O Cinema Sonoro

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A Chegada do Cinema Sonoro na Cidade de Campina Grande1

Filipe Brito Gama 2


Universidade Federal de São Carlos
Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a chegada do cinema sonoro na cidade
de Campina Grande-PB e as transformações provocadas por esta novidade. A transição
do cinema silencioso para o sonoro foi uma etapa complexa e de mudanças intensas em
toda estrutura cinematográfica. As salas exibidoras se adaptaram, e no fim da década de
1920 o Brasil recebia seus primeiros filmes sonoros. Em Campina Grande, cidade que
nesse período vivia um intenso crescimento graças ao comércio de algodão, essa
novidade chegou na primeira metade da década de 1930, modificando
significativamente a estrutura exibidora da cidade. A pesquisa foi realizada a partir de
livros sobre a história de Campina Grande e de seus cinemas e através da análise de
periódicos em acervos históricos da cidade.

PALAVRAS-CHAVE: Cinema Sonoro; Campina Grande; Cine Apolo; Cine Capitólio;

1 – Introdução

A transição do mudo para o sonoro no cinema não foi uma etapa simples na
história da cinematografia mundial, tanto para a produção quanto para a exibição. Karel
Dibbets afirma que esse período foi de grande instabilidade, indicando também que
cada país teve sua própria história nesse processo de mudança (1996, p. 211). A
chegada dos talkies não foi unânime, recebendo críticas em vários países, inclusive no
Brasil através da revista Cinearte3, tendo como um dos maiores problemas a questão da
língua, já que a maioria dos filmes eram em inglês, distanciando-a assim da
compreensão do público de línguas não-inglesas. Além disso, outro ponto significativo
era a dificuldade das casas de cinema em se adaptarem a essa nova realidade, pois as
salas deveriam ser montadas com equipamentos específicos para reprodução sonora. Por

1
Trabalho apresentado no DT 6 – História da Mídia Audiovisual e Visual do II Encontro Nordeste de História da
Mídia , Teresina, 20 e 21 de junho de 2012
2
Graduado em Bacharelado em Arte e Mídia na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Mestrando no
Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som (PPGIS) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Email:
[email protected]
3
Revistas encontradas no site: <http://www.bjksdigital.museusegall.org.br> Acesso em: 02 de agosto de 2011

1
outro lado, barateava custos à medida que dispensava o uso de músicos e orquestras
evitando também problemas como a baixa qualidade de execução das músicas e uma
relação precária dessas com a película, já que o filme viria “pronto”.
No Brasil, a primeira exibição sonora, segundo a revista Cinearte, se deu no
Cine Paramount em São Paulo, com o filme “Alta Traição”, da própria Paramount, em
abril de 1929. Na página 12 da revista de 6 de março de 1929, existe uma nota escrita
por O. M. (Octavio Gabus Mendes) que trata sobre a nova aparelhagem sonora, “O Cine
Paramount, que se inaugura em Março, annuncia, pelos jornais, que vae instalar [sic]
um ‘movietone’ Novidade que ainda não existe em Buenos Aires e nem Rio de
Janeiro.”. Mesmo apresentando o ineditismo da exibição, Gabus Mendes ainda afirma
que essa novidade pouco interessa se eles não corrigirem o problema “lingüístico”,
porque segundo ele, quase 80% do público não compreende inglês, ou até mesmo
francês ou alemão. Em 20 de março de 1929, na página 6, Mendes anuncia na revista a
chegada de engenheiros da Western Eletric para instalação do aparelho “movietone”.
No dia 24 de abril de 29, página 13, o mesmo autor escreve em sua coluna sobre a
inauguração do Cine Paramount, elogiando sua estrutura e exaltando o ineditismo de
São Paulo na obtenção dos aparelhos sonoros, apesar de ratificar que este tipo de filme
não o agrada, principalmente porque ainda não está bem resolvido, pois ainda apresenta
uma série de pequenos problemas.
O presente trabalho tem como objetivo analisar os primeiros anos de chegada da
aparelhagem sonora aos cinemas de Campina Grande, cidade localizada na Paraíba.
Através de jornais da época e de livros que contam a história da mesma, monta-se um
panorama da primeira metade da década de 1930, principalmente dos anos de 1932-35,
e das possíveis alterações provocadas pela chegada do “cinema falado”, realizando o
trabalho a partir da busca de materiais em museus e bibliotecas4 da própria cidade, com
a análise principalmente dos periódicos.
Da primeira exibição de um filme falado no Brasil até a realizada em Campina
Grande, passaram-se alguns anos, apresentando uma significativa diferença entre os

