Tese de Marina Lacerda

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Instituto de Estudos Sociais e Políticos

Marina Basso Lacerda

Neoconservadorismo:
articulação pró-família, punitivista e neoliberal na Câmara dos Deputados

Rio de Janeiro
2018
Marina Basso Lacerda

Neoconservadorismo:
articulação pró-família, punitivista e neoliberal na Câmara dos Deputados

Tese de doutorado apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Doutora ao Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política do Instituto de Estudos
Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Orientador Prof. Dr. Luiz Augusto Campos

Rio de Janeiro
2018
Marina Basso Lacerda

Neoconservadorismo:
articulação pró-família, punitivista e neoliberal na Câmara dos Deputados

Tese de doutorado apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Doutora ao Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política do Instituto de Estudos
Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Banca examinadora:

_____________________________________________
Prof. Dr. Luiz Augusto Campos (orientador)
Instituto de Estudos Sociais e Políticos – UERJ

_____________________________________________
Prof. Dr. Fabiano Guilherme Mendes Santos
Instituto de Estudos Sociais e Políticos – UERJ

_____________________________________________
Profa. Dra. Flávia Milena Biroli
Universidade de Brasília

_____________________________________________
Prof. Dr. José Leon Szwako
Instituto de Estudos Sociais e Políticos – UERJ

_____________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Mariano
Universidade de São Paulo

Rio de Janeiro
2018
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Naura Marina Basso de Lacerda e Celso Lisbôa de Lacerda, que
financiaram minha educação fundamental e média nas melhores escolas particulares.
Agradeço ao Estado brasileiro, que custeou graduação, mestrado e doutorado.
Em especial agradeço à Casa patrocinadora dessa última fase, a Câmara dos Deputados,
que comporta pluralidade de opiniões tanto do ponto de vista da representação política quanto do
ponto de vista da educação e produção de seus funcionários.
Agradeço às pessoas cujo apoio foi imprescindível à realização desta tese: Clotildes de
Jesus Vasco, Márcio Marques de Araújo e Maria Isabel Monteiro.
Agradeço a meu orientador, Prof. Dr. Luiz Augusto Campos, pela dedicação.
Agradeço, pela revisão de partes do texto, com valiosas contribuições de forma e de
conteúdo ao resultado final, ao Prof. Dr. Adalberto Moreira Cardoso, à Ana Regina Villar Peres
Amaral, ao Prof. Dr. Fabiano Guilherme Mendes Santos, ao Fernando Bola Brito, à Profa. Dra.
Flavia Millena Biroli Tokarski, ao Prof. Dr. Ivan Jairo Junckes, ao Márcio Nuno Rabat e à Silvia
Mugnatto Macedo.
Agradeço à Andressa Porto, à Carla Varea Guareschi, ao Elianildo Nascimento, ao
Geter Borges de Sousa e à Talita Victor pela ajuda em obtenção de dados relevantes à esta pesquisa.
Agradeço, finalmente, ao Rodrigo Estrela, meu amor e meu companheiro, por seu imenso
aporte intelectual.

***

Os amigos Leticia Perez e Marco Aurélio Garcia, que faleceram durante a elaboração deste
trabalho, foram protagonistas de episódios objeto de estudo. Tive oportunidade de expressar a eles
meu afeto, mas não o registro por sua participação nesta pesquisa acadêmica.

Brasília, 2 de fevereiro de 2018.


RESUMO

LACERDA, M.B. Neoconservadorismo: articulação pró-família, punitivista e neoliberal na


Câmara dos Deputados. 2018. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto de Estudos Sociais
e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasília, 2018.

Esta tese analisa a articulação em torno de diferentes temas da agenda da direita


contemporânea na Câmara dos Deputados: o ativismo pela família tradicional, pelo punitivismo,
pelo neoliberalismo e em combate ao bolivarianismo. Investiga-se se existe uma militância
concertada nesses itens, quem seriam seus protagonistas e quais argumentos unem esses assuntos.
A tese agrega leitura transversal aos estudos sobre a atuação política em cada uma das pautas
mencionadas. A hipótese que norteia a pesquisa é a de que existe uma articulação neoconservadora
na Câmara dos Deputados, configurando uma reelaboração do neoconservadorismo norte-
americano no Brasil. O eixo analítico para a investigação é a literatura a respeito desse movimento
político surgido nos Estados Unidos na década de 1980, literatura que oferece a estrutura conceitual
a partir da qual a hipótese será testada. A metodologia empregada consistiu na análise de votações
em plenário, de proposições e do conteúdo de discursos parlamentares sobre os temas indicados, e
também do perfil (denominação religiosa e pertencimento a bancadas) dos deputados atores dessas
iniciativas. Os resultados confirmam em grande medida a hipótese, e demostram que a atuação de
um grupo de deputados federais brasileiros corresponde à do movimento estrangeiro. A ação
produzida no Brasil, porém, contém peculiaridades de um país de periferia: a ação não tem feição
imperialista, como nos EUA – pelo contrário, privilegia uma inserção internacional hemisférica e
não autônoma; e a defesa dos princípios neoliberais não é tão clara, possivelmente pelo fato de os
parlamentares neoconservadores brasileiros terem um eleitorado pobre, carente de proteção estatal.
A conexão das pautas é informada por um ideário neoconservador, que tem em seu cerne a defesa
de valores religiosos cristãos e os valores da família como resposta às disfunções sociais. O
protagonismo da ação neoconservadora brasileira é, em maioria, de deputados membros da
Assembleia de Deus, igreja pentecostal norte-americana com presença forte no Brasil, um dos
prováveis canais de transmissão ideológica.

Palavras-chave: Neoconservadorismo. Família tradicional. Rigor penal. Bolivarianismo.


Neoliberalismo. Bancada evangélica.
ABSTRACT

The present work analyzes the articulation around different issues of the contemporary right
wing agenda in Brazil: traditional family, popular punitivism, neoliberalism and the fight against
Bolivarianism. The focus of this investigation is on the possibility of a concerted promotion of
those issues within the Brazilian Chamber of Deputies, on who would be its protagonists and on
which arguments link those matters. The research employs a transversal understanding of the
political action in each one of the aforementioned topics. The hypothesis states that there is a
neoconservative political articulation within the Chamber, as a reconfiguration of that North
American ideology in Brazil. The analytical axis for research is the literature on this political
movement that came into prominence in the United States in the 1980s. This literature provides the
conceptual framework to test the hypothesis. The methodologies used are both quantitative and
qualitative: the analyses of plenary votes, of bills and of parliamentary speeches on the topics
indicated, as well as the profile (religious denomination and ideological commitment) of the
representatives who performed such actions. The results confirm the hypothesis, demonstrating
similarities between the performance of a group of Brazilian federal deputies and the North
American movement. The action produced in Brazil, however, contains the idiosyncrasies of a
peripheral country: there isn´t an imperialist drive, as in the United States – on the contrary, it
enables a hemispheric and non-autonomous international insertion; and the defense of neoliberal
principles is not so clear, probably because Brazilian neoconservative parliamentarians have a
lower class constituency lacking state protection. The linking of the different issues happens
through a neoconservative ideology, which has in its core the defense of Christianity and family
values as a response to social dysfunctions. The leading figures of this movement in the Brazilian
parliament are members of the Assemblies of God, a North American Pentecostal Church with a
strong presence in Brazil and probably one of the main channels of neoconservative ideological
diffusion.

Keywords: Neoconservatism. Traditional family. Law and order. Bolivarianism.


Neoliberalism. Evangelical branch.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – Cartaz eletrônico de autoria do Deputado Federal Peninha ...................... 129


Ilustração 2 – Fotografia do lançamento da Frente Parlamentar da Segurança Pública, em
25/02/2015. .................................................................................................................................. 139
Ilustração 3 – Imagem de publicação na página do deputado Alberto Fraga no Facebook.no
dia 25/02/2015. ............................................................................................................................ 140
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Riqueza do 0,1% da população com maior renda nos EUA, Grã-Bretanha e
França, entre 1913-1998. ............................................................................................................... 55
Gráfico 2 – Quantidade de iniciativas contra o aborto e pelo endurecimento do aborto,
contra as demandas LGBT e contra o gênero (2003-2015) ........................................................... 70
Gráfico 3 – Discursos com tema “aborto” no plenário da Câmara dos Deputados brasileira,
por ano (1991-2014) ...................................................................................................................... 71
Gráfico 4 – Contribuição dos deputados conforme grande grupo religioso (2013-2015). 87
Gráfico 5 – Contribuição dos deputados conforme sua denominação. ............................. 88
Gráfico 6 – Quantidade de iniciativas conforme denominação dos autores por tema. ...... 88
Gráfico 7 – Frequência dos tipos de argumentos por iniciativa (2003-2015). .................. 92
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Valores atribuídos por tipo de iniciativa. ......................................................... 69


Tabela 2 – Participação das deputadas no total de iniciativas contra o aborto, contra
demandas LGBT e contra o gênero (2013-2015). ......................................................................... 86
Tabela 3 – Membros da bancada evangélica eleitos por legislatura. ................................. 90
Tabela 4 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências
esperadas do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito da emenda
aglutinativa da PEC 171/1993, no dia 01/07/2015 ...................................................................... 108
Tabela 5 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências
esperadas do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito da subemenda
substitutiva global ao PL 3131/2008, no dia 26/03/2015 ............................................................ 119
Tabela 6 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências
esperadas do protagonismo no ativismo pró-família e da posição na votação do mérito da emenda
aglutinativa da PEC 171/1993, no dia 01/07/2015 ...................................................................... 134
Tabela 7 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências
esperadas do protagonismo no ativismo pró-família e da posição na votação do mérito na votação
do mérito da Subemenda Substitutiva Global ao PL 3131/2008, no dia 26/03/2015.................. 135
Tabela 8 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências
esperadas do pertencimento à categoria profissional militar ou policial e a religião evangélica
dentre os deputados federais eleitos em 2014. ............................................................................ 137
Tabela 9 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências
esperadas do pertencimento à Frente Parlamentar Evangélica e da atuação nas comissões
relacionadas à segurança pública em 2015. ................................................................................. 138
Tabela 10 – Seleção de deputados neoconservadores e respectivas denominações religiosas,
considerando aqueles que (a) exerceram, durante algum período, mandato na 55ª Legislatura; e (b)
tiveram dez ou mais iniciativas pró-família ou que tiveram alguma iniciativa pró-família e também
foram protagonistas de alguma ação punitivista – e sua denominação. ...................................... 147
Tabela 11 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências
esperadas do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito do 4567/2016,
no dia 05/10/2016. ....................................................................................................................... 173
Tabela 12 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências
esperadas do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito do substitutivo
da PEC 241/2016, no dia 10/10/2016. ......................................................................................... 175
Tabela 13 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências
esperadas do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito da subemenda
substitutiva global ao PL 6787/2016, no dia 26/04/2017. ........................................................... 178
Tabela 14 – Seleção de deputados neoconservadores – considerando aqueles que (a)
exerceram, durante algum período, mandato na 55ª Legislatura; e (b) tiveram dez ou mais
iniciativas pró-família ou que tiveram alguma iniciativa pró-família e também foram protagonistas
de alguma ação punitivista – e suas posições sobre o PL 4567/2016, a PEC 55/2016 e o PL
6787/2016. ................................................................................................................................... 179
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC Acre
AD Assembleia de Deus
AI Ato Institucional
AL Alagoas
AM Amazonas
ANC Assembleia Nacional Constituinte
AP Amapá
ARENA Aliança Renovadora Nacional
BA Bahia
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CCJC Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
CDHM Comissão de Direitos Humanos e Minorias
CE Ceará
CGADB Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil
CIA Central Intelligence Agency
CNV Comissão Nacional da Verdade
CPAD Casa Publicadora das Assembleias de Deus
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CPMI Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
CSPCCO Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado
CW Consenso de Washington
DEM Democratas
DF Distrito Federal
DIAP Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
ERA Equal Rights Amendment
ES Espírito Santo
ESG Escola Superior de Guerra
ESLAVEC Escola de Líderes da Associação Vitória em Cristo
ESP Escola Sem Partido
EUA Estados Unidos da América
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMI Fundo Monetário Internacional
FP Frente Parlamentar
FPE Frente Parlamentar Evangélica
FPSP Frente Parlamentar da Segurança Pública
GO Goiás
GOP Grand Old Party
IEQ Igreja do Evangelho Quadrangular
INC Indicação
INFOPEN Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
ISP Instituto Sou da Paz
IURD Igreja Universal do Reino de Deus
LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e Travestis
LIC Low Intensity Conflict
MA Maranhão
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MEC Ministério da Educação
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MG Minas Gerais
MS Mato Grosso do Sul
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
MT Mato Grosso
NRB National Religious Broadcasters
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OLP Organização para a Libertação da Palestina
ONU Organização das Nações Unidas
PA Pará
PB Paraíba
PCB Partido Comunista Brasileiro
PC do B Partido Comunista do Brasil
PCO Partido da Causa Operária
PDC Projeto de Decreto Legislativo
PDS Partido Democrático Social
PDT Partido Democrático Trabalhista
PE Pernambuco
PEC Proposta de Emenda à Constituição
PEN Partido Ecológico Nacional
PEQ Requerimento
PFL Partido da Frente Liberal
PHS Partido Humanista Da Solidariedade
PI Piauí
PL Projeto de Lei
PM Polícia Militar
PMB Partido da Mulher Brasileira
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMN Partido da Mobilização Nacional
PNE Plano Nacional de Educação
PODE Podemos
PP Partido Progressista
PPL Partido Pátria Livre
PPS Partido Popular Socialista
PR Paraná
PR Partido da República
PRB Partido Republicano Brasileiro
PROS Partido Republicano da Ordem Social
PRP Partido Republicano Progressista
PRTB Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSC Partido Social Cristão
PSD Partido Social Democrático
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PSDC Partido Social Democrata Cristão
PSL Partido Social Liberal
PSOL Partido Socialismo e Liberdade
PSTU Partido Socialista Dos Trabalhadores Unificado
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PTC Partido Trabalhista Cristão
PV Partido Verde
REDE Rede Sustentabilidade
RIC Requerimento de informação
RJ Rio de Janeiro
RN Rio Grande do Norte
RO Rondônia
RR Roraima
RS Rio Grande do Sul
SC Santa Catarina
SD Solidariedade
SE Sergipe
SP São Paulo
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
SUS Sistema Único de Saúde
TO Tocantins
TP Teologia da Prosperidade
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USA United States of America
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 17
1. NEOCONSERVADORISMO NOS ESTADOS UNIDOS: HISTÓRICO E
CONCEITO ..................................................................................................................... 27
1.1. Sentidos da expressão “neoconservadorismo” .............................................................. 27
1.2. Delimitação conceitual: neoconservadorismo, conservadorismo e direitismo ........... 29
1.2.1. Definição de conservadorismo por Samuel Huntington ................................................. 29
1.2.2. O neoconservadorismo e a definição situacional de conservadorismo ........................... 31
1.2.3. Neoconservadorismo, direita política e peculiaridade noeconservadora ........................ 33
1.3. Elementos do neoconservadorismo ................................................................................ 35
1.3.1. Direita cristã ...................................................................................................................... 36
1.3.1.1. Breve histórico da atuação política da direita cristã nos EUA .................................... 36
1.3.1.2. Ascensão da direita cristã como reação ao avanço feminista e dos homossexuais ..... 38
1.3.1.3. Reaganismo e direita cristã América Latina ..................................................................... 41
1.3.2. Defesa da família patriarcal ............................................................................................... 45
1.3.3. Sionismo ............................................................................................................................ 48
1.3.4. Militarismo anticomunista ................................................................................................. 50
1.3.5. Idealismo punitivo ............................................................................................................. 52
1.3.6. Neoliberalismo .................................................................................................................. 54
1.3.6.1. Histórico do neoliberalismo ........................................................................................ 54
1.3.6.2. Neoliberalismo e neoconservadorismo: a aliança paradoxal ...................................... 57
1.3.6.3. Estado de bem-estar social corporativo ....................................................................... 60
1.3.6.4. Libertarismo, liberalismo e neoconservadorismo ....................................................... 61
1.4. Neoconservadorismo pós-Reagan .................................................................................. 62
1.5. Conclusão ......................................................................................................................... 64
2. DEFESA DA FAMÍLIA TRADICIONAL: ATUAÇÃO PARLAMENTAR EM
COMBATE AO FEMINISMO E ÀS DEMANDAS DO MOVIMENTO LGBT ...... 66
2.1. Metodologia do capítulo .................................................................................................. 67
2.2. Ação pró-família como reação a movimentos feministas e LGBT .............................. 70
2.2.1. Reação contra o aborto ...................................................................................................... 70
2.2.2. Reação contra a agenda LGBT .......................................................................................... 75
2.2.3. Combate à ideologia de gênero ......................................................................................... 78
2.2.3.1. Criação da ideologia de gênero ........................................................................................ 82
2.2.4. A 55ª Legislatura ............................................................................................................... 84
2.3. Perfil dos protagonistas da reação pró-família ............................................................. 85
2.3.1. Características gerais ......................................................................................................... 85
2.3.2. Denominação dos parlamentares protagonistas................................................................. 87
2.3.3. Considerações a respeito do protagonismo evangélico ..................................................... 90
2.4. Argumentos utilizados nas iniciativas ........................................................................... 92
2.5. O cerne da agenda neoconservadora na Câmara dos Deputados no Brasil .............. 96
2.6. O caso do Estatuto da Família ........................................................................................ 97
3. IDEALISMO PUNITIVO: ATUAÇÃO PARLAMENTAR PELO RIGOR
CRIMINAL .................................................................................................................... 102
3.1. Metodologia do capítulo ................................................................................................ 102
3.2. Contornos da agenda neoconservadora punitivista ................................................... 103
3.3. Análise das pautas punitivistas..................................................................................... 105
3.3.1. Redução da maioridade penal .......................................................................................... 105
3.3.2. Exibição das fotos de crianças e adolescentes em conflito com a lei .............................. 110
3.3.3. Alterações da lei de drogas .............................................................................................. 111
3.3.4. Autos de resistência ......................................................................................................... 114
3.3.5. Transformação do homicídio de policiais em crime hediondo........................................ 116
3.3.6. Obstruções à Comissão Nacional da Verdade ................................................................. 120
3.3.7. Flagrante provado ............................................................................................................ 123
3.3.8. Dez medidas contra a corrupção ...................................................................................... 125
3.3.9. Revogação do Estatuto do Desarmamento ...................................................................... 128
3.3.10. Privatização do sistema penitenciário.............................................................................. 130
3.3.11. Outros temas: pena de morte e lei antiterror.................................................................... 131
3.3.12. Análise quantitativa da militância dos protagonistas da ação pró-família no
neoconservadorismo criminal .......................................................................................... 133
3.4. Articulação entre as bancadas evangélica e da segurança......................................... 135
3.5. Articulação neoconservadora sobre a temática de direitos humanos ....................... 141
3.6. Luta do bem contra o mal ............................................................................................. 142
4. BOLIVARIANISMO E SIONISMO: INSERÇÃO INTERNACIONAL RELIGIOSA
E ANTICOMUNISTA ................................................................................................... 146
4.1. Metodologia do capítulo ................................................................................................ 146
4.2. Bolivarianismo: a nova ameaça comunista ................................................................. 148
4.3. Manifestações dos parlamentares a respeito do socialismo no século XXI .............. 150
4.4. Neoconservadorismo de periferia................................................................................. 157
4.5. Israel: os aliados no meio-oriente ................................................................................. 158
4.6. Posicionamento dos deputados sobre Israel ................................................................ 160
4.7. Comunidade internacional de fé .................................................................................. 165
5. NEOLIBERALISMO: ATUAÇÃO PARLAMENTAR POR
DESNACIONALIZAÇÃO, DESREGULAMENTAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO E
VALORES DE MERCADO ......................................................................................... 167
5.1. Metodologia para o capítulo ......................................................................................... 167
5.1.1. Importância da clivagem governo/oposição na política econômica ................................ 168
5.1.2. Postulados do Consenso de Washington em pauta .......................................................... 169
5.2. Análise das votações que refletem as premissas neoliberais ...................................... 171
5.2.1. Alteração da participação da Petrobrás na exploração do pré-sal ................................... 171
5.2.2. Teto dos gastos públicos .................................................................................................. 174
5.2.3. Reforma trabalhista.......................................................................................................... 176
5.3. O que explica a diferença nas votações? ...................................................................... 179
5.4. Moralismo compensatório ............................................................................................ 182
5.5. Neoliberalismo punitivo ................................................................................................ 183
6. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATUAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE DEUS NA
POLÍTICA BRASILEIRA: CANAIS COMUNICANTES BRASIL-ESTADOS
UNIDOS .......................................................................................................................... 185
6.1. Histórico da presença da AD no Brasil e seus laços com os EUA ............................. 186
6.2. Breve histórico da relação entre pentecostais e política no Brasil ............................ 192
6.2.1. Ditadura militar de 1964 .................................................................................................. 193
6.2.2. Redemocratização ............................................................................................................ 195
6.3. Vasos comunicantes entre Estados Unidos e Brasil.................................................... 196
CONCLUSÃO............................................................................................................................ 199
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 207
APÊNDICE ................................................................................................................................ 218
17

INTRODUÇÃO

Em fevereiro de 2015 o então deputado federal Eduardo Cunha realizou na Assembleia de


Deus de Madureira, no Rio de Janeiro, um culto de gratidão por ter sido eleito, dias antes,
Presidente da Câmara dos Deputados. Pela primeira vez um evangélico ocupava o posto. Na
ocasião, o Pastor Everaldo Pereira, candidato no ano anterior à Presidência da República pelo
Partido Social Cristão, felicitou Cunha por não ter “vergonha de dizer que honra a Deus”. Jair
Bolsonaro – deputado e um dos principais nomes para o pleito de 2018 –, embora não protestante,
participou da ocasião religiosa para “apoiar e prestigiar” o novo líder da Casa legislativa (Lopes,
2015).
Eduardo Cunha é autor de proposta que restringe o atendimento médico de vítimas de
estupro que tenham engravidado em decorrência da violação sexual, e do projeto que criminaliza
a “heterofobia” (em contraposição às tentativas de punir a homofobia); ele defende a família como
a união apenas entre o homem e a mulher – as últimas agendas são sustentadas por outros
parlamentares com base no combate à nociva “ideologia de gênero”. Cunha, como Presidente da
Câmara, foi um dos principais responsáveis pela aprovação de pautas importantes da dita “bancada
da bala”: transformação do homicídio de policiais em crimes hediondos e redução da maioridade
penal1. Sua primeira missão oficial como presidente foi em Israel. Ainda na agenda internacional
no cargo, ele cobrou posição contra o governo da Venezuela. Cunha foi um defensor da
terceirização das atividades-fim nas relações trabalhistas.
As agendas mencionadas, defendidas por Cunha e por outros parlamentares, aparentemente
não se comunicam entre si. São tratadas por alguns autores sob a perspectiva da atuação de
bancadas cristãs – notadamente a evangélica –, que teriam como objetivo a promoção de seus
valores morais na política (Dantas, 2011; Machado, 2005; 2006; 2012a; b; Miguel, Biroli e
Mariano, 2016; Vital e Lopes, 2013). Outros abordam a relevância do conceito de “ideologia de
gênero” para a militância em defesa da família tradicional na política (Garbagnoli, 2014; Villazón,
2014). Há ainda aqueles que estudam as pautas punitivistas no parlamento, com ênfase na bancada
da segurança pública (Faganello, 2015; Isp, 2016; Rjc, 2015). Gonçalves (2017), por seu turno,

1
A PEC 171/1993, que trata da alteração da maioridade penal, foi aprovada pelo Plenário da Câmara mas até a
finalização desta tese não foi aprovada pelo Senado, não tendo se tornado, portanto, norma jurídica.
18

discute a conexão da bancada evangélica com a defesa de Israel. Uma literatura especializada em
relações internacionais explora as formas de inserção do Brasil no mundo e em relação a seus
vizinhos (Lima, 2005). A posição dos parlamentares a respeito da intervenção do Estado na
economia é objeto de farta literatura (v. g. Zucco Jr., 2011).
Esses trabalhos demonstram a existência de uma importante produção acadêmica e
multidisciplinar em torno dos temas citados. Mas a ação política sobre cada um desses assuntos
costuma ser analisada isoladamente. A contribuição que se espera com esta tese é justamente
estudar essas matérias conjuntamente. Sendo assim, o objetivo da presente pesquisa é analisar a
articulação em torno de diferentes temas da agenda legislativa contemporânea: o ativismo pela
família tradicional, pelo punitivismo, pelo neoliberalismo, em combate ao bolivarianismo e em
defesa do Estado de Israel. Investiga-se se existe uma militância concertada nesses itens, quem
seriam seus protagonistas e quais argumentos unem esses assuntos.
A referência temporal é a legislatura2 iniciada em 2015. É nesse ano que toma posse a
composição mais conservadora do Congresso desde 1964 (Souza e Caram, 2014), quando Eduardo
Cunha assume a Presidência da Câmara dos Deputados. É nessa legislatura que, como veremos no
Capítulo II, expande-se a ação já consolidada em nome da família tradicional. É também nessa
legislatura que, como identificam Codato, Bolognesi e Roeder (2015:127, 32-4, 39), cresce
significativamente na Câmara uma direita política que defende radicalmente os valores da família
tradicional e o liberalismo econômico com intervenção limitada do Estado na economia para
garantir igualdade de oportunidades.
O eixo analítico para a investigação é a literatura a respeito do neoconservadorismo.
Neoconservadorismo se refere originalmente à coalizão neoconservadora que reuniu parcela
majoritária do movimento religioso evangélico, elementos da direita secular do Partido
Republicano e intelectuais neoconservadores na eleição de Ronald Reagan como presidente dos
Estados Unidos em 1980. O movimento de reação às políticas de bem-estar social e ao avanço de
movimentos feministas, LGBT (para usar uma nomenclatura contemporânea 3 ) e pelos direitos

2
Legislatura é o período de quatro anos entre duas eleições para os assentos no Congresso Nacional. A
51ª Legislatura corresponde aos anos de 1999-2002; a 52ª, 2003-2006, a 53ª, 2007-2010; a 54ª, 2011-2014 e a 55ª,
2015-2019.
3
Até meados da década de 1990 falava-se em homossexuais. A referência foi sendo gradualmente ampliada para
incorporar, além de gays e lésbicas, também bissexuais, transgêneros e transexuais – daí a sigla que se refere às
pessoas LGBT. Hoje uma sigla mais completa seria LGBTTIQ+, ou seja, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais,
transgêneros, intersex e queer (Florian, 2017). O “+” se refere às múltiplas identidades de gênero e orientações
sexuais que não se enquadram nas letras anteriores. Mas nesta tese a expressão LGBT será a usada, por ser a mais
19

civis, desde a década de 1960, cimentou uma mentalidade neoconservadora e tornou possível a
coalizão entre diferentes tradições políticas.
Esse ideário político alia idealismo punitivo, absolutismo do livre mercado, militarismo
anticomunista e valores da direita cristã. Como os críticos do neoliberalismo afirmam –
notadamente Harvey (2005) –, a crescente falta de solidariedade resultado do desmonte das
políticas públicas do pós-guerra redunda em desagregação social. O que a preenche, no discurso
neoconservador, são os valores religiosos e a defesa da família “natural”, de um lado, e, para
aqueles que não se ajustam, a punição rigorosa via sistema criminal. As disfunções sociais são
vistas, pelos neoconservadores, não como resultado da falta de programas estatais de inclusão, mas
como resultado da falta de famílias fortalecidas. No limite, se a família não funcionar, o que resta
é a “lei-e-ordem”.
A aliança inusitada entre libertarismo econômico e tradicionalismo moral e religioso tem
um apelo forte, que é unir a promessa de progresso material com valores transcendentes e laços
sociais sólidos. Além disso, a linguagem evangélica da luta entre o bem e o mal é facilmente
comunicável com a luta militarista anticomunista, contra, à época, a União Soviética. A defesa de
Israel é agregada como um elemento conjuntural, apoiada por motivos religiosos (Diamond, 1989).
A hipótese central desta tese é de que há, pelo menos desde 2015, um movimento de
orientação política neoconservadora na Câmara dos Deputados brasileira. Isso será verdade se se
verificar que existe uma articulação que une: a) defesa de valores morais religiosos e da família
tradicional em reação ao feminismo e à agenda LGBT; b) punitivismo; c) militarismo
anticomunista; d) defesa de Israel; e e) neoliberalismo. Tudo isso deve ser informado pela atuação
política da direita cristã.

Considerando a centralidade que a direita cristã tem para o neoconservadorismo nos


Estados Unidos e que os evangélicos hipoteticamente teriam para o neoconservadorismo no Brasil,
vejamos o que significa o termo. O termo evangélico recobre as igrejas protestantes históricas
(Calvinista, Luterana, Presbiteriana, Congregacional, Anglicana, Metodista e Batista) e as

corrente no Brasil – por exemplo, a nomenclatura do órgão que inclui representantes do governo e da sociedade civil
para propor diretrizes para o tema se chama Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos
Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT). No presente trabalho, quando a
expressão LGBT se referir à origem do movimento neoconservador, tratar-se-á sempre de um uso antes de o termo
existir.
20

pentecostais (Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Universal do Reino de Deus entre


outras). Embora o conceito inclua protestantes tradicionais e pentecostais, em geral se refere apenas
aos últimos.
O pentecostalismo nasceu nos Estados Unidos no começo do século XX e descende do
protestantismo histórico. Toma seu nome da “descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, e se
vê como um retorno às origens” (Freston, 1993:65). Prega “a contemporaneidade dos dons do
Espírito Santo, dos quais ressaltam os dons de língua (glossolalia), cura, discernimento de espíritos,
profecia” (Mariano, 1996:24).
O pentecostalismo foi introduzido em três ondas no Brasil. A primeira onda, do
pentecostalismo clássico, vai de 1910 a 1950. Seu início é marcado pela chegada da Congregação
Cristã e da Assembleia de Deus. Essas igrejas têm como característica o anticatolicismo, o
sectarismo e o ascetismo de rejeição do mundo. A segunda onda, neoclássica, é a da chegada da
Igreja do Evangelho Quadrangular. Essa fase é marcada pela fragmentação e expansão do
pentecostalismo – notadamente pelo uso do rádio. Sua teologia baseou-se na cura divina. A terceira
onda, neopentecostal, tem início nos anos 1970. Seu marco é a fundação, agora por parte de
brasileiros e não de estrangeiros, da Igreja Universal do Reino de Deus em 1977, dentre outras
(Freston, 1993:66, Mariano, 1996:24-25).
As igrejas neopentecostais, de acordo com Ricardo Mariano (1996:27, 1999:38-9), possuem
“forte tendência de acomodação ao mundo, participam da política partidária e utilizam
intensamente a mídia eletrônica” e pregam a Teologia da Prosperidade. A crescente influência
desses elementos sobre as demais igrejas protestantes é chamada de “neopentecostalização” das
doutrinas, que decorre, de um lado, do sucesso, da visibilidade e da presença na mídia das igrejas
neopentecostais, e, de outro, do desejo das demais igrejas de “absorverem e reproduzirem as
crenças e práticas de sucesso e agrado das massas”.
No clássico de Max Weber (2005 [1930]) sobre a ética protestante, o calvinismo teria sido
o responsável pela legitimação original do capitalismo no ocidente. Para ele o calvinismo, com seu
ascetismo secular, agiu contra o desfrute irracional das riquezas, os prazeres, as tentações da carne,
e o consumo supérfluo, possibilitando a acumulação capitalista. Mas o que temos
contemporaneamente é um fenômeno diferente do descrito pelo autor alemão: de um lado, porque
temos expansão de igrejas pentecostais e não de protestantes tradicionais (como a calvinista); de
outro porque o crente, como aponta Mariano (1996:43), não busca a riqueza para comprovar seu
21

estado de graça, mas sim para usufruir de suas posses neste mundo. Esse aspecto será
particularmente relevante quando discutirmos a adesão evangélica ao neoliberalismo.

É preciso fazer ainda outro esclarecimento conceitual, a respeito de dois termos que estarão
presentes durante todo o texto: “bancada” e “Frente Parlamentar”. A bancada evangélica existe
desde a Constituinte, enquanto a Frente Parlamentar Evangélica foi criada em 2003. Frente
Parlamentar, pela definição jurídica, é a associação suprapartidária de pelo menos um terço de
membros do Congresso Nacional, destinada a promover o aprimoramento da legislação sobre
determinado setor da sociedade4. Mas a definição formal não auxilia a compreender sua aplicação
prática e sua diferença com o conceito de bancada, que também é uma associação suprapartidária
de parlamentares que atuam em determinado tema.
Na prática uma Frente Parlamentar é uma lista de assinaturas de pelo menos 171 deputados.
Esses deputados autografam voluntariamente o pedido de criação de determinada FP; isso, porém,
não significa que os parlamentares subscritores efetivamente atuem naquela temática, ou mesmo
que apoie as demandas centrais daquele grupo. Como aponta Antônio Augusto Queiroz, diretor do
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, a exigência regimental de número mínimo
de assinaturas para as Frentes acaba “tornando comum um companheirismo na linha do ‘assina a
minha, que eu assino a sua’” (Medeiros e Fonseca, 2016). Já a bancada é um grupo de
parlamentares que realmente atua em prol de determinada pauta. Assim, a identificação de uma
bancada é mais difícil, porque demanda verificar se um político milita de fato numa agenda ou
pertence realmente a um setor.
A diferença entre Frente e bancada é bem ilustrada pelo caso evangélico. Segundo o portal
eletrônico da Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar Evangélica tem, na 55ª Legislatura, 198
deputados signatários. Dentre eles encontramos, por exemplo, o deputado Valmir Assunção
(PT/BA) e o deputado Paulo Teixeira (PT/SP), que não são evangélicos e que têm discursos
registrados em Plenário defendendo a pauta LGBT, o que contraria um dos cernes da atuação da
bancada evangélica. A bancada evangélica tem um tamanho bem menor: 74 membros (Diap, 2014)
– ou seja, foram identificados 74 indivíduos que professam a fé protestante tradicional ou
pentecostal na Câmara dos Deputados.

4
Ato da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados de nº 69, publicado em 10/11/2005.
22

Mesmo assim as listas de apoio das Frentes têm significado. Ainda que não a totalidade de
seus membros, parte expressiva deles certamente endossa o que é o núcleo da agenda política de
uma frente. Os números partidários demostram isso. O PSOL é o partido que menos tem afinidade
com a Frente da Segurança Pública, que defende de regra uma agenda punitivista. O PC do B e o
PSOL são os que têm proporcionalmente menos membros da Frente da Agropecuária, que defende
a pauta do agronegócio. PSOL e PT são os que mais apoiam a Frente de Apoio aos Povos Indígenas,
e assim por diante. Durante a tese tomaremos por vezes a Frente Evangélica (lista de parlamentares
que subscrevem o coletivo) e por vezes a bancada evangélica (lista de fieis protestantes, conforme
lista do DIAP) como critério de análise, sempre de maneira especificada. Analisaremos ainda a
denominação religiosa de cada indivíduo.

As fontes principais desta tese, além da composição das Frentes e das bancadas, serão
discursos e proposições legislativas. Proposição é toda matéria sujeita à deliberação da Câmara,
seja ela uma proposição principal (v.g. um projeto de lei, uma proposta de emenda à constituição),
seja ela uma proposição acessória, como um requerimento ou um parecer. Considerando que cada
grande tema (gênero, justiça criminal, política externa e neoliberalismo) é tratado por uma literatura
diferente e tem uma relevância específica no conceito de neoconservadorismo, os procedimentos
de seleção dos dados e de sua análise irão variar conforme o capítulo.
O Capítulo I apresentará o conceito do neoconservadorismo e sua história. É um capítulo
de revisão bibliográfica, assim como o Capítulo V, a respeito da relação entre pentecostais e política
no Brasil. Nos Capítulos II, III e IV trataremos, item a item, dos temas que integrariam uma ação
de feição neoconservadora no Brasil. Eles se baseiam em pesquisa empírica, cujos critérios
explicaremos brevemente e seguida e mais detidamente no corpo da tese.
O Capítulo II, sobre a agenda conservadora relacionada à moral sexual, se baseou em um
banco de dados formado por proposições e discursos em plenário que se referem a essas
proposições. Embora o objetivo desta tese resida em investigar se existe, contemporaneamente, na
55ª Legislatura (iniciada em 2015), uma ação neoconservadora, as fontes do Capítulo II são
relativas aos anos de 2003 a 2015.
Esse capítulo é o que tem o marco temporal de análise mais extenso, porque, como veremos,
o neoconservadorismo nos EUA surge em reação ao movimento feminista e LGBT; portanto, para
identificar se existe um crescimento na militância legislativa contra essas agendas e se há uma
23

dinâmica de reação no Brasil, é necessária uma análise ao longo das últimas legislaturas. O marco
inicial, 2003, foi o escolhido porque, dentre outros motivos, esse é o ano de criação formal da
Frente Parlamentar Evangélica. O marco final, 2015, ocorre simplesmente pelo período de
elaboração desta tese.
Esse levantamento possibilitou identificar, além da dinâmica de reação, quais são os
deputados protagonistas da ação pró-família, assim como seu perfil – denominação religiosa,
partido e pertencimento a bancadas. O Capítulo também se utiliza do estudo dos discursos e das
justificativas das proposições, buscando identificar os argumentos mobilizados para a defesa dessas
pautas.
No mesmo capítulo a tese dialoga com publicações anteriores sobre a ação da bancada
evangélica em relação à questão LGBT e ao aborto (Gomes, Natividade e Menezes, 2009;
Machado, 2012a; b; Vital e Lopes, 2013). Porém, diferente desses trabalhos, esta pesquisa não
parte do grupo de parlamentes evangélicos, e sim das iniciativas e proposições pró-família para
depois se identificar o perfil sociológico de seus protagonistas – que, de fato, são
predominantemente pentecostais.
É importante salientar ainda que, enquanto a literatura especializada enfoca a atuação da
bancada evangélica em respeito à moral sexual (v.g Vital e Lopes, 2013), esta tese trata da ação
articulada, centrada na bancada evangélica – mas com a aderência de outros parlamentares –, não
apenas na defesa da família tradicional, mas em outros âmbitos políticos e socioeconômicos, que
traduzem, afinal, uma agenda neoconservadora.
O Capítulo III, sobre a face bélica do que seria o neoconservadorismo no Brasil, valeu-se
de dois conjuntos de informações. O primeiro deles foi o estudo de temas da agenda legislativa
contemporânea. Foram selecionadas dez pautas emblemáticas debatidas na 55ª Legislatura que
refletissem, na Câmara dos Deputados, a agenda criminal neoconservadora, a partir de critérios
apresentados pela literatura (Argüello, 2005; Dornelles, 2008). Será verificado se são atuantes
nessas pautas os integrantes da bancada evangélica (considerando a centralidade da direita cristã
para o neoconservadorismo) e também os protagonistas da ação sobre a moral sexual, vista no
capítulo anterior. Serão analisados ainda os argumentos utilizados por esses sujeitos para a defesa
da agenda punitivista.
O segundo conjunto de informações se refere à relação dos integrantes das bancadas e das
Frentes da segurança pública e evangélica na 55ª Legislatura. Investigar-se-á se existe uma atuação
24

cruzada dos respectivos membros nas pautas indicadas e em Comissões Especiais de interesse
prioritário para cara um dos grupos. O objetivo principal do capítulo é buscar se existe uma
articulação da defesa dos temas da moral sexual e do punitivismo, seja na militância concatenada
a respeito do tema, seja nas justificativas usadas como fundamento das pautas.
Para analisar a militância neoconservadora a respeito da política externa (Capítulo IV) e do
neoliberalismo (Capítulo V), foi selecionado um grupo de deputados a partir dos protagonistas
encontrados nos Capítulos II e III. Separaram-se os deputados que tiveram uma atuação
especialmente ativa na questão da moral sexual e que também atuaram pelo rigor penal. Os
supostos neoconservadores não se resumiriam a esse grupo. O objetivo da seleção é ter um conjunto
de parlamentares particularmente militante no que seria uma agenda neoconservadora, para testar
se eles aderem a outras pautas desse ideário.
O Capítulo IV se vale das opiniões desses parlamentares expressas no legislativo ou em
outros meios de comunicação5 a respeito do que seria a agenda externa do neoconservadorismo.
Em primeiro lugar, a respeito dos inimigos a serem combatidos na arena internacional. Nos Estados
Unidos, a militância neoconservadora, fundada no contexto da Guerra Fria, tinha como cerne a luta
contra a União Soviética. Contemporaneamente no Brasil o combate ao que seria o comunismo se
expressaria na ação contra o “socialismo do século XXI” – expressão de Hugo Chávez que sintetiza
políticas adotadas por países vizinhos no sentido da inclusão e da soberania nacional, chamadas de
bolivarianas por seus críticos brasileiros. Verificar-se-á se os deputados que integram a seleção dos
militantes mais ativos pró-família e pró-punitivismo se manifestam contra o bolivarianismo. Serão
discutidos os argumentos usados a partir da localização do Brasil como um Estado periférico
(Guimarães, 2003; Lima, 2005).
Os aliados preferenciais do neoconservadorismo norte-americano nas relações exteriores
era Israel, por razões estratégicas, ideológicas e bíblicas. Investigar-se-á se isso se repete no Brasil,
a partir das opiniões expressas dos parlamentares selecionados. Será feito ainda um diálogo com a
literatura que já trata da articulação entre a bancada evangélica e a pauta sionista (Gonçalves, 2017).

O Capítulo V aborda a atuação parlamentar na defesa do neoliberalismo na 55ª Legislatura.


Além de ser este o recorte temporal desta tese, há uma razão adicional para a pesquisa sobre a

5
A escolha de pronunciamentos ocorre porque as agendas de política externa investigadas no Capítulo IV são
fragilmente expressas em proposições legislativas.
25

disputa sobre política econômica nesse período. É que os governos petistas não encamparam
agendas legislativas nem tão neoliberais nem tão desenvolvimentistas (Singer, 2012). Diferente
disso, Michel Temer, desde o início do exercício da Presidência em 2016, defendeu agendas de
política econômica sobre as quais pesam acentuada polaridade ideológica. Selecionaram-se, assim,
para estudo, projetos que refletem a disputa de opinião a respeito de princípios do Consenso de
Washington: mudança no regime de exploração do pré-sal, Novo Regime Fiscal e reforma
trabalhista. As respectivas votações nominais em Plenário, ocorridas entre 2016 e 2017, foram
analisadas, buscando, novamente, identificar a posição dos parlamentares evangélicos e daqueles
que seriam os protagonistas da ação neoconservadora, conforme o grupo selecionado para estudo.
A militância contra a intervenção do Estado no domínio econômico é tratada longamente
por autores que estudam posições político-ideológicas no Legislativo, identificando essas posturas
como posturas de direita ou conservadoras. Mainwaring, Power e Meneguello (2000), por exemplo,
têm estudo sobre os partidos conservadores do Brasil, com ênfase no pós-1985. Uma das teses do
livro é a respeito das características desses partidos: neoliberais na economia, conservadores
“quanto a questões como a segurança pública, o aborto e a moral familiar”. Essa tríade (moralismo
comportamental, rigor penal e neoliberalismo) é também o cerne do neoconservadorismo de
origem estadunidense.
É evidente que a militância contra liberdades comportamentais, a militância autoritária, a
militância anticomunista e a militância neoliberal não surgem no Brasil no século XXI e não devem
ser consideradas simples importações dos Estados Unidos. A peculiaridade desse
neoconservadorismo que passaria a se manifestar mais recentemente na Câmara dos Deputados
residiria em dois aspectos centrais. O primeiro deles seria o amálgama entre os temas, tendo como
eixo de gravidade a atuação da direita cristã e informados pela defesa de que a família – e não o
Estado – é a resposta para toda ordem de disfunções sociais. O segundo aspecto seria uma dinâmica
própria de reação. Quando os movimentos feministas e LGBT ganharam espaço na sociedade e
chegaram a ter algumas demandas institucionalizadas, a reação a essas pautas, justificada na defesa
da família tradicional, passaria ser o eixo dessa ação política neoconservadora, cada vez mais
radicalizada. A presença ou não desses elementos será investigada ao longo da tese.
O Capítulo VI, finalmente, trará considerações a respeito da Assembleia de Deus – igreja a
que Eduardo Cunha se filiou à época em que passou a presidir a Câmara –, denominação cujos
membros constituem a maioria dos protagonistas da ação neoconservadora, como veremos.
26

Conforme a literatura aponta, a igreja é a principal denominação protestante presente no Legislativo


brasileiro, desde a redemocratização. O histórico da Igreja e os possíveis canais de comunicação
ideológica e seus vínculos com os Estados Unidos serão abordados no Capítulo, a partir da revisão
da bibliografia que trata do assunto.
27

1. NEOCONSERVADORISMO NOS ESTADOS UNIDOS: HISTÓRICO E CONCEITO

1.1. Sentidos da expressão “neoconservadorismo”

Neoconservadorismo designa um movimento e também o “modo de pensamento” ou o


“conjunto de preferências” que resulta desse movimento (Brown, 2006:696; Diamond, 1995:178-
80; High, 2009:475). O neoconservadorismo é nos Estados Unidos “uma força hegemônica no
discurso público” (Thompson, 2007:77), “a filosofia política mais influente da última geração”
(Linker et al., 2011:68), o movimento político mais profícuo da direita estadunidense (High,
2009:475). Movimento neoconservador foi a expressão que serviu para designar tanto um
movimento intelectual quanto um movimento político (High, 2009:475). O movimento intelectual
precede o movimento político. O primeiro se refere à produção de acadêmicos defensores do
liberalismo econômico e anticomunistas, a partir dos anos 1950. O segundo se refere à coalizão
neoconservadora que possibilitou a eleição de Ronald Reagan para presidente dos EUA em 1980.
O avanço do neoconservadorismo como movimento intelectual é tributário, sobretudo, da
obra de Leo Strauss e de seu discípulo Irving Kristol, e de outros intelectuais formados na City
College of New York – além de Kristol, também Daniel Bell, Nathan Glazer, Irving Howe, Seymor
Martin Lipset, Harry Jaffa, Joseph Cropsey, Allan Bloom, Harvey Mansfield e Willmoore Kendall.
Esse grupo ficou conhecido como “os intelectuais de Nova Iorque”. Apesar da predominância
judia, havia também católicos entre os intelectuais neoconservadores. Eles ocuparam posições
importantes nas administrações de Reagan e Bush pai, e postos relevantes no Partido Republicano
(Diamond, 1995:181; Drury, 1999:XI, 13 e 178; Gago, 2013a:2; High, 2009:476-83; Linker et al.,
2011:47; Mueller, 1981:10).
A intelectualidade neoconservadora se organizou a partir do começo da Guerra Fria para
construir um movimento baseado no libertarismo econômico, no tradicionalismo moral e no
anticomunismo. Até os anos 1970 os neoconservadores se consideravam liberais, no sentido de
oposição à intervenção do Estado na economia. O que unificava os neoconservadores então era
uma crítica à visão de que o poder público teria um papel de destaque em enfrentar as desigualdades
sociais, vistas como necessárias ao bem comum (Diamond, 1995:178, 85, 89 e 307; High,
2009:478-80; Mueller, 1981:478-80; Steinfels, 2013 [1979]:55 e 81).
28

Conforme o liberalismo foi mudando a partir da década de 1960 para incluir demandas da
“nova esquerda”, os intelectuais neoconservadores foram movendo-se para uma posição mais
conservadora ou mais à direita. Eles se opõem então a um “liberalismo alterado”, que desafiou o
status quo em apoio ao Great Society – os programas do presidente democrata Lyndon Johnson
pela eliminação da pobreza e a desigualdade racial, fundado nas reivindicações dos movimentos
pelos direitos civis, contra guerra do Vietnã, pela libertação da mulher e por cotas e ações
afirmativas. A ascensão estudantil, Black Power e feminista criou a preocupação com o fato de que
as exigências por maior igualdade poderiam sair do controle. O neoconservadorismo se revelou,
então, propriamente conservador por apostar na visão de ameaça e não de oportunidade, cultivando
pessimismo sobre a democracia e a mudança social (Diamond, 1995:180; Mueller, 1981:10-11;
Noble, 2007:112; Steinfels, 2013 [1979]:55, 59, 81, 211).
Nesse contexto os intelectuais neoconservadores, de início ligados à direita do Partido
Democrata, abandonaram-no e aliaram-se à direita secular do Partido Republicano e à direita cristã.
A oposição àqueles movimentos reivindicatórios fomentou, portanto, a aliança neoconservadora –
também chamada de nova direita6 –, que se consolidou no processo de eleição de Ronald Reagan
para a presidência do Estados Unidos, em 1981, e que deu ao Partido Republicano o controle do
Senado dos Estados Unidos pela primeira vez desde 1952. Trata-se do neoconservadorismo como
movimento político.
A aproximação teria acontecido pelas pautas comuns: a agenda interna de valores morais
tradicionais – prioridade da nova direita secular e da direita cristã –, a luta contra o comunismo,
Israel e política externa – prioridade dos intelectuais neoconservadores 7 – e defesa da não
intervenção do Estado na economia – agenda comum a todos os integrantes da aliança. Irving
Kristol é um ícone do pensamento que representa a coalizão. Para ele o tradicionalismo moral seria

6
Nesta tese “nova direita” e a “coalizão neoconservadora” serão tomadas como expressões equivalentes, como
fazem Himmelstein (1983:13-14); Petchesky (1981:206); Pierucci (1987:42-3). Em outra acepção, a “nova direita” é
a denominação dada à classe política da direita secular que integrou a aliança – ou seja, é o nome de um componente
da aliança e não o nome da aliança em si. É o que defende Sara Diamond (1995:165, 78-81, 91, 95, 202), para quem
foram basicamente três grupos políticos que se associaram: os intelectuais neoconservadores, a “nova direita”
(elemento da direita secular integrante do Partido Republicano) e a direita cristã. Trata-se, porém, apenas de
nomenclaturas diferentes para a mesma realidade.
7
Steinfels (2013:pos.211, 237) pondera que alguns intelectuais neoconservadores foram francamente hostis à
aproximação à direita religiosa evangélica em questões de aborto ou a interferência do Estado na vida familiar, mas
só raramente faziam essas divergências saírem em campo aberto. Um divergente digno de nota é Friedrich Von
Hayek, que nunca se identificou como conservador ou neoconservador.
29

tão importante quanto as questões econômicas e de política externa (Diamond, 1995:207 e 74;
Mueller, 1981:10-12).
Neoconservadorismo, nesta tese, não se refere ao movimento intelectual. Refere-se, sim, ao
movimento político – à coalizão neoconservadora – e ao ideário resultante dessa aliança. Neste
capítulo abordaremos o histórico do neoconservadorismo e seus elementos, que servirão como eixo
analítico da presente pesquisa. Antes, porém, são necessárias algumas delimitações conceituais.

1.2. Delimitação conceitual: neoconservadorismo, conservadorismo e direitismo

Neoconservadorismo traz, em seu nome, a informação de que se trata de um movimento ou


ideário conservador. Ele é chamado também, como vimos, de nova direita, de modo que pertencer
à direita política seria um pressuposto. Vejamos, então, em qual sentido o neoconservadorismo
seria conservador, e em qual sentido seria de direita.

1.2.1. Definição de conservadorismo por Samuel Huntington

O neoconservadorismo pode ser entendido como conservador dentro do conceito proposto


por Samuel Huntington. Em ensaio publicado em 1957, ele organiza as diferentes concepções sobre
essa forma de pensamento político. De acordo com Huntington, são três teorias sobre o
conservadorismo: a aristocrática, a autônoma e a situacional. A definição aristocrática relaciona o
conservadorismo a uma classe social particular (a aristocrática) em um contexto histórico
específico de consolidação da burguesia. A teoria autônoma aceita que o conservadorismo se
apresente em qualquer fase da História, desde que tenha determinadas características – defesa da
religião, das tradições e da propriedade, por exemplo. A definição situacional argumenta que o
conservadorismo existe em contextos específicos, de enfrentamento entre uma posição que quer
mudanças fundamentais e outras que quer conservar as instituições vigentes.
O elaborador da teoria aristocrática é Karl Mannheim (1953:96-101). Para ele, o
conservadorismo moderno ou político ou propriamente dito se diferencia do mero tradicionalismo,
tendência psicológica de cada indivíduo de resistir a mudanças. O conservadorismo moderno surge
em uma circunstância histórica específica, em um conflito de classes específico, e implica em uma
“forma particular de experiência e pensamento”: é a reação do feudalismo, do antigo regime, da
30

nobreza, ao capitalismo, à democracia, ao liberalismo e ao individualismo. Por essa corrente, seria


inviável existir conservadorismo nos Estados Unidos, por exemplo, que não têm tradição feudal.
Para a teoria autônoma o conservadorismo não está necessariamente relacionado ao
interesse de alguma classe ou grupo ou a alguma circunstância histórica específica. O
conservadorismo, nessa perspectiva, é um sistema autónomo de ideias ou de princípios
(Huntington, 1957:455). O autor expoente da teoria é Russell Kirk. A essência do conservadorismo
é, para Kirk (2001 [1953]:190, 237, 45-61), a preservação das antigas tradições morais da
humanidade. Ele identifica seis cânones do pensamento conservador que são, em síntese: a) crença
de que a vontade divina regula a sociedade e a consciência; b) afeição pela vida tradicional; c)
convicção “de que a sociedade civilizada exige ordens e classes, d) convicção de que a propriedade
e a liberdade são necessariamente ligadas, e que o nivelamento econômico não é progresso
econômico; e) convicção de que tradição e preconceito bem fundamentado fornecem os controles
sobre o impulso anárquico do homem; f) reconhecimento de que a sociedade deve alterar-se de
modo lento e de que a Providência é o instrumento adequado para a mudança.
A definição situacional de conservadorismo, por sua vez, afirma que a ideologia
conservadora se desenvolve em uma situação histórica na qual um desafio importante aparece
contra as instituições estabelecidas. “Assim, o conservadorismo é aquele sistema de ideias
empregadas para justificar qualquer ordem social estabelecida, não importa onde ou quando, contra
qualquer desafio fundamental para a sua natureza ou ser”. Isso não significa que o conservadorismo
se oponha a qualquer mudança. Mudanças secundárias são aceitas, vistas até mesmo como
necessárias para prevervar os elemetos fundamentais de uma sociedade (Huntington, 1957:455).
Todas as perspectivas do conservadorismo têm em Burke seu arquétipo (Huntington,
1957:456). Para Mannheim (1953:153), Burke foi “o primeiro autor influente que atacou a
Revolução Francesa”; foi o autor que “iniciou o conservadorismo antirrevolucionário moderno”, e
“todos aqueles que depois criticaram a Revolução Francesa em uma perspectiva conservadora
foram de alguma forma influenciados por ele”. Para Kirk (2001 [1953]: 164, 220), Edmund Burke
é “o maior dos pensadores conservadores modernos”, “a verdadeira escola do princípio
conservador”, “o fundador do conservadorismo”.
A questão, para Huntington (1957:461 e 463), é identificar se Burke é representante da
ordem aristocrática, de valores universais ou defensor de instituições de um contexto específico.
Para o autor, a teoria aristocrática falha em explicar Burke porque: (a) a sociedade inglesa
31

defendida por Burke não era nem primariamente feudal nem exclusivamente aristocratica; (b)
Burke estava preocupado com a consruação de outras sociedades, como a indiana e a americana;
(c) Burke era um liberal, um Whig, e um comerciante. Para Huntington a teoria autônoma também
falha em entender Burke porque: (a) todas as falas e escritos de Burke eram direcionados a
problemas e necessidades imediatos; (b) ele rejeitava que fossem desejáveis ou necessários
principios universalmene aplicáveis e (c) os principais elementos de seu pensamento político foram
direcionados para justificar instituições estabelecidas. Para Hungtinton, afinal, Burke defendia as
instituições de um contexto preciso. Seria, portanto, um conservador na definição situacional.
A teoria situacional é a defendida por Huntington e a que será adotada nesta tese. De acordo
com essa perspectiva, o conservadorismo é posicional e se desenvolve conforme necessidades
histórias precisas. A ideologia conservadora é produto de intenso conflito ideológico e social. Ela
só surge quando forças sociais que desafiam a ordem estabelecida se tornam relevantes o suficiente
para apresentar perigo claro e presente às instituições. O conservadorismo, assim, é a resistência
que existe em um contexto especifico, articulada, sistemática e teoricamente elaborada à mudança
(Huntington, 1957:457-8, 61).

1.2.2. O neoconservadorismo e a definição situacional de conservadorismo

Para Huntington o neoconservadorismo não seria conservador, de acordo com sua teoria
situacional. Mas os argumentos do autor para excluir o neoconservadorismo da definição
situacional não procedem. Vejamos.
Huntington, que escreveu em 1957 nos Estados Unidos, afirma que faltavam aos
neoconservadores de então características próprias de um movimento conservador. Os
neoconservadores, para ele, careciam de certeza sobre quais princípios eles pretendiam defender:
alguns pregavam livre mercado, outros eram aristocratas. Ele diz também que os neoconservadores
eram muito vagos quanto às ameaças que pretendiam combater – alguns enfrentavam o liberalismo,
outros o modernismo, outros o racionalismo ou o irracionalismo (Huntington, 1957:471-72).
Sobre isso, é preciso anotar que Huntington escreve ainda durante o movimento intelectual
neoconservador, na fase inicial da produção dos intelectuais neoconservadores, antes de
consolidada a coalizão neoconservadora. Por isso não se confirmou na História o argumento de
32

que o neoconservadorismo não sabe quais princípios defender. Se isso não era claro em 1957, se
tornou claro quando a coalizão neoconservadora foi firmada, a partir dos anos 1980.
Além disso, para Huntington (1957:472), os neoconservadores falhariam em descobrir uma
tradição conservadora nos Estados Unidos. Para o autor, o conservadorismo seria necessário para
defender a tradição liberal dos EUA contra o desafio do comunismo8. O argumento de Shadia
Drury (1999:138-9, 152) vai no mesmo sentido. Para ela, o neoconservadorismo é radical e
reacionário, contrário à tradição liberal dos Estados Unidos9. O radicalismo seria expresso, por
exemplo, nas pautas contra o “outro”, contra minorias sexuais, e na defesa enfática dos
neoconservadores da Guerra do Vietnam, e por uma postura muito enfática contra a União
Soviética e em relação ao conflito entre árabes e israelenses.
Ocorre que definir o que é o verdadeiro e o falso conservadorismo depende de um consenso
sobre quais as reais instituições e valores de uma comunidade política. A própria Drury (1999:177),
no fim de seu livro, assume que os Estados Unidos são no fundo mais puritanos do que liberais.
Essa consideração da autora – que contradiz sua afirmação de que a tradição estadunidense seria a
liberal – confirma que não é simples afirmar que o neoconservadorismo não é um movimento
conservador, pois ela mesma tergiversa sobre sua opinião acerca do que seria a verdadeira tradição
do país – se liberal ou puritana.
O neoconservadorismo é, sim, conservador, nos moldes definidos por Huntington em sua
teoria situacional. Veremos ao longo deste capítulo que o neoconservadorismo procura preservar a
ordem social em um contexto específico de ameaça. Essas ameaças seriam provenientes das
políticas de bem-estar social, que reduziam a desigualdade, e também dos movimentos LGBT e
feminista, cujas pautas passam a ser recebidas pelo poder público. Isso posto, agora verifiquemos
por que o neoconservadorismo pertence à direita política.

