orientar minha atenção justamente
para as interdependências dos indivíduos em campo (DESMOND, 2014). A partir dessa
perspectiva teórico-metodológica, compreendo que, ao concentrar atenção em figurações
sociais, é preciso reconhecer que eu mesma, como pesquisadora, estou implicada nelas,
também pressionando a figuração. O conhecimento que resulta deste trabalho é um diálogo
com meus interlocutores, num engajamento junto a eles que possibilita um aprendizado
por correspondência, exigindo de mim a educação para a atenção (p. 388), além da prática
de exposição a um mundo ainda não formado, sempre incipiente. Neste sentido, é como
se as questões de pesquisa estivessem sempre no processo de construção, pois estar em
contato com seres humanos, correspondendo continuamente, é estar em contato com um
constante vir a ser. É justamente por isso que opto pela escrita em primeira pessoa, pois
não perco de vista meu próprio engajamento na experiência de produção do conhecimento
aqui apresentado. Em outras palavras, meu esforço é por trazer as experiências de campo,
pois é na experiência de troca intersubjetiva com os interlocutores que se produz o
conhecimento (INGOLD, 2014; SILVA, 2015).
Assim, ao realizar pesquisa sociológica no sistema socioeducativo, partindo de
tais pressupostos teórico-metodológicos, estou a compreender que os indivíduos não são
elementos isolados, como se as figurações que compõem entre si derivassem do que seriam sem
elas. Ao inserir-me no interior das unidades de internação, nas interações entre adolescentes
e funcionários, foi justamente o contrário que observei. Adolescentes e funcionários só são o
que são em virtude da posição que ocupam em relação ao outro, e só podem agir como agem
por meio das interdependências que os enovelam. Além disso, em campo, eu mesma estou
a criar situações, a provocar trocas e experiências junto a meus interlocutores. As Rodas de
Conversa são uma situação que eu crio em campo (ELIAS, 2000).
Segundo Elias, os papéis, as ações e interações entre indivíduos que compõem
a rede (pesquisadora, monitor, educador, adolescentes, líder de cela, representante,
disciplina etc.) são acessados por meio das relações de interdependências que configuram
as unidades de internação e nos momentos em que nos encontramos nas Rodas de
Conversa. Eu mesma estou a compor e pressionar aquela figuração, pois, “os pressupostos
teóricos que implicam a existência de indivíduos ou atos individuais sem sociedade são

105
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

tão fictícios quanto outros que implicam a existência de sociedades sem os indivíduos”
(Idem, 1980, 2000, p. 182). Assim, “o ponto de partida de toda investigação sociológica é
uma pluralidade de indivíduos, os quais, de um modo ou de outro, são interdependentes”
(Ibidem, 2000, p. 184).
Inspirada pela leitura da bibliografia que trata sobre pesquisas em unidades de
internação brasileiras, passei a compreender o trabalho de campo como “um processo
tenso, dialógico e situado, no qual as relações são construídas a partir de um posto específico
de observação e participação” (MALLART, 2011, p. 23). Minha intenção era produzir
aproximações entre pesquisadora e interlocutores, como propôs Mallart em sua pesquisa
de campo também nas unidades de internação de São Paulo, em que realizou oficinas de
fotografia com adolescentes. Influenciada por tal experiência, passei a refletir sobre como
poderia criar as situações de participação e observação em meu contexto, permitindo-me a
aproximação e a colaboração junto a meus interlocutores.
Visando desenvolver uma etnografia relacional, amparada na teoria eliasiana, seria
necessário dar primazia a configurações de relações. Em campo, meu esforço era por
observar e engajar-me no sistema de relações de mútuas influências, as interdependências,
das unidades de internação. Assim, foram necessárias estratégias de seguir as associações
e conexões, as diferentes posições dos interlocutores, sem deixar de estar atenta à posição
ocupada por mim como pesquisadora. Estava interessada nos pontos de contato e conflito
entre meus interlocutores, suas lutas, cooperações, compromissos, incompreensões e
compartilhamentos de significados nas distintas posições ocupadas por eles. Para tanto,
minha vida também estaria a ser moldada, na medida do possível, pelas relações que estava
a seguir. Isso demandava tempo observando e experienciando, na medida do possível, as
vivências de adolescentes e funcionários (DESMOND, 2014), afinal de contas:

O campo não é uma coisa, não é um lugar, nem uma categoria social, um
grupo étnico ou uma instituição. É talvez tudo isso, segundo o caso, mas é
antes de tudo um conjunto de relações pessoais com as quais “aprendemos
coisas”. “Fazer pesquisa de campo” é estabelecer relações pessoais com
quem não conhecemos anteriormente, junto de quem chegamos um pouco
na marra. É então preciso convencer da lisura de nossa presença, pelo fato
de que eles nada têm a perder mesmo se também não tem grande coisa a
ganhar, sobretudo que eles não correm nenhum risco. (...) Logo, não há saber
sem relações. (AGIER, 2015, P. 34)

Ao permitir que minha vida fosse até certo ponto afetada por meus interlocutores,
passei a interessar-me por dar algum retorno aos adolescentes com quem já vinha
dialogando. Observar um pouco de suas vivências enquanto internados, fez-me entender
um pouco de suas necessidades de espaços formativos para além das aulas escolares num
modelo tradicional. Nas unidades de internação, os adolescentes, especificamente os que
estão nas unidades masculinas, passam boa parte do tempo dentro dos alojamentos, só
saindo para aulas e para os poucos minutos de banho de sol. Nas entrevistas, eram latentes
as precariedades formativas de leitura e escrita, que acabavam por influir em dificuldades
de expressividade e de diálogo. Ora, muitos adolescentes vinham de trajetórias anteriores de
abandono escolar, ainda no ensino fundamental (sobretudo, no caso dos garotos).

106
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

O incômodo relativo ao processo formativo dos adolescentes começou no processo


de escrita de meu Trabalho de Conclusão de Curso, em que já vinha refletindo sobre as
deficiências educacionais encontradas no sistema socioeducativo:

ao mesmo tempo em que se percebe uma fragilidade no setor ligado


à educação e ao acompanhamento num viés “lúdico-educacional” dos
adolescentes, proponho que há uma sobreposição da área de segurança, de
maneira que as demais áreas acabam ficando à mercê de sua manutenção,
sendo privilegiados dentro do sistema regimes próximos do sistema
prisional para adultos. Nessas circunstâncias, as aulas e os atendimentos,
por exemplo, podem ser cancelados, caso os monitores avaliem que os
adolescentes estão “mau comportados”, ou que o “clima” na unidade não
está bom (SILVA, 2018, p. 80).

Além disso, percebia que o modelo escolar nas unidades de internação, de maneira
geral, tende a reproduzir o modelo que está fora dos muros do sistema, e que não foi capaz
de manter muitos daqueles adolescentes interessados, o que se comprovava pelo alto índice
de abandono escolar. Diante de todas essas percepções, foi se desenvolvendo a ideia das
Rodas de Conversa, do diálogo em grupos sobre temas que interessassem aos adolescentes
que lhes possibilitasse um espaço de comunicação e identificação entre si. Assim, eu poderia
estar em campo, observando e engajando-me com meus interlocutores.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

As Rodas de Conversa tiveram início, ainda tímido, em 2019. Com a autorização da


Vara da Infância e da Juventude e da Superintendência de Medidas Socioeducativas, eu
e uma companheira de pesquisa, desde a iniciação científica, entramos em contato com
os coordenadores de duas unidades de internação que já conhecíamos previamente, uma
unidade de internação masculina e uma de internação feminina. Contando também com
essas autorizações e aberturas, iniciamos nossas atividades, numa forma de experimento.
Assim, as Rodas de Conversa tiveram início com quatro encontros quinzenais, nas
duas unidades em separado, em que propúnhamos atividades de leituras de histórias
infanto-juvenis com grupos de cinco a sete adolescentes que se alternavam semanalmente.
A partir de textos curtos e atividades com imagens, tínhamos como objetivo possibilitar
aos adolescentes oportunidades de conhecer diferentes gêneros literários e autores(as), bem
como, principalmente, provocar diálogos e reflexões sobre suas próprias trajetórias a partir
das temáticas abordadas nas leituras. Nos quatro encontros que realizamos com cada grupo,
a partir de um diálogo conduzido por perguntas, debatíamos um tema em específico.
Optamos pelo uso de uma literatura infanto-juvenil justamente por reconhecer algumas
deficiências em termos de leitura por parte de nossos interlocutores, sobretudo no caso dos
garotos, que têm um histórico ainda mais dramático de escassez na escolarização formal,
alguns deles seriam classificados como analfabetos. No caso das garotas, estas costumam ter
maior escolarização, o que nos possibilitou, em dado momento, apresentar-lhes leituras mais
densas e longas, o que possivelmente não seria possível no caso das unidades masculinas.
No primeiro encontro da unidade de internação masculina, debatemos o tema: “Com
o que eu já tentei preencher minhas partes que faltam?”. O texto lido foi a história “A parte

107
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

que falta”, de Shel Silverstein (2018). O livro, com frases curtas e imagens simples, conta, de
forma bastante lúdica, a história de uma “bolinha” em busca de uma parte que lhe falta para
ser preenchida. A partir de perguntas possibilitadas pela leitura do livro, construímos um
diálogo com os meninos sobre as partes que fazem falta em nossas vidas. Nosso objetivo era
perceber que a todos sempre haverá algo que faz falta e que isso é um processo natural da
vida. Além disso, refletimos sobre possíveis obstáculos e dificuldades que poderiam enfrentar
em suas trajetórias de busca e como poderiam lidar de forma mais madura com eles.
No segundo encontro, levamos cartões com fotos abstratas, visando trabalhar a
seguinte temática com os adolescentes: “Escolhas e não escolhas”. Retomando um pouco
do que havia sido trabalho no encontro anterior, pretendíamos possibilitar aos adolescentes
refletir sobre suas trajetórias de vida, bem como sobre as escolhas que fizeram e as que
não fizeram, mas que impactavam suas vidas. Tínhamos como objetivo possibilitar-lhes
perceber que suas trajetórias inserem-se em um contexto mais amplo, que, muitas vezes,
independe de suas escolhas pessoais, mas impactam diretamente em suas existências e,
consequentemente, nas escolhas que, então, passam a tomar.
Na semana seguinte, ainda na mesma perspectiva sobre as escolhas, mas pensando em
perspectivas de futuro, trabalhamos a seguinte temática “Escolhas e Futuro”. Como leitura,
utilizamos o livro de poesias “Artes e Ofícios”, de Roseana Kligerman Murray (2007). O livro
apresenta uma série de ofícios e profissões de forma poética. Com essa leitura, tínhamos
como objetivo possibilitar aos adolescentes pensar sobre as profissões que admiravam, bem
como sobre os motivos da admiração. Além disso, tínhamos como intenção refletir sobre os
ofícios que gostariam de realizar ao longo de suas vidas e as escolhas concretas e práticas que
precisariam fazer para alcançar seus sonhos e objetivos.
Por fim, em nosso último encontro, fazendo o caminho inverso das discussões
anteriores, trabalhamos a temática “Infância”, a partir da leitura da primeira parte do
livro “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry (1946), em que o narrador da história
conta sua primeira frustração, ainda criança, com as “pessoas grandes”, os adultos, que o
desestimularam a seguir a carreira de desenhista com base na incompreensão do significado
de seu primeiro desenho. A partir da história, queríamos levar os meninos a refletir sobre
suas infâncias, bem como sobre as frustrações que tiveram e que foram determinantes nas
escolhas que passaram a fazer desde então.
Já na unidade de internação feminina, foram dois grupos de meninas que se revezaram
em dois encontros. Como se trata de uma unidade menor, foi possível dar conta de todas as
meninas internadas naquele momento. Em nosso primeiro encontro, debatemos o tema:
“Quem está no controle?”, por meio da leitura do conto “Venha ver o pôr do sol”, que faz
parte da obra “Antes do Baile Verde”, de Lygia Fagundes Telles (2009). Nos dois dias, elas
acompanharam a leitura com cópias que disponibilizamos. Terminada a leitura, tiramos as
dúvidas de vocabulário e de compreensão que surgiram. Tínhamos como objetivo refletir
com as meninas sobre possíveis relações abusivas e/ou violentas em que já tivessem se
envolvido. Os dois grupos participaram de forma ativa. As meninas sentiram-se abertas para
contar histórias pessoais de situações que vivenciaram.
No segundo encontro, similarmente ao que fizemos na unidade de internação
masculina, debatemos o tema “Com o que eu já tentei preencher as minhas partes que

108
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

faltam?”, por meio do livro “A parte que falta”, de Shel Silverstein (2018). A partir de
reflexões suscitadas pelo livro, construímos um diálogo com as meninas sobre as coisas que
fazem falta em nossas vidas. Nosso objetivo era perceber que a todos sempre haverá algo
que faz falta e que isso é um processo natural da vida. Além disso, refletimos sobre possíveis
obstáculos e dificuldades que poderíamos enfrentar em nossa trajetória de busca e como
poderíamos lidar melhor com eles.
No ano seguinte, dei continuidade à experiência bem sucedida das Rodas de Conversa
em outras duas unidades de internação masculina e na unidade de internação feminina.
Com mais fôlego e com a experiência anterior, propus uma série de oito encontros semanais,
em que realizaria as atividades com grupos fixos de até oito adolescentes, o que, além de
possibilitar uma experiência mais duradoura, por se tratar de um grupo fixo, permitiria uma
maior conexão entre os participantes.
Assim, para as três unidades, foram propostos os seguintes roteiros de discussões3:
no primeiro encontro, discutimos o tema “Como nomeio o mundo?”, usando a música “Eu
não sei na verdade quem eu sou”, da banda O Teatro Mágico (2013). Seguimos com um jogo
de imagens, visando refletir sobre como nomeamos sentimentos, frustrações, sonhos, entre
outras coisas. No segundo encontro, discutimos o tema “Como me sinto hoje?”, por meio do
livro “O grande livro das emoções”, de Mary Hoffman e Ros Asquith (2011). Continuando
a discussão anterior, conversamos sobre como nomeamos emoções e sentimentos, sobre
como podemos reconhecê-los e nomeá-los.
No terceiro encontro, discutimos o tema “Reflorestar ideais: convivência”, em que
ouvimos a música “Viver é dever”, de Djavan (2018). Por meio de discussões e uma atividade
com desenhos, discutimos que ter uma boa relação com as pessoas que nos incomodam pode
ser mais fácil quando encontramos algo em comum, algo que nos identifica a esse outro. Do
quarto ao sexto encontro, lemos uma série de livros de Ruth Rocha (2014): “Quando eu
erro”, “Quando eu não consigo” e “Quando eu não sei”. Por meio dessa série, discutimos
como lidamos com nossos erros, nossas fragilidades e defeitos, também refletimos sobre
nossos avanços, qualidades e o que nos dá orgulho de nós mesmos.
No sétimo encontro, lemos a história d“O menino que tinha medo de errar”, de Viviana
Taubman (2016), concluindo a série de discussões anteriores sobre frustrações, medos e
erros. Concluímos as Rodas de Conversa no oitavo encontro com o rap “A vida é desafio”,
de Racionais MC’s (2002). Por meio dela, conversamos sobre os sonhos, mas também os
desafios que trarão o futuro e sobre como eles podem ser superados. Num encontro extra,
por fim, assistimos ao filme “Na Quebrada”, dirigido e roteirizado por Fernando Grostein
Andrade (2014), concluindo nosso ciclo de Rodas de Conversa.
É importante ressaltar que, em apenas uma das unidades de internação, o ciclo pôde
ser concluído. Em uma das unidades masculinas e na unidade feminina, estávamos ainda
em andamento quando surgiu a necessidade de interromper as atividades, por conta da
pandemia4 e da vulnerabilidade dos ambientes de encarceramento à contaminação externa.
Além disso, no caso da unidade feminina, tendo em vista as demandas de pesquisa da colega

3
No caso das unidades de internação masculina, dei prosseguimento às atividades sozinha. No caso da unidade
feminina, dei prosseguimento junto com a mesma companheira.
4
Pandemia da Covid 19

109
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

que me acompanhava, fizemos adaptações no roteiro, incluindo curtas-metragens e outros


artefatos culturais. É sobre a unidade masculina em que pude concluir a atividade que
continuarei a reflexão adiante, afinal, esta é a que mais se aproxima de resultados passíveis
de serem discutidos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As relações construídas ao longo dos últimos anos com funcionários do sistema


socioeducativo foi que me possibilitaram dar continuidade à pesquisa de campo em
unidades de internação. Através das Rodas de Conversa, pude ter uma vivência, na medida
do possível, mais prolongada no interior das unidades de internação (MALLART, 2011),
em que pude estabelecer a convivência e o diálogo com adolescentes e funcionários, tendo
uma visão mais ampla e privilegiada de seus cotidianos e dos eventos que os enovelavam, já
interessada pelos tensionamentos em torno dos repertórios disciplinares mobilizados por
eles e enunciados tanto por meio das práticas institucionais, como por meio da doutrina5
das facções (SILVA, 2020).
Mas não era só isso, queria contribuir no desenvolvimento da expressividade dos
adolescentes a partir de estratégias criativas, lúdicas, que lhes instigasse e interessasse, por
meio do diálogo com a literatura. Minha intenção era ampliar a aproximação e o diálogo com
os adolescentes e atender uma demanda que entendia existir entre eles. Como uma demanda
da pesquisa científica, mas como um posicionamento ético diante dos adolescentes, queria
que eles se interessassem por participar das atividades, sem sentirem-se obrigados, como
acontece em boa parte de suas rotinas. Em contrapartida, esse período acabou sendo de
grande valia para o momento tão sensível de definição do problema de pesquisa sobre o qual
me debruço (SILVA, 2020).
Em janeiro de 2020, empolgada com os bons resultados e a boa receptividade que as
Rodas de Conversa tiveram, decidi dar continuidade. Dessa vez, com mais fôlego. A princípio
pensava em iniciar em apenas duas unidades de internação, mas, quando dei por mim, já
estava em três e, com pelos menos, outras duas esperando ansiosas para que iniciasse as
Rodas de Conversa. Como sugestão do educador social de uma das unidades, foi dado um
nome ao projeto: Trocando Ideia. Entre os funcionários, a atividade ficou conhecida como
um projeto de educação, descrito pelo educador da seguinte forma para “seus” garotos:
vocês são meninos de atitude, mas esse projeto vai ajudar vocês a serem pessoas de diálogo
(SILVA, 2020).
A partir de leituras e escutas, às vezes, tensas, às vezes, divertidas, às vezes, carregadas
de emoção, conduzia discussões com eles, abordando temas de suas vidas: família, amizades,
sonhos, arrependimentos, erros ao longo da vida, relacionamentos... Por meio das leituras
e escutas que fazíamos, provocava o diálogo com os adolescentes, para que fôssemos além
do que aparentava já estar dado e óbvio para mim e para eles. Como interesse de pesquisa,
pretendia acessar suas narrativas e compreensões acerca do crime e das facções, dentro e
5
Doutrina foi um termo sinônimo de disciplina que os adolescentes da UMJ02 usaram em nossos diálogos
da Roda de Conversa. Embora sempre resistentes a dar maiores explicações, eles disseram que doutrina/
disciplina são as regras do que se pode e deve fazer e, principalmente, do que não se deve fazer, como
talaricar, cabuetar, e ratear, que são dar em cima da namorada de um companheiro, delatar e roubar um
companheiro, respectivamente.