4
A pesquisa, realizada em Junho de 2011, localizou os periódicos no Museu Histórico e Geográfico de Campina
Grande e na Biblioteca Átila Almeida, na Universidade Estadual da Paraíba. Teve-se contato com livros na Biblioteca
Municipal Felix Araújo e no Acervo do Museu Histórico e Geográfico de Campina Grande.

2
grandes centros e as cidades de menor porte, principalmente quando estavam mais
afastadas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para uma compreensão mais ampla dessa
época, é fundamental entender que Campina Grande vivia um momento de crescimento
econômico, principalmente graças ao comércio de algodão, provocando “mudanças
significativas no cotidiano dessa sociedade” (CABRAL FILHO, 2010, p. 262),
exercendo assim forte influência na vida dos campinenses. O “ouro branco”, como o
algodão era chamado, movimentou a riqueza da região, promovendo investimentos
estrangeiros (SOUSA, 2001, p.46), e gerando riquezas para parte da população local. Na
primeira metade do século XX, em especial nas décadas de 1930 e 1940, essas
mudanças foram significativas para a cidade tanto em sua estrutura quanto na relação
com seus moradores, como Sousa (2001, p. 56) afirma:
Com o aparecimento do trem, de cinemas, automóveis e caminhões, áreas da
cidade foram integradas, iluminadas, passando a viver novos problemas; [...]
ruas, becos e travessas surgiram e desapareceram; novas ruas foram abertas; a
linguagem foi se modificando: novas palavras, novas discussões; a tudo junta-se
práticas antigas, que vinham de longe, e tudo isso desemboca em algo diferente
que até então não se tinha visto.

No período em que este trabalho se propõe a analisar, a cidade estava em uma


constante mudança espacial, estrutural e de seus hábitos, além do crescimento
populacional e de investimentos, e o cinema faz parte dessa conjuntura, já que ir aos
Cines era considerado um dos principais entretenimentos da época.

2 - Campina Grande e seus Cinemas ainda Mudos

O primeiro cinema da cidade de Campina Grande foi inaugurado em 1909,


localizado no edifício do Grêmio da Instrução, onde atualmente funciona o colégio
Alfredo Dantas (dados do Livro do Município de Campina Grande, 1984). Segundo o
pesquisador Willam Tejo, (apud LEAL, 2007, p. 91) este cinema se chamava Cine
Brasil, e teve a duração de apenas um ano. Em junho do mesmo ano surgiu o Cinema
Popular, de propriedade de José Gomes, localizado onde hoje é a Maciel Pinheiro,
centro da cidade. Já em 1912, encontrou-se através de uma nota no jornal XV de
Novembro do dia 4 de fevereiro referências sobre o Cinema Campinense (ibidem, 2007,

3
p. 91). Provavelmente todos esses cinemas funcionavam também como casa de
espetáculos variados, para apresentação principalmente de peças teatrais.
Sobre o surgimento dos principais cinemas da cidade durante as primeiras três
décadas do século XX, ainda com exibições de filmes silenciosos, segundo o Livro do
Município (1984, p. 168) destacam-se o Cine Teatro Apolo (ou Apollo, dependendo da
referência) e o Cine Fox. O primeiro surgiu em 1912 e o segundo em 1918, ambos na
Rua Maciel Pinheiro. Na década de 1920 ganharam destaque e contaram, como afirma
Leal (2007, p. 91), com o crescimento da cidade com “muitos automóveis, com boa luz
elétrica, e de outra parte, interligada com todo Nordeste com modernas rodovias e
trens”. Esses cinemas eram de propriedade da Lino Fernandes & Cia associada com a
empresa Einar – Svendsen, de João Pessoa, e aos empresários Américo Porto e Aldécio
Saldanha.
Um fato curioso aconteceu no ano de 1924, quando os espectadores protestaram
contra o aumento dos preços dos ingressos e entraram em “greve”, ocasionando o
fechamento tanto do Fox quanto do Apolo por quase dois meses, por ausência de
público. Os protestos resultaram na diminuição do preço, e também geraram o início do
movimento de um grupo de campinenses que queriam construir um moderno cinema e
teatro; porém com o término da greve, o movimento perdeu forças.
Em uma entrevista para Ronaldo Dinoá (1993, p. 526, 527) no livro Memórias
de Campina Grande, José Henrique Pereira, conhecido popularmente como Zé Porteiro,
figura tradicional na história do cinema campinense, trabalhando durante décadas nos
principais cinemas, afirma que:
Nos cinemas antigos (Fox e Apolo) eram exibidos os chamados filmes mudos,
que eram acompanhados pelo som de um piano que ficava bem embaixo da tela.
Lembro-me bem de um pianista que acompanhava esses filmes, que se chamava
Dino Belo de tradicional família campinense. Essa fase foi muito boa já que
naquele tempo os cinemas faziam a maior diversão para a população.