8
Não há qualquer dicotomia entre conservadorismo e liberalismo para Huntington. Essa oposição existe somente
para a teoria aristocrática, que coloca o conservadorismo como a teoria oposta às mudanças ocorridas na história
ocidental entre os séculos XVII e XVIII. Para Huntington o conservadorismo pode ser, inclusive, necessário para a
defesa do próprio liberalismo. O conservadorismo é, para o autor, oposto ao radicalismo – desejo de mudança
profunda, não importa qual posição política substantiva defenda (Huntington, 1957:460, 472).
9
Em outro momento do livro, Shadia Drury (1999:XIII, 138-9) adota a teoria aristocrática. Conservadorismo seria
então a defesa de ideais de hierarquia, unidade, ordem e reciprocidade realizados mais proximamente durante a Idade
Média. Com o sucesso da Revolução Francesa e do liberalismo, a direita, derrotada, teria virado radical: não quereria
mais resistir à mudança, mas sim estava ansiosa para reverter a revolução liberal. Nesse sentido de fato o
neoconservadorismo não seria conservador, porque não procuraria defender hierarquias medievais.
33

1.2.3. Neoconservadorismo, direita política e peculiaridade noeconservadora

“Direita e esquerda” é uma linguagem posicional utilizada pela ciência política para se
referir a grupos de posturas ideológicas. O uso dos termos deriva da Assembleia Constituinte que
se seguiu à Revolução Francesa: “(...) como em todas as reuniões humanas, o semelhante começa
a adaptar-se por si próprio ao semelhante (...). Há um lado direito, um lado esquerdo; (..) o Côté
Droit, conservador, o Côté Gauche, destruidor (...)” (Carlyle, 1962 [1871]:192). A direita era então
identificada “com posições aristocráticas, tradicionalistas e monárquicas; a esquerda com
alinhamentos democráticos, racionalistas e, pelo menos potencialmente, republicanos” (Fernandes,
1995:108).
Ao longo do século XIX, com a difusão do marxismo e do movimento operário, a posição
de esquerda passou a incorporar a defesa dos interesses da classe proletária. A socialdemocracia e,
em 1917, a Revolução Russa fizeram com que a burguesia e a defesa do capitalismo se deslocassem
para a direita. O keynesianismo, a partir da década de 1930, enfatiza a oposição entre intervenção
do Estado, à esquerda, e liberdade do mercado, à direita (Tarouco e Madeira, 2009:3; 2013:151).
Alguns autores, assim, tratam direita e conservadorismo como sinônimos, já que os anseios
de mudança, em geral, estão relacionados a posições de esquerda. Mas outros autores, como Benoit
e Benoit e Laver (2006:2, 13 e 14, 103, 28, 30, 32, 41, 42, 52), consideram que direita e
conservadorismo não se confundem: direita se referiria a questões econômicas e conservadorismo
a temas morais e culturais.
Esta tese não se valerá da diferenciação proposta por Benoit e Laver; tampouco tomará os
termos como sinônimos, embora sejam conceitos próximos. Conservadorismo se refere, neste
trabalho, à ideologia produto de uma situação de conflito entre manutenção e alteração do status
quo – conforme a definição de Huntington. Direita, por sua vez, refere-se a um conjunto de posições
substantivas mais ou menos opostas à busca crescente por igualdade.
É o critértio apresentado por Norberto Bobbio (1995:95, 96, 99, 110), para quem o que
melhor caracteriza as doutrinas e os movimentos de esquerda é o igualitarismo, desde que
entendido não como uma sociedade em que todos são iguais em tudo, mas como tendência a exaltar
mais o que faz os homens iguais do que o que os faz desiguais, e de outro, a favorecer as políticas
que objetivam tornais mais iguais os desiguais. O conceito de igualdade, para ele, é relativo – e não
absoluto. Relativo aos sujeitos entre os quais se trata de repartir os bens e os ônus; aos bens e ônus
34

a serem repartidos; e ao critério com base no qual os repartir. Varia, ainda, de acordo com as
reivindicações por inclusão que são elaboradas em cada momento histórico.
O neoconservadorismo é um movimento de direita em se considerar os critérios
substantivos que derivam dessa premissa geral, apresentados por diversos autores, sobre o contexto
da política nos países europeus, da América e mesmo do Brasil. O neoconservadorismo privilegia
a atuação estatal no sentido do saneamento das finanças e não na necessidade de investimentos
sociais (Benoit e Laver, 2006; Castañeda, 1993; Fernandes, 1995; Kaysel, 2015; Power, 2008;
Tarouco e Madeira, 2013; Zucco Jr., 2011); o neoconservadorismo requer a atuação do Estado
como repressor, o que tende a penalizar mais os pobres (Power, Meneguello e Mainwaring, 2000;
Singer, 2000); é contrário à legalização do aborto e à igualdade de direitos para as pessoas LGBT
(Power, Meneguello e Mainwaring, 2000); aderiu a regimes militares (Madeira e Tarouco, 2010;
Power, Meneguello e Mainwaring, 2000). O neoconservadorismo ainda privilegia a segurança
nacional e não os direitos humanos, o que se coaduna com um critério de direita para os países de
periferia (Castañeda, 1993; Tarouco e Madeira, 2013).
Assim, temos que o neoconservadorismo é conservador, porque reage a um contexto de
forte conflito político e social ao que é considerado ameaça às instituições vigentes, e é também de
direita. Mas esses não são, como enfatizou-se, conceitos absolutos. Há conservadorismos e
direitismos, conforme o contexto social e histórico. O que o diferencia, então, o
neoconservadorismo de outros movimentos que também estão nessas posições do espectro
político?
Sara Diamond (1995:165) assume a visão de Rosalind Petchesky (1981:207) segundo a
qual o que há de novo na nova direita estadunidense é o “foco nas questões sexuais e reprodutivas”.
As questões sexuais, reprodutivas e sobre a família são, segundo as autoras, o cerne do programa
político da coalizão neoconservadora, e o que a diferencia. Mais precisamente, teria sido a oposição
a uma proposta legislativa que tratava de igualdade de direitos entre homens e mulheres (a ERA –
abordaremos o tema adiante) que teria identificado a nova direita a partir de uma ideologia própria.
Para Pierucci (1989:115-16), no mesmo sentido, a direita se tornou uma “nova direita”
“justamente por injetar no conservadorismo sócio-econômico revigorada ênfase nas teses
conservadoras/restauracionistas em matéria sexual”. Para ele, sexo e família entrelaçam-se,
complementando seu conservadorismo econômico e seu anticomunismo. O inimigo principal da
35

nova direita cristã seria, para o autor, o feminismo. Além disso, como veremos, outra peculiaridade
do ideário neoconservador é que seu eixo de gravidade reside em valores religiosos cristãos.
O neoconservadorismo, portanto, é um ideário conservador e de direita, e sua peculiaridade
reside na centralidade que atribui às questões relativas à família, à sexualidade e à reprodução e
aos valores cristãos. O movimento político neoconservador se materializou em uma coalizão.
Trataremos, a partir de agora, dos principais elementos que constituem essa aliança.

1.3. Elementos do neoconservadorismo

O movimento neoconservador é uma coalizão de atores e de valores políticos. Vejamos


algumas abordagens a respeito dos elementos dessa aliança.
Para David Harvey (2005:49-50, 82-84), essa coalizão particular foi construída na década
de 1970 entre representantes do grande capital interessados em restabelecer seu poder de classe, de
um lado, e de outro a “maioria moral” de parte conservadora da classe trabalhadora. Essa coalizão
possibilitou, de acordo com ele, a consolidação de um ideário com valores “centrados no
nacionalismo cultural, na retidão moral, no cristianismo (de um certo tipo evangélico)”, e também
na defesa da família e da vida em uma “concepção direitista”, em choque com os movimentos
sociais como o feminismo, pelos direitos dos homossexuais, por ação afirmativa e ambientalista.
Também para Pippa Norris a “revolução conservadora", ou neoconservadora, foi “sempre
uma ampla coalizão”:

Sob Ronald Reagan, a coalizão consistiu de intelectuais neoconservadores organizados


em grupos de reflexão (think tanks), fundações e institutos de política articulando crenças
iconoclastas radicais de governo mínimo e mercado. A eles se uniram os republicanos
ortodoxos, o ‘country-club GOP 10 ’, enfatizando padrão tradicional cabeça-dura sobre
patriotismo e crime. Finalmente, havia os soldados de infantaria, a direita cristã com apelo
populista sobre a restauração dos ‘valores da família tradicional’ sobre o aborto e os
direitos dos homossexuais. Essa coalizão difícil e heterogênea – intelectuais
neoconservadores, partidos ortodoxos e a direita moral populista – foi cimentada pela
política de ressentimento sob a liderança de Reagan. (Norris, 1996:165-66).

Wendy Brown (2006:696), no mesmo sentido, sustenta que o neoconservadorismo é uma


“aliança profana” resultante da convergência de interesses entre cristãos evangélicos, judeus
straussianos, promotores da Guerra Fria, defensores da família tradicional, intelectuais e “liberais

10
Grand Old Party, apelido do Partido Republicano.
36

convertidos” como Irving Kristol. De forma semelhante, Brandon High (2009:475, 83) chama de
“trilogia profana” a “coalizão republicana” das três correntes políticas de sustentação de Bush Jr.:
o cristianismo evangélico de direita, grandes empresas e intelectuais neoconservadores. Para
Grandin (2006:22-23, 166-67) a “coalizão tripartite” entre idealismo punitivo, absolutismo do livre
mercado e mobilização da direita cristã deu a Reagan mandato para perseguir interesses
anticomunistas, para restabelecer a moral tradicional e para acabar em grande parte com o Estado
de bem-estar.
A partir dessas leituras a respeito da coalizão neocon, trataremos, a parir de agora, de
elementos que constituem a articulação e o pensamento neoconservador. Em primeiro lugar
abordaremos o ator mais relevante dessa coalizão: a direita cristã. Na sequência abordaremos os
principais temas dessa coalizão: a defesa da família patriarcal, o sionismo, o militarismo
anticomunista, o idealismo punitivo e o neoliberalismo.

1.3.1. Direita cristã

A direita cristã é um grupo cervical da coalizão neoconservadora nos Estados Unidos. É


formada por evangélicos 11 com vínculos com a renovação carismática católica (Diamond,
1995:161-2, 164, 166). Neste item veremos um breve histórico da participação política dos
evangélicos nos Estados Unidos, que se deu, em grande parte, como reação ao avanço feminista e
dos direitos dos homossexuais naquele país. Na sequência será abordada a relação entre a direita
cristã e o reaganismo na América Latina.

1.3.1.1. Breve histórico da atuação política da direita cristã nos EUA

O engajamento político dos evangélicos nos Estados Unidos ocorreu a partir de meados da
década de 1950. Além da militância pelos valores religiosos, eles já engrossavam, naquele contexto
do começo da Guerra Fria, o “consenso nacional anticomunista”. Fizeram-no por meio da
disseminação de opiniões pró-capitalismo a seus fiéis. Por exemplo: Percy L. Greaves, colunista
de primeira página da Christian Economics – uma das publicações evangélicas mais importantes

11
Nos Estados Unidos utiliza-se a distinção entre protestantes liberais e evangélicos (Hunter, 1983, pos 658), ou
entre protestantes tradicionais e pentecostais/neopentecostais.
37

da década de 1950 –, tinha como argumento “típico” o de que o desejo de muitos pela redistribuição
de riqueza não passava “de cobiça anticristã e de ignorância econômica” (Diamond, 1995: 96-99 e
105).
Mas foi a partir dos anos 1970 que a direita cristã, antes uma coleção pouco articulada de
TVs evangélicas, clérigos e eleitorados esparsos, passou a adquirir estrutura organizacional e poder
de massa (Guth, 1983:31-2). A participação dos evangélicos em um projeto político conservador
estruturado decorreu de duas causas. A primeira, o avanço de pautas feministas e das demandas
dos homossexuais (trataremos do assunto no item 1.4.4.2). O segundo fator foi o estímulo da nova
direita secular para que a nova direita cristã, ao lado de outros setores, passasse a integrar o tecido
coalizão neoconservadora, selada em 1980 (Gago, 2013: 8; Diamond, 1995: 92, 161, 165, 255).
A nova direita secular – cujos líderes trabalhavam para se tornar a fração dominante do
Partido Republicano – já tinha como bandeiras essenciais o militarismo anticomunista, o
tradicionalismo moral e o libertarismo econômico. Esse grupo passou a alimentar a direita cristã
por conta do poder eleitoral dos evangélicos (que tinham muita capilaridade) e por conta de sua
propensão à luta contra o comunismo e contra a intervenção do Estado pelo bem-estar social, além
de seu engajamento por valores religiosos (Diamond, 1995: 92, 161-162, 173-176, 228, Harvey,
2005: 49-50, 82).
Em 1979 foram criadas duas organizações muito expressivas do poderio evangélico que
atraía outros setores da direita: a Voz Cristã e Maioria Moral. A primeira foi impulsionada por
Robert Grant e Richard Zone. Tratava-se de uma mescla de grupos “anti-gay”, contra a pornografia
e pró-família. Seus membros pertenciam a 37 denominações, mas a maior parte dos ativistas vinha
das igrejas Batista e Assembleias de Deus (Guth, 1983:37). A Maioria Moral, organização com
100 mil membros, foi fundada por Jerry Falwell (Diamond, 1995: 174-5). Chegou a ter mais de
300 estações de televisão e 280 de rádio, presente em 31 estados norte-americanos (Petchesky,
1981: 217). Essa organização tinha um “sabor muito sulista, ainda que grande parte de seus triunfos
tenha ocorrido fora do sul” (Guth, 1983: 32 e 34).
A participação dos evangélicos foi essencial à eleição de Reagan em 1980 e à conquista,
por parte do Partido Republicano, de maioria no Congresso. Esse é o momento em que, para Gago
(2013:7), a religião em estado puro aparece em cena, impulsionada pela filosofia de Leo Strauss.
O autor identifica que entre 1983 e 1988 o tema da religião civil – expressão ideológica da vertente
republicana do pensamento religioso nos EUA, segundo a qual as pessoas comuns “trabalham duro,
38

leem a Bíblia, vão à igreja, obedecem às ordens do governo, lutam em guerras, e morrem para o
Estado” (Linker et al., 2011:165) – passa a ser substituído por discussões sobre o nacionalismo
americano e a religião: “os valores republicanos saem de cena e em seu lugar aparece a Nação
Cristã.
A Nação Cristã comunica que os cristãos são maioria. Embora sejam – e porque são – uma
minoria, os evangélicos invocam como argumento central de sua ação política de que constituem
a maioria moral. Para Diamond (1995:166), trata-se da expressão de uma ideologia de direita, que
foi usada para legitimar suas pautas principais: a oposição a políticas que visavam a expandir ou a
distribuir poder a grupos subordinados, nomeadamente mulheres e homossexuais; e defesa dos
comportamentos tradicionais de gênero.
Foi usando esse argumento e no contexto da ascensão política neoconservadora na década
de 1980, imbuída da vinculação entre política e religião, que a direita cristã se tornou o grupo
político mais coerente, homogêneo e bem organizado nos EUA (Gago, 2013: 2, 8).

1.3.1.2. Ascensão da direita cristã como reação ao avanço feminista e


dos homossexuais

Como vimos, a reação aos avanços feministas e dos homossexuais foi, ao lado do estímulo
dado pela nova direita secular, um dos fatores decisivos para o engajamento dos evangélicos na
política. Segundo ideólogos da direita cristã, a “América” começou como uma nação fundada em
princípios bíblicos; porém, conforme foi se tornando mais pluralista, a cultura americana foi
desenvolvendo de maneiras distantes de Deus, com resultados visíveis como a legalização do
aborto e a permissividade sexual. Os religiosos precisavam, assim, de acordo com essa leitura,
reagir (Diamond, 1995:166 e 246, Gago, 2013:9).
O primeiro acontecimento político relevante nesse sentido foi, como já mencionado, a
oposição à ERA (sigla em inglês para Emenda de Direitos Iguais). Para Rosalind Petchesky
(1981:207), foi luta contra a ERA que identificou a nova direita a partir de uma ideologia própria.
Para Sara Diamond (1995:167), a batalha contra a ERA foi uma “benção” à coalizão nascente entre
a nova direita e a direita cristã.
A ERA foi aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em março de 1972. Apoiada pelo
presidente Richard Nixon, a emenda garantia igualdade de direitos às mulheres. O movimento
39

contra a ERA foi protagonizado pelos evangélicos: eles entendiam que a proposta legislativa
incentivava o divórcio, estimulava o trabalho da mulher fora de casa e desestabilizava os papeis de
homens e mulheres na sociedade. Como explica Snyder (2007:475, 431), o argumento da direita
cristã era o de que o feminismo, ao estimular divórcios, machucaria as mulheres, enquanto o
patriarcado as ajudaria. Isso porque as mulheres desejariam segurança, proteção, paz e também
maridos que lhes proviessem afetiva e materialmente.
Tanto que a oposição à ERA usou símbolos tradicionais da dona-de-casa norte-americana
em suas manifestações, como pães, geleias e doces caseiros, com o slogan “eu defendo a mamãe e
a torta de maçã”. Os métodos de campanha estabeleceram um padrão de atuação da nova direita,
que, além de protestos, incluíam mobilização nos estados e coletas de assinaturas para pressão aos
congressistas. Assim, ainda que não fosse maioria na população, o movimento teve sucesso em seu
objetivo. A proposta precisava ter sido ratificada por 38 Estados até 1982 para ter vigência – mas
apenas 30 o fizeram, de modo nunca teve validade (Diamond, 1995:166-7; Petchesky, 1981:210;
Sposato, 2017:125).
Outro tema que causou reação foi a permissão para o aborto, considerado válido pela
Suprema Corte dos Estados Unidos em 1973. Mediante a decisão, os serviços médicos de vários
estados passaram a subsidiar a interrupção voluntária da gravidez. O contramovimento a esse
veredicto foi chamado inicialmente de pró-vida, e depois renomeado de pró-família. Embora tenha
sido uma criação original da Igreja Católica, foi impulsionado por evangélicos e pela articulação
neoconservadora nascente, que criou várias organizações como a National Right to Life Committee
(NRLC), a Life Amendment Political Action Committee (LAPAC), a American Life Lobb (ALL) e
a National Pro-Family Coalition. (Diamond, 1995:170-72, 228; Petchesky, 1981:213-16)
Resultado das pressões, em 1976 foi aprovada a Emenda Hyde, a primeira medida da
contraofensiva do movimento pró-vida. A Emenda proibiu o uso de recursos públicos para realizar
aborto nos casos permitidos por lei. A controvérsia foi judicializada no caso Harris v. McRae. Em
1980 a Suprema Corte decidiu que os Estados não eram obrigados a financiar abortos realizados
por necessidade médica quando não houvesse reembolso federal. Na mesma toada, em 1981 foi
apresentado o projeto em defesa da vida humana, que proibia permanentemente fundos públicos
para realização de interrupção de gravidez – foi aprovado o fim do fundo federal, sendo facultado
aos estados institui-lo ou não (Diamond, 1995:230, 35; Petchesky, 1981:209). Como argumenta
Diamond (1995:230), se direita racista estava em pleno declínio em 1980, em grande medida
40

porque seus princípios fundadores perderam legitimidade, a causa contra o aborto, pelo contrário,
estava em ascensão e era justificável.
Não obstante essas questões relacionadas aos direitos das mulheres, para Diamond
(1995:171) a “oposição aos direitos dos homossexuais era a pauta mais visceral da agenda pró-
família”. Somente em 1962 as relações entre casais homossexuais passaram a ser descriminalizadas
nos EUA. Mas o movimento LGBT avançou rápido. Em 1970 ocorrera a primeira Parada do
Orgulho Gay, em Nova Iorque. Na década de 1970 o Condado de Miami-Dade incluiu os
homossexuais na lei local contra a discriminação.
Um dos pilares da contraofensiva foi a proposta de Ato de Proteção da Família, apresentado
em 1979 pelo senador Paul Laxalt, porta-voz da Maioria Moral no Congresso e colaborador de
Reagan. O projeto, além de restringir o aborto, promover as discriminações entre os sexos e
incentivar com benefícios financeiros famílias tradicionais cujas esposas ficassem em casa,
restringia os direitos dos homossexuais. Contra o argumento de que a proposta seria uma intrusão
indevida na vida pessoal, seus defensores afirmavam que o propósito do Ato era fazer com que o
Estado parasse de financiar programas que visavam a mudanças em valores morais e familiares
(Diamond, 1995:172, 232).
Pretendia-se, de acordo com Petchesky (1981:225-226), restabelecer a família baseada no
casamento heterossexual como o ente com autoridade moral última sobre todas as questões. Seus
dispositivos previam o favorecimento do homem como cabeça da família. A maior parte dos itens
tinha a ver com educação – como a proibição de quaisquer programas ou materiais de estudos que
tendessem a “denegrir, diminuir ou negar o papel das diferenças entre os sexos como
historicamente entendidos pelos Estados Unidos”. A proposta eliminaria “muitos programas
feministas existentes e os direitos dos homossexuais, que dependem fortemente de recursos
federais, e reconstituiria as agências familiares e privadas, tais como a igreja”. O projeto retirava a
possibilidade de supervisão governamental a programas escolares religiosos.
Apesar disso, o Ato de Proteção da Família jamais passou das comissões parlamentares. A
derrota da direita cristã deveu-se à articulação do Partido Democrata, mas também ao fato de
Reagan, apesar da retórica pró-família, ter priorizado, perante o Congresso, a pauta econômica e
militar. Mesmo com a frustração legislativa, porém, a direita cristã foi essencial para os esforços
anticomunistas de Reagan na América Latina (Diamond, 1995:228, 230, 237). É o que veremos
agora.
41

1.3.1.3. Reaganismo e direita cristã América Latina

A partir de meados da década de 1970 as organizações evangélicas começaram a


desempenhar um papel mais ativo na política internacional, apoiando causas associadas à direita
nacionalista. Elas se opuseram, por exemplo, a tratados de desarmamento e defenderam laços
estreitos com Israel (Grandin, 2006:159-60). Mas o destaque da sua atuação internacional foi a
efetivada diretamente em países da América Latina, sob impulso de Reagan.
Reagan e a direita cristã atuaram no contexto da Guerra Fria, em enfrentamento ao efeito
de ideologias mais à esquerda: a Teologia da Libertação – surgida no seio da Igreja Católica na
década de 1960 e presente sobretudo em El Salvador, México, Equador, Peru, Brasil e Uruguai;
revoluções na Guatemala (1944-1954) e na Nicarágua (1979-1990); e governos progressistas na
Argentina, no Brasil, no Peru, no Uruguai, no Chile, na República Dominicana (Grandin, 2006;
Stoll, 1990).
Encorajados pela Casa Branca, esses cristãos usaram suas missões para promover a agenda
do governo dos Estados Unidos, tentando dissuadir pessoas de entrarem em movimentos que
lutaram por mudança social. Os evangélicos entendiam seu trabalho na América Latina como
contribuindo para uma missão bíblica (Grandin, 2006:159-160, Stoll, 1990:1818). Nas palavras de
um missionário citado por Stoll (1990: 1692): “Deus tem sua mão especialmente sobre os Estados
Unidos da América porque aí está o potencial para a evangelização do mundo, e a evangelização
do mundo é o principal propósito de Deus”.
O esforço missionário na América Latina combinou esse desejo ardente de ganhar o mundo
para Cristo com as pretensões de hegemonia norte-americana (Stoll: 1990:71). Stoll (1990) faz
várias ressalvas no sentido de que a religião não deve ser reduzida a um campo de disputa de forças
políticas e também de que as pessoas acatam a religião evangélica por seus próprios motivos e
aspirações individuais. Apesar disso, ele enfatiza que sua pesquisa indicou como a religião serviu
a fins políticos e imperialistas. Tanto que, para Grandin (2006: 20-22, 155), essa ofensiva
promovida por Reagan foi um ensaio geral para o que aconteceu no século XXI no Oriente Médio.
A convergência entre neoconservadores seculares que apoiavam intervenções externas e a
direita cristã não foi meramente estratégica à ofensiva de Reagan; foi uma convergência de visões:
de que a palavra de Cristo e de que os valores do capitalismo de livre mercado deveriam ser os
42

vigentes. O capitalismo é, nessa cosmovisão, um sistema ético, que corresponde à dádiva de Deus
que é o livre arbítrio. Os evangélicos relacionavam o lucro com o projeto divino para o homem
(Diamond, 1989:84; Grandin, 2006:5, 19, 164; High, 2009:489).
A posição da presidente da organização evangélica pró-família Concerned Women for
America, Beverly LaHaye (1984:9 apud Diamond, 1989:48), também confirma a convergência de
visão. Ela afirma na introdução do seu livro Who But a Woman? que é necessário o ativismo das
mulheres contra o comunismo. Ela ilustra seu argumento com base na derrocada de João Goulart
no Brasil em 1964 – sem mencionar, como observa Sara Diamond (1989:48), que houve aqui um
golpe militar. LaHaye considera que o comunismo foi derrotado depois que "vários homens de
negócios proeminentes começaram a se reunir informalmente em 1961 para deter a imersão do
Brasil no totalitarismo". Diamond prossegue comentando Who But a Woman? :

Eles formaram o Instituto de Assuntos Econômicos e Sociais, cujo objetivo seria cassar
subversivos, estabelecer uma rede de televisão e mobilizar mulheres para tomar medidas
contra o governo. Essas mulheres - que LaHaye elogia como modelos - formaram grupos
de células para organizar reuniões de oração, marchas de protesto patrióticas e a compra
de tempo de antena de televisão e espaço de jornais para proclamar sua mensagem
anticomunista. Em última análise, LaHaye diz, foram os esforços dessas mulheres anti-
comunistas que fizeram os empresários bem-sucedidos. O resultado foi uma ditadura
militar instalada em 1964, que durou vinte anos e resultou ‘na tortura e no assassinato de
milhares de cidadãos brasileiros’. Esteja ou não Beverly LaHaye plenamente consciente
das implicações de sua pequena história, ela transmite uma importante mensagem:
ativistas de direita mobilizados por seus líderes masculinos desempenham um papel
crucial na desestabilização ou manipulação de uma sociedade dirigida por uma direção
progressista. (Diamond, 1989:48)

O conservadorismo interno do movimento pró-família foi usado como uma ponte para
construir o apoio à intervenção militar anticomunista também em um outro sentido. Pregadores
evangélicos como Billy Graham e teólogos como John Price e Jerry Falwell interpretaram a derrota
no Vietnã como um sinal do precipício em que os Estados Unidos caíam em do avanço do aborto,
dos direitos dos homossexuais, da igualdade de direitos e assim por diante. E, por isso, pela conexão
entre temas internos e externos, os EUA e os cristãos deveriam se envolver em ambas as questões
(Grandin, 2006:159-60).
O episódio ocorrido em 1984, que ficou conhecido como escândalo Irã-Contra, levou a
público que o suporte de armamentos dados ao Irã e aos Contra na Nicarágua tinha financiamento
privado, mas coordenado pela CIA e pelo Conselho de Segurança Nacional (Diamond, 1995: 219-
221 e Stoll, 1990:384). Mas, apesar desse financiamento armado, o tipo de intervenção mais
43

relevante de Reagan na América Central e na América no Sul foi pelo soft power, inclusive com o
poder de influência e de mobilização dos missionários da direita cristã.
No suporte às operações na América Central havia mais de uma dúzia de organizações da
direita cristã – como a Maioria Moral e o Comitê de Ação Pró-Vida, que pertenciam a redes
carismáticas e pentecostais, incluindo as Assembleias de Deus. As organizações arrecadavam
dinheiro, suprimentos médicos, alimentos, bíblias para envio junto de missionários, que
estabeleceram escolas, clínicas e missões religiosas (Grandin, 2006:170-71; Stoll, 1990:320, 27-
35, 1958, 2047; 1993:2-3).
As organizações atuavam com estratégias de ajuda humanitária e operações psicológicas,
incluídas na noção de “conflito de baixa intensidade” (LIC, na sigla em inglês). A direita cristã em
particular aplicava sua noção de “guerra espiritual” ou confrontação religiosa com o mal (Grandin,
2006:169-170, 191-3 e Diamond, 1995:238-9). Diamond cita as palavras de um pastor evangélico
não identificado, quanto à atuação em relação aos indígenas na Guatemala, que exemplifica o
argumento de guerra espiritual contra o comunismo:

O Exército não massacra os indígenas. Ele massacra demônios, e os indígenas são


demônios possuídos; eles são comunistas. Nós damos apoio ao irmão Efrain Rios Montt
como o Rei David no Velho Testamento. Ele é o rei do Novo Testamento.
(Diamond,1995:328).

A transmissão ideológica não se dava apenas aos fiéis nos cultos e não se restringiu à
América Central. Os veículos mais visíveis eram os programas de televisão, que ofereciam uma
mistura harmoniosa de patriotismo, capitalismo e anticomunismo. Por exemplo: o pregador Jimmy
Swaggart, ligado às Assembleias de Deus, tinha seus programas transmitidos em três mil estações
espalhadas por mais de 140 países, alcançando meio bilhão de pessoas (Stoll, 1990:1964, 1977).
No Brasil, seu programa era apresentado pela Rede Bandeirantes às manhãs de sábado.
A National Religious Broadcasters, rede de radiodifusão evangélica, tinha várias filiais na
América Latina. Uma das maiores ficava no Brasil, onde, na década de 1980, “a NRB financiou a
construção de estações de rádio cristãs brasileiras, uma escola de treinamento técnico para
radiodifusores cristãos e um transmissor de ondas curtas” (Diamond, 1989:42-3).
As editoras evangélicas, que publicavam conteúdo inspirado na direita cristã norte-
americana, eram outra relevante fonte de influência. As editoras, ao lado das missões norte-
44

americanas no Brasil na década de 1960, associavam o comunismo a forças satânicas, num


dualismo de guerra fria que espelhava o bem e o mal:

O bipartidarismo imposto pelo regime militar permitiu a demonização do Movimento


Democrático Brasileiro (MDB) e a divinização da Aliança Renovadora Nacional
(ARENA) como vontade divina. Essa visão dualista era reforçada pelo influxo no mercado
editorial evangélico de livros teológicos inspirados na direita conservadora norte-
americana. Os Estados Unidos começavam a viver a fase dos tele-evangelistas, da
formação da ‘maioria moral’ de apoio às políticas anti-soviéticas e de preservação dos
valores morais puritanos”. Editoras e missões norte-americanas aportadas no Brasil desde
a década de 1960 associavam o comunismo e a União Soviética com forças diabólicas
confirmadas pelas profecias bíblicas. Estados Unidos, capitalismo, Ocidente e Israel eram
identificados como as fronteiras do Reino de Deus. A ‘Cortina de Ferro’, Cuba e a China
eram vistas como países e regiões onde o mal predominava contra a Igreja, o capitalismo
e a liberdade. (Santos, 2005:163)

Essa ofensiva evangélica visava sobretudo a contrapor a Teologia da Libertação e a


formular uma ideologia moral de livre mercado. A reivindicação católica de redistribuição de
riqueza, segundo a direita cristã, basear-se-ia em um entendimento incorreto da sociedade,
estimulando a culpa, a inveja e o conflito. O Reino de Deus seria estabelecido não pela guerra entre
as classes, mas pela luta entre e bem e o mal (Grandin, 2006:164).
A Teologia da Libertação estava até mesmo sendo investigada pelo Senado dos EUA em
uma subcomissão dedicada ao terrorismo. Os trabalhos do colegiado indicam que a corrente
católica era uma “estratégia cubano-soviética para subverter o hemisfério”. As audiências da
subcomissão eram, para Stoll (1990:1853-1862), o espelho de como a administração de Reagan
manipulou a religião e usou o pretexto da cristandade para justificar o sistema capitalista e
identificar os oponentes da religião como subversivos.

David Chilton (1981:92), do Institute for Christian Economics, definiu que a pobreza era
resultado “do controle de Deus sobre culturas pagãs: elas devem passar tanto tempo cuidando de
sua sobrevivência que serão incapazes de exercer domínio ímpio sobre a terra”. Como Grandin
(2006:164) argumenta, a elaboração evangélica em contraponto à Teologia da Libertação estava
em plena consonância com esse pensamento da nova direita. Se o que há não é luta de classes, se
o que há é recompensa do bom trabalho e punição do mau, o poderio norte-americano sobre ao
mundo, e em especial sobre a América Latina, seria simples expressão da benção divina.
45

Tendo examinado aspectos da direita cristã, ator político que é espinha dorsal da coalizão
neoconservadora, passemos, agora, a abordar os principais temas do neoconservadorismo. São eles
a defesa da família patriarcal, do neoliberalismo, do punitivismo, do militarismo e do Estado de
Israel. Embora à primeira vista essa relação de temas pareça ser elencada aleatoriamente, os
assuntos têm conexão entre si. Isso será explicado no decorrer do texto.

1.3.2. Defesa da família patriarcal

Já vimos que a peculiaridade do neoconservadorismo reside em seu foco nas questões


sexuais e reprodutivas e na relação entre moralidade e poder (Brown, 2006:697; Diamond,
1995:165; Fukuyama, 2006:48-9; Petchesky, 1981:207; Pierucci, 1989:115-16). Já vimos também
que a direita cristã ter se tornado um ator político – elemento essencial ao neoconservadorismo –
se deu em grande medida em reação ao avanço feminista e LGBT (Diamond, 1995; Gago, 2013b;
Petchesky, 1981; Sposato, 2017).
O neoconservadorismo, de fato, atua “reprimindo e regulando o desejo”; “cultiva a
masculinidade e a estrutura de família tradicional” (Brown, 2006:692 e 699). O
neoconservadorismo busca a dominação masculina e a submissão feminina dentro do casamento;
busca ainda “restaurar ou até mesmo aumentar a discriminação legal contra os cidadãos gays e
lésbicas” (Snyder, 2007:145, 345, 64, 84). O objetivo do movimento seria “restabelecer o
patriarcado heterossexual” (Petchesky, 1981:232-3).
O pai do neoconservadorismo, Leo Strauss (1966:272, apud Drury, 1999:168), comentando
a comédia de Aristófanes, Assembleia de Mulheres (392 a.C.), critica o autor grego por permitir o
triunfo feminino no final da peça. Strauss considera o fim como uma inversão da ordem natural das
coisas, em que o homem prevalece. De acordo com Drury, (1999:XII, 3-5, 168), o fundamento
seria a defesa da vida: uma conspiração de humanistas e feministas teria colocado as mulheres
contra a reprodução, seu dever e chamado natural.
Além de ameaçar a vida, o feminismo seria o responsável pelas disfunções percebidas na
sociedade. De acordo com o raciocínio, as feministas minam família por se recusarem a aceitar as
diferenças de gênero como naturais, rejeitando a autoridade do marido ou do pai, tentando mudar
a divisão sexual do trabalho e propagando a ideia de que uma mulher pode cumprir o papel
tradicionalmente desempenhado por um homem. A ausência da figura paterna forte levaria à
delinquência juvenil, à gravidez na adolescência, aos filhos “ilegítimos”, à pobreza persistente e à
46

dependência do Estado de bem-estar e ainda à homossexualidade, vista como um problema. Para


os neoconservadores, o melhor programa contra a pobreza seria uma família estável e intacta
(Diamond, 1995:186; Snyder, 2007:146, 480, 519, 43).
A perspectiva neoconservadora adota a ideia de que, enquanto as mulheres estão
naturalmente predispostas à maternidade e à família, os pais não têm um vínculo natural de
responsabilidade para com a prole e tornam-se cuidadores apenas por convenção. A religião e a
sociedade devem, assim, fortalecer a família nuclear, para transformar os homens em maridos, pais
e cidadãos (Drury, 1999:11-12, 123, Silverstein e Auerbach, 1999:14).
Os psicólogos Louise Silverstein e Carl Auerbach (1999:3-5, 13) consideram o argumento
neoconservador, em parte, resultado de uma ansiedade sobre quem vai criar as crianças, diante da
nova realidade social em que as mulheres não mais dedicadas exclusivamente ao trabalho
doméstico. Assim, muitos acreditam que o retorno à família nuclear tradicional e à divisão
gendrada do trabalho seria desejável. Nesse aspecto, porém, para os autores, o neoconservadorismo
revela a defesa de uma perspectiva essencialista segundo a qual as mães ou os pais têm uma
importância intrínseca, que assume que as diferenças entre homens e mulheres na reprodução
biológica implica em diferentes papeis sociais da organização do cuidado com os filhos – o que,
de acordo com eles, não teria respaldo empírico.
A posição neoconservadora é também, para Silverstein e Auerbach (1999:3-5, 13), uma
tentativa dos homens heterossexuais de restabelecimento de suas posições de poder perdidas com
o avanço feminista e LGBT. Muitos homens não têm mais o controle econômico exclusivo sobre
suas famílias, assim como devem aceitar, em alguma medida, dividir tarefas domésticas. Assim,
para os pesquisadores, o debate sobre as diferenças de gênero na paternidade inclui uma reação à
perda de privilégio masculino, uma tentativa de recuperar a dominação masculina via família
nuclear tradicional e heterocentrismo.
Mas há, como vimos, outro aspecto no argumento de que a família tradicional deveria ser
restabelecida: o de que as pessoas não precisariam, com ela, de políticas estatais; não dependeriam,
assim, dos programas de bem-estar. A reação contra o Estado de bem-estar e a reação antifeminista
são, na síntese de Petchesky (1981:207, 210, 222), as duas faces do neoconservadorismo. A autora
argumenta que ambos os aspectos se fortalecem mutuamente e que o elemento de ligação entre eles
seria a ideologia privatista. De acordo com ela, historicamente nos Estados Unidos, a ideia de
privacidade inclui não apenas a livre empresa, o livre mercado e a propriedade (e o Estado mínimo,
47

portanto); incluiria também, para os conservadores, o poder do homem controlar sua família; de
controlar os corpos de suas esposas, filhos e escravos.
Foi em defesa do poder privado do chefe de família que o Partido Republicano estabeleceu,
em sua plataforma para a eleição de Reagan, a oposição a qualquer proposta que desse ao governo
ingerência nesse âmbito. Pelo mesmo motivo os neoconservadores defenderam o Ato de Proteção
da Família e se opuseram à Emenda de Direitos Iguais, mencionadas anteriormente. Com
fundamento igual, antagonizaram-se à proposta de legislação federal sobre violência doméstica –
ainda que aceitando que a violência doméstica existe, os representantes da nova direita e as
feministas divergiam a respeito de suas causas; o argumento neoconservador era de que a existência
do problema não seria resultado de uma cultura sexista, mas sim de desvios individuais que seriam
solucionados com o fortalecimento da instituição familiar (Petchesky, 1981:210, 21, 25, 26).
Pelo mesmo motivo uma grande energia política foi investida na educação a fim de
restabelecer “o controle local, parental e religioso” sobre a formação dos indivíduos (Petchesky,
1981: 227). Os neoconservadores defendiam que as prerrogativas parentais biológicas e
ideológicas que deveriam prevalecer sobre as prerrogativas estatais (Diamond, 1995: 166). Assim,
entre a direita cristã era aceito que a educação deveria incluir castigos físicos. Para James Dobson,
fundador da organização Foco na Família, “uma surra deve ser suficientemente grave para fazer a
criança chorar genuinamente de dor em vez de simplesmente de raiva ou humilhação”, e por isso
ele liderou um movimento para autorizar os castigos corporais nas crianças (Snyder, 2007:487-
509).
Várias outras medidas eram propostas pelos grupos pró-família em relação ao tema: (1)
restauração da "oração voluntária" nas escolas públicas; (2) ensino do criacionismo nas escolas;
(3) a oposição a qualquer interferência do governo federal sobre as escolas privadas e religiosas,
inclusive sobre a segregação racial; (4) incentivos fiscais para matrícula de crianças em idade
escolar em estabelecimentos privados e religiosos; (5) oposição à sindicalização dos professores
da rede pública; (6) eliminação de todos os programas ou livros relacionados com a educação
sexual, a homossexualidade, ou uma visão crítica dos papéis sexuais tradicionais; (7) e demissão
de professores homossexuais de emprego em escola pública (Diamond, 1995: 166, Petchesky,
1981: 221).
Havia, ainda, a reivindicação de homeschooling que, para Gago (2013: 12, 13), era a
vanguarda do nacionalismo cristão. Como o autor salienta, a proposta se fortalecia como reação
48

neoconservadora quando nos anos 1960 e 1970 a escola pública ficou impregnada do ambiente de
contracultura. De acordo com ele em 1983 Michael Farrys fundou The Home School Legal Defense
Association, buscando a legalização da educação em casa em todos os estados da federação. A
geração dos filhos educados em casa é conhecida como “Geração Moisés”, e a “Geração Josué” a
que deveria reconquistar os Estados Unidos. A plataforma ideológica para alcançar este fim é a do
criacionismo, ou seja, a visão de um Deus criador, “inimiga da teoria evolucionista”. Sob o domínio
cristão, os Estados Unidos deixariam de ser um “país pecador, e os dez mandamentos formariam a
base do sistema legal”.

1.3.3. Sionismo

Moisés, Josué, Dez Mandamentos. As referências ao Velho Testamento – que, além de


integrante do livro sagrado do cristianismo, é o livro sagrado do judaísmo – são relevantes.
Refletem a ênfase dos evangélicos na primeira parte da Bíblia e também a conexão entre
evangélicos e judeus 12 . Tal aproximação se deu justamente no contexto em que a coalizão
neoconservadora foi firmada, quando surgiu uma “relação simbiótica” entre direita cristã e Israel
(Mearsheimer e Walt, 2007:135).
Mearsheimer e Walt (2007:132-34, 38) nomeiam de “sionistas cristãos” o grupo da direita
cristã que contribui para esse processo de apoio ao Estado de Israel e suas investidas em relação à
Palestina. De acordo com os autores, os evangélicos formaram, inclusive, uma série de
organizações para fazer avançar esse compromisso dentro do sistema político: Christian United for
Israel, National Christian Leadership Conference for Israel, Unity Coalition for Israel, Christian
Friends of Israeli Communities, Christians Israel Public Action Committee a International
Christian Embassy Jerusalem, dentre outras. Hoje, de acordo com Langer (2017), a maior
organização sionista do mundo é evangélica, a Cristãos Unidos por Israel, com mais de dois
milhões de membros.
É curiosa essa aproximação. Afinal, cristãos foram ao longo da História uma fonte de
antissemitismo. Em parte a razão para a aliança entre evangélicos e sionistas é estratégica. Na

12
Embora frequente associados, o sionismo (defesa da criação de um Estado judeu e de mecanismos para sua
permanência) não se confunde necessariamente com a judaicidade, seja a judaicidade entendida como a religião
judaica, seja a judaicidade entendida como um conjunto de tradições culturais judaicas seculares (Butler, 2017).
49

política externa, Israel é o principal aliado dos EUA, e na política interna, a direita-cristã possui
forte capilaridade. Mas, além disso, há razões ideológicas e teológicas.
Drury (1999:19-21, 148) aponta as razões ideológicas. De acordo com ela, Leo Strauss,
embora fosse judeu, inspirou neoconservadores como Irving Kristol a apoiarem a direita cristã.
Isso por entenderem que a religião é necessária para a unidade política e para superação do niilismo
que estaria na raiz dos problemas estadunidenses. Além disso as pautas da direita cristã, para Drury,
eram coerentes com os propósitos straussianos e neoconservadores de destruição do liberalismo
nos Estados Unidos, enquanto liberdade individual, direitos humanos e ausência de fonte única de
verdade.
Há, ainda, os motivos religiosos. As origens do “sionismo cristão” estão na teologia do
dispensacionalismo, que trata do retorno de Jesus Cristo após anos de turbulências, culminando
com o Fim dos Tempos e o estabelecimento do reino dos céus na terra. A teoria estabelece um
papel preciso para Israel na profecia bíblica do Armagedom: o Fim dos Tempos ocorreria uma
geração após o controle de Israel ser devolvido aos judeus. Assim, a criação do Estado de Israel
em 1948 foi vista como um sinal.
Acreditava-se que a Batalha Final seria lançada por uma invasão da URSS – nação ateia e
pecadora – contra Israel. A Guerra dos Seis Dias de 1967, em que Israel capturou Jerusalém e
começou a sua ocupação dos territórios conhecidos na Bíblia como Judeia e Sumaria, também seria
uma comprovação das palavras sagradas. Essa crença teria sido expressa até mesmo por Ronald
Reagan. Daí a intensa atenção da direita cristã à política do Oriente Médio. Essa interpretação
bíblica foi um tema constante nas principais redes cristãs de TV e rádio evangélicas e nos
ministérios de difusão religiosa (Diamond, 1989: 131 e 201, Mearsheimer e Waltm, 2007: 133).
O apoio da direita cristã dos EUA para o governo israelense foi principalmente na frente da
propaganda. Vejamos exemplos: em 1979 Jerry Falwell pregava em seu púlpito da Maioria Moral
que "ficar em pé contra Israel é contra Deus”; durante a ocupação israelense do Líbano, em 1982,
um dos líderes da Full Gospel Businessmen's Fellowship International transmitia mensagens para
ameaçar simpatizantes da OLP – na época Pat Robertson pregava pela estação de televisão Estrela
da Esperança, que operava dentro do complexo do exército de combatentes mercenários de Israel.
Organizações carismáticas também forneceram valiosos serviços ao governo israelense, com
transmissão de radiodifusão religiosa em apoio à causa, além de doações em dinheiro (Diamond,
1989: 18, 24-25, 200-202).
50

A parceria deu-se também na América Latina. O envolvimento de Israel com os Contras na


Nicarágua “era de conhecimento geral desde 1983”. Os militares na Guatemala, sob comando do
General Rios Montt, foram treinados por assessores israelenses, que inclusive acompanhavam
sessões de tortura contra oponentes considerados comunistas ou aliados da Teologia da Libertação
(Diamond, 1989: 78, 165, 167).
Quando Israel declarou Jerusalém como sua capital em 1980, chocando a comunidade
internacional e fazendo com que mais de treze Estados retirassem a representação diplomática
dessa cidade e transferindo-a para Telavive, os representantes da direita cristã em Israel
estabeleceram a Embaixada Cristã Internacional em Jerusalém. Isso reforçou o apoio a Jerusalém
como capital de Israel e fixou um intenso compromisso teológico com Israel entre evangélicos em
todo o mundo (Diamond, 1989: 202).
A defesa de Israel por parte da direita cristã reflete uma das costuras da aliança
neoconservadora. Mas esse não foi o único tema da agenda de política externa do
neoconservadorismo. O outro foi o militarismo anticomunista.

1.3.4. Militarismo anticomunista

O militarismo anticomunista foi expresso por conta do contexto da Guerra Fria como forma
de projeção do poder dos Estados Unidos nas relações internacionais. Tratava-se combater a União
Soviética e os princípios anticapitalistas. Esse elemento do neoconservadorismo defendeu a
intervenção militar no estrangeiro e mudanças de regime pela governança imperial pela promoção
dos valores norte-americanos para o mundo (Linker, 2011:176, Diamond, 1995: 186, 195). Fez
parte desse esforço a exportação da direita cristã para a América Latina sob comando da Casa
Branca naquele período, tratada anteriormente.
Durante a administração de Reagan a política externa deixou de ser baseada em direitos
humanos para ser baseada no combate ao terrorismo internacional, associado ao comunismo.
Expressão dessa visão era o fato de a embaixadora dos EUA na ONU naquele período, Jeane
Kirkpatrick, líder da coalizão neoconservadora, defender que um regime autoritário não marxista
poderia proporcionar espaço para a sociedade civil se desenvolver, o que, com o tempo, promoveria
a mudança democrática (Diamond, 1995:215-17; High, 2009:483; Totaro, 2007:938-9).
Mas no fim da década de 1980 e início da de 1990 ocorreu um rompimento no campo
neoconservador, o que ficou conhecido como a disputa entre o neoconservadorismo propriamente
51

dito e o “paleoconservadorismo”. Os “paloeconsevradores” defendiam que o Estado deveria focar


suas energias em garantir a ordem moral interna. Os neoconservadores, ainda que não se opusessem
a isso, enfatizavam que os Estados Unidos eram uma liderança mundial e que deveriam em
primeiro lugar derrotar o comunismo no mundo. Os “paleocons” criticavam a ênfase excessiva dos
“neocons” em Israel e foram contra a invasão do Iraque por parte dos EUA no contexto da Guerra
do Golfo (1990-1991), enquanto neoconservadores a defenderam (Diamond, 1995: 274-5, 284,
High, 2009: 486-489).
Essa cisão, ao lado do fim da URSS, implicou em estagnação ou mesmo reversão do
movimento neoconservador na década de 1990. Mas a controvérsia se diluiu e o
neoconservadorismo ganhou novo fôlego depois do ataque às Torres Gêmeas em Nova Iorque em
11 de setembro de 2001. Então a direita religiosa e a direita secular se juntaram novamente para
converter Bush Jr. em promotor do resgate do “papel da América no mundo”. O militarismo seguiu
sendo pela projeção internacional dos EUA, mas não mais contra o comunismo, e sim contra o
inimigo islâmico. A reação militarista no front externo foi acompanhada, portanto, da demonização
da religião não cristã, elementos que favoreceram, novamente, o tecido neoconservador (Ferguson
e Marso, 2007:224; Grandin, 2006:172).
A guerra contra o terrorismo e Guerra no Iraque refletiram o compromisso da administração
Bush com o neoconservadorismo, justificado “como a filosofia que norteia a guerra visando à
transformação democrática” – expressão de Kenneth Anderson (2006:102), para quem a luta
“contra o terrorismo islâmico transnacional é realmente uma luta contra uma forma de
totalitarismo”. Já para Wendy Brown (2006:707), a exposição de motivos da investida de Bush no
Iraque é exemplo de como a “declaração do que é verdadeiro, certo e bom sem qualquer
necessidade de se referenciar na facticidade se tornou a modalidade neoconservadora de produção
da verdade política”, o que combina a racionalidade militarista com o etos religioso do
neoconservadorismo.
Para Robet Brenner (Brenner, 2007:33, 46-7, 53-4), a política interna e externa que Bush
Jr. desenvolveu depois do 11 de setembro foi possibilitada pela ascensão da direita nos Estados
Unidos a partir do final dos anos 1970, quando se firmou a aliança neoconservadora. A política de
Bush Jr., para Brenner, foi uma releitura do reaganismo, no sentido do ataque ao Great Society e
no sentido da agressividade militarista externa.
52

O resgate do reaganismo se deu também em relação aos papeis essenciais de gênero. Bush
justificou intervenções no oriente médio na promoção dos direitos das mulheres islâmicas. Mas,
para Ferguson (2007:3388) e Ferguson e Marso (2007:105, 109, 174, 265, 269, 323), os objetivos
das mulheres defendidos por Bush eram bastante limitados, restritos ao alcance de direitos políticos
e de alguns direitos econômicos, o que é compatível com a defesa conservadora de papeis de gênero
desiguais. A concepção conservadora de Bush sobre o gênero definia as mulheres, de acordo com
as autoras, como submissas e vulneráveis e os homens como dominantes e protetores, ao mesmo
tempo em que Bush desenhava a si mesmo como um líder forte e masculino em tempo de guerra –
como o próprio Estado contra o terrorismo. E nisso, novamente, a mentalidade neoconservadora
presente.
O belicismo neoconservador, como elemento de projeção de poder e luta contra os inimigos,
não foi expresso apenas externamente; foi, também, defendido para as questões domésticas. É o
que veremos a partir de agora.

1.3.5. Idealismo punitivo

“Idealismo punitivo” é a expressão que Greg Grandin (2006: 104, 138-9, 152-3) usa para
definir o uso neoconservador da violência para fins imperiais. Esse idealismo punitivo, entretanto,
não é adotado pelos neoconservadores apenas no âmbito internacional. A punição é vista, como o
autor aponta, como um caminho doméstico. Trata-se da imposição interna da “lei-e-ordem”, ou
seja, do rigor penal contra os crimes e contra os dissidentes políticos internos.
O pensamento neoconservador defende o uso rigoroso do poder coercitivo do Estado para
promover a ordem contra a criminalidade, vista como opção individual e não no contexto de
explicações econômicas, políticas e sociais; reivindica-se, ainda assim, a posse de armas para os
indivíduos, para a autodefesa do cidadão de bem (Kilduff, 2010:241; Linker et al., 2011:195 e 207;
Norris, 1996:165; Petchesky, 1981:222).
Se na filosofia do Estado de bem-estar vigia o paradigma da segurança social, na sociedade
neoliberal/neoconservadora, com elementos desintegradores e excludentes, prevalece o princípio
da “insegurança coletiva” (Dornelles, 2008:19). O desmonte do Estado de bem-estar teve, assim,
como contraparte o fortalecimento penal, processo ocorrido nos Estados Unidos a partir dos anos
53

198013. Os retrocessos em políticas sociais implicam em expansão do sistema penal como estratégia
para conter e administrar as manifestações da desigualdade, da exclusão e do desemprego (Kilduff,
2010:240-41). Exige-se um Estado mínimo nas relações econômicas e sociais, mas um Estado
máximo para tratar das respectivas consequências deletérias (Dornelles, 2008:64).
Davies (2016:129-32) trata do “neoliberalismo punitivo”, evidente na primeira fase do
neoliberalismo – de Reagan e de Thatcher – e a partir de 2008. Significa que, aos problemas sociais
decorrentes das medidas de austeridade, responde-se com uma moralidade de castigo, de ódio e de
violência contra os cidadãos prejudicados pela pobreza e pela fragilidade das redes de seguridade.
Acumulação capitalista “mais insidiosa” e a redução do Estado – controle de gastos
públicos, redução de impostos, flexibilização do mercado de trabalho (“permitir ao mercado o
emprego de um mínimo de trabalhadores, extraindo-lhes o máximo de produtividade”) – implica
em menos liberdade ao coletivo dos cidadãos, em uma “liberdade apenas aos mercados”. A
insegurança causada pela diminuição da proteção social é contrabalanceada pelo incremento dos
sentimentos vingativos e pelo agravamento das políticas de segurança – e não por soluções
coletivas que enfrentassem a real natureza dos problemas, centrada na brutal desigualdade e
exclusão. Assim, escolhem-se determinados indivíduos para serem culpados pelos problemas
sistêmicos. Geralmente, esses culpados são os mais vulneráveis: os negros, os pobres e os
imigrantes indesejáveis (Argüello, 2005:2-5).
Por essa razão a guerra contra as drogas teve papel tão importante, uma vez que, justamente,
possibilitou a criminalização da pobreza e o aumento da população carcerária. Já no “início dos
anos 70 aparecem as primeiras campanhas de ‘lei e ordem’ tratando a droga como inimigo interno”
(Batista, 2003:84). A “’guerra à droga’ lançada por Ronald Reagan, e ampliada desde então por
seus sucessores, marcou o abandono do ideal da reabilitação e a multiplicação dos dispositivos
ultra-repressivos (Wacquant, 2001 [1999]:62).
Como argumenta David Harvey (2005: 82-3, 195), o neoliberalismo é bastante autoritário,
na medida em que dissolve instrumentos de solidariedade social contra a acumulação financeira
(como sindicatos) para a manutenção do livre mercado. O autor considera que o
neoconservadorismo é simplesmente manifestação explicita do autoritarismo implícito ao

13
É o que aponta Wacquant (2001 [1999]:55-56), que demostra o aumento, a partir de 1979, dos gastos com o
sistema carcerário, e a redução em outras áreas – por exemplo, de acordo com ele, em 1985 os créditos para
funcionamento das penitenciárias superaram o montante do orçamento do principal programa de ajuda social, Aid to
Families with Dependent Children (AFDC).
54

neoliberalismo. A ênfase nos princípios morais que o neoconservadorismo tem seria o antídoto
contra o caos dos direitos individuais a que o neoliberalismo leva. O autor lembra que, como
Margareth Thatcher pregou, para o neoconservadorismo/neoliberalismo não havia sociedade,
apenas indivíduos. Isso, porém, no limite, pode levar à completa desagregação social. A coação,
assim, passa a ser necessária para manter a ordem. Por isso os neoconservadores enfatizam a
militarização. Militarização para manter a estabilidade e a “lei e a ordem”, dentro e fora do país,
estimulando o medo contra inimigos reais ou imaginários.

1.3.6. Neoliberalismo

O neoliberalismo é uma teoria de política econômica segundo a qual o bem-estar humano


será tanto maior quanto mais livres os indivíduos para empreender; pressupõe um arcabouço
institucional caracterizado pela proteção forte do direito de propriedade e do livre mercado. Ao
Estado cabe uma intervenção mínima, apenas para garantir a integridade do dinheiro, e manter um
aparato para defesa militar e policial, além de um sistema jurídico que defenda a propriedade. Em
última análise, o neoliberalismo procura trazer todas as ações humanas ao domínio de mercado
(Harvey, 2005: 2-3).
No Norte, o neoliberalismo implica em políticas que favorecem o capitalismo, privatizam
bens públicos e que desmantelam o Estado de bem-estar social. No Sul, o neoliberalismo destroça
os esforços pela soberania democrática ou auto-destinação dos países em desenvolvimento. Em
ambos os casos, para o aumento dos níveis de desigualdade (Brown, 2006: 693).

1.3.6.1. Histórico do neoliberalismo

Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, o Japão e diversos países da Europa
desenvolveram modelos de Estado que deveriam focar no pleno emprego, no crescimento
econômico e no bem-estar de seus cidadãos – inclusive, se necessário para esses fins, intervindo
ou substituindo mecanismos de livre mercado. Isso ficou conhecido como “liberalismo
encapsulado”, segundo o qual o mercado e as corporações empresariais deveriam ser rodeados por
uma rede de restrições sociais e políticas. O modelo possibilitou altas taxas de crescimento
55

econômico nas décadas de 1950 e 1960, inclusive em boa parte do “Terceiro Mundo” (Harvey,
2005: 10-13).
Nos Estados Unidos o “liberalismo encapsulado” foi representado pelo Great Society,
produto da pressão de parte das organizações trabalhistas e das forças progressistas dentro do
Partido Democrata, que conseguiram pressionar por uma série de reformas na década de 1960. Foi
importante também a ascensão do movimento negro por direitos civis no norte do país – incluindo
rebeliões negras em Nova York, Filadélfia e Los Angeles em 1964 e1965, que reivindicaram, além
de igualdade política, também o bem-estar econômico. Assim, Lindon Johnson avançou no marco
dos direitos civis e políticos, e na expansão de políticas sociais. As reformas do Great Society
incluíram programas de saúde, de segurança alimentar e um aumento substancial dos benefícios da
previdência social; isso além do fortalecimento da proteção ambiental e do consumidor. O conjunto
de medidas implicou em um aumento do gasto social e na regulação do mercado, o que, por sua
vez, resultou em uma queda nas taxas de lucros das corporações (Brenner, 2007: 40-42).
Harvey (2005: 13-19) aponta que, no fim dos anos 1960, o liberalismo encapsulado
começou a ruir por uma crise de acumulação de capital. As propostas socialistas e comunistas, no
sentido de se aumentar a regulação e o controle estatal, seriam uma possível solução para a crise;
outra resposta seria o neoliberalismo, que saiu vitorioso. A santificação da nova ortodoxia deu-se
no Consenso de Washington, em 1990. O arranjo pós-guerra implicara em poder econômico restrito
às classes altas e em a classe trabalhadora ter um pedaço maior do bolo para si. O avanço de partidos
e de forças sociais de esquerda representavam um risco às elites de países como Itália, França,
Espanha e Portugal, e também como Chile, México e Argentina. O neoliberalismo, assim, se
efetivou para restabelecer o poder das elites econômicas.
O aumento da desigualdade com a implantação das políticas neoliberais pode ser
visualizado no seguinte gráfico:

Gráfico 1 – Riqueza do 0,1% da população com maior renda nos EUA, Grã-Bretanha e
França, entre 1913-1998.
56

Fonte: Task Force on Inequality and American Democracy (Harvey, 2005:17).

Os intelectuais que deram base ao neoliberalismo foram Friedrich von Hayek, Milton
Friedman, Karl Popper e Ludwig von Mises (Noble, 2007: 113). O primeiro experimento de
implantação do neoliberalismo foi no Chile governado por Pinochet, após o golpe de 11 de
setembro de 1973. Foi escolhido para ajudar a “reconstruir” a economia chilena um grupo de
economistas conhecidos como “Chicago boys” – adeptos das teorias neoliberais de Friedman,
professor da Universidade de Chicago. Essa escolha se deu naquele contexto de formação da
coalizão neoconservadora e em que os Estados Unidos fomentarem políticas de combate a
governos de esquerda na América Latina durante a Guerra Fria. No Chile, apoiado pelo Fundo
Monetário Internacional e pelos Chicago boys, Pinochet reverteu as nacionalizações e efetivou
privatização de patrimônio público, abriu recursos naturais (como madeira) para exploração
privada, privatizou a seguridade social e facilitou investimento estrangeiro (Harvey, 2005: 7-8).
Depois do Chile, o neoliberalismo foi implantado na Inglaterra de Thatcher e nos Estados
Unidos de Reagan, a partir de 1979. E depois disso quase todos os países, incluindo pertencentes à
57

antiga União Soviética; até democracias com Estados de bem-estar social consolidados como Nova
Zelândia e Suécia, adotaram alguma versão da teoria neoliberal (Harvey, 2005: 3). Ao final dos
anos 1980 e durante os anos 1990 tanto essa política como essa ideologia alcançaram a América
Latina, especialmente o Peru (Alberto Fujimori), a Argentina (Carlos Menem) e o Brasil (Fernando
Henrique Cardoso) (Codato, Bolognesi e Roeder, 2015:117).

