Infâncias Crianças Diversidade e Perspectivas de Inclusão
Infâncias Crianças Diversidade e Perspectivas de Inclusão
Infâncias Crianças Diversidade e Perspectivas de Inclusão
perspectivas de inclusão
Organizadoras
Angela Maria Araújo Leite
Elizete Santos Balbino
Maria do Socorro Barbosa Macêdo
Infâncias, crianças,
diversidade e perspectivas
de inclusão
Arapiraca/AL
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS CONSELHO EDITORIAL DO CENTRO PAULO
Reitor: Odilon Máximo de Morais FREIRE – ESTUDOS E PESQUISAS
Vice-Reitor: Anderson de Almeida Barros Agostinho da Silva Rosas – UPE
Diretor da Eduneal: Renildo Ribeiro e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Alder Júlio Ferreira Calado – FAFICA
CONSELHO EDITORIAL DA EDUNEAL e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Presidente: Renildo Ribeiro Ana Maria Saul – PUC/SP
Titulares e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Professores: Argentina da Silva Rosas – UFPE
José Lidemberg de Sousa Lopes e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
João Ferreira da Silva Neto Balduino Antônio Andreola – UFRG
Luciano Henrique Gonçalves da Silva e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Natan Messias de Almeida Inez Maria Fornari de Souza
Maria Francisca Oliveira Santos – Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Márcia Janaína Lima de Souza - Sistema de Bibliotecas Luiza Cortesão
(SIBI) Professora Emérita da Universidade do Porto, Presidente
do Instituto Paulo Freire de Portugal e Centro Paulo
Suplentes Freire – Estudos e Pesquisas.
José Adelson Lopes Peixoto Luiz Eduardo Maldonado Espitia – Universidad del
Edel Guilherme Silva Pontes Valle Cali Colombia
Maryny Dyellen Barbosa Alves Brandão e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Ariane Loudemila Silva de Albuquerque Mirian Patrícia Burgos - Centro Paulo Freire
Ahiranie Sales dos Santos Manzoni – Estudos e Pesquisas e Instituto Paulo Freire de Portugal.
Elisângela Dias de Carvalho Marques - Sistema de Zélia Maria Soares Jófili – UFRPE
Bibliotecas (SIBI) e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Catalogação na fonte
I43 Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão / (Organizadores) Angela
Maria Araújo Leite, Elizete Santos Balbino, Maria do Socorro Barbosa Macêdo. –
Arapiraca : Eduneal ; Centro Paulo Freire, 2021.
101 p. : il. : color (e-book).
Inclui bibliografia.
ISBN: 978.65-87824-07-9.
DOI: 10.48016/GT16Xenccult
CDU: 37(053.2)
REVISORES CIENTÍFICOS
Carla Manuella de Oliveira Santos (UNEAL)
Charles Alexander Brito Alarcon (Coordenador Pedagógico do Projeto SELVALEGRE/ Leticia - Colômbia)
Cristiane Monteiro Pedruzzi – (UNCISAL)
Eleusa Maria Passos Tenório – (SEDUC- MACEIO)
Graciele Oliveira Faustino (UNEAL)
Igor Luiz Rodrigues da Silva - Antropólogo – Doutorando (PPGAS /UFSC)
Jane Cleide dos Santos Bezerra (UNEAL)
Laura Nelly Mansur Serres (IFRS)
Maria Edney Ferreira da Silva (UNEAL)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
MONITORES
Camila de Oliveira Barbosa
Jéssika Silva Alves
Myllenna de Oliveira Santos
Victória Augusta Araújo Leite
Roseane Abreu Ferreira
Isadora Barbosa Macedo Canuto Ferreira
Capa
Rima Produção Editorial
Diagramação
Mariana Lessa
Imagem da contracapa
Lia Menna Barreto. Jardim de Infância, (1997)
Lia Menna Barreto. Jardim de Infância, (1997) exibida na I Bienal do Mercosul - Porto Alegre RS. Imagem
extraída do site da artista. Acesso disponível em: https://liamennabarreto.blogspot.com.br/>
Loris Malaguzzi
Sumário
Prefácio................................................................................................ 8
Apresentação...................................................................................... 10
E
ste livro é um convite para pensar as relações entre as infâncias, a inclusão e
as diversidades na atualidade. Os textos aqui reunidos foram apresentados no
X Encontro Científico Cultural (ENCCULT-on-line) e estão vinculados ao GT
16: Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão. Essas quatro noções
interrelacionam-se a partir das pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelas Professoras
Maria do Socorro Barbosa Macedo, Elizete Santos Balbino e Angela Maria Araújo Leite,
Docentes e Pesquisadoras da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) em processo de
doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS).
O GT acolheu 11 comunicações que se ocupam do tema das infâncias a partir de
diferentes abordagens, como: a literatura infantil, a docência e a interface com concepções
sobre a infância contemporânea; o impacto da pandemia na educação e inclusão escolar;
as infâncias e cidadania frente aos desafios educacionais contemporâneos; a pesquisa
colaborativa, mediando e fomentando novos saberes e novas práticas; as relações das
crianças com as tecnologias digitais de comunicação e informação; a política nacional de
educação no Brasil, a Base Nacional Comum Curricular e os seus efeitos à área de Educação
Infantil; a educação infantil no contexto campesino; o uso da leitura e da roda de conversa
como estratégia de escuta de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas;
os gêneros textuais e o desenvolvimento das crianças a partir da leitura e da escrita; o
desenvolvimento das diferentes inteligências na educação infantil; o desenvolvimento da
imaginação das crianças por meio do jogo de regras.
A partir desses temas, as autoras lançaram questões que nos desafiam a pensar as
urgências de nosso tempo. Em 2020, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou
três décadas em um contexto de retrocessos: somente nesse ano, doze crianças morreram
baleadas no Rio de Janeiro (estado brasileiro que caracteriza o fracasso da democracia,
das políticas públicas e do Estado de Direito). No Recife, Miguel Otávio Santana da Silva,
de apenas cinco anos, caiu do 9º andar de um prédio enquanto a mãe, uma empregada
doméstica, trabalhava alguns andares abaixo. No Espírito Santo, uma menina de 11 anos
foi vítima de estupro, engravidou e a interceptação da gestação a expôs a um conjunto de
outras violências sociais e de Estado. Com a pandemia da COVID-19, as desigualdades foram
acentuadas e a fragilidade das políticas para as infâncias brasileiras ganhou visibilidade em
todo o território nacional.
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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Boa leitura!
Daniel Momoli
Movimento Popular Pedagógico-Escola do Povo
Jornadas em Defesas da Educação Democrática e do Pensamento de Paulo Freire
9
Apresentação
H
á um desejo de falar... uma necessidade de dizer sobre as formas em que este
trabalho foi sendo gestado e a singularidade que inaugura sua presença, num espaço
de pesquisa tão importante como o ENCCULT. Tratemos ainda da alegria que nos
conduz, mesmo em um tempo de incerteza, medo, recolhimento, espera, vida e morte, outros
trânsitos foram se estabelecendo: rotas antes [im] prováveis, como a presença de autores e
pareceristas, que, numa perspectiva de trabalho presencial, talvez não pudessem compor
esse lugar de debate, dadas às distâncias territoriais.
Nisso tudo, parece que há um elemento integrador: o tempo... este que Jaffe (2020,
s/p) lembra-nos “[...] o tempo ultrapassa nossos corpos, mas, precisa se agarrar a
eles, tomar seu tamanho e hoje meu tempo cabe exatamente em mim, o passado fui eu
que inventei”. Tomamos o tempo a partir de um passado, perto, bem perto...aquele que
fomos “inventando” junto ao doutoramento e que foi adensando uma maneira de olhar
atenta e amorosa para os sujeitos e seus modos plurais de existir. Desse encontro de três
pesquisadoras que intentam compreender as infâncias, em relevo a infância quilombola do
sertão, a formação de professores e a inclusão do sujeito com deficiência, os caminhos da
sabedoria indígena, sua resistência, sensibilidade e (in) visibilidades em práticas educacionais
no Estado de Alagoas, nasce o grupo de trabalho intitulado Infâncias, crianças, diversidade
e perspectivas inclusivas.
Marcando um lugar, onde potentes contribuições ao campo de conhecimento movem
e assumem enunciados tensionadores da diferença, da pluralidade e dos direitos sociais,
acolhidos por múltiplas perspectivas epistêmicas e metodológicas em suas investigações.
Ponderamos que, numa sociedade ultraconservadora, como a nossa, percorrer outros
caminhos favorecerá o rompimento e o reconhecimento de que os sujeitos são heterogêneos
e que, portanto, suas diferenças e singularidades representam-se como resistência aos atos
de criminalização, a que são submetidos grupos sociais como negros, indígenas, crianças,
pessoas com deficiência e outras minorias sociais.
Num processo de criação e de investigação em grupo, as interações são muitas. Mesmo
considerando o tempo como elemento problematizador desse processo e as circunstâncias
impressas em nossas vidas pela pandemia encontrarmos procedimentos coletivos para
instituir formas de perguntar, de buscar o desconhecido e de afirmar as possibilidades de
construção de novos roteiros em nossas pesquisas em educação. Dessa forma, os textos
aqui reunidos trazem reflexões importantes ao afirmarem que há um lugar coletivo a ser
ocupado pelos sujeitos, mesmo considerando que, de uma forma ou de outra, ainda há um
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longo caminho na efetiva presença das políticas públicas em suas vidas, tais escritos trazem
muito mais que possibilidades de “entender” o que é a criança, a diferença e a inclusão
em suas formas de vida. Reúnem-se aqui escritas que tornam vivo e vibrante um debate,
que não busca respostas, mas, sobretudo, indica um movimento contínuo de perguntas,
tão importantes para que, em Alagoas, num esforço de pensar as/os diferentes, possamos
compor pensamentos, ideias, que transgridam o nosso olhar.
Por fim, ao pensar na singularidade que cada autor em seu texto imprime, colocamo-
nos numa posição de permissão para que cada texto diga o que quer falar por si só, anuncie
os seus caminhos e aponte a potência que há em sua autoria. Gostaríamos ainda de ressaltar
que a beleza de pesquisar não se resume a descrever ou enumerar as questões observadas,
mas refletir como elas nos afetam. Desse modo, Foucault, (1996, p.26) ajuda-nos a pensar
quando afirma: “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de seu retorno”.
Assim, convidamos nossos leitores e leitoras a olhar de forma atenta e problematizadora
essa construção, no sentido de instituir diálogos, ampliar sentidos e instaurar outras
relações com os sujeitos que compuseram conosco essas análises. Finalizamos assinalando
que: “Uma palavra resolveu sair para passear. Assim que pisou na calçada percebeu que
o passeio não era livre nem despretensioso. No momento em que respirou o ar da rua, se
deu conta de que estava presa a um começo e de que era, ela mesma, o começo de uma
história” (JAFF, 2016, s/p)). Portanto, para nós, essa obra é o [s] começo [s] de uma história
de descobertas, partilhas de saberes e de outros começos.
11
1
(¹)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6089-8110 Graduada em pedagogia pela Universidade Estadual de
Alagoas, docente da educação básica.
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0291-2786 docente da Universidade Estadual de Alagoas, Campus
II - mestra em Educação (UFAL) e doutoranda em Educação pela UFRGS, Brazil, socorro.macedo@uneal.
edu.br.
ABSTRACT: The study aims to comprehend how the children’s literature is approached in the teaching
practices of early childhood education, first and second year of elementary school, in a public countryside
school at the outback of Alagoas, in the attempt to intending the interfaces between contemporane conceptions
of childhood, child as a subject of rights, and the children’s literature, thinking it as an important artifact
for the childhood subjectivity. The research is born out of a teacher’s concern, in a process of initial training,
which is materialized in the investigation of the undergraduate thesis of the pedagogy course. The qualitative
approach will be our guide in the construction of this view, having elements as the bibliographic, documentary,
and field research. We will work with observations, field journaling, and semistructured interviews with four
teachers, in a two months period, having two visits in a school per week, understood as two days a week. The
theoretical discussions came from authors like Cademartori (1987), Lajolo and Zilberman (1999), Abramovich
(2006), Kaercher (2011), among others. The research findings show a gap of the understanding and role of
children’s literature, as a powerful tool of teaching practices in the [de]construction of a timeless childhood
view. Paradoxically, the research also shows us the lonely challenges confronted by the teachers, in the attempt
of working with children’s literature in a countryside crossed by complex inequalities with regard to social and
educational aspects.
INTRODUÇÃO
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap1
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A escolha pela passagem anterior tem o intuito de sensibilizar o nosso modo de pensar
acerca da literatura infantil, seus usos nos diferentes tempos e espaços e como ela vem
assumindo modos de (re) existirem junto às crianças e suas infâncias. Assim, nesse primeiro
momento, nos propomos compreender as tramas entre infância e a literatura construída
historicamente para atender o público infantil.
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Na perspectiva de buscar uma literatura que fosse adequada às crianças e aos jovens
e que, ao mesmo tempo, ampliasse as leituras para além dos clássicos, algumas adaptações
surgiram a partir de textos de caráter folclórico, contos de fadas e de outras narrativas que
puderam envolver a cultura de massa. Cunha (1997, p.23) afirma que: “Em cada país, além dessa
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literatura tornada universal, vão aos poucos surgindo propostas diferentes de obras literárias
infantis”. Entre os autores mais importantes, podemos citar Charles Dickens e Ferenc Molnar.
No Brasil, por volta da metade do século XIX, a literatura infantil passou a assumir
uma perspectiva ajustada aos critérios de produção/consumo de obras. Com a implantação
da Imprensa Régia, em 1808, deu-se início à publicação dos primeiros livros para as crianças.
Zilberman e Lajolo (1986) consideram que tais publicações eram esporádicas e insuficientes
para caracterizar uma produção literária brasileira, pois seu caráter era irregular e não
atendia à infância naquele momento da vivida Monarquia.
Somente com a Proclamação da República, passa-se a considerar que houve a
implantação e expansão de uma literatura infantil, como consequência do modelo econômico
em desenvolvimento, suas relações internacionais e as mudanças culturais necessárias à
implantação social e política dele. Como tal, o consumidor infantil passou a ser visto e a escola
assumiu papel enquanto instituição formadora, na construção de narrativas que adaptassem
esse homem rural considerado “inculto e subdesenvolvido” ao tão sonhado mundo industrial
e urbano, onde passou a servir aos interesses de uma burguesia em ascensão. Para celebrar,
foi publicada, em 1905, a revista Tico-Tico com o intuito de atender as diferentes faixas
etárias, inclusive com uma linguagem acessível à infância.
Naquele momento, as produções configuravam-se em adaptações e traduções de obras
europeias, sobremaneira nas de origem portuguesa, percebendo-se, claramente, o enfoque
didático pedagógico. Lajolo e Zilberman (1999) reforçam que a produção literária voltada à infância
representava um expressivo número. Entretanto, no Brasil, houve um retardo considerável,
quando na Europa já havia um sólido acervo com características didático-pedagógicas, aqui as
primeiras obras eram lançadas, visto que “[...] a apropriação brasileira de um projeto educativo
e ideológico que via no texto infantil e na escola (e, principalmente, em ambos superpostos)
aliados imprescindíveis para a formação de cidadãos” (LAJOLO e ZILBERMAN, 1999, p. 32).
No final do século XIX, surgiram as primeiras produções nacionais para o público
infantil. Elas representam um marco na literatura brasileira e, com Monteiro Lobato- século
XX- tais publicações ganharam força. Cademartori (1987, p.51) afirma que:
Monteiro Lobato cria, entre nós, uma estética da literatura infantil, sua obra
constituindo-se no grande padrão do texto literário destinado à criança. Sua obra
estimula o leitor a ver a realidade através de conceitos próprios. Apresenta uma
interpretação da realidade nacional nos seus aspectos social, político, econômico,
cultural, mas deixa sempre, espaço para a interlocução com o destinatário.
Diante de tais alegações, Lobato passou a figurar como o precursor de uma forma
de escrita que assume a ludicidade e a exploração do imaginário infantil como formas de
ampliação do conhecimento de mundo por parte das crianças. Estimulou, assim, o senso
crítico do leitor, ao mesmo tempo em que realizou a façanha de abrir possibilidades para
que, nas próximas décadas, uma literatura voltada ao mundo da infância se consolidasse.
Portanto, deixou um legado importante como escritor que modificou a maneira de escrever
para a infância no Brasil.
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Para Coelho (2000), a literatura infantil no Brasil como no mundo apresenta sua
produção em uma íntima relação com as práticas sociais de cada época. Já que se coloca
como um fenômeno da linguagem, resultante de uma experiência existencial, social, cultural.
A autora considera que:
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existentes entre essa literatura e o conjunto de enunciados que podem disparar os processos
de aprendizagens dos sujeitos. Colocamo-nos aqui em defesa do uso desse gênero textual
na escola, no entanto ainda apontamos um outro componente fundamental ao debate: a
compreensão docente acerca do papel da literatura na construção do sujeito infantil.
O que usar? Como usar? Que discursos estão presentes no texto? Enfim, o docente e sua
capacidade critico- pedagógica de trabalhar com textos que, por vezes, são compreendidos
como dissociados da/para realidade, um universo paralelo?
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às preferências das crianças em relação à leitura e que traga para esse espaço estratégias
e técnicas estimulantes: contação de histórias utilizando fantoches, dramatizações, varal
para fixar figuras, desenhos produzidos pelas crianças, imagens e o livro como suporte de
contação. Vale salientar a importância de oportunizar às crianças a criação e desenvolvimento
dos enredos, dando- lhes maior segurança em seus argumentos e ampliando seu repertório
frente às leituras.
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coisas mais atrativas.” “Moro na cidade, é distante... as vans vêm lotadas...”. Percebemos
o esforço da professora em mobilizar as crianças, no entanto, as dificuldades são reais em
relação à montagem de um ambiente lúdico na escola, visto que não seria só da professora
essa responsabilidade, a gestão municipal teria que garantir condições de trabalho aos
docentes da educação infantil e anos iniciais, ficando mais complexo no espaço rural. Lajolo
(2002) lembra que o momento da contação de histórias ou da leitura com qualidade faz a
criança percorrer vários lugares que sua imaginação permite. Neste sentido, a professora
do segundo ano em outro momento relata um sonho: “Tenho um sonho de ter na escola
várias roupas, fantasias, para que as crianças possam dramatizar!” “Já trabalhei
com uma caixa de leituras, mas são muitas as dificuldades e responsabilidades para o
professor que vive sozinho”.
Por fim, elas reconhecem que todas as formas de estar junto às crianças nos momentos
de construção do letramento literário são importantes, mas que a formação nos espaços
acadêmicos não favoreceu a compreensão da relação literatura infantil e infância, bem
como os desdobramentos dessa proposta. Outro fator limitador à construção de práticas
que atendam as crianças em relação ao seu letramento literário é a inexistência de títulos
apropriados às variadas faixas etárias presentes na escola, já que são crianças de seis a 10
anos, que não se sentem motivadas por livros com enredos que não lhes tragam significados.
Algumas contribuições ainda podem ser ditas no sentido de nos fazer pensar na relação
das crianças, suas infâncias e a literatura infantil, que se acham circunscritas às dimensões
do poder exercido em uma sociedade adultocêntrica, que estrutura os “saberes” e “fazeres”
considerados adequados às crianças. Portanto, na perspectiva de fazer emergir metodologias
que priorizem a escuta das crianças, permitindo, assim, que esses modos de pensar o mundo
sejam espraidos por diferentes vetores a serviço de uma literatura capaz de atender aos
territórios culturais nos quais as infâncias estão inseridas, promovendo um encontro possível
entre a infância e a adultez.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, ao enfocar a relação entre literatura infantil e infância como espaço
investigativo, concluimos que, na sociedade ocidental, fundada em regimes de verdades
adultocêntricos, a literatura para as crianças chega predominantemente na escola revestida
de uma concepção de infância dependente, romantizada, silenciada e descontextualizada.
Um processo de construção dinâmico e contínuo que visa promover o apagamento dos
modos como as crianças criam e recriam sua existência entre os adultos e seus pares. Os
livros ainda chegam às escolas preponderantemente através dos chamados “contos de fadas”,
reforçadores de uma concepção de mundo que pensa a infância de maneira atemporal.
Narrativas secularmente produzidas no intuito de dar corpo a uma infância e a uma criança
subsumidas nas projeções do adulto.
Neste sentido, a formação docente coloca-se como elemento fundamental à subversão
dos modos estereotipados de lidar com as crianças, as infâncias e as aprendizagens
que constroem na relação com os adultos e seus pares. Se olharmos na perspectiva dos
direitos fundamentais das crianças, os documentos mandatórios apontam uma docência
instrumentalizada na dimensão teórica, didática e metodológica, requerendo desse
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SP: Moderna, 1991.
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Paulo: Ática,1999
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Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013.
15. LAJOLO, Marisa. ZILBERMAN, Regina. Um Brasil para Crianças: Para conhecer a
Literatura Infantil brasileira: Histórias, autores e textos. São Paulo: Global ed., 1985.
29
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16. ______. Literatura Infantil brasileira: Histórias e Histórias. 6.ed. São Paulo: Ática, 1999.
18. OLIVEIRA, Maria Alexandre de. Dinâmicas em literatura infantil. São Paulo:
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temáticas. In: PAIVA, Aparecida; e SOARES; Magda (orgs.). Literatura Infantil: políticas e
concepções. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
20. PAULINO, G.; COSSON, R. Letramento Literário: para viver a literatura dentro e
fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; RÖSING, T. M. K. Escola e leitura: velha crise, novas
alternativas. São Paulo: Global, 2009, p. 61-79
22. SANDRONI, C. Laura; MACHADO, Luiz Raul. A criança e o livro: guia prático de
estímulo à leitura. 4 ed. São Paulo: Ática, 1998.
23. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2.ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 1998.