110
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

fora do contexto de internação. Às vezes, as provocações que fazia eram bem recebidas e
os adolescentes respondiam empolgados, como se tivessem informações importantes para
passar; às vezes, desconfiados, simplesmente calavam, ou pediam para pular a pergunta
(SILVA, 2020).
Rindo ou com expressões sérias, lembravam da infância, das brincadeiras, das
repreensões das mães, das dificuldades. Falavam das amizades, das ajudas que receberam. Em
situações mais desconfortáveis para mim, falavam de suas relações amorosas, permeadas por
ciúmes e agressões verbais. Falavam de seus sonhos ou da ausência deles. Em um momento,
diziam que queriam mudar de vida, que estavam arrependidos, em outros diziam que iriam
fazer pior quando saíssem dali. As aparentes contradições relacionavam-se justamente às
incertezas sobre a minha posição. Afinal, se tive uma entrada privilegiada em campo, não
perco de vista que, entre mim e os adolescentes, estava a presença, ainda que simbólica, dos
funcionários que possibilitavam e mediavam meu encontro com eles (SILVA, 2020).
Em nossos encontros e desencontros das Rodas de Conversa, por um período de
tempo, ainda que curto, tornei-me parte da rotina semanal de algumas unidades e percebia
o esforço dos adolescentes por entender minha posição naquela figuração, por entender qual
a performance deveriam mobilizar em nossas interações, afinal, ainda que eu tenha tentado
explicar, minha posição localizava-se em uma área “cinzenta”: não era funcionária, nem do
crime, era uma estudante da UFAL, que fazia pesquisa sobre esse negócio de facção, e eles
chamavam-me professora Ada (SILVA, 2020).
Foi assim que pude observar um pouco dos movimentos de algumas unidades de
internação, das interações dos adolescentes entre si, com os funcionários, dos funcionários
entre si. Pude ver “bate-bocas”, orações, zoações... Não era raro ver os adolescentes ironizarem
baixinho os monitores, que ficavam distraídos em suas conversas paralelas, depois de trazer,
com mãos para trás e cabeça baixa, os garotos à sala onde nos encontrávamos. Tudo isso me
saltava às vistas, mostrando-me os meandros do que me interessava pesquisar: os controles,
as pressões, os constrangimentos, os governos e autogovernos (SILVA, 2020).
Neste sentido, as Rodas de Conversa construíram-se como uma estratégia
metodológica bastante rica e privilegiada. Por meio delas, pude atender parte significativa
de minhas demandas de pesquisa, mas, para além disso, pude, de alguma forma, contribuir
positivamente nas trajetórias dos adolescentes, desenvolvendo um diálogo para além das
formalidades pesquisador-pesquisado. Pude fazer provocações e ser provocada, ouvir suas
versões, questioná-los, discordar e ouvir suas discordâncias. Começamos a desenvolver
uma interlocução, na medida do que era possível. Mais do que isso, ainda que de maneira
limitada, ainda insuficiente, pude possibilitar-lhes um espaço de diálogo e discussão, numa
estratégia para desenvolver aspectos de suas expressividades.
Por meio das leituras e das subsequentes perguntas e discussões, podíamos acessar
aspectos em comum de suas vidas, que, em outros diálogos, talvez não emergissem em
suas falas, mas que permitiam que eles se expressassem sobre vivências até em comum que
poderiam ter, que viabilizavam uma espécie de identificação entre eles. Segue abaixo trecho
de um dos diálogos que tivemos:

[Pergunta] Mas fiquem aí pensando, vocês não tão compartilhando, não são
obrigados a compartilhar, mas podem ficar pensando na vida de vocês. Eu já

111
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

me culpei por erros que não cometi? Entenderam? Tipo assim, a culpa não é
minha, mas eu fico me culpando por aquilo. Já aconteceu?
[Adolescente 1] Já.
[Adolescente 2] Já...
[Adolescente 3] Esse eu posso falar. Quando mataram meu irmão. Num tive
culpa, mas eu me culpei. [trecho incompreensível] desacreditei e eu num me
conformo, porque [trecho incompreensível] amanheceu morto, aí, eu fiquei
com isso.
[Adolescente 4] Mataram alguém pensando que era eu e a mãe dele toda vez
dizia que era eu. Fiquei me sentindo um pouco culpado. Que ela dizia que foi
por minha causa.
[Adolescente 2] Eu me culpei quando minha avó adoeceu, que minha família
toda falava que foi por causa que eu me envolvi no crime, tal... Aí, eu sempre
me culpei, que ela teve depressão e eu sempre me culpando por causa disso.

Neste sentido, considero que as Rodas de Conversa são um espaço rico de


expressividade, em que os adolescentes podem compartilhar eventos e vivências de suas
vidas, que talvez desconhecessem uns sobre os outros. Infância, traumas, perdas, coisas em
comum e que são difíceis de falar, mas que, por meio de uma condução criativa, pode permitir
o desenvolvimento um ambiente de confiança, de diálogo, de escuta, até de empatia. Se nas
unidades de internação, muitas vezes, a atitude na resolução de conflitos entre adolescentes
e funcionários dá-se pela via da agressividade, da punição, das cobranças, da violência, as
Rodas de Conversa podem ser pensadas como um espaço de identificação e de escuta.

CONCLUSÃO

Neste trabalho, busquei apresentar a estratégia de Rodas de Conversa enquanto um


instrumento metodológico para a realização de pesquisa científica, especificamente uma
etnografia de caráter relacional, bem como para possibilitar um espaço de interlocução e formação
da expressividade e do diálogo entre adolescentes internados no sistema socioeducativo.
Ora, as unidades de internação são espaços marcados pelos tensionamentos, em que
o diálogo, muitas vezes, não é um instrumento último para a resolução de conflitos, mas a
expressividade dá-se, em várias ocasiões, pela via da agressividade. Neste sentido, o estímulo
ao diálogo e à interlocução entre os adolescentes mostra-se como uma proposta positiva,
embora insuficiente por si mesma, afinal, num plano ideal, proporcionar o diálogo também
com funcionários traria resultados ainda mais promissores.
Uma das limitações encontradas para o prosseguimento e desenvolvimento dessa
estratégia deu-se por conta do fechamento das unidades de internação para visitas
externas, devido à pandemia da Covid-19, de modo que houve uma interrupção abrupta
no prosseguimento das atividades, o que implica um rompimento de vínculos que vinham
sendo tecidos ao longo das semanas. Ainda não é possível saber como e se será possível dar
continuidade à proposta.
Mesmo com todas as limitações que ainda foram encontradas para a realização dessa
estratégia de pesquisa e de diálogo, considero que o resultado em si mesmo foi positivo,
segundo avaliado pelos próprios adolescentes, que mencionaram que puderam refletir mais
e relembrar momentos de suas vidas a partir dos diálogos que travávamos. Os resultados a

112
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

longo prazo não podem ser medidos ou alcançados no presente, mas o próprio ambiente de
confiança e interlocução criado nas oito semanas de encontros é positivo por si mesmo.
Por meio da leitura, da música, de fotos, de jogos e desenhos, foi possível começar a
estimular, ainda que de maneira limitada, a expressividade dos garotos e garotas internados/
as por meio do uso de estratégias criativas, que contavam com a participação dos adolescentes,
sugerindo e envolvendo-se na medida em que sentiam interessados e à vontade. Trata-se de
uma proposta ainda não finalizada e fechada, mas que se apresenta como uma tentativa
promissora de formação dos adolescentes por meio de uma estratégia que está para além do
ambiente educativo tradicional.

[Pergunta] Como eu falei, né, hoje é o último encontro que a gente vai ter,
e aí eu fiquei pensando em outro trecho, quando ele fala assim: “É isso aí,
você não pode parar, esperar o tempo ruim vir te abraçar, acreditar e sonhar
é preciso, é o que mantém os irmãos vivos”. O que vocês entendem com essa
parte da música?
[Adolescente 1] Que se você tem um foco, você não para, você continua
correndo atrás e, se você parar, pode ser que esse tempo ruim venha te
abraçar.
[Adolescente 2] E nunca deixe pá depois, num espere o tempo ruim, cê tá
bom, tá com saúde, vai em busca do que você quer, porque se você for esperar
pá amanhã cê vai, e alguém pode vir atrás de você.

REFERÊNCIAS

1. AGIER, Michel. Encontros etnográficos: interação, contexto, comparação. São Paulo:


Unesp; Alagoas: Edufal, 2015.

2. DESMOND, Matthew. Relational ethnography. Theory and Society, v. 43, n. 5, p.


547–579, 2014.

3. DJAVAN. Viver é dever. Luanda Records, 2018.

4. ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Lisboa: Edições 70, 1980.

5. ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

6. HOFFMAN, Mary; ASQUITH, Ros. O grande livro das emoções. São Paulo: Paulinas, 2013.

7. MOREIRA, Fábio Mallart. Cadeias dominadas: Dinâmicas de uma instituição em


trajetórias de jovens internos. 2011, 187 f. Dissertação (Mestrado em antropologia social)
- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São
Paulo 2011.

8. MURRAY, Roseana Klingerman. Artes e ofícios. FTD, 2007.

9. NA quebrada. Direção: Fernando Grostein Andrade. Distribuidor: Downtown Filmes, 2014.

113
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

10. O TEATRO MÁGICO. Eu não sei na verdade quem eu sou. 2011. Disponível em:
https://www.youtube.com/playlist?list=PLB596714520BB08CD. Acessado em 09/
jul/2020.

11. RACIONAIS MC’S. A vida é desafio. Boogie Naipe, 2002.

12. ROCHA, Ruth. Quando eu não consigo. São Paulo: Salamandra, 2014.

13. ROCHA, Ruth. Quando eu erro. São Paulo: Salamandra, 2014.

14. ROCHA, Ruth. Quando eu não sei. São Paulo: Salamandra, 2014.

15. SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pqueno Príncipe. Rio de Janeiro: Agir, 1946.

16. SILVA, Ada Rízia Barbosa da. A “máquina opressora”: A gestão da vida de
adolescentes sentenciados a cumprir medida socioeducativa em unidades de internação
de Alagoas. 88 f. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Ciências Sociais) -
Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2018.

17. SILVA, Ada Rízia Barbosa da. Cadeias de tensão: Repertórios disciplinares de facções
e do sistema em unidades de internação alagoanas. 2020. 119 f. Universidade Federal de
Alagoas, 2020.

18. SILVERSTEIN, Shell. A parte que falta. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2018.

19. TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

20. TAUBMAN, Andrea Viviana. O menino que tinha medo de errar. Rio de Janeiro:
Zit, 2016.

114
9

Os gêneros textuais no desenvolvimento de crianças de 4


e 5 anos na Educação Infantil1
Textual genres in the development of children aged 4 and
5 in Early Childhood Education
Maria Janailma Barbosa Silva Tavares (1); Maria Margarete de Paiva(2)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6843-4425 Pedagoga, Professora na Educação Infantil desde 2013;
Universidade Estadual de Alagoas/UNEAL, Palmeira dos Indios, Alagoas, Brasil. [email protected].
(2)
ORCID: https://orcid.org /0000-0003-3649-0403. Professora Assistente do curso de Letras desde 2004;
Universidade Estadual de Alagoas/UNEAL; Mestre em Letras e Linguística; Licenciada em Letras – Língua
Portuguesa e suas respectivas Literaturas, Universidade Federal de Alagoas/ UFAL; margarete_paiva@
hotmail.com.

ABSTRACT: Through language / language, we use in our daily life several textual genres that provide
interaction with others and organize social communication between social actors. Thus, the use of textual
genres is a possibility to achieve satisfactory results in relation to the development of apprentices since the
first years in school, including in the preschool class of Early Childhood Education. Children aged 4 and 5 must
have contact with various learning situations and experiences that enable them to learn about the world and
to develop reading and writing. Therefore, this study aims to analyze how textual genres are worked and how
they can contribute to the language development of children aged 4 and 5 in Early Childhood Education. This
article presents the qualitative research with field research carried out in 2019, on Early Childhood Education
and its foundations, bringing a theoretical and methodological approach on the text genres most used in
Early Childhood Education and showing how this use is made by teachers of a public school in the municipal
network of Palmeira dos Índios, state of Alagoas, Brazil. It also presents the look at textual genres as content
to be inserted in practices with children continuously and not on time, with regard to methodologies applied in
early childhood education, using textual genres as a starting point to contribute to the development of children
at this stage of education. The analysis of the results points out that the textual genres are worked on in a little
explored way by the researched educators. It is necessary to work with different methodologies that explore
not only the characteristics of the genders, but also their social functions, making it necessary to expand the
range of genres studied in the classroom space, in order to contribute to the development of children in that
age range age.

KEY-WORD: Practices, Language, Child development.

INTRODUÇÃO

A Educação Infantil, doravante EI, passou a ser reconhecida como a primeira etapa
da Educação Básica na LDB (BRASIL, 1996), o que tornou os debates acerca das políticas
públicas e das práticas para crianças de até seis anos mais intensos. No que diz respeito à

1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap9
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

função da EI junto às crianças, seu currículo e práticas que possam favorecer uma EI de
qualidade, muitos são os questionamentos, a exemplo de꞉ quais materiais presentes no
cotidiano das crianças podem ser explorados no ambiente escolar? Como o estudo e o uso de
gêneros textuais podem ser desenvolvidos com essas crianças? As bases para investigação
foram norteadas pela necessidade de conceber a criança como ser potente para construção de
saberes, bem como a necessidade de utilizar variados elementos que sirvam de pressuposto
para o desenvolvimento integral das crianças.
Há vários materiais, recursos e práticas que despertam o interesse e a curiosidade
das crianças e que, por vezes, passam despercebidos pelo educador, como é o caso dos
gêneros textuais que nos garantem interação e dialogicidade; dessa forma, constituem-se
como instrumentos importantes, que trazem resultados exitosos para o desenvolvimento
das crianças de quatro e cinco anos, quando utilizados na EI.
Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é analisar como os gêneros textuais são
trabalhados e como podem contribuir com o desenvolvimento de crianças de quatro e cinco
anos na Educação Infantil, conhecendo a visão de educadores sobre a temática, quais os
gêneros mais utilizados nas aulas, o que há nos documentos oficiais que norteiam o trabalho
na EI e refletindo sobre metodologias para a utilização dessa ferramenta nas aulas.
Lançamos, nesse contexto, a proposta de maior exploração interpretativa, estímulo à
interação e ao conhecimento de diferentes gêneros textuais, considerando que eles, através
da leitura e escrita, ajudam com objetividade e eficácia no crescimento intelectual dos
aprendizes, bem como na elaboração de sequência didática na utilização desses recursos, que
são importantes como sequência de atividades que possibilitam uma maior contextualização
e aprofundamento dos assuntos trabalhados. Essa contribuição dá-se pelo fato de que
os gêneros textuais existem em todos os locais, com os mais variados conteúdos e estão
presentes no cotidiano, sendo passíveis de utilização de acordo com o contexto que se queira
abordar, a partir das vivências, nesse caso, das crianças.
Salientamos que este trabalho foi motivado pelo interesse em compreender melhor
os gêneros textuais como recursos/instrumentos a serem utilizados em sala de aula e pela
experiência com ações nas turmas de EI, que culminaram em resultados exitosos. A partir
das experiências como professora em turmas de EI e da utilização dos gêneros textuais que
despertou nas crianças o interesse e o desenvolvimento em diversos aspectos, surgiu a pergunta:
como os gêneros textuais, que são ricos para exploração, são utilizados com as crianças na EI?
Para isso, buscamos subsídios nas seguintes referências teóricas: Bakhtin (2010),
Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004), Freire (2014), Marcuschi (2008), RCNEI (1998), BNCC
(2018), DCNEI (2010), LDB (1996) entre outras. A análise de dados configura uma pesquisa
de cunho qualitativo, caracterizada como pesquisa de campo.
O trabalho está estruturado em quatro seções. Na primeira, apresentamos reflexões
sobre fundamentos históricos e pedagógicos da Educação Infantil, amparados nos
documentos norteadores BNCC (2018), RECNEI (1998) e DCNEI (2010), que concernem
à criança como ser de direitos, que produz cultura e deve ter um ambiente educador de
estímulo ao desenvolvimento.
Na segunda, discutimos sobre a compreensão dos gêneros textuais, como identificá-
los, tendo em Marcuschi (2008) conceitos para definição de gêneros e considerações acerca

116
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

dos gêneros textuais no contexto escolar, baseando-se nas contribuições de Schneuwly e


Dolz (2004), Bakhtin (2010) e Marcuschi (2008).
Na terceira, trazemos a análise da pesquisa realizada, a partir das observações feitas
em duas turmas de EI e análise do planejamento didático, referenciando os documentos que
norteiam as práticas pedagógicas para as aprendizagens que as crianças devem experienciar. E, na
quarta e última seção, trazemos as considerações diante dos resultados, que demonstraram que
o trabalho de utilização dos gêneros textuais na EI é reconhecido e está descrito nos documentos
norteadores da EI, porém, não acontece de forma a possibilitar experiências exitosas para o
trabalho sistemático e planejado de acordo com essa perspectiva de desenvolvimento, atrelado
com o conhecimento de mundo, ludicidade, criticidade e interação social.

EDUCAÇÃO INFANTIL: DIREITO AO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL NA


INFÂNCIA

Em diferentes contextos, sabemos que educar crianças pequenas não era preocupação
do Estado ou da sociedade, por isso, não havia oferta de educação escolar gratuita para
todos. Nas famílias, também não havia essa preocupação, pois a vida cotidiana, em muitas
sociedades, era marcada pela agricultura familiar, por meio da qual as crianças colaboravam
com o trabalho. Assim, a criança era considerada uma pessoa que deveria ser moldada para
agir como adulto e não se rebelar contra qualquer sugestão ou imposição feita.
Contrariamente a esse pensamento, a educação escolar de crianças pequenas é hoje
um direito assegurado. Ela é resultado de um gradativo processo construtivo da visão sobre
infância e educação infantil ao longo do tempo, a Educação Infantil passou a ser reconhecida
como a primeira etapa da Educação Básica na LDB (1996), o que tornou mais intenso o
debate acerca das políticas públicas e das práticas para crianças de até seis anos.
A criação da Lei nº 9.394, de dezembro de 1996, Lei Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB 9394/1996), define no:

Art. 29º. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade (BRASIL. LDB, 1996, p. 17).

Dessa forma, a EI deve visar não somente ao cuidado, mas o desenvolvimento da criança
em vários aspectos. É necessário, então, pensar nessa etapa de ensino como espaço de direito da
criança para o seu desenvolvimento e não de local onde os pais, por suas próprias necessidades,
podem deixar os filhos. O cuidado é indispensável no desenvolvimento das atividades, pois,
nessa faixa etária, há bastante curiosidade das crianças pelas coisas ao seu redor e interesse
por atividades que envolvam desafios, necessitando, por isso mesmo, exercitar a percepção de
situações de perigo. O ato de educar é indispensável e indissociável do ato de cuidar.
Entre os documentos oficiais norteadores para a EI, temos o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998) que traz, em sua proposta, conteúdos,
objetivos, reflexões acerca da prática pedagógica, que norteiam ações permeadas pela
interação e ludicidade.

117
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Outro documento influente no trabalho do educador infantil publicado em 2010, pelo


Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria de Educação Básica (SEB), é as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI). Neste, afirma-se que o objetivo
da proposta pedagógica na educação infantil é:

[...] garantir à criança o acesso a processos de apropriação, renovação e


articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens,
assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito,
à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças
(BRASIL. DCNEI, 2010, p. 22).

Sendo assim, o ato de educar, na primeira etapa da educação básica brasileira, deve
ocorrer de forma dinâmica, planejada e de modo a oportunizar atividades que possibilitem
o desenvolvimento da criança em diversos aspectos. O educador deve mediar essas situações
de aprendizagem, tornando-as interessantes e adequadas para cada faixa etária, norteadas
pelos documentos legais que apontam caminhos sobre as práticas a serem realizadas para
oportunizar esse processo.
A EI, portanto, não deve ser vista com a mera função de cuidar, mas como atendimento
que busque o desenvolvimento pleno da criança em interação com adultos e com outras
crianças no ambiente escolar, através do cuidado, da educação e da brincadeira.

