Modus Operandi Guia de True Crime Carol Moreira, Mabê Bonafé 2022
Modus Operandi Guia de True Crime Carol Moreira, Mabê Bonafé 2022
Modus Operandi Guia de True Crime Carol Moreira, Mabê Bonafé 2022
Revisão
Iuri Pavan
Luiz Felipe Fonseca
Thais Entriel
Checagem
Rosana Agrella da Silveira
Revisão técnica
Bruno Quintino de Oliveira (capítulo 3)
Sabrina Lasevitch (capítulo 8)
Pesquisa
Joana Lima Galvão
Consultoria
Cleodon Pedro Coelho
Projeto gráfico
Tereza Bettinardi
Lucas D'Ascenção (assistente)
Capa
Anderson Junqueira
Imagens de capa
shutterstock.com | Arvitalyaart (silhueta) / hxdbzxy (sombras sob janelas) / S_E (sombras) /
Gorodenkoff (presidiário) / Musa_Studio (digitais) / thebigland (homem com faca)
Revisão de e-book
Cristiane Pacanowski | Pipa Conteúdos Editoriais
Geração de e-book
Lucas Camargo
E-isbn
978-65-5560-429-0
Edição digital: 2022
1ª edição
@intrinseca
editoraintrinseca
@intrinseca
@editoraintrinseca
intrinsecaeditora
Sumário
[Avançar para o início do texto]
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Sumário
Agradecimentos
Dedicatória
CAPÍTULO 1: Polícia
CAPÍTULO 2: Tipos de crimes
CAPÍTULO 3: Transtornos mentais
CAPÍTULO 4: Serial killers
CAPÍTULO 5: Perfis de criminosos
CAPÍTULO 6: Investigação
CAPÍTULO 7: Sistema judicial
CAPÍTULO 8: Sistema carcerário
CAPÍTULO 9: Casos arquivados
Glossário
Lista de filmes, séries, livros e podcasts
Créditos das imagens
Bibliografia
Sobre as autoras
Leia também
Agradecimento Carol
A Luçânia, Woxthon e Camilla, que me apoiaram.
À minha terapeuta, Ligia, por motivos óbvios e por não ter
me deixado matar a Mabê.
À Mabê, porque sem ela eu jamais teria escrito um livro.
Agradecimento Mabê
A Celha, Marílha e Nana, por acreditarem em mim.
Ao Tiago P. Zanetic, não teria conseguido sem você (teria
sim, mas não teria sido tão divertido).
À Vó Clera, por ter uma coleção da Agatha Christie.
À Carol Moreira, por não ter me matado durante a escrita
deste livro.
A todos os operanders, que transformaram as quintas-feiras
no dia oficial da faxina e são a razão de tudo isso aqui.
Obrigada por tanto.
Apresentação: Breve história do
true crime
Charles Manson sonhava em ser músico, mas subverteu toda a
filosofia hippie de paz e amor e criou uma seita que matou sete pessoas em
dois dias, um dos crimes mais bárbaros da história americana. E tudo isso
tem a ver com uma música dos Beatles.
David Berkowitz é um assassino em série que matou seis pessoas. Ao
ser preso, disse que o cachorro do vizinho — um labrador preto, caso você
esteja se perguntando — era um DEMÔNIO DE TRÊS MIL ANOS que o
mandou matar as vítimas. Você deve conhecê-lo como O Filho de Sam.
Steven Avery foi preso por estupro e tentativa de homicídio. Um dia
fizeram testes de DNA e descobriram que ele era inocente. Só que isso
aconteceu apenas dezoito anos depois que ele já estava preso. Ele foi solto
e, alguns anos mais tarde, acabou condenado pelo assassinato de outra
mulher. Ele afirma que é inocente dos dois crimes e que a polícia armou
para cima dele.
O que essas histórias têm em comum? Elas estão inseridas no universo
do true crime.
Se você está lendo este livro, provavelmente já sabe o que significa true
crime. Em português quer dizer “crime real” e faz parte de um gênero cada
vez mais inserido na cultura pop. Essa categoria se tornou fonte de
entretenimento — parece um pouco bizarro falando assim —, e já existem
filmes, documentários, séries, podcasts, programas de rádio, livros, blogs e
muitos outros tipos de produtos culturais sobre crimes, sendo o homicídio o
tipo que em geral atrai mais atenção.
Se você tem curiosidade em saber tudo sobre crimes — o que
aconteceu, onde, como, qual o motivo, quem é o assassino, se ele é serial
killer, como a polícia investigou, se o acusado foi preso, como foi o
julgamento, se o caso foi arquivado —, este livro é para você.
As histórias de crimes bizarros estão aos montes por aí e não cansam de
despertar enorme curiosidade. O documentário de 2015 que conta a história
do já citado Steven Avery (Making a Murderer), por exemplo, teve mais de
dezenove milhões de espectadores nos Estados Unidos só no mês de estreia.
O podcast norte-americano Serial virou um fenômeno mundial — um dos
mais baixados de todos os tempos, com mais de trezentos milhões de
downloads enquanto escrevemos este livro — e recebeu vários prêmios.
Serial conta a história do jovem de origem paquistanesa Adnan Syed, de 17
anos, acusado de assassinar a ex-namorada, Hae Min Lee, estudante de
origem coreana de 18 anos, que desapareceu em Baltimore, nos Estados
Unidos, no dia 13 de janeiro de 1999.
Quase um mês depois, o corpo da jovem foi encontrado em um parque
da região. Adnan Syed foi preso e acusado de tê-la assassinado. Ele jurou
inocência, mas foi condenado à prisão perpétua. A história intrigou a
jornalista Sarah Koenig, que decidiu investigar o caso e refletir sobre como
Syed tinha sido representado no tribunal. Ela transformou esse trabalho em
um podcast documental de doze episódios. Apesar de não chegar a uma
conclusão sobre a inocência ou não de Adnan, o podcast chamou atenção da
sociedade o suficiente para que o caso fosse reaberto e o condenado
ganhasse uma nova chance de liberdade no tribunal. Apesar disso, Adnan
Syed, hoje com 40 anos, permanece preso.
As podcasters americanas Karen Kilgariff e Georgia Hardstark, do My
Favorite Murder — que conta crimes reais com um toque de humor —,
fizeram muito dinheiro falando do tema. Elas já faturaram mais de quinze
milhões de dólares com o podcast e derivados e, em 2020, acabaram
ficando em segundo lugar na lista da Forbes de podcasters que mais
lucraram com seus programas!
Além de muita audiência, produções de true crime podem ainda ajudar
a solucionar crimes. Filho de um magnata do mercado americano de Nova
York, Robert Alan Durst foi acusado de matar a esposa, uma amiga e um
vizinho. O documentário em série sobre a vida do bilionário, The Jinx: The
Life and Deaths of Robert Durst, acabou ajudando a polícia a finalmente
prendê-lo. Mas como? Então…
A esposa de Robert desapareceu em 1982, mas o corpo nunca foi
encontrado. Em 2000, as investigações foram reabertas, e uma amiga de
Robert, Susan, foi morta logo antes de dar seu testemunho sobre o caso.
Como ela era filha de mafiosos, a polícia concluiu que tinha sido morta pela
máfia.
Mas a história não acaba aí. Um tempo depois, Robert se fingiu de
mulher para se esconder e matou um vizinho, jogando o corpo na baía de
Galveston em sacos de lixo. A cabeça da vítima nunca foi encontrada.
Apesar disso, seus advogados alegaram legítima defesa e ele foi absolvido.
Antes de filmar o famigerado documentário, o diretor Andrew Jarecki
tinha feito um filme de ficção sobre a vida de Durst chamado Entre
Segredos e Mentiras (2010), com Ryan Gosling e Kirsten Dunst no elenco.
Depois de assistir ao filme, o bilionário ligou para o diretor oferecendo uma
entrevista. Essa conversa se somou a várias outras e acabou virando o
documentário The Jinx, que estreou na HBO em 2015.
E agora vem o mais doido dessa história, que é o motivo de o
documentário ter ajudado a finalmente prender Robert Durst. Durante um
intervalo de gravação, depois de pressionado a falar mais sobre os crimes,
Durst foi ao banheiro e, sem saber que continuava com o microfone
funcionando preso à roupa, disse: “Que diabos eu fiz? Matei todos eles, é
claro.” SIM, ELE CONFESSOU sem saber que estava sendo ouvido e
gravado.
Assim, em 2015, aos 71 anos de idade, antes de o último episódio ir ao
ar, Robert Durst foi preso. Entretanto, só três anos depois o juiz considerou
ter provas suficientes para que ele fosse a julgamento pela morte de Susan.
No dia 22 de outubro de 2021, durante seu julgamento, Robert
confessou todos os crimes — segundo ele, matou a melhor amiga, Susan, e
o vizinho em legítima defesa. Foi condenado à prisão perpétua, sem
possibilidade de liberdade condicional.
Aqui no Brasil, o podcast Projeto Humanos ficou muito famoso com a
temporada do “Caso Evandro”, que conta a história do desaparecimento do
garoto Evandro Ramos Caetano, de 6 anos.
Na cidade de Guaratuba, no início dos anos 1990, sete pessoas foram
denunciadas por supostamente terem participado de um ritual para matar
uma criança. Na época, alguns suspeitos alegaram que a confissão tinha
sido feita sob tortura, mas isso nunca havia sido provado. Até que no dia 10
de março de 2020, o jornalista e podcaster Ivan Mizanzuk soltou o 25º
episódio da temporada — chamado “Sete Segundos” —, que mudaria essa
história para sempre. Novos áudios com gritos de dor, ameaças e respiração
ofegante revelaram que de fato a confissão foi coagida. O podcast acabou
virando um livro e até uma série de TV, no Globoplay.
***
O sucesso de todos esses produtos culturais expõe uma verdade
simples: somos atraídos por mistérios. Mais do que entender como alguém
pode ter sido tão cruel ou o que leva uma pessoa a cometer atos tão
horríveis, talvez a gente queira vivenciar a experiência e compreender
melhor o caso, mas sem a parte de efetivamente correr perigo — claro.
Apesar de os programas citados serem atuais, essa obsessão não é
novidade. Existem registros de que no século XVIII o pessoal já gostava de
um crime real. E a gente desconfia que a galera das cavernas também já
curtia, só era mais difícil juntar todas as informações.
Um dos registros mais interessantes de produção cultural de true crime
de antigamente são uns panfletos, chamados execution broadsides, que
eram vendidos antes da execução de criminosos. Nessas folhas impressas
apenas em um dos lados, geralmente havia uma ilustração do criminoso,
uma imagem e um texto com a descrição do crime cometido e, às vezes, um
resumo do julgamento ou até uma confissão. Alguns ainda contavam com
uns versinhos com uma lição de moral, para que o leitor não seguisse o
exemplo do criminoso e acabasse como ele. Conteúdo de crime real junto
com a execução do criminoso, tudo ali para o “deleite” do público.
Caso o sujeito perdesse o momento da execução por conta de algum
grande compromisso do século XVIII, era possível adquirir o seu execution
broadside depois. Ufa! Que alívio.
Entre os anos de 1735 e 1868, mais de nove mil pessoas foram
executadas na Inglaterra por cometerem crimes capitais. Entre os
crimes estavam: roubos e assaltos, sodomia (sexo anal), provocar
incêndio, falsificações e traição ao país! Bizarro, né?
Você sabia que Agatha Christie já ficou onze dias desaparecida e foi
a primeira vez que os ingleses usaram aviões para procurar alguém?
No fim, ela estava hospedada num hotel de luxo usando um nome
falso — o mesmo sobrenome da amante do seu marido. Icônica!
Voltando ao true crime, um dos primeiros livros a tratar de forma específica
um crime real foi o A sangue-frio, do americano Truman Capote. Fruto de
uma intensa investigação, a obra foi publicada originalmente em 1965 e
conta a história verídica da chacina da família Clutter, em uma fazenda no
Kansas, nos Estados Unidos. A família era formada por Herb Clutter, o pai,
Bonnie Clutter, a mãe, e dois filhos do casal, Kenyon e Nancy, ainda
adolescentes.
No dia 15 de novembro de 1959, dois homens invadiram a propriedade
e amordaçaram todos os membros da família, que em seguida foram
assassinados com tiros de espingarda. Poucos meses depois, Richard
Hickock e Perry Smith foram presos e condenados à morte na forca, o que
ocorreu em 1965. A obra, publicada logo depois, ficou conhecida no mundo
inteiro.
Após o crime, Truman se mudou para Holcomb, a cidade em que os
assassinatos ocorreram, e investigou o caso de perto. Entrevistou familiares,
pesquisou documentos oficiais, leu cartas e conheceu os acusados. Ele se
dedicou tanto ao caso que existe um boato de que teria se envolvido
romanticamente com um dos assassinos, Perry Smith. Se é verdade, nunca
saberemos, mas no dia em que os assassinos foram enforcados, Capote
passou muito mal e só assistiu à execução de Hickock.
Hoje o gênero de true crime já é considerado “infotenimento”, que é
um nome chique que andam usando para dizer que algo é informação com
entretenimento. Quando assistimos a uma série sobre um crime, realmente
nos distraímos e, ao mesmo tempo, aprendemos muitas coisas. As
produções culturais sobre crimes são consideradas atualmente uma forma
de entretenimento válida, o que nos leva à seguinte questão: será que hoje
em dia Truman Capote teria levado o prêmio? A gente acha que sim!
Em 1974, o livro Helter Skelter, de Vincent Bugliosi, também foi um
sucesso. Bugliosi foi o promotor do caso Tate-LaBianca, como ficaram
conhecidos os crimes da seita de Charles Manson. Segundo a pregação de
Manson, logo haveria uma grande guerra racial, em que os negros
venceriam, mas ficariam perdidos porque, segundo ele, seriam incapazes de
exercer seu domínio.
Ou seja, ele era líder de uma seita que pregava amor livre, paz e amor,
mas só para quem fosse branco. Ele chamou a guerra de Helter Skelter, por
causa de uma música do Álbum Branco dos Beatles, cuja letra, segundo ele,
fazia essa previsão. Só que essa guerra nunca acontecia… Talvez porque ela
só existia na cabeça racista de Manson?
Enfim, a guerra não rolou, então eles acharam que seria melhor que eles
mesmos a começassem. Os seguidores da seita invadiram duas casas e
mataram todas as pessoas presentes. Na casa da atriz Sharon Tate morreram
cinco pessoas e, depois, no lar da família La Bianca, um casal foi
assassinado.
No livro Helter Skelter, o promotor destrincha a investigação que
terminou com a prisão de Manson e dos membros da Família, como o grupo
se autodenominava. A obra é até hoje o primeiro best-seller de crime real,
deixando o livro do Capote em segundo lugar.
A indústria cultural norte-americana de certa forma molda nossos
interesses e curiosidades, e é por isso que a gente acaba ficando
familiarizado com siglas que não significam absolutamente nada no Brasil,
como FBI e CSI. (Se você não sabe, pode deixar que vamos explicar.)
Um dos maiores sucessos cinematográficos que retratam como funciona
o FBI é a ficção O Silêncio dos Inocentes, de 1991. Nesse famoso filme de
suspense, uma jovem estagiária do FBI chamada Clarice Starling (Jodie
Foster) pede ajuda a um prisioneiro — o famoso canibal Hannibal Lecter
(Anthony Hopkins) — para prender outro serial killer conhecido, Buffalo
Bill.
O filme conta com uma série de referências bem conhecidas de quem
ama true crime. Logo no início, Clarice chega a uma sala do FBI em que há
um quadro cheio de fotos de um serial killer e post-its com informações que
a polícia conseguiu reunir até ali. Capas de jornal, fotos de cena de crime,
informações sobre o modus operandi: a cena clássica.
Sabe-se que o filme foi uma adaptação do livro homônimo de Thomas
Harris, que, por sua vez, se inspirou nos famosos John Douglas e Robert
Ressler, membros da Unidade de Ciência Comportamental do FBI. (Tanto
Douglas quanto Ressler lançaram obras contando como era entrevistar
criminosos como Ted Bundy, Ed Kemper, Charles Manson, entre outros.
Mindhunter, da Netflix, por exemplo, é baseada no livro de Douglas.) Ou
seja, o FBI já estava testando essa técnica de aprender com o criminoso, e
talvez O Silêncio dos Inocentes, mesmo de forma ficcional, tenha sido a
primeira obra a mostrar a importância desse trabalho.
Para interpretar o canibal, Hopkins estudou diversos arquivos de
assassinos, visitou prisões e até participou de algumas audiências de serial
killers.
Nos anos 1990, a apresentadora de TV Martha Stewart estava saindo
com Anthony Hopkins. Na época do lançamento do filme, surgiram
vários rumores de que ela ficou tão perturbada com a caracterização
de Hannibal Lecter que foi incapaz de dissociar a imagem do
personagem da do seu namorado e TERMINOU O
RELACIONAMENTO.
Depois ela disse que não foi bem assim, que eles só tinham saído
poucas vezes para jantar, mas confessou que não conseguia parar de
pensar em Hannibal Lecter enquanto comiam. Bizarro, né?
***
Esperamos que este livro tenha muito infotenimento e, para você ter certeza
de que seu dinheiro foi bem investido, já damos uma dica fundamental:
nunca fale com a polícia sem a presença do seu advogado.
Boa leitura!
CAPÍTULO 1: Polícia
Na Grécia Antiga, a investigação criminal era feita pelos
cidadãos e quem era usado como agente de polícia eram as pessoas
escravizadas. Já na China Antiga, quem investigava e aplicava as leis era
um funcionário do governo chamado de prefeito! Com o tempo, as
civilizações perceberam que a proteção não deveria ser só externa, contra
invasões e outros desafios, mas também interna, porque os conflitos
também aconteciam entre os cidadãos.
A origem da palavra polícia é greco-romana — politeia, da Grécia e
politia, de Roma. Em 1667, surge um conceito novo de polícia na França,
que ia além de gerenciar conflitos, mas também “assegurar a paz e a
tranquilidade pública e privada dos indivíduos, livrar a cidade dos
distúrbios e garantir que todos possam viver de acordo com o seu estatuto e
deveres”.
O interesse pela polícia e seus serviços acabou dando origem ao gênero
que hoje chamamos de policial. Ele é um dos mais populares na literatura e
no cinema, e é praticamente impossível que você nunca tenha lido um livro
ou visto um filme policial. O conto “Os Assassinatos da Rua Morgue”, de
Edgar Allan Poe, é considerado a primeira história de detetive moderna.
Publicado em abril de 1841, o conto narra os casos de duas mulheres
assassinadas na rua Morgue, em Paris, ambos solucionados pelo detetive
Auguste Dupin, um personagem cujo raciocínio afiado é crucial em suas
investigações. Esses elementos se tornaram fundamentais para as ficções
policiais que vieram depois, como o personagem Sherlock Holmes, do
escritor britânico Arthur Conan Doyle.
"Ficou plenamente provado no processo — disse ele — que as vozes
que altercavam não eram as das duas mulheres. Isto nos liberta de
qualquer dúvida a respeito da questão de saber se a velha poderia ter
antes matado a filha e depois resolvido suicidar-se. Se me refiro a
esse ponto é apenas para agir com método, pois a força da Sra.
L’Espanaye teria sido insuficiente para a tarefa de meter o cadáver da
filha chaminé adentro, tal como foi encontrado; e a natureza dos
ferimentos em sua própria pessoa exclui por completo a ideia do
suicídio. O crime, portanto, foi cometido por terceiros, cujas vozes
foram ouvidas a discutir."
POLÍCIA FEDERAL
A Polícia Federal (PF) exerce a função de polícia judiciária da União: faz
investigações e apura crimes civis. Geralmente as operações da PF são
planejadas por meses ou anos e são focadas em grandes grupos criminosos
ou situações de apelo nacional. Também são responsáveis por proteger as
fronteiras do Brasil, investigando quem entra e quem sai.
É a PF que combate terrorismo, lavagem de dinheiro, violação de
direitos humanos, desvio de recursos públicos. É ela também quem entra
em ação em casos de tráfico de drogas entre o Brasil e outros países, além
de exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.
Aeroporto (Airport Security ou Border Security, a depender do país), da
National Geographic, é uma série que acompanha o trabalho de agentes
federais em aeroportos pelo mundo, cada país com sua versão. É claro que
existe a brasileira. Aeroporto: São Paulo (2018) mostra o Aeroporto
Internacional de Guarulhos, um dos maiores da América Latina. O terminal,
onde transitam mais de quarenta milhões de pessoas por ano, é um ponto
estratégico no tráfico internacional de drogas. A Polícia Federal prende
traficantes, apreende drogas e detém imigrantes estrangeiros que tentam
entrar ilegalmente no país.
A PF também é conhecida pela criatividade nos nomes das operações —
escolhidos pela própria equipe de investigação. O nome costuma fazer
alguma referência sutil ou direta ao caso, e eles sempre informam no site a
explicação dos nomes das operações.
OPERAÇÃO SENHOR DOS
ANÉIS (2009) Foi quando o Ibama e a PF se uniram
para acabar com uma quadrilha que contrabandeava pássaros, alguns
em risco de extinção. O que o Frodo tem a ver com isso? As aves
registradas possuem anilhas, como anéis, que as identificam. E é
isso.
POLÍCIA RODOVIÁRIA
Ainda na esfera federal, temos a Polícia Rodoviária, que, assim como a PF,
é subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Sua principal
função é patrulhar as rodovias federais do Brasil, além de monitorar e
fiscalizar o tráfego de veículos. Algumas vezes exerce trabalhos fora de sua
competência, como atuar dentro de cidades e matas brasileiras em conjunto
com outros órgãos de segurança pública.
POLÍCIA CIVIL
A Polícia Civil é o órgão responsável pela segurança pública e é chefiada
por delegados gerais da Polícia ou chefes de Polícia. Sua principal função é
prevenir, reprimir e apurar os crimes. Os profissionais que nela atuam
podem ser delegados, investigadores e escrivães.
O investigador faz operações policiais, procura indícios e provas de
crimes e executa mandados de prisão e de busca e apreensão.
O escrivão cuida de toda a parte burocrática do escritório. Ele
acompanha o inquérito policial, desde a coleta dos relatos até o
encerramento do caso. E o delegado coordena todas essas operações e as
investigações policiais, preside os inquéritos, que têm como intuito a
apuração dos fatos envolvidos na infração penal, elabora relatórios, toma
depoimentos, entre outras coisas.
POLÍCIA TÉCNICO-CIENTÍFICA
A Polícia Técnico-Científica é um órgão estadual. Em vários estados, sua
autonomia ainda não foi concedida e ela continua subordinada à Polícia
Civil. Em alguns, como São Paulo e Tocantins, são subordinadas à
Secretaria de Segurança Pública. Apesar de não fazer parte da Segurança
Pública, por ser autônoma e independente, a Polícia Técnico-Científica é
talvez uma das mais importantes quando se trata de crimes reais .
Especializada em produzir a prova pericial, sua principal função é
coordenar as atividades do Instituto de Criminalística, do Instituto Médico-
Legal e do Instituto de Identificação. Em alguns casos, desenvolve estudos
e pesquisas na área de atuação.
As funções dos peritos oficiais são inúmeras: médico-legista,
odontolegista, perito criminal, perito forense digital, químico-legal, perito
em balística e toxicologista. Tem também auxiliar de perícia oficial, com as
funções de auxiliar de necropsia e auxiliar de perícia.
Perito criminal Tem como função principal ir até o local das ocorrências e
coletar provas que depois serão analisadas em laboratórios. Investiga crimes
de todo tipo, como assassinatos, estupros e até fraudes em computadores. O
trabalho envolve análises minuciosas, às vezes utilizando luminol e
reagentes, para descobrir manchas de sangue não visíveis, testes de DNA,
provas de registro telefônico, impressões digitais e diversas outras.
BATALHÃO DE OPERAÇÕES
POLICIAIS ESPECIAIS (BOPE)
Existem mais de vinte BOPES espalhados pelos estados do Brasil, mas o
mais famoso é o do Rio de Janeiro, que ficou conhecido principalmente
depois da estreia do filme Tropa de Elite (2007). O filme de José Padilha
foi inspirado no livro de Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE que atuou
como roteirista do filme e seria o Capitão Nascimento da vida real.
O batalhão foi criado em 1978 e tem um dos mais rigorosos
treinamentos do país. É considerada a força mais temida no Brasil e atua em
operações contra terrorismo, tráfico e crime organizado. Diversas ONGs
criticam a ação do BOPE e os acusam de um grande número de mortes de
civis e abuso dos direitos humanos.
Um dos casos mais famosos em que eles atuaram foi o do sequestro do
ônibus 174, que teve ampla cobertura da mídia e foi noticiado ao vivo.
No dia 12 de junho de 2000, Sandro sequestrou um ônibus numa rua
importante de uma das regiões mais ricas da cidade do Rio de Janeiro. Os
veículos de mídia logo se aglomeraram ao redor da cena e ficaram
transmitindo tudo em tempo real. Passaram-se algumas horas, com Sandro e
os reféns dentro do ônibus, enquanto a polícia ficava a postos esperando
para tomar uma decisão. Ele fez pedidos, fingiu que tinha matado uma
pessoa e que mataria mais uma, mas a polícia não cedeu.
Até que, em um dado momento, Sandro saiu do ônibus com a arma
apontada para uma refém, a professora Geísa Firmo Gonçalves, e foi um
choque. Os reféns não esperavam, a polícia também não, mas um dos
policiais foi na direção de Sandro, sem que ninguém percebesse, e disparou
duas vezes. Sandro se virou e um dos tiros acertou o queixo da Geísa de
raspão.
O impacto fez os dois caírem no chão. Enquanto caía, Sandro atirou em
Geísa. Um dos policiais se jogou em cima de Sandro, achando que ele
estava morto, mas só percebeu que tinha se enganado quando Sandro
conseguiu dar mais tiros na refém. O corpo da professora foi carregado por
um bombeiro, e os policiais correram para pegar Sandro antes que a
população que assistia em volta o linchasse. E tudo isso foi televisionado
em tempo real! Sandro, aos 21 anos, morreu na viatura.
A operação toda, que resultou na morte de uma refém e do sequestrador,
foi considerada um desastre pelas autoridades de segurança da época, que
disseram que, para além das muitas decisões erradas, eles também não
tinham os recursos necessários para lidar com uma situação daquelas.
Depois desse caso, o BOPE inclusive mudou suas estratégias e
treinamentos.
Modus Operandi Podcast – Episódio #54
Sandro Nascimento: O sequestro do ônibus 174
AGÊNCIA BRASILEIRA DE
INTELIGÊNCIA (ABIN)
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é um órgão da Presidência da
República, vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI),
responsável por fornecer ao presidente da República e aos ministros
informações estratégicas e relevantes para a tomada de decisões. O
profissional da Abin protege o país principalmente em relação a segurança
das fronteiras e segurança interna, relações exteriores, lavagem de dinheiro,
terrorismo e espionagem, motivo de a agência ser chamada de CIA
brasileira.
Segundo a Abin, suas principais atribuições são: planejar e executar
ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a
produção de conhecimentos destinados a assessorar o presidente da
República; planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis,
relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade; avaliar
ameaças, internas e externas, à ordem constitucional e promover o
desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de Inteligência; e
realizar estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento da atividade
de Inteligência. Apesar disso, a Abin não tem autonomia para prender
pessoas, colocar em custódia, interrogar nem colocar escutas telefônicas.
Polícia no Mundo
Agora que já sabemos sobre o Brasil, vamos partir para o mundo! Afinal, a
gente assiste a tantas séries e filmes estrangeiros que precisamos falar um
pouco sobre algumas instituições famosas.
A POLÍCIA BRITÂNICA E A
SCOTLAND YARD
Em 1829 o Parlamento britânico estabeleceu a criação da Polícia
Metropolitana de Londres, que viria a ficar conhecida pelo nome de sua
sede, Scotland Yard . Serviu de modelo para corporações de outros lugares,
como os Estados Unidos, que haviam sido colônia da Inglaterra. Em 1878
foi criado o Departamento de Investigação Criminal, uma pequena força de
detetives à paisana que coletava informações sobre atividades criminosas.
Atualmente, a força policial londrina conta com um moderno sistema de
vigilância e seus membros não utilizam armas de fogo. A maior parte
trabalha apenas com cassetete, algemas e sprays de pimenta, e, caso se
sintam inseguros e haja necessidade, é possível chamar apoio e acionar
oficiais com armas de fogo.
A Metropolitan Police (MET) é a instituição policial mais antiga do
mundo ainda em atuação.