30
2
ABSTRACT: This article focuses on the impacts of the Covid-19 pandemic on education and school
inclusion. By definition, children with disabilities, especially with regard to the way schools, teachers and
parents are organizing themselves to meet the target audience of special education. Thus, the question
that guides the study is: What are the impacts caused by the pandemic on education and school inclusion
of children with disabilities? Therefore, this research, originating from an ongoing PIBIC project, financed
by the Foundation for the Support of Research of the State of Alagoas (FAPEAL), aims to problematize and
intend the impacts of the pandemic on the schooling process of children with disabilities. For this, a qualitative
approach was chosen, through bibliographic, documentary and field research. Data collection was carried out
through document analysis and semi-structured interviews with 08 participants, 04 teachers and 04 parents
of children with disabilities from public and private schools in the municipalities of Maceió, Arapiraca and
in adjacent municipalities in rural Alagoas. The reflections were raised from the contribution of the studies
of Castro; Almeida (2014); Costa; Oliveira (2019); Gatti (2020), Lima; Bernardes (2020); Martins (2020);
Plaisance (2015; 2018), among others. The partial results of this research reveal the challenges of teachers
in the use of technological tools, as well as the difficulties in readapting pedagogical content so that students
with disabilities can have access to classes; and, still, the impasses that both teachers and parents are facing
to make children focus for a long time in remote classes. Thus, we partially concluded that both the school
and the family need to resize their roles in view of the impacts that the new routines of study, work and social
relationships are happening on the lives of children with disabilities.
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INTRODUÇÃO
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REFERENCIAL TEÓRICO
Essa nova realidade educacional está gerando grandes desafios para professores, bem
como para pais e alunos dos diversos níveis de ensino, uma vez que:
Nesse contexto, o que dizer da educação das pessoas com deficiência em tempos
de pandemia? Como elas estão sendo consideradas em meio às aulas remotas? Como os pais
e as escolas estão fazendo para inseri-los na nova dinâmica que se impõe na atualidade?
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Isso acontece porque, ao longo dos tempos, a educação especial foi estabelecida
sobre a cultura da separação, considerando certas crianças como fora da porção comum
ou mesmo “ineducáveis”, tendo, portanto, de frequentar instituições separadas (classes ou
estabelecimentos especiais). O próprio postulado da educabilidade de todos, inclusive das
crianças com deficiência, teve dificuldades em tomar espaço, e isso até por volta dos anos
1970, em vários países europeus. Os tipos de ação educativa também foram progressivamente
reformulados além do “especial” em termos de integração e, principalmente a partir dos anos
2000, em termos de inclusão. A mudança da educação integrativa para a educação inclusiva
não é apenas um efeito da retórica modernista, pois introduz uma nova visão da adaptação:
não mais uma adaptação das crianças às estruturas existentes, mas, ao contrário, das
instituições educativas à diversidade de crianças, o que implica transformações em termos
de acolhida e currículo para que algumas delas não se tornem “excluídos do interior”. Neste
sentido, a vigilância continua sendo indispensável por parte dos profissionais da educação
para que sempre saibam eliminar, em suas práticas, os obstáculos que ainda persistam
contra a participação de todos nos espaços comuns de vida. (PLAISANCE, 2015).
Com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008) e os documentos subsequentes4, o Brasil assumiu essas questões em sua
agenda política pela primeira vez. Os índices de matrícula nos diferentes níveis e etapas
educacionais são significativos; os recursos de apoio à escolarização tornaram-se pauta
nas formações continuadas, acompanhados da implementação de salas de atendimento
Decreto nº 7.611, 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a Educação Especial, o Atendimento Educacional
4
Especializado; Resolução CNE/ CEB n 4, de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Básica; Decreto Federal nº 9.034 de 20 de abril de 2017; que dispõe sobre o ingresso
nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio; lei nº 13.005, de 25 de
junho de 2014. Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2024; Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015
que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência),
dentre outros.
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Interessa focar o quanto aquilo que hoje é lido como resistência ou desafio perante
a inclusão em escolas comuns é fruto de um processo histórico, em que as pessoas com
deficiência ainda são entendidas como ineducáveis e enfrentam barreiras de toda ordem
quando adentram nas nossas escolas, principalmente as barreiras atitudinais definidas como
“aquelas oriundas das atitudes das pessoas diante da deficiência apresentada pelo indivíduo
como consequência da falta de informação e do preconceito, o que acaba resultando em
discriminação, mais preconceito e, por consequência, a exclusão”. (CASTRO; ALMEIDA,
2014, p.184).
Assim, não parece mais possível discutir hoje a pandemia que atravessamos sem levar
em conta as múltiplas desigualdades que ainda nos marcam e, dentre essas desigualdades,
podemos citar as que envolvem as pessoas com deficiência. Ou pensamos nisso agora ou
liquidaremos de vez a ideia de que toda vida humana importa. Não há economia para quem
está morto – indicativo da irredutível importância da vida e de que a economia não deve ser
nem autônoma nem autorregulada, cogumelo que do dia para a noite brota no gramado.
Hannah Arendt6 indica-nos um caminho: o que faremos para que, por meio da reflexão e
do pensamento, comecemos de novo, comecemos o novo? Que não se comece mais uma vez
pela via da desigualdade é o mínimo que esperamos nesse momento. (MAUTONE, 2020).
Gatti apresenta outro importante questionamento: “com quanto de compreensão
ampla do bem comum, do bem público e do bem-estar social, bem como de formas de
cooperação poderemos contar?” (2020, p.30). Que não se precise de mais uma catástrofe
para perceber o quanto nossas diferenças são insignificantes e o quanto (re)pensar as
características básicas de nossas sociedades e escolas nunca foi tão urgentes.
5
É um serviço da educação especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade,
que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas.
(SEESP/MEC, 2008).
6
Filósofa e teórica política contemporânea. Judia nascida na Alemanha, Suas principais obras são “As Origens
do Totalitarismo”, “Eichmann em Jerusalém”, “Entre o Passado e o futuro” e “A Condição Humana”.
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METODOLOGIA
Para alcançar os objetivos elencados para esta pesquisa, optamos por uma abordagem
qualitativa, pelas vias da pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Para Silveira;
Córdova (2009), a abordagem qualitativa busca explicar o porquê das coisas, exprimindo o
que convém ser feito, mas não quantifica os valores e as trocas simbólicas, nem se submete
à prova de fatos, pois os dados analisados são não-métricos (suscitados e de interação) e
valem-se de diferentes abordagens. A pesquisa documental, por sua vez, é aquela em que
os dados obtidos são estritamente provenientes de documentos, com o objetivo de extrair
informações contidas neles, a fim de compreender um fenômeno; é um procedimento que
utiliza métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais
variados tipos (FLICK, 2009).
A pesquisa tem como proposta ouvir, inicialmente oito participantes, sendo quatro
professoras e quatro pais de crianças com deficiência oriundas de escolas públicas e
privadas do município das cidades de Maceió, Arapiraca e municípios adjacentes do agreste
alagoano. A intenção era que a escuta desses participantes fosse realizada por meio de uma
entrevista semiestruturada, uma vez que, conforme Vieira (2009), a entrevista é um meio
de levantamento de dados, que é feita por um entrevistador, que pode ser o pesquisador
principal, ou por grupos de entrevistadores, treinados pelo pesquisador principal, ou por
toda a equipe. As entrevistas buscam revelar opiniões, atitudes, ideias, juízos.
Contudo, em função da pandemia e seus desdobramentos, utilizamos, como
instrumento metodológico, um questionário on-line através da plataforma Google Forms,
com dez perguntas de cunho subjetivo acerca de como estão ocorrendo as aulas remotas.
Nesse primeiro momento, participaram voluntariamente da pesquisa quatro pais e quatro
professoras de crianças com deficiência.
Na construção e reflexão do campo empírico, levantamos alguns questionamentos
com os quais abordamos a temática em discussão. Entretanto, embora o encontro com o
empírico conte com algo delineado, queremos guardar a abertura necessária para que, ao
finalizarmos a pesquisa, possamos fazer uma análise sobre o tema pesquisado, observando
o que surgirá nesse campo emergente que se apresenta no cenário nacional e internacional.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Com esse relato, compreendemos, assim como Guizzo; Marcello; Muller (2020, p.
08), que:
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Do ponto de vista dos pais dos alunos com deficiência, os entrevistados reconhecem
que as professoras são prestativas e dedicadas, porém as dificuldades dos alunos em
manter a atenção por um longo período de tempo dificulta seu desenvolvimento: Uma
mãe afirma: “fica disperso, é difícil manter o foco” e outra acrescenta: “Logo no começo ele
gostou, depois viu que a aula estava cansativa e sente por não está perto da tia”.
Essa nova forma de “levar” a escola até o aluno está sendo desafiadora para todos os
envolvidos; para os professores, que, em tempo recorde, tiveram que reinventar o seu plano
de aula, aventurando-se em um universo desconhecido para muitos, o ensino à distância
e novas tecnologias; para os responsáveis, que, em meio a um turbilhão de atividades e
preocupações, estão assumindo o papel de tutores e educadores de seus filhos. Muitos não
fazem ideia do que fazer, estão completamente perdidos. E, por sua vez, os estudantes, que
foram separados de seus colegas de turma, afastados de suas rotinas, estão se vendo em um
novo mundo (MACHADO, 2020).
Para os pais, o corpo docente está sendo prestativo e agindo de forma positiva para a
inclusão de todos os alunos. Uma mãe entrevistada afirma que a professora está “[...] sempre
incentivando e ensinando de formas diferentes que chama atenção dos alunos para estudar”.
(MÃE 2, 2020).
De um modo geral, todos os pais entrevistados mostraram-se satisfeitos com a
organização e estratégias dos docentes, com a forma com que os docentes estão ministrando
as aulas, porém admitem que os impactos da pandemia na vida escolar de seus filhos são
evidentes: “Não tivemos déficits de aprendizado, pois continuamos estudando os conteúdos
em casa, mas tivemos uma grande perda nas habilidades sociais”. (MÃE 3). Porém, outra
mãe relata: “Acho que as crianças estão mais estressadas em casa, o convívio no dia a dia
está sendo muito difícil.” (MÃE 4, 2020).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Optamos por trazer esta temática por entendermos que falar sobre as crianças com
deficiência nesse contexto é muito importante, mas reconhecemos a escassez das pesquisas
que tratem da pandemia e seus efeitos para o público alvo da educação especial, até porque
os estudos estão apenas começando. Contudo, considerando a situação de desigualdade e
vulnerabilidade que essas crianças vivenciam cotidianamente são necessárias discussões
nessa área, no intuito de divulgar e fomentar estudos futuros.
Ainda que a pesquisa apresente dados parciais, registramos o quanto a pandemia e,
consequentemente, o isolamento social que ela exige deram origem a um deslocamento e a
uma reinvenção dos espaços escolares, nos quais o ensino domiciliar, mediado por recursos
digitais, faz-se agora decisivo. Nesse novo cotidiano, professoras, crianças e responsáveis
precisarão (re)ogarnizar o trabalho pedagógico.
Dito isso, concluímos que tanto a escola quanto a família precisam redimensionar
seus papéis frente aos impactos que as novas rotinas de estudo, trabalho e relações sociais
estão provocando na vida de todas as crianças, e em especial das que apresentam deficiência,
nesse momento de pandemia.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa não teria acontecido sem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Alagoas (FAPEAL), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica
(PIBIC) da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL).
REFERÊNCIAS
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10. MARTINS. João Rodrigo Vedovato. Educação como lócus da Luta de classes na
pandemia. In: SOARES, Sávia Bona Vasconcelos. (Org.). Coronavírus, educação e luta de
classes no Brasil. Editora Terra Sem Amos: Brasil, 2020. p. 15-20.
12. MENDES, Enicéia Gonçalves; VILARONGA, Carla Ariela Rios.; ZERBATO, Ana Paula
(Orgs). Ensino colaborativo como apoio à inclusão escolar. São Carlos, SP: EdUFSCAR, 2014.
14. PLAISANCE, Eric. “Não estamos preparados para isso!” – educação inclusiva e
formação de professores. In: VOLTOLINI. Rinaldo (Org.). Psicanálise e formação de
professores: antiformação docente. 1. ed. São Paulo: Zagodoni, 2018. p. 111-124.
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16. SILVEIRA, Denise Tolfo; CÓRDOVA, Fernanda Peixoto. A pesquisa científica. In:
GERHARD, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Org.). Métodos de pesquisa. Porto
Alegre: Editora UFRGS, 2009. p. 31-42.
17. VIEIRA, Sonia. Como elaborar questionários. São Paulo: Atlas. 2009.
42
3
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4954, Doutora em Educação e Professora Adjunta da Universidade
Estadual de Alagoas. Email: [email protected]
ABSTRACT: The following text is part of a closing lecture given on September 4, 2020 at a session called
GT 16: Childhood, children, diversity and inclusion perspectives of the X Scientific Cultural Meeting (ENCCULT
– online), in which we sought to make some problematizations about the relationship between childhood
and citizenship education, presenting the challenges that are placed in the contemporary regarding the
understanding of children as active, affirmative and subjects with their own rights. For this, we emphasize that
childhood is a category that historically arises in modernity. This fact helps us to understand its protagonism in
public policy, since there was no existence of childhood in previous centuries – children were seen as “miniature
adults”. Our duty at this time of COVID-19 pandemic, which has already victimized more than 180 thousand
people in Brazil, and with a far-right, authoritarian, obscurantist, conservative and ultraliberal government in
power is to point out the problems of citizenship education and possibilities of resistance.
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap3
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Primeiras palavras
Iniciamos partindo de Sarmento (2001), quando afirma que sempre houve crianças,
mas não a infância, com suas características identitárias e aspectos geracionais, sendo esse
conceito de infância entendido como um projeto inacabado da modernidade.
A construção da infância no Brasil e sua história têm sido marcadas pelo signo de
uma infância, muitas vezes, atemporal, ingênua e dependente. Algumas dessas significações
de infância estão tão naturalizadas em todos nós, que não conseguimos problematizar os
discursos que a produzem desse modo. (DORNELLES, 2011).
A história das infâncias sempre colocou as crianças a partir de aspectos de
negatividade, como sem linguagem, sem cultura. E essa marca trouxe implicações na
construção da infância.
Neste sentido, percebermos a presença das crianças desde o processo de colonização
brasileira, onde reafirmamos que sempre existiram as crianças, mas não as infâncias, sendo
que estas são uma invenção da modernidade.
O Brasil Colônia foi marcado pela invisibilidade da criança e, consequentemente,
a negação da infância. Para Silveira Faleiros (2011), o Brasil Colônia foi um período de
desvalorização da criança, inclusive de sua existência e vida. As crianças e adolescentes
escravos eram considerados mercadorias e sua mão-de-obra explorada.
Durante o período da escravatura, as crianças escravizadas eram invisibilizadas e
animalizadas. Corroborando com a discussão, ainda Silveira Faleiros (2011) pontua que
a escravidão negra, da qual lançaram mão os portugueses, formou e modelou as relações
econômicas e sociais naquele período, bem como as políticas referentes à infância e
adolescência, cuja influência fez-se sentir na história da atenção a essa população no Brasil.
A sociedade brasileira é marcada por um racismo estrutural, segundo o que diz
Silvio de Almeida (2018), sendo o sustentáculo para as desigualdades sociais, econômicas e
educacionais. E ao analisarmos a sociedade alagoana, deparamo-nos ainda com as relações
de coronelismo e mandonismo, que nos marcam profundamente.
No início da República, a infância era vista como um perigo social, principalmente
a infância pobre. A criança pobre era vista como um delinquente em potencial, marginal,
representando perigo à sociedade e o Estado deveria atendê-la.
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REFERÊNCIAS
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Letramento, 2018.
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cyber. 3 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
10. SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do pensamento abissal: das linhas globais
a uma ecologia de saberes. Novos Estudos, CEBRAP, nº 79, novembro de 2007, p. 71-94.
Disponível in: https://www.scielo.br/pdf/nec/n79/04.pdf. Acesso em 01 de setembro de
2020.
49
4
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2623-4430 Docente do Departamento de Educação Física e do
Programa de Pós-Graduação em Educação; Universidade Federal de Viçosa (UFV); Viçosa - MG; soraya.
[email protected];
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3241-1712 Graduada em Educação Física – Licenciatura; Universidade
Federal de Alagoas (UFAL); Maceió – AL; [email protected];
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8192-7996 Mestranda em Educação; UFAL; Maceió – Alagoas;
[email protected]
(4)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1913-4784 Docente do Instituto de Educação Física e Esporte e do
Programa de Pós-Graduação em Educação; UFAL; Maceió – AL; [email protected]
ABSTRACT: The study aimed to analyze the collaborative counselling and self-confrontation used in a
collaborative research as mediators of new knowledge and teaching practices for educational inclusion. It is
a qualitative research, in which took part: a university professor, three collaborative consultants, a PROCAD
researcher, a deaf student and a Libras interpreter. The instruments used were participant observation, self-
confrontation and collaborative counselling. For data analysis, content analysis was used. The results showed
that the strategies carried out by the teacher came from the orientations she received during the research
process. It is believed that upon receiving these guidelines, the teacher rebuilding her knowledge about the
deaf student’s learning, which was fundamental to change her teaching methodology in her classes.
INTRODUÇÃO
Ter uma prática pedagógica que oportunize a todos os alunos a participação nas ativi-
dades acadêmicas e, consequentemente, a aprendizagem constitui-se uma das demandas do
processo inclusivo. Porém, muitos docentes apresentam dificuldades para a sua efetivação,
seja pelas barreiras atitudinais e/ou pela falta de uma formação. Especificamente, quando
se trata da inclusão de alunos com deficiência, é vasta a literatura (PRAIS; ROSA, 2017; BA-
ZON, et al, 2018) que demonstra que a formação docente deixa muito a desejar.
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atividade de trabalho por meio de vídeo (CLOT, 2007). Também foi empregada a ACC, que
se constitui em “[...] tornar o trabalho um objeto do pensamento. É um método centrado
numa perspectiva reflexiva, isto é, propõe-se uma atividade de reflexão sobre a atividade
habitual de trabalho” (SANTOS, 2006, p. 38).
Clot (2007, p. 135) postula que a ACS “é na verdade orientada por um pesquisador,
[...] trata-se de uma atividade em si em que o trabalhador descreve sua situação de trabalho
para o pesquisador”. Assim, quando o docente vê-se diante das imagens, verbaliza sobre sua
atuação e, ao mesmo tempo, reflete quanto às possibilidades, pensando em mudanças na
sua atividade.
A ACC “trata-se de uma atividade dirigida [...] em que a linguagem, longe de ser para
o sujeito apenas um meio de explicar aquilo que ele faz ou aquilo que se vê, torna-se um
meio de levar o outro a pensar, a sentir e a agir sendo a perspectiva do sujeito” (idem, p.
135). Clot (2007, p. 140) afirma que, na ACC, “a ação do especialista em resposta à ação do
sujeito é decisiva na produção de descrições do trabalho. Ela circunscreve, ainda que sem
o saber ou o querer, as possibilidades que o sujeito mantém ou não na apresentação de sua
ação”. Dessa maneira, a mediação da especialista pode provocar mudanças e internalização
de novas formas de agir do docente que passa por esse processo de ACC.
O processo de produção de dados durou três meses e dezesseis dias, sendo antecedido
pela aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de
Alagoas – protocolo n.º 439.400.
Durante esse período, ocorreram a consultoria colaborativa e a discussão de alguns
episódios acontecidos em sala de aula, principalmente aqueles em que Lilli não soube
lidar com as necessidades educacionais do aluno Luan. Com isso, a consultoria focou em
orientações didático-pedagógicas à professora, na perspectiva de contribuir com sua prática
inclusiva. Em cada sessão, estavam presentes a professora universitária, o/a consultor/a
colaborativo/a e a pesquisadora do PROCAD. Também ao final de cada aula, a pesquisadora
do PROCAD tecia algumas sugestões à professora com o propósito de colaborar com a
autonomia e aprendizagem do estudante surdo. Vale salientar que todo o processo de
consultoria foi filmado e, posteriormente, transcrito fielmente para análise.
Aconteceram também sessões de autoconfrontação. Na ACS, a professora universitária
analisou sua atuação docente ao assistir aos episódios de sua aula em vídeo. Clot (2007,
p. 141) pondera que “ao se transformar em linguagem, as atividades se reorganizam e se
modificam”. Na ACC, a professora foi conduzida a assistir aos episódios de suas aulas com a
especialista Maria, que tecia comentários sobre eles, com o intuito de fomentar o processo
reflexivo. A pesquisadora do PROCAD também estava presente, participando de ambos os
processos de reflexão.
Os dados produzidos foram analisados com base na análise de conteúdo, que, segundo
Bardin (2011):
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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[...] você [professora] tem uma figura mesmo do corpo humano lá, para que
ele [surdo] possa apontar, sem precisar fazer a datilologia de toda parte da
musculatura e que tenha também os nomes (Consultora Ana).
[...] colocar mais figuras nos slides [...] e exemplos mais concretos
(Pesquisadora do PROCAD).
[...] [usa] recurso imagético. A importância de estar comunicando com todos,
utilizando as expressões, o máximo possível (Consultor João).
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Nessa mesma ótica, Aguiar e Ozella (2013) enriquecem a discussão com suas contribuições:
Para sintetizar, podemos afirmar que, por meio da mediação, ocorre, no espaço
interpsicológico, a constituição humana e, portanto, acontecem novas aprendizagens e a
transformação da realidade.
Notamos ainda que, a partir das mediações ocorridas na consultoria colaborativa, a
professora modificou aspectos de sua prática pedagógica e considerou as particularidades do
aluno surdo. Desse modo, passou a incluir a demonstração da posição correta para montar
na bicicleta a partir de figuras projetadas nos slides. Além de fazer referência às figuras (que
representam a percepção de esforço) colocadas na parede da sala, também apontou para as
figuras, demonstrando cada método, entre outras estratégias e recursos que atendessem a
todos, inclusive ao aluno surdo.
Ademais, destacamos que, na perspectiva da PSH, ao utilizar recursos pedagógicos
adaptados ou estrategicamente planejados como mediação para permitir a aprendizagem
da pessoa com deficiência, estamos propondo uma educação emancipatória, pautada nas
potencialidades do sujeito e não no seu defeito biológico.
Em seus estudos, Dainez e Smolka (2014, p. 1097) afirmam que Vigotsky defende “uma
instrução orientada para o potencial de desenvolvimento das funções humanas complexas
(atenção voluntária e orientada, memória mediada, percepção verbalizada, trabalho de
imaginação, pensamento generalizado, nomeação e conceptualização do mundo)”. Isto
posto, compartilhamos a ideia que, independentemente de o sujeito ter deficiência ou não, a
aprendizagem deve ser focada nas funções psicológicas superiores e, para isso, as condições
de acessibilidade devem ser oferecidas.