ACERCA DOS GÊNEROS TEXTUAIS

Seria uma premissa equivocada pensar que os gêneros surgiram com as postulações
de Bakhtin (2010), Marcuschi (2008), Schneuwly e Dolz (2004), entre tantos outros autores
que se debruçaram nos estudos de gêneros textuais ou discursivos. É verdade que esses
autores deram grandes contribuições para a linha dos gêneros, mas é necessário evidenciar
que os gêneros existem desde que o homem comunicou-se pela primeira vez e foi com
Aristóteles, na Grécia Antiga, que eles apareceram pela primeira vez na literatura.
Foi Aristóteles (2011), em sua Retórica, quem classificou os gêneros do discurso
em três tipos específicos: judiciário, deliberativo e epidítico. Cada um deles possui suas
especificidades. O primeiro está ligado ao tribunal e às questões de acusação e defesa; o
segundo diz respeito às assembleias - nesse discurso, aconselha-se ou desaconselha-se; e o
terceiro diz respeito aos espectadores, nos quais se elogia ou censura algum comportamento.
Bakhtin (2010, p. 261) afirma que “o emprego da língua se efetua em forma de
enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou
daquele campo da atividade humana”. São esses enunciados que refratam a realidade e
evidenciam como os discursos são construídos. Os enunciados são os chamados gêneros do
discurso que possuem um estilo, um conteúdo temático e uma construção composicional.
Os gêneros são textos orais e escritos que têm uma função social comunicativa,
considerando que:

Os gêneros textuais são textos que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições
funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração
de forças históricas, sociais e técnicas (MARCUSCHI, 2008, p.155).

118
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

A ideia do autor é que os gêneros estão em nosso dia a dia e que são dotados de elementos
sociais, históricos, culturais, linguísticos, entre outros, que moldam as falas daqueles que os
utilizam. A escolha de um gênero e não de outro revela a função social e até mesmo o exercício
de poder por meio do uso de um gênero específico. Nenhuma comunicação acontece sem a
utilização de algum gênero textual, visto que eles fazem parte da vida das pessoas em suas
interações, produções e comunicações no meio social e em vários contextos. “Ora, a língua
passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através
de enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2010, p. 265).
Os gêneros que são utilizados na vida diária manifestam-se na modalidade oral e
escrita da língua. As duas modalidades são meios distintos, mas não opostos, de realização
da língua. Santos (2013, p. 59) afirma que “os gêneros aparecem na perspectiva da fala e da
escrita dentro de um Continuum Tipológico das práticas sociais de produção textual”. A fala
e a escrita, neste trabalho, são vistas como complementares e não dicotômicas.
A questão do suporte textual ainda é uma temática muito discutida nos estudos de
gêneros textuais. Marcuschi (2008, p. 179), por exemplo, afirma categoricamente que o livro
didático ou qualquer livro não é um gênero, mas um suporte textual. Em contrapartida, os
estudos em Linguística Aplicada defendem a ideia de que se trata de um gênero. Vemos um
grande conflito teórico pelo fato de o gênero e o suporte serem tão próximos, entretanto,
há diferenças fulcrais. Desde já, ratificamos que concordamos com o posicionamento de
Marcuschi (2008), por razões preferíveis e teóricas.
Assim, entendemos que a identificação dos gêneros associa-se diretamente com o
suporte; essa ligação não é indiferente ao material ou meio eletrônico por meio do qual o
gênero realiza-se. Uma carta pessoal, por exemplo, é escrita em papel e enviada para que o
remetente receba-a em mãos; quando escrita com as mesmas informações, porém enviada
por endereço eletrônico passa a ser um e-mail. Uma pequena mensagem direcionada a uma
pessoa próxima, deixada em papel sobre a mesa, pode ser considerada um bilhete, mas se a
mesma mensagem for passada via telefone será um telefonema.
Neste sentido, o suporte é crucial para o entendimento e a caracterização do gênero e,
embora, por vezes, sejam confundidos com os próprios gêneros, é importante sabermos que
os suportes de gêneros (também conhecidos como portadores de gêneros) são os materiais
ou meios pelos quais os gêneros realizam-se. Marcuschi (2008, p. 174) afirma: “entendemos
aqui como um suporte de um gênero um locus físico ou virtual com formato específico que
serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”.
O suporte textual e o gênero, portanto, são elementos diferentes, mas estão
intimamente relacionados. Um não acontece sem o outro, pois são imbricados, ligados. O
gênero é a realização funcional do texto oral e/ou escrito e o suporte é o local em que o
gênero encontra um formato específico para fixar-se, física ou virtualmente.
Neste sentido, a escola é tomada como autêntico lugar de comunicação e as situações
escolares como ocasiões de produção/recepção de textos. Os alunos encontram múltiplas
possibilidades nas quais a produção textual torna-se possível e necessária. Os gêneros
escolares são o resultado do funcionamento da comunicação escolar; eles são aprendidos
por meio da prática de linguagem que necessita ser desenvolvida e estudada em sala de aula
(SCHNEUWLY; DOLZ, 2004).

119
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

É possível encontrarmos, na obra de Schneuwly e Dolz (2004), a indicação de alguns


gêneros que podem ser trabalhados no espaço de sala de aula com vistas a desenvolver as
habilidades linguísticas dos alunos. Os autores mostram exemplos de atividades com a
exposição oral, com o debate regrado, com a fábula, com o conto, entre outros gêneros orais
e escritos, que podem ser trabalhados na educação infantil, interesse maior deste trabalho.
Para que as atividades possam ser realizadas de uma maneira sistemática, seguindo
passos específicos, Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004) elaboraram um modelo de sequência
didática para o estudo do gênero oral e do escrito, buscando apresentar um procedimento
de aplicação em sala de aula. Na próxima seção, iremos nos deter nesse aspecto, sugerindo
possíveis aplicações de atividades a partir do uso dos gêneros textuais.
As sequências didáticas contribuem significativamente para a promoção de um
trabalho sistematizado e coerente que pode ser adaptado para o planejamento e execução
de atividades na EI. Assim, “uma sequência didática é um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ;
NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 83).
Neste sentido, o planejamento das atividades possibilita aos alunos o acesso às novas
práticas de linguagem, consideradas um tanto complexas, mas imprescindíveis para a formação
discente. Essa organização pode ter como base o seguinte modelo de sequência didática:

Fonte: (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 83).

O primeiro procedimento, apresentação da situação, visa mostrar aos alunos o


gênero que será estudado, o que, na EI, pode ocorrer de diversas formas e com diferentes
recursos, a partir do interesse das crianças. O segundo, produção inicial, diz respeito
à participação efetiva dos alunos sobre as produções a serem realizadas. Com crianças
de quatro e cinco, é necessária a mediação do professor no tocante ao uso da linguagem
adequada, para a compreensão das crianças e a preparação de materiais e recursos de acordo
com o que será produzido e/ou confeccionado com as crianças. O terceiro procedimento,
os módulos, é os momentos nos quais se trabalha as questões voltadas para o gênero em
estudo, com variadas situações, exemplos e materiais diversos, contextualizando com a
realidade dos aprendizes. A quantidade de módulos varia de acordo com os conteúdos, o
gênero escolhido e as necessidades da turma. O quarto e último procedimento, produção
final, refere-se a tudo aquilo que foi aprendido durante as etapas; trata-se da culminância
das sequências didáticas ora aplicadas, que, na educação infantil, deve ser um momento de
escuta da criança e incentivo a perceber seu desenvolvimento e aprendizagem por meio das
diversas linguagens da criança.

120
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Assim, compreendemos que as sequências didáticas são metodologias importantes


para o trabalho dos gêneros textuais na EI, tendo em vista que possibilitam um trabalho
sistemático e que permitem a contextualização.

O PERCURSO METODOLÓGICO

Para atingir o objetivo de refletir sobre os gêneros textuais no desenvolvimento das


crianças na turma quatro e cinco anos na EI, realizamos a pesquisa de abordagem qualitativa,
compreendendo que, como nos traz Gil (2002), na maioria dos casos, o envolvimento de:
levantamento bibliográfico, entrevistas com quem teve experiências práticas com o problema
pesquisado e análise de exemplos que possibilitem a compreensão.
Sobre a abordagem qualitativa, Minayo (2001, p.21) também discorre que investiga
as questões particulares, analisando a realidade que perpassa os sentidos, valores e
compreensões sobre a temática estudada, ocupando-se com um nível de realidade que não
pode ou não se deve quantificar.
A pesquisa aconteceu em uma escola pública municipal de Palmeira dos Índios,
Alagoas, Brasil, que atende da Educação Infantil até o 9º Ano do Ensino Fundamental. As
fases da pesquisa foram: levantamento bibliográfico; pesquisa de campo em duas turmas
do turno vespertino, sendo uma de crianças de quatro anos e a outra com crianças de cinco
anos; aplicação de questionário e análise dos resultados.
Realizamos a pesquisa de campo com observação da metodologia trabalhada pelos
educadores, a análise dos planos de aula do primeiro e segundo bimestre e a aplicação
de questionário relacionado à utilização dos gêneros textuais na EI. Nesse contexto,
entrevistamos duas professoras da turma do pré-escolar: P1 atua com 22 (vinte e duas)
crianças de quatro anos e P2 atua com 17 (dezessete) crianças de cinco anos2. Destacamos,
ainda, que cada professora possui um auxiliar de desenvolvimento infantil e que nenhuma
criança com necessidades educacionais especiais frequenta essas turmas do pré-escolar. As
participantes tiveram conhecimento que não terão seus nomes divulgados e que a escola não
será identificada em possíveis publicações dos resultados, o que foi feito por meio do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido.
P1 possui formação superior incompleta em Pedagogia e atua como professora na EI
há dois anos. No planejamento, ela utiliza os gêneros textuais e, na metodologia descrita, há
a adoção de alguns gêneros textuais de forma não abrangente e contínua. P2 possui formação
superior completa em Pedagogia e especialização em Psicopedagogia. Utiliza os gêneros nas
aulas em maior proporção que P1 e detalha, no plano diário, o que é trabalhado. Ambas as
docentes afirmaram usar a Base Nacional Comum Curricular/ BNCC (2018) como norte
para o planejamento das atividades.
Ao serem questionadas sobre se utilizam os gêneros textuais nas aulas, P1 afirmou
que sim, mas não citou quais gêneros emprega com maior frequência. P2 afirmou utilizar os
gêneros e que os mais trabalhados são fábulas, músicas e histórias. Sobre os conhecimentos
e/ou habilidades trabalhadas com as crianças, P1 citou o pensamento, a imaginação e
a criatividade, acreditando que o desenvolvimento dessas habilidades contribui para o
desenvolvimento da coordenação motora.
P1 – Professora 1, turma de crianças de 4 anos; P2 – Professora 2, turma de crianças de 5 anos.
2

121
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

P2 afirmou que trabalha com música, porque contribui para o desenvolvimento


cognitivo e a expressão corporal; a fábula, por estimular a leitura e a interpretação; e a história,
por incentivar a leitura, a interpretação e a dramatização. Ambas afirmaram acreditar que a
utilização dos gêneros textuais na EI contribui com o desenvolvimento das crianças.
Em relação ao planejamento diário e ao uso dos gêneros, os mesmos objetivos foram
descritos para a utilização dos três gêneros, a saber: desenvolver a imaginação, desenvolver
a criatividade, despertar a imaginação e desenvolver a musicalidade.
Na observação das atividades práticas realizadas com as crianças, na turma da P1,
verificamos que há a contação de histórias diariamente e, após, atividade com o uso de folhas
A4 para pinturas, desenhos e colagem. Durante os três dias de aula observados, os gêneros
adotados foram história e música. As músicas usadas durante ações da rotina: para iniciar as
atividades, dar as boas-vindas e para lembrar a hora de lavar as mãos para o lanche. Algo a
destacar foi a existência de um “cantinho de leitura”, onde havia vários livros infantis em altura
que as crianças não alcançam, que não foram utilizados pela docente durante a observação.
Na sala da P2, os gêneros usados durante os três dias de observação também foram
história e música. As músicas foram utilizadas para trabalhar a linguagem corporal, com uso
de aparelho de som enquanto as crianças cantavam e dançavam. As histórias eram contadas
após o momento do recreio das crianças, na volta à sala.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

No tocante à visão de professores quanto ao uso de diferentes gêneros textuais com


crianças dessa etapa de educação, foi possível observarmos que há um consenso sobre a
importância de empregar os gêneros textuais desde os primeiros anos no ambiente escolar.
Entretanto, as práticas adotadas pelos docentes são marcadas por poucas atividades de
contextualização, aprofundamento e estímulo de produções em situações reais de uso. Durante
a contação de história, ao final, acontecia roda de conversa com perguntas apenas sobre fatos
da leitura, sendo que seria interessante realizar questionamentos como: o que ouvimos agora?
Foi uma música, uma receita? Será que foi um poema? Esses questionamentos podem auxiliar
o desenvolvimento da compreensão sobre características dos gêneros textuais.
Também há ausência de atividades sequenciais para uma aprendizagem significativa,
definida por Ausubel (1982) como “(...) aquela que se relaciona, interliga a aprendizagens
realizadas, a conteúdos preexistentes nos sujeitos”. Durante a observação e a partir da análise
do planejamento, observamos que os temas abordados não têm ligação entre eles, que a cada dia
acontecem ações sem muito contexto com as anteriores. Esse fator foi verificado em ambas as
turmas. Notamos que a curiosidade, interesse e potencialidade para construir conhecimentos
necessários para um bom desenvolvimento nas próximas etapas da vida escolar não são de
todo considerados nesse formato de planejamento. Esses conhecimentos envolvem o início
da compreensão sobre os gêneros textuais dentro num contexto que desperte nas crianças a
compreensão e curiosidade e o sentimento de valorização de seus saberes.
Durante a pesquisa de campo, percebemos que, nas duas turmas de pré-escola,
diariamente são realizadas leitura de gêneros; são elaboradas perguntas para desenvolver
a interpretação, a expressão oral e, após a conversa, os alunos realizam, pontualmente,
atividades de desenho e/ou de pintura e colagem, relacionadas à leitura realizada. Várias

122
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

dessas ações não estão descritas no planejamento. Vale ressaltar que o planejamento deve
ser flexível, sobretudo, na EI, etapa em que se deve valorizar os interesses das crianças,
contudo, é necessário que se planeje os contextos para que as ações não aconteçam de forma
aleatória e não percam o objetivo de contribuir com o desenvolvimento das crianças.
P2 citou, no questionário, que trabalha músicas, histórias e fábulas, porém, durante o
período de observação da prática pedagógica, a fábula não foi trabalhada. Seria interessante
utilizar a fábula para criar uma situação de escuta das crianças, de comparar a leitura com
características de outros gêneros textuais, criar listas de animais das fábulas já conhecidas,
entre outras ações, trabalhar as fábulas numa sequência de atividades. Os objetivos citados pela
P2 foram: desenvolver a oralidade, a criatividade e a expressão corporal. Tanto no plano diário
quanto na prática de sala de aula, percebemos a contextualização dos assuntos trabalhados
com a realidade das crianças, a realização de perguntas. Ambas as educadoras registram, no
plano diário, o objeto de trabalho - o gênero - o objetivo e os conteúdos a serem utilizados.
Na metodologia descrita por P1, as atividades a serem desenvolvidas: história
Chapeuzinho vermelho, acolhida, roda da novidade, atividade de pintura, coordenação
motora, lanche, recreação. Quanto a esse aspecto, no planejamento de P2, há uma descrição
um pouco mais detalhada, citando roda de conversa, expressão corporal, identificação de
cores, a partir de leituras realizadas com atividades lúdicas.
Diante disso, a partir da análise do plano diário e das observações realizadas em sala,
percebemos um trabalho envolvendo gêneros textuais nas turmas de Educação Infantil,
mas de uma forma muito superficial. A P1 contou histórias e cantou músicas infantis com
as crianças, mas não houve exploração das histórias e músicas, apenas cumprimento de
momentos da rotina infantil. São utilizadas músicas para o momento de acolhida, do lanche
e na educação para a saúde; assim como histórias para a hora da leitura, incentivando a
interação, imaginação, atenção e articulação da fala. A P2 usa músicas e histórias para
incentivar o interesse pelas atividades a serem realizadas posteriormente: estudo de letras,
do nome próprio, de números e cores. Não há uma explanação em relação às características
do texto lido, diversidade de gêneros usados, entre outros aspectos.
Essas ações são importantes em atividades com as crianças de quatro e cinco anos,
pois formulam hipóteses, desenvolvem conhecimentos diante da mediação realizada e
adentram ao mundo da leitura e compreensão de mundo, a partir de ações que refletem as
práticas do cotidiano.
A Base Nacional Comum Curricular (2018) – um dos documentos norteadores para
o trabalho pedagógico, na EI- trata dos campos de experiências a serem trabalhados com as
crianças para garantir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Entre os objetivos
descritos relacionados às aprendizagens para crianças de cinco anos, no campo de experiências
de escuta, fala, pensamento e imaginação, encontramos no código alfa EI03EF07: Levantar
hipóteses sobre gêneros textuais veiculados em portadores conhecidos, recorrendo à estratégia
de observações gráfica e/ou de leitura (BNCC, 2018, p.48). As crianças têm potencial para
desenvolver essas percepções, o que pode ser exemplificado quando ouvem uma música ou
história e pedem para que seja contada novamente. Elas sabem como solicitar a ação pedindo
“historinha” música. Esse potencial deve ser ampliado no cotidiano escolar.
No planejamento de P1 e P2 e nas observações realizadas, esse objetivo não foi
contemplado pelas professoras. Isso se dá porque o uso dos gêneros é pouco explorado em

123
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

sala; os mesmos gêneros são trabalhados sempre de forma aligeirada, superficial. Por vezes,
ainda ocorre de a aula não seguir a metodologia descrita no plano, o que, naturalmente, pode
ocorrer, pois o planejamento é flexível e vulnerável aos fatos inesperados, como ocorrido no
segundo dia de observação: no planejamento da P1, estava constando para iniciar a rotina
com a leitura da história “ Os três porquinhos”, porém, a história não foi contada, pois
cantaram música de boas-vindas e, depois, realizaram atividade de pintura com as mãos.
Na escola pesquisada, de acordo com o calendário escolar, o ano de 2019 teve, no primeiro
semestre, 89 dias letivos para as duas turmas, contados até o último dia desta pesquisa. No
período de 35 dias, foram trabalhados, na turma da P1, os gêneros que estavam no planejamento
diário. O trabalho deu-se sempre com os mesmos gêneros: história, música e poema. Na turma
da P2, durante 31 dias, foram utilizados os seguintes gêneros textuais: fábula, história ou música.
Nesta turma, os textos foram melhor explorados e os conteúdos estavam relacionados com a
leitura realizada. A exemplo, um dos planos constava leitura da história Chapeuzinho vermelho,
roda de conversa sobre a história, pintura com a cor vermelha, a P2 confeccionou chapéu em
dobradura de papel com as crianças e questionou sobre partes da história, incentivando a
dramatização. O gênero mais usado foi música. Várias músicas repetiram-se nos momentos da
rotina. A tabela 1, a seguir, apresenta os dados da pesquisa sintetizados:

Tabela 1- Síntese dos resultados


ELEMENTO PESQUISADO TURMA DE PRÉ-ESCOLA
P1 P2
Idade 4 anos 5 anos
Número de crianças 22 17
Formação da educadora Superior incompleto Pedagogia + Psicopedagogia
Utiliza dos gêneros textuais nas aulas Sim Sim
Gêneros textuais mais usados Música e história Fábula, música e história
Costuma realizar o planejamento con-
Não Sim, com a auxiliar da turma
junto

Possibilita o desenvolvimento
Desenvolve o hábito de ler, dic-
Visão da educadora sobre qual impor- das crianças, facilitando e esti-
ção, ritmo, exposição de ideias e
tância do uso dos gêneros mulando o interesse em apren-
interação com o social.
der.