1.3.6.2. Neoliberalismo e neoconservadorismo: a aliança paradoxal

Na síntese de Noble (2007: 111), a virada neoliberal nos Estados Unidos exigiu a construção
de um novo projeto de hegemonia que foi possibilitado com a costura da aliança neoconservadora.
Ele enfatiza a junção, principalmente no sul do país, de capitalistas de direita, de trabalhadores
politicamente atomizados e ainda de camadas da classe média já extremamente conservadoras,
grupos sobre os quais o pentecostalismo tinha grande influência, e opostos a todos os aspectos do
Great Society. Como aponta o autor, a crítica aos programas de bem-estar residia no fato de que
ignorariam a distinção entre o pobre "merecedor" e pobre "indigno", ao oferecer ajuda a todos em
situação de necessidade14.
Mas há diferenças importantes entre o neoliberalismo e o neoconservadorismo. Mais que
isso: a costura entre libertarismo na economia e tradicionalismo é até mesmo paradoxal
(Himmelstein, 1983:21-23). O neoliberalismo, com sua retórica a favor da liberdade individual,
não é a princípio incompatível com o multiculturalismo, com movimentos pela liberdade artística,
pela diversificação dos estilos de vida (Harvey, 2005: 40-42; 47). A racionalidade neoliberal
implica na criação de necessidades para estímulo ao mercado, o que colide com a racionalidade
neoconservadora de produzir uma ordem orientada para a repressão dos desejos. O neoliberalismo
trabalha com a ideia de futuro no qual as fronteiras serão apagadas pelo nexo monetário, enquanto
o neoconservadorismo busca fortalecer o nacionalismo (Brown, 2006: 699). Como, então, se
explica a aliança do neoliberalismo com o neoconservadorismo?
Para Wendy Brown (2006: 690, 699-700, 703-5), neoliberalismo e neoconservadorismo são
dois ideários políticos convergentes em muitos sentidos. Ambos contribuem para produzir a

14
A distinção entre "trabalhadores" e "pessoas que não trabalham" seguiu sendo fundamental aos movimentos de
direita. É o caso do Tea Party. Como apontam Williamson, Skocpol e Coggin (2011:33-35), é a dicotomia ideológica
que justifica, por parte do grupo de direita contemporâneo nos Estados Unidos, a rejeição a programas sociais, que
são vistos como pagamento para pessoas que não merecem, que não trabalham, que não funcionam socialmente.
58

irresponsabilidade do governo em relação ao fundamento de suas decisões; ambos atuam contra a


liberdade política e a igualdade entre os cidadãos, porque o primeiro as desvaloriza em favor dos
critérios de mercado e o segundo valoriza o uso do poder do Estado para fins morais. O
neoliberalismo transforma, para ela, problemas coletivos em problemas individuais com soluções
de mercado e defende o estatismo no modelo de empresa, em que normas democráticas são
substituídas por critérios de eficiência e lucro. O neoconservadorismo, em compensação, prepara
o terreno para as características autoritárias da governança neoliberal, porque o discurso político-
religioso permite, para ela, mobilizar uma cidadania submissa.
Além disso, para Brown (2006:699-700), ambos se unem no fato de que o
neoconservadorismo em parte é uma resposta à erosão da moralidade no capitalismo; trata-se de
um preenchimento do vazio com valores morais rígidos, com a vantagem de serem esses valores
opostos ao comunismo e à distribuição de renda. Vários outros autores têm argumentos parecidos.
Vale a pena citá-los, ainda que pareça repetitivo, porque é essa a chave para a compreensão de
como pode funcionar uma coalizão paradoxal.
David Harvey (2005:23, 61, 65, 75, 82-4, 195), como mencionado, entende que o
neoconservadorismo é a manifestação explicita do autoritarismo implícito ao neoliberalismo. O
ideário neoliberal é contrário a qualquer forma de solidariedade que ameace a competitividade e a
acumulação material. Assim, como explica Harvey, o neoliberalismo demanda que as formas de
solidariedade sejam dissolvidas em favor do individualismo, da propriedade privada e da
responsabilidade pessoal – o ideal da responsabilidade pessoal foi estendido às políticas públicas,
para justificar privatizações e cortes. Disso resulta uma desagregação, que é preenchida por valores
morais rígidos, pela família e pela religião. Os princípios morais são um contrapeso ao caos a que
o neoliberalismo leva.
No mesmo sentido Noble (2007:111) entende que o neoliberalismo demanda formas não-
classistas de solidariedade: a raça, a família patriarcal, o militarismo-nacionalista e o
protestantismo, ligado conjunturalmente ao expansionismo sionista. Para Brenner (2007:47-8), a
“ideologia anti-estatsta, fundada na supremacia branca, na defesa da família patriarcal e no
fundamentalismo protestante” dá suporte ao desmonte de políticas de bem-estar que são do
interesse da grande massa da população. Já para Himmelstein (1983:21-23) a aliança tem apelo
forte por unir a promessa de progresso material com valores transcendentes e laços sociais sólidos.
O neoconservador Russel Kirk (2001 [1953]:7995-8034) afirma que a resposta para o “problema
59

do proletariado” é a verdadeira família, o respeito ao passado, a responsabilidade para com futuro,


a propriedade privada, os direitos e deveres. Esses recursos são, para ele, os que permitem que “a
massa de homens encontre status e esperança na sociedade”.
Irving Kristol, um dos pais do neoconservadorismo, de acordo com High (2009:480),
defendeu as políticas recessivas neoliberais por produzirem um déficit necessário ao
conservadorismo; é dizer, a redução do Estado reduziria a dependência da assistência social, o que
encorajaria a virtude social. De acordo com Kristol (1993:apud Noble, 2007: 110, 116), as políticas
sociais que "recompensam" mães solteiras, em especial, são problemáticas. Haveria uma distinção
nítida, para Kristol, entre "mulheres casadas com filhos que se divorciaram, ou viúvas ou
abandonadas pelos seus maridos" e as "mães de bem-estar", que "se deixam engravidar e ter um
filho". Já vimos esse argumento no item sobre a defesa neoconservadora da família patriarcal.
Aqui voltamos ao tema do papel da mulher na visão neoconservadora. Para Melich
(1998:283), as mulheres, de modo geral com menos renda e patrimônio que os homens, dependem
mais de políticas públicas. Por isso ferem-nas, de modo particular, medidas “que objetivem
aumentar a riqueza cortando impostos que pagariam para programas que ajudariam os pobres e as
classes médias”. Para a defesa neoliberal da redução do Estado, portanto, o fortalecimento da
família tradicional passa a ser necessário, porque mulheres sozinhas ficam em situação de maior
vulnerabilidade.
Snyder (2007: 144, 157-8) aponta que a função da “mitologia dos valores da família”, ao
lado de defender o patriarcado, é fortalecer a aliança entre os neoconservadores e o mercado. Para
ela, a ideologia da unidade da família autossuficiente fornece uma justificativa para cortar os
serviços sociais do governo, o que beneficia desproporcionalmente corporações e elites
econômicas. Como argumenta Snyder, a “continuidade da pobreza essencialmente mantém um
grande grupo de indivíduos desesperados e sem poder”, que devem ser protegidos pelo discurso de
defesa da família. A retórica dos ‘valores familiares’ aumenta, para a autora, “os problemas de ação
coletiva, encorajando as pessoas a se identificarem como membros da família e não como
trabalhadores, como participantes de um movimento feminista, ou mesmo como cidadãos”, o que
também é necessário ao neoliberalismo.
Petchesky (1981, :207, 210, 222), como vimos, sintetiza essas duas faces da aliança
neoconservadora, de reação antifeminista e de reação contra o Estado de bem-estar. O elemento
que os une é ideologia privatista, que inclui o poder privado do livre mercado e o poder privado do
60

patriarcado. A combinação entre Estado, mercado e família no programa neoconservador é


explicada pelas categorias de Esping-Andersen.

1.3.6.3. Estado de bem-estar social corporativo

Esping-Andersen define três tipos de welfare state, a partir de combinações entre Estado,
mercado e família: os modelos liberal, corporativo e social-democrata. O modelo liberal defende
assistência apenas aos comprovadamente pobres, com transferências universais reduzidas e planos
de previdência e seguridade mínimos. Nesse tipo o Estado é mínimo, garantidor do livre mercado,
e “os limites do bem-estar social equiparam-se à propensão marginal à opção pelos benefícios
sociais em lugar do trabalho” (Esping-Andersen, 1991:108).
O segundo modelo é dominado por Esping-Andersen de corporativo. Esses regimes, de
acordo com ele, “são moldados de forma típica pela Igreja e por isso muito comprometidos com a
preservação da família tradicional”. A previdência social exclui esposas que não trabalham fora, e
os benefícios destinados à família encorajam a maternidade. Creches e outros serviços semelhantes
prestados à família são subdesenvolvidos. O princípio de subsidiariedade enfatiza que o Estado só
interfere quando a capacidade da família servir os seus membros se exaure” (Esping-Andersen,
1991:109).
No modelo social-democrata vigoram os princípios do universalismo das políticas de
proteção social e de “desmercadorização” dos direitos sociais. Nesse sistema a proposta não é
aguardar que a capacidade da família seja exaurida a fim de que o Estado seja acessado; o ideal é
“não é maximizar a dependência da família, mas capacitar a independência individual (Esping-
Andersen, 1991:110)

Neste sentido, o modelo é uma fusão peculiar de liberalismo e socialismo. O resultado é


um welfare state que garante transferências diretamente aos filhos e assume
responsabilidade direta pelo cuidado com as crianças, os velhos e os desvalidos. Por
conseguinte, assume uma pesada carga de serviço social, não só para atender as
necessidades familiares, mas também para permitir às mulheres escolherem o trabalho em
vez das prendas domésticas. (Esping-Andersen, 1991:110).

O autor elenca países que se enquadrariam em um ou outro tipo ideal. Nenhum teria um
tipo puro. Mas o que interessa aqui é observar que, idealmente, o modelo de welfare state defendido
pelo neoconservadorismo se enquadra no segundo modelo de Esping-Andersen, o tipo corporativo.
61

A família e a religião devem atuar em primeiro lugar. As políticas sociais e previdenciárias estarão
previstas na sua falha. Não há preocupação nesse modelo, como no modelo socialdemocrata, de
alívio da carga de tarefa familiar das mulheres com crianças, desvalidos e idosos.

1.3.6.4. Libertarismo, liberalismo e neoconservadorismo

Antes de encerrar esse item sobre o neoliberalismo e neoconservadorismo, cabe fazer um


esclarecimento conceitual a respeito desses conceitos em relação ao libertarismo e ao liberalismo.
O libertarismo defende um Estado “limitado à função estrita de proteção contra a força, o roubo, a
fraude, e pela execução de contratos” (Nozick, 1991:395). O libertarismo nega qualquer razão
moral para se mitigar a desigualdade e políticas de bem-estar; mas nega, também, “quaisquer
princípios morais independentes que se aplicam a instituições coletivas ou políticas que não possam
ser derivadas dos direitos naturais de seus membros individuais” (Nagel, 2013:292). Assim, os
libertários reivindicam o Estado mínimo não só na economia, mas também sobre a vida pessoal.
Não há pregação libertária sobre a vida particular.
Já os neoconservadores, apesar de advogarem o Estado mínimo na economia, pregam a
intervenção do Estado em na vida íntima, normatizando valores morais, e nisso o
neoconservadorismo se afasta do libertarismo (Drury, 1999: 27-29, 142). Como aponta High (2009:
480), libertários tendem a assumir que o mercado força sua própria moralidade. Já os
neoconservadores, de acordo com o autor, não estão tão certos disso: “se o capitalismo vende
pornografia, ele não pode produzir ‘virtude’”.
A relação entre neoconservadorismo e liberalismo tem mais nuances. A maioria dos
intelectuais que se tornaram neoconservadores chamou-se liberal até pelo menos o início dos anos
1970. Já Irving Kristol criticava o liberalismo desde o princípio de sua produção, ao mesmo tempo
em que demostrava desejo evidente de defender o capitalismo corporativo (High, 2009: 479). Não
há divergência de conteúdo, porém. No princípio os intelectuais neoconservadores defendiam o
liberalismo de mercado, a intervenção mínima do Estado na esfera econômica. O liberalismo que
significa política secular, direitos humanos, democracia representativa, dignidade e liberdade
individual nunca foi prioridade da maior parte dos intelectuais neoconservadores (Drury, 1999:
10). A oposição ao liberalismo se escancarou quando esse termo passou a ser associado ao
62

movimento por direitos civis, à reivindicação por cotas e ações afirmativas, à contracultura, ao
movimento contra a Guerra no Vietnam e ao Great Society (Muller, 1981: 10). Snyder explica:

Os neoconservadores abraçam os princípios liberais que justificam o livre mercado, mas


eles procuram impedir a extensão lógica desses mesmos princípios para que eles não
possam ser usados para eliminar a dominação masculina, a injustiça econômica e o
privilégio heterossexual. Sua veneração da civilização ocidental leva-nos a abraçar
retoricamente o universalismo, a democracia e os direitos humanos, enquanto a sua defesa
do patriarcado, do mercado e dos interesses de elite exigem que eles se oponham ao projeto
político da esquerda, que utiliza esses mesmos princípios. (Snyder, 2007: 147).

Leo Strauss, pai do neoconservadorismo, sempre rejeitou o liberalismo iluminista e a


democracia liberal15. Para Strauss, toda sociedade, para funcionar, precisa de um conjunto de ideias
que definam o que é verdadeiro e falso/certo e errado, e o instrumento mais poderoso para tanto
seria a religião, que liga uma ordem política a uma verdade definitiva, dando coesão a uma
comunidade. O liberalismo, pelo contrário, seria justamente o resultado da erosão dos valores
religiosos, essenciais a uma ordem política viável, convidando à desordem e à desagregação
(Drury, 1999: XII, 7-12, 148). O neoconservadorismo, para Thompson (2007:106-109), argumenta
que o liberalismo levou à decadência cultural e moral, pois privou a esfera pública da orientação
da tradição e da autoridade.
Assim, o neoconservadorismo não é nem libertário nem liberal – apesar de o neoliberalismo
poder sê-los. O neoconservadorismo não é libertário porque, apesar de advogar o Estado mínimo,
demanda que valores morais particulares sejam impostos na esfera pública; é antiliberal no sentido
de que, apesar de defender a liberdade de mercado, advoga a importância dos valores morais e
religiosos na esfera pública.

1.4. Neoconservadorismo pós-Reagan

Vimos o desenho do neoconservadorismo baseado principalmente no que foi consolidado


com o exercício da presidência dos Estados Unidos por Ronald Reagan. Com o fim dos mandatos
de Reagan a tríade neoconservadora perdeu o líder único (Diamond, 1995:276). Pippa Norris

15
Isso se relacionaria à sua experiência de vítima do nazismo. Strauss liga a democracia à República de Weimar, a
cuja derrocada se seguiu a vitória do nazismo na Alemanha. Assim a experiência alemã, para Strauss, levaria à
confirmação do argumento platônico, segundo o qual a democracia leva à tirania (Drury, 1999: XII, 3-5, Linker,
2011:pos. 106-111).
63

(1996) identifica estagnação ou mesmo reversão do movimento neoconservador na década de 1990,


depois do fim da Guerra Fria.
Na campanha presidencial de 1992, que resultou na eleição do Democrata Bill Clinton, a
direita cristã – elemento da aliança neocon – conseguiu transformar-se definitivamente de uma
força externa à uma força interna ao Partido Republicano. Apesar de serem só cerca de 10% da
população em 1992, 30% dos eleitores que votaram eram evangélicos. Ou seja, sua participação
eleitoral desproporcional confirmou os evangélicos como uma força política considerável. Na
década de 1990 sua militância contra o aborto e dos direitos dos homossexuais continuou como
sua prioridade, inclusive com a militância contra o que seria a promoção do homossexualismo nas
escolas (Diamond, 1995: 255, 290, 297 e 312).
A direita cristã foi imprescindível para a eleição de George W. Bush em 2000 (Snyder,
2007:342, 518). Não por acaso Bush investiu bilhões de dólares de recursos públicos para financiar
faith-based organizations de caráter conservador – apenas em 2004, foi destinado o equivalente a
10% do orçamento a esses grupos (Bandeira, 2017:87-88). O movimento neoconservador foi
retomado com esse presidente, em cuja agenda o ideário neoconservador assumiu papel central
(Harvey, 2005:84), por conta dos atentados ao World Trade Center, como vimos acima.
Quando Barack Obama venceu as eleições em 2008, momento em que o Partido
Republicano parecia profundamente desacreditado, o Tea Party surgiu, dando nova identidade à
militância conservadora. É o que afirmam Williamson, Skocpol e Coggin (2011:26 e 35), para os
quais o Tea Party é uma encarnação de um conservadorismo dos Estados Unidos do pós-1960 –
desse que tratamos aqui por neoconservadorismo. Isso porque os membros do Tea Party são contra
os programas sociais federais, como o Affordable Care Act e o Medicare – programas vistos como
esmolas governamentais para “’grupos ‘indignos’, cuja definição permanece fortemente
influenciada por estereótipos raciais e étnicos”.
Uma de suas líderes, Sarah Palin, evangélica, afirma ser feminista, de um grupo chamado
“Feministas pela Vida”, que se “recusam a escolher (Rosen, 2010). Ela defende um feminismo
conservador. De acordo com feministas, porém, ela reforça estereótipo de gênero (Martin, 2008),
e algumas até mesmo que a política apenas se apropria da linguagem do feminismo para inverter
os objetivos do movimento (Week, 2010).
Discute-se se o republicano Donald Trump, o atual presidente norte-americano, seria um
neoconservador. Isso por conta da sua agenda de política externa. Como candidato, ele criticou a
64

guerra no Iraque e manifestou-se pela retirada do envolvimento americano no exterior (Graham,


2017). Além disso, ele é politicamente próximo do presidente russo. Apesar desses elementos,
porém, vários fatores indicam que ele é, sim, um neoconservador, mesmo na política externa.
Isso porque sua proximidade com a Rússia se dá em um contexto em que a URSS não mais
existe há quase trinta anos. E também porque, embora Trump não seja claramente pela intervenção
no Oriente Médio, ele defendeu intervenção militar, pelos EUA, da Venezuela bolivariana,
confirmando um militarismo anticomunista no século XXI (Jacobs, 2017). A questão é que, na
política externa, o neoconservadorismo de Trump parece se aproximar mais do reaganismo do que
da Doutrina Bush.
Além disso, embora católico, Trump “está muito próximo dos evangélicos que acreditam
que apoiar a expansão de Israel ajudará a acelerar a segunda vinda de Cristo” (Utley, 2016) – a
mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém foi lida inclusive como uma medida para atender
sobretudo à direita cristã (Langer, 2017). Trump é pelo “casamento tradicional” (Cama, 2015) e
apresenta posturas antifeministas (Lushe, 2016), além de ser um neoliberal (Bessner e Sparke,
2017).
De qualquer forma, o eixo analítico desta tese é o neoconservadorismo como formulado em
sua origem – o reaganismo. Ou seja, do neoconservadorismo constituído por elementos
conservadores e de direita na política doméstica, e com projeção internacional visando a combater
o comunismo.

1.5. Conclusão

O neoconservadorismo é um movimento político que forjou um ideário privatista (defende


o predomínio do poder privado da família e das corporações), antilibertáriao (a favor da
interferência pública em aspectos da vida pessoal), neoliberal (contra a intervenção do Estado para
a redução das desigualdades), conservador (articula-se em reação ao Estado de bem-estar, ao
movimento feminista e LGBT) e de direita (se opõe a movimentos reivindicatórios que buscam
maior igualdade de direitos).
Enquanto ideário, o neoconservadorismo é, como mencionado, um conjunto de
preferências, um modo de pensamento, uma mentalidade que alia idealismo punitivo externo e
interno, absolutismo do livre mercado e valores da direita cristã, além de apoio ao movimento
65

sionista. O cimento entre esses elementos, que parecem esparsos e até contraditórios, foi
identificado pelos autores citados ao longo deste capítulo. Retomemos brevemente.
O eixo da linguagem neoconservadora é a ideia de privatização. Seja no sentido de garantir
o total livre mercado, livre de ingerências estatais; seja no sentido de se manter intocado o poder
patriarcal.
A peculiaridade do ideário neoconservador reside no foco que tem em relação às questões
sexuais e reprodutivas. A defesa da família tradicional e dos valores religiosos oferece laços sociais
sólidos que visam a compensar a falta de solidariedade deixada pelas políticas neoliberais. O
fortalecimento da família e dos papeis tradicionais de gênero seria necessário, também, para que
as pessoas não dependessem de políticas públicas. Além da família, outro tratamento dado à
pobreza, na linguagem neoliberal e neoconservadora, seria o rigor penal.
A defesa de Israel é o pilar da coalizão neoconservadora que não se comunica diretamente
com a ideia de privatização. O ponto une intelectuais neoconservadores – de maioria judia – e a
direita cristã. A aliança, nesse aspecto, foi costurada principalmente por motivos ideológicos (a
família como cimento da sociedade) e teológicos (teoria do dispensacionalismo).
O militarismo anticomunista faz parte da agenda neoconservadora como elemento de
projeção de poder dos Estados Unidos e de disseminação do capitalismo pelo mundo. Destacou-
se, nessa agenda, o papel da direita cristã na América Latina. Sob o comando de Reagan,
organizações religiosas e missionários atuaram de modo a combater os influxos progressistas;
atuaram em nome da expansão da palavra de Deus, do combate ao comunismo, em uma guerra
espiritual do bem contra o mal.
A hipótese desta tese é de que há um movimento neoconservador, nos moldes existentes
nos Estados Unidos, na Câmara dos Deputados brasileira. Ou seja, a hipótese é de que existe uma
articulação de grupos em prol de uma agenda neoconservadora. Essa articulação defenderia,
portanto, os diferentes elementos que compõem o ideário neoconservador.
Isso será verdade se se verificar que existe um movimento político que contempla: a) defesa
de valores morais religiosos e da família tradicional em reação ao feminismo e ao movimento
LGBT; b) o punitivismo; c) o militarismo anticomunista; d) a defesa de Israel, e) o neoliberalismo.
Tudo isso deve ser informado pela atuação política de algo equivalente à direita cristã. É essa
estrutura que será testada nos capítulos seguintes.
66

2. DEFESA DA FAMÍLIA TRADICIONAL: ATUAÇÃO PARLAMENTAR EM


COMBATE AO FEMINISMO E ÀS DEMANDAS DO MOVIMENTO LGBT

Conforme exposto no Capítulo I, uma das especificidades do neoconservadorismo em


relação a outros movimentos de direita ou conservadores é que ele tem como cerne a militância na
regulação do desejo, associado à defesa dos valores da família tradicional e de valores religiosos
da direita cristã (Brown, 2006, Diamond, 9005, Petchesky, 1981). Por ser esse o centro do que seria
uma ação neoconservadora, a pesquisa empírica sobre a existência de um equivalente brasileiro do
neoconservadorismo norte-americano iniciará por este tema.
Resgatando o exposto, a atuação da direita cristã como ator político relevante e como
integrante essencial da nascente coalizão neoconservadora ocorreu, em grande medida, em reação
ao avanço feminista e dos direitos dos homossexuais nos Estados Unidos. A Emenda de Direitos
Iguais entre homens e mulheres, a permissão do aborto pela Suprema Corte e a realização da
primeira parada do orgulho gay em Nova Iorque foram marcos que instigaram a oposição articulada
da direita. O Ato de Proteção da Família, por outro lado, foi um símbolo da investida
neoconservadora no Legislativo daquele país. Em seu bojo estavam previstas a restrição ao aborto,
o incentivo financeiro a famílias cujas esposas ficassem em casa, a restrição dos direitos dos
homossexuais e o fortalecimento dos papeis tradicionais de gênero (Diamond, 1995; Petchesky,
1981; Snyder, 2007).
De maneira geral, os neoconservadores atuaram de modo a eliminar programas
governamentais de cunho feminista e pelos direitos dos homossexuais e foram contra a
interferência do Estado no domínio familiar. Assim, defendiam a prerrogativa de os pais aplicarem
castigos corporais aos filhos. Pelo mesmo motivo, reivindicaram diversas medidas relativas à
educação, como o homeshcooling e a proibição de materiais que contrariassem as diferenças
naturais entre os sexos. Os argumentos utilizados para a agenda eram baseados na maioria moral,
no restabelecimento da autoridade patriarcal, na função de a família prevenir disfunções sociais
como pobreza, criminalidade, gravidez precoce e “filhos ilegítimos”, e em fornecer segurança para
as mulheres. Tudo isso foi, nos Estados Unidos, protagonizado pela direita cristã (Diamond, 1995;
Drury, 1999; Gago, 2013b; Petchesky, 1981; Snyder, 2007).
67

Tendo esse panorama em consideração, neste capítulo se buscará identificar: a) se existe


uma dinâmica de reação a movimentos feministas e LGBT na política brasileira; b) quem são os
protagonistas dessa eventual reação; c) se as ações e os argumentos que informariam essa eventual
reação se assemelham aos do neoconservadorismo norte-americano.

2.1. Metodologia do capítulo

O tema do capítulo são as iniciativas que constituem a reação pró-família na Câmara dos
Deputados. A defesa da família tradicional significa a defesa dos papeis tradicionais de homens e
mulheres na sociedade, aliada ao enfrentamento de reivindicações de autonomia da mulher sobre
seu corpo e de demandas de reconhecimento dos grupos LGBT. No debate atual os Deputados
articulam sistematicamente esses temas.
Este capítulo se apoiará em um banco de dados quantitativo composto pelas iniciativas pró-
família em tramitação na Câmara dos Deputados. Nesse trabalho “iniciativa” se refere a: a)
proposições, que são principais (Propostas de Emenda à Constituição – PEC16, Projeto de Lei
Complementar - PLP 17 , Projetos de Lei – PL 18 , Projetos de Decreto Legislativo – PDC 19 ) ou
acessórias (Pareceres20, Indicações – INC21, Requerimento de Informações – RIC22, Requerimentos

16
Altera o texto da Constituição da República, norma de maioria hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro.
Apresentada por 2/3 de deputados, pelo Presidente da República ou por outro sujeito, conforme previsão
constitucional. Discutida e votada em dois turnos, em cada Casa do Congresso, aprovada se obtiver, na Câmara e no
Senado, três quintos dos votos dos deputados (308) e dos senadores (49).
17
Inova o ordenamento jurídico em matérias que a Constituição determinada que devem ser reguladas por Lei
Complementar. Apresentado por qualquer deputado, pelo Presidente da República, além de outros atores
legitimados. Deve ser discutido e votado, aprovado por maioria absoluta, pelo Plenário da Câmara e do Senado, e
posteriormente sancionado pelo Presidente da República.
18
Inova o ordenamento jurídico em matérias que não precisam de PLP. Apresentado por qualquer deputado, pelo
Presidente da República, além de outros atores legitimados. Pode, conforme a matéria, ser aprovado conclusivamente
pelas comissões da Câmara e do Senado. De regra, porém, é submetido ao Plenário de ambas as casas, onde deve ser
discutido e votado, aprovado por maioria simples (presente a maioria dos deputados, aprovado pela maioria dos
presentes). É submetido à sanção do Presidente da República.
19
Para regular matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo, conforme previstas na Constituição, dentre
as quais sustar atos normativos do Poder Executivo. Pode, conforme a matéria, ser aprovado conclusivamente pelas
comissões da Câmara e do Senado. De regra, porém, é submetido ao Plenário de ambas as casas, onde deve ser
discutido e votado, aprovado por maioria simples.
20
Os pareceres são apresentados pelos relatores nas Comissões pertinentes e no Plenário.
21
É a proposição através da qual um deputado sugere a outro Poder a realização de um ato.
22
Solicitado a Ministro de Estado, importando crime de responsabilidade a recusa ou o não atendimento no prazo de
trinta dias, sobre ato ou fato na área de competência do Ministério.
68

– REQ23, Emendas24 e Votos em Separado25) e b) discursos proferidos em Plenário relativos a


essas proposições. O acréscimo de discursos se dá por dois fatores. O primeiro é que, muitas vezes,
uma proposição (como um PL) é apresentada sem que se dê qualquer peso político a ela; isso é
diferente de quando uma proposta é objeto de discursos que a colocam em evidência. O segundo é
que, muitas vezes, as justificativas das proposições – textos que integram formalmente as propostas
– são feitas por consultores que procuram uma linguagem técnica para sua defesa; já os discursos,
mesmo que elaborados eventualmente por assessores, trazem mais a carga de razões que o
parlamentar efetivamente defende.
O banco de dados conta com 163 discursos e 104 proposições, relativos aos anos de 2003 e
2015, inclusive. É em 2003 que ganha proeminência política a bancada evangélica – conforme os
estudos anteriores apontam, é o grupo ao qual pertence a maior parte dos protagonistas da
militância objeto da pesquisa. O último ano foi 2015 dado que a escrita desta tese se deu nos anos
subsequentes.
As iniciativas foram classificadas em três grandes temas: (a) contra o aborto ou pelo
endurecimento/expansão da legislação repressiva do aborto; (b) contra as reivindicações LGBT; e
(c) contra o gênero – ou contra o conceito de gênero nas normas ou contra a dita ideologia de
gênero. Uma iniciativa pode expressar um ou mais desses temas. O banco de dados conta ainda
com a informação de quem é o parlamentar autor de cada iniciativa, e de sua denominação religiosa.
Este banco de dados possibilitará uma análise quantitativa e qualitativa das iniciativas.
A defesa da família não foi classificada como um tema, pois ela é a justificativa declarada
para a oposição ao aborto, às demandas LGBT e ao gênero. Mas, a fim de comparar a relevância
de outras ordens de justificativas usadas para a ação estudada neste capítulo (isso será feito no item
2.5), a defesa da família foi classificada como um entre outros argumentos. As iniciativas têm
diferentes graus de importância. Por isso se atribuiu uma pontuação a cada uma delas, conforme a
Tabela 1. Um discurso em Plenário é uma forma de intervenção com menos consequência do que
a apresentação de uma proposição que interfira na tramitação de um PL, de PDC ou de uma PEC.
Da mesma maneira essas três iniciativas de inovação do ordenamento jurídico têm mais relevância
do que as os requerimentos e pareceres correlatos. A PEC tem uma pontuação maior porque sua

23
Os requerimentos podem ser autônomos (como solicitando a realização de uma audiência pública) ou relativos a
alguma matéria em tramitação (solicitando, por exemplo, a retirada ou inclusão de pauta de algum projeto).
24
As emendas propõem a alteração de uma proposição em discussão.
25
O voto em separado é apresentado por escrito por um deputado que não é relator da matéria.
69

autoria não pode ser individual; é necessário o apoio de 171 deputados para que tenha início uma
proposta de mudança à Constituição, a norma máxima do ordenamento jurídico brasileiro.

Tabela 1 – Valores atribuídos por tipo de iniciativa.

Iniciativa Valor atribuído


Discurso 1
Indicação (INC)
Requerimento (REQ)
Parecer
Emenda 2
Voto em Separado
Requerimento de informação (RIC)
Recurso
Projeto de Decreto Legislativo (PDC)
Parecer em PEC
3
Projeto de Lei (PL)
Projeto de Decreto Legislativo (PLP)
Proposta de Emenda à Constituição
4
(PEC)

Fonte: elaboração própria.

A academia já se dedica à ação conservadora no Brasil contemporâneo em relação aos temas


de gênero, direitos LGBT e direitos sexuais e reprodutivos, particularmente no âmbito do
legislativo nacional. Os estudos publicados associam essa militância à atuação política religiosa
cristã. Este capítulo trata do assunto; o faz, porém, com duas diferenças principais em relação aos
trabalhos anteriores. A primeira diferença é que esta pesquisa faz o caminho inverso do percorrido
por autores como Baptista (2007) e Vital e Lopes (2013), que observam a atividade dos evangélicos
para então tratar de sua militância contra pautas feministas e de diversidade sexual e de gênero.
Aqui parte-se da ação sobre a defesa da vida e da família no parlamento para depois se identificar
quais os protagonistas dessa ação. A segunda diferença é que o objetivo neste capítulo é identificar
se a ação política antifeminista e anti-LGBT tem características de um movimento neoconservador,
nos moldes do movimento consolidado nos EUA a partir da década de 1980. É o que examinaremos
a partir de agora.
70

2.2. Ação pró-família como reação a movimentos feministas e LGBT

O Gráfico 2 traz a compilação das iniciativas contra o aborto e pelo endurecimento da


legislação punitiva do aborto, contra as demandas LGBT e contra o gênero ou a ideologia de
gênero. Os números indicam que em meados de 2008 aumenta a quantidade de investidas contra o
aborto. As iniciativas contra a agenda LGBT crescem em 2011. Em 2014 a militância contra o
gênero se fortalece ainda mais. É a partir desse gráfico se verificará se existe uma dinâmica de
reação no legislativo brasileiro em relação a essas pautas.

Gráfico 2 – Quantidade de iniciativas contra o aborto e pelo endurecimento do aborto,


contra as demandas LGBT e contra o gênero (2003-2015)

80

70

60

50

40

30

20

10

0
2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016

Contra LGBT Contra aborto Contra gênero

Fonte: elaboração própria.

2.2.1. Reação contra o aborto

Miguel, Biroli e Mariano (2016:131-2) afirmam que existiu no Congresso um debate


incipiente sobre a interrupção da gravidez desde os anos 1940, um debate mais intenso a partir dos
71

anos 198026 – o direito à vida desde a concepção foi objeto de polêmica importante na Assembleia
Nacional Constituinte em 1987 e 1988 (Pierucci, 1989:124) – e que a partir dos anos 2000 ampliou-
se a quantidade de manifestações contrárias ao direito ao aborto, “com uma radicalização das
posições conservadoras, na mesma medida em que houve passos em direção a avanços”.
Em 2007, como vemos pelo Gráfico 2, o tema do aborto passa a entrar na agenda da Câmara
com mais força do que antes. Esse dado é confirmado pela pesquisa de Miguel, Biroli e Mariano
(2017) a respeito dos discursos em Plenário sobre o aborto:

Gráfico 3 – Discursos com tema “aborto” no plenário da Câmara dos Deputados


brasileira, por ano (1991-2014)

Fonte: pesquisas “Direito ao aborto e sentidos da maternidade: atores e posições em disputa


no Brasil contemporâneo” e “Representação substantiva e gênero no Brasil” (Miguel, Biroli
e Mariano, 2017:242).

O que ocorre em meados de 2007 é que iremos identificar a partir de agora.


Em 2006 foi apresentada a primeira proposta pelo agravamento da legislação proibitiva do
aborto. O projeto27 de Eduardo Cunha visava a transformar o aborto em um crime hediondo28. Em

26
Para esse argumento os autores se baseiam em Rocha, Rostagnol e Gutiérrez (2009).
27
PL 7443/2006.
28
Os crimes hediondos são inafiançáveis, insuscetíveis de graça, anistia e indulto e a progressão de seu regime penal
é mais dificultosa.
72

2007 foi apresentada outra proposta no mesmo sentido, o projeto de Estatuto do Nascituro29, que
na versão original proibia o aborto mesmo em caso de estupro – hipótese na qual a legislação
atualmente autoriza a interrupção voluntária da gravidez –, conferindo uma pensão ao filho gerado
nessas circunstâncias, razão pela qual foi apelidado posteriormente, por feministas, de “Bolsa
Estupro” (Lemes, 2013). Essa proposta foi a primeira que dispôs a respeito de direitos do feto.
Nesse ano também ocorreu a retomada da tramitação do projeto que propunha a
descriminalização da interrupção voluntária da gravidez30, apresentado em 1991, mas que ficara
mais de quinze anos praticamente parado. Em 2008 o parecer de Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP)
a esse PL, pela sua rejeição e consequente manutenção do aborto como crime, foi aprovado pela
Comissão de Seguridade Social e Família, após intensa polêmica. Dois meses depois o projeto foi
considerado inconstitucional pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sob parecer do
deputado Eduardo Cunha, pela acachapante maioria de 61 a 4.
A derrota do projeto denotou, para Dantas (2011:206), a eficácia do “lobby evangélico em
sua articulação com outros segmentos religiosos”. O resultado foi considerado pelos parlamentares
um marco e uma vitória das bancadas cristãs como um todo:

Quero também dizer da nossa satisfação e felicidade com a derrota, na Comissão de


Constituição e Justiça e de Cidadania, quarta-feira passada, do Projeto de Lei nº 1.135, de
1991, que legalizaria o aborto até o terceiro mês de gestação. Parabenizo todas as frentes
parlamentares, tanto a católica como a evangélica, a Frente Parlamentar Contra a
Legalização do Aborto - Pelo Direito à Vida, por intermédio de seu Presidente, o Deputado
Leandro Sampaio, a Frente Parlamentar da Família e Apoio à Vida, por intermédio do seu
Presidente, o Deputado Rodovalho, a Frente Parlamentar em Defesa da Vida - Contra o
Aborto, por intermédio do seu Presidente, o Deputado Luiz Bassuma, e o Movimento
Brasil sem Aborto, hoje sob a direção da Dra. Lenise Garcia. (...) Essa vitória é da
população brasileira - 84% dos brasileiros são contrários ao aborto -, é de todos os que
assinaram o abaixo-assinado contra o aborto, documento veiculado nas igrejas católicas e
evangélicas pelo Brasil afora. (Dr Talmir – PV/SP, discurso em Plenário em 15/07/2008).

Mas a bancada evangélica já era muito expressiva desde 2003, quando passou a contar com
52 membros, e a bancada católica há décadas atuava contra o aborto no legislativo (Gomes,
Natividade e Menezes, 2009:29; Rocha, 2006). Então, além da articulação religiosa, o que explica

29
PL 478/2007, de Luiz Bassuma - PT/BA e Miguel Martini - PHS/MG, a ele apensados o PL 489/2007, de Odair
Cunha - PT/MG, o PL 1763/2007, de Jusmari Oliveira - PR/BA e Henrique Afonso - PT/AC, o PL 3748/2008, de
Sueli Vidigal - PDT/ES, o PL 1085/2011, de Cleber Verde - PRB/MA, o PL 8116/2014, de Alberto Filho -
PMDB/MA , Arolde de Oliveira - PSD/RJ e Aníbal Gomes - PMDB/CE.
30
PL 1135/1991, de Eduardo Jorge - PT/SP, Sandra Starling - PT/MG, a ele apensado o PL 176/1995, de José
Genoíno – PT/SP.
73

as propostas pelo agravamento da legislação contra o aborto a partir de 2006 e derrocada dos
projetos de descriminalização em 2008 depois de mais de década sem tramitação? Por que isso
ocorre nesse momento?
As manifestações dos deputados elucidam. Trata-se de reação a influxos pela
descriminalização do aborto vindos do Executivo. O Deputado João Campos (PSDB/GO), em
entrevista concedida para a pesquisadora Bruna Suruagy do Amaral Dantas (2011:180), a respeito
da derrubada da proposta pela descriminalização do aborto, afirmou que o governo do Presidente
Lula era um “governo abortista, que defende o aborto claramente, de forma aberta, sem nenhum
constrangimento”.
É que, em 2005, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres do Governo Federal
instalara comissão tripartite – com representação do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil
– para revisar a legislação punitiva contra o aborto. Também em 2005 o Ministro da Saúde
Humberto Costa publicou a norma técnica “Atenção Humanizada ao Abortamento”, sobre o
atendimento nos casos de aborto legalmente autorizado, mesmo sem boletim de ocorrência. Ambas
as iniciativas foram criticadas em discursos em plenário, e a norma técnica foi objeto de um projeto
pela sua revogação31.
Além disso, José Gomes Temporão, Ministro da Saúde do segundo mandato de Lula, a
partir de maio de 2007 passou a dar declarações no sentido da necessidade de descriminalização
do aborto. Ele chegou a afirmar que a discussão sobre o assunto seria machista, uma vez que
conduzida apenas por homens, e que se eles engravidassem “essa questão já estaria resolvida há
muito tempo". Para Temporão, o aborto deveria ser tratado sob a perspectiva da saúde pública –
declaração que fez ao receber a “Carta do Rio de Janeiro pelos direitos sexuais e reprodutivos, pela
equidade de gênero e em defesa do estado laico”, elaborada por pesquisadores da saúde (Ac, 2007;
Cm, 2007; G1, 2007; Guerreiro, 2007).
As declarações do Ministro ensejaram inclusive iniciativa de criação uma Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre a prática de aborto. O deputado Luiz Bassuma (PT/BA) afirmou
em Plenário, em 25 de fevereiro de 2008, que começou a coletar assinaturas para a criação dessa
CPI 32 baseado “em denúncia pública feita pelo próprio Ministro da Saúde de que se vendem
ilegalmente remédios abortivos e se faz a prática ilegal do aborto em nosso País”. A CPI visava,

31
PDC 42/2007, de autoria de Henrique Afonso – PT/AC. A norma técnica foi revogada pelo governo mesmo sem
ter sido o PDC aprovado.
32
RCP 9/2008, de Luiz Bassuma (PT/BA). A CPI nunca foi instaurada.
74

portanto, a combater o principal argumento pela descriminalização da prática, que é o aborto


clandestino causar mais de um milhão de mortes por ano. Ora, se o aborto ilegal mata,
investiguemos e combatamos essa prática, argumentou o parlamentar.
Esse ano, de 2008, como mostram o Gráfico 2 e o Gráfico 3, é o do pico das iniciativas e
dos discursos contra o aborto ou pelo endurecimento da respectiva legislação33. Maria das Dores
Machado (2012a:28-9) sintetiza: mesmo “que a apreensão dos atores religiosos cristãos com o tema
do aborto não seja propriamente uma novidade”, as iniciativas do governo Lula ampliaram a
“reação coletiva dos segmentos tradicionalistas”. Esses fatos ecoaram com bastante força nas
eleições presidenciais de 2010 34 , que foram um marco no tratamento público das questões de
gênero a partir de uma matriz religiosa cristã conservadora (Machado, 2012a; b; Vital e Lopes,
2013:64-108).
Verifica-se, portanto, que, em relação ao aborto, existe uma dinâmica de reação. Ou seja, o
combate à interrupção voluntária da gravidez torna-se mais intenso à medida em que atores do
Poder Executivo encampam a reivindicação de que o procedimento seja descriminalizado. Uma
reação conservadora ocorre diante de ameaças de mudanças. Verifica-se, ainda, tanto no Gráfico 2
quanto no Gráfico 3, uma progressiva queda da militância contra o aborto. O que esta pesquisa
mostrará é que outros temas da ação pró-família – combate às demandas LGBT e ao próprio
conceito de “gênero” – substituem essa frente.

33
Mesmo com o decréscimo a partir de 2009, o tema continua na pauta, ainda que não se reflita em iniciativas
normativas. Fato especialmente relevante foi a publicação pelo Executivo, no ano de 2009, do 3º Programa Nacional
de Direitos Humanos, que originalmente previa o apoio à “aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto,
considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos” (Decreto nº 7.037, de 21/12/2009). A
redação foi objeto de forte crítica, dentro e fora do parlamento. Na sequencia o texto foi revisto. No tópico, passou-se
a considerar “o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde” (Decreto nº
7.177, de 12/05/2010).
34
Na disputa, resgatou-se um vídeo que, em entrevista do ano de 2009, Dilma Rousseff, então Ministra-Chefe da
Casa Civil, afirma que “o aborto é uma agressão”, mas que “o aborto, do ponto de vista de um governo, não é
questão de foro íntimo, mas de saúde pública”. Nas eleições de 2010 o campo pentecostal se dividiu – a IURD
defende a descriminalização do aborto e defendeu Dilma, enquanto a Assembleia de Deus se posicionou no sentido
oposto. Os movimentos católicos Renovação Carismática, Opus Dei e Defesa da Vida fizeram forte oposição à
candidata com base no tema. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, órgão máximo da Igreja Católica no país,
também cindiu internamente. O voto religioso jogou um papel decisivo e levou as eleições para o segundo turno
(Machado, 2012a:26, 36-37) A candidata recuou completamente. Na mensagem de Dilma para os cristãos, lançada
em 15/10/2010, para pôr fim às “calúnias”, ela afirmou defender a manutenção da legislação atual sobre o assunto e
afirmou que o PNDH-3 seria uma carta de intenções que estava sendo revista. Ela afirmou também que sancionaria o
PLC 122, sobre a criminalização da homofobia, apenas nos artigos que não violassem a liberdade de crença culto e
expressão (Rousseff, 2010).
75

2.2.2. Reação contra a agenda LGBT

Vemos pelo Gráfico 2 que o tema LGBT mobiliza mais iniciativas do que o aborto. Isso
ocorre possivelmente por esse ser um movimento mais recente que o movimento feminista,
colocando uma pauta relativamente nova no espaço político (Villazzón, 2014). Isso se dá também,
provavelmente, pela maior visibilidade das pautas LGBT nos grandes meios de comunicação –
pelo menos na impressão dos parlamentares 35 . Como afirmou o deputado Jefferson Campos
(PMDB/SP)36: “uma das maiores redes de televisão” brasileira atua pelo “marketing LGBT”. Em
contraposição a isso, nenhuma televisão no Brasil se manifesta pela descriminalização do aborto.
Assim como o combate ao aborto, aquele à agenda LGBT é anterior ao século XXI. A
militância contra os direitos das “minorias sexuais” remonta pelo menos à Assembleia Nacional
Constituinte (Câmara, 2002; Gomes, Natividade e Menezes, 2009:19; Pierucci, 1989:124). Ocorre
que, como o Gráfico 2 mostra, o ativismo contra a agenda LGBT aumenta lentamente, mas em
2011, no início da 54ª Legislatura, primeiro ano do mandato de Dilma, há um súbito crescimento.
Em 2011 é apresentada a iniciativa da “cura gay”, como apelidada por seus opositores. A
proposta 37 visava a sustar uma resolução do Conselho Federal de Psicologia que veda o
oferecimento de terapias para a homossexualidade. O CPF tinha a norma desde 1999, mas somente
12 anos depois de sua edição é que o parlamento se voltou contra ela. Para o autor da proposta, o
CFP restringe o trabalho dos profissionais de psicologia, extrapolando seu poder regulamentar e
usurpando a competência legislativa.
Foi também em 2011 que o PLC 12238, sobre a criminalização da homofobia, mais recebeu
atenção nos discursos em Plenário na Casa. De 2007 (o projeto foi aprovado na Câmara em
novembro de 2006) a 2010, a proposta foi objeto de 15 pronunciamentos; só em 2011, 25 discursos
o abordaram: um aumento de 66% em relação à soma do período anterior.

35
“Na novela Mulheres Apaixonadas, acompanhada por milhões de telespectadores, duas adolescentes envolvem-se
numa relação de lesbianismo com a naturalidade própria do amor heterossexual — quer dizer, natural. O exemplo é
péssimo para o público jovem, vítima do vale-tudo a que se dispõem as grandes redes de televisão, que invadem e
profanam a santidade dos lares e a intimidade das consciências na briga pela audiência. Seu objetivo é criar na mente
dos telespectadores menos preparados uma confusão entre o certo e o errado. Confusos, fica muito fácil impregnar
neles o conceito da permissividade: tudo é natural, tudo é normal e não há nenhum mal”. (Deputado Elimar Máximo
Damasceno, PRONA-SP, 14/07/2003.)
36
Discurso de 30/06/2015.
37
PDC 234/2011, de João Campos (PSDB/GO).
38
PLC 122/2006 é o número que recebeu no Senado. Na Câmara sua identificação era PL 5003/2001, de autoria de
Iara Bernardi (PT/SP).
76

Esse giro que acontece em 2011 foi uma reação a dois acontecimentos de maio daquele ano,
vindos de outros Poderes da República. O primeiro foi o julgamento, pelo Judiciário, da
constitucionalidade da união homoafetiva. O segundo foi a tentativa, pelo Executivo, de se divulgar
um material contra a homofobia nas escolas. Isso, porém, é o cume de um processo de anos.
No ano de 2004 o Ministério da Saúde publicara o “Brasil Sem Homofobia: Programa de
combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual” (Cncd,
2004). O material, que continha diretrizes para a superação do preconceito e a promoção da
inclusão de pessoas LGBT, foi considerado um acinte à moral e aos bons costumes. Em 2008 foi
promulgada uma Portaria do SUS que regulamenta o processo transsexualizador39. A norma foi
criticada pelos valores que promoveria, e por gastar recursos públicos de saúde em um
procedimento que não seria prioridade. Em 2009 a Secretaria Especial de Direitos Humanos
publicou o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais, que também foi criticado, especialmente pala diretriz de
promoção da não-discriminação nas escolas. O PNDH-340, publicado no fim de 2009, previa a ação
programática de instituir nos sistemas de informação do serviço público todas as configurações
familiares constituídas por pessoas LGBT com base na “desconstrução da heteronormatividade”.
Em 2010, no fim de seu mandato, Lula assinou o Decreto 7.388, que criou o Conselho Nacional de
Combate à Discriminação, voltado para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos
direitos de LGBT. O conselho foi criticado na Câmara por não combater a discriminação de outros
segmentos vulneráveis da sociedade, e foi visto dentro do mesmo pacto de medidas pelo aborto.
Em maio de 2011 ocorreu o julgamento mencionado, pelo Supremo Tribunal Federal, da
constitucionalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo, seguida pelo julgamento pelo
Superior Tribunal de Justiça da legalidade do casamento homoafetivo e de sua regulamentação
pelo Conselho Nacional de Justiça, que normatiza a atividade dos cartórios. Entre 2011 e 2012, 28
discursos abordam o tema em Plenário41. Os julgamentos foram considerados, por parlamentares,
inconstitucionais por violarem a competência do Legislativo e por violarem a definição de união

39
Portaria GM/MS nº 1.707, de 18/082008.
40
No ano de 2009 o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. O
documento, resultado dos trabalhos da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos e de propostas aprovadas nas
mais de 50 conferências nacionais temáticas promovidas desde 2003, tratou do direito à memória, verdade e justiça,
de direitos LGBT, de reforma agrária, de aborto (como dito anteriormente), dentre outos temas que causaram reação
de setores conservadores.
41
Nem todos esses discursos integram o banco de dados que embasou o Gráfico 2, que apenas contempla
pronunciamentos em Plenário referentes a proposições específicas.
77

estável estabelecida na Constituição. Em reação às decisões judiciais, foi apresentado um projeto


para a realização de um plebiscito que decidisse sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo42.
Também em reação ao julgamento o deputado Nazareno Fonteles (PT/PI) apresentou a PEC
33/2011, que limitaria o chamado ativismo judicial43.
No mesmo mês do julgamento pelo STF, maio de 2011, o Ministério da Educação lançou
o Programa Escola sem Homofobia. O Programa visava a efetivar uma diretriz do Brasil sem
Homofobia, a respeito da promoção da não discriminação por sexual nas escolas (Cncd, 2004:25).
O material do programa consistia no Caderno Escola sem Homofobia, que trazia o conceito de
gênero, de diversidade sexual, de homofobia, entre outros, e em vídeos educativos.
Essa tentativa por parte do Governo Federal dá impulso decisivo ao combate às pautas sobre
o movimento LGBT. Esse material passou a ser chamado de “kit gay”, conforme batizado pelo
deputado Jair Bolsonaro. O “kit gay” foi objeto de 47 discursos no ano de 201144. Os argumentos
contra o kit eram vários. Ele ensinaria a homossexualidade, a promiscuidade e a pedofilia.
No dia 24 de maio a Agência Câmara divulgou que, “sob o comando da Frente Parlamentar
Evangélica”, católicos e evangélicos decidiram radicalizar contra o governo, que acabou recuando
(Ac, 2011a; b). Dilma, ao suspender o kit, afirmou que o governo é contra a homofobia. Mas acatou,
também, um dos principais argumentos dos opositores do material educativo: o kit estimularia a
homossexualidade45.
As ações contra as pautas LGBT, como visto, ocorrem em reação a conquistas desse
movimento perante o Poder Executivo e o Judiciário. Mas a tentativa de uma política pública
voltada à promoção do respeito à diversidade sexual ao sistema de ensino inaugura uma nova fase
da reação conservadora, agora voltada propriamente contra o “gênero”.

42
PDC 232/2011, de André Zacharow - PMDB/PR. Em 2013 a Comissão de Direitos Humanos e Minorias,
presidida então pelo deputado Marco Feliciano (PSC/SP), aprovou a proposta, que seguiu então para a CCJC, mas
acabou sendo arquivada.
43
A emenda estabeleceria quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de
inconstitucionalidade de leis; condicionaria o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal
à aprovação pelo Poder Legislativo e submeteria ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de
Emendas à Constituição. O relatório do deputado João Campos (PSDB/GO) pela admissibilidade da proposta,
defendendo a separação de poderes, foi aprovado pela CCJC. Mas a PEC acabou não tendo comissão especial criada
e foi arquivada.
44
Nem todos esses discursos integram o banco de dados que embasou o Gráfico 2, que apenas contempla
pronunciamentos em Plenário referentes a proposições específicas.
45
Ou, nas palavras da presidenta: "Não aceito propaganda de opções sexuais. Não podemos intervir na vida privada
das pessoas" (Educação, 2011).
78

2.2.3. Combate à ideologia de gênero

A tentativa de o Governo Federal abordar via sistema de ensino a questão da igualdade de


gênero e do respeito às diferentes orientações sexuais, via Programa Brasil sem Homofobia, levou
a uma imensa reação do Legislativo e acendeu o alerta sobre a interferência considerada indevida
de tais ensinamentos às crianças. Em 2011 nada menos que 94 discursos em Plenário abordaram a
questão da educação relacionada a tais conteúdos, que permanece objeto de atenção nos anos
seguintes – 33 pronunciamentos em 2012, 43 em 2013, 34 em 2014 e 106 em 201546.
A ideologia de gênero entra com força nos debates nesse contexto, mas já havia sido
mencionada antes em três pronunciamentos em Plenário, nos anos de 2003, 2004 e 2010, com
sentido rigorosamente igual ao atual. Por exemplo:

Fundamentado na ideologia de gênero, as feministas radicais defendem a tese de que a


primeira opressão da mulher se dá no casamento monogâmico, e para evitar essa opressão
é necessário, segundo esse grupo, destruir a família. Uma das estratégias é o
reconhecimento legal de várias formas de família. Assim teriam os mesmos direitos da
família tradicional: as uniões de fato, as uniões de pessoas do mesmo sexo, o conhecido
"casamento gay". (...) julgo importante que todos nós estejamos familiarizados com essas
expressões ambíguas, esses neologismos que, com dupla finalidade, têm o objetivo de
introduzir na legislação brasileira ideologias contrárias a nossa comunidade fundamentada
na família - base da sociedade - e na defesa da vida humana. (Deputado Elimar Máximo
Damasceno – PRONA/SP, discurso em Plenário em 25/07/2004).

Somente em novembro de 2013, porém, a ideologia de gênero foi resgatada pelo deputado Pastor
Eurico, para então entrar definitivamente na agenda. De acordo com o parlamentar, os conceitos
de "gênero", "identidade de gênero" e "orientação sexual" trazem embutida a “ideologia de
gênero”. Na sua concepção, o gênero, ao substituir a “expressão ‘sexo’”, esconde “uma ideologia
que procura eliminar a ideia de que os seres humanos se dividem em dois sexos”. Para ele, a
“ideologia de gênero está sendo introduzida na legislação como uma bomba-relógio, com o
objetivo de destruir o conceito tradicional da família como a união de um homem e uma mulher
vivendo com compromisso de criar e educar filhos”. Ele alerta, ainda, para a existência do
movimento organizado em defesa da vida e da família e da moral e dos bons costumes:

(...) quero informá-los que temos aqui no Congresso Nacional um exército de defensores
da família, da vida humana e da liberdade religiosa atento 24 horas por dia a todas as

46
Nem todos esses discursos integram o banco de dados que embasou o Gráfico 2, que apenas contempla
pronunciamentos em Plenário referentes a proposições específicas.
79

investidas dos inquisidores da família, da moral e dos bons costumes. (Deputado Pastor
Eurico – PSB/PE, discurso em Plenário em 22/11/2013).

Esse pronunciamento sintetiza os elementos em questão no combate à ideologia de gênero:


defesa da família tradicional; defesa da vida (contra o aborto); defesa dos papeis tradicionais de
homens e mulheres; combate às identidades de gênero e às orientações sexuais que não sejam cis
ou hetero; defesa dos valores religiosos cristãos. Deixa clara, ainda, a dinâmica de reação que
informa as iniciativas: trata-se de combater esse mal, “imposto” na educação a partir do “kit gay”,
por um movimento articulado no Congresso Nacional.
Criticando a introdução da “ideologia de gênero” nas escolas, em 16 de dezembro de 2013
o Programa Escola Sem Partido é tratado pela primeira vez no Plenário da Câmara, em discurso do
deputado Erivelton Santana (PSC/BA). O nome da proposta é uma alusão ao “Programa Escola
sem Homofobia”. O parlamentar, que pretende tratar do “problema da educação moral nas escolas”
sob uma perspectiva “eminentemente jurídica”, levanta, contra a educação sobre gênero e
orientação sexual, o Pacto de São José da Costa Rica, que diz que os “pais têm direito a que seus
filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções."47
É nesse ano, 2013, que a ocupação de postos em comissões relevantes para militância contra
o gênero se tornou evidente, com o exercício da presidência da Comissão de Direitos Humanos e
Minorias pelo deputado Pastor Marco Feliciano48.
Posteriormente, mas ainda naquele ano, os pronunciamentos a respeito do tema
educação/gênero passam se dar no contexto da discussão acerca do Plano Nacional de Educação49.
O relator do PNE, deputado Angelo Vanhoni (PT/PR), incluiu no projeto a diretriz de superação
das desigualdades educacionais com ênfase na “promoção da igualdade racial, regional, de gênero
e de orientação sexual”. Essa iniciativa foi considerada uma ameaça e fez com que deputados se
mobilizassem.

47
A formalização do Programa Escola sem Partido como um projeto de lei ocorreu mais tarde, em 2015, por
iniciativa do deputado Izalci (PSDB/DF). O PL 867/2015 propõe vetar “em sala de aula, a prática de doutrinação
política e ideológica bem como a veiculação de conteúdo ou a realização de atividades que possam estar em conflito
com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”, e que apresenta como diretriz da
educação nacional o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem
familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada
a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”.
48
Pelo menos desde 2009 a bancada evangélica buscava centrar seus esforços em determinadas comissões, como a
de Constituição e Justiça, Seguridade Social e Família e Direitos Humanos e Minorias (Dantas, 2011:185).
49
PL 8035/2010, de autoria do Poder Executivo.
80

O projeto, assim como o Programa Escola Sem Homofobia, foi abordado em Plenário pela
primeira vez pelo deputado Jair Bolsonaro, que em 15 de agosto de 2013 manifestou desagrado
quando à proposta, associada ao Plano Nacional de Cidadania LGBT. O objetivo dos textos, em
suas palavras, seria a “desconstrução da heteronormatividade”. Ele bradou: “Qual a intenção?
Desgraçar o tecido social, esculhambar com os valores familiares, porque uma família destruída é
mais fácil de ser cooptada para o PT. Só posso crer que seja isso!”
Foi no debate do PNE que a expressão “ideologia de gênero” se fixou na Câmara, tanto nas
falas dos parlamentares quanto nas manifestações dos militantes religiosos que compareciam às
sessões de discussão do projeto. Após várias e acaloradas discussões, a posição contrária à menção
ao gênero e à orientação sexual no Plano venceu.
Apesar disso, o Documento Final da Conferência Nacional de Educação apresentou, dentre
as diretrizes para as políticas educacionais no Brasil, a superação das desigualdades de gênero e de
orientação sexual (Fne, 2014:19), trecho que fora retirado da proposta do PNE. Essa menção foi
considerada por parlamentares pró-família uma violação da lei, sendo objeto de forte crítica
expressa em 12 discursos.
À Conferência Nacional de Educação se seguiu a discussão dos planos estatuais e
municipais de educação. As críticas à ameaça de a ideologia de gênero estar contida nesses planos
foram expressas em 32 iniciativas, entre discursos e requerimentos. Ainda na esteira da reação à
posição da Conferência, foram apresentadas propostas para proibir que exista, no sistema, conteúdo
que tenda relativo à ideologia de gênero, gênero ou orientação sexual50, e mesmo para criminalizar
a inclusão, em atos de governo, de termos como orientação sexual e identidade de gênero, e de usar
essa expressão em materiais didático-pedagógicos, “com o intuito de disseminar, fomentar, induzir
ou incutir a ideologia de gênero”.51
Mais medidas foram tomadas no contexto de reação à introdução da “ideologia de gênero
nas escolas”. Em 2015 a resolução de n° 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação de
LGBT (composto por membros do Estado e da sociedade civil, com sede no Executivo), que
estabeleceu condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais nos sistemas e
instituições de ensino, foi objeto de projetos de decreto legislativo pela sua sustação. Nada menos

50
PL 2731/2015, do deputado Eros Biondini - PTB/MG e PL 3236/2015, do deputado Pastor Marco Feliciano -
PSC/SP. Ambas as propostas foram retiradas de tramitação a pedido dos autores.
51
PL 3235/2015, do deputado Pastor Marco Feliciano - PSC/SP.
81

que 78 deputados, de 18 partidos e de 25 estados da federação52 assinaram as propostas contra a


resolução. A reação a essa normativa do Conselho foi acompanhada da reação a outra Resolução
do CNCDLGBT, a de número 11, que abordava a diversidade de orientação sexual e gênero nos
boletins de ocorrência.
Houve ainda outras propostas sobre educação por parte de deputados que se insurgiram
contra a Resolução nº 12: obrigatoriedade do ensino religioso nas redes públicas de ensino do país53
– hoje de matrícula facultativa; inclusão do ensino da Bíblia nos ensinos fundamental e médio da
educação básica54; e inserção do criacionismo na grade curricular das redes pública e privada de
ensino55. O homeschooling foi também destacado56.
Ainda no campo da educação, parlamentares – nesse caso evangélicos – se opuseram à
proposta de “Lei da Palmada”57, sobre a vedação do uso de castigo físico ou de tratamento cruel
por pais e cuidadores na educação da criança e do adolescente. Em 2012 o deputado Marcos
Rogério passou a apresentar estratégias contra o projeto. O deputado Pastor Eurico afirmou
lamentar “que muitos dos que estão aplaudindo a tal lei, que, dizem, protege as crianças da
violência, são os mesmos que defendem o assassinato de inocentes indefesos na monstruosidade

52
PDCs 16, 18, 30, 48, 61, 91 e 115/2015, assinadas por Alan Rick - PRB/AC, Alfredo Kaefer - PSDB/PR,
Anderson Ferreira - PR/PE, André Fufuca - PEN/MA, Andre Moura - PSC/SE, Antonio Bulhões - PRB/SP, Antônio
Jácome - PMN/RN, Brunny - PTC/MG, Capitão Augusto - PR/SP, Carlos Gomes - PRB/RS, Celso Maldaner -
PMDB/SC, Cleber Verde - PRB/MA, Delegado Éder Mauro - PSD/PA, Diego Garcia - PHS/PR, Edmar Arruda -
PSC/PR, Eduardo Bolsonaro - PSC/SP, Eros Biondini - PTB/MG, Esperidião Amin - PP/SC, Evair de Melo - PV/ES,
Evandro Gussi - PV/SP, Ezequiel Teixeira - SD/RJ, Fábio Sousa - PSDB/GO, Fausto Pinato - PRB/SP, Flavinho -
PSB/SP, Francisco Chapadinha - PSD/PA, Francisco Floriano - PR/RJ, Givaldo Carimbão - PROS/AL, Gonzaga
Patriota - PSB/PE, Hugo Leal - PROS/RJ, Irmão Lazaro - PSC/BA, Jair Bolsonaro - PP/RJ, Jefferson Campos -
PSD/SP, Jhc - SD/AL, João Campos - PSDB/GO, José Carlos Aleluia - DEM/BA, Jose Stédile - PSB/RS, Josué
Bengtson - PTB/PA, Júlio Delgado - PSB/MG, Leonardo Picciani - PMDB/RJ, Leonardo Quintão - PMDB/MG,
Lincoln Portela - PR/MG, Luciano Ducci - PSB/PR, Luiz Lauro Filho - PSB/SP, Major Olimpio - PDT/SP, Marcelo
Aguiar - DEM/SP, Marcelo Aro - PHS/MG, Marcos Rogério - PDT/RO, Marx Beltrão - PMDB/AL, Mendonça Filho
- DEM/PE, Miguel Lombardi - PR/SP, Missionário José Olimpio - PP/SP, Moroni Torgan - DEM/CE, Nelson
Marquezelli - PTB/SP, Nilton Capixaba - PTB/RO, Pastor Eurico - PSB/PE, Pastor Marco Feliciano - PSC/SP, Paulo
Foletto - PSB/ES, Paulo Freire - PR/SP, Professor Victório Galli - PSC/MT, Raquel Muniz - PSC/MG, Renzo Braz -
PP/MG, Ricardo Tripoli - PSDB/SP, Roberto Alves - PRB/SP, Roberto Sales - PRB/RJ, Rodrigo Martins - PSB/PI,
Rogério Rosso - PSD/DF, Ronaldo Martins - PRB/CE, Ronaldo Nogueira - PTB/RS, Sérgio Moraes - PTB/RS, Silas
Câmara - PSD/AM, Sóstenes Cavalcante - PSD/RJ, Stefano Aguiar - PSB/MG, Subtenente Gonzaga - PDT/MG,
Tenente Lúcio - PSB/MG, Uldurico Junior - PTC/BA, Valdir Colatto - PMDB/SC, Vinicius Carvalho - PRB/SP,
Walney Rocha - PTB/RJ.
53
PL 309/2011, do deputado Marco Feliciano – PSC/SP.
54
PL 943/2015, do deputado Alfredo Kaefer, PSDB/PR.
55
PL 8099/2014, do deputado Pastor Marco Feliciano, PSC/SP.
56
O REQ 54/2015, do Deputado Sóstenes Cavalcante (PSD/RJ), propõe debater ações e projetos nacionais para as
famílias que utilizam o sistema alternativo de alfabetização doméstica - homeschooling - em todo o País (sete
discursos em plenário defendem o homeschooling, entre 2004 e 2016.
57
PL 7672/2010, transformado na Lei ”, nº 13.010 de 2014, depois batizada de “Lei Menino Bernardo”.
82

do aborto”58. O Deputado João Campos afirmou que a lei desintegraria a família, assim como a
possibilidade de união entre pessoas do mesmo sexo59. Eles associaram, portanto, a interferência
do Estado no domínio familiar seria à promoção do aborto e dos direitos das pessoas LGBT.