DEPARTAMENTO DE POLÍCIA
AMERICANO
Veja se reconhece esta situação: você está lendo ou assistindo a um filme, e
de repente um policial fala com o detetive; daí surge o chefe de polícia e, do
nada, um xerife. Então, bate o desespero: quem é chefe de quem?
Isso acontece porque os departamentos americanos de polícia não
seguem um padrão único, e estados e cidades têm autonomia para
estabelecer a própria estrutura organizacional, mas em geral as funções são
as que estão listadas abaixo, que têm como base um modelo militar.
Você já deve ter ouvido falar ou visto algum filme com cachorros
policiais, certo? Eles podem procurar drogas ou explosivos,
encontrar pessoas desaparecidas ou evidências, e ainda atacar
pessoas apontadas pelo policial. O filme K-9 (1989) conta a história
de um policial e seu parceiro cachorro. O nome vem do apelido que
esses cães têm em inglês, canine, que significa canino e parece
muito o som em inglês da letra K junto com o número 9.
FBI
No início do século XX, a população dos Estados Unidos crescia
desenfreadamente, e o país passava por um grande desenvolvimento
tecnológico, ferroviário e industrial. Cresceram também a pobreza, as
tensões raciais e a violência.
Naquele momento, existiam poucas leis federais contra a criminalidade
e cada estado era responsável pela criação de suas forças policiais, que eram
mal treinadas e mal pagas. Em 1901, após o presidente William McKinley
ser assassinado, o vice Teddy Roosevelt, de 42 anos, se tornou a pessoa
mais jovem a assumir a presidência do país.
Em 1906, Teddy nomeou o sobrinho-neto de Napoleão Bonaparte
(sim!), Charles Bonaparte, como procurador-geral, e sua principal função
era garantir a fiscalização e aplicação das leis.
Bonaparte percebeu que não havia um grupo de investigadores e que o
Serviço Secreto ajudava em algumas coisas, mas eles respondiam ao chefe
do Serviço Secreto. Resolveu então criar sua força de investigação e, com o
apoio do presidente, contratou nove investigadores do Serviço Secreto e 25
outros para formar uma special agent force — uma força de agentes
especiais que conduziriam as investigações para o Departamento de Justiça.
Assim, em 26 de julho de 1908, surgiu a agência que seria a semente do
Federal Bureau of Investigation, também conhecido como FBI.
O FBI já atuou em diferentes frentes e sempre buscou na investigação
uma relação de compartilhamento de informações com outras agências de
inteligência e polícias federais, internacionais, estaduais e locais.
A Unidade de Análise Comportamental do FBI (Behavioral Analysis
Unit) está entre os vários grupos de especialistas que dão apoio à polícia
local na investigação das mortes. Esse é o nome atual de uma unidade da
Divisão de Treinamento do FBI em Quantico, na Virgínia, formada em
resposta ao aumento de casos de agressão sexual e homicídio na década de
1970, a antiga Unidade de Ciência Comportamental, tão citada nos
episódios do nosso podcast.
A Unidade de Análise Comportamental é um departamento do Centro
Nacional de Análise de Crimes Violentos (NCAVC) que usa analistas para
auxiliar nas investigações criminosas e fornecer apoio investigativo ou
operacional aplicando a experiência de casos, pesquisa e treinamentos a
crimes complexos e urgentes, geralmente envolvendo atos ou ameaças de
violência. Hoje é dividida em cinco unidades, cada uma com um foco
específico, mas a Unidade de Análise Comportamental 2 é onde os recursos
se concentram em crimes incomuns, como assassinatos em massa, casos de
estupro em série e sequestros.
Ao longo das décadas, o FBI passou por uma série de mudanças, sendo
a mais importante delas logo após os ataques de 11 de setembro, quando se
transformou gradualmente em uma agência de inteligência, que busca
informações relacionadas a possíveis ameaças à segurança do Estado.
Atualmente, o FBI é considerado uma organização de segurança nacional,
focada no terrorismo, como dissemos, mas também em ataques
cibernéticos, corrupção pública, espionagem e outras ameaças criminosas
de grande alcance. Apesar de atuar sobretudo com ameaças à segurança
nacional, ainda desempenha um papel fundamental no combate a crimes
violentos em grandes cidades, como, por exemplo, em casos de atiradores
em massa.
INTERPOL (ICPO)
Como o nome já indica, trata-se da polícia internacional, que tem por
objetivo ajudar as polícias de cada país a se comunicarem e colaborarem
entre si, além de prevenir e suprimir crimes internacionais. A abreviatura
vem do nome em francês, Organisation Internationale de Police
Criminelle, e a sua sede fica em Lyon, na França.
Tudo começou em 1914 com a ideia de que a polícia poderia trabalhar
internacionalmente para um mundo mais seguro. Aos poucos, vários países
foram entrando, e hoje a Interpol possui 194 países membros. Em cada país
existe um National Central Bureau (NCB), um escritório nacional. O nosso
fica em Brasília.
Sabemos que é muito possível que alguém que esteja fugindo da polícia
tente escapar para outro país, e por isso foi criado o Red Notice (alerta
vermelho), um tipo de comunicado que a Interpol envia para os países
alertando sobre fugitivos internacionais. Esse documento é um pedido de
prisão preventiva, caso o foragido seja encontrado. Além desse, existe todo
um sistema de cores, cada cor significando um tipo de aviso. O amarelo é
para pessoas desaparecidas, o preto, para cadáveres não identificados, o
laranja, para ameaças iminentes à segurança pública, e o mais curioso: o
roxo, que é sobre modus operandi! O Purple Notice dá ou busca
informações sobre o modus operandi, objetos, dispositivos e métodos
usados por criminosos. Vamos explicar melhor o que é modus operandi no
capítulo 4.
Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, a Interpol se dedicou
ainda mais a combater o terrorismo, mas a organização também atua em
crimes contra crianças, tráfico de pessoas e, hoje em dia, crimes
cibernéticos, além de corrupção, crimes ambientais, entre outros. Foi criada
uma sede em Singapura — Interpol Innovation Centre — com o objetivo de
pesquisar, desenvolver e implementar novas ferramentas e abordagens para
combater o crime internacional.
O conhecido caso do desaparecimento de Madeleine McCann foi
investigado pela Interpol em diversos países e foi lançado um Yellow
Notice, alertando que a menina de quase 4 anos havia sumido em Portugal
em 2007. Falaremos mais desse caso no capítulo 9.
No filme de ficção Truque de Mestre (2013), um agente do FBI (Mark
Ruffalo) se une a uma agente da Interpol (Mélanie Laurent) para encontrar
um grupo de ilusionistas (Jesse Eisenberg, Woody Harrelson, Isla Fisher e
Dave Franco) que roubou um grande banco em Paris — mesmo estando em
Las Vegas!
CAPÍTULO 2: Tipos de crimes
Não só de homicídios são feitas as histórias de true crime.
Às vezes elas vêm acompanhadas de outros crimes, como ocultação de
cadáver, estupros e roubos.
Em casos muito específicos, pode nem haver homicídio, como é o caso
da história de Anatoly Moskvin, conhecido como Senhor das Múmias. Em
2011, a polícia da cidade russa de Nizhny Novgorod desconfiou de um
historiador e o prendeu quando tentava vandalizar um túmulo. Quando
fizeram buscas no apartamento dele, descobriram algo muito mais
perturbador. Anatoly roubava cadáveres do cemitério e com eles criava as
próprias bonecas. A polícia recuperou ao todo 26 corpos de meninas de 3 a
12 anos na casa de Anatoly. Ele mumificava os corpos e os enchia com
tecidos e outros itens. Ele recebeu 44 acusações, como violação de cadáver,
mutilação e profanação de túmulos.
Neste capítulo, você vai encontrar os tipos de crimes mais comuns nas
histórias de crimes reais, com um breve panorama e exemplos com casos
famosos ou inusitados.
HOMICÍDIO
Assassinato é como se chama o ato ilegal de tirar uma vida humana. Já
homicídio é um termo jurídico e dentro dele existem várias categorias.
Por exemplo, é considerado homicídio culposo quando quem comete o
ato o faz por imprudência, negligência ou imperícia, o famoso “foi sem
querer”. Em inglês diz-se manslaughter. O homicídio doloso, por sua vez,
é aquele no qual a pessoa teve intenção de matar. Em inglês é o que
chamam de murder. Se esse homicídio é cometido por motivo considerado
fútil, com uso de tortura, emboscada, por dinheiro, para ocultar outro crime,
ele pode ser considerado um homicídio qualificado, o que aumenta a pena.
Falaremos mais a respeito das penas no capítulo 7, sobre o sistema judicial.
Um caso de homicídio que ficou muito famoso no Brasil foi o da
família Richthofen. Manfred e Marísia von Richthofen foram assassinados
na madrugada do dia 31 de outubro de 2002 pelos irmãos Daniel e Cristian
Cravinhos. O casal estava dormindo quando foi atacado e morto com golpes
de barra de ferro e asfixiado com uma toalha molhada e sacos de lixo. Após
investigação, a polícia descobriu que os pais não aprovavam o
relacionamento da filha, Suzane, com Daniel Cravinhos, e que os irmãos
haviam cometido os assassinatos a mando da própria Suzane, que tinha
participado da autoria e do planejamento do crime. Os três foram
considerados culpados do duplo homicídio triplamente qualificado.
* duplo porque duas pessoas morreram no mesmo ato
FEMINICÍDIO
O homicídio contra uma mulher, cometido por sua condição do sexo
feminino, envolvendo violência doméstica ou menosprezo à condição de
mulher, é considerado um feminicídio. Uma mulher que morre em um
assalto não seria considerado feminicídio, por exemplo.
A Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/15) alterou o Código Penal
brasileiro, incluindo o feminicídio como qualificadora do crime de
homicídio. Algumas pessoas não entendem o motivo de essa distinção entre
homicídio e feminicídio ser necessária, mas infelizmente a violência contra
mulheres no Brasil tem números assustadores e é preciso que haja atenção
específica para esses casos.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 1.300
mulheres são mortas por feminicídio anualmente no Brasil. De acordo com
o Atlas da Violência divulgado em 2020, em 2018 a cada duas horas uma
mulher foi assassinada no país, totalizando 4.519 vítimas — dessas, 68%
eram mulheres negras. Um estudo feito nos Estados Unidos sobre 307
vítimas de feminicídio constatou que 70% delas já haviam sofrido algum
tipo de violência física do parceiro antes do assassinato. O feminicídio é o
resultado extremo da violência a que essas mulheres são submetidas
diariamente pelos parceiros, muitas vezes dentro de casa.
O primeiro caso que aconteceu no estado do Pará após a lei do
feminicídio entrar em vigor foi em abril de 2015, com a universitária Ingred
de Kássia Israel, de 28 anos. Ingred levou 31 facadas do namorado, Antônio
Eduardo Souza Nascimento, dentro da própria casa. De início, ao confessar
o crime, Antônio alegou legítima defesa. Mais tarde, seu advogado disse
que Antônio teve um surto psicótico devido a uma briga do casal e não se
lembrava de nada. Dois anos depois do crime, em 2017, Antônio foi julgado
e condenado a quarenta anos e quatro meses de reclusão por homicídio
triplamente qualificado (motivo torpe, feminicídio e dificuldade de defesa
da vítima).
INDUZIMENTO, INSTIGAÇãO OU
AUXÍLIO A SUICÍDIO
O ato de induzir, instigar ou ajudar uma pessoa a cometer suicídio.
Era 2012 quando Michelle Carter, 15 anos, conheceu Conrad Roy, um
ano mais velho, num clube que a família frequentava na Flórida. Ele
morava em outra cidade, mas os dois começaram a namorar mesmo assim.
Era um namoro praticamente virtual, porque eles só se viram cinco vezes
em dois anos, e trocavam mensagens de texto o tempo todo.
Conrad passou a adolescência toda lutando contra depressão e
ansiedade, e Michelle também tomava remédios para depressão. Em 2012,
os pais de Conrad se divorciaram e ele tentou tirar a própria vida, e por
causa disso foi internado em um centro psiquiátrico. Ele dizia para Michelle
que ouvia vozes mandando ele se afogar ou ter uma overdose e dividia tudo
com ela, sempre dizendo que queria tirar a própria vida.
Em 2014, os dois — ela aos 17, ele aos 18 — continuavam conversando
por mensagem, e um dia ela o encorajou a tirar a própria vida, e ainda deu
instruções de como ele poderia fazê-lo. No dia 13 de julho, Conrad Roy foi
encontrado morto dentro do seu carro em Massachusetts, nos Estados
Unidos. Ao investigar o caso, a polícia teve acesso às mensagens de
Michelle, e ela foi considerada culpada por homicídio involuntário. Em
2017, recebeu a sentença de dois anos e meio de prisão. Em janeiro de
2020, foi solta por bom comportamento, tendo cumprido onze meses no
total.
CRIME DE INCÊNDIO
Um crime de incêndio é quando uma pessoa causa um incêndio colocando
em risco a vida, a integridade física de outras pessoas ou o patrimônio.
No ano de 2010, um rapaz de 18 anos ateou fogo em uma mata nas
imediações da rodovia TO-080, na cidade de Araguacema, Tocantins. A
investigação concluiu que ele havia dado início ao fogo para “limpar” a
área e as chamas saíram do controle. O resultado foi um incêndio
gigantesco que demorou muito tempo para ser dominado. O fogo acabou
destruindo vários hectares de mata nativa e causando outros prejuízos
materiais. O homem, que estava foragido, foi condenado em 2016, mas
capturado apenas quatro anos depois.
CRIME DE EXPLOSãO
Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem,
mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de
dinamite ou de substância de efeitos análogos.
No capítulo sobre perfis criminais, contamos o caso do bombardeador
americano Ted Kaczynski, que ficou conhecido como o Unabomber.
SEQUESTRO E CÁRCERE
PRIVADO
Privar alguém de sua liberdade, seja cometendo sequestro (rapto) ou cárcere
privado, isto é, trancando a pessoa em um local de que ela não consiga sair.
Em 2021, um homem de 31 anos foi condenado pela Justiça do Paraná a
48 anos de reclusão em regime fechado por tortura e cárcere privado da
companheira e dos três enteados — com idades de 7, 5 e 1 ano.
A mãe era mantida separada dos filhos e ficava trancada em casa e sob
ameaças constantes. As duas crianças mais velhas sofriam agressões e eram
obrigadas a tomar banho com água gelada. O mais novo acabou falecendo
em decorrência das torturas, já que o homem dava banho nele com água
extremamente quente — o que causou queimaduras — e o mantinha
sozinho, sem roupas, em um quarto por horas, negando-lhe os cuidados
necessários.
Um dos casos mais famosos a envolver sequestro e cárcere privado é o
da austríaca Natascha Kampusch, que foi sequestrada aos 10 anos e mantida
mais de oito anos em cativeiro.
REDUÇÃO À CONDIÇÃO
ANÁLOGA À DE ESCRAVO
Submeter alguém a trabalho forçado ou jornada exaustiva, seja colocando a
pessoa em situação degradante ou restringindo locomoção.
No final de 2020, uma notícia chocou o Brasil. Madalena Gordiano,
uma mulher negra de 46 anos, foi resgatada depois de 38 anos vivendo
trancada na casa da família para quem era obrigada a prestar serviços.
Trancada pelos patrões desde os 8 anos, sem salário e sem direitos,
Madalena foi vítima de uma exploração racista.
Ainda criança, a menina negra bateu na porta da casa de uma família
para pedir comida. Maria das Graças Milagres Rigueira, conhecida como
Dona Gracinha, atendeu e disse que daria comida e que poderia adotar a
garotinha. A mãe de Madalena aceitou que a família adotasse a filha, mas
isso nunca aconteceu.
Madalena passou a “trabalhar” na casa e assumiu as tarefas domésticas
sem nunca ter férias, folga ou sequer salário. Ela dormia em um quarto
pequeno, sem ventilação e sem janelas.
Como se não bastasse, aos 27 anos, Madalena foi obrigada a se casar
com um familiar de 78 anos dos Rigueira, que acabou morrendo dois anos
depois de oficiada a união. Madalena passou a receber uma pensão de R$
8.000,00, mas ela nunca viu a cor desse dinheiro. Mais tarde, Madalena
ainda foi “cedida” a outro filho da família, Dalton Milagres Rigueira,
professor de veterinária, como se fosse um produto.
Ela foi resgatada em 27 de novembro de 2020 com a ajuda de um
vizinho do prédio, que estranhou seus bilhetes pedindo dinheiro para
comprar produtos de higiene pessoal. Agora livre, Madalena teve os direitos
trabalhistas garantidos pela Justiça, além do acesso à pensão do marido
falecido.
Ela também moveu um processo administrativo e criminal contra vários
membros da família responsáveis pela exploração, mas o caso ainda está
aberto.
Segundo o Índice Global de Escravidão 2018, 40,3 milhões de pessoas
em todo o mundo foram submetidas a atividades análogas à escravidão em
2016. Só no Brasil, esse número chega a quase 370 mil pessoas.
Apesar de ser um número bastante alto, outros países, como Índia,
China, Coreia do Norte, Nigéria, Irã, Indonésia e República do Congo,
possuem mais de um milhão de pessoas nessas condições.
TRÁFICO DE PESSOAS
O ato de agenciar, recrutar, comprar, alojar pessoa mediante ameaça,
violência, coação, fraude ou abuso, para remover órgãos ou partes do corpo,
submeter a trabalho em condições análogas à escravidão ou servidão,
adoção ilegal ou exploração sexual.
Segundo relatório da ONU de 2020, de cada dez vítimas, cinco são
mulheres adultas e duas são meninas. O estudo indica que 50% dos casos de
tráfico de pessoas acontecem por exploração sexual, e as vítimas em sua
maioria também são mulheres e meninas. Em segundo lugar, 38% das
pessoas traficadas são vítimas de trabalho forçado.
Cerca de 36% dos processados por esse crime eram mulheres, ou seja,
mulheres traficando mulheres. No mundo inteiro, o tráfico de pessoas é o
terceiro negócio ilícito mais rentável, depois do tráfico de drogas e armas.
Em setembro de 2020, a revista Marie Claire publicou a história de
Kelly Borges Almeida. Aos 22 anos, à época trabalhando em um
supermercado, Kelly foi convidada por uma mulher para trabalhar
em um restaurante na França. A mulher disse que o primo, que era
dono do restaurante, cuidaria dos documentos e já adiantaria algum
dinheiro para a família dela. Kelly foi seduzida pela promessa de
que ganharia muito dinheiro e poderia dar uma vida melhor aos três
filhos. Acreditando que era uma grande oportunidade, ela decidiu
arriscar.
Ao chegar na França, Kelly foi instalada no porão de uma mansão,
com cerca de vinte outras mulheres, de todos os lugares do mundo.
Foi mandada para o quartinho de uma boate com outras mulheres e
lhe informaram que deveria ter relações sexuais com pelo menos
oito clientes por noite. Essa seria a forma pela qual ela pagaria tudo
que devia: passagem, documentação e o dinheiro adiantado. Se uma
delas contasse algo a qualquer cliente, suas famílias seriam mortas.
Dessa maneira, Kelly se viu presa em um país estrangeiro, em
situação de prostituição contra sua vontade.
Depois de dois meses, Kelly conquistou o afeto de um cliente
importante, que, cinco meses mais tarde, a convidou para jantar na
casa dele. Ela foi liberada para o “passeio” desde que fosse
acompanhada de dois seguranças, que ficariam vigiando na porta. A
jovem conseguiu embebedar o cliente, que dormiu após a relação
sexual, e escapou pela porta dos fundos. Após alguns percalços,
Kelly conseguiu fugir para Lisboa.
Um tempo depois conseguiu emprego, abrigo, conheceu uma pessoa
especial e construiu uma família.
ESTUPRO
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
São palavras um pouco difíceis do Código Penal, mas basicamente
significam obrigar alguém a fazer qualquer ato sexual não desejado.
Crimes de abuso sexual em geral têm mais a ver com poder do que com
sexo. Por isso tantas pessoas idosas e crianças são estupradas, por serem
mais vulneráveis. Existem, é claro, diferentes tipos de estupradores: há
aqueles que acham que não estão forçando nada — como quando mulheres
são coagidas a ter uma relação sexual em um encontro —; existem os
sádicos, que querem ver a outra pessoa sofrer; os que praticam o estupro
como vingança contra a pessoa atacada ou contra um terceiro.
Em 2015, um caso de estupros em série ficou conhecido nos Estados
Unidos e foi reportado no artigo “An Unbelievable Story of Rape”,
publicado no site The Marshall Project. A matéria recebeu um prêmio
Pulitzer e depois foi transformada em série da Netflix com o título em
português de Inacreditável (2019).
Uma jovem de 18 anos, que na reportagem é chamada de Marie,
acordou em agosto de 2008 com um homem em sua casa, na cidade de
Lynnwood, estado de Washington. Ele a amarrou e a estuprou. Mais tarde,
interrogada diversas vezes sobre a história pela polícia, devido ao trauma,
às vezes se esquecia de um detalhe ou outro. Mas um comentário de sua
mãe adotiva ficou na cabeça dos interrogadores: ela poderia estar
inventando tudo para chamar a atenção. Os detetives pressionaram a jovem
a admitir, e ela acabou assinando uma confissão em que dizia que havia de
fato inventado tudo. No entanto, ela só assinou o termo para ter paz, já que
não aguentava mais falar sobre a violência que tinha sofrido e ser
desacreditada.
O estuprador continuou atuando e só foi preso em fevereiro de 2011
graças a duas mulheres, as detetives Stacy Galbraith e Edna Hendershot,
que correlacionaram as histórias. O estuprador era Marc O’Leary, um
veterano do Exército de 32 anos. Ele foi considerado culpado e condenado a
327 anos e meio de prisão, pena máxima permitida no Colorado, e mais 68
anos e meio em Washington.
DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU
OCULTAÇÃO DE CADÁVER
O ato de destruir, subtrair ou esconder um corpo ou parte dele.
Um crime em que houve ocultação de cadáver e ficou bastante
conhecido no Brasil foi o caso Eliza Samudio. Eliza era modelo e conheceu
o famoso goleiro — e à época capitão do Flamengo — Bruno Fernandes.
Ela ficou grávida, e assim que ele soube disso pediu que ela abortasse, mas
ela se recusou. Em 13 de outubro de 2009, Eliza prestou uma queixa de que
havia sido mantida em cárcere privado por Bruno e dois amigos dele,
Macarrão (Luiz Henrique Romão) e Russo (Anderson Rocha da Silva). Ela
disse também que, enquanto esteve presa, foi espancada, teve uma arma
apontada para seu rosto pelo próprio Bruno e foi obrigada a tomar
substâncias abortivas.
O filho deles nasceu em fevereiro de 2010, e Eliza passou a viver de
favor na casa de amigos. Ela exigiu que ele assumisse a paternidade da
criança e pagasse pensão, mas Bruno não aceitou porque, segundo ele, Eliza
tinha um passado de prostituição e ele não sabia com quem ela poderia ter
se envolvido.
Em 4 de junho de 2010, Eliza teria sido convidada para um encontro
com Bruno supostamente no Rio, mas acabou sendo levada para o sítio do
goleiro em Esmeraldas, no interior de Minas Gerais, e depois disso
desapareceu.
A polícia investigou o caso e conseguiu a confissão de um primo de
Bruno, de 17 anos. O rapaz contou que deu uma coronhada na cabeça de
Eliza, antes de ela ser levada para Minas Gerais. Ainda de acordo com o
primo, no sítio, a mando de Bruno, ela foi morta e esquartejada por
Macarrão e Bola, amigos do goleiro. Seus restos mortais foram dados para
cachorros rottweilers e o seu corpo nunca foi encontrado.
Bruno e os outros homens que tiveram participação no crime foram
julgados e condenados. Bruno foi tido como mandante e sentenciado a
dezessete anos e seis meses em regime fechado por homicídio triplamente
qualificado (motivo torpe, asfixia e uso de recurso que dificultou a defesa
da vítima), três anos e três meses em regime aberto por sequestro e cárcere
privado e um ano e seis meses por ocultação de cadáver. Ele passou oito
anos e dez meses preso pelo assassinato e desde 2019 cumpre pena no
regime semiaberto.
Í
LEGÍTIMA DEFESA
Existem casos em que, mesmo a pessoa tendo cometido um crime, pode não
ser punida, por ter atuado em legítima defesa, ou seja, ter usado
moderadamente dos meios necessários para repelir injusta agressão, atual
ou iminente, direcionada a si mesma ou a outro. Resumindo: se você
comete um crime contra alguém para se defender ou defender outra pessoa,
o crime pode se enquadrar como legítima defesa. Mas no Código Penal
existem algumas regras para esses casos.
A primeira é o “uso moderado dos meios necessários”, ou seja,
teoricamente a defesa deve ser proporcional à gravidade da ação. Claro que,
ao se defender, em um momento de muita adrenalina, ninguém vai ficar
pensando se está agindo moderadamente, né? O negócio é que a vítima
pode se defender até que acabe a ameaça. Se algo for feito depois disso,
talvez não seja mais considerado legítima defesa. Outro ponto é a “injusta
agressão, atual ou iminente”. Alguém realmente precisa estar te atacando,
colocando você, uma outra pessoa ou até uma propriedade em risco. O
último ponto é “direito seu ou de outrem”, que significa que você pode
alegar legítima defesa em casos de agressão a um bem jurídico seu ou de
outra pessoa.
Até aí, tudo bem. Mas você deve ter notado que são linhas bem tênues
que temos que observar. Até que ponto posso me defender? Pois é, depende.
Em casos de estupro, por exemplo, pode dar uma grande confusão se a
vítima acaba matando o estuprador. Em um julgamento, a acusação pode
alegar que matar o ofensor teria sido um excesso, que o ato não era
necessário para se defender. Mas muitas doutrinas defendem que matar um
estuprador em situação de violência sexual atual ou iminente se enquadra
em legítima defesa. O que realmente não se encaixa como legítima defesa é
algum tipo de vingança posterior, como matar dias depois de a violência
acontecer. Se uma pessoa está sendo violentada, pega uma faca ao seu lado
e fere o estuprador, isso pode ser considerado legítima defesa. Mas se a
pessoa é violentada e, dias depois, resolve se vingar amarrando e ateando
fogo no estuprador, aos olhos da lei é bem diferente.
EXECUÇÃO DA PENA DE
MORTE
Em alguns lugares do mundo, ainda há pena de morte. De acordo com a
Anistia Internacional, 56 países ainda mantêm leis de pena de morte e
realizam execuções (ou as autoridades não fizeram uma declaração oficial
de não execução). Dito isso, é válido lembrar que o agente que comete a
execução não é considerado um criminoso.
Jerry Givens foi um executor americano responsável por mais de
sessenta execuções, durante seus dezessete anos de trabalho (1982-1999).
Mas olha que reviravolta: depois de seus anos de serviço, ele passou a ser
ativista contra a pena de morte, ajudando a visibilizar os traumas
psicológicos que a profissão traz.
No Brasil, já faz 145 anos desde que a última pessoa foi executada
por pena de morte. Francisco era uma pessoa escravizada e havia
matado um dos homens mais respeitados da cidade alagoana de
Pilar e sua esposa. Por isso, ele foi condenado à forca.
Francisco recorreu a Dom Pedro II, que era imperador, mas ele
negou seu pedido de clemência.
Atualmente, a legislação brasileira prevê pena de morte apenas em
caso de guerra declarada.
ASSASSINO RELÂMPAGO
(SPREE KILLER)
Homicídio cometido em um único evento estendido em dois ou mais
lugares, com mais de duas vítimas. O autor desse tipo de crime
psicologicamente se parece muito com o assassino em massa: costuma ser
um indivíduo prestes a explodir, que sente ódio da sociedade, mas que em
geral desconta em pessoas específicas, como um chefe que o demitiu.
O assassino em massa vai até um local determinado e ali mata várias
vítimas. Já o assassino relâmpago sai fazendo uma trilha de mortes por onde
passa. Ele pode até querer realizar um grand finale em algum local
específico, mas já sai matando aleatoriamente pelo caminho até chegar lá.
Schechter o define como um assassino em massa itinerante.
TRANSTORNOS MENTAIS E
COMPORTAMENTO CRIMINOSO
Nem toda pessoa que comete crimes sofre de transtornos mentais. O índice
de pessoas com transtornos mentais que cometem crimes graves é bem
baixo. Conversamos com o dr. Antônio de Pádua Serafim, coordenador do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica
(NUFOR) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da USP. Ele comentou sobre esse mito de que todos assassinos
e criminosos são doentes mentais.