Curiosamente nessa época, no Fox, quem fazia parte da orquestra que


“construía” as trilhas dos filmes mudos era o famoso compositor de frevo Capiba e sua
família, sendo ele responsável pelo piano e tendo o pai como maestro (LEAL, 2007, p.
91).

4
No início dos anos 1930 a cidade tinha como uma de suas principais diversões
aqueles dois cinemas, dualidade esta que segundo Willam Tejo (apud LEAL, 1989, p.
55) era característica da cidade graças principalmente do “[...] crescimento da rivalidade
entre o Partido Republicano Conservador e o Democrata. Tudo aqui era na base de dois:
dois cinemas, duas bandas de música, dois clubes literários”. E entre esses dois cinemas,
ainda existia uma divisão de classes, como se pode ver no relato de Zé Porteiro: “[...] os
cinemas Fox e o Apolo se rivalizavam: um era frequentado por uma camada do poder
aquisitivo boa; já o outro, tinha uma frequência de pessoas mais pobres, carentes...”
(DINOÁ, 1993, p. 527). O Cine era frequentado pela camada mais pobre da população,
em contrapartida ao Cine Teatro Apolo que era mais elitizado.
No início dessa década de 1930, então, existiam apenas esses dois cinemas. Em
outras cidades do nordeste, maiores, geralmente capitais, aparelhamentos sonoros
estavam sendo instalados, e provavelmente despertando a curiosidade dos campinenses.
Múcio Wanderley (1985, p. 129), pesquisador da história do cinema de João Pessoa,
conta que “as pessoas que viajavam ao Rio ou Recife, cujos cinemas já possuíam voz,
contavam a maravilha que viam e ouviam, os jornais falados, os shorts musicais, as
vozes dos artistas” o que mostra a ansiedade dos paraibanos, que esperavam avidamente
que a “novidade” chegasse às cidades. Em uma nota no Jornal Comércio de Campina,
de propriedade de Manoel de Almeida Barreto e Alfredo Dantas, no dia 26 de novembro
de 1932, está escrito:
Comunicou-nos gentilmente o senhor Getúlio Cavalcanti, digno gerente de
nossas duas casas de Teatro Apolo e Fox, que a empresa Einar Svendsen
proprietária de ambas, está modificando as instalações do Cinema Apolo, para
adapta-lhe um aparelho sonoro.
Levamos com satisfação esta noticia ao conhecimento dos habituais e
inveterados <fans> dos nossos cinemas, e os nossos parabéns a cidade, que vai
enfim, ter também o seu cinema falado.
Pretende o Sr. Getúlio Cavalcanti, na segunda metade do mez [sic] de
Dezembro, inaugurar com festas esse melhoramento, que necessariamente virá a
emprestar a vida mudana da cidade mais animação e maior brilho.