Dias de utilização dos gêneros, em 89


35 31
dias letivos

Leitura de fábulas, perguntas


orais para interpretação, conver-
Leitura de histórias para inter- sa sobre a lição aprendida com a
pretação e, posteriormente, pin- fábula; Leitura de histórias para
tura, desenho ou colagem sobre o interpretação e, posteriormente,
Como trabalha os gêneros - Abordagem
texto; Canção de músicas infan- pintura, desenho ou escrita no ca-
metodológica
tis, conversa sobre a letra, gesti- derno ou atividade gráfica sobre
culações, movimentos, desenho, a história lida; músicas infantis,
pintura ou colagem. conversa sobre a letra, gesticula-
ções, movimentos, desenho, pin-
tura ou colagem.

Fonte: Autoras, 2019.

124
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

A partir desses dados, podemos notar que a utilização dos gêneros textuais na EI
ocorre predominantemente com contação de histórias e atividades com músicas. Esse uso
acontece com exploração mínima de características e funções dos gêneros como textos do
cotidiano, sem questionamentos sobre que leitura foi ouvida, sem inserir o uso de gêneros
que fazem parte do cotidiano como receitas, faturas, listas, gráficos simples; eles são usados
para trabalhar os conteúdos e para que as crianças aprendam, por exemplo, a cor amarela a
partir de atividades com o conto Patinho Feio.
O olhar para o estudo e a utilização dos gêneros com crianças de quatro e cinco
consta em documentos que norteiam o trabalho pedagógico lúdico e dinâmico, no entanto,
notamos necessidade de ampliar esse trabalho, levando-se em conta os interlocutores e a
intencionalidade do ensino dos gêneros apropriados a essa faixa de idade.
Os Referenciais Curriculares Nacionais, Para a Educação Infantil/ RCNEI (1998,
p. 121) chamam a atenção para a importância do trabalho com os gêneros textuais para
o desenvolvimento das crianças: “[...] grande parte das crianças, desde pequenas, estão
em contato com linguagem escrita por meio de seus diferentes portadores de texto, como
livros, jornais, embalagens, cartazes, placas de ônibus e etc.”. Fica evidente que a utilização
dos gêneros é importante ferramenta para a educação escolar, devendo estar presente nas
práticas docentes como objeto de estudo.
A EI deve ser marcada por descobertas, construções de sentidos, interações,
experiências e aprendizagens, que são expressas pelas diversas linguagens das crianças.
Para possibilitar essas experiências, faz-se pertinente a existência de reflexões e busca de
conhecimentos acerca do currículo na EI, dos direitos de aprendizagem e de documentos
norteadores, que levarão à organização das diversas propostas que, de fato, façam sentido
para as crianças e possibilitem o desenvolvimento integral.
Para que a criança levante hipóteses relacionadas aos gêneros textuais que
circulam no seu cotidiano e que ela tem contato, é necessário que o educador trabalhe
com metodologias que proporcionem situações de questionamentos, comparações,
criações e partilha de experiências para que ela perceba as situações de uso dos diferentes
textos apresentados a ela, de acordo com suas observações. Essas ideias são fortemente
evidenciadas por Malaguzzi (1994), no tocante a conceber a criança como portadoras e
construtoras das próprias culturas e, dessa forma, considerar também que participam
ativamente da organização de suas identidades, de suas autonomias, competências,
quando interagem e relacionam-se com as demais crianças da mesma idade, adultos, ideias
e eventos reais ou imaginários de mundos que abrangem vasta comunicação.
Na busca por uma melhor compreensão e por possibilitar uma continuidade nas
atividades a serem realizadas, é válido elaborar sequências de atividades que possam
abordar os assuntos dos interesses das crianças de várias formas. Assim, considerando a
teoria proposta por Bruner (1960), que concebe os modelos de currículo em espiral- por
exemplo, para conseguir entender o que seria uma receita, seria necessário contextualizar
antes, falando sobre ingredientes - e aprendizagem por descoberta, com apresentação de um
conteúdo de forma ampla, voltando, mais tarde, a trabalhar o mesmo conteúdo com diferentes
metodologias, visto que cada pessoa aprende com diferentes mediações e experiências, de
acordo com sua singularidade e com o meio que vivencia.

125
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Assim sendo, algumas propostas de atividades significativas com os gêneros textuais


podem ser exploradas, a exemplo do desenvolvimento de uma receita culinária de fácil
execução, como brigadeiro caseiro. É possível envolver diversas experiências, conhecimentos,
construções e produções, elaborando uma sequência didática, considerando as especificidades
da turma na qual será realizado o trabalho. Nessa situação, seria interessante estimular
o interesse com bilhetes de aviso sobre a data em que a receita será executada na escola,
inclusive criando um tema como “Festa do Brigadeiro”. Nessa etapa da atividade, conversar
e questionar sobre o que seria um bilhete, para que serve e como fazer um. Poderia ser
realizada a conversa sobre alimentos que mais gostam. Convite às crianças para fazerem o
próprio brigadeiro. Para aquelas crianças que não podem comer esse alimento, podem ser
feitas variações, como a receita de brigadeiro com massa de mandioca e cacau em pó.
Num segundo momento, solicitar aos pais que mandem para a escola convites
recebidos por eles para festas e eventos diversos. Permitir às crianças a exploração dos
convites, observando falas e percepções, troca de experiências, interação. Questionar sobre
o que trouxeram para a aula, para que serve um convite, quais informações encontramos
nele e realizar a leitura de alguns. Seria interessante estimular a escrita e /ou desenho, a
criação de convite, para que cada criança convide um colega ou alguém da própria escola,
caso seja possível.
Em um terceiro momento, realizar a leitura do gênero textual receita, questionar que
texto foi lido, se uma história, se um poema, uma receita ou um convite. Problematizar, a
partir das expressões da turma, se ela já conhece ou se algum familiar seguiu uma receita
culinária para preparar um alimento. Executar com as crianças a receita é uma ação muito
importante, caso a instituição ofereça condições para tal.
São inúmeras as possibilidades de atividades envolvendo os campos de experiências e
direitos de aprendizagens que as crianças podem e devem ter como meio do uso dos gêneros
textuais. Para o desenvolvimento dessas ações, o educador deve ser criativo, estar atento às
necessidades da turma e buscar materiais, atividades e dinâmicas que atraia o interesse dos
alunos durante o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula. Não esquecendo, neste
sentido, que os educadores devem ser apoiados pela gestão.
A utilização dos gêneros textuais no ensino é um tema bastante fértil para possibilidades
de interdisciplinaridade (MARCUSCHI, 2008) e desenvolvimento da linguagem, produção
textual, interpretação. A importância da interdisciplinaridade é afirmada por Fazenda:

O que se pretende na interdisciplinaridade não é anular a contribuição de


cada ciência em particular, mas apenas uma atitude que venha a impedir que
se estabeleça a supremacia de determinada ciência, em detrimento de outros
aportes igualmente importantes (FAZENDA, 2011).

Não é nossa pretensão limitar a visão apenas para as poucas práticas aqui descritas,
mas despertar a criatividade para inúmeros outros usos desse importante recurso. Vejamos,
então, algumas sugestões de atividades para o desenvolvimento das crianças de quatro e
cinco anos com diferentes gêneros textuais.

• Conhecer os gêneros textuais com os quais as crianças têm contato, a partir de pesquisas,
conversas e entrevistas escritas que as crianças devem realizar em casa com os responsáveis;

126
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

• Atentar para a linguagem utilizada na mediação das atividades, considerando a idade e o


alcance da compreensão das crianças;
• Elaborar sequências de atividades, jornadas com diferentes gêneros textuais;
• Ler diversos gêneros;
• Estimular a imaginação, através da leitura e escrita de cartas, por exemplo.
• Trabalhar notícias expostas em vários jornais impressos, para que as crianças manuseiem
e partilhem opiniões com os colegas sobre o que veem.
• Estimular a atividade de jornal falado, através da confecção de uma televisão animada,
na qual as crianças irão expor notícias, informações e fatos ocorridos com elas ou o que
quiserem expressar.
• Desenvolver receitas culinárias com as crianças, considerando as preferências,
possibilidades de participação e compreensão e cuidados com as crianças.
• Esculpir figuras, confeccionando a própria massa colorida e realizando a modelagem
pode desenvolver a coordenação motora, atenção, imaginação, cores, cooperação e
organização do local.
• Ler os Bilhetes enviados para as famílias pelas crianças.
• Estimular a simulação de conversas, através de telefonema, pode ser muito proveitoso.
Podem ser confeccionados telefones celulares e outros meios de comunicação com as
crianças.
• Produzir com as crianças os convites para eventos da escola.
• Fazer Lista de compras ou de outros elementos sendo escriba das crianças.
• Dispor cópias de faturas, por exemplo de energia, para que explorem e expressem o que
lhes salta às percepções cotidianas.

Outros gêneros textuais oferecem inúmeras possibilidades de atividades com crianças


de quatro ou cinco anos de idade; elencamos aqui apenas alguns dos que consideramos de
real importância no dia a dia das crianças para que elas cresçam educando-se no sentido de
contribuir com a família e com si mesmas. Ampliar as metodologias para essa prática faz-se
necessário e envolve a pesquisa por parte do educador, a disponibilidade de fazer diferente,
de estar aberto às novas ideias e de colocar o desenvolvimento da criança em primeiro plano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados obtidos e analisados, o objetivo de estudar como os gêneros textuais
são trabalhados e como podem contribuir com o desenvolvimento da linguagem de crianças
de quatro ou cinco anos na Educação Infantil foi contemplado. O trabalho aponta que, apesar
de afirmar saber da importância dos gêneros textuais para o desenvolvimento das crianças,
as atividades planejadas e metodologias trabalhadas pelas docentes apontam para práticas
recorrentes de canções e contação de histórias, como trabalho de utilização dos gêneros
textuais. Além disso, a interdisciplinaridade não acontece de forma contextualizada com a
realidade dos alunos e, às vezes, não há interação e ligação de um conteúdo como outro de
forma sistemática.
A partir da observação do planejamento diário, foi possível perceber que não há
uma sequência de atividades a ser seguida e que o uso dos gêneros acontece de forma
aleatória e com poucas possibilidades de incentivo ao desenvolvimento em vários aspectos.

127
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

São priorizadas atividades de interpretação dos textos lidos e, posteriormente, pinturas e


escritas sobre o texto. Durante as observações das aulas, foi percebida a prática diária do
gênero textual música para a acolhida das crianças e nos momentos da rotina escolar como
chegada, chamada, hora do lanche, hora de brincar, saída. Há, também, o uso de contos
infantis para leitura diariamente em rodas de conversas e interpretação das leituras, a partir
de perguntas orais às crianças.
O uso dos gêneros textuais é uma prática que já está descrita nos documentos
norteadores da EI e eles possibilitam chegar a resultados satisfatórios ao serem utilizados
em sala de aula. As crianças de quatro e cinco anos têm condições de desenvolver-se em
vários aspectos (linguagem, cognição, entre outros), a partir de atividades planejadas,
levando em consideração as especificidades da infância e seus interesses, conhecendo
aspectos inerentes ao desenvolvimento e teorias existentes, buscando uma aprendizagem
significativa para as crianças.
Para que haja essa conscientização, acerca do uso desses recursos por parte dos
educadores, é necessário que a temática seja propagada entre os coordenadores e docentes, a
partir de formação continuada, estudos bibliográficos e oficinas acerca do tema, promovendo
a partilha de conhecimentos e, assim, contribuindo para uma educação de qualidade. Essa
educação deve estar calcada na realidade das crianças com as quais se convive e para as quais
devemos desenvolver o respeito e o direito de elas terem uma educação que lhes possibilite
serem críticas e entendedoras do que há a sua volta, ou seja, leitoras da realidade posta.
Vale chamarmos a atenção para o fato de que os gêneros textuais são textos que
estão presentes no cotidiano infantil, diversos e recorrentes nas mais variadas culturas e
locais, seja na forma oral ou escrita. Sendo assim, afirmamos que a temática sugere mais
estudos e reflexões, sabendo que existem poucas pesquisas no tocante ao uso dos gêneros
textuais na turma pré-escolar e que, por serem pertinentes de uso nas aulas, não podem
passar despercebidos. Assim sendo, este trabalho, provavelmente, trará uma contribuição
para a linha dos estudos em gêneros textuais, mais especificamente, na EI, por mostrar
como docentes trabalham os gêneros de língua materna com crianças de quatro e cinco
anos de idade.

REFERÊNCIAS

1. ARISTÓTELES. Retórica. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2011.

2. AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo:


Moraes, 1982.

3. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.

4. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/ LDB. Lei nº 9.394/96, de


20 4de dezembro de 1996. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de
Educação Fundamental.

128
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

5. BRASIL. Ministério. de Educação e do Desporto. Referencial curricular nacional para


educação infantil/ RCNEI. Brasília, DF: MEC, 1998.

6. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação Infantil/ DCNEI. Brasília: MEC/SEB, 2010.

7. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base Nacional


Comum Curricular/ BNCC. Brasília, DF, 2018.

8. BRUNER, J. The Process of Education. Cambridge: Harvard University Press, 1960.

9. DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas


para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, Bernard;
DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização de Roxane
Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 2004.

10. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1966.

11. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa/Antônio, São Paulo: Atlas,
2002.

12. MALAGUZZI, L. Your image of the child: where teaching begins. Child Care
Information Exchange, Redmond, n. 96, 1994. Disponível em: https://static1.
squarespace.com/static/56e06e1ab654f926bbf666b4/t/56feb83d1d07c08799
2d0430/1459533886240/Your+Image+of+the+Child_+Where+Teaching+Begins.pdf
Acesso em 06.07.2019.

13. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão.


São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

14. MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e
criatividade. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2001. Disponível em: http://www.faed.udesc.br/
arquivos/id_submenu/1428/minayo__200 pdf Acesso em: 12/07/2019.

15. SANTOS, Maria Francisca Oliveira. Os saberes construídos no processo da pesquisa.


Maceió/AL: EDUFAL, 2013.

129
10

Múltiplas Inteligências: Análise de um Livro Didático da


Educação Infantil1
Multiple Intelligences: Analysis of a Textbook on Early
Childhood Education
Beatriz Rodrigues Guimarães Barros(1) ; Inalda Maria Duarte de Freitas(2);
Mariana Soares Araújo de Souza(3)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1271-0339 ; Graduanda em Letras (Inglês) e Professora de Língua
Inglesa – Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL. Arapiraca, Alagoas. Brasil. E-mail: belatrizrodrigues@
gmail.com
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8636-5964; Professora Dra. em Ciências da Educação revalidado
pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Arapiraca, Alagoas. Brasil. E-mail: [email protected]
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2303-1216; graduanda em letras (português) e pesquisadora PIBIC-
Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL. Arapiraca, Alagoas; Brasil. E-mail:[email protected]

ABSTRACT: This article is about Howard Gardner’s theory, regarding the multiple intelligences. The aim
is to investigate how the textbook of the first year from an elementary school, adopted in a public school
in Arapiraca city, Alagoas state from Brazil, brings in its questions, the different types of intelligences,
determined by the author mentioned above. The intelligences are linguistic intelligence, logical - mathematical
intelligence, spatial intelligence, body kinetic intelligence, musical intelligence, interpersonal intelligence and
intrapersona l intelligence. In this way, the intention is to study how often the authors from a textbook, used
in the elementary school, have been working on the activities of each type of intelligence. Therefore, seeking
through this research to evidence how these issues are being approached and to show the frequency with
which this has been happening and also, in this sense, to bring brief explanations about the treatment and
deepening of the issues, in order to propose new looks for this approach. Therefore, its obj ective is to analyze
the role of the textbook, considering several stages that they contemplate as multiple intelligences facing the
contributions given to the students, separating them. Thus, as methodological procedures of the present work
related to a b ibliographic research carried out through critical analysis based on the approach of the proposed
theme and, a case study that resides in the solutions, in the proposed reading, punctuating the questions
that were arising on the subject in question for preparation of the essay. It concludes by promoting students
from the initial grades and the necessary accompaniment to develop in a relevant way that some intelligences
appear, so they can occupy a place in this diverse and complex world, in a healthy way.

KEYWORD: Approaches, Questions, Elementary school.

1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap10
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

INTRODUÇÃO

A educação básica, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional , é formada


pelas modalidades: educação infantil, ensino fundamental e médio. Buscam-se profissionais
qualificados para auxiliar o desenvolvimento das crianças, levando em consideraçãoa
individualidade de cada aluno a fim de tornar o processo de ensino/aprendizagem eficaz e
atrativo para os aprendizes. O livro didático possui caráter pedagógico e é um grande aliado
durante as aulas.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), os livros didáticos são escolhidos, após
a análise das resenhas elaboradas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
Esse programa é responsável pela avaliação e disponibilização de obras didáticas para a
rede pública de ensino. Ao escolher o material usado durante o ano letivo, professores
e coordenações escolares devem observar se o livro didático escolhido é adequado ao
Projeto Político-Pedagógico da instituição e a realidade sociocultural também deve ser
levada em consideração.
As análises, do livro didático que compõe esse trabalho foram desenvolvidas com base
nas múltiplas inteligências investigadas por Howard Gardner (1994). O psicólogo descreveu,
pela primeira vez, a teoria das Múltiplas inteligências em seu livro Estruturas da Mente
(1994). São listados oito tipos de inteligências, sendo elas: a inteligência lógico-matemática,
linguística, espacial, corporal-cinestésica, musical, interpessoal, intrapessoal e, mais tarde,
em 1995, a inteligência naturalista.
Gardner (1994) reforçoua que a educação básica deve replanejar o formato de suas
aulas, para isso, é necessário que haja uma revisão dos conteúdos programáticos da escola
básica. Um novo planejamento deve ser feito, segundo o autor, para que seja levado em
conta o fato de que nem todos possuem as mesmas habilidades ou interesses, ou seja, não
há um padrão para a aquisição de conhecimento, ao notar que, em diversos momentos de
observações acerca da pontuação dos alunos em testes e provas, não há um tratamento
similar para cada uma das áreas de conhecimento, havendo, na maioria das vezes, uma
cobrança maior para uma desenvoltura maior em alguns campos específicos. Outro ponto
levantado pelo autor é que não é possível aprender tudo, sendo assim, cada indivíduo
deverá absorver, com mais habilidade, informações com as quais se identifica, ou seja,
o aluno seleciona, de forma indireta, qual a área de conhecimento/inteligência que mais
sente facilidade ou vínculo.
O objetivo central do presente estudo é analisar um livro didático utilizado em uma
escola de educação básica, anos iniciais do ensino fundamental. O mapeamento será baseado
na teoria brevemente descrita anteriormente e as questões serão separadas de acordo com a
área de conhecimento de cada proposta pela teoria em relevo. Mas, levando em consideração
que todas elas podem atuar nos seres humanos de forma simultânea, pode-se esperar que
algumas questões abordem mais de uma capacidade de inteligência, porém, de forma não
equilibrada ou uniforme.
É importante pontuar que há uma expectativa, por parte dos autores, em encontrar
um desequilíbrio no tratamento dessas inteligências pelas questões, tendo em vista o fato de
que o livro didático avaliado é de Língua Portuguesa, esperando-se, portanto, encontrar a
inteligência linguística em demasia comparada as outras.