De acordo com ele, a sociedade sente que é preciso separar o
comportamento grave daquele considerado dentro da normalidade:
TRANSTORNOS DE
PERSONALIDADE
São padrões de comportamento inflexíveis, considerados em desarmonia
para a própria pessoa ou outros, causando um acentuado sofrimento
psíquico e prejuízo social. Ou seja, quando a pessoa tem padrões de
comportamentos que fogem da expectativa social, é possível avaliar se ela
tem um transtorno de personalidade. A mudança de comportamento
costuma se manifestar na adolescência ou no início da idade adulta e pode
estar associada a conflitos que ocorreram na infância.
Existem dez tipos de transtornos de personalidade de acordo com o
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais/DSM-5 (2013):
Transtorno de
Padrões de sintomas/comportamentos
personalidade
TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE ANTISSOCIAL
Quem tem transtorno de personalidade antissocial apresenta um padrão de
comportamento de não ligar muito para os outros, desrespeitando seus
direitos, suas vontades e seus sentimentos. Como consequência disso,
engana e mente com facilidade, pois não tem empatia.
De acordo com o manual DSM-5, para que uma pessoa seja
diagnosticada com esse transtorno, ela precisa ter mais de 18 anos (mesmo
que muitos dos traços apareçam antes) e apresentar no mínimo três das
seguintes características:
PSICOPATIA
O termo “psicopata” é muito usado pelos veículos de comunicação, nas
notícias e nos filmes, e de maneira geral está na boca do povo, às vezes até
de forma banalizada. Nessa confusão, até participante de reality show é
chamado de psicopata! Mas devemos ter calma, porque o diagnóstico de
psicopatia é mais complexo e exige alguns critérios clínicos.
Segundo o dr. Robert Hare, psicólogo criminal especialista em
psicopatia, psicopatas são predadores sociais que encantam, manipulam e
impiedosamente aram seu caminho pela vida, deixando um amplo rastro de
corações partidos, expectativas despedaçadas e carteiras vazias. Sem
qualquer consciência ou empatia, eles egoisticamente pegam o que querem
e fazem o que desejam, violando as normas e as expectativas sociais, sem
qualquer culpa ou arrependimento.
Vale ressaltar que o conceito de psicopatia não está presente na
nomenclatura psiquiátrica. Já o transtorno de personalidade antissocial
aparece nos manuais de psiquiatria e é uma derivação do conceito de
personalidade psicopática. No meio científico ainda não há um consenso e
por essa razão há diversas ressalvas no que se refere a possíveis confusões
do diagnóstico. E é bom lembrar que um psicopata não necessariamente se
torna um assassino. Mas, quando um psicopata vai para o mundo do crime,
em geral está entre os mais perigosos.
De qualquer forma, aí vão as características que geralmente classificam
a psicopatia:
* mentira patológica
* manipulação
* delinquência juvenil
* desrespeito pelo direito dos outros
Hoje não se usa mais o termo sociopata. O que há é uma divisão dentro
da psicopatia entre primária e secundária. O psicopata primário é uma
pessoa mais insensível, irresponsável, tem mais risco de dar vazão a
comportamentos violentos, como o assassinato. No psicopata secundário, a
ansiedade está presente de uma forma acentuada. É uma pessoa que pode
burlar regras, mas não de forma tão grave. Nesse caso, existem mais
chances de interferência e redução do comportamento. Costuma ser mais
voltada para corrupção, fraude e enganação. Pode entrar para a política, ser
diretor de empresas, líder de uma seita etc.
De acordo com artigo do The New York Times de Daniel Goleman, entre
2% e 3% da população são psicopatas. A maioria acaba cometendo delitos
menores, como vandalismo e furto, mas é sempre importante lembrar que o
comportamento criminoso se dá por diversos fatores.
Os psicopatas são responsáveis por mais de 50% dos crimes graves
cometidos, de acordo com Hare. A combinação de alguns fatores, como
querer levar sempre vantagem nas situações e falta de consciência, acaba
aumentando o potencial interesse pelo crime. A maioria dos serial killers
possui traços de psicopatia.
Por outro lado, vários criminosos não são psicopatas. Alguns ofensores
conseguem seguir algumas regras, de gangues por exemplo, ou cometem
crimes por causa de uma traição, brigas… Já os psicopatas cometem crimes
por prazer ou lucro material.
PSICOSE
Um conflito neurótico pode ser considerado qualquer sofrimento mental
que cause angústia. A pessoa vai tentando lidar com traumas ou questões
inconscientes ao longo da vida e, quando não é bem-sucedida na tarefa, o
resultado pode ser uma neurose. Um sintoma comum da neurose é a
ansiedade. Ou seja, todo mundo é neurótico, só que algumas pessoas sofrem
de neuroses mais graves, outras menos.
A psicose é uma condição psíquica em que se observa um acentuado
prejuízo de pensamento, percepção e julgamento. Existem diferentes teorias
sobre o conceito específico da palavra “psicose”. No DSM-5, entende-se a
psicose em uma perspectiva mais próxima do sintoma tido como
psicopatológico, porém muitos profissionais ainda a consideram um
transtorno.
Os principais sintomas psicóticos são:
* delírios
Esses sintomas podem ter várias causas: esquizofrenia, transtornos
psicóticos, bipolaridade, depressões graves, traumas, doenças fisiológicas
responsáveis por alterar a percepção da realidade (ex.: tumor no cérebro,
Alzheimer), uso abusivo de drogas, transtorno dissociativo, entre outros.
Quando a pessoa tem um surto psicótico, o contato com a realidade é
perdido, ela age e percebe o mundo de uma maneira muito distorcida. Um
surto pode durar de um dia até meses, podendo ocorrer em intervalos ou
não.
O agente do FBI John Douglas afirma que pessoas psicóticas em geral
não cometem crimes. E, quando o fazem, são pegas rapidamente, porque
são desorganizadas e se esforçam pouco para não serem encontradas, já que
não têm muita ideia do que estão fazendo.
Alguns transtornos psicóticos são:
* transtorno delirante
* esquizofrenia
* transtorno esquizoafetivo
TRANSTORNOS PARAFÍLICOS
Um transtorno parafílico ocorre quando há interesse sexual intenso e
persistente em elementos que não necessariamente são os órgãos genitais ou
carícias preliminares com parceiros humanos de maturidade física. O que
deve ser pontuado é que um transtorno parafílico é algo que causa um dano,
prejuízo ou risco a si ou a outros. Não há problema se alguém só tem
fetiches diferentes ou preferências sexuais consideradas não usuais,
desde que não machuque alguém.
Alguns transtornos são mais comuns, e alguns deles são associados a
crimes justamente porque podem colocar em risco outras pessoas.
Masoquismo e sadismo sexual, pedofilia, fetiche, voyeur ou o exibicionista,
embora apresentem diferenças de comportamento, têm em comum:
* um período mínimo de seis meses de duração
TRANSTORNO DISSOCIATIVO
DE IDENTIDADE
(TDI)/MÚLTIPLAS
PERSONALIDADES
Existem vários tipos de transtornos dissociativos, mas vamos focar em um
que ainda causa muita polêmica: as múltiplas personalidades. Afinal, uma
pessoa pode ou não ter várias personalidades?
O chamado transtorno de múltiplas personalidades, anteriormente
transtorno dissociativo de identidade, consiste em uma ruptura da
identidade em que há dois ou mais estados de personalidade distintos.
Acontecem alterações no comportamento, na memória, na cognição, no
funcionamento motor e na consciência. Pessoas com TDI relatam perda de
memória recorrente, não se lembram de eventos, dias, outras pessoas… Em
algumas culturas alguns desses sintomas podem indicar que o corpo da
pessoa está sendo influenciado por algum espírito, alma ou entidade, mas,
para que seja diagnosticado um transtorno, a presença da religião ou da
cultura deve ser excluída, além de os sintomas não poderem ser atribuíveis
a efeitos de substâncias, como o álcool.
A psiquiatra dra. Dorothy Otnow, que é contra a pena de morte
sentenciada a indivíduos com TDI, conta no documentário Louco Não,
Doido (2020) que sofreu bastante repúdio de alguns colegas. Ela muitas
vezes depôs em defesa de assassinos que ela diagnosticou com TDI. Como
já comentamos, alguém que é considerado insano não pode ser condenado à
morte e deve ser encaminhado para um hospital psiquiátrico. Nos estados
americanos em que não há pena de morte, a dra. Otnow não queria que
esses criminosos fossem para a prisão comum.
Ainda no documentário, a médica mostra os estudos comparativos
realizados entre crianças homicidas e crianças internadas na ala psiquiátrica
que não eram homicidas. As crianças homicidas tinham maior
probabilidade de terem sido abusadas e de terem problemas físicos, como
disfunções cerebrais. A maioria das crianças que havia apanhado muito
tinha lesões cerebrais em razão da violência sofrida e às vezes isso
diferenciava uma criança agressiva de uma que não era.
A dra. Otnow explica que crianças abusadas podem desenvolver
personalidades violentas para tirar sua dor e defendê-las de inimigos reais
ou imaginários. Essas personalidades incorporam a força e a coragem
necessárias para sobreviver àquelas situações. Ela explica que muitas vezes
o TDI começa na infância.
Vários advogados de defesa começaram a ligar para ela e pediram ajuda
em seus casos. Depois de entrevistar vários serial killers (ao longo da vida,
ela falou com 22!), a psicanalista acreditava que, sim, existem múltiplas
personalidades. Ela ainda percebeu que uma pré-disposição a sintomas
psicóticos, somada a algum tipo de disfunção cerebral e histórico de abuso
infantil, era a fórmula perfeita para se ter uma pessoa muito violenta.
John Douglas acredita que os casos identificados de TDI ainda na
infância são plausíveis, mas que, quando adultos, o TDI é usado como
recurso no tribunal, uma vez que muitos criminosos usam dessa estratégia
para fugir de penas mais graves ou da pena de morte. A dra. Otnow conta
no documentário que foi muito ridicularizada até nos meios acadêmicos,
porque vários profissionais não queriam acreditar que realmente fosse
possível uma pessoa ter várias personalidades.
Um livro bastante famoso sobre esse tema das múltiplas personalidades
é Sybil, de Flora Rheta Schreiber. Flora acompanhou a psicanalista Cornelia
B. Wilbur e sua análise da paciente Sybil Isabel Dorsett, que possuía
múltiplas personalidades, mas nunca cometeu nenhum crime.
O livro conta como Sybil desde criança tinha ciência de que apresentava
lapsos de memória. Ela achava estranho às vezes acordar sem saber onde
estava e o que tinha acontecido por dias. Certa vez, “acordou” sem entender
por que tinha se passado mais de um ano e ela já estava na quinta série (a
última aula de que ela se lembrava era da terceira série)!
Com o passar dos anos, Sybil percebeu que tinha algo mais complexo
do que apenas perda de memória e, ao conhecer a dra. Wilbur, decidiu fazer
análise com ela. Nas sessões, logo começaram a aparecer para a psicanalista
as diferentes personalidades de Sybil.
A própria Sybil não contava, mas algumas personalidades começaram a
revelar para a dra. Wilbur o que a menina tinha vivido e sofrido na infância.
Sybil dormiu no quarto dos pais até os 9 anos e pelo menos três vezes
na semana os testemunhava mantendo relações sexuais. Os dois, que mal se
encostavam durante o dia, à noite faziam coisas que a pequena Sybil não
era capaz de entender. A dra. Wilbur comenta no livro que o vislumbre do
ato sexual dos pais, quando tratado como algo privado, mas não proibido,
em geral não prejudica o desenvolvimento da criança. Mas a família de
Sybil era muito religiosa e dizia que sexo era coisa do demônio. Quando
criança, muitas vezes viu o pênis ereto do pai, viu ele “esmagando” sua
mãe, via os dois cochichando e com expressões estranhas no rosto. A
menina não entendia nada daquilo a que era exposta e ficava chocada e
confusa. Já nesses momentos outras personalidades começaram a aparecer,
provavelmente como um recurso psíquico para ajudá-la a lidar com a
situação.
Hattie, a mãe de Sybil, realizava alguns experimentos horríveis com a
filha. Ela fazia um clister (ou enema) — um processo em que se introduz
líquido no ânus para fazer lavagens intestinais — na uretra da Sybil. Ela
deixava a menina com as pernas para cima e introduzia água fria, depois
obrigava a criança a andar pela casa segurando o líquido na bexiga. Outras
vezes fazia isso no reto dela. Sempre que Sybil chorava, era agredida.
Depois de muitas vezes, Sybil aprendeu a não chorar.
Hattie também forçava objetos para dentro da vagina da filha ou o
próprio dedo e falava que era aquilo que os homens iam fazer com ela,
porque nenhum homem prestava e Sybil deveria se acostumar. Isso causou
machucados e cicatrizes no sistema reprodutor de Sybil, razão pela qual
acabou ficando estéril.
Além de Sybil, amigas da menina também foram abusadas sexualmente
por Hattie. Ela levava as garotas para passeios no bosque, pedia para a filha
esperar em algum lugar e se afastava com as amigas. Sybil via que a mãe
ficava nua com as meninas entre as próprias pernas e ficava se esfregando
nelas. Entre as meninas, havia inclusive uma bebê de apenas um ano e
meio. Hattie também abusava de crianças das quais se oferecia para
“cuidar” enquanto os pais estavam no culto. No livro de Schreiber estão
relatados esses e muitos outros abusos.
De vez em quando Hattie também fazia uns “passeios noturnos” em que
defecava em vários locais públicos e obrigava a filha a testemunhar a cena.
A intenção de Hattie era se vingar de algumas pessoas de quem não gostava
e acabava levando a filha para ver aquele ritual. Com vergonha, Sybil
começou a sentir uma repulsa cada vez maior da mãe.
A psicanalista entendeu que esses traumas levaram Sybil a se dissociar:
ela fugia da própria mente e surgiam outras “pessoas” que poderiam lidar
melhor com a questão naqueles momentos.
Ao todo, a dra. Wilbur descobriu dezesseis personalidades em Sybil.
Cada uma delas tinha um nome diferente, se vestia de determinada forma,
tinha um sotaque específico, maneiras e gestos. As personalidades
afirmavam que suas aparências eram diferentes, mas a dra. Wilbur
discordava, uma vez que todas tinham o corpo e rosto de Sybil.
Essa história deu origem a um filme intitulado Sybil em que Sally Field
interpretou a jovem e suas personalidades. Um remake foi produzido em
2007, com a atriz Tammy Blanchard representando a garota e Jessica
Lange, a dra. Cornelia.
Sybil foi um nome fictício usado pela autora do livro para manter o
anonimato de Shirley Ardell Mason à época.
***
Criminosos com transtornos e comportamentos desviantes dão bastante
trabalho para a polícia, os psicólogos e os psiquiatras envolvidos no caso,
chamam muita atenção da sociedade e muitas vezes ficam marcados na
história. Vamos contar agora alguns desses casos que ficaram muito
famosos e até se transformaram em produtos culturais e referências para
personagens icônicos da literatura e do cinema.
Meritíssimo, acabou agora. Esse nunca foi o caso de tentar sair livre,
eu nunca quis a liberdade. Francamente, eu queria a morte para
mim. Era o caso de dizer ao mundo que fiz o que fiz, não por motivo
de ódio. Nunca odiei ninguém. Eu sabia que eu era doente, ou mau,
ou os dois. Agora acredito que eu estava doente, os médicos
disseram sobre minha doença e agora tenho alguma paz.
Eu sei quanto dano causei. Depois da prisão, tentei ao máximo
corrigir meus erros. Mas não importa o que eu faça, não consigo
desfazer o mal que causei. Minha tentativa de ajudar a identificar os
restos mortais foi o melhor que pude fazer, e isso não foi nada. Eu
me sinto tão mal pelo que fiz a essas pobres famílias e entendo o
ódio legítimo delas.
Sei que ficarei preso pelo resto da vida e sei que terei que me voltar
a Deus para me ajudar a passar por cada um dos dias. Eu deveria ter
ficado com Deus, eu tentei e falhei, eu criei um holocausto. Graças a
Deus não tem mais nenhum mal que eu possa fazer. Acredito que
somente o senhor Jesus Cristo pode me salvar dos meus pecados.
(…)
Decidi seguir com esse julgamento por várias razões. Uma delas é
para que o mundo saiba que esses não foram crimes de ódio. Eu
queria que o mundo e Milwaukee — que eu machuquei muito —
soubessem a verdade. Eu não queria perguntas sem respostas. Agora
todas as perguntas foram respondidas. Eu queria saber o que me
causava ser tão mau e malvado. Mas, acima de tudo, o sr. Boyle e eu
decidimos que talvez houvesse um jeito de dizer ao mundo que, se
existe alguém aí com algum desses transtornos, talvez consigam
pedir ajuda antes que se machuquem ou machuquem alguém. Acho
que o julgamento fez isso.
Assumo toda a culpa pelo que fiz. Eu machuquei muitas pessoas. O
juiz do caso anterior tentou me ajudar, recusei sua ajuda e ele foi
machucado pelo que fiz. Eu machuquei os policiais do caso Konerak
e fiz com que eles perdessem o emprego. Espero e oro para que o
consigam de volta, porque eu os enganei. Por isso sinto muito. Sei
que magoei meu oficial de condicional, que realmente tentou me
ajudar. Sinto muito por isso e a todos que machuquei. Magoei minha
mãe, meu pai e minha madrasta. Eu amo muito todos eles. Espero
que eles encontrem a mesma paz que procuro. As associadas do sr.
Boyle, Wendy e Ellen, têm sido maravilhosas comigo, ajudando-me
neste momento, o pior de todos os tempos. (…)
Para encerrar, só quero dizer que espero que Deus tenha me
perdoado. Sei que a sociedade nunca será capaz de me perdoar. Sei
que as famílias das vítimas nunca serão capazes de me perdoar.
Prometo que vou orar todos os dias para obter o perdão delas
quando a dor passar, se isso acontecer. Vi suas lágrimas e, se eu
pudesse dar minha vida agora para trazer seus entes queridos de
volta, eu o faria. Lamento muito.
Meritíssimo, sei que o senhor está prestes a dar minha sentença, eu
lhe peço que não tenha consideração. Quero que o senhor saiba que
fui bem tratado pelos servidores do seu tribunal e da prisão. Me
trataram profissionalmente e não me deram tratamento especial.
Aqui tenho um ditado que merece aceitação: Jesus Cristo veio ao
mundo para salvar pecadores, dos quais eu sou o pior. Mas por essa
mesma razão eu vou mostrar misericórdia, para que, em mim, o pior
dos pecadores, Jesus Cristo possa mostrar sua ilimitada paciência
como um exemplo para todos que acreditam nele e querem vida
eterna. Agora ao rei eterno imortal e invisível, o único Deus, a honra
e glória para todo o sempre. Sei que meu tempo na prisão será
horrível, mas eu mereço o que acontecer por tudo que fiz.
Obrigado, Senhor Meritíssimo, estou preparado para sua sentença.
Sei que o senhor me dará o máximo, peço que não tenha
consideração.
ED GEIN: O CARNICEIRO DE
PLAINFIELD
Edward Theodore Gein nasceu em 27 de agosto de 1906, filho de Augusta e
George Gein, na cidade de La Crosse, no estado de Wisconsin. Augusta era
de família alemã, uma mulher gorda e atarracada, e ficava muito brava
porque George era alcoolista e não conseguia parar em nenhum emprego.
Ela sentia que ele era um inútil e, em vez de ajudar, dava mais trabalho para
ela. O casamento dos dois não ia nada bem e Augusta foi se tornando muito
controladora e rígida.
Quando Henry, o irmão mais velho de Edward, nasceu, quatro anos
antes, ela achou que seria uma coisa boa na vida deles, mas Augusta não
conseguia amar a criança de verdade. Ela sonhava mesmo era em ter uma
filha. Quando Ed nasceu, ela prometeu que ele seria diferente de todos os
homens. Ela acreditava que homens eram suados e só pensavam em sexo,
em usar as mulheres, e não queria que Ed virasse aquilo.
Ed era uma criança tranquila, gentil e possuía características
consideradas naquela época “femininas”. A gente sabe que não existe isso
de características mais femininas ou masculinas, que tudo isso é uma
construção social. Mas acabou que os outros meninos se afastaram de Ed, e
ele ficava solitário e contava cada vez mais só com a mãe, a quem achava
perfeita, sem defeitos. Quando cresceu, Ed cuidava de crianças da região de
Plainfield, para onde tinham se mudado. Ele era como uma babá mesmo,
além de ser superquerido pelos moradores.
Até que, em abril de 1940, George faleceu. Ed já tinha 33 anos, e ele e
Henry começaram a trabalhar mais para ajudar em casa. Henry já tinha
comentado com conhecidos que achava a ligação entre Ed e a mãe muito
forte, meio estranha. Ed soube e ficou chocado; ele admirava muito o irmão
e nunca tinha passado pela cabeça dele que Henry pudesse achar isso. Para
Ed, a mãe deles era um anjo na terra, uma santa! Aquilo foi muito pesado
para ele.
Em 16 de maio de 1944, os irmãos estavam tentando apagar um
incêndio perto da casa deles. O fogo se alastrou muito e os irmãos acabaram
se perdendo um do outro. Ed procurou Henry, mas não o achou mais.
Quando chegaram, os policiais foram levados por Ed para o exato lugar em
que o corpo do irmão estava. Virado de bruços e sem sinal de que tivesse
sido queimado, foi declarado morto por asfixia, provavelmente por inalação
de fumaça, pelo legista. Até hoje não sabemos se Ed teve alguma
participação na morte do irmão.
Algum tempo depois disso, aos 66 anos, Augusta teve um derrame. Ed
cuidou da mãe com toda a dedicação até que ela se recuperasse totalmente.
Em dezembro de 1945, Ed precisou ir à casa de um vizinho, e Augusta
resolveu ir junto. Chegando lá, encontraram o vizinho batendo em um
cachorro vira-lata, que gania de dor. Uma mulher apareceu na porta e
começou a gritar para ele parar. De acordo com Augusta, o vizinho e a
mulher moravam juntos, mas se tratava de uma relação “fora do
casamento”. Augusta ficou muito abalada com essa situação toda, inclusive
mais com a mulher, a qual chamou de prostituta, do que com a violência
contra o animal. Alguns dias depois, ela teve outro derrame e no dia 29 de
dezembro faleceu, aos 67 anos.
Muito querido na cidadezinha em que morava, Ed continuou com seus
trabalhos, ajudando as pessoas, tudo normal. Ele nunca cuidou muito da
aparência, mas depois que a mãe faleceu ficou ainda mais desleixado. Fora
isso, começou a contar histórias macabras para as crianças de que cuidava.
Em casa, além dos livros de histórias infantis, ele tinha vasta literatura
sobre anatomia humana e animal, assassinatos (true crime também!),
histórias muito violentas de campos nazistas e histórias de aventuras que
envolviam canibalismo. Outra coisa que ele gostava de ler eram os
obituários de jornal. Até aí, tudo bem.
Como Ed havia perdido todos os familiares, o pessoal da cidade sempre
o convidava para passar um tempo na casa deles, vendo TV ou batendo
papo, até porque ele sempre ajudava em tarefas mais pesadas. Desses
vizinhos, Lester, Irene Hill e o filho adolescente deles, Bob, eram uns dos
mais próximos de Ed.
Bob relatou mais tarde que em uma dessas visitas viu umas cabeças
bem pequenas, como se fossem enfeites, e perguntou a Ed o que eram. Ele
respondeu que eram souvenires das Filipinas, onde um primo dele tinha ido
lutar na guerra. Como outras crianças entravam lá o tempo todo, uma delas
acabou vendo demais, e afirmou ter visto uma cabeça de tamanho real, que
não parecia encolhida nem antiga, parecia nova. Essa foi mais ou menos a
época em que Ed proibiu as pessoas de entrarem na casa dele.
A frente da casa de dois andares em que morava tinha agora a pintura
desbotada e estava tomada por ervas daninhas, então as crianças de
Plainfield começaram a inventar histórias e espalhar que a casa era mal-
assombrada. Ed até pensou em arrumar a casa ou vendê-la, mas decidiu
usar só as áreas de que precisava, e fechar as outras.
Em 16 de novembro de 1957, um morador da cidade, Bernard
Muschinski, dono do posto de posto de gasolina, viu uma picape adesivada
sair do estacionamento da loja de ferramentas próxima e pegar a estrada.
Aquela loja pertencia a Bernice Worden e estranhamente naquele momento
estava trancada. Bernard mais tarde se encontrou com Frank, filho de
Bernice, e comentou sobre isso. Frank decidiu ir até a loja para entender o
que estava havendo. Ao entrar, percebeu que a caixa registradora tinha
sumido do balcão, havia uma poça de sangue e uma trilha que levava até a
porta dos fundos. Imediatamente ele ligou para a polícia, e o xerife Art
Schley foi verificar o ocorrido.
Na investigação do local, havia uma pista interessante: um recibo de um
anticongelante — produto que tem como função controlar a temperatura do
motor, quando o veículo está exposto a baixas temperaturas — no nome
de… Ed Gein. Dois policiais foram atrás de Ed e o encontraram na casa dos
Hill. Interrogado sobre os fatos, Ed na primeira vez contou uma história,
depois contou outra. Quando perguntado sobre o que fez durante o dia, ele
se confundiu e respondeu que havia sido incriminado. Quando o policial,
confuso, perguntou do que Ed estava sendo incriminado, ele respondeu que
pela morte da sra. Worden. Como até aquele momento Bernice estava
somente desaparecida, os policiais acharam bem estranho.
Enquanto isso, o xerife e outro policial foram até a casa de Ed. No tal do
galpão anexo à cozinha, encontraram o corpo de Bernice pendurado pelos
pés, com o abdome aberto, como se tivessem retirado a pele, os braços
amarrados ao longo corpo… e sem a cabeça.
No restante da casa, os policiais se depararam com uma completa
desordem. Lixo espalhado pelo chão, restos de comida, latinhas, garrafas,
caixas de papelão, ferramentas, jornais, tinha de tudo. Só que eles também
encontraram coisas muito piores.
Ao todo, foram encontrados diversos objetos “artesanais”. Havia na
casa uma lata velha de café com um monte de chicletes mastigados e
dentaduras amareladas, tigelas de sopa feitas do topo de crânios humanos (e
vários outros crânios espalhados pela cozinha), além de muitos objetos
revestidos de pele humana — quatro cadeiras (que eram estofadas de
gordura humana), uma lata de lixo e um abajur. Foram encontrados também
algumas cabeças humanas, pulseiras feitas de pele, um puxador de janela
feito com lábios femininos e um cinto feito com mamilos femininos, além
de calças “legging” feitas de pele de perna humana. Sob a cama, havia duas
caixas. Uma delas continha pelo menos nove vulvas, algumas pintadas e
outras enfeitadas com uma fita vermelha. (Uma delas parecia mais recente,
e estava ainda anexada a uma parte do ânus. Uma análise posterior do
especialista identificou que essa vulva especificamente estava coberta de
sal.) Na outra caixa, havia quatro narizes humanos. Também encontraram o
peito humano de uma senhora de meia-idade que parecia meticulosamente
separado do resto do corpo, com uma cordinha, como se a intenção fosse
usar como um colete. Eram tantas partes de cadáveres que não era possível
nem sequer saber quantos corpos eles tinham encontrado.
Enquanto isso, Ed estava sendo interrogado na delegacia e não havia
admitido nada. Aos poucos, começou a se abrir e contou que tinha
consciência de que tinha matado Bernice, mas não lembrava bem, tudo era
muito nebuloso. Ele recordava que tinha dado um tiro sem querer nela, e
por isso a arrastado até sua caminhonete. Se fosse só isso, então era bom ele
começar a explicar por que o corpo dela estava pendurado, aberto e sem a
cabeça, além de todo o “artesanato” em casa.
Bom, Ed acabou revelando que desde a morte da mãe passou a ter uma
fixação por cemitérios, os quais visitava com frequência durante a noite.
Em algumas dessas visitas ele abriu covas para roubar corpos ou partes
deles, para fazer uns “experimentos” em casa. Com o tempo, percebeu que,
quanto mais macia a pele, melhor para fazer suas “artes”, e a forma de
conseguir isso era pegar corpos mais… fresquinhos. Ele ficava de olho nos
obituários para saber quem tinha acabado de morrer e ia lá pegar rapidinho.
Ed confessou para o detetive que se odiava por isso e rezava muito para que
pudesse parar.
Mas ele não parou. Muito pelo contrário. Em dezembro de 1954, Ed fez
sua primeira vítima: Mary Hogan, uma mulher grande e gorda (como a
mãe), dona de uma taverna. Só que, para Ed, ela não era boazinha como a
mãe, era uma mulher com um passado horrível (divorciada duas vezes!) e
ainda tinha algum tipo de conexão com a máfia. Seu rosto foi encontrado
em um saco no meio da bagunça do quarto de Ed.