No caso específico do estudante surdo, os recursos visuais a serem utilizados pela
docente configuram-se em importantes elementos da metodologia de ensino, como defendem
Rodrigues e Quadros (2015):
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na perspectiva da formação docente para uma prática inclusiva, foi notório que a
consultoria colaborativa e a autoconfrontação são ferramentas capazes de engendrar novos
processos subjetivos, os quais desencadeiam mudanças de saberes, além de fomentar
práticas como novas estratégias que favorecem a aprendizagem do estudante surdo.
A parceria entre consultores, pesquisadora e professora participante trouxe
contribuições de vários aspectos para a docente, a qual ressignificou sua prática e incluiu
recursos pedagógicos para que o estudante surdo pudesse participar das aulas ativamente.
Também acreditamos que tenha trazido contribuições para os consultores, ainda que não
tenhamos nos debruçado para analisar esse processo.
Observamos que o processo de mediação ocorrido e promovido na/pela consultoria
colaborativa trouxe elementos que promoveram uma prática docente inclusiva, uma vez que
ampliaram as possibilidades de aprendizagem do aluno surdo e de seus colegas.
Por fim, entendemos que a formação continuada é uma questão central na atividade
pedagógica, principalmente quando se trata de inclusão de alunos com deficiência, sendo
um direito dos professores e um dever dos órgãos empregador
REFERÊNCIAS
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reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/search/h?simpleQuery=Inclus%C3%A3o+de+alun
os+com+surdez+na+educa%C3%A7%C3%A3o+f%C3%ADsica+escolar&searchField=que
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5. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 1ª ed. São Paulo: Edições 70, 2011.
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www.scielo.br/pdf/ep/v44/1517-9702-ep-44-e176672.pdf>. Acesso em: 15 jun 2019.
10. DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu. Pesquisa social: teoria, método e
criatividade; Maria Cecília Minayo (organizadora). 33 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
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com paralisia cerebral: mediações de um processo colaborativo. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal de Alagoas. Centro de Educação. Maceió, 2019.
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15. LIMA, Eliane Cristina Moraes de; SANTOS, Soraya Dayanna Guimarães; FUMES,
Neiza de Lourdes Frederico. Inclusão na Educação Superior: sentidos produzidos por uma
professora do curso de graduação em Educação Física In: VII Congresso Brasileiro de
Educação Especial e X Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação
Especial, 2016, São Carlos. 2016. v.1. p.1 - 15. Disponível em < https://proceedings.
science/cbee/cbee7/papers/inclusao-na-educacao-superior--sentidos-produzidos-por-
uma-professora-do-curso-de-graduacao-em-educacao-fisica-> Acesso: 15 set 2020.
17. IBIAPINA, Ivana Maria Lopes de Melo; FERREIRA, Maria Solinilde. A pesquisa
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n. 12, jan./jun. 2005. p. 26 - 38.
18. MACHADO, Andrea Carla; ALMEIDA, Maria Amélia. Efeitos de uma proposta de
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v. 6, n. 18, p. 222-239, set./dez. 2014. Disponível em <http://revistas.cesgranrio.org.br/
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periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/19833/pdf>. Acesso em: 15 jun 2019.
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www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-65382014000300010&lang=pt>.
Acesso: 12 jun 2019.
63
5
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5626-5436, Pós-doutoramento em Educação e Culturas; Universidade
Nove de Julho (UNINOVE); São Paulo, SP; Brasil. [email protected].
ABSTRACT:This paper consists of notes about the relationship of children during Early Childhood
Education with Digital Technologies of Communication and Information - TDICs, including parameters on
the use of screens, the issue of digital natives, the difference between technological education and passive
distraction and some perceptions about the dialogicity in preschool considering the impact of technology.
Based on a bibliographic review and the official documentation that governs education at this level of education
in Brazil, a dialogue is built, based on the Freirian framework of education for autonomy and freedom, a
dialogue between the insertion of technologies in Early Childhood Education and its expressive existence in
the lives of children inside and outside school. As a conclusion, reflections are made about the current moment
of Brazilian Education and the need for greater incentive to a technological education in fact since the early
years of education.
INTRODUCÃO
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por habitante. Não há como, nesse cenário, imaginar a vida das crianças sem acesso às
tecnologias de comunicação e informação.
A Sociedade Brasileira de Pediatria também disponibiliza algumas diretrizes sobre o
uso de telas para crianças, tal qual a AAP. O documento Manual de Orientação #menostelas
#maissaude do Grupo Trabalho Saúde na Era Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria
(2019) também reitera a necessidade de atenção na relação entre crianças e TDICs, bem
como a importância de que os adultos mediadores dessas relações estabeleçam critérios e
estimulem as atividades interpessoais diretas, para que não sejam substituídas a todo tempo
por aquelas baseadas em tecnologia. Essas estratégias visam privilegiar o brincar para que
não se resuma a um brincar virtual. @@@
No Brasil, temos a legislação Marco Legal da Primeira Infância (BRASIL, 2016) que
reitera a promoção e formação da cultura de proteção e promoção da criança apoiada em
sua conectividade com a comunicação, refletindo a necessidade atual que se considere as
interações das crianças com a tecnologia já na idade pré-escolar.
A responsabilidade dos adultos sobre o acesso das crianças às mídias tecnológicas é
consenso em todos os documentos aqui apresentados (AAP, 2015; CSM, 2017; SBP, 2019),
bem como a importância do estabelecimento de limites quanto ao que se irá ter acesso e a
quanto tempo por dia este acesso deve durar. Tanto em ambiente familiar quanto escolar,
é primordial, para que haja educação tecnológica em segurança, que as crianças tenham
supervisão adequada quando acessam TDICs e, evidentemente, que haja atenção por parte de
cuidadores, tutores e educadores acerca do acesso a conteúdos adequados a cada faixa etária.
Os dados apresentados mostram-nos que a interação entre as crianças em idade pré-
escolar e tecnologias é um fato dado, cabendo à Educação Infantil incorporá-lo a fim de
consolidar-se como espaço de aprendizagem para autonomia e liberdade (FREIRE, 2011a).
Para além de todas as questões que envolvem as relações das crianças com as TDICs, em
especial no que diz respeito às telas, é importante considerarmos que todas as interações
midiáticas e tecnológicas podem converter-se em oportunidades de momentos educativos
(AAP, 2015), especialmente em ambiente escolar. Educadores devem aprender a exercer a
mediação entre as crianças e as mídias, ensinando-as sobre limites e alertando sobre riscos,
estando cientes dessa responsabilidade (SBP, 2019).
Entretanto, esbarramos em outra importante questão quando falamos sobre a
integração das tecnologias ao cotidiano da Educação Infantil: a diferença geracional entre
educadores e educandos que, num contexto de aproximação às tecnologias e compreensão
destas como parte integrante e indissociável da vida, pode tornar-se uma problemática de
grandes proporções.
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As exigências que a era digital trouxe à educação são inúmeras e, dentre elas,
possivelmente essa diferença geracional entre professores e professoras e seus alunos
e alunas na Educação Infantil é uma das maiores, merecendo atenção para possibilitar o
diálogo (FREIRE, 2011b) tão necessário a uma educação para a autonomia.
A transposição desse espaço que separa o mundo analógico do digital esbarra na
mudança de paradigmas na educação. A visão de mundo de professores e professoras inclusiva
à tecnologia torna-se determinante no sucesso dos processos de ensino-aprendizagem no
século XXI.
Do paradigma newtoniano-cartesiano, tradicional, que se traduz em docentes
transmitindo informação e alunos recebendo informação, num sistema bancário (FREIRE,
2011b), passamos a um paradigma sistêmico, em que alunos e alunas são vistos como seres
humanos completos e que se educam em comunhão a fim de entenderem-se sujeitos de suas
histórias (id.,ibid.), num cenário que é cercado por mídias digitais.
A mudança imprescindível no olhar sobre o mundo dos docentes imigrantes e nativos
digitais, para compreender a visão de mundo da Geração Alpha, implica, em grande parte,
a compreensão de que o uso das tecnologias não é necessariamente distanciamento do
mundo real. Ensinar a utilizar as TDICs de maneira adequada e segura é uma das funções da
educação tecnológica.
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A cada dia, a Educação Infantil ganha mais espaço nas discussões sobre educação
e nas políticas públicas, uma vez que sua importância é constantemente legitimada pelas
sociedades. Já sabemos que as crianças entendem o mundo que as cerca e que as crianças
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querem aprender a aprender por seus próprios caminhos. Entretanto, dadas as características
da contemporaneidade faz-se importante repensar as TDICs, inclusive enquanto ferramentas
de educação à distância, dentro dos espaços escolares destinados à primeira infância.
A inserção de dispositivos que permitam o uso de tecnologia na educação pré-escolar
confere coerência entre a vida escolar e a vida cotidiana das crianças. Coerência necessária
para que a escola torne-se extensão da vida. Quando falamos em uma escola dialógica no
século XXI, falamos de uma escola que incorpora as tecnologias, uma vez que a existência
destas e sua utilização não é dissociável da própria vida de alunas e alunos e estes, como
sujeitos históricos, só existem no hoje (FREIRE, 2011a).
Possibilitar autonomia, comunicação expressiva e liberdade para alunas e alunos da
Educação Infantil, como preconiza a BNCC (BRASIL, 2017), demanda a relação de alunos
e alunas com seu universo individual e coletivo, onde professores e professoras assumem
papéis de mediadores e monitores de práticas e interações virtuais, também trazidos pela
BNCC (id., ibid.), atuando no auxílio ao desenvolvimento integral das crianças.
O uso de telas pelas crianças de maneira autônoma, bem como de outras ferramentas
tecnológicas dentro de diretrizes responsavelmente estabelecidas pelos educadores permite
às crianças poder de escolha. Essa autonomia afronta o lugar do professor e da professora
como detentores do saber, que resolvem o que, como e quando se aprende (FREIRE, 2011b)
– mas este não é, todavia, o lugar dos educadores dialógicos, que sabem que aprendem ao
ensinar e ensinam ao aprender. É da libertação docente de padrões bancários de educação
que se inicia o processo de libertação discente em uma caminhada dialógica. Neste sentido,
devemos considerar que inovações tecnológicas impactam as condições históricas da
educação e que, nesse contexto, a mudança é uma exigência da natureza da prática educativa
que intenta a libertação (FREIRE, 2000).
Evidentemente, é fundamental que a Educação Infantil considere os laços emocionais,
independentemente da educação tecnológica que se pretenda oferecer. A consideração de
formatos virtuais que possibilitem o contato e o diálogo, que permitam o desenvolvimento
integral das crianças, são de extrema importância para que a educação aconteça – visto
que educação é processo humano e único da humanidade. A ruptura com o analógico, que
a relação autônoma das crianças com a tecnologia supõe, implica ruptura de paradigma
educacional para a adoção de um modelo sistêmico, mas não impacta na capacidade das
relações humanas, ainda que as sugira em novos formatos.
A Base Nacional Curricular Comum - BNCC (BRASIL, 2017) propõe o educar pré-
escolar sempre vinculado ao cuidar, a fim de que o universo de experiências da criança seja
ampliado. Cuidado é mais que acolhimento físico, ainda que seja uma face importante
do cuidar. Cuidado supõe respeito à visão de mundo de cada um, a sua e a do outro, sem
sobreposição. Negar a natureza intrínseca da relação de alunos e alunas da Educação Infantil
com as tecnologias e suas possibilidades de acesso ao mundo é, também, perpetuar um
modelo de educação bancária (FREIRE, 2011b) num contexto contemporâneo.
A educação liberta homens e mulheres, meninos e meninas, a partir do diálogo. É o
diálogo que permite a conscientização do papel dos indivíduos no mundo (FREIRE, 2011a),
sendo possível a partir da consideração com igual respeito ao mundo dos educadores e o
dos educandos. Dialogar é exercitar a vida sistêmica (id., ibid.), em movimento de ação e
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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educativas. Papert (2008) exemplifica essa questão com os videogames, que as crianças
aprendem a operar por tutoriais porque não lhes é possível aprender na escola, então buscam
caminhos próprios (e nem sempre os mais adequados) para chegar a esse conhecimento.
Dessa forma, a educação tecnológica parece-nos uma decisão sábia a fim de assumirmos,
enquanto educadores, a responsabilidade de nortear os caminhos que as crianças traçarão
no estabelecimento das relações com a tecnologia.
Destacamos, ainda, a importância da ação docente na construção da relação das
crianças alpha com a tecnologia. Ainda que busquemos incessantemente propostas
de educação que proporcionem a autonomia (FREIRE, 2011a), devemos atentar à
responsabilidade da condução desse processo enquanto educadores. Educar para a
autonomia não se traduz em abrir mão dos processos de ensino-aprendizagem, em
deixar as crianças sem assistência ou atenção, nem em constituir processos de ensino-
aprendizagem em que a autoridade da professora ou do professor, enquanto educador,
não exista. É reflexão sobre respeitar a individualidade e a visão de mundo dos educandos
e educandas, respeitando, em relação à visão de mundo e desejada autoridade (que não se
constitui autoritarismo) dos educadores e educadoras.
Para que a mudança de paradigma educacional para um modelo sistêmico e digital,
tão importante para que as crianças da Geração Alpha reconheçam-se e sintam-se
respeitadas em sua escola, aconteça, é primordial que professoras e professores deixem
de lado o papel de defensores do analógico e entendam a tecnologia como uma ferramenta
de aprendizado do mundo digital em que vivemos. Ferramenta que serve à educação,
permitindo o aprender a aprender a partir da realidade de cada criança. O diálogo não
reside na palavra, na comunicação oral (FREIRE, 2011b), é no campo das ideias que os
encontros entre mulheres e homens permitem que se reconheçam sujeitos de sua história.
Quando se assume que a tecnologia não precisa ser desumanizadora, aceitamos que ela
pode ser caminho para a humanização – ainda que por meios virtuais.
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n.5, v. 9, p.1-18, 2001.
76
6
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4954-8184, Doutora em Educação e Professora Adjunta da
Universidade Estadual de Alagoas. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4954-8184. Email: karla.oliveira@
uneal.edu.br
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8841-4202, Graduanda em Pedagogia da Universidade Estadual de
Alagoas – Campus II e Bolsita PIBIC/FAPEAL. Email: [email protected]
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6125-4010, Graduanda em Pedagogia da Universidade Estadual de
Alagoas – Campus II e Bolsita PIBIC/FAPEAL.Email: [email protected]
(4)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5946-9573, Graduanda em Pedagogia da Universidade Estadual de
Alagoas – Campus II e Bolsita PIBIC Voluntária . Email: [email protected]
(5)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6469-3297, Graduanda em Pedagogia da Universidade Estadual de
Alagoas – Campus II e Bolsita PIBIC Voluntária .Email: [email protected]
ABSTRACT: This research proposes to carry out an analysis of the National Common Curricular Base
(BNCC) for Early Childhood Education and Elementary Education (2017), which has been configured as a
national curriculum policy for Brazilian education. The last version of the Base was completed in 2016, after
the legal and media political-economic coup, which culminated with the impeachment of the legitimately
elected President Dilma Rousseff, dissipating the contributions of universities and social movements, based
on a conservative and fundamentalist vision. In this perspective, we have as protagonists some companies
and multilateral organizations that, based on the consensus of the ineffectiveness of the State, gain space /
strength in educational policies. BNCC becomes problematic because it aligns possible educational equality
with large-scale assessments, understanding quality as a measurable object. However, we start from the
problem of analyzing the conceptions of childhood and training for children’s citizenship, which are present in
this document. For such investigation, a qualitative approach will be adopted, carrying out bibliographic and
documentary research, using the data analysis technique, Content Analysis, based on the studies of Bardin
(2009) and Franco (2008). Childhood in its fullness can be made invisible and children co-opted by the school
to join a movement of training, teacher control, discipline and government of children, so that they become
economically and socially useful, conceiving such elements as citizenship.
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap6
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INTRODUÇÃO
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Neste sentido, ganha centralidade a Base Nacional Comum Curricular, sendo urgente
problematizar a concepção de infância e a formação das crianças para a cidadania, pautada
no consenso hegemônico de igualdade educacional. Para Cássio (2019, p.13): “A Base é uma
política de centralização curricular.”
Segundo Silva (2013), as narrativas contidas no currículo ou implícitas nele
corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da
sociedade, sobre os diferentes grupos sociais, legitimando ou ilegitimando conhecimentos
e quais vozes são autorizadas e quais não são, como também, quais grupos podem ou não
serem representados.
Diante do exposto, como pensar na formação das crianças para a cidadania, com
a imposição de uma educação da infância que atende à lógica do mercado, podando o
desenvolvimento dos infantis, reduzindo-os a crianças treináveis, a-históricas e disciplinadas.
Assim sendo, a BNCC envolta em um discurso de igualdade educacional, a partir de
direitos de aprendizagens (leia-se competências), impõe o que deve ser ensinado a cada
criança deste país, sem a mínima consideração e visibilidade da infância, sobre como vivem,
o que pensam, o que sabem e o que fazem os infantis.
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Para Pino (2004), a infância é um fenômeno etário universal, no qual não é difícil ver
a influência exercida pela observação do ciclo natural da vida, que se apresenta sob formas
diferentes em razão das características históricas e culturais de cada povo, que definiam um
status dessa infância na sua organização social
De acordo com Abramowicz (2011):
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[...] a criança é um ser social, o que significa dizer que seu desenvolvimento
se dá entre outros seres humanos, em um espaço e tempo determinados.
Sendo assim, um pressuposto a ser assumido é a necessidade de explicar
os fenômenos de natureza psicológica presentes nas interações humanas
focando-os em sua gênese, estrutura, movimento e mudança, a partir de uma
perspectiva histórica e dialética (p. 27).
A infância é uma construção social que depende do estatuto geracional e das relações
sociais que se dão, na sociedade, em cada tempo. Para Sarmento (2001), sempre houve
crianças, mas não a infância, com suas características identitárias e aspectos geracionais,
sendo que esse conceito de infância é um projeto inacabado da modernidade.
A infância é relativamente independente dos sujeitos empíricos que a integram, dado
que ocupa uma posição estrutural. Essa posição é condicionada, antes de mais nada, pela
relação com as outras categorias geracionais. Desse modo, por exemplo, a infância depende
da categoria geracional constituída pelos adultos para a provisão de bens indispensáveis
à sobrevivência dos seus membros e essa dependência tem efeitos na relação assimétrica,
relativamente ao poder, ao rendimento e ao status social que têm os adultos e as crianças,
sendo que essa relação é transversal (ainda que não independente) das distintas classes
sociais. Por outro lado, o poder de controle dos adultos sobre as crianças está reconhecido e
legitimado, não sendo verdadeiro o inverso, o que coloca a infância – independentemente do
contexto social ou da conjuntura histórica – numa posição subalterna face à geração adulta.
(SARMENTO, 2008).
Há a urgência de desconstrução do entendimento que situa o adulto como referencial
de completude das crianças, representando uma infância com adjetivos que denotam os
infantis como seres irracionais, imaturos e incompetentes, que necessitam ficar sob a tutela
de um adulto para tornarem-se, um dia, um sujeito completo.
Segundo Dornelles (2011, p.25), “a produção da infância implica a produção de
saberes e “verdades” que têm a finalidade de descrever a criança, classificá-la, compará-la,
diferenciá-la, hierarquizá-la, excluí-la, homogeneizá-la, segundo novas regras ou normas
disciplinares”. Ou ainda há uma preocupação em manipular e treinar os corpos infantis para
que obedeçam, respondam e sejam úteis, apesar do discurso apontar para as particularidades
da infância (SILVEIRA, 2010).
Para Pizzi (2015), as crianças ao ingressarem no sistema educacional entram
numa grande maquinaria institucional de discursos e práticas, cuja intenção é prepará-
las para a vida adulta a fim de serem futuros trabalhadores e cidadãos decentes, tendo
uma infância negada.
Bujes (2000) ressalta que a infância que nos é apresentada não é um fenômeno natural,
mas resultado de um processo de construção social, o qual está conectado às possibilidades
caracterizadas por cada momento histórico. A autora salienta que uma nova relação de
poder entre crianças e adultos está sendo construída, fazendo com que a infância torne-se
um “objeto de constante regulação e controle, pela via dos discursos que se enunciam sobre
ela” (BUJES, 2000, p. 9).
Contudo, oferecer os mesmos conteúdos e materiais a alunos com diferentes
experiências, conhecimentos, desejos e possibilidades de aprendizagem perpetua as
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A versão final que se configurou como a atual Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) foi resultado das articulações de fundações e institutos privados, como: Fundação
Bradesco, Fundação Lemann, Itaú Social, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Instituto
Ayrton Senna, Instituto Inspirare, Instituto Fernando Henrique Cardoso, Fundação Roberto
Marinho, Fundação Victor Civita, entre outros, além de organismos internacionais, como a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Banco Mundial
(BM), que ganharam maior espaço com o golpe político-econômico jurídico e midiático
em 2016, que culminou com o impeachment da presidenta, legitimimamente eleita, Dilma
Rousseff, excluindo as contribuições das universidades e movimentos sociais, pautando-se
em uma visão conservadora.
A BNCC ganha destaque como indutora de uma possível promoção de igualdade
educacional, que se baseia no tecnicismo e na meritocracia, representando interesses
privados em detrimento do interesse público.
É preciso um movimento de resistência contra essas políticas educacionais, que
desconsidere essa lógica do mercado de trabalho e a adesão às agendas empresariais,
fortalecendo as parcerias público-privadas e desmontando as políticas públicas de Estado.
Destacamos a importância de assumir as crianças como sujeitos ativos de direitos
no contexto escolar e pensar que, historicamente, a infância avança em aspectos de
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CONCLUSÃO
AGRADECIMENTOS
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85
7
(1)
Professora da Educação Básica (anos iniciais) na rede pública de Santana do Ipanema, Semiárido alagoano.
Possui pós-graduação, latu sensu, em Educação do Campo e Sustentabilidade pela Universidade Estadual de
Alagoas (UNEAL); Brasil. ([email protected]);
(2)
Professora da Educação Básica (anos iniciais) na rede pública de São José da Tapera e Poço das Trincheiras,
Semiárido alagoano. Pós-graduada, latu sensu, em Educação do Campo pela Universidade Federal de Alagoas
(UFAL); Brasil. ([email protected]);
(3)
Professora Titular da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Professora Permanente do Programa
de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Cultura (PRODIC) da UNEAL. Doutora em Sociologia, pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Brasil. ([email protected]).