131
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

REFERENCIAL TEÓRICO

A teoria das Múltiplas Inteligências (MI) foi desenvolvida pelo psicólogo cognitivo
e educacional, Howard Gardner (1994), e aprofundada por Antunes (2005) e Armstrong
(2008). O professor de Harvard afirma que a cognição humana só pode ser estudada a
partir das competências que, constantemente, são desconsideradas. Esse fato pode ser
exemplificado se for levado em consideração que a carga horária de português e matemática
são maiores se comparadas com outras disciplinas nas escolas de educação básica, inclusive
observada na escola campo de pesquisa.
A teoria de Gardner (1994) consiste em identificar as inclinações intelectuais do aluno
para que sejam ampliadas suas oportunidades educacionais, portanto, os métodos de análise
não podem ser somente linguísticos e lógico-matemáticos, mas devem contemplar outras
formas de aprendizado.
Com tais estudos, Gardner (1994) pretende examinar as implicações educacionais das
MI, sendo possível o mapeamento do perfil intelectual de cada indivíduo e, desse modo,
melhorar a absorção de conhecimentos individualizada. Para ele, o perfil de aprendizagem
de cada aluno é distinto e o ideal é que a aptidão individual seja identificada precocemente
para que seu potencial seja canalizado, resultando, assim, em uma melhora no aprendizado.
Além de canalizar os talentos do aprendiz, o psicólogo afirma que o estudo de tais inteligências
contribui com o desenvolvimento de competências intelectuais aplicadas em diferentes
contextos culturais. Neste sentido, alguns livros didáticos de linguagens trazem questões que
exploram, também, outras áreas de conhecimento de maneira indireta, como é o exemplo do
livro didático analisado neste trabalho.
Antunes (2005) relaciona a teoria desenvolvida por Howard Gardner com estudos
voltados à estrutura cerebral:

Pesquisas recentes, em neurobiologia, sugerem a presença de áreas no


cérebro humano que correspondem, pelo menos de maneira aproximada,
a determinados espaços de cognição, mais ou menos como se um ponto
do cérebro representasse um setor que abrigasse uma forma especifica de
competências e de processamento de informações (ANTUNES, 2005,p.25).

Antunes (2005) aponta não só questões cerebrais, mas também conclui que, apesar de
haver consenso com relação à existência de múltiplas áreas que expressam diferentes tipos
de inteligência, é difícil determinar quais são essas áreas especificamente. Gardner (1985)
identificou os tipos de inteligências, sendo elas: linguística ou verbal, lógico-,matemática,
espacial, musical, cinestésica-corporal, naturalista, intrapessoal e interpessoal.
Além das oito inteligências citadas, Nilson Machado descreve a habilidade de desenhar
como inteligência pictórica, mas ela não foi aceita por Gardner, que, por sua vez, classifica
Picasso como “verdadeiro ícone caracterizador das inteligências espacial, cinestésica
corporal e interpessoal” (ANTUNES, 2005, p. 67)
Com base na teoria das MI, Armstrong (2008) desenvolveu um quadro para classificar
as inteligências ttendo como referencia na maneira que o aluno pensa, seus interesses e o
que precisa para concluir o processo de ensino/aprendizagem.

132
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

1. Inteligência linguística: a capacidade de fazer uso efetivo de palavras, de modo oral e escrito.
Pensamento: em palavras;
Interesses: leitura, escrita, contação de histórias e jogos relacionados a palavras;
São necessários: livros, papel, diálogos, debates, discussões e histórias.
2. Inteligência lógico-matemático: a capacidade de raciocinar e usar números de
forma efetiva.
Pensamento: por raciocínio;
Interesses: experimentação, questionamentos, resoluções de quebra-cabeças lógicos e
cálculos;
São necessários: materiais para experimentar materiais científicos, manipulativos,
viagens a planetários e ciência;
3. Inteligência espacial: A capacidade para perceber e transformar o mundo.
Pensamento: em imagens e figuras;
Interesses: desenhos, rabiscos e visualização;
São necessários: artes, legos, vídeos, filmes, slides, jogos de imaginação, labirintos, quebra-
cabeças, livros ilustrados e viagens a museus de arte.
4. Inteligência cinestésica -corporal: A capacidade de usar o corpo com o objetivo de
expressar ideias e sentimentos e trabalhar manualmente. Não deve ser confundida com o
conceito de cinética. O segundo termo estuda a velocidade de reações químicas, enquanto
o tipo de inteligência cinestésico –corporal está voltado às sensações sentidas através dos
movimentos musculares.
Pensamento: sensações;
Interesses: dança, corrida, saltos, toques e gestos;
São necessários: movimentos, peças teatrais, manuseio de objetos de objetos, esportes, jogos
físicos e experiências tácteis;
5. Inteligência musical: A capacidade de perceber e expressar musicalidade.
Pensamentos: ritmos e melodias;
Interesses: canto, assobio, zumbidos, ouvir, bater os pés e as mãos;
São necessários: shows musicais, ouvir música e, enquanto se locomover de um lugar para o
outro, instrumentos musicais e canções;
6. Inteligência musical: A capacidade de perceber e expressar formas musicais
Pensamentos: ritmos e melodias;
Interesses: canto, assobio, zumbidos, ouvir, bater os pés e as mãos;
São necessários: shows musicais, ouvir música enquanto se locomover de um lugar para o
outro, instrumentos musicais e canções;
7. Inteligência intrapessoal: A capacidade de agir com base no autoconhecimento.
Pensamento: relacionados a seus pensamentos e objetivos;
Interesses: traçar metas, meditar, sonhar, planejar e refletir;
São necessários: lugares secretos, tempo sozinho, ritmo individual e escol ha de projetos;

133
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

8. Inteligência naturalista: A capacidade de organizar e perceber objetos relacionados


à natureza.
Pensamento: através da natureza e formas naturais;
Interesses: brincar com animais, jardinagem, natureza, treinar animais, cuidar do planeta;
São necessários: acesso à natureza, oportunidades de interação com animais e ferramentas
para investigar a natureza (ex. Binóculos. Lupa)

Após citar e definir as 8 inteligências, Armstrong (2008) lista quatro pontos-chave.


O primeiro é a afirmação de que todos seres humanos possuem todas 8 MI, sendo assim,
esta teoria não deve ser encarada como uma “teoria de tipos” já que não determina apenas
uma inteligência adaptável para cada indivíduo, tendo em vista que todos possuem todas
inteligências, o que difere o desenvolvimento de cada inteligência é a quantidade de estímulos
que o aluno recebe.
O segundo ponto-chave, citado pelo autor, está relacionado ao pressuposto que as
pessoas podem desenvolver cada uma das múltiplas inteligências e atingir competências
ideais em cada uma. Com relação a isso, Gardner (1994) garante que todas pessoas têm
capacidade de aprimorar cada uma das oito MI, mas são necessários estímulos apropriados.
Armstrong (2008) lista o terceiro ponto-chave como o funcionamento das inteligências
de forma conjunta e complexa, portanto, não há possibilidade delas funcionarem de modo
individual. As oito MI interagem umas com as outras e Gardner (1994) usa, como exemplo,
um jogador de voleibol. O atleta precisa usar sua inteligência cinestésica -corporal (para jogar
a bola e correr), inteligência espacial (para localizar-se na quadra e antecipar os movimentos
do adversário), inteligência linguística e interpessoal (para posicionar-se durante possíveis
desavenças no jogo), como também inteligência intrapessoal (para ser capaz de controlar
suas emoções durante a disputa).
O último ponto-chave, levantado por Armstrong (2008), é a existência de diversas
formas de desenvolver inteligência em várias categorias, ou seja, ter facilidade com
linguagens não anula a possibilidade de sair-se bem em outras áreas. Não existe um padrão
de qualidades, consequentemente, uma pessoa pode ser ótima em tocar piano, mas não tão
boa assim em se tratando de comunicação.
A seguir, faz-se a análise de um livro didático, esclarecendo-se que essa escolha surgiu
a partir do reconhecimento da relevância social que a educação pública representa. Tendo
em vista os obstáculos enfrentados no ensino público, relacionam-se algumas questões com
a teoria descrita no presente tópico.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A seleção do livro didático foi guiada, em consonância com certa preocupação com
a educação pública, considerando, dessa forma: o tratamento desigual aos diversos modos
de demonstrar inteligência, a não valorização de algumas competências intelectuais por
não atenderem às demandas do capitalismo, em oposição a supervalorização de outras
inteligências, como inteligência lógico-matemática e inteligência linguística.
Diante de todas as questões políticas, sociais e culturais que atingem as crianças do
ensino fundamental, decidiu-se analisar o livro didático dos alunos de uma escola pública

134
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

estadual, localizada na zona rural da cidade de Arapiraca -AL (Brasil), cidade de residência das
autoras do trabalho. É importante pontuar que a dupla responsável pela elaboração do artigo
trabalha com ensino de línguas, uma autora atua como professora de língua portuguesa e a
outra, de língua inglesa.
Após a escolha do material, houve uma reflexão acerca da metodologia da abordagem
do livro didático em relação ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. Foi decidido que o
estudo seria realizado através de cada tipologia de inteligência das questões propostas pelo livro
didático, ou seja, foram analisadas cada inteligência, individualmente, dentro das questões.
Realizando a leitura do livro didático e catalogando em um relatório as questões por
inteligência, pontuou-se a frequência de aparecimento dessas questões em cada categoria
de inteligência. Posteriormente, faz-se apenas algumas explanações das questões de cada
inteligência a fim de ilustrar como são trabalhadas
Vale ressaltar que este trabalho propõe-se a analisar apenas o livro de português
dessa série criada pela Editora Moderna, deixando, assim, a ideia de analisar outra série de
livros para um projeto futuro. Diante disso, a proposta deste estudo é investigar a frequência
com que questões dentro das atividades contemplam cada uma das múltiplas inteligências
e, assim, pontuar como o livro didático utilizado pelos professores e alunos vem tratando
essa abordagem e como pode melhorá-la, de forma a tratar de outras inteligênci as em suas
atividades, e propor um equilíbrio no estímulo dessas diversas inteligências.
Foi consensual os elementos que levaram a escolha do livro didático a ser ultilizado
como material empirico do trabalho. Ou seja, estabelecemos alguns critérios que nos levaram
a tal escolha, dentre eles, ser uma obra utilizada em escolas públicas do ensino fundamental
do municipio de Arapiraca – Al, que estivessem próximas da vida cotidiana das autoras
e que oportunizassem conhecer melhor, no espaço da pesquisa, a vida dos sujeitos e suas
condições de vulnerabilidade.
A obra escolhida é usada em aulas de Português, no 1º ano do ensino fundamental
e foi selecionada por ser o livro da coleção que está mais conectado à área de estudo que as
pesquisadoras trabalham. Vale salientar que a editora não incluiu na coleção livros de idiomas, o
que foi frustrante para uma das autoras, já que seu campo de formação é a lingua inglesa, ficando
as análises situadas na já referida obra. Situamos as análises a partir de tais perspectivas:

1º COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A INTELIGÊNCIA LINGUÍSTICA:

Ao abordar as questões do livro, buscou-se identificar como elas poderiam incentivar


os alunos a usar o raciocínio para identificar os aspectos de personagens ou fatos dos trechos
trazidos de forma escrita ou não e, além disso, observar como isso trabalha as habilidades de
leitura/interpretação e escrita dos alunos.
Foram encontradas 118 questões das 203 questões do livro que abordam, isoladamente,
essa inteligência e o livro, geralmente, trazia textos para uma leitura prévia e, posteriormente,
questões de interpretação sobre a leitura realizada. Além disso, observaram-se questões
que pediam a identificação de algumas partes ou personagens dos textos trazidos. E, já em
outras questões, solicitava-se que os alunos realizassem separações silábicas, outras que o
professor realizasse uma espécie de ditado com os alunos.

135
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Em muitos momentos, observaram-se questões que solicitavam que os alunos falassem


algo sobre sua realidade baseando-se em alguma leitura anterior, trabalhando, assim, a
inteligência intrapessoal também. Notaram-se questões que pediam aos alunos a realização
da leitura de palavras com o intuito de estimular o aprendizado/desenvolvimento fonético
e fonológico dos alunos. Além dessas questões, os autores trabalharam outras habilidades
relacionadas à linguagem em outras atividades.

2º COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A INTELIGÊNCIA LÓGICA-


MATEMÁTICA:

Buscou-se observar como o livro, apesar de não ser da área, incentiva os alunos a
desenvolver de alguma maneira as habilidades de contagem e de reconhecer, nas relações e
representações sociais, as operações matemáticas.
Notou-se apenas duas questões de 203 abordando essa inteligência, o livro incentiva o
desenvolvimento dessa modalidade de inteligência à medida que pede para que os alunos
realizem contagens de letras ou termos. Além disso, incentiva a realização de uma análise de
algumas construções textuais e pede para completá-las.

3º COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A INTELIGÊNCIA ESPACIAL:

Buscou-se observar como o livro trata do processo criativo dos alunos, no sentido de
incentivá-los para desenvolver habilidades de orientação espacial e, assim, realizar tarefas de desenho,
plantas de construções e similares de maneira serena.
Encontraram 23 questões dentro do livro abordando essa modalidade de inteligência
e, através das questões, há um incentivo para que os alunos desenhem e até mesmo façam
jogos ou construções de papel (que vieram anexadas no final do livro) para realizarem
alguma atividade prática ou brincadeiras em sala de aula.

4º COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A INTELIGÊNCIA CINÉTICA-


CORPORAL:

Foram procuradas questões que, de alguma forma, mencionassem alguma atividade


que envolvesse movimentação dos alunos e/ou que os estimulasse a realizar atividades físicas,
além dessas, buscou-se observar se o livro também poderia ter trazido peças teatrais de forma
a incentivar os alunos a desenvolverem as habilidades relacio nadas a essas inteligências.
De acordo com o estudo, não foram encontradas no livro selecionado questões que
abordem ou incentivem os alunos a desenvolver essa modalidade de inteligência.

5º COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A INTELIGÊNCIA MUSICAL:

Observou-se, nas questões, se haveria, de alguma forma, um incentivo para que


os alunos desenvolvessem criatividade relacionada à expressão e composição de formas
musicais, para que, nesse ínterim, os alunos pudessem desenvolver a inteligência em questão.
Foram encontradas apenas seis questões que trabalham essa modalidade de inteligência
isoladamente. O livro faz uma abordagem dela ao trazer cantigas e pedir que os alunos cantem-

136
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

nas com os colegas e professores, trata, também, ao pedir que os alunos reescrevam trechos
dessas músicas com palavras de entonação/rima similar, entre outras maneiras.

6º COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A INTELIGÊNCIA INTERPESSOAL:

Investigou-se, nas questões, se havia, em algum comando das atividades, uma


estimulação de diálogos, conversas ou debates entre os alunos para que, assim, pudessem
ser capazes de estabelecer bons diálogos e, diante desse estímulo, para que houvesse um
desenvolvimento do senso de trabalho em equipe e do trabalho de mediação ou liderança.
No livro, foram encontradas 48 questões das 203 que trabalham, de maneira focada,
o desenvolvimento dessa modalidade de inteligência, através de pedidos para que haja
reuniões, diálogos ou cooperação na realização de algumas atividades como, por exemplo:
leituras, jogos, desenhos, entrevistas, entre outros.

7º COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A INTELIGÊNCIA INTRAPESSOAL:

Procurou-se, nesse momento, analisar como as questões traziam incentivos para os


alunos desenvolverem uma consciência sobre si e o que o rodeia, seu ambiente, sua realidade
e suas expectativas. Diante de toda essa tomada de consciência, os alunos passam a refletir,
criticar e planejar sobre a realidade que os rodeia. Encontraram-se apenas quatro questões
que promovem o desenvolvimento dessa inteligência de maneira isolada, através de pedidos
para que os alunos citem fatos de sua vida pessoal em forma de textos ou respostas simples
sobre algo de seu dia a dia.

8º COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A INTELIGÊNCIA NATURALISTA:

Examinou-se, nesse momento, se, de alguma forma, as questões promoviam uma


oportunidade aos alunos para conhecer/pesquisar sobre a natureza e os fenômenos que a
envolvem. Dessa forma, os alunos passam a ter consciência sobre o meio em que vivem, e
sobre a formação, os fatos/acontecimentos no planeta, entre outros. Foram encontradas
apenas duas questões que abordam a inteligência naturalista em seu comando, de maneira
a incentivar os alunos a estudarem com mais profundidade algum fenômeno da natureza
ou ser vivo. Geralmente, as questões pedem que o professor seja ativo na liderança da re
alização dessa atividade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao por, em nota, a quantidade de questões encontradas em cada área de inteligência,


esperava-se encontrar grande parte delas abordando a inteligência linguística. Encontrou-
se, dentro dessas questões, 118 trabalhando, isoladamente, essa modalidade de inteligência,
correspondendo a mais da metade das questões encontradas no livro. Já em segundo lugar, foi
possível encontrar 48 questões que trabalham de maneira não isolada, mas, predominante,
a inteligência interpessoal.
A inteligência espacial foi a terceira, em te rmos numéricos, a ser abordada nas questões
do livro, elas vão desde incentivar os alunos a reconhecer cores presentes nos desenhos

137
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

e brincar até pedir para os alunos para fazerem desenhos, entre outras coisas. Com seis
questões, a inteligência musical foi notada, pedindo para que os alunos, em cooperação
com o professor, cantassem cantigas ou as completassem à sua maneira fazendo, assim,
trabalhar sua criatividade composicional, musical.
Já a inteligência interpessoal apareceu com duas quest ões a menos que a inteligência
musical e, em seguida, a inteligência naturalista apareceu em apenas duas questões,
restando, assim, apenas a inteligência cinética -corporal que não foi mencionada, em
nenhum momento, nas questões, o que em termos práticos já era esperado. No entanto,
há uma necessidade de relembrar que todas as inteligências deveriam ser incentivadas a
aprimorarem. A seguir, foi anexado um gráfico que exemplifica, exatamente, a contagem de
dados que foi realizada para chegar a esse resultado.

CONCLUSÃO

Diante do que foi estudado, foi possível notar que as múltiplas inteligências, apesar
de aparecerem nas questões, em sua maioria, são trabalhadas de forma desigual, mesmo
levando em consideração o fato do livro didático ser da disciplina de português. Todavia, é
importante levar em consideração que por ser um livro de uma área específica, dificilmente,
pode fomentar o desenvolvimento das diversas inteligências propostas por Gardner de forma
isonômica, pois, o foco dos autores do livro, de acordo com a investigação, é estimular os
alunos na melhora de suas habilidades relacionadas à linguagem, tomando, em consideração
o fato de que muitas questões de inteligência musical e inteligência interpessoal estavam
trabalhando com a inteligência linguística também.
O intuito da pesquisa baseava-se em afirmar se há uma promoção de oportunidades
para que os alunos tenham acesso ao estímulo dessas inteligências e possam desenvolvê-las
de forma justa, notoriamente, elas são trazidas no livro, em sua grande maioria, mas com
uma disparidade em questões de número por área de inteligência. Ainda assim, precisa-se
salientar que o resultado dessa análise não deixou de ser satisfatório, tendo em vista que se
esperava uma quantidade bem maior de questões que trabalhassem a inteligência linguística
de forma isolada.
Ao observar uma gama de questões abordando as inteligências espacial e interpessoal,
respectivamente, aparecendo com a segunda e terceira maiores frequências, finaliza-se com
impressões extremamente satisfatórias, com o aporte que o livro fornece aos professores,
pois, mesmo sem ter a plena consciência de todas as modalidades de inteligências que
existem, eles trabalham de maneira relativamente boa com o uso devido desse material.
Pode-se entender a necessidade desta pesquisa ao notar como ela possui o intuito de
produzir diálogos entre os profissionais que trabalham sem ter a consciência da pluralidade
de inteligências dos alunos ali presentes. Ela também é importante porque propõe um olhar
crítico acerca do trabalho dos autores do livro no sentido de estimular as M.I., incentivando,
assim, outros autores que possam levar em conta as suas próprias ações desenvolvidas
de forma falha e, dessa maneira, possam tomar medidas para melhorar aspectos como a
desigualdade no tratamento das M.I., por exemplo.
Mas, por fim, é necessário que se levante essa discussão sobre o desenvolvimento
das diversas modalidades de inteligências para os professores e diversos profissionais que

138
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

estejam envolvidos no processo educacional dos alunos, a fim de que, como foi proposto
no trabalho, não haja nenhuma discriminação/diminuição de carências no estímulo de
habilidades fomentadas por essas inteligências. Além disso, é importante verificar se os livros
desde as séries iniciais, possuem estrutura e acompanhamento necessário para desenvolver
de forma relativamente capaz algumas dessas inteligências. Consideramos também, que as
teorias sobre cognição de Gardner, anteriores a utilizada nesse estudo não trabalhavam com
uma amplitude de áreas intelectuais como trabalham na obra que foi utilizada, pois, tais
áreas colocavam em uma posição de menor atenção as inteligências não ligadas à linguística
e à lógica. Com este estudo, esperamos contribuir para que a infância cidadã possa ocupar
seu lugar neste mundo, protagonizando suas histórias, dizendo e sendo ouvida/respeitada
na relação adulto- criança..