Durante o interrogatório oficial, que aconteceu depois, Ed não mostrou
nenhum tipo de remorso. Ele parecia não compreender a gravidade do que
tinha feito. Admitiu até vestir as partes dos corpos, as “leggings”, o colete,
os cabelos das mulheres, usar os rostos escalpelados como máscara e cobrir
o próprio pênis com as vaginas, para se sentir mulher.
Não existe consenso se Ed Gein era uma pessoa transgênero. Alguns
especialistas acreditam que sim, que esses sintomas poderiam ser uma
manifestação da transgeneridade, até porque naquela época e onde ele vivia
não se falava sobre o assunto. Outros acreditam que o que ele fazia tinha a
ver com questões mal resolvidas com a mãe. No filme O Silêncio dos
Inocentes, inspirado no livro de Thomas Harris, Buffalo Bill — personagem
inspirado em Ed Gein —, por não ter conseguido realizar uma cirurgia de
redesignação sexual, sequestrava e matava mulheres.
Depois do interrogatório, Ed voltou a Plainfield. As fotos tiradas dele
nesse dia e posteriormente publicadas mostravam um homem quase
aliviado. E foi o que muita gente achou: que ele estava se sentindo até
melhor por ter tirado tudo aquilo de dentro de si e parado de carregar esse
segredo macabro sozinho.
O advogado de Ed, William Belter, informou a ele que seu plano era
alegar inocência por razão de insanidade, e Ed concordou (ele concordava
com tudo falavam para ele). A mídia caiu em cima, como sempre, e não
demorou para que começassem a “exagerar” os fatos, insinuando por
exemplo que ele era um serial killer ou que tirava os órgãos para comer, o
que não era verdade. Ed Gein matou duas pessoas e não era canibal. No
capítulo 4 é mais bem explicado como definir um serial killer.
Ed Gein foi julgado por homicídio em primeiro grau de Bernice
Worden. O promotor Earl Kileen recomendou que Ed fosse submetido a
exames psicológicos antes de o juiz decidir se ele ia a julgamento mesmo
ou aceitava a inocência por insanidade, já que o estado do corpo da Bernice
sugeria que a pessoa que tinha feito aquilo com ela não estava em posse de
suas plenas faculdades mentais.
Ed participou de várias sessões com especialistas, inclusive com uma
junta de seis médicos que durou horas. Eles precisavam chegar a um
consenso. Qual era realmente o diagnóstico de Ed Gein? O grupo decidiu
que ele tinha uma reação esquizofrênica do tipo indiferenciado crônico, que
vivia em um mundo de fantasia, sem perceber o certo e o errado, e deveria
ser julgado com base nesse diagnóstico.
Ed admitiu que, depois da morte da mãe, passou anos conversando com
ela, ouvindo vozes. Ele acreditava ainda que forças externas eram
responsáveis pelo que havia ocorrido, que tinha sido escolhido como o
instrumento de Deus para realizar o destino da vítima (Bernice Worden, no
caso). Ed era extremamente sugestionável e não foi considerado competente
para ser julgado, ele era legalmente insano.
Ele foi enviado a um hospital psiquiátrico para criminosos em
Wisconsin e chegou a ser julgado de novo em 1968, depois que foi
considerado recuperado, para entender as acusações, falar em sua própria
defesa e ser julgado. Esse novo julgamento, entretanto, não mudou muita
coisa, já que o juiz decidiu por um julgamento “bifurcado”: um que julgou
seu crime e outro, sua sanidade. No fim das contas, ele foi considerado
inocente por insanidade.
No mesmo dia Ed Gein foi enviado de volta ao hospital onde já estava,
para que ficasse lá até ser considerado são de novo. Seis anos depois, em
1974, ele chegou a apelar que estava são e queria sair do hospital, e foi
marcada uma audiência para comprovar o incomprovável, já que os
médicos depuseram que ele ainda era muito instável mentalmente. Ed Gein
ficou internado em um hospital psiquiátrico para criminosos até o dia de sua
morte por falência respiratória em função de um câncer de pulmão, em 26
de julho de 1984, aos 77 anos.
Robert Bloch, autor de Psicose, soube da história de Ed Gein quando
finalizava o livro e inseriu na obra uma frase fazendo alusão a ela:
“Algumas matérias compararam [o caso Bates] ao caso Gein, que aconteceu
uns anos antes, mais ao norte.”
O personagem Leatherface, grande vilão do filme O Massacre da Serra
Elétrica, também faz referência clara e creditada ao criminoso. Seu nome
(em português, algo como “Cara de Couro”) se deve ao fato de ele usar uma
máscara feita de pele humana. Além desses, a série American Horror Story
também tem um personagem inspirado nessa história. Mas não vamos
contar porque é spoiler!
***
E agora? Ficou mais fácil identificar que transtornos Norman Bates e
Patrick Bateman tinham? É óbvio que, mesmo sendo personagens da ficção,
vários especialistas já fizeram um “diagnóstico” deles.
Norman Bates, de Psicose, muito provavelmente possuía um transtorno
dissociativo de identidade com duas personalidades presentes, a dele
mesmo e a de sua mãe. Se analisarmos todos os traumas na infância, como
a perda do pai, a criação superautoritária da mãe, a depreciação por parte
dela de mulheres em que ele poderia se interessar, a dependência dele dessa
relação, tudo agravado pelo fato de que Norman se culpava pela morte da
mãe, a quem amava muito e considerava frágil e inocente, apesar de ter sido
abusado por ela.
Se analisarmos clinicamente, Norman possuiu todos os critérios que o
DSM-5 classifica como TDI. Existe uma ruptura de identidade, ele não se
lembra de algumas coisas, há sofrimento e prejuízo para a vida dele, as
personalidades não são resultado de questões religiosas e os sintomas não
são causados por substâncias como álcool, drogas ou outra condição
médica.
Também é possível identificar no personagem o transtorno voyeurista,
já que ele gosta de observar outras pessoas em momentos íntimos, inclusive
tendo espionado a mãe desde a adolescência e os hóspedes do hotel.
Hitchcock comprou os direitos do livro que inspirou Psicose por 9
mil dólares na época e o fez de maneira anônima. Depois saiu
comprando o máximo de cópias que conseguiu para ninguém ler. No
primeiro dia de filmagem, o diretor obrigou todos da equipe a
levantar a mão direita e prometer que não contariam nada sobre a
história para ninguém.
“Nós, serial killers, somos seus filhos, somos seus maridos, estamos
em toda parte. E haverá mais de suas crianças mortas amanhã.”
Ted Bundy
MODUS OPERANDI
Modus operandi significa modo de operação em latim.
Em criminologia, por exemplo, um modus operandi perfeito é aquele
que assegura o sucesso do crime, protege a identidade do agressor e garante
a fuga. Isso envolve o tipo de arma que vai utilizar, como chamar menos
atenção, qual é a melhor forma de abordar a vítima, como limpar a cena do
crime, como se desfazer do corpo e não deixar nenhum tipo de evidência e
DNA nem levantar suspeitas.
O maior problema que os investigadores enfrentam é que, ao longo do
tempo, os criminosos vão ficando mais experientes, aprendem com os
próprios erros e aperfeiçoam seu modo de operação. Ou seja, o modus
operandi é algo que pode ser mudado e aperfeiçoado.
TROFÉUS
Jeffrey Dahmer tinha uma coleção de genitais, Jerome Brudos tinha um pé
decepado de uma vítima guardado no freezer e Ted Bundy colecionava
cabeças. Muitos serial killers colecionam objetos ou partes do corpo de
suas vítimas, muitas vezes para que sirvam de lembrança. Na casa de John
Wayne Gacy foram encontrados documentos, fotos e até uma televisão
roubada de uma das vítimas. Os assassinos gostam de ter esses troféus para
se lembrar dos seus crimes e até obter satisfação sexual novamente ao olhar
para eles.
ASSINATURA
É a marca pessoal do agressor. Todo crime tem um modus operandi, mas
nem todo crime tem uma assinatura. A assinatura atende às necessidades
emocionais ou psicológicas do agressor: são os atos gratuitos de violência
excessiva ou crueldade sádica que o criminoso comete para se satisfazer.
Um bom exemplo é o de Dennis Lynn Rader, conhecido como BTK, que
amarrava e torturava a vítima antes de matá-la. Aliás, sua alcunha vem
disso: bind, torture, kill. A assinatura geralmente não muda com o tempo, é
algo que ele não necessariamente precisaria fazer para conseguir cometer o
crime.
Com o passar das décadas e o estudo de novos agressores, essa lista foi
deixada de lado, pois diversos serial killers não se encaixavam nela. Além
disso, apresentar uma ou mais dessas características não define alguém
necessariamente como um possível assassino em série. O FBI atualmente,
segundo um relatório de 2005, conclui:
Você apresenta algum dos dez traços listados? Parabéns: você acaba de
descobrir que não existe teste para determinar um potencial assassino em
série!
MITOS SOBRE SERIAL KILLERS
Além dessa lista que hoje não serve para nada, o FBI também escreveu
sobre os sete mitos mais comuns sobre assassinos em série.
Por que é um mito? A maioria dos assassinos em série não é solitária, nem
reclusa, nem vive sozinha. Muitos têm família, lar, emprego estável e
escondem bem a sua natureza na comunidade em que vivem.
Exemplo: Robert Lee Yates foi um assassino em série da cidade norte-
americana de Spokane, no estado de Washington, que matou ao menos treze
pessoas em situação de prostituição entre 1996 e 1998. Yates era casado,
vivia em um bairro de classe média, frequentava a igreja, serviu no Exército
e até conseguiu um certificado de piloto de avião. Ganhou diversos prêmios
militares e medalhas. Yates só foi pego porque uma de suas vítimas
conseguiu escapar. Mesmo suspeito, ainda se recusou a fornecer DNA para
a investigação porque era um homem de família. Esse tal homem de família
foi declarado culpado por treze homicídios em primeiro grau e uma
tentativa e recebeu uma sentença de 408 anos de prisão. Em 2002, Yates foi
julgado por mais dois homicídios e condenado à pena de morte. Após anos
de apelação por parte do réu, a pena de morte passou a ser considerada
inconstitucional pela Suprema Corte do estado. Yates, portanto, ficará preso
para o resto da vida, sem possibilidade de conseguir liberdade condicional.
Por que é um mito? A maioria dos serial killers têm áreas geográficas bem
definidas e comete os crimes em zonas de conforto — muitas vezes lugares
próximos ao bairro em que moram ou trabalham. Caso se sintam confiantes,
podem extrapolar essa região. Mas poucos assassinos em série viajam para
matar, e, no caso dos que se enquadram nessa categoria, o ato de viajar
costuma fazer parte do seu trabalho.
Exemplo: John Wayne Gacy foi um serial killer norte-americano que
estuprou e matou pelo menos 33 jovens e adolescentes em Chicago nos
anos 1970 e enterrou quase todas as suas vítimas embaixo da própria casa.
Ele também é conhecido como “Palhaço Assassino”, mas, diferentemente
do que pode parecer, nunca matou ninguém vestido de palhaço. Gacy era
membro da Defesa Civil no estado de Illinois, tesoureiro do Partido
Democrata e empresário, mas nas horas vagas fantasiava-se de Palhaço
Pogo e divertia as crianças em festas beneficentes e hospitais. Muitos dizem
que Stephen King se inspirou nessa história para criar o personagem
Pennywise, de IT: A Coisa (1986), mas ele nunca confirmou.
Onde encontrar mais sobre esse caso: O livro Killer Clown Profile:
Retrato de um assassino conta a história da investigação que começou com
o desaparecimento de um jovem e terminou na casa de Gacy, cheia de
corpos enterrados.
Por que é um mito? Não é verdade que, uma vez que começam a matar, os
assassinos em série não conseguem mais parar. Existem diversos casos de
serial killers que pararam de matar antes de serem descobertos. Muitas
vezes algo acontece na vida deles que os impede de fazer novas vítimas,
como maior participação em atividades familiares e busca pela satisfação
sexual em outras atividades.
Exemplo: Joseph James DeAngelo Jr., conhecido como o Assassino do
Estado Dourado (Golden State Killer), cometeu treze assassinatos e pelo
menos cinquenta estupros entre 1975 e 1986, quando fez sua última vítima.
Sua identidade foi descoberta em 2018; ele foi sentenciado a onze penas de
prisão perpétua e não pode mais pedir liberdade condicional. Quando foi
preso, fazia 32 anos que tinha cometido o último crime.
Onde encontrar mais sobre esse caso:
O livro Eu terei sumido na escuridão (2018), de Michelle McNamara, e a
série homônima da HBO, inspirada no livro, contam essa história.
Por que é um mito? Nem todo serial killer tem uma condição mental
debilitante ou é extremamente esperto e inteligente. Ed Kemper era
superdotado, tinha um QI de 145 e só foi preso porque ligou para a polícia e
assumiu os seus crimes, mesmo sem que houvesse qualquer suspeita sobre
ele. Mas nem todos são assim. Os assassinos em série costumam sofrer de
uma variedade de transtornos de personalidade, incluindo psicopatia,
transtorno de personalidade antissocial e outros. A maioria não é
considerada insana perante a lei.
Exemplo: Adivinha? Dennis Rader de novo. Apesar de ter ficado quase
trinta anos longe da mira da polícia, foi pego por um motivo ridículo. Assim
como o Zodíaco, o BTK gostava de enviar cartas para a polícia e os jornais
com pistas e informações sobre seus crimes. Em uma dessas cartas, acabou
ajudando a polícia a localizar uma caixa de cereal com diversos documentos
dentro. Em um deles, Rader perguntava se disquetes podiam ser rastreados,
e solicitava ao destinatário que anunciasse no jornal local, caso fossem
seguros, com a frase Rex, it will be ok. O chefe de polícia colocou a frase no
jornal, como o pedido. O golpe tá aí, cai quem quer. E, duas semanas
depois, ele caiu.
No dia 16 de fevereiro de 2005, chegou um pacote na TV local com um
disquete roxo. O disquete continha um arquivo com a mensagem “isso é um
teste” e orientava a polícia a ler uma das fichas com instruções para
comunicações futuras. Só que com alguns cliques a polícia descobriu que o
arquivo havia sido salvo pela última vez por alguém chamado Dennis e que
o disco havia sido usado na Igreja Luterana de Cristo e na biblioteca de
Park City.
Rader cometeu o erro fatal de levar o disquete para sua igreja para
imprimir o arquivo porque a impressora de seu computador de casa não
estava funcionando. Uma busca rápida na internet identificou Dennis Rader
como presidente da congregação da tal igreja. Enfim considerado um
suspeito, a polícia só precisou das informações do DNA da cena do crime
para confirmar que ele era o assassino BTK. Um gênio, não?
Por que é um mito? A maioria dos assassinos em série planeja seus crimes
mais detalhadamente que outros criminosos. Mas isso não os impede de
cometer falhas. A logística entre cometer um assassinato e descartar o corpo
é muito complexa e exige bastante dedicação. À medida que se sentem mais
confiantes, acabam se expondo mais, e isso facilita na captura de muitos
deles.
TRÍADE MACDONALD
Em 1963, o psiquiatra forense John MacDonald publicou um artigo
chamado “The Threat to Kill”, em que falava sobre três fatores que, uma
vez identificados em crianças ou adolescentes, indicariam maior
probabilidade de desenvolverem tendências violentas ou predatórias.
ED KEMPER, O MATADOR DE
COLEGIAIS
Edmund Emil Kemper III nasceu no dia 18 de dezembro de 1948 em
Burbank, na Califórnia, filho de Clarnell Stage e Edmund Emil Kemper II.
Ed teve uma infância bastante problemática. Apesar de inteligente, sofreu
bullying no colégio por conta da sua altura e era bastante solitário.
Quando tinha 9 anos, seus pais se separaram e ele se mudou para
Montana com a mãe e as duas irmãs. Sua mãe era alcoolista, rígida,
abusiva, criticava o filho exageradamente e o tratava com bastante
desprezo.
Há relatos de que Ed costumava chamar as irmãs para brincadeiras meio
esquisitas, como fingir que morria em uma câmara de gás com elas
(realmente, bem peculiar), se contorcer na cadeira fingindo que estava
morrendo, além de decepar as bonecas das meninas.
Aos 10 anos, Clarnell o obrigou a viver no porão de casa, afastado do
resto da família, por temer que ele fizesse algo com as irmãs. O espaço era
bem apertado e sem janelas, e foi nessa época que Ed passou a ter fantasias
sobre matar a própria mãe.
Kemper enterrou vivo o gato da família e depois dissecou o corpo. Aos
13 anos, matou com um facão o novo gato. Ed nunca teve muitos amigos, e
não tinha coragem de levar em casa os poucos que tinha, porque não queria
que descobrissem que ele morava num porão escuro e que sua mãe o tratava
mal o dia inteiro.
Quando ele tinha 14 anos, uma das irmãs, querendo irritá-lo, perguntou
se ele beijaria uma professora; ele respondeu que, antes de beijá-la, teria
que matá-la. Depois de uns meses vivendo tudo isso dentro de casa, em
1963, ele pediu para morar com o pai, sua nova esposa, Elfriede, e o filho
dela de 16 anos.
Mas a relação de Kemper com a esposa do pai era bem complicada.
Elfriede, grávida, chegou um dia em casa, e Ed começou a fechar as
cortinas, deixando tudo escuro, e a ficou seguindo pela casa. A mulher ficou
com medo e pediu para ele sair. Assustado, o filho de Elfriede pegou um
martelo e expulsou Ed, que acabou voltando a morar com a mãe, no porão.
Depois de um tempo, os pais mandaram Ed para seus avós paternos, que
viviam num sítio afastado da cidade. Ed odiou tudo, porque, além de se
sentir muito rejeitado, ele percebia que ninguém gostava dele e só o
queriam longe.
A relação de Ed com os avós também não era boa, e ele acreditava que
sua avó, Maude Kemper, tirava a sua virilidade, porque ela o controlava,
que nem a mãe. A relação com o avô, que também se chamava Edmund, era
um pouco melhor, e Ed até ganhou um rifle que ele usava para caçar alguns
animais como coelhos, esquilos e pássaros, apesar deste último irritar sua
avó, que pediu para que ele não atirasse nas aves. Maude também
reclamava que o neto a encarava muito e que isso a assustava. Em agosto de
1964, estavam só Ed e a avó em casa, quando eles brigaram depois que ela
pediu para que ele parasse de encará-la. Bravo, Ed levantou com o rifle,
com a intenção de caçar, mas ouviu da avó “e não atire em passarinhos,
hein?” e isso foi o suficiente para irritá-lo. Ele pegou o rifle e atirou na
cabeça da avó e depois ainda deu mais dois tiros nas costas. Não satisfeito,
pegou uma faca e a golpeou diversas vezes. Ed decidiu enrolar uma toalha
na cabeça da avó e levá-la para o quarto, e só então ele se preocupou sobre
o que o avô diria quando chegasse.
Ed achava que o avô, ao ver o que fez, ia infartar e morrer, mas não teve
tempo de pensar direito sobre isso, porque logo o avô chegou cheio de
compras da cidade e Ed foi em direção a ele com o rifle e… deu um tiro em
sua cabeça. Sem saber o que fazer, um pouco desesperado, Ed ligou para a
mãe e contou o que havia acontecido. Clarnell mandou o filho ligar para a
polícia, ele ligou e ficou sentado esperando que chegassem. Ed Kemper só
tinha 15 anos quando tudo isso aconteceu.
Ed foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide e encaminhado para
o Hospital Estadual de Atascadero, na Califórnia, para uma unidade de
criminosos insanos. Lá descobriram que ele teria um QI de 145, que é
considerado bastante alto. O próprio Kemper classifica essa sua fase da vida
como uma das mais felizes, já que o hospital não era como uma prisão, lá
eles realmente queriam recuperar as pessoas. Ele foi escalado para trabalhar
no laboratório de psicologia e ajudava a aplicar testes em outros pacientes.
Foi nessa época que ele conversou com muitos criminosos violentos e
aprendeu muitas coisas, inclusive detalhes dos crimes. Ed começou a ter
fantasias e sonhos sobre o que queria fazer quando saísse dali, e chegou à
conclusão de que os seus colegas tinham sido presos porque deixaram
evidências e testemunhas para trás, atacaram mulheres conhecidas, em
lugares públicos. Ele seria mais esperto e não faria dessa forma.
Ed era tão inteligente que memorizou as respostas do teste para ser
liberado. Ele sabia como manipular os psiquiatras e psicólogos, dizendo o
que eles queriam ouvir. Com isso, os especialistas lhe deram um novo
diagnóstico: distúrbio de personalidade passivo-agressiva. Depois de cinco
anos no hospital, o psiquiatra finalmente deixou Kemper sair, com a
recomendação de que não voltasse a morar com a mãe, porque isso poderia
desencadear novos episódios de violência.
E o que aconteceu? Ed voltou a morar com a mãe! Ele tinha 21 anos e
não tinha como se sustentar, então parecia ser a sua única alternativa. O ano
era 1969, e agora sua mãe tinha se divorciado e se mudado para Santa Cruz,
no interior da Califórnia. Os dois brigavam muito, principalmente porque a
mãe o culpava por tudo. Ele demonstrou interesse em entrar para a Polícia
Rodoviária da Califórnia, e sua mãe até se esforçou para ajudá-lo, e quis
apagar sua ficha criminal, para que os crimes cometidos contra os avós não
o prejudicassem.
Mas Ed acabou não conseguindo entrar para a polícia. Não por causa do
crime, mas porque era alto demais. Existia um limite de altura para
participar do processo e ele passava bastante dele com seus 2,06 metros.
Essa foi uma das grandes frustrações da sua vida, porque era algo que não
dependia dele, já que ele imaginava possuir as qualificações necessárias
para entrar, só não tinha a altura “certa”.
Ed costumava ir a um bar frequentado pelos policiais da região e logo
fez amizades. Eles discutiam sobre casos e evidências, e Ed adorava ficar
ouvindo as histórias, até porque queria trabalhar na polícia. Ele chegou a
comprar um carro meio parecido com uma viatura no qual instalou um
radiotransmissor, um microfone e uma antena, para pegar a frequência das
chamadas dos policiais. Depois de passar por vários empregos, começou a
trabalhar no Departamento de Obras Públicas — Divisão de Rodovias do
Estado da Califórnia e se mudou da casa da mãe para um apartamento.
E foi aí que tudo começou. Ed ficava observando estudantes nas
estradas e oferecia carona para várias delas. Ele testava formas de fazê-las
confiar nele: as deixava em segurança em casa e depois ficava repassando
na cabeça o que poderia ter feito de diferente e como deveria agir para não
ser pego.
Certa vez, ao oferecer carona para uma mulher e a filha com intenção de
matá-las, viu pelo retrovisor que o marido havia anotado a placa do carro.
Assim, Ed só as levou até o destino e nada fez. Aqui ele já começava a
desenvolver o seu modus operandi.
Robert Ressler relata no livro Mindhunter Profile que, em fevereiro de
1971, ele foi atingido por um carro enquanto pilotava sua moto e sofreu
ferimentos graves no braço. Entrou na justiça com o pedido de indenização
e em dezembro do mesmo ano aceitou um acordo de 15 mil dólares.
Ele continuou treinando as caronas até se sentir confiante para dar um
passo maior. No dia 7 de maio de 1972, as estudantes Mary Ann Pesce e
Anita Luchessa estavam andando, quando Ed lhes ofereceu carona. Durante
o trajeto, ele sacou uma arma debaixo do banco e mandou elas ficarem
quietas. Ele as levou para uma área isolada, esfaqueou as duas e depois
carregou os corpos para a casa da sua mãe. Lá ele tirou fotos, dissecou seus
corpos e brincou com seus órgãos. Depois guardou o restante em sacolas de
plástico, enterrou nas montanhas de Santa Cruz e jogou a cabeça delas do
barranco ao lado da estrada. Como relata John Douglas no livro
Mindhunter, enquanto dirigia para se desfazer dos corpos, a polícia o parou.
Mas ele não ficou aterrorizado com a possibilidade de ser descoberto e
preso. Na verdade, ele ficava empolgado diante dessas situações. Se o
policial tivesse resolvido conferir o porta-malas, Ed o teria matado.
Apenas quatro meses depois, em 14 de setembro, Ed fez uma nova
vítima. Aiko Koo tinha apenas 15 anos, estudava dança e estava no ponto
de ônibus. Como o ônibus estava demorando muito e ela não queria perder
a aula, acabou aceitando a oferta da carona.
Ed mostrou a arma e a garota ficou muito assustada, então ele começou
a tranquilizá-la dizendo que nada ia acontecer. Ainda disse que, se ela não
fizesse sinal para ninguém, nada aconteceria com ela. Ele começou então a
se afastar, na direção das montanhas, estacionou e foi até o porta-malas
buscar algo, e a sufocou até ela desmaiar e, então, a estuprou e estrangulou
até a morte com a própria echarpe da vítima. Quando teve certeza de que
ela estava morta, colocou-a no porta-malas. Já em casa, levou o corpo para
o quarto e o estuprou novamente.
Em setembro de 1972, Ed fez uma avaliação psiquiátrica e o médico
disse que ele não representava mais um perigo à sociedade. Isso não era
verdade, porque, enquanto estava na consulta, a cabeça de Aiko Koo se
encontrava no porta-malas do seu carro.
Ed jogou os restos mortais em locais diferentes e distantes um do outro
depois de alguns dias e ficou bastante satisfeito ao descobrir no bar que os
policiais ainda não tinham relacionado o desaparecimento de Aiko e os
assassinatos anteriores das duas estudantes.
Meses depois, no dia 9 de janeiro de 1973, Ed fez mais uma vítima: a
estudante Cindy Schall, de 18 anos.
Ele a levou até as colinas de Watsonville, a forçou a entrar no porta-
malas e atirou em sua cabeça. Levou o corpo para a casa da mãe, abusou
sexualmente do cadáver, dissecou-o na banheira, ensacou e jogou fora
quase todo o corpo. Mas dessa vez enterrou a cabeça da vítima no quintal,
com o rosto para cima e os olhos na direção da janela do quarto de sua mãe.
Os sacos com o restante do corpo, jogou de um penhasco. O corpo foi
descoberto em menos de 24 horas, mas ele não teve medo, pois não havia
nenhuma suspeita sobre ele.
Um mês depois, em 5 de fevereiro — o tempo entre os crimes estava
diminuindo —, ele fez mais duas vítimas: Rosalind Thorpe e Alice Liu.
Depois de mais uma briga com a mãe, Ed saiu de casa para espairecer e
acabou oferecendo carona para Rosalind, de 23 anos. Os dois estavam
conversando quando ele parou e ofereceu carona para Alice Liu, de 20.
Matou as duas a tiros, colocou os corpos no porta-malas e levou-os para
casa, repetindo o modus operandi de sempre. Depois se desfez deles em
Eden Canyon, próximo de São Francisco.
Dessa vez, levaram dez dias para encontrar os corpos.
A essa altura, a cidade já estava aterrorizada, e o assassino ganhou o
apelido de Co-Ed Killer, que seria “O Matador de Colegiais”. “Co-ed” é
uma abreviação para coeducacional, que eram as escolas de ensino misto,
para meninos e meninas. Como a maioria das vítimas eram estudantes
dessas escolas, o apelido pegou. Tem uma informação que a gente vê muito
por aí, mas não é comprovada, de que o Ed, em uma dessas vezes que
estava no bar, teria participado de uma conversa com os policiais sobre o
caso, e mal sabiam eles que estavam conversando com o próprio assassino.
Apenas dois meses depois, ele estava atacando novamente. Dessa vez, a
vontade de matar que estava sentindo era tão absurda que até o assustou.
Pensou em matar todos os moradores do quarteirão em que morava, mas
acabou desistindo dessa ideia e resolveu se concentrar num desejo antigo:
sua mãe.
Em uma sexta-feira, 20 de abril de 1973, Kemper estava voltando do
trabalho, e ligou para Clarnell. A mãe avisou que ia sair para um jantar com
professores da universidade em que ela trabalhava e que ia chegar mais
tarde. Ele chegou em casa, se sentou, bebeu um pouco de cerveja, viu
televisão e ficou acordado o máximo que conseguiu, esperando para falar
com ela, porque sentia que algo ia acontecer. Dormiu e acordou algumas
vezes até perceber, às quatro da manhã, que Clarnell já havia voltado e
estava lendo no quarto. Quando Ed foi até lá, ela perguntou o que ele estava
fazendo acordado. Ele disse que só queria checar se ela estava em casa,
porque ele não tinha ouvido ela chegar. Então ela disse: “Ah, imagino que
você queira conversar.” Ele disse que não, e deu boa-noite. Ao voltar para o
seu quarto, ele decidiu que iria esperar mais uma hora até que ela dormisse.