ABSTRACT: This work arises from concerns that came as a result of professional performance as a teacher
in rural school units. It aims to analyze playful actions in schools in the semiarid region of Alagoas. For this,
we want to understand the historical processes of Rural Education and Early Childhood Education, in order
to observe the reflexes of playfulness applied to the teaching of children in Early Childhood Education. The
theoretical point of view of Caldart (2001), Didonet (2018), Luckesi (2014), Kishimoto (2001), Sommerhalder
and Alves (2011) is taken into account. Other sources were also essential for the study: Operational Guidelines
for Rural Education (2002), Curricular Guidelines for Early Childhood Education (2009), National Curricular
Guidelines for Early Childhood Education (2006). The methodological procedures were bibliographic,
webgraphic and documentary research, as well as on-site study, with qualitative basis and case study. The
locus of the research is located in three municipal schools located in the rural area of the municipality of
Santana do Ipanema, in the middle of the interior of Alagoas. Regarding the professionals, three teachers
working in early childhood classrooms were followed. From each locus, one teacher was the subject of the
research, totaling three teachers. From the dialogue between the theoretical assumptions and the practical
conjectures, it is possible to consider that there is a distance between what is presented in the guidelines that
guide early childhood education in the field with practice, both are not able to dialogue, thus having a very close
relationship. shy among these.
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap7
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o sistema de ensino sofreu uma grande expansão de oferta.
A partir da Constituição Federal de 1988, grandes discussões em torno dos direitos
sociais passaram a ser debatidas, à medida que são deliberadas políticas educacionais
significativas e se enaltece o direito do estado em ofertar educação de qualidade para
todos os sujeitos residentes nas cidades e no campo. Desencadeiam-se, pois, documentos
oficiais que promoveram reformas no âmbito da educação, referente ao reconhecimento das
especificidades da população campesina.
Uma conquista importante foi a instituição da Educação Infantil como primeiro
nível de ensino a integrar a educação básica (Lei º 9394/96), tendo em vista que se passou a
atender uma demanda que, até então, não tinha um espaço educacional institucionalizado,
recebendo um atendimento apenas assistencialista. Não obstante a isso, a implantação
de creches e pré-escolas no contexto campesino tornou-se, também, um grande marco,
visto que é concebido um direito às crianças residentes no campo, a ter uma educação que
atenda as suas singularidades e não uma reprodução dos valores culturais e sociais no
espaço urbano.
Assim como é assegurado às crianças o direito à educação, sendo pautada em princípios
estéticos2, que visam valorizar a sensibilidade, a criatividade, a ludicidade e diversidade
artística e cultural (BRASIL, 2013), faz-se preciso que os alunos da Educação Infantil do
Campo usufruam desse direito, no sentido de que a construção da identidade para o ensino
no contexto campesino possa, sobretudo, estabelecer “uma relação orgânica com a cultura,
as tradições e as identidades destas populações” (BRASIL, 2013, p. 90).
Logo, com a finalidade de construir um diálogo entre Educação Infantil e Educação
do Campo e levando em consideração o ponto de vista teórico de Caldart (2001), Luckesi
(2014), Kishimoto (2001), Sommerhalder e Alves (2011), além de outras fontes, a saber:
Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo (2002), Orientações Curriculares para
a Educação Infantil do Campo (2009), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (2006), dentre outros estudos que discutem a Educação do Campo e a Educação
Infantil do Campo, problematiza-se: Em que medida as práticas lúdicas na Educação
Infantil vinculam-se ao que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e
as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo propõem para as
questões relativas à ludicidade?
O interesse em estudar os discursos postulados pelas diretrizes que norteiam as
ações nas escolas do campo, mais precisamente, em salas de aulas de Educação Infantil,
parte, incialmente, em meio a relação já existente com o espaço campesino, devido a residir
no campo e também já ter sido aluna de escolas localizadas nos espaços do campo, além
disso, devido a inquietudes que vieram em decorrência da atuação profissional em unidades
escolares campesinas, bem como a partir de leituras de documentos legais que apresentam
a ludicidade como elemento importante para as práticas educativas na Educação Infantil.
Uma vez enaltecida como um princípio estético importante e respeitado, capaz de construir
2
“A estética diz respeito à formação da sensibilidade capaz de apreciar e elevar a imaginação e permitir a
criação, capacidades importantes para o desenvolvimento integral da criança”. Disponível em: <http://
www.referencialcurriculardoparana.pr.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2020.
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Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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surgiram em meados do século XVIII, com as aulas de Gramática, que eram ministradas pelos
padres Franciscanos. Ainda para o autor (2006), até o início do século XIX, poucas foram
as práticas de educação formal encontradas na região do estado de Alagoas. O mesmo autor
ainda enfatiza que [...] “as notícias sobre esse período dão conta de um ensino deplorável,
deficiente” (VERÇOSA, 2006, p. 68).
É nesse patamar de precariedade e deficiências que o ensino primário foi se enraizando
em Alagoas. Direcionando os olhares para o contexto rural, vê-se que a realidade é a mesma.
Alagoas, assim como as demais regiões, também corroborou para a vulnerabilidade do
homem do campo, abandonando-o e detendo seus direitos. As escolas do meio rural, que
foram surgindo nas regiões interioranas, sempre apresentaram dificuldades para os sistemas
administrativos. Suas estruturas eram precárias.
Não diferentemente, na região do médio Sertão alagoano, a realidade educacional
provida para os povos das áreas rurais também se deu de forma obscura de início. É sabido
que, na atual cidade de Santana do Ipanema - principal município do médio Sertão do estado
de Alagoas -, as origens sobre instrução escolar denotam os princípios da Igreja Católica
que, assim como em demais regiões brasileiras, estabeleceu os primeiros ensaios para uma
instrução escolar pública.
Reportando aos ditos de Costa (2011), até meados do século XIX, o referido município
sertanejo não apresentava nenhum ensaio para a oferta de educação escolar. Em relação ao
ensino primário, sabe-se que, até por volta de 1889, não havia nenhum ensaio para tal na
região de Santana do Ipanema (COSTA, 2011). Contudo, o ano de 1936 foi marcado pela
instituição da primeira unidade escolar no município.
O conhecido Grupo Escolar Padre Francisco Correia foi idealizado pelo então
governador da época, Osmar Loureiro de Farias, vindo a ser uma forma de apelo da população
santanense, que aumentara muito seus munícipes, devido ao êxodo rural, causado pelo
processo de industrialização, que provocou uma desestruturação na produção agrária, como
também, em detrimento às formas de banditismo do grupo de Virgulino Ferreira, popular
Lampião, que deixou manchas do cangaço nessa região sertaneja.
Algo constatado é que, assim como em outras regiões interioranas, na área do Semiárido
de Alagoas, a educação para os povos do campo também foi levada ao esquecimento por
anos, fato que remete à ideia que o sujeito do campo não necessita de educação escolar, pois
os trabalhos agrícolas levam essas pessoas ao desmerecimento desse direito, devido suas
atividades dispensarem alguma formação escolar.
Nesse contexto de negação de direitos, surgem os princípios para a Educação do
Campo. É a busca pela autonomia, pela ruptura das relações de subordinação, de negação
de direitos aos povos dos espaços rurais, da não posse da terra, que surgiu, em 1979, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fruto da questão agrária.
Formados principalmente por famílias, os movimentos de luta, que passaram a não
aceitar a exclusão, notaram, no seio de suas organizações, a necessidade de incrementar
aos seus clamores o direito, também, à cultura, saúde e, especialmente, o direito à
educação. Recorrendo aos discursos de Arroyo (2011), vê-se que a ideia de Educação do
Campo nasce, sobretudo, em meio a olhares que veem os sujeitos que habitam nas áreas
rurais como homens, mulheres e crianças de direito, logo, a escola do campo vem a ser um
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intermediário frente aos muitos direitos que essas populações tiveram negados durante
muitas épocas.
sendo a função das primeiras Instituições de Educação Infantil para crianças de 0 a 6 anos”.
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1988). Nesse mesmo plano, a Educação Infantil passa a compor o ensino básico, gratuito e
obrigatório, sendo instituída como o primeiro nível de ensino, subdividida em duas etapas,
sendo a creche a primeira, onde a criança pode adentar ao zero ano até os três anos de idade
e a pré-escola, dos quatro aos cinco anos.
Para tanto, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo,
atreladas às as normativas decretadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, representam
um importante avanço para o campesinato. Outra vitória, que se deve colocar nesse interim,
foi a instituição das Orientações Curriculares para a Educação Infantil do Campo, que trazem
diálogos construídos unicamente para os professores que atuam nesse nível, com um olhar
para as multiplicidades encontradas no espaço do campo.
Percebe-se, portanto, que a infância do campo está conseguindo superar o
silenciamento e negligência que alimentou por anos. Nos marcos dos direitos, a escuta
às vozes da criança campesina é, sem dúvida, um dos mais elevados ganhos. Contudo, e
concordando com Spada (2016), a luta não pode parar, tendo em vista o estado capitalista
em que sujeitos estão inseridos, que busca, a todo momento, que eles sejam cativos dele.
Contudo, Luckesi (2014) revela que todas essas atividades chamadas de lúdicas podem
ser, por vezes, não lúdicas, pois uma situação de ludicidade pode apresentar-se contrária
quando o sujeito da ação não se entrega nela. O lúdico, para o autor, é algo que provém
de dentro para fora, do interno para o externo. Se não houver significado para a pessoa,
consequentemente, não será definida como atividade lúdica
Kishimoto (1994) relaciona o universo lúdico aos jogos e brincadeiras. Para ela, tais
elementos caracterizam isso que é conhecido por ludicidade. A natureza do brincar e da
brincadeira, do jogar, configura-se como formas lúdicas.
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Portanto, pensando nesses elementos, é mister dizer que ambos configuram-se como
enriquecedores da infância, possibilitando o desenvolvimento cognitivo da criança, pois
permitem representações de cultura, símbolos, signos, valores e, por isso ,sua inserção no
campo pedagógico apresenta-se com tamanha relevância. Luckesi (2002, p. 19) assinala que:
Através das falas apresentadas até então, fica perceptível o quão os elementos lúdicos
são, aos olhos teóricos, vistos com vigor no campo escolar. A parceria entre ludicidade e
educação tornar-se algo praticamente inevitável, pois se sabe que são artefatos que fazem
parte das vivências das crianças e que a ligação entre esses segmentos é muito intensa.
As atividades lúdicas desenvolvem um papel fundamental na educação de
crianças pequenas, abrangendo as dimensões cognitivas, afetivas e motoras presentes no
desenvolvimento desses sujeitos, conseguindo, em meio a isso, desmistificar as concepções
que colocam, muitas vezes, as atividades infantis em planos inferiores quando relacionadas
com a aprendizagem.
Enquanto linguagem natural do universo infantil, a ludicidade vem/deve ganhar cada
vez mais espaço nos entornos escolares, pois sua contribuição à Pedagogia já é algo evidente.
Brincando, jogando e, ao todo, divertindo-se, a criança também se desenvolve. O lúdico
permite que a criança exponha suas tantas possibilidades, expanda sua autoestima, cresça
e desenvolva-se em um plano de interação, criatividade e fantasias, que corrobora para o
processo de ensino-aprendizagem, justamente por proporcionar uma prática educativa
harmônica, distante do viés tradicional.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4
Segundo Kripka; Scheller e Bonotto (2015, p. 244), pesquisa documental “é aquela em que os dados obtidos
são estritamente provenientes de documentos, com o objetivo de extrair informações neles contidas, a fim de
compreender um fenômeno”.
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como assinala Yin (2001, p. 21): “compreender os fenômenos sociais mais complexos” e, mais
que isso, possibilita [...] “uma investigação para se preservar as características holísticas e
significativas dos eventos da vida real”.
O lócus da pesquisa situou-se em três escolas municipais localizadas na zona rural do
município de Santana do Ipanema, médio Sertão alagoano. São escolas do campo, com uma
demanda de alunos, em que a maioria é pertencente às regiões onde as unidades escolares
estão localizadas, no mesmo sítio, povoado, ou em regiões circunvizinhas.
As escolas lócus de estudo localizam-se em sítios diferentes, sendo que duas instituições
são anexas a outra. Por questões de ética, de respeito a tais instituições que compuseram
a pesquisa, não foram divulgados os nomes dessas unidades escolares. São apresentados
com nomes fictícios para, assim, preservar suas identidades. Desse modo, para as escolas,
utilizou-se as nomenclaturas: escola A, escola B e escola C.
Em relação aos profissionais, foram acompanhados três professores atuantes em salas
de aula de Educação Infantil. De cada lócus, um docente foi sujeito da pesquisa, totalizando
uma quantidade de três docentes, como já mencionado. A pesquisa de campo concentrou-se
em observações da rotina nessas salas de aulas de Educação Infantil.
Assim como as escolas, os profissionais envolvidos também receberam nomes
fictícios5. São, pois: professor A, professor B e professor C. Por meio das observações das
rotinas nas distintas salas de aula, buscou-se analisar as questões referentes à presença, ou
não, do lúdico nas práticas pedagógicas, como também a valorização da cultura campesina
durante essas práticas.
Para o trabalho de coleta de dados, utilizou-se: observação direta, entrevista e
artefatos físicos. As observações diretas, pois, assim como lembra Yin (2001, p.115),
“servem como fonte de evidências em um estudo de caso”, uma vez que é possível ter-se um
acompanhamento real acerca dos elementos observados e de seu contexto.
A entrevista apresenta-se como uma das mais importantes fontes de informação
no estudo de caso. Utilizou-se, especificamente, a entrevista na forma semiestruturada,
composta por 10 perguntas. Além disso, houve os artefatos físicos, nos quais se reporta,
aqui, apenas um: a máquina fotográfica, para o registro nos momentos de observação
(YIN, 2001).
Para análise dos dados, assim como já foi aludido, são acrescidos diálogos entre os
pressupostos teóricos com as conjeturas práticas, ou seja, fez-se uma análise das observações,
das entrevistas, para compreender se as práticas lúdicas observadas vinculam-se ou
não ao que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo propõem para as questões
relativas à ludicidade.
5
Há correspondência entre as letras que identificam as escolas e as letras que identificam os profissionais.
Desse modo, o professor A, trabalha na escola A; professor B trabalha na escola B; assim como o professor C
exerce sua função na escola C.
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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As turmas multiano são formas de organização de ensino, onde o professor trabalha na mesma sala de aula
com várias séries (anos) do Ensino Fundamental simultaneamente.
7
“São reservatórios cilíndricos, [...] que armazenam a água da chuva que cai no telhado e é captada por uma
estrutura construída com calhas de zinco e anos de PVC. [...] A água desse tipo de cisterna é utilizada para
beber e cozinhar” (ASA, 2012). Esses reservatórios de água são encontrados, principalmente, na região do
Semiárido e é decorrência do Programa de Formação e Mobilização para a Convivência com o Semiárido.
Nas escolas do campo, esses são resultados de ações do Governo Federal, em espacial do Ministério do
Desenvolvimento Social, por meio do programa Cisternas nas Escolas. Informações disponíveis em: ASA.
Caminhos para a Convivência com o Semiárido. 13. Ed. Recife, 2012.
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Acerca das práticas observadas em três salas de aula de Educação Infantil do Campo,
o que se pode afirmar, antecipadamente, é o fato dessas três realidades encontrarem-se
por deveras vezes. As três apresentam características que coincidem de estrutura física, de
disponibilidade de material didático, realidades de um aluno também muito aproximada e
práticas pedagógicas, por vezes, semelhantes.
Falando sobre ludicidade, um dos eixos de estudo deste trabalho, pode-se indicar que
as práticas lúdicas dessas três salas de aula resumem-se no momento da história, cantigas
de roda e nas brincadeiras na hora do intervalo.
As brincadeiras nos momentos de recreação chamaram atenção, principalmente, nas
escolas A e B. A brincadeira de roda e o jogo de bola, em ambas as escolas, são atividades
muito queridas pelos alunos e que lembram, em demasia, a cultura do campo.
Relacionando tais práticas ao espaço campesino, percebe-se que tal relação ocorre de
forma tímida na escola A, tendo em vista as cantigas de roda que os alunos tanto gostam de
cantar em certos momentos da aula, entretanto, não ocorre nas ações das escolas B e C, fato
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O diálogo entre a realidade do campo com os dizeres das diretrizes faz com que se
concorde com as considerações de Silva, Pasuch e Silva (2011, p.51), ao afirmarem que:
As Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, em seu artigo 13, inciso II,
enfatizam a precisão de que os sistemas de ensino deverão ter propostas pedagógicas voltadas
para a diversidade cultural. No entanto, durante as observações, pouco se notou sobre tal
relação. Apenas na escola A, algumas mínimas ações fazem algum tipo de referência ao
campo, quando a professora falava sobre animais, por exemplo, buscava relacionar a fala
aos animais que tinha na região, ou que os alunos possuíam em suas casas, ou comunidades
que viviam.
Nas escolas B e C, essa relação foi inexistente no período observado. As práticas
referem-se mais a atividades mecânicas, pinturas de imagens impressas, escritas no caderno.
Sobre isso, é necessário recorrer às Orientações Curriculares para a Educação Infantil do
Campo, ao apontarem que:
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Não sendo visível esses elementos em sua totalidade nessas escolas (durante os
momentos de observação), o que se percebe é que, ainda, o debate acerca da Educação do
Campo e, especificamente, em relação à Educação Infantil do Campo necessita ser melhor
problematizado nos espaços da gestão escolar e educacional. As políticas destinadas hoje para
as escolas campesinas estão insuficientes diante da tamanha carência que tais instituições
lidam na atualidade.
• Da realização da entrevista
A professora B expressa que a ludicidade desperta uma forma de aprender com prazer.
A professora C aponta que o lúdico possibilita a criatividade e o conhecimento através dos
jogos e das brincadeiras.
Na sequência, objetivando saber sobre a formação acadêmica, foi perguntado se as
docentes tinham formação específica para atuação nas escolas do campo. Apenas a professora
A apresenta formação específica, possuindo pós-graduação, em nível de especialização, em
Educação do Campo pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o que foi apresentado: estudos teóricos, o encontro com a prática, por
meio da pesquisa de campo, apresentam-se as seguintes reflexões e considerações finais.
Pode-se apontar, de antemão que, por vezes, as propostas apresentadas pelas diretrizes
não se cumprem. A oferta da Educação Infantil nos espaços campesinos ainda é algo para
construir, tendo em vista que suas práticas distanciam-se, em demasia, com o que se propõe
nas DCNEI, as Orientações Curriculares para Educação Infantil do Campo e as Diretrizes
Operacionais para Educação do Campo.
Os princípios estéticos, em que a ludicidade é colocada com uma das principais
ferramentas para o trabalho na Educação Infantil, por vezes, ficam na penumbra, dando espaço
para as práticas de alfabetização, apenas. Neste sentido, os reflexos, ou seja, a contribuição
da ludicidade no ensino dessas crianças fica oculta, tendo em vista as poucas ações na sala de
aula, onde o lúdico é utilizado, levando em consideração os momentos observados.
Do mesmo modo, não foi possível identificar nesses momentos, na prática das
professoras, atividades que oportunizam a vivência da cultura infantil do campo. As
histórias contadas não buscam trazer a significância do campo, como também as outras
atividades que, como já expresso, resumem-se, em sua maioria, à leitura e escrita,
objetivando, pois, a alfabetização.
A grande escassez de recursos lúdicos nas escolas do campo pode, por vezes, limitar
tais práticas. São raríssimos os brinquedos e outros elementos que remetem à ludicidade.
Percebe-se, ainda, que as escolas que ofertam Educação Infantil do Campo sofrem com a
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falta de estrutura física adequada para a faixa etária dos alunos. Não obstante a isso, nota-
se que a deficiência quanto a estrutura física escolar eclode, principalmente, nas escolas
anexas, fato não visto na escola sede, nucleada, com maior demanda de estudantes.
Isso leva a entender que as escolas anexas, com menor demanda de alunos, estariam
sofrendo com o processo de nucleação, tanto em relação à estrutura física, material pedagógico,
mas, também, com apoio pedagógico. A política de nucleação escolar, neste caso, não estaria
auxiliando no bom desempenho das ações nas escolas e na qualidade do ensino.
Diante do exposto, analisando as observações e entrevistas e respondendo à questão
central do trabalho, percebeu-se que as práticas docentes investigadas não conseguem
dialogar com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, não havendo, portanto, um
vínculo entre ambas.
As falas docentes, por vezes, conseguem fazer tal vínculo, entretanto, a prática não
permite o efetivo diálogo. O conhecimento que as professoras confirmam ter sobre as
diretrizes, vem a ser muito minúsculo, necessitando de maiores estudos e reflexões.
Confirma-se, assim, as hipóteses da pesquisa, em que o não conhecimento das Diretrizes
Curriculares para a Educação Infantil e das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo pelas professoras distanciam-se das práticas da cultura lúdica nas
salas de aula de Educação Infantil do campo, bem como os recursos lúdicos disponibilizados
em escolas do campo estão impossibilitando o trabalho efetivo com a ludicidade nas salas de
Educação Infantil.
Atenta-se, pois, para uma formação continuada específica para os professores que
atuam na Educação Infantil do Campo, bem como maiores investimentos em materiais
pedagógicos (brinquedos) para essas escolas, principalmente para as escolas anexas, como
também para maiores estudos relacionados aos investimentos no quesito brinquedos nas
instituições de Educação Infantil do Campo, tendo, como suporte, o objetivo de investigar
se esse fato seria, ou não, uma falha das instâncias públicas com relação à Educação
Infantil do Campo, devido a não disponibilidade de brinquedos em conformidade com as
diversidades dos povos campesinos, podendo estar ocasionando, em razão disso, práticas
corriqueiras de alfabetização.
REFERÊNCIAS
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10. DIDONET, V. Creche: a que veio, para onde vai. Em Aberto, Brasília, v 18, n. 73, p.
11-28, 2001.
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16. KUHLMANN JR. M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto
Alegre: Mediações, 2001.