2.2.3.1. Criação da ideologia de gênero

O combate à ideologia de gênero, com vimos, ganhou corpo na cena legislativa como reação
à possibilidade de conteúdos a respeito da diversidade de orientação sexual e de identidade de
gênero serem tratadas na escola, em iniciativas do Poder Executivo, do Conselho Nacional de
Educação ou no contexto dos debates sobre o PNE. A ideologia de gênero, a um só tempo, combate
a reivindicação de descriminalização do aborto e as demandas do movimento LGBT, e sustenta
conteúdos relacionados à precedência da moral religiosa e familiar nos conteúdos educacionais.
Mas a ideologia de gênero não foi inventada no Brasil. É necessário um esclarecimento a esse
respeito.
A invocação "teoria de gênero" resulta da estratégia discursiva desenvolvida a partir de
1990 por católicos. Seu embrião está em diversos textos do Papa João Paulo II – Familiaris
Consortio (Paulo Ii, 1981), Mulieris Dignitatem (Paulo Ii, 1988) e Carta às mulheres (Paulo Ii,
1995) – e culminou com a publicação do Lexicon (Fillod, 2014:322; Pcf, 2003). Esse livro reúne
textos escritos pelo Conselho Pontifício para a Família, com a intenção de deslegitimar o que é
produzido no campo dos estudos de gênero. Foi publicado na Itália em 2003, na França em 2005
e, desde então, traduzido em oito idiomas. É um dicionário sobre gênero, sexualidade e bioética,
proveniente de mais de setenta autores, muitos deles conselheiros do Vaticano (Garbagnoli,
2014:250, 54).
Ao lado dos conselheiros do Vaticano, a norte-americana Dale O'Leary, católica da Opus
Dei, é das principais elaboradoras do conceito de “ideologia de gênero”. A escritora é pertencente
à Associação Nacional de Pesquisa e Terapia da Homossexualidade e ao Conselho de Pesquisa da
Família, ambas para prevenção e tratamento da homossexualidade, para defesa de princípios
cristãos e da família tradicional (Fillod, 2014:322-3).

58
Deputado Pastor Eurico – PSB/PE, discurso em Plenário em 11/06/2014
59
Deputado João Campos - PSDB/GO, discurso em Plenário em 28/03/2011
83

A autora, já em 1995, insurge-se contra o gênero. Ela critica então a Plataforma de Ação
para a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, que aconteceria em Pequim naquele ano. Para
O´Leary (1995), o documento era baseado em pressupostos feministas radicais, não compartilhados
pela maioria das mulheres do mundo, centrados na noção de “gênero”. A autora pontua que
“gênero”, na forma como utilizada na conferência, “não significa masculino e feminino – não é um
sinônimo de sexo”. Gênero, como ela aponta, se refere a papeis socialmente construídos e que
podem ser alterados: masculinidade e feminilidade; heterossexualidade, homossexualidade e
bissexualidade; maternidade e paternidade. Assim, a plataforma de Pequim estaria sendo pensada
para mudar a natureza humana.
As organizações contra a ideologia de gênero se posicionam contra qualquer arranjo que
não seja dentro da família natural, que permita relações entre pessoas do mesmo sexo (ou o sexo
fora da procriação), que tire as mulheres do seu foco principal de cuidado com seus filhos e marido,
que questione que a divisão de papeis os sexos não seja derivada da natureza, que discuta a
legalidade do aborto (Fillod, 2014:322; Garbagnoli, 2014:259; O'leary, 1997:207). Segundo
O´Leary (1997:97-116), essa ideologia é baseada em uma interpretação neo-marxista da história
desenvolvida em 1970, radicalizada em 1990 por Judith Butler (2010 [1990]), mas ainda mais
opressiva, aparecendo sob o disfarce de um discurso de libertação e igualdade60.
Contemporaneamente na Itália as organizações católicas contra o gênero se articulam contra
intervenções no ambiente escolar que visem a quebrar estereótipos ou combater a violência
homofobia (Garbagnoli, 2014:259). Na França, a teoria de gênero foi invocada, por exemplo,

60
Isso reverbera na fala dos parlamentares brasileiros: “Uma coisa que faço questão de frisar, Sr. Presidente, sobre o
PNE em discussão nesta Casa, é a inclusão da ideologia de gênero no texto legal. Como defensor convicto da família
e dos princípios cristãos tradicionais da sociedade brasileira, considero uma aberração essa ideia imaginada por
cientistas sociais que tem como eixo a afirmação de que o sexo biológico com o qual nascemos não define a nossa
sexualidade. Esta é pura e simplesmente uma construção social, que pode assumir tantas variáveis quanto julgarem
conveniente aqueles que querem implantar essa ideologia. O fim último dela é a completa subversão da sexualidade
humana e da família natural. A teoria de gênero está sendo utilizada para promover uma revolução cultural sexual
marxista, principalmente entre as crianças em idade escolar. Tem suas origens nas ideias dos pais do comunismo,
Marx e Engels.
Na submissão da mulher ao homem através da família, e na própria instituição familiar, Marx e Engels entenderam
estar a origem de todos os sistemas de opressão que se desenvolveriam em seguida. Se essa submissão fosse
consequência da biologia humana, não haveria nada que fosse possível fazer.
A ideologia de gênero, afirmando que a diferença entre o homem e a mulher não é biológica - pasmem! -, mas
consequência de papéis socialmente construídos, somou-se à obra de Marx através da conclusão que, se esta é a base
de toda opressão e tudo não passa de uma construção social, então será possível modificar, justamente através da
ideologia de gênero, os papéis de homens e mulheres até chegarmos a uma igualdade tão completa que não haveria
mais espaço para os papéis de marido e esposa e mesmo da instituição que hoje conhecemos como família.”
(Deputado Givaldo Carimbão, PROS/AL, em 09/04/2014).
84

quando apresentou-se um projeto de lei em 2012 para permissão do casamento de casais do mesmo
sexo (Fillod, 2014:322). Na América Latina, para Villazzón (2014), a “ideologia de gênero” é um
dos elementos centrais da atuação evangélica – e não católica – no início do século XX, relacionada
às agendas pró-família, pró-vida e contra a “agenda gay”. Para ele, o combate à “ideologia de
gênero” se dá em reação sobretudo à ascensão do movimento LGBT.
No Brasil essa produção influencia o processo político. Desde pelo menos 2014 são
distribuídas nas dependências da Câmara dos Deputados duas publicações. Uma delas é o panfleto
“Caindo no conto do gênero”, que consiste em uma entrevista com o Padre José Eduardo Oliveira
Silva, professor de Teologia Moral (Silva, 2014). Esse material é editado pela Zenit, “agência de
notícias internacional, sem fins lucrativos, formada por profissionais e voluntários convictos de
que a sabedoria extraordinária do Papa e da Igreja Católica”.61 A outra publicação é um resumo
em português do livro The Gender Agenda, de Dale O'Leary (1997).
O uso do material sobre a teoria de gênero, entretanto, embora produzido por católicos, se
dá não apenas por católicos, mas sobretudo por evangélicos no legislativo brasileiro. Aliás, na 54ª
legislatura eram apenas três padres, e nas 55ª apenas dois, e todos filiados a partidos de esquerda e
defensores dos direitos LGBT 62 . A ação pró-família, como aponta Villazón e como veremos
adiante, tem protagonismo pentecostal na Câmara dos Deputados.

2.2.4. A 55ª Legislatura

Examinando o Gráfico 2 verificou-se que: a) as iniciativas contra o aborto ou pelo


endurecimento da respectiva legislação cresceram em reação a posturas do Poder Executivo; b) as
iniciativas contra as demandas LGBT ocorreram em reação a decisões do Judiciário e do Executivo;
c) a ideologia de gênero entra em cena no contexto da ameaça de conteúdos a respeito de a
diversidade sexual ser trabalhada nas escolas.
O Gráfico 2 também mostra que, em 2015, primeiro ano da 55ª Legislatura, há um
crescimento expressivo de iniciativas contra a agenda LGBT, isso associado ao combate ao gênero.
Nesse ano foi aprovado em comissão especial o Estatuto da Família, que estabelece o direito à vida

61
Informação disponível em https://pt.zenit.org/agencia/, acessada em 05/05/2017.
62
São eles Padre João (PT/MG), Luiz Couto (PT/PB) e Padre Tom (PT/RO) – esse último não tem mandado na 55ª
Legislatura.
85

desde a concepção e veta o casamento entre pessoas do mesmo gênero – temas que, de forma
inédita, passaram pelo crivo de um colegiado.
O enfrentamento ao aborto, embora ganhe menor quantidade de iniciativas com o passar
dos anos, mantém sua presença na agenda com a aprovação, também em 2015, na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara, do PL 5069/2013, de autoria do deputado Eduardo Cunha. O
texto do relator Evandro Gussi (PV-SP), aprovado na CCJC, torna crime a prestação de qualquer
auxílio ou até mesmo orientação a mulheres para interrupção da gravidez e prevê mais exigências
para o aborto em caso de estupro63. Foi a primeira investida aprovada em um colegiado no sentido
de restringir o aborto legal.
Em 2015 há uma consolidação à ação reativa iniciada anteriormente. Por esses motivos,
esta tese investiga a existência de um movimento neoconservador no legislativo brasileiro a partir
de 2015 – ano em que crescem as iniciativas pró-família, iniciadas anos antes em reação a
conquistas do movimento feminista e LGBT perante poderes instituídos.

2.3. Perfil dos protagonistas da reação pró-família

Seguindo as perguntas elencadas para serem respondidas neste capítulo, vimos na sessão
anterior que os principais momentos de crescimento da ação em defesa da família tradicional
ocorrem em reação à influência de movimentos feministas e LGBT na política brasileira. Agora
veremos quem são os protagonistas dessa reação.

2.3.1. Características gerais

Os protagonistas da reação pró-família são homens. Apenas 4% dos discursos e proposições


estudados tiveram uma mulher como autora principal – menos metade da média de 9% de
deputadas na composição da Câmara entre 2003 e 2015, e quase um terço menor que a média de
11% de mulheres na bancada evangélica entre 2010 e 2015. Como mostra a Tabela 2, a participação
das deputadas é mais relevante contra o aborto do que contra as demandas LGBT.

63
Prevê a necessidade de perícia, além do boletim de ocorrência, para a caracterização de violência sexual, e
estabelece que, embora a profilaxia da gravidez e o aborto em caso de estupro sejam direitos, “nenhum profissional
de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou
medicamento que considere abortivo”.
86

Tabela 2 – Participação das deputadas no total de iniciativas contra o aborto, contra demandas
LGBT e contra o gênero (2013-2015).

Quantidade das iniciativas


Contra o aborto ou pelo
Contra demandas Conta o
endurecimento da legislação
LGBT “gênero”
proibitiva
Proporção da
contribuição das 7% 2% 3%
deputadas

Fonte: elaboração própria.

O PSC – Partido Social Cristão – é o maior protagonista do ativismo. Considerando o


número de iniciativas (discursos e proposições), membros do PSC foram autores de 33 delas. Em
segundo lugar em número absoluto de iniciativas figura o PV, com 31 iniciativas no período. Se
atribuirmos valores diferentes a discursos e variados tipos de proposição, o PMDB lidera com 54
pontos, seguido pelo PSC, com 52.
O PT, partido com defesa histórica dos direitos das pessoas LGBT e da descriminalização
do aborto, é um caso interessante. Integravam a legenda os deputados Luiz Bassuma, autor do
Estatuto do Nascituro e da CPI do aborto, e Henrique Afonso, importante ativista dessas pautas.
Esses dois deputados, porém, foram suspensos do partido após protestos feministas e, por isso,
resolveram se desfilar em 2009 (Camarotti 2010). O deputado Nazareno Fonteles (PT/PI), católico,
foi um dos mais fortes combatentes das decisões do judiciário que autorizaram a união estável e o
casamento entre pessoas do mesmo gênero.
Examinemos agora quais indivíduos têm destaque. Considerando a quantidade de
iniciativas, lideram os deputados Jair Bolsonaro (PTB, 2003-2005; PFL, 2005; PP, 2005-2016;
PSC, 2016-) e Flavinho (PSB/SP), ambos com 16. O primeiro é católico “tradicional” e o segundo
católico carismático. Considerando o valor das iniciativas, lideram Eduardo Cunha (PMDB/RJ),
com 25 pontos, e João Campos (PSDB/GO) com 18 pontos, ambos da Assembleia de Deus.
Os protagonistas da reação pró-família se articulam de forma suprapartidária. Veja-se, por
exemplo, o PDC 30/2015, mencionado acima, proposto para sustar uma resolução do Conselho
Nacional LGBT que estabelecia parâmetros para condições de acesso a pessoas travestis e
87

transexuais no sistema de ensino64. A iniciativa tem 78 autores, de 18 partidos (DEM, PDT, PEN,
PHS, PMDB, PMN, PP, PR, PRB, PROS, PSB, PSC, PSD, PSDB, PTB, PTC, PV, SD), de 21
estados da federação. Ou, ainda, o PDC 214/2015, para sustar a criação do “Comitê de gênero” no
MEC65. A iniciativa tem 48 autores, de 16 partidos (DEM, PDT, PHS, PMDB, PP, PR, PRB, PROS,
PSB, PSC, PSD, PSDB, PTB, PT do B, PV, SD) e 19 estados.

2.3.2. Denominação dos parlamentares protagonistas

Como o Gráfico 4 mostra, mais de 60% das iniciativas pró-família partem de deputados
evangélicos (entre tradicionais, pentecostais e neopentecostais). Sua contribuição é
desproporcional ao seu tamanho – a bancada evangélica teve, entre os anos pesquisados, a média
de 12% das cadeiras da Câmara.

Gráfico 4 – Contribuição dos deputados conforme grande grupo religioso (2013-2015).

Mórmon

Sem religião identificada

Espíritas

Católicos

Protestantes

0 50 100 150 200 250 300

Valor das iniciativas Quantidade de iniciativas

64
“Susta a Resolução nº 12, de 16 de janeiro de 2015, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e
Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais - CNDC/LGBT, que ‘Estabelece parâmetros para
a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais - e todas aquelas que tenham sua
identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais - nos sistemas e instituições de ensino,
formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização’”.
65
“Susta a Portaria nº 916, de 9 de setembro de 2015, do Ministério da Educação, que ‘Institui Comitê de Gênero, de
caráter consultivo, no âmbito do Ministério da Educação’”.
88

Fonte: elaboração própria.

Católicos, entre carismáticos e tradicionais, contribuem com mais de 25% das iniciativas.
Cerca de 15% dos discursos e proposições partiram de deputados cuja denominação não foi
identificada. Espíritas contribuem com 6%. Todas as religiões identificadas são cristãs.
Tanto a bancada católica quanto a evangélica são heterogêneas. Os católicos podem ser
carismáticos ou tradicionais. Os deputados evangélicos são pertencentes a denominações
tradicionais (batistas e metodistas); à Assembleia de Deus, à Igreja Universa do Reino de Deus e a
outras denominações de menor porte.

Gráfico 5 – Contribuição dos deputados conforme sua denominação.

Mórmon
Espírita
Igreja Universal do Reino de Deus
Católico carismático
Protestante tradicional
Evangélica - outras
Sem religião identificada
Católico tradicional
Assembleia de Deus

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180

Valor das iniciativas Quantidade de iniciativas

Fonte: elaboração própria

Verifica-se grande predomínio da Assembleia de Deus no protagonismo pró-família,


conforme demostra o Gráfico 5. Os membros da Assembleia de Deus têm protagonismo em todos
os grandes temas:

Gráfico 6 – Quantidade de iniciativas conforme denominação dos autores por tema.


89

Assembleia de Deus
Católico Carismático
Católico tradicional
Sem religião identificada
Evangélico tradicional

Evangélico - outras
IURD
Mórmon

Espírita

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Contra o gênero Contra a agenda LGBT Contra o aborto

Fonte: elaboração própria

Sua contribuição é proporcional ao seu peso: a Assembleia contribuiu com 38% das
iniciativas e tem 34% da composição evangélica da Câmara, na média entre as legislaturas
estudadas. A pequena participação da IURD no ativismo, por sua vez, não era de todo previsível.
Era previsível, sim, em relação ao aborto. A Universal adota posição mais progressista no tema do
que outros setores evangélicos e do que a Igreja Católica (Dantas, 2011:184; Machado, 2012a:31;
2012b:43, 46).
Entretanto a Universal, de acordo com os dados desta pesquisa, mostra-se também mais
progressista em relação ao gênero e às questões LGBT, o que é um achado digno de nota. A
contribuição da Universal é quase residual em qualquer tema. Seus deputados apresentaram 2%
das iniciativas contra ou pelo endurecimento do aborto, 4% contra o gênero e 4% contra as
demandas LGBT. É uma contribuição desproporcional ao seu peso no campo evangélico: a IURD,
ao longo das legislaturas estudadas, teve em média 18% dos membros da bancada evangélica66.
A Igreja Católica historicamente protagonizou a luta pró-vida nas instituições (Aldana,
2008:640, 42). Mas, como identificam Miguel, Biroli e Mariano (2016:132), sobretudo a partir dos
anos 1990 cresce uma articulação entre católicos e pentecostais no Congresso Nacional em relação

66
Resultado obtido a partir dos dados de Campos (2010:65); Dantas (2011:46-47); Diap (2014; Fonseca (2008:pos.
4160).
90

à temática. É o que os dados do Gráfico 6 indicam: a Igreja Católica não tem mais o protagonismo
principal da militância contra o aborto, embora sua participação seja bastante relevante. Há, ainda,
uma militância católica significativa contra as pautas LGBT, ainda que a maior parte da atuação
nesse campo também seja pentecostal.

2.3.3. Considerações a respeito do protagonismo evangélico

Vital e Lopes (2013:22-24 e 178) afirmam que a militância da bancada evangélica em


relação aos costumes está incluída em um projeto político de promoção de uma sociedade com seus
valores morais. Bruna Dantas (2007:174 e 194) identifica que o trabalho da frente parlamentar
evangélica é um trabalho de “resistência aos avanços sociais, às reivindicações dos movimentos
progressistas e à transformação da sociedade” no sentido de combater a “liberalização da vida
social”.
De fato. Mas não é propriamente o tamanho da bancada evangélica que determina a
quantidade de iniciativas pró-família. Veja-se:

Tabela 3 – Membros da bancada evangélica eleitos por legislatura.

Legislatura Anos Nº de membros da bancada evangélica


51ª 1999-2002 5
52ª 2003-2006 71
53ª 2007-2010 46
54ª 2011-2014 69
55ª 2015-2019 74

Fonte: elaboração própria com dados de Baptista (2007; Diap (2014; Machado (2012b

Comparando a Tabela 3 com o Gráfico 2, vemos que é na 53º Legislatura (2007-2010),


quando a bancada evangélica perde deputados, que começa a existir um movimento pró-família
mais intenso. Costuma atribuir-se a queda de votos dos candidatos desse grupo religioso em 2006
ao envolvimento de membros em escândalos de corrupção (Campos, 2010:63; Dantas, 2011:46-7).
Mas em 2010 a bancada reergueu-se: elegeu 69 deputados. A oposição crescente às demandas
91

LGBT e feministas antecede, portanto, o maior crescimento da bancada em 2011, até o cume tanto
de iniciativas quanto de religiosos eleitos em 2015.
Esses dados vão ao encontro do argumento de Machado (2012b:39), para quem o
reposicionamento do combate ao aborto e à homossexualidade na agenda política foram bem-
sucedidos no sentido de trazer projeção e retorno eleitoral aos evangélicos. Vital e Lopes
(2014:176) corroboram a hipótese. Eles afirmam que as “ações performáticas dos evangélicos na
política fizeram com que eles aparecessem na mídia como atores muito poderosos”,
contrabalanceando o fato de, pelo menos até 2007, só conseguirem compor o “baixo clero”
(Baptista, 2007:234 e 92).
Na síntese de Machado e Burity (2014:601-2), a participação dos pentecostais no Poder
Legislativo é explicada por dois vetores principais: a) como forma de sobrevivência em uma ordem
social em que os movimentos feministas e pela diversidade sexual vinham influenciando políticas
públicas no campo da educação, da saúde e das relações familiares – essa é a hipótese da reação,
vista acima, e b) como forma de construção “de uma agência coletiva com pretensões de
reconhecimento e influência”.
Portanto, não é propriamente o crescimento da bancada evangélica que explica o
crescimento do ativismo conservador. Mais precisamente, o que informa a reação pró-família seria
a busca por visibilidade política por parte desses religiosos e busca resistir a avanços do feminismo
e do movimento LGBT no Executivo e no Judiciário.
Há outro esclarecimento a fazer. O movimento evangélico é definido, de maneira geral,
como antifeminista67 (Gago, 2013b; Hallum, 2003; Villazón, 2014). Para Saulo Batista (2007:229),

67
Para Machado (2005), “uma das consequências não intencionais da adesão das mulheres ao pentecostalismo é
justamente a ampliação da autonomia dessas fiéis em relação aos seus parceiros e familiares. Mariz e Machado
(1997:51-2), em estudo sobre o Brasil, concluem que, se o pentecostalismo envolve a assunção de valores
individualistas, esse individualismo é muito distante do feminismo liberal. A mulher pentecostal não contesta os
valores tradicionais sobre a família, o comportamento sexual ou os papeis de gênero. Mas o pentecostalismo, ao
enfatizar que a mudança de vida depende apenas da relação do indivíduo com Deus, coloca as mulheres em uma
posição menos presa à rigidez dos desígnios impostos contra sua vontade. Antes coloca essas mulheres como agentes
ativos e responsáveis por sua própria vida e de sua família; responsáveis contra o mal, identificado com as paixões
naturais e os instintos. Além disso, como apontam pesquisas levantadas por Hallum (2003:181, 84), a ideologia
evangélica condena a violência, o que protege as mulheres em contextos domésticos de agressão. As organizações
pentecostais contribuem também para solução de problemas como atenção à saúde, pobreza, baixa autoestima e
abuso masculino, todas questões que atingem particularmente as mulheres. Machado (2005:384-5) ainda pondera que
a IURD se destaca por “ser a igreja mais feminina, estimular a entrada das mulheres no mercado de trabalho,
fomentar o ativismo político e apoiar candidaturas das fiéis nas disputas eleitorais, ao mesmo tempo que mantém um
controle sistemático sobre o processo de ascensão das mulheres na hierarquia religiosa e na formação de lideranças
políticas femininas”.
92

a “grande bandeira” dos pentecostais nos parlamentos é a defesa da família. Freston (1993:235)
identifica o foco de preocupação em tais questões como o central desde o recrutamento para a
constituinte.
Esses argumentos levantados pelos autores são convergentes com os achados desta tese.
Há, porém, duas nuances relevantes. A primeira delas é que não há unanimidade evangélica sobre
o aborto tampouco sobre questões LGBT, como vimos. Trata-se, sempre, de generalizações. A
outra nuance diz respeito à centralidade nas questões de gênero na ação evangélica. Veremos ao
longo desta tese que, embora a agenda de gênero seja a principal pauta evangélica, essa não é a
única: os evangélicos aderem majoritariamente a temas que se referem a uma agenda mais ampla,
neoconservadora.

2.4. Argumentos utilizados nas iniciativas

Identificada a dinâmica de reação e identificados os protagonistas da reação pró-família,


resta investigar quais são os argumentos usados em sua defesa. São várias ordens de justificativas
empregadas contra direitos sexuais e reprodutivos e demandas do movimento LGBT. Vejamos o
resultado quantitativo do uso de diferentes tipos de argumentos, agrupados a seguir.

Gráfico 7 – Frequência dos tipos de argumentos por iniciativa (2003-2015).

Argumentos sobre saúde

Argumentos de gestão orçamentária

Argumentos políticos

Argumentos científicos

Argumentos sobre resultado das…

Argumentos baseados na natureza

Argumentos de maioria

Argumentos e referências religiosas

Defesa da família tradicional

Argumentos jurídicos

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
93

Fonte: elaboração própria.

Começando dos menos frequentes: os argumentos sobre saúde se referem aos riscos que o
aborto traz à saúde da mulher, à negativa do aborto como método contraceptivo e à mortalidade
materna. Os argumentos de gestão orçamentária criticam os gastos estatais com programas LGBT
e aborto legal. Os argumentos políticos invocam os conceitos de cidadania e de democracia;
consistem também em críticas a manobras regimentais consideradas ilegítimas. Os argumentos
científicos tratam da discussão de estatísticas referentes à mortalidade que decorre do aborto ilegal
e da afirmação de que a homossexualidade é um transtorno, ou que cientificamente se comprovaria
que a orientação sexual pode ser modificada. Os argumentos baseados no resultado de políticas
públicas se referem à descriminalização do aborto não solucionar a mortalidade decorrente da
prática ilegal, ao fundo de direitos das mulheres fomentar o aborto e às políticas pela diversidade
sexual estimularem a homossexualidade. Os argumentos baseados na natureza são aqueles segundo
os quais a família é baseada na procriação e a ideologia de gênero subverte ordem natural.
São 31 as iniciativas que trazem o argumento de que os valores da maioria dos brasileiros,
que é cristã, devem prevalecer sobre demandas das minorias, seja em relação ao casamento entre
pessoas do mesmo sexo, seja em relação ao aborto68. Diz-se que a maioria dos brasileiros é cristã
e defende a família; a minoria, que defende a ideologia de gênero, quer destruí-la69. Na verdade, já
na constituinte evangélicos adotaram argumentos que foram classificados por Pinheiro (2008:86)
como aqueles que colocam os “evangélicos enquanto maioria moralista” e os “evangélicos
enquanto minoria religiosa”. Assim, não obstante serem uma minoria, eles se consideram porta-
vozes do desejo da vontade da maioria cristã, que deveria prevalecer.
Em terceiro lugar estão os argumentos religiosos como os mais frequentes. Trata-se de
citações à importância das religiões cristãs, em especial à Católica e à Evangélica e às bancadas

68
O argumento da maioria cristã não fica adstrito às questões de sexualidade. O carismático Flavinho defendeu, no
Plenário em 15/04/2016, o impeachment de Dilma Rousseff em nome da maioria cristã brasileira, que seria contra o
que o governo petista defenderia: “uma ideologia embolorada, comunista, marxista, que quer transformar a
naturalidade de homem e mulher por meio de suas políticas públicas”. No mesmo sentido o Pastor Marco Feliciano
(discurso em Plenário em 14/10/2014), felicitando a eleição de mais deputados conservadores em 2014, rechaçara o
que seria, por parte de Dilma Rousseff, “a imposição de um regime socialista aos moldes bolivariano e cubano” e
felicitou a defesa da família tradicional. Para ele, a eleição foi o despertar da sociedade conservadora brasileira, de
maioria cristã.
69
Deputado Pastor Eurico – PSB/PE, em voto em separado ao PL 7086/2014, em 05/11/2014.
94

religiosas da Câmara; referências a Deus, à Bíblia, aos valores cristãos e à noção de pecado que
reside na homossexualidade e no aborto. Além disso, há outros raciocínios, tais como: as doenças
seriam uma resposta divina aos vícios humanos, argumento utilizado no contexto da discussão
sobre propostas de união civil entre pessoas do mesmo sexo70; a ideologia de gênero seria contra a
criação de Deus 71 ; a família seria aquela definida no Velho Testamento 72 ; só Deus dá a vida,
portanto só ele pode retirá-la, por isso o aborto de feto anencefálico deve ser proibido73; a família
é a definida por Deus e alheia a comparações profanas como com as relações homossexuais74
Em segundo lugar está a defesa da família tradicional, aquela formada pela união entre o
homem e a mulher com vistas à procriação. A família tradicional seria o alicerce basilar da
sociedade e estaria ameaçada pela ideologia de gênero. Mais que isso. As feministas radicais,
fundamentadas na ideologia de gênero, quereriam destruir a família para se livrarem da opressão
da mulher. E, assim, defenderiam a aniquilação de seu membro mais vulnerável: o feto 75 . O
reconhecimento da família formada por pessoas do mesmo sexo significaria um ataque à família
tradicional76. Por outro lado, o fortalecimento da família formada pelo casamento heterossexual
seria a solução para toda ordem de problemas: para evitar a gravidez precoce77 ; para evitar o
aborto78; para combater estupros79. A família seria o caminho para uma sociedade justa e contra a
criminalidade80. A família, ademais, seria o instrumento de proteção das mulheres “de verdade”,
que não quereriam ser empoderadas, mas sim amadas e cuidadas81.

70
Pastor Manoel Ferreira, voto em separado ao PL 674/2007.
71
Deputado Carlos Andrade – PHS/RR, discurso em Plenário em 03/09/2015.
72
Pastor Eurico – PSB/RG, voto em separado ao PL 7.086/2014
73
Deputado Miguel Martini – PHS/MG, discurso em Plenário em 28/10/2008
74
Deputado Walney Rocha, PTB-RJ, discurso em Plenário em 24/05/2011.
75
Deputado Elimar Máximo Damasceno – PRONA/SP, discurso em Plenário em 27/05/2004, que não consta no
banco de dados quantitativo por não se referir a proposição específica, mas que é citado aqui por ser um dos
primeiros a tratar da ideologia de gênero.
76
Deputado Antonio Bulhões – PRB/SP, discurso em Plenário em 24/06/2015.
77
PL 7180/2014, parecer do relator Deputado Diego Garcia, PHS-PR, em 22/05/2015.
78
Deputado João Campos – PSDB/GO, voto em separado ao PL 1135/1991, em 09/07/2008.
79
Deputado Marco Feliciano – PSB/SP, discurso na Comissão de Direitos Humanos e Minorias em 09/06/2016, que
não consta no banco de dados quantitativo por não ter sido proferido no Plenário, mas que é citado aqui por se referir
à oposição do parlamentar, um dos protagonistas da ação investigada neste capítulo, à reivindicação feminista de
reconhecimento de que existe uma “cultura do estupro” no Brasil.
80
Deputado Alan Rick – PRB/AC, discurso em Plenário em 01/07/2015, que não conta no banco de dados
quantitativo, mas que é citado por se referir à ideologia de gênero e por ser proferido por um dos protagonistas da
ação investigada neste capítulo.
81
Deputado Flavinho - PSB/SP, discurso em Plenário em 27/04/2016, que não consta no banco de dados
quantitativo por não ter se referir a proposição específica, mas que é citado aqui por se referir a um embate do
parlamentar, que é um dos protagonistas da ação investigada neste capítulo, com feministas.
95

Por fim, os argumentos e as referências mais frequentes são os jurídicos. São dezenas deles,
dentre os quais se destacam os seguintes: o aborto viola o direito à vida, que é cláusula pétrea, e,
portanto, é inconstitucional; a família é definida no artigo 226 da Constituição, estabelecida entre
um homem e uma mulher; as resoluções do governo sobre os direitos LGBT extrapolaram o poder
regulamentar do Executivo; o combate à homofobia viola o direito fundamental à liberdade de
expressão; o STF invadiu a esfera legislativa ao jugar constitucional a família formada por um casal
de pessoas do mesmo gênero; os pais têm o direito de educar seus filhos conforme seus valores
morais, de acordo com o Pacto de São José da Costa Rica.

Ainda que não levem em consideração resultados quantitativos, estudos prévios apontam a
relevância de argumentos fora do campo religioso na ação contra os direitos sexuais e reprodutivos
e os direitos LGBT, cujo protagonismo, como vimos, é predominantemente evangélico. Um dos
pontos fundamentais de análise de Vital e Lopes (2013:20), por exemplo, é aquele segundo o qual
“os religiosos operam com as mesmas categorias, mobilizando um conjunto de argumentos que é
também utilizado por aqueles que desejam garantir a separação institucional entre Estado, política
e religião no Brasil”.
A conclusão é verdadeira, mas parcial. Como visto no Gráfico 7, os argumentos religiosos
expressos são importantíssimos, quase tão frequentes quanto os jurídicos e a defesa da família
tradicional. Os resultados desta pesquisa são mais próximos da conclusão de Dantas (2011:60),
para quem a bancada evangélica, “em decorrência da experiência política adquirida nos últimos
trinta anos, passou a pronunciar enunciados mais politizados”. Assim, mobiliza referências à
inconstitucionalidade de projetos de lei, por exemplo, para afinal “sustentar teses em prol da
moralidade cristã”. Mas, para a autora, “apesar da incorporação de símbolos políticos em seus
sistemas de argumentação, o discurso dos parlamentares evangélicos continua a serviço da
preservação da moral privada e dos valores religiosos”.
O uso de argumentos jurídicos, científicos e políticos pode ser uma estratégia retórica para
apresentar intenções religiosas em um Estado laico, ou estratégia de debate em um ambiente no
qual muitos atores reivindicam argumentos não-religiosos. Mas a estratégia pode ser lida também
como como forma de contrapor os argumentos de seus opositores com base nas suas próprias
categorias e como forma de agregar elementos de convencimento a reivindicações que em sua
origem são religiosas.
96

2.5. O cerne da agenda neoconservadora na Câmara dos Deputados no Brasil

O cerne da agenda neoconservadora norte-americana é a ação sobre os costumes sexuais.


Um paralelo a essa agenda se verifica no Brasil, como vimos ao longo deste capítulo.
Tal como nos Estados Unidos, aqui existe uma dinâmica de reação. Os movimentos LGBT
e feminista vinham há décadas acumulando forças na sociedade; mas quando suas demandas
passam a ser acatadas por Poderes instituídos é que uma reação robusta se manifesta. Nos Estados
Unidos o marco da coalizão neoconservadora foi a Emenda de Direitos Iguais. Aqui destacam-se
os pronunciamentos do Ministro da Saúde do segundo mandato de Lula pela descriminalização do
aborto, o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, o julgamento da constitucionalidade do
casamento homoafetivo, a proposta de material contra a homofobia nas escolas e a proposta da
menção ao gênero no Plano Nacional de Educação.
Naquele país, como resultado das pressões neoconservadoras, aprovou-se em 1976 a
Emenda Hyde, que proibiu o uso de recursos públicos para realizar aborto nos casos permitidos
por lei (Diamond, 1995; Petchesky, 1981). No Brasil, em 2016, a CCJC aprovou o PL 5069/2013,
que restringe o aborto legal no Brasil.
A oposição à agenda LGBT é a que foi objeto de mais iniciativas. Isso pode estar
relacionado ao fato de o movimento ser mais recente e de ter mais eco nos grandes meios de
comunicação do que a pauta pró-escolha. Esse aspecto também é um paralelo com o movimento
estadunidense, que teve essa agenda como seu elemento mais visceral. O movimento pró-vida, por
sua vez, teve origem na Igreja Católica, e depois foi impulsionado por evangélicos, o que também
é um paralelo com o movimento neoconservador norte-americano.
Assim como nos EUA, no Brasil o movimento pró-família engloba medidas sobre
educação. Trata-se da defesa da primazia dos valores familiares e religiosos na formação dos
indivíduos. Assim, promovem-se o homeschooling, o ensino do criacionismo e da Bíblia nas
escolas, a proibição de materiais que tratem de gênero, de diversidade sexual ou que contrariem
opiniões dos pais ou religiosas. E, contra interferências do Estado no poder patriarcal, líderes do
ativismo pró-família se manifestaram contra a “Lei da Palmada”.
A ideologia de gênero não faz parte do léxico neoconservador reaganista. Como dito, a
noção de ideologia de gênero foi desenvolvida por intelectuais católicos a partir da década de 1990
97

e é usada a partir de 2011 no parlamento brasileiro, principalmente por evangélicos, para combater
a um só tempo o feminismo e as demandas LGBT, em defesa da família e da religião. A ideologia
de gênero traz em si o binômio família/anticomunismo, pois é tida, em essência, como uma
ideologia neo-marxista (O'leary, 1997:97-116), elemento que reforça sua conexão com um ideário
neoconservador.
O ativismo pró-família brasileiro é, tal qual o movimento neoconservador estadunidense,
protagonizado por evangélicos – nosso equivalente da direita cristã. Há participação também de
católicos e espíritas, mas os protestantes impulsionam a maior parte das iniciativas. Aqui há uma
peculiaridade: o protagonismo é sobretudo da Assembleia de Deus, primeira e maior denominação
pentecostal do Brasil.
Os argumentos mais frequentes usados na reação pró-família brasileira são religiosos
cristãos – depois de argumentos jurídicos e da defesa da família tradicional. O léxico
neoconservador está presente: os valores da maioria cristã devem prevalecer; a família é o principal
projeto para uma sociedade justa e o principal mecanismo para prevenir estupros, pobreza, gravidez
precoce, entre outros males. A família, e não o feminismo, oferece a segurança que as mulheres
querem e precisam.
Tendo, portanto, que há um movimento pró-família no Brasil com significativas
semelhanças com o movimento neoconservador norte-americano, no capítulo seguinte se
investigará a respeito da existência de um paralelo em relação a temas de justiça criminal. Antes,
porém, veremos o caso do Estatuto da Família, que sintetiza as semelhanças da ação pró-família
nos dois países.

2.6. O caso do Estatuto da Família

Como dito no Capítulo I, o Ato de Proteção da Família, ou Laxalt Bill, apresentado em


1979, foi um marco da investida neoconservadora nos Estados Unidos. O Estatuto da Família,
aprovado por comissão especial da Câmara dos Deputados brasileira em 2015, por sua semelhança
com o dispositivo e com os argumentos do Ato norte-americano, será analisado neste item
específico.
Assim como o projeto de lei dos EUA, o brasileiro prevê restrição ao aborto, restrição dos
direitos dos homossexuais e, ao fortalecer a família tradicional, fortalece os papeis tradicionais de
98

gênero. O projeto brasileiro ainda se preocupa com questões relativas à educação, central na pauta
neoconservadora estadunidense e, como temos visto ao longo desse Capítulo, central à ação pró-
família brasileira.
A proposta, em síntese, define a família como a união entre um homem e uma mulher ou
ainda a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes – excluindo, portanto, as
uniões homoafetivas do conceito de família; cria e torna obrigatória a disciplina “Educação para
família” nos currículos escolares – coerente com a preocupação neoconservadora com a educação
voltada para os valores morais religiosos evangélicos; estabelece a celebração do Dia Nacional de
Valorização da Família nas escolas; institui os Conselhos da Família, “órgãos permanentes e
autônomos” “encarregados de tratar das políticas públicas voltadas à família e da garantia do
exercício dos direitos da entidade familiar”. Nesse sentido, de previsão de diretrizes para políticas
públicas, o projeto incentiva com políticas públicas a família tradicional.
O PL 6583/2013 foi apresentado pelo deputado Anderson Ferreira (PR/PE). Assim como o
Senador Laxalt, que propôs o Ato de Proteção da Família, Anderson Ferreira é um membro da
direita evangélica, pertencente à Assembleia de Deus. A justificativa sociológica, baseada em um
argumento tipicamente neoconservador, é nos problemas decorrentes da “desconstrução do
conceito de família”, que repercutiria “na dinâmica psicossocial do indivíduo”. Assim, com o
projeto, pretende-se combater a drogadição, a violência doméstica e a gravidez na adolescência.
Outro PL 2285/2007, anterior, de autoria de Sérgio Barradas Carneiro – PT/BA, dispunha
sobre o Estatuto das Famílias. Esse PL, com 274 artigos (em contraste com os 15 do Estatuto de
Anderson Ferreira), dava à união homoafetiva um regime jurídico próprio, com as mesmas regras
aplicáveis à união estável heterossexual. Mas esse PL não recebeu comissão especial, e, sim, o
projeto de Ferreira. A criação de uma comissão especial é resultado de uma decisão política do
presidente da Câmara dos Deputados que, à época, era Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN).
O primeiro relator, Ronaldo Fonseca, acrescentou ao projeto norma de que os adotantes
fossem casados civilmente ou mantivessem união estável no modelo heterossexual. Mas a
legislatura foi encerrada sem apreciação do parecer. Em 2015, primeiro ano da nova composição
da Câmara, foi novamente constituída Comissão Especial e apresentado, em setembro, parecer do
99

novo relator, Diego Garcia (PHS/PR). Esse parecer, apesar da oposição de diversos parlamentares,
foi aprovado pela comissão82.
Diego Garcia, em seu parecer, apresentou substitutivo (uma nova versão do PL) com as
mesmas características do projeto original: definição da família como união entre homem e mulher;
diretrizes de políticas públicas; criação de conselho de família. Ele excluiu a proibição expressa da
adoção por casais homoafetivos e acolheu emenda do deputado Marcos Rogério (PDT/RO) sobre
o dever do Estado, da sociedade e do Poder Público assegurar à entidade familiar a efetivação do
direito à vida desde a concepção. Ou seja, o substitutivo, assim como o Ato norte-americano,
restringia o aborto.
O parecer de Garcia ilustra a movimentação pela qual passou o neoconservadorismo na
Câmara dos Deputados em relação à temática de gênero. Trata-se de um projeto apresentado por
um deputado evangélico, relatado por um deputado católico carismático, promovido sobretudo pela
bancada evangélica. Suas pautas fazem parte do núcleo da agenda evangélica. Ainda assim, o
relator procura, em suas palavras, apresentar um parecer “estritamente jurídico”, sem fundamentos
religiosos83. O argumento central do relator é o disposto no artigo 226 da Constituição:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


(...)
3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Para o relator, na linha da crítica às decisões judiciais que autorizaram o casamento


homoafetivo, seria competência exclusiva do legislador decidir sobre matéria de direito de família.
O STF e o STJ teriam usurpado sua competência, especialmente por contrariarem o que o deputado
considera ser a interpretação correta do artigo 226. Diante desse artigo, o relator considera que a
“base da sociedade” é a família fundada na união entre o homem e a mulher. A “proteção especial”
é destinada, de acordo com ele, àquelas “situações essencialmente necessárias para a constituição
e preservação da sociedade, uma vez relacionadas à procriação e à criação”.
A procriação e a criação (e não o afeto) são, para ele, a base do direito de família. O afeto
foi um dos fundamentos utilizados pelo STF para considerar constitucional o casamento entre
pessoas do mesmo gênero. Como argumenta em seu voto o Ministro Celso de Mello, amparado em

82
O projeto teria seguido para o Senado, mas deve ser apreciado pelo Plenário da Câmara por conta do recurso
apresentado pelos deputados Jean Wyllys e Érika Kokay.
83
É o que explicou no Chat Interativo promovido pela Câmara dos Deputados no dia 08/09/2015.
100

citações de juristas, o afeto tem “valor jurídico-constitucional”, sendo “elemento fundamental (e


preponderante) na esfera das relações do direito de família, inclusive no âmbito das uniões entre
pessoas do mesmo sexo”. Para o deputado, porém, “não cabe ao Direito impor ou administrar
sentimentos, mas sim regular condutas da vida em sociedade”. De acordo com seu relatório,

(...) a pessoa que tem afeto, antes está numa posição passiva, afetada. O afeto é um
sentimento. Por vezes se alia a uma conduta nobre, conforme à dignidade humana. Por
vezes se distancia da atitude correta, sendo avesso a compromissos familiares e deveres
sociais. (…) Pedófilos nutrem afeto pela prática sexual com crianças; zoófilos pela
atividade sexual com animais. Nem uma e nem outra situação são protegidas pela lei (…)
A definição objetiva da família, para efeitos jurídicos, como credora da proteção especial
do Estado, portanto, depende da conformação das relações àquilo que o Estado reputa
como sendo ‘base da sociedade’, antes que da atribuição individual afetiva.

Apesar de comparar o afeto entre pessoas adultas à zoofilia e à pedofilia, o relator considera
que a proposta de Estatuto da Família não seria homofobia. Defender o casamento heterossexual,
para ele, não é homofobia, que “tem a ver com a aversão à pessoa do homossexual” e que “respeitar
a uma pessoa não se confunde com acatar suas práticas ou trabalhar para que seus interesses sejam
equiparados a direitos”. Para o relator, a proposta tampouco é fundamentalista, pois “quem acusa
outrem de ‘fundamentalista religioso’ deve provar que se trata de uma pessoa violenta e que está
constrangendo outra a aderir a seu ponto de vista religioso”.
Na mesma linha, Garcia afirma que “é possível aprovar um Estatuto que não contemple
todos os modelos de vida da atualidade, porque o Estatuto pretende fortalecer a família definida
pela Constituição”. O relator sugere que o Legislativo poderia no futuro apreciar a criação da
“parceria vital”, mediante a qual “poder-se-ia reconhecer o enlace de solidariedade entre duas
pessoas, que estabeleceriam vínculo de peculiar interdependência”, o que “atenderia também
reuniões de pessoas do mesmo sexo, independentemente da orientação sexual”. Nota-se que há
uma preocupação significativa em combater a o argumento de que a ação pela “família tradicional”
seria preconceituosa, argumento usado pelo movimento LGBT.
Em discurso, o deputado associa o Estatuto da Família ao combate à ideologia de gênero.
Ele afirma que tanto o Estatuto da Família quanto o Programa Escola sem Partido são necessários
para combater a ideologia de gênero:

Encerro esta parte tratando do Estatuto da Família e citando as principais contribuições do


projeto de lei. Ele amadurece o entendimento de família como base da sociedade a partir
101

do texto constitucional e das discussões da Comissão Especial do Estatuto da Família;


estabelece direitos de família, a partir da efetivação de políticas públicas de saúde, de
moradia, de educação, de prevenção de drogas, entre outras; fortalece e garante direitos à
família, base da sociedade; protege a família contra a ideologia de gênero; cria os
Conselhos de Família e garante aos pais o recebimento, pelos filhos, de uma educação
moral, sexual e religiosa que esteja de acordo com as suas próprias convicções.
Sr. Presidente, outro assunto importantíssimo que vem sendo debatido na Comissão de
Educação, da qual sou membro, é o Projeto de Lei nº 867, de 2015, de autoria do Deputado
Izalci, que inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional o programa Escola sem
Partido. Esse projeto de lei visa combater a contaminação política e ideológica que está
acontecendo dentro das salas de aula de todo o País, seja com a implantação da ideologia
de gênero nos planos de educação, seja com a adoção de livros didáticos com forte
tendência para certa posição partidária. Isso claramente caracteriza um conjunto de atos
ilícitos que confrontam a Carta Magna e não deve permanecer impune. (Deputado Diego
Garcia - PHS/PR, discurso em Plenário em 23/03/2016).

O Estatuto da Família sintetiza o paralelo com o neoconservadorismo. Propõe coibir o


casamento homossexual, estabelece o direito à vida desde a concepção, fortalece os papeis
tradicionais de homens e mulheres e é orientado pela ideia de que a família é o projeto para uma
boa sociedade e para prevenir uma série de disfunções sociais É nosso Ato de Proteção da Família,
quatro décadas depois do original. A articulação para a aprovação da proposta revela também a
estratégia de políticos carismáticos e evangélicos de lograr maioria em um colegiado – a comissão
especial que discutiu o assunto – para sua aprovação. O Estatuto brasileiro, assim como o Ato
norte-americano, foi proposto após alguns anos de reação ao avanço de demandas feministas e
LGBT. A proposta brasileira tem, porém, uma peculiaridade. Procura dialogar com os argumentos
levantados pelos movimentos sociais, o que significa uma dinâmica de reação mais sofisticada do
que a que simplesmente cita referências a textos sagrados.
102

3. IDEALISMO PUNITIVO: ATUAÇÃO PARLAMENTAR PELO RIGOR


CRIMINAL

Encontrado o paralelo entre a ação pró-família brasileira e norte-americana, agora se


investigará se existe uma articulação que envolva ação pró-família e punitivismo na Câmara dos
Deputados brasileira, e se agendas neoconservadoras criminais são defendidas nessa Casa
legislativa. Serão usados dois critérios para isso.

3.1. Metodologia do capítulo

Um deles (seção 3.4) é a atuação sobreposta dos membros das Frentes e das bancadas
evangélica e da segurança pública na 55ª Legislatura, considerando, de um lado, a centralidade da
direita cristã para um hipotético movimento neoconservador, e de outro sua militância particular
em temas envolvendo a moral sexual. O outro critério (seção 3.3) é o estudo de temas da agenda
legislativa que reflitam posturas político-ideológicas neoconservadoras. Buscar-se-á descobrir: a)
quais os argumentos mobilizados em sua defesa e b) se são atores em prol dessas pautas aqueles
protagonistas da ação pró-família (elencados no Capítulo I) e os evangélicos.
Selecionaram-se temas que estiveram em pauta na 55ª Legislatura (iniciada em 2015), com
exceção da alteração da lei de drogas, cuja votação ocorreu em 2013. A exceção para esse caso se
deveu ao fato de que a política de drogas é o principal fator relacionado ao encarceramento e um
dos pilares da visão neoconservadora a respeito da criminalidade, como veremos. A seleção de
determinados projetos tem uma razão pragmática: a análise do universo das propostas e discursos
que visam ao endurecimento penal é inviável no âmbito desta pesquisa. Para se ter uma ideia,
segundo levantamento do Instituto Sou da Paz (2016:7), só em 2015 foram apresentados mais de
700 projetos de lei (isso sem contar outras formas de iniciativas, como requerimentos) que tocam
no tema da criminalidade. Não seria possível estudar, um a um, seu teor. Além disso, há uma razão
teórica. Nem toda proposta sobre segurança pública, direito penal ou processo penal expressa uma
ideologia neoconservadora. É necessário dialogar com os elementos do neoconservadorismo
criminal conforme os conceitos oferecidos pela literatura especializada expostos a seguir.
103

3.2. Contornos da agenda neoconservadora punitivista

Durante a onda neoconservadora nos Estados Unidos nos anos 1970, uma destacada
produção acadêmica sobre o tema legitimou e promoveu programas criminais mais repressivos do
que os anteriores, posteriormente exportados para América Latina como “políticas exitosas de
combate ao crime” (Kilduff, 2010:241). Da perspectiva local, essa importação se deu pela
organização de políticas penais a partir da definição de inimigos internos. Naquela década, o
inimigo nacional era o terrorista comunista contra o regime militar, como aponta Vera Malaguti
Batista (2003:12, 40-1). Porém, com o fim do regime militar e a desarticulação dos movimentos
comunistas a figura do inimigo interno mudou. Na imagética da segurança pública, o jovem
traficante dos bairros pobres assumiu, segundo a autora, o lugar outrora ocupado pelos terroristas
subversivos.
O direito penal, assim, intensificou-se como instrumento de controle da pobreza. À cada
onda de arrocho econômico seguiu-se uma onda de criminalização; as consequências da
desigualdade são tratadas de modo a punir criminalmente os afetados (Batista, 2003:12, 40-1). As
políticas de encarceramento e aumento de pena se voltam, de regra, contra a população negra e
pobre. Dentre os presos, 61,7% são pretos ou pardos, enquanto 53,63 da população brasileira tem
essa característica. Os brancos, inversamente, são 37,22% dos presos, enquanto são 45,48% na
população em geral. Além disso, 75% dos encarcerados tem até ensino fundamental completo,
indicador de baixa renda (Depen, 2014). Apenas 1% da população carcerária tem ensino superior
completo (Almeida e Mariani, 2017).
Wacquant (2001 [1999]:4-6) opõe dois tratamentos estatais dados à miséria: o tratamento
social, com sua visão de longo prazo ancorada nos valores de justiça e solidariedade, e o tratamento
penal. O uso do segundo modelo no Brasil, que se vale das técnicas punitivas “made in USA”, é
para o autor essencialmente contrário ao estabelecimento de uma sociedade pacificada e
democrática, e praticamente induz a uma ditadura sobre a pobreza entre nós. Não por outra razão,
como aponta Cristina Buarque de Hollanda (2005), movimentos de esquerda no Brasil atuam desde
a democratização no sentido da “redisciplinarização da polícia” em favor dos direitos humanos das
pessoas menos favorecidas socialmente, diante de uma atuação policial que acaba partindo do
104

pressuposto da definição de “diferentes tipos de humanidade” seletivamente contra os negros e


pobres.
Possivelmente não é por acaso que os Estados Unidos e o Brasil têm as maiores populações
carcerárias do mundo, além da Rússia. Nos Estados Unidos, o campeão mundial, são quase 700
pesos por 100 mil habitantes; na Rússia, quase 450; no Brasil, pouco mais de 300. Diferente dos
outros dois países, porém, a população carcerária no Brasil vem crescendo, enquanto nos EUA e
na Rússia a tendência é de queda (Mariani, Ostetti e Almeida, 2017).
Dornelles (2008:33-35) lista as respostas neoliberais/neoconservadoras a respeito da
criminalidade, baseadas na ideia de “lei-e-ordem” vinda dos Estados Unidos. São elas:
militarização da polícia, terminologia bélica (“combate ao crime”), ênfase na repressão,
agravamento das penas como solução para a segurança pública, base na ideia de “lei-e-ordem”,
espraiamento do pânico social causado pela figura do inimigo público usuário de drogas
(equiparado ao pequeno e ao grande traficante), morte de suspeitos, tendência ao armamentismo
particular como forma de proteção pessoal e do patrimônio, incremento das políticas de
encarceramento, crescimento das empresas de segurança privada e proposições de privatização (no
todo ou em parte) do sistema penitenciário.
Katie Argüello (2005:1), por sua vez, aponta medidas que fazem parte do “enunciado da
‘proteção’ ofertada aos ‘cidadãos de bem’”, baseada na justificativa retórica “de unidade diante de
um inimigo interno personificado na figura do ‘outro’ selecionado entre os membros dos setores
socialmente vulneráveis”. São elas: condenações mais severas, encarceramento massivo, leis que
estabelecem condenações obrigatórias mínimas e perpetuidade automática no terceiro crime (‘three
strikes and you’re out’), estigmatização penal, restrições à liberdade condicional, leis que
autorizam prisões de segurança máxima, reintrodução de castigos corporais, multiplicação de
delitos aos quais são aplicáveis pena de morte, encarceramento de crianças (aplicação de legislação
criminal “adulta” aos menores de 16 anos), políticas de ‘tolerância zero”, etc.
As pautas legislativas que expressam esses enunciados neoconservadores apresentados por
Dornelles e Argüello são as seguintes. A redução da maioridade penal reflete as pautas de
incremento das políticas de encarceramento e da aplicação da legislação adulta aos menores de 18
anos. A proposta que autoriza a exibição das fotos de crianças e adolescentes em conflito com a
lei reflete a agenda neoconservadora de estigmatização penal. A discussão sobre as alterações à lei
de drogas espelha as políticas de relacionadas ao tratamento dado a usuários e traficantes. A
105

interdição da votação do projeto que vedaria os autos de resistência expressa, indiretamente, a


defesa da morte de suspeitos de crimes pela polícia. A transformação do homicídio de policiais em
crime hediondo e as obstruções ao relatório da Comissão Nacional da Verdade se comunicam com
a proteção das corporações policiais. A proposta de flagrante provado e das “dez medidas contra
a corrupção” refletem as ideias de ênfase na repressão, agravamento das penas e flexibilização das
garantias processuais penais. A revogação do Estatuto do Desarmamento e ênfase na legítima
defesa expressam a tendência ao armamentismo particular como forma de proteção pessoal e do
patrimônio. Há também proposta pela privatização do sistema penitenciário e algumas defesas da
instituição da pena de morte, que em si são pautas penais neoconservadoras. Iremos retomar item
a item na sequência.
Como já dito, procurar-se-á identificar se a defesa desses temas fica de fato a cargo de uma
hipotética coalizão neoconservadora. Especificamente, buscar-se-á descobrir se o protagonismo
evangélico existe em relação a temas de segurança pública – considerando a centralidade da direita
cristã para o neoconservadorismo – e também se existe o protagonismo daqueles que já se
destacaram nas iniciativas pró-família, vistas no capítulo anterior.

3.3. Análise das pautas punitivistas


3.3.1. Redução da maioridade penal

A PEC 171/1993, que prevê a diminuição da idade a partir da qual as pessoas podem
responder penalmente, relaciona-se à demanda neoconservadora da expansão do encarceramento,
inclusive da aplicação da legislação punitiva de adultos àqueles menores de 18 anos84. Deputados
evangélicos sempre impulsionaram a proposta, apresentada em 1993. A PEC 171/1993 é de autoria
do Benedito Domingos (PP-DF), pastor da Assembleia de Deus. A proposta prevê, na redação
original, a imputabilidade penal a partir dos 16 anos (e não dos 18, como atualmente). O primeiro
relator, deputado Luiz Clerot (PMDB-PB), que se manifestou pela admissibilidade da redução da
maioridade penal, é pastor da igreja evangélica Sara Nossa Terra. A justificativa da PEC tem várias
citações do Velho Testamento:

84
Embora existam propostas para aplicação da lei aos menores de 16, o texto que tramitou estabelecia a punição até
os 16 anos.
106

A uma certa altura no Velho Testamento, o profeta Ezequiel nos dá a perfeita dimensão
do que seja a responsabilidade pessoal. Não se cogita nem sequer de idade: ‘A alma que
pecar, essa morrerá’ (Ex. 18).
(...)
Ainda referindo-nos a informações bíblicas, Davi, jovem, modesto pastor de ovelhas,
acusa um potencial admirável com o seu estro de poeta e cantor dedilhando sua harpa mas,
ao mesmo tempo, responsável suficientemente para atacar o inimigo do seu rebanho.
Quando o povo de Deus estava sendo insultado pelo gigante Golias, comparou-o ao urso
e ao leão que matara com suas mãos.
(...)
Salomão, do alto de sua sabedoria, dizia: ‘Ensina a criança no caminho que que deve
andar, e ainda quando for velho não se desviará dele’.

Ao longo dos 22 anos de tramitação na CCJC, foram 16 proposições acessórias a favor da


PEC – incluindo pareceres ou votos em separado pela admissibilidade e requerimentos pelo
desarquivamento ou pela votação. Dois dos respectivos autores não pertenciam a bancadas
temáticas, três deles eram evangélicos (19%), cinco profissionais da segurança pública (31%).
Pode-se extrair desses números que, diferente do ativismo pró-família, a ação pela mudança nas
regras de imputabilidade penal conforme a idade não tem o protagonismo evidente de uma única
bancada temática. Mas nota-se, ao menos nessa PEC, a presença da articulação do que em 2015
passou a ser chamada de “Bancada do Boi, da Bíblia e da Bala”.
Ainda que na quantidade de proposições os evangélicos não se destaquem, eles se
sobrelevam em posições-chave para a tramitação da PEC 171. Em reunião no dia 17 de março de
2015, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, os evangélicos Lincoln Portela (PR/MG),
Ronaldo Fonseca (PROS/DF), João Campos (PSDB/GO), Marco Feliciano (PSC/SP) e Pastor
Eurico (PSB/PE), representando um espectro partidário amplo, encaminharam votações pela
admissibilidade da alteração constitucional.
O deputado Marcos Rogério (PDT-RO), uma das lideranças evangélicas do Congresso, foi
o relator do voto vencedor pela aceitação da PEC da maioridade na CCJC. É importante sublinhar
que o relator original da matéria, o deputado Luiz Couto (PT/PB), foi voto vencido por ser contra
a redução. Esse parlamentar é padre. Ele e o único outro sacerdote católico da legislatura, Padre
João (PT/MG), se manifestaram contra a alteração constitucional, em situação que ilustra a
distância entre clérigos católicos e evangélicos no parlamento.
O Partido Social Cristão – o maior protagonista do ativismo pró-família e aquele que tem
maior percentual de evangélicos (90%) em sua composição (Mariani e Almeida, 2017) –, teve seu
líder, deputado André Moura (PSC/SE), como presidente da comissão especial que debateu o
mérito da PEC 171. Ele é autor de uma das propostas que tramitam apensadas; a PEC 57/2011,
107

assinada por ele, também propõe a redução para 16 anos como a idade a partir da qual as pessoas
podem responder penalmente. Coerente com a argumentação neoconservadora, a maioridade deve
ser reduzida, de acordo com ele, para “oferecer mais segurança às famílias brasileiras” (discurso
em Plenário no dia 29 de maio de 2013).
Eduardo Cunha foi, na qualidade de Presidente da Câmara dos Deputados, o responsável
por criar a comissão especial para a PEC da redução da maioridade. Trata-se de um ato
discricionário que indica prioridade a um tema. Ele também compareceu à instalação da comissão
especial “para demonstrar seu apoio e sua opinião favorável à matéria” (Lourenço, 2015). O
relator da matéria foi o deputado Laerte Bessa (PR/DF), profissional da segurança pública. A
maioria dos membros da comissão especial da PEC defendeu, desde sua instalação, a redução da
idade para imputabilidade penal (Ac, 2015b).
Apesar de a maioria no colegiado ser a favor da proposta, o governo, então presidido por
Dilma Rousseff, era contra. Também eram contra a redução a Associação Brasileira de
Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude – ABMP85,
a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil86, a Ordem dos Advogados do Brasil87, o Fundo das
Nações Unidas para a Infância – UNICEF 88 e diversas organizações da sociedade civil com
atuação em direitos humanos. Assim, possivelmente por conta da pressão contrária à PEC, a
comissão especial aprovou a redução da maioridade apenas para crimes hediondos, homicídio
doloso, lesão corporal grave, lesão corporal seguida de morte e roubo agravado. Ou seja, reduziu a
abrangência do texto original.
Essa versão foi rejeitada pelo Plenário da Câmara. Eram necessários 308 votos favoráveis
ao substitutivo adotado pela comissão, mas apenas 303 deputados firmaram “sim” no pleito. Apesar
da derrota (ou por causa dela), no dia seguinte o Presidente da Câmara colocou em votação uma
“emenda aglutinativa” – uma nova versão do texto – que suavizava mais ainda a redução da
maioridade. Pela emenda, que ao final foi aprovada em primeiro e em segundo turno, aqueles entre

85
Moção disponível em
http://www.abmp.org.br/noticia/sistema_de_justica/mocao_de_repdio__reducao_da_maioridade_penal.html,
acessada em 16/06/2017.
86
Nota pública disponível em http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
temporarias/especiais/55a-legislatura/pec-171-93-maioridade-penal/documentos/outros-documentos/documentos-e-
estudos/nota-da-conferencia-nacional-dos-bispos-do-brasil-cnbb, acessada em 16/06/2017.
87
Nota disponível em http://www.oabpr.org.br/reducao-da-maioridade-penal-nao-resolve-violencia-diz-presidente-
do-cfoab/, acessada em 16/06/2017.
88
Nota disponível em https://www.unicef.org/brazil/pt/media_29163.htm, acessada em 16/06/2017.
108

16 e 17 anos respondem por crimes hediondos e por homicídio doloso – excluiu-se, do texto da
comissão especial, a punição por tortura, terrorismo, lesão corporal grave e roubo qualificado. Pelo
aprovado, que seguiu para o Senado, as pessoas nessa faixa etária deverão cumprir a pena separadas
dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas e dos maiores de 18 anos.
O fato de Eduardo Cunha ter colocado em deliberação uma emenda aglutinativa referente
a um projeto rejeitado no dia anterior foi uma condução incomum do processo legislativo,
possivelmente indicativa de seu grande compromisso político com a pauta da redução da
maioridade. Essa condução dos trabalhos por Cunha foi considerada por muitos como uma violação
do devido procedimento de votação. A palavra “golpe” foi usada 22 vezes nas sessões do dia 1º de
julho de 2016, em referência ao que parlamentares consideraram uma quebra do Regimento
Interno.
Além do papel de destaque de Cunha e dos outros deputados mencionados, na deliberação
da PEC da redução da maioridade 54 evangélicos presentes89 votaram sim e 11 votaram não. Ou
seja, 83% dos evangélicos se posicionaram a favor da matéria. Aplicando-se a tabela de
contingência para a votação evangélica, tem-se o seguinte:

Tabela 4 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências esperadas


do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito da emenda
aglutinativa da PEC 171/1993, no dia 01/07/201590

Não membro
Membro da bancada evangélica
da bancada evangélica
Voto “sim” ao substitutivo da PEC 171 122% 96%
Voto “não” ao substitutivo da PEC 171 53% 108%

Fonte: elaboração própria, com dados do portal da Câmara dos Deputados.