Depois desse tempo, Ed pegou um martelo e foi até o quarto da mãe.
Parou ao lado do seu corpo e ficou pensando em quanto a amou e foi
rejeitado e ficou fantasiando com como seria vê-la morrer. Então levantou o
martelo e a golpeou diversas vezes até a morte. Arrancou sua cabeça e
estuprou seu corpo decapitado. Clarnell já estava morta, mas Ed ainda
“ouvia os gritos” dela. Transtornado, arrancou sua laringe e enfiou no
triturador de alimentos, que engasgou e jogou os pedaços de sua mãe em
cima dele. Ed entendeu que, mesmo depois de morta, a mãe continuava o
provocando.
Ed então teve uma ideia. Ligou para a melhor amiga da mãe, Sally
Hallet, e a convidou para um jantar “surpresa”. Escondeu o corpo da mãe
no armário e colocou a mesa para duas pessoas. Quando Sara chegou, ele
deu uma pancada na cabeça dela, a estrangulou, depois a decapitou, e
deixou o corpo em sua cama.
Ed deixou um bilhete ao lado do corpo da mãe:
Nem descuidado nem incompleto, senhores, apenas “falta de
tempo”. Muitas coisas a fazer!!! Aproximadamente 5h15 de sábado.
Não há necessidade de ela sofrer mais nas mãos desse horrível
“açougueiro assassino”. Foi rápido — dormindo — sem dor. Do
jeito que eu queria.
A assinatura, ou seja, o que ele fazia para realizar suas fantasias, era
dissecar os corpos, violá-los e praticar necrofilia. Ele também disse que
praticou canibalismo, comendo algumas partes dos corpos. Mas no
julgamento acabou desmentindo e disse que só inventou essa informação
para ajudar na alegação de insanidade. Ed também confessou que voltava às
cenas do crime para recordar. O FBI já suspeitava que os serial killers
fizessem isso, então o depoimento de Ed foi importante para que eles
confirmassem essa hipótese.
Ao relatar o dia em que matou a mãe, Ed chorou muito. Para Douglas,
era incomum o assassino direcionar a raiva para o foco de seu
ressentimento. Ed Kemper precisou matar oito pessoas antes de ter coragem
de fazer o que realmente queria, que era matar a mãe.
Em 2019, o ator Holt McCallany, que interpretou o agente Bill Tench
em Mindhunter, personagem inspirado no agente Robert Ressler, contou
que, quando se preparava, tentou visitar Ed, mas o assassino nunca o
respondeu. Então ele foi até a prisão, e, ao chegar lá, descobriu que Ed
estava numa cadeira de rodas, não aceitava visitas e se recusava a tomar
banho.
Ed Kemper foi considerado durante muito tempo um preso-modelo.
Tornou-se elegível para liberdade condicional em 1979, mas o direito lhe
foi negado nesse ano. Em alguns anos posteriores, ele renunciou ao direito
(1985, 1997, 2002, 2012) e, em outros, ele lhe foi recusado (1991, 1994,
2007, 2017). A próxima oportunidade de sair em liberdade é em 2024,
quando ele terá 75 anos — dos quais 51 terá passado preso.
Modus Operandi Podcast – Episódio #16
Ed Kemper: O serial killer que matou a própria mãe
CAPÍTULO 5: Perfis de criminosos
Uma mulher está estudando para ser agente do FBI. Ela é formada em psicologia e
criminologia e quer trabalhar na Unidade de Ciência Comportamental. O chefe da unidade explica
que estão entrevistando serial killers e ela precisa falar com um psiquiatra assassino que ficou
conhecido por ser canibal.
A psicóloga vai fazer a entrevista ciente de que o assassino tem a fama de ser muito inteligente
e manipulador. O que ela não sabe é que o chefe na verdade queria a ajuda do psiquiatra canibal
para encontrar outro criminoso, que está sequestrando e matando mulheres, removendo sua pele e
jogando os corpos no rio. Juntos, a psicóloga e o canibal, conseguem fazer um perfil criminal do
assassino e, assim, capturá-lo.
Lembrou dessa história? Ela é ficção, mas muitos de seus elementos são inspirados na
realidade. Se você já viu o filme O Silêncio dos Inocentes, ou leu o livro que o inspirou, do autor
americano Thomas Harris, você sabe que Hannibal escapa e depois até arruma mais contratos de
filmes para fazer! Bom, foi o Anthony Hopkins, na verdade.
Todo esse lance de entrevistar serial killers você também já deve ter visto na série Mindhunter.
Ali vemos os agentes Holden Ford e Bill Tench se aventurando em conversas com assassinos
famosos para entender melhor como eles pensam e quais são as motivações de seus crimes, para,
com essas informações, capturar outros assassinos. A série é inspirada no livro de mesmo nome,
escrito por John Douglas e Mark Olshaker.
Criminal Minds (2005-2020) é uma série que mostra agentes da Unidade de Análise
Comportamental criando perfis de criminosos com o objetivo de encontrá-los o mais rápido
possível, antes que eles ataquem outra vítima. Os agentes até falam de casos da vida real.
Em muitas dessas obras, o desenvolvimento dos perfis até parece mágica: a pessoa presume
várias coisas com base em uma pequena informação. Em algumas delas até há cenas do agente se
imaginando no lugar do criminoso, vislumbrando flashes dos crimes e tudo o mais. A verdade é que
fazer um perfil criminal é uma ciência, um trabalho baseado em muitos estudos e pesquisas. E, às
vezes, pode até dar errado.
PERFIS DE CRIMINOSOS
Criminal profiling ou offender profiling é a união de vários estudos e técnicas para se criar um
perfil biopsicossocial de um criminoso desconhecido.
Quando ocorre um crime em que não se sabe nada sobre quem o cometeu, é preciso refinar as
opções de investigação e de possíveis suspeitos. Uma das formas de se fazer isso é criar um perfil
do criminoso. Ele pode ter características biológicas, físicas, psicológicas e sociais para orientar a
investigação.
O profiler, ou perfilador, faz uma relação entre o comportamento criminal e a personalidade do
agressor para tentar desvendar quem seria a pessoa por trás do acontecimento. É deduzida uma
imagem psicossocial com base na análise da cena do crime, da vitimologia e do que se sabe sobre o
agressor. Com isso, os investigadores conseguem identificar crimes cometidos potencialmente por
uma mesma pessoa, eliminar suspeitos, criar estratégias para atrair um criminoso etc.
Existem três perguntas fundamentais que o perfil criminológico deve responder:
É interessante lembrar também que um perfil de criminoso pode ser criado para vários tipos de
caso, não apenas para serial killers. Pode-se usar essa técnica para desvendar crimes únicos e em
série: homicídios e tentativas de homicídio, estupros e violações, assaltos, incêndios e explosões,
atos de terrorismo, crimes ritualísticos, casos com reféns, agressões e desaparecimento de crianças,
assédio sexual, gestão de crise em estabelecimentos prisionais etc.
O PRIMEIRO PERFIL
O primeiro perfil criminal de que se tem notícia foi o de um assassino de quem inusitadamente até
hoje não se sabe a identidade. Estamos falando de Jack, o Estripador. Em 1888, o médico legista
Thomas Bond fez uma descrição sobre quem ele acreditava que poderia ter cometido os crimes em
Londres.
Mulheres em situação de prostituição estavam sendo assassinadas e mutiladas no distrito de
Whitechapel, na capital da Inglaterra. A polícia não chegava a nenhuma conclusão e a população
ficava cada vez mais desesperada e assustada. As únicas pistas que eles tinham eram as cenas dos
crimes e eles não sabiam direito o que fazer a partir disso.
Alguns acreditavam que o criminoso era um médico, por causa do tipo de cortes e ferimentos
que ele causava nas vítimas. Mas, fora isso, não se sabia nada sobre quem poderia ser o assassino.
A polícia entrevistou mais de duas mil pessoas e até prendeu alguns suspeitos, que depois foram
soltos.
Em outubro de 1888, a polícia já não sabia mais o que fazer e pediu ajuda ao médico legista
Thomas Bond. Eles queriam que ele desse sua opinião sobre quem seria o criminoso com base na
avaliação dos cadáveres. A conclusão do dr. Bond foi detalhada em uma carta enviada no dia 10 de
novembro de 1888 para o Departamento de Investigação Criminal de Londres. Vamos dar uma
olhada?
1. Via Buck’s
2. Rua Hanbury
3. Rua Berners
4. Praça Mitre
Também fiz o exame post mortem dos restos de uma mulher encontrada ontem em um
pequeno quarto da rua Dorset.
1. Todos os cinco assassinatos sem dúvida foram cometidos pela mesma mão. Nos primeiros
quatro, as gargantas parecem ter sido cortadas da esquerda para a direita. No último caso,
devido à extensa mutilação, é impossível saber qual a direção do corte fatal, mas sangue
arterial foi encontrado na parede em respingos, próximo de onde a cabeça da mulher devia
estar caída.
3. Nos quatro assassinatos de que só vi as anotações, não posso formar uma opinião definitiva,
já que havia passado tempo entre o assassinato e a descoberta do corpo.
Em um caso, o da Rua Berners, a descoberta do corpo parece ter sido feita imediatamente
após a morte — na Via Buck’s, Rua Hanbury e Praça Mitre, somente três ou quatro horas
devem ter se passado. No caso da Rua Dorset, o corpo estava caído na cama no momento da
minha visita, nu e mutilado, como no relatório anexado.
O corpo já estava em rigidez cadavérica, mas progrediu durante o exame. A partir disso, é
difícil dizer com exatidão o tempo passado desde a morte, já que o período de rigidez começa
entre seis e doze horas. O corpo estava frio às duas horas e restos de uma refeição recém-feita
foram encontrados no estômago e no intestino. Portanto, é bastante certeiro que a mulher
devia estar morta havia doze horas. O alimento parcialmente digerido indica que a morte
ocorreu entre três e quatro horas depois que a comida foi ingerida; logo, a hora da morte deve
ser entre uma e duas da manhã.
1. Em todos os casos parece não existir evidência de luta, e os ataques provavelmente foram
repentinos e em um ângulo que as mulheres não puderam resistir ou pedir ajuda. No caso da
rua Dorset, o canto do lençol à direita da cabeça da mulher estava bastante cortado e com
sangue, indicando que o rosto deveria estar coberto com o lençol durante o ataque.
2. Nos quatro primeiros casos, o assassino deve ter atacado pelo lado direito da vítima. No caso
da rua Dorset, ele deve ter atacado pela frente ou pela esquerda, já que não haveria espaço
entre a parede e a parte da cama em que a mulher estava deitada. Novamente, o sangue havia
escorrido pela parte direita da mulher e jorrou na parede.
3. O assassino não necessariamente foi espirrado ou inundado com sangue, mas suas mãos e
braços devem ter ficado cobertos e provavelmente parte de suas roupas devem ter ficado
manchadas com sangue.
4. As mutilações em cada caso, exceto o da rua Berners, foram do mesmo modo e mostram
claramente que em todos os assassinatos o objetivo era a mutilação.
5. Em todos os casos a mutilação foi cometida por uma pessoa que não tem conhecimento
anatômico ou científico. Em minha opinião, o assassino não possui nem o conhecimento
técnico de um açougueiro, ou matador de cavalos, ou qualquer pessoa acostumada a cortar
animais mortos.
6. O instrumento deve ter sido uma faca resistente de pelo menos quinze centímetros, muito
afiada, com uma ponta fina e com cerca de 2,5 centímetros de largura. Pode ter sido um
canivete, uma faca de açougueiro ou uma faca de cirurgião. Sem dúvida foi uma faca reta.
7. O assassino deve ser um homem com muita força física e de grande frieza e ousadia. Não há
provas de que ele tenha tido um cúmplice. Ele deve, na minha opinião, ser um homem sujeito
a ataques maníacos periódicos, homicidas e eróticos. O tipo das mutilações indica que o
homem pode ter uma condição sexual chamada satiríase. É claro que é possível que o
impulso homicida tenha se desenvolvido a partir de uma condição de vingança ou de
inquietação da mente, ou que uma mania religiosa possa ter sido a doença original, mas não
creio que nenhuma das hipóteses seja provável. É bastante provável que seja um homem de
aparência inofensiva e tranquila, de meia-idade e bem-vestido. Penso que deve ter o hábito de
usar um manto ou um sobretudo, ou dificilmente poderia ter escapado aos olhares nas ruas se
o sangue nas suas mãos ou roupas fosse visível.
8. Presumindo que o assassino seja uma pessoa como acabei de descrever, deve ser solitário e
excêntrico nos hábitos, sem trabalho regular, mas com algum pequeno rendimento ou pensão.
Possivelmente vive entre pessoas respeitáveis com algum conhecimento do seu caráter e
hábitos e que podem ter motivos para suspeitar que, às vezes, ele não está bem
psicologicamente. Essas pessoas não estariam dispostas a comunicar suas suspeitas à polícia
por receio de problemas ou notoriedade, ao passo que se houvesse uma perspectiva de
recompensa poderia eliminar suas dúvidas.
Atenciosamente,
Thos. Bond.
Uau! Que cartão! Mas olha só: justamente com base nas informações das cenas do crime e dos
corpos, o dr. Bond conseguiu imaginar como os crimes foram cometidos e como provavelmente
seria o ofensor. Em seu texto ainda podemos observar bem o raciocínio lógico que ele foi fazendo.
Por exemplo, ele analisa a posição do sangue e dos respingos e deduz que o assassino se sujou.
Além disso, como ninguém havia testemunhado um indivíduo cheio de sangue circulando por aí,
ele concluiu que o homem estaria usando um sobretudo ou capa.
É claro que Bond não estava criando um perfil conforme as regras atuais, ele só estava lá
tentando ajudar. Mas quando a gente chegar na parte dos perfis propriamente, você vai concordar
que ele tinha muito potencial para ser profiler!
“Um homem forte, de meia-idade, que vive em um subúrbio ao norte da cidade. Um homem
que nunca teve namorada e é católico, com um histórico de conflitos no trabalho. Esse
homem tem origem eslava e é alguém que empobreceu. Quando vocês o capturarem, é
provável que esteja vestindo um blazer de abotoamento duplo e fechado. Provavelmente sofre
de esquizofrenia paranoide. E não resistiria à chance de responder se fosse publicado um
perfil sobre ele, principalmente se houver coisas erradas, ele gostaria de reconhecimento.”
Brussel disse aos policiais que, se eles publicassem o perfil em um jornal, o criminoso ficaria
tentado a mandar uma resposta. Então foi o que fizeram em 25 de dezembro de 1956, no New York
Journal American, e no dia seguinte publicaram uma carta pedindo que ele se entregasse. E
adivinhem? O Mad Bomber respondeu mesmo!
Não só em uma carta, mas várias, com mais informações sobre ele. A polícia foi triangulando
tudo e percebeu que o homem tinha muita raiva daquela primeira fábrica em que apareceu uma
bomba. Em janeiro de 1957, eles chegaram a um ex-funcionário da tal fábrica que morava em
Connecticut e foram até a casa dele por volta da meia-noite. Um homem de meia-idade abriu a
porta. Os policiais falaram que iam levá-lo até a delegacia e então ele vestiu um blazer trespassado
e abotoou, como o doutor tinha previsto!
O homem se chamava George Metesky, era filho de imigrantes lituanos e acreditava que um
acidente na fábrica em 1931 tinha lhe causado tuberculose. Ele realmente era o Mad Bomber, e, ao
ser preso, apareceu em diversos vídeos e fotos sorrindo, feliz da vida.
A verdade é que o perfil do dr. James A. Brussel mudou muita coisa na forma de buscar
suspeitos. O psiquiatra até foi trabalhar com a Polícia de Boston no caso do Estrangulador de
Boston, que aconteceu entre 1962 e 1964. Anos depois, em 1968, o dr. Brussel publicou um livro
chamado Casebook of a Crime Psychiatrist (Diário de um psiquiatra criminal), em que contava esse
e outros casos. Na capa estava escrito “o Sherlock Holmes da psiquiatria americana”. Autoestima lá
no alto, hein, doutor? Não importa quem fez primeiro, se americanos ou britânicos: o negócio é que
foram sendo desenvolvidos vários métodos para criar perfis de criminosos. Então vamos a eles!
MÉTODO DO FBI
Chega de história, você já deve estar querendo saber como se cria um perfil, afinal. De acordo com
o método do FBI, existem seis etapas no processo completo. A primeira é coletar todas as
informações sobre o caso, a cena do crime, avaliar a vítima, ou, dependendo do caso, o relatório do
médico-legista. É preciso saber a causa da morte, os tipos de agressão e ferimentos, se houve
agressão sexual, ou seja, tudo relacionado ao cadáver.
Eles devem ler o relatório preliminar da polícia e entender o que foi encontrado pelo primeiro
policial que chegou à cena do crime. Como estava o corpo? Estava coberto? Em alguma posição
diferente? Como estavam os objetos do local? Havia pegadas? Algo da vítima foi levado pelo
criminoso? É importante saber tudo sobre a cena do crime, com o máximo de detalhes possível. Na
época em que a unidade foi criada, as fotos não eram muito boas, então Douglas sempre pedia um
desenho da cena do crime para entender tudo e até se colocar no lugar do agressor e da vítima.
A segunda etapa é analisar se há padrões. Qual o tipo de homicídio, intenção primária, risco da
vítima e do ofensor, agravamento, fatores temporais e geográficos.
Em um terceiro momento, deve-se avaliar o crime propriamente, refazer os passos do criminoso
e da vítima, entender o nível de planejamento do crime.
A quarta etapa é a criação do perfil e a quinta é a investigação feita a partir dele. Na sexta e
última fase temos a captura do ofensor e uma avaliação do perfil, se ele foi preciso e se ajudou na
captura.
Etapas para criação de um perfil criminal do FBI:
1. Coleta de dados
4. Elaboração do perfil
5. Uso do perfil na investigação
6. Captura do criminoso
se solitário, é porque ninguém é bom o solitário porque os outros não querem estar
suficiente para ele perto dele
tem controle da situação e fica calmo pode estar em um surto, ansioso durante o
durante o crime crime
PSICOLOGIA INVESTIGATIVA
Outra linha de criação de perfis veio do Reino Unido. Ela classifica os crimes e criminosos e é mais
voltada para estatísticas e métodos científicos. O pesquisador e psicólogo social David Canter é o
maior entusiasta dessa abordagem.
Tudo começou em 1985, quando Canter foi chamado pela Scotland Yard, a polícia de Londres,
para ajudá-los no caso do Estuprador da Ferrovia (Railway Rapist). Uma série de estupros e alguns
estupros seguidos de morte haviam ocorrido próximos a linhas de trem, e Canter foi convocado
para estudar a possibilidade de incorporar teorias da psicologia nas técnicas de investigação da
polícia e entender se conseguiriam traçar um perfil criminal, uma vez que o FBI já vinha fazendo
isso. Canter desenhou um perfil para o Estuprador da Ferrovia com diversas características. O perfil
não foi muito determinante na captura do criminoso, mas ajudou a demarcar a área em que ele
morava. Depois que o criminoso foi capturado, foram confirmados vários traços que constavam no
perfil.
Mais tarde, Canter se reuniu com a polícia para fazer um estudo dos padrões de comportamento
que se relacionam com a personalidade dos agressores e então criar um método melhor para a
criação dos perfis.
Em 1992, o método do FBI já tinha se tornado mais conhecido, e Canter e vários profissionais
colaboraram com a Polícia Metropolitana de Londres a fim de criar um projeto para estudar a
confiabilidade de perfis criminais. Naquele momento, ainda não havia nenhum tipo de regulação,
leis ou programas organizados de treinamento no Reino Unido nem nos Estados Unidos (fora o
treinamento próprio do FBI), e eles queriam analisar se os perfis realmente serviam de algo ou se
era só uma moda.
A pesquisa realizada pelo detetive investigativo Gary Copson, publicada em 1995, avaliou se
184 perfis criminais ajudaram nos casos entre 1981 e 1994. Os resultados foram bem interessantes.
Pela pesquisa, Gary Copson concluiu que a maioria dos detetives percebeu os benefícios dos
perfis, entendendo que são “novas ideias” decorrentes de uma segunda opinião inteligente e do
desenvolvimento de uma filosofia investigativa por meio de consulta e debate. E também que os
perfis parecem mais ajudar indiretamente do que de fato concluir um caso.
No fim do seu artigo, Copson deixa algumas recomendações, e uma delas chega a ser
engraçada, mas é compreensível, dado que muitos policiais afirmaram solicitar os perfis, mas
pouquíssimos os seguiram em suas investigações:
“Policiais não devem pedir perfis criminais a menos que realmente considerem usá-los.”
A experiência de Canter colaborando com a polícia fez com que ele desenvolvesse uma nova
área de Psicologia Aplicada que nomeou de Psicologia Investigativa. Ela une psicologia social,
ambiental, organizacional, forense e clínica, desenvolvimento cognitivo e criminologia. Canter
criou um programa de graduação na área na Universidade de Surrey e, dez anos depois, criou outro,
na Universidade de Liverpool. Atualmente existem mestrados e doutorados na área. Essa é hoje a
abordagem mais usada internacionalmente, e professores e pesquisadores britânicos já foram ao
FBI dar treinamentos.
Em 2001, cunhou-se no Reino Unido o termo Behavioural Investigative Adviser (BIA), que em
português seria algo como Conselheiro Investigativo Comportamental. Em 2004, nasceu o
periódico Journal of Investigative Psychology and Offender Profile, publicado três vezes ao ano,
que aborda ciências comportamentais e como elas se relacionam com a criminologia.
Canter acredita que os infratores tratam suas vítimas como tratam todas as outras pessoas em
sua vida. Por exemplo, um estuprador egoísta com suas vítimas provavelmente apresenta egoísmo
diante de amigos, colegas e familiares. Seguindo o mesmo raciocínio, os criminosos selecionam
vítimas cujas características se parecem com as de pessoas importantes para eles. A isso, o
pesquisador deu o nome de consistência interpessoal.
Já o que chamou de hipótese da diferenciação diz que, como todas as pessoas, os criminosos e,
consequentemente, seus crimes são diferentes entre si. Cada tipo de crime se refere a um tipo de
criminoso diferente. Depois de uma análise de cem serial killers, foram identificados quatro tipos
de atuação:
As inferências não são baseadas apenas em uma ação ou um ponto do crime, são analisadas
como um conjunto. Existe um foco em como aconteceu um crime, não no motivo.
Os perfis são entregues em formato de relatório, que deve conter uma explicação, passo a passo,
de como o perfil foi traçado. É necessário detalhar como se chegou à conclusão de cada ponto, que
teoria foi usada para corroborar a inferência etc.
No método do FBI, não há um relatório nem qualquer tipo de formalidade na entrega do perfil
— em geral, é apresentado oralmente —, e os defensores da psicologia investigativa apontam que é
preciso ter um registro confiável do perfil e das opiniões do profiler, até para posteriormente saber
se o profissional é confiável e fez um bom trabalho.
Um relatório de perfil em geral contém:
* Um aviso de que o relatório é uma ferramenta para investigação, que não objetiva acusar ou
inocentar ninguém, e que é baseado em pesquisas.
BRASIL
No Brasil, não há uma abordagem dominante. Em geral não há psicólogo investigativo nas polícias
civis. Os únicos estados que quebram esse padrão são Goiás — em que existe a profissão do
psicólogo criminal, que tem outras funções, mas pode criar um perfil criminal — e Paraná — que
hoje possui um perito criminal em psicologia, cuja função está mais atrelada à produção de perfis
criminais.
É claro que muitos policiais e detetives detêm esse conhecimento de criação de perfis, ou até
um entendimento natural baseado em experiência. O fato é que no Brasil ainda não existe uma
profissão voltada para perfis criminais nem um código de ética que ajude a guiar os policiais.
Existem poucos profissionais que informalmente buscam psicólogos para ajudar em casos ou até
para traçar perfis. Apesar disso, existem diversos cursos de criminal profiling que podem ser feitos
no país.
***
Agora que você já sabe tudo sobre como criar um perfil, separamos alguns casos em que agentes do
FBI trabalharam para podermos analisar. Será que você consegue identificar se o criminoso foi
considerado organizado, desorganizado ou misto?
É óbvio que, nesse ponto, as pessoas já estavam desesperadas: quem seria a próxima vítima? E
por quê? O FBI não sabia responder. Foi criada uma linha telefônica para denúncias, que recebeu
milhares de ligações por mês, e muitas cartas, nas quais os remetentes alegavam ser o Unabomber,
chegaram até a polícia. Uma grande confusão.
Seis anos se passaram sem ocorrências, até que Ted mandou duas bombas na mesma semana,
nos dias 22 e 24 de junho de 1993, levando o geneticista da Universidade da Califórnia Charles
Epstein a perder três dedos e o cientista da computação David Gelernter a ficar sem parte de sua
mão direita e com ferimentos em um dos olhos.
O The New York Times recebeu uma carta, não muito grande, de um grupo que reivindicava os
bombardeios. Ted a elaborou como se um grupo anarquista chamado FC a tivesse escrito, e falava
que o FBI saberia sobre essas iniciais. De fato, a maioria das bombas possuía as duas letras
gravadas em alguma parte. A carta entregava os autores dos crimes e fornecia um número secreto
para comunicações futuras. O FBI não conseguiu achar praticamente nenhuma pista útil nela, mas
descobriu que tinha uma marca no papel, como se alguém tivesse escrito algo em outra folha por
cima daquela e a de baixo tivesse ficado marcada. Estava escrito: “Ligar para Nathan R. Qua 7pm.”
A polícia ficou louca atrás do tal do Nathan R., mas, como esse nome é muito comum, a busca não
deu em nada, e muito provavelmente foi uma pegadinha do Ted.
Em dezembro de 1994 e abril de 1995, houve mais duas vítimas fatais em Nova Jersey e
Sacramento: Thomas J. Mosser, executivo de uma multinacional, e Gilbert Brent Murray,
presidente do lobby das indústrias madeireiras California Forestry Association.
Diversos perfis criminais foram feitos, mas houve muitos erros, porque o Unabomber não se
encaixava na dicotomia organizado/desorganizado. Por exemplo, como as primeiras bombas
explodiram em universidades, alguns profilers pensaram que naquela época ele poderia ser um
estudante, alguém jovem, entre 18 e 23 anos, quando, na verdade, Ted tinha 35 anos no dia em que
enviou o primeiro explosivo. Até John Douglas entrou na história.
PERFIL DO UNABOMBER
(publicado no jornal Sun Sentinel em outubro de 1995)
Com esse material, Ted foi, enfim, considerado um suspeito viável. Com o mandado de busca
expedido, os policiais foram até sua cabana em 3 de abril de 1996 e confirmaram que Ted era
realmente o homem que eles estavam procurando. Eles encontraram livros de química sobre como
construir explosivos poderosos, vários explosivos, uma coleção de armas feitas à mão, quarenta mil
páginas manuscritas, entre elas textos sobre experimentos com bombas e descrições dos crimes do
Unabomber, e ainda uma bomba pronta para ser despachada embaixo da cama de Ted.
Em junho de 1996, Theodore Kaczynski foi indiciado por dez acusações de transporte ilegal,
envio pelo correio e uso de bombas. Os advogados dele, o defensor público federal Michael
Donahoe e, posteriormente, Judy Clarke, queriam usar a estratégia de insanidade para escapar da
pena de morte (se você pulou o capítulo de transtornos mentais, volte lá para entender melhor!),
mas Ted recusou com veemência. Se ele fosse declarado insano, todo o seu trabalho seria jogado no
lixo. Em 8 de janeiro de 1998, Ted pediu para retirar os defensores, mas o juiz disse que era tarde
demais. Ted então tentou tirar a própria vida nesse dia. Depois, apelou ao juiz, alegando que
preferia se representar, mas o pedido foi negado. Após a avaliação de uma psiquiatra, Ted foi
diagnosticado com esquizofrenia paranoide. Outros psiquiatras posteriormente declararam que ele
não tinha qualquer transtorno mental. Depois, na dicotomia organizado/desorganizado, Kaczynski
foi considerado um criminoso misto. Porque ele tinha características dos dois tipos.