REFERÊNCIAS

1. ANTUNES, C. As inteligências múltiplas e seus estímulos. Campinas, Ed. Papirus, 2005.

2. ARMSTRONG, T. multiple intelligences in the classroom. 3.ed. Alexandria: ASCD, 2008.

3. GARDNER, H. Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences . New York:


Basic Books, 1994.

4. SANCHEZ, Marisa Martins. Buriti mais português. Editora Moderna, 1º edição. São
Paulo, 2017.

139
11

Jogos com regras: brincando e aprendendo1


Games with rules: playing and learning

Claudiene Cordeiro Leandro Bispo(1); Leopoldo Oscar Briones Salazar(2); José Eronildo de Melo(3);
Maria Sizino de Lira(4); José Saraiva dos Santos(5)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0359-6930, Pós-doutoranda; Universidad de Desarrollo Sustentable
- UDS; Assunção, Paraguai; [email protected];
(2)
ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/0000677340603200, Diretor Geral Visión Educacional Chile: www.vechile.
org. Diretor Pós-graduação UDS, Assunção, Paraguai. E-mail: [email protected];
(3)
ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/5348677365681612, Pós-doutorando; Universidad de Desarrollo Sustentable
- UDS; Assunção, Paraguai. E-mail: [email protected];
(4)
Maria Sizino Lira Santos, Pós-doutoranda; Universidad de Desarrollo Sustentable - UDS; Assunção,
Paraguai. E-mail: [email protected];
(5)
ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/6295821688007758 , Mestrando; Universidade Estadual de Alagoas
-UNEAL; Arapiraca, Alagoas. E-mail: [email protected]

ABSTRACT: This article consists of an excerpt from a doctoral investigation, which based on the ideas
of Vigotski, Kishimoto (2017), Brougére (2002), among other contemporary authors, presents as a general
objective, to analyze the main characteristics of games with rules, seeking to understand contributions to
the children’s learning and development process. The adopted methodology has an epistemological focus on
descriptive research, with empirical data, scientific methods of data collection and analysis, presented with
theoretical basis. As for the approach, this is a survey with qualitative and quantitative aspects. The data
collection techniques used were bibliographic analysis, systematic observation in loco and the interview.
The field research was carried out at the Antônio Bispo de Oliveira Municipal Elementary School, located in
the Massapê District, Feira Grande - Alagoas. The subjects involved were 36 children, aged 6 to 11 years old,
who studied from the 1st to the 5th year. Three Research Groups were organized, composed of 12 children
of both sexes: IG1, 6 and 7 years old; GI2, 8 and 9 years old; and GI3, 10 and 11 years old. The space used
was the covered patio and the soccer field, where a chest of games with rules was available, containing the
materials that the children mentioned, during the interview, that they used in their favorite games. Ten play
sessions were held, with an average duration of 25 minutes each. Subsequently, the episodes related to the
research objectives were cut, which were analyzed according to the theoretical perspective adopted. The
results found that games with explicit rules have as main characteristics the presence of the imagination in a
hidden way, the purpose of the game as the dominant aspect, the pleasure and displeasure before the result,
the interaction, the demand for attention and regulation of the child. It also revealed that each of these
characteristics directly influences the development of all aspects of the child and that, therefore, play needs
to be inserted in school practice.

KEY-WORD: Child, Child development, Play.

1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap11
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

INTRODUÇÃO

A educação escolar no Ensino Fundamental Anos Iniciais – EFAI é a continuação


da Educação Infantil e tem como escopo atender às propensões e às necessidades das
crianças que são intrínsecas à terceira infância, objetivando desenvolver a plenitude de suas
habilidades e competências.
No entanto, é muito comum o relato de crianças que perdem o interesse de ir à escola
ao chegar à fase do EFAI, notando-se que esse desinteresse das crianças não é algo recente,
pois Rubem Alves (2006) já apontava que “as escolas são chatas porque não levam em
consideração as crianças, [...]. Elas são fascinantes [...] mas, acabam não tendo prazer em
aprender”. O referido autor também já fazia um alerta de que a escola é maçante porque não
proporciona atividades significativas2 para a vida do aluno. Essa situação, aliada a outros
desafios, tem elevado cada vez mais os índices negativos3 do processo educacional.
Porém, acredita-se que a escola pode e deve ser um ambiente prazeroso. Neste
sentido, Hernández (1998, p. 30) já apregoava que a escola “é geradora de cultura e não só de
aprendizagem de conteúdos”, mas, para isso, necessita inserir a criança em um contexto de
aprendizagem significativa, realizando ações que visem à sua formação em todos os aspectos
e não apenas o desenvolvimento cognitivo. Entende-se que formar o aluno globalmente seja
desenvolver habilidades e competências que o tornem apto a participar de forma crítica,
criativa e autônoma da vida social, aprendendo conteúdos, compreendendo informações,
sendo extremamente atuante na construção do conhecimento, conforme orienta a Base
Nacional Comum Curricular – BNCC (2017).
Nesse viés, compreende-se que brincar de jogos com regras4 em situações livres na
escola tem um papel indispensável e pode ser provedor dos mais diversos tipos de cultura,
em especial, a cultura lúdica da criança. Adota-se aqui o conceito de cultura apresentado
por Tylor apud Correia (2008) “A cultura é o todo complexo que inclui conhecimento,
crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer aptidões adquiridas pelo homem como
membro da sociedade”.
No tocante à cultura lúdica infantil, Mouritsen (1998) faz uma diferenciação entre a
cultura infantil do brincar e outras formas de cultura da criança. O autor aponta três tipos
de cultura da infância: a cultura produzida para crianças pelos adultos (como literatura
infantil, drama, música, vídeo, jogos de computador, brinquedos, doces etc.); a cultura com
crianças (adultos e crianças compartilham vários recursos e tecnologias culturais) e cultura
infantil produzida pelas próprias crianças (como jogos, contos, músicas, rimas, movimentos
e sons). Esses diferentes tipos de cultura da criança dão origem à cultura lúdica infantil,
perpassando pelo seu brincar, pela observação de outras crianças brincando e pela relação

2
Teoria de Ausubel (1982), a qual que propõe que os conhecimentos prévios dos alunos sejam valorizados, para
que possam construir estruturas mentais e, com isso, serem capazes de relacionar e acessar novos conhecimentos.
3
Disponível em https://www.todospelaeducacao.org.br/pag/cenarios-da-educacao. Acesso em 20 de abril de
2020. E disponível também em http://simec.mec.gov.br/pde/grafico_pne.php. Acesso em 20 de abril de 2019.
4
Para Vigotski (1991), todo jogo é um jogo de regras. A diferença consiste no fato de que há “jogos em que há
uma situação imaginária às claras e regras ocultas” (VIGOTSKI, 1991, p. 64) o famoso faz de conta – e há
“jogos com regras às claras e uma situação imaginária oculta” (p. 64) que são os jogos com regras explícitas –
comumente denominado de jogos com regras. Por essa razão, nesta tese, adotar-se-á a expressão jogos com
regras referindo-se aos jogos em que as regras são evidentes e preestabelecidas, que é o foco desta pesquisa.

141
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

entre seus pares, Borba (2006/2007). Desse modo, a cultura lúdica como toda cultura é
resultado da interação social, “a criança adquire, constrói sua cultura lúdica brincando”
(NÓBREGA, 2008, n/p).
Nesse contexto, compreende-se que a cultura lúdica não é algo fixo e imutável, mas
existe por meio de uma construção processual, sob a influência dos aspectos de gênero, de
classe social e de etnia, que estão diretamente ligados à cultura local. Neste sentido, Kishimoto
afirma que a  cultura do brincar é local, mas também é global. Segundo ela, as crianças
brincam em qualquer lugar e brincam de formas diferentes em todo lugar. Todavia, a rede de
comunicação oral é extensiva  e  veloz. Um modo de brincadeira difunde-se muito velozmente. 
Além disso, o direito de brincar afirma-se na Declaração Universal dos Direitos da
Criança (1959), com o reconhecimento de que, na infância, deve-se desfrutar de jogos e
atividades recreativas próprias para sua idade, como dever da sociedade e do Estado. A
importância do brincar livre para o desenvolvimento da criança também está associada
aos novos contextos das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9
(nove) anos, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 7/4/2010, que destacam a
relevância do lúdico nas práticas pedagógicas para promover uma aprendizagem significativa.
Outro documento é o Parecer CEB 02/2003, publicado no Diário Oficial da União de
3/7/2003, ressaltando que o recreio escolar (intervalo entre as aulas, destinado à realização
de atividades como brincar, descansar, conversar, lanchar etc.) deve ser considerado
como “efetivo trabalho escolar”. E, também, ainda que timidamente, o direito de brincar
é reconhecido tanto na Constituição Federal (1988), artigo 227, quanto no Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA (1990), artigos 4º e 16. Outros direitos e princípios do ECA
guardam direta relação com o brincar, dentre os quais destacam-se: direito ao lazer (art.
4º), direito à liberdade e à participação (art. 16), “brincar, praticar esportes e divertir-se”,
peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (art.71). Mais recentemente, a atividade de
brincar também foi incorporada na BNCC e no Referencial Curricular de Alagoas - ReCAL.
Portanto, entende-se que a escola precisa mudar essa postura tradicional, em que
o professor é a figura central, que dita aos alunos o que, como e onde aprender, e que,
infelizmente, ainda é o método mais utilizado pelas escolas do nosso país5, para tornar-se
uma escola construtivista, onde o foco está no aluno e, assim, assegurar-se que as atividades
envolvam muitas experiências práticas, em que as crianças possam aprender, brincar,
socializar com outras crianças, trocar experiências e adquirir novos conhecimentos.

2 OS JOGOS COM REGRAS EXPLÍCITAS NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-


CULTURAL

À medida que a criança vai crescendo e desenvolvendo-se emocional e cognitivamente,


suas brincadeiras vão exigindo cada vez mais a presença de parceiros, e percebendo a presença
do outro, começam a ser preestabelecidas as regras e respeitados os limites. Nesse processo,
conforme a criança desenvolve-se, a brincadeira também. Esta passa por uma evolução na
qual há uma inversão dos elementos, ou seja, as regras tornam-se explícitas enquanto que a
imaginação vai ficando cada vez mais implícita. Essa nova atividade de brincar que surge é o que
Vigotski (1991) chama de os jogos com regras às claras e que caracteriza a idade escolar.
5
Disponível em https://bagagemdemae.com.br/tipos-de-escolas/. Acesso em: 20 de janeiro de 2019.

142
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Assim, nesse processo de transição da brincadeira, o faz de conta cede lugar para
o jogo com regras, sendo que o primeiro possibilita as bases para o segundo, ou seja, os
jogos de regra contêm, como propriedades fundamentais de seu sistema, as características
herdadas das estruturas dos jogos anteriores. Dessa forma, no surgimento do jogo com
regras, elementos estruturais do brinquedo são absorvidos e novas transformações ocorrem,
promovendo o desenvolvimento dos processos psicológicos da criança. Portanto: “Assim
como fomos capazes de mostrar, no começo, que toda situação imaginária contém regras de
uma forma oculta, também demonstramos o contrário - que todo jogo com regras contém,
de forma oculta, uma situação imaginária” (VIGOTSKI, 1991, p. 64).
Percebe-se que as normas estabelecidas são a tônica do jogo com regras e, como tal,
as regras impostas no jogo geram uma certa competição. A competição em si não deve ser
considerada algo bom ou ruim. Ela caracteriza uma forma de problematização universal na
vida. Competir, na maioria dos dicionários pesquisados, tais como o Aurélio, Dicionário Online,
por exemplo, significa pretender simultaneamente a mesma coisa. Isso quer dizer que no jogo
de regra os jogadores têm a mesma intenção: serem vitoriosos. Mas, como regra geral, em um
jogo, nem todos ganham, portanto, alguém tem que perder, neste sentido, o que modifica o
sentido da competição em diferentes contextos é o modo como se reage diante da derrota.
Acerca desse tipo de brincadeira, Vigotski afirma que é incorreto definir apenas o
prazer como característica, pois, segundo ele, os jogos que podem ser ganhos ou perdidos
só dão prazer à criança se ela considera o resultado interessante, uma vez que, quando o
resultado é desfavorável para a criança, é, com muita frequência, acompanhado de desprazer
(VIGOTSKI, 1991, p. 61).
Neste sentido, compreende-se que, nos jogos em que está explícito o ganhar e o
perder, a criança passa por sentimentos de alegria ao ganhar e de tristeza ao perder. Isso
permite que a criança comece a trabalhar a sua resistência à frustração. Aprender a lidar
com esse sentimento é essencial para o seu equilíbrio emocional e para o desenvolvimento
da personalidade.
Ao jogar, a criança descobre que a vitória e a derrota fazem parte da vida e vai
aprendendo a lidar com esses sentimentos. Além disso, na tentativa de ganhar e tentando
evitar o sentimento advindo da derrota, a criança esforça-se para além da sua capacidade,
cria estratégias para enfrentar várias situações adversas e age de forma superior às suas
possibilidades reais de atuação, o que remete, imediatamente, à noção de Zona de
Desenvolvimento Proximal - ZDP, pensamento do psicólogo bielorrusso, que afirma “a
criança é capaz de fazer mais do que ela pode compreender” (VIGOTSKI, 1991, p. 63).
Outra situação que demonstra que só o prazer não define o jogo é o exemplo que
Vigotski (1991, p. 69) cita: “ao correr, uma criança pode estar em alto grau de agitação ou
preocupação e restará pouco prazer, uma vez que ela ache que correr é doloroso; além disso,
se ela for ultrapassada experimentará pouco prazer funcional”.
Para Vigotski, os jogos com regras não são atividades sem propósito. No entanto,
Lasch (1983 apud Madeira, 2001) concorda com Huizinga (2010) que o jogo, na melhor das
hipóteses, é sempre sério e comenta que, “de fato, que a essência do jogo repousa no levar
a sério atividades sem propósito que não servem a nenhum fim utilitário” (LASCH, 1983, p.
142 apud MADEIRA, 2001).

143
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Vigotski (1991) explica que à medida que a brincadeira evolui, surge um movimento
em direção à realização consciente de seu propósito. Na fase em que a criança brinca com
regras, não faz sentido nenhum correr de um lado para o outro sem um objetivo. Ou jogar um
objeto sem nenhuma intenção. Assim, conforme o autor em tela, “o propósito decide o jogo e
justifica a atividade. O propósito, como objetivo final, determina a atitude afetiva da criança
no brinquedo. Naquele brinquedo, o objetivo, que é vencer, é previamente reconhecido”,
pois “correr simplesmente, sem propósito ou regras, é entediante e não tem atrativo para a
criança” nessa fase (VIGOTSKI, 1991, p. 69). Portanto, não se pode admitir o brincar como
uma atividade sem finalidade.
Outra característica estrutural dos jogos com regra é o seu caráter interativo. Diferente
do jogo de faz de conta, no qual é opcional a criança brincar sozinha ou com parceiros, no
jogo com regras há a necessidade de um grupo ou de, ao menos, um parceiro, pois só se pode
jogar em função da jogada do(s) outro(s). Os jogadores, neste sentido, sempre dependem
um/uns do/s outro/s. Até mesmo nos jogos eletrônicos, dotados de regras, quando a criança
joga sozinha, sua jogada é dependente da reação, ainda que programada, do game.
Outro aspecto que fortalece a ideia de interação presente nos jogos com regras é a
necessidade de comunicação, consigo mesmo e com os outros. Acerca disso, Oliveira (2005)
destaca quatro itens relevantes. O primeiro deles é que o jogo favorece a comunicação
entre os indivíduos. O segundo item é a possibilidade de relacionar a situação do jogo com
outra situação, “a “conversa” da criança com as coisas está sempre presente e intensa no
jogo, tanto porque permite significação singular e intensa no jogo, tanto porque serve para
estruturar e canalizar a conversa dos participantes” (Ibidem p. 34). O terceiro item é a
comunicação consigo mesmo, pois as indagações feitas pelos outros participantes no ato de
jogar possibilitam ao jogador mecanismos de adaptação às novas regras.
Além disso, enquanto jogam, as crianças expressam diferentes sentimentos e atitudes
sociais em relação a si e ao outro, conforme as diversas situações que vão surgindo no jogo.
Essa vivência de diferentes sensações como irritação, excitação, prazer, cansaço, somadas a
estados intensos de emoções, sentimentos de satisfação, medo, vergonha, alegria e tristeza,
tornam-se um desafio à racionalidade das crianças, na medida em que demandam controle e
adequação na expressão desses sentimentos e emoções, pois são processados em um contexto
no qual as regras, os gestos, as relações interpessoais e suas consequências são claramente
delimitados. Assim sendo, o fato de não poder jogar sozinho, a necessidade de comunicação
e a expressão de sentimentos são alguns fatores que promovem a interação no jogo.
Jogando, a criança vai aprendendo a subordinar-se às regras. Neste sentido, Dias
(2009) destaca que jogar com regras é uma característica proveniente das relações sociais,
em que as regras são combinadas de maneira coletiva e o não cumprimento evidencia uma
falta grave. Isso porque, nesse período do desenvolvimento, as regras são consideradas como
lei e seu cumprimento é obrigatório, sendo permitidas alterações desde que acordadas entre
os jogadores, diferentemente do que acontece nos períodos anteriores.
Dessa forma, os jogos com regras contribuem para o desenvolvimento social da
criança, fazendo com que ela tenha uma melhor adaptação às mudanças que ocorrem durante
sua vida, pois, nesse tipo de jogo, as regras transformam-se constantemente, dependendo
da necessidade e da criatividade de seus jogadores. Assim, a criança vai aprendendo a ter

144
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

autocontrole e internalizando que, para viver em sociedade, é preciso respeitar as leis ou


as regras de convivência. Vale ressaltar que não há um modelo único de sociedade, que
diferentes culturas vão à escola e que essa diversidade demanda respeito. Assim, a escola
pode usufruir do espaço das brincadeiras coletivas e proporcionar a oportunidade da criança
conhecer, aprender e respeitar regras diferentes da sua cultura.
No que concerne à forma que a criança põe em prática as regras, Vigotski (1991) não
criou uma sequência de estágios, mas afirma que:

No final do desenvolvimento surgem as regras, e, quanto mais rígidas elas


são, maior a exigência de atenção da criança, maior a regulação da atividade
da criança, mais tenso e agudo torna-se o brinquedo [...] Consequentemente,
na forma mais avançada do desenvolvimento o brinquedo, emerge um
complexo de aspectos originalmente não desenvolvidos - aspectos que
tinham sido secundários ou incidentais no início, ocupam uma posição
central no fim e vice-versa (VIGOTSKI, 1991, p. 69).