89
Uma PEC precisa do apoio de maioria qualificada, de modo que eventualmente as ausências podem ser
consideradas como estratégia para a derrubada da proposta. Não foi o caso da PEC 171. Não se estimava
possibilidade de ausência de quórum suficiente, os opositores foram efetivamente votar, em vez de usar alguma
estratégia de obstrução via falta de presenças. Além disso, muitos deputados não estão presentes porque no dia da
votação estão licenciados, por motivos diversos.
90
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
109

Ou seja, realizou-se apenas metade dos votos preditos contrários à maioridade por parte dos
religiosos protestantes. Em outras palavras, apenas metade dos evangélicos que deveria votar “não”
à redução, caso o fator de ser evangélico não influenciasse o voto, posicionou-se dessa maneira.
A adesão das outras frentes temáticas também foi expressiva. Cerca de 80% dos signatários
da Frente Parlamentar da Agropecuária votaram a favor da PEC 171; 78% dos membros da Frente
Parlamentar da Segurança Pública o fizeram. A média da adesão dos membros dessas frentes é
maior do que a média de adesão da Câmara em geral: 68% dos presentes votaram a favor da redução
da maioridade. Mas, notemos, a adesão evangélica foi maior do que a da Frente da Segurança
Pública. O discurso do deputado Éder Mauro (PSD/PA), que integra tanto a bancada da segurança
pública quanto a bancada evangélica, sintetiza os argumentos de ordem neoconservadora:

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, hoje eu ocupo esta tribuna para me dirigir às
famílias brasileiras, às famílias de cada Município, àquelas famílias que colocaram cada
um de nós aqui nesta Casa, a muitas famílias que tiveram seus filhos perdidos, as suas
famílias destruídas, com a morte de seus filhos, de pais de família. Eu quero dizer a essas
famílias que não foi em vão que nós, 303 Deputados, ontem votamos ‘sim’, pela redução
da maioridade penal, a favor da família, a favor do cidadão de bem, diferente daqueles que
votaram a favor do bandido, que assinaram para que bandidos de 16 anos e 17 anos
continuassem matando os nossos filhos, continuassem massacrando as nossas famílias,
cometendo barbáries como aquela do Piauí, em que quatro jovens foram levadas para o
morro, estupradas por mais de 2 horas, foram seviciadas, tiveram os bicos dos seus seios
cortados, foram jogadas do penhasco e, ainda não conformados, os bandidos desceram lá
e as apedrejaram, para ter certeza de que elas estavam mortas. Como eles estavam
drogados, não puderam ter essa certeza. Uma menina morreu, uma está em coma e as
outras ainda estão hospitalizadas. Esse é o retrato dos bandidos de 16 anos e 17 anos, e
não o da juventude que fez parte de uma grande pesquisa neste País, em que 90% do povo
brasileiro pede e clama pela redução da maioridade penal (...). (Deputado Éder Mauro -
PSDB/PA, discurso em Plenário em 01/07/2015.)

Na fala está presente a invocação da defesa da família, o argumento que separa os “cidadãos
de bem” dos inimigos/bandidos, e o argumento de maioria. Esse discurso compreende, para
Faganello (2015:151-2), um “princípio de cidadania não universal e igualitário”; ou seja, a noção
de “cidadão de bem”, utilizada constantemente pelos promulgadores do discurso punitivista,
“pressupõe uma cidadania cindida”: “uma divisão dos direitos civis e fundamentais –
especialmente do direito à vida – entre aqueles que ‘merecem’ (de bem) e os que ‘voluntariamente’
abdicaram dela (bandidos)”. O assembleiano Sóstenes Cavalcante, por sua vez, se pronunciou
também em defesa da família, associando a questão da imputabilidade penal à questão da
diversidade sexual e de gênero:
110

Eu pedi para falar, já a esta altura da noite, para demonstrar a hipocrisia de dois partidos
que são contrários e orientam que se vote contrariamente à redução da maioridade penal
para 16 anos. Deputados desses dois partidos apresentaram o Projeto de Lei nº 5.002, de
2013, que autoriza uma criança de 12 anos - escutem bem, 12 anos! - a fazer a cirurgia de
troca de sexo. Essa criança, com 12 anos, se os pais não autorizarem, pode ir ao Ministério
Público e fazer a cirurgia sem a autorização de seus pais. Esse mesmo partido, para
marmanjo de 16 anos usa dois pesos e duas medidas. Fala que, quando se trata de
marmanjo bandido, não pode ser preso. Isso é usar dois pesos e duas medidas.
Quero lamentar a atitude desses partidos e dizer que hoje nós daremos a resposta à
sociedade, daremos a resposta à família brasileira, votando "sim" à redução da maioridade
penal.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.) (Sóstenes Cavalcante – PSD/RJ, discurso em
Plenário em 01/07/2015.)

Em síntese, além dos argumentos de ordem neoconservadora – que incluem, como vimos,
a evocação do Velho Testamento na justificativa da PEC –, uma articulação com essa característica
política é vista na tramitação da proposta. O projeto, que aposta na punição como resposta a
problemas existentes na sociedade, teve sua tramitação protagonizada por parlamentares
evangélicos, que apoiaram massivamente a proposta na votação em plenário.

3.3.2. Exibição das fotos de crianças e adolescentes em conflito com a lei

O PL 7553/2014, assim como a PEC 171, propõe alterações dos direitos das crianças e dos
adolescentes. O projeto visa a “permitir a divulgação de imagem de criança e adolescente a quem
se atribua ato infracional” – pela norma vigente é proibida a exposição de criança ou adolescente
em situação provável de ter infringido a lei. Seu autor é o deputado Marcos Rogério (PDT/RO),
fiel da Assembleia de Deus. Ele é o relator do voto vencedor pela admissibilidade da PEC 171,
pela redução da maioridade, como vimos logo acima.
No segundo semestre de 2016, a proposta que permite a exibição das imagens foi aprovada
em duas comissões de mérito (permitindo a exibição de imagem de pessoa com mais de 14 anos):
a de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e a de Segurança Pública e Combate ao
Crime Organizado. Ambos os relatores, Claudio Cajado (DEM-BA) e João Rodrigues (PSD-SC),
pertencem à Frente Parlamentar da Segurança Pública. Ou seja, também nesse projeto, que reflete
uma pauta neoconservadora, verifica-se uma “dobradinha” entre evangélicos e membros da
chamada “Bancada da Bala” no que diz respeito ao protagonismo na tramitação da proposta.
O objetivo declarado da proposta não é a estigmatização. É, sim, possibilitar a localização
de infratores, para que cumpram as medidas socioeducativas. Entretanto, a linguagem que justifica
111

o projeto se usa do léxico neoconservador do inimigo e da estigmatização. Nas palavras de Marcos


Rogério, “a sociedade brasileira já está madura o suficiente para decidir não punir quem divulga
imagens ou outros dados que podem conduzir à identificação de um delinquente, seja de que idade
for”.

3.3.3. Alterações da lei de drogas

A atual lei de drogas (Lei nº 11.343/2006), apesar de ter abandonado o modelo


proibicionista do uso, aumentou a pena mínima para o crime de tráfico; isso, associado à abertura
de interpretação para se definir usuário e traficante, permitiu o aumento do encarceramento
(Barbosa, 2017). Hoje mais de 60% das mulheres e 25% dos homens presos respondem por tráfico;
é a mais frequente causa de prisão para ambos os gêneros (Almeida e Mariani, 2017).
O PL 7663/2010, que tramita no Senado sob a identificação PLC 37/2013, de autoria do
deputado Osmar Terra (PMDB/RS), altera a Lei 11.343. Quase trinta mil pessoas assinaram petição
online contra a proposta 91 , porque ela agravaria problemas da política vigente. As críticas são
centradas no tratamento de usuários, na previsão de internação involuntária e no estímulo de
comunidades terapêuticas. Vejamos.
O PL prevê o aumento ainda maior da punição para o tráfico e segue com critérios
subjetivos para diferenciar traficantes e usuários. Como apontou o deputado Ivan Valente
(PSOL/SP) na discussão da matéria, isso seria “encher as cadeias” em decorrência do consumo de
drogas, que deveria ser tratado como problema de saúde pública e não de direito penal (discurso
em Plenário em 28 de maio de 2013). Além disso, considerando a maioria da população carcerária
é de pessoas pretas e pardas (Almeida e Mariani, 2017), parlamentares também criticaram os
impactos para a população negra do PL:

Não distinguir usuário de traficante é fazer com que a polícia continue penalizando a
juventude negra. Se um negro for pego com droga, imediatamente será enquadrado como
traficante. Mas, se for o filho de um Deputado branco, será enquadrado como usurário.
Essa é a distinção. (Deputado Amauri Teixeira, PT/BA, discurso em Plenário em
28/05/2013).

91
Promovido pelas organizações da sociedade civil Rede Pense Livre, Instituto Sou da Paz, Pastoral Carcerária,
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos - Neip, Instituto de Defesa do Direito de Defesa - Iddd,
Conselho Federal de Serviço Social e Instituto Brasileiro De Ciências Criminais - Ibccrim. Abaixo-assinado
disponível, em
https://www.avaaz.org/po/petition/DIGA_NAO_AO_PROJETO_DE_LEI_QUE_VAI_MANDAR_USUARIOS_DE
_DROGAS_PARA_A_CADEIA/, acessado em 06 de junho de 2017.
112

As defesas do projeto, por outro lado, preocuparam-se em dizer que o usuário não estaria
sendo penalizado. Mas, mesmo assim, as falas a esse respeito aderiram a uma visão punitivista.
Veja-se, por exemplo, o deputado Pastor Eurico, que defendeu a prisão perpétua:

Sr. Presidente, em nenhum momento esta lei está marginalizando o usuário. Ao contrário,
ela o está protegendo. Está bem claro aqui no § 5º, que especifica o traficante. Diz aqui
que o aumento de pena é para aqueles que exercem o comando individual ou coletivo.
Esses, sim, merecem.
Essa pena, Sr. Presidente, ainda é pequena. Ah! Se pudéssemos votar aqui pena perpétua,
seria bem melhor! (Deputado Pastor Eurico – PSB/RJ, discurso em Plenário em
28/05/2013).

Portanto, nesse debate, não se verifica expressamente o “espraiamento do pânico social


causado pela figura do inimigo público usuário de drogas” (Dornelles, 2008:33-35). Os discursos
mais conservadores adotam a visão progressista de que o usuário deve ser tratado. Mas,
indiretamente, ao não se diferenciar claramente usuários e traficantes, e ao se defender agravar a
penalidade ao traficante, mantém-se presente a lógica neoconservadora. Isso foi defendido
inclusive por parlamentares de crença pentecostal.
A outra crítica ao projeto diz respeito à internação involuntária – sem o consentimento do
usuário e sem autorização judicial; bastaria pedido de um familiar ou de um servidor público. A
internação nesses moldes contrariaria a “lógica da luta antimanicomial” (deputado Ivan Valente,
PSOL/SP, discurso em Plenário em 28 de maio de 2013). O item teve apoio de deputados
evangélicos. O Pastor Marco Feliciano (PSC/SP), então presidente da Comissão de Direitos
Humanos e Minorias, manifestou-se:

Quanto ao projeto de lei do Deputado Osmar Terra — esse vem ao encontro a projeto de
minha autoria, o PL 3.167/12, que, em apenso, trata do mesmo tema —, pergunto qual é
a medida mais adequada, a internação compulsória ou a permissão para que levas de
mortos vivos perambulem sem rumo, sem noção, de dia ou de noite, quando a única
alimentação que recebem vem de valentes caridosos cristãos que lhes servem uma sopa
ou um lanche. (Deputado Pastor Marco Feliciano - PSC/SP, Discurso em Plenário em
28/05/2013).

A terceira crítica das entidades da sociedade civil ao PL é a criação de um sistema paralelo


ao Sistema Único de Saúde, composto por organizações públicas e privadas, financiado com
recursos públicos, para desenvolvimento de políticas sobre drogas. Permite-se, também, no texto
113

aprovado pelo Plenário da Câmara, o financiamento, pelo sistema, de “comunidades terapêuticas


acolhedoras” para atendimento dos usuários.
As comunidades foram criticadas a partir de Relatório do Conselho Federal de Psicologia
(2011), por não estarem preparadas para dar assistência psiquiátrica do ponto de vista dos direitos
humanos, e por seus tratamentos não terem eficácia comprovada – como manifestou o Ivan Valente
(discursos em Plenário em 22 e 28 de maio de 2013). A deputada Érika Kokay (PT/DF) apontou
que as comunidades terapêuticas contrariam a reforma psiquiátrica (Lei 10.216/2001), que
estabelece o tratamento pelo SUS:

Sr. Presidente, esta Casa aprovou um projeto que estabelece que todo atendimento será
feito na rede de saúde por equipes multidisciplinares. Portanto, o atendimento será feito
na rede de saúde, no SUS. Esta Casa também aprovou que toda internação, Deputado
Genoíno, será feita também no Sistema de Saúde. Não será feita a internação para
desintoxicar em qualquer comunidade terapêutica. Agora, de forma absolutamente
contraditória, esta Casa quer tirar o dinheiro que iria para o Sistema Único de Saúde, que
está assumindo todas essas atribuições, e repassá-lo, de forma absolutamente aleatória, às
entidades privadas. Isso é recurso público da dedução do Imposto de Renda, porque
Imposto de Renda é recurso público! (Deputada Érika Kokay, PT/DF, em 28/05/2013).

Por outro lado, a relevância das comunidades terapêuticas, e de seus vínculos com as
religiões, foi defendida por pastores evangélicos em Plenário:

Agora, Sr. Presidente, o que me chama a atenção é a grande preocupação que nasceu aqui,
neste plenário, com as comunidades terapêuticas, que até hoje têm prestado relevante
serviço à sociedade sem pedir um centavo ao Governo. Sempre fizeram isso, apoiadas
pelas Igrejas Evangélicas, pela Igreja Católica, pelos Centros Espíritas, por ene ONGs que
têm feito esse trabalho sem nenhum centavo. Agora, é fácil defender a cultura aqui, e
muitos dos que defendem a cultura defendem também a legalização das drogas (...). O
PSB encaminha ‘sim’, Sr. Presidente, em honra à sociedade brasileira e ao bem das
famílias. (Deputado Pastor Eurico – PSB/RJ, discurso em Plenário em 28/05/2013).

Essas comunidades terapêuticas têm demonstrado que não conflitam com outros órgãos
governamentais que tratam do tema, mas se completam, pois têm em seus quadros grande
número de voluntários, o que barateia os custos e maximiza os resultados. Se alcançarmos
resultado pela fé, ou por qualquer outro meio, já valeu a pena. (...) Quando afirma que
parceria do Governo com entidades religiosas viola o princípio do Estado Laico, sugere
que tenhamos de abrir mão dos milhares de instituições assistenciais, algumas centenárias,
que tanto contribuem para melhorar a qualidade de vida de tantos irmãos brasileiros.
Quando uma ilustre pessoa, profissional gabaritado como o Dr. Edmar, coloca sua
consideração e cita pessoas, seria de bom alvitre que apresentasse opções, que, de forma
insofismável, pudessem ser estudadas e aplicadas em curto prazo. Acima das convicções
pessoais, devemos olhar para os pequeninos assim como Cristo ensinou: ‘O que fizerdes
para eles estais fazendo para Mim’. Meu gabinete na Comissão de Direitos Humanos e
Minorias está sempre de portas abertas para quem quiser qualquer esclarecimento.
(Deputado Pastor Marco Feliciano - PSC/SP, em 28/05/2013).
114

Como vemos, a discussão sobre o PL 7663/2010 expressou elementos neoconservadores


importantes, em especial a punição como forma de resolução de problemas sociais, defendida por
religiosos evangélicos. Verifica-se no debate, ainda, uma articulação de feição propriamente
neoconservadora, ao aliar interesses punitivistas com interesses específicos de organizações
religiosas, a saber, o financiamento de comunidades terapêuticas pelo poder público. Mas a união
não por apenas nos argumentos.
No dia 12 de março de 2013 o Plenário da Câmara votou urgência para o PL. Ou seja,
deliberou a possibilidade de a proposta ser imediatamente aprovada em Plenário, dispensando as
comissões. Na votação, 100% dos 32 membros da bancada evangélica presentes foram a favor da
urgência, enquanto 84% do total dos presentes votaram sim. Os dois padres presentes à votação
estavam em “obstrução” à pauta, tentando impedir que fosse votada. O projeto foi, ao final,
aprovado pela Câmara em votação simbólica e depende de decisão do Senado.

3.3.4. Autos de resistência

Um tema prioritário para organizações da sociedade civil que atuam no tema de justiça
criminal é a vedação dos chamados “autos de resistência” (Ibbcrim, 2014). O PL 4471/2012,
apresentado pelos deputados Paulo Teixeira - PT/SP, Fabio Trad - PMDB/MS, Delegado
Protógenes - PCdoB/SP e Miro Teixeira - PDT/RJ, pretende tornar obrigatória a perícia e a
instauração de inquérito em homicídios cometidos por agentes policiais em serviço. Hoje as mortes
nessas situações normalmente não são objeto de procedimento investigativo, sendo classificadas
como decorrentes da legítima defesa do policial em sua atividade, rotulados como resistência
seguida de morte.
Como aponta manifesto assinado por onze entidades da sociedade civil92, só “no Rio de
Janeiro, entre 2001 e 2011, mais de 10 mil pessoas foram mortas pela Polícia Militar em situações
formalizadas como auto de resistência”. Considerando ainda que a maior parte dos mortos é de
pessoas negras, as organizações alegam que os autos de resistência são também uma expressão

92
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, Associação Juízes para a
Democracia, Rede Justiça Criminal, Conectas, Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo, Justiça Global,
SMDH, Educafro, IBCRIM e Instituto dos Defensores de Direitos Humanos.
115

institucionalizada do racismo 93 . Tomando os discursos indicados como referentes ao PL


4471/201294, temos que Jairo Bolsonaro (PSC/RJ), relevante autor do protagonismo pró-família, é
aquele que fez mais pronunciamentos em Plenário contra o PL. Ele o faz de maneira articulada à
defesa do armamento, e invocando os cidadãos de bem:

Temos também que ver uma questão muito importante: o Estatuto do Desarmamento. Hoje
em dia, é praticamente impossível o cidadão de bem conseguir comprar uma arma, quer
ele more na área rural ou urbana. Temos que sepultar aqui o projeto que acaba com o auto
de resistência. Hoje o policial militar ou civil não tem retaguarda jurídica para poder
exercer seu trabalho. Diante de qualquer problema que ocorra, geralmente uma grande
parte da sociedade, a mídia, essas entidades de direitos humanos que só defendem a
bandidagem neste País vão contra o policial militar. (Deputado Jair Bolsonaro - PP/RJ,
discurso em Plenário em 10/02/2015).

A posição contrária ao projeto que veda os autos de resistência se vale do argumento


neoconservador de adesão da morte de suspeitos de crimes, associados ao inimigo público. O
pronunciamento do deputado protestante Delegado Eder Mauro reflete essa visão, à qual adiciona,
completando o cimento neoconservador, a evocação à família:

“E hoje tramita nesta Casa proposta para que se retire o auto de resistência do
procedimento policial. O auto de resistência é uma peça no inquérito policial que ratifica
a ação legal do policial pelo estrito cumprimento do dever legal e pela excludente de
ilicitude quando, em confronto com o bandido, o bandido morre.
(...)
Nós não precisamos e não devemos legislar para bandido! Aqueles que acham que bandido
é bom, que os levem para suas casas, porque bandido bom é bandido morto!
Que viva a família! (Palmas).” (Delegado Eder Mauro – PSD/PA, discurso em Plenário
em 18/03/2015)

O deputado Eduardo Bolsonaro, também delegado e evangélico, coloca a derrota do projeto


dos autos de resistência como uma das prioridades do que ele considera a nova composição
conservadora do Congresso Nacional, eleita em 2014:

(...)Agradeço a Deus e aos meus eleitores. Espero prestar um bom serviço, principalmente
na área de segurança pública. Aliás, hoje foi relançada a Frente Parlamentar da Segurança
Pública, presidida pelo Deputado Coronel Braga. Pretendemos com essa nova composição
conservadora do Congresso levar algumas medidas adiante e, com certeza, frear algumas
besteiras que são feitas aqui no Congresso, como, por exemplo, o fim do auto de

93
Disponível em http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Autos%20de%20Resist%C3%AAncia_FINAL.pdf,
acessado em 08/06/2017.
94
Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_deputados?idProposicao=556267, acessado em
26/03/2016.
116

resistência. Essa medida não pode passar. A esquerda tenta a todo custo encarcerar
policiais que fazem nada mais do que o seu trabalho. Num País onde morrem centenas de
policiais e mais de 50 mil pessoas por ano, como se quer combater a violência? Com
flores? Não pode policial ir para uma ocorrência sabendo que dali partirá para o cemitério
ou para o batalhão prisional.
Assim sendo, Sr. Presidente, essa é a conduta que pretendo seguir nesta Casa. Conto com
o apoio dos demais colegas, principalmente das forças policiais, para levar adiante alguns
projetos que deixam a sociedade mais tranquila com relação a essa criminalidade que a
massacra todos os dias.
Muito obrigado. (Palmas.)
(Eduardo Bolsonaro - PSC-SP, discurso em Plenário em 25/02/2015).

Os evangélicos não são unânimes na rejeição dessa pauta. Os parlamentares Pastor Eurico
(PSB/PE) e Antony Garotinho (PR/RJ) manifestaram-se a favor da vedação dos autos de
resistência, cujas consequências vitimam em especial a população pobre. Ambos se filiam a uma
corrente evangélica em alguns aspectos progressista, influenciada pelo brizolismo (Fonseca, 2008)
– que, justamente, atuou de maneira a aplicar os direitos humanos à atuação policial (Hollanda,
2005). Por outro lado, na CDHM, o deputado Sóstenes Cavalcante (PSD/RJ) apresentou
requerimento em 2015 para serem ouvidos os policiais presos por conta do suposto envolvimento
no homicídio do pedreiro Amarildo, morto em 2013, atendendo à reivindicação dos familiares dos
policiais acusados.
De qualquer forma, a compreensão do papel dos evangélicos na impossibilidade de votar a
vedação aos autos de resistência fica mais clara com a aprovação da hediondez dos homicídios
contra policiais. Vejamos.

3.3.5. Transformação do homicídio de policiais em crime hediondo

O PL 3131/2008, originário do Senado – de autoria do senador Álvaro Dias (PSDB/PR) –


previa originalmente agravar o homicídio na hipótese de a vítima ou de o autor do crime ser agente
do Estado. Entretanto, conforme aprovado na Câmara, o agravamento da pena ocorreu apenas na
hipótese de o agente público ser policial (ou familiar de policial) e a vítima do crime. Ou seja,
outros agentes públicos foram excluídos da abrangência da lei, assim como foi excluído o agravante
no caso de o policial ser autor do crime. Esse projeto se transformou na Lei nº 13.142/2015.
Em 2008 o deputado José Genoíno (PT-SP), relator da matéria na Comissão de Segurança
Pública e de Combate ao Crime Organizado, se manifestou contra a proposta. De acordo com ele,
não importa “de quem seja a vida”; não há “distinção com relação ao titular do bem jurídico
117

protegido. Ele registra, no parecer, que as causas de aumento de pena previstas no Código Penal
em razão da qualidade da vítima são relacionadas à sua especial condição de vulnerabilidade, em
razão da sua diminuída capacidade de reação ou da relação de confiança que mantinha com o
autor”. Diferente disso, porém, para ele, “os integrantes de carreiras policiais, por exemplo, não
possuem capacidade de reação reduzida em relação ao cidadão comum – ao contrário, os policiais
são treinados para reagir de forma adequada e eficiente a perigos aos quais o cidadão comum não
teria chance de resposta.”
No sentido oposto ao do parecer, na mesma comissão, ainda em 2008, três deputados
apresentaram requerimentos regimentais com vistas a possibilitar a aprovação do PL. São eles João
Campos (PSDB/GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Deputado William Woo
(PP/SP), membro da FPE, e Deputado Guilherme Campos (PSD/SP), integrante da bancada da
segurança pública. Já aí nota-se o que seria uma articulação neoconservadora.
Em 2008 a proposta foi aprovada na CSPCCO; desde então, porém, ficou praticamente sem
tramitação. Em 2015, por pedido de líderes e do Presidente da Frente Parlamentar da Segurança
Pública, o PL foi incluído na pauta do Plenário da Câmara. A proposta foi discutida e aprovada no
dia 26 de março.
É com o pedido de urgência aprovado que se dispensa o trâmite nas comissões. Os pareceres
pelas comissões são proferidos por relatores em Plenário. Esse papel coube a dois deputados
evangélicos: João Campos (PSDB-GO), pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania,
e Lincoln Portela (PR-MG), pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado
– ambos pela aprovação da matéria. Foi em Plenário que o Deputado João Campos, como relator,
apresentou uma “subemenda substitutiva global”, que, acatando outras emendas, estabeleceu um
texto final agravando e tornando crimes hediondos apenas os homicídios que vitimam policiais (e
seus familiares), e não homicídios praticados por policiais. Glauber Braga insurgiu-se contra a
emenda:

Sr. Presidente, nós estamos aqui tratando de norma penal. Como nós vamos tratar de
norma penal com um acordo formatado em 5 minutos, negociado em plenário sem passar
por Comissão? Não podemos fazer isso dessa forma! Isto aqui não pode ser produção em
série (...) (Deputado Glauber Braga – PSB/RJ, discurso em Plenário em 26/03/2015).

Já outros deputados colocaram a votação do agravamento dos homicídios que vitimam


policiais como uma contrapartida à votação da proposta dos autos de resistência, do qual tratamos
118

acima. Se deve ser punida com mais severidade a morte de policiais, deve ser punida com mais
severidade a morte causada por eles. É o que argumentam Érika Kokay (PT/DF) e Alessandro
Molon (PT/RJ):

Sr. Presidente, o projeto que foi aprovado aqui a partir das subemendas retira dois
elementos que são fundamentais. Um deles, se é verdade, e eu concordo com isso, é que,
quando se mata um agente público em função da sua função, está-se assassinando o
próprio Estado. O inverso também deveria ser verdadeiro, ou seja, quando alguém mata
com dolo em função da condição que ocupa no Estado, também nós estamos possibilitando
que o Estado mate. Portanto, Sr. Presidente, nós tivemos uma modificação no projeto que
veio do Senado, ao retirarmos o agravamento dessa pena cometida pelo agente público.
Entretanto, isso será sanado com o compromisso que aqui foi feito de discutirmos o projeto
que trata dos autos de resistência. E o projeto sobre os autos de resistência é muito simples:
propõe apenas que se investigue. Não há nenhum anúncio de culpa; apenas propõe que se
investigue. Os policiais, portanto, que trabalham na retidão da lei — e são a esmagadora
maioria — serão salvaguardados, obviamente, e teremos uma investigação absolutamente
imparcial. (Deputada Érika Kokay - PT/DF, discurso em Plenário em 26/03/2015.)

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, esse projeto traz ao debate um fato importante que
vem chamando a atenção da população brasileira nos últimos dias, nos últimos meses, nos
últimos anos, que é o extermínio, a matança de agentes de segurança pública no
cumprimento de suas funções, muitas vezes apenas pelo fato de serem agentes de
segurança pública. Não são raros os casos de policiais ou de agentes de segurança que,
tendo sido descobertos num ônibus, numa condução, ou próximos à sua casa, como
agentes de segurança, são executados por essa razão. É evidente que isso merece uma
resposta do Parlamento. No entanto, Sr. Presidente, o objeto do debate que fazíamos há
pouco é o fato de que a nossa Casa não pode olhar só para isso. (...) Aliás, o Estado
brasileiro não pode tratar determinadas vidas como mais preciosas ou menos preciosas do
que outras; por isso, essa relação com o exercício das funções. Mas não apenas isso, Sr.
Presidente. É preciso olhar para o outro lado. E é por isso que nós estamos aqui
trabalhando, e acho que vamos caminhar na direção de um acordo para votar o projeto de
lei de autoria dos Deputados Paulo Teixeira, Miro Teixeira, Manuela d'Ávila, Fábio Trad
e outros Parlamentares, que é o PL dos autos de resistência. Os autos de resistência são
um problema gravíssimo no nosso País. Infelizmente, nós temos maus agentes de
segurança que usam das suas funções para executar, para exterminar, para praticar crimes.
E nós queremos que o Parlamento trate dessa questão também. (Deputado Alessandro
Molon - PT-RJ, discurso em Plenário em 26/03/2015.)

Érika Kokay também criticou a retirada de outros agentes públicos do objeto da norma:

O que me causa espécie nesse projeto — e eu faço essa restrição para que possamos
corrigir posteriormente, porque votarei a favor da proposição — é que nós tínhamos uma
abrangência para todos os agentes de Estado assassinados em função do exercício dessa
condição de agente público, mas isso ficou restrito aos policiais. Somos favoráveis que
quem assassina policial tenha o agravamento da pena. Mas eu me pergunto: como ficam
aqueles que assassinaram os auditores fiscais, aqui em Unaí? Como ficam esses? Esses
não terão suas penas agravadas? Aqueles agentes públicos no exercício da sua função não
foram assassinados por isso? (Deputada Érika Kokay - PT/DF, PT-RJ, discurso em
Plenário em 26/03/2015.)
119

Apesar dessas colocações, foi aprovado o agravamento do homicídio de policiais e de seus


familiares95 e o projeto dos autos de resistência não foi até hoje votado. Como vimos, os integrantes
das frentes evangélica e da segurança pública majoritariamente foram contrários ao PL dos autos
de resistência. E, majoritariamente, votaram a favor da transformação do assassinato de policiais
em crimes hediondos: uma proporção de 92% dos evangélicos que participaram da sessão votaram
a favor da proposta. Aplicando-se a tabela de contingência, temos que apenas 22% dos evangélicos
efetivamente votaram contra a proposta, em relação ao que esperado caso não houvesse inter-
relação entre os fatores.

Tabela 5 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências esperadas


do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito da
subemenda substitutiva global ao PL 3131/2008, no dia 26/03/201596

Não membro
Membro da bancada evangélica
da bancada evangélica
Voto “sim” ao substitutivo do PL 3131 140% 92%
Voto “não” ao substitutivo do PL 3131 22% 115%

Fonte: elaboração própria, com dados do portal da Câmara dos Deputados.

Dos membros da Frente da Segurança Pública, 76% votaram a favor da proposta. Ou seja,
um percentual maior de membros da bancada evangélica, em relação a membros da própria FPSP,
apoiou o projeto. Os evangélicos aderiram mais a uma agenda da corporação policial do que os
subscritores da respectiva Frente.
Antes de seguir em mais uma agenda relacionada aos interesses dos policiais/militares, é
preciso dizer que há uma importante exceção à ideia de que os evangélicos apoiam esse item da
pauta neoconservadora. Trata-se da desmilitarização das polícias, reivindicação de movimentos de

95
O PL 8504/2017, de autoria de Alberto Fraga (DEM-DF), agravou ainda mais a consequência dos crimes
cometidos contra policiais. Pelo texto aprovado, não se aplica mais a progressão de regime aos autores de crimes de
homicídio e lesão corporal a esses agentes públicos – a progressão possibilita que a pena seja paulatinamente
aliviada. A, que ocorreu no dia 08/11/2017, ocorreu de maneira simbólica e não nominal – não é possível, assim,
identificar a postura de cada parlamentar.
96
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
120

direitos humanos. A existência da Polícia Militar é prevista na a Constituição da República de


1988. Embora não haja debate pungente em torno de proposição específica, a PEC 430/2009, que
desmilitariza as polícias, é de autoria de Celso Russomanno - PP/SP, e tem parecer favorável do
relator Marcos Rogério, ambos membros da bancada evangélica.

3.3.6. Obstruções à Comissão Nacional da Verdade

A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei n° 12.528, de 18 de novembro de


2011, com objetivo de “efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a
reconciliação nacional”. A lei é oriunda do PL 7376/2010, de autoria do Poder Executivo, então
chefiado por Lula. Seu texto base foi aprovado por votação simbólica, fruto de um acordo que
envolveu a base do governo e setores da oposição, incluindo o PSOL, partido mais à esquerda no
espectro ideológico, e o DEM, derivado da ARENA, partido de sustentação do regime militar. O
resultado causou elogios e também críticas, à esquerda e à direita. A deputada Luiza Erundina
(PSB/SP), militante há décadas pelos direitos à memória, à verdade e à justiça, criticou a proposta:

(...) a proposta tem limites muito fortes para lhe dar eficácia e efetividade em relação aos
objetivos a que ela se propõe, como o objetivo de trazer à memória os fatos daquele
período, trazer à tona a verdade histórica daquele período, e não toca num objetivo que
todas as Comissões da Verdade colocam como principal, que é fazer justiça. (...)
O período de 42 anos é largo demais. Dois anos de funcionamento da Comissão é
insuficiente para se chegar ao mínimo que se pretende com uma Comissão dessas. Sete
membros, para funcionar em 2 anos e para cumprir todos aqueles objetivos, não é
razoável.
(...)
Uma outra dimensão é a falta de autonomia financeira da Comissão. Como ela poderá
dispor de meios e de estrutura para cobrir o País inteiro, buscando dados, informações e
testemunhas para testemunhar aquilo que possam trazer para a Comissão da Verdade? (..)
(Deputada Luiza Erundina – PSB/SP, discurso em Plenário em 21/09/2011).

Dos 459 discursos realizados com a expressão “comissão nacional da verdade”, Jair
Bolsonaro foi autor de 48 deles. É o parlamentar que mais se pronunciou a respeito, e de maneira
fortemente contrária. Depois de Bolsonaro, católico, o deputado que mais fez discursos
abertamente contrários à CNV foi Arolde de Oliveira (PSC/RJ). Arolde é evangélico. Vejamos
trechos de discursos de Arolde:

(...) a Comissão da Verdade proposta pelo Governo tem um foco preferencial nos
Governos militares de 1964 a 1985 e nos supostos atos contra direitos humanos por eles
121

praticados. Trata-se, portanto, de um projeto unilateral que não considera as condições de


confronto e que ignora que, supostamente, ambos os lados podem ter violado direitos
humanos e não apenas as autoridades militares. (Deputado Arolde de Oliveira, DEM-RJ,
discurso em Plenário em 21/09/2011).

(...) E a verdade que está para ser levantada é a verdade que ocorreu no período de 1964 a
1975, quando, por duas vezes, houve a intenção, pelas armas, de idealistas do sistema
comunista de implantar um regime comunista no Brasil. Pegaram em armas, houve uma
reação, e a Nação brasileira delegou às Forças Armadas, é claro, a missão de repelir essa
intenção. (Deputado Arolde de Oliveira, DEM-RJ, discurso em Plenário em 21/09/2011).

(...) Imaginem que há uma nota da chamada Comissão Nacional da Verdade sobre a
criação de um grupo de trabalho para investigar o papel das igrejas cristãs - católica e
evangélica - no período da ditadura. Eu não consigo entender por que razão o revanchismo
vai alcançar também as denominações religiosas, em particular essas duas, discriminando,
inclusive, as demais. Faço esse registro com tristeza, porque essa Comissão Nacional da
Verdade, que é parte de um processo marxista, gramscista, que tem prosseguimento em
nosso País e que sorrateiramente, sutilmente procura desmontar as estruturas de resistência
ao marxismo em nosso País, desde 1964, faz agora carga sobre a Igreja, aliás, ratificando
essa minha afirmação. (Deputado Arolde de Oliveira, PSD-RJ, discurso em Plenário em
07/011/2012).

Sr. Presidente, colegas Parlamentares, meu registro diz respeito ao relatório final da
malfadada Comissão Nacional da Verdade (CNV), que produziu um documento eivado
de parcialidade e revanchismo. (Deputado Arolde de Oliveira, PSD-RJ, discurso em
Plenário em 16/12/2014)

Arolde poderia ser um caso isolado entre os religiosos, mas não é. Vejamos o caso da
chamada “Comissão Parlamentar da Memória, Verdade e Justiça”. Desde a criação da CNV, em
2011, por requerimento de Luiza Erundina a Comissão de Direitos Humanos e Minorias criou
anualmente a Subcomissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, para acompanhar os trabalhos
da comissão sediada no executivo. Nos anos de 2011, 2012 e 201497 esse colegiado funcionou
apoiando os trabalhos com audiências públicas, resgate da história de deputados cassados, pedidos
de investigação, etc.
Em 2015, primeiro ano da nova legislatura, Erundina tentou recriar a subcomissão, dessa
vez para acompanhar a implementação das Recomendações do Relatório da Comissão Nacional da
Verdade, apresentado no ano anterior. Em reunião da CDHM do dia 18 de março de 2015, ela
afirma que a subcomissão pretenderia participar do esforço da sociedade de resgatar memória e
verdade sobre os crimes lesa-humanidade cometidos durante a ditadura militar, e para que haja
justiça – condenação dos responsáveis. O requerimento não foi deliberado nesse dia. No dia 15 de
abril de 2015 o deputado Major Olímpio (SD/SP) e o deputado Jair Bolsonaro (PP/SP) se opuseram

97
Em 2013 a subcomissão não foi criada porque nesse ano a CDHM foi presidida por Marco Feliciano (PSC/SP), e
os parlamentares do campo da esquerda, incluindo Erundina, deixaram de acompanhar os trabalhos do colegiado.
122

à criação da subcomissão. O último considerou esses grupos como “comissões da patifaria, da


calúnia, da mentira deslavada”.
Bolsonaro e Olímpio se manifestarem contra o tema é adequado com suas posições
corporativas: ambos são militares. O que chama atenção não é isso, mas sim novamente a aliança
com religiosos. O deputado Flavinho (PSB/SP), carismático, do mesmo partido de então de
Erundina, manifestou-se nessa reunião saudando-a, e expressando respeito em relação à luta dela
por direitos humanos. Mas, ainda que com uma posição conciliadora, ele afirma que votaria contra
a criação da subcomissão:

(...) Quero me colocar nessa tarde diante dessa realidade deixando muito claro que não
sou a favor de toda essa movimentação de militarização que está sendo feita em nosso país
(...) não é colocando arma na mão das pessoas que vamos fazer com que realmente as
instituições sejam respeitadas em nosso país.
(...)
Não quero aqui de forma alguma me alinhar nem com um lado nem com um outro; nem
por isso fico sem nenhuma opinião. Aliás, andar em cima do muro às vezes precisa ter
muito mais equilíbrio que tendenciar para um lado ou para o outro. Não quero aqui apoiar
aqueles que estão fazendo esse discurso (...) em favor de uma militarização do nosso país
de uma forma totalmente indiscriminada e querendo trazer à tona de novo aquilo que não
foi bom pro nosso país, que foi a ditadura (...). Mas também quero deixar claro e também
apoiando aqui o Major Olímpio que a Comissão da Verdade de verdade não tem nada. Se
tivesse verdade nisso estaria apoiando coisas que foram feitas pela nossa presidente e por
outros e não foi apurado. Então não quero tendenciar nem para um extremo nem para o
outro, porém para a democracia que tem que ser preservada em nosso país e por nós
parlamentares muito muito muito defendida. (...) “Senhor presidente, somente pra
completar, só quero dizer que sou contra o requerimento; respeitando as duas partes,
porém sou contra o requerimento. (Deputado Flavinho - Flavinho PSB/SP, discurso em
Reunião Ordinária da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, em 15/04/2015).

O deputado Pastor Eurico (PSB/SP), também então do mesmo partido de Erundina,


evangélico, igualmente se manifestou contra:

Senhor Presidente, a questão é a seguinte: no momento em que houve anistia, foi ampla e
irrestrita pra ambos os lados. Então quando a gente pensa em uma comissão dessa, eu
acredito que deveríamos também pensar do outro lado (...). Se houve arbitrariedade por
um lado, do outro lado também aconteceu. Aqui parece mais um tribunal inquisitório em
cima dos militares quando se trata desse assunto. Eu respeito todo o posicionamento da
companheira, mas eu acredito que esse é um assunto que praticamente eu entendi que foi
resolvido quando chegou a anistia. (...). Sou contra o requerimento. (Deputado Pastor
Eurico - PSB/SP, discurso em Reunião Ordinária da Comissão de Direitos Humanos e
Minorias, em 15/04/2015).

O deputado Paulo Pimenta (PT/RS), presidente da CDHM, e também o deputado Arnaldo


Jordy (PPS/PA) fizeram apelo no sentido de que o requerimento de Erundina não fosse derrotado.
123

Pimenta ponderou que as mais diversas opiniões estavam sendo contempladas na CDHM, e que
aquela posição deveria ser atendida também, no sentido de construir espaço para diversidades. Ao
apelo, o Pastor Eurico respondeu que não via necessidade da subcomissão, e que votaria contra ela.
Flavinho respondeu que acreditava que a CDHM deveria “concentrar esforços em situações muito
mais atuais e necessárias”, e disse que a comissão deveria levar o tema para votação. Percebendo
que perderia no voto diante da aliança religiosa-militar, Erundina requereu retirada de pauta de seu
requerimento, que acabou sendo arquivado. Também nesse caso uma aliança de feição
neoconservadora fez prevalecer o interesse da corporação militar/policial, interditando que a
CDHM monitorasse, em caráter oficial, a implantação das recomendações da CNV.

3.3.7. Flagrante provado

O PL 373/2015 foi apresentado pelo Delegado Éder Mauro, adventista. A proposta cria
mais uma hipótese de flagrante, o denominado "flagrante provado". Pelo Código de Processo Penal,
considera-se em flagrante delito quem: está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é
perseguido, logo após; é encontrado, logo depois, com instrumentos que façam presumir ser ele
autor da infração. O PL acrescenta que está em flagrante quem é encontrado, tempo depois,
reconhecido por filmagem ou foto da ação criminosa, ou que confessa o crime.
A proposta, para deputados como Wadih Damous (PT/RJ)98 e Padre Luiz Couto (PT/PB)99,
viola garantias penais. De acordo com a legislação atual, num caso como esse – de surgimento
posterior de provas –, o juiz determinaria a prisão, se presentes os requisitos legais para a medida.
Mas, consoante o projeto, a própria autoridade policial poderia realizar a prisão, em flagrante. Por
isso PL 373/2015 reduz o controle judicial da prisão. Trata-se de uma expressão do que Cristina
Buarque de Hollanda (2005:40) aponta como “mecanismo” utilizado frequentemente pela polícia
para driblar a fiscalização judicial.
Discutindo a matéria na CCJC, Marcos Rogério (DEM/RO), apresentou voto em separado
a favor do flagrante provado, com substitutivo. Marcos Rogério propôs alteração para definir como
em flagrante provado aquele que é reconhecido por imagem e encontrado “logo após” (e não

98
Manifestou-se em voto em separado.
99
Discurso na CCJC em 13/10/2015.
124

“tempo depois”). Seu substitutivo também exclui a confissão da hipótese do flagrante. Também
evangélico, Ronaldo Fonseca (PR/DF) concordou com a proposta nessa versão atenuada:

(...) Com a fala do Deputado Marcos Rogério, entendo que o desejo do Deputado Delegado
Éder é atendido pelo Relator, e, técnica e juridicamente, a proposta ficou bem melhor do
que estava. O ‘logo após’ foi incluído; no anterior, não havia, o tempo era indeterminado.
Havia uma dilação muito grande de tempo para um flagrante delito com a
redação ‘reconhecido pela vítima ou por terceiro que o identifique por filmagem e/ou por
foto da ação criminosa’.
Eu estava discordando da parte final da redação original, já que a confissão daquele que
cometera o crime não era logo após, era por tempo indeterminado. (...) Eu acho que é uma
inovação o flagrante provado, mas que se faz necessária, no tempo em que nós estamos
vivendo, até porque a tecnologia avançou (...). (Deputado Ronaldo Fonseca – PR/DF,
discurso na CCJC em 13/10/2015).

João Campos (PSDB/GO), líder da bancada evangélica e da bancada da segurança, felicitou


a proposta, por garantir o direito coletivo à segurança púbica:

Sr. Presidente, quero cumprimentar o autor desse projeto, Deputado Delegado Éder
Mauro, da Polícia Civil do Estado do Pará, que, em razão da sua larga experiência na área
operacional, traz ao Parlamento um projeto de lei muito oportuno, preocupado com um
dos direitos garantidos na Constituição brasileira à sociedade, ao cidadão: a segurança
pública.
O direito à segurança pública está garantido na Constituição Federal. Penso que a
sociedade brasileira caminha, Deputado Delegado Éder Mauro, para encontrar uma
conformação, um equilíbrio, Deputado Marcos Rogério, entre as garantias e direitos
individuais e os direitos da coletividade.
Em determinado momento, o direito individual pareceu sobrepor-se ao direito coletivo. E
acho que a nossa democracia, o Estado de Direito, a nossa convivência permite que hoje
nós entendamos que não há que se revogar direitos e garantias individuais, mas é preciso
considerar o direito da coletividade. E esse projeto caminha nessa direção ao acrescentar
mais uma hipótese de prisão em flagrante. (Deputado João Campos – PSDB/GO, discurso
na CCJC em 13/10/2015).

O autor do projeto, delegado Éder Mauro, protestante, também defendeu sua ideia,
invocando o combate aos delinquentes:

“Portanto, essas duas situações são menos robustas do que a que está sendo criada em lei
para socorrer a população brasileira, que clama, exatamente, por essa questão. Em 95%
dos casos que hoje ocorrem nas delegacias de polícia envolvendo ação criminosa, o
delinquente e a vítima dizem respeito a esse tipo de coisa. O indivíduo pratica um crime e
foge da situação... Mas hoje, com a ajuda da tecnologia - vídeos ou fotos da ação criminosa
levados à delegacia -, a polícia chega ao criminoso logo após. E através desse vídeo ou
dessa fotografia pode-se autuar o criminoso em flagrante, não por presunção, mas pela
certeza, em razão da prova apresentada de que participou da ação criminosa. Então, nós
não podemos aceitar que hoje 95% do povo brasileiro, nos casos em que são vítimas da
125

delinquência, não possam ser socorridos. (Deputado Delegado Éder Mauro – PSD/PA,
discurso na CCJC em 13/10/2015).

Novamente a parceria entre evangélicos e profissionais da segurança pública resultou


efeitos. A proposta, de conteúdo neoconservador no sentido de redução das garantias processuais
penais e de aumento do poder policial, foi aprovada na CCJC. Hoje depende de deliberação do
Plenário da Câmara.

3.3.8. Dez medidas contra a corrupção

O PL 4850/2016 também altera garantiras processuais-penais. Estabelece medidas contra a


corrupção e demais crimes contra o patrimônio público e combate o enriquecimento ilícito de
agentes público. A proposta é resultado do trabalho do “Movimento das 10 Medidas de Combate
à Corrupção”, promovido por membros do Ministério Público Federal e por entidades da sociedade
civil. Seu texto original foi criticado por juristas garantistas, por flexibilizarem normas do devido
processo legal. O deputado Wadih Damous, advogado e ex-presidente da OAB/RJ, manifestou-se:

Estou vendo é a receita de sempre, o receituário de sempre: mais penalidade, mais Direito
Penal, vendendo-se a ilusão à sociedade brasileira de que isso vai resolver os problemas
de corrupção.
É bom que a população entenda que esse pacote, que eu considero punitivista,
repressivista, como é da tradição de certo viés legislativo brasileiro, vai se estender para
todos os campos do processo penal. Isto não é só para combater a corrupção, não. Não é
só para, como se anuncia aqui, o grande criminoso de colarinho branco, o grande
corruptor.
E mais: eu tenho absoluto respeito - absoluto, e estou sendo aqui muito sincero -, pelas
boas intenções daqueles que propuseram estas 10 Medidas. Na verdade, é um conjunto de
muito mais do que dez medidas de extrema complexidade, e eu acho que questões de
extrema complexidade não devem e não podem ser tratadas simploriamente. Elas não
fogem do receituário tradicional.
(...)
E, repito: aqui na Casa nós nos recusamos a fazer a reforma política, nós nos recusamos a
enfrentar as mazelas do sistema político eleitoral brasileiro, que são, se não o principal
fator de corrupção aqui no Brasil, um dos principais fatores. A Operação Lava-Jato mostra
isso. Quem é que está lá na Lava-Jato? É o mundo político, em contubérnio com o mundo
empresarial.
Só com o Direito Penal... Ora, criminalidade sempre dá um jeito de burlar e driblar o
Direito Penal. E repito: isso depois vai penalizar quando os empresários fizerem as suas
delações premiadas.
Aliás, segundo matérias jornalísticas, não sou eu quem está dizendo, essas delações já
produziram uma despenalização de 326 anos. (...)
Quero dizer aqui que a Ordem dos Advogados do Brasil, ao examinar as chamadas 10
Medidas, rejeitou-as em sua grande maioria, mais de dois terços. Mais de dois terços delas
foram rejeitadas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Diversos
126

juristas brasileiros têm se manifestado - diversos, não são ilhas de juristas -


contrariamente, apontando as mais diversas inconstitucionalidades.
Então, o que se vê aqui, na verdade, é mais força da retórica do que força do argumento.
(Deputado Wadih Damous - PT/RJ, discurso em reunião da Comissão Especial do PL
4850/16, em 09/08/2016).

Esse projeto, dos analisados nesta sessão sobre punitivismo, é o único que em tese não
afetaria particularmente a população pobre, já que é voltado para os crimes de colarinho branco.
Wadih Damous, porém, argumenta que sua lógica se estenderia a todos os domínios do direito
penal. Como se vê da passagem, o embate sobre as Dez Medidas é um embate entre, de um lado, a
concepção de que o direito penal pode resolver problemas estruturais da sociedade, e que para isso
é preciso aumentar o poder policial e judicial sobre indivíduos, e, de outro, uma crítica a essa visão.
Entre, maneira geral, o punitivismo e o garantismo.
Além disso, podemos extrair da fala, não são exatamente dez medidas; são incontáveis
medidas, espalhadas em 67 artigos. Há uma similaridade no nome da campanha com os “Dez
Mandamentos” bíblicos. Pelo menos é a opinião do deputado Zé Geraldo (PT/PA):

Eu estou terminando, Sr. Presidente. Quero dizer que, realmente, agora, os procuradores
Dallagnol, que, inclusive, quer emplacar as dez medidas como uma peça de marketing,
medidas que vêm lá dos dez mandamentos, esteve na Folha de S.Paulo com um
marqueteiro, com uma empresa de marketing que é do PSDB. (Zé Geraldo - PT/PA,
discurso em Plenário no dia 01/12/2016).

A proposta, em 29 de março de 2017, foi considerada como um projeto de iniciativa


popular. Mas um ano antes, quando foi apresentada, era de autoria formal de quatro deputados:
Antonio Carlos Mendes Thame (PV/SP), Coordenador da Frente Parlamentar Mista de Combate à
Corrupção; Fernando Francischini (SD/PR) e João Campos (PSDB/GO), ambos evangélicos e
delegados; e Diego Garcia (PHS/PR), católico carismático, relator do Estatuto da Família, tratado
no capítulo anterior. A Aliança Cristã Evangélica foi uma das protagonistas na coleta de apoios:

Desde o lançamento da campanha das ‘10 Medidas Contra a Corrupção’ pelo MPF, a
Aliança Cristã Evangélica Brasileira manifestou apoio a elas em suas linhas gerais, pelo
que representavam. Por isso, saiu a campo para coleta de assinaturas nas igrejas
evangélicas e foi a Brasília participar da entrega ao Congresso Nacional.
Lembrados das palavras do profeta Miquéias: ‘pratique a justiça, ame a fidelidade e ande
humildemente com o seu Deus’, em recente Declaração, afirmamos: ‘denunciamos as
artimanhas que não desejam reformas profundas e afirmamos todo o esforço possível para
que a transparência dos fatos seja buscada e a justiça seja exercida.’(Ace, 2016).
127

O relator da matéria foi o deputado o Onyx Lorenzoni (DEM/RS). O seu principal


articulador foi o Procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da
operação Lava Jato, definida pelo Ministério Público Federal como “a maior investigação de
corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve” 100 . O portal de notícias Gospel Prime
enfatizou que ambos os atores-chave no projeto das Dez Medidas são evangélicos, ambos
protestantes tradicionais.

Tanto Deltan quanto Onyx são evangélicos.

O deputado Lorenzoni é luterano. Membro da Frente Parlamentar Evangélica, desde seu


primeiro mandato como deputado federal, há 12 anos, é considerado um dos 100
parlamentares mais influentes do Congresso pelo Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar.

Foi membro de 10 CPIs, entre elas a CPMI dos Correios, a CPMI do Cachoeira e da CPMI
da Petrobras. Sua luta contra a corrupção no país é bastante conhecida.

Já Dallagnol é membro da Igreja batista do Bacacheri, em Curitiba, desde a infância.


Estudioso da Bíblia, já afirmou em entrevistas que cogita se tornar pastor depois que se
aposentar do serviço público.

A biografia de seu perfil nas redes sociais deixa claro quais são as suas prioridades na
vida: ‘Seguidor de Jesus, Marido e Pai Apaixonado, Procurador da República por Vocação
e Mestre em Direito por Harvard’ (Aragão, 2016a)

O portal também afirma que em palestra Dallgnol terminou sua fala citando versículo
bíblico. E explicou que sua visão de mundo acaba extravasando em como vê a profissão, ainda que
defenda o Estado laico:

Em palestra recente no Paraná, ele conversou com o portal Gospel Prime sobre sua atuação
como parte da Força-Tarefa que vem modificando o cenário político brasileiro.

No final de sua fala, citou o versículo de Gálatas 6:7 ‘porque tudo o que o homem semear,
isso também ceifará’. Questionado se vê Deus agindo em todo esse processo de mudanças
no país, faz questão de frisar que, como profissional defende o Estado Laico.

Porém, como indivíduo admite: ‘Minha visão de mundo faz parte de quem eu sou. Isso
acaba extravasando no modo como a gente exerce a profissão’. Explica também que, no
seu ponto de vista, ‘o cristão, em razão dos valores e princípios bíblicos é uma pessoa que
deve ser comprometida com a transformação da sociedade para o bem. Se nós vemos um
mal que sangra nosso pais, como é a corrupção, ele precisa ser estancado’. (Aragão,
2016a).

100
Disponível em http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso, acessado em 22/06/2017.
128

O procurador associa sua visão de missão religiosa à sua missão de combater a corrupção,
“mal que sangra nosso país” e precisa ser estancado. As Dez Medidas, cuja campanha e redação
foi coordenada por Dallgnol, provavelmente vêm imbuídas do espírito de missão de combate à
corrupção, a qual, na visão do procurador, se comunicam com seus princípios cristãos.
Como se vê, novamente podemos identificar aí uma articulação de feição neoconservadora,
por unir religiosos no protagonismo de medidas de caráter punitivista. Mas precisamos sublinhar
que, assim como todas as outras matérias discutidas aqui, as medidas contra a corrupção não foram
endossadas só por esses setores da sociedade. Nesse caso em particular houve adesão forte da
mídia. As Medidas receberam mais de dois milhões de assinaturas, segundo documento assinado
pelos deputados autores.
Também os parlamentares evangélicos não aderiram unanimemente às medidas, que além
disso foram bastante modificadas até sua aprovação final pela Câmara, em 2016 – hoje também
aguardam deliberação do Senado. Mas esses setores, o policial e o religioso
pentecostal/carismático, protagonizaram sua apresentação.

3.3.9. Revogação do Estatuto do Desarmamento

O Projeto de Lei 3722/12 foi aprovado em comissão especial em 2015. Na forma do


substitutivo adotado, que está pronto para ser votado pelo Plenário da Câmara, cria-se um Estatuto
de Controle de Armas de Fogo, que revoga o Estatuto do Desarmamento, de 2003. A ênfase dos
argumentos favoráveis é a legítima defesa. O texto aprovado estende a licença “aos cidadãos em
geral, possibilitando o porte de arma de fogo com a finalidade de defesa pessoal e patrimonial”,
com condições mais flexíveis do que prevê a legislação vigente.
“O que queremos é devolver ao cidadão de bem seu direito de defender a própria vida, da
sua família e a sua propriedade, já que o Estado é ineficiente” – afirmou o relator, Laudívio
Carvalho (PMDB/MG). O deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), autor do projeto,
argumentou sobre a importância de se respeitar a vontade da maioria da população que, em 2005,
votou, em referendo, contra a proibição do comércio de armas no país (Ac, 2015c). O léxico
neoconservador da legítima defesa dos “cidadãos de bem” foi mobilizado também parlamentares
evangélicos:

O Governo nada fez e, por isso, o cidadão de bem está desarmado, mas os bandidos
continuam armados e o narcotráfico continua sendo uma atividade promissora. (Deputado
129

João Campos – PSDB/GO, em justificativa de voto a favor do impeachment de Dilma


Rousseff, em 15/04/2016.)

Vamos derrubar o Estatuto do Desarmamento e garantir o direito ao cidadão de bem de


ter uma arma de fogo, pelo menos em casa, se assim o desejar. (Deputado Eduardo
Bolsonaro – PSC/SP, discurso em Plenário em 23/06/2015.)

Cabe destacar que o deputado Flavinho (PSB/RJ), carismático, coerente com seu
pronunciamento a respeito da Comissão Nacional da Verdade citado acima, votou contra o
Estatuto. Os evangélicos, por sua vez, não são unânimes na pauta – por exemplo, o Pastor Pedro
Ribeiro (PMDB/CE) fez discurso em plenário em 17/10/2005 em que se posiciona pela proibição
do comércio de armas de fogo e munição no Brasil. Fora do parlamento, a liderança da Assembleia
de Deus Pastor Silas Malafaia se manifestou, em vídeo101, contra a proposta, considerando-a fruto
do lobby da indústria de armamento.
Mas, considerando a comissão especial sobre o PL 3722/2012, temos uma adesão
evangélica expressiva à proposta. Na votação sobre o mérito do parecer do relator, no dia 27 de
outubro de 2015, os três integrantes da bancada evangélica que participaram do pleito votaram
favoravelmente. Dos dez votantes presentes que assinam a Frente Parlamentar Evangélica, oito
votaram a favor do PL. Foram 14 votos favoráveis o Estatuto de Controle de Armas de Fogo e oito
votos contrários. Dos 14 favoráveis, oito assinam a FPE. Ou seja, 57% dos votos favoráveis à
revogação do Estatuto do Desarmamento vieram de integrantes da Frente Parlamentar Evangélica,
                                      Ĥ晉    吀  阂l혅       

Em 20 de abril de 2015 o autor do projeto, Rogério Peninha Mendonça, publicou em sua


página do Facebook o seguinte cartaz. A publicação ocorreu durante os debates da comissão
especial e foi considerada, pelo portal Gospel Mais, como uma justificativa para a modificação no
Estatuto do Desarmamento (Chagas, 2015).

Ilustração 1 – Cartaz eletrônico de autoria do Deputado Federal Peninha

101
Disponível em http://conscienciacristanews.com.br/o-cristao-pode-possuir-e-portar-arma-de-fogo-para-se-
proteger/, acessado em 13/06/2017.
130

Fonte: página do parlamentar no Facebook102.

A revogação do estatuto do desarmamento expressa a pauta típica do neoconservadorismo,


de armamento dos cidadãos como instrumento para legítima defesa da pessoa e da propriedade.
Vemos, também nesse caso, a articulação neoconservadora no suporte à proposta, defendida pela
maioria dos deputados evangélicos presentes na comissão especial. Em contrapartida o autor do
projeto, que não é de religião declarada, usou-se de argumento do Velho Testamento para a pauta
de combate ao inimigo: “bandido bom é bandido morto”.