Ele confessou tudo em 22 de janeiro de 1998 e se declarou culpado, escapando da pena de
morte por meio de um acordo. Foi condenado a oito sentenças de prisão perpétua sem a
possibilidade de condicional. Pivô da investigação mais cara da história do FBI — cerca de
cinquenta milhões de dólares —, ao longo de quase vinte anos, Ted Kaczynski causou a morte de
três pessoas e feriu outras 23.
Ted lançou diversos livros com suas ideias, e sua cabana esteve disponível para visitação no
museu Newseum, em Washington D.C., por anos, mas foi devolvida ao FBI em 2019. Em 2021, aos
79 anos, Ted ainda estava encarcerado no ADX Florence, presídio de segurança máxima no
Colorado onde ficam os piores criminosos americanos, que mais oferecem risco nacional. Lá, os
presidiários ficam praticamente o tempo todo em isolamento — inclusive uns dos outros — e têm
pouquíssimas oportunidades de recreação.
Existem diversas obras sobre Theodore Kaczynski, como o filme feito para a TV chamado
Unabomber: The True Story e a peça de teatro búlgara (!) P.O. Box Unabomber. Mas a obra que
gostaríamos de destacar é a primeira temporada da série Manhunt, chamada “Unabomber” (2017),
que está disponível na Netflix. Paul Bettany interpreta Ted e temos uma perspectiva ficcionalizada
da investigação do FBI, com o agente Jim Fitzgerald (Sam Worthington) na análise do caso e
criação do perfil criminal.
Se você quiser ver uma versão documental, na Netflix há a minissérie Unabomber — Suas
Próprias Palavras (2020), com quatro episódios. Ted deu uma única entrevista três anos depois de
ser preso, para a jornalista Theresa Kintz, e contou muitas de suas motivações. No documentário,
trechos dessa entrevista são intercalados com depoimentos de investigadores, vizinhos, vítimas e
até do irmão dele, David.
Nome das
Bomba Data Estado Local Profissão Ferimentos
vítimas
Oficial da Pequenos
Universidade Terry
1 25/05/1978 Illinois polícia cortes e
Northwestern Marker
universitária queimaduras
Pequenos
Universidade John Estudante da
2 09/05/1979 Illinois cortes e
Northwestern Harris graduação
queimaduras
Voo Doze
American pessoas
3 15/11/1979 Illinois Várias Várias
Airlines inalaram
#444 fumaça
Nome das
Bomba Data Estado Local Profissão Ferimentos
vítimas
Cortes
Presidente da profundos e
Percy
4 10/06/1980 Illinois Lake Forest United queimaduras
Wood
Airlines por todo o
corpo e rosto
Universidade Bomba
5 08/10/1981 Utah - -
de Utah desarmada
Queimaduras
graves nas
Universidade Janet Secretária da mãos e
6 05/05/1982 Tennessee
Vanderbilt Smith universidade fragmentos
da bomba
pelo corpo
Queimaduras
Universidade graves e
Diogenes Professor de
7 02/07/1982 Califórnia da Califórnia ferimentos
Angelakos engenharia
em Berkeley no rosto e na
mão
Perdeu
quatro dedos
e teve uma
Universidade artéria
John Estudante da
8 15/05/1985 Califórnia da Califórnia perfurada no
Hauser graduação
em Berkeley braço direito.
Perda parcial
da visão do
olho direito
Companhia
Bomba
9 13/06/1985 Washington Boeing em - -
desarmada
Auburn
Nome das
Bomba Data Estado Local Profissão Ferimentos
vítimas
Professor:
perda de
audição
temporária.
James V. Professor de
Assistente:
Universidade McConnel psicologia e
10 15/11/1985 Michigan queimaduras
de Michigan e Nickaus assistente de
e ferimentos
Suino pesquisa
de estilhaços
e perda de
audição
temporária
Dono de
Hugh
11 11/12/1985 Califórnia Sacramento empresa de MORTE
Scrutton
computadores
Dano severo
Dono de
Salt Lake Gary no nervo do
12 20/02/1987 Utah empresa de
City Wright braço
computadores
esquerdo
Perdeu três
Charles
13 22/06/1993 Califórnia Tiburon Geneticista dedos e parte
Epstein
da audição
Perdeu parte
da mão e
Prof. de
Universidade David teve
14 24/06/1993 Connecticut ciência da
Yale Gelernter ferimentos
computação
no olho
direito
Gilbert Lobista da
16 24/04/1995 Califórnia Sacramento Brent indústria MORTE
Murray madeireira
Teresa Wallin, 22 anos, estava grávida de três meses. Ela e o marido David, de 24, moravam em
uma casinha bem simples. No dia 23 de janeiro de 1978, David, que era motorista, voltou para casa
no fim do expediente e encontrou uma cena horrível. Terry estava morta com um corte profundo no
abdome e seu corpo havia sido violado de diversas maneiras.
A polícia notou algumas coisas importantes sobre o crime:
* nada havia sido roubado
* sinais de luta corporal
Russ Vorpagel, coordenador da Unidade de Ciência Comportamental à época, foi chamado para
ajudar no caso. Era de extrema urgência que esse criminoso fosse capturado, já que a conotação
sexual do crime indicava que ele mataria novamente. Vorpagel entrou em contato com Robert
Ressler, que fez um perfil do assassino.
Homem branco, entre 25 e 27 anos; magro, aparência pouco chamativa. Evidências do crime
serão encontradas em sua residência, que deve ser suja e mal-arrumada. Histórico de doença
mental, uso de drogas. Um solitário, sem relações com homens ou mulheres e que,
provavelmente, passa muito tempo em casa. Desempregado. Possivelmente recebe algum
auxílio por invalidez. Se morar com alguém, deve ser um dos pais; no entanto, é improvável.
Sem passagem pelas Forças Armadas; abandonou o ensino médio ou faculdade sem se
formar. É provável que sofra de uma ou mais formas de psicose paranoica.
Em seu livro com Tom Shachtman, Mindhunter Profile: Entre na mente dos serial killers,
Ressler explica a lógica por trás desse perfil, feito ainda no início de seus estudos. Esse tipo de
crime em geral é intrarracial e cometido por homens na faixa dos vinte e poucos anos. Como a
vítima era uma mulher branca, logo o agressor era um homem branco jovem.
Nesse momento, a Unidade de Ciência Comportamental já tinha feito a distinção entre
criminosos organizados e desorganizados, e para Ressler, com base no que viu na cena do crime,
aquele era um assassino desorganizado.
De acordo com ele, é preciso que a pessoa apresente uma grave psicose sem tratamento por
cerca de dez anos para se chegar a um quadro como esse do assassino. Ele supôs então que o
homem devia ter esquizofrenia paranoide, que tem início geralmente na adolescência, por volta dos
15 anos. Somando mais dez anos para a evolução do quadro, ele estaria com uns 25. Ele não
acreditava que o criminoso fosse muito mais velho que isso, porque esse tipo de ofensor sexual em
geral tem no máximo 35 anos, e se fosse mais velho, já teria cometido outros crimes pela região.
Presumindo que o assassino teria esquizofrenia paranoide, ele fez suposições sobre sua aparência:
alguém nesse estado não se alimenta muito bem e não se preocupa com higiene. Portanto, o
criminoso seria magro e sujo. Como é difícil conviver com alguém assim, provavelmente ele
moraria sozinho.
Por causa de sua desorganização mental, o assassino nunca teria servido às Forças Armadas e
também não teria muitas condições de manter os estudos. Se tivesse algum tipo de emprego, seria
algo mais solitário e braçal. Pela dificuldade de arranjar emprego, talvez se mantivesse com algum
auxílio social.
Ele não colocou nesse perfil, mas também imaginou que a confusão mental do assassino o teria
impedido de chegar muito longe ou planejar muito. E, por não ter carro, o crime teria sido cometido
próximo ao local em que morava. E se por acaso o criminoso tivesse um veículo, estaria em
condições horríveis de sujeira e bagunça, assim como sua casa.
Enquanto a polícia estava atrás do assassino, outro crime bizarro aconteceu quatro dias depois
do assassinato de Teresa. A um quilômetro e meio da casa dos Wallin, foram encontrados três
mortos: Evelyn Miroth, de 36 anos, Jason, seu filho de 6 anos, e um vizinho deles, Daniel J.
Meredith, 52. Além disso, Michael Ferriera, o sobrinho de 2 anos de Evelyn, havia sumido. Os
crimes não tinham motivo aparente e as três pessoas tinham sido baleadas. Evelyn, além dos tiros,
fora esfaqueada.
Com base no estado em que o corpo de Evelyn fora encontrado, Ressler e Vorpagel tinham
certeza de que o segundo crime havia sido cometido pelo mesmo assassino. Os órgãos também
tinham sido picados, havia esperma no ânus e parecia que o criminoso tinha bebido sangue. A perua
vermelha de Daniel, o vizinho, tinha sido levada, mas foi encontrada depois, perto da cena do
crime. O corpo do sobrinho de 2 anos também foi encontrado posteriormente.
Após o segundo crime, Ressler detalhou mais o perfil. O assassino teria voltado para casa a pé,
depois de largar a perua, e moraria a, no máximo, um quilômetro e meio de onde havia deixado o
automóvel. Para o agente, também se confirmou que o criminoso era jovem e tinha alguma doença
mental grave, o que corroborou a parte física do perfil: ele seria magro, de aparência desleixada e
suja, assim como sua casa.
Com a mídia já cobrindo o caso, uma mulher chamada Nancy Holden ligou para os policiais.
Ela relatou que duas horas antes do assassinato de Terry Wallin, ela havia encontrado um antigo
colega da escola em um shopping, e o achou bem estranho. Ele estava muito magro, quase
desnutrido, e parecia ter sangue na roupa. Ela contou que ele pediu carona, mas como ela achou a
situação esquisita, desconversou e foi embora. Nancy deu o nome do ex-colega: Richard Trenton
Chase.
Adivinhem onde ele morava? A menos de um quarteirão de onde a perua foi abandonada. Os
policiais cercaram sua casa e esperaram ele sair. Quando ele apareceu, estava todo sujo de sangue,
usava um coldre de ombro, carregava uma caixa e foi na direção de sua picape. Quando a polícia o
pegou, caiu do coldre uma arma calibre .22. Em seu bolso estava a carteira de uma das vítimas,
Daniel Meredith, e a caixa estava cheia de panos ensanguentados. A picape tinha mais de dez anos
de uso, e dentro dela foi encontrado todo tipo de lixo: desde jornais velhos até latas de cerveja.
Descobriram ainda um facão de açougueiro, galochas com manchas de sangue e até recortes de
jornais que noticiaram o primeiro crime.
O apartamento, como supôs Ressler, era bem pior. Lá foram encontradas partes de corpos na
geladeira, três liquidificadores com sangue dentro, roupas sujas espalhadas pelos cômodos, algumas
até com sangue, coleiras de animais e muito mais. Também encontraram várias facas da casa dos
Wallin, o que significava que ele tinha levado algo de lá sim, mas não havia sido notado pelo
marido antes. Na parede havia um calendário em que estava escrito “hoje” no dia dos dois crimes, e
em outras 44 datas posteriores. Richard tinha 27 anos quando foi preso, e apresentava inteligência
mediana, com QI 95.
Ele vinha de uma família pobre e apresentava três pontos da tríade homicida (se você chegou
aqui sem pular o capítulo sobre serial killers, sabe do que estamos falando). Quando, em 1976, ele
injetou sangue de coelho em si mesmo, o pai o enviou para uma clínica psiquiátrica. Na clínica,
Richard arrancou a cabeça de alguns pássaros, porque, segundo ele, precisava tomar sangue. Todos
da instituição o consideravam assustador, e ele ganhou o apelido de Drácula. A explicação para seu
comportamento era a crença de que os nazistas o estavam envenenando e seu sangue estava virando
pó, logo ele tomava o sangue de animais para tentar sobreviver. Por incrível que pareça, em 1977,
Richard recebeu alta do hospital e foi viver sozinho, sob a responsabilidade de sua mãe.
Como Richard ainda era considerado um paciente psiquiátrico, ele não precisava trabalhar e
recebia um auxílio financeiro por invalidez. Sua mente foi se deteriorando com o passar do tempo
e, um dia depois de uma briga com a mãe, ele matou o gato dela! Ele adotou diversos cachorros e
em 18 de dezembro de 1977 comprou a arma calibre .22. Alguns dias depois, dirigiu sem rumo
pelas ruas, atirando a esmo. Um tiro de raspão passou pelo cabelo de uma dona de casa, a sra.
Dorothy Polenske, e dois tiros acertaram Ambrose Griffin, que acabou morrendo.
Em seu julgamento em 1979, ele foi considerado responsável por seus atos e culpado de seis
homicídios dolosos (com intenção de matar). Richard Chase foi condenado à pena de morte.
Ressler discordou de como o caso foi tratado, porque considerava que ele tinha uma doença mental.
Quando Richard estava no corredor da morte do presídio de San Quentin, na Califórnia, Ressler
e outro agente, John Conway, foram conversar com ele. Em seu livro, Ressler relata sua impressão:
“Era um jovem magro e estranho com cabelo preto e comprido; mas foram seus olhos que me
chamaram atenção. Nunca vou me esquecer disso. Eram como os do monstro assassino do
filme Tubarão — como se não tivesse pupilas, só duas manchas pretas. Eram olhos malignos,
que continuaram em minhas lembranças por muito tempo depois da entrevista.”
Nessa entrevista, Richard inclusive confessa que matou, mas que foi tudo em legítima defesa, já
que ele precisava salvar sua vida. Ele estava sendo envenenado por sabão e precisava do sangue
para sobreviver. Ele explicou que se o sabonete da sua casa estiver com a parte de baixo melecada,
significa que você está sendo envenenado. Que esse veneno corrói o corpo e a energia da pessoa,
fazendo o sangue se tornar pó. Ele também contou que era judeu e que os nazistas o estavam
perseguindo por causa da Estrela de Davi que tinha na testa. Graças ao perfil preciso de Ressler
divulgado na mídia, Nancy soube que o ex-colega poderia ser o assassino e reportou o que viu para
a polícia. Richard era um assassino predominantemente desorganizado, psicótico e com doença
mental grave. Ele chegou até a mandar cartas para Ressler e Conway dizendo que alienígenas
estavam causando a queda de aviões.
Chase acabou morrendo por suicídio em 26 de dezembro de 1980, embora alguns acreditem que
ele tenha ingerido vários remédios de uma vez para calar as vozes da sua cabeça e morrido por
acidente.
No caso Nardoni, em que Isabella foi morta em 2008 aos 6 anos, uma
versão mais tecnológica que o luminol, chamada Bluestar Forensic, também
foi usada. As investigações resultaram na condenação e prisão do pai da
menina, Alexandre Nardoni, e da madrasta, Anna Carolina Jatobá.
Impressões digitais
A papiloscopia é a ciência forense que trata da identificação humana por
meio das papilas dérmicas, ou seja, das digitais que estão presentes na
palma das mãos e na sola dos pés.
A impressão digital é a marca deixada pela polpa dos dedos em uma
superfície. Os padrões jamais se repetem, a impressão digital é única, nem
mesmo gêmeos idênticos possuem a mesma marca.
A digital que fica impressa em copos, parede, armas e outros objetos
pode ser capturada com a ajuda de equipamentos, e pode se tornar uma
prova incontestável da presença do indivíduo no local, por isso é uma
grande ferramenta na investigação, que pode levar à identificação da vítima
e também descartar ou acusar um suspeito.
A pele na sola dos pés também possui detalhes únicos em cada pessoa,
que podem ser provas importantes. O papiloscopista é o profissional que
coleta e identifica as digitais humanas, de pessoas vivas ou mortas.
DNA
O DNA como evidência para uma investigação criminal surgiu pela
primeira vez nos anos 1980, na Inglaterra, e desde então essa tecnologia só
evoluiu, tornando-se muito utilizada nas investigações. A partir de uma
amostra, é possível identificar restos mortais, capturar criminosos e até
libertar pessoas que foram acusadas injustamente.
É comum encontrar um número altíssimo de amostras biológicas em
locais onde ocorreram crimes violentos e, por vezes, é possível obter
centenas em um único ambiente.
Ao longo de investigações criminais, os principais materiais submetidos
à análise de DNA incluem sangue e manchas de sangue; sêmen e manchas
de sêmen; fios de cabelo (com raiz); tecidos, ossos e órgãos. Outras fontes
como urina, saliva e fezes também podem ser analisadas.
O gato fofoqueiro
Muitas vezes a criatividade pode ser um fator crucial na investigação,
principalmente se ela não está chegando a lugar algum. Dana Kollmann era
CSI e em seu livro Nunca coloque a mão de um cadáver na boca, conta
uma história interessante. No dia 3 de outubro de 1994, Shirley Duguay, de
32 anos, mãe de cinco filhos, desapareceu na região em que morava, a Ilha
Príncipe Eduardo, no Canadá. A polícia encontrou o carro dela com alguns
respingos de sangue, mas nem sinal de Shirley ou do corpo. Depois eles
encontraram um saco plástico no meio do mato que tinha uma jaqueta
manchada de sangue com fios de cabelo branco grudados nele.
O sangue no casaco combinava com o sangue do carro, então parecia
que eles estavam no caminho certo, mas os fios de cabelo examinados no
laboratório apontaram que eram pelos de gato. Um dos suspeitos do caso
era o ex-marido de Shirley, Douglas Beamish, e os pais dele tinham um
gato branco peludo chamado Snowball.
Nenhum laboratório canadense aceitou testar o DNA do gato, porque só
testavam de humanos, até que entraram em contato com o dr. Stephen J.
O’Brien, que dirigia um laboratório do instituto do câncer que estava
estudando gatos domésticos na esperança de encontrar tratamento para
doenças humanas.
O’Brien pediu uma amostra de sangue de Snowball, e então
examinaram e verificaram que era o mesmo DNA. Ele ainda pegou outros
gatos para coletar amostras de sangue para comparar e descobriu que eram
todos diferentes. Ou seja, era bem provável que aquele DNA pertencesse
mesmo ao Snowball. Douglas Beamish foi preso e, com o testemunho do dr.
O’Brien, foi considerado culpado e condenado a dezoito anos de prisão. Foi
a primeira vez que o uso da análise de DNA de um animal foi autorizado
em um tribunal.
Gatinho meramente ilustrativo.
Então, ela pegou uma bola de gude, que é um material usado no seu
trabalho, e colocou no chão. A bola rolou até um declive, em frente
ao qual havia uma parede e uma geladeira. A perita pediu para
quatro guardas levantarem a geladeira com todo o cuidado, e aí, sim,
encontraram o sangue.
VITIMOLOGIA
É essencial estudar a vítima para criar um perfil que ajude a entender mais
sobre o caso e consequentemente capturar o criminoso. Existe uma área
voltada pra isso chamada vitimologia forense, que foca em analisar,
examinar e interpretar qualquer evidência relacionada à vítima.
Quando se analisa o crime, deve-se pensar qual o estilo de vida e o risco
a que a vítima estava exposta. Consequentemente, é preciso se perguntar: o
agressor correu riscos também? As vítimas podem ser classificadas como
de alto, médio ou baixo risco.
Pessoas em alto risco são as que estão mais vulneráveis e em constante
exposição, por exemplo: pessoas em situação de rua, viciados em drogas e
prostitutas. Seguindo essa linha de pensamento, podemos tentar entender
qual o motivo daquela vítima em especial ter sido escolhida e assim chegar
a uma lógica de pensamento do agressor.
Você já deve ter ouvido em um filme ou uma série algum legista dando
aproximadamente a hora da morte. Geralmente, ele encosta o dedo no
cadáver e diz algo como: “Faz 42 horas que essa pessoa morreu.” Nem
sempre é tão simples assim, pois quando um corpo é encontrado numa cena
de crime, é preciso analisá-lo e entender em que estágio da decomposição
ele está, para então conseguir fazer a estimativa de morte.
O CADÁVER
A ciência que estuda e descreve todos os processos na decomposição de
cadáveres é a TAFONOMIA, do grego tafos (sepultura) e nomos (leis), que
é o estudo de restos orgânicos desde o momento da morte. Abrange a
decomposição, o transporte post mortem e o sepultamento, bem como
outras atividades químicas, biológicas e físicas que afetam os restos mortais
do organismo. Embora tenha sido criada por um paleontólogo em 1940, a
tafonomia forense tem se mostrado útil nas últimas décadas para avaliações
desse tipo.
Uma pessoa morre. Bactérias, fungos e parasitas fazem a festa no corpo
e isso tudo diz muito sobre como, quando e por que a pessoa morreu.
Se um corpo for encontrado dentro de algumas semanas, a idade e o
desenvolvimento dos vermes podem ser usados para estimar o tempo desde
a morte. Ainda que as condições externas e climáticas possam afetar a taxa
de crescimento, os vermes geralmente seguem um cronograma de
desenvolvimento definido. Dependendo da temperatura do ambiente em que
o cadáver está, a ação dos organismos que atuam na decomposição pode
variar. Temperaturas muito baixas inibem a atividade das bactérias, e em
casos assim ocorre o processo de mumificação.
O intervalo post mortem é o tempo decorrido entre a morte e o encontro
do cadáver. Ele é usado para indicar há quantas horas a pessoa está morta.
Além de analisar o corpo, os investigadores podem se valer de alternativas
para estimar quando a pessoa morreu, como por exemplo datas de
correspondências entregues e não abertas, produtos com validade vencida
na geladeira ou até o uso da tecnologia para identificar quando foi a última
vez que a pessoa esteve em contato com alguém, respondeu uma mensagem
etc.
Um corpo no oceano, por exemplo, pode levar até dez anos para se
decompor. Já um corpo sepultado geralmente leva de um a dois anos para se
decompor totalmente e, depois de um tempo, não sobra quase nada, a não
ser os ossos e os dentes.
Isso acontece porque os ossos dos cadáveres são formados por minerais,
e as bactérias decompositoras não estão nem aí pros minerais, elas querem é
matéria orgânica. Então se o corpo é enterrado em condições normais, longe
do calor excessivo, os ossos e dentes podem durar até milhares de anos, e é
por isso que eles se tornaram peças fundamentais para a solução de crimes.
Os estágios da decomposição do corpo são:
A NECROPSIA
Após o reconhecimento da família, o corpo é identificado com o número do
RG ou do boletim de ocorrência e são coletadas as impressões digitais. As
roupas e os objetos são enviados para serem periciados e o corpo é pesado.
Esses são alguns dos procedimentos básicos. Primeiro a análise é externa.
Médico e auxiliar vão procurar sinais (tatuagens, cicatrizes, lesões, marcas
de balas). Depois é feito o exame interno, no qual o corpo é cortado para
investigação. Os órgãos que parecem prejudicados são retirados e
examinados de forma geral, mas também com a ajuda de microscópios.
Depois dos órgãos do tórax, o médico corta o couro cabeludo de uma
orelha à outra para remover o cérebro, e a tampa do crânio é retirada com
uma serra elétrica. Os profissionais vão anotando todas as informações,
pois, ao final, os órgãos são reinseridos e o corpo é fechado. Existe um
processo para cortar e costurar os corpos para garantir que cabelos e roupas
escondam as suturas durante o velório. Após a necropsia, o IML emite a
declaração de óbito com a causa da morte.
Quanto tempo demora para…
INVESTIGAÇÃO:
INTERROGATÓRIOS,
DEPOIMENTOS, TESTEMUNHAS
A investigação é um quebra-cabeça que a polícia vai montando aos poucos.
Exames aqui, evidências ali, a cena do crime… Uma parte é pura ciência,
com exames laboratoriais e coleta de evidências, e a outra consiste na arte
de falar com as pessoas que são ligadas direta ou indiretamente ao local e às
vítimas.
Conversas e interrogatórios com vizinhos, familiares, possíveis
testemunhas e suspeitos são essenciais para se ter uma visão mais realista
do que aconteceu e dos envolvidos.
Para conduzir uma boa entrevista — seja com testemunhas ou o próprio
suspeito —, o detetive ou policial precisa manter a mente aberta, começar
com perguntas fáceis, não fazer juízo de valor, focar nos fatos, perguntar
sobre contradições e identificar outras testemunhas e evidências que ajudem
a confirmar os fatos e comprovar a veracidade do testemunho.
Aqui pode aparecer também o álibi, quando o investigado pretende
provar que não poderia ter cometido o crime porque estaria em outro local
ou na presença de alguém no momento em que o crime aconteceu.
O álibi pode ser algum documento, como uma passagem de avião que
aponta que o suspeito estava viajando quando aconteceu o crime. Pode ser
uma pessoa que diga que estava junto com o suspeito em outro lugar, mas
nesse caso é mais difícil comprovar, já que a pessoa pode mentir. Pode ser a
imagem de uma câmera de segurança que mostre que o suspeito entrou no
prédio e não saiu mais, enfim, qualquer coisa que indique que a pessoa não
teria como ter cometido o crime.
Você sabia que a série de Larry David Curb Your Enthusiasm salvou
um homem inocente da prisão?
Em maio de 2003, Martha Puebla, de 16 anos, levou um tiro e
morreu na frente de casa, em Los Angeles. A polícia prendeu Juan
Catalan, que disse que não poderia ter cometido o crime porque
estava assistindo a um jogo de beisebol no Dodger Stadium. Apesar
disso, a justiça não considerou seu álibi forte e uma testemunha
afirmava que foi ele quem apertou o gatilho.
Então seu advogado buscou imagens televisionadas do jogo para
mostrar que Catalan estava na plateia. Mas as imagens tinham baixa
resolução e era difícil provar que realmente era ele.
Até que o advogado descobriu que, naquele exato jogo, a série Curb
Your Enthusiasm estava sendo gravada no estádio. No episódio,
Larry David ia assistir à partida e a produção costumava gravar no
meio dos torcedores mesmo. E quem aparece nas imagens de boa
definição com horário na tela e tudo? Sim, Juan Catalan e sua filha
de 6 anos. Se não fosse por isso, ele poderia ter pegado a pena de
morte. O documentário Long Shot, disponível na Netflix, conta essa
história incrível.
Você não pode usar o mesmo método com essas três pessoas. Por
exemplo, ao indagar uma vítima de um estupro, é preciso entender que se
trata de alguém vulnerável que acabou de passar por uma situação
traumática. Por isso, precisa ser acolhida e passar por uma abordagem
respeitosa. Cada situação pede uma abordagem diferente.
UMA HISTÓRIA
INACREDITÁVEL
Existe uma série de ficção disponível na Netflix chamada Inacreditável, que
é inspirada na história real de uma garota que é estuprada e decide
denunciar e o que acontece com ela. É, como a própria série diz,
inacreditável.
Marie tinha dezoito anos que já havia passado pela casa de muitas
famílias depois de viver uma infância de abuso e maus-tratos, e morava em
um prédio para jovens em situação de risco, em Lynnwood, no estado de
Washington. Na madrugada do dia 11 de agosto de 2008, um homem
mascarado invadiu o seu apartamento, a amarrou e a estuprou enquanto
apontava uma faca para o seu rosto.
Ao chamar a polícia, eles analisaram a cena e então pediram para que
ela descrevesse o que aconteceu com detalhes. Ela descreveu uma, duas
vezes, e então chegaram outros dois investigadores, que novamente pediram
uma descrição em detalhes. Não demonstraram nenhuma empatia, nenhum
cuidado.
Ao ser levada para o hospital, pediram para ela repetir com detalhes, e
nesse momento ela começa a se confundir com algumas informações, o que
pode ser suspeito para os policiais, ou perfeitamente normal se pensarmos
no cenário.
Imagina a cena: uma garota com histórico de abandono, vítima de um
crime violento, traumatizada, exausta, acuada, cheia de estranhos em volta
fazendo ela repetir em detalhes uma violência que vivenciou poucas horas
antes. Estranhos invadindo sua casa, sua intimidade, sua vida.
Os policiais começaram a desconfiar de sua narrativa e, depois de
conversar com algumas pessoas próximas, inclusive sua mãe adotiva,
passaram a contestar as versões, apontando contradições no testemunho e a
coagindo até que ela desse a resposta que eles queriam.
Mesmo com evidências físicas e sinais de violência, Marie decidiu
mudar o depoimento e assinou uma confissão de que tinha mentido. Essa
informação saiu na mídia e ela foi ridicularizada na cidade inteira, e a
pressão foi tão intensa que ela chegou até a cogitar suicídio.
Como se não bastasse tudo isso, a polícia decidiu processá-la por falsa
denúncia e ela foi condenada a pagar quinhentos dólares e responder em
liberdade condicional.
Em paralelo, aconteciam no Colorado outros casos de estupro com o
mesmo modus operandi do caso de Marie, e duas detetives, Stacy Galbraith
e Edna Hendershot, descobriram que estavam investigando crimes
parecidos e uniram seus esforços.