27. VERÇOSA, E. G. Cultura e Educação nas Alagoas: Histórias, histórias. 4. ed. Maceió:
EDUFAL, 2006.
28. YIN, R, K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. Ed. Porto Alegre: Bookman,
2001.
102
8
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5677-6700, Mestranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia
Universidade Federal de Alagoas (PPGS/UFAL); bolsista Capes, membro do Grupo de Pesquisa Periferias,
Afetos e Economia das Simbolizações (GRUPPAES); Maceió, Alagoas; [email protected]
ABSTRACT: In this case study, it is presented the result, still partial, of an ethnographic research developed
in the socio-educational system of Alagoas, based on the Eliasian figurative theory, but also inspired by Ingold
and Desmond to think about fieldwork and ethnography. Based on the reading of other surveys carried out on
juvenile facilities, such as Mallart’s research, a methodological strategy, called the Rounds of Conversation,
it was explored a methodological strategy that allowed a greater openness to dialogue with adolescents in
compliance with a socio-educational measure. Through the reading of youth books and the listening of
music, in addition to activities with playful games, writing and drawings, it was possible to explore aspects
of adolescents’ lives, such as childhood, friendships, family, schooling, dreams, frustrations. Such a strategy,
although limited, proved to be a promising methodological instrument for conducting scientific research,
specifically an ethnography of a relational character, as well as to allow a space for interlocution and formation
of expressiveness and dialogue among adolescents.
INTRODUÇÃO
REFERENCIAL TEÓRICO:
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tão fictícios quanto outros que implicam a existência de sociedades sem os indivíduos”
(Idem, 1980, 2000, p. 182). Assim, “o ponto de partida de toda investigação sociológica é
uma pluralidade de indivíduos, os quais, de um modo ou de outro, são interdependentes”
(Ibidem, 2000, p. 184).
Inspirada pela leitura da bibliografia que trata sobre pesquisas em unidades de
internação brasileiras, passei a compreender o trabalho de campo como “um processo
tenso, dialógico e situado, no qual as relações são construídas a partir de um posto específico
de observação e participação” (MALLART, 2011, p. 23). Minha intenção era produzir
aproximações entre pesquisadora e interlocutores, como propôs Mallart em sua pesquisa
de campo também nas unidades de internação de São Paulo, em que realizou oficinas de
fotografia com adolescentes. Influenciada por tal experiência, passei a refletir sobre como
poderia criar as situações de participação e observação em meu contexto, permitindo-me a
aproximação e a colaboração junto a meus interlocutores.
Visando desenvolver uma etnografia relacional, amparada na teoria eliasiana, seria
necessário dar primazia a configurações de relações. Em campo, meu esforço era por
observar e engajar-me no sistema de relações de mútuas influências, as interdependências,
das unidades de internação. Assim, foram necessárias estratégias de seguir as associações
e conexões, as diferentes posições dos interlocutores, sem deixar de estar atenta à posição
ocupada por mim como pesquisadora. Estava interessada nos pontos de contato e conflito
entre meus interlocutores, suas lutas, cooperações, compromissos, incompreensões e
compartilhamentos de significados nas distintas posições ocupadas por eles. Para tanto,
minha vida também estaria a ser moldada, na medida do possível, pelas relações que estava
a seguir. Isso demandava tempo observando e experienciando, na medida do possível, as
vivências de adolescentes e funcionários (DESMOND, 2014), afinal de contas:
O campo não é uma coisa, não é um lugar, nem uma categoria social, um
grupo étnico ou uma instituição. É talvez tudo isso, segundo o caso, mas é
antes de tudo um conjunto de relações pessoais com as quais “aprendemos
coisas”. “Fazer pesquisa de campo” é estabelecer relações pessoais com
quem não conhecemos anteriormente, junto de quem chegamos um pouco
na marra. É então preciso convencer da lisura de nossa presença, pelo fato
de que eles nada têm a perder mesmo se também não tem grande coisa a
ganhar, sobretudo que eles não correm nenhum risco. (...) Logo, não há saber
sem relações. (AGIER, 2015, P. 34)
Ao permitir que minha vida fosse até certo ponto afetada por meus interlocutores,
passei a interessar-me por dar algum retorno aos adolescentes com quem já vinha
dialogando. Observar um pouco de suas vivências enquanto internados, fez-me entender
um pouco de suas necessidades de espaços formativos para além das aulas escolares num
modelo tradicional. Nas unidades de internação, os adolescentes, especificamente os que
estão nas unidades masculinas, passam boa parte do tempo dentro dos alojamentos, só
saindo para aulas e para os poucos minutos de banho de sol. Nas entrevistas, eram latentes
as precariedades formativas de leitura e escrita, que acabavam por influir em dificuldades
de expressividade e de diálogo. Ora, muitos adolescentes vinham de trajetórias anteriores de
abandono escolar, ainda no ensino fundamental (sobretudo, no caso dos garotos).
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Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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Além disso, percebia que o modelo escolar nas unidades de internação, de maneira
geral, tende a reproduzir o modelo que está fora dos muros do sistema, e que não foi capaz
de manter muitos daqueles adolescentes interessados, o que se comprovava pelo alto índice
de abandono escolar. Diante de todas essas percepções, foi se desenvolvendo a ideia das
Rodas de Conversa, do diálogo em grupos sobre temas que interessassem aos adolescentes
que lhes possibilitasse um espaço de comunicação e identificação entre si. Assim, eu poderia
estar em campo, observando e engajando-me com meus interlocutores.
PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
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que falta”, de Shel Silverstein (2018). O livro, com frases curtas e imagens simples, conta, de
forma bastante lúdica, a história de uma “bolinha” em busca de uma parte que lhe falta para
ser preenchida. A partir de perguntas possibilitadas pela leitura do livro, construímos um
diálogo com os meninos sobre as partes que fazem falta em nossas vidas. Nosso objetivo era
perceber que a todos sempre haverá algo que faz falta e que isso é um processo natural da
vida. Além disso, refletimos sobre possíveis obstáculos e dificuldades que poderiam enfrentar
em suas trajetórias de busca e como poderiam lidar de forma mais madura com eles.
No segundo encontro, levamos cartões com fotos abstratas, visando trabalhar a
seguinte temática com os adolescentes: “Escolhas e não escolhas”. Retomando um pouco
do que havia sido trabalho no encontro anterior, pretendíamos possibilitar aos adolescentes
refletir sobre suas trajetórias de vida, bem como sobre as escolhas que fizeram e as que
não fizeram, mas que impactavam suas vidas. Tínhamos como objetivo possibilitar-lhes
perceber que suas trajetórias inserem-se em um contexto mais amplo, que, muitas vezes,
independe de suas escolhas pessoais, mas impactam diretamente em suas existências e,
consequentemente, nas escolhas que, então, passam a tomar.
Na semana seguinte, ainda na mesma perspectiva sobre as escolhas, mas pensando em
perspectivas de futuro, trabalhamos a seguinte temática “Escolhas e Futuro”. Como leitura,
utilizamos o livro de poesias “Artes e Ofícios”, de Roseana Kligerman Murray (2007). O livro
apresenta uma série de ofícios e profissões de forma poética. Com essa leitura, tínhamos
como objetivo possibilitar aos adolescentes pensar sobre as profissões que admiravam, bem
como sobre os motivos da admiração. Além disso, tínhamos como intenção refletir sobre os
ofícios que gostariam de realizar ao longo de suas vidas e as escolhas concretas e práticas que
precisariam fazer para alcançar seus sonhos e objetivos.
Por fim, em nosso último encontro, fazendo o caminho inverso das discussões
anteriores, trabalhamos a temática “Infância”, a partir da leitura da primeira parte do
livro “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry (1946), em que o narrador da história
conta sua primeira frustração, ainda criança, com as “pessoas grandes”, os adultos, que o
desestimularam a seguir a carreira de desenhista com base na incompreensão do significado
de seu primeiro desenho. A partir da história, queríamos levar os meninos a refletir sobre
suas infâncias, bem como sobre as frustrações que tiveram e que foram determinantes nas
escolhas que passaram a fazer desde então.
Já na unidade de internação feminina, foram dois grupos de meninas que se revezaram
em dois encontros. Como se trata de uma unidade menor, foi possível dar conta de todas as
meninas internadas naquele momento. Em nosso primeiro encontro, debatemos o tema:
“Quem está no controle?”, por meio da leitura do conto “Venha ver o pôr do sol”, que faz
parte da obra “Antes do Baile Verde”, de Lygia Fagundes Telles (2009). Nos dois dias, elas
acompanharam a leitura com cópias que disponibilizamos. Terminada a leitura, tiramos as
dúvidas de vocabulário e de compreensão que surgiram. Tínhamos como objetivo refletir
com as meninas sobre possíveis relações abusivas e/ou violentas em que já tivessem se
envolvido. Os dois grupos participaram de forma ativa. As meninas sentiram-se abertas para
contar histórias pessoais de situações que vivenciaram.
No segundo encontro, similarmente ao que fizemos na unidade de internação
masculina, debatemos o tema “Com o que eu já tentei preencher as minhas partes que
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Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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faltam?”, por meio do livro “A parte que falta”, de Shel Silverstein (2018). A partir de
reflexões suscitadas pelo livro, construímos um diálogo com as meninas sobre as coisas que
fazem falta em nossas vidas. Nosso objetivo era perceber que a todos sempre haverá algo
que faz falta e que isso é um processo natural da vida. Além disso, refletimos sobre possíveis
obstáculos e dificuldades que poderíamos enfrentar em nossa trajetória de busca e como
poderíamos lidar melhor com eles.
No ano seguinte, dei continuidade à experiência bem sucedida das Rodas de Conversa
em outras duas unidades de internação masculina e na unidade de internação feminina.
Com mais fôlego e com a experiência anterior, propus uma série de oito encontros semanais,
em que realizaria as atividades com grupos fixos de até oito adolescentes, o que, além de
possibilitar uma experiência mais duradoura, por se tratar de um grupo fixo, permitiria uma
maior conexão entre os participantes.
Assim, para as três unidades, foram propostos os seguintes roteiros de discussões3:
no primeiro encontro, discutimos o tema “Como nomeio o mundo?”, usando a música “Eu
não sei na verdade quem eu sou”, da banda O Teatro Mágico (2013). Seguimos com um jogo
de imagens, visando refletir sobre como nomeamos sentimentos, frustrações, sonhos, entre
outras coisas. No segundo encontro, discutimos o tema “Como me sinto hoje?”, por meio do
livro “O grande livro das emoções”, de Mary Hoffman e Ros Asquith (2011). Continuando
a discussão anterior, conversamos sobre como nomeamos emoções e sentimentos, sobre
como podemos reconhecê-los e nomeá-los.
No terceiro encontro, discutimos o tema “Reflorestar ideais: convivência”, em que
ouvimos a música “Viver é dever”, de Djavan (2018). Por meio de discussões e uma atividade
com desenhos, discutimos que ter uma boa relação com as pessoas que nos incomodam pode
ser mais fácil quando encontramos algo em comum, algo que nos identifica a esse outro. Do
quarto ao sexto encontro, lemos uma série de livros de Ruth Rocha (2014): “Quando eu
erro”, “Quando eu não consigo” e “Quando eu não sei”. Por meio dessa série, discutimos
como lidamos com nossos erros, nossas fragilidades e defeitos, também refletimos sobre
nossos avanços, qualidades e o que nos dá orgulho de nós mesmos.
No sétimo encontro, lemos a história d“O menino que tinha medo de errar”, de Viviana
Taubman (2016), concluindo a série de discussões anteriores sobre frustrações, medos e
erros. Concluímos as Rodas de Conversa no oitavo encontro com o rap “A vida é desafio”,
de Racionais MC’s (2002). Por meio dela, conversamos sobre os sonhos, mas também os
desafios que trarão o futuro e sobre como eles podem ser superados. Num encontro extra,
por fim, assistimos ao filme “Na Quebrada”, dirigido e roteirizado por Fernando Grostein
Andrade (2014), concluindo nosso ciclo de Rodas de Conversa.
É importante ressaltar que, em apenas uma das unidades de internação, o ciclo pôde
ser concluído. Em uma das unidades masculinas e na unidade feminina, estávamos ainda
em andamento quando surgiu a necessidade de interromper as atividades, por conta da
pandemia4 e da vulnerabilidade dos ambientes de encarceramento à contaminação externa.
Além disso, no caso da unidade feminina, tendo em vista as demandas de pesquisa da colega
3
No caso das unidades de internação masculina, dei prosseguimento às atividades sozinha. No caso da unidade
feminina, dei prosseguimento junto com a mesma companheira.
4
Pandemia da Covid 19
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
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fora do contexto de internação. Às vezes, as provocações que fazia eram bem recebidas e
os adolescentes respondiam empolgados, como se tivessem informações importantes para
passar; às vezes, desconfiados, simplesmente calavam, ou pediam para pular a pergunta
(SILVA, 2020).
Rindo ou com expressões sérias, lembravam da infância, das brincadeiras, das
repreensões das mães, das dificuldades. Falavam das amizades, das ajudas que receberam. Em
situações mais desconfortáveis para mim, falavam de suas relações amorosas, permeadas por
ciúmes e agressões verbais. Falavam de seus sonhos ou da ausência deles. Em um momento,
diziam que queriam mudar de vida, que estavam arrependidos, em outros diziam que iriam
fazer pior quando saíssem dali. As aparentes contradições relacionavam-se justamente às
incertezas sobre a minha posição. Afinal, se tive uma entrada privilegiada em campo, não
perco de vista que, entre mim e os adolescentes, estava a presença, ainda que simbólica, dos
funcionários que possibilitavam e mediavam meu encontro com eles (SILVA, 2020).
Em nossos encontros e desencontros das Rodas de Conversa, por um período de
tempo, ainda que curto, tornei-me parte da rotina semanal de algumas unidades e percebia
o esforço dos adolescentes por entender minha posição naquela figuração, por entender qual
a performance deveriam mobilizar em nossas interações, afinal, ainda que eu tenha tentado
explicar, minha posição localizava-se em uma área “cinzenta”: não era funcionária, nem do
crime, era uma estudante da UFAL, que fazia pesquisa sobre esse negócio de facção, e eles
chamavam-me professora Ada (SILVA, 2020).
Foi assim que pude observar um pouco dos movimentos de algumas unidades de
internação, das interações dos adolescentes entre si, com os funcionários, dos funcionários
entre si. Pude ver “bate-bocas”, orações, zoações... Não era raro ver os adolescentes ironizarem
baixinho os monitores, que ficavam distraídos em suas conversas paralelas, depois de trazer,
com mãos para trás e cabeça baixa, os garotos à sala onde nos encontrávamos. Tudo isso me
saltava às vistas, mostrando-me os meandros do que me interessava pesquisar: os controles,
as pressões, os constrangimentos, os governos e autogovernos (SILVA, 2020).
Neste sentido, as Rodas de Conversa construíram-se como uma estratégia
metodológica bastante rica e privilegiada. Por meio delas, pude atender parte significativa
de minhas demandas de pesquisa, mas, para além disso, pude, de alguma forma, contribuir
positivamente nas trajetórias dos adolescentes, desenvolvendo um diálogo para além das
formalidades pesquisador-pesquisado. Pude fazer provocações e ser provocada, ouvir suas
versões, questioná-los, discordar e ouvir suas discordâncias. Começamos a desenvolver
uma interlocução, na medida do que era possível. Mais do que isso, ainda que de maneira
limitada, ainda insuficiente, pude possibilitar-lhes um espaço de diálogo e discussão, numa
estratégia para desenvolver aspectos de suas expressividades.
Por meio das leituras e das subsequentes perguntas e discussões, podíamos acessar
aspectos em comum de suas vidas, que, em outros diálogos, talvez não emergissem em
suas falas, mas que permitiam que eles se expressassem sobre vivências até em comum que
poderiam ter, que viabilizavam uma espécie de identificação entre eles. Segue abaixo trecho
de um dos diálogos que tivemos:
[Pergunta] Mas fiquem aí pensando, vocês não tão compartilhando, não são
obrigados a compartilhar, mas podem ficar pensando na vida de vocês. Eu já
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me culpei por erros que não cometi? Entenderam? Tipo assim, a culpa não é
minha, mas eu fico me culpando por aquilo. Já aconteceu?
[Adolescente 1] Já.
[Adolescente 2] Já...
[Adolescente 3] Esse eu posso falar. Quando mataram meu irmão. Num tive
culpa, mas eu me culpei. [trecho incompreensível] desacreditei e eu num me
conformo, porque [trecho incompreensível] amanheceu morto, aí, eu fiquei
com isso.
[Adolescente 4] Mataram alguém pensando que era eu e a mãe dele toda vez
dizia que era eu. Fiquei me sentindo um pouco culpado. Que ela dizia que foi
por minha causa.
[Adolescente 2] Eu me culpei quando minha avó adoeceu, que minha família
toda falava que foi por causa que eu me envolvi no crime, tal... Aí, eu sempre
me culpei, que ela teve depressão e eu sempre me culpando por causa disso.
CONCLUSÃO
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longo prazo não podem ser medidos ou alcançados no presente, mas o próprio ambiente de
confiança e interlocução criado nas oito semanas de encontros é positivo por si mesmo.
Por meio da leitura, da música, de fotos, de jogos e desenhos, foi possível começar a
estimular, ainda que de maneira limitada, a expressividade dos garotos e garotas internados/
as por meio do uso de estratégias criativas, que contavam com a participação dos adolescentes,
sugerindo e envolvendo-se na medida em que sentiam interessados e à vontade. Trata-se de
uma proposta ainda não finalizada e fechada, mas que se apresenta como uma tentativa
promissora de formação dos adolescentes por meio de uma estratégia que está para além do
ambiente educativo tradicional.
[Pergunta] Como eu falei, né, hoje é o último encontro que a gente vai ter,
e aí eu fiquei pensando em outro trecho, quando ele fala assim: “É isso aí,
você não pode parar, esperar o tempo ruim vir te abraçar, acreditar e sonhar
é preciso, é o que mantém os irmãos vivos”. O que vocês entendem com essa
parte da música?
[Adolescente 1] Que se você tem um foco, você não para, você continua
correndo atrás e, se você parar, pode ser que esse tempo ruim venha te
abraçar.
[Adolescente 2] E nunca deixe pá depois, num espere o tempo ruim, cê tá
bom, tá com saúde, vai em busca do que você quer, porque se você for esperar
pá amanhã cê vai, e alguém pode vir atrás de você.
REFERÊNCIAS
6. HOFFMAN, Mary; ASQUITH, Ros. O grande livro das emoções. São Paulo: Paulinas, 2013.
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10. O TEATRO MÁGICO. Eu não sei na verdade quem eu sou. 2011. Disponível em:
https://www.youtube.com/playlist?list=PLB596714520BB08CD. Acessado em 09/
jul/2020.
12. ROCHA, Ruth. Quando eu não consigo. São Paulo: Salamandra, 2014.
14. ROCHA, Ruth. Quando eu não sei. São Paulo: Salamandra, 2014.
15. SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pqueno Príncipe. Rio de Janeiro: Agir, 1946.
16. SILVA, Ada Rízia Barbosa da. A “máquina opressora”: A gestão da vida de
adolescentes sentenciados a cumprir medida socioeducativa em unidades de internação
de Alagoas. 88 f. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Ciências Sociais) -
Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2018.
17. SILVA, Ada Rízia Barbosa da. Cadeias de tensão: Repertórios disciplinares de facções
e do sistema em unidades de internação alagoanas. 2020. 119 f. Universidade Federal de
Alagoas, 2020.
18. SILVERSTEIN, Shell. A parte que falta. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2018.
19. TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
20. TAUBMAN, Andrea Viviana. O menino que tinha medo de errar. Rio de Janeiro:
Zit, 2016.
114
9
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6843-4425 Pedagoga, Professora na Educação Infantil desde 2013;
Universidade Estadual de Alagoas/UNEAL, Palmeira dos Indios, Alagoas, Brasil. [email protected].
(2)
ORCID: https://orcid.org /0000-0003-3649-0403. Professora Assistente do curso de Letras desde 2004;
Universidade Estadual de Alagoas/UNEAL; Mestre em Letras e Linguística; Licenciada em Letras – Língua
Portuguesa e suas respectivas Literaturas, Universidade Federal de Alagoas/ UFAL; margarete_paiva@
hotmail.com.
ABSTRACT: Through language / language, we use in our daily life several textual genres that provide
interaction with others and organize social communication between social actors. Thus, the use of textual
genres is a possibility to achieve satisfactory results in relation to the development of apprentices since the
first years in school, including in the preschool class of Early Childhood Education. Children aged 4 and 5 must
have contact with various learning situations and experiences that enable them to learn about the world and
to develop reading and writing. Therefore, this study aims to analyze how textual genres are worked and how
they can contribute to the language development of children aged 4 and 5 in Early Childhood Education. This
article presents the qualitative research with field research carried out in 2019, on Early Childhood Education
and its foundations, bringing a theoretical and methodological approach on the text genres most used in
Early Childhood Education and showing how this use is made by teachers of a public school in the municipal
network of Palmeira dos Índios, state of Alagoas, Brazil. It also presents the look at textual genres as content
to be inserted in practices with children continuously and not on time, with regard to methodologies applied in
early childhood education, using textual genres as a starting point to contribute to the development of children
at this stage of education. The analysis of the results points out that the textual genres are worked on in a little
explored way by the researched educators. It is necessary to work with different methodologies that explore
not only the characteristics of the genders, but also their social functions, making it necessary to expand the
range of genres studied in the classroom space, in order to contribute to the development of children in that
age range age.
INTRODUÇÃO
A Educação Infantil, doravante EI, passou a ser reconhecida como a primeira etapa
da Educação Básica na LDB (BRASIL, 1996), o que tornou os debates acerca das políticas
públicas e das práticas para crianças de até seis anos mais intensos. No que diz respeito à
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap9
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função da EI junto às crianças, seu currículo e práticas que possam favorecer uma EI de
qualidade, muitos são os questionamentos, a exemplo de꞉ quais materiais presentes no
cotidiano das crianças podem ser explorados no ambiente escolar? Como o estudo e o uso de
gêneros textuais podem ser desenvolvidos com essas crianças? As bases para investigação
foram norteadas pela necessidade de conceber a criança como ser potente para construção de
saberes, bem como a necessidade de utilizar variados elementos que sirvam de pressuposto
para o desenvolvimento integral das crianças.