3.3.10. Privatização do sistema penitenciário

Em 2015 a Câmara dos Deputados instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre
o sistema carcerário. Foram apresentadas seis recomendações em seu relatório final, de autoria do
deputado Sérgio Luís Lacerda Brito (PSD/BA). Quatro das recomendações se referiam à gestão
dos presídios em parceria entre o poder público e a iniciativa privada. A CPI apresentou ainda,
dentre outros, um projeto de lei sobre a parceria público-privada, e sugerindo um assento às

102

https://www.facebook.com/deputadopeninha/photos/a.608249585853647.1073741826.608246322520640/10196318
91382079/?type=1&theater, acessado em 13/06/2017.
131

empresas privadas no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. O relatório da CPI


afirma que:

“Os modelos de cogestão e parceria público-privada, em pouco mais de dez anos de


existência no Brasil, comprovaram que é possível sim a iniciativa privada contribuir para
que o Estado possa atender aos ditames da Lei de Execução Penal, além de possibilitar o
cumprimento de penas com um mínimo de dignidade para milhares de encarcerados do
País” (Cd, 2015:216).

Esses aspectos do relatório foram objeto de crítica dos deputados Paulo Teixeira (PT/SP) e
Subtenente Gonzaga, e de votos em contrário de Érika Kokay (PT/DF), Carlos Zarattini (PT/SP) e
de Edmilson Rodrigues (PSOL/PA). A fala de Kokay sintetiza as objeções ao relatório no que diz
respeito à terceirização da gestão penitenciária:

“Destacamos também a questão da terceirização, da privatização, que verga a custódia,


que verga um processo em que, muitas vezes, é a primeira, única e real chance de haver
uma ressignificação dessas vidas e uma interrupção da ação delituosa, em um objeto de
lucro, que não tem representado uma melhoria substancial no atendimento à população
carcerária.
Só para se ter uma ideia, segundo dados do INFOPEN de 2014 nós temos, em média,
131% de ocupação nos estabelecimentos de cogestão. Portanto, nós temos uma
superlotação também nos instrumentos de cogestão. E temos ainda os dados que indicam
que 17% dos presos, nos estabelecimentos de cogestão, estudam - apenas 17% - e 16%
trabalham. Portanto, nós temos um quadro que não se diferencia muito do quadro que há
no sistema público. E estamos delegando a responsabilidade. Nós não estamos falando de
gestão de atividades específicas, como alimentação, capacitação ou coisas afins. Nós
estamos falando da gestão do sistema. Estamos tirando do Estado, tirando dos Governos
e colocando nas mãos da iniciativa privada, com a variável do lucro.” (Deputada Érika
Kokay – PT/DF, discurso em reunião da CPI do sistema carcerário em 05/08/2015).

Dos 28 deputados membros da comissão presentes na discussão e votação do relatório, que


consagrou as proposições a favor da cogestão pública/privada, 18 eram da Frente Parlamentar
Evangélica, 17 dos quais presumem-se favoráveis à terceirização, porque nem votaram contra ela
nem se manifestaram a respeito. Os quatro membros da bancada evangélica também não se
opuseram por voto ou pronunciamento. O relatório foi aprovado, porque apenas cinco integrantes
o questionaram. Como vimos, a privatização dos presídios é um dos itens da agenda
neoconservadora no Brasil.

3.3.11. Outros temas: pena de morte e lei antiterror


132

A pena de morte não é, pelo menos explicitamente, defendida por um conjunto articulado
de parlamentares. De 2003 a junho de 2017, foram proferidos 430 discursos em plenário com a
expressão “pena de morte”. Os discursos são, de regra, contrários à previsão da morte como
punição; eles usam a noção de pena de morte como argumento para, por exemplo, dizer que na
prática ela existe em tais ou quais circunstâncias.
É o caso do parlamentar que mais proferiu discursos com essa expressão, Luiz Couto
(PT/PB). Ele milita contra grupos de extermínio, e na maior parte de seus pronunciamentos diz
que, se esses grupos não foram enfrentados, o que existe é, na prática, “pena de morte” para as
vítimas dessas quadrilhas.
O que chama atenção é que o segundo parlamentar que mais se pronunciou em referência
ao tema foi Jair Bolsonaro. Ele, sim, defende a pena capital:

O preso não merece ser humilhado, mas ser condenado à pena de morte. Enquanto não
adotarmos no País a pena de morte, redução da maioridade penal e controle da natalidade,
não chegaremos a lugar algum no combate não só à violência, mas à fome e à miséria.
(Deputado Jair Bolsonaro, PTB/RJ, discurso em plenário em 29/04/2003).

Prezado Presidente, faço um alerta a quem está nos ouvindo, em especial aos
Parlamentares: atentem para a reforma do Código Penal apresentada no Senado. Está cheia
de absurdos.
Acredito que esse material não deveria nem ser analisado, e se o fosse que fizessem por
partes. Por exemplo, legalizam os prostíbulos. A que ponto chegamos legalizando casas
de prostituição e dando carteira de trabalho para prostituta, com o argumento de evitar o
preconceito e dar-lhe dignidade? Legalizam as drogas, quando em pesquisa no Brasil,
hoje, mais de 50% da população já aceita até a pena de morte e mais de 90% aceita punir
os menores de 18 anos, ou seja, diminuindo a maioridade penal, e no Senado vem essa
proposta desses juristas - que não foram escolhidos ao acaso, com toda certeza há o dedo
deste Governo -, legalizando as drogas.
Mais ainda, pega o PL 122, o tal que criminaliza a homofobia, e coloca todo ele dentro do
Código Penal. Chegará a um ponto que se eu não vender o meu relógio para uma pessoa,
porque sei que ela não vai pagar, mas depois se descobre que ela é homossexual, e eu
vendi para outra que vai pagar e mais barato, eu começo com 3 anos de detenção também.
É mais um absurdo!
Outro absurdo: legaliza o terrorismo para o MST. Ou seja, se nós dois, Presidente,
cometermos um ato de vandalismo lá fora, começamos com 8 anos de cadeia. Se for o
pessoal do MST não há punição.
Assim sendo, faço esse apelo aos meus colegas, para que prestem atenção a esta proposta
de reforma do Código Penal, que é absurdo dos absurdos. Inclusive, atenta contra a
família, os bons costumes e a religiosidade.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Deputado Jair Bolsonaro, PP/RJ, discurso em plenário
em 05/07/2012).

No discurso, Bolsonaro associa a defesa da pena de morte e da redução da maioridade penal


à crítica a um conjunto de iniciativas: legalização das drogas, criminalização da homofobia e
133

“legalização do terrorismo para o MST”. Nesse aspecto Bolsonaro se refere à resistência à


criminalização do terrorismo no Brasil diante da preocupação de que a norma sirva para a repressão
de protestos.
O debate sobre a criminalização do terrorismo no Brasil é informado pela herança do regime
militar. Como mencionado, Vera Malaguti Batista (2003:12, 40-1) lembra que o inimigo interno,
entre as décadas de 1960 e 1980 era o terrorista que atuava contra a ditadura. Assim, a oposição à
criação do tipo de terrorismo no Brasil incluía a desconfiança de que a norma fosse usada para
criminalizar movimentos sociais.
Para atender a pressões internacionais, Dilma Rousseff enviou o PL 2016/2015, para
tipificar o terrorismo no Brasil. Por conta da preocupação histórica mencionada, o PL excluía, da
abrangência da norma, os protestos reivindicatórios. E justamente por conta dessa causa excludente
de ilicitude que a lei contra o terrorismo, aprovada entre 2015 e 2016, não é um parâmetro para
delinear uma bancada neoconservadora.
Isso porque seus apoiadores incluíram parte da base progressista de apoio ao governo – que
confiavam na excludente a respeito das organizações políticas – e também setores mais
conservadores, favoráveis à criminalização do terrorismo. O texto foi aprovado com apoio de um
espectro amplo de partidos, com exceção do PSOL, PC do B e REDE.

3.3.12. Análise quantitativa da militância dos protagonistas da ação pró-família no


neoconservadorismo criminal

Buscaremos verificar, aqui, se existe uma articulação de feição neoconservadora no que diz
respeito à moral sexual e ao punitivismo. Assim, analisaremos a conduta dos protagonistas da ação
pró-família estudada no Capítulo II que exercem mandato na 55ª Legislatura103.
São 50 parlamentares nesse grupo, dentre os quais 68% pertence ao grande grupo religioso
evangélico; a denominação mais frequente é a Assembleia de Deus (34%). Todos eles, sem
exceção, têm ao menos um voto ou iniciativa (proposição ou discurso) coerente com o
neoconservadorismo penal, de acordo com os critérios elencados neste capítulo.

103
Como explicado anteriormente, o recorte temporal da 55ª legislatura se deve ao fato de ser nela que cresce o
tamanho das bancadas conservadoras e que se robustece a já consolidada ação pró-família.
134

Analisemos as votações consideradas neste capítulo que aconteceram em Plenário na 55ª


Legislatura: a PEC da redução da maioridade penal e a transformação do homicídio de policiais
em crimes hediondos.
Dos 50 deputados, 43 participaram da última votação de mérito da PEC da redução da
maioridade, dos quais quatro votaram contrariamente à proposta e um (Cunha) se absteve pela
condição de Presidente. Portanto, 88% dos protagonistas pró-família que participaram da votação
votaram a favor da redução da maioridade. Dos 45 que votaram sim, a denominação mais frequente
é a AD, com um terço dos deputados.
Aplicando-se a tabela de contingência, temos que votaram contra a redução apenas 31%
dos protagonistas que deveriam assim votar caso não existisse associação entre as pautas de gênero
e punitivista.

Tabela 6 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências esperadas


do protagonismo no ativismo pró-família e da posição na votação do mérito da emenda
aglutinativa da PEC 171/1993, no dia 01/07/2015104

Protagonista do ativismo Não protagonista do ativismo


pró-família pró-família
Sim à redução da maioridade conforme substitutivo
133% 97%
aprovado da PEC 171
Não à redução da maioridade conforme substitutivo
30% 107%
aprovado da PEC 171

Fonte: elaboração própria, com dados do portal da Câmara dos Deputados.

Dos protagonistas do ativismo pró-família, 30 participaram da votação em plenário do


mérito do PL 3131/2008 (a respeito do homicídio de policiais). Desses, 29 votaram a favor da
proposta – ou seja, 97% dos protagonistas da ação pró-família que participaram da votação
apoiaram o agravamento da sanção para o homicídio de policial. Dos 29 deputados que votaram
sim, a denominação mais frequente é a Assembleia de Deus (10 deputados).

104
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
135

Aplicando-se a tabela de contingência, temos que votaram contra o agravamento do


homicídio de policiais apenas 29% dos protagonistas que deveriam assim votar caso não existisse
inter-relação entre as pautas de gênero e punitivista.

Tabela 7 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências esperadas


do protagonismo no ativismo pró-família e da posição na votação do mérito na votação
do mérito da Subemenda Substitutiva Global ao PL 3131/2008, no dia 26/03/2015105

Protagonista do ativismo pró- Não protagonista do ativismo


família pró-família
Sim ao substitutivo aprovado do
147% 95%
PL 3131/08
Não ao substitutivo aprovado do
10% 109%
PL 3131/08

Fonte: elaboração própria, com dados do portal da Câmara dos Deputados

Agora, tomemos os principais protagonistas da agenda pró-família dentre aqueles 50


deputados. Considerar-se-ão, nessa pesquisa, os principais protagonistas como aqueles que
apresentaram, pelos critérios vistos no Capítulo II, ao menos 10 iniciativas conta o gênero. São seis
os deputados que cumprem esse critério (ao menos 10 iniciativas contra demandas LGBT ou
feministas e exercício do mandato na 55ª Legislatura). Dentre eles, todos são signatários da Frente
Parlamentar Evangélica; cinco (83%) são signatários da Frente da Segurança Pública; e todos, com
exceção de Cunha, que não votou por ser presidente, votaram a favor da redução da maioridade
penal e do agravamento do crime de homicídio de policiais. Todos apoiaram mais de uma pauta
punitivista ou demanda corporativa de policiais/militares.

3.4. Articulação entre as bancadas evangélica e da segurança

Visto, portanto, que há uma atuação relevante da bancada evangélica e dos protagonistas
da reação pró-família no que seria uma agenda punitivista neoconservadora, e visto que os

105
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
136

argumentos usados na defesa das pautas têm características de uma mentalidade neoconservadora,
examinemos agora a articulação entre as bancadas.
A entrevista do Capitão Augusto (PR/SP), deputado conhecido por usar o uniforme militar
nas sessões parlamentares, à revista Exame, explica a articulação:

A bancada da bala, assim chamada pela imprensa para se referir aos parlamentares
financiados por indústrias de armas e munições, teve ao longo do ano passado
‘acréscimos’ de deputados que fizeram jus a serem incluídos pela veemência e repetição
com que defendem a redução da maioridade penal, o aumento de penas e, principalmente,
a revisão do Estatuto do Desarmamento – algumas vitórias parciais foram conseguidas em
2015.
Conhecido por ostentar um impecável uniforme militar pelos corredores e plenários da
Câmara, o PM e deputado federal Capitão Augusto fala com bom humor do epíteto
recebido pelo grupo.
‘Acabou que esse termo, que tinha um sentido pejorativo, se popularizou e com viés até
contrário, demonstrando que a bancada da bala está, sim, compromissada com a questão
da segurança, com o endurecimento da legislação penal, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, e por aí vai. Hoje, já não nos incomoda mais esse termo ‘bancada da bala’,
mas nós somos, na verdade, da bancada da vida. O que a gente defende é a vida,
principalmente do cidadão de bem’, disse.
A relação entre a turma que em parte defende a linha do ‘bandido bom é bandido morto’
e a Frente Parlamentar Evangélica é um bom exemplo da força da articulação de grupos
conservadores.
‘As frentes de segurança pública e a evangélica correm juntas aqui. Nós temos os
mesmos valores. A gente se ajuda realmente, não integramos [a frente evangélica, da
qual Augusto também faz parte] apenas com o nome, para constar, mas para
efetivamente ajudar em todos os projetos que eles estão apoiando’, reconhece o PM.
Ele rechaça a ideia de os pontos que unem os dois grupos sejam de um conservadorismo
extremista.
‘Preservamos a questão da família, da moral, da ética, da honestidade. Não tem como
ser radical nesses valores – ou você tem, ou você não tem. Ou você é honesto, é um
cidadão de bem, ou você não é.’ (Medeiros e Fonseca, 2016) Sem grifos no original.

Capitão Augusto afirma que as bancadas da segurança e evangélica “se ajudam”, “correm
juntas”; possuem “os mesmos valores”, inclusive os da “família” e da “moral”. Sua fala sintetiza o
que verificamos nos exemplos estudados: a articulação é, em parte, estratégica, e em parte por
convergência de valores. Estratégica porque ambos os grupos são minoritários – nem mesmo a
maior bancada, a ruralista, possui mais da metade dos membros da Câmara – e precisam de apoio
recíproco. Aliança de valores porque defendem o conjunto do que chamamos aqui de agenda
neoconservadora.
A articulação contemporânea entre os grupos, descrita pelo Capitão Augusto, é mostrada
também em números. Vamos considerar, para avaliar isso, a pesquisa disponível sobre a totalidade
137

da atuação em temas sobre segurança pública. Trata-se de estudo do Instituto Sou da Paz (2016),
que tem como marco temporal o ano de 2015.
Em 2014, foram eleitos 19 policiais, incluindo militares, civis, federais, bombeiros e reserva
(Isp, 2016:23). Cruzando a relação desses policiais com a relação de integrantes da bancada
evangélica, temos que cinco dos 19 policiais são evangélicos. (Dos policiais evangélicos, 60% é
da Assembleia de Deus.) Aplicando-se a tabela de contingência, temos o seguinte resultado:

Tabela 8 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências esperadas


do pertencimento à categoria profissional militar ou policial e a religião evangélica
dentre os deputados federais eleitos em 2014106.

Membro da bancada evangélica Não membro da bancada evangélica


Policial ou militar 180% 86%
Não policial ou militar 97% 101%

Fonte: elaboração própria, com dados do Instituto Sou da Paz (2016).

Ou seja, a correspondência entre ser policial/militar e ser evangélico entre os deputados é


80% maior do que a esperada. Essa relação entre ser policial e ser evangélico pode explicar, em
parte, a convergência de valores entre as pautas.
O Instituto Sou da Paz (2016:24) traz em seu estudo a relação dos parlamentares mais
atuantes no tema da justiça criminal, considerando aqueles que tiveram participação frequente nas
quatro comissões da Câmara dos Deputados diretamente associadas ao tema da em 2015107. São
24 deputados que participaram das quatro ou de três das quatro comissões. Dentre esses, 18 são
subscritores da Frente Parlamentar Evangélica. Na Câmara, 39% dos deputados assinam a FPE;
porém, dos 24 deputados mais atuantes em segurança púbica, 75% são da FPE. Vejamos a tabela
de contingência:

106
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
107
Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Comissão Especial que analisou a PEC
171/1993 (Redução da Maioridade Penal), Comissão Especial que analisou o PL 3722/2012 (Revogação do Estatuto
do Desarmamento) e Comissão Especial destinada a criar a Lei Orgânica de Segurança Pública.
138

Tabela 9 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências esperadas


do pertencimento à Frente Parlamentar Evangélica e da atuação nas comissões
relacionadas à segurança pública em 2015108.

Membro da FPE Não membro da FPE


Atuante em 3 ou 4 das comissões de segurança pública em 2015 195% 41%
Não atuante em 3 ou 4 das comissões de segurança pública em 2015 95% 103%

Fonte: elaboração própria, com dados do Instituto Sou da Paz (2016).

A correspondência entre pertencer à FPE e ser atuante nas comissões de segurança pública
é o dobro da esperada, enquanto ser mais atuante em segurança pública e não ser membro da FPE
tem apenas 40% da frequência esperada. Isso demostra a associação na militância sobre os temas:
aqueles que mais atuam em segurança pública tendem a apoiar pauta evangélica.
Além disso, o ISP (2016:25) relaciona os oito parlamentares mais atuantes nas áreas de
segurança pública e justiça criminal, considerando as proposições que apresentaram e a
participação nas comissões. São eles Alberto Fraga, Laerte Bessa, Capitão Augusto, Pompeo de
Mattos, Lauidivio Carvalho, Cabo Sabino, Eduardo Bolsonaro e Ronaldo Martins. Todos eles são
subscritores da Frente Parlamentar Evangélica. (Dois deles são membros da bancada evangélica –
um Batista e um da IURD.) A subscrição massiva por parte dos deputados à FPE, apesar de não
serem efetivamente evangélicos, demostra o apoio que sistematicamente aqueles mais atuantes nos
temas de segurança pública dão à pauta evangélica.
Há mais evidências sobre a articulação. Em 2015, religiosos e profissionais da segurança
pública organizaram-se, de forma transversal aos partidos, para ter maioria expressiva na Comissão
de Direitos Humanos e Minorias. Esse foi o primeiro ano da Legislatura eleita em 2014. Dos 17
titulares, 9 eram evangélicos ou carismáticos e um era militar. Dos 15 suplentes, dois eram
evangélicos e cinco eram policiais ou militares. 58% dos titulares eram de uma das bancadas
temáticas. Naquele ano, o conjunto bloqueou a discussão sobre a efetivação do relatório da
Comissão Nacional da Verdade e permitiu a discussão sobre a experiência dos “ex-gays”, por
exemplo.

108
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
139

A Frente Parlamentar da Segurança Pública foi presidida, na 52ª Legislatura (2003-2007),


por Alberto Fraga e por João Campos, o primeiro aliado da bancada evangélica, e o segundo
evangélico da Assembleia de Deus, presidente atual da Frente Parlamentar Evangélica. Na 53ª
legislatura a FPSP não foi registrada. Na 54ª, foi presidida por Fernando Francischini, delegado e
fiel da Assembleia de Deus. Na 55ª, por Fraga novamente. A antes informal bancada e atual Frente
Evangélica formalizada, desde a 53ª Legislatura, foi coordenada por João Campos, delegado.
O símbolo da Frente Parlamentar da Segurança Pública, desde 2015, é emblemático: são
duas armas desenhando o Congresso Nacional. Expressa a feição bélica do grupo que, como
acabamos de verificar, foi presidida durante metade do tempo desde 2003 por algum evangélico.

Ilustração 2 – Fotografia do lançamento da Frente Parlamentar da Segurança


Pública, em 25/02/2015.

Fonte: Banco de Imagens da Câmara dos Deputados. Autoria de Gabriela


Korossy109.

Em 25 de fevereiro de 2015, o deputado Alberto Fraga publicou em sua página do Facebook


a seguinte notícia, referente ao evento retratado na imagem acima:

109
Imagem disponível em
http://www.camara.gov.br/internet/bancoimagem/banco/img20150225125304353044MED.jpg, acessado em
19/06/2017.
140

A Frente Parlamentar de Segurança Pública foi instalada na manhã desta quarta-feira (25).
A Frente será atuante e com o conhecimento dos parlamentares será possível encontrar
uma alternativa para frear o crescimento da violência. Não podemos deixar as coisas como
estão quem está mandando no Brasil são os bandidos.
Acabar com a impunidade do menor, reformulação do sistema prisional, valorização as
forças de Segurança e combate ao tráfico de drogas estão entre os principais temas da
Frente. A discussão sobre o Estatuto do Desarmamento também será retomada.110

O texto chama atenção, de um lado, porque cinco das três pautas que ele considera
prioritárias da FPSP tiveram significativo avanço na Câmara dos Deputados naquele ano, sob
presidência de Eduardo Cunha. A PEC da redução da maioridade penal foi aprovada por Comissão
Especial (a criação desse tipo de colegiado vem de decisão política do presidente da Câmara) e
pelo Plenário, com condução que foi severamente questionada; o homicídio de policiais tornou-se
crime hediondo, o que foi considerado uma valorização dos profissionais da segurança pública; a
revogação do Estatuto do Desarmamento foi aprovada naquele ano, também em comissão especial.
Também são notórias, no texto, as “tags”, ou expressões precedidas do símbolo “#”. Elas
incluem “bandido na cadeia” e “cidadão de bem”, em linguagem punitivista clássica. Além desses,
outro aspecto notório na postagem é a fotografia que a ilustra:

Ilustração 3 – Imagem de publicação na página do deputado Alberto Fraga no Facebook.no


dia 25/02/2015.

110
Disponível em https://www.facebook.com/albertofraga.oficial/posts/837427912996674:0, acessado em
14/06/2017
141

Fonte: Captura de tela111.

No lançamento da Frente Parlamentar da Segurança Pública, da esquerda para a direita na


foto, vemos Lincoln Portela (PRB/MJ), Major Olímpio (SD/SP), Alberto Fraga (DEM/DF) e
Eduardo Bolsonaro (PSC/SP). Em ordem, temos: um evangélico, um militar, um delegado, um
delegado e evangélico. É a ilustração da aliança neoconservadora.

3.5. Articulação neoconservadora sobre a temática de direitos humanos

A articulação das temáticas de gênero e de segurança é expressa também, ainda que


pontualmente, a respeito dos direitos humanos. Vejamos.
O movimento Escola Sem Partido ajuizou, em 2017, ação civil pública para anular regra do
edital do Exame Nacional do Ensino Médio que previa atribuição de nota zero à redação que
desrespeitasse os direitos humanos112. De acordo com o manual do ENEM, a norma decorreria das
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, publicadas em 2012. As ideias
contrárias a esses princípios seriam aquelas tais como:

111
Disponível em https://www.facebook.com/albertofraga.oficial/posts/837427912996674:0, acessado em
14/06/2017.
112
Edital n° 13, de 7 de abril de 2017, publicado no DOU de 10/04/2017, p. 50, item 14.9.4.
142

(...) defesa de tortura, mutilação, execução sumária e qualquer forma de ‘justiça com as
próprias mãos’, isto é, sem a intervenção de instituições sociais devidamente autorizadas
(o governo, as autoridades, as leis, por exemplo); incitação a qualquer tipo de violência
motivada por questões de raça, etnia, gênero, credo, condição física, origem geográfica ou
socioeconômica; explicitação de qualquer forma de discurso de ódio (voltado contra
grupos sociais específicos). (Inep, 2017:10).

De acordo com o Escola Sem Partido, a previsão do edital violaria os direitos


constitucionais à liberdade de opinião e manifestação. A Presidenta do Supremo Tribunal Federal,
Ministra Cármen Lúcia, decidiu, em medida liminar, a favor do pedido do ESP. De acordo com a
magistrada, não “se garantem direitos fundamentais eliminando-se alguns deles para se impedir
possa alguém insurgir-se pela palavra contra o que a outro parece instigação ou injúria”113.
O que chama atenção do assunto para essa tese não é, porém, a decisão da Ministra. O que
interessa é a ação proposta pelo Escola Sem Partido. Esse movimento foi, como vimos no Capítulo
II, uma reação ao programa Escola Sem Homofobia, que pretendia distribuir às escolas material
educativo contra o preconceito contra as pessoas LGBT.
O Programa Escola Sem Partido foi tratado contra a educação sobre gênero e orientação
sexual, invocando o Pacto de São José da Costa Rica, que estabelece que os “pais têm direito a que
seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias
convicções." PL 867/2015, que formaliza o programa, dispõe que os valores de ordem familiar têm
precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e
religiosa.
O interessante dessa ação judicial é que o movimento extrapola sua atuação em relação ao
domínio da moral sexual e a expande para a linguagem dos direitos humanos relativa a temas de
justiça criminal: vedação de tortura, de execução sumária e discursos de ódio. Não é evidente o que
liga o combate ao gênero e à linguagem de direitos humanos; mas trata-se, de qualquer forma, de
uma expressão de feição neoconservadora.

3.6. Luta do bem contra o mal

Usaram-se neste capítulo dois critérios principais para investigar se existe uma articulação
que envolva militância sobre a moral sexual e sobre o neoconservadorismo penal na Câmara dos

113
Medida cautelar na suspensão de liminar 1.127, em 04/11/2017.
143

Deputados brasileira. O neoconservadorismo penal foi entendido aqui por punitivismo (rigor penal
e encarceramento), flexibilização de garantias processuais, estigmatização, defesa de determinadas
pautas corporativas e ênfase na legítima defesa.
O primeiro critério consistiu no estudo dos projetos que representam o que seria essa agenda
neoconservadora punitivista. Verificou-se que são usados na justificação dessas pautas tanto
argumentos religiosos quanto argumentos neoconservadores (invocação da família, dos cidadãos
de bem contra os bandidos e da maioria). Verificou-se ainda papel de destaque dos evangélicos na
tramitação das proposições e apoio quantitativo desproporcionalmente positivo de parlamentares
evangélicos aos projetos examinados, tão grande ou maior do que de membros da Frente da
Segurança.
Foi também analisada a atuação dos protagonistas da ação pró-família nas pautas que
representam o neoconservadorismo penal. Dos 50 protagonistas da ação pró-família que exercem
ou exerceram mandato na 55ª Legislatura, todos tiveram ao menos um voto ou iniciativa coerente
com o neoconservadorismo penal; 88% dos protagonistas pró-família que participaram da votação
sobre a maioridade penal posicionaram-se a favor da PEC; 97% dos protagonistas da ação pró-
família que participaram da votação apoiaram o agravamento da sanção para o homicídio de
policial. Dentre os protagonistas pró-família mais ativos, 83% são signatários da Frente da
Segurança Pública; todos os que votaram o fizeram a favor da redução da maioridade penal e a
favor do homicídio de policiais. Todos apoiaram mais de uma pauta punitivista ou demanda
corporativa de policiais/militares.
O segundo critério foi a articulação entre as bancadas evangélica e da segurança a partir dos
protagonistas da militância na segurança. Verificou-se que existe uma correspondência
positivamente desproporcional: entre ser policial/militar e ser evangélico e entre ser mais atuante
nas comissões de segurança pública e apoiar a Frente Evangélica. Além disso, a Frente Parlamentar
da Segurança Pública, nas 52ª, 54ª e 55ª Legislaturas, foi presidida por delegado fiel da Assembleia
de Deus durante metade do tempo.
Na intersecção entre os militantes sobre os costumes e os militantes sobre segurança, não
há predomínio claro de nenhuma denominação evangélica, como em relação ao ativismo pró-
família. Mas, também no neoconservadorismo penal, em geral, como vimos, a atuação mais
frequente é de deputados ligados à Assembleia de Deus.
144

Vemos que existe na Câmara dos Deputados uma aliança neoconservadora, se tomarmos as
pautas estudadas até agora: gênero e justiça criminal. A aliança em parte certamente é estratégia,
já que ambas as bancadas, evangélica e da segurança pública, são minoritárias, e precisam de apoio
recíproco. Por outro lado, a aliança se dá por razões ideológicas: a luta do bem contra o mal, a
noção de que existem cidadãos de bem e bandidos, a defesa dos valores da família como eixo da
sociedade. A articulação entre os temas tem o amálgama neoconservador: os mecanismos de
agregação social são a religião e a família; o desvio deve levar à punição rigorosa.
Já no fim da década de 1980 Pierucci (1989:116) identificava a relação entre evangélicos e
adesão a políticas duras de segurança. Para ele, esses religiosos estariam detectando um profundo
mal-estar presente nas camadas sociais excluídas. Mal-estar esse que seria oriundo, de um lado, do
pluralismo comportamental e, de outro, da criminalidade crescente e da “inseguridade social
propriamente dita, dada a ausência de direitos sociais assegurados para todos”. Assim, os apelos
por “lei e ordem” e por “moralidade e decência” teriam “todas as chances de se transformar em
issues cruciais nas disputas políticas, sobretudo político-eleitorais”, como, de fato, se
transformaram.
Galdeano (2014:38-8) trata da literatura que aborda as práticas das organizações
pentecostais em relação à criminalidade, existentes desde a década de 1990. As pesquisas
identificam “rituais de exorcismo para resgatar jovens ameaçados de execução pelo tribunal do
tráfico”, assistência espiritual e trabalhos de prevenção e reeducação comunidades terapêuticas de
tratamento de usuários de drogas e conversão.
Mas, além disso, Galdeano (2014:40, 49, 51) identifica a adoção de um discurso militar.
Embora, como a autora aponta, isso não seja novo no cristianismo, o militarismo vem fazendo parte
do repertório da presença religiosa (sobretudo evangélica) na esfera pública. Ela observa que os
evangélicos adotam a noção de guerra, que permite o nexo entre a “Guerra de combate ao crime”
e a “Guerra entre Deus e o Diabo”; alia-se, assim, repressão e sacralização como mecanismos de
controle das populações. As semelhanças com o léxico neoconservador são muitas. Como a autora
aponta,

Se para a ‘Guerra contra o crime’ importa definir um ‘inimigo’ – traficantes, consumidores


de crack, moradores de rua –, as igrejas neopentecostais identificam o ‘inimigo’ no Diabo,
que, por sua vez, está frequentemente encarnado no espírito dessas mesmas populações.
(Galdeano, 2014:51).
145

Haveria mesmo “uma correlação mimética” entre a ação religiosa e a ação militarizada das
instituições de segurança (Galdeano, 2014:49-53). A autora faz essas observações baseada na Igreja
Universal do Reino de Deus; mas, considerando a neopentecostalização das doutrinas, é possível
que esse raciocínio possa ser expandido. O fato é que essa relação identificada pela autora se reflete
na Câmara dos Deputados.
146

4. BOLIVARIANISMO E SIONISMO: INSERÇÃO INTERNACIONAL RELIGIOSA


E ANTICOMUNISTA

Conforme exposto no Capítulo I, a agenda externa do neoconservadorismo reaganista tinha


dois vetores principais. O primeiro, de luta contra a União Soviética, naquele contexto de Guerra
Fria em que as duas potências do mundo se enfrentavam em disputa por poder e pelo modelo de
produção hegemônico no planeta. O segundo, de apoio à agenda do então recém-criado Estado de
Israel. Neste capítulo se investigará se a atuação dos protagonistas das ações pró-família e
punitivista no legislativo brasileiro aderem ao pacote interpretativo neoconservador, agora no que
diz respeito à política externa.

4.1. Metodologia do capítulo

Já foram identificados, no Capítulo II, os protagonistas da ação contra o gênero, que é o


principal marco da agenda política neoconservadora. Coerente com um molde neoconservador,
seus atores são, em sua maioria, evangélicos. No Capítulo III viu-se como esses sujeitos se
posicionam a respeito da agenda criminal. Para definir em que medida tais articulações pró-família
e punitivistas aderem a uma mesma plataforma política em relação às relações exteriores, será
adotada uma estratégia específica.
Buscar-se-ão as posições de deputados especialmente ativos nas pautas vistas nos capítulos
anteriores. Separaram-se para isso os deputados que: a) tiveram dez ou mais iniciativas pró-família
ou que tiveram alguma iniciativa pró-família e também foram protagonistas de algum dos dez
temas de justiça criminal estudados no Capítulo II; e b) exerceram, durante algum período, mandato
na Legislatura iniciada em 2015. Misturamos, assim, o critério quantitativo de iniciativas pró-
família com o critério qualitativo selecionado no capítulo anterior.
O objetivo não é reduzir os supostos neoconservadores a esse grupo restrito, mas apenas
estabelecer um critério para testar se a defesa de diferentes pautas que integram o ideário
neoconservador emana a partir dos mesmos sujeitos. Ou, em outras palavras, verificar se um
conjunto de legisladores defende o pacote de agendas que constituem o neoconservadorismo.
O grupo selecionado é composto pelos parlamentares elencados na Tabela 10.
147

Tabela 10 – Seleção de deputados neoconservadores e respectivas denominações religiosas,


considerando aqueles que (a) exerceram, durante algum período, mandato na 55ª
Legislatura; e (b) tiveram dez ou mais iniciativas pró-família ou que tiveram alguma
iniciativa pró-família e também foram protagonistas de alguma ação punitivista – e
sua denominação.

Deputado Quantidade Iniciativa (discurso Algum voto punitivista Denominação


de iniciativas ou proposição)
pró-família punitivista
mencionada no
Capítulo III
André Moura 1 Sim Sim Católica
Antônio Bulhões 8 Sim Sim IURD
Não participou de
Arolde de Oliveira 1 Sim nenhuma das duas Evangélica tradicional
votações
Eduardo Cunha 10 Sim Presidiu as sessões Assembleia de Deus
Fernando Francischini 2 Sim Sim Assembleia de Deus
Flavinho 1 Sim Sim Carismática
Jair Bolsonaro 12 Sim Sim Católica
João Campos 13 Sim Sim Assembleia de Deus
Lincoln Portela 10 Sim Sim Evangélica tradicional
Marcos Rogério 2 Sim Sim Assembleia de Deus
Pastor Eurico 3 Sim Sim Assembleia de Deus
Pastor Marco Feliciano 5 Sim Sim Assembleia de Deus
Professor Victório Galli 6 Sim Assembleia de Deus
Ronaldo Fonseca 11 Sim Sim Assembleia de Deus
Sóstenes Cavalcante 11 Sim Sim Assembleia de Deus

Fonte: elaboração própria

Neste capítulo serão estudadas as opiniões dos parlamentares expressas em discursos em


Plenário ou em meios de comunicação diversos. Isso porque as agendas contra o bolivarianismo
ou a favor de Israel são apenas fragilmente expressas em proposições (somente em requerimentos,
148

que são proposições assessórias, e não em iniciativas que alterem o ordenamento jurídico, como
projetos de lei ou de emenda à Constituição). Tampouco foram objeto de votação114.
Veremos que todos os protagonistas selecionados, com maior ou menor ênfase, se opõem
ao regime venezuelano ou a algum equivalente do “socialismo do século XXI”. Veremos também
que a maior parte deles adere a uma agenda pró-Israel. Antes de comentarmos os posicionamentos
dos deputados, porém, é preciso ressaltar que o objetivo aqui não é debater a correção, pertinência
ou adequação de seus argumentos. O objetivo é, simplesmente, verificar se aqueles identificados
como protagonistas das pautas punitivistas e pró-família aderem ideologicamente ao que seria o
neoconservadorismo na política externa do Brasil contemporâneo.

4.2. Bolivarianismo: a nova ameaça comunista

Os neoconservadores nos Estados Unidos enfrentaram as propostas de distribuição de


riqueza derivadas tanto do modelo marxista (liderado mundialmente pela URSS) quanto do modelo
keynesiano (aplicado internamente nos EUA, especialmente nos programas do Great Society). A
existência de algo equivalente à reação ao Estado de Bem-Estar no Brasil será investigada no
próximo capítulo. Neste, buscar-se-á confirmar a existência, no que seria o movimento
neoconservador na Câmara dos Deputados, do enfrentamento ao comunismo.
O militarismo externo neoconservador de Reagan, como vimos no Capítulo I, se voltou ao
combate ao comunismo com vistas a consolidar o sistema capitalista no mundo e como forma de
projeção do poder dos EUA. O militarismo neoconservador de Bush, bem depois da queda do Muro
de Berlim e após o 11/9, porém, voltou-se contra o oriente médio. Mas aqui investigaremos se
existe, no Brasil, um equivalente ao reaganismo, e não à Doutrina Bush. Isso porque no nosso caso
não faz muito sentido discutir combate ao terrorismo islâmico. E também porque Trump,
contemporaneamente, resgatou aspirações de intervenção contra a Venezuela, atualizando o tema
do combate ao comunismo internacional.
Mesmo com o fim da União Soviética, ainda faria sentido se falar em algo equivalente ao
comunismo, que seria justamente essa ameaça bolivariana ou o “socialismo do século XXI”. A

114
A Câmara votou, em 2008, o PDC 387/2007, que tratava do ingresso da Venezuela do Mercosul. Essa decisão
não será considerada aqui por duas razões. A primeira é que, temporalmente, essa votação se distancia muito da
legislatura iniciada em 2015. A segunda razão é que o PDC era de interesse do Governo Lula, forte à época. O
resultado foi bastante influenciado pela dicotomia governo/oposição, não sendo, portanto, um retrato da posição
ideológica dos parlamentares.
149

Revolução Bolivariana se refere às mudanças realizadas a partir da Constituição venezuelana de


1999, que criou a República Bolivariana de Venezuela. A Constituição foi proposta por Hugo
Chávez, eleito em 1998, e aprovada por referendo.
O preâmbulo menciona o “exemplo histórico” do “Libertador Simón Bolívar” e o
“heroísmo e sacrifício” dos antepassados aborígenes venezuelanos; estabelece o “fim supremo de
refundar a República” para estabelecer uma sociedade que seja, entre outras características,
“multiétnica”, que assegure “justiça social e igualdade sem discriminação alguma”. O preâmbulo
trata ainda da “integração latino-americana de acordo com o princípio da não intervenção e
autodeterminação dos povos, a garantia universal e indivisível dos direitos humanos”, dentre outros
elementos.
Segundo o Deputado Ivan Valente (PSOL/SP), um dos defensores do legado de Hugo
Chávez, a Revolução Bolivariana teve como marcas a inclusão social e foi guiada pelas ideias de
“soberania, de autonomia, de integração dos povos latino-americanos”, de resistência “anti-
imperialista” e de “resistência antineoliberal na América Latina”115.
O processo de resistência anti-neoliberal na América do Sul teve no século XXI, de acordo
com alguns autores, uma “maré rosada” (Codato, Bolognesi e Roeder, 2015) ou uma “onda cor-
de-rosa” (Fischer e Plehwe, 2013) com várias tonalidades, entre o rosa-claro e o vermelho. Trata-
se da vitória eleitoral de presidentes e centro-esquerda ou esquerda: Hugo Chávez (1999-2013) e
Nicolás Maduro (2013-atual) na Venezuela, Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) no
Brasil, Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2015) na Argentina, Evo Morales (2006-
atual) na Bolívia, Michele Bachelet (2006-2010, 2014-atual) no Chile, Rafael Correa (2007-atual)
no Equador Fernando Lugo (2008-2012) no Paraguai e José Mujica (2010-2015) no Uruguai.
Dessa perspectiva, o elemento mais “vermelho” da paleta viria da Venezuela, que inspirou,
por sua vez, profundas mudanças na Bolívia e no Equador, países que estabeleceram o
plurinacionalismo em suas constituições de 2008. A Venezuela é aliada também de Cuba, o país
socialista do continente. Essa é a leitura de Ivan Valente, deputado que mais proferiu discursos
sobre o tema no período de 2003 a 2015:

Ao criar a área bolivariana das Américas, o que o move é o sentido generoso, o que move
era uma integração, inclusive financeira, através de um banco da América, através de uma
rede de comunicação da América, através da unificação de companhias de petróleo que as

115
Em discurso em Plenário em 6/3/2013.
150

tornassem a maior companhia do mundo na América Latina, cedendo petróleo aos países
que não o têm, como Cuba, que passou por uma crise enorme, e a coragem política de
enfrentar aqueles que, em nome da indústria armamentista americana, fizeram várias
guerras, como a do Iraque e a do Afeganistão.
É por isso que o Presidente Hugo Chávez despertou na América Latina a ideia de que era
possível colocar o povo em movimento. Não é à toa que o Presidente do Equador, Rafael
Correa, agora foi reeleito com mais de 66% dos votos, com maioria na Constituinte lá,
69%, para fazer mudanças estruturais. Não é à toa que, depois de quase 200 golpes de
Estado na Bolívia e no Equador também, o Presidente Evo Morales, que segue a mesma
orientação, conseguiu estabilizar a Bolívia e dar hoje as mínimas condições para o povo
pobre e excluído, que foi explorado pelos donos do estanho e da prata desde os tempos da
colonização espanhola. (Deputado Ivan Valente, PSOL/SP, discurso em Plenário em
06/03/2013).

Vale destacar que o bolivarianismo venezuelano se coloca como equivalente


contemporâneo do comunismo. Essa é a expressão do próprio líder da Revolução Bolivariana.
Hugo Chávez declarou, ao ser reeleito em 2006, que assumia “o compromisso de dirigir a
Revolução Bolivariana até o socialismo do século XXI” (Capital, 2013). E esse socialismo do
século XXI é combatido pelo que seriam os nossos neoconservadores? É o que averiguaremos
agora.

4.3. Manifestações dos parlamentares a respeito do socialismo no século XXI

A entrevista do Deputado Marcos Rogério (PDT/RO) ao portal da Casa Publicadora da


Assembleia de Deus é expressiva da oposição dos parlamentares evangélicos ao que seria a agenda
socialista contemporânea. Ele é apresentado como “membro da Assembleia de Deus, da Frente
Parlamentar Evangélica e da Bancada da Assembleia de Deus na Câmara dos Deputados” (Rogério,
2014). Para situá-lo nessa pesquisa: o parlamentar foi o relator do voto pela admissibilidade da
PEC da redução da maioridade penal e é militante das agendas pró-família.
A entrevista foi realizada em agosto de 2014, durante a campanha presidencial que ao final
teve Dilma Rousseff reeleita. Ele afirma que o “Brasil nunca esteve tão ameaçado por um regime
socialista” como estava em 2014. Ele evoca então a Marcha da Família com Deus pela Liberdade,
politicamente à direita e conservadora, realizada pouco antes do Golpe de 1964, contra o governo
de João Goulart, para dizer que há cinquenta anos a população estava mais alerta quanto à ameaça
do socialismo do que contemporaneamente.
Ele afirma que em 1964 uma “parte da esquerda revolucionária (...) lutava para implantar
uma ditadura socialista no Brasil”; e que posteriormente “resolveu abandonar as armas, mas para
151

recorrer à estratégia gramsciana para conquistar o poder”. Assim, ele afirma que o governo
conduzido pelo PT estaria manipulando a democracia em prol da revolução socialista. E ele alerta
sobre a necessidade de rejeitar a “desgraça”:

O trabalho é gigantesco, mas acredito que no dia em que o cidadão brasileiro, sobretudo a
classe média, saber exatamente o que está acontecendo em nosso país, ela irá rejeitar essa
desgraça que vem em nome de boas intenções. O socialismo, onde foi implantado, causou
morte e sofrimento. Mais de 100 milhões de pessoas morreram sob este regime demoníaco
no século 20, na antiga União Soviética de Lênin e Stalin, na China de Mao, no Camboja
de Pol Pot, na Cuba de Fidel e Che Guevara, ícones dessa turma, e na Coreia do Norte.
Não queremos o socialismo versão século 21 no Brasil. (Rogério, 2014)

Como vemos, Marcos Rogério repudia o marxismo, o socialismo bolchevique, os


movimentos de esquerda anteriores e contemporâneos à ditadura de 1964, as estratégias
gramscianas, Cuba de Fidel Castro e o “socialismo do século XXI”, ou o regime bolivariano de
Chávez. Ele critica particularmente o que diz que seria a visão de Antônio Gramsci: “no lugar dos
valores cristãos deveriam ser colocadas as ideias e os valores socialistas, de maneira lenta e
imperceptível, fazendo com que todos pensassem e agissem como membros de um Estado
socialista, mesmo estando numa realidade capitalista”. Marcos Rogério associa, como se vê, os
valores cristãos aos valores capitalistas, e esse é um dos amalgamas do pensamento
neoconservador.
Ele critica Cuba. A crítica ao regime da ilha apareceu em muitos momentos no legislativo
brasileiro. Citaremos aqui um episódio relativamente recente. Em fevereiro de 2013, a cubana
oposicionista ao governo de seu país, Yoani Sánchez, visitou o Brasil. Na ocasião o deputado
Mendonça Filho (DEM/PE) requereu que a Câmara dos Deputados enviasse ao Ministro da Justiça
pedido de garantia de segurança federal para a jornalista estrangeira enquanto ela estivesse aqui. O
requerimento dividiu os parlamentares. De um lado o governo, então chefiado pelo Partido dos
Trabalhadores, se opôs ao pedido, juntamente com PC do B e PSOL, partidos de esquerda. De
outro lado deputados do PSDB, PPS, PP, PR e PSC se manifestaram a favor. A questão de fundo
era o apoio ou não ao regime cubano:

Agora, como é que se explica isso, no meio de uma situação como essa em que Cuba vive
há 50 anos, um Estado bloqueado na sua economia por um interesse norte-americano? E
o Brasil, durante o Governo do Presidente Lula, já se pronunciou várias vezes pelo
interesse da quebra desse bloqueio. Nós somos favoráveis, é a posição do nosso partido,
ao governo cubano. É um governo — e um país — que tem procurado uma relação
diplomática com todos os países do mundo, inclusive o Irã, inclusive com a Coreia do
152

Norte, chamando para o caminho da paz e da solidariedade. (Deputado Sibá Machado –


PT/AC, discurso em Plenário em 20/02/2013)

Os partidos contrários à proposta tentaram impedir que houvesse quórum suficiente para
aprovação do requerimento – que acabou sendo arquivado justamente porque a obstrução
funcionou. Tentando angariar apoios para que o requerimento fosse aprovado, o deputado André
Moura (PSC/SE), líder do seu partido, invocou que os deputados comparecessem à votação, em
nome da democracia:

Portanto, Sr. Presidente, o PSC orienta o voto ‘sim’ a bancada e convoca todos os nossos
Deputados ao plenário para votarem ‘sim’, e, assim, fazermos justiça e mostrarmos que
nós respeitamos a Constituição, lutamos pela democracia, pela liberdade de expressão e
pelo direito livre de ir e vir de todos os cidadãos e de todas as cidadãs que vierem a este
País defender seus ideais, seus pensamentos e suas lutas, O PSC vota ‘sim’ e convida todos
os seus Parlamentares para virem ao plenário votar. (Deputado André Moura – PSC/SE,
discurso em Plenário em 20/02/2013).

A alusão negativa ao regime cubano foi enfatizada também por Pastor Eurico. No transcurso
do 367º aniversário do Exército Brasileiro, ele homenageou a instituição, inclusive negando que o
período do regime militar tenha sido uma ditadura, e afirmando que se não fosse a intervenção
militar a partir de 1964 o Brasil seria outra Cuba:

Nesses 367 anos, ninguém tem o que dizer contra o nosso Exército, mesmo no momento
que alguns apelidam de ditadura - eu não aceito esse tipo de tratamento; o governo militar
foi necessário para que o Brasil tivesse ordem e hoje tivesse a democracia. Se não fossem
os militares, nós seríamos hoje uma Cuba piorada no planeta Terra! (Deputado Pastor
Eurico – PSB/RJ, discurso em Plenário em 07/04/2015).

Sóstenes Cavalcante também se referiu negativamente à Cuba por ocasião do aumento do


preço do feijão, em 2016:

Espero que fique bem claro aos brasileiros que o feijão só está nesta carestia por conta da
Presidente Dilma, que enviou o produto para Cuba, e pagou inclusive o frete.
Espero que fique bem registrado, para que o brasileiro saiba quem são os culpados dos
desmandos e da carestia, do preço alto neste País. A culpa é do Governo do PT! Não
queiram culpar o Governo que entra neste momento. (Deputado Sóstenes Cavalcante –
DEM/RJ, discurso em Plenário em 28/06/2016).

O curioso é que a doação do grão a Cuba não foi a responsável pela respectiva inflação. A
doação ocorreu em 2015, quando o Brasil tinha em estoque 303 mil toneladas de feijão – 625
153

toneladas (0,2% do total do estoque) foram doadas a Cuba. O preço do feijão subiu em 2016 porque
a safra do feijão foi prejudicada pelo fenômeno El Niño (Conab, 2016; Fonseca, 2016a; Rural,
2015:150). A referência a Cuba, na fala, é um recurso retórico para associar o governo petista a um
regime socialista indesejado.
A crítica a Cuba e à Venezuela apareceu, na fala do deputado Pastor Marco Feliciano
(PSC/SP), em 02 de setembro de 2015, relacionada à crítica ao reconhecimento, por parte do
governo brasileiro, da “representação do povo palestino como Estado”; a crítica ao ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, que disse em discurso que os movimentos sociais precisariam brigar
pela democracia, o que seria feito com apoio do “exército” de João Pedro Stédile, líder do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra; à crítica ao modelo de democracia "cubana,
venezuelana, bolivariana".

Já em defesa do impeachment, em alusão ao que considera falta de democracia na


Venezuela, o deputado Flavinho (PSB/SP) respondeu, na rede social Twitter, que seria “ridículo”
imaginar, como sugerira o Senador Roberto Requião, que o Brasil poderia ter uma guerra civil no
caso do impedimento da então presidenta Dilma. Flavinho afirmou que o Brasil “não é a Venezuela
nem será!”, porque somos “uma nação democrática e respeitamos as leis”116.
O deputado Takayama (PSC/PR), nos debates a respeito do processo por crime de
responsabilidade de Dilma Rousseff, argumentou ser a favor do impeachment, entre outros
motivos, porque a Presidenta “queria transformar esta Nação cristã numa república bolivariana”
(discurso em Plenário em 15 de abril de 2016).
A crítica ao bolivarianismo se deu ainda no contexto do movimento contra conteúdos
políticos ou pelo respeito à diversidade de orientações sexuais e de identidades de gênero na sala
de aula – movimento ao qual foi dado o nome Escola Sem Partido, como mencionado no Capítulo
II. O deputado Antonio Bulhões (PRB-SP), em 05 de outubro de 2016, fez um discurso sobre o
assunto. Ele relata pesquisa da UNESCO que indicaria que 55% dos professores discordariam que
a atividade docente deveria se reger pela neutralidade política. Para o parlamentar, isso indica
adesão à “doutrinação”, que seria negativa: quando, para ele, “os professores fazem propaganda de
suas convicções”, ensinam, “muitas vezes, no caso brasileiro, uma mitologia derivada do

116
Publicação disponível em https://twitter.com/flavinhocn/status/770693296071012353, acessada em 01/07/2017.
Literalmente, Flavinho diz, na linguagem coloquial, utilizada comumente nas redes digitais: “Não seja ridículo
senhor senador! Aqui ñ é Venezuela e nem será! Somos uma nação democrática e respeitamos as leis”.
154

marxismo, e é por isso que se vê muita gente falando mal das elites, da imprensa burguesa, da
democracia burguesa”. Para Bulhões, os jovens não podem desprezar a democracia burguesa, que
“é muito superior às alternativas marxistas, como o bolivarianismo, outra tentativa fracassada de
construir o suposto verdadeiro socialismo”. Para o parlamentar, é “claro que cada um pode ter sua
posição política particular e acreditar, como Lula, que a Venezuela tem excesso de democracia.
Mas é inadmissível que professores ensinem esse tipo de mentira às crianças e aos jovens”.
A Venezuela também foi argumento utilizado pelo deputado Fernando Francischini
(SD/PR) em embate político que tocou na questão da educação. Esse deputado era Secretário de
Estado da Segurança Pública do Paraná em abril de 2015, quando a Polícia Militar de seu Estado
reprimiu manifestação de professores, resultando em muitos gravemente feridos. O deputado Paulo
Pimenta, então presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, considerou a ação bárbara
e violenta:

“Ora, Sr. Presidente, até hoje o centro de Curitiba está manchado com sangue de centenas
de professores que foram espancados barbaramente numa ação violenta, jamais vista neste
País, no momento em que ele era Secretário de Segurança! (Palmas.) Por conta desse
episódio, ele foi corrido do Governo do Estado e mandado de volta a Brasília. (Palmas.)”
(Deputado Paulo Pimenta - PT/RS, discurso em Plenário em 17/06/2015.)

Francischini respondeu, dizendo que era o PT que tinha sangue nas mãos, o sangue do
regime venezuelano:

Sr. Presidente, eu acho que o Deputado Paulo Pimenta está com amnésia. Ele está se
esquecendo de que é do PT, do partido da Presidente Dilma Rousseff, que tem as mãos
sujas de sangue da Venezuela, onde todos os líderes da oposição estão presos, e ela não
recebe a esposa de um líder que está preso. (Apupos no plenário.) (...) A Presidenta Dilma
Rousseff apoia o regime da Venezuela, recebe um Ministro acusado de narcotráfico, e não
recebe a esposa de um líder preso; não apoia uma comitiva brasileira que defende os
direitos humanos! (Deputado Fernando Francischini – SD/PR, discurso em Plenário em
17/06/2015.)

A questão dos opositores venezuelanos mencionada por Francischini fora objeto de


preocupação, meses antes, por parte de Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos
Deputados. Em fevereiro de 2015 o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, fora preso sob a
acusação de planejar um golpe de Estado contra o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. O
governo brasileiro não comentou o caso, considerado assunto interno à Venezuela. Já Eduardo
Cunha cobrou uma posição.
155

“O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) cobrou neste


domingo, pelo twitter, um posicionamento do governo brasileiro em relação à prisão de
oposicionistas ao governo da Venezuela, do presidente Nicolás Maduro. ‘Não dá para os
países democráticos assistirem isso de braços cruzados, como se fosse normal prender
oposicionista, ainda mais detentor mandato’, disse Cunha em sua conta do microblog.
Cunha questionou, ainda, ‘até quando o Brasil ficará calado sem reagir a isso’”
(Guimarães, 2015).

A preocupação com os opositores venezuelanos indica, claro, prioridade política dada a


questão interna desse país, por parte do Presidente da casa legislativa.

Venezuela, Bolívia e Equador serviram de comparativo negativo a respeito do Brasil. O


deputado Lincoln Portela considerou que, por mais ruim que fosse àquele momento a situação
política brasileira, felizmente o Brasil não se assemelhava àqueles países:

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, demais senhoras e senhores presentes e os que me
ouvem e ou me vêem pela Rádio ou pela TV Câmara, a situação política do Brasil tá preta,
como se diz na linguagem coloquial. Ainda assim, podemos analisá-la sob um prisma
positivo: poderia ser pior! Basta vermos alguns exemplos recentes relativos aos nossos
vizinhos sul-americanos. A Venezuela, a Bolívia e o Equador conviveram e convivem
com uma ordem institucional extremamente frágil. A situação brasileira nem de longe se
assemelha à desses países. (Deputado Lincoln Portela - PL/MG, discurso em Plenário em
26/09/2005).

O deputado Lincoln Portela fez a afirmação em 2005. Em 2005 o vice-presidente de Lula


era José de Alencar, do PL, partido de Portela. Possivelmente o que o deputado pretendia com sua
fala era alertar ao governo, cuja base ele integrava à época, a não seguir um caminho bolivariano.
Mas a tônica do que seriam os neoconservadores brasileiros, nos anos posteriores, como temos
visto, é a de criticar os três países não pelo ângulo da distância que têm do Brasil, mas sim da
proximidade com nosso país, o que seria obra da administração petista.
A fala de Jair Bolsonaro, em 2016, discutindo a apresentação de candidatura pelo partido
ao qual recentemente se filiara, o PSC, é emblemática desse argumento, segundo o qual as alianças
promovidas pelo governo do PT representavam problemas econômicos e ideológicos:

A nossa crise econômica não nasceu agora, ela vem de algum tempo. Porque o Brasil,
através do PT, optou pelo viés ideológico para fazer seus negócios não com o mundo, mas
basicamente, na América do Sul, com o MERCOSUL. Obviamente mantemos comércio
com a China e com outros poucos países, mas foi essa âncora ideológica que nos levou a
esse estado de coisas, e sair dele não vai ser de hoje para amanhã.
156

(...)
O Brasil com o PT vem cada vez mais tornando-se dependente de outros países da
América do Sul. Por quê? Graças à grande pátria bolivariana, que nasceu no passado, em
1990, quando Lula e Fidel Castro criaram aqui, no Brasil, o Foro de São Paulo. Temos,
portanto, que romper essas amarras.
(...)
Costumo dizer que não foi à toa que esse Governo desarmou o cidadão de bem. Eles têm
um projeto de poder para não mais sair daí. E ouso dizer: eles não entregarão o poder
democraticamente, que é o que queremos, lógico, sem nos lançar, talvez, numa nova
aventura, semelhante àquela que começou em 1966.” (Deputado Jair Bolsonaro – PSC/RJ,
discurso em Plenário em 10/03/2016)

O problema são as alianças sul-sul, as parcerias na América Latina, o MERCOSUL; isso


seria decorrente da “âncora ideológica” bolivariana, amarrada por Castro e Lula. Não seria à toa,
portanto, que o governo petista quis desarmar o “cidadão de bem”. Em outro pronunciamento,
anterior, Jair Bolsonaro associa diretamente a defesa do armamento com a crítica ao projeto
bolivariano e comunista:

Sr. Presidente, o Governo da Sra. Dilma Rousseff, em 2013, assinou um acordo de armas
na ONU que vai colocar por terra todo o trabalho especial do Deputado Peninha no tocante
ao Estatuto do Desarmamento.
(...) Ou seja, estaremos fadados, nós os cidadãos de bem do País, a não possuir mais arma
de fogo. É o projeto bolivariano, comunista do PT de desarmar a nossa população.”
(Deputado Jair Bolsonaro – PP/RJ, discurso em Plenário em 08/07/2015).

O “processo de lenta e contínua bolivarização” do Brasil foi objeto de alerta por parte do
deputado Arolde de Oliveira (PSD/RJ), que, por sua vez, mencionou acordo entre o Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra no Brasil, o MST, e o governo da Venezuela.

A Nação brasileira e a Venezuela - hoje está na imprensa, no Globo, na Veja online -


ousaram iniciar negociações e assinar acordos com o Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra no Brasil, o MST, inclusive com treinamentos, etc. Isso faz parte deste processo de
lenta e contínua bolivarização do nosso País, até chegarmos a um Estado socialista,
conforme declaração do próprio Ministro das Comunas da Venezuela. (Deputado Arolde
de Oliveira, PSD-RJ, discurso em Plenário em 04/11/2014).

A crítica ao bolivarianismo se deu ainda no contexto do movimento contra conteúdos


políticos ou pelo respeito à diversidade de orientações sexuais e de identidades de gênero na sala
de aula. Reportagem do portal Gospel Prime afirma que o “deputado Victório Galli (PSC/MT) é
cristão e, portanto, está preocupado com as tentativas de doutrinação de cunho marxista nas escolas
do Brasil”, e por isso trabalha para implantar uma “CPI do MEC”. O requerimento dessa CPI não
consta oficialmente no acervo da Câmara. Mas, de acordo com a notícia, a CPI visaria a “mostrar
157

aos brasileiros” como a então presidenta tinha “dado um viés político-ideológico ao material
distribuído nas escolas públicas do país”; seria evidente a tentativa de seu governo de, “sob o título
de ‘bolivarianismo’, reprisar na América Latina estratégias usadas por governos comunistas no
passado” (Aragão, 2016b).
É interessante notar como o portal de notícias evangélicas faz uma relação lógica entre ser
cristão e lutar contra o marxismo. Isso não é aleatório. O viés conservador do pentecostalismo é
identificado desde sua chegada ao Brasil, como veremos no Capítulo VI. O anticomunismo
evangélico é manifesto desde a Guerra Fria. Por exemplo: o informativo pentecostal Mensageiro
da Paz revelava, na década de 1980, “alinhamento de forças para o iminente fim dos tempos,
levando a um dualismo geopolítico que rejeita qualquer ideal não-capitalista de sociedade”
(Freston, 1993:245).
Todos os protagonistas selecionados do que seria uma ação neoconservadora brasileira,
enfim, aderiram em algum nível ao combate ao socialismo do século XXI, ao bolivarianismo ou
aos exemplos de Cuba, Bolívia e Venezuela. Os argumentos são variados: às vezes em nome do
cristianismo, às vezes por razões econômicas, às vezes porque o bolivarianismo seria, em si, um
mal.