Percebe-se nessa nota grande entusiasmo sobre os possíveis melhoramentos das


instalações do cinema. As novidades ganhavam algum destaque nas notas do jornal,

5
como aconteceu no dia 12 novembro 1932, também no Jornal Comércio de Campina,
ao apresentar um filme colorido:
Cinema Apolo e Fox
Amanhã
Um filme colorido pelo processo tecnicolor, o primeiro apresentado nesta
cidade. Uma obra maravilhosa do consagrado Julio Verne, transportada para
tela pela Metro Goldywyn Mayer [sic].
A ILHA MISTERIOSA

No ano seguinte, 1933, uma série de acontecimentos modificou


significativamente a situação dos cinemas na cidade de Campina. O Cine Fox fecha suas
portas, permanecendo apenas o Apolo, que contou com a instalação do aparelhamento
sonoro no início daquele ano. O Apolo iria imperar no mercado exibidor de Campina
Grande durante algum tempo, até a chegada do Cine Capitólio.

3 - A Chegada do Som e a Construção do Capitólio

O cinema falado chegou a Campina Grande consideravelmente tarde se


comparado ao primeiro inaugurado no Nordeste. Segundo Múcio Wanderley (p. 139,
1985) “O Cinema Falado somente chegou ao Nordeste dia 30/03/30. Coube ao Recife,
não somente como o mais avançado centro da região, mas também como integrante de
um circuito nacional de cinema [...]”, exibir o filme “Broadway Melody”, de Harry
Beaumont, produzido pela Metro-Goldwyn Mayer. Em Natal, segundo o mesmo
pesquisador, a data inaugural do Cinema Falado foi 09/04/31, com a exibição do filme
“O General Crack” (Alan Crosland, 1930), com John Berrymore e Marian Nixon.
Na Paraíba (mais especificamente em João Pessoa), como afirma Wanderley,
poucas referências sobre cinema podiam ser encontradas nos jornais da época, o que
dificulta o conhecimento da primeira exibição sonora. Mas o autor relata que:
Somente a 03/11/32 vem a Paraíba a conhecer o verdadeiro cinema falado, com
exibições diárias e permanentes no Teatro Santa Rosa, quando a empresa A.
Leal e Cia, à maneira do que já havia feito em Natal, no Th. Carlos Gomes,
exibiu o filme ‘O Tenente Sedutor’, um sucesso de Lubistch (1985, p 142).

Essa exibição levou ao teatro uma multidão que, segundo o autor, até prejudicou
a solenidade de inauguração, mas mostrou o interesse da população pelos talkies. O

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êxito dessa empreitada provocou em outros donos de cinema da cidade o interesse na
instalação de aparelhagem sonora.
A chegada do cinema sonoro na capital do Estado, segundo Leal (2007, p. 47),
“[...] teve influência profunda no seio da sociedade. Foi bem diferente do impacto
causado, em fins do século passado, pela chegada das cenas mudas”. Segundo o autor, a
cidade vivia um clima de modernidade, com a chegada de objetos como a vitrola,
eletrola do rádio nascente, e reclamava de um cinema à altura, que veio a ser o Cine
Teatro Santa Rosa. A estreia, como supracitada no dia 3 de novembro, “[...] foi um
acontecimento que revolucionou a cidade” (2007, p.49) e ganhou destaque na imprensa.
Campina Grande, segunda maior e mais importante cidade da Paraíba já na
época, teve sua primeira exibição de um filme sonoro no dia 13 de maio de 1933.
Epaminondas Câmara, no livro Datas Campinenses (1998, p.120), diz que nessa data
“O Cinema Apolo inaugurou um aparelho sonoro. Primeiro cinema falado da cidade”.
Fazendo um paralelo com a reportagem citada neste trabalho, do Jornal Comércio de
Campina no dia 26 de novembro de 1932, que previa até dezembro daquele ano a
instalação desse aparelho, houve um pequeno atraso de poucos meses. Considerando
também o fechamento do Cine Fox, o Apolo dominou os anos de 1933 e 1934, até o
aparecimento do Cine Teatro Capitólio. Wills Leal afirma que apenas a partir de 1936 o
Apolo passou a ser exclusivamente cinema, já com instalação sonora apropriada (2007,
p. 91), já com o nome Cine Para-Todos. Infelizmente não foi possível encontrar detalhes
sobre a primeira exibição de um filme falado no Apolo, principalmente pela escassez de
periódicos encontrados no ano de 1933.
Pela análise dos jornais da época que esta pesquisa teve contato, fica clara a
função dos mesmos como divulgadores da programação local, e esporadicamente
fazendo algum comentário concernente à trama. Nesses periódicos, as referências sobre
cinema eram escassas, e na maioria das vezes apenas serviam como anúncios dos filmes
exibidos, apresentando também o preço e horário das sessões. Com isso, poucas
observações puderam ser encontradas sob uma análise mais específica de um filme, a
reação do público ou as condições de projeção nos cinemas, tendo o som um destaque
ainda menor. No jornal A Batalha, pode-se encontrar no ano de 1934 algumas notas