No começo dessa investigação em conjunto, uma pista surgiu nas
câmeras de vigilância da casa de uma das vítimas: uma caminhonete Mazda
branca apareceu cerca de dez vezes, e a hipótese delas era a de que poderia
ser o agressor circulando pela região, mas, infelizmente, pela qualidade das
imagens, não dava para enxergar a placa do veículo.
Com o tempo, elas perceberam que se tratava de um estuprador em
série. O criminoso, no entanto, continuava se aperfeiçoando e não deixava
quase nenhum rastro pelo caminho, tornando o trabalho delas bem difícil.
Ele invadia as casas, estuprava, tirava fotos e obrigava suas vítimas a tomar
longos banhos para eliminar traços de DNA, usava luvas e roubava as
roupas de cama com os vestígios.
Em dado momento, uma jovem analista de dados da polícia, que
trabalhava em conjunto com as detetives, descobriu uma denúncia de
veículo suspeito próximo ao local de um crime, que se tratava de um Mazda
branco. Já em um dos crimes, o agressor ficou confiante demais e deixou a
vítima ver uma marca de nascença que tinha na perna. As detetives
conseguiram juntar essas informações e chegar até um suspeito que tinha
essa marca de nascença, e então conseguiram um mandado de busca. E foi
aí que elas encontraram o estuprador em série, dono da caminhonete branca.
Em uma das apreensões estava o computador em que o criminoso
guardava fotos das vítimas, e uma delas era de Marie. Marc O’Leary foi
declarado culpado de 28 casos de estupro e condenado à pena máxima
prevista pela lei do Colorado: 327 anos e meio de prisão. A página do
Departamento de Correções do Colorado mostra uma audiência de
liberdade condicional marcada para julho de 2283, mas há grandes chances
de ele não comparecer.
O investigador que tinha duvidado de Marie a procurou para contar que
ela estava certa e para devolver os quinhentos dólares que ela tinha pagado
ao Estado. Os policiais foram bastante criticados, mas não sofreram
nenhuma punição e continuaram trabalhando normalmente. O caso serviu
para discutir o papel dos investigadores e garantir melhorias na condução
das entrevistas a vítimas de violência sexual.
No episódio do podcast This American Life que foi ao ar no dia 26 de
fevereiro de 2016, Marie — que não é seu nome verdadeiro — contou que
não foi a primeira vez que tinha sido estuprada, pois quando era criança ela
também já tinha sido abusada. Marie processou a cidade de Lynnwood,
ganhou 150 mil dólares e usou o dinheiro para se mudar e ter um recomeço.
Casou, virou caminhoneira e teve dois filhos com seu marido. Sua
identidade permanece secreta até hoje.
A INFLUÊNCIA DA MÍDIA
Histórias como a de Marie também nos levam a uma discussão sobre o
papel da mídia nas investigações criminais e na formação da opinião
pública. Às vezes, até acompanhamos crimes enquanto estão acontecendo,
ou quando um suspeito está fugindo, e, na ânsia por trazer mais
informações e se manter relevante, as apurações podem ser feitas de forma
rasa, atropelando o trabalho policial e influenciando a investigação.
Um caso bem conhecido é o do serial killer Andrew Cunanan, que em
1997 assassinou o estilista Gianni Versace. Quando estava foragido e
procurado no país todo, a mídia vazou que ele estava sendo rastreado
através do telefone que estava no carro de uma de suas vítimas. Por causa
disso, ele resolveu parar o carro e tentar encontrar o aparelho, mas não
achou. Então acabou largando o carro e matando um homem, William
Reese, aleatoriamente para roubar seu carro. Será que se a mídia não tivesse
noticiado isso, William Reese ainda estaria vivo?
Outro caso famoso de intervenção da mídia é o Caso Eloá, que
aconteceu em 2008, em Santo André, na grande São Paulo. Eloá Cristina
Pimentel, de apenas 15 anos, foi sequestrada e mantida em cativeiro durante
cinco dias na própria casa junto de sua amiga. Ao final do quinto dia, ela foi
baleada na cabeça pelo ex-namorado Lindemberg Alves e morreu no dia
seguinte, mas essa história ficou marcada principalmente pelo assédio da
mídia.
Durante os dias ficavam diversas equipes de reportagem de várias
emissoras de TV a postos filmando a janela do apartamento, e um dos
maiores absurdos foi quando aconteceu uma entrevista ao vivo no programa
A Tarde É Sua com o sequestrador, em que a apresentadora ficou pedindo
para falar com a vítima.
Como dissemos anteriormente, a condução de um depoimento ou
entrevista com a vítima precisa ser feita com cuidado, acolhimento e por
peritos especializados e treinados para isso, e não ao vivo na televisão
brasileira por pessoas que têm como único objetivo alavancar a audiência.
ENTREVISTANDO SUSPEITOS
Nas situações em que já existe um suspeito para o crime, o interrogatório
acontece quando este está sob custódia do Estado e a polícia busca uma
confissão.
O método de entrevistas de Reid foi criado em 1942 por John Reid e
Fred Inbau no manual Interrogation and Confessions. Reid era um
investigador de sucesso na polícia e Inbau era diretor do Laboratório de
Detenção de Crimes Científicos em Chicago, e esse método é a técnica de
interrogatório mais utilizada em investigações criminais. A técnica consiste
em um processo de três fases, que começa com a análise dos fatos, depois a
entrevista de análise do comportamento e por fim as nove etapas do
interrogatório. De acordo com o método, o indivíduo só pode ser
interrogado se tiverem quase certeza do envolvimento dele no crime.
3. Lidando com negações Quando o suspeito pede para falar nessa fase,
o investigador deve desencorajá-lo.
4. Superando objeções Quando as tentativas de negação não forem
bem-sucedidas, o suspeito vai alegar inocência. Nessa etapa, em vez
de discutir, o investigador deve aceitar tudo que o suspeito diz como
se fosse verdade e usar essas objeções para desenvolver ainda mais a
conversa.
TESTE DO POLÍGRAFO
Conhecido também como detector de mentiras, o polígrafo é composto por
um conjunto de sensores que medem o ritmo da respiração, a pressão
sanguínea, os batimentos cardíacos e o suor na ponta dos dedos da pessoa
examinada. O funcionamento do aparelho se baseia na teoria de que essas
reações do organismo se alteram quando a pessoa está mentindo.
Criado em 1921, o polígrafo é ainda motivo de debate no mundo todo
(inclusive no nosso podcast). E isso se dá porque ele não detecta mentiras,
ele detecta apenas essas alterações no organismo, ou seja, se um suspeito
está agitado, tenso ou nervoso, principalmente quando é acusado de um
delito grave, isso pode acabar dando uma falsa confirmação de que a pessoa
está mentindo.
O teste só pode ser feito pelo operador de polígrafo, que é treinado e
conduzirá os testes fazendo as perguntas necessárias.
O próprio ex-presidente da Associação Americana de Polígrafos, Frank
Horvarth, diz que não há teste capaz de detectar mentiras. A maneira como
as perguntas são feitas pode afetar a forma como uma pessoa reage, e isso
pode levar ao erro e se tornar um problema quando vai parar nos tribunais.
Apesar do teste de polígrafo geralmente não ser admissível como prova em
tribunal, ele ainda pode ser utilizado em alguma parte da investigação, e sua
aparição é sempre controversa.
***
Nem sempre a investigação é linear e acontece na ordem corpo > cena do
crime > análise > prisão do suspeito. Pode ser que ela se inicie na cena do
crime, ou não. Pode ser que ela se inicie com algum corpo encontrado em
algum local público que torna o trabalho de reconhecimento mais
demorado. Ou pode até começar com o desaparecimento de alguém.
E se, na época do crime, as tecnologias não estivessem avançadas o
suficiente para identificar aquele vestígio? Ou se a cena do crime foi
contaminada? Evidências foram perdidas? Todas essas situações prejudicam
o processo da investigação.
Tem também aqueles momentos em que a investigação simplesmente
empaca, e nenhuma pista dá em nada. Nessas horas, os detetives podem
propor uma força-tarefa para rever todo o processo e se certificar de que
nada passou despercebido, ou resolver entrevistar novamente alguém que
foi considerado suspeito mas que ao longo do caminho foi deixado de lado,
revisitar uma testemunha e ver se ela se lembra de algo novo. Também
podem recorrer à criatividade ou à mídia para obter novas informações.
Muitas vezes, a família e os amigos também colaboram com as
investigações. Como os profissionais envolvidos lidam com dezenas de
casos ao mesmo tempo, nem sempre conseguem dar a atenção necessária
para um caso, ou ele se encontra parado em algum âmbito da justiça
criminal. Seja como for, essa luta por respostas pode fazer a diferença
nesses casos. Os casos nunca resolvidos viram casos arquivados, e se você
quiser saber mais sobre isso, vamos falar sobre eles no capítulo 9!
CAPÍTULO 7: Sistema judicial
Imagine a cena: você está passeando com seu cachorro em um
bairro rico, que costuma ser bem tranquilo. Só que nesse dia você encontra
um cachorro da raça Akita perdido pela rua, as patas cheias de sangue. Você
leva ele para a casa de um vizinho para passar a noite, mas o cachorro fica
latindo para a porta e não relaxa. O vizinho decide que é melhor passear
com ele pela rua, vai que ele consegue indicar o caminho de volta para casa,
vai que o dono está procurando por ele? O cachorro então entra por um
portão e começa a latir muito. Ali, no dia 13 de junho de 1994, o vizinho
encontra uma cena de horror: na entrada da casa, duas pessoas mortas em
poças de sangue.
Nicole Brown Simpson, 35, e seu amigo Ronald Goldman, 25, foram
encontrados mortos por esfaqueamento. Ao chegar até o local, a polícia
achou também duas crianças dormindo, filhos de Nicole, dentro de casa.
Um dos policiais já tinha ido até essa casa um tempo atrás atender a um
chamado de violência doméstica e sabia que ela era ex-esposa de um
famoso atleta da NFL, a liga profissional de futebol americano dos Estados
Unidos: O. J. Simpson.
A polícia foi correndo para a casa dele, com o intuito de informá-lo a
respeito da morte da ex-mulher, mas ele não estava lá. O que encontraram
foi uma luva com manchas de sangue, que viria a ficar famosa, além de
gotas de sangue em outros pontos da casa. E foi assim que a grande
celebridade O. J. Simpson acabou virando o suspeito desse duplo
homicídio.
Esse caso foi contado em The People v. O. J. Simpson: American Crime
Story (2016), série de dez episódios, com elenco estelar, elogiada por crítica
e público e que chegou a concorrer a 22 Emmys — um dos prêmios mais
importantes de produções para TV —, levando nove deles. Na série — que
foi baseada no livro O povo contra O. J. Simpson, do jornalista Jeffrey
Toobin, responsável por cobrir o caso para a revista The New Yorker à
época —, acompanhamos o julgamento de O. J., as estratégias usadas pela
acusação e pela defesa e toda a cobertura da mídia.
E neste capítulo trataremos de julgamentos, que muitas vezes viram
um… Lollapalooza! Brincadeira. Mas é que eles são tão noticiados, e há
uma comoção tão grande em torno deles, que no podcast costumamos dizer
que é como um grande festival, tipo o Lollapalooza, com line-up, atração
principal, muita gente na plateia acompanhando tudo… como foi no caso
do O. J. Simpson.
Sabemos que essa parte do julgamento tem muitos nomes difíceis e
umas burocracias estranhas, mas estamos aqui para ajudar!
Não custa lembrar, entretanto, que neste guia tentamos simplificar
bastante as coisas e focar mais em casos de crimes violentos, ok? Vamos
entender então quem são os personagens que participam desses trâmites
todos para poder seguir.
É
QUEM É QUEM NO TRIBUNAL
Juiz A pessoa responsável por interpretar e aplicar a lei, é quem mantém
a ordem no tribunal! É quem vai garantir que tudo está correndo direitinho,
o encarregado do julgamento do processo. Importante lembrar que o juiz
não pode ser parente ou ter relação com alguém que tenha a ver com o
processo, afinal, não seria nada justo.
assunto, chamado por qualquer uma das partes para oferecer laudos técnicos
e, em geral, confirmar ou desqualificar informações. Pode ser de qualquer
área: médico, engenheiro, geólogo, eletricista etc.
O QUE É O QUÊ
Petição inicial É um pedido por escrito apresentando uma causa
perante a justiça. É o primeiro ato para se formar um processo judicial, e
nele são apresentados os motivos e quais direitos foram violados.
Recurso Acontece quando uma das partes acredita que o juiz deve
reexaminar alguma decisão tomada por ele durante o processo, por
considerá-la inadequada, passível de ser reformada ou esclarecida. Existem
vários tipos de recurso e há um prazo-limite para recorrer. Inclusive, é
possível recorrer da decisão final do juiz, e aí se chama de apelação. Muitas
vezes recursos são utilizados para atrasar o processo em que o réu aguarda
em liberdade, e até para tentar que ele caduque, sendo prescrito (ver
“prescrição” abaixo).
O processo judicial mais longo do Brasil durou 125 anos e foi uma
ação apresentada pela princesa Isabel! Ela entrou com uma ação em
1895 (sustentada posteriormente por familiares) pedindo para
declarar que o Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, era da família
real. Mas em 2020 o Supremo Tribunal Federal decidiu que o
palácio pertence à União e que os privilégios da família real
acabaram junto com a monarquia (inclusive o direito de morar lá)!
DOLOSO OU CULPOSO
Costuma haver bastante confusão quando algum crime se torna muito
famoso e essas palavras são usadas por jornalistas e pessoas públicas. Um
crime doloso é aquele que o criminoso teve intenção de cometer e agiu de
determinada forma com o objetivo de atingir certo resultado. Ou a pessoa
quis fazer outra coisa, mas aceitou o risco de que, ao fazê-lo, poderia ter um
resultado diferente.
E aí vem o que confunde muita gente: apesar do nome, o crime culposo
se dá quando alguém não teve a intenção, mas algo aconteceu por sua:
QUALIFICADORAS
Existem circunstâncias que podem agravar um crime e aumentar a pena.
Aqui estão as possíveis qualificadoras de um homicídio:
Ú
O TRIBUNAL DO JÚRI NO
BRASIL
Aqui no Brasil, casos de crimes dolosos contra a vida são julgados pelo
tribunal do júri, ou júri popular. Os crimes dolosos são homicídio com dolo,
infanticídio, aborto e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. O
tribunal do júri também julga caso esses crimes tenham sido apenas
tentados, como uma tentativa de homicídio, em que há intenção de matar,
mas a vítima não morre.
O tribunal do júri vem da ideia de que um cidadão deve ser julgado por
seus semelhantes , por isso os membros do Conselho de Sentença são
pessoas leigas, que não vão decidir com base em conhecimentos técnicos,
mas em suas experiências pessoais e sua convicção. A ideia é também a de
que a sociedade pode e deve participar das decisões do Poder Judiciário.
Outros tipos de crimes violentos não são julgados pelo tribunal do júri,
mas pela Justiça Comum Estadual, como estupro. Crimes eleitorais,
militares ou de alçada federal são julgados pelos órgãos competentes.
Tudo começa quando o tribunal recebe uma denúncia ou queixa, e há a
audiência de instrução e julgamento. Nesse momento o juiz decide se deve
haver um julgamento do réu apontado e se ele deve ser julgado pelo tribunal
do júri. O juiz pode entender que não há provas suficientes para se acusar o
suspeito ou até mesmo que não houve crime. Todas essas decisões são
passíveis de recurso.
Caso o juiz entenda que deve haver um tribunal do júri, são convocados
25 possíveis jurados, que não podem ter relação com nenhuma das partes.
Em alguns estados, a pessoa é simplesmente convocada; em outros, para
participar, eleitores maiores de idade, sem processos contra si e com
idoneidade moral devem se alistar no tribunal do júri de sua região. Então
são sorteadas 25 dessas pessoas, que recebem uma correspondência
informando a necessidade de comparecimento ao plenário — o local das
audiências — algumas semanas antes. A participação é obrigatória e há
multa se o convocado não justificar a ausência. Se menos de quinze pessoas
comparecerem, a sessão será considerada nula e deverá ser remarcada. Se
tudo der certo, sete dos jurados são sorteados para participar do conselho de
sentença, que são as pessoas que ativamente se sentam lá no tribunal para
ouvir o caso inteiro e decidir com seu voto questões relacionadas ao crime.
A acusação e a defesa podem recusar qualquer jurado no processo do
sorteio. Se o fizerem de maneira motivada, ou seja, quando há alguma causa
de suspeição, impedimento ou incompatibilidade do jurado — quando
dentro do mesmo grupo há pessoas que são parentes ou casadas, ou até
mesmo quando algum dos potenciais jurados já manifestou sua opinião
sobre o caso nas redes sociais —, não há limite de quantidade. Se não
houver motivo, cada parte só pode recusar três jurados. As recusas devem
ser aprovadas pelo juiz.
Essas são estratégias importantes da acusação e da defesa, uma vez que,
dependendo do caso, pode ser favorável ter jurados que supostamente
tenderão a votar a seu favor. Em um caso em que a defesa de uma pessoa
negra queira levantar a ideia de que a polícia foi racista, talvez seja
interessante ter mais jurados negros, que possivelmente vão entender
melhor essas questões. Na audiência, que pode durar muitas horas, dias ou
até semanas, os jurados ficam sentados, de forma que possam ver todas as
partes, e são instruídos a não conversarem entre si sobre o caso. Nos
intervalos, são levados a uma sala especial para refeições e nunca devem
andar desacompanhados (até para ir ao banheiro). Tudo isso para manter a
incomunicabilidade. Se o julgamento durar mais de um dia, os jurados
devem dormir em quartos especiais disponibilizados pelos tribunais ou em
hotéis, sempre supervisionados por oficiais de justiça.
Primeiro acontece o compromisso dos jurados, depois é o momento de
ouvir a vítima (caso ela esteja viva), as testemunhas da acusação, que
podem chegar a cinco, e em seguida as testemunhas da defesa. Depois é a
vez dos peritos, e no final pode ocorrer o interrogatório do acusado. Pode
ser que não haja testemunhas, ou nada dessa parte, e já comece a segunda
fase, que são os debates orais.
Se estamos falando de um único réu, a acusação fala primeiro, com
limite de uma hora e meia. Em seguida é a vez da defesa, com o mesmo
tempo. Então a acusação pode ou não fazer uma réplica, de uma hora, para
debater questões levantadas pelo outro lado. A defesa também tem esse
direito, chamado de tréplica. Se há mais de um réu, cada um desses
períodos é aumentado em uma hora.
A essa altura você já percebeu que a defesa sempre fala por último, né?
Isso tem um motivo: o princípio da ampla defesa. O réu tem o direito
constitucional de se defender de todos os pontos de que está sendo acusado.
Se seu representante não falar por último, o réu não terá essa chance.
Durante todo o processo, os jurados podem fazer perguntas, que são
passadas por escrito para um assistente e lidas pelo juiz. Depois de ouvir
tudo, o grupo vai decidir sobre várias questões em uma “sala especial”. Se
não houver essa sala, o juiz pede para o público se retirar. Os jurados devem
responder “sim” ou “não” a algumas perguntas:
O TRIBUNAL DO JÚRI
AMERICANO
A gente não ia deixar de falar de como funciona nos Estados Unidos, né?
Afinal, a maioria das séries e dos filmes trata do sistema judiciário
americano, e vale a pena entender melhor como as coisas funcionam por lá.
Um filme clássico bastante conhecido é o Doze Homens e Uma
Sentença, de 1957, que se passa quase que exclusivamente na sala especial
dos jurados. Eles devem votar se um jovem porto-riquenho é culpado de ter
matado o próprio pai.
Nos Estados Unidos são doze jurados e todos precisam concordar com
o veredito. Caso o rapaz fosse considerado culpado, a sentença seria a pena
de morte. Na primeira votação, somente um dos jurados (Henry Fonda),
acreditando que todos são inocentes até que se prove o contrário, vota que o
rapaz é inocente. Durante todo o filme, ele vai levantando questões para
convencer os colegas da inocência do rapaz.
Como falamos, aqui no Brasil são sete pessoas que nem sabem — e
nem podem saber — o voto uns dos outros. Já nos Estados Unidos, existe
esse formato de doze jurados, que devem debater até todos concordarem.
Esse processo é chamado de deliberações. Acontece em casos federais ou
em casos mais graves, como assassinato, com exceção de alguns estados.
Casos estaduais podem ter júris de seis a doze pessoas e muitas vezes são
decididos pela maioria de votos, sem deliberações.
Importante lembrar que nos Estados Unidos o tribunal de júri é usado
para decidir vários tipos de crime, não só os contra a vida. Ou seja, até
crimes mais simples vão parar no júri, por exemplo, se seu cachorro mordeu
o vizinho, ou se alguém lhe deve dinheiro!
Se por acaso o réu confessar sua culpa em audiência prévia, ele renuncia
ao seu direito de ser julgado pelo júri e será julgado pelo juiz, embora possa
requisitar isso sem confessar também. Isso acontece por vários motivos,
geralmente buscando alguma vantagem, como a diminuição de pena.
Da mesma forma que no Brasil, nos Estados Unidos o jurado recebe
uma convocação via carta para comparecer em um tribunal. A diferença é
que lá são quinhentas pessoas, o chamado jury pool, que vão sendo
divididas em grupos menores em salas diferentes, onde os advogados — ou
o juiz — fazem vários questionamentos para cada uma. Se a pessoa já foi
vítima de um crime, se conhece alguém envolvido no crime, se já foi
jurada, várias coisas. Isso pode durar o dia todo. Essa seleção é chamada de
voir dire, que é uma expressão anglo-normanda que significa “falar a
verdade”. Originalmente se referia a um juramento para dizer a verdade, do
latim verum dicere.
E é desse enorme grupo que os advogados selecionam os doze
participantes que desejam ter no julgamento. São escolhidos também alguns
suplentes, em inglês, alternates. Esses suplentes devem ouvir todo o
julgamento, mas estão ali somente para o caso de algum jurado não poder
mais participar do processo, por motivo de saúde, por exemplo. Um dos
doze participantes será nomeado jury foreperson, o representante do grupo.
O representante tem algumas funções, como liderar os debates e anunciar o
veredito.
Em média, os julgamentos duram cinco dias nos casos penais e quatro
nos cíveis — questões que envolvem mais o dia a dia, como bens, trabalho
e família. Diferentemente do que acontece no Brasil, os jurados podem ir
para casa à noite, mas são instruídos a não conversar com ninguém sobre o
caso e não ter contato com nada que possa influenciá-los, como jornais. Em
alguns casos mais raros pode acontecer o “sequestro do júri” (jury
sequestration), em que os jurados ficam isolados em um hotel, sem acesso à
mídia, e isso significa nada de televisão! Tudo isso para que seus votos não
sejam influenciados de forma nenhuma. Hoje em dia isso é bem raro, mas
pode acontecer em casos que estão sendo intensamente cobertos pelos
veículos de comunicação.
Se os jurados não chegarem a um consenso, é considerado um hung
jury, e o julgamento é dado como mistrial (anulado). Então o juiz decide se
o julgamento deve ser realizado novamente. Se o réu for condenado, o juiz
profere o resultado e marca outra audiência para que se dê a sentença.
O oitavo episódio da série The People v. O. J. Simpson: American
Crime Story trata mais especificamente dos jurados, como eles foram
selecionados, e há até o “sequestro” deles. No primeiro dia todos estão
adorando o hotel chique, mas logo percebem que não podem fazer nada e
começam a ficar cansados de todos os procedimentos. Com mais de três
meses de julgamento, acontece a “Revolta dos Jurados”. Falando assim,
parece invenção, mas foi verdade! O juiz Lance Ito solicita a troca de
alguns oficiais de justiça, depois que uma jurada negra acusa os oficiais de
estarem oferecendo melhor tratamento aos jurados brancos. Depois da
troca, quase todos os jurados aparecem no tribunal vestindo roupas pretas
ou escuras, em protesto! Eles queriam que o juiz conversasse com eles, o
que acabou paralisando o julgamento por dois dias. Os jurados negros
disseram que nunca foram tratados de forma diferente pelos oficiais, mas o
juiz Ito manteve a decisão.
O julgamento de O. J. durou onze meses, e o júri esteve “sequestrado”
por 265 dias. Esse foi o sequestro do júri mais longo da história dos Estados
Unidos e custou cerca de 2 milhões de dólares na época. Já pensou ter sua
vida completamente pausada por quase nove meses — sem poder ir para
casa, sem trabalhar, conversando com a família somente sobre amenidades
(e com oficiais ouvindo!), sem poder ir ao barzinho e sem ver televisão? E
ainda: ficar por horas e horas — todos os dias — ouvindo em silêncio um
bando de gente falando e falando sem parar. É tipo ir para o Big Brother
Brasil, mas sem a parte de ficar milionário.
Nos Estados Unidos, 32 milhões de cidadãos são convocados para o
tribunal do júri por ano. Muitos não chegam nem a receber as cartas, alguns
são desqualificados e outros ainda acabam sendo dispensados. Ao final, 8
milhões efetivamente comparecem, mas somente 1,5 milhão é arrolado para
integrar o júri. Ou seja, somente 4,7% dos convocados realmente chegam a
participar de julgamentos.
Na Espanha, o tribunal do júri é composto por nove pessoas, existe
deliberação e os votos são dados em voz alta em uma sala especial.
São necessários no mínimo sete votos para considerar um réu
culpado. E lá, assim como nos Estados Unidos, os jurados são
remunerados, viu?
INSANIDADE E
INIMPUTABILIDADE
Já falamos um pouquinho sobre transtornos mentais no capítulo 3, mas
agora vamos analisar como funciona o julgamento nesses casos.
Há três termos importantes, que precisamos esclarecer de início.
O CASO EVANDRO
No início dos anos 1990, várias crianças desapareceram pelo país, e alguns
casos no Paraná ficaram bem famosos, como o de Evandro Ramos Caetano,
que aconteceu na cidade de Guaratuba, no litoral do estado. Quando
desapareceu, em 6 de abril de 1992, o menino tinha 6 anos. Ele foi
encontrado morto cinco dias depois.
Durante três meses, as investigações foram feitas pelo grupo TIGRE
(Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial), unidade de elite da
polícia civil. Em julho, poucos dias depois de o Grupo ÁGUIA (Ação de
Grupo Unido de Inteligência e Ataque) — um braço da inteligência da
polícia militar do Paraná — entrar na investigação, eles prenderam sete
pessoas, afirmando que algumas inclusive tinham confessado o assassinato
de Evandro em um ritual.
Eram: Celina Abagge — a esposa do prefeito de Guaratuba —, Beatriz
Abagge — sua filha — e os ajudantes da família Abagge, Airton Bardelli
do Santos — gerente da serraria do prefeito — e Francisco Sérgio
Cristofolini. Além do grupo conhecido como “os pais de santo”, formado
por Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula e o artesão Davi dos Santos
Soares. Esses nomes foram levantados por um primo de segundo grau da
vítima, Diógenes Caetano, grande crítico da administração do prefeito Aldo
Abagge.
Osvaldo e Davi foram presos primeiro e, depois de vários
interrogatórios, confessaram o crime e delataram Bardelli, Cristofolini, e as
mulheres Abagge, Celina e Beatriz. Na manhã do dia 2 de julho, elas foram
presas e confessaram tudo. Mas nem todos os fatos das confissões batiam e
as fitas das gravações tinham vários cortes.
De maneira geral, as confissões diziam que Celina teria encomendado
um “trabalho espiritual” para abrir os caminhos financeiros e políticos para
a família Abagge. A ideia era fazer o ritual com um bode, mas, como não
encontraram, escolheram o menino Evandro para fazer o sacrifício. Eles o
teriam pegado de carro e levado para a serraria da família Abagge, onde o
teriam matado e realizado o ritual. Os supostos ajudantes da família
Abagge, Bardelli e Cristofolini, nunca confessaram nada.
As lesões e os cortes encontrados no corpo de Evandro não batiam com
o que tinha sido confessado, e o DNA da criança não foi encontrado no
suposto local do crime, nem foi confirmado nos objetos citados como tendo
sido parte do ritual.
Na noite desse mesmo dia 2 de julho, Celina e Beatriz relataram que
fizeram a confissão mediante tortura, que os policiais as machucaram,
bateram nelas e até estupraram Beatriz, para que elas falassem o que eles
queriam ouvir.
Tudo isso levou a um dos julgamentos com tribunal do júri mais longos
da história do Brasil.
Ivan teve acesso a várias fitas inéditas das supostas confissões, que não
estavam anexadas ao processo, e conseguiu provar que foram feitas, de fato,
sob tortura. Infelizmente, o caso já prescreveu e não pode mais ser julgado,
e permanece sem solução.