4.4. Neoconservadorismo de periferia

Há uma diferença importante entre o neoconservadorismo nos EUA e no Brasil no que diz
respeito ao anticomunismo. Lá, tratava-se de se sobrepor à então União Soviética para afirmar os
Estados Unidos como potência hegemônica. Já aqui o combate ao socialismo no século XXI vai
no sentido contrário de o Brasil atuar com vistas a maior projeção internacional, pelo menos em se
considerando algumas falas que criticam as parcerias com a América do Sul e Cuba de maneira
geral.
Isso pode ser entendido com as categorias de Maria Regina Soares de Lima (2005). A autora
trata de duas identidades da política externa de países como o Brasil, que têm capacidades limitadas
relativamente às grandes potências, mas que atuam como potências regionais.
A primeira identidade é a de “grande mercado emergente”, e faz referência países da
periferia que implementaram as reformas econômicas do Consenso de Washington. A ela se soma
158

uma estratégia de “busca de credibilidade” a partir de países com excedentes de poder como os
EUA (Lima, 2005:10-12, 24).
A segunda identidade é denominada de “system-affecting state”, que implica em um perfil
assertivo, valorização de arenas multilaterais e “ação coletiva entre países similares de forma a
exercer alguma meta de poder e influenciar nos resultados internacionais”. Essa identidade se
comunica com a “estratégia autonomista”, que é crítica dos frutos da liberalização comercial e
preconiza uma “política ativa de desenvolvimento” (Lima, 2005:1-2, 10-12, 24).
A primeira identidade, que corresponde a uma “integração hemisférica”, foi adotada na
década de 1990 por países da América do Sul que se engajaram em políticas externas alinhadas aos
Estados Unidos (Guimarães, 2008:241-3). Mas a onda rosa a partir dos anos 2000, ao lado do
fracasso das políticas neoliberais e da política externa de Bush após o 11/09, levaram à “revisão de
relações com os Estados Unidos em quase todos os Estados sul-americanos” (Monteiro, 2014:177).
A Venezuela inaugurou a fase revisionista pós-neoliberal na América do Sul, e o Brasil foi
elemento-chave na liderança regional (Monteiro, 2014:178). É a política externa que expressa esse
revisionismo por uma integração autônoma que os parlamentares citados atacam, direta ou
indiretamente.
O Brasil é um país de periferia; um país cujas capacidades são limitadas em relação às
potências hegemônicas e pelo próprio ordenamento do sistema internacional. Não faria sentido no
nosso caso, portanto, falar em disputa pela hegemonia global, como no caso do
neoconservadorismo norte-americano. Mas faria sentido falar em inserção global ativa, com vistas
criar espaços para serem ocupados por países emergentes como o Brasil. As críticas às parcerias
com Venezuela, Equador, Bolívia e Cuba, porém, afetam indiretamente a perspectiva autonomista
de política externa.
Nos Estados Unidos o neoconservadorismo foi um discurso bélico de afirmação dos EUA
como o centro de um império. O neoconservadorismo brasileiro, por sua vez, mantém o traço anti-
comunista norte-americano, mas critica a possibilidade de integração autônoma ou ativa,
fragilizando a possibilidade de projeção internacional.

4.5. Israel: os aliados no meio-oriente


159

Se os comunistas são os inimigos externos, o povo israelense é o principal aliado externo


do movimento neoconservador nos Estados Unidos. No Brasil a lógica se espelha? É o que
verificaremos agora.
Na coalisão neoconservadora nos Estados Unidos, não apenas intelectuais judeus, mas
também evangélicos, foram entusiastas da agenda de apoio a Israel. Como mencionamos, é curiosa
essa aproximação. Afinal, cristãos foram ao longo da História uma fonte de antissemitismo. No
Capítulo I foram expostas algumas razões levantadas pela literatura para a aliança: estratégicas
(Israel é o principal aliado externo dos EUA), ideológicas (ambos os grupos veem a religião como
cimento da sociedade) e teológica (teoria do dispensacionalismo).
A aliança se repete no Brasil. Saulo Baptista (2007:373-75) identifica iniciativas de
parlamentares evangélicos que evidenciam sua “mentalidade favorável à causa de Israel, que
predomina nas igrejas pentecostais e evangélicas brasileiras”. O autor ressalta que nessas
comunidades religiosas prevalece aquela interpretação de textos bíblicos mencionada no Capítulo
I, segundo a qual as profecias seriam “acentuadamente a favor de triunfos bélicos e dominação
israelense sobre outros povos que habitam o Oriente Médio, notadamente os palestinos”.
Para Rafael Bruno Gonçalves (2017:125, 42, 68), “percebe-se que os evangélicos se auto-
intitulam como os porta-vozes dos interesses de Israel na Câmara”. De acordo com o autor, foi a
partir da criação da Frente Parlamentar evangélica em 2003 que se fortaleceu no Congresso o apoio
dos evangélicos às políticas empreendidas por Israel no Oriente Médio. O apoio, para Gonçalves,
ainda quando seja com argumentos religiosos, dá-se no plano político, “ou seja, nas circunstâncias
que aproximam políticos e diplomatas israelenses com os evangélicos”.
Esse suporte dá-se com visitas de parlamentares evangélicos à Embaixada de Israel no
Brasil e a Israel, e de diplomatas israelenses a gabinetes parlamentares. Em 2011 foi inclusive
realizado um jantar na Embaixada, com a finalidade de homenagear a Frente Parlamentar
Evangélica. Além disso, políticos evangélicos participam da Frente Parlamentar Cristã Brasil-
Israel pela Paz na Terra Santa, Oriente Médio e no Mundo (FRENPAZBRIL). Em 2013, por
exemplo, foi realizada na Câmara dos Deputados solenidade de comemoração aos 66 anos do
Estado de Israel, promovido pela deputada Fátima Pelaes, que participara no Chairman’s
Conference, organizada pela Israel Allies Foudantion, que reúne parlamentares pró-Israel e que
afirmam atuar na defesa de princípios cristãos (Gonçalves, 2017:126, 38, 39, 41, 43). Em outro ano
a solenidade foi requerida pelo deputado Pastor Eurico. Ele e Pelaes são evangélicos.
160

Batista (2007:373-75) mostra que a revista da Frente Parlamentar Evangélica revelou que
um coletivo de parlamentares que passara dez dias em Israel em 2004 assumira “duas grandes
missões perante a Nação Israelita”. A primeira seria a de difundir a “verdadeira” versão do "conflito
milenar”, “divulgando os fatos reais”. A segunda seria a de promover a paz entre judeus e árabes
no Brasil. Os evangélicos, para a Frente, “serão o elo de ligação para promover um acordo de paz”.
Nos discursos dos evangélicos sobre o assunto no parlamento aparecem, de acordo com
Rafael Gonçalves (2017:154, 64), principalmente três ordens de argumentos: de que Israel é a
“Terra Prometida”; referências à amizade histórica entre Brasil e Israel com destaque para o papel
desempenhado pelo Brasil, na figura de Oswaldo Aranha na ONU, em defesa da criação do estado
de Israel (o que é objeto de ponderação por parte de Gonçalves); e a capacidade de Israel como
parceiro tecnológico do Brasil.
O autor aponta que, “em diversas ocasiões, o apoio evangélico pela predominância bélica e
domínio de Israel na região é sustentado por argumentos bíblicos” baseados no Velho Testamento,
e que “locuções adjetivas tipicamente religiosas” são “atribuídas pelos deputados evangélicos a
Israel, como ‘Terra Prometida’, ‘Milagre de Deus’, ‘Nação Escolhida’” (Gonçalves, 2017:125-27,
38). Como Gonçalves aponta, além do apego ao Velho Testamento, ambos os grupos se consideram
perseguidos:

(...) que ambos os discursos, o do judeu sionista e do evangélico, se apresentam como


grupo perseguido. O primeiro porque enfrentou a Diáspora, os diversos conflitos e a
ameaça da perda da identidade cultural; o segundo, devido à resistência enfrentada desde
a implementação das primeiras denominações pentecostais no Brasil pelas outras
religiões. (Gonçalves, 2017:171).

Tendo essas premissas em consideração, voltemos à agenda neoconservadora propriamente


dita. Sabemos que os evangélicos de modo geral apoiam a causa da Israel. Vamos agora verificar
se aquele núcleo de deputados protagonista da ação neoconservadora também se manifesta sobre
o tema.

4.6. Posicionamento dos deputados sobre Israel

As expressões de apoio que os parlamentares realizaram à causa de Israel deram-se através


de proposições, discursos, associações, exposições e também de visitas. A mais contundente delas
161

é a que expressou prestígio de Eduardo Cunha pela pauta. Cunha, como vimos, é um dos principais
protagonistas da pauta pró-família, apoiador de pautas punitivistas e contra a Venezuela.
Em junho de 2015 ele, então presidente da Câmara, viajou para o país, em sua primeira
missão oficial externa no exercício do cargo. Para o primeiro-ministro de Israel, Benjamin
Netanyahu, ele afirmou: “Estou há pouco tempo no comando da Câmara, e esta é a nossa primeira
visita oficial. É justamente o simbolismo de estarmos aqui em Israel” (Shalders, 2015). Cunha,
acompanhado de outros 11 deputados, “recebeu honras de chefe de Estado por Netanyahu e pelo
presidente do Knesset” (Ac, 2015a).
Outro exemplo de visitas foram as feitas pelo deputado Arolde de Oliveira (PSC/RJ). Uma
delas, à Fierj - Federação Israelita. A entidade, em sua página na rede social Facebook, descreveu
o parlamentar como “membro da Frente Parlamentar Brasil-Israel e um ativo defensor do Estado
Judeu no Congresso Nacional” 117 . Esse parlamentar visitou Jeruralém no ano de 2012, para
participar de conferência promovida pela Fundação Internacional dos Aliados de Israel. Dentre as
pautas debatidas no evento, segundo ele, estavam a “escalada armamentista nuclear iraniana”, a
“consolidação de Jerusalém como Capital não dividida do Estado de Israel” e a “parceria cristã-
judaica”, considerada estratégica por Israel por conta da “origem de fé comum no Velho
Testamento, que é a Torá dos judeus” (discurso em Plenário em 09/10/2012).

São alguns exemplos de associações e organizações de Frentes Parlamentares pela causa,


com protagonismo dos deputados da pauta neoconservadora. O Conselho Diretor da Associação
Cristã Amigos Brasil-Israel – HAVERIMBRIL tomou posse em solenidade no Centro Cultural da
Câmara dos Deputados. A entidade teria como objetivo orar “pela Paz de Jerusalém”, conforme
registrou o deputado Lincoln Portela, para quem o ato foi um “fato histórico e importante”:

“(...) A presença da Embaixada de Israel foi através do representante do Sr. Embaixador


Daniel Gazit, homenageado com rosas, entregues pelas estudantes Anna Carolina
Laurindo da Silva e Lia de Oliveira Moura, como símbolo da amizade, da confraternização
e a paz entre os dois povos. Este fato coroou a cerimônia de posse dos membros do
Conselho Diretor da HAVERIMBRIL, que traz em seu emblema a oração pelo povo de
Israel. (...)”. (Deputado Lincoln Portela – PSL/MG, discurso em Plenário em 29/12/2000).

117
No endereço
https://www.facebook.com/fierj.federacaoisraelita/videos/1202111566584419/?hc_ref=PAGES_TIMELINE,
acessado em 25/07/2017.
162

Citemos outros exemplos de discursos a respeito de Israel proferidos por deputados


promotores pauta neoconservadora. Pastor Eurico, como outros, entende a aliança entre cristãos e
judeus como decorrentes do livro sagrado:

O povo brasileiro, em sua maioria de origem cristã, tem aliança com essa terra e povo que
será infinita, pois o Livro Sagrado cristão — a Bíblia —, nos transporta pelo menos em
pensamentos até Israel e todos aqueles lugares por onde Jesus passou. (Deputado Pastor
Eurico – PSB/PE, discurso em Plenário em 21/05/2014).

Bolsonaro – que participou das comemorações dos 68 anos de aniversário da independência


israelense, oportunidade em que chegou a se batizar no Rio Jordão, pelo Pastor Everaldo (Estadão,
2016) –, por sua vez, argumenta que a prosperidade de Israel é uma missão divina:

Sr. Tenente-Coronel Yossi Shelly, sou o Capitão Jair Bolsonaro. A minha continência ao
Estado de Israel.
Prezado Alan Rick, recursos minerais, água potável, terras agricultáveis, biodiversidade,
precipitação pluviométrica, extensão territorial - veja o que Israel não tem, e o que eles
são. Veja agora, no Brasil, o que nós temos e o que não somos.
A força de um povo que tem história, que tem cultura, que tem fé, que é uno, que planeja,
que ama a liberdade e que respeita a democracia, de um povo que é marco na resistência
de nossa civilização.
O que acontece comigo, como cristão, entendo ser uma missão de Deus. Eu sonho
alimentar, com Israel, muitíssimas parcerias.
O povo de Israel vive!
Shalom! (Deputado Jair Bolsonaro – PSC/RJ, discurso em Plenário em 10/05/2017).

É a mesma opinião a de Marcos Rogério:

E como não admirar a incrível capacidade de resistência desse povo [judeu], que mesmo
nas época de opressão e exílio conseguiu manter sua continuidade, sua identidade cultural,
sua fidelidade às origens? Talvez essa capacidade de explique pelo vínculo com Israel
prometido, a terra da qual deveria jorrar leite e mel, situada na confluência de oriente e
ocidente, de norte e sul, no lugar onde nasceram as grandes religiões e onde como, por
ironia, desde os primeiros registros históricos, vêm se alternando períodos de guerra e paz.
(Deputado Marcos Rogério – PDT/RO, discurso em Plenário durante Sessão Solene em
Homenagem à Data Nacional da Criação do Estado De Israel, em 20/05/2015)

Sóstenes Cavalcante, em pronunciamento na tribuna, apoiou preocupação do Embaixador


de Israel a respeito de determinada posição diplomática do governo brasileiro a respeito daquele
país, afirmando que a “ampla maioria” dos que integram a bancada evangélica corroborariam o
pleito:
163

Mais uma vez, ocupo a tribuna da Câmara dos Deputados para fazer um alerta. Esse alerta
já foi feito outrora, no anterior Governo, da ex-Presidente Dilma Rousseff, inclusive desta
tribuna, num dia em que comemoramos a autonomia e a volta do Estado de Israel.
(...)Ontem, a convite do Embaixador de Israel no Brasil, Sr. Yossi Shelley, nós da Frente
Parlamentar Evangélica, da Frente Parlamentar Católica e da Frente Parlamentar em
Defesa da Vida, e vários outros Parlamentares e Senadores, atendemos ao convite do
Embaixador, que manifestou, mais uma vez, sua preocupação - e aqui fica o alerta outra
vez -, haja vista que, pela segunda vez, o Brasil, neste Governo do Presidente Michel
Temer, através do seu Ministério das Relações Exteriores - outrora com o Ministro José
Serra e agora com o novo Ministro -, vira as costas para Israel e brinda o seu apoio aos
seus adversários. Nós já conhecemos onde essa história vai parar!
Eu quero aqui, em meu nome, e creio que também em nome da ampla maioria daqueles
que compomos a bancada evangélica na Câmara dos Deputados, externar a nossa
insatisfação. Honestamente, esperávamos outro tipo de comportamento do Ministério de
Relações Exteriores deste novo Governo, apesar de ser um Governo no qual também não
votamos, porque fazia parte da mesma chapa. Nós esperávamos, no mínimo, se nós, como
País, queremos viver um novo tempo, mudar o nosso eixo e buscar uma relação estreita
com o Estado de Israel.
Israel é um Estado que valoriza a democracia, é um Estado exemplo de democracia para
o mundo. É um Estado com avanços tecnológicos na agricultura e nas ciências.
Se hoje muitos de nós, nos grandes centros urbanos, usamos o Waze, ele foi desenvolvido
lá, e tantas outras coisas que trouxeram grandes contribuições à humanidade. (Deputado
Sótenes Cavalcante – DEM/RJ, discurso em Plenário em 04/05/2017).

A insatisfação expressa pelo deputado se refere ao Brasil ter votado a favor de resolução
“que indica que Israel não tem direitos legais ou históricos sobre Jerusalém”, segundo o portal
evangélico Guiame (2017). Sóstenes indigna-se também com o fato de o governo de Michel Temer
ter, diferente do esperado, seguido os mesmos passos de sua antecessora sobre o assunto.
Entre outros parlamentares, o Professor Victório Galli solicitou revisão desse
posicionamento do Brasil. Fê-lo por ocasião do transcurso do 69º aniversário de criação do Estado
de Israel. Justificou sua posição com base em Oswaldo Aranha e na Bíblia. Em sua visão, as Nações
Unidas defendem uma política “esquerdista”:

Osvaldo Aranha teve participação importante na criação do atual Estado de Israel, pois
presidiu a Assembleia Geral que rejeitou a proposta de estabelecimento de uma Palestina
árabe. Conhecedor da história, sabia que a Terra Santa pertencia ao povo judeu.
Quase 7 décadas depois, o mundo mudou muito. As Nações Unidas, hoje, defendem uma
agenda globalista, fortemente influenciada por uma agenda de viés esquerdista que impõe
suas ideias, em especial sobre os países que possuem cultura judaico-cristã. Isso é algo
que deveria nos gerar preocupação, colegas Deputados.
Na última reunião da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura - UNESCO, realizada em Paris, no dia 2 de maio, nosso País votou novamente a
favor de resoluções que ferem de morte a história e a soberania de Israel. O Governo
brasileiro desconsiderou as provas históricas e arqueológicas a favor de Israel, sem falar
nos relatos bíblicos.
Fui eleito pelo Partido Social Cristão e, como a maioria dos brasileiros, sou cristão e creio
na Bíblia. Por isso, defendo esses valores que ajudaram a construir nossa civilização.
(Deputado Professor Victório Galli – PSC/MT, discurso em Plenário em 10/05/2017)
164

A soberania de Israel sobre Jerusalém foi, igualmente, preocupação de Marco Feliciano em


requerimento. Ele, em 2015, questionou o governo brasileiro a respeito da exclusão da palavra
“Israel” dos passaportes dos filhos de brasileiros nascidos em Jerusalém. De acordo com a
justificativa de seu requerimento, “a medida segue países como Estados Unidos, Canadá e França
que não aceitam a soberania israelense sobre a cidade, considerada a capital do país pelos
israelenses”, o que quebraria a tradição das relações Brasil/Israel:

Lembro as tradições existentes entre o povo brasileiro e o povo judeu que, desde Oswaldo
Aranha que presidiu a memorável sessão Plenária da ONU que criou o Estado de Israel,
as sessões inaugurais dos trabalhos anuais desse importante órgão mundial são abertas por
Presidentes da República Brasileira. (Deputado Marco Feliciano – PSC/SP, RIC
876/2015).

A referência a Oswaldo Aranha é uma tônica dos discursos dos evangélicos, como
Gonçalves (2017) aponta. As outras ordens de argumento identificadas pelo autor são referências
a Israel como a Terra Prometida e à parceria tecnológica. Vimos esses argumentos nos discursos
acima. João Campos, líder das frentes evangélica e da segurança, se utiliza de todos esses tipos de
argumentos em seus discursos. Vejamos:

Muitos não supunham que, por profundo desejo de liberdade e justiça, assim como por
vontade atávica impressionante, enormes contingentes humanos se mobilizassem de
pronto a caminho de Canaã, a Terra Prometida, assim chamada, segundo a tradição, pela
promessa de Deus aos descendentes dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó. (Deputado João
Campos – PSDB/GO, discurso em Plenário em 15/06/2005).

Conheci um pouco da tecnologia desenvolvida pela indústria israelense como, por


exemplo, o carro movido à energia, com autonomia significativa. É algo muito
interessante. Dentro dessa linha do conhecimento, destaco que Israel é possuidor de 8
Prêmios Nobel na área de economia e química. É uma nação muito pequena, cercada de
inimigos; sua terra é árida; há inimigos dentro do próprio território; todavia, é respeitada,
mantém interessantíssimos programas de governo e produz excelente conhecimento,
inclusive no setor de tecnologia. (Deputado João Campos – PSDB/GO, discurso em
Plenário em 25/03/2010).

Precisamos eliminar o mito de um Estado palestino anterior a Israel. O que houve foi uma
resolução da ONU, a partir de sessão presidida pelo brasileiro Osvaldo Queiroz Aranha,
em 14 de maio de 1948, criando o Estado de Israel, portanto, vinculando os judeus àquele
território. (Deputado João Campos – PSDB/GO, discurso em Plenário em 30/06/2009).
165

Como vemos, a maioria dos protagonistas das outras agendas neoconservadoras já


estudadas apoia também a causa de Israel. Daqueles 15 deputados selecionados, 10 (75%) se
manifestaram sobre a questão, todos favoravelmente.

4.7. Comunidade internacional de fé

Neste capítulo não foi estudada a totalidade das manifestações contra e a favor de Israel, de
modo que, com dados próprios, não é possível averiguar um eventual protagonismo da direita cristã
brasileira no tema. Mas a pesquisa Rafael Gonçalves estudou a totalidade dos discursos, entre os
anos de 2003 e 2014, sobre a questão israelense. De acordo com ele, há uma atuação importante
dos evangélicos, ainda que não dominante:

“Dentre os 565 discursos coletados, 70 são provenientes de parlamentares evangélicos. A


maioria, 28 pronunciamentos, é oriunda de deputados vinculados à Igreja Assembleia de
Deus” (Gonçalves, 2017: 150).

A aliança com Israel ocorre por motivos confessionais, como podemos extrair das falas dos
religiosos – sete deles da Assembleia de Deus – citados. Trata-se da constituição de uma
comunidade internacional de fé a partir da Bíblia, particularmente do Velho Testamento.
A questão Israel/Palestina foi associada ao socialismo do século XXI na América Latina –
Cuba e Venezuela. Na votação, pela Câmara dos Deputados, do recebimento da denúncia por crime
de responsabilidade de Dilma Rousseff, em 17 de abril de 2016, Ronaldo Fonseca (PROS/DF)
orientando seu partido, afirmou que a “Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional”
vinha lutando no legislativo “contra uma agenda de esquerda que quer destruir a família brasileira”;
no seu voto pelo impeachment, ele afirmou: “pela nação evangélica e cristã e pela paz de Jerusalém,
eu voto ‘sim’”. Questionado por que optou por destacar a “paz em Jerusalém” como motivo do seu
voto, Ronaldo Fonseca afirmou:

O governo do PT virou as costas para Israel. Eles priorizaram os árabes. A única vez que
um presidente da República foi ao Oriente Médio e não pisou em Israel foi o presidente
Lula. A presidente Dilma rejeitou um embaixador indicado por Israel só porque ele foi
colono na Palestina, na Faixa de Gaza. O governo do PT priorizou os guerrilheiros,
priorizaram Cuba, Venezuela (...)” (Fonseca, 2016b).
166

Vimos que o governo Temer seguiu não reconhecendo a soberania de Israel sobre
Jerusalém. Fê-lo, segundo o deputado Sóstenes Cavalcante em discurso citado acima,
decepcionado a bancada evangélica, que esperava uma mudança de posição dele em relação à
antecessora. De qualquer maneira, existe uma ponte ideológica entre os temas feita por alguns
parlamentares, como Fonseca, que aderem a essa moldura interpretativa neoconservadora.
Aqueles que seriam nossos neoconservadores mais ativos têm, assim como os norte-
americanos, Israel como “amigo” externo preferencial. O Eduardo Cunha ter prestigiado o país em
sua primeira viagem internacional como Presidente da Câmara dos Deputados ilustra essa adesão.
Em relação ao inimigo externo, o que seria o neoconservadorismo brasileiro se opõe a uma
versão contemporânea e localizada do comunismo, o “socialismo do século XXI” na América do
Sul. Aqui os neoconservadores não o fazem, porém, com um viés imperialista; pelo contrário,
tendem a defender posições que fragilizam o Brasil nas relações internacionais.
Temos, até agora, confirmado que um núcleo de deputados que protagoniza uma agenda
pró-família também é militante de uma agenda punitivista, e que eles defendem um equivalente da
pauta externa neoconservadora. Passemos, portanto, à verificação do último tema do que comporia
o quadro político neoconservador: a defesa do neoliberalismo.
167

5. NEOLIBERALISMO: ATUAÇÃO PARLAMENTAR POR


DESNACIONALIZAÇÃO, DESREGULAMENTAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO E VALORES
DE MERCADO

Até agora vimos que existe um movimento neoconservador na Câmara dos Deputados
brasileira, considerando a atuação de um grupo que pauta articuladamente agendas contra o
feminismo e o movimento LGBT, pelo punitivismo, contra o socialismo do século XXI e a favor
de Israel. Vimos também que o que seria a direita cristã brasileira adere majoritariamente esses
temas. Precisa-se verificar, agora, o posicionamento desses sujeitos sobre o último pilar
neoconservador a analisar: a defesa do neoliberalismo.
O neoliberalismo, como vimos no Capítulo I, apregoa o livre mercado e a intervenção
mínima do Estado na esfera econômica, apenas para garantia da propriedade. Nos países de centro,
implica em privatização e desmantelamento do Estado de bem-estar social; nos países de periferia,
solapa a soberania. Em ambos os casos, redunda em aumento dos níveis de desigualdade (Brown,
2006: 693).

5.1. Metodologia para o capítulo

Para avaliar a adesão dos parlamentares a políticas mais neoliberais ou mais no sentido do
Estado de bem-estar social, serão analisadas votações de projetos ideologicamente polarizados em
relação ao tema. A escolha de votações ocorre porque a defesa ou não do neoliberalismo em
discursos é difícil de ser delimitada: os deputados, no Brasil, não dizem textualmente ser a favor
do neoliberalismo, ou ser a favor do Consenso de Washington, ou ser a favor do Estado mínimo
(discutiremos adiante possíveis explicações para isso).
Considerar-se-á, nas votações, a posição da bancada evangélica, dada a centralidade da
direita cristã para o neoconservadorismo norte-americano, e dos deputados selecionados como
protagonistas principais da hipotética ação neoconservadora no Brasil. O apoio dos evangélicos a
políticas neoliberais, a partir da literatura especializada, será discutido no final deste capítulo a
partir de pesquisas anteriores que relacionam religião e adesão a valores de mercado.
168

O recorte temporal das votações estudadas será a 55ª Legislatura, por ser esse o critério
desta tese, e por outras razões expressas pela literatura, que serão abordadas a seguir.

5.1.1. Importância da clivagem governo/oposição na política econômica

No Congresso brasileiro, de regra, a principal clivagem no que diz respeito a questões


econômicas é aquela entre governo e oposição, e não entre direita e esquerda. Havendo “conflito
entre as preferências ideológicas dos parlamentares e os incentivos políticos gerados pelo
Executivo, estes últimos tendem a predominar” (Zucco Jr., 2011:57). Assim, não é fácil isolar as
preferências ideológicas dos deputados no que diz respeito à política econômica.
Isso é especialmente difícil de ser feito em relação aos governos petistas, que não adotaram
uma opção radical nem a favor nem contra o neoliberalismo. André Singer (2012:30, 72 e 2573)
argumenta que o governo de Lula teve uma “dupla cara”, de “diminuição da pobreza com
manutenção da ordem”; de inclusão social sem confronto com o capital. Isso não mudou com sua
sucessora, Dilma Rousseff.

Em 2002 o Brasil sofrera, com a iminência da eleição do PT, um “ataque especulativo”, que
implicou em forte depreciação do real e dos ativos brasileiros. Esse ataque foi lido de duas
maneiras: como uma resposta “racional” dos investidores às posições históricas do PT contra os
interesses do mercado financeiro; ou como uma forma de limitar as opções disponíveis ao novo
governo (Barbosa e Souza, 2010:58, 59). Seja como for, o ataque surtiu efeitos, e Lula, então
candidato, se comprometeu com pressupostos favoráveis ao mercado financeiro, como foi expresso
na Carta ao Povo Brasileiro daquele ano.
Assim, na primeira fase dos governos Lula, de 2003 a 2006, foram mantidos os postulados
neoliberais adotados nos mandatos de Collor e FHC. Isso significa dizer: contenção da despesa
pública, elevação dos juros, manutenção do câmbio flutuante, quase congelamento do salário
mínimo e reforma previdenciária com redução de benefícios. Lula o fez paralelamente a políticas
de redução da pobreza e ativação do mercado interno. Lula, portanto, de um lado, “manteve linhas
de conduta do receituário neoliberal e, de outro, tomou decisões no sentido contrário, isto é,
próprias da plataforma progressista” (Singer, 2012:30, 68, 73, 1100, 2553, 61).
169

A redução da pobreza e o aquecimento da economia decorrente das medidas, em associação


à crise política do “mensalão”, levaram a um realinhamento eleitoral em 2006, que permitiu o
surgimento do “lulismo”, sustentado no subproletariado: o grupo social, “reconhecendo na
invenção lulista a plataforma com que sempre sonhara um Estado capaz de ajudar os mais pobres
sem confrontar a ordem”, deu-lhe suporte (Singer, 2012: 72-189).
Assim, se nos três primeiros anos a visão neoliberal predominou nas escolhas de Lula, a
partir de 2006 ele adotou uma política mais desenvolvimentista. A inflexão ocorreu com três
medidas essenciais: aumento substancial do salário mínimo, aumento do investimento e
reestruturação do funcionalismo. A partir de 2007, as políticas de infraestrutura foram agrupadas
no Programa de Aceleração do Crescimento. Em 2008, à crise financeira internacional, o governo
respondeu com medidas de caráter anticíclico (Barbosa e Souza, 2010:67, 75, 86, 87).
Essa lógica prevaleceu no mantado de Dilma Rousseff: a Presidenta alternou momentos de
tentativas desenvolvimentistas, concentradas em 2011 com a redução dos juros, com momentos de
ajuste econômico, cujo ápice foi 2015, com o Ministro Joaquim Levy na pasta da economia. Nos
governos petistas conviveram sempre, portanto, na expressão de Singer (2012:1443), “duas almas”.
A prevalência de cada uma delas se alterou ao longo do tempo, sem que, entretanto, alguma delas
tenha definitivamente vencido.
Isso tudo para dizer que os governos de centro-esquerda brasileiros do início do século XXI
não são parâmetro para avaliar uma eventual polarização ideológica congressual a respeito de
política econômica. Já governo Temer, que se sucedeu ao impeachment de Dilma Rousseff em
2016, desde o princípio veio com uma feição neoliberal bastante clara, a qual refletiu em propostas
que foram imediatamente colocadas em pauta na Câmara dos Deputados. Isso coincide com o
marco temporal dessa pesquisa, a 55ª Legislatura (2015-2018). E é por essas razões que usaremos
o cerne da agenda econômica do peemedebista como critério de pesquisa sobre o
neoconservadorismo.

5.1.2. Postulados do Consenso de Washington em pauta

Logo que assumiu interinamente a Presidência da República, Michel Temer realizou


cerimônia de apresentação das medidas econômicas, em 24 de maio de 2016. Na ocasião ele
anunciou as propostas de ampliação da meta fiscal, de alterações na previdência social e na
legislação trabalhista, de pagamento da dívida do BNDES junto ao Tesouro Nacional, de limitação
170

do gasto público, de extinção do fundo soberano do pré-sal e de alteração da participação da


Petrobrás nos investimentos dessas reservas de petróleo.
A maior parte das propostas se relaciona a um ideário neoliberal, mas não exclusivamente.
A primeira medida apresentada ao Congresso foi de ampliação da meta fiscal, para autorização
para um endividamento público maior no ano de 2016, contrariando uma lógica de austeridade.
Isso, conforme explicado por um conjunto de entidades que analisaram o início da gestão de Temer,
foi expressão pontual de um “keynesianismo fisiológico” de curto prazo – ou seja, da necessidade
de atender às demandas imediatas de recursos:

A gestão da política fiscal protagonizada pelo governo Temer lançou sinais contraditórios
com relação à continuidade das políticas de austeridade. Para o curto prazo definiu-se o
‘keynesianismo fisiológico’ e para o longo prazo, a ‘austeridade permanente’. (21 et al.,
2016:9)

Esta pesquisa focará sua atenção nos projetos relacionados à redução do Estado e à
“austeridade permanente” mencionada. São eles: redução da participação da Petrobrás no pré-sal,
corte de gastos públicos e reforma trabalhista. A escolha dessas três propostas se dá por duas razões.
A primeira delas é que já foram votadas pelo Plenário da Câmara, pelo procedimento nominal e
não simbólico118, o que permite uma análise da posição individual de cada um dos deputados.
O segundo motivo para a escolha dessas propostas é que elas atendem a postulados
fundamentais da cartilha neoliberal: privatização, favorecimento do investimento estrangeiro,
desregulamentação do mercado de trabalho e a redução do papel do Estado na diminuição das
desigualdades. Esses princípios foram expressos no Consenso de Washington, do fim dos anos
1980.
Isso pode parecer anacrônico, especialmente depois da crise do capitalismo de 2008 – pior
depressão econômica desde a década de 1930. Os princípios do CW passaram a ser profundamente
questionados a partir de então, com o descrédito das prescrições centradas da hipótese da eficiência
de mercado (Wade, 2008). Em 2008, esses princípios deixaram de ser “normativos”, ou vistos
como ideais (Davies, 2016).

118
As Medidas Provisórias 727/2016, que criou o Programa de Parcerias para Investimentos, e a 777/2017, que foi
considerada uma privatização do BNDES, por exemplo, tiveram o mérito aprovado por votação simbólica – sem
identificação de cada voto individual --, de modo que não podemos avaliar a votação no mesmo método que os
outros itens.
171

Tais postulados não são mais defendidos sequer pelo Fundo Monetário Internacional. O
tema chegou a ser objeto de discussão entre a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, e Henrique
Meirelles, Ministro da Fazenda brasileiro, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, em
janeiro de 2017. Lagarde, em resposta à fala de defesa da austeridade Meirelles, enfatizou que o
FMI hoje privilegia a redução da desigualdade e da promoção de políticas que a combatam
(Wentzel, 2017). Segundo estudo da instituição, os cortes nos gastos públicos têm como
consequência justamente o aumento das disparidades sociais, ruins ao próprio capitalismo (Woo et
al., 2013).
Ainda assim, as premissas neoliberais clássicas, apesar de questionadas inclusive por seus
antigos promotores, continuam em vigência em determinados lugares do mundo e vêm sendo
implantadas pelo governo Temer, com suporte congressual. Trataremos agora da produção
normativa brasileira que expressa aqueles princípios.

5.2. Análise das votações que refletem as premissas neoliberais

5.2.1. Alteração da participação da Petrobrás na exploração do pré-sal

A proposta do fim da exclusividade da Petrobrás na exploração da reserva do pré-sal (PLS


131/2015, PL 4567/2016, Lei 13365/2016), dentre as selecionadas para análise neste Capítulo, foi
a primeira apoiada pelo governo Temer a ser aprovada. O projeto fora apresentado pelo senador
José Serra (PSDB/SP), em 2015.
Apesar de posteriormente apoiado por Temer, o governo Dilma também endossara o
projeto. A meses do impeachment, a gestão da petista, inicialmente contra a proposta, acabou, de
última hora, apoiando um substitutivo negociado pelo senador Romero Jucá (PMDB/PE). A adesão
do Executivo ao PL desagradou o partido da então Presidenta, que votou massivamente contra ele.
O projeto seguiu para a Câmara dos Deputados. Nesse ínterim ocorreu o impeachment. No
discurso em que anunciou as medidas econômicas de seu governo, Temer, ainda interino, afirmou,
no contexto da defesa do PL de Serra, que a “Petrobras é uma empresa que tem que pautar-se pelos
critérios de seu interesse, é como se fosse quase um empreendimento privado” (Temer, 2016).
A Central Única dos Trabalhadores e a Federação Única dos Petroleiros (Cut e Fup, 2016)
consideraram a proposta um “ataque” à Petrobrás. Segundo as entidades, o novo regime viola a
172

soberania nacional e realinha o Brasil aos interesses dos Estados Unidos (Fup, 2016). Lindbergh
Farias (2016) criticou o texto aprovado por ferir o “domínio estratégico” do Brasil sobre o petróleo,
assentado na nacionalização das jazidas, no regime de partilha e em grandes operadoras nacionais.
Para ele, além disso, a cadeia de petróleo e gás, comandada pela Petrobrás, que seria a maior cadeia
produtiva do Brasil, não mais se sustentaria com o novo regime aprovado.
O debate sobre o assunto, como vemos, mobilizou um dos temas caros ao neoliberalismo
relacionado aos países de periferia: desnacionalização de recursos naturais e permissão ao
investimento estrangeiro. Como afirma Wendy Brown (2006: 693), nos países do Sul o
neoliberalismo solapa as tentativas de soberania econômica e autodeterminação, e é justamente
essa a crítica ao PL de Serra.
A fala de André Figueiredo (PDT/CE) sintetiza as objeções ao projeto:

Por isso, somos contrários a esse projeto do pré-sal, porque ele, acima de tudo, entrega à
iniciativa privada grandes regiões estratégicas que fazem parte do ativo não apenas da
PETROBRAS, mas de todo o povo brasileiro. Ele entrega a PETROBRAS nas mãos do
capitalismo internacional, de um sistema financeiro que não tem nenhuma consideração
com o povo brasileiro para investir em educação e saúde, que são as destinações dos
recursos do pré-sal. Por isso, nós do PDT vamos obstruir, vamos montar trincheiras,
juntamente com todos os companheiros dos partidos do nosso campo, para evitar a
desintegração da PETROBRAS. (Deputado André Figueiredo – PDT/CE, discurso em
Plenário em 05/10/2016).

Conforme o deputado expressa, o projeto de Serra foi criticado não apenas por conta da
soberania nacional, mas também por ser uma proposta que iria no sentido da privatização dos
recursos naturais e da Petrobrás. A privatização é outra característica do neoliberalismo. Os
neoliberais são, de acordo com Harvey (2005:65-66. 174), particularmente assíduos na busca da
privatização de ativos. Para eles, os serviços prestados pelo Estado e bens públicos devem ser
transferidos à iniciativa privada – a privatização, associada à desregulamentação e à concorrência
eliminaria a burocracia, aumentaria a eficiência, melhoraria a qualidade e reduziria custos e preços.
Isso inclui os recursos naturais – cuja exploração passa a ser calculada no curto prazo, naquele da
vigência de contratos.

Em novembro de 2016 a matéria foi transformada em lei ordinária. A votação do mérito do


projeto ocorreu no dia 05 de outubro, ressalvados os destaques. Dos 39 evangélicos presentes à
votação, 38 (97%) votaram a favor da proposta, enquanto 73% do Plenário presente votou “sim”.
173

Colocando os números em uma tabela de contingência, temos que apenas 10% dos evangélicos que
deveriam votar contra o PL caso não houvesse associação entre as variáveis o fizeram.

Tabela 11 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências esperadas


do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito do
4567/2016, no dia 05/10/2016119.

Membro da bancada evangélica Não membro da bancada evangélica


Sim ao PL 4567/2016 131% 97%
Não ao PL 4567/2016 10% 110%

Fonte: elaboração própria, com dados do portal da Câmara dos Deputados.

Da seleção de deputados que defendem uma agenda neoconservadora, nove estiveram


presentes à votação. Todos (100%) foram a favor da mudança do regime na exploração do pré-sal,
a saber: Andre Moura, Antonio Bulhões, Fernando Francischini, Flavinho, Jair Bolsonaro, João
Campos, Pastor Eurico, Pr. Marco Feliciano e Ronaldo Fonseca. Há, portanto, uma convergência
forte entre os defensores das agendas neoconservadoras e os defensores desse projeto.
É preciso observar, porém, que no Brasil a privatização raramente é defendida em seus
próprios termos. Normalmente o conceito é usado pelos opositores (e não pelos apoiadores) das
formas mais incisivas de concessão. Defender expressamente alguma privatização é um “tabu”,
como sintetizou o deputado Eduardo Bolsonaro:

Senhores, nós estamos falando de um prejuízo de quase 88 bilhões de reais! Eu duvido


que uma empresa privada teria tamanho prejuízo. Logo nas primeiras cifras, algumas
cabeças rolariam e se mudaria a gestão. Como isso ocorre, Sr. Presidente? Na verdade, a
PETROBRAS e outras estatais servem aqui dentro como moeda de troca. Muitos falam:
‘O petróleo é nosso’. Calma lá! É nosso de quem? É "nosso" dos corruptos ou é "nosso"
dos brasileiros? E é isso que ocorre aqui.
(...)
Portanto, eu acredito que este é o momento certo de começarmos a discutir a privatização.
Só que isso é um tabu. Quem fala em privatizar, logo é taxado de entreguista!
Talvez eu seja entreguista mesmo, Sr. Presidente: eu quero entregar da mão dos corruptos
para a mão dos brasileiros. É preciso aqui ter coragem de discutir, sim, o projeto de partilha
proposto pelo Senador Serra. Por que não? Não é o privatizar de qualquer forma.
(Deputado Eduardo Bolsonaro – PSC/SP, discurso em Plenário em 30/03/2017).

119
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
174

Ainda que exceção, não apenas Bolsonaro teve coragem de enfrentar esse “tabu”. Seu
partido, o PSC – importante protagonista das iniciativas pró-família, como vimos no Capítulo I –
foi o único a defender expressamente, na campanha presidencial de 2014, as privatizações. O
candidato a Presidente da República pela sigla, Pastor Everaldo, pregou o Estado mínimo e a
meritocracia; disse que tudo “o que for possível passar para iniciativa privada, nós vamos passar”;
manifestou-se contra o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo gênero (Capital, 2014).
Enfim, defendeu todo o repertório neoconservador.

5.2.2. Teto dos gastos públicos

A PEC do teto dos gastos públicos (PEC 241/2016, PEC 55/2016, Emenda Constitucional
95/2016) foi também mencionada por Temer desde seu primeiro discurso sobre medidas
econômicas. A proposta, que instituiu um novo regime fiscal, foi enviada por ele ao Congresso em
junho de 2016, quando ainda era interino. Pela norma, os gastos públicos ficam limitados, nos
próximos 20 anos, ao gasto no ano anterior, corrigido pela inflação. O pagamento de juros fica
excluído da limitação.
A ênfase da PEC é a dívida pública. O novo regime fiscal controlaria o excesso de gastos e
a inflação, e recuperaria a confiança dos investidores. Como aponta Harvey (2005:29), a resposta
neoliberal à dívida pública é corte de despesas em programas de assistência social, flexibilização
de leis trabalhistas e privatização – justamente o conjunto de medidas propostas por Temer
analisadas aqui. A gestão da dívida pública à maneira neoliberal, de acordo com Wolfgang Streeck
(2013:2), vai na direção de um Estado "mais magro", menos intervencionista e, em particular,
menos receptivo às demandas populares de redistribuição – trata-se de uma verdadeira oposição
entre política de dívida pública, por um lado, e desigualdade social e econômica, por outro.
Como líder de seu partido PSC, André Moura defendeu a PEC do Teto de Gastos com base
na confiança dos investidores a partir do controle de gastos e de resultados fiscais consistentes
(discurso em Plenário em 10 de outubro de 2016). A gestão da dívida, para ele, é o ponto essencial:

A aprovação desta PEC evitará uma trajetória explosiva das despesas públicas ante a
receita, impedirá que se gaste mais com juros e impedirá, acima de tudo, que a dívida
pública continue seguindo uma trajetória não sustentável. A aprovação desta PEC é, acima
de tudo, como estamos vendo desde maio de 2016, a volta da confiança de empresários e
175

de consumidores no nosso País, por conta de uma política eficaz, eficiente, que combate
a inflação, que combate a recessão, que combate o desemprego. Essa é a política
econômica do atual Governo. (Deputado André Moura – PSC/SE, discurso em Plenário
em 25/10/2016).

Para Moura, a “meta de austeridade” foi posta em prática pelo Ministro Henrique Meirelles,
sem, entretanto, prejudicar programas sociais:

Quanto à política de redução de gastos do Governo, a meta de austeridade nas contas


públicas foi posta em prática. O Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, enfatizou que
tanto o reajuste dos servidores públicos federais quanto o do Bolsa Família estão previstos
no Orçamento e na meta fiscal de 2016. O Governo, portanto, cumprirá o compromisso
de recuperar a economia do País. (Deputado André Moura – PSC/SE, discurso em Plenário
em 12/07/2016)

Sua fala indica um ponto importante: nenhum defensor das medidas de austeridade
concorda que essas tragam redução de direitos, benefícios ou polícias públicas. Pelo contrário;
sempre se argumenta que esses elementos benéficos ao cidadão serão aumentados.
Consideremos, para checagem de uma eventual ação neoconservadora, a votação do mérito
da PEC pela Câmara em primeiro turno, no dia 10 de outubro de 2016. Nessa votação, 89% dos
evangélicos presentes120 votaram a favor da PEC, enquanto 76% do quórum o fez. Colocando os
dados em uma tabela de contingência121, temos que menos da metade dos evangélicos que deveriam
votar contra PEC caso não houvesse associação entre os fatores o fizeram:

Tabela 12 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências esperadas


do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito do
substitutivo da PEC 241/2016, no dia 10/10/2016122.

Membro da bancada evangélica Não membro da bancada evangélica


Sim à PEC 241/2016 117% 98%
Não à PEC 241/2016 45% 108%

120
Uma PEC precisa do apoio de maioria qualificada, de modo que eventualmente as ausências podem ser
consideradas como estratégia para a derrubada da proposta. Não foi o caso da PEC 55/2016. Como sua aprovação era
considerada garantida e não se estimava possibilidade de ausência de quórum suficiente, os opositores foram
efetivamente votar, em vez de usar alguma estratégia de obstrução via falta de presenças. Além disso, muitos
deputados não estão presentes porque no dia da votação estão licenciados, por motivos diversos.
121
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
122
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
176

Fonte: elaboração própria, com dados do portal da Câmara dos Deputados.

Estiveram presentes na votação onze protagonistas da ação neoconservadora. Todos (100%)


votaram a favor da PEC: Andre Moura, Antonio Bulhões, Fernando Francischini, Flavinho, Jair
Bolsonaro, João Campos, Marcos Rogério, Pastor Eurico, Pr. Marco Feliciano, Ronaldo Fonseca
e Sóstenes Cavalcante.
Durante o debate da proposição, Feliciano discursou:

A PEC 241 não é a PEC da morte. Pelo contrário, é a PEC da ressureição, é a PEC que vai
colocar o País de volta nos trilhos e vai trazer crescimento para a Nação, que está neste
momento com metástase, à beira da morte.
Sr. Presidente, os partidos de oposição mantêm-se uníssonos a criticar a proposta e vêm a
esta tribuna às vezes vociferar em tom quase apocalíptico sobre uma possível perda de
direitos sociais. Não se trata de acabar com garantias; trata-se de proibir que se gaste mais
do que se ganha.
(...)
Mais do que colocar as contas em ordem, o objetivo da PEC, segundo mencionado pelo
próprio Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, seria o de reconquistar a confiança dos
investidores. A aposta da equipe econômica é que a medida passe credibilidade e seja um
fator importante para a volta dos investimentos no Brasil, favorecendo o seu crescimento.
(...)
Para concluir, Sr. Presidente, quero transmitir uma mensagem de otimismo ao meu povo
e dizer-lhe que mantenho fé inabalável em Deus. Creio que, com a proteção divina e muito
trabalho, conseguiremos tirar o Brasil da situação em que se encontra.
Vamos ter fé na reconstrução do nosso País!
Na condição de Líder do Partido Social Cristão, falo em meu nome e em nome da bancada
do PSC e assevero que a nossa posição é absolutamente favorável à aprovação da Proposta
de Emenda à Constituição nº 241, de 2016, que é, sem sobra de dúvida, o melhor caminho
para o futuro da Nação.
(Deputado Pastor Marco Feliciano – PSC/SP, discurso em Plenário em 25/10/2016)

Seu discurso sintetiza os argumentos favoráveis ao novo regime fiscal. Não se trataria de
redução de direitos; pelo contrário, que a PEC seria benéfica aos setores mais pobres da população.
A PEC permitiria, sim, como afirma Feliciano, equilíbrio das contas e confiança dos investidores.
Feliciano acrescenta a isso o argumento de que a proteção divina, ao lado do trabalho, tiraria o
Brasil da crise, em uma aliança típica da teórica neoconservadora. Ele afirma por fim que seu
partido, o PSC “é absolutamente favorável” à PEC 241.

5.2.3. Reforma trabalhista


177

Mencionou-se acima que a flexibilização de direitos trabalhistas é um dos pilares da


resposta neoliberal à dívida pública e mecanismo de fortalecimento dos interesses do mercado. A
reforma trabalhista (PL 6787/2016 – Lei 13467/2017) atendeu a esses itens, pois flexibilizou pontos
importantes da legislação sobre o tema. Seus opositores argumentaram que a reforma implica na
precarização as relações de trabalho (permitindo trabalho intermitente e retirando garantias como
jornada máxima), relativiza os direitos – já que existe disparidade na negociação entre patrão e
empregado – e fragiliza os sindicatos.
O projeto, de autoria de Michel Temer, apresenta como justificativa a “valorização da
negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores”, a atualização de “mecanismos de
combate à informalidade da mão-de-obra no país”, o entendimento direto entre trabalhadores e
empregadores e das normas sobre trabalho temporário. A reforma trabalhista foi defendida por
Sóstenes Cavalcante aliada ao controle de gastos públicos e à necessidade de modernização:

Aqueles que aqui agora se levantam contra esta votação são os que defenderam um
governo de 13 anos que levou sim a 13 milhões de desempregados. A responsabilidade
por aqueles que estão desempregados hoje é de um Governo que não teve responsabilidade
fiscal, que não teve responsabilidade com as contas públicas.
Nós precisamos sim de uma reforma trabalhista para trazer a modernidade para este País,
para o empregado e em especial para aqueles que estão desempregados, que não sabem
como fazer para colocar o feijão com arroz, a mistura, na mesa da sua família.
É por esses 13 milhões de desempregados que o Brasil precisa olhar para o futuro e
avançar em sua legislação trabalhista. Não podemos mais conviver com uma legislação
de 1950. Já é tempo de olharmos para os avanços e para a modernidade, garantindo aos
trabalhadores seus direitos, sem ignorar que o mundo mudou e que nós precisamos nos
atualizar. (Deputado Sóstenes Cavalcante – DEM/RJ, discurso em Plenário em
19/04/2017)

O Partido Social Cristão foi a favor da reforma, também porque ela iria no sentido da
modernização, entendida no sentido da flexibilização:

Sr. Presidente, o PSC acompanhou e avaliou esta matéria desde o início.


Cumprimentamos, inclusive, a qualidade do produto final da relatoria do Deputado
Rogério Marinho. Ficou muito bom. É uma flexibilização necessária, neste momento. É
um projeto moderno que vai gerar trabalho remunerado para milhões de brasileiros que
ficaram à míngua depois de tantos anos de desmandos, de incompetência, de corrupção
pelos governos que assumiram o poder no início deste milênio. (Deputado Arolde de
Oliveira – PSC/RJ, discurso em Plenário em 26/04/2017).

A legislação não deve estabelecer rigidez nas relações de trabalho. A proteção que o Estado
fornece deve ser flexível, permitindo a livre iniciativa privada e o empreendedorismo. Esses
178

argumentos, que pertencem à lógica neoliberal de maneira geral, não foram invocados apenas no
contexto do PL 6787. Fazem parte de uma noção geral de muitos dos protagonistas
neoconservadores.
Para o Professor Victório Galli, o fundamento da livre iniciativa é sagrado:

A Bíblia contempla, em Lucas 19:11-27 e Mateus 25:14-30, a livre iniciativa e a


premiação daquele que faz o dinheiro girar a ponto de promover bons lucros, criticando
aquele que, tendo ou recebendo dinheiro, não o faz (...)” (Deputado Professor Victório
Galli – PSC/MT, discurso em Plenário em 20/10/2015).

No mesmo sentido, para Jefferson Campos (PSD/SP), o “empreendedorismo é um dom de


Deus” (discurso em Plenário em 09 de março de 2016). Para o parlamentar, os jovens devem
“refletir sobre as atitudes prejudiciais a si, ao próximo, à sociedade e ao meio ambiente”, e aprender
os valores da responsabilidade e do empreendedorismo, o que fará “cidadãos sérios, livres e
confiantes em Deus” (idem, em 20 de setembro de 2005). O impeachment de Dilma Rousseff se
justificou, para ele, dentre outros motivos, na “libertação do comércio, do serviço, do
empreendedorismo (idem, em 31 de agosto de 2016).

Para analisar como foi o protagonismo daqueles que seriam os neoconservadores, tomemos
a votação do mérito da proposta e a participação da bancada evangélica:

Tabela 13 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências


esperadas do pertencimento à bancada evangélica e da posição na votação do mérito
da subemenda substitutiva global ao PL 6787/2016, no dia 26/04/2017123.

Membro da bancada evangélica Não membro da bancada evangélica


Sim ao PL 6787/2016 101% 100%
Não ao PL 6787/2016 98% 100%

Fonte: elaboração própria, com dados do portal da Câmara dos Deputados.

123
Para explicação sobre a metodologia empregada, vide Apêndice.
179

Embora a maioria dos evangélicos (63%) tenha votado “sim”, verificamos que a proporção
de evangélicos que apoiou a reforma trabalhista é praticamente a mesma proporção de votantes
“sim” no Plenário como um todo (62,5%). Ou seja, diferente dos outros itens estudados acima, o
fator evangélico não influenciou nem a favor nem contra as votações.
Doze parlamentares integrantes da amostra neoconservadora participaram da votação.
Nesse caso houve maioria, e não unanimidade como nos projetos vistos anteriormente. Nove (75%)
votaram a favor da reforma trabalhista – Andre Moura, Antonio Bulhões, Arolde de Oliveira, Jair
Bolsonaro, Marcos Rogério, Pr. Marco Feliciano, Professor Victório Galli e Sóstenes Cavalcante.
Quatro (25%) – Flavinho, Lincoln Portela, Pastor Eurico e Ronaldo Fonseca votaram contra. Trata-
se de uma proporção de votos “sim” maior do que a do Plenário em geral.

5.3. O que explica a diferença nas votações?

Verifica-se, de maneira geral, convergência entre a defesa de diferentes pautas


neoconservadoras. Aqueles que protagonistas mais enfáticos da ação neoconservadora segundo a
seleção adotada – ou seja, com ação acentuada pró-família, pelo rigor penal, contra o
bolivarianismo do século XXI e a favor de Israel – aderiram em 100% às duas primeiras propostas
e em maioria ao terceiro projeto analisado.

Tabela 14 – Seleção de deputados neoconservadores – considerando aqueles que (a)


exerceram, durante algum período, mandato na 55ª Legislatura; e (b)
tiveram dez ou mais iniciativas pró-família ou que tiveram alguma
iniciativa pró-família e também foram protagonistas de alguma ação
punitivista – e suas posições sobre o PL 4567/2016, a PEC 55/2016 e o
PL 6787/2016.

Deputado Desobrigação da Teto dos gastos Reforma


Petrobrás na públicos trabalhista
exploração do
pré-sal
André Moura Sim Sim Sim
Antônio Bulhões
Arolde de Oliveira Sim
180

Eduardo Cunha124
Fernando
Sim Sim
Francischini
Flavinho Sim Sim Não
Jair Bolsonaro Sim Sim Sim
João Campos Sim Sim
Lincoln Portela Não
Marcos Rogério Sim Sim
Pastor Eurico Sim Sim Não
Pastor Marco
Sim Sim Sim
Feliciano
Professor Victório
Sim
Galli
Ronaldo Fonseca Sim Sim Não
Sóstenes
Sim Sim
Cavalcante

Fonte: elaboração própria.

Na mesma linha os evangélicos, em sua maioria e desproporcionalmente, apoiaram as duas


primeiras propostas de cunho neoliberal – 97% e 89% de adesão, respectivamente. Mas seu apoio
também decaiu em relação à última votação (reforma trabalhista), com 63% de votos “sim”. O que
explica a diferença nas votações?
O regime do pré-sal, o primeiro analisado, tem implicações indiretas nos direitos da
população, já que afeta os recursos disponíveis para serem gastos em políticas públicas, sem,
entretanto, afetar imediatamente o patrimônio jurídico ou social dos cidadãos. O teto de gastos,
segunda proposta estudada, afeta mais diretamente esses recursos do que o regime do pré-sal, ainda
que sem implicar em mudança imediata reconhecível na vida das pessoas. Mas a reforma
trabalhista atinge direta e imediatamente os direitos dos assalariados e de suas famílias, e foi ela
que teve o apoio neoconservador e evangélico próximo da média do Plenário em geral.
Os fiéis evangélicos, de modo geral, encontram-se em situação de marginalidade em relação
ao sistema produtivo (Antonio e Lahuerta, 2014:65); “grande parcela do eleitorado pentecostal
pertence aos segmentos mais carentes da população brasileira” (Machado, 2006:29). Se os
parlamentares evangélicos têm um eleitorado centrado nas classes sociais mais pobres, tendem a

124
Eduardo Cunha não participou de nenhuma das votações porque já não era deputado à época.
181

ter dificuldade em apoiar medidas que reduzem diretamente os direitos desses grupos. Essa pode
ser uma explicação para o apoio decrescente às medidas estudadas.
Poderia se argumentar que o apoio aos projetos, tanto por parte da seleção de parlamentares
que seriam neoconservadores quanto por parte dos evangélicos, ocorreu por eles constituírem,
supostamente, base de sustentação do governo. Isso possivelmente é verdade em relação à reforma
trabalhista, já que a adesão desses grupos se deu na mesma proporção do Plenário em geral. Mas
seu apoio à alteração no regime do pré-sal e ao teto dos gastos foi desproporcional em relação ao
total de votos e, como mostram as tabelas de contingência, há associação entre as variáveis
“bancada” e “votação”. Portanto, em relação às primeiras propostas, o fator não é o governo.
Os números desta pesquisa mostram que, por parte da seleção de deputados que defendem
com ênfase uma pauta neoconservadora, e por parte dos evangélicos, há um apoio
desproporcionalmente positivo a medidas neoliberais, desde que elas não impliquem direta e
ostensivamente em consequências ao patrimônio jurídico e econômico do eleitorado. Mas, além
disso, há uma certa disjunção entre voto e discurso.
Os indivíduos dos grupos investigados, apesar de votaram massivamente pelo fim da
participação obrigatória da Petrobrás na exploração da reserva do pré-sal, dificilmente defendem a
privatização em seus próprios termos – o que, no Brasil, como explicitou Eduardo Bolsonaro, é
considerado um tabu. Esses indivíduos, a despeito de votaram amplamente a favor da política de
austeridade, afirmam que ela não implica em corte de garantias. Mas, embora avalizem a livre
iniciativa e o empreendedorismo até de maneira religiosa, não apoiaram expressivamente a
flexibilização da CLT.
Essa disjunção provavelmente é efeito de, de um lado, os evangélicos e neoconservadores
defenderem valores neoliberais mas, de outro, terem sua sustentação social vinda de setores
empobrecidos que demandam proteção estatal. Resulta da adoção de um pacote neoliberal em um
país de periferia.

Antonio e Lahuerta (2014:72, 77) explicam que o pentecostalismo e o neopentecostalismo


são movimentos que cresceram, no Brasil, no contexto de expansão da sociedade de consumo e
paralela insuficiência das capacidades institucionais do Estado no enfrentamento da
marginalização social. O enfrentamento proposto por esse movimento à marginalização é, de
acordo com os autores, dentro dos estritos marcos da lógica de mercado. No mesmo sentido Gaskill
182

(1997:85) afirma que há afinidade ideológica entre a teologia protestante individualista e a


ideologia neoliberal, pois ambos enfatizam o esforço pessoal para os diferentes resultados sociais.
Igualmente para Bruna Dantas (2011:35) o neopentecostalismo “visa à resolução pontual de
problemas sociais, em conformidade com a lógica pragmática, imediatista e individualista de sua
doutrina religiosa”. Isso é expresso pela adoção crescente da Teologia da Prosperidade125 entre as
denominações pentecostais.
Cotejando essa posição da literatura com os dados encontrados por esta pesquisa, pode-se
inferir que os evangélicos se preocupam com a marginalização social e com a pobreza. Fazem-no,
porém, buscando caminhos dentro da lógica de mercado, nos marcos individualistas do
empreendedorismo pessoal, da livre iniciativa e prestigiando a confiança dos credores. A defesa da
lógica de mercado, todavia, tem um limite: a retirada direta e imediata de direitos.

5.4. Moralismo compensatório

Há um ponto particular que chama atenção na 55ª Legislatura, objeto desta tese. É nesse
período em que, como mostra o Gráfico 02, a quantidade de iniciativas pró-família tradicional
cresce expressivamente, impulsionadas sobretudo por evangélicos; é nesse período também que as
medidas neoliberais são aprovadas, com apoio relevante da bancada evangélica e também daquela
seleção de neoconservadores mais ativos.
Pierucci (1987:42) fez uma relação entre neoliberalismo e moralidade da família
tradicional. O que ele chamava de “cruzadas moralistas” da direita ocorreriam, para o autor, porque
a pauta socioeconômica que defende não conseguiria “legitimar-se de voto popular numa sociedade
periférica”. No mesmo sentido Flávia Biroli (2017) denomina contemporaneamente de “moralismo
compensatório” a “forma de canalizar politicamente frustrações e de desviar a atenção” das
políticas neoliberais em curso – parte de cujas votações vimos neste capítulo.

125
A Teologia da Prosperidade se originou nos Estados Unidos nos anos 1940, e foi reconhecida como movimento
doutrinário em 1970. Seu mentor foi Kenneth Hagin, que se tornou pastor da Assembleia de Deus em 1937. No
Brasil, foi recebida no fim dos anos 1970, e se espalhou por muitas Igrejas e ministérios evangélicos, especialmente
pela Igreja Universal do Reino de Deus. Hoje em dia, porém, a Teologia da Prosperidade é pregada também pelas
igrejas pentecostais. Essa doutrina religiosa promete saúde, prosperidade material e vitória sobre os sofrimentos. Para
obtê-los, deve-se obedecer ao princípio da reciprocidade e ter fé. O fiel não paga a promessa posteriormente, como
na tradição católica, mas doa antecipadamente, colocando-se na postura de credor de Deus. A TP enfatiza, portanto,
o retorno da fé na vida presente, e não na vida após a morte (Mariano, 1996:28-38).
183

A hipótese desses autores é coerente com os dados encontrados nesta pesquisa. Existe uma
ênfase em questões da vida particular que é capaz de, intencionalmente ou não, ofuscar temas de
política econômica que são muito sensíveis em um país periférico no qual a pobreza é tema
relevante.