7
sobre o Cine Teatro Apolo, como por exemplo, os anúncios do dia 21 de novembro,
com o filme “A Juventude Manda”, o dia 24 de outubro, exibindo “Achado na Rua”, 31
de outubro com “Alvorada de Amor”, que vem com um comentário que diz “O lado
cômico está entregue a dupla Lupine Lane e Lilian Roth”. Em 14 de novembro estava
em cartaz o filme “Nós e o Destino”, em 27 de novembro “Uma Noite Contigo”, “A
tortura da Fé” em 27 de dezembro, “A Liga das Mulheres” em 3 de janeiro de 1935.
Com o nome de Cinema Para-Todos, a primeira nota encontrada nesse jornal é no dia 10
de agosto de 1935, com a exibição do filme “Noites Vienenses”, mas não
necessariamente esta foi a primeira exibição do cinema com o novo nome.
Porém, a existência de apenas um cinema parece que não estava satisfazendo a
população campinense. Observando algumas matérias e comentários encontrados no
Evolução-Jornal de 1934, pode-se perceber certa insatisfação com aspectos do Cine
Apolo e como esperam com entusiasmo a construção de um novo cinema, o Capitólio,
que seria inaugurado ainda naquele ano (a maioria dessas notas não eram assinadas) [o
que dificulta o reconhecimento da autoria das mesmas]. No dia 19 de agosto, na coluna
“Aspectos Novos”, com o título de “O ‘Cine-Capitólio’ é uma obra de vulto”, estava
escrito a seguinte informação:
Campina Grande irá, afinal, possuir uma casa elegante, no nível da sua
inconteste pujança social, para os fans de cinema e teatro, que já se acha em
construção nos antigos e espaçosos terrenos do sodalício < Deus e Caridade >
que os vendeu recentemente, à Empreza L, Vanderlei & Cia. Ltd.
O Projeto onde as condições de higiene e comodidade são magníficas [...]
[...] o que mais preocupou a sua atenção e a dos emprezarios [sic] do novo
cinematógrafo foi a excelencia do escoamento do publico e, sobretudo, a
rarefação do ar viciado com a entrada do puro que obedesse [sic] a um plano
moderníssimo nas principais construções.
[...] uma questão que nos dispertou [sic], sobremodo, a curiosidade – foi a
disposição das filas lateriais de cadeiras, que ficam em sentido transversal, com
a facilidade de oferecer ao publico um comodismo tal que o espectador ficará,
sem esforço, com as vistas deitadas para o palco [...] A programação dos filmes
promete superar a que deslisa [sic], atualmente, nos nossos cinemas.

Na mesma nota, ainda colocam outros possíveis assuntos a serem tratados


futuramente, mas nesse comentário específico, não se fala diretamente em aparelhagem
sonora, mas principalmente em condições mais confortáveis para o espectador. Isso
pode indicar uma insatisfação com os outros cinemas, que possivelmente teriam

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problemas para acomodar os espectadores em suas instalações. Além disso, o destaque a
um local “mais elegante” enfatizando ornamentações como um “atraente jardim” e uma
“vistosa e impressionante marquise”. Quando se trata dos filmes que serão exibidos,
promete-se uma melhor programação, provavelmente pela falta de opções dadas pelo
Apolo e anteriormente também pelo Cine Fox.
Já próximo à abertura do local, no dia 17 de novembro, o Evolução-Jornal
publica uma curta nota com o título “Cine Capitólio”:
Está assentado, para dia o dia 20 deste, a inauguração do magestoso [sic] e
confortável teatro que, pelas condições modernas de higiene e comodidade,
rivaliza-se com as melhores casas desta natureza no norte do Brasil, cujas
vantagens já fizemos assinalar em notas anteriores.
Para sua estréia a empreza [sic] anuncia uma película formidável, que alcançou
ruidoso sucesso nas platéias cultas do País – Cavadores de Ouro.
A Função do CAPITOLIO está sendo esperada com visível ansiedade pelos fans
campinenses.