Há vários materiais, recursos e práticas que despertam o interesse e a curiosidade
das crianças e que, por vezes, passam despercebidos pelo educador, como é o caso dos
gêneros textuais que nos garantem interação e dialogicidade; dessa forma, constituem-se
como instrumentos importantes, que trazem resultados exitosos para o desenvolvimento
das crianças de quatro e cinco anos, quando utilizados na EI.
Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é analisar como os gêneros textuais são
trabalhados e como podem contribuir com o desenvolvimento de crianças de quatro e cinco
anos na Educação Infantil, conhecendo a visão de educadores sobre a temática, quais os
gêneros mais utilizados nas aulas, o que há nos documentos oficiais que norteiam o trabalho
na EI e refletindo sobre metodologias para a utilização dessa ferramenta nas aulas.
Lançamos, nesse contexto, a proposta de maior exploração interpretativa, estímulo à
interação e ao conhecimento de diferentes gêneros textuais, considerando que eles, através
da leitura e escrita, ajudam com objetividade e eficácia no crescimento intelectual dos
aprendizes, bem como na elaboração de sequência didática na utilização desses recursos, que
são importantes como sequência de atividades que possibilitam uma maior contextualização
e aprofundamento dos assuntos trabalhados. Essa contribuição dá-se pelo fato de que
os gêneros textuais existem em todos os locais, com os mais variados conteúdos e estão
presentes no cotidiano, sendo passíveis de utilização de acordo com o contexto que se queira
abordar, a partir das vivências, nesse caso, das crianças.
Salientamos que este trabalho foi motivado pelo interesse em compreender melhor
os gêneros textuais como recursos/instrumentos a serem utilizados em sala de aula e pela
experiência com ações nas turmas de EI, que culminaram em resultados exitosos. A partir
das experiências como professora em turmas de EI e da utilização dos gêneros textuais que
despertou nas crianças o interesse e o desenvolvimento em diversos aspectos, surgiu a pergunta:
como os gêneros textuais, que são ricos para exploração, são utilizados com as crianças na EI?
Para isso, buscamos subsídios nas seguintes referências teóricas: Bakhtin (2010),
Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004), Freire (2014), Marcuschi (2008), RCNEI (1998), BNCC
(2018), DCNEI (2010), LDB (1996) entre outras. A análise de dados configura uma pesquisa
de cunho qualitativo, caracterizada como pesquisa de campo.
O trabalho está estruturado em quatro seções. Na primeira, apresentamos reflexões
sobre fundamentos históricos e pedagógicos da Educação Infantil, amparados nos
documentos norteadores BNCC (2018), RECNEI (1998) e DCNEI (2010), que concernem
à criança como ser de direitos, que produz cultura e deve ter um ambiente educador de
estímulo ao desenvolvimento.
Na segunda, discutimos sobre a compreensão dos gêneros textuais, como identificá-
los, tendo em Marcuschi (2008) conceitos para definição de gêneros e considerações acerca
116
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Em diferentes contextos, sabemos que educar crianças pequenas não era preocupação
do Estado ou da sociedade, por isso, não havia oferta de educação escolar gratuita para
todos. Nas famílias, também não havia essa preocupação, pois a vida cotidiana, em muitas
sociedades, era marcada pela agricultura familiar, por meio da qual as crianças colaboravam
com o trabalho. Assim, a criança era considerada uma pessoa que deveria ser moldada para
agir como adulto e não se rebelar contra qualquer sugestão ou imposição feita.
Contrariamente a esse pensamento, a educação escolar de crianças pequenas é hoje
um direito assegurado. Ela é resultado de um gradativo processo construtivo da visão sobre
infância e educação infantil ao longo do tempo, a Educação Infantil passou a ser reconhecida
como a primeira etapa da Educação Básica na LDB (1996), o que tornou mais intenso o
debate acerca das políticas públicas e das práticas para crianças de até seis anos.
A criação da Lei nº 9.394, de dezembro de 1996, Lei Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB 9394/1996), define no:
Art. 29º. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade (BRASIL. LDB, 1996, p. 17).
Dessa forma, a EI deve visar não somente ao cuidado, mas o desenvolvimento da criança
em vários aspectos. É necessário, então, pensar nessa etapa de ensino como espaço de direito da
criança para o seu desenvolvimento e não de local onde os pais, por suas próprias necessidades,
podem deixar os filhos. O cuidado é indispensável no desenvolvimento das atividades, pois,
nessa faixa etária, há bastante curiosidade das crianças pelas coisas ao seu redor e interesse
por atividades que envolvam desafios, necessitando, por isso mesmo, exercitar a percepção de
situações de perigo. O ato de educar é indispensável e indissociável do ato de cuidar.
Entre os documentos oficiais norteadores para a EI, temos o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998) que traz, em sua proposta, conteúdos,
objetivos, reflexões acerca da prática pedagógica, que norteiam ações permeadas pela
interação e ludicidade.
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Sendo assim, o ato de educar, na primeira etapa da educação básica brasileira, deve
ocorrer de forma dinâmica, planejada e de modo a oportunizar atividades que possibilitem
o desenvolvimento da criança em diversos aspectos. O educador deve mediar essas situações
de aprendizagem, tornando-as interessantes e adequadas para cada faixa etária, norteadas
pelos documentos legais que apontam caminhos sobre as práticas a serem realizadas para
oportunizar esse processo.
A EI, portanto, não deve ser vista com a mera função de cuidar, mas como atendimento
que busque o desenvolvimento pleno da criança em interação com adultos e com outras
crianças no ambiente escolar, através do cuidado, da educação e da brincadeira.
Seria uma premissa equivocada pensar que os gêneros surgiram com as postulações
de Bakhtin (2010), Marcuschi (2008), Schneuwly e Dolz (2004), entre tantos outros autores
que se debruçaram nos estudos de gêneros textuais ou discursivos. É verdade que esses
autores deram grandes contribuições para a linha dos gêneros, mas é necessário evidenciar
que os gêneros existem desde que o homem comunicou-se pela primeira vez e foi com
Aristóteles, na Grécia Antiga, que eles apareceram pela primeira vez na literatura.
Foi Aristóteles (2011), em sua Retórica, quem classificou os gêneros do discurso
em três tipos específicos: judiciário, deliberativo e epidítico. Cada um deles possui suas
especificidades. O primeiro está ligado ao tribunal e às questões de acusação e defesa; o
segundo diz respeito às assembleias - nesse discurso, aconselha-se ou desaconselha-se; e o
terceiro diz respeito aos espectadores, nos quais se elogia ou censura algum comportamento.
Bakhtin (2010, p. 261) afirma que “o emprego da língua se efetua em forma de
enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou
daquele campo da atividade humana”. São esses enunciados que refratam a realidade e
evidenciam como os discursos são construídos. Os enunciados são os chamados gêneros do
discurso que possuem um estilo, um conteúdo temático e uma construção composicional.
Os gêneros são textos orais e escritos que têm uma função social comunicativa,
considerando que:
Os gêneros textuais são textos que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições
funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração
de forças históricas, sociais e técnicas (MARCUSCHI, 2008, p.155).
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A ideia do autor é que os gêneros estão em nosso dia a dia e que são dotados de elementos
sociais, históricos, culturais, linguísticos, entre outros, que moldam as falas daqueles que os
utilizam. A escolha de um gênero e não de outro revela a função social e até mesmo o exercício
de poder por meio do uso de um gênero específico. Nenhuma comunicação acontece sem a
utilização de algum gênero textual, visto que eles fazem parte da vida das pessoas em suas
interações, produções e comunicações no meio social e em vários contextos. “Ora, a língua
passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através
de enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2010, p. 265).
Os gêneros que são utilizados na vida diária manifestam-se na modalidade oral e
escrita da língua. As duas modalidades são meios distintos, mas não opostos, de realização
da língua. Santos (2013, p. 59) afirma que “os gêneros aparecem na perspectiva da fala e da
escrita dentro de um Continuum Tipológico das práticas sociais de produção textual”. A fala
e a escrita, neste trabalho, são vistas como complementares e não dicotômicas.
A questão do suporte textual ainda é uma temática muito discutida nos estudos de
gêneros textuais. Marcuschi (2008, p. 179), por exemplo, afirma categoricamente que o livro
didático ou qualquer livro não é um gênero, mas um suporte textual. Em contrapartida, os
estudos em Linguística Aplicada defendem a ideia de que se trata de um gênero. Vemos um
grande conflito teórico pelo fato de o gênero e o suporte serem tão próximos, entretanto,
há diferenças fulcrais. Desde já, ratificamos que concordamos com o posicionamento de
Marcuschi (2008), por razões preferíveis e teóricas.
Assim, entendemos que a identificação dos gêneros associa-se diretamente com o
suporte; essa ligação não é indiferente ao material ou meio eletrônico por meio do qual o
gênero realiza-se. Uma carta pessoal, por exemplo, é escrita em papel e enviada para que o
remetente receba-a em mãos; quando escrita com as mesmas informações, porém enviada
por endereço eletrônico passa a ser um e-mail. Uma pequena mensagem direcionada a uma
pessoa próxima, deixada em papel sobre a mesa, pode ser considerada um bilhete, mas se a
mesma mensagem for passada via telefone será um telefonema.
Neste sentido, o suporte é crucial para o entendimento e a caracterização do gênero e,
embora, por vezes, sejam confundidos com os próprios gêneros, é importante sabermos que
os suportes de gêneros (também conhecidos como portadores de gêneros) são os materiais
ou meios pelos quais os gêneros realizam-se. Marcuschi (2008, p. 174) afirma: “entendemos
aqui como um suporte de um gênero um locus físico ou virtual com formato específico que
serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”.
O suporte textual e o gênero, portanto, são elementos diferentes, mas estão
intimamente relacionados. Um não acontece sem o outro, pois são imbricados, ligados. O
gênero é a realização funcional do texto oral e/ou escrito e o suporte é o local em que o
gênero encontra um formato específico para fixar-se, física ou virtualmente.
Neste sentido, a escola é tomada como autêntico lugar de comunicação e as situações
escolares como ocasiões de produção/recepção de textos. Os alunos encontram múltiplas
possibilidades nas quais a produção textual torna-se possível e necessária. Os gêneros
escolares são o resultado do funcionamento da comunicação escolar; eles são aprendidos
por meio da prática de linguagem que necessita ser desenvolvida e estudada em sala de aula
(SCHNEUWLY; DOLZ, 2004).
119
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O PERCURSO METODOLÓGICO
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dessas ações não estão descritas no planejamento. Vale ressaltar que o planejamento deve
ser flexível, sobretudo, na EI, etapa em que se deve valorizar os interesses das crianças,
contudo, é necessário que se planeje os contextos para que as ações não aconteçam de forma
aleatória e não percam o objetivo de contribuir com o desenvolvimento das crianças.
P2 citou, no questionário, que trabalha músicas, histórias e fábulas, porém, durante o
período de observação da prática pedagógica, a fábula não foi trabalhada. Seria interessante
utilizar a fábula para criar uma situação de escuta das crianças, de comparar a leitura com
características de outros gêneros textuais, criar listas de animais das fábulas já conhecidas,
entre outras ações, trabalhar as fábulas numa sequência de atividades. Os objetivos citados pela
P2 foram: desenvolver a oralidade, a criatividade e a expressão corporal. Tanto no plano diário
quanto na prática de sala de aula, percebemos a contextualização dos assuntos trabalhados
com a realidade das crianças, a realização de perguntas. Ambas as educadoras registram, no
plano diário, o objeto de trabalho - o gênero - o objetivo e os conteúdos a serem utilizados.
Na metodologia descrita por P1, as atividades a serem desenvolvidas: história
Chapeuzinho vermelho, acolhida, roda da novidade, atividade de pintura, coordenação
motora, lanche, recreação. Quanto a esse aspecto, no planejamento de P2, há uma descrição
um pouco mais detalhada, citando roda de conversa, expressão corporal, identificação de
cores, a partir de leituras realizadas com atividades lúdicas.
Diante disso, a partir da análise do plano diário e das observações realizadas em sala,
percebemos um trabalho envolvendo gêneros textuais nas turmas de Educação Infantil,
mas de uma forma muito superficial. A P1 contou histórias e cantou músicas infantis com
as crianças, mas não houve exploração das histórias e músicas, apenas cumprimento de
momentos da rotina infantil. São utilizadas músicas para o momento de acolhida, do lanche
e na educação para a saúde; assim como histórias para a hora da leitura, incentivando a
interação, imaginação, atenção e articulação da fala. A P2 usa músicas e histórias para
incentivar o interesse pelas atividades a serem realizadas posteriormente: estudo de letras,
do nome próprio, de números e cores. Não há uma explanação em relação às características
do texto lido, diversidade de gêneros usados, entre outros aspectos.
Essas ações são importantes em atividades com as crianças de quatro e cinco anos,
pois formulam hipóteses, desenvolvem conhecimentos diante da mediação realizada e
adentram ao mundo da leitura e compreensão de mundo, a partir de ações que refletem as
práticas do cotidiano.
A Base Nacional Comum Curricular (2018) – um dos documentos norteadores para
o trabalho pedagógico, na EI- trata dos campos de experiências a serem trabalhados com as
crianças para garantir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Entre os objetivos
descritos relacionados às aprendizagens para crianças de cinco anos, no campo de experiências
de escuta, fala, pensamento e imaginação, encontramos no código alfa EI03EF07: Levantar
hipóteses sobre gêneros textuais veiculados em portadores conhecidos, recorrendo à estratégia
de observações gráfica e/ou de leitura (BNCC, 2018, p.48). As crianças têm potencial para
desenvolver essas percepções, o que pode ser exemplificado quando ouvem uma música ou
história e pedem para que seja contada novamente. Elas sabem como solicitar a ação pedindo
“historinha” música. Esse potencial deve ser ampliado no cotidiano escolar.
No planejamento de P1 e P2 e nas observações realizadas, esse objetivo não foi
contemplado pelas professoras. Isso se dá porque o uso dos gêneros é pouco explorado em
123
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sala; os mesmos gêneros são trabalhados sempre de forma aligeirada, superficial. Por vezes,
ainda ocorre de a aula não seguir a metodologia descrita no plano, o que, naturalmente, pode
ocorrer, pois o planejamento é flexível e vulnerável aos fatos inesperados, como ocorrido no
segundo dia de observação: no planejamento da P1, estava constando para iniciar a rotina
com a leitura da história “ Os três porquinhos”, porém, a história não foi contada, pois
cantaram música de boas-vindas e, depois, realizaram atividade de pintura com as mãos.
Na escola pesquisada, de acordo com o calendário escolar, o ano de 2019 teve, no primeiro
semestre, 89 dias letivos para as duas turmas, contados até o último dia desta pesquisa. No
período de 35 dias, foram trabalhados, na turma da P1, os gêneros que estavam no planejamento
diário. O trabalho deu-se sempre com os mesmos gêneros: história, música e poema. Na turma
da P2, durante 31 dias, foram utilizados os seguintes gêneros textuais: fábula, história ou música.
Nesta turma, os textos foram melhor explorados e os conteúdos estavam relacionados com a
leitura realizada. A exemplo, um dos planos constava leitura da história Chapeuzinho vermelho,
roda de conversa sobre a história, pintura com a cor vermelha, a P2 confeccionou chapéu em
dobradura de papel com as crianças e questionou sobre partes da história, incentivando a
dramatização. O gênero mais usado foi música. Várias músicas repetiram-se nos momentos da
rotina. A tabela 1, a seguir, apresenta os dados da pesquisa sintetizados:
Possibilita o desenvolvimento
Desenvolve o hábito de ler, dic-
Visão da educadora sobre qual impor- das crianças, facilitando e esti-
ção, ritmo, exposição de ideias e
tância do uso dos gêneros mulando o interesse em apren-
interação com o social.
der.
124
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A partir desses dados, podemos notar que a utilização dos gêneros textuais na EI
ocorre predominantemente com contação de histórias e atividades com músicas. Esse uso
acontece com exploração mínima de características e funções dos gêneros como textos do
cotidiano, sem questionamentos sobre que leitura foi ouvida, sem inserir o uso de gêneros
que fazem parte do cotidiano como receitas, faturas, listas, gráficos simples; eles são usados
para trabalhar os conteúdos e para que as crianças aprendam, por exemplo, a cor amarela a
partir de atividades com o conto Patinho Feio.
O olhar para o estudo e a utilização dos gêneros com crianças de quatro e cinco
consta em documentos que norteiam o trabalho pedagógico lúdico e dinâmico, no entanto,
notamos necessidade de ampliar esse trabalho, levando-se em conta os interlocutores e a
intencionalidade do ensino dos gêneros apropriados a essa faixa de idade.
Os Referenciais Curriculares Nacionais, Para a Educação Infantil/ RCNEI (1998,
p. 121) chamam a atenção para a importância do trabalho com os gêneros textuais para
o desenvolvimento das crianças: “[...] grande parte das crianças, desde pequenas, estão
em contato com linguagem escrita por meio de seus diferentes portadores de texto, como
livros, jornais, embalagens, cartazes, placas de ônibus e etc.”. Fica evidente que a utilização
dos gêneros é importante ferramenta para a educação escolar, devendo estar presente nas
práticas docentes como objeto de estudo.
A EI deve ser marcada por descobertas, construções de sentidos, interações,
experiências e aprendizagens, que são expressas pelas diversas linguagens das crianças.
Para possibilitar essas experiências, faz-se pertinente a existência de reflexões e busca de
conhecimentos acerca do currículo na EI, dos direitos de aprendizagem e de documentos
norteadores, que levarão à organização das diversas propostas que, de fato, façam sentido
para as crianças e possibilitem o desenvolvimento integral.
Para que a criança levante hipóteses relacionadas aos gêneros textuais que
circulam no seu cotidiano e que ela tem contato, é necessário que o educador trabalhe
com metodologias que proporcionem situações de questionamentos, comparações,
criações e partilha de experiências para que ela perceba as situações de uso dos diferentes
textos apresentados a ela, de acordo com suas observações. Essas ideias são fortemente
evidenciadas por Malaguzzi (1994), no tocante a conceber a criança como portadoras e
construtoras das próprias culturas e, dessa forma, considerar também que participam
ativamente da organização de suas identidades, de suas autonomias, competências,
quando interagem e relacionam-se com as demais crianças da mesma idade, adultos, ideias
e eventos reais ou imaginários de mundos que abrangem vasta comunicação.
Na busca por uma melhor compreensão e por possibilitar uma continuidade nas
atividades a serem realizadas, é válido elaborar sequências de atividades que possam
abordar os assuntos dos interesses das crianças de várias formas. Assim, considerando a
teoria proposta por Bruner (1960), que concebe os modelos de currículo em espiral- por
exemplo, para conseguir entender o que seria uma receita, seria necessário contextualizar
antes, falando sobre ingredientes - e aprendizagem por descoberta, com apresentação de um
conteúdo de forma ampla, voltando, mais tarde, a trabalhar o mesmo conteúdo com diferentes
metodologias, visto que cada pessoa aprende com diferentes mediações e experiências, de
acordo com sua singularidade e com o meio que vivencia.
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Não é nossa pretensão limitar a visão apenas para as poucas práticas aqui descritas,
mas despertar a criatividade para inúmeros outros usos desse importante recurso. Vejamos,
então, algumas sugestões de atividades para o desenvolvimento das crianças de quatro e
cinco anos com diferentes gêneros textuais.
• Conhecer os gêneros textuais com os quais as crianças têm contato, a partir de pesquisas,
conversas e entrevistas escritas que as crianças devem realizar em casa com os responsáveis;
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos dados obtidos e analisados, o objetivo de estudar como os gêneros textuais
são trabalhados e como podem contribuir com o desenvolvimento da linguagem de crianças
de quatro ou cinco anos na Educação Infantil foi contemplado. O trabalho aponta que, apesar
de afirmar saber da importância dos gêneros textuais para o desenvolvimento das crianças,
as atividades planejadas e metodologias trabalhadas pelas docentes apontam para práticas
recorrentes de canções e contação de histórias, como trabalho de utilização dos gêneros
textuais. Além disso, a interdisciplinaridade não acontece de forma contextualizada com a
realidade dos alunos e, às vezes, não há interação e ligação de um conteúdo como outro de
forma sistemática.
A partir da observação do planejamento diário, foi possível perceber que não há
uma sequência de atividades a ser seguida e que o uso dos gêneros acontece de forma
aleatória e com poucas possibilidades de incentivo ao desenvolvimento em vários aspectos.
127
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REFERÊNCIAS
3. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
128
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10. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1966.
11. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa/Antônio, São Paulo: Atlas,
2002.
12. MALAGUZZI, L. Your image of the child: where teaching begins. Child Care
Information Exchange, Redmond, n. 96, 1994. Disponível em: https://static1.
squarespace.com/static/56e06e1ab654f926bbf666b4/t/56feb83d1d07c08799
2d0430/1459533886240/Your+Image+of+the+Child_+Where+Teaching+Begins.pdf
Acesso em 06.07.2019.
14. MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e
criatividade. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2001. Disponível em: http://www.faed.udesc.br/
arquivos/id_submenu/1428/minayo__200 pdf Acesso em: 12/07/2019.
129
10
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1271-0339 ; Graduanda em Letras (Inglês) e Professora de Língua
Inglesa – Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL. Arapiraca, Alagoas. Brasil. E-mail: belatrizrodrigues@
gmail.com
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8636-5964; Professora Dra. em Ciências da Educação revalidado
pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Arapiraca, Alagoas. Brasil. E-mail: [email protected]
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2303-1216; graduanda em letras (português) e pesquisadora PIBIC-
Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL. Arapiraca, Alagoas; Brasil. E-mail:[email protected]
ABSTRACT: This article is about Howard Gardner’s theory, regarding the multiple intelligences. The aim
is to investigate how the textbook of the first year from an elementary school, adopted in a public school
in Arapiraca city, Alagoas state from Brazil, brings in its questions, the different types of intelligences,
determined by the author mentioned above. The intelligences are linguistic intelligence, logical - mathematical
intelligence, spatial intelligence, body kinetic intelligence, musical intelligence, interpersonal intelligence and
intrapersona l intelligence. In this way, the intention is to study how often the authors from a textbook, used
in the elementary school, have been working on the activities of each type of intelligence. Therefore, seeking
through this research to evidence how these issues are being approached and to show the frequency with
which this has been happening and also, in this sense, to bring brief explanations about the treatment and
deepening of the issues, in order to propose new looks for this approach. Therefore, its obj ective is to analyze
the role of the textbook, considering several stages that they contemplate as multiple intelligences facing the
contributions given to the students, separating them. Thus, as methodological procedures of the present work
related to a b ibliographic research carried out through critical analysis based on the approach of the proposed
theme and, a case study that resides in the solutions, in the proposed reading, punctuating the questions
that were arising on the subject in question for preparation of the essay. It concludes by promoting students
from the initial grades and the necessary accompaniment to develop in a relevant way that some intelligences
appear, so they can occupy a place in this diverse and complex world, in a healthy way.