Diante do exposto, compreende-se que, para Vigotski (1991), na idade escolar, os


jogos possibilitam desenvolvimento afetivo, social e cognitivo da criança. Na escola, o jogo
pode ser um instrumento usado para o desenvolvimento integral dos alunos; no entanto,
para que o objetivo seja alcançado, necessário se faz que o professor defina bem seus
objetivos, planeje cuidadosamente o tempo e o espaço e escolha, com bastante cautela, os
jogos a serem propostos, considerando o nível de desenvolvimento de cada um e/ou do
grupo. Dessa forma, o professor, mediando ações na Zona de Desenvolvimento Proximal,
por meio do brincar, promoverá o desenvolvimento das funções psicológicas superiores,
proporcionando a consolidação de aprendizagens significativas que darão origem a novas
ZDPs e, assim, gerar novas possibilidades de desenvolvimento.
Considera-se que ao professor cabe o papel de mediador, que proporcionará as
efetivas condições para que se desenvolvam os processos cognitivos das crianças. O jogo
permitirá ao professor não só avaliar o que a criança consegue fazer sozinha, mas também
o que está a ser consolidado no momento, com a ajuda de terceiros. Desse modo, pode-se
evitar situações de fracasso e a rotulação, por vezes errada, de crianças com problemas de
aprendizagem, ou seja, com desordens que  interferem na capacidade do cérebro de receber
as informações e processá-las6.
Dessa forma, para Cória-Sabini e Lucena (2004), os jogos e as brincadeiras usados
em situação escolar, sob a perspectiva de Vigotski, podem criar condições significativas
para que o estudante progrida no seu desenvolvimento cognitivo, entretanto, eles
necessitam ser planejados, para que, nesse processo, as generalizações e os significados
que o estudante apreende no brincar possam ser mediados pelo docente na construção de
determinado conceito.
Diante de tudo que foi exposto, pode-se afirmar que as ideias da perspectiva histórico-
cultural de Vigotski (1991) somadas às pesquisas contemporâneas correlatas demonstram
que o jogo com regras específicas possibilita o desenvolvimento integral da criança.

Disponível em https://www.f10.com.br/dificuldade-de-aprendizagem/
6

145
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A metodologia adotada nesta investigação tem como enfoque epistemológico a


pesquisa descritiva, com dados empíricos, métodos científicos de coleta e análise de dados
apresentados com embasamento teórico. Quanto à abordagem, esta é uma pesquisa mista,
com aspectos qualitativos e quantitativos. As técnicas de coleta de dados utilizadas foram a
análise bibliográfica, a observação sistemática in loco e a entrevista.
O primeiro passo para realização desta pesquisa foi a busca pela autorização junto à
Secretaria Municipal de Educação de Feira Grande, Alagoas, por meio da carta de anuência.
Em seguida, procurou-se a instituição, apresentou-se o projeto e explicou-se todo o processo
de pesquisa à equipe escolar, quando se obteve o consentimento por parte da diretoria, da
coordenação pedagógica e dos professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental
Antônio Bispo de Oliveira, onde a investigação foi realizada.
Tendo conquistado essas autorizações, deu-se início ao período de aproximação,
que teve como intuito criar uma familiarização das crianças com a pesquisadora e para que
esta pudesse conhecer a rotina da instituição. Passado o período da aproximação, foram
selecionadas as crianças que participariam do referido estudo.
O método de amostragem probabilístico adotado foi o método de amostragem
aleatória simples. Esse método garante que todos tenham a mesma possibilidade de fazer
parte da amostra. Nas palavras de Cochran (1997 apud, Paulino, 2014, p. 17), “a amostragem
aleatória simples é o processo de amostragem probabilístico em que as combinações de [...]
diferentes elementos [...] que compõem a população, possuem igual probabilidade de vir a
ser a amostra efetiva sorteada”. Segundo esse mesmo autor, “o procedimento básico utilizado
para garantir a representatividade nas amostras é o sorteio. O sorteio é o procedimento pelo
qual é conferida a mesma probabilidade, a todos os elementos de um conjunto, de serem
tomados” (Ibidem, p. 17). Com base nisso, o processo seletivo ocorreu por meio de sorteio
sem reposição de elementos, de modo que, em cada etapa do sorteio, todos os elementos
remanescentes tinham a mesma chance de ser selecionado.
No entanto, era preciso garantir que a amostra mantivesse o perfil desejado. Desse
modo, algumas precauções foram tomadas nesse sentido. Assim sendo, foi previamente
definido que as turmas selecionadas para participar do sorteio seriam do 1º ao 5º ano
do Ensino Fundamental, nas quais estudam as crianças que apresentam a faixa etária
correspondente, e foi providenciada uma lista com os nomes das crianças de cada turma
com a data de nascimento para confirmar as suas idades e evitar qualquer tipo de problema
com a representatividade da amostra almejada.
Antes da realização do sorteio, outros cuidados também foram tomados, tais como:
informar as crianças sobre os objetivos do presente estudo de maneira clara e detalhada;
esclarecer que, mesmo sendo sorteado, o aluno só poderia participar após o consentimento
do responsável, caso contrário seria substituído por outro aluno por meio de um novo
sorteio; que o aluno poderia participar da pesquisa e que era livre para modificar a decisão a
qualquer momento que assim desejasse.
Depois de realizados os esclarecimentos, foram anotados os nomes de quem desejava
participar, sendo posteriormente colocados (os nomes) dentro de uma caixa e realizado
o sorteio. Havia duas turmas de cada respectivo ano escolar (com exceção do 5º ano) e a

146
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

intenção era formar grupos de ambos os sexos, por isso, em uma turma, sorteava-se três
meninas e em outra turma correspondente sorteava-se três meninos.
Selecionadas as crianças, fez-se uma reunião com seus pais e/ou responsáveis
para apresentar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.). Durante a
reunião, o termo foi lido, discutido e explanados todos os pontos pertinentes, enfatizando,
principalmente, os objetivos da pesquisa e esclarecendo que, em qualquer momento, a criança
poderia desistir de participar do estudo. Na sequência, foi solicitada, por meio da assinatura
do referido termo, a autorização para participação da criança. Após o consentimento, foi
apresentado o Termo de Assentimento dos Participantes, que foi lido, explicado em uma
linguagem simples para todas as crianças selecionadas e assinado por todos, tendo seus
respectivos professores como testemunhas.
A observação in loco envolveu a organização de situações de jogos com regras em que
as crianças brincavam livremente, sem a interferência da pesquisadora, salvo quando surgia
alguma situação de risco para a criança, como, por exemplo, o uso de objetos pontiagudos.
Os sujeitos envolvidos nesse estudo foram 36 crianças, que estudavam do 1º ao 5º ano, com
idade de seis a 11 anos, fase correspondente à idade escolar, proposta por Vigotski (1991, p.
63), como o período em que há uma evolução do brincar, no qual “há uma situação imaginária
às claras e regras ocultas para jogos com regras às claras e uma situação imaginária oculta”
(Ibidem p. 64), delineia a evolução do brinquedo das crianças. Foram organizados três
Grupos de Investigação, compostos por 12 crianças de ambos os sexos: GI1, seis e sete anos;
GI2, oito e nove anos; e GI3, 10 e 11 anos. O espaço utilizado foi o pátio coberto e o campo de
futebol, onde ficava à disposição um baú dos jogos com regras. Foram realizadas dez sessões
de brincadeiras, com duração média de 25 minutos cada. Após terem sido finalizadas as
sessões, foram recortados os episódios relacionados aos objetivos da pesquisa, os quais
foram analisados, segundo a perspectiva teórica histórico-cultural.
Tanto para realização da entrevista quanto para as sessões de brincadeiras livre,
houve a necessidade de instrumentos acessórios, como um gravador de voz, uma câmera
e um bloco de anotações. Outros instrumentos utilizados durante as sessões de jogos livres
foram os seguintes brinquedos: jogos de xadrez, jogo de memória, bolas de gude, corda,
elástico, jogo uno, jogo ludo, bola de futebol, pega-varetas e quebra-cabeça.

Figura 1 - Baú dos jogos com regras

147
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

A seleção desses objetos, com exceção do jogo de xadrez que já fazia parte da Matriz
Curricular da escola, foi realizada por meio da entrevista semiestruturada com as crianças
que citaram esses jogos, alguns como prediletos, outros apenas como conhecidos, outros
ainda foram observados pela própria pesquisadora durante o período de aproximação.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo Vigotski (1991), os jogos com regras explícitas têm como principais
características a presença da imaginação de forma oculta, o propósito do jogo como aspecto
dominante, o prazer e o desprazer diante do resultado, a interação, a exigência de atenção
e de regulação da criança. Por meio deles, é possível identificar os valores atribuídos e os
paradigmas relacionais vividos pelas crianças como ensaio inconsciente para a vida adulta
e, por essa razão, suas principais características serão apresentadas e analisadas a seguir.

4.1 A imaginação oculta nos jogos com regras

Episódio GI1: Figura 2 - Nataly Episódio GI2: Figura 3 – Karol Episódio GI3: Figura 4 - Débora
gesticula fechar a “delegacia”. gesticula bater em uma “porta”. fica de guarda protegendo a
“bandeira”.

Fonte: Os autores. Fonte: Os autores. Fonte: Os autores.

No episódio do GI1, verificou-se uma situação imaginária durante o jogo de “polícia


e ladrão”, no instante em que Nataly7 pegou André, levou para debaixo da mesa de pingue-
pongue e falou “Bora, pa delegacia!”. Nesse momento, Nataly faz de conta que a mesa de
pingue-pongue é a delegacia e, depois de colocar André embaixo, ela ainda simula que fecha
a “delegacia” conforme mostra a Figura 2. Percebe-se que Nataly acredita que, tomando
aquela atitude, impedirá a fuga de André, isso é perceptível pela sua fala “num fuja, não!”.
No episódio do GI2, percebeu-se a situação imaginária durante a brincadeira de pular
corda, no momento em que Fernanda faz uma encenação com Karol. Karol convida Fernanda
para brincar de “cumade”. Enquanto pulam, elas vão encenando o enredo. Karol gesticula com
a mão e emite o som “Toc! Toc!”, como se batesse em uma porta, conforme mostra a figura 3.
Obviamente que a porta não existe a não ser na imaginação de Karol e Fernanda, que faz parceria
com a colega na brincadeira e responde “Quem é?”. A encenação continua quando Fernanda
replica “cumade”. Isso porque elas não são comadres, a não ser naquele enredo criado por elas.

7
Os nomes usados neste trabalho são fictícios.

148
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Outra situação imaginária surge no episódio do GI3, enquanto eles brincam de


“rouba-bandeira”. A imaginação oculta aparece logo no início quando eles denominam um
pedaço de madeira como bandeira. Depois, Wanderson faz uso da expressão “tem que sair do
caixão, né?”, fazendo referência a Débora que fica de guarda protegendo a “bandeira”. Sabe-
se que, em momento nenhum, aparece, nessa brincadeira, um caixão, salvo na imaginação
deles, em considerar que proteger aquele pedaço de madeira, é um caixão. Percebe-se pela
expressão e pela figura 4 (quatro) que, por Débora ficar muito próximo da “bandeira”, eles
criam um faz de conta e relacionam a atitude de guardar a “bandeira” como se fosse um ato
de velar um morto.
Portanto, através desses episódios, constata-se que a situação imaginária aparece
implicitamente nos jogos com regras e compreende-se que, mesmo no universo das
brincadeiras regidas por regras, sempre aparece um pouco de fantasia, a qual, para Elkonin,
(1998) e para Vigotski (1991), não são apenas fruto da imaginação, mas são os reflexos de
situações vivenciadas pelas crianças.
O uso da imaginação tanto no ambiente escolar como fora dele é producente à medida
que está relacionado à criatividade e essa criatividade na infância, por sua vez, tem ligação
com o que a criança possa desenvolver nas outras fases da vida. (BISPO, 2018).
No entanto, segundo a psicóloga Pimenta (2017), hodiernamente, as crianças denotam
muitas dificuldades na elaboração de textos e a causa maior é a falta de imaginação. De
acordo com Pimenta (2017), as crianças com imaginação limitada são pouco criativas. Por
essa razão, é imprescindível promover muitas brincadeiras e jogos com regras para estimular
a imaginação, pois favorecem a formação intelectual e criativa da criança, além de adelgaçar
a frustação e de propiciar o desenvolvimento da linguagem.
Destarte, incentivar o uso da imaginação, tanto nos momentos das brincadeiras
livres, quanto nos momentos das brincadeiras dirigidas, é um fator determinante para a
aprendizagem e o desenvolvimento infantil.

4.2 O propósito do jogo como aspecto dominante

Episódio GI1: Figura 5 - Episódio GI2: Figura 6 - Fábio Episódio GI3: Figura 7 –
Víctor toca em André e diz: mostra as duas peças que ele As meninas perseguem os
“Boto!”. formou par. meninos.

Fonte: Os autores. Fonte: Os autores Fonte: Os autores.

149
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

Analisando o episódio GI1, verifica-se que, desde o princípio, quando iniciam a


brincadeira de “Boto8” e começam a correr, as crianças não faziam isso de forma aleatória.
Havia uma finalidade para essa atitude, que era não ser pegas pelo boto, pois, pela regra do
jogo, quando o boto toca outra criança, essa passa a ser o boto. Então, as crianças corriam
com esse propósito, de fugir do boto para não serem pegas por ele, como mostra a figura
5 (cinco).
No episódio do GI2, observa-se que as crianças brincam de “Jogo da Memória”.
Respeitando a sua vez de jogar, o participante desvira duas peças de cada vez, quando são
iguais, ele separa em seus próprios montes e joga novamente, mas, quando são diferentes,
ele devolve ao mesmo lugar e passa a vez para o colega jogar. Em um momento dessa
brincadeira, Fábio pega duas peças, olha e junta-as na mesma mão sem mostrar aos colegas.
José Paulo tem um comportamento de dúvida e diz “Errou!”. Fábio, então, mostra as peças
e responde “Acertei! O que é isso apois? É a vaca e a vaca!”, e, em seguida, ele junta as peças
e coloca-as sobre a caixa, local onde vem reservando as peças dos acertos dele, conforme
mostra a figura 6 (seis). Essa situação evidencia que o propósito daquele jogo era encontrar
peças iguais e formar pares.
No episódio do GI3, notou-se que tanto as meninas quanto os meninos tinham
objetivos evidentes, porém distintos, ao brincarem de polícia e ladrão. Enquanto as meninas
corriam com a finalidade de prender os meninos, eles, por sua vez, corriam com o propósito
de fugir delas para não serem pegos, como mostra a figura 7 (sete).
De acordo com Vigotski (1991, p. 69), “à medida que o brinquedo. (sic) se desenvolve,
observamos um movimento em direção à realização consciente de seu propósito. E (sic)
incorreto conceber o brinquedo como uma atividade sem propósito”. Neste sentido, para
o referido autor, conforme ocorre uma evolução do brinquedo, a criança vai apresentando
discernimento naquilo que pretende alcançar e, por essa razão, é possível afirmar que não há
jogo com regras sem propósito, como, de fato, foi constatado nos episódios anteriores. Em
resumo, o propósito decide o jogo e justifica a atividade. O propósito, como objetivo final,
determina a atitude afetiva da criança no brinquedo (VIGOTSKI, 1991, p. 69).
Desse modo, baseando-se no pensamento desse autor e no que foi observado nesses
três últimos episódios, nota-se que, nos jogos com regras, existe um propósito como aspecto
dominante que impulsiona a criança a continuar brincando: a competição. Esta, por sua
vez, leva a criança ao desejo de vencer. Assim sendo, movida pelo propósito da brincadeira,
a criança cria uma competição que pode ser individual como, por exemplo, nos episódios
do GI1 e GI2 ou coletiva, como no caso do episódio do GI3, e que, se não existisse essa
competição, certamente, brincar não teria a mesma essência.
Brincadeiras competitivas possibilitam à criança compreender a necessidade de
superar seu próprio desempenho para alcançar o propósito da brincadeira, desenvolvendo
seu raciocínio para resoluções de problemas e, com as mudanças contínuas durante a
brincadeira, elas precisam pensar e agir rapidamente, estimulando ao mesmo tempo o
desenvolvimento cognitivo, emocional e físico (dependendo da brincadeira) da criança Esse
aspecto da competição faz com que o aluno tenha uma maior concentração na atividade que

8
Brincadeira popular também conhecida em outras regiões como pega-pega. Disponível em < https://www.
obrasileirinho.com.br/brincar-criancas/brincadeira-pega-pega/> Acesso em: 28 de setembro de 2020.

150
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

está realizando e, assim, acaba tratando com mais seriedade. Esses fatores podem ajudar o
aluno a esforçar-se mais, melhorando rapidamente suas habilidades (VENDITTI JR et al.,
2008), como foi possível constatar em todos os episódios descritos anteriormente.
Além disso, os aspectos táticos e técnicos das brincadeiras coletivas competitivas
favorecem o trabalho em equipe, em que cada participante exerce um papel importante para
o resultado final. Segundo Amorim, Silva e Barros (2012, p. 05), “os jogos que estabelecem
regras são vistos como uma ótima ferramenta para estimular a cooperação, é ideal para
que a criança aprenda a estabelecer relações de caráter cooperativo e competitivo”. Essa
experiência certamente proporcionará à criança uma melhor convivência com o meio social.

3 O PRAZER E O DESPRAZER DIANTE DO RESULTADO DO JOGO

Episódio GI1: Figura 8 – Episódio GI2: Figura 9 - Episódio GI3: Figura 10 - Uma
Dayane queixa-se com a Fernanda evita ouvir o festejo equipe comemora e a outra se
pesquisadora. dos colegas. lamenta.

Fonte: Os autores. Fonte: Os autores. Fonte: Os autores.