Outro jornal da época que noticiou a chegada do Capitólio, mas com um caráter
mais promocional, foi o A. E. C. Jornal, da Associação dos Empregados do Comércio
que, no dia 30 de outubro de 1934, apresenta em uma página inteira a propaganda do
futuro novo estabelecimento da cidade. Nesse anúncio, coloca-se o Capitólio como “O
Cinema de Campina”, e afirma sobre a “Inauguração em dias de Novembro com
sensacional programação!... Com filmes de super cotação nos melhores cinemas do Rio
de Janeiro”, além de afirmar que era o único exibidor da cidade “com as afamadas
películas da Metro Goldwy Mayer – Warner First – United Artist e Fox Film”.
No mesmo anúncio, dizem-se os motivos que este cinema será o “preferido pelo
povo campinense”. Citam então questões como conforto, ventilação natural, filmes das
melhores marcas, preços acessíveis, e pela primeira vez aborda diretamente a questão do
som, afirmando “Porque sua aparelhagem sonora é a mais moderna”. Este cinema então
surge como a grande casa de diversão da época, gerando enorme expectativa na
imprensa e provavelmente nos frequentadores de cinema da cidade. No jornal A
Batalha, em um pequeno comentário no dia 24 de outubro, anuncia-se “o magistral film
revista Cavadoras de Ouro” na inauguração do cinema na “1a quinta de novembro”.
No dia 20 de novembro de 1934, segundo Leal (2007, p. 92), inaugura-se o Cine
Capitólio, de propriedade da empresa pessoense “Exibidora Filmes”. No livro Memórias

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de Campina Grande vol II, Livio Vanderlei, em entrevista a Dinoá, cita a data inaugural
desse cinema como sendo a do dia 19 de novembro (mesma data tratada no Livro do
Município de Campina Grande), e afirma que, na inauguração “a cidade esteve em festa,
haja visto a inauguração do cinema que chamou a atenção da comunidade” (DINOÁ,
1993, p. 460). O filme exibido foi “Cavadoras de Ouro”, musical da Warner dirigido por
Mervyn LeRoy, como já anunciado pelo A Batalha. Observando esse jornal no dia 21 de
novembro, possivelmente o dia seguinte a abertura do cinema, encontra-se na sessão
“Cinemas e Films” a chamada para assistir ao filme “Cavadoras de Ouro”, no Capitólio,
com a observação “O Cinema que Campina precisava!...”. O mesmo anúncio afirma “A
mais bela das revistas do cinema moderno! Canções que você sairá cantando!
Belíssimos bailados! Enredo empolgante!”. Um dos atrativos do filme então era a
possibilidade de ouvir as músicas dos filmes, sucessos para “sair cantando”, mostrando
que os musicais atraiam o público graças a suas músicas. Nesse mesmo dia, como já
citado nesse trabalho, no Apolo estava sendo exibido o filme “A Juventude Manda”.
No Capitólio, nos meses seguintes a sua abertura, pode-se encontrar no A. E. C.
Jornal e em A Batalha alguns dos anúncios dos filmes exibidos. No dia 02/12/34 foi
exibido o filme “O Gênio do Mal”, como anuncia o A. E. C Jornal. No Jornal A
Batalha, percebe-se um maior número de anúncios no final de 1934 e início de 1935,
como por exemplo, o filme “O Homem de Outro Mundo”, da United Artists, no dia
27/11/34, e no sábado e domingo dessa mesma semana o filme “Bellezas em Revista”,
uma produção da Warner First. Em dezembro de 1934, ainda foram exibidos os filmes
“O Guardião da Lei”, “O Homem Solitário”, “Justa Recompensa”, produção da Fox, e
“Um Sonho que Viveu”, também da Fox, segundo o jornal.
Em 3 de janeiro de 1935, ainda seguindo anúncios do jornal A Batalha, foi
exibida a película “Homens em sua vida”, da Fox. Nesse mesmo mês também foram
anunciados filmes como “Segredos!”, com Mary Pickford, no dia 9, “O Cativeiro de
uma Mulher” com Dorothy Jordan, no dia 17, “Allô Beleza!”, no dia 23, e “Eu e minha
Pequena” no dia 30. Em fevereiro, estiveram em cartaz os filmes “Cavando o D’Elle”,
dia 6, “Em Plenas Nuvens”, dia 13, “O Testa de Ferro”, dia 21, “Azas da Noite” no dia
28. Dos jornais analisados, a primeira aparição de um filme nacional foi no dia 08 de