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap10
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INTRODUÇÃO
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REFERENCIAL TEÓRICO
A teoria das Múltiplas Inteligências (MI) foi desenvolvida pelo psicólogo cognitivo
e educacional, Howard Gardner (1994), e aprofundada por Antunes (2005) e Armstrong
(2008). O professor de Harvard afirma que a cognição humana só pode ser estudada a
partir das competências que, constantemente, são desconsideradas. Esse fato pode ser
exemplificado se for levado em consideração que a carga horária de português e matemática
são maiores se comparadas com outras disciplinas nas escolas de educação básica, inclusive
observada na escola campo de pesquisa.
A teoria de Gardner (1994) consiste em identificar as inclinações intelectuais do aluno
para que sejam ampliadas suas oportunidades educacionais, portanto, os métodos de análise
não podem ser somente linguísticos e lógico-matemáticos, mas devem contemplar outras
formas de aprendizado.
Com tais estudos, Gardner (1994) pretende examinar as implicações educacionais das
MI, sendo possível o mapeamento do perfil intelectual de cada indivíduo e, desse modo,
melhorar a absorção de conhecimentos individualizada. Para ele, o perfil de aprendizagem
de cada aluno é distinto e o ideal é que a aptidão individual seja identificada precocemente
para que seu potencial seja canalizado, resultando, assim, em uma melhora no aprendizado.
Além de canalizar os talentos do aprendiz, o psicólogo afirma que o estudo de tais inteligências
contribui com o desenvolvimento de competências intelectuais aplicadas em diferentes
contextos culturais. Neste sentido, alguns livros didáticos de linguagens trazem questões que
exploram, também, outras áreas de conhecimento de maneira indireta, como é o exemplo do
livro didático analisado neste trabalho.
Antunes (2005) relaciona a teoria desenvolvida por Howard Gardner com estudos
voltados à estrutura cerebral:
Antunes (2005) aponta não só questões cerebrais, mas também conclui que, apesar de
haver consenso com relação à existência de múltiplas áreas que expressam diferentes tipos
de inteligência, é difícil determinar quais são essas áreas especificamente. Gardner (1985)
identificou os tipos de inteligências, sendo elas: linguística ou verbal, lógico-,matemática,
espacial, musical, cinestésica-corporal, naturalista, intrapessoal e interpessoal.
Além das oito inteligências citadas, Nilson Machado descreve a habilidade de desenhar
como inteligência pictórica, mas ela não foi aceita por Gardner, que, por sua vez, classifica
Picasso como “verdadeiro ícone caracterizador das inteligências espacial, cinestésica
corporal e interpessoal” (ANTUNES, 2005, p. 67)
Com base na teoria das MI, Armstrong (2008) desenvolveu um quadro para classificar
as inteligências ttendo como referencia na maneira que o aluno pensa, seus interesses e o
que precisa para concluir o processo de ensino/aprendizagem.
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Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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1. Inteligência linguística: a capacidade de fazer uso efetivo de palavras, de modo oral e escrito.
Pensamento: em palavras;
Interesses: leitura, escrita, contação de histórias e jogos relacionados a palavras;
São necessários: livros, papel, diálogos, debates, discussões e histórias.
2. Inteligência lógico-matemático: a capacidade de raciocinar e usar números de
forma efetiva.
Pensamento: por raciocínio;
Interesses: experimentação, questionamentos, resoluções de quebra-cabeças lógicos e
cálculos;
São necessários: materiais para experimentar materiais científicos, manipulativos,
viagens a planetários e ciência;
3. Inteligência espacial: A capacidade para perceber e transformar o mundo.
Pensamento: em imagens e figuras;
Interesses: desenhos, rabiscos e visualização;
São necessários: artes, legos, vídeos, filmes, slides, jogos de imaginação, labirintos, quebra-
cabeças, livros ilustrados e viagens a museus de arte.
4. Inteligência cinestésica -corporal: A capacidade de usar o corpo com o objetivo de
expressar ideias e sentimentos e trabalhar manualmente. Não deve ser confundida com o
conceito de cinética. O segundo termo estuda a velocidade de reações químicas, enquanto
o tipo de inteligência cinestésico –corporal está voltado às sensações sentidas através dos
movimentos musculares.
Pensamento: sensações;
Interesses: dança, corrida, saltos, toques e gestos;
São necessários: movimentos, peças teatrais, manuseio de objetos de objetos, esportes, jogos
físicos e experiências tácteis;
5. Inteligência musical: A capacidade de perceber e expressar musicalidade.
Pensamentos: ritmos e melodias;
Interesses: canto, assobio, zumbidos, ouvir, bater os pés e as mãos;
São necessários: shows musicais, ouvir música e, enquanto se locomover de um lugar para o
outro, instrumentos musicais e canções;
6. Inteligência musical: A capacidade de perceber e expressar formas musicais
Pensamentos: ritmos e melodias;
Interesses: canto, assobio, zumbidos, ouvir, bater os pés e as mãos;
São necessários: shows musicais, ouvir música enquanto se locomover de um lugar para o
outro, instrumentos musicais e canções;
7. Inteligência intrapessoal: A capacidade de agir com base no autoconhecimento.
Pensamento: relacionados a seus pensamentos e objetivos;
Interesses: traçar metas, meditar, sonhar, planejar e refletir;
São necessários: lugares secretos, tempo sozinho, ritmo individual e escol ha de projetos;
133
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PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
A seleção do livro didático foi guiada, em consonância com certa preocupação com
a educação pública, considerando, dessa forma: o tratamento desigual aos diversos modos
de demonstrar inteligência, a não valorização de algumas competências intelectuais por
não atenderem às demandas do capitalismo, em oposição a supervalorização de outras
inteligências, como inteligência lógico-matemática e inteligência linguística.
Diante de todas as questões políticas, sociais e culturais que atingem as crianças do
ensino fundamental, decidiu-se analisar o livro didático dos alunos de uma escola pública
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Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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estadual, localizada na zona rural da cidade de Arapiraca -AL (Brasil), cidade de residência das
autoras do trabalho. É importante pontuar que a dupla responsável pela elaboração do artigo
trabalha com ensino de línguas, uma autora atua como professora de língua portuguesa e a
outra, de língua inglesa.
Após a escolha do material, houve uma reflexão acerca da metodologia da abordagem
do livro didático em relação ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. Foi decidido que o
estudo seria realizado através de cada tipologia de inteligência das questões propostas pelo livro
didático, ou seja, foram analisadas cada inteligência, individualmente, dentro das questões.
Realizando a leitura do livro didático e catalogando em um relatório as questões por
inteligência, pontuou-se a frequência de aparecimento dessas questões em cada categoria
de inteligência. Posteriormente, faz-se apenas algumas explanações das questões de cada
inteligência a fim de ilustrar como são trabalhadas
Vale ressaltar que este trabalho propõe-se a analisar apenas o livro de português
dessa série criada pela Editora Moderna, deixando, assim, a ideia de analisar outra série de
livros para um projeto futuro. Diante disso, a proposta deste estudo é investigar a frequência
com que questões dentro das atividades contemplam cada uma das múltiplas inteligências
e, assim, pontuar como o livro didático utilizado pelos professores e alunos vem tratando
essa abordagem e como pode melhorá-la, de forma a tratar de outras inteligênci as em suas
atividades, e propor um equilíbrio no estímulo dessas diversas inteligências.
Foi consensual os elementos que levaram a escolha do livro didático a ser ultilizado
como material empirico do trabalho. Ou seja, estabelecemos alguns critérios que nos levaram
a tal escolha, dentre eles, ser uma obra utilizada em escolas públicas do ensino fundamental
do municipio de Arapiraca – Al, que estivessem próximas da vida cotidiana das autoras
e que oportunizassem conhecer melhor, no espaço da pesquisa, a vida dos sujeitos e suas
condições de vulnerabilidade.
A obra escolhida é usada em aulas de Português, no 1º ano do ensino fundamental
e foi selecionada por ser o livro da coleção que está mais conectado à área de estudo que as
pesquisadoras trabalham. Vale salientar que a editora não incluiu na coleção livros de idiomas, o
que foi frustrante para uma das autoras, já que seu campo de formação é a lingua inglesa, ficando
as análises situadas na já referida obra. Situamos as análises a partir de tais perspectivas:
135
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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Buscou-se observar como o livro, apesar de não ser da área, incentiva os alunos a
desenvolver de alguma maneira as habilidades de contagem e de reconhecer, nas relações e
representações sociais, as operações matemáticas.
Notou-se apenas duas questões de 203 abordando essa inteligência, o livro incentiva o
desenvolvimento dessa modalidade de inteligência à medida que pede para que os alunos
realizem contagens de letras ou termos. Além disso, incentiva a realização de uma análise de
algumas construções textuais e pede para completá-las.
Buscou-se observar como o livro trata do processo criativo dos alunos, no sentido de
incentivá-los para desenvolver habilidades de orientação espacial e, assim, realizar tarefas de desenho,
plantas de construções e similares de maneira serena.
Encontraram 23 questões dentro do livro abordando essa modalidade de inteligência
e, através das questões, há um incentivo para que os alunos desenhem e até mesmo façam
jogos ou construções de papel (que vieram anexadas no final do livro) para realizarem
alguma atividade prática ou brincadeiras em sala de aula.
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nas com os colegas e professores, trata, também, ao pedir que os alunos reescrevam trechos
dessas músicas com palavras de entonação/rima similar, entre outras maneiras.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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e brincar até pedir para os alunos para fazerem desenhos, entre outras coisas. Com seis
questões, a inteligência musical foi notada, pedindo para que os alunos, em cooperação
com o professor, cantassem cantigas ou as completassem à sua maneira fazendo, assim,
trabalhar sua criatividade composicional, musical.
Já a inteligência interpessoal apareceu com duas quest ões a menos que a inteligência
musical e, em seguida, a inteligência naturalista apareceu em apenas duas questões,
restando, assim, apenas a inteligência cinética -corporal que não foi mencionada, em
nenhum momento, nas questões, o que em termos práticos já era esperado. No entanto,
há uma necessidade de relembrar que todas as inteligências deveriam ser incentivadas a
aprimorarem. A seguir, foi anexado um gráfico que exemplifica, exatamente, a contagem de
dados que foi realizada para chegar a esse resultado.
CONCLUSÃO
Diante do que foi estudado, foi possível notar que as múltiplas inteligências, apesar
de aparecerem nas questões, em sua maioria, são trabalhadas de forma desigual, mesmo
levando em consideração o fato do livro didático ser da disciplina de português. Todavia, é
importante levar em consideração que por ser um livro de uma área específica, dificilmente,
pode fomentar o desenvolvimento das diversas inteligências propostas por Gardner de forma
isonômica, pois, o foco dos autores do livro, de acordo com a investigação, é estimular os
alunos na melhora de suas habilidades relacionadas à linguagem, tomando, em consideração
o fato de que muitas questões de inteligência musical e inteligência interpessoal estavam
trabalhando com a inteligência linguística também.
O intuito da pesquisa baseava-se em afirmar se há uma promoção de oportunidades
para que os alunos tenham acesso ao estímulo dessas inteligências e possam desenvolvê-las
de forma justa, notoriamente, elas são trazidas no livro, em sua grande maioria, mas com
uma disparidade em questões de número por área de inteligência. Ainda assim, precisa-se
salientar que o resultado dessa análise não deixou de ser satisfatório, tendo em vista que se
esperava uma quantidade bem maior de questões que trabalhassem a inteligência linguística
de forma isolada.
Ao observar uma gama de questões abordando as inteligências espacial e interpessoal,
respectivamente, aparecendo com a segunda e terceira maiores frequências, finaliza-se com
impressões extremamente satisfatórias, com o aporte que o livro fornece aos professores,
pois, mesmo sem ter a plena consciência de todas as modalidades de inteligências que
existem, eles trabalham de maneira relativamente boa com o uso devido desse material.
Pode-se entender a necessidade desta pesquisa ao notar como ela possui o intuito de
produzir diálogos entre os profissionais que trabalham sem ter a consciência da pluralidade
de inteligências dos alunos ali presentes. Ela também é importante porque propõe um olhar
crítico acerca do trabalho dos autores do livro no sentido de estimular as M.I., incentivando,
assim, outros autores que possam levar em conta as suas próprias ações desenvolvidas
de forma falha e, dessa maneira, possam tomar medidas para melhorar aspectos como a
desigualdade no tratamento das M.I., por exemplo.
Mas, por fim, é necessário que se levante essa discussão sobre o desenvolvimento
das diversas modalidades de inteligências para os professores e diversos profissionais que
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estejam envolvidos no processo educacional dos alunos, a fim de que, como foi proposto
no trabalho, não haja nenhuma discriminação/diminuição de carências no estímulo de
habilidades fomentadas por essas inteligências. Além disso, é importante verificar se os livros
desde as séries iniciais, possuem estrutura e acompanhamento necessário para desenvolver
de forma relativamente capaz algumas dessas inteligências. Consideramos também, que as
teorias sobre cognição de Gardner, anteriores a utilizada nesse estudo não trabalhavam com
uma amplitude de áreas intelectuais como trabalham na obra que foi utilizada, pois, tais
áreas colocavam em uma posição de menor atenção as inteligências não ligadas à linguística
e à lógica. Com este estudo, esperamos contribuir para que a infância cidadã possa ocupar
seu lugar neste mundo, protagonizando suas histórias, dizendo e sendo ouvida/respeitada
na relação adulto- criança..
REFERÊNCIAS
4. SANCHEZ, Marisa Martins. Buriti mais português. Editora Moderna, 1º edição. São
Paulo, 2017.
139
11
Claudiene Cordeiro Leandro Bispo(1); Leopoldo Oscar Briones Salazar(2); José Eronildo de Melo(3);
Maria Sizino de Lira(4); José Saraiva dos Santos(5)
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0359-6930, Pós-doutoranda; Universidad de Desarrollo Sustentable
- UDS; Assunção, Paraguai; [email protected];
(2)
ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/0000677340603200, Diretor Geral Visión Educacional Chile: www.vechile.
org. Diretor Pós-graduação UDS, Assunção, Paraguai. E-mail: [email protected];
(3)
ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/5348677365681612, Pós-doutorando; Universidad de Desarrollo Sustentable
- UDS; Assunção, Paraguai. E-mail: [email protected];
(4)
Maria Sizino Lira Santos, Pós-doutoranda; Universidad de Desarrollo Sustentable - UDS; Assunção,
Paraguai. E-mail: [email protected];
(5)
ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/6295821688007758 , Mestrando; Universidade Estadual de Alagoas
-UNEAL; Arapiraca, Alagoas. E-mail: [email protected]
ABSTRACT: This article consists of an excerpt from a doctoral investigation, which based on the ideas
of Vigotski, Kishimoto (2017), Brougére (2002), among other contemporary authors, presents as a general
objective, to analyze the main characteristics of games with rules, seeking to understand contributions to
the children’s learning and development process. The adopted methodology has an epistemological focus on
descriptive research, with empirical data, scientific methods of data collection and analysis, presented with
theoretical basis. As for the approach, this is a survey with qualitative and quantitative aspects. The data
collection techniques used were bibliographic analysis, systematic observation in loco and the interview.
The field research was carried out at the Antônio Bispo de Oliveira Municipal Elementary School, located in
the Massapê District, Feira Grande - Alagoas. The subjects involved were 36 children, aged 6 to 11 years old,
who studied from the 1st to the 5th year. Three Research Groups were organized, composed of 12 children
of both sexes: IG1, 6 and 7 years old; GI2, 8 and 9 years old; and GI3, 10 and 11 years old. The space used
was the covered patio and the soccer field, where a chest of games with rules was available, containing the
materials that the children mentioned, during the interview, that they used in their favorite games. Ten play
sessions were held, with an average duration of 25 minutes each. Subsequently, the episodes related to the
research objectives were cut, which were analyzed according to the theoretical perspective adopted. The
results found that games with explicit rules have as main characteristics the presence of the imagination in a
hidden way, the purpose of the game as the dominant aspect, the pleasure and displeasure before the result,
the interaction, the demand for attention and regulation of the child. It also revealed that each of these
characteristics directly influences the development of all aspects of the child and that, therefore, play needs
to be inserted in school practice.
1
DOI: 10.48016/GT16Xenccultcap11
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)
INTRODUÇÃO
2
Teoria de Ausubel (1982), a qual que propõe que os conhecimentos prévios dos alunos sejam valorizados, para
que possam construir estruturas mentais e, com isso, serem capazes de relacionar e acessar novos conhecimentos.
3
Disponível em https://www.todospelaeducacao.org.br/pag/cenarios-da-educacao. Acesso em 20 de abril de
2020. E disponível também em http://simec.mec.gov.br/pde/grafico_pne.php. Acesso em 20 de abril de 2019.
4
Para Vigotski (1991), todo jogo é um jogo de regras. A diferença consiste no fato de que há “jogos em que há
uma situação imaginária às claras e regras ocultas” (VIGOTSKI, 1991, p. 64) o famoso faz de conta – e há
“jogos com regras às claras e uma situação imaginária oculta” (p. 64) que são os jogos com regras explícitas –
comumente denominado de jogos com regras. Por essa razão, nesta tese, adotar-se-á a expressão jogos com
regras referindo-se aos jogos em que as regras são evidentes e preestabelecidas, que é o foco desta pesquisa.
141
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
Angela Maria Araújo Leite | Elizete Santos Balbino | Maria do Socorro Barbosa Macêdo (Organizadoras)
entre seus pares, Borba (2006/2007). Desse modo, a cultura lúdica como toda cultura é
resultado da interação social, “a criança adquire, constrói sua cultura lúdica brincando”
(NÓBREGA, 2008, n/p).
Nesse contexto, compreende-se que a cultura lúdica não é algo fixo e imutável, mas
existe por meio de uma construção processual, sob a influência dos aspectos de gênero, de
classe social e de etnia, que estão diretamente ligados à cultura local. Neste sentido, Kishimoto
afirma que a cultura do brincar é local, mas também é global. Segundo ela, as crianças
brincam em qualquer lugar e brincam de formas diferentes em todo lugar. Todavia, a rede de
comunicação oral é extensiva e veloz. Um modo de brincadeira difunde-se muito velozmente.
Além disso, o direito de brincar afirma-se na Declaração Universal dos Direitos da
Criança (1959), com o reconhecimento de que, na infância, deve-se desfrutar de jogos e
atividades recreativas próprias para sua idade, como dever da sociedade e do Estado. A
importância do brincar livre para o desenvolvimento da criança também está associada
aos novos contextos das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9
(nove) anos, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 7/4/2010, que destacam a
relevância do lúdico nas práticas pedagógicas para promover uma aprendizagem significativa.
Outro documento é o Parecer CEB 02/2003, publicado no Diário Oficial da União de
3/7/2003, ressaltando que o recreio escolar (intervalo entre as aulas, destinado à realização
de atividades como brincar, descansar, conversar, lanchar etc.) deve ser considerado
como “efetivo trabalho escolar”. E, também, ainda que timidamente, o direito de brincar
é reconhecido tanto na Constituição Federal (1988), artigo 227, quanto no Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA (1990), artigos 4º e 16. Outros direitos e princípios do ECA
guardam direta relação com o brincar, dentre os quais destacam-se: direito ao lazer (art.
4º), direito à liberdade e à participação (art. 16), “brincar, praticar esportes e divertir-se”,
peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (art.71). Mais recentemente, a atividade de
brincar também foi incorporada na BNCC e no Referencial Curricular de Alagoas - ReCAL.
Portanto, entende-se que a escola precisa mudar essa postura tradicional, em que
o professor é a figura central, que dita aos alunos o que, como e onde aprender, e que,
infelizmente, ainda é o método mais utilizado pelas escolas do nosso país5, para tornar-se
uma escola construtivista, onde o foco está no aluno e, assim, assegurar-se que as atividades
envolvam muitas experiências práticas, em que as crianças possam aprender, brincar,
socializar com outras crianças, trocar experiências e adquirir novos conhecimentos.
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Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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Assim, nesse processo de transição da brincadeira, o faz de conta cede lugar para
o jogo com regras, sendo que o primeiro possibilita as bases para o segundo, ou seja, os
jogos de regra contêm, como propriedades fundamentais de seu sistema, as características
herdadas das estruturas dos jogos anteriores. Dessa forma, no surgimento do jogo com
regras, elementos estruturais do brinquedo são absorvidos e novas transformações ocorrem,
promovendo o desenvolvimento dos processos psicológicos da criança. Portanto: “Assim
como fomos capazes de mostrar, no começo, que toda situação imaginária contém regras de
uma forma oculta, também demonstramos o contrário - que todo jogo com regras contém,
de forma oculta, uma situação imaginária” (VIGOTSKI, 1991, p. 64).
Percebe-se que as normas estabelecidas são a tônica do jogo com regras e, como tal,
as regras impostas no jogo geram uma certa competição. A competição em si não deve ser
considerada algo bom ou ruim. Ela caracteriza uma forma de problematização universal na
vida. Competir, na maioria dos dicionários pesquisados, tais como o Aurélio, Dicionário Online,
por exemplo, significa pretender simultaneamente a mesma coisa. Isso quer dizer que no jogo
de regra os jogadores têm a mesma intenção: serem vitoriosos. Mas, como regra geral, em um
jogo, nem todos ganham, portanto, alguém tem que perder, neste sentido, o que modifica o
sentido da competição em diferentes contextos é o modo como se reage diante da derrota.