É até engraçado olhar isso hoje, porque tudo parece muito razoável,
não? Mas naquela época, em que a vingança desmedida ainda era a base das
punições, esse livro foi um choque para muita gente! “Por acaso tu é ateu,
Beccaria?” “Então a gente não pode confiar no que qualquer pessoa fala?”
“Ah, pronto, agora não pode sair matando alguém por ser fofoqueiro?”
Apesar das críticas, esse tipo de pensamento foi se estabelecendo, e no
século seguinte essas ideias já eram usadas como base de muitas
sociedades. Com a chegada do século XIX, os debates sobre direitos
humanos foram aumentando. Aos poucos foram sendo criadas formas de
punição mais “brandas”, com mais respeito e menos sofrimento gratuito. E,
com isso, as festas de punição para o grande público também perderam
força e tais espetáculos passaram a ser vistos de forma negativa. A pena de
morte também passou a ser questionada e em seu lugar ganhou terreno a
ideia de “morte civil”. A pessoa não morria literalmente, mas perdia seus
direitos de cidadão. Inclusive, os códigos penais brasileiros foram
influenciados por essa obra.
POPULAÇÃO NEGRA
Os dados não mentem, segundo o IBGE: os negros * correspondem a 56%
da população brasileira, mais do que a metade. Cerca de 64% das pessoas
desempregadas são negras, um jovem negro tem 2,5 vezes mais chances de
ser vítima de homicídio no Brasil do que um branco e as pessoas negras
correspondem a mais de 66% da população carcerária. Segundo o Anuário
Brasileiro de Segurança Pública (2020), em casos de morte por ações
policiais, 79% das vítimas são negras. Tudo isso acontece por diversos
motivos, mas têm um ponto em comum: o racismo estrutural.
Todo mundo sabe sobre o sistema que escravizou o povo africano, que,
contra sua vontade, foi comercializado e mandado para diversos locais do
mundo a fim de ser usado como mão de obra. E, quando “acabou a
escravidão”, a situação que se sucedeu não foi simples: muitas pessoas
escravizadas nem ficaram sabendo que estavam livres. Em outros casos, o
senhor libertou, mas disse para ficarem trabalhando para ele em troca de um
teto para morar. Também houve ocorrências de que os senhores pediram
para que ficassem até o fim da colheita e depois seriam pagos, mas os
libertos nunca viram um centavo porque os senhores alegaram que gastaram
muito com comida e o aluguel da moradia. Era um absurdo. Nos Estados
Unidos ainda aconteceu uma guerra civil, também conhecida como Guerra
de Secessão (1861-1865), em que milhares de pessoas morreram. O Brasil
foi o último país da América a abolir a escravidão, somente em 13 de maio
de 1888, quando a Lei Áurea foi sancionada.
É bem provável que o seu avô ou bisavô tenha vivido na época em que
ainda existia escravidão. Consegue pensar o quão surreal é o fato de fazer
apenas 134 anos que ela “acabou”?
Um detalhe importante é que com o fim da escravidão não acabaram os
pensamentos preconceituosos que a cercavam, como a ideia de que as
pessoas negras são inferiores, preguiçosas, indolentes, ladras, profanas,
entre outros absurdos.
Mas, depois de escravizada por séculos mundo afora, essa população,
quando liberta, não recebeu igualdade de direitos, e muito menos amparo
social. A partir de 1877, ocorreu, no sul dos Estados Unidos, o regime Jim
Crow, que sancionou a segregação racial. Sob o slogan “separados, mas
iguais”, as pessoas negras não tinham permissão de se misturar com as
brancas em locais públicos. Esse regime só acabou em 1964, apenas 58
anos atrás!
A curto e a longo prazo, isso gerou a falta de oportunidade de estudo e
trabalho, provocando a fome, a pobreza, o afastamento para as periferias, a
falta de estrutura nas residências, de saneamento básico, de lazer, e algo
muito relevante: o desaparecimento do Estado — que nada fez para tentar
remediar os problemas que foram sendo gerados ao longo dos anos. Tudo
isso corrobora para uma população mais criminalizada, à margem da
sociedade, e, como resultado, que é mais presa.
PENAS
Quando alguém comete um crime e é condenado, podem ser aplicadas três
tipos de penas aqui no Brasil:
* privativas de liberdade
LIVRAMENTO CONDICIONAL
A condicional é uma antecipação da liberdade, e a pessoa não precisa estar
em regime semiaberto para consegui-la, pois não se trata da progressão de
regime. É como se fosse um teste para avaliar a readaptação da pessoa à
sociedade e, enquanto isso, sua pena fica suspensa. Em inglês, a
condicional se chama parole, e probation se refere a algo parecido com
progressão de pena.
Existem algumas penas em que o juiz especifica que o réu não pode ter
direito à condicional, mas, quando há, a liberdade condicional pode ser
concedida a uma pessoa que teve pena privativa de liberdade igual ou maior
que dois anos. Isso também acontece de acordo com alguns fatores, como
ter cumprido um terço da pena, bom comportamento, entre outros.
Durante esse tempo em liberdade condicional, a pessoa deve
comparecer ao fórum todo mês, assim como no regime aberto. Se alguém
em liberdade condicional descumpre algo da sentença ou comete outro
crime, então a liberdade condicional será reavaliada pelo juiz e muito
provavelmente retirada.
Õ
PRISÕES
“Cadeias são microambientes sociais regidos por um código de leis
de tradição oral, complexo a ponto de prever todos os acontecimentos
inimagináveis sem necessidade de haver uma linha sequer por
escrito.”
Dr. Drauzio Varella
O dr. Drauzio Varella foi aclamado por seu livro Estação Carandiru
(1999). A partir de 1989, o médico oncologista passou a ser voluntário na
Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru — o maior
presídio da América Latina naquele momento. Seu principal foco era a luta
contra o HIV, que se espalhava assustadoramente dentro e fora do presídio.
O livro relata as histórias dos presidiários e termina contando o massacre
que matou 111 presos em um dos pavilhões, em 1992 — considerada a
maior chacina já ocorrida em um presídio brasileiro. De acordo com os
detentos, o número de mortos foi muito maior.
FUGAS
A adaptação do livro de J. Campbell Bruce Escape from Alcatraz, de 1963,
virou o filme Alcatraz: Fuga Impossível (1979), com Clint Eastwood, uma
das mais clássicas histórias sobre fuga de presídios baseada em fatos. A Ilha
de Alcatraz existe de verdade e fica localizada na baía de São Francisco, na
Califórnia, e de 1934 até 1963 foi uma penitenciária federal de segurança
máxima. Hoje a ilha funciona como atração turística e você pode ouvir
áudios de ex-prisioneiros do local.
Alcatraz foi uma prisão considerada impossível de escapar, afinal era
localizada em uma ilha cujo mar ao redor era extremamente gelado e bravo.
Apesar disso, 36 corajosos homens tentaram! A maioria deles não
sobreviveu ou foi pego, mas existe um mistério sobre três prisioneiros que
simplesmente desapareceram.
John Anglin, seu irmão Clarence e Frank Morris não estavam em suas
celas na manhã do dia 12 de junho de 1962, e sim umas cabeças tipo de
papel machê com cabelos de verdade para dar uma enganada nos
carcereiros. Inclusive existe uma grande teoria de que os irmãos Anglin
vieram para o Brasil. Será que você não viu esses caras por aí?
Esse é um tema que permeia muito o imaginário humano, e não é à toa
que existem diversos filmes e séries sobre o assunto. Um exemplo é a série
Prison Break (2005-2009/2017), em que o engenheiro Michael Scofield
(Wentworth Miller) comete um crime para ser enviado à prisão — que ele
mesmo ajudou a construir — da qual pretende salvar o irmão, que está no
corredor da morte. Em 2017 a série retornou para mais algumas
temporadas.
* O sul-coreano praticante de yoga Choi Gap-Bok foi preso em
2012 por roubo. Cinco dias depois, ele resolveu se espremer
pela abertura de passagem de comida de sua cela, que tinha só
15 centímetros de altura por 45 de largura. Ele foi capturado
após seis dias, mas pelo menos ganhou o apelido de “Houdini
Coreano” na mídia, em referência ao famoso ilusionista.
* Você sabia que na época em que Prison Break passava na
televisão a série foi censurada em treze presídios pelos
Estados Unidos? Os detentos não podiam assistir para não
terem ideias doidinhas de como escapar!
MULHERES ENCARCERADAS
Orange Is The New Black (2013-2019) é uma série da Netflix inspirada no
livro de Piper Kerman em que ela conta sua experiência real em um
presídio feminino de segurança mínima, FCI Danbury. A série mostra a
realidade das detentas e suas histórias.
Aqui no Brasil, até 2019, mais de 37.200 mulheres estavam presas. Elas
compõem cerca de 4,9% da população carcerária do país e ficam alocadas
em uma das 103 penitenciárias femininas ou em uma das 238 mistas —
sendo que existem 1.070 unidades masculinas. Mais da metade dessas
mulheres foi presa por crimes relacionados a drogas, e cerca de 26%, por
crimes contra o patrimônio.
De acordo com Nana Queiroz no livro Presos que menstruam (2015), a
primeira penitenciária feminina do Brasil surgiu em Porto Alegre, no Rio
Grande do Sul. A Penitenciária Madre Pelletier foi criada em 1937 por
iniciativa de freiras católicas e se chamava Instituto Feminino de
Readaptação Social. A princípio, a instituição era voltada para mulheres
que precisavam de ajuda, como as que estavam em situação de rua, de
prostituição ou até mulheres que engravidaram fora de um casamento e
“encalhadas” (sim, que ódio). Décadas depois, o presídio passou a ser
administrado pelo Estado.
Em 1942, foi fundada uma penitenciária feminina em São Paulo com
sete detentas, que também era administrada pelo mesmo grupo religioso que
geria a de Porto Alegre, a Congregação de Nossa Senhora da Caridade do
Bom Pastor. Após 35 anos, a instituição passou para os cuidados do Estado.
Antes disso, as apenadas eram obrigadas a viver em presídios mistos,
por incrível que pareça: tinham que dividir celas com homens, e muitas
vezes eram estupradas ou precisavam se prostituir para sobreviver. Depois
dessas iniciativas, várias outras penitenciárias foram abrindo no Brasil todo.
Apesar disso, a maioria dos presídios femininos foi construída por
homens e para homens, não atendendo às necessidades específicas das
detentas. Um exemplo chocante é que penitenciárias masculinas e
femininas recebem a mesma quantidade de papel higiênico, sendo que é
bem óbvio que as mulheres precisam de muito mais do que homens. Outro
recurso indispensável são os absorventes, que chegam em quantidades
insuficientes e obrigam as mulheres a se virarem como podem, chegando
até a usar miolo de pão como absorvente interno. Em muitos lugares
também não há a disponibilidade de ginecologistas para atender às detentas,
o que as priva de cuidados básicos com a saúde.
E as poucas penitenciárias que existem também sofrem com a
superlotação. Em 2017, prisioneiras realizaram um motim na Penitenciária
Feminina do Paraná, em Piraquara, em busca de melhores condições.
Naquele momento, o local abrigava 440 presas, sendo que o espaço
permitia cerca de 370.
Mesmo assim, ainda existem presídios mistos, em que não há um local
específico para as mulheres, que configuram minoria e acabam sendo
prejudicadas, sendo direcionadas para alas dentro de estabelecimentos
masculinos. Já que não há como conviver com os homens, muitas vezes
elas acabam ficando sem pequenos direitos, como tomar banho de sol ou
estudar. Isso quando não há um local apropriado para suas celas e elas
acabam ficando nos piores locais. Em alguns lugares, há casos em que
homens e mulheres são mantidos na mesma cela. Em 2007, o caso de uma
garota de apenas 15 anos que passou quase um mês em uma cela com 24
homens no Pará causou grande choque. Ela teve que trocar comida por
relações sexuais e foi torturada.
Um ponto muito relevante que muda quando comparamos mulheres
com homens presos são os filhos. Muitas vezes quando um homem que é
pai vai preso, os filhos ficam com a mãe, mas, quando a mãe vai presa, aí a
coisa muda de figura. Na maioria dos casos, a mãe não pode contar com o
pai para criar os filhos, que então são encaminhados para os parentes ou
para instituições de acolhimento. Muitas vezes, as mães até perdem a
guarda das crianças simplesmente por não comparecerem às audiências —
das quais elas raramente ficam sabendo: às vezes no processo nem existe a
informação de que a mãe está presa e ela não recebe a intimação, que vai
parar em algum endereço antigo.
Essas crianças às vezes são separadas dos irmãos e de outros parentes,
ficando mais suscetíveis a abusos e criminalidade. Ou seja, quando a mãe
não está, a família corre grande risco de se desestruturar.
Em algumas penitenciárias femininas, existe a possibilidade de visitas
conjugais, mas infelizmente essa é uma possibilidade somente para
mulheres com parceiros homens, pois casais LGBTQIAPN+ raramente têm
direito a esse tipo de visita. Em março de 1999, houve uma regulamentação
que dizia que a visita íntima deveria existir para as pessoas de ambos os
sexos. Apesar disso, somente em 2002 as mulheres realmente tiveram esse
direito na prática, por causa da pressão de grupos defensores dos direitos da
mulher.
No caso das mulheres com parceiros homens, eles devem provar que
têm relacionamento estável com a detenta ou ser casados no papel.
Geralmente, os encontros acontecem pelo menos uma vez por mês, e o
casal recebe preservativos. Infelizmente, somente cerca de 9,68% das
presas conseguem usufruir desse benefício, porque a maioria dos seus
companheiros as abandona depois que são encarceradas.
Praticamente não existem filas nos dias de visita nos presídios
femininos, e não estamos falando só da visita íntima. E a maioria dos
visitantes é composta por outras mulheres. Em geral, o companheiro visita
algumas vezes e depois some. Existe toda uma burocracia para se fazer
visita em presídios: além da papelada, é preciso fazer uma revista nos
visitantes — que pode ser bastante constrangedora —, e muitas vezes os
homens não estão dispostos a passar por tudo isso de maneira recorrente
para verem suas companheiras.
Angela Davis, uma das maiores referências no assunto, reforça em seu
livro Estarão as prisões obsoletas? que, “ao passo que os criminosos do
sexo masculino eram considerados indivíduos que tinham simplesmente
violado o contrato social, as criminosas eram vistas como mulheres que
tinham transgredido princípios morais fundamentais da condição feminina”.
Em diversos presídios, não existe a possibilidade de haver visita
conjugal, mas em sua maioria as visitas íntimas acabam acontecendo sob a
vista grossa da administração. O problema disso é a falta de preservativos
ou informações. Inclusive, a falta de visitas também é um problema, porque
é por meio delas que as apenadas têm acesso a muitos itens, como livros,
artigos de higiene pessoal, cigarros, alimentos, entre outros. Além disso,
nesse momento a família pode conferir como as apenadas estão, e, em caso
de agressões ou alguma injustiça, podem fazer denúncias para as agências
de fiscalização.
Existe muita resistência a mulheres obterem o benefício da visita
conjugal por causa de gravidez. Afinal, num presídio masculino, se uma
parceira engravida em uma visita íntima, ela faz o que bem entender com
essa criança, pois está livre. A partir do momento que uma detenta fica
grávida, isso vira um problema do Estado.
A prisão de uma mulher que está grávida gera diversas questões. O que
fazer com o bebê nos primeiros meses de vida? Será que é melhor já separar
a criança da mãe e entregar a familiares ou ao sistema ou é melhor para o
bebê “nascer preso” e ficar um tempo com a mãe? Depois de muitos
debates e estudos, aqui no Brasil se decidiu que ao menos nos primeiros
seis meses a criança tem direito a ficar com sua mãe e ser amamentada.
E tudo isso gera uma questão importante: ao ser presa, a mulher teve
retirada apenas sua liberdade de ir e vir. O Estado não pode tirar o direito da
sexualidade e da maternidade da mulher. Essas são decisões que cabem
somente à mulher, e, se ela desejar ter um filho mesmo estando presa, esse
direito deve ser garantido pelo Estado.
POPULAÇÃO LGBTQIAPN+
Por séculos, a população LGBTQIAPN+ sofreu perseguições e punições ao
redor do mundo todo, o que, infelizmente, ainda ocorre em pleno século
XXI. Isso tudo porque vivemos numa sociedade heteronormativa, que
consiste em uma ideia — completamente errada — de que todos os corpos
devem ser cis e heterossexuais, e o que for diferente disso é considerado
errado e era até crime.
Você sabia que em diversas culturas a sodomia foi considerada crime
por muito tempo? Sodomia é um termo de origem religiosa que se refere a
certos comportamentos sexuais. É comumente usado para designar sexo
anal, ou qualquer tipo de sexo que não resulte em procriação, como sexo
oral. E, para piorar, em diversos lugares a punição era a morte!
O filósofo e escritor francês Michel Foucault acreditava que, por mais
que existissem leis sobre sodomia, os sodomitas eram considerados uma
“aberração temporária” e a punição era para os atos em si. Foi apenas no
fim do século XIX que as pessoas começaram a ser “classificadas” como
homossexuais e punidas por isso. Começou-se a criar a narrativa de que
essas pessoas eram doentes.
Somente em maio de 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS)
retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. Parece uma
piada de muito mau gosto, mas no Brasil só em 2019 que a LGBTfobia
passou a ser crime. E, mesmo assim, o nosso país ainda é um dos que mais
discriminam e o que mais matam essa população.
Segundo o jornal O Globo, a Associação Nacional de Travestis e
Transexuais (Antra) liberou um dossiê que mostra que em 2021 o Brasil
acumulou 38,2% de todas as mortes de pessoas trans no mundo, e é o país
que mais mata trans e travestis.
E vale lembrar que esses são apenas números que foram reportados —
muitas vezes esses crimes nem chegam aos ouvidos da polícia. Até julho de
2020, 69 países ainda tinham leis criminalizando a homossexualidade. Em
nove deles, o “crime” é punido com a morte. Em janeiro de 2021, somente
29 países reconheciam casamento entre pessoas do mesmo sexo.
CRÍTICAS AO SISTEMA
CARCERÁRIO
O Brasil atualmente é o terceiro país que mais prende no mundo. Isso se dá
por diversos motivos, mas quatro deles são mais relevantes:
* Raça e classe são motivos básicos pelos quais muitas pessoas ainda
são presas, o que é inadmissível.
* A sociedade não deveria ter como foco que a justiça seja feita com
punição.
* Para o IBGE, negros correspondem ao somatório de pretos e pardos. São consideradas pretas as
pessoas de pele mais retinta, e pardas as que possuem a pele menos retinta, ou seja, mais clara.
CAPÍTULO 9: Casos arquivados
Você já deve ter ouvido isto em alguma série ou
filme: as primeiras 48 horas são cruciais para a resolução de um crime.
Quanto mais cedo a investigação começar, mais fácil será conseguir
informações mais precisas, mas, mesmo com vários recursos, nem sempre
as pistas levam a uma prisão. Alguns casos requerem muito tempo e
dedicação e podem acabar se arrastando por semanas, meses, até anos.
Quando um caso demora muito para ser resolvido, ele corre o risco de
virar um cold case, um “caso frio”, na tradução literal. Trata-se de um caso
que ainda não foi resolvido e que depois de um tempo —
independentemente da duração, pode ser uma semana ou anos e anos —
acaba sem ter mais opções de investigação e para onde ir. No Brasil,
costuma-se chamar de caso arquivado ou caso morto. Um caso pode esfriar
ou ser arquivado por diversos motivos. Algumas vezes a cena do crime não
tem evidências o suficiente. Para conseguir fazer um exame ou obter
arquivos, pode ser que se precise dar entrada em todo um processo
burocrático, que pode levar muito tempo pra ser aceito. Dependendo do
momento ou do lugar, pode ser que não exista tecnologia adequada à
disposição, e há vezes em que, com a demora, as pessoas envolvidas
acabam morrendo.
Um dos casos de serial killers mais famosos do mundo nunca foi
resolvido. Até hoje não descobriram quem foi de fato Jack, o Estripador.
Estamos falando de 1888. É claro que as técnicas investigativas melhoraram
muito desde então. Naquela época não havia como fazer uma análise
superapurada da cena do crime (muito menos com DNA), o corpo era
manipulado de qualquer jeito, não havia registros da procedência do
cadáver nem de quem lidou com ele, tudo era meio bagunçado.
A polícia conversou com mais de duas mil pessoas, fez até um perfil
criminal (como citado no capítulo 5), vasculhou os locais dos crimes em
todos os horários, mas, com o tempo, o caso foi esfriando e ninguém foi
considerado culpado pelos assassinatos.
Essa história ficou tão famosa e tão misteriosa que Jack, o Estripador,
tem até uma linha de estudo própria, que se chama “ripperologia”. O nome
vem de ripper, que é “estripador” em inglês. O grupo tem milhares de
adeptos que pesquisam, criam teorias, compartilham informações e
continuam fazendo a história se perpetuar.
Como o serial killer nunca foi descoberto, o mistério deu margem para
inúmeras especulações. A popularidade de Jack se deve em grande parte à
cultura pop, e até hoje surgem novas obras sobre ele. Dois notórios
exemplos de filmes são: O Inquilino Sinistro (1927), dirigido por Alfred
Hitchcock, levemente baseado na história do assassino de Whitechapel, e
Do Inferno: A Verdadeira História de Jack, o Estripador (2001), baseado
na história em quadrinhos homônima de Alan Moore.
A parte triste de quando um caso se torna muito famoso é que as
pessoas ficam tão embriagadas pelo mistério que esquecem que pessoas
foram mortas. Nesse caso específico, cinco mulheres tiveram a vida
brutalmente interrompida e suas memórias foram ofuscadas.
***
MÉTODOS
As técnicas e os métodos para lidar com casos arquivados foram mudando
ao longo do tempo. O sargento David W. Rivers, que comandou uma
unidade de investigação de casos arquivados da Flórida, desenvolveu um
protocolo para esse fim.
1. Conduzir uma revisão completa dos arquivos do caso e reorganizar
como necessário.
***
CASOS COM REVIRAVOLTAS
MUITOS ANOS DEPOIS
E tem aqueles casos que até parecem ter saído de um roteiro superelaborado
de cinema, cheios de reviravoltas, e anos depois aparece uma nova
informação, uma testemunha antiga, alguma nova evidência é descoberta ou
alguém decide confessar.
Madeleine McCann
“Tudo o que queremos é encontrá-la, descobrir a verdade e levar os
responsáveis à justiça. Nunca perderemos a esperança de encontrar
Madeleine viva, mas, seja qual for o resultado, precisamos saber.”
Nota dos pais de Madeleine McCann no site oficial do caso
EBEORIETEMTHHPITI
Natal
* 10 tiros disparados
* o jovem estava de costas com os pés apontados para o carro
* a jovem estava deitada sobre o lado direito pés voltados para
oeste
4 de julho
CARO EDITOR:
Você vai me odiar, mas preciso dizer.
O ritmo não está de forma nenhuma diminuindo!
De fato há um grande treze
13
“Alguns deles resistiram
foi horrível”
Debaixo do número 13, tinha uma cruz desenhada com sangue e um
“P.S.” colado de cabeça para baixo que dizia:
HÁ NOTÍCIAS
de que tiras porcos da polícia da cidade estão fechando o cerco ao
meu redor Fd-s Sou indecifrável, Qual é o preço agora?
E, no interior do cartão:
* 2019 - 42%
* 2018 - 41%
* 2017 - 42%
* 1999 - 38%
* 1980 - 28%
***
Há alguns casos muito famosos, como o da família Dupont de Ligonnès. A
família vivia em uma casa em Nantes, na França, e era constituída por
Xavier Dupont, o pai, Agnès, a mãe, e os quatro filhos, Arthur, Thomas,
Anne e Benoît.
Um belo dia, os vizinhos deram falta deles, pois a casa estava fechada
havia alguns dias e nenhum membro da família tinha sido visto, então
chamaram a polícia. Como ninguém atendeu, a polícia invadiu a casa.
Realmente não tinha nenhum sinal deles, mas também nada estranho que
indicasse algum tipo de crime.
A polícia continuou investigando e revistou a casa mais cinco vezes,
mas sem encontrar nenhum vestígio. O promotor deu uma coletiva e
anunciou que iam abrir uma investigação, até que no meio da coletiva o
telefone tocou, e ele saiu para atender.
Era a polícia, que estava revistando a casa pela sexta vez e agora tinha
encontrado algo surreal. O corpo da mãe, dos quatro filhos e dos dois
cachorros enterrados no quintal da casa. Como o corpo do pai não foi
encontrado, ele logo se tornou o principal suspeito.
O crime ocorreu em 2011 e até hoje não se sabe nada sobre o que
aconteceu com Xavier. Essa história foi contada no terceiro episódio da
série Mistérios Sem Solução, da Netflix.
A série é um reboot de um programa bem famoso que estreou nos anos
1980, e que ao todo teve umas quinze temporadas, mais de quinhentos
episódios e já passou em diversos canais de TV. Ao fim de cada capítulo,
aparecia um contato para as pessoas ligarem se soubessem de alguma
informação que pudesse ajudar na investigação. Mais de 250 casos foram
resolvidos ao longo de todos esses anos graças ao programa. O reboot da
Netflix manteve isso: ao fim de cada episódio, aparece o aviso para entrar
em contato com o site oficial unsolved.com para quem tiver alguma
informação que possa ser útil.
Parte do motivo pelo qual programas desse tipo fazem tanto sucesso é
que as pessoas simplesmente não suportam a ideia de não saber o final da
história. É como começar um filme e nunca saber o que acontece nos
últimos minutos. Como a história termina? Quem é o culpado? O que
aconteceu de verdade? E, para conseguir essas respostas, muitas vezes as
pessoas buscam fóruns, informações extras, criam e compartilham teorias.
O processo que leva até uma condenação é tão complexo, com tantos
indivíduos envolvidos — e às vezes tantas falhas —, que concluir um caso
nem sempre é tarefa fácil. Assim, não é incomum que os familiares das
vítimas virem ativistas e se engajem na busca por novas informações. Foi o
caso de Sarah Turney.
Álibi Algo que prove que uma pessoa não estava em determinado local
em horário específico. Muitas vezes o álibi é usado para liberar alguém que
supostamente poderia ter cometido um crime.
DNA Material genético que pode estar no sangue, urina, fezes, suor,
esperma, pele, em vários lugares do corpo. Esse material pode ser usado
para identificar uma pessoa.
FILMES
A 13ª Emenda
Carandiru
Do Inferno: A Verdadeira História de Jack, o Estripador
Dois Estranhos
Gênio Indomável
K-9
Long Shot
Memórias de Um Assassino
Monster: Desejo Assassino
O Inquilino Sinistro
O Mágico de Oz
O Massacre da Serra Elétrica
Psicopata Americano
Psicose
Sangue no Gelo
Tropa de Elite
Truque de Mestre
Tubarão
Zodíaco
SÉRIES
Airport Security
Aeroporto: São Paulo
Bates Motel
Bones
Breaking Bad
Chuck
Confession Tapes
Covert Affairs
Criminal Minds
Dexter
Glee
Homeland
House
Inacreditável
Making a Murderer
Manhunt
Mindhunter
Narcos
NCSI
O Último Narc
Oz
Perry Mason
Prison Break
Ratched
S.W.A.T.
Scandal
Scream Queens
Seduced
Smallville
The Americans
The Vow
LIVROS
A Father’s Story
A sangue-frio
Carcereiros
Estação Carandiru
Helter Skelter
It: A coisa
Mindhunter
Mindhunter Profile
Monster: My True Story
Prisioneiras
Psicose
Sybil
PODCASTS
Ear Hustle
My Favorite Murder
Projeto Humanos
Serial
https://www.intrinseca.com.br/modusoperandi
Créditos das imagens
(Agatha Christie): spatuletail/Shutterstock.com
(Alcatraz): Pyty/Shutterstock.com
© Jessica Liar
Mabê Bonafé
Publicitária desde 2009, é especialista em métricas e relacionamento entre
influenciadores/celebridades e marcas. Atualmente é roteirista, escritora e
podcaster. É viciada em teorias da conspiração, casos sobrenaturais e fã de
true crime desde sempre.
Carol Moreira
Formada em cinema e apaixonada por cultura pop, Carol já passou por
empresas como Omelete e o canal de televisão Warner Channel. Apresentou
o tapete vermelho de prêmios como o Emmy e o People’s Choice Awards
fazendo entrevistas ao vivo com os maiores artistas de Hollywood.
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Mindhunter
John Douglas e Mark Olshaker