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março de 1935 com a exibição de “Alô Alô Brasil”, dirigido por João de Barro, Alberto
Ribeiro e Wallace Downey, produção da Cinédia com a Waldo Filmes S.A. Esses filmes
supracitados provavelmente não foram os únicos exibidos nesse período no Capitólio,
mas são exemplos de filmes que foram anunciados na época pelos jornais.
Em um comentário no Evolução-Jornal, de 7 de agosto de 1935, o autor O. C.,
possivelmente abreviação de O. Bilac Cruz, redator-chefe deste jornal, percebe-se a
satisfação pela construção e o funcionamento do Capitólio e como ele é importante para
a sociedade campinense. Na sessão “Comentários”, afirma:
Com o aparecimento do Capitólio, Campina Grande deu mais uma vez o
testemunho de sua grandeza e bom gosto. Este centro de diversão, confortável e
moderno, atraiu grande número de pessôas [sic], que até então se mostravam
desinteressadas pela arte cinematográfica. O movimento noturno da cidade
aumentou, freqüentando as famílias, após a sessão “Chic”, a Sorveteria e o Café
[...].

A partir do surgimento do Capitólio, o Cine Apolo promoveu uma série de


melhoramentos, como afirma a continuidade da nota abaixo. Além dos melhoramentos,
pode-se imaginar uma temporada interessante com os dois cinemas concorrendo e
possibilitando aos interessados uma programação variada.
Em represália, o Apolo baixou os preços de seus ingressos que eram
exorbitantes, fez uma nova pintura, aumentou a escassa iluminação e pôz um
auto falante [sic] na porta principal. Os “habitués” se decidiram [...] e o povo ia
assistindo, ora no Capitolio, ora no Apolo, bons filmes por preços accecíveis
[sic].

Continuando, O.C. afirma que com a compra do Apolo pelos proprietários do


Capitólio, “não será demais prevermos o desaparecimento daquele”. Afirma que, caso
os preços sejam os mesmos, “por certo as exmas. famílias darão sua preferência ao
Capitólio por suas indiscutíveis qualidades”. Como possibilidade para que ambos
continuem atuando, Cruz imagina que Apolo possa atuar a preços populares, mas isso
geraria “uma frequência sem nenhuma seleção, sobrevindo o afastamento de nossa elite,
consequentemente sua decadência e fechamento”.
Nesta fala, associa-se a não seleção dos frequentadores dos cinemas, e a
consequente abertura a classes mais populares, a um possível fracasso do
empreendimento. Com isso ele afirma:

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O monopólio acabará, de certo com o Apolo; lastimamos se vier a acontecer,
mas confiamos que firmas como Oliveira Ferrari & Cia, Otoni & Cia e outras,
levantarão, quiçá sobre os escombros do Apolo, um cinema que mais tarde
venha corresponder ás necessidades e ao progresso sempre crescente, de
Campina Grande.