Acerca desse tipo de brincadeira, Vigotski afirma que é incorreto definir apenas o
prazer como característica, pois, segundo ele, os jogos que podem ser ganhos ou perdidos
só dão prazer à criança se ela considera o resultado interessante, uma vez que, quando o
resultado é desfavorável para a criança, é, com muita frequência, acompanhado de desprazer
(VIGOTSKI, 1991, p. 61).
Neste sentido, compreende-se que, nos jogos em que está explícito o ganhar e o
perder, a criança passa por sentimentos de alegria ao ganhar e de tristeza ao perder. Isso
permite que a criança comece a trabalhar a sua resistência à frustração. Aprender a lidar
com esse sentimento é essencial para o seu equilíbrio emocional e para o desenvolvimento
da personalidade.
Ao jogar, a criança descobre que a vitória e a derrota fazem parte da vida e vai
aprendendo a lidar com esses sentimentos. Além disso, na tentativa de ganhar e tentando
evitar o sentimento advindo da derrota, a criança esforça-se para além da sua capacidade,
cria estratégias para enfrentar várias situações adversas e age de forma superior às suas
possibilidades reais de atuação, o que remete, imediatamente, à noção de Zona de
Desenvolvimento Proximal - ZDP, pensamento do psicólogo bielorrusso, que afirma “a
criança é capaz de fazer mais do que ela pode compreender” (VIGOTSKI, 1991, p. 63).
Outra situação que demonstra que só o prazer não define o jogo é o exemplo que
Vigotski (1991, p. 69) cita: “ao correr, uma criança pode estar em alto grau de agitação ou
preocupação e restará pouco prazer, uma vez que ela ache que correr é doloroso; além disso,
se ela for ultrapassada experimentará pouco prazer funcional”.
Para Vigotski, os jogos com regras não são atividades sem propósito. No entanto,
Lasch (1983 apud Madeira, 2001) concorda com Huizinga (2010) que o jogo, na melhor das
hipóteses, é sempre sério e comenta que, “de fato, que a essência do jogo repousa no levar
a sério atividades sem propósito que não servem a nenhum fim utilitário” (LASCH, 1983, p.
142 apud MADEIRA, 2001).
143
Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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Vigotski (1991) explica que à medida que a brincadeira evolui, surge um movimento
em direção à realização consciente de seu propósito. Na fase em que a criança brinca com
regras, não faz sentido nenhum correr de um lado para o outro sem um objetivo. Ou jogar um
objeto sem nenhuma intenção. Assim, conforme o autor em tela, “o propósito decide o jogo e
justifica a atividade. O propósito, como objetivo final, determina a atitude afetiva da criança
no brinquedo. Naquele brinquedo, o objetivo, que é vencer, é previamente reconhecido”,
pois “correr simplesmente, sem propósito ou regras, é entediante e não tem atrativo para a
criança” nessa fase (VIGOTSKI, 1991, p. 69). Portanto, não se pode admitir o brincar como
uma atividade sem finalidade.
Outra característica estrutural dos jogos com regra é o seu caráter interativo. Diferente
do jogo de faz de conta, no qual é opcional a criança brincar sozinha ou com parceiros, no
jogo com regras há a necessidade de um grupo ou de, ao menos, um parceiro, pois só se pode
jogar em função da jogada do(s) outro(s). Os jogadores, neste sentido, sempre dependem
um/uns do/s outro/s. Até mesmo nos jogos eletrônicos, dotados de regras, quando a criança
joga sozinha, sua jogada é dependente da reação, ainda que programada, do game.
Outro aspecto que fortalece a ideia de interação presente nos jogos com regras é a
necessidade de comunicação, consigo mesmo e com os outros. Acerca disso, Oliveira (2005)
destaca quatro itens relevantes. O primeiro deles é que o jogo favorece a comunicação
entre os indivíduos. O segundo item é a possibilidade de relacionar a situação do jogo com
outra situação, “a “conversa” da criança com as coisas está sempre presente e intensa no
jogo, tanto porque permite significação singular e intensa no jogo, tanto porque serve para
estruturar e canalizar a conversa dos participantes” (Ibidem p. 34). O terceiro item é a
comunicação consigo mesmo, pois as indagações feitas pelos outros participantes no ato de
jogar possibilitam ao jogador mecanismos de adaptação às novas regras.
Além disso, enquanto jogam, as crianças expressam diferentes sentimentos e atitudes
sociais em relação a si e ao outro, conforme as diversas situações que vão surgindo no jogo.
Essa vivência de diferentes sensações como irritação, excitação, prazer, cansaço, somadas a
estados intensos de emoções, sentimentos de satisfação, medo, vergonha, alegria e tristeza,
tornam-se um desafio à racionalidade das crianças, na medida em que demandam controle e
adequação na expressão desses sentimentos e emoções, pois são processados em um contexto
no qual as regras, os gestos, as relações interpessoais e suas consequências são claramente
delimitados. Assim sendo, o fato de não poder jogar sozinho, a necessidade de comunicação
e a expressão de sentimentos são alguns fatores que promovem a interação no jogo.
Jogando, a criança vai aprendendo a subordinar-se às regras. Neste sentido, Dias
(2009) destaca que jogar com regras é uma característica proveniente das relações sociais,
em que as regras são combinadas de maneira coletiva e o não cumprimento evidencia uma
falta grave. Isso porque, nesse período do desenvolvimento, as regras são consideradas como
lei e seu cumprimento é obrigatório, sendo permitidas alterações desde que acordadas entre
os jogadores, diferentemente do que acontece nos períodos anteriores.
Dessa forma, os jogos com regras contribuem para o desenvolvimento social da
criança, fazendo com que ela tenha uma melhor adaptação às mudanças que ocorrem durante
sua vida, pois, nesse tipo de jogo, as regras transformam-se constantemente, dependendo
da necessidade e da criatividade de seus jogadores. Assim, a criança vai aprendendo a ter
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Disponível em https://www.f10.com.br/dificuldade-de-aprendizagem/
6
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PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
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intenção era formar grupos de ambos os sexos, por isso, em uma turma, sorteava-se três
meninas e em outra turma correspondente sorteava-se três meninos.
Selecionadas as crianças, fez-se uma reunião com seus pais e/ou responsáveis
para apresentar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.). Durante a
reunião, o termo foi lido, discutido e explanados todos os pontos pertinentes, enfatizando,
principalmente, os objetivos da pesquisa e esclarecendo que, em qualquer momento, a criança
poderia desistir de participar do estudo. Na sequência, foi solicitada, por meio da assinatura
do referido termo, a autorização para participação da criança. Após o consentimento, foi
apresentado o Termo de Assentimento dos Participantes, que foi lido, explicado em uma
linguagem simples para todas as crianças selecionadas e assinado por todos, tendo seus
respectivos professores como testemunhas.
A observação in loco envolveu a organização de situações de jogos com regras em que
as crianças brincavam livremente, sem a interferência da pesquisadora, salvo quando surgia
alguma situação de risco para a criança, como, por exemplo, o uso de objetos pontiagudos.
Os sujeitos envolvidos nesse estudo foram 36 crianças, que estudavam do 1º ao 5º ano, com
idade de seis a 11 anos, fase correspondente à idade escolar, proposta por Vigotski (1991, p.
63), como o período em que há uma evolução do brincar, no qual “há uma situação imaginária
às claras e regras ocultas para jogos com regras às claras e uma situação imaginária oculta”
(Ibidem p. 64), delineia a evolução do brinquedo das crianças. Foram organizados três
Grupos de Investigação, compostos por 12 crianças de ambos os sexos: GI1, seis e sete anos;
GI2, oito e nove anos; e GI3, 10 e 11 anos. O espaço utilizado foi o pátio coberto e o campo de
futebol, onde ficava à disposição um baú dos jogos com regras. Foram realizadas dez sessões
de brincadeiras, com duração média de 25 minutos cada. Após terem sido finalizadas as
sessões, foram recortados os episódios relacionados aos objetivos da pesquisa, os quais
foram analisados, segundo a perspectiva teórica histórico-cultural.
Tanto para realização da entrevista quanto para as sessões de brincadeiras livre,
houve a necessidade de instrumentos acessórios, como um gravador de voz, uma câmera
e um bloco de anotações. Outros instrumentos utilizados durante as sessões de jogos livres
foram os seguintes brinquedos: jogos de xadrez, jogo de memória, bolas de gude, corda,
elástico, jogo uno, jogo ludo, bola de futebol, pega-varetas e quebra-cabeça.
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A seleção desses objetos, com exceção do jogo de xadrez que já fazia parte da Matriz
Curricular da escola, foi realizada por meio da entrevista semiestruturada com as crianças
que citaram esses jogos, alguns como prediletos, outros apenas como conhecidos, outros
ainda foram observados pela própria pesquisadora durante o período de aproximação.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo Vigotski (1991), os jogos com regras explícitas têm como principais
características a presença da imaginação de forma oculta, o propósito do jogo como aspecto
dominante, o prazer e o desprazer diante do resultado, a interação, a exigência de atenção
e de regulação da criança. Por meio deles, é possível identificar os valores atribuídos e os
paradigmas relacionais vividos pelas crianças como ensaio inconsciente para a vida adulta
e, por essa razão, suas principais características serão apresentadas e analisadas a seguir.
Episódio GI1: Figura 2 - Nataly Episódio GI2: Figura 3 – Karol Episódio GI3: Figura 4 - Débora
gesticula fechar a “delegacia”. gesticula bater em uma “porta”. fica de guarda protegendo a
“bandeira”.
7
Os nomes usados neste trabalho são fictícios.
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Episódio GI1: Figura 5 - Episódio GI2: Figura 6 - Fábio Episódio GI3: Figura 7 –
Víctor toca em André e diz: mostra as duas peças que ele As meninas perseguem os
“Boto!”. formou par. meninos.
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8
Brincadeira popular também conhecida em outras regiões como pega-pega. Disponível em < https://www.
obrasileirinho.com.br/brincar-criancas/brincadeira-pega-pega/> Acesso em: 28 de setembro de 2020.
150
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está realizando e, assim, acaba tratando com mais seriedade. Esses fatores podem ajudar o
aluno a esforçar-se mais, melhorando rapidamente suas habilidades (VENDITTI JR et al.,
2008), como foi possível constatar em todos os episódios descritos anteriormente.
Além disso, os aspectos táticos e técnicos das brincadeiras coletivas competitivas
favorecem o trabalho em equipe, em que cada participante exerce um papel importante para
o resultado final. Segundo Amorim, Silva e Barros (2012, p. 05), “os jogos que estabelecem
regras são vistos como uma ótima ferramenta para estimular a cooperação, é ideal para
que a criança aprenda a estabelecer relações de caráter cooperativo e competitivo”. Essa
experiência certamente proporcionará à criança uma melhor convivência com o meio social.
Episódio GI1: Figura 8 – Episódio GI2: Figura 9 - Episódio GI3: Figura 10 - Uma
Dayane queixa-se com a Fernanda evita ouvir o festejo equipe comemora e a outra se
pesquisadora. dos colegas. lamenta.
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ouvir a comemoração dos colegas, como mostra a figura 9 (nove). Essa atitude de Fernanda
denota a sensação de desconforto que ela sentia naquele momento, diante do resultado
daquela partida. Foi observado que, durante o decorrer da brincadeira, Fernanda divertiu-
se em vários momentos, perceberam-se os sorrisos, as atitudes espontâneas e alegres, por
exemplo, quando estendia a mão para medir forças com Gilvânia. Mas, diante do resultado
final da brincadeira, Fernanda mostrou-se insatisfeita e revelou em sua atitude que aquela
situação lhe trazia desprazer.
Outro momento que evidencia o prazer e o desprazer no jogo foi quando Henrique
Ferreira consegue pegar a bandeira do adversário, no episódio do GI3. Observou-se
que, no momento em que ele cruzou a linha de fronteira, Ednaldo, Luana, Suely e Josué
comemoraram muito, pulando, erguendo os braços e gritando “Hêêêêêê!”, enquanto que a
outra equipe lamenta por ter perdido, conforme evidencia a figura 10. Foi possível observar
isso pela reação das crianças que caminhavam lentamente, apáticas, exteriorizando sua
insatisfação com aquele resultado.
Nesse aspecto de prazer e de desprazer diante do resultado, percebeu-se a relação
de ganhar e de perder que estão presentes nos jogos com regras e o quanto o sentimento
de satisfação e insatisfação está relacionado com esses resultados. O pensamento de Luíza,
(2005, p. 62), corrobora com essa percepção, ao afirmar que “os jogos e as brincadeiras são
uma forma de lazer no qual estão presentes as vivências de prazer e desprazer”.
Nesse contexto, Vigotski (1991) afirma que o brinquedo não deve ser definido como
algo que oferece somente prazer à criança, visto que outras práticas além da brincadeira são
prazerosas para ela. Segundo esse mesmo autor:
Portanto, compreende-se que os jogos com regras são brincadeiras marcadas por
situações de prazer e de desprazer, como mostra o referencial teórico adotado, e que
esses sentimentos estão intrinsecamente ligados ao resultado, como foi constatado nos
episódios supracitados.
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Infâncias, crianças, diversidade e perspectivas de inclusão
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No episódio do GI1, notou-se que, durante todo o “Jogo de Ximbra” (Bola de Gude),
houve situações que contribuíram para o desenvolvimento de habilidades possibilitadas pelo
diálogo com o outro, mesmo as crianças sendo adversárias. Além disso, observou-se que a
interação social também permeia a brincadeira em todas as situações que os meninos vão
lembrando as regras, refletindo como fazer para adequar suas ações e contemplar as normas,
do mesmo modo que vão vivenciando experiências antagônicas e resolvem-nas discutindo
com base nas regras do jogo que eles já conhecem, como mostra a figura 11. Nota-se que as
regras fazem desse jogo um ótimo treino ou exercício de educação, pois criam, nas crianças,
o sentimento de obediência, de disciplina e de sociabilidade (NEVES, 1950).
No episódio do GI2, Fernanda trouxe uma novidade para as meninas: brincar de
elefante colorido. Percebeu-se que era uma brincadeira nova, porque, antes de iniciar,
Fernanda orientou as meninas quanto ao posicionamento e ensinou as regras do jogo.
Observou-se que o ensinamento das regras, as orientações e as discussões sobre elas
demonstram a marcante presença do diálogo e da interação social nesse episódio. Verificou-
se que, logo após compreenderem as instruções e decidirem participar da brincadeira, as
meninas submeteram-se a cumprir rigorosamente as regras. Sempre que recebiam a bola,
elas gritavam a sílaba que lhes competia e, ao final, sempre pulavam para trás, bem ao modo
que Fernanda ensinou, como mostra a figura 12. Assim sendo, compreendeu-se que, nesse
jogo, as crianças tiveram regras a serem cumpridas e foram fiéis a esse regulamento, em
que, mesmo havendo uma competição individual, houve interação de umas com as outras,
promovendo a sociabilidade entre elas.
No episódio do GI3, identificou-se a submissão às regras enquanto as crianças jogavam
“Uno”. Observou-se, nesse jogo, que as crianças ficavam em constante diálogo, pois, o tempo
todo, elas discutiam a sequência e as regras do jogo, como mostra a figura 13.
Vale ressaltar que, durante as brincadeiras, sempre havia conflitos e contestações
de resultados, no entanto, esses conflitos eram gerenciados e resolvidos pelas próprias
crianças, sem a interferência da pesquisadora. Essa presença marcante das interações nos
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jogos e nas brincadeiras revela a importância dessa atividade para o desenvolvimento das
crianças, pois, para crescerem de forma saudável, precisam viver e trocar com e entre pares.
Neste sentido: “A interação entre as crianças é, para além de uma condição fundamental
do desenvolvimento de relações e de laços de sociabilidade _ e, por isso, um dos mais
importantes fatores de “educação oculta” das crianças _” (CORSARO apud AGOSTINHO,
2003, p. 130, grifos do autor).
De acordo com Brougére (2002, p. 147), o jogo também é uma atividade de socialização
que vai preparando a criança para ocupar seu lugar na sociedade adulta. Nós, adultos, estamos
cientes de que, para viver em sociedade, é inescusável seguir regras, porém as crianças ainda
não têm essa consciência e, por essa razão, faz-se mister que professores e pais promovam
situações em que a criança comece a aprendê-las e a preparar-se para cumprir as regras
sociais por meio da atividade que mais lhe satisfaz na faixa etária de seis aos 11 anos, que são
os jogos com regras.
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que fariam com as suas próprias peças e nos movimentos das peças do seu adversário, como
mostra a figura 16.
Desse modo, com base nos três episódios apresentados, é possível afirmar que os jogos
com regras têm a característica de exigir atenção da criança e, conforme afirma Vigotski
(1991, p. 69), quanto mais rígidas são as regras, maior será essa exigência de atenção da
criança. Portanto, os jogos com regras são instrumentos súperos para treinar e desenvolver
a concentração e o foco.
O Center on the Developing Child de Harvard, que estuda desenvolvimento infantil,
considera que pensar antes de agir, planejar e traçar objetivos, focar a atenção, ser flexível
e controlar as emoções são “habilidades para a vida”. Destarte, Silva (2007) garante que “os
jogos devem estar atrelados ao projeto pedagógico, ou seja, o professor deve ter em mente de
onde partir e ainda aonde quer chegar, desenvolvendo os aspectos sociais, afetivos, motores
e cognitivos” (SILVA, 2007, p. 19).
CONCLUSÃO
A presente pesquisa proporcionou uma análise das características dos jogos com
regras e suas influências no processo de aprendizagem e desenvolvimento infantil, levando
a compreender que, através dos jogos com regras, em situações livre no ambiente escolar,
o professor pode ampliar a autonomia da criança, estimular a atenção e a concentração,
trabalhar as habilidades motoras, exercitar e aperfeiçoar a imaginação e a criatividade,
promover a interação social e a obediência às regras, contribuir para gestão da emoção.
Desse modo, ao promover os jogos com regras, acredita-se que a escola cumpre o seu
papel fundamental, que é o de contribuir para a formação de um cidadão crítico, autônomo
e participativo, tão necessário para constituição de uma sociedade mais justa e igualitária
para todos. Como afirma Friedman (1996, p. 45): “Trazer o jogo para dentro da escola é uma
possibilidade de pensar a educação numa perspectiva criadora, autônoma, consciente”.
Assim sendo, cientes de que o brincar no EFAI não se esgota nos preceitos legais,
não se restringe na transmissão dos conteúdos da disciplina de Educação Física e tampouco
se limita ao curto tempo do intervalo entre as aulas, esta pesquisa apresenta as seguintes
sugestões para inserir os jogos com regras em situações livres no ambiente escolar:
Planejar visando a oferecer tempo, espaço e material à turma, com
frequência, é essencial - Antes de proporcioná-los para as crianças, o professor deve
averiguar quais os tipos de jogos preferidos da garotada. Analisar os materiais, a variedade
e a quantidade disponível, para, assim, avaliar se todos os interesses serão contemplados,
pois é necessário que os jogos sejam interessantes para a faixa etária; outro ponto crucial é
a determinação do tempo e do espaço que será proporcionado para as crianças brincarem/
jogarem. Se o jogo escolhido pela criança já faz parte de sua cultura lúdica, os estudantes,
certamente, conhecem e compreendem as regras, sabem como usá-las e terão a possibilidade
de aprimorar suas estratégias a cada nova experiência.
Ensinar a jogar para ampliar a cultura lúdica infantil – Além dos jogos que já
fazem parte da cultura lúdica da criança, o professor também pode apresentar jogos que as
crianças ainda não conhecem desde que, após ensinar as regras, deixe as crianças livres para
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decidirem se querem ou não participar daquele jogo, para discutirem as regras e mudarem
se sentirem necessidade. Organizados pelo próprio professor ou por outro profissional da
equipe escolar, os jogos precisam ficar disponíveis em um espaço adequado. Dessa forma,
todos terão a oportunidade de escolhê-los e usá-los com autonomia, no tempo planejado
pelo professor.
Enquanto as crianças jogam, o papel do professor é o de observador - A
discussão fica para depois do jogo. No decurso do tempo que foi determinado para que as
crianças joguem espontaneamente, sugere-se que o professor apenas observe e registre as
suas percepções: analise e avalie como as crianças lidam com os desafios, evite ao máximo
fazer intervenções e garanta, de fato, o aspecto da liberdade no jogo.
Depois do jogo, o papel do professor é o de mediador – Ao final do jogo,
o professor deve direcionar o diálogo com base nas suas anotações e solicitar que todos
exponham seus argumentos ou reflitam sobre o que está sendo debatido. A prática e a
discussão sobre estratégias aprimoram as habilidades dos alunos. Além disso, se o debate que
for gerado pelo professor estiver relacionado a alguma situação de desonestidade, bullying
ou preconceito, por exemplo, que o professor percebeu durante o jogo, esse momento
proporcionará trabalhar a formação moral da criança, levando-a a refletir, acima de tudo,
sobre os valores, o respeito e a ética, pois, apesar de formular estratégias para vencer, a
criança precisa compreender a necessidade de cumprir as regras, de esperar a sua vez de
jogar, de lidar com o imprevisto, de respeitar as diferenças. Vale ressaltar que o professor
não deve expor nenhuma criança e, ao debater sobre alguma atitude conflituosa, jamais
deve identificar a criança, mas apenas descrever a situação ou uma situação fictícia para
exemplificar.
Assim sendo, considerando que não foi objetivo neste artigo esgotar o tema proposto,
apontam-se novos temas para pesquisas sobre o assunto: as concepções dos pais das crianças
acerca do brincar na escola; a cultura lúdica infantil a partir das diferenças de gênero; o
lúdico na formação dos professores; políticas públicas e o direito de brincar das crianças;
os jogos com regras como estratégia de inclusão; a diversidade da cultura lúdica infantil no
contexto nacional.
Portanto, cientes de que o estudo sobre o brincar não se restringe ao que foi apresentado
e discutido neste artigo, e que, dessa forma, está aberto a indagações e a outras investigações
possíveis, espera-se que esta produção possa colaborar para que os profissionais que
atuam no EFAI, partindo de suas próprias compreensões sobre as interações das crianças
nos jogos com regras, ampliem suas discussões e horizontes e que, assim, o brincar possa
ser compreendido em sua plenitude, com isso, estendendo-se, efetivamente, às práticas
pedagógicas e corrobore para despertar em cada adulto a relevância de seus atos para essa
etapa da vida humana: a infância.
REFERÊNCIAS
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