No episódio do GI1, depois de várias tentativas frustradas para pegar os meninos,


Dayane caminha em direção à pesquisadora e fala “Ô tia! Ô tia, num pode com três menino
e duas menina”, como é possível verificar na figura 8 (oito). Observou-se, nessa atitude de
Dayane e na sua fala, que, naquele exato momento, ela teve consciência de que somente
com ela e a colega Elisângela, não seria possível prender os meninos, pois elas estavam em
desvantagem, uma vez que eles estavam em maior número. Por isso, ela insistia em dizer
“Tem que arrumar mais uma. Deixa tia? Deixa, deixa, deixa. Deixa três menina! Num vale,
não, três menino.”. Ela continuou persistindo “Ô tia! Por favor!”, chegando ao ponto de
desistir da brincadeira “Eu num vô mais, não, brincar, vô ficar olhando”, demonstrando
ciência de que não ganharia o jogo, sendo apenas duas meninas contra três meninos. Essa
situação demonstra que Dayane estava sentindo desprazer em relação ao resultado e, por isso,
ela não quis mais brincar. Além disso, outro fato que chamou atenção é que, em momento
algum da brincadeira, os meninos vieram queixar-se de nada, pois, para eles, a situação era
confortável e estavam sempre na vantagem, ou seja, eles estavam em uma situação de prazer
diante do resultado do jogo.
No episódio do GI2, ao final de uma partida de rouba-bandeira, observou-se que,
enquanto a equipe que ganhou comemorava, Fernanda colocou as mãos nos ouvidos para não

151
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

ouvir a comemoração dos colegas, como mostra a figura 9 (nove). Essa atitude de Fernanda
denota a sensação de desconforto que ela sentia naquele momento, diante do resultado
daquela partida. Foi observado que, durante o decorrer da brincadeira, Fernanda divertiu-
se em vários momentos, perceberam-se os sorrisos, as atitudes espontâneas e alegres, por
exemplo, quando estendia a mão para medir forças com Gilvânia. Mas, diante do resultado
final da brincadeira, Fernanda mostrou-se insatisfeita e revelou em sua atitude que aquela
situação lhe trazia desprazer.
Outro momento que evidencia o prazer e o desprazer no jogo foi quando Henrique
Ferreira consegue pegar a bandeira do adversário, no episódio do GI3. Observou-se
que, no momento em que ele cruzou a linha de fronteira, Ednaldo, Luana, Suely e Josué
comemoraram muito, pulando, erguendo os braços e gritando “Hêêêêêê!”, enquanto que a
outra equipe lamenta por ter perdido, conforme evidencia a figura 10. Foi possível observar
isso pela reação das crianças que caminhavam lentamente, apáticas, exteriorizando sua
insatisfação com aquele resultado.
Nesse aspecto de prazer e de desprazer diante do resultado, percebeu-se a relação
de ganhar e de perder que estão presentes nos jogos com regras e o quanto o sentimento
de satisfação e insatisfação está relacionado com esses resultados. O pensamento de Luíza,
(2005, p. 62), corrobora com essa percepção, ao afirmar que “os jogos e as brincadeiras são
uma forma de lazer no qual estão presentes as vivências de prazer e desprazer”.
Nesse contexto, Vigotski (1991) afirma que o brinquedo não deve ser definido como
algo que oferece somente prazer à criança, visto que outras práticas além da brincadeira são
prazerosas para ela. Segundo esse mesmo autor:

Definir o brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança é incorreto


por duas razões. Primeiro, muitas atividades dão à criança experiências de
prazer muito mais intensas do que o brinquedo, como por exemplo, chupar
chupeta, mesmo que a criança não se sacie. E, segundo, existem jogos nos
quais a própria atividade não é agradável. [...] no fim da idade pré-escolar,
jogos que só dão prazer à criança se ela considera o resultado interessante.
(VIGOTSKI, 1991, p. 61).

Portanto, compreende-se que os jogos com regras são brincadeiras marcadas por
situações de prazer e de desprazer, como mostra o referencial teórico adotado, e que
esses sentimentos estão intrinsecamente ligados ao resultado, como foi constatado nos
episódios supracitados.

152
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

1. A interação e a regulação presentes no jogo de regras

Episódio GI1: Figura 11 - As Episódio GI2: Figura 12 – Episódio GI3: Figura 13 – As


crianças jogam e discutem as seguindo a regra, todas pulam crianças jogam e discutem as
regras. para trás. regras.

Fonte: Os autores. Fonte: Os autores. Fonte: Os autores.

No episódio do GI1, notou-se que, durante todo o “Jogo de Ximbra” (Bola de Gude),
houve situações que contribuíram para o desenvolvimento de habilidades possibilitadas pelo
diálogo com o outro, mesmo as crianças sendo adversárias. Além disso, observou-se que a
interação social também permeia a brincadeira em todas as situações que os meninos vão
lembrando as regras, refletindo como fazer para adequar suas ações e contemplar as normas,
do mesmo modo que vão vivenciando experiências antagônicas e resolvem-nas discutindo
com base nas regras do jogo que eles já conhecem, como mostra a figura 11. Nota-se que as
regras fazem desse jogo um ótimo treino ou exercício de educação, pois criam, nas crianças,
o sentimento de obediência, de disciplina e de sociabilidade (NEVES, 1950).
No episódio do GI2, Fernanda trouxe uma novidade para as meninas: brincar de
elefante colorido. Percebeu-se que era uma brincadeira nova, porque, antes de iniciar,
Fernanda orientou as meninas quanto ao posicionamento e ensinou as regras do jogo.
Observou-se que o ensinamento das regras, as orientações e as discussões sobre elas
demonstram a marcante presença do diálogo e da interação social nesse episódio. Verificou-
se que, logo após compreenderem as instruções e decidirem participar da brincadeira, as
meninas submeteram-se a cumprir rigorosamente as regras. Sempre que recebiam a bola,
elas gritavam a sílaba que lhes competia e, ao final, sempre pulavam para trás, bem ao modo
que Fernanda ensinou, como mostra a figura 12. Assim sendo, compreendeu-se que, nesse
jogo, as crianças tiveram regras a serem cumpridas e foram fiéis a esse regulamento, em
que, mesmo havendo uma competição individual, houve interação de umas com as outras,
promovendo a sociabilidade entre elas.
No episódio do GI3, identificou-se a submissão às regras enquanto as crianças jogavam
“Uno”. Observou-se, nesse jogo, que as crianças ficavam em constante diálogo, pois, o tempo
todo, elas discutiam a sequência e as regras do jogo, como mostra a figura 13.
Vale ressaltar que, durante as brincadeiras, sempre havia conflitos e contestações
de resultados, no entanto, esses conflitos eram gerenciados e resolvidos pelas próprias
crianças, sem a interferência da pesquisadora. Essa presença marcante das interações nos

153
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

jogos e nas brincadeiras revela a importância dessa atividade para o desenvolvimento das
crianças, pois, para crescerem de forma saudável, precisam viver e trocar com e entre pares.
Neste sentido: “A interação entre as crianças é, para além de uma condição fundamental
do desenvolvimento de relações e de laços de sociabilidade _ e, por isso, um dos mais
importantes fatores de “educação oculta” das crianças _” (CORSARO apud AGOSTINHO,
2003, p. 130, grifos do autor).
De acordo com Brougére (2002, p. 147), o jogo também é uma atividade de socialização
que vai preparando a criança para ocupar seu lugar na sociedade adulta. Nós, adultos, estamos
cientes de que, para viver em sociedade, é inescusável seguir regras, porém as crianças ainda
não têm essa consciência e, por essa razão, faz-se mister que professores e pais promovam
situações em que a criança comece a aprendê-las e a preparar-se para cumprir as regras
sociais por meio da atividade que mais lhe satisfaz na faixa etária de seis aos 11 anos, que são
os jogos com regras.

5 A EXIGÊNCIA DE ATENÇÃO DA CRIANÇA

Episódio GI1: Figura 14 - Episódio GI2: Figura 15 - Episódio GI3: Figura 16 -


Atenção e concentração total Atenção e concentração total Atenção e concentração total
dos jogadores. dos jogadores. dos jogadores.

Fonte: Os autores. Fonte: Os autores. Fonte: Os autores.

O que mais se observou no jogo de “pega-varetas” foi a atenção e a concentração,


vivenciadas pelas crianças no episódio do GI1. Desde quando Bruna faz a primeira jogada
e tira cuidadosamente um palito, já demonstra a concentração dela para não perder e, na
segunda tentativa, Luís, de imediato, faz uma abordagem gritando: “Mexeu!”, o que também
confirma que ele estava muito atento à jogada da sua adversária, como mostra a figura 14.
Durante todo o episódio do GI2, percebe-se que as crianças estão atentas, tanto quando
é a sua vez de jogar quanto nos momentos das jogadas dos colegas, como evidencia a figura
15. Portanto, é possível afirmar que uma das características dos jogos com regras é permitir
às crianças exercitar habilidades como atenção, foco, memória operacional, cooperação e
autocontrole (IDOETA, 2018).
No episódio do GI3, as crianças vivenciam uma partida de xadrez. Nesse jogo,
vitória, derrota ou empate dependem exclusivamente do raciocínio lógico, da habilidade
de cada jogador para analisar as alternativas de cada posição e pôr em prática um plano
bem-elaborado com o objetivo de vencer o adversário (FREITAS, 2017). Do início ao fim da
partida, tanto Henrique Ferreira quanto Francisco ficaram concentrados nos movimentos

154
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

que fariam com as suas próprias peças e nos movimentos das peças do seu adversário, como
mostra a figura 16.
Desse modo, com base nos três episódios apresentados, é possível afirmar que os jogos
com regras têm a característica de exigir atenção da criança e, conforme afirma Vigotski
(1991, p. 69), quanto mais rígidas são as regras, maior será essa exigência de atenção da
criança. Portanto, os jogos com regras são instrumentos súperos para treinar e desenvolver
a concentração e o foco.
O Center on the Developing Child de Harvard, que estuda desenvolvimento infantil,
considera que pensar antes de agir, planejar e traçar objetivos, focar a atenção, ser flexível
e controlar as emoções são “habilidades para a vida”. Destarte, Silva (2007) garante que “os
jogos devem estar atrelados ao projeto pedagógico, ou seja, o professor deve ter em mente de
onde partir e ainda aonde quer chegar, desenvolvendo os aspectos sociais, afetivos, motores
e cognitivos” (SILVA, 2007, p. 19).

CONCLUSÃO

A presente pesquisa proporcionou uma análise das características dos jogos com
regras e suas influências no processo de aprendizagem e desenvolvimento infantil, levando
a compreender que, através dos jogos com regras, em situações livre no ambiente escolar,
o professor pode ampliar a autonomia da criança, estimular a atenção e a concentração,
trabalhar as habilidades motoras, exercitar e aperfeiçoar a imaginação e a criatividade,
promover a interação social e a obediência às regras, contribuir para gestão da emoção.
Desse modo, ao promover os jogos com regras, acredita-se que a escola cumpre o seu
papel fundamental, que é o de contribuir para a formação de um cidadão crítico, autônomo
e participativo, tão necessário para constituição de uma sociedade mais justa e igualitária
para todos. Como afirma Friedman (1996, p. 45): “Trazer o jogo para dentro da escola é uma
possibilidade de pensar a educação numa perspectiva criadora, autônoma, consciente”.
Assim sendo, cientes de que o brincar no EFAI não se esgota nos preceitos legais,
não se restringe na transmissão dos conteúdos da disciplina de Educação Física e tampouco
se limita ao curto tempo do intervalo entre as aulas, esta pesquisa apresenta as seguintes
sugestões para inserir os jogos com regras em situações livres no ambiente escolar:
Planejar visando a oferecer tempo, espaço e material à turma, com
frequência, é essencial - Antes de proporcioná-los para as crianças, o professor deve
averiguar quais os tipos de jogos preferidos da garotada. Analisar os materiais, a variedade
e a quantidade disponível, para, assim, avaliar se todos os interesses serão contemplados,
pois é necessário que os jogos sejam interessantes para a faixa etária; outro ponto crucial é
a determinação do tempo e do espaço que será proporcionado para as crianças brincarem/
jogarem. Se o jogo escolhido pela criança já faz parte de sua cultura lúdica, os estudantes,
certamente, conhecem e compreendem as regras, sabem como usá-las e terão a possibilidade
de aprimorar suas estratégias a cada nova experiência.
Ensinar a jogar para ampliar a cultura lúdica infantil – Além dos jogos que já
fazem parte da cultura lúdica da criança, o professor também pode apresentar jogos que as
crianças ainda não conhecem desde que, após ensinar as regras, deixe as crianças livres para

155
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

decidirem se querem ou não participar daquele jogo, para discutirem as regras e mudarem
se sentirem necessidade. Organizados pelo próprio professor ou por outro profissional da
equipe escolar, os jogos precisam ficar disponíveis em um espaço adequado. Dessa forma,
todos terão a oportunidade de escolhê-los e usá-los com autonomia, no tempo planejado
pelo professor.
Enquanto as crianças jogam, o papel do professor é o de observador - A
discussão fica para depois do jogo. No decurso do tempo que foi determinado para que as
crianças joguem espontaneamente, sugere-se que o professor apenas observe e registre as
suas percepções: analise e avalie como as crianças lidam com os desafios, evite ao máximo
fazer intervenções e garanta, de fato, o aspecto da liberdade no jogo.
Depois do jogo, o papel do professor é o de mediador – Ao final do jogo,
o professor deve direcionar o diálogo com base nas suas anotações e solicitar que todos
exponham seus argumentos ou reflitam sobre o que está sendo debatido. A prática e a
discussão sobre estratégias aprimoram as habilidades dos alunos. Além disso, se o debate que
for gerado pelo professor estiver relacionado a alguma situação de desonestidade, bullying
ou preconceito, por exemplo, que o professor percebeu durante o jogo, esse momento
proporcionará trabalhar a formação moral da criança, levando-a a refletir, acima de tudo,
sobre os valores, o respeito e a ética, pois, apesar de formular estratégias para vencer, a
criança precisa compreender a necessidade de cumprir as regras, de esperar a sua vez de
jogar, de lidar com o imprevisto, de respeitar as diferenças. Vale ressaltar que o professor
não deve expor nenhuma criança e, ao debater sobre alguma atitude conflituosa, jamais
deve identificar a criança, mas apenas descrever a situação ou uma situação fictícia para
exemplificar.
Assim sendo, considerando que não foi objetivo neste artigo esgotar o tema proposto,
apontam-se novos temas para pesquisas sobre o assunto: as concepções dos pais das crianças
acerca do brincar na escola; a cultura lúdica infantil a partir das diferenças de gênero; o
lúdico na formação dos professores; políticas públicas e o direito de brincar das crianças;
os jogos com regras como estratégia de inclusão; a diversidade da cultura lúdica infantil no
contexto nacional.
Portanto, cientes de que o estudo sobre o brincar não se restringe ao que foi apresentado
e discutido neste artigo, e que, dessa forma, está aberto a indagações e a outras investigações
possíveis, espera-se que esta produção possa colaborar para que os profissionais que
atuam no EFAI, partindo de suas próprias compreensões sobre as interações das crianças
nos jogos com regras, ampliem suas discussões e horizontes e que, assim, o brincar possa
ser compreendido em sua plenitude, com isso, estendendo-se, efetivamente, às práticas
pedagógicas e corrobore para despertar em cada adulto a relevância de seus atos para essa
etapa da vida humana: a infância.

REFERÊNCIAS

1. AGOSTINHO, K. A. O espaço da creche: que lugar é esse? Dissertação de mestrado,


Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.

156
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

2. AMORIM, Priscila Azevedo; SILVA, Mayane Almeida da; BARROS, Roseane Bento.
Educação infantil: o jogo como ferramenta de contribuição para a aprendizagem da
matemática. IV FIPED Fórum Internacional de Pedagogia. Campina Grande, REALIZE
Editora, 2012.

3. AUSUBEL, D. P. A Aprendizagem Significativa: a teoria de David Ausubel. São


Paulo, Moraes, 1982.

4. BISPO; C. C. L. Faz de Conta: Brincando e Aprendendo. Goiânia, GO: Editora Phillos,


2018.

5. BORBA, A. M. Culturas da infância nos espaços-tempos do brincar: estratégias


de participação e construção da ordem social em um grupo de crianças de 4-6 anos.
Momento, Rio Grande, 2006/2007.

6. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular - BNCC. Resolução nº 2 do CNE/CP,


2017.

7. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – CF/1988

8. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove)


anos, 2010.

9. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90.

10. BRASIL. Parecer Câmara de Educação Básica-CEB/ Conselho Nacional de


Educação-CNE 02/2003. Recreio como atividade escolar (referente à Indicação CNE/CEB
2/2002, de 04.11.2002)

11. BRASIL. Referencial Curricular de Alagoas. Ensino Fundamental, 2019.

12. BROUGÉRE, G. A criança e a cultura lúdica. In: Kishimoto, T. M. [org]. O brincar e


suas teorias. São Paulo: Editora Pioneira, 2002.

13. CÓRIA-SABINI, Maria Aparecida e LUCENA, Regina Ferreira. Jogos e Brincadeiras


na Educação Infantil. 5ª edição. Campinas: Papirus Editora, 2004.

14. CORREIA, R. Sociedade e Cultura. 2008. Disponível em: https://raulcorreia.


wordpress.com/2008/09/26/sociedade-e-cultura/. Acesso em: 20 de janeiro de 2019.

15. DIAS, Luana Pires. A construção do conhecimento em crianças com dificuldades


em matemática, utilizando o jogo de regras Mancala. Tese (Mestrado em Educação).
UNICAMP, São Paulo, 2009.

16. ELKONIN, D.B. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

157
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

17. FREITAS, L. Xadrez e seus benefícios no aprendizado de matemática.


Revista eletrônica Domtotal, 2017. Disponível em: https://domtotal.com/
noticia/1184598/2017/08/xadrez-e-seus-beneficios-no-aprendizado-de-matematica/
Acesso em 15 de janeiro de 2019.

18. FRIEDMANN, A. Brincar, crescer e aprender- o resgate do jogo infantil. São Paulo:
Moderna, 1996.

19. HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: Os projetos de trabalho.


Porto Alegre: Artmed, 1998.

20. HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva, 2010.

21. IDOETA, Paula Adamo. Como usar brincadeiras para ensinar habilidades essenciais a
crianças. Harvard Center on the Developing Child. Guia para ensinar a estimular funções
executivas em diferentes períodos da vida, 2018. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.
com.br/saude/noticia/2018/04/como-usar-brincadeiras-para-ensinar-habilidades-
essenciais-a-criancas-segundo-harvard-cjg3xrmjb00q401ql1nn5q2dl.html. Acesso em 15
de janeiro de 2019.

22. KISHIMOTO, Tizuko (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação [livro


eletrônico]. São Paulo: Cortez, 2017.

23. MADEIRA, W. M. Machado de Assis: homem lúdico: uma leitura de Esaú e Jacó.
Annablume, 2001.

24. MARQUES, C. Para Rubem Alves, escola é chata porque é dirigida por burocratas.
Jornal Online Folha de São Paulo, 02/05/2006. Disponível em: < https://www1.folha.uol.
com.br/folha/brasil/ult96u78112.shtml > Acesso em: 15 de janeiro de 2019.

25. MOURITSEN, F. Child Culture – Play Culture. Denmark: Department of


Contemporary Cultural Studies, 1998.

26. NEVES, Guilherme Santos. O Jogo de Gude, Folclore, Ano l, n? 7-8: 1-4. Vitória, 1950.

27. NÓBREGA. Z. Cultura Popular na pós-modernidade. IV ENECULT- Encontro


de Estudos Multidisciplinares em Cultura - 28 a 30 de maio de 2008. Faculdade de
Comunicação/UFBa, Salvador, Bahia - Brasil.

28. OLIVEIRA, Gislene de Campos. Psicomotricidade Educação e Reeducação num


enfoque Psicopedagógico. 10ª ed. Ed. Vozes. Petrópolis, RJ. 2005.

29. ONU. Declaração Universal dos Direitos da Criança. 1959. Disponível em <http://
www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex41htm>. Acesso em 25/3/2019.

158
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)

30. PAULINO, A. V. Uso de técnicas de amostragem aplicadas ao tempo de acesso a


internet em lan hause. Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande, 2014.

31. LUÍSZA, R. L. S. Aprendizagem e subjetividade: uma construção a


partir do brincar. Revista do Departamento de Psicologia. UFF. Rev. Dep.
Psicol.,UFF vol.17 no.2 Niterói Jul/Dez. 2005.

32. PIMENTA, S. B. B. Estudo sobre mediação e desenvolvimento humano na teoria de


Vigotski: reflexões sobre a criança em situação de adoecimento. Universidade Federal de
Goiás. Goiânia, 2017.

33. RIZZI, L.; HAYDT, C. R. Atividades lúdicas na educação da criança. Série Educação.
7ª. Ed. São Paulo: Ática, 2005.

34. SILVA, A. P. A importância dos jogos / brincadeiras para a aprendizagem dos


esportes nas aulas de Educação Física. Universidade de Brasília, São Luís 2007.

35. VENDITTI JUNIOR, R.: IAVORSKI, J.; A ludicidade no desenvolvimento e


aprendizado da criança na escola: reflexões sobre a Educação Física, jogo e inteligências
múltiplas. Revista Digital - Buenos Aires - Ano 13 - N° 119 - Abril de 2008. Disponível em:
http://www.efdeportes.com/. Acesso em: 23 de janeiro de 2019.

36. VYGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

159

Você também pode gostar