Na verdade, o Apolo não acabou imediatamente, mas foi perdendo espaço,


primeiramente deixando de ser teatro em 1936, para ser exclusivamente cinema já com
o nome de Para-Todos, até seu fechamento em 1943 como aponta o pesquisador Welton
Fontes. No fim da década de 1930, surge outro cinema de destaque na cidade, o Cine
Babilônia, inaugurado 6 de julho de 1939 e que acabaria, segundo Leal, tornando-se “o
preferido da sociedade local” (2007, p. 92).
O cinema ganhou importância nos anos de 1930, sendo um espaço de
movimentação cultural e social da cidade, e segundo José Macedo 5 (2011, p. 49) é nessa
fase, no início das exibições dos talkies, que os cinemas campinenses viveram sua “era
de ouro”. Em uma nota de junho de 1934, no A. E. C. Jornal, percebe-se a importância
dada ao cinema falado quando em um trecho da “Nota Quinzenal”, criticando a
educação de alguns indivíduos, afirma que “Campina Grande apezar [sic] do seu grande
comercio, e do contacto diário com pessôas [sic] de centros mais cultos, e da influencia
do cinema falado que também tem sido um fator incontestável da educação social, onde
se vê com perfeição a vida agitada do povo americano[...]”. Existe então uma relação
direta de admiração com as películas que possivelmente influenciam as pessoas em seu
comportamento. O pesquisador Cabral Filho (2010, pp. 282, 283) destaca que:
Os cinemas campinenses, ao projetarem os seus filmes nacionais e estrangeiros,
contribuíram para transformar sensibilidades, fazendo emergir um mundo novo,
responsável pela mudança de conduta e hábitos daquela sociedade que, sob
vários aspectos, espelhou-se nos personagens cinematográficos e na vida real
dos atores e atrizes [...] cujas belezas eram desejadas e imitadas pelos rapazes e
moças de Campina Grande.

Esta força que o cinema tinha sobre a sociedade de uma maneira geral também
serviu como aporte para venda de produtos vinculados a artistas, que através de revistas
e jornais, “seduziam” o público, e um desses produtos poderia estar vinculado a músicas
de filmes destacadas nas notas de jornais.
5
No trabalho O Cine São José como espaço de lazer, diversão e sociabilidade destaca-se a trajetória do Cine São
José, um dos cinemas surgidos nos bairros nas décadas seguintes, de cunho mais popular.

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Um curioso jornal chamado Garota, o “Jornal da Meninas”, no fim de 1933,
apresentava algumas referências ao cinema, apresentando-o como ponto de encontro da
juventude da época e local para histórias curiosas, como em 2 de dezembro de 1933,
quando narra um pequeno acontecimento: “Numa noite de chuva, Artiquilino Dantas, o
Calmo, levanta-se no salão de projeção do Apolo, arma um guarda-chuva e, quase
molhado das goteiras , exclama em voz serena, após um escandalozito: - É triste... É
muito triste”. Além do tom cômico da nota, pondera-se certa decepção com as
condições daquele cinema. Em outra nota, do dia seguinte, aparece uma citação ao filme
“Kin-Kong”, provavelmente falando de King Kong (1933) inserida em um comentário
sobre a conversa de dois garotos, e um deles classificava o filme como “a oitava
maravilha do mundo...”. Se de fato a conversa aconteceu, não se sabe, mas fica claro
que o os filmes exibidos eram destaque nas relações entre os jovens da época.

4 - Conclusão

A história do cinema em Campina Grande é extensa, principalmente quando se


trata das casas exibidoras, que desde a primeira década do século XX, proporcionam
este tipo de divertimento aos campinenses. A década de 1930 ganha destaque nesse
percurso, tanto pelo “aparecimento” do cinema sonoro, inserindo a cidade no circuito
dos grandes filmes, mas também pela construção de novas casas de exibição, como o
Capitólio e posteriormente o Babilônia, que viriam a ser os principais espaços de
diversão e socialização da cidade, principalmente para a elite, o que de alguma forma
coloca o cinema, pelo menos nesse período estudado, como um entretenimento que não
estava ao alcance de todas as classes. Destaca-se também nessa década a transformação
do Cine Apolo e o fim do tradicional Cine Fox. O interesse do público pela arte
cinematográfica proporcionou a criação de outras casas nas décadas seguintes, a maioria
de cinemas de bairro e consequentemente mais populares, como o Avenida, o Cine São
José, o Real, o Cine Liberdade e o Cine Arte.
Campina Grande era uma cidade próspera financeiramente graças ao comércio
de algodão e queria estar “em sintonia” com outras grandes cidades, como Natal, Recife
e João Pessoa, por isso é de se entender a intensa vontade pela implantação da

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aparelhagem sonora no Apolo e posteriormente a construção de uma grande casa, como
o Capitólio, pretensão essa demonstrada principalmente pelo entusiasmo da imprensa da
época. Essa prosperidade manteve Campina não tão distante das grandes cidades da
região no quesito cinema, podendo os entusiastas da cidade assistir a filmes falados
apenas um ano depois do público da capital.

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