5.5. Neoliberalismo punitivo

Os deputados evangélicos aderiram à agenda de política econômica ligada aos princípios


neoliberais. Assim também o fizeram os deputados considerados protagonistas da ação
neoconservadora. A adesão foi tanto maior quanto mais mediato o impacto das medidas no capital
político e jurídico dos cidadãos.
O discurso de Antônio Bulhões sintetiza alguns dos elementos da racionalidade
neoconservadora:

“Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, um fenômeno político vem chamando tanto a
atenção de cientistas sociais, que repercutiu nos órgãos da imprensa. Reportagem destaca
que se começa a perceber a perspectiva política de uma maioria que não levanta bandeiras
nas ruas, mas exprime valores firmes. Essa maioria foi chamada de conservadores.
(...)
Na medida em que aumenta o poder econômico da população, a sociedade se sente mais
independente do Estado. Pesquisas trazidas pela reportagem informam que, à medida que
os brasileiros crescem na escala socioeconômica, atribuem maior peso a si próprio do que
ao Estado pelo sucesso financeiro que vêm alcançando. Nas classes A e B, o índice alcança
95%, e nas classes D e E, 56%. Esses dados jogam luz sobre o valor fundamental dessa
maioria silenciosa e conservadora: a liberdade de empreender.
O novo brasileiro valoriza a garantia de poder levar a própria vida, sem que alguém venha
lhe dizer o que deve ser feito. Com o empreendedorismo e a liberdade, um perfil das novas
classes socioeconômicas vai surgindo, o pragmatismo. Elas dão importância a políticas
públicas que tragam resultado concreto e não àquelas propostas programáticas de como o
Estado deve ser.
Liberdade, empreendedorismo e pragmatismo são a essência do pensamento conservador
da maioria silenciosa, que começa a sentir-se preparada para continuar a ascender na
escala social. Mas, ao mesmo tempo em que essa parcela da população se sente livre, ela
também quer que o Estado atue bem nas áreas que historicamente lhe cabem.
Há muito se sabe que a principal função do Estado é dar segurança para garantir a
liberdade e evitar que o homem se transforme no lobo do homem.
(...) O povo, tal como o delegado, já identificou a causa do problema. Ele está no
arcabouço jurídico que é produzido na Casa do povo, já que a Justiça somente pode agir
de acordo com a legislação. Segundo pesquisa trazida pelo jornal Valor Econômico, 90%
dos brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
(...)
Da mesma forma, como a redução da maioridade penal é matéria de natureza
constitucional, o princípio constitucional implícito de vedação ao retrocesso social
também não se enquadraria, porque esse princípio somente seria cabível em normas de
natureza infraconstitucional. Embora esse princípio não esteja explícito na Carta, por ser
184

uma ideia da doutrina jurídica, ele não pode ser considerado absoluto mesmo para as
normas infraconstitucionais. A crise europeia está aí para provar que muitas garantias
sociais foram abolidas para tentar-se resolver o problema da dívida pública dos países em
crise.
Assim, a Proposta de Emenda à Constituição no 171, de 1993, que dispõe sobre a redução
da maioridade penal para 16 anos, não tem inconstitucionalidade formal capaz de bloquear
o trâmite da matéria no processo legislativo do Congresso Nacional, dependendo apenas
da conhecida vontade política.
Muito obrigado!” (Deputado Antônio Bulhões – PRB/SP, discurso em Plenário em
10/05/2012).

Seu pronunciamento afirma que o sucesso econômico dos cidadãos se dá pelo esforço
próprio e não em decorrência de políticas públicas; que a “maioria conservadora” da sociedade
brasileira tem como valor fundamental a liberdade de empreender; que o Estado deve prestar
basicamente segurança, garantir a liberdade de cada indivíduo, de modo ao homem não se
comportar de maneira hobbesiana. Em síntese, elementos-chave do ideário neoliberal.
Mas não é só isso. O parlamentar faz sua fala defendendo valores capitalistas fundamentais
ao mesmo tempo em que argumenta que a maioridade penal deve ser reduzida, e que eventualmente
é necessário que garantias sociais sejam abolidas para resolver o problema da dívida pública. A
associação não é aleatória. É expressão do chamado “neoliberalismo punitivo” (Davies, 2016).
Como vimos no Capítulo I, a aliança entre neoliberalismo e rigor penal se dá justamente
em decorrência da concepção de Estado e de sociedade que informa ambas as visões: o crime não
é tratado como resultados de problemas estruturais tampouco se adota a concepção de que há
desagregação resultante da ausência de políticas de bem-estar; ao Estado cabe prover segurança e
garantir a liberdade de empreender; as pessoas devem, través de sua livre iniciativa, prover suas
necessidades; aqueles que destoarem das prescrições legais devem ser punidos rigorosamente.
Esse raciocínio é, de maneira geral, confirmado pelos dados desta pesquisa. Os deputados
que defenderam as medidas neoliberais argumentam que elas não retiram direitos e que são
benéficas à população. Eles também defendem medidas de rigor penal, contra os delinquentes e a
favor dos cidadãos de bem.
185

6. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATUAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE DEUS NA


POLÍTICA BRASILEIRA: CANAIS COMUNICANTES BRASIL-ESTADOS UNIDOS

Nos capítulos anteriores verificou-se que existe um grupo de deputados que atua
consistentemente na defesa de pautas que, em conjunto, constituem um ideário neoconservador (a
promoção de valores morais associada à defesa do punitivismo e do neoliberalismo, e também a
relações internacionais centradas no combate ao socialismo do século XXI e na comunidade
Bíblica). Concluiu-se ainda que a bancada evangélica, equivalente da direita cristã no Brasil,
defende em maioria e desproporcionalmente essas agendas, com as peculiaridades expostas.
O neoconservadorismo brasileiro não é, porém, como foi exposto, monopolizado por
evangélicos. Há atuação, ainda que residual, de deputados sem religião identificada, e atuação
relevante de deputados católicos, sejam católicos “tradicionais” ou carismáticos. De qualquer
forma, o cerne da ação de ideário neoconservador reside nos evangélicos.
Dentro do campo evangélico, destacou-se, ao longo dos Capítulos II, III, IV e V, a
contribuição da Assembleia de Deus. Dos militantes da agenda pró-família que exercem mandato
na 55ª Legislatura, 34% é fiel da AD; 38% das iniciativas pró-família partiram de membros da AD.
A denominação que concentra mais deputados que atuam na pauta sionista é a AD -- há uma
atuação importante dos evangélicos no tema, ainda que não dominante. Considerando as votações
nominais analisadas, dentre os evangélicos, 30% dos votos sim à redução da maioridade e ao PL
do homicídio de policiais era da AD; 36% dos votos evangélicos ao PL do pré-sal, 35% dos votos
evangélicos à PEC do teto e 38% dos votos evangélicos da reforma trabalhista vieram da AD.
Isso não ocorre porque exista algum diferencial ideológico da AD em relação a outras
denominações. As denominações, aliás, são heterogêneas em seu interior. A participação mais
relevante da AD no universo pulverizado dos evangélicos – pelo menos 18 denominações contam
com fiéis deputados na 55ª Legislatura – ocorre simplesmente porque a AD tem mais deputados.
A contribuição da AD é proporcional ao seu tamanho – 38% da bancada evangélica eleita em 2015.
Desde a Assembleia Nacional Constituinte a Assembleia de Deus é a igreja evangélica com
maior representação no Congresso Nacional brasileiro (Campos, 2010:65. DIAP, 2014, Fonseca,
2008, 4160, Dantas, 2011:46-7). Maria das Dores Machado (2006:164; 2012b:36) identifica que
esse seria o “segmento parlamentar com maior capacidade de mobilizar e aglutinar os evangélicos”
186

na Câmara dos Deputados. Apesar de nunca ter tido um senador como a IURD teve, a Assembleia
de Deus chegou, entre 2015 e 2016, a ter um fiel na presidência da Câmara dos Deputados. Eduardo
Cunha (PMDB/RJ) é membro da Assembleia de Deus – Ministério de Madureira (Chagas, 2015).
A Assembleia de Deus é a maior não só no legislativo. Ela é a maior e a mais antiga
denominação pentecostal presente no Brasil, desde o início do século XX. Tem grande impacto no
cenário político nacional devido a seu peso (49% dos evangélicos, segundo o Censo de 2010). Para
se ter uma ideia, nas eleições de 2010, para cada voto conferido a candidato a deputado federal
ligado à IURD, 2,7 votos foram conferidos a outro ligado às Assembleias de Deus (Almeida,
2014:87). Por isso a AD será tratada em um capítulo à parte.
Os evangélicos em geral e a AD em particular, como vimos, são os atores centrais de uma
ação neoconservadora. Mas por que? Como isso se origina? Esta tese não procura responder a essas
perguntas de maneira definitiva, mas procura explorar caminhos. Neste capítulo se discutirá a
hipótese de que a AD foi um vetor de comunicação importante das ideias neoconservadoras dos
EUA para o Brasil.
Assim, busca-se explorar possíveis canais Brasil-Estados Unidos via Assembleia de Deus.
Para tanto, em primeiro lugar se tratará do histórico da presença da Assembleia de Deus no Brasil,
através de literatura acadêmica e de publicações da própria Casa Publicadora das Assembleias de
Deus. Depois será abordado o histórico da relação entre pentecostais e política no Brasil, também
através da revisão da bibliografia especializada. Por fim serão sintetizados os possíveis vasos
comunicantes entre a AD no Brasil e os Estados Unidos.

6.1. Histórico da presença da AD no Brasil e seus laços com os EUA

A Assembleia de Deus chegou ao Brasil em 1910 trazida por um casal de suecos que
recebeu, nos Estados Unidos, a profecia segundo a qual deveriam fazer trabalhos em nome de Jesus
em um lugar chamado Pará (Correa, 2013:265). Os missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg
vieram, a princípio, para pregar o pentecostalismo, mas não para fundar uma nova Igreja. A notícia
das pregações desses missionários se espalhou, e ganharam alguns adeptos (Araujo, 2014:14-17).
Por conta de uma divergência a respeito do ensino pentecostal – as igrejas já estabelecidas
em Belém eram contrárias –, alguns dissidentes e os missionários estrangeiros fundaram a Missão
da Fé Apostólica, primeiro nome dado ao movimento pentecostal nos EUA. Em 1914 chegaram a
187

Belém os suecos Otto e Adina Nelson, procedentes dos Estados Unidos, para se juntarem a Vingren
e Berg. A partir dessa época adotou-se também no Brasil o nome Assembleia de Deus, já usado
desde 1914 naquele país (Araujo, 2014:14-17; Correa, 2013:33, 83).
Por muitos anos a Assembleia de Deus dos Estados Unidos decidira encaminhar os
candidatos a missões no Brasil à Missão Livre Sueca; porém, considerando a grande extensão do
território brasileiro, e considerando os muitos interessados, a AD-EUA passou a enviar diretamente
para cá seus próprios missionários em 1936 (Araujo, 2014:318-319). Dessa forma, os princípios
teológicos do pentecostalismo brasileiro têm influência direta de missionários suecos, noruegueses
e finlandeses e também de norte-americanos. Não há diferenças teológicas substanciais entre o
pentecostalismo estadunidense e o escandinavo; tratam-se de diferenças “mais de estilo do que de
conteúdo”126 (Correa, 2013:44-46).
Nos primeiros 15 anos a Assembleia de Deus limitou-se praticamente ao Norte e ao
Nordeste do Brasil. Depois disso, passou a expandir-se. Cresceu na fronteira da migração do campo
para a cidade e na possibilidade de cada membro ser um evangelizador. Ampliou capilaridade para
até o Sul. Em alguns lugares, pelo menos até a década de 1990, o protestantismo se reduzia a essa
igreja (Freston, 1993:34, 35 e 71)

De acordo com Francisco Cartaxo Rolim (1985:67-73), o movimento pentecostal que


cresceu no Brasil na segunda década do século XX, diretamente influenciado pela Assembleia de
Deus dos EUA, tem suas origens próximas ao pentecostalismo mais conservador, com dissociação
entre práticas religiosas e práticas sociais, totalmente voltado para o sacral. É que o autor diferencia
o pentecostalismo norte-americano entre aquele da Assembleia de Deus – de maioria branca,

126
Os missionários escandinavos eram mais práticos no ensino da bíblia, enquanto os norte-americanos eram mais
sistemáticos e voltados para a exegese. Na Suécia a formação durava apenas três meses; os norte-americanos
preferiam institutos bíblicos, com tempo de educação mais demorado. A partir dos anos 1950, “os brasileiros
adotaram os costumes dos missionários americanos, o que ocasionou uma maior sistematização e burocratização na
rotina da igreja” (Correa, 2013, p. 33, 44-46).
188

sulista127 e “alienada” politicamente – e o pentecostalismo de igrejas de maioria negra128, nas quais


a dimensão política contestatória andava junto com a fé, com potencial de resistência à dominação
econômica. Em relação a essa corrente engajada,

Numa linha inteiramente diferente, mesmo oposta, o grupo pentecostal dos brancos
estadunidenses deu particular ênfase ao batismo no Espírito Santo, na glossalia, e aos dons
de cura e de falar línguas estranhas. Não se cantava a libertação dos oprimidos. Antes,
louvava-se o poder do Espírito. A visão que os crentes brancos tinham de Cristo e do
Espírito Santo ia se tornando diferente da dos negros pentecostais. Enquanto a
religiosidade destes últimos reunia num todo indissociável praticas religiosas e práticas
sócio-políticas, aqueles se limitavam a uma experiência voltada para o sagrado.
Experiência em que mergulharam tanto a Assembleia de Deus como o Evangelho
Quadrangular (...). (Rolim, 1985: 70-71).

Note-se que Rolim é, para Freston (1993:18), o “autor da principal obra de macro-
sociologia do pentecostalismo”. E, para Rolim, é a experiência norte-americana mais favorável à
manutenção do status quo é que chega ao Brasil. E assim, a AD no Brasil, de maneira geral,
condenou a participação ativa na transformação social no sentido coletivo desde suas origens
(Alencar, 2010:39), e esteve, como veremos, ao lado dos setores políticos mais conservadores
também.
É importante sublinhar o papel da Assembleia de Deus na direita contemporânea dos
Estados Unidos. A direita cristã expressou-se, mais recentemente naquele país, com o surgimento
do Tea Party. O partido tornou-se conhecido com Sarah Palin, candidata a vice-presidente. Palin é
membro da Assembleia de Deus, e defende que a sociedade americana deveria ser governada com
base nos princípios bíblicos (Bandeira, 2013:232).

127
“Os brancos ordenados na Igreja de Deus em Cristo (predominantemente negra) saíram para fundar a Assembleia
de Deus (quase exclusivamente branca) em 1914” (Anderson 1979:189, apud Freston, 1993, p. 67). "Nos Estados
Unidos, as Assembleias de Deus são predominantemente brancas com uma considerável adesão hispânica (15%)"
(Blumhofer, 1993:2)
“Os seguidores de Assembleias de Deus refletiam as atitudes raciais de outros americanos brancos de similar classe
social e formação educacional. (...) Embora reivindicassem reverenciar os pentecostais negros, como Charles Mason,
Thoro Harris e Garfield T. Haywood, a maioria dos pentecostais brancos o faziam à distância. A princípio fortemente
sulista, e frequentemente liderada nacionalmente por homens sulistas, a denominação não conseguiu atrair uma
quantidade expressiva de membros afro-americanos” (Blumhofer, 1993: 246-247).
A exclusão de negros levou, em 1956, a um relatório preparado pelo Presbítero Geral da AD-EUA, intitulado
"Segregação vs. Integração. Os líderes da AD, porém, rejeitaram as ações propostas pelo documento, sob a razão,
conhecida posteriormente, de que eles não podiam nem registrar que reconheciam a integração nem assumir que
eram a favor da segregação. A Assembleia de Deus resistiu o quanto pode às demandas do movimento de direitos
civis, mesmo com o apelo do presidente, Jhon Kennedy. O primeiro avanço visível foi em 1967, quando a AD
publicou uma resolução em que desencoraja práticas discriminatórias. Em 1989 a AD publicou declarando o
preconceito racial como um pecado (Blumhofer, 1993:247-250).
128
Como a Azuza Street Mission (Rolim, 1985:69).
189

Além da origem norte-americana e da sede nos Estados Unidos, outros fatores indicam a
grande influência daquele país sobre a AD no Brasil. “As Assembleias de Deus no Brasil sempre
mantiveram laços fraternais com as Assembleias de Deus norte-americanas” (Daniel, 2004:383).
Muitos missionários norte-americanos vieram ao Brasil ajudar o desenvolvimento da obra
pentecostal, além de outras formas de intercâmbio que ocorreram. Vejamos alguns exemplos.

1. Um dos alicerces das Assembleias de Deus no Norte e no Nordeste, Nels Július


Nelson, chegou ao Pará em 1921, vindo dos Estados Unidos. Veio sem vínculo
missionário-financeiro, apenas com a oferta de crentes norte-americanos que se
comprometeram sustentá-lo durante todo o tempo em que estivesse no Brasil. No
mesmo ano Paul John Aenis, missionário norte-americano, chegou ao Brasil.
Instalou-se em Porto Velho nesse ano, e foi responsável pela fundação e expansão
das Assembleias de Deus na fronteira do Brasil com a Bolívia (Araujo, 2014:149,
163).
2. John Peter Kolenda foi ordenado ao ministério pela Convenção das Assembleias de
Deus da Califórnia e “exerceu decisiva influência nas Assembleias de Deus norte-
americanas”. Designado missionário do Brasil, foi um “dos mais poderosos
pregadores e mestres da Palavra entre as Assembleias de Deus brasileiras”. Ele foi
quem reuniu os recursos financeiros para expansão da Casa Publicadora das
Assembleias de Deus, e trouxe dos EUA um crente perito em gráficas que prestou
serviços durante vários anos à CPAD (Araujo, 2014:333-336, 399-400). Foi com a
construção da CPAD, com dólares americanos, a AD no Brasil saiu definitivamente
da influência sueca para a norte-americana (Alencar, 2010:16).
Kolenda e sua esposa foram também responsáveis pela formação do Instituto
Bíblico, em 1958, para ensino teológico permanente. As Escolas Bíblicas foram
oficializadas pela Convenção Geral das Assembleias de Deus em 1943, no Rio de
Janeiro, “quando os pastores debateram a necessidade de os obreiros receberem
melhor preparo bíblico e teológico”. Foram fundadas a princípio quatro escolas, no
Pará, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul (Araujo,
2014:170).
190

3. Em março de 1967, o missionário norte-americano Bernhard Johnson Jr., formado


na Central Bible College, em Springfield, fundou a Cruzada Boas Novas, que o
levou a pregar em todos os principais pontos Brasil e também no exterior. Nos
Estados Unidos, recebeu o título de Cidadão de Memphis, Tennessee, e, em 1983,
a Faculdade das Assembleias de Deus em Santa Cruz, Califórnia, lhe concedeu o
título honorífico de Doutor em Causas Humanas (Araujo, 2014:420-422).
4. O programa de rádio Voz das Assembleias de Deus teve transmissão iniciada em
1955, pelo “missionário norte-americano N. Lawrence Olson, na Rádio Tamoio, do
Rio de Janeiro, e transmitido para outras partes do Brasil pelas rádios Tupi, Mayrink
Veiga, Copacabana, Relógio, Mundial, Atalaia, Marumby, Boas Novas, e por mais
oito rádios em outros Estados”. O programa foi ao ar durante 34 anos, até o retorno
definitivo de N. Lawrence Olson aos EUA, em 1989. Foi sempre ele quem pregou
a mensagem religiosa nos programas (Araujo, 2014:381-2).
5. As viagens internacionais do Pastor Alcebíades Pereira Vasconcelos – “grande
nome da liderança pentecostal brasileira”, “figura marcante nos conclaves da
Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil” – começaram pelos Estados
Unidos em 1964, quando participou do Concílio Geral das Assembleias de Deus dos
EUA. Seu curso de bacharelado em Teologia foi realizado na pela universidade
aberta norte-americana Oklahoma City Southwestern College, concluído em 1978
(Araujo, 2014:405-6).
6. O Pastor Paulo Macalão foi considerado o Apóstolo do século XX do Brasil,
“respeitado e recepcionado pelas mais significativas lideranças evangélicas do
mundo”. Recebeu lideranças em Madureira, a exemplo do Reverendo Tommas
Zimmerman, Presidente das Assembleias de Deus nos EUA, e seu amigo particular
(Cabral, 2002:141).
7. Em 1974 o popularíssimo evangelista norte-americano Billy Graham realizou
conferências e campanhas especiais aqui no Brasil (Daniel, 2004: 427 e 439),
culminando com um mega-evento no estádio do Maracanã129.

129
Conferência disponível em https://www.youtube.com/watch?v=hAEFukAIWfE, acessada em 19/03/2017.
191

A presença de ilustres estadunidenses também ocorreu em encontros brasileiros. Vejamos


exemplos. Em 1981, no encontro da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, o “pastor
Loren Triplett, secretário-geral de Missões da Assembleia de Deus dos Estados Unidos, falou
representando a igreja norte-americana”. No encontro realizado em 1985, o “pastor norte-
americano Loren Triplett ministrou estudo bíblico aos convencionais”. Em 1990, a Convenção
Geral recebeu a pregação do pastor norte-americano Bob Hoskins. Em 1997, “o missionário norte-
americano Randall Walker recebeu a palavra, lendo em Salmos 68.9-11 e parabenizando a CGADB
em nome dos missionários americanos e do presidente do Concílio Geral das Assembleias de Deus
dos Estados Unidos” (Daniel, 2004:476, 506-7, 539, 594).
Freston (1993:72) afirma que o auge da presença direta de missionários da AD dos EUA
no Brasil foi nos anos 1970, “com umas 20 famílias”. Para ele a influência financeira da igreja
americana seria reduzida, mas não nula. “O pregador de televisão Jimmy Swaggart, que era pastor
da AD americana mas tinha um império próprio, financiava alguns projetos no Brasil”. Mas para
David Stoll (1990:1440-63) o centro de comando, de autoridade, sempre partiu de Springfield. De
acordo com sua pesquisa, embora os pastores brasileiros tenham que ter buscado suportes locais
ao longo do século XX, o escritório sede da AD em Springfield, Minessota, continuou a ter
influência ainda nas décadas de 1970 e 80 – período precisamente da exportação da direita
evangélica estadunidense, com Reagan. A sede, em 1984, destinou o orçamento de quase 16
milhões de dólares para projetos especiais na América Latina, como campanhas em escolas.
Confirmando o raciocínio de Stoll, tem-se o estabelecimento de diretrizes para o Brasil
vindas dos EUA. Em 1990, ainda no contexto da Guerra Fria, a reunião do Comitê Internacional
da Assembleia de Deus nos EUA, realizada nos dias 14 e 15 de agosto, com a presença de
representação de 90 países, estabeleceram-se metas para o Brasil, o maior país pentecostal do
mundo: criação de uma Cadeia de Oração com três milhões de brasileiros orando pela Década da
Colheita; realização de um grande trabalho de evangelização, utilizando-se de “jornais, rádio,
televisão, folhetos, praças, telefone, casa em casa, hospitais etc.”, com o propósito de chegar ao
século XXI com cerca de 50 milhões de membros; formar novos obreiros; implantar novas igrejas;
e enviar novos missionários (Daniel, 2004:530).
Bem depois disso os vasos comunicantes Brasil/EUA via AD seguem vivos. A história da
Escola de Líderes da Associação Vitória em Cristo, fundada em 2008 por Silas Malafaia, líder da
AD no Brasil, é ilustrativa da parceria. A ESLAVEC surgiu, segundo seu fundador, “a partir de
192

sua participação em uma escola de líderes nos Estados Unidos, promovida pelo Pr. Morris Cerullo
– um dos principais tele-evangelistas americanos e divulgadores da Teologia da Prosperidade –, a
School of Ministry”. Foi nessa ocasião que Malafaia afirma ter sido convocado, pelo Espírito Santo,
para fazer uma escola semelhante no Brasil (Mauricio Junior, 2014:15-16)
A comunicação continuou. O principal conferencista da 4° edição da ESLAVEC não foi o
Pastor Silas Malafaia, seu líder. Foi, sim, o Reverendo Thomas Dexter Jakes (chamado de T. D.
Jakes), pastor norte-americano, líder da “mega-igreja The Potter’s House (com mais de 30.000
membros segundo seu website oficial, em Dallas)”, produtor de filmes e escritor, cujo ministério
lota estádios por todos os Estados Unidos. Jakes ministrou as quatro últimas conferências da
ESLAVEC. Em 2001, Jakes “foi eleito pela revista Time Magazine o melhor pregador americano,
sendo comparado por esta publicação ao maior fenômeno tele-evangelístico da história americana,
Billy Graham” (Maurício Júnior, 2014:17).
Esse intercâmbio constante com os Estados Unidos ecoa na política. Vejamos.

6.2. Breve histórico da relação entre pentecostais e política no Brasil

Julio Córdova Villazón (2014) esquematiza em quatro fases a relação entre protestantes e
política na América Latina. É nessa estrutura conceitual que as reflexões sobre política e
evangelismo serão apresentadas a seguir.
A primeira fase seria aquela de luta por liberdade de consciência, durou desde o final do
século XIX até o início do século XX, quando a agenda evangélica pregava o Estado Laico. Paul
Freston (2008) explica que esses religiosos chegaram à região carregando o princípio anabatista de
separação entre Igreja e Estado. Daniel Levine (2007) enfatiza que, nessa fase, a presença
protestante era limitada às comunidades de imigrantes, como os ingleses anglicanos ou metodistas,
os alemães luteranos, etc. Trata-se do protestantismo tradicional, diferente do pentecostalismo e do
neopentecostalismo que predominam nas fases posteriores.
A segunda fase seria de polarização ideológica, a partir da década de 1960, período durante
o qual a maioria das igrejas evangélicas na América Latina assumiu uma postura legitimadora das
ditaduras militares pelo continente. É a fase da influência do reaganismo. Esse período será
retomado a seguir.
A terceira fase compreenderia a emergência de partidos políticos evangélicos na
redemocratização de vários países, a partir da década de 80 (nesse sentido também Freston, 2008).
193

No Brasil o marcante dessa fase não é tanto o surgimento de partidos, mas sim o ingresso dos
evangélicos com mais peso na política congressual. O tema será abordado adiante.
Finalmente, a quarta fase abrangeria o surgimento de movimentos pró-família e pró-vida
no começo do século XXI, unificados pela rejeição da “agenda gay” e da “ideologia de gênero” –
assim como o movimento que existe na Câmara dos Deputados hoje. A defesa da família tradicional
já fazia parte do repertório evangélico desde antes disso, mas no Brasil essa luta se fortalece no
século XXI, como vimos no Capítulo II.
A esta pesquisa interessam as segunda, terceira e quarta fases. Esta última já foi bastante
tratada. A segunda e a terceira fases do esquema de Villazón serão abordadas agora um pouco mais
detidamente, não só porque ainda não foram tratadas, mas porque revelam a mentalidade norte-
americana influente nos religiosos brasileiros.

6.2.1. Ditadura militar de 1964

Os parlamentares evangélicos não foram especialmente favoráveis ao regime militar – no


período após as eleições de 1966, tem-se 34 parlamentares evangélicos na ARENA e 34 no MDB;
três deputados federais evangélicos chegaram a ser cassados (Freston, 1993:172). Alguns
evangélicos exerceram liderança na resistência contra a ditadura (Burity, 1990:232); houve
religiosos até mesmo integrando as Ligas Camponesas. Apesar disso, a postura hegemônica dos
protestantes foi de adesão ao regime – os evangélicos deram apoio “quase unânime ao golpe de
Estado” de 1964. A relação dos protestantes com o regime militar era “vista como muito próxima”,
e eles foram até mesmo considerado “sustentáculos civis” da ditadura (Freston, 1993:172, 157-8).
As mobilizações populares de trabalhadores e o perfil do governo João Goulart tinham forte
oposição evangélica. O golpe militar que derrubou esse Presidente “foi saudado pela maioria dessas
igrejas como ação divina contra os que estavam levando o País ao caos” (Baptista, 2007:182-3,
188-9). A crença generalizada entre os protestantes era de que o episódio fora “resposta de Deus
às orações de seu povo” (Cavalcanti, 2002:215); fora mesmo uma salvaguarda contra as possíveis
ameaças comunistas demoníacas (Santos, 2005:161-62).
A Assembleia de Deus, em particular, “ao lado da grande maioria dos pentecostais, celebrou
o triunfo das forças armadas contra o comunismo ateu, em editoriais e em comunicados a Brasília”.
O Pastor-Presidente Alcebiades Vasconcelos, porta-voz nacional da AD, “jogou seu peso
194

ideológico no apoio à ditadura”, chamando os fiéis à “extirpação do marxismo satânico das


instituições nacionais” (Chesnut, 1997:147-8).
O apoio pentecostal ao regime se deveu a dois fatores apontados pela literatura: o fator
ideológico e o fator pragmático.
Pragmaticamente, acordo com Freston (1993:158), a comunidade evangélica era “sequiosa
de status” e carente de apoio governamental, e essa era uma relação de mão dupla, pois o regime
também procurou apoio evangélico130, devido ao seu rápido crescimento – a força missionária
protestante triplicou nos anos 1960. O regime procurou “investir ao máximo nesses religiosos:
visitas de cortesia, emprego, convênios, nomeações para cargos importantes”, a até mesmo em
convites para pastores cursarem a Escola Superior de Guerra 131 (Fernandes, 1981:58-59 apud
Freston, 1993:158).
Entre o aspecto ideológico e o aspecto pragmático pesou o medo de as igrejas perderem seu
direito ao culto:

“‘Os governantes comunistas de Cuba, da Alemanha Oriental, da China, da


Tchecoslováquia e de outros países estão impedindo a pregação gospel. Qual é nossa
atitude em relação ao regime diabólico, penetrando poderosamente como um touro furioso
matador? É óbvio que o Brasil é o alvo para que toda a América do Sul seja subjugada ao
regime leninista. Os comunistas irão nos roubar nosso direito de culto’(Estandarte 11/63)”
(Chesnut, 1997:148).

Do lado ideológico, pesou o anticomunismo, exatamente nesse período em que Reagan


passou a investir esforços religiosos na América Latina contra a expansão comunista. Para Baptista
(2007:182-3, 188-9), a “origem norte-americana de muitos missionários, formados dentro de uma
ideologia antissoviética”, foi o fator determinante para essa marca na mentalidade dos evangélicos.
Também para Chesnut (1997:147-8), no caso das Assembleias de Deus, foram decisivas para o
apoio ao regime militar suas origens norte-americanas, imbuídas da mentalidade da guerra fria.
Para o autor, “a AD era tão radicalmente comunista quanto os generais”. Os pastores da igreja

130
Não foram os evangélicos os únicos solicitados pelo regime. Maluf, por exemplo, procurou fortalecer os laços
com a umbanda e, Figueiredo, com os espíritas. Foi em 1980 que foi criado o feriado pelo dia da Padroeira do Brasil,
Nossa Senhora Aparecida, santa católica (Freston, 1993, p. 158).
131
Esses cursos foram parte relevante da estratégia de cooptação. Vários constituintes evangélicos de 1987 e outros
líderes proeminentes, como o "Billy Graham brasileiro", Nilson Fanini, e o pastor presbiteriano Guilhermino Cunha,
que foi representante protestante na Comissão Afonso Arinos, fizeram cursos na ESG (Freston, 1993:158). Por outro
lado, o ensino nas escolas e nos seminários religiosos foi também “um dos instrumentos de reprodução de valores e
ideias do regime” (Santos, 2005:162).
195

alertaram seu rebanho, em linguagem apocalíptica, a respeito besta diabólica monstruosa


comunista.

6.2.2. Redemocratização

Coerente com o exposto por Vilazzón, a redemocratização também implicou, no Brasil, em


uma maior presença evangélica na política eleitoral. Isso se deu aqui não com a criação de partidos
evangélicos – como em outros países da América Latina –, mas sim com um crescimento da
quantidade de membros religiosos no parlamento132, que atuaram de maneira articulada em alguns
temas.
Os evangélicos constituíram o primeiro grupo suprapartidário de constituintes, unidos por
um tema e não em torno de uma sigla. Desde o segundo encontro de evangélicos na ANC, a maioria
decidiu por atuar em temas morais, como combate ao aborto, às reivindicações dos homossexuais
e às drogas. Havia, porém, divisões internas. A esquerda evangélica, minoritária, queria focar a
atuação na maioria explorada. A direita evangélica privilegiava atuação na “maioria moral”, em
temas comportamentais (Pierucci, 1989:102).
A meta geral do “apostolado parlamentar” era de que a Constituição da República se
baseasse na Bíblia (Pierucci, 1989:105-106). Para Chesnut (1997:155), a agenda conservadora da
bancada evangélica da ANC seria a mesma agenda da direita cristã norte-americana, focada na
moral e contra reivindicações redistributivistas.
Ainda no contexto da redemocratização, nas primeiras eleições diretas após o regime
militar, ocorridas em 1989, as preferências dos pentecostais inclinaram-se fortemente para a direita,
representada por Collor, que disputou o segundo turno com Lula. As causas do apoio, de acordo
com a literatura, foram também o anticomunismo dos pastores (influenciado por sua mentalidade
norte-americana), o medo da perda do direito ao culto (associada ao comunismo) e a aliança do

132
A eleição de 1986 para a Assembleia Nacional Constituinte é o marco. Foram eleitos 33 ou 34 membros
protestantes; na legislatura anterior havia apenas entre 10 e 14 – os números variam conforme o autor. Os
pentecostais foram a grande novidade. De dois, passaram a ser 18, 14 deles da Assembleia de Deus. A partir de 1987,
a Assembleia de Deus passou a contar com 26 mandatos – contra quatro da Igreja Universal do Reino de Deus e três
da Igreja do Evangelho Quadrangular (Freston, 1993:1-2, 197; Mariano e Pierucci, 1992:93; Pierucci, 1989:105-09).
O Brasil passa a ser o “primeiro exemplo de presença eleitoral e parlamentar significativa por parte de minoria
protestante num país de tradição católica” (Freston, 1993:1).
196

Partido dos Trabalhadores com setores progressistas da Igreja Católica (Chesnut, 1997:160;
Mariano e Pierucci, 1992:92, 96 e 98).
Com o dito nesse item podemos concluir que, pelo menos desde a ditadura militar, a
influência da mentalidade da direita norte-americana em pentecostais brasileiros se repercute na
política, e que e desde a redemocratização a agenda pentecostal no Congresso já se assemelhava à
da direita cristã norte-americana: militância contra a pauta gay, o aborto e o comunismo, expresso
fortemente nas eleições de 1989.

6.3. Vasos comunicantes entre Estados Unidos e Brasil

Os evangélicos são uma minoria, mas em rápido crescimento. Em 1970, os evangélicos


representavam 5,2% da população brasileira; em 1980, 6,6%; em 1991, 9% (Baptista, 2007:141).
Em 2000, os evangélicos saltaram para 15,4%. Em 2010, 22,2%. Entre 2000 e 2010, os católicos
– maior grupo religioso no Brasil – diminuíram 12%, enquanto os evangélicos cresceram 44%. Os
pentecostais são 13,3% da população brasileira de acordo com o último Censo, ou 60% do total de
evangélicos (Ibge, 2010). A AD brasileira é a maior do mundo133. O Censo de 2010 no Brasil
registrou 12.314.410 de fieis da Assembleia de Deus (Ibge, 2010). Nesse ano eram 64.100.671
assembleianos pelo mundo, espalhados por 140 países (3,1 mi nos Estados Unidos) (Ag, 2016).
Portanto, um quarto dos fiéis da AD estão no Brasil.
Timothy J. Steigenga e Edward Cleary (2007:15-16) separam os fatores para a expansão
pentecostal na América Latina – e, por consequência, no Brasil – entre aqueles do ponto de vista
da oferta e aqueles do ponto de vista da demanda. Dentre os fatores de oferta existem, de um lado,
as dificuldades enfrentadas pela Igreja Católica para se expandir. De outro, o aumento da presença,
no Sul do continente, de missionários protestantes dos EUA, como visto no Capítulo I e no início
deste capítulo. Para os autores, o fechamento do continente asiático para a recepção de missionários
e a batalha contra o comunismo nas décadas de 1950 e 1960 fizeram com que os olhares de
religiosos e líderes políticos norte-americanos se voltassem para cá. Essa perspectiva enfatiza as
ligações, “bem documentadas”, entre organizações missionárias, evangélicos de direita nos EUA e
o governo norte-americano.

133
Porém a seguinte observação merece registro: “O discurso ufanista da AD brasileira hoje, de que é a maior igreja
pentecostal do mundo, é completamente desconhecido fora do Brasil” (Alencar, 2010:90).
197

A perspectiva da oferta é criticada por tratar a conversão como uma imposição, negando a
agência individual dos fiéis, e por negar a validade das experiências religiosas (Steigenga e Cleary,
2007:15-16). As teorias que, de outro lado, enfatizam o lado da demanda para analisar a expansão
do protestantismo na América Latina apontam, além das questões místicas em si, a ascensão de
valores capitalistas, as patologias da pobreza decorrentes das mudanças drásticas experimentadas
com as migrações para as grandes cidades e a violência como fatores que causam insegurança, que
serão, então, compensadas pela fé, estimulando conversões (Chesnut, 2003; Levine, 2007).
A perspectiva da demanda, portanto, enfatiza fatores internos aos países da América do Sul
para o crescimento pentecostal (e não fatores geopolíticos externos). Coerente com essa leitura,
Freston (1993:9, 28, 219) considera equivocada a interpretação de que o crescimento pentecostal
seria uma “conspiração norte-americana”. Para ele, são várias as evidências de que não há essa
causalidade: “a AD tem poucos vínculos com os Estados Unidos, a IURD é totalmente brasileira e
o presidente norte-americano da IEQ foi contrário ao envolvimento político”. Stewart-Gambino e
Wilson (1997:229-30), por sua vez, reiteram que o pentecostalismo na América Latina assumiu
dinâmica própria, até mesmo enviando missionários aos Estados Unidos e a outros países.
De fato, são várias e complexas as razões da expansão pentecostal e o pentecostalismo em
países como Brasil tem dinâmica própria. O óptica da demanda e dos fatores internos, de um lado,
e a óptica da oferta e dos fatores externos, de outro, não são excludentes. As experiências religiosas,
místicas e transcendentais têm valor em si e são relevantes. Fatores sociológicos como a esperança
oferecida para pessoas em situação de pobreza também. Isso, todavia, não elimina eventuais
direções geopolíticas.
Nessa miríade de fatores, houve ação dirigida para expansão de igrejas pentecostais para a
América Latina e para o Brasil, como visto no Capítulo I. Além disso houve, e ainda há, vasos
comunicantes entre igrejas presentes no Brasil, em especial a Assembleia de Deus, e os Estados
Unidos: o fato de o centro de autoridade da AD sempre ter partido dos EUA; o estabelecimento,
por parte da sede nos EUA, de diretrizes de expansão no Brasil; e, sobretudo, permanente
intercâmbio de pastores, tanto na consolidação e expansão da AD no Brasil, quanto
contemporaneamente, com impactos na política. É o que vimos acima.
Na visão de Pierucci (1989:107), que escreveu há trinta anos, os evangélicos na política
brasileira constituíam naquele momento, tal como nos Estados Unidos, um setor da “nova direita”.
Porém para ele não havia – como ainda não há – evidência de uma ação orquestrada entre a New
198

Christian Right e a direita cristã brasileira; mas, como ele pontua, “as semelhanças e o parentesco
são mais que evidentes” – em 1987 e hoje, na segunda década do século XXI.
A comunicação ideológica central, que se identifica hoje com bastante força, mas que
Pierucci já identificava no fim da década de 1980, é os evangélicos como o cerne de uma ação
política em cujo centro manifesto está a ação contra o gênero, e em cuja orbita gravita um
conservadorismo sócio-econômico, incluindo um tipo de anticomunismo, a oposição à intervenção
do Estado na economia e intensificação do direito penal como resposta aos problemas sociais, além
de temas de política externa.
Freston (1993:288) discorda da abordagem. Para ele, que escrevia no início da década de
1990, o fenômeno brasileiro não seria o mesmo do norte-americano, porque “os líderes são chefes
denominacionais e não líderes de agências como a Moral Majority que mobilizam a opinião
protestante, elaboram agendas e monitoram a atuação até de congressistas não protestantes”. Se
isso era verdade em 1993 – já então Pierucci tinha outra opinião –, hoje não mais procede. Como
se viu, os evangélicos utilizam-se do argumento de maioria moral para elaborar uma agenda ativa
contra demandas de movimentos feministas e LGBT, dentre outros temas, e mobilizam parte da
opinião pública geral e também outros congressistas.
O movimento neoconservador não se reduz aos evangélicos, mas tem, nos Estados Unidos
e no Brasil, a direita cristã como parte essencial. No Brasil, a maior parte dos ativistas de feição
neoconservadora pertence à Assembleia de Deus, igreja norte-americana instalada no Brasil desde
o início do Século XX, com viés conservador desde sua origem. Não parece existir uma ação
orquestrada de transposição de um movimento neoconservador dos Estados Unidos para o Brasil;
o que existem, sim, são vasos comunicantes permanentes entre os países, inclusive via Assembleia
de Deus, que possivelmente servem de correia de transmissão político-ideológica. Os religiosos
assembleianos aqui são formados com uma mentalidade norte-americana, o que se espraia para sua
militância política quando alcançam o parlamento.
199

CONCLUSÃO

O objetivo desta tese foi analisar a articulação em torno de diferentes temas da agenda
legislativa contemporânea: por valores morais-sexuais, punitivista, em combate ao bolivarianismo
e em defesa do Estado de Israel. Há uma militância concertada em torno desses itens, informada
por uma ideologia neoconservadora de origem estadunidense.
O que o diferencia o neoconservadorismo de outras ideologias conservadoras e de direita é
a centralidade que atribui às questões sexuais, reprodutivas e sobre a família. Assim como o
movimento neoconservador norte-americano, o neoconservadorismo brasileiro se fortalece como
uma reação contra o feminismo e a agenda LGBT. No nosso caso, a reação é ao reconhecimento,
por instituições do Estado, de demandas desses movimentos, expresso em ações concentradas no
segundo mandato de Lula, no início do primeiro ano do mandato de Dilma Rousseff e no
julgamento da constitucionalidade do casamento homoafetivo em 2011.
Nos Estados Unidos o marco progressista que instigou a coalizão neoconservadora foi a
Emenda de Direitos Iguais (Diamond, 1995; Snyder, 2007). Aqui, houve os pronunciamentos do
Ministro da Saúde de Lula pela descriminalização do aborto, o 3º Plano Nacional de Direitos
Humanos, a mencionada constitucionalidade do casamento homoafetivo e o kit contra a homofobia
nas escolas. O neoconservadorismo se opõe a programas governamentais feministas ou pró-LGBT,
como foi o caso com a portaria da cirurgia de transsexualização pelo SUS ou à portaria que
regulamentou repasses para realização de aborto legal.
O neoconservadorismo rejeita interferência do Estado nos valores morais familiares e
religiosos: os neoconservadores brasileiros se opuseram à proibição de castigos corporais às
crianças. Tomaram, ainda, medidas na seara da educação, como lutando contra a referência à
identidade de gênero ou à diversidade de orientação sexual no Plano Nacional de Educação.
Coerente com o princípio neoconservador de proibição de materiais educativos que tratem de
diversidade de gênero e sexual, opuseram-se ao Programa Escola Sem Homofobia – e impulsionam
o que surgiu em reação a ele, o Escola Sem Partido, que restringe a ação dos professores e privilegia
os valores morais familiares e religiosos na educação.
Um dos pilares da contraofensiva neoconservadora nos EUA foi a proposta de Ato de
Proteção da Família, ou Laxalt Bill (Diamond, 1995; Petchesky, 1981). No Brasil há um verdadeiro
200

paralelo dessa proposta, o Estatuto da Família, aprovado em comissão especial em 2016. Ambos
restringem o aborto e restringem direitos das famílias formadas por casais homossexuais. Ambos
tomam a família patriarcal como o principal projeto para uma boa sociedade.
A “ideologia de gênero”, conceito criado nos anos 1990 pelo Vaticano, é usada no contexto
brasileiro para defender a ação pró-família, o que é um diferencial do neoconservadorismo
brasileiro. A um só tempo o rechaço ao que seria a ideologia de gênero enfrenta demandas
feministas por direitos sexuais e reprodutivos e reivindicações das pessoas LGBT, e defende os
papeis tradicionais de homens e mulheres na sociedade. A ideologia de gênero carrega ainda o
binômio defesa da família tradicional/anticomunismo, pois é tida, em essência, como uma
ideologia neo-marxista (O'leary, 1997), elemento que reforça sua conexão com um ideário
neoconservador. A “danosa” ideologia de gênero é combatida principalmente por dois projetos de
lei que podem ser considerados estruturais da ação neoconservadora brasileira: o Estatuto da
Família e o Programa Escola sem Partido, mencionados acima.
A posição neoconservadora é, para Silverstein e Auerbach (1999:3-5, 13), uma tentativa
dos homens heterossexuais de restabelecimento de suas posições de poder perdidas no interior da
família. Isso pode explicar o fato de que os protagonistas da ação neoconservadora no Brasil são
homens. Não se encontrou nenhuma mulher com participação significativa na militância nos temas
que constituem a ideologia neoconservadora.
Os argumentos utilizados na ação pró-família brasileira são, sobretudo, argumentos em
nome da maioria cristã, argumentos religiosos e argumentos jurídicos. O uso desses últimos pode
ser lido como estratégia de debate em um Estado laico, como forma de contrapor os argumentos
de seus opositores com base em suas próprias categorias ou como maneira de agregar elementos
de convencimento a reivindicações que em sua origem são religiosas. Religiosas não só em seus
argumentos manifestos, mas também considerando seus promotores, a maior parte religiosos
cristãos.
A defesa da família informa também o idealismo punitivo defendido por alguns
parlamentares. A maioridade penal deve ser reduzida no Brasil para que haja mais segurança às
famílias brasileiras; a lei de drogas deve ser mais rigorosa, para o bem das famílias brasileiras;
“bandido bom é bandido morto”, em nome da família brasileira; a defesa da própria família informa
o direito de possuir armas de fogo. É o que afirmam parlamentares protagonistas da ação pró-
família tradicional.
201

O idealismo punitivo neoconservador expressa uma série de postulados a respeito da


criminalidade que, na perspectiva de seus críticos, significa um tratamento oferecido à pobreza, a
partir da estigmatização do outro criminoso: indivíduos de classes sociais vulneráveis (Argüello,
2005; Dornelles, 2008; Wacquant, 2001 [1999]). Essa concepção é refletida em uma série de temas
em debate na Câmara dos Deputados: redução da maioridade penal, exibição das fotos de crianças
e adolescentes em conflito com a lei, autos de resistência, flagrante provado. Essas pautas, ao lado
da transformação do homicídio de policiais em crime hediondo, de obstruções ao relatório da
Comissão Nacional da Verdade têm sua defesa protagonizada por deputados que são também
protagonistas da reação-pró-família, de maioria evangélica.
Todos os 50 protagonistas da ação pró-família que exercem ou exerceram mandato na 55ª
Legislatura tiveram ao menos um voto ou iniciativa coerente com o neoconservadorismo penal; os
protagonistas da ação pró-família apoiaram, em maioria e desproporcionalmente, as votações da
redução da maioridade penal e do agravamento da sanção para o homicídio de policial. Dentre os
protagonistas pró-família mais ativos, 83% são signatários da Frente da Segurança Pública; todos
os que votaram o fizeram a favor da redução da maioridade penal e a favor do homicídio de
policiais. Todos apoiaram mais de uma pauta punitivista ou demanda corporativa de
policiais/militares.
Não só isso: há associação entre ser policial ou militar e pertencer à bancada evangélica;
em ser protagonista nas comissões relativas à segurança pública e pertencer à Frente Evangélica.
As frentes evangélica e da segurança correm juntas, pelos valores que defendem – a família, a
retidão moral, os princípios cristãos, a luta do bem contra o mal – e, possivelmente por serem
minoritárias e precisarem de apoio recíproco.
Neoliberalismo, punição e família se entrelaçam na Câmara dos Deputados. Se entrelaçam,
em parte, porque os protagonistas da ação pró-família e neoconservadora criminal de regra
encamparam agendas que são verdadeiras expressões contemporâneas do Consenso de
Washington. Mas se entrelaçam também pela mentalidade que informa as visões.
Para os neoconservadores, o melhor programa contra a pobreza é uma família estável. O
modelo de Estado defendido pelos neoconservadores é o corporativo: moldado pela Igreja,
comprometido com a família tradicional (Esping-Andersen, 1991). Na falha da família e do
mercado, dentre os tratamentos dados às patologias da pobreza, há o bem-estar promovido por
202

políticas públicas ou o direito penal; opta-se, nessa cosmovisão, pelo segundo. O neoliberalismo é
punitivo (Davies, 2016), tratando com o rigor criminal os efeitos de políticas de austeridade.
A simbiose entre neoliberalismo e neoconservadorismo é aparentemente paradoxal
(Himmelstein, 1983). Mas se explica. O neoliberalismo demanda formas de solidariedade que não
ameacem a competição e que sejam não-classistas (Harvey, 2005; Noble, 2007). A família não
ameaça a competição. A doutrina individualista do pentecostalismo não ameaça a competição. Pelo
contrário, a estimula. Falas de parlamentares evangélicos enfatizam que a livre iniciativa e o
empreendedorismo são dons de Deus. Além disso, o neoconservadorismo em parte é uma resposta
à erosão da moralidade no capitalismo (Brown, 2006; Drury, 1999); trata-se de um preenchimento
do vazio político com valores morais rígidos, com a vantagem de serem esses valores opostos ao
comunismo/bem-estar e à distribuição de renda. Ou, nas palavras de (Biroli, 2017), engendra um
moralismo compensatório pela perda de qualidade de vida a que políticas neoliberais levam.
Os neoconservadores brasileiros apoiaram em maioria e desproporcionalmente as medidas
neoliberais votadas pelo Plenário da Câmara, significando associação entre as variáveis “bancada”
e “voto” em relação ao regime de exploração do pré-sal e ao Novo Regime Fiscal. Há, porém, duas
peculiaridades no neoconservadorismo neoliberal brasileiro.
A primeira é que a adesão à reforma trabalhista, que afeta direta e imediatamente o
patrimônio jurídico e econômico de parcela expressiva da população, se deu, por parte dos
protagonistas neoconservadores e dos evangélicos, na mesma proporção do Plenário em geral.
Além disso há uma disjunção entre discurso e voto – dificilmente as privatizações são defendidas
em seus próprios termos, e as políticas de austeridade são tratadas em geral como garantidoras de
direitos. Isso se deve, provavelmente, aos neoconservadores no Brasil, de um lado, defenderem
valores pró-mercado, mas, de outro, terem sua sustentação política vinda de setores empobrecidos
que precisam de proteção estatal. Resulta da adoção de um pacote neoliberal em um país de
periferia.
O neoconservadorismo é conservador porque procura preservar a ordem social em um
contexto específico de ameaça. Nos Estados Unidos, essas ameaças eram as provenientes das
políticas de bem-estar social, que reduziam a desigualdade, e também dos movimentos LGBT e
feminista, cujas pautas passam a ser recebidas pelo poder público. No Brasil as coisas não se
passam exatamente dessa maneira.
203

A ação neoconservadora, entendida como aquela que tem seu foco principal nas questões
reprodutivas e sobre a sexualidade, nasce em reação aos avanços feministas e LGBT perante
poderes instituídos, como vimos. Uma ação com essa temática existe no parlamento brasileiro
desde a Assembleia Nacional Constituinte, mas passa a crescer mais significativamente em 2007 e
a partir de 2015 se consolida.
A reação a um Estado minimamente desenvolvimentista existe também, e ganha força
legislativa a partir de 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff. Mas não é impulsionada pelo
grupo neoconservador. O grupo neoconservador apenas adere a essa reação, em forma de apoio na
disputa discursiva e em votos. A reação contra o Estado de bem-estar e a reação antifeminista são
as duas principais faces do neoconservadorismo (Petchesky, 1981). Isso se confirma no Brasil, mas
de forma progressiva e não instantânea.
A moldura ideológica neoconservadora se complementa com dois aspectos de política
externa. Um deles, de luta contra o comunismo. O outro, de apoio à causa sionista.
Nos EUA, chega-se em falar em “sionistas cristãos” (Mearsheimer e Walt, 2007), que são
os mais importantes defensores do Estado de Israel naquele país. A parceria se dá principalmente
por razões ideológicas – ambos veem a religião como cimento da sociedade (Drury, 1999) – e
religiosas, dentro da concepção bíblica de que o fim dos tempos ocorreria com a retomada de Israel
pelos judeus (Diamond, 1989).
No Brasil, o grupo político mais organizado no parlamento em defesa da causa sionista são
os evangélicos (Gonçalves, 2017). Os protagonistas mais ativos da ação neoconservadora são
ativos na defesa da Israel. Emblemático foi o fato de Eduardo Cunha, assembleiano, presidente da
Câmara, ter visitado Israel em sua primeira missão oficial; e ainda Bolsonaro, católico, ter sido
batizado pelo Pastor Everaldo nas águas do Rio Jordão por ocasião do 68º aniversário da
independência israelense.
Já a luta contra o comunismo tem peculiaridades no Brasil. Nos Estados Unidos, essa
agenda da política externa reaganista, no contexto da Guerra Fria, tinha dois vetores principais: o
primeiro, de busca de os EUA serem a potência hegemônica no âmbito internacional; o segundo,
de consolidação do capitalismo como o modo de produção vigente no mundo.
Hoje, décadas após a queda do Muro de Berlim, não há mais a URSS a ser combatida. Mas,
no Brasil, a agenda é a de combate ao “socialismo do século XXI”, ou ao bolivarianismo, ou a
Cuba. Todos os protagonistas mais ativos da ação neoconservadora se opuseram a alguma versão
204

desses elementos, seja por razões econômicas, seja por razões ideológicas, seja em nome do
comunismo. Mas, no Brasil, isso não se dá, como nos EUA, com vistas a projeção de poder. O
Brasil, país de periferia, se aproxima mais a uma posição de integração hemisférica do que a uma
estratégia internacional autonomista ao desprestigiar alianças com vizinhos (Guimarães, 2008;
Lima, 2005). Por isso o Brasil tem um conservadorismo subalterno.
Os protagonistas da ação neoconservadora no Brasil são em sua maioria evangélicos – ainda
assim, com participação católica relevante. Dentre os evangélicos, a presença maior é da
Assembleia de Deus. No universo pulverizado de denominações evangélicas – pelo menos 18, na
55ª Legislatura –, a AD é a que tem maior quantidade de membros, e sua participação na ação
neoconservadora é proporcional a seu tamanho.
Nos Estados Unidos as AD são tidas como particularmente conservadoras (Rolim, 1985).
A Assembleia de Deus é a mais antiga denominação pentecostal presente no Brasil, desde o início
do século XX. Trata-se de uma igreja norte-americana, com permanente influência da sede perante
suas filiais no Brasil, e permanente intercâmbio entre religiosos de lá e cá (Araujo, 2014; Correa,
2013; Daniel, 2004; Mauricio Junior, 2014; Stoll, 1990). Existem, portanto, vasos comunicantes
que podem explicar a importação, para o Brasil, de uma ideologia neoconservadora.
Na verdade, desde a ofensiva de Reagan em relação à América Latina no período da Guerra
Fria, tendo para isso as missões evangélicas como comissão de frente, foram financiadas, no Brasil,
a construção de rádios cristãs, uma escola de treinamento técnico de radiodifusões (Diamond,
1989). Além disso, editoras norte-americanas instaladas no Brasil desde a década de 1960
associavam o comunismo e a União Soviética com forças diabólicas confirmadas pelas profecias
bíblicas (Santos, 2005). Essa estratégia evangélica na formação da opinião visava sobretudo a
contrapor a Teologia da Libertação e a formular uma ideologia moral de livre mercado (Grandin,
2006). Tanto que a mentalidade norte-americana influenciou a postura evangélica de apoio à
ditadura militar, vista como um elemento de combate ao comunismo ateu (Chesnut, 1997) e que,
já em relação à atuação pentecostal na Assembleia Constituinte e as eleições de 1989 Pierucci
(1989; 1987) e Chesnut (1997) identificavam características da New Chistian Right e da direita
neoconservadora no Brasil.
A questão é: como um movimento religioso presente no Brasil desde o início do século XX
passa a refletir, na segunda década do século XXI, um ideário surgido nos Estados Unidos na
205

década de 1970? Por que esse ideário que já se manifestava na política durante a ditadura militar e
desde a redemocratização só aparece com força contemporaneamente?
Esta tese não se propõe a responder essa pergunta. A tese se propunha a responder se existe
um movimento neoconservador, quais os argumentos usados e quais seus protagonistas, sobre o
que já se falou acima. Mas a resposta para as questões remanescentes provavelmente reside em
dois fatores. Um deles é o crescimento da bancada evangélica no Congresso a partir de 2003 – o
que, por sua vez, se explica por fatores sociológicos que não serão comentados aqui. O segundo, e
mais relevante, é a dinâmica de reação, tratada amplamente.
Os movimentos LGBT e feminista já existiam, mas quando passam a ter suas reivindicações
recolhidas pelas instituições públicas é acionado o alerta de que a família e os valores morais
religiosos precisam ser defendidos. Trata-se da dinâmica própria de um movimento conservador:
preservar o status quo frente a uma ameaça concreta de mudança. E essa defesa da família e dos
valores religiosos é associada a outras pautas: a da criminalidade, do neoliberalismo, do
bolivarianismo e de Israel, como já explicado.
Antes da formação da coalizão conservadora, nos EUA, a nova direita secular já tinha como
bandeiras essenciais o militarismo anticomunista, o tradicionalismo moral e o libertarismo
econômico. Essa direita passou a alimentar a direita cristã por conta de seu poder eleitoral, de sua
capilaridade e de sua propensão à luta contra o comunismo e contra a intervenção do Estado pelo
bem-estar social, além de seu engajamento por valores religiosos (Diamond, 1995).
Algo parecido ocorre no Brasil. Setores do mercado financeiro passaram a contar com os
evangélicos para a aprovação de suas pautas centrais, devido à sua propensão em adesão à agenda
e também ao poder eleitoral crescente desses religiosos e à consequente força no Congresso. Ilustra
essa aproximação o fato de o Ministro da Fazenda de Temer, considerado o grande patrono das
medidas pró-mercado desse governo, ter participado da comemoração dos 106 anos da Assembleia
de Deus, no Pará, onde foi fundada no Brasil. Ele, na oportunidade, à imprensa local, defendeu as
reformas trabalhista e da previdência (Online, 2017). Meirelles usou uma linguagem religiosa na
ocasião. Pediu “oração pela retomada dos empregos no Brasil em vídeo enviado à Assembleia de
Deus”. Ele chegou a afirmar que se sentiria muito à vontade para conversar com aqueles fieis,
porque, em suas palavras, “temos os mesmos valores, que são valores da lei de Deus e dos homens
visando crescer, visando colaborar com o País” (Terra, 2017).
206

A pauta central dos evangélicos – sua agenda contra o feminismo e as reivindicações LGBT
– não passou, ainda, de comissões, embora tenham influenciado para o recuo dos governos petistas
em medidas de governo que atenderiam esses setores. Uma das propostas criminais
neoconservadoras que os religiosos protagonizaram foi aprovada pelo Plenário: o agravamento da
sanção para o homicídio de policiais, porque defendida prioritariamente pela bancada da segurança.
O apoio ao sionismo e a luta contra o bolivarianismo não tem maiores consequências legislativas;
trata-se de disputa de opinião. Mas a agenda neoliberal foi aprovada, porque promovida por
interesses do mercado financeiro, sustentada pelo governo e com apoio religioso.
Existe, na Câmara dos Deputados brasileira, uma articulação neoconservadora nos moldes
existentes nos Estados Unidos, mas com especificidades. Trata-se de um neoconservadorismo
periférico, subalterno e tardio. Não se trata, aqui, da maior força política. Mas se trata de uma força
política relevante, com capacidade de influência e com poder crescente.
207

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218

APÊNDICE

Esta tese se vale, nos Capítulos III e V, de tabelas de contingência para examinar a inter-
relação entre variáveis quantitativas (Silva e Ribeiro, 2015:24-30). Busca-se, com isso, identificar
em que medida as variáveis são associadas e em que medida são independentes.
Para explicar como funciona, um exemplo: a investigação da inter-relação entre a votação
em determinada matéria (votação i) e pertencimento a uma bancada temática (bancada j.
Em primeiro lugar verificam-se as frequências observadas (nij), ou seja, quantas ocorrências
se verifica em cada caso:

Tabela 1 – Frequências observadas

B: variável coluna (j)


Total da variável
A: variável linha (i) 1 2
linha
1 n11 n12 n1+
2 n21 n22 n2+
Total da variável coluna n+1 n+2 n++

nij = frequência conjunta da categoria i da variável linha A e da categoria j da variável


coluna B.

No exemplo, tem-se quantos indivíduos da bancada j votaram “sim” e “não”, e quantos não-
membros da bancada j votaram “sim” e “não”.

Tabela 2 – Frequências observadas, no exemplo da votação i e o pertencimento à bancada


j

Pertencimento à bancada j
Total da variável
Votação i Sim Não
linha
“Sim” 65 250 315
“Não” 4 100 104
Total da variável coluna 69 350 419
219

Ou seja, dos membros da bancada j, 65 votaram “sim” e 4 votaram “não”; no plenário em


geral, 315 votaram sim e 104 votaram não, num total de 419 deputados votantes na sessão.
Em segundo lugar, calcula-se qual seria o contra factual, ou seja, a frequência esperada (Fij)
caso as duas variáveis fossem totalmente independentes.

Fij = n+ij * ni+ / n++

O contra factual seria a correspondência exata entre a proporção de votos do plenário e da


bancada j. No exemplo ocorreria se 75% da bancada j tivesse votado “sim”, já que 75% do plenário
como um todo votou “sim”. As variáveis seriam, nesse caso, totalmente independentes.
Na sequência, elabora-se a tabela de contingência, que mostra a relação entre as frequências
esperadas caso não houvesse qualquer associação, e as frequências efetivamente observadas.

Contingência = nij / Fij

Tabela 3 – Tabela de contingência da razão entre frequências observadas e frequências


esperadas do pertencimento à bancada j e da posição na votação i

Pertence à bancada j Não pertence à bancada j


Voto “sim” na votação i 133% 95%
Voto “não” na votação i 23% 115%

Quando maior a discrepância entre as frequências encontradas e as esperadas, maior a


influência negativa ou positiva do pertencimento da bancada j na votação i. No exemplo, há uma
discrepância significativa entre o contra factual de votos “não” da bancada j e o observado de votos
“não” da bancada j. Os membros da bancada j deram desproporcionalmente votos negativos à
matéria. Quando maior a discrepância, maior a associação entre as variáveis.
Como dito, as tabelas de contingência mostram se existe associação entre variáveis ou se
as variáveis são independentes. Quanto mais os índices de aproximarem de 100%, menor a
associação entre as variáveis. Quanto mais se distanciarem, para mais ou para menos, maior a
associação entre as variáveis.
220

SILVA, Nelson do Valle e RIBEIRO, Carlos Antonio Costa. 2015. "Introdução à Análise de Dados
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